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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS VICTOR DE LEONARDO FIGOLS BARÇA, MÉS QUE UN CLUB: O FC BARCELONA DURANTE O FRANQUISMO (1968-1969) GUARULHOS 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

VICTOR DE LEONARDO FIGOLS

BARÇA, MÉS QUE UN CLUB:

O FC BARCELONA DURANTE O FRANQUISMO (1968-1969)

GUARULHOS

2013

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VICTOR DE LEONARDO FIGOLS

BARÇA, MÉS QUE UN CLUB:

O FC BARCELONA DURANTE O FRANQUISMO (1968-1969)

Trabalho de conclusão de curso apresentada à

Universidade Federal de São Paulo como

requisito parcial para obtenção do título de

Bacharel/Licenciado em História

Área de concentração: História

Contemporânea

Orientação: Prfª Drª Ana Lúcia Lana Nemi

GUARULHOS

2013

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FIGOLS, Victor de Leonardo.

Barça, més que un club : O FC Barcelona durante o franquismo (1968-1969)

/ Victor de Leonardo Figols. – 2013.

63f.

Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado/Licenciatura em História) –

Universidade Federal de São Paulo, Escola de Filosofia, Letras e Ciências

Humanas, Guarulhos, 2013.

Orientação: Prfª Drª Ana Lúcia Lana Nemi.

1.FC Barcelona. 2. Catalunha. 3.Franquismo. I. Orientador. II. Título.

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VICTOR DE LEONARDO FIGOLS

BARÇA, MÉS QUE UN CLUB:

O FC BARCELONA DURANTE O FRANQUISMO (1968-1969)

Aprovação: ____/____/________

Profª. Drª. Ana Lúcia Lana Nemi

Universidade Federal de São Paulo

Prof. Dr.

Instituição

Prof. Dr.

Instituição

Trabalho de conclusão de curso apresentada à

Universidade Federal de São Paulo como

requisito parcial para obtenção do título de

Bacharel/Licenciado em História

Área de concentração: História

Contemporânea

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Ao meu avô Juan, torcedor do Barça, que não

pôde ver o começo desta caminhada.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos da minha família. Ao meu pai, que além de me ensinar a gostar de

futebol também leu e revisou o texto. À minha mãe que também ajudou na revisão do texto.

Ao meu irmão, que mesmo longe se disponibilizou a ajudar. Agradeço também aos meus

avós, tios, tias e primos que leram algumas versões do texto. Um agradecimento especial ao

meu avô Juan, que dentre outras coisas, também me ensinou a gostar de futebol.

Agradeço a minha orientadora, Profª Drª Ana Lúcia Lana Nemi, que esteve sempre

presente no processo da constituição da monografia. Também agradeço a Fundação de

Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo, que financiou a pesquisa sobre o mesmo tema

durante a Iniciação Científica.

Ao Profº Drº Fábio Franzini, que nos meus primeiros passos na caminha dos estudos

sobre futebol esteve presente e se disponibilizou a ajudar, cedendo livros e textos.

Agradeço a todos os membros do Grupo Interdisciplinar de Estudos sobre Futebol

(GIEF) que leram uma das versões do texto e colaboraram com suas visões. Ao Grupo de

Discussão Sobre Futebol da Unifesp (GDF), que contribuíram para os meus estudos sobre

futebol.

Aos professores da graduação e aos amigos que acompanharam o trabalho de perto e

incentivaram durante o processo. Não quero citar nomes para não esquecer ninguém.

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“Fala em catalão o cimento do Camp Nou.”

GALEANO, Eduardo.

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RESUMO

Durante a ditadura franquista houve incentivo oficial ao nacionalismo espanhol. Desta

forma, tentou-se sufocar os regionalismos presentes na experiência espanhola. No caso da

Catalunha, e mais especificamente no futebol, o Futbol Club Barcelona representou o

catalanismo, como uma forma de resistência ao General Franco.

A história de mais de cem anos do clube se confunde, em certa medida, com a história

da Catalunha na Espanha contemporânea. No período franquista o FC Barcelona representou

um meio de afirmação nacional catalã em oposição a Franco. O clube era um espaço de

sociabilidade onde a língua catalã poderia expressar-se sem ser coibida pela ditadura.

A experiência do FC Barcelona, como representante da Catalunha, possibilitou a

criação da frase: més que un club, do então presidente do clube, Narcís de Carreras. O

objetivo desta monografia é estudar a construção da frase e suas releituras, pelo FC

Barcelona, a partir do periódico El Mundo Deportivo, durante a presidência de Carreras

(1968-1969).

Palavras-chave: FC Barcelona. Catalunha. Franquismo.

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RESUMEN

Durante la dictadura franquista hubo oficialmente un incentivo al nacionalismo

español. De esta manera se intentó sofocar los regionalismos presentes en la historia

española. En el caso de Cataluña, más especificamente en el fútbol, el Futbol Club Barcelona

representó el catalanismo, como forma de resistencia contra el General Franco.

La historia de más de cien años del club se confunde, de cierto modo, con la historia

de Cataluña en la España contemporanea. En el período franquista el FC Barcelona representó

un medio de afirmación catalana en oposición a Franco. El club era un espacio de sociabilidad

donde la lengua catalana podía ser expresado sin censura por la dictadura.

La experiencia del FC Barcelona, como representante de Cataluña, hizo posible la

creación de la frase: més que un club, de su entonces presidente, Narcís de Carreras. El

objetivo de esta monografía es estudiar la construcción de esta frase y sus relecturas, por el

FC Barcelona, a partir del periódico El Mundo Deportivo, durante la presidencia de Carreras

(1068-1969).

Palabras clave: FC Barcelona. Cataluña. Franquismo.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................... 11

CAPÍTULO I – O FC BARCELONA, A ESPANHA E O CATALANISMO .................................................. 16

1.1 O CONTATO COM AS FONTES: O JORNAL COMO ESPAÇO DE PROMOÇÃO DO CLUBE ............................................ 23

1.2 DE LLAUDET A CARRERAS ............................................................................................................................... 27

CAPÍTULO II – O FC BARCELONA, O FRANQUISMO E O JORNAL EL MUNDO DEPORTIVO

ENTRE 1968 E 1969 ............................................................................................................................................ 32

2.1 CARRERAS E A FEDERACIÓN ESPAÑOLA DE FÚTBOL .......................................................................................... 35

2.2 FC BARCELONA E BENÍTEZ .............................................................................................................................. 37

2.3 FC BARCELONA E REAL MADRID: FORA DE CAMPO ......................................................................................... 38

2.4 O FC BARCELONA E A COPA DEL GENERALÍSIMO ............................................................................................ 40

2.5 EL MUNDO DEPORTIVO E O FC BARCELONA ..................................................................................................... 44

2.6 SÓCIO-TORCEDORES E TORCEDORES ................................................................................................................. 48

2.7 FC BARCELONA E OS JOGADORES ESTRANGEIROS ............................................................................................ 51

2.8 ARTIGAS E HERRERA: CRISE INTERNA NO FC BARCELONA .............................................................................. 57

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................................................. 59

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................................................... 61

ANEXO ................................................................................................................................................................ 63

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11

INTRODUÇÃO

Um ano antes da fundação do FC Barcelona, 1898, a Espanha perdia suas colônias

ultramarinas para os Estados Unidos da América. Esse acontecimento afetou

significativamente a política e a economia espanhola, determinando e expondo aquilo que se

desenrolou no século XX:1 a Espanha teve que reconstruir sua economia, já que o Império não

seria mais o elemento de coesão. A popularização do futebol e o aumento dos seus torcedores,

sem dúvida, relacionaram-se com esse contexto de recusa da história imperial nacional e

tradicional no qual as gerações intelectuais de 1898 e 1914 tiveram um importante papel.2

O fato da cidade de Barcelona já ser cosmopolita no final do século XIX se refletiu no

esporte. O esporte em Barcelona, de início, segregava as classes sociais. O hipismo era o

esporte dos mais ricos e o futebol era mais popular. Vale lembrar que o ciclismo e o futebol

foram práticas pioneiras na Catalunha, e mais acessíveis as massas.3

Nesse sentido, “l’estrangerismo és un element comú quan es dissecciona l’origen de

les primeres societats esportives a Barcelona”.4 Os britânicos influenciaram as práticas

esportivas na Espanha, principalmente o futebol. Todavia, os estrangeiros não influenciavam

apenas as práticas esportivas; influenciavam também economicamente, com investimento

financeiro. Esta prática também é atribuída aos franceses.5

A fundação do Football Club Barcelona estava envolvida neste contexto. A abertura

para o capital estrangeiro somada à influência de colônias suíças, britânicas e alemãs em

Barcelona, resultou na fundação do clube. Com o intuito de rememorar as partidas de futebol

que vivenciara na Suíça, o suíço Hans Gramper, que era um administrador de empresas e ex-

jogador, tinha 22 anos quando decidiu fundar um clube de futebol.

Na virada do século XIX para o XX, outros eventos de massa atraíam o público, como

por exemplo, as touradas e o ciclismo, este último muito popular principalmente na

Catalunha. Gramper entrou em contato com outros representantes comerciais estrangeiros

1 BERNECKER, Walther L. España entre tradición y modernidad – Política, economia, sociedad. (siglos XIX y

XX). Madrid: Siglo XXI de España Editores, 1999. p.198. 2 NEMI, Ana Lúcia. “A guerra civil espanhola e suas raízes decimonônicas – a nação entre as luzes e as brumas”

In: MEIHY, José Carlos S. B. Guerra Civil espanhola – 70 anos depois. São Paulo: Edusp, 2010. p. 49-80. 3 BARNILS, Ramon. et al. Història crítica del Futbol Club Barcelona (1899-1999). Barcelona: Editorial

Empúries, 1999. p.7. 4 “O estrangeirismo foi um elemento comum quando se analisa as origens das primeiras sociedades esportivas

em Barcelona” Tradução nossa. BARNILS, Ramon. et al. op. cit. p.7. 5 BARNILS, Ramon. et al. op. cit. p.7.

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com o intuito de formalizar o “joc del carrer a través d’una entitat”, visto que o futebol

“actua como a element integrador”.6 Então, Gramper decidiu criar um “un vehicle de cohesió

social, un club”7, anunciando em um jornal as suas pretensões de montar um clube de futebol.

Em 29 de novembro de 1899, Gramper enviou a documentação do clube para o

Governo Civil, e então o Football Club Barcelona foi oficialmente fundado. Os primeiros

anos do FC Barcelona foram marcados pela precariedade econômica. De início o clube

recém-criado teve que compartilhar o velódromo de Bonanova com outro clube de futebol, o

FC Català. Já o seu plantel era composto majoritariamente por estrangeiros de origem

britânica.

Nas décadas que precederam à Guerra Civil, o futebol na Espanha não era fortemente

politizado da mesma maneira que viria a ser no período franquista. Todavia, na década de

1920 – durante a ditadura de Primo de Rivera (1923-1930) – o questionamento do FC

Barcelona teve uma reação por parte do governo militar de Barcelona, que fechou o então

estádio, Les Corts, durante seis meses, pois quando foi executada a marcha real espanhola os

torcedores do clube catalão vaiaram. Tal decisão só serviria pra aumentar a hostilidade do

clube catalão para com Castela.8

A posição política tomada pelo FC Barcelona durante a ditadura de Primo de Rivera

seria o prelúdio daquilo que viria ocorrer na ditadura de Francisco Franco.9 Já às vésperas da

Guerra Civil, em julho de 1936, o então presidente do clube e deputado que era a favor da

República, Josep Sunyol, em seu discurso de boas vindas aos jogadores, ressaltou a

importância de ressuscitar a vida social e econômica do clube.10

Pouco tempo depois deste

acontecimento, na primeira quinzena de agosto, Sunyol foi fuzilado por soldados franquistas

quando passava por uma região de conflito.11

Durante a Guerra Civil a situação econômica do FC Barcelona não era das melhores,

pois enfrentava um déficit de aproximadamente 177.700 pesetas, com os salários dos

jogadores por volta de 500 pesetas, e com o número de sócios em baixa. Este quadro era

agravado pela política econômica da época e principalmente pela guerra.12

Na temporada

6 “[...] o jogo da rua através de uma entidade [...]”; “[...] atua como elemento integrador [...]” Tradução nossa.

BARNILS, Ramon. et al. op. cit. p.8. 7 “[...] um veículo de coesão social, um clube [...]” Tradução nossa. BARNILS, Ramon. et al. op. cit. p.10.

8Ibidem. p. 23

9 Ibidem. Idem.

10 BARNILS, Ramon. et al. op. cit. p.89.

11 SODRÉ I SABATÉ, Josep M. & FINISTRES, Jordi. El Barça em guerra (1936-1939). Barcelona: Angle

Editora, 2006. p. 48-49. 12

BARNILS, Ramon. et al. op. cit. p. 91-92.

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1937-1938, o campeonato espanhol foi suspenso, mas o campeonato da Catalunha ainda

durou mais esta temporada, já na temporada de 1938-1939, as atividades futebolísticas foram

suspensas.13

Em meio à guerra, em março de 1938, uma bomba atingiu a sede social do clube,

onde havia troféus e documentos, causando um prejuízo de mais de duas mil pesetas.14

No caos da guerra e com o campeonato espanhol suspenso, o clube catalão resolveu

fazer um tour pelos Estados Unidos da América, onde conseguiu levantar fundos para sanar

parte de suas dívidas. Todavia, o patrimônio do clube se resumia ao estádio Les Corts, uns

poucos dólares que recebeu nos Estados Unidos, e alguns jogadores, sendo que uma parte

ficou na América, outra na França.15

Depois de 1939 o futebol passou a destacar-se na questão do regionalismo, na ditadura

franquista ficou evidente o questionamento do centralismo de Castela.16

É importante ressaltar

que “antes de la guerra civil el fútbol reflejó el regionalismo de manera mucho más explosiva

em Cataluña que em el País Vasco”.17

Ao passo, que durante o franquismo, o catalanismo

ganhou força, também no terreno futebolístico.

Durante a ditadura de Francisco Franco, o futebol sofreu com a interferência do

governo central. Foram criados mecanismos para enquadrar o esporte, principalmente as

entidades esportivas. Os clubes espanhóis conviveram sob a vigília da ditadura, alguns clubes

como o Athletic de Bilbao e o FC Barcelona foram foco de resistência tanto no terreno

esportivo quanto político.

Na década de 1960, Narcís de Carreras, o então presidente do clube, disse a frase:

Barça, més que un club. Essa frase estava inserida no campo da representação, o FC

Barcelona ultrapassava o terreno futebolístico, atingindo o âmbito sócio-político. Tanto

durante a Guerra Civil quanto após a instalação da Ditadura, o FC Barcelona se opunha

politicamente aos ideais espanhóis do General Franco. O clube apoiava os interesses da

Catalunha, e deste modo assumiu e afirmou o regionalismo catalão.

O general Franco buscou enquadrar não só o esporte, mas também a imprensa como

um todo. Neste caso, julga-se necessário mencionar que a imprensa esportiva durante o

franquismo foi, além de popular, vasta.18

Nesse sentido o governo central, em 1943, publicou

no Boletín Oficial, Normas para los redactores deportivos, que previam, entre outras

13

Ibidem. p. 93. 14

Ibidem. p. 94. 15

BARNILS, Ramon. et al. op. cit. p. 95. 16

SHAW, Duncan. op. cit. p. 22. 17

Ibidem. Idem. 18

SHAW, Duncan. op. cit. p. 69.

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medidas, que as autoridades esportivas não poderiam ser criticadas.19

Entretanto, já em 1966,

foi promulgada a Ley de Prensa de Manuel Fraga, que eliminava a censura prévia, todavia,

não garantia uma imprensa livre.20

Tais tentativas de enquadramento da imprensa, foram

levadas em conta quando o jornal El Mundo Deportivo foi analisado.

Ressalto também que os jornais esportivos foram populares no período franquista, em

grande medida devido ao futebol, esporte amplamente difundido na Espanha comandada pelo

General Franco. Graças à popularidade do esporte os jornais esportivos sofreram

“brutalmente censura por el ministro de Información y Turismo”.21

Deste modo, ao se

trabalhar com a imprensa deste período é necessário ler nas entrelinhas, buscar sentidos e

significados apenas insinuados, devido à falta de liberdade de expressão.

