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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO UNIVERSIDADE ABERTA DO SUS CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM SAÚDE INDÍGENA REGIÃO AMAZÔNIA TURMA II A PROMOÇÃO DO BEM VIVER INDÍGENA COMO ESTRATÉGIA DE REDUÇÃO DO USO PREJUDICIAL DE BEBIDAS ALCOÓLICAS ENTRE OS SATERÉ-MAWÉ DO POLO BASE PONTA ALEGRE DSEI PARINTINS MICHELLE MILLENA GOMES DA SILVA SANTOS Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Especialização em Saúde Indígena da Universidade Federal de São Paulo. Orientador: Prof. Rinaldo Sérgio Vieira Arruda SÃO PAULO 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

UNIVERSIDADE ABERTA DO SUS

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM SAÚDE INDÍGENA

REGIÃO AMAZÔNIA – TURMA II

A PROMOÇÃO DO BEM VIVER INDÍGENA COMO ESTRATÉGIA DE

REDUÇÃO DO USO PREJUDICIAL DE BEBIDAS ALCOÓLICAS ENTRE OS

SATERÉ-MAWÉ DO POLO BASE PONTA ALEGRE – DSEI PARINTINS

MICHELLE MILLENA GOMES DA SILVA SANTOS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Especialização em Saúde Indígena

da Universidade Federal de São Paulo. Orientador: Prof. Rinaldo Sérgio Vieira Arruda

SÃO PAULO 2017

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A PROMOÇÃO DO BEM VIVER INDÍGENA COMO ESTRATÉGIA DE

REDUÇÃO DO USO PREJUDICIAL DE BEBIDAS ALCOÓLICAS ENTRE OS

SATERÉ-MAWÉ DO POLO BASE PONTA ALEGRE – DSEI PARINTINS

MICHELLE MILLENA GOMES DA SILVA SANTOS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Especialização em Saúde Indígena

da Universidade Federal de São Paulo. Orientador: Prof. Rinaldo Sérgio Vieira Arruda

SÃO PAULO 2017

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AGRADECIMENTOS

À Deus, por ter me conduzido até aqui, abrindo as portas e me

sustentando com Sua graça e sabedoria;

Ao meu esposo, pelo suporte, companheirismo e paciência durante todo

este percurso;

À minha família, pais e irmãos, que, mesmo distantes, torceram por mim

e me apoiaram;

Ao DSEI Vale do Javari e ao DSEI Parintins, que me deram a

oportunidade de atuar por 10 anos junto aos povos indígenas, transformando

minha vida;

Aos colegas profissionais da Saúde Indígena, em especial à Referência

Técnica de Saúde Mental e Bem Viver Indígena do DSEI Parintins, pela

parceria sempre;

A todos os professores e tutores do Curso de Especialização em Saúde

Indígena por esta oportunidade, em especial ao meu orientador, Prof. Rinaldo

Arruda e tutoras Camila Feijó, Caroline Picerni e Blanche Medeiros.

Aos povos indígenas que me receberam muito bem por onde passei e

por tudo que me ensinaram.

Muito Obrigada!

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RESUMO

O consumo de bebidas alcoólicas entre os indígenas é um problema

reconhecido nacionalmente, que não se restringe a uma determinada etnia ou

região, resultando, muitas vezes, em uma visão preconceituosa por parte da

população em geral de que os indígenas não passam de um bando de

bêbados. Essa problemática, no entanto, apresenta-se como sintoma de uma

situação muito mais grave, que tem suas raízes em questões densas e

complexas envolvendo a história de contato desses povos, o processo de

perda da identidade e a falta de uma perspectiva positiva para o futuro. Diante

da profundidade desse quadro, a solução não haveria de ser simples. Apenas

restringir, com medidas proibitivas, a comercialização e o consumo de bebidas

alcoólicas, sem oferecer algo preencha esse vazio não é o suficiente. É preciso

chegar à raiz do problema, que passa pelo resgate de suas práticas culturais.

Nesse contexto, a promoção do Bem Viver Indígena enquanto retomada de

“princípios ancestrais das culturas indígenas, através da valorização de sua

história e tradição” encaixa-se perfeitamente na intervenção a ser realizada.

Palavras – chave: Bem Viver Indígena, Alcoolização Indígena, Uso

prejudicial de bebida alcoólica, Sateré-Mawé

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LISTA DE SIGLAS

AIS – Agente Indígena de Saúde

AISAN – Agente Indígena de Saneamento

AMISM – Associação Indígena de Mulheres Sateré-Mawé

CASAI – Casa de Saúde do Índio

CID 10 – Código Internacional de Doenças

DCNT – Doenças Crônicas Não-Transmissíveis

DIASI – Divisão de Atenção à Saúde Indígena

DSEI – Distrito Sanitário Especial Indígena

EMSI – Equipe Multidisciplinar de Saúde Indígena

FUNAI – Fundação Nacional do Índio

NCOP – Não Classificada em outra parte

ONG – Organização Não-Governamental

PB – Polo Base

SUS – Sistema Único de Saúde

SISREG – Sistema de Regulação

TFD – Tratamento Fora de Domicílio

TI – Terra Indígena

TMI – Taxa de Mortalidade Infantil

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – População por aldeia, faixa etária e sexo......................................20

Quadro 2 – Número de Nascidos Vivos............................................................21

Quadro 3 – Óbitos de acordo com o sexo, idade, local e causa da morte.......21

Quadro 4 – Indicadores de Mortalidade............................................................22

Quadro 5 – Cronograma de atividades.............................................................37

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Pirâmide etária...............................................................................19

Gráfico 2 – Distribuição dos óbitos por causa da morte...................................23

Gráfico 3 – Curva de Mortalidade Proporcional................................................23

Gráfico 4 – Perfil Epidemiológico......................................................................25

Gráfico 5 – Percentual de famílias que convivem com o consumo de bebida alcoólica e que sofrem algum comprometimento por causa deste...................31

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Cartografia do PB Ponta Alegre.........................................................18

Figura 2: Vista aérea da aldeia Ponta Alegre...................................................18

Figura 3 - Proposta de um modelo para integração dos conceitos de

alcoolização, problemas relacionados ao uso do álcool e dependência ao álcool

...........................................................................................................................27

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO........................................................................................... ...........10

2. OBJETIVO GERAL E OBJETIVOS ESPECÍFICOS............................................. ............32

3. METODOLOGIA .........................................................................................................33

4. RESULTADOS ESPERADOS.....................................................................................38

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................39

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................40

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Introdução

O Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Parintins localiza-se a leste

do Estado do Amazonas, na região do Baixo Amazonas, e está localizado a

369 KM (em linha reta) da capital Manaus fazendo fronteira com o estado do

Pará. Abrange os municípios de Barreirinha, Maués, Nhamundá e Parintins,

todos pertencentes ao Estado do Amazonas, apesar de algumas aldeias

estarem em áreas do Estado do Pará. Conta com uma população de 15.233

indígenas que vivem em 121 aldeias distribuídas em 12 Polos Base (P.B)

definidos geograficamente (SIASI/SESAI/MS, 2016). Nesta região habitam

duas etnias: Sateré-Mawé, e Hixkaryana. Os principais rios que cortam essa

região são o Amazonas e o Uaicurapá, em Parintins, o Andirá, em Barreirinha,

o Marau e o Urupadi, em Maués, e o Rio Nhamundá, na cidade que leva o

mesmo nome. O clima, característico da Região Amazônica, é quente e úmido,

com uma longa estação chuvosa e um período de baixas precipitações. A

vegetação é caracterizada por áreas de planície inundável, com predominância

da formação florestal tipo igapó (VELOSO, 1962).

