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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO CIÊNCIAS EM GESTÃO E TECNOLOGIA (CCGT) DEPARTAMENTO DE ECONOMIA CAROLINE MIRANDA BRANDÃO AS TRANSFORMAÇÕES NO MODELO DE DESENVOLVIMENTO CHINÊS E SEUS IMPACTOS NA ESTRUTURA PRODUTIVA: SERÁ O FIM DA “CHINA BARATA” Sorocaba 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS

CENTRO CIÊNCIAS EM GESTÃO E TECNOLOGIA (CCGT)

DEPARTAMENTO DE ECONOMIA

CAROLINE MIRANDA BRANDÃO

AS TRANSFORMAÇÕES NO MODELO DE DESENVOLVIMENTO CHINÊS E

SEUS IMPACTOS NA ESTRUTURA PRODUTIVA: SERÁ O FIM DA “CHINA

BARATA”

Sorocaba 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS

CENTRO CIÊNCIAS EM GESTÃO E TECNOLOGIA (CCGT)

DEPARTAMENTO DE ECONOMIA

CAROLINE MIRANDA BRANDÃO

AS TRANSFORMAÇÕES NO MODELO DE DESENVOLVIMENTO CHINÊS E

SEUS IMPACTOS NA ESTRUTURA PRODUTIVA: SERÁ O FIM DA “CHINA

BARATA”

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Economia, para

obtenção do título de Mestre em

Economia

Orientação: Prof. Dr. Antônio Carlos

Diegues

Sorocaba 2016

3

Ficha catalografica

4

PAPEL APROVAÇÃO DISSERTAÇÃO

5

Dedico esta dissertação à minha família.

6

AGRADECIMENTOS

Primeiro gostaria de agradecer a Deus e à minha família próxima, minha mãe,

meu pai e meu irmão, por estarem sempre ao meu lado, ajudando-me e dando total

apoio. Também quero agradecer aos meus tios, avô e padrinhos que fizeram dessa

jornada mais leve.

Também quero agradecer, imensamente, ao meu orientador prof. Antônio Carlos

Diegues. Sem dúvida, ele me proporcionou todo o conhecimento necessário para

escrever essa dissertação. Toda a nossa parceria, durante o mestrado, levarei para minha

vida. Ganhei não somente um professor, mas também um amigo importante.

Agradeço também à minha banca, os professores Renato Garcia, José Eduardo

Roselino e ao Lucas Teixeira, pesquisador do BNDES. Todos os comentários foram de

extrema pertinência, e os utilizei para finalizar minha pesquisa. Vocês mostraram que

mesmo após saber muito sobre determinado tema, sempre há espaço para buscar ainda

mais.

Também aproveito para agradecer à aluna de iniciação científica, Carol Giusti.

Você trabalhou intensamente comigo na pesquisa, e tenho certeza que você tem parte

importante no resultado dessa dissertação.

Todos os professores do curso de mestrado foram de extrema importância para o

meu processo de aprendizado. Quero agradecer especialmente aos professores: Adelson,

Andrea, César, Danilo, Eduardo, Geraldo, Maria Aparecida, Mariusa, Rodrigo, Rosane

e Roselino. Aproveito para agradecer também à Manoela, que sempre meu ajudou em

todos os procedimentos do curso.

Agradeço à CAPES, pela bolsa concedida.

Também quero agradecer a todos meus colegas de turma, que me ajudaram tanto

acadêmica quanto emocionalmente, durante um ano a fio. Agradeço especialmente

minhas colegas de apartamento, Amanda e Lívia. A amizade que fiz com vocês,

certamente, ficará.

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RESUMO

O objetivo deste trabalho é compreender se existe o fim da China barata, ou seja,

se há um aumento dos preços de bens exportados pela indústria chinesa. A fim de

verificar de a China está encarecendo sua produção, a análise será realizada sob uma

perspectiva estrutural, para os anos 1990 até anos 2000. Dessa forma, será realizado um

estudo que busca verificar se existe mudança na estrutura produtiva, na direção de bens

intensivos em tecnologia, em detrimento da produção de bens intensivos em trabalho.

Para isso serão utilizados indicadores de comércio internacional e de produção

industrial. Além disso, verificar-se-á a estrutura salarial chinesa e como a mesma

impacta na competitividade chinesa, por meio de indicadores de competitividade e

estrutural salarial. Por fim, será realizada uma comparação de preços relativos da China

com outros países, na exportação de bens para o mercado americano. Logo, será

possível verificar o impacto de tais mudanças, na estrutura produtiva e salarial, para a

composição dos preços de bens industriais exportados.

Palavras-chave: Política industrial. Economia chinesa. Estrutura produtiva. Inovação.

Comércio internacional.

JEL: O14. O25. P41.

8

ABSTRACT

The main purpose of this research is to verify if it is the end of cheap China. In other

words, it will be studied the path of China’s industrial exports. In order to examine the

rise in China’s prices, the analysis will be taken from a structural perspective, from

1990’s to 2000’s. Thus, this work will explore the structural change in China industry.

The main premise is that China’s production is changing towards sophisticated goods.

First, the investigation will be done with indicators of international trade and industrial

production. Besides that, there will be taken an analysis of Chinese wage structure and

how it impacts on Chinese competitiveness. Finally, there will be a comparison of

relative prices between China and other countries in the US imports. Therefore, it will

be possible to check the impact of structural changes in China economy to the relative

prices of industrial exports.

Keywords: Industrial policy. China economy. Industry. Innovation. International trade.

JEL: O14. O25. P41.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Porcentagem do total investido para cada tipo de empresa (1980-1997) ...... 29

Tabela 2 - Número de aplicações a patentes, segundo IPC*, EUA e China, para 1990 e

2012 ................................................................................................................................ 49

Tabela 3 - Indicador de Vantagem Comparativa Revelada (VCR) – China – 1994‑1998

e 2001‑2005 ................................................................................................................... 66

Tabela 4 - Indicador de Contribuição ao Saldo Comercial (CS) – China – 1994‑1998 e

2001‑2005 ...................................................................................................................... 67

Tabela 5 - Participação Relativa das Exportações segundo o dinamismo e

competitividade – China – 1994‑1998 e 2001‑2005 ..................................................... 68

Tabela 6 - Participação no Produto Industrial Mundial por Região e Grau de

Desenvolvimento (em %) ............................................................................................... 69

Tabela 7 - Participação dos Países/Regiões em Desenvolvimento no Produto de Média e

Alta Tecnologia Mundial (em %) ................................................................................... 70

Tabela 8 - Evolução da participação e da posição dos dez principais setores

exportadores, na China para 2001, 2007 e 2014 ............................................................ 79

Tabela 9 - Evolução da participação e da posição dos nove principais setores importados

pela China para 2001, 2007 e 2014 ................................................................................ 82

Tabela 10 - China, Indonésia, Filipinas, Tailândia e Vietnã: evolução dos salários

nominais mensais (Em US$) .......................................................................................... 96

Tabela 11 - Evolução market-share mundial de qualidade, segundo tecnologia, na

China, de 2000/2001 e 2006/2007 ................................................................................ 113

Tabela 12 - Evolução do diferencial de preços entre China, Alemanha, Canadá e

México, segundo tecnologia, para os anos de 2001, 2007 e 2013 ................................ 116

Tabela 13 - Evolução do diferencial de preços entre China, Alemanha, Canadá e

México, segundo tecnologia, para os anos de 2001 e 2013 (para os mesmos produtos)

...................................................................................................................................... 117

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Taxa de crescimento do PIB, indústria, e setor primário, de 1953 até 1957,

(1953=100) ..................................................................................................................... 21

Gráfico 2 - Composição do PIB, dos anos 1952 até 1977 .............................................. 21

Gráfico 3 – Evolução da taxa de câmbio nominal (CHY/USD) e evolução da taxa de

câmbio real* (1980– 2015) ............................................................................................. 41

Gráfico 4 – Participação do IDE (fluxo recebido) para China, EUA e Economias em

desenvolvimento na Ásia, em relação ao mundo (1978 até 2013) ................................. 42

Gráfico 5 – Gasto total em P&D, como porcentagem do PIB, de 1991 a 2013 (EUA,

China e OCDE) ............................................................................................................... 47

Gráfico 6 – Gasto das empresas em P&D, como porcentagem do PIB, 1991 a 2013

(EUA, OCDE e China) ................................................................................................... 47

Gráfico 7 – Número de patentes, para EUA e China (1990 a 2013) .............................. 48

Gráfico 8 – Share das exportações chinesas, americana e dos países em

desenvolvimento na Ásia, em relação ao mundo (1978 a 2014) .................................... 49

Gráfico 9 – Crescimento PIB (%) de China, EUA, Mundo, Países em desenvolvimento

na Ásia, Países em desenvolvimento excluindo a China (1978 até 2014) ..................... 50

Gráfico 10 - Proporção do incremento de cada componente para o crescimento do PIB

........................................................................................................................................ 51

Gráfico 11 - Evolução e taxa de crescimento dos salários nominais em yuan (1990-

2008) ............................................................................................................................... 55

Gráfico 12 - Evolução da participação das exportações americanas e chinesas, no total

mundial, segundo intensidade tecnológica, de 1995 a 2013........................................... 74

Gráfico 13 - Exportações, Importações e Balança Comercial chinesa, para os anos de

2001 a 2014 (em US$ milhões) ...................................................................................... 75

Gráfico 14 – Evolução da participação das exportações chinesas segundo tipo de

tecnologia de 2001 a 2014 .............................................................................................. 76

Gráfico 15 – Evolução do saldo comercial chinês, por tipo de tecnologia, de 2001 a

2014 (em US$ milhões) .................................................................................................. 76

Gráfico 16 - Participação na exportação dos dez principais setores chineses, por

tecnologia, para os anos de 2001 (A) e 2014 (B) ........................................................... 77

Gráfico 17 - Evolução da participação das importações chinesas segundo tecnologia de

2001 a 2014 .................................................................................................................... 80

11

Gráfico 18 - Participação na importação dos nove principais setores chineses, por

tecnologia, para os anos de 2001 e 2014 ........................................................................ 81

Gráfico 19 - Evolução da participação das exportações americanas, segundo tipo de

tecnologia, de 2001 a 2014 ............................................................................................. 83

Gráfico 20 - Evolução do saldo comercial americano, por tipo de tecnologia, de 2001 a

2014 (em US$ milhões) .................................................................................................. 84

Gráfico 21 - Evolução da participação das importações americanas, segundo tecnologia,

de 2001 a 2014 ................................................................................................................ 84

Gráfico 22 - Evolução do saldo comercial, EUA e China, segundo tecnologia de 2001 a

2014 (em US$ milhões) .................................................................................................. 85

Gráfico 23 - Evolução do valor adicionado da indústria/PIB - China, EUA, Países

Industrializados, Países Emergentes (excluindo a China) e Países Emergentes (incluindo

a China) - 1990 a 2012 ................................................................................................... 87

