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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICA SOCIAL MERCI PEREIRA FARDIN O PRONAF E OS SEUS REFLEXOS PARA AGRICULTURA FAMILIAR VITÓRIA 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICA SOCIAL

MERCI PEREIRA FARDIN

O PRONAF E OS SEUS REFLEXOS PARA AGRICULTURA FAMILIAR

VITÓRIA

2014

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MERCI PEREIRA FARDIN

O PRONAF E OS SEUS REFLEXOS PARA AGRICULTURA FAMILIAR

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Política Social do Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito para obtenção do título de Mestre em Política Social. Orientador: Prof. Dr. Rogério Naques Faleiros

VITÓRIA 2014

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Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)

Fardin, Merci Pereira, 1979-F221p O PRONAF e os seus reflexos para a agricultura familiar /

Merci Pereira Fardin. – 2014.146 f. : il.

Orientador: Rogério Naques Faleiros.Dissertação (Mestrado em Política Social) – Universidade

Federal do Espírito Santo, Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas.

1. Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Brasil). 2. Reforma agrária. 3. Agricultura familiar. 4. Modernização da agricultura. I. Faleiros, Rogério Naques, 1978-. II. Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas. III. Título.

CDU: 32

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MERCI PEREIRA FARDIN

O PRONAF E OS SEUS REFLEXOS PARA AGRICULTURA FAMILIAR

Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Política Social do Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito para obtenção do título de Mestre em Política Social.

___________________25 de Setembro de 2014.

COMISSÂO EXAMINADORA

------------------------------------------------------------ Profº. Dr . Rogério Naques Faleiros Universidade Federal do Espírito Santo Orientador

------------------------------------------------------------ Profª. Dra. Renata Moreira Universidade Federal do Espirito Santo

------------------------------------------------------------ Profº. Dr. André Michelato Universidade Federal do Espirito Santo

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Este trabalho é dedicado ao sempre presente Professor e amigo Reinaldo

Antonio Carcanholo. Ele que, de forma militante, contribuiu para a minha formação

política tanto em suas aulas, sempre esplendidas, como nos cursos ministrados por

ele em colaboração com a Federação dos Estudantes de Agronomia (FEAB) e a Via

Campesina, espaços que além da contribuição na formação política alimentaram a

minha vontade de lutar por uma sociedade mais justa.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço ao professor e orientador Rogério Naques Faleiros

pelas, sempre pertinentes, colaborações ao trabalho. No mestrado, observando-o,

aprendi a admirá-lo pelo seu empenho e apreço ao trabalho acadêmico e pela luta

por uma Universidade Pública de Qualidade.

Agradeço a FAPES, que ao me contemplar com uma bolsa de estudos ao

nível de mestrado, me possibilitou a realização deste trabalho.

Aqui fica registrada, além do agradecimento, a admiração ao conjunto de

amigos que formei nestes quase três anos. Amigos com os quais partilhei

discussões, certezas e dúvidas. Assim, agradeço a Claudinei, Pedro Rozales, André,

Aline, Daniel, Carol, Taís, Rafael, Cristiano, Charles, Demian e Noelle. Em particular,

um agradecimento especial à Helder Gomes, pela grande amizade, convívio e por

sua disposição diária que nos contagia.

Agradeço também ao grupo de professores do Programa de Pós-Graduação

em Política Social, em especial, a Paulo Nakatani, Renata Moreira, Mauricio

Sabadini e Ana Targina. Além do Professor André Michelato pelas colaborações

realizadas em minha banca de avaliação junto a Professora Renata Moreira. O

agradecimento se estende à Elda Alvarenga, Winnie, Admison e Eliandra, amigos

que muito colaboraram com incentivos e momentos de descontração.

Sobretudo a todos trabalhadores (as) da UFES que por seus trabalhos diários

nos possibilitaram um espaço de reflexão e estudo.

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RESUMO

O presente trabalho busca através do estudo da modernização da agricultura,

com foco no período de 1965-2012, compreender o papel do Estado na formulação

de políticas agrícolas que conduz o desenvolvimento do modo de produção

capitalista na agricultura. Utiliza-se como fonte de pesquisa dados secundários de

agências governamentais, supranacionais e autores com tradição no estudo do

tema, a fim de dissertar sobre as particularidades do desenvolvimento do capitalismo

na agricultura em um país de economia dependente e subdesenvolvido. Para isso,

faz-se necessário compreender o controle exercido pelo capital internacional sobre

os elos estratégicos da economia, a perpetuação da segregação social e a

superexploração do trabalho como base da sociedade nacional. Conclui-se que o

Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), política

agrícola que surge em meados da década de 1990, criado para pequenos

produtores, vem promovendo feitos similares à política agrícola formulada pelo

Estado no período do regime militar que ficou classificado como modernização

conservadora. Nesta direção, o PRONAF apresenta como estratégia o esforço de

enquadrar agricultores familiares nos paradigmas da eficiência produtiva, que acaba

resultando entre aqueles aptos (competitivos) e não aptos para a sobrevivência no

mercado.

Palavras Chaves: PRONAF, Modernização da Agricultura, Dependência e Reforma

Agrária

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ABSTRACT

This study aims to uderstand the role of the state in the formulation of agricultural

policies that drive the development of the capitalist mode of production in agriculture,

through the study of the agricultural modernization, focusing on the 1965-2012

period. We used, as a source of research, secondary data from government and

supranational agencies, as well as authors with a history in the study of the topic, in

order to demonstrate the peculiarities of development of capitalism in agriculture of

underdeveloped country with a dependent economy. Hence, it is necessary to

understand the control exerted by foreign capital on strategic links of the economy,

the perpetuation of social segregation and the over-exploitation of labor as the basis

of national society. We concluded that the National Program for Strengthening Family

Agriculture (PRONAF), agricultural policy that was created in the mid-1990s for small

producers, has been promoting deeds similar to those of the agricultural policy

formulated by the State during the military regime, which was classified as

conservative modernization. In this sense, PRONAF presents the strategy to fit family

farmers in the paradigms of production efficiency, resulting in the segregation

between those apt (competitive) and those inapt for survival in the market.

Key Words: PRONAF; Modernization of Agriculture; Dependence; Agrarian Reform.

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ÍNDICE DE TABELAS

TABELA 1: Países com maior número de empresas na agroindústria ......................... 48

TABELA 2: Participação % dos principais clientes nos financiamentos concedidos

pela PGPM .............................................................................................................................. 53

TABELA 3: Crédito para custeio e participação dos principais insumos modernos

(milhões de cruzeiros, 1977) ................................................................................................ 55

TABELA 4: Beneficio por incapacidade concedido pelo INSS (total e rural em

milhares)- Brasil 2000, 2005 e 2009 ................................................................................... 76

TABELA 5: Operações do Banco do Brasil - linha de crédito especial - 2008 ............ 77

TABELA 6: Desembolsos do BNDES – 2001 e 2011 (em bilhões de R$) ................... 78

TABELA 7: Valor adicionado pelos agregados II e III do complexo rural mundial, nos

anos de 1950, 1960, 1970, 1980, 2000 E 2028 (Em bilhões de dólares) .................... 97

TABELA 8: financiamento rural - programação e aplicação de recursos safras

2010/2011 e 2011/2012 ........................................................................................................ 98

TABELA 9: Valor Bruto Total (VBP), Financiamento Total (FT) .................................. 106

TABELA 10: Agricultores Familiares – Estabelecimentos, área, VBP e financiamento

total segundo as regiões............................................................................................

107

TABELA 11: Pessoal ocupado na agricultura familiar segundo INCRA/FAO ............ 107

TABELA 12: Pessoal ocupada nos estabelecimentos agropecuários segundo dados

do IBGE ................................................................................................................... 108

TABELA 13: Agricultores familiares – Acesso à tecnologia e à assistência técnica 108

TABELA 14: Tipo de agricultores familiares, participação em áreas (%) e

participação nos financiamentos ........................................................................ 111

TABELA 15: Os diferentes tipos de agricultores por região .................................... 112

TABELA 16: Renda total (RT) ................................................................................. 113

TABELA 17: Agricultura familiar – número de estabelecimentos, área, VBP,

financiamentos totais e rendimentos por hectares em reais de 1996 (R$ 96/ha) .... 114

TABELA 18: Imóveis rurais: número e área (2003-2010) ........................................ 120

TABELA 19: Indicadores comparativos ................................................................... 121

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TABELA 20: Evolução do montante de recursos e número de contratos do PRONAF

no Brasil e Grandes Regiões, anos agrícolas de 2002/2003 – 2009/2010 (1). ....... 127

TABELA 21: Evolução dos projetos de assentamento e n° de famílias assentadas

................................................................................................................................ 128

TABELA 22: Principais produtos atividade e finalidade PRONAF 2010 .................. 129

TABELA 23: Fontes de crescimento da agricultura brasileira: taxas de crescimento

dos índices parciais de produtividade (trabalho, terra e capital) – Brasil (1975-2010)

(em %) ..................................................................................................................... 131

TABELA 24: Participação dos insumos – Brasil (1970, 1995-1996 e 2006) (Em %)

................................................................................................................................ 132

TABELA 25: Brasil – Indicadores de uso de tecnologia (1995-1996) ...................... 133

TABELA 26: Resultados de produção Brasil – projeção de produção 2010/2011 –

2020/2021 ............................................................................................................... 135

TABELA 27: Brasil no comércio mundial de alimentos – participação em % .......... 135

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ÍNDICE DE FIGURAS

FIGURA 1: Principais fontes dos recursos financeiros do PRONAF (2000-2010)..... 95

FIGURA 2. Linhas de créditos disponíveis para os grupos básicos do PRONAF ... 122

FIGURA 3: Evolução do crédito .............................................................................. 125

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LISTA DE SIGLAS E ACRÔNIMOS

ALCA - Aliança para o Livre Comércio das Américas

ANDA - Associação Nacional para Difusão de Adubos

BACEN - Banco Central

BM - Banco Mundial

BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Social

CAI - Complexo Agroindustrial

Camex - Câmara de Comércio Exterior

CMN - Conselho Monetário Nacional

CODEFAT - Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador

DAP - Declaração de Aptidão de Produtor rural

EMATER - Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural

EMBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

FAO - Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura

FAT - Fundo de Amparo ao Trabalhador

FCO - Fundo Constitucional do Centro-Oeste

FMI - Fundo Monetário Internacional

FNE - Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste

FNO - O Fundo Constitucional de Financiamento do Norte

FT - Financiamento Total

FUNCAFÉ - Fundo de Defesa da Economia Cafeeira

GATT - Acordo Geral de Tarifas e Comércio

IBC - Instituto Brasileiro de Café

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

II PND - 2° Plano Nacional de Desenvolvimento

INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

INSS – Instituto Nacional de Previdência Social

MAPA - Ministério da Agricultura Pesca e Agricultura

MCR - Manual do Crédito Rural

MDA - Ministério do Desenvolvimento Agrário

MERCOSUL - Mercado Comum do Sul

MSTR- Movimento Sindical Trabalhadores Rurais

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NPK – fertilizante contendo Nitrogênio-Fósforo-Potássio

OGU - Orçamento Geral da União

OXFAM - Organização do Poder do Povo e Desenvolvimento e contra a Pobreza

PGPM - Política Garantidora de Preço Mínimo

Proagro - Programa de Garantia da Atividade Agropecuária

PROGER RURAL - Programa de Geração de Emprego e Renda Rural

PRONAF - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

RT- Renda Total

SNCR - Sistema Nacional de Crédito Rural

UTC - Unidades de Trabalho Contratada

UTF - Unidades de Trabalho Familiar

VBP - Valor Bruto da Produção

VBP*- Valor Bruto - ajustado - da Produção

VCO - Valor do Custo de Oportunidade

IDE - Investimentos Diretos Estrangeiros

SAF - Secretaria da Agricultura Familiar

SDR - Secretaria de Desenvolvimento Rural

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SUMÁRIO

1.INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 14

CAPITULO 2: A MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA .......................................... 28

2.1. Questão Agrária e Modernização Agrícola ..................................................... 28

2.2. Imperialismo e Burguesia Agrária ................................................................... 33

2.3. Modernizações Conservadora da Agricultura Brasileira ................................. 44

2.3.1. Transformação da base técnica da agricultura e constituição do Complexo

Agroindustrial (CAI) ............................................................................................ 45

2.4. Política de financiamento rural ........................................................................ 52

2.5. Política Tecnológica ....................................................................................... 55

2.6. Integração de capitais X integração técnico-produtiva.................................... 57

2.6.1. Pequenos produtores e as diversas formas de associação ..................... 59

CAPITULO 3: A CONTINUAÇÃO DA MODERNIZAÇÃO CONSERVADORA SOB A

ÓTICA NEOLIBERAL ............................................................................................... 64

3.1. Acumulação sob a égide do Capital Financeiro .............................................. 64

3.2. A onda neoliberal no Brasil e a economia do agronegócio ............................. 70

3.3. A Organização do Crédito Rural no período Neoliberal .................................. 79

3.4. O novo modelo de gestão do Crédito Rural .................................................... 82

3.4.1. Possíveis implicações das soluções de mercado..................................... 85

3.4.2. A prática da gestão estratégica do crédito rural ....................................... 88

CAPITULO 4: O PRONAF ......................................................................................... 99

4.1. A controversa agricultura familiar ................................................................... 99

4.2. Caracterização da agricultura familiar brasileira ........................................... 105

4.3. Caracterização dos tipos de agricultura familiar ........................................... 110

4.4. O PRONAF, opção de modernização à Reforma Agrária ............................. 115

4.5. Caracterização do PRONAF ......................................................................... 121

4.6. Histórico de mudanças ocorridas no PRONAF ............................................. 123

4.7. O PRONAF e a que veio ............................................................................... 125

5. CONCLUSÃO ...................................................................................................... 136

6. BIBLIOGRAFIA ................................................................................................... 139

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1.INTRODUÇÃO

Antes de passar ao estudo do Programa Nacional de Fortalecimento da

Agricultura Familiar (PRONAF) deve-se fazer um resgate das principais

transformações no ambiente político-econômico que vieram a promover uma série

de mudanças na política agrícola no período 1990-2010 e transformaram a atuação

do Estado.

Primeiramente, a economia brasileira foi exposta as políticas liberalizantes do

processo de globalização dos negócios, com o programa de ajuste à crise da dívida

externa dos anos 1980 e, a partir da década de 1990, com a adesão ao Consenso

de Washington e conseqüentemente as adaptações exigidas pela ordem global,

promoveu-se a desarticulação das bases que davam sustentação ao programa de

substituição de importações, quando realizaram a abertura indiscriminada da

economia brasileira à concorrência internacional e à ação dos grandes grupos

econômicos internacionais, quebrando o padrão de mobilidade social que vigorava

desde 1970, que gerava empregos, mesmo que de forma precária, e absorvia parte

do contingente expulso do campo.

A crise da dívida externa e sua solução pela adesão passiva do Brasil ao

projeto de liberalização global, fizeram aumentar significativamente a violência no

campo e na cidade e recolocaram a questão agrária no centro do debate. Entretanto,

como parte das políticas do processo de globalização, entra em curso uma série de

medidas a partir de 1980 com a rodada do GATT, e em 1990 com a criação da

Organização Mundial do Comercio (OMC), onde as negociações relativas a

agricultura tomaram um papel fundamental no conjunto das negociações comerciais

internacionais (DELGADO, 2007).

Essas mudanças representaram o fim do regime comercial internacional que

vigorava desde Bretton Woods, onde a agricultura por imposição dos Estados

Unidos ficava fora das negociações comerciais internacionais realizadas no âmbito

das Rodadas do GATT e do processo de liberalização tarifária. No entanto, uma

grave crise no comércio mundial de commodities agrícolas, levou a um processo de

liberalização do comércio mundial.

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Em uma das rodados do GATT, onde se aprovou o acordo sobre Agricultura,

mesmo com pouco significado, se tratando de liberalização do comercio agrícola, em

especial nos países desenvolvidos, organizou-se a ação dos Estados na agricultura

em três pilares básicos: acesso a mercados, apoio doméstico e subsídio à

exportação (DELGADO, 2007).

Em primeiro lugar, deve-se perceber que a criação da OMC, o acordo sobre a

agricultura e a exploração da dívida externa dos países subdesenvolvidos, foram

concebidas perante um movimento intenso por parte dos Estados Unidos para

retomar sua hegemonia (política, econômica e militar). Esse movimento afetou

principalmente os países latino-americanos, primeiro com a crise da dívida externa

depois com a imposição das políticas liberalizantes e privatizações do chamado

Consenso de Washington. Além de terem que cumprir um conjunto de acordos

firmados com o Banco Mundial e o FMI que alteraram o papel do Estado diante da

economia.

Assim, esse movimento de restauração conservadora substituiu o regime

internacional de Bretton Woods, de liberalização restringida (DELGADO, 2007) por

um regime de liberalização não-restringida, o qual passou a ser caracterizado como

a globalização financeira ou neoliberal. No entanto, entende-se que esse regime tem

como objetivo frear, ou eliminar quando possível, a capacidade dos países

subdesenvolvidos de implementarem políticas domesticas autônomas.

Neste contexto, os pagamentos dos juros e amortizações passaram a ser o

objetivo principal da política econômica dos países devedores, sendo realizados

acordos com FMI e BM para implantação de um programa de austeridade financeira,

onde é articulada a redução da intervenção do Estado no processo produtivo

efetivado com as privatizações das empresas estatais. Essas mudanças puderam

ser vistas na política agrícola levando a “rearticulação do complexo agroindustrial”

(DELGADO, 2012) e no desenvolvimento de uma política agrícola que envolvesse

pequenos e médios agricultores em programas de modernização através da

rearticulação do crédito rural, em detrimento do projeto de reforma agrária em curso

até o presente momento.

O dados liberados pelo INCRA são reveladores e mostram que o Governo

Dilma tem o pior desempenho em relação a famílias assentadas desde 1995, são

22.021 famílias assentadas no primeiro ano do governo Dilma contra, 36.301

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famílias no primeira ano do governo Lula e 42.912 famílias no primeiro ano do

governo de Fernando Henrique Cardoso (BRASIL DE FATO, 2012), caracterizando

um claro sinal de desvio no programa de política agrária. Entretanto, viu-se um

aumento considerável do crédito agrícola tanto para a agricultura patronal como para

a agricultura familiar através do PRONAF. Estas mudanças representam a perda de

autonomia do Estado frente as determinações do capital estrangeiro, onde o objetivo

passou a ser gerar saldo na balança comercial que servirá para cumprir com os

custos da dívida.

Ao acirrar a subordinação da agricultura aos desígnios do capital financeiro,

observou-se na agricultura brasileira um processo que vem apresentando

concentração fundiária, maior controle direto ou indireto do capital internacional

sobre a exploração agrícola; nova rodada de grilagem de terra e exacerbação da

superexploração do trabalho (SAMPAIO JR, 2013).

Nesse cenário de disputa por terra, de um lado são apresentados movimentos

sociais surgidos com a democratização e o fim da ditadura militar caso do

Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), Movimento dos Pequenos

Agricultores rurais (MPA), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB),

Federação dos Agricultores Familiares (FETRAF) e Confederação Nacional dos

Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) e, do outro lado, as organizações

representantes dos “latifundiários: Confederação Nacional da Agricultura (CNA),

União Democrática dos Ruralistas (UDR) e Associação Brasileira do Agronegócio.

O Estado, desta forma, reformula sua política fundiária e agrícola no intuito de

atender uma estratégia estatal-privada de acumulação de capital, que conforma o

padrão de crescimento econômico perseguido neste período 1990-2010 que se

caracteriza como sendo de especialização produtiva, onde o agronegócio tem papel

de destaque.

O objetivo do trabalho é identificar a trajetória de implantação do PRONAF,

que é considerado como a principal política para o setor da agricultura familiar da

agricultura brasileira.

Indica-se que o PRONAF está profundamente influenciado pelas concepções

de políticas públicas dos órgãos que implementaram o Consenso de Washington

como o Banco Mundial e o FMI, onde concebe-se o papel das agriculturas do

terceiro mundo na Nova Divisão Internacional do Trabalho, que vem sendo

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redesenhada nos últimos anos. Embora não esteja explicitado nos documentos

oficiais, acreditamos que um novo modelo de desenvolvimento agrário não parece

supor a agricultura familiar como protagonista do desenvolvimento econômico, mas

apenas uma política de desenvolvimento rural que se propõe a reduzir os drásticos

níveis de pobreza que caracteriza o novo cenário da acumulação de capital. Essa

seria a perspectiva a ser alcançada com os agricultores mais pobres ou

classificados como excluídos, segundo relatório da INCRA/FAO (2000) “o novo

retrato da agricultura familiar”.

O mesmo relatório abrange o significado de agricultor familiar para

agricultores que segundo sua classificação seriam os consolidados e os em

processo de classificação que, para esses, o PRONAF teria como objetivo integrá-

los a produção do agronegócio incrementando o saldo na balança comercial.

Observa-se que o objetivo do nosso trabalho é a análise do PRONAF, no

entanto, procuramos resgatar os antecedentes que levaram a sua proposição, antes

de analisarmos os seus efeitos. Para isso, buscou-se compreender os efeitos da

penetração do capitalismo no campo, através da modernização conservadora da

agricultura (DELGADO, 1985) e seus efeitos nos pequenos agricultores. O processo

levou a uma mudança de estrutura num espaço de tempo muito curto caracterizando

o que Gilberto Mathias e Pierre Salama classificaram como a causa do

subdesenvolvimento, ou seja, a agressão das relações mercantis provocadas num

espaço de tempo muito breve.

A penetração do capitalismo no campo, seu desenvolvimento na cidade, têm como pré-condição e como suporte a violência. Essa violência se manifesta graças ao apoio direto (repressão) e indireto (legislação, formas modernas de paternalismo) do Estado. O Estado, com efeito, é o local e o meio de difusão dessas relações mercantis (MATHIAS, G. ; SALMA, P., 1983 p.103).

Sendo como é, trabalhamos com a hipótese de que o PRONAF serve de

forma geral ao propósito de modernização da agricultura, através da expansão das

relações mercantis, sendo sua principal proposição uma alternativa de crédito

subsidiada aos pequenos produtores que vem servindo ao desenvolvimento de

relações mercantis junto aos pequenos produtores. O que procuramos demonstrar

com o estudo do PRONAF é o desenvolvimento de agricultores familiares

subordinados às agroindústrias e as cooperativas capitalistas, efeito relatado por

Silva (1981, p. 129):

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Nesse caso a apropriação do excedente dá-se através do financiamento dos insumos e da assistência técnica, que cria um dependência do pequeno produtor e o força a adotar um novo padrão técnico; e através de um mercado monopsônico da matéria-prima industrial por ele produzida. Nessa forma de articulação da agricultura com a indústria, a propriedade privada da terra detida pelo pequeno produtor e mesmo o caráter “independente” ficam bastante desacreditados.

Embora o texto seja de uma outra época, as políticas públicas constituídas

sobre a influencia do atual modelo de acumulação só reforçou os elementos de

dominação da indústria sobre os agricultores. O PRONAF exige dos produtores

contratação de assistência técnica e compra de insumos modernos para a liberação

do crédito e em alguns casos determinam os gêneros agrícolas passiveis com

financiamento que na maioria dos casos vem a atender as Industrias.

* * * *

No primeiro capítulo, buscamos expor a importância da questão agrária como

nó estratégico do processo histórico de formação do Brasil contemporâneo,

ressaltando a importância do latifúndio como uma das bases fundamentais do

padrão de acumulação e dominação do capitalismo dependente. Outra importante

questão relatada nesse capitulo foi a participação do capital estrangeiro e de suas

transnacionais no processo de modernização da agricultura, modernização que deu

a essas transnacionais uma importante posição na extração da renda produzida na

agricultura pelos trabalhadores rurais.

A monopolização da terra e de outros recursos acarreta necessariamente na

exploração dos recursos não monopolizados, ou seja, o trabalho, e a subutilização

de todos os recursos. Sendo assim, procuramos demonstrar como um dos principais

objetivos do latifúndio, tanto no plano individual quanto no social, não é usar a terra,

mas impedir que outros a utilizem. Ao negarem a terra a quem dela necessita

colocam os mesmos sob o domínio dos poucos que a detém, e, conseqüentemente,

são explorados de todos os modos, especialmente por meio de salários insuficientes

a reprodução da força de trabalho, o que Marini (2000) classificou como

superexploração do trabalho.

O processo de industrialização vivenciado no período de 1950 - 1985 tem

como elemento fundamental a aliança constituída entre Capital nacional, Estado e

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Capital Internacional, processo que constituiu a aliança entre os capitais e soldou os

interesses da burguesia nacional com a oligarquia latifundiária e o capital

estrangeiro, dando início a um novo regime de acumulação que teria como base um

modelo de desenvolvimento calçado na industrialização para substituição de

importações e na modernização conservadora da agricultura. A aliança, constituída

entre as classes superiores e a superexploração a que submeteram a classe

trabalhadora, romperam com os acordos que possibilitava governar mediante bases

democráticas, assim para manter o regime de acumulação a ditadura cívica – militar

foi implantada.

Com o Regime Militar, o modelo de desenvolvimento calçado na

industrialização e as novas funções desempenhadas pelo Estado, entre eles: os

fortes investimentos estatais no setor agrícola, a organização de uma política de

crédito, a execução de um plano de colonização, expropriação da pequena

produção, o apoio a produção de determinados produtos voltados à exportação,

assim como a formação de um parque industrial voltado para o setor, o latifúndio

livrava-se da sua condição tradicional, para assumir novos papeis econômicos frente

ao desenvolvimento capitalista, sendo assim a sua redenção, com uma mudança

significativa na sua formação caracterizada pela fusão entre os interesses do setor

com os interesses da indústria.

É evidente que as características da modernização agrícola deste período estão profundamente associadas à ditadura militar então existente, cuja base social de apoio político influenciou decisivamente quais foram os grupos sociais favorecidos e quais foram os penalizados: principalmente agricultores capitalistas, empresas do CAI (nacionais e multinacionais), latifundiários “tradicionais” e “modernos”, sistema financeiro, no primeiro caso, e basicamente pequenos agricultores, assalariados rurais (em particular os temporários, “bóias-frias”), populações rurais sem terra, no segundo (DELGADO. 2009 p.10)

A necessidade do modelo de desenvolvimento brasileiro em manter o

monopólio dos meios de produção levou a realização de uma modernização da

agricultura e uma industrialização em dependência com o capital estrangeiro. Pelo

monopólio a burguesia brasileira irá implantar um regime de exploração baseado na

superexploração do trabalho e para isso terá no Estado sob uma ditadura militar às

garantias para a sustentação de tal regime de acumulação.

Para Dos Santos (1974), a relação de interdependência é forjada quando os

países dominantes e os dependentes em relação ao comércio mundial permitem que

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os dominantes se auto-impulsionem enquanto que os dependentes somente podem

fazê-lo como reflexo da expansão dos países dominantes. Assim essa situação faz

com que os países dependentes permaneçam atrasados e sob exploração dos

países dominantes.

A estrutura fundiária e o regime de terras foram ajustados integralmente às

exigências do padrão de acumulação e dominação do capitalismo dependente sob o

império do capital monopolista interno e externo. O Estado teve a importância

estratégica de manter a sustentação de tal regime de acumulação, pra isso teve que

naturalizar a presença do latifúndio dando a ele uma função econômica através da

sua modernização.

Com a garantia do regime de acumulação o capital estrangeiro é atraído para

o Brasil, demonstrando a preferência em investimentos na agroindústria alimentar e

em setores tecnologicamente de ponta. As multinacionais americanas vão ter grande

influência na transformação da agricultura brasileira e é através delas que o Brasil

vai ser tornar um grande produtor e exportador de cereais tendo a soja com um dos

seus principais produtos.

Ficam destacadas como mudanças significativas na estrutura econômica, as

transformações que se operam no conjunto da sociedade, como o crescimento

rápido da urbanização e do comercio exterior agrícola, mudança na base técnica de

produção rural e consolidação simultânea de um sistema de crédito rural, que apóia

e potencializa a realização do projeto de modernização conservadora da agricultura.

Outro ponto que deve ser ressaltado é a manutenção do latifúndio que o sistema de

crédito veio fortalecer, já que era fonte de obtenção em condições favoráveis de

juros, prazos e carências.

Como marca desse processo de modernização temos o Estado envolvido

profundamente na regulação desse processo, destacando não apenas o seu papel

de financiador, por intermédio do Sistema de crédito e das políticas de comercio

exterior e de preços, mas pode-se também atribuir ao Estado a articulação orgânica

do departamento de Bens de Produção da Indústria para a agricultura, a

reestruturação do sistema de pesquisa e extensão rural, além da complementação

da produção interna de Bens de Capital e de insumos agroquímicos.

Assim, conclui-se o capitulo afirmando o Estado como elemento central na

orientação do regime de acumulação capitalista que imperou no período de 1950-

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1985, na crise da divida externa e na insatisfação popular, pondo fim ao regime de

acumulação que tinha como base o modelo de substituição de importação e a

modernização conservadora da agricultura.

No segundo capítulo, procurou-se relatar as transformações impostas pela

crise da dívida nos elementos que constituíam os pilares do regime de acumulação,

isto é, a superação da crise da divida impôs um conjunto de reformas liberalizantes

que alteraram as funções do Estado, do Capital estrangeiro e do capital nacional.

Sendo que o Capital nacional foi levado a uma posição subalterna e o Estado

passou por um processo de aprofundamento da dependência.

As condições de articulação, de financiamento e de continuidade do padrão

de crescimento industrial que predominou no pós-guerra romperam-se

definitivamente a partir do início da década de 1980, como conseqüência da crise da

dívida externa e de suas principais formas de manifestação com a impossibilidade

de acesso ao mercado internacional de crédito combinada com a elevação brusca

da remessa de juros por conta do enorme aumento das taxas internacionais; a

profunda crise institucional e financeira do Estado nacional; e a aceleração

vertiginosa da inflação. Com isso, a política macroeconômica – especialmente

monetária, fiscal e comercial ficou refém da necessidade de viabilizar internamente

os pagamentos relativos ao serviço da dívida externa e de impedir que o

agravamento do endividamento público externo e da taxa de crescimento dos preços

empurrasse a economia para a hiperinflação. E tudo isso com a aceitação, a partir

de 1983, do monitoramento e da fiscalização do Fundo Monetário Internacional

(FMI) (DELGADO, 2009).

É fundamental considerar, ademais, que no início dos anos 1980 aprofunda-

se a crise de poder e de legitimidade da ditadura militar, a qual já se vinha

acumulando desde a segunda metade da década passada, culminando na

redemocratização institucional do país em 1985, depois de 21 anos de ditadura, e na

convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte para, em 1987, elaborar uma

nova Constituição, promulgada em 1988.

As condições de articulação, de financiamento e de continuidade do padrão

de crescimento industrial que predominou no pós-guerra romperam-se

definitivamente a partir do início da década de 1980, como conseqüência da crise da

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dívida externa e de suas principais formas de manifestação, como a impossibilidade

de acesso ao mercado internacional de crédito, combinada com a elevação brusca

da remessa de juros por conta do enorme aumento das taxas internacionais; a

profunda crise institucional e financeira do Estado nacional; e a aceleração

vertiginosa da inflação.

Neste contexto, a política macroeconômica – especialmente monetária, fiscal

e comercial – ficou refém da necessidade de viabilizar internamente os pagamentos

relativos ao serviço da dívida externa e de impedir que o agravamento do

endividamento público externo e da taxa de crescimento dos preços empurrasse a

economia para a hiperinflação. E tudo isso com a aceitação, a partir de 1983, do

monitoramento e da fiscalização do Fundo Monetário Internacional (FMI).

No Brasil, pode-se afirmar que o projeto neoliberal assumiu forma concreta no

Plano Real, impulsionado a partir do primeiro governo de Fernando Henrique

Cardoso, em 1994. Em linhas gerais, as políticas levaram a adaptação da economia

brasileira ao movimento de internacionalização do grande capital. O plano

pavimentou com pedras de brilhantes o caminho dos grandes bancos, empresas

multinacionais e especuladores.

A década de noventa é marcada pela redução das funções do Estado e pela

continuidade de um processo de financiamento seletivo de alguns complexos

agroindustriais vinculados à remuneração do capital estrangeiro operante ou

transitando na economia. Esse projeto se tornou a grande aposta da inserção

brasileira na divisão internacional do trabalho, mas, o que chama a atenção nesse

arranjo de economia política é o formato de extração do excedente econômico que o

sistema engendra para fazer funcionar esse peculiar projeto (DELGADO, 2012).

A exploração dos recursos naturais e o fator explicativo à inserção externa

fazem crescer a importância da renda fundiária como componente essencial do

excedente econômico que esse padrão de acumulação de capital perseguirá. Isto

não exclui evidentemente a intensificação do pacote técnico-produtivo que estará

sendo incorporado à renda fundiária pelo capital. Entretanto, a maior parte da

inovação técnica terra-intensiva vincula-se a um pacote tecnológico já disseminado

há décadas na economia mundial, sob controle dos ganhos da produtividade de um

número muito reduzido de empresas transnacionais.

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Aparecem novas reivindicações: por políticas de preços e de crédito rural para

pequenos agricultores tecnificados; por melhores preços e condições contratuais e

por agricultores integrados às agroindústrias (fumo, suínos, frango, uva,

principalmente), especialmente no Sul do país. Estas ganham visibilidade e espaço

público nos novos movimentos sociais rurais, como o MST, o Movimento dos

Atingidos por Barragens, o movimento de mulheres trabalhadoras rurais, o Conselho

Nacional dos Seringueiros e antigas e novas representações do movimento sindical,

como a CONTAG e a CUT. Além da presença de entidades da Igreja Católica, como

a CPT, e de organizações não-governamentais - FASE, IBASE, CEDI, ABRA etc. -

que se envolveram na Campanha Nacional pela Reforma Agrária e pela mobilização

da sociedade civil a favor da reforma agrária durante a Assembléia Constituinte.

Um ponto alto da revitalização do debate sobre a reforma agrária como

questão pública de interesse político, econômico e social na década de 1980 foi a

elaboração da Proposta de Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA),

apresentada como uma das prioridades do governo da chamada Nova República,

que se seguiu ao término do regime militar (MEDEIROS, 2002).

O PNRA recebeu o apoio da CONTAG e a oposição do MST e da CUT. No

campo dos atores favoráveis à reforma agrária enfrentou também uma forte

oposição dos representantes das elites agrárias, que criaram uma nova organização,

a UDR, com o objetivo precípuo de evitar a aprovação do Plano, de ganhar espaço

na mídia contra a reforma agrária, de combater as ocupações de terra lideradas pelo

MST, e de influenciar a Assembléia Constituinte na defesa do direito de propriedade

da terra e no bloqueio da criação de canais constitucionais capazes de viabilizar

uma ampla reforma agrária.

Em função do processo acima descrito, buscou-se no terceiro capítulo

demonstrar que o grau de institucionalização das forças que reivindicam pela

reforma agrária e pela construção de um modelo alternativo de desenvolvimento

rural baseado na agricultura familiar, vão disputar com o agronegócio, o

reconhecimento do Estado como interlocutores no debate em torno das políticas

públicas para o meio rural e a hegemonia na construção de propostas de

desenvolvimento para o campo.

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Todavia, a indiscutível força política do agronegócio, e sua importante função

para qual foi escalada, gerar saldo na balança comercial, levou o projeto

democratizante no meio rural a uma posição política subalterna. O projeto de

reforma agrária é freado e parte significativa dos recursos passa a ser destinado

para um projeto de construção de infraestrutura ao meio rural e de crédito agrícola,

como o demonstram, por exemplo, com a criação do PRONAF em 1996, que pode

ser visto como uma conquista no reconhecimento da importância nacional dos

agricultores familiares, mas vem servindo para uma nova rodada de “modernização

conservadora”, já que há clara preferência pelos agricultores mais capitalizados e

produtores de commodities agrícolas.

O objetivo do capítulo é identificar a trajetória de construção da concepção do

PRONAF, que é considerada como a principal política para o setor de agricultura

familiar da agricultura brasileira. As indicações finais são de que o PRONAF está

profundamente influenciado pela concepção do Banco Mundial de política pública

voltada para diminuir os níveis de pobreza na agricultura do Terceiro Mundo e de

recolocar parte desses produtores no projeto de produção de commodities

estabelecido pela nova Divisão Internacional do Trabalho que vem sendo desenhada

nos últimos anos.

Embora os documentos oficiais do Governo produzirem um argumento

contrario, acreditamos que o novo modelo de desenvolvimento não parece supor a

agricultura familiar como protagonista do desenvolvimento econômico, mas apenas

uma política de desenvolvimento rural que se propõe a reduzir os níveis de pobreza

e conduzir de maneira subordinada agricultores consolidados e em processo de

consolidação, classificados segundo o relatório FAO/INCRA 2000, a economia do

agronegócio. O Estado não tem fôlego financeiro para sustentar uma política de

gastos públicos generalizados com a agricultura nos moldes do crédito subsidiado

da década de setenta e nem dos preços mínimos dos anos oitenta. É nesse contexto

que a construção do PRONAF entra em discussão.

Procuramos compreender também o efeito que organizações multilaterais

exercem sobre a formulação dessa política pública. Para isso, procurou-se analisar a

concepção do banco Mundial e da FAO de agricultura brasileira e de suas funções

no momento de emergência de uma nova divisão internacional do trabalho e como

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propõem algumas bases para a elaboração de novas políticas para a agricultura do

Brasil e de países de terceiro mundo.

