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- 1 - UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO UNIRIO Programa de Pós-Graduação Em Memória Social RENATA RIBEIRO GOMES DE QUEIROZ SOARES EM TERRITÓRIOS DO PATRIMÔNIO CINEMATOGRÁFICO: CINEMA, MEMÓRIA E PATRIMONIALIZAÇÃO RIO DE JANEIRO 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

UNIRIO

Programa de Pós-Graduação Em Memória Social

RENATA RIBEIRO GOMES DE QUEIROZ SOARES

EM TERRITÓRIOS DO PATRIMÔNIO CINEMATOGRÁFICO: CINEMA, MEMÓRIA E PATRIMONIALIZAÇÃO

RIO DE JANEIRO

2014

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RENATA RIBEIRO GOMES DE QUEIROZ SOARES

EM TERRITÓRIOS DO PATRIMÔNIO CINEMATOGRÁFICO:

CINEMA, MEMÓRIA E PATRIMONIALIZAÇÃO

Tese de doutorado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em Memória

Social do Centro de Ciências Humanas e

Sociais da Universidade Federal do Estado

do Rio de Janeiro (UNIRIO), como parte

das exigências para a obtenção do título de

Doutora em Memória Social.

Orientadora: Profª Drª Regina Maria do Rego Monteiro de Abreu

Rio de Janeiro

Março/2014

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Banca Examinadora:

Rio de Janeiro, _____/_____/_____.

________________________________________________________________

Profª Drª Regina Maria do Rego Monteiro de Abreu (Orientadora) – UNIRIO

_________________________________________________________________

Prfº Dr. Amir Geiger – UNIRIO

__________________________________________________________________

Profª Drª Analice de Oliveira Martins – IFF / UENF

__________________________________________________________________

Prof. Dr. Manuel Ferreira Lima Filho – UFG

__________________________________________________________________

Profª Drª. Maria Cecília Londres Fonseca – IPHAN

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Para minha inesquecível amiga Rita Maia (in memoriam),

com muita e indescritível saudade.

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AGRADECIMENTOS

Sempre há muito que agradecer quando se cumpre uma etapa acadêmica como esta. Sei

que não cheguei sozinha até aqui. Devo agradecimentos ...

À Profª Regina Abreu, pela orientação segura e atenta, o diálogo e o incentivo, sem os

quais este trabalho não teria se concretizado.

Aos membros da Banca, Amir Geiger, Analice de Oliveira Martins, Manuel Ferreira

Lima Filho, Maria Cecília Londres Fonseca e Vera Lucia Doyle Louzada de Mattos

Dodebei.

A meus entrevistados – Aristides Arthur Soffiati, Carlos Augusto Calil, Carlos Roberto

de Souza, Fernanda Guimarães, Hernani Heffner, João Luiz Vieira, Raphael de Luna

Freire e Ray Edmondson – pela generosidade em compartilhar informações que foram

fundamentais para o desenvolvimento desta pesquisa.

Agradeço, em especial reconhecimento, a Hernani Heffner que, gentil e generosamente,

me concedeu duas longas entrevistas. Agradeço também pela interlocução clara e

objetiva durante encontros informais que ajudaram a esclarecer dúvidas e encaminhar

algumas questões formais.

Agradeço, especialmente também, a Carlos Roberto de Souza, pela leitura cuidadosa do

Capítulo 4 e pelas considerações feitas.

Às instituições que me receberam para pesquisa: Cinemateca do MAM – RJ,

Cinemateca Brasileira, Museu Lasar Segall.

A Fabrício Felice, pela atenção dispensada durante todas as minhas visitas à Cinemateca

do MAM.

A meus amigos da COLINCO, no Instituto Federal Fluminense, agradeço por terem

coberto minhas aulas durante todo o período em que estive afastada da sala de aula.

À Kátia Maria Miranda pela leitura atenta.

À Edinalda Maria Almeida pelo olhar crítico.

À Edméa Dias e Hélvia Bastos pelas sugestões nas traduções.

À Silvia Franchini pelas conversas, dicas e agradável companhia durante o Congresso

da FIAF, em Barcelona.

A meu marido Kid, pelo incansável incentivo dado durante toda a minha trajetória

acadêmica.

Aos meus filhos, José Heitor, Sophia e Olga, por terem torcido e vibrado por mim e

pelas minhas conquistas.

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Uma prece

A Deus,

lume-guia do meu caminho.

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[...] ninguém mais contesta seriamente que o cinema seja arte. Será então presunçoso

pensar que existam, na história do cinema, uns cinquenta filmes tão preciosos quanto a

Ilíada, o Parthenon, a Capela Sistina, a Monalisa ou a Nona sinfonia, e cuja destruição

empobreceria da mesma forma o patrimônio artístico e cultural da humanidade?

(Marcel Martin)

A indústria cinematográfica no Brasil, se não for amada, não revelará sua mensagem, e

se nós não amarmos nossa indústria, ninguém o fará por nós.

(Paulo Emilio Sales Gomes)

(…)when a cultural patrimony is lost, no matter how small or supposedly “marginal”

the country might be, we are all poorer for it.

(World Cinema Foundation)

Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.

Em cofre não se guarda coisa alguma.

Em cofre perde-se a coisa à vista.

Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por

admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.

(Antônio Cícero)

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RESUMO

Esta pesquisa tem por objetivo principal refletir sobre o conceito de patrimônio

cinematográfico e as questões referentes a este patrimônio, especialmente no Brasil.

Para isso, primeiramente, apresenta-se um mapeamento do campo do patrimônio

cinematográfico, seus agentes, suas inquietações e questões para entender quando, por

que meios e com quais atores surgiu a ideia de que os filmes são artefatos que guardam

valores de caráter artístico, histórico e documental e, por isso, compõem um tipo de

patrimônio que deve ser preservado para as gerações futuras. A seguir, faz-se um

levantamento da importância das ações da UNESCO para o reconhecimento e

preservação deste patrimônio em âmbito internacional, por meio, principalmente, da

Recomendação para a Salvaguarda e Proteção das Imagens em Movimento e do

programa Memória do Mundo. Finalmente, a sistematização do conjunto de entrevistas

realizadas, durante o desenvolvimento do trabalho, com pesquisadores e especialistas na

área, propõe uma ampla discussão sobre o conceito, os agentes, as características, as

perspectivas, os problemas e os desafios para a preservação do patrimônio

cinematográfico.

Palavras-chave: Cinema. Memória. Patrimônio Cinematográfico. Programa Memória

do Mundo. UNESCO.

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ABSTRACT

The main object of this work is to reflect on the concept of cinema heritage and the

issues referring to this kind of heritage, especially in Brazil. In this sense, it first

presents an overview of the cinema heritage field, its agents, its concerns and questions

to understand when, how and who brought up the notion that films are artifacts which

hold artistic, historical and documental value being, therefore, a kind of heritage to be

preserved for future generations. This is followed by a study of the role of UNESCO in

the appreciation and preservation of this heritage in the international scenario, mainly,

by means of the Recommendation for the Safeguarding and Preservation of Moving

Images and the Memory of the World program. Finally, the systematization of the

interviews conducted during the development of this study, with researchers and

specialists in the area, proposes a wide discussion about the concept, the agents, the

characteristics, the problems and challenges for the preservation of cinema heritage.

Key-words: Cinema. Memory. Cinema Heritage. Memory of the World Program.

UNESCO.

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SUMÁRIO

1- INTRODUÇÃO.........................................................................................................12

2- EXPLORANDO O CAMPO DO PATRIMÔNIO CINEMATOGRÁFICO.......23

2.1- Acompanhando o movimento: um percurso etnográfico....................................24

2.1.1- Patrimônio cinematográfico: algumas abordagens....................................25

-Arquivos de filmes...................................................................................26

- Preservação..............................................................................................35

- Políticas públicas.....................................................................................41

2.1.2- Patrimônio cinematográfico: em busca de uma abordagem própria.........46

- Cinema Patrimônio: CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto.........47

- Congresso da FIAF: um evento internacional de arquivos de

filmes........................................................................................................52

- Aprofundando e desenvolvendo a pesquisa............................................61

3- A UNESCO E A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO

CINEMATOGRÁFICO................................................................................................66

3.1- Ações da UNESCO para a preservação do patrimônio cinematográfico...........67

- Recomendação para a salvaguarda e proteção das imagens em movimento..67

- Outras ações da UNESCO................................................................................77

3.2- Programa Memória do Mundo: a UNESCO e a universalização do patrimônio

cultural......................................................................................................................84

3.3-Uma lista de Patrimônio Cinematográfico Nacional?........................................88

3.4- O cinema e a “Memória do Mundo”: o patrimônio cinematográfico

registrado................................................................................................................100

3.5- O caso Limite....................................................................................................107

4- CONVERSANDO SOBRE PATRIMÔNIO CINEMATOGRÁFICO..............113

4.1- Meus entrevistados...........................................................................................114

4.2- Sobre o conceito de patrimônio cinematográfico.............................................118

4.3- O discurso que diz sim à preservação e não à patrimonialização dos bens

cinematográficos.......................................................................................................134

4.4- Guardar tudo?...................................................................................................143

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4.5- Os agentes envolvidos nos processos de patrimonialização e preservação dos

bens cinematográficos............................................................................................151

4.6- Características do patrimônio cinematográfico...............................................160

4.7-Problemas e desafios para a preservação do patrimônio

cinematográfico.........................................................................................................168

5- CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................184

6- BIBLIOGRAFIA....................................................................................................193

7- WEBGRAFIA..........................................................................................................197

8- ANEXOS..................................................................................................................200

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1- INTRODUÇÃO

Monumentos, prédios de valor arquitetônico, objetos de diferentes etnias,

línguas faladas por um povo, festas, rituais, modos de fazer, obras de arte, paisagens,

documentos, recursos genéticos, fotografias, imagens em movimento... Parece não

haver limite para a lista do que pode ser patrimonializado e compor o patrimônio de um

povo, de uma nação, do mundo. Essa pluralidade de componentes vai se agrupar sob

múltiplas denominações: patrimônio material, imaterial, tangível, intangível, artístico,

oral, histórico, cultural, etnográfico, cinematográfico, audiovisual, natural, genético,

mundial, digital 1, etc. É nesse contexto que José Reginaldo Gonçalves afirma que a

palavra “patrimônio” está entre as mais usadas no nosso cotidiano. Para ele, “parece não

haver limite para o processo de qualificação dessa palavra” 2.

A ideia de que um determinado objeto, modo de fazer ou qualquer tipo de

manifestação cultural deve ser patrimonializado não se dá repentinamente. Na verdade,

a patrimonialização é o ápice de todo um processo que tem início, em muitos casos,

com o colecionamento, em virtude da identificação, e o posterior reconhecimento de um

valor pertencente àquilo que deverá ser tomado como um bem a ser preservado para

gerações futuras. Esse processo é demorado e precisa, ao longo de sua evolução, contar

com o envolvimento de diferentes segmentos da sociedade para que se desenrole de

forma bem sucedida.

Os processos de patrimonialização são muitos e variados em todas as

sociedades. No Brasil, embora a ideia de patrimônio já existisse no século XIX,

somente em meados da década de 1920 é que começa, efetivamente, a haver uma

preocupação em preservar o passado. E essa preocupação é expressa por um discurso

que aponta a necessidade de se salvarem os tesouros da arte colonial, de conscientizar

os brasileiros sobre o valor do passado e de se empenhar na construção da identidade da

nação brasileira. Desse modo, uma relação muito particular entre os processos de

construção dos Estados-nações e os processos de patrimonialização pode ser observada,

na sociedade ocidental moderna, de uma maneira geral. Ou seja, os processos de

patrimonialização no Ocidente moderno estão relacionados à construção da ideia de

nação. Prédios, monumentos, lugares e mais recentemente ritos, festas, saberes passam a

1 Sobre patrimônio digital ler o texto “Digital virtual: patrimônio no século XXI”, de Vera Dodebei. IN:

DODEBEI, Vera & ABREU, Regina (orgs.). E o patrimônio? Rio de Janeiro: Contra Capa/ Programa de

Pós-Graduação em Memória Social da UNIRIO, 2008 2 GONÇALVES, 2009, p. 25

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representar a nação. Para isso, era preciso definir políticas de patrimônio e se criarem

órgãos que cuidassem desse patrimônio. Conforme atesta Oliveira 3, as primeiras

iniciativas ligadas à questão, em meados da década de 1920, no Brasil, fazem referência

ao patrimônio arquitetônico e, em particular, aos monumentos históricos em Minas

Gerais, na Bahia e em Pernambuco. A partir da década seguinte, é que se começa a falar

em bens imóveis e, em 1937, o Decreto-Lei 25 organiza a proteção do Patrimônio

Histórico e Artístico Nacional cujo anteprojeto, elaborado por Mário de Andrade no ano

anterior, já trazia a proposta, que não foi contemplada, de incluir no patrimônio

brasileiro o folclore, a culinária, a medicina, cantos, tudo o que viria a ser abrigado,

posteriormente, sob a categoria de patrimônio imaterial. Na Constituição Federal de

1988, a denominação “Patrimônio Histórico e Artístico Nacional”, existente desde

1937, foi substituída por “Patrimônio Cultural Brasileiro”, no Artigo 216 4. A nova

denominação, de caráter mais abrangente, ampliou o conceito de patrimônio e

possibilitou a inclusão de modos de expressão da cultura popular e dos “Bens Culturais

de Natureza Imaterial” cujo direito de registro foi instituído com o Decreto 3.551, de 4

de agosto de 2000. A Constituição brasileira também assegura, no Artigo 225, do

Capítulo VI, a preservação da diversidade e a integridade do patrimônio genético do

país e determina como patrimônio nacional a Floresta Amazônica brasileira, a Mata

Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira5.

Conforme afirma Mário Chagas, a noção de posse e um desejo preservacionista

são encontrados “na raiz do patrimônio e do museu” 6. A transferência de posse só pode

ser feita pelos que se consideram possuidores de um bem merecedor – em função de

suas significações e funções – de ser transferido e conservado em épocas e sociedades

futuras. Desse modo, para Chagas 7, a ação preservacionista está atrelada,

principalmente, a duas questões que devem ser estabelecidas conjuntamente: valor e

perigo. “Sem a identificação de um valor qualquer (mágico, econômico, histórico,

científico, afetivo ou cognitivo), a preservação não será deflagrada, ainda que haja o

perigo de destruição” 8. Para além dessas questões, há outras apontadas pelo autor: 1) a

3 OLIVEIRA, 2008, p. 115.

4 http://www.fundabrinq.org.br/_Abrinq/documents/publicacoes/Con1988br.pdf.

5 A antropóloga Regina Abreu traz mais informações sobre o assunto em seu texto “A emergência do

patrimônio genético e a nova configuração do campo do patrimônio”. IN: ABREU, Regina; CHAGAS,

Mário (orgs.). Memória e patrimônio: ensaios contemporâneos. Rio de Janeiro: Lamparina, 2009.

6 CHAGAS, 2009, p.34.

7 id., ibid.

8 id., ibid., p. 36.

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“preservação (...) está impregnada de subjetividade” 9 que, às vezes, vem oculta sob um

discurso dito objetivo ou científico, 2) em nome dela e de uma hierarquia de valores

designada politicamente, configura-se de maneira (quase) impiedosa a existência de

“patrimônios inúteis da humanidade” e, por isso, passíveis de “destruição” 10

e 3) a

preservação das obras não assegura a manutenção das funções sociais das mesmas,

especialmente quando o interesse privado se sobrepõe ao interesse público, como é o

caso das coleções particulares.

Nesse contexto, observa-se que a constituição e preservação do patrimônio são

permeadas por questões políticas e éticas, por interesses públicos e privados, por

conflitos e disputas que colocam em jogo lembrança e esquecimento, as duas faces da

memória. Essas questões, interesses e conflitos instalam-se nos museus que passam a

configurar um espaço disputado na luta das forças sociais pelo poder. Segundo Le Goff,

tornar-se senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes

preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram

e dominam as sociedades históricas. Os esquecimentos e os silêncios

da história são reveladores destes mecanismos de manipulação da

memória coletiva. 11

O poder da rememoração já era reconhecido na Grécia arcaica onde podem ser

encontrados documentos de natureza religiosa que dizem respeito à divinização da

memória e ao mito de Mnemosine, a deusa grega da memória que iluminava os aedos

“sobre tudo que foi, tudo que é, tudo que será” 12

. No mundo contemporâneo, distante

dos relatos e explicações míticas, o direito de memória não é mais concedido pela deusa

grega Mnemosine, nem é exclusivo dos poetas. Seu valor, no entanto, continua

inquestionável.

Dentro das paredes de um museu, o patrimônio e, consequentemente, a

memória a ele vinculada mantiveram-se, inicialmente, sob a guarda do poder público

que criou políticas públicas de patrimônio e instituições do campo da memória para

identificar, documentar, restaurar, conservar, preservar e fiscalizar bens de natureza

material e, posteriormente, os de natureza imaterial, segundo critérios que, por muito

tempo, em função de determinadas concepções históricas, acabavam por representar,

quase que exclusivamente, as classes que desfrutavam de privilégios sociais. Esses

9 id., ibid.

10 id., ibid., p.37.

11 LE GOFF, 2003, p. 422.

12 VERNANT, 1990, p. 138.

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critérios conferiam aos museus e ao patrimônio por eles abrigado um caráter

considerado, muitas vezes, elitista e conservador. A memória nos museus fazia

referência, principalmente, à memória de uma parte da sociedade, normalmente

identificada com os valores e a tradição europeia. Era uma memória construída sob o

prisma de uma parte da sociedade considerada privilegiada. Os tombamentos feitos

nesta época refletiam, na verdade, o desejo de formar um patrimônio que incluísse

elementos do passado capazes de expressar as singularidades da nação. Segundo a

antropóloga Regina Abreu,

fazendo um esforço de síntese, podemos apresentar a trajetória dos

processos de patrimonialização em três grandes momentos. No

primeiro, que vai do século XIX à primeira metade do século XX, os

processos de patrimonialização fundamentavam-se na reconstrução do

passado (História) ou na busca e valorização de uma arte nacional. No

segundo, cujo marco fundamental foi a criação da UNESCO nos anos

1940, uma nova e importante variável é absorvida pelos processos de

patrimonialização: o conceito antropológico de cultura. [...] O terceiro

momento, tem início no final dos anos oitenta, particularmente com o

lançamento pela UNESCO da Recomendação de Salvaguarda das

Culturas Tradicionais e Populares em 1989, quando as políticas

preservacionistas passam a ser normatizadas por fóruns internacionais,

com a predominância da UNESCO, estimulando uma dinâmica

globalizada de identificação, proteção, difusão e circulação de valores

e signos patrimoniais. 13

No Brasil, com o crescimento dos movimentos sociais e, fundamentalmente,

com a conquista das liberdades democráticas, a partir dos anos 80, novas experiências

em processos de patrimonialização foram colocadas em marcha, entre elas, museus

sociais ou comunitários e a política do patrimônio nacional imaterial. Nestas, vem

ocorrendo significativa participação de diferentes segmentos sociais, ampliando-se o

alcance das patrimonializações e das ações voltadas para a construção da memória

social.

Em âmbito internacional, o programa Memória do Mundo, lançado pela

UNESCO em 1992, indicou e reforçou a necessidade de se trabalhar para aumentar a

responsabilidade quanto ao patrimônio documental, “alertar governos, público em geral,

setores industriais e comerciais da necessidade de preservação e de arrecadar

13

ABREU, Regina. “A Patrimonialização das diferenças e os novos sujeitos de direito coletivo no Brasil”

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recursos.”14 Desse modo, dois objetivos principais foram estabelecidos neste programa:

1) promover a preservação adequada e 2) facilitar o acesso universal a esse patrimônio.

Nesse sentido, em setembro de 2004, foi criado pelo Ministério da Cultura,

para este programa, o Comitê Nacional do Brasil que, desde 2007, recebe e avalia, por

meio de edital, candidaturas de entidades públicas e privadas, bem como de pessoas

físicas que possuam documentos que podem ser considerados de valor inquestionável

para a memória coletiva da sociedade brasileira. Este comitê é integrado por um

representante do Brasil no Comitê Regional da América Latina e Caribe e pelas

seguintes instituições e segmentos: 1) Arquivo Nacional, 2) Comissão Nacional da

UNESCO - IBECC/MRE, 3) Conselho Nacional de Arquivos – CONARQ, 4) Fundação

Biblioteca Nacional, 5) Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN,

6) Ministério da Cultura, 7) Arquivos audiovisuais, 8) Arquivos eclesiásticos, 9)

Arquivos militares, 10) Arquivos municipais / estaduais, 11) Arquivos privados, 12)

Associações de ensino e pesquisa.15

Todas as nominações feitas por este comitê podem

ser acessadas na página do Arquivo Nacional em

http://www.arquivonacional.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start. htm? infoid=837&sid=91.

Considerando-se o contexto atual, portanto, pode ser observada uma urgência

cada vez maior de recuperar, registrar, conservar, resguardar, salvaguardar, o que

Panofsky denomina o “cosmo da cultura”. O autor assegura que o ser humano é o único

animal que deixa registros ao longo de sua existência, pois é o único “cujos produtos

‘chamam à mente’ uma ideia que se distingue da existência material destes” 16

. Esses

registros humanos, transformados em fontes de estudo e identificados em relação ao

tempo e ao espaço em que foram produzidos, compõem e permitem (re)construir modos

de viver, agir e comportar-se das sociedades a que pertencem e, por conseguinte,

contribuem para a elaboração da memória social de um povo, de uma etnia, de um

grupo, de uma nação. Para citar uma expressão proposta por Hewison17

, a “indústria do

patrimônio cultural” desenvolve-se a todo vapor, especialmente em uma época que,

paradoxalmente, está pautada no descartável, no fugaz, no transitório.

14

Programa Memória do Mundo, p. 5. Disponível em

http://www.unesco.org.uy/ci/fileadmin/comunicacion-informacion/mdm.pdf.

15

Para mais informações acessar:

http://www.portalan.arquivonacional.gov.br/Media/Portaria%20259%20de%202004.pdf. 16

PANOFSKY, 2009, p.23. 17

HEWISON, 1987, apud MENESES, 1999, p. 12.

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Nesse sentido, pode-se afirmar que o conceito de patrimônio tem se ampliado e

flexibilizado, adquirido muitas faces, tornando-se mais complexo e merecendo

constantes revisões. Assim, seu estudo pode estar ligado a questões pertinentes a áreas

distintas, tais como: Memória Social, Antropologia, Arte, História, Sociologia,

Museologia e Arquivologia, por exemplo. 18

Este trabalho, produto de pesquisa realizada durante o curso de pós-graduação

em Memória Social e inserido na linha de pesquisa “Memória e patrimônio”, aborda

questões referentes ao patrimônio cinematográfico e à relação existente entre cinema e

memória.

Considerado um dos mais frágeis e vulneráveis à ação do tempo, a parte mais

significativa do acervo cinematográfico – os filmes – está sob a guarda, principalmente,

das cinematecas. No Brasil, existem duas grandes cinematecas responsáveis pela maior

parte deste acervo: a Cinemateca Brasileira, em São Paulo e a Cinemateca do MAM, no

Rio de Janeiro. Algumas cinematecas menores – e nem por isso menos importantes –

além de outras instituições tradicionais na área de preservação, como o Arquivo

Nacional, completam o cenário dos espaços reconhecidos oficialmente onde estão

depositados, de filmes de ficção e documentário aos mais diferentes registros de

imagens em movimento, cartazes, documentos, livros, teses, roteiros, etc.

Mas quando, por que meios e com quais atores surgiu a ideia de que os filmes

são artefatos que guardam valores de caráter artístico, histórico e documental e, por isso,

compõem um tipo de patrimônio que deve ser preservado para as gerações futuras? Em

que momento da história, passou-se a se fazer referência ao cinema como patrimônio? É

possível preservar uma obra cinematográfica sem que esta sofra alterações? É possível

que uma obra cinematográfica seja patrimonializada, do mesmo modo que se faz com

um monumento ou uma escultura, por exemplo? Quais são e de que forma os órgãos

públicos têm atuado e contribuído, no sentido de garantir a preservação da produção

cinematográfica nacional?

Estas e outras questões ecoam, finalmente, no cenário acadêmico – que começa

a se interessar, se informar e se conscientizar de maneira mais sistemática sobre a real

situação da preservação da produção cinematográfica, ao longo de mais de um século de

18

No contexto da Antropologia, o Prof. Manuel Ferreira Lima Filho, em seu artigo “Da matéria ao

sujeito: inquietação patrimonial brasileira”, retoma “ideias e práticas que marcaram o saber e o fazer

inerentes ao tema do patrimônio cultural brasileiro.” Contudo, em sua análise procura “fugir não apenas

das explicações repetitivas, históricas e já desgastadas que permeiam a política denominada ‘de pedra e

cal’, mas também da moda do patrimônio imaterial como se fosse uma política redentora do patrimônio

brasileiro.”

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atividades – e têm resultado em trabalhos que trazem contribuições para questões que

vão, desde os procedimentos técnicos de preservação das películas a outras de cunho

histórico, ético e artístico. Nesse sentido, já são encontradas dissertações e teses

abordando o assunto sob diversas perspectivas e épocas. Em uma revisão bibliográfica,

podem ser destacadas as seguintes obras: “A Cinemateca do MAM e os cineclubes do

Rio de Janeiro: formação de uma cultura cinematográfica na cidade”, dissertação de

Mestrado defendida por Alice Pougy, na PUC - RJ, em 1996; “Cinematecas e

cineclubes: cinema e política no projeto da Cinemateca Brasileira” (1952-1973),

dissertação escrita por Fausto Douglas Correa Júnior e defendida na UNESP, em 2007;

“Gestão arquivística na era do cinema digital: formação de acervos de documentos

digitais provindos da prática cinematográfica”, tese de doutorado defendida por

Alessandro Ferreira Costa, na UFMG, em 2007; “Vulnerabilidade de películas

cinematográficas: manuseio, conservação, digitalização”, dissertação apresentada por

Alexandre Furst, na UFMG, em 2008; “A experiência brasileira na conservação de

arquivos audiovisuais: um estudo de caso”, defendida por Maria Fernanda Curado

Coelho, na USP, em 2009; “A Cinemateca Brasileira e a preservação de filmes no

Brasil”, tese de doutorado defendida por Carlos Roberto de Souza, também na USP, em

2009; “A preservação cinematográfica no Brasil e a construção de uma cinemateca na

Belacap: a Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro”, dissertação de

mestrado defendida por José Luis Quental na UFF, em Niterói, em 2010; “Entre grãos e

pixels, os dilemas éticos nas restaurações de filmes: o caso de Terra em Transe”,

dissertação escrita por Marco Dreer e defendida em 2011, na FGV, no Rio; “As ondas

de destruição: a efemeridade do artefato tecnológico e o desafio da preservação

audiovisual”, dissertação defendida por Silvia Ramos Gomes da Costa, na UNIRIO, em

2012; “Políticas para a preservação audiovisual no Brasil (1995-2010) ou: “para que

eles continuem vivos através de novos modos de vê-los”, tese de doutorado defendida

por Maria Laura Souza Alves Bezerra Lindner, na Universidade Federal da Bahia, em

2013.

Destaca-se, também, a inclusão de disciplinas como “Preservação, memória e

políticas de acervos audiovisuais” no curso de graduação em Cinema e Audiovisual da

UFF, em Niterói, como um importante fator de valorização do assunto. Implantada pelo

conservador da Cinemateca do MAM, Hernani Heffner, a disciplina, atualmente, é

ministrada pelo Professor Fabian Núñez.

É nesse contexto que este trabalho se insere e visa a contribuir.

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Desse modo, esta pesquisa tem como objetivo geral refletir criticamente sobre

o conceito de “patrimônio cinematográfico” e sobre as questões referentes a este

patrimônio, especialmente, no Brasil.

Para balizar este trabalho, estabeleci algumas questões que considero

fundamentais: O que é patrimônio cinematográfico e o que ele abrange? Quais são as

características deste patrimônio? Quem o determina? Que discursos o instituem? Qual o

seu impacto na construção da identidade do país? Por que é preciso salvar a produção

cinematográfica? Qual é, atualmente, a situação do patrimônio cinematográfico e das

cinematecas no Brasil? Quais são os critérios que estabelecem as prioridades nos

trabalhos de preservação? Qual é a relação entre cinema e memória?

Em fins do século XX, o termo “audiovisual” passou a ser empregado para

designar todas as imagens em movimento e sons gravados, de qualquer natureza. Esse

material, que começou a surgir no século XIX, ganhou corpo e crescente visibilidade

durante todo o século seguinte, especialmente após o advento da televisão. Embora a

produção fílmica possa estar compreendida nesta nomenclatura, esta pesquisa faz um

recorte e se propõe a estudar questões relativas ao patrimônio cinematográfico, não se

estendendo ao aprofundamento de outras formas audiovisuais.

O desenvolvimento deste trabalho acadêmico se deu por meio de pesquisa em

material bibliográfico, em fontes primárias e secundárias e em sites da internet. Além

disso, foram realizadas visitas a órgãos responsáveis pelo arquivamento de filmes e

documentos relacionados à produção cinematográfica: Cinemateca do MAM,

Cinemateca Brasileira e Museu Lasar Segall. A metodologia utilizada nesta pesquisa

inclui, ainda, nove entrevistas a professores e pesquisadores da área de cinema. Uma

vez que há pouca literatura disponível sobre o assunto aqui tratado, estas entrevistas

foram de extrema importância para esta pesquisa e somam mais de cinco horas de

conversa.

Meus entrevistados foram: 1) Aristides Arthur Soffiati, professor e

pesquisador da UFF e crítico de cinema; 2) Carlos Augusto Calil, professor e

pesquisador da Escola de Comunicação e Artes da USP, ex-diretor da Cinemateca

Brasileira; 3) Carlos Roberto de Souza, doutor em Ciência da Comunicação pela USP,

já ocupou vários cargos de coordenação e direção na Cinemateca Brasileira; 4)

Fernanda Guimarães, coordenadora de projetos na Cinemateca Brasileira e, na época,

coordenadora do SIBIA (Sistema Integrado de Informações Audiovisuais); 5) Hernani

Heffner, conservador-chefe da Cinemateca do MAM, com vários artigos publicados

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sobre diversas questões referentes ao cinema e à preservação audiovisual, que me

concedeu duas entrevistas; 6) João Luiz Vieira, doutor em Estudos Cinematográficos

pela New York University, professor e pesquisador da Departamento de Cinema e

Vídeo e do programa de pós-graduação em Comunicação, Imagem e Informação da

Universidade Federal Fluminense; 7) Raphael de Luna Freire, professor e pesquisador

da UFF e autor do blog Preservação Audiovisual; 8) Ray Edmondson, pesquisador

australiano com intensa atuação junto a variadas instituições internacionais de

preservação do patrimônio audiovisual e junto à UNESCO.

As entrevistas não foram feitas com base em um questionário que pudesse ser

tabulado posteriormente. Havia um roteiro, com tópicos, por meio do qual a entrevista

era orientada, mas, inevitavelmente, outras questões entravam em pauta e, isso

colaborou para que cada uma, embora com o mesmo tema, trouxesse informações

diferenciadas.

A pesquisa será apresentada em três capítulos. No primeiro capítulo, será

apresentado o percurso por mim percorrido para elaborar, teoricamente, esta pesquisa e

mapear o campo do patrimônio cinematográfico. Deste modo, além de apresentar a

bibliografia que embasa este trabalho, faço também, nesta primeira parte, uma descrição

etnográfica do movimento em torno da preservação do patrimônio cinematográfico,

dentro e fora do Brasil. As observações e narrativa por mim construídas, neste capítulo,

são fruto de minhas leituras e, principalmente, de minha participação em eventos, por

meio dos quais pude vivenciar de maneira mais próxima as lutas, as questões, os

desafios e as paixões que permeiam e caracterizam este campo.

Considerando o papel da UNESCO na preservação do patrimônio

cinematográfico, o segundo capítulo aborda, primeiramente, ações conduzidas por esta

Organização que tiveram reflexo direto na construção, reconhecimento e preservação

deste patrimônio. Entre estas ações, destaca-se a Recomendação para a Salvaguarda e

Preservação das Imagens em Movimento cuja análise será mais detalhada. A seguir,

tomando como base o Programa Memória do Mundo, retoma-se o contexto em que se

formou a ideia de “universalização do patrimônio”. Além disso, este capítulo também

aborda e destaca tópicos relativos ao patrimônio cinematográfico, apresentados em um

documento intitulado National Cinematic Heritage. Este documento, elaborado em

1995, por ocasião do primeiro centenário do cinema, no qual se encontram listas de

filmes, feitas por mais de quarenta países – entre eles, o Brasil –, é utilizado aqui para

refletir sobre questões relativas a este patrimônio. Finalmente, faz-se um levantamento

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de filmes já registrados no Programa Memória do Mundo e apresenta-se um estudo de

caso do processo que culminou na nominação do filme Limite, de Mário Peixoto, ao

registro do Comitê Regional da América Latina e do Caribe, do Programa Memória do

Mundo da UNESCO.

O terceiro capítulo, escrito com base, principalmente, nas entrevistas feitas no

decorrer da pesquisa, é o mais longo e, certamente, minha contribuição mais original ao

campo que aqui me proponho a estudar. Ao optar por uma abordagem dialógica para

sistematizar e enfocar questões específicas do patrimônio cinematográfico – tais como o

conceito, os impasses e angústias que se colocam entre o desejo e as possibilidades reais

de preservação, os discursos que instituem este patrimônio e seus agentes, suas

características e os entraves que dificultam seu reconhecimento e preservação –,

procurei trazer à tona os discursos por meio dos quais o campo se sustenta, analisá-los

criticamente, para tentar responder as questões que, anteriormente, foram pontuadas.

Com esta pesquisa pretendo verificar as seguintes hipóteses: 1) a ideia de

“patrimônio”, expressa nos discursos e documentos do campo cinematográfico, está

relacionada a todo o acervo existente nas cinematecas e arquivos de filmes; 2) os

arquivos fílmicos não estão preocupados ou interessados em trabalhar por um processo

de patrimonialização, isto é, em selecionar alguns filmes especificamente e lhes atribuir

valor e atenção especiais. O principal objetivo dessas instituições é investir nos

processos de preservação de todo seu acervo, considerado, por eles, patrimônio

cinematográfico; 3) embora filme não seja sinônimo de cinema, a experiência

cinematográfica não existe sem ele. Nesse sentido, preservar o filme representa

preservar a parte mais significativa do patrimônio cinematográfico. É ao redor do filme

que todo o material relacionado a ele (salas de cinema, cartazes, críticas, entrevistas,

etc.) é criado e adquire sentido; 4) pela força e alcance que a imagem e a narrativa

cinematográfica apresentam na forma de elaborar, revisar ou reafirmar fatos, o cinema

pode exercer uma grande influência sobre a construção da memória e da identidade de

uma nação.

Meu interesse acadêmico pelo cinema é, relativamente, recente. Graduada em

Letras, minha prática profissional esteve, na maior parte do tempo, voltada para o

ensino instrumental da Língua Inglesa, no Instituto Federal Fluminense (IFF) – antiga

Escola Técnica Federal de Campos –, onde sou docente desde 1987. Em março de 2004,

iniciei o mestrado em Cognição e Linguagem, pela UENF, que deu origem à dissertação

“Do cinematógrafo à arte cinematográfica: um estudo do cinema sob as perspectivas da

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tecnologia, da linguagem e da arte” 19

, defendida em novembro de 2006, dentro da linha

de pesquisa “Campos semióticos e representações sociais”.

Considero esse curso a grande guinada em minha trajetória acadêmica. Ao

término do mestrado, fui convidada pela coordenadora da Pós-graduação do IFF, em

Literatura, Memória Cultural e Sociedade, a assumir, em 2007, a disciplina “Produção

de Imagem e Construção da Memória Cultural”. No ano seguinte, passei a ministrar

também a disciplina “Imagem fotográfica e cinematográfica”, para o 3º período do

curso de Design Gráfico.

Tendo que enfrentar novos desafios nesta outra etapa da minha vida

profissional, decidi aprofundar meus estudos no campo da memória, sem abandonar

minha pesquisa sobre o cinema. Por isso, busquei este doutorado em Memória Social.

Neste trabalho que agora realizo, tenho me deparado com muitos desafios, mas

acredito que as questões até aqui apresentadas, a meu ver merecedoras de

desenvolvimento e análise mais contundente, asseguram a relevância do tema a ser

aprofundado nesta pesquisa.

19 A dissertação tem como tema central o Cinema, analisado em seu caráter tecnológico, como a mais

tecnológica de todas as artes; em seu aspecto linguístico, enfocando os elementos constitutivos desta

linguagem e destacando seu viés discursivo e ideológico e em seu aspecto artístico, em um enfoque

intersemiótico com a pintura e a fotografia.

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2- EXPLORANDO O CAMPO DO PATRIMÔNIO CINEMATOGRÁFICO

Em 2010, após ter encerrado o 1º semestre do curso de doutorado em Memória

Social pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), era o

momento de ajustar a proposta do projeto de pesquisa a ser desenvolvido. Em conversa

com minha orientadora, Professora Regina Abreu, e considerando a linha de pesquisa

do programa ao qual estávamos vinculadas, Memória e Patrimônio, fechamos o tema

principal do trabalho: patrimônio cinematográfico.

Desse modo, tendo partido de um conceito amplo e geral de patrimônio,

tornava-se necessário delimitar o campo de estudo e focar nas questões centrais de

minha pesquisa.

No primeiro levantamento de informações que fiz, pude rapidamente observar

que são muitas as vertentes ligadas ao tema do patrimônio cinematográfico. Ao

congregar questões relativas às cinematecas e arquivos, passando por questões técnicas

da preservação de filmes e seus desafios, bem como de instituições e agências que

atuam em âmbito nacional e internacional na regulamentação, legislação e fomento de

políticas públicas que respaldem a atividade da preservação fílmica, o campo do

patrimônio cinematográfico mostrou-se amplo e complexo.

Sites nacionais e estrangeiros colocam à disposição de pesquisadores e demais

interessados dados, documentos, trabalhos acadêmicos, filmes, periódicos, entrevistas e

várias outras formas de informação sobre diversos assuntos e subtemas ligados a

questões relacionadas ao patrimônio cinematográfico e sua preservação.

É importante, também, destacar um conjunto de eventos culturais e

acadêmicos, alguns já considerados tradicionais, que foram criados visando à

divulgação da causa, à reflexão sobre o tema e à difusão dos bens cinematográficos e,

por conseguinte, à construção da memória do cinema. Eles têm sido uma importante

arena para a exposição de problemas e dúvidas, além de facilitar o acesso para o público

interessado e a troca de informações entre instituições e pesquisadores.

A leitura de publicações consideradas referências para as questões relacionadas

ao patrimônio cinematográfico também contribuíram para a compreensão de pontos

seminais que embasam a matéria aqui tratada.

Desse modo, passei a ter à minha disposição uma grande quantidade de

material que, de alguma forma, se ligava ao tema de minha pesquisa, mas que não

respondia, de forma mais direta, as questões essenciais por meio das quais pretendia

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desenvolver minha tese: o que é patrimônio cinematográfico? Como se deu a construção

deste conceito? O que ele abrange? Quando, onde e como este conceito foi elaborado?

Que mudanças efetivas o uso deste conceito trouxe para as práticas de preservação e

para a memória do cinema, especialmente no Brasil?

Ao buscar responder a estas questões, penso estar trazendo uma nova

contribuição para o campo do cinema, visto que não encontrei entre as obras publicadas,

e trabalhos acadêmicos a que tive acesso, nenhuma abordagem neste sentido. Minha

contribuição é, portanto, de ordem, principalmente, conceitual uma vez que encaminho

a reflexão para o conceito de patrimônio cinematográfico, seus usos e seus significados

sem, contudo, abandonar o escopo teórico já desenvolvido na grande área do patrimônio

e da memória do cinema.

Aos estudos já empreendidos sobre o assunto, acrescenta-se este aqui proposto,

com o foco direcionado para questões mais específicas sobre o patrimônio

cinematográfico que ainda carecem de investigação.

Quando iniciei a pesquisa, não tinha ideia da abrangência do tema, nem das

veredas pelas quais teria que caminhar. Desse modo, este primeiro capítulo de minha

tese é um esforço no sentido de sistematizar o caminho por mim percorrido no

reconhecimento do campo do patrimônio cinematográfico para desenvolver este

trabalho.

2.1- Acompanhando o movimento: um percurso etnográfico

Atualmente, pode-se observar que há um grande movimento em prol da

preservação do patrimônio cinematográfico, não só no Brasil, mas em vários países.

Este movimento, que reverbera em tons mais fortes ou mais brandos de país para país,

reflete a preocupação com a situação do patrimônio cinematográfico e almeja a

conscientização das sociedades sobre o valor deste patrimônio. Além disso, nota-se que

instituições à frente deste movimento buscam organizar-se para fazer valer, na prática,

documentos assinados pelos governos, os quais garantem o respaldo, principalmente

financeiro e político, para que as ações que a causa exige possam ser empreendidas.

Descrevo aqui o percurso que fiz para acompanhar e tentar entender este

movimento, dentro e fora do Brasil. Fazem parte dele, muitas leituras, participações em

eventos acadêmicos no Brasil e no exterior, visitas a sites especializados e entrevistas.

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2.1.1- Patrimônio cinematográfico: algumas abordagens

As leituras inicialmente empreendidas para a pesquisa vieram de algumas teses

e dissertações às quais tive acesso, primeiramente, em visita à Cinemateca do MAM e,

posteriormente, em sites disponíveis na internet. Elas foram citadas na introdução desta

pesquisa, no intuito de demonstrar que, atualmente, há um avanço nos estudos teóricos

sobre o cinema, com foco em questões relacionadas à área do patrimônio

cinematográfico nas universidades brasileiras. Esses estudos, pouquíssimos já

publicados, começaram a ganhar corpo neste século. Identifico dois motivos principais

para que o interesse no assunto esteja acentuado: 1) a inclusão de disciplinas voltadas

para a prática da preservação nos cursos de cinema e audiovisual nas universidades, 2) a

eclosão de um período de transformações na atividade cinematográfica advindas do uso

da tecnologia digital que, sem dúvida, se refletem na prática preservacionista,

provocando intensas alterações e levantando dúvidas e questionamentos sobre a

atividade neste novo cenário. A produção de pesquisas sobre o tema, com lentes mais

voltadas para a realidade brasileira é, sem dúvida, de grande importância para que a

compreensão deste novo contexto, bem como para a evolução do processo de

valorização do patrimônio cinematográfico e o reconhecimento da atividade de

preservação aconteçam de forma mais consciente e reflexiva nos seus variados aspectos.

A leitura de pesquisas de mestrado e doutorado, além de publicações

bibliográficas e outras fontes de informação, foram de fundamental importância para

embasar esta tese e, ao mesmo tempo, abriram importantes perspectivas para outras

questões e pontos que ainda permanecem descobertos quando se reflete sobre o

patrimônio cinematográfico, especialmente, no campo conceitual. Por meio delas, pude

identificar que o campo do patrimônio cinematográfico permite diversas abordagens em

áreas de estudo variadas como a História, o Direito, as Artes Visuais e a Arquivologia,

por exemplo. Além disso, pude perceber que há três pontos que podem ser considerados

capitais para o campo: os arquivos de filmes, a prática da preservação e o fomento de

políticas públicas para a preservação de bens audiovisuais.

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Arquivos de filmes

Cinematecas, filmotecas, museus de cinema, arquivos de filmes ou de imagens

em movimento. São muitas as terminologias utilizadas pelas instituições que abrigam o

patrimônio cinematográfico e a memória do cinema.

A criação dos primeiros arquivos de filmes tem sua origem no início da década

de 1930. Contudo, muito antes disso, um dos mais antigos artigos ressaltando o valor

histórico de imagens registradas pelo cinematógrafo já havia sido elaborado. Este artigo,

que data do final do século XIX, escrito pelo polonês Boleslaw Matuszewski, já

destacava a necessidade de se preservar imagens em movimento e previa a criação de

arquivos para abrigar estas imagens.

Em um texto intitulado “Uma nova fonte histórica20

”, datado de 25 de março

de 1898, portanto menos de três anos após o advento do cinematógrafo, Matuszewski

precocemente já defendia a ideia de que a fotografia em movimento seria uma forma

interessante e curiosa de se estudar e conhecer o passado. Um de seus principais

argumentos referia-se às características da imagem em movimento que a distinguia dos

outros documentos de valor histórico: a autenticidade, a exatidão e a precisão inerentes

a um tipo de documento que era considerado praticamente impossível retocar, naquela

época.

Boleslaw Matuszewski foi, assim parece, o primeiro a pensar e registrar, de

forma escrita, a importância das imagens em movimento e a necessidade de se criar um

tipo de arquivo cinematográfico. Seu relato não desencadeou, àquela época, nenhum

processo de preservação, mas o valor de documento histórico, tão rapidamente atribuído

às primeiras imagens cotidianas registradas pelo cinematógrafo e defendido por este

cinegrafista, pode ser considerado o embrião do processo que culminou na criação de

arquivos de filmes e na ideia de que as imagens em movimento compõem um tipo de

patrimônio que deve ser preservado.

A partir de então, muito se escreveu sobre cinema: sua história, suas teorias,

sua linguagem, etc.. No entanto, foram necessárias algumas décadas, desde a criação

das primeiras instituições do patrimônio cinematográfico, para que uma reflexão mais

profunda sobre elas fosse publicada. Escrita pelo crítico de cinema e ensaísta francês

20

http://www.contracampo.com.br/34/matuszewski.htm

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Raymond Borde, em 1983, “Les Cinémathèques” 21

apresenta uma ampla historiografia

dos arquivos de filmes, principalmente europeus. A abordagem feita pelo autor abrange

desde a história das destruições, as primeiras coleções e colecionadores e, passando pelo

texto de Matuszewsky, discorre sobre o nascimento da ideia de arquivo cinematográfico

e a criação dos primeiros arquivos. Além disso, Borde apresenta informações sobre a

fundação da Federação Internacional de Arquivos de Filmes (FIAF) e a situação dos

bens cinematográficos durante e depois da 2ª Guerra Mundial. Em sua obra também

podem ser encontrados seu pensamento sobre o perfil do arquivista, bem como as bases

para a vida cotidiana nos arquivos de filmes.

Segundo ele, os primeiros arquivos de filmes foram: o Svenska Filmsamfundets

Arkiv, criado em 1933, em Estocolmo; o Reichsfilmarchiv, em 1934, em Berlin. No ano

seguinte, foram criados o British Film Institute, em Londres e o arquivo de filmes do

Museum of Modern Art of New York (MoMA). Em 1936, deu-se a criação da

Cinématèque Française, em Paris. Dois anos depois, em 1938, a FIAF foi fundada.

Conta Borde que o audacioso projeto de fundação de uma associação

internacional que congregasse os arquivos de filmes foi concretizado por ocasião de

uma homenagem ao Museu de Arte Moderna de Nova York e uma retrospectiva do

cinema norte-americano preparadas pela Cinemateca Francesa. Durante este evento, que

reuniu um enorme número de autoridades e de representantes “das letras e das artes”,

deu-se o encontro entre Iris Barry e John Abbott (Nova York), Owen Vaugham

(Londres), Frank Hensel (Berlin) e Henri Langlois (Paris). Neste encontro, os quatro

arquivos por eles representados decidiram unir-se para formar uma associação cujo ato

de fundação declara:

“Esta federación internacional estará formada por los archivos

cinematográficos nacionales, semioficiales y privados, que estén

interesados em la historia e la estética del film. Estas organizaciones

deberán tener como objetivo la conservación de los films, el reunir la

documentación nacional y privada sobre los films y, si es necesario, la

proyección de los films con una finalidade no comercial, histórica,

pedagógica o artística. El objetivo de esta Federación internacional

será el desarrollar uma cooperación más íntima entre los diferentes

archivos cinematográficos nacionales y facilitar los intercâmbios

internacionales de films históricos, educativos o artísticos. Quedan

rigorosamente excluídas de la Federación aquellas instituiciones u

21

Obra sem tradução para o português. Há uma publicação, em espanhol, com o título “Los archivos

cinematográficos”, de 1991.

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organizaciones que utilicen sus films com uma finalidade

comercial.”22

Fundada em Paris, e com sede atual em Bruxelas, na Bélgica, a FIAF foi a

primeira instituição de alcance internacional criada com o propósito maior de se dedicar

à preservação de filmes de maneira mais organizada. Uma das principais cláusulas do

Ato de Fundação – que permanece nos estatutos até hoje –, refere-se à exclusão da

Federação de qualquer instituição ou organização que faça uso de seus filmes com fins

comerciais. Criada com apenas quatro membros, a Federação abriga hoje mais de 150

instituições em mais de 77 países que, para defender o que para elas é a forma de arte

própria do século XX, dedicam-se a recuperar, colecionar, preservar e exibir imagens

em movimento que possuam valor como obras de arte e documento cultural e histórico.

Em 1979, a Federação recebeu o reconhecimento da UNESCO e trabalhou de maneira

bem próxima no processo que originou a Recomendação da UNESCO para a

Salvaguarda e Preservação das Imagens em Movimento, aprovada em Belgrado, em

1980, sobre a qual trataremos adiante.

No Brasil, são afiliados à FIAF, a Cinemateca Brasileira, em São Paulo, e no

Rio de Janeiro, o Arquivo Nacional e a Cinemateca do MAM.

Fundada em 1940 23

, a Cinemateca Brasileira começou como o Clube de

Cinema de São Paulo, fechado pela polícia do Estado Novo e reaberto, em 1946. Em

22

BORDE, 1991, p. 66. “Esta federação internacional será formada pelos arquivos cinematográficos

nacionais, semioficiais e particulares, que estejam interessados na história e na estética do filme. Estas

organizações deverão ter como objetivo a conservação dos filmes, o colecionamento da documentação

nacional e particular sobre os filmes e, se for necessário, a projeção dos filmes com finalidade histórica,

pedagógica ou artística e sem fins lucrativos. O objetivo desta federação internacional será desenvolver

uma cooperação mais próxima entre os diferentes arquivos cinematográficos nacionais e facilitar os

intercâmbios internacionais de filmes históricos, educativos ou artísticos. Serão rigorosamente excluídas

da Federação aquelas instituições ou organizações que utilizarem seus filmes com finalidade comercial.”

(livre tradução da autora desta pesquisa)

23

Há grande controvérsia sobre a data da fundação da Cinemateca Brasileira. Transcrevo aqui um trecho

da tese de doutorado de Carlos Roberto de Souza, defendida em 2009, na USP, sobre a questão. “Fausto

Douglas Corrêa Júnior, segundo ele próprio incorrendo em ‘certo exagero’, pensa que a história da

Cinemateca Brasileira começa em 1937, quando Paulo Emilio chegou à França pela primeira vez.

Concordo em que é exagero: nessa época, Paulo Emilio se interessava muito pouco por cinema e apenas

nos anos seguintes começaria a ter alguma curiosidade cinematográfica. Não seria mais correto datar a

existência virtual da Cinemateca a partir de 1940 quando, ao lado de exibições públicas realizadas pelo

primeiro Clube de Cinema de São Paulo, falava-se também da constituição de um acervo? Por outro lado,

1949 também pode ser uma data ‘útil’, quando o segundo Clube de Cinema foi incorporado – com as

peripécias narradas a seguir – ao Museu de Arte Moderna de São Paulo, como sua filmoteca17. Mas foi

em dezembro de 1956, que a Filmoteca do MAM desligou-se do Museu e criou a Sociedade Civil

Cinemateca Brasileira, utilizando pela primeira vez o nome a que doravante ficaria ligada. Os estatutos da

Fundação Cinemateca Brasileira – em seu Art. 52 – estabelecem 13 de janeiro como ‘dedicado à

comemoração do aniversário’, pois foi nesse dia, em 1961, que a fundação foi criada. Uma outra possível

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1984, a Cinemateca passou a ser reconhecida como um órgão do então Ministério de

Educação e Cultura (MEC) e hoje está ligada à Secretaria do Audiovisual (SAv). Cerca

de 200 mil rolos de filmes, que correspondem a 30 mil títulos – obras de ficção,

documentários, cinejornais, filmes publicitários e registros familiares, nacionais e

estrangeiros –, produzidos desde 1897, compõem um dos maiores acervos de imagens

em movimento da América Latina. Além disso, está sob a guarda desta instituição um

conjunto de documentos formado por livros, revistas, roteiros originais, fotografias e

cartazes. Um Laboratório de Restauração, devidamente equipado e reconhecido pela

FIAF como um exemplo para as cinematecas latino-americanas, foi instalado na

instituição em 1978. Neste laboratório, são feitas “restaurações de filmes em estado

avançado de deterioração, a transferência de materiais em suporte de nitrato de celulose

para suporte de segurança (poliéster) e a confecção de cópias (matrizes ou reproduções

para empréstimo)” 24

. No Centro de Documentação e Pesquisa da Cinemateca

Brasileira, é possível encontrar informações sobre filmes brasileiros realizados desde

1897 25

. O acervo deste Centro está dividido em cinco catálogos: Catálogo da

Biblioteca; Catálogo de Blu-Ray, DVD e VHS; Cartazes de filmes e de eventos;

Arquivos pessoais e institucionais; Coleção de periódicos e Salas de Cinema de São

Paulo (de 1895 a 1929).

Dois importantes trabalhos de pesquisa, sobre a mais antiga instituição

brasileira de patrimônio cinematográfico, podem ser destacados. Em “A Cinemateca

Brasileira: das luzes aos anos de chumbo” – obra publicada por Fausto Douglas Correa

Jr, em 2010, a partir de sua dissertação de mestrado defendida na USP, em 2007 –, o

autor apresenta, inicialmente, uma análise sobre a formação do conceito de cinemateca e

as transformações que este conceito sofreu no contexto do pós-guerra e da guerra fria.

No percurso que perfaz em sua análise, Correa Jr busca destacar a importância do

conceito de cineclube, considerado por ele fundamental para o desenvolvimento

histórico das cinematecas. A seguir, aborda, em dois períodos distintos – 1937 / 1957 e

data comemorativa seria 14 de fevereiro, dia em que, em 1984, a FCB foi incorporada ao Ministério da

Educação e Cultura com o nome Cinemateca Brasileira.

Datas evocativas não faltam no périplo da Cinemateca Brasileira. Ao que me diz respeito, seu marco original foi cravado em agosto de 1940 ” (SOUZA, 2009, p. 11). 24

http://www.cinemateca.gov.br. 25

Este dado nos faz lembrar que, mesmo entre altos e baixos, o cinema brasileiro tem mais de cem anos

de existência e, por isso, é um dos mais antigos do mundo. Conforme nos adverte o cineasta Cacá

Diegues, “o cinema no Brasil não nasceu com o Cinema Novo e muito menos com a retomada, ele é uma

coisa muito mais antiga, que está desde sempre correndo na veia do sangue cultural do país” (DIEGUES,

2004, p. 83).

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1957 / 1968 – “como foi possível a experiência da Cinemateca Brasileira em um país da

periferia do capitalismo.” 26

Outro valioso trabalho sobre esta instituição é a tese de Carlos Roberto de

Souza, defendida também na USP, em 2009: “A Cinemateca Brasileira e a preservação

de filmes no Brasil”. Considerado o primeiro a tratar o tema “política de preservação em

arquivo de filmes, fora do mundo desenvolvido”, o trabalho foi dividido por Souza em

duas partes. Na primeira, ele se atém, principalmente, na forma como os arquivos de

filmes se relacionam com o Estado e nos problemas de autonomia de gestão que daí

decorrem. Na segunda parte, a mais ampla da pesquisa, o autor narra pouco mais de

sessenta anos da história da instituição. Na história que conta sobre os primeiros trinta

anos da Cinemateca, Souza faz uso, principalmente, de fontes primárias e busca

enfatizar a atuação que outras personagens tiveram no período, além de Paulo Emilio

Salles Gomes. Neste intuito, faz sobressair o papel de figuras como Jurandyr Noronha,

Caio Scheiby, Benedito J. Duarte que, segundo ele, “foram de grande importância na

evolução do pensamento sobre preservação em nosso país e espero haver feito alguma

justiça à sua contribuição, bem como à de Lucilla Ribeiro Bernardet, na fase mais difícil

da Cinemateca.” 27

Sobre os outros trinta anos da história, Souza, como personagem

imerso nesta trajetória, não se furta a um relato em primeira pessoa e, cercando-se do

“maior conjunto documental possível”, narra também fatos recentes da história da

Cinemateca Brasileira.

Ao lado da Cinemateca Brasileira, a Cinemateca do Museu de Arte Moderna

(MAM) é outra instituição de importância nacional no movimento de preservação do

patrimônio cinematográfico.

O Museu de Arte Moderna, fundado em 1948, começou a exercer atividades no

setor cinematográfico em 1955, exibindo filmes no auditório da Associação Brasileira

de Imprensa que, em 1957, transformou-se em Cinemateca. Dotada de uma biblioteca e

de um setor de documentação e de pesquisa, tornou-se, ao longo dos anos, um dos mais

importantes centros de referência da memória do cinema brasileiro e mundial para o

público e pesquisadores do Brasil e do exterior. Embora enfrente dificuldades e já tenha

passado por sérias crises, a Cinemateca do MAM, como um arquivo “não-hierárquico” e

“despido de qualquer tipo de preconceito”, empenha-se na guarda, preservação,

26

CORREA JR, 2010, p. 25. 27

SOUZA, 2009, p. 9.

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restauração, exibição, divulgação de filmes e do cinema em geral e, desse modo,

procura contribuir para a formação e renovação de espectadores, críticos e realizadores.

Assim, como entidade que tem um papel social e político, procura deixar claro

que o sentido da preservação se completa com a exibição das obras cinematográficas,

pois

é no espaço da sala de projeção que se presentificam os rituais

históricos da área, indo do chamado cinema “mudo” à projeção digital

em terceira dimensão. Aqui a preservação audiovisual ganha corpo

definitivo, trazendo novamente ao convívio social as mais variadas

características da expressão e do espetáculo cinematográficos. 28

Um dos primeiros trabalhos a fazer referência à Cinemateca do MAM, no Rio

de Janeiro, foi escrito por Alice Pougy. “A Cinemateca do MAM e os cineclubes do Rio

de Janeiro: formação de uma cultura cinematográfica na cidade” é o título de sua

dissertação, defendida em 1996, no mestrado em História, pela Pontifícia Universidade

Católica (PUC) no Rio. Fazendo um recorte nos anos 1950 e 1960 – período que,

segundo a autora, devido à conjuntura nacional e internacional, arte e cultura estavam

marcados por intensa politização – Pougy retoma todo o background político, social e

econômico da época, aborda aspectos do cinema, suas correntes e movimentos no

período e, por meio de depoimentos de protagonistas do movimento cineclubista da

época, recupera a história deste movimento e o papel dos cineclubes e da cinemateca do

MAM que, ao exibir filmes inéditos e promover cursos de cinema foi determinante na

formação de um público de gosto sofisticado. Essa dissertação nos mostra como a

formação de uma cultura cinematográfica, na época, foi fundamental para a valorização

do cinema e constituição de um grupo que, seduzido pelo cinema, seu papel político e

suas diferenças estéticas, vai, posteriormente, defender a necessidade de sua

preservação.

Com o foco mais específico sobre a história da Cinemateca do MAM, José

Luiz de Araújo Quental defendeu, em 2010, a dissertação intitulada “A preservação

cinematográfica no Brasil e a construção de uma cinemateca na Belacap: a Cinemateca

do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro”, na Universidade Federal Fluminense.

Neste trabalho, Quental aborda, com clareza de detalhes, toda a história da instituição

no período que vai de 1948 a 1965. Nesse contexto, ele recupera e traz à luz a

28

Citação retirada do site da Cinemateca do MAM. Disponível em

http://mamrio.org.br/museu_cinemateca/apresentacao/. Acesso em: 26/08/2013.

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participação de Ruy Pereira da Silva na fundação da instituição carioca e reescreve um

período de uma das mais importantes instituições da memória do cinema. Segundo ele,

Apesar de ter sido a figura central na fundação da Cinemateca do

MAM, Ruy Pereira da Silva acabou sendo colocado um pouco de lado

na história da instituição, ocultado, principalmente, pela imagem de

Antônio Moniz Vianna, mais notório crítico cinematográfico do país e

membro do conselho do Museu, que teve um papel fundamental na

sustentação política e social da entidade. Acreditamos que pela

importância de Moniz Vianna no cenário cinematográfico brasileiro

até o final da década de 1960, pelo pouco tempo que Ruy Pereira da

Silva esteve à frente da cinemateca (1955-58) e pela forma pela qual

este saiu da Cinemateca – rompido com Moniz Vianna –, seja possível

compreender um pouco dessa sombra sobre sua figura. 29

O trabalho de Quental reforça a ideia de que a construção da memória implica

disputas e é sempre um processo que vai se desenvolver a partir de determinados pontos

de vista, critérios, justificativas e escolhas que se configuram com a participação de

algum agente.

Outra importante instituição brasileira que preserva material audiovisual é o

Arquivo Nacional. Contando com uma Divisão de documentação audiovisual, criada em

1975, o site da instituição informa que seu acervo de imagens em movimento “possui

expressivos registros de história e de cultura brasileira” na forma de cinejornais,

documentários, obras de ficção, filmes publicitários, familiares e recortes de filmes

censurados. Em acervos públicos e privados, alguns depositados em regime de

comodato, a instituição dispõe de cerca de 33 mil títulos “perfazendo um total de 124

mil rolos de película cinematográfica e 4 mil fitas videomagnéticas”. 30

Cabe ao Arquivo Nacional, abrir e acolher inscrições para candidaturas ao

Registro Nacional do Brasil do Programa Memória do Mundo da Organização das

Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO). Documentos de

natureza audiovisual (filmes, vídeos ou registros sonoros) estão entre os tipos de

documentos que podem pleitear o registro. Entre os já registrados no Programa

Memória do Mundo, sobre o qual trataremos mais adiante, encontra-se o filme Limite de

Mário Peixoto.

Na lista de instituições tradicionais do cinema brasileiro, a Cinédia não pode

deixar de ser incluída. Fundada em 1930, pelo jornalista Adhemar Gonzaga, a

instituição é “símbolo das lutas pelo desenvolvimento da arte e da atividade no país e

29

QUENTAL, 2010, p. 86. 30

http://www.arquivonacional.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=165. Acesso em: 23/08/2013.

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marco absoluto da incorporação de uma mentalidade industrial ao setor” 31

. Ao longo de

sua existência, a Cinédia produziu filmes, formou profissionais, introduziu avanços

tecnológicos importantes e constituiu um acervo documental tornando-se outra

referência importante da memória e do patrimônio cinematográfico brasileiro. Em 1998,

criou o Instituto para a Preservação da Memória do Cinema Brasileiro, com o intuito

de fomentar a conservação física de seu acervo de filmes e documentos referentes à

história do cinema brasileiro. Neste sentido, atua dando apoio logístico, técnico e

financeiro à restauração de filmes.

Em 2010, a Cinédia comemorou 80 anos de fundação sob a direção de Alice

Gonzaga, que assumiu a instituição pouco tempo depois da morte de seu pai, Adhemar

Gonzaga, ocorrida em 1978. Um texto escrito por Rafael de Luna 32

, por ocasião de uma

homenagem feita à Cinédia e a Alice Gonzaga, durante a 5ª CineOP – Mostra de

Cinema de Ouro Preto –, realizada em junho de 2010, retoma a importância da Cinédia

e a expressiva participação de D. Alice à frente da instituição.

Embora tendo entre seus objetivos principais apoiar o desenvolvimento da

produção cinematográfica nacional e promover a implantação de medidas voltadas à

formação, capacitação e aperfeiçoamento de pessoal técnico necessário à atividade

cinematográfica, o Centro Técnico Audiovisual (CTAv) – órgão ligado à Secretaria do

Audiovisual e ao Ministério da Cultura – é outra instituição que abriga bens

cinematográficos. Criado em 1985, a partir de uma parceria entre a Embrafilme e

o National Film Board (NFB), o CTAv mantém sob sua guarda matrizes e cópias de

filmes que podem ser pesquisados e consultados, com auxílio de pesquisadores da

instituição. Segundo informação do site, fazem parte do acervo do CTAv:

1) Filmes produzidos pelo Instituto Nacional de Cinema Educativo

(INCE), Instituto Nacional de Cinema (INC), Departamento de Ações

Culturais do Ministério da Educação (DAC/MEC) e pela Diretoria de

Operações Não Comerciais da Embrafilme (DONAC/Embrafilme) –

obras cujos direitos patrimoniais pertencem ao CTAv;

2) Filmes co-produzidos pela Fundação do Cinema Brasileiro

(FCB), Instituto Brasileiro de Arte e Cultura (IBAC), Departamento

de Cinema e Vídeo da Fundação Nacional de Artes

(Decine/FUNARTE);

3) Filmes sob custódia, depositados por produtores e diretores.

31

http://www.cinedia.com.br 32

Texto disponível em http://preservacaoaudiovisual.blogspot.com.br/2011/02/cinedia-e-alice-

gonzaga.html. Acesso em: 26/08/2013.

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A maior parte do acervo é composta de película 16 e 35mm. Há

também filmes em outros suportes, como U-Matic e Betacam. 33

Além das instituições anteriormente citadas, segundo dados da Associação

Brasileira de Preservação Audiovisual (ABPA), há hoje, no Brasil, mais de 130

arquivos, acervos e colecionadores de filmes e outros tipos de material audiovisual,

espalhados em 19 estados. Entre eles, estão incluídos alguns arquivos criados e

mantidos por universidades, em diferentes estados brasileiros, nos quais pode ser

encontrada grande quantidade de filmes etnográficos sobre uma vasta gama de assuntos.

Possivelmente, outros arquivos ou coleções de pequeno porte ainda permanecem

desconhecidos. Como é impossível, nesta pesquisa, abordar todos eles, optou-se por

discorrer sobre aqueles mais tradicionais. No entanto, é imprescindível levar em

consideração que

o panorama hoje é bastante complexo [...]. O arquivamento

audiovisual acontece numa ampla gama de tipos de instituição e está

em constante desenvolvimento à medida que se expandem as

possibilidades de distribuição, como o cabo, o satélite e a Internet. Um

crescente número de produtoras e de redes de radiodifusão

compreende hoje o valor comercial de proteger seu patrimônio e criam

seus próprios arquivos. 34

Além das obras publicadas e pesquisas acadêmicas até aqui citadas, há outras,

conforme informa Souza (2009), que são estudos específicos sobre as cinematecas de

Portugal, Espanha, Itália e França. Entre estas pesquisas, destaca-se o trabalho de

Laurent Mannoni sobre a cinemateca francesa, “Histoire de la Cinémathèque

Française”, pela riqueza de informações e a narrativa detalhada da trajetória do arquivo

no período compreendido entre1936 e 1977.

Para Carlos Roberto de Souza, há uma “aridez bibliográfica” sobre arquivos de

filmes na América Latina. “Nada sobre os dois arquivos uruguaios, um deles a mais

antiga entidade latino-americana do gênero, o Archivo Nacional de La Imagen,

oficialmente criado em 1943.” 35

Na Argentina, há uma dissertação de mestrado sobre a

história da preservação no país. E, no Brasil, além do livro de Correa Jr, já comentado

neste capítulo, há um outro, publicado em 2005: “Cinemateca de Curitiba – 30 anos”.

33

Informação disponível em http://www.ctav.gov.br/acervo/. Acesso em: 21/10/2013. 34

EDMONDSON, 2013, p. 95. 35

SOUZA, 2009, p. 5.

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Entre as obras mais recentes, encontra-se “Film curatorship: archives,

museums and the digital marketplace”. Publicado em Viena, em 2008, o livro é a

reunião de diálogos travados entre dois dos mais importantes nomes ligados aos

arquivos – Paolo Cherchi Usai 36

e David Francis 37

– com os arquivistas austríacos

Alexander Horwath e Michael Loebenstein. Na opinião de Souza, este “é com certeza o

livro intelectualmente mais sofisticado que até hoje apareceu sobre nosso assunto”. E

acrescenta: “é um trabalho riquíssimo de sugestões para discussão e propõe uma séria

reflexão sobre o futuro dos arquivos.” 38

Preservação

O discurso pautado na importância da preservação do patrimônio

cinematográfico, enfatizando seu valor e a necessidade de mantê-lo para as futuras

gerações, foi sempre o ponto de apoio utilizado pelas instituições responsáveis pela

guarda dos bens cinematográficos. Mas o que significa, efetivamente, preservar um

filme ou preservar o patrimônio cinematográfico? Para responder esta questão, me

utilizo de duas citações feitas por especialistas na ação preservacionista.

