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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS ELAINE GODOY PROATTI CONSCIÊNCIA E LEI: OS EMBATES SUBJETIVOS E TEOLÓGICOS NOS PARECERES DO PADRE FRAY MIGUEL AGIA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

ELAINE GODOY PROATTI

CONSCIÊNCIA E LEI:

OS EMBATES SUBJETIVOS E TEOLÓGICOS NOS PARECERES DO PADRE FRAY MIGUEL AGIA

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ELAINE GODOY PROATTI

CONSCIÊNCIA E LEI:

OS EMBATES SUBJETIVOS E TEOLÓGICOS NOS PARECERES DO PADRE FRAY MIGUEL AGIA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós

Graduação em História, do Departamento de

História da Escola de Filosofia, Letras e

Ciências Humanas da Universidade Federal de

São Paulo como requisito parcial para

obtençãodo título de Mestre em História.

Linha de Pesquisa: Poder, cultura e saberes.

Orientador: Prof. Dr. Rafael Ruiz.

GUARULHOS

2015

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Godoy Proatti, Elaine.

Consciência e lei :Os embates subjetivos e

teológicos nos pareceres do Padre Fray Miguel Agia /

Elaine Godoy Proatti. Guarulhos, 2015.

1 f.

Trabalho de conclusão de Dissertação (Mestrado) –

Universidade Federal de São Paulo, Escola de

Filosofia, Letras e Ciências Humanas, 2015.

Orientação:Prof. Dr. Rafael Ruiz

1. Direito colonial. 2. Consciência. 3.

Interpretação jurisprudencial. I. Prof. Dr. Rafael

Ruiz. II. Consciência e lei :Os embates subjetivos e

teológicos nos pareceres do Padre Fray Miguel Agia.

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Elaine Godoy Proatti

CONSCIÊNCIA E LEI:

Os embates subjetivos e teológicos nos pareceres do Padre Fray Miguel Agia

Aprovação: ____/____/________

Prof. Dr. Rafael Ruiz Orientador

Universidade Federal de São Paulo

Profª. Drª. Janice Theodoro

Universidade de São Paulo

Profª. Drª. Rossana Pinheiro

Universidade Federal de São Paulo

Dissertação apresentada ao Programa de Pós

Graduação em História, do Departamento de

História da Escola de Filosofia, Letras e

Ciências Humanas da Universidade Federal de

São Paulo como requisito parcial para

obtençãodo título de Mestre em História.

Linha de Pesquisa: Poder, cultura e saberes.

Orientador: Prof. Dr. Rafael Ruiz

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Dedico este trabalho a Deus e a minha

família que são minha fortaleza e alegria na

Vida. Nenhum trabalho pode ser bem

realizado se não tiver o apoio de quem

amamos e temos fé.

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AGRADECIMENTOS

Esta pesquisa não teria sido concluída sem o apoio de pessoas que acreditaram, junto

comigo, em sua realização. Nenhum trabalho é feito sozinho, mesmo que boa parte dele se

passe solitariamente em bibliotecas, arquivos e diante do computador. Muitas pessoas

contribuíram para esse trabalho e merecem serem citadas. Agradeço primeiramente à minha

família, meu avô João Francisco, minha avó Romilda Braido, meus pais Rosilene e Paulo e

minha irmã Lilian que vivenciaram cada etapa da minha pesquisa e me ajudaram a superar os

desafios e a acreditar no amor e paixão pelo conhecimento, cultura e história. Agradeço ao

Douglas por ter paciência e ser solicito comigo em tudo que precisei. Meus sinceros

agradecimentos por se mostrarem tão presentes e confiantes em mim e meus propósitos, essa

confiança me fortalece a cada dia e foi fundamental para atingir esse resultado.

Agradeço à minha amiga Larissa da Costa que sempre esteve comigo desde a

gradução compartilhando todas as crises, dúvidas e aventuras. Muito obrigada por toda a

dedicação e atenção que sempre me ofereceu. Ao meu amigo Ewerton que me ajudou a

entender e a pensar melhor sobre a profissão de educador e de historiador e aos outros colegas

e professores do Mestrado.

Agradeço ao Douglas e Erick da administração do programa de pós-graduação em

História. Vocês foram incríveis em todo problema burocrático que encontrei. Devo meus

sinceros agradecimentos a Jorge Núñez, Agustín Casagrande, Esteban Llamosas, Alejandro

Agüero e Víctor Tau Anzoátegui do Instituto de Investigaciones de Historia del Derecho em

Buenos Aires que me receberam muito bem nos Congressos que estive e orientaram os

caminhos da minha pesquisa. Meus eternos agradecimentos à Thomas Duve, diretor do

Instituto Max Planck em Frankfurt, pela maravilhosa experiência que me proporcionou, por

eu poder conhecer a biblioteca e ampliar meus horizontes, pessoais e profissionais. Este

tempo foi especial e muito precioso para mim, ele me manteve em contato diário com minha

pesquisa e mim mesma. Obrigada aos colegas que fiz neste instituto, Federica Fufaro, Pamela

Cacciavillani, Karla Escobar, José Luiz Paz, Pedro Berardi, Ana Laura Lanteri, Constanza

Lopez, Benedetta Albani, Massimo Meccarelli, Pilar Mejía, Luiz Ramiro, Mauro Paladini,

Leticia Vita, José Manuel Barreto, Alejandra Aletita, Losé Luis Egío, David Rex, Alexander

Weyrauch e a Philipp Sierget, pessoas incríveis e de um coração enorme.

Agradeço à Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP – por

viabilizar e financiar minhas pesquisas desde minha primeira iniciação científica em 2010 até

agora, 2015, no mestrado. Obrigada por investirem nesse projeto junto comigo. Agradeço às

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professoras Janice Teodoro e Rossana Pinheiro que me brindaram com seus comentários,

sugestões e carinho nessa pesquisa. E por último, ressaltando a grande importância e

contribuição, meus profundos agradecimentos ao meu orientador e amigo Rafael Ruiz por ter

paciência comigo durantes esses 5 anos que compartilhamos temas de pesquisas, projetos de

inciação científica, artigos, congressos do Sonho e Razão e dissertação de mestrado. Obrigada

por ler, corregir, melhorar e orientar tudo que escrevi. Muito obrigada por me iniciar na

atividade acadêmica e por acreditar em mim para participar do seu lindo trabalho e estudo

sobre o Direito e a Justiça na América Colonial, por me ensinar sobre o probabilismo,

consciência, direito, sobre Alice, Dostoievski e o amor pela literatura e a história. O senhor

me mostrou como é ser um pesquisador, um historiador, um amante pela literatura e um

excelente professor. Obrigada por ser um exemplo. Tem sido um prazer e uma honra estar

contigo todo esse tempo e participar do grupo de estudo Núcleo de Estudos Ibéricos.

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Es siempre la ley una experiencia tardía, que

presume de innovación audaz, y aun cuando

llegue a serlo, el rumbo de su espíritu lleva el

derrotivo fatal, que hace pronto de todo

impulso liberal una resistencia conservadora.

Y si pudiéramos legislar siempre con efecto

retroactivo, todavía, como sucede cuando

excepcioanalmente así se hace, la ley

conservando el defecto originario de ser

general, enfocaría la perspectiva engañosa de

un conjunto, difícil de percibir en la realidade

variadísima de los hechos.

Discurso del Exmo Sr. Dr. Niceto

Alcalá Zamora y Torres “La jurisprudencia

y la vida del derecho” – 1920 p,490.

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RESUMO

Pretendemos evidenciar nessa pesquisa as relações entre a teologia moral e o direito

demonstrando até que ponto a teologia orientava as questões jurídicas e políticas na América

espanhola no vice-reinado do Peru nos séculos XVI e XVII. Buscamos perceber como tais

questões teológicas e jurídicas se misturavam com as políticas e se adaptavam aos costumes

indígenas de maneira a ordenar a sociedade colonial, mesmo quando as leis não se adaptavam

e não existiam em virtude das distâncias e complexidades vivenciadas. O problema que

apresentamos é o de como a teologia moral orienta e soluciona as dúvidas jurídicas, políticas

e religiosas estabelecendo um controle de como se deve agir e pensar para não errar e não

cometer pecado. Como, pela teologia moral, a consciência ganha peso e força no momento da

deliberação dos juízes e das sentenças dos casos duvidosos? Parece que no âmbito jurídico, o

arbítrio do juiz confere a ele um espaço e uma flexibilidade, subordinada à moral católica,

para aplicar a justiça, prudentemente e conscientemente, sem ao menos executar a lei. Assim,

a sua interpretação e consciência subjetiva, orientadas pela teologia moral, ganham peso e

importância na criação do direito. Acreditamos então, que a teologia moral se faz mais

eficiente nos lugares onde não há legislação, ou onde esta não corresponde às situações

concretas, do que as próprias leis, adquirindo assim um caráter ordenador e normatizador para

a sociedade.

Palavras-chave: Direito Colonial. Consciência. Interpretação Jurisprudencial.

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ABSTRACT

We intend to prove in this research the relationship between moral theology and the right,

showing the extent to which thetheology regulates and guided the legal and political questions

in Spanish America, viceroy of Peru, in the late sixteenth and seventeenth century. We seek to

understand how such theological and legal issues mingled with the policies and adapted to

indigenous customs in order to organize the colonial society, even when the laws did not fit

and did not exist because of the distances and experienced complexities.The problem

presented is how moral theology guides and addresses the legal, political and religious

questions, setting a social and cultural behavior control how to act and think to not make

mistakes and not commit sin. As for the moral theology, consciousness gains weight and

strength at the moment of the judges deliberation and the judgments of doubtful cases? It

seems that in the legal scope, the will of the judge give him a space and flexibility,

subordinated by the Catholic moral, to administer justice wisely and consciously, not even

enforce the law. Thus, his interpretation and subjective consciousness, guided by moral

theology, gain weight and importance in the creation of law. We believe then, that moral

theology is most efficient in places where there is no law, or where it does not correspond to

the concrete situations of the laws themselves, thus acquiring an organizational and normative

character to society.

Keywords: Colonial Law. Conscience. Interpretation.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 100

CAPÍTULO 1: PRINCIPAIS QUESTÕES SURGIDAS NOS SÉCULOS XVI E XVII A

RESPEITO DOS SERVIÇOS PESSOAIS INDÍGENAS 20

1. Contexto histórico 20

1.1. Debate teológico-jurídico sobre as Servidumbres personales 25

1.2. Economia colonial: Repartimientos e encomiendas 33

1.3. Real Cédula de 24 de noviembre de 1601 37

CAPÍTULO 2: APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS PARECERES DO PADRE FRAY

MIGUEL AGIA 54

2. Fr. Miguel Agia: vida e obra 55

2.1. Resumo de cada um dos pareceres 59

2.2. Análise dos Pareceres 61

2.3. A necessidade de flexibilizar a aplicação da lei 77

2.4. Arbítrio e lei na interpretação de Fr. Miguel Agia em seus três pareceres 91

CAPÍTULO 3: DA LEGALIDADE À MORALIDADE: EMBATES ENTRE A

CONSCIÊNCIA SUBJETIVA E A LEI 106

3. Probabilismo 107

3.1. Aproximações entre “probabilismo” e o tratado de Fr. Miguel Agia 118

3.2. Contribuições da Segunda Escolástica para o pensamento teológico-jurídico

dos séculos XVI e XVII 125

3.3. Consciência e lei: normas e interpretação 130

3.4. Interpretação e arbítrio 148

3.5. Intenção e vontade 155

CAPÍTULO 4: RELIGIOSIDADE E GOVERNO NO VICEREINADO DO PERU 165

4. Os franciscanos na Nova Espanha: administração da doutrina e dos

sacramentos no século XVI 165

4.1. Evangelização franciscana no Peru no século XVI 170

4.2. Gobierno de D. Luis de Velasco (1596-1604) 188

4.3. Os pareceres dos religiosos sobre a Real Cédula de 1601 202

CONSIDERAÇÕES FINAIS 208

REFERÊNCIAS 21213

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INTRODUÇÃO

Apresentação

Este trabalho analisa os embates entre a consciência subjetiva e a lei nos pareceres do

Padre Fr. Miguel Agia1 tendo como base as seguintes fontes: A Real Cédula de 24 de

noviembre de 16012, escrita pelo rei Filipe III dirigida ao vice-rei do Peru, Don Luis de

Velasco3; e o Tratado que contiene tres pareceres graves en derecho

4 escrito pelo franciscano

Fr. Miguel Agia em 1602 e impresso em Lima em 1604, sobre a verdadeira inteligência,

declaração e justificação dessa Real Cédula de 1601, solicitado por Velasco.

O estudo dessas duas fontes mencionadas abre caminhos e deixa perguntas sobre o

direito e a justiça que ampliam o debate para além da dialética entre a elaboração da lei e sua

efetiva aplicação. Mesmo que as dúvidas jurídicas na América colonial, fosse ela espanhola

ou portuguesa, recaiam sempre sobre a contradição e desconfiança entendidas nessa dialética,

propomos apresentar as relações entre a teologia e o direito, por meio da interpretação e do

arbítrio, evidenciando uma práxis e uma racionalidade dentro da cultura jurídica do século

XVI e XVII, que entendia que as normas escritas para as Índias atingiram uma amplitude

muito maior do que simplesmente significar um documento escrito.

A Real Cédula foi dirigida ao então vice-rei do Peru em 1601, Don Luis de Velasco. Tal

vice-rei tinha dúvidas práticas de como aplicar essa cédula e solicitou pareceres de várias

pessoas experientes nos assuntos. Fr. Miguel Agia foi um desses consultados que apresentou

1 Fr. Miguel Agia foi considerado teólogo e jurista por ter frequentado as faculdades de Teologia, Cânones e

Leis, e sua obra foi reconhecida como um tratado por apresentar referências do direito canônico e civil, abordar

questões teológicas a respeito da população indígena, questões administrativas e políticas como as encomiendas

e os repartimientos. Em nossa pesquisa encontramos alguns autores que citaram a obra de Agia, estes foram:

Solórzano Pereira, Silvio Zavala, Paulino Castañeda Delgado, Francisco Cuena Boy e Miguel Luque Talaván. 2 Esta Real Cédula de 24 de noviembre de 1601, está em uma edição moderna realizada por Fr. Javier de Ayala

em Sevilla no ano de 1946, retirada do A.G.I., Indiferente General, 428, lib. 32. Agradeço ao Prof. Dr. Rafael

Ruiz por me entregar a versão impressa desse estudo preliminar feito por Ayala, sem o qual essa pesquisa não

teria se desenvolvido. 3 Don Luis de Velasco, antes de governar o Peru, governava o México de 1590 a 1595. Governou as províncias

do Peru entre 1596 a 1604, retomando a ser vice-rei do México de1607 a 1609. 4 Este Tratado que contiene tres pareceres graves en derecho do Padre Fr. Miguel Agia possui uma versão

moderna estudada por Fr. Javier de Ayala, em Sevilla no ano de 1946, localizada na B.N.M., na seção de Raros,

número 6.480. Agradeço ao Prof. Dr. Rafael Ruiz em me conceder uma cópia dessa obra, sem o qual essa

pesquisa não poderia abranger os temas da interpretação e arbítrio.

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seus pareceres dividindo-os em três partes: no primeiro parecer, explicou o que considerada

ser a verdadeira intenção do rei sobre o conteúdo disposto na cédula real; no segundo,

justificou as causas dessa norma; e no terceiro, analisou o arbítrio do vice-rei e suas

faculdades para executá-la.

As duas fontes estudadas foram destinadas para a mesma pessoa, o vice-rei do Peru

Don Luis de Velasco. Esse vice-rei, ao interpretar os casos e as leis, tinha que considerar tanto

a sua interpretação subjetiva, quanto as solicitadas pelos pareceres, e a própria situação real e

cotidiana dos indígenas. O cenário que temos construído nessas províncias do Peru, entre a

metade do século XVI e início do XVII, era a de um funcionário régio que, diante de uma

dúvida prática e moral, tinha que conhecer todas as possibilidades e circunstâncias antes de

deliberar e sentenciar sobre os serviços pessoais indígenas a favor da lei, dos costumes, da

opinião dos doutores ou da sua própria consciência. Essa dúvida prática e moral existia

porque, além da diferença entre a realidade americana e europeia5, a obrigatoriedade dos

serviços indígenas era um tema delicado que afetava tanto questões econômicas, religiosas,

quanto jurídicas e morais, e, porque o rei desencarregava sua consciência ao encarregar a do

vice-rei para que este cumprisse e executasse tudo conforme lhe parecesse melhor.

Don Luis de Velasco tinha duas obrigações. A de servir enquanto um funcionário do rei,

e cumprir com todas as obrigações políticas e civis que esta função implicava, e a de avaliar e

aliviar a sua consciência e a do monarca. A dúvida moral de Velasco era a de conciliar suas

implicações subjetivas sobre os serviços indígenas com as obrigações legais e práticas, tendo

que lidar com outros grupos de pessoas, os encomendeiros e os índios.

Nosso trabalho tem como objeto Fr. Miguel Agia. Ao estudarmos as opiniões dadas por

esse teólogo franciscano, juntamente com as cláusulas da Real Cédula e a solução encontrada

pelo vice-rei, compreenderemos todo um processo interpretativo e argumentativo construído

como premissa para aplicar ou não a lei dentro de uma práxis jurídica.

Por não ser nosso foco principal, não nos aprofundamos nas relações entre o governo do

vice-rei Don Luis de Velasco com a Coroa, tampouco na situação real dos índios em seus

serviços pessoais nas encomiendas, repartimientos e minas para tentar definir se esse governo,

sob os conselhos de um franciscano, significou efetivamente uma melhora nas condições ou

aumento das opressões sofridas pelos indígenas. Também não é nosso interesse tratar

profundamente do processo de evangelização indígena buscando entender o quanto os

5 Neste ponto podemos considerar a distâncias, a demora na comunicação e na resolução dos casos.

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franciscanos beneficiaram os indígenas em comparação com as outras ordens, jesuítas ou

dominicanas, e sim conhecer como a teologia formava o conceito de consciência e de lei para

a América espanhola em meio a essas questões. Ao nos atentarmos para a Real Cédula e os

assuntos que ela trazia; para a interpretação de um padre franciscano conhecedor de leis e de

teologia moral, e o que o motivou a escrever seu tratado; com a decisão do vice-rei;

abarcamos todos esses assuntos citados com a finalidade de entender como, pelo arbítrio e

interpretação, nos embates entre a consciência subjetiva e a lei, a teologia orientava e

influenciava a tomada de decisão, seja ela num contexto político, jurídico, religioso ou moral

e subjetivo, pelo sistema moral probabilista6 e formava o conceito de consciência e de lei.

Aspectos metodológicos

As fontes dessa pesquisa são analisadas dentro de seus contextos, circunstâncias e

possuem significados e sentidos adequados às suas temporalidades. O exercício de se aplicar a

justiça é observado nesse trabalho juntamente com as variadas fontes do direito: as leis, os

costumes, as opiniões dos doutores e religiosos, as especificidades locais, as orientações

contidas nos manuais de teologia e de jurisprudência e a própria consciência individual.

Todos esses documentos evidenciam uma forma de se olhar para o passado e de entendê-lo

em suas próprias chaves de leitura, seus próprios conceitos.

O conteúdo trazido pelas leis fornece um panorama das dificuldades vividas nos séculos

XVI e XVII e os problemas e interesses políticos, econômicos e religiosos da Coroa. As

opiniões e pareceres de doutores, fossem religiosos ou juristas, apontam quais eram as

referências e autoridades buscadas para fortalecer uma argumentação e garantir uma certeza

mais justa ao caso analisado. Os costumes, vindos da Espanha ou os já existentes entre os

indígenas, fazem referência a um cotidiano e um modo de vida colonial que interferia e

possuía validade e força de lei diante de medidas legais que não adequassem às realidades

concretas. Os manuais de teologia demonstram o cuidado com a consciência dos homens em

6 Este tema será aprofundado no capítulo sobre Consciência e Lei. O sistema moral probabilista era uma

categoria moral e teológica que se inseria nos debates do século XVII com a finalidade de apoiar o homem com

a questão da consciência, da dúvida e dos assuntos internos. O termo “probabilismo”, segundo Víctor Hugo

Martel Paredes, surgiu de um debate na Igreja Católica entre teólogos e moralistas, mediando, em casos

singulares, os confrontos entre os limites da lei positiva e os da lei natural, atenuando a validade de suas

extensões.

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seus atos e vontades e na observância das leis. Tais manuais continham saberes teológico,

doutrinário, e jurídico, e, o juízo da consciência era realizado por um sacerdote que conhecia

as regras morais e civis e decidia sobre a culpa ou a absolvição no momento do sacramento da

confissão.

Os conceitos leis, intepretação, costume, prudência, opinião, experiência, consciência,

arbítrio, dúvida e jurisprudência foram retirados de categorias presentes na obra do Padre Fr.

Miguel Agia Tratado que contiene tres pareceres graves en derecho7 e que são analisados

procurando entender o direito exercido para esta situação histórica e particular das Índias nos

séculos XVI e XVII pelos modos de raciocínio dos juristas, teólogos, legisladores e

magistrados. Dessa forma, ao retiramos os conceitos das categorias presentes nas fontes

analisadas, estamos trazendo para nossa pesquisa os significados que remetem a seus

significantes e a uma experiência histórica concreta.

Ao estudarmos estes conceitos retirados de uma obra do início do século XVII

consideramos juntamente com o conteúdo específico dos pareceres, o tempo em que a obra foi

escrita, o lugar, para quem foi direcionada, sobre quais pretextos foi requerida, quais situações

apresenta, quem escreveu e quais opiniões sugeriu. Sendo assim, tais conceitos possuem

sentido e significado históricos construídos por meio das respostas a estas perguntas e pelo

meio social que os localiza.

Uma questão relevante de ser enfatizada é a de que não é somente a estrutura social que

possui história. A parte semântica que descreve essa estrutura também é passível de

historicidade. Nesse sentido, as ideias e os conceitos também possuem história. Segundo

Koselleck8, muitas vezes a simples permanência de uma palavra não quer dizer que ela ainda

carregue o mesmo sentido. Há a necessidade de recorrer o sentido da palavra que permanece

num âmbito temporal. A datação é importante para não confundir os conceitos expressos

7 AGIA, Fr. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, que ha compuesto el Padre Fray

Miguel Agia de la orden del señor S. Francisco, varon docto en las facultades de Theologia, Canones y Leyes, y

Lector de Theologia en el muy insigne Convento de S. Francisco de la ciudad de los Reyes en lo Reynos del

Piru. Sobre la verdadera inteligencia, declaración, y justificación de una Cedula de su Magestad, su fecha en

Valladolid en veynte y quatro días de Noviembre del año pasado de seiscientos y uno, que trata del servicio

Personal, y repartimientos de Indias, que se usan dar en los Reynos del Piru, Nueva España, Tierra Firme, y

otras Provincias de las Indias, para el servicio de la Republica, y asientos de Minas, de Oro, Plata, y Azogue.

Dirigido al Rey Don Phelippe Nuestro Señor. Y en su Real Nombre Al señor don Luys de Velasco Virrey destos

Reynos y Provincias del Piru, Tierra Firme y Chile., Lima, 1604, ed. de AYALA, F. J., Servidumbres personales

de indios, Sevilla, 1946. 8 KOSELLECK, Reinhart, “Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos”. Rio de Janeiro:

Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006.

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numa mesma palavra com sentidos extremamente distintos e para combater o problema do

anacronismo9.

Neste trecho abaixo Koselleck demonstrou a importância dos conceitos na história:

Nenhum evento pode ser relatado, nenhuma estrutura representada,

nenhum processo descrito sem que sejam empregados conceitos

históricos que permitam ‘compreender’ e ‘conceitualizar’ o passado.

Ora, toda conceitualização tem alcance mais vasto do que o evento

singular que ela ajuda a compreender. (...) Os conceitos não nos

instruem apenas sobre a unicidade de significados (sob nossa

perspectiva) anteriores, mas também contêm possibilidades

estruturais; colocam em questão traços contemporâneos no que não é

contemporâneo e não pode reduzir-se a uma pura série histórica

temporal10

.

Ao analisarmos o conceito de consciência nos séculos XV, XVI e XVII na teologia

espanhola, percebemos que este não era mais o de sindérese proveniente da tradição grega

que consistia em discernir entre o bem e o mal. A consciência, considerada moderna, era,

então, o ato do entendimento derivado da virtude da prudência, um tribunal interno do homem

que utilizava da sindérese para encontrar a ação moral prática11

.

9 Para combater o problema do anacronismo duas grandes linhas da historiografia contemporânea estabelecem,

cada uma delas, uma proposta. A primeira, conhecida como “escola de Cambridge” ou “Ideas in Context”,

contextualismo linguístico, defende a concepção de contextualizar as ideias de forma que elas sejam

devidamente apreendidas em sua historicidade, afim de evitar o uso anacrônico que se faz delas. Um dos autores

que sobressai no âmbito dessa concepção é o Quentin Skinner. Teórico das ideias, Skinner produziu livros sobre

a metodologia histórica e obras clássicas sobre os pensamentos de Maquiavel, Hobbes e outros pensadores. De

outro lado, em uma linha de contraste e tensão nessa concepção há a chamada história conceitual alemã.

Também conhecida como história dos conceitos, tem como representante Reinhart Koselleck. Ambas as linhas

historiográficas têm como foco central impedir o anacronismo, que é a projeção de visões e expectativas do

presente para autores do passado, impondo a esses autores certas ideias que não lhe são próprias, atribuindo a

eles certos conteúdos e distinções semânticas que não foram possíveis de serem pensadas enquanto escreviam

suas obras. A concepção britânica da ideia no contexto, na sua tentativa de omitir o anacronismo sofre limitações

na capacidade de descrever os conceitos na chave histórica, ou seja, de descrever a mudança conceitual ao longo

do tempo. Já a história conceitual alemã, aqui representada por Koselleck, em certa medida, vai tentar lidar com

o problema do anacronismo superando os impasses que aparecem no âmbito da história do pensamento político

britânico. Contrastando as duas perspectivas percebem-se quais são os elementos que compõe a base

metodológica de um e de outro campo historiográfico, para se compreender, a partir desse debate, como se pensa

a possibilidade de acompanhar a mudança conceitual ao longo da diacronia histórica, que é importante para o

nosso trabalho mesmo que não seja nosso objetivo. 10

KOSELLECK, Reinhart, “Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos”,2006, op.cit.

p.142. 11

Deteremos mais profundamente aos conceitos de consciência em um tópico particular. Aqui cabe apenas

marcar como usamos metodologicamente os conceitos.

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Temporalidades diferentes permitem sentidos diferentes, construções de muitas histórias

em muitos tipos de contexto. Mas para John Pocock, para se chegar à ação por de trás das

palavras, no interior de uma situação composta de relações sociais e atos históricos era preciso

estudar as transformações que ocorreram no discurso na medida em que geraram

transformações na prática, sem se esquecer do intervalo de tempo entre ambas:

O discurso atua sobre pessoas; os textos atuam sobre leitores; mas

essa ação efetua-se algumas vezes sincronicamente, através das

respostas nitidamente imediatas dos ouvintes ou leitores e, outras

vezes, diacronicamente, pela eficácia da parole em levá-los a aceitar

uma mudança nos usos, nas regras e nas implicações, reconhecidas ou

implícitas, da langue. Ao estudar a criação e a difusão de linguagens,

estamos comprometidos com processos que têm de ser vistos

diacronicamente, por mais que sejam constituídos por performances

ocorrendo sincronicamente. As linguagens são poderosas estruturas

mediatárias, e atuar sobre elas e no interior delas é atuar sobre

pessoas, talvez imediatamente, mas também, por meio de uma

transformação dos seus meios de mediação, o que, com frequência, é

feito de maneira indireta e leva tempo. Certamente devemos estudar as

transformações no discurso na medida em que elas geram

transformações na prática, mas há sempre um intervalo no tempo,

suficiente para gerar heterogeneidade no efeito12

.

Ao considerar um texto e colocá-lo dentro de uma temporalidade, tanto no passado

quanto no futuro, o historiador consegue perceber a diversidade e a heterogeneidade dos

enunciados que poderiam estar efetuando ou ter efetuado13

. Uma coisa era entender a

conceitualização de consciência e lei na tradição grega e em Aristóteles, outra diferente era

analisar estes mesmos conceitos pelos Manuais de Teologia de juristas espanhóis do século

XVI. Há uma diferença semântica entre eles, um novo sentido de consciência estava sendo

proposto aos séculos XVI a XVIII em contexto ibérico.

A metodologia de Quentin Skinner para tratar do pensamento político moderno

evidenciava outra perspectiva de análise da época moderna. Ele examinou os

desenvolvimentos históricos que conduziriam a uma mudança conceitual direcionando-se da

“história” para a semântica histórica, ou seja, do conceito de “Estado” para a palavra

“Estado”. O autor explicou essa sua escolha metodológica da seguinte forma:

12 POCOCK, John. “Linguagens do ideário político”, São Paulo: Edusp, 2003, p.82.

13 Idem, p.75.

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16

(...) O mais claro indício de que uma sociedade tenha ingressado na

posse consciente de um novo conceito, suponho eu, está na geração

de um novo vocabulário, em termos do qual o conceito passa a ser

articulado e debatido. Considero, assim, que minha tese central se vê

confirmada pelo fato de, em fins do século XVI, pelo menos na

Inglaterra e na França, encontramos as palavras State e État

começando a ser utilizadas no sentido que terão na modernidade14

.

O próprio Quentin Skinner justificou seu método historiográfico conferindo

importância para os estudos da história das mentalidades, dando historicidade às ideias. Para

ele, recuperar as mentalités de uma sociedade era um meio de compreender essa sociedade.

Mas só se chegava a esse tipo de compreensão histórica se os estudos das ideias políticas não

concentrassem sua atenção e debates apenas no discurso teórico e abstrato sem concretude e

sem se atender aos problemas práticos da vida política.

Dessa forma, o método de Skinner de olhar para o passado consistia em não isolar o

objeto de pesquisa do contexto do qual ele fez parte. Ao juntar o objeto de investigação com

as conjunturas, as relações sociais, os problemas, os comportamentos, as mentalidades e as

vivências, tinha-se uma compreensão muito mais aprofundada sobre a própria pesquisa e

sobre o próprio estudo.

Contra a análise meramente “textualista”, o procedimento escolhido por Skinner

permitiu identificar a ação na construção da história. Observar o contexto juntamente com a

obra do autor demonstrava a ação que este autor fazia enquanto escrevia o que escrevia.

Juntar a palavra e a prática, conhecendo o vocabulário político e os termos utilizados no

contexto produtor da obra estudada, respondia a questões específicas dessa sociedade e

permitia entender mais claramente o significado e a intenção do autor ao escrever o que

escreveu. Pode se entender o porquê dos conceitos que ele usou ou recusou, das suas formas

de argumentar, suas indagações e preocupações, o que foi ignorado, repelido, debatido ou

concordado por ele15

.

14 SKINNER, Quentin “As fundações do pensamento político moderno”. São Paulo: Companhia das letras,

2006, p.10. 15

“Pois compreender as questões que um pensador formula, e o que ele faz com os conceitos a seu dispor,

equivale a compreender algumas de suas intenções básicas ao escrever, e, portanto implica esclarecer exatamente

o que ele pode ter querido significar com o que disse - ou deixo de dizer. Quando tentamos situar desse modo um

texto em seu contexto adequado, não nos limitamos a fornecer um quadro histórico para nossa interpretação:

ingressamos já no próprio ato de interpretar”. In: SKINNER, Quentin “As fundações do pensamento político

moderno”. São Paulo: Companhia das letras, 2006, p.13.

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17

Exemplo dessa metodologia de Skinner era o fato de que a obra do franciscano Fr.

Miguel Agia oferecia pareceres, argumentos e conselhos a um problema prático do serviço

pessoal indígena nas províncias do Peru no início do século XVII e a um personagem

específico – o vice-rei. Os argumentos apresentados pelo franciscano e as autoridades citadas

por ele demonstraram em qual debate estava inserido e quais os problemas enfrentados para

orientar a agir conforme a prudência e o arbítrio. Por isso, talvez, um tratado que contém

pareceres teológicos e jurídicos sobre um assunto de ordem política e econômica, tenha tanta

relevância para o estudo da experiência jurídica desse período. Nessa obra há tanto referência

religiosa, doutrinal, quanto jurídica e política que expõe atividades e decisões de outros

monarcas em outros contextos16

.

Reinhart Kosseleck contextualizou os conceitos e os apreendeu em suas transformações

por uma análise diacrônica. E esta era a semântica para ele, apreender a transformação da

conceitualização juntando a história social com a história conceitual. “Sem conceitos comuns

não pode haver uma sociedade e, sobretudo, não pode haver unidade de ação política17

”. O

modo pelo qual se conceitua uma sociedade também servia para que a sociedade se

desenvolvesse e se alterasse. O conceito também permitia a própria conformação da realidade

histórica, indicando não apenas os conteúdos, mas também seus fatores.

A história dos conceitos ia além dos conceitos próprios porque se fundamentava no

social e no político como uma meta-teoria: “(...) o conceito servia não apenas para indicar

unidade de ação, mas também para caracterizá-las e criá-las. Não apenas indicava, mas

também constituía grupos políticos e sociais18

”. Os conceitos não se reduziam às palavras,

eram sempre polissêmicos e conduziam às experiências históricas e, por tanto, remetiam a

uma realidade social captada por eles num determinado contexto, mas que sempre era fugidia

a eles e era mais complexa ao modo pelo qual ela era enunciada conceitualmente19

.

16 Por exemplo, no primeiro parecer, na página 65, Agia cita o conceito de leis de Platão para fundamentar seu

argumento de que estas deveriam ser feitas para a América acomodando-se aos costumes, lugares e pessoas nela

existente. No segundo parecer, página 98, o franciscano cita Francisco de Vitoria, teólogo-jurista espanhol do

século XVI, para fortalecer a ideia de que a sujeição política e civil nas quais os índios são obrigados e forçados

a trabalhar não é reprovada pela lei natural e sim justificada por ela. 17

KOSELLECK, Reinhart, “Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos”, 2006, op. cit.

p.98. 18

Idem, p.192. 19

“Conceitos que abarcam fatos, circunstâncias e processos do passado tornam-se, para o historiador social que

deles se serve em sequência, categorias formais, estabelecidas como condição de existência de uma história

possível. Apenas por meio dos conceitos providos de capacidade de duração, de uma economia de repetição de

seu uso e, ao mesmo tempo, dotados de referencial empírico, ou seja, conceitos providos de uma capacidade

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18

O conceito não estava solto. Por ele ser histórico havia uma condensação de sentido que

determinava a compreensão da palavra no contexto específico e isso supunha, de acordo com

Koselleck, uma semântica subjacente ao uso pragmático da linguagem. Assim, o uso

sincrônico da linguagem implicava uma semântica diacrônica que fixava sentido e que,

quanto captada essa semântica, era capaz de reconstruir, historicamente, a mudança

conceitual. Era no plano da semântica e não no plano da pragmática que se conferia a

construção de uma história dos conceitos20

.

Koselleck não contextualizava apenas as ideias no formato formal de expressão

conceitual, ele as apreendia na mudança conceitual diacrônica. Os conceitos fundamentavam-

se no social e no político, reunindo em si a experiência histórica articulada a um contexto

específico, como o colonial. A concepção de que o conceito reunia em si a diversidade da

experiência histórica fazia com que a reflexão sobre o conceito de justiça, direito, consciência

e lei, tivessem características históricas e enunciações contextualizadas. Pensamos o conceito

consciência na sincronia de maneira a perceber como este aparece nos documentos e

pareceres de Agia e a mudança conceitual. Esta pesquisa pode contribuir um pouco mais com

a historicidade desses conceitos e com as múltiplas visões desse contexto particular que era o

descobrimento do Novo Mundo no século XVI.

No primeiro capítulo apresentaremos um panorama dos principais problemas e debates

ocorridos nos séculos XVI e XVII a respeito dos serviços pessoais indígenas. A discussão

iniciado por Montesinos, continuada por Las Casas e Sepúlveda, a elaboração da Real Cédula

de 1601, suas cláusulas e temáticas,e, como todo esse cenário produziu uma norma que gerava

uma tese desenvolvida e contraposta a uma antítese observada por Fr.Miguel Agia em seus

pareceres, gerando uma síntese ao aproximar a lei e a moral.

No segundo capítulo trataremos mais especificamente dos principais assuntos e

estrutural, é que são capazes de deixar o caminho livre para que história antes tida como “real” possa hoje

manifestar-se como possível, logrando assim também ser representada. Isso se torna ainda mais nítido quando a

relação da língua-fonte com a linguagem científica é analisada sob a perspectiva da história dos conceitos

”. In:

KOSELLECK, Reinhart, “Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos”. Rio de Janeiro:

Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006, p.116. 20

“(...) A retrospectiva diacrônica pode dar acesso a camadas de significado que permanecem encobertas no uso

espontâneo da língua (...). A história dos conceitos põe em evidência, portanto, a estratificação dos significados

de um mesmo conceito em épocas diferentes. Com isso ela ultrapassa a alternativa estreita entre diacronia ou

sincronia, passando a remeter à possibilidade de simultaneidade da não simultaneidade que pode estar contida

em um conceito”. In: KOSELLECK, Reinhart, “Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos

históricos”. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006, p.115.

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19

categorias trazidos nos pareceres de Agia e como este interpretou a lei e os fatos tendo como

base seus conhecimentos específicos e teóricos sobre o assunto do serviço indígena, a inteção

do rei, a justiça da lei e como argumentou por princípios políticos, jurídicos, econômicos e

culturais a necessidade da obrigação do regime de trabalho forçado e o arbítrio do vice-rei.

No terceiro capítulo atentaremos mais sobre a relação entre a teologia, por meio da

interpretação e do arbítrio que o vice-rei tinha, e o direito, utilizando conceitos como

consciência, prudência, intenção, vontade e razão. Utilizaremos as categorias retiradas da

obra de Agia para analisá-las dentro do sistema moral probabilista e comparar suas

características. Demonstraremos que a consciência tinha um peso moral que influenciava na

interpretação da lei e dos fatos em caso de dúvida. Neste capítulo teremos como base de apoio

à leitura dos pareceres do Fr. Miguel Agia, a obra teológica do jesuita e probabilista, Padre

Hernán Busembaum (edição de 1667), e do franciscano e também probabilista, Henrique

Villalobos (edição de 1622). Esses dois teólogos, escolhidos por serem de ordem religiosas

diferentes, são igualmente reconhecidos como probabilistas. Villalobos até se definiu assim, e

nos apresentou como entender esses conceitos e a solucionar a dúvida moral e prática por

meio do probabilismo.

No quarto capítulo retomaremos o debate sobre o serviço pessoal indígena

demonstrando qual foi a decisão tomada por Velasco em seu governo buscando entender o

que podia ser feito em seu arbítrio. Para tal finalidade, retomamos os pareceres de Agia

apresentando como os franciscanos chegaram e se instalaram na América para evidenciar,

concretamente, tudo o que foi dito nos outros capítulos de uma maneira mais pragmática e

comparativa com as opiniões e pareceres de outras ordens religiosas a respeito da Real Cédula

de 1601. Essa dissertação não teve como objetivo analisar o governo de Don Luis de Velasco

e nem o processo histórico dos serviços pessoais e por esse motivo esse conteúdo está no

último capítulo tendo como finalidade enxergar o concreto dentro do todo.

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CAPÍTULO 1

PRINCIPAIS QUESTÕES SURGIDAS NOS SÉCULOS XVI E XVII A RESPEITO

DOS SERVIÇOS PESSOAIS INDÍGENAS

1. Contexto histórico

O contexto da Nova Espanha possuía muitas visões parciais. A dos conquistadores; a de

Cortés através das suas cartas; a de Las Casas, tida muitas vezes como contraditória; a própria

visão dos vencidos escrita por León- Portilla, e tantas outras. Tanto conquistadores

governantes, juristas, quanto eclesiásticos transmitiram o que pensaram, vivenciaram e

testemunharam. Não é nossa pretensão abarcar todas essas diferentes visões existentes de um

mesmo período, mas salientar que essa diversidade é importante e enriquece a pesquisa

histórica.

Estudar o território do Peru e suas conquistas não significa concentrar-se somente no

que ocorreu na América espanhola no início do século XVII nas províncias do Peru, mas

saber que as discussões ocorridas neste vice-reinado também estavam presentes em outras

regiões e que, de certa maneira, eram temáticas que abrangiam mais do que este espaço em

particular. A questão do serviço pessoal indígena, tema da Real Cédula de 24 de novembro de

1601, também era um problema para o México persistente até o século XVIII. E essa questão

do serviço surge na Real Cédula, não pela primeira vez, e nem especificamente para o Peru,

porque o debate sobre a dúvida indígena iniciado com Montesinos, depois continuado por Las

Casas e Sepúlveda, não havia sido resolvido para o século XVII e nem o seria até meados do

século XVIII.

Assim como a questão da obrigatoriedade do trabalho e a condição do índio, a teologia

também apresentou sua contribuição nessa história desde os projetos evangelizadores até as

orientações para os magistrados em suas dúvidas de como agir e sentenciar justamente.

Dentro desse espaço e tempo, o vice-reinado do Peru no início do século XVII, temos uma

vasta quantidade de temas discutidos, de problemas, de dúvidas e de acontecimentos que

alteraram a forma de administrar e de pensar a justiça e o direito indianos.

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Estudar o sistema político da conquista e dos descobrimentos em seus aspectos

econômicos, políticos, religiosos, sociais e culturais era procurar entender um pouco mais

sobre essa realidade tão complexa da América. Quando a Coroa de Castela impulsionou as

navegações ao Novo Mundo, ela levou junto a esse projeto seus costumes, seu direito, suas

práticas, e, ao descobrir novos territórios, se redescobriu também.

A Espanha no século XVI possuía várias características segundo seus interesses. O

primeiro era seu caráter conquistador ampliado com o descobrimento do Novo Mundo1. O

segundo era a Espanha que construía catedrais, fundava universidades e professores com

espíritos delicados como Las Casas, Francisco de Vitoria e Cervantes. Para Löber, o espírito

empreendedor de uns poucos alterou a imagem de mundo de toda a humanidade pelo impulso

dado a novas esferas e novas maneiras de proceder. A tarefa da ciência não foi a de apenas

analisar estes resultados e encontrar novos caminhos, mas a de colocar estes resultados em

consonância com os princípios teológico-morais. Esta cooperação da ciência e da prática

conduziu a um aprofundamento dos problemas2.

Em questões econômicas, com o descobrimento da América, se reafirmou a mudança e

concentração do mercado europeu a Oeste. Cidades como Sevilha e Lisboa experimentaram

um impulso econômico não visto até então. O grande mercado e comércio com o Novo

1 Neste trecho de P. V. de Carro temos uma ideia do pensamento europeu no contexto do descobrimento da

América. “Al descubrirse el Nuevo Mundo era natural que se tratase de explotar y aprovechar sus riquezas

naturales, sin mengua del ideal religioso que impulsaba a nuestros Monarcas. Con esto se cumplía un precepto

divino, pues para eso nos dio el Creador las manos y la inteligencia, sujetando todos los seres inferiores y la

tierra al servicio de hombre. Por otra parte, la empresa del descubrimiento y la conquista no se hicieron sin

grandes gastos, ni era factible sostener en las nuevas tierras un ejército, ya fuese pequeño, sin resarcirse. Jamás

en la historia del mundo se ha hecho, ni se puede hacer una conquista con otros medios. Es algo humano y

natural. Por otra parte, en aquella época, tan distanciada de la nuestra, en cuanto a la organización económica del

Estado, las empresas guerreras y colonizadoras tenían casi tanto de iniciativa particular como de oficiales.

Estamos en un momento de transición entre lo feudal y el estatismo moderno. Las conquistas de América son de

esta naturaleza. Los particulares, conquistadores y pobladores, identificados con frecuencia en la misma persona,

ponen su valor, su brazo, su vida y sus haciendas en la empresa. El pretender que estos hombres arrostrasen

tantos peligros y gastos por el solo ideal cristiano, es pedirles algo que sólo los religiosos hemos hecho y

hacemos en todas las partes del mundo, en virtud de un Voto y de una Vida que nos separa del mundo, para

consagrarnos pr entero al servicio de Dios. Era, pues, natural que los Reyes no se mostrasen insensibles a estas

exigencias de orden práctico y de justicia”. In: D. CARRO, O.P., Dr. P. Venancio, La teología y los teólogos-

juristas españoles ante la conquista de América. Segunda Edición, Biblioteca de teólogos españoles, dirigida por

los Dominicos de las Provincias de España, vol.18, Salamanca, Apartado 17, 1951, p.29-30. 2 LÖBER, Burckhardt, El Derecho de Sociedades en la Escolástica Española. Traducción y revisión por

Antonio Perez Martin. Opera Historica Ad Iurisprudentiam expectantia. Series Minor VI, Instituto de Historia

del Derecho Universidad de Granada, 1979, p.16.

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Mundo, em virtude da grande necessidade de capital, foi alimentado por muitas companhias

mercantis3.

Como exemplo de contribuição cultural, o dominicano Francisco de Vitoria, procedente

da Escola de Paris, introduziu em 1526 na Universidade de Salamanca como base de suas

lições, a obra de São Tomás de Aquino – Summa Theologica, ao invés de repetir o mesmo

método de usar as Sententiae de Pedro Lombardo. Para Löber, essa mudança metodológica

fez com que Vitoria desse um novo passo ao ensino da doutrina escolástica. Como forma de

marcar essa mudança, salientaremos as diferenças entre as obras mencionadas.

As Sentencias eram uma obra teológica na qual as matérias jurídicas eram pouco

consideradas porque correspondiam a uma época em que o Direito Canónico não havia

conseguido sua autonomia como ciência e se integrava à Teologia. As novas mudanças da

Idade Moderna intensificaram e recorreram muito ao Direito, desta forma, uma obra

puramente teológica não respondia mais às necessidades, assim, esta foi deixada de lado para

ter como fonte de explicações a Suma Teológica de São Tomás de Aquino4.

Em comparação com as Sentenças, a Suma Teológica oferecia uma visão global do

mundo. Sobre o conceito geral da “virtude da justiça”, São Tomás de Aquino tratou tanto do

direito natural como do direito de sociedades5. A introdução desta obra na Universidade de

Salamanca no século XVI por meio de Francisco de Vitoria nos permitiu pensar sobre as

circunstâncias específicas da América puderam ser analisadas juridicamente, politicamente e

teologicamente, por meio do direito natural e da condição do índio.

A segunda escolástica espanhola se abriu com os comentários à Summa Theologica e

apareceu como base no ensino universitário de teologia, filosofia e direito. Dois séculos

depois de sua elaboração, a obra de São Tomás de Aquino forneceria um novo aspecto à

ciência e seria o ponto principal das discussões intelectuais nos tempos do Humanismo6.

A Summa Theologica dispunha aos seus estudantes de teologia um manual que abarca

todos os problemas da vida relacionados à teologia. Segundo Löber, a base dos

conhecimentos da escolástica, do aristotelismo e do direito romano-canônico construíram um

sistema geral de pensamento de cunho cristão-europeu. Em suas abordagens sobre as virtudes

3 LÖBER, Burckhardt, El Derecho de Sociedades en la Escolástica Española. Traducción y revisión por

Antonio Perez Martin. Opera Historica Ad Iurisprudentiam expectantia. Series Minor VI, Instituto de Historia

del Derecho Universidad de Granada, 1979, p.17. 4 Idem, p.20.

5 Ibidem.

6 LÖBER, Burckhardt, El Derecho de Sociedades en la Escolástica Española. 1979, op. cit. p.33.

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encontrava-se um grande espaço dedicado à justiça. Frente às virtudes se situavam os

pecados, que afastavam o homem de sua finalidade, o conhecimento de Deus. Para São

Tomás de Aquino e para a época seguinte, Löber colocou que o direito era, todavia, uma parte

da moral. As considerações de São Tomás de Aquino sobre o direito formaram um ponto de

partida da jurisprudência do século XVI na Espanha7.

Mª Cruz Díaz de Terán Velasco8, para encontrar qual era o conceito de direito no século

XVI, evidenciou que a passagem da Idade Média para a Idade Moderna alterou a cultura, a

sociedade e a política da Europa. Para ela, durante essa passagem se produziu uma ruptura nas

estruturas sociais, apareceram novas ideias filosóficas proporcionando uma nova mentalidade

nas quais as ciências empíricas passavam a ocupar um lugar prioritário, a cristandade se

dividiu e o Estado Moderno se formou com o surgimento das monarquias absolutas9. Uma

dessas novas mentalidades foi provocada pelo renascimento das doutrinas sobre o direito

natural recuperadas na Segunda Escolástica10

.

A retomada da obra de Terán Velasco e a discussão sobre a 2ª Escolástica evidenciam a

historicidade do pensamento de São Tomás de Aquino. Terán Velasco afirma que houve uma

alteração da cultura, da sociedade e da política e uma ruptura com as estruturas sociais,

contudo, pretendemos mostrar a retomada, a acomodação, o ajuste destes conceitos: o que

mudou, o que permaneceu e onde? A história dos conceitos, pela escrita, mostra que a tensão

entre o antigo e o moderno se mantinha.

Com a chegada do século XVI as doutrinas sobre o direito natural foram retomadas por

Francisco de Vitoria, Domingo de Soto, Luis de Molina e Francisco Suárez que souberam

acomodar o direito natural às novidades específicas de sua época de maneira a encontrar as

soluções para os problemas surgidos.

7 Idem, p.34.

8TERÁN VELASCO, Mª Cruz Díaz de, Las diversas concepciones del derecho en el siglo XVI. Algunas

consideraciones. In: ITXASO, María Elósegui e AYUDA, Fernando Galindo, (Eds.) “El pensamiento jurídico.

Pasado, presente y perspectiva”. Un libro homenaje al Prof. Juan José Gil Cremades. El justicia de Aragón,

Zaragoza, 2008, pp.261-281. 9 TERÁN VELASCO, Mª Cruz Díaz de, Las diversas concepciones del derecho en el siglo XVI. Algunas

consideraciones. In: ITXASO, María Elósegui e AYUDA, Fernando Galindo, (Eds.) “El pensamiento jurídico.

Pasado, presente y perspectiva”. Un libro homenaje al Prof. Juan José Gil Cremades. El justicia de Aragón,

Zaragoza, 2008, pp.261-281, p.261. 10

Idem, p.265.

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Francisco de Vitoria, comentando a obra de São Tomás de Aquino11

, explicou que

existiam várias concepções para o termo direito: uma delas consistia no justo propriamente

dito. Para Terán Velasco, nesse caso, o direito seria prévio à justiça, pois em primeiro lugar

tínhamos a necessidade de atribuir a cada um as coisas, saber de quem era cada coisa, e cabia

somente ao direito fazer isso. Em segundo lugar, conhecida a “coisa justa”, podia então

entregar a cada um o que lhe correspondia, configurando um ato de justiça. Vitoria também

considerou como outras definições de direito, a jurisprudência – a ciência que conhecia o que

era justo – e a lei. Mas ele entendeu, segundo a interpretação de Terán Velasco, que nenhuma

dessas era a manifestação primária do direito e afirmou que dessas acepções se derivou a de

justiça12

.

Já Domingo de Soto, também conhecedor da obra de São Tomás, sustentava uma

postura parecida com a de Vitoria. Para ele o direito, em sentido próprio, era um objeto da

justiça, a coisa justa, entendendo por justo o igual ou equivalente. Por ser assim, do direito

nascia “que la justicia tenga razón de virtude y la ley tenga razón de regla”13

. Partido dessa

ideia, a consideração de direito devia sempre anteceder à de justiça, já que o conhecimento de

toda virtude tinha de começar pelo o conhecimento de seu objeto14

. Soto também considerou a

arte do justo e a lei como acepções do direito e afirmou que nenhuma dessas correspondia ao

conceito primário de direito.

Portanto, tanto de Vitoria quanto de Soto, Terán Velasco obteve a afirmação de que a

manifestação primária do direito era uma faculdade ou uma norma. Para os autores

mencionados, o direito era uma coisa que só podia ser determinada no caso concreto. A lei

seria apenas uma “cierta causa del derecho”15

.

No desenvolvimento da Segunda Escolástica estas posições “realistas” foram se

diluindo a favor de posições mais próximas às teses modernas. Terán Velasco apontou que

escolásticos como Luis de Molina e Francisco Suárez quando explicaram as distintas

concepções de direito conservaram a de “coisa justa”, mas não consideraram a lei como ius e

como uma faculdade. Para eles o direito era a lei, a norma, e, essa norma outorgava

11 Há que ressaltar a diferença entre tomasiano e tomista. Fray Miguel Agia, ao retomar Tomás de Aquino podia

estar se referindo a um síntese da obra e não ao próprio Aquino. Temos a mediação. Autores lendo outros autores

e suas mediações e sínteses. 12

Idem, p.266-267. 13

Mª Cruz Díaz de Terán Velasco citando a obra Domingo de Soto De la justicia y el del Derecho. Trad. M.

González Ordóñez, Instituto de Estudios Políticos, Madrid, 1968. Lib. III, q. I., a.2, pág.194. 14

Idem, p.267. 15

Idem, p.267.

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faculdades de ação. Em contrapartida, as faculdades podiam derivar tanto da lei como da

própria realidade natural, o que visto por Velasco significava que poderíamos pensar tanto em

direitos humanos concedidos pelas leis como de direitos naturais16

.

De maneira geral, esses teólogos juristas do século XVI, ainda que distinguindo entre o

justo, que seria o ius e a lei, admitiram que o direito podia ser entendido como lei e também

como faculdade:

Contemplaron, por tanto, estas tres acepciones del Derecho y, por esto

mismo, puede afirmarse también que, con distintos matices, el

Derecho entendido como lo justo fue una constante en las obras de

todos ellos. Sin embargo, es cierto que a finales de siglo los autores se

van a mostrar titubeantes y eclécticos. No desean romper con la

tradición expresamente pero las circunstancias históricas les influyen

de manera decisiva: tienen ante sí el Estado moderno liberal –

individualista – no la republica medieval. El Estado dicta sus leyes, y

de ahí que ellos insistan en las leyes políticas como la fuente

fundamental del Derecho17

.

Continuando a observar as influências e participações dos teólogos juristas do século

XVI e XVII nos debates sobre a conquista e evangelização da América e suas implicações no

direito indiano, passamos agora a nos atentar um pouco mais a esta relação entre a teologia e

o direito.

1.1. Debate teológico-jurídico sobre as Servidumbres personales

Com a finalidade de trazer à discussão os principais pontos e discussões que

motivaram tanto a construção da Real Cédula de 1601 quanto os pareceres do Fr. Miguel Agia

em 1604, ambos sobre os serviços pessoais indígenas nas províncias do Peru, retomamos os

debates teológico-morais sobre a legitimação do descobrimento, e conquista da América pela

questão indígena. Queremos demonstrar o quanto a teologia auxiliou, além do processo de

16 Idem, p.268.

17 Idem, p.269.

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legitimação das conquistas do Novo Mundo, na construção de uma percepção política e

jurídica sobre os índios e seus serviços na administração colonial. Assim como também, o

quanto a teologia moral, por meio de seus tratados e juristas, influenciou nas decisões dos

juízes e vice-reis em suas deliberações acerca dos casos e das leis, tratando além do rito

penitencial, dos casos de consciência e de direito.

Venancio de Carro afirmou que a teologia era entendida por muitos autores como a

chave que definiu o processo de conquista e civilização na América. O pensamento teológico

explicou uma concepção ética e um valor moral que modificaram o direito acrescentando a

ele fundamentos teológicos18

. Isso se deu porque o problema surgido com o descobrimento, a

conquista e a civilização da América era de caráter teológico-jurídico incapaz de ser resolvido

apenas com a ciência legalista. Dessa forma, para Venancio de Carro, tanto a história da

Espanha quanto a historia do direito internacional e de gentes se deve a teólogos-juristas

como Francisco de Vitória e Domingo de Soto19

.

Em meio a várias questões de ordem teórica e prática havia algumas que podiam ser

examinadas juridicamente, mas, todas juntas, provenientes do descobrimento de terras

desconhecidas e complexas, pediam a intervenção da teologia porque esta era a ciência que

respondia às questões puramente religiosas e relacionadas a controvérsias teológicas

medievais20

.

Logo após a conquista da América21

iniciaram-se os debates sobre a questão indígena e

sua legitimidade ética. As discussões teológico-morais foram importantes e revolucionárias

para um pensamento jurídico, político e expansionista, tendo como chave e justificativa o bem

comum. Os esquemas medievais receberam conotações modernas. O poder religioso do papa

se estendeu para as nações pagãs. A soberania imperial controlada pela igreja católica

18 D. CARRO, O.P., Dr. P. Venancio, La teologia y los teólogos-juristas españoles ante la conquista de

América. Segunda Edición, Biblioteca de teólogos españoles, dirigida por los Dominicos de las Provincias de

España, vol.18, Salamanca, Apartado 17, 1951, p.01. 19

Idem, p.02. 20

Idem, p.04. 21

“España (…) no envió sólo conquistadores y soldados, como decimos luego; envió todo lo que tenía,

destacándose sus ejércitos de misioneros, portadores de su fe y de su Religión. El secreto del espíritu que animó

a nuestros Reyes, que presidió nuestras conquistas, y explica la obra de misioneros y teólogos, lo ciframos en

algo elemental para todo creyente: todos los hombres, sin distinción de razas y colores, somos hijos de Dios y

hermanos por naturaleza, con un alma inmortal, con destinos eternos. El Hijo de Dios se hizo hombre para ser el

Redentor de todo el género humano: id y predicad a todas las gentes, dijo el divino Maestro”. In: D. CARRO,

O.P., Dr. P. Venancio, La teología y los teólogos-juristas españoles ante la conquista de América. Segunda

Edición, Biblioteca de teólogos españoles, dirigida por los Dominicos de las Provincias de España, vol.18,

Salamanca, Apartado 17, 1951, p.19.

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começou a desenvolver-se modernamente baseando-se na racionalidade ética e nos direitos

dos povos. As teses de Francisco de Vitória sobre os índios constituíram uma novidade no

pensamento teológico-moral e um fundamento para o direito internacional22

.

Podemos observar nesse período da descoberta e colonização da América as

controvérsias a respeito da condição e defesa indígena entre os próprios religiosos de

diferentes ordens. A razão para tais discrepâncias, segundo P. Venancio de Carro era

proveniente da diferente formação teológica e dos diferentes professores que os orientavam,

além da distinta capacidade e formação teológica pessoal23

. Esse seu argumento foi retirado

da obra de Vitoria, Relectio de Indis, na qual este teólogo-jurista defendeu que a origem das

leis de Índias deveria ser examinada de um ponto de vista histórico e teológico-jurídico. A

razão para tal análise parecia ser óbvia para Carro em sua leitura da obra de Vitoria. Para ele,

era função do jurista se dedicar à lei escrita e por essa mediar a justiça; ao teólogo cabia a

busca do que devia ser, de encontrar a justiça objetiva, eterna, estivessem escritas ou não24

.

P. Venancio de Carro observou o problema das controvérsias em Índias pelo viés

teológico e histórico. Para tanto, ele retrocedeu até Santo Tomás de Aquino e o século XIII

para explicar a origem das ideias que influenciaram teólogos como Vitoria, Soto e outros25

e

se estendeu até o século XVII passando por Medina, Alfonso de Castro, Navarro Azpilcueta,

Covarrubias até Pedro Ledesma, Suárez e outros autores da Universidade de Salamanca26

. E,

22 VIDAL, Marciano. “Historia de la teología moral. La moral en la edad moderna (ss. XV-XVI) 2. América:

“problema moral”. Perpetuo Socorro. 27 Colección: Moral y ética teológica. Madrid, 2012, p.63. 23

D. CARRO, O.P., Dr. P. Venancio, La teología y los teólogos-juristas españoles ante la conquista de

América, 1951, op.cit. p.04. 24

Idem, p.05. 25

“Nuestro convencimiento nace del estudio directo de las obras de Santo Tomás y de los teólogos del XIV, XV

y XVI. Comparando razonamientos, analizando las mismas citas de los teólogos-juristas españoles del XVI,

podrá ver el lector la fuente común y el origen de sus ideas, que ellos supieron desenvolver con gran acierto,

aportando nuevas soluciones, pero siempre dentro del mismo sistema y siguiendo la misma trayectoria. (…)”, In:

D. CARRO, O.P., Dr. P. Venancio, La teología y los teólogos-juristas españoles ante la conquista de América.

Segunda Edición, Biblioteca de teólogos españoles, dirigida por los Dominicos de las Provincias de España,

vol.18, Salamanca, Apartado 17, 1951, p.15. 26

P. Venancio de Carro explica a importância da Universidad de Salamanca e a influência do convento dos

dominicanos: “La Universidad de Salamanca, forja de casi todos los grandes teólogos-juristas, puede gloriarse de

este triunfo, pues desde ella esparció Vitoria sus enseñanzas desde 1526 a 1546, acompañándole en su labor

Domingo de Soto, desde 1526 a 1569, en que muere. Al lado de la Universidad debemos colocar, en justicia y

para ser exactos, al convento de Dominicos de San Esteban de Salamanca, pues en él vivieron los grandes

Maestros Vitoria y Domingo de Soto, y de él salen otros muchos teólogos, que hacen triunfar esas ideas en las

Universidades españolas, y los más célebres misioneros dominicos, que lucharon por la misma causa en el

Nuevo Mundo. A este convento pertenecían los tres dominicos más en vista, cuando se inicia la Controversia, los

Padres Pedro de Córdoba, Antonio Montesinos y Bernando de Santo Domingo, aunque residan en el de Avila,

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pela perspectiva teológica o autor delineou como nasceram e quais eram os novos títulos

legítimos criados para justificar e qualificar a conquista espanhola.

Para este autor a teologia e os teólogos foram os primeiros a pensarem a condição

indígena ao repensarem a condição de liberdade, de alma, de escravidão e de direito. Parte dos

debates teológicos influenciaram os esboços das primeiras leis para as Índias. P. Venancio de

Carro salientou que nas perguntas do Padre Montesinos, em seu discurso em 1511 sobre a

condição do índio, “Estos no son hombres? No tienen animas racionales?” havia reflexos de

toda uma tradição teológico-jurídica tomista que originou o “Derecho de Gentes”, o “Derecho

Internacional” e as “Leyes de Indias”. Por isso, não se era de estranhar que as leis de Índias,

tanto as de Burgos de 1512 quanto as de 1542, estivessem associadas ao nome dos

dominicanos e de Montesinos, que provocou a Junta de Burgos, e o cardeal García de Loaisa,

presidente do então Conselho de Índias de 154227

.

Tais debates teológicos influenciaram no desenvolvimento da normativa sobre o

trabalho indígena. As leis de 1542, a Real Cédula de 1601 e seu ajuste em 1609 demonstraram

que, por conta desse debate iniciado pela dúvida indígena, pelo discurso de Montesinos,

depois por Las Casas e Sepúlveda até os teólogos e juristas da Escola de Salamanca e as

várias Juntas, o direito indiano foi ganhando forma e representatividade.

Segundo Silvio Zavala, o problema da América recebeu várias críticas e opiniões

muito bem fundamentadas e necessárias, mas ao restringir os valores europeus e afirmar os

direitos dos índios, ainda que infiéis, colocou em termos “angustiosos” o problema da

justificação do avanço cristão nas novas terras o afastando dos termos da relação e destruindo

os títulos até então encontrados28

:

Planteado así el problema, ¿qué títulos eran válidos, y cómo se podía

compaginar la invasión española de América con los derechos

reconocidos a los indios? No valían ahora las anteriores soluciones

logradas por la indebida extensión de valores europeos, sin virtud

humana general, o por la negación teórica de las condiciones jurídicas

de los gentiles americanos; se necesitaban soluciones capaces de

armonizar los dos términos de la relación, sin exagerar el uno ni

cuando el P. Domingo de Loisa y Mendoza, hermano del cardenal, organizó la primera expedición” In: D.

CARRO, O.P., Dr. P. Venancio, La teología y los teólogos-juristas españoles ante la conquista de América.

Segunda Edición, Biblioteca de teólogos españoles, dirigida por los Dominicos de las Provincias de España,

vol.18, Salamanca, Apartado 17, 1951, p.17-18. 27

Idem, p.18. 28

ZAVALA, Silvio, Las instituciones jurídicas en la conquista de América. Tercera edición revisada y

aumentada. Editorial Porrúa, S. A. Av. República Argentina, 15, México, 1988, p.21.

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deprimir el otro; además, los títulos debían ser justos en sentido

absoluto (no según derechos positivos) y satisfacer las exigencias

morales o de conciencia que en la época pesaban sobre las

resoluciones jurídicas. (…) Los teólogos, filósofos y juristas españoles

conocían los conceptos del Derecho natural, del de gentes y la

filosofía moral y política fundada en la consideración racional del

hombre, según las doctrinas aristotélicas y tomistas. De ahí salieron

las soluciones más importantes (…)29

.

Para Marciano Vidal, tem que se reconhecer que a discussão teológico-moral sobre a

legitimidade ética da conquista da América não foi somente teórica, mas sim uma

interrogação que abalou a consciência dos governadores, originando neles o que se

denominou como dúvida americana30

. Dessa virtude expansiva justificava-se, na teoria de Las

Casas, a prolongação na América das jurisdições europeias religiosas e civis, as quais deviam

ficar estritamente subordinadas à fé, causa e razão de sua extensão31

.

Os reis católicos adaptaram-se à doutrina e bulas papais para terem legitimados,

oficialmente, os títulos da conquista e a possessão das terras descobertas ou a descobrir. Para

isso adaptaram-se à doutrina expressada por Clemente VI em 1344, pela bula Tuae devotionis,

depois pela bula alejandrina e o Tratado de Tordesilhas32

.

29 Ibidem.

30 Marciano Vidal salientou que era impossível analisar todos os autores que trataram da questão da legitimidade

ética da conquista e os temas resultantes e concomitantes à questão indiana. Ele contabilizou a intervenção de 89

tratadistas, entre eles 32 professores de Salamanca entre os anos de 1522 e 1616. In: VIDAL, Marciano.

“Historia de la teología moral. La moral en la edad moderna (ss. XV-XVI) 2. América: “problema moral”.

Perpetuo Socorro. 27 Colección: Moral y ética teológica. Madrid, 2012, p.64. 31

“Este título puede objetarse si se restringe el sentido universal de lo cristiano; pero si se admite la fe

sinceramente como necesaria a todos los hombres para salvarse y se interpreta sí el avance europeo que llevaba

este beneficio a los indios de América, se comprende que la solución reunía los requisitos teóricos necesarios.

Por eso, un defensor estricto de los derechos de los indígenas, como Las Casas, y otros muchos autores

(Francisco de Vitoria; fray Antonio de Córdoba; Gregorio López; fray Pedro de Aguado; fray Alonso de Castro e

Francisco Suárez), la aceptaron. Todos coincidieron en afirmar el derecho y la obligación de la Iglesia de

extender el evangelio a los gentiles y amparar a los predicadores, aunque hubo algunas discrepancias en cuanto

al modo de derivar la jurisdicción política española de la jurisdicción espiritual (…)”. In: ZAVALA, Silvio, Las

instituciones jurídicas en la conquista de América. Tercera edición revisada y aumentada. Editorial Porrúa, S. A.

Av. República Argentina, 15, México, 1988, p.22-23. 32

Clemente VI em 1344 havia concedido a Luis de la Cerda a soberania das ilhas Canarias sob a condição de que

nenhum outro governante cristão adquirisse o direito a sua possessão e com isso se declarasse pertencente à

Santa Sé e comprometido a pagar tributos. A doutrina era clara: somente o papa, vicário de Cristo podia declarar

a legitimidade da conquista de novas terras não pertencentes a outro príncipe cristão. Para tanto era preciso levar

em conta a aprovação de Portugal. Essa dupla atuação diplomática dos reis espanhóis originou as bulas

alejandrina, que oficializaram a legitimidade da possessão e o Tratado de Tordesilhas que estabeleceu os limites

de domínio de cada um das duas potências, Espanha e Portugal. In: VIDAL, Marciano. “Historia de la teología

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30

Para Marciano Vidal, ao expor a moral medieval, o Papado foi adquirindo uma

autoconsciência de seu poder, não apenas no interior da igreja, mas também na sua relação

com as realidades temporais. O exemplo apresentado por esse autor estava baseado nas

petições feitas pelos monarcas, tanto de Portugal quanto de Espanha, com relação ao

descobrimento, conquista e colonização das novas terras. Tanto para Portugal quanto para

Espanha, estavam solicitadas nas bulas pontifícias três direitos: 1) fazer guerra a sarracenos,

pagãos e infiéis; 2) ocupar os domínios desses infiéis citados; 3) reduzir as pessoas

encontradas nessas terras de infiéis à escravidão perpétua como ganho de guerra33

. Nessas

bulas também estavam estabelecidas medidas de como repartir os bens obtidos na conquista,

considerando tanto a coroa quanto a própria igreja34

.

