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UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA
CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E TECNOLÓGICAS
DEPARTAMENTO DE QUÍMICA
MÔNICA GRÔPPO PARMA
PROPOSTA DE ENSINO INTERDISCIPLINAR: A QUÍMICA E A PINTURA
RENASCENTISTA
VIÇOSA – MINAS GERAIS
2018
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA
CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E TECNOLÓGICAS
DEPARTAMENTO DE QUÍMICA
MÔNICA GRÔPPO PARMA
PROPOSTA DE ENSINO INTERDISCIPLINAR: A QUÍMICA E A PINTURA
RENASCENTISTA
Monografia apresentada ao Departamento de Química
da Universidade Federal de Viçosa, como parte das
exigências para a conclusão do Curso de Licenciatura
em Química.
ORIENTADOR: Emílio Borges
VIÇOSA – MINAS GERAIS
2018
iii
UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA
CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E TECNOLÓGICAS
DEPARTAMENTO DE QUÍMICA
MÔNICA GRÔPPO PARMA
PROPOSTA DE ENSINO INTERDISCIPLINAR: A QUÍMICA E A PINTURA
RENASCENTISTA
Monografia aprovada em 26 de Junho de 2018.
Prof. Daniele Cristiane Menezes
Departamento de Química – UFV
Avaliadora do Trabalho
Prof. Regina Simplício Carvalho
Departamento de Química – UFV
Avaliadora do Trabalho
Prof. Emílio Borges
Departamento de Química – UFV
Orientador do Trabalho
Prof. Vinícius Catão de Assis Souza
Departamento de Química – UFV
Coordenador da Disciplina
iv
AGRADECIMENTOS
Apesar do pouco grau de escolaridade, agradeço principalmente os meus pais, Ivanete
e Elio, e à minha avó, Celma, por me mostrarem que o conhecimento acadêmico não é o
único e nem a melhor fonte de saber. Vocês permitiram e propiciaram meios para que eu
crescesse tendo a melhor educação possível, para que eu me tornasse a pessoa que sou hoje e
pudesse chegar até aqui. Mesmo sem estarem cientes disso, posso dizer sem dúvidas que
vocês foram os melhores professores que eu poderia ter. Agradeço também à minha irmã,
Mariana, por todo apoio, incentivo e palavra amiga durante todo esse tempo. Mesmo sendo
mais nova, as vezes você se mostra capaz de me dar uma bela lição (de vida, de amor, de
companheirismo ...). Gratidão!
Agradeço ao Danilo por estar comigo nas adversidades, me ajudando e me amparando
na caminhada pela reta mais cheia de curvas e obstáculos que é a UFV (ou UFVida?), seja
pelas inúmeras idas ao nosso ponto favorito de Viçosa, ou, mesmo com a distância, pelas
mensagens madrugada afora. Agradeço ainda a uma pequena flor, quer dizer... à Flora, essa
pequena de coração gigante que me acolheu e me ensinou a florescer. Esse espaço aqui fica
pequeno para eu dizer quantas coisas eu aprendi com você e o quanto você foi (e ainda é)
importante para mim e para fazer com que meus dias mais difíceis se tornassem mais leves.
Agradeço ainda ao meu orientador, Emílio, pelas discussões e longas conversas que
deram origem e ajudaram na evolução deste trabalho; pelas incríveis aulas e, por meio delas,
por despertar em mim uma ânsia cada vez maior pelo conhecimento; além disso, por me fazer
entender que essa ânsia tem uma explicação: é paixão pela vida. Tenho que agradecer, acima
de tudo, por aceitar se jogar comigo nesse universo da Arte e da Química, permitindo que
fossem possíveis a realização e a concretização de um projeto que há muitos anos vinha sendo
maturado em minha mente.
Por fim, mas não menos importante, agradeço à banca avaliadora deste trabalho, Dani,
Regina e Vinícius, por concordarem em se aventurarem junto a mim nessa jornada. Agradeço
também a todos os professores que compartilharam comigo e com os demais alunos os seus
conhecimentos, contribuindo imensamente para a minha formação não só profissional, mas
também pessoal. Vocês (Daniele, Emílio, Luís Henrique, Mayura, Regina, Sérgio, Vinícius,
entre outros) foram grandes mestres, incentivadores, e também amigos, fazendo-me
compreender a importância e a necessidade de ter (e ser) um exemplo de ser humano,
despertando e fazendo florescer sempre o melhor em cada um de nós.
v
“[...] evidentemente, o gosto não é uma base suficiente para
avaliar a qualidade artística de uma obra. [...] aí já será
necessário entender um pouco da linguagem da arte.
Digamos, é como no caso de uma fórmula química.
Obviamente, será preciso entender de química para poder
apreciá-la, ou julgar a validade de um experimento, dos
resultados, ou, até mesmo, das hipóteses. Só que a arte é
uma linguagem mais universal e bem mais acessível do que
a química.”
Fayga Ostrower
vi
RESUMO
PARMA, Mônica Grôppo. Proposta de ensino interdisciplinar: a química e a pintura
renascentista. Monografia de conclusão do Curso de Licenciatura em Química. Universidade
Federal de Viçosa, Junho de 2018. Orientador: Prof. Emílio Borges.
O Renascimento nas artes, época que compreende os séculos XIV, XV e XVI, surgiu a partir
de um cenário repleto de crises sociais, políticas e econômicas, o que criou um ambiente
propício para que características como o antropocentrismo, o racionalismo e o humanismo
pudessem sobressair e moldar o pensamento do homem renascentista. Houve nesse período
grandes desenvolvimentos, tanto na Ciência, quanto na Arte, como o aperfeiçoamento da
pintura a óleo e a descoberta da técnica da perspectiva linear. Essas inovações contribuíram
para que os pintores da renascença pudessem criar em seus quadros uma representação cada
vez mais fiel da realidade, o que era uma limitação da técnica de pintura a têmpera (tinta à
base de ovo) utilizada até então. As potencialidades proporcionadas pela tinta a óleo podem
ser observadas pela comparação estética que aqui foi realizada entre quatro obras de arte. A
fim de relacionar duas áreas distintas do conhecimento, como a Ciência/Química e a Arte, foi
apresentada uma breve discussão a respeito da constituição da luz e da sua interação com os
diferentes materiais, principalmente os pigmentos, parte constituinte das tintas responsável
por conferir cor às mesmas. Entretanto, o foco de análise deste trabalho foi restringido para
uma análise química e física a respeito das diferenças apresentadas entre as tintas a têmpera e
a óleo. Pode ser verificado que nas pinturas a têmpera o pigmento da tinta se apresenta
envolto pelo ar e pelas proteínas enrijecidas da gema do ovo, de modo que ocorre o fenômeno
físico da reflexão da luz em sua superfície aparentemente difusa, dando à pintura uma
aparência mais fosca. Em contrapartida, a pintura a óleo apresenta uma superfície
esteticamente lisa e, além da reflexão da luz, acontece ainda o fenômeno da refração, pois o
pigmento da tinta está disperso em seu óleo constituinte (geralmente o óleo de linhaça), que
possui um valor de índice de refração diferente do índice de refração do ar; desse modo, a
tinta a óleo proporciona à pintura uma cor mais viva e brilhante. Por fim, foi proposta uma
atividade prática interdisciplinar que possui aplicabilidade tanto no Ensino Médio quanto no
Ensino Superior, na disciplina de Química Geral. Devido à sua interdisciplinaridade, este
trabalho se configura como um material paradidático que visa auxiliar e proporcionar ao
professor novas visões e meios de contextualizar as suas aulas e conectá-las com outras
disciplinas escolares.
Palavras-chave: Renascimento, Ciência e Arte, interdisciplinaridade.
vii
ABSTRACT
PARMA, Mônica Grôppo. Proposal of interdisciplinary teaching: the chemistry and the
renaissance painting. Undergraduate Monograph Submitted to the Department of Chemistry
in Partial Fulfillment of the Requirements for the Degree of Bachelor in Chemistry. Federal
University of Viçosa, June 2018. Advisor: Dr. Emílio Borges.
