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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CURSO DE MESTRADO ARTHUR NOGUEIRA FEIJÓ DIREITO CIVIL PUNITIVO: DO DANO MORAL PUNITIVO À IDEALIZAÇÃO DE UMA CAUSA GERAL DE MULTA CIVIL FORTALEZA 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

CURSO DE MESTRADO

ARTHUR NOGUEIRA FEIJÓ

DIREITO CIVIL PUNITIVO:

DO DANO MORAL PUNITIVO À IDEALIZAÇÃO DE UMA CAUSA GERAL DE

MULTA CIVIL

FORTALEZA

2015

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ARTHUR NOGUEIRA FEIJÓ

DIREITO CIVIL PUNITIVO:

DO DANO MORAL PUNITIVO À IDEALIZAÇÃO DE UMA CAUSA GERAL DE MULTA

CIVIL

Dissertação de Mestrado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em Direito da

Faculdade de Direito da Universidade Federal

do Ceará, como requisito parcial para obtenção

do Título de Mestre em Direito Constitucional.

Área de Concentração: Ordem Jurídica

Constitucional.

Orientador: Prof. Dr. Regnoberto Marques de

Melo Junior.

FORTALEZA

2015

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

Universidade Federal do Ceará

Biblioteca da Faculdade de Direito

F297d Feijó, Arthur Nogueira.

Direito civil punitivo: do dano moral punitivo à idealização de uma causa geral de multa civil /

Arthur Nogueira Feijó. – 2015.

178 f. : 30 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Programa de

Pós-Graduação em Direito, Fortaleza, 2015.

Área de concentração: Ordem Jurídica Constitucional.

Orientação: Prof. Dr. Regnoberto Marques de Melo Júnior.

1. Direito civil. 2. Direito constitucional. 3. Dano moral. I. Título.

CDD 347

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ARTHUR NOGUEIRA FEIJÓ

DIREITO CIVIL PUNITIVO:

DO DANO MORAL PUNITIVO À IDEALIZAÇÃO DE UMA CAUSA GERAL DE MULTA

CIVIL

Dissertação de Mestrado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em Direito da

Faculdade de Direito da Universidade Federal

do Ceará, como requisito parcial para obtenção

do Título de Mestre em Direito Constitucional.

Área de Concentração: Ordem Jurídica

Constitucional.

Aprovada em _____/_____/_______.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________

Prof. Dr. Regnoberto Marques de Melo Júnior (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

___________________________________________________

Profª. Dra. Theresa Rachel Couto Correia

Universidade Federal do Ceará (UFC)

___________________________________________________

Prof. Dr. Bruno Leonardo Câmara Carrá

Faculdade 7 de setembro (FA7)

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A Deus.

A minha Família.

Aos meus Amigos.

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AGRADECIMENTOS

Uma vida não se constrói sozinha, na verdade, em muito ela não se determina, mas

sim é sutilmente guiada por energias externas que, por vezes, não nos atentamos para a fonte e

cometemos a ingratidão de atribuir os bons destinos em que aportamos ao acaso, ou mesmo,

por cega e descabida vaidade, a nós mesmos.

Findo aqui mais uma etapa do ciclo da vida, o que foi conquistado não por obra de

uma álea desordenada, ou por fruto de uma só voz. Ouço uma sinfonia de contribuições e a cada

membro desse conjunto presto estes singelos agradecimentos.

Ao Maestro, que, embora não o conheça e nem sempre o compreenda, reconheço e

sinto sua presença em cada passo dado.

Aos grandes guias, bússolas que jamais oscilam, verdadeiros intérpretes dos

comandos maestrais, meus pais, Roberto Capelo Feijó e Margareth Herbster Nogueira Feijó,

assim como àqueles que também me acolheram ao chegar neste mundo e participam, com

especial zelo, de minha caminhada: Valderide Silva e meu irmão, Roberto Nogueira Feijó, junto

com sua esposa e minha irmã por afinidade, Érica Oliveira Lima Feijó.

À Camila Arruda Belucco, pela companhia, apoio e carinho, bem como pelo suporte

na conquista de minhas metas, das quais uma delas é nesta dissertação concretizada.

A todos os professores que compartilharam parte do seu saber no louvável ofício da

cátedra, em especial ao Professor Regnoberto Marques de Melo Júnior, orientador não só destas

linhas, mas também de minha iniciação na atividade docente; assim como ao Professor Bruno

Leonardo Câmara Carrá e à Professora Theresa Raquel Couto Correa, pelas lições ofertadas e

por me concederem a honra de tê-los como avaliadores nesta última etapa do mestrado.

Aos meus amigos e companheiros de geração, que comigo caminham rumo a um

futuro próximo, em que deposito a esperança de que aperfeiçoemos o mundo que nos foi dado,

ao que enfatizo, em nome de todos, os nobres amigos Bruno Araújo Massoud, responsável por

forte encorajamento de minha jornada acadêmica, e José Célio Belém de Pinho Filho, pelo zelo

em integrar o secretariado da Banca de avaliação deste trabalho.

A todos, meus sinceros agradecimentos.

Obrigado.

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“Vós vos deleitais em fazer leis, e mais ainda

em infringi-las. Como crianças brincando a

beira mar, que constroem pacientemente

castelos de areia e depois os destroem entre

risadas. Mas enquanto construís castelos de

areia, o oceano traz mais areia para a praia. E

quando as destruís, o oceano ri convosco. Em

verdade, o oceano sempre ri com os inocentes.”

(Khalil Gibran)

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RESUMO

Objetiva-se examinar criticamente, através de uma visão civil e constitucional, o aspecto

punitivo entoado na responsabilidade civil brasileira. Nesse sentido, inicialmente, faz-se um

levantamento de noções básicas da Teoria Geral do Direito, com ênfase no instituto da sanção,

para, então, ingressar no estudo das funções da responsabilidade civil. A seguir, direciona-se o

pensamento para a indenização por danos morais, o que se justifica em razão de nela ser

encontrado o berço jurisprudencial em que nascido, em solo pátrio, a ideia de indenização

punitiva, culminando com uma visão crítica sobre a compatibilidade do elemento punitivo com

a sistemática civil pátria. Dentre as conclusões, trata-se sobre a necessidade de respeito à ordem

de legalidade para fins de imposição de sanções de índole punitiva, mesmo que em sede de

Direito Civil, razão pela qual se aponta a injuridicidade da construção jurisprudencial brasileira

a respeito da conotação punitiva conferida à sanção decorrente de danos morais. Em

prosseguimento, sem ingressar na análise da justiça da razão punitiva, mas sim partindo da

premissa de que a ordem de punição, sob uma visão funcionalista, demonstra utilidade no papel

do Direito de ordenar condutas, preludia-se um modelo legal, pautado na ideia de uma causa

geral de multa civil, em que se idealiza uma possível nova sistemática punitiva no corpo do

Direito Civil e em consonância com os imperativos constitucionais, imbuído no objetivo de

efetividade da jurisdição e de prevenção de ilícitos. Como metodologia, adota-se um modelo

voltado à pesquisa bibliográfica e jurisprudencial (com ênfase no Superior Tribunal de Justiça),

sob o pálio de um discurso aberto, no qual é privilegiado o incentivo à reflexão dos conceitos

apresentados, bem como é feita uma proposta de alteração da sistemática civil vigente, o que,

longe da intenção de firmar novos dogmas, direciona-se ao anseio de despertar a atenção para

uma temática que tem assumido maior complexidade e relevância na atualidade, trazendo à tona

o denominado Direito Civil Punitivo.

Palavras-chave: Direito Civil Punitivo. Direito Constitucional. Dano moral punitivo. Causa

geral de multa civil.

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ABSTRACT

The purpose of this paper is to critically examine, through a civil and a constitutional law point

of view, the punitive aspect intoned in Brazilian civil liability. In this sense, initially, a survey

of basics of Law General Theory is done, emphasizing the sanction institute, to join the study

of civil responsibility functions. Then, directs the study for the compensation by moral damage,

which is justified because on it is found the jurisprudential cradle where born, on home land,

the idea of punitive damages, culminating with a critical view on the compatibility of the

punitive element with homeland civil systematic. Among the conclusions, it is discussed the

need to respect the order of legality for imposing punitive sanctions, even in civil law, which is

why it points to the illegality of the Brazilian jurisprudential construction regarding the punitive

connotation given to the penalty resulting from moral damages. Continuing, without joining in

the analysis of the punitive reason justice but on the premise that the order of punishment, under

a functionalist view, demonstrates usefulness in the role of law to order conducts, prelude to a

legal model, based on the idea that a general cause of civil fine, in which it idealizes a possible

new punitive system in civil law and in accordance with the constitutional imperatives, imbued

with the goal of effectiveness of the jurisdiction and illicit prevention. The methodology adopts

a model dedicated to bibliographic and jurisprudential research (with emphasis on the Superior

Court of Justice), under the support of an open discourse, encouraging the reflection of the

concepts presented is privileged and a proposal about a modification of the existing civil

systematic is presented, which, far from the intention to enter into new dogmas, it directs to the

desire to attract attention to an issue that has taken on greater complexity and relevance today,

bringing up the so-called Punitive Civil Law.

Keywords: Punitive Civil Law. Constitutional Law. Punitive moral damage. General cause of

civil fine.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 10

2 ONTOLOGIA E TELEOLOGIA PREAMBULARES ............................................ 13

2.1 Da sanção ...................................................................................................................... 13

2.1.1 Norma, sanção e livre arbítrio...................................................................................... 15

2.1.2 Da adequação da sanção .............................................................................................. 16

2.2 Do dano e da indenização ............................................................................................ 19

2.3 Das funções da responsabilidade civil ........................................................................ 24

2.3.1 Da função reparatória .................................................................................................. 25

2.3.2 Da função preventiva .................................................................................................... 29

2.3.3 Da função punitiva ....................................................................................................... 32

2.4 Do conceito de dano moral .......................................................................................... 37

2.4.1 Do conceito negativo..................................................................................................... 37

2.4.2 Do dano moral como perturbação subjetiva ................................................................ 39

2.4.3 Do dano moral como violação aos direitos da personalidade e à cláusula de dignidade

.................................................................................................................................................. 41

2.4.4 Da nomenclatura .......................................................................................................... 46

2.4.5 Do dano estético ............................................................................................................ 47

2.5 Um breve histórico do dano moral no Brasil ............................................................ 49

2.5.1 A fase de negação total ................................................................................................. 49

2.5.2 O reconhecimento restrito ............................................................................................ 50

2.5.3 O pleno reconhecimento ............................................................................................... 51

2.6 Da natureza jurídica da indenização por dano moral .............................................. 51

2.6.1 Teoria da pena ............................................................................................................... 52

2.6.2 Teoria da compensação ................................................................................................ 54

2.6.3 Teoria mista ................................................................................................................... 56

3 DANO MORAL E PUNIÇÃO: UMA ANÁLISE CRÍTICA ................................... 61

3.1 De uma análise argumentativa ................................................................................... 61

3.1.1 Da incompatibilidade sistemática da ordem de punição com o Direito Civil pátrio .. 64

3.1.2 Da violação ao princípio da vedação ao enriquecimento sem causa.......................... 71

3.1.3 Das repercussões socioeconômicas do fator punitivo ................................................. 75

3.1.4 Da violação ao princípio do ne bis in idem .................................................................. 80

3.1.5 Da violação ao princípio da legalidade ........................................................................ 82

3.1.6 Conclusões sobre a compatibilidade do fator punitivo na indenização por dano moral

.................................................................................................................................................. 91

3.2 Repasse crítico dos critérios de liquidação da indenização por danos morais ....... 91

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3.2.1 Da extensão do dano ..................................................................................................... 93

3.2.2 Das condições específicas da vítima............................................................................. 94

3.2.3 Da conduta e das condições específicas do ofensor .................................................... 97

3.2.4 Da proporcionalidade ................................................................................................. 101

3.2.5 Do número de sujeitos lesados e da repetibilidade da conduta danosa .................... 102

3.2.6 Do proveito obtido pelo ofensor em decorrência do dano causado .......................... 105

3.3 Do limite eficacial da responsabilidade civil ........................................................... 107

4 DE UM PRELÚDIO À CAUSA GERAL DE MULTA CIVIL NO DIREITO

BRASILEIRO ....................................................................................................................... 109

4.1 Da premissa da multa civil: punição ou prevenção? .............................................. 112

4.1.1 Da prevenção como parâmetro de incidência da multa civil .................................... 117

4.2 Multa civil ou indenização punitiva? ....................................................................... 124

4.2.1 Da multa civil em forma de causa geral .................................................................... 130

4.3 Dos contornos principiológicos da causa geral de multa civil ............................... 135

4.3.1 Da causa geral de multa civil: pena civil ou pena privada? ..................................... 135

4.3.2 Da lógica punitiva civil como uma interseção com o Direito Penal ......................... 137

4.3.3 Dos princípios punitivos aplicáveis à causa geral de multa civil .............................. 141

4.4 Dos critérios de aplicação da multa civil ................................................................. 154

4.4.1 Da indenização como critério da multa civil ............................................................. 154

4.4.2 Do estado de neutralidade como pressuposto de eficácia da multa civil .................. 156

4.4.3 Dos critérios de quantificação da multa civil ............................................................ 160

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 165

REFERÊNCIAS......................................................................................................... 170

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1 INTRODUÇÃO

Uma das marcas do Direito brasileiro hodierno é a relevância dada ao papel das

normas constitucionais no desenho de toda a sistemática jurídica pátria, a partir dos nortes

apontados em sede normativa e axiológica. Nesse desiderato, o Direito Constitucional, para

além de um ramo evidentemente autônomo, passa a ser objeto de um capilarizado estudo

situado no âmbito dos demais campos do Direito, o que se mostra como razão idônea a ratificar

e fortalecer o senso de unidade da ordem jurídica.

Exsurge de tal contexto o tema deste trabalho, no qual, a partir de um plano de

análise pautado em olhar crítico e moldado por noções oriundas de uma lógica de base

constitucional, examina-se o Direito Civil em seu aspecto punitivo, com enfoque em um

apurado teórico sobre a sanção indenizatória por danos morais, no escopo de idealizar uma

causa geral de multa civil.

Dada a proposta encimada, a construção do texto em leitura se conduz pautada em

dois primordiais pontos de toque. A um, analisa-se a juridicidade do manejo do fator punitivo

no processo de liquidação da indenização por danos morais. A dois, coloca-se em crítica a

indenização punitiva, ao passo em que se idealiza um modelo distinto de sanção civil,

cristalizado na criação de uma causa geral de multa civil.

Note-se que o exame da justiça do critério punitivo no corpo do Direito Civil não é

objeto deste estudo, que se pauta, em verdade, em uma distinta abordagem em que é privilegiada

a análise técnica e jurídica do fator punitivo na indenização por danos morais, bem como é

esboçado um modelo de causa geral de multa civil para abrigar o formato sancionatório de

repressão.

Nesse sentido, as presentes linhas se propõem a colocar em evidência a lógica

punitiva que permeia parte do Direito Civil pátrio, o que se faz no intuito de despertar a atenção

para uma temática ainda pouco tratada em solo brasileiro, bem como na esperança de contribuir

com o estado da técnica sobre o assunto, mediante a propositura de uma nova visão sobre a

relação de responsabilidade civil, devidamente contextualizada perante a rede principiológica

da Constituição Federal de 1988 (CRFB/88).

Portanto, discutir se é certo ou equivocado que a indenização civil reprima não é o

intuito destas linhas. O que se almeja é abordar a juridicidade de como a sanção indenizatória

está punindo hoje no Brasil, a partir do estado de doutrina e de jurisprudência em voga, para,

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em seguida, apresentar um modelo idealizado de como tal punição poderia tecnicamente melhor

se manifestar.

Antecipando as ideias que serão apresentadas, esclarece-se que este trabalho se

organiza em três capítulos, que devem ser lidos na ordem em que expostos e compreendidos de

forma orgânica, pois somente de seu conjunto é possível extrair a mensagem em transmissão.

O primeiro capítulo possui índole essencialmente expositiva, sendo o momento em

que declaradas as bases teóricas que servem de referência ao longo dos demais. Nessa

oportunidade, apresenta-se um breve retrato do instituto da sanção, do dano civil e da

indenização, para, em seguida, sumariar noções teóricas sobre as funções da responsabilidade

civil, o conceito e o histórico do dano moral, enfrentando, também, a natureza jurídica da

respectiva indenização. Tudo sempre honrando a interseção com os termos constitucionais.

O segundo capítulo assume uma feição mista, com marcas de um texto expositivo

e construtivo, em que se coloca em crítica o modelo teórico e jurisprudencial de indenização

punitiva adotado em solo brasileiro. Nessa etapa, almeja-se obter resposta sobre a

compatibilidade jurídica entre o fator punitivo e a indenização por danos morais, oportunidade

em que se remata pela inexistência, no Brasil, de uma necessária base legal para a aplicação do

fator de punição em tal contexto.

Além disso, realiza-se uma filtragem dos critérios elencados pela doutrina e pela

jurisprudência pátria para a quantificação da indenização por danos morais, no escopo de

destilar os de teor compensatório daqueles de conotação punitiva.

O terceiro capítulo, diferente dos demais, é entoado com caráter essencialmente

construtivo, em que, a partir das noções desenvolvidas ao longo dos anteriores, idealiza-se um

modelo de causa geral de multa civil, com o intuito de dar guarida à ordem de punição que

permeia a órbita do Direito Civil.

Nesse capítulo final, parte-se da premissa de que é necessária a positivação de

substrato normativo que melhor embase a aplicação da punição no âmbito do Direito Civil, de

sorte que se elabora o prelúdio de um modelo voltado a dar guarida ao anseio punitivo que se

vê presente nas marcas deixadas pela jurisprudência brasileira (com ênfase na produção do

Superior Tribunal de Justiça), quando trata dos danos morais.

Embora a justiça do fator repressivo não seja julgada, no curso do texto serão

expostas as situações de erro de execução, lucro da intervenção e equação dos custos de

prevenção, em que a responsabilidade civil é levada aos limites de sua eficácia, de sorte que a

ordenação da conduta humana, sob o pálio de sanções meramente reparatórias/compensatórias,

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é obstada diante da manipulação econômica da relação de responsabilidade civil por agentes

capazes de obter lucro ao causar dano a outrem.

Assim, trata-se da temática sob o viés da utilidade e da funcionalização dos

institutos civis, na ótica da efetividade da jurisdição, e não da justiça de tais institutos, que,

conforme será abordado, é matéria que soa, a princípio, mais própria à política legislativa do

que à técnica jurídica.

Desde já, esclarece-se que o caminho do estudo do denominado Direito Civil

Punitivo a partir da análise da indenização por danos morais é uma escolha que se justifica em

razão da proeminência com que a temática da punição é usada pela jurisprudência brasileira

durante a quantificação da sanção indenizatória em referência.

Assim, de tal ponto de partida, demonstra-se a relevância e atualidade da temática,

contudo em tal contexto este escrito não se resume, pois o capítulo final vai além da análise dos

danos morais, para preludiar uma proposta de alteração do Direito Civil, com base em uma

construção pautada em princípios de ordem constitucional e direcionados ao trato específico de

normas de caráter punitivo.

Urge salientar que, como metodologia, adota-se um modelo voltado à pesquisa

bibliográfica e jurisprudencial (com ênfase no Superior Tribunal de Justiça), sob o pálio de um

discurso aberto, no qual é privilegiado o incentivo à reflexão dos conceitos apresentados, bem

como é idealizada uma proposta de alteração da sistemática civil vigente, o que, longe da

intenção de firmar novos dogmas, direciona-se à pretensão de despertar a atenção para uma

temática que tem assumido maior complexidade e relevância na atualidade.

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2 ONTOLOGIA E TELEOLOGIA PREAMBULARES

2.1 Da sanção

Preambularmente, antes de se adentrar na matéria focal deste estudo, é salutar

realizar prévio apurado teórico acerca do Direito e de sua finalidade, para que, então, viabilize-

se uma abordagem segura do instituto da indenização, a partir de sua inserção como ferramenta

de concretização do todo ao qual pertence.

Sendo assim, de imediato, é imprescindível mencionar a conceituação construída

pelo doutrinador Miguel Reale, em suas “Lições Preliminares”, ao apresentar a Teoria

Tridimensional do Direito, veja-se:

Direito é a realização ordenada e garantida do bem comum como numa estrutura

tridimensional bilateral atributiva, ou, de uma forma analítica: Direito é a ordenação

heterônoma, coercível e bilateral atributiva das relações de convivência, segundo uma

integração normativa de fatos segundo valores.1

Da conceituação exposta, percebe-se elevado teor ético, por meio do qual se ressalta

a noção de bem comum como norte das relações de convivência a serem tuteladas pelas normas.

Tem-se, portanto, vinculação entre a finalidade do Direito e a concretização do ideal de justiça,

conforme conclui o mencionado autor: “Direito é a concretização da ideia de justiça na

pluridiversidade de seu dever ser histórico, tendo a pessoa como fonte de todos os valores.”2.

Urge salientar que a opção por elevar a conceituação proposta por Miguel Reale no

patente estudo se dá em decorrência do Estado Democrático de Direito em que se vive,

consagrado por uma Constituição Federal pautada na preservação dos denominados direitos e

garantias fundamentais.

Desta feita, a visão afirmativa e esperançosa do Direito como objeto

teleologicamente voltado à consagração da justiça encontra respaldo no arcabouço

principiológico da ordem jurídica pátria, no qual o norte axiológico a designar a concretização

do justo é constituído pela dignidade da pessoa humana, que assume o papel de fundamento

material da unidade da Constituição3.

1 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 67. 2 Ibidem, loc. cit. 3 MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e Unidade Axiológica da Constituição. 3. ed. Belo

Horizonte: Mandamentos, 2004.

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Considerando a conceituação encimada, importa perquirir acerca da adequação do

Direito, ou seja, da potencialidade de alcançar o fim visado, afinal, no molde do pensamento de

Reale, estando o Direito vinculado à consecução do bem comum e da justiça, caso não possua

meios adequados à própria efetivação, estará fadado ao total esvaziamento do sentido de sua

existência.

Sabiamente, no bojo do próprio conceito de Direito, Reale não olvidou a

necessidade de adequação e já inseriu a noção de coercibilidade. Explica-se: a derradeira

adequação do Direito, idealmente, identifica-se com o espontâneo cumprimento das disposições

normativas, à proporção que a ordem jurídica é aceita de forma plena pela sociedade, que a

respeita sem qualquer necessidade de imposição externa. Todavia, tal pensamento não

ultrapassa os limites da utopia; em verdade, constantemente as condutas dissonam dos preceitos

normativos, exigindo-se, assim, a imposição coercitiva para adequar os fatos ao Direito.

Assim, superada a árdua tarefa de identificar a solução de um litígio, resta pendente

a igualmente difícil missão de assegurar a transmutação de um imperativo deôntico formalizado

em uma decisão, na alteração da realidade fática, garantindo, assim, a efetividade do Direito

como ordenador da conduta humana, ao que se invoca o conceito de coercibilidade.

É através do potencial coercitivo do Direito que se efetiva, de fato, a norma jurídica,

destacando-se, para tanto, o instrumento da sanção, como fator constituinte da coerção. Nas

palavras de Reale, sanção “é todo e qualquer processo de garantia daquilo que se determina em

uma regra”4, portanto, extrai-se que a adequação do Direito está enraizada no aprofundamento

do estudo das sanções, o que será feito, neste estudo, com ênfase na sanção da indenização

punitiva civil, bem como na ideia de causa geral de multa civil.

Dito isso, por ordem de esclarecimento linguístico, é interessante enaltecer que, ao

longo deste texto, serão feitas várias referências às expressões “sanção punitiva civil” e “pena

civil”, que, nos termos em que aqui escritas, podem ser lidas como sinônimas, pois tais locuções

foram utilizadas indistintamente, para fazer referência à genérica ideia de uma resposta jurídica

de repúdio dada pela seara da responsabilidade civil.

Contudo, em contraponto, é interessante mencionar a ideia exposta por Alf Ross,

ao diferenciar a razão subjacente às expressões “law” e “rule”. Em tal raciocínio, entende-se

por “law” o direito positivo, ou seja, o texto legal que dá nascente à extração da norma; esta (a

norma), por sua vez, é representada pela lavra “rule”5. Nessa perspectiva, pode-se pensar na

4 REALE, Miguel. Op. cit, p. 72. 5 MILLARD, Eric. Alf Ross and Realist Conceptions of Legislation. Pierre Brunet, Eric Millard, Patricia Mindus.

The Theory and Practice of Legislation, Hart Publishing, pp.77-89, 2013. Disponível em: <https://halshs.archives-

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diferenciação entre as locuções “sanção punitiva” e “pena”, sendo a pena a representação da

figura do direito positivo (“law”), e a “sanção punitiva” a consequente aplicação da lei punitiva,

que, na prática, consubstancia-se em uma norma para o caso concreto (“rule”).

Nesse sentido, uma das conclusões fulcrais que será explanada neste trabalho é a de

que não é jurídico que se tenha a aplicação de uma sanção punitiva em sede de indenização

(“rule”) sem prévio substrato em lei (“law”)6. Em consequência de tal conclusão, será investido

o capítulo final deste escrito, no escopo de perquirir contornos jurídicos com os quais se possa

idealizar um modelo de texto legal apto a dar suporte à aplicação de uma causa geral de pena

pecuniária (multa) na seara cível.

Feito tal aclaramento de linguagem, passar-se-á a comentários sobre o papel da

sanção como fator participativo na ordenação do livre agir humano.

2.1.1 Norma, sanção e livre arbítrio

A enorme variedade de condutas resultantes da volição humana redunda em

igualmente farto número de relações interpessoais, cujo desenvolvimento, em prol da harmonia

e equilíbrio social, deve ser submetido ao crivo do arcabouço jurídico vigente.

Dessa sorte, filtra-se o livre arbítrio, ou ao menos as consequências de tal liberdade

primária, mediante a cominação de normas jurídicas, manejando-se, caso necessário, o preceito

secundário da lei: a sanção.

Urge salientar que não se devem esquecer as chamadas sanções premiais7, por meio

das quais se busca a consagração de uma norma através do incentivo ao seu cumprimento, e

não pela repressão ao descumprimento, no entanto, para efeitos do presente estudo, sempre que

se fizer alusão à palavra sanção, estar-se-á reportando ao seu aspecto repressivo.

Nota-se, assim, que a sanção possui a relevante e complexa tarefa de confirmar os

comandos jurídicos 8 , o que faz mediante dois enfoques principais, segundo a dicção de

Francesco Carnelutti: a ordem de restituição e a ordem de pena.

Explicando as noções anunciadas, Francesco Carnelutti esclarece que a ordem de

restituição caracteriza a capacidade de a sanção devolver os fatos à forma anterior à

ouvertes.fr/halshs-00935700/document>. Acesso em: 21 out. 2015. 6 Cf. item 3.1.5. 7 Sobre as sanções premiais, é interessante verificar BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função. São Paulo:

Manole, 2008. 8 “[...] sancionar significa precisamente tornar qualquer coisa, que é o preceito, inviolável ou sagrada.”

(CARNELUTTI, Francesco. Teoria Geral do Direito. São Paulo: Lejus, 2000, p. 114).

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16

desobediência de um preceito normativo. No tocante à ordem de pena, aduz o mencionado autor

que a sanção denuncia ao agente que pretende ofender a ordem jurídica uma desvantagem para

fazer frente à vantagem que vislumbra ao infringir uma norma9.

Importa perceber que a sanção, através dos mecanismos de atuação prefalados, não

é capaz de, por si só, determinar a obediência à lei; em verdade, ela apenas funciona como um

argumento em prol do cumprimento da norma, a participar no processo volitivo do agente

infrator, mediante a alteração da cadeia de causalidade seguinte à conduta sancionada.

Atento à incapacidade de a sanção determinar o respeito às normas jurídicas,

Carnelutti trata tal fato através de uma visão economicista, pela qual a sanção visa à

manipulação dos fatos, através da economia, em prol da imposição da ética. Neste sentido, é

interessante expor as palavras do autor: “[...] a sanção opera criando um interesse contrário à

violação, e, por conseguinte, resolvendo o conflito intersubjetivo de interesses num conflito

entre dois interesses da mesma pessoa.”10.

Assim, nota-se que as funções da sanção podem ser categorizadas em espécies, a

partir de uma visão subjetiva do fenômeno: primeiramente, sob a ótica do agente infrator,

ressalta-se na sanção uma função repressiva, por meio da qual se almeja tornar desinteressante

a prática do ilícito; por outro ângulo, agora sobre a ótica do sujeito lesado, tem-se que a sanção

possui uma função reparadora, visando à restituição ao status quo ante daquele que sofreu

prejuízo.

Por último, analisando de forma global o papel da sanção, tem-se que nela consta

função de amparo na instauração do estado de segurança jurídica, que é essencial na formação

de uma sociedade harmônica e equilibrada, em que as pessoas se sintam confortáveis para

relacionarem-se, já que salvaguardadas de eventual antijuridicidade11. Para compreender tal

processo, faz-se salutar perquirir acerca da adequação das sanções.

2.1.2 Da adequação da sanção

Questão relevantíssima e que espelha incontáveis querelas práticas na ratificação

da norma jurídica, consiste na respectiva identificação da sanção adequada; para tanto, é

imprescindível estudar os efeitos sociais que ela produz, afinal, como instrumento de ação

9 Ibidem, loc cit. 10 Ibidem, p. 115. 11 Sobre a função da sanção indenizatória em promover a segurança jurídica, conferir item 2.3.

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17

voltado ao ser humano, seu grau de eficácia está enraizado na postura com a qual os seus

destinatários a receberão.

Nesse sentido, há de ser enaltecida a razão de proporcionalidade entre o ilícito

praticado e a consequente sanção. É interessante notar que, até mesmo em sociedades antigas,

como a babilônica, em seu Código de Hamurabi (1.780 a.C), é possível identificar a

preocupação com a proporcionalidade das sanções, mesmo que de forma rudimentar, conforme

estabelecido no célebre brocardo: “olho por olho, dente por dente”12.

Almejando a compreensão da necessidade do balanceamento das cominações legais,

invocam-se as palavras do pensador Charles de Montesquieu, que bem desenvolveu essa ideia

em sua obra “Do Espírito das Leis”, o que se constata mediante o seguinte exemplo enunciado

pelo autor:

Na China, os ladrões cruéis são esquartejados, e os outros não o são, essa diferença

faz com que se roube, mas não se assassine. Na Moscóvia, onde a pena para o ladrão

e para o assassino é a mesma, assassina-se sempre: os mortos, dizem, nada podem

revelar.13

Apesar de a data da citada reflexão ser anacrônica e os exemplos nela utilizados

parecerem esdrúxulos perante a atual realidade constitucional, esculpida no princípio da

dignidade humana, a lição que se pode extrair de tão antigo texto ainda hoje é relevante, pois

demonstra um evidente amadurecimento do valor da proporcionalidade, permitindo a

otimização da eficácia da norma a partir da compreensão de sua repercussão social.

Portanto, a valoração das condutas a serem subsumidas em normas deverá seguir

uma razão de proporcionalidade, em que se adequem as consequências do agir considerado

ilícito à natureza da própria ilicitude, criando uma escala de valores orientadora do grau de

reprovação dos atos.

Complementando o raciocínio apresentado, é precioso mencionar que Francesco

Carnelutti enfatiza que a adequação da sanção deve ser feita de tal forma que “o contra-estímulo

seja de tal ordem que supere o estímulo, mas só na medida do necessário e não mais”14. Assim,

o autor novamente invoca a noção de economia, pela qual a sanção deve ser voltada a tornar

desvantajosa a conduta ilícita e tão somente isso, sob pena de infligir um mal maior do que

aquele que pretende sancionar.

12 REIS, Clayton. Dano moral. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 23. 13 MONTESQUIEU, Charles de. Do Espírito das Leis. São Paulo: Martin Claret, 2007, p. 103, 104. 14 CARNELUTTI, Francesco. Op. cit, p. 122.

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18

Apegado à premissa do Direito como imbuído na função de reduzir a economia à

ética, Carnelutti critica a adequação da sanção por meio do critério abstrato da justiça, através

do qual se entregaria, segundo afirma, a proporcionalidade da sanção a um senso subjetivo de

retribuição do mal causado com aflitivo sancionador equivalente. Assim, defende que:

Arrogar-se alguém um poder de retribuição, isto é, de distribuição do bem e do mal,

é, além do mais, um pecado de soberba, que seria imperdoável se não fosse atenuado

pela ignorância. Por tal razão, no campo do direito, a justiça da pena traduz-se na

relação econômica entre o mal causado e o mal a infligir para que não se cause maior

mal: só ne peccetur é lícito infligi-lo quia peccatum est.15

Além da moderação da intensidade da força coercitiva, o aspecto qualitativo da

sanção também deve ser estudado sob a ótica da proporcionalidade, pois a sua forma deve ser

adequada aos sujeitos e valores que pretende tutelar. Novamente, far-se-á uso do pensamento

de Montesquieu para esclarecer a matéria:

Em nossos dias, a deserção foi muito freqüente; estabeleceu-se a pena de morte contra

os desertores, mas ela não diminuiu. A explicação é bem simples: um soldado,

acostumado a expor cotidianamente a própria vida, despreza ou gaba-se de desprezar

o perigo. Mas ele foi acostumado a temer diariamente a desonra: bastava, pois, aplicar-

lhe uma pena que o infamasse por toda a vida. Pretendeu-se aumentar a pena, mas

esta, na realidade, foi diminuída.16

Enriquecendo a discussão, Carnelutti, referindo-se a sua divisão da finalidade das

sanções entre ordem de restituição e ordem de pena, elucida que a própria diferença da função

assumida pela sanção implica em distinção qualitativa de sua essência. Explica o autor:

[...] a restituição resolve-se no sacrifício de um interesse idêntico, e a pena no

sacrifício de um interesse diverso do interesse a sacrificar segundo o preceito;

correlativamente, a restituição tem caráter de satisfação e a pena, caráter aflitivo.17

Pelo exposto, percebe-se que a consagração de uma norma não prescinde da sanção

por ela estabelecida, dependendo de um correto balanceamento da força estatal a ser aplicada

no caso concreto, o que é encontrado através do princípio da proporcionalidade, mediante a

adequação da sanção em sua intensidade e qualidade.

Obtempera-se que o estudo da adequação da sanção se faz imperioso em todos os

ramos da Ciência do Direito e requer amadurecimento de noções jurídicas, a partir da

compreensão do ato ofensivo como fruto do agir humano e influenciável através da adequada

manipulação da cadeia de causalidade resultante de sua prática.

15 Ibidem, p. 123. 16 MONTESQUIEU, Charles de. Op. cit, p. 97. 17 CARNELUTTI, Francesco. Op. cit, p. 115.

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19

Superadas tais considerações iniciais, passar-se-á ao estudo específico do instituto

da indenização, que nada mais é do que uma das principais formas, senão a principal, de sanções

existentes na sistemática civilista hodierna, o que será feito sempre com atenção ao plano de

fundo próprio da ordem constitucional vigente.

2.2 Do dano e da indenização

O Direito, em sua comentada finalidade de consolidação da justiça18, presta-se a

corrigir os desvios provocados ao longo do processo de convivência humana, o que faz

mediante o manejo de diversas ferramentas, representadas por sanções jurídicas pertencentes

aos variados ramos da ciência em discurso.

Cada desvio pode ser entendido como uma lesão a direito e, quando tal mácula

atinge a seara cível, a sanção marcantemente desencadeada é exatamente a indenização19 .

Percebe-se, assim, que a responsabilidade civil e a sanção indenizatória estão tradicionalmente

vinculadas ao intuito de retificar um desvirtuamento ocorrido na esfera de direitos de que

cuidam; conforme anuncia José de Aguiar Dias: “O interesse em restabelecer o equilíbrio

econômico-jurídico20 alterado pelo dano é a causa geradora da responsabilidade civil.”21.

Destarte, da premissa de que a causa geradora da responsabilidade cível é, de fato,

a necessidade de restaurar uma situação de estabilidade violada, outrossim em ciência de que o

mecanismo atualmente mais condizente com tal intuito é a indenização, conclui-se que,

finalisticamente, é preciso que a sanção indenizatória seja moldada a partir do desvio ao qual

prestará a correção, o que se justifica em honra ao anseio de adequação da ferramenta à tarefa

desempenhada.

18 Cf. item 2.1. 19 Apesar de a sanção indenizatória ser a grande marca do Direito Civil, Sérgio Cavalieri Filho pondera que: “O

ordenamento jurídico muitas vezes admite sanções distintas da obrigação de indenizar. Ora a sanção será a nulidade

do ato, ora a perda de um direito processual ou material, e assim por diante.”. (CAVALIERI FILHO,

Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 174). 20 Obtempera-se que o objetivo de restabelecer o equilíbrio econômico representa uma ideia afeita ao período

anterior à CRFB/88, uma vez que, a partir do novel Diploma Maior, elevou-se a cláusula geral de proteção à

dignidade da pessoa humana, em razão da qual a indenização não necessariamente será uma forma de resguardar

o equilíbrio meramente econômico, alcançando, também, o escopo de tutelar o equilíbrio de direitos

extrapatrimoniais, que, embora não restituíveis in natura, podem ser, na medida do possível, compensados

pecuniariamente. Expondo tal vertente, Maria Celina Bodin de Moraes é clara ao afirmar: “Se, até então, o

ordenamento jurídico se ocupava apenas do patrimônio, a integridade psicofísica da pessoa humana, e, em

particular, sua dignidade, iriam transformar-se em aspecto nuclear do Direito Civil brasileiro basicamente após a

Constituição de 1988; na França, esse processo já ocorria, por obra da jurisprudência, desde o início do século

XX.”. (MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à Pessoa Humana: Uma Leitura Civil-Constitucional dos

Danos Morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 186). 21 DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 35.

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20

Urge salientar a técnica defendida por José de Aguiar Dias em não confundir,

quando da ocorrência de um prejuízo, a natureza do direito violado com a natureza do próprio

dano, o que implica em dizer que não é a natureza do direito violado que irá determinar, a

princípio, o critério indenizatório, que será identificado, em verdade, a partir da repercussão

danosa do desvio ocorrido22.

Esclarecendo a ideia, José de Aguiar Dias pondera que:

A distinção [entre dano moral e material], ao contrário do que parece, não decorre da

natureza do direito, bem ou interesse lesado, mas do efeito da lesão, do caráter e da

repercussão sobre o lesado. De forma que tanto é possível ocorrer dano patrimonial

em consequência de lesão a um bem não patrimonial como dano moral em resultado

de ofensa a bem material.23

Nesse sentido, exemplifica Paulo Nader:

A ocorrência do dano patrimonial não requer, necessariamente, que o agente atinja

diretamente bens materiais, pois é possível que advenha, reflexamente, de ofensas

morais à vítima. Se um órgão de imprensa, levianamente, veicula calúnias contra um

diretor de estabelecimento de ensino, envolvendo a prática de pedofilia com alunos, a

conduta do agente é meio eficaz para provocar danos patrimoniais à vítima, pois

inevitavelmente ocorrerá a evasão de alunos e, com ela, os prejuízos tanto por danos

emergentes quanto por lucros cessantes.24

Seguindo tal linha de pensamento, diferencia-se a causa (lesão a direito) dos efeitos

dela decorrentes (danos), de forma que a indenização, pautando-se na ideia de consertar o

desvio ocorrido, volta-se para a essência do dano sofrido, e não do direito lesado, portanto,

nesse sentido, o estudo da indenização merece ser feito em paralelo com a tipologia do dano a

que se refere25.

É bem verdade que parte da doutrina não vislumbra maiores querelas a respeito do

elemento “dano”, a exemplo de José de Aguiar Dias, ao afirmar que “O dano é, dos elementos

necessários à configuração da responsabilidade civil, o que suscita menos controvérsia.”26.

Contudo, a relevância do dano não merece ser subestimada, uma vez que, em termos

de responsabilidade civil, voltam-se, cada vez mais, os olhares para a apreciação dos prejuízos,

que, no dizer de Sérgio Cavalieri Filho, protagonizam o papel de “grande vilão da

22 MINOZZI. Studio sul danno non patrimoniale. 3 ed. Milão, 1917, p.59 apud MELO DA SILVA, Wilson. O

Dano Moral e sua Reparação. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 343. 23 DIAS, José de Aguiar. Op. cit, 812. 24 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil: Responsabilidade Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Gen e Forense, 2010. 7

v, p. 84. 25 Salienta-se que, oportunamente, esse raciocínio será retomado, contextualizado e ressalvado no que tange à

conceituação de dano moral sob o aspecto da violação de direitos da personalidade e da cláusula de dignidade;

nesse sentido, observar o item 2.4.3. 26 DIAS, José de Aguiar. Op. cit, p. 792.

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21

responsabilidade civil”27 . Tal importância se deve ao fato de que, nas palavras de Sérgio

Cavalieri Filho:

Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse o

dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade

sem dano a outrem. A obrigação de indenizar só ocorre quando alguém pratica ato

ilícito e causa dano a outrem. O dano encontra-se no centro da regra de

responsabilidade civil. O dever de reparar pressupõe o dano e sem ele não há

indenização devida. Não basta o risco de dano, não basta a conduta ilícita. Sem uma

consequência concreta, lesiva ao patrimônio econômico ou moral, não se impõe o

dever de reparar.28

O próprio Código Civil de 2002 (CCB/02) é claro ao anunciar o estreito vínculo

entre indenização e dano, na dicção dos arts. 186 e 927, caput e parágrafo único; neste último

verifica-se, inclusive, que a responsabilidade civil, nos termos em que hoje positivada, pode até

mesmo prescindir da culpa, mas jamais do dano29. Contudo, ressalta-se que tal premissa será

coloca em crítica no item 4.3.3, quando da teorização a respeito de uma causa geral de multa

civil.

Ademais, urge salientar que o instituto do dano não parece ser de contexto tão claro,

a despeito do que afirma José de Aguiar Dias. É certo que a premissa geral acerca da

necessidade de reparar os danos possui estabilidade, contudo a identificação do dano, assim

como sua mensuração e consequente saneamento tem sofrido severas transformações ao longo

dos tempos30.

Exemplo clássico de modificação da visão sobre o dano consiste no relativamente

recente acolhimento jurídico dos danos morais, que somente ganharam expresso destaque

normativo com a promulgação da CRFB/88.

27 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit, p. 76. 28 Ibidem, p. 77. 29 Em sentido diverso, Tereza Ancona Lopes defende que é sim possível a responsabilidade civil diante de hipóteses

em que ainda não se configurou o dano, mas, tão somente, a ameaça do dano. (LOPEZ, Teresa Ancona. Principio

da Precaução e Evolução da Responsabilidade Civil. São Paulo: Quartier Latin, 2010). Em contraponto, Rui

Stoco pondera que os exemplos dados pela mencionada autora para embasar sua tese representam situações em

que verdadeiramente resta identificado dano, e não mera ameaça, leia-se: “Não obstante o brilho da sustentação,

não aderimos a esse entendimento [possibilidade de responsabilização civil sem a ocorrência de dano], seja por

entender que sem dano não há reparação, seja porque os exemplos invocados para dar supedâneo à afirmação

constituem hipóteses em que o dano está presente e mostra-se efetivo, não se tratando de mera ameaça ou “risco

provável e incerto” de dano.” (STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 8. ed. São Paulo: Revista Dos

Tribunais, 2011, p. 152). Também contra hipótese de responsabilidade civil sem dano, conferir: CARRÁ, Bruno

Leonardo Câmara. Responsabilidade civil sem dano: Limites epistêmicos a uma responsabilidade civil

preventiva ou por simples conduta. São Paulo: Atlas, 2015; tal obra será retomada no item 2.3.2. 30 Nesse sentido são as palavras de Paulo Nader: “A ideia, por exemplo, de que os danos, dolosa ou culposamente,

praticados a outrem devem ser reparados, constitui princípio existente desde os primórdios da vida em sociedade;

mutáveis têm sido os critérios de avaliação dos danos e de efetivação do ressarcimento. O fundamento da

responsabilidade civil continua o mesmo, passados milênios: alterum non laedere (i.e., “não lesar outrem”).”

(NADER, Paulo. Op. cit, p. 60).

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22

Citam-se, ainda, as inúmeras controvérsias surgidas a respeito da possibilidade de

cumulação de danos morais e patrimoniais, haja vista o argumento de que o dano material

absorveria o moral31, entendimento que se mostrou superado com a súmula n° 3732 do Superior

Tribunal de Justiça. Enaltece-se, também, a construção jurisprudencial a respeito do

reconhecimento do denominado dano estético, por meio da súmula n° 38733 do STJ.

Ademais, inúmeras situações tanto de origem jurisprudencial como doutrinária

colocam a temática da identificação do dano em relevo; sobre tal aspecto é notável que, quando

uma nova teoria sobre o dano ganha espaço, por decorrência lógica da importância do assunto,

a própria estrutura da responsabilidade civil é alterada, o que majora o imperativo de atenção

no estudo da matéria.

Nesse sentido, é necessário perceber que as próprias categorias de dano já existentes

tem sofrido mutações no cotidiano forense, ao que se destaca o elastério jurisprudencial de

hipóteses de configuração de danos morais 34 , oportunidade em que se criam novos

desdobramentos da tutela da dignidade humana, a exemplo da recente doutrina do dano

existencial35 na esfera trabalhista, cuja aplicação tem relação com o dano ao projeto de vida e

às relações interpessoais que sofre o empregado que presta jornada de trabalho majorada

habitualmente36.

31 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit, p. 92. 32 São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato. (BRASIL. Superior

Tribunal de Justiça. Súmula 37, CORTE ESPECIAL, julgado em 12/03/1992, DJ 17/03/1992 p. 3172, REPDJ

19/03/1992 p. 3201). 33 É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça.

Súmula 387, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/08/2009, DJe 01/09/2009). 34 Maria Celina Bodin de Moraes é atenta ao anotar que: “Seja pelo significativo desenvolvimento dos direitos da

personalidade, seja pelas vicissitudes inerentes a um instituto que só recentemente tem recebido aplicação mais

intensa, a doutrina vem apontando uma extensa ampliação do rol de hipóteses de dano moral reconhecidas

jurisprudencialmente.” (MORAES, Maria Celina Bodin de. Op. cit, p. 165). 35 Sobre o assunto, conferir: SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade Civil por Dano Existencial. Porto

Alegre: Livraria do Advogado, 2009. 36 Os danos existenciais já se mostram presentes na jurisprudência pátria, veja-se: “DANO EXISTENCIAL.

JORNADA EXTRA EXCEDENTE DO LIMITE LEGAL DE TOLERÂNCIA. DIREITOS FUNDAMENTAIS.O

dano existencial é uma espécie de dano imaterial, mediante o qual, no caso das relações de trabalho, o trabalhador

sofre danos/limitações em relação à sua vida fora do ambiente de trabalho em razão de condutas ilícitas praticadas

pelo tomador do trabalho. Havendo a prestação habitual de trabalho em jornadas extras excedentes do limite legal

relativo à quantidade de horas extras, resta configurado dano à existência, dada a violação de direitos fundamentais

do trabalho que traduzem decisão jurídico-objetiva de valor de nossa Constituição. Do princípio fundamental da

dignidade da pessoa humana decorre o direito ao livre desenvolvimento da personalidade do trabalhador, do qual

constitui projeção o direito ao desenvolvimento profissional, situação que exige condições dignas de trabalho e

observância dos direitos fundamentais também pelos empregadores (eficácia horizontal dos direitos fundamentais).

Recurso provido.” (BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 4º Região. Recurso ordinário, nº

11379320105040013 RS 0001137-93.2010.5.04.0013, Relator: JOSÉ FELIPE LEDUR, Data de Julgamento:

16/05/2012, 13ª Vara do Trabalho de Porto Alegre).

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23

Outro aspecto de notável controvérsia é sobre o dano oriundo da perda de uma

chance37, que sequer chega a ser alvo de uma definição pacífica acerca de sua natureza jurídica,

uma vez que a jurisprudência oscila, por vezes concedendo a respectiva indenização a título de

danos morais, outras vezes em sede de dano patrimonial 38 . Varia-se ainda entre o

reconhecimento de tal feito em sede de lucros cessantes ou danos emergentes, existindo também

quem considere a perda de uma chance como um terceiro gênero de dano patrimonial a se

posicionar entre o conceito de lucro cessante e dano emergente39.

Interessante também mencionar o pensamento de Antônio Junqueira de Azevedo,

que defende o reconhecimento de uma nova categoria de dano denominada de “Danos

Sociais”40, que, segundo afirma, são ofensas que extrapolam a individualidade e representam

uma afronta à qualidade de vida de toda a sociedade, rebaixando, a nível geral, o patrimônio

moral social, devendo, por conseguinte, dar ensejo a um quantum indenizatório independente

da condenação por danos morais e patrimoniais.

Por derradeiro, cita-se a categoria dos danos coletivos, que expressa relação de

destacável abrangência subjetiva, o que ganha relevância no contexto do soerguimento da tutela

dos direitos de classe e de massa41.

37 Sobre o tema, conferir: SAVI, Sérgio. Responsabilidade Civil por Perda de Uma Chance. São Paulo: Atlas,

2012. 38 O Superior Tribunal de Justiça já chegou a se pronunciar sobre o assunto, oportunidade em que estabeleceu a

possibilidade de a perda de uma chance ser aplicável tanto em sede de danos morais, quanto patrimoniais. Veja-se

a ementa do julgado: “PROCESSUAL CIVIL E DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE DE ADVOGADO

PELA PERDA DO PRAZO DE APELAÇÃO. TEORIA DA PERDA DA CHANCE. APLICAÇÃO. RECURSO

ESPECIAL. ADMISSIBILIDADE. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. NECESSIDADE DE REVISÃO

DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7, STJ. APLICAÇÃO. - A responsabilidade do advogado

na condução da defesa processual de seu cliente é de ordem contratual. Embora não responda pelo resultado, o

advogado é obrigado a aplicar toda a sua diligência habitual no exercício do mandato. - Ao perder, de forma

negligente, o prazo para a interposição de apelação, recurso cabível na hipótese e desejado pelo mandante, o

advogado frustra as chances de êxito de seu cliente. Responde, portanto, pela perda da probabilidade de sucesso

no recurso, desde que tal chance seja séria e real. Não se trata, portanto, de reparar a perda de “uma simples

esperança subjetiva”, nem tampouco de conferir ao lesado a integralidade do que esperava ter caso obtivesse êxito

ao usufruir plenamente de sua chance. - A perda da chance se aplica tanto aos danos materiais quanto aos danos

morais. - A hipótese revela, no entanto, que os danos materiais ora pleiteados já tinham sido objeto de ações

autônomas e que o dano moral não pode ser majorado por deficiência na fundamentação do recurso especial. - A

pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial. Aplicação da Súmula 7, STJ. - Não se conhece

do Especial quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange

todos eles. Súmula 283, STF. Recurso Especial não conhecido.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp

1079185/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/11/2008, DJe

04/08/2009). 39 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit, p. 84. 40 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Por uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: o dano social.

Revista Trimestral de Direito Civil – RTDC, julho/setembro de 2004: 211-218. 41 “O dano é coletivo quando prejudica concomitantemente várias pessoas, havendo um vínculo de interesse ou

proximidade de classe entre elas, como nas profissões, nas associações, na vizinhança” (RIZZARDO, Arnaldo.

Responsabilidade Civil. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 24). Em complementação, cita-se a lição de

Anderson Schreiber: “Em sua continuada ampliação, a noção jurídica de dano não se limita, porém, a abranger a

lesão a interesses existenciais ligados à pessoa humana. Novos horizontes se abrem no que tange aos interesses

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24

Com efeito, a partir do exposto, notam-se consideráveis controvérsias a respeito da

amplitude do conceito de dano, que, muito embora não sejam o foco do presente estudo,

mereceram as breves considerações encimadas, como forma de enaltecer a importância de um

acurado repasse crítico dos institutos tradicionais da responsabilidade civil.

Esclarecida a noção de dano, reitera-se que a ferramenta jurídica apta a eliminá-lo

é a sanção indenizatória. Nesse sentido é a lição conceitual de Márcus Cláudio Arquaviva,

segundo o qual o termo indenização se traduz em “tornar indene, ou seja, incólume, íntegro,

ileso, enfim, como se não ocorresse dano”42.

Nota-se que, segundo a etimologia, o termo indenização se reporta ao teor

estritamente reparatório da responsabilidade civil, sob a presunção de que a reposição

pecuniária seria idônea para retroagir o contexto fático em que se constata prejuízo a um

momento anterior de equilíbrio, no entanto, na prática, a semântica de tal palavra é bem mais

extensa, comportando, também, a noção de sanção ao dano moral, o que estende seu significado

à sinonímia do termo compensação, cuja técnica será oportunamente explorada43.

Salienta-se que, em termos constitucionais, paira sobre o assunto em apreço certa

vacância, haja vista que, embora a CRFB/88 tenha prestigiado o direito à indenização,

elevando-o à categoria de direito fundamental, na forma de seu art. 5º, V e X44, não esclareceu

a extensão do termo “indenização” empregado em seu texto, destinando tal tarefa à doutrina,

jurisprudência e aos meios normativos infraconstitucionais.

Destarte, diante da constatação de que a indenização é uma ferramenta jurídica

própria da seara cível e voltada para a eliminação de danos, a sua compreensão imprescinde de

um maior aprofundamento das funções da responsabilidade civil, que serão agora abordadas.

2.3 Das funções da responsabilidade civil

supraindividuais, especialmente em matérias como o direito ambiental e o direito do consumidor, encontrando-se

em atual debate, inclusive, figuras mistas como o chamado dano moral coletivo.” (SCHREIBER, Anderson. O

futuro da responsabilidade civil: um ensaio sobre as tendências da responsabilidade civil contemporânea. In:

RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz; MAMEDE, Gladston; ROCHA, Maria Vital da. Responsabilidade Civil

Contemporânea: Em Homenagem a Sílvio de Salvo Venosa. São Paulo: Atlas, 2011, p. 720). 42 ARQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário Jurídico Brasileiro. 12. ed. São Paulo: Jurídica Brasileira, 2004,

p. 732. 43 Cf, item 2.3.1. 44 BRASIL. CRFB/88. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à

segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo,

além da indenização por dano material, moral ou à imagem; [...] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada,

a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua

violação; [...].

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25

Em primeiro plano, alerta-se que as reflexões até o momento expostas sobre a

finalidade das sanções e do próprio Direito devem ser mantidas em voga quando da análise da

responsabilidade civil, ao que se incentiva a criticidade, pois o ramo específico deve guardar

congruência com suas raízes gerais; dito isso, passar-se-á ao exame das funções da

responsabilidade civil.

Tradicionalmente, a doutrina elenca três dimensões basilares da finalidade da

responsabilidade civil, quais sejam: função de reparação, prevenção e punição45, que serão a

seguir destrinchadas.

Em paralelo com o padrão classificatório mencionado, mostra-se salutar a

visualização do fenômeno sob a perspectiva do Professor Regnoberto Marques de Melo Júnior,

que elenca a funcionalidade da responsabilidade civil sob dois parâmetros primordiais: função

sancionatória política e função sancionatória patrimonial46, que, nas palavras do autor, assim se

diferenciam:

De um lado, a função sancionatória política, que se especa na segurança jurídica que

etiologicamente garante constitucionalmente a indenização ao lesado [refere-se aqui

ao art. 5º, V e X, da CRFB/88] [...]. Doutro, a função sancionatória patrimonial, que

ao tempo em que indeniza o dano (pela reparação do prejuízo, recompondo o fato ao

status quo ante), infringe punição ao lesador a título de desencorajamento à

repetição.47

Feito esse introito, as denominações classificatórias serão estudas de forma

comparativa.

2.3.1 Da função reparatória

Para compreender a função reparatória da responsabilidade civil, é importante

destacar um princípio estrutural da convivência social: o dever de não lesar outrem. Tal

obrigação se encontra assinada na máxima “honestae vivere, alterum non laedere, suum cuique

tribuere”, ou seja, viver honestamente, não lesar a outrem e dar a cada um o que é seu48.

45 NADER, Paulo. Op. cit, p. 14. 46 MELO JÚNIOR, Regnoberto Marques de. Critério jurídico do quanto do dano no direito civil brasileiro. Revista

da Faculdade de Direito: Edição comemorativa dos 110 anos de fundação da Faculdade Livre de Direito do Ceará,

Fortaleza, v. 34, n. 1, p.485-495, 01 jan. 2013. Semestral. 47 Ibidem, p. 487. 48 STOCO, Rui. Op. cit, p. 135.

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A partir da basilar noção de convivência pautada no dever de não lesar, denota-se a

relevante função reparatória da responsabilidade civil, à medida que viabiliza o conserto de

eventual distorção da cláusula geral de respeito ao próximo.

Salienta-se que, quanto ao efeito de saneamento dos danos, a perspectiva

reparadora se assimila a um dos aspectos da função sancionatória patrimonial retrocitada, mas

com ela não se identifica em sua plenitude, pois, na classificação de Regnoberto Marques de

Melo Júnior, reconhece-se na função sancionatória patrimonial também um teor punitivo, que

muito se assemelha com a lógica entabulada por Francesco Carnelutti, na oportunidade em que

vislumbra o fenômeno sancionatório sob a perspectiva subjetiva dos efeitos por ela provocados

aos sujeitos lesante (ordem de pena) e lesado (ordem de restituição)49.

Assim, é importante notar que a razão de reparação está pautada precipuamente na

devolução dos fatos ao status quo ante ao dano causado, por meio da noção de restitutio in

integrum; seguindo essa lógica, verifica-se que a função reparatória encontra sua delimitação

no montante de dano sofrido pela vítima, pautando o paradigma de sua quantificação não na

conduta (culpa) do agente, mas sim na figura do ofendido, de tal sorte que a indenização, sob

tal ângulo, é determinada com base no exato dano sofrido pelo ofendido.

Logo, caso o ofensor atue com culpa grave ou dolo, para efeitos civis reparatórios

é irrelevante, pois sua responsabilidade, sob tal ótica, não será agravada, estando limitada à

eliminação do dano causado. Outrossim, na hipótese de atuar com displicência escusável, seu

dever indenizatório restará igualmente pautado na objetividade do prejuízo sofrido pela vítima50.

No entanto, apesar do aparente rigor empírico com que se estabelece a função

reparatória, encontra-se, no parágrafo único do art. 944 do CCB/0251, critério que excepciona a

regra segundo a qual a indenização é escalonada estritamente com base na extensão do dano,

oportunidade em que se elege o grau de culpabilidade como parâmetro apto a mitigar o quantum

indenizatório, desde que haja “excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano”.

O cotejamento do grau da culpa do ofensor, conforme aponta a doutrina, reflete a

positivação de uma hipótese em que o legislador permite ao julgador o manuseio da ferramenta

da equidade para a melhor aplicação da justiça, haja vista a ponderação segundo a qual não

seria justo que alguém, por branda culpa, fosse responsabilizado por danos de grande monta.

Assim explana Silvio Rodrigues:

49 Cf. Item 2.1.1. 50 Tal critério possui raízes na Lex Aquilia, na qual consta que “in Lex Aquilia et levíssima culpa venit”, ou seja,

ainda que a culpa fosse levíssima, a reparação deveria ser efetuada na proporção do dano causado. 51 BRASIL. CCB/02. Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver

excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.