A principal atividade econômica de Parintins é o Festival Folclórico Boi-

Bumbá de Parintins. Por ocasião deste evento, muitos indígenas de Parintins e

Barreirinha de deslocam à cidade para vender seus artesanatos, farinha e

outros produtos tradicionais. Porém, nessa oportunidade acabam por fazer uso

excessivo de bebida alcoólica e outras drogas, se envolvem em relações

sexuais sem preservativo e em situações de violência, colocando em risco sua

saúde e de sua comunidade. Na região Parintins e Barreirinha a agropecuária e

o extrativismo vegetal exercem um importante papel na economia local. O

desmatamento para a área de pastagem compromete a qualidade do solo e da

agua no entorno da área indígena. A necessidade de pastagem para o gado,

principalmente na época da cheia dos rios, faz com que fazendeiros busquem

áreas cada vez mais distantes, sendo possível, algumas vezes, encontrar gado

pastando dentro da área indígena, pois alguns indígenas negociam com

fazendeiros para “passar o gado” nesse período. Já em Maués, é a produção

do guaraná que movimenta a economia local, sendo que os Sateré-Mawé tem

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um importante papel nessa atividade. Como “filhos do guaraná”, eles fornecem

matéria prima para indústrias locais e também para exportação.

Aspectos das políticas de saúde

O DSEI Parintins, no início de sua formação, abrangia toda a TI

Nhamundá/Mapuera, incluindo o município de Oriximiná (PA) e a etnia Zoé. A

partir do ano de 2002 essa região passou a ser assistida pela FUNAI, por se

tratarem de indígenas considerados “intactos” (ISA), através da Frente

Etnoambiental Cuminapanema, Porém no SIASI, ela ainda consta como área

de abrangência do DSEI Parintins.

Dos doze Polos Base que constituem o DSEI, apenas um, o P. B. Ponta

Alegre, apresenta uma estrutura adequada de alojamento e posto de saúde. Os

demais polos funcionam em estruturas improvisadas e inadequadas. Para o

ano de 2016, estava previsto a entrega de seis Polos Base, compostos por

prédios de alojamento e unidade de saúde, porém ainda não foram concluídos.

Cada Polo Base conta com duas equipes compostas por enfermeiros e

técnicos de enfermagem, que se revezam em períodos de 20 dias, de modo

que o Polo nunca fica desassistido. Apenas os Polos Base de Araticum, em

Barreirinha, e Nova Aldeia, em Maués, contam com médicos nas duas equipes.

Nos demais polos, há médicos apenas uma equipe, sendo que nos dois polos

de Nhamundá, Riozinho e Kassawá, apenas um médico divide seu período de

permanência para atender a demanda de ambos. O critério para essa

distribuição de profissionais foi a demanda de cada Polo Base. Em todos os

Polos Base, Agentes Indígenas de Saúde (AIS) e Agentes Indígenas de

Saneamento (AISAN) completam a Equipe Multidisciplinar de Saúde Indígena

(EMSI).

O DSEI ainda conta com quatro equipes de Saúde Bucal itinerantes,

compostas por cirurgiões dentistas e técnicos em saúde bucal, sendo que uma

equipe atua na área de Maués, onde há 04 Polos Base, duas equipes atuam na

área de Barreirinha, cobrindo 05 Polos Base, e outra equipe assume a área de

Nhamundá e Parintins, abrangendo 03 Polos Base. Além disso, equipes de

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laboratório, composta por técnicos em patologia, realizam ações itinerantes de

acordo com demanda dos serviços, priorizando os exames de rotina das

gestantes, controle de diabéticos, sintomáticos respiratórios e malária, quando

há ocorrência de surtos.

Os profissionais das EMSI ficam alojados nos Polos Base, de onde

saem para realizar ações de saúde nas aldeias, as chamadas visitas, conforme

cronograma previamente estabelecido. Durante essas visitas, desenvolvem

ações voltadas aos programas preconizados pelo Ministério da Saúde, como

imunização, Vigilância Alimentar e Nutricional, Saúde Mental, Saúde da Mulher

e da Criança, HiperDia, entre outros, além de realizar visitas domiciliares,

atendimento à demanda espontânea e ações de prevenção e promoção da

saúde.

A atenção primária à saúde, primeiro nível de atenção à saúde, se dá

nas aldeias, onde a demanda é identificada pelo AIS ou pela EMSI durante as

visitas de rotina, seja na busca ativa ou por demanda espontânea. Na medida

do possível, busca-se satisfazer essa demanda na aldeia mesmo. Quando

necessário, a demanda é encaminhada ao Polo Base onde há mais recursos

para atender ao paciente. Nenhum Polo Base fica localizado na sede dos

municípios, de modo que, quando o paciente precisa ser referenciado para a

rede SUS, ele precisa primeiro ser encaminhado para as CASAI, que vão

garantir o acesso desse paciente à rede. Para isso, o DSEI conta com três

CASAI: em Nhamundá, Maués e Parintins, sendo que esta última também

serve de referência para as outras duas.

O município de Parintins oferece serviços de saúde nos níveis de baixa e

média complexidade. Para serviços de alta complexidade, os pacientes são

referenciados para Manaus, ficando alojados na CASAI Manaus. Esse

encaminhamento pode ser eletivo, via SISREG, ou de emergência, através da

solicitação de Tratamento Fora do Domicílio (TFD), requerido pelo médico que

está acompanhando o caso. Raríssimos são os casos em que é preciso

referenciar os pacientes para as CASAI de Brasília ou São Paulo, mas quando

há essa necessidade, esta também é suprida. Dessa forma a integralidade do

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cuidado é realizada desde o nível de atenção primária à saúde, nas aldeias e

polos base, até os níveis de maior complexidade.

O controle social participa ativamente no planejamento e avaliação das

ações realizadas no DSEI. Além das reuniões distritais e locais, as

capacitações de conselheiros também contribuem para fortalecer a atuação

destas lideranças, porquanto elas possam conhecer seu papel e desempenhá-

lo da melhor forma possível. No âmbito local, os conselheiros estão sempre em

contato com as EMSI, acompanhando as ações a serem desenvolvidas, e

auxiliando na resolução de conflitos interculturais nas práticas de saúde.

Aspectos sociais e antropológicos:

O DSEI Parintins atende basicamente duas etnias: Hixkaryana e Sateré

Mawé. Os Sateré-Mawé representam 93% da população do DSEI Parintins,

com 14.195 indígenas (SIASI/SESAI/MS, 2016) e habitam na Terra Indígena

(TI) Andirá-Marau, que abrange os municípios de Barreirinha, Maués e

Parintins e ultrapassa os limites do Estado Amazonas, adentrando ao Pará

(ISA). Os Hixkaryana vivem às margens do rio Nhamundá, no município que

leva esse mesmo nome, em uma parte da TI Nhamundá/Mapuera. Nessa

região residem 1.038 indígenas (SIASI-SESAI-MS, 2016), sendo que nem

todos são Hixkaryana, pois entre eles vivem alguns Wai-Wai, Arara, Kaxuyana,

entre outros.

Ambas as etnias tiveram seu processo de contato iniciado através dos

colonizadores jesuítas. No caso dos Hixkaryana, o primeiro contato com

colonizadores jesuítas ocorreu quando ainda viviam na região conhecida como

Grão Pará. Posteriormente se deslocaram, por volta de 1730, para a região do

Baixo Nhamundá, onde hoje estão as cidades de Faro (PA) e Nhamundá (AM).

Com o passar do tempo, essa região foi se desenvolvendo e, para se

protegerem, os Hixkaryana começaram a subir o rio Nhamundá, composto por

diversas corredeiras e cachoeiras. Assim viveram por muitos anos, até que na

década de 1920, com a extração do pau-rosa, o contato foi retomado. Por volta

dos anos 1940 alguns missionários norte-americanos chegaram à região de

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Nhamundá procurando por indígenas. Então, os trabalhadores da usina de

processamento do pau-rosa levaram esses missionários onde estavam os

Hixkaryana e o povo os recebeu bem, não apresentando resistência. Eles

levaram remédios e logo começaram a pregar. Com o intuito de evangelizar o

maior numero possível de pessoas, os missionários acharam por bem reunir

todos os Hixkaryana que estavam pelo Alto Nhamundá em um só lugar,

fundando a aldeia Kassawá. Por muitas décadas os missionários estiveram

presentes naquela aldeia. Estudaram a língua do povo, traduziram a Bíblia para

língua Hixkaryana, ensinaram o povo a ler e escrever na língua materna e

introduziram a medicina ocidental (ISA).