Gráfico 24- Evolução participação MVA no total mundial – China, EUA,

Industrializados, Economias Emergentes (excluindo China) e Economias Emergentes

incluindo China (1990 a 2012) ....................................................................................... 88

Gráfico 25 - Evolução da participação VBP chinês segundo tipo tecnologia* – 1980 a

2008** ............................................................................................................................ 89

Gráfico 26 - Evolução da participação do VBP americano, segundo tipo de tecnologia –

1980 a 2008 .................................................................................................................... 90

Gráfico 27 - Evolução da participação do valor adicionado chinês, segundo tipo de

tecnologia – 1980 a 2007 ................................................................................................ 91

Gráfico 28 - Evolução da participação do valor adicionado americano, segundo tipo de

tecnologia – 1980 a 2007* .............................................................................................. 93

Gráfico 29 - Evolução da participação da massa salarial chinesa, segundo de tecnologia

(1980 a 2008) ................................................................................................................ 100

Gráfico 30 - Evolução participação da massa salarial americana, anual, segundo tipo de

tecnologia (1980 a 2008) .............................................................................................. 100

Gráfico 31 - Crescimento da massa salarial chinesa (valores anuais) (1980-2007)* por

tipo de tecnologia 1980=100** .................................................................................... 101

Gráfico 32 - Crescimento da massa salarial americana (valores anuais) (1980-2007) por

tipo de tecnologia 1980=100 ........................................................................................ 102

Gráfico 33 - Massa salarial/Pessoal ocupado de China e EUA, segundo tecnologia (2004

a 2008) em US$* .......................................................................................................... 103

12

Gráfico 34 - Evolução da participação da massa salarial/valor adicionado*, segundo tipo

de tecnologia (China) – 1980 a 2007 ............................................................................ 104

Gráfico 35 - Evolução massa salarial/valor adicionado, segundo tipo de tecnologia

(EUA) – 1980 a 2007 ................................................................................................... 105

Gráfico 36 - Evolução produtividade (VA/Pessoal Ocupado) de 1980 a 2007 (China) em

US$ ............................................................................................................................... 106

Gráfico 37 - Evolução produtividade* (VA/Pessoal Ocupado) de 1980 a 2007 (EUA)

...................................................................................................................................... 107

Gráfico 38 – Evolução de crescimento da produtividade chinesa, segundo tecnologia,

em porcentagem – 1980 a 2007 (1980=100) ................................................................ 108

Gráfico 39 - Evolução de crescimento da produtividade americana, segundo tipo de

tecnologia, em porcentagem – 1980 a 2007 (1980=100) ............................................. 108

Gráfico 40 – Evolução dos salários segundo tipo de empresa – 1996 a 2013 (1995=100)

* .................................................................................................................................... 110

13

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 14

1. CAPÍTULO 1 - MUDANÇA NO MODELO DE DESENVOLVIMENTO

CHINÊS ......................................................................................................................... 18

1.1 INDÚSTRIA PESADA ............................................................................................ 18

1.2 REFORMAS PÓS 1978 (GOVERNO DE DENG XIAOPING) ............................. 23

1.2.1 Reforma no campo e nas TVEs .......................................................................... 23

1.2.2 SOEs (State Owned Enterprise) ......................................................................... 28

1.2.3 Condicionantes externas ao favorecimento da atração de IDE ....................... 31

1.2.3.1 Contexto geopolítico e a rede asiática ................................................................ 31

1.2.3.2 Empresa em rede ................................................................................................ 33

1.2.4 Condicionantes internas à atração de IDE (Política Industrial e catching up

tecnológico) .................................................................................................................... 39

1.2.5 Mudança do modelo para o mercado interno ................................................... 54

2. CAPÍTULO 2 – MUDANÇAS ESTRUTURAIS NA PRODUÇÃO E

SALÁRIOS.. .................................................................................................................. 58

2.1 MUDANÇA NA ESTRUTURA PRODUTIVA ...................................................... 59

2.1.1 Revisão bibliográfica ........................................................................................... 59

2.1.2 Análise da evolução de indicadores .................................................................... 72

2.1.2.1 Comércio internacional....................................................................................... 73

2.1.2.2 Produção industrial ............................................................................................. 86

2.2 MUDANÇAS NA ESTRUTURA DE SALÁRIOS E PRODUTIVIDADE ............ 94

2.2.1 Revisão bibliográfica ........................................................................................... 94

2.3.1 Revisão teórica ................................................................................................... 111

2.3.2 Dados sobre a evolução dos preços .................................................................. 114

CONCLUSÃO ............................................................................................................. 124

ANEXOS ..................................................................................................................... 129

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 130

14

INTRODUÇÃO

A China é uma das economias mais importantes do mundo, com taxas de

crescimento altas há mais de duas décadas. O país apresentou crescimento do PIB de

10,14% a.a., entre 1980 e 2000 e de 10,84% a.a., entre 2000 e 2010. Já os EUA, a maior

economia do mundo, apresentaram crescimento de 3,36% a.a. e 1,84% a.a., para os

mesmos períodos, respectivamente (UNCTAD, 2014).

O desempenho chinês atual é resultado de uma série de mudanças estruturais que

ocorreram, a partir da década de 1970. Durante esse período, o governo chinês tinha

como objetivo o aumento da participação chinesa no comércio internacional, além de

atrair investimentos externos. Logo, as reformas previam uma maneira de viabilizar a

abertura do mercado chinês e trazer investimentos para o país. Verificou-se que a

economia chinesa se tornou um dos principais receptores de investimento direto

estrangeiro, sendo que, a China representava 0,11% de todos os fluxos mundiais de IDE

(Investimento Direto Estrangeiro), em 1980, passando a 9,1%, em 2012 (UNCTAD,

2014).

Como discutido por Sarti e Hiratuka (2010), a China direcionou e deslocou

diversos investimentos, não só da Ásia, como do resto do mundo, sendo peça

fundamental na configuração da divisão internacional do trabalho e na escolha de

investimentos internacionais.

Esse grande fluxo de investimentos está associado, dentre outros fatores, à

criação das ZEEs (Zonas Econômicas Especiais). Nestas, as empresas poderiam gozar

de benefícios fiscais, câmbio desvalorizado, taxas de juros reduzidas, além de mão de

obra relativamente qualificada e de baixo custo, comparado aos níveis de países

desenvolvidos (MILARÉ, 2011). Estes incentivos se configuraram em atrativos muitos

importantes para produzir, pois se traduziam em preços menores dos bens finais e maior

competitividade por parte das empresas.

Dessa forma, durante a década de 1980, a China atraiu investimentos oriundos

de setores mais intensivos em trabalho, devido aos baixos salários chineses. Porém, a

partir de 1986, houve o início da segunda fase da abertura ao IDE, na qual, o governo

chinês tomou uma série de medidas para mudar a estrutura setorial dos investimentos

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diretos recebidos. Procurou-se dirigir os investimentos para a indústria de transformação

e para os setores de mais alta tecnologia (ACIOLY, 2005).

Portanto, o que se verifica é uma tentativa do governo chinês de deslocamento

dos investimentos de setores menos intensivos em tecnologia para setores mais

intensivos em tecnologia. Porém, esta mudança na produção enseja uma mão de obra

qualificada, o que implica salários maiores do que os tradicionalmente conhecidos como

o cerne da vantagem competitiva chinesa (NONNENBERG E MESENTIER, 2012).

Dessa forma, este intuito de trazer indústrias mais intensivas em tecnologia

acabaria por trazer um encarecimento do produto exportado chinês. Esse aumento de

preço se dá sob duas perspectivas: (i) o produto de maior intensidade tecnológica

apresenta um preço médio maior que de produtos intensivos em trabalho e/ou recursos

naturais; (ii) a produção de bens intensivos em tecnologia traz um aumento salarial, que

pode ser repassado ao preço do bem final.

A questão do encarecimento da produção chinesa é trazida pela revista The

economist (The end of cheap China, 2014) “Seria o fim da China barata?”, sob a

perspectiva de aumento salarial. Segundo a revista, o aumento dos salários chineses

acabou por encarecer a produção e exportação chinesas, tornando-as menos

competitivas. Também segundo a revista, essa mudança na estrutura salarial chinesa

alterou as decisões de investimentos empresariais, deslocando-os para outros países, em

especial na Ásia.

No entanto, como apontado por Bresser Pereira (2006), o próprio crescimento

econômico engendra um aumento da taxa salarial proporcional ao aumento de

produtividade, de modo que aumento dos salários acontece na proporção do aumento da

renda per capita.

Neste sentido, o problema de pesquisa é justamente a análise da economia

chinesa, a fim de compreender se é possível dizer que há uma trajetória de fim da China

barata. Porém, esta dissertação estuda o tema de uma maneira mais ampla, não tratando

somente o aumento salarial como fator de encarecimento de preços finais. Na verdade,

sob este prisma de análise, o aumento salarial é uma consequência da mudança na

estrutura produtiva. Pois, a produção de bens intensivos em tecnologia apresenta preços

maiores e a mão de obra, neste tipo de produção, é mais qualificada, o que traz salários

maiores. Dessa forma, o objetivo central desse trabalho é verificar se houve uma

mudança na estrutura produtiva para a produção de bens intensivos em tecnologia.

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Logo, será possível observar quais os possíveis desdobramentos para a estrutura de

salários.

Para compreender tal processo de mudança na China, o trabalho será dividido

em dois capítulos. No primeiro capítulo será feita uma análise histórica do processo de

industrialização tardio chinês. Logo, será observada toda a trajetória de industrialização

chinesa, a partir da consolidação da indústria pesada até modernização industrial

chinesa. Para o período de 1949 a 1976 (governo de Mao Tse Tung), é importante

compreender o processo de industrialização pesada, como precondição para a

industrialização chinesa. A partir de 1978, serão analisadas as mudanças ocorridas na

sociedade chinesa, bem como as políticas implementadas para atrair capital estrangeiro

e estimular o capital nacional. Além disso, também será verificada a mudança no

modelo de desenvolvimento chinês, que passou de um modelo pautado no investimento

e nas exportações, para um modelo voltado ao consumo.

No capítulo dois, realizar-se-á a análise da mudança na estrutura produtiva, ou

seja, mensurar o deslocamento da produção chinesa de bens exportados mais intensivos

em trabalho para bens mais sofisticados, no período entre a década de 1990 e anos 2000.

Para isso, a estudo será construído a partir de indicadores de produção industrial e

comércio internacional, bem como a utilização de trabalhos empíricos que abordem a

sofisticação da produção chinesa. Tanto a mudança na estrutura produtiva quanto na

estrutura salarial serão comparadas às da economia americana, para que se possa

desenvolver uma comparação com uma economia sofisticada. Os motivos pelos quais

os EUA foram escolhidos como comparação serão desenvolvidos, no capítulo dois.

