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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO CIÊNCIAS EM GESTÃO E TECNOLOGIA (CCGT)
DEPARTAMENTO DE ECONOMIA
CAROLINE MIRANDA BRANDÃO
AS TRANSFORMAÇÕES NO MODELO DE DESENVOLVIMENTO CHINÊS E
SEUS IMPACTOS NA ESTRUTURA PRODUTIVA: SERÁ O FIM DA “CHINA
BARATA”
Sorocaba 2016
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO CIÊNCIAS EM GESTÃO E TECNOLOGIA (CCGT)
DEPARTAMENTO DE ECONOMIA
CAROLINE MIRANDA BRANDÃO
AS TRANSFORMAÇÕES NO MODELO DE DESENVOLVIMENTO CHINÊS E
SEUS IMPACTOS NA ESTRUTURA PRODUTIVA: SERÁ O FIM DA “CHINA
BARATA”
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Economia, para
obtenção do título de Mestre em
Economia
Orientação: Prof. Dr. Antônio Carlos
Diegues
Sorocaba 2016
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AGRADECIMENTOS
Primeiro gostaria de agradecer a Deus e à minha família próxima, minha mãe,
meu pai e meu irmão, por estarem sempre ao meu lado, ajudando-me e dando total
apoio. Também quero agradecer aos meus tios, avô e padrinhos que fizeram dessa
jornada mais leve.
Também quero agradecer, imensamente, ao meu orientador prof. Antônio Carlos
Diegues. Sem dúvida, ele me proporcionou todo o conhecimento necessário para
escrever essa dissertação. Toda a nossa parceria, durante o mestrado, levarei para minha
vida. Ganhei não somente um professor, mas também um amigo importante.
Agradeço também à minha banca, os professores Renato Garcia, José Eduardo
Roselino e ao Lucas Teixeira, pesquisador do BNDES. Todos os comentários foram de
extrema pertinência, e os utilizei para finalizar minha pesquisa. Vocês mostraram que
mesmo após saber muito sobre determinado tema, sempre há espaço para buscar ainda
mais.
Também aproveito para agradecer à aluna de iniciação científica, Carol Giusti.
Você trabalhou intensamente comigo na pesquisa, e tenho certeza que você tem parte
importante no resultado dessa dissertação.
Todos os professores do curso de mestrado foram de extrema importância para o
meu processo de aprendizado. Quero agradecer especialmente aos professores: Adelson,
Andrea, César, Danilo, Eduardo, Geraldo, Maria Aparecida, Mariusa, Rodrigo, Rosane
e Roselino. Aproveito para agradecer também à Manoela, que sempre meu ajudou em
todos os procedimentos do curso.
Agradeço à CAPES, pela bolsa concedida.
Também quero agradecer a todos meus colegas de turma, que me ajudaram tanto
acadêmica quanto emocionalmente, durante um ano a fio. Agradeço especialmente
minhas colegas de apartamento, Amanda e Lívia. A amizade que fiz com vocês,
certamente, ficará.
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RESUMO
O objetivo deste trabalho é compreender se existe o fim da China barata, ou seja,
se há um aumento dos preços de bens exportados pela indústria chinesa. A fim de
verificar de a China está encarecendo sua produção, a análise será realizada sob uma
perspectiva estrutural, para os anos 1990 até anos 2000. Dessa forma, será realizado um
estudo que busca verificar se existe mudança na estrutura produtiva, na direção de bens
intensivos em tecnologia, em detrimento da produção de bens intensivos em trabalho.
Para isso serão utilizados indicadores de comércio internacional e de produção
industrial. Além disso, verificar-se-á a estrutura salarial chinesa e como a mesma
impacta na competitividade chinesa, por meio de indicadores de competitividade e
estrutural salarial. Por fim, será realizada uma comparação de preços relativos da China
com outros países, na exportação de bens para o mercado americano. Logo, será
possível verificar o impacto de tais mudanças, na estrutura produtiva e salarial, para a
composição dos preços de bens industriais exportados.
Palavras-chave: Política industrial. Economia chinesa. Estrutura produtiva. Inovação.
Comércio internacional.
JEL: O14. O25. P41.
8
ABSTRACT
The main purpose of this research is to verify if it is the end of cheap China. In other
words, it will be studied the path of China’s industrial exports. In order to examine the
rise in China’s prices, the analysis will be taken from a structural perspective, from
1990’s to 2000’s. Thus, this work will explore the structural change in China industry.
The main premise is that China’s production is changing towards sophisticated goods.
First, the investigation will be done with indicators of international trade and industrial
production. Besides that, there will be taken an analysis of Chinese wage structure and
how it impacts on Chinese competitiveness. Finally, there will be a comparison of
relative prices between China and other countries in the US imports. Therefore, it will
be possible to check the impact of structural changes in China economy to the relative
prices of industrial exports.
Keywords: Industrial policy. China economy. Industry. Innovation. International trade.
JEL: O14. O25. P41.
9
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Porcentagem do total investido para cada tipo de empresa (1980-1997) ...... 29
Tabela 2 - Número de aplicações a patentes, segundo IPC*, EUA e China, para 1990 e
2012 ................................................................................................................................ 49
Tabela 3 - Indicador de Vantagem Comparativa Revelada (VCR) – China – 1994‑1998
e 2001‑2005 ................................................................................................................... 66
Tabela 4 - Indicador de Contribuição ao Saldo Comercial (CS) – China – 1994‑1998 e
2001‑2005 ...................................................................................................................... 67
Tabela 5 - Participação Relativa das Exportações segundo o dinamismo e
competitividade – China – 1994‑1998 e 2001‑2005 ..................................................... 68
Tabela 6 - Participação no Produto Industrial Mundial por Região e Grau de
Desenvolvimento (em %) ............................................................................................... 69
Tabela 7 - Participação dos Países/Regiões em Desenvolvimento no Produto de Média e
Alta Tecnologia Mundial (em %) ................................................................................... 70
Tabela 8 - Evolução da participação e da posição dos dez principais setores
exportadores, na China para 2001, 2007 e 2014 ............................................................ 79
Tabela 9 - Evolução da participação e da posição dos nove principais setores importados
pela China para 2001, 2007 e 2014 ................................................................................ 82
Tabela 10 - China, Indonésia, Filipinas, Tailândia e Vietnã: evolução dos salários
nominais mensais (Em US$) .......................................................................................... 96
Tabela 11 - Evolução market-share mundial de qualidade, segundo tecnologia, na
China, de 2000/2001 e 2006/2007 ................................................................................ 113
Tabela 12 - Evolução do diferencial de preços entre China, Alemanha, Canadá e
México, segundo tecnologia, para os anos de 2001, 2007 e 2013 ................................ 116
Tabela 13 - Evolução do diferencial de preços entre China, Alemanha, Canadá e
México, segundo tecnologia, para os anos de 2001 e 2013 (para os mesmos produtos)
...................................................................................................................................... 117
10
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Taxa de crescimento do PIB, indústria, e setor primário, de 1953 até 1957,
(1953=100) ..................................................................................................................... 21
Gráfico 2 - Composição do PIB, dos anos 1952 até 1977 .............................................. 21
Gráfico 3 – Evolução da taxa de câmbio nominal (CHY/USD) e evolução da taxa de
câmbio real* (1980– 2015) ............................................................................................. 41
Gráfico 4 – Participação do IDE (fluxo recebido) para China, EUA e Economias em
desenvolvimento na Ásia, em relação ao mundo (1978 até 2013) ................................. 42
Gráfico 5 – Gasto total em P&D, como porcentagem do PIB, de 1991 a 2013 (EUA,
China e OCDE) ............................................................................................................... 47
Gráfico 6 – Gasto das empresas em P&D, como porcentagem do PIB, 1991 a 2013
(EUA, OCDE e China) ................................................................................................... 47
Gráfico 7 – Número de patentes, para EUA e China (1990 a 2013) .............................. 48
Gráfico 8 – Share das exportações chinesas, americana e dos países em
desenvolvimento na Ásia, em relação ao mundo (1978 a 2014) .................................... 49
Gráfico 9 – Crescimento PIB (%) de China, EUA, Mundo, Países em desenvolvimento
na Ásia, Países em desenvolvimento excluindo a China (1978 até 2014) ..................... 50
Gráfico 10 - Proporção do incremento de cada componente para o crescimento do PIB
........................................................................................................................................ 51
Gráfico 11 - Evolução e taxa de crescimento dos salários nominais em yuan (1990-
2008) ............................................................................................................................... 55
Gráfico 12 - Evolução da participação das exportações americanas e chinesas, no total
mundial, segundo intensidade tecnológica, de 1995 a 2013........................................... 74
Gráfico 13 - Exportações, Importações e Balança Comercial chinesa, para os anos de
2001 a 2014 (em US$ milhões) ...................................................................................... 75
Gráfico 14 – Evolução da participação das exportações chinesas segundo tipo de
tecnologia de 2001 a 2014 .............................................................................................. 76
Gráfico 15 – Evolução do saldo comercial chinês, por tipo de tecnologia, de 2001 a
2014 (em US$ milhões) .................................................................................................. 76
Gráfico 16 - Participação na exportação dos dez principais setores chineses, por
tecnologia, para os anos de 2001 (A) e 2014 (B) ........................................................... 77
Gráfico 17 - Evolução da participação das importações chinesas segundo tecnologia de
2001 a 2014 .................................................................................................................... 80
11
Gráfico 18 - Participação na importação dos nove principais setores chineses, por
tecnologia, para os anos de 2001 e 2014 ........................................................................ 81
Gráfico 19 - Evolução da participação das exportações americanas, segundo tipo de
tecnologia, de 2001 a 2014 ............................................................................................. 83
Gráfico 20 - Evolução do saldo comercial americano, por tipo de tecnologia, de 2001 a
2014 (em US$ milhões) .................................................................................................. 84
Gráfico 21 - Evolução da participação das importações americanas, segundo tecnologia,
de 2001 a 2014 ................................................................................................................ 84
Gráfico 22 - Evolução do saldo comercial, EUA e China, segundo tecnologia de 2001 a
2014 (em US$ milhões) .................................................................................................. 85
Gráfico 23 - Evolução do valor adicionado da indústria/PIB - China, EUA, Países
Industrializados, Países Emergentes (excluindo a China) e Países Emergentes (incluindo
a China) - 1990 a 2012 ................................................................................................... 87
Gráfico 24- Evolução participação MVA no total mundial – China, EUA,
Industrializados, Economias Emergentes (excluindo China) e Economias Emergentes
incluindo China (1990 a 2012) ....................................................................................... 88
Gráfico 25 - Evolução da participação VBP chinês segundo tipo tecnologia* – 1980 a
2008** ............................................................................................................................ 89
Gráfico 26 - Evolução da participação do VBP americano, segundo tipo de tecnologia –
1980 a 2008 .................................................................................................................... 90
Gráfico 27 - Evolução da participação do valor adicionado chinês, segundo tipo de
tecnologia – 1980 a 2007 ................................................................................................ 91
Gráfico 28 - Evolução da participação do valor adicionado americano, segundo tipo de
tecnologia – 1980 a 2007* .............................................................................................. 93
Gráfico 29 - Evolução da participação da massa salarial chinesa, segundo de tecnologia
(1980 a 2008) ................................................................................................................ 100
Gráfico 30 - Evolução participação da massa salarial americana, anual, segundo tipo de
tecnologia (1980 a 2008) .............................................................................................. 100
Gráfico 31 - Crescimento da massa salarial chinesa (valores anuais) (1980-2007)* por
tipo de tecnologia 1980=100** .................................................................................... 101
Gráfico 32 - Crescimento da massa salarial americana (valores anuais) (1980-2007) por
tipo de tecnologia 1980=100 ........................................................................................ 102
Gráfico 33 - Massa salarial/Pessoal ocupado de China e EUA, segundo tecnologia (2004
a 2008) em US$* .......................................................................................................... 103
12
Gráfico 34 - Evolução da participação da massa salarial/valor adicionado*, segundo tipo
de tecnologia (China) – 1980 a 2007 ............................................................................ 104
Gráfico 35 - Evolução massa salarial/valor adicionado, segundo tipo de tecnologia
(EUA) – 1980 a 2007 ................................................................................................... 105
Gráfico 36 - Evolução produtividade (VA/Pessoal Ocupado) de 1980 a 2007 (China) em
US$ ............................................................................................................................... 106
Gráfico 37 - Evolução produtividade* (VA/Pessoal Ocupado) de 1980 a 2007 (EUA)
...................................................................................................................................... 107
Gráfico 38 – Evolução de crescimento da produtividade chinesa, segundo tecnologia,
em porcentagem – 1980 a 2007 (1980=100) ................................................................ 108
Gráfico 39 - Evolução de crescimento da produtividade americana, segundo tipo de
tecnologia, em porcentagem – 1980 a 2007 (1980=100) ............................................. 108
Gráfico 40 – Evolução dos salários segundo tipo de empresa – 1996 a 2013 (1995=100)
* .................................................................................................................................... 110
13
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 14
1. CAPÍTULO 1 - MUDANÇA NO MODELO DE DESENVOLVIMENTO
CHINÊS ......................................................................................................................... 18
1.1 INDÚSTRIA PESADA ............................................................................................ 18
1.2 REFORMAS PÓS 1978 (GOVERNO DE DENG XIAOPING) ............................. 23
1.2.1 Reforma no campo e nas TVEs .......................................................................... 23
1.2.2 SOEs (State Owned Enterprise) ......................................................................... 28
1.2.3 Condicionantes externas ao favorecimento da atração de IDE ....................... 31
1.2.3.1 Contexto geopolítico e a rede asiática ................................................................ 31
1.2.3.2 Empresa em rede ................................................................................................ 33
1.2.4 Condicionantes internas à atração de IDE (Política Industrial e catching up
tecnológico) .................................................................................................................... 39
1.2.5 Mudança do modelo para o mercado interno ................................................... 54
2. CAPÍTULO 2 – MUDANÇAS ESTRUTURAIS NA PRODUÇÃO E
SALÁRIOS.. .................................................................................................................. 58
2.1 MUDANÇA NA ESTRUTURA PRODUTIVA ...................................................... 59
2.1.1 Revisão bibliográfica ........................................................................................... 59
2.1.2 Análise da evolução de indicadores .................................................................... 72
2.1.2.1 Comércio internacional....................................................................................... 73
2.1.2.2 Produção industrial ............................................................................................. 86
2.2 MUDANÇAS NA ESTRUTURA DE SALÁRIOS E PRODUTIVIDADE ............ 94
2.2.1 Revisão bibliográfica ........................................................................................... 94
2.3.1 Revisão teórica ................................................................................................... 111
2.3.2 Dados sobre a evolução dos preços .................................................................. 114
CONCLUSÃO ............................................................................................................. 124
ANEXOS ..................................................................................................................... 129
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 130
14
INTRODUÇÃO
A China é uma das economias mais importantes do mundo, com taxas de
crescimento altas há mais de duas décadas. O país apresentou crescimento do PIB de
10,14% a.a., entre 1980 e 2000 e de 10,84% a.a., entre 2000 e 2010. Já os EUA, a maior
economia do mundo, apresentaram crescimento de 3,36% a.a. e 1,84% a.a., para os
mesmos períodos, respectivamente (UNCTAD, 2014).
O desempenho chinês atual é resultado de uma série de mudanças estruturais que
ocorreram, a partir da década de 1970. Durante esse período, o governo chinês tinha
como objetivo o aumento da participação chinesa no comércio internacional, além de
atrair investimentos externos. Logo, as reformas previam uma maneira de viabilizar a
abertura do mercado chinês e trazer investimentos para o país. Verificou-se que a
economia chinesa se tornou um dos principais receptores de investimento direto
estrangeiro, sendo que, a China representava 0,11% de todos os fluxos mundiais de IDE
(Investimento Direto Estrangeiro), em 1980, passando a 9,1%, em 2012 (UNCTAD,
2014).
Como discutido por Sarti e Hiratuka (2010), a China direcionou e deslocou
diversos investimentos, não só da Ásia, como do resto do mundo, sendo peça
fundamental na configuração da divisão internacional do trabalho e na escolha de
investimentos internacionais.
Esse grande fluxo de investimentos está associado, dentre outros fatores, à
criação das ZEEs (Zonas Econômicas Especiais). Nestas, as empresas poderiam gozar
de benefícios fiscais, câmbio desvalorizado, taxas de juros reduzidas, além de mão de
obra relativamente qualificada e de baixo custo, comparado aos níveis de países
desenvolvidos (MILARÉ, 2011). Estes incentivos se configuraram em atrativos muitos
importantes para produzir, pois se traduziam em preços menores dos bens finais e maior
competitividade por parte das empresas.
Dessa forma, durante a década de 1980, a China atraiu investimentos oriundos
de setores mais intensivos em trabalho, devido aos baixos salários chineses. Porém, a
partir de 1986, houve o início da segunda fase da abertura ao IDE, na qual, o governo
chinês tomou uma série de medidas para mudar a estrutura setorial dos investimentos
15
diretos recebidos. Procurou-se dirigir os investimentos para a indústria de transformação
e para os setores de mais alta tecnologia (ACIOLY, 2005).
Portanto, o que se verifica é uma tentativa do governo chinês de deslocamento
dos investimentos de setores menos intensivos em tecnologia para setores mais
intensivos em tecnologia. Porém, esta mudança na produção enseja uma mão de obra
qualificada, o que implica salários maiores do que os tradicionalmente conhecidos como
o cerne da vantagem competitiva chinesa (NONNENBERG E MESENTIER, 2012).
Dessa forma, este intuito de trazer indústrias mais intensivas em tecnologia
acabaria por trazer um encarecimento do produto exportado chinês. Esse aumento de
preço se dá sob duas perspectivas: (i) o produto de maior intensidade tecnológica
apresenta um preço médio maior que de produtos intensivos em trabalho e/ou recursos
naturais; (ii) a produção de bens intensivos em tecnologia traz um aumento salarial, que
pode ser repassado ao preço do bem final.
A questão do encarecimento da produção chinesa é trazida pela revista The
economist (The end of cheap China, 2014) “Seria o fim da China barata?”, sob a
perspectiva de aumento salarial. Segundo a revista, o aumento dos salários chineses
acabou por encarecer a produção e exportação chinesas, tornando-as menos
competitivas. Também segundo a revista, essa mudança na estrutura salarial chinesa
alterou as decisões de investimentos empresariais, deslocando-os para outros países, em
especial na Ásia.
No entanto, como apontado por Bresser Pereira (2006), o próprio crescimento
econômico engendra um aumento da taxa salarial proporcional ao aumento de
produtividade, de modo que aumento dos salários acontece na proporção do aumento da
renda per capita.
Neste sentido, o problema de pesquisa é justamente a análise da economia
chinesa, a fim de compreender se é possível dizer que há uma trajetória de fim da China
barata. Porém, esta dissertação estuda o tema de uma maneira mais ampla, não tratando
somente o aumento salarial como fator de encarecimento de preços finais. Na verdade,
sob este prisma de análise, o aumento salarial é uma consequência da mudança na
estrutura produtiva. Pois, a produção de bens intensivos em tecnologia apresenta preços
maiores e a mão de obra, neste tipo de produção, é mais qualificada, o que traz salários
maiores. Dessa forma, o objetivo central desse trabalho é verificar se houve uma
mudança na estrutura produtiva para a produção de bens intensivos em tecnologia.
16
Logo, será possível observar quais os possíveis desdobramentos para a estrutura de
salários.
Para compreender tal processo de mudança na China, o trabalho será dividido
em dois capítulos. No primeiro capítulo será feita uma análise histórica do processo de
industrialização tardio chinês. Logo, será observada toda a trajetória de industrialização
chinesa, a partir da consolidação da indústria pesada até modernização industrial
chinesa. Para o período de 1949 a 1976 (governo de Mao Tse Tung), é importante
compreender o processo de industrialização pesada, como precondição para a
industrialização chinesa. A partir de 1978, serão analisadas as mudanças ocorridas na
sociedade chinesa, bem como as políticas implementadas para atrair capital estrangeiro
e estimular o capital nacional. Além disso, também será verificada a mudança no
modelo de desenvolvimento chinês, que passou de um modelo pautado no investimento
e nas exportações, para um modelo voltado ao consumo.
No capítulo dois, realizar-se-á a análise da mudança na estrutura produtiva, ou
seja, mensurar o deslocamento da produção chinesa de bens exportados mais intensivos
em trabalho para bens mais sofisticados, no período entre a década de 1990 e anos 2000.
Para isso, a estudo será construído a partir de indicadores de produção industrial e
comércio internacional, bem como a utilização de trabalhos empíricos que abordem a
sofisticação da produção chinesa. Tanto a mudança na estrutura produtiva quanto na
estrutura salarial serão comparadas às da economia americana, para que se possa
desenvolver uma comparação com uma economia sofisticada. Os motivos pelos quais
os EUA foram escolhidos como comparação serão desenvolvidos, no capítulo dois.
Quanto à mudança na trajetória de salários chineses, serão abordados
indicadores que tragam a questão de salários versus competitividade. Dessa forma, será
possível traçar se o aumento salarial é suficiente para comprometer a competitividade
chinesa, e com isso, ameaçar os preços finais. Juntamente a esta análise também serão
abordados trabalhos empíricos que tragam diferentes pontos de vista quanto à evolução
da produtividade e dos salários, na economia chinesa.
Por fim, será estudada a evolução dos preços de bens industriais exportados pela
China, para os EUA. Esses preços serão comparados a outros parceiros dos EUA,
elencados por importância, segundo tipo de tecnologia. O objetivo é verificar se as
mudanças na estrutura produtiva e salarial tiveram impacto sobre os preços chineses.
17
Portanto, este estudo busca analisar quais os aspectos que consolidaram a
mudança na estrutura de produção chinesa, nos últimos 20 anos. Indaga-se quanto aos
aspectos de política industrial e como estes transformaram a estrutura produtiva chinesa.
Além disso, examinam-se os impactos de tais mudanças e quais as consequências para a
competitividade chinesa.
18
1. CAPÍTULO 1 - MUDANÇA NO MODELO DE DESENVOLVIMENTO
CHINÊS
O principal objetivo deste capítulo é mostrar a trajetória de catching up
tecnológico chinês. Para isso, mostrar-se-á desde a consolidação da indústria pesada, no
governo de Mao Tse Tung, passando pelas reformas liberalizantes do governo Deng
Xiaoping, até a ascensão da China como importante player da economia global, nos dias
atuais. Esta explanação demonstra quais transformações internas e externas à China
culminaram no processo de sofisticação da estrutura produtiva chinesa.
Dessa maneira, o capítulo um se divide em duas partes: o governo de Mao Tse
Tung e Deng Xiaoping. No primeiro governo, é importante ressaltar as características
nas quais Mao Tse Tung iniciou seu governo na China. Além disso, salientama-se quais
foram as restrições encontradas ao crescimento e quais a ações tomadas de modo a
consolidar a indústria pesada.
No governo de Deng Xiaoping, procura-se mostrar quais as mudanças
institucionais que levaram à modernização do campo e das empresas estatais, levando a
aumentos de produtividade e crescimento econômico. Além disso, destaca-se o papel da
abertura da economia chinesa ao capital estrangeiro no fomento ao investimento e às
exportações. Ainda ressalta-se como a ação coordenada entre Estado, capital estrangeiro
e nacional trouxe absorção de tecnologia, modernização e também criação/ascensão de
grandes corporações nacionais.
Este processo resultou na escalada da China como um dos países mais
importantes em exportações e produção industrial. Não somente a China conseguiu
atrair investimentos ligados às suas vantagens competitivas relacionadas a custos, mas
também passou a construir habilidades na indústria de alta tecnologia.
Portanto, a China conseguiu superar suas vantagens iniciais relacionadas a
baixos salários, passando a atuar em ramos mais sofisticados. Além disso, o consumo
passou a ser uma tônica da política econômica chinesa, materializado pela ação do
governo em prol de aumentos salariais.
1.1 INDÚSTRIA PESADA
Ao assumir o poder, em 1949, Mao Tse Tung depara-se com uma China
destruída por uma guerra civil, e por outra contra o Japão, que se traduziram em mais de
19
23 anos de guerras (POMAR, 2009). Além disso, a agricultura e a indústria, esta última
ainda inexpressiva, encontravam-se arruinadas. Logo, sua missão estava em acabar com
a pobreza, em especial do campesinato, grupo que o apoiou durante a revolução (LEÃO,
2010).
Além da questão social do campo, a agricultura era de extrema importância para
a economia, sendo que 50,5% do PIB correspondia pela agricultura, em 1952 (CHINA
STATISCAL YEARBOOK, 1998). Dessa forma, qualquer forma de planejamento
permeava, em alguma medida, uma reforma agrária. Esta procurou eliminar as formas
de exploração feudal do campo e entregou terras a mais de 150 milhões de camponeses
(POMAR, 2009).
A reforma agrária foi uma mudança gradual, na qual o Estado procurou agrupar
os camponeses e, paulatinamente, passou a centralizar e controlar a produção, até que na
fase final da coletivização toda a produção era destinada ao Estado.
Primeiro, durante a reforma agrária (1949-1952), o governo chinês incentivou a
formação das equipes de ajuda mútua, em que dezenas de famílias camponesas do país
se uniram para compartilhar mão de obra e animais de tração, porém as terras
permaneceram propriedades privadas (POMAR, 2009). A partir de 1953, as equipes de
ajuda mútua começaram a ser transformadas em cooperativas elementares, com 30 a 50
camponeses cooperados. As terras e os animais de tração foram entregues à cooperativa,
que centralizou a ação sobre as atividades produtivas (SHENG, 2004).
Durante esta primeira etapa da socialização, as autoridades prometeram que a
cooperativa usaria uma parte da renda para pagar os seus cooperados segundo as suas
“ações”, ou seja, utilizar a proporção de terras ou gado entregue ao governo como uma
forma de remuneração variável (SHENG, 2004).
Já em 1953, o governo instituiu a política de “compra e venda única”, que
obrigava os camponeses a entregar os seus excedentes para o Estado, na forma de cotas
mínimas, fixas. Sob esse sistema, mesmo nos anos de desastres naturais e de fome, os
camponeses teriam a obrigação de cumprir a cota de entrega de produtos ao Estado
(SHENG, 2004).
Em 1955, houve um avanço no processo de coletivização do campo, com a
criação das cooperativas avançadas de produção agrícola, nas quais a propriedade
agrícola passou a ser estatal. Já os camponeses eram agrupados em comunas, nas quais,
as metas de produção eram estabelecidas pelo governo e este se apropriava de toda a
produção (PAGOTTO, 2006). Nesta nova forma de organização, além do fim da
20
propriedade privada, os animais de tração passaram a ser do Estado. Além disso, houve
a suspensão do pagamento da remuneração variável ao campesinato referente ao gado e
às terras entregues ao Estado (SHENG, 2004).
Todas essas medidas de maior controle por parte do Estado tinham como
principal objetivo acelerar a acumulação de capital. Pois, embora, em 1953, a economia
chinesa já tivesse recuperado o nível de atividade econômica anterior à invasão
japonesa, ainda havia conflitos imperialistas que ameaçavam a China. Somado a isso,
havia novas ameaças advindas do contexto da Guerra Fria. Tudo isso mantinha o novo
governo chinês em posição vulnerável. Dessa maneira, necessitava-se de um rápido
desenvolvimento das forças produtivas que se solidificava em um projeto de
industrialização de longo prazo (POMAR, 2009).
Em meio às mudanças na agricultura, foi lançado o I Plano quinquenal (1953-
1957), no qual, a indústria pesada tinha destaque. O Plano apontava que havia uma
preocupação em construir 694 empreendimentos industriais de tamanho médio ou
grande, dos quais 156 eram provenientes de ajuda soviética. O documento ressaltava
que a grande preocupação do governo chinês era o desenvolvimento da indústria, em
especial a indústria pesada, de modo a desenvolver a indústria sob a égide do Estado.
Dessa forma, essa era uma fase necessária para o posterior desenvolvimento socialista
(THE PEOPLE’S REPUBLIC OF CHINA, 2016).
Dado isso, é possível dizer que a iniciativa chinesa se inseria dentro de um
escopo amplo de industrialização, no qual, a criação de uma indústria pesada era
condição básica de um processo de industrialização. Com a formação desta,
asseguraram-se os bens de capital para a formação das indústrias de bens de consumo.
A partir da consolidação da indústria de bens de capital e de bens de consumo, foi
possível internalizar o crescimento econômico e a capacidade de avançar nos mais
diversos setores, com ganhos de eficiência e produtividade (MILARÉ E DIEGUES,
2012).
A produção da indústria cresceu a taxas superiores à do PIB e da agricultura,
durante o período compreendido pelo Plano Quinquenal, como mostra o gráfico 1.
21
Gráfico 1 - Taxa de crescimento do PIB, indústria, e setor primário, de 1953 até
1957, (1953=100)
Fonte: China Statistical Yearbook, 1998. Elaboração própria.
O destaque foi para a indústria pesada, como mostrado por Milaré e Diegues
(2012). Itens estratégicos para a formação da indústria e o aumento da produção tiveram
um forte crescimento, como máquinas, motores de combustão interna, motores
elétricos, e transformadores. Dessa forma, paulatinamente o crescimento da economia
chinesa passou a ser pautado pelo ritmo da indústria, com aumento da participação desta
em detrimento da agricultura, demonstrado pelo gráfico 2.
Mostra-se, com o gráfico 2, que a indústria, na maior parte do período, mantém
maior participação na composição do PIB. Isso demonstra o caráter estrutural das
reformas empreendidas, durante o período.
Gráfico 2 - Composição do PIB, dos anos 1952 até 1977
Fonte: China Statistical Yearbook (2014). Elaboração própria.
100,00
120,00
140,00
160,00
180,00
200,00
1953 1954 1955 1956 1957
PIB
Indústria
Primário
0
10
20
30
40
50
60
1952
1954
1956
1958
1960
1962
1964
1966
1968
1970
1972
1974
1976
Primário
Indústria
Terciário
22
Embora a indústria tenha experimentado um grande florescimento, ela foi
perdendo fôlego graças à derrocada do projeto “Grande Salto para Frente” (1958-60).
No final de 1957, no campo, os dirigentes do governo começaram a mobilizar os
camponeses para novas tarefas gigantescas de controle de águas e irrigação. Em
novembro de 1957, 70 milhões de pessoas trabalharam nas obras de conservação de
água. Em dezembro, 80 milhões estavam trabalhando nas obras hidráulicas. No final de
janeiro de 1958, 100 milhões de camponeses tinham aberto 7,8 milhões de hectares de
terras, através de obras de irrigação (SHENG, 2004).