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Tal solução [indenização sem consideração do grau de culpa] por vezes se apresenta

injusta, pois não raro de culpa levíssima resulta dano desmedido para a vítima. Nesse

caso, se se impuser ao réu o pagamento da indenização total, a sentença poderá

conduzi-lo à ruína. Então estar-se-á apenas transferindo a desgraça de uma parte para

outra pessoa, ou seja, da vítima para aquele que, por mínima culpa, causou prejuízo.52

Noutro giro, assevera-se que o dispositivo legal em comento sofre severas críticas

que variam desde a inconstitucionalidade53, até a justiça do critério político de escolha de quem

irá suportar o ônus do dano, uma vez que, em última razão, alguém (sujeito lesado ou lesante)

arcará com o prejuízo, nesse sentido:

O dispositivo [art. 944, parágrafo único, do CCB/02] é exceção ao princípio da

reparação integral do dano e tem como principal consequência reduzir o ônus

excessivo que recairia sobre o agente. Todavia, não se pode deixar de notar que tal

ônus é transferido para a vítima, que passa a arcar com a parcela do dano

correspondente à redução procedida pelo juiz. E, sob esta ótica, o parágrafo único do

art. 944 perde um pouco do seu sentido, já que, se não é justo onerar excessivamente

o agente que agiu com culpa leve, menos justo ainda seria onerar a vítima que não

agiu com culpa alguma.54

De toda sorte, reitera-se que, embora a regra seja o cotejamento da indenização a

partir do valor do prejuízo causado, o ordenamento jurídico pátrio admite, excepcionalmente, a

incidência da culpa, por motivo de equidade, para mitigar o valor da reparação, assim conclui

Rui Stoco:

Como se verifica, ressuma isento de dúvida que o sistema do nosso direito privado

não se mostra arredio ou impermeável ao entendimento de que a graduação da culpa

se afigure importante, em algumas hipóteses, para a atribuição de responsabilidade

civil ao agente causador do dano e de que, na fixação do quantum indenizatório, não

se deve, nesses casos, ater-se estritamente ao valor do prejuízo sofrido pelo ofendido.55

Do exposto, na esteira do raciocínio já apresentado de Francesco Carnelutti56 ,

verifica-se que a função reparatória da responsabilidade civil repercute na razão de

proporcionalidade quantitativa e qualitativa de sua materialização. Dessarte, quantitativamente,

52 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. 4 v, p. 188. 53 Nesse sentido, pondera Marcelo Junqueira Calixto: “a interpretação literal da norma codificada fica marcada

por sua inconstitucionalidade, em especial por se traduzir em fator de insegurança jurídica e, ainda, por representar

inegável retrocesso no que se refere à reparação integral da vítima.” (CALIXTO, Marcelo Junqueira. Breves

considerações em torno do art. 944, parágrafo único, do Código Civil. Disponível em: <http://www.ambito-

juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7296#_ftn47>. Acesso em: 21 out.

2015). 54 TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloísa Helena; BODIN DE MORAES, Maria Celina (Coord). Código

Civil interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. v. 2, p. 860. 55 STOCO, Rui. Op. cit, p. 172. 56 Cf. Item 2.1.

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a indenização está restrita ao teto da eliminação do dano causado; quanto ao seu teor qualitativo,

importa tecer algumas considerações.

É que a reparação civil nem sempre é capaz de preencher o vácuo gerado pela lesão,

pois o meio reparatório pecuniário muita vez diverge da natureza do dano sofrido, que pode ser

oriundo do malferimento de direitos não patrimoniais.

Dessa forma, qualitativamente, a reparação poderá assumir dois aspectos distintos.

Em caso de reparação por danos patrimoniais, terá qualidade reparatória em sentido estrito, pois

será capaz de efetivamente reparar e eliminar o prejuízo sofrido pela vítima, através de uma

reposição natural57. Distintamente, na hipótese de a indenização servir como remédio a resolver

um dano de natureza extrapatrimonial, tecnicamente diz-se que não é correto qualificar a sua

função como reparatória em sentido estrito, mas sim como compensatória58, já que a pecúnia

diverge, em essência, do bem que visa restituir.

Tal subdivisão da função reparatória não é de interesse meramente teórico, afinal,

conforme já explanado, a função da sanção está vinculada com a mensuração de sua intensidade

e qualidade, em prol da adequação de seu potencial de influência na cadeia de causalidade dos

fatos59.

Por cautela terminológica é preciso ponderar que parte da doutrina relaciona o

termo “compensação” com o fenômeno segundo o qual um objeto é substituído por outro de

igual teor (reparação em sentido estrito), sendo assim, uma vez que um bem moral não pode ser

perfeitamente avaliado em pecúnia, não se deveria usar, segundo tal nomenclatura, a ideia de

compensar60, mas, tão somente, uma razão satisfativa, que, a partir da outorga de um bem de

natureza diversa do lesionado, produz na vítima uma sensação (mesmo que falha) de saciedade.

Salienta-se, contudo, que a jurisprudência61 e o linguajar jurídico comum manejam

o termo “compensação” para fazer referência à indenização por danos morais, razão pela qual

57 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op. cit, p. 97. 58 “A reparação, em tais casos, reside no pagamento de uma soma pecuniária, arbitrada judicialmente, com o

objetivo de possibilitar ao lesado uma satisfação compensatória pelo dano sofrido, atenuando, em parte, as

consequências da lesão.” (Ibidem, loc cit). 59 Cf. item 2.1. 60 BREBBIA, Roberto H. El daño moral. 2. ed. Córdoba: Orbir, 1987, p. 69 apud ANDRADE, André Gustavo

Corrêa de. Dano moral e indenização punitiva. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 149. 61 Por exemplo, ver a seguinte ementa: “PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AGRAVO NO AGRAVO EM

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM DE COMPENSAÇÃO POR DANOS

MORAIS. DANOS MORAIS. ALTERAÇÃO DO VALOR FIXADO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. - A

alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais somente é possível, em recurso especial, nas

hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. - Agravo no agravo

em recurso especial não provido.”. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AREsp 188.304/DF, Rel.

Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/12/2012, DJe 14/12/2012).

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ambas as expressões (satisfação e compensação) serão tratadas como indiferentes neste

trabalho62.

2.3.2 Da função preventiva

Segundo a finalidade preventiva63 , a responsabilidade civil cumpre o papel de

dissuadir a prática de atos lesivos, na medida em que demonstra não serem vantajosas tais

condutas, cumprindo esse papel em dois aspectos, quais sejam: prevenção especial,

oportunidade em que desincentiva o próprio sujeito lesante de repetir a prática do ato; e

prevenção geral, pela qual a sociedade como um todo se sente desinstigada a praticar o ato

danoso, por antever a consequência sancionatória64.

Embora o CCB/02 não disponha explicitamente sobre o imperativo de prevenção

como finalidade precípua da responsabilidade civil, é possível justificar tal teleologia através

das noções teóricas do conceito de sanção já entabuladas no presente trabalho, assim como na

norma positivada no art. 5°, XXXV da CRFB/8865, em que se prestigia a proteção contra a

ameaça de direito, elevando-se, por conseguinte, a importância em antecipar a superveniência

do dano, o que se viabiliza, na seara responsabilizadora, através da função preventiva66.

Por outro ângulo, é salutar enaltecer o pensamento de Bruno Leonardo Câmara

Carrá, para quem a função preventiva da responsabilidade civil deve ser visualizada de forma

mitigada, o que aduz sob o argumento de que a prevenção é melhor capitaneada por outros

ramos jurídicos. Nas palavras do Autor:

Uma Responsabilidade Civil voltada para o controle das ameaças potenciais termina

por trazer para a vida civil a disciplina restringente própria da tutela penal. Em dada

medida, esse controle já é feito especialmente a partir do Direito Administrativo. Uma

vez mais, retomamos o argumento, as confluências e analogias entre essas formas de

62 Importa enfatizar que não se está afirmando a identidade entre as expressões compensação e satisfação, mas, tão

só, que ambas podem ser utilizadas para designar a sanção indenizatória por danos morais, não sendo o mérito da

nomenclatura foco deste trabalho. 63 Consolidou-se, principalmente no Direito Ambiental, a diferenciação entre as noções de prevenção e precaução,

de sorte que esta se reporta a medidas de cautela em face de risco de dano não imbuído de certeza, enquanto aquela

se refere a hipóteses de ameaça já conhecida. Nota-se, assim, que tal diferenciação leva em consideração o grau

de cognição sobre o perigo em se causar um dano (FIORILLO, CELSO ANTONIO PACHECO. Curso de Direito

Ambiental brasileiro. Sao Paulo: Saraiva, 2014). No entanto, por ordem de facilidade linguística, ambos os

termos serão utilizados de forma indiferente, o que é possível uma vez que tal distinção não se mostra determinante

das linhas em construção. 64 SERPA, Pedro Ricardo e. Indenização Punitiva. 2011. 387 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Mestrado em

Direito, Departamento de Direito Civil, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011, p. 42. 65 CRFB/88. Art. 5°. XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. 66 Ibidem, p. 225.

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sanção são bem mais compatíveis com os ramos jurídicos que tratam da “mera”

ilicitude que com o da Responsabilidade Civil.67

Em prosseguimento:

Sendo diversas as funções de punir e de reparar, que se projetam não apenas no campo

do Direito Penal e Civil, mas também dentro deste por meio de mecanismos distintos

de controle de um ato lesivo, como ocorre no caso da cominação de uma nulidade, é

forçoso reconhecer que, sob o epíteto de Responsabilidade Civil, compreende-se

apenas a gestão de um dano causado.68

Apesar dos argumentos contrários ao maior prestígio da função preventiva da

responsabilidade civil, pondera-se que se nota a prevalência da vertente que a homenageia, tanto

em sede doutrinária, como jurisprudencial, ao que se destaca como evidência o cultivo, pelos

tribunais pátrios, do fator punitivo quando da indenização por danos morais, conforme será

visto no item 2.6.3.

De toda sorte, para além de tal controvérsia, reitera-se que o cerne deste trabalho

apenas tangencia a matéria referente à justiça dos critérios preventivos/punitivos no corpo do

Direito Civil, voltando-se, em verdade, à maturação de um raciocínio criativo para fins de, em

reconhecendo o aspecto repressivo que se tem entoado à responsabilidade civil69, otimizá-lo

mediante mais detalhado contorno de juridicidade.

Superada a digressão a respeito da tese refratária à função preventiva no corpo da

responsabilidade civil, é interessante perceber que essa função está intrinsecamente vinculada

com a interpretação feita pela sociedade acerca da consequência do ilícito, o que exige, como

condição indispensável para a pacificação social, que o Estado garanta e efetive a imposição da

sanção, afinal, ela é condição essencial da função preventiva. Assim pensa Paulo Nader, ao

alegar que: “É indispensável um judiciário ágil e eficiente, sem o que a previsão legal ou

contratual de reparação se torna inócua, não infundindo em seus destinatários qualquer temor

quanto à obrigação de reparar eventuais danos a outrem”70.

Nesse sentido, impende mencionar a experiência realizada pelo psicólogo

americano Philip Zimbardo e discorrida em artigo71 publicado por KELLING, George L e

WILSON, James Q, em que se construiu a Teoria das Janelas Quebradas (Broken Windows

67 CARRÁ, Bruno Leonardo Câmara. Op.cit, p. 193. 68 Ibidem, p. 194. 69 O aspecto repressivo em referência será melhor trabalhado no item 2.6. 70 NADER, Paulo. Op. cit, p. 14. 71 KELLING, George L; WILSON, James Q. Broken Windows: The police and neighborhood safety. Disponível

em: <http://www.theatlantic.com/magazine/archive/1982/03/broken-windows/304465/>. Acesso em: 21 out. 2015.

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Theory), segundo a qual o nível de criminalidade estaria intrinsecamente relacionado com o

sentimento de desordem resultante da inércia em não se reparar um dano causado, o que

incentivaria a repetição do ilícito.

Em tal experimento, Philip Zimbardo estacionou um automóvel em uma rua no

Bronx e um outro veículo equivalente em uma rua da cidade de Palo Alto. O carro deixado no

Bronx, em dez minutos de seu abandono, foi atacado e depenado por vândalos, já o que fora

largado em Palo Alto restou intocado por mais de uma semana. Diante do fato de o veículo em

solo californiano não ter sido violado, Philip Zimbardo, prosseguindo o teste, decidiu quebrar

parte do carro; poucas horas após tal feito, esse carro também foi destruído pelos transeuntes.

A partir da evidência empírica colhida, concluiu-se que a constatação de que uma

desordem foi causada e não obteve consequente reparo daria azo ao soerguimento no meio

social do sentimento de impunidade e de que ninguém estaria zelando pela manutenção da

ordem, o que incentivaria o vandalismo72.

Segundo obtemperam os autores, as evidências levariam a crer que um dos grandes

fatores de todo o vandalismo narrado seria a permissividade empregada ao primeiro ato ilícito,

cuja permanência no mundo dos fatos seria a nascente de todo um contexto propício à

propagação da desordem (“one broken window becomes many”73 ), o que, inclusive, seria

independente do nível econômico do meio em estudo, já que a sensação de desordem em Palo

Alto (com o dano inicial ao veículo) gerou efeito análogo ao ocorrido no Bronx74.

Apesar de o experimento narrado ter sido realizado em outra nação, envolvendo

matéria de cunho criminal e em época de hoje bem distante (ano de 1969), a ideia geral exposta

pode ser perfeitamente transplantada para esclarecer o intuito da função preventiva da

responsabilidade civil, cujos efeitos reparatórios visam à instauração do estado de ordem fática

(eliminação dos danos) e jurídica (preservação da lei), de tal sorte a incutir no espírito social

(prevenção genérica), assim como na mentalidade do próprio sujeito lesante (prevenção

72 Nas palavras dos autores: “Untended property becomes fair game for people out for fun or plunder and even for

people who ordinarily would not dream of doing such things and who probably consider themselves law-abiding.

Because of the nature of community life in the Bronx—its anonymity, the frequency with which cars are

abandoned and things are stolen or broken, the past experience of "no one caring"—vandalism begins much more

quickly than it does in staid Palo Alto, where people have come to believe that private possessions are cared for,

and that mischievous behavior is costly. But vandalism can occur anywhere once communal barriers—the sense

of mutual regard and the obligations of civility—are lowered by actions that seem to signal that "no one cares."”

(KELLING, George L; WILSON, James Q. Broken Windows: The police and neighborhood safety. Disponível

em: <http://www.theatlantic.com/magazine/archive/1982/03/broken-windows/304465/>. Acesso em: 21 out.

2015). 73 Uma janela quebrada se torna várias (tradução nossa). (Ibidem). 74 Palo Alto é uma próspera cidade localizada no Vale do Silício (Califórnia), enquanto o Bronx é um condado do

estado de Nova York, à época marcado por zonas de pobreza e de violência urbana.

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específica), a noção de que o ato lesivo será combatido e, portanto, é desinteressante de ser

praticado.

Nesse sentido, é possível apreciar a função sancionatória política da

responsabilidade civil, que se reflete exatamente na instauração de um estado de segurança

jurídica, cujo sentido pode ser visto além da mera positivação de normas garantidoras,

alcançando também a necessidade de efetividade das normas e eficácia das sanções.

Outro aspecto destacável quanto à função preventiva é a necessidade de se antecipar

a ocorrência do evento danoso através de medidas de precaução, passando-se a exigir

mecanismos de atuação voltados não só para a reparação do dano já causado, mas também para

evitar a superveniência da lesão. Em ratificação de tal função, é interessante apresentar o

pensamento de Teresa Ancona Lopez, pela qual “o princípio da precaução, que tem como

fundamento ético a prudência e jurídico a obrigação geral de segurança, deverá, doravante,

fazer parte da responsabilidade civil”75.

Assim, prestigia-se o papel do Direito Processual como fornecedor de mecanismos

capazes de neutralizar a conduta lesiva, impedindo que a “potência se transforme em ato”76, do

que se eleva a importância da interação entre a responsabilidade civil e os meios processuais

respectivos77.

Por fim, ainda sobre a função preventiva, é oportuno rememorar a noção

economicista das sanções, conforme a lição de Francesco Carnelutti78 já apresentada, pela qual

a dissuasão deve ser capaz de tornar a prática do ilícito desvantajosa, o que introduz a noção de

função punitiva, como reforço da finalidade preventiva da responsabilidade civil79.

2.3.3 Da função punitiva

Em compreensão da função punitiva da responsabilidade civil, é salutar rememorar

a classificação de Francesco Carnelutti da sanção em ordem de pena e de restituição,

oportunidade em que se fez a categorização do instituto a partir de uma visão subjetiva do

fenômeno sancionatório, que, face ao sujeito lesado, denota fator de eliminação do prejuízo

sofrido, e, diante do ofensor, a sanção constitui desincentivo à reiteração da prática do ato80.

75 LOPEZ, Teresa Ancona. Op. cit, p.17. 76 NADER, Paulo. Op. cit, p.16. 77 O cerne processual, apesar da destacada importância, extrapola o cerne das presentes linhas. 78 Cf. Item 2.1. 79 NADER, Paulo. Op. cit. p. 16. 80 Cf. item 2.1.

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Interessante também relacionar a função punitiva com as finalidades sancionatórias

patrimonial e política, pensadas por Regnoberto Marques de Melo Júnior; isso, porque, na

punição, tem-se tanto um elemento de ordem patrimonial a repercutir no patrimônio do sujeito

lesante, quanto de ordem social, à medida que a sanção consagra o senso de segurança jurídica,

pela via preventiva especial e genérica.

Nesse contexto, exsurge a denominada função punitiva da responsabilidade civil,

que, quando abordada de forma lata, normalmente se insere como um aspecto da função

preventiva, com a limitação da função reparatória, que é alçada como finalidade precípua da

indenização na sistemática civil brasileira, mormente em se tratando de lesão a direitos de

natureza patrimonial.

Assim, a prevenção e a punição seriam representadas pela sanção decorrente da

mera reparação, que resulta, para o ofensor, em uma mitigação patrimonial que oferta efeitos

involuntariamente semelhantes ao de uma pena, embora seu intuito primário, não seja o de punir,

mas sim de reparar. Representando tal vertente, é interessante transcrever as palavras de Pablo

Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho:

Como uma função secundária em relação à reposição das coisas ao estado em que se

encontravam, mas igualmente relevante, está a ideia de punição do ofensor. Embora

esta não seja a finalidade básica (admitindo-se, inclusive, a sua não incidência quando

possível a restituição integral à situação anterior), a prestação imposta ao ofensor

também gera um efeito punitivo pela ausência de cautela na pratica de seus atos,

persuadindo-o a não mais lesionar.81

Ressalva-se, contudo, que, em se tratando de danos morais, a jurisprudência e

doutrina majoritárias têm aceitado pacificamente a função punitiva como fator de liquidação da

indenização, reconhecendo-a através de uma ênfase dada ao próprio quantum condenatório82,

o que não ocorre em sede de tutela de direitos patrimoniais, em que o valor da sanção tem sido

contido nos limites da avaliação pecuniária do dano perpetrado.

Representando a função punitiva, a tradição norte americana ganha destaque, ao

que se notam os punitive damages, também chamados de exemplary damages ou smart money,

através dos quais a finalidade punitiva da sanção indenizatória é determinante da intensidade,

na razão de proporcionalidade empregada na adequação da sanção, em prol de repremir a

prática de condutas marcadas por grave negligência, malícia ou opressão83.

81 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade

civil. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. 3 v, p. 66. 82 Essa matéria será aprofundada no item 3.6.3. 83 ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Op. cit, p. 186.

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A partir dos punitive damages, cria-se uma nova modalidade de sanção na

responsabilidade civil para além da mera reparação, em formato de uma verdadeira multa civil,

com caráter aflitivo e forte teor dissuasivo. Percebe-se, assim, a grande diferença entre tal

instituto e o que é comumente realizado pela jurisprudência brasileira: no Brasil, a punição

enseja um fator que influencia a liquidação dos danos morais, não estatuindo um formato

sancionatório autônomo; diferentemente, os punitive damages compõem uma forma apartada

da compensação por danos morais84, podendo até incidir em hipóteses de danos patrimoniais,

desde que caracterizada conduta suficientemente reprovável85.

Ilustrando a aplicação dos punitive damages, é interessante relatar o emblemático

caso da jurisprudência estadosunidense no julgamento do Ford Pinto Case (Grimshaw v. Ford

Motor Co). O julgado em monta se reporta ao fato de um motorista que, dirigindo um carro do

tipo Ford Pinto, sofreu acidente, oportunidade em que o automóvel restou envolto em chamas,

causando a morte do motorista e sérias queimaduras em um passageiro.

Diante do ocorrido, apreciado o evento pelo Poder Judiciário, a empresa ré foi

condenada ao pagamento de indenização compensatória de US$ 2,516 milhões e punitive

damages na margem de US$ 125 milhões, que, em sede recursal foram reduzidos para US$ 3,5

milhões86.

A condenação punitiva mencionada se deu em decorrência de que a equipe técnica

da Ford, antes da comercialização dos carros, teria descoberto vulnerabilidade na traseira do

automóvel, que poderia facilmente ocasionar, em acidentes, o vazamento de combustível.

Todavia, considerando os custos necessários para modificar os carros já produzidos e o eventual

prejuízo oriundo de indenizações, a empresa optou por continuar com o projeto original do

veículo. O raciocínio desenvolvido pela empresa é bem anotado por Michael Sandel, leia-se:

Para calcular os benefícios obtidos com um tanque de gasolina mais seguro, a Ford

estimou que em um ano 180 mortes e 180 queimaduras poderiam acontecer se

nenhuma medida fosse feita. Estipulou, então, um valor monetário para cada vida

84 “Na realidade, a jurisprudência nacional não acolheu os punitive damages do direito americano como título

autônomo de indenização, mas utiliza critérios de quantificação da indenização de natureza punitiva (como o grau

de culpa do ofensor, a capacidade econômica da vítima e do ofensor).” (SAVI, Sérgio. Responsabilidade Civil e

Enriquecimento sem Causa: O lucro da intervenção. São Paulo: Atlas, 2012, p. 78). Do pensamento colacionado,

enfatiza-se a discordância do fato de o Autor considerar a capacidade econômica da vítima como um fator de

punição, uma vez que tal critério não se volta à figura do ofensor, inexistindo, portanto, marca de punição,

conforme será aprofundado no item 4.2.2. 85 Nesse sentido, verificar a jurisprudência americana no caso BMW of North America, Inc. v. Gore, narrado por

André Gustavo Corrêa de Andrade, em que se concedeu indenização punitiva contra a empresa, em virtude de ter

vendido, sem a devida informação ao consumidor, um carro novo, mas com falha na pintura, oportunidade em que

se entendeu que, além de hipótese de simples reparação, configurou-se uma fraude merecedora de repressão

especial (ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Op. cit, p. 200). 86 A narrativa do caso pode ser encontrada em: ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Op. cit, p. 192.

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perdida e cada queimadura sofrida – 200 mil dólares por vida e 67 mil por queimadura.

Acrescentou a esses valores a quantidade e o valor dos Pintos que seriam incendiados

e calculou que o benefício final da melhoria da segurança seria de 49,5 milhões de

dólares. Mas o custo de instalar um dispositivo de 11 dólares em 12,5 milhões de

veículos seria de 137,5 milhões de dólares. Assim, a companhia chegou à conclusão

de que o custo de consertar o tanque não compensaria o benefício de um carro mais

seguro.87

Assim, conforme relatado no “Ford Pinto Case”, tem-se na lógica punitiva uma

forma de dissuadir a prática de condutas consideradas especialmente ultrajantes e nas quais a

função meramente ressarcitória não seria capaz de restabelecer o equilíbrio jurídico rompido,

já que presente a violação de um interesse social, que extrapola o tradicional dualismo entre

polos lesado e lesante.

Percebe-se, com o citado exemplo, raciocínio elaborável com base na ideia de uma

equação dos custos da prevenção de danos, na qual a responsabilidade civil meramente

ressarcitória encontra fronteira no que toca o desiderato de ordenação social sob o viés

preventivo, pois a ideia de ressarcimento é diluída pela lógica do lucro alcançando a partir do

cálculo do custo necessário para que se evite o dano, gerando situação em que se mostra

convidativo o manejo de um fator punitivo que majore a sanção pecuniária incidente.

Ocorre que a função punitiva, nos sistemas de tradição romano-germânica,

conforme apontado por forte setor doutrinário, não encontra o mesmo respaldo que possui na

moldura do Commow Law, o que se dá, em grande parte, como resultado das Revoluções

Liberais Burguesas do século XVIII e da ruptura entre Direito Público e Direito Privado, como

corolário da ascensão da burguesia e consequente limitação do poderio estatal, em face da

prezada autonomia privada. Tal separação culminou com uma rígida barreira entre as matérias

de cunho civil e penal, sem prejuízo das correlatas sanções88.

Esclarecendo o tema em apreço, saúda-se a lição da professora Maria Celina Bodin

de Moraes:

A separação entre pena e indenização foi, assim, uma consequência dessa mentalidade,

e bem se justifica, tendo em vista os objetivos a serem alcançados: era, então,

imprescindível retirar da indenização qualquer conotação punitiva; a pena dirá

respeito ao Estado e a reparação, mediante indenização, exclusivamente ao cidadão.89

87 SANDEL, Michael S. Justiça: o que é fazer a coisa certa. Tradução de Heloísa Matias e Maria Alice Máximo.

Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2011, p. 58. 88 MORAES, Maria Celina Bodin de. Op. cit, p. 201. Essa contextualização histórica deve ser vista com

parcimônia no caso brasileiro, pois tal processo foi marcadamente eurocêntrico. De toda sorte, considerando que

o Direito brasileiro muito se espelha na origem europeia, é possível aceitar o histórico exposto por Maria Celina

Bodin de Moraes como fonte para a compreensão das bases do Direito nacional. 89 Ibidem, p. 202.

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Ademais, pode-se ainda mencionar que a punição restou mitigada no Direito Civil

também sob a influência do pensamento de Santo Tomás de Aquino em pregação da noção de

justiça comutativa e do princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, pelo qual a ninguém

é lícito enriquecer ao custo de outrem. Nesse sentido, explica Giovanni Etori Nanni:

[...] a obra de S. Tomás de Aquino parece-nos ter contribuído para a gradual afirmação

de alguns dos dogmas actualmente dominantes, ao menos nos países da Civil Law.

Um desses dogmas consiste na limitação do dever de reparar o dano pelo dano

efectivamente causado; de fato, enquanto a restituição aparecia como um pressuposto

de penitência, não era surpreendente que em certas hipóteses, e até por referencia aos

textos bíblicos, se exigisse, por vezes, a restituição de um múltiplo do dano provocado.

Ao invés, a colocação do problema em sede de justiça comutativa, e de restauração de

um equilíbrio, vem tornar mais óbvia ou evidente a limitação da restituição à reposição

do status quo ante.90

Assim, diante do que foi dito e conforme será novamente explorado quando do

estudo dos critérios de quantificação dos danos morais91, nota-se que a doutrina pátria oscila no

tratamento da função punitiva da responsabilidade civil brasileira. Por um lado, geralmente é

afirmado que o sistema jurídico pátrio não deve albergar sanções de caráter repressivo, a

exemplo dos punitive damages92 , característico do sistema norte-americano; todavia, existe

amplo reconhecimento doutrinário e jurisprudencial do aspecto punitivo da indenização por

danos morais.

Além disso, é possível identificar incontáveis dispositivos na legislação civil, em

que se constata a existência de sanções punitivas expressamente positivadas, a exemplo citam-

se os artigos 940, 1.259, 1.993 do CCB/0293, bem como o parágrafo único do artigo 42 do

Código de Defesa do Consumidor (CDC)94; em tais dispositivos legais, vislumbra-se efeito

sancionatório que se distancia do fator reparação, albergando, em verdade, o intuito dissuasório,

o que caracteriza sanções de teor punitivo, embora situadas dentro da esfera civil95. O mesmo

90 NANNI, Giovanni Ettore. Enriquecimento sem causa. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 27. 91 Cf. item 2.6. 92 NADER, Paulo. Op. cit, p. 17. 93 BRASIL. CCB/02. Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as

quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro

do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição. Art. 1.259. Se

o construtor estiver de boa-fé, e a invasão do solo alheio exceder a vigésima parte deste, adquire a propriedade da

parte do solo invadido, e responde por perdas e danos que abranjam o valor que a invasão acrescer à construção,

mais o da área perdida e o da desvalorização da área remanescente; se de má-fé, é obrigado a demolir o que nele

construiu, pagando as perdas e danos apurados, que serão devidos em dobro. Art. 1.993. Além da pena cominada

no artigo antecedente, se o sonegador for o próprio inventariante, remover-se-á, em se provando a sonegação, ou

negando ele a existência dos bens, quando indicados. 94 BRASIL. CDC. Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem

será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia

indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de

correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável. 95 Sobre a possibilidade de identificação de sanção punitiva na seara civil, Pedro Ricardo e Serpa, em dissertação

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também ocorre na esfera processual civil com a previsão de multas, a exemplo da cominada a

título de litigância de má-fé, da multa coercitiva, das astreintes96, sendo mencionável também

a possibilidade de prisão civil do devedor de alimentos97.

Diante do exposto, tem-se por preludiada a função punitiva da responsabilidade

civil, que virá a ser, a seguir, retomada quando da análise do dano moral, pois, em se tratando

dessa tipologia de lesão, o raciocínio ganha destino peculiar, uma vez que a tendência

dominante aponta para a aceitação da função punitiva da respectiva indenização.

2.4 Do conceito de dano moral

O dano moral é matéria que rendeu e continua rendendo infindáveis discussões,

tanto no concernente ao seu reconhecimento jurídico, conceituação, quanto no que se refere a

sua mensuração, esta última se destacando como a principal querela ainda hoje viva na doutrina

e jurisprudência pátrias. Cada um desses aspectos será abordado no presente trabalho, a começar,

nesta oportunidade, pela conceituação.

2.4.1 Do conceito negativo

Uma primeira conceituação do dano moral foi desenvolvida a partir do seu

acareamento com os já firmados danos patrimoniais. Assim, para a melhor compreensão dos

danos morais sob tal aspecto, é preciso que, em sede preliminar, sejam realizadas breves

considerações acerca dos danos patrimoniais, de forma a viabilizar o desenvolvimento do

raciocínio a contrário senso, que se mostra útil para o entendimento da matéria.

Sendo assim, destaca-se que o dano material consiste no prejuízo patrimonial

sofrido pela vítima, ou seja, no abalo liquidável economicamente a partir da identificação do

valor pecuniário depreciado98.

de mestrado, pondera que: “O que importa de ver, para o que se pretende expor, é que as diversas maneiras pelas

quais a sanção jurídica se revela (as quais se poderia denominar espécies) não se distinguem entre si por força de

seu conteúdo (estrutura), mas, sim, pela finalidade específica que desempenham no ordenamento (função).”

(SERPA, Pedro Ricardo e. Op. cit, p. 188). O referido autor menciona ainda diversos dispositivos do CCB/02 que

espelham natureza punitiva, quais sejam os artigos: 33, parágrafo único; 150; 399; 407; 417 – 420; 555; 557; 582;

583; 608; 667, § 1°; 766; 773; 939; 940; 1220; 1259; 1336, §§ 1°, 2°; 1337; 1814; 1961; 1992 e 1993. 96 Ver artigos 81 e 537 do CPC/2015. Ver também artigos 18, 287 e 461 §§ 4º e 5º do CPC/1973. 97 Ver art. 528 do CPC/2015 e art. 733 do CPC/1973. 98 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op. cit, p. 86.

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Atento à forma do dano material, sua indenização visa, no sentido mais límpido e

tradicional da responsabilidade civil, à recomposição dos bens do sujeito lesado, no escopo de

tornar indene o prejuízo sofrido, o que, em honra à máxima da restitutio in integrum, deve ser

alcançado, segundo orienta a teoria da diferença99, por meio da devolução do bem perdido à

vítima, ou, se isso não for possível, através da devida entrega em dinheiro do valor correlato100.

Logo, como consectário lógico da função precipuamente reparatória da indenização

por dano material, tal sanção possui natureza qualitativa equivalente ao dano a que se reporta

(valor econômico) e, no tocante à intensidade, encontra limites na extensão do abalo causado,

conforme bem positivado no art. 944 do CCB/02.

Ainda quanto à extensão da indenização por danos materiais, importa elencar que a

sanção reparatória alcança tanto a direta mitigação do patrimônio da vítima (dano emergente),

quanto a frustração da legítima expectativa de lucro (lucro cessante)101, conforme se extrai do

texto do art. 402102 do CCB/02.

Superadas as breves considerações acerca dos danos patrimoniais, reitera-se que,

sob o critério negativo (ou exclusivo), os danos morais são caracterizados como “todo

sofrimento humano que não resulta de uma perda pecuniária”103 . Em sentido equivalente,

anuncia Pontes de Miranda: “Dano patrimonial é o dano que atinge o patrimônio do ofendido;

dano não patrimonial é o que, só atingindo o devedor como ser humano, não lhe atinge o

patrimônio.”104.

Ocorre que tal ângulo de pensamento peca por não enfrentar o mérito do instituto

que se almeja conceituar, uma vez que, em verdade, partindo-se da exclusão do conceito de

dano patrimonial, denomina-se todo o restante como dano moral, sem, contudo, elaborar

99 “A teoria da diferença foi apresentada em 1.855, por F. Mommsen, nos seguintes termos: “A indenização em

dinheiro, diz-se aí, tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que

puder ser atendida pelo tribunal, e que teria nessa data se não existissem danos.”(NADER, Paulo. Op. cit, p. 85).

Em contraste com a teoria da diferença, Paulo Nader menciona ainda a teoria do interesse, segundo a qual o valor

do dano indenizável se fundaria na “existência ou não de interesse legítimo violado”. (Ibidem, loc.cit). 100 Ibidem, loc.cit. 101 Em referência ao pensamento de Hans Fischer, Jose de Aguiar Dias pondera que: “Para, autorizadamente, se

computar o lucro cessante, a mera possibilidade não basta, mas também não se exige a certeza absoluta. O critério

acertado está em condicionar o lucro cessante a uma probabilidade objetiva resultante do desenvolvimento normal

dos acontecimentos conjugados às circunstâncias peculiares ao caso concreto. (grifos do autor). (DIAS, José de

Aguiar. Op. cit, p. 801). 102 BRASIL. CCB/02. Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao

credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar. 103 SAVATIER, René. Traité de La Responsabilité Civile em Droit Français, tomo 2, n° 525, p.92 apud

ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Op. cit, p. 33. No original: “Nous entendons par dommage mora toute

souffrance humaine ne résultant pás d’ùne perte pécuniaire.”. 104 MIRANDA. Francisco Cavalcante Pondes de. Tratado de Direito Privado. 3. Ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971,

v.26, p. 30.

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elementos de maior rigor teórico que sejam capazes de anunciar as propriedades do que

realmente vem a ser o dano moral105.

Pondera-se, ainda, que anunciar o conceito de dano moral por exclusão do que se

entende por dano patrimonial desprestigia a autonomia conquistada pelos valores correlatos ao

princípio da dignidade da pessoa humana, mormente no contexto brasileiro pós 1988, conforme

enfatiza Salomão Resedá: “Certamente o dano moral é muito mais do que a face oposta do

patrimonial, na medida em que sua autonomia plena, conseguida após a Carta Magna de 1988,

trouxe-lhe características próprias que transbordam da letra da Lei.”106.

Nesse sentido, Paulo Nader esclarece que “Os patrimônios individuais são

formados por bens materiais e imateriais. Os primeiros se compõem de riquezas suscetíveis de

avaliação pecuniária, enquanto os segundos não comportam tal estimativa, como a vida, a honra,

a liberdade.”107.

Desse modo, percebe-se que a conceituação negativista obstrui a visualização plena

do instituto em exame, o que incentiva a perseguição de diferentes formas de conceituar o dano

moral.

2.4.2 Do dano moral como perturbação subjetiva

Constatado o vácuo deixado pela concepção negativista, a doutrina procurou

preencher o conceito almejado mediante a identificação de um objeto a, de fato, compor o

fenômeno denominado de dano moral, o que deu origem à visualização de tal instituto como

decorrente de uma “dor ou alteração negativa do estado anímico, psicológico ou espiritual da

pessoa”108.

Sobre tal vertente, Salomão Resedá explica:

Para essa corrente, o dano moral deve ser identificado a partir da dor, que, por sua vez,

não se resume apenas à física, mas envolve também a psicológica e espiritual. A

tristeza, a angústia, a vergonha, a humilhação, a amargura, a inferioridade são

sentimentos que devem ser vistos como sofrimentos num aspecto mais amplo, pois,

antes de tudo, eles são dores morais.109

105 Nesse sentido, André Gustavo Corrêa de Andrade é firme ao criticar: “Esse modo de conceituar o dano moral

nada esclarece a respeito de seu conteúdo e não permite uma precisa compreensão do fenômeno. Define-se essa

espécie de dano com uma ideia negativa algumas vezes acompanhada de uma fórmula redundante, usando

expressões que fazem alusão ao aspecto do dano, sem verdadeiramente explicá-lo.” (ANDRADE, André Gustavo

Corrêa de. Op. cit, p. 34). 106 RESEDÁ, Salomão. A Função Social do Dano Moral. São José: Conceito, 2009, p. 128. 107 NADER, Paulo. Op. cit, p. 86. 108 ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Op. cit, p. 35. 109 RESEDÁ, Salomão. Op. cit, p. 130.

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De forma congruente com tal visão, parece entender José de Aguiar Dias, ao afirmar

que: “Dano moral, digamos, talvez escusadamente, mais uma vez, é a reação psicológica à

injúria, são as dores físicas e morais que o homem experimenta em face da lesão.”110.

Tal compreensão do dano moral já se mostrou presente na jurisprudência do

Superior Tribunal de Justiça; assim exemplifica o seguinte julgado:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO NO RECURSO ESPECIAL.

AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. PLANO DE SAÚDE.

RECUSA INDEVIDA DE COBERTURA. ABUSIVIDADE. DANO MORAL.-

Embora geralmente o mero inadimplemento contratual não seja causa para ocorrência

de danos morais, é reconhecido o direito à compensação dos danos morais advindos

da injusta recusa de cobertura de seguro saúde, pois tal fato agrava a situação de

aflição psicológica e de angústia no espírito do segurado, uma vez que, ao pedir a

autorização da seguradora, já se encontra em condição de dor, de abalo psicológico e

com a saúde debilitada. Agravo não provido.111

Apesar do mérito da conceituação em apreço em tentar apontar a essência do dano

moral, a doutrina tece severas críticas sobre tal visão, haja vista que vincular a identificação do

instituto em voga a partir de critério subjetivo desencadeado no íntimo da pessoa lesada redunda

em confusão das noções de causa e consequência, é dizer: a existência do dano moral independe

da resposta psicológica dada pela vítima, que poderá reagir de forma mais ou menos intensa a

acontecimentos mais ou menos relevantes112.

É certo que o sofrimento espiritual é, naturalmente, a consequência esperada de

alguém que enfrenta um dano moral, todavia não é correto igualar a noção de dano moral (causa)

com o sofrimento psicológico (resultado). Elucidando a matéria, Salomão Resedá obtempera

que:

Apesar de, num primeiro momento, apresentar-se ideal para o seu objetivo, este

pensamento expõe um ponto controverso que a fulmina com gravidade. Na realidade,

os estados emotivos aqui mencionados não são o dano propriamente dito. Eles são as

consequências oriundas do ato praticado. Nesse ínterim, é necessária toda cautela

possível a fim de evitar que haja confusão entre a agressão propriamente dita e o

110 DIAS, José de Aguiar. Op. cit, p. 825. Nesta citação, é interessante perceber que o autor é congruente com o

próprio pensamento, ao não confundir a lesão de direito com a consequência danosa, conforme já apontado no

item 2.2 deste trabalho. 111 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp. 1290051/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI,

TERCEIRA TURMA, julgado em 20/11/2012, DJe 26/11/2012. Em sentido análogo, verificar os seguintes

julgados do STJ: AgRg no REsp 1328978 / RS; AgRg no REsp 1306213 / RS; REsp 1243632 / RS; AgRg no Ag

1353037 / MA. 112 “A associação do dano moral à dor, à angústia, à tristeza deriva da circunstância de que as formas mais

frequentes de expressão dessa espécie de dano estão relacionadas com essas sensações ou esses sentimentos

negativos. Mas o dano moral não se reduz ao sofrimento, podendo, mesmo, dele prescindir.” (ANDRADE, André

Gustavo Corrêa de. Op. cit, p. 37).

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resultado dela decorrente. [...] O ato antecedente não pode ser confundido com a

ocorrência subsequente.113

A mesma crítica encimada é reiterada por André Gustavo Corrêa de Andrade e

Carlos Roberto Gonçalves:

Tais estados psicológicos, porém, nem sempre constituem o dano em si, mas sua

consequência ou repercussão. Confunde-se, com frequência, o dano com o resultado

por ele provocado. Dano moral e dor (física ou moral) são, então, vistos como um só

fenômeno. Mas o dano (fato logicamente antecedente) não deve ser confundido com

a impressão que ele causa na mente ou no espírito da vítima (fato logicamente

subsequente).114

O dano moral não é a dor, a angustia, o desgosto, a aflição espiritual, a humilhação, o

complexo que sofre a vítima do evento danoso, pois esses estados de espírito

constituem o conteúdo, ou melhor, a consequência do dano.115

Em remate, e já introduzindo o critério seguinte de conceituação do dano moral, são

lúcidas as palavras de Sérgio Cavalieri Filho:

Nessa perspectiva, o dano moral não está necessariamente vinculado a alguma reação

psíquica da vítima. Pode haver ofensa à dignidade da pessoa humana sem dor, vexame,

sofrimento, assim como pode haver dor, vexame e sofrimento sem violação da

dignidade. Dor, vexame, sofrimento e humilhação podem ser consequências, e não

causas. Assim como a febre é o efeito de uma agressão orgânica, a reação psíquica da

vítima só pode ser considerada dano moral quando tiver por causa uma agressão à sua

dignidade.116

Do exposto, verifica-se que a identificação do dano moral como alteração do estado

anímico despertou a necessidade de ir mais além, em busca da real causa propulsora do

fenômeno, que apresenta o rebaixamento psicológico da vítima como uma possível, mas não

necessária, consequência.

2.4.3 Do dano moral como violação aos direitos da personalidade e à cláusula de dignidade

A busca pela melhor conceituação do dano moral culminou com a identificação

entre tal instituto e a espécie de direito lesionado, afinal, por esse ângulo, afasta-se a perquirição

anímica do sujeito lesado, em privilégio do critério fixo e determinado da tipologia de direito

vergastado pelo ato lesivo, o que, inclusive, conforme nota Sérgio Cavalieri Filho, amplia a

zona de identificação do dano moral, maximizando, portanto, a tutela da dignidade humana.

Vejam-se as palavras do citado autor:

113 RESEDÁ, Salomão. Op. cit, p. 133. 114 ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Op. cit, p. 36. 115 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 8. Ed. São Paulo: Saraiva, 2003. 2 v, p. 548. 116 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit, p. 89.

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Com essa ideia abre-se espaço para o reconhecimento do dano moral em relação a

várias situações nas quais a vítima não é passível de detrimento anímico, como se dá

com doentes mentais, as pessoas em estado vegetativo ou comatoso, crianças de tenra

idade e outras situações tormentosas.117

Tal concepção ganha força perante o atual contexto constitucional, em que se

enaltece a proteção aos direitos da personalidade118, sob o pálio hermenêutico do princípio da

dignidade da pessoa humana119.

Nesse sentido, para Sérgio Cavalieri Filho, o dano moral deve ser compreendido a

partir de sua contextualização com a CRFB/88, ao que defende a visualização de tal tipologia

de dano sob dois enfoques: em sentido estrito, albergando de forma genérica qualquer violação

do direito à dignidade humana; e em sentido amplo, envolvendo aspectos que sustenta não

estarem diretamente atrelados à dignidade, o que denomina de “novos direitos da

personalidade”, tais quais a imagem, o bom nome, a reputação, os sentimentos, as relações

afetivas, os gostos, as convicções políticas, religiosas, filosóficas e os direitos autorais120.

De fato, a partir da ordem constitucional organizada com a atual Carta Magna,

instaurou-se uma novel sistemática em que a proteção à dignidade humana se consagrou no

topo do ordenamento jurídico, servindo-lhe como fundamento, na dicção do art. 1º, III da

CRBF/88121.

Portanto, a noção de dano moral deve guardar vinculação com o imperativo de

proteção constitucional à dignidade e, nesse sentido, é imprescindível saudar o pensamento da

117 Ibidem, loc. cit. 118 BRASIL. CRFB/88. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se

aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à

segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a

imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

[...]. 119 Tal concepção também já foi acolhida pelo STJ, no seguinte julgado: “DIREITO CIVIL. RECURSO

ESPECIAL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. ACIDENTE EM OBRAS DO RODOANEL

MÁRIO COVAS. NECESSIDADE DE DESOCUPAÇÃO TEMPORÁRIA DE RESIDÊNCIAS. DANO MORAL

IN RE IPSA. 1. Dispensa-se a comprovação de dor e sofrimento, sempre que demonstrada a ocorrência de ofensa

injusta à dignidade da pessoa humana. 2. A violação de direitos individuais relacionados à moradia, bem como da

legítima expectativa de segurança dos recorrentes, caracteriza dano moral in re ipsa a ser compensado.[...].”

(BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1292141/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA

TURMA, julgado em 04/12/2012, DJe 12/12/2012). 120 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op.cit, p. 88, 99. Em semelhante norte segue o pensamento de Pablo Sotolze

Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, veja-se: “O dano moral consiste na lesão de direitos cujo conteúdo não é

pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro. Em outras palavras, podemos afirmar que o dano moral é

aquele que lesiona a esfera personalíssima da pessoa (seus direitos da personalidade), violando, por exemplo, sua

intimidade, vida privada, honra e imagem, bens jurídicos tutelados constitucionalmente.” (GAGLIANO, Pablo

Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op. cit, p. 101). 121 BRASIL. CRFB/88. Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e

Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III

- a dignidade da pessoa humana; [...].

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doutrinadora Maria Celina Bodin de Moraes, que constrói uma conceituação civil-

constitucional de dano moral, através do que denomina “cláusula geral de tutela da pessoa

humana”, sob a base da proteção da dignidade. Veja-se:

Nesse sentido, o dano moral não pode ser reduzido à lesão a um direito da

personalidade, nem tampouco ao efeito extrapatrimonial a um direito subjetivo,

patrimonial ou extrapatrimonial. Tratar-se-á sempre de violação da cláusula geral de

tutela da pessoa humana, seja causando-lhe um prejuízo material, seja violando direito

(extrapatrimonial) seu, seja, enfim, praticando em relação à sua dignidade, qualquer

mal evidente ou perturbação, mesmo se ainda não reconhecido como parte de alguma

categoria jurídica.122

O norte apontado pela autora parece ser o que mais condiz com o imperativo de

tutela da dignidade emanado da CRFB/88, já que não se amarra em qualquer limitação

categórica, abrangendo, assim, de forma ampla e genérica a proteção da integridade psicofísica,

igualdade, solidariedade e liberdade humanas 123 , envolvendo, por conseguinte, de forma

completa todo evento caracterizador de ofensa ao indivíduo em si, o que é capaz de englobar

figuras aparentemente autônomas, como o dano estético e o dano existencial 124 , que,

impreterivelmente, se reportam à tutela do indivíduo em sua essência.

É importante mencionar que essa forma de conceituação não está imune a críticas,

que são construídas a partir do raciocínio bem ilustrado pelas palavras de José de Aguiar Dias

já mencionadas quando da abordagem da diferenciação entre a lesão de direito e seus efeitos125.

Seguindo tal ideia, conceituar dano moral a partir da categoria de direito lesionado redundaria

em confusão entre consequência (o dano em si) e causa (lesão de direito)126.

Ocorre que a crítica apontada parece pecar por demasiado apego em tentar

identificar uma alteração da realidade (efeito danoso) como consequência de uma lesão de

direito, o que, possivelmente, advém de um dogma herdado da categoria dos danos materiais,

122 MORAES, Maria Celina Bodin de. Op. cit, p. 183, 184. 123 Ibidem, loc. cit. 124 Salienta-se que, apesar do posicionamento adotado neste trabalho ao tratar o dano estético e o dano existencial

como espécies do gênero dano moral, existem vozes contrárias que defendem a autonomia de tais tipologias, com

destaque para a pacífica jurisprudência sumulada do Superior Tribunal de Justiça a respeito da possibilidade de

cumulação do dano estético com dano moral, conforme será abordado no item 3.1.5; no que tange ao dano

existencial, menciona-se o posicionamento de Flaviana Rampazzo Soares, que o considera como espécie do gênero

dano extrapatrimonial, que se desdobra em diversos ramos, a exemplo do dano moral e dano existencial (SOARES,

Flaviana Rampazzo. Op. cit). 125 Cf. item 2.2. “A distinção [entre dano moral e material], ao contrário do que parece, não decorre da natureza do

direito, bem ou interesse lesado, mas do efeito da lesão, do caráter e da repercussão sobre o lesado. De forma que

tanto é possível ocorrer dano patrimonial em consequência de lesão a um bem não patrimonial como dano moral

em resultado de ofensa a bem material.” (DIAS, José de Aguiar. Op. cit, p. 812). 126 Perceber que tal crítica possui a mesma essência argumentativa da que se volta contra a visão de dano moral

como perturbação subjetiva; o mesmo fundamento é aqui utilizado por ângulo diverso para atacar também o dano

moral como violação de direitos da personalidade.

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que, contudo, dada sua ontológica particularidade, não é de todo aplicável aos danos morais,

haja vista que, nesta seara da responsabilidade civil, os efeitos da lesão de direito (abalo

psicofísico) podem ser silenciosos, ou mesmo inexistentes, não sendo seguro, portanto, vincular

a responsabilidade à constatação de fator tão volátil.

Nesse sentido são as palavras de André Gustavo Corrêa de Andrade:

A falha da argumentação [da crítica em monta] se encontra exatamente na analogia

(de todo imperfeita) que se pretende fazer entre o dano moral e o dano patrimonial. A

diversidade de natureza dos bens atingidos impossibilita a aproximação das duas

espécies de dano. A associação do dano moral à dor, ao sofrimento ou a outros

sentimentos negativos decorre da concepção usual de que o dano se identifica, sempre,

com alguma alteração naturalística (ainda que no plano psicológico) provocada por

algum comportamento ou acontecimento.127

Urge salientar que, com isso, não se quer dizer que os danos morais prescindem de

dano para sua constatação, o que seria uma total contradição. Na verdade, o cume do raciocínio

em exposição resulta na identidade, na seara dos danos morais, entre causa e consequência128,

é dizer: dado o valor intrínseco129 da dignidade humana, o seu desrespeito já representa o

próprio dano moral; a causa do dano moral é a violação da dignidade, e o dano consequente

cinge-se na violação em si.

Obtempera-se que a jurisprudência atual do Superior Tribunal de Justiça tem

reiteradamente atrelado o dano moral ao malferimento do direito extrapatrimonial violado, sem

vinculação a sentimentos subjetivos da vítima, o que é evidente em casos nos quais se menciona

os chamados danos morais in re ipsa, veja-se exemplo:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.

PROCESSUAL CIVIL E RESPONSABILIDADE CIVIL. ART. 535, II, DO CPC.

ALEGAÇÃO GENÉRICA DE VIOLAÇÃO. NÃO INDICAÇÃO DO PONTO

OMISSO. SÚMULA 284/STF. DANO MORAL. CONVICÇÃO FIRMADA COM

BASE NOS ELEMENTOS INFORMATIVOS DA LIDE. SÚMULA 7/STJ. ABALO

PSICOLÓGICO. DESNECESSIDADE DE PROVA CABAL A RESPEITO, EM SE

TRATANDO DE DANO IN RE IPSA. REGIMENTAL NÃO PROVIDO. [...] 3. Em

se tratando de dano in re ipsa - aquele que decorre do próprio fato por si só capaz de

configurar juridicamente o dano moral -, faz-se desnecessária prova cabal do abalo

127 ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Op. cit, p. 41. 128 Perceber que, diferente da dignidade humana que, per si, é dotada de valor, os bens materiais somente

expressam sua importância jurídica a partir do reflexo pecuniário deles emanado, razão pela qual se exige, para a

configuração dos danos materiais, uma alteração naturalística (efeito danoso em concreto), para fins de

responsabilidade civil. 129 Tal ratio deriva da noção kantiana segundo a qual “o homem – e, de uma maneira geral, todo o ser racional –

existe como fim em si mesmo, e não apenas como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Em todas

as suas ações, pelo contrário, tanto nas direcionadas a ele mesmo como nas que o são a outros seres racionais, deve

ser ele sempre considerado simultaneamente como fim”. (KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos

Costumes. São Paulo: Marin Claret, 2008, p. 58. Tradução de: Leopoldo Holzbach).

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psicológico, a despeito de, no caso, o Tribunal local ter firmado convicção quanto à

sua ocorrência. [...].130

Em complementação, importa evidenciar, contudo, que a formal violação de uma

norma que se volte à concretização da máxima da dignidade não basta, conforme a

jurisprudência predominante no STJ, para a configuração do dano moral indenizável, sendo,

para tanto, indispensável que a violação da norma repercuta em material malferimento da

cláusula de dignidade131.

Nesse contexto, foi desenvolvido o conceito de mero aborrecimento, para

representar situações em que, embora se identifique uma ilicitude, não se tem, em concreto,

afronta suficientemente capaz de violar a dignidade, não gerando, portanto, indenização132.

Por fim, importa esclarecer que tudo o que foi dito a respeito da vinculação entre

dano moral e proteção da dignidade da pessoa humana, por óbvio, não se aplica quando da

visualização do dano moral sobre pessoa jurídica133, cujo fundamento se reporta ao fato de ela

130 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AREsp 619.795/RJ, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO,

QUARTA TURMA, julgado em 09/06/2015, DJe 30/06/2015. Em mesmo sentido, dentre outros: AgRg no AREsp

661.456/BA, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/05/2015, DJe

15/06/2015 e AgRg no REsp 1229324/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA,

julgado em 15/09/2015, DJe 28/09/2015. 131 Aqui, é interessante uma analogia com os conceitos de tipicidade penal, que pode ser classificada como formal

ou material. A tipicidade formal se reporta à subsunção de um ato ao tipo legal previsto em lei; a tipicidade material

qualifica a conduta que, em concreto, além da tipicidade material, também é capaz de ofertar afronta ao bem

jurídico protegido (GRECO. Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. 12 ed. Niterói: Impetus, 2010, 1 v, p.

152). Assim, para que se visualize o dano moral indenizável, é necessário que o bem jurídico (direito da

personalidade/dignidade humana) seja atacado de forma relevante, dentro de um parâmetro de razoabilidade. 132 A exemplo, veja-se a seguinte ementa de julgado do STJ: “AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO

ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE PROCEDIMENTO CIRÚRGICO DE GASTROPLASTIA

REDUTORA (CIRURGIA BARIÁTRICA). RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL NÃO

CONFIGURADO. AGRAVO IMPROVIDO. 1. O colendo Tribunal de origem entendeu que, embora "a autora já

padeça de algumas comorbidades típicas daqueles que sofrem de obesidade mórbida, sua saúde, de uma forma

geral, ainda não foi comprometida de modo irreversível, sendo que a realização da cirurgia possui exatamente o

escopo de evitar o agravamento das patologias que certamente decorrerão dessa condição". Desse modo, concluiu

que a simples negativa de cobertura de cirurgia bariátrica não pode ensejar, de plano, dano moral. 2. Quando a

situação experimentada não tem o condão de expor a parte a dor, vexame, sofrimento ou constrangimento perante

terceiros, não há falar em dano moral, uma vez que se trata de circunstância a ensejar aborrecimento ou dissabor,

mormente em se tratando de mero descumprimento contratual que, embora tenha acarretado aborrecimentos, não

gerou maiores danos à recorrente. 3. Agravo regimental não provido.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça.

AgRg no AREsp 713.545/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 08/09/2015, DJe

01/10/2015). 133 Sobre a possibilidade de a pessoa jurídica sofrer danos morais, o STJ pacificou o entendimento por meio da

súmula n° 227, veja-se: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.”. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça.

Súmula 227, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/09/1999, DJ 08/10/1999 p. 126.). Em sentido contrário e em

posição minoritária, é interessante a transcrição da lição de Pablo Malheiros da Cunha Frota: “Defende-se, contudo,

que a pessoa jurídica não pode sofrer dano moral, porque ela não é titular de direitos da personalidade, não possui

as características inerentes às pessoas humanas e a lesão que sofrem sua imagem-atributo, a privacidade, a firma

ou a denominação social, o título do estabelecimento, a marca, a liberdade de associação, de expressão, de atuação

e de imprensa que repercute materialmente (produção de riqueza) ou institucionalmente na atividade desenvolvida.

Não se pode atribuir aprioristicamente os direitos da personalidade às pessoas jurídicas, que seriam tratados sob a

veste patrimonialista e à sombra dos direitos da propriedade, sob pena de comprometer a tábua axiológica

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também possuir atributos objetivos de personalidade dotados de proteção jurídica, embora não

esbanje o direito à dignidade, que é subjetivamente vinculado ao ser humano134.

2.4.4 Da nomenclatura

Esclarecidos os debates conceituais acerca do dano moral, é salutar fazer uma breve

abordagem a respeito de sua nomenclatura, que, assim como o próprio conceito, também é alvo

de inúmeras discussões doutrinárias.

A primeira crítica que se faz é quanto à falsa impressão que a terminologia “dano

moral” gera, apontando, ao menos etimologicamente, para um prejuízo na ordem moral

(extrajurídica) do sujeito, enquanto, em verdade, tal dano se inscreve em uma seara jurídica de

tutela135.

São criticadas também as expressões “danos extrapatrimoniais”, “danos imateriais”,

“danos não patrimoniais” e demais correlatas, dada a vinculação de tais expressões a uma

conceituação negativa (por exclusão) do dano moral136.

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho ponderam ainda que a expressão

“danos extrapatrimoniais” desprestigia o conceito de patrimônio moral, ao que aconselham a

utilização da nomenclatura “dano não material”137 . Já André Gustavo Corrêa de Andrade

especula que a melhor nomenclatura seria a terminologia “dano à pessoa”, como forma de

alusão aos direitos da personalidade138.

constitucional.”. (FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. Dano Moral e Pessoa Jurídica. In: RODRIGUES JUNIOR,

Otavio Luiz; MAMEDE, Gladston; ROCHA, Maria Vital da. Responsabilidade Civil Contemporânea: Em

Homenagem a Sílvio de Salvo Venosa. São Paulo: Atlas, 2011, p. 557). 134 Sobre o assunto, leciona Carlos Roberto Gonçalves: “Malgrado não tenha direito à reparação do dano moral

subjetivo, por não possuir capacidade afetiva, [a pessoa jurídica] poderá sofrer dano moral objetivo, por ter

atributos sujeitos à valoração extrapatrimonial da sociedade, como o conceito e bom nome, o crédito, a probidade

comercial, a boa reputação etc.” (GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit, p. 547). 135 Nesse sentido: “O vocábulo ‘moral’ remete aos domínios do espírito humano, o que sugere que o dano moral

seja aquele que invade e afeta esses domínios. A expressão é equivoca, pois o dano não é moral, mas jurídico, já

que dele se ocupa o Direito, não a moral.”. (ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Op. cit, p. 42). Em suporte de

tal ideia, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho afirmam que: “adotamos a expressão ‘dano moral’

somente por este estar amplamente consagrada na doutrina e jurisprudência pátria. Todavia reconhecemos que ela

não é tecnicamente adequada para qualificar todas as formas de prejuízo não fixável pecuniariamente.”.

(GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op. cit, p. 102). 136 “Além disso, essas denominações acabam por preservar uma indesejável concepção patrimonialista do dano,

porque faz com que este gire sempre em torno da ideia de patrimônio, tomando-o como ponto de referência (o que

não é patrimonial seria, por exclusão, extrapatrimonial, não patrimonial ou imaterial), quando o centro de toda

consideração deve ser a pessoa humana.” (ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Op. cit, p. 42). 137 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op. cit, p. 102. 138 Salienta-se que o autor faz alusão a tal termo em lembrança da nomenclatura utilizada pelos países da Common

Law, em suas palavras: “Nos países do common law, aliás, é corrente a distinção entre o dano à pessoa (personal

tort), que abrange os danos em geral à pessoa, à sua reputação, aos seus sentimentos, e o dano à propriedade

(property tort), que envolve os danos à propriedade e ao patrimônio material em geral.” (ANDRADE, André

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Nota-se que as querelas que circundam a terminologia empregada no batismo do

instituto em apreço refletem, antes de uma problemática de cunho prático, a dificuldade

linguística em expressar de forma adequada um conceito do qual muito ainda se debate.

Destarte, sem maiores apegos gramaticais, mormente em atenção à consagração

empírica de uma diversidade de termos voltados à denominação dos “danos morais”, o presente

trabalho não se fixará em qualquer expressão específica, utilizando, portanto, indistintamente

todas como sinônimas.

2.4.5 Do dano estético

Explicado o que vem a ser o dano moral, é necessário que se teçam algumas

considerações sobre o chamado dano estético, que é fruto de uma construção notadamente

doutrinária e jurisprudencial, responsável por alçar tal categoria como forma de prejuízo

passível de autônomo sancionamento indenizatório, conforme insculpido no enunciado da

súmula n° 387 do Superior Tribunal de Justiça, assim ditada: “É lícita a cumulação das

indenizações de dano estético e dano moral.”139.

Tal noção está relaciona a hipóteses em que o agente lesiona o corpo da vítima,

maculando-a em sua integridade física. Esclarece-se que a razão do dano estético não está

vinculada com “a vergonha que possa ficar exposta a vítima em face de terceiros, pois, ainda

que ocultas as deformidades, tais danos ensejam indenização, se causa de sofrimento.”140.

Urge salientar que o embasamento legal para o enaltecimento do dano estético à

condição de instituto próprio consiste na norma positivada no art. 949141 do CCB/02, no qual,

da parte em que se reporta a “algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido”,

concluiu-se pelo enquadramento dos danos estéticos142.

Apesar de a jurisprudência considerar o prejuízo estético uma forma específica de

dano, parece assistir maior razão a Sérgio Cavalieri Filho, ao considerar que o dano estético “é

Gustavo Corrêa de. Op. cit, p. 44). 139 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 387, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/08/2009, DJe

01/09/2009. 140 NADER, Paulo. Op. cit, p. 93. Interessante notar nas palavras do autor referência ao sofrimento da vítima como

causa do dano estético. Com tal posição, contudo, não se concorda, haja vista que o sofrimento é uma consequência

não necessária, cingindo-se a causa do dano na violação ao bem jurídico em tutela, em equivalência à teoria

abordada sobre os danos morais. 141 BRASIL. CCB/02. Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das

despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o

ofendido prove haver sofrido. 142 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit, p. 113.

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modalidade de dano moral e que tudo se resume a uma questão de arbitramento143. Em razão

de sua gravidade e da intensidade do sofrimento, que perdura no tempo, o dano moral deve ser

arbitrado em quantia mais expressiva quando a vítima sofre deformidade física.”144.

Ainda sobre tal assunto, é interessante o raciocínio de Rui Stoco ao esclarecer que,

diante de uma deformidade física, dois podem ser os caminhos: primeiramente, se o dano físico

for reversível, o dano estético será solucionado em dano material (preço da cirurgia reparadora),

contudo, na hipótese de a mácula ser permanente, o dano estético dará ensejo a uma indenização

por danos morais145.

Ao pensamento retromencionado, adiciona-se que não se devem olvidar eventuais

danos morais surgidos, mesmo que possível a reparação da lesão estética através de cirurgia,

afinal a cláusula da dignidade humana pode ser atacada em decorrência da própria exposição

da vítima a procedimento médico, que, se não fosse a conduta do ofensor, seria desnecessário146,

configurando-se, assim, caso de cumulação de danos materiais e morais147.

De toda sorte, como espécie de dano moral ou não, é cediço que o regime jurídico

ao qual está submetido o denominado dano estético é equivalente àquele, já que pautado nos

mesmos parâmetros de liquidação e voltados à proteção de idêntico interesse (dignidade

humana), razão pela qual não se faz necessário, para este trabalho, maior aprofundamento a

respeito da temática148.

143 Em mesmo sentido é a lição de Rui Stoco: “A discussão que se deve travar, data venia, não é propriamente

conceitual, acerca da autonomia do dano moral in genere e do dano estético enquanto espécie, quando estes são

separáveis ou inconfundíveis, mas quantitativa, pois em casos tais deve-se considerar a repercussão da dupla

agressão moral no quantum a ser fixado a título de compensação.” (STOCO, Rui. Op. cit, p. 1410). 144 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit, p. 114. 145 STOCO, Rui. Op. cit, p. 1411. 146 Em demonstração de tal raciocínio, já decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo, veja-se a ementa:

“INDENIZAÇÃO DANOS MATERIAIS E MORAIS - ERRO MÉDICO Autora operada em membro saudável

Ausência de sequelas em razão da cirurgia Não provado que do erro médico decorreu incapacidade para o trabalho

SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA - Realização de cirurgia desnecessária em membro saudável caracteriza

dano moral indenizável. [...].” (BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. 62162420038260114 SP 0006216-

24.2003.8.26.0114, Relator: Flavio Abramovici, Data de Julgamento: 31/07/2012, 2ª Câmara de Direito Privado,

Data de Publicação: 01/08/2012). 147 A possibilidade de cumulação de danos materiais e morais e pacifica na jurisprudência pátria, na forma da

sumula n° 37 do STJ, leia-se: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo

fato.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 37, CORTE ESPECIAL, julgado em 12/03/1992, DJ

17/03/1992 p. 3172, REPDJ 19/03/1992 p. 3201). 148 Ilustrando a forma equivalente de tratamento entre ambos os tipos de dano, cita-se a seguinte ementa de julgado

do STJ: “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.

ACIDENTE DE TRÂNSITO. AMPUTAÇÃO DE MEMBRO INFERIOR. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 393 E 944

DO CC/2002. SÚMULA 7/STJ. INDENIZAÇÃO. DANO ESTÉTICO E DANO MORAL. CUMULAÇÃO.

AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Alterar as conclusões do julgado quanto à ocorrência de

responsabilidade da empresa ora recorrente demandaria reexame de provas, o que é vedado pela Súmula 7/STJ. 2.

Observando o enunciado da Súmula 387/STJ, o juízo de piso fixou danos morais e estéticos em montante global

razoável, nem exorbitante nem irrisório, o que obsta a revisão por esta Corte Superior 3. Agravo regimental a que

se nega provimento. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AREsp 646.804/RJ, Rel. Ministro RAUL

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Vista a base conceitual dos danos morais, importa ingressar no curso histórico em

que desenvolvida tal ideia no Brasil.

2.5 Um breve histórico do dano moral no Brasil

Apesar do hoje pacífico reconhecimento da indenizabilidade do dano moral no

Brasil, é importante não esquecer toda a evolução do pensamento que culminou com o estado

de doutrina atual, o que se faz importante como estrutura teórica capaz de auxiliar a

compreensão do instituto em voga e como introdução da matéria central do capítulo seguinte,

que abordará os critérios de liquidação da indenização por danos morais, com foco na análise

da juridicidade do fator punitivo.

Em suma, é possível esconjuntar o processo de acolhimento dos danos morais na

ordem brasileira em três momentos: em uma primeira fase, o dano moral era totalmente negado;

em uma segunda etapa, passou-se a reconhecer o instituto de forma precária e restrita a

hipóteses expressamente positivadas; e, em um último momento, consagrou-se a ampla

reparabilidade dos danos morais, conforme será a seguir apresentado.

2.5.1 A fase de negação total

Em uma primeira etapa, destaca-se que a sistemática civil era marcada pelo critério

da patrimonialidade, em muito devido à influência do Código de Napoleão149, o que resultou

no desprestígio do ser humano como dotado de valor em si e consequente indiferença jurídica

quanto aos hoje conhecidos danos morais, conforme esclarece Salomão Resedá:

O materialismo exacerbado impossibilitava uma hermenêutica assecuratória da ampla

proteção ao ser humano como um valor próprio. O patrimônio funcionava como eixo

indispensável para toda engrenagem jurídica, o que deixava o ser humano na condição

de subalterno em relação ao aspecto econômico, sendo-lhe reservadas apenas algumas

poucas e raras previsões normativas. [...] Em consequência, a responsabilidade civil

era encarada apenas como forma de obrigar o ofensor a garantir o status quo ante ao

ofendido, evitando que este viesse a arcar com os prejuízos decorrentes do ato ilícito

praticado por aquele. Era inaceitável pensar na possibilidade de ressarcimento por

dano moral. Ora, se essa espécie de proteção não visava assegurar nenhum direito

patrimonial ou produtor de riqueza, não havia razão para que o ordenamento civil

incidisse sobre ele com as ferramentas em estudo.150

ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 18/08/2015, DJe 03/09/2015). 149 RESEDÁ, Salomão. Op. cit, p. 93. 150 Ibidem, p. 94.

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Tal fase perdurou do Brasil Colonial (época da vigência das Ordenações do Reino

de Portugal) e somente teve absoluto fim com a promulgação da CRFB/88, em que se consagrou

definitivamente o pleno sancionamento dos danos morais. Todavia, é interessante mencionar

que, desde o advento do primeiro Código Civil brasileiro (Lei n° 3.071/1916), surgiram as

primeiras teses de defesa acerca do reconhecimento dos danos morais151.

2.5.2 O reconhecimento restrito

Progressivamente, passou-se a elevar o valor da essência humana, ao que se destaca

o contexto após a Segunda Guerra Mundial, oportunidade em que, segundo enfatiza Salomão

Resedá:

O homem não era mais um subalterno ao patrimônio. Ele se encontrava num momento

de transição no qual se erguia a condição de quase insignificância imposta pelas leis

elaboradas pelos burgueses do século XVIII. Percebe-se que mais importante do que

os bens economicamente mensuráveis era o ser humano, e que, em razão disso, ele

necessitava de ampla proteção152.

Destarte, esparsos instrumentos normativos passaram a positivar hipóteses

específicas de sancionamento, em que seria possível enquadrar os danos morais, conforme se

verifica com o Decreto n° 2.681/1912 (sobre responsabilidade civil nas estradas de ferro), Lei

n° 4.117/62 (Código Brasileiro de Telecomunicações), Lei n° 4.737/65 (Código Eleitoral), Lei

n° 5.250/67 (Lei de Imprensa) e Lei n° 5.988/73 (Lei dos Direitos Autorais)153.

Quanto ao Código Civil de 1916, importa frisar que ele não possuía uma

preocupação específica em face do dano moral, no entanto também não o obstava cabalmente,

deixando em aberto alguns caminhos que deram ensejo ao amadurecimento do instituto154 .

Nesse sentido, Silvo de Salvo Venosa afirma que:

O Código Civil de 1916, no art. 159 (novo, art. 186), reportara-se ao dano de forma

genérica e não vedou, de forma alguma, a indenização por dano moral. Há dispositivos

no Código que admitiram expressamente o dano moral como no caso de lesão corporal

que acarreta aleijão ou deformidade ou quando atinge mulher solteira ou viúva, capaz

de casar (art. 1.538); na hipótese de ofensa à honra da mulher por defloramento,

promessa de casamento ou rapto (art. 1.548); na ofensa à liberdade pessoal (art. 1.550);

nas hipóteses de calúnia, difamação ou injúria (art. 1.547). Nesses casos, a

indenização é autorizada com base na multa criminal para as hipóteses.155

151 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op. cit, p. 110. 152 RESEDÁ, Salomão. Op. cit, p. 98. 153 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op. cit, p. 111. 154 RESEDÁ, Salomão. Op. cit, 102. 155 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. v. 4, p. 202.

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Assim, essa fase de reconhecimento restrito, embora ainda não amplamente

acolhedora da figura dos danos morais, preludiou a temática, que somente ganhou maior corpo

com a CRFB/88, instauradora o pleno reconhecimento de tal tipologia de danos.

2.5.3 O pleno reconhecimento

A partir da promulgação da Carta Magna de 1988, alçou-se a indenização

decorrente de dano moral ao patamar de direito fundamental, com a consequente inserção de

tal ideia no bojo do art. 5°, V e X da CRFB/88156.

Sendo assim, eliminou-se qualquer dúvida acerca do sancionamento civil dos danos

morais, o que ocorreu como corolário da homenagem prestada pela novel rede axiológica

constitucional ao princípio da dignidade humana e aos direitos da personalidade, que passaram

a compor o norte hermenêutico de todo o ordenamento jurídico, incluindo, por conseguinte, a

responsabilidade civil.

Em exposição do pensamento em amanho, são claras as palavras de Maria Celina

Bodin de Moraes:

O dano moral tem como causa a injusta violação a uma situação jurídica subjetiva

através da cláusula geral de tutela da personalidade que foi instituída e tem sua fonte

na Constituição Federal, em particular e diretamente decorrente do princípio (fundante)

da dignidade da pessoa humana (também identificado como o princípio geral de

respeito à dignidade humana).157

Com efeito, os diplomas normativos inaugurados após 1988 não se intimidaram em

trazer de forma expressa a consagração da ideia da indenização por danos morais, com destaque

para o CCB/02 e para o CDC.

2.6 Da natureza jurídica da indenização por dano moral

Compreendido o processo evolutivo e o conceito dele resultante acerca do dano

moral, importa explorar ainda a natureza jurídica da indenização correlata, pois, assim, formar-

156 BRASIL. CRFB/88. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se

aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à

segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo,

além da indenização por dano material, moral ou à imagem; [...] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada,

a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua

violação; [...]. 157 MORAES, Maria Celina Bodin de. Op. cit, p. 133.

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se-ão as bases para a delimitação da responsabilidade civil, no que tange ao processo de

sancionamento da lesão extrapatrimonial.

Três são as principais vertentes que expõem a natureza jurídica da indenização por

danos morais, quais sejam: teoria da pena, teoria da compensação e, por último, teoria mista.

Tais pensamentos serão agora explorados.

2.6.1 Teoria da pena

Para que se compreenda o raciocínio que envolve a teoria da pena, é preciso

perceber que, quando das discussões acerca do reconhecimento jurídico do dano moral, dois

grandes argumentos desfavoráveis 158 à aceitação de tal modalidade de lesão surgiram: o

primeiro foi a impossibilidade de se realizar uma efetiva reparação do dano, e o segundo se

reporta à imoralidade em se compensar uma dor com dinheiro159.

A primeira objeção (impossibilidade de efetiva reparação) advém da ontológica

diferenciação entre o objeto lesado e o meio de sanção (indenização) e é apontado, por parte da

doutrina, como “o mais sério argumento contra a reparação de dano moral”160.

Em fato, o bem malferido por um dano moral não é passível de reparo (devolução

ao status quo ante) por meio de uma indenização, afinal, em essência, o meio de reparação não

corresponde qualitativamente ao objeto que visa restaurar. Partindo de tal ideia, os defensores

da teoria da pena levantaram a tese de que a indenização por danos morais, já que incapaz de

se voltar em benefício reparatório, deveria encarnar teor punitivo, pois, assim, estaria, em

último plano, operando fator de desestímulo atuante na dissuasão do ato danoso161.

158 Em estudo específico, Zulmira Pires de Lima elencou de forma didática um sumário dos argumentos balizados

contra o reconhecimento jurídico dos danos morais, veja-se: “1.° Falta de um efeito penoso durável; 2.° A incerteza

nesta espécie de danos, de um verdadeiro direito violado; 3.° A dificuldade de descobrir a existência do dano; 4.°

A indeterminação do número de pessoas lesadas; 5.° A impossibilidade de uma rigorosa avaliação em dinheiro; 6.°

A imoralidade de compensar uma dor com dinheiro; 7.° O ilimitado poder que tem de conferir-se ao juiz; 8.° A

impossibilidade jurídica de admitir-se tal reparação.‘’ (LIMA, Zulmira Pires de. Algumas considerações sobre a

responsabilidade civil por danos morais. Boletim da Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra: 2°

suplemento, Coimbra, v. 15, p. 240 apud GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op. cit, p.

114.). Importa perceber que tais arguições, diante do imperativo constitucional de preservação da dignidade

humana e dos direitos da personalidade, sucumbem, afinal, nota-se que as refutações partem, em essência, da

premissa patrimonialista superada com o norte axiológico da atual Lei Maior. 159 CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. 3. ed. São Paulo: Revista Dos Tribunais, 2005, p. 26. 160 RODRIGUES, Silvio. Op. cit, p. 191. 161 Explicando tal noção, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho anunciam que: “[...] a reparação do

dano moral não constituiria um ressarcimento, mas sim uma verdadeira “pena civil”, mediante a qual se reprovaria

e reprimiria de maneira exemplar a falta cometida pelo ofensor. Esta corrente de pensamento não dirigia suas

atenções para a proteção da vítima ou para o prejuízo sofrido com a lesão, mas sim para o castigo à conduta dolosa

do autor do dano.” (GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op.cit, p. 122).

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Tal visão parte de uma perspectiva funcionalista162 do Direito, segundo a qual a

indenização, antes de ser um instituto dogmaticamente desenhado sob o pálio do paradigma da

estrita reparação, constitui ferramenta jurídica capaz de atingir metas voltadas para fins

econômicos e sociais. Assim expõe Diogo Naves Mendonça:

Entre as reflexões acerca do fundamento filosófico da responsabilidade civil, é

comum a contraposição (análoga àquela de que se ocupa a teoria geral do direito)

entre uma compreensão formalista, calcada basicamente – senão exclusivamente – na

ideia de justiça corretiva aristotélica, e uma concepção rival funcionalista, que mira o

direito privado de uma perspectiva externa, enxergando-o como um instrumento para

a obtenção de fins econômicos e sociais.163

Ademais, tal ideia, também se pauta no intuito de castigar o ofensor pelo dano

causado, de forma que não se deixe o sujeito lesante impune diante do mal perpetrado, o que

também satisfaria o desejo de vingança da vítima164.

Interessante observar que a justificativa da punição como forma de tutelar o dano

moral se mostrou presente na evolução da sistemática da Common Law, oportunidade em que,

antes do pleno reconhecimento de tal modalidade de dano, a cediça necessidade de sancionar

as condutas lesivas ao patrimônio moral deu ensejo ao uso dos punitive damages como forma

de se esquivar da impunidade que o desconhecimento do dano moral gerava. Nesse sentido,

vale conferir a lição de Pedro Ricardo e Serpa:

Em razão dessa inicial impossibilidade de ressarcimento pelos prejuízos não materiais

(vez que estes não eram abarcados pelos compensatory damages), ter-se-ia utilizado

os recém desenvolvidos punitive damages como forma de impedir que os detrimentos

suportados pelo demandado não restassem sem tutela.165

No que tange a segunda objeção contra o reconhecimento da indenização por dano

moral (imoralidade de compensar a dor com dinheiro), é interessante colacionar o pensamento

de René Savatier:

162 Sobre a concepção funcionalista do Direito, conferir: BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função. São Paulo:

Manole, 2008. 163 MENDONÇA, Diogo Naves. Análise Econômica da Responsabilidade Civil: O dano e a sua quantificação.

São Paulo: Atlas, 2012, p. 40. 164 Sobre tal aspecto, conferir: RIPERT, Georges. A regra moral nas obrigações civis. Campinas: Bookseller,

2002. Antecipa-se que não se concorda com o enaltecimento da razão de castigar por si só, uma vez que deve

prevalecer a causa de prevenir, conforme será abordado no item 4.1. 165 SERPA, Pedro Ricardo e. Indenização Punitiva. Op. cit, p. 37. Prosseguindo no raciocínio, o autor vai além e

conclui que, uma vez que a punição era utilizada como forma de ocupar o espaço que, futuramente, seria destinado

à indenização por dano moral, o instituto punitivo estaria desempenhando também uma função compensatória

(compensava o dano moral sofrido pela vítima, que, no entanto, ainda não estava expressamente tutelado pela

sistemática da Common Law então vigente), confiram-se as palavras do autor: “É nesse sentido que se afirma que,

na origem, os punitive damages também exerciam função compensatória: atribuía-se ao instituto, também, a

finalidade de compensar o lesado por prejuízos que, de ordinário, jamais seriam recompostos apenas pela aplicação

dos compensatory damages.” (Ibidem, loc. cit).

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Atribuir à vítima o objetivo de reparar um sofrimento tão grande através de uma

alegria tão vulgar seria torná-la desprezível. É necessário, pois, um outro fundamento

para a sanção pecuniária (...). Ela vem a ser, então, uma pena privada. Imbuídos de

um instituto de justiça e de equilíbrio, os tribunais se recusam a privar de sanção o ato

responsável que tenha causado um grave dano moral.166

Eis, portanto, em suma, os argumentos voltados à vinculação da indenização por

dano moral como de natureza essencialmente punitiva. Tal vertente, conforme se percebe dos

seus argumentos basilares, funda-se em dois pilares: a necessidade de sancionar o dano moral

e, concomitantemente, a inviabilidade (moral e jurídica) de uma via reparatória, o que redunda,

segundo a teoria em apreço, na conclusão pelo imperativo de pena civil como justificativa para

a subsistência do dano moral.

2.6.2 Teoria da compensação

A teoria da pena, embora até hoje possua considerável importância, conforme se

verá quando do estudo da teoria mista, não foi capaz de cativar a maioria dos pensadores, pois

os argumentos que a sustentam foram fortemente combatidos pela ideia segundo a qual, embora

a indenização por dano moral não possua o intuito de subsumir-se qualitativamente à lesão

sofrida (o que seria uma pretensão utópica), ela atua como meio para a satisfação jurídica ou

compensação do ofendido167, e não para a punição do ofensor.

Nesse sentido, são claras as palavras de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona

Filho:

É preciso esclarecer sempre que não há qualquer imoralidade na compensação da dor

moral com dinheiro, tendo em vista que não se está ‘vendendo’ um bem moral, mas

sim buscando a atenuação do sofrimento não se podendo descartar, por certo, o efeito

psicológico dessa reparação, que visa a prestigiar genericamente o respeito ao bem

violado.168

Em continuação, é interessante perceber que, como herança da teoria da diferença169,

parte da doutrina enxerga na compensação uma forma de devolução à vítima do seu contexto

166 SAVATIER, René. Traité de La responsabilité civile em Droit français. 2. ed. Paris: LGDJ, 1951, 2 v, p. 93

apud ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Op.cit, p. 148. 167 Sobre o uso dos termos satisfação e compensação em referência à indenização por danos morais importa

conferir o item 2.3.1, oportunidade em que se destacou que tais expressões foram usadas indiferentemente neste

trabalho. 168 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op. cit, p. 120. 169 “Geralmente, para se fixar o montante da indenização devida, deve-se atender à diferença ente a situação

patrimonial hipotética atual do lesado e a situação patrimonial real na mesma data, ou melhor, o dano mede-se pela

diferença entre a situação existente à data da sentença e a situação que, na mesma data, se registraria, se não fosse

a lesão.” (DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 21. ed. São Paulo:

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anímico anterior 170 (mesmo que de forma parcial), pois os prazeres proporcionados pelo

dinheiro, mesmo que indiretamente, seriam capazes de atenuar o sofrimento. Explicando tal

pensamento, André Gustavo Corrêa de Andrade pronuncia:

É certo que o dano moral não se apaga, nem desaparece pela soma de dinheiro que se

venha a conceder à vítima. A indenização pecuniária atuaria, no entanto, como forma

de aliviar o sofrimento do ofendido. O dinheiro seria, assim, um lenitivo, para que a

vítima pudesse obter alívio para a dor injustamente padecida, permitindo-lhe procurar

satisfações substitutivas.171

Discorda-se, todavia, da visão segundo a qual a compensação se especa no intuito

de ofuscar o sofrimento oriundo do dano moral, por meio do sentimento positivo decorrente da

pecúnia recebida pelo sujeito lesado. Tal discordância se justifica pelo imperativo de não

confusão entre dano moral e sentimentos deletérios decorrentes, que, sequer, são de obrigatória

constatação.

Assim, sustenta-se que a compensação atua como uma maneira de resguardar o bem

jurídico violado por meio de uma sanção pecuniária, mas não tem como causa a vã pretensão

de atenuar eventual sofrimento da vítima, sob pena de a dignidade humana ser tratada como

uma operação aritmética de sentimentos manipulável pela presunção de que a pecúnia seria

capaz de determinar essa hipotética equação.

A compensação, portanto, não se pauta no objetivo de apagar eventual sofrimento

psicológico, mas sim em ofertar uma resposta jurídica que forneça à vítima uma mínima

satisfação, que, dentro da reserva do possível172, deságua na via de uma sanção pecuniária173.

Esclarecidos tais contornos da compensação, evidencia-se que, em combate à ideia

estritamente compensatória da indenização por danos morais e já introduzindo a teoria mista, é

interessante observar o ensinamento de Moreira Alves reproduzido por Sérgio Cavalieri Filho:

[...] a ideia de compensação – substituir a tristeza pela alegria – serve de fundamento

à reparação do dano moral apenas em reação às vítimas de classe humilde, para as

quais um aparelho de televisão, uma viagem, podem atuar como motivo de alegria.

Mas, se esse fosse o único fundamento da reparação do dano moral, a vítima rica, de

muitas posses jamais seria indenizada. Por isso, entende que a reparação pelo dano

moral tem também a natureza de pena privada. É a justa punição contra aquele que

Saraiva, 2007. 7 v, p. 132). Nota-se, portanto, que a teoria da diferença possui base de aplicação nos danos materiais,

não sendo, portanto, devido seu transplante para a compreensão dos danos morais. 170 Salienta-se que não se concorda com tal posicionamento, conforme será tratado no item 4.2.2. 171 ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Op. cit, p. 150. 172 O cerne deste trabalho enfoca a perspectiva da sanção indenizatória, no entanto não se deve olvidar que outras

vias podem ser pensadas para a tutela do dano moral, como o desagravo, o direito de resposta e a contrapropaganda;

tais meios, sim, podem se mostrar condizentes com a ideia de restauração do estado de fato violado pelo dano

moral. 173 A ideia de compensação será detalhada quando do repasse crítico dos critérios de liquidação da indenização por

danos morais. Cf. item 3.2.

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atenta contra a honra, o nome ou a imagem de outrem, pena, esta, que deve reverter

em favor da vítima.174

O pensamento exposto por Moreira Alves é preciso em perceber que o impacto da

sanção indenizatória é distinto a depender dos sujeitos envolvidos na relação de

responsabilidade civil, contudo não se concorda com tal raciocínio, pois, conforme será

detalhado no item 3.2.2, defende-se a injuridicidade de se considerar as condições econômicas

do ofendido como critério para fins de quantificação da indenização por danos morais.

2.6.3 Teoria mista

Em posição majoritária na doutrina e jurisprudência pátria, ressoa a teoria mista

acerca da natureza jurídica da indenização por danos morais. Segundo tal vertente, a sanção

desencadeada em resposta à lesão de direito extrapatrimonial possui ambivalência, uma vez que

representa uma forma de compensação para o beneficiário da indenização e,

concomitantemente, um fator de punição para o agente lesante.

Nesse sentido, destaca-se o enunciado n° 379 aprovado nas Jornadas de Direito

Civil, em que se pacificou o seguinte posicionamento: “O art. 944, caput, do Código Civil não

afasta a possibilidade de se reconhecer a função punitiva ou pedagógica da responsabilidade

civil.”175 . Esclarecendo o entendimento dessa teoria, invoca-se o posicionamento de Maria

Helena Diniz:

Fácil é denotar que o dinheiro não terá na reparação do dano moral uma função de

equivalência própria do ressarcimento do dano patrimonial, mas um caráter

concomitantemente satisfatório para a vítima e lesados e punitivo para o lesante, sob

uma perspectiva funcional. A reparação do dano moral cumpre, portanto, uma função

de justiça corretiva ou sinalagmática, por conjugar, de uma só vez, a natureza

satisfatória da indenização do dano moral para o lesado, tendo em vista o bem jurídico

danificado, sua posição social, a repercussão do agravo em sua vida privada e social

e a natureza penal da reparação para o causador do dano, atendendo a sua situação

econômica, a sua intenção de lesar (dolo ou culpa), a sua imputabilidade etc.176

Salienta-se que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem se mostrado

pacífica a respeito do teor misto da indenização por danos morais, que foi alçado ao patamar de

dogma reiterado na etapa de liquidação da sanção indenizatória em inúmeros julgados, a

exemplo do seguinte, que, com lucidez, esclarece os critérios adotados pela Corte:

174 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit, p. 106, 107. 175 Disponível em: < http://www.cjf.jus.br/CEJ-Coedi/jornadas-cej/enunciados-aprovados-da-i-iii-iv-e-v-jornada-

de-direito-civil/jornadas-de-direito-civil-enunciados-aprovados>. Acesso em: 21 out. 2015. 176 DINIZ, Maria Helena. Op. cit, p. 106.

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RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS.

HOMICÍDIO E TENTATIVA DE HOMICÍDIO. ATOS DOLOSOS. CARÁTER

PUNITIVO-PEDAGÓGICO E COMPENSATÓRIO DA REPARAÇÃO.

RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE NA FIXAÇÃO. UTILIZAÇÃO

DO SALÁRIO MÍNIMO COMO INDEXADOR. IMPOSSIBILIDADE. ART. 475-J

DO CPC. VIOLAÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Na fixação do

valor da reparação do dano moral por ato doloso, atentando-se para o princípio

da razoabilidade e para os critérios da proporcionalidade, deve-se levar em

consideração o bem jurídico lesado e as condições econômico-financeiras do

ofensor e do ofendido, sem se perder de vista o grau de reprovabilidade da

conduta e a gravidade do ato ilícito e do dano causado. 2. Sendo a conduta dolosa

do agente dirigida ao fim ilícito de ceifar as vidas das vítimas, o arbitramento da

reparação por dano moral deve alicerçar-se também no caráter punitivo e pedagógico

da compensação. [...]. (grifo nosso)177

Explanando o norte jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, Diogo Naves

Mendonça aduz que:

Na tentativa de atribuir alguma sistematicidade à postura jurisprudencial firmada, é

possível afirmar que, por uma lado, os Tribunais – em especial, o Superior Tribunal

de Justiça – reconhecem duas funções aos danos morais: a função compensatória e a

função punitiva (também chamada retributiva, educativa, pedagógica, função de

desestímulo, dentre tantas outras expressões, aqui tomadas como sinônimas).

Paralelamente, são definidos diversos critérios à sua quantificação, os quais de alguma

forma guardam relação com as duas funções antes mencionadas. Entre esses critérios,

é possível mencionar: (i) o grau de culpa do ofensor, (ii) a sua capacidade econômica,

(iii) as condições pessoais da vítima, incluindo-se o seu grau de sofrimento, (iv) a

natureza e a gravidade da ofensa.178

Ocorre que a jurisprudência do STJ pacificou de tal forma o referido entendimento

que o debate acerca da quantificação dos danos morais sequer chega a ser alvo de maiores

considerações pelas cortes brasileiras, oportunidade em que as decisões se resumem em

anunciar genericamente os critérios firmados como argumentos retóricos179 para, a seguir,

arbitrarem o valor da indenização por danos morais sem referências mais profundas, que não a

convicção do julgador, o que em muito se deve ao elevado teor de subjetividade que permeia

os fatores adotados como parâmetro de liquidação.

A subjetividade é tanta que nem sequer é possível distinguir o quantum

indenizatório estipulado a título de compensação e de punição, uma vez que, na prática, os

critérios se miscigenam em recursos argumentativos voláteis e de baixa densidade180. Nessa

177 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1300187/MS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA,

julgado em 17/05/2012, DJe 28/05/2012. Em sentido equivalente, conferir os seguintes julgados: REsp 1120971 /

RJ, REsp 839923 / MG, AgRg no AREsp 132553 / RS, REsp 1529820/SE, AgRg no AREsp 633.251/SP, EDcl no

AgRg no AREsp 540.533/PR. 178 MENDONÇA, Diogo Naves. Op. cit, p. 87. 179 “É que a corte responsável por dar a palavra final no assunto vale-se dos termos compensação e punição como

recursos retóricos, em um topos que se reproduz de forma praticamente mecânica.” (Ibidem, p. 90, 91). 180 “Os próprios critérios de que se vale o STJ, acima mencionados, guardam um alto grau de subjetividade, que

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toada, inclusive por honra à norma constitucional que determina a fundamentação das decisões

judiciais (art. 93, IX, CRFB/88), defende-se que, no processo de quantificação dos danos morais,

os pronunciamentos condenatórios ao pagamento de indenização devem ser expressos em

esclarecer, separadamente, o montante que é imposto a título de compensação em sentido mais

estrito e o valor que é atribuído para fins de punição181.

Salienta-se que, apesar de o fator punição se destacar teoricamente como critério de

aumento da simples compensação da lesão, constituindo, portanto, montante pecuniário

aparentemente autônomo (embora nunca quantificado em separado pela jurisprudência), é

interessante perceber que o mecanismo punitivo somente é acionado após a constatação de um

efetivo dano, não sendo viável a deflagração da sanção punitiva sem que exista, em conjunto,

um motivo de compensação, restando patente a acessoriedade da medida, conforme bem

elucidado por Flávio Tartuce:

Contudo, deve ser feito o alerta que esse caráter disciplinador, pedagógico ou

educativo (acessório) somente será possível quando for cabível a reparação (principal).

Não há como atribuir à reparação moral uma natureza punitiva pura, eis que a última

expressão utilizada no art. 927, caput, do CC é justamente a forma verbal da palavra

reparação. A Constituição Federal, ao tratar do tema, também não utiliza a expressão

punição (art. 5.°, V e X). Em reforço, a indenização por danos morais não pode levar

o ofensor, pessoa natural ou jurídica, à total ruína, não sendo esse o intuito da lei.182

(grifos do autor)

Em sentido diverso, é preciso notar o pensamento de André Gustavo Corrêa de

Andrade, que, embora não contrarie a ideia de que o teor punitivo da indenização por dano

moral pressupõe a existência de uma compensação, afirma que, em determinados casos, a

importância da punição se eleva além da função compensatória183, confira-se:

Pode-se até conceber a possibilidade de uma compensação ou satisfação em âmbito

coletivo, mas a falta de uma vítima concreta, individualizada, realça, no dano moral

coletivo, a ideia de punitividade da indenização. Pune-se aquele que agride bens e

interesses coletivos para dissuadir comportamentos semelhantes de sua parte ou da

parte de outros potenciais ofensores. Pode-se dizer que, nas hipóteses de dano moral

tem seus efeitos trágicos potencializados quando se observa que aquele tribunal opta por não definir em que medida

eles estão sendo usados para compensar e em que medida são invocados para punir. Ao final, é simplesmente

impossível saber (i) qual o montante compensatório, (ii) qual o montante punitivo e (iii) como se chegou a cada

um deles. Se deliberada ou não, a postura acaba por criar um indesejável grau de incerteza no que se refere à

indenização por danos extrapatrimoniais.” (Ibidem, p. 90). 181 Indo bem mais além, conforme será visto e devidamente explanado no capítulo derradeiro, a proposta que se

faz neste trabalho é de que a indenização seja purificada de qualquer teor de causa penalizante, assumindo uma

pureza reparatória/compensatória, ao passo que se idealiza um instituto de causa geral de multa civil para dar

guarida ao anseio preventivo/punitivo, devendo a aplicação de cada tipo de sanção ser acompanhado de

correspondente substrato argumentativo. 182 TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. 7. ed. São Paulo:

Gen/Método, 2012, p. 408. 183 Essa matéria voltará a ser tratada quando da teorização sobre a causa geral de multa civil.

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causado a pessoas sem capacidade de sentir ou perceber o dano e no caso de dano

moral coletivo, a indenização é intrinsecamente punitiva.184 (grifos do autor)

Importa ponderar que, apesar de a tese em exploração ser a dominante em termos

doutrinário e jurisprudencial, existem fortes vozes que advogam a incompatibilidade do teor

penal da indenização com os danos morais, o que será analisado com profundidade no próximo

capítulo, mas que, desde já, merece ser objeto de alerta, ao que se fazem eloquentes as palavras

de Marcela Alcazas Bassan em sua dissertação de mestrado:

A ideia de dupla função – compensatória e punitiva – já expressa, em si mesma, uma

incompatibilidade: tenta unir, num mesmo contexto, teorias tão antagônicas. A

indenização sob o enfoque da pena privada e a indenização sob o enfoque da

compensação de dano moral trazem implicações práticas muito distantes entre si, de

modo que, pretender uni-las, num mesmo plano, torna-se algo inconsistente.185

Em reafirmação da teoria mista, André Gustavo Corrêa de Andrade rebate o

argumento da antítese decorrente da conjugação das funções punitiva e compensatória ao

defender que todo o problema de se considerar incompatível a ideia de indenização com a

punição não ultrapassa a fronteira de uma querela meramente terminológica, cominada com o

paradigma de que, na esfera cível, a sanção jurídica para um dano somente poderia ser uma

ferramenta de reparação186.

Em continuidade, é salutar reiterar que, valendo-se das noções de Teoria Geral de

Direito expostas no primeiro capítulo, com ênfase para o pensamento de Francesco Carnelutti187,

verificou-se que a finalidade das sanções, genericamente falando, pode ser visualizada a partir

do critério subjetivo, sob a ótica funcionalista dos efeitos práticos que causam nas partes

envolvidas, o que pode ser transplantado para a relação de responsabilidade civil.

Com efeito, aplicando a noção encimada, nota-se que, independentemente da

existência de fator punitivo expresso em um critério de liquidação, ou mesmo na tipologia de

uma forma indenizatória, a sanção já possui um teor dissuasório intrínseco, o que corrobora a

teoria mista, restando pendente, tão somente, que, por força de política legislativa, enfatize-se,

ou não, a punição por meio de elemento repressivo que, indo além de um efeito meramente

acessório, passe a determinar o teor da indenização.

184 ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Op.cit, p. 164,165. 185 BASSAN, Marcela Alcazas. As funções da indenização por danos morais e a prevenção de danos

futuros. 2009. 145 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Mestrado em Direito, Departamento de Direito Civil,

Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009, p. 70. 186 ANDRADE, André Gustavo Corrêa de . Op. cit, p. 220. 187 Cf. item 2.1.1.

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Sendo assim, uma sanção indenizatória, segundo o ensinamento em monta, com o

qual se concorda, seja em face de danos materiais ou patrimoniais, oferece ao sujeito lesado

uma benesse para fazer frente ao mal sofrido; por outro lado, o ofensor, pelo mero fato de ser

responsável pelo pagamento da indenização, tem sobre si um efeito dissuasório, mesmo que

acessório.

Diante disso, causa espécie o fato de a doutrina e jurisprudência pátrias majoritárias

somente despertarem atenção para o aspecto punitivo dos danos morais 188 (não incluindo,

portanto, os danos materiais), alçando a respectiva indenização além dos limites da

compensação, para albergar verdadeiro critério de penalidade civil a ser expresso não somente

como efeito subjetivo acessório ao valor compensatório, mas sim para compor uma adição

pecuniária apta a enfatizar o natural efeito repressivo que qualquer sanção não premial já possui.

Diferentemente, a exemplo, destaca-se que, nos Estados Unidos, a função punitiva

não é realizada por um mero fator de majoração nas indenizações por danos morais, mas sim

pelo instituto independente dos punitive damages, que se cristaliza através de quesitos próprios

e independentes de vinculação a danos morais, podendo também ser aplicado sobre lesões

patrimoniais, desde que se julgue necessário um maior rigor jurídico para repelir condutas

marcadas por culpa grave ou dolo189.

Feitas tais considerações, formam-se as bases necessárias para ingressar em um dos

assuntos nodais do presente trabalho, qual seja: a perquirição acerca da juridicidade do fator

punição como critério de cálculo da indenização por danos morais, que, apesar de encontrar paz

na jurisprudência nacional, merece repasse crítico, conforme a seguir será atestado.

188 “No Brasil é parca a doutrina sobre as funções punitiva e/ou dissuasória da responsabilidade civil, visando a

alcançar uma finalidade pedagógica e de mudança comportamental. [...] Além disso, é perceptível que tais funções,

quando referidas pelos julgados estão atreladas ao âmbito dos danos morais, o que distancia, de certa forma, a

disciplina do assunto no Brasil, em relação aos demais países da Common Law. Isso porque as prestações

punitivas/dissuasórias como se percebe da análise até o momento realizada, passariam a ser o valor excedente

àquele que se refere aos danos patrimoniais e extrapatrimoniais, não se assemelhando ou subsumindo em quaisquer

destes.” (VAZ, Caroline. Funções da Responsabilidade Civil - da reparação à punição e dissuasão: Os punitive

damages no Direito Comparado e Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 75). 189 Conforme defende Pedro Ricardo e Serpa: “[...] há inúmeros casos nos quais, ainda que os prejuízos decorrentes

do ilícito sejam de cunho exclusivamente patrimonial, os reflexos negativos impostos à sociedade são severos a

ponto de acarretar um ‘rebaixamento imediato do nível de vida da população’, justificando a condenação do

ofensor ao pagamento de indenização cujo valor venha a superar os estritos limites do prejuízo causado à vítima.”

(SERPA, Pedro Ricardo e. Op. cit, p. 250, 251).

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3 DANO MORAL E PUNIÇÃO: UMA ANÁLISE CRÍTICA

Conforme analisado no capítulo anterior, prevalece no âmbito doutrinário 190 e

jurisprudencial o pensamento segundo o qual a indenização por dano moral é dotada de um teor

heterogêneo, em que se conjugam critérios de compensação e de punição na liquidação do

quantum indenizatório, muito embora o resultado de tal processo desencadeie um valor

pecuniário homogêneo, em que não se sabe a parcela destinada a cada uma das finalidades

visadas.

Dito isso, nesta oportunidade, far-se-á uma análise crítica da inserção do fator

punição como critério de quantificação da indenização por danos morais, por meio da exposição

dos argumentos contrários e favoráveis abordados pela doutrina, para, ao final, perquirir acerca

da juridicidade de tal parâmetro de cálculo diante do atual ordenamento jurídico brasileiro.

3.1 De uma análise argumentativa

Boris Stark, citado por José de Aguiar Dias, trata da presente matéria de forma mais

ampla, defendendo, em abstrato, a aceitação do instituto da pena privada 191 , sem

necessariamente vinculá-la aos danos morais, oportunidade em que elencou os seguintes

argumentos em contrário à tese que sustenta:

a) a pena privada repousa sobre a ideia bárbara de vingança;

b) a pena privada é condenada por dupla evolução histórica: abolição constante das

penas e objetivação da responsabilidade civil;

c) a pena privada atenta contra a organização da justiça das democracias, em que se

insere a separação entre direito civil e direito penal;

d) a pena privada afastando-se do princípio da reparação integral, conduz ao

enriquecimento ou empobrecimento da vítima.192

190 Conforme aponta Maria Celina Bodin de Moraes, na doutrina brasileira se destacam como defensores do teor

punitivo dos danos morais: Caio Mario da Silva Pereira, Silvio Rodrigues, Maria Helena Diniz, Sérgio Cavalieri

Filho, José Carlos Moreira Alves, Araken de Assis, dentre inúmeros outros. Contra o caráter punitivo, tem-se: José

Aguiar Dias, Pontes de Miranda, Orlando Gomes e Wilson Melo da Silva. (MORAES, Maria Celina Bodin de. Op.

cit). 191 Sobre a diferença entre pena privada e pena civil, conferir item 4.3.1. Em tal item, explicar-se-á que a ideia que

Boris Starck parece denominar de pena privada soa, no contexto do vocabulário utilizado por esta dissertação,

como hipótese de pena civil, pois se trata de sanção estipulada em lei e independente da vontade das partes. 192 STARCK, Boris. Essai dùne theorie générale de La responsabilité civile consideré em as Double fonction de

garantie et de peine privée. Paris: L. Rodstein. 1947 apud DIAS, José de Aguiar. Op. cit, p. 816.

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Ingressando no tema da inserção da indenização punitiva como fruto de um critério

de quantificação dos danos morais, Pedro Ricardo e Serpa sintetiza que quatro são as ordens de

argumentação contrárias à adoção da forma sancionatória em comento:

(i) o direito civil é incompatível com a ideia de punição;

(ii) a indenização punitiva serve de incentivo à litigância frívola, ou ao que se

denomina de “indústria do dano moral”;

(iii) a indenização punitiva é incompatível com as hipóteses de responsabilidade

objetiva;

(iv) a indenização punitiva violaria o princípio segundo o qual não se admite a

imposição de duas ou mais penas em razão do mesmo ato ilícito (“ne bis in idem”).193

(grifos do autor)

Caroline Vaz, em estudo sobre a aplicabilidade do instituto dos punitive damages

no Direito brasileiro, organiza as seguintes ideias em contraposição ao acatamento da

indenização punitiva:

1) Os danos punitivos são verdadeiras sanções penais, contrapondo-se ao instituto da

responsabilidade civil, que visa ao ressarcimento/compensação do dano efetivamente

sofrido.

2) Admitir o uso dos “danos punitivos” seria ensejar o enriquecimento sem causa, pois

a reparação pecuniária extrapolaria o prejuízo sofrido.

3) Esses danos representam a mercantilização da justiça e das relações existenciais,

transformando o acesso à tutela jurisdicional em loteria, cujo prêmio máximo seriam

“absurdas indenizações milionárias” (tort lottery ou overcompensation).

4) Seriam um bis in idem, já que em hipóteses de condenação por lesão corporais,

p.ex., além da pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos, o autor seria punido

novamente ao reparar os danos.

5) A Constituição Federal de 1988, ao utilizar a expressão “indenização” no art. 5°,

inciso X, afasta qualquer possibilidade de fixação de valor a título de danos morais

que seja superior ao prejuízo causado.194 (grifos da autora)

Maria Celina Bodin de Moraes remata alguns pontos desfavoráveis ao caráter

punitivo dos danos morais, cuja transcrição se mostra necessária, dada a profundidade e didática

com a qual a matéria é tratada:

1. Do ponto de vista prático, o caráter punitivo do dano moral cria muito mais

problemas do que soluções. Nosso sistema não deve adotá-lo, entre outras razões, para:

evitar a chamada loteria forense; impedir ou diminuir a insegurança e a

imprevisibilidade das decisões judiciais; inibir a tendência hoje alastradiça da

mercantilização das relações existenciais.

2. A função punitiva representa atualmente um grande incentivo à malícia. Ademais

disso, ela “corre solta”, sem critérios, já que proveniente apenas da maior ou menor

sensibilidade de cada magistrado [...]. Para que a sanção fosse expressiva e pudesse

atingir qualquer uma das tantas funções que lhe são atribuídas, tais como a de

prevenção, de exemplo ou de desestímulo, seria mais do que desejável que a parcela

respectiva fosse adequadamente destacada.

3. Também não parece útil atrelar à reparação a ideia de punição, porque são muitos

os casos em que não se conseguirá a punição [aqui a autora se refere aos seguintes

193 SERPA, Pedro Ricardo e. Op. cit, p. 186. 194 VAZ, Caroline. Op. cit, p. 83.

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casos: cobertura dos danos morais por seguro; danos morais causados por agente

público; falecimento do autor do dano; hipótese de dano mínimo, em que a gravidade

da culpa poderia redundar em indenização demasiadamente elevada] [...].

4. Do ponto de vista legislativo, não há nada no Código Civil de 2002 – e tampouco

havia no Código de 1916 – que preveja punição por um dano cometido [...].

5. [...]. O juízo penal existe, com todas as suas garantias, justamente para punir o

responsável, e a sanção pecuniária, em nossos dias, apresenta-se, em alguns casos,

como uma excelente alternativa [aqui a autora se refere à sanção pecuniária em sede

de Direito Penal stricto sensu].

6. Só haveria verdadeira punição se se perquirisse o dano causado (em oposição ao

dano sofrido) o que já não é condizente com os fundamentos do sistema da

responsabilidade civil.195

André Gustavo Corrêa de Andrade, árduo defensor da indenização punitiva em sede

de danos morais, sintetiza com riqueza a maioria dos argumentos de combate a sua tese, quais

sejam: a) a tradicional função da responsabilidade civil é reparatória, e não punitiva; b) temor

de excesso das indenizações punitivas, mormente em decorrência de exemplos vistos nos

Estados Unidos da América; c) a indenização punitiva perpetuaria enriquecimento sem causa

ao seu beneficiário; d) a esperança de lucro incentivaria a indústria do dano moral; e) o fator

punitivo seria um incentivo ao sentimento de vingança; f) a punição poderá desencadear

prejuízos de ordem social e econômica ao onerar demasiadamente as empresas; g) dificuldade

em mensurar o valor de desestímulo em hipóteses de pluralidade de legitimados, o que resultaria

em múltipla punição pelo mesmo fato; h) inexistência de previsão legal para tanto, o que

violaria o princípio da legalidade; i) violação do princípio do ne bis in idem, quando coincidente

com hipótese de sanção criminal ou administrativa; j) violação do princípio da personalidade

ou intranscendência da pena; k) imprevisibilidade do montante indenizatório; l) a indenização

punitiva geraria uma mercantilização das relações existenciais; m) contradição com a

responsabilidade objetiva196.

Expostos tais argumentos, passar-se-á ao exame individualizado das razões

expostas, o que será feito mediante a proposta de organização dos pontos elencados pela

doutrina em seis grandes categorias, quais sejam: a) incompatibilidade sistemática da ordem de

punição com o Direito Civil pátrio; b) violação ao princípio da vedação ao enriquecimento sem

causa; c) repercussões socioeconômicas do fator punitivo; d) violação ao princípio do ne bis in

idem; e) violação ao princípio da legalidade; f) dificuldades práticas197 na liquidação da punição,

195 MORAES, Maria Celina Bodin de. Op. cit, p. 328-330. 196 ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Op. cit, passim. 197 A exemplo, citam-se: a dificuldade de mensuração da punição na hipótese de vários legitimados, a possibilidade

de exaurimento do intuito punitivo na hipótese de o ofensor contratar seguro para acobertar as indenizações, a

perda do sujeito a ser punido em decorrência de morte ou extinção.

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estas, contudo, serão examinadas difusamente, quando da análise dos critérios de liquidação da

indenização punitiva.

3.1.1 Da incompatibilidade sistemática da ordem de punição com o Direito Civil pátrio

A contrariedade da função punitiva com a sistemática civil pátria é um dos grandes

argumentos arguidos quando o presente tema vem à tona. Isso se dá em decorrência de o Brasil

ser herdeiro da família da Civil Law, que, em seu processo evolutivo, enfrentou uma etapa de

intensa separação entre as noções de Direito Público e Privado e respectivas sanções.

Tal processo se deu em homenagem à ascensão da burguesia como classe dominante

durante as Revoluções Burguesas do século XVIII, oportunidade em que se firmaram as bases

da autonomia privada e do refreamento do poderio estatal, cuja atuação restou vinculada ao

pressuposto da legalidade.

Destarte, em consolidação do novo contexto sociopolítico nascente, adveio o

Código Civil francês de 1804, em que se perpetuou uma rígida barreira entre as matérias civil

e penal, em reflexo do imperativo de liberdade defendido na seara das relações particulares, que

tinha como corolário a eliminação do teor punitivo nas sanções civis, preservando, tão somente,

a natureza estritamente reparatória, o que acabou por incentivar as codificações posteriores,

inclusive a brasileira.

Maria Celina Bodin de Moraes sobre o assunto evidencia:

O Código Civil dos franceses introduzira, como uma de suas maiores inovações, a

separação rigorosa entre a matéria civil e os tipos penais, distinção que começara já

pela opção de criar diferentes documentos legislativos para cada uma dessas

disciplinas. Como esclarece Hans Hattenhauer, a separação não era devida a qualquer

esforço de cientificidade ou sistematização, mas, sim, à rígida divisão entre o Direito

Público e o Direito Privado, entre a liberdade do cidadão quanto à circulação dos bens

e sua posição frente ao poder estatal – separação esta de fundamental importância para

assegurar a plena autonomia na sociedade burguesa. […] A separação entre pena e

indenização foi, assim, uma consequência dessa mentalidade, e bem se justifica, tendo

em vista os objetivos a serem alcançados: era, então, imprescindível retirar da

indenização qualquer conotação punitiva; a pena dirá respeito ao Estado e a reparação,

mediante indenização, exclusivamente ao cidadão.198

Ilustrando a aplicação prática da herança do pensamento construído sob o império

da Civil Law, é interessante perceber o tratamento dado pela Corte Superior alemã

(Bundesgerichtshof) a caso em que se pretendeu a execução de uma sentença prolatada por

tribunal norte-americano na qual, no bojo do dispositivo, constava condenação do réu ao

198 MORAES, Maria Celina Bodin de. Op. cit, p. 201, 202.

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pagamento de punitive damages. No caso, um rapaz alemão foi condenado à pena privativa de

liberdade nos Estados Unidos por abusos sexuais. Ocorre que, além da pena de reclusão, ao réu

foi imposto o pagamento de indenização à vítima, da qual uma parcela de US$ 400.000,00

(quatrocentos mil dólares) possuía teor de punição199.

A Corte Superior da Alemanha, convidada a apreciar a homologação da sentença

americana, afirmou que a decisão estrangeira feria a ordem pública alemã e, por isso, não

poderia ser cumprida, o que se pautou em vários argumentos200.

Primeiramente, o Bundesgerichtshof ponderou que a única função desempenhada

pela responsabilidade civil na Alemanha seria a compensatória, estranhando, por conseguinte,

qualquer cunho penalista. Assim, destacou-se que a sanção punitiva seria parte de um

monopólio estatal restrito a rígidas espécies submetidas ao crivo da estrita legalidade e a uma

sistemática processual própria (processo penal).

A Corte alemã também discordou quanto à forma de quantificação da indenização

punitiva, haja vista o argumento de que tal valor não seria correspondente aos prejuízos sofridos

pela vítima, o que violaria o princípio da proporcionalidade da pena.

O último argumento utilizado pelo Tribunal germânico foi que a homologação da

sentença americana colocaria os credores estrangeiros em situação de vantagem perante os

credores alemães, pois estes jamais obteriam um valor indenizatório além da extensão do dano

sofrido; tal tratamento desigual, segundo foi concluído, malferiria o princípio da isonomia.

Relatando a decisão proferida pela Corte Superior da Alemanha, Maria Celina

Bodin de Moraes afirma:

Em especial, [a Corte Superior alemã] manifestou seu entendimento no sentido de

considerar justo que a fattispecie proveniente dos ordenamentos anglo-saxões possa

operar no âmbito do Direito Civil, mas não considerou admissível que, em um

ordenamento como o germânico, em que o Estado tem o monopólio de aplicar as

sanções, um cidadão possa assumir a função do Ministério Público, pretendendo que

venham cominadas sanções decorrentes de um ilícito, e, pior, que delas se possa

beneficiar. […] A Corte alemã observou ainda que a função pedagógica dos danos

punitivos não pode ser equiparada, de modo nenhum, à satisfação presente na

reparação do dano moral, porque a ratio de ambos é distinta: enquanto o dano moral

tem uma função precipuamente compensatória, o instituto anglo-saxão tem como

função principal a punição do responsável pelo dano e, secundariamente, a

constituição de prevenções em relação ao autor e à sociedade como um todo. […] A

função de trazer satisfação não confere ao ressarcimento dos danos morais um caráter

punitivo; ela se conecta à função de reparação.201

199 A narrativa do caso pode ser encontrada em MORAES, Maria Celina Bodin de. Op. cit, p. 253. Perceber que o

caso bem ilustra a técnica adotada nos EUA, em que se separa expressamente o valor indenizatório do quantum

manejado a título de punição. 200 A compilação dos argumentos manejados pela corte pode ser encontrada em: SERPA, Pedro Ricardo e. Op. cit,

p. 307; MORAES, Maria Celina Bodin de. Op. cit, p. 255. 201 MORAES, Maria Celina Bodin de. Op. cit, p. 255.

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O raciocínio aplicado na decisão alemã 202 bem ilustra o argumento também

manejado em solo brasileiro, por parte da doutrina, segundo o qual a natureza das ferramentas

utilizadas para fins de resposta jurídica a querelas de cunho civil não é dotada do poder de

punição, mas sim, tão somente da capacidade de retroação dos fatos ao status quo ante, ou, ao

menos, no caso de dano moral, de ofertar uma satisfação à vítima pelo prejuízo sofrido, e não

uma repressão ao sujeito lesante.

Afastando-se da retrospectiva histórica e contextualizando a matéria em discurso

com a atual regência constitucional, os defensores do argumento da incompatibilidade

sistemática do dano moral punitivo argumentam que o substrato axiológico da dignidade da

pessoa humana com que se pauta a Carta Magna de 1988 privilegia valores solidaristas,

resultando em uma justiça de caráter distributivo203, e não retributivo204, sendo este próprio das

sanções punitivas e aquele comum às de natureza reparatória e compensatória. Sustentando tal

pensamento, posiciona-se Maria Celina Bodin de Moraes, veja-se:

Também não há espaço no ordenamento brasileiro para o caráter punitivo, porque tal

juízo pode, talvez, coadunar-se com sistema normativo que tem por finalidade ético-

político-jurídica tão somente a justiça retributiva. Nosso sistema, no entanto, a partir

da Constituição de 1988, baseia-se na justiça distributiva, em obediência ao

fundamento solidarista.205

202 Pedro Ricardo e Serpa pondera que a Corte de Cassação italiana também já rechaçou pretensão de homologação

de sentença norte americana em que se pretendia a ratificação de condenação por punitive damages, oportunidade

em que foram utilizados argumentos análogos aos invocados pela Corte Superior alemã. Diferentemente, o

Supremo Tribunal espanhol, enfrentando a mesma temática, reconheceu e promoveu a execução de sentença

americana em que continha condenação ao pagamento de punitive damages, o que se fez sob o argumento de que

o juízo delibatório que envolve a homologação de sentença estrangeira não permitiria a conclusão de que o

famigerado instituto fosse contrário à ordem pública espanhola. Salienta-se que Pedro Ricardo e Serpa, em

raciocínio congruente com o adotado pela Corte da Espanha, defende que, se o caso em comento fosse apresentado

no Brasil ao Superior Tribunal de Justiça, a decisão estrangeira haveria de ser homologada, pois não entraria em

contradição com o conceito de ordem pública. (SERPA, Pedro Ricardo e. Op. cit, p. 308-316). 203 A noção de justiça distributiva está relacionada com a proporcional distribuição de bens a partir do mérito de

cada um, é dizer: a função da justiça distributiva é a promoção da correta atribuição de riqueza, sob o critério do

merecimento. Assim explana Aristóteles: “[...] o justo é o proporcional, e o injusto é o que viola a proporção.

Quanto a esse último, um dos termos se torna grande demais e o outro muito pequeno, como efetivamente acontece

na prática, pois o homem que age injustamente fica com uma parte muito grande daquilo que é bom, e o que é

injustamente tratado fica com uma parte muito pequena.” (ARISTÓTELES. Ética à Nicômaco. Tradução de

Torrieri Guimarães. 4. ed. São Paulo: Martin Claret, 2009, p. 110). 204 A justiça retributiva está relacionada com a noção de reciprocidade, é dizer: responder à lesão não com a atenção

voltada à reparação do dano sofrido pelo sujeito lesado, mas sim em devolução do mal praticado pelo sujeito

lesante. Ilustrando a noção popular do conceito de reciprocidade, Aristóteles afirma: “Os homens procuram

retribuir o mal com o mal (e se não podem fazê-lo, sentem-se reduzidos à condição de escravos) e o bem com o

bem (e se não podem fazê-lo não haverá troca, e é pela troca que eles se matem unidos).” (ARISTÓTELES. Op.

cit, p. 113). 205 MORAES, Maria Celina Bodin de. Op. cit, p. 330.