A primeira, retirada do artigo “Preservação”, escrito por Hernani Heffner, para

a revista virtual Contracampo, em 2001. Neste texto, o atual conservador-chefe da

Cinemateca do MAM no Rio de Janeiro afirma:

Preservar filmes significa coletar, identificar, documentar, estabilizar,

recuperar fisicamente, restaurar técnica e esteticamente, transferir para

novos suportes de guarda, conservar, catalogar, difundir e

disponibilizar para consulta permanente, entre outras tarefas

associadas. Mesmo longe do ideal, este trabalho pode ter uma enorme

influência na vida de uma comunidade e mesmo de uma sociedade. 39

A segunda, em que o significado do termo é expresso de forma mais detalhada,

é um trecho da tese de doutorado de Carlos Roberto de Souza.

36

Atual curador do Motion Picture Department da George Eastman House, em Rochester, EUA, e

curador emérito do National Film and Sound Archive, da Austrália e ex-diretor of the Haghefilm

Foundation na Holanda. 37

Curador, durante 16 anos, do British Film Institute, onde foi responsável pela criação do J. Paul Getty

Jnr Conservation Center (Berkhamsted) e, de 1991 a 2001, foi diretor da Motion Picture, Broadcasting

and Recorded Sound Division da Library of Congress, onde respondeu pelo planejamento do National

Audio-Visual Conservation Center, em Culpeper, Virginia. 38

SOUZA, 2009, p. 5. 39

HEFFNER, 2001, disponível em http://www.contracampo.com.br/34/frames.htm. Acesso em:

27/08/2013.

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A preservação será entendida como o conjunto dos procedimentos,

princípios, técnicas e práticas necessários para a manutenção da

integridade do documento audiovisual e garantia permanente da

possibilidade de sua experiência intelectual. O propósito da

preservação tem três dimensões: garantir que o artefato existente no

acervo não sofra mais danos ou alterações em seu formato ou em seu

conteúdo; devolver o artefato à condição mais próxima possível de seu

estado original; possibilitar o acesso a ele de uma forma coerente com

a que o artefato foi concebido para ser exibido e percebido. A

preservação engloba a prospecção e a coleta, a conservação, a

duplicação, a restauração, a reconstrução (quando necessária), a

recriação de condições de apresentação, e a pesquisa e a reunião de

informações para realizar bem todas essas atividades. Essas ações,

consideradas individualmente, são possíveis e necessárias mas não

suficientes para o objetivo de se atingir a preservação. Melhorar o

artefato não faz parte do processo de preservação. A preservação

objetiva possibilitar o acesso ao patrimônio de imagens e sons a longo

e a curto prazos. Assim, o acesso a curto prazo não será admitido se

colocar em risco a preservação que possibilite o acesso a longo prazo.

A preservação não é uma operação pontual mas uma tarefa de gestão

que não termina nunca. A manutenção a longo prazo da integridade de

um registro ou de um filme depende da qualidade e do rigor do

processo de preservação executado ao longo das décadas, não importa

sob quais regimes administrativos, até um futuro indeterminado.

Nenhum filme está preservado; na melhor das hipóteses, ele está em

processo de preservação. 40

A preservação é, portanto, a atividade central dos arquivos de filmes, a que lhes

dá vida e sentido. É uma ação que demanda trabalho e atenção ininterruptos ou,

conforme afirma Souza, “uma tarefa de gestão que não termina nunca.” Conforme

podemos entender das citações, preservação é o conceito principal e mais abrangente

dos arquivos, pois engloba todos os outros conceitos – prospecção, coleta, conservação,

duplicação e restauração, entre outros – que, embora de grande importância, quando

tratados individualmente, são insuficientes para garantir a preservação dos bens

cinematográficos.

Entre as obras consideradas referência sobre a atividade de preservação de

material audiovisual está “Audiovisual archiving: philosophy and principles” 41

. Escrita

por Ray Edmondson, em 1998, com o apoio da UNESCO, ampliada em 2004 e

publicada, em português, pela Associação Brasileira de Preservação Audiovisual

(ABPA) e pela Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 2013,

com o título de “Filosofia e princípios da arquivística audiovisual”, este livro é uma

resposta à necessidade, apontada pelos arquivistas, de fundamentar a profissão, bem

40

SOUZA, 2009, pp. 6-7. Grifos do autor. 41

Disponível em http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001364/136477e.pdf.

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- 37 -

como estabelecer a filosofia e os princípios que norteiam a prática de preservação

audiovisual.

Com uma linguagem clara e objetiva, mas sem se configurar em um simples

manual didático, Edmondson aborda características e conceitos da preservação, bem

como princípios de gestão e políticas adotadas pelos arquivos, sem deixar de trazer à

tona questões de caráter ético para orientar profissionais da área, “por todos os escalões

da hierarquia” e suas instituições em sua prática preservacionista.

Estudos mais recentes abordam questões referentes ao cinema digital. Em um

dos capítulos de sua obra “Introdução à teoria do cinema” – Pós-cinema: a teoria digital

e os novos meios –, Robert Stam afirma que “o desenvolvimento das novas tecnologias

audiovisuais representa um impacto dramático sobre praticamente todas as eternas

questões confrontadas pela teoria do cinema: a especificidade, a autoria, a teoria do

dispositivo, a espectorialidade, o realismo e a estética.” 42

Embora o autor não faça

menção a questões relativas à preservação, não se pode ignorar o impacto da tecnologia

digital nesta área.

As rápidas e irreversíveis mudanças que a era digital tem imposto aos arquivos

mostram que a prática relativa à preservação de imagens em movimento está em

constante construção e precisa sempre ser revista e atualizada, principalmente, em seus

aspectos técnicos.

Um dos compromissos assumidos pelos membros da FIAF é continuar a

adquirir filmes e a preservá-los em seu suporte original. Como suporte original, até

pouco tempo, entendia-se, primordialmente, filmes em película. Desse modo, a

estratégia de preservar as películas era complementada pelo desenvolvimento de

métodos de preservação de patrimônio nascido na forma digital.

Em um contexto de transformações, em 2008, foi lançado o Manifesto do 70º

aniversário da FIAF. Com o lema “Não jogue filmes fora” 43

, o Manifesto,

argumentava que:

*) Um filme é uma obra de ficção criada por um diretor, ou

representa o registro de um momento histórico capturado por um

câmera. Ambos são potencialmente importantes e constituem parte da

herança cultural mundial. O filme é uma entidade tangível, pode ser

lido pelo olho humano e precisa ser tratado com muito cuidado, tal

como outros objetos históricos e museológicos.

42

STAM, 2003, p. 349. 43

Disponível em http://www.cinemateca.gov.br/content/docs/Manifesto_Fiaf_70.pdf. Acesso em:

03/02/2014.

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- 38 -

*) Embora os filmes sejam física e quimicamente frágeis,

representam um material estável que pode sobreviver por séculos, se

guardado e cuidado adequadamente. Sua expectativa de vida já

demonstrou ser muito mais longa do que a de outros suportes de

imagem em movimento como, por exemplo, as fitas de vídeo, que

surgiram muito depois do filme. A informação digital só tem valor se

puder ser interpretada, e os suportes de informação digital são

também vulneráveis à deterioração física e química. Além disso, os

elementos de hardware e software necessários à interpretação estão

sujeitos à obsolescência.

*) Filmes continuam sendo o melhor meio de armazenagem de

imagens em movimento. É um dos produtos disponíveis mais

padronizados internacionalmente, e continua sendo uma mídia com

potencial de alta resolução. Os dados contidos nos filmes não

necessitam de migração constante e os equipamentos

cinematográficos não precisam de atualização frequente.

*) Os elementos fílmicos mantidos em depósitos são os materiais

originais dos quais todas as cópias são derivadas. Pode-se determinar,

a partir deles, se uma cópia está completa ou não. Quanto mais a

tecnologia digital se desenvolve, mais fácil é mudar ou até alterar

arbitrariamente o conteúdo da obra. Alterações ou distorções

injustificadas, no entanto, podem sempre ser detectadas por

comparação com os filmes originais, desde que tenham sido

armazenados de forma correta.

Em poucos anos, a enorme mudança ocasionada pela desenfreada produção de

filmes com tecnologia digital e o possível fim da produção industrial de películas,

ameaça o manifesto acima citado e põe em xeque seus argumentos. É fato que o

enorme número de rolos em película que permanecem guardados nos arquivos de filme

não serão “jogados fora”. Certamente deverão ser mantidos e preservados o máximo de

tempo, nas melhores condições possíveis. Neste período de transição, muitos são os

questionamentos e poucas as certezas. E, certamente, as incertezas afetam

indistintamente o patrimônio cinematográfico analógico e digital.

“Gestão arquivística na era do cinema digital: formação de acervos de

documentos digitais provindos da prática cinematográfica” 44

, tese de doutorado

defendida por Alessandro Ferreira Costa, na UFMG, em 2007, é um trabalho que ganha

expressão neste contexto da era da produção digital. Ao fazer um estudo comparativo

entre instituições públicas e privadas, em Belo Horizonte, responsáveis pela guarda de

documentos fílmicos e não fílmicos, o autor objetiva identificar “um referencial

metodológico que pudesse embasar a gestão de tudo quanto é produzido e/ou reunido -

em termos documentais - no decorrer da produção de um filme” 45

. A partir da

44

Disponível em http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/handle/1843/VALA-

74QHGG/doutorado___alessandro_ferreira_costa.pdf;jsessionid=7C281646B0A63370A493E266186DB

584?sequence=1. Acesso em 29/08/2013. 45

COSTA, 2007, p. 19.

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investigação das possíveis relações entre o campo cinematográfico e as ciências da

informação – com destaque para a arquivologia –, o autor apresenta uma proposta de

gestão de documentos digitais provenientes da atividade cinematográfica. Os estudos de

caso em instituições mantenedoras de documentos filmográficos e afins, apresentados

com riquezas de detalhes pelo pesquisador, comprovam, entre outros aspectos, as

dificuldades de caráter financeiro e técnico, bem como a falta de mão de obra

qualificada para o trabalho de preservação que são enfrentadas pela maior parte dos

arquivos. De acordo com a pesquisa feita por ele,

83% dos entrevistados afirmam não ter conhecimento necessário para

o tratamento adequado de documentos digitais. Apenas um desses

considera possuir condições para o manuseio desse tipo de material,

contudo, não possui qualquer fundamentação teórica para a execução

de suas tarefas (da produção à preservação) além da sua própria

prática; e não apresenta resultado satisfatório quando demonstra sua

“metodologia” de trabalho. 46

Citando Margareth Hedstrom, Alessandro Costa afirma que: “a informação

digital não sobrevive por um acaso” 47

. A preservação é uma atitude racional e

deliberada, intimamente ligada à importância que nós, como sociedade e produtores de

informação, atribuímos à sua manutenção.

Observando este novo cenário, que expõe a tendência de se converter

informação analógica em informação digital, como alternativa para a preservação e

difusão de acervos audiovisuais, foi defendida por Alexandre Furst, também na UFMG,

em 2008, a dissertação “Vulnerabilidade de películas cinematográficas: manuseio,

conservação, digitalização” 48

. Em seu trabalho, Furst apresenta não apenas

características das películas cinematográficas, mas também os tipos de deterioração que

podem atingi-las, como devem ser manuseadas, conservadas e catalogadas nos acervos.

Sobre a digitalização das películas, o autor apresenta os meios de captura considerados

mais adequados, as opções de armazenamento, características de mídias e formatos de

arquivos digitais, que garantam que a cópia digital não sofra tantas perdas, em relação

ao original. Aborda, também, aspectos positivos e negativos da digitalização. Sua

pesquisa está voltada, principalmente, para aspectos técnicos da preservação e nela,

procura deixar claro que a digitalização não garante a preservação do filme.

46

Idem, pp. 181, 182. 47

Idem, p. 180. 48

Disponível em http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/handle/1843/JSSS-

7WNHJG/dissertacao_alexandre_furst_vulnerabilidade.pdf?sequence=1. Acesso em: 29/08/2013.

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“A experiência brasileira na conservação de acervos audiovisuais: um estudo

de caso” 49

é o título da pesquisa empreendida por Maria Fernanda Curado Coelho e

defendida em 2009, na USP. Também focada nas questões técnicas da conservação,

com o olhar do técnico que lida diretamente com o acervo, Maria Fernanda aborda, de

maneira cronológica – abrangendo um período entre 1946 e 2001 –, a evolução da

conservação audiovisual na Cinemateca Brasileira.

Voltado para outra vertente relacionada à preservação de filmes, “Entre grãos e

pixels, os dilemas éticos nas restaurações de filmes: o caso de Terra em Transe” 50

,

dissertação escrita por Marco Dreer Buarque e defendida em 2011, na FGV, no Rio de

Janeiro, enfoca, como o próprio título descreve, questões relacionadas à restauração de

filmes, destacando “os dilemas éticos” desta atividade. Segundo o autor, o uso da

tecnologia digital na restauração de películas foi acentuado a partir dos anos 1990. O

uso desta tecnologia teve consequências que, de alguma forma estão interligadas: trouxe

a possibilidade de intervenções impossíveis de serem executadas sem as ferramentas

digitais que, por sua vez, provocou debates sobre a natureza ética destas intervenções.

Neste sentido, seu trabalho objetiva verificar, “em que medida a restauração digital que

vem sendo praticada no Brasil interfere nos aspectos que se referem à linguagem de um

filme” 51

. Sua abordagem apresenta conceitos e busca historicizar a restauração de

filmes no Brasil, retomando antigas experiências relativas a tal atividade e analisando

casos de restaurações digitais já efetuadas no país, mas sem a intenção de detalhar

técnicas de restauração. Seu estudo de caso é o filme Terra em transe, de Glauber

Rocha.

Entre as publicações internacionais, “The death of cinema”, de Paolo Cherchi

Usai, lançado em 2001, com prefácio de Martin Scorsese, é uma obra escrita quando a

tecnologia digital começava a se sobressair na produção, restauração e difusão do

patrimônio cinematográfico. Nesse contexto, o autor reflete de maneira crítica, fazendo

uso de aforismos e imagens, sobre a preservação de filmes que, sob grande pressão do

mercado, inicia o século em um cenário de poucos recursos e muitas incertezas sobre as

garantias que a revolucionária tecnologia prometia. Em meio a uma rica abordagem de

49

Disponível em http://www.pos.eca.usp.br/sites/default/files/file/bdt/2009/2009-me-coelho_maria.pdf.

Acesso em: 29/08/2013. 50

Disponível em

http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/8466/CPDOC2011MarcoDreer.pdf?sequenc

e=1. Acesso em: 29/08/2013. 51

BUARQUE, 2011, p. 6.

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- 41 -

tópicos relacionados ao cinema e sua preservação, Cherchi Usai leva o leitor a repensar

a própria história da sétima arte.

Uma das mais recentes publicações sobre preservação de patrimônio fílmico,

que foi fundamental para esta pesquisa, é “Saving Cinema: the politics of preservation”.

Escrita por Caroline Frick e publicada em 2011, a obra versa sobre o movimento de

preservação fílmica, cujo crescimento pode ser observado no decorrer do século XX.

Nesse contexto, a autora analisa o efeito deste movimento para o patrimônio

cinematográfico norte-americano, bem como a adoção, por parte dos arquivistas de

imagens em movimento, de uma retórica discursiva que, baseada na tendência

internacionalmente difundida pela UNESCO, passa a se valer da ideia de filmes como

patrimônio cultural para fomentar políticas públicas.

Políticas públicas

Políticas públicas específicas para a preservação do patrimônio

cinematográfico ou, de forma mais abrangente, patrimônio audiovisual, parece ser um

assunto ainda bastante inexplorado no meio acadêmico, considerando-se a dificuldade

de se encontrar bibliografia sobre a questão.

Ações do Estado brasileiro junto ao cinema nacional podem ser observadas,

principalmente, a partir da década de 1930. Embora elas coincidam com o período no

qual as políticas de patrimônio começaram a ser implantadas, pode-se constatar que a

preservação de bens cinematográficos não foi contemplada, naquele momento, nas

ações empreendidas na esfera do patrimônio. Visto como um forte meio de apelo junto

ao público, a história do cinema brasileiro mostra que, além de uma preocupação em

criar mecanismos de censura dos filmes, em especial durante os períodos de ditadura, o

Estado teve um papel ativo e importante, principalmente, nas atividades de produção e,

com menos intensidade, na distribuição e exibição dos filmes brasileiros, que sempre

tiveram que competir, em ampla desigualdade de condições, com o cinema americano

que monopolizou o mercado brasileiro desde muito cedo. 52

52

Segundo afirma Viany, “desde muito cedo, o mercado brasileiro tornou-se de grande importância para

os centros produtores da época. [...] Em 1915, num concurso de popularidade efetuado no Brasil, os

quatro primeiros postos foram ocupados pela italiana Francesca Bertini, pelos dinamarqueses Nielsen e

Psilander, e pelo norte-americano Maurice Costello. Daí por diante, porém, garantidos pelos grandes

bancos, que pouco a pouco haviam tomado o controle dos estúdios, os filmes norte-americanos

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A hegemonia das produções norte-americanas no circuito de exibição brasileiro

é uma realidade que ainda perdura e com a qual o mercado brasileiro de cinema sempre

teve que lidar em condições desiguais. Por isso, sempre precisou contar com leis

protecionistas que obrigassem a exibição de uma porcentagem de filmes brasileiros no

circuito das salas de cinema, posteriormente na TV aberta e, a partir de 2013, nos canais

de televisão pagos. Mesmo em períodos considerados bem sucedidos, a presença do

público nos filmes brasileiros é, com algumas exceções, extremamente inferior ao

público que prestigia os filmes estrangeiros.

Por isso, sempre houve um empenho por parte dos realizadores e produtores de

filmes no Brasil para que houvesse uma legislação capaz de proteger o cinema nacional

da invasão do cinema estrangeiro, notadamente o norte-americano, no mercado

brasileiro, e uma atuação do Estado no sentido de incentivar a produção de filmes e

impulsionar sua trajetória no mercado de exibição.

Provavelmente, esta seja a razão pela qual, quando se fala em políticas públicas

para o cinema, em geral, pensa-se, primeiro, em políticas para a produção, proteção e

distribuição comercial de filmes, questões que, com mais frequência, estiveram e

continuam a estar no centro das discussões e lutas de boa parte dos envolvidos no

campo cinematográfico.

Contudo, mesmo inseridos em um contexto desfavorável e pouco visível no

cenário político e cultural brasileiro, podem ser observadas algumas tentativas dos

agentes envolvidos na preservação do patrimônio e da memória do cinema brasileiro, no

sentido de fomentar ações junto ao governo federal capazes de trazer soluções para a

área da preservação do patrimônio cinematográfico. Infelizmente, muitas dessas ações

nunca se concretizaram. Entre elas, está a Resolução nº 34 do Instituto Nacional de

Cinema (INC), de 19 de fevereiro de 1970, que “criou” uma Cinemateca Nacional.

Embora tal cinemateca nunca tenha saído do papel, esta Resolução teve um significado

importante para a área, pois, pela primeira vez, “em um documento oficial, o Estado

Brasileiro fala em patrimônio fílmico e assume a preservação do acervo

cinematográfico do país como sua responsabilidade.” 53

começaram a entrar com maior força em nosso mercado, eliminando gradativamente, através de uma

produção e uma publicidade maciças, os demais concorrentes.” (VIANY, 2009, p. 25-26). Para mais

informações sobre a história do Cinema Brasileiro, são indicados os seguintes títulos: Introdução ao

cinema brasileiro, de Alex Viany; “Cinema: trajetória no subdesenvolvimento”, de Paulo Emilio Sales

Gomes; “Historiografia clássica do cinema brasileiro”, de Jean-Claude Bernardet e “Cinema brasileiro:

das origens à retomada”, de Sidney Ferreira Leite. 53

LINDNER, 2013, p. 101.

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- 43 -

Outra tentativa de diálogo, junto ao Estado, empreendida por representantes da

área de preservação do patrimônio cinematográfico foi o Simpósio sobre Cinema e

Memória, ocorrido entre os dias 17 e 19 de agosto de 1979, no Palácio da Cultura, na

cidade do Rio de Janeiro.

Aberto pelo então Secretário de Assuntos Culturais do MEC, Márcio Tavares

do Amaral, seguido de Celso Amorim que, na época, era Diretor Geral da Embrafilme –

empresa realizadora do evento em conjunto com a Cinemateca Brasileira e Cinemateca

do MAM-RJ –, o simpósio acentuou o viés político que a causa exige. “Cinemateca

Imaginária: Cinema e Memória”, obra que conta com a colaboração de Carlos Augusto

Calil, Sérvulo Siqueira e outros autores para sistematizar os debates ocorridos na época,

apresenta como objetivo principal do simpósio a necessidade de se discutir a situação

das pesquisas, catalogação da filmografia e conservação de filmes, com o intuito de se

elaborar um documento que propusesse soluções e definisse as prioridades da área. 54

A leitura dessa obra, quando comparada a outros documentos mais recentes,

nos quais estão registrados problemas, preocupações, reivindicações e proposições de

instituições responsáveis pela salvaguarda do patrimônio cinematográfico, deixa claro

que muitos problemas levantados naquela época ainda não foram equacionados e que

algumas reivindicações permanecem as mesmas. Obviamente, houve avanços: o campo

está mais organizado e tem procurado abrir espaço e se inserir cada vez mais nos órgãos

federais responsáveis pelas políticas culturais, educacionais e patrimoniais; a ampliação

de ações para além do eixo Rio-São Paulo vem paulatinamente acontecendo; foi criada

uma resolução para garantir o depósito legal de filmes feitos no Brasil. No entanto, a

área de preservação permanece ainda carente de políticas públicas eficientes; o acesso e

a difusão aos bens cinematográficos preservados ainda é restrito; a criação de arquivos

de filmes regionais precisa ser concretizada e a regulamentação do profissional que atua

na área ainda precisa ser proposta e aprovada.

Além disso, esses documentos mostram que há ainda um longo caminho para

que o reconhecimento do valor cultural, documental e artístico do cinema no Brasil, sua

importância para a memória do país e a necessidade de sua preservação possam ser

observados na sociedade de maneira mais ampla.

Essas e outras situações que deixam à mostra os meandros, os impasses e as

dificuldades enfrentadas na relação entre o Estado e a área de preservação de bens

54

As conclusões deste simpósio estão descritas no anexo 4.

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cinematográficos e audiovisuais são relatadas, em detalhes, na única tese sobre políticas

públicas para o audiovisual que consegui localizar. Defendida em 2013, na

Universidade Federal da Bahia, no Programa da Pós-Graduação em Cultura e

Sociedade, “Políticas para a preservação audiovisual no Brasil (1995-2010) ou: ‘para

que eles continuem vivos através de novos modos de vê-los’”, a pesquisa desenvolvida

por Maria Laura Bezerra Lindner “busca o lugar da preservação do patrimônio

audiovisual brasileiro entre as políticas federais de cultura, com foco no período

compreendido entre 1995 até 2010”. Com base em ampla pesquisa, a autora confere a

seu trabalho um olhar cuidadoso e adota uma postura crítica para descrever as ações do

governo federal e as lutas do setor de preservação audiovisual. Em suas observações,

Lindner reconhece que o setor está passando por uma fase de amadurecimento e

transformações e destaca a necessidade de deslocar as ações voltadas para a prática da

preservação para além do eixo Rio-São Paulo. Segundo ela, a ampliação do alcance

destas ações será fundamental para a implementação de um projeto nacional de

preservação audiovisual. Além disso, sua pesquisa comprova que as políticas públicas

voltadas para a preservação audiovisual são historicamente marcadas por

descontinuidade, avanços e retrocessos e, neste contexto, entende que

a consolidação da preservação audiovisual é parte do processo de

fortalecimento institucional da cultura. O setor não pode ser

dependente da sensibilidade de indivíduos; as políticas não podem

depender de amizades e inclinações pessoais; precisa haver um

determinado nível de ação, que permaneça independente dos gestores

transitórios. Isso só será possível quando, por um lado, os poderes

públicos e a sociedade civil conjuntamente definirem e

implementarem uma política nacional para a área. 55

Nesse sentido, pode-se pensar que a interferência ou o papel do Estado

brasileiro tem sido importante em algumas áreas do cinema, mas no que se refere ao

aspecto do reconhecimento do valor da produção cinematográfica, como um bem que

deve ser preservado, e a promoção de políticas públicas e investimentos financeiros para

este fim tem sido, praticamente, inexistente durante muitos anos e, só muito

recentemente, começa, pouco a pouco, a avançar.

Não há dúvida de que o lugar incerto que o cinema brasileiro ocupa na esfera

cultural do país – cuja cultura é, ela mesma, relegada a um segundo plano – é, ao

mesmo tempo, uma causa e um agravante para este cenário.

55

LINDNER, 2013, p. 210.

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Sobre este aspecto, a pesquisa de Maria Laura Bezerra Lindner destaca que a

distribuição de recursos financeiros é sempre cercada de disputas e conflitos e,

considerando-se o lugar “periférico” que a preservação do patrimônio audiovisual,

historicamente, tem ocupado, a luta por recursos voltados para sua prática – travada

cada vez mais no campo político – se dá em condições desiguais. Para exemplificar, cito

um trecho da tese de Lindner.

Bastou uma indisposição entre grupos políticos na Câmara dos

Deputados, em 1962, para que a já acordada dotação para a FCB fosse

inviabilizada. A Cinemateca Nacional criada pelo INC em 1970,

nunca chegou a existir. A inserção da preservação na Política Nacional

de Cinema de 1986 pode ter significado um avanço no âmbito do

discurso, mas teve pouca relevância na prática. Nos anos 2000, o

necessário fortalecimento da Cinemateca Brasileira foi guiado por um

pensamento tecnocrata que privilegiava feitos de visibilidade em

detrimento da missão central da instituição – a preservação; pode-se

dizer, além disso, que a valorização da Cinemateca Brasileira ocorreu

em detrimento de uma política nacional de preservação audiovisual,

num governo que investiu na descentralização das políticas de

cultura.56

As consequências da escassez e pouca eficácia de políticas públicas voltadas

para a preservação do patrimônio cinematográfico e audiovisual têm se refletido nos

graves problemas que as cinematecas, em sua maioria, ainda têm enfrentado.

Somente mais recentemente é que pôde ser observada uma cobrança maior e

uma participação mais efetiva dos arquivos de filmes que, liderados pela ABPA,

começam a entrar de maneira mais organizada na disputa pela elaboração de políticas

públicas e verbas que contemplem, também, a atividade preservacionista.

Conforme explicitado anteriormente, preservação é um conceito amplo que

congrega outros tais como a prospecção, a conservação e a restauração, por exemplo,

com o propósito principal de possibilitar o acesso ao material audiovisual seja a longo,

médio ou curto prazo. Neste sentido, faz-se necessário pensar políticas públicas para a

ação preservacionista em sua totalidade.

56

Idem, p. 206.

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2.1.2- Patrimônio cinematográfico: em busca de uma abordagem própria

Para ampliar minha compreensão sobre o campo da preservação do patrimônio

e da memória do cinema, visitava livrarias à procura de obras publicadas e realizava

pesquisas na internet. Usando as palavras “patrimônio cinematográfico” para os sites

brasileiros e “cinema heritage” para os sites internacionais fui descobrindo um “mundo”

de instituições, associações e afins em diversos países, entre eles o Brasil, que traziam

conhecimentos técnicos sobre preservação, anunciavam a restauração de obras

cinematográficas que quase haviam se perdido, informavam sobre mostras e festivais de

filmes e enfatizavam a urgência de se preservar a sétima arte. No entanto, havia um

problema. Embora nos sites que visitava e nas leituras que fazia, aparecesse a expressão

“patrimônio cinematográfico” – conceito central de meu trabalho –, nenhum deles

explicava ou comentava este conceito. Mesmo toda a literatura sobre memória e

patrimônio a que tive acesso, no curso de Memória Social, não fazia menção ao cinema.

Isto me trouxe grande inquietação sobre os rumos que teria que seguir e as mudanças

que teriam que ser feitas para dar prosseguimento a minha pesquisa.

Para meu alívio e surpresa, encontrei, em fins de 2010, um documento da

UNESCO que, traduzido para o espanhol intitulava-se “Patrimonio Cinematográfico

Nacional”, que abordarei com mais detalhes no próximo capítulo. De posse deste

documento, julgava ter encontrado um objeto de estudo dentro do meu tema de

pesquisa. E, principalmente, achava que ele possuía um peso importante para as

instituições de patrimônio cinematográfico. Afinal de contas, era um documento com a

chancela da UNESCO. No entanto, como veremos adiante, esta expectativa não se

confirmou totalmente.

O ano de 2011, quando iniciei o terceiro semestre do doutorado, foi crucial

para mim. Era tempo de aprofundar a pesquisa, sentir como ela reverberava nos

congressos que discutiam questões do patrimônio, da memória e do cinema, expô-la a

debates, considerações e críticas, sair um pouco da teoria e fazer um reconhecimento

prático do campo que eu me propunha a pesquisar. Além disso, já havia sido acordado,

em conversa com minha orientadora, a necessidade de fazer entrevistas com

representantes da área de preservação do patrimônio cinematográfico.

A partir de então, uma nova etapa de trabalho se iniciava.

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Cinema Patrimônio: CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto

Em junho daquele ano, fui a Ouro Preto para participar como ouvinte e,

principalmente, como observadora da 6ª CineOP (Mostra de Cinema de Ouro Preto). O

slogan Cinema Patrimônio, adotado pelo evento, serviu como uma isca, um convite

irrecusável e, ao mesmo tempo, me sugeriu de pronto a possibilidade de me apropriar

um pouco mais do conceito que eu buscava entender, em meio à carência de bibliografia

ou outras fontes de informação.

O evento funcionou para mim como um batismo. Foi ali que eu conheci e fiz

contato, pela primeira vez, com pessoas da área, bem como com suas inquietações e

interesses e pude sentir, de perto, o empenho e o esforço empreendidos por aquele grupo

de pessoas – professores, pesquisadores, arquivistas, conservadores, cinéfilos, cineastas

– em prol da valorização, divulgação, construção e preservação do patrimônio e da

memória do cinema brasileiro.

Nascido em 2006, a CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto – completou

sua oitava edição em 2013, firmando-se como um dos mais importantes acontecimentos

voltados para o patrimônio e a memória do cinema brasileiro e como “fórum

privilegiado para a reflexão e encaminhamento das ações sobre preservação audiovisual

no Brasil.” 57

Preservação, história e educação são as três temáticas principais sobre as quais

o evento se desenvolve, tendo cada uma delas um curador diferente e programações que

se desenrolam paralelamente. Com base nesses temas, são propostos, além da exibição

de filmes antigos restaurados e dos filmes inscritos para a mostra, seminários, oficinas,

debates em mesas temáticas e exposições. Durante um período de seis dias, os

participantes têm a sua disposição uma variada programação e podem assistir a filmes,

se informar, debater e dialogar sobre o Cinema em variados aspectos. O evento conta

ainda com ampla parte do programa voltada para o público infanto-juvenil e com

Sessões na Praça, momento em que o cinema se aproxima mais intimamente do público

não especializado.

A cada ano, diferentes personalidades do campo do cinema são homenageadas

– Joaquim Pedro de Andrade, Nelson Pereira dos Santos, Glauber Rocha, Rogério

Sganzerla, Zezé Motta, Rudá de Andrade, Carlos Manga, Jurandyr Noronha e Walter

57

Carta de Ouro Preto, 16 de junho de 2013. Disponível em http://www.cineop.com.br/carta-ouro-

preto.php?menu=encontro&item=carta. Acesso em: 14/11/2013.

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Lima Jr estão entre os que já receberam homenagem – e uma retrospectiva de sua vida,

suas obras, sua atuação e importância para o cinema são retomadas.

Nesse sentido, essa mostra de cinema pode ser considerada um “lugar de

memória” que, nos termos de Nora, nasce e vive “do sentimento que não há memória

espontânea” 58

e se configura em um espaço de transformação da memória que,

condenada ao esquecimento, é reconstruída em forma de história: a história do cinema

brasileiro.

Além disso, a CineOP pode também ser vista como um momento de promoção

da experiência cinematográfica tão cara aos cinéfilos.

No que se refere à preservação, este evento tem buscado trabalhar no sentido

de promover a aproximação do setor de preservação do cinema e do audiovisual junto

ao Estado Brasileiro. Por isso, a CineOP promove, anualmente, o Encontro Nacional de

Arquivos e Acervos Audiovisuais Brasileiros. Este encontro, de acentuado caráter

político, tem reunido, ao longo dos anos, representantes de dezenas de instituições

responsáveis pela preservação do patrimônio audiovisual. Juntos eles participam de

palestras, debates e reuniões que abordam questões referentes ao futuro da preservação

audiovisual, gerenciamento e acesso aos arquivos e acervos, modelos de gestão, estudos

de casos de restauração de filmes brasileiros, ensino de preservação audiovisual, entre

outras.

O Encontro ocorrido em 2013 contou com a participação do australiano Ray

Edmondson, autor da obra “Audiovisual archiving: philosophy and principles”, escrita

em 1998, a pedido da UNESCO. Considerada uma referência para o setor de

preservação de filmes e demais obras audiovisuais, a obra foi traduzida, publicada e

lançada durante o Encontro de Arquivos da 8ª CineOP. Em sua conferência de abertura,

“Balanço de um campo: a arquivística audiovisual”, Edmondson apresentou uma

avaliação e uma reflexão sobre como as formulações de uma ciência própria da

preservação, feitas em uma época de grandes transformações tecnológicas, são

recebidas nesta nova conjuntura.

Ao final de cada Encontro de Arquivos, uma carta é elaborada e disponibilizada

no site do evento. As Cartas de Ouro Preto (ver anexo 1) funcionam como um registro,

disponibilizado ao público, das considerações, proposições, resoluções,

encaminhamentos e demandas que são identificadas e formuladas durante o evento.

58

NORA, 1993, p. 13.

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Desde 2008 – ano em que foi criada, durante o 3º Encontro em Ouro Preto –, o

encontro acontece sob a responsabilidade da Associação Brasileira de Preservação

Audiovisual (ABPA) que, em sua ata de fundação (ver anexo 2), procura deixar claro

que a união entre as várias organizações, instituições, entidades e profissionais ligados à

preservação audiovisual é um fator fundamental para o desenvolvimento da atividade de

preservação, para a construção e aprimoramento de políticas públicas para o setor e,

principalmente, para a concretização de um Plano Nacional de Preservação Audiovisual.

Além disso, esta associação reafirma seu compromisso com a salvaguarda de

todo o patrimônio audiovisual – “instrumento essencial e estratégico do

desenvolvimento da sociedade e da cultura brasileira” – distribuído por todos os estados

brasileiros e garante seu respaldo jurídico na militância da causa.

Como professora, não posso deixar de registrar a participação no evento da

Rede Kino, Rede Latino-Ameriana de Educação, Cinema e Audiovisual. Por iniciativa

de um grupo de professores e pesquisadores de diferentes universidades brasileiras, a

Rede foi criada, em 2009, com o “intuito de organizar um primeiro núcleo de pessoas

que trabalham com Educação, Cinema e Audiovisual, para a formação de uma rede

interpessoal e interinstitucional” 59

. Desde 2010, o Fórum da Rede Kino é parte

integrante da CineOP, dentro da temática Educação. Além do Fórum, a instituição

promove sessões de debate que colocam em pauta as questões pertinentes à relação

entre Cinema e Educação e compartilham experiências e reflexões.60

Assim como

acontece com o Encontro de Arquivos, a Rede Kino também redige uma carta ao final

de cada fórum, registrando suas considerações, recomendações e compromissos

assumidos. Entre as ações por ela articuladas está o apoio ao projeto de lei nº 185, de

2008, do Senador Cristovam Buarque, que incorpora e acrescenta à Lei nº 9.394, de 20

de dezembro de 1996, das diretrizes e bases da educação nacional, no seu Artigo 26,

parágrafo 6º, a obrigatoriedade de exibição de filmes e de audiovisuais de produção

nacional nas escolas de educação básica.

Participar de um evento desta natureza foi uma maneira não apenas de penetrar

um pouco mais no universo da preservação de bens cinematográficos, mas também de

59

Ata de constituição da Rede Kino. Disponível em http://redekino.com.br/#/page1. Acesso em:

15/11/2013. 60

Em um ensaio intitulado “Literatura para quê?”, a Professora Analice de Oliveira Martins aborda

questões relacionadas ao diálogo “oportuno” entre a literatura e as práticas audiovisuais, o cinema mais

especificamente, na sala de aula.

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conhecer um pouco mais do patrimônio cinematográfico e da história do cinema

brasileiro.

Conforme registrado no texto de apresentação da 3ª CineOP,

A preservação do cinema e do audiovisual em geral transformou-se

nos últimos anos em um dos temas mais salientes da área cultural no

Brasil. A iminência de perda de obras significativas do cinema

brasileiro, a evolução das técnicas de restauração, a descoberta de

filmes raros ou considerados perdidos dão a tônica às discussões

durante a CINEOP que têm proporcionado uma visibilidade crescente

para um verdadeiro tesouro escondido em cinematecas, arquivos,

redes de televisão, museus e coleções particulares. 61

Há, no entanto, muitas obras que, fazem parte deste “tesouro escondido”, ainda

à espera de serem encontradas e recuperadas para poderem ser conhecidas,

(re)avaliadas, estudadas. E para isso acontecer, o trabalho incansável de prospecção,

restauração, preservação e conservação de filmes, feito pelas cinematecas e arquivos é

de suma importância. Sem estar devidamente recuperado e preservado, um filme não

pode ser exibido, sem ser exibido, sua existência não se realiza efetivamente, pois não

pode ser conhecido.

No caso do Brasil, um país de grande extensão, recortado por tantas regiões

com características bem distintas que abrigam ou já abrigaram polos de produção

cinematográfica importantes no Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco, Minas Gerais e

Rio Grande do Sul, com universidades que têm arquivos de filmes etnográficos que são

importantes documentos e registros das muitas faces, povos e realidades do país, o

trabalho de prospecção, restauro e preservação da cinematografia nacional se mostra

uma tarefa dificílima que, certamente, sem uma participação conjunta, não pode ser

realizada com a abrangência e eficácia necessárias. Nesse contexto, muitas obras

deixam de existir sem que, sequer, se tenha ouvido falar sobre elas.

Acredito que houve, nos últimos vinte anos, e continua a haver um crescente

interesse na produção cinematográfica brasileira que pode ser sentido no meio

acadêmico incentivado, não apenas, pelos cursos superiores de cinema e de pós-

graduação implantados nas universidades. Some-se a isto o desejo preservacionista que

tomou conta das sociedades na contemporaneidade, em meio à “febre” de patrimônio

61

Disponível em http://www.universoproducao.com.br/cineop/7cineop/edicoes-anteriores.php?menu=a-

mostra&item=edAnt&ed=2008. Acesso em: 15/11/2013.

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que contagia inúmeras áreas, inclusive a do cinema, especialmente a partir dos anos

1980. Desse modo, a inserção da filmografia brasileira, no universo acadêmico, de

produções realizadas em todas as épocas, tem sido responsável por uma releitura e uma

revalorização de certos filmes e de certos gêneros que, até há alguns anos, eram

considerados gêneros “menores” e estavam relegados ao esquecimento.

Um exemplo dessa releitura pode ser observada em um pequena entrevista

publicada no jornal “O Globo”, de 14 de abril de 2013, com o título “Mazzaropi

reabilitado”. Nela, a historiadora da UFF, Thaís Valvano, ao comentar sobre sua

monografia “Mazzaropi e a invenção do caipira nas telas do cinema”, reconhece a

importância do ator e de seus filmes para o cinema brasileiro por vinte anos, a partir dos

anos 1950 que, mesmo dentro do gênero comédia, tocavam em questões sociais

“importantíssimas” como o racismo, por exemplo. Além disso, segundo ela, “ele criou a

identidade do caipira, que considerava a terra não como um valor de mercado, mas

como símbolo de identidade”.62

Ao distanciamento temporal que, muitas vezes, favorece estas novas

abordagens, somam-se inciativas como a Mostra de Cinema de Ouro Preto, “cujo eixo

central é tratar o cinema como patrimônio” e que, para isso, “centra o foco

na preservação, memória e identidade.” 63

Ao colocar como seu eixo central “tratar o cinema como patrimônio”, o evento

de Ouro Preto não se preocupa em aprofundar questões relativas ao conceito de

patrimônio, refletir sobre suas particularidades ou eleger obras que devem ser

patrimonializadas/registradas por possuírem este ou aquele valor. Para os especialistas à

frente do evento, Cinema é patrimônio e, com base nesta certeza e no pressuposto de

que “a preservação é uma tarefa que não termina nunca, pois nada ‘foi preservado’ –

apenas está ‘sendo preservado’” 64

, buscam, cada vez mais, reafirmar o discurso

preservacionista sobre o qual as cinematecas e arquivos de filme têm pautado suas

ações.

62

Thaís Valvano, em entrevista publicada na p. 35 de “O Globo”, em 14/04/2013. 63

Texto da 3ª CineOP, disponível em http://www.universoproducao.com.br/cineop/7cineop/edicoes-

anteriores.php?menu=a-mostra&item=edAnt&ed=2008. Acesso em: 17/04/2013. 64

EDMONDSON, 2013, p. 102. Catálogo da 8ª CineOP.

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Congresso da FIAF: um evento internacional de arquivos de filmes

Um dos mais antigos eventos voltados para questões relacionadas ao

patrimônio cinematográfico e à memória do cinema é o Congresso Internacional da

FIAF, que acontece anualmente. O primeiro congresso da Federação ocorreu em Nova

York, em 1939. Nesta época, conforme conta Raymond Borde, a instituição ainda era

um clube fechado e, neste primeiro encontro, nem mesmo os arquivos de Estocolmo,

Milão e Bruxelas puderam participar, ficando o encontro restrito aos quatro arquivos

fundadores.

Em razão da guerra, o segundo encontro só aconteceu em 1945. Foi, a partir de

então, durante o Congresso Internacional de Cinema, em Basileia, na Suíça –

considerado um país neutro para a retomada das relações e articulações de arquivos

europeus –, que os contatos começaram a ser refeitos e as relações restabelecidas.

Conforme esclarece Borde, este Congresso destacou-se pelos encontros pessoais e os

laços de amizade e por uma confraternização de cinéfilos que se repetiu nos dez anos

seguintes.

O fato é que, desde então, cidades nos mais variados países do mundo têm se

revezado na organização e hospedagem destes congressos. Em 2013, houve, em

Barcelona, o 69º Congresso da FIAF, do qual participei. Completamente diferente do

primeiro, este evento reuniu arquivistas e pesquisadores de mais de sessenta países, de

todos os continentes, congregando, aproximadamente, 400 inscritos de 99 diferentes

instituições. Três línguas são, oficialmente, utilizadas durante o evento: francês, inglês e

espanhol. Diferente da maioria, estes congressos têm um forte caráter deliberativo. É a

partir deles que importantes decisões são tomadas e encaminhamentos sobre o

patrimônio cinematográfico, em variados aspectos, são feitos.

Do Brasil, além de um representante da Secretaria do Audiovisual (SAv), havia

representantes das três instituições brasileiras afiliadas à FIAF: Cinemateca Brasileira

(SP), Cinemateca do MAM (RJ) e Arquivo Nacional (RJ). Mais uma vez como

observadora, buscava um olhar mais distanciado sobre as reflexões que ali se

apresentavam.

Tendo como tema “Multiversões”, o 69º Congresso da FIAF cumpriu, em uma

semana, uma intensa programação que incluiu simpósios, fóruns, oficinas, estudos de

casos, visitas culturais, exibição de filmes de diferentes épocas em suas múltiplas

versões e a já tradicional Assembleia Geral da Federação que acontece anualmente

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quando, a cada dois anos, há a eleição de uma Comissão Executiva. Assim como em

qualquer outra eleição, este é um momento de disputa de poder e prestígio.

Ter participado desse evento me ajudou a compreender um pouco mais sobre o

cinema, vivenciar experiências cinematográficas absolutamente oportunas e novas e a

conhecer um pouco mais este amplo universo da preservação de bens cinematográficos

que, em seu movimento mundialmente dinâmico, mobiliza diversos grupos com

interesses e propostas diferentes para os usos e desusos dos filmes.

O(s) grupo(s) que se encontra(m) nos congressos da FIAF, se coloca(m) como

defensores e pesquisadores do cinema e do material audiovisual. Como arte, bem

cultural e documento histórico, o cinema é uma forma de expressão que, por meio de

suas particularidades, pode afetar e contribuir para a compreensão sobre os povos, suas

culturas e sua forma de ver o mundo. Nesses termos, o papel social do cinema precisa

ser seriamente levado em consideração. Ao abraçar e defender a causa da preservação

de bens cinematográficos e audiovisuais, a FIAF, em conjunto com seus afiliados,

propõe-se a trabalhar para não deixar que se apague uma parte fundamental de nossas

próprias histórias, nossos costumes, nossos saberes, nossas evoluções e retrocessos,

nossas proezas e mazelas que os filmes têm registrado e/ou recriado ao longo de mais de

um século.

Durante o período em que ali estive, algumas atividades foram especialmente

marcantes para mim. A visita feita à Filmoteca da Catalunha, cujo Centro de

Preservação e Restauração, localizado no Parque Audiovisual da Catalunha, em

Terrassa, recentemente inaugurado, foi uma experiência singular. Como nunca havia

visitado as instalações completas de uma instituição como aquela, fiquei positivamente

impressionada com a grandeza, não apenas espacial, mas também tecnológica a que tive

acesso. Ali pude ver in loco abrigos supermodernos, especialmente projetados e

cuidadosamente preparados – principalmente, em termos de temperatura e umidade

adequadas – para abrigar separadamente material fílmico em nitrato e acetato/ poliéster,

respeitando as exigências de cada tipo de suporte, para que sejam preservados da melhor

forma possível. São 18 câmaras instaladas no subsolo da edificação, com espaço para

armazenar duzentas mil latas de filmes. No primeiro andar, há uma outra área dividida

em duas partes: uma para tratamento fotoquímico de materiais e a outra para tratamento

digital que é dado tanto a películas originalmente produzidas em suporte digital, como

para trabalhos de restauração digital em material analógico. Nesse setor da Filmoteca,

pude acompanhar uma demonstração de restauração feita por um técnico e observar

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como a tecnologia digital é utilizada nas películas e alguns de seus possíveis efeitos na

imagem final.

Ao participar dessa experiência, aprofundei-me, de maneira mais empírica, da

complexidade do trabalho de preservação fílmica, pude constatar suas demandas

financeiras, técnicas e tecnológicas e lembrei-me do trabalho de mestrado defendido por

Marco Dreer. O poder de manipulação que a tecnologia digital concede aos técnicos é

impressionante e, certamente, ter plena consciência deste poder e ao mesmo tempo

saber até que ponto ele pode e deve ser usado parece ser fundamental para que as

intervenções feitas nas restaurações dos filmes não ultrapassem os limites que a postura

ética e o bom senso exigem em atividades como esta.

Quanto aos simpósios sobre “Multiversões”, por ser este um assunto sobre o

qual eu nunca havia parado para pensar, foi com grande interesse que acompanhei, por

meio das comunicações, palestras e também de uma Exposição, especialmente

preparada sobre esse tema, os variados motivos que levam à existência de um mesmo

filme em diferentes versões: diferentes montagens, gravação de um mesmo filme em

variadas línguas e cortes da censura, entre outros.

Em meio a várias apresentações, houve a do brasileiro Antonio Laurindo Neto,

que trabalha no Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro. Tendo como referência o Arquivo

da Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP) – órgão que, durante o regime

militar, era responsável pela censura das produções artísticas –, sua comunicação versou

não apenas sobre como a censura daquela época gerou versões diferentes de filmes, mas

também sobre todo o tratamento técnico (organização, identificação, descrição,

catalogação, etc.) dado a este material: 444 filmes nacionais e estrangeiros censurados

entre 1972 e 1985. Ele apresentou dois exemplos resultantes do trabalho efetuado neste

arquivo específico. O filme “Cortes da Censura Federal”, realizado com fragmentos de

filmes censurados entre 1968 e 1983, me chamou a atenção, pois incluía as opiniões dos

censores e as razões pelas quais o corte havia sido feito. Segundo Antonio, todas as

informações sobre estes filmes censurados estão disponíveis para consulta no Sistema

de Informações do Arquivo Nacional (SIAN). O outro exemplo por ele trazido foi a

versão digital do filme “Tarumã” que havia sido confiscado em 1975.

Havia grande expectativa para mim sobre uma mesa intitulada “O filme como

patrimônio universal da UNESCO”. Julgava ser esta uma oportunidade de participar de

um debate sobre o papel da UNESCO na patrimonialização dos filmes ou abordagem

semelhante, assunto que muito me interessava. Para minha surpresa, o que se sucedeu

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foi que a artista inglesa Tacita Dean e o premiado cinegrafista mexicano Guillermo

Navarro vieram ao Congresso para solicitar à FIAF que trabalhasse conjuntamente com

a UNESCO para que a película fílmica passe a ser considerada patrimônio e, desta

forma, tentar impedir que sua fabricação seja interrompida.

Em outubro de 2013, Tacita Dean fez sua primeira exposição individual na

América Latina. Batizada de “A medida de todas as coisas”, a mostra, que ficou em

cartaz no Instituto Moreira Sales, segundo reportagem publicada em “O Globo”, é “uma

ode à película — e também um lamento por seu desaparecimento.” A artista, que faz do

filme (sobretudo em 16mm) o suporte para sua arte, parte em defesa da permanência

da película e esclarece seus motivos.

“Eu sou uma artista e preciso do meu suporte. Nós, artistas, amamos

nossos suportes, usamos pintura, pedra, mídia digital, película.

Infelizmente, o meu vem sendo extinto pela indústria do cinema, que

não tem o mesmo entendimento do suporte que um artista tem. Tenho

feito essa campanha para que a indústria acolha a ideia de que há duas

mídias, entenda que existem dois suportes que são diferentes e com os

quais se podem fazer coisas diferentes. Mas a atitude deles é de

absolutismo, de que só um pode continuar.” 65

O 69º Congresso da FIAF foi encerrado em grande estilo. Com a exibição de

uma versão restaurada 66

de “Os Nibelungos” 67

, em sessão especial no Gran Teatre del

Liceu 68

– o teatro de ópera de Barcelona –, vivi uma inesquecível experiência

cinematográfica. Dirigida por Fritz Lang, em 1924, a obra foi integralmente exibida em

suas duas partes, com intervalo de 40 minutos entre elas – parte 1- A morte de Siegfried

(147 minutos) e parte 2- A vingança de Kriemhilds (117 minutos) –, acompanhada da

execução da partitura original do compositor alemão Gottfried Huppertz (1887-1937),

especialmente criada para o filme, a cargo da Orquestra Nacional Jovem da Catalunha.

Essa exibição em tons de espetáculo, além de outros filmes a que pude assistir

ao final de cada dia do congresso, confirmaram a riqueza e diversidade que o

patrimônio cinematográfico representa. Após participar de um evento como esse,

65

Tacita Dean, em entrevista publicada em “O Globo” de 01/10/2013. Disponível em

http://oglobo.globo.com/cultura/tacita-dean-a-arte-da-pelicula-10206329. Acesso em: 21/11/2013. 66

A obra foi restaurada pela Fundação Murnau, em colaboração com a Filmoteca da Catalunha. 67

A 1ª parte desta obra foi exibida no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em março de 2013. 68

Em 31 de janeiro de 1994, o teatro sofreu um incêndio que destruiu seu auditório e palco, causando

grande comoção à sociedade catalã. Sua reconstrução foi feita a partir de projeto de reforma e ampliação

preexistente. O novo teatro, embora tenha sido reconstruído mantendo sua fachada e características arquitetônicas anteriores, teve toda sua infraestrutura técnica modernizada e ampliada. Sua reabertura se

deu em 7 de outubro de 1999.

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entende-se definitivamente porque, mesmo tendo que enfrentar tantas dificuldades, este

grupo não desiste de lutar pela preservação deste patrimônio.

Os diversificados temas que direcionam e sistematizam os debates, a cada

edição deste encontro mundial de arquivos, demonstram a pluralidade e complexidade

de questões que podem ser suscitadas pelo cinema considerando-se seus processos de

produção e exibição, seus formatos, gêneros, sua economia, tecnologia, etc., e como

tantos aspectos precisam ser observados na prática preservacionista. Sendo assim,

acabei me interessando em buscar informações sobre outros Congressos da Federação.

Para tanto, realizei pesquisas na internet, principalmente, no site oficial da FIAF.

O terceiro Congresso da FIAF aconteceu em 1946, em Paris. Em meio a um

tumultuado contexto do pós-guerra, era natural que as preocupações do congresso se

voltassem para a análise e possíveis encaminhamentos frente à destruição de salas,

laboratórios, paralisação da produção, roubo de cópias de filmes e filmes desaparecidos.

No entanto, outras importantes questões foram também suscitadas neste evento em que

importantes decisões foram tomadas.

De acordo com Borde, confirmou-se entre os congressistas reunidos naquele

ano o senso comum da natureza artística e cultural do cinema. Foi destacado também,

durante o evento, o crescimento das coleções em virtude da incansável busca por filmes

antigos. Nesse sentido, uma das decisões tomadas naquele ano tinha, como objetivo, a

difícil tarefa de fazer com que os filmes fossem vistos como algo mais que simples

mercadorias e também promover o reconhecimento do cinema como arte, para além do

restrito circuito de arquivistas e cinéfilos.

“La Federación hace suyo el deseo expresado en Washington por los

delegados del Museum of Modern Art de que se reconozca al film

como un arte, insistiendo em que además es um produto cultural y un

medio para difundir las informaciones y las ideas” (Decisión nº 3).

Em 1946, esto no era evidente y la idea de arrancar un film a la

maldición de mercancia todavia tenía el loco aspecto de un cruzada

solitaria. 69

Se este foi um ponto pacífico entre participantes, na opinião de Borde, outra

questão era o verdadeiro problema a ser enfrentado naquele momento: preservação ou

69

BORDE, 1991, p. 97. “A Federação aprova o desejo expressado em Washington pelos delegados do

Museu de Arte Moderna de que se reconheça o filme como uma arte, insistindo que, além disso, é um

produto cultural e um meio de difusão de informações e ideias” (Decisão nº 3).

Em 1946, isto não era evidente e a ideia de arrancar do filme a maldição de mercadoria tinha, portanto, o

aspecto louco de uma cruzada solitária. (Livre tradução da autora desta pesquisa.)

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difusão de filmes? Que ação deveria ser priorizada pelos arquivos de filmes e

cinematecas? Infelizmente, este debate não aconteceu naquele momento. Ao refletir

sobre esta situação, Raymond Borde entende que

Estuvo a punto de aflorar, pero sin duda los espíritus no estaban

preparados y el congreso no lo debetió. Es una lástima. Un gran

debate hubiese hecho avanzar diez años la teoría del archivo,

ayudando a los jóvenes archivos cinematográficos a tomar conciencia

de la elección que tenían que hacer entre la preservación y el

espectáculo, para definir su propia identidad, su política y su futuro. 70

Outras ideias foram apresentadas e outros pontos essenciais foram trazidos à

luz naquele Congresso ocorrido imediatamente após a guerra. Entre elas, a necessidade

de intercâmbio de informações técnicas. Sobre este assunto, a recomendação da

Federação foi a de que as pesquisas feitas em todos os países, visando à preservação de

filmes, fossem compartilhadas entre todos os membros da instituição.

Essa recomendação demonstra que a tarefa de preservar filmes era ainda nova

para muitos, e que havia incontáveis lacunas nos conhecimentos técnicos necessários

para efetuá-la com sucesso. O fato de não haver um manual sobre como preservar o

artefato fílmico fez com que a elaboração das técnicas de preservação de filmes fosse

um exercício realizado em conjunto, na prática diária da preservação, com base, muitas

vezes, em erros e acertos, o que resultou, certamente, em muitas perdas.

Alguns países mais desenvolvidos como Alemanha e França, por exemplo,

atingiram progresso técnico e tecnológico na preservação mais rapidamente. Na prática,

isso significou que certos países tinham condições de preservar de forma mais adequada

seu patrimônio cinematográfico e que sua participação na evolução do processo de

conhecimento da preservação de bens cinematográficos foi fundamental.

As práticas preservacionistas ainda são desiguais entre os países e muitos deles

ainda enfrentam dificuldades de ordem financeira, tecnológica e de mão de obra

qualificada. No Brasil, em sua tese de doutorado, Alessandro Ferreira Costa constatou

em pesquisa feita em seis instituições 71

de Belo Horizonte que, em algumas delas, o

70

Idem, p. 92. Esteve a ponto de aflorar, mas sem dúvida os espíritos não estavam preparados e o

congresso não o debateu. É uma pena. Um grande debate teria feito a teoria dos arquivos avançar dez

anos, ajudando aos jovens arquivos cinematográficos a tomar consciência da escolha que teriam que fazer

entre a preservação e a exibição, para definir sua própria identidade, sua política e seu futuro. (Livre

tradução da autora desta pesquisa.)

71

A pesquisa realizada dividiu as instituições em dois grupos: grupo 1- Produção documental, grupo 2 -

Gestão documental. No primeiro grupo estão o Departamento de Fotografia, Teatro e Cinema da Escola

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trabalho de preservação é feito precariamente, sem “fundamentação científica” e que,

em muitos casos, o funcionário responsável por tal atividade desconhece qualquer “base

normativa de guarda e preservação estabelecidas pela FIAF” 72

. Esse desconhecimento

técnico e a precariedade na preservação deixam o patrimônio cinematográfico ainda

mais vulnerável.

Ainda no Congresso de 1946, duas outras importantes decisões podem ser

ressaltadas. A primeira refere-se ao fato de a FIAF ter-se comprometido a intervir junto

à UNESCO para conseguir a livre circulação dos filmes de arquivo. A segunda

propunha a criação de uma legislação que protegesse os filmes em perigo de

desaparecimento e adoção, por parte de todos os países, da obrigatoriedade do depósito

legal de filmes. Foram necessários quase quarenta anos para que esta legislação se

tornasse realidade. Para Borde, “cuando sabemos que la UNESCO esperó hasta 1980

para recomendar a sus membros que instituiyesen un depósito obligatorio, por otra parte

limitado a la producción nacional, podemos medir la fuerza de resistencia de la industria

capitalista.” 73

Dando um salto no tempo, em 1978, houve, na Inglaterra, o Congresso de

Brighton. Com o tema “Cinema: 1900-1906”, esse é considerado um dos mais

importantes Congressos para a história do cinema, um evento fundamental para a

redescoberta e reavaliação do cinema produzido em seus primeiros anos. A explicação

para isso segue abaixo.

O renascimento das pesquisas sobre o começo do cinema também foi

fortemente impulsionado pelo trabalho de um grupo de arquivistas de

visão, particularmente Eileen Bowser, David Francis e Paul Spehr.

Eles propuseram que os primeiros filmes fossem analisados por

especialistas e organizaram um encontro decisivo. Em 1978, a

conferência "Cinema 1900-1906" foi patrocinada pela Federação

Internacional dos Arquivos de Filmes (FIAF) em Brighton, Inglaterra.

Nesse simpósio, pesquisadores e arquivistas debateram juntos novos

critérios de datação, identificação e interpretação para os filmes de

ficção. Era a primeira vez que se fazia uma discussão sistemática e

coletiva sobre os primeiros filmes de um ponto de vista distinto

daquele das histórias clássicas do cinema, e que tentava descobrir por

de Belas Artes - Universidade Federal de Minas Gerais e Faculdade de Comunicação e Artes - Centro

Universitário UNA. O segundo grupo é formado pela Biblioteca da Escola de Belas Artes – UFMG, o

Centro de Referência Audiovisual da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte – CRAV, o Arquivo

Público da Cidade de Belo Horizonte e o Arquivo Público Mineiro. 72

COSTA, 2007, p. 141. 73

BORDE, 1991, p. 95. “Quando sabemos que a UNESCO esperou até 1980 para recomendar a seus

membros que instituíssem um depósito obrigatório, por outro lado limitado à produção nacional, podemos

medir a força de resistência da indústria capitalista.” (Livre tradução da autora desta pesquisa.)

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que os primeiros filmes eram tão diferentes do que veio depois. A

partir de Brighton, as pesquisas sobre o período se multiplicaram e

trouxeram à baila a importância de se entender os filmes em seu

contexto específico. 74

Embora o foco desse Congresso não tenha sido diretamente a preservação, suas

técnicas, etc., ele foi de extrema importância para a valorização e revisão deste período

da história do cinema e, de certa forma, abriu outras possibilidades de atuação e a

necessidade de intervenção da FIAF em relação às muitas questões que eram discutidas

em função do avanço das pesquisas sobre o cinema.

Ao observar a lista de Congressos anteriores da FIAF (anexo 3), vê-se que os

mais variados temas já estiveram em sua pauta. No entanto, chama a atenção o fato de a

questão digital ser um tema que já se repetiu em quatro encontros. O primeiro foi em

Camberra, em 1986. Com o título “Aplicações da Informática nos Arquivos de Filmes /

Problema técnico e aético da restauração de filmes”, esse Congresso antecipou

problemas referentes a restaurações feitas digitalmente nos filmes, antes mesmo que a

tecnologia digital estivesse desenvolvida como atualmente. Doze anos depois, em 1998,

o assunto voltou no Congresso ocorrido em Praga: “Digitalização de materiais de

arquivo”. Na primeira década do século XXI, o tema já esteve presente em dois

Congressos. Em 2006, ano em que comemorou 60 anos, a Cinemateca Brasileira, em

São Paulo, sediou o 62º Congresso, com o tema “O futuro dos arquivos de filmes no

mundo do cinema digital: arquivos de filmes em transição”. O texto publicado no

terceiro boletim informativo do evento apresenta as questões que nortearam esse

encontro.

A ética e a tecnologia se deparam mais uma vez em nosso mundo.

Dentro de poucos anos, dez no máximo, os cinemas exibirão imagens

digitais em projetores digitais e filmes, se ainda existirem. Os arquivos

de filmes precisam se planejar para enfrentar essas mudanças, algumas

das quais resultarão em questões desconhecidas até o momento. O

simpósio objetiva iluminar todas as questões e explorar alguns dos

problemas técnicos e éticos envolvidos nessa transformação. Espera-

se que os arquivos não se transformem em instituições “mortas”, mas

que continuem a guardar, restaurar e dar acesso a esse novo modelo de

cinema e suas inter-relações com os mercados de vídeo e outras

mídias (DVDs, periféricos), agora tão interligados que é preciso

identificá-los ano após ano.

[...]

74

COSTA, 2006, p. 22. Disponível em http://www.passeidireto.com/arquivo/2061351/historia-do-

cinema-mundial/4. Acesso em: 23/11/2013.

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Faz parte do evento uma mostra de filmes com demonstração de

projeções digitais do cinema contemporâneo, ou restaurados, vindos

de várias partes do mundo.

Os temas incluirão instruções sobre a tecnologia do cinema digital e a

moderna pós-produção digital intermediária, e apresentações sobre

cinema digital e formatos de preservação digital de longa duração. As

mesas de discussões explorarão os problemas, questões e debates

filosóficos que se configuram necessários para o futuro dos arquivos

de filmes. 75

“Desafios digitais e oportunidades digitais na arquivística audiovisual” foi o

título do Congresso ocorrido em Oslo, em 2010, o mais recente a tratar da questão

digital, que tem demandado mudanças na forma de gerenciar os arquivos, restaurar e

preservar os materiais fílmicos. Provavelmente, outros Congressos virão, futuramente,

para aprofundar outros tópicos sobre o assunto que ainda não foram totalmente

debatidos.

No próximo ano, 2014, haverá em Skopje, Macedônia, o 70º Congresso da

FIAF que terá como tema os Cem anos da 1ª Guerra Mundial (GM). Nesse evento

duplamente comemorativo, os arquivos estão convidados a apresentar, compartilhar e

comparar filmes que foram feitos imediatamente antes e durante o período deste

acontecimento histórico que trouxe consequências que afetaram todo o mundo.

Conforme esclarece o 1º boletim informativo do evento 76

, muitos foram os

filmes feitos sobre a 1ª GM, especialmente por empresas sediadas em países como

Alemanha, França e Grã-Bretanha. Diretamente envolvidas na guerra, estas nações não

possuíam apenas poder político e bélico. Elas eram também nações, já naquela época,

com conhecimento técnico e com profissionais capazes de fazer filmes que,

posteriormente, puderam ser restaurados e preservados por esses países. Embora muitos

desses registros históricos já sejam conhecidos, a FIAF acredita que ainda há muitos

deles à espera de serem (re)descobertos em arquivos de outros países – especialmente

aqueles que estiveram indiretamente envolvidos na guerra – e em arquivos menores.

Esses materiais ainda desconhecidos tanto do público como dos próprios arquivos, que a

FIAF espera poder mostrar no próximo evento.

75

Terceiro boletim informativo do 62º Congresso da FIAF. Disponível em

http://www.fiafcongress.org/2006/Content/Newsletter%203%20PORT.pdf. Acesso em: 25/11/2013. 76

O 1º boletim informativo do evento está disponível em http://www.fiafcongress.org/2014/index.html.

Acesso em: 27/11/2013.

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Aprofundando e desenvolvendo a pesquisa

A construção de meu objeto de pesquisa aconteceu de forma lenta e gradual e

me exigiu disciplina e empenho. Ao pisar em um campo ainda não consolidado, em fase

de amadurecimento, com conceitos e teorias ainda sendo elaborados e firmados, tive

que enfrentar alguns obstáculos para conseguir embasar teoricamente meu trabalho.

Todo o conjunto de pontos essenciais da pesquisa – tema, título,

problematização, objetivo geral, objetivos específicos, hipóteses, metodologia e

bibliografia – foram discutidos, conversados, colocados em xeque, questionados,

revistos e refeitos, em conjunto com minha orientadora, até que chegássemos a um

consenso sobre, dentro do que foi planejado, o que realmente seria possível realizar por

meio de uma abordagem pessoal.

Desse modo, a trajetória de leituras e participações em eventos específicos sobre

patrimônio cinematográfico que descrevi anteriormente, bem como em simpósios

temáticos e grupos de trabalho que discutiam questões relacionadas à memória e ao

patrimônio em outros tipos de eventos77

, me ajudou a fortalecer e esclarecer, em parte,

as bases teóricas do meu campo de pesquisa e a reescrever os pontos essenciais que

precisavam ser revistos. Cada participação era um passo à frente, um momento para

refletir, discutir e rever a pertinência de certos pontos de meu trabalho.

Nestes eventos, ficou claro para mim que as questões do patrimônio

cinematográfico e sua preservação ainda estão apartadas do contexto maior de estudos

na área de patrimônio que, por razões já aqui apresentadas, sempre se voltaram

principalmente para a pedra e cal e, mais recentemente, para o patrimônio imaterial.

Em seu artigo “Para além da pedra e cal: por uma concepção ampla de

patrimônio cultural”, a socióloga Maria Cecília Londres inicia seu texto afirmando que

“a imagem que a expressão ‘patrimônio histórico e artístico’ evoca [...] está longe de

refletir a diversidade, assim como as tensões e os conflitos que caracterizam a produção

cultural do Brasil, sobretudo a atual, mas também a do passado”. A partir dessa

premissa, a autora coloca em xeque o uso do conceito de patrimônio que, “durante mais

de sessenta anos”, limitou a formação do patrimônio cultural brasileiro à modalidade

pedra e cal.

77

Nesse sentido, o ano de 2011 foi especialmente proveitoso para o amadurecimento de minha pesquisa.