The Renaissance in the arts, a period that included the fourteenth, fifteenth and sixteenth
centuries, emerged from a scenario full of social, political and economic crises, which created
an environment conducive to such characteristics as anthropocentrism, rationalism and
humanism to stand out and shape the thinking of the Renaissance man. During this period
there were major developments in both Science and Art, such as the refinement of oil painting
and the discovery of the linear perspective method. These innovations contributed to the
renaissance painters being able to create in their paintings an ever more faithful representation
of reality, which was a limitation of the technique of painting the tempera (egg-based paint)
used until then. The potentialities afforded by the oil paint can be observed by the aesthetic
comparison that has been made here among four works of art. In order to relate two distinct
areas of knowledge, such as Science/Chemistry and Art, a brief discussion was presented on
the constitution of light and its interaction with different materials, especially pigments, a
constituent part of the paints responsible for conferring color them. However, the focus of this
work was restricted to a chemical and physical analysis regarding the differences between the
tempering and oil paints. It can be seen that in quenching paints the pigment of the paint is
enveloped by the air and the stiffened proteins of the egg yolk, so that the physical
phenomenon of light reflection occurs on its apparently diffuse surface, giving the paint a
more frosted appearance. On the other hand, the oil painting presents an aesthetically smooth
surface and, in addition to light reflection, the phenomenon of refraction happens as the ink
pigment is dispersed in its constituent oil (usually linseed oil), which has a value refractive
index different from the air refractive index; thus, the oil paint gives the paint a more vivid
and bright color. Finally, it was proposed an interdisciplinary practical activity that has
applicability both in High School and Higher Education, in the discipline of General
Chemistry. Due to its interdisciplinarity, this work is configured as a complementary material
that aims to help and provide the teacher with new visions and means to contextualize their
classes and connect them with other school disciplines.
Keywords: Renaissance; Chemistry and Art; interdisciplinarity.
viii
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 1
UM OLHAR ARTÍSTICO DO MUNDO CIENTÍFICO ......................................................................... 1
2 OBJETIVOS........................................................................................................................ 4
3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ...................................................................................... 5
O RENASCIMENTO NAS ARTES ................................................................................................. 5
4 METODOLOGIA ............................................................................................................... 9
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO ...................................................................................... 10
5.1 UM OLHAR ESTÉTICO .................................................................................................. 10
5.2 UM OLHAR CIENTÍFICO DO MUNDO ARTÍSTICO ............................................................ 14
5.3 PROPOSTA DE ATIVIDADE ............................................................................................ 23
6 CONCLUSÃO .................................................................................................................. 26
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 26
ANEXO A – FLUXOGRAMA DETALHADO ...................................................................... 30
1
1 INTRODUÇÃO
Um olhar artístico do mundo científico
“A experiência da alteridade (e a elaboração dessa experiência) obriga-nos a ver o
que nem sequer poderíamos imaginar, a dificuldade em fixar nossa atenção naquilo que nos é
habitual é tanta que acabamos por considerar que ‘isso é assim mesmo’” (LAPLATINE,
2004, p. 13). Tomando por base a frase anterior, o título deste trabalho pode gerar uma certa
estranheza para quem não tem muito contato com museus, exposições de arte ou não está
acostumado a apresentar um olhar artístico para o mundo ao seu redor. Afinal, qual ou quais
as interfaces que surgem a partir da conexão entre a Química e a Arte, mais especificamente a
pintura Renascentista?
Para que essas interfaces possam emergir de uma forma natural para nós é necessário,
segundo Laplatine (2004), que estejamos abertos a um “alargamento de nosso saber”, que só
será possível por meio de uma “revolução de nosso olhar”. Este trabalho busca promover uma
revolução do olhar para que, além do simples ato de ver e de receber imagens, possamos
aprender a olhar, a intensificar a nossa visão, no sentido de que
o olhar demora no que vê. [...] é a capacidade de olhar bem e de olhar tudo,
distinguindo e discernindo o que se encontra mobilizado, e tal exercício – ao
contrário do que se percebe ‘em um piscar de olhos’, do que ‘salta aos
olhos’, do que provoca um ‘impacto’ ... – supõe uma aprendizagem
(LAPLATINE, 2004, p. 18).
É evidente a dificuldade apresentada pelos estudantes, tanto na Educação Básica,
quanto na Educação Superior, em compreender o modo como a Química se apresenta no seu
cotidiano, basta nos lembrarmos de como foi nosso processo de aprendizagem quando ainda
estávamos tendo nosso primeiro contato com a Química como Ciência. Essa dificuldade pode
estar atrelada ao fato do ensino se apresentar de maneira descontextualizada e fragmentada,
dificultando a articulação feita pelos estudantes entre diferentes saberes, o que acaba
favorecendo uma aprendizagem mecânica e baseada na memorização.
Visando mudar essa concepção, na proposta preliminar da terceira versão da Base
Nacional Comum Curricular para o Ensino Médio – BNCC (BRASIL, 2017) são reforçadas
as práticas de ensino que buscam atrelar os conhecimentos conceituais aos processos de
construção do conhecimento sociocultural e histórico dos estudantes, por meio da
contextualização e interdisciplinaridade, dando, assim, um sentido para o que está sendo
aprendido. Nessa perspectiva, a interdisciplinaridade se apresenta como uma ferramenta
capaz de articular áreas correlatas de ensino, como a Química e a Biologia, ou a Geografia e a
2
História. Para além dessa fronteira interdisciplinar, a correlação entre disciplinas inicialmente
vistas como desconectadas pelos alunos e por alguns professores, como a Química e a Arte,
favorecem, além de uma aprendizagem mais efetiva, uma formação humana que oferece
meios para os estudantes se posicionarem como agentes de mudanças no mundo e na
realidade ao qual estão inseridos.
Segundo Olga Pombo (1993), tanto a inter como a transdisciplinaridade possuem em
comum a capacidade de apontar e definir modos de se relacionar e articular diferentes
disciplinas escolares. A articulação que emerge dessa troca de conhecimentos apresenta uma
certa intensidade e grau de integração entre as diferentes partes, o que serve de base para que
se possa identificar a presença ou ausência da chamada interdisciplinaridade (JAPIASSU,
1976).
Por interdisciplinaridade entende-se a combinação entre duas ou mais disciplinas,
buscando, a partir disso, evidenciar e desenvolver alguns pontos de convergência entre elas.
Por outro lado, a transdisciplinaridade se caracteriza como o nível máximo dessa
convergência entre as disciplinas, que ultrapassa a simples combinação e gera uma unificação
das mesmas. Essa unificação tem como pontos principais a construção de uma linguagem
comum, a identificação de mecanismos comuns a partir de fundamentos específicos e a
ressignificação de alguns conceitos a fim de criar e proporcionar um novo olhar para o mundo
(POMBO, 1993).
A inter/transdisciplinaridade surge então como um meio de recuperação das ideias
diluídas na sociedade. Essa recuperação se dá através da colaboração e ajuda mútua entre
professores e especialistas participantes de um mesmo projeto que possui uma determinada
axiomática como ponto de interseção entre diferentes áreas (JAPIASSU, 1976).
Dessa mesma maneira, no Ensino Médio e no Ensino Superior, principalmente nos
cursos de licenciatura, é igualmente importante basear o ensino na contextualização e na
inter/transdisciplinaridade, visto que muitas vezes os futuros profissionais da educação
tendem a reproduzir o modelo de ensino que lhes foi proporcionado. Além disso, os
licenciandos, ao estarem familiarizados a articular diferentes áreas do conhecimento desde a
graduação, quando se encontrarem na posição de professor poderão apresentar uma maior
facilidade no planejamento de suas aulas de uma maneira mais interligada com o mundo à sua
volta.
3
Na perspectiva deste trabalho, Fayga Ostrower1 – astista plástica, educadora e
humanista –, em seus estudos acerca da temática Ciência e Arte, chegou à conclusão, e
acreditava veementemente, que a criatividade é o fator de ligação entre essas duas áreas. Para
Fayga, seja nas descobertas científicas ou na criação de uma obra de arte, há nesses processos
uma mescla de razão e intuição (OSTROWER, 1998), de modo que:
[...] ambas nutrem-se do mesmo húmus, a curiosidade humana, a
criatividade, o desejo de experimentar. Ambas são condicionadas por sua
história e seu contexto. Ambas estão imersas na cultura, mas imaginam e
agem sobre o mundo com olhares, objetivos e meios diversos. O fazer
artístico e o científico constituem duas faces da ação e do pensamento
humanos, faces complementares mas mediadas por tensões e descompassos,
que podem gerar o novo, o aprimoramento mútuo e a afirmação humanística
(MASSARANI; MOREIRA; ALMEIDA, 2006, p. 10).