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Outro foco de argumentação consiste na evolução pela qual tem passado a

responsabilidade civil no que concerne ao quesito da culpa, pois o crescente destaque à

responsabilização objetiva seria o resultado de uma modificação paradigmática em que se

voltam as preocupações mais para a restauração de um dano injusto, do que para a perquirição

subjetiva do agente lesante206. Desta feita, uma vez que o critério punitivo dos danos morais

estaria intrinsecamente vinculado ao sancionamento de condutas marcadas por dolo ou culpa

grave, tal critério de indenização não se adequaria aos ditames da modalidade objetiva de

responsabilidade, em que se elimina a necessidade de perquirição do elemento culpa.

Em contraponto a tudo que foi exposto, há o argumento doutrinário de que a rejeição

ao teor punitivo dos danos morais possui raiz em preciosismo oriundo do vínculo com o

paradigma ressarcitório, apegado a noções patrimonialistas hoje superadas, dado o

reconhecimento de valores intrínsecos à personalidade humana, o que exige a consequente

evolução dos conceitos preestabelecidos, em prol da abrangência de uma finalidade maior da

responsabilidade civil, a ser atendida por funções relacionadas à prevenção e punição207.

Pondera-se ainda que a clássica divisão entre Direito Público e Privado estaria

superada, principalmente tendo em vista o fenômeno da constitucionalização das relações

privadas208, em que se visualiza a abrangência do conceito de ordem pública até no contexto de

relações de origem particular, conforme se tem o exemplo do art. 1° do CDC209.

Exemplificando o entendimento em mote, são interessantes as palavras de André

Gustavo Corrêa de Andrade:

A clássica separação entre Direito Penal e Direito Civil constitui, na verdade uma

dimensão menor da não menos tradicional dicotomia entre Direito Público e Direito

Privado. [...] Em uma sociedade complexa como a nossa, o público e o privado

interpenetram-se, superando a tradicional dicotomia. Antigos redutos do Direito

Privado, como o direito contratual, sofrem marcada interferência do poder público,

enquanto este se vale cada vez mais de instrumentos próprios do Direito Privado. [...]

Nessa sequência, a divisão entre Direito Penal e o Direito Civil, que agudiza aquela

já ultrapassada dicotomia, deve também ser relativizada. Essa interpenetração entre o

público e o privado, e, consequentemente, entre o Direito Penal e o Direito Civil cria

uma nova arquitetura para a responsabilidade civil, que deve ser vista como um

conjunto ordenado de princípios e regras voltado para a tutela simultânea dos

interesses do indivíduo e da coletividade.210

206 Esclarecendo tal processo de evolução, é marcante a frase de Lambert-Faivre citada por Sérgio Cavalieri Filho:

“de uma dívida de responsabilidade evolui-se para um crédito de indenização” (Lambert-Faivre, Revue

Trimestrielle de Droit Civil, 1987, p.1 apud CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit, p. 166). 207 ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Op.cit, p. 220, 222. 208 Sobre tal assunto, verificar: SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do Direito: Os direitos

fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2011. 209 BRASIL. CDC. Art. 1°. O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem

pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48

de suas Disposições Transitórias. 210 ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Op.cit, p. 230, 231.

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Sobre o tema, Pedro Ricardo e Serpa obtempera que a responsabilidade civil tem

passado por uma série de modificações estruturais ao longo da história, ao que destaca a

primordial existência de três paradigmas básicos: a responsabilidade individual, o fundamento

da culpa e o intuito ressarcitório. Comentando sobre tais pressupostos, o autor conclui que a

evolução da sociedade provocou a mitigação dos dois primeiros, com a consequente

coletivização e objetivação da responsabilidade211. Assim, remata o raciocínio no sentido de

que a modificação dos dois primeiros paradigmas demonstraria a plena possibilidade de

alteração do último, que, segundo é defendido pela sua tese, seria, inclusive, necessária212.

A mencionada necessidade seria decorrente da impessoalidade com a qual as

indenizações estão sendo recepcionadas pelos agentes lesantes, que, fazendo uso de

mecanismos de diluição de despesas, não mais encaram a responsabilidade civil como um

desestímulo à prática do dano, o que exige a modificação do paradigma ressarcitório, em prol

da ênfase ao teor punitivo, como forma de dar efetividade ao sistema de responsabilização213.

Ademais, sustenta-se que privilegiar o paradigma ressarcitório em sede de danos

morais seria não se sensibilizar com o fato de que a dignidade humana, quando afetada, jamais

é restaurada, por uma absoluta impropriedade qualitativa das ferramentas existentes de

reparação, o que justificaria o empenho de esforços no desenvolvimento da responsabilidade

civil sob o aspecto funcionalista de evitar a superveniência do dano, pois, somente assim, a

dignidade humana restaria plenamente tutelada. Nesse sentido, Pedro Ricardo e Serpa afirma:

Quer-nos parecer que, em razão das insuficiências apresentadas pelo paradigma

ressarcitório para recompor adequadamente os prejuízos causados aos direitos aqui

analisados (tidos como de especial relevância), a melhor maneira de tutelá-los é

assegurar, no maior grau possível, que tais direitos não venham a ser lesados,

prevenindo, assim, a ocorrência de prejuízos.214

211 A massificação das relações, a exemplo do fenômeno consumerista, orienta para uma progressiva alteração

paradigmática da apreciação da relação responsabilizadora. Primeiramente se tinha em foco a necessidade de

sancionar o autor do dano, contudo, cada vez mais é enfatizada a necessidade de reparar o lesado pelo dano sofrido.

Muda-se o eixo de atenção. Conforme bem explana Cavalieri Filho, citando as palavras de Lambert-Faivre “de

uma dívida de responsabilidade evoluiu-se para um crédito de indenização” (Lambert-Faivre, Revue Trimestrielle

de Droit Civil, 1987, p.1 apud CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit, p. 166). Desta feita, criam-se mecanismos

aptos a não deixar que um indivíduo em particular suporte o prejuízo injustamente sofrido, o que se faz através da

entrega da reparação imediata ao causador do dano, mesmo que para isso se tenha que afastar a culpa – em

aplicação da Teoria do Risco – que, posteriormente e invariavelmente, irá diluir tal custo no preço cobrado pelos

seus produtos/serviços, ou adotará sistemas de restituição através da contratação de empresas seguradoras. 212 SERPA, Pedro Ricardo e. Indenização Punitiva, p. 153. 213 Ibidem, loc. cit. 214 Ibidem, p. 160.

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Sendo assim, tal tese defende que a indenização punitiva é uma ferramenta que

satisfaz o anseio maior de proteção à dignidade da pessoa humana e, portanto, está em plena

compatibilidade com a CRFB/88, já que voltada à preservação do norte axiológico por ela

ostentado.

Ainda em uma visão funcionalista da responsabilidade civil, é interessante

mencionar, em contraposição, o pensamento econômico215 pautado pelo critério da eficiência,

que desmerece a função distributiva da responsabilidade civil, por afirmar que o meio jurídico

não é o melhor caminho (meio mais eficiente) para consagrar a ideal distribuição da riqueza,

que seria mais facilmente alcançada por meio de políticas públicas de repartição de renda.

Sendo assim, ao Judiciário caberia a função de decidir as querelas jurídicas em prol da

maximização da riqueza, cuja distribuição competiria a um momento posterior guiado pela

política216. Dessa forma ponderam Robert Cooter e Thomas Ulen:

Muitos economistas creem que a tributação progressiva e programas de assistência

social – o “sistema de tributação e transferência”, como geralmente é chamado – pode

atingir objetivos de redistribuição em estados modernos de maneira mais eficiente do

que aquilo que pode ser feito modificando ou rearranjando direitos jurídicos

privados.217

Diante dos argumentos expostos, tem-se que, em suma, os defensores e os

opositores da compatibilidade do fator punitivo em sede de danos morais com a sistemática

civil hodierna possuem bons argumentos, que, em última razão, reportam-se à preservação do

princípio da dignidade humana, o que, contudo, fazem por caminhos absolutamente diversos.

Nessa divergência de pensamento, observa-se que o ponto de diferenciação reside no embate

entre preservação e superação do paradigma ressarcitório da responsabilidade civil.

Destarte, obtempera-se que, se a preservação do pressuposto em monta se justifica

por argumento além de um preciosismo histórico, consubstanciando, portanto, fator de eficácia

do Direito e da responsabilidade civil (tendo-se, para isso, ciência da finalidade de cada um)218,

o paradigma ressarcitório merece ser preservado. No entanto, os argumentos que embasam tal

paradigma demonstram mais apego a razões hereditárias, do que a um maior rigor científico

pautado na otimização da responsabilidade civil.

215 A principal crítica que se faz à visão econômica do Direito é de que “o direito não se deve ocupar da eficiência,

mas sim de valores.” Sendo assim, “A alocação ótima de recursos sob custos de transação mínimos não pode ser

prioridade em um sistema jurídico, que leva em conta valores não monetários.” (MENDONÇA, Diogo Naves. Op.

cit, p. 27). 216 POSNER, Richard. Problemas de filosofia do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 520. 217 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito & Economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010, p. 31. 218 Sobre tais noções teleológicas ver itens 2.1 e 2.2.

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De outro modo, a fundamentação que estrutura a defesa da compatibilidade da

punição com a sistemática civil pátria expõe razões de utilidade que justificam a adoção do

critério punitivo como forma de maximizar a tutela da dignidade humana.

Embora o estrito apego a noções economicistas não seja interessante para a Ciência

Jurídica, cuja essência está voltada à deontologia, há de se concordar que, quando o

funcionalismo se volta exatamente para homenagear os valores prezados pela ordem jurídica,

tal noção se mostra como importante ferramenta na promoção da eficácia do Direito.

Sendo assim, sem desprestigiar o basilar fundamento ressarcitório, há de se afirmar

a compatibilidade, em tese, do fator punitivo em indenizações, restando tal escolha ao exercício

da função legislativa, refletindo, portanto, antes de uma querela jurídica, uma opção política de

adoção de tal fator pelo ordenamento jurídico pátrio.

Em remate, ilustrando a aceitação da punição no Direito Civil nacional, reitera-se

que o CCB/02 positivou várias hipóteses em que se constatam sanções com natureza de pena

civil, conforme já comentado quando do estudo da função punitiva da responsabilidade civil219.

Quanto à pretensa incompatibilidade da indenização punitiva com a

responsabilidade objetiva, salienta-se que o fato de ser necessária a perquirição da culpa para a

aplicação do fator de punição não implica em um retrocesso da modalidade objetiva de

visualização do fenômeno ressarcitório. Nesse sentido:

E já se advirta: mesmo em se tratando de hipóteses majoritariamente dominadas pela

objetivação da imputação da obrigação de indenizar, a imposição da sanção punitiva

– e apenas para ela – demandará a apreciação da intenção maliciosa do agente de

atingir a esfera econômica ou espiritual da vítima ou, ao menos, a ciência de praticar

um comportamento potencialmente lesivo a interesses alheios. A função sancionatória

nos permitirá resgatar para a responsabilidade civil a distinção entre culpa e o dolo –

sempre relevante para o direito penal – que culminou por ser abandonada pelo

monopólio da função reparatória, direcionada à aferição exclusiva do pressuposto do

dano.220

A responsabilidade civil, portanto, em seus sentidos reparatório e compensatório,

pode plenamente, quando o caso for, ser tratada pela via objetiva e, concomitantemente, na

hipótese de ser provada a culpa grave ou o dolo, ser adicionado o fator de punição. Assim, a

variável da culpa, própria do elemento punitivo, não interfere na responsabilidade objetiva

voltada ao ressarcimento221.

219 Ver item 2.3.3. 220 ROSENVALD, Nelson. As funções da responsabilidade civil: a reparação e a pena civil. 2. ed. São Paulo:

Atlas, 2014, p. 33. 221 “[...] haverá, nessa hipótese, a formação de uma “causa de pedir complexa”, com cumulação de pedidos de

ordem sucessiva: (i) o pedido prejudicial, de condenação do demandado ao pagamento de indenização

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É interessante salientar que o mesmo raciocínio aplicado à responsabilidade

objetiva resolve a arguição de incompatibilidade da indenização punitiva em casos de

responsabilidade por fato de terceiro. Em tais hipóteses, em virtude do princípio da

personalidade das penas222 , argumenta-se que seria incongruente a imposição de um fator

punitivo àquele que, embora não seja responsável pelo ato danoso, deva, por força da lei223,

ressarcir o dano.

Ocorre que, nesses casos, a solução consiste em perceber que o fator de punição

dependeria de uma variável a mais que o curto critério objetivo, qual seja: perquirição da culpa

grave ou dolo do sujeito a ser atingido pela sanção224; assim, mesmo em tais casos, entende-se

por plausível a ideia de retributividade.

3.1.2 Da violação ao princípio da vedação ao enriquecimento sem causa

Como fruto da sistemática civil comentada no item antecedente, destaca-se o

argumento contrário ao dano moral punitivo baseado na rejeição genérica feita pelo

ordenamento jurídico pátrio ao enriquecimento sem causa225, cuja natureza jurídica foi alçada

compensatória (chamada principal); e (ii) o pedido prejudicado, de condenação do demandado ao pagamento de

indenização punitiva (demanda acessória). São, portanto, absolutamente compatíveis os institutos da indenização

punitiva e da responsabilidade objetiva.” (SERPA, Pedro Ricardo e. Op. cit, p. 210). 222 BRASIL. CRFB/88. Art. 5°. [...] XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação

de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra

eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido; [...]. 223 BRASIL. CCB/02. Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I - os pais, pelos filhos menores

que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se

acharem nas mesmas condições; III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no

exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou

estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e

educandos; V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia. 224 Nesse sentido: “Parece-nos perfeitamente admissível que o responsável indireto seja condenado ao pagamento

de indenização punitiva se, também ele, houver se conduzido de maneira dolosa ou gravemente culposa no

desempenho de seu dever de guarda, vigilância ou custódia.” (SERPA, Pedro Ricardo e. Op. cit, p. 264). Em

mesmo sentido: “Em se tratando de dano moral praticado por empregado ou preposto no exercício do trabalho que

lhes competir, o empregador ou comitente, embora responsáveis objetivamente, somente deverão ficar sujeitos à

indenização punitiva em caso de culpa comprovada. Assim, por exemplo, quando demonstrado que aqueles agiram

autorizados por estes ou seguindo suas instruções; ou quando tiver o empregado sido incumbido de função para a

qual não estava devidamente qualificado. O empregador e o comitente sujeitam-se, ainda à indenização punitiva

quando tiverem ratificado ou aprovado o ato do empregado o preposto.” (ANDRADE, André Gustavo Corrêa de.

Op. cit, p. 271, 272). Interessante notar que André Gustavo Corrêa de Andrade utiliza a nomenclatura “indenização

punitiva”, o que será alvo de crítica no último capítulo deste trabalho (cf. item 4.2). 225 Salienta-se que a melhor técnica distingue os conceitos de enriquecimento sem causa e enriquecimento ilícito,

sendo o primeiro pertinente a princípio regente do Direito Obrigacional, e o segundo instituto próprio do Direito

Administrativo, relacionando-se com os atos de improbidade administrativa estatuídos pela Lei n° 8.429/92.

(NANNI, Giovanni Ettore. Op.cit, p. 100).

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à categoria de “princípio informador de todo o direito brasileiro, de larga amplitude, com efeitos

em qualquer relação jurídica obrigacional”226.

Em suma e de forma simplificada, o enriquecimento sem causa se perfaz quando

ocorre uma irregularidade (não necessariamente uma ilicitude) pela qual alguém aufere um

lucro à custa de outrem, sem que tenha ocorrido uma prévia estipulação para tanto227; tal noção

foi bem retratada no art. 884 do CCB/02228.

Sendo assim, é bastante comum a crítica feita pelos opositores do dano moral

punitivo de que tal instituto viola o princípio da vedação ao enriquecimento sem causa,

exatamente por resultar na recepção pelo ofendido de um valor pecuniário além do que seria

necessário para o simples ressarcimento do prejuízo sofrido.

Apesar da lógica do raciocínio encimado, as contracríticas são bastante pertinentes

e capazes de ofuscar o pretenso desencadeamento do enriquecimento sem causa.

De início, convém observar que, no caso da indenização punitiva por dano moral,

o quantum liquidado a título de punição opera uma transferência patrimonial legitimada pelo

Poder Judiciário e condizente com o imperativo de repressão a condutas de merecida

repugnância, o que, por si, denota uma causa juridicamente justa, já que sancionada pelo

Estado229. Em consonância com tal pensamento, é interessante a lição de Maria Celina Bodin

de Moraes:

Ora, a sentença de um juiz, arbitrando dano moral, é razão jurídica mais do suficiente

para impedir que se fale, tecnicamente, de enriquecimento injustificado. O

enriquecimento, se estiver servindo para abrandar os efeitos nefastos de lesão à

dignidade humana, é mais do que justificado: é devido.230

Ademais, conforme já discorrido neste trabalho, não são raras as hipóteses em que

se visualizam hipóteses de sanções de caráter retributivo no Direito Civil brasileiro, em que,

226 Ibidem, p. 196. 227 Ibidem, loc cit. 228 BRASIL. CCB/2002. Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a

restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. 229 “Se a ideia da pena privada é justa em si, evidente se torna que o pretendido enriquecimento ou empobrecimento

terão base legal, uma causa, o que elimina qualquer crítica a respeito.”. (STARCK, Boris. Essai dùne theorie

générale de La responsabilité civile consideré em as Double fonction de garantie et de peine privée. Paris: L.

Rodstein. 1947 apud DIAS, José de Aguiar. Op. cit, p. 817). 230 MORAES, Maria Celina Bodin de. Op. cit, p. 302. Em preservação do pensamento da autora, é importante

enfatizar que ela não defende o teor punitivo dos danos morais, em verdade, o trecho colacionado é parte de uma

ideia maior em que se defende a não aplicabilidade da condição financeira da vítima para fins de liquidação dos

danos morais, oportunidade em que a autora pondera que não se faz congruente afirmar que uma indenização em

montante elevado causaria enriquecimento sem causa ao ofendido, pois a sanção estaria legitimada por uma

decisão judicial. Contudo, o argumento utilizado naquela oportunidade se faz útil para substanciar a ideia ora em

apresentação.

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muita vez, a indenização é, inclusive, pautada em múltiplo do dano efetivamente sofrido pela

vítima231.

Em ataque à suscitada violação ao princípio do enriquecimento sem causa, a razão

funcionalista da responsabilidade civil também pode ser invocada, no sentido de que a nobre

finalidade de zelar pela prevenção de condutas nocivas visada pelo fator punitivo deve

prevalecer diante do contraponto referente à hipótese de a vítima vir a ser demasiadamente

beneficiada pela indenização, assim conclui André Gustavo Corrêa de Andrade:

De todo modo, os benefícios buscados pela indenização punitiva – punir uma grave

conduta e prevenir comportamentos semelhantes tanto do ofensor quanto de terceiros

– transcendem em muito a circunstância de a vítima vir a obter um valor superior ao

que normalmente lhe seria destinado como compensação do dano. Com efeito, as

vantagens que esta forma de sanção pode trazer para a coletividade tornam irrelevante

a consequência econômica para a vítima.232

Outro interessante argumento trazido em defesa do dano moral punitivo consiste na

impossibilidade de calcular o valor da lesão de um bem moral; sendo assim, afirmar que

determinada indenização seria excessiva e provocadora de enriquecimento sem causa

redundaria em amesquinhamento da dignidade humana233 . Tal argumento, contudo, parece

retomar a mesma linha daquele segundo o qual o dano moral não deveria ser indenizado, dada

a imoralidade de equiparar um bem moral à pecúnia, razão pela qual não se julga essa a melhor

linha de fundamentação para desmistificar o pretenso enriquecimento sem causa oriundo da

indenização de cunho punitivo.

Por fim e eliminando totalmente o argumento acerca do enriquecimento sem causa,

há de se enaltecer a possibilidade de vinculação dos valores condenados a título de punição a

um fundo público voltado à proteção do bem jurídico afetado na relação responsabilizadora, a

231 Observar o art. 940 do CCB/02 e o art. 42, parágrafo único, do CDC. 232 ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Op. cit, p. 276. 233 Ibidem. Op. cit, p. 275.

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exemplo do que é previsto pelo art. 13 da Lei n° 7.347/85234 , ou mesmo de destiná-los a

instituições beneficentes, a exemplo do que é feito pelo art. 883, parágrafo único, do CCB/02235.

Evidentemente, a destinação a fundo público pressupõe que a condenação seja

criteriosamente articulada pelo Poder Judiciário, de maneira a especificar qual o exato valor da

indenização que é conferido a título ressarcitório e punitivo separadamente, o que seria, mesmo

não havendo o prefalado fundo público, de todo aconselhável, em acatamento ao imperativo de

fundamentação das decisões judiciais, positivado no art. 93, IX da CRFB/88.

Em contraposição a tal ideia, importa salientar que existe vertente que defende a

vinculação da verba punitiva (ao menos em parte) à vítima236, como forma de prestigiá-la pela

função de interesse público desempenhada ao defender uma tutela jurídica que reflete uma

benesse social.

Desse modo, visualiza-se o particular como uma figura análoga ao promotor de

justiça237, ao que se conclui que a não entrega do quantum punitivo à vítima desincentivaria a

litigância e, consequentemente, a busca pela justiça. Pondera-se que tal posicionamento é mais

marcante no contexto norte-americano, em que o ônus do litígio (despesas processuais e

honorários advocatícios), via de regra, é suportado pelo polo autoral, independentemente do

resultado da demanda238, o que, contudo, não é visto no Brasil, já que o Código de Processo

Civil (CPC)239 se preocupou em despejar o ônus financeiro do litígio para a parte sucumbente.

234 BRASIL. Lei n° 7.347/85. Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado

reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão

necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à

reconstituição dos bens lesados. § 1o. Enquanto o fundo não for regulamentado, o dinheiro ficará depositado em

estabelecimento oficial de crédito, em conta com correção monetária. § 2o Havendo acordo ou condenação com

fundamento em dano causado por ato de discriminação étnica nos termos do disposto no art. 1o desta Lei, a

prestação em dinheiro reverterá diretamente ao fundo de que trata o caput e será utilizada para ações de promoção

da igualdade étnica, conforme definição do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, na hipótese de

extensão nacional, ou dos Conselhos de Promoção de Igualdade Racial estaduais ou locais, nas hipóteses de danos

com extensão regional ou local, respectivamente. 235 BRASIL. CCB/02. Art. 883. Não terá direito à repetição aquele que deu alguma coisa para obter fim ilícito,

imoral, ou proibido por lei. Parágrafo único. No caso deste artigo, o que se deu reverterá em favor de

estabelecimento local de beneficência, a critério do juiz. 236 Segundo noticia Pedro Ricardo e Serpa, vários Estados norte-americanos (Colorado, Georgia, Iowa, Nova York

e outros) possuem previsão de somente parte da indenização punitiva ir para fundos públicos. (SERPA, Pedro

Ricardo e. Op. cit, p. 124). 237 O que nos Estados Unidos é denominado de “private attorney general”, figura que é defendida por Antônio

Junqueira de Azevedo e com a qual se concorda, veja-se: “Exerce um múnus público que alguns autores

americanos, a respeito da mesma situação nos “punitve damages”, denominam “private attorney general”. O autor,

a vítima, que move a ação, age também como um “promotor público privado” e, por isso, merece a recompensa.

Embora esse ponto não seja facilmente aceito no quadro da mentalidade jurídica brasileira, parece-nos que é

preciso recompensar, e estimular, aquele que, embora por interesse próprio, age em benefício da sociedade. ”

(AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Op. cit, p. 217). 238 SERPA, Pedro Ricardo e. Op. cit, p. 122. 239 Ver art. 82, CPC/2015 e art. 20, CPC/73.

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No entanto, importa salientar que no ordenamento jurídico pátrio não há qualquer

óbice para que tal indenização seja vertida à vítima, por todas as razoes até agora já balizadas.

Sendo assim, tal matéria, em última ratio, é uma questão de política legislativa. Nesse sentido,

posiciona-se Pedro Ricardo e Serpa:

Destinar a indenização punitiva ao ofendido ou a outra pessoa ou entidade (ou, ainda

adotar-se uma solução intermediária, com repartição das quantias entre um e outro) é

apenas uma questão de política legislativa, não existindo obstáculo constitucional ou

legal para que seja adotada uma ou outra solução.240

Em sopesando os argumentos sobre a destinação do valor da sanção punitiva, pensa-

se que o melhor modelo, embora vários sejam juridicamente plausíveis, é a destinação da sanção

punitiva de maneira dividida entre o particular e um fundo público, o que incentivaria a

proatividade do setor privado em combater a ilicitude, bem como, por razão de equidade,

viabilizaria investimentos sociais.

Ademais, a opção em se dividir a destinação do valor arrecadado consolida o reflexo

da causa preventiva, que permeia a razão de ser da sanção punitiva, pois honra os imperativos

de prevenção específica e geral, ao beneficiar tanto aquele que foi especificamente ofendido,

quanto a sociedade como um todo, que se regozija ao dispor de uma fonte de investimentos em

causas sociais.

3.1.3 Das repercussões socioeconômicas do fator punitivo

Muitas são as críticas que apontam preocupações de cunho socioeconômico quanto

à aplicação da indenização punitiva, dentre as principais, têm-se: a) o temor de que o aspecto

punitivo das indenizações incentive o deletério sentimento de vingança; b) o medo de que o

efeito dissuasório seja concretizado a partir de indenizações excessivas, podendo, assim,

prejudicar atividades empresariais de forma a causar, em escala macro, ônus maiores que bônus;

c) o receio de que a agregação às indenizações de maiores valores pecuniários desenvolva

processo de mercantilização das relações existenciais e de incentivo à litigância frívola; d) a

possibilidade de ineficácia do instituto punitivo diante dos meios de diluição de despesas e

contratação de seguros pelos grandes agentes causadores de dano, ou mesmo no caso de morte

ou extinção do sujeito lesante. Tais pontos serão agora analisados.

No que tange o suscitado fomento ao sentimento de vingança, importa asseverar

240 SERPA, Pedro Ricardo e. Op. cit, p. 233, 234.

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que se tal for o motivo por trás de uma demanda indenizatória, isso se deve mais a uma

característica psicológica da vítima, cuja moralidade não compete ao Direito julgar, do que a

uma falha do instituto em comento, que possui finalidade de todo nobre e eminentemente

voltada ao desincentivo de atos atentatórios a direitos da personalidade.

Outrossim, é possível argumentar que a lógica que leva à repugnância da

indenização punitiva com base no argumento do incentivo à vingança também se aplica a todas

as hipóteses em Direito admitidas em que uma sanção de cunho repressivo é desencadeada por

ato de particular, a exemplo, inclusive, dos crimes de ação penal privada. Dessa forma, haver-

se-ia de concluir pela ilegitimidade de todos esses preceitos cominatórios, o que não seria

razoável.

Nessa oportunidade também é importante apresentar o argumento balizado por

Boris Starck de que a pena privada241 representaria uma espécie de válvula de escape capaz de

apaziguar eventuais “explosões” de justiça privada, naturais ao sentimento humano de revolta

perante um evento danoso242. Apresentando ideia parecida, André Gustavo Corrêa de Andrade

argumenta que a vingança é própria da natureza humana e que o Direito não seria o meio capaz

de alterar tal verdade, competindo-lhe, tão somente, civilizar e institucionalizar de forma

adequada a retribuição pelo mal sofrido243.

Quanto ao argumento referente à mercantilização das relações existenciais, é

interessante perceber que tal pensamento novamente traz à baila o já discutido e superado

posicionamento segundo o qual os danos morais não poderiam ser objeto de compensação, haja

vista a imoralidade de comparar valores correlatos à dignidade humana com dinheiro.

Destarte, considerar o teor punitivo do dano moral, ou mesmo a própria

compensação por tal tipologia de lesão, como fator de reificação e mercantilização da

personalidade humana, é um extremismo que peca por visualizar somente a degeneração do

instituto que, embora eventualmente ocorrente, não justifica que a sanção seja suplantada, pois,

ai sim, estar-se-ia negando tutela jurídica e mitigando a consagração dos direitos da

personalidade, mormente em relação àqueles que utilizam tal ferramenta adequadamente e com

seriedade. Nesse sentido:

Com o argumento de que o caráter punitivo da indenização do dano moral constitui

uma forma de mercantilização das relações existenciais e incentivaria a malícia de

241 Não se deve olvidar que, embora Boris Starck mencione o termo pena privada, para efeitos deste trabalho a

ideia é melhor expressada com o nome de pena civil, conforme o item 4.3.1. 242 STARCK, Boris. Essai dùne theorie générale de La responsabilité civile consideré em as Double fonction

de garantie et de peine privée. Paris: L. Rodstein. 1947 apud DIAS, José de Aguiar. Op. cit, p. 817. 243 ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Op. cit, p. 278.

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alguns, repele-se uma sanção que, em situações excepcionalmente graves, se propõe

a proteger de forma mais eficaz a dignidade humana e os direitos da personalidade.

Também neste caso, procura-se ver um instituto pelo seu ângulo menos favorável,

desprezando o tanto de positivo que ele pode apresentar.244

Com relação ao argumento do incentivo à litigância frívola e à denominada

“indústria do dano moral”, é importante não olvidar o direito fundamental do acesso à justiça,

consagrado no art. 5°, XXXV da CRFB/88, o que torna o temor da enxurrada processual mais

um resultado da incapacidade do Poder Judiciário de gerir o fluxo de demanda, do que uma

falha do instituto sancionatório.

Ainda sobre a questão da litigância frívola, obtempera-se que o estabelecimento de

uma jurisprudência firme e repressiva sobre causas de notória desqualificação, pode incentivar

uma maior racionalização por parte dos jurisdicionados ao ingressarem com ações, mormente

tendo em vista o manejo de institutos processuais adequados, a exemplo da litigância de má-

fé245.

Outro fator de ordem socioeconômica que se volta ao combate da indenização

punitiva tem relação com a repercussão que tal sanção pode desencadear em face dos agentes

lesantes, dentre os quais se destacam as empresas. Isso, porque tais pessoas jurídicas

desempenham uma função social própria, seja empregando pessoas, fomentando a economia,

ou exercitando atividade de interesse social. Dessa forma, indenizações excessivas poderiam

ocasionar a ruína das empresas e, por conseguinte, prejuízos de ordem social maiores que

aqueles que a sanção visa reprimir, o que, em última análise, repercutiria no desencorajamento

da iniciativa empresarial246.

Em ângulo oposto, aspecto que também merece reflexão consiste no argumento

segundo o qual as empresas possuem mecanismos de diluição das indenizações no preço de

seus produtos e serviços, o que faz com que toda a sociedade pague o preço da sanção punitiva,

eliminando, assim, a eficácia do instituto.

Rebatendo tais argumentos, é importante frisar que a preocupação com o excesso

244 Ibidem, p. 297. 245 BRASIL. CPC/2015. Art. 81. De ofício ou a requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar multa,

que deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, a indenizar a parte

contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que

efetuou. § 1o Quando forem 2 (dois) ou mais os litigantes de má-fé, o juiz condenará cada um na proporção de seu

respectivo interesse na causa ou solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária. § 2o Quando

o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa poderá ser fixada em até 10 (dez) vezes o valor do salário-

mínimo. § 3o O valor da indenização será fixado pelo juiz ou, caso não seja possível mensurá-lo, liquidado por

arbitramento ou pelo procedimento comum, nos próprios autos. Ver também art. 18, CPC/73. 246 PIZZARO, Ramón Daniel. Daño Moral. Buenos Aires: Hammurabi. 2000, p. 389 apud ANDRADE, André

Gustavo Corrêa de. Op. cit, p. 279.

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no valor das indenizações é um fator de maior relevância no contexto norte-americano, haja

vista que lá a condenação é inicialmente estipulada por um corpo de juízes leigos, o que, todavia,

não ocorre no Brasil, em que as indenizações são escalonadas por magistrados togados, do que

se presume que o quantum indenizatório esteja menos sujeito a desproporções motivadas por

juízos passionais247.

Além disso, enfatiza-se que ao sistema recursal compete a uniformização e

adaptação de eventuais incongruências na liquidação da indenização, o que, inclusive, tem sido

feito pelo Superior Tribunal de Justiça, em hipóteses que se julga o valor da condenação fora

dos padrões de proporcionalidade248, oportunidade em que se faz relevante retomar a lição de

Francesco Carnelutti, ao afirmar que “a justiça da pena traduz-se na relação econômica entre o

mal causado e o mal a infligir para que não se cause maior mal”249.

Ainda em combate a tal visão, tem-se no Brasil, conforme já mencionado, notícia

de reiteradas decisões judiciais em que se pacificou a adoção do fator punitivo nas indenizações

por danos morais, o que demonstra que a previsão de uma catastrófica repercussão

socioeconômica da inserção do fator punitivo nos danos morais é mais uma especulação

exagerada, do que uma realidade empírica.

Quanto à ineficácia do instituto punitivo por meio da capacidade de diluição dos

custos da indenização, não se deve esquecer que, mesmo que a diluição seja efetivamente

realizada, tal feito acabaria por aumentar o custo dos produtos e serviços, o que tornaria a

empresa menos competitiva no mercado. Dessa forma, a capacidade de repartição dos prejuízos

não desmerece a eficácia da indenização punitiva.

Ademais, constatando-se a ineficácia da punição, dado o mencionado mecanismo

de repasse de despesas, nada obsta que o julgador majore o valor indenizatório, como forma de

preservar o intuito do instituto, o que será aprofundado quando do estudo sobre os critérios de

247 VAZ, Caroline. Op. cit, p. 86. 248 Nesse sentido: “RECURSOS ESPECIAIS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. ENTREVISTA

CONCEDIDA EM PROGRAMA DE TELEVISÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA.

ILEGITIMIDADE PASSIVA. SÚMULA N. 221/STJ. QUANTUM INDENIZATÓRIO.

DESPROPORCIONALIDADE. 1. Não há por que falar em violação do art. 535 do CPC quando o acórdão

recorrido, integrado pelo julgado proferido nos embargos de declaração, dirime, de forma expressa, congruente e

motivada, as questões suscitadas nas razões recursais. 2. "São civilmente responsáveis pelo ressarcimento de dano,

decorrente de publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo de divulgação"

(Súmula n. 221/STJ). 3. Nas hipóteses em que se verifica desproporcionalidade entre o dano e o valor arbitrado a

título de reparação por danos morais, é permitido afastar-se a incidência da Súmula n. 7 para adequação do quantum.

4. Recurso especial interposto por Carlos Roberto Massa conhecido e parcialmente provido. Recurso especial de

TVSBT Canal 4 de São Paulo S/A conhecido e provido.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp

1125355/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 17/08/2010, DJe

26/08/2010). 249 CARNELUTTI, Francesco. Op.cit, p. 122. Tal matéria foi devidamente abordada no item 2.1.2.

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quantificação da punição.

Por fim, salienta-se que, quanto à questão da contratação de seguros para cobertura

das indenizações punitivas, de fato existe a possibilidade de mitigação da eficácia do dano

moral punitivo, o que, todavia, também não desmerece a sua utilidade, por duas razões: a uma

porque, mesmo a cobertura securitária, embora seja capaz de diminuir consideravelmente o

ônus do agente lesivo, não o elimina, haja vista o custo da própria contratação do seguro, que a

depender do valor e da frequência das condenações pode se tornar até inviável; a duas, em face

do entendimento doutrinário segundo o qual esse tipo de seguro seria um contrato ilegal.

Nesse sentido, Pedro Ricardo e Serpa levanta o art. 762250 do CCB/02 para justificar

a nulidade do contrato de seguro em comento. O mencionado autor também pondera que

inclusive na hipótese de se considerar o contrato de seguro legal, o risco em tutela não seria

acobertado pela seguradora, por força do art. 768251 do mesmo Código252.

Quanto à suscitada ineficácia da punição por danos morais na hipótese de morte ou

extinção do agente lesante, deve-se ponderar que a finalidade da pena envolve, além do intuito

de repressão e prevenção específica, também um escopo de prevenção geral, o que se conquista

através da exemplaridade, que não é descartada pelo fim do ofensor.

Ademais, considerando as benesses da hipótese de destinação da indenização

punitiva para um fundo público voltado à proteção do bem jurídico lesado, tem-se por

reafirmada a eficácia e utilidade do fator punitivo no caso de falecimento ou extinção do

provocador da lesão, na hipótese de contratação de seguros, ou mesmo no caso da diluição dos

custos na atividade empresarial.

No entanto, no que toca ainda a questão da transmissibilidade da sanção de natureza

punitiva, apesar de se ter falado que o evento morte (ou extinção) não elimina sua eficácia, em

razão da ordem de prevenção geral, bem como do proveito social obtido caso se destine o

respectivo valor a um fundo público, tem-se o óbice constitucional do art. 5°, XLV da

CRFB/88 253 a impedir que a pena passe da pessoa do condenado, razão pela qual deve

prevalecer a proteção conferida pela Carta Magna254.

250 BRASIL. CCB/02. Art. 762. Nulo será o contrato para garantia de risco proveniente de ato doloso do segurado,

do beneficiário, ou de representante de um ou de outro. 251 BRASIL. CCB/02. Art. 768. O segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto

do contrato. 252 SERPA, Pedro Ricardo e. Op.cit, p. 265, 266. 253 BRASIL. CRFB/88. Art. 5°. [...] XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação

de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra

eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido; [...]. 254 Tal matéria voltará a ser tratada no tópico 4.3.3.3.

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3.1.4 Da violação ao princípio do ne bis in idem

Outro interessante argumento em sentido contrário ao aspecto punitivo da

indenização por danos morais consiste na alegada violação ao princípio do ne bis in idem,

segundo o qual um sujeito não pode ser punido duas vezes pela mesma conduta. Segundo tal

pensamento, a indenização punitiva ofertaria uma repetição indevida de repressão, quando ao

fato danoso já houvesse tipificação penal ou mesmo administrativa.

Tal argumento não merece prosperar, pois a ordem jurídica pátria é pautada no

princípio da independência das instâncias 255 , de forma que um mesmo fato pode gerar

repercussões em várias esferas de tutela jurídica, merecendo, por conseguinte, a resposta de

cada seara. A exemplo, insta rememorar a jurisprudência 256 colacionada quando do

desenvolvimento do item 3.3.3, em que se aplicou o critério da punição em indenização por

danos morais decorrente de tentativa de homicídio.

Nada obsta, contudo, que o fato de a conduta já ter sido sancionada em outra esfera

sirva como fator de amenização da indenização cominada pela seara cível, cuja finalidade não

é voltada à punição como elemento plenamente autônomo, mas sim sob a visão funcionalista

de prevenção, que, uma vez atendida, desmerece uma desenfreada majoração do quantum

indenizatório257.

É interessante notar que a possibilidade de violação do princípio do ne bis in idem

também pode ser identificada estritamente dentro da seara cível, em hipóteses que uma única

conduta, ou uma sequência de condutas oriundas de um mesmo padrão de comportamento,

cause danos morais a um elevado número de pessoas.

Nesse caso, cogitando-se que todas essas pessoas manejem ações de indenização, é

possível concluir que a aplicação reiterada do fator punitivo em todas as sanções redundaria em

malferimento ao princípio em apreço.

Para resolver tal problemática, é aconselhável que o fator punição seja

255 BRASIL. CCB/02. Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar

mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no

juízo criminal. 256 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1300187/MS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA,

julgado em 17/05/2012, DJe 28/05/2012. Em sentido equivalente, conferir os seguintes julgados: REsp 1120971 /

RJ, REsp 839923 / MG, AgRg no AREsp 132553 / RS, REsp 1529820/SE, AgRg no AREsp 633.251/SP, EDcl no

AgRg no AREsp 540.533/PR. 257 Nesse sentido: “De todo modo, ressalva-se sempre a possibilidade de cumulação da indenização punitiva com

sanções penais de natureza não pecuniária, afigura-se razoável a interpretação que se fizesse no sentido de abater

da indenização punitiva o montante que o autor do dano tenha pago a título de multa em processo criminal.”

(ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Op. cit, p. 295). A matéria será repisada no item 4.4.

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adequadamente liquidado tendo como parâmetro também o número de vítimas, dessa forma, o

julgador poderá adaptar a condenação em consonância com critérios de razoabilidade e

proporcionalidade capazes de afastar a incidência de um montante total de punição demasiado.

Nesse sentido, André Gustavo Corrêa de Andrade propõe que, no momento da

quantificação da indenização, o julgador deve levar em consideração dois aspectos: a)

condenações já sofridas pelo agente lesante em casos análogos; b) eventuais outras vítimas que

reflitam potencial superveniência de novas condenações258.

Criticando a solução encimada, Pedro Ricardo e Serpa afirma que os critérios

adotados por André Gustavo Corrêa de Andrade são de difícil aplicação em concreto, em virtude

das dificuldades de o magistrado levar em consideração dados tão difusos, como a existência

de prévias e a possibilidade de novas condenações.

Assim, o crítico propõe uma solução distinta: segundo defende, melhor seria se a

indenização punitiva fosse aplicada perante o primeiro caso levado à justiça, em que se deveria

considerar uma estimativa da quantidade de vítimas do ato lesivo; em consequência, todas as

demais ações voltadas ao mesmo evento danoso deveriam ser julgadas improcedentes no que

concerne ao intuito punitivo, resguardando-se, obviamente, as pretensões ressarcitórias259.

Analisando ambas as propostas, conclui-se que, de fato, as soluções apresentadas

possuem difícil aplicação prática, pois ambas invocam a necessidade de se considerarem fatores

de difícil levantamento por parte do magistrado, o que, antes de desmerecer o instituto

sancionatório em apreço, apenas enfatiza a necessidade de as partes, em concretização do

princípio cooperativo e em honra às regras de distribuição do ônus da prova, fornecerem ao

Judiciário elementos capazes de orientar a devida quantificação da indenização.

Em finalização, nota-se que a ideia de Pedro Ricardo e Serpa, embora elaborada no

intuito de amenizar a complexidade dos critérios suscitados por André Gustavo Corrêa de

Andrade, recaiu no mesmo problema da dificuldade empírica, com a agravante de bloquear a

superveniência de novas indenizações, na hipótese de os danos continuarem ocorrendo e a

sanção primordialmente aplicada restar inócua.

Sendo assim, há de se ponderar que a resposta ofertada por André Gustavo Corrêa

de Andrade, ao privilegiar os critérios do número de condenações já sofridas pelo ofensor e da

quantidade de vítimas, parece ser a que melhor atende aos anseios visados pelo instituto

punitivo, cuja liquidação deverá contar com o suporte cooperativo260 das partes envolvidas no

258 Ibidem, p. 280 – 284. 259 SERPA, Pedro Ricardo e. Op. cit, p. 213, 214. 260 É interessante notar que o princípio cooperativo ganha destaca que como CPC/2015, ao que se evidencia o

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litígio, como forma de arvorar o julgador de ferramentas suficientes para a prolatação de uma

decisão ideal.

3.1.5 Da violação ao princípio da legalidade

De todos os argumentos até agora analisados, o imperativo de legalidade parece ser

o que mais razão possui, isso porque a ideia de imposição de uma sanção punitiva, mesmo em

cogitação preliminar e sem maior aprofundamento teórico, já causa espanto e insegurança, haja

vista o temor de se viver em um Estado em que a punição é criada e aplicada por um mesmo

órgão, o que, de plano, denota uma violação ao princípio democrático básico da separação

funcional dos poderes. Percebendo tal ponto crítico, Cesare Beccaria demonstra preocupação

nas seguintes linhas:

A primeira consequência que se tira desses princípios é que apenas as leis podem

indicar as penas de cada delito e que o direito de estabelecer leis penais não pode ser

senão da pessoa do legislador, que representa toda a sociedade ligada por um contrato

social.

Ora, o magistrado, que é parte dessa sociedade, não pode com justiça aplicar a outro

partícipe dessa sociedade uma pena que não esteja estabelecida em lei; e, a partir do

momento em que o juiz se faz mais severo do que a lei, ele se torna injusto, pois

aumenta um novo castigo ao que já está prefixado. Depreende-se que nenhum

magistrado pode, mesmo sob pretexto do bem público, aumentar a pena pronunciada

contra o crime de um cidadão.261

No pensamento de Marquês de Beccaria, visualiza-se crítica à criação de penas262

pelo Judiciário, o que se justifica pelo primado do princípio da legalidade, na perspectiva de

que, somente com a concordância do povo em entregar parcela da própria liberdade ao Estado

é que se legitima o direito de punir estatal263.

seguinte dispositivo: “Art. 6o Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo

razoável, decisão de mérito justa e efetiva.” (BRASIL. CPC/2015). 261 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 6. ed. São Paulo: Martin Claret, 2015. Tradução de: Torrieri

Guimarães, p. 18. 262 Evidentemente, Cesare Beccaria trata do tema com enfoque no Direito Penal. Contudo, na perspectiva deste

trabalho, conforme ficará evidente ao longo do capítulo final, mesmo no corpo do Direito Civil, quando se tratar

de sanções de caráter punitivo, faz-se essencial repensar sobre o modelo principiológico vigente, para fins de

compreender a lógica retributiva a partir de uma visão constitucionalizada e, em certa medida, unificada do direito

de punir, independentemente do ramo jurídico em que inserida a norma punitiva. 263 Nas palavras do Autor: “[...] somente a necessidade obriga os homens a ceder uma parcela de sua liberdade;

disso advém que cada qual apenas concorda em pôr no depósito comum a menor porção possível dela, quer dizer,

exatamente o que era necessário para empenhar os outros em mantê-lo na posse do restante. A reunião de todas

essas pequenas parcelas de liberdade constitui o fundamento do direito de punir. Todo exercício do poder que deste

fundamento se afaste constitui abuso e não justiça; é um poder de fato e não de direito; constitui usurpação e jamais

um poder legítimo.” (Ibidem, p. 17, 18).

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Feito tal introito, é importante repisar que o princípio da legalidade foi fruto do

processo de desenvolvimento da noção de Estado de Direito, oportunidade em que se vinculou,

ao menos nos países oriundos da Civil Law, a atuação do Poder Público à prévia positivação

legal, como forma de salvaguardar o liberalismo burguês então ascendente264. Assim sendo,

mormente em um regime democrático, tem-se que o povo, por seus representantes, são os

responsáveis pela criação das leis que o regerá, o que legitima o poder restritivo estatal, como

fruto da vontade da maioria.

Do exposto, destacam-se duas noções de extrema importância: a noção de

legalidade265 e a de legitimidade266. Explica-se: para que o Estado exerça seu poder é necessária

uma prévia cominação legal, além disso, tal permissivo deve ser legítimo, o que, em um Estado

Democrático de Direito, como o brasileiro, consolida-se com a manifestação da vontade do

povo por meio de seus representantes políticos.

Deve-se perceber, portanto, que o princípio da legalidade nasceu como corolário da

ânsia por liberdade267, nesse sentido são precisas as palavras de Paulo Bonavides:

O princípio da legalidade nasceu do anseio de estabelecer na sociedade humana regras

permanentes e válidas, que fossem obras da razão, e pudessem abrigar os indivíduos

de uma conduta arbitrária e imprevisível da parte dos governantes. Tinha-se em vista

alcançar um estado geral de confiança e certeza na ação dos titulares do poder, evi-

tando-se assim a dúvida, a intranquilidade, a desconfiança e a suspeição, tão usuais

onde o poder é absoluto, onde o governo se acha dotado de uma vontade pessoal so-

berana ou se reputa legibus solutus e onde, enfim, as regras de convivência não foram

previamente elaboradas nem reconhecidas.268

Sendo assim, o princípio em trato possui aplicação diversa a depender do ramo do

Direito em que estudado, ao que se rememora a vetusta dicotomia entre Direito Público e

Privado. Ilustrando tal diferença, é interessante a lição de Hely Lopes Meirelles ao mencionar

que, no campo privado, os indivíduos podem fazer tudo o que a lei não vedar, já o administrador

público somente pode atuar quando a lei autorizar269.

264 Cf. item 3.1.1. 265 “A legalidade nos sistemas políticos exprime basicamente a observância das leis, isto é, o procedimento da

autoridade em consonância estrita com o direito estabelecido. Ou em outras palavras traduz a noção de que todo

poder estatal deverá atuar sempre de conformidade com as regras jurídicas vigentes. Em suma, a acomodação do

poder que se exerce ao direito que o regula.” (BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 15. ed. São Paulo: Malheiros,

2008, p. 120). 266 “No conceito de legitimidade entram as crenças de determinada época, que presidem a manifestação do

consentimento e da obediência.” (Ibidem, p. 121). 267 “A legalidade, compreendida pois como a certeza que têm os governados de que a lei os protege ou de que

nenhum mal portanto lhes poderá advir do comportamento dos governantes, será então sob esse aspecto, como

queria Monstesquieu, sinônimo de liberdade.” (Ibidem, loc. cit). 268 BONAVIDES, Paulo. Op.cit, p. 121. 269 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 83.

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Logo, assegura-se a liberdade no âmbito privado através do preceito extensivo do

agir humano até os limites da lei, por outro lado, preserva-se o valor em monta limitando a força

repressiva estatal às fronteiras da lei, do que se conclui que as sanções punitivas (nelas incluindo

a indenização punitiva), como expressão do poder repressivo do Estado, deve se ater ao preceito

da legalidade, que, além de dever público, é um direito fundamental do indivíduo, conforme

positivado no art. 5°, II da CRFB/88 270 , com destaque também para o pressuposto da

anterioridade legal das penas, na forma do inciso XXXIX 271 do mesmo dispositivo

constitucional.

Em sentido similar ao aqui apresentado, Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo

Gonet Branco, esclarecem a amplitude da norma inscrita no inciso XXXIX da CRFB/88, nos

seguintes termos:

O conceito de crime do art. 5º, XXXIX, da CF/88 envolve não só aquele fato como

tal definido na lei penal, mas também as contravenções e as infrações disciplinares.

Pena refere-se a toda e qualquer medida estatal caracterizável como reação a uma

conduta culpável (direito sancionador).272

Em contraste com o raciocínio exposto, parte da doutrina sustenta que não há

necessidade de as sanções presentes no Direito Civil prestarem estrito cumprimento ao princípio

da legalidade, conforme ocorre com os institutos próprios do Direito Penal e do Direito

Administrativo. André Gustavo Corrêa de Andrade levanta dois principais argumentos para

defender essa tese273.

Em primeiro lugar, afirma que a origem histórica das restrições impostas ao Direito

Penal está relacionada com a regulamentação de penas de especial gravidade (penas privativas

de liberdade, aflitivas ou corporais), e não de penas pecuniárias274 ; assim, defende que a

indenização punitiva seria qualitativamente e formalmente idêntica à sanção meramente

ressarcitória, apenas persistindo diferença quanto à finalidade de ambas, o que, contudo, não

270 BRASIL. CRFB/88. Art. 5°. [...] II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em

virtude de lei; [...]. 271 BRASIL. CRFB/88. Art. 5°. [...] XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia

cominação legal; [...]. 272 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito

Constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 447. 273 ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Op. cit, p. 284 – 294. 274 “Uma interpretação racional leva à conclusão de que a indenização punitiva, a despeito de sua natureza (de

pena pecuniária de natureza privada), não se encontra no âmbito de incidência do referido princípio [legalidade].

A sanção pecuniária, por sua natureza peculiar, não se submete a todas as restrições feitas às demais sanções

penais, em especial às penas corporais.” (Ibidem, p. 287). Aqui, novamente, pondera-se que o uso da expressão

pena privada pelo autor se volta à ideia de pena civil, explicada no item 4.3.1.

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representaria razão para a diferenciação no trato dos institutos, já que são igualmente expressos

por pecúnia.

O segundo argumento apresentado se reporta à preponderância do princípio da

dignidade humana. Explica-se que, em determinadas situações, o agente causador do dano

obtém vantagem ao provocar lesão, ou ao não investir em ferramentas de prevenção de danos,

de forma que os valores das indenizações meramente ressarcitórias são contabilizados e aceitos

pelo ofensor como parte de uma sistemática econômica, que, ao final, mostra-se lucrativa.

Nesses casos, o autor defende que, em um sopesamento de princípios constitucionais

(legalidade e dignidade), não se deve guardar apego à anterioridade legal para que se efetive a

devida tutela do bem extrapatrimonial ofendido275.

Caroline Vaz, também sustenta a desnecessidade de antecedente disposição legal

para que se aplique uma indenização de conotação punitiva, para tanto a autora invoca a teoria

dos poderes implícitos276. Tal teoria foi construída pela Suprema Corte dos Estados Unidos277

no sentido de que se a Constituição Federal estabelece determinado poder a um ente,

implicitamente estaria também conferindo os poderes acessórios e necessários para a

consolidação daquele que expressamente dispôs. No Brasil, o Supremo Tribunal Federal admite

a aplicação de tal teoria em seus julgados, a exemplo do seguinte trecho decisório prolatado

pela Ministra Ellen Gracie:

Ora, é princípio basilar da hermenêutica constitucional o dos "poderes implícitos",

segundo o qual, quando a Constituição Federal concede os fins, dá os meios. Se a

atividade fim - promoção da ação penal pública - foi outorgada ao parquet em foro de

privatividade, não se concebe como não lhe oportunizar a colheita de prova para tanto,

já que o CPP autoriza que "peças de informação" embasem a denúncia.278

Partindo da teoria comentada, Caroline Vaz esclarece que os institutos tradicionais

da responsabilidade civil são insuficientes para atender suas funções e apaziguar a sociedade,

razão pela qual conclui pela necessidade de manejo dos poderes implícitos como forma de dar

a devida tutela aos direitos fundamentais, principalmente em se considerando o direito à

275 Destaca-se que o autor insiste na tese de que não há necessidade de a sanção punitiva civil seguir a mesma

lógica legalista das sanções penais, razão pela qual enfatiza que o raciocínio acerca do sopesamento principiológico

se perfaz como argumento adicional para firmar sua tese. Assim esclarece o autor: “A ideia de colisão de princípio

é aqui suscitada apenas como hipótese de trabalho, para demonstrar que, mesmo que houvesse colisão, os interesses

que se pretende preservar com a indenização punitiva preponderariam em relação a um suposto interesse em

impedir a imposição de uma sanção pecuniária não estabelecida previamente em lei.” (Ibidem, p. 294). 276 VAZ, Caroline. Op. cit, p. 93 – 95. 277 Verificar caso McCulloch vs Maryland. 278 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 91661, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado

em 10/03/2009, DJe-064 DIVULG 02-04-2009 PUBLIC 03-04-2009 EMENT VOL-02355-02 PP-00279 RTJ

VOL-00211- PP-00324 RMDPPP v. 5, n. 29, 2009, p. 103-109 LEXSTF v. 31, n. 364, 2009, p. 339-347 RMP n.

43, 2012, p. 211-216.

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inafastabilidade do Poder Judiciário e à proteção contra ameaça de direito (art. 5°, XXXV da

CRFB/88), por meio de sanções civis punitivas. Nas palavras da autora:

Neste diapasão, é possível concluir, a partir dessas normas [aqui a autora se refere ao

art. 5°, XXXV, da CRFB/88] bem como amparando-se na doutrina dos poderes im-

plícitos que, para exercer sua missão constitucional na plenitude, além de dar efetivi-

dade a esses e tantos outros direitos fundamentais, o Poder Judiciário, assim como

todos os órgãos previstos pela Lex Mater, poderá, motivadamente, reconhecer, quando

da fundamentação de suas decisões, através da interpretação sistemática da ordem

constitucional e infraconstitucional, as novas funções da responsabilidade civil, quais

sejam, de punir e/ou dissuadir autores de ilícitos.279

Apesar da riqueza dos argumentos utilizados no sentido de ser desnecessária a

prévia cominação legal da indenização de teor punitivo, com tal ideia não se pode concordar,

conforme agora será exposto.

Ab initio, quanto ao argumento de que o princípio da legalidade somente seria

aplicável diante de sanções de caráter mais severo, verifica-se falha, principalmente ao se

visualizar, mesmo no setor penal, a existência de pena de multa, que, evidentemente, está

vinculada ao pressuposto da legalidade. Ademais, não se deve olvidar a gravidade que uma pena

pecuniária pode assumir, podendo levar uma pessoa física à miséria, ou mesmo uma empresa à

falência, razão pela qual não se mostra adequado caracterizar a potência de uma sanção somente

pela sua qualidade, uma vez que a intensidade também possui elevada influência nesse quesito.

Outrossim, visualizar a natureza jurídica e a axiologia regente de um instituto pelo

critério formal do ramo do direito ao qual pertence desprestigia a essência da matéria que se

pretende analisar, pois, assim, transplantam-se preconceitos extraídos de uma teoria geral que

podem não ser úteis no detalhamento de um instituto de teor excepcional, tal qual uma sanção

punitiva é no bojo da sistemática civil. Nesse sentido, Pedro Ricardo e Serpa afirma que “o que

distingue as diferentes espécies de sanção não é sua estrutura, mas, sim, sua função, de modo

que não seria este o argumento a ser utilizado para justificar eventual tratamento distinto entre

duas sanções jurídicas.”280.

Logo, a indenização punitiva, embora inserida formalmente no âmbito do Direito

Civil, possui evidente cunho público, em decorrência de sua natureza jurídica repressiva,

devendo, portanto, submeter-se aos preceitos próprios de sua materialidade, de forma que “ o

principio da legalidade das penas não é um exclusividade do Direito Penal”281. Exaurindo o

ponto, são lúcidas as palavras de Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli:

279 VAZ, Caroline. Op. cit, p. 95. 280 SERPA, Pedro Ricardo e. Op. cit, p. 220. 281 Ibidem, p. 225.

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87

Não se pode afirmar que o direito penal se individualize pela forma que o legislador

quis dar à lei, porque, se assim fosse, seria mais fácil a ele burlar todas as garantias:

poderia dar forma não penal a uma lei penal e, consequentemente, prescindir de ater-

se a todas as garantias que regem a lei penal conforme a Constituição e a Declaração

Universal dos Direitos do Homem.282

Quanto à suscitada questão da preponderância do princípio da dignidade humana

sobre o da legalidade, importa salientar que a matéria não é de trato tão simples, de forma que

não se pode simplesmente atestar a verdade de tal afirmação mediante o uso retórico do

argumento da dignidade. Isso porque o princípio da legalidade, em sua raiz, está firmado sobre

a égide da dignidade humana, por ser, conforme já explanado, um dos corolários da efetivação

do princípio da liberdade.

Por outro ângulo, tem-se ainda que a legalidade, mormente na sistemática dos

países herdeiros da Civil Law, funciona como fator de legitimação democrática do poderio

estatal. Sendo assim, admitir uma penalidade sem prévia cominação legal, redunda em uma

sanção repressiva com a qual o povo não expressou concordância, o que atenta contra as bases

de um Estado Democrático de Direito.

Quanto à aplicação da teoria dos poderes implícitos, há de se ter em mente a cautela

com a qual tal pensamento deve ser utilizado, pois através do eloquente argumento de

preservação da dignidade humana é possível que se abram perigosos precedentes nos quais o

Poder Judiciário, rompendo com o equilíbrio e a divisão funcional dos poderes, atue como

verdadeiro legislador.

Muito embora se reconheça que a finalidade maior do ordenamento jurídico pátrio

é a promoção da dignidade humana, é preciso que essa lógica não seja subvertida como um

argumento maquiavélico de justificação de meios pelos fins, de forma a acabar desvirtuando

toda a estrutura democrática vigente, sob o aparente manto da tutela à dignidade, enquanto, na

verdade, tem-se por desmoronada a estrutura jurídica construída para assegurá-la283.