Quanto à mudança na trajetória de salários chineses, serão abordados

indicadores que tragam a questão de salários versus competitividade. Dessa forma, será

possível traçar se o aumento salarial é suficiente para comprometer a competitividade

chinesa, e com isso, ameaçar os preços finais. Juntamente a esta análise também serão

abordados trabalhos empíricos que tragam diferentes pontos de vista quanto à evolução

da produtividade e dos salários, na economia chinesa.

Por fim, será estudada a evolução dos preços de bens industriais exportados pela

China, para os EUA. Esses preços serão comparados a outros parceiros dos EUA,

elencados por importância, segundo tipo de tecnologia. O objetivo é verificar se as

mudanças na estrutura produtiva e salarial tiveram impacto sobre os preços chineses.

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Portanto, este estudo busca analisar quais os aspectos que consolidaram a

mudança na estrutura de produção chinesa, nos últimos 20 anos. Indaga-se quanto aos

aspectos de política industrial e como estes transformaram a estrutura produtiva chinesa.

Além disso, examinam-se os impactos de tais mudanças e quais as consequências para a

competitividade chinesa.

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1. CAPÍTULO 1 - MUDANÇA NO MODELO DE DESENVOLVIMENTO

CHINÊS

O principal objetivo deste capítulo é mostrar a trajetória de catching up

tecnológico chinês. Para isso, mostrar-se-á desde a consolidação da indústria pesada, no

governo de Mao Tse Tung, passando pelas reformas liberalizantes do governo Deng

Xiaoping, até a ascensão da China como importante player da economia global, nos dias

atuais. Esta explanação demonstra quais transformações internas e externas à China

culminaram no processo de sofisticação da estrutura produtiva chinesa.

Dessa maneira, o capítulo um se divide em duas partes: o governo de Mao Tse

Tung e Deng Xiaoping. No primeiro governo, é importante ressaltar as características

nas quais Mao Tse Tung iniciou seu governo na China. Além disso, salientama-se quais

foram as restrições encontradas ao crescimento e quais a ações tomadas de modo a

consolidar a indústria pesada.

No governo de Deng Xiaoping, procura-se mostrar quais as mudanças

institucionais que levaram à modernização do campo e das empresas estatais, levando a

aumentos de produtividade e crescimento econômico. Além disso, destaca-se o papel da

abertura da economia chinesa ao capital estrangeiro no fomento ao investimento e às

exportações. Ainda ressalta-se como a ação coordenada entre Estado, capital estrangeiro

e nacional trouxe absorção de tecnologia, modernização e também criação/ascensão de

grandes corporações nacionais.

Este processo resultou na escalada da China como um dos países mais

importantes em exportações e produção industrial. Não somente a China conseguiu

atrair investimentos ligados às suas vantagens competitivas relacionadas a custos, mas

também passou a construir habilidades na indústria de alta tecnologia.

Portanto, a China conseguiu superar suas vantagens iniciais relacionadas a

baixos salários, passando a atuar em ramos mais sofisticados. Além disso, o consumo

passou a ser uma tônica da política econômica chinesa, materializado pela ação do

governo em prol de aumentos salariais.

1.1 INDÚSTRIA PESADA

Ao assumir o poder, em 1949, Mao Tse Tung depara-se com uma China

destruída por uma guerra civil, e por outra contra o Japão, que se traduziram em mais de

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23 anos de guerras (POMAR, 2009). Além disso, a agricultura e a indústria, esta última

ainda inexpressiva, encontravam-se arruinadas. Logo, sua missão estava em acabar com

a pobreza, em especial do campesinato, grupo que o apoiou durante a revolução (LEÃO,

2010).

Além da questão social do campo, a agricultura era de extrema importância para

a economia, sendo que 50,5% do PIB correspondia pela agricultura, em 1952 (CHINA

STATISCAL YEARBOOK, 1998). Dessa forma, qualquer forma de planejamento

permeava, em alguma medida, uma reforma agrária. Esta procurou eliminar as formas

de exploração feudal do campo e entregou terras a mais de 150 milhões de camponeses

(POMAR, 2009).

A reforma agrária foi uma mudança gradual, na qual o Estado procurou agrupar

os camponeses e, paulatinamente, passou a centralizar e controlar a produção, até que na

fase final da coletivização toda a produção era destinada ao Estado.

Primeiro, durante a reforma agrária (1949-1952), o governo chinês incentivou a

formação das equipes de ajuda mútua, em que dezenas de famílias camponesas do país

se uniram para compartilhar mão de obra e animais de tração, porém as terras

permaneceram propriedades privadas (POMAR, 2009). A partir de 1953, as equipes de

ajuda mútua começaram a ser transformadas em cooperativas elementares, com 30 a 50

camponeses cooperados. As terras e os animais de tração foram entregues à cooperativa,

que centralizou a ação sobre as atividades produtivas (SHENG, 2004).

Durante esta primeira etapa da socialização, as autoridades prometeram que a

cooperativa usaria uma parte da renda para pagar os seus cooperados segundo as suas

“ações”, ou seja, utilizar a proporção de terras ou gado entregue ao governo como uma

forma de remuneração variável (SHENG, 2004).

Já em 1953, o governo instituiu a política de “compra e venda única”, que

obrigava os camponeses a entregar os seus excedentes para o Estado, na forma de cotas

mínimas, fixas. Sob esse sistema, mesmo nos anos de desastres naturais e de fome, os

camponeses teriam a obrigação de cumprir a cota de entrega de produtos ao Estado

(SHENG, 2004).

Em 1955, houve um avanço no processo de coletivização do campo, com a

criação das cooperativas avançadas de produção agrícola, nas quais a propriedade

agrícola passou a ser estatal. Já os camponeses eram agrupados em comunas, nas quais,

as metas de produção eram estabelecidas pelo governo e este se apropriava de toda a

produção (PAGOTTO, 2006). Nesta nova forma de organização, além do fim da

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propriedade privada, os animais de tração passaram a ser do Estado. Além disso, houve

a suspensão do pagamento da remuneração variável ao campesinato referente ao gado e

às terras entregues ao Estado (SHENG, 2004).

Todas essas medidas de maior controle por parte do Estado tinham como

principal objetivo acelerar a acumulação de capital. Pois, embora, em 1953, a economia

chinesa já tivesse recuperado o nível de atividade econômica anterior à invasão

japonesa, ainda havia conflitos imperialistas que ameaçavam a China. Somado a isso,

havia novas ameaças advindas do contexto da Guerra Fria. Tudo isso mantinha o novo

governo chinês em posição vulnerável. Dessa maneira, necessitava-se de um rápido

desenvolvimento das forças produtivas que se solidificava em um projeto de

industrialização de longo prazo (POMAR, 2009).

Em meio às mudanças na agricultura, foi lançado o I Plano quinquenal (1953-

1957), no qual, a indústria pesada tinha destaque. O Plano apontava que havia uma

preocupação em construir 694 empreendimentos industriais de tamanho médio ou

grande, dos quais 156 eram provenientes de ajuda soviética. O documento ressaltava

que a grande preocupação do governo chinês era o desenvolvimento da indústria, em

especial a indústria pesada, de modo a desenvolver a indústria sob a égide do Estado.

Dessa forma, essa era uma fase necessária para o posterior desenvolvimento socialista

(THE PEOPLE’S REPUBLIC OF CHINA, 2016).

Dado isso, é possível dizer que a iniciativa chinesa se inseria dentro de um

escopo amplo de industrialização, no qual, a criação de uma indústria pesada era

condição básica de um processo de industrialização. Com a formação desta,

asseguraram-se os bens de capital para a formação das indústrias de bens de consumo.

A partir da consolidação da indústria de bens de capital e de bens de consumo, foi

possível internalizar o crescimento econômico e a capacidade de avançar nos mais

diversos setores, com ganhos de eficiência e produtividade (MILARÉ E DIEGUES,

2012).

A produção da indústria cresceu a taxas superiores à do PIB e da agricultura,

durante o período compreendido pelo Plano Quinquenal, como mostra o gráfico 1.

21

Gráfico 1 - Taxa de crescimento do PIB, indústria, e setor primário, de 1953 até

1957, (1953=100)

Fonte: China Statistical Yearbook, 1998. Elaboração própria.

O destaque foi para a indústria pesada, como mostrado por Milaré e Diegues

(2012). Itens estratégicos para a formação da indústria e o aumento da produção tiveram

um forte crescimento, como máquinas, motores de combustão interna, motores

elétricos, e transformadores. Dessa forma, paulatinamente o crescimento da economia

chinesa passou a ser pautado pelo ritmo da indústria, com aumento da participação desta

em detrimento da agricultura, demonstrado pelo gráfico 2.

Mostra-se, com o gráfico 2, que a indústria, na maior parte do período, mantém

maior participação na composição do PIB. Isso demonstra o caráter estrutural das

reformas empreendidas, durante o período.

Gráfico 2 - Composição do PIB, dos anos 1952 até 1977

Fonte: China Statistical Yearbook (2014). Elaboração própria.

100,00

120,00

140,00

160,00

180,00

200,00

1953 1954 1955 1956 1957

PIB

Indústria

Primário

0

10

20

30

40

50

60

1952

1954

1956

1958

1960

1962

1964

1966

1968

1970

1972

1974

1976

Primário

Indústria

Terciário

22

Embora a indústria tenha experimentado um grande florescimento, ela foi

perdendo fôlego graças à derrocada do projeto “Grande Salto para Frente” (1958-60).

No final de 1957, no campo, os dirigentes do governo começaram a mobilizar os

camponeses para novas tarefas gigantescas de controle de águas e irrigação. Em

novembro de 1957, 70 milhões de pessoas trabalharam nas obras de conservação de

água. Em dezembro, 80 milhões estavam trabalhando nas obras hidráulicas. No final de

janeiro de 1958, 100 milhões de camponeses tinham aberto 7,8 milhões de hectares de

terras, através de obras de irrigação (SHENG, 2004).

Além disso, na indústria, o “Grande Salto” se caracterizou pela “febre do aço”.

Tomado pelo espírito de euforia1 pelo crescimento da União soviética, Mao Tse Tung

anunciou que a meta de aço para 1958 era de 6,25 milhões de toneladas, ou seja, um

crescimento de 17% sobre 1957. Em junho de 1958, a mesma meta aumentou para

10,70 milhões de toneladas (100% sobre 1957). Porém, a produção de aço do país foi de

apenas 0,7 milhões de toneladas por mês até julho (SHENG, 2004).

Toda essa euforia levou diversos trabalhadores a saírem de suas casas para a

construção de diques e fornos de aço. Dessa forma, todas as obras do governo ligadas ao

projeto de industrialização geraram insatisfação popular, por separarem as famílias, e,

além disso, as plantações deixaram de serem recolhidas por falta de trabalhadores no

campo. Por exemplo, no condado de Tongwei, da província Gansu, em 1958, foram

recrutados 23 mil camponeses para realizar obras hidráulicas, 13 mil para trabalhar nos

fornos de aço. Este total de homens representava 30% de toda a mão de obra na

agricultura. Além disso, 50 mil camponeses foram convocados para trabalhar nas obras

de conservação de água, e, mais de 25 mil, para reforçar os diques (SHENG, 2004).