O Sateré-Mawé entrou o contato com os jesuítas há mais de 300 anos,

em 1669. A história desse povo é marcada por conflitos, seja contra o não-

indígena, contra os Munduruku, inimigos históricos dos Sateré-Mawé, ou dentre

os clãs da própria etnia. Esses conflitos refletem até hoje no comportamento

deste povo. A TI Andirá-Marau foi homologada ainda em 1986 (ISA). Antes

disso, parte do território, como a aldeia Ponta Alegre, era um distrito da área

rural do município de Barreirinha e muitos não-indígenas residiam naquele

local. Com a demarcação da TI, muitos tiveram que sair de lá, permanecendo

apenas que constituíram família com os indígenas.

O envolvimento do Sateré-Mawé pela sociedade nacional ocorreu,

primeiramente, com o contato missionário, mas principalmente pelo cultivo e

comércio do guaraná, principal atividade econômica deste povo, que se

considera “filhos do guaraná”. A mitologia Sateré descreve o nascimento do

primeiro Sateré-Mawé com o cultivo do guaraná (waranã). O waranã foi o

primeiro tuxaua dos Sateré-Mawé (ISA). Além do cultivo do guaraná, o povo

Sateré-Mawé produz e comercializa farinha de mandioca e seus derivados

(goma de tapioca, farinha de tapioca, tucupi, cruera, etc...). Sua alimentação

baseia-se nesses produtos citados, além de carne de caça e pesca, frutos da

estação (manga, caju, açaí, bacaba, pupunha, tucumã, buriti, etc) e de alguns

produtos industrializados, pois muitos recebem algum tipo de benefício social

(aposentadoria, Bolsa Família, auxílio maternidade, etc), fora aqueles que

recebem salário como professores, AIS, AISAN, motoristas fluviais, etc...

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Entre os Sateré-Mawé, apesar de muitos deles terem sido evangelizados

e praticamente todas as aldeias terem uma igreja, a medicina tradicional é

mantida como uma prática útil e desejável. Dentro da família, os principais

cuidadores são os pais. Muitas vezes os idosos não possuem cuidador, pois

seus filhos já constituíram família. Às vezes, eles até moram na mesma casa

dos filhos, porém, nas visitas domiciliares é constatado que ninguém está

interessado nos cuidados ao idoso, com seus medicamentos, sua alimentação,

entre outros.

As mulheres ficam reclusas durante o período menstrual. Uma das

formas que a comunidade desconfia que uma mulher está grávida, é pelo fato

de ela de ir para a beira do rio tomar seu banho ou lavar sua roupa todos os

dias, sem o costumeiro intervalo de 4 ou 5 dias no mês. Após o parto, a

puérpera e bebê fazem o resguardo de 40 dias, nos quais eles não saem de

casa. Com relação à alimentação, a dieta do Sateré-Mawé tem uma

especificidade que é o consumo guaraná, na forma de çapó. “..ele é utilizado

nos resguardos das mulheres, durante a menstruação, a gravidez, o pós-parto

e o luto. E os homens bebem çapó durante o regime que antecede a “Festa da

Tocandira”, bem como quando estão se recuperando deste ritual, e quando

acompanham suas esposas após o nascimento dos filhos” (ISA). Além disso,

eles evitam comer carne remosa (gorda) quando estão passando por um

processo de cicatrização ou após um acidente ofídico. Pessoas que sofrem

acidente ofídico não podem ficar perto de mulheres grávidas, pois a perna pode

inchar muito.

O principal ritual de passagem do Sateré-Mawé é o “Ritual da

Tucandeira”, no qual os rapazes se preparam para entrar na vida adulta. O

ritual consiste em colocar a mão dentro uma luva de palha, decorada com

penas, onde estão presas as formigas tucandeiras. Após colocar a mão na

luva, os homens começam a cantar e dançar, de braços dados, apoiando

aquele que esta realizando ritual. As canções narram “o mito de origem, o mito

do aparecimento dos clãs, as histórias das guerras que incluem a participação

dos Sateré-Mawé na Guerra da Cabanagem” (ISA). Os meninos iniciam o ritual

assim que entram na adolescência e o repetem ao longo dos anos, até se

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tornarem adultos. Não existe um limite. Quanto mais vezes o rapaz participar,

mais forte e preparado vai ficar.

Um ponto interessante entre os Satere-Mawé é a autonomia que cada

indivíduo tem sobre sua vida e seu corpo, até mesmo as crianças. É muito

comum a vontade individual ser respeitada, mesmo quando esta é prejudicial à

saúde dele. Às vezes, um paciente se recusa a aderir a um tratamento, então o

profissional busca a família, ou outra rede social, mas a postura destes é: “se

ele não quer, não podemos fazer nada.” Ninguém insiste, argumenta ou

intervém. Uma vez uma menina de 11 anos precisava ir para Manaus ser

avaliada por um especialista, mas os pais simplesmente diziam: “ela não quer

ir”. A EMSI explicava para eles a importância dessa consulta e como a situação

dela iria piorar se ela não fosse, e eles eram irredutíveis: “ela não quer ir, não

podemos fazer nada.”

O Sateré-Mawé preserva os especialistas da medicina tradicional.

Segundo relato de cuidadores tradicionais, o dom da pajelança é hereditário e,

como todos os Sateré-Mawé descenderam de um mesmo ente, todos nascem

com este o dom em diferentes graus. Aqueles que recebem em um grau mais

elevado exercem a função de pajé, enquanto outros podem ser raizeiros,

puxadores de osso ou costuradores da rasgadura, parteiras, etc, existindo,

assim, uma hierarquia entre os pajés. Aqueles que recebem o dom, mas

recusam esse chamado, podem desenvolver transtornos mentais. Para eles, os

indígenas que sofrem de esquizofrenia ou alguma outra psicose que cause

alucinações, são pajés que recusaram o dom e estão sendo atormentados

pelos espíritos.

A “categoria” mais comum de pajés são os puxadores de osso ou

costuradores da rasgadura, sendo que geralmente a mesma pessoa exerce as

duas funções. O puxador de osso trata a dismitidura, que é um desarranjo

dentro do osso. A dismitidura ocorre em decorrência de uma queda ou uma

contusão, e, além da dor local, pode causar febre e vômito. A dismitidura da

nuca pode ser fatal. Em seu processo de cura, ele vai pegando o osso,

puxando, até coloca-lo no lugar, e a pessoa fica curada. A rasgadura ocorre no

músculo, e, como o nome diz, o músculo rasga. A hérnia é um tipo de

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rasgadura. Para costurar a rasgadura, o costurador realiza movimentos

parecidos com massagem, podendo fazer uso de algumas substâncias como

leite apuí, leite de fruta-pão ou erva de passarinho, além de puxar o ar, fazendo

uso da técnica de ventosa e orar sobre a rasgadura.

O pajé propriamente dito tem a função de rezar, para interceder no

mundo dos espíritos. Os casos mais comuns atendidos por ele são as pessoas

que estão desassombradas (sem sombra). Geralmente, os primeiros sintomas

que identificam esse quadro são: falta de apetite e prostração ou sonolência.

Uma criança que come pouco e dorme muito está desassombrada e precisa ir

ao pajé. Outra doença comum, principalmente em crianças, e que precisa de

intervenção do pajé é pesadelo. Quando uma criança sonha muito e “sonha

feio”, geralmente acorda chorando e com falta de ar. Nesse caso, precisa ser

levada ao pajé, que vai rezar e preparar um banho de ervas. Logo que criança

toma o banho, os “sonhos feios” acabam.