P. V. de Carro considerou as Bulas de Alejandro VI com valor jurídico e internacional

dentro da mentalidade da Idade Média. Para ele, o papa usou de um direito reconhecido e fez

uma verdadeira doação em virtude dos poderes recebidos de Jesus Cristo. O papa conferiu

para as bulas uma missão espiritual e império temporal. Os reis católicos responderam aos

desejos deste e aos seus35

.

O sermão de Montesinos foi proferido em 24 de dezembro de 1511 e citado por P. V. de

Carro sobre o relato de Las Casas:

¿Con qué derecho, con qué justicia tenéis en tal cruel y horrible

servidumbre aquestos indios? ¿Con qué autoridad habéis hecho tan

detestables guerras a estas gentes que estaban en sus tierras mansos y

pacíficos, donde tan infinitos de ellos, con muertes y estragos nunca

oídos, habéis consumido? ¿Cómo les tenéis tan opresos y fatigados,

sin dalles de comer y sin curallos de sus enfermedades? … ¿Estos no

moral. La moral en la edad moderna (ss. XV-XVI) 2. América: “problema moral”. Perpetuo Socorro. 27

Colección: Moral y ética teológica. Madrid, 2012, p.65. 33

VIDAL, Marciano. “Historia de la teología moral. La moral en la edad moderna (ss. XV-XVI) 2. América:

“problema moral”. Perpetuo Socorro. 27 Colección: Moral y ética teológica. Madrid, 2012, p.66. 34

Idem, p.68. 35

“(…) Es posible que ni los Reyes Católicos, ni el mismo Papa, pensasen en las interpretaciones queridas a no

pocos juristas y teólogos (…), pero todos conceden a las bulas cierto valor internacional. El Papa les confiere,

sí, una misión espiritual, pero al lado de esta misión va unido un imperio temporal. Los Reyes Católicos

responden a los deseos del Papa, que eran también los suyos. Bajo este aspecto son edificantes las primeras

Reales Cédulas de nuestros Monarcas. Ya en la instrucción dada a Colón el 29 de mayo de 1493, y firmada en

Barcelona, al emprender el segundo viaje, se revelan estos nobles sentimientos. Se le encarga trate bien a los

indios, que no se les moleste, que se les enseñe nuestra santa fe”. In: D. CARRO, O.P., Dr. P. Venancio, La

teología y los teólogos-juristas españoles ante la conquista de América. Segunda Edición, Biblioteca de teólogos

españoles, dirigida por los Dominicos de las Provincias de España, vol.18, Salamanca, Apartado 17, 1951, p.23-

24.

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31

son hombres? ¿No tienen ánimas racionales? ¿Esto no entendéis?

¿Esto no sentís? (…)36

Para P. V. de Carro, as expressões de Montesinos faziam referência a São Tomás de

Aquino e à ordem religiosa dominicana, que, mais tarde, por seu desenvolvimento teológico-

jurídico, daria vida ao mais acertado das “Leyes de Indias” e teólogos como Vitoria e

Domingo de Soto desenvolveram e ampliaram. Para este autor, destas indagações de

Montesinos sobre a condição humana dos índios surgiram as teorias teológico-jurídicas que

ampararam os direitos inerentes à personalidade humana:

Montesinos reflejó con exactitud la doctrina verdadera, que hunde sus

raíces en los principios de Santo Tomás. El sermón no era del P.

Montesinos sólo, fue antes discutido, examinado y aprobado por todos

los Dominicos de aquella pequeña residencia. Cuando Diego Colón y

demás autoridades, que estaban presentes, fueron a la choza-convento

de los Dominicos en plan de protesta, pudo contestarles el Superior Fr.

Pedro de Córdoba: “Lo que había predicado aquel Padre había sido

de parecer, voluntad y consentimiento suyo y de todos, después de

muy bien miradas y conferidas entre ellos, y con mucho consejo y

madura deliberación se había determinado que se predicase como

verdad evangélica y cosa necesaria a la salvación de todos los

españoles y los indios de esta Isla”. Ellos eran predicadores de la

verdad y estaban obligados “por derecho divino” a predicarla, sin que

por esto creyesen “deservir al Rey”, antes, al contrario, estaban

seguros de que “les daría las gracias”37

.

Carro considerou que uma nova ciência teológico-jurídica surgiu desse acontecimento.

Como se estivessem duas forças contra opostas se testando: o teológico e o legal. Os

dominicanos da Española, com sua bagagem moral e teológico-jurídico, frente aos interesses

materiais dos conquistadores que se apoiaram em algumas cédulas reais, interpretadas e

aplicadas da maneira que lhe interessavam. As nuances entre o teológico e o legalista, entre a

força ideal e a razão prática eram uma das características da história interna da colonização

americana, mas, lentamente a teologia ia se infiltrando no direito indiano38

.

36 D. CARRO, O.P., Dr. P. Venancio, La teología y los teólogos-juristas españoles ante la conquista de

América, 1951, op. cit. p.35. 37

Idem,, p.36. 38

Estas eran palabras citadas por Carro de Chacón e Calvo. D. CARRO, O.P., Dr. P. Venancio, La teología y los

teólogos-juristas españoles ante la conquista de América. Segunda Edición, Biblioteca de teólogos españoles,

dirigida por los Dominicos de las Provincias de España, vol.18, Salamanca, Apartado 17, 1951, p.37.

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32

Quando os reis conheceram do assunto, foram produzidas as deliberações de Burgos

que chocaram as doutrinas opostas aos repartimientos e à liberdade dos índios. O resultado

dessas deliberações foram as chamadas “Leyes de Burgos del 27 de diciembre de 1512”,

espécie de compromisso ou mudança entre as duas teses, mas apontando a derrota dos

dominicanos, uma vez que essas leis de 1512 sancionavam o caráter geral do sistema de

repartimientos, encaminhadas a um bom tratamento dos índios39

.

Depois que Montesinos fez seu segundo sermão mantendo a mesma doutrina, os

encomenderos reagiram enviando cartas ao rei. Entraram nesse debate contra os dominicanos,

Miguel Pasamonte e o franciscano não letrado, P. Alonso de Espinar. Essa discussão foi

levada pessoalmente ao rei e este convocou a junta de Burgos como um meio de remediar o

que ocorria. Nesta junta estavam franciscanos, dominicanos, teólogos e licenciados de

Salamanca40

.

Las Leyes no son ciertamente perfectas, pero en ellas se salva lo

fundamental, se salvan los principios, cuya trascendencia no parece

vean los dos autores citados. El Protector de los Indios al hablar de las

personas que intervinieron, tiene elogios para casi todos. Enemigo

radical de las encomiendas, alaba la buena intención del Rey y de los

miembros de la Junta, pero censura la permanencia de los

repartimientos de los indios con las encomiendas. Esta concesión la

atribuye a los interesados y falsos informes de los encomenderos, con

agentes muy activos en la Corte, que presentaban a los indios como

seres rudos, holgazanes, llenos de vicios, incapaces de gobernarse y

recibir la fe y el bautismo41

.

Ainda que este debate tivesse apenas começado, Carro afirmou que nas próximas

cédulas reais e ordenações não se encontravam doutrina diferente da mencionada. Seguiram a

39 D. CARRO, O.P., Dr. P. Venancio, La teología y los teólogos-juristas españoles ante la conquista de

América, 1951, op. cit. p. 37. 40

P. V. de Carro salienta que estavam nesta Junta de Burgos Juan Rodriguez de Fonseca, bispo de Palencia,

Hernando de Veja, licenciado Luis Zapata, licenciado Santiago y Palacios Rubios, teólogos dominicanos, Tomás

Durán, Pedro de Covarrubias e P. Matías de Paz, professor em Valladolid e em Salamanca, licenciado Gregorio,

P. Montesinos e P. Espinar. D. CARRO, O.P., Dr. P. Venancio, La teología y los teólogos-juristas españoles

ante la conquista de América. Segunda Edición, Biblioteca de teólogos españoles, dirigida por los Dominicos de

las Provincias de España, vol.18, Salamanca, Apartado 17, 1951, p.43. 41

Idem, p. 44.

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33

repartir os índios e as encomiendas, justificando com base em argumentos teóricos e

práticos42

.

1.2. Economia colonial: Repartimientos e encomiendas

Juristas e teólogos buscavam encontrar a melhor formulação, em acordo com os

princípios doutrinais, políticos e econômicos, de fazer com que índios e espanhóis

convivessem da melhor maneira. As leis, instruções reais, ordenações de vice-reis, pareceres

de teólogos e juristas, decisões e sentenças evidenciaram uma tentativa de adequar os vários

interesses e perspectivas à realidade local e complexa da América. Havia nesses documentos a

percepção de um processo, legislativo, político, religioso e econômico que mencionava qual

era a condição dos índios, seus deveres, direitos, serviços e doutrinas. Nossa intenção é a de

apresentar um panorama desse contexto demonstrado pelo desenvolvimento da normatividade

do trabalho indígena, tanto pelas discussões teológico-morais – exibidas e discutidas no item

anterior-, quanto legislativas, citando a Real Cédula de 1601 até a de 1632.

Havia para a América espanhola a ideia de estruturar a população indígena em

unidades políticas e jurídicas autônomas, perfeitamente relacionadas com a sociedade

ocidental, a república de espanhóis, convivendo apenas dentro de um único conjunto, o do

estado espanhol nas Índias. Essa ideia foi se aprimorando aos poucos e arrastava pela própria

dinâmica dos fatos, pela maior eficiência na ocupação dos territórios e da população indígena.

42 “Es indudable que estas leyes constituyen un triunfo para la buena causa, que se inició en 1511, aunque ya los

Reyes Católicos se inspiren en este espíritu cristiano. Como escribimos en otra ocasión, podemos repetir de

nuevo: “No sé si por feliz coincidencia o porque las cosas tenían que suceder así, el hecho es que el progreso

evolutivo de la legislación de Indias, descrito brevemente por nosotros, est´encerrado entre dos nombres de la

Ordem Dominicana: el P. Montesinos con sus sermones en 1511, y el cardenal Fr. García de Loaisa, Presidente

del Consejo de Indias, que formuló las Nuevas Leyes de 1542, y que las firmó”. ¿Qué pasó después? Los

intereses creados levantaron un griterío ensordecedor, y las protestas fueron más que verbales. Era difícil, y hasta

imposible, deshacer de un golpe toda una organización social y civil, que llevaba muchos años de vida. En Perú

costó la vida a Blasco Núñez Vela, no siempre prudente en la forma de implantarlas a rajatabla. En Méjico, se

implantaron, pero con la consigna de no aplicarlas mientras no recibiese el Emperador los informes y

comisiones enviados por los encomenderos”. D. CARRO, O.P., Dr. P. Venancio, La teología y los teólogos-

juristas españoles ante la conquista de América. Segunda Edición, Biblioteca de teólogos españoles, dirigida por

los Dominicos de las Provincias de España, vol.18, Salamanca, Apartado 17, 1951, p.48 e 67.

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34

Sobre esse pensamento, Ronald Mansilla43

apontou que diante da política dos fatos

consumados, os juristas – com pareceres enfrentados em intermináveis polémicas – se viam

obrigados a buscar a melhor formulação, dentro dos princípios doutrinais vigentes, para

integrar os povos indígenas ao novo Estado, considerando que este recebeu características

distintas em cada um dos territórios44

.

Os serviços pessoais, a utilização e exploração intensiva da mão de obra indígena

somada ás terríveis circunstâncias, caracterizaram a primeira etapa da colonização e acabaram

praticamente com os índios. Tudo isso, segundo Mansilla, determinou o fracasso de qualquer

convivência institucional entre índios e espanhóis45

. Era mais evidente em México do que em

Peru, a convicção da necessidade de integrar os índios dentro dos “reinos indianos”, de formar

apenas uma realidade jurídica com duas sociedades diferentes, a espanhola e a indígena, e

suas respectivas repúblicas46

. Para essa organização e integração era muito importante, além

da realidade e circunstâncias dadas pelo processo colonizador, o desenvolvimento do regime

de trabalho indígena, a encomienda e os repartimientos, e as formas de evangelização47

.

Patricio Hidalgo Nuchera aponta que o descobrimento da América respondeu a uma

série de necessidades específicas da economia europeia de finais do século XV. Entre essas

necessidades estavam os metais precisos necessários para cobrir o déficit do comércio com o

Oriente, porque as mercadorias europeias exportadas como pano, vinho, azeite, estanho, não

eram maiores do que as importadas da Ásia. O descobrimento das minas de ouro e prata no

Novo Mundo permitiu cobrir tal déficit, vinculando a partir de então as Índias ao sistema

capitalista mundial48

.

43 MANSILLA, Ronald Escobedo., “Las comunidades indígenas en el Perú y Nueva España. Estudio

Comparativo”. In: BARRIOS PINTADO, Feliciano (coord.), Derecho y administración pública en las Indias

Hispánicas: actas del XII congreso internacional de Historia del Derecho indiano. Toledo, 19 a 21 de Octubre,

1998, Cuenca Cortes de Castilla – La Mancha: Volumen I. Ediciones de la Universidad de Castilla – la Mancha,

2002, pp.601-619. 44

MANSILLA, Ronald Escobedo., “Las comunidades indígenas en el Perú y Nueva España. Estudio

Comparativo”. In: BARRIOS PINTADO, Feliciano (coord.), Derecho y administración pública en las Indias

Hispánicas: actas del XII congreso internacional de Historia del Derecho indiano. Toledo, 19 a 21 de Octubre,

1998, Cuenca Cortes de Castilla – La Mancha: Volumen I. Ediciones de la Universidad de Castilla – la Mancha,

2002, pp.601-619, p.604. 45

Idem, p.605. 46

Idem, p.606. 47

Idem, p.607. 48

“En el caso concreto de las Indias españolas, su integración y articulación con el sistema económico mundial

se realiza a través de sus recursos metalíferos, sobre todo la plata, sector productivo “dominante” respecto a los

demás sectores productivos de la economía colonial. Para canalizar estas riquezas hacia la metrópoli se ideó un

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35

A condição do trabalho indígena foi dividida por Nuchera em seis fases. A primeira

fase iria até 1549 porque os proprietários de terras, que eram encomenderos, usaram seus

índios de encomienda49

como o tributo devido em serviços pessoais e sem nenhum

pagamento. No começo, como o tributo não estava estabelecido, o encomendero submetia

seus índios a um trabalho forçado sem limites -“encomienda de servicios”-, exploração essa

que teve fim em 1536 quando foi aprovada a imposição da taxação dos tributos por uma visita

à terra –“encomienda de tributo”-, e ainda se permitia os serviços pessoais. Em 1549 foi

proibido o serviço dos índios contra sua vontade, mandando que houvesse um salário para os

índios que estivessem livres. As Leyes Nuevas de 1542 proibiram a escravidão indígena e os

serviços pessoais forçados de naborías y yanaconas50

retirados de suas comunidades originais

e explorados pelos espanhóis51

.

A segunda fase do trabalho indígena para Patrício Nuchera durou pouco mais de um

ano, de 1549 a 1550. Em efeito, apesar do legislado, a mudança desde o sistema anterior de

trabalho forçado e não remunerado para o trabalho voluntario e remunerado não foi imediata.

A principal causa apontada por esse autor foi a falta de incentivo entre os índios de participar

sistema comercial que hacía llegar a ésta, en forma de moneda o de lingotes, la plata americana tanto para la

corona – obtenida vía fiscal – como para el pago de las mercancías – la mayor parte de ellas foráneas – enviadas

por los comerciantes sevillanos a los mexicanos y limeños. Hay que mencionar un hecho de graves

implicaciones futuras: el ser los metales preciosos el eje de todo este sistema implicó el desequilibrio de la

economía americana a favor del sector minero y el de la exportación de sus productos a Europa”. NUCHERA,

Patricio Hidalgo., “La economía colonial”. In: CARREDANO, Juan B. Amores (coord.) Historia de América,

Ariel, Barcelona, 2006, pp.451-528, p.451-2. 49

Isacio Pérez ao estudar as primeiras instituições hispano-indianas retoma seus antecedentes antes da chegada

de Cristóvão Colombo. Tais antecedentes apontavam, para ele, o caminho que conduziu a criação das

encomiendas. A função de Colombo era a de enviar riquezas aos reis: espécies da terra (pimenta, algodão,

canela), outro obtido dos indígenas como tributo ou pelo trabalho destes nas minas que foram descobertas em

1494 e receberam índios escravos e repartidos. Nas palavras de Isacio Pérez, além de escravizarem os índios

cativos nas guerras, de repressão ou rebeliões contra seu senhor espanhol, e tratá-los como escravos, os índios

que sobravam eram repartidos entre os espanhóis para seu serviço e benefício – serviço pessoal obrigatório.

Dessa maneira surgiram os “repartimientos” de índios não escravos para o trabalho nas minas para proveito dos

espanhóis. Esses “repartimientos” eram os antecedentes imediatos das “encomiendas”. Por sua vez, a

encomienda foi instituída pela rainha Isabel, a Católica, e, em sua ideia, essa consistia em “encomendar” ou

entregar índios aos espanhóis para que cuidassem deles, se beneficiassem de seus serviços e os doutrinassem na

fé católica. O sistema de trabalho conhecido como encomiendas passou por várias transformações, desde essa

idealização pela rainha, até ser implementada por Ovando. Para saber mais sobre essa diferença entre as

encomiendas, consultar: FERNÁNDEZ, Isacio Pérez., El Derecho Hispano-Indiano. Dinámica social de su

proceso histórico constituyente. Editorial San Esteban, Salamanca, 2001, p.30. 50

Estas eram categorias sociais pré-hispânicas que faziam alusão aos indígenas das Antilhas e dos Andes. 51

NUCHERA, Patricio Hidalgo.,“La economía colonial”. In: CARREDANO, Juan B. Amores (coord.) Historia

de América, Ariel, Barcelona, 2006, pp.451-528, p.454.

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voluntariamente em um regime laboral de livre contratação52

. Por conta disso que a coroa

fundou imediatamente um sistema intermediário, que correspondia à terceira fase de 1550 a

1601. Nesse novo sistema o repartimiento seria obrigatório e remunerado da mão de obra

indígena e teria um funcionário responsável por regular o tempo e o tipo de ocupação de cada

repartimiento, estes funcionários eram os “jueces repartidores”:

Este sistema no fue novedoso para los indígenas, pues hundía sus

raíces en una institución prehispánica conocido con el nombre de

coatequil en Nueva España y mita en el Perú. El nuevo sistema laboral

– llamado repartimiento, pero también con sus nombres prehispánicos

– regulaba el trabajo indígena de la siguiente manera: obligación del

indios a concertarse para el trabajo; dicho concierto se haría siempre

por medio de las justicias reales, nunca por particulares; control del

pago de salarios; y moderación y castigo de los excesos53

.

Os juízes repartidores reuniam todos os trabalhadores indígenas para depois distribui-

los para os trabalhos nos campos, minas, obras públicas ou serviços domésticos. Tratava-se de

reunir um pequeno “mercado de mano de obra indígena” disponível para o benefício geral da

população espanhola, fossem encomenderos ou não. Para Patricio Hidalgo Nuchera, esta nova

forma de trabalho significava, mesmo que compulsivo, o recebimento de um pagamento e

certa moderação por parte das autoridades públicas, tanto das horas como do caráter do

trabalho. Era um trabalho retribuído e moderado que logo já permitira abusos e

arbitrariedades, ameaças, castigos e subornos aos juízes repartidores54

.

Os abusos contra os índios continuavam e o repartimiento era considerado como uma

instituição contra a liberdade indígena. Em 1601 se tentou uma nova regulação do trabalho

indígena. A Real Cédula de 24 de novembro de 1601 foi escrita em Valladolid e ficou

conhecida como a “cédula del servicio personal” que tinha como finalidade substituir o

repartimiento forçado pela contratação livre nas praças. O que significava que ao invés de

serem distribuídos por um juiz repartidor, os trabalhadores indígenas escolheriam livremente

o melhor lugar. Esta era para Hidalgo Nuchera a quarta fase do trabalho indígena, de 1601 a

1609. Essa fase fracassou, segundo os colonos, devido ao rechaço do trabalho por parte do

índio. Este fracasso deu lugar a uma volta atrás no posicionamento da coroa, que em 26 de

52 Idem, p.455.

53 Idem, p.455.

54 Ibidem.

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maio de 1609 autorizou novamente o “repartimiento” compulsivo, mas limitado somente à

agricultura e minas, proibindo o trabalho nos obrajes, nos moinhos de açúcar e na pesca. A

quinta fase abarcava de 1609 a 1632. Em 31 de dezembro de 1632 se suprimiram

definitivamente os repartimientos, exceto para os trabalhos nas minas55

.

Para P. V. de Carro, a análise das Reais Cédulas desses anos abarcados dentro dessas

seis fases encontradas por Nuchera revelou que cada vez ficava mais claro o contraste entre os

abusos e a correção por parte das leis, entre as concessões às exigências dos conquistadores e

encomenderos e o cuidado com os índios56

.

1.3. Real Cédula de 24 de noviembre de 1601

A Real cédula de 24 de novembro de 1601, também conhecida como a cédula do

Servicio Personal, foi escrita em Valladolid e dirigida a Don Luis de Velasco, vice-rei do

Peru desde 1595. Nesta cédula de 27 cláusulas estavam referidas todas as formas de serviços e

os cuidados que em cada um se devia proibir ou tolerar57

.

55 “No en todas partes desaparece la institución del repartimiento. James Lockhart señala que duró poco en las

regiones centrales de América (México y Perú), per mucho en otras. Así, en las regiones centrales, donde había

muchos españoles compitiendo por la mano de obra, el repartimiento duró poco por dos motivos: porque las

colectividades indias contaban cada vez con menos trabajadores para enviar, motivo por el que muchos

españoles obtenían un cupo menor del esperado; y, en segundo lugar, porque la exigua paga producía

trabajadores inmotivados. Así, pues, poco a poco muchos hacendados empezaron a contratar mano de obra

temporal suplementaria. En cambio, en lugares alejados, con poca presencia española, el repartimiento se

prolongó en el tiempo hasta fines de la época colonial. Desde entonces y en las regiones centrales, el destino

preferente para muchos indios fue la hacienda. Al principio, este sistema de trabajo libre remunerado fue

compatible con la conservación de los pueblos de indios, pues muchos gañanes o peones continuaron viviendo

en sus pueblos, pagando sus tributos y participando de la vida comunitaria. Pero con el tiempo acabaron por

establecerse en las haciendas de un modo permanente, se desvincularon de sus comunidades de origen y cesaron

de pagar el tributo, con la protección y connivencia de los hacendados españoles y la oposición de las

autoridades indígenas. Comparado con este sistema, el de la encomienda evitaba desarraigar al indio de su

comunidad y de su tierra, a cuya propiedad no podía acceder el encomendero”. NUCHERA, Patricio Hidalgo.,

“La economía colonial”. In: CARREDANO, Juan B. Amores (coord.) Historia de América, Ariel, Barcelona,

2006, pp.451-528, p.456. 56

D. CARRO, O.P., Dr. P. Venancio, La teología y los teólogos-juristas españoles ante la conquista de

América, 1951, op. cit., p.33. 57

PEREIRA, SOLÓRZANO, Juan de, Política Indiana., Tomo I, Libro II, Capítulo II, n.12, ediciones Atlas,

Madrid, 1972, p.144

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Apresentaremos o conteúdo das cláusulas desta Real Cédula de 24 de novembro de

1601 da maneira como estas foram ordenadas e dispostas pelo rei com a finalidade de

analisarmos quais eram os assuntos trazidos por este ao tratar da servidão pessoal indígena.

Queremos responder às seguintes perguntas: Como o rei Felipe III tratou e pensou o serviço

pessoal indígena e sua obrigatoriedade por essa norma? Quais argumentos ele apresentou para

proibi-los ou permiti-los? Direcionava o cumprimento de suas ordens apenas para o vice-rei

ou outras autoridades? Como apelava para a efetiva aplicação da sua lei? Como conferia

espaço para o arbítrio do vice-rei? Qual era sua vontade e intenção a respeito dos serviços

pessoais? Depois de respondermos a essas perguntas, e de olharmos para elas apenas pelo

disposto na Real Cédula, apresentaremos quais foram os conselhos e opiniões interpretados

por Fr. Miguel Agia sobre essas mesmas cláusulas mencionadas, e dessa forma teremos uma

ideia do processo interpretativo realizado por esse teólogo e jurista que orientava o vice-rei.

A Real Cédula de 24 de novembro de 1601 continha as normas radicais para reprimir

os abusos cometidos pelos encomendeiros aos índios e seus serviços pessoais e nas minas.

Ainda que os termos da dita cédula mostravam-se decididos ao propósito de acabar para

sempre com a opressão que os índios sofriam, tais termos se prestavam a distintas

interpretações, cada uma das quais afetava gravemente aos interesses particulares e também

podiam prejudicar a organização e o rendimento da economia pública indiana.

Na introdução da Real Cédula o rei afirmou que os índios eram livres enquanto

vassalos seus e que nesta condição tinham deveres, e, que era função do vice-rei cuidar pelo

cumprimento desses deveres. O vice-rei estava obrigado a cuidar da conservação, propagação

e aumento dos índios e seus trabalhos atentando-se à conservação e perpetuidade das

províncias do Peru porque uma coisa dependia da outra. O rei reconheceu que, para manter

suas províncias e interesses, os índios deviam ser conservados e uma maneira de fazer isso era

estabelecendo nesta Real Cédula a diminuição dos abusos causados pelos serviços pessoais58

.

58 “(…) para que los indios vivan con entera libertad de vasallos según y de la forma que los demás que tengo en

esos y estos reynos y otros sin nota de esclavitud ni de otra subjecion y servidumbre mas de la que como

naturales vasallos deven y que mirando por su conservación propagación y augmento de tal manera se acuda a

esto que mediante el trabajo, industria, lavor y grangeria de los mesmos yndios se atienda a la perpetuidad y

conservación desas provincias como cossa que es tan forçosso y depende la una de la otra y aviendose visto en

mi consejo Real de las Indias todo lo que cerca desto esta proveydo y las relaciones y pareceres que sobre ello

han dado personas de mucha experiencia, letras y consciencia y lo que de parte de los encomenderos y otros

vizinos de ese reyno y de las demás provincias de las Indias se ha representado y haviendosse juntado por mi

mandado otros ministros y personas graves y doctas y de mucha prudencia y larga experiencia para ver conferir

y tratar de negocio de tanta importancia y consultadosseme todo lo que ha parecido sobre ello me he resuelto en

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Na primeira cláusula estava disposto para que todos se ocupassem e trabalhassem para

o serviço da República, recebessem comida conforme a qualidade e o tempo de seu trabalho,

sem que o trabalho dos índios fosse excessivo59

. Na segunda cláusula o rei ordenou o fim dos

serviços pessoais que se repartiam por via de tributos nas encomiendas em todas as províncias

do Peru e demais partes do reino:

Para cuyo remedio ordeno, y mando, que de aquí adelante no haya, ni

se consienta en esas Provincias, ni en ninguna parte de ellas los

servicios personales, que se reparten por via de tributos á los Indios de

las encomiendas: y que los jueces, y las personas, que hicieren las

tasas de los tributos, no los tasen por ningún caso en servicio personal,

ni le haya en estas cosas, sin embargo de qualquiera introducción,

costumbre, ó cosa, que cerca de ello se haya permitido; só pena que el

encomendero, que usarre de ellos, y contraviniere á esto, por el mismo

caso haya perdido, y pierda su Encomienda: lo qual es mi voluntad,

que asi se cumpla, y execute, y que el tributo de los dichos servicios

personales se conmute, y pague como se tasare, en frutos, de los que

los mismos indios tuvieren, y cogieren en sus tierras, ó en dinero, lo

que de esto fuere para los indios mas cómodo, y de mayor alivio, y

menos vexacion60

.

Na terceira cláusula o rei mandou para os trabalhos que exigissem muito dos índios

que estes fossem realizados por negros, mesmo que aqueles afirmassem que o faziam por livre

vontade, sem força e persuasão. A vontade do rei era a de preservar a saúde dos indígenas

substituindo-os por negros, e para cumpri-la encarregava o vice-rei e apelava para as justiças

de seus juízes sob pena de serem suspensos de seus ofícios por dois anos:

Aunque se diga que lo hacen de su propia voluntad sin apremio fuerça

ni persuacion alguma con paga ni sin ella ni aunque intervenga

consentimiento de sus caciques autoridad de la justicia (…) es mi

voluntad y mando que asi se cumpla precisamente sin embargo de

qualesquier leyes, ordenanças, cedulas y provisiones que en

contrario desto estén dadas que si necesario es por la presente las

reboco y doy por ningunas y que las justicias no puedan condenar

prover y hordenar lo siguiente”.In: AGIA, Fr. Miguel, Servidumbres personales de índios, Edição e estudo

preliminar por AYALA, Francisco Javier de, Escuela de estúdios hispano-americanos, Sevilla, 1946, Real

Cédula de 24 de noviembre de 1601, p.32. 59

Real Cédula, clausula 1ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p 32. 60

Real Cédula, clausula 2ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.33.

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ni pechar a los indios a servicio de los dichos obrajes (…) y encargo y

mando a vos el mi virrey presidentes y oidores de mis audiencias

reales de las dichas provincias del Peru, Quito y Charcas (…) que

hagáis executar (…) so pena a las justicias y juezes que contravinieren

a esto de suspenssion de oficio por dos años (…) y es mi voluntad que

sea caso de residencia y visita (…) pena de suspensión de sus oficios

por tiempo de un año61

.

Na quarta e quinta cláusulas estavam mencionadas os cuidados com os trabalhos

executados pelos índios fazendo referência às ordenações do vice-rei antecessor a Velasco,

Don Francisco de Toledo62

. Na sexta cláusula o rei ordenou que os índios que estivessem

detidos nas chácaras das províncias do Peru sem liberdade e nem doutrina fossem avisados

publicamente que podiam abandonar tais chácaras quando e como quisessem, e que não

voltariam a ser compelidos e forçados a estarem nelas. O próprio rei orientou como queria que

essa sua ordem fosse executada. Ele reforçou que uma forma de melhor cumpri-la era

mandando que os ouvidores das audiências visitassem essas chácaras e que estes em suas

visitas não consentissem tais abusos, a menos se os índios afirmassem que o faziam

voluntariamente, por tempo e forma que quisessem63

. Cabia ao vice-rei a função de guardar e

cumprir essa ordem inviolavelmente. Esta Real Cédula, em nossa interpretação, se

apresentava contraditória uma vez que os ouvidores teriam que perguntar a cada índio, que

considerassem que trabalhavam obrigados, se os faziam realmente. Percebemos que o rei

salientou que queria, para que sua norma fosse cumprida, que seu vice-rei soubesse que havia

encarregado a ele e aos ouvidores. Dessa forma a função do vice-rei não era apenas a de fazer

cumprir a Real Cédula, mas a de saber se os ouvidores também a cumpririam.

Na oitava cláusula, o rei afirmou que sua intenção não era a de fechar as mencionadas

chácaras que tratavam os índios como escravos, os obrigando contra sua vontade e não os

doutrinando como o exigido. Sua intenção era a de que estes índios tivessem tudo o que fosse

61 Real Cédula, clausula 3ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.35.

62 Real Cédula, clausula 4ª e 5ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.36.

63 “(…) y para que mejor se cumpla lo susso dicho mando que los oidores de las audiencias en cuyo distrito

cayeren las dichas chacaras y heredades quando salieren a visitar la tierra las vissiten y no consientan que los

indios que hallaren en ellas estén contra su voluntad ni con ningún genero de servidumbre executando en los

culpados las sobre dichas penas (…) que tan solamente se permite de aquí adelante es que puedan servir en las

dichas chacaras y heredades de los indios que quissieren servir en ellas de su propia voluntad por el tiempo y en

la forma que voluntariamente se concertaren y mando a vos el mi virrey que al presente says o adelante fueredes

lo hagays guardar y cumplir imbiolablemente”. Real Cédula, clausula 6ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres

personales de índios. Sevilla, 1946, p.38-39.

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necessário para não serem oprimidos e presos a estas chácaras contra a sua vontade, como já

vinha acontecendo. Essa sua intenção foi justificada pelo rei como uma maneira de melhor

aproveitar e conservar os índios:

Y porque mi intención no es de quitar a las dichas chacaras heredades

y viñas el servicio que han menester para su lavor y beneficio sino que

teniendo todo el necesario los indios no sean oprimidos ni detenidos

en ellas contra su voluntad como lo han sido por lo pasado (…) los

indios puedan acudir al beneficio y lavor de las dichas chacaras y

heredades y puedan ser dotrinados e instruidos en las cosas de nuestra

santa fe catholica (…) para el aprovechamiento y conservación de los

indios64

.

Nessa cláusula o rei demonstrou que estava ciente de que esse abuso já ocorria

quando argumentou que os índios não deviam ser oprimidos como eram no passado, e que sua

intenção estava voltada para a conservação desses. Reforçou a importância da doutrinação dos

índios e a importância do trabalho desses para o beneficio de todos.

Na cláusula décima estava ordenado que tudo devia ser cumprido para a conservação e

benefício dos índios e que quitar os repartimientos não significava acabar com os serviços

pessoais. Mas, os índios que se recusassem a trabalhar, como eram obrigados por sua

condição natural, que servissem e trabalhassem porque não se sustentava e nem se conservava

a terra sem tal serviço indígena. Diante dessa utilidade, parecia melhor ao rei mandar e

ordenar que os índios fossem compelidos a estes serviços, por meios suaves que parecessem

ao vice-rei e conviesse para a conservação dos índios, da República e seu comércio. Para

exercer essa norma, o rei conferiu poder e faculdade a Velasco e permitiu-lhe conceder, se

assim fosse conveniente, que houvesse repartidores de índios, mesmo que de maneira forçada:

(…) y relevarlos de los dichos repartimientos no se convierta en su

descomodidad y mayor daño y de la republica y con que los yndios

que de su natural condición rehussan el trabajo y son inclinados a

olgar que les es de gran perjuicio han de servir, trabajar y ocuparse en

los dichos servicios (…) porque no se podría sustentar no conservar la

tierra sin el trabajo servicio e industria de los indios conbendra y assi

lo ordeno y mando que sean compelidos a ello en la forma como y por

los mas suaves medios que os pareciere y proveyeredes y ordenaredes

para ello de manera que teniendo respecto y consideración a todo lo

64 Real Cédula, clausula 8ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.40.

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referido lo dispongays de la manera que mas conviniere para la

conservación de los mesmos indios y de esa republica y comercio

della para lo qual os doy poder y facultad y en caso que por estas

causas convenga y sea forçoso que aya repartidores de los dichos

indios”65

.

Nesta cláusula, percebemos que o rei tratou o serviço dos índios de maneira distinta do

que na ordem anterior. Na anterior, ele permitia que os índios não trabalhassem contra a

vontade, e nessa afirmou que os que se recusassem ao trabalho estavam obrigados a esse

justamente porque fazia parte da sua condição natural. A causa de compelir os índios era

argumentada pelo rei pela necessidade e utilidade públicas. Nesse argumento da conservação

dos índios e da República, o serviço indígena era obrigatório, permitido mesmo que contra a

vontade, e o vice-rei tinha poder e faculdade para agir conforme lhe parecesse mais

conveniente, nem que para isso houvesse repartidores. Observamos uma contradição entre as

cláusulas da Real Cédula. Esta contradição que vemos estava justificada pelo rei pelo

argumento da utilidade pública e isso, segundo Paolo Prodi, era usual para a época66

. Ou seja,

o serviço pessoal dos índios era tratado pelo rei de acordo com seus interesses e com o que

julgava mais necessário e útil. O rei também conferia nessa norma um espaço para o vice-rei

usar de seu arbítrio como melhor lhe parecesse. A forma que o rei apresentou para que essa

sua cláusula fosse executada era dando poder e faculdade a Velasco.

Na décima segunda cláusula, o rei reconheceu que a conservação das províncias

dependia do serviço dos índios, dos benefícios trazidos pelas minas, do ouro e da prata. Que

os indígenas, acostumados e habituados a esse trabalho, deviam trabalhar, e enfatizou a

importância e riqueza de Potosí para essa conservação.

(…) y por esto y estar abituados y acostumbrados en ello en ningún

caso se pueden escusar de acudir a esto mas deseo mucho y conviene

que sean relevados en quanto fuere posible (…) y que los mineros se

provean de negros en la quantidad que pudieren (…) considera por de

mayor importancia es el beneficio del cerro de Potossi de que se a

65 Real Cédula, clausula 10ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.41.

66 Paolo Prodi apontou que houve uma alteração na justificativa do poder. Antes esse se justificava como sendo

um instrumento para dominar o pecado, e depois, nos princípios da Idade Moderna, era justificado pela sua

função, utilidade e interesses públicos, como o “bem comum”. O exercício do poder passou a ser justificado

pelas necessidades e utilidades públicas, o que alterou a noção de poder e política dessa época. PRODI, Paolo.

Uma história da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p.181.

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sacado y va sacando y se espera que se sacara tanta riqueza

conservándose como conviene lo que para esto he acordado que se

haga es67

.

O rei obrigou o índio a trabalhar argumentando, outra vez, pela necessidade pública da

conservação de suas províncias. Dessa vez, a causa não era a rebeldia indígena, mas a

consideração de que estes já estavam habituados e acostumados ao serviço nas minas. O

costume e o hábito foram utilizados pelo rei como a causa que justificou o seu argumento pela

obrigatoriedade do serviço e sua utilidade pública.

Na décima quinta cláusula, o rei ordenou que todos os índios trabalhassem nas minas,

fossem esses espanhóis, mestiços, negros ou mulatos livres, não permitindo gente ociosa na

terra68

. Na cláusula seguinte, ele mandou, de acordo com sua vontade, que todas as pessoas e

todos os índios trabalhassem nas minas e se pagassem a eles conforme seus trabalhos e

ocupações. Que se tivesse um cuidado particular com a saúde e bom tratamento desses, tanto

espiritual quanto temporal69

. Na décima oitava cláusula, o rei proibiu o repartimento de índios

para o beneficio e trabalho que não fosse nas minas de Potosí, e que era permitido alugar os

serviços desses porque essa era a forma mais conveniente para seu bom tratamento e

cuidado70

. Na próxima cláusula estava afirmado que os índios eram livres por natureza e

assim deviam ser tratados e que em nenhum caso fossem escravizados71

.

Na vigésima primeira cláusula, o rei ordenou que se fizessem populações de índios

para que suas enfermidades fossem tratadas e tivessem conhecimento da doutrina e dessa

forma as ditas populações trabalhariam por vontade própria72

. Na vigésima terceira, ele

retomou a ordem de substituir os índios por negros nos trabalhos nas minas, sob a alegação de

estar preservando e beneficiando estes:

(…) y porque mi voluntad es que sean relevados del en quanto se

pueda ordeno y mando que de aquí adelante no se desaguen con indios

las dichas minas sino que se haga con negros o con otro genero de

gente lo qual encargo y mando a vos el mi virrey tengáis particular

cuidado de prover y ordenar que asi se haga y cumpla en quanto fuere

67 Real Cédula, clausula 12ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.42.

68 Real Cédula, clausula 15ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.44.

69 Real Cédula, clausula 16ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.44.

70 Real Cédula, clausula 18ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.45.

71 Real Cédula, clausula 19ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.46.

72 Real Cédula, clausula 21ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.48.

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posible o como mas convega al mayor beneficio, seguridad y alivio y

menos vexacion de los indios y de manera que por esta causa no cesse

el beneficio y lavor de las minas73

.

O rei mencionou nesta cláusula que sua vontade era a de que os índios não trabalhassem

nas minas, sendo substituídos por negros ou outros, porque era considerado mais conveniente

resguardar os índios, garantindo sua segurança, porque dessa maneira se resguardava também

o benefício e trabalho nas minas.

Na vigésima quarta cláusula, o rei colocou qual era sua intenção e interpretação de

justiça. Reforçou que os índios deviam se ocupar em todas as coisas necessárias à República,

fossem pagos e estivessem satisfeitos. Para o cumprimento dessa norma, o rei encargou de

novo ao vice-rei mandando que este, caso tivesse necessidade, buscasse pareceres com

pessoas práticas em cada assunto e trabalho, e que depois de haver ouvido os pareceres dessas

pessoas com experiência, tomasse sua decisão:

Y porque es justo y conforme a mi intención que pues los indios han

de trabajar y ocuparse en todas las cosas necesarias en la republica y

an de vivir y sustentarse de su trabajo sean bien pagados y satisfechos

del y se les hagan buenos tratamientos (…) encargo de nuevo y mando

a vos el mi virrey que aviendolo conferido y tratado con personas

platicas en cada genero de lavor y trabajo y oydo los pareceres de los

que mas noticia y experiencia tengan de aquellas cosas (…)74

.

O rei tratou o serviço dos índios como algo necessário e útil para a República,

afirmando que era essa a sua intenção e que a considerava justa, assim, os índios estavam

obrigados. Ele apelou para o vice-rei e que este também podia solicitar pareceres de outras

pessoas com experiência. Percebemos um espaço para o arbítrio de Velasco e a relevância

dada pelo rei para que se buscassem conselhos de pessoas com experiência75

.

Na cláusula vigésima quinta, o rei continuou a insistir que os índios não eram escravos

e que eram pagos e precisavam de cuidado particular76

. Na cláusula seguinte, mencionou

73 Real Cédula, clausula 23ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.49.

74 Real Cédula, clausula 24ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.50.

75 Os conceitos de experiência, consciência, arbítrio, interpretação e prudência serão analisados mais para frente,

em outro capítulo. 76

Real Cédula, clausula 25ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.51.

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outra vez qual era a sua vontade ordenando que tudo tinha que ser cumprido e executado da

maneira que os índios não voltassem a ser oprimidos:

Y porque mi voluntad es que todo lo que de susso se ordena, se

cumple e execute (…) y ordenado de manera que los indios no puedan

volver a ser oprimidos por las personas y en las cosas que hasta aquí

lo han sido y de tampoco se de lugar ni consienta que se hagan

olgaçanes (…) a de estar a cargo de vos el mi virrey el cuidado del

cumplimiento y execucion de lo sobre dicho por tocar también esto a

todos los estados de la gente habitantes en esas provincias a los juezes

por el cumplimiento de mis hordenes a los prelados por la obligación

que tienen de mirar por el bien espiritual y temporal de aquellos

naturales a los españoles por su particular acreescentamiento y bien

universal y conservación y aumento de esos reinos77

.

Nesta cláusula, o rei manifestou novamente sua vontade e ordenou que os índios não

fossem oprimidos. Encargou o cumprimento de sua norma ao vice-rei, a quem a Real Cédula

se dirigiu, aos juízes e aos prelados porque a esses também cabiam a preocupação de não

permitir o abuso e opressão indígena, e o cuidado com o bem espiritual e temporal.

Argumentou novamente pela utilidade e necessidade pública ao referenciar o bem universal,

conservação e aumento dos reinos.

Na última cláusula, vigésima sétima, o rei mencionou que sua intenção e vontade era a

de que o vice-rei fizesse tudo conforme a conveniência e bom tratamento, alívio e

aproveitamento dos índios, seus benefícios e conservação das terras e minas, ordenando os

pareceres de pessoas doutas:

(…) graves de mis consejos lo que de susso va referido mas porque mi

intención y voluntad es que en todo se de la orden que mas conviene

para mayor beneficio y mas segura conservación de todo y de ello

resuelten muy buenos efectos (…) para que aviendo entendido mi

intencion y visto en lo que toca a las minas las ordenanças que están

hechas y aprobadas por el emperador y rey mis señores aquello y

padre que ayan gloria (…) y esta se dispone con personas de mucha

experiencia y satisfacion añadays y quiteys lo que os pareciere (…) y

juzgaredes convenir para mayor beneficio y alivio de los indios y de la

lavor de las minas y comodidad de los mineros (…) dispuesto en

77 Real Cédula, clausula 26ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.51.

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quanto fuere posible y no tuviere inconveniente de consideración ni

pudiere causar sentimiento y descontento general (…)78

.

O rei ordenou nessa cláusula a solicitação de pareceres de pessoas com conhecimento

e experiência para os assuntos duvidosos. Para ele, deixar ao arbítrio do vice-rei a decisão de

agir conforme lhe parecesse melhor para o beneficio e conservação do que foi exposto nas

cláusulas anteriores era uma maneira de cumprir sua vontade. Aprovou o serviço nas minas e

as ordenações relacionadas a esses citando a aprovação do imperador e do padre. Dessa forma

estava fortalecendo seu posicionamento apresentando a permissão de outras autoridades

políticas e religiosas. A forma que o monarca apontou para fazer cumprir suas ordens era

deixando ao arbítrio do vice-rei a decisão que parecesse melhor. Que esse, em sua deliberação

considerasse a opinião e conselho de pessoas com experiência para poder julgar conforme

conviesse para o benefício dos índios e das minas. O rei colocou novamente o beneficio dos

índios junto com o benefício das minas, mostrando seu interesse em manter os dois e seu

conhecimento de que um não se dava sem o outro. Ou seja, as minas eram beneficiadas se os

índios recebesse um cuidado particular.

A vontade e intenção do rei, por esse exemplo, não era a de acabar com os

repartimientos ou encomiendas, mas a de acabar com os serviços pessoais prestados pelos

índios a pessoas particulares porque estes não teriam saúde e nem estariam em quantidade

suficiente para trabalharem para o beneficio das minas. Assim, a intenção era a de beneficiar

os índios para que estes pudessem beneficiar os interesses que as minas possibilitavam.

Argumentou pela necessidade pública e interesse comum, conservação da República e dos

próprios índios, distinguindo a utilidade e relevância do trabalho para o rei e para um

encomendeiro. O rei estabeleceu limites para os indígenas nos serviços pessoais, mas os

obrigou a trabalharem para seus interesses porque essa era a obrigação de todos seus vassalos,

livres, índios ou espanhóis.

78 Real Cédula, clausula 27ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.52.

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Os serviços pessoais antes e depois da Real Cédula de 1601.

Esse argumento da obrigação do serviço pessoal indígena por sua necessidade pública,

que percebemos na Real Cédula de 1601, foi tratado por Solórzano Pereira79

em seu segundo

livro da Política Indiana sobre a liberdade, o estado e condições dos índios e a quais serviços

pessoais podiam ser compelidos para o bem público80

. O estado dos índios depois da

conquista, conversão e redução à vida social e política foi apresentado e analisado por

Solórzano pela legislação sobre os serviços pessoais e demais trabalhos nas mitas e

encomiendas. Os reis católicos tinham a lei evangélica, pela Bula de Alexandro VI que os

obrigava a ensinar, industriar e permitir a paz na vida política. A recomendação era que essa

paz não se conseguiria de maneira violenta e por meio da escravidão, senão pelo amor,

suavidade e aproveitamento dos índios segundo a doutrina de Santo Agostinho e São Tomás

de Aquino81

:

Siempre procuraron, y ordenaron con grandes veras, y aprieto de

palabras, que los Indios fuesen conservados, y mantenidos en su

entera libertad, y plena, y libre administración de sus bienes, como los

demás vasallos suyos en otros Reynos. Porque ésta, parece, que en

alguna manera está unido, y anexa á la Ley de Christo nuestro Señor,

que se les deseaba persuadir, según nos lo dá á entender por boca de

San Matéo, y San Pablo (…) En los propios términos de que tratamos,

y de que estos Infieles recién convertidos por las reglas, y decisiones

del derecho común, y por voluntad, y disposición de nuestros Reyes,

sean, y deban ser libres, lo enseña, y prueba nervosamente el Obispo

de Chiapa, los Padres Acosta, Victoria, Molina, y otros muchos,

refiriendo las penas, que se han establecido en varios tiempos contra

los transgresores82

.

79 Procuramos trazer a obra de Solórzano Pereira para entendermos, por um autor de sua época, o contexto e

pretextos da escrita da Real Cédula sobre os serviços pessoais. Juan de Solórzano Pereira foi jurista, historiador e

autor político indiano, sua obra mencionada aqui é “Política Indiana”, que teve sua primeira edição publicada em

1647. Para saber mais sobre as ideias políticas de Solórzano Pereira, ver: F. Javier Ayala, Ideas Políticas de Juan

de Solórzano, Sevilla, 1946. 80

SOLÓRZANO PEREIRA, Juan de, Política Indiana. Libro II. Biblioteca de autores españoles, Desde la

formación del lenguaje hasta nuestros días (continuación) Tomo CCLV. Ediciones Madrid, 1972. 81

SOLÓRZANO PEREIRA, Juan de, Política Indiana. Libro II. Capítulo I, Biblioteca de autores españoles,

Desde la formación del lenguaje hasta nuestros días (continuación) Tomo CCLV. Ediciones Madrid, 1972,

p.133. 82

Idem, p.133-134.

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D. Fr. Juan Garcés, da ordem dos pregadores, bispo de Tlaxcala na Nova Espanha

escreveu uma carta em latim em 1536 dirigida ao papa Paulo III descrevendo por razões e

exemplos o quanto se enganavam os que acreditavam na doutrina de que os índios eram

bárbaros, brutais e indignos de serem chamados de racionais. Papa Paulo III escreveu em

1537 declarando que era malicioso e passível de ir ao inferno o pretexto que se tomava para

molestar, despojar dos índios dizendo que eram como animais brutos, incapazes de receber a

fé da igreja católica para torná-los escravos83

. Nas Nuevas Leyes de 1542 havia um capítulo

proibindo tratar o índio como escravo84

.

As Leyes Nuevas afirmavam que os índios tinham a liberdade de escolher o trabalho

que desempenhariam, o seu empregador e deveriam receber um salário justo e bom

tratamento. Esta legislação, em favor dos indígenas, causou vários problemas nas colônias e a

Coroa se viu obrigada a modificar o referido aos repartimientos85

.

Solórzano aponta que são quase inumeráveis as cédulas que trataram de proibir os

serviços pessoais e reprimir os abusos que os índios sofriam de seus encomendeiros tanto na

Nova Espanha, Peru quanto em outras províncias. Salienta que as Leyes Nuevas de 1542

estabeleceram, causando conflitos, que nenhuma pessoa podia servir dos índios contra a

vontade desses86

. Em outra cédula feita em Valladolid em 22 de fevereiro de 1549, revisada

em 1563, estavam referidos os danos e inconvenientes que se seguiam em consequência

83 Idem, p.134.

84“Item, ordenamos, y mandamos, que de aquí adelante por ninguna causa de guerra, ni otra alguna, aunque sea

só titulo de rebelión, ni por rescate, ni de otra manera, no se pueda hacer esclavo Indio alguno. Y queremos y

mandamos, que sean tratados como vasallos nuestros de la Corona de Castilla pues lo son”. Extat. d. tom. 4. pag.

369 & apud Matienzum in d. l. 12. Recop. In: SOLÓRZANO PEREIRA, Juan de, Política Indiana. Libro II.

Capítulo I, Biblioteca de autores españoles, Desde la formación del lenguaje hasta nuestros días (continuación)

Tomo CCLV. Ediciones Madrid, 1972, p.136-137. 85

Segundo Laura Barrera, o repartimiento de índios, também conhecido como serviço pessoal nos documentos

coloniais, consistia em fazer com que os índios trabalhassem. Estes eram reunidos na praça principal toda

segunda-feira pela manhã para serem designados a seus trabalhos, eram divididos de acordo com a demanda de

mão-de-obra e podiam trabalhar tanto para indivíduos quanto em obras públicas. Deveriam receber um salário de

três reais semanais ou o equivalente em comida. Os indígenas não podiam ser levados para fora de seus

povoados e estavam proibidos de realizarem outras atividades não mencionadas pela legislação. BARRERA,

Laura Caso, “El trabajo indígena en Yucatán en el siglo XVII. In: BONNETT, Diana; QUIROZ, Enriqueta

(coord.) Condiciones de vida y de trabajo en la América colonial: Legislación, prácticas laborales y sistemas

salariales. Universidad de los Andes – Ceso, Estudios Interdisciplinarios sobre la conquista y la colonia de

América, vol.5, Bogotá, 2009, pp.157-177. 86

SOLÓRZANO PEREIRA, Juan de, Política Indiana. Libro II. Capítulo II, Biblioteca de autores españoles,

Desde la formación del lenguaje hasta nuestros días (continuación) Tomo CCLV. Ediciones Madrid, 1972,

p.142.

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desses serviços pessoais ordenando que não se consentisse mais os serviços a pessoas

particulares, fosse contra ou não a vontade do indígena87

.

Neste mesmo ano de 1549 foi despachada outra cédula à Real Audiência de

Guatemala evidenciando e proibindo as durezas e excessos nos tratos dados pelos

encomendeiros aos índios. Em 1555, a Audiência do México se encarregou sobre esse assunto

e o proibiu novamente e em 1568 o então vice-rei do Peru, depois de visitar pessoalmente as

províncias, redigiu as leis e ordenações que julgou convenientes para o bom governo88

. Don

Francisco de Toledo recebeu uma instrução real quando iniciou seu governo como vice-rei do

Peru em 1568. Nesta instrução estava mandado que no haya servicios personales de indios,

mas a execução dessa cláusula, segundo Silvio Zavala, causou descontentamento entre os

espanhóis e diante disso esta foi alterada por Francisco Hernández Girón passando a ordenar

que nos repartimientos desocupados não se permitissem os serviços pessoais e que se

continuasse a proibir tais serviços nas encomiendas89

.

Em outra cédula de San Lorenzo de 19 de outubro de 1591 dirigida à Audiência de

Quito, também referida aos danos causados pelos serviços pessoais, mandava que se acabasse

com esse costume. Nessa cédula mencionada, os serviços pessoais eram considerados como

um costume que, mesmo sendo impedido por tanto tempo, ainda permanecia e tinha força90

.

Nas instruções reais dadas ao vice-rei do Peru em 1595, Don Luis de Velasco e ao licenciado

Monzon em 1581, quando foi como visitador da Real Audiência do Novo Reino, também

constava a ordem de acabar com os serviços pessoais91

. Outras cédulas também foram

impressas e juntadas em um volume em 1596 e entre essas Solórzano aponta as indicações de

bom tratamento, suavidade, vassalagem e doutrinação dos índios92

.

87Idem, p.143.

88Solórzano não cita o nome desse vice-rei, mas pesquisando na obre de Silvio Zavala sabemos que foi Don

Francisco de Toledo. ZAVALA, Silvio, El servicio personal de los indios en el Perú (extractos del siglo XVI).

Tomo I. El Colegio de México. Centro de estúdios históricos, primera edición, México, 1978, p. 63. 89

ZAVALA, Silvio, El servicio personal de los indios en el Perú (extractos del siglo XVI). Tomo I. El Colegio

de México. Centro de estúdios históricos, primera edición, México, 1978, p. 63. 90

SOLÓRZANO PEREIRA, Juan de, Política Indiana. Libro II. Capítulo II, Biblioteca de autores españoles,

Desde la formación del lenguaje hasta nuestros días (continuación) Tomo CCLV. Ediciones Madrid, 1972,

p.144. 91

Ibidem. 92

SOLÓRZANO PEREIRA, Juan de, Política Indiana. Libro II. Capítulo I, Biblioteca de autores españoles,

Desde la formación del lenguaje hasta nuestros días (continuación) Tomo CCLV. Ediciones Madrid, 1972,

p.135.

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Em 24 de novembro de 1601 foi escrita em Valladolid a então Real Cédula destinada

ao vice-rei do Peru, Don Luis de Velasco a qual nos atentamos. Nesta cédula, na segunda

cláusula, estava expressa a proibição dos serviços pessoais. Posteriormente, foi despachada

outra Real Cédula em 26 de maio de 1609 em Aranjuez dirigida ao Marqués de Montes

Claros, sucessor de Don Luis de Velasco ao cargo de vice-rei do Peru, corrigindo algumas

partes da Cédula de 1601. No capítulo 27 dessa cédula de 1609 estava expressamente

ordenado que não pudesse condenar os índios a nenhum serviço pessoal como forma de

castigá-los aos seus delitos e renovado, o já mencionado na cédula de 1601, agrave das penas

contra os juízes que se omitissem a executar tal proibição93

.

Pero por haverse tenido noticia, que todavía duraba este modo de

servicio personal en el Reyno de chile con grave daño, y vexacion de

los Indios, se despachó otra Cédula en 8 de Diciembre de 1610, años,

dirigida al dicho Marqués de Montes Claros, mandándole

apretadamente, le reformase. La qual puso en execucion su sucesor en

aquel cargo Príncipe de Esquilache, habiendo hecho para ello muchas

juntas de personas graves, doctas, y entendidas de estas materias, y

formado con su acuerdo las Ordenanzas, que para ello se tuvieron por

convenientes. Aunque ni allí, ni en Venezuela, Popayan, y otras partes

acababan de ajustarse á ellas, y asi se ván repitiendo las mismas

Cédulas94

.

Por fim, a cédula de 1634 parecia que se podia dispor dessa proibição dos serviços

pessoais. Solórzano analisou estas cédulas despachadas e encontrou no direito comum uma

justificativa para a insistência de não permitir a opressão e a falta de liberdade natural.

Apontou que a justificativa era que isso sempre foi rechaçado desde as Nuevas Leyes, e citou

autoridades como Silvestre, Navarro e Padre José de Acosta95

.

93SOLÓRZANO PEREIRA, Juan de, Política Indiana. Libro II. Capítulo II, Biblioteca de autores españoles,

Desde la formación del lenguaje hasta nuestros días (continuación) Tomo CCLV. Ediciones Madrid, 1972,

p.144. 94

Idem, p.145. 95

“La qual en términos de Derecho Comun se justifica también, por lo que habemos dicho de la opresión, y

quebrantamiento de la libertad natural, y porque siempre fueron odiosas, y prohibidas en los Señores de vasallos,

y otras qualesquier personas estas ilícitas, violentas, y tyranicas imposiciones, execuciones ó vexaciones. En

tanto grado, que están descomulgados los que usan de ellas, como lo enseñan Silvestro, Navarro, y en nuestros

términos el Padre Josef de Acósta. Y hablando de los Colonos, y Adscripticios de los Romanos, y que no deben

ser cargados violentamente con nuevos servicios, sino dexados, y conservados en su antigua condición, nos lo

enseña un texto célebre del Volumen, y por él, trayendo otras muchas cosas á nuestro propósito los que sobre él

escriben, y otros Autores. De donde es, que no podrán los Encomenderos defender la posesión de semejantes

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Solórzano Pereira, após tratar da proibição dos serviços pessoais indígenas, de

mencionar tantas cédulas e opiniões como as de Agia e de Acosta, opinou enunciando tais

razões:

Todavía, como lo advierten los Padres Acósta, y Agia, es lo más

seguro no practicarle, porque considerado el natural rendimiento de

los Indios, y la sobervia, dureza, y codicia de los Encomenderos, por

muy justos, y moderados que sean los servicios, y obras, en que se los

tasen, y adjudiquen, y las leyes, y formas, que para que no excedan de

esto, se establecieren, las han de violentar, y traspasar todas; porque,

aunque sean fáciles de dictar, y escribir; son muy dificultosas de

executar. Y asi es más santo consejo, que no tengan que entrar, ni salir

con ellos, contentándose con la paga de lo que les debieren conforme

á las tasas, y no dando ocasión, y abriendo puerta á los agravios,

vexaciones, y excesos, que en todas partes se han experimentado

siempre de lo contrario96

.

Silvio Zavala considerou a Real Cédula de 1601, em relação à reforma do serviço

pessoal, um esforço semelhante ao intentado pelas Nuevas Leyes de 1542-43 no que dizia

respeito às encomiendas. Salientou que nem as leis de 1542 e nem as de 1601 alcançaram

plenamente seus propósitos, mas que marcaram uma etapa significativa nas instituições

indianas que se ocuparam delas. As dificuldades que seriam enfrentadas nessa Real Cédula de

1601 estavam mencionadas em seu prólogo. Pretendia proteger a liberdade do índio e destruir

tudo o que impedia a isso. Zavala também nota que o rei afirmou a necessidade de acabar com

a servidão e a sujeição sofridas pelos índios, mas tampouco se esqueceu da necessidade de

contar com o trabalho dos mesmos e os encargou para o serviço em prol do bem público:

Es decir, la ley de 1601 trata de sustituir las formas de repartimiento

forzoso existentes por otra más liberal, pero sin consentir la falta

absoluta del trabajo de los indios. Cómo intentó realizar la

servicios, con decir, que la han continuado por largos años con ciencia, y paciencia de las Justicias, de cuya

mano reciben los Indios para este efecto, con que suele excluirse qualquier presunción de fraude, ó violencia.

Porque, aunque en otras anuas contribuciones suele obrar algo la prescripción, aún contra rusticos, y mujeres. En

este caso no puede valer, ni alegarse, por ser corruptela, y estár prohibida, como consta de las muchas Cédulas,

que dexamos citadas, y no poderse dar en él prescripción, ni buena fé, según doctrina de Lucas de Pena, y otros,

que le siguen (…)” In: SOLÓRZANO PEREIRA, Juan de, Política Indiana. Libro II. Capítulo II, Biblioteca de

autores españoles, Desde la formación del lenguaje hasta nuestros días (continuación) Tomo CCLV. Ediciones

Madrid, 1972, p.145-146. 96

Idem, p.146.

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transformación y con qué salvedades conservadoras (…) muchos

había censurado el virrey Velasco el estado de cosas existente antes de

la expedición de esta cédula y, como hemos visto, sus informes

contribuyeron a determinar a la corona a redactarla. Pero tanto en

España como en el virreinato peruano se tenía conciencia de que la

aplicación no sería fácil97

.

Diana Bonnett Vélez não encontrou mudanças nas relações de trabalho dos índios na

aplicação das normas entre as Leyes Nuevas de 1542 e a Real Cédula de 1601. Para ela as

recomendações contidas na cédula de 1601 confirmavam que as formas de trabalho de cem

anos atrás ainda continuavam no início do século XVII. O trabalho excessivo nas

encomiendas, nos obrajes e nas mitas já tinha sido proibido desde 1542 e as demais cédulas

que surgiram recordavam o que fora antes ordenado:

Estas se habían instituido, de manera casuística, para dar inicio a la

organización del trabajo en las colonias. De acuerdo con lo que señala

la Instrucción de 1601, la población indígena soportaba el peso de los

mismos sistemas de trabajo que habían sido prohibidos tiempo atrás:

trabajos excesivos en las encomiendas, en los obrajes y en las mitas;

los servicios personales; el alquiler de indios; el servicio como

acémilas; los concertajes y repartimientos; el trabajo en los ingenios y

la pesca de perlas, entre otros98

.

Silvio Zavala salientou que outra cédula foi despachada para o vice-rei do Peru, na

mesma data que a Real Cédula dos serviços pessoais. Essa outra cédula se referia a como se

había de haber en lo que tocaba al asiento y ejecución do que se ordenou sobre os índios, e o

que se teria que fazer em caso de que os mineiros não provessem de escravos ou outro serviço

para as minas. O rei avisava a Don Luis de Velasco que pelos despachos que com esta outra

cédula recebia, entenderia o seu grande desejo de executar o quanto se podia sobre a opressão

e moléstia dos índios e que estes tivessem liberdade, fossem doutrinados e se conservassem,

pois nisto consistia a riqueza desses reinos. Juntamente a isso, o trabalho, acrescentamento da

97ZAVALA, Silvio, El servicio personal de los indios en el Perú (extractos del siglo XVII). Tomo II. El Colegio

de México. Centro de estúdios históricos, primera edición, México, 1979, p. 03 e 05. 98

VÉLEZ, Diana Bonnett, “Trabajo y condiciones de vida indígena en la Nueva Granada colonial”. In:

BONNET, Diana; QUIROZ, Enriqueta (coord.) Condiciones de vida y de trabajo en la América colonial:

Legislación, prácticas laborales y sistemas salariales. Universidad de los Andes – Ceso, Estudios

Interdisciplinarios sobre la conquista y la colonia de América, vol.5, Bogotá, 2009, pp.23-43, p.30.

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terra e benefício das minas que eram tão necessários a todos. O rei dizia, segundo Zavala, que

sua finalidade para essa situação foi tomada depois de ter olhado atentamente para ela e

escutado pareceres de pessoas com experiência.

Os pareceres de Agia se apresentaram como uma guia para o arbítrio de Velasco em sua

decisão de como proceder com os serviços pessoais ampliando sua interpretação para além do

contido na Real Cédula, apresentando argumentos religiosos, e a importância das

circunstâncias locais. Esta interpretação feita por Fr. Miguel Agia será analisada a seguir.

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CAPÍTULO 2

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS PARECERES DO

PADRE FRAY MIGUEL AGIA

Neste capítulo, procuramos apresentar um pequeno resumo de cada um dos três

pareceres de Fray Miguel Agia para depois analisá-los por meio de categorias. Essas

categorias foram retiradas dos conceitos usados por Agia em seus pareceres e analisadas no

terceiro capítulo. Separamos nos escritos de Fr. Miguel Agia as passagens de valor

representativo e os agrupamos conceitualmente para explicá-los depois, de forma a perceber o

direito captado nessa situação histórica específica das Índias no início do século XVII e

adaptado a ela1, buscando analisar os modos de raciocínio efetivamente usado pelos juristas,

teólogos e legisladores.

Estudar os conceitos trazidos por Agia em seu texto, em seu tempo, e transformá-los em

categorias de análise histórica era, para a história conceitual, apresentar a importância do

tempo na pesquisa histórica. As categorias de lei, consciência, experiência, costume, opinião

comum, prudência e arbítrio, se alteraram com o tempo, se transformaram, e a história dos

conceitos estuda os processos de permanência e transformação dos significados de forma

diacrônica. Por meio da diacronia entende-se a sincronia, e assim, estudar os conceitos

significa realizar uma reflexão sobre a experiência histórica.

1 Estamos pensando dentro da concepção de História dos conceitos de R. Koselleck em sua obra Futuro

Passado, porque os conceitos fundamentam-se no social e no político, reunindo em si a experiência histórica

articulada a um contexto específico, como o colonial. As ideias e os conceitos também possuem história.

Segundo Koselleck, muitas vezes a simples permanência de uma palavra não quer dizer que ela ainda carregue o

mesmo sentido. A semântica, tão fundamental para Koselleck, pode ser entendida como uma permanência que

serve como pano de fundo para e enunciação do conceito numa determinada época histórica. A impossibilidade

de o conceito se fixar com um único sentido é o que confere a ele a sua concepção, todo conceito evidencia a

experiência histórica e, por essa razão, ele não poder conter um único sentido e são sempre polissêmicos. A

concepção de Koselleck, de que o conceito reúne em si a diversidade da experiência histórica, faz com que a

reflexão sobre o conceito de justiça, tão importante nesta pesquisa, tenha uma característica histórica e uma

enunciação contextualizada.Ver mais em: KOSELLECK, Reinhart, Futuro passado: contribuição à semântica

dos tempos históricos. Tradução do original alemão Wilma Patrícia Mass - Rio de Janeiro: Contraponto: Ed.

PUC- Rio, 2006.

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Nesse sentido, inicio comentando um pouco mais sobre os motivos de tais pareceres

serem escritos e quem os escreveu. Depois dessa pequena apresentação do autor e sua obra,

partimos para uma leitura mais aprofundada dos pareceres e suas relações com a Real Cédula

por meio de categorias que indicaram uma busca pelas relações entre essa obra teológica, de

interpretação de uma lei régia, com a própria lei e quem a aplicou.

2. Fr. Miguel Agia: vida e obra

Não se tem muita coisa escrita acerca da vida e obra do Padre Fray Miguel Agia2. Ele

nasceu em Valencia no século XVI, entrou para a ordem de São Francisco em 1563 onde era

requisitado várias vezes para opinar em questões de serviços pessoais nos trabalhos nas

minas. Em 1600 publicou sua primeira obra, o tratado De exhibendis3, no qual buscou

estabelecer uma correspondência exata entre a casuística judicial e os princípios doutrinários,

segundo análise de Fr. Javier Ayala. Depois dessa publicação, viajou para as Índias como

secretário do Comissário Geral da Ordem franciscana e visitou todas as províncias do Peru,

desde Cartagena até Lima, e suas Audiências. Ele observou em suas visitas os problemas dos

serviços pessoais indígenas e as suas relações com os clérigos e frades, governadores,

corregedores, oficiais reais, administradores e encomenderos4. Enquanto esteve em Lima,

onde morreu, ensinou teologia no convento franciscano e escreveu outras obras. A mais

conhecida foi escrita em 1602: Tratado que continente três pareceres graves en Derecho5.