Além disso, na indústria, o “Grande Salto” se caracterizou pela “febre do aço”.
Tomado pelo espírito de euforia1 pelo crescimento da União soviética, Mao Tse Tung
anunciou que a meta de aço para 1958 era de 6,25 milhões de toneladas, ou seja, um
crescimento de 17% sobre 1957. Em junho de 1958, a mesma meta aumentou para
10,70 milhões de toneladas (100% sobre 1957). Porém, a produção de aço do país foi de
apenas 0,7 milhões de toneladas por mês até julho (SHENG, 2004).
Toda essa euforia levou diversos trabalhadores a saírem de suas casas para a
construção de diques e fornos de aço. Dessa forma, todas as obras do governo ligadas ao
projeto de industrialização geraram insatisfação popular, por separarem as famílias, e,
além disso, as plantações deixaram de serem recolhidas por falta de trabalhadores no
campo. Por exemplo, no condado de Tongwei, da província Gansu, em 1958, foram
recrutados 23 mil camponeses para realizar obras hidráulicas, 13 mil para trabalhar nos
fornos de aço. Este total de homens representava 30% de toda a mão de obra na
agricultura. Além disso, 50 mil camponeses foram convocados para trabalhar nas obras
de conservação de água, e, mais de 25 mil, para reforçar os diques (SHENG, 2004).
No final, só restaram as mulheres, as crianças e os idosos para realizar a colheita,
logo, a plantação de trigo do inverno não foi colhida por falta de mão de obra. Isso
gerou uma produção insuficiente para alimentar toda a população. A quantidade média
de grãos disponível para cada pessoa no campo, que fora de 205 quilos em 1957 e 201
quilos em 1958, caiu para 183 quilos em 1959 e caiu, novamente, para 156 quilos, em
1960. Com isso, entre 1959 e 1960, houve a morte de 20 milhões de pessoas, sendo a
maior parte adolescentes e crianças, vítimas da desnutrição (SHENG, 2004).
1 Em 1957, a União Soviética anunciou que, em 15 anos, ultrapassaria a produção dos EUA, nos
principais produtos, como aço, petróleo e cimento. Também neste ano, Mao Tse Tung fez a sua única
viagem a Moscou, na celebração do quadragésimo aniversario da revolução de outubro. Ele também foi
tomado por esse espírito de euforia, e anunciou que, em 15 anos, a China ultrapassaria a produção inglesa,
em aço (SHENG, 2004).
23
Percebe-se o governo estabeleceu metas de crescimento audaciosas, que ao não
serem cumpridas levaram ao caos social e econômico. Com o movimento de
industrialização em rápido ritmo de expansão, o campo também deveria caminhar de
modo atender as demandas das cidades e também demandar produtos industriais.
Porém, a restrição de alimentos acabou por gerar inflação, fome e queda do
crescimento. Isso se deu porque não havia coordenação de outras atividades produtivas.
(MILARÉ E DIEGUES, 2012).
Apesar do fracasso do plano de Mao Tse Tung, é possível dizer que a partir do
governo dele foram criadas as bases da industrialização pesada, o que permitiu as
reformas posteriores. Além disso, diversas instituições criadas durante seu período,
sofreram algumas modificações e colaboraram para o crescimento chinês atual.
1.2 REFORMAS PÓS 1978 (GOVERNO DE DENG XIAOPING)
As mudanças realizadas por Deng Xiaoping se deram de modo a cumprir um
projeto mais amplo de industrialização tardia. A seguir serão abordadas as
condicionantes externas e internas que colaboraram para tal processo. Aliado a
condicionantes externas favoráveis, propõe-se estudar as medidas tomadas pelo governo
chinês, por meio da política industrial que resultaram na posição hegemônica da
economia chinesa, atualmente.
Em 1978, a sociedade chinesa era baseada na agricultura, o que engendrava
complexas decisões de alocação de recursos e investimentos na viabilização de um
projeto de industrialização. Desse modo, as ações de Deng Xiaoping se deram no
sentido de romper as restrições que limitavam a indústria chinesa, bem como a
emergência da China como potência mundial. As principais questões enfrentadas por
Deng Xiaoping foram: (i) instituições e gerenciamento do campo chinês; (ii) o papel do
Estado como investidor e planejador; (iii) financiamento de máquinas e equipamentos
modernos; (iv) modernização do parque industrial. Dessa forma, ao solucionar esses
entraves, a China conseguiu abrir caminho para o crescimento econômico.
1.2.1 Reforma no campo e nas TVEs
A retomada do projeto de industrialização permeava uma solução para a questão
da produtividade do campo. Pois, o fracasso do “Grande Salto” demonstrou que era
24
necessária uma mudança no campo juntamente com a industrialização, de modo a não
gerar escassez de alimentos.
Isso decorre do próprio funcionamento da economia socialista. Como apontado
por Imai, (1996), o Estado é o ator principal dos investimentos. Dessa forma, é o Estado
quem dita o ritmo da economia, a partir das decisões de investimento. Ao investir, há
um aumento dos salários como um todo, e com isso, há um aumento da demanda por
bens de consumo, em especial, os bens ligados à alimentação. Porém, há um tempo
necessário para que ocorra aumento da produção, de modo a atender ao aumento de
demanda. Dessa forma, gera-se inflação, por algum tempo. Com o aumento da inflação,
o Estado se vê obrigado a diminuir suas taxas de investimento, comprometendo a taxa
de crescimento da economia como um todo.
Logo, para que o Estado chinês pudesse viabilizar o projeto de industrialização,
seria necessária a eliminação da restrição relacionada ao campo, garantindo o aumento
da produtividade na área rural, de modo a acompanhar o ritmo da indústria.
O que se evidencia é que a organização anterior, em cooperativas, não
incentivava o aumento de produtividade. Embora, os camponeses não tivessem
encontrado dificuldade em formar equipes de ajuda mútua, pois, já tinham tradição de
solidariedade e apoio recíproco na produção, não queriam entregar as terras e os animais
de tração, como no modelo de cooperativas. Inclusive, estima-se que com a
coletivização, 60% das cooperativas sofreram com perdas de gado (SHENG, 2004).
Aliado a isso, mesmo numa boa colheita, o governo não aumentaria a parte do
consumo dos camponeses, e nos anos de fome, eles teriam de pedir “empréstimos” ao
governo. Exceto em regiões atingidas pelas calamidades naturais, todas as cooperativas
eram obrigadas a devolver os “empréstimos” e a cumprir as cotas do governo (SHENG,
2004). Portanto, verifica-se que o sistema montado para o campo minava aumentos de
produtividade, necessários à continuidade do processo de aceleração industrial.
Desde a coletivização, os camponeses já vinham reivindicando a “terra da
responsabilidade”, isto é, cada família almejava cultivar uma determinada área de terra
da coletividade. Assim, buscavam entregar uma parte da colheita para a comuna e ficar
com o resto. Em 1961, Anhui foi a primeira província do país a praticar “três liberdades
e um contrato” (san-zi-yi-bao: feira livre, lotes de terra particulares, lucros e perdas por
conta própria e contratos de produção familiar). Descobriu-se que, nas equipes de
produção que “emprestaram” terras para os camponeses plantarem, a produção
aumentara 39% em relação a 1960. Enquanto isso, nas equipes que não fizeram a
25
experiência, o aumento foi de apenas 12%, além disso, os camponeses das primeiras
trabalharam menos e colheram mais (SHENG, 2004).
Assim, provou-se a produção familiar e determinada liberdade na produção eram
capazes de gerar aumentos de produtividade. Essa experiência gerou uma ruptura no
partido comunista, que se iniciou com a oposição de Mao Tse Tung a essas iniciativas,
tidas como restauração capitalista. Já outra ala, mais progressista representada por
políticos como Liu Shaoqi, Deng Xiaoping e Chen Yun apoiava a idéia da produção
familiar sob contrato (SHENG, 2004).
A solução encontrada por Deng Xiaoping foi conduzir mudanças semelhantes à
descrita anteriormente, proporcionando maior liberdade ao campesinato. O trabalho no
campo passou a ser realizado mediante contratos, nos quais o Estado fazia a concessão
de terras a famílias. Exigia-se uma determinada produção a um preço fixo, porém, o
excedente poderia ser comercializado livremente.
Logo, o governo procurou se manter como planejador, porém passou a deixar a
administração descentralizada, permitindo ainda que as famílias gozassem de incentivos
para aumentar a produção, a fim de reter o excedente (MILARÉ, 2011).
Juntamente com a adoção de contratos no cultivo do campo, houve a tentativa de
modernização dos meios de produção, o que contribuiu para maior rentabilidade e
produtividade do campo. Isso se verificou com a criação de uma instituição em 1950,
com o intuito de ser um centro de P&D para desenvolvimento de novos tipos de plantas
e semente, que se chamava Chinese Academy of Agricultural Science (CAAS). Esse foi
o centro responsável pela introdução da sofisticação de sementes, além de novos tipos
de plantas (LEÃO, 2010).
Na década de 1970, ampliaram-se os investimentos no CAAS, principalmente
visando a criação de sementes e plantas geneticamente modificadas, por intermédio da
modernização tecnológica e da interação de técnicas de engenharia de alimentos e de
biologia (LEÃO, 2010).
Além disso, o avanço na produção de fertilizantes também colaborou para o
aumento de produtividade no campo. A utilização e produção de fertilizantes estiveram
vinculadas às TVEs (Townships and Village Enterprises), um tipo de empresa ligada ao
governo, cuja ação será caracterizada, posteriormente.
Esse conjunto de medidas aumentou a produtividade do campo, e foi essencial
para acompanhar o movimento de aumento da população urbana e aumento da estrutura
de investimentos estatais. Além disso, durante a década de 1980, a China se tornou uma
26
grande exportadora de grãos para os EUA2 , portanto, o aumento da produtividade
chinesa foi benéfico não somente à população chinesa, mas também ao aumento de
exportações, pois permitiu o avanço nas relações comerciais com os EUA, a partir das
exportações de grãos (MILARÉ, 2011).
Ao eliminar a restrição preponderante, que era a de bens de consumo,
especialmente a alimentação, viu-se emergir uma maior produtividade do campo, que
acabava por demandar maior quantidade de insumo agrícolas, bens industriais e
máquinas. Nesse sentido, as chamadas TVEs (Townships and Village Enterprises)
desenvolveram um papel crucial. Os distritos administrativos (townships) substituíram
as comunas e as aldeias ou vilas (villages) começaram a substituir as brigadas e os
grupos de produção (MASIERO, 2006).
A princípio, no governo de Mao Tse Tung, elas tinham como principal função a
de produzir insumos agrícolas demandados pelo governo. Além de demandarem muito
investimento estatal, elas geravam pouco emprego, tornando-se menos importante no
âmbito econômico (MILARÉ, 2011). Porém, com as reformas implementadas a partir
de 1978, essas empresas ganharam um pouco mais autonomia na decisão do que
produzir.
Durante os anos 1980, Masiero (2006) aponta que a produção das TVEs era
voltada a materiais de construção, ferramentas, serviços de transporte, alimentos
processados e outros produtos industrializados. Apesar de as decisões de produção não
se encontrarem sob a égide do Estado, este ainda se mantinha como organizador de tal
processo, atuando com diferentes tipos de contratos. Segundo Masiero (2006):
“Em um primeiro tipo, grupos pequenos de famílias, lares ou trabalhadores
individuais assumiam um contrato com sua vila para realizar atividades
agrícolas como semear, irrigar, colher etc., com indicadores fixos de
desempenho em termos de quantidade, qualidade, custos, pagamento de taxas
e lucros. Em um segundo tipo, as famílias se comprometiam a um
determinado nível de produção numa área específica, podendo ficar com o
excedente quando existisse. No terceiro tipo, o contrato exigia que as famílias
entregassem a produção líquida para o Estado após fornecer uma parcela do
excedente para seu próprio grupo de trabalhadores. Em contrapartida os
2 Este será um dos acordos comerciais explicados no item 1.2.3.1, que se insere entre alguns acordos na
tentativa de aproximação dos EUA com a China. No contexto da Guerra Fria, os EUA buscaram formas
de aumentar sua influência mundial, buscando apoio de diversos países, inclusive a China, em troca de
benefícios comerciais ou formas de financiamento, principalmente.
27
mesmos desfrutavam da liberdade completa sobre os métodos de produção e
maior autonomia na utilização de implementos agrícolas e outras ferramentas
colocadas a sua disposição” (MASIERO, 2006, p.430)
Até o final da década de 1980, todas as comunas já tinham aderido ao sistema de
contratos. Após as primeiras TVEs orientadas para atividades agrícolas terem
demonstrado grande eficácia produtiva, a maioria das estabelecidas, nos primeiros anos
de 1980, procurou desenvolver empreendimentos diversos como frigoríficos, moinhos,
olarias e fábricas.
Muitas, inclusive, foram alçadas ao mercado internacional. A partir das reformas
de 1978, as TVEs, em joint ventures diversificadas, passaram a oferecer aos produtores
locais canais diretos de exportação evitando a intermediação, controles e taxas, das
empresas estatais de comércio exterior. Líderes comunitários passaram a servir de
agentes de ligação para investidores estrangeiros. Estes, com melhores produtos e
tecnologias, buscavam acesso ao mercado doméstico e produzir grandes volumes para
exportação. Dessa forma, as TVEs passaram a ser importantes na estrutura de
exportação chinesa:
“Em 1984-85, as TVEs absorveram somente 4% do total de divisas da China
e em 1985 forneciam 4,8% do total das mercadorias compradas pelas
empresas estatais de comércio exterior para a exportação. Em 1993, as TVEs
absorviam quase 33% do total de divisas e forneciam aproximadamente 54%
das mercadorias para exportação” (Zweig, 2002 apud MASIERO, 2006, P.
440).
Percebe-se, tanto na organização do campo quanto das TVEs, que a maior
flexibilização trouxe aumento de produtividade, além de trazer maior renda devido à
liberdade de comercialização do excedente. Isso trouxe um aumento do mercado
consumidor e deu um impulso econômico importante para investimentos.
Portanto, percebe-se que o Estado chinês passou a mesclar mecanismos de
mercado, que trouxessem aumento de produtividade, divisas e mercado consumidor,
mas ainda manteve as decisões finais e principais metas governamentais na liderança do
governo. Dessa forma, passou-se a se delegar a líderes locais a administração, buscando
incentivar o esforço e iniciativa individual, mas o planejamento ainda era de controle do
governo, sendo a chave mestra que conduzia a economia.
28
1.2.2 SOEs (State Owned Enterprise)
Além das TVEs, o governo apresentava outra forma de empresa estatal, chamada
de SOE (State Owned Enterprise). Essas eram as empresas estatais que atuavam em
diversos segmentos, desde segmentos mais pesados até educação e saúde para a
população.
A partir de 1980, iniciou-se um processo que, assim como nas TVEs, buscava
aumentar a produtividade dessas empresas. Buscou-se uma flexibilização dos preços,
porém mantendo as metas de produção fixadas pelo governo. No entanto, em 1984, o
sistema foi aprimorado, no qual, as SOEs recebiam “sugestões” de metas de produção.
Além disso, as empresas começaram a ter acesso aos primeiros sistemas de crédito e
incentivo às exportações (CLARO, 2003).
Dentre todas essas medidas, a de maior impacto econômico foi criada, em 1987.
As empresas estatais passaram a operar sob o Sistema de Responsabilidade Contratual.
Dessa maneira, o gerenciamento das empresas era concedido, e havia um valor
monetário que deveria ser entregue, ao governo, ao final de um ano. O valor que
excedesse a quantia entregue ao governo, estava a cargo a empresa como deveria ser
investido (CLARO, 2003). Isso serviu de estímulo à produção e eficiência das estatais,
além de estabelecer, assim como no campo, a divisão entre o planejamento e o
gerenciamento das empresas estatais. Como mostra Leão (2010):
“Desse modo, a partir da introdução dos contratos de responsabilidade e do
processo gradual de liberalização, as estatais passaram a usufruir de fortes
incentivos para expandir sua produção e se tornarem mais eficientes. Além
dos subsídios fiscais e financeiros, gradativamente o governo aumentou o
percentual do excedente retido pelas empresas estatais, liberando a utilização
desses recursos, segundo critérios definidos pelas próprias corporações.
Assim, observou-se uma maior autonomia das empresas para tomarem
decisões e, na prática, significou a separação entre o controle e a
propriedade.” (LEÃO, 2010, p. 108).
Em 1997, muitas empresas estatais foram privatizadas, no entanto, somente
aquelas que não apresentavam cunho estratégico para o governo. As pequenas e médias
empresas foram privatizadas, sendo adquiridas por executivos ou grupo de
trabalhadores (CLARO 2003). No entanto, o investimento ainda se manteve a cargo das
29
empresas estatais, como mostra a tabela 1, sendo a principal empresa a investir, ao
longo dos anos, apesar o aumento do aumento de investimentos ligado a setores
privados.
Tabela 1 - Porcentagem do total investido para cada tipo de empresa (1980-1997)
Anos Empresas
estatais
Empresas
coletivas
Empresas
individuais
Outros tipos de
propriedade
1980 81,9% 5,0% 13,1% 0,0%
1981 69,5% 12,0% 18,6% 0,0%
1982 68,7% 14,2% 17,1% 0,0%
1983 66,6% 10,9% 22,5% 0,0%
1984 64,7% 13,0% 22,3% 0,0%
1985 66,1% 12,9% 21,0% 0,0%
1986 66,6% 12,6% 20,8% 0,0%
1987 64,6% 14,4% 21,0% 0,0%
1988 63,5% 15,0% 21,5% 0,0%
1989 63,7% 12,9% 23,4% 0,0%
1990 66,1% 11,7% 22,2% 0,0%
1991 66,4% 12,5% 21,1% 0,0%
1992 68,1% 16,8% 15,1% 0,0%
1993 60,6% 17,7% 11,3% 10,3%
1994 56,4% 16,2% 11,6% 15,8%
1995 54,4% 16,4% 12,8% 16,3%
1996 52,4% 15,9% 14,0% 17,7%
1997 52,5% 15,4% 13,7% 18,3%
Fonte: China Statistical Yearbook, 1998.
Nota: *Vale ressaltar o papel que passou a exercer o capital estrangeiro, que até 1992 não tinha
participação alguma e passa a ter 18,3%, em 1997. Este dado mostra a importância da China como
receptora de investimentos, que será abordado ao longo deste capítulo. ** Outros tipos de propriedade incluem joint ventures, empresas com investimento estrangeiro e
empresas com investimentos de Hong-Kong, Macau e Taiwan (MEDEIROS, 2006).
É importante mostrar que o processo de privatização não significou uma
diminuição do poder das estatais, mas se inseriu em um contexto mais amplo de
industrialização. O Estado chinês optou por priorizar determinados setores para atuar
30
como investidor, delegando ao setor privado, outros setores que fossem considerados
menos estratégicos.
Portanto, a ideia era priorizar o investimento para os setores considerados chave
para a atuação do Estado. Segundo Leão (2010), estes setores eram os de bens
sofisticados tecnologicamente e de infraestrutura pesada, nos quais a participação de
empresas privadas e estrangeiras era inibida. Logo, cabia às empresas estatais os
investimentos de longo prazo.
Além disso, o governo chinês tinha ambição de criar grandes conglomerados
nacionais. Isso se materializou com o lançamento do documento “Regulations on
Transforming the Management Mechanism of Industrial Enterprises Owned by The
Whole People”, em 1992, no qual a atuação do governo deveria se dar de modo a
transformar as empresas estatais em corporações modernas, capazes de ingressar em
mercados dominados por companhias de países mais desenvolvidos. (LEÃO, 2010).
A fim de cumprir esse caráter de tornar suas empresas globais, o governo chinês
investiu na construção de centros de pesquisas e inovação, nos quais, pode-se verificar
uma concentração e controle da inovação tecnológica. Posteriormente à inauguração de
centros de pesquisa, as empresas estatais chinesas foram estimuladas a comandar seu
próprio desenvolvimento tecnológico, bem como, disseminá-lo para empresas
nacionais. Este planejamento se organizou sob a égide do Estado, com a instituição
Science and Technology Leading Group, responsável pela condução da política
tecnológica (LEÃO, 2010).
Dessa forma, é possível verificar um movimento de construção da política
industrial chinesa que passou de mudanças no campo, até escolha de setores de alta
tecnologia, por parte do governo.
Primeiro, Deng Xiaoping aproveitou-se de experiências bem sucedidas de maior
autonomia dos trabalhadores no campo. A partir de então ele ampliou este projeto para
as TVEe e SOEs, permitindo que as empresas pudessem gozar de lucros, repassando um
imposto fixo ao governo. Isso gerou um aumento generalizado de produtividade, tanto
no campo quanto nas empresas estatais.
Além disso, o governo deixou de atuar em setores que não eram considerados
estratégicos para o governo chinês, permitindo a privatização de empresas estatais. O
Estado chinês passou a focar sua atenção àqueles setores mais intensivos em tecnologia
e voltados à exportação. Portanto, percebe-se um forte processo de modernização
empreendido que buscou o crescimento da economia. Este se fez baseado no aumento
31
da produtividade no campo, além de concentração do investimento estatal chinês em
setores considerados chave pelo governo.
1.2.3 Condicionantes externas ao favorecimento da atração de IDE
A China se tornou um importante receptor de investimentos, na Ásia e no
mundo. Estes investimentos desempenharam papel crucial na modernização chinesa,
como será discorrido adiante. Dentre os fatores que explicam a peculiaridade da China
como receptáculo de investimentos estrangeiros, destacam-se argumentos de caráter
interno e externo à economia chinesa.
No que diz respeito às condicionantes externas, há duas configurações que
impactam a economia chinesa: (i) contexto geopolítico e a rede asiática; (ii) surgimento
da empresa em rede. Em relação ao primeiro, salienta-se o aspecto comercial, ou seja,
como se deu a maior inserção da China em fluxos comerciais.
Já o segundo aspecto trata da relação entre a mudança no padrão de acumulação
das empresas internacionais e como isso atraiu investimentos estrangeiros para a China.
Estes investimentos possibilitaram uma nova configuração da economia chinesa, que
culminaram no auxilio ao processo de catching up tecnológico.
1.2.3.1 Contexto geopolítico e a rede asiática
Durante os anos 1970, a China se beneficiou do conflito vivido por URSS e
EUA. Devido ao contexto de embate das grandes potências, EUA e URSS, durante a
guerra fria, os EUA empreenderam diversas ações que procuravam aumentar sua área
de influência capitalista. Estas ações previam uma série de medidas como políticas de
financiamento e abertura do mercado americano, em troca de apoio aos EUA. Este
conjunto de benefícios foi denominado “desenvolvimento a convite”, com os quais a
China pode obter vantagens (MEDEIROS, 1999).
Com a aproximação do presidente americano Nixon, em 1972, houve o fim do
embargo americano. Dessa forma, a China passou exportar principalmente grãos para os
EUA, além de passar a obter financiamento internacional, de bancos oficiais. Devido ao
aumento das exportações de grãos e empréstimos de bancos internacionais, a China
conseguiu lançar um programa de importação de máquinas e equipamentos sem
comprometer os avanços obtidos tanto na agricultura, como na indústria leve (LEÃO,
2010).
32
Portanto, verifica-se que a melhor inserção chinesa em fluxos comerciais
propiciou uma forma de financiamento de máquinas. Percebe-se que as ações tomadas
pelo Estado chinês se constituem como parte de um projeto amplo de industrialização.
Pois, apesar de ter intensificado a exportação de grãos, isso ocorreu com o intuito de
modernizar o parque industrial chinês, por meio da compra de máquinas e
equipamentos.
Já em 1978, os EUA se firmaram como maior parceiro comercial da China. Em
1980, a nação chinesa obteve os títulos de “nação favorecida” e “nação em
desenvolvimento”, o que lhe permitiu a redução de tarifas para suas exportações de
têxteis e vestuário. Esses acordos culminaram, em 1980, no fato de que a China se
tornou o maior exportador “não regulado” 3 de têxteis para os EUA (MEDEIROS,
1999).
Durante os anos 1980, há uma mudança de comportamento dos EUA, que a
princípio era um parceiro importante, e depois passa a tentar reprimir o avanço das
exportações de economias asiáticas. Porém, no caso da China, empresas americanas já
instaladas na China, exportadores e importadores americanos realizaram uma pressão
sobre o governo americano, contra a política comercial de contenção da China.
(MEDEIROS, 1999).
Por outro lado, o Japão parecia ser uma ameaça maior que a China, durante os
anos 1980. Dessa forma, os Estados Unidos substituíram a política de valorização do
dólar, iniciada em 1979, por uma política de gradual desvalorização. No Acordo do
Plaza de 1985, refletiu-se numa apreciação das principalmente moedas internacionais,
dentre estas o iene (LEÃO, 2010).
De uma exportação essencialmente nacional, o Japão pressionado por uma
política cambial desfavorável, desenvolveu uma estratégia de produção
internacionalizada no leste e sul da Ásia. Aliado a isso, os centros financeiros e
comerciais como Hong-Kong, Cingapura e Formosa passaram a investir na China e
países do sul da Ásia. A expansão das Zonas Econômicas Especiais na China como
Shenzhen, Zhuhai, Shantou e Xiamen próximas a Hong Kong, Formosa e Macau faz
parte desse processo de reestruturação geopolítica (MEDEIROS, 1999).
Portanto, verifica-se que a política americana de retenção da economia japonesa
acabou beneficiando a China, que passou a receber investimento asiático,
3 Apesar de todo o tratamento diferenciado vivido pela China, ela ainda não fazia parte do GATT, por
isso, seu caráter de “não regulado”.
33
principalmente proveniente do Japão. Além disso, esse investimento colaborou para a
constituição das primeiras Zonas Econômicas Especiais.
Isso também foi fator importante, pois o fato de a China ser grande receptora de
investimentos globais e principalmente de investimentos asiáticos, também se colocou
como um entrave à política americana de contenção chinesa (MEDEIROS, 1999).
1.2.3.2 Empresa em rede
A análise da mudança de comportamento das empresas internacionais é
necessária para compreender porque a China se tornou um destino atrativo para o
capital estrangeiro. Essa escolha está conectada a um novo padrão de acumulação,
durante os anos 1970 e 1980. Dentre outras características que serão explicadas, a
seguir, essas empresas buscaram fragmentar sua produção. Os locais escolhidos eram
caracterizados por apresentarem determinada etapa do processo produtivo mais barata.
Dessa forma, como a China apresentava uma vantagem ligada a baixos salários, o país
se tornou um receptáculo de investimentos internacionais.
Destacam-se os seguintes fatores que influenciaram a alteração na postura dos
grandes conglomerados internacionais: (i) acirramento da competição internacional; (ii)
mudança na condução/paradigma de política monetária; (iii) mudança do
comportamento do setor financeiro na economia; (iv) surgimento do investidor
institucional e maximização do valor acionário. Logo, a seguir, serão apresentados o
surgimento de tais fatores e como os mesmos conduziram a produção em direção ao
território chinês.
Após a Segunda Guerra Mundial, a configuração econômica era de coordenação
entre países e entre firmas, na reconstrução do mundo do pós-guerra. Portanto, havia,
tanto no âmbito macro quanto microeconômico, uma preocupação com o crescimento
de longo prazo da economia global. Os Estados nacionais exerciam papel fundamental
na condução do crescimento das economias nacionais, embasadas pelo aparato teórico
keynesiano. A atuação estatal, que estava ancorada em políticas de promoção de rápida
aceleração da economia e do emprego, garantiu o crescimento coordenado da economia
global (CROTTY, 2002).
Além disso, havia regulação de capitais e um comprometimento com de
manutenção de taxas de juros baixas, em prol da garantia do investimento de longo
34
prazo. Logo, com os lucros assegurados, era possível estender também o horizonte de
longo prazo para a criação e segurança de empregos (CROTTY, 2002).
Portanto, o movimento de expansão das empresas também se inseria no contexto
de garantir o crescimento e coordenar a reconstrução econômica mundial. Durante os
anos 50 e 60, o espraiamento das empresas transnacionais se deu dos Estados Unidos
em direção à Europa, em busca da reconstrução do pós guerra, e à periferia (países
subdesenvolvidos, em especial a América Latina), nos quais as taxas de retorno eram
maiores. Essas empresas competiam no âmbito doméstico, e a forma de investimento
das empresas americanas se dava pela replicação de suas fábricas nos países nos quais
passavam a atuar. Portanto, todas as etapas dos processos produtivos eram realizadas
por todas as fábricas, em todas as plantas do mundo (SARTI E HIRATUKA, 2010).
Além disso, o comportamento das firmas se baseava em uma cooperação parcial,
ou seja, elas evitavam práticas de preços predatórios ou sobre investimentos, que
poderiam corroer as taxas de lucros ou afetar a demanda agregada. A partir da garantia
das taxas de lucros, os ganhos de produtividade eram repassados aos trabalhadores, que
por sua vez, ao gozarem de salários maiores, garantiam altas taxas de consumo. Logo,
havia todos colaboraram para o crescimento da economia como um todo. Este foi
chamado de ciclo virtuoso, que permitia que diversos agentes pudessem se beneficiar
dessa dinâmica empresarial (CROTTY, 2002).
A empresa era baseada na lógica de “reter e investir”, como apontado por
Lazonick e O’Sullivan (2000). Ou seja, elas tendiam a reter seus recursos, tanto
financeiros quanto relacionados a recursos humanos. Além disso, a receitas auferidas
eram reinvestidas em aumento de capital físico e também aumentos salariais, que iam
desde os funcionários de menor ao alto escalão. Portanto, é possível verificar que havia
características inerentes a este modelo que permeavam princípios relacionados a
segurança, estabilidade e preocupação com o crescimento de longo prazo.
Porém, esta estratégia de “reter e investir” começa a se corroer com mudanças
ocorridas, durante as décadas de 1960 e 1980. Já durante a década de 1970, Europa e
Japão apresentavam parques industriais modernos, contando com empresas nacionais
capazes de realizar o mesmo movimento americano de internacionalização de suas
empresas. Dessa forma, esses grandes conglomerados dos países centrais, passam a
competir globalmente (SARTI E HIRATUKA, 2010).
A competição passa a se acirrar principalmente com o Japão, que conta com um
forte componente de inovação, com ganhos de produtividade por trabalhador, muito
35
superiores aos níveis americanos, em sua produção. Logo, as empresas americanas
passam a se encontrarem em uma situação adversa. Pois, devido a um movimento de
fusão e aquisição, vivido nos anos 19604, os negócios se tornaram muito diversificados.
Nesse sentido, também se tornou muito complexo, para a direção da empresa, escolher
quais inovações deveriam ser priorizadas (LAZONICK E O’SULLIVAN, 2000).