Em suporte ao posicionamento ora defendido, Pedro Ricardo e Serpa refletindo

sobre as sanções punitivas já existentes fora da seara penal, afirma que seria inadmissível acatá-

las, caso não estivessem previstas na lei, a exemplo, invocam-se as multas processuais (e.g. art.

18 do CPC/73284), as cominações civis de repetição em dobro dos valores (art. 940 do CCB/02),

282 ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal brasileiro: parte geral.

3. ed. São Paulo: Revista Dos Tribunais, 2001, p. 100, 101. 283 Nesse sentido: “O postulado da máxima eficácia da norma de direito fundamental pode resultar em uma solução

desaconselhada pelo princípio da conformidade funcional” (MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio

Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. cit, p. 101). 284 Em mesmo sentido é o art. 81, CPC/2015.

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a perda dos direitos sobre os bens sonegados no inventário (art. 1.992 do CCB/02), dentre as

inúmeras outras sanções já abordadas no presente trabalho. Citando tais exemplos e por

analogia, o autor conclui pela impossibilidade de aplicação de um fator punitivo na indenização

por danos morais, sem que haja prévia cominação legal para tanto285.

Portanto, não se apoia a criação de sanções de natureza repressiva sem prévia

cominação legal, a exemplo da construção jurisprudencial da indenização por danos morais

dotada de teor punitivo (dano moral punitivo), que, inclusive, destoa da ordem de conformidade

funcional286, pela qual cada um dos poderes da República deve atuar sem invadir a esfera de

atribuições dos demais.

Ressalva-se que, embora seja impreterível a prévia cominação legal para fins de

punição, pondera-se que, caso adotada expressa estipulação para tanto, é aconselhável o

desapego, na seara da responsabilidade civil, ao princípio da taxatividade, sendo, portanto,

cabível e mais congruente com a razão civilista, a positivação de uma forma genérica de

repressão, sem a exigência de especificar, um a um, os casos em que aplicável a punição,

inclusive por uma questão de inviabilidade lógica, dada a riqueza de possibilidades e situações

práticas287.

Importa também observar a existência de posicionamento que, indo além da

perquirição da questão da legalidade, chega a afirmar verdadeira a inconstitucionalidade de uma

indenização de cunho punitivo, uma vez que a “Constituição Federal de 1988, ao utilizar a

expressão “indenização” no art. 5°, inciso X, afasta qualquer possibilidade de fixação de valor

a título de danos morais que seja superior ao prejuízo causado”288.

Ocorre que tal pensamento parece vincular o texto constitucional a uma

interpretação literal do termo “indenização” cuja semântica atual em muito difere de sua origem

etimológica 289 . Ademais, uma interpretação sistemática da Carta Maior, com ênfase no

princípio da dignidade e da proteção à ameaça de direito 290 orienta a conclusão pela

constitucionalidade de tal medida.

285 SERPA, Pedro Ricardo e. Op. cit, p. 225. 286 “O princípio da correção funcional, como mais um critério orientador da atividade interpretativa, conduz a que

não se deturpe, por meio da interpretação de algum preceito, o sistema de repartição de funções entre os órgãos e

pessoas designados pela Constituição. Esse princípio corrige leituras desviantes da distribuição de competências

entre as esferas da Federação ou entre os Poderes constituídos. ” (MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio

Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. cit, p. 101). 287 Ibidem, p. 236-239. 288 VAZ, Caroline. Op.cit, p. 83. Urge salientar que a autora não concorda com tal posicionalmente, em verdade,

defende a plena possibilidade de aplicação do fator punitivo, mesmo sem prévia cominação legal, por aplicação

da teoria dos poderes implícitos, conforme já discorrido neste item. 289 Vide item 2.2. 290 Aqui, pegam-se emprestados os argumentos invocados pela doutrina que defende a possibilidade de aplicação

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Superadas as considerações encimadas, tem-se que, embora o fator punitivo não

seja repelido pela Constituição, exige-se para sua aplicabilidade normatização específica; dessa

forma, passar-se-á a analisar a existência de cominação legal apta para tanto nas leis civis

brasileiras.

Compulsando o CCB/02, tem-se que a regra vigente é pelo escalonamento da

indenização a partir da extensão do dano causado, conforme se verifica com a leitura dos seus

arts. 944 e 403291. A única oportunidade em que a Lei Civil faz uma ressalva para mencionar o

critério da culpa se perfaz em razão de equidade para minorar o valor indenizatório, na forma

do parágrafo único do art. 944 do CCB/02. Nesse enfoque, pondera Marcela Alcazas Bassan:

O próprio Código Civil de 2002 parece repugnar a ideia de punição por meio das

indenizações ao considerar o grau de culpa, para permitir, tão somente, a redução do

valor indenizatório. Com efeito, o art. 944, parágrafo único, dispõe que havendo

excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir,

equitativamente, a indenização.292 (grifo da autora)

Enfatiza-se que não se pode interpretar a regra do parágrafo único do art. 944 do

CCB/02 mediante o raciocínio analógico, como forma de justificar a possibilidade de majoração

da indenização em caso de elevada culpa, isso porque tal postura fere o princípio hermenêutico

segundo o qual as regras de exceção devem ser interpretadas estritivamente, não comportando,

por conseguinte, a ampliação de sentido suscitada293.

Insta salientar que o Projeto de Lei n° 6.960/02, por sugestão de Ricardo Fiuza,

pretendeu inserir no art. 944 um segundo parágrafo, em que constaria a seguinte redação, cuja

formulação já havia sido sugerida por Regina Beatriz Tavares da Silva294: “A reparação do dano

moral deve constituir-se em compensação ao lesado e adequado desestímulo ao lesante.”. Tal

sugestão se encontra arquivada na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados295.

da indenização punitiva sem prévia cominação legal, mas tão somente para demonstrar a compatibilidade, em

abstrato, do fator punitivo com a ordem constitucional vigente, mantendo-se, portanto, firme o posicionamento

defendido neste trabalho de que tal matéria não prescinde do devido tratamento legal, pelos motivos já elencados. 291 BRASIL. CCB/02. Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem

os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei

processual. Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver excessiva

desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização. 292 BASSAN, Marcela Alcazas. Op. cit, p. 70. 293 Nesse sentido, é interessante observar o enunciado n° 46 das Jornadas de Direito Civil, leia-se: “A possibilidade

de redução do montante da indenização em face do grau de culpa do agente, estabelecida no parágrafo único do

art. 944 do novo Código Civil, deve ser interpretada restritivamente, por representar uma exceção ao princípio da

reparação integral do dano, não se aplicando às hipóteses de responsabilidade objetiva.” (Disponível em: <

http://www.cjf.jus.br/CEJ-Coedi/jornadas-cej/enunciados-aprovados-da-i-iii-iv-e-v-jornada-de-direito-

civil/jornadas-de-direito-civil-enunciados-aprovados >. Acesso em: 21 out. 2015). 294 SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Da Responsabilidade Civil. In: FIUZA, Ricardo et al. Novo Código Civil

Comentado. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 818 – 858. 295 BRASIL. Projeto de Lei nº 9.660/2002. Disponível em: <

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De forma semelhante, o Projeto de Lei do Senado n° 413/2007, proposto pelo

Senador Renato Casagrande, também pretendeu a formulação de um segundo parágrafo ao art.

944 do CCB/02, que teria o seguinte texto: “A indenização atenderá às funções compensatória,

preventiva e punitiva.”296.

Interessante notar que, por sugestão da Senadora Lúcia Vânia, tentou-se alterar o

projeto para trocar da redação a palavra “punitiva” por “educativa”, bem como foi sugerida a

limitação de tais funções à indenização por danos morais.

Em relatório da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, lavrado pelo

Senador Romero Jucá, não se concordou com a limitação do instituto somente aos danos morais,

sob o argumento de que tal questão deveria ser deixada para a apreciação do Judiciário, nos

seguintes termos:

Da forma como se encontra redigido, o dispositivo inovador abrange, além dos danos

morais, os danos materiais. A emenda apresentada pela Senadora Lúcia Vânia visa a

limitar o escopo ao dano moral. No mais das vezes, é certo que a lógica esboçada pela

senadora, de resto amparada na doutrina e em julgados, faz todo o sentido. Acredita-

se, todavia, que a redação da proposição original, abrangendo também o dano material,

seja mais adequada. É que, não sendo possível ao legislador imaginar todas as

situações com as quais se possam deparar os julgadores, razoável é cogitar de casos

em que, ainda que o dano moral não se apresente, cabível seja a majoração da

indenização para além da extensão provada do dano material.297

Quanto à sugestão a respeito da inserção da função educativa, o relatório da CCJ

acatou a ponderação298, modificando o texto do proposto parágrafo segundo do art. 944 do

CCB/02, que, em substitutivo, assim ficou redigido: “juiz observará o caráter compensatório da

indenização, atribuindo a ela, conforme o caso, caráter educativo ou, ainda, punitivo”. Informa-

se, contudo, que o referido projeto de lei foi arquivado299.

O CDC, em seu projeto, também tentou inserir o teor punitivo nas indenizações

civis em seus cogitados arts. 16, 45 e 53, §2°300, oportunidade em que igualmente não houve

http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=56549>. Acesso em 21 out. 2015. 296 BRASIL. Projeto de Lei do Senado nº 413/2007. Disponível em: <

http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/81887>. Acesso em 21 out. 2015. 297 Relatório da CCJ disponível em: <

http://www.senado.leg.br/atividade/rotinas/materia/getTexto.asp?t=156234&c=PDF&tp=1>. Acesso em: 21 out.

2015. 298 O aceite da modificação se deu com base nas seguintes razões: “Finalmente, cabe um pronunciamento sobre a

troca da noção de ‘prevenção’ pela de ‘educação’, mudança proposta também pela Senadora Lúcia Vânia. A

substituição de uma pela outra mostra-se pertinente. De fato, a ideia de educação revela-se mais ampla. Abrange,

em seu conteúdo, a ideia de prevenção, não somente por meio de ações coercitivas, mas também por meio de um

processo de reeducação do agente ofensor.” (Ibidem). 299 Informações disponíveis em: < http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/81887>. Acesso

em: 21 out. 2015. 300 Art. 16. Se comprovada a alta periculosidade do produto ou do serviço que provocou o dano, ou grave

imprudência, negligência ou imperícia do fornecedor, será devida multa civil de até um milhão de vezes o Bônus

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vinculação com os danos morais, contudo os mencionados artigos foram vetados pelo

Presidente da República, nas seguintes razões:

O art. 12 e outras normas já dispõem de modo cabal sobre a reparação do dano sofrido

pelo consumidor. Os dispositivos ora vetados criam a figura da "multa civil", sempre

de valor expressivo, sem que sejam definidas a sua destinação e finalidade.301

Sendo assim, uma vez que não aprovada nenhuma das propostas encimadas,

conclui-se pela atual inexistência de substrato legal que preveja a possibilidade de inserção de

um fator punitivo como critério de liquidação da indenização.

3.1.6 Conclusões sobre a compatibilidade do fator punitivo na indenização por dano moral

Compilando tudo que foi até agora exposto, conclui-se que não existe óbice, em

abstrato, para a inserção no ordenamento jurídico pátrio da figura da pena civil, incluindo aí um

eventual fator de majoração dos danos morais, no intuito de reforçar a função preventiva e

retributiva da responsabilidade civil.

A única limitação que se apresenta para a imposição do fator punitivo consiste na

necessidade de prévia cominação legal para tanto, o que, no Brasil, inexiste, implicando em

dizer que o critério punitivo reiteradamente adotado pela jurisprudência das Cortes Superiores

peca por extrapolar os limites atualmente impostos ao instituto indenizatório, razão pela qual

se assevera a injuridicidade com a qual a liquidação dos danos morais tem sido feita.

Desse modo, no intuito de purificar a razão de liquidação da indenização por danos

morais, é importante que seja feito um estudo acerca dos critérios manejados pela jurisprudência

para tanto, o que se justifica como forma de identificar e excluir aqueles que se reportam à não

autorizada finalidade punitiva.

3.2 Repasse crítico dos critérios de liquidação da indenização por danos morais

do Tesouro Nacional - BTN, ou índice equivalente que venha substituí-lo, na ação proposta por qualquer dos

legitimados à defesa do consumidor em juízo, a critério do juiz, de acordo com a gravidade e proporção do dano,

bem como a situação econômica do responsável. Art. 45 - As infrações ao disposto neste Capítulo, além de perdas

e danos, indenização por danos morais, perda dos juros e outras sanções cabíveis, ficam sujeitas à multa de natureza

civil, proporcional à gravidade da infração e à condição econômica do infrator, cominada pelo juiz na ação proposta

por qualquer dos legitimados à defesa do consumidor em juízo. Art. 52, § 3º - O fornecedor ficará sujeito a multa

civil e perda dos juros, além de outras sanções cabíveis, se descumprir o disposto neste artigo. (BRASIL.

Mensagem de veto nº 664, de 11 de setembro de 1990. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/Mensagem_Veto/anterior_98/vep664-L8078-90.htm#art16>. Acesso

em: 21 out. 2015). 301 Ibidem.

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Em primeiro plano, há de ser esclarecido que o intuito do presente tópico não

alberga a proposição de um mecanismo matemático e exato para fins de quantificação da

indenização por danos morais, apenas far-se-á uma análise jurídica dos critérios normalmente

elencados pela doutrina e jurisprudência pátria, para fins de identificação daqueles que são

condizentes com a estrutura ressarcitória que rege a sistemática civil vigente e, por conseguinte,

daqueles que invocam teor retributivo e, por isso, não deveriam ser manejados.

Analisando a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, extrai-se que os

principais parâmetros atualmente utilizados para a determinação do valor das indenizações por

danos morais são os seguintes302:

a) extensão do dano;

b) condições específicas da vítima;

c) conduta e condições específicas do ofensor;

d) proporcionalidade.

Bem ilustrando os quesitos elencados, é interessante colacionar os seguintes trechos

extraídos de ementas de julgados do Superior Tribunal de Justiça, que compilam de forma

didática os critérios que têm sido reproduzidos pela jurisprudência moderna:

[...] Razoável o quantum indenizatório devido a título de danos morais, que assegura

a justa reparação do prejuízo sem proporcionar enriquecimento sem causa do

autor, além de levar em conta a capacidade econômica do réu, devendo ser arbitrado

pelo juiz de maneira que a composição do dano seja proporcional à ofensa, calcada

nos critérios da exemplaridade e da solidariedade. (grifo nosso)303

DANO MORAL. REPARAÇÃO. CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO DO VALOR.

CONDENAÇÃO ANTERIOR, EM QUANTIA MENOR. Na fixação do valor da

condenação por dano moral, deve o julgador atender a certos critérios, tais como nível

cultural do causador do dano; condição sócio-econômica do ofensor e do ofendido;

intensidade do dolo ou grau da culpa (se for o caso) do autor da ofensa; efeitos do

dano no psiquismo do ofendido e as repercussões do fato na comunidade em que

vive a vítima. Ademais, a reparação deve ter fim também pedagógico, de modo a

desestimular a prática de outros ilícitos similares, sem que sirva, entretanto, a

condenação de contributo a enriquecimentos injustificáveis. Verificada condenação

anterior, de outro órgão de imprensa, em quantia bem inferior, por fatos análogos, é

lícito ao STJ conhecer do recurso pela alínea c do permissivo constitucional e reduzir

302 Corroborando a identificação dos critérios a serem analisados, Maria Celina Bodin de Moraes afirma: “Com

poucas variações, podem ser considerados aceitos os seguintes dados para a avaliação do dano moral: i) o grau de

culpa e a intensidade do dolo do ofensor (a dimensão da culpa); ii) a situação econômica do ofensor; iii) a natureza,

a gravidade e a repercussão da ofensa (a amplitude do dano); iv) as condições pessoais da vítima (posição social,

política, econômica); e v) a intensidade de seu sofrimento.” (MORAES, Maria Celina Bodin de. Op. cit, p. 295,

296). 303 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. STJ. REsp 776.732/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS,

SEGUNDA TURMA, julgado em 08/05/2007, DJ 21/05/2007, p. 558.

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o valor arbitrado a título de reparação. Recurso conhecido e, por maioria, provido.

(grifo nosso)304

Além dos critérios retromencionados, a doutrina costuma apontar outros305, que,

embora não costumem ser utilizados pelos tribunais pátrios, merecem detida análise, quais

sejam:

e) número de sujeitos lesados e repetibilidade da conduta danosa;

f) proveito obtido pelo ofensor em decorrência do dano causado.

Elencados tais critérios, inicializar-se-á uma apreciação individualizada, com o

objetivo de verificar as respectivas aplicabilidades, mediante a identificação de se a finalidade

que os envolve é meramente ressarcitória ou punitiva.

3.2.1 Da extensão do dano

A extensão do dano causado é o critério básico da responsabilidade civil e tem como

intuito e fundamento primordial a solidariedade em ressarcir o ofendido pelo prejuízo sofrido,

o que se mostra mais eficaz em sede de reparação por danos materiais, contudo não pode ser

esquecido em sede de compensação por danos morais, mesmo que a lesão a bem

extrapatrimonial não guarde identidade com uma expressão patrimonial direta.

Outrossim, tem-se, na regra do caput do art. 944 do CCB/02, uma cláusula genérica

de medição da indenização, não existindo, portanto, motivo que justifique a sua restrição para

o aferimento da sanção por danos morais.

Exemplificando como a liquidação do dano moral pode ser logicamente aferível

pelo critério da extensão, menciona-se a hipótese de danos morais decorrentes de malferimento

à honra por publicação de informações injuriosas, oportunidade em que a lesão será

objetivamente mais intensa, na proporção em que uma maior quantidade de pessoas tiver acesso

à informação ofensiva perpetrada306.

304 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 355392/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão

Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/03/2002, DJ 17/06/2002, p. 258. 305 Salienta-se que o critério da culpa concorrente da vítima (art. 945 do CCB/02) não será abordado porque se

entende que ele não é propriamente um fator de quantificação da indenização, haja vista que se volta, em verdade,

para a verificação do nexo de causalidade e, portanto, interfere diretamente na extensão do que se tem por alvo da

tutela responsabilizante, repercutindo indiretamente no quantum indenizatório. Nesse sentido: “A doutrina atual

tem preferido falar, em lugar de concorrência de culpas, em concorrência de causas ou de responsabilidade, porque

a questão [...] é mais uma concorrência de causa do que de culpa. A vítima também concorre para o evento, e não

apenas aquele que é apontado como único causador do dano.”. (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit, p. 44). 306 DINIZ, Maria Helena. Op. cit, p. 101.

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Ademais, muito embora a ofensa a direitos da personalidade não possa ser calculada

matematicamente, já que a dignidade não é um bem exposto ao mercado, é possível que se

compare uma lesão extrapatrimonial com outra ofensa de igual natureza, sendo, dessa forma,

viável a aplicação da noção de proporcionalidade para fins de escalonar um valor indenizatório

seguindo a lógica da gravidade do dano provocado.

Por último, importa destacar que, em honra ao princípio da restituição integral

(restitutio in integrum), justificado pela preocupação em equilibrar o valor da indenização com

a extensão do dano causado, a jurisprudência 307 não admite a prefixação de um valor

indenizatório a título de danos morais (indenização tarifada), o que, inclusive, restou expresso

na súmula n° 281 do STJ308.

Em remate, percebe-se que o critério da extensão do dano apresenta intuito

ressarcitório, e não punitivo, razão pela qual se mostra condizente com a sistemática civil

vigente, sendo, portanto, um critério válido para fins de liquidação dos danos morais.

3.2.2 Das condições específicas da vítima

Sobre a questão das condições específicas da vítima, normalmente são levantados

dois subcritérios, quais sejam: a pessoa em si e sua condição econômica. Ilustrando o dito,

Maria Helena Diniz afirma que se deve “analisar a pessoa do lesado, considerando os efeitos

psicológicos causados pelo dano, a intensidade de seu sofrimento, seus princípios religiosos,

sua posição social ou política, sua condição profissional e seu grau de educação e cultura” 309.

Sobre tais quesitos, algumas ponderações são necessárias.

Primeiramente, a análise do sujeito em sua intimidade se mostra condizente com a

necessidade de perquirir o grau da lesão, que, dada sua própria natureza, tem a ver, embora por

tal fator não se determine, com o impacto sofrido pela vítima310, dessa forma algumas condições

307 Nesse sentido: “AGRAVO REGIMENTAL. EXTRAVIO DE MERCADORIA. INDENIZAÇÃO.

CONVENÇÃO DE VARSÓVIA. APLICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE

NEGA PROVIMENTO. 2. Muito embora haja sido reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal a repercussão

geral sobre o tema em debate (AI 762.184/RJ, relator Ministro Cezar Peluso), o fato é que o entendimento abraçado

pela Corte Constitucional não destoa daquele adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, no sentido de não se

aplicar a indenização tarifada prevista na Convenção de Varsóvia, seja por óbice constitucional, seja por

prevalência do Código de Defesa do Consumidor. 2. Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.”

(BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg OfPet no AREsp 149.734/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE

SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 04/09/2012, DJe 10/09/2012). 308 “A indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa.” (BRASIL. Superior

Tribunal de Justiça. Súmula 281, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 28/04/2004, DJ 13/05/2004 p. 200). 309 DINIZ, Maria Helena. Op. cit, p. 102. 310 Importa aqui reiterar o raciocínio desenvolvido quanto à diferença entre dano e violação de direitos, no contexto

dos danos morais, conforme abordado no item 2.4.3.

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pessoais do sujeito lesado são, de fato, relevantes para a liquidação do dano moral, desde que

sejam capazes de realmente expressar a intensidade com a qual direitos da personalidade foram

ofendidos.

Ilustrando o pensamento em voga, pode-se imaginar que, para um pianista, o dano

moral sofrido em decorrência de uma lesão permanente provocada em suas mãos representa um

impacto claramente maior do que em uma pessoa que não faz de sua habilidade motora uma

utilidade correlata. Enfatizando tal raciocínio, são notáveis as palavras de Maria Celina Bodin

de Moraes:

[...] as condições pessoais da vítima, desde que se revelem aspectos de seu

patrimônio moral, deverão ser cuidadosamente sopesadas, para que a reparação

possa alcançar, sob a égide do princípio da isonomia substancial, a singularidade de

quem sofreu o dano. P. Perlingieri chega a sustentar que será especial o dano na

perna de quem mora em um dos últimos andares de um edifício sem elevador [...].

(grifo da autora)311

Desse modo, é imprescindível perceber a diferença entre patrimônio moral e

econômico, não sendo, portanto, admissível que o quantum indenizatório seja lavrado mediante

o critério da riqueza da vítima, pois isso implicaria em preocupante valoração da dignidade

humana sob uma ótica pecuniária, que nada representa o bem em tutela.

Talvez pela dificuldade prática em se averiguar as condições pessoais da vítima, é

comum que a atenção se volte para as condições econômicas do ofendido312, todavia importa

perceber que o fator econômico em nada interfere na intensidade da ofensa extrapatrimonial

sofrida.

Em realidade, eventual comparação entre a potência econômica da vítima e o dano

moral só possui justificativa caso se considere em voga o pensamento segundo o qual a

indenização funciona como forma de proporcionar prazeres ao sujeito lesado em compensação

pelo sofrimento; assim, segundo tal vertente, uma pessoa de menos recursos financeiros

precisaria de menor quantia indenizatória para que fosse despertada felicidade compensatória

suficiente, e, analogamente, uma pessoa de maior riqueza econômica precisaria de uma quantia

maior para tanto313. Assim defende Carlos Roberto Gonçalves:

É evidente que o sofrimento moral dos afortunados não é mais profundo do que o das

demais pessoas. Porém, o critério de se atentar para a situação econômica do lesado,

311 MORAES, Maria Celina Bodin de. Op. cit, p. 307. 312 Sensível a tal problemática, Maria Celina Bodin de Moraes assevera: “[...] se se tem como noção de dano moral

o sofrimento humano e se tal fundamento não pode ser mensurado, acaba-se por dar relevo às condições

econômicas da vítima, consideração esta que tem o efeito de atribuir menos a quem tem menos, e mais a quem

tem mais.” (Ibidem, p. 298). 313 Ver item 2.6.2

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no arbitramento dos danos morais, pode ser utilizado porque, como já ressaltado, a

reparação não deve buscar uma equivalência com a dor, mas ser suficiente para trazer

um consolo ao beneficiário, uma compensação pelo mal que lhe causaram. [...] Enfim,

os bens da vida capazes de consolar ou compensar a dor do lesado de modesta

condição social e econômica são, também, de menor valor.314

Ocorre que, embora se reconheça que, na prática, a recepção de uma indenização

por danos morais oferta à vítima uma benesse, não se mostra congruente a ideia de que tal

benesse visa à restituição do contexto anímico anterior ao dano, como se a dignidade humana

fosse o resultado de uma equação matemática de sentimentos315.

O valor em tutela pela indenização por danos morais é a dignidade, que, por

essência, é desprovida de preço, já que não passível de ser visualizada como meio, em

decorrência de sua autonomia finalística316.

Em concordância com o posicionamento ora defendido, são claras as palavras de

Maria Celina Bodin de Moraes:

Se foi sua dignidade lesionada, tornar-se-ão mais objetivamente apreciáveis os fatores

individuais a serem levados em consideração pelo juízo de reparação. Sob esta ótica,

ficam desde logo excluídos quaisquer critérios que tenham como parâmetro as

condições econômicas ou nível social da vítima, não se coadunando com a noção de

dignidade, extrapatrimonial na sua essência, quaisquer fatores patrimoniais para o

juízo de reparação.317

Na mesma linha de posicionamento, Pedro Ricardo e Serpa sustenta que o critério

do porte econômico da vítima representa grave violação ao princípio da isonomia, haja vista

que trata a dignidade de pessoas mais abastadas com maior importância do que a de pessoas

economicamente menos favorecidas318. Em mesmo sentido, Salomão Resedá conclui:

[...] este pensamento [critério econômico da vítima] apresenta-se incompatível com a

tábua axiológica inaugurada com a Constituição Federal de 1988, que valoriza a

simples condição de ser humano. Não só a Carta Magna, mas também o Novo Código

Civil, sob o manto do princípio da dignidade da pessoa humana, refutam teorias que

valorizem o homem “ter” em razão do homem “ser”. Atualmente, o ordenamento

jurídico pátrio busca observar a pessoa com as lentes existencialista e não

patrimonialista.319

Em remate, percebe-se que o critério das condições específicas da vítima possui

conotação ressarcitória e, portanto, é condizente com a sistemática civil vigente, contudo, faz-

se a ressalva de que o porte econômico da vítima não deve ser aplicado, pois se afasta

314 GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit, p. 577, 578. 315 Cf. item 2.6.2. 316 KANT, Immanuel. Op. cit, passim. 317 MORAES, Maria Celina Bodin de. Op. cit, p. 306. 318 SERPA, Pedro Ricardo e. Op. cit, p. 334. 319 RESEDÁ, Salomão. Op. cit, p. 204.

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qualitativamente do valor que se pretende tutelar, cuja relação se mostra, em verdade, presente

em face das condições íntimas do sujeito lesado, tido em suas características pessoais, e não

patrimoniais.

3.2.3 Da conduta e das condições específicas do ofensor

Voltar a liquidação da indenização por danos morais para critérios que toquem a

figura do ofensor demonstra claro tangenciamento da lógica ressarcitória, afinal, o prejuízo

enfrentado pela vítima resta inalterado, independentemente de tais traços.

Explorando o assunto, importa consignar que, sob a ótica do sujeito lesante, a

liquidação da indenização pode ser visualizada perante dois principais enfoques: a

reprovabilidade da conduta do ofensor e suas condições específicas, sejam pessoais ou

econômicas.

No que tange a conduta do sujeito lesante, tal critério orienta que se verifique o grau

de reprovabilidade para fins de aferição do quantum indenizatório; assim, atos marcados por

culpa grave e dolo gerariam efeito de majoração do valor em liquidação, o que seria justificado

por imperativo de isonomia, à medida que condutas desiguais devem ser repelidas mediante a

noção de proporcionalidade manifestada no valor da sanção. Elucidando a matéria, expõe-se o

pensamento de André Gustavo Corrêa de Andrade:

O grau de culpa e a intensidade do dolo constituem fatores fundamentais para a

determinação do quantum indenizatório: uma conduta dolosa deverá ser mais

gravemente sancionada que uma culposa de igual repercussão; de duas condutas

dolosas, será merecedora de sanção mais grave aquela cuja motivação seja mais

reprovável; o ato lesivo praticado de forma premeditada deve ser repreendido mais

duramente do que o ilícito que, embora doloso, não tenha decorrido de deliberação

prévia; entre duas condutas lesivas não dolosas, a punição deverá ser exacerbada para

aquela em que a culpa se mostrar mais grave; a culpa consciente deve, em princípio,

ser mais severamente repreendida que a culpa inconsciente.320

Tal lógica sustenta que, a depender do papel desempenhado pelo agente, pode-se

dele exigir um maior grau de responsabilidade, o que elevaria a reprovabilidade e,

consequentemente, o valor indenizatório do dano moral causado. Seguindo tal ratio também

operam as condições pessoais específicas do ofensor; a exemplo: o dano moral perpetrado pelo

pai contra o filho merece maior reprovação jurídica do que aquele provocado por uma pessoa

alheia aos laços familiares321.

320 ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Op. cit, p. 301. 321 Ibidem, p. 303.

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Quanto à condição econômica, a lógica que envolve tal parâmetro complementa o

que já foi dito a respeito da perquirição da gravidade da culpa. Isso, porque a riqueza do

condenado é utilizada como referência para medir um grau de desestímulo que seja capaz de

ofertar ao ofensor um impacto econômico suficiente para enfatizar a reprovabilidade de sua

conduta.

Disso isso, destaca-se que, no presente momento, não convém a realização de uma

análise de justiça do critério em discussão, mas, tão somente, a ponderação de que levar em

consideração a gravidade da culpa de forma tão ampla extrapola o permissivo contido no art.

944, caput e parágrafo único do CCB/02, em que somente é criada exceção à regra de se medir

o valor da indenização pela extensão do dano para a hipótese de diminuição do valor

indenizatório, em prestígio da equidade, conforme já discorrido neste trabalho322.

Repugnando os elementos de quantificação em exame, Maria Celina Bodin de

Moraes alega que “Os critérios que não devem ser utilizados são aqueles próprios do juízo de

punição ou de retribuição, isto é, as condições econômicas do ofensor e a gravidade da culpa.

Tais elementos dizem respeito ao dano causado, e não ao dano sofrido”323.

Pelo exposto, conclui-se que a conduta e as condições específicas do ofensor não

espelham, no atual estado das leis pátrias, parâmetro idôneo à quantificação da indenização,

razão pela qual não devem ser utilizados pelo Poder Judiciário, salvo expressa permissão

legislativa, em honra à ordem de legalidade que permeia a seara punitiva.

Por último, é interessante destacar o pensamento formulado por Antônio Junqueira

de Azevedo324, que visualiza a solução para a necessidade de ênfase na tutela relativa a condutas

socialmente danosas por via tangencial à aceitação de uma indenização punitiva em sede de

dano moral.

Segundo defende o autor, bastaria que se reconhecesse o instituto que denomina

“dano social”, cuja marca se relaciona ao prejuízo social provocado por condutas, que, indo

além de uma repercussão meramente individual, rebaixam, a nível geral, a qualidade de vida da

sociedade, que não se sente segura defronte ao impacto do dano perpetrado325.

322 Cf. item 2.3.1. 323 MORAES, Maria Celina Bodin de. Op. cit, p. 332, 333. 324 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Op. cit, passim. 325 “A segurança, nem é preciso salientar, constitui um valor para qualquer sociedade. Quanto mais segurança,

melhor a sociedade, quanto menos, pior. Logo, qualquer ato doloso ou gravemente culposo, em que o sujeito ‘A’

lesa o sujeito ‘B’, especialmente em sua vida ou integridade física e psíquica, além dos danos patrimoniais ou

morais causados à vítima, é causa também de um dano á sociedade como um todo, e, assim, o agente deve

responder por isso.” (AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Op. cit, p. 215).

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Em interessante julgado, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul aplicou a

doutrina do dano social, bem como determinou o destino do valor indenizatório para fundo

público, veja-se a ementa do caso:

TOTO BOLA. SISTEMA DE LOTERIAS DE CHANCES MÚLTIPLAS. FRAUDE

QUE RETIRAVA AO CONSUMIDOR A CHANCE DE VENCER. AÇÃO DE

REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. DANOS MATERIAIS

LIMITADOS AO VALOR DAS CARTELAS COMPROVADAMENTE

ADQUIRIDAS. DANOS MORAIS PUROS NÃO CARACTERIZADOS.

POSSIBILIDADE, PORÉM, DE EXCEPCIONAL APLICAÇÃO DA FUNÇÃO

PUNITIVA DA RESPONSABILIDADE CIVIL. NA PRESENÇA DE DANOS

MAIS PROPRIAMENTE SOCIAIS DO QUE INDIVIDUAIS, RECOMENDA-

SE O RECOLHIMENTO DOS VALORES DA CONDENAÇÃO AO FUNDO DE

DEFESA DE INTERESSES DIFUSOS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Não há que se falar em perda de uma chance, diante da remota possibilidade de ganho

em um sistema de loterias. Danos materiais consistentes apenas no valor das cartelas

comprovadamente adquiridas, sem reais chances de êxito. Ausência de danos morais

puros, que se caracterizam pela presença da dor física ou sofrimento moral, situações

de angústia, forte estresse, grave desconforto, exposição à situação de vexame,

vulnerabilidade ou outra ofensa a direitos da personalidade. Presença de fraude, porém,

que não pode passar em branco. Além de possíveis respostas na esfera do direito penal

e administrativo, o direito civil também pode contribuir para orientar os atores sociais

no sentido de evitar determinadas condutas, mediante a punição econômica de quem

age em desacordo com padrões mínimos exigidos pela ética das relações sociais e

econômicas. Trata-se da função punitiva e dissuasória que a responsabilidade civil

pode, excepcionalmente, assumir, ao lado de sua clássica função

reparatória/compensatória. O Direito deve ser mais esperto do que o torto, frustrando

as indevidas expectativas de lucro ilícito, à custa dos consumidores de boa fé.

Considerando, porém, que os danos verificados são mais sociais do que propriamente

individuais, não é razoável que haja uma apropriação particular de tais valores,

evitando-se a disfunção alhures denominada de overcompensantion. Nesse caso,

cabível a destinação do numerário para o Fundo de Defesa de Direitos Difusos, criado

pela Lei 7.347/85, e aplicável também aos danos coletivos de consumo, nos termos

do art. 100, parágrafo único, do CDC. Tratando-se de dano social ocorrido no

âmbito do Estado do Rio Grande do Sul, a condenação deverá reverter para o

fundo gaúcho de defesa do consumidor. (grifo nosso) 326

Fortalecendo os danos socais, o Superior Tribunal de Justiça, sob a liderança de

voto proferido melo Min. Raul Araújo, no julgamento da Rcl 12062/GO 327 , reconheceu

expressamente a possibilidade jurídica de indenização por danos sociais, oportunidade em que

o Ministro relator, além de invocar a doutrina do Professor Antônio Junqueira de Azevedo e o

326 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Recurso cível nº 71001249796, Relator: Eugênio Facchini

Neto, Data de Julgamento: 27/03/2007, Terceira Turma Recursal Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do

dia 16/04/2007. 327 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Rcl 12.062/GO, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO,

julgado em 12/11/2014, DJe 20/11/2014. Em tal julgado foi, inclusive, firmada tese de recursos repetitivos (art.

543-C, CPC/73), na qual, indiretamente, consagrou-se a figura dos danos sociais; leia-se a súmula da tese constante

na ementa do julgado: “É nula, por configurar julgamento extra petita, a decisão que condena a parte ré, de ofício,

em ação individual, ao pagamento de indenização a título de danos sociais em favor de terceiro estranho à lide”.

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conteúdo do Enunciado nº 456 da V Jornada de Direito Civil328, assim se pronunciou no voto

prolatado:

Inicialmente, cumpre registrar que a doutrina moderna tem admitido, diante da

ocorrência de ato ilícito, a possibilidade de condenação ao pagamento de indenização

por dano social, como categoria inerente ao instituto da responsabilidade civil, além

dos danos materiais, morais e estéticos. [...]. Como se verifica, o dano social vem

sendo reconhecido pela doutrina como uma nova espécie de dano reparável,

decorrente de comportamentos socialmente reprováveis, pois diminuem o nível social

de tranquilidade, tendo como fundamento legal o art. 944 do Código Civil.329

Do exposto, salienta-se que a ideia geral de Antônio Junqueira de Azevedo parece,

com o devido temperamento e previsão legislativa, encontrar apoio mesmo no pensamento de

Maria Celina Bodin de Moraes, que, embora clara opositora da indenização punitiva no

ordenamento jurídico pátrio, afirma que:

Como hipótese excepcional, pode-se admitir uma figura semelhante à do dano

punitivo quando for imperioso dar uma resposta à sociedade, tratando-se, por exemplo,

de conduta particularmente ultrajante ou insultuosa em relação à consciência coletiva,

ou, ainda, quando se der o caso, não incomum, de prática danosa reiterada. O interesse

protegido, o bem-estar da coletividade, justificaria o remédio. Requer-se, porém, a

manifestação do legislador tanto para delinear o instituto, quanto para estabelecer as

garantias processuais, imprescindíveis quando se trata de juízo de punição.330

Do pensamento de Maria Celina Bodin de Moraes é interessante perceber a

aceitação de conotação punitiva dentro do contexto da responsabilidade civil, o que, contudo,

parece miscigenar noções díspares e merecedoras de tratamento em separado, quais sejam: a

noção de reparação/compensação e a noção de prevenção/punição.

A mesma crítica merece a ideia dos danos sociais, caso sejam manejados não com

o intuito de sanar um prejuízo (indenização em sentido estrito), mas sim com base primordial

na causa de prevenir, a partir de critérios voltados ao desestímulo da conduta331, o que se reprova

dada a ausência de amparo legal para tanto.

328 Enunciado nº 456: Art. 944: A expressão “dano” no art. 944 abrange não só os danos individuais, materiais ou

imateriais, mas também os danos sociais, difusos, coletivos e individuais homogêneos a serem reclamados pelos

legitimados para propor ações coletivas. (Disponível em: < http://www.cjf.jus.br/CEJ-Coedi/jornadas-

cej/enunciados-aprovados-da-i-iii-iv-e-v-jornada-de-direito-civil/jornadas-de-direito-civil-enunciados-

aprovados>. Acesso em: 21 out. 2015). 329 Disponível em: <

https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=41409472&num_re

gistro=201300900646&data=20141120&tipo=51&formato=PDF>. Acesso em: 21 out. 2015. 330 MORAES, Maria Celina Bodin de. Op. cit, p. 330. 331 No voto prolatado pelo Min. Raúl Araújo, na já comentada Rcl 12062/GO, nota-se que a base legal conferida

para a indenização por dano social foi o art. 944 do CCB/02. Dessa forma, a princípio, nota-se que o STJ conferiu

a tal instituto uma conotação essencialmente reparatória/compensatória, o que presta homenagem à ideia defendida

neste trabalho, segundo a qual não se poderia empregar conotação punitiva, sem prévia cominação legal para tanto.

Em sentido equivalente, é a posição de Antônio Junqueira de Azevedo: “[...] o art. 944 no Código Civil, ao limitar

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No entanto, mesmo que houvesse cominação legal para a indenização punitiva, o

caráter repressivo, conforme aqui defendido, é de mais adequado tratamento quando organizado

em uma figura sancionatória autônoma e independente da razão indenizatória, conforme será

minuciado no capítulo final deste escrito, a partir da idealização de uma causa geral de multa

civil.

3.2.4 Da proporcionalidade

A proporcionalidade é reiteradamente invocada quando se trata da tentativa de

determinação prática de conceitos marcados por uma evidente indeterminação jurídica, o que

se mostra visível no que toca à liquidação da indenização por danos morais.

Apesar de todos os esforços empenhados em discussões acerca da natureza jurídica,

finalidade e conceito do dano moral, o certo é que o processo de quantificação do valor da

respectiva indenização ainda é tema de complexo trato empírico, haja vista a impossibilidade

de equiparação entre bens correlatos à dignidade humana e valores pecuniários.

Desse modo, o fator de proporcionalidade nasce como uma ordem de racionalização

capaz de ao menos orientar uma lógica de quantificação dos danos morais, o que pode ser visto

em vários aspectos.

Primeiramente, visualiza-se uma ordem de proporção ao considerar a concessão de

indenizações de semelhante monta em face de danos de intensidade equivalente332, outrossim,

diferenciando o valor das sanções, à medida em que se identifica uma majoração ou minoração

da lesão. A título de exemplo, raciocina-se que a perda de um braço, em tese, merece uma

indenização de maior intensidade do que a perda de uma mão. A mesma lógica determina que

a perda de uma mão direita por um destro redunde em equivalência com a perda de uma mão

esquerda por um canhoto.

a indenização à extensão do dano, não impede que o juiz fixe, além das indenizações pelo dano patrimonial e pelo

dano moral, também – esse é o ponto – também uma indenização pelo dano social. A 'pena' – agora, entre aspas,

porque no fundo, é reposição à sociedade -, visa restaurar o nível social de tranquilidade diminuída pelo ato ilícito.”

(AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Op. cit, p. 215). 332 No escopo de orientar um escalonamento proporcional das indenizações por danos morais, é interessante

observar que o Superior Tribunal de Justiça chegou até mesmo a elaborar uma tabela em que se compilaram

diversos julgados da Corte, com os respectivos valores condenatórios. Tal tabelamento, contudo, apenas retrata

um norte de comparação para o tratamento de novos casos e muito deve se distanciar de qualquer intuito de

predeterminação da indenização, o que desprezaria um exame mais acurado das peculiaridades fáticas necessárias

para um melhor arbitramento dos danos. A tabela pode ser encontrada no seguinte endereço eletrônico:

<http://www.conjur.com.br/2009-set-15/stj-estipula-parametros-indenizacoes-danos-morais>. Acesso em: 21 out.

2015.

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Por fim, importa perceber que a proporcionalidade também é invocada pela

jurisprudência para balancear o intuito repressivo da sanção por danos morais, de forma a

ofertar desestímulo ao ofensor e, concomitantemente, não desencadear enriquecimento sem

causa da vítima. Nesse aspecto, contudo, é importante perceber que, nesses casos, as bases sobre

as quais a proporcionalidade está sendo aplicada não são condizentes com a sistemática

ressarcitória vigente, pois envolvem fator de punição, razão pela qual ela perde o objeto.

Assim, conclui-se que a proporcionalidade atua como um supracritério que se

mostra pertinente na concretização dos demais, estando, portanto, submetida ao requisito de

que o critério a que se volta esteja em consonância com a sistemática civil vigente.

3.2.5 Do número de sujeitos lesados e da repetibilidade da conduta danosa

Principalmente por influência do fenômeno consumerista, levanta-se a questão

sobre a necessidade de escalonar a indenização por danos morais em consideração da potencial

repetição da conduta danosa e do número de lesados, conforme preludiado no item 3.1.4.

Nesse sentido, cogitam-se hipóteses em que o agente lesante causa danos em vasta

escala, atingindo, por conseguinte, inúmeros indivíduos (ao mesmo tempo ou sequencialmente).

Diante de tal feito, por imperativo de prevenção de danos, a lógica do critério em análise ganha

aplicabilidade, o que se enfatiza diante do fenômeno do “erro de execução”. Esse conceito foi

criado para dar nome ao fato de que nem todos os sujeitos lesados ingressarão em juízo e, dos

que ingressarem, nem todos lograrão êxito na demanda, do que a lógica em apreço conclui pela

necessidade de imposição de uma majorante nas indenizações conferidas, como forma de

balancear tal equação e efetivamente desincentivar a conduta danosa.

Esclarecendo a lógica do erro de execução, são imprescindíveis as palavras de

Robert Cooter e Thomas Ulen, explicitando os reflexos de um hipotético caso em que

consumidores têm seus carros danificados em decorrência de um aditivo utilizado, leia-se:

[...] imagine que de cada dois consumidores cujos carros sofrem danos apenas um

processa o fabricante e é ressarcido. O outro consumidor não processa porque não

sabe que o aditivo causou o dano, ou porque não pode provar o fato. A proporção entre

vítimas ressarcidas e o total de vítimas, ½ nesse exemplo, é chamada de “erro de

execução (enforcement)”.333

Percebe-se, assim, que dependendo do valor necessário para evitar a superveniência

de um dano e do número de consumidores atingidos, é possível que, com base no erro de

333 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Op. cit, p. 387.

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execução, o ofensor não se sinta devidamente coagido a parar de provocar os danos, haja vista

a lucratividade do ato ilícito, quando visualizado no contexto macro da lógica de mercado

utilitarista334.

Diante do fenômeno narrado, a razão econômica informa que a atividade danosa

está sendo demasiadamente lucrativa em decorrência do fato de não ter internalizado

devidamente todos os custos de sua efetivação (pagamento de indenização em virtude de todos

os danos causados), o que justificaria a necessidade de imposição de um fator punitivo para

equilibrar a situação335.

Assim, Mitchell Polinsky e Steven Shavell explanam que quando houver uma

chance de o ofensor escapar de sua responsabilidade, a indenização imposta quando ele for

devidamente responsabilizado deverá ser majorada pela multiplicação da recíproca da

probabilidade de ele ser condenado336. Dessa arte, no caso citado por Robert Cooter e Thomas

Ulen, o fator de multiplicação seria 2, já que o erro de execução era de ½.

Compilando todo o exposto, Diogo Naves de Mendonça remata:

Em termos abstratos, a responsabilidade total do lesante (R), caso não haja fixação de

indenizações punitivas, corresponderá ao valor da indenização compensatória (Ic)

multiplicado pelo fator de erro de execução (E), ou seja, R = Ic x E. Para afastar o

erro, aplica-se o múltiplo punitivo (M), de modo que R = Ic x E x M. Como o múltiplo

punitivo corresponde precisamente à recíproca do erro de execução (M = 1/E), a

responsabilidade acabará por se igualar ao dano total provocado pelo lesante: R = Ic

x E x 1/E -> R = Ic.337

Por outro aspecto, os critérios do número de sujeitos lesados e da repetibilidade da

conduta danosa também podem ser interpretados como forma de evitar o sobrecarregamento do

fator punitivo, uma vez que o múltiplo calculado a partir do erro de execução, além de atuar

como elemento de majoração do quantum meramente ressarcitório, também estabelece o teto

da sanção indenizatória, cujo escopo englobaria, somente, a internalização dos custos de

produção. Desta feita, caso se verificasse que os valores das sanções estivessem extrapolando

o fator de punição, haver-se-ia de adequar tal montante para evitar uma sobrecarga punitiva.

Novamente sem adentrar na justiça da lógica apresentada, mas abordando, tão

somente, sua adequação com o ordenamento jurídico pátrio, é evidente que os critérios expostos

334 Sobre tal assunto, conferir: SANDEL, Michael S. Op. cit. 335 MENDONÇA, Diogo Naves. Op. cit, p. 111. 336 No original: “When an injurier has a chance of scaping liability, the proper level of total damages to impose on

him, if he is found liable, is the harm caused multiplied by the reciprocal of the probability of being found liable.”

(POLINSKY, A. Mitchell; SHAVELL, Steven. Punitive damages: an economic analysis. Harvard Law Review, v.

111. 1998, p. 874). 337 MENDONÇA, Diogo Naves. Op. cit, p. 113.

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não possuem cunho somente ressarcitório, pois exigem a utilização de um fator punitivo que

não contém previsão nas leis civis vigentes, razão pela qual não podem ser avalizados pela

jurisprudência.

Em continuidade, a título de reflexão, é interessante ponderar e perceber que o fator

punitivo em querela tem relação com a pressuposição de que o sistema de responsabilidade civil

não operará de forma perfeita, dando origem, portanto, ao erro de execução.

Desta feita, o fator punitivo possui base de cálculo referendada por indenizações

que haveriam de ser pagas para sujeitos que, em verdade, não obtiveram a devida tutela jurídica

de seus direitos, razão pela qual o múltiplo punitivo parece esbarrar em uma questão de

ilegitimidade ativa, pelo fato de um sujeito lesado balizar postulação com fulcro na inércia de

outro. Outrossim, tal lógica também parece malferir o direito à ampla defesa do condenado,

pois ele estaria respondendo, por meio do fator punitivo, em face de uma presunção de dano

que sequer teria sido objeto de discussão durante a lide338.

Por fim, é oportuna a menção ao pensamento de Marcela Alcazas Bassan, segundo

a qual a problemática do erro de execução não encontra resposta unicamente na inserção do

elemento punitivo na responsabilidade civil, em verdade, segundo defende, a sistemática

processual pátria possui ferramentas aptas a contornar possíveis inércias de particulares, o que

se viabiliza através do correto manejo das ações civis públicas. Referindo-se a tais ações, vejam-

se as letras do pensamento apresentado:

Para essas hipóteses [erro de execução], em que parece desvanecer a eficácia

preventiva da indenização compensatória, sugerem-se instrumentos já postos pelo

ordenamento jurídico nacional que podem colaborar para a prevenção de danos. Ou

seja, antes de se aceitar que nestas situações a indenização punitiva representa uma

solução adequada, deve-se observar que o ordenamento jurídico dispõe de alguns

instrumentos processuais que, se efetivamente utilizados, afastam a necessidade da

via punitiva. Tais instrumentos estão à disposição da sociedade e contêm um potencial

preventivo, que deve ser explorado antes de cogitar da aceitação dos parâmetros

punitivos da Common Law, postos nos punitive damages.339

Embora se reconheça o relevante potencial da tutela coletiva na responsabilidade

civil, pondera-se que a estratégia processual deve ser aliada a ferramentas de direito material,

com o intuito de otimizar a força preventiva da sanção e consolidar a devida ordenação da

conduta humana.

Dessa forma, a existência da via processual coletiva não desmerece, de plano, a

utilidade na idealização do escopo punitivo, cuja utilidade e aplicabilidade devem ser

338 A legitimidade voltará a ser abordada no contexto da causa geral de multa civil. Cf. item 4.1.1. 339 BASSAN, Marcela Alcazas. Op. cit, p. 117.

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apreciadas no caso concreto, a partir da noção de adequação preventiva340, sendo, inclusive,

imaginável a incidência de sanção punitiva através da técnica da ação civil pública.

Ademais, o manejo da via processual coletiva, se não aliado a um instituto de direito

material que vá além do intuito reparatório/compensatório, poderá não ultrapassar, ou mesmo

sequer alcançar o ponto de neutralidade tratado no item 4.4.2, repercutindo, por conseguinte,

em insuficiente dissuasão.

Pelo exposto, a não admissão da juridicidade dos mencionados critérios no âmbito

da liquidação da indenização se deve à inexistência de base legal para tanto, e não ao argumento

de que a problemática do erro de execução seria plenamente solucionável pelo uso de ações de

tutela coletiva de danos.

3.2.6 Do proveito obtido pelo ofensor em decorrência do dano causado

Bem interessante é o raciocínio segundo o qual se defende que a quantificação da

indenização por dano moral deve levar em consideração o proveito obtido pelo ofensor ao

provocar o dano. Tal ideia se embasa no princípio da devolução dos fatos ao status quo ante,

mas sob o prisma do agente lesante. Explica-se: segundo tal critério, além de o ofendido ter o

direito de ser ressarcido pelos danos causados, o ofensor também deve ser forçado a voltar ao

seu estado inicial, como se jamais tivesse provocado o dano, o que evitaria a possibilidade de

reiteração da conduta danosa que ofertasse uma vantagem para o seu praticante. Assim esclarece

Diogo Naves Mendonça:

Na tentativa de alcançar um patamar eficiente de dissuasão, a correta quantificação do

dano deverá, em determinadas situações, retornar não apenas o lesado ao estado

anterior, mas também o lesante. O raciocínio ex ante poderá exigir, dessa forma, que

indenizações extraordinárias sejam aplicadas.341 (grifo do autor)

O raciocínio é bastante semelhante ao desenvolvido quando da explanação do

conceito de erro de execução, mas, no caso ora em apreço, o lucro é decorrente da própria

conduta causadora do dano, e não de uma presunção contábil do número de vítimas que

ingressam no Judiciário.

À guisa de exemplificação, expõe-se o exemplo alegórico proferido por Patrícia

Carla Monteiro Guimarães, no qual um homem deseja comer uma maçã da plantação de seu

vizinho, oportunidade em que, diante de um sistema de responsabilidade civil baseado em uma

340 Sobre a adequação preventiva cf. item 4.4.3 341 MENDONÇA, Diogo Naves. Op. cit, p. 111.

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lógica meramente ressarcitória, tem dois caminhos a seguir: primeiramente, o homem pode

optar por pagar ao seu vizinho o devido preço pela maçã; por outro ângulo, o sujeito poderá

desrespeitar o direito de propriedade de seu convivente e simplesmente tomar para si a desejada

maçã, oportunidade em que, na forma da ratio civil vigente, deverá indenizar o ofendido no

exato montante do valor de mercado do bem tomado342.

O exemplo narrado bem ilustra a justificativa da necessidade de se tomar o lucro

obtido pelo sujeito lesante como parâmetro indenizatório capaz de fazer jus a um imperativo de

prevenção, em que não se iguale o ato lícito ao ilícito. Contudo, o mencionado exemplo, embora

didático, não é capaz de ilustrar a totalidade da questão em exame, ao que se faz salutar a

invocação de um novo caso, este elaborado por Sérgio Savi, in litteris:

Após recusar inúmeros convites para ser fotografada nua para revista masculina, sob

a alegação de que queria preservar a sua imagem perante os filhos, uma famosa atriz

é fotografada nua enquanto filmava cenas para uma série de televisão. As fotos são

publicadas mesmo sem a autorização da atriz e a revista masculina bate o recorde de

vendas, atingindo a marca de dois milhões de revistas vendidas, gerando um lucro

líquido para a revista de R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais). Inconformada com

a utilização não autorizada de sua imagem, a atriz ajuíza uma ação visando à reparação

dos danos sofridos. Após alguns anos de disputa judicial a revista é condenada

definitivamente ao pagamento de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), a título de

indenização.343

Neste último exemplo, enxerga-se claramente a problemática a que o critério de

indenização em apreço pretende resolver, pois, considerando apenas o intento ressarcitório, a

responsabilidade civil pode ser radicalmente menosprezada por sujeitos maliciosos, que

encarem o sistema sancionatório como uma simples moeda de troca para alcançar a

maximização de seus lucros. A tal fenômeno foi designada a nomenclatura “lucro da

intervenção”, ou seja: o lucro obtido por alguém em decorrência da intervenção ilícita em face

de direitos de outrem344.

Muito embora o raciocínio apresentado possua notável lógica e aponte para uma

possível lacuna na sistemática de responsabilização civil vigente, ele claramente se volta para

a figura do ofensor e, por conseguinte, distancia-se do intuito ressarcitório vigente, razão pela

qual não há espaço para sua aplicação pela jurisprudência pátria. Contudo, importa enfatizar

342 GUIMARÃES, Patrícia Carla Monteiro. Os Danos Punitivos e a Função Punitiva da Responsabilidade

Civil. Revista de Direito e Justiça, Lisboa, v. 15, n. 1, p.159-206, 2001. 343 SAVI, Sérgio. Responsabilidade Civil e Enriquecimento sem Causa: O lucro da intervenção. São Paulo:

Atlas, 2012, p. 15. 344 Ibidem, passim.

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que, no caso específico da Lei de Propriedade Industrial (Lei n° 9.279/96), consta expressa

previsão de tal critério para fins cálculo da indenização correspondente a lucros cessantes345.

Explorando mais a fundo o assunto, é interessante observar o estudo feito por Sérgio

Savi acerca da problemática do lucro da intervenção, oportunidade em que o autor concluiu que

não existe uma lacuna jurídica em que seja necessário o elastério da responsabilidade civil no

sentido punitivo, para fins de eliminar a vantagem obtida com o ato ilícito.

O mencionado autor pondera que tudo se trata de uma questão de correta

compreensão do princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, que, em casos desse jaez,

por força do disposto no art. 884 do CCB/02, tem a potência para eliminar a vantagem que não

for plenamente corrigida pela sanção indenizatória. Assim explica o autor:

O próprio objeto da ação de responsabilidade civil é diverso daquele da ação de

enriquecimento sem causa. Enquanto a responsabilidade civil tem por função reparar

danos (diminuições registradas no patrimônio da vítima), o enriquecimento sem causa

tem por finalidade remover de um patrimônio os acréscimos considerados indevidos

porque, segundo a ordenação jurídica dos bens, estavam reservados a outro

patrimônio.346

Dessa forma, põe-se em cheque a própria adequação de se tratar a eliminação do

lucro da intervenção pela seara da responsabilidade civil, uma vez que, segundo a ideia

apresentada, tal temática fugiria dos desígnios da indenização e adentraria na seara do instituto

do enriquecimento sem causa, sendo este último embasado, não por uma função punitiva, mas

sim pelos pressupostos de solidariedade e de respeito ao direito de propriedade347.

De toda sorte, reitera-se que, no atual contexto normativo vigente, inexiste previsão

legal que dê suporte, de forma genérica, para o manejo do critério em voga atuar em sede de

liquidação da indenização por danos morais, o que, no entanto, não desmerece a importância

do aprofundamento do estudo sobre o assunto e em paralelo com a noção de enriquecimento

sem causa, conforme será realizado no próximo capítulo.

3.3 Do limite eficacial da responsabilidade civil

345 BRASIL. Lei n° 9.279/96. Art. 210. Os lucros cessantes serão determinados pelo critério mais favorável ao

prejudicado, dentre os seguintes: I - os benefícios que o prejudicado teria auferido se a violação não tivesse ocor-

rido; ou II - os benefícios que foram auferidos pelo autor da violação do direito; ou III - a remuneração que o autor

da violação teria pago ao titular do direito violado pela concessão de uma licença que lhe permitisse legalmente

explorar o bem. 346 SAVI, Sérgio. Op. cit, p. 46. 347 Ibidem, p. 111.

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Até agora, o presente trabalho se voltou à análise da responsabilidade civil, sob um

viés constitucionalizado, com enfoque na indenização por danos morais. Tudo isso foi feito

dada a razão específica de a jurisprudência majoritária e forte doutrina brasileiras acatarem um

fator de conotação punitiva como critério de quantificação da sanção indenizatória incidente

sobre danos morais.

Da discussão travada sobre a temática, é possível perceber que o anseio punitivo no

corpo da indenização por dano moral exsurge como válvula de escape de um certo clamor que

vigora em razão de situações que despertam maior repúdio na sociedade e sobre os quais a mera

sanção ressarcitória não é capaz de, por si só, ofertar suficiente contraestímulo.

Em tal contexto, verifica-se que a responsabilidade civil, no viés puramente

reparatório/compensatório, possui limites no que toca a sua eficácia em estabelecer um estado

de ordem social e respeito à juridicidade, pois não é capaz de ordenar preventivamente

condutas, quando diante de situações especialmente vantajosas para o sujeito ofensor.

Nesse palmilhar, em sede não exaustiva, é interessante compilar três ideias já

expostas neste trabalho, que ilustram, com didática, os limites de eficácia da responsabilidade

civil meramente ressarcitória, quais sejam: o erro de execução348, o lucro da intervenção349 e a

equação dos custos de prevenção350.