O Banco Mundial em seu relatório vê emergir no futuro uma agricultura

dirigida pela empresa privada, oferecendo oportunidades para novos pretendentes e

regulada por um conjunto mínimo e neutro de intervenção estatal. Para o Banco

Mundial o papel ideal do governo seria minimizar as intervenções se restringindo aos

bens públicos, folhas de mercado e proteção ambiental. Já o desenvolvimento rural,

deveria ficar por conta de uma mistura de atividades públicas e privadas.

O papel do governo seria assegurar as normas e a neutralidade da legislação

e dos gastos. As intervenções financeiras ou de regulamentação nas atividades

comerciais precisarão ser retiradas, portanto, nas propostas do Banco Mundial para

o governo brasileiro em relação à agricultura, observa-se que as características

desta proposta estão em harmonia com o que é preconizado pelo receituário

neoliberal do Estado mínimo, da predominância das regras de mercado, da

prevalência da iniciativa privada, além da desregulamentação das atividades

comerciais. Sobra para a intervenção estatal, apenas a defesa do bem público, a

correção das falhas de mercado e a proteção.

Procuramos demonstrar que este relatório tem “influenciado as políticas

traçadas pelo Estado brasileiro, a partir de 1994 – ano que o sucede. Para isso o

PRONAF apresenta-se como a melhor referência documental” (VILELA, 1997).

Chamamos a atenção já que o PRONAF não seria a única política do governo com

as marcas do documento, mas o programa representa os maiores esforços e guarda

os maiores recursos se caracterizando como o carro chefe da política estatal.

As justificativas do governo pela agricultura familiar está em sua capacidade

em gerar empregos, transformando-o em uma alternativa socialmente desejada para

atacar parte dos problemas sociais urbanos derivados do desemprego rural e da

migração descontrolada na direção campo-cidade (PLANAF, 1995). No entanto,

procuramos no presente trabalho questionar tal política mostrando o maior montante

de crédito e de recursos sendo disponibilizados para o agronegócio e decrescente

número de trabalhadores rurais e de agricultores familiares caracterizados nos

dados do Censos 1996 – 2006, o que evidencia um descompasso nos objetivos do

governo.

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Além de realizar apenas um discurso em favor da agricultura familiar, já que

quando se observa as contas do Estado pode-se constatar clara manutenção de

uma política de favorecimento ao agronegócio destinando-se um volume de recursos

financeiros muito superior a esse segmento. Esse favorecimento ao agronegócio

pode ser verificado também na execução do PRONAF, e para descrever como tal

processo acontece se faz necessário descrever algumas das diretrizes e objetivos

do programa.

Na definição de quem seria beneficiado pelo programa, o governo adotou a

caracterização dos tipos de produtores agrícolas existentes no Brasil elaborados

pelo projeto FAO/INCRA. Foram tipificados dois segmentos de agricultores: os

Patronais e os Familiares. No interpor do segmento da agricultura familiar foi

estabelecida uma divisão cujo o critério fundamental de diferenciação é a renda

bruta proveniente exclusivamente da agricultura. Assim, resultou a subdivisão em

categorias: a Agricultura Familiar Consolidada, com 1,5 milhão de estabelecimento;

a Agricultura Familiar em Transição, com 2,5 milhões de estabelecimentos; e a

Periférica, com 2,5 milhões de estabelecimentos.

Além das categorias de agriculturas familiares, o estudo (FAO/INCRA, 2000)

avançou e procura estabelecer o grau de integração ao mercado, acesso a

assistência técnica, graus de uso de tecnologia e principais produtos produzidos por

cada grupo de agricultores familiares. Em nosso trabalho procuramos construir uma

relação entre os produtos produzidos pelos agricultores ao seu nível de integração

ao mercado.

Embora o mercado na maior parte das vezes configurasse à necessidade dos

complexos agroindustriais, ou seja, as agroindústrias de avicultura, suinocultura,

sucos, e alimentos processados, também existe a necessidade de produtos

específicos como milho, soja e frutas diversas, como o tomate, sendo assim, os

agricultores integrados assumem a condição de produtores desses gêneros

trabalhando em consonância com as agroindústrias.

Uma característica desses produtores é a grande especialização de suas

produções necessitando para isso de insumos modernos, já que seu ambiente é

extremamente competitivo, sendo esta competitividade fomentada pelas indústrias

ao negociarem preços, prazos e exigirem qualidades dos produtos. Esses

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produtores são os produtores familiares classificados como consolidados que se

encontram entre os com os maiores níveis de renda.

Assim, quando o relatório FAO/INCRA (2000) enaltece os agricultores

consolidados preconizando seu grau de integração ao mercado, a proposta contida

no relatório é de um projeto de modernização da agricultura familiar tendo como

modelo a agricultura familiar consolidada, isto é, uma agricultura familiar integrada

aos grandes complexos agroindustriais que vem sendo fortalecido pelas políticas

estatais.

Para compreender os dados do PRONAF procurou-se apoiar o trabalho em

autores como: Schneider (2010) e Mattei (2004), e em relatórios realizados por:

IPEA (2010; 2013) e IBASE (1999) que demonstram o significativo decréscimo da

produção de feijão, arroz e mandioca à medida que estes produtores se

especializam nas produções para o mercado. Contanto, o relatório realizado pelo

IPEA (2013) e os Anuários do Banco Do Brasil vem demonstrando que os recursos

do PRONAF vêm servindo para impulsionar as culturas de mercado sendo seus

recursos destinados principalmente para Soja, Milho e Café, commodities agrícolas

fortemente vinculadas ao comércio internacional.

Embora exista grande número de publicações a respeito da agricultura

familiar e da sua importância como produtores de alimentos e fornecedores de

postos de trabalho para a população brasileira, prova-se, mediante dados do IBGE

(1996, 2006) e apoiados nos estudos de Gemer (2002) e Oliveira (2013) que sua

importância e o número de agricultores vêm diminuindo ao longo do tempo, o que

demonstra a clara concentração e exclusão do processo de modernização em curso

no Brasil. Procura-se evidenciar que além de serem insuficientes as políticas

públicas aqui analisadas para a manutenção dos agricultores familiares, elas não

vêm promovendo melhores condições de vida para os trabalhadores rurais.

O PRONAF se apresenta, sobretudo, como uma política extremamente

contraditória em suas proposições. Com o objetivo de fortalecer a agricultura familiar

e suas características como a produção de alimento e postos de trabalho, vem, no

entanto, implantando uma modernização que estabelece o contrário, ou seja,

conduzindo o crédito aos segmentos mais modernos dos agricultores familiares que

vem promovendo a promoção de agricultores médios e concentrando a terras em

suas mãos.

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CAPITULO 2: A MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA

2.1. Questão Agrária e Modernização Agrícola

Para melhor entender o processo de modernização da agricultura brasileira,

faz-se necessário compreender a passagem da economia agrária para a economia

industrial no Brasil, que tem seu início na década de 1950, ou seja, acompanhar as

transformações que ocorrem na sociedade brasileira quando a indústria torna-se o

centro da expansão capitalista e da divisão social do trabalho.

Nesse período (1950) ocorrem transformações econômicas que não foram

acompanhadas por mudanças políticas de mesma magnitude. No entanto, essas

transformações políticas entraram num processo de amadurecimento que

desembocou no golpe militar de 1964.

O que caracteriza os anos cinqüenta, quando ocorre a passagem da

economia agrícola para a economia industrial, embora a industrialização

encontrasse entraves no processo de sua constituição, é essa tentativa de dar o

salto “[...] ‘crescer 50 anos em 5’, slogan da campanha Kubitschek e

consubstanciado no Plano de Metas” (OLIVEIRA, 1989, p.116).

Nesta época, não havia no histórico do desenvolvimento do capitalismo no

Brasil um processo de acumulação prévio; isto é, de uma acumulação que se

cristalizasse na máquina e que expressasse o consumo do trabalho vivo pelo

trabalho morto. Isto porque, o desenvolvimento do capitalismo no Brasil tem sua

base centrada na exploração do trabalho e, nesse sentido, ela apresenta uma

enorme capacidade de acumulação, mas em compensação, tinha uma base

capitalista propriamente dita pobre em termos de máquinas e equipamentos.

Para essa nova empreitada irá se configurar uma aliança entre três forças: o

Estado, o Capital Estrangeiro e a Economia Exportadora. Nesse período, o Estado e

o Capital Estrangeiro irão se redefinir, dando uma nova qualidade ao processo

econômico e político.

O Capital Estrangeiro trouxe para a economia nacional aquele fator que a

baixa capacidade de acumulação capitalista prévia não permitiu ao

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desenvolvimento, isto é, a máquina e equipamentos, formando um parque industrial

integrado e atendendo as necessidades da economia nacional. Como demonstra

Francisco de Oliveira (1989).

Tem a virtualidade de transformar de poder potencial o trabalho vivo, isto é, a exploração do trabalho mediante a utilização de um trabalho morto acumulado, vale dizer, de uma tecnologia em processos, máquinas e equipamentos que vão potenciar o trabalho, a exploração do trabalho e, portanto a própria acumulação. Essa é sua qualidade nova. Em períodos anteriores, o capital estrangeiro na economia brasileira esteve basicamente aplicado em setores de infra-estrutura, serviços, energia elétrica, ferrovias, portos em alguns casos e na comercialização dos excedentes agrícolas para o exterior. Dos anos cinqüenta em diante, ele vai mudar de setor, trazendo essa nova qualidade que é a possibilidade de transformar e de potenciar o trabalho – portanto de, em outros termos, aumentar a produtividade do trabalho na economia brasileira (OLIVEIRA, 1989 p.116-117).

Mudanças também ocorrem no âmbito do Estado, que deixará de cumprir

com seu compromisso oligárquico stricto sensu, isto é, deixará de comprometer-se

com a valorização do café, principal produto de exportação das oligarquias regionais

do País. A ele se atribui um novo papel, que passará a investir no setor industrial por

diversas razões, uma delas seria a de garantir certas tarefas de segurança nacional,

uma vez que não poderiam ser cumpridas ou sustentadas pela força da burguesia

nacional em confronto com o capital estrangeiro. Mas, para isso, não deixará de

exercer seu papel de mediador entre as diversas forças sociais em ação e em

disputa.

Já a velha economia exportadora irá cobrar fortes direitos no momento em

que se empregarem esforços para aprofundar a divisão social do trabalho via

industrialização.

Tem-se agora uma configuração de base produtiva em que comparecem a burguesia nacional, perdendo gradualmente peso e importância, a emergência crescente das próprias empresas estatais e, no comando de importantes setores da estrutura produtiva, o capital estrangeiro. Abaixo estão todas as classes sociais que, pelo próprio avanço da divisão social do trabalho, vão ganhando diferenciações especificas; seus interesses começam a ter contornos mais nítidos (OLIVEIRA, 1989, p.119-120).

O Estado vai administrar as relações das diferentes classes sociais para

garantir a acumulação por parte das classes dominantes. Para isso, se buscará uma

legitimação ora utilizando-se de mecanismos conciliatórios, ora de instrumentos de

repressão sob uso de força física. O que determinará a passagem de um modo de

legitimação ao outro é a intensa diferenciação social que surge com a

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industrialização. Essa diferenciação social trará consigo novos interesses, que o

Estado será incapaz de administrar, reverberando em uma crise política que terá sua

solução com o golpe militar e a opressão que este exerceu sobre os grupos

contestadores.

O período pós-1964 é marcado pelo aprofundamento das tendências já

constituídas na década de 1950, mas com a particularidade de viver num período de

regime militar, assim marcado por uma relação de força explícita mais

desmascarada. A utilização de força por parte do Estado pode ser vista no processo

de desarticulação das Ligas Camponesas no Nordeste. Para liquidar com esta, além

do uso da força, reforça-se taticamente o latifúndio, mas a necessidade desse

reforço representa seu sinal de agonia (OLIVEIRA, 1989).

Nesse sentido, deve-se entender o processo de modernização da agricultura,

como sendo de modernização do latifúndio, servindo aos interesses da acumulação

em vigência com base na estruturação monopolística da economia.

Para ampliar o controle monopolista da economia brasileira, o Estado tem que

romper com acordos existentes com as classes subalternas, já que a ampliação da

acumulação em uma estrutura produtiva de base monopolística se faz com uma

maior exploração dos trabalhadores urbanos e dos camponeses.

A política econômica pós-64 deve ser entendida como uma forma de atender

os diferentes interesses do tripé, constituído para garantir a acumulação e, portanto,

uma política econômica cujo centro vai estar na tentativa, a qualquer custo, de

manter e aprofundar a estruturação de corte monopolístico da economia brasileira.

Essa estruturação levou à maior concentração da renda, o que torna muito difícil a

sustentação do tripé mediatizada pelo Estado. Para isso, faz-se uso do “Estado

forte, o regime de exceção, a ditadura civil ou militar, com poucos entreatos de

democracia limitada, de cidadania tolerada. Entreatos em geral apenas a setores

das populações urbanas das grandes cidades” (IANNI, 2004, p.242).

É nesse contexto que se deve entender a reforma agrária no Brasil, que é

bloqueada pela natureza das alianças constituídas no âmbito do Estado entre

burguesia nacional e oligarquia agrária, e pelo papel do País na divisão internacional

do trabalho, como produtores de matéria-prima e alimentos, e fornecedores de força

de trabalho barata. Os compromissos assumidos entre capital estatal, capital

estrangeiro e capital nacional, levaram o capital nacional à posição subalterna,

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caracterizando a dependência do capitalismo brasileiro administrado por uma

burguesia dependente que vai ter suas atividades diretamente relacionadas à

superexploração do homem do campo e do trabalhador urbano. Desta forma, faz-se

necessário a preservação das desigualdades sociais no campo para permitir

deprimir o preço da força de trabalho e maximizar o excedente extraído da

agricultura.

Nesse sentido, o latifúndio passa a ser um elemento estratégico do padrão de

acumulação e do padrão de dominação do capitalismo dependente, sendo o

desequilíbrio existente na correlação capital-trabalho uma condição para a

superexploração do trabalho fonte de riqueza da burguesia (SAMPAIO JR, 2013).

Outra característica desse processo político é a forma como as alianças são

construídas dentro de uma tradição política, presente na sociedade brasileira, que

promove alterações sem grandes rupturas ao conciliar os contrários, e pode ser

entendida investigando a história dos desbloqueios econômicos, sociais e

institucionais ao crescimento econômico brasileiro.

Para Martins (2011), as lições aprendidas com os desbloqueios

representados pela abolição da escravatura e pela Revolução de 1930 é uma só: as

grandes mudanças sociais e econômicas do Brasil contemporâneo não estão

relacionadas com o surgimento de novos protagonistas sociais e políticos,

portadores de um novo e radical projeto político e econômico. As mesmas elites

responsáveis pelo patamar de atraso (latifundiários) entram em consenso com

setores modernistas (burguesia), ou seja, as transformações ocorrem dentro de

limites que não rompam com as condições de reprodução do setor atrasado, que é

condição de reprodução também do setor moderno.

Neste contexto, fica claro porque os Militares propõem uma reforma agrária, e

ao fazerem orientam para a modernização econômica e para a aceleração do

desenvolvimento capitalista na agricultura, sem que para isso tenham que acabar

com o latifúndio. Dessa forma, os militares vão empreender esforços no sentido de

criar condições de modernizar o latifúndio e manter o monopólio da terra.

A o contrario do que ocorre no modelo clássico da relação entre terra e capital, em que a terra (e a renda territorial, isto é, o preço da terra) é reconhecida como entrave a circulação e reprodução do capital, no modelo brasileiro, o empecilho à reprodução capitalista do capital na agricultura não foi removido por uma reforma agrária, mas pelos incentivos fiscais. O empresário pagava pela terra, mesmo quando, se tratava de terra sem documentação lícita e, portanto, produto da grilagem, isto é, de formas

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ilícitas de aquisição. Em compensação, receberia gratuitamente, sob a forma de incentivos fiscais, o capital que necessitava para tornar a terra produtiva. O modelo brasileiro inverteu o modelo clássico. Nesse sentido, reforçou politicamente a irracionalidade da propriedade fundiária no desenvolvimento capitalista, reforçando, conseqüentemente, o sistema oligárquico nela apoiado, modernizando-o. Com a diferença, porém, de que a injeção de dinheiro no sistema de propriedade modernizou parcialmente o latifúndio, sem eliminá-lo, como se viu, finalmente, nos últimos anos, após o termino do regime militar, em 1985, com o aparecimento de uma nova elite oligárquica, com traços exteriores muito modernos e de mentalidade política arcaica (MARTINS, 2011, p.122).

Deve-se ressaltar que a condição de efetuação do tripé e as suas relações

com as classes subalternas foram dadas pelas condições internacionais, de alta

capacidade de injeção de capitais estrangeiros no Brasil, que se efetuou através

de capitais de risco, empréstimos governamentais e empréstimos governo a

governo.

Com a conjuntura internacional propiciando crédito à expansão interna da

economia nacional, caberia ao Estado e à elite local manter as condições de

incremento da renda em níveis altos, e isso era possível pelo barateamento da

força de trabalho no País.

O papel do Estado consiste em criar as bases para que a acumulação capitalista industrial, ao nível das empresas, possa se reproduzir (...). O Estado intervém para destruir o modo de acumulação para a qual a economia se inclinava naturalmente, criando e recriando as condições do novo modelo de acumulação (...). Assim, assiste-se à emergência das funções do Estado. (OLIVEIRA, 1989)

Portanto, ficam estabelecidas as condições que manterão a acumulação em

níveis altos, necessários para atrair ao País capital estrangeiro, tornando possível

a sustentação do tripé. A condição de monopólio vai garantir uma acumulação por

parte da burguesia nacional e é através dele que a mesma irá se relacionar com o

capital estrangeiro de forma privilegiada, sendo o fator primordial para manutenção

e acumulação por parte dessa elite, tendo que para isso, bloquear a reforma

agrária.

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2.2. Imperialismo e Burguesia Agrária

A consolidação do imperialismo não ocorre de maneira tranqüila e calma.

Para se tornar forma dominante do capitalismo internacional, terá que passar por um

período extremamente conturbado que tem início com as guerras de partilha colonial

de 1914, avança com a desorganização imposta ao mercado mundial pela crise de

1929 e culmina com a guerra pela hegemonia mundial de 1939.

“A economia que emerge deste processo restabelece a tendência integradora

do imperialismo, mas agora em níveis mais altos do que o anterior, na medida em

que consolida definitivamente a integração dos sistemas de produção

compreendidos em seu raio de ação” (MARINI, 2012, p.52-53).

A industrialização do Brasil ocorre via industrialização dependente e acontece

em meio às redefinições da divisão internacional do trabalho. Nesse sentido, a

atuação do capital estrangeiro é redefinida junto aos países de economia

dependente, respondendo as necessidades novas de expansão desse sistema, o

que torna possível elevar o antigo patamar de produtores de matéria prima para

produtores de manufaturas de consumo, sem abandonarem as antigas funções.

No entanto, as mudanças que passa o setor produtivo brasileiro são

acompanhadas por uma crise na agricultura, e sua superação se dá por uma intensa

modernização. Surgirá um setor industrial vinculado à agricultura, as indústrias

produtoras de insumos, com forte participação do Estado e do capital estrangeiro, e

outro setor chamado de indústria processadora de alimentos, onde a participação do

capital estrangeiro e das transnacionais se dará de forma mais intensa.

Os dois setores industriais serão responsáveis por introduzir na agricultura

práticas modernas de produção; adotando insumos químicos, máquinas e

fertilizantes. Esta modernização acontece nas grandes propriedades rurais, levando

ao surgimento de uma burguesia agroindustrial que vinculou pequenos camponeses

a lógica de mercado, integrando-os à indústria.

Para que implantasse um processo de modernização, vários foram os

diagnósticos realizados por peritos internacionais a respeito da crise de produção de

alimentos na América Latina, já que a produção mal acompanhava o ritmo do

crescimento populacional, e a maioria dos países dessa região importava grande

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quantidade de alimentos básicos, e um em cada cinco latino-americanos era vitima

de séria subalimentação, embora disponham de planícies férteis, vales, clima

favorável e imensa quantidade de recursos hídricos para a produção de quase todas

as culturas conhecidas (BURBACH; FLYNN, 1982).

O diagnóstico do atraso da agricultura em relação aos demais setores em

países subdesenvolvidos, como o Brasil, é fruto de suposições equivocadas que

separam o desenvolvimento do capitalismo do Brasil por setores: urbano industrial e

rural agrícola; tendo cada um desses setores, seu próprio desenvolvimento. Fazem

também uma distinção entre um setor nacional que, de algum modo, empreendeu e

trilhou seu próprio caminho, diferentemente do latifúndio que tem sua permanência

no vínculo ao capital internacional e ao imperialismo. Dessa forma, conclui que o

desenvolvimento nacional é impedido de desenvolver-se e por isso, o setor nacional

deveria ser apoiado em detrimento do setor atrasado da agricultura (FRANK, 2005).

Apoiados nessa conjuntura, a maior parte dos peritos das instituições de

financiamento do mundo capitalista (como o Banco Mundial e a Agência de

Desenvolvimento Internacional dos Estados Unidos) diagnostica a raiz do problema

como o atraso agrícola1. Para eles, a solução seria a modernização do setor agrário

da América Latina com práticas modernas e tecnologias agrícolas (como tratores,

fertilizantes e pesticidas), sendo que alguns estudiosos acrescentam a necessidade

de mudança no superado sistema de ocupação da terra dominado por uma

oligarquia latifundiária tradicional.

Esse diagnóstico foi realizado na década de 1960 e hoje a realidade agrícola

da América Latina é testemunha dessa estratégia de modernização. A agricultura

latino-americana sofreu uma revolução capitalista, mas isso significou uma crise

mais profunda de fome e pobreza para a grande maioria dos latino-americanos.

Embora o atraso da agricultura pudesse ser verificado, não se tratava de um

atraso restrito a ela. Para Andre Gunder Frank (2005) em sua teoria do

desenvolvimento do subdesenvolvimento, teoria que forneceu bases para a teoria da

1 O diagnostico de atraso agrícola também foi partilhado por parte do governo brasileiro no período do

regime militar e por isso deu-se ênfase a um processo de modernização do qual se priorizou a adoção de tecnologias modernas em detrimento de uma melhor distribuição da terra. Com o golpe militar decreta-se a derrota da esquerda que tinha na radicalidade de suas ações, a reivindicação da reforma agrária, mas essa derrota não se deu no ato da instituição do golpe de 1964, foi sendo constituída na medida que modernização da agricultura proporcionou ganhos de produtividade resolvendo o problema do abastecimento do mercado sem que para isso tivesse que mexer na estrutura agrária do país.

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dependência, o autor trata o atraso dentro do processo histórico latino-americano,

onde se pode verificar a concentração extrema de poder político, econômico e

prestígio social, o que veio a constituir o monopólio.

Os monopólios em países subdesenvolvidos assumiram uma característica

particular, que é a universalidade da concentração. Em outros termos, o monopólio

refere-se à concentração em um todo universalmente conectado e é nesse sentido

que se pode entender o processo de modernização da agricultura.

O monopólio da terra foi constituído por uma necessidade da expansão

capitalista mercantilista, com a modernização acontecendo numa perspectiva de

continuar atendendo as necessidades capitalistas que ela estava integrada,

mantendo assim a condição de monopólio. O modelo de industrialização2 também

obedece às necessidades da expansão capitalista, ou seja, ela se restringe a alguns

ramos produtores de bens de consumo, compradores de bens de capital dos países

desenvolvidos. Dessa forma, é constituída a dependência do processo de

industrialização brasileiro à agricultura exportadora e ao capital estrangeiro.

A indústria era dependente do setor exportador que impulsionava o saldo na

balança comercial, utilizado para compra de bens de capitais para a modernização

da indústria. É na tentativa de ampliar esse saldo comercial que a modernização da

agricultura é atendida. Qualquer um que visitasse a América Latina no período de

modernização de sua agricultura poderia presenciar impressionante processo de

transformação.

No sul do Brasil, mais de uma dúzia de usina de beneficiamento de soja, multimilionárias e de propriedade de multinacionais norte-americanas, estão espalhadas pela região, cercadas por fazendas de sojas em grande escala, mecanizadas, nenhuma das quais existia há duas décadas. Enquanto alguns países – como o Brasil, a Colômbia, o México e a Argentina – estão evidentemente na linha de frente da revolução agrícola, nenhuma parte do campo escapou ao toque do desenvolvimento capitalista (BURBACH; FLYNN, 1982 p.88).

Para os autores de Agroindústria nas Américas, Burbach e Flynn (1982) a

agricultura latino-americana ainda se apresentava em atraso em comparação à dos

países capitalistas adiantados em nível de desenvolvimento tecnológico, mas

2 Embora a industrialização brasileira tenha vivido um período de independência em seu

desenvolvimento, fruto de um processo de disputas inter-imperialistas que promoveram um ambiente de concorrência entre os países imperialistas pelo controle das áreas de influência. Ambiente no qual o Brasil pode desenvolver seu parque industrial de forma mais autônoma. O ambiente de concorrência se encerra e o espaço de negociação dos países subdesenvolvidos é restringido e o ambiente para um desenvolvimento autônomo é interrompido (MARINI, 2000).

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constatam o aumento no uso de insumos industriais, uma vez que no período de

1965 e 1975 o consumo de fertilizantes mais que triplicou e o número de tratores

aumentou em mais de 75%. A produção de soja no Brasil cresceu a taxas de 8-12%

ao ano na década de 1970, o que tornou o Brasil um dos maiores produtores de soja

do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos (BURBACH; FLYNN, 1982).

O atraso na agricultura latino-americana em relação aos países avançados foi

fruto de características de expansão do capitalismo, onde este ao se desenvolver,

cria diversidades e desigualdades que constituem as bases do desenvolvimento

desigual e combinado. Nesse caso, verifica-se transferência de mais-valia do menos

capitalista (subdesenvolvido) para o mais capitalista (desenvolvido). Essa

transferência se intensifica a medida que o capitalismo faz prevalecer em escala

mundial a forma mais-valia absoluta, e instaura sempre diferentes graus de mais

valia relativa, que vai diminuir o trabalho vivo nos setores mais desenvolvidos

através de novas técnicas e equipamentos, proporcionando a estes uma mais-valia

extra (AMIN; VERGOPOULOS, 1977)

A diferença entre regiões desenvolvidas e subdesenvolvidas com relação a

diferentes graus de avanço tecnológico pode ser verificada dentro de um país entre

regiões com grau de desenvolvimento diferentes ou entre produtores de um mesmo

país (SILVA, 1980).

Essa característica do desenvolvimento capitalista explica o atraso do ramo

produtor de alimentos, já que, não se viu o mesmo crescimento, ou seja, o avanço

técnico não proporcionou crescimento na produção de alimentos básicos e, na

maioria dos países da América Latina, a produção de alimentos estagnou-se em

relação ao aumento da população. Com isso, a escassez, o aumento do preço e a

crescente dependência de importações, contribuíram para o agravamento da crise

social da América Latina no final do período da modernização, denominado de

“modernização conservadora3 1965-1985” (DELGADO, 1985).

3 Deste modo, a raiz do fenômeno proposto para investigação é uma manifestação sociopolítica com

implicações econômicas, uma vez que expressa o pacto político conservador tecido entre a burguesia nascente e os oligarcas terratenentes, fenômeno político que aconteceu originalmente na Alemanha e Japão para edificarem uma sociedade capitalista, mas totalitária e autocrática. Logo, a via de desenvolvimento capitalista determinada pelo processo de modernização conservadora difere daquelas vias objetivadas na Inglaterra, França e Estados Unidos da América, tendo em vista que as revoluções burguesas que se cristalizaram nestes últimos Estados nacionais determinaram violentas rupturas com o Ancien Regime, constituindo, assim, uma base econômica e social independente que desembocou em sociedades capitalistas e democráticas. Já no caso brasileiro, este pacto político entre a burguesia nascente e os terratenentes condicionou a formação de uma burguesia

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Outra característica importante no desenvolvimento do capitalismo em países

subdesenvolvidos é o papel que assume o Estado frente a esse desenvolvimento.

Nesses países, o Estado vai promover e conduzir a classe (capitalista) que ele

deveria representar, não seria apenas o garante das relações de produção

capitalista, mas igualmente e, sobretudo o produtor direto dessas relações, voltando-

se para a promoção de infraestrutura e para a abrangência das relações capitalistas

no território (MATHIAS, SALAMA, 1983).

Segundo Mathias e Salama, (1983) a penetração das relações mercantis na

agricultura se faz acompanhar de um maior emprego de técnicas modernas, que

elevam os preços de manutenção da capacidade de trabalho do pequeno produtor

(agricultor familiar), elevando assim os custos de produção, já que precisará buscar

no mercado os alimentos necessários a sua reprodução. Ao contrário da indústria,

que ao utilizar tecnologia mais avançadas promove redução em seus custos de

produção, devido ao aumento da produtividade do trabalho.

Assim, o emprego de tecnologia na agricultura só é possível mediante os

incentivos do Estado, através de crédito, convênios e projetos especiais (intervenção

indireta) e expulsando os camponeses de suas terras (intervenção direta).

O aumento do preço de manutenção da capacidade de trabalho dos

pequenos agricultores está ligado à diminuição na produção de culturas auto

consumidas pelos camponeses, fazendo com que encareça a cesta de alimentos

necessários a reprodução da força de trabalho, ou seja, os camponeses são

obrigados a plantar primeiro para o mercado e depois para eles (MATHIAS,

SALAMA, 1983).

Além de seu papel no estímulo do crescimento da indústria capitalista, o Estado nacional [sic] também foi uma força importante na modernização da agricultura da América Latina, depois da Segunda Guerra Mundial. Na maioria dos centros de crescimento capitalista dinâmico no campo, o governo financiou serviços de infra-estrutura e apoio, e o crédito de investimento teve um papel crucial. (...) muitos governos criaram toda uma rede institucional para administrar o apoio financeiro e técnico à agricultura comercial.

dependente, que não conseguiu apresentar um projeto de poder autônomo e hegemônico para a nação, conduzindo-a, portanto, para os trilhos de uma economia dependente da dinâmica dos países centrais: subdesenvolvida em termos estruturais e autocrática (PIRES, Mimeo s/d). Embora a utilização do termo apresente distorções para o caso brasileiro vamos utilizá-lo, pois se acredita que o essencial da modernização conservador se aplica ao caso de modernização da agricultura que ocorre no Brasil.

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(...) Provavelmente o exemplo mais impressionante do papel do Estado no estimulo ao desenvolvimento capitalista é dado pelo Brasil. Desde 1963-1964 a agricultura recebeu entre um quarto e um terço do total, do crédito estatal, a uma taxa de juro de cerca da metade do que é pago pela indústria. Em 1978, a agricultura brasileira beneficiou-se com cerca de 18 bilhões de dólares de crédito e empréstimos (em sua maioria proporcionados pelo Estado) e o Banco do Brasil, de propriedade estatal, é ao que se informa, o maior financiamento agrícola do mundo capitalista. O governo brasileiro também estimulou o desenvolvimento capitalista, concedendo isenção de impostos para estimular a mecanização da agricultura, e assegurou um preço mínimo para produtos como soja (que é, não por acaso, o setor mais mecanizado e de maior crescimento na agricultura). Essas políticas contribuíram para transformar os Estados do Sul brasileiro numa das mais modernas regiões agrícolas do hemisfério (BURBACH; FLYNN, 1982, p.102-103).

Surge com a modernização uma nova estrutura de classe, o Estado nacional

contribuiu para estimular o crescimento de uma força de trabalho assalariada,

essencial ao desenvolvimento capitalista, que foi possível incentivando o uso de

uma tecnologia poupadora de força de trabalho, principalmente na agricultura. Os

investimentos públicos produtivos e o fornecimento de tecnologia à agricultura

atende com exclusividade aos grandes produtores e, para que isso ocorra, vincula-

se a política de crédito, armazenagem, transporte, venda no atacado e no varejo à

estrutura comercial monopolística da agricultura e de toda a economia nacional e

internacional. Como descreve Marini:

A política de integração ao imperialismo tem um duplo efeito: aumentar a capacidade produtiva da indústria [aqui se pode incluir as Indústrias do setor agrícola e a agricultura], graças ao impulso dado aos investimentos e à racionalização tecnológica, e, em virtude desta ultima, acelerar o desequilíbrio existente entre o crescimento industrial e a criação de emprego pela indústria. Não se trata como vimos, apenas de reduzir a oferta de empregos para os novos contingentes que chegam anualmente, na razão de um milhão, ao mercado de trabalho: a aceleração desse desequilíbrio implica também a redução da participação da mão de obra já em atividade, aumentando fortemente a incidência do desemprego (MARINI, 2012, p.155).

No Brasil, pode-se verificar a aprovação da Lei do Trabalhador Rural em 1963

e logo sucede a promulgação do Estatuto da terra em dezembro de 1964 com a Lei

nº 4504, mas estas conquistas são bloqueadas, uma vez que o governo sob novo

regime político, devido ao golpe militar de 1964, estrutura as condições favoráveis

ao empreendimento capitalista.

A reorganização dos sistemas de produção latino-americanos, nos marcos da integração imperialista e diante do recrudescimento da luta de classes na região, levou à implantação de regimes militares de corte essencialmente tecnocráticos. A tarefa de tais regimes é dupla: por um lado, promover os ajustes estruturais necessários para colocar em marcha a nova ordem

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econômica requerida pela integração imperialista; por outro lado, reprimir as aspirações de progresso material e os movimentos de reformulação política originados da ação de massas. Reproduzir em escala mundial a cooperação antagônica praticada no interior de cada país, tais regimes estabelecem uma relação de estreita dependência com seu centro hegemônico – os Estados Unidos –, ao mesmo tempo que colidem continuamente com este em seu desejo de tirar maiores vantagens do processo de reorganização no qual encontram empenhados (MARINI, 2012, p. 65).

Até mesmo os programas de reforma agrária que surgem nesse período na

análise de Burbach e Flynn (1982) serviram ao desenvolvimento capitalista no

campo. Segundo os autores, os programas de reforma agrária serviam como forma

de pressionar velhos latifundiários a modernizar suas grandes propriedades

ineficientes, ameaçando-os de expropriação. Com isso, fizeram da promessa de

reforma agrária um fator importante de modernização e surgimento de uma

burguesia agrária.

A estrutura de classe que surge no campo com sua modernização, coloca, de

um lado, trabalhadores assalariados que cresce a cada dia, e do outro, uma

burguesia agrária poderosa e em aliança com o capital transnacional. Embora o

capital estrangeiro não se encontrasse mais na linha de frente da modernização da

produção, que agora se coloca em setores estratégicos, posiciona-se de maneira a

captar parte da renda produzida. Ou seja, através das companhias de

beneficiamento de alimentos com base nos Estados Unidos por meio de

financiamento, assistência técnica e contratos de compra e venda com agricultores

locais, (BURBACH; FLYNN, 1982).

O uso crescente de tecnologia moderna, com uma administração mais

científica do processo de produção, e uma exploração mais intensa do trabalho –

todos os mecanismos para se “modernizar” através da maior produtividade – são as

características da agricultura moderna na América Latina. O que essa revolução

capitalista significou para a maioria dos latino-americanos, porém, foi

empobrecimento e miséria.

Entre outras coisas, a modernização agrícola se processou às expensas das

necessidades alimentares da população local. Estando os mercados, de mais rápido

crescimento e maior lucro, localizados nos países capitalistas adiantados, o setor

mais dinâmico da acumulação de capital está na produção para exportação. Em sua

maior parte, esse setor foi o que registrou maior modernização. Ao mesmo tempo, a

produção de alimentos básicos para o mercado local continua sendo, em muitos

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países, o setor mais atrasado. Fica, em sua maior parte, a cargo de pequenos

camponeses e agricultores de subsistência, cuja terra é menos fértil, e que não tem

praticamente acesso aos créditos e programas governamentais que transformaram o

resto da agricultura. “Três dos principais alimentos básicos (feijão-preto, mandioca e

milho) recebem apenas 13% do crédito subsidiado pelo governo, entre 1970 e 1977,

enquanto créditos volumosos eram canalizados para a exportação” (BURBACH;

FLYNN, 1982, p.110).

Os tentáculos das empresas transnacionais de agroindústrias estendem-se hoje profundamente na América Latina. [...] Embora o total em dólar dos investimentos da agroindústria norte-americanas na América Latina não seja conhecido um estudo do NACLA (North American Congress on Latin-America) mostra uma expansão rápida em décadas recentes, em especial na indústria de beneficiamento de alimentos; nesta, o número de subsidiária mais que triplicou entre 1960 e 1975. E nos últimos dez anos, o ritmo de investimento parece ter-se intensificado: as companhias cerealíferas dos Estados Unidos investiram mais de 50 milhões de dólares em instalações de beneficiamento de soja no Brasil, desde 1973, e as companhias de implementos agrícolas que antes de 1960 dominavam o mercado principalmente através das exportações, construíram várias instalações de produção. A Ford, por exemplo, fez investimentos de 100 milhões de dólares numa fábrica de tratores no Brasil (BURBACH; FLYNN, 1982 p.113).

Tal como ocorre nos países industrializados adiantados, a agricultura

capitalista na América Latina significa a crescente integração da agricultura à

indústria.

Com a implantação de um parque industrial de grande magnitude, especializado na produção de equipamentos e insumos agrícolas de alta complexidade o que vem a acontecer quando a grande empresa agrícola já surge e já evolui a ponto de criar mercado para aqueles produtos, e quando a grande indústria passa a dominar o mercado de produtos agrícolas, aí termina a fase espontânea da industrialização agrícola. Cria-se daí por diante, uma situação qualitativamente diferente, que se caracteriza pela dependência cada vez maior da agricultura à indústria (e paralelamente ao grande capital urbano industrial), pela integração de duas atividades através de vínculos contratuais ou orgânicos, e que conduzem à formação do complexo agroindustrial. (...) A força propulsora dessa união, numa época em que a queda da taxa de lucro se agravava e a livre concorrência se achava em vias de desaparecer, era a necessidade objetiva da maximização dos lucros (GUIMARÃES, 1982 p.92-93).