Em meio a este ambiente mais competitivo, há também uma deterioração das
condições macroeconômicas. Primeiro, o choque do petróleo colaborou de forma
substancial para o aumento da inflação. A OPEP passou a pressionar por reajustes nos
preços, que se confirmaram em um ajuste de 50% do preço internacional do petróleo de
1971 a 1973. Além disso, os EUA aumentaram as importações provenientes dos países
da OPEP, o que agravou a tensão inflacionária. Em 1979, ainda houve outro choque que
triplicou o preço do petróleo, intensificando a inflação (SERRANO, 2004).
Outro processo que se inicia nos anos 1970 e se encerra nos anos 1980, é o
questionamento da hegemonia americana, que também vai influenciar, de maneira
negativa, o crescimento global. A economia americana incorria em constantes déficits
da balança de pagamentos, porém seu passivo externo não era questionado. Pois,
embora houvesse saída de capital de longo prazo, este era compensado com a entrada de
capitais de curto prazo. Este capital era acumulado em reservas, em dólares, que eram
reaplicadas em títulos de dívida americana (SERRANO, 2004).
Conforme havia grande aceitação de reservas em dólares, ou seja, o dólar se
apresentava como moeda de reserva, logo, era permitido aos EUA financiar um déficit
de qualquer tamanho, em sua balança de pagamentos. Embora isso desse aos EUA uma
posição distinta no cenário internacional, ainda havia duas restrições à ação americana,
que se relacionavam à conversibilidade em ouro (SERRANO, 2004).
Primeiro, os EUA não poderiam ter déficits crônicos em conta corrente. Caso o
fizessem, isso significaria que o passivo externo líquido estaria aumentando, o que
aumentaria a dívida com outros países. Essas obrigações poderiam ser conversíveis em
ouro em qualquer banco central, logo, os EUA perderiam suas reservas. Com isso, à
medida que diminuíssem as reservas, acelerar-se-ía o processo de desconfiança no
dólar, e este perderia seu papel de moeda chave (SERRANO, 2004).
4 O crescimento interno e o processo de fusão e aquisição tornaram as empresas americanas grandes e
com muitas divisões. As matrizes dessas corporações estavam muito longe das atividades produtivas para
que pudessem realizar boas decisões de investimento. A expansão massiva ocorrida nos anos 1960 trouxe
um baixo desempenho, nos anos 1970. Aliado a isso, a emergência do Japão como forte concorrente
americano contribuiu para um ambiente macroeconômico instável (LAZONICK E O’SULLIVAN, 2000).
36
A segunda restrição era a necessidade de manter fixo o preço oficial do ouro em
dólar. Quando um país desejava desvalorizar sua moeda em relação ao dólar, era só
fixar um preço oficial maior para o ouro em sua moeda. O único país que não podia
realizar tal mecanismo era os EUA, já que não deveriam mudar o preço nominal do ouro
em dólar. Caso fizessem isso, perder-se-ia a paridade do dólar e do ouro, o que acabaria
por minar a posição do dólar como moeda chave (SERRANO, 2004).
Portanto, os EUA se encontravam em um impasse. Buscavam melhorar sua
competitividade externa e diminuir o déficit em balança comercial, a fim de não perder
seu papel como moeda de reserva, porém não poderiam desvalorizar o dólar. Caso o
fizessem, o dólar acabaria por ter sua hegemonia enfraquecida e perderia seu papel
como moeda chave do sistema financeiro (SERRANO, 2004).
Este impasse levou a uma série de questionamentos quanto à conversibilidade do
dólar. Houve ainda uma ação de diversos países na tentativa de diminuição da
assimetria do dólar, no sistema financeiro internacional. Tentou-se, parte dos EUA, uma
coordenação e conciliação com os países aliados para resolver essa questão. Porém, em
1979, houve a desistência da tentativa de coordenação (SERRANO, 2004).
Depois do segundo choque do petróleo, que impactou a economia americana
com uma alta de inflação, os EUA ainda empreenderam uma política de alta de juros.
Dessa forma, foi inaugurado o período de juros reais altos. Isso foi realizado como uma
medida de contenção dos países que ainda questionavam a conversibilidade do dólar e
também a hegemonia da moeda americana, como moeda de reserva.
Os juros elevados americanos atraíram uma grande quantidade de capital
externo, e os outros países foram forçados a acompanhar de perto este movimento de
alta das taxas de juros. Se não o fizessem, poderiam sofrer uma imensa fuga de capitais
e uma desvalorização cambial descontrolada, com suas consequências inflacionárias.
Dessa maneira, houve a desistência final de questionamento do dólar como moeda de
reserva de valor (SERRANO, 2004).
Esta política, junto com as repercussões do segundo choque do petróleo, acabou
alçando a economia mundial numa grande recessão, marcada pela inflação e baixo
crescimento econômico (SERRANO, 2004).
Portanto, os anos 1970 marcaram o fim da conjuntura iniciada no pós guerra. A
regulação dos mercados, estabilidade, segurança e manutenção do horizonte de longo
prazo da decisão empresarial se viram colocadas em cheque, tanto pela competição
japonesa, no âmbito da firma, quanto pelas instabilidades macroeconômicas (juros altos
37
e inflação). Esses fatores passam ameaçar as, até então estáveis, taxas de lucros dessas
grandes empresas, mudando a perspectiva empresarial do longo para o curto prazo.
O ambiente macroeconômico desfavorável, aliado ao acirramento da competição
internacional passam a trazer um desempenho ruim a essas empresas. As empresas se
viram obrigadas a diminuir o horizonte de decisão, buscando por decisões de curto
prazo, a fim de protegerem suas margens de lucro. Juntamente a isso, surgiram novas
propostas de teorias econômicas que traziam o mercado como uma maneira de alocar
melhor os recursos e promover uma melhor performance da economia como um todo.
Neste sentido, surgiu a teoria do agente principal, segundo a qual, os executivos
deveriam guiar a empresa de modo a garantir aumento dos dividendos dos acionários e
não aumentos salariais para os trabalhadores da firma. Assim, seria possível que os
gerentes se comprometessem de uma maneira mais transparente com o lucro e fluxo de
caixa da firma. Sob esta perspectiva, o retorno sobre o estoque de capital passa a ser a
principal medida de rentabilidade empresarial.
Dessa forma, a nova teoria econômica culminou e se mostrou oportuna,
mediante a aceleração da movimentação no mercado de ações. Antes, este era um
terreno para investidores precisando de capitalização, e um mercado de pouca
movimentação. Depois, a aceleração da movimentação financeira, neste mercado, fez
com que a principal preocupação da firma não se volte mais para o planejamento de
curto prazo, traduzido no retorno do patrimônio, medido no mercado de ações.
Este processo se acelera com a inserção dos investidores institucionais. Na
década de 1950, pessoas físicas eram responsáveis por 90% de todo o mercado
acionário, enquanto, no final da década de 1980, esse número passa a ser 47%, portanto,
essa lacuna foi ocupada, justamente, por grupos de investidores institucionais. A
administração desses fundos é muito competitiva, o que faz com que busquem por
empresas que proporcionem ganhos acima da média de mercado (CROTTY, 2002).
Para atrair o capital de tais investidores institucionais, essas empresas se viram
obrigadas a garantir a rentabilidade desejada. Logo, como a principal mensurável era o
retorno sobre o patrimônio, a fim de garantir valores altos, as empresas passaram a abrir
mão de grande parte de seus custos fixos, como capital físico e humano. Dessa forma, a
maior parte das empresas opta por substituir a lógica de “reter e investir” por
“terceirizar e distribuir”, como apontado por Lazonick e O’Sullivan (2000).
A principal preocupação dos executivos passa a ser a distribuição de dividendos
aos acionistas, além de garantir retornos sobre o patrimônio maiores que a média. A fim
38
de aumentar a rentabilidade, as principais decisões foram corte de pessoal, corte de
benefícios e diminuição salarial. Além disso, foram retirados os sunk costs, ou seja,
desvencilharam-se das atividades mais custosas à firma, a fim de realizar o outsoucing5
de tais atividades para outros países, nos quais fosse possível gozar de condições de
produzir mais baratas.
Dessa maneira, percebe-se que os mercados financeiros agora eram capazes de
forçar o desinvestimento de unidades que não fossem compatíveis com a expectativa de
retorno dos investidores, por um ou até dois anos. A firma passou a ser encarada como
uma simples cesta de ativos, que deveriam ser utilizados ou descartados, dependendo
dos interesses de curto prazo. (CROTTY, 2002).
Percebe-se uma mudança no comportamento das instituições financeiras, que
depois da Segunda Guerra Mundial, serviam como suporte à produção real, porém, a
partir de agora passavam a ditar o modo de operar, inclusive das firmas não financeiras.
Isso se deve, em parte, ao aumento gradual da participação de Wall Street no processo
de fusão de aquisição de empresas, nos anos 1960. Isso acabou mudando seu lócus de
acumulação das atividades de investimento de longo prazo, para gerar ganhos de capital
em atividade de curto prazo, no mercado acionário (LAZONICK E O’SULLIVAN,
2000).
Portanto, percebe-se que as diversas mudanças na economia e na busca por
rentabilidade de curto prazo das empresas americanas levaram a um novo processo de
internacionalização de empresas, porém, distinto do descrito no pós-guerra. Em busca
de maior racionalização e reduções de custos essas empresas migraram algumas de suas
etapas de produção para países periféricos, em especial na Ásia. Desse modo, poderiam
gozar de menores custos de produção, bem como adquirir vantagens de economias de
escala e escopo (SARTI E HIRATUKA, 2010).
A lógica de expansão via outsourcing, foi regida de modo a escolher quais tipos
de atividades da cadeia produtiva deveriam ser externalizadas. Sendo assim, as
atividades que eram tidas como core business das empresas se mantiveram em seus
países de origens, sendo o lócus de maior rentabilidade e maior apropriação de capital.
Enquanto isso, as atividades de maiores custos e que agregavam menor valor dentro da
5 Este processo é caracterizado pela terceirização de etapas do processo produtivo. Assim, as etapas mais
custosas à empresas eram terceirizadas para países que apresentassem custos de produção menores,
naquela determinada etapa de produção (MEDEIROS, 2010).
39
cadeia de produção, eram terceirizadas para a periferia asiática (SARTI E HIRATUKA,
2010).
A produção em cada país ou região passou a ser muito mais especializada. As
filiais se tornaram responsáveis por fornecer componentes ou uma determinada linha de
produtos, para o restante da rede, em uma determinada região, ou mesmo globalmente.
Em alguns casos, alguns países ou regiões ainda se tornaram responsáveis inclusive por
funções corporativas associadas a essa linha. Dessa forma, a internacionalização foge à
lógica de replicação de unidades fabris em cada país, nas quais cada unidade realizava
todas as etapas de produção, em todo os países, caracterizada pelo pós-guerra.
O processo de produção passou a ocorrer sob forma de uma rede internacional
integrando diferentes países e empresas, realizando etapas da cadeia de valor sob a
coordenação das grandes corporações. Estas gerenciam suas próprias filiais com o
objetivo de obter o máximo de retorno para o conjunto das suas atividades (SARTI E
HIRATUKA, 2010).
Embora esse movimento tenha acontecido em alguma intensidade em toda a
indústria, os que mais se beneficiaram desse processo foram aqueles setores nos quais é
possível separar tecnicamente cada etapa do processo produtivo. Os setores que se
destacam nesse âmbito foram o de eletrônica, têxtil e vestuário.
É justamente nesse contexto de migração do capital estrangeiro para a periferia
asiática, em especial a China, que foi possível viabilizar um conjunto de medidas que
atraíram capital necessário ao movimento de industrialização chinesa.
1.2.4 Condicionantes internas à atração de IDE (Política Industrial e
catching up tecnológico)
Percebe-se que havia condicionantes externas que propiciaram o avanço do
investimento estrangeiro para território chinês. Porém, foi a adoção de uma política
industrial voltada a setores de alta intensidade tecnológica que permitiu à China a
realização do processo de catching up tecnológico.
Dentro desse âmbito, a China iniciou uma tentativa de atração de IDE
(Investimento Direto Estrangeiro), com a criação das chamadas ZEEs (Zonas Especiais
de Especiais), que buscavam atrair empresas dispostas a produzir, em território chinês.
Em contrapartida, as empresas poderiam gozar de benefícios fiscais, cambiais e baixos
custos para produzir. A princípio, foram criadas quatro ZEEs: Shenzhen, Zhuhai,
40
Shantou e Xiamen, todas próximas ao litoral sul e a Hong Kong. Em 1984 a China
ampliou as ZEEs para mais 14 regiões, ao longo do litoral (MILARÉ, 2011).
Os incentivos dados à produção, nas ZEEs, eram diversos, como câmbio
artificialmente depreciado, isenção tributária, financiamento estatal abundante para
novos empreendimentos a taxas de juros reduzidas. Além disso, contava-se com mão de
obra barata e relativamente qualificada. Portanto, estes fatores se configuravam como
atrativos importantes para produzir a custos menores, em um cenário de competição
internacional acirrada (MILARÉ, 2011).
Nas ZEEs, havia o acesso ao câmbio mais desvalorizado, de modo a incentivar
as exportações. Enquanto isso havia o câmbio oficial (administrado) para o restante das
empresas. O gráfico 3 mostra a evolução da taxa de câmbio nominal, em uma crescente
desvalorização. Isso demonstra que o câmbio funcionou como um dos pilares da
estratégia de industrialização chinesa. Pois, sua desvalorização funcionou como uma
barreira à entrada de produtos estrangeiros, que se tornaram mais caros em moeda local,
e ao mesmo tempo estimulou a produção local para a exportação. Essa política garantiu
competitividade ao produto chinês no mercado internacional, uma vez que este era
produzido em uma indústria ainda pouco eficiente (MILARÉ, 2011).
41
Gráfico 3 – Evolução da taxa de câmbio nominal (CHY/USD) e evolução da taxa
de câmbio real* (1980– 2015)
Fonte: WORLD BANK, 2014. Elaboração própria
*Os dados para a construção da taxa de câmbio real foram obtidos a partir do World Bank, com os dados
oficiais de taxa nominais de câmbio e índice de preços ao consumidor, para EUA e China. A taxa de
câmbio real não pode ser elaborada para os anos anteriores a 1994, pois, não havia o índice de preços aos
consumidor, para a China.
No que diz respeito à isenção tributária, o governo chinês instalou a Lei do
Imposto de Renda aplicada às firmas com investimento estrangeiro (FIEs). Como
apontado por Lazzari (2005), a taxa básica cobrada das FIEs era de 33%, mas era
somente de 15% para as empresas localizadas nas ZEEs, nas Zonas de Desenvolvimento
Tecnológico e Econômico (ZDTEs) e nas zonas industriais de alta tecnologia; e de 24%
para as das regiões costeiras abertas e de capitais de províncias (e de 15%, se
envolvessem projetos de energia, portos, transportes ou outros projetos prioritários).
Além disso, o governo procurava estimular a malha industrial chinesa,
aumentando os encadeamentos dessas empresas com empresas domésticas. As FIEs que
comprassem máquinas e equipamentos, presentes nas categorias de isenção, de
empresas chinesas, poderiam gozar de crédito para o imposto (LAZZARI, 2005).
Aliado a isso o Estado chinês procurou incentivar empresas exportadoras e de alta
tecnologia. Como apontado por Lazzari (2005):
“Empresas de alta tecnologia estabelecidas por fundos estrangeiros
poderiam ter isenção do imposto de renda por dois anos e cobrança do
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
101980
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2004
2006
2008
2010
2012
2014
Taxa de
câmbio
nominal
Taxa de
câmbio
real
42
mesmo apenas pela metade pelos seis anos seguintes; empresas de
exportação, à parte o tratamento preferencial com isenção de dois anos e a
redução pela metade por mais três anos, poderiam obter a redução pela
metade do imposto enquanto seus valores anuais de exportação somassem
mais de 70% das vendas totais. Uma FIE poderia obter reembolso de 40%
dos tributos pagos, se os reinvestisse por, pelo menos, cinco anos. No caso de
os lucros serem reinvestidos em projetos de alta tecnologia ou para
exportação, a empresa poderia receber reembolso total.” (LAZZARI, 2005, p.
175).
Além das vantagens já citadas, a China também contava com a vantagem ligada
ao baixo custo do trabalho. Dado o caráter da internacionalização de empresas, citado
anteriormente, e a vantagem chinesa com relação a custos de mão de obra, a China se
inseriu, primeiramente, em elos menos nobres da cadeia produtiva global. Estes setores
são caracterizados pela produção de bens intensivos em trabalho, nos quais, apresentava
baixos custos ligados à massa salarial, atraindo, em um primeiro momento, empresas
com produção intensiva em trabalho (ACIOLY, 2005). A China conseguiu atrair grande
fluxo de IDE, como mostra o gráfico 4, tendo alguns períodos de queda, que
correspondem a momentos de crises, mas crescentes em momentos posteriores,
chegando a uma posição equivalente à americana.
Gráfico 4 – Participação do IDE (fluxo recebido) para China, EUA e Economias
em desenvolvimento na Ásia, em relação ao mundo (1978 até 2013)
Fonte: UNCTAD, 2014. Elaboração própria.
0,0%
5,0%
10,0%
15,0%
20,0%
25,0%
30,0%
35,0%
40,0%
45,0%
50,0%
19
78
19
80
19
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20
10
20
12
China
EUA
Economias
em
desenvolvime
nto: Asia
43
Assim, durante o período inicial da reforma, como aponta Acioly (2005),
durante a década de 1980, os investimentos concentraram-se nas atividades de
prospecção geológica, na indústria manufatureira intensiva em trabalho (indústria
tradicional, especialmente têxtil e confecções de roupas) e no setor de serviços
(atividades imobiliárias).
A partir de 1986, houve o início da segunda fase da abertura ao IDE, o governo
chinês tomou uma série de medidas para mudar a estrutura setorial dos investimentos
diretos recebidos, dirigindo-os para a indústria de transformação e para os setores de
alta tecnologia. Desse modo, o IDE ao setor primário caiu de 40,9% em 1988 para 3,1%
em 1993, e o setor manufatureiro passou a ser o principal setor de destino dos
investimentos diretos externos (ACIOLY, 2005).
A segunda fase do IDE foi caracterizada pelo seu foco na indústria com maior
valor agregado. Desse modo, o Estado chinês buscou, através do IDE, implementar
políticas que incentivassem a indústria e a modernização do parque industrial. Como
mostra Pinto (2011):
“Destaca-se alguns eixos centrais da política industrial chinesa, a saber: i)
intenso processo de reformas e privatização das empresas estatais em 1991,
no entanto, ainda persiste alto o número de empresas de propriedade do
Estado; ii) crédito subsidiado para as empresas estatais por meio dos bancos
públicos que são o núcleo do sistema financeiro chinês; iii) incentivos fiscais
voltados aos investimentos estrangeiros de alta tecnologia; iv) barreiras
tarifárias mais baixas após a entrada da China na OMC em 2001, mas a
manutenção de significativas barreiras não tarifárias; e v) políticas de
estímulos aos IDEs em áreas de alta tecnologia. Investimentos estes que vem
sendo atraídos tanto pelo mercado interno chinês quanto pelo baixo custo de
fabricação que permite a configuração de zonas de reexportação; vi) políticas
que estimulam a transferência de tecnologia por meio de mecanismo que
requer a produção de conteúdo por empresas locais; e vii) múltiplos
instrumentos que tem como objetivo criar empresas nacionais – privadas ou
públicas – de classe mundial que possam concorrer com as empresas
multinacionais tanto no mercado interno como no externo” (PINTO, 2011, p.
45)
A ideia do governo chinês era poder realizar o catching up tecnológico a partir
da entrada de IDE. A China buscou: (i) modernizar o parque industrial chinês; (ii)
aumentar participação no comércio internacional; (iii) obter acesso a tecnologias mais
avançadas (ACIOLY, 2005). Dessa maneira, a questão tecnológica poderia ser
solucionada.
A trajetória de atração de IDE chinês se faz singular, na medida em que se afasta
do modelo mexicano de empresas que atuam como maquiladoras (PINTO, 2011). Pois,
44
a atração de IDE foi um instrumento de uma política industrial mais ampla, voltada para
um modelo de desenvolvimento. O principal objetivo chinês era construir uma malha
industrial chinesa voltada aos setores intensivos em tecnologia e aos setores
exportadores, contando com a presença de grandes empresas nacionais. Este objetivo se
fez a partir da presença do IDE, porém, sob a coordenação do Estado.
Dessa forma, se por um lado a China se abriu a investimentos que buscavam
gozar de custos menores para produzir, o Estado também procurou controlar em quais
setores haveria participação estrangeira. Sendo assim, os setores priorizados foram
aqueles relacionados à exportação e bens sofisticados. Além disso, a atuação do IDE
também deveria se dar, como aponta Pinto (2011), sob a transferência de tecnologia,
engenharia reversa, sendo estas formas de transferência de conhecimento sobre
tecnologias de ponta.
Aliado a isso, a exigência de conteúdo local e a política de isenção fiscal, citada
anteriormente, estimularam a malha industrial chinesa local. Dessa forma, foi possível
que as firmas chinesas pudessem, em alguma medida, apropriar-se de capacidades
tecnológicas importantes no processo de catching up tecnológico. Isso se mostra pelos
exemplos citados por Pinto (2011):
“Na verdade, embora as empresas chinesas ainda participem das cadeias
globais em posições inferiores – capturam baixo valor agregado –, o governo
chinês tem utilizado instrumentos de financiamento e de política industrial
com o objetivo de fortalecê-las, para que estas firmas – tais como a Lenovo
(computadores), a Huawei (equipamentos de telecomunicações), a Haier
(eletrodomésticos e eletroeletrônicos) e a Chery Automobile (automóveis) –
se tornem players no mercado mundial e, consequentemente, subam na
hierarquia da cadeia de valor global. Certamente esse caminho pode ser
muito longo, mas há evidências de que as estratégias adotadas pelo governo
chinês têm conseguido gerar processo de catching up, que ainda está em suas
fases iniciais.” (PINTO, 2011, p. 52).
Concomitante ao processo de atração de IDE, houve também um esforço para
construir as capacidades necessárias para a absorção de tal tecnologia. Junto com o
processo de abertura da economia chinesa, houve a mudança no papel das instituições
de fomento à pesquisa e inovação. Segundo Araújo (2013), até 1980 a estratégia
tecnológica chinesa era baseada em: (i) empresas públicas e (ii) institutos de pesquisa
públicos. A ciência era gerada pelos institutos de pesquisa e colocada em prática pelas
empresas públicas.
45
Dessa forma, juntamente às mudanças que se iniciaram em 1978, também houve
também mudanças quanto à condução da inovação. Os marcos na política de inovação
foram cinco grandes conferências nacionais de tecnologia, ocorridas em 1978, 1985,
1995, 1999 e 2006. Elas buscavam discutir o papel da tecnologia e quais os
direcionamentos a serem dados. Para as duas primeiras conferências, os objetivos se
focaram em desmistificar a tecnologia como instrumento do capitalismo e utilizá-la para
acelerar a economia chinesa. Já as de 1995 e 1999 procuraram estabelecer um sistema
nacional de inovação e aceleração das realizações da tecnologia e ciência, na economia
chinesa (CASSIOLATO E PODCAMENI, 2015).
Em 1982 foi lançado o primeiro plano nacional de tecnologia e ciência, que se
propunha a impulsionar áreas de interesse público: biologia, aeroespacial, tecnologia da
informação, dentre outros. Além disso, houve aumento o número de parques
tecnológicos. Até 1985, contava-se com 52 parques tecnológicos, sendo que foram
criados, posteriormente outros 70 (DING, LI E WANG, 2008).
Além disso, em 1985, houve a principal mudança na política de P&D. Procurou-
se estabelecer um sistema de financiamento, mercado de tecnologia, estrutura
organizacional e sistema de pessoal. Foram estabelecidos mercados de tecnologia, para
funcionar como instituições que comercializassem os resultados de P&D. Por outro
lado, foram introduzidos mecanismos de alocação baseados na qualidade para a
atribuição de fundos públicos de P&D. Esperava-se que os institutos de P&D,
anteriormente financiados apenas por recursos públicos, fossem encontrar clientes e
garantir seu financiamento por meio de diferentes formas de interação. Porém, este
modelo não se mostrou o mais eficiente (ARAUJO, 2013).
Ding, Li e Wang (2008) que apesar do insucesso da tentaiva de mercado de
tecnologia, a China buscou maior interação justamente com as empresas. A partir de
1986, foram inaugurados a Lei de Patentes e Contratos de Tecnologia, que buscavam
incentivar a transferência de tecnologia. Os institutos de pesquisa foram encorajados a
alinhar sua agenda de pesquisa com a necessidade das empresas. Além disso, foi
lançado, em 1996, o projeto de Inovação Tecnológica, que procurava construir as
capacidades de inovação ao empresariado. A mesma rodada do projeto se fez, em 1999,
para pequenas e médias empresas.
46
Além disso, o governo incentivou a criação de empresas privadas envolvidas no
desenvolvimento, na transferência, na consultoria, nos serviços de tecnologia etc. Isso
permitiu às universidades se tornarem proprietárias e principais acionistas das suas
próprias empresas produtivas e aumentar os recursos a elas disponíveis. Um grande
exemplo disso são algumas grandes empresas chinesas. A Huawey, foi criada em 1985
por um grupo de empresas estatais do Ministério da Indústria da Aviação da China. Há
outras que também são transbordamentos das universidades chinesas, como a Lenovo,
produtora de computadores. Ainda hoje, 42,3% do capital da Lenovo são da Legend
Holdings Ltda. (da Academia Chinesa de Ciências). Também, a Haier, quarta maior
produtora mundial de equipamentos linha branca, que ainda é uma empresa “coletiva”;
a Chery, uma das principais empresas do setor automobilístico (propriedade do governo
local de Wuhu) (CASSIOLATO E PODCAMENI, 2015).
De modo geral, a política de inovação procurou estabelecer um ambiente
propício à inovação. Primeiro, por meio da institucionalização de medidas que
encorajassem a pesquisa, e depois pela busca de aproximação das empresas e da
pesquisa acadêmica. É possível verificar que a política contribuiu de forma eficaz para o
aumento do gasto com P&D e também com os gastos das empresas com P&D. Pode-se
verificar isso com os gráficos 5 e 6, eles demonstram uma trajetória semelhante de
crescimento de dos gastos em P&D, como parcela do PIB, aproximando-se de economia
desenvolvidas, como EUA e países da OCDE. Os dados foram obtidos pela base da
OCDE.
Pode-se verificar que embora o gasto com inovação, seja total ou por parte das
empresas, não seja igual aos EUA e OCDE, é possível verificar um movimento
ascendente. O gasto das empresas, em P&D, por exemplo, para o ano de 2013, foi igual
para os países da OCDE e da China.
47
Gráfico 5 – Gasto total em P&D, como porcentagem do PIB, de 1991 a 2013 (EUA,
China e OCDE)
Fonte: OCDE, 2013. Elaboração própria.
Gráfico 6 – Gasto das empresas em P&D, como porcentagem do PIB, 1991 a 2013
(EUA, OCDE e China)
Fonte: OCDE, 2013. Elaboração própria.
Além das informações ligadas ao total gasto com P&D, também é possível
observar o resultado deste gasto, que se dá pelo número de patentes produzidas pela
China. A partir do gráfico 7, pode-se verificar um grande aumento do número de
patentes. Embora ainda inexpressivo, se comparado com os números americanos,
0,00
0,50
1,00
1,50
2,00
2,50
3,001991
1993
1995
1997
1999
2001
2003
2005
2007
2009
2011
2013
EUA
China
OCDE
0,00
0,50
1,00
1,50
2,00
2,50
1991
1993
1995
1997
1999
2001
2003
2005
2007
2009
2011
2013
EUA
OCDE
China
48
verifica-se um grande crescimento. Pode-se afirmar que em 1990, a China possuía perto
de zero aplicações em patentes, enquanto os EUA já contavam com, aproximadamente
10.000. Em pouco mais de vinte anos, a China aumentou seu número total para mais de
20.000.
Gráfico 7 – Número de patentes, para EUA e China (1990 a 2013)
Fonte: OCDE, 2013. Elaboração própria.
Além disso, ao observar as patentes por algumas categorias tecnológicas, a partir
da tabela 2, é possível ressaltar que um houve um aumento expressivo do número de
patentes. Vale ressaltar que, embora os números permaneçam abaixo dos EUA, em
todas as categorias, praticamente não existia aplicações de patentes, em 1990. Já em
2012, esse número aumenta, e em alguns casos como ICT, ou seja, telecomunicações e
eletrônicos, que em pouco mais de 20 anos apresentou praticamente a metade do
número dos EUA.
Isso é condizente com a condução de política industrial empreendida pela China,
a partir dos anos 1980. A China buscou a modernização e dispendeu esforços para
direcionar investimentos para os setores mais intensivos em tecnologia. Portanto, houve
fatores externos que colaboraram para que a China se tornasse um importante ponto de
recepção de investimentos, porém, há condicionantes internas que colaboraram para o
sucesso da indústria na China. Tanto a política industrial utilizada para atrair o capital
externo foi crucial, quanto a capacidade chinesa de conseguir absorver esta tecnologia,
0,0
10.000,0
20.000,0
30.000,0
40.000,0
50.000,0
60.000,0
70.000,0
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
2004
2006
2008
2010
2012
EUA
China
49
que se traduz no sistema de inovação criado. É possível verificar que a China foi capaz
de criar capacidades tecnológicas, a partir dos dados ligados à criação de patentes e
também gasto com P&D.
Tabela 2 - Número de aplicações a patentes, segundo IPC*, EUA e China, para
1990 e 2012
EUA (1990) China (1990) EUA (2012) China (2012)
Biotecnologia 1.240,5 1,1 4.249,5 445,6
ICT 2.615,7 0,3 22.655 13.791,6
Nanotecnologia 46,5 0 543,8 68,1
Farmacêuticos 1.284,7 2,3 4.305,2 641,5
Fonte: OCDE, 2012. Elaboração própria.
*IPC: International Patent Classification (Classificação internacional de patentes).
Toda essa política chinesa visava, como já foi citado, dentre outras coisas,
aumentar a participação no comércio internacional, bem como aumentar o crescimento
do PIB chinês. Ao analisar o desempenho da economia chinesa, por meio do aumento
da inserção no mercado externo e também o crescimento do PIB, é possível dizer que a
China elaborou uma estratégia bem sucedida. O gráfico 8, mostra que o share das
exportações chinesas somente aumentou, de 1978 até 2014, enquanto o share das
exportações americanas se manteve, e posteriormente entrou em declínio.