Em breve reiteração do já exposto, rememora-se que o erro de execução ocorre com

o uso do risco de receber uma sanção jurídica como variável de cálculo para mensurar o

interesse econômico em seguir o padrão da juridicidade, levando em consideração os lucros

advindos da injuridicidade.

O lucro da intervenção, por sua vez, reporta-se a situações em que a intervenção

indevida nos direitos de outrem gera lucro para o ofensor, sendo plausível, em tal contexto,

encontrar situação em que o lucro obtido pela intervenção ilícita é superior à sanção jurídica

aplicável.

Por último, a equação dos custos de prevenção se refere a situações em que se avalia

o interesse econômico em se precaver para não provocar danos, diante dos custos necessários

para tanto e dos lucros e riscos decorrentes da não tomada da cautela351.

348 Cf. item 3.2.5. 349 Cf. item 3.2.6. 350 Cf. item 2.3.3. 351 Cada um desses três conceitos já foi trabalhado ao longo deste trabalho, de sorte que se remete a leitura aos

respectivos pontos de referência, no intuito de contornar repetições.

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Retomando a lógica da tríade de situações em destaque, coloca-se em evidência a

constatação de que a responsabilidade civil, sob o viés estritamente reparatório/compensatório,

é passível de ser manipulada como moeda de troca, sob uma visão economicista da

maximização do lucro.

Tal manipulação redunda no desprestígio do Direito como fator de ordenação de

condutas e, por conseguinte, prejudica a efetividade da jurisdição, gerando o contexto propício

para o nascimento de ideias que se voltam a pregar a inserção de fator punitivo na sanção

indenizatória, tal como é realizado atualmente no Brasil em relação à compensação por danos

morais.

Dito isso, formata-se a razão de ser do capítulo derradeiro deste escrito: preludiar a

concretização da lógica punitiva no corpo da responsabilidade civil pátria, a partir do imperativo

de maximizar a efetividade da jurisdição e resguardar o plano de fundo constitucional, tão caro

à temática de normas de conteúdo punitivo.

Por oportuno, antecipa-se que apesar de este estudo ter iniciado com enfoque no

fator punitivo da indenização por danos morais, a partir de agora se muda a perspectiva,

ampliando a abrangência da matéria para incluir a responsabilidade civil como um todo, o que

é formulado com base no resultado do repasse crítico que se fez sobre os critérios da

quantificação da indenização por danos morais, oportunidade em que se filtraram as razões de

ordem punitiva daquelas de teor ressarcitório.

4 DE UM PRELÚDIO À CAUSA GERAL DE MULTA CIVIL NO DIREITO

BRASILEIRO

A construção elaborada ao longo deste estudo até o momento assumiu a função de

preparar o contexto propício à exposição das ideias que agora serão traçadas a respeito de um

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prelúdio à causa geral de multa civil 352 no Direito brasileiro, de forma que os conceitos

apresentados no primeiro capítulo, assim como os argumentos trabalhados no segundo, serão

objetos de compilação, para fins de raciocinar os desígnios de um possível rumo evolutivo da

sistemática de responsabilização civil, com enfoque na idealização de uma causa geral de multa

civil.

Longe do objetivo de firmar novos dogmas, as linhas que se seguirão possuem o

escopo de fomentar uma discussão que nasce espontaneamente dos debates que se travam no

cotidiano da responsabilidade civil, quando supervisionada pela lógica do olhar

constitucionalista, que se volta como filtro máximo do ordenamento jurídico.

Assim, faz-se um convite à reflexão e à análise das ideias seguintes, na esperança

de alçar uma possível vertente a ser tomada como norte na perene jornada evolutiva da Ciência

do Direito e, em específico, da seara civilista constitucionalizada.

Dito o intuito deste derradeiro tópico, é importante reavivar as conclusões parciais

já alcançadas neste trabalho, oportunidade em que se remataram três pensamentos, que, agora,

transmutar-se-ão de destinos para novos pontos de partida, atuando como premissas.

A primeira conclusão parcial foi a de que a responsabilidade civil, em sua acepção

reparatória/compensatória, não é capaz de harmonizar relações sociais viciadas, quando diante

de fenômenos em que, para além dos danos causados, o sujeito ofensor aufere vantagem que,

comparada à indenização estritamente ressarcitória, denota um saldo positivo que desmerece o

cumprimento do Direito, ao que se tem por exemplos as situações do erro de execução, do lucro

da intervenção e da equação dos custos de prevenção353, hipóteses nas quais a responsabilidade

civil é levada a suas fronteiras.

A segunda conclusão parcial consiste na afirmação de que não existe óbice, em

abstrato, apto a vedar a adoção de sanções de natureza retributiva dentro do contexto do Direito

Civil pátrio, sendo plausível que uma norma passe a enfatizar, para além do teor meramente

ressarcitório, um aspecto de retribuição em face de atos especialmente preocupantes sob o ponto

de vista da ineficácia de a responsabilidade civil, em determinados casos, eliminar o interesse

que move o ofensor à violação do Direito.

A terceira conclusão parcial foi a de que, para que se conceda teor punitivo a uma

sanção, há a necessidade de respeito ao primado da legalidade, ao que se alertou para a atual

inexistência de norma que autorize a imposição de sanções punitivas dentro da causa geral de

352 As razões que levaram à utilização do termo “multa civil”, assim como “causa geral” serão adiante esclarecidas,

no tópico 4.2. 353 Cf. item 3.3.

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responsabilidade civil e, por conseguinte, para a injuridicidade do fator punitivo manejado pela

jurisprudência dominante, quando da liquidação da indenização por danos morais.

Após tais remates, tendo como foco o modelo de liquidação utilizado pela

jurisprudência pátria majoritária, analisaram-se os critérios de quantificação dos danos morais,

no intuito de verificar e diagramar quais são condizentes com a lógica compensatória e quais

guardam identidade com o objetivo retributivo.

Finalizado o filtro sobre os critérios de quantificação dos danos morais, restou um

modelo de liquidação em que se tem enfoque puramente voltado ao ressarcimento, deixando ao

vácuo os argumentos pertinentes ao fator punitivo. Eis, aqui, o escopo do presente capítulo:

pensar sobre os residuais critérios de punição, para fins de analisar o delineamento jurídico com

os quais podem ser adotados e institucionalizados dentro do Direito Civil354.

É imprescindível esclarecer que o foco dado até o presente momento ao instituto da

indenização por danos morais se justifica em razão de ser nessa órbita que a jurisprudência e

doutrina pátrias fomentaram a discussão a respeito dos limites da responsabilidade civil, de

sorte que, através do estudo sobre os danos morais, tem-se, no Brasil, o gatilho para se pensar

a questão do teor punitivo da sanção indenizatória.

Assim, embora a análise dos danos morais tenha servido como propulsão e plano

de fundo para a discussão até agora realizada, gestou-se o assunto de sorte que se culminou com

a separação, por um lado, de uma indenização por danos morais apartada de qualquer critério

punitivo, e, noutro ângulo, caracteres punitivos que pairam ao relento, desprovidos de

substância em que possam atuar.

Reitera-se que os mencionados caracteres punitivos, por todo o já exposto, não

possuem, hoje, base legal para funcionarem dentro da quantificação da indenização por danos

morais, mas é inegável que o intuito retributivo é mantido vivo na ideologia vigente na

jurisprudência, doutrina e, até mesmo, ousa-se dizer, no senso comum de uma sociedade que,

cada vez mais, indigna-se com os desmandos dos ilícitos civis, banalizados na

contemporaneidade.

É interessante notar que, apesar de não existir base legal para o teor punitivo da

indenização, a ideologia punitiva crescente encontrou uma válvula de escape, uma forma de

manifestação, cristalizando-se em critério de liquidação da sanção pecuniária decorrente de

354 Esclarece-se que, a partir de agora, será utilizado o termo “multa civil” como referência à ideia de um instituto

sancionatório civil em que se compila a ideologia punitiva consubstanciada nos critérios residuais que restaram

após o filtro realizado sobre a técnica de quantificação dos danos morais. A opção por tal nomenclatura será tratada

no tópico 4.2.

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danos morais, viabilizada em razão da volatilidade da essência do processo de quantificação de

tal sanção, cujo fundamento não se volta a um aspecto material claro (ex. ao preço de um

objeto), mas sim à etérea tentativa humana de precificar a dignidade.

Ocorre que tal processo de manifestação da ideologia punitiva, conforme defendido

neste trabalho, pecou por desvirtuar a sistemática jurídica vigente, dando azo a uma sanção

punitiva sem correspondente base legal. É importante esclarecer que não se repudia o mérito da

ideologia punitiva, em verdade, tal mérito é, aqui, antes de julgado, reconhecido em sua

existência, cabendo a estas linhas o desiderato de cristalizá-lo em traços de racionalidade e

técnica jurídica.

Dessa forma, a crítica em composição se volta ao fato de que, para que a punição

se manifeste em institutos jurídicos sancionatórios, é imprescindível que o ordenamento seja

devidamente preparado para recebê-la. Nesse sentido, considerando os critérios de natureza

retributiva que foram, no capítulo anterior, filtrados da forma de quantificação da indenização

por danos morais, passar-se-á a pensar sobre a maneira com a qual podem ser positivados e

efetivamente manejados pelo Direito Civil.

Note-se que este trabalho não se volta à análise da justiça355 do critério punitivo

dentro do Direito Civil, o que se julga mais próprio à política legislativa do que à técnica do

Direito; em verdade, privilegia-se uma postura de neutralidade com o objetivo de, tão só,

examinar contornos técnicos que devem ser objeto de preocupação na hipótese de se resolver

institucionalizar a causa punitiva no âmbito civilista, tal como tem feito a jurisprudência pátria,

ilegalmente (enfatiza-se), ao tratar da liquidação dos danos morais.

A partir de agora, afastando-se (porém, sem ignorar) o direito posto, apresentar-se-

á um desenho jurídico a título de moldura na qual se pode pensar o enquadramento dos critérios

punitivos, em incubação de uma espécie de multa (sanção pecuniária) civil, de essência

retributiva, capaz de manifestar, na maior pureza possível e de forma autônoma, a ideia de

tutelar desmandos em que a lógica ressarcitória não é capaz de, sozinha, combater com eficácia

preventiva.

4.1 Da premissa da multa civil: punição ou prevenção?

355 Esclarece que, por “justiça do critério”, refere-se à opção em eleger o Direito Civil como cenário próprio para

albergar o aspecto punitivo; tal mérito, repita-se, não será analisado com profundidade, apenas sofrendo referências

pontuais. Busca-se, em verdade, saltando a questão da justiça do critério, enfrentar contornos técnicos com os

quais o ordenamento possa absorver a ideologia punitiva no corpo do Direito Civil, dando resguardo legal a uma

vertente jurisprudencial surgida a partir do tratamento punitivo conferido à indenização por danos morais.

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Ao longo deste texto, foram abordadas as funções tradicionalmente conferidas à

responsabilidade civil356, oportunidade em que evidenciadas as noções de reparação, prevenção

e punição. Neste momento, valendo-se do conhecimento já lançado sobre a teleologia da

responsabilidade civil, é imprescindível que se trace a finalidade de uma multa civil.

Pode causar espécie o caminho lógico com o qual se pautam as presentes linhas:

traçar a função de uma pretensa multa civil, a partir das funções da responsabilidade civil;

afinal, a ideia de indenização é de raiz reparatória, noutro giro, a multa tem imediata correlação

com a ordem de punição.

No entanto, o convite a seguir tal norte de ideias se justifica no formato com o qual

a noção de punição foi cultivada em solo pátrio, pois, no Brasil, dentro da seara da indenização

por dano moral, alargou-se a dimensão da responsabilidade civil para alcançar o fator punitivo

tão comentado. Sendo assim, o trabalho argumentativo despendido nos capítulos anteriores para

separar do conceito de indenização por dano moral qualquer pretensão punitiva agora é

analogamente repisado, para que se detecte, dentro das funcionalidades da responsabilidade

civil, o que deve ser extraído para embasar a ideia de multa civil.

Esclarecida a razão metodológica do raciocínio em construção, passa-se ao mérito

do questionamento: qual a premissa da multa civil? Em resposta, é salutar rememorar a

conceituação básica de Miguel Reale, ao estabelecer direta vinculação entre o Direito e a

realização do bem comum357, de forma que, pautando-se nessa lógica, não se pode conceber

um instituto jurídico desprovido de uma teleologia direcionada à harmonização social, sob o

plano de fundo constitucional norteado pela dignidade humana, que sofre no momento em que

se pensa em uma punição per si e desatenta a uma finalidade adequada.

Em sendo assim, aprofundando as ideias apresentadas, defende-se que a multa civil

não deve ser desencadeada simplesmente no escopo punitivo358. Explica-se: a punição não é

capaz de justificar a sua própria existência sob uma ótica de harmonização social. Da punição

356 Cf. item 2.3. 357 Cf. item 2.1. “Direito é a realização ordenada e garantida do bem comum como numa estrutura tridimensional

bilateral atributiva, ou, de uma forma analítica: Direito é a ordenação heterônoma, coercível e bilateral atributiva

das relações de convivência, segundo uma integração normativa de fatos segundo valores.” (REALE, Miguel. Op.

cit., p. 67). 358 Sobre o assunto, é interessante mencionar que até mesmo na seara do Direito Penal, a pena restritiva de

liberdade tem evoluído da causa do castigo, para alcançar a ideia de ressocialização, o que bem se nota no art. 5º,

VI da Convenção Americana de Direitos Humanos, veja-se: Artigo 5º - Direito à integridade pessoal. 6. As penas

privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados.

Disponível em: http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm. Acesso em:

21 out. 2015.

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não se tem liame de causalidade que implique direta e necessariamente em um imperativo de

ordem e bem comum.

Na realidade, sempre que se fez referência às fronteiras da responsabilidade civil e

consequente indução a um pensamento de escopo repressivo, expôs-se uma lógica em que havia

a necessidade de tutelar determinada relação jurídica maculada de ilegalidade, cuja vantagem

ilícita obtida pelo ofensor permanecia em voga mesmo após a atuação da ferramenta

sancionatória estritamente reparatória. Assim ocorreu quando abordados o erro da execução, o

lucro da intervenção e a equação dos custos de prevenção.

A jurisprudência majoritária, conforme as ementas já invocadas em tópicos

anteriores, também costuma associar a necessidade do critério punitivo da indenização por

danos morais a uma razão pedagógica359, de sorte que a punição, per si, não se justifica, estando,

na realidade, sempre lastreada em algo mais.

Nesse ritmo, a punição, em verdade, parece estar camuflada na inércia do discurso

predominante como uma função da responsabilidade civil, incidente no assunto referente aos

danos morais, todavia, descortinando a ideia do fator punitivo, é perceptível, nas linhas aqui

adotadas, que a razão de punir não é a punição360, mas sim o anseio em demonstrar maior

repúdio jurídico a determinado ato, reprimindo-o e desincentivando a sua repetição, por meio

de uma ferramenta que, embora de consequência punitiva, possui lastro na pedagogia.

É de relevo perceber que o presente raciocínio possui fundo constitucional, isso,

pois, sob o pálio do princípio da dignidade humana, não se pode admitir escopo sancionatório

meramente voltado ao castigo. Na realidade, nessa temática, o que se encontra no texto da Carta

Magna de 1988 é um comando voltado ao combate à ameaça de direito361, de sorte que, da

inafastabilidade do Poder Judiciário, é plausível extrair o princípio da prevenção, e não da

punição, como causa justificante da incidência da sanção de consequente punitivo.

359 Nesse sentido, conferir a teoria mista abordada no tópico 3.3.3. 360 Para efeito de esclarecimento linguístico, ressalta-se que, aqui, a palavra “punição” está se referindo à noção

de castigo, de retribuir um mal causado com outro mal, sem que se abranja preocupação com ideias outras, tais

quais as de prevenção e educação; tal percepção é tradicionalmente trazida pelo Direito Penal, mas, atualmente,

tem sofrido adaptações, conforme bem pondera Guilherme de Souza Nucci: “O Direito Penal sempre se pautou

pelo critério da retribuição ao mal concreto do crime com o mal concreto da pena, segundo as palavras de Hungria.

A evolução das ideias e o engajamento da ciência penal em outras trilhas, mais ligadas aos direitos e garantias

fundamentais, vêm permitindo a construção de um sistema de normas penais e processuais penais preocupado não

somente com a punição, mas, sobretudo, com a proteção ao indivíduo em face de eventuais abusos do estado. O

cenário das punições, tem, na essência, a finalidade da pacificação social, muito embora pareça, em princípio, uma

contradição latente falar-se, ao mesmo tempo em punir e pacificar.” (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de

Direito Penal: Parte geral. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 397, 398). 361 BRASIL. CRFB/88. Art. 5º, XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a

direito.

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Enaltece-se, portanto, a função preventiva como verdadeiro intuito apto a solidificar

a estrutura com a qual deve ser erguido o instituto da sanção punitiva, de forma que, apesar de

a palavra “punição” está consagrada na linguagem predominante, a forma das palavras não deve

ofuscar a essência dos valores subjacentes.

A respeito, é interessante mencionar a lição de Norberto Bobbio, quando, em sua

“Teoria da Norma Jurídica”, trabalha o conceito de sanção, vinculando-a à finalidade de

impedir a erosão da lei em decorrência de ações a ela contrárias, veja-se:

Uma norma prescreve o que deve ser. Mas aquilo que deve ser não corresponde

sempre ao que é. Se a ação real não corresponde à ação prescrita, afirma-se que a

norma foi violada. É de natureza de toda prescrição ser violada, enquanto exprime não

o que é, mas o que deve ser. [...] A sanção pode ser definida, por este ponto de vista,

como o expediente através do qual se busca, em um sistema normativo, salvaguardar

a lei da erosão das ações contrárias; é, portanto, uma consequência do fato de que um

sistema normativo, diferentemente do que ocorre em um sistema científico, os

princípios dominam os fatos, ao invés dos fatos os princípios.362

No pensamento de Bobbio, fortifica-se a tese de que a sanção jurídica é

funcionalizada em prol da manutenção do estado de ordem, logo não é adequado justificar uma

sanção punitiva pela própria punição, sob pena de desvirtuamento da finalidade real consistente

em prevenir ilícitos e preservar o sistema normativo363.

Portanto, a sanção punitiva não deve possuir foco na punição, mas sim na

prevenção, ao que seria mais correto, segundo o raciocínio aqui defendido, denominá-la de

sanção de prevenção ou sanção preventiva. Apesar da observação feita, utilizar-se-á

indistintamente a expressão “sanção punitiva”, o que se faz por praticidade linguística, ficando,

contudo, a ressalva de que a palavra “punitiva” tem direta referência com o consequente da

sanção, e não com sua causa, que, em essência, especa-se na prevenção.

362 BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. São Paulo: Edipro, 2001. Tradução de: Fernando Pavan

Baptista e Ariani Bueno Sudatti, p. 152, 153. 363 Cesare Beccaria também foi enfático ao vincular a aplicação das penas a uma finalidade preventiva, e não ao

castigo em si, o que se visualiza quando trata da moderação das penas, leia-se: “Como pode um organismo político

que, em lugar de se dar às paixões, deve ocupar-se exclusivamente em colocar um freio nos particulares, exercer

crueldades inócuas e utilizar o instrumento do furor, do fanatismo e da covardia dos tiranos? Poderão os gritos de

um desgraçado nas torturas tirar do seio do passado, que não volta mais, uma ação já praticada? Não. Os castigos

têm por finalidade única obstar o culpado de tornar-se futuramente prejudicial à sociedade e afastar os seus

concidadãos do caminho do crime. Entre as penalidades e no modo de aplica-las proporcionalmente aos delitos, é

necessário, portanto, escolher os meios que devem provocar no espírito público a impressão mais eficaz e mais

durável e, igualmente, menos cruel no corpo do culpado. ” (BECCARIA, Cesare. Op. cit, p. 45).Voltando a

temática para o âmbito do Direito Civil, tem-se a lição de Nelson Rosenvald: “A despeito de quais sejam os atos

sancionados e em qual modo e intensidade, ao perguntarmos pelo escopo de se aplicar uma pena de modo geral, a

única resposta possível parece ser esta: o escopo principal da pena é o de influir sobre a conduta dos membros da

coletividade, fazendo com que estes se abstenham de cometer certos atos, consentindo com uma visão social que

esteja de acordo com certos modelos de comportamento considerados como desejáveis.” (ROSENVALD,

Nelson. Op. cit., p. 53, 54).

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116

Corroborando o exposto, é interessante mencionar a linha de pensamento de Nelson

Rosenvald:

A retribuição não é uma finalidade da sanção punitiva, mas a sua consequência lógica,

ou seja, a reprovação de um comportamento como reação defensiva em face de quem

golpeia situações jurídicas alheias. Retribui-se – simultaneamente pela imposição de

um mal e uma advertência – como atestado de reprovação ao comportamento do

agente por parte da ordem jurídica. Ora, se a própria função da pena fosse a de retribuir

o ilícito, afirma ALF ROSS, a consequência seria que do ponto de vista dos Estados

sobejasse irrelevante o fato de que se cometessem poucos ou muitos homicídios, pois

os que fossem praticados seriam punidos, ‘a pena se converteria em um bilhete de

ingresso: venha, assassine mesmo, basta que pague!’.364

A punição, portanto, não é a causa, mas sim a consequência de uma norma de cunho

punitivo, de forma que a causa é, em verdade, o intuito de harmonização social,

consubstanciado na preservação do interesse jurídico tutelado pela sanção. A norma jurídica

não se satisfaz com a aplicação da sanção, mas sim a partir do momento em que é respeitada

em seu preceito primário 365 , hipótese em que não é necessária a aplicação do preceito

secundário: a sanção, no caso a sanção punitiva.

Em sentido distinto ao que se defende, é salutar mencionar o posicionamento de

José de Oliveira Ascensão, para quem o caráter punitivo se especa na causação de um

sofrimento ao infrator, privilegiando uma ótica retributiva embasada na imposição do castigo;

em suas palavras:

A pena consiste numa sanção imposta de maneira a representar simultaneamente um

sofrimento e uma reprovação para o infractor. Compreende-se que a pena corresponda

às violações mais graves da ordem jurídica. Então já não interessa reconstituir a

situação que existira se o facto se não tivesse verificado, mas aplicar um castigo ao

violador. [...] Há verdadeiras penas civis, sanções aplicadas fora do direito criminal

ou até independentemente da prática de qualquer acto criminoso.366

364 Ibidem, p. 149. 365 Nesse sentido, interessante citar novamente o pensamento de Norberto Bobbio, que relaciona a noção de ordem

com a garantia de respeito às normas, veja-se: “Só o sistema da heterotutela garante, além da maior eficácia,

também a maior proporção entre o mal e a reparação e, portanto, satisfaz melhor algumas exigências fundamentais

da vida em sociedade, dentre as quais, está certamente a ordem, para cuja manutenção basta a garantia de que as

normas postas sejam respeitadas, mas existe também e sobretudo a igualdade de tratamento, que é mais bem

assegurada quando a sanção é atribuída a um órgão super partes.” (BOBBIO, Norberto. Teoria Geral do Direito.

3ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 145). 366 ASCENSÃO, José de Oliveira. O direito: introdução e teoria geral. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,

1978, p. 56. No excerto extraído da obra de José de Oliveira Ascensão, o autor se reporta às sanções punitivas em

geral, mas, em tal contexto, inclui, também, as sanções punitivas no bojo do Direito Civil, ao que apresenta a

sanção de indignidade, própria do Direito das Sucessões, como exemplo de sanção punitiva civil.

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117

No entanto, no contexto da ordem constitucional vigente, em que se tem na

dignidade humana o vetor axiológico de todas as demais normas, carece de juridicidade

embasar uma sanção punitiva no mero castigo, desprovendo a sanção da finalidade maior

visada, que se cristaliza na ordem de prevenção (art. 5º, XXXV, CRFB/88).

Enfatiza-se que não se está negando a existência de conotação punitiva na punição

(o que seria de todo paradoxal), apenas se está afirmando que tal conotação não se insere na

causa da sanção, mas sim é fator presente na consequência da sua aplicação, cuja razão de

existir consiste na lógica de prevenir, mas nunca numa busca irrefletida pelo castigo.

Em complementação, é imprescindível rememorar as lições de Francesco Carnelutti

a respeito da subjetividade com a qual deve ser visualizada a relação em que aplicada uma

sanção (neste caso, uma sanção pecuniária civil). Na lição do mencionado autor367, sob a ótica

do sujeito ofensor, ter-se-á uma ordem de pena na sanção aplicada, o que pode ser certificado

mesmo que a sanção seja, para o ofendido, um móvel de mero ressarcimento.

Assim, pondera-se que, qualquer sanção pecuniária civil, independentemente de ter

sua causa originária lastreada em ordem de ressarcimento ou de prevenção, para o sujeito

atingido pela sanção, repercutirá em um móvel de sofrimento, haja vista o ataque feito pelo

Direito à esfera de interesses do sancionado, que é atingido em seu patrimônio até na hipótese

de simplesmente indenizar o lesado.

4.1.1 Da prevenção como parâmetro de incidência da multa civil

Perceba-se a utilidade na separação entre as razões de causa e consequência da

sanção: a partir de tal distinção, é possível identificar o que realmente importa (causa) para fins

de deflagração de uma sanção jurídica e, por outro ângulo, como essa causa se manifesta em

termos fáticos (consequência), viabilizando, no cotejamento entre causa e efeito, a mensuração

da adequação da norma ao fim visado (harmonia social).

Sintetizando todo o exposto, é imprescindível perceber que: i) a razão que

determina a multa civil é o intuito de prevenção; ii) o intuito de prevenção manifestado em uma

multa civil repercute na esfera de interesses do ofensor de forma a promover, sob a ótica de sua

subjetividade, uma consequência punitiva; iii) até mesmo uma sanção impulsionada por escopo

367 Cf. item 2.1.1. Rememora-se que Carnelutti aduz que a sanção opera mediante dois critérios: a ordem de

restituição e a ordem de pena.

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meramente reparatório, no sentir do ofensor é traduzida em uma ordem de punição, pois ele

sofre com a incidência da sanção.

Logo, considerando que a causa da multa civil é o intuito de prevenção e que tanto

a multa civil como a indenização puramente reparatória repercutem subjetivamente no ofensor

como um ataque a sua seara de interesses (provocando, por assim dizer, um efeito punitivo

acessório às causas preventiva e reparatória), conclui-se que a dimensão e a existência da multa

civil dependem do grau de intensidade com o qual é necessário (se necessário for) majorar, sob

o aspecto preventivo, o consequente punitivo já ofertado pela sanção reparatória, dada a ordem

de pena que a reparação carrega, em uma perspectiva baseada no efeito subjetivo sofrido pelo

ofensor.

Esclarece-se: no contexto de um ilícito civil capaz de desencadear a sanção

indenizatória, antes de se pensar na aplicação de uma multa civil, é necessário perquirir se a

sanção indenizatória é capaz de, por si só, ofertar ao ofensor desincentivo (fator punitivo, sob

o aspecto subjetivo da sanção) suficiente para tornar desinteressante a prática do ilícito.

Caso a sanção ressarcitória seja suficientemente punitiva ao ofensor, não haverá

necessidade da multa civil, afinal não se pune por punir; por outro lado, caso a sanção

ressarcitória seja incapaz de impor a harmonia social368, exsurge o contexto apto à multa civil.

Feitas tais considerações, consagra-se, no intuito preventivo, o pilar com o qual se pensam os

critérios punitivos dentro do Direito Civil.

Exemplificando a ideia exposta e para que bem se perceba a razão prática de

aplicação da teoria em tratamento, dois exemplos jurisprudenciais serão apresentados como

base de raciocínio.

O primeiro caso se reporta à situação colocada aos cuidados do Tribunal de Justiça

de Santa Catarina369, em que uma senhora, ao realizar compra, foi surpreendida ao ler na nota

368 A incapacidade de a responsabilidade civil consagrar a harmonia social foi abordada quando da exposição não

exaustiva de alguns casos em que se encontram fronteiras da responsabilidade civil, tal qual o lucro da intervenção,

erro de execução e a equação dos custos da prevenção; em tais casos a desarmonia decorre da não efetivação da

prevenção, uma vez que, sob o viés econômico, o ilícito se mantém mais vantajoso do que o lícito. Cf. item 3.3. 369 O caso foi noticiado no seguinte endereço eletrônico: <

http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI160131,31047-

Mulher+chamada+de+gordinha+em+nota+fiscal+sera+indenizada>. Acesso em: 21 out. 2015. O julgado possui a

seguinte ementa: “APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONSUMIDOR. AÇÃO

CONDENATÓRIA. DANOS MORAIS. PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. – TRATAMENTO QUE BEIRA AO

DEBOCHE EM ESTABELECIMENTO COMERCIAL. IDENTIFICAÇÃO POR CARACTERÍSTICA

DESABONADORA. DIREITO À INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. VALOR. ADEQUAÇÃO ÀS

PARTICULARIDADES DO CASO. MINORAÇÃO. – SENTENÇA REFORMADA. RECURSO

PARCIALMENTE PROVIDO. - O consumidor tem direito a ser tratado com dignidade nos estabelecimentos

comerciais a que se dirige, dentro do qual se insere o direito a ser tratado pelo nome, e não por característica física

desabonadora que inclusive foi impressa no cupom fiscal emitido pela caixa do estabelecimento. No entanto, o

valor fixado a título de compensação por danos morais não pode ser exorbitante, mormente quando, apesar de se

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fiscal do produto, no local onde deveria constar seu nome, a palavra “gordinha”. Em razão do

evento, o Poder Judiciário foi acionado mediante ação de indenização por danos morais,

ocasionando, ao final do julgamento da causa, em sede de apelação, a condenação da loja ao

pagamento em favor da autora do montante de R$ 3.000,00 (três mil reais)370.

No caso em narrativa, é importante enaltecer que o regime de responsabilidade civil

foi o específico das relações de consumo, ao que se aplicou a modalidade objetiva de

responsabilização civil371.

Exposta a situação prática, explicar-se-á a aplicação da teoria em exposição.

Perceba-se que, no caso, sem entrar no mérito do litígio e partindo da premissa de que realmente

houve dano moral indenizável, a loja foi condenada, sem a análise de culpa372, ao pagamento

de indenização por dano moral à vítima.

Em tal situação, a pergunta que paira, tendo em vista o imperativo de harmonização

social é: a sanção indenizatória por danos morais aplicada foi suficiente para, parafraseando

Miguel Reale, a realização ordenada do bem comum? Noutras palavras: há necessidade de a

sanção indenizatória por danos morais, no caso, sofrer uma majoração, além de critérios

estritamente compensatórios, para, também, incluir um quantum pecuniário superior à

compensação (uma multa civil, por assim dizer), de efeito dissuasório?

Aplicando a lógica exposta a respeito do fundamento preventivo com o qual deve

ser pautada a ideia de multa civil, é preciso, para responder à questão proposta, analisar se, no

caso, a mera compensação, aos olhos do condenado, já impõe aflição suficiente para demonstrar

a injuridicidade de sua conduta, dissuadindo-o e prevenindo a reiteração da prática ilícita.

No caso retratado, a loja condenada não logrou qualquer vantagem (econômica ou

não econômica) em razão do ilícito praticado, na verdade, pode-se inclusive especular que, em

reconhecer a violação do direito, o fato não representou sofrimento insuperável para a autora.” (BRASIL. Tribunal

de Justiça de Santa Catarina. Apelação cível nº 2012.019244-1, Relator: Henry Petry Júnior, Data de Julgamento:

21/06/2012, Quinta Câmara de Direito Civil, Diário de Justiça Eletrônico nº 1430, 11/07/2012). 370 Em grau singular, o juízo a quo condenou a loja ao pagamento de indenização no valor de 8,5 mil reais, que,

em grau de apelação, foi reduzido para 3 mil reais. 371 Nas palavras do Desembargador Relator, tem-se o seguinte trecho, extraído do seu voto: “Não interessa,

também, se o intuito do vendedor foi o de injuriar ou o de identificar. Em relações de consumo, não se analisa o

ânimo do causador do dano. Havendo prejuízo e nexo de causalidade entre a perda e a conduta imputada ao

fornecedor, configurado está o dever de indenizar, eis que o regime, aqui, é objetivo.” (Disponível em:

<http://app6.tjsc.jus.br/cposg/pcpoSelecaoProcesso2Grau.jsp?cbPesquisa=NUMPROC&dePesquisa=201201924

41&Pesquisar=Pesquisar#>. Acesso em: 21 out. 2015). 372 Embora a responsabilidade objetiva tenha sido aplicada, o Relator, em seu voto, destacou finalidade pedagógica

na indenização aplicada, assim como raciocinou levando em consideração a variável do porte econômico da

empresa (tal critério será oportunamente tratado). Aqui, destaca-se, nos termos já explicados, que até mesmo uma

sanção meramente compensatória, ao olhar do condenado, soa como razão de aflição, funcionando tal

compensação, portanto, como fator pedagógico/preventivo. Discorda-se, contudo, da aplicação de sanção punitiva

sem que se tenha a aferição da culpabilidade do ofensor, conforme será detalhado no item 4.3.3.2.

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virtude do dano moral causado à consumidora, a loja também obtivera desvantagem

(obviamente, desvantagem não comparável ao sofrimento da vítima, que não pode ser

compensado por eventual prejuízo do fornecedor), pois sua imagem pode ter sido atingida com

a repercussão negativa decorrente do desrespeito à cliente.

Em casos assim 373 , em que a prática do ilícito não traz qualquer vantagem

(econômica ou não econômica, repita-se) ao sujeito ofensor, ou mesmo ocasiona acessório

prejuízo ao próprio sujeito lesante, percebe-se que não há, no mundo dos fatos, qualquer razão

lógica plausível que justifique o interesse na repetição da conduta, já que, a conduta em si não

é algo positivo, nem produz saldo favorável ao ofensor.

Logo, a conclusão que se chega é a de que a mera cominação de uma indenização

por danos morais sem qualquer causa penalizante, mas sim inteiramente de origem

compensatória, já basta para que, aos olhos do condenado, haja um consequente retributivo de

suficiente teor preventivo. Em outras palavras: na hipótese de inexistência de vantagem para o

ofensor, não se vislumbra razão para imposição de uma multa civil.

Em contraposição ao exemplo anterior, cita-se, novamente, o Ford Pinto Case

(Grimshaw v. Ford Motor Co)374. Em tal caso, tem-se situação em que a mera indenização

advinda dos tradicionais parâmetros reparatórios da responsabilidade civil não é capaz de tornar

o ofensor desinteressado na reiteração da prática danosa, restando, por conseguinte, não

harmonizada a relação social.

Em casos 375 nos quais o sujeito ofensor aufere vantagem (econômica ou não

econômica) em razão do ilícito praticado, há de se analisar com maior cautela a funcionalização

da responsabilidade civil, isso, pois, a indenização meramente ressarcitória, aos olhos do sujeito

ofensor, pode soar como aflitivo superável, comparado com a vantagem advinda do ilícito

perpetrado. Eis o contexto propício ao manejo da multa civil376.

373 Embora o caso mencionado envolva o Direito consumerista, o pensamento em tal seara não se limita. Na

realidade, a intenção do raciocínio foi ilustrar situação em que o sujeito ofensor não conquista qualquer vantagem

ao lesionar. Portanto, a ideia em exposição não se prende ao Direito do Consumidor, mas sim à lógica subjacente

reportada em um raciocínio de custos e benefícios. 374 O caso foi analisado no item 2.3.3, ao qual se remete o leitor. Pondera-se que, apesar de o exemplo ser importado

da jurisprudência norte-americana, a didática do caso é útil para teorizar sobre o assunto em questão, ao que não

se entrará em detalhes sobre os contrastes da Common Law diante do contexto brasileiro. 375 Os exemplos jurisprudenciais citados (TJ/SC. Apelação cível nº 2012.019244-1 e Ford Pinto Case) se reportam

a causas consumeristas, no entanto, ressalta-se que a exposição teórica deste trabalho não se limita ao Direito do

Consumidor, embora se reconheça que esse é um dos grandes palcos em que a temática se apresenta em concreto. 376 Estas linhas se voltam à análise das sanções pecuniárias (indenização e multa). Assim, embora se reconheça

que, em casos de danos ocasionados pela falta de uma precaução, seja possível ao Judiciário conceder tutela

específica em sede de obrigação de fazer, tal mérito não será minuciado. De toda sorte, reconhece-se o caráter

preventivo da obrigação de fazer, inclusive sob o viés econômico, afinal, o ofensor terá o gasto necessário a efetivar

a cautela, o que atuará na instauração, ou até mesmo superação, do estado de neutralidade. Tal ponto, incluindo o

conceito de estado de neutralidade, será retomado no item 4.4.2.

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A multa civil, em casos tais como o Ford Pinto Case, atua impulsionada pela razão

de prevenir a reiteração do ilícito praticado e é alimentada pela ordem constitucional de

combater a ameaça a direitos377, o que faz mediante a intensificação do efeito punitivo (perceba-

se que a punição é efeito, e não causa) sofrido pelo réu. Nota-se que o efeito punitivo já é

iniciado (no olhar subjetivo do réu) pela sanção meramente reparatória, que, por não ser

suficiente para prevenir a reiteração da prática, merece auxílio da multa civil.

Urge salientar que a causa de prevenir deve atuar tanto como fator decisivo para

incidência da multa civil, como também para a determinação da sua intensidade. É dizer: a

multa deve ser quantificada em valor suficiente para efetivar a causa de prevenir e tão só, não

merecendo ser majorada para além dessa linha de suficiência, pois, a partir de então, restaria

esvaziado o intuito de prevenir, em ingresso da fronteira de um castigo desprovido de adequação

teleológica.

Sendo assim, o intuito preventivo funciona como parâmetro da intensidade da multa,

para que a sua aplicação não termine por provocar um mal maior do que aquele que almeja

combater. Nas palavras de Francesco Carnelutti, a sanção punitiva deve atuar de maneira com

a qual “o contra-estímulo seja de tal ordem que supere o estímulo, mas só na medida do

necessário e não mais”378.

Urge salientar que a ideia de causa geral de multa, nos moldes em que proposta,

assume uma feição capilarizada, cuja utilidade consiste em tutelar ilícitos perpetrados nas mais

diversas situações práticas. De tal sorte, enaltece-se que, para o atendimento de tal finalidade,

faz-se necessário que o próprio sujeito atingido pela ilicitude combatida tenha legitimidade para

encaminhar ao judiciário o pedido de condenação do ofensor à multa civil, defendendo, por

conseguinte, além do seu direito individual, o interesse público, que sofre quando a ordem

jurídica é violada379.

Além disso, é de ser notado que a condenação à multa civil é uma forma

transparente de envolver a causa de prevenir, por não a camuflar sob as vestes de uma

indenização, razão pela qual a crítica exposta quanto à legitimidade ad causam na hipótese em

377 BRASIL. CRFB/88. Art. 5º, XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a

direito. 378 CARNELUTTI, Francesco. Op. cit, p. 122. 379 Embora não em defesa da figura da causa geral de multa civil, é interessante repetir lição de Antônio Junqueira

de Azevedo, que apresenta pensamento que serve como supedâneo à tese aqui defendida, veja-se: “Exerce um

múnus público que alguns autores americanos, a respeito da mesma situação nos “punitve damages”, denominam

“private attorney general”. O autor, a vitima, que move a ação, age também como um “promotor público privado”

e, por isso, merece a recompensa. Embora esse ponto não seja facilmente aceito no quadro da mentalidade jurídica

brasileira, parece-nos que é preciso recompensar, e estimular, aquele que, embora por interesse próprio, age em

benefício da sociedade. ” (AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Op. cit, p. 217).

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que se cogitou na forma de indenização punitiva para tutelar situações de erro de execução não

se aplica à causa geral de multa civil380.

Na realidade, ao requerer a aplicação da pena civil proposta, um sujeito não está

postulando pela indenização que um outro deixou de requestar381, mas sim está pleiteando uma

sanção jurídica solidificada pelo dever cívico de combate a ilícitos, que deve permear cada

componente de uma sociedade saudável e preocupada com a manutenção da ordem, tanto na

esfera individual, como no espaço maior da comunidade em que se vive e convive.

Seguindo tal lógica, defende-se que a razão de prevenir está intrinsicamente

relacionada com a amplitude conferida à legitimidade para postular a aplicação da causa geral

de multa, pois as consequências deletérias da ausência de prevenção são sentidas pontualmente

por cada vítima, que se torna, por consequência, em potencial fiscal da lei no caso concreto.

Pondera-se, portanto, que, prima facie382, não se vislumbra óbice à possibilidade de

o próprio ofendido pela ilegalidade encaminhar ao Poder Judiciário o pedido de multa civil;

ademais, tal possibilidade já é, mesmo que sem base legal, acatada pela Justiça, quando emprega

fator punitivo no processo de liquidação de indenização por danos morais; igualmente,

visualiza-se tal possibilidade nos diversos exemplos de sanções não ressarcitórias

propulsionadas por ação de particular que já estão presentes no ordenamento civil pátrio383.

Indo mais além, pode-se até mesmo suscitar a criação de uma tipologia de ação em

que o particular, mesmo que não titular da relação privada, sentindo-se indiretamente ofendido

por ato de elevada repulsa e repercussão social, incumbe-se de agir em defesa da legalidade,

em atuação análoga ao que hoje já se permite no âmbito da Ação Popular (Lei nº 4.717/65).

Diante do exposto, tem-se por ilustrada a razão prática de se teorizar as bases de

uma multa civil com foco no intuito preventivo, o que viabiliza adequar a tutela jurídica de cada

caso de forma específica e sempre direcionada ao fim último da harmonização social, o que

deve ser mediado pela prudência e sensibilidade judicial em perceber as nuances fáticas

subjacentes à relação de responsabilidade civil, de forma a detectar os casos em que há e os que

não há motivo para a aplicação da multa civil.

Nesse sentido, é interessante perceber que a inércia jurisprudencial, capitaneada

pelas Cortes Superiores, não costuma diferenciar, nas condenações por danos morais, hipóteses

380 Cf. item 3.2.5. 381 O mesmo raciocínio vale para a aplicação da causa geral de multa civil em situações de combate aos perigos

oriundos do erro de execução. 382 O aspecto “prima facie” é destacado em razão de o cerne processual não ser o centro deste trabalho, razão pela

qual se reconhece que o caráter preambular deste raciocínio enaltece o imperativo de maior amadurecimento da

temática sob a ótica da processualística civil. 383 Sobre tais sanções, ver os exemplos citados no item 2.3.3.

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em que se deve ou não aplicar um fator punitivo na liquidação da sanção, limitando-se a

reconhecer, genericamente, um caráter punitivo à indenização por danos morais384.

Sobre tal aspecto, concordar-se-ia com as Cortes Superiores se o caráter punitivo

estivesse sendo observado genericamente em razão da visão subjetiva do sujeito condenado,

que, mesmo diante de uma sanção meramente compensatória, sofre uma aflição em sua seara

de interesse, nos ditames da ideia já mencionada de Francesco Carnelutti.

No entanto, a jurisprudência não ingressa em tal minúcia e parece, realmente,

considerar o teor punitivo como causa genérica da indenização por danos morais, e mais: limita-

se no raciocínio de conferir teor punitivo aos danos morais, em desprestígio de eventual

necessidade de coibir práticas em que vislumbrado, tão só, dano material, conforme será tratado

oportunamente385.

Em tal contexto, deve-se enaltecer que a aparente inércia jurisprudencial sofreu uma

pontual digressão no julgamento do REsp 1354536/SE, em que, pela primeira vez na

jurisprudência brasileira, identificou-se diferença entre uma condenação ao pagamento de

indenização por danos morais em sentido estrito, de uma condenação ao pagamento de sanção

dotada de funcionalização punitiva, ao que se esclareceu que, nem sempre, a indenização por

dano moral deverá ser acompanhada de um aspecto punitivo. Veja-se a ementa do julgado:

RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL

REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. DANOS

DECORRENTES DE VAZAMENTO DE AMÔNIA NO RIO SERGIPE.

ACIDENTE AMBIENTAL OCORRIDO EM OUTUBRO DE 2008. 1. Para fins do

art. 543-C do Código de Processo Civil: [...] b) a responsabilidade por dano ambiental

é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator

aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a

invocação, pela empresa responsável pelo dano ambiental, de excludentes de

responsabilidade civil para afastar a sua obrigação de indenizar; c) é inadequado

pretender conferir à reparação civil dos danos ambientais caráter punitivo imediato,

pois a punição é função que incumbe ao direito penal e administrativo; d) em vista

das circunstâncias específicas e homogeneidade dos efeitos do dano ambiental

verificado no ecossistema do rio Sergipe - afetando significativamente, por cerca de

seis meses, o volume pescado e a renda dos pescadores na região afetada -, sem que

tenha sido dado amparo pela poluidora para mitigação dos danos morais

experimentados e demonstrados por aqueles que extraem o sustento da pesca

profissional, não se justifica, em sede de recurso especial, a revisão do quantum

arbitrado, a título de compensação por danos morais, em R$ 3.000,00 (três mil reais)

[...] 2. Recursos especiais não providos.386

384 Cf. item 2.6.3. 385 Cf. item 4.3.3.1 386 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1354536/SE, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO,

SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/03/2014, DJe 05/05/2014. Há de ser ressaltado que o caso transcrito é

específico e se reporta à responsabilidade por dano ambiental que, conforme a doutrina e jurisprudência

majoritárias, é pautada pela lógica da teoria do risco integral. De toda sorte, apesar da estrita setorização do julgado,

a ideia que o permeia merece perquirição em termos mais gerais, pois se afirmou sobre a inexistência de caráter

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O caso sumariado na ementa transcrita é aqui citado com o intuito de ilustrar que a

jurisprudência, embora em caso isolado, demonstrou-se preocupada em traçar distinção entre a

ideia puramente compensatória dos danos morais e eventual majoração do quantum

indenizatório através de critérios punitivos, tratando com autonomia as causas compensatória e

punitiva, em prelúdio de uma possível maior maturação jurisprudencial da matéria.

No entanto, insta ponderar que a razão que motivou o mencionado julgado do STJ

a separar da indenização por danos morais uma conotação punitiva imediata foi o argumento

de que ao Direito Civil não caberia a função de punir, que residiria nas searas do Direito Penal

e Administrativo. Com tal razão de decisão, contudo, não se pode concordar, isso, pois,

conforme já anteriormente mencionado, o Direito Civil está repleto de sanções que fogem de

uma causa meramente compensatória387, não sendo correto, portanto, afirmar que o Direito

Civil é desprovido de retributividade.

De toda sorte, vale o REsp 1354536/SE como fonte de incentivo às perquirições

deste trabalho, pois da afirmação do julgado de que nem toda indenização por dano moral deve

adotar caráter punitivo, de imediato, surge a seguinte pergunta: quando, então, deverá operar o

caráter punitivo? Para tal pergunta, propõe-se como rumo de resposta o raciocínio exposto a

respeito do enfoque preventivo, em prol da harmonização da relação social.

4.2 Multa civil ou indenização punitiva?

Tem-se, ao longo deste capítulo, mencionado a expressão multa civil como o

instituto acolhedor dos critérios punitivos extraídos do processo de liquidação dos danos morais.

Explica-se: nos termos do capítulo anterior, afirmou-se a inexistência de base legal para que se

dote a indenização por danos morais de fator majorante pautado na causa de punir; de tal

premissa, analisaram-se os critérios tradicionalmente utilizados pela jurisprudência e doutrina

quando da quantificação da sanção indenizatória decorrente de danos morais, para, ao final,

concluir por quais critérios podem ser manejados na liquidação (critérios de ordem

compensatória) e quais critérios devem ser afastados (critérios punitivos).

punitivo imediato na indenização por danos morais, sendo esse o ponto de análise extraído do julgado para este

trabalho, como substrato para uma maior reflexão em termos de teoria geral da responsabilidade civil, pois denota

inauguração de uma forma de pensar os critérios de quantificação da indenização por dano moral. 387 Cf. item 2.3.3.

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Logo após, os critérios punitivos afastados foram tidos como residuais, ao que se

passou a fazer referência à ideia de uma hipotética multa civil como instituto apto a acolher tais

elementares de punição. Ocorre que a hipótese de multa civil merece maior detalhamento, o

que será agora realizado.

Primeiramente, urge salientar que o intuito em se filtrar da indenização por danos

morais qualquer causa de punição foi purificar tal aspecto da responsabilidade civil, em resgate

do princípio da legalidade no que toca a punição. No entanto, a ideologia punitiva não é ao

longo deste trabalho repudiada, em verdade apenas se coloca a preocupação em lhe conferir

contornos de juridicidade, para que possa operar devidamente.

Dessa forma, extraídos os critérios punitivos do processo de liquidação da

indenização, passa-se, então, a uma etapa reversa, em que se exercita o pensamento em prol das

linhas preambulares com as quais se pode cogitar a positivação de tais fatores punitivos dentro

do contexto civilista.

Em outras palavras, pretende-se responder ao seguinte questionamento: caso o

Poder Legislativo resolva positivar os critérios punitivos já tão manejados pela jurisprudência

pátria, qual o formato que deve ser adotado para tanto: a inserção de critérios punitivos na

quantificação da indenização, ou a criação de um instituto autônomo de multa civil?

Em resposta, consideram-se ambas as opções plausíveis, desde que devidamente

previstas nos termos legais. Em tal sentido, obtempera-se que o formato dado aos fatores de

punição não detém o poder de modificar a essência punitiva dos critérios, que,

independentemente da moldura da lei, extrapolam as fronteiras da relação sancionatória para

além da lógica de ressarcimento.

Assim, partindo da autonomia causal entre o montante pecuniário que se volta ao

ressarcimento e a parcela decorrente de critérios punitivos, o fato desses critérios redundarem

em um aspecto de quantificação da indenização ou em um instituto autônomo de multa não irá

repercutir em sua essência jurídica de causa destinada à lógica preventiva, que se distingue do

ressarcimento referente à indenização em sentido estrito.

A diferença das causas que movem ambas as ideias (ressarcimento e prevenção)

exige tratamento específico para cada, a exemplo de tudo quanto exposto no item 4.1, quando

se abordou a causa preventiva, sendo aquele raciocínio aplicável aos critérios punitivos

independentemente dos contornos formais de sua positivação.

Noutros termos: se critérios punitivos fossem adicionados ao processo de

quantificação da indenização, a ordem de retribuição não seria transformada em uma ordem de

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ressarcimento, mas sim as fronteiras da responsabilidade civil e o próprio conceito de

indenização seriam alargados, de forma que a indenização passaria a compor um gênero que

guarneceria um aspecto de ressarcimento e outro de punição388 (verdadeira multa civil), cada

um dotado de elementares e pressupostos próprios: o ressarcimento389 com base no dano, a

punição com origem na ideia de prevenção e educação.

Adianta-se, contudo, que não se defende a expansão da ideia de indenização, para

albergar fatores de índole repressiva, o que se faz em privilégio da idealização de um instituto

próprio, no formato de uma multa civil, cujo mérito também reside na não contaminação do

instituto da sanção indenizatória com princípios naturais da seara punitiva. Todavia, enfatiza-

se que o modelo jurídico dos critérios punitivos exposto neste trabalho é aplicável

independentemente da forma de concretização da punição, quer através de uma multa civil, ou

mesmo na forma de indenização punitiva.

Portanto, embora se faça uso constante da expressão multa civil, haja vista a defesa

do modelo autônomo como apto a melhor abrigar os critérios punitivos, caso se opte pelo

modelo da indenização punitiva, basta que se entenda a parcela punitiva da indenização como

uma multa civil miscigenada no corpo da sanção, pois, independente de não possuir

formalmente o nome de multa, sua essência punitiva permite tal denominação, no sentido

técnico de uma sanção pecuniária de natureza punitiva390.

Em resumo, no modelo de indenização punitiva, tem-se, como gênero, a

indenização e, como espécies, a indenização em sentido estrito (pautada na ordem de

ressarcimento) e a indenização punitiva (verdadeira multa civil pautada na ordem de

retribuição). Por outro ângulo, em se adotando a autonomia da multa civil, tem-se dois gêneros

distintos: de um lado a indenização, purificada e sem qualquer causa de punição e, de outro, a

multa civil, afastada do âmbito da quantificação da indenização e norteada pela causa de

prevenir.

388 Reitera-se, conforme explanado no item 4.1, que se defende a ideia segundo a qual a ordem de punição, em

verdade, é baseada em causa preventiva/pedagógica, sendo punitiva somente sob a ótica subjetiva daquele que

sofre a sanção. No entanto, por questão de praticidade linguística, usa-se, indiferentemente os termos “sanção

punitiva”, “punição” e “retribuição”, o que não desmerece a ideia que permeia a base do raciocínio desenvolvido. 389 Aqui a palavra ressarcimento é utilizada em sentindo largo; obviamente, em se tratando de indenização por

danos morais, o que se vislumbra é a tentativa de compensação, e não a reparação dos danos, afinal, por distinção

ontológica, não é possível substituir a dignidade por pecúnia. 390 Nesse sentido é a conceituação de multa civil feita por José dos Santos Carvalho Filho, ao tratar da LIA. Leia-

se: “Multa Civil – Esta sanção também encontra previsão nos três incisos do art. 12 da Lei de Improbidade. Como

multa que é, implica uma imposição pecuniária sobre o patrimônio, característica, aliás, de qualquer tipo de multa”

(CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010,

p. 1194).

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Feitas tais considerações, passar-se-á a examinar ambos os modelos, ao que é

interessante perceber tendências legislativas aceitantes dos dois estilos. Conforme já informado,

critérios punitivos já foram objeto de projetos de leis, com ênfase no Projeto de Lei n° 6.960/02,

no Projeto de Lei do Senado n° 413/2007 e na redação original dos artigos 16, 45 e 53, §2º,

todos do CDC.

Analisando o teor das propostas de leis encimadas391, percebe-se que o Projeto de

Lei n° 6.960/02 e o Projeto de Lei do Senado n° 413/2007 pretendiam inserir o fator punitivo

como critérios de quantificação da indenização, sendo que este assim procedia de forma

genérica e aquele se voltava, tão só, para a liquidação da indenização por danos morais.

A redação original dos artigos 16, 45 e 53, §2º, todos do CDC, por sua vez, pretendia

a expressa positivação de uma multa civil (o projeto usava a expressão multa civil) como fator

punitivo atuante em paralelo à sanção indenizatória, isso no âmbito consumerista.

Apesar das proposições legais elencadas, a forma com a qual a responsabilidade

civil está desenhada hoje no ordenamento jurídico pátrio é pautada, conforme já enfaticamente

exposto ao longo destas linhas, na lógica do ressarcimento, de sorte que não se tem a positivação

de qualquer conotação punitiva como critério de quantificação da indenização decorrente da

causa geral de responsabilidade civil392.

Dessa forma, conforme já comentado, há um rumo inercial da legislação em tratar

a indenização como instituto desprovido de conotação punitiva393, muito embora não se deva

olvidar que há, diferentemente, um rumo jurisprudencial que emprega teor de punição à

indenização por danos morais394.

Ocorre que a inserção de critérios legais punitivos dentro do instituto da

indenização provocaria mutação e confusão no seu conceito, pois, em um mesmo instituto,

cumular-se-iam causas distintas de indenizar (indenização ressarcitória e indenização punitiva),

cujos contornos jurídicos honrariam princípios também distintos, causando demasiada

complexidade no trato da matéria.

Adotando-se critérios punitivos no bojo da indenização, os próprios dicionários

haveriam de modificar a forma com que tratam o assunto, pois a ideia de majoração do valor

da indenização, com o intuito de extrapolar os limites do dano causado não é resguardada pelo

391 Sobre tal assunto, conferir o item 3.1.5. 392 Rememora-se, aqui, o conteúdo do art. 944 do CCB/02, em que a indenização se mede na estrita dimensão do

dano, ressalvada a hipótese de diminuição do valor, por ordem de equidade; não existindo, portanto, via legal para

a majoração da indenização além do âmbito reparatório/compensatório. 393 Cf. item 3.1.5. 394 Cf. item 2.6.3.

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estrito significado de indenização: “tornar indene, ou seja, incólume, íntegro, ileso, enfim, como

se não ocorresse dano”395.

É certo que a linguagem deve funcionar como ferramenta da transmissão de uma

ideia, de sorte que se a ideia por trás de uma palavra é modificada, a própria palavra terá seu

alcance alterado. Logo, caso inserido o teor punitivo como causa de indenizar, ter-se-á clara

modificação do termo indenização, sendo que, se hoje a expressão indenização punitiva é capaz

de denotar paradoxo, amanhã, em caso de aprovação de legislação que insira a punição dentro

do conceito de indenização, ao menos na linguagem técnica jurídica, o paradoxo não mais

existirá, pois a conciliação de tais conceitos restará cristalizada na lei.

Com tais considerações, tem-se por fortificada a ideia de que é plenamente plausível

que se dote a indenização com fator punitivo, no entanto, é imperioso que se tenha ciência das

consequências de tal feito, pois a sistemática de responsabilidade civil sofrerá enfática alteração.

Tal alteração, diga-se, tem ganhado força doutrinária, ao que já se vislumbram autores que

defendem a necessidade de ampliação da noção de responsabilidade civil para alcançar

fronteiras além da reparação de danos. Sobre o tema:

Dessa forma, objetivando a formulação de um conceito para a responsabilidade civil,

que supere a singela previsão ressarcitória do Código Civil (art. 927, CC), sendo capaz

de absorver variados critérios ideológicos, parece-nos relevante aquele proposto por

SCOGNAMIGLIO, no sentido de submissão do agente às consequências

desfavoráveis da própria conduta. Este conceito releva a possibilidade da

responsabilidade assumir diversos sentidos, conformando-se às exigências de uma

ordem constitucional pluralista.396

Conforme exposto na ideia transcrita, é possível se cogitar no alargamento

conceitual da responsabilidade civil, para abrigar a noção genérica de sancionamento civil, não

limitada, portanto, à indenização.

No entanto, considerando a complexidade da reforma paradigmática que sofreria o

instituto da indenização, assim como a própria sistemática de responsabilidade civil, opta-se,

por razão de praticidade, por sustentar a melhor adequação da positivação dos critérios

punitivos em sede autônoma, compondo um novo instituto dentro do Direito Civil, na forma de

uma verdadeira causa geral punitiva, concretizada a partir de uma multa civil independente da

razão indenizatória.

395 Esse é o significado da palavra “indenizar” no dicionário jurídico de Marcus Cláudio Arquaviva (ARQUAVIVA,

Marcus Cláudio. Op. cit, p. 732). 396 ROSENVALD, Nelson. Op. cit, p. 53.

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Insta ponderar que, em um conceito amplo, pautado na ideia segundo a qual o

sentido da responsabilidade civil estaria na submissão do agente às consequências civis

decorrentes da própria conduta, pode-se enquadrar a noção de causa geral de multa civil dentro

do conceito largo de responsabilidade; tal interferência, note-se, não desmerece a opção em se

defender a multa civil como instituto independente da indenização, pois, com isso, ainda sim,

preserva-se o sentido puro da ideia de indenizar.

Considerando o conceito ampliado de responsabilidade, ter-se-ia, na

responsabilidade civil, um gênero, com duas espécies: a responsabilidade indenizatória e a

responsabilidade punitiva. Veja-se que a diferença entre o modelo pautado no conceito amplo

de responsabilidade civil e o modelo da indenização punitiva consiste no fato de que naquele

se preserva a natureza meramente ressarcitória da indenização, distintamente, neste se tem a

indenização tingida pelo aspecto punitivo.

Por outro ângulo de pensamento, o que se faz em exercício teórico, afastando o

conceito ampliado de responsabilidade civil e preservando sua estrita vinculação com o instituto

indenizatório, é possível imaginar o instituto da causa geral de multa civil inserido fora do

terreno da responsabilidade civil, enquadrando-se, por exemplo, no título referente aos atos

ilícitos397, o que, contudo, é uma mera questão topográfica e que não repercute na essência do

modelo jurídico em teorização.