2 O nome do Padre fray Miguel Agia também pode ser encontrado em latim como: Michaelis Agia, Valentini.

Apenas encontramos referência à sua obra e estilo de escrita em: TAVALÁN, Miguel Luque, Un universo de

opiniones: la literatura jurídica indiana. Biblioteca de Historia de América, Consejo Superior de Investigaciones

Científicas e na edição e estudo preliminar de AYALA, F. Javier, Servidumbres personales de indios, Escuela de

Estudios Hispano-Americanos de Sevilla, nº geral XXV, Serie 7ª, nºI, Sevilla, 1946. 3 Conseguimos localizar essa obra online, classificada como “obra rara”, considerado da matéria de jurisdição,

sobre direito canônico, e também está na Universidad de Salamanca – Fondo Antiguo. A cópia digitalizada pelo

google books é proveniente da Universidad Complutense de Madrid, em latim. Disponível em:

http://babel.hathitrust.org/cgi/pt?id=ucm.5324262374;view=1up;seq=9 [Data da consulta: 19/11/2015]. 4 AYALA, F. Javier, Servidumbres personales de indios, Escuela de Estudios Hispano-Americanos de Sevilla, nº

geral XXV, Serie 7ª, nºI, Sevilla, 1946, p.13. 5 O título completo da obra é: Tratado que contiene tres pareceres graves en derecho que ha compuesto el padre

Fray Miguel Agia, de la orden de San Francisco, varón docto en las facultades de Teología, Cánones y Leyes, y

lector de Teología en el muy insigne convento de San Francisco de la ciudad de los Reyes, en los reinos del

Perú; sobre la verdadera inteligencia, declaración y justificación de una Real Cédula de Su Majestad, su fecha

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Em 1604, Fray Miguel Agia publicou em Lima sua obra, escrita em 1602, Tratado que

continente três pareceres graves en Derecho. Estes pareceres eram resultados da sua

interpretação da Real Cédula de 24 de Novembro de 1601, escrita em Valladolid. Esta cédula

estava dirigida ao vice-rei, governador e capitão geral das províncias do Peru, Don Luis de

Velasco. Nela estavam demarcadas as implicações sobre o trabalho indígena, tanto no Peru

quanto na Nova Espanha, estabelecendo normas que reprimissem os abusos cometidos pelos

“encomenderos” aos índios em seus serviços pessoais e no trabalho nas minas. Os termos da

cédula, mesmo expressando a decisão de acabar com a opressão indígena, ocasionavam

distintas interpretações que afetavam aos interesses particulares e a organização da economia

pública indiana.

Nestas circunstâncias, o vice-rei da Nova Espanha e do Peru solicitou os pareceres de

doutores e pessoas consideradas ilustradas para o ajudarem a proceder com segura

consciência sobre o que fosse mais razoável para cada caso encontrado, procedendo: “dándose

cuenta de las consecuencias que podía acarrear la aplicación de dicha Ley, justa y razonable

en sus principios, pero quizás perjudicial en algunos pormenores, solicitaron el parecer de

personas doctas y graves, para proceder con segura consciencia en lo que más razonable

fuera6”. Ele solicitou os pareceres porque observou que a Real Cédula, mesmo sendo justa em

seus princípios, podia ser prejudicial em algumas situações, e queria ter mais certeza no

momento de executar a lei. Um dos consultados foi o jurista e teólogo franciscano, Padre Fray

Miguel Agia, que, por ter faculdade de teologia, cânones e leis, por apresentar virtudes e ter

visitado a Nova Espanha e outras partes das Índias7, era experiente e por isso escreveu seu

tratado com três pareceres a respeito da verdadeira inteligência, declaração e justificação da

Real Cédula de 1601 sobre os serviços pessoais, dirigida ao vice-rei do Peru, Velasco e a o rei

Felipe III.

en Valladolid en 24 días de noviembre del año pasado de seiscientos y uno, que trata del servicio personal y

repartimientos de indios que se usan dar en los reinos del Perú, Nueva España, Tierra firme y otras provincias

de las Indias, para el servicio de la república y asientos de minas de oro, plata y azogue. Dirigida al Rey Don

Phelippe Nuestro Señor. Y en su Real Nombre al señor don Luys de Velasco Virrey destos Reynos y Provincias

del Piru, Tierra Firme y Chile. Impreso en Lima, 1604. B.N.M., Sección de Raros, 6.480. Usamos duas edições,

a original impressa em 1604 e encontrada por Osvaldo Moutin online em:

http://www.europeana.eu/portal/record/9200376/BibliographicResource_3000100252193.html?start=28query=m

iguel+agia&startPage=18qt=false&rows=24. E a versão moderna Fray Miguel Agia: Servidumbres personales

de indios; ed. e estudo preliminar de Fr. Javier de Ayala, Sevilla, 1946. Inclui os três pareceres e a Real Cédula

de 1601 tomada de A.G.I., Indiferente General, 428, lib.32. 6 AYALA, F.J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, p.16.

7 Idem, p.18.

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Don Luis de Velasco consultou o Fray Miguel Agia por suas qualidades e

conhecimentos, buscando saber dele como a lei, suas justificativas e intenções eram

entendidas. O resultado dessa consulta foram os Tres pareceres sobre os serviços pessoais

indígenas. Esta obra foi considerada por Miguel Luque Talaván como sendo do gênero das

alegações8, da matéria do direito canônico e de tratar do tema da condição jurídica da

população indígena sobre a Real Cédula promulgada para abolir os repartimientos de índios.

Esta obra do Fray Miguel Agia foi dividida em três partes; no primeiro parecer trata da

real intenção e vontade do rei sobre o provido e ordenado na real cédula; no segundo, da

justificação da cédula em geral e em todas as suas cláusulas, atentado para que as leis fossem

justas, e assim, receberem o nome de “leis”; e no terceiro, do arbítrio que o vice-rei do Peru

tinha sobre o cumprimento e execução da Real Cédula, no que ela provinha e ordenava

segundo o direito comum, e também para casos particulares não declarados.

Fray Miguel Agia foi influenciado pela tradição medieval, pelo espírito religioso da

contra reforma, seguindo as ideias dominantes na consciência social do século XVII e

acreditando que a instituição fundamental para a sociedade era a Igreja Católica, com seus

poderes temporais e espirituais. A Igreja Católica tinha nesse período a função de converter,

corrigir e orientar, além de moderar as esferas políticas, sociais e jurídicas9. Sua doutrina

sobre a ciência jurídica indiana era de tendência localista e ocasional, edificada à medida que

as circunstâncias a exigissem e respondendo aos problemas suscitados no ambiente

determinado e conhecido pelo pesquisador.

Fr. Miguel Agia mostrava ser uma pessoa que poderia interpretar bem a lei porque

visitou e observou a realidade social, cultural, política e econômica e porque tinha

conhecimentos especializados em direito, teologia e ciências, além de ser considerado um

homem virtuoso por seus colegas da ordem franciscana. Nas cartas de licença e aprovação da

obra desse franciscano continham elogios ressaltando suas características. Tais elogios foram

escritos por autoridades religiosas, jurídicas e governamentais como: Fray Benito de Guertas,

guardião do Convento de São Francisco em Lima; Dr. Arias de Ugarte, da real audiência; Dr.

8 Alegações são compilações feitas dos escritos de um mesmo letrado. Definição dada por TALAVÁN, Miguel

Luque, Un universo de opiniones: la literatura jurídica indiana. Biblioteca de Historia de América, Consejo

Superior de Investigaciones Científicas, p.251. Mas também há quem considere Fr. Miguel Agia como um jurista

e sua obra como um tratado, por fazer referência ao direito canónico e civil, por abordar questões teológicas,

administrativas, jurídicas e políticas. Um exemplo é Francisco Cuena Boye m sua obra: Teoría y práctica del

Derecho. Apuntes sobre tres juristas indianos. Cuadernos de Historia del Derecho, 2006, 13, p.11-29. 9 AYALA, F.J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, p.20.

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Miguel de Salinas, vigário geral e juiz de apelações e outros. Na avaliação do Fray Ivan

Venido, Padre comissário geral de todas as províncias do Peru, estava que se fazia necessário

pedir os pareceres de outras pessoas para que se visse melhor a justificação desses três

pareceres do Padre Fray Miguel Agia10

. Ou seja, os pareceres e a interpretação do Fray

Miguel Agia eram mais uma possível e provável sugestão para a decisão do Don Luis de

Velasco ao aplicar a lei, e não a única a ser solicitada e consultada.

Fray Miguel Agia estudou e consultou sobre os assuntos que opinou mostrando e

definindo qual seria a verdadeira intenção do rei ao editar a Real Cédula. Os argumentos

apresentados por ele eram tanto teológicos quanto jurídicos e morais, e trouxeram à luz as

opiniões de outros doutores oferecendo formas de examinar as situações e as leis antes de

aplicá-las.

Paulino Castañeda Delgado mencionou que o próprio Padre Agia estava preocupado e

inquieto com a escrita da sua obra e que por isso solicitou ao vice-rei que também buscasse

pareceres de outras pessoas, e que, se houvesse discrepâncias nesses outros, que estas lhe

fossem ditas. O vice-rei o tranquilizou e disse que havia pedido outras opiniões e que todos

estavam conformes, ainda que por caminhos diferentes11

.

Fray Miguel Agia procurou encontrar uma harmonia em seus pareceres, sempre se

guiou por sua doutrina católica, experiência e observação particular das realidades coloniais

nas Índias. Mesmo considerando tantos aspectos, a recepção de sua obra não foi aceita por

todos, havendo controvérsias que levaram ao franciscano a repensar algumas colocações12

.

Em suas visitas às Índias procurou formar um exato juízo das discrepâncias entre os fatos e as

leis, e, quando tratou de opinar sobre o trabalho nas minas, dirigiu-se especificamente à mina

de Huancavélica, com a finalidade de conhecer melhor o ambiente o qual as disposições

legislativas deveriam concretizar-se. Ele admitiu reconhecer as desigualdades sociais e

10 Segue o original: “(...) se pidan de nuevo otros pareceres y aprovaciones a personas de experiência ciência y

conciencia, graves y doctas en las facultades de Theologia, Canones, y Leyes, y matéria de governo, para que

desta manera se vea mejor la justificacion delos dichos pareceres en conformidade de lo que viene ordenado en

esta dicha Cedula con que ante todas cosas se obtenga licencia de su mag. Y del Se. Virrey en su nombre (…)”.

AGIA, Fr. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves en derecho. Impresso en Lima por Antonio

Ricardo, año de 1604, in: Servidumbres personales de índios, - Edição e estudo preliminar por AYALA,

Francisco Javier de, Escuela de estúdios hispano-americanos, Sevilla, 1946, p.07 11

DELGADO, Paulino Castañeda, Los memoriales del Padre Silva sobre la predicación pacifica y los

repartimientos. Colección Tierra nueva e Cielo nuevo, vol. VI. Consejo Superior de Investigaciones Científicas.

Instituto “Gonzalo Fernández de Oviedo”, Madrid, 1983, p.188-189. 12

AYALA, F.J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, p.18.

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enquadrou cada um dos grupos sociais em suas ordens sob o argumento da conservação do

bem comum e da utilidade pública.

Veremos melhor como Agia relacionou em seus três pareceres o conteúdo da Real

Cédula com as questões de direito e de justiça; com o governo das Índias; a teologia; o

costume; as opiniões dos doutores; a prudência; a experiência; utilizando de muitos exemplos

e relatos que demonstraram sua erudição e conhecimento sobre eles. Isso ele o fez ao mesmo

tempo em que constituiu, interpretando e organizando toda essa informação, um manual, um

guia, uma referência de como se devia deliberar tendo a consciência segura, sem estar

contrário ao direito, à Real Cédula e à Igreja, tendo como motivo a tentativa de resolver o

problema da pouca inclinação dos indígenas ao trabalho forçado, sem afetar suas liberdades.

2.1. Resumo de cada um dos pareceres.

a) Primeiro Parecer

Fray Miguel Agia tratou no primeiro parecer, do que, em sua opinião, significava ser a

real intenção e vontade do rei sobre o provido e ordenado na Real Cédula. Ele retomou as 27

cláusulas da Real Cédula e seus assuntos retirando delas o que era ou não da intenção do rei.

Entrou nas questões da liberdade dos índios, da sujeição, servidão e vassalagem, do

tratamento que eles recebiam nos repartimentos e no serviço pessoal feito aos encomenderos

para decidir se seriam fechados ou não. Mencionou o trabalho para o benefício das minas de

Potosi e a preocupação na conservação da República. Agia diferenciou e definiu, para

argumentar melhor sobre qual era a verdadeira intenção do rei, o serviço pessoal do serviço

nos repartimentos. Nesta distinção ele observou algumas diferenças particulares entre o

serviço pessoal, o repartimento, a mita e relações aconselhadas ao rei que considerou como

falsas e enganosas e as denominou como “sinistras”.

b) Segundo Parecer

No segundo parecer o teólogo apresentou a justiça geral e particular das Cláusulas da

Real Cédula e se atentou para as que não fossem justas. Caracterizou a lei justa explicando as

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razões e os motivos que o fizeram considerar esta lei como justa. Em sua explicação sobre a

justiça das cláusulas de 1601 ele as comparou com os termos da lei natural, humana e divina,

com os sacros cânones, costumes e ritos das Índias. Discutiu a utilidade da lei e sua finalidade

de promover a quietude, a paz e a concórdia dos índios entre si e para como os espanhóis.

Retomou a questão da liberdade dos índios para serem vassalos do rei e apontou que a

Real Cédula era justa por ordenar que os índios servissem como homens livres porque

estavam dominados por um senhorio legítimo. Porém, os abusos feitos a estes indígenas eram

proibidos, e essa proibição também era justa. Para as cláusulas em particular, Fray Miguel

Agia esclareceu até a 11ª Cláusula, ressaltando alguns de seus parágrafos, e para as outras

cláusulas que não foram mencionadas, dentro do total de 27, ele apresentou nove conclusões e

nove razões que justificaram a obrigação dos índios para o trabalho em benefício das minas de

outro e prata.

c) Terceiro Parecer

Fray Miguel Agia escreveu sobre o arbítrio que o vice-rei do Peru tinha para o

cumprimento e execução da Real Cédula, no que ela provinha e ordenava e sobre o que

aparecesse de novo. Apresentou ao vice-rei, que em sua função de juiz, tinha arbítrio

conferido pelo rei e pela legislação, e, a como usá-lo para executar o que estava ordenado e

para o que não estivesse determinado. Dentro disso, Agia apontou as características esperadas

de um juiz árbitro, sua autoridade e poder de alterar, mudar, remover, executar, deixar de

executar o que lhe parecesse mais conveniente ao bem comum da República.

Neste terceiro parecer vimos que o teólogo tentou esclarecer e solucionar as dúvidas que

o vice- rei encontraria na aplicação da Real Cédula. Como ele teria que solucionar os casos, a

quem deveria buscar conselhos e opiniões, qual era a melhor maneira de agir e quais virtudes

ele deveria ter para deliberar justamente pelo que considerasse ser justo ou injusto.

O teólogo orientou também a como perceber o sentido e a razão da lei, e como esses

tinham que ser recebidos e aceitos pela população. Se as leis não fossem aceitas e nem

conforme à realidade, executá-las, tendo conhecimento disso, não traria uma consciência

segura, como a buscada pelo vice-rei. Pelo contrário, aplicar as leis que não fizessem sentido

às circunstâncias específicas era cometer pecado. Este terceiro parecer era o que mais

claramente se viam imbricados o moral e o jurídico, a teologia o direito.

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2.2. Análise dos Pareceres.

Começamos a análise dos pareceres do Padre Fray Miguel Agia entendendo os motivos

de eles terem sido escritos e por que o rei também orientou ao seu vice-rei que solicitasse

pareceres. Depois disto colocado, compreendemos por que o Padre iniciou sua obra

ressaltando quais seriam a intenção e vontade do rei em estabelecer a Real Cédula sobre a

servidão pessoal dos índios.

Agia apresentou que a causa que motivou ao rei solicitar e consultar os pareceres de

pessoas com ciência e consciência, antes de despachar a Real Cédula, e por que mandou que o

vice-rei do Peru fizesse o mesmo, era por ser essa uma prática, um uso e costume dos antigos

legisladores, letrados jurisprudentes e sábios. Ele apresentou o exemplo da República

Ateniense de Sólon para reforçar sua ideia de que a efetivação prática da lei só acontecia

mediante sua aceitação popular:

(...) que las leyes fuessen leydas primero al pueblo, y despues fixadas

por espacio competente en los lugares públicos para que alli puiessen

ser vistas y leydas de todos, y despues se entregassen al escrivano

publico para que las leyesse publicamente, para qye se vuiesse en ellas

alguna cosa que no agradasse al pueblo se advirtiesse allí, y

contentando a todos se mandavan otra vez remirit a los Examinadores

diputados de las leyes (…) para que las aprovassen o reprovassen

(…)13

.

Esta referência que Agia fez à República ateniense reforçou a ideia de que se a lei não

fosse recebida, não obrigava e por isso necessitava de uma adaptação para ser acolhida pelo

povo. Nesse sentido, as leis precisavam ser examinadas e aprovadas antes de serem

promulgadas, e se mesmo depois de tudo ainda não fossem aceitas, podiam ser revogadas.

Parece então, por esse motivo, que os pareceres do teólogo eram resultado de uma

análise das leis e da verificação de sua aceitação popular e possível adequação. Agia se

preocupou em conhecer a intenção e o motivo do rei, para saber se eram justos, e assim poder

afirmar que este podia criar leis justas. Ele retomou o motivo do rei ao solicitar seus pareceres

identificando nessa solicitação uma atitude prudente e justa.

13AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Terceiro Parecer, p. 120.

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Um rei justo criava leis justas se suas intenções, motivos e vontades fossem justos. Agia

analisou o conteúdo da Real Cédula, não apenas comparando com a realidade que ele

conhecia das Índias para decidir se eram aplicáveis, ou não, justas ou não. Mas observando as

leis juntamente com a busca do que achava ser a verdadeira motivação do rei em criá-las. Ele

não separou o que motivou o legislador ao criar a lei da adequação desta à realidade pensada

para ela. Talvez, porque achava que se o rei tivesse um motivo justo para criar a lei, e mesmo

assim ela não se adequasse à circunstancia local, ao permitir que o vice-rei solicitasse

pareceres de outras pessoas, ele agia justamente. O rei não obrigava ao vice-rei a execução de

uma lei sem sentido e sem razão. Também retirava a responsabilidade da sua consciência e a

entregava para a deliberação do vice-rei, e nesse ponto as relações entre a teologia e o direito

se aproximaram.

Outra razão que motivou o rei a consultar os pareceres de homens com experiência e

consciência, era a busca pela garantia de uma consciência segura e tranquila. Dessa forma, o

rei e o vice-rei, teriam suas consciências resguardadas de qualquer pecado, conforme o

estabelecido na lei divina, natural e nos cânones. Era esta uma das funções dos pareceres do

Padre Fray Miguel Agia, garantir ao rei e vice-rei a segurança de uma consciência reta:

(...) De todo lo qual queda bastantemente provado aver sido singular

prundencia de su Magestad el aver consultado varones de semejantes

calidades para establecer esta ley y Real Cedula: lo qual se deve de

guardar siempre en el establescimiento de qualesquier leyes (...) La

segunda razón o causa fue para escusar su Real consciencia de

qualquier escrúpulo de pecado, pues es cosa cierta, que el que haze

alguna cosa que no es contra ley Divina ni natural, ni contra lo

establescido por los Sacros Canones, y sobre ello consulta varones

sufficientemente doctos: los quales aconsejan que se puede hazer

lícitamente, no peca haziendolo, aunque real y verdaderamente no

fuesse justo y estuviesse prohibido por alguna ley humana (…)14

.

Agia se preocupou com a intenção e vontade do rei porque encontrou nelas um sentido

teológico moral, jurídico, político, econômico e social. Para ele, a razão que motivava a ação

evidenciava, pela intenção, uma consciência subjetiva. Desta forma, buscar a intenção e as

razões que motivaram ao rei na escrita da Real Cédula mostrava o caráter de sua consciência e

14AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Terceiro Parecer, p.121.

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de suas decisões para os assuntos que esta legislação apontava. Ou seja, era preciso conhecer

se a intenção e o motivo eram justos para poder concluir se uma lei era justa ou não.

Antes do Padre Fray Miguel Agia dizer a justiça geral e de cada cláusula da Real

Cédula, ele apresentou um grande estudo sobre a intenção e os motivos do rei ao escrever tais

leis. As razões e os motivos encontrados eram variados e fundamentados pelo teólogo de

diferentes formas. Consideramos que tais razões podiam estar dispostas por Agia para, assim,

garantir uma consciência segura ao rei e vice-rei, manter os repartimentos indígenas,

regularizar o tratamento dos serviços, sustentar a exploração das terras, a mita, a encomienda,

e conservar as províncias e os reinos. Passamos a ver, por meio de categorias, como essas

razões eram dadas por Agia e argumentadas com base na teologia moral e no direito.

a) A intenção do rei pelo parecer do Fr. Miguel Agia

Fray Miguel Agia notou que a finalidade e a intenção do rei eram a de prover, ordenar e

mandar tudo o que constasse na Real Cédula para sempre interpretá-la bem. Diante disso, ele

mostrou que estava claro que não era intenção do rei acabar com as mitas e repartimentos de

índios, e nem com as minas tão necessárias à República. Também não foi intenção do rei dar

liberdade geral aos índios para que servissem ou deixassem de servir como e quando

quisessem. Ao contrário disso, era sua intenção que os índios se mantivessem ocupados

servindo como vassalos e servos que eram.

Por exemplo, estava explicitado no texto legal da 6ª Cláusula da Real Cédula, o

seguinte:

(...) que tan solamente se permite de aquí adelante es que se puedan

servir en las dichas chacaras y heredades de los indios que quissieren

servir en ellas de su propia voluntad por el tiempo y en la forma que

voluntariamente se concertaren (…)15

.

15Real Cédula de 24 de noviembre de 1601, in: AYALA, F. J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946,

Terceiro Parecer 6ª Cláusula, p.39.

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Contudo, Agia não acreditava ser essa a verdadeira intenção do rei. Para ele os índios

não tinham liberdade para escolher trabalhar onde quisessem e nem pelo tempo que quisessem

porque eram vassalos:

No fue intencion de su Magestad por esta Real Cedula dar libertad

general a los índios para que sirvan, o dexen de servir si quisieren,

antes ordena y manda lo contrario, manifestando en esto su intencion,

la qual es que anden ocupados, y sirvan en lo que deven y estan

obligados, como vassallos de su Magestad (...) Luego siguesse, que de

la servidumbre que deven como vassalos no les exime su Magestad

(…) que nunca fue intención de su Magestad quitar las mitas y

repartimientos de indios, que se han acostumbrado de dar por

autoridad publica para el servicio de la Republica, 9…) sino

solamente quitar agravios, y vexaciones a los Indios16

.

Dessa forma, pensamos que continuava a ser uma intenção do rei que os índios fossem

forçados a fazer o que naturalmente não quisessem porque as mitas e repartimentos não

podiam acabar e elas eram sustentadas com a exploração do trabalho indígena. Ou seja, para

cumprir com a primeira intenção do rei de não acabar com as mitas, a conservação delas

dependiam do trabalho dos índios. Então, também era intenção do rei que os índios

trabalhassem porque o trabalho deles sustentava os repartimentos e mitas, e isso era tido como

justo porque a razão pela qual eles trabalhavam era boa e atendia à vontade do monarca.

Além de ser essa a vontade do rei, Don Felipe colocou na sua Real Cédula que o

trabalho indígena era necessário tanto para a conservação das províncias quanto para os

próprios índios. Se este trabalho era tão importante, não podia ser deixado ao gosto do

indígena. Por isso, neste outro exemplo, ele declarou que a sua intenção era a de que os índios

fossem obrigados a servir:

(...) y por esta causa, y por que no se podia sustentar y conservar la

tierra, sin el trabajo, servicio e industria de los índios, convendria, y

assi lo ordeno y mando, que sean compelidos a ello en la forma, y

como, y por los mas suaves medios que os pareciere.17

16AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Primeiro Parecer, p.29. 17

Idem, p. 33.

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Na cláusula 10ª da Real Cédula percebemos a intenção, desejo e vontade do rei em

conservar os índios para o trabalho, a República e comércio para o seu governo18

. Para isso

ele reconheceu que, por uma condição natural, os índios se recusavam a trabalhar por sua livre

vontade e que sem o trabalho deles, estes mesmo teriam prejuízo e se destruiriam como

também destruiriam a terra porque esta não se conservava e nem se mantinha sem os seus

serviços.

Para a conservação, benefício dos índios e da República, bem como sua

perpetuidade, era preciso que os índios trabalhassem, e, mesmo que não o fizessem por

vontade, fossem compelidos a fazer por ser essa a melhor e mais conveniente maneira de

cumprir as leis e manter preservados, tanto índios quanto a República. A intenção e desejo do

rei eram a conservação de seus reinos e governo enquanto um corpo místico que necessitava

de seus vassalos, assim como acreditava que eles também precisavam dela.

Padre Fray Miguel Agia afirmou que a 10ª Cláusula da norma régia estava de acordo

com o direito porque era boa e útil, tanto para os índios que conseguiriam manter-se com seus

salários sendo vassalos, quanto para a República que cresceria e continuaria. Ele encontrou

nela a intenção do rei de uma forma clara e aberta. Para Agia era intenção do rei que todo o

provido na Real Cédula se encaminhasse para a boa conservação e aumento da República,

bem como dos indígenas e espanhóis e em nenhuma maneira para seu dano. Isto porque a sua

noção de República era a de um governo coorporativo, de um corpo perpétuo, e sendo assim,

tudo o que nela estava guardado e executado respondia à finalidade dessa ordem, sua

perpetuidade e não ao seu fim.

Nesse ponto Agia não mencionou a condição dos índios como uma intenção do rei, mas

sim a conservação da República. A razão pela qual o rei se atentou ao trabalho indígena era

porque este estava intimamente ligado à permanência de suas terras. Sendo assim, a sua

intenção, pela interpretação do franciscano, era a de dispor da maneira que mais conviesse

para a conservação dos índios, da República e do comércio. Para dispor dessa conservação era

18Está disposto no texto legal o seguinte: “(...) y relebarlos de los dichos repartimientos no se conbierta en su

descomodidad y mayor daño y de la republica y con que los indios que de su natural condición rehussan el

trabajo y son inclinados a olgar que les es de gran perjuicio han de servir trabajar y ocuparse en los dichos

servicios (…) porque no se podria sustentar ni conservar la tierra sin el trabajo servicio e industria de los indios

conbendra y assi lo ordena y mando que sean compelidos a ello en la forma como y por los mas suaves medios

que os pareciere y proveyeredes (…) que mas conviniere para la conservación de los mesmos indios y de esa

republica y comercio della (…). Real Cédula de 24 de noviembre de 1601, 10ª Claúsula, p.41.

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necessário conhecer o estado e o trabalho nas minas de ouro e prata. Para obter a garantia da

conservação e conhecimento do estado das coisas, o rei declarou que era de sua vontade que

os prelados e juízes cumprissem suas ordens. Aos prelados cabia a obrigação de cuidarem do

bem espiritual e temporal dos índios e aos espanhóis cabia prezar pelo bem universal,

conservação e aumento dos reinos19

.

Uma forma apresentada por Fray Miguel Agia para conseguir tal conservação da terra

era continuar com o trabalho dos índios porque estes estavam acostumados e habituados à

terra e ao serviço. Percebemos com isso que, se esse trabalho era realmente a verdadeira

intenção do rei para Agia, como obrigar os índios a trabalharem para conservar a República

sem oprimi-los a ponto de perderem mais índios e acabarem conservando menos as terras?

Agia encontrou a solução para esse embate diferenciando os tipos de trabalho. De maneira

argumentativa, diferenciar os dois tipos de trabalho permitia afirmar um e negar outro pelas

razões que apresentavam, por exemplo, o repartimiento em favor do bem público e o serviço

pessoal em benefício particular.

O índio querendo ou não trabalhar, era forçado a isso por ser um vassalo régio. Agia

justificou que o rei podia forçá-lo a este serviço porque esse lhe era um direito enquanto

governador e administrador dos reinos. Juridicamente, estava comprovado pelas leis naturais,

humanas e divinas que o rei podia obrigar seu vassalo ao trabalho, mas como garantir as

condições desse trabalho? Nesse ponto da argumentação de Agia, ele apresentou a distinção

entre o serviço pessoal e o repartimento, condenando um e apoiando o outro por meios

jurídicos e teológicos que veremos abaixo.

b) Vassalo por direito e livre por obrigação: distinção entre serviço pessoal e

repartimento.

Fray Miguel Agia apresentou duas intenções e vontades do rei que diziam respeito, uma

ao serviço pessoal e outra ao repartimento de índios. A solução encontrada por ele para o

repartimento de índios não estava dada em seu parecer, mas indicada pela Real Cédula,

19AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Primer Parecer, p.43.

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também na cláusula 10, na qual o próprio rei conferia ao vice-rei o arbítrio para ele agir e

julgar como melhor lhe parecesse conveniente para a conservação da República20

.

Em uma questão sem solução certa e definida, o vice-rei decidiria e deliberaria usando

seu arbítrio. Agia em seu parecer sobre o arbítrio de Velasco não apresentou uma única opção

de escolha, pelo contrário, indicou várias soluções e orientou a qual escolher e por que.

Os índios e os indivíduos da sociedade colonial eram livres para se subordinarem ao rei.

Eram livres mantendo essa subordinação. Diante disso, os índios possuíam liberdade

apenas enquanto servos obrigados a trabalharem para o rei. Eram considerados como vassalos

naturais e a isso deveriam obedecer e aceitar. Da maneira como Agia apresentou o que rei

considerava ser o trabalho indígena, esta condição servil retirava o próprio índio de sua

qualidade natural e o colocava em uma obrigação e obediência política que não lhe era

espontânea.

Fr. Miguel Agia mostrou a diferença entre o serviço pessoal e o repartimento de índios

retomando Las Casas, marcando as vantagens e prejuízos de se praticar um e outro tipo de

trabalho com a finalidade de evidenciar que a Real Cédula proibia o serviço pessoal que os

índios faziam aos seus encomenderos em troca do pagamento de seus tributos. Apoiado por

Las Casas, o serviço pessoal era considerado contra toda lei natural, divina e humana. O

significado de “serviço pessoal” dado por Agia era:

Servicio personal no es outra cosa sino un servicio perpetuo que los

índios hazen a los españoles en quien están encomendados en los

ministerios y ocupaciones, que ellos les quieren ocupar sin paga, y sin

diferencia de sexo, o edad introduzido con la fuerça de la espada, a la

medida y gusto de las personas particulares, que le introduxeron, para

lo qual es de saber, que quando se descubrieon las Indias, y começo el

comercio y contratación de los Españoles usaron los Governadores, y

primeros descubridores, dar pueblos de indios a los españoles, que se

ocupavan en el descubrimiento de la tierra con obligación de que

tuviesen sacerdote en los dichos pueblos (…) lo qual muchos

españoles llenos codicia, y vazios de temos de Dios, en muchas partes

de las Indias conviertieron en una esclavonia perpetua, agena de toda

20Real Cédula, Cláusula 10ª, “(…) ordenaredes para ellos de manera que teniendo respecto y consideración a

todo lo referido lo dispongays de la manera que mas conviniere para la conservación de los mesmos indios y de

esa republica y comercio della para lo qual os doy poder y facultad y en caso que por estas causas convenga y

sea forçoso que aya repartidores de los dichos indios”, in: AYALA, F. J.,Servidumbres personales de indios,

Sevilla, 1946, p.41.

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razón y justicia paresciendoles que aquellas encomiendas no eran de

hombres libres (…)21

.

Repartimento e serviços pessoais não eram iguais. O repartimento e a encomienda eram

serviços prestados para a República e não para o encomendeiro propriamente:

Muestrase esto primeramente en la poca, o casi ninguna diferencia,

que esta Cedula Real pone entre servicio Personal y repartimiento, o

mita, como aparesce por lo dispuesto y ordenado en muchas partes de

ella (...) Donde se da a entender, que los repartimientos o mitas de

indios, se hacen para servicios personales, lo qual es notoriamente

siniestro, y derechamente opuesto a la verdad, que se ha usado y

platicado, y a la que el dia de oy se usa y platica en todas las Indias,

donde por servicio personal se ha entendido siempre el que hacen los

indios a sus Encomenderos en lugar de los tributos, que les avian de

pagar, y porque estos eran personales, de ay vino que el servicio en

que se commutaron se llamarsse tambien personal, como se llama oy

dia22

.

Agia demonstrou que quem defendia que o serviço pessoal e o repartimento eram iguais

estabelecia uma falsa ideia porque não reparava nas diferenças encontradas pelo teólogo,

separando as utilidades de um e de outro serviço, comprometimento com a religião, com o

direito e com a República. Nesse ponto da sua argumentação, Agia expôs princípios de

utilidade e necessidade pública para diferenciar e significar um serviço e outro. Por isso nos

parece que os índios estavam obrigados a trabalhar porque seus serviços sustentavam e

conservavam as províncias indianas, como era a vontade e a intenção do rei, mas essa

obrigação era para com a República e o benefício das minas e não para a necessidade

particular do encomendero.

A importância de separar e diferenciar os tipos de trabalho que os indígenas exerciam

estava na razão pela qual trabalham. Servindo ao encomendero e não ao bem comum da

República, não se servia ao rei e isso não era justo e nem tinha utilidade pública e devia ser

proibido e punido por leis rigorosas. Ele estava fazendo uma distinção entre público e privado

21AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Primer Parecer, p. 37. 22

Idem, p.53.

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diferenciando as razões pelas quais um tipo de trabalho era razoável e outro não, embora

ainda não estivessem diferenciados completamente esses âmbitos.

Para explicar melhor e fundamentar sua definição e opinião sobre o serviço pessoal,

ele apresentou alguns exemplos de seu uso e prática relatando casos contados por

encomendeiros, sacerdotes, alguns índios velhos e todos com posições unânimes, conformes e

apoiando o fim do serviço pessoal.

Esta forma utilizada pelo Padre Fray Miguel Agia, de embasar seu argumento buscando

a opinião de outras pessoas mais próximas da realidade do caso em questão, afirmava a

importância de se ter várias e distintas pessoas defendendo e fortalecendo a mesma ideia,

ainda mais quando essas pessoas estavam intimamente relacionadas à servidão pessoal e a

acompanhavam de perto. Juntavam-se à voz do Padre Fray Miguel Agia, outros sacerdotes,

encomenderos e índios evidenciando a adesão de outras pessoas da igreja, do governo, da

administração e dos próprios índios, a favor de seu posicionamento. Sendo assim, Agia não

afirmou sozinho quando considerou que a servidão pessoal era injusta, outras pessoas

concordaram com ele.

Se os tributos que os índios deviam pagar aos encomenderos eram cobrados através do

serviço pessoal, o problema estava na forma em que os ecomenderos os cobravam, e, para

regulamentar essa cobrança, um visitador os fiscalizava de 06 em 06 anos. Fray Miguel Agia

mostrou que na época dessa visita os encomenderos mudavam a forma de cobrar os tributos

aos índios. Foi perguntado por que ainda se mantinha essa forma de cobrança, proibida, e a

resposta dada era a de que esse era um uso, uma prática realizada em todo o reino e por outros

encomenderos23

. Ou seja, tinha virado um hábito, um costume cobrar dos índios tributos

como forma de serviço pessoal e para deter com esse costume, necessitava de uma lei mais

rigorosa.

Os exemplos da diferença entre o serviço pessoal e os repartimentos ainda continuavam.

O Fray Miguel Agia demonstrou que a intenção do rei era a de acabar com o serviço pessoal,

mas, ao mesmo tempo era a de manter os repartimentos de índios para o benefício das minas e

cultivo das terras. Dessa forma, depois de diferenciar os tipos de trabalho e apresentar as

exigências para que se mantivessem os repartimentos, a condição era a de que os índios não

fossem abusados e maltratados:

23AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Primer Parecer, p.41.

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(...) siguesse que su intencion y voluntad solamente es, que los dichos

repartimientos no se hagan como hasta aqui, de manera que si se han

hecho hasta ou por medios rigorosos, y agenos de buena razón y

justicia se haga de aquí adelante por medios suaves y convenientes, lo

qual dexa su Magestad al arbitrio del señor Virrey, como claramente

lo digo en la clausula 10 de la dicha Cédula24

.

O primeiro parecer do Padre Fray Miguel Agia exibiu que, mesmo com a diferença

entre os serviços pessoais e os repartimentos ou mitas, sendo os primeiros injustos e contra o

direito natural, divino e humano, e o segundo aprovado e essencial para o funcionamento da

República, havia algumas relações, escritas por outras pessoas, vistas pelo teólogo como

falsas.

E fundamentou sua afirmação de haver uma relação falsa citando a 2ª cláusula da Real

Cédula:

Ordeno y mando, que de aqui adelante no aya ni se consientan en

essas provincias, ni en ninguna parte de ellas los servicios personales,

que se reparten por via de tributos a los indios de las encomiendas y

que los juezes, y personas, que hizieren las tasas de los tributos, no los

tassen por ningún caso en servicio personal, no le aya en estas cosas

sin embargo de cualquiera introduction o costumbre (…) Empero por

repartimiento o mita se ha entendido, y se entiende el que se haze para

servicio de la Republica, assi en el beneficio de cultivar la tierra, como

de las minas, ciudades, villas y lugares, y otros ministerios

semejantes25

.

Fray Miguel Agia defendeu o trabalho feito para a República, em prol do bem comum,

marcando o regime de serviço pessoal como injusto dentro das leis. Para ele, esse tipo de

serviço era contrário a toda lei natural, divina e humana, pois deixava os índios privados da

liberdade de homens e de cristãos concedidos em todos os direitos. O repartimento, por sua

vez, estava conforme a liberdade, assim de homens como de cristãos, dando lugar para que os

índios servissem à República. Nesse caso ficou para nós a pergunta: Como uma lei dava ao

índio o direito de servir à República, e não ao uso pessoal do encomendero, os mantendo

livres?

24Idem, p.41.

25AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Primer Parecer, p.53, Agia citando a Real Cédula.

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Pelos argumentos de Agia e a forma como ele os demonstrou, depreendemos que, ao

incluir o índio em uma condição que não lhe era natural, como a de vassalo – modo jurídico

de se referir ao serviço -, este estava incumbido aos deveres de tal, mesmo não sendo

considerado escravo. O índio deixava de ser índio para ser vassalo, livre, e obediente ao

governo das Índias. Assim, a preocupação do Fray Miguel Agia em fundamentar o índio

como um não escravo estava em consolidá-lo como vassalo régio para aproveitar de seu

trabalho, legitimamente reconhecido pelas leis naturais, divinas e humanas. Esta era uma

manobra jurídica de Agia. Ele utilizou do conceito de vassalagem, já existente no direito de

Castela, para aplicá-lo aos índios, em lugar do conceito de servo. Contudo, o resultado prático

não seria diferente: os índios teriam de trabalhar para o bem da República. A questão da

liberdade indígena estava resguardada por meio de um uso jurídico dos termos de vassalo e

servo. Essa estratégia jurídica permitida pela diferença de nomenclatura alterava a forma de

argumentar a favor e contra o regime de trabalho, mesmo que em razões práticas não

significasse uma melhora na opressão e nos maus tratos.

Quando Agia afirmou, com o amparo das leis, que o índio era livre para ser vassalo do

rei, ele o colocou em um âmbito público. Nesse âmbito, público, o trabalho de um vassalo ao

seu senhor era legítimo e obrigatório, não importando se fosse índio ou não. Mas se o trabalho

fosse para o serviço pessoal, particular do encomendero, estávamos no âmbito particular.

Dentro desse âmbito, o índio deixava de ser vassalo, porque não servia ao rei, e passava a ser

propriedade particular de um senhor. Ele não teria utilidade pública, deixaria de cumprir com

seus deveres de vassalo, e nem estaria mais na condição de um vassalo porque respondia a

outras ordens e sairia do corpo místico da República indiana que condenava a escravidão.

Dessa forma, parece que Agia defendeu a liberdade do índio em trabalhar, obrigado pela

lei, no âmbito público, e condenava o trabalho realizado, particularmente, para o

encomendero. Essa postura do franciscano nos deixou a ideia de que a lei garantia a liberdade

do índio apenas no âmbito público, em sua condição de vassalo e para as causas e razões das

províncias, e não no âmbito privado do serviço pessoal.

Isso ficou mais claro quando Agia esclareceu que o repartimento ou a mita também

oferecia prejuízo aos índios, contudo, se usado com a devida moderação estes podiam se

conservar por mais tempo. Podemos notar que no argumento do Fray, em mostrar a aprovação

do repartimento em detrimento do serviço pessoal pelas leis naturais, divinas e humanas, que

executar o serviço pessoal era além de descumprir a vontade do rei e desobedecê-lo, ir contra

a religião, agir imprudentemente e pecar em consciência:

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(...) Aquel (servicio personal) condenado por injusto en muchas

juntas, que por mandado del Empeador, y Rey nuestro señor de

gloriosa memoria se hizieron en España de varones insignes en todo

genero de letras, prudencia, y experiencia y conciencia. Este

(repartimiento) por el contrario aprovado por personas de las mismas

calidades haziendose con las devidas circunstancias26

.

Ele utilizou do peso da lei e da teologia para fortalecer a proibição da servidão pessoal e

com isso reforçar o serviço ao rei. Parece que a vontade do rei em querer a conservação da

terra e da República, assim como dos índios, só podia ser atendida se os mesmos

trabalhassem, nem que para isso o fizessem por obrigação, contra a vontade e pelos meios que

o vice-rei julgasse melhor. Ou seja, quando o rei escreveu sobre os repartimentos e os abusos

cometidos neles, os índios estavam proibidos de trabalhar contra a sua vontade para o

repartidor e para o encomendero como serviço pessoal. Mas, quando era para trabalhar para

sustentar e conservar a República, os índios, enquanto vassalos livres eram compelidos, até

por direito, ao regime do trabalho. A lei encontrava razão onde estava a sua utilidade.

Padre Fray Miguel Agia, diferenciando as situações do trabalho nos repartimentos e no

serviço pessoal, continuou mantendo a situação do índio mesmo o rei proibindo a servidão

pessoal. A distinção entre servidumbre e mita não alterava a condição do índio que continuava

obrigado e forçado ao trabalho, apenas mudavam as causas e razões para tal. Ele defendeu o

serviço prestado ao rei, e, justificando em prol dele, argumentou sua justiça e utilidade para o

bem comum e conservação do reino, e o fez enquanto condenou o serviço para o uso privado,

sem enfatizar e identificar os abusos que havia nele.

Na Real Cédula estava explícito que o serviço pessoal não devia ser autorizado em troca

de tributos27

, nem para a plantação de vinhas das fazendas dos encomenderos28

porque tais

26AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Primer Parecer, p.55. 27

2ª Cláusula, “(…) y que los juezes o personas que hizieren las tasas de los tributos no los tasen por ningún

caso en servicio personal ni le aya en estas cosas sin embargo de qualquier introducion, costumbre o cossa que

cerca dello se aya permitido so pena de que el encomendero que ussare dellos y contraviniere a esto por el

mesmo casso aya perdido y pierda su encomienda, lo qual es mi voluntad que ssi se cumpla y execute (…)”,in:

AYALA, F. J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, p.34. 28

7ª Cláusula, “(…) no permitan ni den lugar a que se planten viñas ni olivares en esas provincias y después que

no se acrecienten las plantas (…) y mando que tanpoco se den indios de repartimiento y que en el tomar indios

de su voluntad para ello y en la venta de las viñas y olivares y en todo lo demás que a esto toca se tenga la

mesma horden que en lo de las chacaras y so las mesmas penas y que las hagays executar con grandissimo

rigor”, in: AYALA, F. J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, p.39.

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trabalhos eram excessivos e contrários à saúde dos índios, mas quando se tratava da

exploração das minas de ouro e prata, deviam ser incentivados e obrigados29

. Os abusos e

excessos causados aos índios pela exploração do seu trabalho eram condenados apenas

quando este trabalho era para o serviço pessoal e não quando era para o benefício das minas.

Nessa situação de necessidade da servidão indígena, o rei conferia poder e faculdade

para o vice-rei agir conforme lhe parecesse mais conveniente, utilizando seu arbítrio, desde

que cumprisse as exigências e vontade de sua majestade, conservar os índios e suas terras,

manter o comércio e garantir a perpetuidade da República.

c) A condição do trabalho indígena e sua relação com as leis e os costumes.

Algumas relações sinistras a que Agia se referia diziam que os índios trabalhavam de

boa vontade e livremente, principalmente quando o faziam em troca do pagamento do tributo.

Agia voltou a insistir que, de fato, os índios não queriam trabalhar por vontade própria nem

para os espanhóis e quanto menos para o rei. A questão central era a de como fazer com que

os índios quisessem servir ao rei, pelo bem comum e utilidade pública, mesmo contra sua

vontade, sem privá-los de sua liberdade. Podia obrigar o índio ao trabalho forçado e ainda

manter o discurso da liberdade enquanto vassalo?

Outra relação falsa encontrada por Agia era a de dizer que os índios serviam de sua

vontade. Ou seja, não estava certo defender que os índios agiam de sua própria vontade

quanto serviam ao encomendero em troca de pagamento de tributos. Agia passou a

argumentar sobre a vontade que os índios tinham, ou não, de trabalharem para o rei ou para o

encomendero. Fazendo isso, ele mostrou, mais uma vez, que o trabalho feito ao encomendeiro

era contra a vontade do índio, além de ser contrário às leis e ao bem comum e utilidade

pública. Mas, também era contra a vontade do índio trabalhar para o rei, só que nesse caso, a

razão, utilidade e sentido eram outros, e sobre tais motivações os indígenas eram compelidos

ao serviço e este era lícito.

29 12ª Cláusula, “La conservación de esas provincias y de los mesmos indios y la destos reynos depende como

saueys en el estado presente principalmente de la lavor y beneficio de las minas de oro y plata y azogue lo qual

estoy ynformado que en ninguna manera se puede hazer sin la yndustria y trabajo de los indios y que por esto y

estar abituados y acostumbrados en ello en ningún caso se pueden escusar de acudir a esto mas deseo mucho y

conviene que sean relevados en quanto fuere posible (…)”,in: AYALA, F. J.,Servidumbres personales de indios,

Sevilla, 1946, p.41.

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Todo lo qual quan siniestro, y ageno sea de la verdad cierta y

experimentada por muy largos años en todos los reynos y Provincias

de las indias, júzguenlo los que conoscen los indios, y les han tratado

y experimentado en materia de servir, pues no ay para ellos cosa mas

odiosa que trabajar aunque sea para si mesmos, ultra de que es

Español y el indio son dos contrarios opuestos ex diámetro: porque el

indio de su naturaleza no tiene codicia, y el Español es codiciosissimo,

el indio flemático, y el español colerio, el indio humilde, el Español

arrogante, el indio espacioso en todo lo que haze, el español presuroso

en todo lo que quiere, el uno amigo de mandar, el otro enemigo de

servir. Y finalmente desemejantes en condición, vida y costumbres30

.

Fray Miguel Agia, depois de apresentar as características do índio e do espanhol para

fundamentar sua opinião sobre a relação falsa que havia em dizer que o índio trabalhava por

vontade, afirmou que a maneira pela qual o índio agia estava conforme a sua inclinação

natural adquirida de sua pátria natural31

. Sendo assim, os índios não serviam aos espanhóis de

acordo com suas vontades. De acordo com o franciscano, eles não podiam ser culpados de

reagirem assim, e nem de o fazerem com malicia contra os espanhóis porque essa rejeição ao

trabalho era da natureza deles. Os índios não tinham malícia porque era da sua natureza serem

indolentes. Eles não serviam aos espanhóis por vontade em maneira alguma, nem quando

eram pagos, recompensados pelo trabalho e bem tratados porque não estimavam o pagamento

e nem os presentes. Não estava na natureza e costumes indígenas trabalhar para receber

salário ou presente dos espanhóis:

De lo qual infiero engañarse los que dizen que los índios hazen

maliciosamente las cosas referidas por solo dar pesadumbre a los

Españoles: lo cual es claro no ser assi, pues no se debe atribuyr a

malicia lo que en ellos es naturaleza, y siendo esto assi no será

difficultoso persuadir lo que diximos arriba, de que los indios en

ninguna manera sirviram a los Españoles de su voluntad: de lo cual

tienen bastante experiencia todos los que han gobernado en las Indias,

sin que falte uno y el ver que aun con rigurosos mandamientos de

apremio, apenas les pueden hazer acudir a servir, quanto mas de su

voluntad, sobre lo cual las justicias mayores se ven y se dessean, y

aunque pudiera decir alguno que esto sucede donde les tratan mal,

30AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Primeiro Parecer, p.56. 31

Idem, p.57.

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digo que lo mismo sucede donde los tratan bien, aunque les paguen y

repaguen, porque ni ellos estiman la paga, ni tiene por regalo, sino el

que tenían en ser antigua gentilidad de sus borracheras, y de otros

vicios torpissimos, y el entregarse a la ydolatria32

.

Os índios não trabalhavam com vontade para os espanhóis porque não entendiam os

motivos e as razões deste serviço. Então, Agia, para defender sua tese, criou uma imagem de

índio com uma natureza perversa, desqualificando-o enquanto tal para defender que eram

livres na condição de vassalos. Independente dos motivos apontados pelo Padre Fray Miguel,

qualificando ou não os índios a trabalhem para o rei ou para o encomendero, os indígenas,

naturalmente, eram vistos como indolentes e a condição de vassalos aparecia como uma

solução, uma correção a isso.

As razões e os motivos eram dados apenas quando eles estavam identificados como

vassalos do rei e iguais aos outros espanhóis, com obrigação política e social de servir à essa

sociedade colonial.

Não importando a forma de tratamento, o rigor das leis e os pagamentos oferecidos aos

índios por seus trabalhos, não era de seu hábito e nem de seu costume servir aos espanhóis.

Por isso, Agia mostrou que sendo bem tratados ou não, sendo como serviço pessoal ou em

repartimentos, o índio não trabalharia por sua vontade, mas o devia fazer para a República nos

repartimientos. Então opinou que se alterasse o trabalho indígena na forma como estava

assinalado na 1ª Cláusula da Real Cédula, afirmando: “(...) y ellos vayan con quien quissieren

y por el tiempo que les pareciere de su voluntad sin que nadie los pueda detener contra ella

(…)33

”.

Para ele esta cláusula era justa porque favorecia a vontade dos índios para servir. Mas

essa justiça era sabida pelo Fray e demais pessoas que entendiam do governo das Índias e da

natureza dos índios, e estava claro que estes não serviriam e nem trabalhariam por vontade

própria, apenas o fariam estando obrigados. Tendo essa consciência, ele aconselhou a

alteração na 1ª Clausula da Real Cédula e afirmou:

Pero como sea cosa cierta e indubitable que los índios sino es

compelidos y forçados no han de servir a la República como

32AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Primeiro Parecer, p. 58. 33

Real Cédula, clausula 1ª, in: AYALA, F. J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, p.33.

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largamente tengo provado no se puede guardar en los repartimientos

de indios, que se dan para la labor de la tierra, la forma que viene

señalada en la dicha clausula por quanto de guardarse (supuesto que

han de servir) ninguna libertad se les da a los indios mayor de la que

agora tienen34

.

Agia considerou justo que os índios recebessem, eles mesmos, os seus pagamentos, e

usou de um argumento teológico e moral para reforçar sua ideia: isso se justificava porque

entre os 04 pecados que clamavam diante de Deus estavam o de reter o suor e o pagamento

justo do pobre que trabalhou. Discutiu o seguinte: Se os índios eram livres e não queriam

trabalhar para ninguém, podiam ser obrigados? Agia respondeu que sim, e mesmo sem

apontar essa interdependência, entendemos que ficou claro que quando ele trabalhava para a

República o fazia por uma razão justa e por mútua dependência e necessidade. No texto legal

estava explícito o seguinte, na 21ª Cláusula da Real Instrução: “(...) para que de las dichas

poblaciones acudan de su voluntad y por el interes que dello se les a de seguir a trabajar en el

beneficio y conserbacion de las dichas minas35

”.

Nesta Cláusula vemos a preocupação do rei em querer que o índio trabalhasse por sua

vontade e encontrasse algum interesse nesse trabalho. Antes, na 10ª Cláusula, o próprio rei

parecia esclarecer qual devia ser o motivo que incentivava o índio a trabalhar:

(...) y con que los yndios que de su natural condicion rehussan el

travajo y son ynclinados a olgar que les es de gran prejuizio han de ser

vir travajar y ocuparse en los dichos servicios con unos o con otros

porque no a de ser caussa lo que se hordena de nuevo para que la

puedan dexar de hazer por que seria su destruycion y no podersse

sustentar a si y a sus mujeres y hojos y por esta caussa y porque no se

podria sustentar ni conserbar la tierra sin el trabajo servicio e

yndustria de los yndios (…).36

Os índios não reconheciam as leis indianas, o direito e a doutrina cristã, mesmo ao

distinguir o serviço pessoal do repartimento e mita, os colocavam nessa segunda condição

34AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, p.78. 35

Real Cédula, 21ª Cláusula, in: AYALA, F. J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, p.48. 36

Real Cédula, 10ª Cláusula, in: AYALA, F. J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, p.41.

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como homens livres, cristãos catequizados e em conformidade com as leis natural, divina e

humana, e assim, nessas condições, podiam servir à República.

A questão central que envolvia o trabalho indígena não era ser este um problema da

natureza do índio, ou que ele fosse indolente para qualquer serviço. Era a de que o índio não

queria servir aos espanhóis. Assim sendo, como fazer para que os índios trabalhassem, mesmo

quando eles não queriam, e ainda mais, fossem livres? Agia argumentou juridicamente que se

podiam obrigar os índios como se obrigava a qualquer vassalo a trabalhar pelo bem da

República.

Dessa forma, teoricamente, o índio continuava a ser explorado, mesmo que livre e

inserido na política indiana como vassalo do rei, assim como os espanhóis em igual condição.

Ele era obrigado a ser obediente como todos os servos deviam ser, mas, naturalmente, ele não

aceitava. Reprovando o que lhe era obrigatório, desobedecia e era castigado continuando,

livremente, a ser forçado por meios mais violentos. Para o índio poder servir e trabalhar para a

República ele precisava sair da sua condição natural de índio, selvagem, e virar vassalo do rei,

cristão e catequizado.

Quando Agia afirmou que os índios podiam trabalhar porque era para o rei e, dessa

forma, para o bem comum de todos e da República, esta subordinação de todos ao “bem

comum” era necessária para o governo e servia para fundamentar os serviços pessoais,

implantados por meio de normas coativas. A Real Cédula continha cláusulas que não se

aplicavam à realidade conhecida por Agia, e por isso ele insistia na necessidade de que as leis,

para serem boas, justas e encaminharem à quietude, paz e concordância, deviam se acomodar

à República e não a República a elas.

2.3. A necessidade de flexibilizar a aplicação da lei.

Fora de seu estado natural, o índio estava incluído nas normas da sociedade espanhola e

católica, podia trabalhar, ser vassalo por direito e não escravo por condição. Para Agia, o que

realmente importava em toda esta questão, era garantir que as leis podiam ser flexibilizadas e

interpretadas de diferentes formas de acordo com os diferentes lugares e costumes. Isso

explicava porque não parecia claro e proveitoso acabar com todos os repartimentos de obrajes

de panos tratando-os igualmente, como se todos causassem os mesmos danos e prejuízos,

merecendo as mesmas penas. Ele assinalou que faltava na cláusula 3ª da Real Cédula uma

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flexibilidade maior, com mais possibilidades e aberturas do que apenas uma única maneira de

aplicar as leis e de punir os obrares e engenhos:

(...) De todo lo qual caresce la dicha clausula, presuponiendo por cosa

cierta, que las injurias y agravios que en los dichos obrajes se

cometen, son como dicho es yguales, pues se les aplican yguales

penas: para lo qual, y para entender bien otras muchas cosas que en

esta Real Cedula, bien en ordenadas a cerca de los repartimientos de

los índios37

.

Na 3ª Cláusula estava disposto o trabalho nos obrajes de panos e engenhos de açúcar

onde os índios serviam:

(...) He sido ynformado que el travajo que los yndios han padecido y

padecen en los obrajes de paños e yngenios de açucar es muy grande y

excessivo y contrario a salud y caussa de que se ayan consumido y

acabado en el muchos prohivo y expressamente defiendo y mando que

de aquí adelante en ninguna provincia ni parte de esos reynos puedan

trabajar ni trabajen los yndios en los dichos obrajes de paños de

españoles ni en los yngenios (…)38

.

Fray Miguel Agia comentou essa Cláusula como exemplo dos obrajes no Peru,

enfatizando como os índios trabalhavam pouco, recebiam seus pagamentos, iam à missa,

visitavam suas famílias, plantavam em suas terras e eram muito uteis e de bom proveito para a

República. Para esse caso particular ocorrido no Peru, os obrajes e engenhos de açúcar

funcionavam bem e beneficiavam à República. Agia chegou a mencionar que se os índios

trabalhassem com gosto e sem pesar, porque podiam se comunicar com seus familiares e

continuarem em suas casas, em sua pátria, que viveriam na terra onde estavam obrigados a

cuidar e aproveitariam dela com suas vidas39

.

Agia apresentou o quanto considerava estranho o fato de sua Majestade, influenciada

por outras ideias, não diferenciar os obrajes de panos e engenhos de açúcar aplicando as

37AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Primeiro Parecer, p.59. 38

Real Cédula, cláusula 3ª, in: AYALA, F. J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, p.34. 39

AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, p.88.

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mesmas penas de forma geral. Isso era considerado estranho pelo Fray porque para ele era

preciso punir e obrigar de acordo com a especificidade de cada caso, com a qualidade das

pessoas, de suas injúrias e da frequência de seus atos. Não parecia claro e proveitoso acabar

com todos os repartimentos de obrajes de panos tratando-os igualmente. Assinalou que faltava

na 3ª cláusula da Real Cédula uma flexibilidade maior, com mais possibilidades e abertura do

que defender apenas uma única maneira de aplicar as leis e penas para os obrajes e engenhos:

(...) De todo lo qual caresce la dicha clausula, presuponiendo por cosa

cierta, que las injurias y agravios que en los dichos obrajes se

cometen, son como dicho es yguales, pues se les aplican yguales

penas: para lo qual, y para entender bien otras muchas cosas que en

esta Real Cedula, bien en ordenadas a cerca de los repartimientos de

los índios40

.

Na 3ª Cláusula estava disposto o trabalho nos obrajes de panos e engenhos de açúcar

onde os índios serviam:

(...) He sido ynformado que el travajo que los yndios han padecido y

padecen en los obrajes de paños e yngenios de açucar es muy grande y

excessivo y contrario a salud y caussa de que se ayan consumido y

acabado en el muchos prohivo y expressamente defiendo y mando que

de aquí adelante en ninguna provincia ni parte de esos reynos puedan

trabajar ni trabajen los yndios en los dichos obrajes de paños de

españoles ni en los yngenios (…)41

.

Fray Miguel Agia comentou a necessidade de corrigir essa cláusula apresentando o que

acontecia nos obrajes do Peru. Nesses, os índios trabalhavam pouco, recebiam seus

pagamentos, iam à missa, visitavam suas famílias, plantavam em suas terras e eram uteis e de

bom proveito para a República. Para esse caso particular, os obrajes e engenhos significava

uma exceção, uma particularidade. Agia chegou a mencionar que os índios trabalhavam com

gosto e sem pesar porque lhes era permitido comunicar com seus familiares e permanecerem

em suas casas, pátria e que todos que viviam nessa terra estavam obrigados a cuidar e

40AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Primero Parecer, p.59. 41

Real Cédula, Cláusula 3ª, in: AYALA, F. J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, p.34.

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aproveitar dela com suas vidas, índios ou espanhóis42

. Desta forma, percebemos que o

franciscano demonstrava a necessidade de examinar as circunstâncias, além de apenas fazer

cumprir a lei, e que as especificidades destas circunstâncias ditariam as intencionalidades que

responderiam às necessidades práticas. Nessas pragmáticas, a boa fé se presumia pelo

costume e se podia estabelecer a razão e o bem comum43

.

Passamos a analisar como tais questões eram influenciadas pelo costume e como Agia o

utilizou para reforçar e revogar partes da Real Cédula mostrando que não se adequavam à

realidade.

Na 4ª Cláusula, podemos perceber a influência do costume na aplicação da lei, na

exigência de que os índios não carregassem peso:

(...) ordeno y mando que de aqui adelante en ninguna de las províncias

ni partes de todas las yndias no se puedan cargar ni carguen los yndios

con ningun genero de carga ni por ninguna persona de ningun estado

qualidad no condicion que sea secular ni eclesiástica ni en ningun

casso parte ni lugar con coluntad de los indios (…) sin embargo de

qualquier cosa que en contrario dello este proveido o costumbre que

se pueda alegar44

.

Percebemos nesse exemplo a força do costume embargando a lei na prática. Nesta

cláusula da Real Cédula Agia apontou que era muito justo proibir que os índios carregassem

peso em seus ombros porque essa era função dos animais. Argumentou que muitos índios

morriam fazendo esse esforço, o que não era útil para a República. Mas, em um caso

particular, em Guatemala, os índios possuíam o costume antigo, antes mesmo da chegada dos

espanhóis, de carregarem peso para si ou de acordo com suas necessidades. Essa prática, tida

como particular, virou um hábito e até mesmo o Fray Miguel Agia que a considerou injusta -

apoiando-se pela lei régia -, nessa situação específica de Guatemala acreditou ser impossível

proibir os obrajes, mesmo tendo enfatizado que a lei não deveria ser embargada por nenhum

costume. Nesse exemplo, a lei podia ser acatada, mas não seria cumprida. Podemos notar

42AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, p.88. 43

Essa ideia foi retirada da análise feita por José Carlos Ballón em seu estudo sobre Diego de Avendaño, Diego

de Avendaño y el probabilismo peruano del siglo XVII, publicada na Revista de Filosofia, nº.60, 2008-3, pp.27-

43, p.39. 44

Real Cédula, Cláusula 4ª, in: AYALA, F. J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, p.36.

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como para uma mesma situação, a dos obrajes, o uso e costume específicos de cada região

alteravam o cumprimento da lei e sua adaptação. A flexibilidade da lei se dava pela

adequação à circunstancia e ao caso fazendo necessário examinar as circunstâncias porque

essas ditavam as diferentes possibilidades.

Havia nessa explicação do teólogo franciscano, sobre a justiça particular desta 4ª

Cláusula, sua experiência e observação particular evidenciando que na prática, para alguns

lugares, o costume tinha mais força do que as leis. Em tais lugares o costume vigorava com

força normativa e coativa como a de uma lei. O costume podia permitir que a situação

habituada continuasse mesmo se houvesse leis contra. Os usos e costumes tinham força e

vigor de lei porque foram aceitos e recebidos pela maioria, tinha sentido e razão dados

tradicionalmente.

Para Agia, nas circunstâncias apresentadas em Guatemala, mesmo sendo justo proibir

o carregamento de índios, seria melhor adaptar ou retirar essa cláusula porque ela não

encontraria sentido. Percebemos que parece justo proibir a carga de índios, mas que essa

proibição em Guatemala não poderia ser feita porque havia um costume, um hábito que a

reconhecia de uma forma positiva, não prejudicial e danosa para estes indígenas, como seria

para os outros que desconheciam tal hábito e costume. Ou seja, a proibição da carga de índios

não seria aceita em Gautemala e o costume teria mais força e validade do que a norma régia e

poderia embargá-la. Seguir o costume significava encontrar a razão e a boa fé, e assim, a

justiça para o caso concreto.

Outro exemplo da força do costume indo de encontro com a lei era a relação estranha

sobre as vendas e doações de índios das fazendas. Os índios eram tratados como escravos nas

chácaras mesmo a Real Cédula não autorizando tal tratamento.

(...) y assi tengo por sufficiente remédio el que la misma Cedula Real

ordena de que las escripturas de oy en adelante no se hagan en la

forma que hasta aquí se han acostumbrado hazer, pues en ellas se dava

a entender que los indios eran esclavos de las dichas chavaras, lo qual

es justo no se permita hazer ni dizer, pues pormuchas Cedulas Reales

esta declarado, que los indios son libres (…)45

.

45AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Primeiro Parecer, p.66.

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Agia achou estranho o rei considerar os negros para os trabalhos nas minas de Potosi e

benefícios dos espanhóis. A sua experiência lhe mostrava que os negros não serviam para o

trabalho em terra fria, como as de Potosi. Eles morreriam, ficariam destruídos e perdidos e sua

Majestade teria que ajudá-los e favorecê-los, dessa maneira, os índios que estavam

acostumados à terra e ao serviço, que o fizessem. Como também era estranho juntar as

populações de índios que possuíam divergências e diferenças entre si, além de ser impossível

moralmente por muitas e urgentes razões.

a) A justificativa do trabalho indígena na opinião comum dos doutores.

A sujeição política e civil pela qual estavam obrigados e forçados os índios a passar

pelo trabalho em beneficio da República não era reprovada pela lei natural, e sim conforme a

ela, segundo argumentou Agia46

:

Esta conclusion se prueva efficazmente porque la potestad política o

civil, que corresponde a la dicha subiection, es de ley natural como

enseña Victoria (…) Covarrubias (…) O a lo menos tiene su orige y

principio de la ley natural, (…) Luyz de Molina (…) Luego siguese

que la dicha subiection es de ley natural, o a lo menos tiene su origen

y principio de ella (…) Confirmase lo dicho: porque la ley natural, y

toda buena razón dicta y enseña que la multitud ha de ser regida y

gobernada de alguno a quien obedezca y tenga subietion (…)

Confirmase assi mesmo lo dicho por estar assi expressado, en las

divinas letras (…) Y en otras muchas partes donde manda el Spiritu

Sancto a los súbditos y vassallos estar subjetos a los Reyes y

Principes: lo qual no mandara si fuera contra ley natural: la qual es

guía, y compañera de la ley Divina47

.

Para fundamentar a sua conclusão sobre o trabalho indígena e a sujeição política e civil,

Agia citou alguns autores como, Covarrubias, Lus de Molina e as cartas de São Paulo a

Timóteo. O argumento embasado em teólogos conhecidos, em passagens da Bíblia ou em

apóstolos enfatizou e fortaleceu a conclusão do franciscano. A teologia moral e a opinião dos

46AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, p.97. 47

AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, 1ª conclusão, p.98.

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doutores o ajudaram a defender que a sujeição pela qual os índios passavam era da lei natural

e estava nas escrituras, portanto, podia ser feita sem incorrer em culpa, pecado ou desvio da

lei e vontade do rei, cumprindo a Real Cédula.

Ao se apoiar em argumentos religiosos e teológicos, Agia trouxe para sua conclusão a

força e o peso da moral, bem como a opinião dos doutores, fortalecendo a lei e a prática da

sujeição, aliviando um problema de consciência para o rei e para quem aplicasse a norma.

Dessa forma, ele estava garantindo uma consciência segura e se livrando de qualquer culpa,

autorizando a aplicação da lei sem dúvida e indicando quais eram as autoridades consultadas

nesse assunto transferindo a elas o peso da sua decisão.

Parece, pela interpretação de Agia e forma como argumentou a sujeição dos índios, que

a lei natural permitia tal sujeição e que esta podia ser praticada sem culpa algunma. Dessa

forma, a lei natural era um guia para a lei divina. A sujeição era da lei natural, sua origem e

princípio. A lei natural e a boa razão ensinavam que as pessoas deviam ser regidas e

governadas, e que para isso teriam que ter a quem obedecer e receber ordens, o que era válido

tanto pela lei quanto pela política. Nesse exemplo, talvez, havia a proeminência da lei natural

em relação à divina na justificação política do trabalho forçado.

Também percebemos o caráter político, além de teológico e moral, desse argumento de

Fray Miguel Agia. O poder do rei sobre os índios estava legitimado pela lei natural que

permitia e justificava o trabalho indígena. Agia citou o teólogo Martin Navarro, as divinas

letras e os apóstolos São Paulo e São Pedro para concluir que a sujeição política também não

ia contra a lei divina, e isto porque se a sujeição era da lei natural, ela também o seria da

divina. Citou também Aristóteles e os Apóstolos São João, São Paulo e São Pedro. Com isso,

o príncipe, pela lei coativa podia forçar ao serviço para a República, numa forma de garantir a

obrigatoriedade do serviço demonstrando sua utilidade pública. Isso levou à quinta conclusão,

de que a República e o Rei tinham legítimo poder e autoridade de obrigar e forçar seus

vassalos e súditos, sem cometer com isso injúria e agravo: “Esta conclusion es comun entre

los Doctores, y la defiende particulamente Vitoria (...) Soto (...) Luys de Molina (...)48

”.

Fr. Miguel Agia argumentou tanto em aspecto político, favorecendo o poder do rei e do

príncipe, quanto religiosos condenando o serviço pessoal. Essa postura evidenciou que se

podia seguir a um ou a outro argumento de acordo com a situação e ponto de vista analisado.

48AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, 5ª conclusão, p.100.