Além de ter ido à CineOP, apresentei comunicações na USP, na Universidade Federal da Bahia, na

Universidade Federal do Piauí, em um evento no Instituto Federal Fluminense, onde leciono, e participei

XV Encontro da SOCINE, na UFRJ.

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Escrito em 2009, seu artigo analisa o conceito de patrimônio que, em um

contexto mais moderno e aberto, vem passando por uma reorientação, fruto, no Brasil,

“não só do interesse de universidades e institutos de pesquisa em mapear, documentar e

analisar as diferentes manifestações da cultura brasileira, como também a multiplicação

de órgãos estaduais e federais de cultura que se empenham em construir, via patrimônio,

a ‘identidade cultural’ das regiões em que estão situados.” 78

Nesse novo contexto, a autora vem chamar a atenção para a necessidade de

implantação de políticas públicas de patrimônio mais abrangentes, que respaldem os

variados bens e manifestações culturais dos diferentes grupos sociais “formadores da

sociedade brasileira” que, até há pouco tempo, não tinham como fazer uso de “nenhum

instrumento legal que os constituísse como patrimônio”.

Na opinião de Maria Cecília Londres,

É necessário pensar na produção de patrimônios culturais não apenas

como a seleção de edificações, sítios e obras de arte que passam a ter

proteção especial do Estado, mas conforme propõe o autor citado

[José Reginaldo Gonçalves], como “narrativas”, ou, como sugere

Mariza Veloso Motta Santos (1992), tomando de empréstimo a

formulação de Michel Foucault, como uma “formação discursiva”,

que permita “mapear” conteúdos simbólicos, visando a descrever a

“formação da nação” e constituir uma “identidade cultural

brasileira”.79

Embora seu artigo tenha como foco indagar e refletir sobre o patrimônio

imaterial, suas observações e reivindicações vão totalmente ao encontro das mesmas

feitas pelos representantes do campo da preservação do patrimônio cinematográfico,

conforme pude constatar a partir das entrevistas que fiz para esta pesquisa.

No meu caso, as entrevistas foram fundamentais. Como a bibliografia

específica sobre o assunto é rara e o uso da expressão patrimônio cinematográfico tem

sido feito de forma naturalizada ou banalizada, sem um aprofundamento nas questões,

foi por meio das entrevistas que eu consegui produzir um material inédito e original

que, acredito, irá trazer contribuições concretas para o campo da preservação do

patrimônio cinematográfico.

Para fazer as entrevistas, foi preciso identificar as pessoas que realmente

poderiam trazer informações importantes e pertinentes ao tema e as que entrevistei

falavam com propriedade e, na maior parte das vezes, eram eloquentes nas respostas.

78

LONDRES, 2009, p. 65. 79

LONDRES, 2009, p. 66.

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Foram todas muito generosas e tiveram a preocupação de me indicar leituras, sites e

outras fontes de informação sobre o assunto.

Fazer contato com essas pessoas foi outro desafio. Há “figurões” que recebem

inúmeros e-mails por dia. Às vezes, a mensagem enviada fica perdida na caixa postal

daquela pessoa. Para minha sorte, meu primeiro entrevistado foi Hernani Heffner, uma

das maiores referência no campo da preservação cinematográfica e da história do

cinema brasileiro. Sua participação foi capital para que eu conseguisse formar a maior

parte da rede de entrevistados. Ele conhece muitas pessoas do metiér, é muito benquisto

e muito respeitado. Autorizada por ele, escrevia a mensagem, solicitando a entrevista,

fazendo referência a ele. Senti que isso abriu portas. Recentemente, por meio dele, fiz

contato com uma pesquisadora da Bahia, com quem já havia tentado conversar por e-

mail, sem sucesso. Após sua intermediação, a pesquisadora me respondeu e enviou sua

tese recém-defendida em anexo.

Outra característica de meus entrevistados que certamente muito me ajudou foi

o fato de todos eles, mesmo exercendo outra atividade, serem também professores,

pesquisadores e orientadores. Isso foi bom para mim e talvez seja um dos motivos que

explique a generosidade e atenção que deles recebi. Portanto, acho que encontrei as

pessoas certas e isso foi fundamental. Às vezes, durante a conversa surgia uma questão

que eu desconhecia ou que não havia planejado abordar. Aproveitar essas oportunidades

para tratar de questões que, aparentemente, não tinham relação direta com o objeto

central da pesquisa foi uma forma interessante de enriquecer meu trabalho. A parte mais

difícil de fazer entrevistas foi, para mim, manter o distanciamento e não me deixar

envolver pelas falas de meus entrevistados.

Realizei entrevistas em Campos, no Rio de Janeiro, em Niterói e em São Paulo,

onde, em agosto de 2012, além das entrevistas, aproveitei o período em que lá estive

para visitar e fazer pesquisa na Cinemateca Brasileira e no Museu Lasar Segall, dois

importantes espaços do patrimônio cinematográfico, não apenas em relação a filmes,

mas também de documentação, livros e periódicos sobre o cinema.

Aproveitando as tecnologias atuais, realizei uma entrevista virtual com o

pesquisador australiano Ray Edmondson. Com algumas obras publicadas e com

importante participação na UNESCO, ele está entre minhas referências bibliográficas.

Minha tentativa de conversar com ele não guardava grandes expectativas. No entanto,

para minha surpresa a resposta foi rápida e, sem estrelismos, ele se colocou à disposição

para responder e trocar ideias sobre as questões que lhe apresentei.

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Toda transcrição das entrevistas foi feita por mim. Apesar de ser uma tarefa

trabalhosa, essa cansativa empreitada me ajudou a ir assimilando e correlacionando as

informações que tinha arrecadado. Ao final da tarefa, já tinha outra percepção das

entrevistas e pude atentar para detalhes que tinham passado despercebidos durante as

mesmas.

O conjunto das entrevistas rendeu um capítulo desta tese e, sem a menor sombra

de dúvida, ajudou sobremaneira na elaboração de um amplo panorama sobre o assunto.

Ao organizá-las, fui identificando as categorias internas aos discursos, buscando as

intercessões entre as falas e as divergências de opiniões sobre as questões abordadas e

formatei as entrevistas em uma abordagem dialógica. Foi como se meus entrevistados

estivessem conversando com a minha intermediação e, durante o diálogo, fui

procurando me posicionar e fui trazendo para a “conversa” outras informações que

havia encontrado durante minhas leituras e que serviam não apenas para enriquecer este

debate, mas às vezes para fazer comparações entre o que acontecia no Brasil e o que

acontecia fora daqui, situando algumas questões em um universo mais amplo.

Nesta etapa da elaboração da tese, a participação de Regina foi fundamental para

que eu pudesse encontrar o tom certo da análise e o exato valor do material que eu

mesma produzi.

Como um tipo de fonte primária, ao trabalhar com as entrevistas que realizei,

lembrei-me de uma fala de Carlos Roberto de Souza, em um encontro da SOCINE,

sobre o trabalho com esse tipo de fonte de informação. Segundo ele, é preciso saber ler

as fontes primárias, é preciso saber ler nas entrelinhas, interpretar e analisar as palavras.

Além disso, não se pode exigir coerência nas fontes primárias e não se pode achar que

as fontes primárias dizem tudo. Certamente essas recomendações valem para os

variados tipos de informação que formam o construto de uma tese.

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3- A UNESCO E A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CINEMATOGRÁFICO

Tem sido papel do Estado, por meio de órgãos e instituições nas esferas

federal, estadual e municipal, criar as leis e determinar o que vai ser tombado e

patrimonializado em nosso país. O tombamento, a patrimonialização e, mais

recentemente, o registro implicam um discurso de reconhecimento do valor

extraordinário de um bem, seja ele material ou imaterial, e a determinação por parte de

um órgão público de que aquele bem, a partir de então, seja tratado como parte do

patrimônio da nação, de um estado ou de um município. Em nível internacional, a

UNESCO tem sido a agência principal, talvez a única, a regular e legislar sobre o que

pode ser considerado patrimônio de interesse universal, por meio de recomendações,

convenções, declarações, bem como de análise de processos de salvaguarda, registro ou

patrimonialização que lhe são encaminhados.

A UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura – foi fundada em 1945, em resposta ao apelo de nações que, tendo enfrentado

duas guerras mundiais, perceberam que o desejo de paz duradoura precisaria de mais do

que acordos econômicos e políticos para se realizar. Para elas, a paz só pode ser

estabelecida com base na solidariedade moral e intelectual da humanidade.

A partir desse pressuposto, a instituição tem trabalhado, junto às nações e seus

representantes, procurando criar conexões entre eles, para promover esta solidariedade.

Para alcançar seu objetivo, além de atuar como incentivadora de ações voltadas para a

educação, a cooperação científica e a liberdade de expressão, a UNESCO propõe-se,

também, a incentivar a compreensão intercultural e, para isso, tem agido no sentido de

apoiar a diversidade cultural e de chamar a atenção dos diversos países membros para

proteger seu patrimônio, por meio de convenções, declarações e recomendações.

No caso do patrimônio cinematográfico, o papel desta instituição tem sido,

embora com críticas e ressalvas, de intermediação entre os representantes do campo da

preservação do patrimônio cinematográfico e os governos com o objetivo de promover a

valorização do cinema e de transformar o reconhecimento deste valor em ações efetivas

para a preservação do patrimônio cinematográfico.

Neste sentido, certas ações promovidas pela UNESCO, algumas delas em

conjunto com a FIAF, podem ser destacadas como fundamentais para o reconhecimento

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do valor da produção cinematográfica e, por conseguinte, para a construção da noção de

patrimônio cinematográfico bem como, para a preservação deste patrimônio.

3.1- Ações da UNESCO para a preservação do patrimônio cinematográfico e

audiovisual

A “Recomendação para a Salvaguarda e Preservação das Imagens em

Movimento”

Uma das mais importantes ações da UNESCO no sentido de promover e

conscientizar as nações sobre a necessidade de preservação do patrimônio

cinematográfico foi a “Recomendação para a Salvaguarda e Preservação das Imagens

em Movimento” (ver anexo 5).

Aprovada durante a Conferência Geral da UNESCO, em Belgrado, entre 23 de

setembro e 28 de outubro de 1980, em um trabalho conjunto da FIAF com a UNESCO,

esta Recomendação foi o primeiro instrumento, de abrangência internacional, a fazer

referência específica ao cinema e a todos os tipos de imagem em movimento como

patrimônio.

Embora tenha sido aprovada em 1980, a origem desta Recomendação data do

início dos anos 1970, quando a Conferência Geral da UNESCO, de 1973, adotou uma

Resolução, por meio da qual convidava o Diretor Geral a examinar a situação referente

aos arquivos de preservação de imagens em movimento.

Diferentes condições sociais, políticas e econômicas, bem como tradições

culturais distintas contribuíram, ao longo de décadas, para uma grande desigualdade na

produção e preservação de obras cinematográficas. Em diferentes partes do mundo, mas

especialmente nos países mais pobres ou em desenvolvimento, onde os arquivos de

filmes eram considerados instituições sem importância ou sequer existiam, podiam ser

observadas enormes perdas de material fílmico. Quanto mais antigos os filmes, maiores

as perdas.

O estabelecimento de arquivos de filmes, em vários países, que teve início na

década de 1930, foi interrompido com a 2ª Guerra Mundial. Embora esses arquivos não

tenham sido extintos naquela época, seus esforços estavam concentrados em proteger

suas coleções do impacto da guerra.

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Passado tal período, tendo retomado suas atividades, era chegada a hora de

determinar as necessidades especiais que os filmes demandavam na coleta, conservação,

catalogação e utilização dos mesmos. As atividades exercidas pelos arquivos de filmes

foram paulatinamente sendo desenvolvidas e amadurecidas, e a complexidade que as

tarefas executadas nos arquivos alcançou passou a exigir divisão de trabalho e

especialização nas diferentes áreas de atuação, como as acima citadas.

Diante dessas circunstâncias, um abismo se formava entre arquivos

estabelecidos em países avançados e arquivos em países mais pobres e menos

desenvolvidos. Enquanto nos países mais desenvolvidos algumas instituições já podiam

contar até mesmo com alguma legislação para regular a atividade de preservação de

filmes, a maioria dos arquivos existentes na Ásia, África e América Latina ainda

encontrava-se em fase embrionária, tendo que lidar com uma realidade completamente

diferente.

Após 25 anos da 2ª Grande Guerra, os arquivos de filmes, com o auxílio da

FIAF, puderam comprovar que perdas inestimáveis do patrimônio cinematográfico

continuavam a acontecer globalmente, apesar de todo o esforço e trabalho ininterrupto

durante todo este período.

Nos primeiros anos da década de 1970, os mais antigos arquivos de imagens

em movimento tinham alcançado considerável estágio de desenvolvimento, em

consequência de uma série de acontecimentos e iniciativas. Além disso, a FIAF,

reunindo, naquela época, cerca de 60 cinematecas, estabelecidas em diversas partes do

mundo, já era reconhecida pela UNESCO e possuía assento no Comitê Internacional

para Rádio, Cinema e TV.

Somando-se ao cenário acima descrito, a conscientização crescente, por parte

de algumas nações, do significado cultural e importância social das imagens em

movimento contribuiu, sobremaneira, para a formação de um consenso em torno da

necessidade de preservação das imagens em movimento – cujas perdas eram

consideradas irreparáveis –, e a urgência da criação de um instrumento de alcance

internacional para protegê-las da destruição.

A partir de então, o trabalho conjunto entre a FIAF e a UNESCO, iniciado no

início dos anos 1970, deu origem à Recomendação de 1980, que foi considerada um

divisor de águas na história da preservação das imagens em movimento.

Entre as considerações expressas nesse documento, estão o fato de que as

imagens em movimento são uma “nova” forma de expressão da identidade cultural dos

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povos, particularmente característica das sociedades atuais, e que seu desaparecimento

representaria um “empobrecimento irreversível” do patrimônio cultural. Além disso, o

documento ressalta que as imagens em movimento “são testemunhos importantes e

muitas vezes únicos de história, modos de vida e cultura dos povos, bem como da

evolução do universo,” e que, por também constituírem parte do patrimônio da

humanidade, deveriam contar com a cooperação internacional na sua salvaguarda e

preservação.

Nesses termos, a Recomendação foi recebida e celebrada por diversos países,

inclusive o Brasil, como um avanço sem precedentes na luta pela preservação do

patrimônio fílmico, pois formalizou o reconhecimento dos valores educacional,

artístico, cultural, científico e histórico das imagens em movimento, entre as quais está a

produção cinematográfica – incluindo filmes de longa e curta metragem, cinejornais,

documentários, etc. – e considerou-as parte do patrimônio cultural das nações e parte do

patrimônio da humanidade. Nesse sentido, já naquela época, conclamou seus países

membros a tomar todas as medidas cabíveis, seja de caráter legislativo, administrativo

ou técnico, e recomendou “a concessão aos arquivos oficialmente reconhecidos dos

recursos necessários no que se refere a pessoal, material, equipamentos e fundos para

salvaguardar e conservar efetivamente seu patrimônio constituído por imagens em

movimento.” 80

Entre as ações propostas e a realização das mesmas, há um longo caminho a ser

percorrido. Por isso, na prática, muitas normas da Recomendação foram e continuam

sendo ignoradas ou colocadas em segundo plano e, desse modo, os recursos não apenas

financeiros, mas também de pessoal e de equipamentos, mesmo após tantos anos,

permanecem escassos ou insuficientes, para as instituições que preservam o patrimônio

cinematográfico em inúmeros países, entre eles o Brasil, e mostram que os perigos

maiores advindos de negligência e indiferença, por parte do Estado, não foram afastados

da maioria das cinematecas e arquivos de filmes.

Mediante tal situação, talvez, um dos caminhos a serem seguidos já tenha sido

traçado em uma das propostas que a “Recomendação” traz:

estimular as autoridades competentes e outros órgãos que se

interessem pela salvaguarda e conservação das imagens em

80

“Recomendação sobre a salvaguarda e a preservação das imagens em movimento” (ver anexo 5).

Tradução do original “Recommendation for the safeguarding and preservation of moving images”,

disponível em http://portal.unesco.org/en/ev.php-

URL_ID=13139&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html. Acesso em: 11/ 03/2013.

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movimento a empreender atividades de informação pública destinadas

a:

a) promover entre todos aqueles envolvidos com a produção e

distribuição de imagens em movimento uma noção do valor

permanente de tais imagens do ponto de vista educativo, cultural,

artístico, científico e histórico, assim como sensibilizá-los da

consequente necessidade de colaborar para sua salvaguarda e

conservação;

b) chamar a atenção do público em geral sobre a importância

educativa, cultural, artística, científica e histórica das imagens em

movimento e para as medidas necessárias para sua salvaguarda e

conservação.81

Ao propor que autoridades competentes e instituições ligadas à salvaguarda e

preservação de imagens em movimento e seus representantes promovam atividades que

tornem públicas suas ações, a “Recomendação” atenta para a necessidade de se chamar

a atenção da sociedade para o valor deste material e envolvê-la como parte interessada

em sua preservação e conservação.

Mas como sensibilizar a sociedade que, de uma maneira geral, como é o caso

do Brasil, pouco conhece da história de seu próprio cinema? Que valor ela poderá dar ao

que pouco conhece? Como envolvê-la nesta causa? Não há como sentir a perda de algo

que não faz parte de nossa vida ou cuja existência é desconhecida ou ignorada.

Em seu livro “The death of cinema”, Paolo Cherchi Usai compara filmes a

pessoas para mostrar o quanto estar “distante” das imagens, assim como das pessoas, ou

desconhecê-las completamente, nos deixa insensíveis a seu desaparecimento. Segundo

ele:

We know little or nothing about the moving images produced in

remote parts of the world and lost soon after their exhibition. What

kind of images can be seen in Baku? What is available to a viewer in

Taveuni? What do they make to our images? Their relative distance

leaves us with the same lack of involvement we feel at the news of the

passing away of a person we have never heard before. 82

Mesmo ainda bastante longe da situação ideal, e com o sentimento nos

rondando, de que a sociedade e o Estado, de uma maneira geral, permanecem

81

Idem. 82

CHERCHI USAI, 2001, p. 97. Nós conhecemos pouco ou nada sobre as imagens em movimento

produzidas em regiões remotas do mundo e perdidas logo após sua exibição. Que tipo de imagens podem

ser vistas em Baku? O que está disponível para um espectador em Taveuni? O que eles fazem com nossas

imagens? A distância relativa dessas imagens nos deixa com a mesma falta de envolvimento que nós

sentimos quando recebemos a notícia de morte de uma pessoa sobre a qual nunca ouvimos falar. (Livre

tradução da autora desta pesquisa.)

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insensíveis ao desaparecimento das imagens em movimento, não há como negar o

impacto da Recomendação para muitos arquivos de filmes, desde então.

Para verificar, empiricamente, os efeitos do documento da UNESCO, a FIAF e

a FIAT (Federação Internacional de Arquivos de Televisão) divulgaram, em 1989, um

relatório elaborado a partir de uma pesquisa global realizada após quase uma década da

aprovação e publicação da Recomendação de 1980. Entre os objetivos desta pesquisa,

estavam listados: analisar os avanços alcançados na preservação do patrimônio

cinematográfico, verificar até que ponto a Recomendação influenciou o

estabelecimento, promoção e desenvolvimento dos arquivos de imagens em movimento

e identificar os principais problemas que inibiam o desenvolvimento de alguns destes

arquivos.

Por meio da aplicação de três questionários diferentes 83

, a FIAF e a FIAT

fizeram um amplo levantamento de dados e analisaram informações para verificar o

grau de conscientização do valor das imagens em movimento como patrimônio cultural

nos países; as mudanças na legislação, como a obrigatoriedade do depósito legal de

filmes; o aumento no aporte financeiro direcionado aos arquivos; o crescimento do

número de aquisições das coleções; as inovações e avanços técnicos na prática

preservacionista; progressos na catalogação, etc.

O relatório informa que durante toda a década de 1980, várias ONGs,

engajadas no movimento de preservação das imagens em movimento, reuniram-se

anualmente para trocar experiências, informações, planejar ações e elaborar projetos em

parceria com a UNESCO, visando à promoção da Recomendação, suas normas e

propostas, com o claro objetivo de contribuir para o desenvolvimento dos arquivos e o

progresso na prática preservacionista. Dessa ativa parceria, resultaram vários

Seminários Regionais – um deles em São Paulo, em 1985 –; missões de consultoria em

diversos países, entre eles o Brasil; treinamento básico das mais importantes tarefas a

serem executadas nos arquivos; publicação e distribuição de obras, contendo

informações teóricas essenciais à prática da preservação das imagens em movimento.

Outro importante dado apresentado no relatório refere-se ao fato de que,

somente depois da aprovação da Recomendação de 1980, é que foi possível à UNESCO

83

Sobre 86 dos 208 países e territórios existentes naquela época, não havia qualquer informação

disponível sobre a existência de arquivos de filmes. Desse modo, a versão 1 do questionário foi

direcionada a países onde não havia nenhuma informação sobre a existência ou não de arquivos de filmes.

A versão 2 foi direcionada a países cujos arquivos de filmes estavam em fase de implantação. A versão 3

foi enviada a países que já possuíam arquivos de filmes.

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fornecer ajuda material advinda de seu próprio orçamento, para arquivos em países em

desenvolvimento – o Brasil estava entre os contemplados –, aplicarem na preservação e

restauração de suas coleções.

O relatório aponta ainda a criação de alguns novos arquivos e o avanço de

outros já existentes; a ativação de uma rede de cooperação regional de países e a

ampliação do nível de cooperação internacional, intensificando a troca de informações e

experiências.

Após detalhada avaliação dos dados, o primeiro capítulo do relatório em

questão, no qual são apresentadas as inovações, em nível nacional e internacional,

resultantes do instrumento da UNESCO, termina com a seguinte consideração:

In summary, the adoption of the Recommendation for the

Safeguarding and Preservation of Moving Images was a step of

historic importance. It initiated and encouraged developments which

contributed substantially to the preservation of the moving image

heritage throughout the world. The last decade has seen a more

significant development of audio-visual archives than ever before.

The Recommendation together with UNESCO’s continuing support

has provided crucial impetus for these many achievements. 84

Diante de tão animadora constatação, causa estranheza que o terceiro capítulo

do mesmo relatório, em que conclusões e recomendações são apresentadas, seja iniciado

da seguinte forma:

A campaign is needed to generate increased publicity to promote

awareness of the existence of the Recommendation itself and to

encourage demands for it to be implemented more widely.

The responses to the Survey show that the Recommendation was

almost totally unknown in most countries. Where it was known, it

directly stimulated the development of new archives in only a few

cases although it did strengthen the work of some established

archives. Neither the general public nor the interested parties and the

decision-making bodies show sufficient awareness of the need to

preserve the moving image heritage. 85

84

FIAF/FIAT. “Report on the moving image heritage: Survey on the implementation of the UNESCO

1980 Recommendation for the Safeguarding and Preservation of Moving Images”, p. 11. Em resumo, a

adoção da Recomendação para a Salvaguarda e Preservação das Imagens em Movimento foi um passo de

importância histórica. Ela deu início e encorajou desdobramentos que contribuíram substancialmente para

a preservação do patrimônio de imagens em movimento em todo o mundo. A última década presenciou

um desenvolvimento significativo dos arquivos audiovisuais jamais experimentado anteriormente.

A Recomendação, em conjunto com o apoio contínuo da UNESCO, gerou um ímpeto crucial para estas

várias realizações. (Livre tradução da autora desta pesquisa.)

85

Idem, p. 19. É necessário que se faça uma campanha com o objetivo de aumentar a divulgação para

promover a conscientização sobre a existência da Recomendação e encorajar demandas para que ela seja

mais amplamente implementada.

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O contraste entre as duas citações, em um mesmo relatório, surpreende. Como

explicá-lo? Minhas hipóteses tendem a recair, primeiramente, sobre a amplitude da

pesquisa – aproximadamente 200 países responderam ao questionário – e o contexto em

que ambas foram escritas. A primeira citação foi escrita após a avaliação dos avanços e

melhorias alcançados com a Recomendação. São considerações que celebram os ganhos

e os efeitos positivos do instrumento, nas nações que dele tomaram conhecimento e

buscaram fazer valer suas proposições. A segunda, deixa claro que, embora tenha

havido avanços, eles ficaram restritos a poucos países. Ou seja, inúmeras nações, depois

de dez anos de aprovação da Recomendação, sequer chegaram a ter conhecimento de

sua existência – por que isso aconteceu? Onde houve falha na divulgação do

documento? – e, em muitas outras, o nível de conscientização do valor das imagens em

movimento e da necessidade de preservá-la era tão baixo que a Recomendação não

surtiu efeitos.

Esta era a situação em 1989. A preservação do patrimônio cinematográfico e

audiovisual é uma empreitada enorme e interminável que, ainda hoje, considerando-se

seus aspectos globais, permanece com as medidas, entre o que já foi alcançado e o que

precisa ser realizado, extremamente desiguais. Já houve avanços, mas muito mais ainda

precisa ser feito.

No entanto, considero importante levar em conta outro fator para explicar o

contraste entre as duas citações anteriormente referenciadas. As recomendações são

instrumentos legais, por meio das quais a UNESCO formula princípios e normas para a

regulamentação internacional de questões específicas, aconselhada por associações,

ONGs e federações reconhecidas pela Organização e diretamente envolvidas nas

solicitações. A partir destes instrumentos, os Estados Membros são incentivados a tomar

as medidas legais e quaisquer outras providências necessárias – considerando-se a

prática constitucional de cada Estado e a natureza da questão apreciada – a fim de

aplicar, em seus respectivos territórios, os princípios e normas estabelecidos por tais

recomendações.

As respostas à Pesquisa mostram que a Recomendação era quase que totalmente desconhecida na maioria

dos países. Onde ela foi conhecida, houve um pronto estímulo ao desenvolvimento de novos arquivos,

mas somente em alguns casos ela realmente fortaleceu o trabalho de alguns arquivos estabelecidos. Nem

o público geral nem as partes interessadas e as instituições com poder de decisão mostram consciência

suficiente da necessidade de preservar o patrimônio formado por imagens em movimento. (Livre tradução

da autora desta pesquisa.)

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Diferente das convenções, que demandam a ratificação, aceitação ou adesão e,

por isso, configuram-se em instrumentos que implicam maior comprometimento por

parte dos Estados Membros em sua aplicação, as normas estabelecidas por meio das

recomendações não estão sujeitas à ratificação. Na prática, isso significa que os países

são convidados a aplicá-las. Nesses termos, as recomendações me parecem instrumentos

de ação da UNESCO que não imprimem um caráter de obrigatoriedade ou compromisso

efetivo por parte dos Estados Membros em sua aplicação. Como o próprio nome diz, é

uma recomendação e, sendo assim, acata quem quer, na medida em que considerar

possível e desejável.

Atualmente, passados mais de 30 anos de sua aprovação, observa-se que a

Recomendação de 1980 não atende mais as demandas do setor audiovisual, no qual o

cinema se insere. O novo contexto de transformações tecnológicas e estruturais no

campo da arquivística audiovisual, principalmente em virtude da mídia digital, e a

compreensão da importância de se preservar também o material sonoro, levou à

proposição, em 2005, por parte do Coordinating Council of Audiovisual Archive

Associations (CCAAA) 86

, da elaboração de um novo instrumento (ver anexo 6) junto à

UNESCO, que deverá resultar na ampliação e atualização da antiga Recomendação.

Este novo documento deverá afirmar e promover a necessidade de preservação, não

apenas das imagens em movimento, mas também de todo tipo de material audiovisual:

filmes, programas de rádio e televisão, gravações em áudio e vídeos, “novas mídias”.

Para justificar tal solicitação de um novo instrumento de salvaguarda destes materiais, o

CCAAA afirma que:

their cultural influence and informational content is immense, and

rapidly increasing. Transcending language and cultural boundaries,

appealing immediately to the eye and the ear, to the literate and

illiterate alike, they have transformed society by becoming a

permanent complement to the traditional written record. Their content

86

Fundado em 2000, o CCAAA é considerado, atualmente, a mais representativa instituição da

arquivística audiovisual, congregando importantes associações com as quais a UNESCO mantém relações

formais:

• AMIA (Association of Moving Image Archivists)

• ARSC (Association for Recorded Sound Collections)

• IASA (International Association of Sound and Audiovisual Archives)

• ICA (International Council on Archives)

• FIAF (International Federation of Film Archives)

• IFLA (International Federation of Library Associations and Institutions)

• FIAT/ IFTA (International Federation of Television Archives)

• FOCAL (Federation for Commercial Audiovisual Libraries)

• SEAPAVAA (South East Asia – Pacific Audiovisual Archive Association)

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cannot be reduced to written form, and its integrity is closely tied to

the format of its carrier – be it film, magnetic or optical media. 87

Entre os argumentos do CCAAA para tal proposição, está o fato de que a

proliferação do vídeo e dos formatos digitais, bem como o surgimento da internet

ocasionaram a diminuição do alcance e a redução da eficiência da Recomendação.

Neste novo contexto, a lista de definições de materiais audiovisuais, apresentada no

antigo documento, está incompleta e ultrapassada e, por isso, precisa ser atualizada para

contemplar de forma mais abrangente todo o espectro audiovisual, seus conceitos

profissionais, assim como os formatos físicos e a terminologia técnica.

No documento em que faz a nova proposição, o CCAAA destaca também que

as profundas mudanças tecnológicas têm levado o público, em geral, à compreensão

equivocada das expressões “patrimônio audiovisual” e “patrimônio digital”, como

sendo equivalentes e esclarece:

“Audiovisual heritage” and “digital heritage” often seem equivalent

terms, because images and sounds are easily accessed by computer.

Yet the difference is fundamental. “Digital” is a technology.

“Audiovisual” – moving images and recorded sounds – is a language

of communication and expression which uses a progression of

technologies. Audiovisual documents have a linear character, integrity

and intellectual accessibility which makes them inherently different to

(for example) the written word or the painting, regardless of format or

carrier. Digital technology offers a means of surrogate access to all

forms of document, as well as modes of interpersonal communication.

While recognising the role played by digital technology in archives, it

is essential to explain the difference, which extends, inter alia, to

methods of preservation, documentation and access and to curatorial

expertise. 88

87

UNESCO instrument for the safeguarding and preservation of the audiovisual heritage: CCAAA issues

paper, p. 1. Sua influência cultural e conteúdo informacional é imenso e continua crescendo rapidamente.

Transcendendo fronteiras linguísticas e culturais, apelando imediatamente aos olhos e aos ouvidos, ao

letrado e ao iletrado de forma semelhante, elas transformaram a sociedade tornando-se um complemento

permanente ao registro escrito tradicional. Seu conteúdo não pode ser reduzido à forma escrita e sua

integridade está intrinsicamente ligada ao seu tipo de suporte – seja ele película, mídia magnética ou

ótica. (Livre tradução da autora desta pesquisa.)

88

Idem, p. 3. “Patrimônio audiovisual” e “Patrimônio digital” frequentemente parecem termos

equivalentes, porque imagens e sons são facilmente acessados pelo computador. Mas a diferença é

fundamental. “Digital” é uma tecnologia. “Audiovisual” – imagens em movimento e sons gravados – é

uma linguagem para comunicação e expressão que faz uso de tecnologias em constante evolução.

Documentos audiovisuais têm um caráter linear, acessibilidade intelectual e integridade que os torna

inerentemente diferente (por exemplo) da palavra escrita ou da pintura, independentemente do formato ou

suporte. A tecnologia digital oferece um meio de acesso alternativo a todas as formas de documento,

assim como modos de comunicação interpessoal. Ao mesmo tempo em que se reconhece o papel da

tecnologia digital nos arquivos, é essencial explicar a diferença, que se estende, entre outros fatores, a

métodos de preservação, documentação e acesso, e expertise curatorial. (Livre tradução da autora desta

pesquisa.)

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Outra importante questão levantada na proposta feita pelo CCAAA refere-se ao

fato de que, nestas últimas décadas, a UNESCO passou a reconhecer outras áreas do

patrimônio que, de alguma forma, se ligam e acabam por afetar o campo audiovisual.

Entre elas está o patrimônio imaterial/intangível.

A “Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial” foi

aprovada em 2003, com o objetivo de assegurar a transmissão das tradições orais, as

línguas, expressões artísticas, rituais e festas, entre outras. Os registros sonoros e visuais

destas manifestações imateriais são, reconhecidamente, um meio efetivo de preservação

e transmissão das mesmas. Uma vez fixado no formato audiovisual, este patrimônio

imaterial passa a integrar o patrimônio audiovisual e, segundo afirma o documento,

“Some of the world’s most important collections of such recordings are already

inscribed on the Memory of the World Registers.” 89

Com base nos aspectos acima citados, entre outros, o CCAAA recomenda a

adoção de um novo instrumento de “Salvaguarda e Preservação do Patrimônio

Audiovisual” e destaca: “There is now a need for a document with some binding power

on signatory states, or which at the very least can promulgate a frame of reference and

exert some moral force.” 90

Observando a interligação, cada vez maior, do patrimônio audiovisual com

outros tipos de patrimônio, o CCAAA aconselha que este novo instrumento, a ser

elaborado, leve em consideração outros documentos da UNESCO tais como “Memória

do Mundo: diretrizes para salvaguarda do patrimônio documental”, “Convenção para

a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial” e a “Carta sobre a Preservação do

Patrimônio Digital”.

Enquanto este novo documento, específico para a preservação do patrimônio

cinematográfico e audiovisual, não se concretiza, o audiovisual pode contar com a

“Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais” 91

,

aprovada pela UNESCO, em outubro de 2005, e ratificada pelo Brasil, por meio do

Decreto Legislativo 485/2006. Com o propósito primeiro de proteger e promover a

89

“Algumas das coleções mais importantes do mundo de tais gravações já estão inscritas nos Registros do

Memória do Mundo.” (Livre tradução da autora desta pesquisa.)

90

Idem, p. 8. “Há necessidade agora de um documento com algum poder de obrigatoriedade por parte dos

signatários, ou que, no mínimo, possa promulgar as bases referenciais e exercer alguma força moral.”

(Livre tradução da autora desta pesquisa.)

91

Disponível em http://unesdoc.unesco.org/images/0015/001502/150224por.pdf. Acesso em: 06/01/2014.

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diversidade das expressões culturais 92

, entre as quais está o cinema, este instrumento,

de ampla abrangência, pode ser considerado o mais importante a respaldar legalmente a

atividade de preservação do patrimônio cinematográfico e audiovisual, atualmente.

Outras ações da UNESCO

Além da Recomendação de 1980, podem ainda ser citados o “Fundo

UNESCO/FIAF para a salvaguarda do patrimônio fílmico”, SOIMA (Sound and Image

Collections Conservation Programme) e o Dia Mundial do Patrimônio Audiovisual.

Em janeiro de 1995, reuniram-se em Paris representantes da UNESCO e da

FIAF com o propósito de estabelecer a criação do “Fundo UNESCO/FIAF para a

Salvaguarda do Patrimônio Fílmico”. A proposta, registrada no documento “First

Meeting of the UNESCO/FIAF Fund for the Safeguarding of the Film Heritage”, é

outra tentativa de incentivo à preservação do patrimônio cinematográfico que coincide

com o ano em que se comemorou o centenário do cinema.

Com a participação de, aproximadamente, 50 representantes de arquivos de

filmes e de Estados-membros da Organização, o evento foi aberto pelo então diretor

geral da UNESCO, Federico Mayor, com um apelo aos membros da indústria

audiovisual e aos setores público e privado para se engajarem em um esforço conjunto

na preservação do patrimônio cinematográfico mundial. Segundo ele,

Saving the heritage which has come down to us by sheer good fortune

is a task which we shall have to tackle as a matter of urgency. Like the

cathedrals of the Middle Ages, these images have to be saved, for they

bear witness to the art and culture, history, ideas and life of the

twentieth century.

The task of safeguarding this artistic heritage is also a moral

obligation, since it is incumbent upon us to hand down the creative

works of this century to future generations. 93

92

Nesta declaração, expressões culturais são definidas como aquelas expressões que resultam da

criatividade de indivíduos, grupos e sociedades e que possuem conteúdo cultural. Conteúdo cultural, por

sua vez, refere-se ao caráter simbólico, dimensão artística e valores culturais que têm por origem ou

expressam identidades culturais. 93

First meeting of the UNESCO/FIAF fund for the safeguarding of the film heritage, p. 1. Salvar o

patrimônio que chegou até nós por pura sorte é uma tarefa que devemos enfrentar em caráter de urgência.

Como as catedrais da Idade Média, essas imagens têm que ser salvas, pois elas carregam o testemunho de

arte e cultura, história, ideias e vida do século XX.

A tarefa de salvaguardar este patrimônio artístico é também uma obrigação moral, uma vez que cabe a

nós entregar as obras criativas deste século às gerações futuras. (Livre tradução da autora desta pesquisa.)

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A apresentação de um panorama dos projetos de mais de 40 países, enviados à

UNESCO demonstrava a urgência da situação. No cenário então apresentado,

aproximadamente oito milhões de dólares seriam necessários para atender as várias

demandas, desses primeiros projetos, que incluíam restauração de filmes, pesquisa de

filmografias nacionais, treinamento de mão de obra especializada, aquisição de

equipamentos, criação de arquivos de filmes nacionais e intercâmbio de filmes

restaurados. A apresentação das propostas dessa reunião foi feita ao Comitê Executivo

da UNESCO, durante a sessão de maio do mesmo ano.

Infelizmente, a iniciativa não foi adiante e a ideia parece ter sido deixada de

lado. A dificuldade de conseguir o aporte financeiro, necessário para o co-

financiamento das muitas demandas apresentadas para a salvaguarda do patrimônio

fílmico internacional, fez com que o empreendimento não avançasse.

Essa dificuldade de conseguir verbas suficientes para a restauração e

preservação de filmes já havia sido detectada no relatório da FIAF e FIAT

anteriormente mencionado. Em suas páginas iniciais, ele reproduz os parágrafos finais

do mesmo, com a seguinte mensagem, segundo eles, de caráter urgente:

UNESCO, the NGO’s and individual archives, working in cooperation

and independently, have demonstrated that they have the energy and

the expertise to help preserve the world’s moving image heritage.

What they lack are the resources: resources for preservation and

resources to generate more resources for preservation. Of all the

Recommendations, therefore, the first one, urging increased publicity,

is the most important.

In order to protect the world’s moving image heritage, ways must be

found to reach the hearts, minds – and budgets – of decision-making

bodies of institutions both public and private, but above all those at

official national government level in every country in the world.” 94

A urgência permanece e o trabalho nos arquivos com orçamento aquém do

necessário para cumprir as atividades básicas de sua rotina diária é uma realidade e tem 94

FIAF/FIAT. “Report on the moving image heritage: Survey on the implementation of the UNESCO

1980 Recommendation for the Safeguarding and Preservation of Moving Images”, Executive Summary e

p. 24.

A UNESCO, as ONGs e os arquivos individuais, trabalhando em cooperação e independentemente, têm

demonstrado que possuem a energia e o expertise para ajudar a preservar o patrimônio mundial formado

por imagens em movimento. O que lhes falta são recursos: recursos para preservação e recursos para

gerar mais recursos para preservação. De todas as recomendações, contudo, a primeira, instando maior

divulgação, é a mais importante.

Para proteger o patrimônio mundial formado por imagens em movimento, caminhos devem ser

encontrados para alcançar corações, mentes – e recursos financeiros – de representantes de instituições

públicas e privadas com poder de decisão, mas, acima de tudo, de todos aqueles que atuam oficialmente

em nível de governo nacional em cada país do mundo. (Livre tradução da autora desta pesquisa.)

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sido um dos maiores empecilhos para a preservação do patrimônio cinematográfico e

audiovisual.

Além de problemas financeiros, a qualificação da mão de obra é outro fator de

peso para a prática da preservação de filmes. Uma profissão relativamente nova, o

arquivista de imagens em movimento precisa ser devidamente treinado para adquirir o

conhecimento e habilidade necessários para lidar adequadamente com a fragilidade e

vulnerabilidade do material fílmico. Visando a colaborar com a capacitação dos

profissionais que lidam com imagens em movimento, foi lançado, em 2007, pelo

ICCROM (International Center for the Study of Preservation and Restoration of

Cultural Property) – uma organização intergovernamental, criada pela UNESCO em

1956, dedicada à preservação do patrimônio cultural –, o SOIMA (Sound and Image

Preservation) 95

que, desde então, organiza, a cada dois anos, cursos voltados,

exclusivamente, para a capacitação de profissionais na área da arquivística audiovisual.

Outra ação voltada para a conscientização da importância do audiovisual, o

“Dia Mundial do Patrimônio Audiovisual” foi aprovado na Conferência Geral da

UNESCO, em 2005, e é comemorado em 27 de outubro.

Much of the world's audiovisual heritage has already been irrevocably

lost through neglect, destruction, decay and the lack of resources,

skills, and structures, thus impoverishing the memory of mankind.

Much more will be lost if stronger and concerted international action

is not taken.96

A partir do pressuposto acima, este evento foi criado como um mecanismo para

chamar a atenção e conscientizar as nações e as sociedades para a necessidade de se

valorizar o material audiovisual, reconhecer seu caráter documental como parte

integrante na construção da identidade nacional e se empenhar na sua preservação.

Os principais objetivos para a criação de uma data, especialmente voltada para

a celebração do patrimônio audiovisual, são: criar oportunidades para celebrar os

aspectos local, nacional e internacional do patrimônio; destacar a acessibilidade dos

arquivos; atrair a atenção da mídia para as questões do patrimônio; aumentar o status

95

http://soima.iccrom.org/ 96

http://www.unesco.org/new/en/communication-and-information/access-to-knowledge/archives/world-

day-for-audiovisual-heritage/. Acesso em: 13/01/2014.

Boa parte do patrimônio audiovisual mundial já está irremediavelmente perdido devido à negligência,

destruição, decomposição e falta de recursos, habilidade técnica e infraestrutura precária, empobrecendo a

memória da humanidade. Muito mais será perdido se atitudes internacionais conjuntas e mais fortes não

forem tomadas. (Livre tradução da autora desta pesquisa.)

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cultural do patrimônio audiovisual; chamar a atenção para o patrimônio audiovisual em

perigo de desaparecimento, principalmente nos países em desenvolvimento.

Segundo a Diretora-geral da UNESCO, Irina Bokova,

All the world’s audiovisual heritage is endangered. Therefore the

World Day for Audiovisual Heritage and the Memory of the World

Programme, have become the two key actions for UNESCO and the

world to honour preservation professionals that help to safeguard this

heritage for future generations despite the many technical, political

social, financial and other factors that threaten its survival. 97

A cada ano a celebração é feita a partir de um tema proposto pela Organização.

“Patrimônio desvanecendo: nós podemos salvá-lo”, "Salve e Saboreie seu Patrimônio

Audiovisual - agora!", “Patrimônio Audiovisual: ver, ouvir, aprender”, “Preservar nosso

patrimônio audiovisual para as futuras gerações” são alguns dos temas já utilizados para

o evento. Para comemorar o “Dia Mundial do Patrimônio Audiovisual”, arquivos e

cinematecas, em várias partes do mundo, em consonância com a orientação da FIAF,

ocupam-se de uma programação especial.

No Brasil, a Cinemateca Brasileira festeja a data com exibição de clássicos e

raridades do cinema brasileiro restaurados e preservados pela instituição. O Arquivo

Nacional promoveu, em 2013, mesas redondas para apresentar relatos de experiências

de produção de vídeos e debater sobre a importância das videolocadoras na formação do

público e a Cinemateca do MAM-RJ exibiu filmes de curta-metragem enfocando

importantes profissionais do cinema brasileiro.

Em 2013, Irina Bokova fez o seguinte pronunciamento, por ocasião das

comemorações do Dia Mundial do Patrimônio Audiovisual:

Estamos testemunhando um momento histórico crucial quanto ao

impacto da tecnologia: quanto mais facilidade se tem de capturar, de

editar e disseminar imagens e sons em todo o mundo, torna-se mais

difícil salvaguardar esses imensos fluxos de dados.

A crescente influência da tecnologia digital no setor audiovisual está

revolucionando conceitos tradicionais de compartilhamento de

informações, diálogo intercultural e entendimento mútuo. Além disso,

97

http://www.unesco.org/new/en/unesco/events/prizes-and-celebrations/celebrations/international-

days/world-day-for-audiovisual-heritage-2013/. Acesso em: 13/01/2014.

Todo o patrimônio audiovisual do mundo está ameaçado. Portanto, o Dia Mundial do Patrimônio

Audiovisual e o Programa Memória do Mundo tornaram-se as duas ações-chave para a UNESCO e o

mundo homenagearem os profissionais da preservação que ajudam a salvaguardar esse patrimônio para

futuras gerações apesar dos fatores técnicos, políticos, sociais, financeiros, entre outros, que ameaçam sua

sobrevivência. (Livre tradução da autora desta pesquisa.)

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também está redefinindo nossa relação com a documentação e

mudando a natureza do trabalho de preservação. A produção

audiovisual digital, na forma de gravação ou digitalização, é

frequentemente vista como uma solução milagrosa na salvaguarda de

certas formas de patrimônio, mas devemos garantir que as gerações

futuras tenham acesso às gravações que deixamos. Alguns dos

softwares usados largamente no momento não existiam há 10 ou 20

anos atrás – qual será seu futuro no decorrer da história?

Nesse contexto, as instituições responsáveis pela salvaguarda de nosso

patrimônio audiovisual – videotecas e arquivos privados e públicos,

instituições nacionais e internacionais – têm uma dupla missão:

fomentar a salvaguarda do patrimônio audiovisual, em conjunto com

os dispositivos necessários para sua leitura, e pensar com cuidado no

futuro do patrimônio digital audiovisual.

Cada dispositivo de gravação tem algo a dizer sobre a era e a

sociedade em que foi criado – projetores de slides, câmeras, discos de

vinil e fitas cassete contam histórias sobre o estilo de vida de seu

tempo. A tecnologia digital não é exceção. Ela retrata sociedades

compulsivamente ávidas por imagens e sons, em que cada evento

público ou privado da história pode ser documentado de mil maneiras,

embora, por vezes, usando memória de curto prazo. Autoridades

públicas têm um papel essencial no apoio ao desenvolvimento de

tecnologias e em seu impacto social e cultural.

O Dia Mundial do Patrimônio Audiovisual é uma oportunidade para

refletir e agir, para oferecer às futuras gerações meios de compreender

suas origens, da mesma maneira que podemos, no presente, assistir a

uma versão restaurada de um filme de Charlie Chaplin ou ouvir as

gravações de trabalhadores indo embora da fábrica no início do século

XX. O programa Memória do Mundo da UNESCO leva adiante essa

ambição em nome da comunidade internacional e, neste dia, convoco

todos os Estados-membros, assim como todos nós, como produtores e

consumidores de imagens e sons, e as instituições responsáveis por

salvaguardá-los, a unir forças para proteger e compartilhar nossa

riqueza audiovisual comum. 98

As palavras da Diretora- Geral da UNESCO vêm reforçar o sentimento comum

da rapidez com que a tecnologia evolui, se transforma e, consequentemente, transforma

e afeta nossas vidas nos mais variados aspectos. No entanto, ela tenta chamar a atenção

para o fato de que “as sociedades cada vez mais ávidas pela imagem e pelo som”

precisam criar mecanismos para preservar os documentos que têm produzido nas novas

mídias. Nesse sentido, Bukova entende que esta é uma responsabilidade de todos nós,

consumidores e produtores de imagens e de sons, e que só unindo forças poderemos

preservar a memória audiovisual para as futuras gerações.

As ações da UNESCO, anteriormente relatadas, são propostas, tentativas e

caminhos para valorizar e conscientizar Estados e sociedades civis sobre a importância

98

Mensagem de Irina Bokova, diretora-geral da UNESCO, pela ocasião do Dia Mundial do Patrimônio

Audiovisual, 27 de outubro de 2013. Disponível em: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-

office/single-view/news/world_day_for_audiovisual_heritage-3/#.Us1IK9JDvuQ. Acesso em:

08/01/2014.

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de se preservar o patrimônio cinematográfico e audiovisual como uma das formas de

expressão mais utilizadas atualmente. Mas elas não devem ser e não são as únicas.

Entre outras ações com alcance internacional, voltadas exclusivamente para o

cinema, pode-se citar a criação da World Cinema Foundation (WCF) 99

, em 1990, por

iniciativa do cineasta norte-americano Martin Scorsese. Com o propósito específico de

chamar a atenção para a causa global da preservação fílmica e contando com a

participação de cineastas de todos os continentes, esta organização sem fins lucrativos

adotou como missão dedicar-se à conservação e restauração de filmes, de diferentes

partes do mundo, com atenção especial aos países que carecem de apoio financeiro e

conhecimento técnico para esta atividade. Assim, na lista de obras restauradas pela

fundação, podem ser encontrados filmes, por exemplo, da Turquia, Irã, Indonésia, Índia,

Egito, México, Rússia e, o filme brasileiro, Limite. Realizado por Mário Peixoto, em

1931, esta obra recebeu, em 2007, uma nominação regional no Programa Memória do

Mundo.

Entre as ações regionais, podemos citar a Reunião Especializada de

Autoridades Cinematográficas e Audiovisuais do Mercosul (RECAM) 100

, que foi criada

em 2003 (ver anexo 7), como um fórum destinado “à análise e desenvolvimento de

mecanismos de promoção e intercâmbio da produção e distribuição de bens, serviços, e

pessoal técnico e artístico relacionados à indústria cinematográfica e audiovisual no

âmbito do MERCOSUL”. Em 2013, a RECAM adotou, também, 27 de outubro para

comemorar o “Dia do Patrimônio Audiovisual do MERCOSUL” e, em dezembro do

mesmo ano, apresentou as conclusões gerais do “Plano Estratégico Patrimonial” para o

Programa MERCOSUL Audiovisual 101

com financiamento da União Europeia e do

MERCOSUL.

99

worldcinemafoundation.org

100

“A RECAM está integrada pelas Autoridades Nacionais do cinema e audiovisual dos países-membros

plenos do MERCOSUL (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) e mais Venezuela em processo de adesão,

e Bolívia, Chile e Peru, em qualidade de Estados Associados e conta com uma Secretaria Técnica para o

seguimento dos temas.” Informação disponível em www.recam.org. Acesso em 13/01/2014.

101

“O Programa MERCOSUL Audiovisual é um convênio de cooperação da União Europeia e do

MERCOSUL, criado no âmbito da Reunião Especializada de Autoridades Cinematográficas e

Audiovisuais do MERCOSUL (RECAM), órgão consultor do MERCOSUL na questão cinematográfica e

audiovisual. Possui um orçamento de um milhão e oitocentos e sessenta mil euros (1.860.000), dos quais

um milhão e quinhentos mil (1.500.000) são financiados pela União Europeia e trezentos e sessenta mil

(360.000) pelo MERCOSUL. Sua gestão é feita pelo Instituto Nacional de Cine e de Artes Audiovisuais

(INCAA) da Argentina, conforme o Acordo da Delegação com o Grupo Mercado Comum (GMC).”

Informação disponível em http://www.recam.org/?do=news&id=d59c44a2c1871d351ceba6d052f14916.

Acesso em: 13/01/2014.

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Essas ações mostram que o patrimônio cinematográfico e audiovisual pode e

deve ser gerido com a participação de instituições públicas e privadas, nacionais,

regionais e internacionais. Juntos, sociedade civil, instituições do patrimônio

cinematográfico, ONGs e as diferentes instâncias do poder público precisam pensar em

formas de garantir a preservação do patrimônio cinematográfico e audiovisual, ação

considerada a quarta coluna na construção das políticas audiovisuais, ao lado das etapas

de produção, distribuição e exibição.

3.2- Programa Memória do Mundo: a UNESCO e a universalização do patrimônio

cultural

O mais abrangente projeto da UNESCO para a preservação do patrimônio

documental das nações é o Programa Memória do Mundo (MOW), criado no início dos

anos 1990. Por meio deste programa, ao defender a ideia de que há locais, documentos e

obras de arte que possuem um valor extraordinário para a humanidade, a organização

tem trabalhado, principalmente, a partir de 1972, na construção da ideia de “patrimônio

cultural universal”.

Com o objetivo de facilitar a preservação do patrimônio documental mundial

mediante as técnicas mais adequadas, facilitar o acesso universal a este patrimônio e

criar uma maior consciência em todo o mundo da existência e importância do

patrimônio documental, foi elaborado o texto “Memória do Mundo: diretrizes para

salvaguarda do patrimônio documental” 102

. Com suas diretrizes originais escritas sob

os auspícios da IFLA (Federação Internacional de Associações de Bibliotecas), este

documento, publicado, primeiramente, em 1995, posteriormente revisado e atualizado,

em 2002, por Ray Edmondson, “serviu de base para o desenvolvimento subsequente do

Programa [Memória do Mundo] e dos valores que ele representa”. É com base nas

diretrizes nele apresentadas – que são frequentemente revisadas e atualizadas – que os

processos são analisados e, quando aceitos, recebem o Registro “Memória do Mundo”,

em nível internacional, regional ou nacional.

Segundo consta no documento acima citado,

102

Disponível em:

http://www.portalan.arquivonacional.gov.br/Media/Diretrizes%20para%20a%20salvaguarda%20do%20p

atrim%C3%B4nio%20documental.pdf. Acesso em: 11/09/2013.

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A Memória do Mundo é a memória coletiva e documentada dos povos

do mundo – seu patrimônio documental - que, por sua vez, representa

boa parte do patrimônio cultural mundial. Ela traça a evolução do

pensamento, dos descobrimentos e das realizações da sociedade

humana. É o legado do passado para a comunidade mundial presente e

futura.

Grande parte da Memória do Mundo se encontra nas bibliotecas, nos

arquivos, nos museus e nos locais de custódia, espalhados por todo o

planeta e uma grande porcentagem dela corre perigo atualmente. O

patrimônio documental de numerosos povos tem se dispersado devido

ao deslocamento acidental ou deliberado de acervos arquivísticos e

coleções, aos “estragos da guerra” ou a outras circunstâncias

históricas. Às vezes, obstáculos práticos ou políticos dificultam o

acesso a ele, enquanto em outros casos, deterioração ou destruição são

as ameaças. 103

Nesse contexto, o Programa Memória do Mundo busca despertar a atenção de

governos, de sociedades, de setores industriais e comerciais sobre a necessidade de se

preservar estes documentos e de investir recursos financeiros nesta ação.

Para compreender melhor o que representa este programa e como se chegou a

ele, é preciso voltar a 1972, ano em que a “Convenção para a Proteção do Patrimônio

Mundial Cultural e Natural” 104

foi elaborada.

Considerada, até então, uma questão nacional, cada país possuía suas

instituições e suas leis para proteger seu próprio patrimônio. As nações,

individualmente, selecionavam as obras, principalmente arquitetônicas, que deveriam

ser consideradas patrimônio e legislavam sobre elas. A ideia de que certas obras, lugares

ou monumentos poderiam ser de interesse universal só foi concretizada a partir da

Convenção da UNESCO, acima citada.

A origem histórica 105

desta convenção, que trouxe a pretensão de

reconhecimento universal para o patrimônio, vem do desejo de criar um movimento

internacional de proteção ao patrimônio, que começou a ganhar força após a 1ª Guerra

Mundial, com o internacionalismo cultural, que resultou da criação da Liga das Nações

e, principalmente, depois da 2ª Guerra Mundial, com a criação da Organização das

Nações Unidas (ONU), em 1945, e o estabelecimento da UNESCO. No entanto,

somente em 1959, a UNESCO lançou sua primeira campanha internacional de

salvaguarda, respondendo a um apelo feito pelo Egito e pelo Sudão que queriam evitar a

inundação do local que abrigava os templos de Ramsés II, em Abu Simbel –

103

Memória do Mundo: diretrizes para salvaguarda do patrimônio documental, p. 5. 104

Convenção para a proteção do patrimônio mundial cultural e natural.

http://whc.unesco.org/archive/convention-pt.pdf. 105

http://whc.unesco.org/en/convention/

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considerado um tesouro da civilização egípcia – para a construção de uma represa. A

campanha milionária empreendida pela instituição, que só foi possível com o apoio

financeiro de, aproximadamente, 50 países, serviu como um indicativo da necessidade

de um comprometimento compartilhado das nações para a efetiva preservação do

patrimônio.

O sucesso da primeira campanha de salvaguarda liderada pela UNESCO levou

a outras campanhas semelhantes na Itália, Paquistão e Indonésia. Como consequência

dessas ações, a instituição deu início, em parceria com o ICOMOS (Conselho

Internacional de Monumentos e Sítios), à preparação da proposta de uma convenção

para a proteção do que passou a ser denominado “patrimônio cultural”.

Em 1965, uma Conferência na Casa Branca, em Washington D.C., conclamou

a criação de uma organização que pudesse exercer o papel de estimular uma cooperação

internacional com vistas a proteger “the world's superb natural and scenic areas and

historic sites for the present and the future of the entire world citizenry.” 106

Três anos

depois, a União Internacional para a conservação da Natureza (IUNC) apresentou

proposta semelhante para seus membros.

Estas duas propostas, que se desenvolviam separadamente – a primeira

preocupada em preservar os sítios culturais e a segunda, em conservar a natureza –,

foram apresentadas durante a Conferência das Nações Unidas, ocorrida em 1972, em

Estocolmo, com o tema “Human Environment”. Ao elaborar um único documento que

contemplava ambas as propostas, a UNESCO levou em consideração o fato de que os

indivíduos e a natureza estão permanentemente interligados, em interação e que, por

isso, é fundamental que exista um equilíbrio entre os dois. Desse modo, a convenção

propôs a integração entre patrimônio cultural e patrimônio natural.

A Convenção de 1972 ampliou sobremaneira a noção de patrimônio cultural

que, de forma mais abrangente, passou a ser utilizado para se referir a bens tão diversos

como monumentos arquitetônicos, esculturas, pinturas, grutas, inscrições e lugares, por

exemplo, mas trouxe também um desafio: lidar com o conceito de “patrimônio

mundial” que passou a ser usado para designar obras de “valor universal excepcional do

ponto de vista histórico, estético, etnológico ou antropológico”. 107

106

Idem. “as paisagens naturais e sítios históricos magníficos para o presente e o futuro dos cidadãos do

mundo inteiro.” (Livre tradução da autora desta pesquisa.)

107

Convenção para a proteção do patrimônio mundial cultural e natural.

http://whc.unesco.org/archive/convention-pt.pdf.

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No entanto, até então, todo o trabalho de preservação desenvolvido pela

UNESCO girava em torno de áreas da cultura consideradas clássicas como os

monumentos e sítios históricos e obras de arte.

Ao longo dos anos, outros documentos foram sendo elaborados, propondo a

preservação e patrimonialização de obras que pertenciam a áreas da cultura

consideradas populares e menos sofisticadas. Entre eles estão a “Recomendação para a

salvaguarda e preservação das imagens em movimento” (1980) e a “Recomendação

para a salvaguarda da cultura tradicional e popular” (1989) 108

.

Essas duas Recomendações significaram um passo adiante para tentar romper

com o conceito de patrimônio universal cultural identificado, principalmente, com as

artes clássicas e canônicas.

Em 1992, foi criado o Programa Memória do Mundo. Segundo o documento

que embasa as diretrizes do programa,

A consciência crescente do lamentável estado de conservação do

patrimônio documental e do deficiente acesso a este em diferentes

partes do mundo foi o que deu o impulso original. A guerra e os

distúrbios sociais, assim como severa falta de recursos, têm piorado

problemas que existem faz séculos. Importantes coleções em todo o

mundo vêm sofrendo diferentes destinos. O saque e a dispersão, o

comércio ilícito, a destruição, assim como o armazenamento e o

financiamento inadequados têm contribuído para esta situação. Muito

do patrimônio documental desapareceu para sempre, muito está em

perigo. Afortunadamente, algumas vezes redescobrem-se patrimônios

documentais que estavam desaparecidos. 109

A publicação e execução dos projetos ligados ao Programa visam a identificar

documentos ou conjuntos documentais 110

que possuam valor de patrimônio documental

da humanidade em caráter internacional, regional ou nacional.

108

Em 1989, a UNESCO formulou a “Recomendação para a salvaguarda da cultura tradicional e

popular”. Considerando sua “importância social, econômica, cultural e política” e “seu papel na história

dos povos”, este documento trouxe o reconhecimento de que a cultura tradicional e popular “forma parte

do patrimônio universal da humanidade e que é um poderoso meio de aproximação entre os povos e

grupos sociais existentes e de afirmação de sua identidade cultural.” O texto completo da Recomendação

para a salvaguarda da cultura tradicional e popular está disponível em: http://cvc.instituto-

camoes.pt/cpc2007/patrimonio/bloco2/recomendacao_%20sobre_a_salvaguarda_da_cultura_tradicional.

pdf.

109

Memória do Mundo: diretrizes para a salvaguarda do patrimônio documental.

http://www.unesco.org.uy/ci/fileadmin/comunicacion-informacion/mdm.pdf. 110

2.6.2 Para efeitos do Programa Memória do Mundo, a definição de patrimônio documental

compreende elementos que são: .Movíveis .Consistentes em símbolos/códigos, sons e/ou imagens

.Conserváveis (os suportes são elementos inertes) .Reproduzíveis e transladáveis .O fruto de um processo

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Os primeiros registros do Memória do Mundo datam do ano de 1997. O Comitê

Consultivo Internacional (CCI) trabalha em conjunto com Comitês Regionais e

Nacionais na avaliação das propostas de nominação. Atualmente, o programa conta com

cinco comitês regionais: 1) África, 2) Países Árabes, 3) Ásia e Pacífico, 4) Europa e

América do Norte, 4)América Latina e Caribe. O Comitê Regional para a América

Latina e o Caribe foi estabelecido em 2000 e o Comitê Nacional do Brasil, para este

programa, foi criado em 2004 e regulamentado em 2007.

Desde então, após cinco editais de nominação ao Registro Memória do Mundo

do Brasil, mais de cinquenta acervos documentais já receberam o Registro Nacional. 111

Após a obtenção do Registro Nacional, alguns desses acervos foram

encaminhados à nominação pelo Comitê Regional para a América Latina e o Caribe do

Programa Memória do Mundo (MOWLAC) e, até 2013, quinze haviam recebido a

nominação no Registro Regional. Entre eles estão, por exemplo, a Carta de Abertura

dos Portos Brasileiros para o Comércio com as Nações Amigas de 1808, o Arquivo do

Serviço de Proteção ao Índio (localizado no Rio de Janeiro) e o filme Limite (localizado

em São Paulo), cujo processo que originou seu “Registro de Memória do Mundo da

América Latina e o Caribe” será comentado mais adiante.

Cinco conjuntos documentais brasileiros estão registrados em nível

internacional 112

: o Arquivo Arquitetônico de Oscar Niemeyer; a Coleção Documental

das viagens do Imperador Pedro II, pelo Brasil e pelo mundo; a coleção de fotografias

do século XIX, do Imperador Pedro II, considerada a maior da América Latina e

mantida pela Biblioteca Nacional; o Arquivo da Companhia das Índias Ocidentais; a

Rede de informações e Contrainformações do Regime Militar no Brasil (1964-1985),

sob os cuidados de vários arquivos públicos brasileiros.

de documentação deliberado. http://www.unesco.org.uy/ci/fileadmin/comunicacio-

ninformacion/mdm.pdf.

111

A lista completa de nominações recebidas pelo Brasil está disponível em:

http://www.arquivonacional.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=1184&sid=91

112

Esses são os registros incluídos no MOW, até o ano de 2013. Informação disponível em:

http://www.unesco.org/new/en/communication-and-information/flagship-project-activities/memory-of-

the-world/register/access-by-region-and-country/latin-america-and-the-caribbean/brazil/. Acesso em:

15/01/2014.

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3.3- Uma lista de patrimônio cinematográfico nacional?

Foi em função do programa Memória do Mundo que, em 1993, a UNESCO

convocou seus países membros a lhe enviar uma lista de, aproximadamente, quinze

filmes que comporiam a parte integrante de seu patrimônio fílmico nacional mais

significativo. Um texto introdutório e o conjunto das listas de filmes selecionados por

mais de quarenta países deu origem ao documento “Patrimônio Cinematográfico

Nacional” 113

, publicado em 1995, ano em que se comemorou o centenário do cinema.

O Brasil enviou a seguinte lista, com 17 filmes:

- Limite (1931) – Mário Peixoto

- Ganga Bruta (1933) – Humberto Mauro

- O Cangaceiro (1952) – Vitor Lima Barreto

- O grande momento (1958) – Roberto Santos

- Porto das Caixas (1962) – Paulo Cézar Saraceni

- O Pagador de Promessas (1962) – Anselmo Duarte

- Vidas Secas (1963) – Nelson Pereira dos Santos

- Noite vazia (1964) – Walter Hugo Khouri

- Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) – Glauber Rocha

- São Paulo/ SA (1965) – Luis Sérgio Person

- A grande cidade (1966) – Carlos Dieguez

- O Bandido da Luz Vermelha (1968) – Rogério Sganzerla

- Macunaíma (1969) – Joaquim Pedro de Andrade

- Cabra Marcado pra morrer (1984) – Eduardo Coutinho

- Eles não usam Black-tie (1980) – Leon Hirszman

- Gaijin – Caminhos da liberdade (1980) – Tizuka Yamasaki

- Pra frente Brasil (1982) – Roberto Farias

Tomei conhecimento deste documento, em 2011, por acaso, quando pesquisava

na internet. A partir de então, mostrei a lista de filmes brasileiros, nele publicada, em

algumas comunicações por mim apresentadas e, posteriormente, nas entrevistas que

realizei, conversei sobre a seleção de filmes brasileiros com meus interlocutores, para

113

O documento original, escrito em inglês, tem o título “National Cinematic Heritage” e está disponível

em: http://unesdoc.unesco.org/images/0011/001103/110379eo.pdf, acesso em 12/03/2013. Há uma versão

em espanhol, intitulada “Patrimonio cinematográfico nacional”, disponível em

http://unesdoc.unesco.org/images/0011/001103/110379so.pdf.

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tentar saber sua origem e a opinião que tinham sobre ela: eram aqueles os filmes mais

significativos do patrimônio cinematográfico brasileiro?

Para minha surpresa, o documento era quase totalmente desconhecido e,

embora a lista de filmes brasileiros nele apresentada fosse considerada um conjunto de

clássicos da cinematografia brasileira, todos que tomavam conhecimento da lista

propunham acréscimos, alterações e questionavam sua origem.

A publicação do texto “Patrimônio Cinematográfico Nacional” coincide com a

publicação de “Memória do Mundo: diretrizes para salvaguarda do patrimônio

documental”, no qual há a menção à elaboração de “uma lista mundial do patrimônio

cinematográfico”, conforme abaixo.

1.3.2 Em 1993 reuniu-se pela primeira vez em Pultusk (Polônia) o

Comitê Consultivo Internacional (CCI). O Comitê preparou um Plano

de Ação que definia a função da UNESCO como coordenadora e

catalisadora para sensibilizar governos, organizações internacionais e

fundações, e promover a criação de parcerias com vistas à

implementação de projetos. Foram criados os Subcomitês Técnico e

Comercial. Iniciou-se a preparação de diretrizes para o Programa

através de um contrato com a IFLA (Federação Internacional de

Associações de Bibliotecários e Bibliotecas), assim como a elaboração

pela IFLA e o CIA (Conselho Internacional de Arquivos) de listas de

coleções de bibliotecas e de fundos de arquivos que tinham sofrido

danos irreparáveis. Por meio de suas Comissões Nacionais, a

UNESCO preparou uma lista das bibliotecas e dos fundos de arquivo

em perigo e uma lista mundial do patrimônio cinematográfico de

diferentes países. 114

Parte das celebrações do centenário do Cinema, a iniciativa de promover a

compilação e publicação de uma lista de filmes, considerados os mais significativos por

seus países de origem, visava a demonstrar, não apenas o reconhecimento do cinema

como um dos meios que mais influenciaram a formação da consciência no século XX,

mas também a urgência de voltar a atenção para as obras cinematográficas,

considerando não apenas seu valor artístico, mas também sua importância como

documento, história e memória, além de sua capacidade de amplo alcance e impacto

imediato.

114

EDMONDSON, Ray. “Memória do mundo: diretrizes para salvaguarda do patrimônio documental.”