No final, só restaram as mulheres, as crianças e os idosos para realizar a colheita,

logo, a plantação de trigo do inverno não foi colhida por falta de mão de obra. Isso

gerou uma produção insuficiente para alimentar toda a população. A quantidade média

de grãos disponível para cada pessoa no campo, que fora de 205 quilos em 1957 e 201

quilos em 1958, caiu para 183 quilos em 1959 e caiu, novamente, para 156 quilos, em

1960. Com isso, entre 1959 e 1960, houve a morte de 20 milhões de pessoas, sendo a

maior parte adolescentes e crianças, vítimas da desnutrição (SHENG, 2004).

1 Em 1957, a União Soviética anunciou que, em 15 anos, ultrapassaria a produção dos EUA, nos

principais produtos, como aço, petróleo e cimento. Também neste ano, Mao Tse Tung fez a sua única

viagem a Moscou, na celebração do quadragésimo aniversario da revolução de outubro. Ele também foi

tomado por esse espírito de euforia, e anunciou que, em 15 anos, a China ultrapassaria a produção inglesa,

em aço (SHENG, 2004).

23

Percebe-se o governo estabeleceu metas de crescimento audaciosas, que ao não

serem cumpridas levaram ao caos social e econômico. Com o movimento de

industrialização em rápido ritmo de expansão, o campo também deveria caminhar de

modo atender as demandas das cidades e também demandar produtos industriais.

Porém, a restrição de alimentos acabou por gerar inflação, fome e queda do

crescimento. Isso se deu porque não havia coordenação de outras atividades produtivas.

(MILARÉ E DIEGUES, 2012).

Apesar do fracasso do plano de Mao Tse Tung, é possível dizer que a partir do

governo dele foram criadas as bases da industrialização pesada, o que permitiu as

reformas posteriores. Além disso, diversas instituições criadas durante seu período,

sofreram algumas modificações e colaboraram para o crescimento chinês atual.

1.2 REFORMAS PÓS 1978 (GOVERNO DE DENG XIAOPING)

As mudanças realizadas por Deng Xiaoping se deram de modo a cumprir um

projeto mais amplo de industrialização tardia. A seguir serão abordadas as

condicionantes externas e internas que colaboraram para tal processo. Aliado a

condicionantes externas favoráveis, propõe-se estudar as medidas tomadas pelo governo

chinês, por meio da política industrial que resultaram na posição hegemônica da

economia chinesa, atualmente.

Em 1978, a sociedade chinesa era baseada na agricultura, o que engendrava

complexas decisões de alocação de recursos e investimentos na viabilização de um

projeto de industrialização. Desse modo, as ações de Deng Xiaoping se deram no

sentido de romper as restrições que limitavam a indústria chinesa, bem como a

emergência da China como potência mundial. As principais questões enfrentadas por

Deng Xiaoping foram: (i) instituições e gerenciamento do campo chinês; (ii) o papel do

Estado como investidor e planejador; (iii) financiamento de máquinas e equipamentos

modernos; (iv) modernização do parque industrial. Dessa forma, ao solucionar esses

entraves, a China conseguiu abrir caminho para o crescimento econômico.

1.2.1 Reforma no campo e nas TVEs

A retomada do projeto de industrialização permeava uma solução para a questão

da produtividade do campo. Pois, o fracasso do “Grande Salto” demonstrou que era

24

necessária uma mudança no campo juntamente com a industrialização, de modo a não

gerar escassez de alimentos.

Isso decorre do próprio funcionamento da economia socialista. Como apontado

por Imai, (1996), o Estado é o ator principal dos investimentos. Dessa forma, é o Estado

quem dita o ritmo da economia, a partir das decisões de investimento. Ao investir, há

um aumento dos salários como um todo, e com isso, há um aumento da demanda por

bens de consumo, em especial, os bens ligados à alimentação. Porém, há um tempo

necessário para que ocorra aumento da produção, de modo a atender ao aumento de

demanda. Dessa forma, gera-se inflação, por algum tempo. Com o aumento da inflação,

o Estado se vê obrigado a diminuir suas taxas de investimento, comprometendo a taxa

de crescimento da economia como um todo.

Logo, para que o Estado chinês pudesse viabilizar o projeto de industrialização,

seria necessária a eliminação da restrição relacionada ao campo, garantindo o aumento

da produtividade na área rural, de modo a acompanhar o ritmo da indústria.

O que se evidencia é que a organização anterior, em cooperativas, não

incentivava o aumento de produtividade. Embora, os camponeses não tivessem

encontrado dificuldade em formar equipes de ajuda mútua, pois, já tinham tradição de

solidariedade e apoio recíproco na produção, não queriam entregar as terras e os animais

de tração, como no modelo de cooperativas. Inclusive, estima-se que com a

coletivização, 60% das cooperativas sofreram com perdas de gado (SHENG, 2004).

Aliado a isso, mesmo numa boa colheita, o governo não aumentaria a parte do

consumo dos camponeses, e nos anos de fome, eles teriam de pedir “empréstimos” ao

governo. Exceto em regiões atingidas pelas calamidades naturais, todas as cooperativas

eram obrigadas a devolver os “empréstimos” e a cumprir as cotas do governo (SHENG,

2004). Portanto, verifica-se que o sistema montado para o campo minava aumentos de

produtividade, necessários à continuidade do processo de aceleração industrial.

Desde a coletivização, os camponeses já vinham reivindicando a “terra da

responsabilidade”, isto é, cada família almejava cultivar uma determinada área de terra

da coletividade. Assim, buscavam entregar uma parte da colheita para a comuna e ficar

com o resto. Em 1961, Anhui foi a primeira província do país a praticar “três liberdades

e um contrato” (san-zi-yi-bao: feira livre, lotes de terra particulares, lucros e perdas por

conta própria e contratos de produção familiar). Descobriu-se que, nas equipes de

produção que “emprestaram” terras para os camponeses plantarem, a produção

aumentara 39% em relação a 1960. Enquanto isso, nas equipes que não fizeram a

25

experiência, o aumento foi de apenas 12%, além disso, os camponeses das primeiras

trabalharam menos e colheram mais (SHENG, 2004).

Assim, provou-se a produção familiar e determinada liberdade na produção eram

capazes de gerar aumentos de produtividade. Essa experiência gerou uma ruptura no

partido comunista, que se iniciou com a oposição de Mao Tse Tung a essas iniciativas,

tidas como restauração capitalista. Já outra ala, mais progressista representada por

políticos como Liu Shaoqi, Deng Xiaoping e Chen Yun apoiava a idéia da produção

familiar sob contrato (SHENG, 2004).

A solução encontrada por Deng Xiaoping foi conduzir mudanças semelhantes à

descrita anteriormente, proporcionando maior liberdade ao campesinato. O trabalho no

campo passou a ser realizado mediante contratos, nos quais o Estado fazia a concessão

de terras a famílias. Exigia-se uma determinada produção a um preço fixo, porém, o

excedente poderia ser comercializado livremente.

Logo, o governo procurou se manter como planejador, porém passou a deixar a

administração descentralizada, permitindo ainda que as famílias gozassem de incentivos

para aumentar a produção, a fim de reter o excedente (MILARÉ, 2011).

Juntamente com a adoção de contratos no cultivo do campo, houve a tentativa de

modernização dos meios de produção, o que contribuiu para maior rentabilidade e

produtividade do campo. Isso se verificou com a criação de uma instituição em 1950,

com o intuito de ser um centro de P&D para desenvolvimento de novos tipos de plantas

e semente, que se chamava Chinese Academy of Agricultural Science (CAAS). Esse foi

o centro responsável pela introdução da sofisticação de sementes, além de novos tipos

de plantas (LEÃO, 2010).

Na década de 1970, ampliaram-se os investimentos no CAAS, principalmente

visando a criação de sementes e plantas geneticamente modificadas, por intermédio da

modernização tecnológica e da interação de técnicas de engenharia de alimentos e de

biologia (LEÃO, 2010).

Além disso, o avanço na produção de fertilizantes também colaborou para o

aumento de produtividade no campo. A utilização e produção de fertilizantes estiveram

vinculadas às TVEs (Townships and Village Enterprises), um tipo de empresa ligada ao

governo, cuja ação será caracterizada, posteriormente.

Esse conjunto de medidas aumentou a produtividade do campo, e foi essencial

para acompanhar o movimento de aumento da população urbana e aumento da estrutura

de investimentos estatais. Além disso, durante a década de 1980, a China se tornou uma

26

grande exportadora de grãos para os EUA2 , portanto, o aumento da produtividade

chinesa foi benéfico não somente à população chinesa, mas também ao aumento de

exportações, pois permitiu o avanço nas relações comerciais com os EUA, a partir das

exportações de grãos (MILARÉ, 2011).

Ao eliminar a restrição preponderante, que era a de bens de consumo,

especialmente a alimentação, viu-se emergir uma maior produtividade do campo, que

acabava por demandar maior quantidade de insumo agrícolas, bens industriais e

máquinas. Nesse sentido, as chamadas TVEs (Townships and Village Enterprises)

desenvolveram um papel crucial. Os distritos administrativos (townships) substituíram

as comunas e as aldeias ou vilas (villages) começaram a substituir as brigadas e os

grupos de produção (MASIERO, 2006).

A princípio, no governo de Mao Tse Tung, elas tinham como principal função a

de produzir insumos agrícolas demandados pelo governo. Além de demandarem muito

investimento estatal, elas geravam pouco emprego, tornando-se menos importante no

âmbito econômico (MILARÉ, 2011). Porém, com as reformas implementadas a partir

de 1978, essas empresas ganharam um pouco mais autonomia na decisão do que

produzir.

Durante os anos 1980, Masiero (2006) aponta que a produção das TVEs era

voltada a materiais de construção, ferramentas, serviços de transporte, alimentos

processados e outros produtos industrializados. Apesar de as decisões de produção não

se encontrarem sob a égide do Estado, este ainda se mantinha como organizador de tal

processo, atuando com diferentes tipos de contratos. Segundo Masiero (2006):

“Em um primeiro tipo, grupos pequenos de famílias, lares ou trabalhadores

individuais assumiam um contrato com sua vila para realizar atividades

agrícolas como semear, irrigar, colher etc., com indicadores fixos de

desempenho em termos de quantidade, qualidade, custos, pagamento de taxas

e lucros. Em um segundo tipo, as famílias se comprometiam a um

determinado nível de produção numa área específica, podendo ficar com o

excedente quando existisse. No terceiro tipo, o contrato exigia que as famílias

entregassem a produção líquida para o Estado após fornecer uma parcela do

excedente para seu próprio grupo de trabalhadores. Em contrapartida os

2 Este será um dos acordos comerciais explicados no item 1.2.3.1, que se insere entre alguns acordos na

tentativa de aproximação dos EUA com a China. No contexto da Guerra Fria, os EUA buscaram formas

de aumentar sua influência mundial, buscando apoio de diversos países, inclusive a China, em troca de

benefícios comerciais ou formas de financiamento, principalmente.