As novas “burguesias agrárias”, em seu esforço para aumentar a

produtividade agrícola, estão se voltando cada vez mais para o setor de manufatura,

em busca de fertilizantes, implementos agrícolas e outros bens de capital, ou

insumos agrícolas como são chamados. Ao mesmo tempo, um volume cada vez

maior de mercadorias agrícolas é comprado pelas indústrias de manufatura e

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serviços que atendem às crescentes populações urbanas. “A difusão dos alimentos

beneficiados, cadeias de refeição ligeiras e supermercados na América Latina

mostram que a agricultura está cada vez mais ligada aos setores comercial e

industrial” (BURBACH; FLYNN, 1982, p.129).

O crescimento econômico experimentado pela América Latina entre 1965 e

1980 atraiu para esses países o capital transnacional 4que busca novas

oportunidades e se estabelece no ramo industrial ligado à agricultura, já que esse

setor vem apresentando as maiores taxas de crescimento e grandes incentivos

estatais.

A onda de investimento transnacional, entretanto, não pode ser explicada

apenas em termos da dinâmica de funcionamento da América Latina. As próprias

transnacionais são entidades poderosas que impõem suas necessidades e

interesses econômicos aos países do Terceiro Mundo. As empresas usam seu

controle tecnológico, dos recursos financeiros, das instalações de manufatura e de

comercialização para penetrar e dominar setores econômicos chaves do Terceiro

Mundo.

O que importa considerar aqui é que as funções que cumpre a América Latina na economia capitalista mundial transcendem a mera resposta aos requisitos físicos induzidos pela acumulação nos países industrializados. Mais além de facilitar o crescimento quantitativo destes, a participação da América Latina no mercado mundial contribuirá para que o eixo da acumulação na economia industrial se desloque da produção de mais-valia absoluta para a de mais valia relativa, ou seja, que a acumulação passe a depender mais do aumento da capacidade produtiva do trabalho do que simplesmente da exploração do trabalho. No entanto, o desenvolvimento da produção latino-americana, que permite a região coadjuvar com essa mudança qualitativa nos países centrais, dar-se-á fundamentalmente com base em uma maior exploração do trabalhador. É esse caráter contraditório da dependência latino-americana, que determina as relações de produção no conjunto do sistema capitalista [...] (MARINI, 2000, p.144).

Sendo assim, é para garantir a expansão da mais-valia relativa e sua

apropriação na forma de mais-valia extraordinária que capitais migram para a

4 É interessante observar que, a partir de um certo momento, as mesmas nações industrializadas

exportaram seus capitais para a America Latina, para aplicá-los na produção de matéria primas e alimentos para exportação. Isso é sobretudo viável quando a presença dos Estados Unidos na América Latina se acentua e começa a deslocar a Inglaterra. Se observarmos a composição funcional do capital estrangeiro na região existe na região, nas primeiras décadas do século (20), veremos que a origem britânica se concentra prioritariamente nos investimentos em carteira, principalmente títulos públicos e ferroviários, os quais representam normalmente três quartas partes do total; enquanto que os Estados Unidos destinavam a esse tipo de operação a terceira parte de seu investimento, e privilegiando a aplicação de fundos da mineração, no petróleo e na agricultura (MARINI 2012, N.T.p.143).

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América Latina na forma de investimento direto nos fundos de investimento para a

agricultura. Ou seja, o papel dos países latino-americanos nessa expansão é

garantir bens necessários à reprodução da força de trabalho a custos baixos. A

mais-valia relativa está ligada indissoluvelmente à desvalorização dos bens-salários

e, nesse sentido, necessitam adquiri-los a preços relativamente baixos.

O fluxo de capitais estrangeiros para a América Latina é condicionado pelas

estratégias globais de investimentos das transnacionais. Desde o término da

Segunda Guerra Mundial, elas se concentraram principalmente na criação de

instalações de manufaturas no exterior e dedicaram menor atenção à mineração e à

extração de matérias primas. A expansão da agroindústria na América Latina reflete

esse padrão global, sendo poucos os investimentos novos das transnacionais que

vão para a produção agrícola direta, em vez disso, as empresas concentram-se

quase que exclusivamente no setor de máquinas do nascente complexo

agroindustrial desses países.

A expansão dos investimentos estrangeiros na agroindústria latino-americana

também é facilitada pela concentração e centralização do capital que está ocorrendo

em escala internacional. Aquisições e fusões ocorreram com crescente freqüência

entre as grandes empresas de agroindústria (BURBACH; FLYNN, 1982 p.114-115).

(...) a expansão dos beneficiadores de alimentos recebeu novo impulso com o desenvolvimento da industrialização de substituição de importações. A decisão tomada pela maioria dos governos latino-americanos de estimular a indústria local teve um duplo efeito sobre os beneficiadores estrangeiros de alimentos: (1) estimulou-os a aproveitar as vantagens dos incentivos oferecidos às companhias que produziram para consumo interno, e (2) estimulou o crescimento urbano na região, criando novo mercados para alimentos beneficiados (BURBACH; FLYNN, 1982, p.125).

Como vimos anteriormente, a revolução industrial que deu origem à grande

indústria nos países de capitalismo avançado, estabeleceu com bases solidas a

divisão internacional do trabalho quando “atribuiu” aos países dependentes a função

de ampliar de forma crescente a oferta de matérias-primas e alimentos para os

trabalhadores e para as indústrias em processo de desenvolvimento nos países de

capitalismo avançado. Um dos traços conspícuos da nova divisão internacional do

trabalho é que ela desponta não apenas como fato objetivo, espontâneo, do

desenvolvimento capitalista contemporâneo, mas como fruto de decisões políticas,

em que se associam os negócios de Estado dos países desenvolvidos e os

integrantes de gigantescas corporações multinacionais.

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Tal processo acusa espantosa aceleração, pois já em 1971, o total da produção internacional, ou seja, o total das vendas das filiais estrangeiras das multinacionais, efetuadas a estabelecimentos não filiados, atinge 330 bilhões de dólares, igualando o total das exportações de todas as economias de mercado no mesmo ano (331 bilhões de dólares). Uma parte da produção das multinacionais é consumida nos próprios países onde se situam suas filiais, mas cresce em ritmo rápido (mais rápido que o ritmo das economias dos países hospedeiros) a parte da produção internacional destinada à exportação. No Brasil, em 1969, as multinacionais respondiam por cerca de 43% da exportação de produtos manufaturados, indo essa produção a 75% nos setores de maquinaria e veículos. É importante saber que o controle da tecnologia nas mãos das multinacionais de muito sua “força de persuasão” nos países em desenvolvimento dependentes dessa tecnologia. Por exemplo, a política de “modernização” da economia agrária desse países – para nos atermos apenas ao setor produtivo focalizado nesse estudo – pode facilmente transforma-se num instrumento político das multinacionais, que monopolizam no mundo ocidental a fabricação de equipamentos agrícolas, de defensivos, de fertilizantes, de sementes de variedades agrícolas de alto rendimento e demais insumos modernos (GUIMARÃES, 1982. p.98). Em muitas regiões da America Latina, a expansão das companhias norte-americanas de beneficiamento de alimentos estimulou o desenvolvimento capitalista no campo. Suas fabricas exigem um fornecimento permanente de produtos agrícolas de alta qualidade, procura essa que integra, cada vez mais, as áreas rurais na teia da moderna agroindústria, Seu impacto varia de acordo com as mercadorias de que necessitam e das condições econômicas e sociais das regiões onde operam (BURBACH; FLYNN, 1982, p.128-129).

Em vez de romper formalmente as estruturas sociais existentes, que

marginaliza os camponeses, os beneficiadores de alimentos podem trabalhar com

os pequenos produtores camponeses na região, mas “o camponês não pode

escolher livremente o que produzir, como produzir, nem a quem vender. Sua

autonomia como produtor independente desapareceu totalmente, ele fica

subordinado ao controle do capital transnacional” (BURBACH; FLYNN, 1982, p.130).

Quer instalem usinas de beneficiamento de leite em áreas camponesas tradicionais, ou fabricas de enlatados perto dos principais centros urbanos, as transnacionais têm um impacto decisivo no desenvolvimento da America Latina. Junto com as burguesias agrárias nacionais, exercem um controle crescente sobre os recursos agrícolas locais, privando milhões de camponeses e trabalhadores dos meios de obter uma vida decente. O resultado é a crescente polarização de classes, e para os que estão na base, subalimentação e fome (BURBACH; FLYNN, 1982, p.131).

Juntamente com os corretores internacionais de mercadorias, as

transnacionais especulam, com freqüência, comprando e vendendo contratos futuros

– contratos para entregas futuras – nas bolsas de mercadorias de Londres e Nova

York. Três quartos de todo o açúcar negociado internacionalmente representam um

comércio especulativo, e a especulação representa pelo menos 25% dos contratos

futuros de café (BURBACH; FLYNN, 1982).

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O capital Norte Americano, no caso das empresas transnacionais e de alguns

dos maiores bancos dos EUA, teve também sua participação no crescimento das

exportações de soja brasileira. O Chase Manhattan, através dos bancos a ele

filiados no Brasil, concedeu empréstimos de mais de 100 milhões de dólares para a

produção de soja. A Cargill e a Continental Grain, dois dos maiores comerciantes de

cereais do mundo, são os principais exportadores da soja brasileira e instalaram

usinas multimilionárias no Brasil para beneficiamento da soja para o mercado de

exportação (BURBACH; FLYNN, 1982).

2.3. Modernização Conservadora da Agricultura Brasileira

“A renda diferencial II advém do fato de que capitais de mesma grandeza aplicados sucessivamente na mesma terra produzem também resultados diferentes, sendo por isso, considerada como a renda da terra proveniente da intensificação da agricultura pelo capital” (MARX, 2010).

Para Delgado (1985, 2012), a agricultura brasileira passou por um período

(1965-1985) de intensa transição, onde se pode observar com muito maior clareza a

etapa do desenvolvimento de uma agricultura capitalista em processo de integração

com a economia urbana e industrial e com o capital internacional. Para o autor, esse

processo nasce com a derrota do movimento pela reforma agrária que também

representava uma resposta à política agrícola dominada excessivamente pela

prioridade do IBC (Instituto Brasileiro do Café) à valorização cafeeira e ao regime

cambial dos anos 1950. Sendo assim, são verificadas nesse período algumas

mudanças, como a primeira alteração na base técnica da agricultura brasileira,

surgindo com os Complexos Agroindustriais Brasileiros.

O novo complexo agroindustrial assumiria as mesmas características que outros ramos de produção industrial no Brasil; alto grau de concentração, concorrência oligopólica, controle pelo capital monopolista estrangeiro e nacional (muitas vezes associados em joint venture); com a diferença de ser um setor onde a empresa estatal geralmente não ocupa lugar importante (SORJ, 1980, p.32).

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No período de 1965-1985, o Brasil passa por intensa urbanização e rápido

crescimento do emprego não agrícola e, com isso, passamos a ter uma procura

maior por produtos agrícolas e agrícolas processados.

O terceiro fator que justifica a escolha do período é a relevância que assume

a política de crédito rural (empreendida pelo Estado), assumindo ser o elo articulador

entre os interesses rurais e urbanos no desenvolvimento modernizador que viria a

passar o país. Esse crédito diferencia-se do crédito aplicado no passado pela sua

articulação da indústria com a agricultura.

2.3.1. Transformação da base técnica da agricultura e constituição do

Complexo Agroindustrial (CAI)

Para Delgado (1985), a transformação da base técnica da agricultura toma

uma dinâmica mais intensa com a constituição dos Complexos Agroindustriais (CAI)

que surgem através do processo de fusão ou integração de capitais.

O processo de constituição dos complexos se distingue do processo técnico

agricultura-indústria que se realiza com a transformação dos meios de produção

utilizados na agricultura, passando de “insumos naturais” para insumos produzidos

industrialmente.

O primeiro momento do processo de modernização agropecuária se caracteriza, grosso modo, pela elevação dos índices de tratorização e consumo de NPK, estimulada e facilitada pelo governo e empresas norte-americanas. Introduz-se nessa primeira década de 50, um novo padrão tecnológico para a produção rural com base na importação de meios de produção industriais. A demanda por insumo é atendido por importações. O segundo momento é o da industrialização dos processos de produção rural propriamente, com a implantação dos setores industriais de bens de produção e de insumos básicos para a agricultura, e o favorecimento financeiro pelo Estado ao consumo desses novos meios de produção. O marco inicial dessa nova arrancada é a implantação no Brasil das indústrias de tratores, no final dos anos 50. Um terceiro momento das relações agricultura - indústria é o processo de fusão ou integração de capitais intersetoriais. Essa integração se distingue da integração técnica agricultura - indústria, embora se realize com suporte dela. Mas a integração de capitais terá um raio de abrangência mais amplo, compreendendo não apenas a aprofundamento das relações interindustriais, mas outras formas de integração e conglomeração sob o comando do grande capital (DELGADO, 1985, p.33-34).

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Em sua análise, o autor identifica o período de meados da década de 1960 a

1970 de fase mais dinâmica, atribuindo ao dinamismo a criação de um sistema de

crédito apropriado (SNCR), implantação de novos blocos de substituição de

importação devidos aportes do II PND e pelo saldo da balança comercial.

Dessa forma, os meados dos anos 60 são marcados pela implantação do

Complexo Agroindustrial. Isso se torna possível devido à implantação no Brasil de

um setor de bens de produção para a agricultura, patrocinado com recursos estatais.

Concomitantemente, desenvolve-se ou moderniza-se em escala nacional, um

mercado para produtos industrializados de origem agropecuária, dando origem à

formação de um sistema de agroindústria, “em parte dirigido para o mercado interno

e em parte voltado para a exportação5” (DELGADO, 1985).

A construção de um ramo industrial passa, necessariamente, pela

modernização de uma parcela significativa do processo produtivo da agricultura

brasileira, sendo caracterizado a montante por indústrias químicas e mecânicas,

além de produtos alimentares (rações para animais), farmacêuticos e veterinários

(meios de produção para a agricultura); e a jusante com a modernização do ramo

industrial através de produtos alimentares (processamento de produtos agrícolas).

Essa agricultura que se moderniza, sob o influxo dos incentivos do Estado e

induzida tecnologicamente pela indústria, transforma profundamente sua base

técnica de meios de produção. Esse processo significa, também, que em certa

medida, a reprodução ampliada do capital no setor agrícola torna-se crescentemente

integrada em termos de relação interindustrias para trás e para frente. No primeiro

caso, essas relações implicam na própria mudança do processo de produção rural

de forma articulada à indústria produtora de insumos (fertilizantes, defensivos,

corretivos do solo, rações e concentrados) e de bens de capital (tratores,

implementos diversos, colhedeiras, equipamento para irrigação etc.).

Guilherme Delgado (1985) identifica desigualdades no processo de

modernização, onde a indústria processadora de alimentos e matéria prima

(indústria a jusante da agricultura), de constituição antiga e de graus de

modernização variáveis, integrou-se de maneira não uniforme ao movimento de

5 “A própria pauta de exportação passa a refletir, também a diversificação industrial que passa o País

nesse período. As exportações agrícolas passam a apresentar novo perfil, com introdução de novos e importantes produtos agrícolas e, principalmente, produtos agrícolas elaborados” (DELGADO 1985, p.27).

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modernização da agricultura. Alguns ramos ou sub-ramos, como a produção de

rações e concentrados, abate de animais, laticínios, madeiras, papel e papelão,

couros e peles, fumo, álcool, dentre outros, se integram de maneira mais direta e

necessária ao movimento de modernização da agricultura. Os padrões de produção

dessas indústrias, no que se refere a tipos de produção, exigências sanitárias,

qualidade e homogeneidade da matéria-prima e, ainda, regularidade de sua entrega,

impõem um perfil tecnológico à produção que deve ser seguido pelos agricultores.

Porém, é importante destacar que tais exigências são variáveis de produto a produto. Estão até mesmo ausentes em grande número de produtos consumidos in natura (arroz, milho, feijão etc.). Por si só, a exigência de padronização de produto não é suficiente para induzir em geral o movimento de alteração da base técnica de produção. Esse depende basicamente, e tem como cerne de sua direção, o ramo industrial que produz meios de produção para a agricultura. É deste ramo industrial que emanam as inovações que estão incorporadas aos novos meios de produção adotados. A ele se integram todo o aparato de pesquisa e extensão rural, conformando a Departamento de Meios de Produção para a agricultura (D1), que dirige tecnologicamente a modernização agrícola, segundo estratégias políticas mais gerais [...] (DELGADO, 1985, p.35-38).

A ação do Estado cria e consolida o Complexo Agroindustrial articulando

novos interesses sociais comprometidos com o processo de modernização.

“Conforma-se um novo bloco de interesses rurais em que sobressai a participação

do grande capital industrial, do Estado e dos grandes e médios proprietários rurais.”

(DELGADO, 1985). A soldagem desse pacto modernizador é feita pela política

econômica que, pós-64, tem seu centro na tentativa a todo custo, de sedimentar e

aprofundar a estruturação de corte monopolístico da economia brasileira, com

primazia dos aparatos financeiros do Estado. Sobressai, ainda, uma política

tecnológica específica que preside a articulação do D1 da agricultura a uma política

fundiária, que, em termos gerais, valoriza a propriedade territorial, ou seja, a política

tecnológica do Estado é inadequada para promoção de uma política de distribuição

de terra. Ela é de dessa forma, fiel a estruturação de corte monopolística da

economia, uma vez que a tecnologia mecânica, química e biológica são

desenvolvidas em interdependência, ou seja, a aquisição de uma, implica na

necessidade das outras. Um pequeno agricultor que dispõem de poucos recursos, e

com dificuldade passa a usar sementes melhoradas, terá que adquirir adubos

químicos se esse quiser ver sua plantação prosperar.

Para Sorj (1980), a constituição e desenvolvimento do Complexo

Agroindustrial são explicados pelo crescimento da produção agrícola que passa a

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demandar mais insumos modernos, além do fato do País passar por um processo de

urbanização e industrialização, tendo com isso, que aumentar sua produtividade

somada ao fato do mercado brasileiro contar com medidas protecionistas gerando,

assim, um mercado cativo para a indústria de insumos e maquinarias agrícolas no

Brasil, já que apresentavam níveis de produtividades menores que a nível

internacional.

Outra característica da constituição do CAI, segundo o mesmo autor, que

contribuiu para produção de uma tecnologia estranha às condições nacionais foi à

entrada de multinacionais no ramo agroindustrial, facilitado pela inexistência de um

ramo de pesquisa nacional. A adoção de tecnologia produzido para condições dos

países em que foram desenvolvidas e introduzidas aqui pelas multinacionais levou a

agricultura a usar uma tecnologia inadequada às necessidades econômicas, sociais

e ecológicas do país.

Com a inserção das empresas agroindustriais estrangeiras, vê-se acirrar a

concorrência e conflito desses grandes conglomerados. Mas dentro dos limites da

concorrência oligopólica, havia uma concorrência cada vez maior por uma fatia

maior do mercado brasileiro.

Através de dados de uma pesquisa realizada por Sampaio (1977), pode-se

perceber o grau de domínio do mercado; 40 das 60 empresas agroindustriais que

surgiram após 1960 eram de propriedade estrangeira. O autor mostra um quadro

que demonstra como estas empresas estavam distribuídas segundo suas atividades

e país de origem (SORJ, 1980 apud SAMPAIO, 1977):

TABELA 1: Países com maior número de empresas na agroindústria brasileira

Nacionalidade Total Maquinas Agropecuária Alimentos Madeira e

polpa Comércio

EUA 17 1 2 8 5 1

Alemanha 4 1 - 2 1 -

Japão 10 1 1 1 1 6

Suiça 5 - - 2 - 3

Argentina 5 - - 2 - 3

Inglaterra 4 - - 3 - 1

África do Sul 4 - - 4 - -

Fonte: SORJ, 1980, p.33 apud Sampaio, 1977 (Este levantamento só considera um universo parcial de empresas, mas é indicativo de tendências).

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O autor chama a atenção para a importância dos investimentos e

reinvestimentos do capital estrangeiro no Brasil em 1974, o ramo agroindustrial

representava 20 a 30% da importância investida (SORJ, 1980). Este estudo ainda

revela as inconsistências da modernização agrícola brasileira. Quando mostra a

dependência desse desenvolvimento ao capital estrangeiro e como essa

dependência vai acentuar-se mais nos ramos de maior concentração tecnológica.

Na produção de máquinas e insumos agrícolas, a indústria de tratores é

quase completamente controlada pelo capital estrangeiro. Já a indústria de

implementos agrícolas, que vai desenvolver-se no Sul do País, em torno da

produção de soja e trigo terá maior participação do capital nacional. Porém, nos

últimos anos do período aqui analisado (1977-1985), vai ocorrer uma

desnacionalização devido à política de restrição de crédito decorrente da crise dos

Estados nacionais, afetando as indústrias menos capitalizadas.

Com a indústria de fertilizantes, os entraves encontrados são de mesma

ordem. Apesar de o governo brasileiro ter um projeto de tornar o Brasil auto-

suficiente em fertilizantes, 2/3 dos fertilizantes nacionais utilizava matéria-prima

importada. O governo tinha o mesmo objetivo com a indústria de herbicidas

agrícolas, ou seja, diminuir a dependência das importações de 75% para 50% até

1980. Para isso, foram aprovados pelo Conselho do Desenvolvimento Industrial 14

projetos, constituídos em oito empreendimentos multinacionais e seis em joint

ventures (SORJ, 1980).

A produção e consumo de rações vegetais cresceu de forma acelerada no

Brasil passando de 168 milhões de toneladas para 11.328 bilhões de toneladas. As

indústrias geralmente se encontravam localizadas no centro-sul, onde o mercado

consumidor estava concentrado. Essa expansão foi vista em torno da torta do farelo

de soja cujas empresas multinacionais Ralston-Purina, a Cargill e a Central Soja, de

capital norte-americano, entram no Brasil a partir de 1966 e 1968. (SORJ, 1980)

A estratégia de expansão dessas empresas consiste em desenvolver planos

de modernização de granjas sob orientações técnicas para os produtores,

conjuntamente com planos de financiamento, sendo ela tanto a extensão quanto a

detentora da modernização da produção avícola, bovina e suína.

Essa estratégia vai ser fortemente disseminada entre os pequenos e médios

produtores do Sul do país, nesse período de modernização conservadora, e também

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vai ser a responsável por desenvolver, frente os pequenos produtores, relações de

contrato no qual integra o pequeno produtor ao processo modernizante pelo

mecanismo de crédito e tecnologia (crédito subsidiado) e subordina esse mesmo

pequeno produtor ao modelo de desenvolvimento, uma vez que, torna-se parte

integrante do Complexo Agroindustrial.

No entanto, os autores Delgado (1985), Sorj (1980 e 1981) e Oliveira (1989)

entendem que esse processo de modernização realiza-se com intensa diferenciação

e mesmo exclusão de grupos sociais e regiões econômicas. Não é, portanto, um

processo que homogeneíza o espaço econômico e tampouco o espectro social e

tecnológico da agricultura. Ao contrário, deve-se ressaltar a concentração espacial

do projeto modernizante, abrangendo basicamente os Estados do Centro-Sul

brasileiro (MG, GO, RJ, SP, PR, SC e RS). Por seu turno, ocorre paralelamente um

movimento de concentração da produção, abrangendo um número relativamente

pequeno de estabelecimentos (entre 10 e 20% dos estabelecimentos rurais,

conforme o indicador de modernização que se tome) que respondem por parcela

crescente da produção (DELGADO, 1985).

As demais regiões do país e os milhões de estabelecimentos não

incorporados ao processo de modernização cumprem, nessa estratégia de

organização da produção, papéis periféricos na agricultura brasileira. Há que se

admitir que significativas parcelas de agricultores residentes em estabelecimentos

minúsculos constituem-se numa força de trabalho sobrante, de difícil possibilidade

de absorção em qualquer ramo produtivo da economia rural. Nesse sentido, as

mudanças no mercado de trabalho induzidas pela industrialização do campo, fazem

crescer uma massa de marginais sociais, cuja absorção, será de assalariados

temporários na esfera produtiva que contribuirá para precarização da circulação da

renda social.

Quanto às regiões não atingidas de maneira predominante pela modernização

– o Nordeste, de agricultura geralmente arcaica, e as regiões novas (fronteira

agrícola) – prevalecem processos produtivos, em sua grande maioria, heterogêneos

e uma estrutura agrária dominada pela grande propriedade. A valorização do capital

no setor agrícola não se dá aí, de forma necessária, por intermédio do CAI, mas pelo

controle da propriedade fundiária. Esse é, pois, o lado conservador do projeto de

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modernização agrícola, que passa pela mediação política de acordo com complexas

e instáveis alianças.

Para Oliveira (1989), o cenário que possibilitou uma arrancada na

industrialização do Brasil, denominada por ele de “milagre”, foi conduzido pela

articulação de interesse entre três formas de capital, que soldou os interesses das

empresas estatais com os interesses do capital estrangeiro, mas que, juntamente

com os interesses da burguesia nacional; solda-os contraditoriamente, por certo,

levando necessariamente, o capital privado nacional à posição subalterna.

Esse arranjo, mencionado pelo autor, conduzirá a política econômica pós-64.

No entanto, as mudanças na conjuntura internacional, colocará a burguesia nacional

num beco sem saída, levará o modelo desenvolvimentista a exaustão e ampliará a

dependência do País ao capital estrangeiro que ampliará sua dominação sobre a

economia brasileira.

O latifúndio, que parecia contraditório ao desenvolvimento do capitalismo

brasileiro, no fim das contas deixaria de ser devido à acumulação primitiva

promovida pelo Estado através de incentivos fiscais e violência contra poceiros,

fazendo com que capital e terra passe a uma só mão sem que o capital tenha que

ser mobilizado. A política de alianças, constituída desde a década de cinqüenta, se

efetivou com o comprometimento dos grandes capitas com a propriedade fundiária e

com as suas implicações políticas. Assim, a aliança deixa de ser meramente

conjuntural e passa agora para uma aliança substantiva social e econômica. Uma

opção de larga durabilidade e não apenas uma opção transitória para esvaziar as

tensões sociais no campo (MARTINS, 2011).

Nesse bojo está o conjunto da regulação financeira e fiscal. O Estado

concede um conjunto amplo de arranjos financeiros e incentivos fiscais que

estimularam a aplicação de capitais nas atividades rurais. “Nessa esfera financeira

estatal desempenham papel relevante as diversas instituições encarregadas da

concessão de subsídios financeiros e facilidades creditícias que se sucedem desde

a constituição do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR)” (DELGADO, 1985, p.).

Além da política financeira, o Estado também administra, em nível federal e,

algumas vezes, com a participação dos governos estaduais, a concessão de uma

gama de incentivos fiscais que estabelecem de forma diferenciada as margens de

lucro dos capitais na agricultura. Essa bateria de incentivos, conjugadas à ação

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direta do Estado no gasto público em infraestrutura geral (estradas, eletrificação e

comunicação) potencializa a obtenção de vantagens especiais aos capitais que

logram integrar-se no tipo de empreendimento que está sendo patrocinado pela

política fiscal e financeira (DELGADO, 1985).

2.4. Política de financiamento rural

Segundo Delgado (1985), o financiamento rural viveu uma trajetória

expansionista desde o inicio de sua formação efetiva – a partir de 1967 – até 1976.

Entre 1969 e 1976, o índice de valor real concedido passou de 100 a 444. Tal

elevação corresponde ao crescimento geométrico no período 1969-76 de 23,8% a.a.

Já em 1977 começam a se esboçar, em nível de governo, as influências

contencionistas da política monetária, que nesse ano se reflete numa primeira

inflexão para baixo do volume de crédito concedido.

O volume de crédito concedido por finalidade e as taxas reais negativas, além de outras condições favoráveis de financiamento (prazos e carências elásticas), constituem-se no principal mecanismo de articulação pelo Estado dos interesses agroindustriais. Por meio dessa política expansionista, cresceu rapidamente a demanda por insumos modernos, criando-se, assim, o espaço de mercado para consolidação do Complexo Agroindustrial. (DELGADO, 1985, p.79-80) A desaceleração dos investimentos rurais, tomando o crédito como indicador, atinge de maneira peculiarmente acentuada as compras de bens de capitais da agricultura para a indústria (veículos, máquinas e implementos, tratores, equipamentos de beneficiamento e depósitos de armazenagem). Essa redução é reconhecidamente responsável pela existência de uma capacidade ociosa em torno de 60% (final de 1982) no ramo de máquinas e tratores para a agricultura, segundo admite a própria Associação Nacional de Veículos Automotores (ANFAVEA) em várias declarações prestadas à imprensa no segundo semestre de 1982 (DELGADO, 1985, p.82).

No ramo especificamente agrícola, as linhas de financiamento da política de

preço mínimo e de empréstimos para beneficiamento, e os créditos para

agroindústrias de oleaginosas, açúcar, torrefação de café e moagem de trigo,

constituem uma importante compensação financeira às atividades industriais e

comerciais engajadas no complexo agroindustrial.

A política de preço mínimo praticada pelo governo é uma forma de fixar

preços nos produtos agrícolas e evitar quedas excessivas e desabastecimento,

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entretanto, na essência ela funciona como forma de regular uma oferta constante de

produtos que tem seus preços vinculados a essa política, como as indústrias

processadoras. Serve também como uma forma de planejar a produção, devido ao

fato dos preços serem definidos pelos grandes produtores e o governo antes das

safras, evitando assim, superprodução e queda excessiva do preço.

Além disso, a pecuária, as indústrias frigoríficas de laticínios e a avicultura –

ramos notoriamente caracterizados por maior concentração e integração de capitais

– são de longe os grandes beneficiados do credito de comercialização rural

concedidos com a política agrícola de preços mínimos.

Delgado (1985) vê na política de preço mínimo que compreende mais de 40%

do crédito de comercialização agrícola, atingindo 65% em 1982, forte vinculo ao

crédito de integração de capitais, para efeito de acesso aos seus benefícios. A

evolução da participação dos seus principais mutuários nas últimas safras agrícolas

é claramente indicativa disso, como se observa na tabela.

TABELA 2: Participação % dos principais clientes nos financiamentos concedidos pela PGPM (Política Garantidora de Preço Mínimo)

Safra Produtores individuais

Cooperativas de produtores rurais

Agroindústria Comércio e Outros

1977-78 13,3 21,9 64,8

1978-79 4,8 22,5 72,7

1979-80 7,8 23 69,2

Fonte: DELGADO 1985, p.87 apud Marcelo E. Liebhardt: O Sistema de Cooperativista Brasileiro – Comercialização, Integração Vertical e Crédito. Brasília, CFP, 1982.

Ora, a prevalência do crédito vinculado à política de preços mínimos nos setores capitalistas onde há maior concentração ou centralização de capitais, como é o caso das agroindústrias e das cooperativas (ver tabela 2), leva-nos a concluir que quase todo a crédito de comercialização rural dirige-se explicitamente a contemplar setores capitalistas de alta integração de capitais. Sendo assim, a desaceleração do crédito observada intensamente em 1980 para a pecuária, e o pequeno crescimento observado no crédito agrícola de comercialização, representa uma mudança na política de financiamento, que se tem acentuado nos últimos anos. A diminuição dos volumes de credito concedido é apenas um indicador, pois talvez o maior argumento para descartar dos subsídios de crédito rural o bloco agroindustrial processador de alimentos, seja a sua paulatina inserção compulsória no financiamento de mercado, através da fixação de limites máximos de financiamento rural para as operações desses clientes. Essa orientação, que ora se ver confirmada, é, por sinal, generalizada, e atinge também os produtores rurais diretos, refletindo as atuais orientações de eliminação dos chamados subsídios do crédito rural. Mas há compensações que ainda vigoram, inclusive em 1983, quais sejam as de conceder benefícios fiscais e juros reais negativos à comercialização da agroindústria

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e das cooperativas que se destinam à exportação. Ademais, a política da rápida desvalorização cambial, seguida a partir de 1982, privilegiou claramente os segmentos empresariais integrados ao comercio exterior (DELGADO, 1985, p.87-88).

Já o crédito para custeio da produção, que é propriamente o capital de

trabalho de curto prazo das atividades rurais, representando entre 45 e 50% do

crédito rural total nos últimos anos, é o ultimo elo a se romper na estratégia de farto

e baratos crédito para induzir a modernização conservadora. Os principais insumos

modernos aí incluídos, quais sejam os fertilizantes e defensivos químicos,

combustíveis, rações e concentrados, sementes e mudas etc., criaram importantes

nexos de relações interindustriais com a indústria química e petroquímica e com o

ramo de produtos alimentares.

O crédito subsidiado promoveu um aumento artificial do uso de insumos

modernos, que pode ser destacado na tabela 3 a partir de 1980 acentuada em 1981

e ligeiramente recuperada em 1982. A partir dessa demanda inflada artificialmente

pelo credito; o Estado e o capital internacional promoveram pesados investimentos

em unidades beneficiadoras desses insumos demandados. Com a crise instaurada e

a redução do crédito vêem-se um intenso processo de sucateamento das indústrias,

principalmente das estatais, levando a conseqüências econômicas bem mais graves

para o próprio projeto de modernização sob vários aspectos.

Segundo informações da Associação Nacional para Difusão de Adubos –

ANDA, pelas novas sistemáticas relativas de crédito adotadas em 1981 “houve uma

queda de 36% no consumo aparente de fertilizantes, comparado com 1980.

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TABELA 3: Crédito para custeio e participação dos principais insumos modernos (milhões de cruzeiros, 1977)

1975 1979 1980 1981 1982

Especificações Valor % Valor % Valor % Valor % Valor %

Crédito de custeio 79.480,1 100 104.730,3 100 113.720 100 102.227,8 100 108.582,8 100

Agrícola 61.676,2 78 90.838,1 86,7 102.784,4 90,4 93.039,5 91 98.742,8 90,9

1.Fertilizantes 20.693,1 26 23.445,1 22,4 34.886,9 30,7 21.264,6 20,8 n.d

2.Defensivos 3.375,2 4,2 6.328,8 6 7.192,3 6,3 7.418,6 7,3 n.d

3.Sementes 3.141,2 4 5.325,1 5,1 5.757,7 4,9 5.605,2 5,5 n.d

4.Outros 34.466,7 43 55.739,0 53,2 55.047,5 48,4 58.751,1 57,5 n.d

Pecuária 17.803,9 22 13,892,2 13,3 10.936,5 9,6 9.183,3 9 9.840 9,1

a.Fertilizantes. 600,4 0,8 603,3 0,6 318,9 0,3 977,3 1 n.d n.d b.Defensivos e medicamentos 709,2 0,9 277,5 0,3 239 0,2 273 0,3 n.d n.d c.Sementes e Mudas 141 0,2 59,5 0 34,1 0 28,9 0 n.d n.d

d.Rações e Concentrados. 2.899,5 3,6 3,044,7 2,9 3.463,4 3 2559,8 2,5 n.d n.d

Outros 13.453,8 17 9.907,2 9,5 6.881,1 6,1 5.344,3 5,2 n.d n.d

Fonte: DELGADO, 1985 apud Banco Central do Brasil. Crédito Rural – Dados Estatísticos, vários anos

n.d.(dados não disponíveis)

2.5. Política Tecnológica

Para Delgado (1985), a atuação do Estado na difusão de tecnologia ocorreu

por intermédio de suas agências de geração, a partir de 1973, com a criação da

Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA, investindo assim

maciçamente e organizando em escala nacional o seu sistema de pesquisa

agropecuária. O crédito rural, associado aos serviços de extensão rural do Estado se

torna crucial para realizar a transferência de tecnologia gerada no Complexo

Agroindustrial a montante da agricultura (insumos e bens de capital industriais).

Ademais, é importante ressaltar que os sistemas EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e EMBRATER (Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural) patrocinam todo o esforço de geração, adaptação e difusão da tecnologia moderna, cuja produção em escala comercial passa, em última instancia, pelo Complexo Agroindustrial (DELGADO, 1985, p.47).

A indústria processadora de alimentos e matérias-primas (indústria a jusante)

também desempenha um papel de mudanças tecnológicas. Aqui, certamente, são

as normas sanitárias e de classificação comercial (tipos e padrões comerciais dos

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produtos), aliados às exigências de mercado por determinadas características dos

produtos agrícolas (formato, sabor, coloração, durabilidade etc.), que obrigam o

produtor rural a seguir um determinado padrão de tecnologia indicado pela

agroindústria.

As inovações que guardam maior grau de generalidade e abrangência para a

agropecuária como um todo são aquelas geradas na indústria de serviços a

montante da agricultura.

- Inovações mecânicas: afetam de modo particular a intensidade e o ritmo da

jornada de trabalho.

- Inovações físico-químicas: modificam as condições naturais do solo, elevando a

produtividade do trabalho aplicado a esse meio de produção básico.

- Inovação Biológica: afetam principalmente a velocidade de rotação do capital

adiantando o processo produtivo, através da redução do período de trabalho e da

potencializarão das inovações mecânicas e físico-químicas.

Por outro lado, o campo das inovações mecânicas e físico-químicas é

propriamente a esfera de domínio da grande empresa industrial, seja ela de capital

estatal, multinacional ou nacional privado (DELGADO, 1985).