Os pais têm o hábito de sempre levar uma criança que está com doente

para o pajé, para ver se não está desassombrada ou com dismitidura, e só

depois que pajé libera a criança, eles levam até a EMSI para ser avaliada.

Algumas vezes, no entanto, o quadro do paciente já se agravou de tal modo,

que pouco pode ser feito pela equipe. Isso faz com que muitos profissionais

fiquem chateados e reclamem dessa prática cultural, gerando conflito entre as

profissionais de saúde e especialistas tradicionais. Muitos profissionais de

saúde desvalorizam as práticas tradicionais, questionando sua eficácia diante

da terapêutica ocidental. Falta a eles conhecimento antropológico e respeito à

cultura onde estão inseridos.

A microárea onde o Projeto de Intervenção será desenvolvido é o Polo

Base (PB) Ponta Alegre, situado no Rio Andirá, município de Barreirinha. Este

PB é composto por 09 aldeias onde vivem 1695 pessoas, sendo a maioria

indígenas da etnia Sateré-Mawé.

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Figura 1: Cartografia do PB Ponta Alegre;

FONTE:SESANI/DIASI/DSEI PARITINS/SESAI

Figura 2: Vista aérea da aldeia Ponta Alegre, sede do PB.

FONTE: DIVULGAÇÃO/DSEI PARINTINS/SESAI/MS

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Aspectos demográficos e epidemiológicos

Indicadores demográficos

A população deste Polo Base é predominante jovem, sendo 52% do

sexo masculino (gráfico 1). A aldeia de Ponta Alegre concentra mais da metade

da população do Polo Base (51%), e apenas outras duas aldeias contam com

mais de 100 habitantes, a saber: Guaranatuba (201) e Vila Miquiles (188)

(Quadro 1). No ano de 2016 nasceram 21 crianças, todas vivas (Quadro 2), e

ocorreram três óbitos, sendo um óbito infantil neonatal precoce (Quadro 3).

Gráfico 1 – Pirâmide etária do PB Ponta Alegre – DSEI Parintins, 2016.

Fonte: SIASI/DIASI/DSEI-PARINTINS/SESAI

150 100 50 0 50 100 150

0 a 4 anos

5 a 9

10 a 14

15 a 19

20 a 24

25 a 29

30 a 34

35 a 39

40 a 44

45 a 49

50 a 54

55 a 59

60 e +

População

Masculina População

Feminina

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20

Quadro 1 – População por aldeia, faixa etária e sexo – Polo Base Ponta Alegre, 2016

Faixa etária <1ano 1 a 4 5 a 9 10 a 14 15 a 19 20 a 24 25 a 29 30 a 34 35 a 39 40 a 44 45 a 49 50 a 54 55 a 59 60 e + Total

Aldeias M F M F M F M F M F M F M F M F M F M F M F M F M F M F

Boa Fé 00 00 07 05 08 06 08 06 05 03 03 06 01 04 03 02 01 02 03 05 02 00 00 00 02 00 02 02 86

Guaranatuba 01 00 14 06 09 19 18 13 20 14 09 14 01 00 02 02 04 04 08 08 02 02 05 02 01 02 11 10 201

Nova Galiléia 01 01 03 06 06 14 09 07 08 03 05 04 01 03 04 03 02 03 03 03 01 00 00 00 00 00 03 04 97

Nova União 01 00 08 04 06 08 07 04 05 06 02 03 09 00 03 01 00 01 00 01 01 03 02 02 02 03 02 04 88

Nova Vida II 00 00 05 04 06 06 08 03 06 03 05 07 05 03 02 02 01 04 01 02 00 00 00 01 01 01 05 02 83

Ponta Alegre 05 04 47 33 73 71 67 69 49 53 44 43 31 29 23 28 23 19 15 19 13 16 11 09 06 06 25 30 861

Proteção Divina 02 00 04 04 12 03 10 06 09 03 03 05 02 03 03 01 01 06 01 00 01 00 02 02 02 00 02 03 90

Vila Miquiles 01 01 10 08 18 14 17 12 14 12 10 08 13 07 06 07 01 00 05 05 01 01 00 02 01 01 05 09 188

Total 11 06 98 70 138 141 144 120 116 97 81 90 63 49 46 46 33 39 36 43 21 22 20 18 15 13 55 64 1695

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Quadro 2 – Número de Nascidos Vivos no PB Ponta Alegre, 2016.

MÊS JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ TOTAL

NASC. VIVOS

05 00 01 02 00 01 06 03 02 00 01 00 21

Fonte: SICONV/DIASI/DSEI-PARINTINS/SESAI.

O número de nascidos vivos (21) não está compatível com a população

menor de 01 ano (17), pois as fontes de dados são diferentes. Enquanto os

dados do SICONV são informados em tempo real pelas EMSI e CASAI, os

dados do SIASI dependem da alimentação do sistema, que é um pouco mais

demorado.

taxa de natalidade: 12,41 por 1000 habitantes

taxa de fecundidade total 41,50 filhos por mulher

Quadro 3 – Óbitos de acordo com o sexo, idade, local e causa da morte (CID

10) – Polo Base Ponta Alegre, 2016.

SEXO IDADE ALDEIA LOCAL ÓBITO CAUSA CID

FEM 20H30M Boa fé Hospital Insuf. Respiratória/Premat. Extrema P07.2

MASC 87 Vila Miquiles Domicílio Morte sem assistência R98

MASC 53 Guaranatuba Roça Morte sem assistência R98

Fonte: Planilhas da Vigilância Epidemiológica/DIASI/DSEI-PARINTINS/SESAI.

Taxa de Mortalidade Geral (TMG): 1,77 por 1.000 habitantes

Indicadores de Saúde.

Dentre os indicadores utilizados para analisar a situação de saúde de

uma população, a Taxa de Mortalidade Infantil (TMI) é um dos principais, por

ser considerado “um indicador sensível das condições de vida e saúde de uma

comunidade” (SOARES et al, 2001).

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Quadro 4 –Indicadores de Mortalidade no Polo Base Ponta Alegre, 2016.

Indicadores de Mortalidade PB Ponta Alegre

Taxa de Mortalidade Infantil 47,62

Taxa de Mortalidade Neonatal 47,62

Taxa de Mortalidade Neonatal Precoce 47,62

Taxa de Mortalidade Neonatal Tardia 0,0

Taxa de Mortalidade Pós Neonatal 0,0

Taxa de mortalidade Perinatal 47,62

Razão de mortalidade materna 0,0

Taxa de Mortalidade por Afecções do Período Neonatal 59,00

Taxa de Mortalidade por Morte sem Assistência 117,99

Fonte: Planilhas da Vigilância Epidemiológica/DIASI/DSEI-PARINTINS/SESAI.

As mortes sem assistência ocorreram nas aldeias e foram informadas

pelos familiares, sem que a EMSI, em especial o médico, pudesse prestar

qualquer tipo de cuidado. Como preconizado pela Vigilância do Óbito, esses

casos estão em processo de investigação. Até que se identifique a causa

provável da morte, podemos considerar a “morte sem assistência” como a

principal causa de óbitos do PB Ponta Alegre (Gráfico. 2). Com relação à

mortalidade por faixa etária, a Curva de Mortalidade Proporcional indica um

nível de saúde regular (SOARES et al, 2001) para o PB Ponta Alegre (Gráfico

3)

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Gráfico 2 – Distribuição dos óbitos por causa da morte no P. B. Ponta

Alegre, 2016.

Fonte: Planilhas da Vigilância Epidemiológica/DIASI/DSEI-PARINTINS/SESAI.

Gráfico 3 – Curva de Mortalidade Proporcional do P. B. Ponta Alegre, 2016.

Fonte: Planilhas da Vigilância Epidemiológica/DIASI/DSEI-PARINTINS/SESAI.