UNESCO, 2002. Grifo meu. Disponível em http://www.unesco.org.uy/ci/fileadmin/comunicacion-

informacion/mdm.pdf. Acesso em: 07/04/2012.

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- 89 -

Diretamente envolvido na elaboração das diretrizes do programa, Ray

Edmondson fez o seguinte comentário sobre o objetivo que levou à solicitação feita e

explica que os filmes ali listados não são registrados no programa:

“When the Memory of the World program was quite new it asked

countries around the world to each submit a representative list of

about 15 films for inclusion in this document. The purpose is

explained in the introduction: it was to highlight the global importance

of the cinema heritage. It shows that the heritage is indeed global and

also very large. But it is still only a representative list and is not meant

to be a comment on what individual archives should do in their

respective countries. In each country, national film archives would

have their own collections and preservation programs which

collectively would be much, much larger than this UNESCO list.

This list also did not have any direct relation to the Memory of the

World registers. To be registered a film has to be formally nominated

and go through an assessment process. Hopefully the list was

an encouragement for archives to nominate films for registration.

The list was published in 1995, which was the year that was

internationally celebrated as the centenary of the cinema.” 115

Indagado sobre a importância desta lista, ele afirma que:

“To me, the real importance of the 1995 list was that it represented a

statement by UNESCO of the importance and significance of the

cinematic heritage. Even today, film does not have the same “High

culture” status of older media, such as manuscripts, painting and

sculpture, and it is too easily dismissed as popular entertainment or an

industrial product. The national film archives are generally more

poorly funded than national libraries, museums or ‘traditional’

archives. It was only in 1980 that UNESCO adopted a specific

declaration about the importance of moving images as cultural

heritage.” 116

115

Ray Edmondson, em entrevista à autora desta pesquisa. Grifos do entrevistado.

“Quando o programa Memória do Mundo era ainda bastante recente, foi solicitado aos países ao redor do

mundo que cada um submetesse uma lista representativa de aproximadamente 15 filmes para ser

incluída neste documento. O propósito deste pedido está explicado na introdução do documento: destacar

a importância global do patrimônio cinematográfico. O documento mostra que o patrimônio é realmente

global e também muito grande. Mas é apenas uma lista representativa e não deve ser tomada como uma

orientação a ser seguida pelos arquivos individuais em seus respectivos países. Em cada país, arquivos de

filmes nacionais devem ter suas próprias coleções e programas de preservação que coletivamente seriam

muito, muito maiores do que esta lista da UNESCO.

Esta lista também não tem nenhuma relação direta com os registros no [programa] Memória do Mundo.

Para ser registrado um filme tem que ser formalmente nominado e passar por um processo de avaliação.

Esperava-se que a lista deveria servisse para encorajar os arquivos a propor nominações de filmes para

receberem o registro.

“A lista foi publicada em 1995, ano em que se celebrou, internacionalmente, o centenário do cinema.”

(Livre tradução da autora desta pesquisa.)

116

Idem.

“Para mim, a real importância da lista de 1995 foi que ela representou um reconhecimento da UNESCO

da importância e significação do patrimônio fílmico. Mesmo atualmente o filme não tem o mesmo status

de “alta cultura” das mídias mais antigas, tais como manuscritos, pintura e escultura, e ele é facilmente

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Ao apresentar este documento neste trabalho, não pretendo fazer uma avaliação

da lista apresentada pelo Brasil, nem sugerir uma reformulação, ou defender a ideia de

que é preciso fazer listas de patrimônio cinematográfico brasileiro. Em sua íntegra, o

texto traz informações e suscita questões das quais faço uso para propor uma discussão

sobre o assunto.

Ao propor como objetivo principal deste documento, “to create a register of

films considered part of the world’s heritage” 117, a UNESCO reitera a ideia, defendida

na Recomendação de 1980, de que obras cinematográficas podem ser consideradas parte

do patrimônio mundial e incentiva o reconhecimento desses filmes por parte das nações.

A seguir, o documento esclarece que o Programa Memória do Mundo está aberto,

também, a solicitações de registro de obras fílmicas consideradas de interesse mundial.

Além disso, destaca a necessidade de fortalecer a conscientização do valor do filme

como um importante recurso a ser utilizado em benefício das sociedades.

O documento chama a atenção, ainda, para a vulnerabilidade do artefato

fílmico, motivo mais preocupante no que se refere ao patrimônio cinematográfico.

Acredita-se que três quartos da produção de filmes silenciosos já tenham se perdido. E

se for levado em consideração o fato de que alguns filmes, realizados na última década

do século passado, já precisaram ser restaurados, não se pode duvidar da luta inglória

que as cinematecas e os arquivos de filmes travam diariamente. As dificuldades

impostas à prática da preservação fílmica são muitas. À impiedosa deterioração natural

do tempo sobre as películas, juntam-se a combustão espontânea da película de nitrato, a

síndrome do vinagre da película de acetato, além da proliferação de fungos e bactérias e

infestação de formigas. Atualmente, novos desafios são impostos à atividade de

preservação de filmes, em virtude da frenética evolução dos suportes digitais e da

multiplicação de máquinas capazes de ler os filmes.

deixado de lado por ser considerado entretenimento popular ou um produto industrial. Os arquivos de

filme nacionais recebem geralmente menos verbas do que bibliotecas nacionais, museus ou arquivos

‘tradicionais’. Somente em 1980 é que a UNESCO adotou uma declaração específica sobre a importância

das imagens em movimento como patrimônio cultural.” (Livre tradução da autora desta pesquisa.)

117

UNESCO.“National Cinematic Heritage”, p. V. “criar um registro de filmes considerados parte do

patrimônio mundial” (Livre tradução da autora desta pesquisa.)

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Contudo, ressalta o texto, “the greatest dangers encountered often come from

neglect or indifference at various levels, inadequate funding, lack of trained personnel

and insufficient or non-existent legislation to ensure preservation and conservation” 118

.

Vale a pena lembrar que esta lista de filmes foi feita quinze anos após a

publicação da Recomendação que representou uma das primeiras ações, de alcance

internacional, no sentido de colaborar para a conscientização do valor do cinema e das

imagens em movimento em todas as suas formas e da necessidade de preservá-las.

Obviamente são muitas as diferenças entre os dois documentos aqui citados. A

“Recomendação” de 1980 abrange todos os tipos de imagens em movimento e procura

sensibilizar os países membros sobre o valor dessas imagens, mobilizá-los para a

urgência da preservação, além de estabelecer medidas que orientem a ação dos países. O

documento que apresenta as listas de filmes por país é, antes de tudo, uma homenagem

ao cinema por seu centenário, mas não deixa de ser também outra forma de

conscientização de sua importância cultural, histórica e artística para as nações. Em

comum entre os dois, há a proposta de colocar em discussão um tipo de patrimônio

sobre o qual ainda há muito que refletir. E, considerando-se o tempo transcorrido após a

elaboração dos dois documentos e os avanços obtidos no que se refere à preservação do

patrimônio cinematográfico e das imagens em movimento, de uma maneira geral, fica

evidente que as coisas são bastante lentas, ao menos no Brasil, até que aquilo que está

escrito passe a valer, efetivamente, na prática.

Outra reflexão importante que o documento da UNESCO, “National Cinematic

Heritage”, traz advém de um questionamento apresentado no texto introdutório: como

se define uma obra cinematográfica “significativa”?

A pergunta, para a qual o texto não apresenta resposta, já de pronto aponta a

dificuldade da seleção e reforça seu caráter não apenas subjetivo, mas também

ideológico e político, reiterando características que parecem ser inerentes à formação de

qualquer tipo de patrimônio.

O termo “significativo” nos conduz a outras questões: significativo para quem?

Em que época? Por quais motivos? Diante dessas questões, como identificar, em um

118

“National Cinematic Heritage”, p. III, in:

http://unesdoc.unesco.org/images/0011/001103/110379eo.pdf. Acesso em: 12/03/2013.

“os maiores perigos encontrados frequentemente vêm de negligência ou indiferença em vários níveis,

financiamento inadequado, falta de mão de obra treinada e legislação insuficiente ou inexistente para

assegurar a preservação e a conservação.” (Livre tradução da autora desta pesquisa.)

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universo tão amplo que é a produção cinematográfica, filmes que possam ser

considerados significativos para a nação?

A escolha de bens considerados superiores a outros para compor qualquer tipo

de patrimônio cultural, nas palavras de Canclini,

“expressa uma série de coincidências de alguns grupos na valorização

de bens e práticas que os identificam. Costuma-se dizer, por isso, que

se trata de um lugar de cumplicidade social. As atividades destinadas a

defini-lo, preservá-lo e difundi-lo, amparadas pelo prestígio histórico e

simbólico de certos bens, quase sempre incorrem em uma simulação:

fingem que a sociedade não está dividida em classes, gêneros, etnias e

regiões e sugerem que essas fraturas não têm importância diante da

grandiosidade e respeito ostentados pelas obras patrimonializadas.” 119

Nesse contexto, vale observar que, ao registrar determinados filmes como

patrimônio, não se estão preservando apenas filmes, mas também as memórias que

neles estão inscritas e arquivadas. Que memórias foram privilegiadas nesta escolha? O

que elas falam sobre seus países? Que grupos, etnias ou regiões estão aí representados?

Que memórias constroem e preservam? Que memórias excluem?

Desse modo, o cinema, assim como qualquer outro bem tomado como

patrimônio nacional precisa, portanto, ser polifônico, expressar a diversidade de classes,

gêneros, regiões, etnias e trazer para o diálogo quem o realiza, o produz, o consome, o

estuda, o coleciona, enfim, quem por ele, por algum motivo, se interessa.

Nesse sentido, o discurso proferido pelos responsáveis pela guarda dos bens

cinematográficos nos arquivos de filmes, de que sua missão é preservar esses bens, sem

privilegiar algumas obras em detrimento de outras, advém desta compreensão de que

não cabe a eles fazer escolhas, mas sim, à sociedade.

E alguns setores da sociedade têm feito suas escolhas, às vezes, de forma mais

direta, às vezes respaldada por instituições e indivíduos que se organizam para

representá-los seja localmente, regionalmente, nacionalmente ou internacionalmente.

Para que a sociedade possa fazer suas escolhas, a atividade de preservação é

exercida desde os anos 1930, quando os primeiros arquivos de filmes foram criados. A

partir de 1938, com a criação da Federação Internacional de Arquivos de Filmes (FIAF),

pode-se dizer que tal atividade, pouco a pouco, foi evoluindo, ganhando visibilidade e

importância. Contar com o suporte de uma instituição internacional permitiu aos

arquivos de filmes a troca de experiências, o intercâmbio de obras cinematográficas e a

119

CANCLINI, 2012, p. 71.

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valorização do cinema. A exigência de que os membros desta Federação não podem

fazer uso de filmes, em nenhuma hipótese, com fins comerciais, ajudou a definir e

concretizar o papel das cinematecas, arquivos e outras organizações que se incubem da

preservação de filmes.

Com sua linguagem universal e em razão de pertencer ao rol das artes

tecnicamente reprodutíveis, feitas para grandes públicos, as obras cinematográficas,

especialmente quando contam com o apoio de uma indústria de cinema forte, podem

ultrapassar fronteiras com mais facilidade. Essas características do cinema ajudam a

contribuir para o reconhecimento e a construção de significação mundial que filmes, de

diferentes países, mas principalmente os norte-americanos, alcançam. Por isso, o

patrimônio cinematográfico pode e deve ser gerido com a participação de instituições

privadas, nacionais e internacionais, mas não pode prescindir também de ações advindas

das diferentes instâncias do poder público e a legislação sobre tal patrimônio precisa

contemplar estas variadas formas de ingerência.

Considerando-se esta premissa, o documento da UNESCO, “Patrimônio

Cinematográfico Nacional”, afirma que “a work of art may be considered of world

significance extending beyond national boundaries” 120

. Essa frase reafirma o fato de

que, em todas as artes, podem ser encontradas obras que rompem barreiras e recebem

reconhecimento e importância internacional e outras que não vão receber este

reconhecimento, mas que, mesmo assim, podem ser consideradas um bem – seja por seu

valor histórico, artístico ou cultural – em algum outro nível, seja ele nacional, regional

ou local.

Com o cinema não é diferente. Há filmes estrangeiros que tiveram forte apelo

junto a outras sociedades diferentes daquelas das quais eles se originaram. A existência

de coproduções fílmicas é outro importante aspecto a ser levado em consideração

quando se fala em patrimônio cinematográfico atualmente.

Mais de cem países, alguns há mais de cem anos, produziram e continuam a

produzir obras de arte da cinematografia, registros históricos e documentários

importantes, obras subversivas de propaganda, filmes cults e experimentais, filmes mais

sérios, outros voltados meramente para a diversão, filmes considerados bons e ruins,

120

“National Cinematic Heritage”, p. IV, in:

http://unesdoc.unesco.org/images/0011/001103/110379eo.pdf, acesso em 12/03/2013.

“uma obra de arte pode ultrapassar fronteiras nacionais e ser considerada de importância mundial.” (Livre

tradução da autora desta pesquisa.)

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etc., e, sem dúvida, o conteúdo de uma obra e a forma como este conteúdo é

desenvolvido interferem diretamente no alcance, na recepção e repercussão que a obra

pode ter em seu país de origem ou no mundo. Contudo, o documento ressalta o caráter

documental dos filmes ao afirmar que “collectively and individually, all of these films

are a testimonial in one form or another of life as we know it in the twentieth

century.”121

Outro ponto a ser destacado neste documento refere-se ao fato de que a

UNESCO não determinou os critérios de escolha, dando total liberdade aos países para

fazerem suas opções e apresentarem as justificativas para a seleção realizada.

Estabelecer critérios claros e objetivos é, certamente, um dos passos mais importantes

para amenizar a subjetividade das escolhas, caso elas sejam imprescindíveis. E, nesse

ponto, chama a atenção o fato de a maioria dos países ter optado por não apresentar os

critérios que nortearam a seleção de suas obras.

Só para citar alguns casos, começamos com a Alemanha. Os quinze filmes

selecionados pelo país – entre os quais se encontram O Gabinete do Dr. Caligari

(1920), Nosferatu (1922) e Metrópolis (1925), três clássicos da cinematografia mundial

– foram escolhidos em uma votação feita pela Associação das Cinematecas entre as 100

melhores películas. Por quais critérios, não se sabe. O mesmo se dá com os Estados

Unidos que procederam sua escolha também com base em uma seleção do Registro

Nacional de Filmes realizada conjuntamente pelos arquivos do país. Itália e Brasil não

informam absolutamente nada sobre como e com base em que critérios suas listas foram

elaboradas.

Entre os que apresentaram informações sobre a escolha, estão Índia e Suécia

que colocaram abaixo de cada filme o motivo que o levou a fazer parte da compilação.

Assim, por exemplo, o primeiro filme da lista sueca, Inceborg Holm, de 1913, dirigido

por Victor Sjöström, foi escolhido não apenas pelo mérito artístico que possui, mas

também por ter sido o primeiro filme sueco a suscitar um debate na imprensa sobre as

condições sociais do país. Por sua vez, Morangos silvestres, dirigido por Ingmar

Bergman, em 1957, aparece na lista por ter sido bastante premiado internacionalmente.

A Índia coloca entre seus critérios a importância do filme na história do cinema no país,

121

“National Cinematic Heritage”, p. IV, in:

http://unesdoc.unesco.org/images/0011/001103/110379eo.pdf, acesso em 12/03/2013.

“coletivamente e individualmente, todos esses filmes são, de uma maneira ou de outra, um testemunho da

vida como nós a conhecemos no século XX.” (Livre tradução da autora desta pesquisa.)

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além de aspectos relacionados à linguagem cinematográfica, como fotografia, vestuário,

efeitos sonoros.

A Grécia fez sua seleção dividindo os filmes em seis categorias diferentes tais

como pioneiros, Neorrealismo grego, filme de autor e filmes com Thanassis Vengos (o

herói cômico grego), entre outras e, desse modo, apresentou a lista que contém mais

títulos.

Porto Rico foi o único país que se preocupou em apresentar metodologia de

escolha e critérios mais claros em um curto texto que precede a lista dos filmes

considerados patrimônio para o país:

The selection was made by a panel of 17 specialists: critics, historians,

researchers and other specialists of the film industry. The selection

criteria were based on all formats and themes/genres of the cinema:

short, medium or feature films as well as works of fiction,

documentaries and animation. They take into consideration the

various conditions of production, differences of genre, aesthetic and

other viewpoints. The results of the project were published with the

view of promoting cinematic production in Puerto Rico during the

centenary celebrations and the 40th anniversary of the founding of the

Instituto de Cultura Puertorriqueña. 122

Ao convocar uma comissão que incluía não apenas especialistas da indústria

fílmica, mas também estudiosos e pesquisadores de outras áreas, ou seja, uma comissão

capaz de olhar para o cinema a partir de interesses e prismas variados, e basear os

critérios de seleção nos diferentes formatos e gêneros do cinema, Porto Rico, ao menos,

demonstra preocupação em fazer uma escolha abrangente, que contemple as várias faces

desta arte, ampliando as chances de elaborar uma lista que seja mais representativa do

patrimônio fílmico nacional. Outra coisa que chama atenção no trecho acima citado é o

fato de os resultados terem sido publicados, isto é, tornados públicos e usados para a

promoção da produção cinematográfica do país e, consequentemente, para o

desenvolvimento de uma cultura cinematográfica nacional.

122

Id. ib., p. 53

A seleção foi feita por um grupo de 17 especialistas: críticos, historiadores, pesquisadores e outros

especialistas da indústria fílmica. Os critérios de seleção foram baseados em todos os formatos e

temas/gêneros do cinema: curta, média e longa metragem, assim como filmes de ficção, documentários e

animação. Foram levadas em consideração as variadas condições de produção, diferenças de gênero,

estética e outros pontos de vista. Os resultados do projeto foram publicados visando a promover a

produção fílmica de Porto Rico durante as celebrações do centenário [do cinema] e o 40º aniversário da

fundação do Instituto de Cultura Porto-riquenha. (Livre tradução da autora desta pesquisa.)

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As dificuldades a serem vencidas na avaliação de filmes que podem ou não ser

selecionados para compor algum tipo de patrimônio são muitas. Não há dúvida de que a

clareza de critérios ajuda, mas não elimina as questões políticas, ideológicas e a

subjetividade da escolha que é, em geral, um dos motivos a gerar polêmica. Diretamente

vinculado à memória, a constituição do patrimônio é também “um espaço de disputa

material e simbólica entre os setores que a compõem.” 123

Nesse contexto, parece ser interessante pensar sobre os motivos que fazem com

que determinadas obras se nacionalizem ou se universalizem e outras não. A pergunta,

neste caso, é: o que faz com que certas obras passem a se tornar admiráveis a ponto de

serem consideradas representativas de uma nação ou alcancem notoriedade e valor até

mesmo para outras sociedades?

Para Canclini, “a universalização é parcial e relativa a vários processos de

seleção e exclusão, de difusão e desconhecimento”. 124

E entre outros fatores – além do

conteúdo ou importância histórica – que vão interferir diretamente neste processo de

universalização, ele aponta as tendências estéticas, as ondas predominantes de turismo e

a comunicação midiática.

Sob esse prisma, conclui-se que a nacionalização e/ou a universalização do

valor de um bem são ações construídas, resultantes de movimentos, geralmente,

intencionais e decorrem, principalmente, da capacidade midiática de difusão,

propaganda e mobilização que, normalmente, está relacionada ao poder político,

econômico e cultural seja do país, da instituição ou, até mesmo, da pessoa que responde

por aquele bem ou imprime a ele valor mais elevado. Normalmente, tem sido atribuída

aos historiadores, antropólogos, arqueólogos e especialistas nas várias áreas da cultura,

a tarefa de localizar, identificar e decidir quais são os bens considerados de valor

superior nas sociedades e, por isso, merecedores de conservação e cuidados especiais.

No caso do cinema, especificamente, penso que a nacionalização ou a

universalização de uma obra pode se dar em dois momentos, com sentidos e

consequências bastante diferentes: ou pela ampla exibição ou pelo registro, conforme

proposto pelo programa Memória do Mundo.

No contexto midiático atual, o primeiro momento acontece quando, pela força

da indústria cinematográfica, há a promoção enfática de um filme, lançado

mundialmente ou nacionalmente, como produto comercial, com divulgação em massa

123

CANCLINI (op. cit.), p. 72. 124

CANCLINI 2012, p. 71.

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na televisão, na internet, em revistas, jornais, outdoors, rádios, redes sociais, etc., com o

objetivo único de despertar o interesse imediato por aquela obra e lhe garantir o sucesso

de bilheteria ou o título de blockbuster, que tanto agrada aos produtores, distribuidores e

estúdios. Nestas situações, embora o efeito seja, normalmente, passageiro, pois dura

apenas até que o próximo lançamento aconteça, a nacionalização ou a

internacionalização não significa que o filme seja representativo de uma nação ou que,

necessariamente, ele tenha valor artístico ou documental, mas sim que ele foi um

produto da indústria de entretenimento, com forte apelo junto às massas e que agregou

grande valor econômico e foi este conjunto de fatores que lhe garantiu tal notoriedade,

de alcance nacional ou mundial, naquele momento.

No entanto, pelo fato de o filme ter sido divulgado e conhecido por milhares ou

milhões de pessoas, ter gerado críticas e reportagens, ter sido assunto nas redes sociais e

nas conversas entre amigos, pode-se dizer que houve, de alguma forma, a aproximação,

a que Paolo Cherchi Usai se refere, entre a sociedade e aquela obra. Quando isso

acontece, é mais difícil que se fique totalmente insensível ao desaparecimento dessa

obra, cujas imagens podem estar relacionadas a determinadas situações vividas ou

experimentadas por aquelas pessoas. Filmes com este perfil, rapidamente, são

disponibilizados no mercado de varejo, garantindo-lhe, ao mesmo tempo, o

prolongamento de sua vida comercial e sua circulação e difusão junto ao público, que,

nestes casos, faz, ele mesmo, suas escolhas.

O segundo momento é aquele em que a nacionalização e/ou a universalização

de uma obra estão vinculadas à sua condição de patrimônio, conforme proposto pelo

Programa Memória do Mundo, por exemplo. Nestas situações, não interessa muito o

número de pessoas que tiveram acesso à obra, mas sim o reconhecimento, de algum tipo

de valor, por parte de determinados especialistas ou instituições renomadas, que pela

posição que ocupam, sua influência política e seu capital intelectual e cultural, acabam

sendo considerados credenciados a determinar quais obras devem ser consideradas

patrimônio da nação ou da humanidade.

No caso do cinema, o fato de um filme receber reconhecimento, a ponto de

obter um registro, como patrimônio nacional, regional ou internacional, após muitos

anos de sua realização, coloca, muitas vezes, em evidência o seguinte paradoxo típico

da obra cinematográfica: a perenidade de seu conteúdo ou de seu valor estético e a

fragilidade de seu suporte que, diferente da cerâmica, do mármore ou do vidro, deixa

sempre dúvida sobre sua longevidade. Neste contexto, o registro pode, de alguma

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forma, garantir atenção e tratamento especial à obra cinematográfica nominada e

colaborar para prolongar sua vida útil.

A vulnerabilidade dos suportes cinematográficos faz com que, em muitos

casos, haja urgência na restauração ou na transferência do suporte. Isto exige um

empenho maior das instituições para levantar fundos para efetuar a intervenção

necessária na obra. Quando o suporte sucumbe ao tempo ou ao descaso, tudo que resta

da obra que ele abrigava e a significação que seu conteúdo carregava como forma de

expressão ou registro histórico vira apenas lembrança, memória, história que,

eventualmente, poderá permanecer gravada na documentação correlata que daquela obra

se originou.

As ações da UNESCO, que são formalizadas por meio de recomendações,

convenções, registros e programas como os que foram aqui citados, estão longe de

estarem imunes a críticas. No entanto, apesar de seus problemas, elas, de alguma

forma, ajudam a promover e sistematizar debates acerca de assuntos, às vezes,

polêmicos e complexos e, talvez, possam ser consideradas as de maior alcance político,

uma vez que envolvem e, em alguns casos, comprometem os países membros que, por

meio de seus representantes legítimos, assinam e ratificam os documentos e os

empreendimentos ali propostos. De volta à realidade de cada país, esses compromissos

assumidos precisam, acima de tudo, de vontade política para se concretizarem em atos

efetivos que possam trazer as mudanças e melhorias necessárias e, em muitas situações,

urgentes, para a preservação do patrimônio cinematográfico nacional.

3.4- O Cinema e a “Memória do Mundo”: o patrimônio cinematográfico registrado

Segundo estatística da própria UNESCO, divulgada em 2013, há 301 itens

registrados no Programa Memória do Mundo, em nível internacional. Deste total, 57 são

bens audiovisuais ou possuem elementos audiovisuais significantes e estão assim

distribuídos: 14 filmes e vídeos; músicas ou outro tipo de gravação sonora somam 23

itens; 9 coleções de imagens ou fotografias; 11 outros tipos de documentos com

componentes audiovisuais significantes. 125

125

Informações disponíveis em www.unesco.org/new/en/world-day-for-audiovisual-heritage. Acesso em:

13/01/2014.

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Todos os anos, são abertas inscrições para registro dos mais variados tipos de

documento. No entanto, segundo Ray Edmondson,

“The Memory of the World program is still not as widely known as it

should be and there are not nearly enough films on the International

register or the MOWLAC (Latin America/ Caribbean) Regional

Register.” 126

Em um levantamento realizado, no site do programa Memória do Mundo,

identifiquei as seguintes obras ou conjunto de obras cinematográficas entre as

registradas internacionalmente, por ano:

2001 – 1)Metrópolis (Fritz Lang, 1927) - Sicherungsstück Nr. 1: Negative of

the restored and reconstructed version 2001 – Alemanha

2003 – 2)Los Olvidados (Luis Buñuel, 1950) – México

2005 – 3)Lumiére Films – França

4)The Battle of the Somme – 1916 - Reino Unido

2007 – 5)The Wizard of Oz (Victor Fleming, 1939) – Produzido pela Metro-

Goldwyn-Mayer – EUA

6)Ingmar Bergman Archives – Suécia127

7)The Story of Kelly Gang (Charles Tait, 1906) – Austrália

2009 – 8)Neighbours (Norman McLaren, 1952) – Canadá

9)Original Negative of the Noticiero ICAIC Latinoamericano – Cuba

10)John Marshall Ju/’hoan Bushman Film and Video Collection,

1950-2000 – EUA

11) UNRWA (United Nations Relief and Works Agency) Photo and

Film Archives of Palestinian Refugees – UNRWA

2011 – 12)Desmet Collection – Holanda

Conforme se pode observar, embora haja documentos registrados desde 1997,

o primeiro registro internacional de uma obra cinematográfica no Programa da

UNESCO só foi aceito em 2001. Por meio de informações disponíveis no site do MOW

126

Ray Edmondson, em entrevista à autora desta pesquisa.

“O programa Memória do Mundo ainda não é amplamente conhecido como deveria ser e não há filmes

suficientes no Registro Internacional ou no Registro Regional da América Latina e Caribe.” (Livre

tradução da autora desta pesquisa.)

127

Os arquivos do cineasta são administrados pela Fundação Ingmar Bergman

(ingmarbergman.se/em/archive).

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pode-se verificar algumas das razões que levaram as candidaturas apresentadas a

conseguir o registro.

A nominação de Metrópolis, obra-prima de Fritz Lang (1890 – 1976), foi

aceita, entre outros motivos, por ser considerada um famoso testemunho do filme de

arte alemão que fez história no cinema mundial. Uma combinação de imagem em

movimento e arquitetura, Metrópolis foi o filme silencioso mais caro do mundo, na

época em que foi lançado. Lembrando que a maioria dos filmes possui várias versões, é

importante observar que a versão de Metrópolis que foi registrada no Programa é a de

2001, por ser considerada a que mais se aproxima do trabalho original produzido pelo

diretor.

Reconhecido como um clássico do cinema mundial que influenciou fortemente

o gênero “realismo social”, Los olvidados foi considerado, na época, um filme muito

polêmico por mostrar crianças de rua, em ambiente urbano, sendo atraídas para o crime,

tendo como eixo temático o fracasso da sociedade.

The Battle of the Somme é o único documentário sobre uma das batalhas mais

importantes da I Guerra Mundial. Considerado o primeiro documentário de longa

duração a registrar um combate, este filme teve importante função no estabelecimento

da metodologia usada no gênero documentário e filme de propaganda e colocou em

debate uma série de questões relacionadas ao tratamento ético dado à obra “factual” que

continuam relevantes atualmente.

O filme australiano The Story of the Kelly Gang (1906), nominado em 2007, é

considerado o símbolo do nascimento da indústria fílmica e da identidade australiana.

Além disso, ele é reconhecido como o precursor do formato longa-metragem, por ser o

primeiro longa de ficção produzido no mundo.

O mais influente artista na história da arte de animação, Norman McLaren é

reconhecido por suas inovações e experimentações. Neighbours, seu mais importante

filme, é uma parábola anti-guerra que melhor exemplifica sua capacidade criativa.

Produzido, semanalmente, pelo Instituto Cubano del Arte y la Industria

Cinematográficos (ICAIC), o conjunto de cinejornais cubanos, realizados entre 1960 e

1990, é considerado documento histórico único representando eventos como o

surgimento da bipolarização mundial, as guerras de independência das colônias

africanas e levantes populares. Ultrapassando as fronteiras do país em que foram

produzidos, eles ocupam um lugar na memória do mundo como o mais abrangente

registro da história da Revolução Cubana.

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A coleção de filmes e vídeos produzidos por John Marshal sobre o grupo étnico

Ju/’hoansi, originário do Deserto Kalahari, na Namíbia, é reconhecido como um dos

“projetos antropológicos visuais seminais do século XX”. Formada por uma

documentação audiovisual produzida durante 50 anos, a coleção é um registro histórico

sem paralelo do modo de vida tradicional de um povo e das transformações sofridas por

este povo em virtude das rápidas mudanças no cenário político e econômico que

transcorreram durante o processo de independência do país.

Entre os motivos que levaram a Coleção Desmet a ser nominada no Programa

estão o fato de que ela é composta por um excepcional conjunto de filmes, documentos

de empresas, posters, material de propaganda e fotos de cenas de filmes (stills) da

década de 1910. Entre os filmes, estão cópias únicas de obras que, até então, eram

consideradas perdidas. Segundo informações veiculadas no site, esta coleção excede as

fronteiras da história do cinema e possui grande valor pela descrição e análise sócio-

histórica de uma das mais importantes décadas na história moderna, refletindo os

avanços técnicos e a evolução metodológica do que veio a ser a indústria do cinema.

Conforme podemos verificar nos exemplos acima, há os mais variados motivos

para se registrar um filme ou um conjunto de documentos no Programa Memória do

Mundo: raridade, importância no cenário mundial, impacto social, valor histórico, valor

artístico, inovação formal, criatividade excepcional, etc. E, considerando-se tantos

outros motivos, certamente há nominações de filmes em comitês nacionais e regionais

(como é o caso de Limite) que não estão disponíveis no site da UNESCO.

Ao analisar as nominações acima citadas, observa-se, primeiramente, a

variedade de conteúdo, nacionalidade, gênero fílmico e época de produção. No entanto,

chama a atenção que, mesmo plurais em muitos aspectos, os filmes e/ou conjunto de

documentação cinematográfica registrados, em nível internacional, estão concentrados

no mundo ocidental. As razões para isso podem ser muitas e, mesmo que possamos

fazer algumas suposições, infelizmente, não há como especificá-las objetivamente nesta

pesquisa.

No entanto, independente de suas origens, as nominações citadas são um

demonstrativo do rico e diversificado conteúdo e dos variados formatos de registros que

os arquivos de filmes preservam e que estão gravados neste tipo de patrimônio. Se por

um lado eles documentam o desenvolvimento da linguagem artística e da tecnologia

utilizada pelo cinema, bem como o desenrolar da indústria cinematográfica, por outro,

ajudam a esclarecer e contribuem para a compreensão e evolução das sociedades. Neles

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podem ser encontrados registros da memória social de diferentes épocas, de diversas

localidades, de variados povos e de suas culturas. Desse modo, um filme pode ser o

testemunho de histórias, rituais, modos de ser, vestir e viver de um povo em diferentes

épocas e locais. Nesta perspectiva, a preservação de filmes pode ser entendida não

apenas como uma forma de manter viva a História e a Memória do Cinema, mas

também de preservar a História e a Memória no Cinema que, como forma de expressão

cultural, reflete e afeta, em múltiplos aspectos, a sociedade na qual ele se insere e se

inspira.

Por isso, pode-se afirmar que, seja como documentário ou como uma narrativa

ficcional, a linguagem audiovisual reafirma, sem jamais perder de vista seu caráter

artístico, sua vocação e seu valor documental.

Neste sentido, é preciso reconhecer que a relação entre o patrimônio

cinematográfico e a memória social se estabelece em bases singulares. Como forma de

expressão que fascina e inquieta, os filmes podem ter efeitos diversos sobre indivíduos e

instituições. Segundo Marc Ferro (2010), “A câmera [...] desvenda o segredo, apresenta

o avesso de uma sociedade, seus lapsos. Ela atinge suas estruturas.” 128

Ao fazer uso de

suas próprias estratégias discursivas e se valer de pesquisas em diversas fontes – sejam

elas oficiais, populares, textos escritos e relatos individuais e/ou coletivos, pintura,

fotografias –, um filme pode atualizar um acontecimento passado e jogar luz sobre

personagens e fatos possibilitando um novo olhar sobre eles.

Segundo Jean-Marrie Gagnebin,

O filme ajuda assim na constituição de uma contra-história, não

oficial, liberada, parcialmente, desses arquivos escritos que muito

amiúde nada contêm além da memória conservada por nossas

instituições. Desempenhando assim um papel ativo, em contraponto

com a História oficial, o filme se torna um agente da História pelo

fato de contribuir para uma conscientização. 129

Contudo, de acordo com Marc Ferro, a importância de um filme e a “realidade”

que ele registra ou (re)cria precisa de tempo para ser avaliada. A partir dessa premissa, o

autor entende que o significado de um filme só pode ser compreendido quando não

apenas os componentes fílmicos – imagens, sons, cenário, etc. – são levados em

consideração, mas também seu autor, público, crítica, nacionalidade, época em que foi

realizado e todo o contexto social, cultural e político que o cerca. Desse modo, a riqueza

128

FERRO, M., 2010, p. 31. 129

Idem, Ibid., p. 11.

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de significação e o valor histórico, artístico ou documental de uma obra cinematográfica

não podem ser totalmente percebidos de imediato.

À luz do tempo, quando analisado de maneira mais cuidadosa, um filme pode

revelar-se como um documento que permite deixar transparecer “zonas não visíveis do

passado das sociedades” 130

e colocar em xeque a leitura do passado e,

consequentemente a historiografia e as memórias cristalizadas.

Considerando seu caráter expressivo e performático, o filme pode funcionar

como uma chave de ativação da memória e exercer função destacada nos processos de

construção da memória que, segundo Jelin (2002), ligam-se a três fatores

intrinsecamente relacionados: 1) o sujeito que lembra ou esquece e a eterna tensão entre

indivíduo e sociedade, 2) os conteúdos que são lembrados ou esquecidos – as vivências

pessoais mediadas por laços sociais, pelo consciente ou pelo inconsciente, os saberes, as

crenças, os padrões de comportamento e tudo que pode ser transmitido pelas práticas

sociais e culturais de um grupo e 3) como e quando se lembra ou se esquece.

Talvez seja pelo viés da linguagem que os confrontos éticos e políticos da

memória social tornem-se mais aparentes. A linguagem seria a arena desses embates

nos quais lembrança e esquecimento estabelecem relações de poder por meio do

discurso, da ideologia, do dialogismo, da polifonia e dos silêncios.

O filme, por fazer uso de uma linguagem própria e cheia de recursos, pode,

então, ser considerado o produto da indústria cinematográfica em que esses embates

ficam registrados e são oferecidos às sociedades em forma de arte, entretenimento e

documento.

Para candidatar qualquer documento ao recebimento de um registro no

Memória do Mundo, é preciso preencher um formulário 131

que deverá ser apresentado,

primeiramente, ao Comitê Nacional do país. Depois de aprovado neste comitê, o mesmo

documento pode ser encaminhado ao Comitê Regional que, posteriormente, pode enviar

solicitação de análise do documento ao Comitê Internacional.

Para fazer parte da Memória do Mundo é preciso, portanto, cumprir algumas

etapas e ter um agente, um proponente para a candidatura. Alguém que se empenhe, se

esforce e trabalhe para o reconhecimento e valorização daquele documento como peça

importante para a construção da memória. Esses agentes são o que Elisabeth Jelin

130

FERRO, M. op. cit., p. 21. 131

Os formulários encaminhados ao Comitê Internacional da UNESCO pleiteando a nominação podem

ser acessados na página do programa.

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(2002) chama de “empreendedores da memória” 132

. No caso da memória do cinema,

quem são esses agentes? Quais são seus objetivos? O que os impulsiona? Quais são seus

interesses e estratégias? Em que cenário e em que conjuntura se dão suas lutas?

Para pensar sobre essas questões, é preciso ir muito além do “Programa

Memória do Mundo”. As nominações de filmes e documentos audiovisuais no

programa são, na verdade, a ponta do iceberg quando se fala em reconhecimento e

valorização do patrimônio cinematográfico. Na base destas nominações, há um longo e

árduo trabalho por parte de cinéfilos, colecionadores, arquivistas. São eles os

“empreendedores da memória”, os “arcontes” da memória do cinema, que se empenham

e buscam articular-se politicamente para salvar o máximo possível da produção

cinematográfica.

Embora um movimento internacional em prol da preservação do patrimônio

cinematográfico possa ser identificado, especialmente a partir do final do século XX, a

desigualdade na distribuição de recursos faz com que pequenas batalhas aconteçam no

dia a dia das instituições que lidam com baixos orçamentos e onde poucos trabalham e

se comprometem em preservar este patrimônio, impulsionados, acima de tudo, pela

paixão.

Nas palavras de Ray Edmondson:

Poderíamos esperar que a tarefa de preservação da memória

audiovisual do mundo ocupasse um lugar destacado e dispusesse de

recursos à altura da importância de seu papel na história da

humanidade. Nada mais longe da realidade. O número de pessoas que

se encarrega desta tarefa em todo o mundo chega a menos de 10 mil e

talvez esteja abaixo dessa estimativa. Essa pequena comunidade

formada por profissionais tenazes e comprometidos, embora

exercendo um trabalho em grande medida desconhecido e carente de

reconhecimento, tem uma responsabilidade imensa. Enquanto

profissionais, ainda que reflitam pouco sobre a questão, os arquivistas

audiovisuais do mundo inteiro detêm um poder considerável. A

maneira como o exercem hoje determinará, em grande parte, o que a

posteridade conhecerá sobre nossa época. 133

Em um mundo voltado para a comunicação audiovisual, os filmes guardam,

reservam, reúnem signos visuais, verbais, sonoros há mais de um século e, se

132

Termo cunhado por Elizabeth Jelin, tomando por base o pensamento de Howard S. Becker – que

assinala a importância e necessidade de haver “moral entrepreneurs”, isto é, agentes sociais que

mobilizam suas energias por uma causa, que chamam a atenção do público sobre determinado assunto. Na

esfera pública, em diversos temas, há pessoas ou grupos que conseguem trazer certos assuntos à tona e,

em determinado momento e lugar, torná-los uma questão pública. Isso requer tempo e empenho por parte

de alguém que se esforça para alcançar o fim desejado. 133

EDMONDSON, 2013, p. 196.

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devidamente preservados, asseguram a possibilidade de, como arquivos da memória,

abrirem-se para o futuro.

3.5- O caso “Limite”

Entre as obras registradas pelo Programa Memória do Mundo, com candidatura

acatada pelo Comitê Regional para América Latina e Caribe, uma é de interesse

particular dos brasileiros: Limite, único filme realizado por Mário Peixoto.

Como só estão disponíveis no site do Programa os formulários dos registros

internacionais, para ter acesso ao processo que originou a nominação de Limite, entrei

em contato com a Cinemateca Brasileira que me enviou a documentação solicitada,

após a assinatura de um termo em que me comprometi a fazer uso do material

documental exclusivamente em função da pesquisa, sem reproduzi-lo, duplicá-lo ou

reutilizá-lo junto a terceiros.

O material que recebi é composto por: 1) formulário completo, apresentado

para a candidatura à nominação, enviado ao Comitê Nacional do Brasil do Programa

Memória do Mundo da UNESCO, em julho de 2007; 2) os anexos, com documentos

ilustrativos: matérias dos jornais A Última Hora e O Estado de S. Paulo (1962), e

Jornal do Brasil e Folha de S. Paulo (2007) sobre as restaurações do filme e o

lançamento da versão restaurada de Limite em Cannes, 2007; 3) as duas cartas enviadas

à Cinemateca Brasileira, informando e parabenizando pela nominação: a primeira,

datada de 06/11/2007, quando a nominação foi aceita pelo comitê Nacional e a segunda,

datada de 29/11/2011, por ocasião da nominação no Comitê Regional; 4) os dois

Certificados do Registro, um no Comitê Nacional e outro no Comitê Regional para a

América Latina e o Caribe da UNESCO.

Para entender o processo de patrimonialização desta obra, a leitura do item B

do formulário é, particularmente, esclarecedora. Nesta seção do formulário, é feita toda

a descrição e contextualização do documento, seu conteúdo e estrutura. As informações

ali contidas são fundamentais para compreender a singularidade desta obra e conhecer

um pouco sobre vida de seu realizador. Completam o formulário informações referentes

ao sistema de organização do acervo, suas condições de acesso e uso; um resumo do

plano de gestão documental; uma lista de publicações, artigos e estudos sobre o

documento a ser registrado e uma avaliação de risco, isto é, natureza e abrangência das

ameaças a esse documento.

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No entanto, todo o esforço, empenho e dedicação exigidos anos e anos na

preservação de Limite, e essenciais para a sobrevivência da obra, não estão devidamente

registrados no formulário apresentado ao Comitê Nacional. Desse modo, pode ficar

parecendo que a conservação da obra foi uma coisa natural, que os riscos de perda

foram facilmente contornados, que seu valor sempre foi reconhecido e que não há

grandes empecilhos para esta prática no país. Somente lendo a dissertação de Marco

Dreer – item 2.3 A restauração de Limite: uma experiência representativa – é

possível acompanhar a “saga” em que se constitui a preservação desta obra, em um país

que pouco se preocupa com seus bens cinematográficos.

Conforme explica Dreer,

Se há um filme brasileiro no qual estaria representada toda a via-crúcis

da preservação e da restauração no Brasil, obra que praticamente

perpassa toda a história que procuramos aqui esboçar, exemplo que é

de persistência pessoal e ao mesmo tempo dos percalços vividos para

a restauração em um país como o Brasil, este filme é Limite. Cercado

de diversos mitos construídos em sua maioria por seu próprio criador,

Limite é, de todos os filmes brasileiros que sofreram restauração, o

que melhor espelha a atividade no Brasil, de modo que poderíamos até

nos resumir a ele como um caso típico, dadas as diversas dificuldades

encontradas – e que parecem ainda persistir. 134

Realizada em 1931, a obra foi originalmente produzida em película 35mm, em

nitrato de celulose, e é composta de 8 rolos. Pertencente ao Arquivo Mário Peixoto, ela

é custodiada pela Cinemateca Brasileira, cujo diretor da instituição, na época, Sr. Carlos

Wendel de Magalhães foi, segundo consta no formulário, o proponente da candidatura.

“Breve esboço de uma cinebiografia de Mário Peixoto”, escrita por Saulo

Pereira de Mello, para o Catálogo da exposição sobre o autor, na Fundação Casa De Rui

Barbosa, em 1996, foi o texto que embasou as informações contidas no formulário sobre

a vida de Mário Peixoto e a história do filme.

Nascido em 25 de março de 1908, em Bruxelas (Bélgica) e falecido em 3 de

fevereiro de 1992, no Rio de Janeiro, Mário Peixoto era um grande conhecedor do

cinema silencioso “e admirava os realizadores alemães, principalmente Murnau. Tinha

grande apreço por Eisenstein – pelo virtuosismo da montagem – e por Chaplin – pelo

aspecto poético e habilidade como diretor.” 135

134

DREER, 2011, p. 45. Em sua dissertação de Mestrado, defendida na FGV, o autor descreve

detalhadamente toda a história da restauração deste filme, destacando o papel essencial de Saulo Pereira

de Mello para a sobrevivência desta obra até os nossos dias. 135

MELLO, 1996, p. 7.

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De família abastada, Mário Peixoto foi criado seguindo os padrões clássicos da

alta burguesia carioca. Era culto, inteligente, bem humorado e introspectivo. De gosto

refinado, colecionava obras de arte do período colonial brasileiro, da região sul-

fluminense, visando a organizar um museu.

Nas palavras de Saulo Pereira de Mello, “Mário Peixoto era um homem

minucioso, paciente, perfeccionista ao extremo – nos poemas, nos romances, nos

roteiros, no trato da casa e das coleções e no vestir – e isto foi sem dúvida responsável

pela excelência formal de Limite.” 136

Sem nunca ter sido exibido em circuito comercial, Limite é uma obra

hermética, de ritmo lento e grande rigor artístico e, talvez por isso, tenha sido recusada

por todos os distribuidores de filme da época, apesar do empenho pessoal de Adhemar

Gonzaga neste sentido. Conforme Saulo Pereira de Mello, “o fruto de maior

refinamento que uma arte, nascida humilde e popular, conseguiu alcançar só causou

rejeição.” 137

Desse modo, a estreia pública de Limite, se deu no dia 17 de maio de 1931,

organizada pelo cineclube Chaplin Club, no Cinema Capitólio, na Cinelândia. “Limite, o

último grande filme silencioso, foi também a última sessão de cinema do Chaplin Club

– que pouco depois se autodissolveria diante da evidência de que o silencioso estava

morto.” 138

Com o encerramento do cineclube, o filme passou a ser exibido na antiga

Faculdade Nacional de Filosofia do Rio de Janeiro, em sessões organizadas por Plínio

Sussekind Rocha, antigo colega de colégio de Mário Peixoto e um dos corresponsáveis

pela preservação da obra.

Embora desconsiderado como produto comercial, Limite foi bem recebido pela

crítica especializada e não faltam manifestações de críticos e cineastas de diferentes

partes do mundo sobre a obra.

Otávio de Faria, um dos mais importantes interlocutores de Mário Peixoto,

escreveu, em 1931, por ocasião do lançamento do filme, um artigo em que afirma que:

Poucos filmes, mesmo, terão reunido imagens tão bonitas e tão

originais, e em poucos terão sido sentidas, combinadas e ritmadas com

tanto senso artístico e habilidade técnica. Limite não é um filme

nacional que deve ser visto. É um grande filme que merece ser

estudado nas diversas questões de cinema que levanta. 139

136

Idem. 137

Idem, p.24. 138

Idem. 139

Otávio de Faria, “Limite”. A Pátria, 10 de maio de 1931, apud ROCHA, 2003, p. 64.

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- 108 -

Para o cineasta soviético Sergei Eisenstein, “...a mensagem de cinema da

América do Sul, daqui a vinte anos, eu estou certo, será tão nova, tão cheia de poesia e

cinema estrutural, como o que assisti hoje. Jamais seguia um fio tão próximo ao genial

como o dessa narrativa de câmera sul-americana...” 140

Sobre Mário Peixoto e sua obra cinematográfica, Erich Pommer, prestigiado

produtor alemão, escreveu: “...um jovem brasileiro – que se expressa em cinema com a

mesma profundidade de um experimento técnico. Entretanto, a sua arte extravasa mais

em arroubos de ousada poesia à qual a câmera empresta todo um ineditismo de raro e

mais alto senso estético...” 141

Ao mesmo tempo em que cita estas e outras críticas positivas sobre Limite e

seu realizador, Glauber Rocha, em “Revisão crítica do cinema brasileiro”, se posiciona

da seguinte forma:

Não vi Limite, mas posso adiantar que Mário Peixoto está para o

cinema como Lúcio Cardoso e Octávio de Faria para a nossa

literatura: é o que se chama um intimista, um místico talvez, um

homem voltado para seu mundo interior, inteiramente afastado da

realidade e da história. Sobretudo um esteta hermético; um resto da

aristocracia marcada pelo bom gosto. Se evoluísse, fazendo mais

filmes, possivelmente seria um cineasta da envergadura de um Ingmar

Bergman; ou então um outro de dramalhões. 142

Duas décadas depois, em um ensaio publicado em “Revolução do Cinema

Novo”, o cinemasta incluiu a obra de Mário Peixoto entre as raízes nacionais do Cinema

Novo, ao lado das obras de Humberto Mauro, dos filmes de chanchada e das produções

da Vera Cruz.

Essa revisão que Glauber Rocha apresenta de Limite, após tantos anos, reforça

a teoria de Ferro da importância do distanciamento temporal para que a significação e

valor de um filme venham a se concretizar.

Em 1988, uma pesquisa nacional, promovida pela Cinemateca Brasileira, entre

críticos de cinema, elegeu Limite o melhor filme brasileiro de todos os tempos. A

escolha se repetiu em novo inquérito feito pelo jornal Folha de São Paulo, em 1995.

140

Sergei Eisenstein, Marble Arch Pavillion, Strand, Londres. The Tatler Magazine, Londres, Outubro de

1931, apud ROCHA, 2003, p. 64. 141

Erich Pommer, Vue, Paris, novembro de 1931, apud ROCHA, 2003, p. 64 e 65. 142

ROCHA, 2003, p.59.

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- 109 -

No entanto, sem o cuidado, a persistência, a dedicação e a atenção dispensadas

ao filme por Saulo Pereira de Mello – contratado por Plínio Sussekind Rocha para

restaurar o filme – o destino de Limite, certamente, seria muito diferente e a obra seria

mais uma a elevar o índice de filmes definitivamente extintos.

O certificado de registro no Comitê Nacional declara: “A nominação neste

registro confirma o valor excepcional e o interesse nacional de um acervo documental

que deve ser protegido para benefício da humanidade.”

Transcrevo, abaixo, uma parte da exposição de motivos relatada no formulário,

em que são apresentadas a natureza, a singularidade e a significância do documento para

que a nominação de Limite fosse aceita.

Único filme concluído de Mário Peixoto, Limite é considerado um

dos principais filmes da história do cinema brasileiro, extremamente

inovador para a época. Descende em linha direta do cinema

soviético, do cinema expressionista alemão e do cinema clássico

americano griffithiano, valorizando o fazer cinematográfico como

arte.

Hoje, sua importância é amplamente reconhecida. O filme trouxe

enormes inovações de linguagem, com seu ritmo lento, suas

belíssimas imagens de paisagens brasileiras e um trabalho

revolucionário de câmera, que combina enquadramentos estáticos

com movimentos vertiginosos, pontuados por uma trilha sonora

erudita.

[...]Pelo impacto causado e pela raridade de exibições, o filme é

frequentemente citado como o filme mais comentado e menos visto

da história do cinema brasileiro.

Suas virtudes reais só puderam ser apreciadas a partir de cuidadosa

restauração, realizada entre 1960 e 1977, sob orientação de Saulo

Pereira de Mello e Plínio Süssekind Rocha. A película de 35 mm em

base de nitrato estava entrando em decomposição, a ponto de uma

pequena parte ter se perdido quase por completo (7 fotogramas

foram recuperados na última restauração).

Nova restauração vem sendo realizada há mais de cinco anos, sob a

supervisão de Saulo Pereira de Mello, diretor do Arquivo Mário

Peixoto.

Limite, filme brasileiro de Mário Peixoto, é um filme insólito e

surpreendente. Insólito na história do cinema silencioso que, sem

ele, fica incompleto; surpreendente na história do cinema brasileiro.

O filme liga-se mais ao cinema mundial do que ao cinema silencioso

brasileiro; mas é um filme brasileiro de dimensões universais; suas

imagens, na sua concretude particular, são fundamente brasileiras:

casas, roupas; faces e cercas; céu, montanhas e alagados; barcos e

mar, pescadores e redes – e, sobretudo, a luz, este céu branco e

brilhante – tudo é Brasil. O tema de Limite é, por outro lado,

universal na sua concretude: não tem pátria: a limitação essencial da

condição humana, a fundamental inutilidade do agir humano – o que

Limite faz é nos revelar, nos desvelar (e não contar ou narrar) o que

é o Man´s Fate (a condição humana, o destino do homem).

[...]Limite é um filme de rara precisão técnica, formalmente

elaborado, expressiva e artisticamente refinado – usa os “meios

formadores” do cinema de maneira tão segura, tão hábil e tão

adequadamente que tem o aspecto de uma obra de final de período,

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- 110 -

de esgotamento de estilo, de arte acabada – filme estéril que não terá

e não teve descendência, nem no Brasil, nem no mundo. Limite é

algo terminal, remate, conclusivo – e resumo: todos os grandes

filmes silenciosos parecem contidos nele. Há nele um forte traço de

tragédia e não apenas por seu tema, mas também por sua forma: o

trágico do last of the breed (“último da espécie”).

[...]Ver Limite em uma tela de cinema – na escuridão ritual da sala

de projeção – é uma experiência única – e dilacerante. [...] Limite

tem essa qualidade que somente City Lights, Man of Aran e Mãe

possuem: a cada vez que os vemos é como se os víssemos pela

primeira vez. Limite tem esta característica raríssima, que toda obra

de arte tem: é eternamente novo, moderno e atual. 143

Produzido há mais de 80 anos, Limite parece ainda não poder ser comparado a

nenhuma outra obra cinematográfica brasileira. Passados tantos anos, os mitos

construídos ao redor deste filme e de seu autor permanecem. A nominação no Programa

Memória do Mundo vem reafirmar sua singularidade artística no cenário do cinema

nacional e lhe dar a chance de encontrar seu lugar na memória do cinema mundial.

143

Formulário para candidatura à nominação de “Limite” apresentado ao Comitê Nacional do Brasil do

Programa Memória do Mundo da UNESCO em julho de 2007, pp. 40-41.

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4 - CONVERSANDO SOBRE PATRIMÔNIO CINEMATOGRÁFICO

Realizar entrevistas com pesquisadores, professores e especialistas que atuam

em diferentes áreas, relacionadas ao cinema e ao patrimônio cinematográfico, constituiu

parte da metodologia usada nesta pesquisa, como uma forma de aprofundar o assunto

aqui proposto, tendo como referência profissionais que estão, de alguma forma,

buscando refletir, trabalhar e/ou militar no campo do cinema, exercendo funções em

associações, instituições e agências ligadas ou não ao governo.

A partir desse critério, foram selecionados para compor o universo de

entrevistados para a pesquisa de campo feita para este trabalho, um conservador-chefe,

ex-diretores e coordenadores de importantes cinematecas no Brasil, professores e

pesquisadores universitários e críticos de cinema. O conjunto dessas entrevistas, além

de ajudar a compreender melhor os caminhos que levaram à ideia de que a produção

cinematográfica constituía um tipo de patrimônio, foi de fundamental importância para

tornar clara a complexidade das questões que estão relacionadas ao tema. Quase todas

as entrevistas foram realizadas individualmente, com o auxílio de um gravador e a

transcrição das mesmas representa um expressivo recorte no corpus desta pesquisa.

A metodologia utilizada consistiu em entrevistas abertas. Para guiá-las, optei

por elaborar um roteiro com tópicos e questões. Além de indagações sobre o assunto,

inseri também alguns questionamentos sobre o documento da UNESCO, que apresenta

uma lista de patrimônio cinematográfico brasileiro, para entender que documento era

aquele, qual era sua origem e importância. Meu roteiro básico foi o seguinte:

1- O conceito de patrimônio cinematográfico.

2- As particularidades do patrimônio cinematográfico.

3- Qual a importância dos críticos de cinema / do público na determinação do valor

de um filme e na sua importância para o patrimônio cinematográfico?

4- Critérios a serem observados na escolha de um filme, como uma obra que deve

ser patrimonializada/ registrada/ nominada.

5- Quais são as principais instituições nacionais / internacionais que estão

diretamente envolvidas nos processos de preservação e patrimonialização do

cinema?

6- Quais são os agentes, atualmente, a quem caberia o poder de determinar o valor

da produção cinematográfica?

7- Os discursos de patrimonialização do cinema.

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- 112 -

8- Recomendação para a Salvaguarda e Preservação das Imagens em Movimento

de outubro/ 1980 – Trouxe alguma mudança real na forma de tratamento do

acervo cinematográfico no Brasil?

9- Sobre o documento intitulado Patrimônio Cinematográfico Nacional, publicado

em 1995, conhece este documento e a lista de patrimônio cinematográfico do

Brasil? Está de acordo com esta lista? Mudaria alguma coisa? Quem foi

responsável por esta seleção? Qual é a importância deste documento?

10- Se fosse possível fazer uma seleção de filmes que deveriam ser preservados para

a posteridade, como patrimônio nacional, em sua opinião, quais seriam

obrigatórios nesta lista?

As conversas, normalmente, não aconteciam seguindo a ordem exata do

roteiro e, algumas vezes, o assunto extrapolava para outras questões que não estavam

inicialmente previstas o que, certamente, enriqueceu a discussão. Apenas uma entrevista

foi realizada virtualmente, com perguntas e respostas enviadas por e-mail. Considero,

no entanto, que o resultado final das entrevistas trouxe grandes contribuições para a

pesquisa. É sobre elas que este capítulo versa.

4.1- Meus entrevistados

Minha primeira entrevista foi com Hernani Heffner. Professor, pesquisador e

conservador-chefe da Cinemateca do Museu de Arte Moderna (MAM), no Rio de

Janeiro, Heffner é graduado em Cinema pela Universidade Federal Fluminense, onde

também já atuou como professor. Considerado uma das maiores referências quando o

assunto é preservação audiovisual e história do cinema brasileiro, foi eleito, em 2012,

presidente da Associação Brasileira de Preservação Audiovisual (ABPA). Com

inúmeros textos e artigos publicados em revistas e sites especializados em cinema, tais

como Filme Cultura, Revista Acervo – uma publicação do Arquivo Nacional – e

colaborações importantes em diversas publicações como a “Enciclopédia do Cinema

Brasileiro”, este pesquisador e professor é frequentemente solicitado para proferir

palestras, participar de mesas redondas e debates e participar de entrevistas, muitas

delas disponíveis na internet. Um de seus textos mais acessados chama-se

“Preservação”. Publicado em 2001, pela Revista Contracampo, está disponível em

www.contracampo.com.br/34/frames.htm. Outro importante texto sobre o assunto foi

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- 113 -

publicado em 05 de maio de 2013, no blog “Preservação audiovisual” 144

. Com o título

“A preservação audiovisual no Brasil”, Hernani Heffner escreve uma carta aos

associados da ABPA na qual reflete sobre a crise que atingiu a Cinemateca Brasileira e

seus reflexos para a preservação audiovisual no Brasil e questiona a dimensão do

patrimônio ali abrigado, considerando-se a extensão territorial brasileira e a existência

de outros arquivos e cinematecas distribuídos pelo país. Realizei duas longas entrevistas

com Hernani, na própria Cinemateca do MAM. A primeira, em junho de 2011, na fase

inicial de pesquisa de campo. A segunda, em maio de 2012, pouco antes de eu prestar

meu exame de qualificação de tese.

Ainda em 2011, realizei mais duas entrevistas. Uma, em setembro, com o

professor e pesquisador campista da UFF, Aristides Arthur Soffiati Netto, doutor em

História Social pela UFRJ. Embora tendo como foco principal de suas pesquisas a

História Ambiental, Soffiati, além de ser engajado na causa da preservação do

patrimônio da cidade de Campos dos Goytacazes, é também crítico de cinema do mais

importante jornal das regiões Norte e Noroeste Fluminense 145

. Como crítico de cinema,

seus textos demonstram uma preocupação em avaliar os vários aspectos de um filme

como o narrativo, o estético e o técnico, por exemplo. Grande conhecedor e estudioso

de cinema, seu interesse pela sétima arte pode ser prontamente identificado frente a sua

coleção com mais de dois mil DVDs, na qual se encontram obras nacionais e

estrangeiras, documentários e filmes de ficção de todos os gêneros e épocas.

O terceiro e último entrevistado, no ano de 2011, foi o também professor e

pesquisador João Luiz Vieira. A entrevista foi realizada na UFF, em Niterói, em

outubro. Com forte atuação no ensino e na pesquisa, Vieira atua no Brasil e também no

exterior, com certa frequência. Possui mestrado e doutorado em Cinema Studies pela

New York University e pós-doutorado cursado no Department of Film and Television

Studies da Universidade de Warwick, na Inglaterra. Autor de inúmeros artigos e livros

sobre cinema, seu percurso como pesquisador demonstra seu interesse em conhecer, de

maneira mais profunda, a história do cinema brasileiro, propondo releituras,

ressignificações e um reconhecimento de obras – muitas delas esquecidas – da

cinematografia brasileira, bem como de seus realizadores. Nesse sentido, sua posição

como pesquisador, conferencista e participante nos debates acerca da valorização do

patrimônio cinematográfico brasileiro tem sido de grande importância.

144

http://preservacaoaudiovisual.blogspot.com.br 145

Jornal Folha da Manhã, fundado em 1978, em Campos dos Goytacazes (RJ).

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- 114 -

Em agosto de 2012, em São Paulo, realizei pesquisas na Cinemateca Brasileira,

no Museu Lasar Segall e pude entrevistar outros importantes nomes cujos contatos me

haviam sido passados por Hernani Heffner: Carlos Roberto de Souza e Carlos Augusto

Calil. Além deles, entrevistei também Fernanda Guimarães, por sugestão de Sílvia

Costa, colega da mesma linha de pesquisa na UNIRIO, que havia defendido sua

dissertação sobre as ondas de destruição do material audiovisual.

A entrevista com Carlos Augusto Calil aconteceu em sua sala de trabalho, na

Escola de Comunicações e Artes da USP, no Departamento de Cinema, Rádio e

Televisão, onde ministra a disciplina “Legislação e mercado audiovisual”. Além de

professor, Calil era, à época, Secretário Municipal de Cultura de São Paulo. Graduado

em Cinema pela mesma instituição na qual, hoje, é professor, foi também diretor da

Cinemateca Brasileira. Grande conhecedor da filmografia brasileira, aborda com

eloquência não apenas questões referentes a aspectos técnicos da preservação, mas

também outras que envolvem o assunto, seja sob uma perspectiva política, econômica

ou histórica. Em seu livro “Cinemateca Imaginária: Cinema e Memória”, publicado em

1981, e do qual é um dos organizadores, o autor sistematiza questões levantadas durante

o importante “Simpósio sobre o Cinema e a Memória do Brasil”, em agosto de 1979, no

Palácio da Cultura na cidade do Rio de Janeiro, bem como as sugestões apresentadas

durante o evento, com o objetivo de elaborar um documento que propusesse soluções e

definisse prioridades voltadas para a preservação do patrimônio e da memória

cinematográfica brasileira.

A conversa com Carlos Roberto de Souza revestiu-se de grande expectativa,

pois esperava que ele pudesse esclarecer a origem da lista brasileira de patrimônio

cinematográfico, publicada pela UNESCO. Carlos Roberto também é graduado em

Cinema pela USP e, em seu doutorado em Ciências da Comunicação pela mesma

universidade, defendeu, em 2009, a tese “A Cinemateca Brasileira e a Preservação de

Filmes no Brasil”, que aborda, principalmente, “a história da Cinemateca Brasileira

desde suas origens como Clube de Cinema de São Paulo, sua anexação ao Museu de

Arte Moderna, a mudança de personalidade jurídica para fundação e sua transformação

em órgão vinculado ao poder federal.” 146

Sua ligação com a maior instituição de

preservação audiovisual do Brasil é bastante antiga e fecunda. Ali, ele já ocupou

diversos cargos de coordenação, bem como de direção da cinemateca. Foi durante

146

SOUZA, Carlos Roberto. A Cinemateca Brasileira e a Preservação de Filmes no Brasil. Tese de

doutorado defendida em 2009, na USP.

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- 115 -

muitos anos, curador da “Jornada Brasileira de Cinema Silencioso”. Atualmente, é

professor colaborador do Programa de Pós-graduação em Imagem e Som da

Universidade Federal de São Carlos.

Ainda em São Paulo, consegui me encontrar com Fernanda Guimarães. Esta foi

minha conversa mais informal e a que seguiu menos o roteiro original de entrevista que

eu havia feito. Nossa conversa aconteceu na Cinemateca Brasileira. Coordenadora de

projetos da Cinemateca Brasileira, Fernanda estava, naquela época, à frente do SiBIA

(Sistema Brasileiro de Informações Audiovisuais), uma organização que integra

arquivos e cinematecas de todo o Brasil e que, atualmente, encontra-se com suas

atividades paralisadas. Por meio dela, buscava saber sobre a atuação da Cinemateca

Brasileira no trabalho de difusão dos bens cinematográficos.

De volta ao Rio, entrevistei o professor e pesquisador Rafael de Luna Freire,

cujo nome me havia sido indicado pelo Professor João Luiz Vieira, que foi seu

orientador na graduação, mestrado e doutorado na UFF. Professor e pesquisador do

curso de Cinema e Audiovisual do Departamento de Cinema e Vídeo e do Programa de

Pós-Graduação em Comunicação, Imagem e Informação (PPGCOM) da Universidade

Federal Fluminense (UFF), Rafael de Luna é, também, o criador do blog “Preservação

audiovisual” no qual disponibiliza “artigos técnicos, teóricos e históricos, em português,

sobre a preservação das imagens em movimento”. Além disso, foi Coordenador de

Documentação da Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM) e,

atualmente, é Diretor Técnico da Associação Brasileira de Preservação Audiovisual

(ABPA). Em 2012, publicou o livro “Cinematographo em Nictheroy: história das salas

de cinema de Niterói”.

Meu último entrevistado foi o australiano Ray Edmondson. Sem grandes

expectativas, enviei-lhe, por e-mail, uma proposta de uma entrevista virtual sobre

patrimônio cinematográfico, em novembro de 2013. Para minha surpresa, a mensagem

foi rapidamente respondida e a proposta aceita. Uma de minhas referências

bibliográficas, Edmondson é autor de “Filosofia e princípios da arquivística

audiovisual” e “Diretrizes para a Salvaguarda do Patrimônio Documental”. Com uma

longa e marcante trajetória de alcance internacional, voltada para a preservação da

memória audiovisual, que teve início na Seção de Filmes da Biblioteca Nacional da

Austrália, em 1968, este pesquisador defendeu, em 2011, sua tese de doutorado –

“National Film and Sound Archive: the quest for identity - Factors shaping the uneven

development of a cultural institution” – pela Universidade de Camberra. Atualmente, é

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- 116 -

um importante colaborador do “Programa Memória do Mundo”, com atuações em

comitês nacionais, regionais e internacionais, e Diretor do Archive Associates 147

, uma

organização fundada por ele e sua esposa, por meio da qual procura atender as

demandas, cada vez mais crescentes, por seus serviços na área da arquivística em

âmbito internacional.

Ao transcrever as entrevistas, pude perceber detalhes e informações que, se não

tivessem sido gravadas, poderiam ter se perdido. Como comecei a maioria das

entrevistas abordando o conceito de patrimônio cinematográfico, é também com esse

tópico que inicio a sistematização do conteúdo das mesmas. No entanto, procuro

estabelecer um diálogo entre as falas registradas nas entrevistas com outros textos que

possam colaborar com as questões aqui expostas.

4.2- Sobre o conceito de patrimônio cinematográfico

Nossa proposta nesta etapa da pesquisa é analisar os discursos dos

entrevistados, com o objetivo de enunciar os usos e os significados atribuídos pelos

agentes do cinema ao patrimônio cinematográfico. O que eles pensam sobre o conceito

de “patrimônio cinematográfico”? Como se expressam nesta direção? O que mais

valorizam? Todos os trechos aqui citados foram retirados de entrevistas realizadas entre

os anos de 2011 a 2013.

Alguns de meus entrevistados, diante do questionamento sobre o conceito de

patrimônio cinematográfico, propuseram-se a falar, primeiro, sobre o conceito de

patrimônio de um modo geral, buscando localizar em que momento o cinema pode ser

inserido neste conceito mais amplo.