Ao se trabalhar com periódicos é preciso saber quem era o público alvo e identificar

quem eram os editores e jornalistas, temas que esta pesquisa não ignorou ao tentar

compreender a complexidade do jornal e da construção e ressignificação da frase Barça, més

que un club. É importante ressaltar também que durante regimes ditatoriais – como foi o

Regime Franquista na Espanha – “não há como deixar de lado o espectro da censura”.22

Os

periódicos nos regimes autoritários podem assumir a função de “difusor de propaganda

política favorável ao regime” ou abrigar “formas sutis de contestação”.23

Desta forma, sugerimos que os periódicos serviram como veículo de propagação das

ideias do FC Barcelona pregadas por Narcís de Carreras. O clube catalão conseguiu aumentar

significativamente o número de sócio-torcedores, mesmo com problemas políticos e

econômicos internos, além da falta de títulos significativos no terreno futebolístico, como

veremos mais adiante.

A frase més que un club esteve relacionada com a oposição política ao general Franco,

isto é, a importância sócio-política do clube no período tardio do franquismo, entre os anos

1968 e 1969, levantando a questão da oposição e do nacionalismo catalão. Considera-se a

imprensa periódica como espaço privilegiado para a publicação de protestos e projetos

políticos, sendo o periódico um meio de comunicação entre o clube, seus torcedores e a

sociedade espanhola. Portanto, buscou-se na imprensa esportiva, mais especificamente no

periódico El Mundo Deportivo, registros que permitiram perceber as ressignificações

19

Ibidem. p. 69-70. 20

CORTÁZAR, Fernando García. El franquismo (1939-1975). Madri: ANAYA, 2009. Anexos p. 91. 21

SHAW, Duncan. op. cit. p. 69. 22

LUCA, Tania Regina de. “Fontes Impressas – História dos, nos e por meio dos periódicos.” In: PINSKY,

Carla B. (org). Fontes Históricas. 2ed. São Paulo: Contexto, 2006. p.129. 23

Ibidem.Idem.

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atribuídas à frase, Barça, més que un club, de Narcís de Carreras, levando em consideração

que a frase está inserida no campo da representação.

Assim sendo, no primeiro capítulo demonstro como a discussão sobre o nacionalismo

espanhol e o catalanismo esteve presente no FC Barcelona, de tal forma que o clube esteve

associado ao regionalismo catalão. Ainda no primeiro capítulo, apresento o debate com os

autores que trabalharam com futebol e com o FC Barcelona, trabalhos que serviram como

base para a elaboração da monografia, também apresento as fontes e como a imprensa

esportiva serviu como espaço de promoção do clube.

No segundo capítulo, procuro demonstrar a relação de oposição do FC Barcelona ao

franquismo, trabalhando coma ideia de representação dentro do futebol, na qual o FC

Barcelona assumiu a identidade catalã. Também pretendo explicar a relação do clube com a

Federación Española de Fútbol e com o Real Madrid, entidades que representavam o governo

central. Demonstro, ainda, como o FC Barcelona se aproximou da imprensa esportiva e como

o periódico serviu como espaço de promoção do clube. Por fim, apresento a relação entre os

torcedores e o clube, intermediada pelo periódico esportivo El Mundo Deportivo.

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CAPÍTULO I – O FC BARCELONA, A ESPANHA E O CATALANISMO

Em meados do século XIX, o nacionalismo catalão foi renovado com o movimento

cultural conhecido como Renaixença, entre 1833 a 1850 a língua catalã passou por um

processo de renovação, e começou a ser usada pelos intelectuais. Entretanto, como demonstra

Eric Hobsbawm, “o regionalismo catalão não se preocupou com a questão linguística até

1880”.24

Já no início do século XX, durante o regime de Primo de Rivera, o catalanismo

ainda não pertencia às massas, na verdade:

pertencia fundamentalmente às classes médias locais, aos notáveis provincianos de

pequenas cidades, e aos intelectuais, uma vez que a classe trabalhadora militante e

predominantemente anarquista, tanto catalã como imigrante, guardava certa

desconfiança do nacionalismo de base.25

Foi durante a Segunda República Espanhola (1931-1939), e principalmente no regime

de Francisco Franco (1939-1975), que o catalanismo ganhou apelo popular. A República

garantiu autonomia política para as regiões da Catalunha, País Basco e Galícia. Por outro

lado, como aponta Borja de Riquer, a questão da autonomia política dessas regiões foi usada

pela extrema direita como argumento contra a República. Deste modo, a golpe militar de 1936

também utilizou como justificativa a eminente “ruptura de la unidad española”.26

Durante a Guerra Civil Espanhol (1936-1939) a Catalunha foi um dos focos de

resistência devido à presença das ideias de esquerda. Vale lembrar que a Catalunha era a

principal região industrial da Espanha, deste modo, as ideias anarquistas e anarco-

sindicalistas eram difundidas entre os operários.

Durante a Guerra Civil as línguas regionais não eram uma ameaça, e foram toleradas

até o final da guerra. Todavia, em 1939, houve a proibição do uso das línguas regionais nas

escolas, na imprensa, nas práticas religiosas e em toda a vida pública, além da abolição dos

símbolos nacionais como hinos e bandeiras, tenda em vista que as manifestações regionais

eram tidas como forma de separatismo que ameaçava desagregar a Espanha.

24

HOBSBAWM, Eric J. Nações e Nacionalismo desde 1780. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011. p.122 25

HOBSBAWM. op. cit. p.159 26

RIQUER, Borja de. Historia de España: La Dictadura de Franco. Barcelona: Crítica-Marcial Pons, 2010.

Vol.9. p. 158.

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Com a o fim da guerra e consolidação do golpe, o regime de Francisco Franco

procurou garantir a unidade espanhola não apenas com o apoio da Constituição, mas também

por meio de coerção política e militar.

[...] la prohibición y persecución de todas as manifestaciones lingüísticas y

culturales no castellaneas, que pudieran servir como base para el mantenimiento de

actitudes nacionalistas y regionalistas alternativas, se conviertieron en un imperativo

político de primer orden.27

Para além disso, o regime franquista interrompeu o desenvolvimento da cultura catalã,

que estava em pleno florescimento durante a República, a cultura catalã “se encontraba en

una etapa de plenitud notable, manifestada en la creación de una amplia rede de

instituiciones, entidade, empresas editoriales, publicaciones y atividades”.28

A grande

maioria dos intelectuais catalães estava comprometida com a causa republicana, ainda que

visassem garantir a autonomia da Catalunha.

Durante a República, e principalmente durante o franquismo, o catalanismo atingiu as

massas. Como aponta Hobsbawm, “[...] o catalanismo tornou-se [...] uma força de massa

apenas se movendo para a esquerda, a fim de integrar-se a um movimento trabalhista

poderoso e independente [...]”29

. Nesse sentido, o catalanismo foi bem sucedido ao agregar

imigrantes, principalmente aqueles da classe trabalhadora.

Todavia a década de 1960 foi determinante para o crescimento do nacionalismo nas

camadas mais populares, pois a política franquista de conter as manifestações regionais

provocou efeito contrário, “una fuerte reacción cultural em la década de 1960, que incluso

provocó una radicalización ideológica y política, tanto en el caso vasco como en el

catalán”.30

De fato, a penetração das ideias democráticas somadas às reivindicações

nacionais, paulatinamente passou a ser presente na sociedade civil catalã, na medida em que

se observam as manifestações nacionais em entidade culturais, centros esportivos e até

mesmo em clubes de futebol.

Pensando nos esportes como um meio de manifestação nacional, é possível dizer que

na primeira metade do século XX foram utilizados para representar os estados nacionais, bem

como as disputas nacionais. No caso da Espanha, o regime de Franco controlou o esporte

27

Idem. p.158 28

Idem. p.161 29

HOBSBAWM, Eric J. op. cit. p.159-160 30

RIQUER, Borja de op. cit.p.171

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como um todo, infiltrando membros da Falange Espanhola31

nos principais cargos das

entidades esportivas, como a Delegación Nacional de Deportes e a Federación Española de

Fútbol, além dos clubes de futebol. O exemplo mais evidente foi o presidente do Real Madrid,

Santiago Bernabéu, que além de ter lutado na Guerra Civil pelas forças nacionalistas, também

era amigo pessoal de Franco.

No caso do Futbol Club Barcelona, a história dos mais de cem anos do clube se

confunde com a história da Espanha, e principalmente com a história da Catalunha. O FC

Barcelona representou uma forma de afirmação nacional catalã e de resistência durante o

regime do General Francisco Franco. Durante o período franquista, a língua catalã era

proibida em lugares públicos e não podia ser ensinada nas escolas, ao passo que o castelhano

era imposto em toda Espanha. Um dos poucos lugares, se não o único lugar público, onde se

podia falar o catalão sem proibição, era nos estádios de futebol. Nesse sentido, o clube era um

espaço de sociabilidade, agregador das massas e acessível às classes trabalhadoras, onde o

catalão poderia expressar-se sem ser coibido pela ditadura.

A intensificação do discurso nacionalista da era Franco se fez notar no futebol

rapidamente. Nas décadas de 1940 e 1950, o futebol foi usado como propaganda dos símbolos

falangistas, militares. Um desses símbolos era a saudação fascista, feita antes de cada

partida.32

No caso do FC Barcelona, além da substituição da bandeira catalã no escudo, pela

bandeira espanhola, também foi alterado o nome de Football Club para Club de Fútbol.33

Mudanças que mexiam com os símbolos identitários do clube, isto é, o escudo e o nome.

Em meados da década de 40, o Hino Falangista era cantado e se fazia a saudação

fascista antes das partidas. Nesta mesma década o Campeonato da Catalunha foi extinto34

como uma forma do general Franco sufocar qualquer tipo de expressão regionalista. Vale

lembrar, também, que Franco apreciava o futebol, em especial o Real Madrid e a Seleção

Espanhola, chegando até a fazer apostas.35

É importante destacar que o futebol, sendo um esporte acessível ao grande público, era

usado pelo governo franquista como veículo de propaganda do governo. Como exemplo

31

A Falange Espanhola foi um partido de extrema direita, com orientação fascista; Contava com o apoio do

General Francisco Franco. 32

Idem. p. 32. 33

TORRES, Carles Santacana. El Barça y el Franquismo – Crónica de unos años decisivos para a Cataluña

(1968-1978). Ediciones Apóstrofe, 2006. p.36 34

Idem p. 18. 35

SHAW, Duncan. op. cit. p. 145-180; FERNANDÉZ SANTANDER, Carlos. El fútbol durante la Guerra Civil

y el franquismo. San Martín, Madrid, 1990. p. 196-197. Apud: PRESTON, Paul. Franco: “caudillo de España”.

Barcelona: Grijalbo, 2002.

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disso, de maneira não assumida, temos o Real Madrid, que era a imagem da Espanha que o

governo queria passar para a Europa.36

Logo é possível dizer que, neste contexto, o futebol se

tornou o “catalizador” de oposições regionalistas ao regime centralista.37

A politização do futebol espanhol não se deu apenas com o FC Barcelona, é possível

identificar traços políticos também em outros clubes, como o Real Madrid e o Athletic Club

(Athletic de Bilbao). Alguns clubes, mesmo que não claramente afirmado, eram de direita,

apoiavam a monarquia, e atuaram como propagandistas do regime franquista, é o caso do

Real Madrid. É possível dizer que o clube da capital espanhola aproximou-se da monarquia e

do Estado centralizador franquista.38

Já o time do País Basco, o Athletic de Bilbao39

, assim

como o Barça, atuaram como opositores regionalistas ao regime ditatorial.40

Apesar de ter sido fundado por um suíço, no FC Barcelona, logo depois de sua

fundação, e mesmo antes da Guerra Civil, o catalanismo era fortemente explicitado.41

E logo

o Barça assumiu a imagem da Catalunha.

Com o fim da guerra, em 1943, já consolidado o golpe de Francisco Franco, Barcelona

e Real Madrid disputaram a semifinal da copa do Generalíssimo. No jogo de ida, em

Barcelona, o Barça fez 3 a 0, mas foi obrigado a pagar uma multa devido à hostilidade da

torcida azul-grená.42

No jogo de volta, pressionado pelo governo central, por policiais e pelo

árbitro, que visitaram o vestiário do Barcelona antes da partida, o clube azul-grená foi

derrotado por 11 a 1.43

Esta goleada assinala o ponto no qual se inicia a fobia contra o

Barcelona, por parte do Real Madrid, e contribuiu para reforçar a rivalidade Barça-Real.

Durante a década de 1950, a contratação de dois jogadores foi disputada entre o

Barcelona e o Real Madrid. Em 1950 o Barça influenciou e praticamente tirou o húngaro

Lászlo Kubala do clube merengue, atravessando as negociações do Real com o jogador. Três

anos depois o troco do Real Madrid veio com Di Stéfano. O argentino já havia acertado com o

Barça e disputado alguns amistosos, quando assinou com o Real. A Delegación Nacional de

Deportes, influenciada pelo Real Madrid, limitou o número de contratações de jogadores

36

SHAW, Duncan. op. cit. p. 19. 37

Idem p. 20. 38

SILVA, Giovana Capucim e. Real Madrid e Barcelona: uma rivalidade vista por meio de seus museus.

Disponível em: <http://www.ludopedio.com.br/rc/index.php/arquibancada/artigo/532>; Acesso em: 3 de fev. de

2013. 39

Até os dias de hoje o Athletic de Bilbao defende o regionalismo basco e o separatismo. O clube contrata

apenas jogadores bascos, e proíbe espanhóis não-bascos e estrangeiros de atuarem pelo clube. 40

Idem. Ibidem. 41

Ibidem. p. 22. 42

Ibidem. p. 104. 43

Ibidem. Idem.

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20

estrangeiros, e apresentou como solução da disputa pelo jogador dividi-lo em temporadas

alternadas entre os dois clubes.

O clube catalão, se recusando a dividir o jogador com um clube do governo centralista,

viu-se obrigado a liberar Di Stéfano para o Real Madrid. Mais tarde o argentino se naturalizou

espanhol e tornou-se o maior jogador da história do Real.

No final da década de 1950 o Barça já contava com o estádio Camp Nou, que fora

construído mesmo sob acusações de empréstimos superfaturados e desvios de verba, reflexo

de uma má administração que o clube viveu naqueles anos.44

Faz-se necessário ressaltar que a

dívida da construção do estádio só veio a ser quitada com a venda do antigo estádio Les

Cortes, todavia só depois da intervenção e autorização de Franco que o antigo estádio pode

ser vendido. Nesse sentido, o clube valeu-se do regime franquista para sanar sua dívida, mas a

ação de Franco pode ser vista como uma tentativa de aproximação com o clube, haja vista que

o generalíssimo gostava de futebol e usava-o como propaganda de seu governo.45

Na década de 1960, mais especificamente em 1968, Narcís de Carreras então

presidente do clube proferiu a frase: Barça, més que un club. Essa frase explicitava que o FC

Barcelona ultrapassava o terreno futebolístico, atingindo o âmbito sócio-político, em outras

palavras, o clube identificava-se com a Catalunha, representando-a. O clube tornou-se o

“veículo de uma oposição popular nacionalista na Catalunha”.46

Antes de Narcís de Carreras assumir a presidência do FC Barcelona o cargo estava sob

o comando de Enric Llaudet, no qual permaneceu por seis anos (1961-1967). O período de

Llaudet à frente do Barça coincidiu com o desenvolvimento histórico da sociedade catalã, em

grande parte devido ao crescimento econômico da região.47

Tal desenvolvimento econômico

da Catalunha impulsionou um fluxo migratório e o desenvolvimento urbano, principalmente

da cidade de Barcelona.48

O FC Barcelona soube agregar esse contingente de migrantes, o clube aumentou o

número de sócio-torcedores. No início da década de 60 eram um pouco mais de 39 mil, no

final dessa mesma década esse número chegava perto dos 50 mil.49

Nesses anos, dentro da estrutura ditatorial do esporte imposta pelo General Franco,

havia no Barça dirigentes que apoiavam ou eram solidários ao regime. Mas mesmo sob o

44

Ibidem. p. 148. 45

TORRES, Carles Santacana. op. cit. p.49; BARNILS, Ramon. et al. op. cit. p.174. 46

Tradução nossa. SHAW, Duncan. Futebol y Franquismo. Madri: Alianza Editorial, 1987. p.13. 47

TORRES, Carles Santacana. op. cit. p.55. 48

Ibidem. Idem. 49

Dados estatísticos em: BARNILS, Ramon. et al. op. cit.