27

mesmos desfrutavam da liberdade completa sobre os métodos de produção e

maior autonomia na utilização de implementos agrícolas e outras ferramentas

colocadas a sua disposição” (MASIERO, 2006, p.430)

Até o final da década de 1980, todas as comunas já tinham aderido ao sistema de

contratos. Após as primeiras TVEs orientadas para atividades agrícolas terem

demonstrado grande eficácia produtiva, a maioria das estabelecidas, nos primeiros anos

de 1980, procurou desenvolver empreendimentos diversos como frigoríficos, moinhos,

olarias e fábricas.

Muitas, inclusive, foram alçadas ao mercado internacional. A partir das reformas

de 1978, as TVEs, em joint ventures diversificadas, passaram a oferecer aos produtores

locais canais diretos de exportação evitando a intermediação, controles e taxas, das

empresas estatais de comércio exterior. Líderes comunitários passaram a servir de

agentes de ligação para investidores estrangeiros. Estes, com melhores produtos e

tecnologias, buscavam acesso ao mercado doméstico e produzir grandes volumes para

exportação. Dessa forma, as TVEs passaram a ser importantes na estrutura de

exportação chinesa:

“Em 1984-85, as TVEs absorveram somente 4% do total de divisas da China

e em 1985 forneciam 4,8% do total das mercadorias compradas pelas

empresas estatais de comércio exterior para a exportação. Em 1993, as TVEs

absorviam quase 33% do total de divisas e forneciam aproximadamente 54%

das mercadorias para exportação” (Zweig, 2002 apud MASIERO, 2006, P.

440).

Percebe-se, tanto na organização do campo quanto das TVEs, que a maior

flexibilização trouxe aumento de produtividade, além de trazer maior renda devido à

liberdade de comercialização do excedente. Isso trouxe um aumento do mercado

consumidor e deu um impulso econômico importante para investimentos.

Portanto, percebe-se que o Estado chinês passou a mesclar mecanismos de

mercado, que trouxessem aumento de produtividade, divisas e mercado consumidor,

mas ainda manteve as decisões finais e principais metas governamentais na liderança do

governo. Dessa forma, passou-se a se delegar a líderes locais a administração, buscando

incentivar o esforço e iniciativa individual, mas o planejamento ainda era de controle do

governo, sendo a chave mestra que conduzia a economia.

28

1.2.2 SOEs (State Owned Enterprise)

Além das TVEs, o governo apresentava outra forma de empresa estatal, chamada

de SOE (State Owned Enterprise). Essas eram as empresas estatais que atuavam em

diversos segmentos, desde segmentos mais pesados até educação e saúde para a

população.

A partir de 1980, iniciou-se um processo que, assim como nas TVEs, buscava

aumentar a produtividade dessas empresas. Buscou-se uma flexibilização dos preços,

porém mantendo as metas de produção fixadas pelo governo. No entanto, em 1984, o

sistema foi aprimorado, no qual, as SOEs recebiam “sugestões” de metas de produção.

Além disso, as empresas começaram a ter acesso aos primeiros sistemas de crédito e

incentivo às exportações (CLARO, 2003).

Dentre todas essas medidas, a de maior impacto econômico foi criada, em 1987.

As empresas estatais passaram a operar sob o Sistema de Responsabilidade Contratual.

Dessa maneira, o gerenciamento das empresas era concedido, e havia um valor

monetário que deveria ser entregue, ao governo, ao final de um ano. O valor que

excedesse a quantia entregue ao governo, estava a cargo a empresa como deveria ser

investido (CLARO, 2003). Isso serviu de estímulo à produção e eficiência das estatais,

além de estabelecer, assim como no campo, a divisão entre o planejamento e o

gerenciamento das empresas estatais. Como mostra Leão (2010):

“Desse modo, a partir da introdução dos contratos de responsabilidade e do

processo gradual de liberalização, as estatais passaram a usufruir de fortes

incentivos para expandir sua produção e se tornarem mais eficientes. Além

dos subsídios fiscais e financeiros, gradativamente o governo aumentou o

percentual do excedente retido pelas empresas estatais, liberando a utilização

desses recursos, segundo critérios definidos pelas próprias corporações.

Assim, observou-se uma maior autonomia das empresas para tomarem

decisões e, na prática, significou a separação entre o controle e a

propriedade.” (LEÃO, 2010, p. 108).

Em 1997, muitas empresas estatais foram privatizadas, no entanto, somente

aquelas que não apresentavam cunho estratégico para o governo. As pequenas e médias

empresas foram privatizadas, sendo adquiridas por executivos ou grupo de

trabalhadores (CLARO 2003). No entanto, o investimento ainda se manteve a cargo das

29

empresas estatais, como mostra a tabela 1, sendo a principal empresa a investir, ao

longo dos anos, apesar o aumento do aumento de investimentos ligado a setores

privados.

Tabela 1 - Porcentagem do total investido para cada tipo de empresa (1980-1997)

Anos Empresas

estatais

Empresas

coletivas

Empresas

individuais

Outros tipos de

propriedade

1980 81,9% 5,0% 13,1% 0,0%

1981 69,5% 12,0% 18,6% 0,0%

1982 68,7% 14,2% 17,1% 0,0%

1983 66,6% 10,9% 22,5% 0,0%

1984 64,7% 13,0% 22,3% 0,0%

1985 66,1% 12,9% 21,0% 0,0%

1986 66,6% 12,6% 20,8% 0,0%

1987 64,6% 14,4% 21,0% 0,0%

1988 63,5% 15,0% 21,5% 0,0%

1989 63,7% 12,9% 23,4% 0,0%

1990 66,1% 11,7% 22,2% 0,0%

1991 66,4% 12,5% 21,1% 0,0%

1992 68,1% 16,8% 15,1% 0,0%

1993 60,6% 17,7% 11,3% 10,3%

1994 56,4% 16,2% 11,6% 15,8%

1995 54,4% 16,4% 12,8% 16,3%

1996 52,4% 15,9% 14,0% 17,7%

1997 52,5% 15,4% 13,7% 18,3%

Fonte: China Statistical Yearbook, 1998.

Nota: *Vale ressaltar o papel que passou a exercer o capital estrangeiro, que até 1992 não tinha

participação alguma e passa a ter 18,3%, em 1997. Este dado mostra a importância da China como

receptora de investimentos, que será abordado ao longo deste capítulo. ** Outros tipos de propriedade incluem joint ventures, empresas com investimento estrangeiro e

empresas com investimentos de Hong-Kong, Macau e Taiwan (MEDEIROS, 2006).

É importante mostrar que o processo de privatização não significou uma

diminuição do poder das estatais, mas se inseriu em um contexto mais amplo de

industrialização. O Estado chinês optou por priorizar determinados setores para atuar

30

como investidor, delegando ao setor privado, outros setores que fossem considerados

menos estratégicos.

Portanto, a ideia era priorizar o investimento para os setores considerados chave

para a atuação do Estado. Segundo Leão (2010), estes setores eram os de bens

sofisticados tecnologicamente e de infraestrutura pesada, nos quais a participação de

empresas privadas e estrangeiras era inibida. Logo, cabia às empresas estatais os

investimentos de longo prazo.

Além disso, o governo chinês tinha ambição de criar grandes conglomerados

nacionais. Isso se materializou com o lançamento do documento “Regulations on

Transforming the Management Mechanism of Industrial Enterprises Owned by The

Whole People”, em 1992, no qual a atuação do governo deveria se dar de modo a

transformar as empresas estatais em corporações modernas, capazes de ingressar em

mercados dominados por companhias de países mais desenvolvidos. (LEÃO, 2010).

A fim de cumprir esse caráter de tornar suas empresas globais, o governo chinês

investiu na construção de centros de pesquisas e inovação, nos quais, pode-se verificar

uma concentração e controle da inovação tecnológica. Posteriormente à inauguração de

centros de pesquisa, as empresas estatais chinesas foram estimuladas a comandar seu

próprio desenvolvimento tecnológico, bem como, disseminá-lo para empresas

nacionais. Este planejamento se organizou sob a égide do Estado, com a instituição

Science and Technology Leading Group, responsável pela condução da política

tecnológica (LEÃO, 2010).

Dessa forma, é possível verificar um movimento de construção da política

industrial chinesa que passou de mudanças no campo, até escolha de setores de alta

tecnologia, por parte do governo.

Primeiro, Deng Xiaoping aproveitou-se de experiências bem sucedidas de maior

autonomia dos trabalhadores no campo. A partir de então ele ampliou este projeto para

as TVEe e SOEs, permitindo que as empresas pudessem gozar de lucros, repassando um

imposto fixo ao governo. Isso gerou um aumento generalizado de produtividade, tanto

no campo quanto nas empresas estatais.

Além disso, o governo deixou de atuar em setores que não eram considerados

estratégicos para o governo chinês, permitindo a privatização de empresas estatais. O

Estado chinês passou a focar sua atenção àqueles setores mais intensivos em tecnologia

e voltados à exportação. Portanto, percebe-se um forte processo de modernização

empreendido que buscou o crescimento da economia. Este se fez baseado no aumento

31

da produtividade no campo, além de concentração do investimento estatal chinês em

setores considerados chave pelo governo.

1.2.3 Condicionantes externas ao favorecimento da atração de IDE

A China se tornou um importante receptor de investimentos, na Ásia e no

mundo. Estes investimentos desempenharam papel crucial na modernização chinesa,

como será discorrido adiante. Dentre os fatores que explicam a peculiaridade da China

como receptáculo de investimentos estrangeiros, destacam-se argumentos de caráter

interno e externo à economia chinesa.

No que diz respeito às condicionantes externas, há duas configurações que

impactam a economia chinesa: (i) contexto geopolítico e a rede asiática; (ii) surgimento

da empresa em rede. Em relação ao primeiro, salienta-se o aspecto comercial, ou seja,

como se deu a maior inserção da China em fluxos comerciais.

Já o segundo aspecto trata da relação entre a mudança no padrão de acumulação

das empresas internacionais e como isso atraiu investimentos estrangeiros para a China.

Estes investimentos possibilitaram uma nova configuração da economia chinesa, que

culminaram no auxilio ao processo de catching up tecnológico.

1.2.3.1 Contexto geopolítico e a rede asiática

Durante os anos 1970, a China se beneficiou do conflito vivido por URSS e

EUA. Devido ao contexto de embate das grandes potências, EUA e URSS, durante a

guerra fria, os EUA empreenderam diversas ações que procuravam aumentar sua área

de influência capitalista. Estas ações previam uma série de medidas como políticas de

financiamento e abertura do mercado americano, em troca de apoio aos EUA. Este

conjunto de benefícios foi denominado “desenvolvimento a convite”, com os quais a

China pode obter vantagens (MEDEIROS, 1999).