Apesar dos pontos de convergência, existem discrepâncias consideráveis que
evidenciam o fato de que a Ciência não deve ser associada a um tipo de arte, como, por
exemplo, a expressividade característica que o artista exprime em seu trabalho, dando um tom
de pessoalidade à obra, o que na Ciência não deve acontecer, visto que essa última deve seguir
um determinado rigor metodológico (OSTROWER, 1998).
Para que a inter/transdisciplinaridade possa acontecer é necessário ainda que o
professor não assuma a posição de detentor do conhecimento, mas sim que seja capaz de sair
de sua zona de conforto e se coloque em uma posição receptiva, inclusiva, flexível e reflexiva
acerca de sua prática docente. No diálogo entre a Ciência e a Arte a ser desenvolvido, a
Ciência é aqui entendida como um dos modos de encarar o mundo, não sendo este único,
imutável e nem o detentor absoluto da verdade, de modo que “a arte pode ser instrumental
para a ciência, mas não como muleta pedagógica” (MASSARANI; MOREIRA; ALMEIDA,
2006, p. 10). Partindo desse pressuposto, essas duas áreas não são apresentadas como causa e
consequência uma da outra, mas sim como meios que se complementam e proporcionam
diferentes visões e interpretações acerca de um mesmo objeto, fomentando discussões e
contribuindo para o processo de construção do conhecimento.
A Ciência/Química e a Arte possuem suas evoluções histórias entrelaçadas de várias
formas que abriram e possibilitaram um novo caminho para a evolução e elucidação da
1 Fayga Ostrower é natural da cidade de Lodz, Polônia, e nasceu no dia 14 de setembro de 1920. Morou também
na Alemanha, Bélgica e, por fim, fugindo da Segunda Guerra Mundial, veio com a família para o Brasil aos 13
anos de idade. Frequentou a Associação de Belas Artes; ministrou aula de teoria da arte no Museu de Arte
Moderna do Rio e em diversas outras instituições de ensino; recebeu o título de Cidadã Honorária do Rio de
Janeiro no ano de 1985; recebeu ainda vários prêmios nacionais e internacionais. Faleceu em 2001 em
decorrência de câncer na cidade do Rio de Janeiro (MASSARANI; MOREIRA; ALMEIDA, 2006).
4
História da Arte. Um desses pontos de convergência são as descobertas de vários elementos
químicos nos séculos XIX e XX. Essas descobertas possibilitaram a síntese de novos
pigmentos a serem utilizados em pinturas, em contraste aos pigmentos naturais que eram
usados nos séculos anteriores na composição das tintas (SANTOS; CRUZ, 2009).
Como outro ponto de convergência, os pigmentos presentes em uma pintura são
identificados por diferentes métodos de análises científicas. Inicialmente eram feitas apenas
análises microquímicas, em que pequenas quantidades dos pigmentos retirados da pintura
eram submetidas a testes com uma série de reagentes diferentes. Com o desenvolvimento
tecnológico, surgiram métodos instrumentais que possibilitaram as análises dos pigmentos,
como a difração dos raios X, a espectrometria de raios X, a espectroscopia de infravermelho e
a espectroscopia Raman (CRUZ, 2000; 2006b; 2015).
Além desses pontos, entre os séculos XIV e XVI, época da arte renascentista, ocorreu
uma grande revolução no que se refere ao modo de obtenção e preparo das tintas utilizadas
pelos pintores. Nesse período da história houve o surgimento da tinta a óleo, que apresentava
um grande contraste em relação à tinta a têmpera (à base principalmente de gema de ovo) que
era utilizada pelos artistas que antecederam a arte renascentista (GOMBRICH, 2011). Nesse
sentido, essa diferença entre as duas técnicas foi o principal ponto de convergência a ser
analisado e discutido neste trabalho, como pode ser observado no fluxograma da Figura 1.
Um fluxograma mais detalhado sobre a temática e com as ideias mais relevantes que foram
apresentadas ao longo do texto pode ser encontrado no Anexo A.
Figura 1. Fluxograma geral com as ideias desenvolvidas neste trabalho.
2 OBJETIVOS
• Apresentar e discutir a relação existente entre a Ciência/Química e a Arte/Pintura
Renascentista;
5
• Analisar o surgimento da tinta a óleo durante o período da renascença e suas novas
potencialidades estéticas, fazendo uma comparação estética entre a pintura a têmpera e
a pintura a óleo em quatro obras de arte;
• Discutir a constituição da luz e a sua interação com os materiais;
• Analisar, de um ponto de vista físico-químico, as diferenças entre as tintas a têmpera e
as tintas a óleo;
• Propor uma atividade prática interdisciplinar envolvendo a Química e a Arte.
3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O Renascimento nas artes
O período do Renascimento nas artes (pintura, escultura, arquitetura ...) surgiu na
Itália, principalmente nas cidades de Milão, Gênova, Veneza, Florença e Roma. A nova
estética renascentista durou três séculos e é dividida por alguns autores em três momentos, o
Trecento (séc. XIV), o Quatrocento (séc. XV) e o Cinquencento (séc. XVI). O primeiro
momento representa uma ruptura com a arte bizantina, originando a arte renascentista, que
tem sua fase áurea no segundo momento, o Quatrocento. O último momento, já no século
XVI, representa o fim do Renascimento e a transição estética para a arte Maneira e Barroca
(RENASCIMENTO, 2008).
Figura 2. Linha do tempo representativa com os principais acontecimentos que contribuíram com o
pensamento da arte renascentista. Fonte: Figura adaptada de (BRAGA, 1999, p. 51).
Para compreender a necessidade desse novo modo de ver e entender o mundo é
necessária uma breve contextualização histórica. O cenário que antecedeu o surgimento do
Renascimento é marcado por transformações sociais, econômicas e políticas no fim da Idade
Média. Esse momento histórico é considerado um período de retrocesso do pensamento
intelectual humano, da evolução da ciência e das manifestações culturais, em que a razão
estava subordinada à fé proveniente da Igreja. Grandes batalhas, como a Guerra dos Cem
6
Anos (1337-1453), e surtos de doenças, como a Peste Negra (1346-1352), também
contribuíram para moldar o pensamento e o comportamento do homem renascentista
(RENASCIMENTO, 2008).
Um grande desenvolvimento na Ciência aconteceu a partir da propagação das ideias
racionalistas no século XIV, em que a humanidade passava por uma transformação na
maneira do homem ver a si mesmo e se posicionar perante o mundo. Com a busca empírica da
verdade, a explicação dos fenômenos naturais e a descentralização do poder detido pela igreja,
emergiu uma estética artística totalmente inovadora, que evoluía no ritmo desses novos
conhecimentos humanos provenientes do Racionalismo (RENASCIMENTO, 2008).
Os habitantes da Itália no século XIV acreditavam possuir o dever de reviver e
reconstruir o glorioso passado que a arte, a ciência e o saber tiveram no período clássico,
dando ênfase, agora mais do que nunca, a uma representação fiel do mundo à sua volta
(GOMBRICH, 2011). Segundo Gombrich (2011), eles
ansiavam com tanta veemência por uma renovação da arte que se voltaram
para a natureza, a ciência e os remanescentes da antiguidade a fim de
realizarem seus novos objetivos. [Assim], o domínio da ciência e o
conhecimento da arte clássica ficaram, durante algum tempo, na posse
exclusiva dos artistas italianos da Renascença (GOMBRICH, 2011, p. 235).
Houve também, nesse cenário, uma crescente valorização do pensamento capitalista,
do consumo e do mercado de luxo, dando origem ao aparecimento dos mecenas, senhores
com grande capital econômico interessados em incentivar as produções artísticas e culturais
da época (RENASCIMENTO, 2008). Nesse sentido,
[...] fato é que a arte do Renascimento não seria possível sem o incentivo
dessas ricas famílias e da Igreja. Grandes obras foram realizadas nesse
período – tanto em dimensão quanto em tempo que despediam em sua
construção – o que seria inviável sem o financiamento e a ambição dos
mecenas. Trabalhos como o belíssimo O Nascimento de Vênus, de Botticelli
foram realizadas sob encomenda da Família Médici, a mais importante de
Florença. Outro grande patrocinador foi a Família Sforza, da cidade de
Milão, que encomendaram uma escultura eqüestre[sic] a Leonardo da Vinci.
Mas a Igreja também não ficava para trás. O Papa Júlio II foi amigo e
patrono de Rafael e Michelangelo, encomendando ao último a pintura no
teto da Capela Sistina e uma estátua de Moisés, dentre várias outras obras
(RENASCIMENTO, 2008, p. 23).