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olhar velado destes dirigentes, um grupo organizou-se com o objetivo de introduzir uma linha

de atuação catalanista. O objetivo não era fácil, haja vista que plataformas com valores da

cultura não-oficial não eram debatidas.50

Depois da demissão de Llaudet no final do ano de 1967 o Barça buscava um candidato

à presidência que superasse os enfrentamentos internos, capaz de integrar todos os grupos

presentes dentro do clube. O escolhido para esse projeto foi Narcís de Carreras, além de

unificar os interesses do clube, a proposta para a candidatura era obter êxitos esportivos,

principalmente no futebol.51

No dia 17 de janeiro de 1968 Narcís de Carreras assumiu a presidência do FC

Barcelona. Carreras manteve quatro dirigentes da gestão anterior, eles representavam a

continuidade de Llaudet, os outros dez dirigentes convocados por Carreras para compor chapa

eram de diferentes filiações,52

Carreras almejava aproximar as divergências internas do clube

e unificá-las em um ideal comum.53

Uma das principais propostas de Carreras era retomar os anos de conquista de títulos.

O desempenho do clube na década de 1960 não era muito bom, conquistou uma Copa del

Generalísimo (1963), uma Copa de Ferias (1965-66) e uma Liga Espanhola na temporada

1959-1960.54

Carreras e seus dirigentes compartilhavam da seguinte ideia: a partir da unidade

interna do clube as conquistas esportivas viriam. Nos primeiros meses de gestão, Carreras

conseguiu melhorias significativas na economia do FC Barcelona.

De fato, na gestão de Carreras (1968-1969) o Barça atingiu a estabilidade econômica,

além disso, conseguiu aumentar o número de sócios para quase 50 mil, todavia no futebol não

conquistou nenhum título importante.55

O Barça conquistou a Copa del Generalísimo em

1968, além de duas taças do Troféu Joan Gamper, que é um campeonato amistoso organizado

pelo próprio clube em homenagem ao fundador do Barça, Joan Gamper.

Os quase dois anos de mandato de Carreras foram contraditórios, pois não conseguiu

superar as disputas internas do clube e tampouco conseguiu êxitos esportivos importantes.

Todavia, nos anos em que foi presidente Carreras fez com que o clube adquirisse um

significado extra-esportivo, 56

ainda maior.

50

TORRES, Carles Santacana. op. cit. p.55. 51

Ibidem. Idem 52

Idem. p.57. 53

Idem. p.58. 54

Idem. p.63. 55

Idem. p.198. 56

TORRES, Carles Santacana. op. cit. p.78-79.

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“O Barça é muito mais que um club”. A frase do presidente Narcís de Carreras

exprimia a dimensão extra-esportiva do clube, em outras palavras a frase pode ser vista como

uma forma de representação. Nesse sentido, ela representa o posicionamento político do

clube, e assim expressa um sentimento comum do clube e de seus torcedores.

Carreras já tinha conhecimento das dimensões sócio-políticas do Barça, e isso é

evidenciado em outra frase do presidente Carreras: “Hem de lluitar contra tot i contra tots,

perquè som millors i representem el que representem.”57

Logo após o presidente Carreras ter proferido suas frases de efeito, e que em parte

demonstravam a dimensão do clube, a imprensa explorou tanto as frases como a temática.58

A

frase de Carreras – Barça, més que un club – foi reapropriada.

Nesse mesmo período, um paradoxo ocorria no Barça: o clube contratava jogadores

estrangeiros, e assim perdia o caráter exclusivamente catalão, todavia era cada vez mais

reconhecido como instituição catalã com importância social e política.59

Mas esse

reconhecimento não se deu espontaneamente, foi uma construção. Se o FC Barcelona adquiriu

significados sócio-políticos durante e depois da Guerra Civil, foi durante a Ditadura

Franquista que o clube conquistou o status de equipe nacional da Catalunha. A frase més que

un club foi empregada nesse sentido.

Se observarmos a frase “Barça, més que un club” veremos que ela está inserida no

campo da representação. Para Mauricio Murad pensar futebol no âmbito cultural é trabalhar

no “universo das representações sociais”60

. Já Richard Giulianotti entende que o futebol pode

ser usado para “expressar formas particulares de identidade social e cultural”.61

Deste modo,

o FC Barcelona assumiu não só uma identidade social como também cultural. Neste sentido,

sua complexidade não pode ser resumida na ideia de que a frase citada constitui um mito, ela

encerra um processo longo de construção que se reporta à experiência dos catalães, às

disputas políticas encetadas em meio ao regime de Franco e que sofreram forte inflexão no

momento de crise do referido regime. Tal complexidade e as muitas dimensões que pode

revelar serão analisadas mais adiante.

57

“Temos que lutar contra tudo e contra todos, porque somos melhores e representamos o que representamos.”

In: BARNILS, Ramon. et al. Història crítica del Futbol Club Barcelona (1899-1999). Barcelona: Editorial

Empúries, 1999. Tradução nossa. 58

MONTALBÁN, Manuel Vázquez. Barça! Barça! Barça! – Más Allá del fútbol. Triunfo, 25 de Outubro de

1969. 59

SHAW, Duncan. op. cit. p. 63. 60

MURAD, Mauricio. Dos pés à cabeça: elementos básicos de sociologia do futebol. Rio de Janeiro: Editora

Iradiação Cultural, 1996. p.19. 61

GIULIANOTTI, Richard. Sociologia do Futebol – Dimensões históricas e socioculturais do esporte das

multidões. São Paulo: Nova Alexandria, 2010. p.25.

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Um clube representa os seus torcedores, no caso do FC Barcelona não é diferente.

Nesse sentido, a frase de Carreras surgiu como uma forma de expressão da posição política do

Barça frente ao governo central. Todavia, com o passar dos anos “més que un club” foi

associado à resistência ao franquismo, portanto a frase atuou, e atua ainda hoje, no campo da

representação dos torcedores e dos catalães em relação a si mesmos e à Espanha, o que

implica muitas e plurais apropriações. Assim, o clube pode representar os torcedores e a frase

pode representar as lutas entre a Catalunha e o governo central, como sugere Duncan Shaw

“el club había sido un promotor del folklore y la cultura catalanes durante los largos años de

dictadura [...]”62

Mas pode, também, guardar sentidos de apropriação que extrapolam a

experiência catalã, tais sentidos serão aqui perscrutados nos anos de 1968 e 1969.

Por fim, é possível dizer que a frase més que un club, desde seu surgimento foi

reapropriada, agregando ao longo dos anos uma carga de significados para além daquela

original. Deste modo a frase é fruto de uma construção, tanto por parte do clube, que explora

a frase agregando valores e novas conotações, quanto por parte dos torcedores, que aceitam,

incorporam e transformam a imagem passada pelo clube. Esta pesquisa analisa esta trajetória

de construção e ressignificação nos primeiros anos em que a frase passou a ser conhecida

dentro de clube, isto é, os anos de 1968 e 1969, correspondentes a gestão de Narcís de

Carreras.

1.1 O contato com as fontes: o jornal como espaço de promoção do clube

Cabe em primeiro lugar, apresentar autores, textos e debates que ajudaram a

compreender esta monografia. Para se trabalhar como o futebol foi usado a obra de Richard

Giulianotti, no qual analisa as dimensões históricas e sociais do futebol de um modo

panorâmico. Ao analisar o futebol desde seu surgimento até os dias atuais o autor oferece

aparatos teórico-metodológicos para se trabalhar com o futebol. Sobre a questão do futebol

como representação apontada por Giulianotti foi fundamental para a pesquisa. Assim como o

trabalho do sociólogo Maurício Murad, que entende o futebol como uma forma de

representação social. Além disso, Murad também trabalha com a noção indenitária entre

torcedor e clube.

62

SHAW, Duncan. op. cit. p.212.

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Pensando especificamente no futebol durante o franquismo temos o trabalho de

Duncan Shaw. O autor entende que antes mesmo da ditadura de Franco na Espanha os clubes

de futebol já eram politizados, mas para Shaw, foi durante o franquismo que os clubes se

politizaram assumindo papeis importantes tanto no âmbito político quanto no social. Este

trabalho é fundamental para a pesquisa na medida em que Shaw analisa as questões políticas e

sociais do futebol espanhol – principalmente nos clubes: Real Madrid, FC Barcelona e

Athletic de Bilbao – durante toda a ditadura de Franco.

Delimitando o objeto de pesquisa, a bibliografia sobre o FC Barcelona foi Barça en

guerra (1936-1939), no qual os autores fazem um estudo sobre a trajetória do FC Barcelona

durante a Guerra Civil Espanhol. É analisada a política e a economia do clube e da Espanha

no período, todavia consideram a importância social e esportiva do clube. O presente trabalho

será usado na pesquisa, pois a compreensão dos anos que precedem os a ditadura de Francisco

Franco é fundamental para entendermos a posição do FC Barcelona durante a ditadura

franquista.

Nesse sentido, também será usado Història crítica del Futbol Club Barcelona (1899-

1999). Esta obra se faz necessária à medida que os autores entendem que a história dos cem

primeiros anos do FC Barcelona corresponde também à história da cidade Barcelona e da

Catalunha. Para os autores, o clube é entendido como um fenômeno social importante. A

análise dos autores sobre o período que corresponde aos anos de 1968 a 1969, foi fundamental

para a pesquisa.

Já sobre o FC Barcelona durante o período que será estudado temos o trabalho de

Carles Santacana Torres. Neste livro o autor analisa a sociedade catalã e o FC Barcelona no

período de uma década (1968-1978). Este período corresponde ao enfraquecimento do

franquismo até o seu fim. Para o autor, essa década foi marcada com conflitos sociais e por

questões políticas que se tornaram evidentes no âmbito futebolístico. Torres procura entender

porque o FC Barcelona é més que un club, apresentando uma vasta gama de documentação

que demonstra o papel social e político que o FC Barcelona teve durante o período tardio do

franquismo. Para além disso, o trabalho de Torres demonstra a relação da identidade catalã

presente no FC Barcelona, que foi se reforçando na medida em que o franquismo se

enfraquecia. As questões levantadas pelo autor foram analisadas em nossa pesquisa.

Os debates aqui sumariados fundamentou o início da análise documental. O trabalho

com as fontes consistiu em analisar o período El Mundo Deportivo. Para isso foi necessário

acessar o site da hemeroteca virtual do periódico (que está disponível em:

<http://www.mundodeportivo.com/hemeroteca/index.html>. Vale destacar que o Mundo

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25

Deportivo foi fundado em 1906 e até os dias de hoje é um jornal exclusivamente dedicado a

noticiar os acontecimentos referentes ao esporte, principalmente o esporte catalão, o futebol e

o FC Barcelona. Nas décadas de 1950 e 1960 chegou a ser um dos jornais de maior tiragem

na Espanha.63

O trabalho com as fontes foi dividido em três etapas, a primeira etapa consistiu em

entrar na hemeroteca virtual do El Mundo Deportivo, introduzir a data desejada, no caso

foram acessados todos os dias, desde o dia 01 de janeiro de 1968 até o dia 31 de dezembro de

1969. A segunda etapa foi de identificação, isto é, buscar, entre todas as páginas do jornal, as

notícias referentes ao FC Barcelona. As notícias do clube foram classificadas da seguinte

forma: notícias do FC Barcelona, notícias do cotidiano do clube, crônicas dos jogos, agenda

do fim de semana do FC Barcelona, entrevistas com jogadores e técnico, entrevistas com os

presidentes, anúncios do clube e propagandas que faziam referencia ao FC Barcelona e

crônicas dos jornalistas sobre o clube. Após este levantamento prévio, foi realizado o

download das páginas que continham referências do clube.

A terceira etapa diz respeito à leitura e análise das notícias do FC Barcelona no

periódico El Mundo Deportivo, dentro da classificação citada acima. Vale lembrar que cada

ano possui suas especificidades quanto à distribuição das notícias, bem como de seu

conteúdo. O jornal, de cerca de 30 páginas diárias, reservava em torno de cinco páginas ao FC

Barcelona, nos anos de 1968 e 1969. Além disso, o jornal reservava espaço para a promoção

do esporte catalão, vale lembrar que o Mundo Deportivo era impresso em Barcelona e

dedicado a espanhóis, sobretudo aqueles de origem catalã e principalmente aos torcedores do

FC Barcelona. A circulação do periódico no final da década de 1960 não será estudada, mas é

possível dizer que a tiragem passava dos 75 mil exemplares impressos. O preço do jornal

variou de três a seis pesetas nesses anos.

O Mundo Deportivo era escrito completamente em castelhano nos anos estudados.

Continha fotos e era impresso em preto e branco, eventualmente algumas páginas eram

coloridas. Quanto à distribuição das notícias dentro das páginas do jornal é importante

ressaltar a diminuição das colunas de opinião dos jornalistas, acompanhado do crescimento de

notícias do cotidiano do clube.

Durante o período analisado foram encontrados anúncios paras os jogos do FC

Barcelona no estádio Camp Nou. Estes anúncios continham informações para os sócios e não-

63

SHAW, Duncan. op. cit. p. 69.

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sócios do clube interessados em comprar ingressos para os jogos. Vale ressaltar que os

anúncios dos jogos eram uma prática recorrente do jornal nos anos estudados.

É possível encontrar tabelas com todas as atividades esportivas do FC Barcelona no

fim de semana, as tabelas não se limitavam apenas as partidas de futebol, também constavam

datas das partidas de basquete, handebol, hóquei, rúgbi e das equipes das categorias de base.

Todas essas modalidades esportivas eram mantidas pelo clube. Encontram-se também

propagandas com as possíveis escalações dos times, para os jogos que aconteceriam mais

tarde na mesma data. Além disso, é possível encontrar pacotes de viagem para ver o FC

Barcelona fora do Camp Nou, alguns desses pacotes eram oferecidos pelo próprio periódico.

Também foram identificados anúncios para ver ou comprar filmes das partidas do FC

Barcelona.

Os anúncios dos jogos do FC Barcelona eram direcionados para o torcedor do clube, a

agenda do fim de semana das atividades esportivas e a escalação do eram formas do clube

dialogar com os seus torcedores e sócios. Ao passo que os pacotes de viagem e a divulgação

dos filmes dos jogos eram formas de aproximar aqueles torcedores que não podiam

acompanhar o time de perto, isto é, torcedores que viviam fora da cidade de Barcelona, por

exemplo.

Não é possível dizer se os anúncios dos jogos e a agenda do clube eram feitas pelo

jornal ou pelo FC Barcelona. Aparentemente esses anúncios eram feitos pelo próprio clube, e

o jornal cedia o espaço. Já os pacotes de viagem eram anunciados por diversas agências de

turismo que publicavam no jornal, algumas agências ofereciam os pacotes em acordo com o

Mundo Deportivo. Enquanto os filmes eram oferecidos por um parceiro do clube. Vale

ressaltar que a relação de jornalistas e pessoas ligadas ao jornal era bem próxima aos

dirigentes do FC Barcelona, isso será aprofundado mais adiante.

Por fim, cabe ressaltar que o espaço de divulgação do FC Barcelona era mais amplo do

que qualquer outro clube de futebol. Vale lembrar, também, que o Mundo Deportivo

dedicava-se a noticiar o esporte catalão como um todo, tendo o futebol maior espaço. Em

média, mais da metade do jornal era dedicado ao futebol, todavia o Espanyol, clube rival do

Barcelona e da mesma cidade, tinha bem menos espaço.

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1.2 De Llaudet a Carreras

O Mundo Deportivo também era espaço para a campanha presidencial do clube. No

primeiro mês de 1968 iniciou-se o processo eleitoral dentro do FC Barcelona. No dia 07

janeiro, na coluna “Hablemos de cualquier cosa sea en verso, sea en prosa” encontramos o

seguinte poema:

CANDIDATO

Don Narciso de Carreras

ya es candidato aprobado.

Parece, pues, que funciona

perfectamente el tinglado.

Después, ya no cabe duda,

será presidente electo,

mediante un sistema nuevo,

expeditivo y directo.

Nosotros, nada tenemos

contra el señor De Carreras

que es un hombre inteligente

y de muy buenas maneras.

Pero en una Sociedad

tan amplia y tan numerosa,

tanta unanimidad

nos parece sospechosa.

Y que entre cincuenta mil!

todo el mundo esté conforma,

nos parece una ficción

exorbitada y enorme.