A recente difusão de tecnologia adotada, no período de 1970, apresenta três

características principais que condicionam a sua adoção e sua produtividade

econômica decorrentes das condições exógenas ao setor agrícola. Tais

características peculiares dos chamados “pacotes tecnológicos” transferidos para a

agricultura geralmente implicam em: (1) Adaptação das inovações biológicas a

estratégias industriais das inovações mecânicas e físico-químicas. (2) Estreita

vinculação da adoção tecnológica à política de crédito rural e aos serviços de

assistências técnica governamental. (3) Inovações em geral apoiadas numa matriz

energética intensiva no uso de derivados do petróleo.

O sistema EMBRAPA procura formular um padrão tecnológico mais voltado

para as inovações biológicas, já que apresenta certa dificuldade no desenvolvimento

de tecnologias calçadas na economia do petróleo e de tecnologia que demandem

insumos importados. Assim, se restringiu as inovações biológicas e, por seu atraso

frente às outras empresas, só consegue apresentar resultados no médio e longo

prazo.

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O sentido contido no conjunto das políticas de incentivos fiscais e

tecnológicos foi a consolidação do Complexo Agroindustrial, surgido das formas

especiais de conglomeração de capitais na agricultura. Com isso, surgiu um

mercado de terras que exerceu pressão sobre os pequenos agricultores, que se

viram forçados a integrar o projeto modernizante.

Vale destacar o papel protagonista do Estado frente à indução ao

desenvolvimento pratico até o final de 1985. Essa política de regulação pela via

fiscal e financeira, com clara discriminação em favor dos capitais integrados e

regulação dos ganhos aos empreendimentos favorecidos pela política fundiária,

condiz com a política de sustentação do tripé capital nacional, Estado e Capital

estrangeiro, tornando necessária uma política pública potencializadora da

constituição de estruturas monopolísticas.

2.6. Integração de capitais X integração técnico-produtiva6

O Complexo Agroindustrial revela uma parte importante do desenvolvimento

das relações interindustriais entre as indústrias a jusante, a montante, e a

agropecuária, mostrando um processo muito profundo de integração técnica. O

aprofundamento das relações agricultura-indústria, com a disseminação do uso de

meios de produção industriais por um lado e modernização dos blocos industriais

processadores de produtos agrícolas por outro, é uma condição necessária, mas

não suficiente, para operarem simultaneamente a diversas formas de acordos ou

fusões de capitais industriais. No fundamental, a etapa da modernização

agropecuária não pode ser contraposta à viabilidade capitalista na agricultura. Ao

contrário, prepara o caminho para uma integração capitalista mais profunda.

Aparentemente, o Sistema Nacional de Crédito Rural cumpriu sua função original de cimentar relações técnicas agriculturas-indústria, tanto a montante quanto a jusante. Mas, certamente, a articulação orgânica dos

6 (...) O fundamental da questão, o capital tem no progresso técnico, que nada mais é do que uma

das facetas do seu próprio desenvolvimento, a chave do processo de subordinação da terra e, por extensão, da própria Natureza, Em outros termos, com o desenvolvimento do modo capitalista de produção na agricultura, a barreira representada pela propriedade fundiária vai perdendo sua importância (SILVA, 1981, p.22).

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capitais bancários, agrários e industriais não logrou desenvolver toda a potencialidade das ligações “intersticiais”. A presente crise de crédito (1983), com suas influências negativas sobre a integração técnica estrita, aponta para soluções financeiras no contexto da fusão de capitais dentro e fora do CAI, direção que embora emergente não está ainda claramente delineada, tanto mais que o papel diretivo e reorganizador do Estado seria fundamentalmente nesse processo (DELGADO, 2012, p.40).

Mais do que o crédito rural, que representa a figura do Estado no processo de

soldar as relações agricultura - indústria existe uma aliança política ampla

representada por Estado, Capital estrangeiro e Capital nacional.

É sob o controle da indústria, que no atual momento da história do modo

capitalista, se desenvolve a fase dirigida, organizadora do processo de integração

agroindustrial. Na primeira fase, a espontânea, os vínculos entre a agricultura e a

indústria ficam limitados às operações livres de troca, nessa fase a indústria compra

produtos primários e vende produtos manufaturados. Pode acontecer em alguns

casos, o que não se torna regra, essas operações envolverem operações

específicas como o financiamento ao agricultor e a compra da produção a preço pré-

estabelecido.

A regra nessa fase é o escoamento da produção agrícola através de agentes

compradores do comércio exportador e/ou do comércio atacadista, pois os vínculos

com a indústria ainda são indiretos e pouco importantes (GUIMARÃES, 1982). A

indústria assume a função dos comerciantes exportadores e passa a realizar a

atividade de comercializar para o mercado exterior como uma forma de financiar sua

modernização, ou seja, necessita dela para adquirir divisas para a compra de

máquinas e equipamentos modernos, sendo este seu papel na divisão internacional

do trabalho.

Na fase denominada de dirigida, a indústria assume o centro dinâmico da

expansão capitalista, o comércio de produtos agrícolas será escoado, em sua maior

parte, para ela nessa fase. Surge, nesse período, na maior parte dos países uma

agricultura industrializada, que passará a consumir insumos modernos produzidos

pela indústria havendo, portanto, outro setor capaz de processar grande parte da

produção agrícola. Com isso, o vínculo entre a agricultura, compradora e

fornecedora, são de natureza diferente dos vínculos constituídos na primeira fase.

Dentre estas diferenças está, em primeiro lugar, o Estado, interessado em

desenvolver a indústria por estar ligado diretamente a ela, que ditará suas próprias

regras diferentes daquelas onde os senhores donos de terra tinham poderes quase

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absolutos. Segundo, porque as condições de mercado também mudaram; já não

existem muitos vendedores para a escolha dos fornecedores dos produtos

manufaturados e há menos possibilidade da escolha dos compradores dos produtos

agrícolas, já que os preços de concorrência são os preços de monopólios.

Neste contexto, pode-se observar que o processo que é presenciado com a

modernização conservadora no Brasil é justamente o de preservar o monopólio da

terra para que o setor oligárquico brasileiro possa desfrutar de melhores condições

na venda de seus produtos agrícolas no mercado, já que desfrutariam de preços de

monopólio para venda de seus produtos.

2.6.1. Pequenos produtores e as diversas formas de associação

Para o debate sobre as relações que se estabelecem entre pequenos

produtores rurais e o grande capital monopolista e sua nova forma de acumulação

na agricultura, sob comando do capital, faz-se necessário uma classificação dos

pequenos produtores rurais em: produtores associados e produtores não-

associados.

Em outras palavras, o processo aqui compreende as formas que o capitalismo

encontrou para adequar a força de trabalho rural as suas necessidades. Sendo que,

o capitalismo nesse momento não pode mais ser visto como aquela força

revolucionária de transformação do campo, tal qual descrito na sua fase

concorrencial. Na etapa Monopolista do desenvolvimento do capital tornam-se

visíveis as suas formas parasitárias de dominação, que limitam o próprio

desenvolvimento das forças produtivas na agricultura.

Assim, a associação nada mais é do que uma forma de integração entre

pequeno produtor e o grande capital acontecendo geralmente de maneira

subordinada, mas levando esses produtores a algum tipo de reprodução ampliada

do capital. (D-M-D’)7.

A relação entre os produtores agrícolas, as industrias de processamento e as firmas comercializadoras apresentam uma tensão básica. Quanto menor

7 Ver Marx sobre Formula Geral do Capital: capítulo IV, livro 1 volume 1.

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for o preço paga ao produtor maiores serão os seus lucros e a competitividade no mercado. O mecanismo fundamental de transferência das excedentes do setor agrícola para o capital industrial e comercial se dá através de esquemas de controle da produção agrícola pelas empresas industriais e de comercialização. Esse tipo atual de transferência diferencia-se qualitativamente das formas antigas que eram feitas através do controle da produção pelo capital comercial tradicional. Este baseava-se no atraso do pequeno produtor , sua atomização e isolamento do circuito capitalista. Nas formas atuais há um real controle monopsônico do mercado por intermédio da industria de processamento (ou venda direta ao publico no caso dos supermercados). Dentro desse processo o pequeno produtor pode se modernizar mas nem por isso se torna mais independente (SILVA, 1981).

Há também, por outro lado, os produtores não associados, assim

classificados uma vez que não existe integração (direta) e por isso não realizam

reprodução ampliada. Para Delgado (1985), o modo e maneira como o pequeno

produtor se integra, vai depender da estratégia de diversificação do grande capital

em consórcio com políticas do governo e das condições de produção do pequeno

produtor, atribuídos a localização da terra, sua fertilidade, tamanho e disciplina para

o trabalho.

[...] os produtores integrados mão são produtores comuns, são escolhidos, em função de possuírem um numero de hectares de terra acima da média dos produtores da região, de terem condições de obter créditos e de se situarem a uma distancia relativamente próxima à industria, diminuindo, assim, os custos de transporte. É fundamental que os produtores possuam certas características para que o projeto global de integração seja viabilizado, segundo a estratégia estabelecida pelo frigorífico (SORJ, 1982, p. 41 apud Cebrae-Ceag) Já o encarregado de relações púbicas da Sadia Avícola (Chapecó-SC), em entrevista concedida em 3 de fevereiro de 1981, quanto a seleção de produtores integrados, inclui outras exigências, complementando as expostas acima. Conforme sua declaração, a primeira condição para ser integrado e essa empresa é que o produtor seja “minifundiário” e que a mão-de-obra seja familiar, porque “a Sadia não trabalha com proprietários absenteístas. [...] A família é que deve trabalhar no aviário, porque a Sadia não quer peão, porque o peão não tem o ‘capricho’ pela produção. (SORJ, 1982, p.41) A segunda exigência é a produção de milho, que implica a necessidade de uma área mínima, embora não seja necessariamente grande, por se tratar de uma produção intensiva. A empresa impõe ainda que exista a menor distancia possível em relação à industria processadora (SORJ, 1982, p. 41).

As estratégias das empresas para transferir renda eram muitas, sendo que a

produção do milho teve função primordial de gerar excedentes na propriedade rural.

Quando a atividade integrada, produção de aves ou suínos não gerava ganhos havia

uma transferência do excedente para essa ultima através do comércio do milho.

Nesse contexto, os pequenos produtores tecnificados acabam sendo sócios

menores do projeto de modernização conservadora, se tornando produtores

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coordenados pela “multicooperativa8” e pela grande cooperativa atacadista, onde

formalmente estes pequenos produtores participam, mesmo que de forma periférica,

do processo de acumulação que está inteiramente no alto staff diretivo das

cooperativas. (DELGADO, 1985)

Em 1964, a Sadia elaborou um plano com a Associação Rural de Concórdia e a prefeitura local (seu município de origem), segundo o qual a frigorífico entrava com cerca de 16 milhões de cruzeiros, sua organização e pessoal técnico, a prefeitura com 4 milhões de cruzeiros, maquinaria e áreas para experimento, e a Associação Rural com pessoal técnico e fornecimento de medicamento e outros produtos para o inicio de um programa de fomento a suinocultura, e, num segundo grau, outros produtores agropecuários, como avicultura. A estratégia desse projeto era selecionar algumas proprietários rurais que servissem de modelo de modernização para a atração dos demais proprietários, numa metodologia semelhante à posta em pratica pelos órgãos oficiais como a Acaresc. Conjuntamente a Sadia desenvolveu uma intensa e permanente campanha publicitária, cujo o principal veículo era a Radio Rural de Concórdia, da própria Sadia. Ao lado disso, a empresa intensificou sua atuação no desenvolvimento genético e técnico, em geral, do rebanho suíno, e passou a aumentar suas exigências de padronização qualitativa, estabelecendo inclusive competição com prêmios para os produtores (DIRIGENTE RURAL, outubro de 1965, p. 51-55 apud SORJ, 1981, p. 22).

A categoria de pequenos produtores associados é composta também pelos

fornecedores da grande indústria nos ramos da pecuária, avicultura, fumicultura,

vidicultura, suinoculturas, fruticulturas e etc.

As condições de mercado (concorrência) obrigam as empresas agroindustriais, entre outras medidas, a reduzir custos para manter-se competitivas. Na busca de suprimentos a custos menores, as agroindústrias adotam estratégias que levam a uma desintegração das estruturas internas das explotações agrícolas. Estas passam a sofre várias transformações que as levam da agricultura familiar-artesanal a uma agricultura familiar empresarial e forçam a eliminação ou exclusão dos agricultores que não conseguem adaptar-se a estas modificações (ALTMANN, 1997, p.13). [...] o mecanismo de redução de custos da mataria-prima é a transferência aos produtores de tecnologias que provoquem ganhos de produtividade recuperáveis pela agroindústria. [...] Suponha-se, para melhor compreensão do mecanismo, que uma unidade de produção esteja integrada, a montante e a jusante, a uma mesma empresa agroindustrial e que todos os meios de produção necessários lhe sejam fornecidos por esta empresa. Isto é, uma mesma empresa produz as rações e todos os demais insumos e os fornece à unidade de produção integrada. Ao mesmo tempo, possui planta industrial (frigorífica) e adquire toda a produção agrícola da unidade integrada, para beneficiamento industrial. [...] Este procedimento poderia configurar-se, de certa forma, como uma espécie de contrato de trabalho em que parte dos meios de produção é fornecida pela agroindústria e onde o agricultor fornece o trabalho e as instalações, O produtor assume os riscos da produção sem necessariamente participar dos lucros (ALTMANN, 1997, p.20).

8 Uma das formas de organização que mais vão canalizar recursos do PRONAF

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Nesse ponto reside o objetivo principal da pesquisa: acreditar que são esses

produtores associados os grandes participantes do PRONAF (Programa de

Fortalecimento da Agricultura Familiar). Em dias atuais, as causas de serem esses

produtores os escolhidos para serem privilegiados no PRONAF é uma questão que

buscamos resposta na forma como foi desenvolvido o modo de produção capitalista

na agricultura no Brasil. Isto é, o maior desenvolvimento dos Complexos

Agroindustriais nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste explica o fato do programa

ter tido em número e volume de crédito cedido aos produtores dessas regiões.

Outro exemplo de integração de pequenos produtores pode ser verificado

com os pequenos produtores tecnificados vinculados a estratégia de expansão da

agroindústria. Em todos os casos, os mesmos representam 40 à 50% do valor bruto

da produção e, segundo Delgado (1985), dependem dos rumos da política agrícola

governamental. Para o autor, a cada restrição da política financeira rural, uma

parcela desses pequenos produtores são postos para fora da estratégia dos grupos

agroindustriais.

Nesse sentido, Delgado (1985) defende que deva existir algum nível de

racionalidade por parte das empresas integradoras nas relações entre agricultores

associados e CAI para que o produtor permaneça existindo sob condição de

integrado, já que o alto coeficiente de integração técnica a jusante e a montante da

indústria terão de alguma forma, que proporcionar algum beneficio para o produtor

manter-se e reproduzir-se com o mínimo de eficiência produtiva. Portanto, a menos

que a estratégia seguida pela indústria seja a de substituir rapidamente a atividade

produtiva direta exercida por essa categoria de agricultores por produção própria,

haverá alguma margem de lucratividade que a indústria tornara acessível.

Para isso, há mecanismos financeiros indiretos de acesso a crédito

subsidiado, garantia de preços, favorecimento fiscal etc., que, eventualmente, possa

e efetivamente são mobilizados politicamente para permitir a expansão dessa

categoria de agricultores tecnificados, propiciando-lhes lucratividade mínima

compatível com uma pequena acumulação de capital.

Quanto aos produtores não associados, esse grupo compreende uma gama

vasta de pequenos produtores proprietários, pequenos arrendatários, trabalhadores

permanentes, cuja condição comum é a completa exclusão dos meios de

associação ao processo modernizante da agricultura. Esses produtores representam

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um total de 4 milhões de estabelecimentos e compreende os produtores que tem de

0 até 9 salários mínimos como valor de sua produção.

A respeito desse quadro onde pequenos agricultores em sua maioria se

encontravam excluídos do processo de modernização José Graziano da Silva (1996)

analisando os censos de 1960, 1970 e 1975 pode chegar a uma constatação a

respeito do modelo de modernização. Para o autor apenas 10% dos

estabelecimentos agropecuários brasileiros estariam integrados a essa maneira de

produzir:

A empresa rural tornou-se o único modelo proposto para toda a atividade agrícola, ao mesmo tempo em que as condições de (grande) proprietário foi confirmada como a via de acesso aos benefícios de políticas públicas então implementadas. Alem disso, se ao agricultor sem terra acenava-se com a esperança da reforma agrária – que, sabidamente, teve poucos efeitos operacionais -, ao pequeno proprietário camponês, impossibilitado de assumir a condição empresarial, coube a total exclusão desse processo. Em conseqüência, a modernização conservadora, que se impôs como um patamar de referencia, é, pela sua própria natureza, profundamente seletiva e excludente (SILVA, 1996, p.170).

Com relação ao grupo dos pequenos produtores não associados, sua

exclusão do processo de modernização agropecuária e de todas as formas de

associação às políticas públicas, leva à crescente marginalização desse grupo

social. Sua integração mais explícita, provavelmente se dará de forma parcial, no

mercado de trabalho rural como assalariados ou como trabalhadores volantes

empregados em tempo parcial.

Entretanto, o capital passa a dominar cada vez mais a produção da

agricultura, não só de setores da produção agrícola avançada (Indústrias de

insumos, ração, implementos e dos grandes empreendimentos agrícolas) onde a

sujeição está claramente instituída, mas também do setor de pequenos produtores

baseados no trabalho familiar.

Nesse caso, a sujeição será instituída com a expropriação dos instrumentos

de produção sem que esse produtor seja expulso de sua terra. Aqui, quando o

produtor mantém a propriedade da terra e nela trabalha sem usar de trabalho

assalariado, utilizando somente o seu trabalho e o da sua família, promove

independência frente ao capital. Nessa medida, o que há é a sujeição da renda terra

ao capital.

Tanto na grande propriedade quanto na pequena, o que temos é a

apropriação da renda da terra. Quando a renda da terra é alta, como no caso da

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cana, da soja e da pecuária de corte, o capital se apropria do grande proprietário ou

promove sua formação. Onde a renda é baixa como no setor de alimentos de

consumo interno generalizado, pequenos produtores de base familiar, o capital não

se torna proprietário da terra, mas cria as condições para extrair o excedente

econômico, onde aparentemente ele não existe.

Ademais, pode-se entender o motivo de existirem os conflitos por terra em

todo o país, especialmente nas frentes pioneiras, já que o posseiro não paga renda

a ninguém, nem como aluguel nem através da compra da terra. O fato explica

porque no nordeste, as empresas se envolvem nos conflitos e não os rudes

senhores.

Onde o capital não pode tornar-se o proprietário real da terra para extrair

juntos o lucro e a renda, ele se assegura do direito de extrair a renda. Ele não opera

no sentido de separar o proprietário e o capitalista, mas no sentido de junta-los. Por

isso começa estabelecendo a dependência dos produtos ao crédito bancário, em

relação aos intermediários. É um fato claro que toda a renda diferencial tem sido

sistematicamente apropriada pelo capital no momento da circulação da mercadoria

de origem agrícola.

CAPITULO 3: A CONTINUAÇÃO DA MODERNIZAÇÃO CONSERVADORA SOB A

ÓTICA NEOLIBERAL

3.1. Acumulação sob a égide do Capital Financeiro

Tendo como ponto de partida a compreensão que o capitalismo das últimas

décadas foi dominado pela face mais perversa do capital financeiro (capital

portador de juros), isto é, pelo capital fictício, impondo a lógica de curto prazo às

empresas industriais e comerciais, deprimindo lucros, além de instalar a

precarização dos salários e das condições de trabalho, é possível observar que o

mesmo retira os direitos sociais, introduzidos durante os 30 anos que se seguiram

ao fim da segunda Guerra Mundial (MARQUES, 2010).

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Essa nova relação se expressa no domínio relativo do capital portador de juros sobre o capital produtivo, o que se evidencia não só pelo aumento de sua exigência na participação da mais-valia mas também nas inúmeras formas de fazer valer sua lógica de rentabilidade de curto prazo nas empresas, incorporando, como seus aliados os altos executivos. Em outras palavras, isso passa a ser um obstáculo para o investimento das empresas, pois seu tempo de maturação é de médio e/ou longo prazo, e, a partir daí os departamentos ou filiais são tratados não como partes de um todo – departamentos e filiais – ‘produzem’ pelo menos 15% de rentabilidade (PLIHON apud MARQUES 2010 p. 3).

Para as 500 maiores empresas, isso não chegou a ser um problema, segundo

Marques (2010), elas recompuseram seus rendimentos por meio das aplicações no

sistema financeiro dos lucros não reinvestidos. A liberdade alcançada pelo capital

financeiro de circular por vários mercados permitiu que o capital industrial e

comercial também gozasse de tal liberdade, tornando o mundo passível de suas

intervenções e com isso aumentando a concorrência capitalista. Trabalhadores

também foram postos em concorrência, assim, viu-se aumentar de forma brutal a

taxa de exploração, ou seja, aumentou o trabalho não pago, elevando-se o nível de

extração de mais-valia, aumentando o lucro, o que formou a outra base sobre a qual

as grandes empresas recompuseram sua rentabilidade.

Para Marques (2010), a força assumida pelo capital portador de juros torna as

bolsas de valores, as instituições financeiras, os fundos de pensão, entre outros,

sujeitos ativos dessa fase e derivados da própria lógica do capital. Para a autora,

nos anos 1930 o capital portador de juros estava contido e predominava a

dominância do capital produtivo, o que possibilitou esse quadro foi a correlação de

força existente entre capital e trabalho existente no período pós-guerra, fruto da

vitória da União Soviética na Segunda Guerra, do interesse dos norte-americanos

em rapidamente fazer a Europa retomar seus fluxos comerciais e financeiros e o

reconhecimento de que a crise dos anos 1930 era fruto da liberalização do capital

financeiro.

A mudança na forma de capital que domina o período que vai da década de

1970 até os dias de hoje, contou com um apoio político dos trabalhadores, sem levar

em conta o apoio político dos governos de Thatcher e Reagan e dos outros

governos que aceitaram segui-los. As empresas multinacionais não teriam

condições de retirar os entraves que freavam sua liberdade de se desenvolver. As

intervenções foram conduzidas na direção de quatro objetivos principais: a

liberalização (dos movimentos de capitais no plano internacional, a abertura dos

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mercados nacionais à concorrência internacional), a privatização (das empresas e

dos serviços públicos), a desregulamentação (das relações de trabalho, o

questionamento dos mecanismos de proteção social) e a competitividade (esta só

pôde ser preservada ou melhorada se os três primeiros objetivos forem atingidos ou

estiverem em via de sê-lo) (TOUSSAINT, 2002).

As medidas tomadas pelas autoridades políticas dos principais países

industrializados determinaram o fim do controle das remeças dos capitais para o

estrangeiro. Segundo Toussaint (2002), liberalizaram, ou interligaram os sistemas

financeiros nacionais com o exterior, o que aconteceu em três etapas; interligação

completa dos mercados de câmbios, interligação do mercado de obrigações e

interligação do mercado de ações.

No curso dos anos 1980, as formas de controle administrativo das taxas de

juros foram progressivamente abolidas pelos dirigentes dos países mais

industrializados do mundo, o que fez com que o Estado perdesse poder diante da

dinâmica da integração financeira. Os Estados então passaram a oferecer as

melhores condições e garantias para este capital e com isso renunciaram a maior

parte das taxações sobre a renda do capital.

Pode-se ligar a esses fatos o crescimento da divida dos países de terceiro

mundo; o Banco Mundial (2000) afirma que a dívida externa dos países de Terceiro

Mundo elevou em 2,05 trilhões de dólares, ou seja, ela foi multiplicada quase por

quatro, passando de 535 bilhões de dólares para 2,05 trilhões.

Existe uma ligação entre a crise da dívida dos países de Terceiro Mundo e a

mundialização neoliberal; sendo devido à exploração da dívida que foi possível

implantar a desregulamentação em favor dos países do Norte, impondo uma nova

correlação de força, o que põem os países do Sul numa dependência reforçada

(TOUSSAINT, 2002).

Para atrair capitais estrangeiros, os governos de países da América Latina,

como Argentina, Brasil e México, começam a praticar uma política de juros altos

desde o inicio dos anos 1990. Como conseqüência dessa política se têm agravado

as condições de pequenos e médios produtores locais, sem falar nas famílias que

têm os custos do acesso aos créditos elevados e a queda da produção para o

mercado interno.

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No entanto, a América latina entra num novo ciclo de endividamento, desde o

início dos anos 1990, com o sucesso da abertura da política neoliberal. Os

portadores do capital estão dispostos a reinvestir seus capitais na compra de ações

da bolsa (investimento de portifólio) e o preço a se pagar com essa política é a

venda de empresas estratégicas, o que acaba reforçando a dependência só que

agora com capitais voláteis.

No desenvolvimento do sistema capitalista, o processo de concentração e

centralização de capitais nesse regime de acumulação se intensifica e promove um

deslocamento político e econômico que tende a minar as bases do Estado nacional

burguês. Nos países subdesenvolvidos que mantinham regimes de governos sob a

aliança: Estado, Capital nacional e Capital estrangeiro têm o centro dessa disputa

deslocado para o lado do capital estrangeiro minando a capacidade do Estado

participar da produção e da organização de políticas públicas efetivas. Com isso, é

promovida uma redefinição dos países subdesenvolvidos na divisão internacional do

trabalho, que assumirá uma função mais especializada na produção de bens

primários.

A transnacionalização do capital e a destruição das bases do Estado nacional

burguês levam o plano econômico a ter dificuldades de harmonizar o caráter

predatório da concorrência e de manter a reprodução dos mecanismos de

solidariedade orgânica entre as classes.

No plano político, a disputas entre os Estados nacionais pelo controle dos

mercados mundiais acirrou a disputa entre eles e com isso, os mecanismos

supranacionais de coordenação da política econômica dos países centrais reduziram

o ritmo do processo de acumulação em escala mundial, destinando todos os

esforços para a defesa da estabilidade das moedas nacionais, por meio de políticas

neomercantilistas que estabelecem um estado de guerra econômica, obrigando os

Estados a concorrerem por investimentos produtivos para preservar a estabilidade

de suas moedas e defender o emprego industrial, assim desencadeando uma

concorrência para transformar o espaço econômico ao qual se vinculam em

estratégia da concorrência intercapitalista em escala mundial.

“Daí o incessante esforço para aumentar a produtividade da força de trabalho,

melhorar a qualidade da infraestrutura econômica e ampliar a dimensão dos seus

respectivos espaços econômicos. O resultado mais conspícuo deste processo é a

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formação de três grandes blocos econômicos – o Nafta, liderado pelos Estados

Unidos; a União Européia, que se organiza em torno da economia alemã; e a Bacia

Asiática, que tem o Japão como pólo de aglutinação” (SAMPAIO JR, 1999, p.21).

Em 2000, mais de 80% do IDE mundial foi reinvestido no seio da Tríade. A maior parte do IDE é um negócio entre empresas da Tríade no interior de um espaço geográfico limitado. No essencial, trata-se de operações de fusões/aquisições entre empresas para aumentar sua dominação sobre um setor do mercado e para atingir um tamanho tal que se torna difícil para outras empresas adquiri-lo (TOUSSAINT, 2002, p. 72).

Segundo o relatório WIR9 2009, os fluxos de investimentos diretos na

agropecuária evoluíram positivamente, saltando de US$ 600,00 milhões ao ano, no

período de 1989-1991, para US$ 3,3 bilhões ao ano no período de 2005-2007. Ainda

assim, o fluxo de investimentos diretos no segmento agropecuário é pequeno,

relativamente aos investimentos diretos totais no mundo representando somente

0,2% desse montante.

De acordo com o WIR 2009, desta vez, com base no agronegócio e não no

segmento da agropecuária, verifica-se que o estoque líquido de entrada de IDE do

agronegócio em 2007 foi de US$ 32 bilhões, o qual, aparentemente expressivo,

também representa somente 0,2% do IDE total mundial.

As empresas transnacionais à jusante do agronegócio apresentam IDE’s para

as empresas produtoras de alimentos e bebidas num total de US$ 40,00 bilhões

para o período de 2005 a 2007, em âmbito mundial. Apresentando um fluxo de IDE

maior que o da agropecuária e em termos absolutos as empresas de bebidas e

alimentos representam 2,8% do fluxo total mundial de IDE’s.

O relatório chama a atenção para outro fato importante, apesar do IDE na

agricultura ser pequeno frente ao IDE total nos países desenvolvidos, a situação se

inverte nos países subdesenvolvidos, nesses países tanto o fluxo como o estoque

assumem expressiva relevância.

Observou-se, outros aspectos, os investimentos estrangeiros vêm procurando

investir numa especialização regional, sendo que os países da America do Sul vem

atraindo IDE’s para os produtos: trigo, arroz, cana-de-açúcar, frutas, flores, soja,

feijão, carnes e aves. Nos países da America Central as empresas transnacionais

9UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPMENT. World Investiment Report

2009: transnational corporations, agricultural production and development (WIR 2009). GENEVA: UNCTAD, 2009.

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têm seu foco em: frutas e cana-de-açúcar, na África: algodão, cana-de-açúcar e

floricultura.

Embora esteja havendo uma maior participação das empresas processadoras

do agronegócio de países subdesenvolvidos no IDE’s, existe ainda um desequilíbrio,

pois ocorre uma maior concentração das empresas transnacionais dos países

desenvolvidos que assumem maior concentração na produção de insumos agrícola

e no processamento de alimentos e bebidas. Para se ter uma dimensão do grau de

concentração nesse segmento, as nove maiores empresas desse ramo são de

países desenvolvidos e, cada uma controla ativos no exterior em torno de US$20

bilhões. Juntas, representam mais de 2/3 dos ativos externos das 50 maiores

empresas desse segmento.

Nesse caso os Complexos Agroindustriais (Transnacionais do Agronegócio)

são privilegiados, já que são escaladas para gerar soldo comercial e disporem de

taxas favoráveis na importação de seus produtos aos países do centro da tríade.

[...] não há marginalização generalizada do Terceiro Mundo pela Tríade. Vários países do Terceiro Mundo dotaram-se de uma base industrial relativamente sólida, que não vai desaparecer de uma pena, mas é importante considerar que, com as privatizações e outras medias neoliberais as multinacionais dos países capitalistas desenvolvidos adquiriram nestes países uma liberdade de manobra sem precedentes. A crise do endividamento externo desses países permitiu às instituições financeiras multilaterais (Banco Mundial e FMI) e os governos dos principais países industrializados ditarem um conjunto de medidas consignadas nos programas de ajuste estrutural. Setores economicamente estratégicos, do ponto de vista do desenvolvimento desses países são “oferecidos” às multinacionais, a um ponto tal que podemos falar de uma involução, de uma volta a uma dependência/subordinação acentuada de países do Terceiro Mundo que tinham tentado, não sem algum sucesso, um começo de um desenvolvimento autônomo. [...] Tanto a evolução dos fluxos de capitais como a da produção e do comércio mundiais indicam uma recentralização na Tríade. [...] Um país como o Brasil continua receber investimentos estrangeiros, o que tem sido desde 1994, importante para o fechamento das contas externas. Mas com isso o grau de desnacionalização da economia aumenta, e crescem as remessas de lucro para o exterior. [...] Não apenas os países mais industrializados ficam com a maior parte do comércio mundial (os 23 países mais industrializados realizam 68% das exportações mundiais em 1999, para uma população inferior a 15% da população mundial), mas trocam sobre tudo entre si: mais de dois terços de suas trocas se fazem entre eles. O fenômeno se amplificou nos últimos anos: e um lado, os países industrializados pesam ainda mais do que antes no comércio mundial; de outro, suas trocas internacionais de desenvolvem sobretudo entre países europeus, e entre estes e os Estados Unidos e o Japão. [...] O abandono de uma política de desenvolvimento relativamente autônomo pelos países do Terceiro Mundo e pelos países do ex-bloco soviético, sob o duplo impacto do endividamento externo e da crise de seu modelo de desenvolvimento, de um lado, e, de outro, o crescimento do poder das

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multinacionais e o tipo de política imposta pelo FMI, pelo Banco Mundial e pela OMC, levaram a maior parte desses países a se enganar numa luta para atrair cada um mais investimentos diretos das multinacionais (TOUSSAINT, 2002, p. 75- 82).

Um estudo realizado pela Oxford Commitee for Famine Relief (Oxfam)10,

demonstrou que, em todos os lugares que ao longo do período 1990-2000, o FMI

aplicou um plano de ajustamento estrutural, novos milhões de seres humanos foram

lançados no abismo da fome.

Para Ziegler (2013) a razão é simples, estando o FMI encarregado da

administração da dívida externa dos 122 países ditos do Terceiro Mundo que girava

em torno de 2,1 trilhões de dólares no ano de 2010, os países devedores tem

necessidade de divisas. Para consegui-las o FMI concede aos países

superendividados uma moratória temporária ou um refinanciamento de sua divida,

mas, para isso, os países têm que submeter-se aos planos de ajuste estrutural.

Todos esses planos envolvem a redução no orçamento das despesas com a

saúde e educação, além da eliminação dos subsídios aos alimentos de base dos

países envolvidos. Os serviços públicos sãos as primeiras vítimas dos planos de

ajuste estrutural, as condições salariais dos funcionários desses serviços foram

submetidas a um arrocho ou, os mesmos, despedidos.

Onde o FMI intervém as culturas de viveres morre, já que o FMI exige a

ampliação das culturas coloniais, cujos produtos – algodão, amendoim, café, chá,

cacau e etc.- podem servir a exportação e trazer divisas para o pagamento da

dívida. O passo seguinte do FMI, segundo o mesmo autor, é a abertura dos

mercados do Sul às sociedades “transcontinentais” privadas da alimentação.

3.2. A onda neoliberal no Brasil e a economia do agronegócio

Foi durante o governo de Fernando Henrique Cardoso que, de fato, a política

econômica tomou o pensamento neoliberal em sua plenitude e se subordinou aos

interesses dos credores (internacionais e nacionais) e ao capital financeiro. É

durante esse governo que as principais privatizações vão acontecer e se realizarão

10

Criado em 1942 para lutar contra a pobreza e a fome (ZIEGLER, 2013, n.t.,p.173).

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as primeiras investidas sobre a previdência social pública, o câmbio passará a ser

flutuante e o gasto público passará a ser constrangido em nome da realização de

superávit primário (receitas menos despesas sem considerar os juros). Esse

superávit, acerto feito com o FMI como parte do acordo de negociação da dívida,

além de inibir os gastos públicos irá pôr fim às possibilidades de retorno de um

Estado desenvolvimentista (MARQUES, 2010).

A abertura comercial, que se expressa no inicio dos anos 1990, mediante

forte redução tarifária geral, pelo Acordo de Ouro Preto de 1994, que constituiu a

união Aduaneira do MERCOSUL, dá partida a um conjunto de políticas de

minimização do conceito de mercado interno protegido. Este conceito caracteriza a

era da “modernização conservadora da agricultura”. Mas é com a estabilização

monetária e introdução do Real em 1994 que se dará o passo principal no conjunto

de reformas do período, para modificar substancialmente as instituições de políticas

comercial e agrícola vigentes há varias décadas – com os sistemas IAA e IBC, a

Política Garantidora de preço Mínimo (PGPM) com formação de estoques, a

Garantia de preço único e o Monopólio estatal de compra do trigo, Estoques

reguladores de carne e leite, e Programa de Apoio a Atividade Agropecuária

(Proagro), todos articulados a recursos fiscais ou monetários estatais (DELGADO,

2012).

O objetivo da política de favorecimento do agronegócio seria a necessidade

do governo obter a todo custo soldos na balança comercial para pagamento dos

juros e serviços da dívida pública. Entretanto, as reformas implantadas nos sistemas

de políticas agrícolas e comercial levam ao desmonte da estrutura estatal montada

no período desenvolvimentista e a política restabelece a participação da agricultura

para exportação sob uma perspectiva mais liberal, que passará a ser denominado

agronegócio.

A política que favoreceu o agronegócio é uma política assentada em algumas

iniciativas como: investimento em infraestrutura territorial, que visava à integração

com o mercado externo e novos territórios, para isso desenvolveu-se meios de

transporte e corredores comerciais que impulsionaram a integração; direcionou-se o

sistema de pesquisa (EMBRAPA) e extensão rural (EMATER e correlatas), a operar

em sincronia com empresas transnacionais do agronegócio e, uma regulação frouxa

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do mercado financeiro com maior liberdade de participação das instituições

financeiras e, a caracterização desse produto agrícola como commodities11.

A política de comercio exterior é alterado ao logo do segundo governo FHC e passa a perseguir a estratégia de gerar saldos de comercio exterior a qualquer custo, tendo em vista suprir o déficit da Conta Corrente com os Saldos da Conta Corrente. Este, por seu turno, se exacerba, pela pressão das saídas de rendas de capital, ante mesmo que se fizessem sentir os efeitos da reversão na política de comercio exterior (DELGADO, 2012, p. 93).

Nesse contexto, a face moderna da agricultura, autodenominada de

agronegócio, volta às prioridades da agenda da política macroeconômica externa e

da política agrícola interna. “Isto ocorre depois de forte desmonte dos instrumentos

de fomento agrícola no período precedente (anos 1990), incluindo crédito rural, a

política agrícola de preço mínimo, o investimento em pesquisa, e o investimento em

infraestrutura comercial – a exemplo dos serviços agropecuários, dos portos, da

malha viária, etc” (DELGADO, 2012).