Diante disso, a Igreja, antes única incentivadora das artes, começou a perder espaço e
os artistas começaram a ganhar notoriedade, sendo então contratados e protegidos pelos ricos
senhores que possuíam grande influência na cidade.
7
A arte renascentista se apresentava muito mais voltada para um refinamento artístico
do que para a grandiosidade da obra, como era comum no estilo gótico do século XIII, em
que, na arquitetura, as construções das catedrais possuíam “vastos interiores cujas dimensões
parecem apequenar tudo o que é tão-somente humano e trivial” (GOMBRICH, 2011, p. 188).
Os pintores góticos costumavam pintar detalhes de uma observação direta do
ambiente, como desenhos de flores, animais, edifícios, joias e roupas deslumbrantes, mas sem
se preocuparem em representar fielmente a realidade. Em contrapartida, os pintores
renascentistas eram focados em uma representação minuciosa de cada detalhe captado por
meio de uma observação atenta e paciente da natureza (GOMBRICH, 2011). Sendo assim, no
estilo renascentista “a natureza podia ser representada num quadro com exatidão quase
científica” (GOMBRICH, 2011, p. 239).
Nessa perspectiva, a suavidade e a harmonia que afloraram nessa nova estética, em
que as concepções teóricas desenvolvidas na época se transmutavam em objetos artísticos,
tinham o poder de transmitir leveza, naturalidade e um sentimento de bem-estar. Apreciar a
arte renascentista, exalando uma beleza tranquila, era como se libertar de um estado de
espírito perturbador ou pesado demais, era como ter a sensação de que o mais exíguo detalhe
estava exatamente no lugar certo e chegava perto de materializar a perfeição (WÖLFFLIN,
1989).
Um ponto importante a ser destacado é que até a Idade Média os artistas não eram
reconhecidos individualmente e suas obras não eram assinadas (RENASCIMENTO, 2008),
pois estes não estavam interessados em notoriedade. A partir dos trabalhos do pintor
florentino Giotto di Bondone (c. 1267-1337), ainda no século XIII, “a história da arte,
primeiro na Itália e depois em outros países, passou a ser também a história dos grandes
artistas” (GOMBRICH, 2011, p. 205). É no Renascimento, então, que as obras começam a
ganhar um maior destaque no contexto social e status de produção cultural
(RENASCIMENTO, 2008).
O aumento dessa importância dos artistas propiciou o crescimento e profissionalização
das oficinas de pintura, lugares onde as obras de arte eram confeccionadas, em conjunto, por
pintores, escultores e seus aprendizes (RENASCIMENTO, 2008). Até o século XVIII, pode-
se evidenciar ainda que o ensino da arte, seja ela pintura ou escultura, era feito nas oficinas de
um mestre, não havendo escolas formais ou academias para formar artistas (CRUZ, 2006).
Diante do breve exposto feito sobre o Renascimento, podem ser destacadas algumas
principais características desse período da arte, como, por exemplo, o antropocentrismo,
8
quando o homem passa a ser entendido como o centro do universo; o racionalismo, dizendo
que a base de todo conhecimento é a razão humana; o humanismo, em que o racionalismo
humano se volta para um melhor conhecimento do ser humano e de suas potencialidades; o
individualismo, quando os artistas começam a assinar as suas próprias obras de arte; e a
inspiração na antiguidade clássica, em que acreditavam que a estética greco-romana era o
modelo ideal e deveria servir de inspiração para os renascentistas (RENASCIMENTO, 2008).
Um dos pioneiros da arte na Renascença foi Filippo Brunelleschi (1377-1446),
primeiro arquiteto a desenvolver e projetar as ideias que ganhavam corpo nessa nova era.
Brunelleschi foi o inventor do método de pintura em perspectiva, técnica regida pelas leis
matemáticas em que os objetos diminuem de tamanho à medida que se afastam de nosso
campo de visão, criando uma ilusão da realidade (GOMBRICH, 2011). Nesse sentido, as
descobertas científicas de Galileu (1564-1642) e Newton (1643-1727), por exemplo, se
encontram em paralelo com a ideia da perspectiva e a nova concepção do Universo que
afloraram nessa época (REIS; GUERRA; BRAGA, 2006).
Nesse ponto, pode ser evidenciado que a arte proporcionou um desenvolvimento para
a ciência em relação à perspectiva linear, pois já descoberta no século XV por Brunelleschi,
apenas no século XVII ela foi aprimorada pelos matemáticos (CRUZ, 2006). Com a
perspectiva há uma mudança da concepção espacial, passando a existir “a possibilidade de
pensar e representar a infinitude do espaço. [...] A partir do Renascimento, o espaço é
infinito” (REIS; GUERRA; BRAGA, 2006, p. 72).
Outra conquista importantíssima para a arte da pintura renascentista aconteceu na
região dos Países Baixos, atuais Bélgica e Holanda, com Jan van Eyck (1390?-1441) no
século XV. De acordo com Gombrich (2011),
Os pintores daquela época não compravam cores prontas em tubos ou outros
recipientes. Tinham que preparar seus próprios pigmentos, sobretudo
extraídos de plantas e minerais. Depois os pulverizavam, triturando-os entre
duas pedras – ou mandando seus aprendizes triturarem-nos –, e, antes de os
usarem, adicionavam algum líquido aos pigmentos, a fim de converterem o
pó numa espécie de pasta (GOMBRICH, 2011, p. 240).
O ingrediente mais comum utilizado até o início do Renascimento para preparar essas
pastas era o ovo, principalmente a gema do ovo, técnica essa comumente chamada de pintura
a têmpera. No entanto, a tinta preparada dessa forma secava muito depressa, o que não era
adequado para a realização de transições suaves de uma tonalidade de cor para outra. Van
Eyck começou, então, a misturar junto aos pigmentos, no lugar do ovo, óleo. A tinta a óleo
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proporcionava ao artista uma representação cada vez mais fiel da natureza, aumentando assim
a ilusão da realidade provocada pela obra (GOMBRICH, 2011). Van Eyck não foi o inventor
da tinta a óleo, mas aperfeiçoou a técnica pictórica ao descobrir as suas grandes
potencialidades (CABRAL, 2013a).
Figura 3. Linha do tempo completa com os principais acontecimentos relacionados ao período
renascentista. Fonte: Figura adaptada de (BRAGA, 1999, p. 51).
4 METODOLOGIA
Neste trabalho foi realizada uma pesquisa de cunho qualitativo, em que inicialmente
foram apresentadas as relações existentes entre Ciência/Química e Arte. Esse tipo de
abordagem proporciona uma ampliação de nosso campo de visão e de nosso pensamento
crítico, possibilitando a ressignificação de conceitos muitas vezes isolados, que passam a
serem vistos agora sob uma ótica mais orgânica. As análises qualitativas em educação geram,
também, um aprofundamento do nosso entendimento acerca das relações e dos fenômenos
para além de um ponto de vista unicamente metodológico e numérico (ANDRÉ, 1983;
SILVEIRA; CÓRDOVA, 2009).
Dessa forma, visando proporcionar uma maior familiaridade entre duas áreas do
conhecimento que à primeira vista não apresentam grandes correlações, foi feita uma pesquisa
exploratória para que fosse evidenciada essa conexão e complementariedade entre ambas as
partes. Para isso, comparou-se esteticamente quatro obras de arte, com foco no contraste
existente entre a pintura a têmpera e a pintura a óleo. Em seguida, foi realizada uma discussão
introdutória sobre a constituição da luz e a sua interação com diferentes materiais, processo
científico que possibilita a compreensão das cores em uma obra de arte. Foi feita ainda uma
pesquisa bibliográfica sobre os principais pigmentos das tintas utilizadas em pinturas no
Renascimento. Esses pigmentos foram descritos em tabelas separadas por cores (vermelhos,
10
amarelos, verdes, azuis, negros e branco). Do ponto de vista químico e físico, foi realizada
uma discussão a respeito das tintas e, principalmente, das diferenças apresentadas entre as
tintas a têmpera e a tinta a óleo.
Por fim, visando ampliar este trabalho para além do campo teórico, foi proposto um
roteiro prático, aliando a Química e a Arte, que poderia ser aplicado, tanto em aulas de
Química Geral, quanto em projetos escolares interdisciplinares voltados para o Ensino Médio.