Gráfico 8 – Share das exportações chinesas, americana e dos países em
desenvolvimento na Ásia, em relação ao mundo (1978 a 2014)
Fonte: UNCTAD, 2014. Elaboração própria.
0,0%
2,0%
4,0%
6,0%
8,0%
10,0%
12,0%
14,0%
19
78
19
80
19
82
19
84
19
86
19
88
19
90
19
92
19
94
19
96
19
98
20
00
20
02
20
04
20
06
2008
20
10
20
12
20
14
China
EUA
Países em
desenvolvi
mento:
Ásia
50
Além do aumento da participação nas exportações, a China também foi a
responsável por um grande crescimento tendo taxas muito superiores ao dos EUA, do
mundo e de todos os países em desenvolvimento, na Ásia, como mostra o gráfico 9.
Gráfico 9 – Crescimento PIB (%) de China, EUA, Mundo, Países em
desenvolvimento na Ásia, Países em desenvolvimento excluindo a China (1978 até
2014)
Fonte: UNCTAD, 2014. Elaboração própria.
Esse grande crescimento suscitou as raízes de tal processo que culminou em uma
grande experiência de sucesso. A visão do Banco Mundial é de que a China se inseriu
em um contexto asiático de “crescimento para fora”, no qual o crescimento chinês se
deu basicamente devido ao grande aumento das exportações. Este foi induzido por
questões ligadas à abertura comercial e políticas de neutralidade comercial, que teriam
ratificado uma alocação eficiente dos recursos da economia mundial. Promoveu-se a
transferência do investimento para os locais de com menores custos de mão de obra,
resultado do mecanismo de outsourcing das grandes empresas multinacionais. Dessa
forma, o ator principal desse movimento seriam as grandes empresas multinacionais
(MEDEIROS, 2010).
-4
-2
0
2
4
6
8
10
12
14
16
18
1978
1980
1982
1984
1986
1988
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
2004
2006
2008
2010
2012
2014
China
EUA
Mundo
Países em
desenvolvime
nto: Ásia
Países em
desenvolvime
nto,
excluindo
China
51
Apesar de o comércio internacional ter crescido de forma relevante, como
mostrado no gráfico 8, ao olhar a evolução dos componentes do PIB, a partir da ótica do
dispêndio, é possível verificar o papel do investimento e consumo como protagonistas
no crescimento econômico. Pode-se perceber, a partir do gráfico 10, que os
componentes que mais colaboraram para o aumento do PIB, foram consumo e
investimento, em períodos de diferentes, enquanto as exportações líquidas tiveram
menor importância.
Gráfico 10 - Proporção do incremento de cada componente para o crescimento do
PIB
Fonte: China Statistical Yearbook, 2013. Elaboração própria.
Há ainda uma outra vertente que traz o papel do Estado para o aumento dos
investimentos que ancoraram o crescimento chinês. Embora, a inserção do capital
estrangeiro tenha sido crucial para o processo de catching up tecnológico, o
investimento, principalmente de cunho estatal nunca perdeu sua importância. Como
apontado por Medeiros (2006), “a máquina de crescimento chinesa não se deslocou para
as empresas estrangeiras e suas exportações, mas permaneceu fortemente assentada nos
investimentos públicos, na exportação das empresas estatais e na expansão do
consumo” (MEDEIROS, 2006, p. 387).
O Estado também se fez presente não só como investidor, mas principalmente
como coordenador dos investimentos. Ao longo da década de 1990, foi realizada uma
estratégia industrial, em que o governo selecionou 120 grupos empresariais para formar
um national team em setores de importância estratégica Nolan (2001 apud Medeiros,
2006) semelhante ao modelo coreano. Foi chamada política de “manter as grandes
-80,0
-60,0
-40,0
-20,0
0,0
20,0
40,0
60,0
80,0
100,0
1978
1980
1985
1990
1995
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
Consum
o
FBKF
Exportaç
ões
líquidas
52
empresas públicas e deixar escapar as menores” (MEDEIROS, 2006, p.388), na qual, a
ideia era conseguir manter maiores investimentos nos setores chave do governo, e
transformá-los em conglomerados que fossem capazes de competir globalmente, no
futuro.
Para isso, diversos centros de tecnologia foram desenvolvidos. Foram
estabelecidas dezenas de zonas de desenvolvimento econômico e tecnológico
especialmente concebidas para formarem pólos de crescimento voltados para a
economia como um todo. Estas zonas passaram a receber massivos investimentos do
governo em infraestrutura e muitas criaram parques industriais em alta tecnologia.
Dessa forma, o propósito chinês era manter nas mãos do Estado setores de alta
intensidade tecnológica, buscando fortalecê-los e incentivar produção e exportação das
empresas domésticas.
Além disso, o próprio governo chinês modificou sua política de inovação. Como
demonstrado por Cassiolato e Podmenicani (2015), apesar de certo sucesso das
iniciativas chinesas, a maior parte das empresas ainda tinha sua produção subordinada
às grandes cadeias de valor. Dessa forma, as ligações locais ou nacionais entre as
indústrias eram fracas ou lentamente desenvolvidas. Logo, o governo chinês estabeleceu
em 2005, um plano que via a inovação como principal preocupação da China.
Havia uma certeza de que o modelo chinês voltado ao investimento em capital
fixo, e em uma inserção internacional subordinada às etapas finais da cadeia global não
traria o desenvolvimento necessário à China. A China ainda pressionou as empresas
transnacionais a investirem em parques tecnológicos, tornando-se o maior polo de
centro de P&D de empresas transnacionais, a partir de 2000.
Porém, apesar do investimento de tais transnacionais em mais de 1000 centros
de P&D, verificou-se que a pesquisa era voltada a adaptação de tecnologia, e não na
pesquisa inovadora de fato. Além disso, também se ressaltou que tais empresas tendiam
a investir menos nas atividades nas quais já possuíam vantagens tecnológicas. Como
citado por Cassiolato e Podmenicani (2015):
“O governo chinês e as empresas domésticas não devem esperar se
beneficiar muito das atividades de P&D estrangeiras na China. Pelo contrário,
devem focar em construir capacitações inovativas locais, uma vez que a maior
parte das empresas estrangeiras vai investir na área apenas quando sentirem a
concorrência das empresas domésticas. (SU apud CASSIOLATO E
PODCAMENI, 2015, p. 509).
53
Pensando nisso, a China lançou, na Conferência Nacional de Ciência e
Tecnologia um plano de desenvolvimento tecnológico de longo prazo. O plano
enfatizou a inovação endógena. Além disso, o principal foco de condução da política
eram inovações voltadas ao mercado local chinês. Logo a construção de capacidades
tecnológicas deveria ser voltada à solução dos problemas da sociedade
chinesa(CASSIOLATO E PODCAMENI, 2015).
O plano também destacou oito áreas tecnológicas, nas quais o domínio de 27
tecnologias de ponta seria almejado, e quatro programas de pesquisa básica. Estes
programas incluíram tecnologia da informação, biotecnologia, materiais avançados,
manufatura avançada, energia, tecnologia do mar, tecnologia de laser e tecnologia
aeroespacial (CASSIOLATO E PODCAMENI, 2015).
O objetivo da estratégia chinesa, voltada à inovação era utilizar o mercado
interno para desenvolver novas trajetórias tecnológicas voltadas às especificidades da
economia e sociedade chinesas. Por exemplo, o terceiro projeto especial (nova geração
de redes de comunicação móvel de banda larga sem fio) tinha como objetivo alcançar,
em 2020, 10% das patentes globais, 25% do mercado de semicondutores de
telecomunicações, 20% do mercado global de hardware de banda larga e 50% do
mercado doméstico (CASSIOLATO E PODCAMENI, 2015).
O plano da China de usar seu mercado interno como fio condutor do seu
programa de inovação ganhou força em 2009. O MCT, a Comissão Nacional de
Desenvolvimento e Reforma (National Development and Reform Commission –
NDRC) e o Ministério da Fazenda anunciaram a criação de um catálogo de novos
produtos, em âmbito nacional, que receberiam tratamento preferencial nas compras
governamentais. Muitas províncias e municípios elaboraram seus catálogos, retirando
produtos estrangeiros das compras governamentais locais (CASSIOLATO E
PODCAMENI, 2015).
Essa iniciativa ainda se concentrou em seis campos de alta tecnologia: i)
computadores; ii) produtos de comunicações; iii) equipamentos de escritório modernos;
iv) software; v) novas fontes de energia e novos dispositivos de energia; e vi) produtos
de alta eficiência energética e poupadores de energia (CASSIOLATO E PODCAMENI,
2015).
54
Ainda no ano de 2009, o governo avançou mais ainda, com a criação de um
catálogo de 240 tipos de equipamentos industriais, em dezoito categorias, para as quais
haveria incentivos a fim de que as empresas nacionais produzissem, no intuito de
atualizar a base industrial da China. Aquelas que participassem do esforço receberiam
uma combinação de incentivos fiscais e subsídios, bem como prioridade nos catálogos
de produtos de inovação (CASSIOLATO E PODCAMENI, 2015).
Dessa forma, conclui-se que o processo de industrialização chinesa perpassa pela
forte presença do Estado, na economia. Primeiro, ele cria condições indispensáveis para
a atração de capital estrangeiro, como isenções ficais e câmbio desvalorizado. Além
disso, atrai as empresas que buscam vantagens relacionadas a custos salariais.
Posteriormente a isso, o governo passa a direcionar os investimentos para os setores
considerados mais estratégicos da economia. Paralelamente a isso, também há uma série
de investimentos para capacitação e pesquisa, para que a tecnologia possa ser absorvida
e, posteriormente, o país seja capaz de construir tecnologia nova. Ao perceber que os
investimentos ainda se mantinham insuficientes para atender o crescimento chinês, é
promovido um novo planejamento que se volta para as inovações capazes de suprir o
mercado interno chinês.
Portanto, percebe-se que conforme a economia foi evoluindo, os estímulos para
investimentos foram se alterando, e o Estado chinês conseguiu conduzir mudanças na
política industrial, de modo atender novos interesses. Dessa forma, percebe-se que o
Estado chinês, que no início, contava, fortemente, com o capital estrangeiro, passa a se
voltar ao mercado interno. Outra diferença marcante é que o investimento realizado se
voltava para atender às empresas que exportavam, e, posteriormente, a China coloca o
mercado consumidor chinês como peça fundamental para as decisões de investimento.
1.2.5 Mudança do modelo para o mercado interno
Concomitante ao processo de catching up tecnológico e aumento do
investimento na economia chinesa, o Estado também passou a perceber a importância
do consumo para a economia. Como apontado por Medeiros (2010) “também existe
uma pressão dentro do próprio partido comunista, para que haja um crescimento mais
equilibrado no qual o consumo fosse o componente protagonista.” (MEDEIROS, 2010,
55
p. 6). Este objetivo está entre as resoluções do 11º Plano Quinquenal (2006-2010), no
qual, busca-se uma “sociedade socialista harmoniosa”.
Dessa forma, o Estado chinês utilizou de duas vias para estimular o consumo:
aumento salarial e uma nova rodada de investimentos voltada ao mercado interno. Com
relação ao crescimento dos salários, Pinto (2011) aponta que a dinâmica de catching up
influenciou inclusive o novo patamar de salários. A trajetória dos salários chineses é
semelhante à evolução salarial vivida por países desenvolvidos do Leste Asiático, em
suas fases de catching up. A partir do gráfico 11, pode-se verificar uma ascensão
importante do salário na China.
Gráfico 11 - Evolução e taxa de crescimento dos salários nominais em yuan (1990-
2008)
Fonte: Leão (2010). Dados: Laborsta/OIT
Com relação aos novos investimentos, pode-se afirmar que o aumento salarial
gerou um estímulo ao consumo, logo, encaminhou-se uma nova rodada de
investimentos estrangeiros, voltados ao mercado interno. Na abertura da economia
chinesa, o IDE se empreendia em utilizar de baixos custos de produção para produção
de bens finais mais baratos para exportar. No segundo momento, buscou-se atingir um
mercado consumidor crescente, a partir do aumento salarial. Como mostrado, pelo
gráfico 10, a partir de 2002, investimentos e consumo carregam importância
semelhantes em contribuição ao aumento do PIB.
Percebe-se que a China centralizou esforços para a condução de uma política
industrial que levasse a uma maior participação de setores intensivos em tecnologia.
Primeiro, o aparato institucional relacionado à criação das ZEEs, como políticas
0
5
10
15
20
25
30
35
0
5000
10000
15000
20000
25000
30000
35000
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
Salários
nominais
Taxa de
cresc
56
tributárias, câmbio desvalorizado e mão de obra barata, trouxeram significativos
investimentos a essas regiões. Este IDE, voltado, primeiramente, ao mercado
americano, sofreram desdobramentos que culminaram na posição da China como um
importante receptor de investimentos. Além do aumento do investimento na economia,
a partir da produção, nessas regiões, a capacidade exportadora chinesa se expandiu,
tornando-a, também destaque nos fluxos de comércio internacional.
Contudo, o protagonista no sucesso chinês não é o capital estrangeiro, mas sim a
forma pela qual os investimentos foram conduzidos. O Estado chinês passou a escolher
quais setores seriam priorizados pelo investidor estrangeiros, e, além disso, passaram a
exigir que parte da produção fosse realizada por fornecedores locais. Somado a isso,
previa-se que houvesse transferência tecnológica, de modo que, a China pudesse se
apropriar de capacidades tecnológicas importantes para fortalecer sua própria indústria.
Não somente o capital estrangeiro exerceu papel importante no processo de
catching up tecnológico, mas também o investimento das empresas estatais. Estas
passaram a se focar na produção de bens que fossem considerados prioritários para o
governo, realizando a “escolha dos vencedores”, ou seja, escolhendo quais setores
seriam privilegiados. Portanto, o mix, de abertura de mercado, adoção de instituições de
mercado e a presença do Estado como planejador e investidor, trouxeram a capacidade
chinesa de crescimento e a chance de torná-la uma potencia mundial.
Este processo de catching up trouxe consigo um aumento salarial, ligado ao
processo próprio de países que apresentam maior desenvolvimento industrial. Aliado a
este processo de aproximação da fronteira tecnológica, também existe forte premissa
por parte do governo no estímulo do crescimento baseado no consumo, como forma de
atrair investimentos ao mercado consumidor.
Neste âmbito vivido pela China, atualmente, há a priorização do investimento
para setores ligados a tecnologia mais sofisticada, em detrimento de setores ligados a
trabalho, que representavam o cerne da vantagem competitiva chinesa. Porém, como
será explicitado mais adiante, a dinâmica concorrencial em mercados de alta intensidade
tecnológica faz com que os preços de tais produtos sejam maiores. Portanto, pode-se
dizer que a gradativa substituição de bens ligados a trabalho por bens de tecnologia de
ponta passaria a encarecer as exportações chinesas.
Além disso, o próprio processo de catching up tecnológico trouxe um aumento
salarial, pois a produção de bens mais sofisticados enseja uma mão de obra mais
qualificada, portanto, melhor remunerado. Juntamente a este processo, há também um
57
componente político no aumento salarial. O Estado chinês passou a ser comprometer
com o consumo, o que colabora para novos investimentos voltados ao mercado
consumidor.
Nesse âmbito, a questão em relação ao “fim da China barata se dá por duas
razões. A primeira é pelo próprio processo de catching up tecnológico, que prioriza a
produção de bens mais caros, enquanto passa a se afastar da produção de bens baratos.
Por outro lado, o aumento salarial acaba por também encarecer a produção de bens
intensivos em trabalho. Dessa forma, a análise sobre o processo de mudança da
estrutura produtiva, bem como a estrutura salarial se faz importante para responder a
questão central sobre o “fim da China barata”.
58
2. CAPÍTULO 2 – MUDANÇAS ESTRUTURAIS NA PRODUÇÃO E
SALÁRIOS
No capítulo um, procurou-se mostrar como a China conseguiu levar a cabo seu
projeto de industrialização tardia. Foram exploradas as determinantes tanto externas,
quanto os determinantes internos, ao desenvolvimento chinês. Destaca-se a política
industrial chinesa que procurava mesclar capital estrangeiro e nacional, com o principal
objetivo de tornar a China um país relevante, na indústria e no comércio internacional.
Através da ação do capital estrangeiro, juntamente ao capital nacional, a China
centralizou seus esforços de política nos setores mais intensivos em tecnologia. O
principal objetivo chinês era possibilitar a construção de grandes grupos de empresas
nacionais que pudessem competir globalmente, na produção de bens sofisticados. Dessa
forma, a política industrial chinesa tinha como principal objetivo a mudança na estrutura
produtiva, ou seja, o processo de catching up tecnológico chinês. Aliado a isso, o
próprio processo de mudança da estrutura produtiva chinesa trouxe também um
aumento salarial.
Neste capítulo dois, procurar-se-á compreender qual a natureza desse processo
de intensificação da participação de bens intensivos em tecnologia, tanto no comércio
quanto na indústria. Esta primeira parte da análise se dividirá em duas partes: (i) revisão
bibliográfica de autores internacionais e nacionais, explorando a questão da sofisticação
chinesa; (ii) análise de indicadores de comércio internacional e produção industrial.
Busca-se verificar se houve mudança na estrutura produtiva chinesa na direção de bens
intensivos em tecnologia.
A segunda parte do capítulo dois busca compreender a natureza do aumento
salarial e qual seu impacto sobre a competitividade. Dessa forma, o debate figura entre a
questão de aumento salarial versus aumento de produtividade. Logo, o objetivo central é
verificar se os ganhos salariais são capazes de superar o crescimento da produtividade, o
que comprometeria a competitividade chinesa. A análise está dividida em duas partes:
(i) revisão bibliográfica sobre trabalhos empíricos que tratam da de aumento de salários
e produtividade, na China; (ii) análise de indicadores de produtividade, lucratividade e
salários.
59
Na última parte será abordada a questão de mudança na evolução dos preços de
bens exportados para os EUA, e será comparada aos preços de outros parceiros
relevantes no comércio com os EUA. Os parceiros mais importantes dos EUA foram
elencados segundo tecnologia, ou seja, são aqueles que mais exportam para os EUA, em
determinada tecnologia. É calculado um diferencial de preços entre produtos dentro da
mesma tecnologia, entre China e o parceiro mais importante dos EUA, segundo
tecnologia. O objetivo é verificar se houve impacto das mudanças citadas,
anteriormente, nos preços de bens finais exportados pela China.
Dessa maneira, busca-se verificar através da análise empírica se existe alteração
na estrutura produtiva chinesa na direção de bens mais intensivos em tecnologia, o que
acaba por refletir no preço do produto final chinês. Além disso, a segunda parte quer
demonstrar como as alterações no aumento salarial chinês pode afetar a competitividade
chinesa. Por fim, o reflexo desses dois processos é verificar conjuntamente sobre a
análise da evolução dos preços, segundo tecnologia.
2.1 MUDANÇA NA ESTRUTURA PRODUTIVA
2.1.1 Revisão bibliográfica
Como já foi destacado, a China passou por diversas mudanças que a levaram a
ser um player importante no comércio internacional. A China passou de uma grande
exportadora de bens intensivos em trabalho, para um país exportador de bens mais
sofisticado. Porém, na literatura, não existe um consenso quanto ao grau de sofisticação
das exportações chinesas.
No âmbito da literatura internacional, destacam-se três trabalhos que tratam da
maior participação de setores intensivos em tecnologia, nas exportações chinesas:
Rodrik (2006), Schott (2008) e Lardy (2004). Os dois primeiros trabalhos apresentam
indicadores e análise econométrica baseados na exportação chinesa, apontando para a
intensificação do processo de sofisticação dos produtos exportados. Além disso, estes
artigos mostram, sob diferentes modelagens, que a participação de produtos intensivos
em tecnologia, na produção chinesa, é maior que o esperado para países com
semelhante desenvolvimento. Já o terceiro trabalho questiona o grau de sofisticação
chinês.
60
Rodrik (2006) inicia sua explanação sobre a China apresentando um aumento no
share mundial de suas exportações. Em 1960, a economia chinesa apresentava somente
2% de todas as exportações mundiais, enquanto em 2003, este número vai para 6%.
Além disso, a participação das exportações, no PIB cresceu, entre 1970 e 2003, a taxas
maiores que a mundial. Estes dados mostraram o caráter da mudança da economia
chinesa entre os anos 1980 e 1990, que passa de uma economia, praticamente fechada
para um país importante, nos fluxos comerciais globais.
O autor mostra que o tipo de inserção comercial dos países emergentes é distinto
do estabelecido pelo arcabouço teórico de comércio internacional. Segundo a teoria de
Hecksher-Ohlin, o padrão comercial se dá pela dotação de fatores, no qual, cada país se
especializa na produção de bens nos quais há maior dotação de fatores. Ou ainda,
segundo a teoria Ricardiana, a especialização se dá pelas diferenças de produtividade de
cada indústria. O principal ponto é que de qualquer maneira, a firma atua como agente
maximizador, que ao se deparar com os custos, faz sua escolha ótima (RODRIK, 2006).
Porém, em países em desenvolvimento, há muitos riscos ligados à entrada em
atividades mais sofisticadas. Os custos não estão somente relacionados à dotação de
fatores, mas também a fatores institucionais, como a adaptação ao uso da nova
tecnologia, dentre outros. Além disso, caso obtenha-se sucesso no investimento
inovativo, ele trará espraiamento de informação e tecnologia para os entrantes. Por outro
lado, caso esse tipo de investimento venha a fracassar, as firmas que o realizaram
pagarão totalmente pelo seu insucesso. Logo, as forças de mercado agem de modo
coibir o maior desenvolvimento em áreas mais sofisticadas, nos países em
desenvolvimento (RODRIK, 2006).
O resultado disso é que países de menor renda tendem a investir menos em
setores intensivos em tecnologia, logo, também tem a sua renda diminuída, em relação
ao seu potencial. Em contrapartida, os países mais dinâmicos, economicamente, tendem
a direcionar seus recursos para as atividades mais intensivas em inovação. A partir deste
arcabouço teórico, ele busca estabelecer uma relação quantitativa entre renda e produtos
intensivos em tecnologia. Para isso, o autor constrói um indicador de produtividade
associado a uma cesta de exportação, de forma a verificar qual é a relação deste
indicador com a renda (RODRIK, 2006).
61
Primeiro, é calculada uma média ponderada de renda para todos os países que
exportam aquele determinado bem, sendo chamado de PRODY. Depois, é calculado o
EXPY que é a ponderação de cada PRODY, tendo como pesos a participação que o
determinado bem tem no total exportado pelo país. A primeira relação é a de que EXPY
tem uma relação com a renda, ou seja, países de maior renda tendem a exportar mais o
que os outros países exportam (RODRIK, 2006).
Porém, em 1992, por exemplo, a China foi considerada um outlier da pesquisa,
correspondendo a uma cesta de exportação três vezes maior que o esperado para sua
renda per capita. Ao analisar a evolução deste indicador, em 2003, é possível dizer que
essa cesta ainda se encontra em níveis abaixo da Coréia do Sul, porém, afastou-se da
Índia, com o qual se mostrava próximo, em 1992 (RODRIK, 2006).
Além disso, o autor fez uma relação entre a cesta exportadora e capital humano,
de forma a avaliar a teoria ligada à dotação de fatores. O resultado é que um país como
Bangladesh, que apresentava, características semelhantes à China, como mão de obra
abundante e capital humano relativamente escasso, obteve uma cesta exportadora com
produtividade 50% menor que a chinesa. Dessa forma, o autor aponta para fatores
idiossincráticos relativos à sofisticação chinesa. Ou seja, a cesta chinesa apresenta bens
mais intensivos em tecnologia, que não guardam conexão com sua dotação de fatores
(RODRIK, 2006).
Porém Lardy (2004) argumenta que a China, na verdade, exporta conteúdo
tecnológico, porém nos elos menos nobres da cadeia. Estes acabam por agregar pouco
valor, servindo mais como uma plataforma de exportação. Porém, Rodrik (2006)
argumenta que, ainda assim, o conteúdo exportado é muito grande para o PIB per capita
chinês. Ou seja, países com renda similar à chinesa exportariam uma cesta de menor
produtividade do que a cesta real chinesa.
O segundo trabalho, de Schott (2008), trata de uma comparação entre as cestas
de exportação dos parceiros comerciais dos EUA. A partir deste trabalho, é possível
verificar que a cesta de exportação chinesa se aproxima da dos países pertencentes à
OCDE.
O autor argumenta que a heterogeneidade da produção das províncias
proporciona uma diversidade de produção que acaba resultando na produção de bens
62
intensivos em tecnologia para algumas províncias. Porém, não há dados que
correspondam à exportação específica de cada província, logo, os dados a serem
analisados serão os do país (SCHOTT, 2008).
Antes de analisar a cesta exportadora chinesa, há uma breve explanação a partir
de um indicador de penetração de importações para o mercado americano. Realiza-se
uma comparação entre a exportação da América Latina, países da OCDE e China,
olhando somente para produtos mais intensivos em tecnologia. É possível verificar que
em 1972, todos esses produtos, de origem chinesa, tinham zero exportações aos EUA,
aumentando para 11%, em 2001. Já os países da OCDE perderam participação,
contando com 83% e depois para 52%, para os mesmos anos (SCHOTT, 2008).
Além disso, para o mesmo período, em uma análise dos maiores parceiros
comerciais, a China foi, isoladamente, a que mais obteve aumento absoluto e percentual
de market-share nas importações americanas. Não somente houve incremento do
comércio, mas também aumento da variedade de bens intensivos em tecnologia, em
direção aos EUA (SCHOTT, 2008).
Portanto, já é possível dizer que a China foi capaz de intensificar sua exportação
de bens intensivos em tecnologia. Mas o trabalho quer verificar o quão perto esta cesta
está à dos países da OCDE. Para isso, o autor constrói um indicador de similaridade, e a
partir dele é possível realizar uma análise econométrica:
𝐸𝑆𝐼 = ∑ min(𝑠𝑡𝑝𝑐𝑝 , 𝑠𝑡𝑝𝑑) (1)
𝑠𝑡𝑝𝑐 é o share do país c, nas exportações dos produto p, no ano t.
A análise de comércio internacional de dois países se dá do seguinte modo: se
ESI=0, logo, não há produtos em comum, e se ESI=1, as exportações estão distribuídas
de forma uniforme entre todos os produtos. A partir desse cálculo verificou-se que a
China demonstra mais similaridade com a Ásia e América Latina do que com a OCDE,
porém a diferença vai diminuindo com o tempo, considerando os anos de 1972, 1981,
1991, 2001 (SCHOTT, 2008).
Para realizar as simulações econométricas, o autor escolheu algumas variáveis e
verificou qual a relação ou causalidade das mesmas como a sofisticação da cesta. Dessa
maneira, as variáveis são escolhidas a partir das teorias de comércio tradicionais. A
63
primeira teoria é advinda do arcabouço teórico de Hecksher-Ohlin. Esta estabelece a
causalidade da dotação de fatores na determinação do padrão de inserção dos países, no
comércio internacional. A outra perspectiva é a nova teoria do comércio, na qual, o
tamanho do país tem influência sobre as exportações (SCHOTT, 2008).
Quanto à formulação da primeira teoria, foi adotada uma variável que indicasse
habilidade, ou seja, que pudesse mensurar a diferença entre dotação de fatores. Portanto,
foi escolhida a variável referente ao World Bank, paridade de poder de compra (PPP)
real ajustado pelo PIB per capita. (SCHOTT, 2008).
A outra variável foi referente à nova teoria de comércio, portanto buscou-se
refletir o tamanho do país no comércio internacional. Dessa forma, Schott (2008)
desenha a seguinte equação, na qual estabelece a relação de ESI, com as variáveis
anteriormente citadas:
𝐸𝑆𝐼𝑡𝑐 = 𝛼𝑡 + 𝛽𝑋𝑡𝑐 + 𝛾𝐶𝐻𝐼𝑁𝐴𝑡𝑐 + 𝜀𝑡𝑐 (2)
Para a equação (2), 𝑋𝑡𝑐 representa a variável de característica do país, que pode
ser PPP real ajustado pelo PIB per capita ou PPP real ajustado ao PIB. 𝐶𝐻𝐼𝑁𝐴𝑡𝑐 é uma
variável dummy se a observação for para China (SCHOTT, 2008).
Todos os resultados mostram uma relação positiva entre as características do
país, o que corrobora a nova teoria do comércio e também a de Hecksher-Ohlin. Porém,
os coeficientes para a variável dummy foram positivos, para ambas as características, o
que mostra que a China apresenta uma cesta de exportação mais próxima aos países da
OCDE do que países com características semelhantes à China, como por exemplo,
Bangladesh (SCHOTT, 2008).
Outro aspecto importante é que, ao longo dos anos, a diferença entre as
exportações chinesas e da OCDE diminuem, a partir da interação entre a variável
dummy para China e outras variáveis dummy para as décadas. Ao observar o
comportamento das mesmas variáveis por indústria 6 , o mesmo padrão se repete
(SCHOTT, 2008).
Porém, o autor também deseja fazer uma análise sobre a evolução dos preços das
exportações chinesas. Pois, a evidência empírica demonstra que existe uma relação
6 Produtos químicos; Materiais manufaturados; Máquinas e equipamentos.
64
positiva entre países de maior renda e exportação a preços maiores. Logo, a maior
aproximação da China à cesta da OCDE levaria o país a exportar produtos mais caros.
Para fazer este estudo, o autor realiza a comparação entre os preços de exportação entre
China e os países da OCDE, a partir da aplicação de log sobre a equação (2) (SCHOTT,
2008).
O que se verifica é que a China apresenta preços mais baixos de exportação do
que os países da OCDE. Esta verificação se repete ao olhar para a indústria, e aliado a
isso, os preços chineses se tornam mais baratos ao longo do tempo, entre 1980 e 2000
(SCHOTT, 2008).
A partir de referenciais teóricos distintos, Schott (2008) e Rodrik (2006) chegam
a conclusões semelhantes no que tange ao comércio internacional chinês. A China é um
caso particular, no qual, a sofisticação de suas exportações vai além do que apregoa as
tradicionais teorias de comércio internacional sobre vantagens comparativas.
A literatura nacional também destaca a inserção da China no comércio
internacional de bens intensivos em tecnologia. Como apontado por Pinto (2011), a
China intensificou a estratégia de se tornar um importante player mundial,
majoritariamente nos anos 1990, apresentando aumento na participação no comércio
internacional.