Na primeira década do século XXI o comércio externo experimenta aparente

sucesso com a quadruplicação do seu valor em dólares – valor médio anual das

exportações de 50 bilhões de dólares no período 1995/99 cresce para cerca de 200

bilhões no final da década de 2000; mas o grande campeão dessa evolução é a

categoria dos produtos básicos, que pula de 25% da pauta de exportação para 45%

em 2010. Se somarmos aos produtos básicos os “semimanufaturados”, que na

verdade corresponde a uma pauta exportadora das cadeias agroindustriais e

minerais, veremos que esse conjunto de exportações primárias –“básicos” + “semi-

elaborados” evoluirá de 44% no período 1995/99 para 54% no triênio 2008/2010,

enquanto que de forma recíproca as exportações de manufaturados involuirão em

termos proporcionais no mesmo período caindo de 56% para 43,4% da pauta

(DELGADO, 2012).

A política econômica do País torna o comercio exterior o carro chefe a ser

impulsionado através da exportação de produtos básicos e semielaborados

(commodities agrícolas e minerais no caso do Brasil). É uma política que reafirma e

amplia o papel subordinado que esta nação tem no mercado mundial. Os acordos de

investimentos firmados com o capital estrangeiro, que vem buscando o intercâmbio

11

Produto com suas características padronizadas segundo normas do mercado mundial, para sua comercialização em nível mundial através de bolsas de valores.

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econômico entre as nações propagandeiam a necessidade de livre mobilidade de

capital a urgência na construção da integração regional.

Buscam com isso, consolidar um espaço integrado de Blocos Comerciais,

onde mercadorias podem circular livremente com predominância de entrada e

saídas de capitais de um país para outro sem restrição ou regulamentação e,

controlado pelas grandes potencias mundiais. Para isso, visam à formação de

grandes blocos comerciais (ALCA) onde o capital organizado pode através da

atuação das agências multilaterais frente aos Governos de países subordinados,

controlá-los, através de acordos de relações econômicas que debilitem e ampliem o

atraso dessas nações.

Nessa atual fase do capitalismo, ocorre maior integração dos mercados,

unindo de maneira oposta os mercados dos países altamente industrializados aos

demais, de média ou pequena presença industrial. Se nos anos 60 tem início uma

fase em que se introduz a tecnologia (maquinários) na agricultura brasileira, nos

anos 90 esse processo se intensifica e tem início uma nova fase da organização do

capital na agricultura.

Com a produção de commodities, as Bolsas de Mercadorias e de Futuro e os

monopólios mundiais, a produção de commodities (mercadorias) para o mercado

mundial tornou-se o objetivo principal da produção mundial de alimentos. Isto quer

dizer que se produz para quem tem poder de compra, esteja ele onde estiver no

mundo. Ou seja, a produção de alimentos não tem mais o objetivo de abastecer a

população do estado nacional onde ele é produzido.

O exemplo da produção do trigo no Brasil é exemplar. O país tornou-se o

primeiro importador deste grão do mundo (11 milhões de toneladas), sendo que a

produção nacional de trigo não tem ultrapassado 3,5 milhões de toneladas. Porém,

quando os preços internacionais estão altos, exporta-se para o mundo o trigo que o

país produziu e que não é suficiente nem para o seu próprio abastecimento.

As Bolsas de Mercadorias e de Futuro tornaram-se o centro da

comercialização mundial da produção de alimentos. Isto é, a produção e a definição

dos preços dos alimentos não dependem mais do processo produtivo, mas das

operações das bolsas mundiais. O mercado futuro passa a comandar a decisão

sobre o que plantar e quanto plantar. Nesse processo, o capitalista antes de plantar

já vende sua produção, ainda não plantada, às multinacionais que controlam a

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circulação da produção mundial de alimentos. Os monopólios mundiais de alimentos

são produtos do processo de transformação do capitalismo e nasceram do processo

de concentração de capitais.

A recente crise alimentar (2007 e 2008) demonstra bem o atual processo de

organização do capital na agricultura. Através dela, verificamos dois processos, um

conjuntural e outro estrutural. O primeiro se manifestou através do aumento de

preços dos produtos de alimentação devido à produção de etanol de milho nos EUA,

que levou à especulação dos preços do trigo na bolsa de Chicago com um aumento

em 100%, o milho em 96% e o etanol em 80%. Com a crise do mercado financeiro

em 2008, parte do capital especulativo se voltou para o setor de produção de

alimentos. Como conseqüência, segundo dados da FAO, entre 2008 e 2009 mais de

50 milhões de pessoas caíram abaixo da linha da pobreza.

O segundo aspecto, estrutural, vincula-se a expansão das monoculturas que

resulta na concentração de terras e promove uma verdadeira contrarreforma agrária.

De um lado leva a destruição ecológica devido à destruição das florestas e

contaminação dos mananciais e rios, pelo uso de insumos químicos. De outro lado,

expulsa os camponeses para os centros urbanos (SIMONETTI; CAMARGO, 2011).

O que está em jogo é a apropriação de riquezas produzidas em todo o globo

por um número pequeno de blocos de capitais, onde se encontram as empresas

transnacionais do agronegócio. O comercio internacional e o papel desenvolvido por

cada país nesse comércio é definido por um conjunto de determinações históricas

na qual a dívida externa dos países subdesenvolvidos tem um papel fundamental. É

através da exploração dos juros da dívida que os países centrais determinaram o

papel a ser cumprido pelo Brasil no mercado mundial e na divisão internacional do

trabalho. Com a instalação da divisão social do trabalho, países industrializados

tardiamente assumiram uma posição subordinada aos países centrais, subordinação

que engendrou aos países subdesenvolvidos o papel de produtores e fornecedores

de matéria primas (commodities) que esses desempenham no mercado mundial.

O que se logra com o controle do mercado mundial por pequenos blocos de

capitais é o controle da acumulação capitalista que, para tal, terão que controlar de

forma centralizada a divisão internacional do trabalho, comandando o processo de

divisão de tecnologia impondo, assim, um regime de monopólio da produção. Com o

controle da produção tecnológica centrado nos países avançados fica determinado o

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papel dos países tardiamente industrializados na produção de insumos industriais de

larga escala em regime de maquilagem, além de produção de alimentos baratos

para os trabalhadores dos países centrais.

Diferentemente do período anterior analisado (1960-1985), onde os capitais

migram para cá na forma de investimento para a modernização da agricultura e

industrialização do país, no período (1990-2010) a migração de capitais se dará

sobre a forma de capitais voláteis provenientes do domínio da acumulação pelo

capital fictício.

Como conseqüência do crescimento do volume da riqueza fictícia produzida

pela lógica da especulação cresce também o poder de comando da dimensão

especulativa do capital, na qual o comércio de commodities está envolvido, o que

conseqüentemente diminui o poder de decisão política e econômica em nível

mundial.

A corrida por redução dos custos impôs ao agronegócio uma reestruturação

de seu processo produtivo para acompanhar as elevadas taxas de lucros fictícios

geradas pela intensificação dos fluxos especulativos em todo o mundo capitalista,

para isso o agronegócio irá promover o uso de biotecnologia (transgênicos) para

diminuir o tempo de imobilização do capital reduzindo o tempo do ciclo produtivo

dessas culturas que demanda mais agrotóxico além do uso de rações e antibióticos

na criação de aves, suínos e bovinos que também diminuem o tempo para o abate.

A conseqüência é a degradação do meio ambiente, as epidemias virais e a perda da

soberania alimentar.

Além das alterações no processo produtivo que visa diminuir o tempo de

rotação do capital, a reformulação do código florestal é parte da estratégia de

ampliar a acumulação capitalista propiciando a riqueza pública, o que seria uma

acumulação primitiva do capital em termos modernos.

Um dos reflexos de calçar o desenvolvimento da economia no agronegócio é

a necessidade de se fazer uso da superexploração do trabalho, ou seja, aumentar a

intensidade do trabalho como forma de produzir um aumento da mais-valia, obtido

através de uma maior exploração do trabalho. Para isso, tem que se aumentar o

tempo de trabalho excedente, que é aquele em que o operário continua trabalhando

depois de já ter produzido os meios necessários para sua subsistência. Há também

uma outra forma, que consiste em reduzir o consumo do operário além do limite

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normal, para se formar um fundo que se converterá , “dentro de certo limite, em um

fundo de acumulação do capital, implicando assim em um modo especifico de

aumentar o tempo de trabalho excedente.” (MARINI, 2000, p.)

No caso brasileiro os créditos concedidos principalmente as empresas do

agronegócio via crédito subsidiado (Banco do Brasil e BNDES) pelo governo, pode

ser entendido como um fundo de acumulação capitalista retirado do fundo de

consumo do operário.

Delgado (2012) observando as características da economia do agronegócio

identifica na superexploração uma das formas de se obter ganhos, mas o autor,

através do seu estudo, vem problematizando as conseqüências dessa prática para

os trabalhadores. Assim, a partir de estudos dos laudos pericias, do INSS, nota-se

um aumento de aprovação dos benefícios por incapacidade, devido a pratica de

exploração excessiva no trabalho onde as empresas do agronegócio atuam.

(DELGADO, 2012)

Na verdade a superexploração aqui levantada, a partir dos laudos periciais do INSS, condicionais à concessão dos “benefícios por incapacidade

12” do

seguro social, evidencia que todas as formas mencionadas de exploração excessivas estão presentes, como também que estas ocorrem mesmo quando há progresso técnico e elevação de capacidade do trabalho. Neste sentido, pode-se dizer que a superexploração é de essência das relações de trabalho privadas, nas condições do nosso mercado de trabalho, tese que me parece ser o argumento principal da teoria referida de Ruy Mauro Marini (DELGADO, 2012, p.121).

TABELA 4: Beneficio por incapacidade concedido pelo INSS (total e rural em milhares)- Brasil 2000, 2005 e 2009 (continua)

Anos 2000 2005 2009 2009/2000

Benefícios Total Rural Total Rural Total Rural Total Rural

(1) Auxílio-Doença+ Auxilia-Acidente

931,5 144,3 2023,2 218,4 2056,7 218,4 120,1 51,4

(2) Aposentadoria por invalidez

148,4 20,6 269,2 33,2 187,3 21 26,2 1,91

Total (1+2) 1079,9 164,9 2292,4 281,1 2244 107,8 107,8 45,2

Fonte: Anuário Estatístico de Previdência Social (vários anos) (DELGADO 2012 p.122)

Como sócio desse projeto cabe ao Estado juntamente com suas instituições

de fomento (BNDES e Banco do Brasil) a promoção de fusões e aquisições para

consolidar e expandir a liderança priorizando alguns segmentos industriais

12

Beneficio por incapacidade na linguagem previdenciária são os “Auxílios-Doença”, “Auxílios-Acidente de

trabalho” e a “Aposentadoria por Invalidez.

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(Empresas vinculadas ao Agronegócio) na estratégia de elevar a competitividade

das grandes empresas em nível mundial. Para o presente trabalho é importante

ressaltar o tratamento que o setor do agronegócio vem recebendo, uma vez que

cumpri importante papel na geração de superávit.

TABELA 5: Operações do Banco do Brasil - linha de crédito especial – 2008

Empresa Crédito Especial

KLABIN- celulose R$ 150 milhões

SUZANO -celulose R$ 260 milhões

VERACEL-celulose- finlandesa R$ 585 milhões

VOTORANTIM-celulose R$ 1.004 bilhão

ADM- americana R$ 1.645 bilhão

BUNGE-americana R$ 921 milhões

CARGILL/SEARA-americana R$ 928 milhões

COPERSUCAR R$ 237 milhões

DOUX FRACOIS- francesa R$ 572 milhões

LOUIS DREYFUS-francesa R$ 713 milhões

SOUZA CRUZ -americana-inglesa R$ 136 milhões

AMBEV- belga R$ 1.600 bilhão

GAROTO- nestle suiça R$ 55 milhões

PERDIGÃO R$ 541 milhões

BASF-alema R$ 632 milhões

BAYER-alema R$ 50 milhões

HEXION R$ 61 milhões

FOSFERTIL R$ 160 milhões

RHODIA-francesa R$ 81 milhões

CARREFOUR- francesa R$ 150 milhões

TOTAL R$ 10481 bilhões

Fonte: Movimento dos Trabalhadores Sem Terra; Presente : http://www.mst.org.br/node/6713

Ao agronegócio exportador o governo federal atendeu de forma especial com a abertura de linha de credito imediato de R$ 10 bilhões. Com aprovação do Conselho monetário internacional, em reunião extraordinária no dia 18/05/09, uma portaria (n° 203, de 7 de maio de 2009) do Ministério da Fazenda regulamentou a transferência de recursos do Tesouro Nacional para as equalizações de contratos e de financiamentos de capital de giro a agroindústria, indústria de máquinas e equipamento agrícolas e a cooperativas agropecuárias promovidas pela BNDES. Com isso o segmento do agronegócio exportador, em especial das empresas que controlam os maiores frigoríficos no país, tidas pelo governo entre as mais atingidas pela crise internacional (GOMES, 2009, p. 96-97).

Para isso, tem-se que passar à análise do BNDES frente ao Projeto de

Integração Regional das Américas, podendo-se dizer de antemão que a atuação do

BNDES, que aprofundou sua atuação no governo Lula, está dentro de certo padrão

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de acumulação vigente desde a década de 1990, que foi inaugurado com as

privatizações e a liberalização comercial. Esse novo padrão de acumulação foi

baseado na formação e fortalecimento de conglomerados privados (nacionais e

estrangeiros), fomentados pelos fundos públicos, via capital estatal e paraestatal

(empresas estatais e fundos de pensão) (TAUTZ et al., mineo)

A diferença do Governo Lula em relação ao período anterior estaria, essencialmente, no resgate do papel do Estado por meio de uma suposta defesa de grupos nacionais, bem como da “escolha de vencedores” ou dos “eleitos”. Neste caso, chama a atenção os setores de mineração e siderurgia, etanol, papel e celulose, petróleo e gás, hidroelétrico e da agropecuária, que receberam juntos quase a totalidade de meio trilhão de reais desembolsado pelo BNDES, no período Lula. Vale dizer que o aprofundamento do referido padrão respondeu, igualmente, a uma conjuntura de intenso crescimento do comércio exterior a partir de 2002, puxado pela valorização das commodities, na esteira do vigoroso e continuado crescimento chinês. A recente crise financeira foi, por sua vez, reconhecida como mais uma oportunidade de se “escapar para frente”, ou seja, aprofundar ainda mais o referido padrão, via o patrocínio pelo BNDES de fusões e aquisições (a exemplo dos casos da JBS e Bertim, OI e Brasil Telecom, Perdigão e Sadia, Votorantim e Aracruz, Itaú e Unibanco) (TAUTZ et al.).

Tautz afirma que no governo Lula as referidas empresas de capital nacional

consolidaram sua posição na produção de commodities e energia, tendo como

financiadores o BNDES, empresas estatais e os fundos de pensão. Para o autor

deve-se acrescentar a esses os grupos do setor agropecuário, como Perdigão/Sadia

(Brasil Foods), no setor de alimentos e JBS/Bertin, na pecuária.

Outro feito do BNDES no que tange ao assunto aqui proposto é o

financiamento ao agronegócio (via crédito subsidiado, assunto do próximo tópico) de

empreendimentos relacionados com os agrocombustíveis, que, ao obter o título de

commodities, têm padronizado sua produção e sua comercialização em níveis

mundiais, promovendo a reocupação de grandes áreas com plantações em regime

de monocultura, concorrendo por terra com a alternativa de reforma agrária.

TABELA 6: Desembolsos do BNDES – 2001 e 2011 (em bilhões de R$)

Descriminação 2001 2011 Variação 2011-

2001(%)

Total 25,5 139,9 449

CAI 7,4 25,2 240

Agroindústria 4,8 16,6 246

Fonte: BNDES

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3.3. A Organização do Crédito Rural no período Neoliberal

Como demonstrado no primeiro capítulo o SNCR que foi instituído no ano de

196513 vem sendo configurado como um instrumento de política pública que tem o

intuito de promover a modernização da agricultura e assegurar uma produção

satisfatória evitando o desabastecimento de alimentos e matéria-prima. O crédito

rural14 após um período (1985-1990) de indefinições devido à grave crise fiscal

vivenciada no período é restituído e retoma seu papel de instrumento de política

pública, divulgado anualmente no âmbito dos Planos de Safra, de autoria do Poder

Executivo. No entanto, sua arquitetura vem refletindo acordos entre os grupos de

interesse que gravitam no ambiente de gestão da política agrícola, como os

representantes dos produtores rurais, das agroindústrias, das indústrias de insumos,

máquinas e equipamentos agrícolas, dos integrantes do Sistema Nacional de

Crédito Rural (SNCR), principalmente dos bancos, e das demais lideranças do setor

rural.

É importante destacar que vai se configurando uma situação em que, sob o

mote da simplificação, predomina a desregulamentação e a flexibilização

comandada pelos interesses dos bancos (ou agroindústrias) em curso desde as

reformas de cunho neoliberal implantadas no âmbito do Estado. O risco que dai

decorre é a descaracterização do crédito (público) rural, ainda o mais importante dos

mecanismos existentes para financiar a agricultura brasileira. O término da

classificação do porte do produtor é mais um exemplo de desregulamentação do que

de simplificação do crédito rural.

Para Jader José de Oliveira (2003) empregou-se o discurso a favor do fim da

regra de classificação pelo fato de o Governo Federal ter instituído programas com

características específicas para os agricultores familiares (PRONAF e PROGER

13

O Sistema Nacional de Credito Rural (SNCR), implantado a partir de 1965 com a Lei do crédito rural (lei n°4829 de 05/11/65) é a base principal sobre a qual se apóia a modernização da agricultura.(DELGADO, 2012) 14

O Banco Central do Brasil (BACEN), órgão de controle do SNCR, classifica como crédito rural todos os recursos aplicados pelos bancos na atividade agropecuária, quaisquer que sejam as fontes, desde que as operações estejam sujeitas às normas MCR (Manual do Crédito Rural). Isso quer dizer que os financiamentos devem respeitar os parâmetros determinados pela Autoridade Monetária quanto aos beneficiários, às modalidades, às finalidades, aos tetos, aos limites, aos encargos financeiros e aos prazos.

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RURAL), para o desenvolvimento regional (FCO, FNO e FNE) e para o investimento

agropecuário (Programas do BNDES e Banco do Brasil). Além desses fatores, as

transformações em curso no meio rural, como o aumento da participação da renda

não-agrícola na renda total do produtor pode ter sugerido ajustes na metodologia de

classificação referida.

Reforça-se o consenso de que em face do “esgotamento do modelo tradicional de crédito subsidiado” surge a necessidade de um “novo modelo de financiamento da agricultura brasileira”. Nesse novo modelo, a agricultura de mercado deveria ser financiada por recursos livres e instrumentos alternativos de crédito que viessem a ser criados pelos bancos. Já a agricultura "familiar" (universo dos pequenos produtores e outros grupos que tradicionalmente são alijados do processo de crédito, como: assentados; parceiros; meeiros; não-integrados ou em fase de integração aos Complexos Agroindustriais) passaria a contar com maior apoio do Governo Federal (OLIVEIRA, 2003).

Com esse ambiente de desregulamentação, as agroindústrias sendo grande

parte delas transnacionais passam a exercer grande poder de decisão nas matérias

de política agrícola. Poder que passa a ser exercido tanto sobre agências públicas

quanto sobre o Congresso Nacional, na medida da capacidade de financiamento de

campanhas eleitorais e de organização de lobbies que essas empresas detêm.

O autor Oliveira (2003) também destaca o modelo de produção instalado

como contribuição para fortalecimento do poder das agroindústrias, “eixo da

agricultura moderna” (agronegócio) que tem entre suas características: o domínio do

mercado por poucas empresas em cada setor, além da prática de acordos entre as

empresas para constituírem monopólios restringindo a competição, dividindo os

mercados e a integração vertical de alguns setores.

Apoiado em Graziano da Silva (1996), o autor faz uma breve constituição

histórica do crédito rural e diz que, durante os anos 60 (período de modernização

conservadora da agricultura relatado no primeiro capitulo desse trabalho), com o

padrão do “corporativismo” tradicional, tutelado pelo Estado, ocorre à formação de

diversos grupos empresariais que passam a monopolizar a representação e a

“orquestração” dos interesses privados na gestão das políticas públicas. Essa

afirmação demonstra uma das faces e motivo pelo qual essa modernização foi

denominada “Modernização Conservadora”. A partir dos anos 70 e com o

agravamento da crise fiscal, num ambiente em que vários Complexos Agroindustriais

estão consolidados, estrutura-se o padrão de relacionamento neocorporativista, em

que se combinam auto-organização e políticas públicas.

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[...] não houve um processo geral de transição entre um modelo de corporativismo estatal ou tradicional para outro, neocorporativista: por isso predominam no País formas híbridas de representação de interesse, combinando elementos do velho e do novo corporativismo (SILVA, 1996 p.).

Para Oliveira (2003), existem outros inúmeros fatores que influenciaram a

reformulação da política agrícola, especificamente o do financiamento agropecuário,

a partir dos anos 90, dando ao crédito rural um novo enfoque no âmbito das

instituições financeiras.

Baseado em autores como Gasques & Conceição (2001) e Faveret (2000),

relaciona-se as seguintes causas da restrição do crédito agrícola no período recente

1995-2010 à: a) a elevada inadimplência; b) os critérios mais rigorosos na seleção

dos beneficiários; e c) as estratégias bancárias para a redução do risco e do custo

dos empréstimos agropecuários. Além desses, ele adiciona a atuação da indústria

para a simplificação de papéis (títulos) e a formação de parcerias também entre

bancos e tradings. Chama a atenção para os dois últimos fatores, demonstrando que

as agroindústrias estão financiando parte dos produtores rurais que antes se

dirigiam aos bancos, o que se estabelece como contrato de integração e vêem

transformando os produtores em “assalariados disfarçados” já que, vivem total perda

de autonomia.

Um dos principais argumentos levantados para justificar os entraves ao

crédito rural foram os prejuízos bilionários que o Banco do Brasil digere em 1995 (R$

4,2 bilhões) e em 1996 (R$ 7,5 bilhões).

Grande parte das perdas é atribuída à inadimplência rural, em parte decorrente da orientação de aplicações por ordem do Tesouro Nacional. Isso viabiliza o aporte de capital pela União para reequilibrar o patrimônio do Banco do Brasil, porém, exige, em contrapartida, a reformulação da gestão do Banco, descartando a hipótese de novos saneamentos (OLIVEIRA, 2003, p123).

Para o mesmo autor, a partir de 1995, a gestão da carteira agrícola é

submetida aos rigores da globalização financeira, e por isso é submetido ao ajuste

fiscal dos princípios de regulação prudencial impostos pelo Acordo da Basiléia15. No

15

Firmado em 1988 no âmbito do Bank for International Settlements (BIS) – Banco Internacional de

Compensações ou Banco para Pagamentos Internacionais -, vinculados a necessidade de capital próprio, segundo risco apresentado em suas transações. Em 1992, esse acordo começa a ser cobrados no Brasil através do Comitê de Supervisão Bancária da Basiléia, como contrapartida pela ajuda do exterior. Em 1994. o Bacen regulamenta esse acordos e os bancos começam a seguir as normas (OLIVEIRA, 2003, apud BITTENCOURT, 2003)

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atual período, os bancos passam a buscar uma rentabilidade mínima no crédito

agrícola, o que passa a ser fundamental para a sobrevivência do Banco do Brasil e

por isso o binômio risco-rentabilidade passa a ser analisado nas concessões de

credito rural.

O crédito rural nos anos 90 está submetido a duas grandes forças, que convergem para a preservação da reprodução dos capitais que interagem no agribusiness: (1) uma que reflete o poder decisório dos Complexos Agroindustriais na formulação da política agrícola, em face da crise do Estado, e (2) outra que busca a padronização da regulação bancária prudencial com vistas à preservação da estabilidade dos sistemas financeiros, nacional e intencional (OLIVEIRA, 2003, p.151).

3.4. O novo modelo de gestão do Crédito Rural

A institucionalização do SNCR, em 1965, é parte de um conjunto de reformas

de natureza econômica, econômico-sociais e institucionais que a nosso ver é parte

de uma política de desenvolvimento que priorizou setores da sociedade e um

ambiente capaz de proporcionar ao capital externo ganhos vultosos, que aconteceu

sustentado por um modelo que promoveu grande concentração da riqueza e forte

participação do Estado na esfera produtiva da economia.

Já as reformas dos anos 90 avançam sob o discurso neoliberal reduzindo o

papel do Estado (aumentando sua dependência frente ao capital estrangeiro) e

transferindo ao mercado a tarefa de encontrar soluções para a alocação eficiente de

recursos, como os demandados pela agricultura, mas sem que o Estado deixasse de

participar do financiamento.

Nessa esteira separou os segmentos “de mercado” e “familiar” na estrutura do

Ministério da Agricultura, de um lado, e do Ministério do Desenvolvimento Agrário,

de outro, atendendo a ideologia liberal. Ao primeiro atribui-se, entre outras tarefas, a

de estimular formas alternativas de financiamento da produção; ao segundo, a de

prover ao produtor condições de acesso à terra, implementar o desenvolvimento

rural e coordenar o Programa Nacional de Agricultura Familiar (PRONAF).

Ademais, se viu vigorar um discurso de responsabilidade e eficiência na

alocação dos recursos públicos; Bancos e instituições de fomento estatal passaram

a exigir das operações de crédito segurança e lucratividade, porém essa exigência

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vem apresentando um custo para os agricultores. Uma vez que agrava a exclusão

de produtores ao crédito rural e legitima estratégias negociais na alocação dos

recursos públicos que terminam fortalecendo os grandes grupos econômicos que

atuam no agronegócio.

Assim, para atender essa exigência imposta pelas reformas neoliberais o

Banco do Brasil, no decorrer dos anos 90, é organizado para atuar como um banco

privado. Convergem, nesse sentido, os interesses do próprio Banco - que busca

preservar seu market share - e do Governo Federal que visa reduzir os seus gastos,

incrementar o superávit primário com as receitas dos negócios das Estatais e

fortalecer o sistema financeiro nacional. “O então Presidente Ximenes [presidente do

Banco do Brasil] retrata bem esses objetivos quando diz que a função social do

Banco do Brasil passaria a ser ‘dar lucro’” (OLIVEIRA, 2003, p.87).

O pressuposto é que as reformas organizacionais desencadeadas na estrutura organizacional dos agentes do Sistema Financeiro, a partir de 1995, tornam semelhantes a gestão dos bancos públicos e privados. Isso porque todos caminham no sentido de reajustarem-se para gerenciar os ativos, e o crédito rural, em especial, sob o foco da visão financeira. O Banco do Brasil também avança nessa direção para sobreviver, objetivo explicitado por ocasião da divulgação do seu Programa de Ajustes 1995/1996. Como o Banco do Brasil responde por cerca de 60% do crédito rural e os outros 30% concentram-se nos bancos privados, pode-se dizer que a gestão do crédito rural, a partir de 1995, é padronizada para a busca do lucro e do incremento da rentabilidade (OLIVEIRA, 2003 p.).

Ao buscar redução de risco e rentabilidade das operações, o Estado

retroalimenta esse processo injetado nos bancos (públicos e privados), quer para

atuar num mercado mais competitivo quer para atender exigências dos órgãos de

supervisão bancária nacional e Internacional.

No caso do Banco do Brasil, como principal agente financeiro da agricultura

brasileira, suas novas exigências levam à Área Rural, a partir de 1995, a buscar

mais sinergia com as demais áreas. Essa sinergia, sob o enfoque negocial, ocorre

com as áreas que se relacionam diretamente com os clientes que atuam à montante

e à jusante do Complexo Agroindustrial, como as áreas ligadas ao varejo bancário e

as grandes empresas. A busca dessa sinergia também limita a autonomia na

concessão de crédito e imprime rigor nas análises de riscos e no cumprimento de

parâmetros de rentabilidade mínimos, sob a vigilância das áreas competentes de

finanças, crédito e controladoria.

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Para Oliveira (2003) é a partir dos anos 90, por conta da implementação das

Regras da Basiléia e da concorrência bancária, passam-se a considerar, além das

garantias tradicionais, os riscos dos clientes e da atividade.

Com isso, o acesso do produtor rural, isolado, é dificultado. Isso porque a redução do risco do crédito rural, com a saída do Estado do setor, implica o seu "apadrinhamento" pelas agroindústrias e tradings que atuam no chamado agribusiness brasileiro. Como as regras do Banco Central para o "fortalecimento do sistema bancário" não fazem distinção entre as operações de crédito, em maior ou menor grau, dependendo da contrapartida do Estado, a segmentação antes referida estende-se aos programas de financiamento de interesse da União, que ainda se enquadram na categoria de políticas públicas, como os Programas do BNDES. (OLIVEIRA, 2003 p.)

Diferentemente do que prevê o Governo Federal, o crédito não será facilitado

com a simples apresentação do título de propriedade da terra pelos “agricultores

rurais emancipados”. Ainda que a garantia real (hipoteca do imóvel rural) some-se o

“aval cruzado ou comunitário” - prática comum entre produtores familiares -, apenas

um dos aspectos da classificação do risco dos ativos bancários estará sendo

atendido: o das garantias. Essas ainda ficam sujeitas à análise de liquidez.

Em boa parte das operações de crédito o banco oferece uma linha de crédito

ao produtor com base em um produto com “aceitação” no mercado, antes mesmo de

avaliar a proposta de financiamento pretendida pelo produtor. Portanto, a tendência

é que os "produtores emancipados" continuem sendo excluídos do sistema de

crédito pela sua instável situação econômico-financeira, baixa capacidade de

geração de resultados, falta de suporte administrativo e incerteza na pontualidade

dos pagamentos, próprios de um modelo de produção excludente na sua essência.

Um dado agravante é que outros produtores deverão juntar-se a eles pelos riscos

inerentes à atividade agropecuária, que se exacerbam com o declínio das funções

clássicas de um Estado comprometido com a geração de superávits primários.

A política pública para o financiamento agrícola idealizada a partir dos anos

90 prevê ampliar a participação das fontes privadas voluntárias e restringir a

alocação dos recursos oficiais para o apoio financeiro às atividades dos pequenos

produtores familiares, reservando aos demais, outros instrumentos de mercado a

serem criados com o apoio do Governo Federal.

Embora essa medida tenha sido anunciada, a participação do Governo

Federal no financiamento foi expressiva: “agricultura empresarial deverá contar com

R$107 bilhões para custeio, investimento, armazenagem e comercialização dos

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produtos agrícolas da safra 2011/2012 [alta de 7% em relação à safra anterior], a

agricultura familiar contará com apenas US$16 bilhões [o mesmo valor que a safra

anterior]” (CAMARGO; CROSI; VIEIRA. (Org) 2011).

Considerando recurso público, o dinheiro originário do Poder Público para

aplicação no financiamento das atividades dos produtores rurais ou das suas

cooperativas, enquadráveis como beneficiários do crédito rural pelo Banco Central,

temos, portanto, os recursos provenientes do Tesouro Nacional, dos Fundos e

Programas Oficiais, do BNDES, do FAT, do FCO e FUNCAFÉ e outros constituídos

com aportes da União ou por sua ordem.

3.4.1. Possíveis implicações das soluções de mercado

Com a transferência de funções para as agroindústrias, o processo de

exclusão do financiamento tende a agravar-se, visto que fica a critério das mesmas

a definição dos produtos passíveis de financiamento e o receituário agronômico

exigido para atender um determinado padrão de produção, que, se cumprido, faz

com que o retorno estimado esteja dentro de uma rentabilidade perseguida pelas as

empresas (Bancos e CAI). Desta forma, o crédito é oferecido aos produtores que

apresentem menor risco, como os integrados tradicionais, que podem descontar a

parcela adiantada na entrega da produção

Por outro lado, serão esses os potenciais beneficiários do crédito rural,

quando, além das garantias de praxe, forem exigidas outras, subsidiárias, como o

aval da agroindústria. Nesse caso, a avalista reservar-se-á o direito de selecionar

seus apadrinhados. O círculo vicioso da exclusão ganhará fôlego a cada safra,

movido pela política da agroindústria e do sistema bancário.

Ficarão alijados do sistema de crédito: os produtores que, embora integrados,

não sejam recomendados pela agroindústria, os não-integrados e os que

representem risco elevado para os bancos. Em suma, o crédito direto e os acordos

de coobrigação bancária tendem a aumentar a velocidade da concentração do

crédito em alguns produtores, produtos e regiões, caso similar a distribuição dos

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créditos no período da modernização conservadora relatado por Sorj (1981), Silva

(1980) e Delgado (1985), dentre outros.

O problema, segundo Oliveira (2011), do processo de concentração atual é

mais drástico. Dessa forma, assumindo o risco do crédito, tanto agroindústrias

quanto bancos utilizarão mecanismos apurados de seleção (e exclusão), agora para

reduzir despesas com provisões e preservar, conseqüentemente, o lucro.

Vem se observando no âmbito do PRONAF uma prática semelhante à

utilizada no crédito rural, agricultores e produtores são selecionados pelas

instituições financeiras levando-se em consideração sua capacidade técnica

produtiva e o grau de aceitação da proposta a ser financiada, embora na maior parte

dos financiamentos as linhas de crédito são definidas ex antes, não cabendo ao

produtor escolher o que quer financiar, mas se ele se adéqua a linha de crédito

oferecida.

Nos contratos desenvolvidos entre Agroindústria, agricultores e agentes

financeiros são omitidos a maioria das informações aos produtores, somente a

indústria e o agente financeiro tem cópia do contrato e conhecimento do valor

financiado e a que se destina. As Declarações de Aptidão (DAP) são emitidas pela

própria indústria e seguem para a assinatura nos sindicatos. Os sindicatos vêm

exigindo que conste nas certidões de aptidão o objetivo do crédito, a área a ser

financiada e o valor do financiamento. Diante disso, a maioria das indústrias optou

por buscar a assinatura das certidões em outros lugares, como a EMATER e os

sindicatos patronais. Em alguns casos os recursos são depositados diretamente na

conta da empresa, pois o banco já dispõe de uma autorização do produtor para

transferir estes recursos à empresa.

Em garantia do fornecimento dos insumos agrícolas e dos adiantamentos

efetuados pela Empresa, o produtor entrega em forma de “caução”, uma nota

promissória correspondente ao valor total do débito. Em caso de inadimplência dos

produtores em relação às suas integradoras, ou pelo desvio total ou parcial da

produção para terceiros e/ou pelo não pagamento do valor do débito no tempo, lugar

e forma convencionados, a Empresa prevê correções monetária, multas e juros,

além de cobrança judicial do débito (OLIVEIRA, 2003).

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De fato, as empresas têm sido beneficiadas com linhas de crédito subsidiadas

que, ao financiarem o agricultor integrado acabam servindo como uma espécie de

fonte de capital de giro para elas (IBASE, 1998, p.156).

Enfim, a “solução de mercado”, tal como a “modernização conservadora” dos

anos 60 e 70, classifica e exclui, beneficiando um número cada vez mais reduzido

de produtores. Seleciona-se dentre os produtores, os integrados, e dentre esses os

que tanto poderão receber o crédito da agroindústria quanto serem avalizados

perante a rede bancária.

Nesse processo, a agroindústria passa a comandar as oportunidades na

agricultura, determinando quem permanecerá na atividade, devido a esse

procedimento ser cíclico, ou seja, a cada ano, o universo de produtores estará

exposto à incerteza do crédito e à estratégia da agroindústria para a sua produção

de mercado.

Por outro lado, na esfera do relacionamento banco/agroindústria há um processo de seleção semelhante. Os bancos tendem a fechar negócios com as agroindústrias mais capitalizadas. Isso porque a classificação do risco das suas operações de crédito levará em conta a liquidez das empresas que avalizaram os produtores rurais ou que têm perspectivas de crescimento. Nem todas estão suficientemente capitalizadas para honrar dívidas assumidas por seus fornecedores, ou, em outros termos, algumas estão mais capitalizadas que outras. (OLIVEIRA, 2011 p.154)

A seleção (exclusão) abrange o segmento dos produtores num primeiro

momento, mas não se restringe a eles, alcança as indústrias de alimentos e,

novamente, os produtores. Há em curso um processo de exclusão continuado,

levado adiante pela concorrência bancária, que é mais severo do que se observa

nos anos 60, 70 e 80, quando o acesso ao financiamento é facilitado pela

apresentação de garantias reais.

Ainda que a disponibilidade de recursos financeiros continue aquém da

necessidade do setor, o principal agente da segmentação vem sendo a ponderação

dos ativos pelo risco e a aplicação de “filtros” à concessão do crédito, em face da

desestruturação do arcabouço institucional público de apoio à agricultura.

Com o processo de seleção e análise dos riscos na concessão do crédito,

observa-se uma contratação dos produtores assistidos, que somado ao processo de

globalização impulsionador das fusões e aquisições das empresas multinacionais do

setor de alimentos, cria um ambiente vantajoso para estas empresas que são mais

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capitalizadas, dando a elas uma vantagem competitiva frente ao processo de

concentração de capitais.

Com isso, os objetivos do setor financeiro entram em contradição com os

definidos nos programas de governo. A necessidade de enquadramento nas normas

da Basiléia e da preservação do market share pelos bancos termina se contrapondo

aos objetivos esperados pelo público-alvo dos subsídios públicos. Nesse roldão,

algumas empresas de capital nacional, cooperativas e associações de produtores

terminarão sendo atiradas para a margem do mercado, como os pequenos

produtores familiares, trabalhadores sem-terra, assentados e “emancipados”.

Contraditoriamente, o público-alvo da política agrícola, ainda que disponha de terra (garantia real), tenderá a ficar à margem do processo de crédito que viabiliza o processo de acumulação, concentração e exclusão do setor privado, sancionando a estratégia das empresas multinacionais do setor de alimentos (OLIVEIRA, 2003, p.).