Com a aproximação do presidente americano Nixon, em 1972, houve o fim do

embargo americano. Dessa forma, a China passou exportar principalmente grãos para os

EUA, além de passar a obter financiamento internacional, de bancos oficiais. Devido ao

aumento das exportações de grãos e empréstimos de bancos internacionais, a China

conseguiu lançar um programa de importação de máquinas e equipamentos sem

comprometer os avanços obtidos tanto na agricultura, como na indústria leve (LEÃO,

2010).

32

Portanto, verifica-se que a melhor inserção chinesa em fluxos comerciais

propiciou uma forma de financiamento de máquinas. Percebe-se que as ações tomadas

pelo Estado chinês se constituem como parte de um projeto amplo de industrialização.

Pois, apesar de ter intensificado a exportação de grãos, isso ocorreu com o intuito de

modernizar o parque industrial chinês, por meio da compra de máquinas e

equipamentos.

Já em 1978, os EUA se firmaram como maior parceiro comercial da China. Em

1980, a nação chinesa obteve os títulos de “nação favorecida” e “nação em

desenvolvimento”, o que lhe permitiu a redução de tarifas para suas exportações de

têxteis e vestuário. Esses acordos culminaram, em 1980, no fato de que a China se

tornou o maior exportador “não regulado” 3 de têxteis para os EUA (MEDEIROS,

1999).

Durante os anos 1980, há uma mudança de comportamento dos EUA, que a

princípio era um parceiro importante, e depois passa a tentar reprimir o avanço das

exportações de economias asiáticas. Porém, no caso da China, empresas americanas já

instaladas na China, exportadores e importadores americanos realizaram uma pressão

sobre o governo americano, contra a política comercial de contenção da China.

(MEDEIROS, 1999).

Por outro lado, o Japão parecia ser uma ameaça maior que a China, durante os

anos 1980. Dessa forma, os Estados Unidos substituíram a política de valorização do

dólar, iniciada em 1979, por uma política de gradual desvalorização. No Acordo do

Plaza de 1985, refletiu-se numa apreciação das principalmente moedas internacionais,

dentre estas o iene (LEÃO, 2010).

De uma exportação essencialmente nacional, o Japão pressionado por uma

política cambial desfavorável, desenvolveu uma estratégia de produção

internacionalizada no leste e sul da Ásia. Aliado a isso, os centros financeiros e

comerciais como Hong-Kong, Cingapura e Formosa passaram a investir na China e

países do sul da Ásia. A expansão das Zonas Econômicas Especiais na China como

Shenzhen, Zhuhai, Shantou e Xiamen próximas a Hong Kong, Formosa e Macau faz

parte desse processo de reestruturação geopolítica (MEDEIROS, 1999).

Portanto, verifica-se que a política americana de retenção da economia japonesa

acabou beneficiando a China, que passou a receber investimento asiático,

3 Apesar de todo o tratamento diferenciado vivido pela China, ela ainda não fazia parte do GATT, por

isso, seu caráter de “não regulado”.

33

principalmente proveniente do Japão. Além disso, esse investimento colaborou para a

constituição das primeiras Zonas Econômicas Especiais.

Isso também foi fator importante, pois o fato de a China ser grande receptora de

investimentos globais e principalmente de investimentos asiáticos, também se colocou

como um entrave à política americana de contenção chinesa (MEDEIROS, 1999).

1.2.3.2 Empresa em rede

A análise da mudança de comportamento das empresas internacionais é

necessária para compreender porque a China se tornou um destino atrativo para o

capital estrangeiro. Essa escolha está conectada a um novo padrão de acumulação,

durante os anos 1970 e 1980. Dentre outras características que serão explicadas, a

seguir, essas empresas buscaram fragmentar sua produção. Os locais escolhidos eram

caracterizados por apresentarem determinada etapa do processo produtivo mais barata.

Dessa forma, como a China apresentava uma vantagem ligada a baixos salários, o país

se tornou um receptáculo de investimentos internacionais.

Destacam-se os seguintes fatores que influenciaram a alteração na postura dos

grandes conglomerados internacionais: (i) acirramento da competição internacional; (ii)

mudança na condução/paradigma de política monetária; (iii) mudança do

comportamento do setor financeiro na economia; (iv) surgimento do investidor

institucional e maximização do valor acionário. Logo, a seguir, serão apresentados o

surgimento de tais fatores e como os mesmos conduziram a produção em direção ao

território chinês.

Após a Segunda Guerra Mundial, a configuração econômica era de coordenação

entre países e entre firmas, na reconstrução do mundo do pós-guerra. Portanto, havia,

tanto no âmbito macro quanto microeconômico, uma preocupação com o crescimento

de longo prazo da economia global. Os Estados nacionais exerciam papel fundamental

na condução do crescimento das economias nacionais, embasadas pelo aparato teórico

keynesiano. A atuação estatal, que estava ancorada em políticas de promoção de rápida

aceleração da economia e do emprego, garantiu o crescimento coordenado da economia

global (CROTTY, 2002).

Além disso, havia regulação de capitais e um comprometimento com de

manutenção de taxas de juros baixas, em prol da garantia do investimento de longo

34

prazo. Logo, com os lucros assegurados, era possível estender também o horizonte de

longo prazo para a criação e segurança de empregos (CROTTY, 2002).

Portanto, o movimento de expansão das empresas também se inseria no contexto

de garantir o crescimento e coordenar a reconstrução econômica mundial. Durante os

anos 50 e 60, o espraiamento das empresas transnacionais se deu dos Estados Unidos

em direção à Europa, em busca da reconstrução do pós guerra, e à periferia (países

subdesenvolvidos, em especial a América Latina), nos quais as taxas de retorno eram

maiores. Essas empresas competiam no âmbito doméstico, e a forma de investimento

das empresas americanas se dava pela replicação de suas fábricas nos países nos quais

passavam a atuar. Portanto, todas as etapas dos processos produtivos eram realizadas

por todas as fábricas, em todas as plantas do mundo (SARTI E HIRATUKA, 2010).

Além disso, o comportamento das firmas se baseava em uma cooperação parcial,

ou seja, elas evitavam práticas de preços predatórios ou sobre investimentos, que

poderiam corroer as taxas de lucros ou afetar a demanda agregada. A partir da garantia

das taxas de lucros, os ganhos de produtividade eram repassados aos trabalhadores, que

por sua vez, ao gozarem de salários maiores, garantiam altas taxas de consumo. Logo,

havia todos colaboraram para o crescimento da economia como um todo. Este foi

chamado de ciclo virtuoso, que permitia que diversos agentes pudessem se beneficiar

dessa dinâmica empresarial (CROTTY, 2002).

A empresa era baseada na lógica de “reter e investir”, como apontado por

Lazonick e O’Sullivan (2000). Ou seja, elas tendiam a reter seus recursos, tanto

financeiros quanto relacionados a recursos humanos. Além disso, a receitas auferidas

eram reinvestidas em aumento de capital físico e também aumentos salariais, que iam

desde os funcionários de menor ao alto escalão. Portanto, é possível verificar que havia

características inerentes a este modelo que permeavam princípios relacionados a

segurança, estabilidade e preocupação com o crescimento de longo prazo.

Porém, esta estratégia de “reter e investir” começa a se corroer com mudanças

ocorridas, durante as décadas de 1960 e 1980. Já durante a década de 1970, Europa e

Japão apresentavam parques industriais modernos, contando com empresas nacionais

capazes de realizar o mesmo movimento americano de internacionalização de suas

empresas. Dessa forma, esses grandes conglomerados dos países centrais, passam a

competir globalmente (SARTI E HIRATUKA, 2010).

A competição passa a se acirrar principalmente com o Japão, que conta com um

forte componente de inovação, com ganhos de produtividade por trabalhador, muito

35

superiores aos níveis americanos, em sua produção. Logo, as empresas americanas

passam a se encontrarem em uma situação adversa. Pois, devido a um movimento de

fusão e aquisição, vivido nos anos 19604, os negócios se tornaram muito diversificados.

Nesse sentido, também se tornou muito complexo, para a direção da empresa, escolher

quais inovações deveriam ser priorizadas (LAZONICK E O’SULLIVAN, 2000).

Em meio a este ambiente mais competitivo, há também uma deterioração das

condições macroeconômicas. Primeiro, o choque do petróleo colaborou de forma

substancial para o aumento da inflação. A OPEP passou a pressionar por reajustes nos

preços, que se confirmaram em um ajuste de 50% do preço internacional do petróleo de

1971 a 1973. Além disso, os EUA aumentaram as importações provenientes dos países

da OPEP, o que agravou a tensão inflacionária. Em 1979, ainda houve outro choque que

triplicou o preço do petróleo, intensificando a inflação (SERRANO, 2004).

Outro processo que se inicia nos anos 1970 e se encerra nos anos 1980, é o

questionamento da hegemonia americana, que também vai influenciar, de maneira

negativa, o crescimento global. A economia americana incorria em constantes déficits

da balança de pagamentos, porém seu passivo externo não era questionado. Pois,

embora houvesse saída de capital de longo prazo, este era compensado com a entrada de

capitais de curto prazo. Este capital era acumulado em reservas, em dólares, que eram

reaplicadas em títulos de dívida americana (SERRANO, 2004).

Conforme havia grande aceitação de reservas em dólares, ou seja, o dólar se

apresentava como moeda de reserva, logo, era permitido aos EUA financiar um déficit

de qualquer tamanho, em sua balança de pagamentos. Embora isso desse aos EUA uma

posição distinta no cenário internacional, ainda havia duas restrições à ação americana,

que se relacionavam à conversibilidade em ouro (SERRANO, 2004).

Primeiro, os EUA não poderiam ter déficits crônicos em conta corrente. Caso o

fizessem, isso significaria que o passivo externo líquido estaria aumentando, o que

aumentaria a dívida com outros países. Essas obrigações poderiam ser conversíveis em

ouro em qualquer banco central, logo, os EUA perderiam suas reservas. Com isso, à

medida que diminuíssem as reservas, acelerar-se-ía o processo de desconfiança no

dólar, e este perderia seu papel de moeda chave (SERRANO, 2004).

4 O crescimento interno e o processo de fusão e aquisição tornaram as empresas americanas grandes e

com muitas divisões. As matrizes dessas corporações estavam muito longe das atividades produtivas para

que pudessem realizar boas decisões de investimento. A expansão massiva ocorrida nos anos 1960 trouxe

um baixo desempenho, nos anos 1970. Aliado a isso, a emergência do Japão como forte concorrente

americano contribuiu para um ambiente macroeconômico instável (LAZONICK E O’SULLIVAN, 2000).

36

A segunda restrição era a necessidade de manter fixo o preço oficial do ouro em

dólar. Quando um país desejava desvalorizar sua moeda em relação ao dólar, era só

fixar um preço oficial maior para o ouro em sua moeda. O único país que não podia

realizar tal mecanismo era os EUA, já que não deveriam mudar o preço nominal do ouro

em dólar. Caso fizessem isso, perder-se-ia a paridade do dólar e do ouro, o que acabaria

por minar a posição do dólar como moeda chave (SERRANO, 2004).