Como demonstrado por Pinto (2011), no período de 1980 a 1989, a China
participava com 1,4% do total exportado no mundo, enquanto em 2009, essa
participação se elevou para 8,7%. Considerando o mesmo período, as importações
chinesas apresentavam market-share de 1,6% e passaram a ser 7,9%, respectivamente.
Além disso, entre os anos de 2000 e 2009, a corrente de comércio7 entre China e mundo
cresceu 4,6 vezes.
Aliado a isso, a China também foi capaz de galgar aumentos de participação nas
exportações de bens intensivos em tecnologia. No período que compreende os anos de
1990 a 1994, do total exportado pela China, 18,6% eram bens de alta intensidade
tecnológica. Já de 2005 a 2009, essa participação aumentou para 36,8%. Enquanto isso
se viu a diminuição da participação dos bens intensivos em trabalho e recursos naturais.
Para os mesmos períodos, a participação caiu de 57,7% para 31,3% (PINTO, 2011).
7 Corrente de comércio é a soma de exportações com importações.
65
Cunha e Xavier (2010) utilizam indicadores de comércio para mostrar a
mudança na pauta de exportação chinesa. A fim de mostrar tal fato, são utilizados dois
indicadores de comércio internacional: vantagens comparativas relevadas e contribuição
ao saldo comercial.
𝑉𝐶𝑅 =𝑋𝑖𝑗 𝑋𝑗⁄
𝑋𝑖 𝑋⁄ (3)
𝐶𝑆 = (1000 𝑃𝐼𝐵𝑗⁄ ) ∗ {(𝑋𝑖𝑗 −𝑀𝑖𝑗) − [((𝑋𝑖𝑗 +𝑀𝑖𝑗) (⁄ 𝑋𝑗 +𝑀𝑗) ∗ (𝑋𝑗 −𝑀𝑗))]} (4)
A equação (3) é o indicador de vantagens comparativas reveladas, no qual, 𝑋𝑖𝑗
são as exportações do setor i, no país j. 𝑋𝑗são as exportações totais do país j e X são as
exportações mundiais. O indicador apresenta resultados maiores ou menores que um.
Logo, se existe alguma vantagem no setor i, o índice será maior que um, caso ocorra o
contrário, o índice será menor que um. O outro indicador (4), complementar ao anterior
(3), é o de contribuição ao saldo. Busca-se verificar se o setor i apresenta contribuição
negativa ou positiva ao saldo (CUNHA E XAVIER, 2010).
A tabela 3 mostra a construção do VCR, segundo tecnologia. Pode-se verificar
que no início do período a China era competitiva em “produtos primários agrícolas” e
“indústria intensiva em trabalho”, mantendo a competitividade somente na última, e
passando a ser competitiva em “fornecedores especializados”. Neste último, o aumento
do índice é resultado de uma melhora do desempenho dos setores de maquinário
(máquinas de escritório e equipamento), o que demonstra mudança na pauta de
exportação. Porém, ainda que nas categorias “indústria intensiva em P&D” e “indústria
intensiva em escala”, o indicador de VCR não seja superior a um, é possível verificar
que ele se aproxima de um, ao comparar os dois períodos (CUNHA E XAVIER, 2010).
66
Tabela 3 - Indicador de Vantagem Comparativa Revelada (VCR) – China –
1994‑1998 e 2001‑2005
Tipologia Pavitt* 1994-1998 2001-2005
"Produtos primários agrícolas" 1,0619 0,6332
"Produtos primários minerais" 0,6187 0,4418
"Produtos primários energéticos" 0,6903 0,2314
"Indústria agroalimentar" 0,6387 0,5359
"Indústria intensiva em outros recursos agrícolas" 0,6676 0,466
"Indústria intensiva em recursos minerais" 0,7694 0,6742
"Indústria intensiva em recursos energéticos" 0,4375 0,4444
"Indústria intensiva em trabalho" 2,8548 2,1582
"Indústria intensiva em escala" 0,7316 0,8499
"Fornecedores especializados" 0,5753 1,3012
"Indústria intensiva em P&D" 0,5265 0,8051
Fonte: Cunha e Xavier (2010).
Nota: * Como apontado pelos autores Cunha e Xavier (2010), para a classificação das exportações de
setores industriais com base em parâmetros tecnológicos adotou-se como critério de agregação dos dados
a tipologia presente no artigo de Laplane et al apud Cunha e Xavier (2010) elaborada com base em
Pavitt(1984). Em Holland e Xavier (2004), os grupos de setores/ industrias, com base no critério de
agregação, são apresentados como se segue: a) “Produtos primários”: agrícolas, minerais e energéticos; b)
“indústria intensiva em recursos naturais”: industria agroalimentar, industria intensiva em outros recursos
agrícolas, industria intensiva em recursos minerais e industria intensiva em recursos energéticos; c)
“indústria intensiva em trabalho” (ou “tradicionais”): os quais estão concentrados os mais tradicionais
bens industriais de consumo não duráveis como têxteis, confecções, couro e calcados, cerâmica, editorial
e gráfico, produtos básicos de metais, entre outros; d) “indústria intensiva em escala”: inclui a indústria
automobilística, a indústria siderúrgica e os bens eletrônicos de consumo; e) “fornecedores
especializados”: inclui bens de capital sob encomenda e equipamentos de engenharia e são caracterizados
pela elevada obtenção de economias de escopo, alta diversificação da oferta geralmente concentrada em
empresas de médio porte, mas com uma notável capacidade de inovação de produto; f) “indústria
intensiva em P&D”: faz parte deste grupo os setores de química fina (produtos farmacêuticos, entre
outros), componentes eletrônicos, telecomunicações e industria aeroespacial, os quais são todos
caracterizados por atividades inovativas diretamente relacionadas com elevados gastos em P&D,
Ao observar o ranking de VCR, por setor, corrobora-se a mudança na pauta
chinesa de exportação. No primeiro período, as primeiras 20 posições eram de setores
ligados à “indústria intensiva em trabalho” e alguns produtos agrícolas. No entanto, no
segundo período, aparecem setores como equipamentos de informática, veículos,
gravadores de som/TV, ou seja, produtos ligados à “indústria intensiva em escala” e
“fornecedores especializados”.
67
Já a tabela 4 apresenta os resultados para a evolução do indicador de
contribuição ao saldo. Pode-se verificar uma tendência semelhante à trajetória do VCR,
mostrando uma diminuição da importância de setores ligados a produtos primários e
aumento da importância de setores mais intensivos em tecnologia. Além disso, ao
observar os setores, para o segundo período, destaca-se que equipamentos de
informática apresentou a maior contribuição ao saldo. Além disso, equipamentos de
telecomunicações apresenta a quinta maior contribuição ao saldo, ambos pertencentes à
categoria de “indústria intensiva em P&D”.
Tabela 4 - Indicador de Contribuição ao Saldo Comercial (CS) – China –
1994‑1998 e 2001‑2005
Tipologia Pavitt 1994-1998 2001-2005
"Produtos primários agrícolas" 2,4328 -3,3584
"Produtos primários minerais" -6,0460 -10,7689
"Produtos primários energéticos" -0,5009 -13,3521
"Indústria agroalimentar" -2,2583 0,7035
"Indústria intensiva em outros recursos agrícolas" -1,6170 -2,8584
"Indústria intensiva em recursos minerais" -2,5072 -8,6922
"Indústria intensiva em recursos energéticos" -1,9237 -2,4052
"Indústria intensiva em trabalho" 44,5688 61,4293
"Indústria intensiva em escala" 4,0752 17,4725
"Fornecedores especializados" -23,4086 0,8908
"Indústria intensiva em P&D" -12,2510 -38,5569
Fonte: Cunha e Xavier (2010).
Outra análise realizada pelos autores foi comparar o desempenho das
exportações chinesas com as mundiais. Através disso, os autores buscam estabelecer
uma relação entre os setores nos quais o país se tornou mais competitivo e os setores
nos quais há aumento de demanda internacional. Para isso, construiu-se uma matriz de
competitividade, caracterizada por quatro quadrantes. Estes foram divididos em “setores
em retrocesso”; “setores em declínio”; “setores em situação ótima” e “oportunidades
perdidas”.
As características de cada grupo são: “setores em retrocesso” são aqueles que
apresentam taxas de crescimento menores que as taxas internacionais, seguido de uma
diminuição da parcela de mercado do país nestes setores; “setores em declínio”,
68
referem-se ao grupo de setores com taxa de crescimento abaixo da media do mercado
mundial, nos quais ocorre um crescimento da parcela de mercado das exportações do
país; “setores em situação ótima”, representando o grupo de setores que apresentam,
simultaneamente, uma taxa de crescimento acima da media do mercado mundial e um
aumento da fatia de mercado do país nestes setores; “oportunidades perdidas”, referem-
se ao grupo de setores que apresentaram variações positivas no mercado mundial, em
que o pais perdeu market-share.
Tabela 5 - Participação Relativa das Exportações segundo o dinamismo e
competitividade – China – 1994‑1998 e 2001‑2005
Setor/País Setor País 1994-1998 2001-2005
Setores em situação ótima Dinâmico Competitivo 43,90% 51,90%
Setores em declínio Não-dinâmico Competitivo 44,40% 45,00%
Oportunidades perdidas Dinâmico Não competitivo 1,80% 2,20%
Setores em retrocesso Não-dinâmico Não competitivo 10,00% 0,90%
Fonte: Cunha e Xavier (2010).
Percebe-se, a partir da tabela 5, que a China aumentou a participação em
“setores em situação ótima” que são caracterizados pelos setores intensivos em
tecnologia, cuja correspondência está em produtos químicos, manufaturados diversos,
equipamentos de transporte e máquinas. Desse modo, mais da metade das exportações
chinesas acabaram por convergir para as exportações mundiais mais dinâmicas,
caracterizadas por bens mais sofisticados.
Apesar dos exemplos na literatura internacional e nacional, quanto à sofisticação
da exportação chinesa, ainda há autores como Lardy (2004) e Branstetter e Lardy (2006)
que apontam em direção oposta. Segundo eles, não há evidências econométricas
suficientes para se afirmar sobre o aumento da sofisticação. Eles afirmam que as
exportações intensivas em tecnologia resultam da importação de peças e componentes
de alto valor agregado, e que esse país não teria atividades produtivas sofisticadas e
seria apenas uma plataforma de exportação. Dessa forma, analisar a evolução das
exportações não significa dizer que houve mudança estrutural da produção industrial
chinesa.
69
Como também apontado por Sarti e Hiratuka (2010), o aumento do comércio
internacional em bens de alta tecnologia não está associado à mudança na transferência
tecnológica e maior participação nos elos nobres da cadeia de valor. Como eles
destacam: “na maioria dos casos, a produção e a exportação desses produtos continua
sendo resultado da montagem de componentes importados, sem que sejam utilizados
insumos físicos, tecnológicos ou de conhecimentos especializados de origem nacional.”
(SARTI E HIRATUKA, 2010, p. 19).
Nesse sentido, o comércio de bens mais sofisticados não é suficiente para
compreender a mudança na estrutura produtiva de um país. É necessário observar as
mudanças que dizem respeito à dotação de tecnologia, no âmbito da produção industrial
nacional. Dessa forma, o texto de Sarti e Hiratuka (2010) mostra as mudanças na
produção chinesa. Os autores apontam que a China aumentou a sua participação no
produto industrial mundial, como mostra a tabela 6:
Tabela 6 - Participação no Produto Industrial Mundial por Região e Grau de
Desenvolvimento (em %)
1980 1990 2000
Industrializados 77,2 75,5 71,8
Transição 8,6 7,8 4,1
Em desenvolvimento 14,2 16,7 24,1
Leste Asiático (sem China) 2,7 4,6 6,8
China 1,5 2,7 7,1
Sul Asiático 0,8 1,3 1,8
América Latina e Caribe 6,7 5,3 5,2
Brasil 2,9 2,2 1,9
Mundo 100 100 100
Fonte: Sarti e Hiratuka (2010).
Verifica-se que a China apresentou grande aumento de participação na
manufatura mundial, enquanto outras regiões como países industrializados e também o
Brasil, perderam participação. Além disso, a China também aumentou a produção
industrial de bens intensivos em tecnologia. A tabela 7 mostra a participação de bens de
média e alta tecnologia no produto industrial mundial.
70
Dessa forma, os dados sobre produção industrial questionam a ideia de que a
China tenha se tornado apenas uma plataforma de exportação. Pois, a intensificação da
produção de bens de média e alta tecnologia habilitou a China para internalizar
determinadas capacidades tecnológicas que lhe proporcionaram produção mais
complexa e de maior valor agregado.
Tabela 7- Participação dos Países/Regiões em Desenvolvimento no Produto de
Média e Alta Tecnologia Mundial (em %)
1980 1990 2000
Leste Asiático 3,2 6,2 13,6
China 1,3 2,4 6,8
Sul Asiático 0,8 1,1 1,6
América Latina e Caribe 5,1 4,2 4,2
Fonte: Sarti e Hiratuka (2010).
Sarti e Hiratuka (2010) ainda destacam que o caso chinês é especial, pois mostra
uma capacidade dupla: não deixou de ter forte participação na produção de bens
intensivos em trabalho, como vestuário e calçados, porém também conseguiu se inserir
nos setores de novo paradigma tecnológico. É importante salientar que o sucesso chinês,
bem como o asiático se inserem no contexto de dispersão das cadeias de produção de
globais aliado a políticas de atração de IDE, como já explicitado no capítulo um.
Apesar da condicionante externa que colaborou para a atração de IDE, o caso
chinês se torna particular, pois não se resumiu somente à atuação do capital estrangeiro.
Como destacado por Pinto (2011), os eixos da política indústria chinesa combinam
atração de investimento estrangeiro com estímulos à construção/fortalecimento da
malha industrial doméstica. Isso possibilitou a dotação de capacidades que
possibilitassem a criação de conteúdo tecnológico local em setores de ponta.
A fim de aprofundar o entendimento da sofisticação na indústria chinesa,
Nonnenberg e Mesentier (2012) avaliam a evolução do valor adicionado,
especificamente nos setores de alta tecnologia8. Nesse sentido, afirma-se haver aumento
8 Setores (SITC3): 75 – Máquinas para escritório e equipamentos de informática; 76 – Equipamentos de
telecomunicações, e aparelhos de recepção, reprodução, gravação e amplificação de áudio e vídeo; 77 –
Fabricação de máquinas e componentes eletrônicos; 79 – Fabricação de outros equipamentos de
transporte; 87 - Fabricação de aparelhos e instrumentos de medida, teste e controle; 88 - Fabricação de
equipamentos e instrumentos ópticos, fotográficos e cinematográficos, cronômetros e relógios.
71
na sofisticação da indústria chinesa. Além do aumento das exportações chinesas em
bens intensivos em tecnologia, o autor dispõe de alguns argumentos: (i) aumento da
produção chinesa de componentes de bens intensivos em tecnologia; (ii) aumento da
evolução do valor adicionado nas atividades mais sofisticadas. (NONNENBERG E
MESENTIER, 2012).
Devido às poucas estatísticas quanto ao valor adicionado na indústria chinesa, os
autores utilizaram um método para acompanhar a trajetória do valor agregado, porém
não seu nível exato. Calcula-se a diferença entre a exportação e a importação de
determinado setor, sobre o total exportado, como uma proxy da trajetória do valor
adicionado, naquele segmento da indústria (NONNENBERG E MESENTIER, 2012).
Os autores mostram que de 1992 a 1995, o “valor adicionado” chinês que era
zero ficou em torno de 30%, para o setor 75, por exemplo. Os principais destaques de
aumento do valor adicionado chinês foram para a produção de máquinas; TV,
equipamento de rádio e comunicação; celulares; instrumentos ópticos; instrumentos
fotográficos. Sendo que estes mesmos setores tinham baixo desempenho na década de
1990, e passam a ter um boom de produção a partir dos anos 2000 (NONNENBERG E
MESENTIER, 2012).
Os autores ainda procuram distinguir bens finais e seus componentes. Ele
argumenta que a produção de bens finais, mesmo nos setores mais intensivos em
tecnologia, pode ser caracterizada por uma produção de pouco valor adicionado, o que
demonstraria pouca mudança na estrutura produtiva, como já foi observado por Lardy
(2004) e Branstetter e Lardy (2006).
Porém, a produção de componentes eletrônicos dá indícios de uma maior
sofisticação da produção industrial, bem como a internalização de capacidades
tecnológicas. Segundo os autores, a diferença entre exportação e importação de
componentes, de determinado setor, seria uma boa aproximação da evolução do valor
adicionado doméstico. Ao se utilizar disso, ele mostra que houve aumento na produção
de componentes do setor 75, por exemplo. Em 1990, a exportação dos componentes
desse setor era 0,24%, passando a contribuir com 18,31% (NONNENBERG E
MESENTIER, 2012).
72
Embora muitos autores já tenham explorado a questão da sofisticação chinesa,
ainda é preciso aprofundar o estudo sobre o movimento de mudança na estrutura
produtiva. A análise do comércio internacional não é suficiente para avaliar o processo
de catching up tecnológico, é necessário observar as mudanças ocorridas na indústria. A
partir da construção conjunta de indicadores de comércio e produção industrial é
possível avaliar sobre a mudança na estrutura produtiva chinesa.
2.1.2 Análise da evolução de indicadores
A literatura demonstra que existe algum grau de sofisticação associado às
exportações e à produção chinesa. Portanto, o intuito de observar estes dados é
conseguir compreender se houve mudança na estrutura produtiva chinesa e qual o
reflexo de tais eventos na produtividade e competitividade da China.
A análise da mudança na estrutura produtiva será realizada com indicadores
divididos segundo tipo de tecnologia9. Além disso, o estudo é separado em duas partes:
(i) indicadores de comércio internacional; (ii) indicadores de produção industrial.
Para que se possa observar se há uma convergência da produção chinesa com
países mais desenvolvidos, adotar-se-á os dados americanos. Optou-se pela comparação
com a economia americana, pois, trata-se de um país com grande desenvolvimento e
produção mais sofisticada.
Os EUA são o 10º país em renda per capita, no ano de 2013 (WORLD BANK,
2013). Além disso, é um país com uma estrutura produtiva mais complexa, voltada
9 Como os dados da UNIDO são disponibilizados apenas em dois dígitos para cada setor, a classificação
por tipo de tecnologia foi simplificada. Dessa maneira, os setores classificados como intensivos em
recursos naturais incluem os setores: fabricação de produtos alimentícios e bebidas, fabricação de
produtos do fumo, fabricação de produtos de madeira, fabricação de celulose, papel e produtos de
madeira, fabricação de coque, refino de petróleo, elaboração de combustíveis nucleares e produção de
álcool, fabricação de produtos de minerais não metálicos. Os setores baseados em ciência incluem o setor:
fabricação de máquinas para escritório e equipamentos de informática. Os setores intensivos em trabalho
incluem: fabricação de produtos têxteis, confecção de artigos do vestuário e acessórios, preparação de
couros e artefatos de couro, artigos de viagem e calçados, fabricação de produtos de metal – exclusive
máquinas e equipamentos, fabricação de móveis e indústrias diversas. Os setores intensivos em escala
incluem: fabricação de produtos químicos, edição, impressão e reprodução de gravações, fabricação de
artigos de borracha e de material plástico, metalurgia básica, fabricação e montagem de veículos
automotores, reboques e carrocerias, fabricação de outros equipamentos de transporte. Os setores
diferenciados incluem: fabricação de máquinas e equipamentos, fabricação de máquinas, aparelhos e
materiais elétricos, fabricação de material eletrônico e de aparelhos e equipamentos de comunicações,
fabricação de equipamentos de instrumentação médico-hospitalares, instrumentos de precisão e óticos,
equipamentos para automação industrial, cronômetros e relógios.
73
justamente a bens mais intensivos em tecnologia. Segundo World Bank (2013), os EUA
apresentaram para 2013, uma participação de 17,8% do total exportado pertencente a
produtos de alta tecnologia. Este é um indicador superior ao de países de alta renda10
(16,4%), e países de alta renda pertencentes à OCDE (17%).
Somado a isso, os EUA apresentaram altas taxas de investimento em P&D, para
2012. Enquanto países de alta renda gastaram 2,4% em relação ao PIB, e países de alta
renda, pertencentes à OCDE gastaram 2,6%, os EUA gastaram 2,8%. (WORLD BANK,
2012).
Portanto, se houver uma aproximação da estrutura produtiva chinesa com a
americana, é possível dizer que houve aumento significativo de sofisticação na
produção chinesa.
2.1.2.1 Comércio internacional
A maior parte dos dados de comércio internacional compreende os anos de 2001
a 2014. Será realizada uma comparação entre o comércio chinês e americano com o
resto do mundo, a fim de compreender o quanto a China está se aproximando de países
com maior desenvolvimento tecnológico e renda, como os EUA.
O início da análise começa avaliando a inserção no comércio global de China e
EUA, para depois olhar particularmente a pauta exportadora e importadora de cada um.
O gráfico 12 mostra as exportações chinesas e americanas, segundo intensidade
tecnológica 11 , no total exportado para mundo. Pode-se perceber que houve grande
aumento das exportações chinesas, no mundo, em toda classificação tecnológica.
Enquanto, os EUA diminuíram muito sua participação em todas as classificações
tecnológicas. Até mesmo no segmento de alta tecnologia, a China, em 2013, foi
responsável por praticamente 18% do total mundial, enquanto os EUA participaram
com apenas cerca de 10%.
10 Classificação World Bank (2016). Países de alta renda: renda per capita é se $12.736 ou mais. Engloba
80 países; Países de alta renda pertencentes à OCDE: Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Chile,
República Tcheca, Dinamarca, Estônia, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Hungria, Islândia, Irlanda,
Itália, Israel, Japão, Coréia do Sul, Luxemburgo, Holanda, Nova Zelândia, Noruega, Polônia, Portugal,
Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Suécia, Suíça, Reino Unido, EUA. 11 A tabela 1, no anexo, apresenta a divisão dos setores segundo intensidade tecnológica.
74
Para aprofundar os conhecimentos sobre o que direcionou essa inversão no
comércio internacional, é necessário analisar a pauta de exportação e importação,
isoladamente, de cada um dos países.
Gráfico 12 - Evolução da participação das exportações americanas e chinesas, no
total mundial, segundo intensidade tecnológica, de 1995 a 2013
Fonte: UNCTAD, 2015. Elaboração própria.
Durante todo o período, a China mantém uma balança comercial positiva,
exportando mais que importando, como demonstra o gráfico 13. As exportações
cresceram em média, para o período, 17,3% a.a, enquanto as importações também
seguiram um rápido ritmo, com média de crescimento de 16,3% a.a.
0,0%
2,0%
4,0%
6,0%
8,0%
10,0%
12,0%
14,0%
16,0%
18,0%
20,0%
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
China (Baixa)
China (Média)
China (Alta)
EUA (Baixa)
EUA (Média)
EUA (Alta)
75
Gráfico 13 - Exportações, Importações e Balança Comercial chinesa, para os anos
de 2001 a 2014 (em US$ milhões)
Fonte: COMTRADE, 2015. Elaboração própria.
Porém, não somente o resultado global do comércio é importante, mas também a
sua natureza. Para compreender como se dá o comércio internacional chinês, é preciso
dividi-lo por tecnologia, como no gráfico 14. Logo, é possível perceber que há uma
diminuição da participação das exportações relacionadas a bens intensivos em recursos
naturais e também trabalho, durante o período.
Enquanto isso, a categoria de escala e diferenciado aumentaram suas
participações, no total exportado. Portanto, os dados se mostram coerentes com a
literatura nacional e internacional, demonstrando uma continuidade do processo de
sofisticação das exportações.
0
500
1000
1500
2000
2500
20
01
20
02
20
03
20
04
20
05
20
06
20
07
20
08
20
09
20
10
20
11
20
12
20
13
20
14
Exportações
Importações
Saldo comercial
76
Gráfico 14 – Evolução da participação das exportações chinesas segundo tipo de
tecnologia de 2001 a 2014
Fonte: COMTRADE, 2015. Elaboração própria.
Além disso, ao observar o saldo comercial, por tipo de tecnologia, no gráfico 15
verifica-se também a continuação da tendência. Os setores que compreendem trabalho,
escala e diferenciado foram os que obtiveram saldo positivo. Este resultado corrobora a
ideia de Sarti e Hiratuka (2010) de que a China ainda consegue aliar as vantagens
competitivas que já apresentava em setores menos sofisticados, e ao mesmo tempo,
aumenta sua inserção nos setores mais competitivos, como demonstra o saldo positivo
para diferenciado e escala.
Gráfico 15 – Evolução do saldo comercial chinês, por tipo de tecnologia, de 2001 a
2014 (em US$ milhões)
Fonte: COMTRADE, 2015. Elaboração própria.
0,0%
10,0%
20,0%
30,0%
40,0%
50,0%
60,0%
20
01
20
02
20
03
20
04
20
05
2006
20
07
20
08
20
09
20
10
20
11
20
12
20
13
20
14
Ciência
Diferenciado
Recursos
Naturais
Trabalho
Escala
-500
-400
-300
-200
-100
0
100
200
300
400
500
600Ciência
Diferenciado
Trabalho
Recursos
Naturais
Escala
77
Porém, parece uma incongruência nos dados, que os setores pertencentes à
tecnologia trabalho percam participação no total exportado, mas ainda gerem saldos
comerciais relevantes, ou seja, ainda são exportados em grande quantidade. Logo, é
preciso olhar mais minuciosamente para a pauta exportadora, a partir da dos dados do
gráfico 16 e da tabela 8.
O gráfico 16 compreende a classificação por tecnologia dos 10 setores mais
exportados pela China para os anos de 2001 e 2014, correspondendo a 62% e 67% de
toda a exportação chinesa, respectivamente. O que se pode perceber é uma grande
mudança da pauta exportadora chinesa, com perda de participação de recursos naturais,
se tornando inexistente em 2014 12 . Além disso, há o aumento significativo em
diferenciado e escala, de 12,7 pp e 8,4 pp, respectivamente. Já os setores intensivos em
trabalho perderam quase metade da participação, com 12,45 pp a menos.
Gráfico 16 - Participação na exportação dos dez principais setores chineses, por
tecnologia, para os anos de 2001 (A) e 2014 (B)
Fonte: COMTRADE, 2015. Elaboração própria.
Já a tabela 8 compreende os 10 setores que mais exportam, na China, para o ano
de 2014. Busca-se verificar se houve mudança na pauta, ou seja, se a China já exportava
esses mesmos setores desde 2001. Estes setores correspondem a pouco mais de 60% de
toda a exportação chinesa, chegando a quase 70% para o ano de 2007. Pode-se verificar
12 Em 2011, havia um único setor pertencente a recursos naturais: 27 – Combustíveis minerais, petróleo e
produtos de destilação, etc.
31,9%24,9%
3,2%2,5%
2001 (A)
Diferenciado
Trabalho
Recursos
Naturais
Escala
44,6%
11,4%
0,0%10,9%
2014 (B)
Diferenciado
Trabalho
Recursos
Naturais
Escala
78
que a tabela 8 mostra a posição de cada setor para cada ano, bem como a sua
participação no total exportado.
Os setores que são classificados como intensivos em trabalho correspondem aos
setores 94, 61 e 62. Muito embora eles figurem entre os 10 maiores setores que
exportam, os setores 61 e 62 perdem, paulatinamente, a participação13. Portanto, embora
sejam responsáveis por um resultado relevante de exportação, eles acabam perdendo
espaço ao longo dos anos.
Ainda é relevante destacar, os outros setores que estão no ranking dos 10
maiores exportadores, pertencentes às classificações de escala e diferenciado. Quanto à
classificação diferenciado, os setores 84, 85 mantiveram a liderança na pauta, durante
todo o período, caracterizando a vantagem competitiva chinesa adquirida nesse tipo de
produção. Além disso, o setor 90, caracterizado por instrumentos ópticos não figurava
no ranking, em 2000, passando a integrá-lo, a partir de 2007. Portanto, essa análise é
complementar ao gráfico 16 que mostra o aumento da participação de diferenciado nas
exportações chinesas ocorrido em treze anos.
Já os setores correspondentes a escala são os quatro últimos, sendo que três deles
não apareciam em 2001. O setor 39 aparecia em 2001, mas tinha apenas 2,5% de
participação, sendo somente ele na classificação de escala. Em 2014, houve novos
setores inseridos na pauta que colaboraram para o aumento da porcentagem de
participação em escala.
13 Além da perda de participação de dois setores, há também a saída de outros setores entre os 10 mais
exportados. Em 2011, ainda havia os setores relativos a trabalho: 64 – Fabricação de calçados, partes de
calçados e etc; 95 – Fabricação de brinquedos e jogos recreativos; 42 – Curtimento e outras preparações
em couro; fabricação de artigos de viagem e de artefatos diversos de couro.
79
Tabela 8 - Evolução da participação e da posição dos dez principais setores
exportadores, na China para 2001, 2007 e 2014
Setores 2001 2007 2014
Posição % Posição % Posição %
'85 Fabricação de equipamentos
e aparelhos elétricos 1 19,3% 1 24,6% 1 24,4%
'84
Fabricação de máquinas,
reatores nucleares, caldeiras,
etc
2 12,6% 2 18,7% 2 17,1%
'94 Fabricação de móveis
8 2,8% 8 2,9% 3 4,0%
'61 Artigos de vestuário,
acessórios, tricô ou crochê 4 5,1% 3 5,0% 4 3,9%
'62
Artigos de vestuário,
acessórios, (exceto tricô ou
crochê)
3 7,1% 4 3,9% 5 3,5%
'90
Fabricação de instrumentos
e materiais médicos, artigos
ópticos
- - 6 3,0% 6 3,2%
'39 Fabricação de plásticos e
derivados 10 2,5% - - 7 2,9%
'87 Veículos (Exceto trens e
outros de linha férrea) - - 9 2,6% 8 2,7%
'71 Fabricação de joalheria,
bijuteria e semelhantes - - - - 9 2,7%
'73 Fabricação de aço e ferro - - 7 3,0% 10 2,6%
Fonte: COMTRADE, 2015. Elaboração própria.
Quanto às importações, a partir do gráfico 17, classifica-se as importações
segundo tecnologia. Os dados reforçam o gráfico de saldo comercial. Há uma
diminuição da participação de diferenciado e escala, porém, há ainda grande parte do
quantum importado de diferenciado, permanecendo em um patamar em torno de 40%.
Um destaque importante é o crescimento da participação de recursos naturais na
importação chinesa. Enquanto, em 2001, recursos naturais correspondia a cerca de 15%
do total importado, este passa a ser de praticamente 30%.
80
Gráfico 17 - Evolução da participação das importações chinesas segundo
tecnologia de 2001 a 2014
Fonte: COMTRADE, 2015. Elaboração própria.