A principal demanda de atendimentos à população do PB Ponta Alegre

se deu no contexto da oferta programada, superando a demanda espontânea,

Morte sem assistencia

Prematuridade

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

> 1 ano 1 a 4 5 a 19 20 a 49 50 e mais

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o que aponta para a prática da Vigilância da Saúde no modelo assistencial

vigente (TEIXEIRA et. al, 1998). Essa demanda foi identificada na produção

dos profissionais de saúde através do capítulo XXI – Contatos com os serviços

de saúde – do CID 10 (Gráfico 4). A maior parte dessa oferta (62%) se deu na

puericultura, através dos “Exames de Rotina das Crianças”, seguida pela

“Supervisão de Gravidez” (13%), “Exames de Rotina dos Adultos” (12%) e

Visitas Domiciliares (8%).

As doenças infecciosas e parasitárias são as de maior incidência na

população (29551,8*), sendo as Diarreias e Gastroenterites de causas

infecciosas presumíveis as mais incidentes (1533,9*), seguida das Parasitoses

Intestinais Não Específicas (708,0*). As Amebíases e Escabioses

apresentaram a mesma incidência (236,0*).

Os sintomas, sinas e achados anormais também apresentaram alta

incidência (1356,9), dos quais se destacam as dores abdominais (472,0*), as

cefaleias (295,0*), os choques NCOP (177,0*) e as tonturas e instabilidades

(118,0*). Outros sinais e sintomas como tosse, febre, dor torácica e perda de

peso apresentaram baixa incidência.

As doenças do aparelho respiratório e as doenças do aparelho

geniturinário apresentaram a mesma incidência (1120,9). No primeiro grupo,

as nasofaringites apresentam uma incidência elevada (826,0*), seguida das

bronquites agudas (118,0*). Pneumonias, bronquites crônicas e bronquiolites

apresentaram a mesma incidência (59,0*). Já no segundo grupo, a doença

mais incidente foi a infecção do trato urinário (295,0*), seguido dos transtornos

não-inflamatórios do trato genital feminino (236,0*). Vaginites agudas e

doenças inflamatórias da pelve feminina apresentaram a mesma incidência

(177,0*), assim como as doenças da mama e doenças inflamatórias do útero

(118,0*).

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Gráfico 4 – Perfil Epidemiológico do PB Ponta Alegre – Janeiro a Agosto de

2016**

Fonte: SIASI/DIASI/DSEI Parintins/SESAI

Dentre as doenças do aparelho circulatório, com a incidência de

944,0 por 100 mil habitantes, a Hipertensão Essencial corresponde a

praticamente todos os casos (885,0*). O mesmo acontece com as doenças

endócrinas, nutricionais e metabólicas, cuja a incidência é de 413 por 100

mil habitantes e, das quais, a Diabetes Mellitus não-insulinodependente

apresenta incidência muito elevada (354,0*).

*por 100 mil habitantes ** dados disponibilizados pelo SIASI apenas para este período

7138,6

2955,1

1356,9

1120,9

1120,9

944,0

885,0

885,0

531,0

472,0

413,0

236,0

236,0

118,0

59,0

59,0

59,0

59,0

0,0 1000,0 2000,0 3000,0 4000,0 5000,0 6000,0 7000,0 8000,0

XXI-Contatos com serviços de saúde

I-Algumas doenças infecciosas e parasitárias

XVIII-Sint sinais e achad anorm ex clín e laborat

X-Doenças do aparelho respiratório

XIV-Doenças do aparelho geniturinário

IX-Doenças do aparelho circulatório

XII-Doenças da pele e do tecido subcutâneo

XIII-Doenças sist osteomuscular e tec conjuntivo

XI-Doenças do aparelho digestivo

VII-Doenças do olho e anexos

IV-Doenças endócrinas nutricionais e metabólicas

VI-Doenças do sistema nervoso

XV-Gravidez, parto e puerpério

XX-Causas externas de morbidade e mortalidade

III-Doenças sangue órgãos hemat e transt imunitár

VIII-Doenças do ouvido e da apófise mastóide

V-Transtornos mentais e comportamentais

XVII-Malf cong deformid e anomalias cromossômicas

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1.2 Descrição do problema escolhido

O consumo de bebidas alcoólicas sempre fez parte dos costumes dos

homens, desde os tempos bíblicos. O primeiro relato de embriaguez que se

tem conhecimento encontra-se no Livro de Gênesis (BÍBLIA SAGRADA), o qual

relata que Noé, após o dilúvio, plantou uma vinha e, bebendo do vinho,

embriagou-se. Em quase todas as sociedades humanas existem substâncias

químicas utilizadas para alterar o nível de consciência de seus membros,

sendo a bebida alcoólica a mais comum. O uso prejudicial dessa substância

pode ser compreendido em três sentidos sociais: o pecado, enquanto

transgressão do plano divino segundo a tradição judaico-cristã; o vício, definido

como oposto da virtude, enquanto transgressão ao plano normativo

social/moral; e a doença, a princípio denominada alcoolismo, definida pela

presença de consequências físicas e/ou mentais em decorrência do uso

prolongado de bebidas alcoólicas (ACIOLI, 2002).

O conceito de alcoolismo foi proposto em 1848, por Magnus Huss,

voltado para consequências biológicas individuais do consumo de bebida

alcoólica, como uma intoxicação crônica. Posteriormente, no ano de 1948 a

OMS reconhece o alcoolismo como uma Doença Mental, e por fim, no ano de

1977, oficializa o conceito de Síndrome de Dependência Alcoólica, preterindo o

termo “alcoolismo” (ibidem) (SOUZA, 2013).

A percepção de que o consumo de bebidas alcoólicas não se limitava

apenas ao indivíduo no seu plano biológico e psicológico, mas era uma

questão de cunho epidemiológico, social e antropológico contribuiu para uma

nova compreensão dos problemas relacionados com álcool enquanto um

fenômeno heterogêneo (LANGDON, 2005), resultante de um processo

denominado “alcoolização” (Figura 3). Tal processo leva em conta tantos os

aspectos positivos e negativos do consumo das bebidas alcoólicas, em

determinado grupo social, analisando todo o contexto em que ele ocorre, ou

deixa de ocorrer, independentemente de ser problemático ou não (SOUZA &

GARNELO, 2006).

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Figura 3 - Proposta de um modelo para integração dos conceitos de alcoolização, problemas relacionados ao uso do álcool e dependência ao álcool (SOUZA & GARNELO, 2006)

“A dependência ao álcool é o mais restrito dos conceitos, associando-se ao

referencial biomédico. Problemas relacionados ao uso do álcool são de alcance mais

amplo que o conceito anterior, associando-se tanto às ciências sociais quanto à

biomedicina, abrangendo problemas de saúde e sociais; além de contextualizá-los em

seu espaço social, cultural e histórico. O conceito de alcoolização contém os

anteriores, e está ligado de forma mais clara ao domínio das ciências sociais, visto que

se associa ao significado que o beber tem em uma dada cultura, independentemente

de este ser problemático ou não.” (SOUZA & GARNELO, 2006).

Dentro deste processo é possível identificar os seguintes grupos: os

abstêmios (que nunca fizeram uso de bebida alcoólica), os abstinentes (que já

beberam, mas pararam), os bebedores sem problemas relacionados (ditos

sociais ou festivos, exercendo controle sobre o consumo), os bebedores com

problemas (padrões transgressores ou de insubordinação) e os dependentes

(abstinência e tolerância; descontrole quanto o consumo, transtornos físicos,

psíquicos e/ou social) (RAMOS & WOITOWITZ, 2004) (ACIOLI, 2002) (SOUZA

& GARNELO, 2006).