Ademais, a política agrícola no Brasil continua encravada numa engrenagem

excludente, movida pelo padrão de produção de alimentos e pelo processo de

seleção do sistema de crédito. Ao disponibilizar recursos públicos para a agricultura,

desencarregando-se da tarefa de criar condições para que os legítimos beneficiários

da política pública tenham acesso a eles, o Governo com isso, cria um ambiente de

favorecimento aos segmentos mais capitalizados e com maior condição de inserção

no mercado internacional.

3.4.2. A prática da gestão estratégica do crédito rural

Para tanto, passou-se a observar os convênios de financiamento rural.

Entretanto cabe uma ressalva, Delgado (1985) tinha seu enfoque no papel do

Estado como articulador dos interesses agroindustriais que através do crédito

subsidiado buscava ampliar a demanda por insumos industriais, para consolidação

do setor Agroindustrial. Agora, procura-se entender a evolução dos convênios de

crédito rural desde então, até o período recente.

Sob o ponto de vista dos convênios desenvolvidos na exploração das inter-

relações setoriais da agricultura, para trás e para frente da produção rural, que o

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Estado ajudou a consolidar, a diferença é que agora as inter-relações serão

exploradas para atender ao capital financeiro, e com ele comandando a dinâmica da

acumulação capitalista, impõe-se uma lógica de diminuição de risco e aumento da

rentabilidade do crédito rural.

Sendo o capital financeiro o principal credor da dívida pública, os esforços da

política de crédito será a obtenção de divisas via saldo na balança comercial e para

isso terá que conduzir os objetivos da política de crédito com a obtenção de saldos

na balança comercial, favorecendo uma produção para o mercado externo.

No caso específico da agropecuária, há vários estudos que tratam da integração entre produtores e agroindústria, formalizados mediante contrato, principalmente na fumicultura, na avicultura e na suinocultura. Entre os estímulos para a formalização desses contratos de integração técnica costuma-se citar o interesse das agroindústrias na garantia do fornecimento de matérias-primas em quantidades e sob qualidade previamente acordadas. Do lado dos produtores, há o argumento da superação dos limites à inserção produtiva, como a insuficiência de terra e de capital (OLIVEIRA, 2003, p128. apud DIESEL, Vivien. et al., 2000).

Os convênios de aplicação de crédito rural se desenvolvem a partir dos

contratos de integração técnica e com a finalidade de viabilizar a aplicação dos

recursos. Participam, além das agroindústrias e produtores rurais, os bancos,

conforme a modalidade desses convênios e sua abrangência pode alcançar os

governos estaduais e municipais, ao lado de empresas que estão à montante da

produção, como as indústrias de adubos, fertilizantes, máquinas e equipamentos, os

atacadistas, os revendedores e varejistas de insumos agrícolas e outros.

A prática desses convênios ganha impulso no contexto da liberalização

financeira, do aumento da concorrência bancária e do avanço da regulação

prudencial. Com a nova estratégia os convênios passaram a permitir que os bancos

selecionassem as empresas e produtores que ofereçam menor risco de crédito,

reduzindo custos (inclusive operacionais, já que em alguns tipos de acordo as

agroindústrias se comprometem a realizar parte das tarefas dos bancos, como o

acolhimento de propostas de financiamento das culturas e outros documentos) e

incrementem novos tipos de negócios. “O Banco do Brasil, por exemplo, no início de

2000, realiza um convênio no valor de R$ 15,4 milhões, com a YOKI Alimentos S.A.,

sediada em São Bernardo do Campo (SP), para financiar os produtores integrados

às filiais da empresa nos Estados do Paraná e do Rio Grande do Sul” (OLIVEIRA,

2003, p.129 apud SCHULZ, 2000).

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As mudanças por que passaram os convênios de crédito rural também

refletem na consolidação de uma nova dinâmica agrícola, dada pelas inter-relações

no conjunto indústria para a agricultura-agricultura agroindústria. E ainda, o ritmo e a

forma desses convênios são ditados pelo poder de intervenção do Estado na

agricultura. Quando ocorre a crise fiscal dos anos 80, eles praticamente

desaparecem, mas é com a estabilização da economia em meados dos anos 90,

que os convênios voltam, com novas características, ancorados no poder das

agroindustriais e "vendidos" como produtos bancários.

Para Oliveira (2003) a formalização dos convênios com os bancos pressupõe

um contrato de integração técnica entre as agroindústrias e produtores. Isso explica,

no final dos anos 70, os convênios denominarem as empresas de “orientadoras” e

os produtores de “integrados”. Esses últimos obrigam-se a seguir as normas de

produção fixadas pelas agroindústrias, sob pena de lhe serem impostas punições

pelo descumprimento de cláusulas contratuais, como a venda da produção a

terceiros ou a desobediência das orientações dos técnicos da empresa aos quais é

garantida ampla liberdade de acesso às instalações.

Esses contratos de integração antecedem aos convênios de crédito rural. Na

suinocultura, por exemplo, a agroindústria já seleciona produtores aos quais fornece

a assistência técnica gratuita, visando a “criação racional”, “melhor qualidade”, “alta

produtividade” e redução dos custos da atividade. Por outro lado, o contrato de

integração comercial também prevê a aquisição da produção, sob determinados

critérios de classificação, precificação e forma de pagamento.

É evidente nesse processo o poder que as agroindústrias vão concentrando

nas relações com o setor produtivo. Nos convênios formalizados com o Banco do

Brasil e outros bancos elas mantêm o papel de “orientadoras” do processo produtivo

e também se constituem em "patrocinadoras" dos produtores no acesso ao crédito.

Isso porque elas normalmente ficam encarregadas de selecionar os beneficiários do

crédito rural.

A interrupção do avanço dos convênios de crédito rural, incentivados pelo

Estado, abre espaço - a partir de meados dos anos 80, tendo em vista a existência

de complexos agroindustriais já consolidados - para as modalidades de

financiamento dos produtores pelas agroindústrias (a exemplo, dos adiantamentos

sobre venda futura) e para as modalidades de "convênios" dos bancos privados -

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obrigados ao cumprimento das exigibilidades em crédito rural, fixadas pelo Banco

Central - com as agroindústrias e seus integrados. Nesse último caso, os convênios

também passam a ser utilizados para viabilizar a expansão dos negócios bancários

entre os agentes do agronegócio, para reduzir custos e riscos e para aumentar a

rentabilidade do crédito rural.

Os convênios perdem a finalidade pura e simples de agilizar o processo de crédito rural e tornam-se peça fundamental para a preservação (ou expansão) do espaço negocial representado pelos sistemas de produção integrados, sobre o qual avançam as modalidades de financiamento direto das agroindústrias (OLIVEIRA, 2003, p.143).

O detalhe é que todas essas propostas alternativas chancelam o discurso

neoliberal, segundo o qual o mercado seria capaz de prover os recursos necessários

ao financiamento da safra agrícola. Empolgados com os títulos de comercialização

antecipada da produção, os novos agentes (corretores reciclados pelo mercado)

atendem à expectativa do Governo Federal de buscar mecanismos para incrementar

a capacidade de alavancagem dos produtores rurais, desde que via mercado. Com

isso, esses agentes do mercado financeiro também buscam ampliar seu espaço de

atuação e incrementar suas próprias receitas.

Proliferam pelo País, nos anos 90, palestras e cursos sobre o funcionamento do mercado futuro de commodities. No rastro do discurso da falência fiscal do Estado e do discurso neoliberal, representantes das bolsas de mercadorias, de armazéns, de companhias de transporte, de seguros e de corretoras buscam ampliar seus negócios no agribusiness. Algumas dessas convenções são patrocinadas pelos próprios produtores, indiretamente, através dos recursos das contribuições sindicais (OLIVEIRA, 2003, p.146).

Mas o desafio dos bancos em “vender” convênios não se restringe à disputa

com esses novos concorrentes e seus títulos e contratos de comercialização como

pagamento antecipado da safra. Os convênios também envolvem a disposição das

agroindústrias em assumir tarefas e responsabilidades, sendo a principal delas o

risco de crédito, quando a empresa avalia o produtor perante o banco reduz-se o

risco, um dos mecanismos para isso é comprometer-se com a compra da produção

a um preço pré-fixado permitindo, com isso, um ganho suficiente para o produtor

honrar com seus compromissos de dívida bancária.

A abertura comercial e a desarticulação da política de garantia de preços

mínimos atuam no sentido da redução dos preços agrícolas, o que reduz o interesse

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das agroindústrias em acordar preços que possam ser diferentes dos vigentes no

mercado, na época da entrada da safra.

Embora vigore uma política de preço mínimo (PGPM16) ela vem se mostrando

de pouca utilidade para o produtor, na contração dos recursos as agroindústrias e os

intermediários tomam a frente e a utilizam como capital de giro. Quanto a garantia

de um preço satisfatório para os produtores ela também não vem se mostrando

eficaz, uma vez que o mercado, via especulação, consome parte da gordura fixada.

A PGPM não foi executada a contento durante todo o período e a escassez de

recursos traduz-se em quebra de compromisso o que colocava em cheque a

credibilidade.

O Programa de Garantia da Atividade Agrícola17 (Proagro) é um programa

que assegura ao produtor a manutenção de compromissos com os agentes

financeiros, uma vez que assegura a safra quanto às frustrações provenientes de

mau clima. Essa atitude do governo se tornou apenas um sinal de redução dos

riscos por parte das instituições financeiras, uma vez que esse seguro só está

disponível apenas aos mutuários de crédito. Que estão sujeitos as seguintes regras:

a) nas unidades da Federação onde já estiver concluído o zoneamento agrícola, a concessão de crédito de custeio agrícola ao amparo do PRONAF para as culturas zoneadas somente será efetivada mediante a adesão do beneficiário ao Proagro Mais ou a outra modalidade de seguro agrícola para o empreendimento; b) a cobertura é de 100% (cem por cento) do limite de cobertura do Programa, independentemente de eventual bonificação de que trata o item 2.10.5; c) enquadra-se obrigatoriamente no Proagro Mais, a título de recursos próprios, o valor correspondente a até 65% (sessenta e cinco por cento) da receita líquida esperada do empreendimento, limitada a 100% (cem por cento) do valor financiado ou a R$3.500,00 (três mil e quinhentos reais), o que for menor. A Lei nº 12.058, de 2009, introduziu o art. 65-A na Lei nº 8.171, de 1991, reconhecendo nesse diploma legal o Proagro Mais, agora com a denominação de “Programa de Garantia da Atividade Agropecuária da

16

O programa de preço mínimo no Brasil foi lançado em 1943, com a criação da Comição de Financiamento da Produção (CFP). No inicio dos anos 60, essa comissão passa a ser utilizada como base para estoques reguladores. Só em meados de 1960 é que a PGPM veio a ser posta como papel subsidiário para o crédito rural. Essa política foi posta em prática com duas modalidades: Empréstimo do Governo Federal (EGF) e Adiantamento do Governo Federal (AGF). 17

Em 2004 foi criado o “Proagro Mais”, seguro público destinado a atender os pequenos produtores vinculados ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) nas operações de custeio agrícola, que passou a cobrir também as parcelas de custeio rural e investimento, financiadas ou de recursos próprios, na forma estabelecida pelo CMN, conforme estabelecido pela Lei nº 12.058/2009.

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Agricultura Familiar”, que, nos termos da própria lei, é operado no âmbito do Proagro (PROAGRO Relatório Circunstanciado 1999-2000).

A partir de 1997, se reconhece a eficiência do zoneamento agrícola de risco

climático proposto pelo MAPA e criado em 1996, o CMN passou a exigir a

observância das recomendações do zoneamento agrícola para o enquadramento

dos empreendimentos de custeios agrícolas no Proagro, incentivando a utilização de

tecnologia adequada às atividades.

Em consonância ao lançamento do Plano Safra 2013/2014, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento autorizou a divulgação das Portarias de Zoneamento Agrícola de Risco Climático para as culturas de arroz, feijão, milho e soja em diversas unidades da federação. As Portarias (nº 07 a 75), assinadas pelo secretário de Política Agrícola, Neri Geller, foram publicadas no Diário Oficial da União desta quinta-feira, 11 de junho. Nelas são apresentadas as orientações quanto às regiões e épocas mais adequadas ao plantio, além da relação de cultivares indicadas para cada localidade. Com a divulgação destas normas, os agricultores de todo o país poderão efetuar junto aos agentes financeiros e seguradoras a contratação das operações de crédito de custeio e seguro para a safra 2013/2014, amparados pelas informações de risco de produção, contidas nas portarias de zoneamento (MINISTÉRIO DA AGRICULTURA PESCA E ABASTECIMENTO, 2013).

O uso do Zoneamento Agrícola vem especializando áreas produtoras em

determinados produtos, já que o zoneamento é realizado, a fim de definir as regiões

onde determinadas variedades específicas dos principais produtos comercializados

terão garantias para serem assegurados, além de definirem as regiões produtoras

as asseguradoras definem também as condições técnicas de produção dessas

variedades. O que representa na maioria das vezes em adquirir pacotes

tecnológicos fornecidos pelas empresas do agronegócio.

O seguro e a estabilização dos índices de inflação atendem parte das

condições exigidas para a retomada dos convênios com um “produto bancário”.

Além desses, sob pressão dos movimentos dos pequenos produtores, o Governo

“lança mão” dos recursos do FAT e cria novas linhas de financiamento rural com

encargos financeiros equalizáveis pelo Tesouro Nacional. A partir de 1995, o

PRONAF, lastreado no FAT, constituir-se-á uma das principais fontes de recursos do

crédito rural.

Embora os recursos do FAT estejam submetidos ao Acordo da Basiléia, o que

os condicionam à eficiência dos créditos concedidos, dificulta seu acesso por parte

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de agricultores dos grupos A e B. É comum os produtores reclamarem da dificuldade

de acesso aos recursos do FAT, via PRONAF, principalmente se tratando dos não-

integrados às agroindústrias.

Ressalve-se que aqueles que ficam alijados do processo de crédito rural

muitas vezes são os que se mobilizam e pressionam o Governo Federal por

recursos subsidiados. A própria criação do PRONAF decorre das demandas desses

grupos. Não se pode omitir, entretanto, o poder de “alavancagem” das agroindústrias

inclusive no uso desses recursos.

O PRONAF torna-se letra morta sem a garantia de crédito e de acesso rápido

quando a agroindústria interveniente avaliza o produtor. Em muitos casos, a

aplicação dos recursos do PRONAF dá-se a partir das estratégias das empresas

que selecionam produtores rurais que atendem suas exigências tecnológicas,

paralelamente aos parâmetros exigidos pelo CODEFAT para o uso das linhas do

FAT.

Entre as principais fontes de recursos para o finananciamento do PRONAF,

verifica-se que aquelas que estão diretamente relacionadas com recursos

financeiros controlados pela União, como o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT)

e o OGU, apresentaram quedas ao longo da década. No caso do FAT, no início de

2000, seu valor representava quase 70% do total das fontes de financiamento do

PRONAF; em 2010, seu valor representava somente 0,01%.

Em síntese, observa-se que houve uma clara alteração na estratégia de

composição das fontes do PRONAF, uma vez que se reduziu a participação do FAT

e do OGU – que possuem, por suas características próprias, uma estrutura de

funding; isto é, uma estrutura contábil e financeira que consegue alongar passivos

de curto prazo em operações de longo prazo –18 e se ampliou a importância de

estruturas de curto prazo, como são os casos do MCR 6.2 e do MCR 6.4.

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Fonte: SAF/MDA

FIGURA 1: Principais fontes dos recursos financeiros do PRONAF (2000-2010)

Isso pode ser justificado, uma vez que o gasto da Secretaria do Tesouro

Nacional para um empréstimo de R$ 1300,00 para uma familia rural classificada no

grupo C, representa o valor de 544,36 reais (41,9%) sendo metade para pagamento

ao Banco de taxas e serviços, e a outra metade na cobertura de rebate por

adimplência.

Já no caso das operações com MCR 6.2 e MCR 6.4, observa-se que a

estrutura da fonte é finance; isto é, enraizada em passivos de curto prazo que são

inelásticos no longo prazo, pois não se ajustam e alargam ao perfil de operações

típicas de longo prazo, pois os passivos bancários estão concentrados em

operações financeiras de curto prazo (IPEA, 2013).

No caso desses últimos, o MCR 6.2 depende do percentual dos depósitos à

vista, que são recolhidos compulsoriamente pelas instituições bancárias e, por força

da lei, são aplicados em atividades agropecuárias. Já em relação ao MCR 6.4

(poupança rural), há uma dependência em relação à estratégia adotada pela

instituição financeira em atrair, no mercado, os agentes interessados em aplicar

seus ativos financeiros ou monetários em poupança rural.

Em um ambiente globalizado e financiado, há uma forte concorrência entre

ativos, sobretudo em economias como a brasileira, que, para manter a estabilidade

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macroeconômica18 e criar canais para captar liquidez no mercado internacional,

instituiu um regime monetário ancorado em metas de inflação que são sensíveis às

pressões inflacionárias.

Se há um movimento ascendente da inflação, a taxa de juros da economia se

eleva, reduzindo, assim, o ritmo da expansão do produto nacional e suavizando,

deste modo, as pressões inflacionárias. Portanto, em um ambiente de volatilidade do

câmbio e da taxa de juros, a recomposição de portfólios financeiros é muito

dinâmica, dificultando, portanto, a construção de uma estratégia permanente de

captação de recursos para a poupança verde.

Por fim, esses instrumentos financeiros (MCR 6.219 e MCR 6.420) vis-à-vis o

FAT estão contabilizados nos passivos das instituições financeiras como ativos de

curto prazo, fato este que cria fortes restrições ao financiamento de ativos reais que

demandam horizontes de longo prazo; isto é, há um descasamento entre

composição e posição do passivo e do ativo das instituições financeiras.

Esses mecanismos acarretam um descompasso entre as posições dos

passivos bancários e o perfil do crédito de investimento, favorecendo, por

conseguinte, que haja predomínio do crédito de custeio. Em suma, a estratégia de

composição dos fundos do PRONAF reduz sua margem de atuação em projetos que

estejam realmente focados na promoção do desenvolvimento, por meio das

estratégias direcionadas do crédito de investimento.

O momento que se vive na história do financiamento agrícola é sui generis. A

intervenção do Estado no setor, diferentemente do discurso oficial, volta a criar

condições para viabilizar o processo de concentração e acumulação de capital na

agricultura. Agora a tendência é que a distribuição (a concentração e os benefícios)

18 Para melhor compreensão ver estabilidade macroeconômica em: NAKATANI, P.; OLIVEIRA, F. A. Política Econômica Brasileira de Collor a Lula: 1990-2007. In: MARQUES, R. M.; FERREIRA, M. R. J. (Org.). O Brasil sob nova ordem: a economia brasileira contemporânea uma analise dos governos Collor Lula. São Paulo. Saraiva, 2010. 19

O crédito rural está sujeito a regras específicas, introduzidas pela Lei nº 4.829, de 1965. Uma delas determina que as instituições financeiras mantenham aplicado em operações de crédito rural um percentual do valor de seus depósitos à vista – no Ano-Safra 2010/2011 esse percentual é de 29%. Os recursos destinados ao crédito rural em função dessa exigibilidade são chamados de Recursos Obrigatórios ou MCR 6.2, por estarem definidos na seção 6.2 do Manual de Crédito Rural (MCR). Existe, atualmente, uma subexigibilidade para o PRONAF, que determina que 10% desses Recursos Obrigatórios estejam aplicados em operações do Programa (percentual vigente para o Ano-Safra 2010/2011) (BANDES, 2011). 20 Linha de crédito (Poupança Investimento) destinada ao financiamento de bens e serviços relacionados com a atividade agropecuária, cujo desfrute se estenda por vários períodos de produção, ainda que o orçamento ou plano de investimento consigne recursos para custeio (BANCO DO BRASIL, 2014).

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do crédito estável e barato, se dê por empresa agropecuária (agroindústria, trading

comercial, armazenadora, distribuidora, exportadora e outras que a elas se

assemelhem).

Contudo, pode-se atribuir que a modernização conservadora executada no

regime militar 1965-1985 aprofundou e condicionou o modelo de desenvolvimento

rural brasileiro, pois ao introduzir as forças de modernização da agricultura brasileira

o fez de forma inorgânica, incompleta e descontinua criando-se assim um ambiente

de hierarquia estrutural, que o atual modelo (agronegócio) vem ampliando e

subordinando a agricultura ao capital financeiro.

A política agrícola no período 1990-2010 e sobretudo a política de crédito

rural, vem promovendo uma especialização produtiva em alguns segmentos

produtores de commodities agrícolas com objetivo de atender a produção de

superávit na balança comercial.

TABELA 7: Valor adicionado pelos agregados II e III do complexo rural mundial, nos anos de 1950, 1960, 1970, 1980, 2000 E 2028 (Em bilhões de dólares)

Agregados do Complexo Rural Valor Percentual (%)

1950 1960 1970 1980 2000* 2028*

I Produção e Distribuição de Insumos Rurais (Montante)

17,6 18,2 18,8 18,8 12,5 8,8

II – Produção Rural 32,4 27,9 23,7 18,8 15,4 9,6 III – Armazenamento, Processamento, Distribuição

( Jusante ) 50 53,9 57,5 62,4 72,1 81,6

Complexo Rural 100 100 100 100 100 100

Fonte: Ray Goldeberg. Agribusiness deve crescer, diz Goldeberg. O Estado de São Paulo, São Paulo. 9 dez. 1990, p 16, c.5 (Caderno de Economia). (*) Valores Estimados

O agravante é que, diante do processo de concentração de capitais no setor

de alimentos, os benefícios do crédito oficial concentrar-se-ão cada vez mais,

indiretamente, num reduzido grupo de agroindústrias do setor de alimentos que vêm

patrocinando produtores rurais selecionados junto ao setor financeiro. O crédito

público subsidiado terminar-se-á constituindo numa vantagem competitiva das

empresas que “patrocinam” o acesso dos seus integrados à rede bancária.

Por fim, o Estado estará patrocinando o processo de concentração de capitais

no campo e as distorções econômicas e sociais dele decorrentes. O crédito oficial

estará sendo o combustível de uma nova onda de exclusão do capital nacional do

setor de alimentos e dos produtores rurais.

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Em relação a esses últimos, a exclusão tende a se iniciar com o grupo dos

que estão alijados dos complexos agroindustriais para, numa etapa posterior, atingir

os “integrados”, por força do movimento "natural" do desenvolvimento capitalista e

do avanço tecnológico que lhe é inerente.

O atendimento é concentrador também quando observamos o tratamento

aplicado a agricultura empresarial e a agricultura familiar, onde os créditos para as

grandes propriedades são abundantes, já os créditos para a agricultura familiar se

apresentam estagnados, como mostra a tabela 8:

TABELA 8: financiamento rural - programação e aplicação de recursos safras 2010/2011 e 2011/2012

Fontes de recursos ou programas 2010-2011 2011-2012

Agricultura Empresarial 100.000,00 107.238,00

Agricultura Familiar 16.000,00 16.000,00

Agricultura total 116.000,00 123.238,00

Fonte: RECOR/BACEN, BNDES, BB, BNB, BASA, BANCOOB e SICRED Elaboração: MAPA/SPA/DEAGRI Data: 15.12.2011

O conselho Monetário Nacional (CMN) em junho de 2010 restringiu

concessão de crédito pelas instituições do Sistema Nacional de Crédito Rural

(SNCR) a pessoas ou empresas inscritas na Lista Suja. No entanto, mesmo diante

dessa medida o Ministério Público Federal do Pará está processando o Banco do

Brasil, o Banco Amazônia e o INCRA, instituições do SNCR, por repassarem

créditos a proprietários rurais com diversas irregularidades, dentre elas

desmatamento ilegal e trabalho escravo.

Recai sobre o Banco do Brasil a acusação de 55 empréstimos, no valor de R$

8 milhões, a 18 proprietários rurais do Pará. Contra o Banco Amazônia constam 37

financiamentos no valor de R$ 18 milhões. O INCRA também é acusado de

ineficiência na emissão do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR)

documento exigido pelo Banco Central e pelo Conselho monetário Internacional para

liberação de financiamento.

O esforço tem sido grande por parte do Estado para que o Agronegócio

continue exercendo sua função de gerar saldos positivos na balança comercial, mas

diante dos fatos cabe refletirmos sobre a que custo social.

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CAPITULO 4: O PRONAF

4.1. A controversa agricultura familiar

Conforme o censo agropecuário 1995/199621, 85,2% dos estabelecimentos

agropecuários existentes no País são familiares, ocupando 70% da mão-de-obra, o

que caracteriza esse grupo social e econômico como pródigo mantenedor de postos

de trabalho, e representando 10,1% do PIB brasileiro, que foram gerados pelo

agronegócio de base familiar em relação à participação total de 30,6% do

agronegócio.

Embora os termos agricultura familiar e agronegócio sejam utilizados para

expressar grupos sociais em contradição quanto aos seus projetos políticos, autores

como Sauer e Gemer identificam nesses termos expressões que procuram identificar

ambos os termos como pertencentes ao modo de produção capitalista. Para estes

autores, a utilização destes conceitos é parte de uma estratégia que busca unificar

setores produtivos da agricultura brasileira num único projeto modernizante que tem

a produtividade e a eficiência como horizonte a ser alcançado (FAO/INCRA 2000).

Para Sauer (2008), as expressões agricultura familiar (Lei n° 11.326 de 24 de

julho de 200622) e agronegócio; surgem no contesto político nos inícios dos anos

21 As mudanças metodológicas realizados no CENSO de 2006 trazem uma dificuldade na comparação dos seus dados com o CENSO de 1996, por esse motivo não realizamos algumas comparações, já que os equívocos e a confusos poderiam levar a conclusões equivocadas. “No Censo Agropecuário 1995-1996, houve um maior detalhamento nos grupos de estabelecimentos com grandes áreas (em hectares). No Censo Agropecuário 2006, de acordo com o Programa del censo agropecuário mundial 2010, elaborado pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (Food and Agriculture Organization - FAO), privilegiou-se observar a distribuição dos estabelecimentos segundo uma maior estratificação em grupos de áreas menores, reservando-se àquelas uma agregação em alguns grupos de grandes áreas” (IBGE, Nota técnica, 2006). 22

Na Lei nº 11.326 a agricultura familiar foi assim definida: Art. 3o Para os efeitos desta Lei, considera-se agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos: I - não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais; II - utilize predominantemente mão de obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; III - tenha renda familiar predominantemente originada de atividades econômicas vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreendimento; IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família.

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1990, no Brasil, elas expressão uma disputa política resultante da concentração

fundiária, que se agravou com a adoção do aparato da “Revolução Verde”,

classificados como um processo de modernização conservadora do campo brasileiro

(SAUER, 2008, p.12).

O agronegócio refere-se a uma associação de diferentes etapas de produção

(produção, processamento, armazenamento e distribuição), ou seja, a um processo

de integração horizontal; por outro lado foi apropriado por determinado segmento no

Brasil para designar a tecnificação (uso de tecnologia moderna) e produção em

escala na agropecuária. Consequentemente está explícita ou implicitamente

relacionado à modernidade e passou a ser usado para identificar eficiência, ganhos

em produção e produtividade e, um elemento chave, inserção competitiva no

mercado globalizado (SAUER, 2008, p.14 apud JANK, 2005, p.26).

Para o mesmo autor, é no processo político de disputa que surge o termo

agronegócio, onde grandes empreendimentos agropecuários beneficiados com a

modernização agropecuária brasileira criam a Abag (Associação Brasileira do

Agronegócio), que passa a ter como objetivo o resgate da imagem desgastada do

Velho latifúndio e até da truculenta Frente Ampla da Agropecuária.

O uso do termo, desde o inicio, serviu para associar o agronegócio à

agricultura que dispunha de tecnologia moderna, e por isso obtinha ganhos de

produção e produtividade. Com isso, cria-se uma oposição às propriedades

latifundistas de grande extensão de terra com baixa produtividade, mantida para

reserva de valor. Mas também se diferencia da agricultura de subsistência, de baixa

produtividade, devido a práticas rudimentares de pouco capital investido, ou seja,

produtores ineficientes e pouco integrados ao mercado.

No mesmo período que passou a utilizar o termo agronegócio, isso nos

primeiros anos da década de 1990, se passou a utilizar o termo Agricultura Familiar,

ambas as expressões trazidas do contexto Norte-Americano.(GEMER, 2002) O uso

dessa expressão tinha clara intenção de substituir os termos pequena produção,

§ 1º O disposto no inciso I do caput deste artigo não se aplica quando se tratar de condomínio rural ou outras formas coletivas de propriedade, desde que a fração ideal por proprietário não ultrapasse 4 (quatro) módulos fiscais. Para delimitar a agricultura familiar no Censo Agropecuário segundo o princípio legal acima, foi utilizado o método de exclusões sucessivas e complementares, ou seja, para o estabelecimento ser classificado como de agricultura familiar precisava atender simultaneamente todas as condições estabelecidas (BRASILIA, 1996)

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produção de subsistência e até mesmo produção camponesa, uma vez que estas

expressões traziam uma ideia de baixa produção, ineficiência e não-inserção no

mercado, servindo apenas para o autoconsumo. Lembrando, também, que a

expressão, “camponês”, é uma palavra carregada de conteúdo classista remetendo

as lutas entre latifundiários e camponeses (Liga Camponesa e Movimento dos

Trabalhadores Sem Terra).

Segundo Sauer (2008), a partir de 1995 o conceito de Agricultura Familiar é

assimilado pelo MSTR movimento sindical dos trabalhadores rurais e da Contag

confederação nacional dos trabalhadores da agricultura ligado a CUT. O 6°

Congresso da Contag, realizado em 1995, enfatizou a importância da reforma

agrária como um mecanismo de fortalecer e ampliar a Agricultura Familiar. O autor

chama atenção para o congresso anterior, que ainda usava o termo pequeno

produtor, e fora substituído por agricultura familiar, sendo esse usado para designar

um novo modelo de desenvolvimento rural.

Outro elemento importante segundo Sauer (2008) foi à construção do

Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) em 1995.

Esse programa foi uma resposta as manifestações dos movimentos sociais que

reivindicavam melhores condições e políticas públicas para o setor menos

capitalizado e empobrecido, excluído dos programas passados. Na implantação do

programa o Governo passa a utilizar o termo Agricultura Familiar como novo

conceito-síntese, que segundo pesquisas acadêmicas seria capaz de caracterizar

todo um setor no meio rural.

Gemer (2002) associa o uso do conceito agricultura familiar com a perda do

referencial teórico Marxista por parte de lideranças de movimentos sociais de luta

pela terra e intelectuais ligados as instituições responsáveis pela elaboração de

políticas públicas para agricultura. Para o autor, esse fato ocorre durante a década

de 1970 com assimilação de pontos contraditórios que passou a ser usado para

explicar o papel e a permanência da agricultura familiar na agricultura brasileira.

Sendo assim, o autor acredita que a assimilação desses pontos contraditórios

levou a erros de interpretação e uso inadequado do conceito de agricultura familiar

por parte dos intelectuais brasileiros. Conseqüentemente adotou-se um discurso

político infrutífero que está levando o campesinato à construção de um projeto

controverso. Para a compreensão da controvérsia devem-se expor as duas linhas

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teóricas que foram assimiladas para a construção do conceito de Agricultura familiar

e sua dinâmica de funcionamento.

A primeira delas é uma linha de interpretação “chayanoviana”, que tende a

encarar a agricultura como espaço de produção familiar. Essa produção familiar teria

uma organização própria com uma lógica própria e por isso, teria condições de

resistir à transformação capitalista. Para tal interpretação Chayanov compreende o

agricultor familiar como sendo o camponês semi-independente que se encontra na

transição entre feudalismo e capitalismo da Rússia do século XIX, que o daria um

potencial criador, preservado já que, sua subsunção ao capital ainda não havia

acontecido de forma completa, pois a manufatura não havia obtido subsunção real

desse camponês ao capital.

Para Marx (1969), a passagem da subsunção formal ao capital (produção sob

a forma mais-valia absoluta) à subsunção real ao capital (produção sob a forma

mais-valia relativa) tem como pré-condição a subordinação direta do processo do

trabalho ao capital subsistente, seja qual for, tecnologicamente falando, a forma

como se desenvolve tal processo. Sobre essa base, contudo, emerge um modo de

produção específico, e não apenas tecnológico, que transforma totalmente a

natureza real do processo de trabalho e as condições reais ao modo capitalista de

produção. A subsunção real do trabalho no capital só se opera quando ele entra em

cena.

Como exemplo ele cita a passagem da agricultura de subsistência para a

agricultura para o comércio. Com isso a produção do território nacional vai se

ajustando ao modo de produção capitalista. Essa revolução será estendida a todos

os ramos de produção e vai despojar todo e qualquer caráter individual, submetendo

o trabalho a subsunção real ao capital. E como característica desta etapa passou a

observar uma alienação do trabalhador ao produto de sua atividade, ou seja, sua

atividade produtiva deixa de ser vista como uma manifestação natural e passa a ser

vista como trabalho forçado, determinado pelas necessidades externas fazendo com

que o homem se coisefique, tornando-o seres pacíficos do processo aceitando as

regras impostas.

Retornando a análise de Gemer (2002), a segunda linha, baseada na tradição

Norte Americana, o produtor familiar era visto como um protótipo de pequeno

capitalista arrojado em ascensão após a independência do país. Isso é possível pela

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fase que se encontra o capitalismo americano, o que dota esse produtor de um

radicalismo liberal do pequeno burguês, que pode ser presenciado desde o início da

colonização americana.

As duas posições são antagônicas, pois a virtude do produtor familiar

chayanoviano consiste em resistir à transformação inovadora do capitalismo, ao

passo que a norte-americana é promovê-la. Sendo assim, o uso da expressão

agricultura familiar tomada como referência no processo americano é explicitamente

uma referência ao modelo de produção capitalista.

Esse produtor americano evolui com a evolução tecnológica e financeira da

produção capitalista, a sobrevivência está ligada a sua capacidade de acompanhar o

desenvolvimento dos padrões tecnológicos e econômicos financeiros do sistema

capitalista. Ele existe, pois, consegue que sua empresa capitalista seja mais

eficiente que as outras.

Para o autor, o que ocorre no Brasil é uma tentativa por parte de grupos

populistas de tentarem interpretar a realidade brasileira fazendo o uso dessas duas

correntes e, vinculados ao movimento sindical brasileiro de pequenos agricultores e

trabalhadores rurais de defenderem uma posição que os agricultores brasileiros

podem se mantiverem-se no capitalismo atual, desde que apoiados por políticas

públicas adequadas. Isso leva os pequenos produtores a acreditarem em uma saída

honrosa para seus problemas diante do capitalismo, bastando para isso lutar por

reformas.

Os pequenos agricultores, ao adotarem tal enfoque, são induzidos a lutarem por um objetivo ilusório e impossível de ser alcançado, pois implica que todos os pequenos produtores atuais poderiam transformar-se em prósperos “farmers”, sem que uma parte expressiva tivesse que ser expulsa da agricultura (GEMER, 2002, p.48).

As formas de construção da subordinação dos camponeses ao capital podem

variar de acordo com o modo do desenvolvimento do capitalismo. No Brasil, por

apresentar características particulares em seu processo de desenvolvimento, devido

a dependência, a industrialização tardia e a baixa diferenciação social, levam,

segundo Martins (1981) a desenvolver diferentes formas de relação do capital com a

pequena produção.

Aqui a permanência do atraso por parte de um setor na agricultura é

característico do capitalismo dependente. A permanência do pequeno produtor está

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associada às diferentes formas de extração da renda por parte de setores mais

avançados, que tem na modernização conservadora a forma de absorver o

progresso técnico (SAMPAIO JR., 2013), onde uma minoria obtém os estilos e as

condições de vida semelhante dos países centrais e condenam a imensa maioria à

marginalidade social, gerando assim as condições objetivas de desenvolvimento de

uma agricultura familiar subordinada as necessidades de expansão do capitalismo.

Onde o capital não pode torna-se proprietário real da terra extrair junto o lucro e a renda, ele se assegura o direito de extrair a renda. Ele não opera no sentido de junta-los. Por isso, começa estabelecendo a dependência do produtor em relação ao crédito bancário, em relação aos intermediários, etc. É um fato claro que toda a renda diferencial tem sido sistematicamente apropriada pela capital no momento da circulação da mercadoria de origem agrícola (MARTINS, 1981, p.176).

Os camponeses que aqui surgem e, no decorrer do desenvolvimento

capitalista transformam-se em agricultores familiares, não são provenientes de um

modo de produção anterior ao capitalismo, o capitalismo e o camponês brasileiro

surgem ao mesmo tempo. Com isso, apresentam origem e posições distintas das

apresentas pelo autor, isto é, não se pode atribuir ao agricultor familiar brasileiro um

potencial criador e nem um radicalismo de pequeno burguês. A permanência do

agricultor familiar no Brasil tem que ser vista como uma necessidade do próprio

sistema capitalista.

Nesse sentido, é que devem ser entendidos os esforços do governo em

integrar ao mercado a agricultura familiar e com isso desenvolve-la segundo as

necessidades, pois é a necessidade do desenvolvimento capitalista dependente por

superávit na balança comercial que faz com que o governo lance políticas públicas

para modernizar um setor seleto de pequenos agricultores e prepará-los para atuar

junto ao mercado exportador. Para isso, o Ministério do Desenvolvimento agrário

(MDA) introduziu no ano de 2005 a agricultura familiar em todos os documentos e

negociações realizadas junto a Organização Mundial do Comércio (OMC) e com

isso, vem pleiteando junto aos países desenvolvidos uma redução nas tarifas de

exportação para produtos provenientes da agricultura familiar.