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Agia citou Vitória, Soto e Luis de Molina para defender a legitimidade do poder da

República e do Rei de obrigar e forçar seus vassalos e súditos a lhes servirem sem causar

injúria. Isto era resultado de uma opinião comum de doutores que fortalecia o posicionamento

do franciscano, e mostrava a autoridade da opinião e de seu autor ao mencionar os nomes de

Molina, Soto e Vitória. Dessa forma, também era concluído por ele que era lícito ao rei Don

Felipe, e ao senhor vice-rei do Peru em seu nome, obrigar e forçar os índios a trabalharem

para o serviço da República, nos ministérios necessários, por tempo limitado e com

pagamento justo conforme se tinha acostumado:

Esta conclusion queda provada de la precedente y de las demas, y se

confirma lo primero, porque esta Real Cedula, que es ley justa ordena

y manda que se haga assi em muchas partes: lo qual no hiziera si fuera

illicito e injusto, y assi haziendo los indios, y Españoles, y demás

naciones que residen en las Indias (…) un cuerpo solo de Republica

entero, y perfecto compuesto de hombres verdaderos vassalos de su

Magestad pueden y deven lícitamente ser compelidos y forçados

(siempre que convenga y sea necessario) a que sirvan y trabajen en

servicio desde cuerpo, que es proprio officio de los miembro (…)

Confirmase asi mesmo, porque el cuerpo de la Republica es inmortal y

perpetuo (…) Y assi es necessario para conservación quien mande, y

sirva, y obedezca, que es la concordia en que consiste la duración y

perpetuidad de la Republica (...) De lo dicho infiero que no queriendo

servir los índios a la Republica de su voluntad, como la experiência lo

há mostrado, y muestra, son compelidos y forçados a hacerlo en la

forma de repartimientos, que hasta agora se an usado para el beneficio

de la tierra (…) con la paga, y por el tiempo, y demás condiciones

senaladas por las Reales ordenanças, assi por averse esto

acostumbrado casi desde el tiempo que se gano la tierra que lo haze

justo, como también por averse hecho con aprobación de cedulas, y

ordenanças Reales, como también por aver precedido paresceres de

hombres graves de experiencia, sciencia y consciencia49

.

Agia nesta sexta conclusão legitimou o poder do rei e seu vice-rei de forçar os seus

vassalos, tanto índios quanto espanhóis e outros que habitarem nas Índias, a trabalharem para

a República, conservando-a e mantendo-a enquanto um corpo. Mesmo os índios, que

naturalmente não quisessem trabalhar, estavam forçados e obrigados a ele sem que isso

contrariasse a lei natural, humana e divina. A vassalagem era aceita pelas leis porque era

49AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, 6ª conclusão, p.102.

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política e civil, e os indígenas eram livres para servirem como vassalos e obrigados a um

dever justo, com pagamento e garantido pela lei, costume, experiência, ciência e pela

consciência de doutores que apresentavam seus pareceres e opiniões favoráveis a este tipo de

trabalho.

Para argumentar em defesa da legitimidade da obrigatoriedade do serviço, mesmo

contra a vontade de quem servia, dentro das leis natural, humana e divina, Agia utilizou vários

exemplos em variadas situações. Apontou que não era apenas em favor das leis que este

trabalho encontrava seu respaldo, mas também no costume e na experiência de que assim,

compelidos a servir, a República se mantinha. Além dessa observação prática e

circunstanciada feita por Agia, ele também apresentou a opinião de doutores e autoridades no

assunto a fim de embasar sua conclusão e fortalecer seu parecer. Escolheu citar Graciano,

Casiodoro, Sêneca, os Santos Apóstolos e trecho das cartas aos Coríntios. A obrigatoriedade

do serviço pelo qual estavam obrigados todos os vassalos do rei, fossem eles índios ou

espanhóis, era delineada por Fray Miguel Agia em seu viés político e religioso. Ele enfatizou

que a servidão era justa, não por ser para os índios ou apenas direcionada a eles, mas por se

aplicar a todos os vassalos enquanto um dever político, uma condição social e uma

necessidade econômica. Agia deixou claro, exceto para a questão do negro, que os homens,

índios ou espanhóis, eram livres, e assim, os indígenas deviam servir porque possuíam

liberdade para isso, mesmo que em sua condição natural eles não fossem inclinados ao

serviço. O posicionamento da igualdade política entre os vassalos não garantia aos índios um

melhor tratamento em seus trabalhos, ou o mesmo tratamento dado aos espanhóis. Apenas

servia para justificar a causa teórica e politicamente. Na prática, não eram tratados como

iguais, e se o fossem, a opressão e maus tratos aos indígenas não seria tema da Real Cédula.

Parece que essa situação só foi tema da lei porque afetava aos interesses comerciais da

República.

Mas Agia também usou como exemplo o fato de que os índios já trabalhavam para seus

caciques. A questão, pela forma colocada por Agia, não desqualificava o índio em sua

condição natural porque a sua liberdade era reforçada várias vezes. Nesse sentido, então, ele

não era servo do rei espanhol por natureza, mas a sua condição e ambiente natural fizeram

com que ele se acostumasse a servir, desde tempos antigos, seja por caciques ou reis

europeus.

Outra conclusão apresentada pelo Fray Miguel Agia era a de que o rei podia,

licitamente, compelir os índios para que trabalhassem nas minas de Potosi em Peru e Nova

Espanha; obrigar a fazer guerra contra os inimigos da fé; conservar e perpetuar as províncias;

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compelir para fazerem tesouros e com eles suprimirem as necessidades públicas de todos os

reinos; e para as demais coisas de utilidade pública e comum:

La justificacion y provança de esta conclusion tien su fundamento em

la necessidad publica, y notória que su Magestad padesce, y en las

urgente ocasiones de guerra que tiene contra los hereges y otros

infieles para exaltación y conservación de nuestra sancta fe católica, y

conservación de sus Reynos y señoríos, y ayuda del desempeño de su

Real patrimonio, y otras causas de publica utilidad y provecho, y de

mucha consideración (…) Y en esta Real Cedula viene expressada por

su Magestad, aviendo precedido parescer y acuerdo de personas de

mucha cexperiencia y conciencia: lo qual basta para la seguridad de la

conciencia50

.

b) A utilidade o bem da República no caso do trabalho nas minas.

Fray Miguel Agia expôs as razões pelas quais considerou que os índios podiam

trabalhar para o benefício das ditas minas. A primeira razão vista por ele era a de que era

lícito ao Rei e dentro da lei natural e divina obrigar aos índios ao trabalho. A força e a

compulsão deste trabalho não tinha repugnância nas leis e nem para com a liberdade cristã51

.

O trabalho indígena estava aprovado com o apoio das leis, da religião e da própria opinião do

Fray Miguel Agia. Isto porque razão para forçar ao trabalho nas minas tinha causa justa e de

necessidade pública: “Leugo com mas fuerte razon lo será para poder compelir los índios y

espanholes de condicion servil, a que trabajen y se ocupen en la lavor y beneficio de las minas

com paga justa, y tiempo moderado52

”.

Além disso, o rei tinha todo o poder sobre a República Indiana, e não havia dúvida de

que por necessidade e utilidade, a República podia obrigar os índios e outras pessoas ao

serviço nas minas53

. Esse poder conferido ao rei também ocorreu em outras situações. Agia

50AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, 7ª conclusão, p.103. 51

AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, 1ª razão, p.106. 52

AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, 2ª razão, p.106. 53

AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, 3ª razão, p.106.

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citou o exemplo dos outros reis, príncipes e monarcas do mundo todo, afim de justificar que

se para eles era lícito praticarem o trabalho compulsório, também o será para o rei da

República Indiana54

.

Esses exemplos que o Fray Miguel Agia apresentou sobre as ações de outros reis em

vários lugares do mundo eram argumentos que não possuíam eficácia no direito, mas

influenciavam na experiência e no conhecimento sobre a legalidade da prática e da força da

“boa razão” como causa para a obrigatoriedade e necessidade do serviço nas minas. Dessa

forma, como a imitação de príncipes cristãos era bem vista e defendida como um “bom uso” e

uma “boa prática” a serem imitados, Agia encontrou nela seu caráter justo.

Outra razão que fortaleceu o serviço dos índios para o benefício das minas era que não

eram apenas eles os compelidos a tal trabalho. Se os espanhóis eram forçados a trabalhar, os

índios também podiam ser forçados porque ambos eram igualmente livres55

. E porque,

provavelmente, essa razão era dada pelo costume de mandar os índios ao serviço das minas

desde que estas foram descobertas56

.

Percebemos com isso, como o argumento do Padre Fray Miguel Agia apontou o

costume, habituado antes mesmo da conquista, como relevante para apoiar o cumprimento e

aplicação da lei. Do costume à lei, recorrer ao costume para efetivá-lo como uma lei e não

incorrer em pecado. Agia afirmou que, por já estarem acostumados a trabalharem para o

beneficio das minas, tal prática era permitida, aprovada, usada e conhecida para ser mantida e

não rechaçada e pecaminosa:

(...) Y tambien porque en esta real Cedula expressamente los manda

dar su Magestad en muchas partes lo qual escusa de pecado al señor

Virrey, y a otro qualquiera que lo mande executar aun en caso que lo

dicho fuero ilícito57

.

Agia interpretou a Real Cédula acreditando que a ordem do rei para mandar ao trabalho

para o beneficio das minas não era pecado. Que o vice-rei podia cumprir a ordem mesmo para

54AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, 4ª razão, p.106. 55

AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, 5ª razão, p.107. 56

AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, 6ª razão, p.108. 57

AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, 7ª razão, p.108.

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os casos ilícitos e não pecaria porque estaria cumprindo antes uma norma legal, de boa razão e

utilidade. Entendemos que havia um espaço para executar a lei mesmo em casos ilícitos,

garantindo a sua eficácia sem reprovação ou culpa. Para este caso, o rei estava retirando o

pecado.

Agia apoiou suas razões na doutrina de São Tomás de Aquino, citando à obrigação que

os vassalos possuíam de trabalhar nas minas para que o rei pudesse ter recursos necessários

para gastar na guerra. Se isso não fosse feito, e não houvesse tais recursos, cometeria pecado

mortal58

:

Luego siguesse que su Magestad tiene obligacion em conciencia de

tener allegados thesouros para los dichos fines, también la tendrá, y le

será licito el allegarlos por los medios mas licitos y convenientes que

pudiere (…) Y el medio mas conveniente, y mas principal y de menos

daño, y perjuicio es, compeler alguna parte de los vassalos a que

trabajen en el beneficio y lavor de las minas59

.

A exploração das minas se justificava para Agia como uma forma de manter as terras

do Peru e garantir a conservação da República. Se faltasse o serviço das minas e as terras do

Peru não se conservassem, o mesmo aconteceria com a República, por isso se justificava a

razão de obrigar ao serviço para o beneficio das minas. Dessa forma também era lícito e

legitimo segundo a boa razão, o rei tomar parte dos bens da Igreja obrigando seus vassalos a

extraírem outro e prata com a condição de os pagarem justamente e de tratá-los bem60

:

Todo lo qual podra a mi parescer mandar su Magestad por todo el

tiempo que tuviere necessidad legitima, fundada em utilidad, o

necessidad publica, no gastando la plata que tanto sangre cuesta em

otras necessidades que no sean publicas61

.

58AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, 8ª razão, p.108. 59

AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, 8ª razão, p.109. 60

AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, 10ª razão, p.110. 61

AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer,10ª razão, p.110.

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Agia exibiu as condições das minas de Huancavélica porque elucidavam a legitimidade

do rei ao obrigar os índios a trabalharem. A primeira condição era que a necessidade fosse

legítima; que a prata não se beneficiasse sem o “azogue”; que sem os escravos, outros homens

podiam fazer o serviço; que os índios trabalhassem mesmo sem vontade; e que houvesse

necessidade legítima, verdadeira, de pública utilidade e necessidade:

Con las dichas condiciones justas, y con las demas que yo no alcanço,

quisiera antes oyr el aprescer ageno sobre esta conclusion, que dezir el

mío proprio: pero confiado de la misericordia Divina, y de que mi

deseo y intención es de acertar, y en ninguna manera de encargar mi

conciencia en la menor cosa del mundo, dire lo que alcanço, subjeto a

otro qualquier mejor parescer62

.

Parece que para Agia todas as razões se justificavam pela causa pública. Essa causa

era justa, de “boa razão”, utilidade e necessidade para o bem comum. Justa porque respondia

e obedecia á obrigação político e civil da conservação da República. A qual, sendo um corpo

místico, incluía como seus vassalos homens livres, espanhóis e indígenas. A igualdade de suas

condições estava dada como vassalos e reconhecida pela necessidade pública de seus serviços

ao rei e funcionamento do governo indiano, conservação e perpetuidade da República indiana.

Uma obligatio natural de reciprocidade que cobrava e concedia favores.

A conservação dos homens era garantida se fosse garantida a conservação da República

e das províncias pelos serviços prestados, contra ou não à vontade. Uma justificativa

dependia da outra, como um corpo que, para se manter, precisava ter suas partes interligadas,

seus membros comandados e direcionados pela cabeça do rei.

Nesta conclusão de Agia podemos perceber a importância da experiência, da opinião

comum dos doutores como um ensinamento e argumento forte usado por ele:

(...) pues no se requieren conforme a Derecho mayores y mas urgente

causas para obligar a los índios a que trabajen em las minas de los

azogues que las referidas de publica utilidad, y necessidad, luego com

ellas pueden ser compelidas a lo dicho. Confirmasse lo dicho, porque

si alguna razon avia, y ay que parezca condenar esto es saber por cosa

cierta, y por experiencia, que los indios, que son embiados a las dichas

minas, son embiados por la mayor parte a morir sin remission alguna

62AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, p.111.

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(…) Y esto no impide porque la Republica y el Rey tiene legitimo

podere y autoridad por las causas referidas de necesidad y utilidad

publica de poner sus vassalos a peligro de muerte, como enseña la

común de los Doctores, particularmente Molina (…) Vitoria (…) Soto

y otros muchos lo qual esta puesto en uso y platica en todas las

Republicas del mundo63

.

A força do exemplo, do uso e da prática realizada em outros lugares evidenciou a

utilidade e a qualidade da conclusão do teólogo sobre o benefício de obrigar os índios a

trabalharem nas minas. Podemos pensar que, da forma como estava argumentada por ele, a

República e o rei possuíam o direito de colocar em perigo os seus vassalos justificando que

estavam cumprindo com a utilidade e necessidade públicas. Esta era uma razão de estado,

uma razão política e econômica que estava reforçada pela justificativa do bem comum e da

boa razão. Agia acrescentou que quem se opusesse ao trabalho nas minas iria se reportar ao

Direito e sofreria penas graves, como a pena de morte e incorreria em um delito, mesmo sem

ter culpa, porque teria sido castigado por não ter atendido à causa justa e ao bem público.

Licitamente podia o rei e vice-rei, em seu nome, dar índios em quantidade moderada para os

novos descobrimentos de minas:

(...) de los quales carescen los innocentes índios, que son compelidos a

yr a trabajar a las dichas minas, dízimos ser assi verdad: pero

confessamos com los Sacros Canones, que aunque ninguno puede ser

castigado sin culpa, puede (empero) ser lo con causa (...) Pero aviendo

causa justa como aqui la ay licitamente pueden ser castigados com la

dicha pena, ultra de que los indios no son compelidos para siempre al

dicho trabajo (...)64

.

Na última conclusão, Agia apontou a importância da prudência para saber prevenir o

que poderia acontecer com a República que dependia do beneficio das minas, e que esta, por

sua vez, podia acabar. Segundo esse franciscano, a virtude da prudência era própria dos

governantes, e ser prudente era prevenir os danos que podiam ocorrer. Dessa forma, os

governadores deviam ser prudentes e prevenidos. Embasando melhor seu argumento, ele citou

63AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, p.111. 64

Idem, p.112.

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Aristóteles, Platão, Cícero e o livro da Bíblia em Deuteronômio afirmando que os homens não

prudentes estavam condenados como incipientes e inexperientes pelo Espírito Santo:

(...) Prudencia será, y muy bien govierno prevenir con tiempo lo que

puede suceder, y no aguardar que suceda para buscar despues el

remédio como el derecho (...) Y pues la prudência es própria virtud de

los que governan (...) Debe resplandecer en ellos en todo lo que hacen,

particularmente en prevenir lo que pude suceder (…) Y a los que no

hacen esta condena el Spiritu Sancto por insipientes (…) Y a

propósito de esto hallamos Canones, y Leyes establescidas para

negocios que estan por venir (…) Y esto me paresce, salva la censura

de la Yglesia, y de otro qualquiera que mejor sienta”65

.

Em meio às razões e conclusões apresentadas por Fray Miguel Agia, ele expôs que seu

parecer buscava a não comprometer sua consciência, e diz isso como uma forma de garantir a

consciência segura aos que lessem e acatassem suas opiniões. Ainda assumiu que não

alcançou todas as condições, demonstrando humildade e colocando-se aberto e sujeito a

qualquer outro parecer que fosse melhor que o seu.

2.4. Arbítrio e lei na interpretação de Fr. Miguel Agia em seus três pareceres.

Agia iniciou seu último parecer sobre o arbítrio que era conferido ao vice-rei do Peru

para o cumprimento e a execução desta Real Cédula, e do que nela viesse provido e ordenado.

Salientou que mesmo o vice-rei tendo espaço para decidir conforme o seu arbítrio, isso não o

isentava de conhecer o que estava mandado e ordenado pela Real Cédula, escrita pelo rei em

24 de novembro de 1601. Ele precisava conhecer as leis e esse conhecimento o faria analisar e

ponderar sobre o que conviesse agir. Dessa maneira, o vice-rei demonstrava que mesmo não

decidindo conforme a lei, não a descumpria por ignorância, mas por conhecer seu teor e

analisá-lo, sentenciou segundo outro critério. Podemos perceber nesta forma de aplicar o

direito, que para Fr. Miguel Agia, uma decisão tomada em arbítrio era pensada e consciente, e

não arbitrária sem apresentar sentido e razão.

65Idem, p.114.

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Primeramente se deve advertir, que de tal manera manda su Magestad

se guarde y execute lo ordenado em esta Real Cedula, que no quita al

señor Virrey del Piru el conoscimiento de lo que se manda executar:

para que su Señoria vea si conviene, o no executarse de manera que no

es nudo, o mero executor sin conoscimiento como suelen ser los tales

meros executores (...) Sino juez arbitrio (si lícitamente puede llamarse

por este nombre) pues tiene autoridad su Señoria de añadir, y quitar,

alterar, mudar, remover, executar, y dexar de executar lo que viere que

conviene al bien común de la República, como claramente lo da a

entender su Magestad (…) como y por los mas suaves medios que os

paresciere y proveyederes y ordenaredes para ellos, de manera que

teniendo respecto y consideración a todo lo referido lo despongays de

le maneira que mas conviniere para la conservación de los mesmos

indios y de essa República y comercio de ella (…)66

.

As características de um juiz árbitro segundo Fray Miguel Agia, começavam com a

prática de um juiz que buscava o parecer de pessoas com experiência e conhecimento nos

assuntos que fosse executar. Citou a Real Cédula que mandava ao vice-rei conferir e tratar dos

assuntos das Índias com pessoas práticas, mais experientes e doutores para ouvir o parecer

deles sobre cada situação específica. Para os casos não descritos na Real Cédula, Agia

percebeu que o rei agia com prudência, uma prudência “política”, que tinha como objetivo

manter o bom governo das Índias:

(...) Y de la singular prudência de su Magestad y de su real Consejo no

se podia entender, ni presumir otra cosa aun en caso que en esta Real

Cedula no viniera expressado, pues ninguno medianamente prudente

avia de presumir aver sido intencion de su Magestad, y de su Real

Consejo querer por esta Real Cedula, dexar revocadas todas las

Cedulas Reales del Emperador y Rey nuestro señor, que Sancta gloria

ayan, y de los demás Reyes sus antecessores establescidas para el

buen gobierno de las Indias (…) Ultra de que en genero de buen

gobierno y prudencia política se tiene por muy grande inconveniente,

y por cosa muy peligrosa mudar las leyes de una Republica (…)67

.

Entendemos por prudência política, expressão mencionada por Padre Fray Miguel Agia,

uma forma de manter o equilíbrio entre o arbítrio dado ao vice-rei e os interesses políticos

66AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Terceiro Parecer, p.115. 67

Idem, p.117.

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mantidos pelas leis antigas preservadas em prol do bem comum. Como um bom senso, uma

justa medida entre os interesses e deveres. O vice-rei tinha autoridade dada pelo rei, mas este

não alterava todas as Cédulas reais antigas. Percebemos que nesse espaço jurídico, ao mesmo

tempo em que havia margem para uma flexibilidade da lei, esta era controlada uma vez que as

leis antigas estavam protegidas. Tal estratégia de “prudência política” podia significar esse

equilíbrio, bom senso e justa medida entre a acomodação da lei, sua adaptação e a preservação

da mesma, seja por elucidar uma experiência ou um costume. Ou uma maneira, prudente, de

pensar analisando dois lados, o político e o subjetivo:

(...) ni tampoco se pudiera ni deviera presumir aver sido intencion de

su Magestad, querer por esta Real Cedula alterar ymudar en un punto

todo el govierno de las Indias (...) lo qual se há tenido siempre por

buen govierno, y por cosa muy acertada, y como tal aprovada de

muchos Reyes sábios y prudentes (...)68

.

Outra característica de um juiz árbitro era a de não obedecer ao que entendesse ser

injusto, tendo causa e razão que justificassem essa não obediência e entendimento de injustiça

sob o mandado na Real Cédula:

(...) los quales aviendo sido siempre zelosissimos de la justicia, tenian

ordenado y mandado a los juezes y ministros de sus tribunales, no

obedeciessen sus Reales mandatos siempre que entendiesen que era

injustos (…)69

.

Agia esclareceu que, mesmo o rei ordenando que se cumprisse o conteúdo de sua Real

Cédula de 24 de novembro de 1601, o vice-rei em seu arbítrio poderia deixar de executar a lei.

Essa dúvida de como agir a uma ordem do rei demonstrava insegurança. Será que o arbítrio

do vice-rei dava a ele o poder para não executar as leis régias mesmo o rei as tendo ordenado?

Fr. Miguel Agia nos afirmou que sim. Se as leis, mesmo justas e promulgadas, não fossem

antes recebidas e reconhecidas pela maioria na República, não teriam valor. Sendo assim, ele

começou a caracterizar e definir uma lei justa.

68 Idem, p.117.

69 Ibidem.

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As leis para serem justas precisavam, primeiramente, ser acatadas pelo povo para depois

serem cumpridas. Se elas não fossem recebidas pela maioria, mesmo sendo justas, não

obrigavam. Portanto, segundo a interpretação de Agia, se o vice-rei encontrasse uma norma

régia que não fosse aceita pela população, esta norma não precisava ser cumprida, não

obrigava e não seria executada. Tal ação não desobedeceria ao rei. Ao contrário,

argumentando e motivando a sua sentença, o juiz demonstrava que era prudente. Fr. Miguel

Agia mencionou uma forma de solucionar essa dúvida da aplicação da lei prática:

Para mejor resolucion de esta duda se debe de notar, que las leyes aun

después de promulgadas y siendo justas no obligan a su guarda y

observancia, si no es estando primero rescebidas a lo menos por la

mayor parte de la República (…) porque se presume que el legislador

establesce la ley debaxo de esta condición si fuere primero rescibida

de los súbditos (…)70

.

No segundo parecer, Fray Miguel Agia tratou da justiça da Real Cédula de maneira

geral e particular. De maneira geral, pelo provido nas 27 cláusulas, a Cédula era considerada

justa pelas seguintes características marcadas por Agia: foi elaborada por um legislador

legítimo, o rei; continha todos os requisitos e circunstâncias necessárias; estava conforme à lei

natural e divina; todo o ordenado pelo rei seguia a lei natural, divina e humana canônica; e

continha quatro atos: castigar, mandar, proibir e permitir71

: “(...) permitiendo lo que es menos

malo para evitar daños mayores, como es, que los indios sirvan en varios ministerios: porque

no anden ociosos, y en sus antiguas ydolatrias72

”.

E continuou a mencionar a justiça das cláusulas da lei de 1601: A Real Cédula era justa

por ter sido estabelecida em causas justas e por necessidade e utilidade pública, conforme os

costumes e ritos das Índias, qualidades pedidas pelos Sacros Cânones para tornar uma lei

justa; era justa por conter a igualdade entre índios e espanhóis enquanto vassalos do rei; justa

por estar conforme às leis anteriores do rei Don Felipe; justa por sua utilidade e proveito,

tendo como finalidade a quietude, a paz e a concórdia entre índios e espanhóis; justa porque

ordenava que os índios trabalhassem como homens livres e não como escravos; justa por

70AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Terceiro Parecer, p.118. 71

AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, p.73. 72

Idem, p.74.

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preservar a conservação, o aumento e a perpetuidade da República das Índias; e por

considerá-la como um corpo vivo, místico e ordenado:

(...) ninguna Republica puede durar, ni conservarse, pues es necessário

que aya pies que anden, y manos que trabajen, y cabeças que

gobiernen y que unos manden y otros sirvan, y obedezcan (…) ni

porque los indios no sean Españoles, ni al contrario, los españoles

indios, estan desobligados de ayudarse unos a otros, siendo cierto que

lo estan, pues son todos vassalos de su Magestad, y miembros del

cuerpo mystico desta República Indiana73

.

Tanto espanhóis quanto índios eram vassalos da República e nessa condição deviam

ajudar uns aos outros. Formavam um corpo que reconhecia suas partes e funções. Agia

continuou argumentando sobre a justiça geral da Real Cédula e a colocou como justa por ser

clara, segura ao ordenar e mandar, e por não permitir dúvidas e dificuldades em sua execução

e aplicação, sem contrariar o arbítrio do vice-rei:

A lo qual no repugna, ni es contraria el arbitrio que al señor Virrey si

le da sobre todo lo ordenado en la dicha cedula, el qual mira mas la

execucion de lo establecido, que el mismo establecimento74

.

Fray Miguel Agia afirmou que a Real Cédula, em geral, era justa porque determinava,

entre muitas coisas, o que definitivamente se devia fazer e guardar, não permitindo dúvidas e

dificuldades, e não repudiando o arbítrio do vice-rei. Mesmo com suas determinações, o rei

concedeu poder ao vice-rei para deliberar segundo seu arbítrio, o que garantia a ele um poder

legítimo de castigar, mandar, proibir e permitir, e conferir às leis uma margem de

flexibilidade e temperança. Na prática, para executar as leis, o vice-rei possuía de espaço

conferido pelo seu arbítrio para decidir e agir como achasse melhor e mais conveniente sobre

o ordenado na Real Cédula. E, praticamente, a Real Cédula não era tão clara assim.

Ela era justa porque tudo que nela estava provido vinha de um rei que administrava a

justiça, cumprindo com sua obrigação. Agia mostrou que a administração da justiça era uma

73AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, p.76. 74

Ibidem.

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obrigação do rei e que essa atitude real tornava as leis justas. Porém, salientou que o poder e a

autoridade do vice-rei, em aplicar ou não as leis, não ultrapassavam a lei divina e natural e

apenas era concedido a ele porque o rei, seu superior, lhe concedeu:

Digo lo segundo, que aunque hablando regularmente su Señoria no

tiene authoridade de quitar algo de lo que esta cedula viene ordenado

y mandado por ser inferior a su Magestad, y en quanto tal no puede

quitar en todo, ni en parte la ley de su magestad, que es superior (…)

Puede empero hacerlo por la comisión poder y authoridade que para

ello le comete su Magestad, salvo en aquellas cosas que fueren de ley

Divina porque estas se deven guardar (…) Y por la mesma razón las

que son de ley natural pues esta también es Divina (…)75

.

O vice- rei não podia ultrapassar as leis divinas e humanas porque estava obrigado em

consciência, por essas mesmas leis, a executar justamente o conteúdo da Real Cédula. Além

de ter um cargo político e governativo, ele respondia às leis divinas, e, sua responsabilidade

jurídica e administrativa nas Índias, competia também a uma obrigação moral e uma

deliberação dada em consciência:

(...) que el señor Virrey esta obligado en consciência a mandar

executar y guardar lo que justamente viene ordenado y mandado en

esta Real Cédula, pues a esto lo obliga la ley Divina (…) y la ley

humana Canonica (…) salvo si le escusa alguna justa causa porque si

su señoria la tiene no estará obligado a ello según la doctrina de

Sancto Thomas (…) donde enseñan que la causa justa escusa de

pecado mortal en el quebrantamiento de la ley (…)76

.

A causa justa retirava o pecado da desobediência à lei porque se fazia o certo. Mas o

que era uma causa justa? Como se sabia a justiça de uma causa? Agia respondeu que a causa

justa era o que o vice-rei julgasse com boa fé o que parecesse justo, mesmo se na realidade

não fosse. Isso era permitido porque, segundo o teólogo, agir de boa fé já era em si um motivo

para não pecar. O embate entre a consciência subjetiva e a lei no momento de sentenciar era

solucionado por Fray Miguel Agia quando o juiz buscava agir de boa fé, com boa intenção.

75AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Terceiro Parecer, p.118. 76

Ibidem.

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Uma das formas de responder a esse conflito interno, entre a subjetividade humana e

as leis, era recorrer à teologia moral e às leis divinas. Se havia uma boa fé, uma boa intenção

ao descumprir a lei, então a causa para tal era justa e essa ação não era pecadora, no sentido

religioso, e nem imprudente, no sentido político-administrativo. Ou seja, não sendo pecado,

não seria crime:

Y tambien se puede tener por causa justa la que su Señoria con buena

fe juzgare ser tal aunque real y verdaderamente no lo sea de todo

punto, porque esta, también bastante causa para escusar de pecado

mortal, aunque no de venial (…)77

.

Agia colocou que se na Real Cédula tivesse algo que fosse contra a lei natural ou

divina, não somente o vice-rei não estaria obrigado a segui-la como se executá-la pecaria

mortalmente. Isso se dava porque primeiro se devia obedecer à Deus e depois aos homens. As

leis que não correspondessem às leis divinas e naturais não deviam ser executadas, mesmo

que o próprio rei as mandasse e ordenasse:

(...) porque assi como no es licito a su Señoria cometer algún pecado

mortal por su voluntad: Assi tampoco por mandárselo su Magestad:

porque en las cosas que son manifiestamente injustas, o ilícitas y

contra ley de Dios ningún mandato de ningún hombre aunque sea Rey

puede obligar. Y assi aconsejan los Doctores (…)78

.

Estava permitido fazer algo que, mesmo proibido pela lei humana e não sendo

verdadeiramente justo, estava de acordo com a lei divina, natural e com os conselhos dos

doutores. Seguir a lei divina e natural e consultar os doutores e homens experientes garantia

uma consciência segura, mesmo não executando as leis régias:

Porque causas su Magestad tomando parescer de hombres graves, no

esta obligado a seguir el consejo de la mayor parte ni aun el parecer de

77AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Terceiro Parecer, p.119. 78

Ibidem.

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todos juntos quando estuviessen conformes, y se declara la misma

difficultad en orden al Señor Virrey79

.

Compreendemos como Agia opinou sobre a lei e o costume pelo exemplo da proibição

dos repartimentos de índios. O rei defendeu que deviam ser fechados os repartimentos de

índios que não trabalhassem pela conservação dos mesmos por abusarem dos seus serviços.

Ele entendeu que estes deviam ser fechados e proibidos por tratarem injustamente os índios.

Agia observou que o motivo de sua majestade proibir os ditos repartimentos não era por

serem maus, mas porque os usavam sem moderação dos serviços indígenas, causando danos e

prejuízos. Essa ordenação régia de proibição nasceu do mau costume que se tinha de tratar o

índio80

.

Nesse exemplo da proibição dos repartimentos de índios observamos a forma como o

Padre Fray Miguel Agia interpretou a lei para o caso específico dos panos e engenhos de

açúcar. Ele entendeu que o motivo da proibição era o tratamento injusto e prejudicial aos

índios e que esta forma de tratamento era costumeira. Para acabar com o costume foi

necessário criar uma lei. Mas havia um detalhe, ainda que essa forma de tratamento ocorresse

no repartimento de panos e engenhos de açúcar, como ressaltado, isso não significava que

acontecia da mesma forma em todos os repartimentos. Mesmo tentando inibir o costume

criando uma lei, essa lei inspirada contra esse costume apenas teria sentido nos repartimentos

que excedessem no trabalho dos índios. Nos lugares em que não se tinha o costume de abusar

de tal serviço a lei não encontraria razão.

Sendo assim, Agia demonstrou que a lei tinha lugar onde a sua razão também

encontrava lugar. Ou seja, se em outro repartimento de panos e engenhos de açúcar não

houvesse prejuízo ou dano aos índios, a causa da proibição dos repartimentos não teria valor,

não teria sentido e razão de existir. A lei se estabelecia onde havia necessidade, se não

houvesse, não se estabelecia. Essa adequação da lei com a realidade a tornou bondosa:

(...) Y es notório que su Magestad por la dicha clausula solamente

prentende poner remédio en los excessos que hasta agora ha avido en

los obrajes de paños, e ingenios de açucar, y no donde no las ha avido

79AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Terceiro Parecer, p.122. 80

AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Primer Parecer, p.34.

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no los ay, pues nunca las leyes se establecieron (…) De donde es que

una de las calidades que ha de tener la ley para ser buena es, que sea

necessaria (…) Y conforme a esto donde no ay necessidad de esta ley

no debe de ser allí executada.81

Em outro trecho do seu parecer, Agia defendeu que não considerava pertinente e

adequado acabar com todos os repartimentos de obrajes de panos, por achar que aconteciam

as mesmas coisas em todos os lugares. Considerou que essa cláusula da Real Cédula – a

terceira – generalizava uma situação para todos os casos e que essa lei necessitava de uma

adaptação que ponderasse para outras realidades:

(...) De todo lo qual caresce la dicha clausula, presuponiendo por cosa

cierta, que las injurias y agravios que en los dichos obrajes se

cometen, son como dicho es yguales, pues se les aplican yguales

penas: para lo qual, y para entender bien otras muchas cosas que en

esta Real Cedula, bien en ordenadas a cerca de los repartimientos de

los índios82

.

Podemos perceber neste exemplo como Agia pensou a respeito das leis e sua

aplicabilidade. Se antes ele mencionou que as leis tinham lugar aonde sua razão as tinha, ao

tratar da proibição dos obrajes de panos e engenhos de açúcar, por maltratarem os índios,

tratou desta proibição como uma relação “sinistra” por ver que o rei aplicava as mesmas penas

generalizando todos os obrares e engenhos. Com isso, mostrou que as leis precisavam ter

necessidade e sentido para serem executadas, e tais necessidades e sentidos eram percebidos

analisando as qualidades das pessoas e seus atos, caso a caso. Aonde não havia a necessidade

das leis elas não deviam ser executadas e isso era justo e bom. As leis para serem boas

precisavam ser necessárias, não sendo necessárias elas não eram boas e não obrigavam.

Por isso que além das leis, os usos e costumes na análise da cultura jurídica também

referiam a casos específicos e particulares. Dependendo da eficácia e da intencionalidade que

recebiam, tanto dos espanhóis – encomenderos ou do rei - quanto dos índios, possuíam força

81AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Primer Parecer, p.35. 82

Idem, p.59.

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de lei capaz de manter e justificar uma ação, ou de serem reprovados pela força da lei por

manterem a mesma ação naturalmente.

O Padre Fray Miguel Agia explicou quais eram os dois pontos principais que defendia a

favor de uma norma mais flexível no caso do fechamento dos repartimentos. O primeiro ponto

esclarecia que os repartimentos dos índios eram muito diferentes uns dos outros em

quantidade e qualidade. Para mostrar as diferenças entre os repartimentos e continuar a

defender que a Real Cédula não podia classificá-los igualmente. Agia os distinguiu

apresentando as características de vários repartimentos e seus funcionamentos por toda a

Nova Espanha, citando com exemplo o Peru, Lima, Santa Fé de Bogotá em Granada, Quito,

Huancavélica e Potosí83

.

O segundo ponto principal apresentado pelo franciscano dizia respeito à duração dos

repartimentos. Eles não duravam mais do que quatro meses. Depois de mencionar as

diferenças de quantidade e de qualidade dos repartimentos, ele apresentou que os ofícios

realizados nesses também eram distintos. Alguns obrajes eram de panos, enquanto outros

eram de anil e tinta. Havia ofícios perigosos que causavam maiores danos e prejuízos aos

índios pelo trabalho excessivo, como o de cultivar ervas que era realizado apenas pelos índios

acostumados com ele.

Segundo Agia, os obrajes de panos também possuíam especificidades e eram menos

prejudiciais aos indígenas. Alguns obrajes eram de panos, outros de administração, de

arrendamento, de propriedade, de distrito e de companhia e cada um possuía sua

particularidade e deveria ser tratado dessa maneira. Em todos eles o trabalho era diferente,

com pagamento diversificado, hora específica, índios variados, com danos e proveitos

ímpares. Outros tinham trabalhadores negros, que eram mais preservados que os indígenas

porque custavam mais caro84

. Toda essa explicação e diferenciação dos ofícios e trabalhos

feita por Fray Miguel Agia por meio de exemplos serviam para justificar seu argumento de

alterar a Real Cédula para que esta se acomodasse com a realidade, considerasse os costumes,

lugares, pessoas e a suas especificidades particulares. Como ficou claro nesse trecho do seu

primeiro parecer:

Todo lo qual se debe mucho de considerar: pra templar el rigor de esta

dicha Cedula, teniendo atención al trabajo mayor, o menor, y al mas, o

83Idem, p.62.

84Idem, p.64.

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menos perjuyzio, que los indios resciben, y que algunos de los dichos

repartimientos se han acostumbrado hazer, permitinedolo las leyes y

ordenanças Reales (…) Las leyes se han de acomodar a la Republica,

y no la República a las leyes, y assi mesmo han de ser utiles, y

provechosas, como ordena el Derecho, encaminadas a quietud, paz y

concordia, y que sean tales que aya quien las guarde, y se puedan

guardar (…) De las leyes de Platon pues era necesario criar nuevos

hombres y nuevos pueblos a quien las dichas leyes se pudiessen

acomodar, conforme a lo qual dizen los Philosophos sabios, que el

Legislador debe considerar las costumbres, los lugares y personas, y

sus calidades quando establesce la ley para de esta manera según la

variedad de la materia variar la forma85

.

Neste trecho, podemos ver as referências usadas por Agia ao mencionar qual era a

função da lei na sociedade e sua necessidade e utilidade prática, reforçando o casuísmo na

criação das leis para as províncias do Peru e Nova Espanha. Eram as leis que precisavam se

acomodar à realidade e não a realidade se modificar conforme à lei. As leis tinham que se

flexibilizar e se adaptar às circunstâncias para que assim fossem úteis e proveitosas, em

conformidade com a diversidade dos costumes, lugares, pessoas e situações, trazendo a

tranquilidade de consciência, a paz e a concórdia. Precisava haver temperança no rigor das

leis, dessa forma diminuiriam as controvérsias e inseguranças sobre suas efetividades e

práticas, mas mesmo assim ainda existiriam as dúvidas.

Agia esclareceu que para o rei, em caso de dúvida, este não tinha a obrigação de seguir

o parecer e conselho dos doutores porque tinha de Deus o absoluto e supremo poder temporal.

Se a causa do conselho e do parecer era desconhecida, o rei podia duvidar dela e não aceitar a

opinião. Parece que, em questões teológicas, a causa que motivava a ação era mais importante

do que a própria ação em si. Podemos entender por causa a intenção, seja do rei ou do vice-

rei. Uma causa justa e de acordo com as leis divinas justificava qualquer descumprimento da

lei:

(...) Advierte que esta en mano de su Magestad quando toma parescer

sobre algun negocio apartarse del commun parescer de todo el

consejo, y echar por contrario camino: lo qual podria ser occasion de

dudar qual sea la causa: por la qual su Magestad no esta obligado a

seguir el parescer y consejo de los que se dan. A lo qual se responde,

85AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Primer Parecer, p.65.

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ser la causa el tener su Magestad el absoluto y supremo poder

temporal por Dios nuestro Señor en todos sus Reynos: por el qual

reyna y manda (…) Y como tal supremo Monarcha, y que en todos

ellos no reconosce superior, mas que a solo Dios, y a la razón natural,

por esta causa no esta obligado en las cosas tocantes al gobierno

temporal a seguir el parescer y consejo de aquellos de quien el toma, y

también por el poder absoluto y supremo que tiene del Pueblo para

poderle gobernar como supremo Monarcha (…)86

.

O homem prudente examinava seu próprio parecer e conselho. A razão que o rei tinha

de não precisar seguir o conselho dos pareceres, ao vice-rei não lhe era permitido:

Y aunque esta razon de supremo Legislador y Monarcha no corre en el

Señor Virrey, pues no lo es, no esta, empero, obligado a seguir el

parescer de la mayor parte, como se lo advierte su Magestad (…) Lo

qual fue sabiamente ordenado porque pudiera suceder que el parescer

de pocos por estar fundado en mejor y mas fuerte razón fuesse mejor

que el de muchos, y en tal caso el de pocos avia de prevalescer y ser

preferido al de muchos (…)87

.

Nesta passagem, Agia afirmou que ao pedir a opinião dos doutores, o vice-rei não

ficava obrigado a escolher e seguir a opinião comum da maioria em detrimento da opinião de

alguns poucos. Isto era permitido apenas se a causa que justificasse a opinião da minoria dos

doutores estivesse com mais razão e fundamentação do que a razão apresentada pela opinião

da maioria. A opinião comum devia ser julgada pela autoridade de quem as dava e não pela

quantidade dos que a defendiam. Ela devia ser analisada como se fosse uma lei, e a reputação

da pessoa que opinou também tinha que ser revista.

(...) Y tambien porque la que muchos dizen suele ser tenido por

opinion commun, no siendo esto assi, porque la opinion commun no

há de ser juzgada por tal, por el numero de los que la defienden, seño

por el peso autoridad y gravedad que tienen (…) aunque el señor

Virrey no tiene obligación de estar atenido al parescer de muchos, no

podrá empero, apartarse de todo punto del parescer y consejo de

86AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Terceiro Parecer, p.122. 87

Idem, p.123.

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aquellos que consultare echando por contrario camino. Principalmente

si los consultados son personas de experiencia y conciencia (…)88

.

Depois de Agia apontar como se devia agir em caso de dúvida, ele apresentou quais

eram as características buscadas em um bom conselheiro. Quem era uma autoridade para dar

uma opinião? Quais eram as características de uma pessoa experiente e com consciência? A

quem procurar quando se estava com dúvida?

O teólogo franciscano afirmou que as dúvidas encontradas na Real Cédula deveriam ser

resolvidas consultando a opinião de pessoas com experiências, conhecimento sobre a natureza

e a qualidade do assunto em questão. Neste caso, estes pareceres tinham como tema o serviço

pessoal e os repartimentos de índios. Assim, deviam ser buscadas pessoas com experiências

nesses assuntos e ter tais características:

(...) Que se busquen personas ydoneas y acomodadas a la gravedad de

los negocios y materias de que se trata: lo qual es muy conforme a

buena razón (…) Que el que vuiere de juzgar y dar su parescer y voto

sobre alguna cosa, la entienda y conozca primero. Pues por esta

misma razón las dudas de letras se prohíben consultar con hombres

que no sean letrados (…) Tambien sedeve procurar que los tales

tengan las condiciones y calidades que dize la Divina Escriptura (…)

Porque si temen a Dios, y son hombres de verdad, y aborrescen la

codicia aconsejaran bien (…) Tambien se debe procurar, que los tales

sean viejos y ancianos (…) Aunque no tengo por inconveniente que

sean consultados moços, virtuosos y prudentes (…)89

.

Agia demonstrou os que estavam proibidos de ser procurados para dar parecer e

conselhos. Não podia procurar homens de má fama porque seus conselhos não serviriam e

seriam mau recebidos. Também não se deviam consultar pessoas interessadas na matéria em

que se perguntava por que não dariam um conselho desinteressado. Os homens que não

possuíam conhecimento de governo, e República, ou que apenas olhavam para a causa dos

índios esquecendo a dos espanhóis, não deviam ser consultados porque seus pareceres seriam

inconvenientes. Os conselhos tinha que atender ao bem comum de todos, e esta era a boa

razão.

88 Idem, p.124.

89 Idem, p.125.

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O vice-rei podia mandar executar o que aparecesse de novidade e que não estivesse

mencionado na Real Cédula sem precisar consultar ao rei. Agia argumentou que se fazia um

julgamento mais justo quando se conhecia o que se julgava e se estivesse no território e

espaço julgado. Isso era visto como prudente e como uma forma de avaliar a realidade na qual

as leis estavam direcionadas, e se eram recebidas ou não. O teólogo evidenciou que uma

forma de analisar melhor cada caso era conhecendo seu espaço e estar atento às suas

circunstâncias e especificidades.

Pero porque podria dudar alguno si por aver cometido su Magestad al

Señor Virrey el consocimiento y arbitrio de lo proveydo y ordenado

en esta Real Cédula, y juntamente el poder ordenar de nuevo lo que le

paresciere podía por esta causa sin consultar a su Magestad mandar

executar lo que de nuevo ordenare (…) Empero yo digo, que esta

doctrina corre regularmente, y no quando el Príncipe comete el

conoscimiento, y yimlamente, la execucion como paresce averlo

hecho en el caso presente, y se refiere en la clausula en aquellas

palabras añadays y quiteys lo que os paresciere, y aquello hagays

executor90

.

A lei que se adaptava e se alterava para concordar com a realidade, era justa, fazia

sentido e tinha utilidade. Além de ser uma lei casuísta, ela o era por necessidade.

Todo esse parecer dedicado ao arbítrio do vice-rei servia para garantir a ele, e ao rei,

uma consciência segura. Mas, ao tratar da sua própria consciência, Agia, no final de seu

tratado, mencionou as características dos trabalhos nas minas de Huancavélica e aconselhou

que fossem fechadas. Isso nos demonstrou que, além de servir como um guia que auxiliava a

solucionar dúvidas práticas e a argumentar em favor de diversos aspectos, jurídicos, políticos,

religiosos, morais e culturais, o próprio Agia tratou de tomar conta da segurança da sua

consciência. Ele o fez denunciando os abusos que viu nessa mina. Ao fazer isso, assumiu o

quão importante e forte era agir conforme a consciência e o peso e a culpa que essa incumbia.

Algumas pessoas poderiam pensar que a consciência subjetiva não ditava como se devia

agir porque isso já estava posto e dado pelo argumento da utilidade pública e bem comum.

Mas se fosse apenas isso, porque usar a consciência e todo o seu peso moral como um

argumento para forçar o cumprimento ou o descumprimento da lei? Podia ser que a

90AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Terceiro Parecer, p.127.

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consciência estivesse orientada pelas regras políticas, morais e econômicas da época, mas ela

ainda assim cumpria um papel forte na decisão dos juízes, vice-rei, e nos conselhos dos

religiosos. A consciência era apresentada como uma forma de apelar moralmente para a

obrigação de cumprir a lei ou seus propósitos e intenções. Por isso que Agia tratou tanto da

justificação de cada cláusula e da verdadeira intenção do rei. Na intenção estava o aspecto

moral que motivava a ação, e estava a vontade que dava razão, sentido e utilidade para a lei.

Sobre esse embate, localizado no foro interior, entre a consciência subjetiva e a lei, dado na

interpretação e arbítrio do vice-rei Velasco, que nos dedicaremos no próximo capítulo.

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CAPÍTULO 3

DA LEGALIDADE À MORALIDADE:

EMBATES ENTRE CONSCIÊNCIA SUBJETIVA E LEI

Neste capítulo, procuraremos demonstrar como aproximamos a teologia e o direito.

Analisaremos melhor o sistema moral chamado de “probabilismo” e como a interpretação,

pelo arbítrio1, qualificava a lei dando-lhe sentido e utilidade. Buscaremos evidenciar que as

leis, antes de serem aplicadas e executadas, precisavam receber do juiz ou de quem as

aplicariam um sentido e utilidade que não eram apenas políticos ou econômicos, mas

subjetivos e resguardados no foro interno, na consciência individual de cada um. A teologia

encontrou uma tensão quando passou a solucionar as dúvidas do direito, e era essa tensão,

entre a lei e a consciência com seus embates subjetivos, que procuraremos esclarecer nesse

capítulo. Nosso objetivo será mostrar como a teologia moral no século XVII solucionava as

dúvidas de como agir, proporcionando maior certeza na deliberação, tanto para casos jurídicos

como cotidianos, e o quanto influenciou nas decisões e sentenças dos juízes e governadores,

como o vice-rei Don Luis de Velasco.

A teologia auxiliava a responder a várias questões e problemas de ordem prática e

teórica. Alguns dos problemas da América espanhola podiam ser examinados pela ciência

jurídica, outros requeriam a intervenção da “ciência maior”, de maior amplitude, a teologia. A

teologia foi considerada nesse período dos descobrimentos e conquistas da América como a

“ciência das ciências”. A origem das Leis de Índias e a prática jurídica, assim como a própria

complexidade territorial da colônia, a exploração dos minérios e a conversão dos índios,

precisavam ser analisadas desde um ponto de vista histórico e jurídico. Esta aproximação foi

justificada por P. Venancio D. Carro da seguinte forma: “El jurista se atiene, de ordinario, a la

ley escrita, a lo que es, midiendo la justicia por este metro positivo; el teólogo se eleva, busca

1 Consultamos dois dicionários, pela Real Academia Española, a respeito deste termo “arbítrio”. Segundo

COVARRUBIAS, 1611, p.164, 2, “Arbítrio, del nombre Lat. Arbitrium, arbitrar y de allí juez Arbitro”.

Dicionário: Academia de Autoridades, 1726, p.372,2, “Arbítrio, S.M. Facultad y poder para obrar libremente y

sin dependencia alguna, y lo mismo que Albedrío. Es tomado del lat. Arbitrium.”

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lo que debe ser, la justicia objetiva, eterna, esté o no escrita, oteando los nuevos y

desconocidos senderos del derecho y de la justicia”2

3. Probabilismo.

A teologia moral possuía uma dupla tarefa centrada na doutrina cristã, a de proclamar o

aspecto ético da mensagem religiosa e a de ensinar e orientar os homens em seus caminhos

até a realização dessa mensagem passada. Diante disso, a questão fundamental para a teologia

era conciliar a obrigação consciente de receber a mensagem evangélica, o ensinamento

religioso, com a convicção de poder interpretar essa mensagem como sendo a própria voz de

Deus, e saber se, assim, se estava cumprindo com o orientado. Surgia então o problema de

como formar uma consciência segura em caso de dúvida, e de dúvida em questões gerais e

profissionais3.

A questão da dúvida surgiu, historicamente, no século XIII com São Tomás de Aquino

ao defender a consciência moral individual frente à universalidade da lei4. Acreditava-se que

consciência moral revelava a real intenção dos atos, e nela se dava o embate entre o individual

e o universal. Portanto, antes de se tornar um ato moral, era a intenção reservada dentro da

consciência que manifestava a sua qualidade. A intenção parecia qualificar a ação da

consciência, que, por ter uma intencionalidade, acrescentava valores para a escolha feita

segundo a vontade.

Desta forma, a vontade que motivava a ação refletia um ato consciente. A teologia

orientava a como lidar com esse processo dialético entre o foro interno e o foro externo, a

norma e a moral e a responder perguntas como: A consciência era capaz de discernir sobre um

assunto tendo dúvida?

2 D. CARRO, O.P. Dr. P. Venancio, La teología y los teólogos – juristas españoles ante la conquista de

América, vol.18, 2ªed., Salamanca, Apartado 17, 1951. Biblioteca de teólogos españoles. Dirigida por los

Dominicos de las Provincias de España, p.05. 3 Em um artigo publicado em 2014, discuti melhor essa questão da dúvida da consciência. GODOY PROATTI,

Elaine. La conciencia y los embates subjetivos y jurídicos de la función del juez en la América Colonial del siglo

XVII. Rev. hist. derecho, Ciudad Autónoma de Buenos Aires, n. 48, dic. 2014. Disponible en

<http://www.scielo.org.ar/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1853-17842014000200006&lng=es&nrm=iso>.

accedido en 17 nov. 2015. 4 FRANCISCO O’REILLY, Duda y opinión. La conciencia moral en Soto y Medina, Pamplona, [s.d.],

Universidad de Navarra, Cuadernos de Pensamiento Español, Pamplona, 2006, p.8.

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Para auxiliar nessas dúvidas, vários autores justificavam suas interpretações e

doutrinas pelos chamados sistemas morais. Os Jansenistas pregavam os ideais puros e

genuínos da igreja primitiva sem considerar as mínimas condições existentes da época, e os

probabilistas buscavam uma compensação bem ponderada entre a obrigação ética e a

liberdade individual5. Os probabilistas não se preocupavam tanto em como era formada a

consciência segura para os casos de dúvida, eles consideravam, além do princípio moral, o

elemento real e subjetivo inerente a toda decisão de ordem ética6.

O probabilismo era uma categoria moral e teológica que se inseria nos debates do

século XVII apresentando-se como uma das soluções para a consciência duvidosa e os

assuntos do foro interno. O termo “probabilismo” surgiu de um debate sobre os limites da lei

positiva com os da lei natural e suas extensões7.

Em certa medida, o probabilismo restringiu as leis reais, uma vez que essas não eram

aceitas e essa teoria do provável também se serviu para outros assuntos que não fossem

jurídicos. Parece que de certa forma, essa solução também se apresentava em muitos tratados

teológicos como uma maneira de observar e solucionar problemas variados e cotidianos8.

Heinrich Klomps salienta que se essa observação não for feita, a de que a consciência

implicava em escolhas que se baseavam nos princípios éticos, religiosos e também nos

5 KLOMPS, Heinrich. La tradicion y el progresso en la teologia moral. Florida - Buenos Aires, Ediciones

Paulinas, 1963, p.10. 6 Idem, p.30.

7 MARTEL PAREDES, Víctor Hugo, El lugar del probabilismo en la historia de las ideas en el Perú, en, Solar

[online], núm. 3, Lima, ano III, 2007, pp.11-22, p.14. Disponible: en

(http://www.saavedrafajardo.org/Archivos/solar/03/solar-003-02.pdf). [Data da consulta: 20/09/2-14] 8 O probabilismo teria surgido na teologia moral através do comentário de Bartolomé de Medina sobre uma

passagem da Suma Teológica de São Tomás de Aquino, em 1580. Há historiadores que concordam com essa

visão e há outros que antecipam o probabilismo desde a casuística, da suma de casos de consciência. Muitos

autores escreveram sobre o probabilismo. RAFAEL RUIZ, “Hermenêutica e Justiça na América do século

XVII”, em, Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH [online], São Paulo, VII/2011, Disponível

em: http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300290841 ARQUIVO

HermeneuticaejusticanaAmericadoseculoXVII (ANPUH).pdf. [Data da consulta: 20/07/2014]; RAFAEL RUIZ,

“Probabilismo e Teologia moral na prática judiciária na América espanhola no século XVII”, em Revista

Brasileira de Historia & Ciências Sociais, vol.4, n.8, Dez, 20012, pp.7-25. [online], Disponível em:

file:///C:/Users/nane/Downloads/154-308-1-SM.pdf [Data da consulta: 17/11/15]; RAFAEL RUIZ, “Formação

da consciência do juiz no vice-reinado do Peru. Rev. Hist. (São Paulo) [online]. 2014, n.171, pp. 317-350. ISSN

0034-8309. http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2014.89016 [Data da consulta: 17/11/15]; ESTEBAN

LLAMOSAS, “Probabilismo, probabiliorismo y rigorismo: la teología moral en la enseñanza universitaria y en

la praxis judicial de la Córdoba tardo colonial”, en: Cuadernos del Instituto Antonio de Nebrija, Argentina:

(CONICET) – Universidad Nacional de Córdoba, p.281-294; GARCÍA, Ángel Muñoz, Diego de Avendaño

(1594-1698). Filosofía, moralidad, derecho y política en el Perú colonial. Fondo Editorial, Universidad

Nacional Mayor de San Marcos, Lima, 2003.

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subjetivos e reais, então, essa fórmula podia se converter em uma sedução nas mãos da

consciência individual, que aproveitando da posição controversa adotada pelos moralistas, a

respeito de determinados problemas éticos, poderia considerar isenta de decidir por sua conta,

optando por seguir critérios não éticos9.

A busca dos probabilistas pelo equilíbrio entre a obrigação e a liberdade pessoal

auxiliou nas questões sobre a consciência duvidosa ao mesmo tempo em que fundou uma

tensão ao transferir a dúvida da consciência para o plano da lei. Ou seja, quando os autores

probabilistas se atribuíram o direito de resolver todas as dúvidas de consciência, recorrendo

aos princípios da jurisprudência, o religioso e o moral foram inseridos em categorias jurídicas,

e, estando assim, mais favoráveis a um manejo da prática intelectual individual10

. Quando

princípios teológicos se vincularam aos jurídicos, a jurisprudência, que consistia na prática de

interpretar bem as leis e de aplicá-las aos casos ocorridos, ganhou conotações religiosas e

obrigações morais.

O manual de teologia do franciscano Fr. Henrique de Villalobos11

trouxe em seu tratado

sobre a consciência a questão da dúvida de qual opinião se devia seguir em meio a tanta

diversidade. Para ele, a dúvida era resolvida no âmbito da consciência. Uma das dificuldades

colocada por esse franciscano era a de que se era lícito seguir a opinião provável, deixando a

mais provável. A cerca dessa dúvida ele respondeu que havia duas opiniões. A primeira dizia

que não era licito seguir a opinião provável, deixando a mais provável, e isso segundo Soto,

Cayetano e outros. Fundava-se esta opinião em que não era licito ao juiz sentenciar pela parte

que provava menos, e fazendo o contrário, sentenciando a favor da opinião menos provável,

se colocava em perigo de pecar. A segunda opinião dizia que era licito seguir a menos

provável. Esta opinião era sustentada por Medina, Vazquez, e era a opinião probabilíssima de

muitos. Sobre esta segunda opinião o teólogo se posicionou individualmente:

y a mi me parece mas provable que la contraria. El fundamento es

porque en siendo la opinión provable, es conforme a razón, sin que

aya obligación de hazer siempre lo mejor: que aunque es mejor el

9 KLOMPS, Heinrich. La tradicion y el progresso en la teologia moral.1963, op. cit., p.31.

10 Idem, p.34.

11 Fr. Henrique de Villalobos; Summa de la theologia moral y canonica, escrito em 1620 e impressão de 1637.

Este teólogo franciscano e sua obra estão mencionados nesse trabalho por apresentar, mesmo que para 1620, um

posicionamento e uma definição, própria de seu tempo, do que seria “probabilismo”. Fr. Henrique de Villalobos

nos mostrou que esta categoria moral não era apenas usada ou referenciada pelos jesuítas. Ele, enquanto

franciscano, se posicionou como probabilista e isso fortalece a nossa impressão de que outros franciscanos

também podiam ser probabilistas, 20 anos antes, como Fr. Miguel Agia.

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guardar castidad, que el casarse, no es pecado casarse: y assi mejor es

seguir la opinión mas probable: mas con todo es licito seguir la menos

probable (…) debe el juez juzgar según las mejores (…) que no se

pone a peligro ninguno, pues obra prudentemente12

.

Henrique de Villalobos afirmou que preferia a segunda opinião, a do probabilismo,

para resolver os casos de dúvida e salientou que a razão estava em ser essa uma solução

provável, não importando se era mais ou menos, e que não havia perigo de pecar porque se

agia prudentemente. Além de uma definição de probabilismo, Villalobos acrescentou que era

importante ser prudente, independentemente do grau de seguridade da opinião escolhida. A

virtude da prudência13

orientava a consciência em qualquer das duas opiniões prováveis e a

livrava de culpa e pecado.

Quando o juiz tinha dúvida de qual opinião devia seguir, segundo esse teólogo

franciscano, ele podia seguir qualquer opinião provável que quisesse e ainda seguir uma para

uma causa e outra para a causa contrária. Essa possibilidade se fundamentava na razão de que

ambas eram prováveis e não havia nada que obrigasse a seguir uma e não outra14

. Isso porque

um grau de probabilidade já resolvia o problema da dúvida e a possibilidade de se poder

apoiar em vários conselhos prováveis ampliava a margem de autonomia e flexibilização das

leis pela interpretação. Essa sugestão do franciscano Fr. Henrique de Villalobos demonstrou

que agir com prudência tinha mais importância para a consciência do que o grau de certeza da

opinião provável. Se se agisse prudentemente, não se pecava escolhendo uma entre as

diversas alternativas prováveis. Parece que a característica do sistema moral probabilista

contida neste tratado teológico era a de apresentar possibilidades ao juiz ao deliberar sobre o

caso específico. Não havia a exigência de um rigorismo e nem a imposição de apenas uma

única interpretação, pelo contrário, havia múltiplas soluções prováveis, e escolher entre uma e

outra não retirava a retidão da consciência, pelo contrário, mostrava prudência ao discernir

demonstrando que se conhecia das múltiplas variáveis.

12 Fr. Henrique de Villalobos; Summa de la theologia moral y canonica, 1637. Tratado Primero de la

Conciencia. De las opiniones que se deven seguir. Dificultad X. Se es licito seguir opinión probable, dexando la

mas probable, p.7-8. 13

Em outro item aprofundaremos melhor o conceito de “prudência”. 14

“Navarro, e, dize, que se ha de limitar lo sobredicho, que no proceda quando el juez siente eficazmente que su

opinión es mas probable: porque entonces si siguiesse la otra, que juzgan otros por mas probable, haría contra

conciencia (…)”. In: Fr. Henrique de Villalobos; Summa de la theologia moral y canonica, 1637. Tratado

Primero de la Conciencia. De las opiniones que se deven seguir. Dificultad XV. Que opiniones debe seguir el

juez, p.12.

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111

Víctor Hugo Martel Paredes salientou que essa sentença do probabilismo de poder

seguir uma opinião provável, mesmo que a oposta fosse mais provável, configurava todo um

procedimento de validação moral referida aos casos de consciência. Quando existia dúvida

acerca da legitimidade moral de uma decisão, se podia fazer uso do probabilismo e agir sem

risco de pecar:

Si alguien tiene duda de la justicia de su acto, debe previamente

preguntar a las personas autorizadas, leer libros pertinentes, examinar

detenidamente el problema de que se trata. Cuando la duda persistía,

entonces se sumaban otras fórmulas adicionales para abordar el

problema (…) En efecto, ya que la validez de los actos morales

supone la certeza moral para demandar su obligatoriedad, en ausencia

de esta certeza solo hay opinión. Entonces, habrá que decidirse

basándose en opiniones probables. Pero una opinión por muy probable

que sea sigue siendo incierta, por lo tanto, puede seguirse incluso la

menos probable, sin que ello sea contradictorio15

.

Para Martel Paredes, essa variedade de opiniões não contradizia a aceitação da

existência de uma verdade absoluta, porque não implicava em desprezar a verdade absoluta,

mas ao contrário, de se aproximar a ela pelo pensamento agostiniano. O probabilismo, para

esse autor, pretendia uma aproximação à norma, desde o ponto de vista subjetivo. Isso porque

a validade dos juízos morais não era para os probabilistas um problema teórico ou

epistemológico, eles consideravam como um problema de carácter prático16

.

15 MARTEL PAREDES, Víctor Hugo, La filosofía moral: el debate sobre el probabilismo en el Perú. Instituto

Francés de Estudios Andinos, fondo editorial Universidad Nacional Mayor de San Marcos, colección Biblioteca

Andina de Bolsillo – IFEA n.28, Colección Alasitas – Lluvia Editores, Lima, 2007, p.35-36. 16

Este autor apresentou a forma como diferenciavam o probabilismo em probabilidade interna e externa. A

externa exigia apoiar uma eleição na opinião autorizada de estudiosos reconhecidos, a interna, apoiava em

motivos imanentes ao sujeito moral. Também diferenciavam entre o probabilismo direto, que era a eleição de

uma opinião conforma o processo mencionado e o probabilismo reflexo. Dentro dos sistemas morais, apresentou

as outras categorias desse período: Tuciorismo defendia que em caso de dúvida se tinha que seguir sempre a

opinião mais segura; Laxismo afirmava que se podia seguir a opinião favorável á liberdade, mesmo que se tenha

como lícito ou ilícito e como pecado venial o mortal. O tuciorismo e o laxismo se desmembraram em três

posições intermediárias: Probabilismo, equiprobabilismo e probabiliorismo. O probabilismo sustentava que se

podia seguir, em caso de dúvida moral, uma opinião provável, mesmo que a oposta fosse mais provável;

Equiprobabilismo era uma variação desse sistema moral que indicava que em caso de duvida se podia seguir a

opinião que favorecia a liberdade, com a condição de que fosse igualmente provável com a opinião oposta;

Probabiliorismo propunha uma segunda visão, seguir a opinião que favorecia a liberdade, somente se era a mais

provável. In: MARTEL PAREDES, Víctor Hugo, La filosofía moral: el debate sobre el probabilismo en el Perú.

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112

O embate entre a consciência subjetiva e a lei, que nos trouxe até o tema do

probabilismo, recebeu outra visão por Bacigalupo. Diferente do nosso ponto de vista moral,

que procurou evidenciar o conflito entre os dois foros, interno e externo, no momento de

decidir, este autor analisou essa possibilidade de escolha, apresentada pelo probabilismo, de

um ponto de vista político, visto que a liberdade individual de escolha conferiria poder e

autonomia.

Luis E. Bacigalupo enfatizou que uma pequena dúvida já bastava para ter, no mínimo,

duas opiniões opostas e prováveis. Ante a dúvida, parecia inevitável para ele não recorrer a

um grau de arbitrariedade na decisão. Tal “arbitrariedade” era entendida como uma forma de

poder, de autonomia que dava “liberdade” para escolher entre duas opiniões ou mais. A

questão levantada para esse autor era a de que essa possiblidade de escolha dava ao indivíduo

uma liberdade que, durante o período inseguro da Segunda Escolástica, incomodava a igreja.

O que esta combatia não eram as opiniões inovadoras, mas sim toda a afirmação de

conhecimento demonstrável, tanto no âmbito físico ou moral17

.

Es comprensible que estas ideas inquietaran a las autoridades civiles y

eclesiásticas, sobre todo una vez descubiertas en su verdadera

dimensión política; y desde esa perspectiva se entiende también por

qué, con el tiempo, los políticos llegaron a la conclusión de que hacía

falta poner en marcha la maquinaria del poder para impedir su

difusión. Esto es algo que ocurre en los países católicos a fines del

siglo XVIII, cuando esas tendencias liberales fueron sumariamente

identificadas con la Compañía de Jesús por las respectivas burocracias

estatales18

.

Dentro do sistema probabilista, a escolha entre duas opiniões ou mais devia seguir

alguns critérios. Primeiro: a opinião devia estar apoiada a uma razão ou fundamento sólido;

que não sugerisse nenhum absurdo; que não se opusesse à Escritura, à tradição, aos Padres, às

Instituto Francés de Estudios Andinos, fondo editorial Universidad Nacional Mayor de San Marcos, colección

Biblioteca Andina de Bolsillo – IFEA n.28, Colección Alasitas – Lluvia Editores, Lima, 2007, p.36- 41. 17

BACIGALUPO, Luis E., “Probabilismo y Modernidad. Un capítulo de la Filosofía Moral del siglo XVIII y su

repercusión en el Perú”. Pp.257-300. In: ASÍN, Fernando Armas (compilador), La construcción de la Iglesia en

los Andes. Pontificia Universidad Católica del Perú, Fondo Editorial, 1999, p. 259. Citou Richar Morse “El

espejo de Próspero” para afirmar sobre a preocupação da igreja com as varias opiniões que surgiam. 18

Idem, p. 260.

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113

definições da igreja e nem à reta razão19

. Segundo Bacigalupo, podia-se seguir uma opinião

provável, em detrimento de uma mais provável, mas sem fugir a estas três condições

apresentadas.

A consciência estava presente nesses princípios apresentados porque, para entender a

probabilidade como fundamento de uma decisão prática era necessário ter em conta um

princípio fundamental desse sistema provável: apenas a consciência certa podia servir como

critério da moralidade das ações20

. Entramos outra vez na questão da dúvida moral. O que

significava esse princípio?

A doutrina moral, no catolicismo tradicional da Idade média e da Época moderna,

sustentava que os seres humanos deviam responder por suas ações ante o tribunal da

consciência. Contudo, nestas doutrinas, chamadas de “tradicionais” por Bacigalupo, a

consciência moral não revisava apenas as ações cometidas, mas também o que era projetada.

Nesta segunda função da doutrina moral – a de olhar para a consciência que projetava o que

decidisse fazer – os escolásticos enxergavam um juízo da mente humana que prescrevia uma

ação21

. Ou seja, a consciência era um ato do entendimento que refletia e conhecia antes de

agir.

(…) por su parte, la certeza, en la tradición conceptual que llamamos

Filosofía Escolástica, no puede ser identificada sin más con la verdad.

Cuando se atiende lo objetivo, se habla de conciencia verdadera o

falsa. Pero si se diera el caso, por lo demás frecuente, que no hubiera

cómo determinar con certeza absoluta si el impuesto es injusto o no,

no quedaría más remedio que atender únicamente la subjetividad,

donde ya no se puede atender únicamente la subjetividad, donde ya no

se puede hablar de verdad o falsedad de la conciencia moral, sino de

sus formas subjetivas, que son la conciencia reta, errónea, cierta,

dudosa, probable, escrupulosa, perpleja y laxa22

.