Quando se trata da população indígena, o consumo de bebidas

alcoólicas através do processo de fermentação de tubérculos e frutas sempre

fez parte das festas e rituais sagrados, sendo o preparo destas substâncias

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também um ritual sagrado destinado exclusivamente às mulheres (ACIOLI,

2002) (SOUZA & GARNELO, 2006). Tais práticas de consumo tinham um

importante papel integrador e fortalecedor dos laços sociais, além da

reciprocidade entre os grupos (MELO et al, 2010). Por ter um baixo teor

alcoólico, não causavam maiores danos aos consumidores. Algumas etnias

ainda mantém esta prática, produzindo bebidas como caxiri, caiçuma, cauin,

etc. Entre os Sateré-Mawé, a bebida tradicional era tarubá, produzida através

da fermentação natural da mandioca, porém essa prática já foi abandonada há

muitos anos, permanecendo apenas na memória coletiva do povo (FREITAS &

TORRES, 2015)

Durante o período de colonização, com a chegada dos europeus, vieram

também as bebidas destiladas, em especial a cachaça, cujo teor alcoólico é

muito elevado. No processo de pacificação, os colonizadores passaram a

oferecer para os indígenas as bebidas destiladas, de modo que eles, por

estarem alcoolizados, não apresentavam resistência à ocupação europeia

(ACIOLI, 2002). A partir daí deu-se início à alcoolização dos indígenas.

Estudos realizados com etnias Potiguara (MELO et al, 2010), Mbyá

Guarani (FERREIRA, 2005), Pankararu (ACIOLI, 2002), e algumas etnias do

Alto Rio Negro (ARN) (SOUZA & GARNELO, 2007), identificaram que o consumo

prejudicial de bebidas alcoólicas, em especial a cachaça, estava ligado a um

distanciamento das práticas tradicionais, principalmente no que diz respeito ao

sagrado, sendo em alguns deles explicitado a necessidade de resgate destas

práticas como medidas de combate aos problemas relacionados ao consumo

de álcool.

Como a alcoolização é um processo que envolve não só o indivíduo,

mas, também, a comunidade, é preciso identificar em que momento, para essa

comunidade, o beber pode ser considerado um problema social. Para os Mbyá

Guarani, os problemas relacionados ao consumo de álcool são aqueles que

causam impacto negativo para o indivíduo, sua família, e principalmente, sua

comunidade (FERREIRA, 2005). Souza & Garnelo (2006), através de um

processo investigativo com abordagem qualitativa junto às populações

indígenas do ARN e elaboraram uma categoria “beber problema”, dentro da

visão nativa, que pode ser colocada em cinco eixos principais:

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“uso em situações tidas como inadequadas (fora das festas e dos trabalhos coletivos);

consumo de substâncias vistas como impróprias (álcool de farmácia, desodorante,

perfume, por exemplo); apresentar comportamento disruptivo quando alcoolizado

(tornar-se violento, não se lembrar do que fez, não controlar a forma de beber); ter

conseqüências adversas do beber (dificuldade para trabalhar, gastar mais do que o

desejado); beber de tal forma que seja um mau exemplo para os outros (filhos ou

outros membros da comunidade)” (grifos da autora)

No estudo realizado por Acioli (2002) que buscava entender o processo

de alcoolização do povo Pankararu, foi identificado tanto em jovens, adultos e

idosos, que a presença de um Projeto de Vida definido (estudo, trabalho,

casamento, família, etc...) bem como manutenção de referenciais tradicionais,

resultavam em situações de abstemia, abstinência ou bebedor sem problemas

relacionados (social). Os bebedores com problemas relacionados

apresentavam quadro de transgressão e insubordinação às autoridades, sendo

que a maioria não possuía emprego fixo e atuava na ilegalidade, vendendo e

consumindo cachaça dentro de área indígena.

A oferta de bebidas alcoólicas dentro de área indígena não é permitida

pela legislação, sendo considerada crime contra os índios e a cultura indígena,

conforme dispõe o inciso III, do artigo 58º, da Lei Federal 6001/73

(19/12/1973), denominada Estatuto do Índio: “Constituem crimes contra os

índios e a cultura indígena: (...) propiciar, por qualquer meio, a aquisição, o uso

e a disseminação de bebidas alcoólicas, nos grupos tribais ou entre índios não

integrados.”

Apesar de ser considerado crime, a circulação de bebida alcoólica, em

especial a cachaça, é muito comum dentro das comunidades indígenas, sendo

realizada muitas vezes pelos próprios indígenas, uma vez que estes têm cada

vez mais facilitado o acesso à sede dos municípios onde podem comprá-la sem

dificuldade e por um preço bem em conta (ACIOLI, 2002) (SOUZA &

GARNELO, 2007) (MELO et al, 2010). Tal situação não é diferente entre os

Sateré-Mawé, em especial na aldeia de Ponta Alegre, foco de nossa

intervenção, onde há mercearias de propriedade de lideranças locais que

oferecem bebidas alcoólicas.

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Apesar de não constar nos indicadores apresentados, o consumo de

álcool vem sendo indicado pela população como um agravo de ocorrência cada

vez mais frequentes. Esse problema é tão real que entre as demandas da

Associação de Mulheres Indígenas Sateré Mawé (AMISM), está o

enfrentamento ao alcoolismo e o combate à violência contra a mulher, sendo o

álcool elencado por elas como o principal responsável pela violência doméstica

(BARROS & TORRES, 2010).

A questão do consumo de álcool no PB Ponta Alegre já vem se

arrastando há anos, mas a falta de dados dificulta dimensionar de fato o

problema. A subnotificação dos casos de violência, e a consequente relação

deles com o consumo de bebida alcoólica, não permite obter dados evidentes

sobre o impacto deste agravo na comunidade, pois muitas vezes estes não

chegam a buscar atendimento e as EMSI não estão atentas para a importância

de se notificar todos os casos, inclusive os suspeitos. Assim, muitos são os

relatos verbais dos indígenas, e mesmo dos profissionais da EMSI, sobre os

problemas relacionados ao consumo de álcool na população deste PB, porém

existem poucos dados registrados.

A única informação disponível sobre o consumo de bebidas alcoólicas,

diz respeito ao número de famílias afetadas por esta situação. De acordo com

os dados disponibilizados pela Referência Técnica do Programa de Saúde

Mental do DSEI Parintins, um levantamento realizado em 06 das 08 aldeias

que compõem o PB Ponta Alegre no mês de junho de 2014, apontou que 46%

das famílias convivem com o consumo de álcool sendo a maior prevalência nas

aldeias de Nova Vida II (64%) e Ponta Alegre (60%). Quando avaliado os

problemas relacionados a este consumo 7% das famílias apresentaram algum

tipo de comprometimento diante desta situação, sendo que nas aldeias Nova

União e Nova Vida II este percentual alcançou 21% das famílias (Gráfico 07). A

situação em Nova União é especialmente preocupante, pois em praticamente

todas as famílias que convivem com o consumo de bebida alcoólica (80%) há

ocorrência de problemas relacionados a este consumo.

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Gráfico 5 – Percentual de famílias que convivem com o consumo de

bebida alcoólica e que sofrem algum comprometimento por causa deste nas

aldeias1 do PB Ponta Alegre – junho de 2014.

Fonte: Programa de Saúde Mental/DIASI/DSEI PIN/SESAI/MS

A preocupação das lideranças com esta situação começou a aumentar

desde o final do ano de 2014, quando alguns casos de tentativa de suicídio

passaram a ocorrer entre os jovens, todos relacionados ao consumo de

bebidas alcoólicas. Na ocasião realizaram um encontro2 para discutir o

consumo de bebidas alcoólicas e medidas de enfrentamento, contando com a

participação de tuxauas, conselheiros, professores, líderes religiosos e

representação do DSEI Parintins, no qual a autora deste projeto esteve

presente. As lideranças, nas suas falas, reconheciam que, por interesses

político-partidários, passaram a se dividir e assim, perderam o respeito e a

influência sobre os “parentes”, pois estes viam as lideranças lutando por

interesses próprios e de seus políticos, e não pela comunidade. Relataram que,

antigamente, o tuxaua coordenava as atividades a serem realizadas pela

comunidade e todos colaboravam, mas hoje cada uma faz o que quer e não se

respeita mais a voz da liderança. Os jovens não tem mais interesse nas

1 As aldeias de Boa Fé e Nova Galileia II não participaram do levantamento.

2 Encontro realizado em janeiro de 2015, no PB Ponta Alegre, a pedido das lideranças.

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

0%

24%

0%

26%

64% 60%

30%

13%

46%

0% 0% 0%

21% 21%

5% 10%

0%

7%

Famílias conviventes

Famílias comprometidas

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práticas tradicionais, que incluem o trabalho no roçado, ficando muito ociosos

e, consequentemente, suscetíveis ao consumo de bebidas.