Es, en verdad, sugestiva,

la idea de la unanimidad

pero antes preferimos

que impere la realidad.64

Os versos podem parecer despretensiosos, mas contêm críticas ao FC Barcelona.

Llaudet deixava o clube após seis anos na presidência (1961-1967) em meio a uma crise. O

clube não teve êxitos esportivos, conquistou poucos títulos, e nenhum deles de expressão

como a Liga Espanhola. E internamente o clube também estava em crise, não existia uma

unidade entre os dirigentes.

Apesar de o jornal aprová-lo como o futuro presidente, Narcís de Carreras65

era

candidato único. O nome de Carreras foi escolhido por representar um personagem

64

Disponível em: <http://www.mundodeportivo.com/hemeroteca/index.html>. Para todas as citações. Mundo

Deportivo, 07 de janeiro de 1968. p.9.

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significativo da vida do clube, e que pudesse superar a crise que o clube enfrentava. Para

Carles Santacana Torres, Carreras era visto pelos outros dirigentes como o único “capaz de

integrar a todos los grupos”.66

Narcís de Carreras possuía um bom currículo, foi vice-presidente do clube entre 1948-

1950 e entre 1952-1953. Em 1953 candidatou-se à presidência, mas foi impedido de disputar

devido a pressões falangistas.67

Vivera durante a Guerra Civil e não apoiara os falangistas.68

Em 1946 perdeu um cargo público por apoiar a restauração da monarquia, em 1967 voltou a

um cargo público, como Procurador das Cortes.69

Com esse breve currículo o nome de

Carreras à presidência do FC Barcelona era tido como certo.

Deste modo, entende-se a afirmação de que a trama (tinglado) estava bem feita, pois

colocar Carreras na presidência era uma forma de garantir a unidade interna entre os

dirigentes do clube. Todavia os versos questionam essa unanimidade em torno do nome de

Carreras, uma vez que em uma sociedad de mais de cincuenta mil sócios um único nome foi

lembrado.

No dia 13 de janeiro de 1968 o presidente Enric Llaudet saiu na capa do jornal com os

seguintes dizeres: “Llaudet dice adios a la presidencia” seguido da foto do presidente

acenando para a câmera, ao fundo um portão com o escudo do FC Barcelona. Nessa mesma

edição é possível identificar uma nota na qual o presidente Llaudet agradece o apoio dos

torcedores, e convoca-os para uma despedida no Estádio Camp Nou, a nota aparece da

seguinte forma: “Llaudet se despidirá de la aficción desde el centro del Camp Nou”.

Ainda na edição do dia 13 de janeiro, encontramos nas páginas centrais do jornal uma

matéria com o presidente. Na matéria intitulada “Enrique Llaudet, en la hora del adios”, o

presidente falava sobre sua gestão no clube. Llaudet exalta o patrimônio moral do clube, ou

seja, o papel dos sócios para a manutenção do clube e a importância do clube na Catalunha e

na Espanha:

65

Todos os nomes em catalão são traduzidos para o castelhano no jornal. O nome de Narcis de Carreras aprece

no jorna Mundo Deportivo da seguinte forma: Narciso de Carreras. Optamos por usar todos os nomes em

catalão. O nome do clube também é grafado em castelhano, Club de Fútbol Barcelona. Optamos por manter o

nome original. 66

TORRES, Carles Santacana. op.cit. p.55. 67

TORRES, Carles Santacana. op. cit. p.55. Apud: Entrevista com Narcís de Carreras: Narcís de Carreras: la

Lliga que no va poder ser, L’Avenç, nº 31. 31 de outubro de 1980, p.10-17. 68

A Falange Espanhola foi um partido de extrema direita, com orientação fascista; Contava com o apoio do

General Francisco Franco. 69

TORRES, Carles Santacana. op. cit. p.56.

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29

[...] Precisamente nuestro club tiene el mejor capital que se puede tener en fútbol...

Una masa adicta a carta cabal, sinceramente azulgrana, que desea, ganar y ser

campeón, pero que es fiel aún no siéndolo. Tenemos 57.000 socios,

aproximadamente, y por lo menos otros tantos simpatizantes... Nuestra ciudad es

«cap i casal» de la más rica región de España con siete millones de habitantes...El

Barcelona, en fútbol, es algo así como una bandera de nuestro sentir... Saber

canalizar esta fuerza, real y auténtica, organizar el club para hacerla práctica y

perenne, es posiblemente, la labor a emprender, lejos de ser culminada, pero posible,

porque el Barcelona, junto a este gran patrimonio moral está en camino de lograr su

emancipación económica.70

Quanto ao patrimônio físico, Llaudet afirma que “todo lo que el Barcelona tiene lo ha

logrado a pulso, por sus fuerzas”. Um exemplo do patrimônio do clube é o Camp Nou, sobre

o estádio o presidente afirma:

[...]Tenemos nuestro patrimonio, el ‘Nou Camp’... Este es nuestro hogar, nuestra

«llar», pagado a medías en este momento, y que será totalmente nuestra, en muy

pocos años, cuando la «operación venta de Las Corts», en marcha, culmine sus

plazos... [...] El «Nou Camp» costó más de trescientos millones. Están ya pagados

160 millones. Con los plazos mensuales que se están cobrando, regularmente, de Las

Corts, el Barcelona quedará libre de toda deuda, obligación bancaria, etcétera [...]71

O estádio Camp Nou começou a ser construído em 1957, a ideia inicial do clube era

vender o antigo estádio, o Les Corts, e com o dinheiro da venda pagar o novo estádio.

Todavia a venda não pode ser efetivada de imediato, o caso se arrastou até 1965 quando o

Conselho de Ministros, presidido por Francisco Franco, autorizou em definitivo a venda do

antigo estádio. Só em 1966 a compra foi formalizada e o Les Corts foi vendido para uma

construtora que previa construir um conjunto de prédios no lugar.72

Entretanto, o caso não se encerrou em 1966, é possível encontrar notícias no Mundo

Deportivo, na qual o jornal relata o pagamento das parcelas da venda do terreno. A dívida não

foi totalmente sanada nem mesmo ao fim da presidência do Narcís de Carreras em 1969.

Nos dias subsequentes ao término do mandato de Llaudet, o então presidente

organizou um jogo entre os funcionários do clube, do estádio e os dirigentes, na ocasião o

jornal brincava dizendo que o reserva de Llaudet poderia ter sido Narcís de Carreras. Este

jogo entre os funcionários do FC Barcelona e dirigentes do clube pode ser visto como uma

forma de criar a unidade de que tanto se falava na campanha de Carreras, na medida em que

se pensa o futebol como um espaço de socialização. Após se despedir dos funcionários,

Llaudet se despediu dos torcedores no estádio Camp Nou, o Barcelona venceu por 4 a 0 o

70

Mundo Deportivo, 13 de janeiro de 1968. p.14-15. 71

Idem. 72

TORRES, Carles Santacana. op.cit. p.49.

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Zaragoza, e em uma demonstração de euforia e afeto Llaudet recebeu “la ovación del público

congregado en el Nuevo Estadio”.73

No dia 17 de janeiro de 1968, o Mundo Deportivo trouxe em sua capa os seguintes

dizeres “Don Narcís de Carreras será elegido esta tarde nuevo presidente del C. de F.

Barcelona”, segundo o jornal “la elección se producirá por unanimidade de todos los

compromisarios”.74

Como Carreras era o único candidato à presidência, esperava-se que se

elegesse de forma unânime, uma vez que, como já foi dito, acreditava-se que era o único

capaz de resolver os problemas econômicos e políticos do clube, bem como os problemas

futebolísticos, ou seja, a falta de títulos significativos.

No dia seguinte, ainda sobre a repercussão das eleições para presidente do clube, o

jornal trouxe em sua capa a foto de Carreras acompanhado da legenda “El nuevo presidente

del Barcelona”. Neste dia o jornal se dedicou a cobrir as eleições do FC Barcelona, foi

reproduzido no jornal parte da assembleia na qual se realizou a votação, bem como parte dos

discursos dos dirigentes. O primeiro a ter a fala foi Llaudet, que falou sobre Carreras: “es una

satisfacción entregar el club una persona tan barcelonesa, tan barcelonista y tan catalana

como el amigo Carreras”.75

No discurso do recém-eleito presidente do clube, Carreras disse: “El Barcelona es un

espírito y unos colores que llevamos muy dentro”.76

Nesta frase encontramos um sentimento

barcelonista, isto é, uma frase que demonstra afeição de Carreras para com o FC Barcelona,

um exemplo de afeição clubística. Todavia a frase Barça, més que un club não aparece no

jornal, mais do que expressão do barcelonismo, a frase trazia consigo o catalanismo.77

Vale

lembrar que o FC Barcelona era visto como o representante da cidade de Barcelona e da

região da Catalunha. Segundo o Mundo Deportivo, Carreras deveria ter: “Responsabilidad

ante la ciudad, cuyo nombre lleva, la región em que alienta y el país por cuya a prosperidad

luchamos todos.78

Apesar do regionalismo velado e do nacionalismo contido, o jornalista José L.

Lasplazas demonstrava a importância que o FC Barcelona possuía em três instâncias, perante

73

Mundo Deportivo, 15 de janeiro de 1968. p.5. 74

Mundo Deportivo, 17 de janeiro de 1968. p.1 e p.3. 75

Mundo Deportivo, 18 de janeiro de 1968. p.4. 76

Idem. 77

Vale lembrar que o termo barcelonista é usado designar os torcedores do FC Barcelona, portanto, sobre

barcelonismo entende-se tudo aquilo ligado ao FC Barcelona, deste ao ato de torcer pelo clube como as questões

que envolvem o clube, como por exemplo, o nacionalismo catalão presente no clube. Já sobre catalanismo,

entende-se que é um conjunto de questões que dizem respeito ao nacionalismo catalão. 78

Mundo Deportivo, 18 de janeiro de 1968. p.5.

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a cidade, a região e o país. Quanto à prosperidad mencionada, podemos levantar a hipótese de

que Lasplazas refere-se ao regionalismo que, mesmo sufocado por Francisco Franco, ainda

estava presente na sociedade catalã.

Em seu discurso, Carreras pediu apoio aos sócios, pois sabia que precisaria do apoio

deles para manter-se no cargo, uma vez que eram os sócio-torcedores que sustentavam

financeiramente o time, e que apoiavam o clube, enquanto equipe de futebol. Ao término de

seu discurso Carreras disse uma frase em catalão na qual os torcedores gritavam em apoio ao

time: “Visca el Barça!”. Carreras buscou aproximar-se dos sócios, pois os via como adeptos

políticos, dentro e fora do campo futebolístico, os sócios também eram importantes para a

vida econômica do clube.

Por fim, vale destacar que os elementos na fala do recém-eleito presidente do clube

ultrapassavam o terreno futebolístico, atingindo o âmbito sócio-político. Carreras sabia da

dimensão extra-futebolística do Barcelona e empregou seu discurso nesse sentido. Mais do

que um sentimento clubístico, expressava-se um sentimento regionalista. E apesar da frase

Barça, més que un club, não ser encontrada no jornal, é sabido que o FC Barcelona adquiriu

significados sócio-políticos durante e depois da Guerra Civil Espanhola, e foi durante a

ditadura de Francisco Franco que o clube ganhou o status de equipe da Catalunha.79

79

SHAW, Duncan. op. cit. p. 22.

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CAPÍTULO II – O FC BARCELONA, O FRANQUISMO E O JORNAL EL MUNDO

DEPORTIVO ENTRE 1968 E 1969

Narcís de Carreras assumiu o clube com duas missões bem definidas, unificar as

divergências internas no FC Barcelona e sanar as dívidas do clube. Carreras e seus dirigentes

compartilhavam da seguinte ideia: a partir da unidade interna e uma economia saudável as

conquistas esportivas viriam. Nos seis primeiros meses de gestão, Carreras conseguiu

melhorias significativas na economia do FC Barcelona.80

Em meio ao crescimento da

Catalunha, Narcís de Carreras buscava a recuperação econômica do clube, assim como

consolidar uma unidade interna dentro do Barça.

Em busca da unidade, Carreras manteve quatro dirigentes da gestão anterior, eles

representavam a continuidade da gestão de Llaudet, os outros dez dirigentes convocados por

Carreras para compor chapa eram de diferentes filiações. O novo presidente almejava

aproximar as divergências internas do clube e unificá-las em um ideal comum.81

Antes mesmo de assumir a presidência, o Mundo Deportivo especulava que Carreras

tiraria o então treinador do time, o catalão Salvador Artigas, e colocaria o argentino Heleno

Herrera em seu lugar.

¿HELENO HERRERA ENTRENADOR DEL BARCELONA?

Parece que existe un compromiso verbal con el club azulgrana82

Carreras não se manifestou e Artigas permaneceu no cargo. Alguns dirigentes

apoiavam a sua permanência e em certos momentos o jornal também endossava essa ideia,

enquanto outros defendiam uma renovação de boa parte do plantel. O nome de Heleno

Herrera foi constantemente lembrado pelo jornal em momentos em que o time não estava bem

na Liga Espanhola.

Os rumores da saída de Artigas perduraram por toda a gestão de Carreras. No dia 10

de fevereiro de 1968, o presidente foi a público e afirmou que “ARTIGAS es un gran

entrenador que dirigirá el equipo azulgrana por muchos años”, e completou “Desde que

HELENO HERRERA dejó al Barcelona, jamás se penso en la posbihdad de su regreso”.83

80

BARNILS, Ramon. et al. op. cit. p.195. 81

TORRES, Carles Santacana. op.cit. p.58. 82

Mundo Deportivo, 17 de janeiro de 1968. p.9. 83

Mundo Deportivo, 10 de fevereiro de 1968. p.8.

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Vale ressaltar que Heleno Herrera havia sido treinador do FC Barcelona alguns anos antes, e

teve uma passagem vitoriosa.

No dia 29 de março desse ano, Carreras rebateu as críticas que davam como certa a

saída de um de seus dirigentes para dar lugar a Domingo Balmanya. Carreras:

Negó rotundamente que en el seno de su Directiva haya existido en ningún momento

la posibilidad de la baja de ninguno do sus componentes, los cuales hasta la fecha —

dijo — no han hecho sino mantenerse en todo momento dentro de una línea recta de

unidad y de servicio al club.84

Balmanya era treinador da Seleção Espanhola e pediu demissão de seu cargo para

trabalhar no FC Barcelona, acreditava-se que iria substituir Artigas como treinador, todavia,

assumiu o cargo de Diretor Técnico do clube.

No final do primeiro semestre de 1969, Carreras renovou o contrato com Artigas para

não gerar qualquer rumor da vinda de Herrera ao clube catalão. Entretanto, é importante

ressaltar que os nomes dos dois treinadores seriam envolvidos na crise do clube que culminou

na demissão de Carreras. Dedico um tópico mais adiante sobre a demissão de Carreras e o

envolvimento de Artigas e Herrera.

As divergências entre os dirigentes não ficavam apenas no campo da discussão. Após

uma derrota do FC Barcelona por 1-0 para o Atlético de Madrid, o ex-presidente Llaudet

agrediu fisicamente um membro da gestão de Carreras, Pere Baret. Segundo o jornal, a

motivação da briga seria um questionamento da gestão de Llaudet por parte de Baret. O jornal

descreveu a briga da seguinte forma:

El ex presidente, de una manera inesperada, agredió al señor Baret, lanzándolo

contra un armario y, profiriendo contra él una serie de frases inelegantes, diciéndole

que "era una vergüenza que fuera socio del Barcelona y que había que expulsarle del

Club".

El incidente surgió cuando el señor Baret, directivo en funciones, entró en los

vestuarios y se dirigía a felicitar al señor Llaudet quien visiblemente alterado,

arremetió contra el señor Baret, al parecer disgustado por ciertas críticas expresadas

por este contra la gestión de la Junta anterior.85

É possível dizer que as divergências entre o ex-presidente e o dirigente do clube

tinham cunho político. As desavenças entre Llaudet e Beret perduraram até 1969. Quando

84

Mundo Deportivo, 29 de março de 1968. p.3. 85

Mundo Deportivo, 29 de junho de 1968. p.4.

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Beret se candidatou a presidência do clube como oposição, e Llaudet não o apoiou, de fato

apoiou Agustí Montal que era o adversário de Beret na disputa pela presidência.