Expostas tais especulações, o fato é que vários modelos jurídicos podem ser

maturados de forma plausível, não estando eles dogmaticamente corretos ou errados, sendo tal

matéria mais uma questão de opção entregue à política legislativa, restando à técnica do Direito

adaptar devidamente a teoria que envolve o tema aos contornos legais mutáveis.

Mesmo assim, furtando-se da indiferença, tem-se que a melhor opção (embora não

seja a única juridicamente plausível) é a que se volta para a criação de uma causa de multa civil

apartada da noção de indenização. Pondera-se que, se a multa civil será ou não considerada uma

espécie do gênero largo da responsabilidade civil é questão acessória e pouco relevante para o

deslinde do cerne da matéria, que, em essência, permanece o mesmo: a inserção na legislação

civil de uma causa geral de multa apartada da sanção indenizatória.

Indo mais além, até mesmo a adoção do modelo da indenização punitiva redunda

no mesmo destino: a positivação de uma causa genérica de punição, só que, nesse modelo, a

multa está inserida dentro do conceito de indenização, que, a partir de então, passaria a abrigar

um regime híbrido de sanção. O modelo da indenização punitiva, portanto, deve seguir, no que

397 Arts. 185 e seguintes do CCB/02.

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concerne ao percentual punitivo da indenização, a mesma lógica jurídica da multa quando

pensada na forma de uma causa geral.

Diante do exposto, as linhas deste trabalho, ao pensarem o modelo jurídico da

punição, embora optem, com fulcro nas razões já expostas, pela modalidade da causa geral de

multa civil, possuem valia, também, para a maturação da ideia da indenização punitiva, que,

sob outros contornos, guarnece a idêntica ideia de positivação do fator retributivo. Posto isso,

sempre que se fizer alusão à expressão “causa geral de multa civil”, os princípios que emanarem

de tal referência também poderão ser aplicados à parcela retributiva pertencente ao modelo da

indenização punitiva.

4.2.1 Da multa civil em forma de causa geral

Em prosseguimento, o modelo aqui proposto de causa geral398 de multa civil pode

provocar estranheza em primeira leitura, no entanto é interessante salientar que tal instituto não

é totalmente desconhecido no ordenamento jurídico brasileiro399, a exemplo do que se tem no

art. 12 da Lei de Improbidade Administrativa (LIA - Lei nº 8.429/92)400, assim como na Lei de

398 Opta-se por utilizar a expressão “causa geral” e não “cláusula geral”, para evitar confusão de conceitos. O termo

cláusula geral possui variadas acepções doutrinárias, sendo, dentre elas, destacável a seguinte: “Considerada do

ponto de vista da técnica legislativa, a cláusula geral constitui, portanto, uma disposição normativa que utiliza, no

seu enunciado, uma linguagem de tessitura intencionalmente ‘aberta’, ‘fluida’ ou ‘vaga’, caracterizando-se pela

ampla extensão do seu campo semântico, a qual é dirigida ao juiz de modo a conferir-lhe um mandato (ou

competência) para que, à vista do caso concreto, crie, complemente ou desenvolva normas jurídicas, mediante o

reenvio para elementos cuja a concretização pode estar fora do sistema; estes elementos, contudo, fundamentarão

a decisão, motivo pelo qual, reiterados no tempo os fundamentos da decisão, será viabilizada a ressistematização

destes elementos originariamente extra-sistemáticos no interior do ordenamento jurídico.”. (MARTINS-COSTA,

Judith. A boa fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1999, p. 303). Assim, para evitar discussões linguísticas a respeito do uso do termo “cláusula geral”, utiliza-se a

expressão “causa geral”, de forma simplificada e, tão somente, no intuito de nomear a hipótese de multa dotada da

capacidade de atingir, de maneira macro, o âmbito da tutela jurídica do ilícito civil. 399 No plano processual, também se observa ampla possibilidade de aplicação de multa para assegurar obrigações

de fazer e não fazer, o que se presta à garantia da efetividade da jurisdição. Ao se pensar em uma multa civil nos

moldes aqui propostos, preza-se pela mesma efetividade da jurisdição, só que, no âmbito processual, a ordem

judicial a ser protegida vem antes da aplicação da multa, que somente tem espaço em caso de descumprimento do

mandado. Noutro ângulo, na multa civil em idealização, a ilicitude ocorre em momento anterior à condução do

caso à Justiça, de sorte que a sanção aplicada tem o intuito prospectivo de evitar a repetição do ilícito,

demonstrando, assim, a desvantagem da conduta. 400 BRASIL. Lei. Nº 8.429/92. Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas

na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem

ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: I - na hipótese do art. 9°, perda dos

bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da

função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o

valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos

fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio

majoritário, pelo prazo de dez anos; II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou

valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão

dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição

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Alienação Parental (Lei nº 12.318/10), em seu artigo 6º, III 401 . Considerando o maior

detalhamento da matéria pela Lei nº 8.429/92, tem-se nela um melhor espelho para análise.

Da leitura do art. 12 da LIA, percebe-se que, no microssistema legal das

improbidades, é possível cominar ao autor do ato ímprobo sanção indenizatória (ressarcimento

ao erário) e, paralelamente, sanção de multa, que é prevista em causa aberta a ser concretizada

em cada caso pelo julgador, responsável por, dentro das balizas legais, definir a incidência e

intensidade da penalidade pecuniária.

Insta enfatizar que as sanções elencadas pela Lei nº 8.429/92 possuem natureza civil,

conforme a jurisprudência402 e doutrina majoritárias, nesse caminho: “A natureza da multa civil

é a de sanção civil (não penal) e não tem natureza indenizatória; a indenização, como vimos,

consuma-se pela sanção de reparação integral do dano”403.

Note-se que, nos moldes da LIA, em seus artigos 9º, 10 e 11, tem-se um rol

exemplificativo de condutas que podem ser enquadradas como ímprobas, no entanto, não se

tem o completo fechamento da hipótese de incidência da multa civil, de sorte que ao julgador,

de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente,

ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos; III - na

hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos

políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo

agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios,

direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de

três anos. Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano

causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8429.htm>. Acesso em: 21 out. 2015. 401 BRASIL. Lei nº 12.318/10. Art. 6o. Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que

dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá,

cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de

instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso:

[...]; III - estipular multa ao alienador; [...]. 402 É comum ler na jurisprudência a expressão multa civil para se referir à multa aplicada com base na LIA, o que

se exemplifica com o seguinte julgado: “ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO

ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VIOLAÇÃO DE

PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. SANÇÃO APLICADA. DESPROPORCIONALIDADE.

SÚMULA 7/STJ. 1. Hipótese em que o tribunal a quo - soberano na apreciação da matéria fático-probatória -

entendeu pela proporcionalidade da sanção aplicada (multa civil de cinco vezes o valor de seu salário na época do

fato). 2. A reforma do acórdão recorrido, quanto à desproporcionalidade entre o ato praticado e a sanção aplicada,

demandaria o reexame do substrato fático-probatório dos autos, o que é inviável no âmbito do recurso especial, a

teor do disposto na Súmula nº 7/STJ. 3. Agravo regimental não provido.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça.

AgRg no AREsp: 97571 RS 2011/0228262-6, Relator: Ministra MARGA TESSLER (JUÍZA FEDERAL

CONVOCADA DO TRF 4ª REGIÃO), Data de Julgamento: 10/03/2015, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de

Publicação: DJe 17/03/2015). 403 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit, p. 1194. Em mesmo sentido: “A Lei 8.429/1992 tem

aplicabilidade em âmbito nacional, salvo no tocante às normas de cunho eminentemente administrativo. Isto

porque a referida norma trata de atos de improbidade e das respectivas sanções que têm natureza, primordialmente,

cível ou política, bem como estabelece normas sobre processo judicial, cabendo à União legislar privativamente

sobre essas matérias, na forma do art. 22, I, da CRFB/88”. (OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende de. Curso de

Direito Administrativo. São Paulo: Método, 2013, p. 787).

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diante da apreciação do caso concreto, compete a tarefa de ponderar a melhor resposta jurídica

a ser dada.

Além de a hipótese de incidência ser deixada em aberto, o valor da multa, nos

termos do art. 12 da Lei nº 8.429/92, possui ampla faixa de variação, tomando como base de

cálculo, nos casos do art. 12, I e II da LIA, o valor do dano provocado, ou, na forma do inciso

III do mesmo artigo, o valor da remuneração do agente.

Diante de tais aferições, é interessante notar que embora já tenha sido dito repetidas

vezes que o Direito Civil pátrio possui sanções de natureza punitiva, agora, indo mais além,

afirma-se que tal ramo do Direito, nas fronteiras brasileiras, elenca, no rol de suas sanções

punitivas, exemplos de multas previstas tanto na forma de causa aberta, quanto fechada.

Exemplificando uma causa fechada de multa, tem-se a norma trazida pela Lei nº

13.058/2014, que adicionou o §6º ao art. 1.584 do CCB/02, nos seguintes termos: “Qualquer

estabelecimento público ou privado é obrigado a prestar informações a qualquer dos genitores

sobre os filhos destes, sob pena de multa de R$ 200,00 (duzentos reais) a R$ 500,00 (quinhentos

reais) por dia, pelo não atendimento da solicitação.”404; em sentido semelhante, é a norma

disposta no art. 42, parágrafo único do CDC405. Por outro lado, ilustrando hipótese de causa

aberta, tem-se a LIA e a Lei de Alienação Parental.

A marcante distinção entre os modelos de causa aberta e fechada de multa consiste

no grau de maleabilidade que se tem na norma punitiva: na causa fechada, a hipótese de

incidência possui base firme, e o seu consequente (a multa) pouca ou nenhuma possibilidade

de variação; já na causa aberta, a hipótese de incidência é alargada de forma exemplificativa, e

o consequente (multa) possui elevado potencial de adequação, viabilizando a modelagem da

intensidade punitiva de forma condizente à hipótese de incidência aferida casuisticamente.

Salienta-se que a ausência de uma causa geral de multa no contexto do CCB/02406

404 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13058.htm>. Acesso em: 21

out. 2015. 405 BRASIL. CDC. Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem

será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia

indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de

correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável. 406 Refere-se aqui ao CCB/02 em razão de seu papel como norma mais abrangente na seara privada e, hoje,

competente ao regramento geral da responsabilidade civil, no entanto, eventual positivação de critérios punitivos

em sede de indenização punitiva ou causa geral de multa civil pode perfeitamente ser realizada com a modificação

de tal Código, ou mesmo com a criação de uma nova lei, que atuaria em paralelo com o CCB/02, revogando, se o

caso for, as disposições contrárias, em homenagem ao critério temporal de resolução de conflito entre normas de

mesma hierarquia. Sendo assim, embora se mencione a inexistência de causa geral de multa civil no CCB/02, em

verdade se está querendo dizer que inexiste causa geral de multa no Direito Civil para fins de tutelar, em sentido

geral, o combate ao ato ilícito civil. A opção em se referir ao CCB/02, e não ao Direito Civil como um todo,

justifica-se na cautela de não desprestigiar microssistemas já dotados de razão punitiva autônoma, como é o caso

da LIA, que, pelo critério da especialidade, permaneceria vigente mesmo na hipótese de positivação de uma causa

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abre espaço para pontuais positivações de causas específicas e fechadas, que longe de

abrangerem satisfatoriamente todas as hipóteses em que se vislumbra ato ilícito carente da

devida tutela jurídica, somente são capazes de alcançar as suas limitadas hipóteses de

incidência407.

Sendo assim, o que se propõe é que os critérios punitivos sejam positivados em um

instituto autônomo de multa civil (similar ao que a LIA fez em seu específico microssistema408),

em que a hipótese de incidência seja formulada em rol não taxativo, em combate a condutas

ilícitas pautadas em situações de maior gravidade e que exijam correspondente ênfase

retributiva, a ser completada pelo julgador no caso concreto, sempre com causa voltada ao ideal

da prevenção.

O processo de criação de uma causa geral de multa civil, no contexto aqui proposto,

lembra bem o que passou a própria sistemática de responsabilidade civil, que teve no Código

Civil Francês de 1804 a positivação das ideias de Jean Domat, em consagração de uma causa

geral de responsabilidade civil subjetiva, que repercutiu diretamente na construção das bases

da responsabilidade civil pátria409.

Narrando o impacto da novidade trazida pelo Código Francês, Bruno Leonardo

Câmara Carrá afirma:

Jean Louis Domat concluiu a monumental tarefa ao enunciar a cláusula geral sobre o

dano. Apoiando-se nas lições dos jusnaturalistas, Domat definiu tanto o dano como

seu ressarcimento em uma acepção larguíssima, contemplando toda e qualquer perda

causada em decorrência de um fato humano, desde que preexistente a culpa. [...] O

Código Francês de 1804 limitou-se a enunciar que todo e qualquer fato humano que

causasse um dano a outro obrigava aquele pela culpa de quem ele foi ocasionado a

repará-lo (art. 1.382). Através desse singelo expediente, o Code alterou a lógica até

então prevalente de vincular um dano específico pela violação de um interesse jurídico

também especialmente tipificado. [...] Não se exigia mais a descrição de cada ilicitude,

geral de multa civil, nos moldes neste trabalho propostos. 407 A exemplo, dentre outros, verificar artigos 939 e 940 do CCB/02 e o art. 42, parágrafo único do CDC. 408 É cediço que a LIA foi tomada como ponto de base para o desenvolvimento da ideia de causa geral de multa,

no entanto não se deve olvidar que tal lei é determinante de um microssistema, e não da regulamentação geral da

sistemática civil. Assim, utilizou-se tal comparativo apenas porque, no contexto brasileiro, é o que mais próximo

se possui em relação a noção de causa geral de multa civil em teorização, embora, repita-se, a multa prevista na

LIA seja exclusiva para a tutela das improbidades. 409 Assim explica Caio Mario da Silva Pereira: “A teoria da responsabilidade civil no Código civil de 1916 é

totalmente subordinada ao Código de Napoleão. O art. 1382 deste último reza: ‘Tout fait quelconque de l’homme,

qui cause à autrui um dommage, oblige celui par la faute duquel il est arrivé, à le réparer’. E o art. 1383 estabelece:

‘Chacun est responsable du dommage qu’il a causé non seulement par son fait, mais encore par sa negligence ou

par son imprudence’.” O art. 159 do Código Civil Brasileiro dispõe: “Aquele que por ação ou omissão voluntária,

negligência ou imprudência violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. – A

verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelo disposto neste Código”.” (PEREIRA, Caio

Mario da Silva. Código de Napoleão - influência nos sistemas jurídicos ocidentais. Revista da Faculdade de

Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, n. 32, p.1-14, 1989. Disponível em: <

http://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/1003>. Acesso em: 21 out. 2015).

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como havia sido no passado. Dano finalmente passou a significar todo e qualquer dano,

toda e qualquer lesão, todo e qualquer prejuízo. 410 (grifos do autor)

Em sentido similar ao que fez o Código de Napoleão com a responsabilidade civil

no sentido indenizatório, cogita-se, agora, a criação de uma causa geral de multa civil, de sorte

a preservar os moldes tradicionais da indenização e, concomitantemente, positivar a ideologia

punitiva civil em um instituto autônomo, mitigando, por conseguinte, a utilidade de serem

criadas esparsas hipóteses fechadas de multas.

O modelo de causa aberta, inclusive, guarda maior adequação com o pressuposto

de operabilidade, exposto por Miguel Reale como um dos pilares da estrutura do CCB/02,

conforme se identifica na exposição de motivos da mencionada lei:

Tal compreensão dinâmica do que deva ser um Código implica uma atitude de

natureza operacional, sem quebra do rigor conceitual, no sentido de se preferir sempre

configurar os modelos jurídicos com amplitude de repertório, de modo a possibilitar

a sua adaptação às esperadas mudanças sociais, graças ao trabalho criador da

Hermenêutica, que nenhum jurista bem informado há de considerar tarefa passiva e

subordinada. Daí o cuidado em salvaguardar, nas distintas partes do Código, o sentido

plástico e operacional das normas, conforme inicialmente assente como pressuposto

metodológico comum, fazendo-se, para tal fim, as modificações e acréscimos que o

confronto dos textos revela. O que se tem em vista é, em suma, uma estrutura

normativa concreta, isto é, destituída de qualquer apego a meros valores formais e

abstratos. Esse objetivo de concretude impõe soluções que deixam margem ao juiz e

à doutrina, com freqüente apelo a conceitos integradores da compreensão ética, tal

como os de boa-fé, eqüidade, probidade, finalidade social do direito, equivalência de

prestações etc., o que talvez não seja do agrado dos partidários de uma concepção

mecânica ou naturalística do Direito, mas este é incompatível com leis rígidas de tipo

físico-matemático. A “exigência de concreção” surge exatamente da contingência

insuperável de permanente adequação dos modelos jurídicos aos fatos sociais “in

fieri”.411

Assim, considerando a riqueza dos fatos sociais e em privilégio de um maior

potencial de adequação da norma ao caso concreto, a conferência de um sentido plástico às

normas civis enaltece a operabilidade, viabilizando uma melhor subsunção às especificidades

fáticas.

Interessante notar que, na ausência de uma causa aberta de multa no CCB/02, a

jurisprudência, valendo-se da elasticidade do processo de quantificação dos danos morais,

encontrou uma forma de dar vazão ao anseio punitivo, através de critérios que se afastam da

lógica meramente ressarcitória. Assim, com a ideia de uma causa geral de multa civil, elimina-

se o interesse em construções jurisprudenciais tal como essa, haja vista que o intuito punitivo

410 CARRÁ, Bruno Leonardo Câmara. Op. cit, p. 153, 154. 411 Exposição de motivos do CCB/02. Disponível em: <

http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/70319/743415.pdf?sequence=2>. Acesso em: 21 out. 2015.

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estará resguardado em um instituto civil próprio.

Nesse desiderato, salienta-se que a compilação dos critérios punitivos em um

instituto autônomo permite que se regulamente a lógica punitiva hoje totalmente entregue à

liberdade do Poder Judiciário, que, ao aplicar fator punitivo na indenização por danos morais,

além de extrapolar os limites da responsabilidade civil, cria, sem respaldo legal, sanção punitiva,

sem que haja uma prévia modelagem de tal instituto, em seus limites, hipótese de incidência e

demais caracteres de um regime jurídico próprio.

Note-se que o modelo de causa aberta de multa civil busca o equilíbrio

(conformidade funcional) entre o Poder Legislativo e o Judiciário: ao Legislativo cabendo a

tarefa de delinear um modelo jurídico sobre o critério punitivo a ser seguido pelo Judiciário e a

este competindo o papel de, diante do caso concreto, completar a norma legal, mediante a

subsunção e adequação aos fatos, operando o importante papel de quantificação do valor da

penalidade pecuniária, a partir da causa de prevenir, sem descurar, obviamente, do consequente

punitivo que tal causa provocará.

Assim, propõe-se a positivação de uma causa geral de multa civil, para dar guarida

aos critérios punitivos, de forma a adaptar o arcabouço de normas civis à recepção de um novo

campo jurídico voltado ao específico tratamento de sua seara punitiva, em consolidação do que

se ousa denominar Direito Civil Punitivo.

4.3 Dos contornos principiológicos da causa geral de multa civil

Por tudo quanto exposto, nota-se que a causa geral de multa civil se distingue, em

essência, da sanção indenizatória em sentido estrito, em decorrência do seu viés não preocupado

com a recomposição dos fatos a um status quo anterior. De tal assertiva, considerando a

marcante distinção entre ambos os tipos de sanção, há de se perquirir sobre os contornos

principiológicos da causa punitiva.

Nesse objetivo, preliminarmente, é imprescindível que se faça uma breve digressão

para, mais uma vez, especificar o sentido da causa geral de multa civil tratada neste trabalho,

no escopo de evitar ambiguidades, ao que se eleva a diferenciação ontológica entre as noções

de pena civil e pena privada.

4.3.1 Da causa geral de multa civil: pena civil ou pena privada?

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Nesta análise, é importante perceber que o Direito Civil possui distantes fronteiras,

abrangendo enorme variedade de relações sociais, que, pautadas em princípios libertários como

a livre iniciativa e a liberdade de contratar, guarnecem, no íntimo da relação pactuada entre

particulares, a possibilidade de cominação de penas privadas, ao que se tem os marcantes

exemplos da cláusula penal412 e da multa contratual.

No entanto, há de se notar que, além da possibilidade de pactuação de penas no bojo

de relações privadas, a própria sistemática civil, independentemente de acordo entre as partes,

comina sanções punitivas, dentro e fora de relações contratuais. Fora de relações contratuais,

têm-se os já comentados exemplos da LIA e da Lei de Alienação Parental413. Dentro de relações

contratuais, entre vários, citam-se os exemplos do art. 42, parágrafo único do CDC414 e artigos

773, 939 e 940, todos do CCB/02415.

Assim, nota-se a presença de dois tipos de sanção punitiva pecuniária na órbita

civil: a um, a multa estipulada por força do acordo entre as partes no bojo de uma relação

privada; a dois, a multa positivada em sede legal e em combate a determinados atos aos quais

se deseja estabelecer um maior grau de repúdio jurídico, o que pode ocorrer independentemente

de se ter um contexto contratual subjacente.

Feitas tais observações, insta ponderar que, quando neste texto se refere à criação

de uma causa geral de multa civil, não se faz alusão à possibilidade de as partes entabularem,

mediante contrato, uma pena privada, mas sim, presta-se homenagem a uma figura punitiva de

ordem civil exterior à vontade das partes, voltada a agir sempre que se vislumbrar hipótese de

imperiosa ênfase no fator preventivo/pedagógico, no intuito de melhor harmonizar uma

situação social viciada de ilicitude.

Enfatizando a diferenciação entre as penas civil e privada é salutar observar o

pensamento de Nelson Rosenvald, ao se referir à obra de Francesco Galgano, veja-se:

412 Artigos 408 e seguintes do CCB/02. 413 Cf. item 3.2.1. 414 BRASIL. CDC. Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem

será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia

indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de

correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável. 415 BRASIL. CCB/02. Art. 773. O segurador que, ao tempo do contrato, sabe estar passado o risco de que o

segurado se pretende cobrir, e, não obstante, expede a apólice, pagará em dobro o prêmio estipulado. Art. 939. O

credor que demandar o devedor antes de vencida a dívida, fora dos casos em que a lei o permita, ficará obrigado a

esperar o tempo que faltava para o vencimento, a descontar os juros correspondentes, embora estipulados, e a pagar

as custas em dobro. Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as

quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro

do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.

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De uma forma aproximada, FRANCESCO GALGANO conceitua a pena privada

como uma medida aflitiva, cuja ameaça é constituída e aplicada pelos particulares no

confronto com outros particulares, legitimada por um contrato ou um status: seria um

exemplo as medidas disciplinares irrogadas pela associação aos associados ou a pena

negocial. Ao contrário, o doutrinador nomeia como “sanção civil punitiva (ou

indireta)”, a medida patrimonial cominada pela lei e aplicada pela autoridade

judiciária.416

De tal pensamento se extrai a ideia de que a pena privada depende do acordo das

partes e resguarda interesses particulares consubstanciados em órbita contratual. Por outro lado,

a pena civil, estatuída de forma heterônoma na legislação, cristaliza uma preocupação social de

harmonizar relações viciadas, que, independentemente da vontade das partes e de teor

contratual, são, nos termos do ordenamento, merecedoras de especial tutela417.

Diante de tais esclarecimentos, tem-se que a ideia de causa geral de multa civil

trabalhada ao longo destas linhas possui enfoque no mencionado conceito de pena civil, de

cunho social e heterônomo, afastando-se da noção de pena privada, que não é objeto deste

estudo. Dito isso, passar-se-á ao exame dos contornos principiológicos da causa geral de multa

(pena) civil.

4.3.2 Da lógica punitiva civil como uma interseção com o Direito Penal

No decorrer da abordagem do tópico sobre a função punitiva da responsabilidade

civil, mencionou-se, na esteira do pensamento de Maria Celina Bodin de Moraes, que o Direito

Civil, na tradição da Civil Law, erigiu-se na modernidade a partir da separação estrutural entre

Direitos Público e Privado, de forma que ao setor público restou um ar protetivo atento ao

refreamento do poder estatal, viabilizando, na órbita privada, um maior grau de liberdade418.

Ocorre que o desenvolvimento da compreensão do Direito Constitucional, com

ênfase, no Brasil, ao período pós 1988, privilegiou uma visão holística do Direito, capitaneada

pela centralidade imposta pela força da Constituição, assim, independentemente da topografia

de uma norma (se inserida em ramos tradicionalmente público ou privado) será ela, igualmente,

merecedora de filtro axiológico/normativo pela Lei Maior do sistema jurídico. Trazendo o

assunto para o âmago do Direito Civil Constitucional, explica Luís Roberto Barroso:

416 ROSENVALD, Nelson. Op. cit, p. 57. Aqui, o autor faz referência a GALGANO, Francesco. Alla ricerca dele

sanzioni civili indirette. In: Contrato e imprese. Milano: Cedam, 2004, p. 532. 417 Não se olvida que outras conceituações podem ser pensadas para distinguir os termos pena privada e pena civil,

contudo, para os fins aqui propostos, em que se idealiza uma causa genérica de multa prevista em norma

heterônoma e alheia à vontade das partes, faz-se útil a conceituação apresentada com base na ideia de Francesco

Galgano, razão pela qual se optou por manejá-la. 418 Cf. item 2.3.3.

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No quarto final do século, o Código Civil perde definitivamente o seu papel central

no âmbito do próprio setor privado, cedendo passo para a crescente influência da

Constituição. No caso brasileiro específico, a Carta de 1988 contém normas acerca da

família, da criança e do adolescente, da proteção do consumidor, da função social da

propriedade. Além disso, os princípios constitucionais passam a condicionar a própria

leitura e interpretação dos institutos de direito privado. A dignidade da pessoa humana

assume sua dimensão transcendental e normativa. A Constituição já não é apenas o

documento maior do direito público, mas o centro de todo o sistema jurídico,

irradiando seus valores e conferindo-lhe unidade. 419

Não se pretende aqui ingressar em discussões a respeito da superação420 ou não da

dicotomia entre Direitos Público e Privado, mas, tão só, ponderar que, no plano da regência

constitucional, todas as normas, sem preconceito de origem, são submetidas a uma

principiologia que, embora vasta, ramificada e, por vezes, aparentemente contraditória, é una

sob as vestes do valor regente da dignidade humana421.

Em complemento da ideia exposta, citam-se as palavras de Virgílio Afonso da Silva:

Por fim, alguns autores recorrem à unidade do ordenamento jurídico para fundamentar

uma superação da dicotomia direito público/direito privado. Segundo eles, não seria

mais aceitável a idéia de que a constituição é a lei do Estado e o direito civil é o

ordenamento da sociedade. Segundo essa corrente, a constitucionalização do direito

civil seria uma demonstração de que a distinção entre direito público e direito privado

não pode ser rígida. Quanto a isso, não há dúvida. Mas entre a inexistência de distinção

rígida e superação da distinção há uma grande diferença [...].422

Conforme afirmado por Virgílio Afonso da Silva, é certo que, independente da

discussão sobre a superação da divisão entre Direito Público e Direito Privado, o fato é que tal

separação, sob a ótica da Constituição, não pode ser dogmática, sendo possível o intercâmbio

entre as noções. No contexto brasileiro, não é raro encontrar exemplos em que ramos

tradicionalmente tidos como pertencentes ao Direito Público invadem a esfera privada e vice-

versa.

Veja-se, em ilustração, que o Direito Penal, ramo essencialmente voltado à tutela

da pretensão punitiva do Estado, começa, por meio do art. 387, IV do Código de Processo Penal

419 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013,

p. 82. 420 Sobre o assunto, é interessante notar o pensamento de Luís Roberto Barroso, que se vale da expressão

“superposição” entre o público e o privado. In verbis: “Ao longo do século, todavia, as novas demandas da

sociedade tecnológica e a crescente consciência social em relação aos direitos fundamentais promoveram a

superposição entre o público e o privado. No curso desse movimento, opera-se a despatrimonialização do direito

civil, ao qual se incorporam fenômenos como o dirigismo contratual e a relativização do direito de propriedade.”

(Ibidem). 421 Sobre a unidade axiológica da Constituição, conferir MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Op.cit. 422 SILVA, Virgílio Afonso da. Op. cit, p. 173, 174.

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(CPP)423, a também se preocupar com o ressarcimento da vítima, sendo essa uma matéria de

interesse nitidamente privado. Em outro ângulo, as já mencionadas multas inseridas em normas

de cunho civil são exemplos da legislação civil ingressando na órbita das penas. Assim,

interpenetram-se institutos de nascentes diferentes, conforme já havia sido percebido por

Antônio Junqueira de Azevedo:

O momento que estamos vivendo, especialmente no Brasil, de profunda insegurança

quanto à própria vida e incolumidade física e psíquica, deveria levar todos os juristas

independentemente do seu campo de atuação, a refletir e procurar soluções para aquilo

que poderíamos afirmar, pedindo desculpas, se for o caso, aos penalistas, como

ineficiência do direito penal para impedir crimes e contravenções – atos ilícitos, na

linguagem civilista. Segue-se daí que a tradicional separação entre direito civil e

direito penal, ficando o primeiro com a questão da reparação e o último com a questão

da punição, merece ser repensada. Do nosso lado, o lado civilista, cumpre ressaltar,

antes mais nada, que não é verdade que o direito civil não puna. Em várias situações,

o próprio Código Civil emprega até mesmo a palavra pena.424

Compreendendo, portanto, a causa geral de multa civil como um setor de

interseção425 entre o Direito Civil e o Direito Penal, é imprescindível que se faça uma releitura

da contextualização de tal instituto diante dos princípios vigentes em ambas as searas, sob o

ponto de equilíbrio da Carta Magna.

É interessante perceber que a influência de institutos de caráter punitivo é notada

não só no Direito Civil, mas também em outros ramos do Direito. Nesse sentido, destaca-se a

obra “Direito Administrativo Sancionador”, de autoria de Fábio Medina Osório, oportunidade

em que o Autor, em estudo das sanções punitivas dentro da seara administrativista, percebe

interseção entre o Direito Administrativo e o Direito Penal, ao que procede com um repasse

crítico sobre o regime jurídico a que deve ser submetido o administrado, quando diante de uma

423 BRASIL. CPP. Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória: [...] IV - fixará valor mínimo para reparação

dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido; [...]. Outro Exemplo de

preocupação penal em relação à indenização se verifica na norma disposta no art. 34, § 4º do Código Penal, veja-

se: “Art. 34, §4. O condenado por crime contra a administração pública terá a progressão de regime do

cumprimento da pena condicionada à reparação do dano que causou, ou à devolução do produto do ilícito praticado,

com os acréscimos legais.”. 424 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Op. cit, p. 212. 425 Ronald Dworkin, em análise crítica sobre a compartimentalização dos ramos do Direito, elabora o seguinte

pensamento: ”O direito como integridade tem uma atitude mais complexa em relação aos ramos do direito. Seu

espírito geral os condena, pois o princípio adjudicativo de integridade pede que os juízes tornem a lei coerente

como um todo, até onde olhes seja possível fazê-lo, e isso poderia ser mais bem-sucedido se ignorassem os limites

acadêmicos e submetessem alguns segmentos do direito a uma reforma radical, tornando-os mais compatíveis em

princípio com outros.” (DWORKIN, RONALD. O império do direito. 2. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

Tradução de: Jefferson Luiz Camargo, p. 302). Prosseguindo em tal ideia, o Autor não desmerece a separação dos

ramos jurídicos, mas relativiza tal premissa em certas circunstâncias, veja-se: “Hércules, porém, não se mostrará

tão disposto a acatar a prioridade local quando o resultado de sua prova não for bem sucedido, quando os limites

tradicionais entre as áreas do direito se tornarem mecânicos e arbitrários, ou porque o conteúdo das divisões não

mais reflete a opinião pública.” (Ibidem).

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sanção punitiva setorizada no Direito Administrativo. Nas palavras do autor:

Do exposto, o que se percebe é que o Direito Penal e o Direito Administrativo

Sancionador, se bem que não se valham invariavelmente das mesmas técnicas, nem

encontrem os mesmos regimes jurídicos, acabam adentrando núcleos estruturantes

dos direitos fundamentais dos acusados em geral, na perspectiva de submissão às

cláusulas do devido processo legal e do Estado de Direito. O Direito Punitivo, assim,

encontra um núcleo básico na Constituição Federal, núcleo normativo do qual

emanam direitos constitucionais de conteúdos variáveis, embora também com pontos

mínimos em comum e aqui talvez resida a confusão conceitual em torno ao debate

sobre Direito Público Punitivo. E é precisamente aqui que se deve compreender a

unidade do Direito Sancionador: há cláusulas constitucionais que dominam tanto o

Direito Penal, quanto o Direito Administrativo Punitivo. Tais cláusulas, se bem que

veiculem conteúdos distintos, também veiculam conteúdos mínimos obrigatórios,

onde repousa a ideia de unidade mínima a vincular garantias constitucionais básicas

aos acusados em geral.426

O raciocínio aqui elaborado em perceber a influência do Direito Penal na seara civil

é análogo à ideia trabalhada por Fábio Medina Osório em relação à seara administrativista427.

Ambos os pensamentos convergem para a reflexão sobre um núcleo rígido regente do que se

pode denominar de Direito Punitivo, que, independente do ramo jurídico estudado, é delineado

em padrões mínimos de base constitucional, em garantia de um piso dos direitos fundamentais

do acusado.

No entanto, a base constitucional do Direito Punitivo não se limita ao intuito de

proteção do acusado, mas também alberga a ideia de bem regrar a essência da punição, que se

plasma na ordem de prevenção428 , decorrente do imperativo constitucional de proteção da

vítima diante de ameaças de direitos429.

Dessa forma, a compreensão da causa geral de multa civil como instituto

pertencente ao regramento uno denominado Direito Punitivo significa um novo olhar para a

relação jurídica sancionatória, em que, dentro da tradicional ótica civilista, passa-se à

funcionalização constitucional dos institutos, em prol da harmonização e do equilíbrio entre

sujeitos lesante e lesado, em que, concomitantemente, preocupa-se com os direitos

fundamentais do acusado e com a tutela jurídica da ameaça de direitos, sob o viés social430 da

426 OSÓRIO, Fábio Medida. Direito Administrativo Sancionador. 4. ed. São Paulo: Revista Dos Tribunais, 2011,

p. 137. 427 É oportuno não olvidar que o Direito Administrativo é tradicionalmente situado, ao lado do Direito Penal, como

ramificação do Direito Público, o que não ocorre com o Direito Civil. No entanto, tal distinção não desprestigia a

analogia aqui feita, pois, afastando-se de formalidades setoriais, o que se coloca em evidência é a existência de

sanções de conotação punitiva em ambos os regimes (civil e administrativo), de sorte que, por esse parâmetro,

encontram igual foz. 428 Cf. item 4.1. 429 CRFB/88. Art. 5°. XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. 430 Enfatiza-se aqui o viés social da ordem de prevenção, pois a prevenção, além de proteger o interesse do

particular ameaçado, também atua na instauração de um estado de segurança jurídica, caro a toda a sociedade.

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ordem de prevenção.

Sobre a expressão “Direito Punitivo” utilizada, importa destacar que há

desenvolvimento teórico no sentido da defesa da unidade do ius puniendi estatal431, no entanto

o presente trabalho não aprofundará tal mérito, limitando-se a utilizar a ideia de Direito Punitivo,

tão só, para estudar as normas punitivas inseridas no Direito Civil, lavrando-se um breve

intercâmbio com noções de Direito Penal, sem qualquer pretensão de generalizar para outros

ramos jurídicos as ideias aqui tratadas, que foram pensadas somente para essa interseção432.

4.3.3 Dos princípios punitivos aplicáveis à causa geral de multa civil

Preambularmente, pondera-se que este tópico não pretende formular um completo

manual dos princípios aplicáveis à causa geral de multa civil, mas sim destacar, em caráter

introdutório, alguns dentre o rol de princípios possivelmente incidentes na espécie em

teorização, tendo em vista a proposta de examinar a matéria a partir de um olhar distinto e

Sobre o assunto, cf. item 2.3. 431 Apenas a título de curiosidade, sobre a questão da unicidade do direito punitivo, é interessante mencionar

precedente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em que tal teoria foi aplicada para reconhecer o benefício

da continuidade delitiva (tipicamente de direito penal) no âmbito de uma punição administrativa, veja-se:

“DIREITO ADMINISTRATIVO ECONÔMICO. INFRAÇÕES À ORDEM ECONÔMICA. APLICAÇÃO, POR

EXTENSÃO OU ANALOGIA, DAS NORMAS DE DIREITO PENAL E DE PROCESSO PENAL. CONEXÃO

E CONTINÊNCIA. REUNIÃO DE PROCESSOS. CONVENIÊNCIA (NÃO OBRIGATORIEDADE).

PROCESSOS QUE TRAMITAM EM SEPARADO. JULGAMENTO TAMBÉM EM SEPARADO.

POSSIBILIDADE. POSTERIOR UNIFICAÇÃO DE EVENTUAIS PENAS ADMINISTRATIVAS. SOLUÇÃO

PLAUSÍVEL. [...] 2. A repressão administrativa de infrações à ordem econômica é um dos campos da polícia

administrativa. Na polícia administrativa (heterotutela), a administração substitui, em caráter imediato, por questão

de praticidade, a atividade repressiva que deveria ser, em princípio, judicial. Prevalece na doutrina, particularmente

na Alemanha e na Itália, que não há distinção essencial entre ilícitos civis, penais e administrativos. A unidade do

injusto decorre da constatação de que todo ilícito consubstancia o descumprimento de um dever jurídico. As

infrações administrativas têm, portanto, a mesma natureza das infrações penais e, por isso, atraem a aplicação dos

princípios do direito penal e, por consequência, do processo penal. 3. A conduta da impetrante deve, assim, ser

examinada à luz dos princípios e institutos do direito penal, especialmente as normas relativas aos concursos

material e formal de crimes, com atenção redobrada para a figura das infrações de ação múltipla (mediante

aplicação do conceito de crime de ação múltipla) e a figura da infração continuada (aplicação da teoria do crime

continuado). 4. Por consequência lógica, a situação requer aplicação, por analogia ou extensão, das normas de

processo penal relativas à conexão. [...]” (BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. AC 0040756-

27.2007.4.01.3400 / DF, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA, QUINTA TURMA,

eDJF1 p.39 de 17/02/2014). 432 Em complementação, pondera-se que a ideia da unidade do ius puniendi estatal é desenvolvida principalmente

no contexto das sanções punitivas inseridas no Direito Administrativo, contudo, a ideia, sob a liderança dos

princípios constitucionais, soa plausível de expansão para abranger, outras searas; todavia, conforme mencionado,

tal enfoque não será aprofundado neste trabalho. Apenas a título de ilustração, é interessante observar o seguinte

prelúdio da temática, embora tratada com vistas ao Direito Administrativo: “É bastante aceita, hoje, na Europa,

especialmente pelo Tribunal Constitucional espanhol, fundando-se, teoricamente, na jurisprudência do Tribunal

Europeu de Direitos Humanos, a tese de unidade da pretensão punitiva do Estado, ainda que, em suas bases, receba

críticas doutrinárias apontando fragilidades, tais como a existência de órgãos ou estruturas sancionadoras

supranacionais ou não administrativas. Do ponto de vista operativo, seria perceptível a precária elaboração de

princípios de Direito Público Estatal punitivo, cujos contornos jurídicos seriam bastante diversificados, ao ponto

de tornar discutível a propalada unidade.” (OSÓRIO, Fábio Medida. Op. cit, p. 118).

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voltado às nuances punitivas próprias da sanção de multa civil. A postura introdutória, portanto,

justifica-se haja vista o reconhecimento de que a matéria é pouco usual, ao que se tem, em

verdade, uma temática ainda nascente e merecedora de vasta crítica e exploração.

Assim, aprofundando a interseção entre Direito Civil e Direito Penal, afirmou-se

que, sob a regência constitucional, deve prevalecer, independente da formal setorização da

sanção em um ramo jurídico, um piso mínimo de regulação do viés punitivo. Nessa toada,

compilando as ideias até agora apresentadas, há de se colocar em destaque dois enfoques

primordiais a um modelo de Direito Punitivo de planície, aplicável à causa geral de multa civil:

a um, a cautela em preservar a causa da sanção punitiva com base na ideia de prevenção

(proteção contra a ameaça de direito); a dois, o imperativo de assegurar os direitos fundamentais

do acusado.

Sobre o primeiro enfoque, remete-se à leitura do item 4.1, oportunidade em que se

defendeu a não adequação, perante à ordem constitucional, da imposição de sanção punitiva

para castigar, isso em homenagem ao princípio máximo da dignidade. O castigo (malferimento

à seara de interesses do ofensor) é uma consequência da sanção punitiva, cujo gatilho (causa) é

promovido pela razão de prevenir/educar, impulsionada pelo comando constitucional de que,

além da lesão, a ameaça a direito não será excluída da apreciação do Poder Judiciário (art. 5º,

XXXV, CRFB/88).

Dessa forma, tem-se na inafastabilidade do Poder Judiciário o manancial do qual se

extrai o princípio da prevenção, que deve reger a causa geral de multa civil, operando como

parâmetro para identificar a hipótese de incidência, bem como a intensidade com a qual a multa

civil deve ser aplicada433.

Além do princípio da prevenção, é necessário explorar o conteúdo do piso mínimo

de direitos fundamentais que deve ser respeitado no trato da matéria punitiva, ao que se

rememora a preocupação de Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, cuja

importância merece nova transcrição:

Não se pode afirmar que o direito penal se individualize pela forma que o legislador

quis dar à lei, porque, se assim fosse, seria mais fácil a ele burlar todas as garantias:

poderia dar forma não penal a uma lei penal e, consequentemente, prescindir de ater-

433 Remete-se aqui ao exposto no item 4.1, oportunidade em que se explicou a forma com a qual o princípio

preventivo determina a hipótese de incidência e a quantificação da sanção punitiva. Em suma, a ideia é: somente

se deve aplicar uma multa civil, quando houver realmente a necessidade de enfatizar o repúdio jurídico ao ato

ilícito, de forma a tornar não vantajosa a sua prática. Portanto, se a prática do ato ilícito é, em si, desvantajosa, ou

se outras sanções já foram capazes de tornar o ato suficientemente desvantajoso, não há que se falar em ênfase

punitiva mediada pela causa geral de multa. Quanto à intensidade, a multa deve ser proporcional, de sorte que se

limite em tornar a prática do ato ilícito desvantajosa o suficiente para o viés preventivo, para que, em sua

decorrência, não cause maior mal do que aquele que visa combater (CARNELUTTI, Francesco. Op.cit).

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se a todas as garantias que regem a lei penal conforme a Constituição e a Declaração

Universal dos Direitos do Homem.434

Da lição doutrinária colacionada, tem-se implícita a necessidade de se pensar nas

linhas gerais que as sanções punitivas devem tomar no corpo do Direito Civil, para que a mera

solenidade da positivação de leis em tal ramo jurídico não desprestigie a essência da operação

retributiva.

Salienta-se que Zaffaroni e Pierangeli se referem à positivação de normas penais

dentro de outros ramos jurídicos, no entanto, para efeito da presente análise, aproveita-se o mote

dado pelos referidos autores, mas se prefere utilizar a ideia de que as punições previstas no

corpo formal do Direito Civil, ou mesmo de outras searas do Direito, são pertencentes ao gênero

das normas punitivas, dentro do qual se pode pensar em inúmeras espécies, a exemplo: normas

de Direito Penal punitivas, de Direito Civil punitivas, ou mesmo outras normas punitivas

inseridas nos demais ramos jurídicos.

Noutro giro verbal, opta-se pelo seguinte caminho linguístico: denominar as normas

punitivas inseridas dentro do Direito Civil, não como normas penais, mas sim, simplesmente,

como normas punitivas a serem regidas por uma sistemática própria de Direito Punitivo,

identificável, no caso, na interseção entre Direitos Civil e Penal.

Assim, resguarda-se a expressão “norma penal (ou criminal)” para se fazer

referência às normas formalmente pertencentes ao Direito Penal, ficando a expressão “norma

punitiva” como alusão à existência de teor retributivo em normas postas em qualquer ramo do

direito, o que não desprestigia a ideia geral trazida por Zaffaroni e Pierangeli; a posição aqui

defendida é a mesma (a possibilidade de existência de norma punitiva independente do corpo

material do direito penal), somente é mudada a nomenclatura.

Com base em pensamento análogo ao exposto por Zaffaroni e Pierangeli, Nelson

Rosenvald, trazendo a discussão para o cerne do Direito Civil, adverte que:

[...] algumas sanções punitivas situadas no direito privado são substancialmente penas

criminais (apesar de formalmente civis), o que implicará com relação a elas a extensão

dos princípios vigentes no direito penal, incluindo-se a absoluta reserva legal, com os

sucedâneos da taxatividade e da irretroatividade.435 [...] o perfil substancial da pena

civil é criminal – apesar de situada no direito privado-, diante do protagonismo das

funções preventiva e punitiva, por meio da qual o sistema jurídico objetiva precificar

uma conduta censurável à ordem social, prescindindo absolutamente de liame com o

aspecto reparatório dos efeitos desta conduta.436

434 ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Op. cit, p. 100, 101. 435 ROSENVALD, Nelson. Op. cit, p. 39. 436 Ibidem, p. 61. O Autor também detalha, em espécie, quais princípios defende merecerem importação do Direito

Penal para tutelar as penas civis, ao que dispõe: “Em razão da primariedade das finalidades preventiva e punitiva,

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Feitas tais considerações, passar-se-á a elencar, sem qualquer pretensão exaustiva,

um rol mínimo de princípios que se mostram de necessária aplicação à seara punitiva inserida

no Direito Civil. Assim, coloca-se em evidência a importação437 dos seguintes princípios: i)

legalidade; ii) taxatividade; iii) lesividade; iv) culpabilidade e presunção de inocência; v)

vedação à dupla punição pelo mesmo fato; vi) pessoalidade e individualização da pena; vii)

anterioridade; viii) retroatividade da lei mais benéfica438.

É importante observar que, na razão de importação de tais princípios, tem-se como

norte a premissa da causa de prevenção, bem como a vinculação teleológica ao primado da

dignidade, como forma de resguardar um patamar de equilíbrio na relação punitiva. Dito isso,

viabiliza-se o ponto de partida para a compreensão da ideia em desenvolvimento, ao que se

passará, em breves linhas, ao exame de cada um deles.

Em homenagem ao exposto quando analisada a juridicidade do fator punitivo na

indenização por danos morais439, rememora-se que o princípio da legalidade já foi devidamente

abordado no tópico 3.1.5, razão pela qual não será aqui repisado. Igualmente, quanto ao

princípio da vedação à dupla punição, direciona-se a leitura ao tópico 3.1.4. Em relação ao

princípio da taxatividade440, remetem-se às considerações do tópico 4.2.1, em que se defendeu

a tipicidade aberta da causa geral de multa civil, mitigando-se a aplicação de tal princípio, em

adequação às peculiaridades do Direito Civil.

4.3.3.1 Da lesividade

A respeito do princípio da lesividade, deve-se perceber que, tendo a multa civil

causa preventiva, pressupõe-se que, para sua incidência, deve existir um ato juridicamente

tal como as sanções do direito penal, as penas civis serão marcadas, objetivamente, pela reserva legal, taxatividade,

indisponibilidade e excepcionalidade e subjetivamente pela pessoalidade e intransmissibilidade.” (Ibidem, p. 60). 437 Embora se utilize da expressão “importação”, não se deve olvidar que, sob uma visão sistêmica, os princípios

não podem ser compreendidos de forma estanque, principalmente os de origem constitucional. Assim, em verdade,

os princípios não estão sendo deslocados de um eixo (ramo jurídico) para outro, como se fossem transportados

para áreas estranhas a sua essência. Em verdade, faz-se, tão só, uma releitura de tais princípios, para perquirir sobre

as suas repercussões dentro da teorização realizada sobre a causa geral de multa civil. 438 Tais princípios foram todos extraídos da rede principiológica própria do Direito Penal, conforme elencado por

Guilherme de Souza Nucci (NUCCI, Guilherme de Souza. Op. cit). 439 Embora os princípios da legalidade e da vedação da dupla punição tenham sido abordados em referência ao

fator punitivo da indenização por danos morais, a lógica naquela oportunidade exposta é plenamente aplicável ao

presente momento, assim, para evitar redundâncias, remete-se à leitura dos referidos tópicos. 440 Nas palavras de Guilherme de Souza Nucci, tipicidade “Significa que as condutas típicas, merecedoras de

punição, devem ser suficientemente claras e bem elaboradas, de modo a não deixar dúvida por parte do destinatário

da norma” (Ibidem, p. 88).

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repudiável a ser combatido. Nesse norte, ingressa o princípio da lesividade, no sentido de que

somente é cabível a aplicação da sanção punitiva diante de efetiva ofensa a bem jurídico

civilmente relevante.

Pondera-se que, na órbita civil, o princípio da lesividade deve sofrer adaptação, para

que seja sensível ao grau de intolerância a ilícitos próprio dessa seara, que se distingue do

Direito Penal por não ser aquela pautada pelo princípio da intervenção mínima. É interessante

ressalvar que há doutrina que não reconhece a autonomia da lesividade no Direito Penal,

colocando-a como seguimento do princípio da intervenção mínima, a respeito:

Defendemos, portanto, que a ofensividade (ou lesividade) deve estar presente no

contexto do tipo penal incriminador, para validá-lo, legitimá-lo, sob pena de esgotar

o Direito Penal em situações inócuas e sem propósito [...]. Porém, a ofensividade é

um nítido apêndice da intervenção mínima do Direito Penal Democrático. [...] Em

suma, a ofensividade é uma consequência do respeito à intervenção mínima. 441

Contudo, considerando a maior abrangência do Direito Civil, que, diferentemente

do Direito Penal, volta-se à tutela das relações sociais em larga escala e parte da ótica de

princípios libertários, o que diversifica ao infinito o plano fático a que se voltam as normas

civis, mostra-se inadequada a aplicação do princípio da intervenção mínima em tal seara,

embora não seja desmerecida a noção de lesividade.

Portanto, se dúvida há no Direito Penal acerca da autonomia do princípio da

lesividade em face da ordem de intervenção mínima, ousa-se afirmar a sua independência no

âmbito da sanção punitiva civil. Tal assertiva é bem ilustrada com a idealização da causa aberta

de multa civil442, que se mostra genérica o suficiente para abranger as mais variadas relações

sociais, sem limitações de intervenção mínima (não restrita a hipóteses taxativas), porém,

sempre com a preocupação de somente incidir em situações em que um bem jurídico é exposto

à ofensa.

Ainda a respeito da lesividade na órbita da sanção punitiva civil, é relevante

perceber que tal princípio não deve ser lido como uma exigência de concreta existência de dano

(material ou imaterial) para que incida a causa de multa. O dano é pressuposto da

responsabilidade civil443, mas não da violação de direitos, que se constata no plano abstrato da

própria normatividade malferida.

Veja-se que a multa não possui o intuito de reparar o prejuízo material ou compensar

441 NUCCI, Guilherme de Souza. Op. cit, p. 91. 442 Cf. item 4.2.1. 443 Cf. item 2.2.

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o abalo moral sofrido pela vítima, mas sim enfatizar o repúdio jurídico à conduta ilícita, que

pode ocorrer mesmo sem a provocação de dano.

Nos termos do art. 186 do CCB/02, tem-se que “aquele que, por ação ou omissão

voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que

exclusivamente moral, comete ato ilícito”444. Nesse sentido, nota-se que o dano é atributo que

atua em paralelo com a violação do direito para a formação do ato ilícito tipificado como

pressuposto da responsabilidade civil subjetiva. Sendo assim, é perfeitamente imaginável

hipótese em que há violação de direito, mas não há dano.

Diferentemente, também é plausível imaginar hipótese de dano indenizável sem

correspondente violação de norma jurídica, o que é constatado em situações de responsabilidade

por ato lícito, que se exemplifica com o imperativo de reparação dos danos provocados em

situação de estado de perigo não causado pela vítima (art. 188, II c/c art. 929, ambos do

CCB/02445). Em tal vertente, cita-se:

O ilícito é pressuposto da sanção. Assim, a incidência de uma sanção punitiva pela

prática de um ato ilícito poderá ser fonte de responsabilidade civil, independentemente

da aferição concreta de danos patrimoniais ou extrapatrimoniais, seja por não

existirem ou serem de difícil percepção. Vale dizer, a função sancionatória se dará

cumulativamente, lateralmente à função reparatória da responsabilidade civil, ou

mesmo à margem desta. Neste caso, haverá a responsabilidade civil sem dano. A pena

constitui uma punição pela transgressão da norma; enquanto a reparação persegue

unicamente a restauração da lesão praticada por outro sujeito.446

Dessa forma, considerando a independência entre ilícito e dano, o princípio da

lesividade mencionado como aplicável à multa civil deve ser compreendido não no sentido da

necessidade de constatação de prejuízo (material ou imaterial), mas sim na aferição de ofensa

a direitos, ou seja: na percepção de ilícito447.

Ressalva-se que, caso se considere que a própria ofensa a direitos é um tipo de dano

444 BRASIL. CCB/02. 445 BRASIL. CCB/02. Art. 188. Não constituem atos ilícitos:[...] II - a deterioração ou destruição da coisa alheia,

ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. Art. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso

do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram. 446 ROSENVALD, Nelson. Op.cit, p. 51. Nessa transcrição, o autor faz referência à responsabilidade civil sem

dano, o que contraria a ideia de José de Aguiar Dias apresentada no item 2.2. No entanto, deve-se notar que o autor

somente assim faz por pensar na sanção punitiva civil como inserida na responsabilidade civil, o que, conforme

explanado no item 4.2, transforma a responsabilidade civil em gênero a abrigar as noções de indenização e punição.

Assim, salienta-se que o autor não está afirmando a possibilidade de uma sanção reparatória sem dano, mas sim,

de uma sanção punitiva sem dano, na ideia de combate a condutas ilícitas. No mais, é interessante notar que o

Autor se refere à função sancionatória como sinônimo de função punitiva; não se utiliza tal nomenclatura neste

trabalho, pois a palavra sanção possui semântica maior do que a ideia de punição, podendo ser voltada para

denominar a resposta jurídica a um ato, mesmo que positiva, a exemplo da sanção premial, comentada por Norberto

Bobbio (BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função. São Paulo: Manole, 2008). 447 O ilícito aqui é referente à ideia genérica de violação ao direito, e não ao ato ilícito típico do art. 186 do CCB/02.

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(não na concepção tradicional de danos morais ou materiais, mas sim numa distinta espécie de

prejuízo jurídico ou dano ao direito448) é plausível que se sustente, por esse viés, a vinculação

entre a ilicitude e tal dano, no entanto, para evitar maiores digressões a respeito da tipologia do

dano, adota-se, por clareamento de raciocínio, a desvinculação entre os conceitos de dano e de

ilícito, conforme mencionado, excepcionando-se, contudo, as ponderações realizadas no item

4.3, a respeito dos danos morais.

Em prosseguimento, é interessante perceber que a forma apresentada do princípio

da lesividade viabiliza uma ampla aplicação da sanção punitiva, que não se prende aos

contornos da tradicional responsabilidade civil. Note-se que, conforme visto quando da análise

do fator punitivo na indenização por danos morais, a jurisprudência e doutrina pátrias

predominantes somente vislumbram o critério aflitivo quando da liquidação da sanção

pecuniária decorrente de danos morais, renunciando tal método de quantificação aos danos

materiais, como se os danos materiais fossem menos importantes ou sérios que os morais449.

Especula-se, nesse contexto, que a jurisprudencial banalização da incidência de

indenizações por danos morais é decorrente, em parte, do anseio do Poder Judiciário em

desestimular determinadas condutas abusivas que, mesmo passando ao largo da violação da

cláusula da dignidade humana450, são subsumidas aos ditames do dano moral, como forma de

se empregar alguma repreensão ao fato.

A partir do momento que se extraem os critérios punitivos da liquidação da

indenização por danos morais e se pensa em um modelo jurídico autônomo para abrigar tais

elementares451 , identifica-se, sob a ótica da lesividade, que o ilícito, independentemente da

existência de dano, ou, se dano existir, independentemente de sua caracterização como moral

ou material, é passível de sofrer a devida repreensão pela causa de multa civil, desde que a

conduta se mostre suficientemente lesiva e merecedora de especial enfoque preventivo, não

sendo necessário, portanto, expandir ou banalizar a ideia de dano moral para demonstrar

448 Para evitar maiores digressões, resume-se em explicar que se pensou na expressão dano ao direito para

caracterizar o prejuízo jurídico oriundo de uma ilicitude, que, embora não necessariamente provocadora de dano

moral ou material, possui, em si, relevância, dada a instabilidade causada no plano da eficácia normativa, com

ênfase ao aspecto preventivo do Direito. Em resposta a tal tipo de dano, pode-se pensar em uma sanção que se

volte, diretamente, ao saneamento do direito violado (e.g. modificação de uma cláusula contratual abusiva em

contrato de consumo), assim como é possível trabalhar uma sanção de razão punitiva (multa civil). O presente

trabalho, contudo, centraliza-se no cerne da multa civil. 449 Cf. item 3.2. 450 Vincula-se aqui o dano moral à violação da dignidade humana, mas não se deve desprezar a possibilidade de

pessoas jurídicas sofrerem dano moral, ao que se ressalta a questão da honra objetiva, conforme abordado no tópico

2.4.3. 451 Note-se que, nos termos da já citada LIA, a multa civil pode perfeitamente incidir sem que, concomitantemente,

seja aplicada a sanção de ressarcimento ao erário.

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repúdio à antijuridicidade.

Em continuidade, é oportuno criticar a distinção feita pelo estado da técnica atual

em somente pensar em fatores punitivos à indenização por danos morais. Não há razão para a

desigualdade de tratamento entre danos morais e materiais, isso, pois também os danos

materiais estão guarnecidos no mesmo patamar constitucional de fundamentalidade que os

danos morais, o que se constata indiretamente no direito à propriedade privada452, assim como,

diretamente, nos art. 5º, V e X da CRFB/88 453 . Ademais, a sistemática geral de direito

positivo454 que rege atualmente a responsabilidade civil por danos morais é a mesma que atua

em relação aos danos materiais, de forma que não há razão para tal distinção.

Diante de tais pontos, tem-se que, sob o norte do princípio da lesividade, confere-

se à multa civil a capacidade de ofertar a devida tutela jurídica a condutas ilícitas, preservando,

ainda, a isonomia entre ilícitos, que, independente de consequências danosas, podem ser

passíveis da devida tutela preventiva, o que, em consequência, purifica a noção de dano moral,

evitando a banalização decorrente de seu uso para extravasar o intuito de repreender condutas

abusivas não caracterizadoras, em essência, de violação à cláusula de não lesar outrem.

Por último, retomando a questão sobre a desvinculação entre a causa geral de multa

civil e o dano, em sentido contrário à possibilidade de responsabilidade civil sem dano, é

oportuno enaltecer o pensamento de Bruno Leonardo Câmara Carrá, segundo o qual a

responsabilidade civil deve se ater ao âmbito do escopo reparatório/compensatório, afastando-

se, por conseguinte, de um maior foco à teleologia preventiva, que deve ser, segundo sustenta,

restrita aos efeitos dissuasórios anexos à própria ideia de indenização em sentido estrito. Leia-

se:

A Responsabilidade Civil deve fazer o que ela sempre fez: indenizar os danos,

deixando a repressão às condutas, enquanto representativas de gestos enunciativos de

uma maior gravidade social, venha a ser realizada nas outras áreas do Direito. [...]