Outra iniciativa realizada pelo MDA foi criar junto ao MERCOSUL em 2004 – a

REAF MERCOSUL (Reunião Especializada sobre Agricultura Familiar), essas

reuniões têm servido para promover as políticas implantadas no Brasil como o

seguro agrícola, as políticas para mulheres, a facilitação de comércio, o acesso a

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terra e a reforma agrária. Mas a iniciativa que mais explicita as intenções do Estado

para a agricultura familiar é a institucionalização desse segmento na Câmara de

Comércio Exterior (Camex). Essas medidas podem ser entendidas como uma

pressão dos Estados Unidos para promover a liberalização do comércio agrícola

mundial, sendo um passo necessário para o desenvolvimento da ALCA.

4.2. Caracterização da agricultura familiar brasileira

O relatório INCRA/FAO (2000): Novo Retrato da Agricultura Familiar ressalta

o estado precário do apoio que a agricultura familiar vem recebendo via políticas de

governo, sendo que a precariedade é ainda mais destacada nos assentamentos de

reforma agrária, que, sem políticas públicas e políticas de governo voltadas para o

desenvolvimento rural que ofereça assistência técnica para viabilizar a melhoria da

produção e com isso a capitalização dos assentamentos, faz com que o recurso

empregado no assentamento da família perca sem gerar resultados.

O relatório elaborado com os dados levantados da comparação entre

agricultura tecnificada e agricultura sem tecnificação procura mostrar, segundo

critérios das agências, a superioridade dos agricultores tecnificados e sendo esse o

modelo a ser seguido e incentivado pelas políticas públicas para a agricultura

familiar.

Tratando da diversidade da renda existente na agricultura familiar a relatoria

INCRA/FAO (2000) constata que a maioria dos agricultores familiares, 68%, se

encontra na faixa de renda entre zero e R$ 3.000 ao ano. 15,7% dos agricultores

possuem renda de R$ 3.000 a R$ 8.000 e 0,8% contam com rendimentos iguais ou

superiores à R$ 27.500 por ano. São encontrados entre os agricultores

estabelecimentos com renda negativa ou nula e estes representam 8,2%. A relatoria

informa ainda, que o rendimento médio entre os agricultores patronais é de R$

19.085 anuais.

Outra informação importante presente no relatório INCRA/FAO (2000) que

utilizou informações do censo de 1996 se refere ao crédito utilizado e disponibilizado

para os agricultores familiares que utilizarão R$ 937 milhões para uma área de 107,8

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milhões de hectares, produzindo 18,1 bilhões do valor bruto produzido total (VBP). A

agricultura patronal ficou com a maior parte dos créditos que, no total, somados com

o montante repassado à agricultura familiar, a instituições religiosas e outras

entidades sem classificação, somam R$ 3,7 bilhões.

TABELA 9: Valor Bruto Total (VBP), Financiamento Total (FT)

Categorias Estab. totais

% Est. total

Área total (mil ha)

% Área total

VBP (mil R$)

% VBP s/ total

FT (mil R$)

% FT s/ total

Familiar 4.139.369 85,2 107768 30,5 18.117.725 37,9 937.828 25,3

Patronal 554.501 11,4 240042 67,9 29.139.850 61 2.735.276 73,8

Inst. Pia/Relig. 7.143 0,2 263 0,1 72.327 0,1 2.716 0,1

Entid. Pública 158.719 3,2 5530 1,5 465.608 1 31.280 0,8 Não

Identificado 132 0 8 0 959 0 12 0

Total 4.859.864 100 353611 100 47.796.469 100 3.707.112 100

Fonte: Censo Agropecuário 1995/96 – IBGE. Elaboração: Projeto de Cooperação Técnica INCRA/FAO.

Fica evidenciada a importância da agricultura familiar para as regiões Norte e

Sul, uma vez que nessas regiões a agricultura familiar representa 50% do VBP. A

Região Sul é onde a agricultura familiar é mais expressiva e representa 90,5% de

todos os estabelecimentos da região, ocupando 43,8% da área e produzindo 57,1%

do VBP regional. Outro índice de grande importância e destaque para a agricultura

familiar da Região Sul é o crédito de 43% do valor destinado à agricultura familiar

(ver tabela 10).

Contudo, o processo de modernização da agricultura familiar no Sul do país

significou intensa concorrência entre os agricultores o que levou a um processo de

concentração onde pequenos proprietários perderam suas terras que foram

absorvidas por médios e grandes proprietários. Teixeira (2013) comparando dados

do Censo agropecuário de 2006, com dados de censos anteriores da região sul

obtém a seguinte participação da área de cada categoria nas áreas totais dos

imóveis. Manutenção dos minifúndios (17%) e das grandes (33%); pequena redução

das pequenas (de 30% para 29%); e a discreta ampliação das médias (de 20% para

22%).

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TABELA 10: Agricultores Familiares – Estabelecimentos, área, VBP e financiamento total segundo as regiões

Região Estabele- cimentos

totais

Área total (mil ha)

% Estabele- cimentos

Total % Área

total VBP

(mil R$) % VBP s/ total

FT (mil R$)

% FT s/ total

Nordeste 2.055.157 34.043.218 88,3 43,5 3.026.897 43 133.973 26,8

Centro-Oeste 162.062 13.691.311 66,8 12,6 1.122.696 16,3 94.058 12,7

Norte 380.895 21.860.960 85,4 37,5 1.352.656 58,3 50.123 38,6

Sudeste 633.620 18.744.730 75,3 29,2 4.039.483 24,4 143.812 12,6

Sul 907.635 19.428.230 90,5 43,8 8.575.993 57,1 515.862 43,3

Brasil 4.139.369 107.768.450 85,2 30,5 18.117.725 37,9 937.828 25,3

Fonte: Censo Agropecuário 1995/96 – IBGE. Elaboração: Projeto de Cooperação Técnica INCRA/FAO.

Na relatoria a FAO e o INCRA fazem repetidos comentários sobre o potencial

do agricultor familiar em gerar renda, bastando para isso que haja recursos e

políticas adequadas, mas pouco se comenta a respeito da crescente concentração

de terra em curso. O relato dos últimos censos agropecuários mostra redução do

pessoal empregado tanto na agricultura familiar quanto na patronal, podendo revelar

a competição entre os agricultores e como conseqüência a concentração da

produção nas mãos de um número menor de agricultores. Pode-se perceber, ao

analisar a tabela abaixo, uma queda no número de pessoas empregadas na

agricultura familiar em todas as regiões do país, o que pode indicar uma

padronização das atividades agrícolas nas propriedades familiares, somada a uma

necessidade de aumentar a área plantada de culturas a serem comercializadas e

uma incorporação de técnicas que necessitam menos de mão de obra regular.

TABELA 11: Pessoal ocupado na agricultura familiar segundo INCRA/FAO

Pessoal ocupado Agricultura Familiar/Total(%)

1995/1996 2006 1995/1996 2006

Norte 1542577 1456344 82,2 88

Nordeste 6809420 6716762 82,9 87,2

Sudeste 2036990 1871374 59,2 57

Sul 2839972 2413457 83,9 82,6

Centro-Oeste 551241 590918 54,1 58,5

Brasil 13780201 13048855 76,9 78,8

Fonte: FAO/INCRA – Censo Agropecuário (1995/96 e 2006).

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TABELA 12: Pessoal ocupada nos estabelecimentos agropecuários segundo dados do IBGE

1980 1985 1996 2006

Pessoas Ocupadas

21.163.735 23.394.919 17.930.890 16.567.544

Fonte: Censo Agropecuário – IBGE (1980, 1985, 1995/96, 2006).

TABELA 13: Agricultores familiares – Acesso à tecnologia e à assistência técnica (continua)

Região Assistência

técnica

Energia elétrica

Uso de força nos trabalhos Adubos e corretivos

Faz conservação

do solo Animal Mecânica + Animal Manual

Nordeste 2,7 18,7 20,6 18,2 61,1 16,8 6,3

Centro-Oeste 24,9 45,3 12,8 39,8 47,3 34,2 13,1

Norte 5,7 9,3 9,3 3,7 87,1 9 0,7

Sudeste 22,7 56,2 19 38,7 42,2 60,6 24,3

Sul 47,2 73,5 37,2 48,4 14,3 77,1 44,9

BRASIL 16,7 36,6 22,7 27,5 49,8 36,7 17,3

Fonte: Censo Agropecuário 1995/96 – IBGE. Elaboração: Projeto de Cooperação Técnica INCRA/FAO.

Os dados das tabelas 12 e 13 revelam que vem diminuindo o número de

pessoas empregadas nas atividades agrícolas; o autor José Graziano da Silva

acredita numa superação desse problema com investimentos em outras áreas não

essencialmente agrícolas.

Assumindo uma posição contrária a da posição do governo. Graziano da Silva

(1996):

(...) sem se pensar estritamente em aumentar a produção de arroz, milho, feijão ou suínos, aves, etc. Há um conjunto de outras atividades que parecem, ou já merecem uma atenção das políticas públicas e que não são nunca relacionadas do ponto de vista das políticas governamentais. Mais do que isso: as propostas de políticas governamentais, mesmo quando dirigidas para a unidade familiar, como por exemplo, o PRONAF, continua se valendo dos instrumentos tradicionais de crédito e preços, quando muito de alguma assistência técnica diferenciada. (...) Parece-me que a grande questão aí está exatamente num segmento que é cada vez mais preponderante em termos numéricos e cada vez menos importante, em termos da sua contribuição ao produto agropecuário, estritamente falando, que foi chamado de periférico na pesquisa FAO/INCRA. (...) Esse segmento que ainda não são sem-terra, mas que estão quase vindos a ser, estão na fronteira desse limiar, é a base da nossa questão agrária hoje. E são milhões” (SILVA, J. G., 1996, p. 70-71).

Os que acreditam na reinserção produtiva preponderantemente por meio de

atividades rurais não agrícolas consideram inútil querer confrontar, no mercado, o

poder de barganha comercial, tecnológico e de escala dos agricultores familiares

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com o da agroindústria. O que “(...) se precisa criar algum nível mínimo de

infraestrutura no mundo rural, se quisermos que esse pessoal continue lá, que não

venham inchar ainda mais a cidade. (...) Não haverá possibilidade se não foi feito o

mínimo de investimento e infra-estrutura social de saneamento, energia elétrica,

escolas e outras” (SILVA, 2013 p. 69).

O que Graziano não percebe é que quando os agricultores assumem o uso de

tecnologia se faz necessária uma maior área destinada às culturas de mercado e

mais elevados se tornam os preços de reprodução da capacidade de trabalho desse

agricultor, uma vez que tem que comprar um volume cada vez maior de gêneros de

sua reprodução com preços cada vez mais elevados. A promoção do uso de

tecnologias especializas, faz o produtor e sua capacidade de adotar um padrão

tecnológico determinar seu grau de dependência do mercado e definir em qual

cadeia produtiva ele vai se inserir. A sua resistência à adoção do padrão tecnológico

imposto o coloca na condição de marginal ou de “atrasado”.

A análise da especialização atingida pelos agricultores familiares é um

importante parâmetro da caracterização feita.

A maioria dos agricultores familiares possui uma produção diversificada ou especializada, sendo que apenas 11,5% de seus estabelecimentos apresentam uma produção muito especializada, em que um único produto atinge 100% do valor bruto de sua produção. O sistema mais freqüente é o diversificado, com 44,1% dos estabelecimentos tendo um único produto atingindo de 35% a 65% do VBP. Os agricultores especializados, representados por 29,4% do total, são os que obtêm a maior renda total, tanto por estabelecimento quanto por unidade de área, sendo R$ 3.885 por estabelecimento e R$ 139 por hectare (INCRA/FAO 2000, p. 68).

O que se pode concluir com o processo de especialização dos pequenos

agricultores é o fato de que seu maior ganho de rentabilidade não está apenas com

o aumento da produtividade. A especialização gera um produto mais padronizado e

por isso mais aceito no mercado pelos complexos agroindustriais sendo que esses

também induziam a um processo de especialização quando integram os pequenos

produtores nos chamados acordos de integração. O maior risco desses pequenos

agricultores que se vêem integrados aos complexos agroindustriais ou que estão em

processo de integração é a formação de poucos compradores finais e que vem

diminuindo pelo intenso processo de fusões e aquisições entre as multinacionais do

setor agroalimentar, intensificado pela abertura da economia ao capital, fato que tem

se acentuado no inicio da década de 1990.

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Como exemplo desse processo, temos a Sadia e a Perdigão se fundindo para

formar a Brasil Foods outro caso também conhecido é o do Frigorífico JBS Bertin

que pelo processo de fusão se tornou um dos maiores do mundo. Esse movimento

faz com que os Complexos Agroindustriais (CAI) aumentem seu poder de

interferência e controle no mercado, colocando os pequenos produtores integrados a

suas cadeias produtivas em piores condições para negociar os preços dos seus

produtos.

O caso mais emblemático é o da Souza Cruz transnacional produtora de

cigarro e que atua na compra de fumo dos pequenos produtores residentes

principalmente no Sul do país. Essa empresa chegou a criar um escritório

especializado em obter crédito do PROANAF para agricultura familiar produzir fumo.

O que vinha provocando uma integração e uma dependência desses agricultores a

empresas e aos bancos, chegando a deslocar a produção dos agricultores quase

que por completo para esse gênero. Com a intervenção do governo, o crédito para a

produção de fumo via PRONAF foi bloqueada, mas fica evidente que outras ações

como essa podem voltar a ocorrer, já que o agricultor vem integrando cada vez mais

aos CAI.

4.3. Caracterização dos tipos de agricultura familiar segundo critérios

FAO/INCRA

Para analisar os dados de especialização e integração do relatório

INCRA/FAO (2000) se faz necessário entender à classificação dos agricultores por

tipos, sendo A, B, C e D. A ordem obedece ao valor obtido com a produção em

comparação com valor do custo de oportunidade (VCO) referente à diária média

estadual acrescida de 20%.

1) Tipo A, com renda total superior a três vezes o valor do VCO;

2) Tipo B, com renda total superior a uma vez até três vezes o VCO;

2) Tipo C, com renda total superior à metade até uma vez o VCO;

3) Tipo D, com renda total igual ou inferior à metade do VCO.

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Esses tipos foram criados para se ter uma divisão socioeconômica entre os

agricultores familiares, sendo que A, B, C e D podem ser classificados como

agricultores capitalizados, em processo de capitalização, em descapitalização e

descapitalizados.

Entretanto, entre os agricultores familiares do tipo D, também existem agricultores mais capitalizados, os quais podem ter sido classificados neste grupo devido à frustração de safra, baixos preços de seus produtos no mercado ou a realização de novos investimentos nos quais as receitas ainda não estão superando as despesas. Esta afirmação está baseada na participação percentual do crédito rural obtido e dos investimentos realizados por estabelecimentos deste tipo, além da presença de agricultores com áreas superiores a 50 ha. A seguir serão apresentados os dados dos quatro ‘tipos’ A, B, C e D de agricultores familiares (INCRA/FAO, 2000, p.41).

TABELA 14: Tipo de agricultores familiares, participação em áreas (%) e participação nos financiamentos (CONTINUA)

Familiar/ Estabele- cimento

% Estabele- cimento Área %Área VBP %VBP FT %FT

Tipos total s/ total Total(ha) s/total (mil R$) s/total (mil R$) s/Total

A 406.291 8,4 24.141.455 6,8 9.156.373 19,2 433.295 11,7

B 993.751 20,4 33.809.622 9,6 5.311.377 11,1 228.965 6,2

C 823.547 16,9 18.218.318 5,2 1.707.136 3,6 68.911 1,9

D 1.915.780 39,4 31.599.055 8,9 1.942.838 4,1 206.656 5,6

TOTAL 4.139.369 85,1 107.768.450 30,5 18.117.725 37,9 937.828 25,3

Fonte: Censo Agropecuário 1995/96 – IBGE. Elaboração: Projeto de Cooperação Técnica INCRA/FAO.

Na Região Nordeste (tabela 15) se encontra 1.215.558 agricultores familiares

do tipo D, que correspondem a 52% dos estabelecimentos da região, ocupam 15,1%

da área e são responsáveis por 8,3% do VBP da região. O relatório INCRA/FAO

2000 induz acreditar que boa parte desses estabelecimentos tem sua produção para

autoconsumo.

A expressão da agricultura do Nordeste são os agricultores familiares do tipo

D, ou seja, os menos remunerados e em piores condições de produzir. Os

agricultores do tipo A são representados por 88.397 agricultores, com 3,8% do total

dos estabelecimentos, a menor fração da federação.

Na Região Norte, os agricultores do tipo A e do tipo B são os que mais se

destacam ocupando 6,6% e 13,6% da área total e VBP de 22,2% e 22,9%,

respectivamente.

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112

O Sul apresenta 49,1% do total dos agricultores dos tipos A e B. Os

agricultores do tipo A tem 13,9% da área e VBP de 31,6% da região. Os do tipo B

ocupam 15,3% da área total e respondem a um VBP regional de 17,3%. Outro dado

referente aos agricultores do Sul é a contração de crédito, são 46% de todo o crédito

destinado a agricultura familiar do país.

TABELA 15: Os diferentes tipos de agricultores por região (continua)

Região Tipos Estabele- cimento

Total

%Estabele- cimento Área total

(ha) % Área s/ total

VBP (mil R$)

% VBP (mil R$)

s/ total

Nordeste

A 88.397 3,8 5.476.366 7 1.016.680 14,4

B 331.138 14,2 9.984.386 12,7 907.398 12,8

C 420.558 18,1 6.783.325 8,6 520.341 7,4

D 1.215.064 52,2 11.799.140 15,1 582.479 8,3

Centro-Oeste

A

22.919 9,4 3.642.316 3,4 620.262 9

B 44.814 18,5 3.684.923 3,4 286.146 4,1

C 30.320 12,5 1.810.780 1,7 91.127 1,3

D 64.009 26,4 4.553.292 4,2 125.161 8,3

Norte

A

40.080 8,9 3.844,44 6,6 514.479 22,2

B 132.816 29,7 7.927.174 13,6 533.468 22,9

C 94.468 21,2 4.415.966 7,6 183.639 7,9

D 113.531 25,4 5.673.382 9,7 121.070 5,2

Sudeste

A

87.350 10,4 4.989.614 7,7 2.257.296 13,6

B 159.851 18,9 5.429.243 8,5 989.867 5,9

C 110.651 13,1 2.578.579 4 320.754 1,9

D 275.768 32,7 5.747.294 8,9 471.566 2,8

Sul

A

167.545

16,7

6.188.721

13,9

4.747.656

31,6

B 325.132 32,4 6.783.895 15,3 2.594.499 17,3

C 167.550 16,7 2.629.668 5,9 591.275 3,9

D 247.408 24,6 3.825.947 8,6 642.562 4,3

Fonte: Censo Agropecuário 1995/96 – IBGE. Elaboração: Projeto de Cooperação Técnica INCRA/FAO.

A Região Sul é a que contém o maior número de agricultores familiares dos

tipos A e B, sendo que 18% e 36% se enquadram nesses tipos respectivamente.

Quanto à associação e ao uso de tecnologias as regiões Norte e Nordeste são as

que apresentam os menores indicadores de associação e tecnificação.

Os agricultores familiares do tipo A, indiferente do fornecedor, absorvem 44%

da assistência técnica, os de tipo B 25,1%, os do tipo C 11,9% e os de tipo D

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utilizam apenas 8,9%. A Região Sul é a que apresenta a melhor média de uso de

tais serviços entre todos os tipos de agricultores familiares.

No que se refere aos indicadores “força mecânica no trabalho” e “luz elétrica”

os índices mais elevados de uso também estão nos agricultores do Sul, segundo o

relatório INCRA/FAO 2000.

No que se refere à renda relativa à produção agrícola os agricultores do Sul

apresentam os maiores valores.

TABELA 16: Renda total (RT) (continua)

Região

Tipos

RENDA TOTAL ($)

Até 0,00 +0,00

a 3.000 +3.000 a 8.000

+8.000 a 15.000

+15.000 a 27.500

+27.500

% Estab.

% Área

% Estab.

% Área

% Estab.o

% Área

% Estab.

% Área

% Estab.

% Área

% Estab.

% Área

Nordeste

A 64,7 57,5 23,3 26,2 7,8 10,3 4,2 6,1

B 81,5 75,4 18,5 24,6

C 100,0 100,0

D 11,8 25,3 88,2 74,7

Centro-Oeste

A 14,3 10,0 49,2 42,0 22,0 25,2 14,5 22,7

B 21,8 17,9 77,5 81,3 0,6 0,9

C 100,0 100,0

D 37,6 54,7 62,4 45,3

Norte

A 47,9 40,3 37,2 38,1 10,3 14,1 4,6 7,6

B 50,8 47,0 49,1 52,7 0,1 0,3

C 100,0 100,0

D 17,6 32,9 82,4 67,1

Sudeste

A 24,0 21,2 44,8 41,1 19,7 22,0 11,5 15,7

B 34,7 31,7 64,5 67,5 0,8 0,8

C 100,0 100,0

D 33,8 47,9 66,2 52,1

Sul

A 11,8 8,7 56,8 47,9 21,7 26,0 9,7 17,4

B 16,8 14,2 80,2 82,4 3,0 3,4

C 98,1 97,9 1,9 2,1

D 24,1 40,1 75,9 59,9

Brasil

A 29,7 27,6 44,5 39,1 17,2 19,6 8,6 13,7

B 46,0 43,2 52,8 55,8 1,2 1,0

C 99,6 99,7 0,4 0,3

D 17,8 36,8 82,2 63,2

Fonte: Censo Agropecuário 1995/96 – IBGE. Elaboração: Projeto de Cooperação Técnica INCRA/FAO.

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O relatório INCRA/FAO (2000) leva a acreditar que o modelo agrícola a ser

seguido é o modelo dos agricultores do Sul, ou seja, agricultores que utilizam

tecnologia, assistência técnica especializada, máquinas, altamente produtivistas e

muito especializadas. O relatório serve de orientação às políticas de governo e

programas de desenvolvimento que tem como principal medida para o

desenvolvimento o uso de tecnologia para uso intensivo do solo e agricultores

altamente especializados. O que se pretende com esta ação é consolidar a nova

aliança para um novo padrão de acumulação.

TABELA 17: Agricultura familiar – número de estabelecimentos, área, VBP, financiamentos totais e rendimentos por hectares em reais de 1996 (R$ 96/ha)

Região Mil N°

estabelecimentos Mil ha Área

(10)6R$ 96 VBP

Mil R$ 96 financiamento

Total

R$ 96/ha

Rentabilidade

NE 2.055,20 34.043,22 3.026,90 133.973 88,91

CO 162,1 13.691,31 1.122,70 94.058 82

N 380,9 21.860,96 1.352,66 50.123 61,88

SE 633,6 18.744,73 4.039,48 143.812 215,5

S 907,6 19.428,23 8.575,99 515862 441,42

BR 4.139,40 107.768,45 18.117,73 937.828 168,12

Fonte: Guanziroli C.E. e Cardin S.E e C.S (2000)

No entanto, esvaziam-se do debate as possibilidades de alterarem a

concentração fundiária vigente no país mediante uma ampla reforma agrária, tomam

como única medida possível ao desenvolvimento dos pequenos produtores sua

inserção no mercado com a aquisição de tecnologia. Esse projeto de

desenvolvimento agrário que moderniza uma pequena parcela da agricultura familiar

com medidas de mercado, restrito a distribuição de crédito, se assemelha ao modelo

de modernização implantado no período 1965-1985 e convencionalmente chamado

de modernização conservadora, a diferença reside no fato de que essa

modernização está sendo direcionada a agricultura familiar, mas nem por isso deixa

de ser restrita aos segmentos mais capitalizados e de maior extensão de terra entre

os agricultores familiares. (ver tabela 17 concentração do crédito na regiões mais

desenvolvidas)

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115

4.4. O PRONAF, opção de modernização à Reforma Agrária

Embora muitos autores reconheçam no PRONAF uma política pública voltada

aos interesses da agricultura familiar, uma vez que, até a década de 1990 não havia

uma política pública de âmbito nacional para esse segmento, entendemos de outra

maneira, partindo do pressuposto que o PRONAF vem para consolidar um projeto

político que visa institucionalizar as lutas dos camponeses e isolar os que lutam por

reforma agrária.

As dificuldades impostas à reforma agrária continuam atuando no sentido de

reduzi-la a uma política de programas de assentamentos rurais (PA’s). O indicador

utilizado seria o corte orçamentário aos programas do Ministério do

Desenvolvimento Agrário (MDA) que diminuiu entre 2008 e 2009. Segundo a

relatoria IPEA (2000), o maior corte recaiu sobre o Programa de Assentamentos

para Trabalhadores Rurais: diminuição de 35% que representa 554,3 milhões.

Esse programa é responsável pelas principais ações como as ações

preparatórias para obtenção de imóveis rurais, obtenção de imóveis rurais para

reforma agrária, primeiras ações para apoio as atividades produtivas, para o

desenvolvimento do assentamento, elaboração dos planos de desenvolvimento dos

assentamentos, cadastro e homologação das famílias beneficiárias do programa de

reforma agrária; licenciamento ambiental entre outros. A redução dos recursos para

o desenvolvimento dos assentamentos revela uma contradição, uma vez que estes

são necessários para essas famílias se credenciarem ao PRONAF.

Vale destacar que a maioria dos assentamentos criados, em torno de 80%,

ficou nas regiões Norte e Nordeste, sendo inquietantes os estudos dos números das

famílias assentadas se observarmos que em 2010 foram assentadas apenas 3,5 mil

famílias (IPEA 2010), o pior ano desde 2003. É claro o abandono da política de

reforma agrária, para implementação de uma política de crédito (PRONAF) com fins

de modernizar os pequenos agricultores, reservada apenas aos vitoriosos, e integrar

sua produção aos ditames do mercado mundial.

A partir de 1990 outros entraves são criados pelas medidas liberalizantes

adotadas pelo Estado, o que provocou mudanças na forma de este entender a

reforma agrária. A explicação para essa mudança em grande parte deve-se à nova

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organização econômica e ao novo modelo de inserção internacional, que tem como

cerne a proeminência do capital financeiro internacional.

Além das mudanças nas políticas econômicas, as medidas tomadas, como

adoção do modelo neoliberal que vigorou no Brasil a partir de 1990, cumpriram um

papel de romper com o protagonismo político das organizações sindicais, o que

colaborou para que ideias reacionárias vigorassem nesse período, assim

extinguindo o debate da reforma agrária no conjunto da sociedade.

Formou assim, um ambiente propício ao deslocamento da luta das

organizações que lutavam por reforma agrária a lutarem por um programa como o

PRONAF. Esse programa nasce da história da luta dos sindicatos rurais e de suas

representações em níveis Estaduais e Nacionais, recebendo apoio decisivo de

instituições internacionais, como a Organização das Nações Unidas para Agricultura

e Alimentação (FAO) e o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento

(BRID). Essas reivindicações foram levantadas num momento em que o Campo era

objeto de crescentes conflitos pela terra liderados pelo Movimento dos

Trabalhadores Sem Terra (MST) que em princípio era contrário a soluções como a

do PRONAF, consideradas paliativas no contexto dos problemas sociais.

No entanto, organizações de trabalhadores rurais ligados à Confederação

Nacional de Trabalhadores da Agricultura (Contag) e o Departamento Nacional de

Trabalhadores Rurais da Central Única dos trabalhadores (DNTR/CUT) passaram a

direcionar suas reivindicações para garantirem estrutura e viabilizarem a

“reconversão e reestruturação produtiva” dos agricultores familiares que seriam

afetados pelo processo de abertura da economia. Essa reivindicação era constituída

basicamente por créditos especiais para a modernização da produção da agricultura

familiar.

As novas bandeiras levantadas pelas organizações de trabalhadores rurais

são postas em pauta em meio a uma reestruturação das políticas neoliberais

sistematizadas pelo BIRD no triênio 1996-1998. A reciclagem do projeto neoliberal

para a América Latina e Caribe estabeleceu ações estratégicas para a reforma do

Estado que teve como medidas principais: a blindagem das agências estatais

responsáveis pela condução da política econômica, a quebra dos direitos dos

trabalhadores do setor público, a descentralização administrativa e a expansão das

parcerias público-privadas na execução das políticas públicas.

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Para tal, o BIRD passou a estimular o redesenho da política social na direção

de um novo tipo de filantropia, baseada na mobilização e articulação de empresas,

organizações não-governamentais (ONGs), esferas subnacionais de governo e

associações locais ou comunitárias”. Termos como “sociedade civil”,

“descentralização”, “autonomia” e “empoderamento” foram criados ou resignificados

para legitimar o ajuste das políticas sociais ao projeto neoliberal. Para PEREIRA e

SAUER (2006), a ação consistia em avançar nos processos de liberalização dos

mercados de trabalho, terra e crédito.

A vitória do econômico sobre o social – responsável pelo arrefecimento da

discussão sobre reforma agrária – é tão evidente que existem dois ministérios

relacionados à agricultura: o Ministério da Agricultura e o Ministério do

Desenvolvimento Agrário. A missão do primeiro é o aumento da produção

agropecuária e desenvolvimento do agronegócio, possibilitando o abastecimento do

mercado doméstico e a geração de excedentes para exportação. Emprego e renda,

segurança alimentar, inclusão social e redução das desigualdades sociais são

tratadas por esse ministério como conseqüências dos aumentos de produção e do

desenvolvimento do agronegócio. (MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, 2008).

Ao longo da década de 1990, sob impulso das reformas neoliberais, uma nova onda de políticas pró-mercados de terra varreu inúmeros países na América Latina, Ásia e África. (...) O principal autor dessa difusão foi, e continua sendo, o Banco Mundial (BRID). Mediante a concessão cada vez maior de empréstimos, doação e auxilio “não financeiros” – como, por exemplo, estudos, avaliação e divulgação de programas “inovadores” -, o BRID desenhou uma agenda de políticas fundiárias “ajustada” a plataforma neoliberal. (...) essa agenda tem como eixo a promoção acelerada de transações mercantis de arrendamento e compra/venda de terras como base para o aumento da produtividade agrícola e o alívio da pobreza (SAUER; PEREIRA, 2006, p. 7).

Além das medidas acima mencionadas o Banco Mundial:

Para amarar ainda mais os governos da região à execução desse receituário, o Banco Mundial (1997), além de chancelar as políticas do FMI a as decisões da OMC, propôs a realização de acordos internacionais pró-liberalização. Num período de ascensão da crítica ao neoliberalismo, essa “contratualização” serviria para aumentar os “custos políticos” a ser enfrentados por governos que decidissem – ou fossem levados a – trilhar uma rota alternativa de desenvolvimento. Assim, sob a bandeira da “governança” (governance), o direito público internacional deveria legalizar formas “neocoloniais” de exploração e dominação.” (SAUER; PEREIRA, 2006, p.16)

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A intenção do Banco Mundial com a introdução de uma dimensão política a

economia de mercado é, com isso, poder reduzir a questão política a uma questão

técnica, assim, promoveria a liberalização do mercado e as instituições que a

promovem seriam naturalizadas.

Pode-se perceber que o PRONAF é uma junção de interesse de instituições

multilaterais que contou com ajuda de intelectuais ligados ao governo e a partidos,

tidos como progressistas, que fizeram crer que o programa é fruto da conquista das

organizações em luta.

Uma política de crédito para a modernização da agricultura familiar, que

busca congregar os interesses dos agricultores capitalizados, que fazem uso de

mão-de-obra assalariada, e de assentados da reforma agrária, gera conflito com o

debate da reforma agrária, uma vez que, os interesses nem sempre são

coincidentes. Assim, no transcorrer da luta se vêem grandes agricultores apoiando a

causa do crédito e do PRONAF, já que a adesão dos pequenos produtores ao lema

da defesa do campo fortalece a defesa dos privilégios.

No entanto, o governo através do programa pode de alguma forma atender as

camadas mais pobres, essas ações podem acontecer por varias razões: seja por

que estejam pressionados a promover mudanças mais radicais e encontram nessas

ações a possibilidade de fazer concessões e reduzir o poder reivindicatório sem ferir

substancialmente ao velho pacto oligárquico, seja por conta do interesse em atender

a pleitos que fortaleçam parte dos grupos em conflito.

O paradoxo entre reforma agrária e PRONAF acontece devido a opção em

favorecer um setor agrário oligárquico que de alguma forma contempla a política

econômica de gerar superávit e a agenda do Consenso de Washington.

O estudo de Vilela (1997) intitulado Qual política para o campo brasileiro? (do

Banco Mundial ao PRONAF: a trajetória de um novo modelo?) procura analisar as

delineações do Banco Mundial23 para uma política publica destinada ao

desenvolvimento rural.

Diferentemente da década de 80, quando a ação do Banco Mundial era mais de suporte financeiro às políticas, na década de 90, após cada diagnóstico, o Banco procura delinear as bases teóricas que visam superar as deficiências das políticas analisadas. “O Brasil já fez muito progresso na

23

BANCO MUNDIAL. Brasil: o gerenciamento da agricultura, do desenvolvimento rural e dos recursos naturais. S.l.: s. ed., 1993. (Relatório nº 11738-BR).

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difícil mudança das maciças intervenções públicas para uma economia agrícola mais privatizada e orientada pelo mercado. (...) Contudo, outros passos necessitam ser dados. Os subsídios precisam desaparecer, exceto para os programas direcionados para erradicar a pobreza aguda, os estoques alimentares de segurança ou as falhas do mercado, e serem introduzidas tarifas realistas para os serviços públicos. A comercialização e a maioria dos serviços agrícolas deveriam ser privatizados e as agências públicas fechadas ou diminuídas. Há uma necessidade de se envolver, também, as comunidades locais no desenho e na implementação dos gastos públicos nas áreas rurais. (...) O governo precisa cuidar do tamanho dos gastos federais com a agricultura e com os recursos naturais e com a alocação dos gastos dentro do setor. Esta é uma oportunidade a ser aproveitada agora” (item 4.15). Além de delinear uma determinada concepção de políticas públicas, o relatório procura também sugerir a sua concretização através da montagem de uma estrutura operacional: “O gasto público precisa apoiar o setor privado na agricultura, na redução da pobreza e no uso sustentável dos recursos naturais. Especificamente: a) financiando o crescimento dos bens públicos, principalmente na pesquisa agrícola, extensão rural, saúde pública e infra-estrutura rural [...]; e b) redução da pobreza através de melhor educação primária rural, serviços de saúde e nutrição, além de programas direcionados de desenvolvimento rural” (item 4.16). O relatório sugere, ainda, programas de ação para atacar os diversos problemas diagnosticados. Os “Programas Direcionados contra a Pobreza podem ser subdivididos em: a reforma agrária e colonização, e os programas de desenvolvimento regional. [...] Os programas de reforma agrária são extraordinariamente difíceis de administrar e estes programas se vitimaram destas dificuldades. O gasto maciço com reforma agrária no Brasil, em 1991, não foi mantido por causa dos abusos e escândalos (relatados). No lugar de uma reforma agrária administrada pelo governo, uma melhor abordagem seria a reforma através do mercado. Os beneficiários seriam providos com doações para auxiliá-los na compra de terra” (itens 4.27 e 4.28). Quanto aos programas de desenvolvimento regional, o relatório acusa que “[...] devem ser procurados meios para melhorar a eficácia destes gastos. Fundos de contra-partida demonstraram ser um mecanismo eficaz em muitos países” (item 4.29). Fica evidente no relatório uma clara preocupação com a retirada do Estado da sua histórica função de suporte financeiro da agricultura. Propugna-se a prevalência radical do mercado no gerenciamento da agricultura. Do ponto de vista do relatório, as ações financeiras do Estado têm que se limitar à pobreza rural (Grifos do autor) (VILELA, 1997, p. 5).

Contudo, expostos o cenário econômico e político para a formulação do

PRONAF, a reforma agrária deixa de assumir uma posição central nas

reivindicações populares, uma vez que a agricultura familiar escolhida para

protagonizar um novo desenvolvimento resolve os problemas de abastecimento de

alimentos e o desenvolvimento de empregos, já que é responsável, segundo as

estatísticas oficiais, por produzir a maioria dos alimentos que vai para a mesa da

brasileira e também é responsável pela geração de mais de 70% dos postos de

trabalhos no campo.

Neste contexto, ignora-se os dados dos Censos agropecuários que revelam

uma diminuição da mão-de-obra empregada na agricultura familiar no período de

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1996 á 2006 e, a diminuição da produção de gêneros alimentícios pelos agricultores

familiares, em comparação com os produtos produzidos para o mercado (OLIVEIRA,

2013)

No discurso do governo a reforma agrária se torna uma política “obsoleta”,

uma vez que os motivos para sua realização foram superados por outros caminhos.

O problema do desabastecimento foi resolvido com a modernização das técnicas de

produção e aumento da produtividade, a restrição ao desenvolvimento capitalista foi

superada com incentivo fiscal aos “empreendedores” do campo que constituíram

uma modernização capitalista da agricultura em condições de maior avanço que a

indústria. Restavam os problemas sociais decorrentes da alta concentração e o

processo de exclusão da população na participação da riqueza produzida nesse

processo.

Quando se observa a dinâmica de concentração de terra fica claro que o item

terra para especulação vem apresentando um crescimento maior que as outras

categorias (tabelas 18 e 19). Assim, fica evidente uma das razões de uma reforma

agrária, pois com ela se extingue uma parte parasitária da sociedade brasileira. Mas

isso significa romper o pacto vigente entre capital estrangeiro, Estado e capital

nacional, além disso, significa romper com o modelo de desenvolvimento do

capitalismo em questão.