Logo após as desavenças o presidente Narcís de Carreras teve que intervir e amenizar

as divergências internas do clube, justificando a briga como exaltação do barcelonismo, ou

seja, paixão de torcedor pelo clube. Todavia, Carreras buscou ressaltar a importância que

Llaudet teve para o clube nos anos de sua gestão, e também evocou o “seny”86

para evitar

incidentes que “nada prestigian el buen nombre de la Sociedad”.87

Em setembro de 1968 Carreras teve que montar uma comissão econômica, buscando

manter a unidade interna no clube, o presidente do FC Barcelona convocou dois ex-

presidentes, um deles era Llaudet, para compor a comissão. Além desses, Carreras convocou

alguns ex-dirigentes da gestão anterior, bem como de sua gestão.

Outra atitude de Carreras que demonstrava a sua busca em formar a unidade interna no

clube foi a nomeação de Nicolas Casaus como sócio emérito do FC Barcelona. Casaus

representou a oposição dentro do clube durante a presidência de Llaudet, quando este deixou

ao cargo de presidente buscou sair candidato à presidência como opositor de Carreras.88

Todavia, apenas Carreras saiu candidato com chapa única.

No final do ano de 1968, Carreras fez um balanço da sua gestão. Quanto à unidade

interna do clube, o presidente afirmou:

[...] que la cordialidad y cohesión entre todos los miembros de la Junta Directiva era

total, y solo deseaba que esta unión fuese también absoluta entre todos lós socios, y

para demostrarlo debía estar más que nunca en torno al equipo.89

Vale lembrar que, para Carreras, a coesão interna entre os dirigentes seria o caminho

para resolver os problemas econômicos do clube, bem como a falta de títulos importantes da

equipe.

Após o afastamento do jogador Mendoza do elenco principal do FC Barcelona, o

periódico Norte-Exprés o entrevistou, o Mundo Deportivo reproduziu boa parte da entrevista.

Questionado sobre a organização interna do clube, Mendoza respondeu:

Yo sé lo que pasa al Barcelona, pero no soy el más indicado para airearlo. Desde

luego, hay una cosa que existe: desorganización, falta de autoridad y de criterio.90

86

“Razão”. Tradução nossa. 87

Mundo Deportivo, 03 de julho de 1968. p.4. 88

TORRES, Carles Santacana. op.cit. p. 85. 89

Mundo Deportivo, 13 de dezembro de 1968. p.4.

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A entrevista de Mendoza é emblemática, pois revela que os jogadores tinham

conhecimento daquilo que se passava no interior do clube. O jogador expôs a falta de unidade

interna entre os dirigentes.

2.1 Carreras e a Federación Española de Fútbol

Um dia depois da eleição de Narcís de Carreras à presidência do clube, a Federação

Espanhola de Futebol ratificou a posse de Carreras. Dois dias depois, em 20 de janeiro, o

presidente da federação, José Luis Costa falou ao jornal: “creo que el Barcelona ha

encontrado al hombre que precisa”.91

De certa forma, Costa acreditava, assim como os

dirigentes do clube, que Carreras fosse o homem ideal para sanar os problemas do FC

Barcelona.

No mês seguinte, o jornal noticiava que os presidentes do FC Barcelona, do Espanyol

e do Sabadell seriam partidários da contratação de jogadores estrangeiros. É curioso perceber

que os três clubes que questionavam a decisão da Federação Espanhola de Futebol eram da

região da Catalunha, e dois da cidade de Barcelona.

Como aponta Duncan Shaw tanto a Federação Espanhola de Futebol quanto a

Delegación Nacional de Deportes eram instituições formadas em sua maioria por falangistas

“incompetentes e ineficientes, pero obedientes y adictos al régimen”.92

A atitude dos clubes

pode ser enxergada como uma contestação não só à maneira como essas instituições

controlavam o esporte, mas também como uma forma de contestação do próprio regime

franquista.

A proibição de jogadores estrangeiros era da Delegação Nacional de Desportes em

conjunto com a Federação e datava de 1953, a lei vigorou até 1973. Segundo o jornal, um dos

motivos para a restrição era a política econômica da Espanha, ou seja, a política de

austeridade. Uma vez que contratar jogadores estrangeiros significava a “salida de divisas al

exterior, política nada aconsejable en estos tiempos actuales de austeridad”.93

Entretanto, a

90

Mundo Deportivo, 06 de março de 1969. p.5. 91

Mundo Deportivo, 20 de janeiro de 1968. p.3. 92

SHAW, Duncan. op.cit. p.31 e 37. 93

Mundo Deportivo, 29 de março de 1968. p.3.

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proibição corresponde ao período de contratação de Di Stefano e Kubala, nas quais houve

disputas entre os clubes Real Madrid e FC Barcelona contra a Federação.

Eram aceitos apenas jogadores de origem hispânica, de preferência filhos de

espanhóis, falantes da língua espanhola, que em sua maioria eram da América do Sul.94

Jogadores que não atendiam esses requisitos não poderiam ser contratados, esses eram tidos

como estrangeiros.

Quando questionado sobre a contratação de estrangeiros, Carreras argumentou

dizendo:

Soy, naturalmente, partidario de la contratación de jugadores extranjeros; pero

siempre que sean de una extraordinaria calidad, como Kubala o como Di Stéfano,

que crearon escuela en España.95

No dia 16 de março de 1968, após a Delegação Nacional de Desportes assinar a

continuidade da lei que proibia a contratação de jogadores estrangeiros, o Mundo Deportivo

trazia uma pequena nota com a seguinte manchete: “Narciso de Carreras aceptó con

obediencia la decision de no importar extranjeiros”.96

Entretanto, isso não significou o fim do

debate, que ganhou força novamente em 1969.

A ideia de contratar estrangeiros não era exclusividade de Carreras, era também

compartilhada por parte de seus dirigentes. No dia 10 de junho de 1968, o vice-presidente do

clube Josep Maria Sentís foi questionado se era favorável à importação de jogadores

estrangeiros, o dirigente foi categórico, assim como Carreras:

Siempre lo fui. Lo fui, del valor de una clase positiva. De aquél hombre que pudiera

enseñar. Que pudiera sentar «cátedra». Como Kubala o Di Stefano.97

O debate sobre a contratação de jogadores estrangeiros foi um dos fatores que levou o

FC Barcelona a ser mal visto dentro da Federação Espanhola de Futebol e da Delegação

Nacional de Desportes. O clube catalão não exercia tantos poderes políticos dentro da esfera

futebolística e esportiva, principalmente, porque o clube levantava a bandeira regionalista

catalã, além de ter um “sospechoso carácter político”.98

Já o Real Madrid era muito mais

94

TORRES, Carles Santacana. op.cit. p.138-139. 95

Mundo Deportivo, 28 de fevereiro de 1968. p.4. 96

Mundo Deportivo, 16 de março de 1968. p.7. 97

Mundo Deportivo, 10 de junho de 1968. p.19. 98

SHAW, Duncan. op. cit. p. 34.

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influente e com maior presença física e representatividade dentro das instituições esportivas

da Espanha.99

2.2 FC Barcelona e Benítez

No dia 6 de abril de 1968, o FC Barcelona se preparava para enfrentar o Real Madrid

pela Liga Espanhola, durante o treinamento o jogador uruguaio Julio César Benítez passou

mal. Segundo os médicos do clube, o jogador estava com uma doença infecciosa no intestino.

Benítez foi levado a um hospital, mas não resistiu e morreu no dia seguinte.

Benítez nasceu em Montevidéu no Uruguai, foi jogador do Racing Club de

Montevideo, foi contratado pelo Valladolid da Espanha onde jogou uma temporada, depois foi

para o Zaragoza para mais uma temporada até ser contratado pelo Barcelona em 1961. No FC

Barcelona se tornou um dos jogadores mais importantes do elenco, ganhou dois títulos com o

clube, Copa do Generalíssimo e Copa de Feiras.100

No dia 7 de abril de 1968 Benítez morreu com intoxicação alimentar. A sua morte teve

ampla cobertura do Mundo Deportivo. O jornal trouxe declarações da Federação Espanhola de

Futebol e da Delegação Nacional de Desportes, bem como a homenagem dos clubes no qual

ele passou. Além do Zaragoza, clubes como o Atlético de Madrid, Espanyol, Real Madrid e

Sevilla também prestaram homenagem.

No dia em que Benítez faleceu o Barcelona jogaria com o Real Madrid no Camp Nou

pela Liga Espanhola, porém Carreras pediu a suspensão do jogo devido à morte do jogador. O

Real Madrid aceitou a mudança de data.

Em nota oficial, o FC Barcelona o comunicou a morte do jogador:

El Club de Fútbol Barcelona, con profundo dolor, comunica a sus socios y

simpatizantes la triste noticia del fallecimiento de su jugador don Julio César Beníttz

Amoedo.101

A forma inesperada como Benítez morreu e o papel importante que possuía no clube

causou a comoção geral entre jogadores, dirigentes e torcedores. O luto azul-grená foi grande,

a torcida chorou a morte de Benítez, pois segundo o jornalista Joan Gich, “Benítez se había

99

Ibidem. p. 53. 100

Também conhecida como Taça das Cidades com Feiras, foi uma competição continental que reunia as

equipes europeias nas cidades como feiras de comércio. A competição que teve início na década de 50 durou até

1971. 101

Mundo Deportivo, 04 de abril de 1968. p.17.

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convertido en un barcelonês”, isto é, um cidadão de Barcelona. Ainda segundo Gich, mais de

100 mil pessoas deram o último adeus ao jogador do FC Barcelona.

Más de cien mil personas le dijeron el último adiós a Julio César Benítez, Y se lo

dijeron de corazón, con sentimiento. Luego el acto del entierro, resultó una

explosión popular, inmensa. Miles de personas en el Estadio; miles de personas en el

camino hasta la iglesia de San Odón, miles de personas en el cementerio de Las

Corts. Todos querían estar cerca de su ídolo [...]102

Gich tentou explicar o motivo da comoção geral dos torcedores:

El público sabía que Benítez era un niño grande, un hombre bueno y que sentía

hondamente los colores del Club que servía. Se había establecido una corriente de

simpatía y un aura de popularidad entre los espectadores y el jugador.103

A morte de Benítez comoveu e sensibilizou grande parte dos torcedores, e a revista

intitulada Barça, reproduziu uma frase de Carreras na qual dizia que:

El Barça és un símbol de la nostra terra, de la nostra regió (...) És el risc i ventura

d’un club con el Barcelona, que els seus socis i simpatitzants senten con sang de

seva sang, com carn de la seva carn.104

Carreras sabia da importância da torcida, e principalmente dos sócios, para o FC

Barcelona. Mais do que homenagear o jogador que, apesar de ser uruguaio, defendia as cores

azul-grená do FC Barcelona, a revista explorou junto com a morte do jogador, o sentimento

dos torcedores para com o clube que representava a Catalunha. Há aqui uma clara evocação

tanto do barcelonismo quanto do catalanismo.

2.3 FC Barcelona e Real Madrid: fora de campo

A relação fora de campo entre o cube da capital espanhola e o da capital catalã era

aparentemente calma, diferente da relação entre os torcedores e jogadores dos dois clubes.

102

Mundo Deportivo, 10 de abril de 1968. p.7. 103

Idem. 104

Vale lembrar que a revista Barça era estrita em catalão. “O Barça é um símbolo da nossa terra, da nossa

região (...) é o risco e o perigo que um clube como o Barcelona, que têm sócios e simpatizantes que sente como

sangue e seu sangue, como carne de sua carne.” Tradução nossa. Revista Barça s/d. Apud: BARNILS, Ramon. et

al. op. cit. p.193.

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Pouco depois de assumir a presidência do Barcelona, o Real Madrid, em nota oficial,

parabenizou Narcís de Carreras. A mesma nota minimizava a rivalidade entre os clubes,

afirmando que era normal e restrita apenas a âmbito esportivo, todavia é sabido que havia

disputas políticas entre os dois clubes.

Dias depois, Carreras foi a público falar sobre o Atlético de Madrid e se declarou ser

do “Atlético”. Carreras afirmava:

Yo aprecio mucho a Vicente Calderón. Todos mis grandes amigos de Madrid son

del Atlético. Me llegaba tan al alma sus penas, la tradicional mala suerte de su

equipo, que yo me sentia tan atlético como ellos.105

Ao falar da tradicional mala suerte do Atlético de Madrid, Carreras se referia ao fato

de que o Atlético sempre foi o segundo time da capital espanhola, com muito menos prestígio,

títulos conquistados, importância e poder econômico que o Real Madrid. A afinidade de

Carreras com o segundo clube de Madrid pode ser explicada pelo fato do Atlético de Madrid

ser coirmão do Athletic de Bilbao, clube que se opunham ao centralismo de Castella e

Madrid, assim como o FC Barcelona.

Mais do que uma provocação ao Real Madrid, ou uma demonstração de carinho para

com o Atlético de Madrid, Carreras estava expressando o seu posicionamento político.

Todavia, o Mundo Deportivo acreditava que a rivalidade deveria permanecer apenas no

campo esportivo. Segundo o jornal, fora do campo esportivo deveria imperar a “buenas y

cordiales relaciones amistosas” entre os dois clubes.106

Essa posição do jornal pode ser

atribuída a censura do período.

De fato a relação entre os presidentes do FC Barcelona e do Real Madrid era cordial,

entretanto, a relação entre Narcís de Carreras e Santiago Bernábeu não passava de mera

formalidade, existia apenas um respeito mutuo.

Deve-se considerar que, como demonstra Shaw, no período franquista a rivalidade

Real-Barça se construiu em três planos:

[...] primero, una lucha puramente deportiva entre dos gigantes deportivos de

España; segundo, una lucha regionalista entre los clubs que mejor representan a

Castilla y Cataluña; tercero, una lucha política, especialmente durante el franquismo,

entre un club generalmente considerado como derechista y franquista y otro

considerado liberal y opuesto al régimen de Franco.107

105

Mundo Deportivo, 11 de fevereiro de 1968. p.10. 106

Mundo Deportivo, 06 de abril de 1968. p.4. 107

SHAW, Duncan. op. cit. p. 62.

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Para Shaw, o Real Madrid representava a Espanha, esta por sua vez era representada

por Franco, logo o clube de Madrid representava não só o país, mas também o regime

franquista.108

Desta forma, a rivalidade entre Real Madrid e Barcelona não se limitava apenas

ao terreno esportivo, mas também político e regional.

Os presidentes dos dois clubes alimentavam as disputas políticas, no dia 10 de agosto

de 1968, Santiago Bernabéu teria dito no jornal Murcia Deportiva, e o Mundo Deportivo

reproduziu: “Don Santiago Bernabéu ha dicho que le gusta la Cataluña a pesar de los

catalanes” e ainda completou dizendo que admirava o presidente do Vilá Reyes “solo por

presidir en Cataluña un club que lleva el nombre de Español, ya es digno de admiración”.109

Fica evidente na fala de Bernabéu a presença do nacionalismo espanhol, deve-se

considerar que o presidente do Real Madrid era amigo de Franco, o clube que ele presidia era

instrumento de difusão nacionalista. Também se deve considerar a menção ao clube Espanyol

como uma forma de provocação ao FC Barcelona.

Ao assumir a imagem da Catalunha, o FC Barcelona considerava o seu rival, o Reial

Club Deportiu Espanyol de Barcelona, como um clube castelhano, por ter assumido um nome

que era visto como uma afronta, uma provocação aos catalães.110

O fato de um clube catalão com o nome de Espanyol, remetendo à Espanha e fazendo

alusão à monarquia, como o nome “Reial” (Real), era sinônimo de rejeição por parte dos

torcedores do FC Barcelona. E desde cedo o Espanyol foi associado ao “refugio de

franquistas”.111

Logo, a rivalidade entre os dois clubes era presente tanto no meio

futebolístico quanto no meio político, todavia, o desprezo do FC Barcelona era maior ao

centralismo castelhano do que contra o Espaynol.

2.4 O FC Barcelona e a Copa del Generalísimo

Para além daquilo que já foi dito, é possível destacar as medidas de Franco para

enquadrar o futebol, como por exemplo, a substituição do nome do campeonato Copa del Rey

108

Ibidem. p. 59. 109

O título Don era usado na Espanha como forma de status social, também era emprego para pessoas dignas de

respeito e/ou de idade. Mundo Deportivo, 10 de agosto de 1968. p.3. 110

SHAW, Duncan. op. cit. p. 22. 111

Idem. p. 42.

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41

de España para Copa del Generalísimo112

, fazendo alusão ao governo do General, e não à

Monarquia.