Desse modo, a obtenção de um efeito preventivo e eficaz no combate aos novos danos

existentes em uma sociedade de riscos continua ocorrendo pelos tradicionais

mecanismos que a Responsabilidade Civil utiliza para preveni-los. É por meio da

coerção psicológica, e não em medidas de força direta destinadas a combater a

ilicitude, que se opera a função dissuasória da Responsabilidade Civil. Isso pode até

452 Interessante perceber a conexão feita entre o patrimônio material do indivíduo e a preservação de sua dignidade,

conforme posto na obra “Estado jurídico do patrimônio mínimo” de Luiz Edson Fachin (FACHIN, Luiz Edson.

Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001). 453 BRASIL. CRFB/88. Art. 5º. [...] V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da

indenização por dano material, moral ou à imagem; [...] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e

a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua

violação; [...]. 454 É oportuna a ênfase à combinação entre os arts. 186 e 927, ambos do CCB/02, para ilustrar a identidade no

tratamento geral dado pela lei à matéria.

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parecer pouco, mas se bem aplicado, não o é.455

Em prosseguimento, o Autor conclui que a razão de prevenir deve ser cristalizada

a partir do que denomina “gestão conglobante do dano”456, segundo a qual os diversos ramos

do Direito devem atuar de forma concatenada para fins de tutelar os ilícitos, agindo cada seara

jurídica nas fronteiras de sua competência, cingindo-se a reponsabilidade civil à reparação,

cabendo a prevenção a outros ramos, com destaque para o Direito Penal e o Direito

Administrativo457. Apesar de tal visão, o Autor não exclui a plausibilidade de se pensar em uma

ideia de pena civil, veja-se:

Além disso, deve passar [a Responsabilidade Civil] a admitir a possibilidade de uma

pena acessória com efeito agravante sobre a reparação, quando necessária para gerar

um efeito de temor e desestímulo a determinadas condutas lesivas. A pena civil, nesses

termos, permite uma eficácia preventiva concreta, pois inibe, pelo receio de um mal

maior consistente no agravamento da reparação patrimonial, condutas antijurídicas

havidas como sensíveis pela ordem jurídica.458

Dessa forma, pensa-se que a forma com a qual aqui idealizada a ideia de causa geral

de multa civil não entra em contradição com a negativa de existência de responsabilidade civil

sem dano, desde que tal responsabilidade civil se atenha à semântica da ideia de indenização,

que, conforme sustentado ao longo destas linhas, deve ser preservada no campo da ordem de

reparação/compensação, purificando-se mediante a entrega dos critérios de ênfase preventiva à

ferramenta da causa geral de multa.

4.3.3.2 Da culpabilidade e da presunção de inocência

Voltando-se sempre para o olhar preventivo, somente faz sentido repreender alguém

em razão de conduta permeada pelo fator da culpabilidade459, sendo indispensável, portanto, a

455CARRÁ, Bruno Leonardo Câmara. Op. cit, 2015, p. 106. 456 Nas palavras do Autor: “Eis então um ponto crucial em nosso raciocínio: para nós, gestão do dano na sociedade

de risco não precisa ser realizada apenas por meio da Responsabilidade Civil. Outros ramos do Direito também

possuem vocação para isso e só uma atuação coordenada e conjugada entre eles se revelaria capaz de dar algum

efetivo alento às potenciais vítimas do progresso tecnológico. Nossa posição, assim, vai de encontro às propostas

de cisão da Responsabilidade Civil e advoga uma gestão ‘global’ dos riscos por meio de um diálogo interdisciplinar

entre os vários ramos do Direito.” (Ibidem, p. 104). Conforme será visto no item 4.4, a ideia de gestão conglobante

de danos encontra amparo nos critérios de aplicação e quantificação da multa civil. 457 Note-se que o cerne deste capítulo final se volta à idealização de uma forma jurídica capaz de albergar critérios

de cunho retributivo no corpo do Direito Civil, partindo da premissa de que não há incompatibilidade

constitucional entre tal seara jurídica e a ordem de punição (cf. item 3.1.1), o que se faz, contudo, sem maiores

aprofundamentos sobre a justiça de o Direito Civil punir, conforme já destacado na introdução deste escrito. 458 Ibidem, p. 275. 459 Segundo Guilherme de Souza Nucci, culpabilidade “Significa que ninguém será punido, se não houver agido

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constatação do elemento subjetivo para que se possa mensurar o grau de reprovabilidade da

atitude do sujeito, em prol da consequente aplicação da sanção de multa civil. Assim, se não há

reprovabilidade da conduta do agente, não há razão de dissuadi-lo pelo ato praticado, haja vista

a ausência de ameaça à ordem jurídica, que deve atuar como gatilho da razão e prevenir.

Não se desconhece do processo de objetivação da responsabilidade civil, que, com

o olhar voltado para a reparação dos danos sofridos pela vítima, busca, na medida da

socialização dos riscos, uma forma de maximizar o princípio ressarcitório 460 . No entanto,

evidencia-se o princípio da culpabilidade para equilibrar a razão de ressarcir com a razão de

prevenir, o que não interfere no rumo da evolução da responsabilidade ressarcitória objetiva,

cujo caminho autônomo não é maculado pela ideia de multa civil. A respeito:

[...] mesmo em caso de responsabilidade objetiva será aplicável a indenização punitiva,

se o ofensor, comprovadamente, tiver atuado com culpa grave ou dolo. Com efeito,

nada impede que, em processo no qual se esteja a cuidar de caso de responsabilidade

civil objetiva, a parte autora produza prova acerca do dolo ou da culpa do réu na

produção do evento. Afinal, a responsabilidade objetiva não é sinônima de

responsabilidade sem culpa, mas de responsabilidade civil que prescinde da culpa e,

consequentemente, dispensa, a princípio, a prova da culpa.461

Segundo tal vertente, é possível imaginar, em uma mesma ação judicial, situação

de responsabilidade civil objetiva para fins ressarcitórios cumulada, em discussão paralela, com

uma multa civil subjetivamente aferida462.

Sobre o grau de culpabilidade, obtempera-se que o intuito preventivo deve focar

condutas decorrentes não de meros deslizes, mas sim envolvidas em gravame de maior importe,

com destaque para situações de culpa grave463 ou dolo, em que se visualize malícia ou descaso

com dolo ou culpa, dando mostras de que a responsabilização não será objetiva, mas subjetiva (nulllum crimen

sine culpa). Trata-se de conquista do direito penal moderno, voltado à ideia de que a liberdade é a regra, sendo a

exceção a prisão ou a restrição de direitos.” (NUCCI, Guilherme de Souza. Op. cit, p. 90). Importante notar que o

termo culpabilidade também é utilizado para designar um dos elementos constitutivos do crime, qual seja: a

reprovabilidade da conduta do agente, englobando as ideias de imputabilidade, potencial conhecimento da ilicitude

e exigibilidade de conduta diversa, isso em conformidade com a teoria limitada da culpabilidade (Ibidem). Sem

maiores aprofundamentos nas teorias que envolvem a culpabilidade, seja como princípio ou elemento do crime,

para efeito do presente trabalho o que se deseja evidenciar é a necessidade de se atentar para a reprovabilidade do

fator subjetivo do agente ofensor como pressuposto da aplicação da causa geral de multa. 460 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit, p. 165 e ss. 461 ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Op. cit, p. 270, 271. Note-se que o Autor utiliza a ideia de “indenização

punitiva”, pois, em sua obra, trata da punição como critério de quantificação da indenização por danos morais.

Conforme já explanado, este trabalho não adota o modelo da indenização punitiva, tratando o critério punitivo de

forma autônoma, na forma de uma causa geral de multa civil. De toda sorte, a ideia transcrita do Autor em

referência é aplicável ao raciocínio em desenvolvimento, para fins de atestar a não contradição entre o rumo da

objetivação da responsabilidade e a razão punitiva. 462 Tal assunto já foi tratado no tópico 3.1.1. 463 Esclarecendo o significado das expressões culpa e dolo, são salutares as colações doutrinárias seguintes. “Se o

dano foi causado voluntariamente, há dolo. Este se caracteriza pela ação ou omissão do agente, que, antevendo o

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atentatórios contra o padrão de juridicidade a ser preservado464.

Em prosseguimento, importa ainda enaltecer a noção de imputabilidade, que é

compreendida como a potencial censurabilidade da conduta de um sujeito, haja vista a presença

de requisitos pessoais que permitam ao agente agir de outro modo. Assim, a imputabilidade

atua como um pressuposto da culpa. Nas palavras de Sérgio Cavalieri Filho:

Imputabilidade é, pois, o conjunto de condições pessoais que dão ao agente

capacidade para poder responder pelas consequências de uma conduta contrária ao

dever; imputável é aquele que podia e devia ter agido de outro modo. Disso se conclui

que a imputabilidade é pressuposto não só da culpa em sentido lato, mas também da

própria responsabilidade. Por isso se diz que não há como responsabilizar quem quer

que seja pela prática de um ato danoso se, no momento em que o pratica não tem

capacidade de entender o caráter reprovável de sua conduta e determinar-se de acordo

com esse entendimento.465

A aplicação da causa geral de multa civil em testilha, portanto, imprescinde da

verificação da reprovabilidade da conduta do sujeito infrator, o que deve ser aferido mediante

a concatenação dos pressupostos da imputabilidade e da culpa, o que se faz em honra ao

imperativo da causa de prevenção.

Em decorrência do princípio da culpabilidade, tem-se, também, a aplicação do

princípio da presunção de inocência, inclusive por imperativo constitucional, nos termos do art.

5º, LVII da CRFB/88466. No entanto, na seara do ônus probatório, é interessante que se pondere

tal princípio diante de situações marcadas por deveres objetivos de cuidado legalmente

estipulados ao sujeito lesante, de sorte que, em tais hipóteses, dada a regulação específica de

dano que sua atitude vai causar, deliberadamente prossegue com o propósito mesmo de alcançar o resultado danoso.

No ato culposo o intuito de causar prejuízo não existe. Mas o prejuízo da vítima decorre de um comportamento

negligente ou imprudente da pessoa que o causou.” (RODRIGUES, Sílvio. Op. cit, p. 147). “O ato ilícito doloso

consiste na intenção de ofender o direito ou de prejudicar o patrimônio de alguém por atuação positiva (ação) ou

negativa (omissão). Respectivamente o dolus in committendo ou in faciendo (dolo ativo) e o dolus in omittendo

(dolo omissivo). [...] A culpa, ao seu turno, é a conduta negligente, imprudente ou imperita, do agente. A atuação

deste é causadora da lesão, embora o resultado danoso não seja querido pelo agente.” (AZEVEDO, Álvaro Villaça.

Conceito de ato ilícito e o abuso de direito. In: RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz; MAMEDE, Gladston;

ROCHA, Maria Vital da. Responsabilidade Civil Contemporânea: Em Homenagem a Sílvio de Salvo Venosa.

São Paulo: Atlas, 2011, p. 64). Sobre a gravidade da culpa, leia-se: “Examinada pelo ângulo da gravidade, a culpa

será grave se o agente atuar com grosseira falta de cautela, com descuido injustificável ao homem normal,

impróprio ao comum dos homens. É a culpa com previsão do resultado, também chamada culpa consciente, que

se avizinha do dolo eventual do Direito Penal. Em ambos há previsão ou representação do resultado, só que no

dolo eventual o agente assume o risco de produzi-lo, enquanto na culpa consciente ele acredita sinceramente que

o evento não ocorrerá” (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit, p. 39). 464 Apresentando ideia análoga, cita-se: “Com efeito, a indenização com caráter de pena deve ser aplicada quando

patenteado que o ilícito foi praticado com intenção lesiva ou, ao menos, com desprezo ou indiferença pelo direito

alheio. ” (ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Op.cit, p. 265). 465 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit. p. 26, 27. 466 BRASIL. CRFB/88. Art. 5º. [...] LVII. Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença

penal condenatória; [...].

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microssistemas, é plausível que se raciocine em prol da inversão do ônus probatório 467 ,

competindo ao ofensor provar que adotou as diligências necessárias para evitar a ofensa e,

portanto, não merece sofrer a sanção punitiva468.

4.3.3.3 Da pessoalidade e da individualização da pena

Em decorrência do princípio da culpabilidade e da ordem preventiva, a multa civil

somente possui razão de ser se incidente na pessoalidade do sujeito ofensor, afinal, a sua

finalidade é ofertar um contraestímulo capaz de tornar desinteressante a prática do ato, portanto,

somente aquele que age pode ser estimulado a não agir.

A pessoalidade está aliada à intransmissibilidade das penas469, o que é resguardado

na Carta Maior no importe de direito fundamental, na forma do art. 5º, XLV, que enuncia:

“nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a

decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles

executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”470.

Sendo assim, apesar de a ordem de ressarcimento ser passível de transmissão aos

herdeiros (nos limites da herança471 ), o mesmo não ocorre com a multa civil, que se esvai

juntamente com a vida do réu472.

No entanto, mesmo no caso de morte (ou extinção de uma pessoa jurídica473), é

467 Em sentido diverso: “De outro lado, considerada a presunção de inocência do agente, inviável se lhe aplicar as

presunções de culpa e de causalidade que servem à fixação da reparação de danos patrimoniais e morais. Dessume-

se do exposto a imprescindível constatação pelo juiz do ilícito e da conduta reprovável do ofensor.” (ROSENVALD,

Nelson. Op.cit, p. 249). 468 Sem maiores pretensões de profundar a questão processual do ônus da prova, cita-se a seara consumerista, como

marcante exemplo de microssistema capaz de inverter o ônus probatório, veja-se, nesse sentido, o art. 6º do CDC:

“São direitos básicos do consumidor: [...] viii - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão

do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando

for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; [...]”. Ademais, cita-se, também a

possibilidade da culpa contra a legalidade, como hipótese de presunção de culpa (CAVALIERI FILHO, Sérgio.

Op. cit). 469 Nas palavras de Guilherme de Souza Nucci: “[...] havendo morte do agente, não se pode estender de forma

alguma, a cobrança da multa aos seus herdeiros, respeitando-se o disposto na Constituição Federal de que nenhuma

pena passará da pessoa do condenado (art. 5º, XLV)” (NUCCI, Guilherme de Souza. Op.cit, p. 453). 470 BRASIL. CRFB/88. Art. 5º, XLV. 471 BRASIL. CCB/02. Art. 1.792. O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-

lhe, porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demostrando o valor dos bens herdados. 472 No tópico 3.1.3 foi ponderado que se pode visualizar utilidade na aplicação da sanção de multa, mesmo após a

morte do réu, no entanto, tal utilidade não supera o comando constitucional estampado no art. 5º, XLV, CRFB/88,

que veda tal feito. 473 Importa enfatizar que se concorda com a possibilidade de pessoas jurídicas sofrerem a sanção de multa civil, o

que se afirma em homenagem à autonomia de sua personalidade. Corroborando tal entendimento: “A pessoa

jurídica também (e principalmente nos ilícitos extracontratuais) será sujeito passivo de penas civis, com vistas à

regra da pessoalidade. Isto ocorrerá nas hipóteses em que o ato praticado por quem quer que seja insere-se no

contexto de uma atividade de gestão da empresa. Ela se faz presente pela própria natureza do ato e responderá por

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salutar refletir sobre a ocorrência de situação em que a iminência de extinção da punibilidade

incentive a prática de ilícitos, o que pode ser apreciado pelo prisma crítico do princípio da

proibição de abuso de direito fundamental474, para afastar a eficácia da norma protetiva em prol

da aplicação da sanção punitiva sobre o patrimônio em sucessão, se o imperativo de prevenção

assim exigir.

Outro interessante aspecto da pessoalidade da multa civil é o possível

questionamento a respeito de sua ineficácia diante de ofensores de massa que, por meio de

seguros de responsabilidade, ou mesmo através do poder de diluição de despesas, mitiguem o

desestímulo ofertado pela sanção punitiva. Sobre tal assunto, remete-se à leitura do item 3.1.3,

em que se asseverou a injuridicidade da cobertura securatória de tal tipo de despesa, bem como

se afirmou que a ineficácia da sanção punitiva diante da potencial diluição de despesas é

solucionável por uma adequada liquidação do valor punitivo475.

Ainda em decorrência do contexto da pessoalidade, é de relevo perceber a

incidência do princípio da individualização das penas, consagrado no art. 5º, XLVI da

CRFB/88476, de sorte que a multa civil deve ser concretamente liquidada no caso prático pelo

juízo do Poder Judiciário, ao qual compete, sempre em seguimento da ordem do devido

processo legal, averiguar as nuances fáticas em querela477, atentando para a razão de prevenção

e em observância do consequente punitivo referente à percepção subjetiva da aflição sentida

pelo réu, em decorrência da(s) sanção(ões) que recebe.

4.3.3.4 Da anterioridade e retroatividade da lei mais benéfica

Em remate desta breve explanação sobre princípios importáveis da seara penal, há

de ser enaltecida a anterioridade, que se mostra como corolário da legalidade, “nada adiantaria

adotarmos o princípio da legalidade, sem a correspondente anterioridade, pois criar uma lei,

após o cometimento do fato, seria totalmente inútil para a segurança que a norma penal deve

um fato próprio, pois o sujeito que assim agiu o fez como mero executor, por conta e no interesse das políticas da

pessoa jurídica e em seu benefício. ” (ROSENVALD, Nelson. Op. cit, p. 66). 474 Na lição de George Marmelstein, “esse princípio estabelece que nenhum direito fundamental deve ser

interpretado no sentido de autorizar a prática de atividades que visem à destruição de outros direitos ou liberdades”

(MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 2008, p. 423). 475 No item 3.1.3 se tratou do fator punitivo na indenização por danos morais, no entanto, a lógica lá exposta é

plenamente aplicável ao presente ponto, razão pela qual, para evitar a repetição da matéria, remete-se ao

mencionado tópico. 476 BRASIL. CRFB/88. [...] XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes;

[...]. 477 Maiores considerações sobre a individualização da pena serão tecidas quando da abordagem dos critérios de

liquidação da multa civil.

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representar a todos os seus destinatários”478, aplicando-se a mesma lógica para concluir pela

inviabilidade de retroação da lei mais grave.

Ademais, enaltece-se a força constitucional de tal princípio, que resta positivado no

art. 5º, XXXL da CRFB/88, assim como do imperativo de retroatividade da lei mais benéfica,

na forma do inciso XL do mesmo artigo479, que complementa a rede protetiva em questão, afinal,

partindo da premissa de que a superveniência de lei mais benéfica significa uma diminuição da

repulsa jurídica sobre determinado ato, não se mostra adequado à finalidade preventiva que se

entoe repressão superior ao novo parâmetro de tolerância inaugurado pela norma superveniente.

Por fim, reitera-se que os princípios aqui expostos representam um recorte da

matéria feito no escopo introdutório e sem pretensões exaustivas, em verdade, almeja-se

impulsionar a discussão e a crítica sobre o tema, que nesta oportunidade se preludia, em

formação do substrato principiológico necessário para que se pense nos critérios com os quais

se deve pautar o processo de aplicação e quantificação da pretensa causa geral de multa civil.

4.4 Dos critérios de aplicação da multa civil

Quando do estudo a respeito da indenização por danos morais, rematou-se a análise

com o repasse crítico sobre os critérios de quantificação da sanção indenizatória, no intuito de

purificar o instituto, em consideração de seu núcleo essencial compensatório. Agora, em postura

análoga, proceder-se-á de maneira semelhante com a causa geral de multa civil, ao que serão

raciocinados os critérios passíveis de utilização na esfera retributiva, de forma a abrigar aqueles

que foram deixados ao relento em decorrência do filtro ao qual foi submetida a indenização por

danos morais.

Portanto, se para efeito de liquidação da indenização por danos morais se

privilegiou uma ótica ressarcitória, voltada às peculiaridades da vítima, no que toca a multa

civil o regramento passará à liderança da causa de prevenir, com o protagonismo da figura do

ofensor, conforme agora será explorado.

4.4.1 Da indenização como critério da multa civil

Conforme salientado quando do tratamento do princípio da lesividade, não é demais

478 NUCCI, Guilherme de Souza. Op.cit, p. 85. 479 BRASIL. CRFB/88. Art. 5º. [...] XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia

cominação legal; XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu; [...].

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reiterar que, embora o raciocínio em construção tenha surgido a partir da análise dos danos

morais, agora a matéria punitiva ganha autonomia, não mais se prendendo, sequer, aos

pressupostos da indenização, pois a prevenção, no molde aqui proposto, se volta ao ilícito civil,

independentemente da superveniência de dano (moral ou material).

No entanto, embora a multa não se prenda a hipóteses de indenização, ela está

enraizada na ideia de prevenção, que, por sua vez, merece ser visualizada a partir de um esforço

interpretativo do efeito punitivo com o qual o sujeito ofensor recebe sanções, sejam elas de

causa ressarcitória ou preventiva480. Assim, atentando para a causa de prevenção, somente há

finalidade de aplicação de multa civil na hipótese de o sujeito ofensor não poder ser

suficientemente dissuadido em decorrência da aplicação de uma outra sanção ao fato481.

Destarte, tem-se na multa civil um aspecto de subsidiariedade, à medida que sua

incidência é condicionada à necessidade de ênfase preventiva em decorrência de um ato ilícito

que se mostre vantajoso ao seu praticante, a ponto de a pacificação social não ser alcançada

com medida menos invasiva.

Em outras palavras, quando se pensar na aplicação de uma multa civil à situação

em que também identificado o cabimento de indenização482, é necessário perquirir sobre a real

necessidade de incidência do fator punitivo, considerando que o sujeito ofensor já estará

sofrendo uma aflição aos seus interesses, em decorrência da mera questão indenizatória.

Importa salientar que o sopesamento necessário para efeito de averiguar a

necessidade de aplicar a multa civil não precisa depender do prévio reconhecimento judicial da

obrigação de indenizar, mas sim, de um exercício de raciocínio que envolva a indenização em

potencial como variável a ser considerada em tal processo.

Para maior clareza, toma-se, novamente, o Ford Pinto Case483 como exemplo. Em

tal caso, adotando-se o modelo de multa aqui idealizado, não seria necessário que as vítimas

todas entrassem com ações indenizatórias, para, somente após as condenações, verificar a

necessidade da causa punitiva, isso, pois a instrução probatória, per si, demonstrou a

necessidade de uma ênfase preventiva, haja vista a vantagem auferida diante da lógica de

mercado utilizada pelo ofensor.

Note-se, portanto, que a indenização é uma variável a ser pensada quando do

480 Novamente se faz alusão ao pensamento de Francesco Carnelutti tratado no item 2.1.1, a respeito da

subjetividade com a qual se pode observar as ordens sancionatórias ressarcitória e retributiva. 481 Nesse sentido, conferir o item 4.1.1. 482 Note-se que não necessariamente haverá indenização, podendo subsistir a causa de multa proposta de forma

isolada. 483 Sobre o caso, ver item 2.3.3.

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manejo da multa civil, todavia tal assertiva não redunda em imediato comprometimento da

autonomia da multa civil. De toda forma, isso é dito no contexto da hipótese de multa civil aqui

proposta, pensada no formato de uma causa autônoma, mas nada impede que a legislação, em

sentido diverso, subordine a multa à hipótese em que reconhecida obrigação de indenizar, o que

não se recomenda em honra à maior eficácia do instituto e à postura defendida de que o fator

preventivo combate o ilícito em sentido largo, e não somente eventual efeito danoso material

ou moral.

O efeito danoso é tutelado pelo retorno ao status quo ante e é primariamente

atendido por sanções de teor reparatório, por outro ângulo, ao se falar em proteção contra a

ameaça de direitos, coloca-se em prestígio a ordem de prevenção, que atua independentemente

da real ocorrência de dano material ou moral, mas sim, opera na dimensão do abstrato

malferimento da norma jurídica. Por tal diferenciação, defende-se a independência entre as

sanções de indenização e multa civil.

Em prosseguimento, torna-se relevante a retomada dos limites dissuasivos da

sanção indenizatória, a exemplo dos fenômenos do erro de execução, lucro da intervenção e

equação dos custos de prevenção, todos já abordados neste trabalho484. Tais situações de limite

demonstram com clareza contextos em que a causa preventiva enaltece a necessidade de

aplicação da multa civil, pois a indenização, nesses casos, é diluída de forma a não ofertar,

sozinha, suficiente desestímulo à ilicitude.

4.4.2 Do estado de neutralidade como pressuposto de eficácia da multa civil

Indo mais além, é imprescindível perceber que a eficácia preventiva da multa civil

pode até mesmo chegar a depender de uma adequada concatenação de sanções jurídicas

distintas, que, em certas hipóteses, somente juntas, embora autonomamente aplicadas, são

capazes de efetivamente dissuadir o ofensor.

Explica-se: em havendo elevada vantagem na prática de um ilícito, a prevenção

somente será plenamente eficaz quando as sanções jurídicas aplicáveis forem capazes de

eliminar a vantagem auferida pelo sujeito lesante. Afinal, partindo de uma análise econômica

da razão de agir do sujeito ofensor, enquanto houver vantagem na prática da ilicitude485, não se

484 Cf. item 3.3. 485 O raciocínio em testilha pode ser visualizado em todos os três casos em que se exemplificaram os limites da

indenização (lucro da intervenção, erro de execução e equação dos custos de prevenção), pois, em todos, o ofensor

conquista vantagem ao praticar o ato ilícito.

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consolidará a dissuasão.

Assim, no plano da prevenção, não basta que se aplique uma sanção punitiva para

dissuadir, pois é necessário que se elimine o lucro indevido auferido pelo sujeito ofensor. Tal

lucro, caso tenha havido dano, já poderá ser mitigado a partir da sanção indenizatória e, em

havendo subsunção dos fatos aos ditames da sistemática de enriquecimento sem causa486, é

plausível que se determine a restituição do lucro que exceder à indenização.

Além da restituição em decorrência de enriquecimento sem causa, é viável imaginar

a eliminação da vantagem do ofensor por outras formas, o que não se pode teorizar no plano

abstrato, competindo ao polo interessado487 atentar para as peculiaridades do caso e encaminhar

ao Judiciário pedido idôneo para tal desiderato. A exemplo, pode-se imaginar que, na hipótese

de vantagem decorrente de uma cautela não tomada pelo sujeito lesante, postule-se por uma

obrigação de fazer, que, nos seus custos, oferte ao ofensor a diminuição da vantagem auferida

pela economia em não se acautelar.

Após a eliminação da vantagem, o sujeito ofensor retorna ao patamar do status quo

ante ao ilícito praticado, de forma que se volta a uma “estaca zero” em que a indiferença toma

o lugar da vantagem anterior. Insta asseverar que o estado de indiferença merece acurada

apreciação no caso concreto, hipótese em que o órgão julgador realmente terá acesso a todas as

variáveis que envolvem a querela, partindo da análise de pontuações que vão desde o custo do

litígio, à probabilidade de êxito da demanda.

Assim, não se deve dogmatizar o estado de indiferença como sendo um ponto

estanque no curso processual, mas sim um resultado obtido a partir do raciocínio em sopesar as

vantagens decorrentes do ilícito e aflições consequentes da aplicação do direito à espécie. Feitas

tais considerações, o fato é que, somente após alcançado o estado de indiferença, a multa civil

poderá atuar de forma realmente dissuasória, levando o ilícito a ser menos vantajoso que o

padrão da juridicidade.

Destaca-se que, a partir do rompimento da faixa de neutralidade, o ofensor sofrerá

prejuízo real, haja vista que sua condição estará em patamar inferior ao momento anterior à

prática do ilícito. Nessa etapa, é imprescindível que a razão de proporcionalidade opere na

melhor medida possível, com vistas a não causar demasiado prejuízo, nem insuficiente

dissuasão, o que pode, em termos práticos, ser mensurado a partir da resiliência decorrente da

486 Sobre o assunto, cf. item 3.2.6. 487 Não se aprofundará o mérito da legitimação para o pedido, pois, assim, ingressar-se-ia em matéria processual

estranha aos limites deste trabalho. No entanto, prima facie, podem ser cogitadas hipóteses de legitimação do

próprio lesado, ou mesmo em relação aos sujeitos capazes para atuação em sede de direitos coletivos, se o caso

for. Sobre assunto, foram feitos breves destaques no item 4.1.1.

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capacidade econômica do sancionado.

O efeito dissuasório da multa civil será, portanto, inversamente proporcional à

capacidade econômica do ofensor, não podendo o julgador descurar de tal critério quando da

liquidação da sanção. Contudo, em sentido diverso:

[...] a law and economics recomenda afastar o critério da capacidade econômica do

ofensor, por ser inútil para a obtenção da finalidade de dissuasão. Se o

desencorajamento do potencial agente é dado por uma análise de custo/benefício, ele

só agirá quando as vantagens derivadas de seu ilícito forem superiores aos custos que

suportará. Esta relação custo/benefício em nada será alterada pela variação do

patrimônio do ofensor.488

Concorda-se somente parcialmente com a ideia de que a condição econômica do

ofensor não pode ser contabilizada para efeito de dissuasão. Isso, pois, de fato, até que se

encontre o estado de neutralidade, o porte econômico é realmente irrelevante. Contudo, a ordem

preventiva, em casos de culpa grave ou dolo, não deve se contentar em atingir o “ponto zero”,

pois, assim, estar-se-ia tratando de forma idêntica o infrator e o obediente à lei489 , o que

contraria o espírito de harmonização social e o princípio da isonomia. Eis, portanto, o exato

âmbito de aplicação da multa civil: desequilibrar a balança da indiferença, induzindo o sujeito

ofensor a seguir o padrão da juridicidade.

Logo, partindo do pressuposto de que a multa civil está autorizada a ir além do

patamar de neutralidade, ao assim fazer, é imperioso que se respeite a capacidade de resiliência

do ofensor, no intuito de não provocar sanção demasiada, ou mesmo insuficiente. Por essa razão,

conclui-se pela plausibilidade do porte econômico do sancionado para efeito de cálculo da

multa civil.

Ainda no que toca a superação do ponto de neutralidade, é necessário tratar sobre a

destinação do valor da multa civil, pois, na medida em que o empobrecimento do ofensor (pela

aplicação da multa) provoca o enriquecimento do ofendido, pode-se dar azo à crítica de que se

estaria legitimando, contraditoriamente, uma hipótese de enriquecimento sem causa da vítima.

Com tal argumento, contudo, não se concorda, ao que se remete à leitura do item 3.1.2,

oportunidade em que foi defendida a plausibilidade de um modelo de valor da sanção punitiva

de forma dividida entre a vítima e um fundo público.

488 ROSENVALD, Nelson. Op.cit, p. 251. Pondera-se que essa não é posição defendida pelo autor, que, no trecho

transcrito, apenas expõe tal vertente de pensamento para contrastar com sua opinião de que a capacidade

econômica deve sim ser um critério da sanção punitiva. 489 Bem ilustrando essa lógica, é interessante reler o exemplo da alegoria das maçãs pensando por Patrícia Carla

Monteiro Guimarães e relatado no item 3.2.6.

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Prosseguindo, é imprescindível perceber a necessidade de correta distinção entre as

ferramentas atuantes na esfera da tutela civil de ilícitos, para que não se confundam os institutos

da indenização, restituição por enriquecimento sem causa e multa civil. Cada um é dotado de

peculiaridades, critérios de aplicação e quantificação próprios.

No modelo aqui proposto, a indenização se pauta no dano, tão somente; a restituição

deve cuidar de eliminar o restante da vantagem auferida pelo ofensor a custo dos direitos da

vítima; à multa resta a tarefa (se o caso for) de desequilibrar a balança da neutralidade,

consolidando o processo de dissuasão, que pode já ter sido iniciado pelas demais sanções

aplicadas.

Nesse aspecto, é interessante perceber que, à primeira vista, a multa civil e a sanção

de restituição por enriquecimento sem causa, quando vislumbradas no contexto de um mesmo

ilícito, soam atuar de forma idêntica, afinal, ambas se voltam a eliminar uma vantagem

indevidamente auferida, no entanto os institutos são inconfundíveis.

Na restituição por enriquecimento sem causa “não se cogita em ato culposo ou

ilícito do agente, mas apenas no fato objetivo consubstanciado no enriquecimento à custa alheia,

o que patenteia serem aqueles elementos prescindíveis na configuração do instituto”490. Vê-se,

portanto, que, embora seja possível visualizar enriquecimento sem causa em face de ilícito, tal

aspecto não está na base fundamental da sanção de restituição.

Conforme explica Pontes de Miranda, “O fundamento das relações jurídicas

pessoais por enriquecimento injustificado está em exigência de justiça comutativa, que impõe

a restituição daquilo que se recebeu de outrem, sem origem jurídica.”491. Dessa forma, assim

como a indenização possui fundamento na ideia de ressarcir, contudo, aos olhos do sujeito

ofensor, nota-se sensação de aflição, na sanção de restituição, a causa é a ideia de equidade,

que, analogamente, soa como razão de dissuasão ao sancionado

Eis a diferença entre a multa civil e a restituição por enriquecimento sem causa:

esta possui gatilho na razão de equidade, embora redunde em consequente de tom punitivo; por

outro lado, a multa civil, é causada pela necessidade de intensificar o enfoque preventivo em

hipóteses de ilegalidade permeada por culpa grave ou dolo.

Nota-se, portanto, que a prevenção, na órbita civil, depende de uma estratégica e

completa tutela sancionatória, em que vários institutos podem ser chamados a atuar em conjunto,

não bastando uma cega e desmensurada aplicação do fator punitivo autônomo, que, em verdade,

490 NANNI, Giovanni Ettore. Op.cit, p. 215. 491 MIRANDA. Francisco Cavalcante Pondes de. Op. cit, p. 120.

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mostra-se como uma ferramenta dentre várias disponíveis.

É cediço que a facilidade com que se teoriza a ideia em amanho não se encontra no

mundo prático, pois há intensas dificuldades em se manusear a infinidade de variáveis

necessárias ao sopesamento de vantagens e aflitivos decorrentes do ilícito e da aplicação do

direito. No entanto, tais dificuldades não devem ofuscar a tentativa de superá-las, em

idealização de um modelo mais eficiente de tutela civil.

No mais, o imperativo de prevenção deve reger a proporcionalidade do processo de

sopesamento indicado, assim, reafirma-se, caso se constate que o sujeito ofensor já está sendo

submetido a sanções capazes de quebrar o estado de neutralidade492 , em prol de um nível

satisfatório de dissuasão, não subsistirá contexto propício à multa civil, uma vez que já satisfeita

a causa de prevenir.

Por último, é salutar uma breve digressão. É que, embora a discussão aprofundada

sobre a unidade ou não do poder punitivo estatal não seja cerne deste estudo, cabe aqui a

seguinte reflexão: considerando o pressuposto da causa de prevenir, seria interessante uma

concatenada atuação dos diversos ramos jurídicos (Direito Penal, Administrativo, Civil...) na

seara das sanções punitivas, no intuito de otimizar a aferição do nível ideal de prevenção.

Assim, pode-se pensar em uma sistemática na qual a aplicação de uma pena de

multa em decorrência do mesmo fato, em qualquer seara do Direito, seja levada em

consideração pelos outros ramos, no escopo de servir como variável no processo sancionatório.

Tal modelo, não desprestigiaria a independência das instâncias, mas sim, concatená-las-ia, em

prol de um nível ideal de prevenção493.

4.4.3 Dos critérios de quantificação da multa civil

Quando do estudo da quantificação da indenização por danos morais, listaram-se

vários critérios, ao que se passou a uma análise individualizada. Poder-se-ia imaginar, nesta

oportunidade de exposição dos critérios de quantificação da multa civil, em se fazer processo

análogo, expondo os vários fatores punitivos tradicionalmente apontados pela doutrina e pela

jurisprudência, para, em seguida, mediante um repasse crítico, identificar, um a um, aqueles

que se mostrem condizentes com a causa preventiva, contudo não se repetirá tal método.

492 Por exemplo, pode-se imaginar caso no qual o prejuízo sofrido pela vítima é superior à vantagem obtida pelo

ofensor. Em tal hipótese, a mera indenização já seria, em tese, capaz de neutralizar a vantagem ilícita e ofertar

desestímulo suficiente. 493 Aqui é interessa notar que se encontra aproximação com pensamento de Bruno Leonardo Câmara Carrá ao

idealizar o que denomina “gestão conglobante do dano” (cf. item 4.3.3.1).

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Propõe-se uma via alternativa para a quantificação da causa aberta de multa civil.

Em vez de se buscar uma dogmatização de critérios em espécie, convida-se a imaginar um

modelo de liquidação de multa voltado à causa preventiva, assim, ao invés de se investir

preocupação no escalonamento de uma infinidade de possíveis caracteres aplicáveis494, eleva-

se a causa da multa como baliza máxima, em criação de um macrocritério, que pode ser

denominado, para efeito de didática, como “adequação preventiva”.

Assim, a cada caso posto à tutela do Poder Judiciário, propõe-se uma

individualizada análise do ilícito praticado, no intuito de verificar: i) em que medida o ato

praticado é vantajoso para o ofensor; ii) qual o alcance preventivo que outras sanções (que não

a multa civil) podem ocasionar ao ofensor; iii) qual o saldo resultante da comparação entre os

itens “i” e “ii”. Ao final de tal operação, em caso de o ofensor restar com saldo positivo ou em

estado de neutralidade, tem-se por verificada a hipótese de incidência da multa civil, cuja

liquidação deve ser sensível a tornar, em uma medida de proporcionalidade, o ilícito

desvantajoso diante do lícito: eis o critério da adequação preventiva.

A adequação preventiva, portanto, significa o resultado de um juízo de ponderação

(entre custos e benefícios do ilícito) realizado no escopo de tornar o respeito ao ordenamento

jurídico como sendo o caminho mais vantajoso. Assim, pautando-se na causa de prevenir,

mensura-se a extensão da multa civil, que deve ser larga o suficiente para adequar os pesos da

balança de prós e contras em favor da juridicidade e tão só.

A expressão “tão só” deve ser enfatizada e relacionada com a razão de

proporcionalidade; estabelecido o nível adequado de prevenção, não mais haverá sentido em

expandir o valor da multa, sob pena de extravasar a causa preventiva e ingressar na órbita de

um castigo sem propósito495.

Ao ser mensurado o valor da multa, também é necessário que se determine a

destinação do valor respectivo, ao que se idealiza a proporcional divisão do montante entre o

sujeito responsável pela defesa em juízo da causa de prevenir e um fundo público direcionado

494 Para se ter ideia da quantidade de possíveis critérios da multa, pode-se observar o exemplo da Lei Anticorrupção

(Lei nº 12.846/2013), que, embora se referida à multa administrativa, pode ser citada como possível parâmetro à

multa civil. Veja-se: “Art. 7º. Serão levados em consideração na aplicação das sanções: I - a gravidade da infração;

II - a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator; III - a consumação ou não da infração; IV - o grau de lesão

ou perigo de lesão; V - o efeito negativo produzido pela infração; VI - a situação econômica do infrator; VII - a

cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações; VIII - a existência de mecanismos e procedimentos

internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de

ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica; IX - o valor dos contratos mantidos pela pessoa jurídica com o

órgão ou entidade pública lesados; e X - (VETADO). Parágrafo único. Os parâmetros de avaliação de mecanismos

e procedimentos previstos no inciso VIII do caput serão estabelecidos em regulamento do Poder Executivo federal.

” (BRASIL. Lei nº 12.846/13). 495 Cf. item 4.1.

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a fins sociais 496 . Dessa maneira, tem-se um termo intermediário que, ao passo em que

incentivado o dever cívico de defender a ordem jurídica, evita-se o desvirtuamento de tal

propósito em eventual distorcida ambição pecuniária, a partir da entrega de parte da multa ao

fim público497.

Dessa maneira, a adequação preventiva deve se aliar à lógica da proporcionalidade,

com o intuito de equilibrar a ordem de retribuição manejada, para que não se cause sanção

demasiadamente curta, nem se provoque mal maior do que o ilícito em combate. Por meio do

critério da adequação preventiva, juntamente com a razão da proporcionalidade, tem-se,

portanto, uma causa geral de liquidação que supera a pontuação de uma lista de critérios em

espécie, haja vista sua maior abrangência.

Não se está aqui a defender a inaplicabilidade de critérios mais específicos, tais

como a reprovabilidade da conduta do réu, o seu porte econômico, a reincidência, dentre vários

outros possíveis; essas especificidades podem e devem ser analisadas no momento da aplicação

da sanção punitiva, inclusive por um imperativo de fundamentação da decisão judicial498, que

exige do julgador transparência da razão de decidir.

Ocorre que é no caso concreto que os critérios específicos surgirão, sempre como

diretos consectários da ordem maior de adequação preventiva. Por esse motivo eventual

tentativa de escalonar todos os critérios imagináveis para calcular o valor da multa correria sério

risco de se mostrar incompleta e desarrazoada. Em cada caso, por conseguinte, é que a

adequação preventiva, por meio da lógica de proporcionalidade, ganhará contornos claros.

Em raciocínio simétrico, é permitido afirmar que qualquer critério específico que

destoe de causalidade com a razão de prevenir não deverá ser adotado como influente no cálculo

da multa civil. Assim, ressalta-se a importância em separar as instâncias das sanções de

restituição por enriquecimento sem causa e indenização da causa de adequação preventiva, que

se volta à formação da multa civil.

Tudo isso coloca em evidência a excepcionalidade de aplicação da multa civil, que

somente encontra espaço quando não for possível às demais ferramentas sancionatórias em

potencial provocarem suficiente efeito dissuasivo. Não que a multa só possa ser aplicada se

houver dano ou enriquecimento sem causa; o que se diz é que, em ocorrendo essas hipóteses, a

496 A exemplo do fundo previsto no art. 13 da Lei n° 7.347/85. 497 Remete-se, por aqui também ser aplicável, o raciocínio do item 3.1.2. 498 BRASIL. CRFB/88. Art. 93. [...] IX. todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e

fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos,

às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade

do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; [...].

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multa deve ser tratada com parcimônia.

Por último, faz-se útil raciocinar a respeito de um teto à multa civil. Nesse âmbito,

importa rememorar que se defendeu, no tópico 4.2.1, a multa no formato de uma causa aberta,

conferindo-lhe elevado grau de maleabilidade, para fins de conformação ao escopo preventivo

aferível no caso concreto.

Acontece que, embora pensada em sede de causa aberta, cabe questionar sobre a

necessidade de impor um limite para a quantificação dessa multa; nessa toada, nota-se que a

LIA499 positiva um teto da sanção de multa, o que também é feito pelo Código Penal Brasileiro

(CPB)500 e, no âmbito administrativo, na Lei Anticorrupção501. Por outro lado, há exemplos de

multas não dotadas pela lei de limite máximo, o que se vê, no âmbito civil, na de Lei de

Alienação Parental502, com destaque, também, para as astreintes, na seara processual civil.

Não se identifica, de plano, uma ordem jurídica que determine a obrigatoriedade

em se seguir um ou outro modelo, competindo tal decisão à política legislativa. Nesse sentido,

há de se perceber que o próprio Poder Judiciário, embora sem respaldo legal, ao conferir caráter

punitivo à indenização por danos morais, não estipula um teto, deixando a quantificação ao

arbítrio das nuances do caso concreto.

Importa perceber que, independente da positivação de um valor teto, a capacidade

de resiliência econômica do sancionado, conforme anteriormente defendido, deve ser manejada

como critério apto a identificar a intensidade com a qual o ofendido sofrerá os efeitos da multa.

Sendo assim, é no caso concreto que tal capacidade de resiliência será realmente percebida.

Dito isso, o congelamento da multa civil em limite fixo não soa como a opção mais

adequada à plasticidade que o momento de sua liquidação exige. Diga-se mais, em caso de

opção pela imposição de um teto de multa (opção com a qual não se coaduna, enfatiza-se), tal

valor deve se ater a parâmetros focados no poder econômico do sancionado, pois é nesse aspecto

499 No art. 12 da Lei nº 8429/92, a multa é limitada a múltiplos baseados no acréscimo patrimonial indevido logrado

pelo sujeito ofensor, ou em múltiplo da remuneração recebida pelo agente. 500 BRASIL. CPB. Art. 49. A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na

sentença e calculada em dias-multa. Será, no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias-

multa. § 1º - O valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendo ser inferior a um trigésimo do maior salário

mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a 5 (cinco) vezes esse salário. § 2º - O valor da multa será

atualizado, quando da execução, pelos índices de correção monetária. 501 BRASIL. Lei nº 12.846/13. Art. 6o Na esfera administrativa, serão aplicadas às pessoas jurídicas consideradas

responsáveis pelos atos lesivos previstos nesta Lei as seguintes sanções: I - multa, no valor de 0,1% (um décimo

por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo

administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua

estimação; e [...]§ 4o Na hipótese do inciso I do caput, caso não seja possível utilizar o critério do valor do fatura-

mento bruto da pessoa jurídica, a multa será de R$ 6.000,00 (seis mil reais) a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões

de reais). [...]. 502 O art. 6º da Lei nº 12.318/10 somente faz previsão de multa, sem, contudo, apresentar critérios de quantificação.

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que reside a lógica preventiva.

Dessa forma, não é adequado tipificar, a exemplo de como faz a LIA, o máximo da

multa como um múltiplo baseado no valor ilicitamente auferido, pois tal valor, embora seja

relevante para fins de instalação do estado de neutralidade, não reflete, a partir de então, a

resiliência econômica do réu.

Por outro lado, pensar na remuneração do sujeito ofensor503 como um critério se

mostra condizente com a ideia de capacidade econômica, ressalvando-se, contudo, que tal

critério não deve ser visto de forma isolada, pois no caso concreto, várias interferências podem

ocorrer na seara patrimonial para além do valor da remuneração, tanto de forma a elevar a

capacidade de resistência à multa (ex. fontes alternativas de renda), quanto para diminui-la (ex.

existência de dependentes, gastos com saúde etc).

Em remate, a não tipificação de um teto fixo se mostra mais adequada à plasticidade

com que merece ser tratada a quantificação da multa, que deve ser respaldada e limitada na

causa de prevenir, cuja aplicação exige, após alcançando o estado de neutralidade (eliminação

da vantagem auferida pelo ofensor), olhar atento à resiliência econômica do sancionado

(capacidade do ofensor em suportar o aflitivo pecuniário), ao que se recomenda que sejam esses

os reais parâmetros de limite do montante da sanção pecuniária idealizada para a causa geral de

multa civil.

503 Em caso de pessoas jurídicas, a exemplo de como faz a Lei Anticorrupção, o faturamento da empresa pode ser

um indicativo de sua resiliência econômica, no entanto, permanece a necessidade de se atentar para outros

possíveis critérios aptos a interferir nesse fator.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

1. De uma noção essencialmente patrimonialista, o Direito Civil pátrio evoluiu e se

humanizou, estando hoje inserido como ferramenta de consagração dos fins últimos delineados

por uma Carta Magna construída com fundamento na preservação da dignidade humana.

2. No âmbito da responsabilidade civil, o processo evolutivo refletiu no reconhecimento

jurídico da lesão ao patrimônio moral, exigindo-se, em consequência, o soerguimento da

respectiva sanção indenizatória, cujas finalidades precípuas não são unívocas doutrinariamente,

o que destoa do aparente pacifismo com o qual o setor jurisprudencial, capitaneado pelo

Superior Tribunal de Justiça, anuncia os critérios de liquidação da indenização por danos

morais, inserindo, dentre eles, o fator punição.

3. Nesse contexto, analisaram-se as funções da responsabilidade civil, perpassando pelas

noções de reparação/compensação, prevenção e punição, o que foi realizado sob as bases de

uma teoria geral da sanção, em que se visualizou uma divisão subjetiva dos efeitos oriundos da

indenização, que, independentemente de eventual ênfase conferida à determinada finalidade e

por razão intrínseca, repercutem sob a ótica da vítima como uma ordem de restituição, e, diante

do ofensor, como um título repressivo.

4. No entanto, reconhecer a consequência repressiva como ínsita a uma sanção, não

implica em concluir pela inafastabilidade do fator punitivo dentre os critérios de sua

determinação, mormente em sede de um ordenamento jurídico herdeiro da Civil Law, em que

a normatização se eleva como pressuposto da aplicação da força repressiva estatal.

5. Logo, embora seja aceito que a indenização por danos morais representa para o sujeito

lesante um elemento de desincentivo à repetição da prática danosa, não se pode concluir pela

juridicidade da ênfase dada a tal efeito punitivo com base na majoração da sanção em virtude

de eventual juízo de maior reprovabilidade da conduta, cuja inserção exige um balanceado

estudo de compatibilidade.

6. Nesse sentido, analisando a possibilidade de absorção do caráter punitivo autônomo,

concluiu-se que não existe incongruência sistemática genérica entre responsabilidade civil e

punição, no entanto, ponderou-se que tal critério não pode ser sumariamente imposto pela

jurisprudência, haja vista a necessidade de prévia cominação legal.

7. Desta feita, rematou-se que critérios como a qualidade da conduta e as características

pessoais do ofensor, a repetibilidade da prática danosa e o lucro obtido com o prejuízo causado

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são fatores que, embora imbuídos de uma lógica própria e não de pronto repelidos pela ordem

jurídica nacional vigente, não são por ela ratificados em norma expressa.

8. Assim, considerando que, em sede de tutela repressiva, deve-se respeitar o imperativo

de legalidade, tais fatores de quantificação da indenização não podem ser utilizados, o mesmo

ocorrendo com o raciocínio que toma como base as condições econômicas da vítima, já que tal

critério denota fator de discriminação incongruente com a lógica da isonomia e da dignidade

humana.

9. É compreensível a razão pela qual os julgadores, imbuídos do sentimento de justiça e

preocupados com os fins visados pela Lei Maior, sensibilizam-se diante do atual contexto

social, em que, rotineiramente, presencia-se desrespeito em face do patrimônio moral humano,

o que explica, contudo não justifica, a motivação da ênfase dada ao elemento punição no cálculo

das indenizações por danos morais.

10. Indo para além dos danos morais, foram expostas situações em que a responsabilidade

civil encontra limites em sua eficácia, não sendo capaz de efetivamente ordenar a conduta

humana, haja vista a vulnerabilidade que apresenta ao ser manipulada por fatores econômicos,

a exemplo das situações de erro de execução, lucro da intervenção e equação dos custos de

prevenção.

11. Tais razões induzem o soerguimento de um clima propício à aceitação de incrementos

à tutela jurídica, com enfoque em fatores ditos como punitivos, no escopo de prestigiar uma

ordem de prevenção de ilícitos, que apresenta o objetivo de combater a atmosfera de

impunidade, que acaba por incentivar a reiteração de condutas deletérias, haja vista a sensação

de desconserto social.

12. No entanto, sem adentrar na justiça do critério repressivo, há de ser dito que uma cega

corrida em busca de fins não deve desprezar a retidão dos meios respectivos, sob pena de

malferimento de toda a lógica visada, o que bem se percebe com o destrato que sofre atualmente

o princípio da legalidade, quando diante das tradicionais condenações por danos morais em que

se insere fator punitivo.

13. Ademais, é interessante não restringir o debate acerca da potencialidade de a

responsabilidade civil alcançar o fim visado (harmonia e equilíbrio social) ao simples critério

punitivo da indenização por danos morais. Nesta oportunidade é importante perceber que a

evolução da ciência jurídica perde com o pacifismo com o qual a matéria é tratada, razão pela

qual se enaltece o fomento ao debate sobre o tema.

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14. A exemplo, não se deve olvidar que soluções outras para a problemática da necessidade

de prevenção de danos foram apontadas pela doutrina, que não se limita a considerar

unicamente o caminho do fator punitivo na indenização por danos morais, mas elencam uma

série de outras possibilidades.

15. Dentre tais opções, tem-se o apontamento de uma nova categoria de danos a ser

reconhecida: o dano social, como forma de dar a devida resposta jurídica a condutas capazes de

extrapolar o âmbito individual e diminuir, em caráter geral, a qualidade de vida da sociedade.

16. Cogita-se também acerca de um melhor balanceamento entre o manejo dos institutos

próprios da responsabilidade civil e das ferramentas de combate ao enriquecimento sem causa,

como forma de eliminar o lucro da intervenção.

17. Noutro giro, há quem defenda a necessidade de uma melhor gestão processual, com

ênfase no manejo de ações civis públicas como forma de tutelar, na devida escala, a ordem de

prevenção contra condutas potencialmente repetitivas.

18. Existem ainda defensores da necessidade de importação da figura norte americana dos

punitive damages, em que a punição é perfectibilizada através de uma indenização de cunho

autônomo, e não vinculada a um mero fator de quantificação dos danos morais, perfazendo,

assim, um modo repressivo genérico capaz de enfatizar, inclusive, a resposta jurídica a práticas

que se inscrevam mesmo em cunho exclusivamente material, desde que marcadas por condutas

suficientemente repudiáveis.

19. Destaca-se, por fim, a ideia de gestão conglobante do dano, segundo a qual o ideal

preventivo deve ser encontrado a partir da devida concatenação das esferas de tutela dos vários

ramos do Direito, mitigando, por conseguinte, o ônus de prevenir da responsabilidade civil.

20. Acrescentando uma nova vertente a tal rol de opções, apresentou-se um modelo de causa

geral de multa civil, como instituto idealizado para abrigar e setorizar a pretensão punitiva que

tem sido presente no âmbito jurisprudencial das sanções indenizatórias.

21. Segundo tal modelo, há de ser positivado um dispositivo legal em que se compile, em

termos genéricos, a possibilidade de aplicação de uma multa civil autônoma, quando diante de

situações marcadas por ilícito envolto de grave culpa ou dolo, no qual, por uma razão de

adequação preventiva, julgar-se necessária uma majorada ênfase na repulsa jurídica ao ato, de

modo que, por tal sanção, o respeito à lei se torne mais vantajoso do que a injuridicidade.

22. Nessa idealização, pensou-se em uma multa civil gravada em causa aberta e geral, a ser

quantificada nas balizas do caso concreto e em consonância com a funcionalidade própria da

ênfase preventiva necessária, em cada hipótese, à ordenação de condutas. Assim, a punição é

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compreendida não como causa, mas sim como uma consequência aflitiva sofrida pelo sujeito

alvo da sanção de índole (causa) preventiva.

23. Além de causa, a ordem de prevenção foi alçada à parâmetro de quantificação da multa,

para que não se exagere no montante aplicado, o que desonraria a razão de prevenir,

configurando injustificado castigo.

24. Destacou-se, também, que a tutela repressiva poderia ser pensada na forma de

indenização punitiva ou de uma multa autônoma, tendo-se optado por esta em preservação de

uma maior pureza do instituto da sanção indenizatória, facilitando a compreensão de cada

ferramenta civil, em sua essência e funcionalidade.

25. Nesse desiderato, ingressando no preludio de um piso principiológico próprio aos

contornos do Direito Civil Punitivo, fez-se uma interseção com os princípios caros ao Direito

Penal, tocando, assim, na ideia de uma unidade lógica entre a sistemática repressiva,

independentemente do ramo jurídico em que inserida, o que se pautou na unicidade pregada por

normas de ordem constitucional.

26. Em finalização, tratou-se dos critérios de quantificação da causa geral de multa civil, a

partir da construção do conceito de adequação preventiva, cuja funcionalidade consiste em

quebrar o estado de neutralidade econômica, encarecendo o preço da violação de direitos e, por

conseguinte, induzindo, por raciocínio econômico, o respeito à ordem jurídica.

27. Consolidando todo o exposto e no intuito de ilustrar, em concreto, a ideia exposta,

enuncia-se proposição de aditamento ao Código Civil, para fins de inserir uma causa geral de

multa civil, nos seguintes moldes:

Art. 927-A. Aquele que, por culpa grave ou dolo, cometer ilícito fica sujeito, além de

outras cominações legais, à multa civil.

Parágrafo único. O juiz determinará o valor da multa na medida da necessidade de

prevenção do ilícito, cuja quantia será proporcionalmente rateada entre a vítima e o

fundo previsto no art. 13 da Lei nº 7.347/85.

28. Esclarece-se que a opção em propor o adendo ao Código Civil dentro do título tratante

da responsabilidade civil, e não do referente aos atos ilícitos (art. 186 e seguintes do CCB/02),

justifica-se na precaução em não vincular a aplicação da causa geral de multa às hipóteses de

atos tipificadas nos arts. 186 e 187, ambos do CCB/02, uma vez que, da forma como aqui

pensada, a hipótese de incidência da multa deve ser ampla o suficiente para alcançar ilícitos em

geral, desde que configurada a necessidade de maior ênfase preventiva.

29. Do texto legal proposto, importa enaltecer alguns traços essenciais já abordados ao

longo do desenvolvimento deste estudo: i) a preocupação em estabelecer a vinculação da

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aplicação da multa à perquirição sobre o elemento subjetivo do agente; ii) a ressalva para a

autonomia da multa civil, que não deve excluir ou ser excluída pela aplicação de outra sanção

ao fato; iii) a vinculação da aplicabilidade e da quantificação da multa à ordem de prevenir; iv)

o estabelecimento de uma via de equidade no que toca a destinação do valor da multa, em que

se recompensa a proatividade do sujeito lesado em defender a ordem de juridicidade e,

concomitantemente, privilegia-se toda a sociedade, que é beneficiada com a parcela do valor

da multa destinada ao fundo público.

30. Ainda sobre a destinação da multa civil, salienta-se que a citação do art. 13 da Lei nº

7.347/85 se deu de forma exemplificativa, o que não impede que se pense na criação de um

novo fundo para tanto, desde que preservada a lógica de investir em causa de conotação social.

31. Apesar de tal proposta de modificação legal, conforme anunciado no nome dado ao

capítulo final deste escrito, pretendeu-se preludiar, e não exaurir, uma temática inovadora.

Desta feita, reconhece-se a complexidade da matéria, assim como o estado ainda em vias de

maturação do assunto tratado, o que, contudo, não ofusca a necessidade de enfrentamento da

temática de forma contundente e propositiva, desde que se mantenha perene a abertura a críticas

e ao debate.

32. Assim, reitera-se que o intuito máximo das presentes linhas foi a maximização da

eficiência do Direito em seu eterno papel de propagar a justiça, mediante a ordenação de

condutas, de sorte que, a partir de um estudo centrado na interseção entre a seara cível e o manto

constitucional, pretendeu-se idealizar um novo modelo de responsabilidade civil.

33. Diante de todo o exposto, finaliza-se este estudo com o cumprimento da missão

inicialmente proposta, qual seja: responder sobre a juridicidade do critério punitivo conferido

no Brasil à quantificação da indenização por danos morais, bem como elaborar uma proposta

que seja capaz de melhor guarnecer o fator de prevenção no corpo do Direito Civil, em linhas

inseridas no âmbito do denominado Direito Civil Punitivo, sob o contexto maior da regência

constitucional.

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MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/04/2012, DJe 23/04/2012.

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ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 08/09/2015, DJe 01/10/2015.

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Ministra MARGA TESSLER (JUÍZA FEDERAL CONVOCADA DO TRF 4ª REGIÃO), Data

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ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 15/09/2015, DJe 28/09/2015.

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ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/10/2012, DJe 18/10/2012

______. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp 1328978/RS, Rel. Ministra NANCY

ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/11/2012, DJe 20/11/2012

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ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/11/2012, DJe 26/11/2012.

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FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 04/09/2012, DJe 10/09/2012.

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SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/09/2012, DJe 17/09/2012.

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TERCEIRA TURMA, julgado em 04/12/2012, DJe 12/12/2012.

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QUARTA TURMA, julgado em 17/05/2012, DJe 28/05/2012.

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