Para compreender melhor a estrutura da pauta de importação chinesa será
realizado o mesmo processo utilizado para exportação. Será observada, através dos
gráficos, a composição, segundo tecnologia, dos nove14 setores mais importantes na
importação chinesa. Além disso, será utilizada a tabela 9, contendo os nove setores
importados em maior quantidade pela China em 2014 e observar se esses setores já
integravam a pauta em 2001.
A comparação dos gráficos 18, A e B, traz que houve aumento de 20,1 pp para
recursos naturais, além de diminuição para diferenciado e escala de, respectivamente,
7,4 pp e 4,4 pp. Também é importante mostrar que não há importados intensivos em
trabalho, e a participação dos importados em ciência15 é inexistente, para 2014.
É interessante notar que houve um aumento das exportações nas classificações
de diferenciado e escala, concomitante com uma diminuição da importação de bens
14 Foram utilizados nove setores, pois um dos produtos que figurava entre os 10 maiores era o setor 99
(Commodities) que não é caracterizada por bens industrializados, portanto não entra na classificação
segundo tecnologia.
15 O setor correspondente a ciência, em 2001, era 98 (Fabricação de aeronaves e componentes).
0,0%
10,0%
20,0%
30,0%
40,0%
50,0%
60,0%
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
Ciência
Diferenciado
Trabalho
Recursos
naturais
Escala
81
nessas mesmas classificações. Portanto, pode-se questionar que tenha havido um
aumento da produção doméstica destes bens, indicando uma mudança na estrutura
produtiva chinesa.
Gráfico 18 - Participação na importação dos nove principais setores chineses, por
tecnologia, para os anos de 2001 e 2014
Fonte: COMTRADE, 2015. Elaboração própria.
Já com relação à tabela 9, ela mostra mudanças de posição no ranking dos 10
maiores setores para 2014, além da participação que eles exercem na pauta importadora.
Estes setores participam com 71%, 80, l% e 77,4% total importado, para os anos de
2001, 2007 e 2014, respectivamente.
Pode-se verificar que o setor correspondente a recursos natural, 27, teve sua
participação aumentada, e, além disso, houve a inserção de outro setor, o 26, que
também apresentou participação crescente.
No que diz respeito aos setores pertencentes à classificação diferenciado, o setor
85 permaneceu como sendo o de maior importância para a pauta, porém, para o setor
84, sua importância foi diminuída. Já para o setor 90, ela aumentou, porém, sua
significância é muito menor que para os outros dois setores.
Para escala, o movimento também se dividiu: para os setores 29 e 74, com
menor importância no ranking, houve um aumento, seguindo de queda da participação.
Porém, para o setor 87, o de maior participação, houve aumento da mesma. No entanto,
o segundo de maior importância, 39, teve sua participação diminuída gradualmente.
43,6%
7,2%
18,3%
1,90%
2001
Diferenciado
Recursos
Naturais
Escala
Ciência
36,2%
23,1%
13,9%
0
2014
Diferenciado
Recursos
Naturais
Escala
Ciência
82
Tabela 9 - Evolução da participação e da posição dos nove principais setores
importados pela China para 2001, 2007 e 2014
Setores 2001 2007 2014
Posição % Posição % Posição %
'85
Fabricação de
equipamentos e aparelhos
elétricos
1 22,9% 1 26,9% 1 21,7%
'27
Combustíveis fósseis,
petróleo, produtos
destilados, etc.
3 7,2% 3 11,0% 2 16,2%
'84
Fabricação de máquinas,
reatores nucleares,
caldeiras, etc
2 16,6% 2 13,0% 3 9,2%
'26 Minério e cinzas - - 5 5,7% 4 6,9%
'90
Fabricação de
instrumentos e materiais
médicos, artigos ópticos
6 4,0% 4 7,3% 5 5,4%
'87 Veículos (Exceto trens e
outros de linha férrea) 10 1,9% 10 2,3% 6 4,6%
'39 Fabricação de plásticos e
derivados 4 6,3% 6 4,7% 8 3,8%
'29 Produtos químicos
orgânicos 7 3,7% 7 4,0% 9 3,1%
'74 Fabricação de cobre 8 2,0% 8 2,8% 10 2,4%
Fonte: COMTRADE, 2015. Elaboração própria.
A comparação com a economia americana se inicia com o gráfico 19. Ao
analisar as exportações, verifica-se que há uma diminuição da participação de
diferenciado, principalmente. Há um ligeiro aumento das exportações de bens intensivos
em ciência e escala, e um aumento maior em recursos naturais.
Dessa forma, os EUA acabaram por intensificar a exportação de produtos que
geralmente apresentam valor unitário menor que os pertencentes à classificação de
diferenciados. Apesar disso, EUA e China se aproximaram quanto ao patamar de
participação de diferenciado e ciência, que são setores intensivos em tecnologia.
Ainda que tenha havido uma diminuição significativa na exportação de
diferenciado, é importante ressaltar que os EUA pouco mudaram sua pauta exportadora
83
de 2001 a 2013. Sendo assim, os 10 setores mais exportados16 são praticamente os
mesmos, mudando apenas de posição.
Gráfico 19 - Evolução da participação das exportações americanas, segundo tipo
de tecnologia, de 2001 a 2014
Fonte: COMTRADE, 2015. Elaboração própria.
Ao observar o gráfico 20, que propõe a análise do saldo comercial, por tipo de
tecnologia, percebe-se que os únicos bens que apresentam saldo positivo são aqueles
baseados em ciência. Há um aprofundamento do déficit para diferenciado e,
principalmente recursos naturais.
Verifica-se também, que embora haja um aumento de participação de recursos
naturais nas exportações, há um aumento superior das importações 17 . O grande
responsável é o setor 27 – Combustíveis fósseis, petróleo, produtos destilados, etc.
Somente este setor corresponde ao total de 10,5% do total importado, no ano de 2014.
16 84 - Fabricação de máquinas, reatores nucleares, caldeiras, etc; 85 - Fabricação de equipamentos e
aparelhos elétricos; 87 - Veículos (Exceto trens e outros de linha férrea); 88 – Fabricação de aeronaves e
componentes; 90 - Fabricação de instrumentos e materiais médicos, artigos ópticos; 39 - Fabricação de
plásticos e derivados; 71 - Fabricação de joalheria, bijuteria e semelhantes; 27 - Combustíveis fósseis,
petróleo, produtos destilados, etc.; 30 - Fabricação de produtos farmacêuticos.
17 É importante destacar o papel que o boom dos preços das commodities teve no aumento das
importações, em recursos naturais. Como apontado por Prates (2007), em 2002, os preços de diversas
commodities elevaram-se a partir dos patamares historicamente baixos atingidos em 2001. Em 2003, alta
desses preços superou a previsão da Organização Mundial do Comércio (OMC), de um crescimento de
5,8% em termos nominais. A tendência altista persistiu até 2006.
0,0%
5,0%
10,0%
15,0%
20,0%
25,0%
30,0%
35,0%
40,0%
45,0%
50,0%
20
01
20
02
20
03
20
04
20
05
20
06
20
07
20
08
20
09
20
10
20
11
20
12
20
13
20
14
Ciência
Trabalho
Diferenciado
Escala
Recursos
Naturais
84
Gráfico 20 - Evolução do saldo comercial americano, por tipo de tecnologia, de
2001 a 2014 (em US$ milhões)
Fonte: COMTRADE, 2015. Elaboração própria.
O gráfico 21 mostra que a participação se manteve praticamente a mesma,
durante o período, para todos os bens, com exceção daqueles ligados a recursos naturais.
Gráfico 21 - Evolução da participação das importações americanas, segundo
tecnologia, de 2001 a 2014
Fonte: COMTRADE, 2015. Elaboração própria.
-500,00
-400,00
-300,00
-200,00
-100,00
0,00
100,00
Ciência
Diferenciado
Recursos naturais
Trabalho
Escala
0,0%
5,0%
10,0%
15,0%
20,0%
25,0%
30,0%
35,0%
200
1
200
2
200
3
200
4
200
5
200
6
200
7
200
8
200
9
201
0
201
1
201
2
201
3
201
4
Trabalho
Ciência
Recursos Naturais
Diferenciado
Escala
85
Dessa forma, percebe-se que embora a China esteja se aproximando dos
patamares americanos de participação nas exportações de bens intensivos em
tecnologia, ela apresenta uma tendência de aumento, o que não se vê na americana. Nos
EUA percebe-se uma direção voltada a bens de menor sofisticação, como os ligados a
recursos naturais, enquanto a China vem aumentando a participação no comércio de
bens sofisticados.
O gráfico 22 permite uma visualização do saldo comercial de tecnologia de
ambos os países. Enquanto a China apresenta aumento do saldo em praticamente todo
tipo de tecnologia, com exceção dos bens baseado em ciência, este é o único setor
superavitário americano.
Gráfico 22 - Evolução do saldo comercial, EUA e China, segundo tecnologia de
2001 a 2014 (em US$ milhões)
Fonte: COMTRADE, 2015. Elaboração própria.
É possível verificar que existem alguns pontos em comum entre o comércio
internacional de China e EUA. Ambos os países parecem convergir para patamares
semelhantes de participação, com relação aos setores mais intensivos em tecnologia.
Aliado a isso, embora a China ainda apresente uma participação de setores ligados a
trabalho, percebe-se um movimento de queda no share de tais produtos, para o
comércio chinês. Isto demonstra algum grau de sofisticação das exportações e
diminuição da importância de bens ligados a trabalho.
-600
-400
-200
0
200
400
600Ciência (China)
Diferenciado (China)
Trabalho (China)
Recursos (China)
Escala (China)
Ciência (EUA)
Diferenciado (EUA)
Recursos naturais (EUA)
Trabalho (EUA)
Escala (EUA)
86
Dessa forma, como apontado por Pinto (2011), os dados quanto aos indicadores
comerciais chinesas demonstram uma inclinação a bens mais intensivos em tecnologia,
em detrimento aos produtos ligados a trabalho. Isso ratifica a ideia de Rodrik (2006) e
Schott (2008) de que a China passou por uma sofisticação de suas exportações.
2.1.2.2 Produção industrial
Ao observar os dados relacionados a comércio, é perceptível o aumento da
sofisticação das exportações, porém o questionamento que resta é quanto à
modernização da produção industrial. É preciso verificar se houve aumento do conteúdo
tecnológico produzido pela indústria local chinesa.
Como já foi citado no capítulo um, a indústria ganhou importância e passou a ser
muito relevante para o crescimento. Além disso, a ação estatal procurou direcionar
investimento em favor da indústria, especialmente àquela ligada a bens intensivos em
tecnologia.
Dessa forma, a primeira análise é verificar se há uma aproximação da
participação da indústria no PIB. Para isso, utiliza-se do MVA (Manufacturing Value
Added – Valor adicionado da indústria18), como parcela do PIB. Dessa forma, verifica-
se se a indústria está perdendo ou ganhando participação do total de valor adicionado da
economia.
A China apresentou uma trajetória ascendente de participação, passando de 25%
do total de valor adicionado na economia, para 35%, em 2012, pelo gráfico 23. Além
disso, ao observar o desempenho das economias emergentes, percebe-se uma diferença
de desempenho ao incluir a China. Sem a China, as economias emergentes apresentam
uma constância quanto à participação do valor adicionado da indústria, enquanto os
valores, quando incluída a China, também apresentam trajetória ascendente, como a
chinesa.
Já para países industrializados e EUA também apresentam um comportamento
constante quanto à participação da indústria. Porém, os países industrializados destinam
uma parcela pouco maior, de 15%, enquanto os EUA destinam 10% do valor adicionado
da indústria, no PIB.
18 Neste caso, são considerados os setores pertencentes à indústria de transformação.
87
Gráfico 23 - Evolução do valor adicionado da indústria/PIB - China, EUA, Países
Industrializados, Países Emergentes (excluindo a China) e Países Emergentes
(incluindo a China) - 1990 a 2012
Fonte: UNIDO, 2013. Elaboração própria.
É relevante ressaltar que existe uma grande discussão quanto à perda da
participação da indústria no total do PIB para economias desenvolvidas, como um
processo natural na trajetória de desenvolvimento dessas economias19. Pois, serviços
mais sofisticados passam a ganhar participação do PIB, em detrimento da indústria.
Por isso, é necessário olhar a evolução do valor adicionado da indústria de cada
um dos grupos já citados anteriormente, em relação ao valor adicionado da indústria, no
mundo. Ao fazer isso, no gráfico 24, verifica-se um padrão semelhante ao índice
calculado previamente.
19 Um das vertentes sobre desindustrialização afirma que o processo de desenvolvimento econômico
levaria “naturalmente” todas as economias a se desindustrializar a partir de um certo nível de renda per
capita. Isso porque a elasticidade renda da demanda de serviços tende a crescer com o desenvolvimento
econômico, tornando-se maior do que a elasticidade renda da demanda por manufaturados. Dessa forma,
a continuidade do desenvolvimento econômico levaria a um aumento da participação dos serviços no PIB
e, a partir de um certo nível de renda per capita, a uma queda da participação da indústria no PIB. Além
disso, como a produtividade do trabalho cresceria mais rapidamente na indústria do que nos serviços, a
participação do emprego industrial deverá iniciar seu processo de declínio antes da queda da participação
da indústria no valor adicionado (OREIRO E FEIJO, 2010, p. 222).
10,0%
15,0%
20,0%
25,0%
30,0%
35,0%19
90
19
92
19
94
19
96
19
98
20
00
20
02
20
04
20
06
20
08
20
10
20
12
China
EUA
Industrializados
Economias
Emergentes
(excluindo China)
Economias
Emergentes
(incluindo China)
88
Gráfico 24- Evolução participação MVA no total mundial – China, EUA,
Industrializados, Economias Emergentes (excluindo China) e Economias
Emergentes incluindo China (1990 a 2012)
Fonte: UNIDO, 2013. Elaboração própria.
Ainda que os países industrializados respondam, em 2012, por quase 60% de
todo o valor adicionado da indústria mundial, essa parcela caiu significativamente, pois
correspondia a 80%, em 1990. Também é possível dizer que há uma convergência de
valores de valor adicionado industrial para EUA e China. Em 1990, o valor adicionado
da indústria chinesa correspondia a praticamente zero do total mundial, enquanto o
valor adicionado da indústria americana era de cerca de 20%. Já em 2012, os valores
convergem para cerca de 20%. Também é importante ressaltar que há uma participação
crescente para “economias emergentes” ao incluir a China, pois do contrário houve
praticamente uma constância da parcela do valor adicionado da indústria.
A partir da análise anterior, ratificou-se que a indústria chinesa se fortaleceu ao
aumentar sua participação na produção mundial. Dessa forma, para compreender melhor
a trajetória deste processo é preciso analisar a evolução da produção industrial e seus
componentes. A primeira análise se faz ao observar o valor bruto da produção (VBP),
sendo este o total final produzido pela indústria, contando com valor adicionado e
consumo intermediário.
0,0%
10,0%
20,0%
30,0%
40,0%
50,0%
60,0%
70,0%
80,0%
90,0%1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
2004
2006
2008
2010
2012
China
EUA
Industrializados
Economias
Emergente
(Excluindo
China)
Economias
Emergentes
(Incluindo China)
89
Ao iniciar a análise com a evolução do VBP chinês, no gráfico 25, já é possível
perceber que há uma diminuição da produção destinada a trabalho e recursos naturais,
enquanto há o aumento de bens baseados em ciência, diferenciado e escala. Ou seja,
trabalho e recursos naturais, que em geral caracterizam bens intensivos em baixa
tecnologia perderam participação, enquanto bens de média e alta tecnologia ganharam
participação.
Gráfico 25 - Evolução da participação VBP chinês segundo tipo tecnologia* – 1980
a 2008**
Fonte: Unido. Elaboração própria.
* O setor pertencente à tecnologia “Ciência” – 30 - Fabricação de máquinas e equipamentos para
escritório, não apresentava dados anteriores ao ano de 2002. ** Há dados chineses até 2011, porém, os dados americanos só vão até 2008. Portanto, para permitir uma
comparação de períodos, só foram explicitados os dados para estes anos.
Em 1980, as tecnologias, recursos naturais e trabalho, juntas correspondiam a
59,1% do total produzido, ou seja, a maioria da produção estava ligada a bens intensivos
em baixa tecnologia. Já em 2012, este mesmo número cai para 47,1%, ou seja, a maior
parte da produção passa a ser de média e alta tecnologia. Tanto recursos naturais quanto
trabalho perdem participação durante o período, enquanto ciência, escala e diferenciado
ganham participação. No caso americano, como explicitado pelo gráfico 26, percebe-se
que, em 1980, recursos naturais e trabalho contam com 44,3% do total produzido, e
diminuem a participação em 2008, para 41,4%. Porém, somente trabalho perde a
participação, enquanto recursos naturais aumenta.
0,0%
5,0%
10,0%
15,0%
20,0%
25,0%
30,0%
35,0%
40,0%
1980
1982
1984
1986
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2000
2002
2004
2006
2008
Rec. Nat
Trabalho
Escala
Diferenciado
Ciência
90
Ainda vale destacar que, em 2008, a estrutura chinesa de produção se assemelha
mais à americana. Na produção de bens baseados em ciência, por exemplo, a China
destina cerca de 5% de seu VBP, enquanto a americana destina menos que isso. No caso
de diferenciado, há uma tendência de aumento da produção chinesa, enquanto a
tendência americana é de queda, porém eles convergem para cerca de 20% do total
produzido. Já com relação a escala, a economia americana permanece em patamares
maiores que o chinês, em 40%, enquanto a China apresenta cerca de 28%, em 2008.
É relevante ressaltar que a China mostrou uma rápida tendência de aumento da
produção os bens mais intensivos em tecnologia. Embora em alguns setores essa
amplitude seja menor, ainda é importante a intensificação do crescimento na produção
desses setores, apontando para uma tendência de aumento.
Gráfico 26 - Evolução da participação do VBP americano, segundo tipo de
tecnologia – 1980 a 2008
Fonte: UNIDO, 2013. Elaboração própria.
Além do valor bruto de produção, é necessário examinar a evolução do valor
adicionado. Pois, ainda que exista grande parte da produção voltada a bens mais
intensivos em tecnologia, isso pode não significar a internalização de capacidades
tecnológicas, mas sim a mera importação de componentes sofisticados, e o seu posterior
processamento.
O estudo do valor adicionado demonstra a capacidade da indústria de gerar
valor. Desse modo, à medida que a estrutura chinesa se aproximar da estrutura de países
de desenvolvidos, ela vai caminhar para a produção de bens intensivos em tecnologia.
Ou seja, deixará os setores tradicionais caracterizados por recursos naturais e trabalhos.
0,0%
10,0%
20,0%
30,0%
40,0%
50,0%
1980
1982
1984
1986
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2001
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Rec. Nat
Trabalho
Escala
Diferenciado
Ciência
91
Gráfico 27 - Evolução da participação do valor adicionado chinês, segundo tipo de
tecnologia – 1980 a 2007
Fonte: UNIDO, 2013. Elaboração própria.
* Os dados que dizem respeito a valor adicionado para China estão disponibilizados somente até 2007.
Como mostra o gráfico 27, a China apresentava, em 1980, 52,8% de todo seu
valor adicionado nos setores de trabalho e recursos naturais, porém, em 2007, contaram
com 47,4% do total adicionado. Sendo assim, a maior parte do valor adicionado passou
a ser de setores ligados a ciência, diferenciado e escala.
Dentro da categoria de trabalho, o setor que mais perdeu participação foi o 17
(Fabricação de produtos têxteis), que em 1980, participava com 15,1% e em, 2007,
passou a participar com 5,2%. Já em recursos naturais, apenas 2 setores registraram
queda de sua participação. O setor 16 (Fabricação de produtos do fumo) caiu de 4%
para 3% e o setor 23 (Coque, produtos de petróleo refinado) caiu de 4,9% para 3,1%.
Sendo assim, percebe-se que a maior queda foi em trabalho, portanto esses dados
corroboram a ideia descrita no capítulo um de tentativa por parte do governo chinês em
substituir as vantagens competitivas clássicas ligadas à mão de obra barata por
atividades mais intensivas em tecnologia.
Já com relação aos setores de diferenciados, embora tenha havido queda da
participação do setor 29 (Fabricação de máquinas e equipamentos) todos os outros
cresceram. O setor que caracteriza a tecnologia baseada em ciência 30 (Fabricação de
máquinas e equipamentos para escritório) também teve grande crescimento. Em
0
0,05
0,1
0,15
0,2
0,25
0,3
0,35C
hin
a
19
82
19
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86
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1996
19
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20
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20
02
20
04
20
06
Ciência
Diferenciado
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92
contraposição a estes, dos setores intensivos em escala, apenas dois apresentaram
crescimento, sendo eles relacionados a transportes. O setor 34 (Fabricação de veículos
automotores, trailers, semi-trailers) tinha participação de 3,4% e aumentou para 5,2%.
Além dele, o 35 (Outros equipamentos de transporte) que apresentava 0% e passou a
apresentar 1,9%. Os dados são resultado da política industrial perseguida pelo governo
chinês, principalmente a partir da década de 80, na busca na produção de bens de maior
valor agregado.
Isso se corrobora ao visualizar a estrutura de valor adicionado americana.
Percebe-se que nas categorias diferenciado e ciência, ambas apresentam patamares
parecidos de participação do valor adicionado. Destaca-se ainda que houve aumentos na
participação de diferenciado durante o período, enquanto na indústria americana, houve
apenas uma tendência de queda. Também é importante destacar que a economia
americana apresenta uma participação muito maior para a produção de bens intensivos
em escala, porém, a economia chinesa apresentou tendência de crescimento de
participação, que cresceu de cerca de 25% para 30%.
Destaca-se também que ainda que tenha havido um aumento da participação de
trabalho, na China, nos últimos anos da série, porém, ainda se manteve em um patamar
abaixo do de 1980. Já nos EUA, segundo gráfico 28, os setores ligados a trabalhos
participavam com apenas 15% do total de valor adicionado, e passaram a participar com
menos ainda, correspondendo a menos de 10%. Dessa forma, embora a participação de
bens intensivos em trabalho ainda seja alta se comparada à americana, o que se
observou foi uma diminuição da participação desses setores, ratificando a ideia de que
exista uma convergência da estrutura de produção chinesa aos países mais
industrializados.
93
Gráfico 28 - Evolução da participação do valor adicionado americano, segundo
tipo de tecnologia – 1980 a 2007*
Fonte: UNIDO, 2013. Elaboração própria.
* Não há dados para o ano de 1996.
Embora haja diferenças quanto ao valor da participação de cada uma das
classificações de tecnologia, é possível verificar que há uma diminuição da diferença
produtiva entre China e EUA. Pode-se dizer que ambos dedicam sua produção para bens
mais intensivos em tecnologia. A China ampliou a participação de bens intensivos em
escala, ciência e diferenciado, nos quais em alguns casos apresentam participação igual
ou superior à americana. Além disso, a China diminuiu o share de produtos intensivos
em trabalho, bem como apresenta uma participação menor em recursos naturais do que
a americana, para o ano de 2007.
Essa mudança na estrutura industrial enseja salários maiores, pois como
apontado por Nonnenberg e Mesentier (2012), é necessário que haja uma mão de obra
relativamente qualificada para a execução do trabalho em bens mais complexos
tecnologicamente. Dessa forma, o estudo dos custos industriais, principalmente no que
tange aos salários, está fortemente conectado à mudança na estrutura produtiva.
0,0%
5,0%
10,0%
15,0%
20,0%
25,0%
30,0%
35,0%
40,0%
45,0%
50,0%
1980
1982
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Escala
Diferenciado
Ciência
94
2.2 MUDANÇAS NA ESTRUTURA DE SALÁRIOS E PRODUTIVIDADE
2.2.1 Revisão bibliográfica
Há certo consenso quanto ao aumento dos salários chineses20, vivido nos últimos
anos. Porém, há dissonância quanto ao impacto dessa elevação de salários sobre a
competitividade chinesa.
Alguns autores como Pinto apud Nogueira (2011), dizem que apesar de os
salários apresentarem uma trajetória ascendente, semelhante à trajetória dos países que
realizaram catching up tecnológico, os ganhos de produtividade são maiores que os
aumentos dos salários. Logo, a competitividade da indústria chinesa ainda se mantém,
em relação a outros países. Nessa mesma linha de raciocínio, Nonnenberg (2008) ainda
afirma que não é possível observar aumentos salariais substanciais, quando comparados
aos níveis de salários internacionais.
Porém, também há outros autores, como Cintra e Pinto (2015) e Li et al (2012)
que afirmam que, a partir dos anos 2000, os custos relacionados a salários cresceram a
taxas maiores que as taxas de aumento de produtividade.
Li et al (2012) argumenta que a China vem experimentando um aumento rápido
de salários, porém, a questão central é aumento de salário versus produtividade. Os
autores dizem que de 1982 até 1997, os ganhos de produtividade foram maiores que os
aumentos salariais, porém essa situação se inverte, no período posterior.
Essa discussão se faz importante, pois determina no longo prazo a
competitividade de uma economia. Como afirmado por Bresser Pereira (2006), os
salários tendem a crescer sem prejudicar o lucro, de modo que seja sempre positivo para
que os empresários continuem a investir. Se a taxa de lucro aumenta muito,
provavelmente, ter-se-á uma desaceleração promovida pelo sub consumo. Caso ocorra o
contrário, será uma desaceleração provocada pelo sub investimento. O autor ainda
afirma que não há desenvolvimento sem lucro e investimento, porém ao mesmo tempo,
o desenvolvimento econômico é aumento de salários. Dessa forma, o aumento de
salários deve acompanhar os ganhos de produtividade para não comprometer a atividade
econômica.
20 Verificar gráfico 11, presente no capítulo 1.
95
Para demonstrar que houve um grande aumento dos salários, a partir dos anos
2000, Li et al (2012) iniciam sua explanação demonstrando o cálculo de aumento de
produtividade. Para isso, calcula-se o aumento do PIB e deduz-se o crescimento da
força de trabalho, logo, obtém-se como resíduo, o crescimento da produtividade do
trabalho. Os autores apontam que durante o período de 1982 até 1997, o PIB cresceu
5,5% e a força de trabalho cresceu 1,9%, portanto, a produtividade do trabalho cresceu
3,6%.
Durante este mesmo período, a China também era “barata” se comparada a seus
vizinhos asiáticos e outros países. Ao comparar a taxa de salário sobre a produtividade
(custo unitário do trabalho na indústria), com países como Índia, Malásia e México, a
China permanecia mais barata (LI ET AL, 2012)
A partir de 1997, o custo unitário do trabalho que era 70% que o americano caiu
para 30%. Embora, a partir do cálculo de produtividade, citado anteriormente, esta tenha
crescido 11,3%, o crescimento real dos salários foi de 13,8%, ou seja, acima da
produtividade (LI ET AL, 2012).
Os autores ainda afirmam que, em 2002, os salários chineses representavam 63%
dos da Malásia e 70% da Coréia do Sul. Eles preveem que se o gap entre produtividade
e salários permanecer de 2,5%, o diferencial de salários entre a Coréia será eliminado
em 2018 e entre a Malásia, em 2022 (LI ET AL, 2012).
Cintra e Pinto (2015) apontam que durante o período de 2008 a 2013, o aumento
da produtividade foi de 51,8%, muito menor que o aumento dos salários. Além disso,
os países vizinhos apresentaram taxas de crescimento de salários nominais menores que
as chinesas, como mostrado pelo a tabela 10.
96
Tabela 10 - China, Indonésia, Filipinas, Tailândia e Vietnã: evolução dos salários
nominais mensais (Em US$)
China* Indonésia Filipinas Tailândia Vietnã
2002 125 - 36 127 163 75
2003 141 - 37 127 166 87
2004 161 - 41 127 166 99
2005 187 - 42 128 176 114
2006 219 - 49 141 183 134
2007 273 - 92 141 189 162
2008 351 205 98 146 205 185
2009 393 222 132 151 202 145
2010 450 256 140 158 216 172
2011 539 317 150 163 234 212
2012 617 380 154 172 251 255
2013 692 440 186 179 275 279
Fonte: Cintra e Pinto (2015).
Nota: * Salários médios dos trabalhadores urbanos de empresas não privadas (1ª coluna) e privadas (2ª
coluna).
O aumento salarial chinês sendo maior que dos países vizinhos, aliado à
diminuição dos incentivos fiscais vem provocando uma nova relocalização de
investimentos estrangeiros. Para Cintra e Pinto (2015), muitas dessas empresas
estrangeiras estão promovendo a relocalização de plantas produtivas para países
fronteiriços da China. Estas estão em busca de mão de obra mais barata e de incentivos
fiscais.
Porém, estas empresas ainda buscam manter parte de suas operações no
território chinês o que lhes garante os vínculos com este importante mercado
consumidor. Essa estratégia das empresas multinacionais tem sido denominada de
“China plus one” (Ueki, 2010; Economist, 2010; Enderwick, 2011 apud Cintra e Pinto,
2015).
Com essa estratégia, as empresas multinacionais estão acoplando os seus
investimentos na China com os investimentos em países vizinhos. Estes investimentos
estão localizados, especialmente, no Vietnã, no Camboja, nas Filipinas, na Tailândia e
na Indonésia. Empresas cujas etapas de produção podem ser mais facilmente
fragmentadas, como os setores de confecções, sapatos, brinquedos e inclusive a
97
eletrônica, estão deslocando parte de suas atividades para os países citados acima (Ueki,
2010; Economist, 2010; Enderwick, 2011 apud Cintra e Pinto, 2015).
O aumento salarial vivido pela China, segundo Li et al (2012) remontam às
seguintes razões: mudanças institucionais; diminuição do ritmo de migração do campo
para as cidades e o desaparecimento do bônus demográfico.
Quanto aos fatores institucionais, é preciso salientar as mudanças que
ocorreram no mercado de trabalho, na China. Até meados da década de 1980, não
existia mercado de trabalho, tal qual no sistema capitalista. Havia um sistema de
alocação de trabalho, com imobilidade dos trabalhadores, distribuição igualitária de
salários e pleno emprego, organizado pelo Estado. Além disso, o Estado também era o
responsável pela determinação dos salários (MORAIS, 2011).
As reformas se iniciaram de forma gradual. Primeiro, a alocação de
trabalhadores passou a ser descentralizada, passando a ser responsabilidade de
autoridades locais. Porém, a partir de 1986, houve um impulso claro na direção de
criação de mercado de trabalho. Foram institucionalizados contratos de curto prazo, de
duração de cinco anos, para trabalhadores estatais, que poderiam ser renovados ou não.