TABELA 18: Imóveis rurais: número e área (2003-2010)

Categoria 2003 2010

N° de imóveis registrados

Área (ha) N° de imóveis registrados

Área (ha)

Minifúndio 2.736.052 38.973.371 3.318.077 46.684.657

Pequena propriedade 1.142.924 74.194.228 1.338.300 88.789.805

Média propriedade 297.220 88.100.418 380.584 113.879.540

Grande produtiva 112.463 214.843.868 130.515 318.904.739

Grande Improdutiva* 58.331 133.774.803 69.233 228.508.510

Total 4.288.672 416.112.784 5.167.476 568.258.741

Fonte: Gerson Teixeira 2011 (*) refere-se à participação nas respectivas áreas totais das grandes propriedades

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TABELA 19: Indicadores comparativos

Categoria Participação área - 2003 Participação área - 2010

Minifúndio 9,40% 8,20%

Pequena propriedade 17,80% 15,60%

Média propriedade 21,20% 20%

Grande produtiva 51,60% 56,10%

Grande improdutiva 62,30% 71,70%

Fonte: Gerson Teixeira 2011

4.5. Caracterização do PRONAF

O Programa Nacional de Fortalecimento à Agricultura Familiar foi criado

através do decreto 1946, de 28 de junho de 1996, e teve suas normas consolidadas

na Resolução 2310, de 29 de agosto de 1996.

Segundo o manual operacional do PRONAF, o programa visa fortalecer a

agricultura familiar por meio de apoio técnico e financiamento no intuito de promover

o desenvolvimento rural sustentável e tem como objetivo geral fortalecer a

capacidade produtiva da agricultura familiar, contribuir para a geração de emprego e

renda nas áreas rurais e melhorar a qualidade de vida dos agricultores familiares,

além dos objetivos específicos que são; a) ajustar a política pública com a realidade

dos agricultores familiares, b) viabilizar a infraestrutura necessária à melhoria do

desempenho produtivo dos agricultores familiares; c) elevar o índice de

profissionalização dos agricultores familiares através do acesso aos novos padrões

de tecnologia e de gestão social; d) estimular a acesso desses agricultores aos

mercados de insumo e produtos.

O PRONAF, para atingir seus objetivos, conta com quatro linhas de crédito

principais, a saber: 1) crédito de custeio e investimento destinado às atividades

produtivas rurais; 2) financiamento de infra-estrutura e serviços de municípios de

todas as regiões do país cuja economia dependa fundamentalmente das unidades

agrícolas familiares; 3) capacitação e profissionalização dos agricultores familiares

através de cursos e treinamento aos agricultores, conselhos e equipes técnicas

responsáveis pela implementação de políticas de desenvolvimento rural. 4)

financiamento da pesquisa e extensão rural visando à geração e transferência de

tecnologias para os agricultores familiares.

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O PRONAF estabelece uma diferenciação do seu público-alvo de acordo com

sua atividade, o trabalho utilizado em sua propriedade e a renda gerada. De acordo

com o manual operacional, a tabela abaixo resume as diferentes categorias e

estabelece as regras para aquisição de crédito nas linhas custeio e investimento.

Vale ressaltar que a maior parte dos recursos é destinada as linhas de crédito para

custeio e investimentos.

FIGURA 2. Linhas de créditos disponíveis para os grupos básicos do PRONAF

Autores como Garcia (2003) e Abramovay (2002) afirmam que o programa

sofre de estagnação da ampliação de sua base e apontam como causa dessa

estagnação os custos das operações bancárias, sendo que a Secretaria do Tesouro

Nacional gasta para empréstimos de R$ 1300,00 reais para o grupo C um valor de

544,36 reais cerca de 40% e desta, metade é para pagamento ao Banco do Brasil

com spread e taxas de serviços, e a outra metade na cobertura por adimplência.

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Outro motivo para a estagnação dos empréstimos na linha de raciocínio dos

autores referidos é submissão das instituições financeiras ao Acordo da Basiléia que

busca cobrar responsabilidade e retornos dos investimentos práticos, o que estaria

levando as instituições a restringirem suas operações.

4.6. Histórico de mudanças ocorridas no PRONAF

Em 1999, no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, o PRONAF

passou por novas reformulações. O programa deixou de fazer parte do Ministério da

Agricultura, onde estava vinculado à Secretaria de Desenvolvimento Rural, e foi

incorporado ao recém-criado Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). O MDA

veio substituir o Ministério de Assuntos Fundiários, criado em 1995, que tinha

condição de Secretaria de Estado24. O MDA passou a abrigar o Instituto Nacional de

Colonização e Reforma Agrária (INCRA), instituição encarregada da política

fundiária e de assentamentos da reforma agrária, e também foi criada a Secretaria

da Agricultura Familiar (SAF) em substituição à Secretaria de Desenvolvimento

Rural, que passou a gerir diversas linhas de ação do PRONAF e de programas

ligados à agricultura familiar. Nessa nova organização institucional o tema

agricultura familiar se sobrepõem as questões fundiárias e assumi o centro da

política de Desenvolvimento Rural.

Assim, na safra de 1999, os agricultores enquadrados no grupo D respondiam por 48% do total e os do grupo C, por 22%, revelando que essas duas categorias detinham cerca de 70% do total do crédito disponibilizado pelo programa. O grupo A respondia por 21%; o grupo B, por

24

O Ministério Extraordinário de Assuntos Fundiários surge em um contexto de ascendência das lutas sociais no campo e, particularmente, de acirramento de luta pela terá no Brasil. De um lado, a pressão dos pequenos agricultores ligados à CONTAG reivindicando políticas especificas de compensação pela chamada ‘âncora verde’ que a agricultura proporcionara à estabilização de preços no Plano Real, durante a primeiro governo FHC. De outro o MST amplia sua base social e estende sua esfera de atuação para o estado de São Paulo (Pontal Paranapanema), ganhando com isto projeção nacional. Mas não pode negar que os fatos políticos decisivos deste período são os massacres dos agricultores sem terra em Corumbiara – Rondônia (Agosto de 1995) e Eldorado dos Carajás, no sul do Pará (abril de 1996), ambos seguidos de uma ‘marcha a Brasília’, realizada em abril de 1997, que culminou com um comício que se estima tenha reunido em torno de 100 mil pessoas. Dada a repercussão nacional e internacional destes acontecimentos o governo federal assume uma postura em relação ao problema agrário e cria o Ministério Extraordinário de Política Fundiária, em 1995 (CARVALHO, 2001, p.203).

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apenas 1% (primeiro ano de operação dessa modalidade); e o restante dizia respeito aos contratos sem enquadramento definido. Na safra agrícola de 2004, essa trajetória mudou um pouco, sobretudo pela maior participação do grupo B, que passou a responder por 7% do total, ao mesmo tempo em que o grupo D reduzia sua participação em 11% e o grupo A em 13%. O grupo C aumentou sua participação para 25%. Deve-se registrar que nessa safra começaram a ser disponibilizados recursos para o grupo E, que, mesmo tendo apenas 3% dos contratos, respondeu por 12% dos recursos. O fato mais relevante é que o processo de concentração dos recursos nos grupos C, D e E continua expressivo, que passaram a responder por 74% do total dos recursos disponibilizados na última safra (MATTEI, 2005, p. 24-25).

Outra reformulação institucional foi realizada na SAF em 2003, no início do

governo Lula, quando foi criada a Secretaria do Desenvolvimento Territorial, que

passou a gerir a linha de crédito PRONAF, infraestrutura e serviços municipais.

Há uma terceira reformulação que aconteceu na esfera financeira e provocou

uma série de mudanças no programa, principalmente no que se refere à taxa de

juros e às formas de pagamento dos empréstimos bancários. Com a resolução 2.766

de 2000, do Banco Central, os juros foram definidos e teriam uma taxa fixa

atendendo às reivindicações dos agricultores familiares.

Com isso, verifica-se que houve uma redução progressiva dos encargos financeiros, chegando ao estágio atual com taxas de juros que variam entre 1% (Grupo B) e 7,25 (Grupo E), Alem disso os prazos e carências foram sendo dilatados, conjuntamente com os valores dos descontos sobre os valores referentes aos juros. Em grande medida, essas modificações visaram atender a um número maior de beneficiários e expandir a esfera de interferência da agricultura familiar nas tomadas de decisão acerca dos rumos da produção agropecuária do país (SCHNEIDER; MATTEI; CAZELLA, 2004 p.).

Apesar da afirmação dos autores acima ser verdadeira, estas mudanças

foram bloqueadas ou não representavam grandes alterações. Isto é, com o crédito

em abundância no mercado viu-se cair à taxa de juros para o crédito em quase

todas as modalidades e o PRONAF só fez acompanhar. Outra medida que se

colocou em prática foi o aumento da exigência bancária restringindo o empréstimo a

algumas culturas selecionadas junto às empresas na escolha e imposição aos

agricultores, sob a justificativa de maior aceitação no mercado e maiores chances de

honrarem seus compromissos. Com isso, não se viu ampliar o número de contratos

e nem o volume do montante utilizado no financiamento, assim para um universo de

4,139 milhões de agricultores familiares apenas 20% destes tem ou tiveram acesso

a crédito de custeio e apenas 12,7% acesso ao crédito de investimento

(SCHNEIDER; MATTEI; CAZELLA, 2004).

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Outra reestruturação do PRONAF foi à declaração de aptidão fornecida aos

agricultores para obterem os créditos de investimento e custeio. No caso dos

beneficiários da reforma agrária, enquadrados no Grupo A, elas passaram a ser

fornecidas pelo INCRA. Para os demais agricultores, o ministério do

Desenvolvimento Agrário habilitou os sindicatos dos trabalhadores rurais e os

serviços públicos de extensão a emitir essas declarações, o que de alguma forma

aumentou a seleção dos agricultores dando preferência aos com “maiores aptidões”.

4.7. O PRONAF e a que veio

Antes de se passar aos dados do PRONAF é pertinente verificar alguns

dados gerais dos créditos a agricultura familiar e patronal como classificação da

FAO (1995); o gráfico abaixo referente ao período 2002-2012 revela o

desproporcional aumento dos créditos à agricultura patronal em referência a

agricultura familiar. No período, o gráfico mostra um aumento de 421,91% do crédito

ao agronegócio e de 281,32% para a agricultura familiar, mostrando que o PRONAF,

que tem como linha de ação mais expressiva o crédito agrícola para investimento e

custeio, não vem se tornando um programa com capacidade de corrigir as

distorções existentes no campo, mas ao contrário, sua ação como os dados

apresentados comprovaram a permanência da velha política concentradora e

excludente dos tempos de modernização conservadora.

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FIGURA 3: Evolução do crédito

Fonte: IPEA 2013.

Na verdade, o agronegócio e a agricultura familiar têm sido apoiados a partir

do mesmo instrumento – o crédito rural subsidiado. É notório que o agronegócio

concentra a maior parte dos recursos destinados à agricultura, inclusive os recursos

oriundos do BNDES, mas, é significativa também a ampliação do volume de

recursos destinados a agricultura familiar, o que mostra uma mudança na política

pública destinada ao desenvolvimento rural, e a análise do PRONAF permite chegar

a algumas conclusões referente à concessão de crédito aos agricultores familiares e

a forma como ela vem sendo realizada.

De acordo com o DIEESE; NEAD; MDA (2011), os grupos C, D, E e AF juntos

absorviam 76,4% do montante de recursos do PRONAF no ano agrícola 2009/2010.

Enquanto que os demais grupos (A, B, A/C, dentre outros) eram contemplados com

apenas 24,6% do montante dos recursos do programa. Portanto, o quadro de

concentração dos recursos nos segmentos mais capitalizados permanece quase

inalterado, comparando-se ao ano de 2004, havendo, inclusive, uma pequena

ampliação.

Para Ariovaldo Umbelino de Oliveira (2013), os grupos de área total entre 50

e 100 ha e entre 100 e 200 ha ficam com mais da metade dos recursos oriundos do

PRONAF destinados a pequena produção, esse processo gera uma diferenciação

interna nos agricultores familiares fazendo com que camponeses pobres

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permaneçam excluídos, os agricultores médios e os agricultores ricos acompanhem

o projeto de modernização, mas num ambiente extremamente competitivo.

TABELA 20: Evolução do montante de recursos e número de contratos do PRONAF no Brasil e Grandes Regiões, anos agrícolas de 2002/2003 – 2009/2010 (1).

Ano Agrícola

Grandes Regiões

Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

Montante (em milhões R$)

2002/03 201,1 393,1 389,9 1205,7 186,7 2376,5

2003/04 349,2 888 783,2 1925,2 344,9 4490,5

2004/05 614,2 1197,1 1051,9 2887,1 381,3 6131,6

2005/06 721,5 1952,9 1476,6 2928,6 532,3 7611,9

2006/07 909,6 2090,4 1809 3162,4 585,2 8556,6

2007/08 1242,9 1730,3 1983,4 4210,2 598,3 9765,1

2008/09 1166,4 1732 2384,6 5651,3 683,9 11618,3

2009/10 1339,4 1813,6 2553,2 5425,2 830,6 11982,3

Total acumulado (em R$ milhões)

5744,4 11797,4 12431,8 27395,7 4163,2 62532,6

(%) Montante (do Total acumulado)

10,79 18,87 19,88 43,81 6,66 100

Contrário ao que Mattei (2004) acreditava que o período de concentração do

PRONAF ia deixar de acontecer, os dados da tabela 20 mostram que o aumento da

participação da Região Nordeste não foi acompanhado por uma diminuição da

Região Sul, acendendo de novo o debate sobre os objetivos do programa.

A concentração do crédito agrícola liberado sobre a forma investimento e

custeio acabavam sendo concentrados, segundo Mattei (2004), porque as agências

financeiras negligenciavam o atendimento aos pequenos agricultores, especialmente

os agricultores em dificuldade financeira ou que tinha algum impedimento para obter

acesso aos serviços bancários. Com isso, o crédito acabava indo para os setores

agroindustriais muito especializados e mais eficientes, que reduziam o risco do

agente financeiro.

A ação descrita acima acabava concentrando o crédito nas regiões e entre os

agricultores mais integrados aos complexos agroindustriais (CAI). O autor acredita

que com a ação de abrir para a participação para as cooperativas de crédito tornaria

o crédito mais acessível a pequenos agricultores.

Nossa hipótese se fundou no caso do Nordeste, onde a maior participação

dos agricultores familiares dessa região se deve a inserção da região na produção

de fruta para o mercado externo e para a indústria: “Atualmente, a maior região

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produtora de melão no país localiza-se no Polo Açu/Mossoró, no Rio Grande do

Norte, e o Pólo Petrolina/Juazeiro firmou-se como grande exportador de manga,

banana, coco, uva, goiaba, melão e pinha” (EMBRAPA), e o maior número dos

projetos de assentamento está presente na região, aumentando a participação da

mesma no volume de crédito do PRONAF, além de apresentarem um maior número

de famílias assentadas o que contribuiria para um aumento na participação no

PRONAF de produtores menos capitalizados e conseqüentemente nas linhas que

menos contemplam com crédito. (ver Tabela 21 programa de assentamentos e

famílias assentados no período 1984 - 2010)

TABELA 21: Evolução dos projetos de assentamento e n° de famílias assentadas

Regiões/ Até 1984 1985 a 1994 1995 a 2002 2003 a 2010 Total

País PA Família PA Família PA Família PA Família PA Família

Centr. Oeste 12 6.655 77 14.648 604 92.246 497 97.406 1.190 210.955

Norte 24 10.163 195 23.089 794 187.510 967 293.986 1.980 514.748

Nordeste 12 2.235 304 19.355 1.923 177.425 1.730 204.805 3.969 403.820

Sudeste 6 328 79 3.096 317 25.211 298 25.820 700 54.455

Sul 7 323 151 7.448 506 27.910 138 18.843 802 54.524

Total 61 19.704 806 67.636 4.144 510.302 3.630 640.860 8.641 1.238.502

Fonte: Sipra/INCRA

Outro aspecto limitante na ação do PRONAF são os mecanismos de

investimento e custeio que não vêm sendo capazes de promover uma mudança no

padrão de desenvolvimento agrícola que vigora no país, o que vem se mostrando

insustentável tanto para agricultores familiares como para as economias locais.

A tabela 22 faz referência às culturas que são mais financiadas pelo

PRONAF, no ano de 2010, na modalidade custeio, que representou 4 bilhões de

reais de um total de 11,2 bilhões de reais subdivididos em custeio agrícola (4,3

bilhões de reais), custeio pecuário (1,4 bilhões de reais), investimento agrícola (2,7

bilhões de reais) e investimento pecuário (3,5 bilhões de reais).

Na modalidade investimento destacam-se os investimentos realizados com

compra de animais onde são gastos 2 bilhões de reais. Embora esses dados se

refiram ao orçamento do PRONAF de 2010, a dinâmica dos gastos mantém-se e os

produtos soja e milho ao longo do programa são os que mais recebem

financiamentos.

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Um dos aspectos que colabora para que esses produtos tenham forte adesão

dos produtores são: a integração dos produtores aos complexos agroindustriais

alimentares, uma vez que são os principais produtos que compõem a alimentação

de aves, suínos e bovinos.

TABELA 22: Principais produtos atividade e finalidade PRONAF 2010

Finalidade modalidade/ custeio (produtos com maiores financiamentos)

N° de financiamento Total financiado (R$)

Milho 204.534 1.226.884.497,21

Soja 97.940 906.569.202,21

Café 72.209 613.726.165,42

Trigo 16.763 191.492.253,88

Mandioca 38.421 181.059.499,41

Fonte: Banco Central do Brasil- anuário estatístico do crédito rural 2010.

O Instituto de Pesquisa e Economia Aplicada (IPEA, 2013) realizou uma

análise de dados do Censo Agropecuário de 2006, referente ao impacto do consumo

intermediário na agricultura familiar e na agricultura não familiar no Brasil nas

regiões Sul e Nordeste.

Segundo o relatório, o gasto com os custos da produção vêm aumentando

consideravelmente nos últimos anos; para isso foram tomados dados da

Confederação da Agricultura e Pecuária no Brasil (CNA (s.d)) e o relatório

demonstra que os agricultores se endividaram fortemente na safra 2006-2007, o que

o relatório acredita se repetir no ano de 2011, especialmente na Região Sul por falta

de chuvas (IPEA, 2013).

Para os autores do relatório, os fatos que colaboram para aumento dos custos

de produção estão relacionados com a dependência de insumos, uma vez que o

Brasil importa 70% da matéria-prima para a formulação de fertilizantes. Com o

aumento mundial na demanda de alimentos, o aumento no preço do petróleo e a

especulação com compra de terras alteraram a renda dos agricultores devido ao

aumento dos gastos com terra e fertilizantes principalmente.

O estudo revelou que os gastos com custeio e manutenção que, juntos,

compõem o consumo intermediário, representam, em termos médios, 54,8% e

28,8%, do valor total da produção na agricultura não familiar e familiar,

respectivamente, sendo que os agricultores familiares do Sul em comparação com

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os do Nordeste apresentam 34,7% e 16,5% de gastos respectivamente. (IPEA,

2013)

Segundo estudos de Schneider (2010), os agricultores mais integrados

apresentam um repertório mais restrito de fontes de renda e tipos de atividades, os

tornando mais vulneráveis. Outro fator que o autor relata e julgamos ser mais

importante é o processo de mercantilização crescente da vida social e econômica,

levando a uma crescente integração e interação das famílias ao mercado. Com isso,

reduzem consideravelmente sua autonomia, já que passam a depender da compra

de insumos, ferramentas para produzir e da venda da produção para conseguir o

dinheiro necessário para reiniciar a produção. Nesse contexto, segundo o autor ,as

famílias passam a depender cada vez mais do exterior seja para compra dos

produtos ou mesmo de valores e da cultura, o que os subordina ainda mais.

O que fica colocada como análise de dados do PRONAF e pelo estudo

realizado pelo IPEA é que existe uma agricultura que internaliza mais as relações

características do mercado, inserindo os agricultores na agricultura empresarial

casada no paradigma da modernização. Esse modelo de agricultor familiar é que

vem sendo enaltecido pelo programa de fortalecimento da agricultura familiar e o

modelo a ser seguido pelo programa. Esses estilos têm se mostrado cada vez mais

dependentes da especialização produtiva, do uso de recursos externos, das

flutuações dos preços internacionais e dos custos de produção e transação.

Estudiosos, ao analisar a agropecuária brasileira e a evolução nos gastos

intermediários, apontavam uma série de variáveis que elevavam seus gastos;

Gasques et al. (2010) detalham esses resultados ao explicar que as áreas de terras

ao longo do período 1975-2009 passaram de 209 milhões de hectares (lavouras e

pastagens) para 219 milhões de hectares. A participação deste fato, no custo total,

que era de 38,3% no início do período, passou para 36,2%. Significa que a terra

continua um importante componente nos custos da agricultura, mão de obra cujo

pessoal ocupado era de 14,3 milhões de pessoas passou para 12,0 milhões, em

2009. Sua redução no custo foi expressiva, passando de 55% para 39% do custo de

produção, do início do período até 2009. Por fim, máquinas agrícolas automotrizes,

cuja participação nos custos dobrou no período, passaram de 4,2% do custo para

8,8%.

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TABELA 23: Fontes de crescimento da agricultura brasileira: taxas de crescimento dos índices parciais de produtividade (trabalho, terra e capital) – Brasil (1975-2010) (em %)

Especificações Taxa média anuais de crescimento

1975-2010 1991-2010 2001-2010 2006-2010

Crescimento do produto 3,74 4,65 4,75 3,81

Insumos 0,12 0,05 -0,53 -0,89

Trabalho -0,24 -0,43 -0,5 -1

Terra 0,01 -0,07 -0,29 -0,12

Capital 0,35 0,56 0,26 0,22

PTF 3,62 4,6 5,31 4,70

Fonte: Gasques et al. (2010) e Gasques, Bastos e Bacchi (2010) Obs.: Adaptado por Fardin Obs.: capital inclui fertilizantes, defensivos e máquinas.

No período como um todo, há crescimento de 0,12% a.a. no uso de insumos.

Por sua vez, o crescimento do produto (3,74%) é mais expressivo. Como a taxa de

crescimento da produtividade total dos fatores (PTF) (3,62) é obtida pela diferença

entre o crescimento do produto (3,74%) e o do uso de insumos (0,12 %), o aumento

da PTF é justificado pela melhoria da eficiência produtiva. Esse padrão de

crescimento da PTF é bastante diferente daquele caracterizado no início da

modernização agrícola – ou seja, nas décadas de 1970 e 1980, nas quais o

crescimento da produtividade era motivado pelo aumento no uso de insumos

(GASQUES; CONCEIÇÃO, 2000); (GASQUES; BASTOS; BACCHI, 2010).

Nessa tentativa de explicar os fatores que interferem na produtividade, a FAO

(2011, p. 40) estima que os principais condicionantes para o crescimento do índice

da PTF são os investimentos em pesquisa, extensão, escolaridade e infraestrutura.

No entanto, apesar dos investimentos aumentarem o índice de produtividade, os

ganhos relacionados a estes investimentos, se traduzem em queda de preço do

produto vendido pelo produtor e com isso os investimentos não se sustentam em

longo prazo (GASQUES et al., 2004, p. 23). Outros estudos complementam as

análises afirmando que os aumentos de produtividade, em geral, estão associados

às reduções dos preços agrícolas e à diminuição da renda dos produtores, já que

esta foi mitigada pela elevação da produtividade da terra.

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TABELA 24: Participação dos insumos – Brasil (1970, 1995-1996 e 2006) (Em %)

1970 1975 - 1996 2006

Pessoas ocupadas 51 Pessoas ocupadas 46,3 Pessoas ocupadas 16,1

Terra 33,3 Terra 23 Terra 30,7

Valor de tratores 7 Valor de tratores 17,1 Valor de tratores 17,8

Adubo e corretivos 3,7 Adubo e corretivos 6 Adubo e corretivos 16,3

Agrotóxico 1,3 Agrotóxico 3 Agrotóxico 9,9

Óleo diesel 0,7 Óleo diesel 2,4 Óleo diesel 3,3

Energia elétrica 0,2 Energia elétrica 1,4 Energia elétrica 4,6

Lenha 1,4 Lenha 0,4 Lenha 0,7

Gasolina 0,8 Gasolina 0,3 Gasolina 0,6

Querosene 0,4 Álcool 0,1 Álcool 0,1

Gás líquido 0,1 Bagaço 0 Bagaço 0

Total 100 Total 100 Total 100

Fonte: Gasques et al. (2010).

A tabela 18 é bastante elucidativa no que diz respeito à evolução do perfil dos

principais custos de manutenção em que se apóia a agropecuária brasileira. No

auge do processo de modernização (década de 1970), os gastos com mão de obra

representavam mais de 50% do valor total dos custos, demonstrando que o

progresso tecnológico ainda buscava se enraizar no meio rural brasileiro, tornando

ainda indispensável a força de trabalho manual.

Acrescido o gasto com terras na década de 1970, os gastos com esses

insumos alcançavam 84,3% do total de gastos. A concentração dos gastos com

insumos permanece em meados dos anos 1990, porém, com relativa

desconcentração, visto que os valores correspondentes ao estoque de tratores,

gastos com adubos e corretivos, e agrotóxicos passam a figurar como centrais na

manutenção dos estabelecimentos agropecuários, que, até a década de 1970,

tinham impacto bem menor. Isso demonstra o sucesso na incorporação do

progresso tecnológico e que o pacto tecnológico, antes restrito à incorporação de

máquinas e equipamentos, passa a abranger também a indústria química.

A desconcentração dos gastos é ainda maior em 2006, quando os gastos com

energia elétrica e óleo diesel passam a figurar como importantes na manutenção dos

estabelecimentos agropecuários. Além disso, cabe destacar duas mudanças

importantes em relação aos períodos anteriores. A primeira é que os gastos com

mão de obra passam a figurar em quarto lugar no ranking, sendo que nos períodos

anteriores figurava em primeiro lugar. A segunda mudança importante é que os

gastos com adubos e corretivos, que até então tinham participação relativamente

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pequena, agora representam mais de 16% do total de despesas. Ademais, é

importante registrar que os gastos com agrotóxicos, que até meados da década de

1990 representavam 3% do total de despesas, agora representam 10%. Em síntese,

pode-se afirmar que houve ampliação do leque de insumos adquiridos nos mercados

e que estes passaram a ser essenciais na manutenção dos estabelecimentos

agropecuários.

Mas o gasto mais expressivo no CENSO 1996, segundo dados é o uso de

agrotóxicos, que chegam a 80% nas propriedades com área inferior a 10 ha, como

mostra a Tabela 25.

TABELA 25: Brasil – Indicadores de uso de tecnologia (1995-1996)

Estrato de área total (ha) % do

uso de tratores

N° de trator em relação ao n.

total de estabelecimentos

% do uso de fertilizantes

total

% de uso de

agrotóxico.

% do uso de

irrigação

Menos de 10 2,4 1 x 37 30, 8 50 5,4

10 a 20 10,7 1 x 11 52,5 78,7 6

20 a 50 16 1 x 5 46,6 81,2 6,1

Pequena. 50 a 100 17,7 1 x 4 39,1 82,5 6,2

Menos de 100 7,7 1 x 10 38,1 63,4 5,7

100 a 200 22,5 1 x 3 38,6 86,5 6,7

Menos de 200 8,5 1 x 9 38,1 64,6 6,3

200 a 500 36,5 2 x 3 43,6 92,9 8,3

Média. 500 a 1000 50,8 4 x 3 44,6 95 9,2

1000 a 2000 62,5 3 x 2 47,5 96,2 9,3

200 a 2000 42,8 1 x 1 43,9 93,7 8,6

2000 a 5000 70,1 5 x 2 42,1 95,6 8,7

Grande. 5000 a 10000 76,5 4 x 1 37,8 94,9 7,9

10000 e mais 80,9 6 x 1 36 93,2 9,3

2000 e mais 72,4 3 x 1 40,7 95,2 8,7

Total 10,5 1 x 6 38,3 55,1 5,9

Fonte: Censo Agropecuário do IBGE – 1995 – 1996 Org. OLIVEIRA, A. U. (2013)

O que se torna evidente no processo de modernização da agricultura

brasileira é que, mesmo com adoção de tecnologias e insumos que propicie maior

produtividade da terra, isso não vem se traduzindo em aumento na renda por parte

dos produtores tanto familiares quanto não familiares. O que se pode perceber é um

aumento da transferência de valor produzido nas propriedades para as indústrias

produtoras de insumos e para os grandes complexos agroindustriais alimentares

(KAGEYAMA, 2003)

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O papel do PRONAF nessa trama é criar um mercado consumidor para as

empresas produtoras de insumos e máquinas por meio da distribuição de crédito

agrícola. O crédito fornecido para o governo é concedido ao agricultor junto com a

orientação técnica, que não leva em consideração o conhecimento do produtor, o

que prevalece é a técnica hostilizadora de insumos químicos e a alta demanda de

agrotóxicos e defensivos agrícolas.

Esse novo pacto político-econômico e ideológico das elites e do grande capital em torno do agronegócio está fortalecendo os grandes grupos agroalimentares, as transnacionais do setor agro-químico-farmacêutico e de comercialização de commodities, e o segmento de pequenos e médios empresários rurais egressos da estrutura familiar. Todavia, paralelamente, está retirado do debate interno o real sentido da soberania alimentar para os povos, para os trabalhadores, transferindo as decisões essenciais para o mercado, como também desqualificando e reprimindo as ações políticas no âmbito dos movimentos sociais envolvidos na luta pela terra e pela Reforma Agrária, ou até as tímidas iniciativas das políticas compensatórias que partem da anacrônica e ineficaz política agrária do governo (THOMAZ JÚNIOR, 2008, p. 49).

O que fica claro, é que o PRONAF vem seguindo as previsões realizadas

pelos relatórios realizados no MAPA (Ministério de Desenvolvimento Agrário) e pela

EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa e Agricultura). O relatório foi realizado

entre as duas agências com o intuito de subsidiar as políticas públicas para o

desenvolvimento rural e procurar fazer uma previsão para as safras de 2010/2011 –

2020/2021 e foi apresentado na revista de Economia, Administração e Sociologia

Rural. Este prevê um aumento nas exportações e na produção das culturas de soja,

arroz, milho, feijão e trigo e na produção de aves, suínos e bovinos conforme se

pode verificar nas tabelas 26 e 27.

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TABELA 26: Resultados de produção Brasil – projeção de produção 2010/2011 – 2020/2021

Produto Unidade 2010/2011 2020/2021 Variação %

Arroz Milhões t 12,5 13,74 9,88

Feijão Milhões t 3,51 3,82 8,85

Milho Milhões t 52,85 65,54 24

Soja grão Milhões t 68,72 86,53 25,91

Soja farelo Milhões t 26,71 32,35 21,12

Soja Óleo Milhões t 6,84 8,3 21,31

Trigo Milhões t 5,3 6,15 16,06

Carne frango Milhões t 12,11 15,74 30

Carne bovina Milhões t 9,16 11,35 23,97

Carne suína Milhões t 3,38 4,09 21,08

Café Milhões sc 41,75 48,18 15,39

Leite Bilhões de litros 31,57 38,18 20,93

Mandioca Milhões t 26,43 26,09 -1,32

Batata inglesa Milhões t 3,58 4,19 17,07

Algodão pluma Milhões t 1,58 2,34 47,84

Cana de açúcar Milhões t 750,11 934,59 24,59

Fumo Milhões t 0,86 0,97 12,82

Açúcar Milhões t 34,08 42,33 24,22

Álcool Bilhões de litros 25,49 29,2 14,56

Laranja Milhões t 19,36 23,51 21,43

Papel Milhões t 10,09 12,59 24,74

Celulose Milhões t 14,51 19.45 34,02

Fonte: Resultados de pesquisa Org. GASQUES, J. G. et al., 2011. Nota: Cana de açúcar refere-se a cana destilada á produção de açúcar, álcool, e outros fins como

forrageira e cachaça

Outro ponto a ser relatado é que o aumento de produção não vai se verificar

com aumento das terras utilizadas, o que indica que o aumento vai se realizar por

um aumento na produtividade. Segundo o relatório a produtividade demandará uma

maior utilização dos fertilizantes, agrotóxicos, máquinas e trabalho.

TABELA 27: Brasil no comércio mundial de alimentos – participação em %

2010/2011 2014/2015 2020/2021

Soja/grão 30,8 31,8 33,2

Farelo de soja 23,3 23 21,9

Óleo e soja 15,2 14,9 14,1

Milho 9,6 10,6 12

Carne bovino 28 29,7 30,1

Carne suína 10,1 10,7 11,6

Carne de frango 44 46,5 49

Fonte: USAD, 2011, Resultados de pesquisa

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5. CONCLUSÃO

O PRONAF, como política pública destinada à agricultura familiar vem se

configurando como uma política de expansão agrícola que segue: as condições de

inserção do Brasil no mercado mundial de forma dependente, o padrão de

desenvolvimento que tem como sustentáculo a superexploração do trabalho e a

forma predatória de exploração dos recursos naturais.

Estas características do modo de desenvolvimento mantêm a acumulação

capitalista vinculada a uma forma de extração do excedente econômico à renda

fundiária. Em última instância configura-se com uma política pública formulada como

alternativa ao programa de reforma agrária que vinha sendo adotada. Assim, a

formulação do PRONAF fez deslocar os recursos destinados a compra de terra e ao

Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) para outras atividades

como pagamentos dos serviços da dívida pública.

A adoção do crédito como forma de subsidiar os agricultores familiares no

processo de produção vem promovendo sua inserção no mercado de maneira

subordinada aos interesses do agronegócio (Complexo Agroindustrial). A adesão do

Brasil a lógica neoliberal e ao padrão de comercialização global abriu o mercado

brasileiro aos produtos importados e restringiu o espaço de atuação dos pequenos

produtores independentes. Desta forma, o mercado passou a ser mais competitivo e

a disputa entre os próprios pequenos agricultores acirrou-se, somado a estes

aspectos estruturais temos uma reformulação nas instituições estatais.

Os bancos públicos agora regidos sob os Acordos da Basiléia passaram a

perseguir uma taxa de retorno, que foi cobrada dos empréstimos concedidos aos

pequenos agricultores, o que restringiu o crédito aos agricultores pobres e com

menores garantias para oferecer. Com a corrida dos bancos por taxas de lucro

maiores, as exigências para a concessão de empréstimos aumentaram, o PRONAF

passou a exigir assistência técnica para as modalidades de maior valor o que levou

a um maior consumo de fertilizantes e agrotóxicos trazendo com isso o problema

ambiental. São inúmeros os casos de doença e intoxicação com esses produtos

relatados na ultima década. O seguro agrícola também passou a ser exigido

encarecendo ainda mais o acesso ao crédito.

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No entanto, a principal constatação a respeito do PRONAF foi o ambiente

propício ao agronegócio que diante de um produtor fragilizado e pouco protegido

pelas políticas públicas é facilmente integrado e passa a atender as necessidades

dessas empresas, seja produzindo matéria prima necessárias a elas ou como

operadora de segmentos da cadeia produtiva das empresas. Essa captura fez

aumentar a produção das principais commodities agrícolas pelos produtores e sobre

tudo com o uso de recursos do PRONAF, ou seja, os recursos do programa vêm

sendo fundamental para a estratégia de expansão do agronegócio.

A inserção subordinada do Brasil no mercado mundial conduz os limites das

políticas públicas brasileiras que está presa á condição de gerar superávit primário

comercial para a continuação do processo de financiamento da modernização de

alguns segmentos escolhidos. Portanto, não acreditamos que o PRONAF vá atingir

um largo espectro dos agricultores familiares, ele vai se restringir aos agricultores

mais aptos e eficientes em atender aos Complexos Agroindustriais e em produzir

commodities para o mercado externo.

Os limites desse programa serão estabelecidos pela própria necessidade que

o modelo brasileiro tem de manter uma hierarquia produtiva, pré-condição para que

economias dependentes assimilem as renovações técnicas realizadas no centro

capitalista. Os diferentes níveis tecnológicos presentes em uma economia

dependente funcionam como barreira para que as transformações difundidas pelo

centro não venham a desarticular setores que não tenham como competir com os

padrões de eficiência econômica. Para isso funcionam, os mecanismos de

transferência de renda contidos na superexploração do trabalho e na exploração

predatória dos recursos naturais.

A não ser que os movimentos sociais e sindicais populares no campo

superem a institucionalização a que foram reduzidos devido aos processos já

crônicos de reivindicação, protesto e dependência financeira dos governos, tudo leva

a crer que a expansão capitalista no campo, com a conseqüente concentração e

centralização da renda e da riqueza, irá se ampliar. A luta de classes se tornou “luta

com classe”. A desagregação do campesinato e dos pequenos e médios produtores

rurais se dará sob diversas maneiras, desde aquelas tradicionais, movidas pela

truculência física e econômica da criadagem do grande capital, até a cooptação

pelos contratos de produção com as agroindústrias.

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A proliferação dos contratos de produção com amplas parcelas do

campesinato evidencia que as empresas capitalistas desejam controlar não apenas

os recursos naturais e, em especial, a terra, mas também a oferta dos produtos que

compõem a dieta básica da população. A correlação de forças para a adoção e

implantação de políticas públicas que sejam favoráveis à soberania alimentar é

bastante desfavorável no contexto atual devido, em especial, às disposições

governamentais favoráveis ao agronegócio e ao capital transnacional.

Entretanto, será a natureza imperialista da transferência de tecnologia

agropecuária por setores governamentais do país, em consonância com os

interesses das empresas transnacionais de insumos agrícolas e das agências

multilaterais, que marcará a presença indesejável do Brasil nos países do Hemisfério

Sul. A Via Campesina do Brasil e o MST poderão marcar presença não apenas pela

sua militância crítica, mas, sobretudo, se forem capazes de concretizar uma aliança

social popular no campo, munida tanto de uma crítica social radical ao projeto

capitalista hegemônico, como de uma proposta para um novo marco civilizatório no

campo.

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