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO
5.1 Um olhar estético
A fim de enfatizar a potencialidade que a tinta a óleo trouxe para o desenvolvimento
da pintura a partir do século XV, foi realizada neste tópico a comparação estética entre a
pintura a têmpera e a pintura com tinta a óleo. Para isso foram escolhidos quatro quadros
criados no contexto do Renascimento. As temáticas escolhidas e representadas pelos quadros
são “Retrato” e “Mitologia”; para cada tema é apresentado um par de quadros, um pintado
com tinta a óleo e outra a têmpera.
Os trabalhos escolhidos com o tema “Retrato” foram o Retrato de uma Jovem
(têmpera sobre madeira), de Domenico Ghirlandaio (1449-1494, Florença, Itália) e O
Casamento dos Arnolfini (óleo sobre madeira), de Jan van Eyck (1390?-1441, Maaseik,
Bélgica).
No quadro a têmpera de Ghirlandaio é retratada, sobre um fundo neutro, uma jovem
sem nenhum traço que exceda o limite da realidade, em uma tentativa mais harmônica de
esboçar, por meio da pintura, a representação estética do real. O fundo neutro se apresenta na
contramão da descoberta da perspectiva na época, não dando ao quadro uma sensação de
profundidade, o que também pode ser atribuído ao tipo de tinta utilizada (têmpera), onde as
cores se mostram com uma tonalidade mais fosca e não há grandes transições cromáticas. A
dificuldade em realizar essas transições se deve ao fato da têmpera secar muito depressa
quando aplicada à madeira ou à tela, não sendo, porventura, encontrados nos quadros feitos
sob essa técnica a presença de jogos de luz. Isso contribui para que a pintura se apresente de
forma plana e rígida, sem a sensação da tridimensionalidade do espaço característica da
renascença.
11
Tabela 1. Comparação estética de dois quadros com a temática "Retrato".
RETRATO
Figura 4. Retrato de uma Jovem – Domenico
Ghirlandaio
Figura 5. O Casamento dos Arnolfini – Jan
van Eyck
Data 1490 Data 1434
Localização Museu Calouste Gulbenkian –
Lisboa, Portugal Localização National Gallery – Londres
Técnica Têmpera sobre madeira Técnica Óleo sobre madeira
Dimensões 44,0 cm x 32,0 cm Dimensões 81,8 cm x 59,7 cm
Em contrapartida, o quadro O Casamento dos Arnolfini, de Jan van Eyck, foi realizado
com tinta a óleo e passa a apresentar todos os detalhes que escapavam da pintura a têmpera.
Nesse quadro é retratado o momento do casamento entre Giovanni Arnolfini e Jeanne de
Chenany, em que o pintor se encontrava como testemunha da solenidade, como era costume
numa época em que não havia a utilização de máquinas fotográficas (GOMBRICH, 2011).
As transições cromáticas feitas com maior suavidade e critério, sem a excessiva
preocupação de a tinta secar tão rapidamente que não fosse possível realizá-las, criam no
quadro um efeito de proximidade da imagem captada por nossos olhos, ao contrário do quadro
pintado por Ghirlandaio. Além disso, não há nesse caso a impressão de uma imagem plana
fixada na tela, em decorrência do efeito da tridimensionalidade causada pelo emprego da
12
perspectiva. Os detalhes representados por van Eyck de maneira habilidosa e precisa dão
ainda a esse quadro, cheio de nuances, grandes simbologias que por vezes passam
despercebidas por olhares não tão atentos. Ao fundo do quadro há um espelho onde foi
pintada toda a cena refletida, inclusive van Eyck pode também ser observado presente naquele
momento. Acima do espelho o pintor deixou a seguinte frase escrita “Johannes de eyck fuit
hic” (Jan van Eyck esteve aqui) (GOMBRICH, 2011). Vários outros elementos podem ser
percebidos, como o cão, as laranjas na janela, os sapatos deixados à mostra no chão, o castiçal
com apenas uma vela acessa, a cor verde do vestido de Jeanne e a cor dos lençóis colocados
sobre a cama. A construção e a intensidade dessa riqueza de detalhes foram bastante
facilitadas pela utilização da pintura a óleo.
Tabela 2. Comparação estética de dois quadros com a temática "Mitologia".
MITOLOGIA
Figura 6. O Nascimento de Vênus – Sandro
Botticelli
Figura 7. Vênus de Urbino – Ticiano
Data 1485 Data 1538
Localização Galleria degli Uffizi –
Florença Localização
Galleria degli Uffizi –
Florença
Técnica Têmpera sobre tela Técnica Óleo sobre tela
Dimensões 172,5 cm x 278,5 cm Dimensões 119,0 cm x 165,0 cm
Na temática intitulada “Mitologia” o quadro a têmpera escolhido foi O Nascimento de
Vênus, de Sandro Botticelli (1445-1510, Florença, Itália), uma das obras de arte que se
materializam no inconsciente popular quando se menciona o Renascimento. Esse quadro foi
realizado a pedido da família Médice, importantes mecenas da cidade de Florença, e faz
menção à antiguidade clássica, mais especificamente ao modo misterioso como Vênus, deusa
da beleza e do amor, teria surgido no mundo por intermédio do mar (GOMBRICH, 2011).
Segundo a mitologia grega, Vênus teria nascido a partir da fecundação de Aphros, a espuma
do mar, por Urano. Assim que a deusa da beleza e do amor vem ao mundo em uma concha
13
surgida do mar, os Zéfiros (os ventos) criam uma chuva de rosas, simbolizando a paixão, e a
impelem para a praia. Nesse momento, representando a castidade, encontra-se Hora, do lado
direito da pintura, prestes a cobrir a nudez de Vênus com um manto florido
(RENASCIMENTO, 2008; GOMBRICH, 2011).
Apesar da técnica empregada ser a têmpera, Botticelli conseguiu transmitir uma
harmonia quase perfeita nessa obra, dando a ideia de leveza e tranquilidade. Suas figuras não
se apresentam de todo rígidas e sólidas, apesar de transmitirem uma sensação de linearidade.
As representações de suas figuras humanas também não se fazem de maneira tão realista e
precisa como era de se esperar na arte renascentista.
A pintura Vênus de Urbino, de Ticiano Vecellio (1473/1490-1576, Pieve di Cadore,
Itália), demonstra uma realidade bem mais palpável do que a representada por Botticelli. A
técnica a óleo aqui empregada contribuiu para a tridimensionalidade da cena, com o jogo de
luz e sombra transmitindo a ideia do corpo de Vênus ser e estar contido em um espaço cheio
de perspectiva, e não em um plano rígido. A obtenção do brilho das cores projetadas na tela e
dos detalhes recriados com maior exatidão também se devem ao potencial oferecido pela tinta
a óleo. A noção da perspectiva e da cena em segundo plano, onde é possível notar uma
criança e uma senhora; e em terceiro plano, além da janela do recinto, ampliam ainda a
sensação de infinitude do espaço.
A representação de Vênus nesse quadro se dá de maneira a remeter a ideia da deusa,
como figura humana, dotada de beleza e sensualidade. As flores que Vênus está segurando, a
posição como seu corpo foi desenhado e seu olhar dão a ideia de uma mulher sedutora, ao
contrário da representação de Botticelli, que está voltada para uma representação mais
relacionada à Vênus como uma divindade.
Em todas as quatro obras aqui apresentadas, não pode ser deixado de notar o fato de
que a figura feminina se tornou um dos principais objetos do Renascimento, o que não foge
muito das demais pinturas que aqui não foram citadas. Na arte renascentista houve uma
intensa exaltação da beleza exterior feminina, da sua imagem estar à mercê do outro, assim
como da representação de seus corpos nus expressando a ideia da mulher como sensual e
muitas vezes misteriosa (HORN, 2006).
Por fim, feitas essas comparações, são notáveis a expansão da qualidade, intensidade
de cores e desenvolvimentos estéticos trazidos pela tinta a óleo no que se refere à
representação fiel da natureza e da realidade na época do Renascimento. A partir desse
período histórico, apesar de não ter sido bem vista, a priori, por conta de sua lenta secagem, a
14
tinta a óleo ganhou uma aceitação geral de todos os pintores, fazendo dela o meio mais
adequado para uma pintura suave e minuciosa (GOMBRICH, 2011; VASCONCELLOS,
2010b). Dessa maneira, o desenvolvimento da pintura a óleo foi, juntamente com a técnica da
perspectiva linear, as maiores inovações providas da época do Renascimento (CABRAL,
2013a).