Luis Bacigalupo também entendeu o probabilismo como uma aproximação subjetiva à

norma. Para ele, a perspectiva da subjetividade estava na autonomia da razão prática e na

19 Idem, p. 269.

20 Ibidem.

21 BACIGALUPO, Luis E., “Probabilismo y Modernidad. Un capítulo de la Filosofía Moral del siglo XVIII y su

repercusión en el Perú”. Pp.257-300. In: ASÍN, Fernando Armas (compilador), La construcción de la Iglesia en

los Andes. Pontificia Universidad Católica del Perú, Fondo Editorial, 1999, p. 269-270. 22

Idem, p. 270.

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liberdade individual. O sistema probabilista pretendia oferecer aos homens e mulheres de sua

época uma forma que lhes fornecia a possiblidade de obter, por eles mesmos, a certeza moral

em todos os casos de dúvida razoável.

Así, pues, según estos escolásticos, una persona puede y debe obtener

certeza práctica independientemente de un conocimiento verdadero o

teórico del objeto, es decir, puede obtener certeza con respecto a una

opinión, sin necesidad de convertirla en un juicio categórico o

científicamente avalado. El requisito, no obstante, para que la opinión

llegue a ser cierta es que sea probable.

O problema moral existia somente enquanto houvesse dúvida, porque onde havia

conhecimento verdadeiro da norma não teria motivo para duvidar. O que parece ser o

interessante nesse debate do sistema moral probabilista era realmente o que causava dúvida. A

dúvida era somente da inadequação da norma à realidade, que seria solucionada pelo arbítrio

do juiz na sua deliberação baseada na interpretação do caso com a interpretação da norma? Ou

para além de uma dúvida prática, era também uma dúvida moral, subjetiva, causada pelo

medo de pecar em consciência se por acaso sentenciasse escolhendo não cumprir à lei por

achar que a razão estava em outro lugar que não fosse na lei? Como as inclinações subjetivas

concordavam com o que considerava justo com o que mandava a norma positiva? Um intento

de corrigir essa dúvida da aplicação da norma foi torná-la mais rigorosa, o que solucionou,

forçosamente, o conflito interno em ter que conciliar o que acreditava ser certo com o que era

indicado como certo pelas leis. Isso confirmava a ideia de que a lei duvidosa não obrigava.

Un problema moral propiamente existe sólo en la duda, porque donde

hay conocimiento verdadero de la norma, no hay problema, es decir,

no hay opiniones que confrontar. En otras palabras, si se sabe con

certeza que el impuesto es justo, hay que pagarlo y punto. Cuando hay

opiniones, en cambio, es porque no se sabe, y entonces es evidente

que la contrariedad sobre la licitud o no-licitud de la acción produce

una opinión a favor de la ley (es decir, no es lícito eludir la acción, en

este caso el pago del impuesto) y otra en contra de la ley (esto es, a

favor de la licitud o libertad de no pagar). El principio que rige en

estos casos fue brindado poco tiempo después por el célebre jesuita

Francisco Suárez (1548-1617), mediante la fórmula lex dubia non

obligat (cuando hay duda respecto de la ley, no hay obligación). Eso

significa que es lícito seguir la opinión que le otorga al sujeto la

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115

mayor libertad de acción, dejando de lado aquella que se la recorta o

niega23

.

Para Martel Paredes, o probabilismo constituiu-se um esforço em aproximar a lei às

consciências e não de desprezá-las. Tal era o sentido do provérbio: “La ley se acata, pero no

se cumple24

”. O probabilismo teria sido empregado como uma releitura eficaz do Novo

Mundo, teorizando sobre os casos não contemplados nas leis e para reconhecer lugares

comuns e semelhanças que encontrariam sentido na percepção da realidade e da lei:

Efectivamente, los sistemas morales surgieron como una necesidad de

adecuar los casos particulares – no contemplados por la ley – a la tabla

universal de valores, contrario al tradicional modelo político moral

deductivista que se limitaba a la aplicación de la tabla de valores

universales a casos particulares. Pero esto supone que los probabilistas

cuentan con esta noción de moral absoluta. Si se recuerda que del

modo de percibir los signos del mundo (ontología) se deduce la moral,

entonces se puede comprender que si los signos están ligados unos a

otros de manera necesaria (por la coyuntura), hay razones fundadas

para la obligación moral (la percepción común del Bien)25

.

O probabilismo sustentava que era preferível correr o risco de agir mal do que chegar

a negar a liberdade de escolha. Bacigalupo interpretou essa atitude como um respeito pela

certeza da consciência e da liberdade individual – importante neste período do século XVI e

XVII. Sustentar que não era lícito correr nenhum risco, e que era um dever seguir a opinião da

maioria, era na prática pretender normatizar positivamente um assunto que suscitava dúvidas

porque não se apresentava normativamente claro. Uma atitude desse tipo, tipicamente

rigorista, carecia de sentido filosófico; seu verdadeiro sentido era político: resguardado das

instituições e das razões de Estado mediante a anteposição dos interesses comuns,

representados pela lei, aos interesses do indivíduo, encarnados na liberdade26

.

Essa reflexão e apresentação sobre o probabilismo de Bacigalupo, nos fez pensar tanto

em seu caráter moral quanto político. O que incomodava à Igreja não era o fato de haver

23 Idem, p. 273.

24 MARTEL PAREDES, Víctor Hugo, La filosofía moral: el debate sobre el probabilismo en el Perú. Instituto

Francés de Estudios Andinos, fondo editorial Universidad Nacional Mayor de San Marcos, colección Biblioteca

Andina de Bolsillo – IFEA n.28, Colección Alasitas – Lluvia Editores, Lima, 2007, p.158. 25

Idem, 158-159. 26

BACIGALUPO, Luis E., “Probabilismo y Modernidad. Un capítulo de la Filosofía Moral del siglo XVIII y su

repercusión en el Perú”, 1999, op. cit., p. 275.

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116

várias opiniões para um caso, visto que isso era útil para os variados casos de consciência com

os quais os confessores se deparavam, mas de que essas várias opiniões eram igualmente

prováveis e passíveis de resolver o problema da dúvida moral com um grau de probabilidade.

O problema era que a Igreja não tinha mais o controle do que se passava subjetivamente no

processo de escolha entre uma opinião e outra. Olhando pelo ponto de vista religioso, se

ambas as opções eram aceitas, prováveis, o carácter que definia a escolha entre uma ou outra

não era dado e nem controlado pela Igreja, era subjetivo e dado no foro interno.

Explicitamente, o caráter que conferia a uma opinião a sua diferença entre a outra, para

resolver seguir essa e não aquela, uma vez que ambas eram prováveis, não era exigido que

fosse declarado para garantir a segurança da consciência.

Parece para nós que a Igreja perdia, nesse processo subjetivo, a sua autonomia e poder

de controlar as decisões. A possibilidade que o probabilismo oferecia, de poder buscar a

“certeza” de maneira subjetiva por um grau de probabilidade, demonstrava que para obter

essa “certeza” prática não se precisava de um conhecimento verdadeiro ou teórico do objeto,

saber esse, fornecido pela Igreja. O probabilismo conferia “liberdade” para buscar por si só a

opinião que lhe parecesse melhor, certa e mais ajustada ao caso, não necessitava esperar a

resposta oficial da igreja para resolver a dúvida moral e nem que essa escolha fosse realmente

a mais provável27

. O que era lícito ou ilícito ficava na deliberação subjetiva das várias

possibilidades. A Igreja poderia interferir na decisão pelo sistema moral probabilista mas a

escolha entre seguir a opinião mais ou menos provável ficava restrita ao foro interno e

apareceria religiosamente como uma justificativa apenas no momento da confissão.

O que Paolo Prodi mencionou em sua obra sobre o embate entre a Igreja e o Estado para

o controle da consciência, talvez, por essa nossa interpretação, esse embate pudesse ter se

27 Sobre isso, menciona Bacigalupo: “Si Medina sólo hubiera dicho que puede seguirse la opinión probable, no

estaríamos hablando de él a más de cuatrocientos años de su muerte, porque su tesis hubiera sido inútil: todo el

que duda entre una opinión u otra, finalmente opta por seguir la que cree que es de alguna manera probable.

Obviamente dejaría de ser inútil si dijera que hay que decidir-se por la opinión más probable (que en latín se

dice probabilior, de donde esa tesis se denominó probabiliorista). Pero eso es precisamente lo que Medina

deseaba negar. La tesis probabilista – que el dominico creía conforme al pensamiento de Santo Tomás, y a la que

por la misma razón se adhiere la mayoría de los jesuitas – afirma que la opinión que se puede dejar de lado es

precisamente la más probable. Sin esta última cláusula anti-probabiliorista, que fue darle a los problemas

morales una salida basada en la libertad”. In: BACIGALUPO, Luis E., “Probabilismo y Modernidad. Un

capítulo de la Filosofía Moral del siglo XVIII y su repercusión en el Perú”. Pp.257-300. In: ASÍN, Fernando

Armas (compilador), La construcción de la Iglesia en los Andes. Pontificia Universidad Católica del Perú, Fondo

Editorial, 1999, p. 272.

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117

dado dentro da própria Igreja28

. A identificação entre o que era da razão de Estado e do bem

comum, e da moral, não tinha unanimidade dentro da igreja. Dessa forma, os contornos entre

os interesses e as justificativas pela utilidade pública e bem comum se davam de maneira

complexas e não definidas claramente. Olhando pelo aspecto do sistema moral probabilista, a

possibilidade de agir livremente segundo a consciência individual, não respondia, claramente,

nem aos interesses públicos e tampouco aos religiosos, a motivação era subjetiva. Desde o

século XI e XIII, inspirados pela Ética a Nicômaco de Aristóteles, os autores desse período

desenvolveram largamente o princípio segundo o qual não se podem julgar senão as ações

humanas, uma vez que as intenções ficavam sempre no coração de cada indivíduo29

.

Para os probabilistas, a tensão se concentrava entre a lei e a consciência subjetiva. As

sugestões apresentadas por eles visavam aproximar a consciência às leis, visto que tais

probabilistas dos séculos XVII e XVIII acreditavam que as leis provinham de uma

subjetividade que estava exteriorizada. Por isso, Martel Paredes opinou que o probabilismo

28 Não temos como fundamentar melhor essa ideia, apenas indicá-la e propô-la. Luis E. Bacigalupo apontou que

diante da apropriação histórica da monarquia espanhola pelo título de católica, podia facilmente recorrer a

setores relativamente influentes do clero, que consideravam seu dever sustentar as teses regalistas. Mas ao

compreender que nem toda a Igreja se pretendia alinhar na identificação de Estado e bem comum, a burocracia

dos Estados católicos tendeu a justapor-se às funções eclesiásticas educativas, normativas da conduta e inclusive,

inquisitoriais. Dessa maneira asfixiou cada vez mais o sentido de liberdade de consciência e de liberdade política

que o individuo europeu já se havia colocado como aspiração fundamental desde muito tempo antes. O outro

efeito notável desta evolução, perfeitamente concomitante com o que se acabava de mencionar, foi que se

acentuou a separação entre moral e direito, cujas consequências estamos sofrendo até hoje. In: BACIGALUPO,

Luis E., “Probabilismo y Modernidad. Un capítulo de la Filosofía Moral del siglo XVIII y su repercusión en el

Perú”. Pp.257-300. In: ASÍN, Fernando Armas (compilador), La construcción de la Iglesia en los Andes.

Pontificia Universidad Católica del Perú, Fondo Editorial, 1999, p. 293. E Martel Paredes mencionou: “(…) la

confianza depositada en opiniones personales no radica en la seguridad de las potencias subjetivas, el sujeto

individual no es agente de la acción comunicativa, el fundamento de la obligación moral depende de un principio

regulador, pero ajeno al mundo. Pero tampoco se trata de una tesis convencionalista moderna. El papel de la

concordancia y orden de las subjetividades no descansa en el consenso social sino en la verdad absoluta. Ésta

permite pensar en el universo como una unidad orgánica y por tanto con un fin último que liga los signos a lo

que significan por sus contextos, como los eslabones de una cadena. Otorga autoridad al gobernante, que

procediendo de un orden excedente al mundo físico, se traduce en una espada de doble filo – temporal y divino –

sustento del Estado Teocrático. Cada individuo es explicable por relación a este fin o bien último o verdad por

antonomasia, una visión holística y cerrada del mundo que se sostiene en una circularidad eslabonada sobre si

misma que permite reconocer los signos y hallar semejanzas al entendimiento intersubjetivo”. In: MARTEL

PAREDES, Víctor Hugo, La filosofía moral: el debate sobre el probabilismo en el Perú. Instituto Francés de

Estudios Andinos, fondo editorial Universidad Nacional Mayor de San Marcos, colección Biblioteca Andina de

Bolsillo – IFEA n.28, Colección Alasitas – Lluvia Editores, Lima, 2007, p.168-169. 29

SAVIAN FILHO, Juvenal, “O tomismo e a ética: uma ética da consciência e da liberdade”, BioEthikos -

Centro universitário São Camilo, 2008, vol.2, pp. 177-184. Disponível em: http://www.saocamilo-

sp.br/pdf/bioethikos/64/177a184.pdf [online], [Data da consulta: 18/11/2015], p.179.

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118

era incompreensível se separado da doutrina do Estado Teocrático que permitia sustentar uma

relação entre a política, o direito e a moral30

.

3.1. Aproximações entre “probabilismo” e o tratado de Fr. Miguel Agia.

Partindo da ideia de José Antonio Maravall31

de que o direito não se criava, se

reconhecia ou se recebia, aproximamos o sistema moral probabilista da obra do Fr. Miguel

Agia buscando, pelo embate da consciência subjetiva e da lei, o que este franciscano propôs

sobre a dúvida prática e moral de como o vice-rei devia agir a respeito dos serviços pessoais

indígenas.

Agia argumentou que um motivo justo já garantia a justiça da lei, e que reis justos

faziam leis justas. Enquanto buscava esclarecer qual era a intenção do rei ao escrever a Real

Cédula de 160132

apontou que a lei tinha lugar onde a sua razão estava, e que esta não teria

razão se não fosse para os casos que correspondia33

. Essa opinião de Agia nos mostrou que

seu conselho para o vice-rei salientava a importância deste em encontrar a razão da lei no caso

em concreto, e se nessa interpretação do caso e da lei, ele não visse a razão que buscava, então

não teria motivo para aplicá-la. Mais do que encontrar a razão da lei era preciso conhecer a

vontade do legislador. Ele poderia não executar a lei ou corrigi-la, adaptá-la: “De donde es

que una de las calidades que ha de tener la ley para ser buena es que sea necesaria. Y

conforme a esto donde no ay necesidad de esta ley no debe de ser allí executada34

”.

A este argumento podemos juntar outros dois: para se conhecer a razão da lei era

preciso conhecer a intenção e o motivo dela; onde terminava a razão e a causa final da lei,

30 MARTEL PAREDES, Víctor Hugo, La filosofía moral: el debate sobre el probabilismo en el Perú. Instituto

Francés de Estudios Andinos, fondo editorial Universidad Nacional Mayor de San Marcos, colección Biblioteca

Andina de Bolsillo – IFEA n.28, Colección Alasitas – Lluvia Editores, Lima, 2007, p.166 31

MARAVALL, José Antonio, Estudios de historia del pensamiento español. Serie primera. Edad Media.

Centro de estudios políticos y constitucionales, Madrid, 1999, p.46. 32

AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Primeiro Parecer, p.33. 33

“La ley tiene lugar donde su razón la tiene, y también porque la ley no tiene lugar sino en los casos en ella

comprehendidos (…) y finalmente porque el legislador no entiende ligar por su ley ultra del fin que pretende”.

In: AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA,

F. J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Primeiro Parecer, p.34. 34

AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Primeiro Parecer, p.35.

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119

terminava também o que estava provido nela35

. Agia considerou a utilidade pública como

sendo uma das principais razões pela qual o rei escreveu a Real Cédula. Dessa forma, a

conservação dos índios também era um argumento, político, econômico e moral36

, que

possuía a razão de ser útil e necessário ao bem comum.

Mas a percepção dessa razão não estava dada de maneira explícita, ela foi indicada no

terceiro parecer quando Agia esclareceu o arbítrio do vice-rei37

. A justificativa do franciscano

era a que a vontade do rei estivesse em acordo com a necessidade pública e cumprir essa

vontade significava agir conforme o “bem comum”. Nem que para isso o índio tivesse que

trabalhar e até correr perigo de morte. A sujeição política e civil dos índios era aprovada pela

lei natural e conforme ela, e beneficiava a República38

:

La subiection política, o civil, en virtud de la qual son compelidos y

forçados los indios a trabajar en servicio de la Republica, no tiene

repugnancia alguna con la ley natural, antes es muy conforme a ella.

Esta conclusión se prueba efficazmente porque la potestad política o

civil, que corresponde a la dicha subiection, es de ley natural como

enseña Victoria, Covarrubias. O alo menos tiene su orige y principio

de la ley natural (…) Confirmase lo dicho: porque la ley natural, y

toda buena razón dicta y enseña que la multitud ha de ser regida y

gobernada de alguno a quien obedezca y tenga subietion (…) por estar

assi expresado en las divinas letras (…) lo qual no mandara si fuera

contra ley natural: la qual es guía, y compañera de la ley Divina39

.

Além disso, Agia afirmou que era lícito ao rei e dentro da lei natural e divina, obrigar os

índios a trabalharem porque a causa era justa, útil e de necessidade pública. O rei tinha poder

legítimo para obrigar os índios, suas razões eram claras e necessárias e essa ideia era

35 AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, p.87. 36

Consideramos como um argumento econômico porque a coroa explorava as minas e recebia uma porcentagem

desse trabalho em tributos e impostos. Como político, porque a sociedade era regida por um governante e a ele

devia obediência. Mas também moral por dois motivos: primeiro, porque se podia amenizar as opressões sofridas

pelos índios se se apelasse para a conservação econômica das províncias do Peru; segundo: devia obedecer ao

que ditava à consciência. 37

AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Terceiro Parecer, p.115. 38

AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, p.97. 39

AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, p.98.

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120

defendida por outros doutores como Molina, Vitoria e Soto, e todas as Repúblicas do mundo

podiam obrigar que seus vassalos trabalhassem, mesmo que correndo perigo de morte40

. Se as

razões apresentadas por Agia em seu segundo parecer legitimavam o trabalho forçado dos

índios, como o vice-rei poderia usar de seu arbítrio para agir em benefício de outra razão?

Agia iniciou seu terceiro parecer afirmando que o vice-rei teria que conhecer a Real

Cédula para antes poder decidir o que alterar, aplicar ou recusar conforme lhe parecesse e

conviesse ao bem comum da Republica. Diante disso nos colocamos a seguinte pergunta: teria

mesmo o vice-rei poder e espaço de alterar e deixar de executar a lei régia estando

condicionado pela razão da utilidade pública? O vice-rei podia tomar uma decisão que,

mesmo não sendo normativa, conciliasse com o bem comum da República?

Fr. Miguel Agia, mesmo depois de enunciar as justificativas que garantiam ao rei poder

para obrigar os índios a trabalharem, apresentou possiblidades que permitiam ao vice-rei de

acatar à lei mas não cumpri-la. A maneira argumentada por esse franciscano era a que, o que o

vice-rei Velasco não entendesse por justo, em sua causa e razão, não estava obrigado a

obedecer41

. Esse argumento de Agia estava baseado no poder e faculdade que o próprio rei

conferia a Velasco de alterar, mudar, remover, executar e deixar de executar o que entendesse

como melhor para o bem comum42

. Ou seja, Agia não criava e nem concedia nenhum poder

ao vice-rei, que o próprio rei já não houvesse conferido e normatizado. O que Fr. Miguel Agia

pretendeu em seu terceiro parecer foi orientar a Velasco a como usar esse poder permitido em

seu arbítrio. Parece-nos que Agia considerava que o arbítrio conferia um poder e uma

autonomia que, normatizada e dada pelo rei, era sobretudo, uma decisão subjetiva – o vice-rei

não estava obrigado a aplicar o que entendesse ser injusto.

40 “(…) pues no se requieren conforme a Derecho mayores u mas urgentes causas para obligar a los indios a que

trabajen en las minas de los azogues que las referidas de publica utilidad y necesidad, luego con ellas pueden ser

compelidos a lo dicho. Confirmase lo dicho, porque si alguna razón avia, y ay que prezca condenar esto es saber

por cosa cierta, y por experiencia, que los indios, que son embiados a las dichas minas, son embiados por la

mayor parte a morir sin remission alguna (…) y esta no impide porque la Republica y el Rey tiene legitimo

poder y autoridad por las causas referidas d necesidad y utilidad publica de poner sus vassallos a peligro de

muerte, como enseñan de los Doctores, particularmente Molina, Victoria, Soto (…) qual esta puesto en uso y

platica en todas las Repúblicas del mundo (…)”. In: AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres

graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F. J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946,

Segundo Parecer, p.111. 41

AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Terceiro Parecer, p.117. 42

AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Terceiro Parecer, p.115.

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121

Neste ponto do tratado de Agia, e em como foi estruturado, podemos aproximar esse

raciocínio de Agia com o sistema moral probabilista. A autonomia que Velasco tinha em seu

arbítrio conferia a ele uma dúvida prática e moral. E se ele não encontrasse justiça na cláusula

que permitia forçar os índios a trabalharem nas minas, como argumentava em favor de uma

decisão subjetiva para que essa fosse razoável e justa para revogar uma ordem régia? Como

adequar a ação humana com as leis? Dessa maneira temos o embate entre a consciência

subjetiva e a norma, pela interpretação e arbítrio do vice-rei.

Fr. Miguel Agia nos ajudou a responder essas perguntas e assim temos a nossa

aproximação com o probabilismo. Os argumentos apresentados por ele, orientando o arbítrio e

interpretação do vice-rei evidenciavam várias possibilidades de argumentar em favor da

necessidade de flexibilizar a lei ou de recusá-la. Tais argumentos eram morais, doutrinários,

baseados nas leis divinas, na virtude da prudência e na experiência de vivenciar a realidade e

o espaço que receberam as leis. Os argumentos que o vice-rei dispunha, segundo Agia, eram:

encontrar a necessidade e sentido que fizesse com que as leis fossem aceitas e recebidas pela

maioria da República43

; buscar a causa justa que o obrigava a cumprir ou descumprir a lei -

segundo São Tomás, “la causa justa escusa de pecado mortal en el quebrantamento de la ley44

; agir conforme a sua vontade e em acordo com as leis divinas, mesmo que para isso tivesse

que desobedecer alguma lei humana45

; consultar pessoas com experiência, ciência e

consciência46

; mesmo consultando várias pessoas, não estava obrigado a seguir o conselho da

maioria porque o parecer de poucos podia estar melhor fundamentado e ser mais indicado47

;

ainda assim, podia seguir o parecer da maioria se considerasse conveniente48

; não poderia

deixar de solicitar os pareceres e conselhos, mesmo que não decidisse seguir a opinião

comum49

; devia buscar conselhos de doutores virtuosos e prudentes porque era conforme a

boa razão50

; também podia mandar e executar o que lhe parecesse conveniente sem precisar

43 Idem, p.117.

44 Ibidem.

45 AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Terceiro Parecer, p.119 e 121. 46

Idem, p.120. 47

Idem, p.122 e 123. 48

Idem, p.124. 49

Ibidem. 50

AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Terceiro Parecer, p.125.

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122

consultar a ninguém porque conhecia a realidade local51

; tinha poder de ordenar o que lhe

parecesse sem consultar ao rei52

;

Por isso que Fr. Miguel Agia insistiu na importância de se ter uma boa razão e uma

boa fé motivando a ação. A razão a que ele fazia menção era essa que menciona Bacigalupo,

da reta razão, e com “reta” razão, temos o compromisso e a obrigação em consciência. Em tal

sentido, segundo apontou Ángel Muñoz García53

, a probabilidade consistia em um conjunto

de motivos suficientemente sólidos para aceitar prudentemente um juízo, em virtude do

problema moral de como adequar a ação do homem às leis.

A importância dada por Agia ao conceito de razão era explicada pela consciência

moral. Louis Vereecke afirmou que era a razão humana que determinava a concordância ou

discordância da ação. A razão servia como norma da moralidade que julgava os atos

humanos, e a consciência, um ato do entendimento da razão humana:

« L’homme, au contraire, doit ordonner volontairement et librement

son action en vue de sa fin. Cette ordination d’une action humaine à sa

fin constitue sa moralitè. La vie morale sera l’ensemble des actions

humaines volontaires de caractère moral de l’action humaine est donc

fonction de sa coorélation à la fin de l’homme. Si, en effet, l’action

correspond aux exigences de la fin, elle sera dite « bonne »

moralement ; si, au contraire, elle trouble l’ordre, détournant l’homme

de sa fin, elle ser « mauvaise » : c’est le mal moral54

.

Conhecer a razão da lei significava agir moralmente. A característica moral das ações

humanas estava correlacionada à finalidade do homem. Se os atos correspondiam às

exigências desse fim, então seriam considerados pela moral como bons, mas se o homem

desviasse de seu fim, seus atos seriam maus. Dessa forma entendemos melhor o

51 AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Terceiro Parecer, p.126. 52

Idem, p.127. 53

MUÑOZ GARCÍA, Ángel, Diego de Avendaño (1594-1698). Filosofía, moralidad, derecho y política en el

Perú colonial. Fondo Editorial, Universidad Nacional Mayor de San Marcos, Lima, 2003, p.63. 54

“O homem, ao contrario, debe ordenar voluntariamente e libremente sua ação a um fim. Esta ordenação da

ação humana a seu fim constitui sua moralidade. A vida moral será todas as ações humanas voluntárias de

carácter moral da ação humana, é por conseguinte, função de sua coorelação ao fim do homem. Se, en efeito, a

ação correponder às exigencias de seu fim, ela será considerada “boa” moralmente; se, ao contrário, ela distorcer

a orden, desviando o homem de seu fim, ela será “mau”: é o mal moral VEREECKE, Louis, Conscience Morale

et Loi Humaine. Selon Grabriel Vazquez S.J. Bibliothèque de Théologie, Série II, Théologie Morale, sous la

direcion de Ph. Delhaye – J. C. Didier – P. Anciaux, Vol. IV, Desclée & Cie, Éditeurs, 1957, p.3.

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posicionamento de Agia ao ressaltar a necessidade de se conhecer a razão da lei para poder

executá-la. A razão julgava as ações humanas destinadas a um fim, a uma intencionalidade, e

esta intencionalidade que justificava os atos como bons era, para Fr. Miguel Agia, a utilidade

pública e o bem comum.

Podemos considerar que apelar para o “bem comum” era estabelecer um vínculo moral

com a sociedade, na medida em que para alcançar essa finalidade, sujeitava-se a uma

disciplina com regras e exigências que visassem o “bem comum”. Para atender ao fim

público, o índio teria que estar inserido socialmente e integrado a um grupo para ser analisado

dentro dessa sociedade que visava esse fim comum, e para essa integração devia sujeitar-se e

obedecer às regras sociais e morais exigidas para a prática dessa finalidade pública. Era,

portanto, lícito sujeitá-lo política e civilmente ao trabalho pelo poder do rei e bem da

República. Criava-se uma conduta social e moral que regrava as atividades humanas e

controlava as ações dos homens. Se a sociedade era um elemento necessário à obtenção da

finalidade pública, e impunha ao mesmo tempo a necessidade desse fim, ela dominava os

princípios fundamentais da vida moral e necessitava adaptar-se aos casos particulares55

.

Essa adaptação era necessária porque a lei era uma “ordinatio rationis” e precisava ser

promulgada e conhecida para poder obrigar. Para Muñoz García, esse conhecimento tornava a

lei obrigatória:

Si todos los actos del hombre han de agradar a Dios, el hombre debe

tener la certeza, previamente a pasar a poner el acto, de que éste es

moralmente bueno. Pero, no siempre el hombre tiene certeza de la

moralidad de la acción que proyecta, o de si – en su circunstancia

concreta – es aplicable la ley. “Lex dubia, non obligat” (…) había que

pasar previamente de esa situación de duda, a otra de certeza moral; al

menos en la práctica. Se trataba de una duda que era preciso romper;

tanto el realizar una acción como el no hacerlo es una decisión moral,

y pretender escapar de la disyuntiva dejando de lado la acción no es

escapar del problema, es ya una opción moral56

.

55 VEREECKE, Louis, Conscience Morale et Loi Humaine. Selon Grabriel Vazquez S.J. Bibliothèque de

Théologie, Série II, Théologie Morale, sous la direcion de Ph. Delhaye – J. C. Didier – P. Anciaux, Vol. IV,

Desclée & Cie, Éditeurs, 1957, p.04. 56

MUÑOZ GARCÍA, Ángel, Diego de Avendaño (1594-1698). Filosofía, moralidad, derecho y política en el

Perú colonial. Fondo Editorial, Universidad Nacional Mayor de San Marcos, Lima, 2003, p.64-65.

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124

Faltando a certeza, somente se tinha a opinião. Era necessário então, indicar motivos

que afirmassem ou negassem a ação de uma determinada situação, caso a caso. Agia forneceu

vários motivos para Velasco poder adaptar as leis, ensinou-lhe argumentos que justificavam

qualquer decisão feita pelo vice-rei, fosse ela de caráter político, econômico ou moral, e de

acordo com a razão que respondesse à necessidade encontrada. O probabilismo e o casuísmo,

como apontou Ángel García, não eram sistemas que surgiram na teologia moral de maneira

independente do momento histórico. Referenciavam a reação lógica da moral à logica

jurídica. Respondiam às circunstâncias imprevistas que surgiam a cada momento, normas

derivadas das próprias experiências e não de princípios axiomáticos57

. Conhecendo e

aceitando o princípio da lei, se reconhecia a autoridade do rei e seu poder de emitir

disposições, cédulas, instruções e ordenações; mas na prática, a sua obrigatoriedade dependia

das circunstâncias específicas de cada região e estava subordinada à aceitação local.

Estamos percebendo a importância da vontade que escolhia, moralmente e em

liberdade, o fim que almejava. O problema da determinação da obrigação das leis não era

simples de resolver. Raras eram as circunstâncias ou fatos conhecidos que claramente

demonstravam qual era intenção da ação que obrigava em consciência58

. Esse fim, nesse

período, era religioso e libertador, uma vez que era por meio da consciência que os homens se

comunicavam com Deus. Juvenal Savian Filho59

, ao interpretar a São Tomás de Aquino

apontou que, mesmo a razão estando equivocada, o indivíduo devia segui-la, pois essa razão

determinava a consciência. A consciência era a sede da liberdade, não segui-la significava

abrir mão do arbítrio. Passamos a entender um pouco mais sobre esse embate pelo foro

interno da consciência subjetiva. Para tal, precisamos antes ter uma ideia geral do que ocorria

no século XVII pelas discussões escolásticas que marcaram a vida dessa sociedade,

principalmente em seu aspecto jurídico.

57 MUÑOZ GARCÍA, Ángel, Diego de Avendaño (1594-1698). Filosofía, moralidad, derecho y política en el

Perú colonial. Fondo Editorial, Universidad Nacional Mayor de San Marcos, Lima, 2003, p.69. 58

“Le problème de la détermination de l’obligation des lois n’est pas toujours aussi simple : rares sont, en fait,

les circonstances, où le supérieur fait connaître clairement son intention d’obliger en conscience.

(...)” VEREECKE, Louis, Conscience Morale et Loi Humaine, 1957, op. cit., p.62. 59

SAVIAN FILHO, Juvenal, “O tomismo e a ética: uma ética da consciência e da liberdade”, BioEthikos -

Centro universitário São Camilo, 2008, vol.2, pp. 177-184. Disponível em: http://www.saocamilo-

sp.br/pdf/bioethikos/64/177a184.pdf [online], [Data da consulta: 18/11/2015], p.179.

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125

3.2. Contribuições da Segunda Escolástica para o pensamento teológico-jurídico

dos séculos XVI e XVII.

Distintas opiniões: controvérsias

As discussões e modificações ocorridas na tradição cultural ocidental entre os séculos

XII e XVII condicionaram o pensamento e os princípios normativos deste período. A

mentalidade dessa época estava dividida entre duas correntes de pensamento antagónicas, a

escolástica e o humanismo60

:

Además de los estudios sobre el derecho hechos por los teólogos, el

siglo XVI español poseyó otra vertiente de la reflexión jurídica que

aún hoy es poco conocida: Los juristas laicos que no fueron teólogos y

que gozaron de fuerte prestigio internacional: Tal fue el caso de Diego

de Covarrubias, Martín de Azpilcueta o Fernando Vázquez de

Menchaca, casi todo ellos activos a mediados del siglo61

.

Os textos de São Tomás de Aquino trazidos por Francisco de Vitória e introduzidos

em suas aulas na Escola de Salamanca no século XVI originaram a Segunda Escolástica,

chamada assim pelos novos impulsos dados ao estudo da realidade segundo as categorias

escolásticas. Esta escolástica foi composta por religiosos e dividida em três gerações: na

primeira geração, até metade do século XVI, estavam Vitoria, Báñez e Soto. Na segunda,

mais variada, estavam Bartolomé de Medina, Pedro de Aragón e Miguel Bartolomé Salón. Na

60 “Escolástica y humanismo se asocian, en general, con períodos históricos diferentes tanto en el plano externo

cronológico como en el interno de estructura mental y significado intelectual. La asociación usual “escolástica-

edad media”, “humanismo –renacimiento” revela así no sólo el juicio sobre ambos, sino sobre todo una

determinada visión de la historia a modo de sucesión orgánica impulsada por el poder creador y destructor de las

fuerzas de la vida. Ambas designaciones históricas están de hecho impregnadas de connotaciones múltiples en el

momento de ser acuñadas y en el uso e interpretaciones posteriores. La palabra “renacimiento” especialmente

acusa un matiz biológico y desde su acuñación por Vasari (1511-1574) ha mostrado poseer una fecundidad

semántica infinita, que hace posible su aplicación a la esfera del arte, de la creación literaria, del pensamiento, de

la división periódica de la historia, y aun de la cultura en general.(…)”. In: GONZÁLEZ, Gabriel, Dialéctica

escolástica y lógica humanística de la Edad Media al Renacimiento. Ediciones Universidad Salamanca, España,

Salamanca, 1987, p.17. 61

CARPINTERO, Francisco, Justicia y ley natural: Tomás de Aquino, y los otros escolásticos. Universidad

Complutense Facultad de Derecho, servicio de publicaciones, Madrid, 2004, p.297.

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126

terceira, praticamente jesuíta, compreendia Gabriel Vázquez de Belmonte, Luis de Molina e

Francisco Suárez62

.

Como apontou Martel Paredes, para a escolástica tradicional, a normatividade se

sustentava no direito natural. Esse suponha a existência da consciência jurídica ou moral que

ordenasse o mundo e se elevasse até a causa final que era Deus63

. Com a colonização e

evangelização da América não se tratava mais de aplicar os valores universais aos casos

particulares, mas o inverso, os casos particulares orientavam um novo direito. Esta

circunstância histórica foi decisiva para entender que o probabilismo e o casuísmo eram

resultados da reação lógica da moral à lógica jurídica da época64

.

Diante disso, dentro desse espaço e tempo, o vice-reinado do Peru no início do século

XVII, temos uma vasta quantidade de temas discutidos, de problemas, de dúvidas e de

acontecimentos que alteraram a forma de administrar e de pensar a justiça e o direito indianos.

Os textos de casuística elaborados no fim do século XV, estruturados ao redor do jogo da lei e

da característica da obrigação em consciência, registrava de fato, o pensamento político e

jurídico dessa época, sistematizando e divulgando a reflexão teológica da Segunda

Escolástica65

.

Na Segunda Escolástica, a verdade era inacessível aos esforços humanos individuais,

portanto, toda resolução humana estava sujeita a mudanças, adaptando-se às novas

circunstâncias e especificidades pretendendo diminuir a distância entre as diversas opiniões e

a verdade absoluta, mesmo que inacessível. Dessa maneira, para os probabilistas a tensão se

concentrava entre a lei e a consciência subjetiva. Martel Paredes salientou que as soluções

apresentadas pelo sistema moral probabilista tratavam de aproximar a consciência à lei, e

62“Sí es cierto, en cambio, que hay unidad en el pensamiento político de la Escolástica, porque también estos

escolásticos siguen las ideas políticas que se desarrollaron en las Escuelas medievales tras la recepción del

aristotelismo, en la afirmación del pueblo como titular último del poder político, en la tesis que mantiene que el

gobernante está obligado a obedecer todas las leyes del Reino, también las leyes políticas, como insistía

especialmente Bartolomé de las Casas. Defendieron los derecho de los indios americanos contra las pretensiones

de Carlos V y en la polémica sobre los ‘justos títulos’ de los castellanos para ocupar América, destacaron la

libertad personal y política como un derecho especialmente importante”. In: CARPINTERO, Francisco, Justicia

y ley natural: Tomás de Aquino, y los otros escolásticos. Universidad Complutense Facultad de Derecho,

servicio de publicaciones, Madrid, 2004, p.298-9. 63

MARTEL PAREDES, Víctor Hugo, La filosofía moral: el debate sobre el probabilismo en el Perú. Instituto

Francés de Estudios Andinos, fondo editorial Universidad Nacional Mayor de San Marcos, colección Biblioteca

Andina de Bolsillo – IFEA n.28, Colección Alasitas – Lluvia Editores, Lima, 2007, p.37. 64

Idem, p.38. 65

MIRIAN, Turrini, La coscienza e leggi.Morale e diritto nei testi per la confessiones della prima Età moderna.

Annali dell’Istituto storico ítalo-germanico. Società editrice il Mulino, Bologna, 1991, p.255.

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127

nessa aproximação era importante ter prudência. A prudência consistia num ponto

intermediário entre o conhecimento intelectivo e prático66

.

A essa transferência da solução do problema da dúvida jurídica para o âmbito da moral

foi discutida por Wim Decock em seu artigo “La moral ilumina al derecho común: teologia y

contrato(siglos XVI y XVII)”67

. Ele apresentou o problema de por que os teólogos estavam

interessados no direito no século XVI e XVII e percebeu que a moral iluminava o direito

comum diante das distintas opiniões. Citou Bartolomé de Medina, teólogo dominicano (1527-

1581):

(…) El estudio de las leyes era, por supuesto, trabajo de los juristas,

pero igualmente lo era de los teólogos. Para unos, la ciencia jurídica se

practicaba con la finalidad de establecer la paz sobre la tierra. Para los

otros, ellas estaba inserta en la búsqueda de la visión beatífica de dios

en el más allá (…) Como lo explica el jesuita Francisco Suárez (1548-

1617) en el prefacio de su famoso “Tratado de las leyes y dios el

legislador”, la principal responsabilidad del teólogo consiste en cuidar

la conciencia de los hombres durante su existencia efémera sobre la

tierra (…) Pero la rectitud de las conciencias depende de la

observancia de la ley. De allí resulta que los teólogos deban saber

cuales eran las reglas que los hombres debían seguir para ‘pasar’ el

juicio final68

.

Os teólogos buscavam essas regras em uma multiplicidade de fontes normativas e

procuravam estabelecer as obrigações dos homens em vários casos específicos. A razão, o

direito natural, o direito romano medieval, o direito canônico, as leis dos padres seculares, os

manuais para confessores de autores medievais, a Bíblia, os filósofos como Aristóteles,

autores clássicos como Cícero, historiadores como Valério Máximo, padres da Igreja como

Agostinho, teólogos como Tomás de Aquino: a partir de todas essas fontes, os teólogos

66 MARTEL PAREDES, Víctor Hugo, La filosofía moral: el debate sobre el probabilismo en el Perú. Instituto

Francés de Estudios Andinos, fondo editorial Universidad Nacional Mayor de San Marcos, colección Biblioteca

Andina de Bolsillo – IFEA n.28, Colección Alasitas – Lluvia Editores, Lima, 2007, p.166. 67

DECOCK, Wim, La moral ilumina al derecho común: teología y contrato (siglos XVI y XVII). Derecho

PUCP, n.73, 2014. 68

Idem, p.515.

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128

trataram de determinar quais eram os direitos e as obrigações dos homens em situações

concretas e específicas69

.

A dialética entre a elaboração de regras gerais e a sua aplicação concreta era tão

estreita que São Alfonso María de Ligorio (1696-1787) teólogo moralista, no século XVIII

ainda definia a sua disciplina como uma espécie de jurisprudência moral70

. Era requisito para

os teólogos e confessores, serem virtuosos e memorizarem as regras. Pelo tribunal de

consciência, (fórum conscientiae), se intermediava regras à alma:

Por lo tanto, los jueces de este tribunal eran los confesores y, por el

contrario, los jueces de los tribunales externos no podían tener en

cuenta pruebas ni presunciones. Los únicos criterios de juzgamiento

ante el tribunal de la conciencia eran la verdad y la equidad. Esta

verdad era revelada por el culpable mismo al confesor. (…) el carácter

jurídico de la noción de conciencia es puesto de relieve en esta época.

(…) Entre las acciones cuenta la contrición del corazón, la confesión

oral, la satisfacción por las obras, que comprende la restitución de una

cosa poseída sin título, y la absolución. Las personas son el confesor y

el penitente. El confesor juzga el papel de juez y puede conferir el

sacramento de la penitencia y la reconciliación71

.

O direito positivo podia ter força coercitiva sobre o foro interno, e em consequência,

um teólogo estava obrigado a ter conhecimentos profundos de direito. Esse pensamento foi

ampliado no debate religioso sobre a condição indígena e a obrigatoriedade dos seus serviços

a partir da conquista e colonização.

Segundo aponta Miriam Turrini, boa parte do pensamento jurídico, político e teológico

do século XV e início do XVI buscava afirmar o direito não mais como um tipo de

jurisprudência, mas positivamente, baseado na vontade que emergia da lei. “Leggi e giustizia

insieme caratterizzavano il processo di affermazione della volontà sovrana in un contesto

giurisdizionale ovunque molto frammentato (...)”72

.

69 DECOCK, Wim, La moral ilumina al derecho común: teología y contrato (siglos XVI y XVII). Derecho

PUCP, n.73, 2014, pp.,513-533, p.516. 70

Ibidem. 71

DECOCK, Wim, La moral ilumina al derecho común: teología y contrato (siglos XVI y XVII). Derecho

PUCP, n.73, 2014, pp.,513-533, p.516. 72

“Lei e justiça juntas caracterizavam o processo de afirmação da vontade soberana em un contexto jurisdicional

em toda a parte muito fragmentado”.MIRIAN, Turrini, La coscienza e leggi.Morale e diritto nei testi per la

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De tal modo, a teologia moral lutava com a vontade do soberano pelo domínio sobre o

homem, com um fazer que, prospectando uma intensa conflitualidade, se configurava

defensivo em qualquer modo. Certamente, a reação da autoridade soberana por meio da lei e

do juizo, se individualizava também uma preocupação derivada da crise do direito e da justiça

do inicio do século XV, que deixava as decisões nas mãos do arbítiro jurídico ou de um poder

do tribunal. A casuística moral reagiu entre o século XV e XVI concentrando-se sobre a

consciência humana, conferindo a ela uma nova e específica consistência e estruturando-a

como o constante conflito entre o sujeito e a lei, ambos cultivando uma separação entre o

crime e o pecado73

.

É nesta perspectiva observada por Miriam Turrini, do constante conflito entre o sujeito

e a lei, evidenciada na consciência humana pela casuística moral, que propomos analisar a

interpretação e o arbítrio dos juízes pelo sistema moral probabilista. Diante do aspecto legal

das soluções surgidas para os problemas da consciência, a casuísta passava a criar uma moral

da obrigação. O processo de modernização do direito na Idade Moderna impunha uma

mudança complexa na relação entre o sujeito e a norma74

. O conflito entre os dois foros,

interno e externo, revelava o poder jurídico da Igreja75

.

confessiones della prima Età moderna. Annali dell’Istituto storico ítalo-germanico. Società editrice il Mulino,

Bologna, 1991, p.254. 73

“(...) accanto alla pronta reazione all’ invadeza dell’ autorità sovrana per via di leggi e giudici, si individua

anche una preocupazione derivante da quella crisi del diritto e della giustizia profilatasi dagli inizi del

Cinquecento, che gittava il suddito in mano all’arbitrio giudiziario o ad un uso corrotto del potere nei tribunali.

La casistica morale reagisce tra Cinque e Seicento concentrandosi sulla conscienza umana, conferenco ad essa

una nuova e specifica consistenza sia struturandosi come costante conflitto tra il soggetto e le leggi sia

coltivando i semi di una separazione tra crimine e peccato raccolti nella letteratura casuistica precedente”.

MIRIAN, Turrini, La coscienza e leggi.Morale e diritto nei testi per la confessiones della prima Età moderna.

Annali dell’Istituto storico ítalo-germanico. Società editrice il Mulino, Bologna, 1991, p.255. 74

Segundo Paolo Prodi :‘‘Venendo meno il pluralismo degli ordinamenti nel quale il diritto divino/naturale

conviveva accanto al diritto umano positivo (civile e canonico) il dualismo giuridico che ormai rappresentava

l´anima costituzionale dell`Occidente non viene meno ma si sposta tra la sfera del diritto positivo, civile o

ecclesiastico, e la sfera della coscienza (…)”.PRODI, Paolo, “Il giuramento e il tribunale della coscienza: dal

pluralismo degli ordinamenti giuridici al dualismo tra coscienza e diritto positivo”, In: Il vincolo del giuramento

e il tribunale della coscienza. Annali dell`Istituto storico italo-germanico. Quaderno 47, Società editrice il

Mulino, Bologna, 1993, p.478. 75

“Il conflitto che si apre non è quindi soltanto quello della concorrenza tra diritto canonico e diritto secolare ma

anche quello tra potere sacramentale (o potere d`ordine) e potere di giurisdizione nella Chiesa. Senza poter

entrare nella discussione sullo sviluppo della teologia sacramentale nel secolo XIII e limitandomi al problema

del foro, penso si possa dire che risolvere il problema nella prassi, costruendo un foro ecclesiastico-sacramentale

di tipo nuovo, con la diffusione della confessione privata auricolare, del tribunale della penitenza. (…)”.PRODI,

Paolo, “Il giuramento e il tribunale della coscienza: dal pluralismo degli ordinamenti giuridici al dualismo tra

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130

A casuística, surgida no século XVI em resposta às novas exigências pastorais

formuladas pelo Concílio de Trento, que estava contrária às exigências dos séculos

precedentes, e tinha elementos teológicos de autores do direito canônico e outros da filosofia,

era uma disciplina nova pensada para resolver os diversos casos de consciência. A teologia

moral servia como uma nova maneira que, como o direito canônico do qual ela mais se

inspirava, uma ciência prática que tinha outra ambição, a de resolver ou ajudar a resolver os

mil casos que cada confessor encontrava a cada dia. Foi dessa forma que Bartolomé de

Medina foi considerado o teólogo que forneceu à casuística moderna a imagem que marcou as

características do probabilismo até o fim do século XVII76

.

Suarez foi quem salientou a importância capital da consciência que, muito além da

função de distinguir entre o bem e o mal, tinha a capacidade de determinar, frente à lei, o que

fazer ou não77

. Era na consciência que se fazia a relação entre as várias opiniões e se debatia e

discutia como agir. Guiada pela virtude da prudência, a consciência era o ato do entendimento

prático que examinava as opiniões, a dúvida e a moralidade. Um ato aplicado ao

conhecimento moral e à ação concreta78

. Consideramos que era a teologia moral probabilista

que orientava a ação do juiz em sua função de dizer o justo, provocando, no âmbito da

interpretação do jurista, o embate entre a consciência e a lei79

.

3.3. Consciência e lei: normas e interpretação.

O estudo da experiência de um ordenamento jurídico abrange questões de interpretação,

arbítrio, vontade e intenção, virtude, princípios, leis e doutrinas. Apenas conseguimos estudar

a criação do direito se o considerarmos algo prático e dinâmico.

coscienza e diritto positivo”, In: Il vincolo del giuramento e il tribunale della coscienza. Annali dell`Istituto

storico italo-germanico. Quaderno 47, Società editrice il Mulino, Bologna, 1993, p.481. 76

HURTUBISE, Pierre, La casuistique dans tous ses états. De Martin Azpilcueta à Alphonse de Ligori. Novalis,

2005, p.13. 77

Idem, p.221. 78

MIRIAN, Turrini, La coscienza e leggi.Morale e diritto nei testi per la confessiones della prima Età moderna.

Annali dell’Istituto storico ítalo-germanico. Società editrice il Mulino, Bologna, 1991, p.179. 79

Sobre este tema, pode consultar PADOA-SCHIOPPA, Antonio, Sur la conscience du juge dans le ius

commune européen.

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131

En la medida en que la dinámica jurídica se concibe en términos

de hermenéutica del orden trascendente, el poder para determinar el

derecho se identifica con la capacidad para operar como intérprete.

Aquí cabe considerar no sólo a los titulares de jurisdicción. Los

doctores, juristas y teólogos, también interpretan, leen en la tradición

textual para emitir su opinio en las más diversas cuestiones. La

doctrina, cuya expresión más autorizada es aquella que se puede decir

comunis opinio, constituye una importante fuente de normatividad que

hace derivar de su prestigio social, de su auctoritas científica, su

fuerza vinculante. Es la doctrina la que moviliza el discurso jurídico,

introduciendo, cuando es necesario, innovaciones que no sustituyen el

valor normativo las antiguas soluciones (dinámica agregativa), con

relativa independencia de la autoridad política. En este sentido se ha

dicho que el Ius Commune es un “derecho de juristas”. Es en la

tradición literaria, antes que en el catálogo de leyes reales, donde hay

que buscar los rasgos esenciales de cualquier institución de antiguo

régimen80

.

De acordo com Paolo Grossi, a experiência jurídica era um instrumento adequado

para a compreensão e a correta ordenação do imenso material jurídico que podia ser analisado

para além da lei, como um esquema interpretativo, ordenador e unificador de se perceber o

direito na história. A experiência jurídica significava de fato, um modo peculiar de viver o

direito na história, de percebê-lo, conceitualizá-lo, aplicá-lo em conexão com uma

determinada visão do mundo social, a determinados pressupostos culturais. Significava por

tanto, um conjunto de eleições peculiares e de soluções peculiares para os grandes problemas

que supunha a criação do direito em conformidade com os distintos contextos históricos81

.

Era a partir da dialética entre a elaboração das leis e a sua aplicação concreta que

encontramos a tensão entre a objetividade da lei e a subjetividade do seu cumprimento.

a) conceito de consciência pela teologia moral.

80 AGÜERO, Alejando “Las categorías básicas de la cultura jurisdiccional”. Univ. Autónoma de Madrid, In:

LORENTE, Marta Sariñena (coord.), De justicia de jueces a justicia de leyes: hacia la España de 1870.

Cuadernos de Derecho Judicial, VI -2006, Consejo General del Poder judicial, Centro de Documentación

Judicial, Madrid, 2007, pp.22-56, p.33-34. 81

GROSSI, Paolo, El orden jurídico medieval. Tradición de Francisco Tomás y Valiente. Marcial Pons,

Ediciones Jurídicas y Sociales, S.A. Madrid, 1996, p.44-45.

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Na dialética entre a elaboração da lei e a sua aplicação concreta encontramos um

conflito teológico moral que se dava entre a consciência subjetiva e a lei. Era importante

entender, metodologicamente segundo a história dos conceitos de Reinhart Koselleck82

, que a

análise de um conceito se dava mediante o seu contexto social, político e por meio da

experiência histórica. E é dessa maneira que os conceitos possuem historicidade e são

polissêmicos, porque mesmo que a palavra continue a mesma por anos ela não carrega

necessariamente o mesmo sentido. Há na sincronia uma diacronia presente na semântica. Isso

se deve porque o conceito capta o contexto na chave diacrônica comparando as análises e

confrontando as permanências e alterações observadas. O conceito só é enunciado num

contexto específico se for captado na sua mudança diacrônica. Assim, a semântica era

encontrada na contextualização e apreensão dos conceitos em suas transformações. Dito isso,

analisamos o conceito de consciência e suas modificações semânticas na passagem do século

XV ao XVI e XVII tendo como referência a obra Uma história da Justiça de Paolo Prodi, os

manuais de teologia mencionados e os pareceres do Fr. Miguel Agia.

Ao falar do pluralismo das diversas instituições nas quais o poder se exprimia e do

desenvolvimento da lei em seu sentido moderno, Paolo Prodi83

partiu dos glosadores, do

modelo do Corpus iuris civilis e do Corpus iuris canonici concebido enquanto texto no século

XIV, de maneira a mostrar a autoridade que esses textos promulgavam, e em se tratando de

autoridade, acrescentou: “Não há necessidade de conciliar os diversos cânones ou as diversas

leis, porque o comando da autoridade assume por si mesmo, no momento em que é

promulgado, uma força coativa que o coloca na base do sistema da administração da

justiça84

”. Assim, não existia distinção entre a função do legislador e a do juiz porque a

autoridade estava em dizer o direito no exercício próprio de sua atividade nos tribunais

sentenciando e eis que nesse ponto se iniciava o conflito entre a consciência e a lei.

Esse conflito era explicado pelas mudanças conceituais e conjunturais características da

Idade Moderna, como por exemplo, o processo de dessacralização do poder e o nascimento do

individualismo e do humanismo marcando um direito móvel e mais dinâmico. Essa

concepção dinâmica e positiva do direito, segundo Paolo Prodi, não ocorreu imediatamente

até ser praticada cotidianamente na sociedade moderna. O processo que dinamizou o direito

82KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Tradução do

original alemão Wilma Patrícia Mass - Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC- Rio, 2006. 83

PRODI, Paolo. Uma história da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2005. 84

PRODI, Paolo. Uma história da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p.166.

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iniciou no final da Idade Média e demorou até se concretizar, assim como também foi lento o

processo em que o homem se libertou do Estado e seus poderes.

O pensamento jurídico dos séculos XV e XVI, influenciado pelo humanismo, marcou

uma mudança de interesse operacional do direito. Da comparação e conciliação das normas

passava-se a um “esforço de fornecer à norma uma base histórico-filológica e uma reflexão

teológico-filosófica capaz de fundá-la e sustentá-la na realidade concreta da sociedade85

”.

Ainda sobre a influência dos humanistas no pensamento jurídico, Prodi mencionou que

a discussão a respeito dos princípios do direito tendia a transferir-se cada vez mais para o

plano da filosofia moral, da ética e da teologia, e a vincular-se a Aristóteles, a Cícero, a São

Tomás de Aquino. Era nesse ponto “que o pensamento político começa a separar-se do

pensamento jurídico, e a reflexão sobre o comportamento moral começa a separar-se do

direito canônico para confluir na teologia ou na filosofia86

”.

Contudo, a administração da justiça vinculava-se ao poder, e a epieikeia como poder

interpretativo da lei por parte do juiz referia cada vez menos a um direito escrito, ou a uma

equitas considerada a alma do direito canônico, para referir cada vez mais à interpretação das

leis87

.

Nessa passagem e mudanças decorrentes de um direito canônico e eclesiástico surgido

no século XV, que tinha o papa como um legislador e juiz, o problema central verificado por

Paolo Prodi era o da relação entre o foro interno e externo. À medida em que a jurisdição

sobre o foro externo escapava ao poder da Igreja para se juntar aos novos poderes políticos

que surgiam, o papa tendia a absorver, no foro interno, a maioria das questões jurídicas que

antes eram administradas pela Igreja no foro externo88

.

Esse controle das questões jurídicas, passado ao foro interno, evidenciava a importância

da penitência apostólica, que surgira no século XIII, para administrar a justiça da Igreja, tanto

no foro interno quanto no externo, ganhava maior importância no século XV. A penitência se

tornava um instrumento papal que transferia parte da disciplina da Igreja do foro externo para

o foro interno mediante o aumento das tensões entre o foro secular e o eclesiástico89

.

85 Idem, p.168.

86 Idem, p.170.

87 Ibidem.

88PRODI, Paolo. Uma história da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p.176.

89 “Com a multiplicação dos casos, cuja absolvição é reservada ao papa, e com a concessão das indulgências,

com a transferência de muitas matérias da esfera disciplinar externa ao foro interno, desenvolve-se a formação de

um foro interno não-sacramental, desvinculado da penitencia: não julgamentos sobre o pecado cometido, mas

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134

Construiu-se durante o pontificado de Pio II um senhorio espiritual de novo tipo sobre a

cristandade - uma central da consciência - e para Prodi, o desenvolvimento da penitencia

devia ser entendido como uma administração da justiça na sua função constitucional em

relação à Igreja e à sociedade90

. Não se tratava apenas de pregar e aumentar o temor a Deus

imbuindo na vida após a morte uma ameaça ao fogo eterno, mesmo o medo servindo como

um instrumento fundamental para um ordenamento coativo, mas de construir, com base nesse

medo real, um sistema de justiça concorrente com os dos novos Estados seculares91

.

Nas transformações ocorridas nas relações entre a Igreja e o Estado nos séculos XIV e

XV, sobretudo na mudança conceitual de pecado e poder, Prodi apontou que houve uma

alteração na justificativa do poder. Antes, justificava-se o poder como um instrumento para

dominar o pecado, e depois, nos princípios da Idade Moderna, o poder era justificado pela sua

função de utilidade e interesses públicos, como o “bem comum”. O exercício do poder

passava a ser justificado então, pelas necessidades e utilidades públicas, o que alterava

também, juntamente com a noção de poder, a de política da época. A essa função política

Prodi mencionou que não atendia apenas à tutela da sociedade, mas continha também um

papel interno de formar e regular o indivíduo92

.

Dessa maneira que, ainda não existindo uma separação entre os vários foros os quais o

homem devia se reportar a respeito de suas ações e culpas, não se tinha a separação entre o

pecado e a infração, entre a desobediência à lei da Igreja e àquela do príncipe. O que se tinha

para este período era justamente a ampliação da esfera do pecado abarcando os casos de

delitos tradicionais e os contra a utilidade pública93

.

Paolo Prodi mostrou que o exercício e a justificativa do poder se dava por meio da

utilidade pública e que então, descumpri-la era ao mesmo tempo cometer um delito e um

pecado. Por isso tais argumentos como “bem comum”, “conservação da República”, estavam

concessões de graças ou interpretações relativas ao futuro, foro que será teorizado mais tarde por Francisco

Suárez”. Podemos considerar que a tensão podia não ser apenas entre o foro secular e eclesiástico, mas também

com conflitos e desentendimentos dentro da própria igreja e suas ordens, como ficou mostrado pelo debate em

torno do probabilismo. In: PRODI, Paolo. Uma história da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p.177. 90

“Num plano mais genérico, o funcionamento da Penitenciaria e de todo o sistema que gira em torno dos casos

reservados leva-nos a ressaltar que não é suficiente considerar a administração da penitência do ponto de vista da

história social e da história das mentalidades, mas é necessário inseri-la no processo mais amplo de evolução da

justiça, da mudança dos foros em que o homem é chamado a comparecer para justificar as próprias ações”. In:

PRODI, Paolo. Uma história da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p.179. 91

Idem, p.180. 92

Idem, p.181. 93

Idem, p.182.

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135

presentes na Real Cédula de 24 de novembro de 1601 de maneira a preservar a obediência aos

interesses públicos, a exaltar o poder do soberano e criar uma obrigação que era civil e

moral94

. Desse modo, o direito tornou-se a manifestação da vontade do monarca e

desobedecê-la era um ato tanto contra Deus quanto contra o Estado:

(...) o delito e a sua repressão não concernem mais apenas às pessoas

envolvidas, mas à sociedade enquanto tal; todo delito torna-se, de

certo modo, crimen laesae maiestatis, como atentado contra o

monopólio do poder do monarca e do Estado. A tal fato corresponde

uma mudança no próprio conceito subjetivo de culpa, que tende a ser

vista não mais como dividida entre o pecado e a infração, entre uma

esfera interior e outra exterior, mas como algo totalizador, que faz

com que a desobediência à norma se torne rebelião contra Deus e a

sociedade ao mesmo tempo95

.

O Estado precisava da Igreja e servia-se do aparato jurídico do foro interno da confissão

para penetrar na consciência dos súditos. Havia então, o pecado como ato exterior em

violação à lei e o pecado como vontade interior contra a reta razão de Deus. Neste ponto Prodi

marcava que mesmo havendo uma diferença entre as leis, ocasionada por uma divisão de

poderes políticos e jurídicos, nenhum domínio civil ou eclesiástico podia ser questionado por

um pecado de pensamento que devia resposta somente a Deus. Nenhuma infração da lei

positiva podia implicar em um pecado mortal e a uma danação eterna, a não ser na medida em

que continha uma violação da lei divina: em todo o caso, o legislador não podia impor penas

que estivessem fora de seu alcance e jurisdição contra a própria instituição do Sacramento da

penitência. Assim como também não podia impor um ato interno como o amor de Deus96

.

Nesse sentido, era preciso distinguir o que era de direito divino e o que era constituído

por normas positivas humanas que se alteravam com o tempo. Um exemplo prático disso era a

confissão: “o sacramento é de direito divino, mas o modo como o indivíduo deve se

confessar, com quem e quando são todas normas de direito positivo que podem mudar97

”.

94Voltaremos a este assunto no item onde trataremos do conceito de consciência nos tratados e nos pareceres.

95PRODI, Paolo. Uma história da justiça, 2005, op. cit., p.186.

96 Idem, p.197.

97 Idem, p.199.

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A norma moral que obrigava em consciência, entre direito divino e positivo só ocorria

quando a lei positiva, divina ou humana fosse justa. O problema central entendido por Prodi

era o do desenvolvimento totalmente novo da lei positiva, que diante das diversas

interpretações, afirmava ser um fenômeno não formalizado, não oficializado, porém, muito

evidente e comum. A norma moral se separava da norma jurídica e adquiria forma própria,

além de uma autonomia. Contudo, restava o fato de que até o século XV não era possível

separar a ideia da norma moral daquela do direito natural e do direito divino: “a infração da

norma moral consistia na infração do direito divino ou natural ou do direito humano,

canônico, ou civil, como emanação da esfera jurídica superior98

”.

Para o pensamento do século XIII, de acordo com Prodi, a teologia representava a

ciência do ser; o direito canônico representava a ciência do dever ser, mas após alguns

séculos, no inicio da Idade Moderna, essas definições mudaram. Isso porque há algum tempo

a doutrina do dever ser se desenvolvia fora do direito canônico e dentro da teologia e da

filosofia tornando-se autônoma e incorporando a parte essencial da penitencia, antes reservada

aos canonistas. Com a separação do direito canônico da teologia, nascia a teologia moral

como reflexo e ensinamento ao foro interno99

.

Nessa nova situação histórica do século XV, Paolo Prodi apresentou o problema da

obrigatoriedade ou não em seguir a consciência das leis e dos estatutos, eclesiásticos e civis.

A dúvida surgida era a de que: Podia a lei humana obrigar em consciência sob pena de pecado

mortal? A resposta dada por esse autor passava necessariamente pela definição de

consciência. A definição de consciência encontrada por Paolo Prodi, capaz de responder a

essa dúvida, não era mais a concepção de “sindérese”, herdada da tradição grega, que tinha

como principio intelectivo e interpretativo da lei em apenas distinguir o bem e o mal, mas sim

o conceito moderno de consciência como um tribunal interno do homem. “Não apenas a

consciência correta obriga a alma, mas também a errônea: portanto, abre-se a discussão sobre

a relação entre a consciência subjetiva e a lei100

”.

Ainda respondendo a essa pergunta da obrigatoriedade da lei, no que se referia à lei

divina, o problema era claro porque mesmo que a consciência fosse errônea, ou seja, levasse a

uma ação contrária à lei divina, ela não podia ser seguida porque de qualquer forma o pecado

98 Idem, p.203.

99Nos próximos itens nos atentaremos sobre a teologia moral, e o probabilismo em específico. PRODI, Paolo.

Uma história da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p.205. 100

Idem, p.209.

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seria ainda mais grave. Contudo, o problema estava em obedecer a uma ordem humana

contrária à lei divina. Nessa situação, a sindérese tinha a força e a virtude que dirigia a

consciência para o bem. Juridicamente esse problema da obrigatoriedade da lei era mais

delicado e apresentava outra pergunta: Quando existem diversas opiniões e interpretações das

leis, pecava se seguia outra opinião?

Para Paolo Prodi, o que lhe parecia mais importante era que o discurso sobre a

obrigação em consciência de seguir a opinião mais provável, ou seja, a defendida pela maioria

e pelos melhores doutores referia não ao âmbito moral (como foi o caso do probabilismo do

século XVII), mas à lei: era a consciência que se media com o direito e não consigo mesma.

“Entre o foro da lei e o foro da justiça divina: a única ligação estava dentro da consciência do

juiz” 101

.

Dessa forma, a doutrina sobre a obrigatoriedade em consciência da lei humana, civil ou

eclesiástica adquiriu uma dimensão ligada à consciência e a um foro interno unido ao

sacramento da penitência. Sendo assim, as leis injustas que não correspondiam ao bem

comum ou que eram provenientes de quem não tinha o poder legítimo, não obrigavam em

consciência. “(...) o controle das consciências é tanto ou mais importante para o príncipe

quanto o processo de territorialização da Igreja que, com a formação de um direito direto ou

indireto dos príncipes em relação aos benefícios e com a administração eclesiástica dos

próprios territórios102

”.

Era a lei divina que exigia que os súditos obedecessem à lei sob pena de pecado. Prodi

comentou sobre o caráter da Igreja no século XV afirmando que este correspondia a um

Estado orgânico e compacto que existiu sobre o governo absoluto da monarquia papal,

delegada por Deus, e legitimada pelo poder legislativo e judiciário da monarquia enquanto tal:

A obrigação de obedecer à lei não depende dos conteúdos desta, mas

deriva da própria característica da lei positiva, que produz uma ordem

‘artificial’ ínsita no ato de governar: é o príncipe, seja ele o papa ou

um soberano secular, que, possuindo o poder coativo, pode

transformar a lei natural em lei positiva, mantendo sua capacidade de

vincular a consciência103

.

101Idem, p.211.

102Idem, p.213.

103Idem, p.216.

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138

Para o século XVI, Paolo Prodi afirmou que o Estado ainda continuava sendo a temática

do pensamento político europeu e que as obras desse período tratavam sobre a obrigatoriedade

em consciência da lei e sobre o Estado. Como exemplo de tais obras mencionou Francisco de

Vitoria, Jean Driedo, Martín de Azpicuelta e Alfonso de Castro. O que era comum nos

trabalhos destes autores do século XVI era a ideia de que a lei do Estado podia vincular, em

consciência, os súditos sob pena de pecado mortal.

Francisco de Vitoria foi referenciado por Prodi porque representava a primeira fundação

moderna de uma ordem ética, fundada nos princípios do direito natural que encontrou sua

realização apenas na virtude, dentro de cada homem, e nas relações pessoais entre os homens

e a sociedade104

. Em sua obra ele ressaltou a primazia da lei divina sobre as humanas por

manifestarem a vontade de Deus, porém, a lei humana também provinha de Deus, e tanto a lei

divina quanto a humana podiam obrigar sob culpa de pecado venial ou mortal. Já a

importância da obra de Jean Driedo de 1546, colocava à prova a vinculação das leis humanas

ás leis divinas, de modo que se as leis não fossem justas e nem aceitas pelo povo, não

obrigavam105

. Azpicuelta escreveu em 1549 sua obra Enchiridion e este, segundo

interpretação de Paolo Prodi, concordou com as argumentações de Driedo para a prática

confessional. Para Azpicuelta nenhuma transgressão das leis penais humanas comportava

pecado a não ser na medida em que implicava numa violação das leis naturais e divinas106

.

b) a interpretação da Real Cédula de 24 de novembro de 1601 e Instrução ao vice-

rei do Peru.

A tensão entre a norma e a sua aplicação foi intensificada no contexto americano nos

séculos XVI e XVII. A América espanhola apresentava uma enorme novidade no espaço, nas

práticas e nas soluções encontradas pelo direito. O desenvolvimento material da monarquia e

104Idem, p.218.

105Idem, p.221.

106Idem, 2005, p.222.

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139

da economia do Mediterrâneo dependia da exploração mineral das colônias e esta se regulava

por ordenações locais e não peninsulares107

.

Em virtude da própria inconstância desse contexto social e das divergências encontradas

entre as leis e as circunstâncias locais, várias Juntas e pareceres foram solicitados tanto por

teólogos quanto por juristas. Estes pareceres de reais cédulas pretendiam, relacionando as

normas régias com a observação da realidade colonial, uma harmonia e adaptação entre os

extremos sociais e os interesses políticos e econômicos.

Nas Cédulas reais direcionadas às Índias não estava disposta apenas a formulação das

normas jurídicas realizadas de acordo com a apresentação de casos concretos, mas os vazios,

dificuldades e contradições dessa mesma regulação legal e os assuntos que as motivava. Toda

lei, independente de sua aplicação ou não, possuía valor enquanto um reflexo da atitude de

seu autor, no caso o rei, e os critérios e necessidades dominantes no governo da Espanha.

Encontramos na legislação os problemas morais, políticos, sociais e econômicos de cada

região, assim como a tensão em aplicar tais normas para os casos concretos.