Eles reconheceram, também, que o fato de muitos deles já terem feito

uso de bebida alcoólica os tornavam inaptos para abordar esse tema com a

população. Medidas repressivas à entrada e circulação de bebidas alcoólicas,

como as realizadas pelo posto da FUNAI que estava presente na aldeia e foi

desativado em 2010, são lembradas como tendo sido positivas, pois naquela

época os problemas não eram tão frequentes como agora. Inclusive, um dos

encaminhamentos ao final do encontro, foi solicitar à FUNAI a reativação do

posto, ou alguma forma de controle da entrada de bebidas alcoólicas na área

indígena, assim como a implantação da Guarda Civil Indígena, com função de

evitar a circulação de bebidas alcoólicas e manter a ordem na comunidade.

Recentemente, entre os meses de outubro e novembro de 2016, tive a

oportunidade de realizar uma entrada em área de 20 dias, para o P.B. Ponta

Alegre, e nesse período notifiquei 03 casos de violência, todos relacionados ao

consumo de álcool e outras drogas3, além de ter sido informada de outras

situações envolvendo indígenas embriagados. Os comunitários demonstram

grande preocupação com esse quadro e em seus discursos, principalmente na

fala dos mais antigos, é comum relacionarem o recebimento de benefícios

sociais, em especial do Bolsa Família, com o aumento no consumo de bebida

alcoólica.

OBJETIVOS

Objetivo Geral:

Promover a prática do Bem Viver Indígena no P.B. Ponta Alegre

como alternativa ao consumo prejudicial de bebida alcoólica.

3 A prática de inalar gasolina com finalidade entorpecente é muito comum entre indígenas, e, na ocasião

resultou em violência doméstica por arma branca.

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Objetivos Específicos:

Resgatar a identidade do povo Sateré-Mawé através de suas

práticas tradicionais, incluindo a produção e consumo da tarubá

em substituição às bebidas destiladas;

Oferecer, através de parceria com as escolas e/ou igrejas, opções

de atividades tradicionais aos jovens tirando-os da ociosidade;

Sensibilizar as lideranças quanto à importância de se adotar

medidas de autoatenção4 no controle da circulação de bebidas

alcoólicas e problemas relacionados ao consumo de álcool, sem

esperar por outros órgãos públicos (FUNAI, Polícia Federal,

Guarda Civil, etc..)

METODOLOGIA

O Bem Viver Indígena

A expressão bem viver tem sua origem na filosofia de vida dos povos indígenas

da região andino e caracteriza-se pela busca da harmonia entre o homem e a

natureza, retomando princípios ancestrais das culturas indígenas, através da

valorização de sua história e tradição (LUCIANO, 2011). Pode também ser

entendido como a continuidade sócio-histórica da existência das populações

indígenas, cuja garantia vai muito além dos direitos sociais hoje assegurados a

essas populações (DOMINGOS, 2016).

O termo bem viver, enquanto resgate da tradição, geralmente é colocado em

oposição à expressão viver bem ou viver melhor, que visa aquisição de bens

de consumo que tragam algum tipo de conforto, dentro de uma lógica

capitalista. Muitos indígenas têm priorizado, através da educação e de

melhores condições trabalho, o viver bem colocando em discussão se estes

também teriam condições vivenciar o bem viver. Luciano (2011) acredita que é

possível buscar o viver bem sem ferir os princípios do bem viver, pois

4 Autoatenção pode ser definido como “os esforços da comunidade para prevenir ou controlar o que é

entendido como ameaçador para o bem-estar em nível coletivo” (GHIGGI JR & LANGDON, 2014)

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“mesmo considerando as influências e impactos produzidos pelas ideologias

externas que acompanham a nova concepção de “melhorias de vida”, os povos

indígenas apresentam capacidade para manter o equilíbrio necessário para a

continuidade de seus projetos etnopolíticos específicos, em suas bases

cosmológicas, filosóficas e sociopolíticas” (LUCIANO, 2011)

Um exemplo de como essa retomada das práticas tradicionais pode

contribuir para a prevenção e controle dos problemas relacionados ao consumo

de álcool pode ser visto na pesquisa antropológica de Ferreira (2005) que

resultou no Projeto de Redução dos Danos causados pelo Uso Abusivo de

Bebidas Alcoólicas entre os Mbyá-Guarani no RS. Apesar de não ser usada

neste projeto a expressão bem viver indígena, o conceito esteve presente na

intervenção proposta e realizada pelas lideranças. Neste projeto,

primeiramente foi elaborado um diagnóstico antropológico com a participação

de lideranças Mbyá no qual se buscava reconhecer se o consumo de bebidas

alcoólicas era considerado um problema pelas comunidades Mbyá-Guarani,

diagnosticar as dimensões sócio-cosmológicas do uso abusivo de álcool e

identificar medidas de autocontrole praticadas pela comunidade que pudessem

direcionar uma intervenção.

De fato, o primeiro passo em direção a uma intervenção de prevenção e

controle do consumo abusivo de álcool passa pelo reconhecimento da

comunidade de que este é um problema que ameaça o bem-estar coletivo e

precisa ser enfrentado. A falta desse reconhecimento provavelmente levará o

projeto ao fracasso. Como exemplo disso, podemos citar um projeto de

intervenção institucional de enfrentamento ao alcoolismo realizado em 2009 na

TI Xapecó, com a população indígena Kaigang (GHIGGI JR & LANGDON,

2014). Na ocasião, a EMSI era composta por enfermeiros, dentista,

nutricionista, médicos e técnicos de enfermagem, sendo que apenas os

técnicos de enfermagem e AIS eram indígenas. Os profissionais não indígenas

identificaram o alcoolismo como um problema frequente na comunidade,

principalmente nas implicações do consumo de álcool concorrente ao

tratamento de doenças crônicas, como a Hipertensão Arterial. Tal constatação,

no entanto, não era dessa forma entendida pela comunidade.

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Para intervenção foram acionadas a FUNAI e uma ONG, que

propuseram a utilização de um método italiano voltado para as famílias dos

consumidores e não para o indivíduo usuário de bebida alcoólica. Dois

indígenas foram para Itália para serem capacitados e uma série de encontros

foram programados, porém as famílias convidadas não compareceram, e

depois de diversas tentativa o projeto ficou parado. Essa situação resultou em

conflitos entre os atores envolvidos. Os autores concluem que

“a experiência de intervenção em questão teve origem externamente à

comunidade indígena, orientada por preocupações não consensuais sobre a

problemática entre os órgãos institucionais envolvidos...e ignorava...o processo

de alcoolização da localidade” (ibidem).

No caso do Mbyá-Guarani, o reconhecimento do consumo abusivo de

álcool enquanto problema social se deu em uma reunião com as lideranças

indígenas representantes das diversas comunidades e estava relacionado à

“terra e ambiente natural insuficiente e/ou inadequado para a reprodução do

modo de ser tradicional; proximidade dos grandes centros urbanos; acesso fácil

às bebidas alcoólicas; inexistência da opy (casa de reza); inexistência do karaí5

e da prática do conselho; não atualização dos rituais tradicionais; trabalho

assalariado fora da aldeia; conduta da liderança (se faz uso de bebida alcoólica

ou não)... Entre os graves problemas reconhecidos pelos Mbyá como

associados ao uso das bebidas alcoólicas encontramos a violência doméstica e

os acidentes de trânsito dos quais são vítimas os bebedores que moram ou

frequentam os acampamentos nas beiras das estradas” (FERREIRA, 2014).