A conquista da Copa do Generalíssimo – para os clubes como o Athletic de Bilbao ou

FC Barcelona – significava uma vitória, ainda que parcial, de suas lutas separatistas, uma vez

que o general Francisco Franco entregava Taça de Campeão aos clubes. Essa atitude pode ser

vista, pela perspectiva desses clubes, como uma forma de reconhecimento de Franco às

regiões de origem que esses clubes representavam.

Vale lembrar também que o Real Madrid era tido como um clube do governo, Shaw

aponta que no período franquista o Real Madrid ajudou a “mejorar la imagen internacional

de la España franquista”.113

Durante a ditadura o clube da capital obteve muitos êxitos tanto

dentro da Espanha quanto na Europa, deste modo, exercendo uma hegemonia na Espanha e

notoriedade no continente. Portanto, a conquista do título de clubes marginais pode ser vista

não só como a vitória sobre o governo franquista, mas também como a quebra da hegemonia

madridista.

No começo do segundo semestre de 1968, deu-se o início a Copa del Generalísimo, o

favorito ao título era o Real Madrid que havia conquistado a Liga Espanhola do mesmo ano.

Clubes como o Athletic de Bilbao e FC Barcelona buscavam conquistar o título como uma

forma de oposição ao regime franquista. Todavia, devido à combinação de cruzamentos os

clubes da Catalunha e do País Basco se enfrentaram nas quartas de final.

Os dois maiores vencedores desse campeonato, o Athletic de Bilbao e FC Barcelona,

se enfrentaram em dois jogos, o FC Barcelona ganhou o primeiro jogo por 3-1 e empatou o

segundo em 0-0, garantindo a vaga para a semifinal, que disputou contra o Atlético de

Madrid. O FC Barcelona perdeu o primeiro jogo por 1-0, no jogo de volta venceu mais um a

vez o 3-1, garantindo a vaga para a final.

Depois da derrota para o Atlético de Madrid, um jogador do FC Barcelona foi

questionado pelo jornal sobre o papel do público na recuperação da derrota. Prontamente o

jogador Pereda disse: “El público debe ser el jugador número doce”114

, o treinador Artigas

também evocou o apoio do público, que respondeu prontamente. O jornal publicou a

112

O nome original era Copa de Su Exceléncia El Generalísimo. Optamos por usar Copa del Generalísimo,

assim como foi encontrado no periódico El Mundo Depotivo. 113

Ibidem. p.159. 114

Mundo Deportivo, 28 de junho de 1968. p.15.

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manifestação dos torcedores, um grupo de torcedores carregando um cartaz com a frase em

catalão: “Barça, amb um 3 a 0 ja en tenim prou”.115

A final foi entre o Real Madrid e o FC Barcelona, o clube catalão saiu da cidade de

Barcelona rumo a Madrid, o jogo seria disputado no estádio madridista Santiago Bernábeu. O

jornal imprimiu as suas expectativas e dos torcedores do clube:

El Barcelona partió arrastando las ilusiones de la afción catalana.

El Barcelona, y la ciudad de Barcelona necesitan un título, y ésta es lá gran

oportunidad de logralo. Tanto el equipo como nuestra capital precisan de ello [...]116

O periódico Mundo Deportivo depositou uma grande expectativa no triunfo do FC

Barcelona, tanto que o jogador Gento, do Real Madrid, foi questionado sobre a falta de títulos

do clube catalão. O jogador madridista disse:

[...] el Barcelona necesita un titulo. Su último, precisamente de Copa, data del 63: es

ya viejo. Las “hinchadas” necesitan triunfos. El Barcelona está en deuda con la suya

en este.117

Realmente o clube catalão não conquistava um título de expressão fazia tempo, tanto

que a proposta de Carreras quando assumiu a presidência era conquistar títulos. Em seis

meses de sua gestão o clube já havia perdido a Liga para o Real Madrid, e a Copa seria a

última oportunidade do time catalão de conquistar um título na temporada 1967-68.

Às vésperas do jogo os dirigentes dos dois clubes se reuniram em um ato “de

confraternidad catalano-madrileña”.118

Todavia, como já foi demonstrado, a relação entre os

dois presidentes era de mera cordialidade. Como descrevia a imprensa madrilenha, o Real era

“el enimigo público número uno del Barcelona”.119

No dia 12 de julho de 1968, em jogo único, o FC Barcelona superou o Real Madrid e

se consagrou campeão da Copa do Generalíssimo com o placar de 1-0. A conquista do título

rendeu uma edição completa do Mundo Deportivo. A capa do jornal trazia uma foto do

capitão do time catalão comemorando o gol, a foto vinha acompanhada pelos dizeres:

Zaldúa, el capitán azulgrana, simboliza el júbilo de toda la legión de seguidores

barcelonistas por el gran triunfo alcanzado ayer, en el Estadio Bernabeu, que

representa para el club decano el decimosexto título copero. Hoy, cuando a las 7’30

115

“Barça, com um 3 a 0 já é suficiente”. Tradução nossa. Idem. 116

Mundo Deportivo, 10 de julho de 1968. p.3. 117

Idem. 118

Mundo Deportivo, 11 de julho de 1968. p.3. 119

Idem. p. 26.

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de la tarde lleguen al Prat los jugadores barcelonistas, les espera una entusiasta

acogida popular.120

Além da presença dos presidentes dos clubes que disputaram a final, o general

Francisco Franco, sua esposa e seus ministros também assistiram o jogo. Após o apito final, a

esposa do ministro de Gorbenácion, teria dirigido a palavra ao presidente do FC Barcelona e

disse “Le felicito porque Barcelona también es España, ¿ no?”. Em resposta Narcís de

Carreras teria dito em catalão “Senyora, no fotem!”.121

A vitória do FC Barcelona não causou apenas o descontentamento das pessoas ligadas

a Franco, também desagradou à torcida do Real Madrid que começou a atirar garrafas no

campo, por esse motivo a final passou a ser conhecida como Final de las Botellas. Por outro

lado, o time catalão expressou sua alegria carregando Carreras nos ombros enquanto a torcida

o ovacionava. Logo depois a torcida invadiu o gramado. Aos prantos o presidente disse ao

Mundo Deportivo que oferecia “este título a todos los sócios”.122

Os torcedores catalães

fizeram a festa em território “inimigo”.

No dia seguinte à conquista a equipe vencedora chegou à cidade de Barcelona, e mais

uma vez a torcida demonstrou seu afeto. Ainda no aeroporto os jogadores foram recebidos

com os gritos de Visca el Barça. O presidente do FC Barcelona “ante una muchedumbre

entusiasmada se ofreció a la ciudad el trofeo conquistado”. O jornal descreveu o momento da

seguinte forma:

[...] era un motivo de satisfacción el triunfo alcanzado porque permitía, en nombre

del Club, ofrecer el Trofeo a la ciudad en a persona del señor Alcalde. Visiblemente

emocionado, el presidente azulgrana transmitió la Copa al señor Porcioles quien

respondiendo también en catalán dijo que felicitaba al Barcelona por su gran éxito

deportivo que tenía el respaldo no sólo de la ciudad sino de Cataluña entera.123

Aqui fica evidente aquilo que já foi mencionado sobre a importância da conquista do

título da Copa do Generalíssimo, isto é, a vitória, mesmo que simbólica, da região que o clube

representava. Deste modo, quando Carreras ofereceu o título ao prefeito da cidade de

Barcelona, estava oferecendo a todos os cidadãos de Barcelona, bem como a toda Catalunha.

120

Mundo Deportivo, 12 de julho de 1968. p.1. 121

“Señora ¡no me joda!”. Segundo a tradução de Carles Santanaca Torres. In: FABRE, Jaume & HUERTAS,

Josep, “Narcís de Carreras: la Lliga que no va poder ser” L’Avanç. n.31, octubre dep 1980. Apud. TORRES,

Carles Santacana. op. cit. p. 64. 122

Mundo Deportivo, 12 de julho de 1968. p.7. 123

Mundo Deportivo, 13 de julho de 1968. p.6.

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Uma semana após a conquista, o Mundo Deportivo publicou uma página com a

caricatura de todo elenco azul-grená. A imagem além de homenagear o conquista do FC

Barcelona também continha vários elementos que faziam referência à cultura catalã, como o

porró e a barretina colocada sobre a taça da Copa (VER ANEXO).124

Um mês depois ainda foi possível encontrar referências à conquista da Copa. Como o

motivo de celebração do Troféu Joan Gamper o clube ofereceu a taça da Copa a sua torcida

no Camp Nou, e o Mundo Deportivo descreveu assim:

Cataluña toda, representada por los miles de aficionados que anoche se dieron cita

en el "Camp Nou", rindió merecido homenaje a los hombres que, dando un curso de

entrega total a unos colores, conquistaron para el Barcelona, esse preciado galarón

que es la Copa de S. E. El Generalisímo.125

Em conjunto com a homenagem pela conquista, a abertura do Troféu Joan Gamper

teve a apresentação da Sardana, uma dança típica da Catalunha, bem como com o desfile da

bandeira da Espanha, da cidade de Barcelona e do clube. Vale ressaltar que havia uma

restrição ao uso da bandeira da Catalunha durante o franquismo, todavia, as bandeiras da

cidade e do clube simbolicamente representavam a da Catalunha.

Como foi demonstrado, durante a Copa do Generalíssimo era recorrente o uso de

elementos característicos da região da Catalunha nas manifestações dos torcedores e

dirigentes do Barcelona, deste modo corrobora a ideia já citada sobre o significado da

conquista da Copa. Outro fator importante que deve ser levado em conta é que o estádio de

futebol era um dos poucos lugares, se não o único lugar público, onde se podia falar o catalão

sem proibição. Nesse sentido, o clube era um espaço de sociabilidade, agregador das massas e

acessível às classes trabalhadoras, onde o catalão poderia expressar-se sem ser coibido pela

ditadura.

2.5 El Mundo Deportivo e o FC Barcelona

Com menos de quinze dias a frente do FC Barcelona, Narcís de Carreras visitou

alguns periódicos e revistas da cidade de Barcelona. Buscando o “estrechamiento de

124

O porró é um objeto para armazenar e beber vinho, já a barretina é uma espécie de uma boina. Ambos são

objetos típicos da cultura catalã. Ver anexo. 125

Mundo Deportivo, 22 de agosto de 1968. p.1.

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relaciones con los medios informativos” Carreras visitou também o El Mundo Deportivo, o

jornal retribuiu a visita dizendo que tinha a honra de receber o presidente do FC Barcelona. E

ainda afirmava:

Sabe él [Narcís de Carreras], como ninguno, que a través de sus sesenta y dos años

de vida, nuestro periódico ha estado siempre al leal servicio de los mejores intereses

del Club azulgrana [...]126

Na mesma edição do jornal o clube respondeu o Mundo Deportivo com uma nota na

qual era acompanhada pelo escudo do time e pelo logo do jornal, trazia os seguintes dizeres:

“EL C. F. BARCELONA al decano de los diarios de deporte españoles con motivo deI 62

Aniversario de su fundación”.127

A relação entre o jornal e o clube poder ser vista como uma troca. Se o jornal se

dedicava exclusivamente a publicar notícias do FC Barcelona, conseguia manter um número

constante de leitores, isto é, os torcedores do clube, o leitor-torcedor. Por outro lado, o FC

Barcelona aumentava sua visibilidade, essas pessoas poderiam vir a serem sócias do clube.

Entretanto, deve-se considerar que em 1968, o FC Barcelona contava com um pouco

mais que 48 mil sócios, ao término da gestão Carreras esse número era próximo dos 50 mil.128

É importante ressaltar aqui que esses números não representam todos os torcedores e/ou

simpatizantes do FC Barcelona, aqui estão apenas representados aqueles que eram sócios do

clube.

Com base na adesão de sócios ao Barça, entre 1968 e 1978, o crescimento dos

torcedores foi significativo – mais de 30 mil sócios em dez anos. Para o sucessor de Carreras

à presidência do clube, Agustí Montal i Costa, o FC Barcelona era “tot amb al soci, res sense

el soci.”129

Outro mecanismo utilizado pelo clube para, além de angariar fundos, somar mais

adeptos era o sistema da Penyes, ou seja, é uma espécie de “fã clube”, onde os adeptos se

reúnem para torcerem pelo clube. As primeiras Penyes Barcelonistes datam de 1955, nesse

ano constavam 8, dez anos depois eram quase 50.130

As Penyes representam um conjunto de

torcedores e simpatizantes do Barça, e nesse sentido a hipótese anterior é corroborada pelo

crescimento das Penyes, uma vez que estas eram criadas com a clara intenção de difusão dos

126

Mundo Deportivo, 01 de fevereiro de 1968. p.3. 127

Idem. 128

Dados estatísticos em: BARNILS, Ramon. et al. op. cit. 129

“Tudo com os sócios, nada sem eles.” Apud: BARNILS, Ramon. et al. op. cit. p.201. Tradução nossa. 130

Idem.

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ideais do clube, além da popularização, isto é, aumentar a sua influência na sociedade, dentro

e fora da Catalunha.

Nesse sentido, o clube buscava socialmente agregar adeptos e assim difundir as ideias

pró-Catalunha, vale lembrar que neste caso outros esportes – como o basquete, handebol,

hóquei e rúgbi – também se valeram disso, todavia o futebol de campo foi o que melhor

traduziu o FC Barcelona e, por conseguinte a Catalunha.

Após ter conquistado a Catalunha, o FC Barcelona passou a expandir seus horizontes,

as Penyes são um exemplo disso. Aos poucos o clube catalão foi conquistando a simpatia de

imigrantes, que estavam na Catalunha para trabalhar nas indústrias. Nessa “conquista de

simpatia” o clube encontrava apoio político das classes mais pobres, e assim, era visto como

“una de las formas más simpáticas y eficaces para acoger con los brazos abiertos a los miles

y miles de inmigrantes, que al cabo de poco tiempo vibran con los mismo colores de los

aficionados”131

da Catalunha. De um lado o FC Barcelona conquistava torcedores, do outro

conquistava potenciais adeptos políticos.

Portanto, o jornal colaborava com a exposição do clube, que por sua vez conquistava

mais torcedores. Então, esses novos torcedores, além de apoiar o time e eventualmente

colaborar financeiramente com o clube, se tornando sócios, também eram potenciais adeptos

políticos do clube, e por ouro lado, eram potenciais leitores do jornal.

A relação entre pessoas ligadas ao jornal e ao clube era muito próxima, isso fica

evidenciado com o caso de Joan Gich. Desde 1965 Gich era Secretário Geral do FC

Barcelona,132

concomitantemente a esse cargo conciliava a função de cronista do Mundo

Deportivo. Até meados de 1968, ele trabalhou para o clube e foi colaborador do periódico,

essa dupla função só foi cessada na administração de Carreras.

O presidente do clube o convidou para assumir o cargo de Gerente do Clube. Em uma

nota oficial publicada no jornal, FC Barcelona comunicou aos seus sócios a contratação de

Gich para um cargo no Conselho Diretivo.

El Consejo -Directivo del Club de Fútbol Barcelona tiene la satisfacción de

comunicar a sus asociados y a todos los barcelonistas, que ha sido nombrado gerente

del club, don Juan Gich Bech de Careda.

El señor Gich que durante varios años desempeñó la Secretaría general es conocedor

de los problemas del Barcelona y está perfectamente identificado con el espíritu que

le anima.

131

Frase do abade Dom Cassia Just Apud: SHAW, Duncan. op. cit. p. 64. 132

TORRES, Carles Santacana. op.cit. p.58.

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De sus grandes cualidades y capacidad de trabajo el Consejo Directivo espera los

mejores resultados en beneficio de los colores azulgrana.133

Carreras contratou Gich assim como havia feito com Domingo Balmanya, o presidente

do clube buscou pessoas que possuíam uma identificação com o FC Barcelona. O fato de

Carreras contratar pessoas que possuíam identificação com o clube pode ser visto de duas

maneiras, a primeira diz respeito à busca pela unidade interna entre os dirigentes, já a segunda

pode ser vista como uma forma de fortalecer a imagem que o clube passava, isto é, o

barcelonismo.

Segundo o Mundo Depotivo, Balmanya e Gich assumirem postos chaves no clube,

deste modo, com uma “entrega total y absoluta por parte de todos”,134

a equipe voltaria a

conquistar títulos.