Hernani Heffner menciona duas acepções distintas de patrimônio. Uma

moderna, mais ligada à constituição dos estados-nações, e uma outra, ligada a um

universo mais artesanal, comunitário ou mesmo social, que ele associa, especificamente,

ao campo do cinema e que teria sido inaugurada por Boleslaw Matuszewski. No trecho

citado abaixo, Heffner parece acreditar numa concepção polifônica da categoria

"patrimônio". Para ele, o cinema revelaria a vida social. O tom de seu discurso é de

reflexão e problematização da categoria "patrimônio". Ao abordar o assunto, ele

demonstra um certo distanciamento crítico diante da questão.

147

http://www.archival.com.au/index.php/about-us.

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Desse modo, Hernani Heffner entende que:

“A ideia do patrimônio surge, na verdade, em meados do século XIX,

dentro da passagem da constituição dos estados nacionais modernos, o

que significaria, digamos assim, o que de fato constitui a cultura de

uma nação, de uma sociedade, de um povo, de uma etnia, de um

grupo, e isso seria, digamos assim, os elementos, os materiais, os

conceitos, as ideias, as ações que concorreram para a constituição,

para a construção dessa nação. Tudo que não concorreu [para a

construção da nação] não constituiria um patrimônio mais válido. Mas

no século XIX, sobretudo, esse patrimônio tem ainda uma noção

beletrista de excelência, de, enfim, uma artesania de alto nível, de uma

consequência prática e histórica positiva. [...] Quando o cinema surge,

o cinema surge dentro deste universo de ideias e de mentalidade. E a

primeira indicação neste sentido surge com o cinema, ou seja, ali

mesmo em 1898, você tem um pensador, vamos chamá-lo assim, que

vai escrever um livreto, chamado “Uma nova fonte para a História”, e

vai preconizar, digamos assim, você coletar e, a rigor, preservar essas

manifestações fílmicas, porque elas constituiriam uma forma

privilegiada pra você conhecer a realidade, conhecer o mundo e pra

você, na verdade, constituir esse patrimônio, no sentido de tornar mais

consciente a sociedade para ela mesma. Ele se chama Boleslaw

Matuszewski.” 148

Por sua vez, Aristides Soffiati Neto enfatiza a diferença entre patrimônio

material e patrimônio imaterial e destaca a importância de se observarem os múltiplos

contextos nos quais esta noção de patrimônio se insere. Segundo ele,

“a ideia de patrimônio começou sendo mais a de proteger bens

materiais. Não propriamente o patrimônio imaterial. Isso está lá na

Carta de Atenas, de 1931149

. As pessoas que pensavam a questão do

patrimônio, pensavam sempre sobre o patrimônio material. [...] Eu

acho que Mário de Andrade avançou muito nessa reflexão, em 1934,

quando ele foi convidado a redigir o anteprojeto para a criação do

IPHAN. Ele não colocou o nome, mas ele pensou em mais do que

isso. Ele pensou, por exemplo, nos bens materiais móveis também,

não só os imóveis. Ele pensou naqueles bens que são simples. [...] Ele

colocou a ideia de que aquilo que pode virar patrimônio tem que ser

discutido e tem que ser de acordo com cada contexto. Não é só um

contexto geral que vai definir o que é patrimônio em outros contextos.

Não deveria existir um padrão único do que é patrimônio cultural, do

que é bem a ser tombado, mas o contexto é que definiria. O que

merece ser tombado é o que é expressivo para aquele contexto. E ele

pensou em mais ainda. Pensou nas manifestações materiais indígenas,

deu um passo além do que o Decreto nº37, de 1935, estabeleceu,

criando o serviço de patrimônio, que é a ideia de que existem também

manifestações imateriais que devem ser protegidas.” 150

148

Hernani Heffner, em entrevista concedida à autora desta pesquisa. 149

A Carta de Atenas (http://portal.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do?id=232) foi um dos primeiros

documentos de caráter internacional a propor uma legislação sobre os monumentos. Em 1964, em

Veneza, outro documento, que foi denominado Carta de Veneza

(http://portal.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do?id=236), foi elaborado com o objetivo de reexaminar

os princípios da Carta de Atenas “para aprofundá-los e dotá-los de um alcance maior.” 150

Aristides Arthur Soffiati Neto, em entrevista concedida à autora desta pesquisa.

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Neste trecho, Soffiati demonstra ainda que, para ele, levar em consideração

estas duas dimensões do patrimônio é significativo e defende que o imaterial também é

patrimônio. O tom de seu discurso é o de um militante no campo do patrimônio.

Ele observa que, dentro das agências de patrimônio, até o surgimento das

primeiras ações de defesa e proteção ao patrimônio imaterial, diversas manifestações

culturais ficaram de fora das políticas patrimoniais. No seu entender, foram de

fundamental importância participações de intelectuais, como Mário de Andrade, que

passaram a pesquisar e documentar manifestações culturais diversas no contexto

nacional, com sentido de vir a patrimonializá-las. Neste contexto, passa-se a fazer uso

do cinema, inicialmente, como um instrumento de registro das manifestações populares

que, posteriormente, vieram a ser denominadas patrimônio imaterial. Soffiati explica:

“Aí entra o cinema. Mas o cinema como instrumento de registro. O

cinema não entrou como bem [...], porque o cinema parecia entrar

como uma manifestação cultural inferior às outras manifestações

culturais como literatura, música, artes plásticas.” 151

Se, como arte popular, o valor do cinema era ainda duvidoso, era, contudo,

inegável sua importância como um meio capaz de registrar as manifestações de caráter

imaterial, pelas quais as instituições de patrimônio já demonstravam interesse, e que,

pelo fato de, naturalmente, irem se transformando ao longo do tempo, precisavam ser

registradas antes que pudessem ser descaracterizadas ou, em alguns casos, acabarem por

desaparecer.

“Essa foi a preocupação do Mário de Andrade: isso a gente não vai

conseguir segurar. A gente não vai conseguir segurar que as pessoas

vivam isso assim espontaneamente, vivam por conta própria e não

porque algum turista quer ver esta manifestação. Então o que vamos

fazer? Vamos registrar isso em fita, em rolo, em filme, pra gente saber

como foi. Porque de fato, a manifestação em si, a manifestação

imaterial vai se transformando. A gente pode tombar aquilo que é

material da cavalhada, por exemplo, mas a manifestação em si, a

vivência daquela manifestação, isso a gente não pode tombar. [...] E

quando ele se tornou diretor do departamento de cultura do município

de São Paulo, ele criou uma comissão, uma expedição, muito bem

preparada, aliás, para ir ao nordeste, gravar as músicas folclóricas,

registrar isso em filme e está tudo lá em São Paulo. Então, esses meios

de gravação, de registro, entraram em cena para salvar as

manifestações culturais imateriais.” 152

151

Idem. 152

Idem.

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- 119 -

Com o tempo, estes registros, muitos deles fílmicos, ganharam importância

singular devido ao desaparecimento, em muitos casos, das próprias manifestações

culturais registradas.

Esses filmes, dos quais fala Soffiati, que foram feitos com o intuito de registrar

expressões culturais imateriais, estão, também, inseridos na reflexão sobre o conceito de

patrimônio cinematográfico proposta, abaixo, por Carlos Augusto Calil, quando cita

alguns filmes etnográficos. Para ele:

“Patrimônio cinematográfico não é feito exclusivamente de filmes de

longa metragem. De filmes acabados. Pode ter um fragmento de um

filme que corresponde ao patrimônio cinematográfico. Filmes que não

são conhecidos. Por exemplo, há uns filmes que o Lévi-Strauss filmou

no Brasil que não são muito conhecidos. E nem são tecnicamente

muito bons. Lévi-Strauss era um grande pensador, não um cineasta.

Ali tem registros da aldeia Kadiweu que corresponderia ao patrimônio

cinematográfico brasileiro, porque essa tribo não existe mais. Ou

existe numa situação muito diferente da que a gente viu. Por exemplo,

o Mário de Andrade promoveu, na década de 30, uma filmagem de

vários fenômenos culturais brasileiros populares, chamada Missão de

pesquisas folclóricas. Esses documentários, também muito toscos

tecnicamente, têm lá registros fantásticos de danças populares

brasileiras que hoje já não se praticam mais. Portanto, o patrimônio

não é de obra estética, de obra acabada, de obra artística só. Na minha

opinião, não deve ser composto apenas disso. Há uma cena, não sei se

o filme inteiro, mas há uma cena antológica do Major Tomás Reis, de

um filme chamado Ao redor do Brasil, quando a missão Rondon

chega a uma determinada aldeia e eles, então, resolvem vestir os

índios. Essa cena é extraordinária, porque é a melhor visualização, a

melhor concretização que eu já vi na minha vida da violência do

processo de aculturação. Eu vou te explicar por que. Porque tem uma

índia linda, menina, menina. Deve ter uns 15 anos. Linda, nua,

absolutamente nua, que é obrigada a vestir uma roupa que essa

missão, com a melhor das intenções, leva pra eles, e essa roupa não

serve nela. Então, você assiste a ela tentando entrar num macacão,

quase que de presidiário, e não conseguindo, e toda incomodada com

isso, porque essa é a situação. Então, é a beleza selvagem, pura, sendo

constrangida visualmente. Essa cena é impagável, é extraordinária!

Então, o patrimônio tem que ser simbólico e não só artístico.” 153

Calil, neste trecho, busca conceituar "patrimônio cinematográfico".

Percebemos que, ao contrário de Hernani Heffner, ele não problematiza a categoria

"patrimônio", mas toma esta categoria, com o qualificativo "cinematográfico", como um

dado. Busca descrevê-la e exemplificá-la. Nesta direção, seu ponto de vista o aproxima

de Soffiati ao se colocar como um agente defensor de um "patrimônio cinematográfico",

o qual associa a registros fílmicos de passagens importantes da vida social e

transformações operadas nas culturas, como é o caso da imposição da vestimenta

153

Carlos Augusto Calil, em entrevista à autora desta pesquisa.

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- 120 -

ocidental para uma menina indígena. O registro fílmico, neste caso, dá conta de um

momento inaugural e simbólico no contexto de construção nacional.

Nesta mesma linha de pensamento, coloca-se Carlos Roberto de Souza quando,

confrontado com a lista de patrimônio cinematográfico que aparece no documento da

UNESCO e indagado sobre o que poderia ser considerado patrimônio cinematográfico

brasileiro, afirma:

“Quando eu olhei [a lista] falei: Nossa! Por que só tem filme de

ficção? Eu não entendi essa escolha só de filme de ficção. Claro que

todos os títulos que estão aqui, eu acho da maior importância na

história do cinema brasileiro. [...] Mas não tem nenhum documentário!

[...] Tem coisas assim, sei lá, filmes de Major Reis 154

, por exemplo.

Tem o Rituais e Festas Bororo (o filme é de 1916), por exemplo, do

Major Reis que eu considero uma coisa importantíssima, é

fundamental. Porque como é um filme que quando acaba, o último

intertítulo diz assim: ‘ali se respiravam os mesmos ares ou ali se vivia

como na época do descobrimento.’ Então, tem uma coisa meio de

marco fundador. Encerra o filme com esse intertítulo, mas a gente

sente isso o filme inteiro. A gente olha e diz: gente, esses índios

tinham acabado de ter contato com o homem branco, eles estavam se

comportando como eles tinham se comportado durante séculos. É

muito comovente o filme. É muito interessante.” 155

No trecho anterior, Carlos Roberto destaca a expressividade deste momento e a

felicidade de este encontro ter sido registrado pelo cinema. Sua fala converge para a fala

de Calil e colabora para pôr em andamento uma importante discussão que implica uma

mudança sobre como pensamos o nosso cinema e sobre o valor, seja artístico, histórico,

documental, simbólico ou cultural, que nossa cinematografia possui.

Embora as observações feitas anteriormente façam referência a documentários

e filmes considerados sem grandes qualidades técnicas, o fato de eles serem destacados,

hoje, como patrimônio cinematográfico, demonstra o (re)conhecimento que registros

fílmicos dessa natureza possuem atualmente.

154

Luís Tomás Reis (Alagoinhas – BA, 1878-1940) foi um Major do Exército que, em 1914, assumiu a

Chefia da Seção de Cinematografia da Comissão de Linhas Telegráficas e Estratégicas de Mato Grosso ao

Amazonas. Em 1927, ficou encarregado do serviço cinematográfico da Inspetoria de Fronteiras, chefiada

pelo General Rondon. Fazem parte de sua filmografia Os sertões de Mato Grosso – filme que entrou em

cartaz em São Paulo e no Rio de Janeiro com sucesso de público –, Rituais e festas bororo – considerado

um de seus mais importantes filmes – e Ao redor do Brasil – feito entre 1924 e 1930. Para mais

informações, ver RAMOS Fernão Pessoa & MIRANDA, Luiz Felipe (orgs.). Enciclopédia do Cinema

Brasileiro. São Paulo: Ed. Senac, 2004. (pp. 452-453).

155

Carlos Roberto de Souza, em entrevista concedida à autora desta pesquisa.

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Questionado sobre o conceito de patrimônio cinematográfico, o professor da

UFF, João Luiz Vieira, afirma:

“Eu acho que este conceito surge com força quando se organizam as

cinematecas, na 2ª metade da década de 1930, mais ou menos. A

consciência da efemeridade do suporte cinematográfico e, portanto, da

vida dos filmes e de toda uma cultura audiovisual construída ao longo

do século XX começa a ganhar forma. Esse impulso de criação de

arquivos para a proteção desse patrimônio surge por causa da

revolução tecnológica, por conta da passagem do cinema mudo para o

cinema sonoro. É um momento especial onde nos demos conta da

perda dessa memória audiovisual, da perda de materiais fílmicos.

Você sabe que existe um cálculo que projeta um índice variável de

perda da produção mundial do cinema silencioso mudo que varia entre

70 a 90%. E a necessidade de preservação do que havia sobrado da

produção até o final dos anos 1920 começou a ganhar força a partir da

consciência desse desaparecimento e, como consequência, começam a

surgir os primeiros arquivos. Então, é um conceito claro. Da mesma

forma que você fala de patrimônio arquitetônico, patrimônio musical,

patrimônio imaterial, você fala de patrimônio cinematográfico, um

conjunto amplo da produção feita para o cinema em todo o mundo.” 156

.

Em sua fala, Vieira articula a noção de patrimônio cinematográfico à noção de

perda de material fílmico, que acontece, entre outros fatores, em virtude da evolução

tecnológica.

A partir de um ponto vista mais amplo, fruto de sua ativa participação

internacional no campo da preservação audiovisual, Ray Edmondson observa que o

conceito de patrimônio cinematográfico permanece impreciso. Desse modo, a

compreensão deste conceito pode variar de um país para o outro. Segundo ele,

“It is not a precise concept. In some countries it is shorthand for

“cinema as an art form” and so refers mainly to feature films and

certain short films, but not (for instance) to documentary films or

newsreels. In Australia, at the National Film and Sound Archive, the

term would be interpreted broadly and would include all forms of

professional film making, as well as related documentation (such as

stills, posters, scripts) and artifacts (such as costumes or props). The

term can also be interpreted in a narrow “national” sense and more

broadly in an international sense. In Australia, the national cinema

heritage includes not only films made in Australia but films from

overseas which have been influential within the country.” 157

156

João Luiz Vieira, em entrevista à autora desta pesquisa. 157

Ray Edmondson, em entrevista concedida à autora desta pesquisa.

Este não é um conceito preciso. Em certos países ele é uma outra forma de dizer ‘cinema como forma de

arte’ e refere-se principalmente a filmes de longa metragem e a certos curtas, mas não (por exemplo) a

documentários e cinejornais. Na Austrália, no National Film and Sound Archive, o termo seria

interpretado amplamente e incluiria todas as formas de produção de filmes profissionais, assim como

documentação correlata (tais como stills, pôsteres e roteiros) e artefatos (tais como vestuários ou afins). O

termo também pode ser interpretado em um sentido ‘nacional’ restrito e em um sentido internacional mais

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De acordo com Hernani Heffner, embora o cinema tenha herdado, de forma

muito difusa, o conceito de patrimônio cinematográfico como um conceito análogo ao

de outros patrimônios já tradicionalmente reconhecidos, como o arquitetônico, por

exemplo, os objetos que formavam este novo patrimônio não possuíam o mesmo valor

para a sociedade, de um modo geral, e até mesmo para os próprios realizadores, por uma

contingência do próprio cinema. Pois,

“o cinema surgiu como uma prática mercantil e as práticas mercantis

de feição industrial, industrialista, àquela altura, têm muito o sentido

de usar e jogar fora. Não foi diferente com o cinema. Você vai, faz seu

filme, explora, exibe, ganha seu dinheiro e depois o que você faz com

seu rolo de filme? Em geral, você joga fora.” 158

Isso era o que acontecia na maioria dos casos.

Nesse contexto, ele destaca a capacidade visionária de Boleslaw Matuszewski

que, em seu texto “Uma nova fonte histórica”, já citado anteriormente, logo atribuiu

valor histórico às imagens em movimento e entendeu a necessidade de se criar espaços

próprios para se guardar estas imagens.

Pouco se sabe sobre este pioneiro da atividade cinematográfica fora do período

compreendido entre 1895 e 1901. No entanto, este texto por ele deixado, embora não

tenha sido compreendido e não tenha merecido a devida atenção na época em que foi

assim apresentado, o torna precursor da trajetória que deu origem ao processo de

valorização da produção cinematográfica e à ideia de que esta produção deveria ser

preservada.

Em seu texto, Matuszewski anuncia a ideia da criação de um Museu ou

Depósito Cinematográfico em Paris. Segundo ele, este museu ou depósito poderia ter

sua coleção estendida, à proporção que “a curiosidade dos fotógrafos cinematográficos

trouxesse cenas simplesmente de diversão ou fantasistas, além das ações e espetáculos

de interesse documental e de entrechos de vida divertida, além dos entrechos de vida

pública e nacional.” 159

Ao armazenar estas imagens em movimento, Matuszewski

acreditava estar armazenando a própria história para que, futuramente, pessoas de outras

amplo. Na Austrália, o patrimônio cinematográfico nacional inclui não apenas filmes feitos na Austrália,

mas também filmes estrangeiros que tiveram influência dentro do país.” (Livre tradução da autora desta

pesquisa.)

158

Hernani Heffner, em entrevista concedida à autora desta pesquisa.

159

http://www.contracampo.com.br/34/matuszewski.htm

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gerações pudessem ter acesso, com riqueza de detalhes, a fatos que não tivessem

testemunhado. Matuszewski já aponta, em seus escritos, alguns fundamentos do papel

de uma cinemateca – entre eles o arquivamento e a difusão –, bem como deixa expresso

seu desejo de “dar a esta fonte talvez privilegiada da história a mesma autoridade, a

mesma existência oficial, o mesmo acesso dado aos outros arquivos já conhecidos”160

,

status ao qual as instituições do patrimônio de uma maneira geral e, especificamente, do

patrimônio cinematográfico, no Brasil, ainda almejam. Ele julgava ser importante existir

um comitê com a competência de apreciar os documentos enviados aos arquivos e

rejeitá-los ou aceitá-los, dependendo de seu valor histórico.

Certamente, àquela altura, o conhecimento sobre a fragilidade do suporte usado

para o registro da fotografia em movimento e as técnicas de preservação eram

realidades totalmente ignoradas. Portanto, seu discurso celebra, antes de tudo, o valor de

um tipo de imagem bastante interessante, a seu ver, para revisitar o passado.

Considerado por ele um importante gênero de informação, um método promissor para o

estudo do passado e uma forma instigante de ensino da história, a fotografia animada

teria sua produção facilmente ampliada uma vez que era movida pela curiosidade do

espírito humano e incentivada pela possibilidade de obtenção de lucro. No entanto, ele

adverte sobre a necessidade de que essas imagens fossem retomadas após o decorrer de

algum tempo, não apenas para que pudessem cumprir sua temporada de

comercialização, mas, principalmente, para que pudessem ser avaliadas com

distanciamento suficiente que o estudo do passado exige.

Para esse polonês, um espaço que abrigasse documentos cinematográficos era,

sem dúvida, um empreendimento que acabaria sendo feito, mais cedo ou mais tarde, em

toda grande cidade europeia. Ao menos na Europa, sua profecia se concretizou.

Frente ao texto de Matuszewski, Hernani Heffner aponta, contudo, a

importância do reconhecimento do cinema como arte para que um processo de

preservação dos bens cinematográficos fosse, efetivamente, desencadeado, levando-se

em conta o contexto cultural na virada do século XIX. Segundo ele,

“na passagem para o século XX, você vai constituir variados tipos de

patrimônio e um patrimônio que vai se distinguir muito fortemente vai

ser o patrimônio artístico, no sentido de representar os melhores

valores da humanidade, no sentido de representar um projeto de

modernidade, no sentido de você aguçar a perspicácia das pessoas

através das manifestações artísticas e com isso contribuir até mesmo

160

Idem.

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para uma produtividade maior dessas sociedades capitalistas. Enfim,

você vai valorizar este patrimônio artístico e ele já existia como

patrimônio até aquele momento, e era, sobretudo, uma fonte de

história, não era uma fonte de contemplação, de beleza, etc., etc., etc.

E, sobretudo, não era uma fonte de conhecimento amplo. A partir do

início do século XX, a arte vai se transformar neste patrimônio

específico.” 161

Compartilhando da mesma opinião de Heffner, Edmondson afirma que: “Even

early in the 20th

century there were people who recognised the permanent value of films

and were concerned that they be permanently preserved. Whether or not they used the

term ‘film heritage’ that is what they meant.” 162

Contudo, Heffner destaca a grande diferença do cinema em relação às outras

artes que já eram consideradas patrimônio àquela época: todas eram consideradas artes

identificadas com a elite e o cinema, não.

“Porque o cinema, em princípio, não nasceu arte, nasceu puro lazer,

pura diversão, puro comércio e nasceu, eminentemente, popular. Mas,

sobretudo Hollywood, vai perceber muito rapidamente que, se esse

objeto comercial pode se sustentar, ele só vai se sustentar se ganhar

feições artísticas. Não no sentido beletrista, mas no sentido de

concepção de arte contemporânea. Ou seja, arte que vai ali dominar o

mundo imediato, arte que vai ali interagir com esse mundo imediato,

arte que vai ali operar algum tipo de formulação, transformação em

relação a este mundo imediato. Então, Hollywood vai estimular os

diretores a serem criativos. E aí o filme, que é popular, se transforma

também em uma dimensão artística maior, mas sendo eminentemente

uma arte popular. A única, a rigor. Depois a música vai se transformar

também nesse sentido, etc., mas o cinema foi o pioneiro absoluto. E,

nesse meio tempo, conforme você vai demandando maior artisticidade

do filme, alguns cineastas, obviamente, vão chegando próximo de

certas referências, eu diria, beletristas de arte, e isso vai ganhando

adeptos junto a uma massa de espectadores que funcionam

basicamente como fãs.” 163

Única arte nascida no século XX, essa novidade misto de arte popular e

indústria ficou, por longo tempo, relegada ao descaso pelas instâncias que poderiam

assumir o compromisso de preservá-la. Portanto, embora já no final dos anos 1930,

161

Hernani Heffner, em entrevista concedida à autora desta pesquisa. 162

Ray Edmondson, em entrevista concedida à autora desta pesquisa.

“Mesmo no começo do século XX havia pessoas que reconheciam o valor permanente dos filmes e

tinham a preocupação de que eles fossem permanentemente preservados. Se eles usavam ou não a

expressão ‘patrimônio fílmico’, era isso que eles queriam dizer.” (Livre tradução da autora desta

pesquisa.)

163

Hernani Heffner, em entrevista concedida à autora desta pesquisa.

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houvesse uma noção de que a produção artística cinematográfica poderia ser

considerada um conjunto de bens que poderia constituir-se um patrimônio análogo ao de

outros patrimônios já devidamente reconhecidos, não existiam mecanismos legais

capazes de gerar ações efetivas de proteção a estes bens que, neste primeiro momento,

referiam-se, quase que exclusivamente, aos filmes.

Entre as cinematecas modernas que começam a ser criadas na década de 1930,

uma, em especial, impressionou pela estrutura física rapidamente alcançada: o

Reichfilmarchiv, em Berlim. Citando Raymond Borde, Correa Jr informa que “o

arquivo alemão estava ao menos dez anos à frente dos outros, em relação à sua estrutura

física. Já em 1934, contava com blockhaus de 144 metros quadrados, em 1938, tinha

bunkers protegendo os filmes do fogo, do calor, da umidade etc.” 164

. Nesta imensa

cinemateca, um patrimônio não apenas numeroso, mas também multinacional, é

abrigado e protegido durante a Segunda Guerra Mundial.

Paradoxalmente, o mesmo período que fez germinar as instituições de

preservação dos bens cinematográficos e lançou as sementes da necessidade de

implantação de políticas voltadas à salvaguarda e proteção destes bens, foi

extremamente cruel para os filmes mudos que passaram, após a consolidação do filme

sonoro, a ser considerados produtos obsoletos, pois haviam perdido seu valor de

mercado e deixaram de ser lucrativos. Estima-se que algo entre 70 e 90 por cento da

produção desta fase do cinema tenha se perdido em âmbito mundial. No entanto, essa

não foi a primeira vez que o cinema passou por uma onda de destruição. Em um artigo

publicado na Revista Contracampo, Hernani Heffner enfoca as três ondas de destruição

que atingiram o cinema em períodos muito próximos.

A primeira ocorreu ao final da Primeira Guerra Mundial quando o

longa-metragem se consolidou como produto preferido pelo público.

Não havia mais sentido para os produtores manter em estoque os

velhos filmes de um ou dois rolos de tamanho. Não havia mais

mercado para eles. Dissemina-se nesse momento a prática do

reaproveitamento de matéria-prima, dissolvendo-se as películas para

reobtenção da prata ou fornecimento de celulose para a fabricação de

piaçava de vassoura. A segunda grande onda de destruição ocorreu por

ocasião do advento do som a partir de 1927. Mais uma vez, o sucesso

junto ao público determinou a obsolescência precoce de milhares e

milhares de filmes reduzidos à condição de estorvo anti-lucrativo. A

terceira onda se deu em 1950 por conta da troca da película de nitrato,

inflamável, pela de acetato, não inflamável, o que implicou em novas

164

CORREA JR, 2010, p. 48.

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tecnologias de projeção e na inadequação dos filmes em nitrato frente

ao panorama que se seguiu. 165

Algumas tentativas institucionais de preservar a produção cinematográfica

podem ser observadas nos primeiros anos do século XX, sem grande êxito. Segundo

Correa Jr., em Londres, por exemplo, o Museu Britânico tentou preservar uma coleção

de imagens em movimento, defendendo seu valor de registro histórico. A Biblioteca do

Congresso de Washington, um dos primeiros arquivos de filmes do mundo, guardava

filmes impressos em papel, com o objetivo de proteger os direitos legais dos mesmos.

Mas,

se o interesse sociológico pelo filme se manifestou desde as primeiras

projeções, ele foi limitado, como vimos, ao que interessava preservar

a um ou a outro, por assim dizer, e o cinema como um todo foi

renegado, sobretudo o filme de ficção. Eram valorizadas como dignas

nos projetos e tentativas de conservação as vistas de grandes cidades,

visitas de chefes de Estado a outros chefes de Estado, casamentos,

festejos e cerimônias religiosas, sobretudo aquelas ligadas à realeza ou

à alta burguesia (mas por vezes populares); manobras militares,

registros de combates, etc. O resto, sobretudo a produção ficcional, foi

deixado a sua própria sorte. 166

Nesse contexto, destaca-se o papel de uma massa de espectadores que foi de

fundamental importância para que esse material não se perdesse completamente. De

acordo com Heffner, esses espectadores podem ser divididos em dois grupos. No

primeiro grupo, encontram-se aqueles que, mesmo não se encaixando no perfil de

apreciadores qualificados, como críticos, por exemplo, tornam-se fãs desta arte popular

e, pelos mais variados motivos, começam a colecionar filmes. Alguns colecionam

filmes com o intuito de prolongar o momento de “felicidade” experimentado na sessão

de cinema, outros o fazem para fins pedagógicos ou políticos. É graças a esses primeiros

colecionadores que vários filmes mudos foram salvos e chegaram até os nossos dias.

Nesta categoria, João Luiz Vieira lembra-se do colecionador pernambucano Lula

Cardoso Ayres Filho. “É por conta dele que a gente teve acesso a algumas chanchadas,

algum material que ele guardou em 16 milímetros que já estava considerado

desaparecido.” 167

Segundo ele,

165

HEFFNER, Hernani. “Preservação”. Disponível em

http://www.contracampo.com.br/34/questoesgerais.htm

166

CORREA JR, 2010, p.33. 167

João Luiz Vieira, em entrevista à autora desta pesquisa.

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“outro colecionador a ser lembrado é o carioca Ivo Raposo Junior que,

a partir de sua paixão pelo cinema, aqui incluindo as salas de cinema,

mantém na cidade de Conservatória, no Estado do Rio, um verdadeiro

conjunto de materiais relacionados principalmente à exibição

cinematográfica, como projetores, luminárias, cartazes, programas,

poltronas, anúncios, entre outros, a grande maioria desse material

relacionada às atividades da empresa norte-americana Metro Goldwyn

Mayer, incluindo até a réplica do cinema Metro Tijuca.”168

O outro grupo vai ser formado por espectadores que passam a se interessar pelo

filme e a considerá-lo um objeto artístico e, na medida em que percebem que este objeto

artístico está sendo jogado fora ou em pleno curso de destruição, começam a defender a

ideia, que se dissemina principalmente graças ao movimento cineclubista iniciado nos

anos 1920, de que eles precisam ser preservados. É com base no critério artístico

defendido por esse segundo grupo que se assentou a estratégia principal que levou à

fundação das primeiras cinematecas: a de constituição de um acervo cinematográfico

artístico que, na opinião de seus fundadores, tinha valor de patrimônio, uma vez que

deveria ser preservado para as gerações futuras.

Ao longo dos anos, as cinematecas e arquivos começam a se proliferar nas

principais cidades do mundo e a criação de associações e federações em âmbito

internacional vão, pouco a pouco, dando-lhes maior visibilidade e credibilidade, ao

mesmo tempo em que vão contribuindo, de maneira decisiva, para o reconhecimento do

valor da produção artística por eles preservada e de sua importância não apenas como

uma forma de expressão autêntica, mas também como uma arte que desempenha um

importante papel nas sociedades modernas.

Segundo afirma Caroline Frick em Saving cinema,

The early generation of film archivists – film enthusiasts and critics

from the 1930s and 1940s – maintened interest in and actively

persuaded the collection, exhibition, and conservation of motion

pictures. They justified their actions with a passionate appeal to

consider moving images as art or history, rather than as mere

entertainment. 169

168

Idem. 169

FRICK, 2011, p. 5.

As gerações anteriores de colecionadores de filmes – entusiastas e críticos de cinema das décadas de 1930

e 1940 – mantiveram interesse em e ativamente encorajaram o colecionamento, exibição e conservação de

imagens em movimento. Eles justificavam suas ações com um apelo apaixonado por considerar as

imagens em movimento como arte ou história, mais do que mero entretenimento. (Livre tradução da

autora desta pesquisa.)

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Nesse sentido, o conceito de patrimônio que pode ser conferido aos bens

cinematográficos, na opinião de Hernani Heffner, não tem nada a ver com a ideia de um

patrimônio que busca preservar o passado, com suas características originais, ou seja,

“no sentido estrito de um signo que reenvia a uma era, a uma época.”170

Para ele, a ideia

de preservação do patrimônio cinematográfico está ligada ao desejo de possibilitar a

apreciação de uma obra de arte enquanto tal, agora e no futuro. E explica:

“Quando você guarda a Monalisa, você não guarda a Monalisa por

razões históricas, não é representativo de um passado. Você guarda a

Monalisa porque ela é uma obra de arte que mantém sua qualidade

estética no presente. Então, ela pode estar completamente deslocada,

como de fato está, de seu contexto original. Ela é uma obra italiana

que está na França. Ninguém questiona o fato de a Monalisa estar fora

de seu contexto patrimonial original. Isso não importa em artes. Em

artes o que é importante é você preservar a peça, preservar a peça que

é artística e, eventualmente, ela pode servir a muitos propósitos,

inclusive o de representação do passado, mas esse objetivo não é o

fundamental. Por isso, o conceito de patrimônio que serve para uma

cidade não se encaixa numa obra de arte. Um dos problemas que você

tem é que o cinema não é igual a Ouro Preto, é igual à Monalisa. E

desde um primeiro momento se quis preservar aqueles materiais,

menos porque eles eram passado – as teses do Matuszewski não

vigoraram, não vingaram. Você passou a preservar o cinema de fato

quando ele virou arte.” 171

E continua:

“As cinematecas continuam pegando seus filmes para passar nas salas

e nos festivais, tipo Pordenone 172

, para as pessoas sentirem a beleza e

a grandeza estética do cinema. É isso que importa. O resto não

importa. Você não preserva um estúdio enquanto tal, não preserva um

laboratório enquanto tal, essas coisas do mundo do cinema que são até

bacanas e são importantes não merecem a ação de patrimonialização

porque isso não é o que interessa fundamentalmente na área de

cinema. Esse é o choque conceitual que existe ali.” 173

Sobre este aspecto, o professor João Luiz Vieira entende que patrimônio

cinematográfico é muito mais que filme e, desse modo, patrimonializar o cinema

envolveria muito mais que preservar e restaurar filmes. Segundo ele, pode-se restaurar o

filme, mas não se tem como restaurar integralmente as condições de exibição deste

170

Hernani Heffner, em entrevista à autora da pesquisa. 171

Idem. 172

A Jornada de Cinema Mudo de Pordenone (cidade italiana), que acontece desde 1981, é considerada a

maior do mundo no gênero. 173

Hernani Heffner, em entrevista concedida à autora desta pesquisa.

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filme, que para ele envolvem um amplo contexto de época impossível de ser

restabelecido.

“A pipoca, o dropes dulcora que você comprava na bomboniere, ali

nos anos 60, são pequenos detalhes que criam um determinado

contexto de fruição espectatorial inescapavelmente ligado ao cinema.

As próprias condições materiais e tecnológicas de exibição de

determinados filmes acabam criando uma impossibilidade de

“restauração”. Um ótimo exemplo podemos trazer daqui, ao

lembrarmos a década de 1960, com o apogeu dos formatos

panorâmicos no Rio: a exibição em exclusividade de uma super

produção como 2001: uma odisseia no espaço, em cópia no formato

70 mm e seis faixas de som estereofônico no cinema Roxy de

Copacabana, projetado em uma imensa tela de 146º de curvatura,

envolvendo, literalmente, a plateia em um esquema imersivo para o

qual esse filme do realizador Stanley Kubrick foi especialmente

concebido. Não adianta nada [restaurar só o filme se não é possível

recriar este contexto de exibição do filme]. Quer dizer, adianta, mas é

uma parte limitada. Estamos falando de duas coisas diferentes: uma

coisa é filme, película, restauração, etc., a outra coisa é um contexto

maior que envolve, para além das condições originais de exibição,

também o dropes, o programa distribuído para o espectador na porta

do cinema, o anúncio do jornal, o cartaz e as fotos de cena que

decoravam as fachadas e as salas de espera dos cinema e “vendiam”

uma imagem narrativa do filme prometendo expectativas, emoções e

sensações variadas... Como você restaura uma relação espectatorial?

Ela também é historicamente datada. Para mim, não existe essa

restauração total. É sempre um aspecto limitado. É muito difícil, senão

impossível, restaurar, por completo, um determinado contexto de

exibição. Até porque, no limite, os espectadores mudam e não há

como ser de outra maneira” 174

Para ele, o patrimônio cinematográfico, embora tenha no filme seu material

mais importante, é muito mais do que isso.

“Ele é muito plural. É um patrimônio que envolve seu contexto de

recepção. Pensando no cinema brasileiro, no lançamento de uma

chanchada anual, uma pré-estreia no antigo cinema São Luiz, do

Largo do Machado, ali por meados da década de 1950, podemos citar

um filme estrelado pelas grandes estrelas e astros da Atlântida, como

Oscarito. Em alguns momentos, essas estreias aconteciam à meia-

noite do dia 31 de dezembro. Ou seja, os espectadores passavam o

Ano Novo dentro de um cinema; esse era o maior e mais especial

programa...o novo filme do Oscarito. Esse tipo de situação você não

vai conseguir [reconstituir] outra vez. O São Luiz já se foi e aquele

também era um patrimônio cinematográfico.” 175

174

João Luiz Vieira, em entrevista à autora desta pesquisa. 175

Idem.

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- 130 -

Para o professor e pesquisador da UFF, Rafael de Luna, o uso da expressão

“patrimônio cinematográfico” e, consequentemente, do próprio conceito, é complexo,

por outros motivos. Segundo ele, o uso merece atenção

“porque é um termo que é usado de forma inconsequente. Por

exemplo, no próprio [Festival de Cinema de] Ouro Preto estava

virando um slogan, digamos de forma muito fácil: “vamos salvar o

patrimônio cinematográfico brasileiro”, geralmente para comover.

Uma estratégia que, na verdade, foi usada pelos arquivos de filmes

que, desde sua origem, enfrentam falta de recursos, falta de

reconhecimento do cinema como algo relevante para ser preservado.

Então, consolidou-se uma estratégia, às vezes, alarmista, às vezes,

terrorista de se falar: olha tem perigo, isso vai acabar se não forem

tomadas as devidas providências. [...] Mas eu acho complicada essa

ideia de patrimônio, porque o cinema não é uma coisa estática como

uma construção. Na verdade, inclusive essa visão patrimonialista da

própria arquitetura, às vezes, é meio imobilizadora. A gente se

esquece de que uma obra arquitetônica foi feita para ser utilizada,

percorrida, habitada. [...] Eu acho que nos últimos tempos, essa

palavra patrimônio tem sido usada dentro dessa estratégia discursiva,

como uma forma de chamar a atenção para algo que já é tão relevante

e que faz parte da nossa história.” 176

Para ele, pensar o cinema como patrimônio é positivo, mas o que não pode

haver é o uso do conceito de “patrimônio cinematográfico” sem um questionamento

teórico ou conceitual, pois “quando esse discurso [do patrimônio cinematográfico] é

feito de uma forma genérica, simplesmente para atrair a atenção, descamba para uma

série de ações impensadas.” 177

A necessidade de um entrosamento entre a prática e a reflexão teórica é

também abordada por Carlos Roberto de Souza. Em sua opinião,

“O pensamento da preservação cinematográfica era uma coisa

essencialmente prática e pouco reflexiva. Havia, e eu acho que

continua em grande parte havendo, um divórcio muito grande entre o

arquivo – quando eu falo arquivo, são todos os arquivos – e a

academia, o pensamento entre aspas. Eu não estou enaltecendo a

academia, dizendo que a academia é maravilhosa, porque eu tenho

críticas profundíssimas à academia. Mas a academia, enquanto

pensamento, não tinha relações com a preservação, com a atividade da

preservação. O que foi ruim para a academia e para a preservação. Eu

não tenho a menor dúvida a respeito disso. E a preservação ignorava

toda uma atividade intelectual de reavaliação. A nova História que

tinha aparecido há décadas, no campo cinematográfico, na

historiografia cinematográfica, de preservação cinematográfica só

começou a dar frutos no Brasil a partir dos anos 80.” 178

176

Rafael de Luna Freire, em entrevista à autora desta pesquisa.

177

Idem. 178

Carlos Roberto de Souza, em entrevista à autora desta pesquisa.

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E, ao falar sobre a forma como o Estado brasileiro tem lidado com este

patrimônio, ele alega que há um abandono dos bens cinematográficos e entende que não

só o Estado, mas a sociedade precisa refletir sobre e se interessar pela atividade de

preservação deste patrimônio.

“Nunca houve assim uma reflexão. Houve momentos em que quase

chegou, mas que não chegou. E eu acho que hoje não chegou mesmo à

ideia do patrimônio, enquanto tal, um conjunto de coisas que deve ser

trabalhada socialmente... Então, eu consideraria abandonado [o

patrimônio cinematográfico]. Porque é uma atividade que seria muito

coletiva e social e ela não está sendo nem coletiva nem social.” 179

Para Carlos Augusto Calil, a ideia de que os bens cinematográficos poderiam

constituir um patrimônio a ser preservado só passou a ser compreendida mais

recentemente. Ele fala sobre um processo de conscientização longo e difícil e destaca a

participação de Paulo Emilio.

“O Paulo Emilio Sales Gomes, que foi nosso professor, nosso grande

mestre aqui, que fundou esta escola [a ECA na USP], passou a vida

inteira tentando convencer as pessoas de que cinema era patrimônio e

não conseguiu. Ele morreu sem conseguir. A Cinemateca Brasileira

não tinha o apoio de ninguém. Era muito pobre. Por isso, a ideia que

você tinha era de que cinema não fazia parte do patrimônio. Mas isso

mudou. Mudou, eu acho que a partir do momento em que o Aluísio

Magalhães assume o Patrimônio Histórico, vindo do CNRC. O CNRC

era o Centro Nacional de Referência Cultural. Nesse Centro Nacional

de Referência Cultural já havia uma ideia um pouco mais ampla do

que era patrimônio. Que não fosse apenas pedra e cal e que não fosse

apenas colonial, que era a ideia do IPHAN. Então, quando ele leva

para o IPHAN essa visão mais moderna, ainda que o IPHAN tenha

resistido, como resiste, até hoje, a dar muita importância àquilo que

não seja pedra e cal do período colonial. Mas a verdade é que se

compreende hoje que cinema é patrimônio.” 180

Segundo ele, embora hoje haja esta compreensão de que o cinema é

patrimônio, é importante fazer a seguinte ressalva: “Ainda num segundo nível. Quer

dizer, continua a haver níveis superiores e inferiores. Continua, mas [o cinema] já

entrou no rol das atividades de patrimônio.” 181

Mas o que isso significa, na prática? Que reflexões esta nova postura perante os

bens cinematográficos tem gerado? Quando e por que caminhos o cinema passou a

pertencer ao “rol das atividades de patrimônio”? Em que momento pode-se observar

179

Idem. 180

Carlos Augusto Calil, em entrevista concedida à autora desta pesquisa. 181

Idem.

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- 132 -

uma mudança no discurso na área do cinema e do audiovisual? Além disso, o que

interessa ao cinema e ao audiovisual, de uma maneira geral? Preservação ou

patrimonialização? Preservação e patrimonialização? Em que medida o discurso de

preservação dos bens cinematográficos tem se mesclado e se confundido com o discurso

de patrimônio cinematográfico, gerando mal-entendidos de ordem conceitual ou

colaborando para a implementação de políticas públicas e ações mais efetivas para o

campo do cinema?

4.3- O discurso que diz sim à preservação e não à patrimonialização dos

bens cinematográficos

Preservar e patrimonializar são duas ações distintas que estão diretamente

relacionadas à maneira como lidamos com bens de qualquer natureza. No caso do

cinema, a criação das primeiras cinematecas e arquivos de filmes está diretamente

relacionada à atitude de cinéfilos que, preocupados com o destino dos filmes – que

começaram a ser descartados ou destruídos por diversas razões –, passaram a colecioná-

los e guardá-los como obras de arte, principalmente. Quando se começou a perceber que

os suportes fílmicos precisavam de cuidados especiais, foi-se enfatizando a necessidade

de se preservarem estas obras. Nesse sentido, o discurso do qual sempre se cercaram as

instituições que guardam bens cinematográficos foi o de preservação desses bens e não

o de patrimonialização, no sentido de selecionar alguns bens que pudessem ser

tombados como patrimônio da nação. Hernani Heffner esclarece a diferença básica entre

as duas ações: “Preservar significa manter a integridade do objeto. Não é manter o

objeto no seu nicho original, que seria a ideia de patrimônio. A palavra patrimônio tem

a ver com propriedade, a palavra preservação tem a ver com integridade. São conceitos

diferentes.” 182

E uma consideração é certa: as cinematecas e arquivos de filmes não têm

direito de propriedade sobre os bens cinematográficos que são por elas guardados,

conservados e preservados uma vez que estas obras são protegidas pela lei do direito

autoral. Por que e quando, então, se passou a fazer uso da expressão patrimônio

cinematográfico? Em que sentido a palavra patrimônio é empregada pelos arquivos e

182

Hernani Heffner, em entrevista concedida à autora desta pesquisa.

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cinematecas? O uso da expressão “patrimônio cinematográfico” está relacionado ao

tombamento de algumas obras do cinema?

A prática de preservação de filmes é, antes de tudo, muito cara. Se o cinema é

uma indústria e os filmes são feitos para gerar lucros, como justificar gastos altíssimos

para preservar obras que já não rendem mais lucro? Que transformação seria necessária

para que o Estado e a sociedade reavaliassem a importância do trabalho e do empenho

das cinematecas e arquivos de filmes na preservação de produtos cinematográficos?

Como fazer com que as obras cinematográficas fossem reconhecidas como artefatos que

guardam muito mais que um valor de mercadoria?

Ray Edmondson, ao avaliar a importância do patrimônio cinematográfico em

um contexto global, comparando-o a outros tipos de patrimônio já tradicionais, entende

que a valorização das obras cinematográficas ainda é um processo em desenvolvimento.

E afirma:

“I think it [the global importance of the cinema heritage] is still

largely taken for granted, perhaps still too much thought of in terms of

entertainment and commercial industry rather than heritage. Archives

are still generally poorly funded by governments, relative to other

kinds of heritage institutions, and I do not think the cinema heritage

has yet attracted the cultural prestige and gravitas of older forms of

communication (the written word, and older art forms). This remains a

work in progress that will have to be driven by the professional

associations, the archives themselves and bodies like UNESCO. We

have a long way to go.” 183

Uma das dificuldades deste reconhecimento apontadas nas entrevistas parece

vir do fato de que o filme nunca foi um objeto único e aurático como uma pintura, um

original de uma obra literária ou de uma partitura de Beethoven, que são exemplos de

patrimônios típicos do século XIX. Conforme explica Heffner,

“O cinema nunca teve um [material]. O um dele não serve pra nada,

que é o negativo, que você não projeta, você não vê. O que você vê é

um múltiplo monumental, são milhares, milhares e milhares [de

183

Ray Edmondson em entrevista concedida à autora desta pesquisa.

“Eu acho que ela [a importância global do patrimônio cinematográfico] ainda é muito pouco avaliada,

talvez considerada, principalmente, em termos de entretenimento e indústria, mais do que patrimônio. Os

arquivos [de filmes] ainda recebem menos recursos financeiros dos governos do que outros tipos de

instituições do patrimônio, e eu não acho que o patrimônio cinematográfico já atraiu o prestígio cultural e

a seriedade de outras formas de comunicação (a palavra escrita e outras formas de arte). Isto permanece

um processo em andamento que terá que ser conduzido por associações profissionais, os próprios

arquivos e organizações como a UNESCO. Nós temos um longo caminho a percorrer.” (Livre tradução da

autora desta pesquisa.)

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- 134 -

cópias], para certos filmes. Esse aspecto quebrou toda a teoria

arquivística, museológica, etc. anterior. Porque ela era toda voltada

para a ideia do único, ou seja, o fundo arquivístico, o objeto

museológico, o sítio arqueológico, era tudo um. No cinema, como é

que você se cerca desse objeto que teria mais valor? E, outra coisa, no

cinema você duplica, reproduz. Então, o que tem mais valor? O

original ou a cópia? A cópia de 1ª geração, 5ª geração, 7ª geração? As

pessoas nem entendem isso. Pra elas Cidadão Kane é Cidadão Kane.” 184

O fato de ter quebrado, conceitualmente, todas as premissas que embasavam as

áreas tradicionalmente voltadas para o arquivo e preservação documental fez com que

essas novas instituições não se encaixassem nas categorias de arquivos já existentes e

demandou a criação de um espaço próprio para elas que, mesmo instalado em uma área

museológica, desenvolveu-se com regras e conceitos próprios e uma prática muito

particular. Esse conjunto de características diferenciadas fez com que, num primeiro

momento, as cinematecas e arquivos de filmes causassem certo estranhamento e fossem

relegadas a um segundo plano. Conforme explica Raymond Borde,

Las galerias de cuadros e las bibliotecas se abrieron al público a

finales del siglo XVIII. Los archivos del film llegan ciento cincuenta

años más tarde, sin teoría, sin experiencia y se dedican a un arte que

todavía es considerado menor y al que el buen gusto ha marginado.

Todo ello explica el papel que desempeñaron el fator psicológico, los

vínculos de fidelidad y la subjetividade em um medio hostil o

indiferente. 185

Essa situação perdurou por décadas e, somente nos anos 1980, começou a ser

amenizada para muitas instituições. É nesta época que pode ser observada uma mudança

discursiva, em âmbito internacional, que se efetivou com o apoio de diversos arquivos e

foi capitaneada pela Federação Internacional de Arquivos de Filmes, em um trabalho

junto à UNESCO.

Ao analisar criticamente o papel da FIAF, no processo de valorização dos

arquivos de filmes e dos artefatos que por eles são preservados, Edmondson destaca

que:

184

Hernani Heffner em entrevista concedida à autora desta pesquisa. 185

BORDE, 1991, p. 100.

As galerias de quadros e as bibliotecas se abriram ao público em fins do século XVIII. Os arquivos de

filmes chegam cento e cinquenta anos mais tarde, sem teoria, sem experiência e se dedicam a uma arte

que é considerada menor e que o bom gosto marginalizou. Tudo isso explica o papel que desempenharam

o fator psicológico, os vínculos de fidelidade e a subjetividade em um meio hostil ou indiferente. (Livre

tradução da autora desta pesquisa.)

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“Initially FIAF was the only international professional association

devoted to film preservation and access, and from its establishment in

1938 up to around the 1980s it had a crusading role, encouraging the

establishment of autonomous film archive institutions, professional

standards, and a professional ethos. It was, in effect, defining a new

profession. It pioneered professional training: its first summer school

was held in 1973 in East Berlin (as it happens, I was a participant and

it profoundly affected my future) and its activism led to the first

crucial international statement by UNESCO in 1980: the

“Recommendation for the safeguarding and preservation of moving

images”. It had strict membership qualifications – only archives

which met its standards could be members – and was therefore seen

by some as elitist. Its internal politics were complex, partly because of

national rivalries and partly because some archives were led by strong

personalities who did not always see eye to eye.” 186

Neste contexto internacional de transformação, que foi pouco a pouco se

estabelecendo, com a participação da FIAF e da UNESCO, Hernani Heffner pondera:

“Quando as cinematecas começaram a crescer de fato,

desmesuradamente, sobretudo ali nos anos 60, e elas perceberam que

não eram organismos públicos ou se eram organismos públicos não

tinham, digamos assim, um peso mais significativo dentro da estrutura

do Estado, porque esse peso era dado à Biblioteca Nacional do país,

ao Museu Nacional do país, aos órgãos de patrimônio, digamos assim,

mais tradicionais, mais assentados, enfim mais definidos, eles

perceberam que eles tinham muito pouco tempo de existência, 30-40

anos, se tanto, que eles não tinham um discurso próprio ou, por outro

lado tinham um discurso próprio, mas que não se encaixava em lugar

nenhum e que o discurso deles não tinha ressonância junto às

instâncias de poder, às instâncias de decisão. Começaram a tentar

perceber onde é que estava o problema e um dos problemas que se

percebeu era justamente esse: quem detém o poder não fala em

acervo, não fala em preservação, fala em patrimônio. E aí,

pragmaticamente, um certo número de pessoas, Paolo Cherchi Usai à

frente: vamos começar a falar em patrimônio, senão a gente não ganha

o dinheiro. E aí eles fizeram uma coisa muito simples. Eles chegaram

na UNESCO, que é quem chega nos governos nacionais via ONU, e

esses governos entendem a palavra patrimônio. Então, quando a

UNESCO faz a salvaguarda do patrimônio cinematográfico,

186

Ray Edmondson, em entrevista concedida à autora desta pesquisa.

“Inicialmente a FIAF era a única associação internacional profissional devotada à preservação e acesso

aos filmes e, a partir de seu estabelecimento em 1938 até por volta da década de 1980 ela teve um papel

de militante, encorajando o estabelecimento de arquivos de filmes como instituições autônomas, com

padrões profissionais e um ethos profissional. Ela estava, efetivamente, definindo uma nova profissão. A

FIAF foi pioneira no treinamento profissional: seu primeiro curso de verão ocorreu em 1973, em Berlin

Oriental (na época, eu fui um dos participantes e este curso afetou profundamente meu futuro) e seu

ativismo levou ao primeiro documento internacional crucial proposto pela UNESCO em 1980: a

‘Recomendação para a Salvaguarda e Preservação das Imagens em Movimento’. A FIAF fazia exigências

de qualificação a seus membros – somente arquivos que atingissem os padrões por ela impostos poderiam

se filiar – e, por isso, era visto por alguns como elitista. Suas políticas internas eram complexas por um

lado, por causa das rivalidades nacionais e, por outro, porque alguns arquivos eram conduzidos por

personalidades fortes que nem sempre olhavam olho no olho.” (Livre tradução da autora desta pesquisa.)

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audiovisual, chegou-se à famosa Resolução da Unesco de salvaguarda

das imagens em movimento. Neste texto você encontra a palavra

patrimônio. Explicitamente, tudo é patrimônio ali. É nesse momento

que o cinema vira patrimônio. Mas vira, pragmaticamente. Nenhuma

cinemateca e nenhum texto que você possa encontrar vindo de uma

cinemateca dos finais anos 70 ou ao longo dos anos 80 vai usar a

palavra patrimônio. A palavra patrimônio serviu para você chegar ao

Estado.” 187

A afirmativa feita anteriormente encontra ressonância no trecho escrito por

Caroline Frick, para quem “the heritage rationale proved an excellent justification to

bolster and sustain the work of the film archivist throughout the latter half of the

twentieth century.” 188

Em âmbito internacional, ao analisar a evolução e mudança no discurso que

passou a ser proferido no campo do cinema, Frick observa que, nos fins da década de

1950, as sementes de um novo discurso começavam a ser semeadas e, na sua opinião, a

origem dessa mudança está relacionada a ações da UNESCO e à necessidade de

valorização da cultura dos novos estados-nações que, alcançando sua independência,

despontavam na África e na Ásia e demandavam inclusão.

At this time [from the late 1950s through the early 1980s],

international organizations such as the United Nations Educational,

Scientific and Cultural Organization (UNESCO) struggled with how

to incorporate the differing needs and viewpoints of the growing

number of new nation-states emerging from former African and Asian

colonies. The organization’s mission and moral imperative to include

this larger array of cultures encouraged an important institutional

discursive shift. From advocating for the exchanging of information

relating to Western notions of culture, art and science, UNESCO

moved to development agendas celebrating global heritage. 189

Ao trabalhar de maneira muito próxima à UNESCO, a FIAF acabou seguindo

uma trajetória semelhante, espelhada nesta nova tendência, que estabelecia uma agenda

187

Hernani Heffner em entrevista concedida à autora desta pesquisa. 188

FRICK, 2011, p.13.

“o argumento do patrimônio provou ser uma excelente justificativa para impulsionar e sustentar o

trabalho do arquivista de filmes durante a última metade do século XX.” (Livre tradução da autora desta

pesquisa.)

189

Idem.

Naquela época [do final da década de 1950 até o início da década de 1980], organizações internacionais

tais como a UNESCO lutavam para incorporar as diversas necessidades e pontos de vista do crescente

número de novos estados-nações que emergiam das antigas colônias da África e da Ásia. A missão da

Organização e o imperativo moral de incluir este amplo grupo de culturas encorajou uma importante

mudança discursiva institucional. Ao defender um intercâmbio de informações relacionadas às noções

ocidentais de cultura, arte e ciência, a UNESCO deu um passo adiante no desenvolvimento de agendas

celebrando o patrimônio global. (Livre tradução da autora desta pesquisa.)

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cada vez mais voltada para a ideia de patrimônio e da preservação deste patrimônio

cultural global.

During the postwar period in which newly created nations assumed a

central role in a proliferating number of international organizations,

FIAF members worked closely with UNESCO, and representatives of

the UN’s cultural agency regularly attended FIAF congress.

Moreover, influential FIAF members, such as the BFI/ NFTVA’s

staff190

, worked directly with UNESCO projects. It was unsurprising

then, that the International Federation of Film Archive discourse

would mirror, if not directly refer to, UNESCO as a working model

with which to approach its own programs and ideals.191

Esta alteração no discurso foi referendada com a elaboração de um documento

que representou um marco na história da preservação: a “Recomendação para a

salvaguarda e preservação das imagens em movimento”, sobre a qual tratamos no

capítulo anterior.

Mesmo sendo apenas uma Recomendação, não há dúvida da importância que

este documento teve, e a forma como ele reverberou no meio cinematográfico,

especialmente entre os profissionais dos arquivos de filmes, demonstra isso. A

Recomendação de 1980 trouxe o reconhecimento, por meio de um instrumento proposto

por uma organização de alcance internacional, de que a produção cinematográfica e

todo tipo de imagem em movimento devem ser tratados como patrimônio e, desse

modo, respaldou as cinematecas e arquivos de filmes na defesa do valor de patrimônio

que seus acervos possuíam e ajudou a justificar a necessidade de investimento de

recursos financeiros, técnicos e de pessoal para preservar este patrimônio. Contudo ela

não propôs ou objetivou o desencadeamento de um processo de patrimonialização, em

seu sentido original, ou seja, um processo que incentivasse o tombamento de alguns

filmes, por meio de uma seleção de obras que fossem consideradas superiores a outras.

Na opinião de Rafael de Luna, para a área do cinema,

190

BFI (British Film Institute) / NFTVA (National Film and Television Archive – UK) 191

Idem, p. 109.

Durante o período pós-guerra, no qual nações recém-criadas assumiram o papel central na proliferação do

número de organizações internacionais, os membros da FIAF trabalharam de maneira próxima à

UNESCO, e representantes da Agência Cultural das Nações Unidas participaram regularmente do

congresso da FIAF. Além disso, os membros influentes da FIAF, tais como os funcionários do BFI/

NFTVA, trabalharam diretamente nos projetos da UNESCO. Não surpreende, portanto, que o discurso da

Federação Internacional de Arquivos de Filmes passasse a mirar-se na, se não diretamente referir-se a,

UNESCO como um modelo de trabalho a ser usado nas abordagens de seus próprios programas e ideais.

(Livre tradução da autora desta pesquisa.)

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“patrimonializar um objeto não faz sentido porque, nesse sentido de

patrimonialização, vamos deixá-lo intocável, não mexer nele mais,

tombá-lo. Nesse sentido, é complicado porque o filme é um objeto

físico que não tem nenhum valor como objeto físico, a não ser que ele

seja projetado, visto, etc. e o próprio cinema não é igual a uma obra de

arte tradicional, como uma escultura, que o valor está no objeto em

si.” 192

O fato de o filme ter uma dupla dimensão, isto é, ser este artefato que está

preso a um tipo de suporte, mas só existir efetivamente quando projetado, suscita a

seguinte questão, levantada por Soffiati, caso o processo de patrimonialização dos

filmes se desse por meio do tombamento: “Mas o que se tomba em um caso como esse?

Tomba-se a película ou tomba-se o filme, não importa em que suporte ele esteja?” 193

Hernani Heffner exemplifica esta questão citando Cidadão Kane, um clássico da

história do cinema, realizado por Orson Wells, em 1941.

Mesmo se você for rigorosa e disser, tem que ser em película 35mm,

preto e branco. Se eu te disser que os negativos originais de Cidadão

Kane já não existem há muito tempo, queimaram há quase 50 anos.

Que o que você conhece hoje de Cidadão Kane vem de uma

restauração americana, considerada ruim e de uma restauração inglesa

considerada boa, você vai me perguntar: cadê o Cidadão Kane

original? Cadê o artefato que eu deveria estar patrimonializando,

preservando. Você vai ter uma enorme dificuldade de definir se é esse

ou esse outro. Por que esse seria melhor, se não existe mais o original,

se não tem como comparar? 194

As duas dimensões do filme e a existência de toda uma documentação correlata

a ele são também objeto de reflexão para Rafael de Luna.

“Tradicionalmente, não tem um objeto só. Uma obra de cinema é

dispersa em diversos materiais. Então, eu costumo falar nessa ideia de

obra material e obra entidade abstrata. O material são os vários

elementos físicos que acompanham essa obra: negativos, cópias,

contratipos, documentação correlata. Então, o universo de materiais

físicos que se multiplicam e são feitos novos, vão fazer parte dessa

obra. Tem quem fale em artefato conceitual e artefato material para

diferenciar essas duas dimensões. Inclusive o artefato material seria o

objeto físico e o artefato conceitual é impalpável porque são as luzes e

sombras projetadas na tela, que é aquilo que você vê. Isso aproxima o

cinema de uma arte performativa que não tem existência no tempo e

na história. Algo que acontece e acaba que é a projeção, que vai se

realizar novamente. Então, é complicado você pensar nisso porque

192

Rafael de Luna, em entrevista concedida à autora desta pesquisa. 193

Aristides Arthur Soffiati Neto, em entrevista concedida à autora desta pesquisa. 194

Hernani Heffner, em entrevista concedida à autora desta pesquisa.

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você vê o cinema apenas com uma dimensão, aquele objeto físico,

quando tem essa outra dimensão de você recriar, reexperenciar o

cinema, reviver.” 195

Portanto, quando as cinematecas e arquivos de filmes fazem uso das expressões

“patrimônio cinematográfico” e “patrimônio audiovisual” para se referir aos acervos

que guardam e preservam, é preciso levar em consideração a distinção entre patrimônio

e bem tombado. Todo o seu acervo é considerado patrimônio, conforme esclarece Calil:

“Ninguém ainda, até hoje, graças a Deus, brandiu a palavra

patrimônio [cinematográfico] como uma seleção, como uma seleção

feita com qualquer critério. Não vou nem discutir critério agora, pois

não cabe. Mas quando a gente fala é o conjunto e o conjunto é

problemático. O conjunto é grande demais, o conjunto é composto de

materiais muito díspares, de difícil abordagem. Portanto, é um

conjunto muito complexo.” 196

Nesse sentido, interessa preservar e não tombar bens cinematográficos sob sua

guarda. Nenhuma obra cinematográfica foi tombada até hoje.

“Eles [os arquivos de filmes e cinematecas] estão lidando com

patrimônio, considerando tudo que é imagem em movimento como

patrimônio. [...] Eu acho que é mais importante proteger, preservar do

que fazer o tombamento de alguma coisa. É difícil a gente fazer

seleção, porque na hora do descarte de documentos escritos, por

exemplo, fontes primárias guardadas no Arquivo Nacional, existe uma

comissão pra fazer isso. Mas essa comissão está imbuída de valores de

uma determinada época que vão mudar mais adiante. Então, é sempre

muito complicado.” 197

Entender o discurso de preservação cinematográfica defendido pelo campo do

cinema é de fundamental importância para acompanhar a própria ideia de construção

deste patrimônio. Ao passar a fazer uso da expressão patrimônio cinematográfico em

seu discurso, o campo do cinema não abandona a bandeira da preservação por eles

sempre defendida, mas busca reforçá-la. Para isso, alinha-se com a ideia que se

disseminou em fins do século XX, de que “heritage is a naturalized concept, understood

195

Rafael de Luna, em entrevista concedida à autora desta pesquisa.

196

Carlos Augusto Calil, em entrevista concedida à autora desta pesquisa.

197

Aristides Arthur Soffiati Neto, em entrevista concedida à autora desta pesquisa.

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by society at large as a common sense, logical component of contemporary culture and

one that merits, even demands, preservation and protection.” 198

O discurso de preservação é o que reflete a missão primordial que move os

conservadores, arquivistas e técnicos de restauração nas cinematecas e arquivos de

filmes. Somente o filme preservado pode ser visto e somente se puder ser exibido é que

o filme existe realmente. Nesse contexto, selecionar filmes para serem tombados e

dispensar a estes filmes tombados uma atenção especial soa como uma heresia aos

ouvidos dos conservadores, que entendem que o trabalho de preservação deve ser

estendido a todo o patrimônio cinematográfico que, para eles, corresponde a todo o

acervo sob sua proteção. Na opinião de Heffner, se, na prática, o alcance desta

preservação não se dá da maneira desejada, é porque

“a prática é que não alcança o discurso. Não é um discurso

mistificador, mentiroso, falso. É que o discurso representa o objetivo

maior. Se a realidade não alcança o objetivo maior, não é um

problema das cinematecas. É um problema das sociedades que não

disponibilizaram os recursos, as técnicas, os materiais, etc. e que não

tiveram a consciência de guardar esse tudo.” 199

Diferentes dos museus, a maioria destas instituições, na qualidade de arquivos,

querem guardar tudo e se recusam a pensar em seleção e hierarquização de seu acervo.

4.4- Guardar tudo?

Ao analisar as entrevistas que fiz, pude constatar que selecionar é uma palavra

que as cinematecas e arquivos de filmes gostariam de riscar de seus dicionários. A

dificuldade de lidar ou mesmo admitir algum tipo de seleção advém do fato de que

qualquer seleção precisaria ser feita com base em critérios e não existem critérios de

seleção capazes de atravessar todas as épocas. Nesse sentido, como prever o que vai

interessar futuramente às sociedades?

198

FRICK, op. cit., p. 13.

“patrimônio é um conceito naturalizado, amplamente compreendido pela sociedade em seu sentido

comum, componente lógico da cultura contemporânea e merece, até mesmo exige, preservação e

proteção.” (Livre tradução da autora desta pesquisa.)

199

Hernani Heffner, em entrevista concedida à autora desta pesquisa.

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Critérios são sempre móveis e variáveis, pois sofrem interferências constantes

da época em que são estabelecidos, das pessoas que os estabelecem e dos interesses que

estão em jogo naquele momento, que fazem com que os contextos em que eles existam

sejam alterados frequentemente. Isso cria a necessidade de constantes revisões, mas,

certamente, não deve ser um empecilho para a sua existência, quando houver

necessidade.

No caso do cinema, esta “fragilidade” dos critérios faz com que os

responsáveis pelos arquivos de filmes e cinematecas sintam-se na obrigação de

preservar tudo que está sob sua guarda, sem distinção. Conforme esclarece Carlos

Augusto Calil, os arquivos não podem atribuir valores diferentes aos gêneros fílmicos

ou fazer escolhas e decidir sobre o que deve ou não ser preservado.

“Eu acho um absurdo [fazer escolhas atribuindo valores diferenciados

ao filmes]. Você tem que preservar todas as manifestações. Os valores

são atribuídos por cada momento. Os valores mudam de momento a

momento. Eu vejo isso. Eu dou aula há muito tempo e eu vejo que há

turmas de alunos que são mais receptivas ao cinema de Glauber

Rocha, por exemplo, e há turmas que são menos receptivas. Você não

controla isso. E às vezes são da mesma geração. São fenômenos que

você observa como a recepção se dá. Então, você não pode como

gestor público, nesse caso, cuja decisão vai implicar consequências

futuras, julgar. Eu vou julgar segundo os parâmetros de hoje? Nos

parâmetros de hoje, Glauber Rocha tem cotação X, pornochanchada

tem cotação Y, então, eu vou agir assim.” 200

Sobre esse mesmo ponto, pondera Heffner.

“A questão é: a sociedade tem direito a acessar aquele filme que não é

acessado há 200 anos? Eu acho que sim. Porque daqui a 200 anos,

aquele filme esquecido, ele, eventualmente, é redescoberto. Mas ele só

pode ser redescoberto e reutilizado, se ele sobreviver. Então, eu não

posso decidir pela sociedade. Não se pode dar esse poder às

instituições. É um erro, e grave, você tutelar a sociedade e decidir o

que ela vai ver ou não. Isso é completamente antidemocrático.” 201

Guardar tudo, no entanto, nem sempre foi o objetivo dessas instituições.

Quando as cinematecas começaram a ser constituídas, elas priorizavam o valor artístico

do filme e, basicamente, o filme de ficção e o longa-metragem identificados com a

formulação estética e com a constituição da linguagem cinematográfica eram o tipo de

200

Carlos Augusto Calil, em entrevista concedida à autora desta pesquisa. 201

Hernani Heffner, em entrevista concedida à autora desta pesquisa.