As reais cédulas e ordenações eram preceitos casuísticos expedidos para solucionar os

casos concretos, sem pretensões de serem universais. As situações específicas determinavam a

criação das normas e as peculiaridades indianas levavam a ressaltar as noções de diversidade,

mutabilidade e distância108

. Dessa forma, a força da concepção casuística das leis alterava a

atividade governativa demonstrando também uma forma de adaptação jurídica. São estas

alterações e adaptações que analisaremos nas ordenações e na Real Cédula de 1601.

A Real cédula de 24 de novembro de 1601, também conhecida como a cédula do

Servicio Personal, foi escrita em Valladolid e dirigida a Don Luis de Velasco, vice-rei do

Peru desde 1595. Nesta cédula de 27 capítulos estavam referidas todas as formas de serviços e

os cuidados que em cada um se devia proibir ou tolerar109

.

No segundo e terceiro capítulos sobre os excessos dos encomenderos, encontramos a

proibição dos serviços pessoais sem embargo de qualquer costume, leis, ordenanças e

provisões contrárias, e, para os que não a cumprissem, a perda da encomienda e suspensão do

ofício por dois anos:

107TAU ANZOÁTEGUI, Víctor, Casuismo y sistema. Indagación histórica sobre el espíritu del Derecho

indiano. Buenos Aires: Instituto de Investigaciones de Historia del Derecho, 1992, p.318. 108

Idem, p.317. 109

PEREIRA, SOLÓRZANO, Juan de, Política Indiana., Tomo I, Libro II, Capítulo II, n.12, ediciones Atlas,

Madrid, 1972, p.144

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140

Para cuyo remedio ordeno, y mando, que de aquí adelante no haya, ni

se consienta en esas Provincias, ni en ninguna parte de ellas, los

servicios personales, que se reparten por via de tributos á los Indios de

las Encomiendas: y que los Jueces, y las personas que hicieren las

tasas de los tributos, no los tasen por ningún caso en servicio personal,

ni le haya en estas cosas, sin embargo de qualquiera introduccion,

costumbre, ó cosa, que cerca de ello se haya permitido; só pena que el

Encomendero, que usare de ellos y contaviniere á esto, por el mismo

caso haya perdido, y pierda su Encomienda (…)110

.

No capítulo sexto o rei solicitou que se avisasse publicamente que os índios podiam

deixar as chácaras onde eram detidos sem liberdade e sem doutrina, e ao saírem delas não

seriam presos e ou compelidos a voltarem:

(…) y para que mejor se cumpla lo susso dicho mando que los oidores

de las audiencias en cuyo distrito cayeren las dichas chacaras y

heredades quando salieren a visitar la tierra las vissiten y no

consientan que los indios que hallaren en ellas estén contra su

voluntad ni con ningún genero de servidumbre executando en los

culpados las sobre dichas penas (…) que tan solamente se permite de

aquí adelante es que se puedan serbir en las dichas chacaras y

heredades de los indios que quissiern serbir en ellas de su propia

voluntad por el tiempo y en la forma que voluntariamente se

concertaren y mando a vos el mi virrey que al pressente says o

adelante fueredes lo hagays guardar y cumplir imbiolablemente111

.

Neste capítulo, podemos perceber que, ao mesmo tempo em que o rei liberava os

índios tratados como escravos nas chácaras das províncias do Peru, e mandava que os

ouvidores que as visitassem e encontrassem índios neste regime de servidão aplicassem as

devidas penas, ele continuava a permitir os serviços desde que os índios os fizessem de

acordo com suas vontades e pelo tempo e forma que voluntariamente concordassem. Isto

parece um tanto contraditório, visto que o funcionário régio responsável por essa fiscalização

teria que perguntar a cada índio que lhe parecesse ser tratado como escravo se o fazia

obrigatoriamente ou voluntariamente. Esta podia ser uma forma encontrada pelo rei de

reconhecer a liberdade do índio, proibindo o regime de servidão, e de manter politicamente

seu interesse econômico permitindo os mesmos serviços proibidos com a condição de serem

voluntários.

110Real Cédula, clausula 2ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.33.

111Real Cédula, clausula 6ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.38-39.

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141

Essa nossa ideia foi confirmada pelo oitavo capítulo. A intenção do rei não era a de

acabar com as chácaras, mas que os índios não fossem oprimidos e compelidos nelas contra

vontade:

Y porque mi intencion no es de quitar a las dichas chacaras heredades

y viñas el servicio que han menester para su lavor y beneficio sino que

teniendo todo el necessario los indios no sean oprimidos ni detenidos

en ellas contra su voluntad como lo han sido por lo passado (…) los

indios puedan acudir al beneficio y lavor de las dichas chacaras y

heredades y puedan ser dotrinados e instruidos en las cosas de nuestra

santa fe catholica (…) para el aprovechamiento y conservacion de los

indios112

.

No nono capítulo, o rei permitiu que seus corregedores ou alcaides ordenassem o

trabalho indígena da maneira que melhor lhe parecessem: “(...) el corregidor o alcalde de cada

pueblo como mejor os pareciere y hordenaredes tengan cuydado com hazer que los yndios

que tuvieren fuerças y hedad para el trabajo salgan cada dia a las placas (...)”113

.

No décimo capítulo, ele manifestou seu desejo de manter os repartimientos expondo a

necessidade deste para o sustento e a conservação da terra e dos próprios indígenas. Sob o

argumento da necessidade pública, o rei obrigava e ordenava que os índios trabalhassem, na

forma e nos meios que parecessem mais suaves e convenientes ao vice-rei do Peru:

(...) y relevarlos de los dichos repartimientos no se convierta en su

descomodidad y mayor daño y de la republica y con que los indios

que de su natural condición rehussan el trabajo y son inclinados a

olgar que les es de gran prejuicio han de servir trabajar y ocuparse en

los dichos servicios (…) porque no se podría sustentar ni conservar la

tierra sin el trabajo servicio e industria de los indios conbendra y assi

lo ordeno y mando que sean compelidos a ello en la forma como y por

los mas suabes medios que os pareciere y proveyeredes y ordenaredes

para ello de manera que teniendo respecto y consideración a todo lo

referido lo dispongays de la manera que mas conviniere para la

conservación de los mismos indios y de esa republica y comercio della

para lo qual os doy poder y facultad y en caso que por estas causas

convenga y sea forçoso que aya repartidores de los dichos indios114

.

112Real Cédula, clausula 8ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.40.

113Real Cédula, clausula 9ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.40.

114Real Cédula, clausula 10ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.41

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142

Os capítulos dessa Real Cédula mostraram como o rei argumentava de acordo com a

necessidade que tinha. Se fosse para proteger os índios da escravidão, então esses eram livres

e doutrinados na Santa Fé Católica, mas se era para conservar a República então podiam ser

compelidos e obrigados a trabalharem conforme parecesse melhor a quem os comandava. A

lei favorecia o sentido que lhe era dado e a necessidade interpretada. Para fins econômicos e

políticos era mais do que permitido o trabalho indígena, este era ordenado, o sentido e a

utilidade estavam claros. Mas em se tratando de maus tratos, então esses índios, supostamente

católicos, recebiam um olhar de um rei católico que os liberava do serviço obrigatório.

Na vigésima terceira cláusula o rei manifestou sua vontade ordenando que o vice-rei

tivesse cuidado com o trabalho indígena e com os que ficassem doentes nas minas por ser esse

um benefício para elas115

.

A intenção e vontade do rei eram a de que os índios trabalhassem para as necessidades

da República e não fossem oprimidos116

, e que o vice-rei solicitasse pareceres para os

assuntos que desconhecesse e assegurasse o cumprimento e cuidado da vontade régia117

.

Terminando a Real Cédula de 16 de novembro de 1601, o rei ordenou o bom tratamento

e aproveitamento dos índios e seus benefícios para conservação das terras e das minas, e

ordenou a solicitação de pareceres de pessoas experientes118

. Esta Real Cédula de 1601 não

115“(…) y porque mi voluntad es que sean relevados del en quanto se pueda ordeno y mando que de aqui adelante

no se desaguen con indios las dichas minas sino que se haga con negros o con otro genero de gente lo qual

encargo y mando a vos el mi virrey tengais particular cuidado de prover y ordenar que asi se haga y cumpla en

quanto fuere possible o como mas convenga al mayor beneficio seguridad y alivio y menos vexacion de los

indios y de manera que por esta causa no cesse el beneficio y lavor de las minas”. In: Real Cédula, clausula 23ª,

In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.49. 116

“Y porque es justo y conforme a mi intención que pues los indios han de trabajar y ocuparse en todas las cosas

necessarias en la republica y an de vivir y sustentarse de su trabajo sean bien pagados y satisfechos del y se las

hagan buenos tratamientos (…) encagor de nuevo y mando a vos el mi virrey que aviendolo conferido y tratado

con personas platicas en cada genero de lavor y trabajo y oydo los pareceres de los que mas noticia y experiencia

tengan de aquellas cosas (…)”. In: Real Cédula, clausula 24ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de

índios. Sevilla, 1946, p.49-50. 117

“(…) a de estar a cargo de vos el mi Virrey el cuidado del cumplimiento y execucion de lo sobre dicho por

tocar también esto a todos los estados de la gente habitantes en esas provincias a los juezes por el cumplimiento

de mis hordenes a los prelados por la obligación que tienen de mirar por el bien espiritual y temporal de aquellos

naturales a los españoles por su particular acreescentamiento y bien universal y conservacion y aumento de esos

reinos”. In: Real Cédula, clausula 26ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.50. 118

“(…) graves de mis consejos lo que de susso va referido mas porque mi intencion y voluntad es que en todo se

de la orden que mas conviene para mayor beneficio y mas segura conservacion de todo y de ello resuelten muy

buenos efectos (…) para que aviendo entendido mi intencion y visto en lo que toca a las minas las ordenanças

que están hechas y aprobadas por el emperador y rey mis senõres aguelo y padre que ayan gloria (…) y esta se

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correspondia ao único documento que continha as instruções dirigidas ao vice-rei do Peru.

Antes dela, em 22 de julho de 1593 foi despachada uma Instrucción al virrey del Peru, Luis

de Velasco encarregando-lhe de consultar os pareceres dos ouvidores nos assuntos

importantes, e, mesmo com tais pareceres, que ele decidisse segundo o que lhe parecesse

melhor não sendo obrigado a seguir a opinião dos ouvidores:

En las cosas que tocaren a la gobernación de esa tierra, entenderéis

vos solo conforme a las provisiones e instrucciones que para ello os he

mandado dar; pero será bien que siempre comuniquéis con los dichos

oidores las cosas importantes y que a vos os parecieren para mejor

acertar, y seguiréis lo que después de comunicado con ellos os

pareciere119

.

Essa instrução mostrou os outros assuntos sobre os quais o vice-rei deveria estar

informado, para além dos serviços pessoais e trabalhos nas minas e encomiendas. Por

exemplo, no segundo capítulo da Instrucción al virrey del Peru, sobre o cuidado que este

devia ter com a conversão e doutrinamento dos índios, garantindo que não faltassem

religiosos para o serviço, apresentou a opção de que se ele não conseguisse cumprir esta

ordem poderia agir como melhor lhe conviesse:

(...) y en caso que con esto no se pueda cumplir, y toda via aya falta de

Doctrina comunicareys con el audiencia, y Prelados la orden que alla

se podra dar, y no la aviendo, me avisareys con vuestro parecer, y el

de la dicha audiencia, para que se provea lo que convenga, y en el

entretanto vos y ella lo provereys como mejor se pudiere: porque por

falta de Doctrina, y ministros que la enseñen, los Indios no podezcan

dispone con personas de mucha experiencia y satisfacion añadays y quiteys lo que os pareciere (…) y juzgaredes

convenir para mayor beneficio y alivio de los indios y de la lavor de las minas y comodidad de los mineros (…)

dispuesto en quanto fuere possible y no tuviere inconveniente de consideracion ni pudiere causar sentimiento y

descontento general (…)”. In: Real Cédula, clausula 27ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios.

Sevilla, 1946, p.52. 119

Esta Instrução foi escrita pelo rei Felipe II em resposta à carta dos ouvidores e fiscais de Lima que em 1591

relataram a esse rei que o então vice-rei do Peru, García Hurtado de Mendoza devia pedir os pareceres dos

ouvidores para os assuntos importantes, desta forma, o monarca envia ao próximo vice-rei, Don Luis de Velasco,

essa instrução para que ele consulte tais ouvidores. ENCINAS, Diego de, Cedulario Indiano. Reproducción

facsímil de la edición única de 1596. Estudio e índices por el Doctor Don Alfonso García Gallo. Catedrático de

Instituciones Políticas y Civiles de América de la Universidad de Madrid. Madrid, Tomo I, Ediciones Cultura

Hispánica, 1945, capítulo LXX, p.324.

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ni reciban perjuyzio en sus animas y conciencias, que con esto

descargo mi conciencia, y encargo la vuestra120

.

No sexto capítulo, para o caso de alguns prelados religiosos incomodarem a ponto de

impedir o cumprimento da norma, o rei mandou que se procedesse de modo discreto, e não

podendo agir dessa forma, que comunicasse ao rei e este, “con recaudos ciertos de la calidad y

circunstancias del caso, y de lo que para su remedio puedo y devo proveer”121

.

Neste sexto capítulo, podemos perceber que o rei podia agir, pressupondo um

descumprimento da lei, de acordo com as circunstâncias do caso. Esse cuidado demonstrado

pelo monarca, de se atentar ao caso específico para agir como melhor parecesse, também pode

ser observado no oitavo capítulo dessa mesma Instrucción. Neste capítulo, pedia-se que o

vice-rei não permitisse que os eclesiásticos discursassem coisas que inquietassem as pessoas e

que se isso chegasse a acontecer, que o mesmo agisse com “prudencia, suavidad y buenos

medios que de vos confio: y no aprovechando, si los casos fueren tales que requieran mayor

remedio, usareys del que os pareciere convenir”122

.

A forma como a lei estava escrita dava margens a várias interpretações segundo a

necessidade particular e pública. A lei podia ter o sentido que a necessidade e utilidade

orientassem. O vice-rei podia argumentar em favor da sexta cláusula e fechar os

repartimientos que abusavam e exploravam dos índios os tratando como escravos, mas

também podia se apoiar na décima cláusula da Real Cédula de 1601 e permitir que os mesmos

índios trabalhassem, contra a vontade, por simplesmente ser essa uma necessidade pública e

política de conservação da República e em ambas estaria cumprindo com a lei.

A decisão de qual cláusula aplicar era resultado do que parecesse melhor a quem

analisasse os casos, as leis e as circunstâncias fossem juízes, religiosos ou o vice-rei. Cabia ao

vice-rei do Peru deliberar conforme sua consciência encontrasse retidão e seu dever político

tivesse espaço. Havia uma autonomia na escolha de como agir conforme considerasse mais

120ENCINAS, Diego de, Cedulario Indiano. Reproducción facsímil de la edición única de 1596. Estudio e

índices por el Doctor Don Alfonso García Gallo. Catedrático de Instituciones Políticas y Civiles de América de

la Universidad de Madrid. Madrid, Tomo I, Ediciones Cultura Hispánica, 1945, capítulo II, p.308. 121

ENCINAS, Diego de, Cedulario Indiano. Reproducción facsímil de la edición única de 1596. Estudio e

índices por el Doctor Don Alfonso García Gallo. Catedrático de Instituciones Políticas y Civiles de América de

la Universidad de Madrid. Madrid, Tomo I, Ediciones Cultura Hispánica, 1945, capítulo VI, p.309. 122

ENCINAS, Diego de, Cedulario Indiano. Reproducción facsímil de la edición única de 1596. Estudio e

índices por el Doctor Don Alfonso García Gallo. Catedrático de Instituciones Políticas y Civiles de América de

la Universidad de Madrid. Madrid, Tomo I, Ediciones Cultura Hispánica, 1945, capítulo VIII, p.310.

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145

conveniente e possível sem causar inconvenientes e descontentamentos. Mesmo que os

manuais de teologia orientassem a essa interpretação, a decisão tomada, nesse conflito entre a

liberdade subjetiva e as normas, era sempre do foro interno.

A norma estava escrita de uma forma que permitia várias interpretações, e, seguir uma

opção ou outra não significava desobedecer à vontade do rei. Ambas as decisões eram

garantidas e permitidas, o que parecia ser uma forma de probabilismo enunciada por Fr.

Henrique de Villalobos para o caso da dúvida prática.

A autoridade local também podia suspender a lei em caso de sua inobservância e isso

com o consenso do rei, o que era visto como um meio de adaptar a lei à circunstância típica

do Novo Mundo:

Il funzionario si trovava, quindi, a dover mediare tra molteplici

esigenze. In caso di incompatibilità di una disposiziones del potere

reale con le esigenze dei territori d’oltremare le autorità locali

potevano sospendere il provvedimento in attesa di nuove istruzioni. Il

principio della inosservanza della legge fu utilizzato, con il consenso

dei sovrani, fin dal primo momento della Conquista, come messo per

adattare le leggi alle circostanze tipiche del Nuovo Mondo123

.

Podemos notar nessa autonomia dada ao vice-rei Don Luis de Velasco uma forma de

deliberar possuindo várias possibilidades e opções prováveis. Se se podia agir conforme

parecesse mais conveniente, e tendo poder e faculdade para isso, então, o que parecesse mais

conveniente se alterava de acordo com os casos e as interpretações. As leis não determinavam

o que se devia fazer segundo parecesse melhor e conviesse, esta deliberação era feita pelos

juízes e vice-reis que, pelo arbítrio que detinham, interpretavam as normas. Sendo assim, as

leis permitiam uma margem de autonomia e flexibilidade presentes no arbítrio de seus

magistrados por meio da interpretação dos casos. Neste ponto do arbítrio e da interpretação

vemos conectada a elaboração das leis com a aplicação das mesmas, e temos o embate entre a

consciência subjetiva e a lei.

Nesta Instrucción ao vice-rei de 1593 e na Real Cédula de 1601 não estavam descritas

apenas as normas jurídicas para os casos da conversão e dos trabalhos indígenas. Podemos

123D’ESPOSITO, Francesco, “Encomienda”, giuramento e strategie di controllo: il disciplinamento del

funzionario nel Nuovo Mondo (secolo XVI)”. In: Il vincolo dle giuramento e il tribunale della coscienza, Annali

dell’Istituto storico italo-germanico, Quaderno 47, Società editrice il Mulino, Bologna, 1993, pp.213-242, p.227.

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pensar que o monarca ao escrever essas instruções as fez pensando tanto na sua observação e

aplicação quanto no seu descumprimento. A adaptação da lei era permitida para que se fizesse

justiça em casos e lugares desconhecidos pelo rei. Com isso, ele assumia que suas normas e

instruções podiam não ser adequadas ou acatadas e transferiu ao parecer e à consciência do

vice-rei a responsabilidade de deliberar e decidir sobre o caso direcionado por elas. Dessa

forma, as normas régias eram parâmetros e possibilidades, entre outras, de construir o direito.

Parece, contudo, que o rei apresentava na sua forma de legislar a incerteza da aplicação

da própria lei que escrevia e seu caráter contraditório124

. Para esses casos de inadequação da

lei ou de incerteza de sua execução, o vice-rei tinha permissão de agir como melhor lhe

parecesse e conviesse a cada caso e circunstância porque tinha a confiança do monarca.

Esses exemplos evidenciaram um sentido próprio de justiça, lei e instrução. Mesmo o

rei manifestando qual era a sua vontade e intenção, ele reconheceu que para se aplicar a

justiça, pessoas de sua confiança que juravam fidelidade e eram prudentes, podiam solicitar

pareceres, deliberar conforme melhor conviesse e de acordo com a qualidade e circunstancias

do caso, com obrigação em consciência para tal125

.

Pelo o que vimos nessas normas régias, talvez, uma das formas de se garantir a

aplicação da justiça fosse conferindo aos magistrados e governantes um espaço e arbítrio para

interpretarem casos e leis de maneira prudente. Isso porque se sabia que as leis não abarcavam

todas as especificidades e particularidades da América colonial, e que mesmo com leis e

instruções, a interpretação e a decisão sobre elas variavam em cada sentença e mudavam a

cada dúvida prática e moral. Ter dúvida sobre a lei ou o caso não significava desqualificar o

124Sobre esse caráter contraditório e ambíguo, Carlos Garriga explica: “El carácter contradictorio que a veces

parece tener la política regia aconseja no subestimar la importancia de los factores que pueden influir sobre la

voluntad del rey: no hace falta insistir en el pedo literalmente decisivo que la propia conciencia puede llegar a

tener en sociedades no secularizadas, pero tampoco cabe minusvalorar la importancia de la Corte, si por tal

entendemos al conjunto de personas – políticos, en sentido lato – que rodean inmediatamente al monarca e

influyen en sus decisiones. Que haya una sola instancia decisoria suprema no es a priori garantía de coherencia

política: en rigor, por momentos no hay una sino varias políticas igualmente regias, porque dependen por igual

de su voluntad, que de este modo se nos aparece literalmente fragmentado”. GARRIGA; Carlos. “Los límites del

Reformismo Borbónico: a propósito de la administración de la justicia en Indias”. In: Derecho y administración

pública en las Indias hispánicas, volumen I, pp.781-821, p,786. 125

Víctor Tau Anzoátegui, em seu artigo “La doctrina de los autores como fuente del derecho castellano-

Indiano”, Revista de Historia del Derecho, n.17, Buenos Aires, 1989, pp.351-408, menciona que “(…) el

objetivo era juzgar conforme a razón, equidad y justicia. Debía admitirse en el tribunal la variedad de opiniones

y la libertad para disentir, pero el juez no debía decidir jamás por solo su ingenio y capricho, apartándose de la

escrita y bien cimentada y practicada jurispericia. Añadía que estamos obligados a seguir, cuando juzgamos o

aconsejamos las opiniones comunes y más aprobadas y probables”, p.376.

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147

direito. Pelo contrário, demonstrava um exercício jurisprudencial em explorar as

possiblidades, observando os costumes, considerando as circunstâncias, analisando as

opiniões e autoridades.

Nas transformações ocorridas nas relações entre a Igreja e o Estado nos séculos XIV e

XV, sobretudo na mudança conceitual de pecado e poder, tivemos uma alteração na

justificativa do poder. Na Idade Moderna, tal era dado pela utilidade pública e necessidade

comum.

Dessa forma, como estava disposta a norma não se pode afirmar que havia nela um

conceito único de justiça. Neste ponto nos deparamos com a tensão entre a elaboração da

norma e a sua aplicação. Não importava saber se a lei foi cumprida conforme estava prevista

na Real Cédula e nas Instruções, mas conhecer qual foi o parecer do vice-rei, considerado por

ele mais conveniente ao caso segundo seu entendimento e vontade, que deu sentido e utilidade

à lei para aplicá-la ou não. Segundo Jesús Vallejo, “La justicia no se crea en el derecho; se

declara en él. El derecho no se crea al establecer la norma; a ella se trasladan principios

previos de concreción necesario en orden a su aplicación práctica”126

.

A justiça estava na deliberação da lei feita pelo vice-rei e juízes. Dessa decisão dos

magistrados que nos atentaremos e perguntamos: o que significava agir conforme lhe

parecesse melhor e agir com prudência? Tanto o arbítrio quanto a prudência que se

considerava que o vice-rei tinha não estavam determinados e descritos nas normas régias. A

resposta para a pergunta de como se era prudente e de como se usava o arbítrio para

interpretar da maneira mais conveniente os casos e as normas era encontrada nos manuais de

teologia.

Esses, ao descrevem e demonstrarem uma variedade de casos e possibilidades de

soluções, estavam interpretando estas mesmas situações e orientando à interpretação de quem

os leria como se a interpretação também estivesse regrada e limitada aos argumentos

apresentados nessas obras. Era normal se ter dúvida no momento de sentenciar. A dúvida

podia ser resolvida lendo os manuais de teologia que continham uma, entre outras, das

possiblidades apresentadas no século XVI para fazer justiça. Eles ofereciam e exploravam

uma diversidade de casos e possibilidades que orientavam o arbítrio. Tais manuais de

teologia, e também pareceres de pessoas conscientes e experientes, serviam de guia de como

126VALLEJO, Jesús, Ruda equidad, ley consumada. Concepcion de la potestad normativa (1250-1350). Centro

de Estudios Constitucionales, Madrid, 1992, p. 307.

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se deve ser, interpretar e como argumentar. A interpretação não era livre, ela estava cerceada

por regras morais.

3.4. Interpretação e arbítrio.

A interpretação e o arbítrio funcionavam como forma de mediar e conectar a norma e o

fato concreto. Tal conexão conferia à regra concretamente utilizada a efetividade da sua

finalidade. O que havíamos dito, anteriormente, sobre o fato de que a lei possuía a utilidade e

necessidade dadas a ela, vem explicado pela conexão que a interpretação e o arbítrio faziam

da norma e a situação específica. O sentido que configurava finalidade para a lei era dado na

interpretação feita dessa e do caso.

Nel tempo dello ius commune la soluzione è un’altra: coinvolgere nel

processo della produzione del diritto anche il momento della sua

applicazione; in esso la connessione tra norma e fatto concreto non è

di tipo dialettico ma di tipo teleologico, per cui la fruibilità della

norma è intrinsecamente prodotta da questo processo di

manifestazione del diritto in cui evidentemente è necessaria una

mediazione (interpretatio e arbitrium). Tale connessione porta infatti

a sottolineare nella regola concretamente utilizzata la effettività dei

fini più che la sua forma, per cui vale la formula cessante ratione

cessat ipsa les. In questo contesto sono l’interpretazione e la

discrezionalità ad assicurare la necessaria fruibilità alla norma127

.

Para haver essa conexão entre a interpretação e o arbítrio, tinha que se conhecer a norma

e o fato. Ao interpretar a Real Cédula e escrever seus pareceres a propósito do arbítrio que ao

vice-rei era dado sobre o cumprimento e execução dessa mesma norma, Fr. Miguel Agia

iniciou afirmando sobre essa necessidade de conhecer as leis para não ser um mero executor

sem conhecimento algum. Parece que essa conexão feita pelo arbítrio só ocorre depois do

conhecimento das circunstâncias e das possibilidades. Se não houvesse esse conhecimento

127MECCARELLI, Massimo, Arbitrium. Un aspetto sistematico degli ordinamenti giuridici in età di diritto

comune. Università di Macerata. Pubblicazioni della Facoltà di Giurisprudenza, Seconda serie, Milano – Dott. A.

Giuffrè Editore, 1998, p.324.

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não se podia fazer uma interpretação consciente e prudente, e não se podia justificar a

necessidade de adaptação da lei ou sua ineficácia. Só se podia alterar a lei depois de conhecer

sua relação com o fato e saber que não se aplicava a ele.

Mesmo que as leis não fossem aplicadas, elas precisavam ser conhecidas e com isso

não perdiam seu status128

. A lei tinha que ser conhecida, mas se seria obedecida ou não,

caberia ao arbítrio do vice-rei decidir129

. A obrigação não implicava em coação130

. Essa

coação, parece, seria dada depois pelo o que o arbítrio do vice-rei deliberasse. Mesmo que

houvesse uma obrigação em consciência, revogar a lei por uma causa justa e uma boa razão,

significava ser prudente e demonstrava conhecimento sobre as circunstâncias. Pode ser que o

conhecimento da realidade era tão importante quanto o efetivo cumprimento das leis. Ele que

encontrava o sentido e utilidade para norma que seria considerada como justa ou injusta para

ser executada ou não.

As características de um juiz árbitro, que conhecia antes de executar, era a de poder

alterar, mudar, remover, executar, deixar de executar o que conviesse ao bem comum da

República, a conservação dos índios, da República, do comércio dessa e proceder e prover

conforme parecesse melhor131

.

128“(...) pero el hecho puede otorgar a la norma estatutaria características propias que más profundamente la

separen del concepto de ley, por lo que habrá que ver si son dichas notas específicas sustanciales o no. Su ámbito

de vigencia espacial o personal más reducido no implica especiales problemas para seguir equiparando el

estatuto a la ley (…)”. In: VALLEJO, Jesús, Ruda equidad, ley consumada. Concepcion de la potestad

normativa (1250-1350). Centro de Estudios Constitucionales, Madrid, 1992, p.279. 129

Jesús Vallejo aponta que o próprio conceito de lei é polissêmico. Pode-se dizer que é lei a do príncipe, a

norma que deriva do pacto, a que forma parte do direito divino, o costume e o estatuto municipal. E essa

consideração nos mostra o quando era amplo o entendimento de lei. Ver: VALLEJO, Jesús, Ruda equidad, ley

consumada. Concepcion de la potestad normativa (1250-1350). Centro de Estudios Constitucionales, Madrid,

1992, p. 277. 130

“Obligatoriedad no implica necessariamente coacción, y son los instrumentos precisos para lograrla los que

quedan sin concreción de ninguna espécie (...). VALLEJO, Jesús, Ruda equidad, ley consumada. Concepcion de

la potestad normativa (1250-1350). Centro de Estudios Constitucionales, Madrid, 1992, p. 269. 131

“Primeramente se debe advertir, que de tal manera manda su Magestad se guarde y execute lo ordenado en

esta Real Cédula, que no quita al señor Virrey del Peru el conoscimiento de lo que se manda executar: para que

su señoria vea si conviene, o no executarse de manera que no es nudo, o mero executor sin conoscimiento como

suelen ser los tales meros executores (…) sino juez arbitro (si lícitamente puede llamarse por este nombre) pues

tiene autoridade su Señoria de añadir, y quitar, alterar, mudar, remover, executar, y dexar de executar lo que

viere que conviene ao bien comum de la Republica, como claramente lo da a entender su Magestad (…) como y

por los mas suaves medios que os paresciere y proveyederes y ordenaredes para ello, de manera que teniendo

respecto y consideración a todo lo referido lo dispongays de la manera que mas conviere para la conservación de

los mesmos indios y de essa Republica y comercio de ella (…)”. In: AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres

pareceres graves enderecho, etc., Lima, 1604, ed. de AYALA, F.J., Servidumbres personales de indios, Sevilla,

1946, Tercero Parecer, p.115.

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150

Nessa definição de juiz árbitro de Fr. Miguel Agia, não bastava apenas conhecer a

Real Cédula, mas todos os assuntos que diziam respeito às Índias e para os casos que não

estivessem descritos nessa norma, que se buscassem os pareceres de pessoas experientes e

conscientes no caso. Para Fr. Miguel Agia, consultar as opiniões de outros doutores era

considerado um ato singular de prudência132

. Assim como prevenir o que o tempo pode

permitir suceder antes que acontecesse e se tivesse que remediar133

. A prudência era uma

virtude especial:

La prudencia es una virtud especial, sin ninguna duda: es a la vez

intelectual y moral, por lo cual requiere la presencia en el sujeto tanto

de inteligencia práctica como de buena voluntad. Las dos exigencias

mencionadas deben darse simultáneamente. Un hombre prudente debe

poseer al mismo tiempo sabiduría práctica y bondad (…) la prudencia

asigna el justo medio a las virtudes morales134

.

Da mesma forma que o vice-rei estava obrigado em consciência a executar e mandar o

que estava descrito na Real Cédula, por ser isso uma obrigação dada pela lei Divina, se na

mesma se entendia que não havia uma causa justa, a obrigação em consciência passava a ser a

de não aplicá-la. A razão disso estava porque a causa justa retirava o pecado mortal de

desobedecer à lei135

. Retornamos assim à conexão que a interpretação e o arbítrio faziam da

norma e do fato concreto, e, essa conexão tinha um lugar claro: a consciência.

O franciscano considerava que o arbítrio do vice-rei podia alterar e deixar de executar

uma lei régia quando esta fosse considera injusta, ou quando não tivesse uma causa que fosse

justa. Don Luis de Velasco também não estava obrigado em consciência a aplicar leis que não

132AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves enderecho, etc., Lima, 1604, ed. de AYALA,

F.J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Tercero Parecer, p.121. 133

AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves enderecho, etc., Lima, 1604, ed. de AYALA,

F.J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Tercero Parecer, p.114. 134

CONDERANA CERRILLO, Jesús Manuel, Virtudes, prudencia y vida buena en la Suma Theologiae de Santo

Tomás de Aquino, Universidad Pontifica de Salamanca, Bibliotheca Salmanticensis – Estudios 337, Salamanca,

España, 2012, p.97 e 115. 135

“(…) que el señor Virrey esta obligado en consciencia a mandar executar y guardar lo que justamente viene

ordenado y mandado en esta Real Cédula, pues a esto lo obliga la ley Divina (…) y la ley humana Canonica (…)

salvo si le escusa alguna justa causa porque si su Señoria la tiene no estará obligado a ello según la doctrina de

Sancto Thomas (…) donde enseñan que la causa justa escusa de peccado mortal en el quebrantamiento de la ley

(…)”.In:AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves enderecho, etc., Lima, 1604, ed. de

AYALA, F.J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Tercero Parecer, p.117.

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151

fossem recebidas pelos súditos e nem pela maioria da República136

. Isso evidenciava que o

conhecimento das leis, para o seu efetivo cumprimento, tinha que ser tanto da autoridade local

quanto dos súbitos. O vice-rei não podia alterar o que não conhecia e nem condenar uma ação

de alguém que o fazia sem intenção porque não conhecia as regras137

. Talvez por isso que a

confissão, evangelização e doutrinação dos índios fosse tão importante na América espanhola.

Os índios aprendiam sobre a obrigação moral que deviam ter em consciência, através do

confessionário quando lhe ensinavam o que era pecado, certo/errado, bom/mal. O

confessionário era, para além de um espaço de absolvição dos pecados, reconhecimento e

aprendizado de uma norma de conduta moral e política.

A interpretação e o arbítrio diminuíam as distâncias existentes entre a letra da norma e a

sua aplicação a casos concretos. O arbítrio também era uma atividade normativa que

modificava, incluía, excluía e adaptava as leis. Para Jesús Vallejo, “tanto al describir la acción

– hacer la ley es interpretar la equidad - como sus resultados – la ley es interpretación de la

equidad -, ambos términos se convierten en equivalentes138

”.

Assim, a modificação do direito era feita para adequá-lo à realidade e a lei devia variar

segundo a sua matéria e forma para estar de acordo e acomodada com a realidade e utilidade

da República. Essa adaptação e flexibilização foi interpretada por Agia em seu primeiro

parecer sobre os repartimientos de índios. Depois de mencionar as diferenças de quantidade e

de qualidade, afirmou que os ofícios realizados nesse eram diferentes e que as leis deviam se

adequar a essas diferenças, “todo lo qual se deve mucho de considerar para templar el rigor de

esta dicha Cédula”. Em todos os repartimientos o trabalho era diferente, o pagamento, as

horas, os danos e os proveitos, e isso tudo explicava a necessidade vista pelo franciscano para

alterar, adequar a lei sobre os obrajes de panos139

.

136AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves enderecho, etc., Lima, 1604, ed. de AYALA,

F.J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Tercero Parecer, p.118. 137

Essa questão também remete à de pecado e ignorancia que não iremos examinar nesse texto. 138

VALLEJO, Jesús, Ruda equidad, ley consumada. Concepcion de la potestad normativa (1250-1350). Centro

de Estudios Constitucionales, Madrid, 1992, p.317. AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres

graves enderecho, etc., Lima, 1604, ed. de AYALA, F.J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946,

Primero Parecer, p 64-65. 139

“(...) Todo lo qual se debe mucho de considerar para templar el rigor de esta dicha Cedula, teniendo atención

al trabajo mayor, o menor, y al mas, o menos perjuyzio, que los indios resciben, y que algunos de los dichos

repartimientos se han acostumbrado hazer, permitiéndolo las leys y ordenanças Reales (…) las leyes se han de

acomodar a la Republica, y no la Republica a las leyes, y assi mesmo han de ser útiles, y provechosas, como

ordena el Derecho, encaminadas a quietud, paz y concordia, y que sean tales que aya quien las guarde, y se

puedan guardar. (…) De las leyes de Platon pues era necesario criar nuevos hombres y nuevos pueblos a quien

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152

A interpretação de Agia sobre as cláusulas da Real Cédula nos parece contraditória.

Para a segunda cláusula que ordenava: “que no haya ni se consientan en esas provincias los

servicios personales que se reparten por via de tributos a los indios de las encomiendas”, ele

considerou como o mais justo e Santo de toda a Real Cédula. Era justo proibir o serviço

pessoal porque era contra a lei natural, divina e humana. Contra a lei divina porque os índios

eram livres por natureza e se era contra a lei natural, necessariamente – segundo Navarro e os

Santos Apóstolos – também seria contra a lei divina140

.

Para a terceira cláusula sobre os índios que padeciam nos obrajes de panos e engenhos

de açúcar, o rei proibiu e mandou que em nenhuma parte, nem província desses reinos, os

mesmos pudessem trabalhar nos ditos obrajes. Na interpretação de Fr. Miguel Agia estava:

“Ya tengo probado que en los obrajes e ingenios donde cesa la razón final de esta ley debe

cesar lo que en ella esta proveido (…) Todo lo cual es de grande provecho y utilidad para la

Republica y como tal lo apruebo (…) Solamente hallo que tiene necesidad de remedio lo que

pasa en algunos obrajes particulares donde no son pagados algunos indios con la fidelidad y

puntualidad que se requiere”141

.

Na décima cláusula, na qual o rei mencionou que sua intenção era a conservação da

República, nem que para isso se tivesse que fazer que os índios se ocupassem nos serviços

pessoais, Agia considerou como conforme ao direito por ser boa e útil tanto para os índios

quanto para a República. O teólogo franciscano não mencionou a condição indígena, em

questões de direito, a ordem do rei era justa porque apresentava uma razão e sentido com

finalidades públicas. Nesse aspecto jurídico, não importava se o serviço era pessoal ou nas

minas, os índios estavam compelidos a trabalharem pelo bem comum e a esse propósito

deviam obediência.

O arbítrio era útil para adequar a norma e os fatos às especificidades locais da América.

A característica, ou caracterização do arbítrio como poder respondia sempre ao conteúdo

normativo, dispositivo, que dizia respeito ao caso específico. O arbítrio tido como “poder”

las dichas leyes se pudiessen acomodar, conforme a lo qual dizen los Philosophos sabios, que el Legislador

deben considerar las costumbres, los lugares y personas, y sus calidades quando establesce la ley para de esta

manera según la variedad de la materia variar la forma”. In: AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres

pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F. J., Servidumbres personales de indios, Sevilla,

1946, p. 64-65. 140

AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, p.80. 141

AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.

J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Terceiro Parecer, p.89 a 91.

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153

tornava-se efetivamente um poder jurídico com o qual dava concretude ao iurisdictio142

. A

modificação do direito existente, em outras palavras, fui enquadrada na perspectiva de uma

adequação às mudanças e realidades do tempo, não assumia os contornos de um poder de

revogação, mas de adaptação143

.

Parecer, na definição de Agia era arbítrio. Em latim era o mesmo que videbitur,

denotat arbitrium regulatiuum boni viri144

- o que parece, denota o arbítrio do homem bom -

apresentava que uma forma de analisar melhor cada caso e norma era estando presente e

conhecendo as circunstâncias dos casos específicos, solicitando opiniões de pessoas

entendidas no assunto, buscando a boa razão e a causa justa, o bem comum, a utilidade e

necessidade e a conservação da República. Esses exemplos de como ser prudente e de como

usar o arbítrio e a interpretação eram argumentos políticos, econômicos e religiosos que

fundamentavam qualquer deliberação dada pelo vice-rei ou um juiz, segundo o sentido e a

utilidade que considerassem justos.

A concepção de uma moral implicava a presença de paradigmas de conduta e

comportamento considerados válidos para todos os homens, e não determinados como tais

pela subjetividade individual. Em outras palavras, o homem obedecia a uma norma ditada por

Deus ou pela natureza porque a encontrava em seu próprio âmbito cultural, interpretada pelos

critérios vigentes como racionalmente fundada. Nesse sentido, reconhecia-a como norma

mediante o juízo de sua consciência145

.

Arbítrio para Massimo Meccarelli era de fato um poder orientado através do parâmetro

do seu referente. Desta maneira, parecia util considerar o reflexo produzido no âmbito da sua

caracterização conceitual. “In particolare il fenomeno è ben visible rispetto a tre categorie:

l’aequitas, la iustitia, la ratio146

”.

O arbítrio era, portanto, manifestação da equidade. Segundo Vallejo, a lei era a

interpretação da equidade. Encontrar uma justa medida, um bom senso entre a norma e o fato,

142MECCARELLI, Massimo, Arbitrium. Un aspetto sistematico degli ordinamenti giuridici in età di diritto

comune. Università di Macerata. Pubblicazioni della Facoltà di Giurisprudenza, Seconda serie, Milano – Dott. A.

Giuffrè Editore, 1998, p.13. 143

Idem, p.331. 144

AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves enderecho, etc., Lima, 1604, ed. de AYALA,

F.J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Tercero Parecer, p.127. 145

BACIGALUPO, Luis, Intención y Conciencia en la Ética de Abelardo. Pontificia Universidad Católica del

Perú- Fondo Editorial, Lima, Perú, 1992, p.38. 146

MECCARELLI, Massimo, Arbitrium. Un aspetto sistematico degli ordinamenti giuridici in età di diritto

comune, 1998, op. cit., p.15.

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154

que se conectavam na consciência pela interpretação e arbítrio, manifestava uma equidade. A

equidade conferia ao arbítrio uma função normativa capaz de indicar uma solução. “Perciò il

nesso arbitrium – aequitas conferisce all’arbitrium non solo la compatibilità con il sistema,

mas anche una vera e propria valenza sistematica connessa a una valenza política”147

.

Pela interpretação e arbítrio conferidos ao vice-rei, toda vez que este interpretava a

norma e o caso, buscava nessa mediação intelectiva e subjetiva, a causa justa e a boa razão

para o que efetivamente aplicasse, ordenasse e executasse. Isso nos demonstrou que o

conceito de justo e injusto era relativo. Como saber a justiça de uma causa? De acordo com

Fr. Miguel Agia, a causa justa era o que o vice-rei julgasse com boa fé o que fosse justo,

mesmo se na realidade não fosse. Isso se dava porque agir de boa fé era em si um bom motivo

para não pecar. O embate entre a consciência subjetiva e a lei no momento de sentenciar foi

solucionado por Agia na busca pela boa intenção. Se havia uma boa fé, uma boa intenção ao

descumprir a lei, então a causa para tal era justa e essa ação não era pecadora e nem

imprudente:

Y también se puede tener por causa justa la que su Señoria con buena

fe juzgare ser tal aunque real y verdaderamente no lo sea de todo

punto, porque esta, también bastante causa para escusar de pecado

mortal, aunque no de venial (…)148

.

A característica fundamental da lei justa, para Miriam Turrini, era ter a finalidade para o

bem comum, a equidade distributiva, a autoridade jurisprudencial do legislador, a recessão, a

aplicabilidade segundo os dados e a matéria consonante com a lei divina e natural149

. Mas, no

contraste entre o foro da consciência e o foro externo, o que a lei positiva distinguia da divina

e natural, não obrigava a consciência. Também percebemos esse embate e conflito entre os

dois foros na interpretação de lei justa de Fr. Miguel Agia. O franciscano afirmou que se algo

fosse contra a lei natural ou divina, não somente o vice-rei não estava obrigado a segui-lo,

como se executasse pecava mortalmente. Primeiramente, deveria obedecer à Deus e depois

147Idem, p.18.

148AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves enderecho, etc., Lima, 1604, ed. de AYALA,

F.J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Tercero Parecer, p.119. 149

MIRIAN, Turrini, La coscienza e leggi.Morale e diritto nei testi per la confessiones della prima Età moderna.

Annali dell’Istituto storico ítalo-germanico. Società editrice il Mulino, Bologna, 1991, p. 259.

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155

aos homens. As leis que não correspondessem às leis divinas e naturais não deveriam ser

executadas mesmo que o próprio rei as mandasse e ordenasse executar150

.

3.5. Intenção e vontade.

a) prudência como discernimento da ação humana

O embate entre a consciência subjetiva e a lei era solucionado pela intenção e boa razão.

Dessa forma, a consideração do que vinha a ser “bom” e “mau” não estava descrita nas leis e

sim nos manuais de teologia e nos livros penitenciais151

. Buscando o que seria considerado

“boa intenção”, recorremos à obra de Luis Bacigalpo sobre a Ética de Abelardo. Pedro

Abelardo se perguntou sobre a consciência moral e privilegiou o fator subjetivo na sua análise

teológica e nos problemas éticos:

(…) Al igual que en el Evangelio los filósofos han sabido determinar

lo moral a partir de la intención del individuo, y enseñan que el mal

debe evitarse por amor a la virtud y no por temor al castigo. (…) En

consecuencia, lo moralmente bueno no viene determinado por la

acción realizada sino por la intención. La acción como tal,

moralmente, es indiferente. El pecado aparece sólo en el momento en

el que el individuo consiente en hacer algo que él reconoce como

malo, aun cuando no llegue a plasmar su deseo en una acción. Puesto

que el hombre es libre de consentir o no, dicho consentimiento

representa un menosprecio de Dios. Así, pus, pecar significa pasar por

encima de un precepto moral que el individuo reconoce como

normativo152

.

Para Abelardo era necessário que a consciência moral não estivesse errada. Do mesmo

modo não devia dizer que uma intenção era boa porque parecia ser, mas que era boa porque

era. Devia existir uma garantia, “objetiva”, que respaldasse os juízos sobre o bom e o mau e

que fosse independente das opiniões de cada indivíduo. Abelardo se perguntou se existia para

150“(...) porque assi como no es licito a su Señoria cometer algún pecado mortal por su voluntad: Assi tampoco

por mandárselo su Magestad: porque en las cosas que son manifiestamente injustas, o ilícitas y contra ley de

Dios ningún mandato de ningún hombre aunque sea Rey puede obligar. Y assi aconsejan los Doctores (…)”. In:

AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves enderecho, etc., Lima, 1604, ed. de AYALA, F.J.,

Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Tercero Parecer, p.119. 151

BACIGALUPO, Luis, Intención y Conciencia en la Ética de Abelardo. Pontificia Universidad Católica del

Perú- Fondo Editorial, Lima, Perú, 1992, p.24. 152

BACIGALUPO, Luis, Intención y Conciencia en la Ética de Abelardo. Pontificia Universidad Católica del

Perú- Fondo Editorial, Lima, Perú, 1992, p.29.

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156

isso um critério e instância ultima. A resposta encontrada por ele foi positiva. Se a ética cristã

devia chegar a ser uma reforma da lei natural na que se sustentava a ética filosófica, isto era

assim porque somente a caridade evangélica podia garantir a ausência do erro na apreciação

das próprias intenções, ou seja, no juízo da consciência153

. A partir da Antiguidade e da Idade

Média já se considerava que a consciência moral era entendida como “juiz interior”, divino ou

natural, que julgava sobre os motivos últimos da conduta. A partir desse ponto começou a

desenvolver o sentido moral da culpa154

.

A decisão em torno da ação correta ou incorreta baseava-se na atenção dedicada às

intenções e motivos da ação. Assim, o conceito abarcava um aspecto subjetivo representado

pela intenção e um objetivo representado pelas consequências da ação realizada. Ambos

aspectos foram considerados por alguns autores antigos como critérios da moralidade155

.

Apenas o motivo da ação decidia se esta era boa ou má. Dessa forma, a prudência,

considerada desde Cícero como a mãe de todas as virtudes, consistia no discernimento entre o

bom e o mau. A prudência era necessária tanto para distinguir as virtudes dos vícios como

para desmascarar os vícios que se apresentava como virtudes, coisa essa feita apenas pelos

homens experientes que tinham conhecimento prático do que significava ser prudente e

virtuoso. Assim, era mediante à prudência que a justiça sabia o que se devia dar a cada um,

que a fortaleza possuía discrição frente aos seus propósitos e a temperança moderação frente

aos seus156

. Por isso, o sentido e a função da prudência deviam estar claros, porque ela era a

virtude que intuía a norma moral de frente aos desejos da vontade, mostrando-se como um ato

da consciência157

. A prudência era discernimento.

Os dois fatores que intervinham na ação humana eram a razão e a vontade. Nesses dois

fatores se podia notar a convergência e a divergência entre prudência e livre arbítrio. Ambos

eram juízos sobre a vontade, mas o juízo da prudência, que qualificava de boas ou más as

intenções ou propósitos da vontade, supunha o juízo livre, pois este determinava se aquilo que

se tinha a intenção de realizar devia fazer ou não, e assim resultava-se a qualificação prudente

dos desejos158

.

153 BACIGALUPO, Luis, Intención y Conciencia en la Ética de Abelardo. Pontificia Universidad Católica del

Perú- Fondo Editorial, Lima, Perú, 1992, p.30. 154

Idem, p.34. 155

Ibidem. 156

BACIGALUPO, Luis, Intención y Conciencia en la Ética de Abelardo, 1992, op. cit., p.77. 157

Idem, p.84. 158

Idem, p.89.

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157

Havia uma íntima relação entre a prudência e o livre arbítrio. Para Abelardo, o arbítrio

era um juízo livre sobre a vontade. Era a deliberação segundo a qual o homem se propunha a

realizar uma ação e este juízo deliberado propunha ao homem uma finalidade à sua

vontade159

. O homem sempre tinha a possibilidade de escolher livremente se permitiria,

consenteria ou reprimiria a própria vontade. Assim, a má vontade significava, por um lado, a

vontade disposta pela paixão a fazer algo que objetivamente não convinha: esta vontade não

se podia evitar porque ocorria por necessidade natural; mas por outro lado, significava a

vontade disposta pela paixão “viciada”, ou seja, que permanecia até a ação incorreta: esta

deveria evitá-la porque supunha empenho e deliberação. Nos dois casos a vontade era má

porque o que queria não convinha querer160

.

Para que la voluntad pueda ser calificada moralmente – ya no como

mera buena o mala voluntad sino como meritoria o culpable -, y para

que el deseo intencional que despliegue sea consecuentemente lícito o

no, es indispensable una previa comprensión, por parte del mismo

individuo, de lo que es licito y de lo que no lo es, es decir, es

necesario un juicio previo que determine el deber y un juicio

subsecuente que reconozca lo que debe hacerse en la coyuntura moral

concreta. Esto indica una dependencia de la voluntad con respecto al

libre arbitrio y la prudencia en orden a ser moralmente calificada (…)

en su propia decisión final161

.

A intenção como critério da moralidade, como vimos com Abelardo, mostrava que

conhecer a si mesmo como sujeito moral implicava saber do livre arbítrio e da prudência. A

relação entre conhecer a norma e o conhecimento do próprio ato humano –volitivo –

constituía a consciência moral.

b) consciência moral: conhecer a norma e conhecer a si mesmo

159 Idem, p.88.

160 Idem, p.120.

161 Idem, p.167.

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158

Foi acrescentado ao conflito entre a consciência subjetiva e a lei, a obrigação moral e a

intenção162

que criavam uma obrigação para a consciência. O conflito entre a norma e o

indivíduo, de fato estabelecido, permitiria esquecer o “ser” em sua plenitude, e o novo modo

de interpretar a norma jurídica pela teologia moral seria pelo juízo sobre a juridicidade dos

comportamentos ao invés da obrigação ético-religiosa, e essa mudança poderia causar

confusão e incerteza no direito canônico163

.

Os teólogos afirmaram que as leis civis e o foro externo deviam conformar-se todo o

possível ao direito natural e à jurisdição do foro interno164

. Toda lei humana obrigava em

consciência em virtude do direito natural. Em contrapartida, a lei considerada injusta,

contrária ás exigências da natureza humana, não obrigava. Isso causava um conflito interno de

como o direito natural podia ser aprovado e condenado ao mesmo tempo e sobre os mesmos

aspectos e atos. O problema moral em relação à lei natural era se a desobediência à lei

humana significava uma ofensa a Deus e um pecado. Deus era a base de toda a moral, não

como uma garantia externa, como um guardião arbitrário da ordem, mas como um valor

absoluto, como o ser e o bem, que dependia da sua essência mesma para todos os outros

valores particulares165

. A violação da lei natural separava o homem de Deus.

Esse valor absoluto que configurava todos os outros valores particulares influenciava

na intenção e vontade do juiz e legislador no momento de aplicar e de escrever as leis. A

jurisprudência não se referia apenas à regra judicial, mas a formação do juiz: “(...) Los jueces

no solamente influyen en la norma al juzgar y al sentenciar, sino tambien, y aún antes que

juzgando, fijando los textos y matizando las normas. De ahí que el elemento jurídico doctrinal

162“(...) para la jurisdicción del fuero interior, el criterio último para evaluar un contrato era el derecho natural. Y

Lessius decía que cada contrato, aun nulo, produce una obligación natural, esto es, una obligación en el fuero de

la conciencia, a condición de que sea celebrado libremente por las partes que tienen la capacidad de contratar

(…) El contrato, en todo caso, debía ser perfeccionado y ejercitado respetando las formas prescritas por las leyes

civiles o eclesiásticas”. In: DECOCK, Wim, La moral ilumina al derecho común: teología y contrato (siglos XVI

y XVII). Derecho PUCP, n.73, 2014, pp.,513-533, p.520. 163

“Il perene conflitto tra norma e individuo che si sarebbe instaurato avrebbe fatto dimenticare l’essere nella sua

pienezza, e il nuovo modo di interpretare le norme giuridiche da parte della teologia morale, attenta al giudizio

sulla giuridicità dei comportamenti piuttosto che sulla loro obbligazione etico-religiosa, avrebbe provocato

confusione e incertezza nello stesso diritto canonico”. MIRIAN, Turrini, La coscienza e leggi.Morale e diritto

nei testi per la confessiones della prima Età moderna. Annali dell’Istituto storico ítalo-germanico. Società

editrice il Mulino, Bologna, 1991, p.25. 164

DECOCK, Wim, La moral ilumina al derecho común: teología y contrato (siglos XVI y XVII). Derecho

PUCP, n.73, 2014, pp.,513-533, p.520. 165

VEREECKE, Louis, Conscience Morale et Loi Humaine. Selon Grabriel Vazquez S.J. Bibliothèque de

Théologie, Série II, Théologie Morale, sous la direcion de Ph. Delhaye – J. C. Didier – P. Anciaux, Vol. IV,

Desclée & Cie, Éditeurs, 1957, p.54.

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159

venga a interferirse en las actividades redactora y juzgadora166

”. Entendemos por elemento

jurídico doutrinal a intenção e todos os princípios e valores que se agregavam a ela e

motivavam a vontade de agir e ato de julgar. Dessa maneira, a intenção, um critério moral,

distinguiria uma lei obrigada em consciência, de uma simples ordenação. Era a doutrina moral

que mobilizava o discurso jurídico dando-lhe o peso da obrigatoriedade da lei em consciência.

Sobre a intenção e a lei para Manuel Puerto:

Francisco Suárez considera que la ley existe como producto de la

voluntad del legislador y no por la existencia de una razón material

que las justifique. A partir de este concepto de derecho, resulta claro

que la interpretación no puede ser otra cosa que la averiguación de la

intención del autor. Ésta se presume expresada en las palabras de la

ley: si son claras ése es el sentido de la ley; si son ambiguas, es

preciso atender a la mens legislatoris; si el caso no está previsto en

ésta última, el juez empleará la epiqueya, entendida por Suárez como

la intención presunta del legislador167

.

A consciência oferecia um princípio geral para a ação, descobrir o que era bom e mau

em cada caso era algo da razão, do livre arbítrio, e nesse caso a consciência tinha a

possibilidade de errar. Podemos afirmar que a consciência não garantia a verdade “em si”

mesma, mas somente a verdade “para si” do princípio da ação que oferecia168

. Nesta

deliberação feita sobre a qualidade da ação, a interpretação e o arbítrio eram fundamentais

para identificar o motivo e a intenção.

Se a seguridade de agir com justiça estava na consciência e na reta intenção, a

consciência só podia saber da justiça de uma ação realizada ou, melhor ainda, por realizar-se,

quando se confrontava com a intenção que determinava a finalidade da mesma. Este era o

momento no qual a consciência cobrava sua função de tribunal natural. O testemunho que

outorgava estava condicionado além pelo fato de que a moral não se desligava em absoluto da

166 PEREZ, Juan Beneyto, Fuero, costumbre y doctrina en el derecho medieval español. Publicado en la revista

General de Legislación y jurisprudencia – Marzo de 1969, Reus, S.A., p. 08. 167

RODRÍGUEZ PUERTO, Manuel J., Notas históricas sobre la elección del método interpretativo. In:

ITXASO, María Elósegui e AYUDA, Fernando Galindo, (Eds.) “El pensamiento jurídico. Pasado, presente y

perspectiva”. Un libro homenaje al Prof. Juan José Gil Cremades. El justicia de Aragón, Zaragoza, 2008, pp.963-

990, p.969. 168

BACIGALUPO, Luis, Intención y Conciencia en la Ética de Abelardo. Pontificia Universidad Católica del

Perú- Fondo Editorial, Lima, Perú, 1992, p.286.

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160

sua dimensão religiosa. Somente o homem e Deus conheciam este testemunho169

. Por esta

razão o principal critério da moralidade era a intenção de agir ou não em conformidade com a

própria consciência. A consciência moral era a instância necessária da mediação subjetiva das

exigências objetivas dos atos humanos170

.

A vontade e intenção de quem escreveu as leis e de como as interpretou, era mais

importante do que a aplicação da lei. A razão tinha o papel de ajudar a conhecer a vontade do

legislador. Pode acontecer que a intenção do legislador, como aparece expressa na lei, não

estivesse conforme com a finalidade desta. Neste caso, o juiz podia estender ou restringir o

significado da norma. A interpretação passava a ser um ato que corrigia a lei. Assim, o juiz

aplicava a norma de acordo com a sua opinião sobre o significado, decidia segundo sua

própria noção do que o legislador deveria ter estabelecido. Podemos pensar que se o juiz

decidia conforme ao que acreditava ser o que deveria estar estabelecido na lei, então ele

interpretava com a utilidade e necessidade que configuravam significado para a norma. Dessa

forma, parece que o arbítrio do juiz estava condicionado pela utilidade que ele dava às leis. A

utilidade e necessidade controlavam o próprio arbítrio do juiz na sua interpretação. Assim, o

arbítrio respondia a uma utilidade encontrada na interpretação, como vemos nas

argumentações de Agia sobre o bem comum, a causa justa, a boa razão, ou a conservação da

República e minas.

O significado concreto do caso particular estava dado pela situação e circunstâncias

deste. Do contexto do discurso surgia o significado concreto, como vimos com Koselleck.

Mais ainda, do contexto e das especificidades do local surgiam várias decisões que “diziam”

uma nova justiça para cada caso. O fator decisivo na interpretação do juiz sobre o caso

específico e sobre o significado da norma estava na sua consideração sobre os fatos, e, neste

processo, o mais decisivo era a experiência de vida. Por experiência de vida podemos

considerar o que Agia definiu como prudência: consultar as opiniões de outros doutores,

conhecer todos os aspectos antes de sentenciar e prevenir o que o tempo possa permitir que

aconteça171

. Isto porque se, ao ter o conhecimento de que algo podia acontecer e não se faz

169 BACIGALUPO, Luis, Intención y Conciencia en la Ética de Abelardo. Pontificia Universidad Católica del

Perú- Fondo Editorial, Lima, Perú, 1992, p.308. 170

Idem, p.325. 171

“(…) Prudencia será, y muy buen gobierno prevenir con tiempo lo que puede suceder, y no aguardar que

suceda para buscar después el remedio como el derecho (…) Y pues la prudencia es propia virtud de los que

gobiernan (…) Debe resplandecer en ellos en todo lo que hacen, particularmente en prevenir lo que puede

suceder (…) Y a los que no hacen esta condena el Spiritu Sancto por insipientes (…) Y a propósito de esto

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161

nada para preveni-lo, se agia imprudentemente e se era condenado pelo Espírito Santo como

inexperiente. Ou seja, a prudência era a virtude que orientava a consciência, que encontrava

uma justa medida, um bom senso entre a bondade humana e a inteligência pratica e que

tornava o homem experiente.

c) decisão jurisprudencial

A Real Cédula tinha que ser conhecida para poder ser cumprida, executada ou

desprezada sob um argumento de inutilidade pública. O vice-rei, como um juiz arbítrio,

consciente, a conhecia e a interpretava juntamente com as circunstancias encontradas no vice-

reinado do Peru no início do século XVII. Prova disso pode ser o documento intitulado:

Relación del Señor Virrey Don Luis de Velasco al Señor Conde de Monterrey sobre el estado

del Perú de 28 de novembro de 1604.

Neste documento estão enunciados 67 temas trazidos pelo vice-rei Velasco para

informar seu sucessor, o Conde de Monterrey, sobre a situação da Província do Peru. No item

27 sobre Servicios personales de los indios y lo que se ha hecho en razón de ellos, Velasco

apontou a dificuldade de conciliar todas as considerações entre as normas e a realidade. Expôs

as incongruências da seguinte forma: Entre as cláusulas da Real Cédula com a necessidade de

conservar e garantir o sustento da República através do trabalho dos índios; com a Instrução

recebida; com a realidade da província e o problema dos maus tratos sofridos pelos índios que

faziam com que esses diminuíssem de número a cada ano.

Ele comentou que consultou várias pessoas experientes nesse assunto, inclusive

religiosos de outras ordens que não apenas a franciscana, e a todos parecia impossível

introduzir o que o rei mandava sem causar ruína e prejuízo à República. Como deliberar e

decidir a respeito de uma norma, a qual os pareceres dos consultados diziam que não era

possível aplicar sem causar dano, se justamente era essa a intenção e vontade do rei? Parece

que a Real Cédula de 1601 carecia de motivo e de intenção para ser aplicada. Ou essa

finalidade foi considerada inadequada para a realidade. Assim, cabe outra pergunta: quando

hallamos Canones, y Leyes establescidas para negocios que están por venir (…). Y esto me paresce, salva la

censura de la Yglesia, y de otro qualquiera que mejor sienta”. In: AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres

pareceres graves enderecho, etc., Lima, 1604, ed. de AYALA, F.J., Servidumbres personales de indios, Sevilla,

1946, Tercero Parecer, p.114.

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162

falta motivo para a aplicação da lei, não aplicá-la era um problema ou um alívio para a

consciência do juiz? Dar sentido e utilidade à norma, pela interpretação e arbítrio, parecia ser

um meio de harmonizar os vazios e conflitos existentes entre a consciência subjetiva e as leis.

Ao menos a interpretação e o arbítrio davam sentidos práticos a uma lei que não dispunha de

motivo e intenção, tanto pelo seu texto escrito, quanto pela opinião dos doutores.

A decisão de Velasco foi provida dentro do que considerava conveniente para a

salvação dos índios e diminuição dos abusos. Em seu arbítrio, considerando as normas e os

fatos, preferiu agir em benefício e preservação dos índios porque isso mantinha a retidão de

sua consciência e conservava a Província. Sua justificativa em cuidar e poupar os índios

indicava que a República necessitava da mão de obra indígena. Preservar os índios era uma

maneira de garantir o bem comum da República e de tentar diminuir com a opressão e maus

tratos desses. Em outras palavras, foi pela utilidade do caráter econômico do serviço pessoal

que o vice-rei conseguiu remediar os maus tratos aos índios e aliviar sua consciência. A

sugestão do vice-rei do Peru, Don Luis de Velasco ao seu sucessor era que este conhecesse

das provisões, dos prós e contras deste assunto e assim agisse da melhor maneira e sobre esse

assunto ele não opinava mais172

. Com isso, o problema de “como se deve agir”, permanecia e

era transferido para o próximo governante. A resposta a essa questão estava mais uma vez, na

interpretação individual e era incerta.

A esse posicionamento de Velasco sobre os argumentos e conselhos recebidos de Fr.

Miguel Agia, à maneira como estavam escritas e descritas as normas, instruções e aplicações

na Real Cédula de 1601 e na Instrucción al Virrey don Luis de Velasco que pasa al Perú de

25 de julho de 1595, podemos entender que havia uma margem de flexibilidade das normas

dada pela interpretação do vice-rei. O espaço que permitia a autonomia e a adaptação das leis,

na interpretação e arbítrio do vice-rei, era a consciência. A consciência, para o jesuíta Padre

172 “(…) Como V.E. sabe, que si no es por fuerza y compulsión no harán las cosas que son necesarias para

sustento de la república. Además de que son tan pocos en número que en muchas partes están repartidos a la

sexta parte y en los que menos, a la séptima. Muchas consultas he tenido sobre el caso con esta real audiencia,

religiones y otras personas prácticas y expertas en las cosas del reino, y a todas les parece que es imposible

introducir lo que S.M. manda sin gran ruina y detrimento de la república. No obstante esto, he proveído lo que ha

sido conveniente para que los indios sean relevados de alguna parte de la gran opresión en que hasta aquí han

estado. Como V. E. mandará ver por las provisiones que están en el oficio de gobierno, en el ínterin que S. M. a

quien he dado cuenta de todo, provee lo que fuere servido y porque V. E. se enterará del pro y contra del negocio

al comenzarlo a examinar no hago sobre él más largo discurso”. Documento: Relación del Señor Virrey Don

Luis de Velasco al Señor Conde de Monterrey sobre el estado del Perú 28.XI.1604. In: HANKE, Lewis, Perú.

Los virreyes españoles en América durante el gobierno de la casa de Austria. Tomo II, Biblioteca de Autores

Españoles, Edicion de Lewis Hanke con la colaboración de Celso Rodriguez, Madrid, 1978, p.52.

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163

Hermann Busembaum, em 1688, era um ato do entendimento, um ditame da razão que

julgava algo com “bom” ou “mau” que se deveria fazer ou evitar173

. Essa qualificação era

feita pelo arbítrio na consciência do juiz. Sendo assim, era na consciência que se tinha o

processo, permitido pelo arbítrio, de construção do sentido e finalidade do que ia ser

deliberado sobre o caso e a norma. Agia deu esse mesmo sentido ao conceito de consciência.

Em sua obra, o termo aparece como uma qualidade da pessoa experiente e prudente que pode

limitar, mudar, retirar e trocar o que lhe parecesse melhor segundo seu entendimento.

A consciência era comunitária no século XVII e se manifestava exteriormente nos

testemunhos e na argumentação das sentenças, matendo cada um em seu lugar. Era a razão e o

entendimento que orientava ao indivíduo a fazer o bem ou o mal, estando consciente do que

fazia. Contudo, apenas o entendimento ou a alma não eram suficientes para agir corretamente

seguindo a consciência, uma vez que se deveria harmonizar essa decisão com a legislação

moral estabelecida no âmbito religioso. A relação entre a consciência e a lei produzia essa

tensão e dúvida moral e prática. A consciência continuaria reta desobedecendo à lei? A

consciência no âmbito jurídico mostra que a moral foi tida como um problema prático porque

a legalidade remitia à moralidade e terminava na remissão da moralidade à consciência.

Parece que a construção de um pensamento de justiça e de direito iniciava-se na

consciência. Portanto, seguir a opinião dos doutores, o costumes, as leis, ou a própria

consciência, eram medidas prováveis que auxiliavam a solucionar a dúvida de como agir. No

sistema moral probabilista a verdade não era um critério decisivo porque qualquer grau de

probabilidade já garantia seguridade à consciência. Sua função era apresentar motivos e

finalidades para algo que não estava dado ou era deixado para o arbítrio resolver.

A flexibilidade do sistema moral probabilista em interpretar as opiniões parecia estar,

não apenas nos argumentos dados pelo Fr. Miguel Agia em seus conselhos de como agir, mas

também na Real Cédula e Instruções escritas pelo rei quando este conferia ao arbítrio do vice-

rei a garantia da justiça pela possiblidade de aplicar a lei conforme lhe parecesse melhor.

Além de trazerem os conteúdos discutidos, a vontade e a intenção do rei sobre os

assuntos políticos e econômicos, as normas régias também eram fruto de uma interpretação.

Como consequência de uma interpretação, essas normas, ao conferirem ao arbítrio do vice-rei

seu efetivo cumprimento, permitiam uma flexibilidade e adaptação. Observar a mudança dos

173 PADRE HERMANN BUSEMBAUM, Medula de la Theologia Moral que con fácil, y claro estilo, y y método

resuelve casos de conciencias…Edit.: reimpresión, Barcelona, ed.: Antonio Ferrer y Compania, 1688, Tratado 1º,

cap. 1º, ¿ Que sea conciencia, y si debe seguirse?, p.01.

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164

tempos, os usos e os costumes, o bem comum, o estado e condição das pessoas, a conservação

da República, experiência de vida, utilidade e necessidade, eram causas legítimas e justas,

entre outras que o arbítrio de um juiz prudente174

podia enunciar, que justificavam dispensar a

aplicação das leis, sem que isso significasse desobedecer ao rei e pecar em consciência.

174 Fr. Henrique de Villalobos; Summa de la theologia moral y canonica, 1637. Tratado Segundo de las leyes y

constituciones. De la dispensación de las leyes. Dificultad XLII. Qual será justa causa para dispensar en las

leyes, p.63.