Portanto, os EUA se encontravam em um impasse. Buscavam melhorar sua

competitividade externa e diminuir o déficit em balança comercial, a fim de não perder

seu papel como moeda de reserva, porém não poderiam desvalorizar o dólar. Caso o

fizessem, o dólar acabaria por ter sua hegemonia enfraquecida e perderia seu papel

como moeda chave do sistema financeiro (SERRANO, 2004).

Este impasse levou a uma série de questionamentos quanto à conversibilidade do

dólar. Houve ainda uma ação de diversos países na tentativa de diminuição da

assimetria do dólar, no sistema financeiro internacional. Tentou-se, parte dos EUA, uma

coordenação e conciliação com os países aliados para resolver essa questão. Porém, em

1979, houve a desistência da tentativa de coordenação (SERRANO, 2004).

Depois do segundo choque do petróleo, que impactou a economia americana

com uma alta de inflação, os EUA ainda empreenderam uma política de alta de juros.

Dessa forma, foi inaugurado o período de juros reais altos. Isso foi realizado como uma

medida de contenção dos países que ainda questionavam a conversibilidade do dólar e

também a hegemonia da moeda americana, como moeda de reserva.

Os juros elevados americanos atraíram uma grande quantidade de capital

externo, e os outros países foram forçados a acompanhar de perto este movimento de

alta das taxas de juros. Se não o fizessem, poderiam sofrer uma imensa fuga de capitais

e uma desvalorização cambial descontrolada, com suas consequências inflacionárias.

Dessa maneira, houve a desistência final de questionamento do dólar como moeda de

reserva de valor (SERRANO, 2004).

Esta política, junto com as repercussões do segundo choque do petróleo, acabou

alçando a economia mundial numa grande recessão, marcada pela inflação e baixo

crescimento econômico (SERRANO, 2004).

Portanto, os anos 1970 marcaram o fim da conjuntura iniciada no pós guerra. A

regulação dos mercados, estabilidade, segurança e manutenção do horizonte de longo

prazo da decisão empresarial se viram colocadas em cheque, tanto pela competição

japonesa, no âmbito da firma, quanto pelas instabilidades macroeconômicas (juros altos

37

e inflação). Esses fatores passam ameaçar as, até então estáveis, taxas de lucros dessas

grandes empresas, mudando a perspectiva empresarial do longo para o curto prazo.

O ambiente macroeconômico desfavorável, aliado ao acirramento da competição

internacional passam a trazer um desempenho ruim a essas empresas. As empresas se

viram obrigadas a diminuir o horizonte de decisão, buscando por decisões de curto

prazo, a fim de protegerem suas margens de lucro. Juntamente a isso, surgiram novas

propostas de teorias econômicas que traziam o mercado como uma maneira de alocar

melhor os recursos e promover uma melhor performance da economia como um todo.

Neste sentido, surgiu a teoria do agente principal, segundo a qual, os executivos

deveriam guiar a empresa de modo a garantir aumento dos dividendos dos acionários e

não aumentos salariais para os trabalhadores da firma. Assim, seria possível que os

gerentes se comprometessem de uma maneira mais transparente com o lucro e fluxo de

caixa da firma. Sob esta perspectiva, o retorno sobre o estoque de capital passa a ser a

principal medida de rentabilidade empresarial.

Dessa forma, a nova teoria econômica culminou e se mostrou oportuna,

mediante a aceleração da movimentação no mercado de ações. Antes, este era um

terreno para investidores precisando de capitalização, e um mercado de pouca

movimentação. Depois, a aceleração da movimentação financeira, neste mercado, fez

com que a principal preocupação da firma não se volte mais para o planejamento de

curto prazo, traduzido no retorno do patrimônio, medido no mercado de ações.

Este processo se acelera com a inserção dos investidores institucionais. Na

década de 1950, pessoas físicas eram responsáveis por 90% de todo o mercado

acionário, enquanto, no final da década de 1980, esse número passa a ser 47%, portanto,

essa lacuna foi ocupada, justamente, por grupos de investidores institucionais. A

administração desses fundos é muito competitiva, o que faz com que busquem por

empresas que proporcionem ganhos acima da média de mercado (CROTTY, 2002).

Para atrair o capital de tais investidores institucionais, essas empresas se viram

obrigadas a garantir a rentabilidade desejada. Logo, como a principal mensurável era o

retorno sobre o patrimônio, a fim de garantir valores altos, as empresas passaram a abrir

mão de grande parte de seus custos fixos, como capital físico e humano. Dessa forma, a

maior parte das empresas opta por substituir a lógica de “reter e investir” por

“terceirizar e distribuir”, como apontado por Lazonick e O’Sullivan (2000).

A principal preocupação dos executivos passa a ser a distribuição de dividendos

aos acionistas, além de garantir retornos sobre o patrimônio maiores que a média. A fim

38

de aumentar a rentabilidade, as principais decisões foram corte de pessoal, corte de

benefícios e diminuição salarial. Além disso, foram retirados os sunk costs, ou seja,

desvencilharam-se das atividades mais custosas à firma, a fim de realizar o outsoucing5

de tais atividades para outros países, nos quais fosse possível gozar de condições de

produzir mais baratas.

Dessa maneira, percebe-se que os mercados financeiros agora eram capazes de

forçar o desinvestimento de unidades que não fossem compatíveis com a expectativa de

retorno dos investidores, por um ou até dois anos. A firma passou a ser encarada como

uma simples cesta de ativos, que deveriam ser utilizados ou descartados, dependendo

dos interesses de curto prazo. (CROTTY, 2002).

Percebe-se uma mudança no comportamento das instituições financeiras, que

depois da Segunda Guerra Mundial, serviam como suporte à produção real, porém, a

partir de agora passavam a ditar o modo de operar, inclusive das firmas não financeiras.

Isso se deve, em parte, ao aumento gradual da participação de Wall Street no processo

de fusão de aquisição de empresas, nos anos 1960. Isso acabou mudando seu lócus de

acumulação das atividades de investimento de longo prazo, para gerar ganhos de capital

em atividade de curto prazo, no mercado acionário (LAZONICK E O’SULLIVAN,

2000).

Portanto, percebe-se que as diversas mudanças na economia e na busca por

rentabilidade de curto prazo das empresas americanas levaram a um novo processo de

internacionalização de empresas, porém, distinto do descrito no pós-guerra. Em busca

de maior racionalização e reduções de custos essas empresas migraram algumas de suas

etapas de produção para países periféricos, em especial na Ásia. Desse modo, poderiam

gozar de menores custos de produção, bem como adquirir vantagens de economias de

escala e escopo (SARTI E HIRATUKA, 2010).

A lógica de expansão via outsourcing, foi regida de modo a escolher quais tipos

de atividades da cadeia produtiva deveriam ser externalizadas. Sendo assim, as

atividades que eram tidas como core business das empresas se mantiveram em seus

países de origens, sendo o lócus de maior rentabilidade e maior apropriação de capital.

Enquanto isso, as atividades de maiores custos e que agregavam menor valor dentro da

5 Este processo é caracterizado pela terceirização de etapas do processo produtivo. Assim, as etapas mais

custosas à empresas eram terceirizadas para países que apresentassem custos de produção menores,

naquela determinada etapa de produção (MEDEIROS, 2010).

39

cadeia de produção, eram terceirizadas para a periferia asiática (SARTI E HIRATUKA,

2010).

A produção em cada país ou região passou a ser muito mais especializada. As

filiais se tornaram responsáveis por fornecer componentes ou uma determinada linha de

produtos, para o restante da rede, em uma determinada região, ou mesmo globalmente.

Em alguns casos, alguns países ou regiões ainda se tornaram responsáveis inclusive por

funções corporativas associadas a essa linha. Dessa forma, a internacionalização foge à

lógica de replicação de unidades fabris em cada país, nas quais cada unidade realizava

todas as etapas de produção, em todo os países, caracterizada pelo pós-guerra.

O processo de produção passou a ocorrer sob forma de uma rede internacional

integrando diferentes países e empresas, realizando etapas da cadeia de valor sob a

coordenação das grandes corporações. Estas gerenciam suas próprias filiais com o

objetivo de obter o máximo de retorno para o conjunto das suas atividades (SARTI E

HIRATUKA, 2010).

Embora esse movimento tenha acontecido em alguma intensidade em toda a

indústria, os que mais se beneficiaram desse processo foram aqueles setores nos quais é

possível separar tecnicamente cada etapa do processo produtivo. Os setores que se

destacam nesse âmbito foram o de eletrônica, têxtil e vestuário.

É justamente nesse contexto de migração do capital estrangeiro para a periferia

asiática, em especial a China, que foi possível viabilizar um conjunto de medidas que

atraíram capital necessário ao movimento de industrialização chinesa.

1.2.4 Condicionantes internas à atração de IDE (Política Industrial e

catching up tecnológico)

Percebe-se que havia condicionantes externas que propiciaram o avanço do

investimento estrangeiro para território chinês. Porém, foi a adoção de uma política

industrial voltada a setores de alta intensidade tecnológica que permitiu à China a

realização do processo de catching up tecnológico.

Dentro desse âmbito, a China iniciou uma tentativa de atração de IDE

(Investimento Direto Estrangeiro), com a criação das chamadas ZEEs (Zonas Especiais

de Especiais), que buscavam atrair empresas dispostas a produzir, em território chinês.

Em contrapartida, as empresas poderiam gozar de benefícios fiscais, cambiais e baixos

custos para produzir. A princípio, foram criadas quatro ZEEs: Shenzhen, Zhuhai,

40

Shantou e Xiamen, todas próximas ao litoral sul e a Hong Kong. Em 1984 a China

ampliou as ZEEs para mais 14 regiões, ao longo do litoral (MILARÉ, 2011).

Os incentivos dados à produção, nas ZEEs, eram diversos, como câmbio

artificialmente depreciado, isenção tributária, financiamento estatal abundante para

novos empreendimentos a taxas de juros reduzidas. Além disso, contava-se com mão de

obra barata e relativamente qualificada. Portanto, estes fatores se configuravam como

atrativos importantes para produzir a custos menores, em um cenário de competição

internacional acirrada (MILARÉ, 2011).

Nas ZEEs, havia o acesso ao câmbio mais desvalorizado, de modo a incentivar

as exportações. Enquanto isso havia o câmbio oficial (administrado) para o restante das

empresas. O gráfico 3 mostra a evolução da taxa de câmbio nominal, em uma crescente

desvalorização. Isso demonstra que o câmbio funcionou como um dos pilares da

estratégia de industrialização chinesa. Pois, sua desvalorização funcionou como uma

barreira à entrada de produtos estrangeiros, que se tornaram mais caros em moeda local,

e ao mesmo tempo estimulou a produção local para a exportação. Essa política garantiu

competitividade ao produto chinês no mercado internacional, uma vez que este era

produzido em uma indústria ainda pouco eficiente (MILARÉ, 2011).