Dessa forma, o Estado que antes era responsável pela geração de empregos vitalícios,
passa a trabalhar com possibilidade de desemprego (MORAIS, 2011).
A outra mudança importante foi permitir às empresas estatais que fixassem suas
remunerações. Segundo Morais (2011), “até então, os salários, definidos centralmente,
tinham baixa dispersão, variavam relativamente pouco se comparado às economias
capitalistas e dependiam da qualificação, posição gerencial, localidade e senioridade”
(MORAIS, 2011, p. 131).
A partir de 1988, salários do setor público passam a ter uma fatia variável, a
depender do desempenho da empresa. Em 1992, as empresas públicas ganharam total
autonomia para definirem internamente os salários, inclusive as dispersões e
diferenciações para cada firma. Juntamente a isso, houve o crescimento da empresa
privada, que não apresenta regulação salarial (MORAIS, 2011).
Dessa forma, percebe-se que a China passou por um processo de mudanças
institucionais que aproximaram a economia chinesa dos mecanismos do mercado de
trabalho de uma economia capitalista. Logo, antes, os salários pagos não apresentavam
relação com a produtividade, e a partir da remuneração baseada no desempenho, foi
possível estabelecer uma relação entre salários e produtividade (LI ET AL, 2012).
98
Já em relação ao segundo fator, apontado por Li et al (2012), o bônus
demográfico chinês se deveu em grande parte à política do “filho único” realizada
durante os anos 1970. Este controle demográfico teve como efeito colateral o
crescimento mais lento da força de trabalho. Em 1982, a população cresceu 1,9%, já em
1997 cresceu 1,4%. Logo, acredita-se que grande parte do aumento acelerado dos
salários se deve ao baixo ritmo de crescimento da população. Ainda segundo a ONU, a
população chinesa começaria a declinar a partir de 2015, sendo assim, em 2050, a força
de trabalho corresponderia a 62% do total populacional. Esta queda levaria a aumentos
salariais ainda maiores (LI ET AL, 2012).
Além disso, houve uma queda no ritmo de migração do campo para as
cidades, que leva ao terceiro argumento de Li et al (2012). Em 2013, a população rural
ainda representava 43,27% do total de pessoas, na China (CHINA STATISTICAL
YEARBOOK, 2014). Isso se dá pelos entraves relativos à existência do sistema
chamado hukou. Este é o sistema de controle populacional, iniciado nos anos 1950, no
qual todo individuo, ao nascer, deve ser registrado no local de nascimento e ganha um
certificado hukou, dizendo se ele é um morador urbano ou rural.
Embora muitos agricultores sejam encorajados a trabalharem nas cidades, por
serem moradores rurais não podem gozar dos benefícios sociais, por esses benefícios
abarcarem somente moradores urbanos. Tais benefícios incluem acesso à escola e
saúde. Além disso, há muita resistência quanto à universalização dos direitos sociais,
pois foi proposto permitir que os filhos e imigrantes rurais tivessem acesso à
universidade, porém não foi aceito (LI ET AL, 2012).
Além disso, mesmo havendo um aumento da população rural, o percentual
dessa população que não se dedica ao cultivo aumentou. Em 1995, a porcentagem de
pessoas que não trabalhavam no campo era de 31% e passou a ser 60%, em 2007.
Portanto, esse contingente populacional não é “aproveitado” nas cidades, devido a
empecilhos legais como o hukou21 (LI ET AL, 2012).
21 Há uma grande discussão em virtude de mecanismos de flexibilização do hukou. Essas mudanças no
sistema de registro chinês são consideradas iniciativas regionais, porém a postura do governo central é de
manutenção das condições do hukou (NABUCO, 2012). A província de Chengdu chegou a extinguir o
sistema, não exercendo diferença alguma entre cidadãos urbanos e rurais, além de proporcionar livre
movimentação de pessoas entre campo e cidade.
99
Dessa forma, é importante ressaltar que a determinação dos salários na China
se dá de uma forma dual. Enquanto há a inserção de mecanismos de mercado para a
determinação dos salários, tanto nas empresas estatais quanto privadas, o Estado ainda
controla o fluxo de migrantes do campo para cidade. Este último tem impacto profundo
sobre os salários urbanos e também o ritmo de crescimento da economia chinesa.
Portanto, verifica-se também, que além de mecanismos relacionados ao aumento de
produtividade, existe um forte componente político no aumento salarial chinês.
Logo, buscar-se-á analisar se a mudança na estrutura produtiva também é um
fator relevante para o aumento salarial, bem como os fatores políticos. Além disso, é
também necessário analisar a evolução da produtividade chinesa. Pois, a partir da
comparação entre salários e produtividade é possível compreender a competitividade da
indústria chinesa.
2.2.2 Indicadores de produtividade e aumentos salariais
A fim de identificar qual a magnitude do aumento salarial o estudo se divide em
duas partes: (i) análise de indicadores de massa salarial; (ii) produtividade. Os dados são
também estudados segundo tecnologia. Os salários tanto chineses quanto americanos
foram obtidos por meio da base da Unido, de modo que fosse possível uma comparação
entre os países. Estes dados foram extraídos em dólares americanos, e posteriormente
foram deflacionados pelo deflator do PIB americano22, obtido pelo indicador do World
Bank (2015).
O primeiro dado a ser analisado é a distribuição dos salários segundo
tecnologia, representado no gráfico 29. Há mudanças quanto à distribuição salarial,
caracterizada por aumento da proporção em escala e diminuição em diferenciado.
22 Este foi o mesmo índice utilizado por Li et al (2012) para comparação de salários internacionais.
Segundo os autores, é uma maneira interessante de medir o quanto os consumidores americanos pagam
pelo trabalho embutido nos bens chineses.
100
Gráfico 29 - Evolução da participação da massa salarial chinesa, segundo de
tecnologia (1980 a 2008)
Fonte: UNIDO, 2013. Elaboração própria.
Porém, quando se observa a estrutura americana, a partir do gráfico 30, pode-se
ver uma participação em ciência, diferenciado e recursos naturais semelhante à chinesa.
A grande diferença é justamente a uma maior participação em escala para a economia
americana, enquanto há maior participação dos setores intensivos em trabalho para a
economia chinesa. Este dado era esperado, já que em todas as análises feitas sobre
comércio internacional e produção industrial havia essa principal dicotomia entre os
países, logo, isso também poderia se refletir, nos dados de salários.
Gráfico 30 - Evolução participação da massa salarial americana, anual, segundo
tipo de tecnologia (1980 a 2008)
Fonte: UNIDO, 2013. Elaboração própria.
0,0%
5,0%
10,0%
15,0%
20,0%
25,0%
30,0%
35,0%
40,0%
19
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19
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03
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20
06
2007
20
08
Trabalho
Rec. Nat
Ciência
Escala
Diferenciado
0,00%
5,00%
10,00%
15,00%
20,00%
25,00%
30,00%
35,00%
40,00%
45,00%
50,00%
1980
1982
1984
1986
1988
1990
1992
1994
1997
1999
2001
2003
2005
2007
Ciência
Trabalho
Rec. Nat
Diferenciado
Escala
101
Porém, não somente é importante verificar a composição dos salários, mas
também a qual taxa estão crescendo os salários chineses. Ao verificar o gráfico 31,
tendo como base o ano de 1980, os salários tiveram uma trajetória ascendente, chegando
em até 800% de crescimento, para os bens intensivos em escala.
É importante salientar que, embora os salários chineses apresentem uma
trajetória ascendente, há alguns trabalhos (MORAIS, 2011 e GOUVEIA, 2012) que
apontam uma superestimação do aumento salarial. Segundo eles, os dados oficiais
chineses não captam os salários dos migrantes, que cresceram mais lentamente que o
dos residentes urbanos. Além disso, muitos desses migrantes se ocupam em profissões
no mercado informal de trabalho, representando cerca de metade do emprego urbano
(MORAIS, 2011).
Esta situação é diferente da situação americana, que apresentou basicamente
queda dos salários reais, com a exceção do setor ligado a recursos naturais, como
demonstrado no gráfico 32.
Gráfico 31 - Crescimento da massa salarial chinesa (valores anuais) (1980-2007)*
por tipo de tecnologia 1980=100**
Fonte: UNIDO, 2013. Elaboração própria.
* Não há dados para os anos entre 1986 e 2003.
** Os dados para Ciência são correspondendo ao setor 30 – Máquinas para escritório e equipamentos de
informática não apresentou dados para o anos de 1980, o que impossibilitou realizar o crescimento com
base em 1980.
-100,0%
0,0%
100,0%
200,0%
300,0%
400,0%
500,0%
600,0%
700,0%
800,0%
900,0%
19
81
19
82
1983
19
84
19
85
19
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20
03
20
04
20
05
20
06
20
07
Trabalho
Rec. Nat
Escala
Diferenciado
102
Gráfico 32 - Crescimento da massa salarial americana (valores anuais) (1980-2007)
por tipo de tecnologia 1980=100
Fonte: UNIDO, 2013. Elaboração própria.
Vale ressaltar que, em alguma medida, os gráficos 31 e 32 refletem as mudanças
descritas, anteriormente, pelo fluxo de investimento direto estrangeiro dos EUA para a
China. As principais empresas americanas redirecionaram seu investimento, fechando
inclusive algumas fábricas, para fabricar em território chinês, em busca de menores
custos de produção. Este processo se deu mais facilmente em produções cujas etapas
pudessem ser mais facilmente fracionadas, como as indústrias de têxtil e vestuário e
eletrônica.
Este movimento se revela pelo gráfico 32, cujas maiores quedas salariais estão
se deram para os tipos de tecnologia diferenciada e trabalho. Para a produção de bens
diferenciados, conta-se em grande parte com o setor ligado a eletrônicos, enquanto para
o tipo de tecnologia intensiva em trabalho, abarcam-se os setores de têxtil e vestuário.
Dessa forma, percebe-se que o gráfico reflete o deslocamento de unidades fabris
dos EUA para a China, como já foi descrito previamente. Isso demonstra também o
desaparecimento do emprego industrial nos EUA. Existem estudos, como de David,
Dorn e Hanson (2013), que apontam para uma relação entre o aumento das importações
chinesas e a diminuição do emprego americano. Eles demonstram que a exposição dos
EUA às importações chinesas trouxe aumento de desemprego, diminuição da
participação da força de trabalho, além de salários menores.
-50,0%
-40,0%
-30,0%
-20,0%
-10,0%
0,0%
10,0%
20,0%
19
81
19
82
19
83
19
84
19
85
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07
Trabalho
Rec. Nat
Diferenciado
Escala
103
Apesar disso, ao avaliar o crescimento dos salários, também é necessário olhar
para o patamar dos salários. Para obter a magnitude do aumento salarial, ou seja, o
quanto o aumento dos salários chineses convergiu para o patamar americano, é
necessário verificar o quanto um trabalhador médio ganha, segundo tecnologia. Para
abarcar especialmente o período mais recente, ou seja, o que representou o maior
crescimento de salários na China.
Desse modo, foi realizada uma comparação entre EUA e China, com os salários
deflacionados pelo mesmo deflator do PIB americano, já citado anteriormente, tendo
como base o ano de 2004. Os valores encontrados no gráfico 33 são apresentados
segundo tipo de tecnologia, nas quais foram somadas as massas salariais, anuais, dos
setores correspondentes a cada tecnologia, e divididos pelo pessoal ocupado em cada
tipo de tecnologia. Logo, obteve-se uma comparação de ganho médio por trabalhador,
segundo tecnologia.
Apesar de a China ter apresentado aumentos substanciais, e superiores aos
salários americanos, percebe-se que os salários chineses ainda se encontram aquém dos
valores americanos, pelo gráfico 33.
Gráfico 33 - Massa salarial/Pessoal ocupado de China e EUA, segundo tecnologia
(2004 a 2008) em US$*
Fonte: UNIDO, 2013. Elaboração própria.
* Ajustado pelo conversor de paridade de poder de compra (WORLD BANK, 2014).
0,00
10.000,00
20.000,00
30.000,00
40.000,00
50.000,00
60.000,00
70.000,00
2004 2005 2006 2007 2008
Trabalho (EUA)
Escala (EUA)
Rec. Nat (EUA)
Diferenciado
(EUA)Ciência (EUA)
Trabalho (China)
Escala (China)
Rec Nat (China)
Diferenciado
(China)
104
Como se pode perceber, o salário médio americano, por tecnologia, em
praticamente todos os anos é muito superior ao chinês, apesar do crescimento salarial
chinês atingir 800%, por exemplo. Logo, os salários chineses ainda não se aproximaram
dos salários americanos. Porém, o grande entrave que se põe quanto à questão salarial é
saber se o aumento salarial é, suficientemente grande, a ponto de comprometer a
produtividade e a lucratividade da indústria chinesa.
Para verificar se o aumento salarial está afetando a lucratividade será utilizado
como proxy a evolução dos salários sobre o valor adicionado, segundo tecnologia. Será
adotado este indicador, pois como definição da OCDE (2015), o valor adicionado reflete
a contribuição do capital e do trabalho para a produção. Dessa forma, será possível
verificar se o aumento salarial ganhou uma parcela grande do valor adicionado chinês e
se está próximo do patamar americano.
Gráfico 34 - Evolução da participação da massa salarial/valor adicionado*,
segundo tipo de tecnologia (China) – 1980 a 2007
Fonte: UNIDO, 2013. Elaboração própria.
* Todos os valores de valor adicionado e salários foram deflacionados pelo deflator do PIB americano,
tanto para os dados chineses quanto para os dados americanos. Este é o mesmo procedimento adotado em
Li et al (2012).
O movimento da economia americana é oposto ao movimento da economia
chinesa, baseado nos gráficos 34 e 35. Enquanto há uma queda da participação dos
salários para os EUA, na China, há um aumento, com exceção de diferenciado. Porém,
mesmo assim, os EUA ainda permanecem com patamares de participação dos salários
0,0%
5,0%
10,0%
15,0%
20,0%
25,0%
30,0%
35,0%
1980
1981
1982
1983
1984
1984
1984
2003
2004
2005
2006
2007
Trabalho
Rec. Nat
Escala
Diferenciado
Ciência
105
maiores que os chineses, em todos os casos. Portanto, é difícil dizer que a lucratividade
das empresas chinesas esteja ameaçada pelo aumento salarial.
Dessa forma, não se pode dizer se o aumento salarial foi de uma magnitude real
ao ponto de afetar a lucratividade chinesa. No entanto, percebe-se que os valores de
participação da massa salarial/valor adicionado chinês ainda permanecem abaixo dos
patamares americanos. Logo, aparenta-se que não tenha havido prejuízo para a
lucratividade das empresas chinesas.
Gráfico 35 - Evolução massa salarial/valor adicionado, segundo tipo de tecnologia
(EUA) – 1980 a 2007
Fonte: UNIDO, 2013. Elaboração própria.
Ainda assim é necessário verificar a questão apresentada na literatura, quanto a
produtividade versus aumento salarial. Embora os dados apontem para o sentido de que
a competitividade chinesa não esteja ameaçada pelo aumento dos salários, somente o
estudo do crescimento da produtividade, a partir do gráfico 36, conjuntamente com o
crescimento dos salários será capaz de dizer sobre a competitividade chinesa.
0,0%
10,0%
20,0%
30,0%
40,0%
50,0%
60,0%
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
2003
2004
2005
2006
2007
Trabalho
Rec. Nat
Escala
Diferenciado
Ciência
106
Gráfico 36 - Evolução produtividade (VA/Pessoal Ocupado) de 1980 a 2007
(China) em US$
Fonte: UNIDO, 2013. Elaboração própria.
Ao observar o gráfico 36, pode-se verificar que houve um crescimento
exponencial da produtividade chinesa, a partir de metade da década de 1990, em quase
todo tipo de tecnologia. Já a economia americana apresentou uma trajetória crescente de
produtividade, em todo tipo de tecnologia, porém em um ritmo mais lento, se
comparado à economia chinesa. Apesar disso, ao observar os patamares de
produtividade, a americana está muito a frente da economia chinesa, como demonstrado
no gráfico 37.
0
2000
4000
6000
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10000
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Ciência
Trabalho
Diferenciad
o
Rec. Nat
Escala
107
Gráfico 37 - Evolução produtividade* (VA/Pessoal Ocupado) de 1980 a 2007
(EUA)
Fonte: UNIDO, 2013. Elaboração própria.
* Os anos de 1996 e 2003 não tinham dados para pessoal ocupado.
Quanto à comparação entre crescimento de produtividade e salários, pode-se
verificar que a os dados corroboram a literatura abordada previamente. O gráfico 38
demonstra um crescimento exponencial da produtividade, porém este não superou o
aumento de salários, como demonstrado no gráfico 31. O tipo de tecnologia
diferenciado obteve o menor aumento salarial (400%), em 2007, e apresentou o maior
aumento de produtividade (250%) de todos os tipos de tecnologia. Portanto, verifica-se,
de modo geral na economia chinesa, um aumento salarial superior aos ganhos de
produtividade.
0
20000
40000
60000
80000
100000
120000
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Ciência
Trabalho
Rec. Nat
Diferenciad
o
Escala
108
Gráfico 38 – Evolução de crescimento da produtividade chinesa, segundo
tecnologia, em porcentagem – 1980 a 2007 (1980=100)
Fonte: UNIDO, 2013. Elaboração própria.
Já a economia americana, o gráfico 39 apresenta um movimento constante de
ganhos de produtividade, juntamente a quedas no crescimento dos salários reais. A
tecnologia, baseada em recursos naturais, apresentou ganhos salariais positivos e
terminou com 10% de aumento salarial, apresentou, em 2007, aumento de
produtividade de pouco mais de 60%. Dessa forma, a economia americana tem a sua
competitividade garantida, com ganhos de produtividade maiores que os incrementos
salariais.
Gráfico 39 - Evolução de crescimento da produtividade americana, segundo tipo
de tecnologia, em porcentagem – 1980 a 2007 (1980=100)
Fonte: UNIDO, 2013. Elaboração própria.
-100,0%
-50,0%
0,0%
50,0%
100,0%
150,0%
200,0%
250,0%
300,0%
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Trabalho
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Escala
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0,0%
20,0%
40,0%
60,0%
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100,0%
120,0%
19
81
19
82
19
83
19
84
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85
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86
19
87
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88
19
89
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19
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2006
20
07
Trabalho
Rec. Nat
Diferenciado
Escala
109
É possível verificar que diferente da economia americana, a China apresentou
aumentos salariais superiores aos ganhos de produtividade. Porém, verifica-se que a
lucratividade das empresas não está ameaçada, no curto prazo, e nem mesmo os salários
chineses estão próximos aos salários americanos. No entanto, como apontado por
Bresser-Pereira (2006), a continuidade desse movimento pode levar a economia chinesa
uma crise por sub investimento.
Pensando na questão da diminuição do investimento na China, a relocalização
dos investimentos, na Ásia, como apontado por Cintra e Pinto (2015), poderia ser uma
fraqueza da economia chinesa. Porém, ao pensar na estratégia das firmas de “China plus
one”, verifica-se um sucesso da estratégia chinesa de fortalecimento do mercado
consumidor chinês, como ressaltado por Medeiros (2010).
Neste sentido, Morais (2011) demonstra iniciativas do governo no sentido de
aumentar os salários chineses. A autora aponta que embora o salário mínimo tenha
nascido em 1994, este era praticamente ignorado, nacionalmente. Em 2004, foram
lançadas novas regulações a fim de, tentar utilizar o salário mínimo como forma de
aliviar as desigualdades no mercado de trabalho e tensões sociais.
Definiu-se, em 2004, uma política de reajuste que passou a elevar o salário
mínimo pelo menos a cada dois anos, segundo três métodos distintos e escolhidos pelas
próprias províncias, segundo Morais (2011):
“1 - via os gastos per capita mínimos estimados para um terminado quintil de
famílias de baixa renda; 2 - via o coeficiente Engle, que mede a proporção
dos gastos com alimentação em relação aos gastos totais; 3 - segundo o
padrão internacional de 40% a 60% do salário mínimo em relação ao salário
médio (MORAIS, 2011, p. 141)”.
Dessa forma, percebe-se que há uma preocupação estatal em aumentar os
salários, além do próprio movimento de crescimento da economia, que acaba por elevar
os salários. Além da própria política de aumento de salário mínimo, o gráfico 40 mostra
que a maior elevação dos salários se deu justamente nas empresas domésticas (State
Owned, Urban Collective e Share Holding Corp). Ainda merece destaque o aumento
salarial das empresas estatais, com o segundo maior aumento de todas. Isso se mostra
claramente como um instrumento de política de aumento salarial.
110
Gráfico 40 – Evolução dos salários segundo tipo de empresa – 1996 a 2013
(1995=100) *
Fonte: CHINA STATISTICAL YEARBOOK, 2013. Elaboração própria.
Nota: *Há três tipos de empresas na China: empresas domésticas, empresas estrangeiras com fundos de
Hong Kong, Macao e Taiwan e empresas estrangeiras.
State Owned: empresas que são controladas pelo Estado; Urban-Collective: empresas cujos ativos são de
propriedade coletiva; Cooperative: empresas cujo capital advém, majoritariamente de seus empregados e
cada um apresenta um determinado share de participação; Limited Liability Corp: empresas de 2 a 50
investidores; Share- holding Corp: todo o capital é dividido de forma igualitária entre os sócios; Outros:
outras empresas domésticas não mencionadas acima.
Dessa forma, por um lado, percebe-se que houve uma mudança produtiva que
culminou na mudança do eixo de produção chinês, em direção aos setores mais
intensivos em tecnologia. Estes setores demandam por salários maiores, o que é
ratificado pela maior parcela do valor adicionado responsável por salários nesses
setores. Porém, este aumento salarial não tem acompanhado os aumentos de
produtividade.
Por outro lado, os salários chineses não se aproximaram de padrões
internacionais, quando comparado à economia americana. Mas, aumentaram de forma
0
100
200
300
400
500
600
7001996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
State Owned
Urban-collective
owned
Cooperative
Joint Ownership
Limited Liability
Corporations
Share Holding
Corporations
Outros
Fundos de Hong
Kong, Macao,Taiwan
Capital estrangeiro
111
expressiva, crescendo a taxas maiores que o aumento de produtividade. Essa elevação
dos salários se mostrou como uma intenção de política, a fim de aumentar e fortalecer o
mercado consumidor chinês.
O que ainda resta compreender é o impacto dessas mudanças sobre os preços
finais. É importante salientar que ainda que os efeitos da diminuição da produtividade
não apresentem impacto direto nos preços atuais, eles exercem efeitos sobre a
produtividade a longo prazo.
2.3 Evolução dos preços relativos de exportações industriais chinesas
2.3.1 Revisão teórica
Esta parte do estudo busca compreender quais as mudanças nos preços relativos
das exportações chinesas. Examinam-se quais foram os impactos das mudanças na
produção e na estrutural salarial chinesa, sobre os preços dos bens exportados. Nesse
sentido, há diversos trabalhos na literatura que buscam estabelecer relações entre os
preços dos bens exportados e a estrutura produtiva dos países produtores.
Primeiro, Schott (2004) utiliza dados em nível de produto, das importações
americanas, de 1972 a 1995. Ele encontrou três relações importantes: (i) uma relação de
valor unitário maior das exportações para países de maior PIB per capita; (ii) os valores
unitários estão correlacionados positivamente com a intensidade de capital utilizado em
sua produção; (iii) países desenvolvidos apresentam um aumento do valor unitário, ao
longo do tempo.
Porém, Schott (2004) ainda encontrou que, embora os países exportassem o
mesmo produto, este possuía preços diferentes. Ele afirma que essa diferença entre
valores unitários estava associada ao que foi chamado de qualidade. Para Aiginger apud
Hiratuka e Cunha (2011), por exemplo, a qualidade está ligada à dinâmica de
concorrência dos mercados. Para ele, a concorrência que se baseia na qualidade é mais
acirrada e diferente da concorrência por preços.
Para Aiginger (2001), a concorrência via qualidade se baseia no alcance de
mercados que sejam mais inelásticos, ou seja, que apresentem menor sensibilidade de
preços em sua demanda. Isso se dá por meio da inovação, diferenciação de produtos,
marketing, dentre outros. Ou seja, a concorrência se dá pela busca da construção de
112
ativos intangíveis capazes de se transformarem em ganhos de monopólios para esses
produtores.
Esse conceito faz parte da dinâmica concorrencial apontada por Schumpeter
(1942). Segundo ele, a concorrência essencial do capitalismo se dá via inovações e não
via preço. Devido a isso, são essas inovações o motor na economia capitalista, bem
como da firma. Elas propiciam que a firma possa gozar de ganhos de monopólio,
durante um determinado tempo, cobrando preços acima do custo marginal. Logo, há
uma conexão muito mais estreita do preço de um bem final, com a criação de ativos
intangíveis do que com o seu custo real.
Ao observar o funcionamento da inovação no contexto da empresa em rede,
Sarti e Hiratuka (2010) apontam que a difusão da inovação não se dá de forma uniforme
entre as empresas da cadeia global de valor. As grandes empresas atuam como
comandantes de uma grande cadeia de fornecedores dispersos ao redor do mundo. As
empresas comandantes da cadeia detêm capacidades tecnológicas, principalmente
ligadas à inovação, que possibilitam que elas se apropriem da maior parte do valor
gerado. Os fornecedores dessas grandes empresas atuam em funções periféricas, com
etapas padronizadas e definidas pelos comandantes da cadeia de valor. Por não
dominarem os ativos intangíveis que as empresas líderes dominam, essas empresas se
apropriam de menor parcela do valor criado.
Neste sentido, o processo de inovação é liderado por empresas que consigam
coordenar as grandes cadeias de valor, pois somente elas conseguem se apropriar da
maior parte do valor gerado. Assim, as empresas que conseguem atuar mais fortemente
em mercados caracterizados pela concorrência via inovação, são justamente aquelas que
conseguiram se inserir em elos mais nobres da cadeia produtiva global.
Schott (2004) ainda complementa esta questão trazendo que o aumento do valor
unitário poderia ser explicado sob duas formas: maior capacidade de inovação e
diferenciação dos produtos, e maior intensidade de capital na produção. Logo, são,
geralmente, países desenvolvidos, que possuem maior tecnologia empregada e, a partir
daí conseguem construir vantagens que os diferenciam de outros produtores via
inovação, podendo auferir maiores lucros. Nesse sentido, a qualidade empregada na
produção possui uma relação direta com a inovação e esta implica a capacidade de
comandar as cadeias de valor globais.
113
A fim de compreender a questão da qualidade do comércio internacional chinês,
Hiratuka e Cunha (2011) utilizam a metodologia mostrada por Fontagné, Gaulier e
Zignago (2007). Realiza-se a divisão do fluxo bilateral de comércio em segmentos de
qualidade (produtos de baixa ou média e alta ou média qualidade), a partir da
comparação entre o valor unitário do produto do país para um determinado mercado de
destino e a média (geométrica) de todos os valores unitários de seus competidores do
mesmo produto para o mesmo mercado de destino, denominada r.
Logo, se r < 1, parte do fluxo de comércio é definido como de baixa qualidade e
a outra parte é de média qualidade; se r > 1, parte do fluxo de comércio é definido como
média qualidade e a outra parte é alta qualidade; se r = 1, o comércio é de média
qualidade. Dessa forma, essa classificação permite separar a qualidade dos fluxos de
comércio segundo tecnologia.
Eles conseguiram identificar a qualidade, segundo tecnologia, como
demonstrado na tabela 11. O que se pode perceber é que de maneira geral, ainda que nos
segmentos com maior intensidade de tecnologia, a China aumentou a participação nos
fluxos de menor qualidade.
Tabela 11 - Evolução market-share mundial de qualidade, segundo tecnologia, na
China, de 2000/2001 e 2006/2007
Segmento
Alta qualidade Média qualidade Baixa qualidade
2000-
2001
2006-
2007
2000-
2001
2006-
2007
2000-
2001
2006-
2007
Produtos primários 1,0 2,0 2,2 1,1 2,1 1,5
Indústria intensiva em recursos naturais 1,2 1,0 1,8 2,8 3,0 5,0
Indústria intensiva em trabalho 8,7 5,1 18,8 13,8 13,8 30,4
Indústria intensiva em escala 0,9 0,9 3,8 4,9 4,9 17,9
Fornecedores especializados 0,9 2,9 3,6 10,7 10,7 21,7
Indústria intensiva em P&D 0,1 1,4 2,7 7,3 7,3 24,5
Total 1,7 1,8 6 6,8 6,8 14,2
Fonte: Hiratuka e Cunha (2011).
Pode-se verificar que, embora a China tenha aumentado a participação dos
fluxos de baixa qualidade, em todos os tipos de tecnologia, nos fluxos mais intensivos
em tecnologia (“fornecedores especializados” e “indústria intensiva em P&D), houve
aumento nos de alta qualidade. Nos segmentos de trabalho e recursos naturais, houve
114
diminuição da produção de alta qualidade, sendo que em trabalho, houve decréscimo,
inclusive na média qualidade. Os setores no qual se verificou o maior aumento dos
fluxos de alta e média qualidade foram nos de fornecedores especializados. Já nos
fluxos de trabalho houve uma queda para bens de alta e média qualidade.
O que se pode verificar é que a partir do trabalho de Schott (2004), juntamente
com os dados encontrados no capítulo dois, esperava-se que houvesse um aumento do
valor unitário chinês. Pois, a China apresentou aumento de PIB, além de intensificar sua
produção em bens mais sofisticados, o que acabaria por aumentar seus preços
internacionais. Porém, como apontado por Hiratuka e Cunha (2011), a China acabou por
intensificar suas exportações para o mundo em bens de qualidade inferior,
caracterizados por valores unitários menores.
Dessa forma, faz-se necessária uma análise detalhada, segundo tecnologia da
evolução dos preços chineses, de modo a compreender os reflexos das transformações
vividas pela economia chinesa, sobre a competitividade de suas exportações. Dessa
maneira, será possível examinar se existe o “fim da China barata”.
2.3.2 Dados sobre a evolução dos preços
A construção de indicadores de preços de exportações de produtos industriais foi
realizada a partir dos dados da CEPII (Baci). A proxy de preços utilizada foi os
chamados Trade Unit Value (TUV)23, que conta com mais de 5000 produtos, por ano,
em até 6 dígitos, baseados no sistema harmônico.
O indicador utilizado é construído com base nas importações americanas da
China e outros parceiros, durante os anos de 2001, 2007 e 2013. Para a construção do
índice, foram elencados os principais parceiros dos EUA, segundo tecnologia, ou seja,
os países que mais exportaram, em valor, para os EUA, para cada tipo de tecnologia. Os
dados de produtos foram compatibilizados entre os países, de modo que foram
comparados os preços dos produtos comuns para cada um dos países.