Para além dos exemplos já citados, outra evidência da relação entre o clube o jornal

pode ser vista nos anúncios de pacotes de viagens que incluíam as passagens para Madrid e

ingressos para ver a final da Copa do Generalíssimo. Esse pacote era organizado pelo Mundo

Deportivo e pelo FC Barcelona. A ação conjunta de ambos também pode ser verificada em

outro pacote de viagem para ir assistir a final da Recopa de 1969 na Basiléia, vale destacar

que o anúncio vinha grafado em catalão com os dizeres “A Basilea amb el ‘Barça’”.135

O Mundo Deportivo também oferecia, ao final da temporada, prêmios aos melhores

jogadores do FC Barcelona. Na ocasião os jogadores Zaldúa e Rexach receberam o prêmio

antes de iniciar o jogo no estádio Camp Nou.

Antes de iniciarse el partido el director de EL MUNDO DEPORTIVO, don Ricardo

Grau, acompañado del vicepresidente del Barcelona, don Agustín Montal y de

nuestro subdirector, Emilio López Jimeno, hizo entrega a Zaldúa y Rexach, de los

trofeos al mejor jugador de la pasada temporada en los puestos de interior y

extremo, instituidos por nuestro diário.136

Deste modo, entende-se que a relação entre o jornal e clube era extremamente

próxima; uma relação sólida e recíproca. Entretanto, é necessário ressaltar, os periódicos

esportivos na Espanha eram muito populares durante o franquismo, e a maioria era ligado

direta ou indiretamente a um clube. Por exemplo, periódico Marca da capital espanhola

estava, e está até hoje, ligado ao Real Madrid.

133

Mundo Deportivo, 22 de março de 1968. p.3. 134

Mundo Deportivo, 25 de março de 1968. p.6. 135

“Em Basileia com o Barça.” Tradução nossa. In: Mundo Deportivo, 20 de março de 1969. p.5. 136

Mundo Deportivo, 07 de outubro de 1968. p.4.

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Ao término de seu primeiro ano como presidente do FC Barcelona avaliando a

importância da imprensa para o clube, para os seus torcedores, e também para a Catalunha,

Carreras disse:

Queremos una Prensa que nos diga las verdades y que sea el portavoz de los

aficionados porque ese es el mejor medio de que, entre todos, encontremos el

camino que hay que recorrer para que el Barcelona sea el Club grande, fuerte,

poderoso y brillante que todos deseamos para el bien de la ciudad, de Cataluña y de

España.137

Vale lembrar que, no final da década de 1960, o Mundo Deportivo e o Dicen

correspondiam a um quarto das vendas de periódicos na cidade de Barcelona (a tiragem do

Mundo Deportivo era em torno de 75 mil). Só perdiam para o La Vanguardia Española como

o periódico mais lido na Catalunha nesse período.138

Já no início da temporada 1969-1970, Carreras fez um comunicado em homenagem ao

período Mundo Deportivo. O jornal respondeu:

Señor presidente, en su parlamento usted nos dio las gracias por el interés de la

Prensa en el servicio al Barcelona. Creo que es nuestra obligación y nuestro deber,

puesto que siempre ha sido objetiva y ha estado al lado del club. [...] Barcelona

encontró en los medios de información el apoyo necesario en los momentos tristes,

celebraremos de todo corazón las horas de alegría que toda la afición barcelonista

espera y que todos deseamo.139

Fica evidente que durante a gestão Carreras, o presidente do FC Barcelona conseguiu

aproximar-se da imprensa esportiva, principalmente do periódico Mundo Deportivo, e manter

boas relações com esse meio de comunicação tão abrangente no período tardio do franquismo.

2.6 Sócio-torcedores e torcedores

Na década de 1960, mais especificamente em 1968, Narcís de Carreras então

presidente do clube proferiu a frase: Barça, més que un club. Essa frase explicitava que o FC

Barcelona ultrapassava o terreno futebolístico, atingindo o âmbito sócio-político. Esse período

137

Mundo Deportivo, 13 de dezembro de 1968. p.4. 138

SHAW, Duncan. op. cit. p.69. 139

Mundo Deportivo, 27 de julho de 1969. p.4.

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coincidiu com o desenvolvimento econômico da Catalunha que impulsionou um fluxo

migratório – quase um milhão de pessoas vindas das regiões mais pobres da Espanha.

Em suma, a sociedade catalã do final da década de 1960 oferecia novos aspectos se

comparados ao início da mesma década. Gradualmente havia uma reconquista do espaço civil,

que ainda era, em grande medida, controlado fortemente pelo regime franquista. De 1960 a

1970 a população da Catalunha cresceu, este crescimento é atribuído principalmente ao citado

fluxo migratório.140

O FC Barcelona soube agregar esse contingente de migrantes, o clube

aumentou o número de sócio-torcedores. No início da década de 60 eram um pouco mais de

39 mil, no final da década esse número chegava perto dos 50 mil.141

Durante todo o ano de 1968 o periódico Mundo Deportivo serviu como difusor das

ideias do clube. O jornal divulgava as notícias do clube e essa prática pode ser vista como

uma forma de inserção dos torcedores ao cotidiano do clube.

Esses torcedores viam no FC Barcelona como o clube representante da Catalunha. Um

clube representa os seus torcedores, no caso do FC Barcelona não é diferente. Nesse sentido, a

frase de Carreras surgiu como uma forma de expressão da posição política do FC Barcelona

frente ao governo central. Deste modo, o FC Barcelona assumiu não só uma identidade social

como também cultural.

Constantemente o jornal publicava anúncios de jogos no qual havia orientações para a

aquisição de ingressos para sócios e não-sócios, também publicava as convocatórias para as

assembleias do clube abertas aos sócios. Também encontramos no jornal notas oficiais de

Carreras dirigidas aos torcedores e aos sócios. Como por exemplo, uma em que Carreras

recomendava aos torcedores como deveriam receber os clubes visitantes no Camp Nou.

Les pediría primero, que tuviésemos la alegría enorme de seguir ganando trofeos y

títulos. Les pediría que tengan confianza en nuestros jugadores que ponen todo lo

que pueden para ganar los encuentros. Les pediría enfin, que dentro del campo se

comporten sensatamente, con amabilidad, con cordialidad, con deportividad

auténtica y que reciban siempre a todo el mundo con los brazos abiertos y com el

cariño que se debe recibir siempre a todos aquellos que nos visitan.142

Também é possível encontrar a manifestação de torcedores no jornal. Dentre essas

manifestações encontramos o incidente do Camp Nou,143

na qual os torcedores invadiram um

treino do FC Barcelona em protesto contra a má fase do clube na Liga Espanhola. Como

140

BARNILS, Ramon. et al. op. cit.p.186. 141

Dados estatísticos disponíveis em: BARNILS, Ramon. et al. op. cit. p. 421-422. 142

Mundo Deportivo, 21 de setembro de 1968. p.26. 143

Mundo Deportivo, 16 de outubro de 1968. p.4.

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resposta o clube chamou a polícia para conter os torcedores exaltados. Após esse

acontecimento o clube passou a controlar a entrada dos sócios aos treinos.

A restrição total aos torcedores aos treinos do time só seria confirmada no dia 05 de

outubro de 1969, a justificativa, segundo o clube era para o treinador Artigas dedicar-se “a la

preparación de los jugadores”.144

Mas de fato era para evitar manifestações contrárias ao

treinador.

Todavia, Carreras sabia da importância dos torcedores e dos sócios para a vida do

clube, também sabia que o futebol era uma das poucas formas de manifestação que não era

reprimida por Franco. Nesse sentido, em uma entrevista ao Mundo Deportivo, Carreras falou

sobre a importância dos torcedores.

El fútbol que atrae a las masas y que lás hace vibrar de satisfacción cuando la cosa

se resuelve bien o de mal-humor si no salen a su gusto, tiene la virtud de

promocionar nuevas generaciones de espectadores a medida que otras van

declinando. Cabe incluso, dar libre acceso a los estadios, a los muchachos de las

escuelas colaborando a la formación de masas nuevas y acaso mejor dispuestas...145

Mais do que reconhecer a importância do futebol e das torcidas, Carreras exaltou a

importância da constante renovação da torcida, isto é, como o futebol deveria agir para

sempre ter novos adeptos, novos torcedores, e no caso do FC Barcelona, novos sócios que

soubessem o que o FC Barcelona representava. Nesse sentido, temos como exemplo, os

migrantes espanhóis que buscavam trabalho em Barcelona e foram assimilados pelo clube.

Nesse sentido, o vice-presidente Agustí Montal disse ao jornal sobre os objetivos do

clube. Segundo Montal o clube deveria:

[...] transformar esta fe, esta ilusión y este amor que sienten por los colores

azulgrana los seguidores y socios de nuestro club, en victorias nacionales y

extranjeras, tanto deportivas como sociales.146

Constantemente os dirigentes diziam nos jornais da importância dos sócios para o

clube, e em alguns momentos o clube retribuía o apoio dos sócios organizando jogos

amistosos em homenagem a eles. No mês de maio o clube organizou um jogo contra o Stoke

City da Inglaterra, na capa do dia 14 de maio de 1969 o Mundo Deportivo trazia um foto do

time inglês com os dizeres:

144

Mundo Deportivo, 05 de outubro de 1969. p.3. 145

Mundo Deportivo, 11 de janeiro de 1969. p.4. 146

Mundo Deportivo, 15 de março de 1969. p.13.

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[...] el Barcelona dedicará un justo y merecido homenaje a sus socios. Con este

motivo se disputará un encuentro amistoso entre el club azulgrana y el Stoke

City.147

Já no início da temporada 1969-1970, Carreras fez um comunicado aos jogadores, no

qual exaltava a importância dos torcedores. Segundo Carreras, os torcedores representavam o

Barcelona, eram a e “su gran masa de seguidores”.148

Mas nem sempre a relação entre o clube e os torcedores era amistosa, em 1969 quando

o time enfrentava uma fase ruim na Liga Espanhola, os torcedores colocaram alguns cartazes

em volta do Camp Nou com os dizeres “FORA ARTIGAS”.149

Outra demonstração desse tipo

ocorreu alguns meses antes, quando se instaurou a crise no clube devido à suposta vinda do

treinador Heleno Herrera, a torcida colocou cartazes como “Visca el presidente” e

“Presidente, confiamos en tu palavra. No nos desfraudes”.150

2.7 FC Barcelona e os jogadores estrangeiros

Em 1967, ainda na gestão de Llaudet, o FC Barcelona contratou o jogador brasileiro

Silva na esperança que as restrições a jogadores estrangeiros sofressem alguma mudança.

Todavia, a Federação Espanhola de Futebol não alterou a restrição a jogadores estrangeiros.

No início de 1968, o presidente Carreras resolveu vender Silva, conformado com o fato de

não poder utilizar o jogador em campeonatos espanhóis.

A contratação de Silva significou uma transgressão da regra, na medida em que o FC

Barcelona ignorou a restrição e contratou um jogador estrangeiro. Também pode ser vista

como uma forma de protesto contra a Federação, ou também como uma forma de pressionar a

instituição. Entretanto, Silva nunca disputou um jogo oficial com a camisa do FC Barcelona,

Carreras teve que vendê-lo ao Clube de Regatas do Flamengo do Rio de Janeiro, para cortar

gastos e ganhar dinheiro com a negociação.

147

Mundo Deportivo, 14 de maio de 1969. p.1. 148

Mundo Deportivo, 27 de julho de 1969. p.3. 149

Artigas era técnico do FC Barcelona neste período. Mundo Deportivo, 05 de outubro de 1969. p.14. 150

Mundo Deportivo, 14 de junho de 1969. p.3.

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52

Já em 1969, o debate sobre a contratação de estrangeiros ganhou novo fôlego quando

alguns clubes começaram a questionar a restrição da Federação, eram clubes grandes e com

influência dentro da instituição começaram a pressionar,

Varios clubs vienen insistiendo cerca de la Federación Española en la petición de

que sea autorizada la importación de jugadores extranjeros a nuestro fútbol.

No será sorpresa para nadie el añadir que son precisamente los clubs «grandes» los

que encabezan esta posición: Barcelona, Valencia, Atlético de Madrid e incluso el

Real Madrid.151

Até o periódico Mundo Deportivo se posicionou no debate sobre a contratação de

jogadores estrangeiros. O jornalista José L. Lasplazas, em sua coluna Situación, intitulada

“Otra vez los extranjeiros” expunha o seu posicionamento quanto à contratação desses

jogadores. O jornalista escreveu que “nunca nos hemos opuesto a la importación de

extranjeros”.152

Após um período de pressão, a Federação resolveu estudar a possibilidade de importar

jogadores estrangeiros, segundo o Mundo Deportivo o tema seria debatido entre o presidente

da federação nacional e os presidentes das federações regionais, mas também seriam ouvidos

os presidentes dos clubes da primeira e segunda divisão.153

Todavia, nada foi resolvido.

No segundo semestre de 1969, Narcís de Carreras anunciou que contrataria um

paraguaio, o jogador Irala chegou a ser apresentado pelo clube azul-grená. A federação, no

entanto, impediu que a transação fosse confirmada, alegando que o jogador havia servido a

sua seleção antes do FC Barcelona. Além da restrição a jogadores que não tivessem origem

espanhola, a Federação Espanhola de Futebol também proibia jogadores que já tivessem

jogado pela seleção de seu país.

No dia 10 setembro, a Federação não autorizou Irala a jogar pelo FC Barcelona, o

jogador voltou para o Paraguai, a situação “ha producido cierto mal estar en el Barcelona”,154

que prontamente entrou com recurso ante a Federação. O periódico Mundo Deportivo saiu em

defesa do FC Barcelona, o jornal reconhecia que Irala havia jogado pela seleção do Paraguai,

151

Mundo Deportivo, 01 de fevereiro de 1969. p.7. 152

Mundo Deportivo, 07 de fevereiro de 1969. p.6. É interessante ressaltar que o FC Barcelona aceitava a

contratação de jogadores estrangeiros, ao passo que o clube do País Bassco, Athletic de Bilbao, restringe até os

dias de hoje a contratação de jogadores espanhóis não-bascos e estrangeiros, como uma forma de manter a

identidade regional. 153

Mundo Deportivo, 08 de maio de 1969. p.3. 154

Mundo Deportivo, 10 de setembro de 1969. p.4.

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entretanto, segundo o jornal “Al Barcelona se ha dado un trato desigual”.155

No editorial, o

jornal expressava sua opinião quanto ao caso.

Estamos dispuestos a asegurar que la Federación ha obrado de buena fe. Pero esta,

disculpa es muy pobre cuando se trata de administrar justicia. Y Esta bien claro que

en esta ocasión el Barcelona ha sido víctima de un procedimiento que en su forma y

em su esencia no se puede admitir, so pena de aceptar que aquí seamos afición de

segunda fila.156

Para o Mundo Deportivo a Federação Espanhola de Futebol valeu-se de seu prestígio e

poder político para impedir que o jogador paraguaio servisse o FC Barcelona. O periódico

levantou três exemplos de jogadores de origem espanhola que serviram às suas respectivas

seleções e que a Federação autorizou esses jogadores a servirem seus clubes.

Segundo Torres, o FC Barcelona reconhecia que Irala havia jogado pela Seleção do

Paraguai, todavia não admitia que outros clubes tivessem regalias dentro da Federação

Espanhola de Fuetebol.157

Já na década de 1950, o clube catalão teve problemas com a

Federação, quando tentou contratar o argentino Di Stefano, e foi obrigado a ceder para o rival

Real Madrid.

Como resposta, a Federação Espanhola de Futebol ratificou sua posição, afirmando

que seria investigado se realmente o jogador era de origem espanhola e se o jogador nunca

havia servido a sua seleção, caso fosse confirmado esses dois pontos, o jogador teria o aval

para ser contratado. Entretanto, esta investigação seria válida apenas para as novas

contratações, aqueles que já foram contratados não passariam por essa investigação.

Deste modo, o jogador preterido pelo FC Barcelona passaria por essa investigação e

seria comprovado que não poderia atuar, pois este já havia servido sua seleção. Seriam “aptos

los ‘pargauayos que ficharan hace tiempo y’ no aptos ‘los fichados recientemente’”.158

Portanto, a nova recomendação da Federação afetava diretamente o clube catalão.

Diante dessa decisão, Narcís de Carreras enviou um telegrama para a Federação o qual

expunha o descontentamento com a instituição. O Mundo Deportivo intitulou a carta de “El

Barcelona contra la Federación” e esta foi reproduzida na integra nas páginas do jornal. Em

um primeiro momento Carreras reiterou que a atitude da Federação fora arbitrária:

155

Mundo Deportivo, 12 de setembro de 1969. p.4. 156

Idem. 157

TORRES, Carles Santacana. op. cit. p.139. 158

Mundo Deportivo, 13 de setembro de 1969. p.4.