5.2 Um olhar científico do mundo artístico
As cores que enxergamos, seja ao admirarmos uma pintura ou lermos um livro, são
uma consequência da interação da luz com uma gama de materiais que se encontram
disponíveis no nosso dia-a-dia. No caso das pinturas, foco deste trabalho, as cores que
observamos são provenientes da interação da luz com os pigmentos contidos nas tintas, seus
ligantes, vernizes e outros componentes (TAFT; MAYER, 2000). Dessa maneira, a
composição química das tintas será um ponto de grande importância para se discutir questões
como, por exemplo, a verificação feita anteriormente de que uma determinada cor se
apresenta mais fosca em uma pintura a têmpera do que em uma pintura a óleo.
Mas, antes de qualquer explicação, devem ser feitas algumas considerações sobre a
descrição física da luz. O fato de que a luz, ao atravessar um prisma, gera um espectro
colorido já era observado desde os tempos antigos e já havia sido discutido, de uma forma
qualitativa, por quatro filósofos/cientistas no século XVII (René Descartes em 1637, Robert
Boyle em 1664 e Francesco Maria Grimaldi e Robert Hooke, separadamente, em 1665)
(SILVA; MARTINS, 1996).
Figura 8. Refração de um feixe de luz branca ao atravessar um Prisma de Newton. Fonte: Imagem da
internet2.
No entanto, até esse momento, que compreende também o Renascimento em sua
vertente científica, ainda não havia sido proposta uma explicação plausível para a composição
da luz. Apenas em 1672, Isaac Newton conseguiu explicar que a luz branca é uma mistura de
2 <http://www.odousinstrumentos.com.br/blog/2017/04/10/percepcao-das-coresnewton-e-o-prisma/>.
15
raios coloridos que, quando atingem o prisma, sofrem refração3 em diferentes magnitudes,
separando o raio de luz branca em seus diferentes raios constituintes, gerando o fenômeno das
cores observadas (SILVA; MARTINS, 1996).
Já no século XIX, James Clerk Maxwell desenvolveu a teoria do eletromagnetismo
no ano de 1871. Contrariando a teoria corpuscular de Newton de que a luz era constituída por
um fluxo de partículas microscópicas, Maxwell chegou à conclusão de que a luz apresentava
um comportamento idêntico ao de uma onda eletromagnética, podendo então ser caracterizada
por parâmetros como comprimento de onda, frequência e energia (TAFT; MAYER, 2000).
Estes se relacionam da seguinte forma:
𝑐 = 𝜆 . 𝜈 (𝐸𝑞𝑢𝑎çã𝑜 1)
𝐸 = ℎ . 𝜈 (𝐸𝑞𝑢𝑎çã𝑜 2)
Onde 𝑐 é a velocidade da onda eletromagnética no vácuo, 𝜆 o seu comprimento de
onda, 𝜈 a frequência, 𝐸 a energia da onda eletromagnética, e ℎ é a constante de Plank. Com
isso, pode-se perceber que os parâmetros comprimento de onda e frequência são inversamente
proporcionais, de modo que pequenos comprimentos de onda apresentam maiores
frequências.
Figura 9. Espectro eletromagnético completo (com uma escala distorcida) com a região do visível
ampliada. Fonte: Figura adaptada de (ISENMANN, 2013, p. 265).
A ordem das cores refratadas pelo prisma é sempre constante e está limitada a uma
faixa de comprimento de onda que vai de aproximadamente 400 nm a 700 nm, nomeada
3 Fenômeno físico que ocorre quando um feixe de luz passa de um meio A para o meio B. Depende do ângulo de
incidência do feixe de luz e dos índices de refração dos meios. Apenas a frequência da luz se mantém constante.
16
região visível do espectro eletromagnético. Desse modo, as cores apresentam diferentes
comprimentos de onda que, de certa forma, imprimem suas singularidades. Nas extremidades
do espectro eletromagnético visível, a cor violeta é expressa em baixos comprimentos de
onda, ao passo que a cor vermelha possui maior valor de 𝜆.
Apesar de não poderem ser observadas pelo olho humano, as regiões que abrangem a
radiação infravermelha (com maiores comprimentos de onda) e os raios-X (com menores
comprimentos de onda) podem ser detectadas e estudadas através de métodos instrumentais
de análises. Essas regiões são de extrema importância para a análise de obras de arte, pois
muitos pigmentos absorvem energia nesses valores de comprimento de onda, sendo as suas
determinações possíveis meios para validar a autenticidade de uma pintura (TAFT; MAYER,
2000).
Em uma outra faixa do espectro, uma gama muito grande de pigmentos e camadas de
tintas absorvem fortemente a radiação ultravioleta, o que causa o desbotamento e mudanças
na coloração da pintura. As lâmpadas e câmaras fotográficas com flash geram uma
componente com esse comprimento de onda ao ser disparado, sendo, por esse motivo, suas
utilizações proibidas na maioria dos museus (TAFT; MAYER, 2000).
Explicitada então a descrição física da luz, pode-se agora discutir como ocorre a
interação dessa luz, heterogênea de raios eletromagnéticos, com as partes constituintes de uma
pintura, como as tintas. Parte fundamental para a criação de uma pintura, as tintas são uma
mistura de pigmentos e médium (líquido no qual o pigmento será disperso, como a têmpera ou
o óleo, por exemplo), e por vezes também, no caso da tinta a óleo, solventes, secantes e carga
(VASCONCELLOS, 2010a; 2010b), que serão vistos mais à frente. Dentre estes, o pigmento
presente na tinta é o responsável pela coloração da mesma, pois funciona como um filtro
seletivo de alguma faixa visível do espectro eletromagnético (ISENMANN, 2013).
De modo geral, quando uma luz branca incide sobre um pigmento, este absorve
apenas alguns comprimentos de onda e reflete os seus comprimentos de onda
complementares, de acordo com o Disco de Newton (Figura 10). Isso significa que um objeto
apresenta a cor correspondente ao comprimento de onda que ele não é capaz de absorver
(TAFT; MAYER, 2000). Por exemplo, um objeto que absorve um comprimento de onda
correspondente à cor vermelha, irá refletir a sua cor complementar, de forma que esse objeto
será percebido por nós como uma mistura da cor verde e da cor azul.
17
Figura 10. Disco de Newton. Fonte: Imagem da internet4.
Segundo Isenmann (2013, p. 198), “quando a luz encontra um pigmento colorido,
algumas partes do espectro são absorvidas pelas ligações químicas de sistemas conjugados e
de outros detalhes estruturais do pigmento. O que não for absorvido e transformado em
calor, então é refletido ou espalhado”. Nas tabelas 3-5 (CABRAL, 2013a; 2013b; CRUZ,
2002; 2007) podem ser observados os principais pigmentos utilizados em pinturas na época
do Renascimento (séc. XIV – séc XVI). Através dessas tabelas pode ser notado que os
pigmentos podem ser de origem mineral, vegetal, ou ainda de origem sintética, de modo que
as cores apresentadas por todos esses pigmentos são explicadas por diferentes modelos
científicos, que não serão discutidos com mais detalhes nesse trabalho. Além disso, a
toxicidade elevada desses pigmentos é um fator de grande relevância quando pensamos sobre
a elevada exposição que os artistas eram submetidos e os precários meios de segurança que
existiam nos séculos passados.
Tabela 3. Principais pigmentos vermelhos e amarelos utilizados no Renascimento.
Pigmentos vermelhos Pigmentos amarelos
Nome Fórmula química Nome Fórmula química
Vermelhão (cinábrio) HgS Amarelo de chumbo e
estanho Pb2SnO4
Hematita Fe2O3 Ouropigmento As2S3
Vermelho de chumbo Pb3O4 Massicote PbO
Realgar As2S2 Ocre amarelo (goetita) Fe2O3.H2O
4 <https://it.wikipedia.org/wiki/Disco_di_Newton>.
18
Tabela 4. Principais pigmentos azuis e negros utilizados no Renascimento.
Pigmentos azuis Pigmentos negros
Nome Fórmula química Nome Fórmula
química/Origem
Azurite [2CuCO3.Cu(OH)2] Carvão de madeira Origem vegetal
Azul
ultramarino [(Na,Ca)8(AlSiO4)6(SO4,S,Cl)2] Terra negra Origem mineral
Índigo [C16H10O2N2] Pirolusite MnO2
Azul egípsio [CaO.CuO.4SiO2] Stibinite Sb2S3
Bismuto Bi2S3
Tabela 5. Principais pigmentos verdes e branco utilizados no Renascimento.