A proposta de intervenção partiu por parte dos próprios karaí, para quem

a falta de opy e karaí em algumas aldeias tornava o lugar desprotegido e

suscetível a inúmeros perigos, entre eles, os problemas relacionados ao abuso

do álcool. Entenderam que a solução deste problema deveria vir através da

reza e do conselho, levando as “boas palavras” (verdades sagradas) a toda a

população. Dessa forma, os karaí decidiram criar “um grupo de mensageiros

5 Lideranças espirituais que possuem contato direto com os deuses, recebem as suas

mensagens divinas e conhecem as “boas palavras”

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para levar as suas boas palavras até as comunidades que faziam uso abusivo

de bebidas alcoólicas...este grupo...se chamou Xondaro Marãgatu: os

guardiões de espírito” (ibidem)

Durante o Percurso Terapêutico dos Xondaro Marãgatu, os caciques de

cada aldeia reuniam o seu povo para ouvir os “mensageiros dos karaí”. Nesses

encontros

“o emprego das “boas palavras”, acompanhadas pelo uso do cachimbo e do

chimarrão, assumiu a forma de conselho, emergindo como um recurso

terapêutico para o tratamento dos bebedores, a medida que estas palavras

possuem o poder de emocionar as pessoas... As “boas palavras” empregues

durante o percurso dos Xondaro Marãgatu expressam de forma sistemática o

pensamento, as preocupações e as mensagens dos karaí para seus parentes

Um dos resultados desses encontros foi a criação de espaços para que os

karaí aconselhassem seus parentes, em aldeias aonde estas lideranças vêm

perdendo o prestígio e a confiabilidade diante os jovens” (ibid)

As lideranças Sateré-Mawé do P. B. Ponta Alegre já reconhecem os

problemas relacionados ao consumo de bebidas alcoólica como algo

indesejável a ser enfrentado, porém esperam que a intervenção a ser realizada

seja externa, focalizando na repressão à entrada e circulação de bebidas. As

EMSI já vêm trabalhando a temática do uso prejudicial de bebidas alcoólicas

nas ações de educação em saúde, sem, porém, medidas práticas que possam

interferir nesta situação.

A repressão ao consumo, sem a oferta de alternativas para suprir essa

lacuna não vai resolver o problema, pois os indígenas vão procurar outros

meios de preencher esse espaço. Assim a promoção das práticas do bem viver

indígena viriam com essa proposta alternativa.

É claro que essa não é uma intervenção que o DSEI Parintins vai assumir

sozinho, para isso é propostos o seguinte modelo:

Elaboração e implantação de instrumentos, pela EMSI em conjunto com as lideranças indígenas, que identifiquem e notifiquem os casos de agravos em função do uso abusivo do álcool e outras drogas;

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Capacitação antropológica das EMSI, com a participação de cuidadores

tradicionais, estimulando o incentivo e apoio às práticas tradicionais;

Realização reuniões locais (nas aldeias) com as lideranças, professores

e líderes religiosos para ouvir suas considerações e propostas em

relação ao enfrentamento dos problemas relacionados ao uso de álcool,

enfatizando as medidas de autoatenção. Essas reuniões poderiam ser

mediadas por psicólogos e assistentes sociais do DSEI, uma vez que

não dispomos de antropólogos;

Fornecimento de suporte necessário, logístico e humano, para

possibilitar as ações propostas pelas lideranças, bem como sua

manutenção;

Fortalecimento de laços com parceiros como as Secretarias Municipais

de Saúde, Educação e Serviço Social de Barreirinha, uma vez que as

escolas serão espaços importantes para trabalhar esse resgate às

tradições;

Busca de apoio antropológico nas Universidades e Institutos parceiros;

Articulação com a FUNAI das demandas levantadas, dividindo a

responsabilidade com aquilo lhe for atribuído;

Quadro 5 – Cronograma de atividades proposto

Atividade proposta 2017 2018

9 10 11 12 1 2 3 4 5 6

Elaboração e implantação de instrumentos de notificação

X X X X

Capacitação antropológica das EMSI X

Realização reuniões locais X X

Fornecimento de suporte necessário X X X X X X X X X X

Fortalecimento de laços com parceiros X X X X X

Busca de apoio antropológico X X X X X X X X X X

Articulação com a FUNAI X X X X X

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A intervenção a ser realizada será multidisciplinar e multi-institucional,

porém a primeira etapa, de diagnóstico situacional do consumo de bebida

alcoólica deverá ser realizada pelo DSEI, através da EMSI em parceria com as

lideranças e com apoio da DIASI, em especial da Referência Técnica para o

Programa de Saúde Mental e Bem Viver Indígena. Esse diagnóstico inicial é

imprescindível para que seja possível avaliar os resultados da intervenção.

A EMSI também terá um papel fundamental no resgate das práticas

tradicionais, incentivando e estimulando a realização das mesmas, seja na área

do cuidado, do lazer, da alimentação, entre outros. Por isso a importância de

serem previamente capacitados e continuamente matriciados nesse processo.

Apesar do período da intervenção ter a duração de 10 meses, a

proposta é que as práticas adotadas sejam incorporadas à rotina tanto da EMSI

como dos indígenas sendo periodicamente (semestralmente e/ou anualmente)

reavaliadas por todos os envolvidos, não havendo um período determinado

para sua conclusão.

Resultados Esperados

Os resultados seriam obtidos a médio e longo prazo, através da

avaliação do número de notificações de uso prejudicial de álcool e da

percepção que a comunidade tem a respeito. Da mesma forma que hoje não

há indicadores que apresentem a realidade do consumo prejudicial de bebida

alcoólica no PB Ponta Alegre, porém a comunidade identifica essa

problemática, assim também se espera que a diminuição no número das

notificações seja acompanhada da percepção da comunidade de que o

problema está sendo solucionado. A aferição desse segundo ponto seria

mediante conversas informais com os comunitários no convívio do dia a dia ou

mesmo em reuniões com lideranças e população em geral.

Outro aspecto a ser avaliado seria a continuidade das medidas de

autoatenção, independente de serem as mesmas adotadas no início ou se

foram sendo adequadas com o passar do tempo. É muito importante que a

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comunidade consiga, sem muita intervenção externa, conter ou amenizar os

problemas de seu cotidiano.

Em janeiro de 2017 foi realizado na aldeia de Ponta Alegre os 1º Jogos

Olímpicos Sateré-Mawé, cujas modalidades foram todas tradicionais, como

arco e flecha, lançamento de lança, canoagem entre outras. Apesar de ter sido

uma atividade pontual, serviu de estímulo à prática das tradições indígenas.

Outra atividade parecida foi desenvolvida em junho do mesmo ano, entre os

Hixkaryana.

Considerações Finais

Intervenções voltadas à redução ou combate do consumo prejudicial de

álcool na população indígena não podem se limitar apenas a ações educativas,

como palestras sobre o efeito do álcool do organismo, ou medidas proibitivas.

Por este ser um problema complexo, de cunho antropológico, a solução

envolve diversos atores em vários níveis de atuação, que buscam um resultado

a médio e longo prazo.

A promoção do bem viver indígena não deverá exercer influência apenas

nas questões relacionadas ao uso de bebidas alcoólicas não tradicionais, mas

também atingir outros aspectos importantes como hábitos alimentares,

impactando nos indicadores de DCNT, uso racional de medicamentos,

acompanhamento pré-natal e assistência ao parto tradicional, entre muitos

outros.

Para que os resultados sejam positivos e duradouros, é muito importante

que a EMSI não só respeite as práticas tradicionais do povo com o qual atua,

mas também busque conhecê-las, interagindo com os cuidadores tradicionais

de modo interessado, se envolvendo e valorizando tais práticas, sempre

promovendo o bem viver indígena.

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