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Ante decisión tomada por Federación Española relación neuvos fichajes jugadores

paraguayos, según pulica Prensa de hoy, debo comunicarle mi enérgica protesta por

entender que se lesonan intereses CF Barcelona al darle trato desigual [...]159

Na segunda parte do telegrama, o presidente do FC Barcelona reforçou que a decisão

de investigar a documentação do jogador já vigorava desde o ano passado, todavia a lei não

fora aplicada.

Idénticas disposiciones legales estaban vigentes pasado año sobre este asunto y no se

tuvieron en consideración STOP Solicitamos comprueben de la FIFA

internacionalidade jugadores paraguayos inscrito pasada temporada y obren en

consecuencia [...]160

Como solução, Carreras propunha que a Federação pedisse a documentação dos

jogadores na Fédération Internationale de Football Association (FIFA) que comprovassem a

internacionalidade, isto é, se o jogador havia ou não servido sua seleção.

Por fim, Carreras afirmava que o FC Barcelona se posicionaria contra toda e qualquer

atitude que lesasse os interesses do clube:

De no atender nuestra petición que consideramos justa y equitativa, el CF Barcelona

se reserva ejercitar cuantas actitudes y acciones considere oportuna y necesarias en

defender nuestro intereses ante arbitraria decisión tomada.161

A Federação Espanhola de Futebol foi intransigente, e deu uma única resposta ao FC

Barcelona, a Federação não abriria exceção para o clube catalão. Segundo o presidente da

instituição, José Luis Costa, “la federacion no ha hecho mas que aplicar el reglamento”.162

Diante disso, o Mundo Deportivo se posicionou ao lado do FC Barcelona e não mediu

críticas à Federação Espanhola de Futebol. Segundo o jornal, “La Federación Española ha

resultado ser un órgano inopertante para mantiener lo que señalaba en su propio

reglamento”.163

Entretanto, a FIFA reconhecera a internacionalidad do jogador Fleitas – também

paraguaio – que fora contratado pelo Real Madrid na temporada passada, dentro das mesmas

regras que Irala. Ambos os jogadores haviam atuado pela Seleção do Paraguai e deste modo

não poderiam atuar em um time da Espanha, Fleitas atuava normalmente no time merengue.

159

Mundo Deportivo, 14 de setembro de 1969. p.16-17. 160

Idem. 161

Idem. 162

Idem. 163

Mundo Deportivo, 20 de setembro de 1969. p.14-15.

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A FIFA interveio e tornou público que uma grande quantidade de jogadores

estrangeiros apresentou documentação falsa para atuar na Espanha. Além de possuírem

documentação falsa de que não haviam jogado pela seleção de seu país, também possuíam

documentação falsa que demonstrava sua origem espanhola. Como demonstrou Torres, era

comum o jogador alegar que possuía antepassados espanhóis. O jogador alegava que

[...] había perdido sus archivos municipales o parroquiales durante a guerra civil, de

manera que si era verdad o no lo que decían, no se podia demonstrar

documentalmente. Como no había forma de confirmar o desmentir la veracidad de

sus afirmaciones, el consulado respectivo tramitava la documentación que le

permitía acogerse a esta suerte de nacionalización deportiva.164

Deste modo, é possível dizer que esta prática era sabida entre os clubes e entre os

próprios membros da Federação, “todo el mundo sabia que se hacía vista gorda con la

documentación”.165

Entretanto, pela atitude que a FIFA tomou ante a falsificação de

documentação dá para entender que a instituição máxima do futebol desconhecia tal prática na

Espanha.

Pressionada pela FIFA, a discussão sobre a contratação de jogadores estrangeiros

passou para o segundo plano. A Federação Espanhola decidiu que iria verificar se a

internacionalid dos jogadores estrangeiros na Espanha era oficiosa ou oficial. Mais uma vez a

instituição sofreu com as críticas do Mundo Deportivo, que dizia que a própria Federação

deveria ser julgada. Segundo o jornal, correspondia “al propio fútbol español resolver, con

auténtico carácter de urgencia, la anómala situación actual”.166

Diante da arbitrariedade da Federação, Carreras abriu a assembleia do conselho do

clube dizendo:

No queremos vantajas en la Federación pero exigimos el mismo trato para todos.

[...] Lo único que pedimos es una situación justa a favor de todos, incluido el

Barcelona.167

Carreras já tinha conhecimento das dimensões sócio-políticas do FC Barcelona, e isso

fica evidenciado em outra frase sua.168

Segundo o presidente do clube,

164

TORRES, Carles Santacana. op. cit. p.139. 165

Ibidem. 166

Mundo Deportivo, 25 de setembro de 1969. p.28. 167

Mundo Deportivo, 27 de setembro de 1969. p.3. 168

BARNILS, Ramon. et al. op. cit. p.193.

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El Barcelona ha de luchar siempre contra todo y contra todos porque somos los

mejores y porque representamos lo que representamos.169

Finalmente, após um mês de longo debate, a Federação Espanhola de Futebol em

conjunto com a Delegação Nacional de Desportes decidiram autorizar a “contratación de un

jugador de origem español, sea o no internacional en su país de procedência”.170

Medida

paliativa para aceitar jogadores estrangeiros e abafar o escândalo de documentação falsa

quanto à internacionalidade do jogador.

Sobre a decisão das instituições esportivas da Espanha, Narcís de Carreras foi a

público e disse:

En definitiva ese acuerdo nos ha dado la razón absolutamente en todo, y ha

producido satisfacción en nuestro club. Y que conste que el Barcelona no pedía

ninguna ventaja que no tuviesen los demás. Lo único que nosotros exigíamos — y

de ahí nuestra postura — es que se nos diése el mismo trato que al resto de los

equipos españoles.171

Carreras também falou da relação que os clubes deveriam ter com a Federação.

Segundo ele, os clubes deveriam “intervenir cada vez en mayor escala en la Federación y en

el nombramiento de sus miembros”.172

O FC Barcelona venceu esse embate contra a Federação, entretanto o jogador Irala não

foi contratado, pois, segundo o presidente, “El momento de fichar a Irala talvez ha

pasado”.173

Há de se considerar que os resultados conquistados após o debate entre o clube

catalão e a Federação Espanhola de Futebol, haja vista que em 1973 a Federação permitiu a

contratação de qualquer jogador estrangeiro com ou sem passagem por sua seleção, entretanto

restringia o número de estrangeiros a três.

169

Mundo Deportivo, 27 de setembro de 1969. p.4. 170

Mundo Deportivo, 09 de outubro de 1969. p.14. 171

Idem. 172

Mundo Deportivo, 09 de outubro de 1969. p.15. 173

Idem.

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2.8 Artigas e Herrera: crise interna no FC Barcelona

Após a derrota por 3-2 na final da Recopa174

para o ŠK Slovan Bratislava da

Eslováquia, o time foi convidado para fazer um tour nos Estados Unidos da América.

Enquanto o time e três dirigentes estavam nos EUA, alguns dirigentes se reuniram e pediram

a contratação do treinador argentino Heleno Herrera. O contrato de Salvador Artigas, então

treinador, tinha sido renovado duas semanas antes.

Dentre os presentes na assembleia, onze dirigentes apoiaram a contratação de Herrera,

enquanto que sete concordaram que era necessário respeitar o contrato com Artigas. Os três

dirigentes que estavam nos EUA não foram ouvidos a respeito. E Carreras que estava em

Budapeste acompanhando o sorteio para a Copa de Feiras, parecia não saber dessa

movimentação dentro do clube.

Com a decisão de contratar Herrera, e visando o seu fortalecimento para se candidatar

à presidência do clube, Pere Baret viajou para a Itália – acompanhado de Gich e mais um

dirigente – para acertar a negociação de Herrera, que estava treinando o Football Club

Internazionale Milano. Todavia, os três dirigentes que estavam no EUA retornaram e

decidiram pela não contratação de Herrera.175

A situação gerou um mal-estar entre os dirigentes. Em meio a isso, o Mundo

Deportivo noticiou que:

Por lo menos ocho de los directivos reunidos a noche amenazaron con su dimisión si

se fichaba a H.H. [Heleno Herrera], no por oposición a este entrenador, sino por

considerar que el caso no favorecía para nada la seriedad y el prestigio del Club.176

Quatro dias depois, um dos secretários, Marcelino Moreta, entregou uma carta de

demissão, na qual dizia que sua saída do clube seria acompanhada pela demissão de Baret,

pois segundo Moreta, “hemos sidos destacados antagonistas en el pleito que divide el

Consejo y la opinión barcelonista...”.177

Entretanto, Baret permaneceu no cargo.

Após seu regresso de Budapeste, Carreras convocou uma reunião para discutir os

recentes acontecimentos, segundo o jornal, uma das pautas seria a não contratação de Herrera.

O jornal se manifestou “La junta directiva del Barcelona tiene hoy, en sus manos, el

174

Era o segundo torneio mais importante entre clubes europeus. Participavam deste torneio os campeões das

copas nacionais, por exemplo, o FC Barcelona assegurou participação neste torneio após conquistar a Copa del

Generalísimo em 1968. 175

TORRES, Carles Santacana. op. cit. p.78. 176

Mundo Deportivo, 07 de junho de 1969. p.4. 177

Mundo Deportivo, 11 de junho de 1969. p.4.

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mantener la unidad”, o Mundo Deportivo lembrou qual era a principal missão de Carreras

quando assumiu a presidência do clube, isto é, construir uma unidade sólida entre os

dirigentes do clube. Só no dia 15 de junho de 1969 foi reiterada pelo clube a continuação de

Artigas.

A crise interna, porém, já havia sido deflagrada. Em entrevista ao periódico La

Vanguardia, que foi reproduzida pelo Mundo Deportivo, Carreras falou sobre a sua tarefa de

construir a unidade no clube.

[...] no hay que olvidar que la unidad no depende tan sólo del deseo y entrega de un

solo; la unidad es siempre un esfuerzo colectivo [...]178

Já no início da temporada 1969-1970, em entrevista ao Mundo Deportivo, Carreras

voltou a falar a respeito da unidade, “La unidad no depende de mí, sino de todos”.179

As

declarações de Carreras exemplificam as dificuldades que o presidente tinha em consolidar

suas propostas. Todavia, demonstram o fracasso de sua missão.

No dia 09 de setembro, o FC Barcelona anunciou a demissão de Baret e, como

justificativa o clube se manifestou em nota dizendo que a atitude era para “mantener la

unidad del club”.180

Acompanhando pela demissão de Baret, o clube anunciou dias depois a demissão de

Artigas, mas não anunciou outro treinador para o posto, apesar do nome de Balmanya ser

cogitado, Carreras rejeitou a ideia de colocar o seu secretário no cargo de treinador. O

ambiente no clube não era dos melhores, a situação ficou insustentável, e Carreras se viu

obrigado a se demitir.

No dia 05 de novembro de 1969, Carreras oficializou sua demissão e convocou as

eleições para o dia 18 de dezembro. Vale lembrar que, de sua demissão até a as eleições do

clube, Carreras exerceu sua função como presidente do FC Barcelona. Não entraremos em

detalhes sobre a gestão posterior a de Carreras, nos restringiremos a analisar apenas a gestão

de Narcís de Carreras.

178

Mundo Deportivo, 07 de julho de 1969. p.7. 179

Mundo Deportivo, 27 de julho de 1969. p.4. 180

Mundo Deportivo, 27 de setembro de 1969. p.3.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

De fato, a gestão de Carreras atingiu a estabilidade econômica do clube, além disso,

conseguiu aumentar o número de sócios para quase 50 mil, todavia no futebol não conquistou

nenhum título importante. O clube conquistou apenas a Copa del Generalísimo em 1968,

além de duas taças do Troféu Joan Gamper, que é um campeonato amistoso organizado pelo

próprio clube em homenagem ao seu fundador, Joan Gamper.

Os quase dois anos de mandato de Carreras foram contraditórios, pois não conseguiu

superar as disputas internas do clube, e tampouco conseguiu êxitos esportivos importantes.

Deve-se notar também que, durante esse período, o FC Barcelona ganhou força nas

instituições esportivas da Espanha, principalmente na Federação Espanhola de Futebol, após o

debate sobre a contratação de jogadores estrangeiros, no qual o clube catalão saiu, em parte,

vitorioso. Todavia, nos anos em que foi presidente Carreras fez com que o clube adquirisse

um significado extra-esportivo.

A frase – més que un club – pode ser encontrada no discurso de posse,181

entretanto,

no Mundo Deportivo ela foi substituída por “El Barcelona es un espíritu y unos colores que

llevamos muy dentro”.182

Essa substituição da frase original por outra pode ser atribuída à

censura que a imprensa sofria na época.

A frase de Carreras, ou qualquer alusão à frase, não foi encontrada no periódico

Mundo Deportivo nos anos 1968 e 1969. Todavia, é possível dizer que os torcedores, sócios e

pessoas que viviam no ambiente interno do clube a conheciam. Como exemplo, temos o caso

do abade do monastério de Montserrat, Dom Cassia Just. O religioso comparou o FC

Barcelona com o significado de Montserrat, e assim, tentou demonstrar a importância dos

dois para a Catalunha.

El Barça es mucho más que un club de fútbol, aunque, naturalmente, tienen una

importancia básica los êxitos desportivos, y Montserrat representa y es mucho más

que un monasterio.183

Também é possível encontrar alusões à frase em 1969, no artigo de Manuel Vázquez

Montalbán, Barça! Barça! Barça! más allá del fútbol, que foi publicado na Revista Triunfo.

181

La Vanguardia Española, 24 de outubro de 1998. p.43. 182

El Mundo Deportivo. 18 de janeiro de 1968. p.4. 183

Revista Barça, Barcelona, nº 992, 19 de Noviembre de 1974. Apud: SHAW, Duncan. op. cit. p. 64.

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Não cabe reproduzir todo o artigo, mas vale dizer que o autor em seu título faz alusão direta à

frase de Carreras, além de expor a importância política e social do FC Barcelona, para

Montalbán “Es el Barça la única instituición legal que une al hombre de la calle con la

Cataluña”.184

Sendo assim, os periódicos serviram como veículo de propagação das ideias

barcelonistas pregadas por Narcís de Carreras. Deste modo, o FC Barcelona conseguiu

aumentar significativamente o número de sócio-torcedores, mesmo com problemas políticos e

econômicos internos, além da falta de títulos significativos no terreno futebolístico.

Enfim, após analisar os anos de 1968 e 1969 é possível dizer que o considerável

aumento do número de adeptos não foi marcado apenas pela frase mes que un club, mas é

possível dizer que a adesão ao clube foi intermediada pelos periódicos, na medida em que os

jornais divulgavam as notícias do clube. O jornal mostrava o cotidiano do clube fazendo com

que o leitor se sentisse parte integrante do FC Barcelona, uma vez que o clube era um espaço

de sociabilidade, e o único espaço de manifestação política. O FC Barcelona era o espaço no

qual o catalão exercia sua cidadania.

184

Triunfo, 25 de outubro de 1969. Apud. TORRES, Carles Santacana. op. cit. Apéndice p.281-285

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ANEXO

Na imagem é possível observar elementos típicos da cultura catalã, como por exemplo,

o porró na mão direita do avi del Barça,185

senhor que simboliza o FC Barcelona, na mão

esquerda ele está segurando uma fotografia do fundador do clube Joan Gramper. Sobre a e

Copa del Generalísimo encontramos uma espécie de uma boina, a barretina, elemento típico

catalão.

Também é possível encontrar duas frases em catalão. A primeira é do segundo senhor

da esquerda para a direita, que está usando uma roupa listrada, identificado como Domingo

Balmanya, Diretor Técnico do clube. O senhor diz: “molt bé nanos”. A segunda frase em

catalão encontre-se no canto superior direito, dois pássaros dizem: “Escolta els veins estan

contents”.186

Um dos pássaros parecer ter o escudo do RCD Espanyol no peito, nesse sentido,

a frase pode ser vista como uma provocação ao rival da cidade de Barcelona.

185

O “Avô do Barça” é o mascote do clube. Tradução nossa. 186

“Muito bem meninos” e “Escuta, os vizinhos estão contentes”. Tradução nossa.