Pigmentos verdes
Nome Fórmula química
Malaquite natural [CuCO3.Cu(OH)2]
Terra verde K[(Al,Fe3+),(Fe2+,Mg)](AlSi3,Si4)O10(OH)2
Verdigris [Cu(CH3COO)2.2Cu(OH)2]
Resinato de cobre Mistura de sais de Cobre com ácidos
carboxílicos de resinas naturais
Posnjakite [CuSO4.3Cu(OH)2.H2O]
Pigmento branco
Nome Fórmula química
Branco de chumbo [2PbCO3.Pb(OH)2]
Por outro lado, o médium, também chamado de veículo no caso da tinta a óleo, e de
aglutinante no caso da tinta a têmpera, é a parte que irá determinar a técnica
(VASCONCELLOS, 2010a). A técnica a têmpera “engloba todos os processos de pintura em
cujo médium (ou aglutinante) seja solúvel em água [...] assim temos têmperas diversas como
a têmpera a ovo, o guache, a têmpera a caseína, e também as têmperas sintéticas como a
acrílica e a vinílica” (VASCONCELLOS, 2010a, p. 7 e 8). Até a Idade Média e ainda no
período do Renascimento era utilizada, principalmente, a têmpera feita a base da gema do
ovo, por isso esta será apresentada aqui com maiores detalhes.
O médium adicionado ao pigmento dará origem às películas que se formarão depois
que a tinta secar, ao brilho da mesma, sua resistência, secagem, aderência, etc e, por isso, será
19
determinante para as características físicas e químicas apresentadas pela tinta (ISENMANN,
2013). Utilizar um médium de óleo caracteriza a técnica de tintura a óleo, enquanto usar
médiuns de têmpera caracterizam a técnica de tintura a têmpera (VASCONCELLOS, 2010a).
Na tabela 6 (VASCONCELLOS, 2010a; 2010b; TAFT; MAYER, 2000) podem ser
observados alguns pontos comparativos entre a composição química das tintas
correspondentes a essas duas técnicas pictóricas:
Tabela 6. Comparação entre a composição das tintas a têmpera e das tintas a óleo utilizadas
no Renascimento.
TÉCNICAS DE PINTURAS UTILIZADAS NO RENASCIMENTO
Têmpera Óleo
Pigmento Sim Sim
Médium Gema (água + albumina
e lecitina)
Óleos secantes (óleo de linhaça,
óleo de noz ou óleo de papoula)
Carga Não CaCO3, BaSO4, talco, pirofilita
Solvente Não Terebintina
Secante Secam por endurecimento
da albumina do ovo
Linoleato de cobalto e
naftenato de cobalto
Outra parte integrante das tintas, a carga se caracteriza como um elemento inerte que
tem a propriedade de tornar a tinta mais ou menos espessa, diminuindo a concentração do
pigmento de acordo com a necessidade do pintor (VASCONCELLOS, 2010a).
Por sua vez, a gema do ovo, aglutinante da técnica a têmpera, é um coloide formado
por uma mistura heterogênea do tipo líquido-líquido, classificado como emulsão. Essa
emulsão é composta por gotículas esféricas de óleo dispersas em água, sendo esse sistema
estabilizado pela lecitina, uma das proteínas da gema. A rápida secagem dessa tinta se deve à
evaporação da água e ao endurecimento da proteína albumina (VASCONCELLOS, 2010a).
Na tinta a óleo o principal médium utilizado era o óleo de linhaça, cuja obtenção era feita por
extração da semente de linho comum (Linum usitatissimimi). Há vários métodos de extração
desse óleo, sendo que essa variação irá influenciar a concentração dos seus principais ácidos
graxos constituintes, listados na tabela abaixo (CHURCH, 1915).
20
Tabela 7. Composição do óleo de linhaça obtido da semente de linho comum.
Composição do óleo de linhaça
Ácido graxo Fórmula química
Ácido linolênico C18H30O2
Ácido linoleico C18H32O2
Ácido oleico C18H34O2
A terebintina5 (uma mistura de terpenos, principalmente α-pireno e β-pireno) era o
composto mais comum utilizado como solvente para as tintas a óleo, a fim de ajudar os
pigmentos a se ligarem aos óleos secantes (OLIVEIRA, 2008; VASCONCELLOS, 2010b).
Figura 11. (a) (+)-α-pireno, (b) (-)-α-pireno e (c) β-pireno, principais componentes da terebintina.
A secagem natural dessa tinta se deve à oxidação dos óleos secantes (insaturados), e,
para acelerar esse processo de oxidação e fazer com que a pintura demorasse menos tempo
para secar, eram utilizados ainda os chamados “secantes”, como o linoleato de cobalto e o
naftenato de cobalto (VASCONCELLOS, 2010b). O ácido oleico é o constituinte minoritário
do óleo de linhaça, sendo que, durante o processo de oxidação do óleo, este ácido graxo se
mantém intacto, ou seja, não sofre oxidação junto aos outros ácidos majoritários; no entanto
sua presença no meio é responsável por conferir uma certa elasticidade à tinta (CHURCH,
1915).
Ao finalizarem suas obras, alguns pintores passavam uma camada de verniz por cima
da pintura, a fim de darem a ela um brilho que o médium, sozinho, não seria capaz de
produzir. A pintura em si, principalmente a têmpera, apresenta uma superfície irregular e
5 Líquido incolor aquoso, insolúvel em água, com densidade relativa de 0,86 a 15 °C e faixa de ebulição entre
150-160 °C. Não é reativo com materiais comuns e é incompatível com ácidos fortes e cloro. Segunda a NFPA
(National Fire Protection Association), em uma escala de 0 (nenhum risco) a 4 (risco grave), a terebintina possui
perigo à saúde nível 1, inflamabilidade nível 3 e reatividade nível 0. Este produto pode ser adquirido em
comércios, como papelarias em geral.
Fonte: <http://sistemasinter.cetesb.sp.gov.br/produtos/ficha_completa1.asp?consulta=TEREBENTINA>.
21
difusa, o que muda com a aplicação do verniz, que confere ao quadro uma superfície
esteticamente lisa (Figura 12).
Figura 12. Seções transversais de pinturas (a) com cobertura de verniz, e (b) sem verniz. Fonte:
(TAFT; MAYER, 2000, p. 68).
Quando os raios de luz incidem sobre uma superfície, um dos fenômenos que irá
ocorrer é o da reflexão, que tem por lei a equivalência entre o ângulo do raio incidente na
superfície e o ângulo do raio refletido. Em uma superfície difusa como a da pintura a têmpera
sem a camada de verniz (Figura 12b), os raios de luz serão refletidos com vários ângulos
diferentes e em diferentes direções, o que acaba por interferir e interromper a imagem que
iremos enxergar, de maneira que iremos ter uma percepção das cores como sendo foscas e
sem brilho. Já na superfície lisa do verniz (Figura 12a), os raios de luz que serão refletidos
irão apresentar uma direção e ângulo praticamente constante, fazendo com que tenhamos uma
ideia de que a obra possui mais brilho e luminosidade (TAFT; MAYER, 2000).
Tabela 8. Valores de índice de refração em diferentes médiuns. Fonte: (TAFT; MAYER,
2000).
Médium Índice de refração (n)
Ar 1,000
Água 1,330
Têmpera a ovo 1,346
Óleo de linhaça 1,478
Seguindo esse mesmo raciocínio, podemos fazer a análise e explicar as diferenças
apresentadas entre as tintas a têmpera e a óleo. A gema de ovo, aglutinante da pintura a
têmpera, possui apenas a finalidade de fixar o pigmento no suporte e de dar à tinta suas
propriedades adesivas. Nesse caso, a têmpera a ovo possui índice de refração desprezível, pois
sua composição é praticamente água, como pode ser verificado através da comparação do seu
índice de refração em relação ao índice de refração da água (vide Tabela 8). Dessa maneira,
quando a água presente na tinta secar, os pigmentos se encontrarão envoltos apenas pelo ar e
pela albumina e lecitina enrijecidas da gema do ovo, de modo que a pintura irá apresentar uma
22
superfície irregular e a luz será refletida em todas as direções, dando uma característica fosca
à tinta e evidenciando a ocorrência apenas da reflexão da luz (VASCONCELLOS, 2010a).