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obra que compunha a maior parte dos acervos. Somente depois da 2ª Guerra Mundial, é

que pôde ser observada uma mudança de pensamento em relação a filmes que, até

então, eram considerados simples registros de fatos cotidianos, sem tratamento artístico.

Conforme explica Hernani Heffner,

“Depois da 2ª Guerra Mundial, além do fato de que a vida cotidiana se

transformou em algo fundamental, ver a mortandade da 2ª Guerra

Mundial passou a ser tão importante quanto ver um filme de ficção,

para além disso, o próprio cinema e depois as cinematecas perceberam

que boa parte dos registros audiovisuais e imagem em movimento

tinham uma armação artística maior ou menor. E que você deveria

menos tratar o cinejornal como história, mas tratar o cinejornal

também como arte. Hoje em dia, para usar nossa experiência imediata,

é menos dizer que o casamento é só um registro familiar e amador e

dizer que aquilo é atravessado por questões de formulação de

identidade, de formulação de expressão, de formulação artística, tanto

quanto um longa-metragem do Scorsese. Então, hoje inclusive, você

tem o documentário talvez como o grande espaço de criação

cinematográfica e dentro do documentário, um documentário com

imagens de arquivo, documentário com imagens do cotidiano feitas

por não profissionais, como arte. Se você for ver a mostra do Péter

Forgács, que é um húngaro que jamais pegou numa câmera, jamais

filmou um fotograma sequer, e que só trabalha com filmes de família,

e que é considerado um dos gênios do cinema na atualidade, o que ele

está fazendo? Ele está dizendo: ‘Mas esses filmes de família são

também arte’. O mundo do cinema ao mesmo tempo se protege, ao

mesmo tempo percebe que ninguém articula um casamento ou um

aniversário ou um batizado só ligando a câmera. Ele vai construir

aquilo. No que construiu, tem alguma expressão artística envolvida

naquilo. Tem algum olhar sobre o mundo. Não é um mero registro.

Quando você tem um olhar sobre o mundo, você tem arte, maior,

menor, vai depender das disputas e dos valores envolvidos, mas

conceitualmente, você tem sempre arte. Então hoje as cinematecas,

além de protegerem o próprio cinema da destruição, protegem o

cinema como uma criação artística ampla de per se. Tudo que se fizer

em imagem em movimento, em princípio, é arte. E aí, ela quer guardar

tudo? Quer guardar tudo. Quer guardar como um arquivo onde não há

seleção e não há hierarquização. A não ser pelos usos correntes.” 202

Esse pensamento ganhou maior força em fins do século XX, quando o

patrimônio cinematográfico passou a integrar o que, atualmente, é denominado

patrimônio audiovisual. O termo “audiovisual” passou a ser empregado para designar

todas as imagens em movimento e sons gravados, de qualquer natureza, a partir da

Recomendação da UNESCO, de 1980, que gerou mudanças substanciais para a

compreensão e valorização de toda a produção de imagens em movimento. As

cinematecas e arquivos de filmes que, em sua origem, adotavam uma postura seletiva e

202

Idem.

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preocupavam-se em colecionar as obras de arte do cinema, são levadas a rever suas

posições e suas atitudes frente a uma nova visão que este documento suscitou.

Nas palavras do conservador da Cinemateca do MAM, Hernani Heffner,

“É lógico que tudo surgiu a partir do cinema porque foi a primeira

tecnologia que ativou essas imagens em movimento. Mas, à certa

altura, quando não mais seletivo, você não guarda só as obras-primas

do cinema. Você guarda toda e qualquer imagem em movimento em

todo e qualquer suporte: película, vídeo, HD de computador, seja lá o

que for, porque estruturalmente são sempre imagens em movimento. É

isso que importa.” 203

De acordo com Carlos Augusto Calil, mesmo que exista o desejo, não há como

guardar tudo. Então, afirma Calil, infelizmente, acaba-se tendo que fazer escolhas.

“Durante muito tempo fui diretor de cinemateca, eu praticava isso.

Mas, na verdade, quando você investe em preservação os seus

recursos são limitados e você é obrigado a fazer escolhas. É

inevitável. Você vai dizer: bom, mas, que critérios vou usar? Aí é que

está. Vamos tentar estabelecer critérios. Ah, mas é uma ‘escolha de

Sofia’, às vezes é uma ‘escolha de Sofia’. Mas é ingênuo e é,

sobretudo, enganoso achar que é possível preservar tudo e de que há

meios para preservar tudo. Mesmo que os recursos financeiros

estivessem à disposição.” 204

Para Calil, infelizmente, o desejo de guardar tudo é incompatível com a

realidade e isso é motivo de grande conflito para os responsáveis pela preservação do

patrimônio cinematográfico, que acabam tendo que se submeter às possibilidades de um

determinado momento sendo, às vezes, obrigados a se tornarem parciais no

direcionamento de seu trabalho. Segundo ele,

“O ideal é que você agisse de uma forma mais neutra. Eu quero dizer

o seguinte. Aí, tem o conflito do diretor da cinemateca, dos

responsáveis [pela preservação dos materiais], porque isso [preservar

tudo] é impossível. Então, como conciliar esse desejo com as

possibilidades de fato. E aí, tudo conta. O estado do material, o acaso,

a recepção naquele momento, tudo soma um pouco.” 205

Em seu depoimento, Calil deixa claro a luta inglória e interminável que se

trava, diariamente, nas instituições que preservam os bens cinematográficos e a angústia

frente às perdas e à impossibilidade de se fazer alguma coisa para salvar um filme.

203

Idem. 204

Carlos Augusto Calil, em entrevista à autora desta pesquisa. 205

Idem.

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“Enquanto o filme está apodrecendo na lata e você não está sabendo,

acompanhando. Quando chega a vez dele, já não dá mais. Talvez seja

tarde demais. Então, tem um pouco essa coisa. E isso dá uma angústia

muito grande para um diretor de cinemateca. Eu fui diretor muito

tempo da cinemateca e essa angústia era a angústia diária. O que é que

eu estou perdendo e eu não estou podendo, não estou conseguindo...

Agora, eu vivi cenas terríveis. Por exemplo, quando a gente estava

fazendo testes, inclusive para a implantação do laboratório da

Cinemateca Brasileira, que é o único laboratório que tem aqui, e que

se desenvolveu enormemente nos últimos anos, eu estava bem no

princípio desse processo, a gente experimentava materiais para tentar

reter a imagem. A imagem estava se dissolvendo no filme de nitrato,

exatamente o que acontece é isso, ela se descola do suporte e ela se

dissolve. Isso estava acontecendo. A gente, então, mergulhava [o

filme] numa máquina, com um banho para tentar reter [a imagem] e

era terrível porque a gente via sair daqui com uma imagem muito já

precária e saía lá branco. Quer dizer, a gente testemunhava o

desaparecimento do filme, tentando salvá-lo. É que nem médico

tentando salvar a pessoa e, sei lá, o sangue espalhando e ele não

conseguindo e morre na mão dele. Morria na mão da gente. Essa cena

é impressionante. Ainda hoje, tem cenas horrorosas. Você abre uma

lata, os nitratos estão mais ou menos controlados, reduzidos pela

própria natureza, reduziu muito, mas você pega os filmes. Já os de

acetato que já vinagraram, a gente chama de síndrome do vinagre,

você abre e não tem mais o que fazer e fecha. É como o cirurgião que

abre [o paciente] e o câncer tomou completamente, não há mais o que

fazer, você fecha a barriga porque não tem mais o que fazer e espera o

cara morrer. A situação é muito parecida.” 206

Trabalhando como coordenadora de projetos da Cinemateca Brasileira,

Fernanda Guimarães faz as seguintes considerações sobre como a instituição lida com

seu acervo no dia a dia, estabelece suas prioridades e de que forma os projetos externos

de restauração podem chegar à Cinemateca.

“Tem uma avaliação permanente do acervo. Então, quando, por

algumas questões, os setores de preservação e de difusão, que também

ficam pesquisando no acervo o tempo inteiro, descobrem que tem um

filme que só tem uma cópia, não tem negativo diz: não tem materiais

intermediários, só tem uma cópia de exibição e esse é o único material

desse filme. Então, esse filme entra numa lista de prioridade. Existem

várias listas, na verdade. Isso é uma coisa. Outra coisa: são pessoas

que se organizam pra fazer projetos. Por exemplo, aconteceu com os

herdeiros do Glauber Rocha, do Joaquim Pedro. Aí, são

cinematografias mais representativas dessa coisa de público, de

crítica, que se organizam e fazem projetos. captam recursos e trazem.

Outra coisa que a cinemateca fez recentemente que é muito

interessante pra democratizar isso [a restauração de obras], digamos,

foi um programa chamado Programa de Restauro da Cinemateca

Brasileira que a Petrobras patrocinou, abriu uma convocação pública.

Então, pra qualquer pessoa que tivesse acervo, que tivesse filme em

decomposição e que quisesse restaurar esses filmes, se inscrevia e

participava da seleção. Aí tem uma comissão de seleção com pessoas

206

Idem.

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que representam o Ministério da Cultura, a Cinemateca, a Associação

Brasileira de Cinematografia e um crítico de cinema independente,

representando a Petrobrás, e dois técnicos da Cinemateca. Então, essa

comissão teve essa ingrata tarefa, que a gente tem aqui todos os dias,

de avaliar o que é mais urgente.” 207

Ao comentar sobre a questão da preservação, Caroline Frick entende que

“preservation is, itself, an idealized, unattainable construct”.208

Por seu turno,

comparando as dificuldades de preservação enfrentadas pelo cinema em relação a outros

tipos de patrimônio, Paolo Cherchi Usai é categórico:

Has anyone ever been naïve enough to believe that cinema could be

preserved like the cave paintings of Lascaux? Did we really fool

ourselves into thinking that Citizen Kane could be saved for future

generations just as we claim to save the Sistine Chapel, Mozart’s

Jupiter Symphony, the Taj Mahal and Nefertari’s jewels? Well, it’s

not possible, and it never was. 209

Indagado sobre o impasse, que os arquivos de filmes vivem, entre o desejo de

guardar tudo e a necessidade de seleção diante da impossibilidade de realizar este

desejo, Ray Edmondson adota uma postura firme sobre a questão. Para ele, mesmo com

os possíveis erros que podem cometer, os arquivos de filmes precisam assumir sua

responsabilidade na tarefa de fazer as escolhas do que devem manter em suas coleções.

“I don’t see how it is possible, physically and economically, to

preserve everything. The deluge of sounds and moving images is

increasing exponentially. Selection is essential and every archive

should have a defensible selection policy, founded on stated

principles, regularly updated and open to public discussion. Of course,

no selection policy can ever be perfect because we don’t have a crystal

ball. We can’t know how our present actions and choices will be

viewed by someone 20 years hence! We can only try our best to

identify material of permanent value. We will make some mistakes.

Having said that, I don’t think an archive’s acquisition program

should be constrained by the size of its current budget. It needs to bite

off a bit more than it can chew, so to speak. That is how the archive,

and its resource base, will grow instead of remaining static.” 210

207

Fernanda Guimarães, em entrevista concedida à autora desta pesquisa. 208

FRICK, op. cit., p. 171. “A preservação é, ela mesma, um construto idealizado e inalcançável. (Livre

tradução da autora desta pesquisa.)

209

CHERCHI USAI, 2001, p.113.

Será que alguém é ingênuo o bastante para acreditar que o cinema poderia ser preservado como as

pinturas na caverna de Lascaux? Será que nós realmente nos enganamos ao pensar que Cidadão Kane

poderia ser salvo para as gerações futuras da mesma forma que nós afirmamos salvar a Capela Sistina, a

Sinfonia Júpiter de Mozart, o Taj Mahal e as joias de Nefertiti? Bem, isso não é possível e nunca foi.

(Livre tradução da autora desta pesquisa.)

210

Ray Edmondson, em entrevista concedida à autora desta pesquisa.

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Segundo ele, o National Film and Sound Archive of Australia é um exemplo de

instituição que optou por fazer suas escolhas e, aos interessados, disponibiliza sua

política de seleção pela internet. E comenta:

“I think that’s the responsible way to behave. Yes, it constrains the

choices that acquisition staff can make and some people don’t like to

be constrained![…] But it seems to me a self-defeating approach. How

can you ask for more resources if you apparently already have the

means to collect everything?” 211

João Luiz Vieira envereda por esta mesma linha de pensamento e, ao reafirmar

a ideia de que o desejo de se guardar tudo, na prática, mostra-se impossível de ser

realizado, apresenta seus argumentos:

“Porque tem duas coisas que impedem isso: uma é espaço e a outra é

dinheiro. Não tem como guardar tudo. Então, já tem que partir daí.

Não se pode ficar com essa ilusão de que se pode guardar tudo, e nem

vai ser na era digital. Primeiro, porque essas duas coisas que eu falei,

dinheiro e espaço, são limitadoras. Por outro lado, o nível de

deterioração não para. O tempo está sempre correndo contra. Ele já faz

sua seleção natural e isso é irreversível. Então, é uma coisa que se

você tem consciência disso, você tira um peso dessa culpa. Sabendo

que não vai conseguir, então, você tem realmente que criar

critérios.”212

Indagado sobre esses critérios, ele afirma:

“Eu não tenho esses critérios. Cada entidade, cada grupo, cada país,

cada organização, cada arquivo tem que definir seus critérios de

acordo com sua história, contextos, necessidades locais, etc. Você

“Eu não vejo como é possível, fisicamente e economicamente, preservar tudo. A enxurrada de sons e

imagens em movimento está crescendo exponencialmente. A seleção é essencial e cada arquivo deve ter

uma política de seleção defensiva, fundada em princípios declarados, regularmente atualizados e abertos à

discussão pública. Certamente, nenhuma política de seleção pode ser perfeita porque nós não temos uma

bola de cristal. Nós não podemos saber como nossas ações e escolhas presentes serão vistas por alguém

daqui a vinte anos! Nós só podemos tentar fazer o melhor possível para identificar material de valor

permanente. Nós cometeremos alguns erros.

Dito isto, eu não acho que o programa de aquisição de um arquivo deve ser obrigado a seguir o tamanho

de seu orçamento atual. Ele precisa abocanhar um pouco mais do que ele é capaz de mastigar, por assim

dizer. É deste modo que o arquivo e seu recurso básico crescerão em vez de ficarem estáticos.” (Livre

tradução da autora desta pesquisa.)

211

Idem.

“Eu acho que este é o jeito responsável de agir. Sim, ele restringe as escolhas que os responsáveis pela

aquisição de materiais podem fazer e algumas pessoas não gostam de sofrer restrição! [...] Mas me parece

uma abordagem de auto-defesa. Como pode-se requerer mais recursos se, aparentemente, já se tem meios

de colecionar tudo? (Livre tradução da autora desta pesquisa.)

212

João Luiz Vieira, em entrevista concedida à autora desta pesquisa.

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pode pensar assim: o que se vai guardar? O que é mais pedido? É

isso? O que as pessoas querem ter mais acesso? Isso pode ser um

critério. É aquilo que vai render mais dinheiro em uma nova versão?

Esse é um forte critério de ordem estritamente comercial. Se você

indagar uma major como a Paramount ou a Fox, a resposta

provavelmente levará em consideração aquilo que em dois anos ainda

vai vender bons DVDs e bons blu-rays. Ou será explorado em diversas

outras plataformas e janelas de exibição. É um critério puramente

comercial, de business, que a indústria cinematográfica tem todo

direito de ter. Mas não são os únicos critérios, evidentemente.” 213

Sob esse prisma, entende-se que há os mais variados motivos para se

guardarem objetos. Nesse sentido, Heffner argumenta que o papel do arquivo é guardar

os documentos para o que a sociedade precisar e para quando julgar que precisa. Além

disso, se os valores construídos pelas sociedades são, em geral, momentâneos, os

arquivos não devem ter esses valores como balizadores de seus acervos. É notório que

muitos filmes que foram considerados, em um dado momento, sem grande valor,

posteriormente, passaram a ser vistos como obras que tinham um valor artístico ou

histórico, por exemplo. O mesmo pode acontecer com outros tipos de imagens, no que

se refere à importância que podem adquirir ao longo dos anos. Portanto, seguindo as

diretrizes estabelecidas pela Recomendação elaborada em 1980, cabe às instituições de

patrimônio de cada país o compromisso de guardar e preservar, da melhor forma

possível, todo tipo de imagem em movimento e disponibilizá-las para a sociedade

sempre que for preciso. E as demandas da sociedade podem ser muitas, conforme

explica Heffner:

“O papel do arquivo é guardar as coisas para o que a sociedade

precisar. [...] O arquivo não pode ficar ao sabor dos valores, porque os

valores são contingentes. [...] E, no fundo, no fundo, quais são as

demandas possíveis da sociedade? Essa é que é a questão. Então, você

tem que atender só os críticos que têm visão artística? Ou tem que

atender só as televisões que precisam de imagens de arquivos com

registro histórico? Ou tem que atender só a clientela das escolas que

vai ali revisitar só os filmes mais importantes? Ou, de repente, você

tem que atender aquele que está só procurando imagens de câmera de

segurança bancária, que é o que se guarda hoje em dia? As câmeras da

CET-Rio contam melhor a história do traçado urbano da cidade do

que qualquer filme que você possa imaginar.” 214

Esse é um cenário que se observa em fins do século XX e que exige uma

ampliação no conceito de “filme” e, consequentemente, uma transformação no conceito

213

Idem. 214

Hernani Heffner, em entrevista concedida à autora desta pesquisa.

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de patrimônio cinematográfico, que parece ser um reflexo da própria mudança do

conceito de patrimônio. A ideia de patrimônio apenas como bens de natureza mais

elitista e voltado para a alta cultura, definitivamente, foi deixada para trás. A ideia de

patrimônio adquire vários sentidos para atender à demanda de um mundo cada vez mais

polifônico. O critério de “valor”, como um ponto de partida para se estabelecer os bens

culturais que devem ou não ser considerado patrimônio, torna-se mais amplo e ganha

novos contornos.

Essa mudança no critério de valor é, ao mesmo tempo, fruto de uma mudança

nos parâmetros de recepção sobre a história e uma conquista de classes e grupos

minoritários que, por meio de movimentos sociais, conseguiram se impor e demonstrar

que a história pode ser contada a partir de múltiplos pontos de vista. A cultura produzida

e consumida por quem detém o poder e a história que se pode contar a partir desta

cultura é tão importante quanto a daqueles que nunca chegaram ao poder, aqueles que

foram excluídos. Por isso,

“qualquer manifestação social, não importa de que classe, de que

grupo, etc. é válida em si mesma e o princípio museológico maior é: a

comunidade deve cuidar de si. Então, não é porque eu faço parte

daqueles excluídos que nós, os excluídos, não podemos cuidar do

nosso próprio patrimônio, ou seja, aquilo que criamos em alguma

medida. Então, toda e qualquer instituição museológica tem que

enraizar-se junto ao seu grupo social e cuidar daquilo que seu grupo

produz.” 215

Diante dessa situação, pode-se observar que a tendência atual é que os arquivos

se organizem segundo determinadas concepções particulares. Conforme esclarece

Hernani Heffner, as cinematecas mais antigas procuram seguir as diretrizes

estabelecidas pela Federação Internacional, mas as mais novas tendem a se especializar

em um determinado tipo de patrimônio: produção regional, produção local, apenas

filmes de família, apenas filmes de um determinado gênero, etc. E, em muitos casos, é a

questão econômica que vai ser determinante nas escolhas e particularidades de cada

instituição.

215

Idem.

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4.5- Os agentes envolvidos nos processos de patrimonialização e

preservação dos bens cinematográficos

Os processos que culminaram no reconhecimento da produção cinematográfica

como um tipo de patrimônio podem ser acompanhados, de forma mais sistematizada,

com a formação dos primeiros arquivos de filmes e cinematecas, nos anos 1930. As

lutas para salvar materiais fílmicos e as tentativas de organização de instituições,

capazes de guardá-los e preservá-los, contaram sempre com uma vontade, acima de tudo

apaixonada, de intelectuais, cinéfilos, críticos e colecionadores, entre outros segmentos

da área. Eles são agentes que arregaçaram as mangas e abraçaram a causa em prol da

preservação dos bens cinematográficos. Quando poucos conseguiam perceber que estes

artefatos não eram apenas mercadoria, mas possuíam outros valores, que deveriam ser

considerados e apreciados pelas sociedades pelas quais e para as quais eram produzidos,

eles escreviam, alertavam, escondiam, colecionavam, levantavam bandeiras e militavam

pela causa da preservação cinematográfica. Por muito tempo, seus discursos não

encontraram ressonância, não conseguiram mobilizar as sociedades e os governos e

caíram no vazio. Contudo a enorme paixão que os movia não permitia que eles

desistissem. Em lugares e momentos distintos, estes agentes estiveram direta ou

indiretamente envolvidos e atuantes nestes processos.

Considerando-se o contexto internacional, dois nomes se destacam na história

da criação das cinematecas, da difusão da cultura cinematográfica e dos processos de

preservação da produção cinematográfica: Henri Langlois e Ernest Lindgren. Pode-se,

sem dúvida, afirmar que estes são dois agentes que tiveram participação essencial em

todo o processo de construção da noção de patrimônio cinematográfico, apesar dos

diferentes caminhos, ideologias e posturas políticas adotadas.

Henri Langlois (1914 -1977) foi um dos fundadores da Cinemateca Francesa.

Por sua capacidade de articulação, eloquência e temperamento ao mesmo tempo amável

e misterioso, sua atuação nestes processos nunca ficou restrita à cinemateca que ajudou

a criar. Apaixonado pelo poder, teve importância inquestionável na formação e,

posteriormente, nas ações práticas e políticas da FIAF, por meio da qual desempenhou,

até 1959 – ano em que abandona a Federação, no Congresso de Estocolmo –, papel

imprescindível no movimento mundial dos arquivos cinematográficos. Segundo

Raymond Borde,

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En 1945, aparece como un modelo. Langlois tiene un papel positivo.

Anima y fascina. Salva incunables. Proyecta y resucita la historia del

cine. En 1959, abandona la F.I.A.F., en el Congreso de Estocolmo,

porque se ha quedado en minoría, y com su partida acaba un época.

Entre las dos fechas, los grandes archivos hacen su aprendizaje. Nacen

ideas, buenas o malas, o simplemente prematuras. A pesar de la guerra

fría, el Este se une al Oeste y los conservadores encuentran el linguaje

de uma pasión común. Es um período extremadamente fructífero, en

un entorno pintoresco, lleno de contradicciones, de extravagancias, de

dramas y de entusiasmo. 216

Ernest Lindgren (1910 – 1973) foi o nome de maior destaque do National Film

Archive, em Londres, tendo sido seu primeiro curador. De personalidade afável, porém

rigoroso, foi um dos primeiros arquivistas a se preocupar com questões técnicas

relacionadas à preservação fílmica. Assim como Langlois, seu nome também está

diretamente relacionado à fundação e posturas adotadas pela FIAF. Juntos, eles foram

responsáveis pela criação de uma rede internacional de arquivos e cinéfilos e adotaram

uma política que incentivava a troca entre arquivos, de fundamental importância para o

desenvolvimento das instituições. As metodologias por ele desenvolvidas continuam

sendo referências até hoje para a arquivística fílmica, “mesmo com todas as mudanças

ocorridas no âmbito técnico do suporte e da emulsão do filme”, conforme esclarece

Correa Jr. 217

. Por isso, não há como negar que Lindgren deixou um legado, tanto

técnico como ideológico, que foi capital para direcionamentos políticos e práticos

adotados pela FIAF.

A maior diferença entre estas duas personalidades internacionais da

arquivística cinematográfica residia no conflito entre difusão e preservação. Debate

que, na opinião de Caroline Frick, “remains central to film preservation, meanings and

practice.” 218

216

BORDE, 1991, p. 101.

Em 1945, aparece como modelo. Langlois tem um papel positivo. Anima e fascina. Salva os primórdios.

Projeta e ressuscita a história do cinema. Em 1959 abandona a FIAF, no Congresso de Estocolmo, porque

era minoria e, com sua saída, termina uma época. Entre as duas datas, os grandes arquivos passam por um

aprendizado. Nascem ideias, boas, ruins ou simplesmente prematuras. Apesar da Guerra Fria, o Oriente se

une ao Ocidente e os conservadores encontram a linguagem de uma paixão em comum. É um período

extremamente frutífero, em um contexto pitoresco, pleno de contradições, de extravagâncias, de dramas e

de entusiasmo. (Livre tradução da autora desta pesquisa.)

217

CORREA JR., 2010, p. 49. 218

FRICK, op. cit., p. 170.

“...permanece central na prática, nos significados e na preservação de filmes.” (Livre tradução da autora

desta pesquisa.)

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- 151 -

Langlois entendia e defendia firmemente que a principal tarefa destas

instituições era a propagação da cultura por meio do cinema. Para ele, a difusão de

filmes era uma forma de preservação, pois contribuía para que a sociedade entendesse o

que era e qual era o papel que as cinematecas desempenhavam. Nesse sentido, a

exibição dos filmes era o que para ele importava mais, descuidando-se muitas vezes de

sua conservação. Por sua vez, Lindgren achava que o dever maior dos arquivos é o de

conservar os filmes, por isso era considerado essencialmente técnico. Para ele, só seria

possível exibir filmes se estes estivessem conservados.

Não faltam artigos e considerações enaltecendo o trabalho de Langlois à frente

da FIAF e da Cinemateca Francesa, onde conseguiu formar uma das mais significativas

coleções universais referentes ao patrimônio cinematográfico. Contudo textos mais

recentes buscam recuperar, também, a importância e a reputação de Ernest Lindgren

para o movimento de preservação dos bens cinematográficos. “[Langlois] may have

been its greatest showman, but the role of the moviment’s visionary, and eventual

savior, belongs to Ernest Lindgren” 219

, escreveu David Francis – ex-curador do

Arquivo Nacional de Filme e Televisão do Reino Unido –, em 2006.

Ao lado de Langlois e Lindgren, Iris Barry (1895 – 1969) é outra personalidade

que pode ser incluída entre os agentes que, em nível internacional, tiveram atuação

fundamental nos processos de constituição do patrimônio cinematográfico. Fundadora e

primeira curadora do Departamento de Filme do Museu de Arte Moderna de Nova

York, em 1935, Iris Barry destacava-se por sua reconhecida capacidade de articulação

política. Co-fundadora da FIAF, Barry, posteriormente, trabalhou junto à UNESCO para

forjar os primeiros projetos ligados ao Cinema. A professora e pesquisadora americana

Haidee Wasson afirma sobre Iris Barry:

Barry worked to transform the institutional and material conditions in

which films were seen, studied, written about, and discussed.

Struggling with and against a range of cultural institutions both

traditional and emergent (Bloomsbury writer, American art museums,

philanthropies, Hollywood, and so on) Barry’s sizable place in, and

influence on, film culture has yet to be fully assessed. 220

219

FRANCIS, David, 2006, apud FRICK, 2011, p.171. 220

WASSON, Haidee. “The woman film critic: newspaper, film and Iris Barry”. Film History, v. 18,

2006. Disponível em:

http://www.jstor.org/discover/10.2307/3815632?uid=2&uid=4&sid=21102180320883. Acesso em:

25/07/2013.

Barry trabalhou para transformar as condições institucionais e materiais nas quais os filmes eram vistos,

estudados, comentados e discutidos. Lutando contra uma gama de instituições culturais, tanto as

tradicionais como as emergentes (escritor da Bloomsbury, museus de arte americana, instituições

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- 152 -

É fato que a maioria dos arquivos de filmes e cinematecas contemporâneas foi,

e continua sendo, fortemente influenciada por esta primeira geração de arquivistas cujas

ações ultrapassaram fronteiras. Muito do que eles escreveram, pensaram, argumentaram

e defenderam continua ainda a fazer parte do dia a dia destas instituições, bem como da

Federação Internacional de Arquivos de Filmes, que eles ajudaram a criar.

Procurar saber sobre quem foram os agentes que, aqui no Brasil, tiveram

função semelhante aos pioneiros europeus foi uma das minhas preocupações. Em

resposta a este questionamento, vários nomes foram lembrados, entre eles, Paulo Emilio

Sales Gomes, Jurandyr Noronha, Cosme Alves Netto e Roquette-Pinto.

Para Hernani Heffner,

“Ele [Paulo Emilio] é um dos agentes, sem dúvida nenhuma. Talvez o

mais importante. Mas ele não trouxe essa ideia [de preservação do

patrimônio cinematográfico] para o Brasil. Essa ideia já existia no

Brasil. [...] Quando ele foi pra Europa, depois da 2ª GM, ele já foi

interessado nisso. Ele queria descobrir o que era, se aproximou da

Cinemateca Francesa, etc. e trouxe uma certa concepção, que é o tudo,

aqui pro Brasil. Mas não, não se pode dizer: ‘ele foi o primeiro que

teve essa ideia.’ Essa ideia, difusamente, você tinha desde os anos 30.

Tanto que alguns acervos de filmes foram constituídos antes da

Cinemateca Brasileira. O mais importante de todos, o do Serviço de

Informação Agrícola (SAI), que também pegou fogo, em 52, e que

começou a ser constituído em 39. Então, se você considerar a ideia

básica de uma cinemateca, o SAI já era. E, sobretudo, voltado para o

cinema brasileiro. É uma pena que tenha perdido tudo. Mas estava lá.” 221

Heffner reconhece que Paulo Emilio não foi o responsável pela implantação da

ideia de preservação cinematográfica no Brasil, mas é categórico ao afirmar sua

importância entre os primeiros agentes que lideraram a luta pela preservação dos bens

cinematográficos.

Junto a ele, Hernani Heffner destaca o papel de Cosme Alves Netto (1937 –

1996). Curador da Cinemateca do MAM – RJ durante 40 anos, este amazonense que

teve participação importante como cineclubista e consultor de inúmeros festivais e

instituições, dedicou sua vida à cultura nacional e, em especial, ao cinema. Tendo em

vista, sobretudo, o fortalecimento da sétima arte no Brasil, foi um grande incentivador

da pesquisa e conservação da memória cinematográfica brasileira.

filantrópicas, Hollywood e outros), o lugar e a influência consideráveis de Barry na cultura fílmica ainda

precisam ser avaliados em sua totalidade. (Livre tradução da autora desta pesquisa.)

221

Hernani Heffner, em entrevista concedida à autora desta pesquisa.

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“Os dois nomes mais importantes foram o Paulo Emilio e o Cosme

Alves Netto. Um pela Cinemateca Brasileira e o outro, aqui, pela

Cinemateca do MAM. Mas, a partir dos anos 60, você tem um número

crescente de pessoas se envolvendo com isso. Então, a influência

desses dois nomes iniciais, ela se estende até o final dos anos 70.

Então, você pode dizer que eles são líderes incontestes.” 222

Ao fazer referência, em sua tese de doutorado, a Paulo Emilio Sales Gomes e

sua participação na criação de uma cinemateca no Brasil, Carlos Roberto de Souza

afirma que, em seus escritos, Paulo Emilio fazia questão de enfatizar a necessidade de

“elevar o nível geral da cultura cinematográfica – conceito nuclear da teoria de Paulo

Emilio para os arquivos de filme.” 223

Nitrato, o frágil material de que eram feitas as películas de filmes até,

aproximadamente, a década de 1950, é também o título de um documentário dirigido

por Alain Fresnot, no qual está registrada a preocupação com a precária situação do rico

acervo cinematográfico da Cinemateca Brasileira em São Paulo, a primeira e a maior

cinemateca do país, fundada em 1940. Neste curta-metragem de 19 minutos, realizado

em 1974, Paulo Emilio Sales Gomes (1916 – 1977) – professor, crítico de cinema,

ensaísta, grande apaixonado pela cinematografia brasileira e um dos principais

responsáveis pela conscientização do valor do cinema e da necessidade de preservação

da produção cinematográfica no Brasil –, afirma que o Brasil não estava

suficientemente maduro para ter uma cinemateca e compreender a necessidade de uma

instituição sem tradição. Segundo ele,

“A gente vendo de perto o que aconteceu, o sentimento que a gente

tem é que, no fundo, a Cinemateca era prematura. Porque, na mesma

ocasião, a gente via o estado em que estava o Arquivo Nacional ou a

Biblioteca Nacional. Era absolutamente lamentável. Ora, um país que

não é capaz de ter um Arquivo Nacional ou uma Biblioteca Nacional

que são, afinal de contas, órgãos tradicionais da cultura do ocidente,

evidentemente não está em condições e não pode compreender a

necessidade de uma cinemateca que é uma coisa, afinal de contas,

mais nova.” 224

Seu depoimento deixa clara a dificuldade e as barreiras que esses agentes

encontraram pela frente e a necessidade de que toda uma conjuntura, principalmente,

222

Idem. 223

Carlos Roberto de Souza, 2009, p. 75. 224

Depoimento transcrito, pela autora, diretamente do documentário “Nitrato”, disponível em

http://www.bcc.org.br/sites/bcc.org.br/modules/cine_video/player/player.swf?image=http://static.bcc.org.br/thumbs/filme/003331_320x240.jpg&file=http://static.bcc.org.br/videos/filme/flv/003331_320x240.flv.

Acesso em: 14/05/2012.

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política, mas também social e cultural, fosse estabelecida e amadurecida no país, para

que o cinema começasse a ocupar o lugar que lhe poderia caber na sociedade, com o

devido reconhecimento. Este caminho, que começou a ser trilhado sob a liderança de

Paulo Emilio e Cosme Alves Netto, passou a contar com outros nomes, segundo

Heffner, a partir da década de 1970.

“A partir do final dos anos 70, você tem uma segunda geração que já é

bem mais numerosa. Então você tem o [Carlos Augusto] Calil, tem o

Carlos Roberto [de Souza], tem o Francisco Moreira, tem o Manfredo

Caldas (...) você tem um monte de gente, a partir daí. Você tem os

pesquisadores que, de alguma maneira, começam também a

estabelecer relações mais próximas com as cinematecas. O Centro de

Pesquisadores foi fundado em 1970. Embora sua trajetória seja lá de

altos e baixos, a consciência estava lá. E boa parte desses

pesquisadores eram críticos, eram historiadores, eram fãs. Então, essa

comunidade que ratifica o patrimônio cinematográfico vem daí. E

todos giram em torno da atividade cinematográfica cotidiana que,

naquela época, eram os filmes que passavam nos cinemas. Valery era

crítico de jornal, Alex Vianny era crítico de jornal, o Jurandyr

Noronha era crítico de jornal. Então, é esse grupo que vai amplamente

construir a ideia de patrimônio. É lógico que essa ideia vai ser objeto

de disputa.” 225

Ao se referir ao nome de importantes críticos de cinema, Heffner argumenta

que:

“O agente maior é, na verdade, o crítico. É o crítico que diz: Olha,

presta atenção, isso aqui tem valor. Na medida em que o crítico vai

lá e diz: Olha, isso aqui merece ser guardado, um agente público que

pode ser uma universidade, pode ser a secretaria de cultura, pode ser

um instituto não sei das quantas, vai lá e diz: precisamos cuidar

desta questão. Se essa instituição não tem o alcance, sobretudo

financeiro, necessário, vai a uma instância superior e diz: Isso

precisa ser guardado.” 226

Aristides Soffiati Neto concorda com Hernani Heffner. Para ele, o papel do

crítico do cinema na construção deste patrimônio é “colaborar com essa construção.

Porque o crítico tem tanto a visão da produção que é dinâmica, que está sempre sendo

renovada, quanto do que já foi feito, a parte patrimonial.” 227

Em sua abordagem sobre o papel do crítico como um agente neste processo de

reconhecimento do cinema como um tipo de patrimônio, Heffner complementa:

225

Hernani Heffner em entrevista concedida à autora desta pesquisa. 226

Idem. 227

Aristides Soffiati Neto em entrevista concedida à autora desta pesquisa.

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“Mas não existem só críticos formais. O crítico não é só o crítico de

jornal, embora o jornal seja, por excelência, o espaço público. Ele é a

Ágora grega. É ali que você deve se manifestar, é ali que você deve se

posicionar, é ali que você deve indicar, é ali que você deve reivindicar,

é ali que você diz: ‘Olha, precisa guardar isso, não pode perder.’ Mas,

por exemplo, o historiador é um crítico. O historiador vai lá e diz:

‘Olha, não se constrói a História sem essa documentação aqui. Precisa

guardar isso aqui.’ Ele, dentro do espaço de trabalho dele, ele já indica

(...) e assume a mesma atitude. Olha isso tem valor. Se isso aqui se

perder, uma parte da história vai embora. Você tem o agente público

que está ali interessado em, de fato, constituir a história de vários

grupos que constituíram, por exemplo, uma cidade como Rio de

Janeiro, tem gente que vai cuidar do samba, tem gente que vai cuidar

da favela, tem gente que vai cuidar da alegria... Você tem as pessoas

pra pensar isso. Tudo bem que, dentro do Estado, isso é sempre muito

complicado. Mas, a rigor existe.” 228

Para João Luiz Vieira, “o nome, o primeiro nome que me vem é do pesquisador

e historiador Jurandyr Noronha. Você já ouviu falar dele? Pra mim, ele é o agente

primeiro. Ele é anterior ao Paulo Emilio.” 229

Carlos Roberto de Souza, em sua tese de doutorado, identifica dois momentos

em que o termo patrimônio, relacionado ao cinema, aparece em publicações de textos

escritos por Jurandyr Noronha, o que ele considera uma “conceituação inédita”. O

primeiro faz referência a um artigo intitulado “Indicações para a organização de uma

filmoteca brasileira”, publicado na revista A Cena Muda, em julho de 1948.

Na opinião de Jurandyr Noronha, é “da maior importância o

levantamento e recuperação imediata de tudo quanto já fizemos de

significativo”, pois há filmes brasileiros que “superam trabalhos de

países mais avançados” em termos de contribuição artística para a

cinematografia mundial. Numa conceituação aparentemente inédita,

considera esses filmes como integrantes do “patrimônio nacional” –

embora sem esclarecer o que exatamente seja isso – e reivindica para

eles os mesmos esforços de conservação desenvolvidos por museus

ingleses e norte-americanos. 230

O segundo momento se dá em julho de 1953, quando “em sua coluna no Diário

Trabalhista carioca, lança o apelo ‘Salvemos um patrimônio’ após se encontrar com

Caio [Scheiby] e saber do recebimento de mais de 100 latas de filmes necessitados de

duplicação.” 231

Nascido em Juiz de Fora (MG), em 1916, este jornalista, pesquisador e

documentarista é considerado uma das personalidades da área do cinema que mais se

228

Hernani Heffner em entrevista concedida à autora desta pesquisa. 229

João Luiz Vieira em entrevista concedida à autora desta pesquisa. 230

SOUZA, 2009, p.60. Tese de doutorado defendida na USP. 231

Idem, p.62. Grifo do autor.

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preocupa em preservar a memória e a história do cinema brasileiro. São dele três

longas-metragens nos quais compilou e documentou partes da memória audiovisual:

Panorama do cinema brasileiro (1968) 232

, Cômicos + cômicos (1971) e 70 anos de

Brasil (1972). Além disso, publicou, em 1994, a obra “Pioneiros do Cinema Brasileiro”.

Em junho de 2013, aos 97 anos, foi homenageado na 8ª Mostra de Cinema de Ouro

Preto (CineOP) e nomeado presidente de Honra da Associação Brasileira de

Preservação Audiovisual (ABPA). Em entrevista concedida em 2011, durante o Festival

Internacional de Cinema de Arquivo (REcine), que acontece anualmente no Arquivo

Nacional, no Rio de Janeiro, Jurandyr Noronha deixou, mais uma vez, bem clara a sua

preocupação com a memória da produção cinematográfica brasileira.

“Nada ficou do cinema brasileiro, de tudo o que foi feito nos

primeiros 15 anos. Desse período, sabemos do que aconteceu pelos

jornais e pesquisadores. Eu sempre busquei salvar o que pude. Existe

um filme feito por um italiano, Alfonso Segreto, que sobreviveu à

destruição: é o Desfile Militar de Sete de Setembro de 1910. Pascoal

era empresário, o irmão Alfonso filmava. Fiz um filme que se

chama 70 anos de cinema brasileiro, o filme de Segreto está lá. Vocês

precisam exibir, acho que demora uns três minutos.” 233

Carlos Roberto de Souza propõe outros nomes para compor este painel de

agentes envolvidos nos processos de preservação do patrimônio cinematográfico. Entre

eles, cita Edgard Roquette- Pinto (1884 – 1954), Alice Gonzaga e Hernani Heffner.

“O Roquette-Pinto, sem dúvida. O próprio Hernani, sem dúvida,

também. Eu penso em algumas pessoas que também têm uma função.

Eu penso na Alice Gonzaga, da Cinédia. Evidentemente, ela tem um

interesse pessoal, que no caso dela, no perfil dela, ultrapassou já o

interesse pessoal. Já é uma coisa, não digo coletiva, que ela levante

bandeira como o Hernani, mas ela participa dessa coisa, desse esforço

de integrar. Eu acho que tem outras pessoas. E tem outras pessoas

espalhadas pelo Brasil, falando especificamente desse âmbito

cinematográfico. Mesmo colecionadores ou técnicos de instituição que

tem acervo audiovisual e que tentam fazer essa integração do

coletivo.” 234

Fausto Douglas Correa Júnior é um autor que também destaca a importância de

Roquette-Pinto durante o período em que atuou no Museu Nacional.

Não podemos deixar de mencionar a experiência brasileira desses

tempos e o empenho de Edgard Roquette-Pinto visando à criação de

232

Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=ESPur0QazCQ. Acesso em: 26/07/2013. 233

Disponível em http://www.recine.com.br/2011/jurandyr.php. Acesso em: 25/07/2013. 234

Carlos Roberto de Souza em entrevista concedida à autora desta pesquisa.

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uma filmoteca científica composta especialmente de filmes de história

natural quando ingressou no Museu Nacional em 1910. 235

Certamente, muitos outros nomes poderiam e deveriam fazer parte entre os

aqui já citados, mas procuramos nos ater aos nomes referenciados nas entrevistas feitas.

Por meio de suas ações, discursos e empenho, cada um destes agentes tem contribuído

para que haja mudanças nas práticas, nas produções, nos lugares e circuitos de difusão,

bem como nas formas, nos usos, nos modos de percepção e de recepção, nos

significados, nos valores e na importância do cinema para a sociedade e para o que

Souza chamou de “integração do coletivo”. É como arte, cultura, documento e história,

que estes agentes se empenham para que a produção cinematográfica seja vista como

um patrimônio a ser preservado para gerações futuras.

Desse modo, a preocupação que estes agentes tiveram em preservar a história

do cinema e o patrimônio cinematográfico, que foi construído ao longo de mais de um

século de existência, implica a compreensão de que a instituição cinematográfica teve –

e continua a ter – grande influência na configuração do imaginário coletivo e que, por

meio de sua linguagem audiovisual, o cinema tem papel ativo na construção da memória

sociocultural e da identidade do país.

4.6- Características do patrimônio cinematográfico

Certamente, uma das características mais marcantes do patrimônio

cinematográfico é a vulnerabilidade de seus suportes. Inicialmente, essa vulnerabilidade

referia-se a tipos de suporte que facilmente sucumbiam quando expostos a níveis de

umidade e temperatura inadequados, como era o caso do nitrato, ou vinagravam, como é

o caso do acetato. Atualmente, a acelerada evolução tecnológica impõe outro tipo de

desafio a este patrimônio: a multiplicação de tipos de suportes digitais e a demanda de

variados tipos de leitoras. Nenhuma outra atividade cultural e artística parece estar tão

sujeita à evolução tecnológica quanto o cinema. E esta evolução se reflete, certamente,

em variados aspectos do patrimônio cinematográfico, tais como sua ampliação, suas

formas de produção, difusão, acesso, armazenamento, restauração e preservação.

235

CORREA JR, 2010, p. 32. Não há informações concretas capazes de esclarecer se o desejo de

Roquette-Pinto foi ou não concretizado. Segundo Carlos Roberto de Souza, uma filmoteca no Museu

existe, mas a partir da década de 1920.

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Ao abordar as características do patrimônio cinematográfico, Carlos Augusto

Calil chama a atenção para esta rápida atualização tecnológica a que a preservação de

materiais fílmicos está submetida e se preocupa com as consequências que a

transformação permanente pode acarretar para este patrimônio.

“Uma preservação cara, muito sofisticada, de técnica muito sofisticada

e submetida a uma atualização tecnológica muito rápida. Isso é uma

questão complicada. Nós, hoje em dia, não sabemos exatamente aonde

isso vai parar. Um processo que foi deflagrado com a digitalização e

com, digamos, a convergência de plataformas digitais. Eu, por

exemplo, me formei na preservação de filmes segundo os registros

químicos fotográficos e hoje é tudo completamente diferente. Em uma

geração, mudou completamente. E não dá pra dizer que quem se

formar hoje estará sossegado, porque ela está em transformação

permanente. Então, é impressionante isso. A potencialidade é enorme

e a melhoria que a digitalização introduziu no cinema é uma coisa

notável.” 236

Sobre este mesmo ponto, Hernani Heffner aponta uma diferença básica entre a

preservação do patrimônio cinematográfico e outros tipos de patrimônio, como o

arquitetônico: a necessidade de mediação de uma máquina para fazer a restauração e,

certamente, o conhecimento técnico adequado para manuseá-la.

“No cinema, você não mete a mão na massa. É uma máquina que faz.

Você tem que acertar as máquinas corretamente e o desempenho, a

rigor, é delas e não seu. Enquanto que se você vai reconstituir um

prédio, o pedreiro precisa saber fazer aquilo. Se não souber, já era. O

restaurador precisa encontrar um pedreiro que tenha habilidade

necessária pra fazer o traço do Aleijadinho, senão, morreu a história. É

muito diferente. As pessoas costumam comparar muito a área do

cinema com as áreas mais tradicionais de preservação e restauração,

mas é completamente diferente.” 237

Carlos Roberto de Souza chama a atenção para o aspecto do acesso ao artefato

fílmico, que é bem diferente de outros tipos de materiais, como o livro ou a pintura,

porque precisa de intermediação tecnológica.

“[A preservação] é muito cara. Pra produzir, pra se manter. Até o

próprio acesso. É diferente de você ir a uma biblioteca que os livros

estão todos lá, ir a uma pinacoteca que os quadros estão todos lá. [No

cinema], você precisa de mecanismos, você precisa de tecnologia para

ter acesso [aos filmes].” 238

236

Carlos Augusto Calil em entrevista concedida à autora desta pesquisa. 237

Hernani Heffner, em entrevista concedida à autora desta pesquisa. 238

Carlos Roberto de Souza, em entrevista concedida à autora desta pesquisa.

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A necessidade de uma máquina para intermediar o acesso é, também, um ponto

levantado por Rafael de Luna. Nesse sentido, em sua opinião, não basta preservar o

filme, se o aparelho capaz de reproduzi-lo também não for mantido em condições de

funcionamento.

“Tem a questão dos suportes, que são suportes específicos, que

demandam habilidades particulares, isso é uma questão. Tem a

questão de necessitar de uma intermediação mecânica. Isso é uma

questão complicada. [...] Se a gente preserva uma arte, uma coisa,

basta expor em um museu pra qualquer um poder ver a obra. Mas

quando a gente está falando de um objeto material, que pra se tornar

um artefato material de fato, e ser visto como um artefato conceitual,

precisa passar por uma máquina, e essas máquinas precisam existir e

estar em funcionamento. Então, essa questão da obsolescência

tecnológica dos aparelhos de reprodução é muito complicada. É uma

coisa que demanda outras, não basta a gente preservar [só o filme]” 239

Sobre a questão do acesso, João Luiz Vieira entende que a digitalização é o

caminho para democratizá-lo. Embora ainda fazendo uso de uma máquina, o acesso

virtual fará da internet o arquivo do futuro.

“A importância hoje de digitalização, para mim é essa: uma

democratização de acesso. Isso já está acontecendo. O caminho é esse.

Eu li outro dia que a Cinemateca da UCLA em Los Angeles já

disponibilizou mais de 300 horas de material de Cinejornal que eles

estão restaurando e que pode ser acessado pela internet, de casa, não

precisa mais se deslocar até o arquivo. Como o que podemos fazer

hoje, de casa, com alguns jornais e com revistas especializadas como

Cinearte e A Scena Muda, todas digitalizadas e de acesso aberto. Eu

acho que o futuro é esse. A digitalização desse material e a

disponibilização desses acervos. Esse é o arquivo do futuro, ele estará

na internet.” 240

Nesse ponto, contudo, o acesso pode ser dificultado e limitado em razão de

outra característica do patrimônio cinematográfico, que é lembrada por Rafael de Luna.

“No cinema, [o filme] quase sempre é um objeto de direito privado

que a pessoa faz o que quiser com ele, desde que seja o detentor dos

direitos autorais, né. Com a maior parte do cinema, eu não estou

falando de bens públicos.” 241

239

Rafael de Luna, em entrevista concedida à autora desta pesquisa. 240

João Luiz Vieira em entrevista concedida à autora desta pesquisa. 241

Rafael de Luna em entrevista à autora desta pesquisa.

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No que se refere aos direitos autorais 242

e suas consequências para o acesso a

filmes nos arquivos e cinematecas, David Francis em Film Curatorship – obra

publicada em coautoria com Paolo Cherchi Usai, Alexander Horwath e Michael

Loebenstein –, afirma:

Well, it’s slightly different in most museums, because a lot of the

materials that they hold is no longer in copyright. So they don’t have

to ask anybody’s permission, because either they have, under the

terms by which they acquired the material, they have acquired the

right to do certain things with it, or because it’s out of copyright. It’s

because of copyright and its restrictions that archives are perceived as

fortresses to which it’s difficult to gain access. 243

João Luiz Vieira compara o filme com o bem arquitetônico e chama atenção

para o fato de que, seja como for o acesso ao bem cinematográfico, o público, em geral,

não atenta para a materialidade do artefato fílmico. Seja projetado em uma tela no

cinema, seja visto na televisão ou em uma tela de computador, ao ser exibido, o filme se

transforma em um feixe de luz que, uma vez apagado ao final da sessão, faz com que

nos esqueçamos do material que tornou possível aquela exibição.

“Você pode buscar semelhanças, pode buscar diferenças. Ao contrário

de um bem arquitetônico que está ali visível, o filme está lá nos

arquivos. É algo ainda efêmero, sobre o qual espectadores, em um

nível bastante geral, não têm muita ideia dessa materialidade. Você

vai ao cinema, você vê na televisão, você não toca naquilo. Com o

VHS no início da década de 1989 e depois com o dvd e nos últimos

anos o blu-ray, essa consciência apareceu pela possibilidade de

interação com o material audiovisual – parar, congelar a imagem,

adiantar, apressar, retardar, voltar etc. Mas, de novo, em um cenário

mais contemporâneo e futuro, essa “manipulação’ parece estar ficando

cada vez mais imaterial. Hoje, via internet, você nem pega mais no

filme. Então, acho que, ao contrário [dos bens arquitetônicos], ele é

um pouco subterrâneo, eu acho que tem um aspecto da materialidade

242

Formulada desde 1952 e revista em 1971, a Convenção Universal de Direitos Autorais (Universal

Copyright Convention. Disponível em http://portal.unesco.org/en/ev.php-

URL_ID=15381&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html#STATE_PARTIES) assegura a

proteção de trabalhos literários, científicos e artísticos, entre eles as obras cinematográficas. Essa proteção

vale enquanto o detentor dos direitos da obra for vivo, prolongando-se por mais vinte e cinco anos após a

sua morte. Com exceção dos filmes órfãos, todos os filmes são, portanto, propriedade dos detentores de

seus direitos autorais, que normalmente são os produtores. Isso significa que eles precisam de uma

autorização para serem exibidos, o que já dificulta a disponibilidade e restringe a circulação do bem.

243

CHERCHI USAI, FRANCIS, HORWATH & LOEBENSTEIN, 2008, p. 59.

Bem, é um pouco diferente na maioria dos museus, porque muitos materiais que eles abrigam não estão

mais protegidos por direitos autorais. Então, eles não têm que pedir permissão a ninguém, ou porque eles

têm, pelos termos sob os quais eles adquiriram o material, o direito de fazer certos usos dele, ou porque o

material está fora do direito autoral. É por causa dos direitos autorais e suas restrições, que os arquivos

são vistos como fortalezas às quais é difícil ter acesso. (Livre tradução da autora desta pesquisa.)

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que é diferente de um Cristo Redentor, dos Arcos da Lapa, de uma

Confeitaria Colombo. Acho que isso marca muito essa diferença.” 244

Carlos Augusto Calil faz, também, uma comparação entre o cinema e a

arquitetura para abordar outra particularidade do patrimônio cinematográfico: seu

alcance e sua potencialidade de exploração.

“Ele é amplamente compartilhável pela sociedade. Um vai dizer:

‘bom, vamos comparar agora com a arquitetura’, que é um assunto

muito importante também. A arquitetura está lá. Um exemplar num

determinado local, numa determinada situação e que essa situação

evolui, aquela edificação do entorno muda, atinge uma determinada

comunidade que mora lá. Eu estou falando de uma coisa que atinge o

país como um todo. Inclusive fora do país. Você sabe que imagens

viajam muito rapidamente. Portanto, tem uma potencialidade muito

maior de exploração.” 245

Nesse sentido,

“[Os filmes são] passíveis de interpretações variadas, ao longo do

tempo, segundo as várias disciplinas com as quais você aborda. Então,

um antropólogo vê de um jeito, um sociólogo, um pouquinho

diferente, para um psicólogo, certamente é diferente, e por aí vai. Um

economista vê outra coisa. É que esse material é um material rico

demais pra não ser objeto de reflexão no nível nacional.” 246

A opinião de Calil, de certa forma, aproxima-se do pensamento de Anatol

Rosenfeld, para quem o filme é um produto da indústria cultural, com poder de

“manipular em ampla escala valores culturais” 247. Esse poder traz consequências em

níveis econômicos, sociais, políticos e ideológicos. Sob esse prisma, pode-se afirmar

que o caráter industrial e tecnológico do cinema confere a esta atividade, e ao

patrimônio por ela gerado, particularidades, estranhas a outras artes, que vão atingir não

apenas a produção cinematográfica, mas também seu consumo e sua recepção,

favorecendo o compartilhamento social, citado por Calil, e convidando a variadas

interpretações, usos e finalidades. É esta riqueza do material fílmico e,

consequentemente, do patrimônio cinematográfico que faz com que o estudo do cinema

congregue uma ampla teia de teorias e proporcione reflexões em áreas tão diferentes

como a economia e a psicologia, por exemplo.

244

João Luiz Vieira em entrevista concedida à autora desta pesquisa. 245

Carlos Augusto Calil em entrevista concedida à autora desta pesquisa. 246

Idem. 247

ROSENFELD, 2002, p. 45.

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Analisado sob o contexto da indústria cultural, o patrimônio cinematográfico se

cerca de outra particularidade: a lógica do mercado no processo de preservação do

material fílmico. A chance de produzir altos lucros afeta diretamente a oportunidade de

restauração de certos bens cinematográficos em detrimento de outros. Ou seja, seguindo

a lógica do mercado, os títulos com mais chances de ainda render lucro, quando

relançados no formato de DVD ou blu-ray, acabam conseguindo, mais facilmente,

arrecadar verbas para projetos de restauração. Na opinião de Rafael de Luna,

“É uma coisa meio cruel, porque hoje você tem a lógica do mercado

aplicada à preservação. Você tem que captar recursos no setor

privado. [...] Se critica muito aquela coisa da produção lá, filmes mais

ousados, etc. não conseguem verba. Você vai a uma empresa, ela só

quer dar dinheiro a filme que tem gente da Globo, que vai dar imagem

pra empresa dele, vai dar uma boa mídia, embora o dinheiro seja

incentivado. Então, se faz marketing com dinheiro público. No campo

da preservação, é tudo a mesma coisa, a mesma lógica. Por que eu vou

preservar um filme de um fulano que eu nunca vi, podendo dar

dinheiro pro projeto de restauração do Glauber Rocha? Por mais que

seja um universo muito mais restrito, existe um apelo de mercado.” 248

E explica:

“Porque esse DVD [do filme restaurado] vai ser vendido. Mesmo que

a gente esteja falando de um nicho de mercado muito mais restrito,

ainda assim é um nicho de mercado. Muito menos pessoas compram

DVD de filmes dos anos 60 restaurados, do que vão comprar do

[filme] “Tropa de Elite”. Mas, dentro desse mercado, há uma

diferença grande. Não são 100, 300 mil cópias, mas em vez de 200

mil, vão sair 3 mil. Sobretudo, em termos de visibilidade pra marca.

[Se] restaurar o filme do Glauber Rocha, você vai conseguir o

segundo caderno, vai conseguir [espaço] na Folha, Estadão, tudo,

entendeu? Então, você tem essa mesma crueldade [em relação à

arrecadação de verbas para produção de filmes] [...], quanto ao filme

que vai se perder, porque não é considerado um filme que tem apelo

para ser restaurado. Então, sobram esses filmes que desaparecem,

antes de chamar atenção. Quando chamam a atenção, já é tarde

demais. Já se perdeu, não existe mais.” 249

Cherchi Usai, Francis, Horwath e Loebenstein reiteram a opinião de Rafael de

Luna, quando afirmam em sua obra que “the digital marketplace is recognized as the

main raison d’être of our activity.” 250

248

Rafael de Luna, em entrevista concedida à autora desta pesquisa. 249

Idem. 250

CHERCHI USAI, FRANCIS, HORWATH & LOEBENSTEIN, 2008, p. 5.

“... o mercado digital é reconhecido como a principal raison d’être de nossa atividade.” (Livre tradução

da autora desta pesquisa.)

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Outra particularidade do patrimônio cinematográfico, no entendimento dos

entrevistados, é que ele alimenta sua própria produção. Ou seja, ele é um tipo de

patrimônio que pode ser usado na cadeia de produção de outros bens cinematográficos

uma vez que documentários e filmes de ficção fazem uso de imagens de arquivo para

construir suas narrativas fílmicas, revisitar e rever fatos ocorridos no passado e dar

veracidade à reconstrução de eventos históricos que servem de pano de fundo para obras

de ficção. Segundo Heffner, “a preservação quis se apartar da cadeia produtiva, mas não

se apartou, ao contrário, foi integrada, e radicalmente integrada, nos últimos 20 anos.

Ela hoje participa de um circuito de mercadorias audiovisuais, tanto quanto as empresas

tradicionais.” 251

Sobre este aspecto, Hernani Heffner, fazendo referência a Walter Benjamin,

entende que “como ele [o filme] é um registro, ele passa a ter a potencialidade de ruína,

como diz o Benjamim.” 252

Neste sentido, quem assim desejar pode,

“de alguma maneira, se lançar aos discursos sobre o passado, que são

sempre construções. Mas enfim, como esses discursos se impõem de

uma maneira ou de outra, é bom que você tenha a capacidade de você

mesmo produzir um discurso e que, eventualmente, você diga: ‘não é

bem assim.’ Então o cinema virou um novo material pra isso. Porque,

como o Benjamim tinha indicado na obra dele, o brinquedo, a droga,

ou seja lá o que for, pode ser uma forma de acessar o passado como

ruína. Então, o cinema também. Para além do fato de que para o

Benjamim, o cinema gerava uma experiência diversa, por causa da

multiplicidade, etc., mas no momento em que ele é visto como ruína,

ele também pode ser um instrumento de construção do passado. E, na

verdade, virou essa commodity monumental nos últimos 20 anos, que

foi o documentário.” 253

No período de 21 a 27 de abril de 2013, Barcelona sediou o 69º Congresso da

FIAF. O tema do congresso, “Multiversões”, seguramente faz referência a mais uma

característica do patrimônio cinematográfico. Exibição de filmes, mesas redondas,

seminários e estudos de casos, que foram apresentados e discutidos durante o evento,

demonstraram que muitas são as causas que fazem com que um mesmo filme exista em

várias versões. Desse modo, um mesmo filme pode ser visto em sua versão colorida ou

em preto e branco, em versão para TV ou para cinema, em versões manipuladas pela

censura, em diferentes formatos, com trilhas sonoras ou duração variadas – às vezes a

variação de tempo pode chegar a duas horas entre versões de um mesmo filme. Em

251

Hernani Heffner em entrevista concedida à autora desta pesquisa. 252

Idem. 253

Idem.

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muitos casos, o próprio diretor, quando é o detentor dos direitos autorais de seu filme,

ocupa-se, ele mesmo, de fazer uma nova edição para relançá-lo no mercado. Em outros

casos, restaurações e reconstruções de filmes são as causas da existência destas

multiversões.

Para exemplificar, conforme informa François Thomas em seu texto “The

many faces of alternative versions”, especialistas já identificaram vinte e duas edições

de Napoleão (Abel Gance, 1927), sete edições de Blade Runner (Ridley Scott, 1982) e

onze edições de Lola Montès (Max Ophüls, 1955). Sobre este contexto, ele afirma que:

As far as exploitation movies are concerned, the producers’ and

distributers’ inventiveness in selling the same product to different

audiences several times over, even to the same audience, is boundless.

It is probably impossible to say for certain how many versions of a

reasonably shown film exist. If we take into account that the single

version is the exception, a film’s natural fate is to be plural. 254

Para Esteve Riambau, “the coincidence of different versions simultaneously or

successively approved by the director poses, finally, the question of the existence of a

hypothetical original version contrasting with so many variations and adaptations to

specific audiences.” 255

Observando as informações anteriores, talvez possamos afirmar que as

características e particularidades do patrimônio cinematográfico derivam todas da

origem tecnológica e industrial do cinema.

254

THOMAS, 2013, p. 102.

Até onde se sabe sobre a exploração de filmes, a inventividade de produtores e distribuidores para vender

o mesmo produto para diferentes públicos várias vezes, ou até mesmo para o mesmo público, é ilimitada.

Provavelmente, é impossível afirmar com certeza quantas versões existem de um filme razoavelmente

exibido. Se levarmos em consideração que a existência de uma versão única é uma exceção, o destino

natural de um filme é ser plural. (Livre tradução da autora desta pesquisa.)

255

RIAMBAU, 2013, p. 97. “... a coincidência de diferentes versões simultaneamente ou sucessivamente

aprovadas pelo diretor coloca, finalmente, a questão da existência de uma hipotética versão original

contrastando com tantas variações e adaptações para públicos específicos.” (Livre tradução da autora

desta pesquisa.)

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4.7- Problemas e desafios para a preservação do patrimônio

cinematográfico

Muitos são os problemas enfrentados pelas cinematecas e arquivos de filmes

no que se refere à preservação do patrimônio cinematográfico. Há antigos problemas de

ordem técnica, financeira e de pessoal. Conforme já exposto anteriormente, nesta tese, a

preservação do patrimônio cinematográfico é muito cara, demanda atualização

tecnológica permanente e conhecimentos técnicos específicos para lidar com um tipo de

material considerado o mais vulnerável à temperatura e à humidade inadequados,

especialmente no caso de filmes analógicos.

Ao analisar os problemas enfrentados mais recentemente, constata-se que,

atualmente, um dos grandes desafios para a preservação do patrimônio cinematográfico,

em qualquer país, se impõe pelo uso da tecnologia digital. Neste universo, a ideia de que

o patrimônio cinematográfico estará totalmente salvo e poderá ser facilmente acessado

se todo o acervo for digitalizado é, na opinião de Paolo Cherchi Usai, uma ilusão.

At a purely theoretical level, the act of digital migration fulfills at the

same time the goal of protecting ‘content’ and enabling its widest

dissemination in a form as pristine as it was originally made. However

this reductionist approach fails to account for the inherently ephemeral

nature of digital formats, their vulnerability to data corruption, and the

impossibility of full intellectual control over an almost infinite body of

work in constant, exponential growth. 256

Segundo ele, a disseminação da ideia de que a tecnologia digital é o único

caminho pelo qual a sobrevivência do patrimônio cinematográfico está garantida

acontece, pois o público não especializado faz uma grande confusão entre os três

processos digitais que podem ser aplicados ao patrimônio cinematográfico – restauração

digital, digitalização e preservação digital 257

– e, erradamente, entende que a

digitalização é o processo que ao mesmo tempo conserva, restaura e permite o acesso

imediato e ilimitado. E afirma: “Soon enough, all moving images will be born digital,

256

CHERCHI USAI, 2013, p. 12.

Em um nível puramente teórico, o ato de migração digital preenche ao mesmo tempo o objetivo de

proteger o ‘conteúdo’ e permitir sua mais ampla disseminação, na forma mais próxima possível em que

ele foi originalmente produzido. Contudo, esta abordagem reducionista não é capaz de dar conta da

natureza efêmera inerente aos formatos digitais, sua vulnerabilidade à corrupção de dados, e à

impossibilidade de controle intelectual total de um conjunto de obras quase infinito, em crescimento

constante e exponencial. (Livre tradução da autora desta pesquisa.)

257

Para mais informações ver CHERCHI USAI, 2013, p. 11.

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and their long term conservation will be the object of yet another challenge for

preservation professionals.” 258

Sobre o fim da produção de películas e câmeras de filmar neste suporte e a

tecnologia digital como a única utilizada para a produção de imagens em movimento,

Rafael de Luna faz a seguinte reflexão:

“Na história do cinema você tem o seguinte: você tem tecnologias que

se tornam hegemônicas, adotadas comercialmente, que são produzidas

e utilizadas em larga escala e tem tecnologias que falham e não se

destinam a ser hegemônicas e vão ser produzidas e utilizadas em

menor escala. Então, por exemplo, 16mm teve um mercado pequeno.

Super 8, depois VHS. Então, eu acho que o destino, não sei durante

quanto tempo, mas eu acho que é possível você redimensionar e

passar a ter uma produção [de película] em escala reduzida pra um

público selecionado. Você não vê o vinil hoje? Todo mundo acha que

o vinil acabou, mas não. Ele quase desapareceu, mas hoje se

estabilizou para um grupo restrito. Ele nunca vai voltar a ser o que era,

[por causa] das tecnologias digitais. Mas existem pequenas fábricas

que vão produzir pra DJs, pra colecionadores. Então, redimensiona.

[...] Então, a demanda somente dos arquivos de filmes, cinematecas,

talvez seja o suficiente para atender. É complicado, é difícil, mas, por

exemplo, se fala muito em fechamento dos grandes laboratórios, mas

talvez vai chegar um dia em que vai ser suficiente a gente ter um

laboratório no mundo inteiro atendendo. Vai ser um laboratório

lucrativo, atendendo pequena escala. Obviamente, isso é um problema

grande. E justamente por ser um problema grande é que precisa ser

enfrentado e não jogado pra debaixo do tapete.” 259

Passadas as primeiras décadas em que a tecnologia digital assumiu importante

destaque, sobrepondo-se à produção fílmica em suporte fotoquímico, novas questões

emergem provocando reflexões e reavaliações, considerando-se os valores e princípios

centrais da preservação do patrimônio cinematográfico. Em uma área em que, como

poucas, a mudança de contexto no qual trabalham é uma constante, observa-se que o

atual cenário afeta diretamente a identidade de arquivos de filmes e cinematecas,

enquanto instituições especializadas em armazenar e preservar o patrimônio fílmico,

especialmente aquele que, originalmente, produzido em suporte analógico, é

considerado o único capaz de proporcionar a “experiência cinematográfica” – tão

valorizada por uma geração de colecionadores, cinéfilos e preservadores que cultivaram

a cultura cinematográfica a partir de filmes em película e que vê nas tecnologias digitais

o seu fim. 258

CHERCHI USAI, 2013, p. 12.

“Em breve, todas as imagens em movimento nascerão digitais, e sua conservação a longo prazo será

objeto de outros desafios para os profissionais da preservação.” (Livre tradução da autora desta pesquisa.)

259

Rafael de Luna, em entrevista concedida à autora desta pesquisa.

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De uma maneira geral, para as gerações mais novas, “filme” significa uma

imagem em movimento exibida em algum tipo de tela. Se este for projetado

digitalmente, é considerado melhor pela qualidade da definição da imagem. Essa nova

forma de encarar a “experiência da imagem em movimento”, em que o grande público é

indiferente à forma como se tem acesso a essa imagem, põe em xeque o próprio papel

das instituições de patrimônio cinematográfico na sociedade.