Dessa forma, dentro de uma mesma tecnologia, são comparados os preços dos
produtos comuns para China e outros parceiros comerciais dos EUA, para um
23 O CIF (Cost of Insurance and Freight) é determinado pela declaração do importador. Inclui todos os
custos de comércio (exceto tarifas e taxas domésticas). O FOB (Free on board) são uma proxy para os
preços de comércio, baseado nas declarações dos exportadores. Não incluem custos de comércio.
115
determinado ano. O índice é uma comparação relativa entre os países, a partir de um
diferencial de preços, dado pela equação abaixo:
P = ∑ {[(𝑃𝑡𝑖𝑐
𝑃𝑡𝑖𝑝⁄ ) − 1] ∗ 𝑤𝑡
𝑖𝑐}𝑖1 (5)
O índice se dá pela divisão de 𝑃𝑡𝑖𝑐, o preço do produto i, no país China, no ano t,
pelo preço de 𝑃𝑡𝑖𝑝
·, ou seja, o preço do mesmo produto i, no ano t, em outro país (p), o
mais importante exportador para o mercado americano, em determinada tecnologia.
Após a divisão dos preços, aplica-se o diferencial, subtraindo um. Depois, para cada
bem i, é calculada a sua importância na pauta exportadora chinesa24, dada por 𝑤𝑡𝑖𝑐.
𝑤𝑡𝑖𝑐 =
𝑋𝑡𝑖𝑐
𝑋𝑡𝑐⁄ (6)
A ponderação dada por 𝑤𝑡𝑖𝑐 é obtida pela razão entre 𝑋𝑡
𝑖𝑐, ou seja, o valor do
produto i, para o ano t, na pauta de exportação da China para os EUA, por 𝑋𝑡𝑐.Este
último é o valor das exportações de produtos presentes em determinada tecnologia.
A principal ideia do índice é que o diferencial de preços seja capaz de captar
alguma diferença de competitividade das exportações chinesas com de outro parceiro
comercial dos EUA, para o mercado americano. A ponderação foi vista como necessária
para evitar que produtos que não fossem relevantes à exportação chinesa tivessem muito
peso para a construção do indicador. Por exemplo, se existe um aumento de preço
relativo para um determinado produto, logo, há um aumento de preços relativos do
índice, como um todo, para uma determinada tecnologia. Porém, se este mesmo produto
é insignificante para a pauta exportadora chinesa, no mercado americano, logo, o
aumento de preço, desse produto, não pode ser entendido como diminuição da
competitividade.
A construção dos índices se dá, primeiramente, pela convergência de produtos
exportados pela China e por outro parceiro, em determinada tecnologia, para um ano
especifico. Isso permite a obtenção dos produtos em comum na exportação chinesa e do
24 O intuito do trabalho é observar se há aumento dos preços chineses. Logo, é importante verificar se os
produtos que sofreram aumento de preços são produtos importantes para a pauta de exportação chinesa.
Dessa forma, os pesos são calculados para cada ano t, para cada bem i, a partir dos dados presentes no
Trademap.
116
país parceiro. Para que possa ser realizada a ponderação, é necessário que existam
produtos comum à lista dos 500 produtos mais exportados, pela China para os EUA, e
os produtos comuns à China e ao parceiro. Dessa forma, os produtos que serão
utilizados na construção do indicador final são aqueles que fazem parte da intersecção
entre os 500 produtos mais exportados e os produtos comuns ao parceiro comercial e à
China.
Os produtos comuns aos 500 produtos mais exportados, China e o parceiro
comercial apresentam o valor das exportações para cada ano. A somatória de todos os
valores de exportação para cada produto, em determinada tecnologia consiste em 𝑋𝑡𝑐.
Logo, para cada produto i, é possível descobrir sua participação na pauta exportadora
China-EUA.
A escolha dos parceiros foi realizada a partir dos dados do TradeMap,
ferramenta da COMTRADE, com os principais parceiros americanos. O principal
parceiro americano é a China, seguido de Canadá, México, para o ano de 2013. Dessa
maneira, foi conduzida uma análise de preços, na qual, foram elencados os parceiros
que são mais relevantes para as importações americanas, dentro de determinada
classificação tecnológica. A tabela 12 mostra o diferencial entre China e outros
parceiros americanos. Por exemplo, para o ano de 2001 e para diferenciado, a China era
49,4% mais barata que o México.
Tabela 12 - Evolução do diferencial de preços entre China, Alemanha, Canadá e
México, segundo tecnologia, para os anos de 2001, 2007 e 2013
Tecnologia País 2001 2007 2013
Diferenciado México -49,40% -24,50% -37%
Escala Canadá 17,30% -36,80% -30,40%
Ciência Alemanha -31,80% -63,6% -88,10%
Rec. Nat Canadá -55,80% -51,20% -39,40%
Trabalho México 2,60% 16,89% -7,40%
Fonte: CEPII, 2013. Elaboração própria.
Vale ressaltar que esta primeira análise foi realizada de modo que não são os
mesmos produtos para todos anos. Em outras palavras, dentro da mesma tecnologia,
117
para 2013, existem produtos que já pertenciam à pauta desde 2001, porém também há
produtos que saíram e outros que foram incorporados à análise.
Na tentativa de acompanhar a evolução do mesmo produto, foi construído outro
indicador, no qual, além da interseção de produtos entre China e outro parceiro, são os
mesmos produtos para os anos de 2001 e 2013. Nesta análise, foram adotados os 1000
produtos da pauta de exportação da China e dos EUA. O intuito era agregar a maior
quantidade de produtos possíveis. Pois, como já foi analisado pelos indicadores, a pauta
de exportação chinesa, neste período, sofreu uma grande mudança.
Em outras palavras, muitos produtos tiveram sua exportação diminuída e outros
produtos foram inseridos, logo, torna-se mais difícil encontrar os mesmos produtos para
anos tão distantes. Portanto, buscou-se aumentar o número de produtos para que ao
calcular o indicador, houvesse o maior número de produtos possíveis, dentro de um tipo
de tecnologia. A tabela 13 mostra o resultado.
Tabela 13 - Evolução do diferencial de preços entre China, Alemanha, Canadá e
México, segundo tecnologia, para os anos de 2001 e 2013 (para os mesmos
produtos)
Tecnologia País 2001 2013
Diferenciado México -53,30% -38,80%
Escala Canadá 1,10% -25,20%
Ciência Alemanha 75,80% 75,80%
Rec. Nat Canadá -48,10% -33,30%
Trabalho México 52% 10,80% Fonte: CEPII, 2013. Elaboração própria.
A primeira análise a ser feita é que, verificam-se diferentes movimentos em
relação à trajetória de preços. Esperava-se que houvesse um movimento generalizado de
aumento dos preços dos bens exportados chineses, por motivos diferentes, para cada
tipo de tecnologia.
Para os bens intensivos em tecnologia, como escala, ciência e diferenciado,
argumentava-se que o aumento de preços se daria pela própria lógica concorrencial de
tais mercados. Para a produção desses bens, o preço não é a variável crucial na
competição, mas sim a inovação. Para outros tipos de tecnologia, menos intensivas em
capital, como trabalho e recursos naturais, acreditava-se que o aumento de preços se
118
daria pelo aumento salarial chinês. Isso se dá devido à maior importância dos salários na
formação dos preços final destes bens.
Deste modo, um aumento geral dos preços de bens chineses estaria em
consonância com a construção argumentativa construída ao longo do capítulo um e dois,
referente à mudança na estrutura produtiva chinesa.
Os dados construídos no início do capítulo dois demonstram que houve um
aumento da produção de bens intensivos em tecnologia. Há inclusive uma maior
aproximação da estrutura produtiva chinesa com a americana, cuja estrutura produtiva é
caracterizada pela expressiva participação de bens de alta tecnologia. Além disso,
grande parte da literatura corrobora a ideia de que a China apresente uma cesta
exportadora de maior intensidade tecnológica que outros países com característica
semelhantes à sua, como apontado por Rodrik (2006) e Schott (2008).
Além disso, o aumento salarial, que é uma tendência geral na China, tanto pela
construção dos dados relativos a salários, quanto pela própria literatura. Como Cintra e
Pinto (2015) demonstram, a China apresenta salários muito maiores que de seus
vizinhos. Além disso, Li et al (2012) também apontam que os ganhos com salários
foram maiores que o aumento de produtividade.
Porém, os resultados do indicador apresentam tendências distintas, com aumento
dos preços chineses para as tecnologias de diferenciado e recursos naturais e um
barateamento de ciência, escala e trabalho.
Para os produtos intensivos em ciência destaca-se o setor 30 (Fabricação de
produtos farmacêuticos). Pois, é o mais importante em termos de importação,
configurando na sétima posição, no ranking de importação americano. Para este
produto, a China aparece como 16º parceiro dos EUA. Portanto, verifica-se que em
mercados de tecnologia mais refinada, o menor preço não garantiu ganhos de mercado.
Este dado se soma ao estudo realizado por Hiratuka e Cunha (2011), no qual demonstra
que houve grande aumento dos fluxos de baixa qualidade, neste segmento.
Dessa forma, ainda que tenha havido aumento da produção nesta tecnologia,
ainda não foi possível galgar avanços que pudessem traduzir em aumentos de qualidade.
Como apontado por Aiginger (2001), a qualidade tem influência em mercados de
característica mais inelástica, nos quais o preço importa menos. Em outras palavras, a
119
concorrência se dá via inovação, e não via preços, como apontado por Schumpeter
(1942). Portanto, neste caso, a qualidade pode ser compreendida como inovação, como
a capacidade gerar ativos intangíveis para seus produtos, que o tornem mais desejado
que os de outros concorrentes.
Percebe-se que, a China aumentou a produção de bens intensivos em ciência,
como apontado pelos indicadores do capítulo dois, porém seus bens não foram capazes
de ganhar mercado, mesmo apresentando preços menores que de outros concorrentes.
Isso demonstra que neste mercado o preço tem uma importância menor e que a China
não foi capaz de participar em segmentos de produtos com maior capacidade inovativa.
Isso pode indicar uma incapacidade da China de atuar em elos mais nobres da cadeia de
valor, que se caracterizam por maior apropriação de valor, como apontado por Sarti e
Hiratuka (2010).
O mesmo movimento se verifica para escala. O setor mais importante para a
importação americana, em 2014, foi o setor 87 (Veículos – exceto ferroviários). A
China ocupa o 6º lugar de importância, em comparação a outros países. Portanto,
mesmo contando com preços menores, não foi possível se apropriar de parcelas maiores
de mercados. Estes dados também são condizentes com dados de qualidade
apresentados por Hiratuka e Cunha (2011). Portanto, apesar de a concorrência essencial
nesses mercados se dar via inovação, percebe-se que a China ainda se manteve na
concorrência via preço, o que não trouxe ganhos de mercados.
Vale ressaltar que embora a China tenha àlcançado posições melhores na
produção de bens intensivos em escala e ciência, ela, possivelmente, não conseguiu se
inserir em elos mais nobres da cadeia, marcados pela concorrência por inovação. Isso se
traduz em preços menores e pouco aumento de market share.
Já com relação a diferenciado, existe uma tendência de aumento dos preços
chineses. É relevante salientar que o setor mais importante da pauta americana é o setor
84 (Fabricação de máquinas, reatores nucleares, caldeiras, etc), seguido do 85
(Fabricação de máquinas e equipamentos elétricos). Em ambos, a China é o fornecedor
mais importante para os EUA. Logo, percebe-se que houve aumentos de preços para
estes produtos, sem que houvesse perda de mercado.
Como também foi demonstrado por Hiratuka e Cunha (2011) este foi o único
segmento que apresentou aumento nos fluxos de alta, média e baixa qualidade. Dessa
120
forma, esboça-se um cenário no qual o aumento de preços chineses esteja, também,
atrelado a um aumento de qualidade. Isto demonstrou a capacidade chinesa de penetrar
em mercados nos quais a construção de ativos intangíveis é crucial para o sucesso da
estratégia.
Pode-se dizer que a produção de bens diferenciados se deu de forma mais
madura, que possibilitou a inserção da China em elos mais nobres da cadeia produtiva.
Dessa forma, foi possível aliar preços maiores com maior aumento de market share.
Como apontado por Pinto (2011), nestes segmentos, a China apresenta grandes
corporações como Lenovo (computadores), a Huawei (equipamentos de
telecomunicações), a Haier (eletrodomésticos e eletroeletrônicos). Isso ratifica a ideia de
que a China foi capaz de construir dotações tecnológicas que lhe possibilitaram atuar,
em alguma medida, como comandante da cadeia de valor e se apropriar de maior valor
criado, neste segmento.
Também é importante destacar que os setores ligados à eletrônica receberam
investimentos desde a abertura chinesa ao IDE. Isso se deu devido ao fato de a produção
de eletrônicos ser mais facilmente separado, o que facilitou a dispersão da cadeia
produtiva (ACIOLY, 2005). Logo, isso pode ter ajudado no amadurecimento da
produção chinesa e consolidação de grandes grupos.
Com relação à tecnologia intensiva em trabalho, a China apresenta resultados
semelhantes para a análise feita com os mesmos produtos e com produtos variando.
Para ambos os estudos, existe uma tendência de queda dos preços chineses para bens
intensivos em trabalho. Portanto, pode-se esperar que tenham sido incorporado novos
produtos à pauta que baratearam, ainda mais, o preço chinês.
Segundo Hiratuka e Cunha (2011), os bens intensivos em trabalho teriam sido os
quais diminuíram sua participação em alta e média qualidade, voltando-se somente para
produtos de baixa qualidade. Apesar disso, neste segmento, a China é o parceiro
comercial mais importante dos EUA. Portanto, pode-se partir do mesmo argumento de
Aiginger (2001), segundo o qual, os produtos de maior qualidade conseguem avançar
em mercados, nos quais o preço seja menos importante, na determinação da
concorrência. Logo, pelo fato de setores de trabalho terem um componente forte ligado
aos preços, espera-se que os bens exportados se mantenham com preços baixos.
121
Além do fato de a concorrência para o mercado de bens intensivos em trabalho
se dar pelo preço, é relevante ressaltar que a política industrial engendrada durante os
últimos 30 anos se deu no sentido de afastar a produção chinesa de bens de menor
intensidade tecnológica. Na adoção da política industrial, como apontado por Pinto
(2011) e Leão (2010) apontam que o Estado chinês conduziu o deslocamento do
investimento de setores tradicionais para setores de tecnologia de ponta. Dessa forma, a
construção de grandes empresas líderes capazes de comandar a cadeia foi
comprometida, restando os fornecedores que realizam as atividades periféricas,
fortemente ancoradas no preço.
É pertinente apontar que na análise de Sarti e Hiratuka (2010), os autores
destacam que embora a China tenha aumentado a participação de bens intensivos em
tecnologia, a produção de bens intensivos em trabalho, ainda, é muito importante para
China. Os dados ligados a comércio internacional demonstram que apesar da
importância ter caído na pauta, estes bens ainda são muito relevantes para a China.
Dessa forma, há um grande empenho na manutenção da competitividade, portanto, na
manutenção dos preços menores (competição por preço).
Já os bens intensivos em recursos naturais apresentaram uma tendência de
encarecimento. Percebe-se em uma comparação entre os anos de 2001 e 2013 para a
pauta importadora americana, que houve pouca mudança neste segmento para a China.
Ela se manteve competitiva em setores, nos quais já era competitiva. Portanto, o
aumento de preços pode ter dois significados: aumento de qualidade dos bens
exportados para os EUA, ou, impacto das mudanças nos salários sobre os preços finais.
Como se viu por Hiratuka e Cunha (2011), a China optou por centralizar sua
exportação em bens de qualidade menor, portanto, os preços finais seriam menores.
Dessa forma, pela própria dinâmica concorrencial ligada fortemente ao preço e a
atuação em setores de menor qualidade, esperava-se que os preços finais fossem mais
baratos. Porém, isso pode ser explicado pelo fato de que no tipo de tecnologia de
recursos naturais, a China apresenta pouca competitividade, logo, o aumento salarial
teve maior preponderância na construção do preço final.
A análise dos indicadores de preços relativos apresenta resultados semelhantes
ao trabalho de Schott (2008). A China realizou um esforço grande de política industrial
e aumentou a produção de bens intensivos em tecnologia, se comparado a outros países
122
de característica semelhante. O esperado, portanto, é que os preços chineses
aumentassem, porém, no estudo de Schott (2008) os preços vão se barateando. Nas
análises realizadas anteriormente, isso se verifica para a produção de bens intensivos em
escala e ciência, porém não ocorre o mesmo para diferenciados.
Ao aprofundar essa análise, percebe-se que nos segmentos nos quais os preços
relativos são menores, e a concorrência não se dá via preço, a China teve menor
inserção comercial. Portanto, pode-se inferir que a China não foi capaz de, ao menos
para bens intensivos em escala e ciência, construir a dotação tecnológica necessária para
realizar a competição via inovação com outros países. Em outras palavras, nestes
segmentos a competição pela inovação se faz mais importante que a competição via
preço, e a China não conseguiu se inserir de forma a conseguir competir via inovação.
Além disso, possivelmente, ela não conseguiu construir empresas capazes de comandar
cadeias globais. Dessa forma, as firmas, possivelmente, continuaram a realizar
operações mais periféricas, sendo incapazes de comandar cadeias, atuando como
geradoras de inovação e, apropriando-se de maior valor, com preços maiores.
Porém, para a produção de bens diferenciados há uma importante participação
das exportações chinesas para o mercado americano. Além disso, verifica-se uma
diminuição, paulatina, do diferencial entre China e México. Poder-se-ia questionar que
o aumento salarial é o vetor que impulsiona o aumento de preços. Contudo, ao observar
o gráfico 31, percebe-se o aumento da massa salarial para diferenciado foi o menor
entre cada tipo de tecnologia. Além disso, o gráfico 34 mostra que o único tipo de
tecnologia que apresentou diminuição da participação da massa salarial no valor
adicionado. Aliado a essas informações, percebe-se que o maior aumento de
produtividade vem justamente dos bens diferenciados, logo, é pouco provável que o
aumento de salários seja a razão pela qual houve aumento dos preços relativos chineses.
Embora o exame da evolução dos preços relativos pareça não ter uma forte
conexão com os dados encontrados para aumento salarial e produtividade, é notável
destacar que a compreensão da competitividade de uma economia deve ser em uma
visão de longo prazo. Ou seja, os efeitos da trajetória de produtividade versus aumento
salarial apresentam efeitos de médio a longo prazo. Como apontado por Li et al (2012),
algumas das principais condicionantes que conferem grande aumento salarial, como por
exemplo o bônus demográfico, apresentarão efeitos e um período posterior e mais
123
distante. Dessa forma, a análise é importante na medida que aponta gargalos de
competitividade e quais setores poderiam estar ameaçados.
Nesse sentido, toda a produção chinesa apresentou aumentos salariais superiores
aos ganhos de produtividade. Os dados corroboram a teoria de Li et al (2012) e também
de Cintra e Pinto (2011). Embora a China esteja empenhada em realizar uma política de
aumento salarial em benefício ao mercado interno, é necessário que sejam observados
fatores institucionais chineses como a flexibilização do hukou. Este exerce uma pressão
altista sobre os salários urbanos que pode acabar por afetar a produtividade da economia
chinesa.
124
CONCLUSÃO
A China desempenha um papel muito relevante do ponto de vista econômico, na
configuração da economia mundial. Este protagonismo é resultado de uma série de
condicionantes externas e internas que propiciaram o florescimento da China como
grande economia exportadora, além de “fábrica do mundo”.
Dentre os fatores que colaboraram para a modernização chinesa está o
investimento estrangeiro. Devido à nova dinâmica de acumulação da empresa
capitalista, a cadeia de valor passou a ser fragmentada. Além disso, contou-se com uma
especialização maior das atividades realizadas em cada país ou região, como salientado
por Sarti e Hiratuka (2010). A localidade na qual seria produzido era escolhida baseada
no menor custo possível da operação. Nesse sentido, a China apresentava uma vantagem
competitiva relacionada a uma mão de obra, relativamente qualificada e de baixo custo.
A China soube se beneficiar de tal configuração e criou as ZEEs. Nestas, as
empresas podiam gozar de câmbio desvalorizado, incentivos fiscais e tributário, além da
mão de obra barata (MILARÉ, 2011). Portanto, a maior parte dos investimentos eram
direcionados a setores intensivos trabalho.
Porém, o Estado implementou uma política industrial que se utilizava do
investimento estrangeiro para modernização do parque industrial. Se a principio o IDE
era direcionado a setores intensivos em trabalho, na segunda fase do IDE, a China
procurou deslocar os investimentos para setores de alta tecnologia e de exportações
(ACIOLY, 2005).
Estas empresas estrangeiras poderiam produzir sob a condição de: (i) utilizarem
de fornecedores locais; (ii) realização de transferência tecnológica e engenharia reversa.
Portanto, percebe-se que havia uma preocupação de que o capital estrangeiro fosse
responsável pela modernização da indústria chinesa, além de fornecer as dotações
tecnológicas necessárias para avançar na fronteira tecnológica (PINTO, 2011).
Além disso, havia um empenho estatal em transformar as empresas estatais
chinesas em grandes conglomerados capazes de competir globalmente. Dessa forma, o
Estado chinês passou privatizar as empresas menores e de pouco cunho estratégico para
o governo. As empresas que se mantiveram sob a égide do Estado eram aquelas que
atuavam em setores intensivos em tecnologia (LEÃO, 2010).
125
Dessa maneira, a política industrial conduzida exerceu forte impacto sobre o
desempenho chinês: a China passou a ser um importante player no comércio
internacional, participando do comércio de bens intensivos em tecnologia. Os trabalhos
de Schott (2008) e Rodrik (2006) destacam um aumento da participação chinesa na
exportação de bens intensivos em tecnologia.
Porém outros autores como Lardy (2004) apontavam o comércio chinês fruto
apenas do processamento de componentes eletrônicos mais sofisticados. Contudo, Sarti
e Hiratuka (2010) demonstram que a China passou a demonstrar uma maior participação
de setores intensivos em tecnologia, em sua indústria.
Os dados consolidam a ideia de que a China deslocou suas exportações e
também sua produção industrial na direção de bens mais sofisticados, em detrimento de
bens intensivos em trabalho e recursos naturais. Este processo de catching up traz
consigo, também, um aumento dos salários, devido à melhor qualificação de mão de
obra empregada na produção de bens mais sofisticados.
Porém, não é possível estabelecer uma relação direta de causalidade entre
catching up e aumento salarial. Pois, o mercado de trabalho da China, como apontado
por Morais (2011) apresenta uma característica dual. Ou seja, existe um mercado de
trabalho regido pela oferta e procura, porém há um componente forte político, que acaba
por determinar salários e oferta de trabalho. O Estado ainda exerce uma participação
muito forte no mercado de trabalho chinês.
Embora o aumento salarial não esteja tão refletido no aumento de preços
chineses, é importante salientar que a trajetória de produtividade e aumento salarial
apresenta consequência de médio a longo prazo. Pois, como apontado por Bresser-
Pereira (2006), os salários devem crescer juntamente à produtividade, a fim de evitar
crises de sub investimento.
O estudo dos preços relativos chineses trouxe mais profundamente a questão do
processo de catching up tecnológico. A partir da análise, verificou-se que em segmentos
de maior intensidade tecnológica, como ciência e escala, o preço dos bens exportados
deveriam aumentar de modo a se aproximar ao de países desenvolvidos, como
determina Schott (2004). Porém, este movimento se dá somente para a produção de
bens diferenciados. O que se percebe é que, embora a China tenha galgado avanços na
126
fronteira tecnológica, para o segmento e escala e ciência, ela não foi capaz de se inserir
em elos mais nobres da cadeia de produção de valor, mantendo-se em posições ainda
periféricas.
Como discutido anteriormente, a China conseguiu construir grandes
conglomerados capazes de competir globalmente e comandar cadeias de valor, como a
Lenovo e Huawei, para a produção de bens diferenciados. Dessa forma, ela passou a
competir via inovação, na qual o preço tem menor importância na competição. Já nos
tipos de tecnologia de escala e ciência, a China ainda se mantém na competição por
preço, logo, avançou-se se forma discreta no comando das cadeias globais nestes
segmentos.
É possível dizer que se o processo de catching up tecnológico se aprofundar, e a
China conseguir desenvolver capacidades tecnológicas suficientes para comandar
cadeias globais de valor, então, talvez, seja o fim da China barata. Neste sentido
explicita-se que a maior parte da produção chinesa se deslocará para bens intensivos em
tecnologia, em detrimento de bens intensivos em trabalho e/ou recursos naturais. Logo,
nesses setores, como já enfatizado anteriormente a concorrência essencial se dá pela
inovação, na qual o preço tem um papel secundário, e apresenta geralmente preços
médios maiores.
Por outro lado, sob a ótica de aumento dos salários, a competitividade chinesa
pode estar ameaçada em médio a longo prazo, devido aos ganhos salariais serem
superiores aos ganhos de produtividade. Dessa forma, o governo chinês deve operar de
maneira a eliminar os fatores institucionais que ainda pressionam o salário chinês como
o bônus demográfico e o hukou. O aumento salarial pode se tornar problemático tanto
para setores, nos quais o salário é um forte componente de custo, quanto nos outros.
Quanto à produção intensiva em trabalho, ainda não foi possível observar um
aumento dos preços de bens intensivos em trabalho, devido ao aumento salarial. Pois,
por um lado, também houve diminuição da margem das empresas, demonstrado pelo
gráfico 34. Neste gráfico percebe-se que há um aumento da participação da massa
salarial chinesa, no valor adicionado, portanto há uma diminuição do lucro. Caso a
situação persista, é possível que estes setores percam competitividade, e eles ainda
representam uma parte significativa da pauta exportadora chinesa, como demonstrado
pelos dados e salientado por Sarti e Hiratuka (2010).
127
A China deveria se empenhar em políticas de flexibilização do hukou, por
exemplo. Como apontado por Nabuco (2012), diversas províncias estão,
paulatinamente, “legalizando” a situação de imigrantes do campo, e procurando fixá-los
em suas cidades. Em 2009, uma província muito importante do ponto de vista
econômico, Shangai, adotou um sistema de pontos que permite a conversão do morador
rural para morador urbano. Segundo o sistema, há um determinado número de itens
como o grau de escolaridade, tempo de residência na cidade, registro de residência do
cônjuge, renda e empregador que acumulam determinados pontos. Dessa forma, o
morador que conseguir a pontuação mínima pode realizar a conversão do seu hukou
(NABUCO, 2012).
É preciso compatibilizar a política de aumento salarial, para fortalecer o
consumo, com uma adequação do crescimento dos salários com os ganhos de
produtividade. Dessa forma, será possível realizar um crescimento mais sustentável, e
também “equilibrado”, como apregoado pelo próprio governo (MEDEIROS, 2010).
Dessa forma, verifica-se que todo o processo de desenvolvimento da economia
chinesa é bastante complexo. Pois, apesar da abertura da economia chinesa, o Estado
ainda exerce uma forte influência sobre todos os mercados. Logo, o componente
político é de extrema importância.
A partir de toda a análise, é possível verificar que a China apresenta uma
trajetória singular de desenvolvimento de capacidades, aproximando-se da fronteira
tecnológica. Todo o esforço de política foi direcionado para a produção de bens
intensivos em tecnologia e a China conseguiu galgar posições importantes em mercados
intensivos em tecnologia. No caso de bens diferenciados, ela ainda foi capaz de
construir grandes empresas, comandantes da cadeia de valor. Estas se tornaram centros
difusores de tecnologia e passaram a se apropriarem de maior valor agregado, que se
traduziu em preços maiores, internacionalmente.
Porém, para outros tipos de tecnologia, como ciência e escala, a China
permanece em posições periféricas da cadeia de valor. Embora tenha havido um
aumento da produção desses bens em território chinês, a tendência de queda de preços
nestes segmentos demonstra que ainda não foi possível comandar as grandes cadeias de
valor. Pois, nestes segmentos, a concorrência se dá via inovação, que apresenta preços
maiores, realizada pelos grandes conglomerados, líderes da cadeia de valor.
128
Para os setores intensivos em trabalho, vê-se que suas margens de lucro vêm
diminuindo, pois o aumento salarial exerce uma pressão sobre os preços finais. Porém,
como este segmento apresenta uma forte concorrência via preço, estes produtos ainda
não apresentaram aumento de preços finais. Caso a situação se mantenha, estes setores
podem perder competitividade e até mesmo deixar de serem produzidos em local
chinês, para serem produzidos em países vizinhos, como apontado por Cintra e Pinto
(2015).
Sob esta perspectiva, a China “barata” para bens diferenciados já se iniciou, e
para os outros segmentos intensivos em tecnologia, este movimento pode acontecer
também. Pois, como apontado pelo próprio governo, a China busca construir grandes
conglomerados, capazes de competir globalmente (MEDEIROS, 2006). Dessa forma,
para que isso aconteça, será necessário investir em inovações, que apresentam preços
maiores.
Quanto aos setores intensivos em trabalho, caso a China não empreenda
mudanças institucionais em sua política de migração do campo para cidade e a “política
do filho único”, a produção intensiva em trabalho pode ter sua competitividade
ameaçada, no médio e longo prazo. Logo, caso isso não ocorra, será o fim da China
“barata” para a produção de bens intensivos em trabalho. Além disso, provavelmente,
boa parte da produção será destinada a outros países vizinhos.
129
ANEXOS
Classificação intensidade tecnológica – OCDE (2011)
Alta tecnologia
Fabricação de aeronaves e componentes
Fabricação de produtos farmacêuticos
Fabricação de material e equipamentos de escritório
Fabricação de equipamentos de rádio, TV e telecomunicações
Fabricação de equipamentos médicos, ópticos e de precisão
Média/Alta Tecnologia
Fabricação de máquinas e equipamentos elétricos
Fabricação de veículos
Fabricação de produtos químicos
Fabricação de ferrovias e equipamentos de transporte
Fabricação de máquinas e equipamentos
Média/baixa tecnologia
Fabricação de construção de barcos
Fabricação de borracha e produtos de plástico
Fabricação de coque, petróleo refinado e combustível nuclear
Fabricação de outros produtos minerais não-metálicos
Fabricação de produtos de metal
Baixa tecnologia
Reciclagem
Fabricação de madeira, polpa, papel, impressão e publicação
Fabricação de produtos alimentícios, bebidas e fumo
Fabricação de têxteis, couro e calçados
130
REFERÊNCIAS
ACIOLY, L. China: uma inserção diferenciada. Rev. Economia política internacional:
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