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165

CAPÍTULO 4

RELIGIOSIDADE E GOVERNO NO VICEREINADO DO PERU

Depois de termos tratado do contexto político, religioso e econômico da província do

Peru nos séculos XVI e XVII e ter exposto as relações entre essas temáticas com a legislação

desse período pela Real Cédula de 1601 e a teologia moral, passando pela importância da

vontade que impulsionava o ato humano e a intenção desse como principal critério moral para

a consciência, partiremos para a religiosidade e o governo de Don Luis de Velasco. A

religiosidade nos permitirá entender melhor o posicionamento do Fr. Miguel Agia,

franciscano, e sua ordem religiosa em meio às outras presentes nessa Província. Buscaremos

compreender no estudo do governo do vice-rei Velasco quais foram suas decisões,

interpretadas das ordens e leis, e atividades realizadas destinadas para os índios e os serviços

pessoas, assim como outros assuntos considerados relevantes por ele para a boa administração

jurídica, política, religiosa e econômica.

4. Os franciscanos na Nova Espanha: administração da doutrina e dos

sacramentos no século XVI.

A evangelização do índio era o assunto que mais importava ao rei, tanto em questões

econômicas e políticas, quanto religiosas e doutrinárias. Evangelizar o índio não servia apenas

como uma forma de inseri-lo na sociedade católica de regras religiosas, ritos sacramentais,

penitenciais, confessionários, conhecimento da fé e salvação da alma. A evangelização do

índio na Nova Espanha cumpriu um papel muito mais do que doutrinário, ela esteve sempre

marcada por leis específicas que demonstravam a necessidade de se evangelizar os índios para

garantir uma maior conservação destes e das províncias da Nova Espanha, assim como um

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166

controle de suas atividades e serviços. Para ser um vassalo do rei, o índio tinha que ser

católico, assim como era o próprio rei1.

A principal tarefa dada pela Coroa às ordens religiosas foi a de evangelizar o mundo

indígena à medida que conquistavam novas terras. A cristianização dos índios era prioritária

para a Coroa. Além de ser uma condição aceita pelos reis de Castela para receberem a

“donación papal” das Índias; se supunha que este era o único e melhor meio de elevar a

condição dos índios2.

Em um livro sobre Codice franciscano do século XVI, escrito para a Nova Espanha,

temos as orientações para a ordem franciscana a respeito da doutrina dos índios. Uma dessas

orientações era que os religiosos que viessem para a Nova Espanha soubessem a língua dos

índios para que ao menos esses pudessem se confessar e receber o sacramento do

matrimonio3. Que houvesse ao menos um religioso que predicasse aos indígenas em sua

língua, aos domingos e nos dias santos e que os índios se confessassem uma vez ao ano na

quaresma e os que “y á los que no quisieren cumplir en este caso con la obligación que tienen,

los compelan según la costumbre de la Iglesia, y sobre todo tengan cuidado de que se

confiesen con tempo los índios enfermos”4.

No modo em que os religiosos franciscanos administravam a doutrina cristã e os

Sacramentos, tínhamos descritas as suas funções e práticas evangelizadoras. Por exemplo, era

necessário que se tivesse em todos os povoados um religioso franciscano que ensinasse o

batismo, a piedade, os bons costumes e o princípio de ajudar uns aos outros nos momentos de

enfermidade e de dificuldade5. Era função dos religiosos ensinar aos alcaides índios e

governadores como eles deveriam agir e governar para a administração da doutrina cristã e

1 “Desde el punto de vista territorial, la Iglesia en la América española presentó dos formas o estructuras

cronológicamente consecutivas en cada territorio: la misional o en proceso de formación mediante la actividad

evangelizadora, integrada por indígenas que se iban incorporando al cristianismo, y la post-misional o hispano-

criolla, de carácter sobre todo urbano, en la que terminará por integrarse la primera en la medida en que se

produce la hispanización de la población indígena”. In: BEASCOECHEA, Ana de Zaballa; PÉREZ, Jesús

Paniagua, “La Iglesia en Indias”. In: CARREDANO, Juan B. Amores (coord.), Historia de América, Ariel,

España, 2006, pp.413-449, p.415. 2 BEASCOECHEA, Ana de Zaballa; PÉREZ, Jesús Paniagua, “La Iglesia en Indias”. In: CARREDANO, Juan

B. Amores (coord.), Historia de América, Ariel, España, 2006, pp.413-449, p.436. 3 HAYHOE, Salvador Chavez. Codice Franciscano siglo XVI. Informe de la província del Santo Evangelio al

visitador Lic. Juan de Ovando. Informe de la província de Guadalajara al mismo. Cartas de religiosos, 1533-

1569. Editorial Salvador Chavez Hayhoe, México, D. F., 194, p.148. 4 Idem, p.149.

5 Idem, p.154.

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167

dos sacramentos, o que sobre isso, de acordo com esse Códice franciscano, provocava

grandes controvérsias jurídicas com os religiosos porque as iniciativas eram diferentes6.

Sobre a orientação para a governação de ouvidores, alcaides maiores e os demais

cargos de justiça, o Códice franciscano aconselhava ao rei para que não nomeasse como

ouvidores de residência homens que precisassem desse cargo e nem que esses não fossem

temerosos a Deus, porque os que tomavam as residências encobriam o que realmente

acontecia causando dano para os índios e para a consciência do rei7.

Este Códice franciscano apresentava uma relação que os franciscanos de Guadalajara

deram sobre os conventos de sua ordem e outros negócios gerais nesse mesmo lugar

marcando, de maneira geral, que os abusos cometidos pelos encomenderos aos índios não

ocorria apenas no Peru, mas também em Guadalajara. Esses abusos foram denunciados pelos

franciscanos assim como os altos tributos que os índios pagavam8.

A respeito dos serviços pessoais encontrava-se o seguinte:

Los indios son muy maltratados con cargas y servicios personales, y

no hay quien vuelva por ellos, y á esta causa van en grande

diminución cada día, porque los indios se huyen de sus tierras y dejan

sus mujeres e hijos, y mueren muchos por las grandes cargas que

algunos les cargan, que les echan tres ó cuatro arrobas de un pueblo á

otro, por medio tomín á uno en un día; y en los trabajos de heredades

y casas les dan tres tomines cada semana, y no les dan de comer, que

casi sirven de balde, pues se comen lo que les dan9.

6 “Trabajan en enseñar á los alcaldes índios y gobernadores como han de regir y governar. Sobre esto hay

grandes controvérsias de las Justicias con los Religiosos, porque los intentos son diferentes; y lo que passa sobre

esto y los trabajos que hay, sábelo Dios”. HAYHOE, Salvador Chavez. Codice Franciscano siglo XVI. Informe

de la província del Santo Evangelio al visitador Lic. Juan de Ovando. Informe de la província de Guadalajara

al mismo. Cartas de religiosos, 1533-1569. Editorial Salvador Chavez Hayhoe, México, D. F., 194, p.154 7 Idem, p.156.

8 “Los encomenderos no tiene cuidado de los indios que están en sus encomiendas, sino de cobrar su tributo y les

den servicio. De la doctrina ni favor para ella, ni de iglesias, muy pocos tienen cuidado, ni dan lo que S. M.

manda por una su cédula, ni favorecen á los indios en nada, ni á los Religiosos que los tienen á cargo, antes son

muy contrarios por cosas que les dicen tocantes al descargo de sus conciencias. Y en este Reino de Galicia pagan

los indios de los encomenderos mayores tributos, por nos los visitar los Oidores, ni ellos osarse quejar”. Isto

estava inserido dentro da “Relacion que los franciscanos de Guadalajara dieron de los conventos que tenia su

orden, y de otros negócios generales de aquel reino”. In HAYHOE, Salvador Chavez. Codice Franciscano siglo

XVI. Informe de la província del Santo Evangelio al visitador Lic. Juan de Ovando. Informe de la província de

Guadalajara al mismo. Cartas de religiosos, 1533-1569. Editorial Salvador Chavez Hayhoe, México, D. F., 194,

p.157. 9 Isto está inserido dentro da “Relacion que los franciscanos de Guadalajara dieron de los conventos que tenia su

orden, y de otros negócios generales de aquel reino”. In: HAYHOE, Salvador Chavez. Codice Franciscano siglo

XVI. Informe de la província del Santo Evangelio al visitador Lic. Juan de Ovando. Informe de la província de

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168

Para além dos casos de serviços pessoais, esse documento da relação dos franciscanos

de Guadalajara também apresentava que os religiosos eram os que melhor entendiam os

indígenas, melhor até do que os juízes, marcando que a justiça dependia das obras dos

franciscanos. Os religiosos entendiam aos índios e sabiam suas coisas melhor que os juízes

porque poucos desses os entendiam, e os religiosos tinham mais cuidado em não ofender à

Deus10

.

a) Crítica franciscana à salvação e conversão dos índios na Nova Espanha

Fray Geronimo de Mendieta11

, da ordem de São Francisco, permaneceu na Nova

Espanha, especificamente no México no final do século XVI por mais de sessenta anos

exercendo sua atividade missioneira, linguística e política. Ele escreveu a obra História

Eclesiástiva Indiana que se ocupou com os trabalhos históricos de outros religiosos no mundo

pré-hispânico apresentando o processo de transformação espiritual e social do mundo

indígena12

. Como parte de seu programa político, Mendieta denunciou o abuso e a

irregularidade no tratamento dos índios não direcionando a uma autoridade específica13

. Para

Guadalajara al mismo. Cartas de religiosos, 1533-1569. Editorial Salvador Chavez Hayhoe, México, D. F., 194,

p. 158. 10

Isto está inserido dentro da “Relacion que los franciscanos de Guadalajara dieron de los conventos que tenia su

orden, y de otros negócios generales de aquel reino”. In: HAYHOE, Salvador Chavez. Codice Franciscano siglo

XVI. Informe de la província del Santo Evangelio al visitador Lic. Juan de Ovando. Informe de la província de

Guadalajara al mismo. Cartas de religiosos, 1533-1569. Editorial Salvador Chavez Hayhoe, México, D. F., 194,

p. 159. 11

Mendieta foi considerado responsável juridicamente pelo ofício de “Comisario General de Indias de la Orden

franciscana”. Essa função era importante porque era entendida como um mecanismo governamental indiano e

incluía quatro condições essenciais: a) jurisdição sobre todas as províncias americanas da Ordem; b) lugar de

tenência do próprio superior geral; c) intervenção direta do rei na designação do candidato, e d) residência do

Comissário em Madrid. In: SOLANO, Francisco y LILA, Pérez. Fray Jerónimo de Mendieta. História

Eclesiástica Indiana. Tomo I. Estudio preliminar y edición de Francisco Solano y Pérez-Lila. Biblioteca de

Autores Españoles, Madrid, 1973, p. L. 12

SOLANO, Francisco y LILA, Pérez. Fray Jerónimo de Mendieta. História Eclesiástica Indiana. Tomo I.

Estudio preliminar y edición de Francisco Solano y Pérez-Lila. Biblioteca de Autores Españoles, Madrid, 1973,

p. IX. 13

“Unido al proceso de evangelización y de otras actividades, el clero regular se destacó desde los primeros

tiempos por la defensa que hicieron de los indios a lo largo de todo el territorio americano e, incluso, en España

desde sus cátedras o las juntas y reuniones que se celebraron al efecto. Fueron muchos los religiosos que

denunciaron los abusos que se cometían e incluso trataron de aportar soluciones. Aunque la defensa del indio por

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169

ele, a culpa seria do público em geral porque o mal não estava no abuso realizado por uma

pessoa ou outra, ou por um estamento social ou outro, mas sim de toda a sociedade

“novohispana” que tinha cometido o pecado da negligência na salvação espiritual dos

índios14

.

Na obra do mexicano Fray Mendieta, Historia Eclesiástica, encontramos demonstrações

físicas e palpáveis do espírito cristão baseado nas virtudes evangélicas do primitivismo

apostólico, a evolução da sociedade e as consequências práticas do mais importante negócio

no qual se encontravam implicadas a própria consciência do rei: a evangelização do índio15

.

Para Fray Geronimo de Mendieta a questão principal era a evangelização das Índias, um

compromisso que Castela adquiriu desde as bulas alexandrinas e assunto obrigatório para a

República e para a consciência do rei16

. Sendo assim, a consciência do soberano estava

diretamente comprometida com esse assunto e vinculada às ações dos agentes administrativos

nas colônias17

. Visto que a Igreja e o Estado estavam ligados nos séculos XVI a XVIII, e

los frailes data ya de los primeros tiempos de Colón, se considera como momento clave el año de 1511,

momento en que el dominico fray Antonio de Montesinos denunció los malos tratos en la isla Española. A partir

de esa fecha las denuncias se fueron sucediendo en las diferentes órdenes y lugares, implicándose en ello

hombres como el dominico Bernardino de Minaya o el agustino Alonso de la Veracruz, por citar algunos

ejemplos. Desde luego, quien pasaría a la posteridad con mayor fama en este sentido sería Bartolomé de las

Casas, cuya actividad consiguió la promulgación de las Leyes Nuevas de 1542, que prohibieron la encomienda

de los indios, aunque por el descontento que provocaron tuvieron que ser modificadas. (…)”.BEASCOECHEA,

Ana de Zaballa; PÉREZ, Jesús Paniagua, “La Iglesia en Indias”. In: CARREDANO, Juan B. Amores (coord.),

Historia de América, Ariel, España, 2006, pp.413-449, p.437. 14

SOLANO, Francisco y LILA, Pérez. Fray Jerónimo de Mendieta. História Eclesiástica Indiana. Tomo I.

Estudio preliminar y edición de Francisco Solano y Pérez-Lila. Biblioteca de Autores Españoles, Madrid, 1973,

p. XLIV. 15

Idem. 16

Idem. 17

“Criterios individuales opinando sobre el modo, mejor o peor, de gobernar las Indias son emitidos desde ella a

las autoridades peninsulares desde casi el momento mismo de la descubierta, y representan esas cartas un

material documental extraordinario y un medio, casi único, de informar al Estado de los acontecimientos

ocurridos en aquellas provincias tan apartadas. Y prueba, por otro lado, la confianza entre el soberano y el más

humilde de sus vasallos, capaz de oír cualquier reclamación si ésta era viable y justificada. Las cartas

representan, en la documentación de la época, un material valioso de información del propio Consejo de Indias,

que veía por ellas la actuación de las autoridades virreinales y/o locales, su comportamiento y las necesidades al

nivel común del súbdito. Mendieta, también él, escribe personalmente al Rey, siempre con su gran franqueza. Su

razón es perentoria y no le insta (…)”, In: SOLANO, Francisco y LILA, Pérez. Fray Jerónimo de Mendieta.

História Eclesiástica Indiana. Tomo I. Estudio preliminar y edición de Francisco Solano y Pérez-Lila. Biblioteca

de Autores Españoles, Madrid, 1973, p. XLVI.

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tinham, praticamente, confundidos seus âmbitos, limites de autoridade e atuação. Um

exemplo dessa realidade era a concessão do patronato indiano18

.

4.1. Evangelização franciscana no Peru no século XVI.

A evangelização do Peru no século XVI podia ser dividida, segundo Julían Heras, em

dois períodos. Essa divisão foi justificada pela intensidade da evangelização e de seus agentes.

O primeiro período ocorreu de 1532 até 1551 e foi chamado de “cristianización intensiva”.

Ele abarcou desde a chegada dos espanhóis em 1532 até meados do século XVI quando se

celebrou em 1551 o Primeiro Concílio Limense que conjecturava uma evangelização intensa

da população do antigo império inca e o estabelecimento da hierarquia eclesiástica. O

segundo período, de 1551 até 1606 foi tido como “constitutivo” e compreendeu desde a

celebração deste Concílio até a morte de Santo Toribio de Mogrovejo, considerado uma figura

importante desta etapa da evangelização e o responsável por conferir a definitiva organização

da Igreja. Segundo Julían Heras, foi durante esta segunda etapa da evangelização no Peru que

se destruiu todo o culto oficial inca e quando a ação missioneira se tornou mais uniforme e

estável19

.

a) Primeiros evangelizadores franciscanos

18 “En los descubrimientos atlánticos, tanto Portugal como Castilla contaron con la intervención de la Santa

Sede. En un momento en que la teoría teocrática estaba ya en clara decadencia, ambas monarquías solicitaron las

respectivas bulas del Pontífice para obtener la exclusividad en la soberanía sobre los territorios descubiertos o

por descubrir. Sin embargo, cada una de las monarquías ibéricas se sirvió de ese instrumento a modo de

expediente justificativo frente a las eventuales pretensiones o competencia de la otra; una prueba de que en

realidad no “creían” en los derechos de soberanía universal del Papa es que Castilla y Portugal variaron las

condiciones de las bulas pontificias cuando les interesó hacerlo: el cambio que realiza el Tratado de Tordesillas

sobre la línea de división trazada en la bula Inter Coetera. Como defendería Francisco de Vitoria, la Santa Sede

tenía pleno poder sólo para otorgar la exclusividad para la evangelización. En el marco de la indefinición del

poder papal sobre los aspectos políticos la corona de Castilla interpretó – porque así le convenía- que dichas

bulas le otorgaban, no sólo la exclusividad sobre la cristianización, sino principalmente la soberanía sobre los

nuevos territorios con la condición de evangelizar aquellas tierras”. In: BEASCOECHEA, Ana de Zaballa;

PÉREZ, Jesús Paniagua, “La Iglesia en Indias”. In: CARREDANO, Juan B. Amores (coord.), Historia de

América, Ariel, España, 2006, pp.413-449, p.413-14. 19

HERAS, Julían; OFM. Aporte de los franciscanos a la evangelización del Perú. Serie: V Centenario

franciscanos evangelizadores del Perú; Impreso em Editora Latina S. R. Ltda., Lima, 1992, p.09.

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O primeiro bispo franciscano do Peru Padre Valverde, que acompanhou a Pizarro em

1534, juntamente com outros religiosos, relatou que havia muita inimizade entre os

conquistadores e que a cidade de Cuzco em 1539 estava arruinada pelas guerras. Em 1539

Padre Valverde chegou a pedir apoio na sua tarefa de proteger os índios e descreveu os abusos

cometidos pelos conquistadores. Ele morreu em 1541, mesmo ano em que Pizarro foi

assassinado20

.

Os franciscanos não foram os únicos a evangelizar o Peru. Vieram também integrantes

de outras ordens como os mendicantes de mercedários21

, dominicanos22

, franciscanos,

agostinianos23

e os recém-fundados jesuítas24

em 156825

.

Os franciscanos chegaram em Peru no ano de 1532 e fundaram seu primeiro convento

em 1534 com o Fray Pedro Portugués, que por causa das guerras não durou muitos anos.

Quando foi fundada a capital do vice-reinado do Peru, Lima, em 1535, os religiosos

franciscanos pediram um lugar para fundarem seu convento, o que aconteceu apenas em 1545.

A Ordem de São Francisco se estendeu rapidamente por todo o vice-reinado devido à sua

20 HERAS, Julían; OFM. Aporte de los franciscanos a la evangelización del Perú. Serie: V Centenario

franciscanos evangelizadores del Perú; Impreso em Editora Latina S. R. Ltda., Lima, 1992, p.11. 21

A coroa recebeu informações de má conduta dos religiosos mercedários e a isto se explica a disposição real de

1º de março de 1543 proibindo-os de edificarem novos conventos nas Índias. Ao que parece, essa má conduta

disse respeito à perturbação e indisciplina interna dos religiosos diante da acumulação de riquezas. Somente a

partir de 1560 que chegaram novos mercedários a Lima. In: HERAS, Julían; OFM. Aporte de los franciscanos a

la evangelización del Perú. Serie: V Centenario franciscanos evangelizadores del Perú; Impreso em Editora

Latina S. R. Ltda., Lima, 1992, p.12. 22

Os dominicanos se estabeleceram em Cuzco onde construíram seu convento sobre o templo do Sol

(Coricancha). In: HERAS, Julían; OFM. Aporte de los franciscanos a la evangelización del Perú. Serie: V

Centenario franciscanos evangelizadores del Perú; Impreso em Editora Latina S. R. Ltda., Lima, 1992, p.11. 23

Os agostinianos chegaram no Peru logo após o final das guerras civis, em junho de 1551 e isso fez com que

tivessem mais tranquilidade para se instalarem e desempenharem sua atividade missioneira. Segundo Julían

Heras, a propagação dessa doutrina foi rápida e teve como principal impulsionador o Padre Diego Ruiz Ortíz

(1571). In: HERAS, Julían; OFM. Aporte de los franciscanos a la evangelización del Perú. Serie: V Centenario

franciscanos evangelizadores del Perú; Impreso em Editora Latina S. R. Ltda., Lima, 1992, p.12. 24

Os jesuítas chegaram em Peru em 1569, já na segunda etapa da evangelização, segundo Julían Heras, como

sendo um importante reforço. Eles trouxeram consigo novos métodos e infundiram uma tónica nova na

evangelização indígena. O primeiro padre jesuíta a estar no Peru foi Jerónimo del Portillo e a companhia de

Jesus contou com o apoio da coroa na sua expansão por todas as cidades do vice reinado do Peru, nas quais

fundaram casas e colégios, verdadeiros centros missioneiros. In: HERAS, Julían; OFM. Aporte de los

franciscanos a la evangelización del Perú. Serie: V Centenario franciscanos evangelizadores del Perú; Impreso

em Editora Latina S. R. Ltda., Lima, 1992, p.13. 25

HERAS, Julían; OFM. Aporte de los franciscanos a la evangelización del Perú. Serie: V Centenario

franciscanos evangelizadores del Perú; Impreso em Editora Latina S. R. Ltda., Lima, 1992, p.11.

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organização interna e a proteção real. Passados alguns anos, o número de franciscanos

superava em muito ao número de religiosos de outras ordens26

.

O mais relevante desta primeira etapa da evangelização do Peru, para Julían Heras, foi

a atitude dos missioneiros perante aos que tinham que doutrinar. Naturalmente, diante do

desconhecido, os religiosos agiam de maneiras distintas. Duas maneiras foram consideradas

principais por Heras, e ele as explicou:

(...) por un lado se afanan por conocer las costumbres y la civilización

del indígena, para encauzar el trabajo apostólico, respetando en lo

posible aquellos elementos primitivos que no impidieran su

adoctrinamientos; y, por otro lado, sigue el camino inverso y pretende

inculcar al indio la propia mentalidad y modo de ser del misionero.

Ambas tendencias tuvieron sus seguidores, pero al final se impuso un

proceder intermedio, cuyo principal propugnador fue el célebre padre

José de Acosta (…) El padre Acosta se lamenta de la destrucción de la

cultura indígena, culpa de ella a la ignorancia de quienes ven en todo

supersticiones y hechicerías (…)27

.

O contato com os índios não era o único desafio. Os obstáculos à evangelização e luta

contra a idolatria eram de caráter geográfico, cultural, humano e religioso. Eram dois mundos

diferentes que se encontraram em meio a costumes e idolatrias, e os índios resistiam à

evangelização cristã. De acordo com Julían Heras, tentou-se uma conquista pacífica, mas essa

foi impossível principalmente por causa da guerra das encomiendas28

.

A paz entre os conquistadores e indígenas começou a prevalecer no Peru por volta de

1556, logo após o Primeiro Concílio Limense29

, e ano em que Don Hurtado de Mendoza,

Marqués de Cañete se tornou vice-rei e governou a favor dessa paz, prosperidade e

evangelização.

26 HERAS, Julían; OFM. Aporte de los franciscanos a la evangelización del Perú. Serie: V Centenario

franciscanos evangelizadores del Perú; Impreso em Editora Latina S. R. Ltda., Lima, 1992, p.12. 27

Idem, p.13. 28

Idem, p.29. 29

Os Concílios de Lima iniciaram-se por iniciativa do arcebispo Don Jerónimo de Loayza em 1551. O objetivo

de tais Concílios era alcançar uma maior uniformidade na evangelização dos índios. Nestes Concílios eram

convocados delegados de várias dioceses, os superiores provinciais das Ordens mendicantes e posteriormente, os

jesuítas. Essas assembleias significavam um ponto de partida na evangelização sistémica, por isso Julían Heras

as colocam como marco da segunda etapa de evangelização. In: HERAS, Julían; OFM. Aporte de los

franciscanos a la evangelización del Perú. Serie: V Centenario franciscanos evangelizadores del Perú; Impreso

em Editora Latina S. R. Ltda., Lima, 1992, p.14.

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Terminadas as guerras civis entre os conquistadores, estabelecida a hierarquia

eclesiástica, a evangelização podia ser mais organizada e sistemática. As tarefas pastorais

eram novas para os missionários franciscanos e distintas das realizadas em Espanha. A

metodologia de evangelização dos franciscanos consistia na liturgia, na música e cânticos que

tratavam sobre a fé, a história sagrada e a vida de Cristo e a administração dos sacramentos e

o cumprimento de suas obrigações30

. Para isso, era tão importante que os franciscanos

soubessem o quéchua e outros idiomas indígenas. Julían Hera comentou que vários cânticos

foram traduzidos e que acabou sendo mais fácil aos religiosos aprenderem os idiomas

indígenas do que ensinar em castelhano31

.

b) Os franciscanos e os serviços pessoais

Julían Heras afirmou que os franciscanos atuaram em defesa dos índios e se

preocupavam com seus problemas sociais. Segundo ele, os franciscanos se posicionaram nos

séculos XVI e XVII contra os abusos e maus tratos aos índios. Esses religiosos muitas vezes

levantaram suas vozes para protestarem contra a violação dos direitos dos naturais, e o

fizeram por cartas escritas à coroa. Segundo Heras:

Con frecuencia, como podemos verlo en sus cartas a la Corona de

España recordaron al Rey y a sus oficiales el sentido evangelizador

que su presencia debía llevar en sí: lo mismo podemos decir de su

esfuerzo por corregir los errores que se cometían en las encomiendas y

30 “El doctrinero debía residir permanentemente en su parroquia y ser examinado en el conocimiento de la lengua

de sus neófitos; recibía de la Corona lo necesario para su conveniente sustentación, pero no eran pagados los

auxiliares, que corrían por cuento de la Orden. Los obispos y los provinciales debían visitar por sí o por algún

delegado las doctrinas para velar por la buena marcha de las mismas. Las obligaciones principales eran predicar

los domingos y días de precepto, administrar los santos sacramentos a sus fieles y residir en el pueblo principal.

Debían enseñar en la lengua de los indígenas la doctrina cristiana todos los días antes de los trabajos habituales,

y en cada doctrina debía existir una escuela para muchachos, donde se les enseñara a leer, escribir y a cantar.

(…) En general, todos los actos de la vida comunitaria giraban alrededor de la doctrina o parroquia, y al lado de

la iglesia funcionaban una serie de artes manuales o artesanales, en que eran muy expertos los indígenas. (…) El

apego del indígena a sus lenguas nativas no constituyó mayor problema a los doctrineros, que pronto las

aprendieron y prepararon las primeras gramáticas y vocabularios quechuas, como lo vemos en el P. Oré y Diego

de Olmos”. In: HERAS, Julían; OFM. Aporte de los franciscanos a la evangelización del Perú. Serie: V

Centenario franciscanos evangelizadores del Perú; Impreso em Editora Latina S. R. Ltda., Lima, 1992, p.49-50. 31

HERAS, Julían; OFM. Aporte de los franciscanos a la evangelización del Perú. Serie: V Centenario

franciscanos evangelizadores del Perú; Impreso em Editora Latina S. R. Ltda., Lima, 1992, p.49.

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en el servicio personal de los indios.(…) A veces pareciera que hablan

un lenguaje muy moderno, cuando salen en defensa de tasas y

tributos, un justo salario y de las horas de trabajo a que eran sometidos

los indígenas. La reducción a pueblos fue otro de los problemas que

los religiosos supieron encarar con auténtico espíritu apostólico y

social. (…)32

.

Esta manifestação dos franciscanos mediante os problemas sociais indígenas não

ocorreu apenas no Peru e nem para os séculos XVI e XVII. Cartas de franciscanos

reclamando melhores condições de trabalho para os índios foram escritas também no México

até finais do século XVIII33

. Parece que era do perfil e da doutrina dos religiosos franciscanos,

no Peru e em outras províncias, se preocupar com o tratamento do índio e manifestar seus

pensamentos e denuncia por meio de cartas e pareceres dirigidos ao rei e vice-rei. Ainda para

o século XVIII, Julían Heras comentou que tanto a ordem franciscana como as demais

instaladas no Peru diminuíram seus espíritos apostólicos34

.

Contudo, as missões iniciadas na segunda metade do século XVI objetivavam a

civilização e conversão dos índios. Elas foram criadas pelas ordens religiosas que se

empenharam em suas tarefas apostólicas e se concentraram sobre as chamadas “Doctrinas”.

No Peru, se chamavam de “doctrinas” os territórios primeiramente repartidos entre os

conquistadores no conceito de encomiendas, as quais tinham o dever de possuir sacerdotes

idóneos35

.

32 HERAS, Julían; OFM. Aporte de los franciscanos a la evangelización del Perú. Serie: V Centenario

franciscanos evangelizadores del Perú; Impreso em Editora Latina S. R. Ltda., Lima, 1992, p.60. 33

Além do Peru, em outras partes, os franciscanos também exigiram das autoridades um tratamento digno aos

naturais intercedendo por eles escrevendo ao rei informando dos abusos e propondo remédios mais eficazes para

o bom trato dos índios. Exemplo das ações desses franciscanos foi o Padre Francisco de Morales que em 1568

dirigiu vários informes ao rei sobre a necessidade de uma reforma temporal e espiritual das Índias. No século

XVII, o Padre Buenaventura Salinas y Córdova com sua obra “Memorial al Rey”, onde relata os abusos

cometidos por certos encomendeiros. E no século XVIII, o irmão Calixto de San José Túpac Inga, que escreveu

seu manifesto intitulado “Representación verdadera y exclamación rendida y lamentable que toda la nación india

hace a la Majestad del Señor Rey de las Españas, el Señor Don Felipe VI pidiendo los atienda y remedie” na data

de 1748. Influenciados por essa obra, os padres Isidoro Cala y Ortega e Antonio Garro, escreveram em

castelhano e em latim outros manifestos similares no ano de 1750. In: HERAS, Julían; OFM. Aporte de los

franciscanos a la evangelización del Perú. Serie: V Centenario franciscanos evangelizadores del Perú; Impreso

em Editora Latina S. R. Ltda., Lima, 1992, p.60-61. 34

HERAS, Julían; OFM. Aporte de los franciscanos a la evangelización del Perú. Serie: V Centenario

franciscanos evangelizadores del Perú; Impreso em Editora Latina S. R. Ltda., Lima, 1992, p.64. 35

Idem, p.109.

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c) Legislação nos Concílios de Lima

As “Doctrinas” foram convertidas em leis do Estado e dos Concílios provinciais de

Lima. Assim, o doutrinário se transformou no pároco dos índios, ou “cura de índios”.

Constituídos os povoados de índios ao redor da igreja e do convento, nascia a doutrina, ou

paróquia de naturais. Quando as doutrinas estavam a cargo das ordens religiosas, se legislava

e se recomendava que os religiosos vivessem juntos nas paróquias e delas saíssem para

doutrinar os índios. Era função dos bispos visitarem estas paróquias periodicamente, mas por

causa da distancia e também das resistências que algumas paróquias faziam a essas visitas,

havia constantes conflitos entre bispos e prelados religiosos36

.

Julían Heras afirmou que os franciscanos do Peru durante o período colonial foram

responsáveis por cerca de 50 “doctrinas”, com um total de 118.833 fiéis, o que representava a

décima parte da população indígena dessa época. Para ele, era certo que os franciscanos foram

bem aceitos em todas as partes que evangelizaram e que souberam adaptar-se às

características indígenas37

.

Eles souberam evangelizar, mas não foi algo fácil. Houve esforço por parte dos

franciscanos assim como houve perdas e resistências de indígenas. Heras colocou que os

religiosos se esforçaram e tentaram não violentar excessivamente as vontades e o modo de ser

dos indígenas, já que tal evangelização lhes era importante e benéfica:

En cuanto se pudo, conservaron las costumbres indígenas indiferentes

a la fe cristiana: indumentaria, danzas, idiomas, etc. En cambio

ganaron con una vida familiar más arreglada y una formación

individual y social más acorde a la condición humana, pues no hay

que olvidar que el objetivo principal de la evangelización, a través de

las doctrinas, fue la dignificación del indígena; y la decadencia de los

pueblos del Colca, y del Perú en general, se produjo cuando a finales

del siglo XVIII dejaron los religiosos de atender las doctrinas de

indios38

.

36 Idem, p.110.

37 Idem, p.127.

38 Idem, p.221.

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176

d) Evangelização e política indigenista

Lino Gomez Canedo inicia sua obra Evangelização y política indigenista. Ideas y

actitudes franciscanas en el siglo XVI39

marcando que era inadequado falar de uma política

indigenista dos franciscanos porque tal política não existiu. Os franciscanos não teorizaram

muito sobre política e poucos são os tratados teóricos a este assunto que expõe bases

filosóficas, teológicas e jurídicas. Para Canedo, o pensamento indigenista dos franciscanos

estava em fontes como cartas, memoriais, informações e outros documentos semelhantes

tratando de casos e problemas concretos, como por exemplo, os “pareceres” apoiados em

autoridades religiosas, na tradição cristã, nos escolásticos e autores modernos. Para este autor,

a tendência dos franciscanos apoiava-se na experiência, na reflexão sobre as situações

concretas e evitando a teoria pura40

.

Dentro do sistema espanhol, a conquista e a evangelização dos índios ocorriam juntas.

Os objetivos da política espanhola nas Índias era fazer com que os indígenas fossem

convertidos à fé católica e reduzidos a vassalos do rei. Para esta finalidade trabalhavam

missionários, conquistadores e funcionários régios. Nem todos esses tinham as mesmas

intenções e entendimentos sobre o que era evangelizar e como se fazia isso. Nessa

perspectiva, Canedo lançou a pergunta: Até que ponto as populações americanas estavam

capacitadas para receber a fé cristã, e as instituições espanholas estavam realmente inspiradas

nessa missão? A resposta para essa pergunta não era simples. Houve graus de organização

sócio-política e cultural entre os índios na América que variavam de região para região

marcando distinções entre eles41

.

Os franciscanos foram os primeiros missionários a chegarem à América e os primeiros

a comentarem suas impressões sobre seus habitantes, processo de conversão e a necessidade

desta. Porém, desde 1500 já se discutiam a respeito da conversão e do batismo dos índios, e

defendiam que estes tinham capacidade de serem cristianizados. Em 1516, em meio às

discussões iniciadas pelo Fray Antonio de Montesinos sobre o tratamento que se devia dar ao

39 CANEDO, Lino Gomez., Evangelización y política indigenista. Ideas y actitudes franciscanas en el siglo XVI.

In: “Estudios sobre Política indigenista española en América”. Volumen II. Evangelización, Régimen de vida y

ecología, Servicios Personales, Encomienda y Tributos. Simposio conmemorativo del V Centenario del Padre

Las Casas. Terceras Jornadas Americanistas de la Universidad de Valladolid. Valladolid, 1976, pp.21-46. 40

Idem, p.21. 41

Idem, p.22.

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índio, Canedo apontou que os franciscanos começaram a se dividir. A ideia de que os índios

tinham capacidade para serem cristianizados não era mais unânime entre os franciscanos.

Alguns seguiam a Montesinos, como Fray Francisco de San Román, e outros, nesse mesmo

período, discordavam alertando sobre as atitudes maliciosas e ruins de tais índios, como Fray

Francisco Ruiz. Tal mudança de opinião, cerca de dezesseis anos depois, foi entendida por

Lino Gomez Canedo de dois modos: Primeiro, ou os franciscanos não acreditavam mais na

capacidade de cristianizar os índios por esses não assimilarem tal doutrina por um longo

tempo; Segundo, ou os viam como um recurso para defender o sistema de encomiendas e um

plano de colonização que claramente não era apenas religioso42

.

Pela observação deste autor, pensamos que logo após, ou até mesmo

concomitantemente a discutirem a condição e o tratamento do índio como uma forma de

legitimação da conquista43

e resguardo da consciência dos conquistadores espanholes, esses

não dispensavam a importância da evangelização indígena para a concretização de uma

política indigenista que se dava por meio do trabalho. O regime de trabalho estava

intimamente ligado ao processo de evangelização e necessitava deste para garantir e reforçar a

mão-de-obra nas encomiendas e minas. Essa ideia estava presente nas disparidades dos

pareceres franciscanos. Podemos pensar em outra pergunta: Até que ponto se defendia a

condição do índio, denunciando os maus tratos e os abusos cometidos, sem interferir no

sistema colonial espanhol que promovera e se sustentava pela encomienda?

42 Idem,p.23.

43 Este assunto foi melhor tratado no primeiro capítulo. Os reis católicos, não satisfeitos com o mero fato da

conquista, para atribuírem-se o direito aos novos territórios descobertos, obtiveram do Papa Alejandro VI a bula

“inter coetera” elaborada em 03 de maio de 1493, na qual, este como vigário de Cristo na terra, de acordo com a

doutrina comum da época, doava, concedia e assinava a ditos monarcas e seus herdeiros, sucessores reis de

Castela e Leão, todas as novas terras descobertas e a serem descobertas. Mas a Igreja Católica não confirmou tal

conquista simplesmente, havia uma condição. Em contrapartida a essa conquista os reis de Espanha deveriam

enviar a esses novos territórios pessoas temerosas a Deus, doutores, instruídos e experimentados para doutrinar

os indígenas e habitantes na fé católica para impor-lhes os bons costumes. Desta forma Espanha assegurava para

si o direito ao domínio das Índias por meio da obrigação da doutrinação. A validade dessa bula papal não foi

contestada, nem por Las Casas. O que ocasionou discussão foi o possível alcance desses documentos papais, si

estes constituíam na única fonte do domínio espanhol e quais eram os métodos de conquistas aceitáveis como

legítimos. De ai podemos começar a falar da discussão iniciada com Montesinos, passada pelas Juntas e por

Sepúlveda e Las Casas. In: CANEDO, Lino Gomez., Evangelización y política indigenista. Ideas y actitudes

franciscanas en el siglo XVI. In: “Estudios sobre Política indigenista española en América”. Volumen II.

Evangelización, Régimen de vida y ecología, Servicios Personales, Encomienda y Tributos. Simposio

conmemorativo del V Centenario del Padre Las Casas. Terceras Jornadas Americanistas de la Universidad de

Valladolid. Valladolid, 1976, pp.21-46; p.25.

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178

Parece que a discussão que se iniciava por um viés teológico tomava rapidamente um

sentido político e econômico. Os argumentos que referiam aos índios se alteraram do início do

século XVI para o século XVII.

A preocupação sobre a condição do índio, que no século XVI estava presente nos

documentos religiosos questionando a capacidade deles receberem ou não a fé cristã e

denunciando abusos sofridos, não se manteve para o século XVII. Os argumentos do

franciscano Padre Fray Miguel Agia em seus pareceres escritos entre 1601 e 1604, voltaram a

questionar a condição do índio não debatendo mais se estes estavam aptos à evangelização.

Partia da ideia fixa de que, já sendo católicos, os índios também eram vassalos do rei e

estavam compelidos ao trabalho e à encomienda como qualquer outro.

A situação ficava um pouco mais delicada. Em princípios do século XVII, período que

Agia escreveu seus pareceres, não dava mais para defender a liberdade do índio e denunciar a

forma como eram explorados. Os índios estavam repartidos, a encomienda estava posta, havia

a mita como uma forma mais “branda” de obrigar ao trabalho e tudo isso fazia com que a

conservação das Províncias dependesse dessa lógica e desses mecanismos coloniais.

Argumentar em favor do índio condenando pura e simplesmente a sua forma de trabalhar

poderia significar uma desobediência às leis régias. Pensamos que, por isso, talvez os

pareceres do Padre Fray Miguel Agia foram escritos de forma tão aberta e direcionada a

várias possibilidades. Mesmo que não se discutisse apenas sobre os maus tratos e opressões

indígenas, essa questão permanecia tanto pelo aspecto político, religioso e econômico. Era

dever do vassalo servir ao seu rei, fosse esse vassalo índio ou espanhol; os indígenas eram

livres por natureza e não deveriam ser tratados como escravos; e a conservação destes e da

província dependia do trabalho nas minas e encomiendas.

Os argumentos desse franciscano mostraram, além de seu conhecimento prático e

científico sobre o assunto, a caraterística da ordem franciscana ressaltada pelo autor Canedo,

considerando estes religiosos como práticos e não muito teóricos. Por isso também, Agia

podia argumentar com conhecimento ao citar os casos e problemas concretos que encontrou

na província do Peru, nas encomiendas e na observação dos serviços pessoais.

e) Legislação indiana

No clima da atividade missionária de inicios do século XVI, desligada da violência

conquistadora, nasceram as chamadas Leyes Nuevas, cuja promulgação final se deu na cidade

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de Valladolid em 04 de junho de 1543. Segundo Canedo, essas leis continham salvaguardas

estritas dos direitos dos naturais no curso dos novos descobrimentos e populações. Elas não

anulavam ordenações mais antigas, como a de Granada feita em 17 de novembro de 1526

escrita com o objetivo de configurar novas maneiras de conquistar e as funções

desempenhadas pelos religiosos e clérigos nessas conquistas44

. As Leyes Nuevas, para

Canedo, significavam um avanço na legislação indiana. O papel do missionário foi reforçado

e foi permitida uma maior intervenção clerical nas expedições45

.

Tais Leyes Nuevas foram suspendidas e consideradas ineficazes e exageradas. Em

1549 o imperador as suspendeu e o Conselho de Índias pediu que uma nova Junta de teólogos,

juristas e outras pessoas experientes no assunto dessem e praticassem formas e maneiras de

como se conquistar justamente e de garantir a segurança da consciência dos que a exercessem.

Disso resultaram as Juntas de 1550-1551, cujos principais participantes foram Las Casas e

Sepúlveda. A questão evangelizadora se reduzia nas Juntas à pergunta de até que ponto era

lícito o uso da força46

.

Esta questão continuou a ser debatida até que em 1573 quando o rei Felipe II

promulgou algumas ordenações definitivas feitas por Don Juan de Ovando, presidente do

Conselho das Índias de 1571 a 1575 e visitador do mesmo Conselho entre os anos de 1567 a

1571. O possível uso da força ficava restrito a casos em que os índios rejeitassem a pregação,

não admitindo a ação dos missionários. Outra mudança trazida por essas ordenações de 1573

foi a troca do termo “conquista” para o de “pacificação” 47

.

Para Lino Gomez Canedo, em virtude das discussões apresentadas sobre o uso da força

na evangelização e das ordenações de 1573, foram criadas várias instituições que visavam

melhorar a condição de vida da população indígena e sobre tudo, a utilização de seu trabalho

em benefício dos novos donos. As reduções, encomiendas, serviços pessoais e repartimientos

se reduziam a este fim e, também, condicionavam a obra evangelizadora48

.

Tanto logo um grupo de franciscanos se pronunciou contra as encomiendas e a favor da

liberdade dos índios, e, outro grupo, com o qual pertencia Fray Francisco Ruiz, favorável a ela

e a convivência entre espanhóis e índios. Começavam assim as discordâncias entre os

religiosos sobre a utilidade dessa forma de trabalho e para os conquistadores ficava a dúvida

44 Idem, p.29.

45 Idem, p.31.

46 Idem, p.31.

47 Idem, p.33.

48 Idem, p.35.

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de se podia ou não utilizá-la. Na prática, em meio a religiosos apoiando e reprovando, em

meio a leis por vezes permitindo e depois proibindo, a encomienda e os repartimientos foram

instalados e essa discussão se manteve até o século XVIII.

Lino Gomez Canedo apresentou um exemplo prático dentro dessa situação

conturbadora e incerta, tanto para os conquistadores quanto para a própria coroa:

En la Nueva España, Cortés había sido instruido, en 1523, para que no

concediese encomiendas, pero cuando llegó la instrucción a México

ya el conquistador había encomendado algunos indios. Durante la

ausencia de Cortés en Honduras (1524) y el período caótico por el

cual, con este motivo, pasó el gobierno de la nueva colonia, tales

encomiendas eran concedidas y quitadas de manera arbitraria,

irritando tanto a los españoles como a los indios. Quizá en vista de tal

situación, los franciscanos solicitaron, ya en 1525 – y después se

unieron los dominicos a la misma súplica -, que la Corona

encomendara a los indios, y además lo hiciera de manera perpetua;

aunque estas encomiendas no debían incluir señorío, que sólo

pertenecía al Rey.49

Canedo colocou que a coroa não se decidiu a respeito do uso das encomiendas até a

primeira Audiência realizada em dezembro de 1528. Nesta esteve presente o bispo do México

Fray Juan de Zumárraga que, em 27 de agosto de 1529 escreveu uma carta ao rei denunciando

os maus tratos aos índios e a necessidade de mudar a forma dos repartimientos perpétuos. Tal

carta parece que não foi considerada50

.

A segunda Audiência foi comandada por Ramírez de Fuenleal que recebeu instruções

para aplicá-la de maneira com moderação e temperança. Com Ramírez de Fuenleal e depois

49 Idem, p.37.

50 “Sería muy extraño que este parecer no haya sido considerado en las deliberaciones que durante aquel mismo

año de 1529 habían comenzado en la Corte a propósito de las encomiendas. Mientras los colonos buscaban

encomiendas perpeturas y hasta con vasallaje, los consejeros de la Corona se inclinaban porque los indios fuesen

puestos bajo el señorío real, por lo menos las cabeceras y pueblos principales. Ante las quejas recibidas contra la

primera Audiencia, hubo un momento en que se acordó la supresión absoluta de las encomiendas, y que los

indios fuesen colocados bajo el gobierno de corregidores reales. Finalmente, fue acordado que tal liberación de

los indios quedase limitada a los que ‘sobraban’ de los que tenía Hernán Cortés, a los pertenecientes a la Corona

y a los que habían sido provistos por los oidores y presidentes de dicha primera Audiencia. Sin embargo, la

medida afectaba todavía a mucha gente, que hizo oír sus protestas.” In: CANEDO, Lino Gomez., Evangelización

y política indigenista. Ideas y actitudes franciscanas en el siglo XVI. In: “Estudios sobre Política indigenista

española en América”. Volumen II. Evangelización, Régimen de vida y ecología, Servicios Personales,

Encomienda y Tributos. Simposio conmemorativo del V Centenario del Padre Las Casas. Terceras Jornadas

Americanistas de la Universidad de Valladolid. Valladolid, 1976, pp.21-46; p.37-38.

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com o primeiro vice-rei da Nova Espanha, Don Antonio de Mendoza, a coroa tratou de seguir,

o que Canedo aponta como “curso médio” entre as encomiendas e o serviço senhorial,

chamado de “regalista”. De fato, a encomienda foi consolidando-se durante este período, mas

foram tomadas medidas para limitá-la e humanizá-la. Consideraram que a encomienda por si

só não era incompatível com a liberdade dos índios e que o que realmente teria que se

averiguar era a forma de melhorar e de praticar essa instituição51

. Os pareceres do Padre Fr.

Miguel Agia se concentram nessa questão e apresentam possibilidades para amenizar e

harmonizar os interesses dos encomenderos com o bom tratamento aos índios.

Lino Gomez Canedo advertiu que seria excessivo qualificar as discussões de 1542 como

um debate entre os defensores dos índios e os partidários das encomiendas. Para ele, houve

muitas posições que mesmo parecendo defensoras dos índios eram favoráveis à encomienda

perpétua e que suprimir tais posições a um lado ou outro do da discussão reduziria a riqueza

do debate e das controvérsias.

Contudo, para este autor, os franciscanos mantiveram uma posição flexível: em um

momento defendendo os pobres, índios ou espanhóis, e em outro não considerando

incompatível a encomienda com o senhorio real52

.

Sobre as encomiendas no Peru ele comentou:

Las encomiendas, en regiones como Perú y la Nueva España, habían

quedado heridas de muere, a pesar de haber sido suavizadas las Leyes

Nuevas. La cuestión batallona en la segunda mitad del siglo XVI fue,

en las citadas regiones, la de los servicios personales y los

repartimientos para ciertos trabajos, o sea, el trabajo forzado. Contra

los primeros representaba, ya en 1550, Fr. Toribio de Motolinia,

considerándolos de ‘gran vejación para los indios y no de mucho

interés para los españoles’. Fr. Francisco del Toral se expresaba

51 Idem, p.38.

52 “Sin embargo, los religiosos – por lo menos los franciscanos – no quisieron aparecer como meros defensores

de los encomenderos, no dejarse impresionar por la ‘tumultuación popular’ (…) Conocemos pocos detalles de lo

que se discutió en Valladolid durante aquel año y los siguientes, pero es probable que los franciscanos se hayan

separado un tanto de la línea de sus compañeros de comisión, dominicos y agustinos, quienes parecen haber

sostenido una línea más rígida en favor de las encomiendas. De hecho los padres Fr. Francisco de Soyo y fr.

Francisco de Vitoria fueron acusados de haber ‘renegado’ de los compromisos contraídos en México. Y según

Mendieta, los españoles tomaron allí represalias contra los franciscanos. Pero Soto y Vitoria siguieron

insistiendo en la necesidad de mirar por el bien de las ‘dos naciones’”. In: CANEDO, Lino Gomez.,

Evangelización y política indigenista. Ideas y actitudes franciscanas en el siglo XVI. In: “Estudios sobre Política

indigenista española en América”. Volumen II. Evangelización, Régimen de vida y ecología, Servicios

Personales, Encomienda y Tributos. Simposio conmemorativo del V Centenario del Padre Las Casas. Terceras

Jornadas Americanistas de la Universidad de Valladolid. Valladolid, 1976, pp.21-46; p.40-41.

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duramente contra tales servicios, en 1554, pero años después, en 1563,

ya obispo de Yucatán, encontraba que la situación allí reinante era

muy llevadera en cuanto a los servicios y a los tributos53

.

A definição de “servicios personales” para Canedo era de caráter mais ou menos

doméstico, mais desagradável do que pesado. Um exemplo de trabalho forçado eram os

repartimientos de trabalhadores. Repartimientos estes que não se dedicavam apenas às minas,

mas também as “sementeras”. Para este autor, Mendieta defendia a mão de obra libre e sua

eficiencia, sem a necessidade da obrigatoriedade do serviço54

.

A mita ou repartimiento era o que o bispo do México, Mendieta, não aceitava. Ele

sugeriu que para esse tipo de trabalho se ocupassem dos negros ou dos chichimecas por

considerar os negros fortes e o chichimecas prisioneiros de guerra55

.

53 CANEDO, Lino Gomez., Evangelización y política indigenista. Ideas y actitudes franciscanas en el siglo XVI.

In: “Estudios sobre Política indigenista española en América”. Volumen II. Evangelización, Régimen de vida y

ecología, Servicios Personales, Encomienda y Tributos. Simposio conmemorativo del V Centenario del Padre

Las Casas. Terceras Jornadas Americanistas de la Universidad de Valladolid. Valladolid, 1976, pp.21-46; p.42. 54

“Por ‘servicios personales’ se entendieron a veces los de carácter más o menos doméstico, por lo general más

molestos que pesados. Pero los había también duros y fatigosos, para los cuales se hacían repartimientos de

trabajadores. Es decir, verdaderos trabajos forzados. Estos repartimientos eran no sólo para las minas – la terrible

Mita – sino también para ‘sementeras y otras granjerías, que nos los dejan resollar ni entender en sus propias

labores’, como escribía Mendieta. Este, con Fr. Gaspar de Ricarte, fue entre los franciscanos tenaz y articulado

impulsor de la lucha contra dicha servidumbre. Con razonamientos claros, y el testimonio de su experiencia,

deshizo el pretexto de que los indios no querían trabajar voluntariamente y que, por lo tanto, era necesario

forzarlos; por el contrario, argumentaba Mendieta, la mano de obra libre existía y además era más eficiente.

Lino Gomez Canedo apresenta partes do memoria de Gonzaga: “En un memorial que dirigió al ministro

general de la Orden – el famoso cronista Gonzaga -, en 1582, proponía Mendieta el siguiente programa de cinco

puntos: 1) Que ningún indio libre fuese compelido a ir a trabajar en minas, porque esto aun los gentiles no lo

usaron sino con los cristianos que tenían por enemigos y con los condenados a muerte; y mayormente los indios

que son gente delicadísima, no es otra cosa enviarlos a minas sino enviarlos a morir …; 2) Que por ningún

servicio ni trabajo sean llevados ni enviados los indios del repartimiento fuera de sus casas más de cuatro o cinco

leguas a lo más …; 3) Que no echen más cantidad de indios de repartimiento a cada pueblo de los que puedan

dar descansadamente, considerados los vecinos que tienen y los que deben reservar para el gobierno y servicio

del mismo pueblo…;4) Que en ninguna manera les hagan perder los domingos la misa a los que van ni a los que

vuelven de servir …;5) Que por cada día de servicio les de un real y de comer, y les hagan buen tratamiento”. In:

CANEDO, Lino Gomez., Evangelización y política indigenista. Ideas y actitudes franciscanas en el siglo XVI.

In: “Estudios sobre Política indigenista española en América”. Volumen II. Evangelización, Régimen de vida y

ecología, Servicios Personales, Encomienda y Tributos. Simposio conmemorativo del V Centenario del Padre

Las Casas. Terceras Jornadas Americanistas de la Universidad de Valladolid. Valladolid, 1976, pp.21-46; p.42-

43. 55

CANEDO, Lino Gomez., Evangelización y política indigenista. Ideas y actitudes franciscanas en el siglo XVI.

In: “Estudios sobre Política indigenista española en América”. Volumen II. Evangelización, Régimen de vida y

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Esta ideia de Mendieta estava relacionada com a discussão sobre o trabalho forçado

desenvolvida no III Concílio Mexicano em 1585 que contou com a presença do franciscano

Fray Gaspar de Ricarte. Este franciscano havia escrito em 1584 três memoriais que foram

apresentados nesse III Concílio, propondo a supressão total e absoluta de tais trabalhos –mita

e repartimientos – os considerando injustos, não proveitoso ao bem espiritual dos índios e

nem ao bem geral da república56

.

Anos depois do III Concílio e do ditame franciscano, Lino Gomez Canedo apresentou a

questão do trabalho forçado sendo condenado pelos franciscanos por meio de um parecer

escrito em 1594, e depois por uma pronunciação em Lima no ano de 1598, até que o trabalho

forçado foi definitivamente proibido pelo rei Felipe III em uma Real Cédula escrita em 24 de

novembro de 1601. O franciscano Fray Miguel Agia, que estava pelo Peru, publicou seus 03

tratados nos quais explicou o alcance dessa proibição real, a licitude de alguns serviços –

como os das minas – e as faculdades e arbítrio concedidos ao vice-rei por esta Cédula de

1601. Para ele, deviam acabar os abusos cometidos principalmente em Huancavelica onde

muitos índios morriam, o que não se podia mais tolerar57

.

Manuela Cristina Garcia Bernal em sua obra Los servicios personales en el Yucatan58

,

ressaltou que a encomienda em sua primeira fase teve como principal meio a utilização do

trabalho dos índios, mas, esta fase conduziu a muitos abusos, não apenas em Yucután, como

também em todas as Índias onde a coroa promulgou a legislação pertinente ao trabalho da

encomienda. Para o caso específico de Yucatan, ela mencionou que a necessidade da mão de

ecología, Servicios Personales, Encomienda y Tributos. Simposio conmemorativo del V Centenario del Padre

Las Casas. Terceras Jornadas Americanistas de la Universidad de Valladolid. Valladolid, 1976, pp.21-46; p.43. 56

Ricarte não adminitia nenhuma outra justificação aprovando o trabalho na mita ou repartimiento. E, segundo

Canedo, provavelmente teria sido ele o autor de um posterior ditame oficial dos franciscanos sobre as duvidas

propostas no Concílio. Ricarte foi uma das pessoas que assinou este documento, no qual se vê repetido os

mesmos argumentos de seus memoriais anteriores. Contudo, neste ditame, os franciscanos sugeriram certas

medidas práticas que poderiam ser aplicadas acabando com os abusos sem acabar com o sistema. In: CANEDO,

Lino Gomez., Evangelización y política indigenista. Ideas y actitudes franciscanas en el siglo XVI. In: “Estudios

sobre Política indigenista española en América”. Volumen II. Evangelización, Régimen de vida y ecología,

Servicios Personales, Encomienda y Tributos. Simposio conmemorativo del V Centenario del Padre Las Casas.

Terceras Jornadas Americanistas de la Universidad de Valladolid. Valladolid, 1976, pp.21-46; p.44. 57

Idem, p.44. 58

BERNAL, Manuela Cristina Garcia., Los servicios personales en el Yucatan. In: “Estudios sobre Política

indigenista española en América”. Volumen II. Evangelización, Régimen de vida y ecología, Servicios

Personales, Encomienda y Tributos. Simposio conmemorativo del V Centenario del Padre Las Casas. Terceras

Jornadas Americanistas de la Universidad de Valladolid. Valladolid, 1976, pp.269-279.

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obra indígena era tão grande que os espanhóis estabeleceram ali os serviços pessoais que

mantiveram mesmo que encobertos e disfarçados pela livre contratação dos índios59

.

Sobre o posicionamento da coroa a respeito do problema do trabalho indígena, Bernal

colocou que esta não se manteve à margem. A “Recopilación de Indias” seria uma prova

disso. Neste documento estavam recolhidas todas as disposições que até o reinado de Carlos II

foram promulgadas para procurar e assegurar um bom tratamento aos índios. Mesmo que a

legislação indiana tivesse que se condicionar a características específicas, particulares,

geográficas e econômicas das distintas regiões que possuía. Por isso, os serviços pessoais

também teriam distintas modalidades e práticas de acordo com os casos e problemas

concretos60

.

Para o caso de Yucatan, no século XVI, os serviços domésticos eram prestados pelos

índios através de repartimientos feitos pelo governador ou o alcaide maior.

A discussão sobre o trabalho forçado não havia sido resolvida no vice-reinado do Peru,

mesmo depois da Real Cédula de 1601 e dos 03 pareceres do Fray Miguel Agia de 1604. O

trabalho nas minas ainda era um problema moral e político no governo do rei Felipe V.

Segundo Nestor Meza Villalobos, o empenho dos defensores do jusnaturalismo em

determinar a situação da população indígena dentro da monarquia, conforme a essa doutrina,

não teve êxito até o fim do século XVII. Até então, permaneciam alguns aspectos

problemáticos dessa situação, como o trabalho forçado dos índios em algumas minas

importantes do Peru e do distrito da Audiência de Santa Fé61

. Como exemplo da persistência

da questão moral no problema do trabalho forçado, Villalobos escreveu que os fracassos

59 BERNAL, Manuela Cristina Garcia., Los servicios personales en el Yucatan. In: “Estudios sobre Política

indigenista española en América”. Volumen II. Evangelización, Régimen de vida y ecología, Servicios

Personales, Encomienda y Tributos. Simposio conmemorativo del V Centenario del Padre Las Casas. Terceras

Jornadas Americanistas de la Universidad de Valladolid. Valladolid, 1976, pp.269. 60

Na governação de Yucatan, concretamente, por causa da alta pobreza do solo, sem minerais nem outros

recursos econômicos que interessavam explorar, o serviço pessoal adotou formas mais diversas e especiais e que

se mantiveram mesmo a todas as oposições. In: BERNAL, Manuela Cristina Garcia., Los servicios personales en

el Yucatan. In: “Estudios sobre Política indigenista española en América”. Volumen II. Evangelización, Régimen

de vida y ecología, Servicios Personales, Encomienda y Tributos. Simposio conmemorativo del V Centenario del

Padre Las Casas. Terceras Jornadas Americanistas de la Universidad de Valladolid. Valladolid, 19761976,

pp.270. 61

VILLALOBOS, Nestor Meza., Felipe V y el problema ético-político de la provision de mano de obra a la

mineria del Peru y Nuevo Reino de Granada. In: “Estudios sobre Política indigenista española en América”.

Volumen II. Evangelización, Régimen de vida y ecología, Servicios Personales, Encomienda y Tributos.

Simposio conmemorativo del V Centenario del Padre Las Casas. Terceras Jornadas Americanistas de la

Universidad de Valladolid. Valladolid, 1976, pp.313-343.

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sofridos não tinham diminuído a força da consciência moral que se expressava no

jusnaturalismo. O conde de Monclova, comovido pelo conhecimento de que este regime de

trabalho estava vigente nas minas de Potosí, escreveu ao rei em 15 de maio de 1690, pouco

depois de ter assumido o governo do reino do Peru. Ele salientou que este assunto era grave

moralmente, considerava necessário muito tempo até decidir manter ou modificar a política de

provisão da mão de obra sustentada pelo seu antecessor, o duque da Palata, sem querer acabar

com os índios, acreditava que seu dever era fazer saber ao rei sua opinião sobre o trabalho

forçado nas minas:

El indio, decía el Virrey, de cualquier nación que fuera, como todo

hombre, destruís más su naturaleza trabajando un mes forzado que un

año voluntariamente y por su jornal; que esto se agravaba en el caso

de los indios que trabajaban en Potosí, por el hecho de que eran

llevados al mineral desde provincias muy distantes y que si bien, por

la existencia de ese régimen en ese mineral, la conciencia del Rey no

estaba en peligro, como lo afirmaban tantos prelados y personas

doctas y religiosas que daban por lícito y cristiano ese régimen, era un

hecho que nunca había faltado quien afirmara lo contrario62

.

Pouco tempo depois de ter assumido o cargo de governador do reino do Peru, conde de

Monclova escreveu ao rei Felipe V em 15 de março de 1690 uma carta comovido com a

permanência do trabalho forçado nas minas de Potosí. Nesta carta, manifestou a preocupação

moral desse problema. Depois dessa denuncia feita ao rei sobre o que acontecia nas minas de

Potosi, o Conde de Monclova organizou uma Junta que discutiu a política de seu antecessor, o

Duque da Palata. Nessa Junt,a estavam três ouvidores da Audiência de Lima e outros

funcionários. Debateram sobre a quantidade que se podia ter de trabalhadores forçados nas

minas e a proporção da população viril e em idade e condições de trabalhar. Para as questões

teológicas a Junta contou com a cooperação do arcebispo de Lima63

.

O resultado dessa Junta era que o Conde, então governador do reino do Peru, não

continuasse com o projeto político de seu antecessor, o Duque da Palata. A Junta também

62 VILLALOBOS, Nestor Meza., Felipe V y el problema ético-político de la provision de mano de obra a la

mineria del Peru y Nuevo Reino de Granada. In: “Estudios sobre Política indigenista española en América”.

Volumen II. Evangelización, Régimen de vida y ecología, Servicios Personales, Encomienda y Tributos.

Simposio conmemorativo del V Centenario del Padre Las Casas. Terceras Jornadas Americanistas de la

Universidad de Valladolid. Valladolid, 1976, pp.313-314. 63

Idem, p.314.

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havia proposto a suspensão da vigência da disposição que estendia o trabalho forçado na mina

e na população indígena de outras cinco províncias64

. Conde de Monclova aprovou os

conselhos da Junta com algumas modificações a respeito dos tributos que os índios forasteiros

teriam que pagar65

. Uma característica importante era que a defesa em favor dos índios, feito

por Monclova, também se estendeu ao que ocorria nas minas de Huancavelica66

.

Fundado en estas consideraciones, el Consejo propuso al Rey que para

descargo de su conciencia y la de los ministros que suscribían esta

Consulta y por razón de conciencia y justicia, suspendiese el empleo

de indios forzados en el trabajo de esa mina y que se valiera para su

explotación de voluntarios a jornal, el cual sería pactado con os

mineros y sin que se hiciera sobre los indios violencia alguna, excepto

sobre aquellos que por sus delitos merecieran pena de muerte, pues en

64 Ibidem.

65 “El Conde aprobó, con algunas modificaciones, las proposiciones de la Junta. Respecto del tributo de los

indios forasteros, dispuso que se les redujese la tasa en consideración a que carecían de tierras y otros medios

para pagarlo; que a fin de establecer un tributo proporcionado a sus recursos, se les visitase nuevamente,

informando a los indios de esta finalidad a fin de que no creyesen de que se trataba de imponerles un tributo

igual al de los originarios y que mientras se hacían estas revisitas, se les cobrase por los Corregidores de la

jurisdicción en que residían, el tributo en que estaban tasados antes de la numeración general que era igual al de

ls yanaconas de la Corona, siempre que no excediese de siete pesos corrientes de plata y si fuese menor pagasen

la tasa o lo que se acostumbrase”. In: VILLALOBOS, Nestor Meza., Felipe V y el problema ético-político de la

provision de mano de obra a la mineria del Peru y Nuevo Reino de Granada. In: “Estudios sobre Política

indigenista española en América”. Volumen II. Evangelización, Régimen de vida y ecología, Servicios

Personales, Encomienda y Tributos. Simposio conmemorativo del V Centenario del Padre Las Casas. Terceras

Jornadas Americanistas de la Universidad de Valladolid. Valladolid, 1976, pp.315 66

“El celo del Conde de la Monclova por defender a los indios del azote del trabajo forzado en las minas se

manifestó también respecto de los que estaban obligados a trabajar en la explotación de la mina de mercurio de

Huancavelica. Si bien en este caso, dado que la producción de ese metal era la base de la explotación de las

minas de plata del reino, no abogó por la supresión del trabajo obligatorio, sino que procuró hacer prevalecer

ante la Corte el criterio de que, explotándose esa mina con tan gran esfuerzo de los indios y detrimento de sus

vidas, el intento de aumentar su producción era un atentado contra ellos. Proponía, por tanto, que la mano de

obra debía administrarse con suma prudencia, que no había que esforzarse por cumplir estrictamente los

términos del asiento, celebrado entre el Duque de la Palata y los mineros, según el cual el Estado se comprometía

a proporcionar a los mineros 625 obreros y que era necesario convencerlos de que debían darse por satisfechos

con el número que se pudiera recoger. El Conde extendió también su política a la población indígena de esas

provincias medida que redujo el número de trabajadores a 80. Así mismo aprobó la liberación a los trabajadores

forasteros de la obligación de trabajar en ese mineral dispuesta también por ese corregidor”. In: VILLALOBOS,

Nestor Meza., Felipe V y el problema ético-político de la provision de mano de obra a la mineria del Peru y

Nuevo Reino de Granada. In: “Estudios sobre Política indigenista española en América”. Volumen II.

Evangelización, Régimen de vida y ecología, Servicios Personales, Encomienda y Tributos. Simposio

conmemorativo del V Centenario del Padre Las Casas. Terceras Jornadas Americanistas de la Universidad de

Valladolid. Valladolid, 1976, pp.316.

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187

ese caso, el daño que podrían recibir en ese trabajo no procedería

de la justicia, sino de sus culpas. Por esa misma consideración

podrían trasladarse al Perú, para hacerlos trabajar en esa mina, los

indígenas delincuentes de la Nueva España67

.

Sobre o trabalho nas minas e a cobrança de tributos em Peru no século XVIII: “La

mina era, a juicio del jesuita, una imagen viva del infierno. El cobro del tributo, por su parte,

era capaz de arrancar lágrimas por la crueldad que se empleaba para lograr su pago68

”.

A incerteza sobre a situação legal do regime de trabalho em Potosí durou por muitos

anos. A questão levantada pelo historiador Nestor Meza Villalobos demonstrava que toda a

discussão sobre a regulamentação do trabalho forçado, com pareceres e Juntas, teve um ponto

final no ano de 1732, quando o rei Felipe V deu sua última palavra favorecendo o regime do

trabalho forçado na mina de Potosí. Essa sua decisão foi consagrada com o ponto de vista

sustentado pelos mineiros, pelo vice-rei do período, Marqués de Castelfuerte, por quase todos

os ouvidores das Audiências do Peru e dos Conselheiros de Índias. Em contrapartida, as

reformas propostas pelo Conde de la Monclova de abrandar esses serviços obrigatórios, foram

aceitas. Para evitar a carência de capital para os mineradores, o Estado criou um sistema de

créditos69

.

A questão do trabalho forçado nas minas de Potosí foi arrastada por muito tempo.

Vários pareceres foram dados, tanto de juristas, teólogos, quanto de vice-reis, várias Juntas

foram feitas e foram várias as reuniões do Conselho de Índias. Um dos motivos de se estender

tanto essa questão era a forte necessidade desse trabalho. O que se discutia, em meio a raras

exceções que pareciam querer a extinção desse serviço, era uma melhoria para esse regime de

trabalho. Como abrandar e melhorar as condições do trabalho indígena de maneira a não

extrapolar e abusar deles e também de não diminuir o rendimento que esses trabalhos nas

minas provinham? Essa temática, parece, esteve presente em todo o século XVII e XVIII. Não

se falava mais de acabar com esse trabalho, mas de regulamentá-lo.

67 Idem, p.328.

68 Idem, p.334.

69 Idem, p.343.

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4.2. Gobierno de D. Luis de Velasco (1596-1604).

O vice-rei era considerado o representante pessoal do rei. A ele era concedido amplos

poderes e prestígio. Este cargo foi a base que sustentou a fundação e consolidação dos

chamados Reinos de Índias em meados do século XVI. Esta instituição – vice-reinado –

ganhou sentido burocrático depois de Cristóvão Colombo. Desde 1535, o título de vice-rei

deixou de ser hereditário para converter-se em um funcionário da coroa e por um tempo

determinado. Durante os séculos XVI e XVII foram criados dois vice-reinos, o de Nova

Espanha (1535) e o de Peru que compreendia todos os territórios hispanos situados ao sul do

Panamá. Os outros vice-reinados apareceram apenas no século XVIII70

.