Na opinião de João Luiz Vieira, a realidade digital, sem dúvida, trará uma nova

forma de organização para os arquivos de filmes e cinematecas que, do mesmo modo

que já se adaptaram a outras mudanças de cenário, terão também que se adaptar a esta.

“Vai haver uma nova conformação para isso [cópia e depósito dos

materiais originais] e os arquivos vão ter que se adaptar. Inclusive

criando novos arquivos, procedimentos, metodologias e tecnologias

específicas voltadas para esse novo cenário já presente. O que é um

arquivo digital? Quais são os desafios do arquivo digital? Estamos no

final de uma era.” 260

Às questões colocadas por Vieira, somam-se outras apresentadas por

preservacionistas que têm refletido sobre as mudanças que a produção digital de

imagens tem forçosamente trazido para a área.

Paolo Cherchi Usai preocupa-se com a função dos arquivos e museus dentro

deste novo contexto e com o futuro das imagens analógicas que estão sob sua guarda e

pergunta: “Will there be a role for them [archives and museums] as caretakers of the

world’s (digital) audiovisual heritage? And what will they do with the finite but huge

corpus of moving images produced in analog form?” 261

Alexander Horwath, por sua vez, apresenta questionamentos sobre como os

arquivos deveriam organizar todo o material digital, que não para de chegar até eles, e

quais são as demandas deste novo material em termos de preservação e conservação.

[…] I think it’s important to discuss, for instance, what film archives

do vis-à vis digitally-born materials. They get more and more of this.

Do these materials go into the same collection, or is a separate

collection being created? (Mumbles of agreement) If so, what would

260

João Luiz Vieira, em entrevista concedida à autora desta pesquisa. 261

CHERCHI USAI, 2013, p. 12.

“Haverá um papel para eles [arquivos e museus] como cuidadores do patrimônio audiovisual (digital)

mundial? E o que eles farão com o finito, mas enorme corpus de imagens em movimento produzidas em

formato analógico?” (Livre tradução da autora desta pesquisa.)

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the needs for the separate collections be in terms of preservation,

conservation, etc.? 262

Se as perguntas apresentadas por Vieira, Cherchi Usai e por Horwath ainda

parecem não ter respostas prontas, elas demonstram que arquivos e cinematecas passam

por um período de transição difícil, cujas consequências ainda não podem ser totalmente

avaliadas.

No entanto, para Ray Edmondson, questionamentos como os anteriormente

feitos demonstram que as últimas décadas não só trouxeram muitos desafios, mas

também tornaram o trabalho dos arquivos mais complexos. E expõe seu ponto de vista.

“They [the challenges to be faced by film archives in this new

century] are many. Raising the cultural status of the audiovisual

heritage. Gaining the funds and resources that archives need. Adapting

to the digital change while dealing responsibly with “legacy”

collections – the work of archives has now become immensely more

complex, and more dependent on widening expertise, political acumen

and public visibility. Among other things, some of the mythology

about digitisation needs to be debunked.” 263

Em um artigo264

publicado em abril de 2013, no Journal of Film Preservation,

uma publicação da FIAF, Paolo Cherchi Usai propõe quatro pontos de discussão

fundamentais que as instituições de patrimônio cinematográfico devem esclarecer “if

they wish to have a future.” 265

São pontos complexos que ele busca apresentar da forma

mais clara possível. O primeiro ponto parte do princípio de que governos e agências de

financiamento precisam estar conscientes dos empecilhos existentes para que uma

restauração digital ampla e sistemática de todo material analógico seja feita: volume de

262

CHERCHI USAI, FRANCIS, HORWATH & LOEBENSTEIN, 2008, p. 13.

[...] Eu acho que é importante discutir, por exemplo, o que os arquivos de filme fazem vis-à-vis com

materiais digitalmente nascidos. Eles recebem cada vez mais deste tipo. Estes materiais se juntam à

mesma coleção ou formarão uma coleção separada que está sendo criada? (Murmúrios de concordância)

Se for assim, quais seriam as necessidades, para as coleções separadas, em termos de preservação,

conservação, etc.? (Livre tradução da autora desta pesquisa.)

263

Ray Edmondson, em entrevista concedida à autora desta pesquisa.

“Eles [os desafios a serem encarados pelos arquivos de filmes neste novo século] são muitos. Aumentar o

status cultural do patrimônio audiovisual. Arrecadar fundos e recursos que os arquivos precisam. Adaptar

a mudança digital e, ao mesmo tempo, lidar de maneira responsável com o ‘legado’ das coleções – o

trabalho dos arquivos tornou-se agora mais complexo e mais dependente de amplo expertise, articulação

política e visibilidade pública. Entre outras coisas, parte dos mitos sobre as necessidades da digitalização

precisa ser desfeita. (Livre tradução da autora desta pesquisa.)

264

Título do artigo: “The digital future of pre-digital film collections” 265

“... se eles desejam ter um futuro” (Livre tradução da autora desta pesquisa.) CHECHI USAI, 2013, p.

13.

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investimento financeiro e de mão de obra, dos custos para a criação e manutenção de

infraestrutura capaz de dar conta da quantidade de material que deverá ser digitalmente

restaurado.

O segundo ponto refere-se à necessidade de que todos – público, curadores e

agências de financiamento – tomem conhecimento da posição filosófica do arquivo no

que diz respeito ao material analógico de seu acervo e os motivos que o levam a

preservá-lo. Os motivos podem ser variados, mas qualquer que sejam, eles deverão ser

expressos de forma clara, inequívoca e com argumentos sólidos e persuasivos.

O terceiro ponto destacado por Cherchi Usai afirma que é preciso que se diga

publicamente e sem deixar qualquer dúvida se o interesse em preservar as imagens em

movimento se deve ao seu “conteúdo” ou ao contexto cultural que elas representam. Se

for apenas pelo conteúdo, será irrelevante preocupar-se com o suporte e a forma de

acesso a esse material. Do contrário, as instituições responsáveis pelo material fílmico

deverão preocupar-se com a preservação de todo e qualquer suporte e sua forma correta

de exibição, seja ele em um formato de 1894 ou um arquivo de imagem em movimento

feito para tecnologias como o iPod.

No quarto e último ponto, Cherchi Usai destaca a importância de que as

instituições que guardam imagens em movimento sejam mais específicas sobre como

elas gostariam de ser chamadas. Essa escolha está diretamente relacionada à identidade

da instituição, bem como a suas atribuições. Segundo ele, arquivos, museus, filmoteca,

cinemateca são variações terminológicas que acabam indicando a incerteza crônica no

que se refere às atividades exercidas pelas instituições de patrimônio cinematográfico.

Os pontos propostos por Cherchi Usai refletem um período de mudanças para a

área da preservação de bens cinematográficos e são uma tentativa de sistematizar o

debate que se coloca para o movimento arquivista, durante uma fase de transformações

e impasses que tiveram início com o uso das tecnologias digitais.

Antes mesmo de escrever o artigo anteriormente citado, Cherchi Usai e os

outros três autores de Film Curatorship, ao avaliar a importância do papel dos arquivos

de filmes diante deste novo contexto, entendem que “a redefinition of ‘curatorship’ was

the best way to ensure that film archives have a chance to maintain a meaningful place

in society” e mostram-se “preoccupied with the future of cinema as a cultural entity.” 266

266

CHERCHI USAI, FRANCIS, HORWATH & LOEBENSTEIN, 2008, p. 5.

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Seja como for, a preservação de qualquer patrimônio está relacionada,

principalmente, ao valor e ao significado que a sociedade atribui a este patrimônio, à

forma como demonstra seu interesse em preservar seu passado e mobiliza-se para

conseguir promover ações políticas efetivas capazes de respaldar seu desejo de

preservação. Sem a participação da sociedade, qualquer atitude de preservação de bens

torna-se mais difícil e penosa.

“A sociedade é responsável por achar que suas criações,

eventualmente, seu “passado” valem a pena serem levados adiante.

Mas se ela, coletivamente, decidir que não, acabou a responsabilidade.

Então, essa responsabilidade é um pacto e esse pacto tem que, na

verdade, ser apresentado, discutido, debatido e realizado ou não. Mas

uma vez realizado, por exemplo, a Constituição Brasileira de 88 abriu

um capítulo pra cumprir. E está lá, neste capítulo, que você tem que

preservar uma memória, um patrimônio genérico do país. Então, eu

parto do pressuposto de que a sociedade brasileira resolveu cuidar do

seu passado e das suas criações no presente. Então, há uma

responsabilidade do Estado aí? Há, porque isso foi decidido pela

sociedade brasileira. Não é atribuição de uma instituição. Não vem da

instituição. Não é uma questão da Casa de Rui Barbosa ou do

Ministério da Cultura. É uma questão da sociedade brasileira. Ela

decidiu que isso é importante. Ora, se ela decidiu que isso é

importante, então vamos lá. O que se pode guardar, como se pode

guardar, onde se vai guardar? Aí você tem que ter um plano prático

pra isso.” 267

Voltando-se para problemas enfrentados no Brasil, Hernani Heffner destaca

uma característica da sociedade brasileira relacionada à forma como lidamos com nosso

passado e que afeta diretamente as ações de preservação.

“Quando o brasileiro se relaciona com o filme, ele se relaciona sempre

com o filme que está em cartaz, ou seja, com um objeto que é

presente. De uma maneira geral, o público brasileiro e a sociedade

brasileira não se interessam pelo passado. O Brasil não é um país que

se molde a partir do seu passado. Ao contrário. Deixa o passado lá que

ele é ruim. O Brasil é um país que se molda no presente e,

eventualmente, num futuro imediato. Mas onde o passado não tem

grande importância para a constituição da mentalidade da população.

E isso não é um defeito, um demérito, um problema. É só a natureza

dessa sociedade. Tem sociedades mais voltadas para o passado e tem

sociedades que não. A dimensão dessa [sociedade], a dimensão

histórica dessa é o seu presente. Nesse sentido, nós nos preocupamos

com o filme quando ele está em cartaz. Quando ele sai de cartaz e vem

parar na cinemateca, não.” 268

“uma redefinição de ‘curadoria’ seria o melhor caminho para assegurar que os arquivos de filmes tenham

uma chance de manter um lugar significativo na sociedade” e mostram-se “preocupados com o futuro do

cinema como entidade cultural.” (Livre tradução da autora desta pesquisa.)

267

Hernani Heffner em entrevista concedida à autora desta pesquisa. 268

Idem.

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Este pensamento de Heffner conjuga-se com o de Carlos Augusto Calil que,

citando Paulo Emilio, observa a mesma sensação de despreocupação da sociedade

brasileira em relação a seu passado.

“O Paulo Emilio tinha uma reflexão interessante nesse sentido,

também na linha amarga, ele dizia: “Por que nós não tomamos

nenhuma providência em relação à preservação do passado?” E isso

não era só para o cinema. Isso vale para tudo. Porque, na verdade,

tudo era muito abandonado e ainda tudo é muito abandonado. Eu sou

secretário de cultura [da cidade] de São Paulo e eu encontrei acervos

fotográficos preciosos abandonados, encontrei coisas abandonadas. O

acervo do conservatório musical abandonado. É terrível ainda a

situação brasileira. Ela melhorou, mas continua ainda muito ruim.” 269

Segundo Hernani, embora o cinema e todo o patrimônio audiovisual já tenham

sido incluídos na Constituição Brasileira e o Estado Brasileiro tenha conhecimento da

Recomendação da UNESCO de 1980, efetivamente, não existe ainda um plano de

preservação para este patrimônio, seja ele analógico ou digital.

“No cinema, esse plano nunca existiu. Não existe plano de

preservação audiovisual ou das imagens em movimento. Não tem.

Mas está pressuposto que deva ser debatido, deva ser criado, deva ser

conquistado. Porque a Constituição diz que, entre outras coisas, a

criação audiovisual, ela importa para a sociedade brasileira. É a partir

daí que você começa a discussão. Aí, óbvio, O que é patrimônio?

Começa a discussão em que o estado sempre tem que dizer: eu vou

cuidar disso! Isso aqui me interessa! E às vezes ele diz: Isso aqui não é

patrimônio!” 270

Sobre os possíveis motivos que levaram o patrimônio cinematográfico a ser

abandonado pelo Estado brasileiro por tantos anos – segundo Heffner, “o governo

brasileiro só foi incorporar o cinema como patrimônio de 2002 pra cá, com a ANCINE”

–, foram citadas importantes questões que merecem nossa consideração.

Heffner chama a atenção para dois fatores. O primeiro foi a preocupação do

Estado em estimular a produção, deixando a ação preservacionista em um segundo

plano. A seguir, ele reflete sobre a necessidade de se construir um valor junto à

sociedade para que a ideia de que aquele bem é um patrimônio possa se enraizar junto a

ela. A falta de consciência deste valor produz, para Heffner, falta de sentido na ação

preservacionista.

269

Carlos Augusto Calil em entrevista concedida à autora desta pesquisa. 270

Hernani Heffner em entrevista concedida à autora desta pesquisa.

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“Na medida em que o Estado brasileiro veio a se preocupar apenas

com a produção, se preocupou muito pouco com a preservação. Se ele

não leva em conta a ideia de que existe um patrimônio em Ouro Preto,

um patrimônio na Congada, e um patrimônio neste ou naquele filme,

você não tem uma ação efetiva. Há um valor que você pode construir

junto a ele. Você construiu para Ouro Preto um valor, no passado.

Você constrói um valor pra Congada, que é uma expressão popular

autêntica, você pode construir um valor qualquer para os filmes. É

arte, é isso, é aquilo. Na medida em que você não constrói, os filmes

ficam dependentes de um jogo que é muito mais de dentro da própria

área de preservação do que de um enraizamento disso junto à

sociedade. A gente sabe que as ações arquivísticas, museológicas,

patrimoniais, etc., só ganham sentido se se enraízam junto à

sociedade.” 271

João Luiz Vieira e Rafael de Luna concordam com Heffner que o governo

brasileiro privilegia a produção, mas entendem que a valorização do bem

cinematográfico passa pelo conhecimento deste bem pela sociedade. Para ser conhecido,

o filme precisa ser exibido. Neste sentido, ponderam que as dificuldades enfrentadas

pelo cinema brasileiro para se colocar no mercado exibidor o tornam menos conhecido

junto ao público, acabam por afetar o valor que a sociedade brasileira dá à produção

fílmica nacional e, por tabela, atingem também a atividade preservacionista. Por isso,

Vieira afirma que “se a gente tivesse mais acesso, mais condição de ver os filmes, um

mercado exibidor que mostrasse mais, em que o cinema brasileiro pudesse ser mais

mostrado, eu acho que a situação [de valorização do cinema brasileiro], com certeza,

seria outra.” 272

Rafael de Luna, por sua vez, explica porque a dificuldade de exibição pode

interferir na preservação de um filme.

“Esse filme é tão bom, por que ninguém fala nele? Ele é pouco

conhecido. E aí eu descobri isso: ele é pouco conhecido porque é

pouco exibido. É aquela coisa: menos pessoas conhecem porque ele é

pouco exibido. Ele é pouco exibido porque tem poucas cópias. Como

ele é pouco conhecido vai continuar tendo poucas cópias, vai

continuar sendo pouco conhecido, até ele não ter cópia nenhuma e ser

esquecido.” 273

Formas e locais de difusão dos bens cinematográficos sempre foram um

complicador para o Brasil, pois com espaço reduzido no mercado exibidor e sem poder

contar com a força de uma indústria cinematográfica, os bens cinematográficos

271

Idem. 272

João Luiz Vieira, em entrevista concedida à autora desta pesquisa. 273

Rafael de Luna, em entrevista concedida à autora desta pesquisa.

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nacionais acabam restritos a guetos – como o Canal Brasil, presente na grade da TV

paga – e totalmente dependentes de leis de cotas que obrigam que um percentual de

filmes brasileiros seja exibido nos cinemas e nos canais de televisão. Além disso, ainda

há o agravante do grande número de municípios brasileiros sem cinemas, centros

culturais ou outros pontos de cultura que incentivem o interesse do público pelo cinema

nacional e facilitem sua apropriação.

Nesse contexto, a Cinemateca Brasileira, em São Paulo, tem feito um esforço

no intuito de amenizar a situação. Entre as ações promovidas pela instituição estão, por

exemplo, a “Programadora Brasil”, o “Programa Cine-educação” e a “Jornada Brasileira

de Filme Silencioso”.

A “Programadora Brasil” é uma inciativa “que segue a orientação das políticas

públicas de inclusão e regionalização da Secretaria do Audiovisual do Ministério da

Cultura, buscando a multiplicidade de realizadores, a diversificação da origem dos

títulos, de épocas, bitolas e formatos” 274

. Conforme explica Fernanda Guimarães,

“A Programadora Brasil é um programa da Secretaria de Audiovisual

de fazer circular a produção de cinema nacional. Ela é uma ponte entre

os realizadores e o público. Então, ela faz o licenciamento de obras

para uso pela Programadora Brasil e cadastra usuários que são,

necessariamente, pessoas jurídicas, sem fins lucrativos, que têm que se

comprometer a não cobrar ingresso pra exibir esses filmes e aí as

pessoas podem adquirir os DVDs, os programas. Tem uma curadoria,

uma equipe de curadoria, críticos. A Programadora faz, então, essas

caixas, esses programas, tem vários curtas em um DVD ou então

curtas e longas ou só longas e sempre com temas, com uma curadoria

específica. E aí já são mais de 700 títulos licenciados pela

Programadora Brasil.” 275

Visto como uma importante ação educativa promovida pela Cinemateca

Brasileira, o Programa Cine-educação

“é uma parceria com uma instituição chamada Via Gutemberg que

viabiliza o projeto e tal e tem uma questão que é a capacitação de

professores. Eu não sei quantos, centenas de professores já foram

capacitados pra usar materiais que são desenvolvidos,

especificamente, para filmes escolhidos. É um filme sempre por ano,

um ou dois, às vezes é um por semestre. E aí esses professores são

capacitados e esse material pedagógico é feito e os professores

trabalham em sala de aula com os alunos, a partir de temas que estão

presentes nos filmes. Já teve “O ano em que meus pais saíram de

férias”, “Marvada carne”, “Narradores de Javé”. Os temas são

trabalhados em sala e as crianças vêm aqui para cinemateca. Às vezes,

nunca entraram numa sala de cinema, vêm para a cinemateca e

274

http://www.programadorabrasil.org.br/. Acesso em: 18/04/2013. 275

Fernanda Guimarães, em entrevista concedida à autora desta pesquisa.

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assistem à sessão e tal. É um projeto super importante, de que a gente

gosta muito porque tem um alcance também para muito além do

público que vem aqui.” 276

O “Programa Cine-educação” é, portanto, uma parceria entre a Cinemateca

Brasileira, Via Gutemberg e diversas Secretarias Municipais e Estaduais de Educação

que, contando com o auxílio de um patrocinador, via Lei Rouanet, tem como objetivo “a

formação do cidadão a partir da utilização do cinema no processo pedagógico

interdisciplinar.” 277

Outra importante ação de divulgação do patrimônio cinematográfico é a

“Jornada Brasileira de Cinema Silencioso” que acontece, anualmente, na própria

Cinemateca, desde 2007, com o apoio da Secretaria do Audiovisual – SAv/MinC. Com

a finalidade de recuperar filmes significativos na história do cinema brasileiro e

mundial, esta Jornada é a única, no Brasil, voltada à exibição de obras produzidas entre

finais do século XIX até, aproximadamente, 1930.

O formato da Jornada permite: retomar esse cinema antigo através de

uma programação cuidadosamente selecionada e com

acompanhamento musical ao vivo, articulando experiências visuais e

narrativas do passado com uma atmosfera sonora contemporânea;

conjugar um saudável entretenimento com reflexões acerca da

conservação e restauração de filmes; conhecer a produção brasileira

do período em diálogo com o que se produziu na América Latina e

com as cinematografias de outros países; e promover discussões em

mesas temáticas nas quais pesquisadores apresentam e fortalecem suas

abordagens históricas sobre o cinema no período. 278

Por mais dignas de elogio que sejam as ações citadas, o alcance delas,

infelizmente, ainda é muito pequeno, tomadas as dimensões territoriais e os índices

populacionais do país.

É preciso, portanto, que outras instituições promovam projetos capazes de

ampliar a difusão e apreensão dos bens cinematográficos brasileiros. Fora do circuito

Rio/ São Paulo, o projeto “RodaCine” 279

pode ser visto como um exemplo bem

sucedido de divulgação do cinema. Criado em 2001 e ampliado em 2006, o projeto é

uma parceria entre a FUNDACINE (Fundação Cinema RS) e o Governo do Estado/

IECINE com a propósito de exibir filmes de curta e longa metragens nacionais, em

276

Idem. 277

http://www.cinemateca.gov.br/page.php?id=91. Acesso em 18/04/2013. 278

Catálogo da IV Jornada Brasileira de Cinema Silencioso, p. 8. 279

http://www.fundacine.org.br/atuacao/exibicao

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municípios gaúchos, que não possuem salas de cinema. Com atividades gratuitas, o

RodaCine visa à democratização do acesso e à descentralização da exibição de produtos

audiovisuais.

Para Walter Benjamin (1994), no interior da própria obra de arte dois polos

podem ser confrontados: o seu valor de culto e o seu valor de exposição. No início, para

as artes imagéticas, o que importava mais é que as imagens existissem e não que fossem

vistas. Elas tinham, portanto, um valor de culto que quase as obrigava a serem mantidas

secretas. A reprodutibilidade técnica da obra de arte, ao tornar possível sua exposição

em ampla escala, transfere a ênfase de um polo para o outro e lhe atribui funções

inteiramente novas. Para este autor,

O filme serve para exercitar o homem nas novas percepções e reações

exigidas por um aparelho técnico cujo papel cresce cada vez mais em

sua vida cotidiana. Fazer do gigantesco aparelho técnico do nosso

tempo o objeto das inervações humanas – é essa a tarefa histórica cuja

realização dá ao cinema o seu verdadeiro sentido. 280

Desse modo, podemos pensar que o cinema brasileiro – representado pelo

governo, cineastas e produtores – ao priorizar a produção sem se preocupar, na mesma

medida, com os mecanismos de exibição capazes de fazer circular os filmes,

praticamente coloca em segundo plano um valor intrínseco à obra cinematográfica e,

portanto, essencial e obrigatório para que esta exista efetivamente e exerça sua função

na sociedade.

Calil reforça a ideia de que a própria existência do cinema passa, primeiro, pelo

mercado, contudo explica que as ações governamentais não têm como se sobrepor às

regras do mercado.

“Existe uma ação governamental, mas ela é complementar, ela não é

substitutiva, é complementar ao mercado. Se o cinema não existe no

mercado, ele não existe. Não existe em lugar nenhum. Não adianta nós

ficarmos na universidade discutindo aqui obras de arte fantásticas pra

35 alunos por ano. Não é nada. Isso não existe.” 281

Para ele, a construção do valor do cinema é um processo que precisa começar

na relação e no interesse que se estabelece entre os filmes e a sociedade para a qual eles

são feitos. E esta relação envolve, necessariamente, o apelo mercadológico da obra 280

BENJAMIN, 1994, p. 174.

281

Carlos Augusto Calil, em entrevista concedida à autora desta pesquisa.

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junto à sociedade. Neste sentido, o cinema deve, primeiramente, aproximar-se do

público, ser capaz de dialogar com ele, atraí-lo, pois como produto da indústria cultural,

os filmes devem suscitar o desejo do público de serem conhecidos, quando lançados no

mercado exibidor. “Num país de 200 milhões de habitantes, que importância têm obras

de indústria cultural que são consumidas por dez mil pessoas? Percebe? Eu diria que

começa a entrar no capítulo da irrelevância.” 282

Ao aprofundar e problematizar a questão, Calil argumenta que as dificuldades

de inserção no mercado exibidor enfrentadas por grande parte da produção do cinema

brasileiro não são exclusivamente de ordem política e econômica e que se valer do papel

de vítima do sistema para justificar a baixa frequência de público em muitos filmes ou a

irregularidade no consumo do cinema brasileiro, não ajuda em nada.

“Não é só a dificuldade de exibição. É também uma dificuldade dos

cineastas de dialogarem com a população brasileira. O problema tem

dois lados. Não adianta você entrar nessa conversa da vitimização, de

que os cineastas são vítimas do sistema. O sistema é cruel, mas eles

sabem. [...] Eu dou aula de legislação e mercado. Eu estava dizendo

pra eles [alunos do curso de cinema da USP], nós não podemos nos

colocar no papel de vítimas. Nós estamos entrando no jogo, nós temos

que saber jogar o jogo. E tem que entender qual é o jogo.” 283

Observando este contexto, ele entende que “então, é preciso reencontrar um

caminho de aproximação do cinema brasileiro que reflita a sociedade brasileira em que

ela se encontre, em que ela se veja espelhada no cinema.” 284

Ele não descarta a importância dos estudos críticos e históricos no processo de

valorização de uma obra cinematográfica. No entanto, deixa claro que a consolidação do

diálogo entre o cinema brasileiro e o público é fundamental para a valorização do

cinema e, por conseguinte, para que a prática preservacionista seja vista com relevância.

“Os estudos críticos, os estudos históricos são muito importantes no

processo de valorização. O problema não é esse. O problema está no

risco que o cinema brasileiro corre, está correndo atualmente, corre

permanentemente, de se tornar irrelevante para a sociedade brasileira.

E se isso acontecer, de nada adiantará os filmes serem produzidos, os

filmes serem preservados, os filmes serem analisados porque eles

terão perdido o papel na sociedade.” 285

282

Idem. 283

Idem. 284

Idem. 285

Idem.

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Para Carlos Roberto de Souza, este diálogo entre o público e o cinema nacional

voltou a se fortalecer neste século.

“Não acho que seja isso [falta de diálogo com o público]. Eu acho que

tem dialogado, pensando no cinema de agora. Vejo uma coisa mais

desse século. Se a gente vê esse número significativo de filme que têm

milhões de espectadores: os dois Tropa de Elite, os filmes da Globo

Filmes – Se eu fosse você, E aí, comeu?” 286

No entanto, em sua opinião, a sociedade precisa ser estimulada a ver nos filmes

mais que produtos de entretenimento. Para ele, a atribuição, pela sociedade, de uma

significação maior para estes produtos poderia acontecer por meio do desenvolvimento

de uma cultura cinematográfica.

“Em termos de público, em termos da sociedade, eu acho que não tem

um estímulo para que a sociedade olhe esses objetos de

entretenimento, esses produtos para o entretenimento como tendo uma

significação maior. Educação [poderia ajudar]! A formação de

público...[Formar] a cultura cinematográfica que a gente falou tanto

antes. E isso é um trabalho de muito longo prazo. É a muito longo

prazo. E o Brasil até hoje, sei lá o que vai ser o Brasil daqui pra frente,

mas essas coisas... Nunca teve vastos programas de longo prazo.

Porque a gente sabe que educação é uma coisa de geração após

geração e não adianta achar que um investimento de uma década...

Não. Não é uma década. Tem que ser pluridecenal. Aquela coisa de

formação mesmo. Aí nem vou entrar nessa coisa de valores que você

vai educar.” 287

Além de ver na formação de uma cultura cinematográfica, por meio da

educação, a chance de a sociedade brasileira mudar a forma como se relaciona com o

cinema, Carlos Roberto de Souza também chama a atenção para a necessidade de um

trabalho conjunto da área para integrar as instituições de cinema e de patrimônio

cinematográfico. Segundo ele, “não acontece o esforço coletivo, a vontade política

coletiva.” E, sobre a “ideia do coletivo”, entende que:

“As injunções políticas são gigantescas. Não sei se é uma

característica brasileira, não quero dizer isso, de puxar... Mas até a

cultura contemporânea, a característica é de privilegiar o indivíduo em

vez da coletividade. Então, a construção da coletividade, do esforço

coletivo é uma tarefa gigantesca, para as pessoas que estão

interessadas em construir isso.” 288

286

Carlos Roberto de Souza em entrevista concedida à autora desta pesquisa. 287

Idem. 288

Idem.

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Essas injunções políticas, sobre as quais pondera Carlos Roberto, podem ser

observadas no exemplo que se segue abaixo.

Em matéria publicada na revista Veja, em 30 de junho de 1999, o jornalista

Celso Masson põe em xeque a importância do cinema feito no Brasil e o papel do

governo no financiamento da produção cinematográfica.

Poucos países se esforçaram tanto quanto o Brasil para ter uma

cinematografia nacional. Nos últimos cinco anos, o governo federal

abriu mão de 280 milhões de reais para a produção de filmes, por

meio de duas leis de incentivo que usam a mecânica da renúncia

fiscal. Com esse dinheiro, seria possível dobrar o número de

bibliotecas públicas, que hoje são 4.000. Destinado a orquestras,

manteria funcionando por dezoito anos seguidos três das melhores

do país: a Sinfônica Brasileira, a Sinfônica do Estado de São Paulo e

a Amazonas Filarmônica. Dirigido a museus, poderia erguer 186

deles. A referência, nesse caso, é o Museu Nacional do Mar, em

Santa Catarina, que custou 1,5 milhão de reais, valor que inclui a

compra e a restauração de um imóvel de 7.000 metros quadrados e

todo o acervo. Dessa comparação, surge a seguinte pergunta: por

que priorizar o cinema?

[...]

Voltando à questão inicial: você acha mesmo que esses filmes são

mais importantes para o país do que bibliotecas, orquestras e

museus? Melhor achar. Você está pagando caro por eles. 289

Para Masson, o dinheiro investido no cinema brasileiro seria mais bem

empregado em bibliotecas, museus ou em orquestras. E pergunta: por que o governo

prioriza o cinema?

Sua pergunta demonstra um paradoxo entre o pensamento que pode ser

extraído em vários artigos apresentados, às vezes com destaque, na mídia nacional e o

pensamento de representantes do campo cinematográfico. Enquanto o primeiro grupo

aponta o cinema como uma atividade privilegiada pelo financiamento público, o

segundo sente-se frequentemente abandonado pelo Estado brasileiro que, de acordo com

Roberto Farias, “nunca teve uma visão suficientemente clara da importância do cinema

no Brasil.” 290

De uma maneira geral, a principal justificativa apresentada pelo campo

cinematográfico para a questão apontada por Masson tem se pautado em argumentos

que situam o cinema como importante meio de construção da identidade nacional, mas

que precisa contar com um mercado efetivo para existir verdadeiramente e exercer sua

289

MASSON, Celso. “Caros, ruins e você paga”. Disponível em

http://veja.abril.com.br/300699/p_114.html. Acesso em: 20/05/2012. 290

FARIAS, apud LEITE, 2005, p. 138.

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função social. E, neste ponto, segundo os representantes deste campo, esbarra sempre na

dominação do cinema americano nos circuitos de exibição e a reação dos “donos do

mercado” sempre que o cinema brasileiro começa a mostrar força.

Uma resposta com o viés político, tão necessário à categoria, e que insere a

questão da identidade nacional em um contexto mais globalizado, pode ser encontrada

no discurso, intitulado “A repolitização do cinema”, proferido por Gustavo Dahl,

cineasta ligado ao grupo do Cinema Novo, durante a abertura do III Congresso

Brasileiro de Cinema, acontecido em 2000, em Porto Alegre:

Todo cinema nacional é um ato de resistência que tem como

objetivo tornar-se autossustentável, por uma questão de direito

econômico e dignidade cultural. Qualquer pessoa que produz uma

imagem animada, isto é, dotada de alma, na intenção de comunicá-la

ao outro, de reproduzi-la publicamente, queira ou não, entra num

combate. Os enfrentamentos do século XXI são audiovisuais e já

estão em curso. No mundo da imagem em movimento não há

inocência. A maneira de reproduzir a realidade e multiplicá-la é

simultaneamente um esforço de identificação e manifestação de uma

tentativa de hegemonia. 291

Neste trecho de seu discurso, Dahl deixa claro o poder da imagem e de todo

campo audiovisual nos enfrentamentos contemporâneos, no mundo globalizado. Em sua

fala, o cineasta tenta mostrar a necessidade de que o Estado entenda esse poder e sua

dinâmica e se articule para fazer uso eficaz do mesmo e se preparar para sofrer seus

efeitos. Essa compreensão não deixa dúvida de que a atividade cinematográfica, não

apenas como parte importante do audiovisual, mas também como integrante da indústria

cultural, é política. Nesse sentido, os países que se empenham mais na produção e não

se descuidam da preservação e difusão de seus produtos audiovisuais podem reforçar

sua identidade nacional e sua participação e alcance político.

A partir das questões anteriormente levantadas, penso que problemas

relacionados à produção, distribuição e, principalmente, exibição de filmes brasileiros

têm demandado constante empenho do setor cinematográfico em busca de ações

governamentais e políticas públicas mais abrangentes e duradouras, capazes de tornar a

atividade cinematográfica autossustentável no país. Sem o reconhecimento e a

valorização da produção cinematográfica – para além de um grupo interessado em

cinema –, e sem conseguir se colocar no mercado como produto industrial, uma vez que

o país nunca conseguiu estabelecer uma indústria cinematográfica forte e duradoura, o

291

DAHL, apud MARSON, p. 149.

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cinema vive em constante desequilíbrio. A fragilidade do setor confere ao cinema

brasileiro certa instabilidade que o leva a ciclos constantes de euforia e depressão, ao

mesmo tempo em que lhe reserva um lugar ainda incerto na sociedade e,

consequentemente, para as autoridades responsáveis pelas políticas indispensáveis ao

audiovisual, incluindo as que legislam sobre o patrimônio que dele deriva e sobre as

instituições responsáveis por sua guarda e preservação.

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5- CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tecnologia, linguagem, arte, indústria, espetáculo, diversão, história, memória,

expressão cultural e patrimônio, por exemplo, são variados aspectos que, ao longo dos

anos, o cinema, em sua constituição, foi incorporando e que mostram que “o cinema é

aquilo que se decide que ele seja numa sociedade, num determinado período histórico,

num certo estágio de seu desenvolvimento, numa determinada conjuntura político-

cultural ou num determinado grupo social” 292

. Por isso, falar de cinema permite

múltiplos pontos de vista e enfoques que contemplam uma diversidade de teorias e

campos do saber.

Refletir sobre o cinema como patrimônio foi a abordagem escolhida para

desenvolver esta pesquisa. Sob este prisma, observa-se que, quando o cinema se

estabeleceu no território da arte e da cultura, puderam ser observadas mudanças nas

práticas, nas produções, nos lugares e circuitos de difusão, bem como nas formas, nos

usos, nos modos de percepção e de recepção, nos significados, nos valores e na

importância que ele adquire.

Não apenas como arte, mas também como documento, cultura, história e

memória é que a produção cinematográfica passa a ser vista como um bem que precisa

ser patrimonializado.

No entanto, esta pesquisa demostra que a ampla compreensão e, até mesmo,

aceitação do cinema como patrimônio é um processo ainda em andamento, no Brasil, e,

certamente, em vários outros países em desenvolvimento. Isso se reflete nas perdas de

material cinematográfico, nas dificuldades crônicas enfrentadas pelos arquivos de filmes

e na insuficiência de recursos financeiros a eles destinados. Sabe-se que, em nosso país,

essa situação atinge as instituições patrimoniais de uma maneira geral. No entanto,

certamente, este cenário se agrava nas instituições menos tradicionais, como é o caso

das cinematecas e arquivos de filmes.

Ao buscar entender a construção do conceito de patrimônio cinematográfico,

seus usos e os materiais que o constituem, esta pesquisa me levou a concluir que o

conceito de patrimônio cinematográfico ainda não está fechado e totalmente definido.

Os discursos que formalizam tal conceito vêm sendo paulatinamente

elaborados e são orquestrados, no amplo cenário mundial, a partir da constatação de que

292

COSTA, 2003, p. 29.

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a noção de patrimônio é amplamente compreendida pela sociedade e um meio mais

eficaz de se chegar a instituições governamentais.

Apoiado nesta premissa, o discurso de preservação, que sempre norteou as

ações de salvaguarda do acervo cinematográfico foi, pouco a pouco, se transformando.

A partir de certo momento da segunda metade do século XX, observa-se que as

instituições, por meio de seus representantes, passaram a se referir a seu acervo como

patrimônio. A mudança no discurso por eles proferido não tinha, contudo, o intuito de

detonar um processo de patrimonialização, de tombamento de obras cinematográficas.

O objetivo maior dessa mudança era reforçar e justificar a prática preservacionista, a

partir da construção da noção de patrimônio cinematográfico. Essa alteração discursiva

foi, portanto, um modo de criar possibilidades mais reais de reconhecimento da

produção cinematográfica e o apoio ao trabalho na arquivística audiovisual.

Contudo, o cinema precisou contar com instâncias superiores para ser ouvido e

ver suas reivindicações produzirem resultados mais concretos. Isso só aconteceu em

1980, por intermédio da UNESCO. No entanto, apesar da participação nesta luta de

instituições internacionais de peso, nada parece ser mais forte que as estruturas políticas,

econômicas, sociais e culturais que conformam um país e conduzem seus atos e suas

escolhas. Conseguir mudanças estruturais é a parte mais difícil.

A escolha clara pelo patrimônio de pedra e cal, feita pelo IPHAN, o mais

importante órgão de patrimônio do Brasil, por décadas norteou as leis e as políticas

públicas voltadas para a preservação do patrimônio. Essa conjuntura, somada ao

estranhamento que os arquivos de filmes inicialmente causavam, perante as áreas mais

tradicionais da preservação documental, causou fraturas, fissuras e um afastamento

entre o campo da preservação do patrimônio cinematográfico e a grande área de

patrimônio no país.

O fato de não ter encontrado referência ao patrimônio cinematográfico, para

minha pesquisa, nas leituras feitas durante o curso de Memória Social, na linha de

pesquisa Memória e Patrimônio, demonstra o quanto as questões teóricas patrimoniais

do campo do cinema ainda precisam encontrar espaço e posicionamentos acadêmicos

nos estudos centrais do patrimônio.

No entanto, seguindo uma tendência internacional que, lentamente, vai se

estabelecendo em fins do século XX e início do século XXI, podem ser observadas

importantes transformações no campo patrimonial. Formalizadas, principalmente, pelas

convenções da UNESCO, essas mudanças ampliaram o conceito de patrimônio que

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passou a incluir outros tipos de bens materiais e imateriais, buscando contemplar a

diversidade de povos, nações e expressões culturais.

Esse novo cenário favorece o campo da preservação do patrimônio

cinematográfico e incentiva novas investidas que vão sendo feitas de forma mais

organizada e politicamente respaldadas.

A dupla característica arte/indústria que acompanha o cinema desde suas

origens, afeta diretamente a natureza deste patrimônio, confere-lhe certas

particularidades e o remete a um contexto complexo e com muitos vieses. Portanto,

observo que o conceito de patrimônio cinematográfico e, especialmente, os bens que

podem ser incluídos neste tipo de patrimônio, situam-se, considerando-se as convenções

estabelecidas pela UNESCO, entre o material móvel – filmes analógicos, filmes

digitais, documentação correlata, maquinário, outros objetos –; o material imóvel –

cinemas de rua –; e o imaterial – o fazer cinematográfico. Mas o cinema é, acima de

tudo, uma forma de expressão cultural que, tendo suas origens em fins do século XIX,

encontrou lugar definitivo como expressão cultural típica dos séculos XX e XXI. Sob

este ângulo, ele está respaldado pela “Convenção sobre a Proteção e Promoção da

Diversidade das Expressões Culturais”, ratificada pelo Brasil em 2006.

Contudo, não há como negar que o filme é o componente nuclear do cinema.

Por isso, é a partir dele que todo o patrimônio cinematográfico se forma, se expande, se

multiplica, faz sentido e se mantém vivo.

A partir desse pressuposto, pode-se afirmar que, em seu sentido mais geral, o

patrimônio cinematográfico pode ser entendido como o conjunto de materiais

produzidos pela indústria cinematográfica, considerando-a em sua mais ampla acepção,

e salvaguardados por alguma instituição de patrimônio. Sob este prisma, é fácil verificar

que o patrimônio cinematográfico é amplo e múltiplo nos tipos de bens que nele podem

ser incluídos.

Sob a perspectiva dos grandes arquivos de filmes, patrimônio cinematográfico

compreende uma coleção de filmes de natureza diversa em forma, tamanho, conteúdo,

suporte, gênero, época e nacionalidade. Este patrimônio inclui não apenas os filmes

nacionais, mas também os filmes estrangeiros que estão sob a guarda dos arquivos e

toda a documentação que é gerada a partir deles: material de divulgação, stills, notícias

em jornais e revistas, críticas de filmes, estudos teóricos, pesquisas, catálogos de

eventos, mostras, jornadas de cinema, etc.

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Em um museu de cinema, o patrimônio cinematográfico pode configurar-se,

principalmente, em um conjunto de máquinas e equipamentos por meio dos quais é

possível conhecer a evolução tecnológica que tem acompanhado a história do cinema e

interferido em sua produção, exibição, na formação de sua linguagem, nas formas de

recepção, etc. e sem a qual o cinema não existiria.

Os museus de cinema podem também optar por colecionar e mostrar outros

tipos de bens cinematográficos como figurinos, cenários, objetos usados em filmes ou

criados a partir de algum personagem específico, etc.

Ao incluir as salas de cinema de rua, o patrimônio cinematográfico se expande,

ainda, para a categoria de bens imóveis. Nesta categoria, há algumas construções

tombadas, outras abandonadas e muitas destruídas ou transformadas em algum tipo de

ponto comercial. 293

De todos os bens anteriormente citados, os filmes, sejam eles em suporte

analógico ou digital, são os mais sensíveis ao tempo e os que demandam mais cuidados

e atenção. Guardar, cuidar e preservar esta parte específica do patrimônio

cinematográfico têm sido a maior preocupação dos responsáveis pelos arquivos de

filmes e a ação que exige mais empenho e articulação política. Por isso, esta consiste

também na tarefa mais difícil, não apenas pela vulnerabilidade natural de seus suportes

– cujos motivos já foram explicitados anteriormente –, mas também pelo fato de

demandar altas somas de investimento financeiro e mão de obra especializada.

O programa Memória do Mundo confere, ao conjunto total dos bens

cinematográficos, a existência de um patrimônio cinematográfico registrado, destacando

e reconhecendo valores excepcionais de algumas obras específicas, seja em nível

nacional, regional ou internacional. Além disso, a inserção de obras cinematográficas e

material audiovisual nos registros desse Programa realça o papel dessas obras na

construção da memória.

Nos filmes podem ser observados os contrastes, inquietações e fragilidades

sociais, a pluralidade étnica, perfis políticos e ideológicos, as sutilezas do pensamento,

do comportamento e das tradições de um povo, a coragem de experimentar novas

293

Sobre a preservação de cinemas de rua, há um interessante artigo escrito por Rafael de Luna e

publicado em seu blog “Preservação Audiovisual”. Em seu texto, o autor chama a atenção para “a

necessidade de preservar o espaço cinematográfico, com as especificidades tradicionalmente associadas à

sessão cinematográfica (nos diferentes momentos históricos), e com as características intrínsecas aos

distintos contextos locais.” Texto disponível em:

http://preservacaoaudiovisual.blogspot.com.br/search?updated-min=2013-01-01T00:00:00-

08:00&updated-max=2014-01-01T00:00:00-08:00&max-results=30.

Acesso em: 10/02/2014.

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formas de fazer cinema, a criatividade artística, entre outros aspectos. Desse modo, as

narrativas fílmicas podem funcionar como um tipo de testemunho que coloca em

evidência o conteúdo de passagens vividas, sentidas, pensadas, (re)criadas e estreitam a

relação entre cinema e memória.

Os filmes podem constituir uma forma de memória dos lugares, do cotidiano,

dos objetos, dos sentimentos e dos pensamentos de uma determinada cultura, em uma

determinada época. Como testemunhos “assinados” e datados, quando arquivados e

devidamente preservados, ficam à disposição dos interessados e podem não apenas ser

devidamente confrontados com outros testemunhos, mas também propiciar uma

(re)leitura, uma reflexão, um conhecimento e uma compreensão posteriores sobre um

fato, uma sociedade, uma era.

Acredito que não seja possível ainda verificar o reflexo das nominações de

obras cinematográficas e seus desdobramentos para o campo do cinema. Um Programa

ainda pouco conhecido em nosso país, e provavelmente em muitos outros, os registros

por ele concedidos precisam ser divulgados e os processos das nominações, bem como

seus efeitos, precisam ser avaliados.

São muitos os desafios que se apresentam na difícil e árdua tarefa de

preservação de qualquer patrimônio. A ação preservacionista passa, também, pelo ato de

escolha que é, por natureza, um ato político. E esse ato político possui muitas outras

implicações que acabam por ficar, em diferentes graus, expostas nos acervos dos

museus.

Contudo, ao contrário das instituições tradicionais de patrimônio, os grandes

arquivos de filmes, no Brasil, relutam em adotar uma política de seleção de obras

cinematográficas que, com base em determinados critérios, poderiam ser identificadas

como possuidoras de valor permanente, historicamente reiterado. Há, obviamente, por

parte dos representantes das instituições, o entendimento de que é impossível guardar e

salvar tudo. No entanto, sua posição é a de que não cabe a eles “tutelar” a sociedade

que, por meio de seus representantes, deve, ela mesma, fazer suas escolhas.

Entre o desejo e a impossibilidade de preservar toda a produção

cinematográfica, parece estar o lugar, ainda impreciso, que o cinema brasileiro ocupa

em nossa sociedade e, por conseguinte, as instituições que o representam.

Nesse sentido, o desejo de preservar tudo, expressado pelos responsáveis pelo

patrimônio cinematográfico em nosso país, é, a meu ver, uma espécie de alerta feito por

eles, no sentido de demonstrar que ainda não é possível fazer a seleção e o descarte com

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uma margem mínima de segurança, pois o acervo que preservam precisa ser mais ampla

e profundamente (re)conhecido, perscrutado, esmiuçado e avaliado em seus variados

aspectos.

É como se, indiretamente, eles estivessem fazendo a seguinte pergunta: Como

fazer escolhas se grande parte (talvez a maior parte) de nossa cinematografia ainda

carece de apreciação, estudos, avaliação?

Desse modo, o desejo de preservar tudo pode ser entendido como um apelo a

pesquisadores e estudiosos do cinema, no Brasil, para que cada vez mais iluminem

nossa filmografia; descubram seus tesouros escondidos; desvelem seus aspectos

artísticos, documentais, culturais e históricos, colaborando para que os valores ainda

ocultos de nossa produção cinematográfica possam ser reconhecidos, divulgados,

tornados públicos para que as escolhas sejam feitas de maneira mais segura e

democrática.

A falta de reconhecimento das obras cinematográficas brasileiras, pelos mais

diferentes motivos, acaba por dificultar o engajamento de uma parcela maior de grupos

que se interessem pela preservação das mesmas. Sem reconhecer o valor de tais obras, a

iminência do perigo de que elas se percam não é suficiente para que o desejo e a ação

preservacionistas se deem para além dos grupos diretamente envolvidos na atividade

cinematográfica.

No entanto, mesmo que este reconhecimento seja alcançado e a

conscientização da necessidade de preservação aumente e se espalhe, haverá sempre a

obrigação de se criarem critérios para a seleção. Esses critérios, que devem ser abertos à

discussão pública, antes de serem estabelecidos, não precisam ser iguais para todas as

instituições. Deverá caber a cada uma delas a responsabilidade de definir seus critérios

de acordo com seu contexto econômico, social, histórico, político, etc.

Seguramente, pode-se afirmar que muito já se progrediu em termos de

preservação do patrimônio cinematográfico, mas, basta visitar alguns arquivos de filmes

no Brasil, para verificar o quanto a maioria das instituições ainda está longe do

desejável.

Em âmbito internacional, a criação da FIAF representou um importante avanço

e os Congressos anuais por ela organizados foram, por muito tempo, o mais importante

fórum de discussão e encaminhamento de ações visando à preservação do patrimônio

cinematográfico.

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O trabalho conjunto da Federação com a UNESCO foi também fundamental

para a elaboração da Recomendação de 1980. Esse documento, aliado a outras ações

empreendidas pela UNESCO, já citadas neste trabalho, conferem à Organização um

papel importante na luta internacional pelo reconhecimento da importância do cinema e

do audiovisual.

No entanto, as Recomendações da UNESCO, conforme se pode verificar,

precisam contar com vontade política, em âmbito nacional, para que se configurem em

atitudes efetivas. A pesquisa realizada, quase dez anos após a publicação da

Recomendação, mostra o quanto é difícil fazer as informações chegarem a todos os

lugares necessários e, mais do que isso, o quanto de esforço e dedicação é preciso para

mobilizar as pessoas, órgãos e governos e conseguir que as informações se transformem

em ações eficazes.

Considerando-se a multiplicidade de tipos de imagem em movimento, o

patrimônio cinematográfico tem encontrado, nas lutas conjuntas de todo o campo

audiovisual, possibilidades mais concretas de alcançar êxito para suas reivindicações.

Criadas, em sua maioria, neste século, a consolidação, o fortalecimento e a

capacidade de articulação política de associações e afins que congreguem as pequenas,

médias e grandes instituições de patrimônio cinematográfico e audiovisual precisam ser

concretizados. A atuação organizada e em conjunto, seja na esfera internacional,

regional, nacional ou local, tem se mostrado uma maneira mais eficaz de reunir forças,

atingir objetivos, garantir lugar nos fóruns com poder de decisão, tornar a causa pública

e assegurar o direito de contar com recursos financeiros mais compatíveis com a prática

preservacionista e a implementação de políticas públicas para o campo, que, no caso do

Brasil, precisam ser pensadas de forma a alcançar as várias regiões, além do eixo Rio-

São Paulo.

Essa forma de agir demonstra a postura proativa que os representantes

assumiram, e a maturidade que o campo alcançou, mas não assegura a solidez

necessária para afastar as inconstâncias, principalmente, de ordem econômica e política

que desequilibram as instituições.

Ao longo de minha pesquisa pude observar que, mesmo diante desta nova

conjuntura, as instituições, programas e projetos nesta área permanecem vulneráveis. O

SiBIA (Sistema Brasileiro de Informações Audiovisuais), por exemplo, estava ativo em

2012 e, hoje, já não está mais. Um grave problema na Cinemateca Brasileira, que

culminou com a exoneração de seu diretor, em 2013, comprometeu diretamente a

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continuação de vários projetos da instituição. O encerramento da produção de películas

fílmicas, fator que atinge diretamente a atividade de preservação, reforça, por sua vez, o

quanto a área é constantemente afetada pela incessante evolução tecnológica. Exemplos

como esses apontam para a diversidade de questões nas quais o campo se move e que o

tornam cheio de melindres.

Mesmo com tantos problemas e empecilhos, o campo se mantém firme em suas

lutas porque pôde sempre contar com seus próprios “empreendedores da memória”

cinematográfica que, aqui no Brasil, se personificam em Jurandyr Noronha, Paulo

Emilio Sales Gomes, Roquette-Pinto, Cosme Alves Netto, Plínio Sussekind Rocha,

Saulo Pereira de Mello, Alice Gonzaga, Hernani Heffner, Carlos Roberto de Souza,

Carlos Augusto Calil, Rafael de Luna Freire, João Luiz Vieira, e muitos outros que,

atuando em várias frentes, em diferentes períodos, e com a colaboração imprescindível

de muitos anônimos, são responsáveis por um trabalho incansável pela valorização do

cinema brasileiro e um esforço ininterrupto para salvar o patrimônio cinematográfico.

Forma de representação mais antiga entre as imagens em movimento, a

tradição e o status de arte que o cinema alcançou levam-no a se destacar no campo

audiovisual. Daí justifica-se o uso de expressões tais como “patrimônio cinematográfico

e audiovisual” e “curso superior de cinema e audiovisual”. Isso não diminui a

importância de todas as formas de audiovisual, mas, de certa forma, concede ao cinema

um lugar especial entre as mídias audiovisuais.

O cinema é uma arte morta e inútil se os filmes não forem exibidos. Guardar

um filme significa, como no poema de Antônio Cícero que abre este trabalho, “olhá-lo,

fitá-lo, mirá-lo por admirá-lo, isto é, iluminá-lo ou ser por ele iluminado”. A

preocupação da Cinemateca do MAM, da Cinemateca Brasileira e de tantas outras

instituições que guardam obras cinematográficas, em preservar para garantir a exibição

de filmes, está diretamente relacionada não apenas à missão que abraçaram, mas

também, à compreensão de que só assim poderão manter seu patrimônio vivo e

pulsante. O patrimônio cinematográfico, conforme mostrado anteriormente, não

compreende apenas o filme, mas é a partir dele e por causa dele que todos os outros

tipos de materiais cinematográficos passam a existir e ganham significado e, ao mesmo

tempo, ajudam a completar e enriquecer os significados de uma obra fílmica. Como

arte, documento, história e memória, os filmes já são parte essencial da vida

contemporânea. Cabe às sociedades reconhecerem o lugar e o valor que,

merecidamente, lhe devem ser atribuídos para que este patrimônio não se perca.

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As questões relativas ao patrimônio cinematográfico aqui apresentadas não

pretenderam, obviamente, esgotar o assunto. Muito ao contrário, a intenção é abrir-se

para o debate e fomentar outras abordagens sobre o tema.

Espero, com esta pesquisa, ter colaborado nas reflexões sobre o patrimônio

cinematográfico, contribuído para a valorização do cinema brasileiro e ajudado a reduzir

a distância entre o cinema e o campo patrimonial no Brasil.

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http://veja.abril.com.br/300699/p_114.html. Acesso em: 20/05/2012.

MATUSZEWSKI, Boleslaw. Uma nova fonte histórica. Disponível em:

http://www.contracampo.com.br/34/matuszewski.htm. Acesso em: 30/03/2012.

Preservação Audiovisual. Blog de Rafael de Luna Freire. Disponível em

http://preservacaoaudiovisual.blogspot.com.br.

UNESCO. Convenção relativa às medidas a serem adotadas para proibir e impedir a

importação, exportação e transferência de propriedades ilícitas dos bens culturais.

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- 196 -

Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0016/001606/160638por.pdf. Acesso

em 20/12/2013.

________. Convenção sobre a proteção e promoção da diversidade das expressões

culturais.Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0015/001502/150224por.pdf

Acesso em: 20/12/2013.

________. First meeting of the UNESCO/FIAF fund for the safeguarding of the film

heritage. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0011/001134/113458eo.pdf.

Acesso em: 12/12/2013.

________. Memoria del Mundo : Patrimonio cinematográfico nacional / preparado por

el Programa Generalde Información y UNISIST - Paris : UNESCO, 1995. - vii, 73

págs.; 30 cm. - (CII-95iWW7). Disponível em:

http://unesdoc.unesco.org/images/0011/001103/110379so.pdf. Acesso em 07/04/2012.

________Operational Guidelines for the implementation of the World Heritage

Convention. Disponível em http://whc.unesco.org/archive/opguide08-en.pdf#annex5.

Acesso em: 08/04/2013.

_________. Recommendation for the safeguarding and preservation of moving images.

Disponível em: http://portal.unesco.org/en/ev.php-

URL_ID=13139&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html. Acesso em:

20/06/2011.

_________. UNESCO fund for the safeguarding of the film heritage. Disponível em

http://unesdoc.unesco.org/images/0010/001012/101253Eo.pdf. Acesso em: 25/10/2013.

WASSON, Haidee. “The woman film critic: newspaper, film and Iris Barry”. Film

History, v. 18, 2006. Disponível em:

http://www.jstor.org/discover/10.2307/3815632?uid=2&uid=4&sid=21102180320883.

Acesso em: 25/07/2013.

Who’s who of Victorian Cinema. Disponível em: http://www.victorian-

cinema.net/intro.htm. Acesso em: 07/04/2012.

World Cinema Foundation. Disponível em: http://worldcinemafoundation.org/. Acesso

em: 15/03/2013.

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- 197 -

ANEXOS

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- 198 -

ANEXO 1

CARTAS DE OURO PRETO (2013-2008)

Carta de Ouro Preto – 2013

Os membros da Associação Brasileira de Preservação Audiovisual - ABPA reunidos no

Encontro Nacional de Arquivos e Acervos Audiovisuais por ocasião da 8ª Mostra de

Cinema de Ouro Preto - CINEOP, vêm a público manifestar as seguintes proposições,

resoluções e demandas:

• Afirmar a parceria entre a ABPA e o Ministério da Cultura - MinC / Secretaria do

Audiovisual - SAv para atuarem de forma conjunta na construção de políticas públicas

para a preservação audiovisual no país, visando desenvolver uma agenda de trabalho e

ações concretas voltadas para a salvaguarda dos acervos audiovisuais brasileiros, a

valorização dos profissionais de preservação audiovisual e a implementação de um

Plano Nacional de Preservação Audiovisual;

• Incluir a área de preservação audiovisual no Conselho Consultivo da SAv;

• Incluir a área de preservação audiovisual no Conselho Superior de Cinema;

• Desenvolver em conjunto com MinC/SAv um edital destinado à modernização de

infraestrutura de conservação de acervos audiovisuais brasileiros;

• Criar em conjunto com MinC/SAv e o Laboratório de Aplicações de Vídeo Digital –

LAViD / Universidade Federal da Paraíba - UFPB, um programa de digitalização ou

replicação de acervos audiovisuais brasileiros dentro de rigorosos padrões de segurança,

integridade e simplicidade de acesso, mantendo-se a autonomia institucional, pública ou

privada, jurídica ou física, na utilização dos mecanismos a serem criados. Este programa

deverá ter dimensão nacional, mantendo uma distribuição regional equitativa, de forma

multipontual e contemplando a instalação de limpeza fotoquímica, magnética e

eletroeletrônica, assim como telecinagem, escaneamento e tecnologia da informação;

• Desenvolver, em conjunto com o Centro Técnico Audiovisual - CTAv / SAv, projetos

e programas de formação de recursos humanos, de curto e médio prazos, para a área de

preservação audiovisual que contemplem diferentes perfis profissionais envolvidos no

campo;

• Formar grupo de estudos para desenvolver um projeto de formação técnica e

acadêmica em preservação audiovisual que contemple tanto práticas como

conhecimento teórico definidores deste campo, abrangendo toda a complexidade da

materialidade audiovisual;

• Reiterar o cumprimento da determinação do Conselho Superior de Educação do

Ministério da Educação - MEC e da recomendação do Fórum Brasileiro de Ensino de

Cinema e Audiovisual - FORCINE de inclusão da disciplina de preservação audiovisual

na grade curricular dos cursos universitários de cinema e audiovisual do país;

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- 199 -

• Pleitear uma linha de investimento em preservação audiovisual junto ao Fundo

Setorial do Audiovisual - FSA;

• Recomendar expressamente a revisão das regras de formulação de concursos públicos

voltados para instituições de preservação de obras audiovisuais, tendo em vista a

adequação da formação técnica dos futuros funcionários às necessidades e

especificidades do setor;

• Incluir na legislação o reconhecimento de profissionais de preservação audiovisual,

considerando sua multidisciplinaridade e formações diferenciadas, sem excluir ou

restringir o exercício profissional a uma determinada categoria;

• Apoiar os projetos de alteração da atual Lei de Direitos Autorais, para conferir

segurança jurídica às ações de preservação audiovisual, com particular atenção às ações

de acesso sem fins comerciais;

• Participar da Conferência Nacional de Arquivos;

• Inserir a preservação audiovisual no Sistema Nacional de Patrimônio, buscando

diálogo com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - Iphan, o Instituto

Brasileiro de Museus - IBRAM, e outras entidades afins;

• Inserir a preservação audiovisual no Plano Setorial de Audiovisual e também no Plano

Setorial de Patrimônio, previstos no Sistema Nacional de Cultura;

• Solicitar o credenciamento de novas instituições de preservação audiovisual como

repositórios nacionais de depósito legal de obras audiovisuais além da Cinemateca

Brasileira, assim como estimular o desenvolvimento da mesma medida em nível

estadual e municipal;

• Reconhecer os avanços e conquistas alcançados por instituições como a Cinemateca

Capitólio (RS) e o Centro de Referência Audiovisual - CRAv (MG), e saudar a

perspectiva de criação de uma Cinemateca Mineira e do Museu da Imagem e do Som de

Belo Horizonte;

• Estabelecer acordos internacionais de cooperação técnica em preservação audiovisual;

• Alertar para o risco iminente de perda de acervos de televisão, particularmente aqueles

que possuam obras em bitolas obsoletas como Quadruplex, 1 polegada e U-Matic,

insistindo na necessidade de urgentes investimentos na manutenção ou recuperação de

equipamentos, assim como na valorização e transmissão de uma expertise técnica em

vias de desaparecimento;

• E ressaltar a retomada do diálogo com a Cinemateca Brasileira e sua disposição para a

interlocução com a ABPA.

Diante dos avanços conquistados nesta edição do Encontro Nacional de Arquivos e

Acervos Audiovisuais, a ABPA reafirma a importância fundamental da Mostra de

Cinema de Ouro Preto - CINEOP como fórum privilegiado para a reflexão e

encaminhamento das ações sobre preservação audiovisual no Brasil.

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- 200 -

A entidade mantém o compromisso de continuar a luta pelo desenvolvimento de toda e

qualquer ação necessária à excelência da preservação audiovisual brasileira.

Ouro Preto, em 16 de junho de 2013.

Associação Brasileira de Preservação Audiovisual - ABPA

Carta de Ouro Preto – 2012

As entidades e os profissionais de preservação audiovisual, a comunidade acadêmica de

cinema, audiovisual, arquivologia e educação, e os demais participantes do Encontro de

Acervos e Arquivos Audiovisuais Brasileiros, realizado na 7ª CineOP – Mostra de

Cinema de Ouro Preto, no período de 20 a 25 de junho de 2012, vêm através deste

documento reafirmar seu compromisso com o patrimônio audiovisual brasileiro, sua

preservação e difusão junto à sociedade brasileira e mundial.

Entendendo a preservação audiovisual como um dos instrumentos mais importantes de

nosso tempo para a construção da cidadania e da cultura, os presentes ao Encontro

trocaram informações, perspectivas, pontos de vista e experiências que mais uma vez

indicaram a importância deste Fórum e o valor da participação democrática como

ferramenta para uma sociedade justa e culturalmente desenvolvida.

O Encontro abordou questões das mais variadas ordens e dimensões que indicaram mais

uma vez como inadiável a formulação de um Plano Nacional de Preservação

Audiovisual. Desdobrando este objetivo em ações mais imediatas, seus participantes

propõem o estreitamento das relações entre o setor e diferentes instâncias de mediação e

execução de tarefas de preservação audiovisual, em nível nacional e internacional. Entre

as medidas mais significativas e urgentes estão:

- a abertura de um diálogo franco e democrático com o poder público brasileiro, visando

a formulação conjunta de ações que atendam as instituições, os acervos e o acesso a

eles, dentro de um marco de cultura democrática que perpassa a sociedade brasileira

atual;

- a formalização do campo da preservação audiovisual como um saber específico, uma

profissão particular – iniciando a luta pelo reconhecimento da categoria junto às

instâncias reguladoras do trabalho no País – e uma ação necessária à constituição do

patrimônio cultural brasileiro;

- a promoção de uma formação técnica e acadêmica sistematizada, completa e contínua,

como requisito a um aumento da qualidade dos serviços de preservação audiovisual, ao

trabalho realizado dentro de parâmetros éticos e profissionais rigorosos e à difusão de

uma cultura brasileira da preservação audiovisual de natureza plural e democrática;

- e o estreitamento das relações e ações mútuas com o campo da educação, refletindo a

inserção do audiovisual na vida cotidiana dos cidadãos, em especial crianças e jovens, a

apresentação regular de obras audiovisuais na escola e a necessidade de formulação de

políticas e práticas adequadas de uso desse conteúdo como elemento formador do

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- 201 -

sujeito e da cidadania, ressaltando-se a função da preservação audiovisual dentro desse

processo.

O Encontro reforça ainda o apoio à manutenção do tombamento do Cinema Excelsior

de Juiz de Fora, MG, endossando a mobilização para sua preservação, dentro de um

marco que não descaracterize sua origem como espaço dedicado ao audiovisual, sem

prejuízo de novas atividades culturais.

Reitera também a necessidade de conclusão do projeto de constituição e abertura da

Cinemateca Capitólio de Porto Alegre, RS, como espaço de preservação do patrimônio

audiovisual gaúcho e brasileiro.

Os profissionais da preservação audiovisual, assim como os demais cidadãos

comprometidos com a preservação do patrimônio audiovisual brasileiro, presentes à 7ª

CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto, ressaltam a importância, a continuidade e a

promoção anual do Encontro, espaço fundamental para troca de ideias e formulação de

ações, e o compromisso com a salvaguarda e difusão da obra audiovisual brasileira de

qualquer época, suporte e origem.

Ouro Preto, 25 de junho de 2012

Carta de Ouro Preto - 2011

Os participantes do 6º Encontro Nacional de Arquivos e Acervos Audiovisuais

Brasileiros reunidos na 6ª Mostra de Cinema de Ouro Preto, ratificam o evento realizado

como o fórum privilegiado de discussão e encaminhamento de reflexões e ações para a

preservação do patrimônio audiovisual brasileiro. O 6º Encontro, resultado dos

trabalhos ocorridos nos anos anteriores, vem coroar os estudos, reflexões e debates

acerca das atividades e da temática da preservação audiovisual.

Através da realização das assembleias e reuniões ocorridas ao longo dos seis dias do

Encontro, obteve-se a aprovação do Estatuto da Associação Brasileira de Preservação

Audiovisual, organismo criado em 2008 durante o 3º Encontro Nacional de Arquivos e

Acervos Audiovisuais Brasileiros. Buscou-se definir conceitos, normatizar e solidificar

a criação da entidade. Assim, os membros deste Encontro reforçam a necessidade

urgente e fundamental de ampliar o diálogo com a Educação; e a definição de uma

Política Nacional de Preservação Audiovisual com vistas ao reconhecimento desse

patrimônio cultural nacional de forma ampla e acessível a toda a sociedade.

A cada edição do CineOP apresentam-se novos desafios. Apesar dos grandes avanços

percebidos e do número crescente de profissionais da área que se integram nas

discussões – hoje a ABPA conta com 95 representantes de acervos audiovisuais

brasileiros – ainda faltam políticas públicas eficazes, abrangentes e descentralizadas

para cada uma das instituições que hoje estão representadas. Os investimentos na área

são acanhados, os programas descontinuados ou desprezados e os projetos de

publicação ignorados, com um acesso público difícil e burocracia acelerada.

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- 202 -

Considerando: - que é necessário identificar lideranças comprometidas com a

coletividade, com o conteúdo audiovisual produzido e com o trabalho de profissionais

guerreiros e competentes;

- que muito ainda precisa ser feito no sentido de se criar uma nova consciência para o

valor das imagens e que o futuro dos arquivos audiovisuais começa a fazer parte do

exercício de cidadania;

- a urgência do reconhecimento da relevância desse Patrimônio Cultural pelos poderes

públicos, pela sociedade, e pelos profissionais das atividades audiovisuais;

- a constatação do risco iminente de desaparecimento desse Patrimônio Cultural, que

representa igualmente um ativo econômico e se encontra em condições desiguais de

preservação nas diferentes unidades da Federação;

- a insuficiência de uma política pública específica e sistemática que contemple o campo

da preservação audiovisual no Brasil;

- que a ABPA foi designada pelas organizações, instituições, entidades e profissionais

presentes, ligados ao campo da preservação, como entidade representativa e

interlocutora junto aos demais segmentos da área audiovisual, da sociedade civil e do

poder público.

Afirmam que:

- diante da carência de recursos financeiros e humanos, e de mecanismos específicos

destinados ao campo da preservação, questionam a disparidade existente e propõem

uma distribuição equânime dos recursos públicos para o setor audiovisual; e

Solicitam: - a participação da ABPA nas instâncias de decisões governamentais

referentes ao setor audiovisual; assento da ABPA junto à ANCINE, ao Conselho

Consultivo da Secretaria do Audiovisual – SAv-MinC, ao Congresso Brasileiro de

Cinema e Audiovisual e a outros fóruns similares, federais, estaduais e municipais.