O óleo de linhaça utilizado em pinturas, depois de seco e endurecido, pode também
ser chamado de verniz (CHURCH, 1915), nesse sentido pode haver dois tipos de pinturas: (1)
pintura a têmpera com finalização utilizando uma camada de verniz, e (2) pintura a óleo que,
depois de seca, pode ser chamada de verniz. A diferença dessas duas é que o verniz, quando
aplicado depois da pintura pronta, não está misturado aos pigmentos da tinta, mas sim em
uma superfície superior a estes. No entanto, nesses dois casos, os pigmentos estão englobados
ou protegidos por um meio oleoso, fazendo com que, além do fenômeno da reflexão, aconteça
ainda a refração da luz, pois esta está passando de um meio que possui uma densidade e, por
consequência, um índice de refração diferente quando comparado ao índice de refração do ar
(VASCONCELLOS, 2010a).
Na superfície envernizada a luz é refletida mais vezes e com melhores condições,
como já foi explicado acima. O verniz cria uma camada de proteção para os pigmentos,
deixando mais luz chegar até a camada de tinta para então poder ser absorvida e transmitida,
favorecendo o aparecimento de uma cor mais viva e brilhante (TAFT; MAYER, 2000).
Figura 13. Refração da luz incidente nas interfaces ar-verniz e verniz-tinta. Fonte: (TAFT; MAYER,
2000, p. 116).
Uma das consequências da refração é que a velocidade da luz muda ao passar de um
meio para outro. Segundo Taft e Mayer (2000), considerando a velocidade da luz no vácuo
como sendo 1 ms-1, a velocidade da luz no ar é quase a mesma, sendo 0,997 ms-1, e no óleo de
linhaça essa velocidade cai para 0,66 ms-1. No gráfico abaixo pode ser melhor observada essa
discrepância.
23
Figura 14. Velocidade da luz em diferentes médiuns. Fonte: Figura adaptada de (TAFT; MAYER,
2000, p. 70).
A velocidade da luz no meio é inversamente proporcional ao valor do índice de
refração, de modo que quanto menor a velocidade da luz no meio, maior o seu índice de
refração, como mostrado na Equação 3. Abaixo temos que 𝑛 é o índice de refração do meio, 𝑐
é a velocidade da luz no vácuo e 𝑣 é a velocidade da luz no meio.
𝑛 = 𝑐
𝑣 (𝐸𝑞𝑢𝑎çã𝑜 3)
Por esse motivo, os pigmentos não apresentam a mesma cor nos dois tipos de ligantes
(ou meios). Não deve ser feita uma generalização, no entanto, de que na técnica a óleo os
pigmentos irão sempre se apresentar mais brilhantes, pois os pigmentos também possuem um
determinado índice de refração e, como dito anteriormente, suas cores ainda dependem de
suas peculiaridades estruturais características de cada pigmento. Logo,
o azul-ultramarino, por exemplo, mostra-se mais escuro no óleo do que na
têmpera, sendo por esse motivo que os pintores do Renascimento o
misturavam com branco-de-chumbo para lhe restituir a cor característica dos
mantos azuis das Virgens que figuram nas pinturas medievais. Por outro
lado, o vermelhão, que foi o mais precioso pigmento da Idade Média, é
menos brilhante no óleo do que na têmpera a ovo, o que contribuiu para
provocar a sua desvalorização. (CABRAL, 2013a, p. 51).
5.3 Proposta de atividade
PREPARAÇÃO DE LIGANTES EM TINTAS A TÊMPERA E A ÓLEO6
6 Atividade retirada e adaptada do livro Art in chemistry; Chemistry in art (GREENBERG; PATTERSON,
2008).
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Introdução
O que é um ligante?
Ligantes são substâncias que se aglutinam aos pigmentos em solução para que estes
possam ser espalhados uniformemente sobre uma superfície. Para pintar são necessárias tintas
completas, pois pigmentos sozinhos não constituem uma tinta, sendo necessário então
combinar ligantes, também chamados de médium, com os pigmentos. Dependendo do ligante
usado, a tinta resultante pode ser transparente ou opaca. Os médiuns devem se aderir à
superfície utilizada para a pintura e secar em um período de tempo razoável (GREENBERG;
PATTERSON, 2008).
Objetivos
• Preparar diferentes ligantes;
• Descrever suas propriedades físicas;
• Determinar os requisitos básicos para a utilização de um ligante em uma pintura.
Materiais
Óleo de linhaça; terebintina; 3,0 g (NH4)2CO3 (carbonato de amônio); gema de ovo;
amido solúvel; água destilada; proveta de 10 mL; 4 béquers de 50 mL; tudo de ensaio;
bico de Bunsen; bastão de vidro; 4 vidros de relógio; pincel; pedaço de madeira.
Tempo de duração
50 minutos.
Procedimentos
A. Preparação de um ligante para tinta a óleo
1) Meça 2 mL de óleo de linhaça e 4 mL de terebintina em uma proveta e em
seguida misture tudo em um béquer de 50 mL. Agite.
2) Tampe o béquer com um vidro de relógio e guarde o ligante.
B. Preparação de um ligante para tinta a têmpera de ovo
1) Quebre o ovo e separe a gema da clara. Descarte a clara.
2) Coloque cuidadosamente a gema do ovo na mão e passe-a de uma mão à outra,
sem perfura-la, até que esteja bem seca.
3) Coloque a gema para um béquer de 50 mL e perfure-a.
4) Transfira a gema para uma proveta de 10 mL e meça seu volume.
5) Adicione à gema o mesmo volume de água destilada e agite a mistura até que
fique homogênea.
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6) Transfira novamente para o béquer e tampe com um vidro de relógio. Guarde o
ligante.
C. Preparação de um ligante que cubra bem para propósitos temporários e torne o
ligante mais permanente
1) Adicione 2,0 g de amido em um béquer de 50 mL. Acrescente 4,0 mL de água
destilada fria e agite até formar uma pasta.
2) Ferva 4,0 mL de água destilada em um tubo de ensaio utilizando um bico de
Bunsen. Em seguida transfira a água fervendo para a pasta feita no
procedimento anterior. Mexa bem. Esta solução é um ligante temporário.
3) Tampe o béquer com um vidro de relógio e reserve.
4) Repita o procedimento 1.
5) Adicione lentamente 2,0 mL de óleo de linhaça na solução feita em 3. Esta
solução é um ligante permanente.
6) Tampe o béquer com um vidro de relógio e reserve.
D. Testando os ligantes preparados
1) Pinte uma amostra de cada ligante preparado anteriormente em um pedaço de
madeira.
Questões
Parte I
1) Liste os quatro ligantes preparados e as seguintes propriedades físicas de cada
ligante: viscosidade, textura, adesão (capacidade de aderir a uma superfície de
pintura) e cor.
2) Avalie os resultados a partir do gráfico construído.
3) Faça uma lista de propriedades físicas que um bom ligante deve ter e explique por
que essas propriedades são importantes para uma pintura.
Parte II
1) Explique o uso da terebintina no ligante para a tinta óleo.
2) Explique o uso de carbonato de amônio no ligante para tinta solúvel em água.
3) Que propriedade da gema do ovo faz com que ela seja um bom ligante?
4) Como o óleo é capaz de fazer uma pasta de amido permanente?
5) A maioria dos ligantes preparados são misturas homogêneas ou heterogêneas?
Explique.
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6 CONCLUSÃO
Diante do trabalho desenvolvido pode-se concluir que na época do Renascimento
aconteceram grandes desenvolvimentos englobando a Química/Ciência e a Arte que, ainda
hoje, usufruímos no nosso dia a dia, como as técnicas da perspectiva, base para a
representação gráfica e pictórica, por exemplo; e das descobertas das potencialidades da
técnica da pintura a óleo, uma das mais utilizadas hoje em dia. Além disso, foi possível
observar as muitas possibilidades de conexão entre duas áreas do conhecimento que muitas
vezes são vistas como opostas e desconectadas. Passamos a aprender a olhar e a enxergar o
mundo com outros olhos, permitindo que nosso olhar se demore no que estamos vendo para
que possamos, por fim, olhar além das aparências e aprofundar nossa percepção da realidade
em que nos encontramos.
Nesse contexto, desenvolvemos nessa monografia um texto que discute aspectos que
interconectam diferentes áreas, como Química, Física e Arte. Propusemos também uma
atividade prática que poderia ser desenvolvida no âmbito do Ensino Médio com a participação
de professores de Química, Física e Artes, onde uma oficina interdisciplinar com o
experimento e a discussão teórica posterior poderia ser realizada. Acreditamos que esse
material também poderia ser utilizado no escopo de algumas aulas de Química Geral por
professores que tenham interesse em explorar os materiais químicos e os princípios físico-
químicos aqui brevemente relatados.
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