Os vice-reis estavam no mais alto posto e categoria em todas e cada uma das esferas da

administração pública e tiveram poder e faculdade para intervirem na prática dos assuntos do

vice-reinado. A esse poder dava-se o fato de que podiam acumular outros ofícios como o de

presidente da Audiência, capitão geral e governador da Província onde estava localizada a

capital do vice-reinado. Também acrescentava ao seu poder político, o religiosos pela sua

condição de vice patrono da igreja. Estes plenos poderes, juntamente com as tarefas gerais e

específicas de seu governo, vinham descritos e determinados pelo rei por meio das

instrucciones que os entregava no momento da sua partida e viagem até o vice-reinado.

Nessas instruções estavam descritas as diretrizes a seguir e uma exposição dos problemas

mais importantes que deviam conhecer e resolver71

.

Em questões de governo o vice-rei tinha o máximo poder executivo para administrar e

controlar o vice-reinado e entendia de todos os assuntos. Possuía faculdade para nomear os

funcionários de seu distrito, alcaides maiores e corregedores; promulgava provisões reais;

ordenações; regulamentações para a vida pública e a economia; outorgava terras e

encomiendas; cuidava para o bom tratamento dos índios e conservação da moral pública72

.

O governo e administração de D. Luis de Velasco foram muito estudados verificando

as ordenações, correspondências, instruções e Real Cédula destinadas e realizadas por ele

70 MARTÍNEZ, Miguel Molina, “La organización administrativa de las Indias”. In: CARREDANO, Juan B.

Amores (coord.), Historia de América, Ariel, España, 2006, pp.261-284, p.268. 71

MARTÍNEZ, Miguel Molina, “La organización administrativa de las Indias”. In: CARREDANO, Juan B.

Amores (coord.), Historia de América, Ariel, España, 2006, pp.261--284, p.268-269. 72

Idem, p.269.

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189

desde 1590 até meados de 161373

. J. Ignacio Méndez concluiu que cada problema abordado

durante seu governo mereceu de Velasco um tratamento especial e analítico. Don Luis de

Velasco apresentou à Coroa casos sobre os quais um homem mais tímido considerava

prudente não dizer nada. A cada problema, Velasco tratou de achar uma solução, mas em suas

recomendações ao governo real, sempre apresentou suas sugestões sem tratar de mencionar

quem era o responsável pela originalidade de suas opiniões e sem projetar sua personalidade

de uma maneira ordinária. Em seus despachos, Velasco sempre tratou de dar a impressão de

que tudo o que ele dizia ou fazia era simplesmente a interpretação “mais humilde” das ordens

do rei e do propósito da Coroa74

.

Lewis Hanke fez uma pesquisa sobre os documentos de Velasco durante seu governo

como vice-rei do Peru de 1596 a 160475

e de México, pela segunda vez em 1607 a 1609.

Mesmo que Velasco demonstrasse experiência e havia desempenhado um trabalho muito

eficiente como vice-rei do México no período de 1590 a 1595, o rei Felipe II enviou-lhe uma

extensa documentação legal para quando iniciasse seu governo de vice-rei do Peru de 1596 a

73 Podemos citar como exemplo os trabalhos de J. Ignacio Méndez, Perfil de una figura virreinal: Luis de

Velasco el joven. vol.11, núm.04, 1968.

Disponível online: publicaciones.banrepcultural.org/index.php/boletin_cultural/article/view/4020/4202.

Acessado em 28/10/15 as 17:20; Lewis Hanke Perú. Los virreyes españoles en América durante el gobierno de

la Casa de Austria. Tomo II, Biblioteca de autores españoles, Madrid, 1978; K.V. Fox Pedro Muñiz, Dean of

Lima, and the Indian Labor Question (1603), “The Hispanic American Historical Review, vol.42, num. 1,

Feb.,1962, pp.63-88 Disponível:www.jstor.org/stable/pdf/2509831 74

MENDEZ, J. Ignacio, Perfil de una figura virreinal: Luis de Velasco el joven, vol.11, núm. 04, 1968, p.29. 75

“Los manuscritos a disposición del estudioso que se proponga examinar este período en todos sus detalles son

impresionantes, tanto en calidad como en cantidad. Esto puede observarse en la correspondencia que se originó

durante la larga visita de la Audiencia de Lima realizada por el inquisidor de México, Alonso Fernández de

Bonilla, que la había comenzado siete años antes de que Velasco llegara al Perú. Después de transcurrir toda una

década inspeccionando la audiencia, lo que seguramente habrá constituido un record, Velasco y la audiencia

recomendaron conjuntamente al rey que la visita fuera terminada. El visitador fue tardío en todas las cosas, pues

finalmente anunció en octubre de 1599 que dejaría el Perú en diciembre, y falleció en Lima en enero de 1600,

después de haber pasado más de doce años examinando el gobierno de la audiencia. (…) Hubo un incesante

envío de órdenes reales a Velasco, y éste a su vez despachó órdenes para diversas partes del Perú sobre una

enorme variedad de tópicos. La justificación para usar indios en las minas recibió mucha atención, y Velasco

casi rivalizó con Francisco de Toledo en el número de ordenanzas que promulgó. El rey accedió finalmente a los

pedidos de Velasco para que le permitiera concluir sus servicios en Perú, y en 1604, viejo y pobre, se retiró a

vivir en México, lo que de por sí fue excepcional pues la mayoría de los virreyes se apresuraban a regresar a

España cuando concluían sus gobiernos. Tres años después, el rey requirió nuevamente los servicios de Velasco

y le nombró virrey de México por segunda vez”. In: HANKE, Lewis, Perú. Los virreyes españoles en América

durante el gobierno de la Casa de Austria. Tomo II, Biblioteca de autores españoles, Madrid, 1978, p.10-11.

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1604. Entre essa documentação estavam: Instrução geral76

com 72 capítulos; uma instrução

especial77

para os assuntos de “hacienda” com 59 capítulos; Real Cédula de 1601 sobre os

serviços pessoais; a relação para o Conde de Monterrey em 1604 com 63 capítulos78

e a

residência feita ao vice-rei D. Luis de Velasco79

. Para Lewis Hanke, a residência de Velasco

referente ao período em que governava as províncias do Peru, feita apenas em 1613, indicou o

quanto era lenta a administração da justiça. Demorou quase dez anos após ter terminado o

governo de Velasco no Peru para realizarem sua residência, e nesse ano, 1613, ele havia

concluído seu segundo vice-reinado em México (1607-1609) e era presidente do Conselho de

Índias80

.

Ruben Vargas Ugarte apresentou em sua obra Historia general del Perú, uma biografia

sobre Don Luis de Velasco e as características de seu governo enquanto vice-rei do Peru.

Velasco foi considerado um dos mais queridos vice-reis de Nova Espanha81

. Nasceu na vila

de Carrión de los Condes no ano de 1536. Era filho do vice-rei com mesmo nome e

sobrenome, que se diferenciava pela denominação el Viejo, e de Ana de Castilla. Em 1550,

quando seu pai foi ocupar o cargo de vice-rei de Nova Espanha, o acompanhou tendo apenas

11 anos de idade e aí permaneceu mesmo depois da morte deste em 1586 quando então

regressou para a corte espanhola. Assim como seu pai, também pertenceu à Ordem de

Santiago como cavaleiro82

. Velasco casou-se em México com Maria de Mendoza, filha do

conquistador Martin de Ircio, sobrinha do vice-rei Mendoza, com quem teve três filhos.

D. Luis de Velasco, também conhecido como “el segundo” ou “el joven”, que seria o

oitavo vice-rei de Nova Espanha, passou toda a sua juventude em México. Apenas em 1585,

76 Instrucción al virrey don Luis de Velasco que pasa Perú -22.VII.1595 (retirada por Lewis Hanke do Archivo

General de Indias, Lima 570, Libro XV, fs. 198-218v. La versión publicada de estas instrucciones está en

Encinas, “Cedulario Indiano” 1945, I, 307-325. 77

Instrucción al virrey don Luis de Velasco sobre hacienda -11.VIII.1596 (retirada por Lewis Hanke do Archivo

General de Indias, Indiferente 606, fs. 15v-25. 78

Relación del Señor Virrey Don Luis de Velasco al Señor Conde de Monterrey sobre el estado del Perú –

28.XI.1604. (retirada por Lewis Hanke da Real Academia de la Historia, Colección Muñoz, XXII, fs 54-71 v.

Para información sobre las versiones que han sido publicadas. Ver Lohmann Villena, 1959, pp.379-380. 79

Sentencias dadas a la residencia hecha al virrey don Luis de Velasco- 1.II.1613 (retirada por Lewis Hanke do

Archivo General de Indias, Escribanía, 1185, pp.1-8. 80

HANKE, Lewis; Perú. Los virreyes españoles en América durante el gobierno de la Casa de Austria. Tomo

II, Biblioteca de autores españoles, Madrid, 1978, p.11. 81

LORDA, Mercedes Galán. Luis de Velasco, legislador (1590-95 y 1607-11). Biblioteca jurídicas. Acessado

online 27/10/15 11:50. Disponível online: biblio.juridicas.unam.mx/libros/2/820/27.pdf pp.497-527, p.497. 82

LORDA, Mercedes Galán. Luis de Velasco, legislador (1590-95 y 1607-11). Biblioteca jurídicas. Acessado

online 27/10/15 11:50. Disponível online: biblio.juridicas.unam.mx/libros/2/820/27.pdf pp.497-527, p.498.

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por conta de desentendimentos com o Marqués de Villamanrique, voltou à Espanha e viajou à

Itália a pedido do rei Felipe II para fazer parte da embaixada de Florença. Segundo Mercedes

Galán Lorda, Velasco foi considerado o mais indicado para suceder o Marqués, então vice-rei

do México que fora criticado por sua atitude tirânica. Diante dessas circunstâncias, foi

nomeado vice-rei do México pela Real Cédula de 19 de julho de 158983

. Chegou à cidade de

México em 25 de janeiro de 1590 e seu governou durou até 1595.

Por ser muito experiente, foi nomeado como vice-rei do Peru em junho de 1595. Para

Lorda, uma mostra clara dos méritos desse governador era o fato de que ele foi o único em

todo o sistema de vice reinados que, depois de ser promovido a vice-rei do Peru, foi

designado outra vez vice-rei de Nova Espanha84

. O rei Felipe II nomeou Don Luis de Velasco

como vice-rei do Peru, como Presidente da Audiência dos reis e também como Capitão Geral

em terra e mar85

.

Depois de oito anos de serviços no Peru, o rei Felipe III o havia outorgado a jubilação

em 15 de outubro de 1603. Retirado de Nova Espanha, em 25 de fevereiro de 1607, a coroa o

chamou para sucessor de Marqués de Montesclaros. Ele aceitou o cargo em 15 de julho desse

mesmo ano. O rei honrou Velasco concedendo-lhe o título de Marqués de Salinas e presidente

do Conselho de Índias86

. Ele faleceu em Sevilha no dia 07 de setembro de 1617 depois de ter

governado Nova Espanha e Peru, e de ter sido nomeado Presidente do Conselho de Índias87

.

Segundo Ugarte, D. Luis de Velasco era um homem reto e de consciência. Tinha

prática em assuntos administrativos e sua experiência no vice-reinado da Nova Espanha

permitiu-lhe conhecer a legislação vigente neste período. Além de tudo isso, seguindo o

exemplo de seu pai, era um fiel servidor do rei Felipe II e cumpria todas suas ordens até este

morrer em 159888

.

83 Ibidem.

84 Ibidem.

85 UGARTE, Ruben Vargas. Historia General del Perú. Virreinato (1596-1689). Tomo III. Editor Carlos Milla

Batres, Lima – Perú, 1966, p.11. 86

Idem, p.499. 87

UGARTE, Ruben Vargas. Historia General del Perú. Virreinato (1596-1689). Tomo III. Editor Carlos Milla

Batres, Lima – Perú, 1966, p.11. 88

“A muchos podría parecer esta sujeción una especie de servilismo, pero es preciso saber que la obediencia de

hombres como D. Luis de Velasco al Monarca tenía por base un principio muy levado y muy cristiano, por

desdicha hoy frecuentemente olvidado, el que toda autoridad legítimamente constituida hace en la tierra las

veces de Dios, como nos lo enseña San Pablo”. In: UGARTE, Ruben Vargas. Historia General del Perú.

Virreinato (1596-1689). Tomo III. Editor Carlos Milla Batres, Lima – Perú, 1966, p. 13.

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O Rei Felipe II dedicou-se aos assuntos da província do Peru. Para Ugarte, desde os

primeiros anos de seu reinado, o rei mostrou-se interessado pelos assuntos da América, em

um período conturbado em que necessitava de medidas mais convenientes que visavam uma

pacificação e bom governo. Criou as audiências de Charcas e Quito e logo a de Santiago que

contribuíram para organizar a divisão das terras do vice-reinado. Convocou a Junta Magna

para escolher seus representantes e conhecer os principais problemas e seus

desenvolvimentos89

.

Ugarte mencionou que Don Luis de Velasco reclamava em seu governo como vice-rei

do Peru da falta de índios e sua má distribuição. Que cuidou de conter e diminuir os abusos

sofridos pelos índios:

El mineral de Huancavelica había también sufrido por la escasez de

indios, pero la cantidad de azogue disponible era grande, tanto que al

terminar su período, aun después de haber enviado buena cantidad a la

Nueva España, dejó almacenados cerca de 18.000 quintales, con lo

cual había para tres años de labor. El ajuste hecho por el marqué de

Cañete con los mineros vino a terminar el año 1596 y el Virrey

celebró con ellos nuevo contrato por cuatro años, modificando algunas

de las cláusulas del precedente, reduciendo a mil quintales los que por

año se habían de entregar, y en consecuencia el número de indios que

trabajaban en la saca del mineral. Este contrato se renovó en 1600 y se

le dio seis años de duración, insistiéndose en la economía del personal

y en que las minas no se trabajasen por socavón, a causa de los

perjuicios que ocasionaban a la salud90

.

O serviço pessoal dos índios no governo do vice-rei Don Luis de Velasco foi tratado

com certa insegurança e instabilidade. De acordo com Ruben Vargas Ugarte, Don Luis de

Velasco era responsável por velar pelo bem estar dos índios e ordenar que houvesse uma

quantidade mínima de religiosos para a conversão e propagação da fé cristã. Como fiel

89 “No perdió de vista las recomendaciones de la Reina Isabel sobre el cuidado que se había de tener de los

indios (…) Lo importante sería saber qué grado de responsabilidad le cupo al Rey en los abusos que en las Indias

se cometían. Pero si en sus lugartenientes no hallaron culpabilidad los encargados de tomarles residencia, ni la

historia tampoco puede justamente atribuirles parte en los desmanes de sus subordinados, ¿la haríamos recaer en

quien por la distancia y la eminencia de su cargo no podía descender a lo particular que ocurría en sus estados?”

In: UGARTE, Ruben Vargas. Historia General del Perú. Virreinato (1596-1689). Tomo III. Editor Carlos Milla

Batres, Lima – Perú, 1966, p.15. 90

UGARTE, Ruben Vargas. Historia General del Perú. Virreinato (1596-1689). Tomo III. Editor Carlos Milla

Batres, Lima – Perú, 1966, p.27.

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193

ministro do rei, não desprezou sua ordem, mas apresentou dificuldades em praticá-la. O rei

escreveu uma carta em 10 de abril de 1597 assinalando estes inconvenientes explicando e

dando a razão à dificuldade em implantar a fé entre os indígenas:

Lo que cerca desto siento, decía, y he podido alcanzar es que como

esta tierra no está tan poblada como la Nueva España y las Provincias

della son tan distantes unas de otras y los pueblos de los indios tan

divididos y apartados entre si, no son tan bien doctrinados ni lo

pueden ser como convenia y tengo casi por imposible la enmienda por

la desórden y poca caridad con que algunos ministros de doctrina,

particularmente clérigos, acuden a lo que están obligados, antes ellos y

los Corregidores los molestan y trabajan, ocupándolos en sus tratos y

granjerías con tanta exorbitancia y demasia que no se puede creer y,

por mucho que esto se apriete y trate de remediar, es de poco efecto,

según las fuerzas que tiene la mala costumbre que está en contrario91

.

Como legislador, em seus dois períodos de governo, Don Luis de Velasco se deparou

com problemas importantes, e, segundo Mercedes Lorda, tratou de resolvê-los através de

disposições concretas. Esta autora fez uma análise do governo de Velasco em sua função de

legislador analisando as ordenações que este elaborou em seu mandato e tal perspectiva

contribui muito para o entendimento desse período e de como este governador resolvia seus

problemas práticos.

Em umas dessas ordenanças, Velasco chegou a indicar um “defensor general” para os

índios – figura que existia em outros lugares das Índias e não significava uma particularidade

do governo desse vice-rei – e este conhecia e recebia as causas, petições e pleitos entre os

indígenas e notificava ao vice-rei o que fosse mais importante. Para Lorda, Velasco deixava a

decisão de ter ou não um “defensor general” ao arbítrio do rei, mesmo tendo indicado que

havia posto uma pessoa inteligente e de confiança encarregada dos assuntos indígenas92

. Em

resposta a esse pedido, o rei escreveu em 1592 aprovando a proposta de instaurar um

“defensor general” assinalando que essa medida era conveniente e que se fixara um salário93

.

91 Idem, p.45.

92 LORDA, Mercedes Galán. Luis de Velasco, legislador (1590-95 y 1607-11). Biblioteca jurídicas. Acessado

online 27/10/15 11:50. Disponível online: biblio.juridicas.unam.mx/libros/2/820/27.pdf pp.497-527, p.501. 93

Ibidem.

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194

Lorda analisou várias ordenações do vice-rei correspondentes ao período de 1590-

159594

e salienta a dos obrares de 1595. Nesta ordenação estava escrito para que os índios

cumprissem com seus contratos, o fazendo por escrito; que não houvesse nos obrares índios

presos, porque estes podiam entrar e sair livremente; e que somente por uma justa causa se

aceitava ter índios presos95

, mesmo que essa “justa” causa não estivesse previamente definida.

Esta mesma autora apontou que as ordenações tratam de problemas internos, e as

correspondentes ao primeiro período do vice-reinado de Luis de Velasco tinham como

assunto o Direito público e administrativo96

. Sobre o tratamento dado aos índios, se reconhece

que ofereceu muitas normas referentes ao trabalho indígenas e como uma forma de contribuir

com a pacificação destes, decretou em 1609 que as provisões e as roupas fossem vendidas a

preços razoáveis, que oferecesse terra nos distritos mineiros e que regulamentasse de modo

mais favorável o trabalho nos repartimentos. Até promulgou uma lei excluindo as

encomiendas e o tributo por dez anos aos índios que, voluntariamente, proclamassem sua

fidelidade à Igreja e ao Rei97

. Esta medida realizada para os repartimentos em 1609 ocorreu

depois da Real Cédula de 1601 e dos conhecimentos que Velasco possuía sobre as

circunstâncias locais.

Durante seu governo também teve que lidar com conflitos de índios e rebeliões de

escravos. Parece que apenas conseguiu manter os índios em paz em 1611 quando o então

94 “El resto de las Ordenanzas del Virrey Velasco, correspondientes al periodo 1590-95, tratan sobre todo del

ganado. Sólo destacan, por referirse a otros temas, una Ordenanza sobre que no se avecinden españoles en

pueblos de indios, y otras Ordenanzas para los obrajes. La primera, inédita, dispone que no se avecinden los

españoles en pueblos de indios por las molestias y vejaciones que les causan, quitándoles tierras y casas,

destruyendo sementeras al echar allí ganados, impidiéndoles sus granjerías, compeliéndoles a servirles y les

quitan sus mujeres e hijos. Se ordena a los justicias hacer lista de los españoles y mestizos que hay en sus

jurisdicciones, no consintiendo establecerse a otras. Está fechada el 15 de Octubre de 1591.” In: LORDA,

Mercedes Galán. Luis de Velasco, legislador (1590-95 y 1607-11). Biblioteca jurídicas. Acessado online

27/10/15 11:50. Disponível online: biblio.juridicas.unam.mx/libros/2/820/27.pdf pp.497-527, p.502. 95

LORDA, Mercedes Galán. Luis de Velasco, legislador (1590-95 y 1607-11). Biblioteca jurídicas. Acessado

online 27/10/15 11: 50. Disponível online: biblio.juridicas.unam.mx/libros/2/820/27.pdf pp.497-527, p.502. 96

“Así, las Ordenanzas tratan problemas de orden interno, y las correspondientes al primer periodo virreinal de

Luis de Velasco son de Derecho público: de carácter procesal la relativa al “defensor de indios”, labora, las

treinta y una para los obrajes; y administrativo, tanto la que prohíbe avecindarse a españoles en pueblos de

indios, como las relativas al ganado”. In: LORDA, Mercedes Galán. Luis de Velasco, legislador (1590-95 y

1607-11). Biblioteca jurídicas. Acessado online 27/10/15 11:50. Disponível online:

biblio.juridicas.unam.mx/libros/2/820/27.pdf pp.497-527, p.507-8 97

Idem, p.508.

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195

governador de Nova Vizcaya, Don Francisco de Urdiola, comunicou-lhe em uma carta que os

tinha em paz98

.

Mercedes Galán Lorda salientou que Luis de Velasco dedicou maior atenção em suas

ordenações ao tema dos índios. Ela descobriu que existiram quatro ordenações dedicadas a

eles neste segundo período de seu vice-reinado. Duas delas eram de 1607. Uma confirmava

outra ordenação de Monterrey de 1597 sobre não impedir aos proprietários de terras que

buscassem os índios fugidos; e a outra de dezembro confirmava um capítulo do Conde de

Monterrey em 1597, referente à quantidade de bestas que os índios podiam carregar99

:

Más interesante es la del 5 de Enero de 1610, sobre la paga de los

indios que sirven en los repartimientos de panes y minas, y sus días y

horas de trabajo. En ella queda reflejada la preocupación de Velasco

por el trato a los indios y la mejora de su situación.

Considera “mui corta” la paga de seis reales semanales, de modo

que ordena pagarles real y medio por cada día de trabajo, y medio real

por cada viaje de ida o vuelta. La paga se les dará cada tres días para

que puedan sustentar-se, y deben tener aposento. A quien no lo haga

así se le quitarán los indios.

Se trabajará los días no festivos, de sol a sol; cada día se dará

tiempo para almorzar y una hora para comer. Deben cumplirlo los

mineros, labradores y quienes tengan haciendas a su cargo. Además,

las justicias cuidarán de ello, ya que, de lo contrario, se les pena

también. Pueden advertirse que se trata de una regulación en materia

laboral muy avanzada para su época y un precedente importante de la

normativa sobre jornadas laborales y condiciones de trabajo que

surgirá más adelante100

.

98 “La rebelión de los esclavos negros de 1609 y los conflictos con los indios son objeto de algunas de las

noticias que Velasco envía con sus despachos a España. En el de 29 de Agosto de 1607 da cuenta de la quietud

de los indios de guerra; el 17 de Diciembre de 1608 anuncia que los negros están alzados, lo mismo que en 13 de

Febrero de 1609, cuando también comunica los excesos de negros y mulatos. El 24 de Mayo del mismo año

1609 continúa el problema de los negros alzados, igual que en 1610 (despacho del 21 de Octubre). Parece que se

logró mantener a los indios en paz, ya que el 7 de Junio de 1611 el Gobernador de Nueva Vizcaya, don Francisco

de Urdiola, comunicó al Virrey por una carta que tenía a los indios en paz. En cuanto a los negros, el 27 de

Marzo de 1609, el Virrey tomó con el Capitán Pedro Ochoa de Ugarte un asiento sobre la pacificación de los

negros alzados cerca del puerto de Acapulco”. In LORDA, Mercedes Galán. Luis de Velasco, legislador (1590-

95 y 1607-11). Biblioteca jurídicas. Acessado online 27/10/15 11:50. Disponível online:

biblio.juridicas.unam.mx/libros/2/820/27.pdf pp.497-527, p.510. 99

LORDA, Mercedes Galán. Luis de Velasco, legislador (1590-95 y 1607-11). Biblioteca jurídicas. Acessado

online 27/10/15 11:50. Disponível online: biblio.juridicas.unam.mx/libros/2/820/27.pdf pp.497-527, p.513. 100

LORDA, Mercedes Galán. Luis de Velasco, legislador (1590-95 y 1607-11). Biblioteca jurídicas. Acessado

online 27/10/15 11:50. Disponível online: biblio.juridicas.unam.mx/libros/2/820/27.pdf pp.497-527, p.514.

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A forma e a quantidade de ordenações escritas por Velasco referente ao tratamento e

regulamentação do trabalho indígena refletiam sua atenção pelas condições de trabalho dos

índios e maneiras de melhorá-lo. Entre 1590 e 1595, Lorda destacou as ordenações realizadas

para os obrares, nas quais os contratos de trabalhos dos índios deviam ser públicos; que a

liberdade de os índios movimentarem-se deveria ser reconhecida e se regulou a jornada de

trabalho; salário justo e obrigação do patrão em alimentar os índios. De 1607 a 1611, houve

outra ordenação em que tratou do trabalho indígena aumentando o salário destes que serviam

nos repartimientos de pães e minas, limitou o tempo de serviço (de sol a sol), prevendo

também o tempo para comer101

.

a) D. Luis de Velasco e os servicios personales de los indios

Ruben Vargas Ugarte afirmou que Don Luis de Velasco repetia a queixa formulada já

pelos seus antecessores sobre o excessivo trabalho que se impunha aos indígenas, sem que se

tomasse uma medida eficaz para combater a opressão, prolongando até a época republicana

segundo as circunstâncias e solicitude102

. Este autor citou um trecho de uma carta de

Velasco103

em que denunciava os maus tratos indígenas e demonstrava conhecimento por essa

realidade:

Es asimismo intolerable el trabajo y vejamen que padecen los indios

en la labor de las minas, labranzas, crianzas y trajines deste Reyno,

que crecen cada dia y ellos se van acabando, porque carga todo sobre

los miserables y los españoles no vienen acá a trabajar sino a servirse

de ellos y de sus haciendillas y van 30, 50, 100 y 200 leguas, más o

menos, de sus pueblos a las mitas de Potosí y otras minas donde los

tienen dos, cuatro, seis meses y un ano, en que con la ausencia de su

tierra, trabajo insufrible y malos tratamientos, muchos se mueren ó se

huyen y no vuelven a sus reducciones, dejando perdidas casa, tierras,

mujer y hijuelos, por el temor de bolver, quando les cupiere por turno,

a los mismos trabajos y aflicciones y por los malos tratamientos y

agravios que les hacen los Corregidores y Doctrinantes con sus tratos

y granjerías, que es otra tan grande servidumbre que les está aparejada

101 Idem, p.523.

102 UGARTE, Ruben Vargas. Historia General del Perú. Virreinato (1596-1689). Tomo III. Editor Carlos Milla

Batres, Lima – Perú, 1966, p.46. 103

Retirada da Bib. Nac. Madrid. Ms. 3636. Cartas del Virrey Velasco. – Levillier. G. del P. Tom. 14, p.36 y s.

por UGARTE, Ruben Vargas.

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quando vienen a descansar de la primera. Y asi soy informado que

desde el Cuzco para Potosi están los pueblos despoblados que casi no

se ven indios sino como por maravilla (…)104

.

A condição indígena foi uma preocupação de Velasco durante seu governo como

vice-rei das províncias do Peru. Ugarte também demostrou que por meio dessas

correspondências se notava os apelos e tentativas do vice-rei em diminuir a opressão e

abrandar os abusos sofridos pelos índios. De certa maneira, como ficou claro que mesmo

tendo uma Real Cédula específica para o serviço pessoal, escrita pelo rei Felipe III, este

assunto continuou problemático até meados do século XVIII e não foi resolvido, mesmo

diante de tantas denúncias. Um dos motivos apresentados por este autor em sua interpretação

sobre as correspondências de Velasco acerca desse tema era que as autoridades encarregadas

em defender os indígenas ou não o queriam fazer ou não o podiam. Como advertia o próprio

vice-rei, era necessário que cada índio tivesse um anjo da guarda para sua defesa.

Expressando sua opinião, Velasco mencionou em outra carta citada por Ugarte:

Juzgo por dichosos a los de Nueva España, porque, aunque no

huelgan, son sin comparación más relevados y mejor tratados y

pagados y no van a servir tan lejos como los de aquí. Todo lo que

puedo hago y haré para su alivio y desagravio y héme alargado en

esta materia (que no debe ser nueva advertencia) por el cuidado

que veo que V. M. pone en descargar su real conciencia,

mandándome lo que tanto importa, pero verdaderamente repugna

al buen tratamiento y conservación de estos pobres las

servidumbre y cosas forzosas a que los compelen a acudir, especial

lo de las minas105

.

Diante dessas palavras do vice-rei, muitas perguntas foram feitas para quais ainda não

se encontrou uma resposta decisiva. Historiadores se perguntaram se este mal da servidão

pessoal indígena era de fato tão exagerado e enraizado que fez impossível encontrar uma cura,

e, se essa cura era impossível então não caberia culpar ao rei ou a qualquer outra pessoa que

fosse, ou ao governo espanhol pela continuidade dessa condição. Mas também cabe outra

104 Bib. Nac. Madrid. Ms. 3636. Cartas del Virrey Velasco. – Levillier. G. del P. Tom. 14, p.36 y s. por

UGARTE, Ruben Vargas. Historia General del Perú. Virreinato (1596-1689). Tomo III. Editor Carlos Milla

Batres, Lima – Perú, 1966, p.46 105

Idem, p.47.

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pergunta feita por Ugarte: se chegou, na prática, a tomar uma atitude decisiva que pudesse

extirpar esse mal de uma vez por todas? Ele mesmo nos responde que não se descobriu

medidas firmes adotadas capazes de terminar com essas injustiças. Para este autor, isso não

ocorreu porque havia indecisões, resistências, debilidades dos encarregados de executar as leis

régias, e o fato de que nesta situação geral dos índios não se advertiu uma mudança que

merecesse ser chamada de substancial106

.

Rubén Ugarte apontou que D. Luis de Velasco não apenas contou ao rei o estado em

que se encontravam os índios, como mostrou com suas obras que se interessava pelo bem

estar e que:

(...) le llegaban al alma sus agravios. Sus representaciones dieron

motivo a la célebre cédula en que se abolían los servicios personales,

pero aun antes de que ésta se recibiese en Lima ya había cuidado que

se moderasen los repartimientos, concediéndoles tan sólo a quienes

positivamente tenían necesidad de ellos y prohibiendo que los

beneficiados vendieran el trabajo de los indios que les cabían en el

reparto. (…)107

A maneira como este autor interpretou e apresentou as correspondências de Velasco

juntamente com as informações que tinha sobre o que foi feito e das circunstâncias locais do

serviço indígena, demonstrou que essa condição era mantida não porque os funcionários

régios não cumpriam as leis, mas que estas não eram claras e, além disso, mesmo que

indicassem que estavam proibidos os maus tratos, outras autoridades encarregadas nesse

assunto não permitiam que tais leis fossem cumpridas.

Parece que o próprio sistema colonial impedia medidas mais eficazes que

combatessem a servidão pessoal indígena, muito mais do que afirmarmos simplesmente que

as leis não eram cumpridas por um vice-rei. Para o governo específico de Velasco,

observando a Real Cédula que recebeu em 1601, os pareceres consultados por Fr. Miguel

Agia que esclarecia a verdadeira intenção do rei, as justiças de cada cláusula e o arbítrio que o

vice-rei tinha, podemos notar nessa carta que ele manifestou sua indignação em não poder

fazer muita coisa para amenizar o serviço pessoal e o quanto era importante para o vice-rei

entender a verdadeira intenção do rei em relação ao serviço pessoal.

106 Idem, p.47.

107 Idem, p.49.

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Para além dessa declaração, ele afirmou que o rei ao desencarregar sua consciência e

encarregar a dele para o que realmente importasse fazer sobre esse assunto, de fato,

verdadeiramente, para o vice-rei, o rei repugnava o bom tratamento e conservação dos índios,

principalmente por estarem em regime de servidão e serem obrigados a trabalhar, como no

caso das minas. Aqui nos cabe deixar novas perguntas: Será que medidas mais eficazes não

foram de fato feitas, ou será que não foram permitidas por interessar que se mantivessem

assim? Tinha realmente o vice-rei arbítrio para adaptar, flexibilizar e alterar as leis para agir

conforme lhe parecesse mais conveniente e de acordo com sua consciência moral, ao caso dos

serviços pessoais indígenas? Até que ponto a teologia moral ampliava seu espaço de poder e

de autonomia para interpretar e julgar os casos de serviço pessoal sem que isso, para além de

não permitir incorrer em pecado, agradasse aos interesses econômicos do rei e dos

encomenderos?

Para esse problema prático o sistema moral probabilista sugeria uma solução. O

probabilismo constituía um esforço para aproximar a lei às consciências. Tal é o sentido do

provérbio: “La ley se acata, pero no se cumple108

”. No caso de Velasco, o probabilismo

poderia ajudar-lhe por permitir várias opções prováveis de se interpretar um caso, uma lei e de

aproximá-los à sua consciência. Talvez o vice-rei tenha usado um argumento moral para

defender seu posicionamento sobre o que podia fazer, e de fato fez, referente ao serviço

pessoal indígena em seu governo porque isso, conforme demonstrado por Agia109

, aliviava

sua consciência e demonstrava prudência. Além de ter agido como um fiel católico, ao

conservar os índios conservava a província do Peru e seus interesses econômicos.

Ugarte enumerou as dificuldades encontradas por Velasco em realizar o que estava

provido na Real Cédula de 1601, escrevendo ao rei desde Callao em 01 de Mayo de 1603:

La sana y recta intención del Monarca salta a la vista en este

documento, en el cual no faltan las graves sanciones que deben

acompañar a toda ley, si se quieres que ésta no se venga a convertir en

letra muerta. La protección y defensa del indígena parecía, pues, que

iba a hacerse real y efectiva. Sin embargo, al ponerla en ejecución, mil

108 MARTEL PAREDES, Víctor Hugo, La filosofía moral. El debate sobre el probabilismo en el Perú (siglos

XVII –XVIII). Instituto Francés de Estudios Andinos, Lima, Perú, 2007. 109

Fr. Miguel Agia interpretou a segunda cláusula da Real Cédula de 1601 a qual o rei ordenava que não se

permitissem nessas províncias os serviços pessoais, como sendo a coisa mais justa e Santa de toda a Real

Cédula. Que era justo proibir o serviço pessoal porque era contra a lei natural, divina e humana. Contra a lei

natural porque os índios eram livres por natureza. Contra a lei divina porque se era contra a lei natural também o

seria contra a divina. AGIA, F. Miguel, op. cit., p. 80.

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dificultades salieron al paso y el primero en descubrirlas fue el propio

Virrey.110

.

Nesta carta estavam descritas as dificuldades apontadas pelo vice-rei e que ajudam a

entender seu posicionamento e sua atuação diante da situação que tinha e a relação desta com

a lei que havia recebido. Tais problemas demonstraram uma tensão entre a norma e sua

prática, e, além disso, reforça a importância do arbítrio de Velasco para interpretar os fatos e

as leis da forma que lhe parecesse mais conveniente, prudente e reta em sua consciência. Tais

eram as problemáticas: primeira, a dificuldade de achar índios que voluntariamente se

ofereceriam ao trabalho, pois de mil deles não apareciam nem cem e assim acreditava que não

se deviam subir seus salários, pelo menos em Lima e sua comarca e nem tampouco deixá-los

repartidos; segunda, acabar com os obrares traria muito prejuízo e os índios estariam piores se

tivessem que se entender com seus caciques; terceira, o reparto de índios era tarefa dos

corregedores, segundo as necessidades dos que o pediam e com a aprovação ou não do vice-

rei. A última dificuldade era que não acreditava que fosse possível prescindir dos índios de

fora na mita de Potosí porque os que pertenciam à comarca não eram muitos e até encontrar

outros não se podia abrir mão dos que tinha111

.

Como apontou Ugarte, Velasco tinha conhecimento da situação indígena, mas ao

receber a Real Cédula de 1601 dos serviços pessoais declara que muitas de suas cláusulas não

podiam ser cumpridas na prática:

(…) Algunos de ellos ciertamente no lo comprendían, porque la

disposición real se refería a todos los dominios de América y otros

declara que están en vigencia, pero un buen número de ellos tenían

plena aplicación en el Perú y éstos son precisamente los que objeta o

tiene por muy dificultoso el urgir su cumplimiento. (…) El número de

indios que habían de ser repartidos se tasaba en las visitas que se

hacían de tiempo en tiempo en todas las provincias, pero de ordinario

se pasaba del fijado por las justicias. “Como el principal caudal y

riqueza deste Reyno consiste en el servicio de los indios ninguno se

contenta con los que se le reparten y los que no los alcanzan los

procuran con negociaciones, dice el Virrey, algunas veces por malos

medios con sus caciques y principales que son las justicias… y vienen

a ocupar tanto número de gente que aunque el repartimiento ordinario

110 UGARTE, Ruben Vargas. Historia General del Perú. Virreinato (1596-1689). Tomo III. Editor Carlos Milla

Batres, Lima – Perú, 1966, p.50. 111

Idem, p.50-51.

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que está permitido es de la sétima parte y a la sexta, quando más, ay

tiempo en que muchos de los pueblos de los naturales casi solas las

mujeres y algunos muchachos quedan a quien poder hacer doctrina”.

Después de haber señalado el mal no deja de advertir que es difícil

remediarlo112

.

Esta observação também foi notada por Ugarte para o que o vice-rei podia fazer sobre

o que corria em Huancavelica. Velasco, na interpretação deste autor, confessou que os índios

que adoeciam trabalhando nesta mina por 3 ou 4 anos acabavam morrendo. Com razão

adverte que esta causa era a mais escrupulosa de todas que havia no reino. E em vista de tudo,

Ugarte aponta que Velasco se apresentava contraditório em suas decisões. Na interpretação

desse autor, o vice-rei não realizou tudo o que podia para acabar com a opressão indígena113

.

Com a finalidade de comparar os pareceres de Fr. Miguel Agia com os de outras

ordens religiosas a respeito da Real Cedula de 1601, retomamos tais opiniões buscando,

concretamente, demonstrar o que foi feito diante de todo o cenário apresentado, tanto

governativo quanto religioso.

112 UGARTE, Ruben Vargas. Historia General del Perú. Virreinato (1596-1689). Tomo III. Editor Carlos Milla

Batres, Lima – Perú, 1966, p.51. 113

“En vista de todo lo dicho, aparece hasta cierto punto contradictoria la conducta de Velasco, pero la

contradicción se desvanece si reparamos en que faltaba voluntad para extirpar el mal, pero ella no era tan

decidida y firme, como hubiera sido menester. El remedio estaba a la vista, pero no había pecho para arrostrar las

dificultades y una serie de prejuicios e ideas preconcebidas enervaba toda decisión radical. Entre éstos había que

señalar en primer término la idea de que sin las minas se perdía el Perú y el axioma que sin indios no cabía

explotación minera. En segundo lugar, los españoles y criollos y aun los mestizos huían el trabajo, haciendo que

todo él pesase sobre la raza conquistada. Sólo el tiempo, dice el mismo Velasco, ha de poner remedio a esto. La

falta cada vez mayor de indios y el aumento de la demás gente hará que los padres se valgan de sus hijos y los

vecinos se ayuden de sus vecinos y los que no tuvieren de qué sustentarse, poco a poco la necesidad los vendrá a

compeler con más fuerza que la ley. No le faltaba razón, pero el cambio que se había de operar suponía el

acabamiento de los indios y esto es precisamente lo que se trataba de evitar. Finalmente, a pesar del gran sentido

de justicia y de igualdad de los españoles, éstos pertenecían a una raza superior y habían sojuzgado la tierra con

su esfuerzo. Aun cuando no participasen del todo de las ideas aristotélicas de que hay siervos por naturaleza, era

difícil que no considerasen al indio como súbdito y obligado en cierto modo a su servicio. Si aún hoy, después de

tanto como se ha predicado sobre la igualdad de todos los hombres, muchos no pueden menos de considerarlo

como inferior y les regatean sus derecho, ¿qué tiene de extraño que entonces no se doliesen los corregidores,

mineros y traficantes de la vida miserable que llevaban estos infelices? Era necesario tener una gran dosis de

caridad cristiana y una fe muy viva para mirarlos como hermanos, como a seres redimidos con la sangre de

Jesucristo, dignos de aprecio y con derechos inalienables como cualquiera otra persona humana”. In: UGARTE,

Ruben Vargas. Historia General del Perú. Virreinato (1596-1689). Tomo III. Editor Carlos Milla Batres, Lima –

Perú, 1966, p.52.

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4.3. Os pareceres dos religiosos sobre a Real Cédula de 1601.

Paulino Castañeda Delgado analisou a opinião dos eclesiásticos e seus juízos morais

sobre o problema ético da compulsão do trabalho indígena. Ele buscou entender como os

religiosos pensavam a necessidade de conservar a República, de justificar moralmente e

juridicamente os serviços pessoais nos repartimientos e quais eram as alternativas para acabar

com tal compulsão e ainda manter o compromisso da evangelização e dos interesses da

República.114

Os pareceres dos mercedários do Peru sobre a Real Cédula de 1601 foram escritos em

Lima em 24 de abril de 1603. Nesses comentários, em geral, aprovaram o conteúdo da norma

e compreenderam que para explorar as minas, algo considerado necessário, não havia outra

solução a não ser a de utilizar a mão-de-obra indígena. Os negros não aguentariam o frio e

seria difícil fazer com que espanhóis, mulatos e mestiços aceitassem trabalhar nas minas. Para

Castañeda Delgado, os mercedários aprovaram tudo o que favorecia aos índios; mas ao

mesmo tempo recomendavam prudência, porque podia acontecer que as principais fontes de

riqueza ficassem sem mão-de-obra115

.

Delgado também encontrou na seção de manuscritos da Biblioteca Nacional de Madrid

o memorial do Fr. Alonso de Messía sobre a Real Cédula dos serviços pessoais116

. A pergunta

feita pelo Fr. Alonso em sua obra era: tinha o vice-rei obrigação de cumprir a Real Cédula?

114 DELGADO, Paulino Castañeda, Los memoriales del Padre Silva sobre la predicación pacifica y los

repartimientos. Colección Tierra nueva e Cielo Nuevo, vol. VI, Medio Milenario del Descubrimiento de

América, Consejo Superior de Investigaciones Científicas, Instituto “Gonzalo Fernández de Oviedo”, Madrid,

1983, p.181. 115

“En general aprueban y alaban su contenido; piden que se ejecute el número uno, cono muy provechoso para

los indios; les parece justa la prohibición de enviar indios a los obrajes, pero consideradas las consecuencias,

opinan que debería suplicarse a su Majestad que permitiera alquilar algunos indios voluntarios, con mejor paga y

mejor trato. Les parece justo también que los indios no se vendan con sus chacras, pero les parece excesivamente

riguroso que, cuando se vendan, no pueda el dueño indicar que dichas chacras suelen tener un repartimiento de

indios, pues en este caso no podrían venderse ya que una chacra sin indios no tiene ningún valor. Consideran

como muy buena la idea de fundar pueblos en torno a las minas, pero lo encuentran dificultoso, pues no es fácil

encontrar lugares oportunos para hacerlos, ya que toda la tierra está repartida”. DELGADO, Paulino Castañeda,

Los memoriales del Padre Silva sobre la predicación pacifica y los repartimientos. Colección Tierra nueva e

Cielo Nuevo, vol. VI, Medio Milenario del Descubrimiento de América, Consejo Superior de Investigaciones

Científicas, Instituto “Gonzalo Fernández de Oviedo”, Madrid, 1983, p.182-3. 116

Paulino Castañeda Delgado enfatizou que este Memorial de Fray Alonso de Messía não constava uma data

definida, mas que pelo contexto, era 1601. A referência exata dessa obra encontrada por Delgado foi dada por ele

em seu livro Los memoriales del Padre Silva sobre la predicación pacifica y los repartimientos. B.N.M., Ms.

8.553, fols.38 ss.

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Quais cláusulas podiam ser cumpridas e quais podiam deixar de cumprir com “boa

consciência”117

. Fr. Alonso apontou que o rei exigiu o cumprimento da sua norma porque

disso dependia a conservação das Índias; para isso colocou algumas limitações: que a

execução desta Real Cédula não causasse grandes inconvenientes e novidades importantes;

deu pleno poder ao vice-rei para agir de acordo com o estado das coisas118

.

Delgado afirmou que para Fr. Alonso que as soluções apresentadas pelo rei na Real

Cédula não serviam: importar negros em quantidade era arriscado e morreriam pelo frio. Os

mulatos, mestiços e espanhóis eram preguiçosos e isso não resolveria o problema da opressão

indígena119

. Se colocar em prática os meios e remédios indicados na Real Cédula, faltaria

comida e riqueza; em consequência, não se devia executar esta cédula de 1601. O que se

devia fazer e logo era remediar os abusos sofridos pelos índios nos repartimientos. Fr. Alonso

recomendou ao vice-rei que depois de escutar todos os pareceres que os enviassem à

Audiência de Charcas para que ai os estudasse e decidisse pelo melhor, mesmo que a decisão

fosse dada por Velasco120

. Terminou seu memorial afirmando que se devia acabar com os

117 DELGADO, Paulino Castañeda, Los memoriales del Padre Silva sobre la predicación pacifica y los

repartimientos. Colección Tierra nueva e Cielo Nuevo, vol. VI, Medio Milenario del Descubrimiento de

América, Consejo Superior de Investigaciones Científicas, Instituto “Gonzalo Fernández de Oviedo”, Madrid,

1983, p.183. 118

“De todo lo cual Messia deduce una conclusión general: si la real cédula se cumple se pondrán en riesgo la

conservación de estas provincias, pues cesaría la labor de las minas, el cultivo de los campos, etc., causando

grandes trastornos, pues de ellos depende la vida y hacienda de estos reino”. DELGADO, Paulino Castañeda,

Los memoriales del Padre Silva sobre la predicación pacifica y los repartimientos. Colección Tierra nueva e

Cielo Nuevo, vol. VI, Medio Milenario del Descubrimiento de América, Consejo Superior de Investigaciones

Científicas, Instituto “Gonzalo Fernández de Oviedo”, Madrid, 1983, p.183. 119

“La supresión de los repartimientos por el alquiler en las plazas no es factible; porque nadie será capaz de

hacerlos venir en cantidad suficiente y sería, además, motivo de altercados constantes en las plazas. Por último,

la cuarta sugerencia del rey de hacer pueblos junto a los campos y minas, además de inconveniente, significaría

el fin de los indios, al tenerlos que sacar de su natural”. DELGADO, Paulino Castañeda, Los memoriales del

Padre Silva sobre la predicación pacifica y los repartimientos. Colección Tierra nueva e Cielo Nuevo, vol. VI,

Medio Milenario del Descubrimiento de América, Consejo Superior de Investigaciones Científicas, Instituto

“Gonzalo Fernández de Oviedo”, Madrid, 1983, p.183-4. 120

Delgado apontou varios motivos defendidos por Fr. Alonso e aquí cabe mencionar sobre as mitas:

“Repartimientos justos. Tolerados por reyes y virreyes, con parecer de hombres doctos que aseguran sus

consciencias. Esto es claro. Lo que se pone en disputa es “si convendrá dar indios a las minas que se labran con

muy moderado o ningún fruto”. Y dice: El rey manda quitar los repartimientos a las minas, “luego por lo menos

se deben quitar a las inútiles”. Describe a continuación la organización de las mitas del Cerro y sus puntos de

origen; el trasiego de miles de indios con sus familias y enseres y el triste final de muchos de ellos… Resalta los

malos tratos, el salario injusto, la explotación inicua …, etc.” DELGADO, Paulino Castañeda, Los memoriales

del Padre Silva sobre la predicación pacifica y los repartimientos. Colección Tierra nueva e Cielo Nuevo, vol.

VI, Medio Milenario del Descubrimiento de América, Consejo Superior de Investigaciones Científicas, Instituto

“Gonzalo Fernández de Oviedo”, Madrid, 1983, p.186.

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serviços pessoais aos encomenderos porque isso era justo: “Si la Real Cédula se pudiera

cumplir, sería el mayor remedio y más propia encuadernación que se podía dar a este reino”.

Pero, supuesto que no se puede cumplir por los inconvenientes dichos, es justo reformar “e

informar a las cosas desta tierra con una nueva vida”121

.

A respeito dos pareceres do Fr. Miguel Agia, Paulino Castañeda Delgado ressaltou que

era uma obra famosa, escrita em meados de 1604 e que várias autoridades e personalidades

apontaram positivamente suas opiniões e considerações tanto sobre Agia quanto de sua

obra122

. Apresentou os assuntos tratados nos três pareceres: no primeiro explicou a intenção

do rei sobre o conteúdo da provisão; no segundo expôs a justificação das cláusulas; no

terceiro tratou do arbítrio que o vice-rei tinha sobre a execução da norma. Agia não acreditava

que era intenção do rei acabar com as mitas e repartimientos de índios, mas sim a forma como

estes eram tratados. Para ele o rei nem proibiu os obrajes e considerou justa a proibição do

serviço pessoal que os índios prestavam aos encomenderos em troca do tributo. Afirmou que

os repartimientos deveriam continuar, por meios suaves e convenientes, porque eram

necessários para a conservação da República e dos índios. Delgado ressaltou que na

interpretação de Fr. Miguel Agia, a Real Cédula de 1601 atendia principalmente ao bem

universal da república das Índias, sua conservação, aumento e bem particular dos índios123

.

121 DELGADO, Paulino Castañeda, Los memoriales del Padre Silva sobre la predicación pacifica y los

repartimientos. Colección Tierra nueva e Cielo Nuevo, vol. VI, Medio Milenario del Descubrimiento de

América, Consejo Superior de Investigaciones Científicas, Instituto “Gonzalo Fernández de Oviedo”, Madrid,

1983, p.187. 122

“Sobre el libro opinan algunas personalidades; el Lic. Juan Jiménez de Montalvo considera que el Padre Agia

ha interpretado rectamente la Real Provisión, “con suma erudición, así en razones como en derecho”, con lo cual

“queda bien asegurada la real conciencia de su Majestad y de sus ministros”. El Dr. Arias Ugarte, oidor, lo

mismo que el anterior, opina que toca cosas importantes “con buen juicio y ponderación”. El guardian de los

franciscanos, Fray Benito de Fuertes, piensa que el tratado “contiene doctrina muy sólida y necesaria, fundada en

ambos derechos …, dando nueva luz a muchas y muy arduas dificultades tocantes a la materia dicha, las cuales

con mucho ingenio y singular destreza, acompañada de larga experiencia de las cosas de las Indias, resuelve el

autor”. Fray Juan Venido, comisario general de los franciscanos procede con prudencia cautelosa; entiende que

las materias tratadas “son gravísimas y dificultosísimas, que han causado escrúpulos a varones doctos y

temerosos de Dios y de su conciencia, así en España como en las Indias”; para mayor seguridad le parece

oportuno pedir parecer y aprobación a otras personas de experiencia. En efecto, aparecen otros juicios sobre el

tratado, igualmente favorables”. DELGADO, Paulino Castañeda, Los memoriales del Padre Silva sobre la

predicación pacifica y los repartimientos. Colección Tierra nueva e Cielo Nuevo, vol. VI, Medio Milenario del

Descubrimiento de América, Consejo Superior de Investigaciones Científicas, Instituto “Gonzalo Fernández de

Oviedo”, Madrid, 1983, p.188. 123

Idem, p.189.

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Estava claro para Agia que a intenção do rei era que os serviços pessoais tinham que

ser proibidos, mas não os repartimientos. Diante disso, o franciscano deduziu que o rei havia

recebido informações “siniestras”:

Lo supone por la poca diferencia que establece entre ambos conceptos

en el proemio de la Real Cédula de 1601, donde dice: “habiendo visto

y entendido cuán dañoso y perjudicial es a los indios el repartimiento

que de ellos se hace para servicios personales …”. Le parece al

franciscano que el rey da a entender que los repartimientos o mitas se

hacen para servicios personales, “lo qual es notoriamente siniestro y

derechamente opuesto a la verdad”. Para él, servicio personal,

conforme “el día de hoy se platica y usa en todas las Indias”, es el que

hacen los indios a sus encomenderos en lugar de los tributos que les

habían de pagar; y porque dichos tributos eran personales, “de ahí

vino que el servicio en que se conmutaron se llamase también

personal, como se llama hoy día”. Sim embargo, repartimiento o mita

“se ha entendido el que se hace para servicio de la república, así en el

beneficio de cultivar la tierra, como de las minas, ciudades, villas y

lugares y otros ministerios semejantes”124

.

No segundo parecer Fr. Miguel Agia afirmou que o rei era dono e senhor das Índias

pelo justo e legítimo título recebido da sede apostólica, tinha autoridade para estabelecer e

declarar leis. Considerou leis justas as que mandavam que os índios servissem como homens

livres, considerando a conservação e aumento da República, colocando em ordem o corpo

místico deste governo. Explicou cada cláusula da Real Cédula; defendeu a liberdade natural

dos índios e estava seguro e convicto que esses não trabalhariam para a República se não

fossem compelidos; Agia elogiou a proibição dos serviços pessoais para as encomiendas

defendendo que os índios eram naturalmente livres e denunciou aos chacareiros de

Chuquisaca que compravam índios em Santa Cruz de la Sierra; considerou muito justo a

proibição das cargas e vendas de índios125

.

As soluções apresentadas por Fr. Miguel Agia justificando as cláusulas da Real Cédula

eram: A sujeição política ou civil era justa em virtude da qual eram compelidos e forçados os

índios a trabalharem a serviço da República e isso não era repugnado pela lei natural, e sim

estava conforme a ela; tampouco esse serviço estaria contrário à liberdade cristã porque o

batismo não retira do cristão o seu dever natural; a República e o rei tinham poder legítimo e

124 Idem, p.189-190.

125 Idem, p.191.

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autoridade para obrigar e forçar seus vassalos sem com isso causar injúria; desta mesma

maneira, o vice-rei Don Luis de Velasco também possuía autoridade para obrigar e forçar aos

índios a que trabalhassem para o bem e utilidade pública; podia compelir aos índios que

trabalhassem nas minas porque o príncipe podia impor que seus súditos contribuíssem com a

necessidade e utilidade comum126

.

No terceiro parecer o franciscano Fr. Miguel Agia analisou o arbítrio do vice-rei para

executar as cédulas reais retomando normas gerais como: as leis só obrigam se antes forem

recebidas pela maioria; se forem contra a lei natural ou divina não se devia guardar; o rei e o

vice-rei não estavam obrigados a seguirem o parecer comum de todo conselho; devia

considerar a autoridade de quem aconselhava e mesmo assim, não teria o vice-rei obrigação

de segui-lo, mas, tampouco lhe era permitido afastar e desconhecer os pareceres de pessoas

com experiência e consciência127

.

Fr. Miguel Agia no final do seu tratado de 1604 dedicou uma parte separada para o caso

de Huancavelica. Ele visitou a mina de Huancavelica em 1603 e presenciou o péssimo estado

em que se encontrava o trabalho e os indígenas. Seu conselho era que esta mina fosse fechada

porque não se extraía dela uma quantidade de minério suficiente, todos os índios morreriam

nesse lugar e nessas condições e existiam outras melhores: “El socabon grande de

Guancavelica, comumente llamado de las minas ricas se deve mandar cerrar, o quitar las

escalas: para que los índios no anden en su labor128

”.

Ao terminar seu último parecer, despois de ter apresentado a intenção e vontade do rei;

a justificativa de cada cláusula; e o arbítrio do vice-rei; Agia colocou que para desencargo da

consciência do rei e sua, que a mina de Huancavelica devia ser fechada. Ou seja, ao final de

toda uma justificativa, argumentos e motivos apoiando e defendendo o serviço pessoal para o

bem comum e utilidade pública, o franciscano, considerando o desencargo da sua própria

consciência e não apenas a do rei e vice-rei, opinou objetivamente em favor do fechamento

dessa mina. Ele demonstrou que mesmo existindo premissas que permitiam obrigar os índios

a trabalharem, e ainda que o vice-rei tivesse espaço para agir conforme lhe parecesse melhor,

para ele, e a segurança de sua consciência, a mina devia ser fechada:

126 Idem, p.191-192.

127 Idem, p.193.

128 AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves enderecho, etc., Lima, 1604, ed. de AYALA,

F.J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Tercero Parecer, p.128.

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(…) y siento en Dios y en mi consciencia , que no tiene bastante

numero de indios el Rey nuestro señor en todas las Provincias del

Piru, y Nueva España: para los que consumirá y acabara en brevissimo

tiempo el dicho socabon, pues de algunos años a esta parte se ha visto

y ve por experiencia que todos los indios que entran hazer su mita en

el y andan en su lavor, salen irremisiblemente condenados a muerte, y

aunque algunos muerren luego, y otros tardan mas tiempo, es cosa

cierta que ninguno llega a tres años de vida, en los quales es tan cruel

la enfermedad que padescen, que quisieran los tristes morirse luego,

antes que padescerla con tan graves dolores, y congojas. Y esto me

parece salva la censura129

.

129 AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves enderecho, etc., Lima, 1604, ed. de AYALA,

F.J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Tercero Parecer, p.129.

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208

CONSIDERAÇÕES FINAIS

QUESTÕES JURÍDICAS, TEOLÓGICAS E POLÍTICAS

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A teologia moral nos séculos XVI e XVII tinha a função de marcar os limites de até

onde era lícita ou não a prática do homem. O ato podia ser considerado justo ou injusto se

fosse antes tomado pelo entendimento. A consciência, guiada pela virtude da prudência que

discernia entre o bem e o mal, conferia o que era justo ao ato humano. Sem a mediação da

consciência, enquanto ato do entendimento, não se podia conhecer a justiça de uma ação.

O aspecto moral, conscientemente, garantia o caráter justo e assim, quem controlava a

consciência, controlava as decisões e justiça das coisas. Neste ponto temos clara a relação

entre a Igreja e o Estado apontada por Paolo Prodi e Bacigalupo. Deter o controle das

consciências era também controlar as decisões jurídicas, como uma forma de coação, de

impor limites e estabelecer poder. O sistema moral probabilista surgiu nesse debate teológico-

jurídico incomodando essa relação entre a Igreja e o Estado no controle das consciências. O

probabilismo apresentava argumentos razoáveis, prováveis para que cada pessoa, juiz ou não,

decidisse em sua consciência o que lhe parecesse melhor. Ele não definia uma opção apenas.

Apresentava várias soluções prováveis e justificadas pela mesma razão: são igualmente

prováveis, tanto a mesmo quanto a mais provável, e, para o caso de dúvida, um pequeno grau

de certeza já resolvia o problema moral e prático e estabelecia uma consciência segura.

Fr. Miguel Agia explicou e demonstrou em seus três pareceres os motivos razoáveis

que fundamentavam qualquer decisão do vice-rei Don Luis de Velasco, fosse ela tomada

segundo a perspectiva política, religiosa, econômica ou social. Os motivos trazidos por Agia

evidenciaram claramente sua preocupação pela intenção, boa razão, e utilidade pública. O

argumento que justificava o serviço pessoal dos índios era o de que esse trabalho tinha que ser

para o bem comum, se assim o fosse, então a lei encontrava sentido e razão. Contudo, por

outro lado, o serviço pessoal fazia com que a quantidade de índios diminuísse

consideravelmente e essa perda de mão-de-obra significava não garantir a conservação da

Província e nem os interesses econômicos da Coroa, outros motivos e razões de utilidade

pública. Diante dessa ambiguiedade, o que fazer?

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209

Essa dúvida moral e prática que Agia também demonstrou em seus pareceres o fez

contraditório. Mas essa contradição podia ser entendida como uma ambiguidade normal e

como particularidades da práxis dessa época e espaço colonial. Ambiguidade em apresentar

motivos que se contradiziam não podia ser considerada como um defeito ou erro do teólogo.

Ele evidenciou a dúvida que existia e as características da segunda escolástica. Não podíamos

esperar que apresentasse uma única opção, que aconselhasse de maneira objetiva e rigorosa.

Sendo ele franciscano, com conhecimento em direito canônico, leis e teologia, escrevendo

sobre os serviços pessoais no vice-reinado do Peru em 1604, era possível que mostraria o

tema em suas múltiplas variedades e ainda assim não definisse uma razão única. Para dar seu

parecer ele explorou todas as possibilidades razoáveis apoiadas em historiadores, filósofos,

religiosos, costumes antigos, leis e precedentes anteriores, textos bíblicos, circunstâncias

específicas e a própria decisão tomada no foro interno.

O objetivo de Fr. Miguel Agia era justamente encontrar uma harmonia entre os

variados interesses e particularidades sobre um tema delicado e que interferia em relações

econômicas, religiosas, políticas e jurídicas. Tentamos responder, tendo como base a obra do

Agia e dos manuais de teologia, a seguinte pergunta: como era a tomada de decisão em um

contexto religioso, político e jurídico como o vice-reinado do Peru nos séculos XVI e XVII

apoiada pela teologia moral?

A tese do livro de Rafael Ruiz, O sal da consciência era a de que “o foro adequado

para resolver as questões relativas à arbitrariedade injusta dos magistrados seria, não o

público e civil da administração pública, mas o foro privado do sacramento da confissão e,

portanto, a coação possível sobre o mau desempenho da função judiciária estaria,

propriamente na teologia e na dogmática católica, e não na legislação régia130

”. Essa ideia nos

evidenciou a importância e forte influência da teologia moral na tomada de decisão

configurando ao direito uma práxis que estendia e ampliava os limites da aplicação jurídica

para além da norma. E o quanto a justiça necessitava e apelava para o apoio da moral como

peso que garantisse o cumprimento do que fosse considerado, consciente e prudentemente,

como justo. Nessa valoração de sentidos, a intenção e o motivo tinham importância e

relevância fundamentais. Se não se encontrasse a intenção que motivava a ação que seria

entendida conscientemente e discernida prudentemente, a lei não teria sentido, utilidade e não

130 RUIZ, Rafael, O sal da Consciência: Probabilismo e Justiça no Mundo Ibérico. Instituto Brasileiro de

Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio” (Ramon Llull), São Paulo, 2015, p.21.

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210

deveria ser obedecedia. A consciência mediava os atos humanos em seus aspectos morais e

doutrinários. Agir contra a consciência era agir contra liberdade individual e com isso pecar.

Essa importância da teologia coagindo o ato humano estava presente na Real Cédula

de 1601 e nas Instruções dadas ao vice-rei do Peru, Don Luis de Velasco, escritas pelo rei,

quando este encarregava a consciência de Velasco e ressaltava que esperava dele prudência.

A legislação dava margem para um espaço de arbítrio ao permitir que o vice-rei agisse

conforme lhe parecesse melhor e coagia essa mesma decisão tomada em arbítrio, interpretada

dos fatos e normas, ao incumbir à legislação o aspecto moral da consciência e da prudência.

Diante disso, a nossa pergunta de que teria relamente o vice-rei arbítrio para modificar e

flexibilizar a norma foi respondida pela tomada de decisão de Velasco quando este afirmou

que, segundo a opinião dos doutores e o seu entendimento sobre elas e os fatos, era

impossível aplicar a lei sem causar danos à República e aos indígenas. Sendo assim, mesmo

que ele tivesse arbítrio para interpretar a lei e adequá-la, para o caso das minas de Potosí e dos

serviços pessoais, estava limitado. A isso ele justificava que era porque não via na própria lei

a real intenção do rei de fazê-la cumprir no que dizia respeito ao bom tratamento dos índios.

Essa percepção de Velasco foi tida porque justamente ele tinha esse espaço para deliberar

interpretando pelo próprio arbítrio e consciência. A sua consciência o incumbia a fazer

alguma coisa pelo bom tratamento aos indígenas, como mandava a Real Cédula, mas essa

necessidade e motivo não tinha a mesma relevância e importância para o rei. Velasco não

achava que fosse essa a real intenção do rei, assim como Agia também não achava que fosse.

Sem a verdadeira intenção, a lei perdia o sentido e sua aplicabilidade dependeria de outros

fatores que a consciência, prudência e arbítrio do vice-rei ditariam como corretos e justos.

Podemos perceber nessa pesquisa um pouco mais sobre a racionalidade e cultura de

uma práxis jurídica que continha as decisões, opiniões comuns, autoridades, costumes,

arbítrio e consciência demonstrando um processo interpretativo e argumentativo construído

com premissas teológicas, políticas, jurídicas e econômicas que justificavam a aplicação ou

não da lei.

Fray Miguel Agia buscou a orientação e a opinião comum de pessoas entendidas nos

assuntos que ele não dominava. A teologia surgiu para ele como um guia que solucionava as

dúvidas, porque até mesmo um teólogo podia ter dúvidas. O parecer do Fr. Miguel Agia

refletiu seus atos e como pensava e montava seu argumento. Nele continha a pesquisa que fez

em livros, seu conhecimento teológico, doutrinário, jurídico e também a sua experiência

vivenciada na realidade e nas circunstâncias específicas e complexas das Índias, espaço e

lugar de onde ele escreveu.

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211

O parecer de Agia foi escrito sobre outros pareceres, e, como um bom cristão e homem

prudente, ele trouxe as causas e consequências do trabalho dos índios, tanto para esses quanto

para a República. Essa preocupação evidenciou uma maneira de prevenir o que poderia

acontecer se faltasse um ou outro. Ao apresentar as possibilidades, exemplificar com

experiências passadas, relatar sua própria vivência, trazer autores e doutores como referências

científicas, políticas, filosóficas e religiosas, ao tratar do costume, de casos particulares, do

uso e da prática da Real Cédula, Agia foi prudente e praticou o que seu parecer orientava.

A Real Cédula tinha que ser conhecida para ser cumprida e executada. As características

apresentadas por Agia para um juiz árbitro evidenciaram o espaço conferido pelo rei ao seu

vice-rei, de executar, alterar, mudar, remover e deixar de executar o que lhe parecesse

conveniente. O vice-rei podia usar seu arbítrio para flexibilizar as leis e aplicá-las.

Esse espaço que era dado para acomodar as leis indicava que os termos pelos quais

estas eram executadas eram complexos e específicos. Se o vice-rei tinha a possibilidade de

agir pelo seu arbítrio, isso significava que o rei – quem consentiu a ele esse poder e faculdade

– reconhecia que sua Real Cédula não continha todas as normas para as situações que

poderiam existir. Outro motivo que podia indicar a importância do arbítrio do vice-rei era o de

que o rei reconhecia que para a conservação de suas províncias e República, dependia de leis

que se acomodassem a um ambiente e território que ele mesmo desconhecia. Esta era uma

maneira de garantir a justiça. Deixar para o arbítrio a solução para a causa duvidosa. Essa

maneira de permitir que todas as possibilidades aparecessem como desafios e novas formas de

controle e observação dos vice-reinados indianos, seus habitantes, sua produção e tratamento,

buscando prudentemente prevenir qualquer dano.

Podemos entender que as características atribuídas a um juiz árbitro abriam margem

para que a prática e as circunstâncias locais apresentassem possiblidades para deliberar e

governar as Índias, que não fossem apenas as leis e a Real Cédula. A prática do juiz árbitro,

que ao conhecer o caso particular que sentenciaria, podia conferir às leis a sua margem de

flexibilidade e adaptação. O vice-rei podia alterar, remover e deixar de executar as leis se as

conhecesse primeiro e soubesse porque não condiziam com a realidade específica. Havendo

causa e razão, o vice-rei, segundo lhe parecesse melhor, tinha permissão do rei para alterar as

normas régias.

As leis precisavam ser conhecidas, mas o rei não mandou que fossem inflexíveis ou

executadas com rigor. Pelo contrário, toda vez que mencionava que o vice-rei podia agir

conforme lhe parecesse melhor e mais conveniente, ele permitia espaço para flexibilidade da

lei.

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O vice-rei, em sua função de juiz árbitro, depois de conhecer a Real Cédula, podia

decidir sobre o que lhe parecesse útil e necessário para o bem comum e conservação da

República. Ele tinha um espaço de margem concedido pelo próprio rei descrito na Real

Cédula, mas esse espaço não estava cedido para agir sem propósito nenhum ou segundo

interesses particulares e privados. O vice-rei tinha arbítrio toda que vez que achasse

conveniente para o “bem comum” e utilidade pública, e o que era agir conforme o “bem

comum”, estava muito claro e marcado – preservar os índios para que estes mantivessem o

interesse e benefícios extraídos das minas e repartimientos. Parece que tudo o que fosse

decidido e sentenciado pelo vice-rei, deixando de lado a lei, devia ser argumentado e

justificado por essa utilidade. E nesse ponto o tratado do Fr. Miguel Agia auxiliava muito ao

vice-rei.

Podemos concluir, com base nos motivos e argumentos dados pelo Agia ao arbítiro do

vice-rei, e pela leitura do manual de teologia do franciscano Henrique de Villalobos, que Fr.

Miguel Agia era probabilista, antes mesmo dos jesuítas serem denominados assim.

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