- a indicação de membro da ABPA para a colaboração em editais de estatais e empresas

privadas dirigidos a área da preservação audiovisual.

Ações necessárias:

- Ministério da Cultura/Secretaria do Audiovisual/ Cinemateca Brasileira – a

necessidade da presença, do diálogo, da troca de informação, conhecimento e

experiência visando ampliar a parceria e ações no campo da preservação, tendo em vista

a diversidade de arquivos e acervos existentes no Brasil.

Além do Ministério da Cultura incentivar ações de aproximação com os Ministérios da

Educação, Ciência e Tecnologia, Indústria e Comércio e o Ministério da Justiça.

- Cinemateca Capitólio – reiterar a reivindicação aos órgãos federais, estaduais e

municipais, de agilidade no processo de conclusão da obra civil da Cinemateca

Capitólio, Porto Alegre, e sua implantação, como forma de garantir a memória

audiovisual gaúcha. Outrossim, recomendam uma visita técnica de membros da ABPA

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- 203 -

para identificação dos procedimentos mais adequados à obra civil para a preservação e

conservação do acervo fílmico gaúcho.

- CRAv – reiterar a recomendação para a retomada efetiva das ações desenvolvidas pelo

CRAv, Belo Horizonte, na consolidação de seu projeto institucional e recomposição de

seu quadro de funcionários, gravemente afetado pela demissão dos especialistas desde

janeiro de 2008.

- Acervo de José Tavares de Barros – Declaração de patrimônio do Estado de Minas

Gerais e auxílio na catalogação do acervo do professor e pesquisador mineiro.

- Arquivo Nacional – Que sejam mantidos os trabalhos de preservação audiovisual em

desenvolvimento e a desenvolver, após sua volta para o âmbito do Ministério da Justiça,

Ouro Preto, 20 junho de 2011.

Arquivos, Acervos, Cinematecas, Museus, Colecionadores presentes na 6ª CineOP:

Acervo Jece Valadão

Acervo Roberto Farias

Acervo Roberto Marinho – TV Globo

Acervo Roberto Pires

Acervo Rogério Sganzerla

Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro

Arquivo Nacional

Arquivo Público do DF

Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro

Arquivo Público Mineiro

Associação Curta Minas

Centro de Pesquisa e Documentação Social – Arquivo Edgard Leuenroth – AEL

Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro – CPCB

Centro de Referência Audiovisual – CRAV

Centro Técnico de Audiovisual – CTAv

Cinédia

Cinemateca Capitólio

Cinemateca de Curitiba

Cinemateca do MAM

Empresa Brasileira de Comunicação – EBC

Escola de Belas Artes – Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG

Fórum Brasileiro de Ensino de Cinema e Audiovisual – Forcine

Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP

Fundação Biblioteca Nacional

Fundação Cultural do Estado da Bahia

Fundação Getúlio Vargas – FGV

Fundação Joaquim Nabuco

Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte

Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz

Fundação Padre Anchieta –

TV Cultura

Grupo Severiano Ribeiro

Instituto Cultural Lula Cardoso Ayres

Labocine

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- 204 -

Memória da Produção – TV Globo

Museu da Imagem e do Som de Campinas

Museu da Imagem e do Som de Mato Grosso do Sul

Museu da Imagem e do Som de Santa Catarina

Museu da Imagem e do Som do Paraná

Museu Lasar Segall

Museus da Imagem e do Som do Rio de Janeiro

Pontifícia Universidade de Goiás – PUC GO

Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul – PUC RS

Rede Kino

Recordar Produções

Teleimage

Universidade de Brasília – UnB

Universidade Federal da Bahia – UFBA

Universidade Federal da Paraíba – UFPB

Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ

Universidade Federal Fluminense – UFF

Universidade de São Paulo – USP

Carta de Ouro Preto - 2010

Os integrantes da Associação Brasileira de Preservação Audiovisual (ABPA) e os

participantes do 5º Encontro Nacional de Arquivos Audiovisuais, reunidos na 5ª Mostra

de Cinema de Ouro Preto, reafirmam este evento como fórum privilegiado de discussão

e encaminhamento de reflexões para a preservação do Patrimônio Audiovisual

Brasileiro.

Considerando:

Os avanços dos trabalhos desenvolvidos no exercício 2009/2010, que deram início ao

processo de institucionalização da ABPA;

Que se mantêm a necessidade de reconhecimento do Patrimônio Audiovisual Brasileiro

como instrumento estratégico do desenvolvimento da sociedade brasileira;

A existência de um serio risco de desaparecimento desse patrimônio e o desequilíbrio na

distribuição dos investimentos;

A importância da participação das televisões brasileiras na preservação e difusão do

conteúdo audiovisual;

A necessidade da formação e capacitação dos profissionais da área do audiovisual

quanto à salvaguarda deste patrimônio;

Os desafios impostos pelas novas tecnologias;

Reafirmam seu compromisso em:

Dar continuidade aos debates de construção do instrumento regulatório denominado

Estatuto da ABPA;

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Promover a valorização, o aperfeiçoamento e a difusão do trabalho de preservação

audiovisual;

Cooperar com órgãos governamentais, entidades nacionais e internacionais, públicas e

privadas estabelecendo e mantendo intercâmbios de conhecimento e experiências

relacionadas ao setor;

Estimular as ações que visem à salvaguarda do patrimônio audiovisual;

Reiteram seu compromisso em aprofundar as questões relativas ao campo da

preservação audiovisual no Brasil e caminhar para a consolidação de seu estatuto.

Comissão Executiva ABPA exercício 2010/2011:

Fernanda Elisa Costa (PUC-GO)

Glênio Nicola Póvoas (Cinegráfica Leopoldis-Som)

João de Lima Gomes (UFPB)

José Luiz de Araujo Quental (MAM-RJ)

Marília da Silva Franco (USP/CPCB)

Solange Straube Stecz (Cinemateca Curitiba)

Teder Muniz Moras (Fundação Padre Anchieta – TV CULTURA)

Ouro Preto, MG, 21 de junho de 2010.

Carta de Ouro Preto - 2009

Os integrantes da Associação Brasileira de Preservação Audiovisual (ABPA) e os

participantes do 4º Encontro Nacional de Arquivos e Acervos Audiovisuais Brasileiros,

reunidos na 4ª CINEOP - Mostra de Cinema de Ouro Preto, reafirmam este evento

como fórum de discussão e encaminhamento de reflexões e ações para a preservação do

patrimônio audiovisual brasileiro.

Considerando:

- a urgência do reconhecimento da relevância desse Patrimônio Cultural pelos poderes

públicos, pela sociedade, inclusive pelos profissionais das atividades cinematográficas e

audiovisuais;

- a constatação do risco iminente de desaparecimento desse Patrimônio Cultural, que

representa igualmente um ativo econômico e se encontra em condições desiguais de

preservação nas diferentes unidades da Federação;

- a insuficiência de uma política pública específica e sistemática que contemple o campo

da preservação audiovisual no Brasil;

- que a ABPA foi designada pelas organizações, instituições, entidades e profissionais

presentes, ligados ao campo da preservação, como entidade representativa e

interlocutora junto aos demais segmentos da área audiovisual, à sociedade civil e ao

poder público.

Afirmam que:

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- 206 -

- diante da carência de recursos financeiros e humanos, e de mecanismos específicos

destinados ao campo da preservação, questionam a manutenção da disparidade existente

e propõem uma distribuição equânime dos recursos públicos para o setor audiovisual; e

- destacam que existem necessidades específicas do campo da preservação audiovisual

que devem ser consideradas na reformulação da Lei Rouanet, em curso, e de outros

textos legais que tem por objeto o audiovisual e as políticas de Cultura.

Solicitam:

- a participação da ABPA nas instâncias de decisões governamentais referentes ao setor

audiovisual; e

- como forma de contribuição direta, assento para ABPA junto ao Conselho Consultivo

da Secretaria do Audiovisual – SAv-MinC, e em outros fóruns similares, estaduais e

municipais.

A partir do quadro acima exposto, vimos, da mesma forma, nos manifestar a favor do

reconhecimento da importância da Cinemateca Capitólio, em Porto Alegre, e do

Centro de Referência Audiovisual (CRAv), em Belo Horizonte, e apoiar

publicamente os pleitos dessas instituições.

Cinemateca Capitólio - solicitar aos órgãos federais, estaduais e municipais, agilidade

no processo de conclusão da obra civil da Cinemateca Capitólio, e sua implantação,

como forma de garantir a memória audiovisual gaúcha.

CRAv - recomendar a continuidade das ações desenvolvidas pelo CRAv na

consolidação de seu projeto institucional e recomposição de seu quadro de funcionários,

gravemente afetado pela demissão dos especialistas, em janeiro de 2009.

Ressaltamos que estas iniciativas se incluem em um conjunto maior de ações de

fundamental importância para a execução de uma política nacional de preservação do

Patrimônio audiovisual brasileiro.

Ouro Preto, 22 de junho de 2009.

Documento elaborado e assinado por profissionais que participaram no 4º Encontro

Nacional de Arquivos e Acervos Audiovisuais Brasileiros

Carta de Ouro Preto - 2008

Fórum de reflexões, conceitos, debates e ações para construção de um plano nacional

de preservação audiovisual brasileira

Os órgãos governamentais, instituições, associações de classe, técnicos, pesquisadores,

historiadores, colecionadores, cineastas, jornalistas e os participantes da CINEOP – 3ª

Mostra de Cinema de Ouro Preto, presentes ao 3º Encontro Nacional de Arquivos de

Imagem em Movimento, reafirmam o evento realizado em Ouro Preto como o fórum

privilegiado de discussão e encaminhamento de reflexões e ações para a preservação do

patrimônio audiovisual brasileiro.

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- 207 -

Através da realização de diversos grupos de trabalho ao longo dos três dias do encontro,

que buscaram definir conceitos, estratégias, metas e ações necessárias para a definição

de uma proposta geral para o setor de preservação, os membros deste encontro reforçam

a necessidade urgente e fundamental de definição de uma Política Nacional de

Preservação Audiovisual.

Presenciando as deliberações resultantes do 3º Encontro Nacional de Arquivos de

Imagens em Movimento, em que uma entidade nacional representativa da ação de

preservação do patrimônio audiovisual brasileiro foi proposta pelos seus participantes,

externa aqui o apoio à iniciativa de criação da Associação Brasileira de Preservação

Audiovisual – ABPA e a continuidade das discussões e encaminhamento de ações em

encontros e reuniões futuras, sendo a CINEOP, o fórum anual do setor de preservação.

Ressaltamos que esta iniciativa é de grande importância para a preservação do cinema e

do audiovisual brasileiro e representa um avanço no desenvolvimento da sociedade e da

cultura brasileira.

Meta para a CINEOP 2009 – realização do 1º Congresso Brasileiro de Preservação

As entidades e profissionais presentes à 3ª CINEOP reafirmam seu compromisso com a

preservação do cinema e do audiovisual brasileiro.

- ABD Nacional- Solange Lima – BA

- Atlântida Cinematográfica – Albina Pereira – RJ

- Acervo Alex Viany – Edward Monteiro e Betina Viany – RJ

- Acervo Roberto Pires – Petrus Pires – BA

- Acervo Rogério Sganzerla – Helena Ignez, Djin Sganzerla e Sinai Sganzerla – SP

- Agência Nacional de Cinema (Ancine ) – Sérgio Sá Leitão e Yuri Queiroz Gomes –

RJ

- Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro – Beatriz Kushnir – RJ

- Arquivo Nacional – Wanda Ribeiro, Antônio Laurindo, Aline Rodrigues, Franz

Borborema, Fátima Taranto e Audrey Young – RJ

- Arquivo Público do Distrito Federal - Marcelo Durães – DF

- Arquivo Público do ES – Sérgio Oliveira – ES

- Arquivo Público Mineiro – Virgínia Assis Camargo – MG

- Associação Brasileira de Cineastas (Abraci) – Noilton Nunes – RJ

- Associação Paulista de Cineastas (Apaci)- Icaro Martins – SP

- Canal 100 – Alexandre Niemeyer – RJ

- Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro – Myrna Brandão e Carlos Brandão –

RJ

- Centro de Referência Audiovisual – CRAV Neander César de Oliveira, Alexandre

Pimenta e Daniela Giovana – MG

- Cinédia e Instituto Para Preservação da Memória do Cinema Brasileiro Alice Gonzaga

– RJ

- Cinemateca Brasileira – Carlos Magalhães, Carlos Roberto de Souza, Fabricio Felice,

Fernanda Coelho e Remier – SP

- Cinemateca Capitólio – Maria Angélica Santos – RS

- Cinemateca de Curitiba - Marcos Sabóia – PR

- Cinemateca do MAM -, Hernani Heffner, Rafael de Luna Freire, Inês Aisengart e

Juliana Cardoso – RJ

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- 208 -

- Colecionador Particular – Antônio Leão – SP

- CTAv – Gustavo Dahl, Debora Butruce e Sérgio Magalhães – RJ

- Estúdios Mega - Leonardo Hitoshi Segawa – SP

- Filmes do Serro – Maria de Andrade – RJ

- Fórum dos Festivais – Tetê Mattos e Antônio Leal – RJ

- Fundação Cultural do Estado da Bahia – DIM – Simone da Invenção Lopes e Sofia

Federico – BA

- Fundação Getúlio Vargas (FGV) – Mônica Kornis – RJ

- Fundação Gregório de Mattos – Lucimar Silva Cunha Mendonça – BA

- Fundação Joaquim Nabuco – Albertina Malta – PE

- Fundação Padre Anchieta – TV Cultura – Teder Muniz Morás – SP

- Instituto Cultural Lula Cardoso Ayres – Luiz Cardoso Ayres Filho – PE

- MIS Campinas – Antônio Joaquim Andrade – SP

- MIS Ceará – Angelique Abreu – CE

- MIS Mato Grosso do Sul – Rafael Maldonado – MS

- MIS Pará – Ivo José Paes Silva -PA

- MIS Santa Catarina – Ronaldo dos Anjos – SC

- MIS SP – Regina Davidoff – SP

- Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa – Carlinda Maria Mattos – RS

- Museu de Arte Murilo Mendes – Sonali Mendonça – MG

- Museu Lasar Segall- Maria Cecília Soubhia- SP

- Preservação das Imagens em Movimento – Philip Johnston – RJ

- Projeto Leon Hirzsman – João Pedro Hirzsman – SP

- RBS TV – Glênio Nicola Póvoas – RS

- Secretaria do Audiovisual – Silvio Da Rin – DF

- Serviço de Cooperação e Ação Cultural da Embaixada da França – Sylvie Debs – MG

- Tempo Glauber – Paloma Rocha, Lúcia Rocha e Joel Pizzini – RJ

- União Nacional de Infra-Estrutura Cinematográfica (Uninfra) Edina Fujii -SP

- Arquivo Edgard Leuenroth – AEL – Castorina Camargo – SP

- Universidade Católica de Goiás – Fernanda Elisa Costa – GO

- Universidade Federal da Paraíba – João de Lima Gomes – PB

Ouro Preto, 16 de junho de 2008

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- 209 -

Anexo 2

Ata de Fundação – Associação Brasileira de Preservação

Audiovisual – ABPA

As organizações, instituições, entidades e profissionais ligados à preservação

audiovisual, definida como a atividade de reunião, gestão, conservação e promoção do

acesso ao conjunto de documentos que contém imagens em movimento e sons gravados

caracterizados em toda sua tipologia ou variedade e usados de forma associada ou

isolada, assim como o conjunto de documentos, conceitos, técnicas e tecnologias que

lhe são associados, reunidos em assembleia durante o 3º Encontro Nacional de Arquivos

de Imagens em Movimento, evento associado à 3ª Mostra de Cinema de Ouro Preto e

considerando:

1. Que o Brasil reúne expressivo patrimônio audiovisual, representativo da

cultura, história, arte e manifestações da diversidade da sociedade e da vida

brasileira, alocado em todas as unidades da Federação;

2. Que o Brasil reúne um conjunto de organizações ou parte de organizações,

públicos, privados e particulares, voltadas para a preservação de acervos

audiovisuais;

3. Que as organizações, instituições, entidades e profissionais ligados à

preservação audiovisual presentes ao 3º Encontro Nacional de Arquivo de

Imagens em Movimento expressam um objetivo comum em torno da ação de

preservação deste patrimônio, e o desejo de trabalhar mais conjuntamente

para o desenvolvimento e o aperfeiçoamento da atividade de preservação

audiovisual no Brasil;

4. Que o trabalho conjunto visa a colaborar na construção e no aprimoramento

de políticas públicas nacionais para o setor;

Resolvem criar a Associação Brasileira de Preservação Audiovisual (ABPA),

reafirmando seu compromisso com a salva guarda deste patrimônio, instrumento

essencial e estratégico do desenvolvimento da sociedade e da cultura brasileira. Para a

constituição da Associação, os participantes signatários desta ata instituem uma

Comissão Executiva encarregada de coordenar a elaboração de uma proposta para o

funcionamento da entidade.

A comissão é formada pelos seguintes membros indicados pela plenária:

Albertina Malta – Coordenador Geral do Centro de Documentação – Fundação

Joaquim Nabuco – PE

Beatriz Kushnir – Diretora – Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro – RJ

Fabricio Felice – Sec. Executivo SiBIA – Cinemateca Brasileira – SP

Fernanda Elisa Costa – Pesquisadora – Universidade Católica de Goiás – GO

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Hernani Heffner – Conservador Chefe – Cinemateca do MAM – RJ

Ivo José Paes Silva – Coordenador do Audiovisual – MIS Pará – PA

Luiz Cardoso Ayres Filho – Diretor – Instituto Cultural Lula Cardoso Ayres – PE

Maria Angélica Santos – Técnica responsável pelo acervo – Cinemateca Capitólio

– RS

Maria de Andrade – Diretora – Filmes do Serro – RJ

Myrna Brandão – Presidente – Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro – RJ

Paloma Rocha – Diretora – Tempo Glauber – RJ

Teder Muniz Morás – Centro de Documentação – Fundação Padre Anchieta – TV

Cultura – SP

Disponível em http://abpablog.wordpress.com/2009/06/24/hello-world/. Acesso em

13/11/2013.

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- 211 -

ANEXO 3

Congressos da FIAF

Home - FIAF Directory - Contacts

FIAF Congress

Guideline

Next FIAF

Congress

Past FIAF

Congresses

Joint Events

Joint Technical

Symposium

Results of the

Congresses

Evaluation

Past congresses

Since 1938, the FIAF Congresses have taken place in the

following cities:

2012 Beijing

Animation around the World

(Acquisition, preservation & restoration, access)

2011 Pretoria

Ingigenous Film Collections in Africa and the World

2010 Oslo

Digital challenges and digital opportunities in audiovisual

archiving

2009 Buenos Aires

The Cinematheques in search of Their New Audiences

2008 Paris

La boîte de Pandore : les Archives de films et la question des

droits

2007 Tokyo

Archival Study of Short-lived Formats: From Pre-cinema to E/D

Cinema

2006 São Paulo

The future of film archives in a digital cinema world: Film

Archives in Transition

2005 Ljubljana

How do we visualise culture?"

Representations of culture in the light of Ethnographic Film

2004 Hanoi

No Time, No Money - Moving Image And Sound Archiving

Under Emergency Conditions

2003 Stockholm - Helsinki

Fading Colour Film - Preserve and Restore

2002 Seoul

Asian Films: Yesterday, Today and Tomorrow

2001 Rabat

Colonial Cinema: A Borrowed Film Heritage

2000 London

The Last Nitrate Picture Show / The Futurology of Film

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- 212 -

Archiving

1999 Madrid

A Century of Cinema / A Century in Cinema

1998 Praha

Digitalisation of Archive Materials

1997 Cartagena

Out of the Attic: Archiving Amateur Film

1996 Jerusalem

The Rights Thing

1995 Los Angeles

Learning from the History of FIAF / New Technologies for

Preservation / the Great Challenges and Other

1994 Bologna

A Philosophy of Audiovisual Archiving

1993 Mo I Rana

Newsreels in Film Archives

1992 Montevideo

Programming in Film Archives

1991 Athinai

The Place of Video in Film Archives / Film Archives and

Independent Cinema

1990 Habana

Film Archiving in Developing Countries / The Ibero-American

Film of the 30's, 40's and 50's

1989 Lisboa

Rediscovering the Role of Film Archives: To Preserve and to

Show

1988 Paris

Le Cinéma français muet dans le monde: Influences réciproques

1987 Berlin (West)

Archiving the Audiovisual Heritage (Joint Technical

Symposium in Collaboration with FIAT and IASA)

1986 Canberra

Computer Applications in Film Archives / Technical and

Aethical Problem of Film Restoration

1985 New York

The Technicolor Process of Color Photography / Slapstick

Symposium

1984 Wien

Film and Cinema in Central Europe (1895-1914) / The

Importance of Non-Industrial Cinema within Our Cultural

Heritage

1983 Stockholm

Film Archiving in the 21st Century (Technical Symposium

FIAF/FIAT)

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- 213 -

1982 Oaxtepec

El Cine olvidado de America Latina / Which Future for the

Past? Keeping Cinema Alive

1981 Rapallo

The Preservation of Color Films / L'Europe des téléphones

blancs (1935-1940)

1980 Karlovy-Vary

Post-War Animation (1945-1959) / Problem of Selection in Film

Archives

1979 Lausanne

Le Cinéma indépendant et d'avant-garde à la fin du muet

1978 Brighton

Cinema: 1900-1906

1977 Varna

The Influence of Soviet Silent Cinema on World Cinema

1976 Mexico

El Cine latinoamericano, realidad o ficción

1975 Torino

Pastrone and Griffith

1974 Ottawa - Montreal

Film Archives and Audiovisual Techniques / The Methodology

of Film History

1973 Moskva

Heritage culturel des metteurs en scène éminents soviétiques,

S.M. Eisenstein et V.I. Poudovkine

1972 Bucuresti

Film Archives and Film Historical Research

1971 Wiesbaden

1970 Lyon

1969 New York

1968 London

1967 Berlin (DDR)

1966 Sofia

1965 Oslo

1964 Moskva

1963 Beograd

1962 Roma

1961 Budapest

1960 Amsterdam

1959 Stockholm

1958 Praha

1957 Antibes

1956 Dubrovnik

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- 214 -

1955 Warszawa

1954 Lausanne

1953 Vence

1952 Amsterdam

1951 Cambridge

1949 Roma

organised by the Cineteca Nazionale di Milano

1948 Kobenhavn

1946 Paris

1939 New York

©2002 FIAF. All right reserved | Developed by DAD | Art Direction : Signes Particuliers S.A.

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ANEXO 4

CONCLUSÕES DO SIMPÓSIO SOBRE O CINEMA E A MEMÓRIA DO

BRASIL (1979)

Os participantes do Simpósio sobre o Cinema e a Memória do Brasil, reunidos no Rio

de Janeiro, sob o patrocínio da EMBRAFILME nos dias 17, 18 e 19 de agosto de 1979,

considerando

˗˗ a existência de um acervo de filmes, estimado em 50% de toda a produção

cinematográfica brasileira;

˗˗ a necessidade de conservação e utilização deste material que, pela sua própria

constituição, sofre ameaça constante de desaparecimento;

˗˗ a existência de entidades particulares, como a Fundação Cinemateca Brasileira e a

Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, que, apesar da omissão dos

poderes públicos, assumiram espontaneamente – ao longo das três últimas décadas – o

ônus de reunir, conservar e promover o estudo deste acervo:

propõem

1. a construção de um arquivo central de matrizes cinematográficas destinado a

custodiar os filmes brasileiros que sobreviveram à ação do tempo e aqueles produzidos

daqui por diante, constituído basicamente por depósitos climatizados para película em

nitrato/acetato ou tape e preto e branco/colorido e por um laboratório de restauração.

2. a criação e dinamização de centros regionais de cultura cinematográfica constituídos

por unidades de produção e por filmotecas (arquivos de cópias de filmes), com a função

básica de prospecção, pesquisa e divulgação do acervo brasileiro, oferecendo à

comunidade a partilha do bem cultural cinematográfico.

3. o estabelecimento de um inventário, de caráter nacional, de bens culturais

cinematográficos (filmes, fotografias, cartazes, livros, revistas, recortes, equipamentos,

etc...) por meio da catalogação padronizada proposta no presente Simpósio e em

processo de implantação na Fundação Cinemateca Brasileira. Para a realização imediata

destas propostas recomendamos a formação de um grupo constituído pela Fundação

Cinemateca Brasileira e a Cinemateca do MAM-RJ, do Centro de Pesquisadores do

Cinema Brasileiro, dos produtores, dos realizadores, da Universidade, sob o patrocínio

da EMBRAFILME.

Competirá ao grupo, além da coordenação dos programas propostos pelo Simpósio,

ouvidas as entidades capazes de prestar colaboração:

1. estudar a legislação do cinema brasileiro no que diz respeito à catalogação,

arquivamento e difusão cultural de filmes.

2. a partir de consultas e reuniões interdisciplinares, em nível municipal, estadual e

federal, promover uma campanha de ampla conscientização sobre a importância do

cinema na preservação da memória nacional, através de, entre outros:

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- 216 -

˗˗ mostras itinerantes de filmes recuperados;

˗˗ a publicações de caráter informativo e de natureza técnica.

A campanha deverá atingir especialmente, por um lado, as Universidades, no momento

em que se discute a implantação de habilitação em Cinema nos cursos de Comunicação

Social, e, por outro, as autoridades competentes, nos três níveis do poder público,

visando à obtenção de recursos.

3. envidar esforços no sentido de conhecer e de tornar acessíveis acervos existentes em

televisões, empresas privadas e em organismos como a Censura Federal, o Ministério

do Exército, a Agência nacional, o Centro Espacial da Aeronáutica, etc.

4. estimular o acesso de pessoas e instituições das mais variadas áreas do conhecimento

à pesquisa do material recuperado.

5. promover o levantamento dos equipamentos existentes no país e propor, conforme os

casos, o aproveitamento dos eventualmente ociosos para desenvolvimento de trabalhos

de recuperação e catalogação.

6. definir prioridades de restauração do acervo brasileiro deteriorado.

7. propor as diretrizes de um programa de formação de recursos humanos especializados

junto a instituições educacionais e culturais.

O Simpósio recomenda que a EMBRAFILME assuma o papel de provedora do

programa unificado, atuando como repassadora de recursos e coordenando a

contribuição das várias entidades, oficiais e particulares, co-participantes do processo.

O Simpósio desaconselha a criação de uma Cinemateca Nacional e enfatiza o

aparelhamento das instituições existentes ˗˗ Fundação Cinemateca Brasileira e a

Cinemateca do MAM-RJ ˗˗, atribuindo-lhes a administração do arquivo nacional de

matrizes cinematográficas, salvaguardados os direitos dos proprietários.

O grupo definirá oportunamente as normas que regerão a administração do arquivo

nacional de matrizes cinematográficas.

Para cumprimento das propostas aqui contidas e diante da situação pela qual passa

atualmente o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, o Simpósio recomenda o

retorno, a manutenção e o fortalecimento, com a autonomia desejada, de toda a

atividade de sua cinemateca.

CALIL, Carlos Augusto; XAVIER, Ismail (Org.) Cinemateca Imaginária: cinema &

memória. Rio de Janeiro, Embrafilme, 1981, p. 66-70.

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- 217 -

ANEXO 5

Recomendação sobre a salvaguarda e a preservação das imagens em movimento

A Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura, reunida em Belgrado de 23 de setembro a 28 de outubro de 1980, em sua 21º

sessão,

Considerando que as imagens em movimento são uma expressão da identidade cultural

dos povos e que, devido a seu valor educacional, cultural, artístico, científico e

histórico, formam parte integrante do patrimônio cultural de uma nação,

Considerando que as imagens em movimento constituem novas formas de expressão,

particularmente características da sociedade atual, e nas quais se reflete uma parte

importante e cada vez maior da cultura contemporânea,

Considerando que as imagens em movimento constituem também um meio

fundamental de registrar a sucessão dos acontecimentos, e que, como tal, são

testemunhos importantes e muitas vezes únicos de história, modos de vida e cultura dos

povos, bem como da evolução do universo,

Observando que as imagens em movimento têm um papel cada vez mais importante

como meios de comunicação e compreensão mútua entre os povos do mundo,

Observando ainda que, ao difundir conhecimentos e cultura em todo ou mundo, as

imagens em movimento contribuem amplamente para a educação e ou enriquecimento

humano,

Considerando, entretanto, que, devido às características de seu suporte material e aos

diversos métodos de sua fixação, as imagens em movimento são extraordinariamente

vulneráveis e devem ser conservadas em condições técnicas específicas,

Observando, ainda, que muitos elementos do patrimônio constituído pelas imagens em

movimento desapareceram devido a decomposições, acidentes ou a uma eliminação

injustificada, ou que representa um empobrecimento irreversível deste patrimônio,

Reconhecendo os resultados obtidos graças aos esforços das instituições especializadas

para salvar as imagens em movimento dos perigos aos quais estão expostas,

Considerando que a necessidade de que cada Estado tome medidas adequadas

destinadas a garantir a salvaguarda e a conservação para a posteridade dessa parte

especialmente frágil de seu patrimônio cultural, do mesmo modo que se salvaguardam e

conservam outras formas de bens culturais como fonte de enriquecimento para as

gerações presentes e futuras,

Considerando, ao mesmo tempo, que as medidas adequadas destinadas a garantir a

salvaguarda e a conservação das imagens em movimento deveriam levar em conta a

liberdade de opinião, expressão e informação, reconhecidas como parte essencial dos

direitos humanos e das liberdades fundamentais inerentes à dignidade humana, e a

necessidade de reforçar a paz e a cooperação internacional, assim como a posição

legítima dos detentores de direitos que participem na produção das as imagens em

movimento, incluindo os direitos de autor e direitos afins,

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Reconhecendo ainda os direitos dos Estados a adotar medidas adequadas à salvaguarda

e conservação das imagens em movimento, tendo em conta as obrigações impostas pelo

direito internacional,

Considerando que as imagens em movimento criadas por os povos do mundo fazem

parte do patrimônio da humanidade em seu conjunto e que, por conseguinte, deveria ser

promovida uma cooperação internacionalmais estreita para salvaguardar e conservar

estes testemunhos insubstituíveis do fazer humano, em particular em beneficio dos

países que dispõem de recursos limitados,

Considerando também que, devido à crescente cooperação internacional, as imagens em

movimento importadas desempenham um importante papel na vida cultural da maioria

dos países,

Considerando que importantes aspectos da história e a cultura de alguns países, em

particular daqueles anteriormente colonizados, estão registrados em forma de imagens

em movimento que nem sempre são acessíveis aos países interessados,

Tomando nota de que a Conferência Geral já aprovou vários instrumentos

internacionais relativos à proteção dos bens culturais móveis, em particular, a

Convenção para a Proteção dos Bens Culturais em Caso de Conflito Armado (1954), a

Recomendação sobre as medidas encaminhadas para proibir e impedir a exportação, a

importação e a transferência de propriedades ilícitas de bens culturais (1964), a

Convenção sobre as medidas que devem ser adotadas para proibir e impedir a

importação, a exportação e a transferência de propriedade ilícitas de bens culturais

(1970) a Recomendação sobre ou intercâmbio internacional de bens culturais (1976) e a

Recomendação sobre a proteção dos bens culturais móveis (1978),

Desejando complementar e ampliar a aplicação das normas e princípios estabelecidos

nessas convenções e recomendações,

Tendo presentes as disposições da Convenção Universal sobre Direito de Autor, da

Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas e da Convenção

para a Proteção dos Artistas Intérpretes ou Executantes, os Produtores de Fonogramas e

os Organismos de Radiodifusão,

Havendo examinado as propostas relativas à salvaguarda e à preservação de imagens em

movimento,

Havendo decidido em sua 20a reunião, que este tema seria objeto de uma recomendação

dirigida aos Estados Membros,

Aprova no dia de hoje, 27 de outubro de 1980, a presente recomendação:

A Conferência Geral recomenda aos Estados Membros que apliquem as seguintes

disposições, adotando as medidas legislativas ou de outra natureza que sejam

necessárias, e em conformidade com ou sistema constitucional ou a prática de cada

Estado, as medidas necessárias para aplicar em seu território os princípios e normas

formulados nesta Recomendação.

A Conferência Geral recomenda aos Estados Membros que divulguem a presente

Recomendação para as autoridades e serviços competentes.

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A Conferência Geral recomenda aos Estados Membros que informem nas datas e nas

formas que determinarem, das medidas que tenham tomado para aplicar esta

Recomendação.

I. Definições

1. Para os efeitos da presente Recomendação:

a) Será entendido por “imagens em movimento” qualquer série de imagens captadas e

fixadas em um suporte (independentemente do método de captação das mesmas e da

natureza do suporte ˗˗ por exemplo, filmes, fitas disco, etc. ˗˗ utilizado inicial ou

posteriormente para fixá-las) com ou sem acompanhamento sonoro que, ao serem

projetadas, dão uma impressão de movimento e estão destinadas à comunicação ou

distribuição ao público ou se produzem com fins de documentação; considera-se que

compreendem entre outros, elementos das seguintes categorias:

i) produções cinematográficas (como filmes de longa e curta-metragem, filmes de

divulgação científica, documentários e atualidades, desenhos animados e filmes

educativos);

ii) produções televisivas realizadas por ou para os organismos de radiodifusão;

iii) produções videográficas (contidas nos videogramas) que no sejam as mencionadas

em i) e ii);

b) será entendido por “elemento de copiagem” ou suporte material das imagens em

movimento, constituído no caso de filme cinematográfico por um negativo, um

internegativo ou um interpositivo, e, no de um videograma por um original, destinando-

se estes elementos de copiagem à obtenção de cópias;

c) será entendido por “cópia de projeção” ou suporte material das imagens em

movimento propriamente destinado à visão e/ou à comunicação das imagens.

2. Para os fins da presente recomendação, será entendido por “produção nacional” as

imagens em movimento cujo produtor, ou pelo menos um dos co-produtores, tenha seu

domicílio habitual n território do Estado de que se trate.

II. Princípios gerais

3. Todas as imagens em movimento de produção nacional devem ser consideradas pelos

Estados Membros como parte integrante de seu “patrimônio de imagens em

movimento”. As imagens em movimento de produção original estrangeira podem

formar parte também do patrimônio cultural de um determinado país quando assumem

particular importância nacional do ponto de vista cultural ou histórico do dito país. Caso

não seja possível, por motivos técnicos ou financeiros, a transmissão da totalidade deste

patrimônio às gerações futuras, se deveria salvaguardar e conservar a maior parte

possível dele. Deveriam ser tomadas as medidas necessárias para coordenar a ação de

todos os organismos públicos e privados interessados, com ou objetivo de formular e

aplicar uma política ativa com este fim.

4. Deveriam ser tomadas as medidas adequadas para que ou patrimônio constituído

pelas imagens em movimento tenha uma proteção física apropriada contra a

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deterioração causada pelo tempo e pelo meio ambiente. Como as más condições de

armazenamento aceleram a deterioração à qual estão constantemente expostos os

suportes materiais e podem causar inclusive sua destruição total, as imagens em

movimento deveriam ser conservadas em arquivos de cinema e de televisão

oficialmente reconhecidos e processadas de acordo com as melhores normas

arquivísticas. Por outro lado, deveriam ser realizadas pesquisas específicas para a

criação de suportes materiais de alta qualidade e duração para a adequada salvaguarda e

conservação das imagens em movimento.

5. Deveriam ser tomadas medidas para impedir a perda, a eliminação injustificada ou a

deterioração de qualquer dos itens que integram a produção nacional. Por conseguinte,

em cada país, deveriam ser encontrados os meios para que os elementos de copiagem ou

as cópias com qualidade de arquivo das imagens em movimento possam ser

sistematicamente incorporadas, salvaguardadas e conservadas em instituições públicas

ou privadas de caráter não lucrativo.

6. Deveria ser facilitado ou mais amplo acesso possível às obras e fontes de informação

que representam as imagens em movimento incorporadas, salvaguardadas e conservadas

por instituições públicas ou privadas de caráter não lucrativo. A utilização destas obras

não deveriam prejudicar os direitos legítimos e os interesses daqueles que intervêm em

sua produção e exploração, segundo ou estipulado na Convenção Universal sobre

Direito de Autor, na Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e

Artísticas, na Convenção para a Proteção dos Artistas Intérpretes ou Executantes, os

Produtores de Fonogramas e os Organismos de Radiodifusão, e na legislação nacional.

7. Para levar a cabo com êxito um programa de salvaguarda e conservação

verdadeiramente eficaz, se deveria solicitar a cooperação de todos os que intervenham

na produção, distribuição, salvaguarda e conservação de imagens em movimento.

Portanto, deveriam ser organizadas atividades de informação pública com objetivo de

inculcar nos círculos profissionais interessados uma visão geral da importância das

imagens em movimento para ou patrimônio nacional e a consequente necessidade de

salvaguardá-las e conservá-las como testemunhos da vida da sociedade contemporânea.

III. Medidas recomendadas

8. Em conformidade com os princípios antes expostos, e de acordo com sua prática

constitucional habitual, os Estados Membros são convidados a tomar todas as medidas

necessárias, inclusive a concessão aos os arquivos oficialmente reconhecidos dos

recursos necessários no que se refere a pessoal, material, equipamentos e fundos para

salvaguardar e conservar efetivamente seu patrimônio constituído por imagens em

movimento de acordo com as seguintes diretrizes:

Medidas jurídicas e administrativas

9. Para conseguir que as imagens em movimento que formam parte do patrimônio

cultural dos países sejam sistematicamente conservadas, Estados Membros são

convidados a adotar medidas em virtude das quais as instituições de arquivo

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oficialmente reconhecidas possam obter, para sua salvaguarda e conservação, uma parte

ou a totalidade da produção nacional do país. Tais medidas poderiam incluir, por

exemplo, acordos voluntários com os detentores de direitos para ou depósito das

imagens em movimento, a obtenção das imagens em movimento através de compra ou

doação, ou a criação de sistemas de depósito legal através de medidas legislativas ou

administrativas apropriadas. Tais mediadas complementariam e co-existiraim com os

acordos vigentes relativos às imagens em movimento de propriedade pública. As

medidas tomadas com este fim deverão ser compatíveis com as disposições da

legislação nacional e com os instrumentos internacionais sobre a proteção dos direitos

humanos, ou direito de autor e a proteção dos artistas intérpretes ou executantes, os

produtores de fonogramas e os organismos de radiodifusão, que se apliquem às imagens

em movimento, e deveriam levar em conta as condições especiais existentes nos países

em desenvolvimento com referência a alguns desses instrumentos. No caso de adoção

de sistemas de depósito legal, estes deveriam estipular que:

a) as imagens em movimento de produção nacional, independentemente de quais sejam

as características materiais de seu suporte ou da finalidade para a qual hajam sido

criadas, deveriam ser depositadas através de pelo menos uma cópia completa, de mais

alta qualidade técnica, acompanhada preferencialmente por elementos de copiagem;

b) o material deveria ser depositado pelo produtor ˗˗ tal como definido pela legislação

nacional ˗˗ que tenha sua sede ou sua residência habitual no território do Estado

concernente, independentemente de qualquer acordo de coprodução estabelecido com

um produtor estrangeiro;

c) o material depositado deveria ser conservado nos arquivos de cinema ou televisão

oficialmente reconhecidos; onde estes arquivos não existem, deveriam ser empreendidos

esforços para criá-los em nível nacional e/ou regional; enquanto arquivos oficialmente

reconhecidos não sejam criados, o material deveria ser conservado provisionalmente em

locais devidamente equipados;

d) o depósito deveria ser feito o mais cedo possível dentro de um prazo máximo

estipulado por regulamentação nacional;

e) o depositante deveria ter acesso controlado ao material depositado cada vez que

necessite efetuar novas cópias, na condição de que tal acesso não cause dano ao

material;

f) conforme disposto nos convênios internacionais e na legislação nacional relativa aos

direitos autorais e de proteção dos artistas intérpretes ou executantes, produtores de

fonogramas e organismos de radiodifusão, os arquivos oficialmente reconhecidos

deveriam ser autorizados a:

i) tomar todas as medidas necessárias para salvaguardar e conservar o patrimônio de

imagens em movimento e, onde seja possível, melhorar sua qualidade técnica; quando

se proceda à reprodução de imagens em movimento, deveriam ser levados em conta

todos os direitos aplicáveis às obras em questão;

ii) proceder à exibição, em suas dependências, de uma cópia de projeção, em caráter não

lucrativo, por um número limitado de assistentes, com finalidades didáticas, de estudo

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ou de pesquisa, sob condição de que tal uso não entre em conflito com a exploração

normal da obra e sempre que não haja risco de dano ao material depositado;

g) o material depositado e as cópias que sejam feitas a partir deles não deveriam ser

utilizadas para qualquer outra finalidade nem deveria ser modificado em seu conteúdo;

h) os arquivos oficialmente reconhecidos deveriam ser autorizados a solicitar aos

usuários que contribuam de maneira razoável a sufragar os custos dos serviços

prestados.

10. A salvaguarda e conservação de todas as imagens em movimento da produção

nacional deveria ser considerada como principal finalidade. Entretanto, enquanto o

progresso da tecnologia não encontra soluções que o permitam em todas partes,

naqueles casos em que não seja possível, por razões de custo ou de espaço, gravar a

totalidade das imagens em movimento difundidas publicamente ou salvaguardar e

preservar a longo prazo todo ou material depositado, convida-se a cada Estado Membro

a estabelecer os princípios que determinem quais imagens devem ser gravadas e/ou

depositadas para a posteridade, incluindo as “gravações efêmeras” que tenham um

excepcional caráter documental. As imagens em movimento que, por seu valor

educativo, cultural, artístico, científico e histórico formam parte do patrimônio cultural

de uma nação deveriam ser conservadas em caráter prioritário. Todo sistema que se

estabeleça com este fim deve prever que a seleção deve ser baseada no mais amplo

consenso possível de pessoas competentes e, com particular referência, os critérios de

avaliação estabelecidos pelos arquivistas profissionais. Além disso, se deve evitar a

eliminação de material até que tenha transcorrido tempo suficiente para permitir uma

correta avaliação. O material assim eliminado deveria ser devolvido ao depositante.

11. Os produtores estrangeiros e os responsáveis pela distribuição pública de imagens

em movimento produzidas no estrangeiro, deveriam ser encorajados de acordo com o

espírito desta Recomendação e sem prejuízo da livre circulação das imagens em

movimento através das fronteiras nacionais, a depositar voluntariamente nos arquivos

oficialmente reconhecidos dos países nos quais são publicamente distribuídos, uma

cópia de mais alta qualidade técnica das imagens em movimento, ressalvando-se todos

os direitos concernentes. Em particular se deverá insistir junto aos responsáveis pela

distribuição de imagens em movimento dubladas ou legendadas no idioma ou idiomas

do país onde são publicamente distribuídas, que são consideradas como parte do

patrimônio de imagens em movimento do país em questão, ou que possuam um valor

importante para fins culturais, de pesquisa e ensino, e portanto devem ser depositadas,

dentro do espírito de cooperação internacional. Os arquivos oficialmente reconhecidos

deveriam tratar de estabelecer tais sistemas de depósito e, além disso, incorporar,

ressalvando todos os direitos concernentes, cópias de imagens em movimento de

excepcional valor universal, mesmo que não tenham sido distribuídos publicamente em

questão. O controle e acesso a tal materia1 deveriam estar regidos pelas disposições do

parágrafo 9 e), f), g) e h) supracitado.

12. Os Estados Membros são convidados a prosseguir no estudo da eficácia das medidas

propostas no parágrafo 11º. No caso de, após um razoável período de prova, a forma

sugerida de depósito voluntário não conseguir assegurar a adequadas salvaguarda e

conservação das imagens em movimento, adaptadas que sejam, de particular

importância, do ponto de vista da cultura e história de um Estado, caberá ao Estado em

questão determinar, de acordo com as disposições de sua legislação nacional, as

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- 223 -

medidas que deveriam ser adotadas para impedir o desaparecimento, particularmente

através da destruição, de cópias das imagens em movimento adaptadas, levando

devidamente em conta os legítimos detentores de direitos sobre estas imagens em

movimento de importância nacional especial.

13. Os Estados Membros são também convidados a investigar a viabilidade de permitir

˗ levando devidamente em conta as convenções internacionais sobre o direito de autor e

a proteção dos artistas intérpretes ou executantes, produtores de fonogramas e

organismos de radiodifusão - aos arquivos oficialmente reconhecidos a utilização do

material depositado para pesquisa e reconhecidas finalidades didáticas, desde que tal

utilização não entre em conflito com a exploração normal das obras.

Medidas técnicas

14. Os Estados Membros são convidados a prestar a devida atenção às normas

arquivísticas referentes ao armazenamento e tratamento das imagens em movimento

recomendadas pelas organizações internacionais competentes em matéria de

salvaguarda e de conservação das imagens em movimento.

15. Além disso, os Estados Membros são também convidados a tomar as disposições

necessárias para que as instituições encarregadas de salvaguardar e conservar o

patrimônio de imagens em movimento adotem as seguintes medidas:

a) estabelecer e facilitar filmografias nacionais e catálogos de todas as categorias de

imagens em movimento, assim como descrições de suas coleções, procurando, onde for

possível, a padronização dos sistemas de catalogação; tal material de documentação

constituiria em seu conjunto um inventário do patrimônio de imagens em movimento do

país;

b) coletar, conservar e disponibilizar, com fins de investigação, registros institucionais,

documentos pessoais e outros materiais que documentem a origem, a produção, a

distribuição e a projeção de imagens em movimento, sob condição de acordo das

pessoas concernentes;

c) manter em boas condições o equipamento, parte do qual talvez já não se utilize no

geral, mas que talvez seja necessário para a reprodução e a projeção do material

conservado ou, quando isto não for possível, assegurar que as imagens em movimento

em questão sejam transferidas para outro suporte material que permita sua reprodução e

projeção;

d) assegurar que sejam rigorosamente aplicadas as normas relativas ao armazenamento,

à salvaguarda, à conservação, à restauração e à reprodução das imagens em movimento;

e) na medida do possível, melhorar a qualidade técnica das imagens em movimento a

serem salvaguardadas e conservadas, assegurando que fiquem em condições

compatíveis com seu duradouro e efetivo armazenamento e uso; quando o tratamento

requerer a reprodução do material, haveria que levar em conta todos os direitos

referentes à imagem em questão.

16. Os Estados Membros são convidados a estimular os organismos privados e os

particulares que possuam imagens em movimento a que tomem as medidas necessárias

para assegurar a salvaguarda e conservação destas imagens em condições técnicas

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adequadas. Estes organismos privados e particulares deveriam ser estimulados a

depositar nos arquivos oficialmente reconhecidos os elementos de copiagem disponíveis

ou, na falta destes, cópias das imagens em movimento feitas antes da introdução do

sistema de depósito.

Medidas complementares

17. Os Estados Membros são convidados a estimular as autoridades competentes e

outros órgãos que se interessem pela salvaguarda e conservação das imagens em

movimento a empreender atividades de informação pública destinadas a:

a) promover entre todos aqueles envolvidos com a produção e distribuição de imagens

em movimento uma noção do valor permanente de tais imagens do ponto de vista

educativo, cultural, artístico, científico e histórico, assim como sensibilizá-los da

consequente necessidade de colaborar para sua salvaguarda e conservação;

b) chamar a atenção do público em geral sobre a importância educativa, cultural,

artística, científica e histórica das imagens em movimento e para as medidas necessárias

para sua salvaguarda e conservação.

18. Deveriam ser tomadas medidas, em nível nacional, no sentido de coordenar as

pesquisas em campos relacionados com a salvaguarda e a conservação das imagens em

movimento e para estimular as investigações dirigidas especificamente para lograr sua

conservação a longo prazo por um custo razoável. Todas as pessoas interessadas

deveriam ser informadas sobre os métodos e técnicas para a salvaguarda e conservação

de as imagens em movimento, inclusive os resultados das investigações relevantes.

19. Deveriam ser organizados programas de treinamento referentes à salvaguarda e a

restauração, abarcando as técnicas mais recentes.

IV. Cooperação internacional

20. Os Estados Membros são convidados a associar seus esforços com objetivo de

promover a salvaguarda e a conservação das imagens em movimento que formam parte

do patrimônio cultural das nações. Tal cooperação deveria ser estimulada pelas

competentes organizações internacionais governamentais e não-governamentais

competentes e deveria compreender as seguintes medidas:

a) participação em programas internacionais para o estabelecimento da infraestrutura

indispensável, nos planos regional ou nacional, necessária para salvaguardar e conservar

ou patrimônio de imagens em movimento dos países que não dispõem de recursos

suficientes ou das instalações apropriadas;

b) troca de informação sobre os métodos e técnicas de salvaguarda e conservação das

imagens em movimento e, em particular, sobre os resultados de as pesquisas mais

recentes;

c) organização de cursos de treinamento nacionais ou internacionais em campos afins,

em particular para os participantes de países em desenvolvimento;

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d) ação comum para a padronização dos métodos de catalogação especificamente

destinados aos arquivos de imagens em movimento;

e) autorização, sujeita às disposições pertinentes dos convênios internacionais e da

legislação nacional que regem o direito de autor e a proteção dos artistas intérpretes ou

executantes, os produtores de fonogramas e os organismos de radiodifusão, para

empréstimo de cópias de imagens em movimento a outros arquivos oficialmente

reconhecidos, exclusivamente para fins didáticos, de estudo ou de pesquisa, desde que

se obtenha o consentimento dos detentores dos direitos e dos arquivos concernentes e

que nenhum dano seja causado ao material emprestado.

21. Deveria prestar-se cooperação técnica, em especial aos países em desenvolvimento,

para assegurar ou facilitar a salvaguarda e a conservação de seu patrimônio de imagens

em movimento.

22. Os Estados Membros são convidados a cooperar para que todos eles possam ter

acesso às imagens em movimento relacionadas com sua história e sua cultura e das

quais no possuam elementos de copiagem ou cópias de projeção. Para esta finalidade,

cada Estado Membro fica convidado a:

a) facilitar, no caso das imagens em movimento depositadas em arquivos oficialmente

reconhecidos e que se relacionem com a história ou a cultura de ouro país, a obtenção,

por parte dos arquivos oficialmente reconhecidos deste país de elementos de copiagem

ou de uma copia de projeção de tais imagens;

b) estimular as instituições e organismos privados existentes em seu território que

possuam tais imagens em movimento, a depositar voluntariamente elementos de

copiagem uma copia de projeção de tai imagens nos arquivos oficialmente reconhecidos

do país em questão.

Quando necessário, o material fornecido de acordo com (a) e (b) deveria ser posto à

disposição contra reembolso das despesas por parte do requisitante. Entretanto,

considerando o custo envolvido, os elementos de copiagem ou as cópias de exibição das

imagens em movimento conservadas pelos Estados Membros como propriedade pública

e que se relacionem com a história e a cultura dos países em desenvolvimento, deveriam

estar disponíveis para os arquivos oficialmente reconhecidos destes países em condições

particularmente favoráveis. Qualquer material a ser fornecido de acordo com este

parágrafo deverá levar em conta os direito de autor e dos direitos dos artistas intérpretes

ou executantes, dos produtores de fonogramas e dos organismos de radiodifusão.

23. Quando um país tenha perdido imagens em movimento pertencentes a seu

patrimônio cultural ou histórico, independente das circunstâncias, e em particular como

consequência de uma ocupação colonial ou estrangeira, os Estados Membros são

convidados, no caso de solicitação destas imagens, a cooperar, no espírito da Resolução

5/10.1/1, III, adotada pela Conferência Geral em sua vigésima reunião.

UNESCO. Recommendation for the Safeguarding and Preservation of Moving Images.

Belgrado, 1980. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0011/001140

/114029s.pdf#page =163 e Recomendação sobre a salvaguarda e a conservação das

imagens em movimento (traduzido do espanhol por Cosme Alves Netto), in: CALIL;

XAVIER, 1981, p. 141-160.

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ANEXO 6

UNESCO INSTRUMENT FOR THE SAFEGUARDING AND PRESERVATION

OF THE AUDIOVISUAL HERITAGE: CCAAA ISSUES PAPER

The Coordinating Council of Audiovisual Archive Associations (CCAAA) proposes the

establishment of new UNESCO instrument as a framework to encourage the

preservation of audiovisual heritage.

Audiovisual media in all its formats – films, radio and television programs, audio and

video recordings, ‘new media’ – are the documents most characteristic of the 20th

and

21st centuries. Their cultural influence and informational content is immense, and

rapidly increasing. Transcending language and cultural boundaries, appealing

immediately to the eye and the ear, to the literate and illiterate alike, they have

transformed society by becoming a permanent complement to the traditional written

record. Their content cannot be reduced to written form, and its integrity is closely tied

to the format of its carrier – be it film, magnetic or optical media.

Most audiovisual media are inherently fragile. Since they are not human-readable, both

their survival and accessibility are also vulnerable to rapid technological change.

Preservation needs to be guided by specialised skills and structures, supported by

appropriate national legislation.

Much of the world’s audiovisual heritage has been irrevocably lost through neglect,

destruction, decay and the lack of resources, skills, and structures, impoverishing the

memory of mankind. Much more will be lost if stronger and concerted international

action is lacking.

The context

The Recommendation for the Safeguarding and Preservation of Moving Images was

adopted by the General Conference of UNESCO on 27 October 1980. A breakthrough

at the time, it was developed largely in conjunction with FIAF (International Federation

of Film Archives). The Recommendation was the first instrument to recognise the

cultural necessity of preserving moving images, then primarily embodied in film and

analogue videotape. It had wide effect as a reference point and statement of principles.

In the quarter century since, however, there has been vast technological and structural

change in the audiovisual archiving field, including the emergence of digital media, and

abroad recognition that the sound as well as the image heritage needs protection. These

needs now go well beyond the provisions of the 1980 Recommendation.

Established in 2000, the CCAAA is the peak forum of the audiovisual archiving

profession and represents the following associations, each of whom has formal relations

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with UNESCO:

• AMIA (Association of Moving Image Archivists)

• IASA (International Association of Sound and Audiovisual Archives)

• ICA (International Council on Archives)

• FIAF (International Federation of Film Archives)

• IFLA (International Federation of Library Associations and Institutions)

• FIAT/ IFTA (International Federation of Television Archives)

• SEAPAVAA (South East Asia – Pacific Audiovisual Archive Association)

On behalf of its members, the CCAAA presents the following issues as a starting point

for the drafting of a new instrument.

The issues

1 General assumptions and scope

In 1980, the Recommendation perceived moving images as a new and increasingly

important form of expression and record. 25 years later, however, both moving images

and sound recordings are no longer “new”, and that there is general public acceptance of

the need for their preservation on equal terms with the older media. A new document

should take that acceptance as a given.

The inherent fragility of the audiovisual media, its vulnerability to technological

change, and hence the need for preservation to be guided by appropriately specialised

skills and structures, needs to be specifically recognised.

The scope of the 1980 Recommendation is limited to moving images (with or without

accompanying sounds). While an appropriate basis at the time, both UNESCO and the

profession now recognise a much wider audiovisual heritage which includes the entire

spectrum of moving images and recorded sounds in all their forms. A new instrument

will reflect the fact that consciousness, as well as UNESCO terminology, has moved on

considerably.

2 Definitions and terminology

The list of definitions in the Recommendation is brief and now out of date. A new

instrument should comprehensively cover the whole audiovisual spectrum, and embrace

professional concepts as well as physical formats and technical terminology. The

opportunity should be taken to draw on relevant definitions standardised both by

UNESCO and the various professional federations, especially those represented in the

CCAAA. Further, definitions and terminology should avoid being format- and- time

specific, and inclusive of the widening range of audiovisual carriers and delivery

methods, so they will not become dated as formats and methods continue to evolve.

For example, terms like film, magnetic media, optical media, audiovisual heritage,

recording, archival, analogue, digital, preservation, document, new media, content and

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carrier will need to be defined. To illustrate, below are two sample definitions:

Archival materials are those intended to be kept so they may be available for

future generations, regardless of their age at the time of acquisition (used by Association

of Moving Image Archivists)

Preservation is the totality of the steps necessary to ensure the permanent

accessibility – forever - of an audiovisual document with the maximum integrity

(Derived from UNESCO publications Memory of the World: General Guidelines to

safeguard documentary heritage and Audiovisual Archiving: Philosophy and

Principles)

3 Technical change and audiovisual heritage

The Recommendation emphasises the physical terminology of film (for example in the

“Definitions” section) as current in 1980. Since then, the proliferation of video and

digital formats and the advent of the internet have had the unintended effect of actually

the application and reducing the force of the Recommendation.

So dramatic are these changes that public perception has not kept pace with them.

“Audiovisual heritage” and “digital heritage” often seem equivalent terms, because

images and sounds are easily accessed by computer. Yet the difference is fundamental.

“Digital” is a technology. “Audiovisual” – moving images and recorded sounds - is a

language of communication and expression which uses a progression of technologies.

Audiovisual documents have a linear character, integrity and intellectual accessibility

which makes them inherently different to (for example) the written word or the painting,

regardless of format or carrier. Digital technology offers a means of surrogate access to

all forms of document, as well as modes of interpersonal communication. While

recognising the role played by digital technology in archives, it is essential to explain

the difference, which extends, inter alia, to methods of preservation, documentation and

access and to curatorial expertise. (Refer definitions in UNESCO’s Audiovisual

Archiving: Philosophy and Principles. )

Since 1980, too, other areas of heritage which impinge on the audiovisual arena have

been recognised by UNESCO. An important example is the Convention for the

Safeguarding of the Intangible Cultural Heritage which aims to ensure the transmission

of oral traditions, language, and performing arts. An effective means of preservation and

transmission is the moving image and sound recording. Once fixed in this form, this

intangible heritage becomes part of the audiovisual heritage. Some of the world’s most

important collections of such recordings are already inscribed on the Memory of the

World Registers.

4 Concepts of national production and audiovisual heritage

The concept of ‘national production’ is harder to define now in an age of globalisation –

of international co-productions, the reach of satellite and cable television, internet

delivery of images and sounds, and the pervasive marketing of CDs and DVDs. A wider

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and perhaps more appropriate concept is that of “national audiovisual heritage” which

can be defined to include the generality of moving images and sounds which document

and express a nation as a place and people, and which influence its culture and society,

regardless of where they originate. There is a need to review these concepts to match

current and anticipated future reality.

5 Survival of the heritage

In paras 4 and 5, the Recommendation covers the physical and circumstantial needs for

the preservation moving images, and the question of physical deterioration. Today the

challenge is much wider, as archives face the effects of technological change and the

progressive obsolescence of both carriers and hardware across the audiovisual spectrum.

Further, we are more aware now that survival of the heritage is much more than a purely

physical or chemical issue. Collections need to be surrounded by stable and continuing

organisational structures, by the necessary technical and curatorial skills and

knowledge, guided by a professional philosophy and ethos which will maximise the

possibility of the heritage being faithfully transmitted from one generation to the next.

These realities, too, need to be recognised and factored in.

A crucial, and primary, step in developing preservation strategies is the provision of

descriptions, using common standards, to identify holdings, particularly unique titles, so

strategic planning and collaborative decision making can occur. Documentation of the

preservation/ restoration process, and descriptions of the resulting elements, also help in

the discovery of material through on-line, public access catalogues. The encouragement

of common standards in cataloguing and metadata is now a strategic need.

6 Copyright and access

In para 6, the Recommendation duly recognises protection of the rights of copyright

holders. Since 1980, however, the legal landscape has shifted dramatically, significantly

extending the duration of copyright control over audiovisual works, which is more often

vested in corporations than in individual creators. The change has been driven by the

diversification of delivery technologies and the opening up of increased marketing

opportunities for archived audiovisual works.

A positive outcome of this change has been a significant investment by corporate rights

holders in the restoration and re-release of important films, programs and recordings.

On the other hand, it now takes longer for works to pass into the public domain, and this

has diminished unfettered access to the public memory.

Likewise, many broadcasters hold vast archives of images and sounds which are used

internally but to which public research access is not available. Broadcasters may

logically argue that they have no obligation and cannot justify providing an expensive

public service for no financial return.

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The ability of archives to carry out their obligation to preserve, and hence to generate

copies of moving images and sounds, has, in some cases, become inhibited by legal

change. This has happened at the very time when technological change and increasing

networking among archives is making possible the preservation of ever increasing

volumes of material. The difference between the public right to preserve the national

memory, and the private right to control commercial exploitation, needs to be made

explicit.

At the core of these changes is the tension between two sets of rights – private control

and democratic access to the public memory. While there are no easy answers (for

example, should broadcasters be obliged to provide public access to their archive in

exchange for the privilege of holding a licence for public broadcast?), a new instrument

needs to do more than simply acknowledge the obligation to honour copyright control.

It needs to articulate the underlying principles and propose both mandatory and

voluntary measures which can be taken to balance them.

7 Deposit systems and selection

In para 7 and 9 of the Recommendation, considerable attention is given to the concept of

the mandatory deposit of moving images in archives – an extension of the long

established practice of the legal deposit of printed materials in national libraries. This

was an innovative idea in 1980, and it is a measure of the effectiveness of the

Recommendation over the last quarter century that the idea has since found increasing

philosophical support and practical implementation around the world.

But it is now time to urge the concept of statutory deposit of audiovisual materials as

the norm, using the analogy of printed materials in libraries and recognising that the

audiovisual media are an even more pervasive and integral component of contemporary

life and culture. As national libraries already do, archives should be free to exercise

professional judgement in implementing selection policies, for not everything can or

should be preserved.

8 Archives

At several points, the Recommendation refers to “officially recognised [film and

television] archives” but does not further define what these are. In 1980 it was perhaps

unnecessary to do so. The characteristics of a film archive had been well defined by

FIAF, and television archiving was still relatively embryonic.

Today the picture is far more complex. Multiple federations comprise the CCAAA and,

beyond, the larger profession. There is a profusion of organisational models, whether

public, private non-profit, or commercial.

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Unlike National Libraries and (traditional) National Archives, which in most countries

are autonomous institutions defined by their own legislation or charters, audiovisual

archives are often less secure structures operating without the permanency and assured

mandate conferred by legislation. Even large, venerable and apparently secure archives

have found themselves under threat of dismantlement because of this vulnerability.

Public trust, as well as the survival of the audiovisual heritage, is reliant on structures

that have guaranteed stability and continuity.

A new instrument needs to set forth a definition of an audiovisual archive that is

sufficiently detailed to act as a practical international reference point. This would serve

both as a model to countries yet to set up such archives, and to mitigate threats to the

stability and continuity of existing archives. Logical elements in the definition would

include the importance of defining legislation, permanence and continuity, professional

autonomy, skilled and knowledgeable personnel, physical facilities, public

accountability and policy base, and ethical base.

Deposit provisions should apply to publicly funded archives with recognised national

responsibilities, and should apply to both commercial and non-commercial productions.

Such archives should, in turn, have a responsibility to network with other archives in

their country in order to maintain an overview, promote principles and offer some

protection for unique and valuable material in those collections, be they commercial or

noncommercial, “official” or otherwise. If bound together by common standards of

preservation and description so that they become one “virtual archive”, their data, and

perhaps limited access, can be open to all.

9 Training

The new instrument should make reference to the need for every archive to have, or

aspire to, adequately trained personnel. 25 years ago few training opportunities were

available to audiovisual archivists. Today, specialised postgraduate courses operate in

several countries and the hunger, and need, for training is immense. The field has

matured and is gaining recognition as a profession in its own right. As has long been the

case in the fields of librarianship, museology and archival science, some form of

accreditation is a defining mark of the professional and in many cases is an entry level

requirement for jobs in the field. This transition is now happening for audiovisual

archivists.

The inclusion of this issue should act as a stimulus to the growth of training possibilities

and aid the global recognition of audiovisual archiving as a profession. It should also

encourage schools of librarianship and information science to include more courses

covering issues in the management of audiovisual materials.

10 Standards

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In para 15 and elsewhere, the Recommendation refers to the standards of work carried

out in moving image archives. It is important now to recognise not only to technical

standards in a generic sense, but to explicitly recognise the essentiality of curatorial and

ethical standards. While current documents setting out such standards should not be

mentioned specifically (the references will soon get out of date) the range of documents

and their potential sources should be mentioned in the new instrument.

Reference should also be made to UNESCO’s own standards, if these are of a

permanent nature. This would include relevant conventions, guidelines and

publications. (Specific mention could be made of UNESCO instruments accessible on

the website).

11 International cooperation

The Recommendation recognises that archiving resources and expertise are very

unevenly spread around the world, and the need for the “haves” to assist the “have

nots”. There is agrowing global awareness among archives of the need for active

international cooperation and mutual assistance in all areas of their work, and the

beginning of programs to achieve this. A new instrument needs to stimulate this process

by emphasising the interdependence of archives and archivists.

For countries that were former colonies, “repatriation” of heritage is a legitimate issue

which needs to be recognised in the new instrument.. In the audiovisual context, this

does not necessarily mean the return of originals to the country or origin, but rather the

provision, over time, of suitable copies. This allows the receiving countries to flesh out

their national audiovisual heritage. While the idea of repatriation raises practical issues -

such as the process of locating relevant material in the archives of the former coloniser,

financial support for making copies, and issues of copyright - the principle needs to be

endorsed. Practicalities aside, one archive should not prevent another from retrieving its

national heritage.

Recommendations

1 A new instrument for the Safeguarding and Preservation of the Audiovisual

Heritage should be prepared and adopted. There is now a need for a document with

some binding power on signatory states, or which at the very least can promulgate a frae

of reference and exert some moral force.

2 It should take the text of the existing Recommendation as its starting point for

the purposes of drafting. It is important to build on the credibility of the

Recommendation and see the new instrument as a logical development from it.

3 Cross references should be made to other relevant UNESCO instruments, such

as the Memory of the World: General Guidelines, the Convention for the safeguarding

of Intangible Cultural Heritage, and the Charter on the Preservation of the Digital

Heritage.

Version 1.0 1 April 2005

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ANEXO 7

MERCOSUR/GMC/RES. Nº 49/03

REUNIÓN ESPECIALIZADA DE AUTORIDADES CINEMATOGRÁFICAS Y AUDIOVISUALES DEL MERCOSUR

VISTO: El Tratado de Asunción, el Protocolo de Ouro Preto, el Protocolo de Integración Cultural del MERCOSUR, el Protocolo de Montevideo sobre Comercio de Servicios y las Decisiones Nº 4/91, 9/91 y 59/00 del Consejo del Mercado Común.

CONSIDERANDO: La conveniencia de establecer un foro destinado al análisis y desarrollo de mecanismos de promoción e intercambio de la producción y distribución de los bienes, servicios y personal técnico y artístico relacionados con la indústria cinematográfica y audiovisual en el ámbito del MERCOSUR.

EL GRUPO MERCADO COMÚN RESUELVE:

Art. 1 - Crear la “Reunión Especializada de Autoridades Cinematográficas y Audiovisuales”, con la finalidad de analizar, desarrollar e implementar mecanismos destinados a promover la complementación e integración de dichas industrias em la región, la armonización de políticas públicas del sector, la promoción de la libre circulación de bienes y servicios cinematográficos en la región y la armonización de los aspectos legislativos. Art. 2 - La Reunión Especializada de Autoridades Cinematográficas y Audiovisuales del MERCOSUR estará integrada por los representantes gubernamentales del sector de los cuatro Estados Partes, y la coordinación de las respectivas Secciones Nacionales será ejercida por los órganos nacionales que cada Estado Parte determine, e integrada con las entidades representativas del Sector Privado. Art. 3 - En el desarrollo de sus actividades, la Reunión Especializada podrá contar con el asesoramiento de las asociaciones regionales sin fines de lucro, reconocidas legalmente, que tengan por objeto temas relacionados con la indústria cinematográfica y audiovisual en áreas relativas a los objetivos y principios del MERCOSUR. Art. 4 - La Reunión Especializada podrá sesionar con la presencia de Chile y Bolivia en aquellos temas de interés común, de acuerdo a las Decisiones CMC N° 14/96 y 12/97. Art. 5 - Esta Resolución no necesita ser incorporada al ordenamiento jurídico de los Estados Partes por reglamentar aspectos de organización o del funcionamiento del MERCOSUR.

LII GMC - Montevideo, 10/XII/03