41

Gráfico 3 – Evolução da taxa de câmbio nominal (CHY/USD) e evolução da taxa

de câmbio real* (1980– 2015)

Fonte: WORLD BANK, 2014. Elaboração própria

*Os dados para a construção da taxa de câmbio real foram obtidos a partir do World Bank, com os dados

oficiais de taxa nominais de câmbio e índice de preços ao consumidor, para EUA e China. A taxa de

câmbio real não pode ser elaborada para os anos anteriores a 1994, pois, não havia o índice de preços aos

consumidor, para a China.

No que diz respeito à isenção tributária, o governo chinês instalou a Lei do

Imposto de Renda aplicada às firmas com investimento estrangeiro (FIEs). Como

apontado por Lazzari (2005), a taxa básica cobrada das FIEs era de 33%, mas era

somente de 15% para as empresas localizadas nas ZEEs, nas Zonas de Desenvolvimento

Tecnológico e Econômico (ZDTEs) e nas zonas industriais de alta tecnologia; e de 24%

para as das regiões costeiras abertas e de capitais de províncias (e de 15%, se

envolvessem projetos de energia, portos, transportes ou outros projetos prioritários).

Além disso, o governo procurava estimular a malha industrial chinesa,

aumentando os encadeamentos dessas empresas com empresas domésticas. As FIEs que

comprassem máquinas e equipamentos, presentes nas categorias de isenção, de

empresas chinesas, poderiam gozar de crédito para o imposto (LAZZARI, 2005).

Aliado a isso o Estado chinês procurou incentivar empresas exportadoras e de alta

tecnologia. Como apontado por Lazzari (2005):

“Empresas de alta tecnologia estabelecidas por fundos estrangeiros

poderiam ter isenção do imposto de renda por dois anos e cobrança do

0

1

2

3

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2014

Taxa de

câmbio

nominal

Taxa de

câmbio

real

42

mesmo apenas pela metade pelos seis anos seguintes; empresas de

exportação, à parte o tratamento preferencial com isenção de dois anos e a

redução pela metade por mais três anos, poderiam obter a redução pela

metade do imposto enquanto seus valores anuais de exportação somassem

mais de 70% das vendas totais. Uma FIE poderia obter reembolso de 40%

dos tributos pagos, se os reinvestisse por, pelo menos, cinco anos. No caso de

os lucros serem reinvestidos em projetos de alta tecnologia ou para

exportação, a empresa poderia receber reembolso total.” (LAZZARI, 2005, p.

175).

Além das vantagens já citadas, a China também contava com a vantagem ligada

ao baixo custo do trabalho. Dado o caráter da internacionalização de empresas, citado

anteriormente, e a vantagem chinesa com relação a custos de mão de obra, a China se

inseriu, primeiramente, em elos menos nobres da cadeia produtiva global. Estes setores

são caracterizados pela produção de bens intensivos em trabalho, nos quais, apresentava

baixos custos ligados à massa salarial, atraindo, em um primeiro momento, empresas

com produção intensiva em trabalho (ACIOLY, 2005). A China conseguiu atrair grande

fluxo de IDE, como mostra o gráfico 4, tendo alguns períodos de queda, que

correspondem a momentos de crises, mas crescentes em momentos posteriores,

chegando a uma posição equivalente à americana.

Gráfico 4 – Participação do IDE (fluxo recebido) para China, EUA e Economias

em desenvolvimento na Ásia, em relação ao mundo (1978 até 2013)

Fonte: UNCTAD, 2014. Elaboração própria.

0,0%

5,0%

10,0%

15,0%

20,0%

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12

China

EUA

Economias

em

desenvolvime

nto: Asia

43

Assim, durante o período inicial da reforma, como aponta Acioly (2005),

durante a década de 1980, os investimentos concentraram-se nas atividades de

prospecção geológica, na indústria manufatureira intensiva em trabalho (indústria

tradicional, especialmente têxtil e confecções de roupas) e no setor de serviços

(atividades imobiliárias).

A partir de 1986, houve o início da segunda fase da abertura ao IDE, o governo

chinês tomou uma série de medidas para mudar a estrutura setorial dos investimentos

diretos recebidos, dirigindo-os para a indústria de transformação e para os setores de

alta tecnologia. Desse modo, o IDE ao setor primário caiu de 40,9% em 1988 para 3,1%

em 1993, e o setor manufatureiro passou a ser o principal setor de destino dos

investimentos diretos externos (ACIOLY, 2005).

A segunda fase do IDE foi caracterizada pelo seu foco na indústria com maior

valor agregado. Desse modo, o Estado chinês buscou, através do IDE, implementar

políticas que incentivassem a indústria e a modernização do parque industrial. Como

mostra Pinto (2011):

“Destaca-se alguns eixos centrais da política industrial chinesa, a saber: i)

intenso processo de reformas e privatização das empresas estatais em 1991,

no entanto, ainda persiste alto o número de empresas de propriedade do

Estado; ii) crédito subsidiado para as empresas estatais por meio dos bancos

públicos que são o núcleo do sistema financeiro chinês; iii) incentivos fiscais

voltados aos investimentos estrangeiros de alta tecnologia; iv) barreiras

tarifárias mais baixas após a entrada da China na OMC em 2001, mas a

manutenção de significativas barreiras não tarifárias; e v) políticas de

estímulos aos IDEs em áreas de alta tecnologia. Investimentos estes que vem

sendo atraídos tanto pelo mercado interno chinês quanto pelo baixo custo de

fabricação que permite a configuração de zonas de reexportação; vi) políticas

que estimulam a transferência de tecnologia por meio de mecanismo que

requer a produção de conteúdo por empresas locais; e vii) múltiplos

instrumentos que tem como objetivo criar empresas nacionais – privadas ou

públicas – de classe mundial que possam concorrer com as empresas

multinacionais tanto no mercado interno como no externo” (PINTO, 2011, p.

45)

A ideia do governo chinês era poder realizar o catching up tecnológico a partir

da entrada de IDE. A China buscou: (i) modernizar o parque industrial chinês; (ii)

aumentar participação no comércio internacional; (iii) obter acesso a tecnologias mais

avançadas (ACIOLY, 2005). Dessa maneira, a questão tecnológica poderia ser

solucionada.

A trajetória de atração de IDE chinês se faz singular, na medida em que se afasta

do modelo mexicano de empresas que atuam como maquiladoras (PINTO, 2011). Pois,

44

a atração de IDE foi um instrumento de uma política industrial mais ampla, voltada para

um modelo de desenvolvimento. O principal objetivo chinês era construir uma malha

industrial chinesa voltada aos setores intensivos em tecnologia e aos setores

exportadores, contando com a presença de grandes empresas nacionais. Este objetivo se

fez a partir da presença do IDE, porém, sob a coordenação do Estado.

Dessa forma, se por um lado a China se abriu a investimentos que buscavam

gozar de custos menores para produzir, o Estado também procurou controlar em quais

setores haveria participação estrangeira. Sendo assim, os setores priorizados foram

aqueles relacionados à exportação e bens sofisticados. Além disso, a atuação do IDE

também deveria se dar, como aponta Pinto (2011), sob a transferência de tecnologia,

engenharia reversa, sendo estas formas de transferência de conhecimento sobre

tecnologias de ponta.

Aliado a isso, a exigência de conteúdo local e a política de isenção fiscal, citada

anteriormente, estimularam a malha industrial chinesa local. Dessa forma, foi possível

que as firmas chinesas pudessem, em alguma medida, apropriar-se de capacidades

tecnológicas importantes no processo de catching up tecnológico. Isso se mostra pelos

exemplos citados por Pinto (2011):

“Na verdade, embora as empresas chinesas ainda participem das cadeias

globais em posições inferiores – capturam baixo valor agregado –, o governo

chinês tem utilizado instrumentos de financiamento e de política industrial

com o objetivo de fortalecê-las, para que estas firmas – tais como a Lenovo

(computadores), a Huawei (equipamentos de telecomunicações), a Haier

(eletrodomésticos e eletroeletrônicos) e a Chery Automobile (automóveis) –

se tornem players no mercado mundial e, consequentemente, subam na

hierarquia da cadeia de valor global. Certamente esse caminho pode ser

muito longo, mas há evidências de que as estratégias adotadas pelo governo

chinês têm conseguido gerar processo de catching up, que ainda está em suas

fases iniciais.” (PINTO, 2011, p. 52).

Concomitante ao processo de atração de IDE, houve também um esforço para

construir as capacidades necessárias para a absorção de tal tecnologia. Junto com o

processo de abertura da economia chinesa, houve a mudança no papel das instituições

de fomento à pesquisa e inovação. Segundo Araújo (2013), até 1980 a estratégia

tecnológica chinesa era baseada em: (i) empresas públicas e (ii) institutos de pesquisa

públicos. A ciência era gerada pelos institutos de pesquisa e colocada em prática pelas

empresas públicas.

45

Dessa forma, juntamente às mudanças que se iniciaram em 1978, também houve

também mudanças quanto à condução da inovação. Os marcos na política de inovação

foram cinco grandes conferências nacionais de tecnologia, ocorridas em 1978, 1985,

1995, 1999 e 2006. Elas buscavam discutir o papel da tecnologia e quais os

direcionamentos a serem dados. Para as duas primeiras conferências, os objetivos se

focaram em desmistificar a tecnologia como instrumento do capitalismo e utilizá-la para

acelerar a economia chinesa. Já as de 1995 e 1999 procuraram estabelecer um sistema

nacional de inovação e aceleração das realizações da tecnologia e ciência, na economia

chinesa (CASSIOLATO E PODCAMENI, 2015).

Em 1982 foi lançado o primeiro plano nacional de tecnologia e ciência, que se

propunha a impulsionar áreas de interesse público: biologia, aeroespacial, tecnologia da

informação, dentre outros. Além disso, houve aumento o número de parques

tecnológicos. Até 1985, contava-se com 52 parques tecnológicos, sendo que foram

criados, posteriormente outros 70 (DING, LI E WANG, 2008).

Além disso, em 1985, houve a principal mudança na política de P&D. Procurou-

se estabelecer um sistema de financiamento, mercado de tecnologia, estrutura

organizacional e sistema de pessoal. Foram estabelecidos mercados de tecnologia, para

funcionar como instituições que comercializassem os resultados de P&D. Por outro

lado, foram introduzidos mecanismos de alocação baseados na qualidade para a

atribuição de fundos públicos de P&D. Esperava-se que os institutos de P&D,

anteriormente financiados apenas por recursos públicos, fossem encontrar clientes e

garantir seu financiamento por meio de diferentes formas de interação. Porém, este

modelo não se mostrou o mais eficiente (ARAUJO, 2013).

Ding, Li e Wang (2008) que apesar do insucesso da tentaiva de mercado de

tecnologia, a China buscou maior interação justamente com as empresas. A partir de

1986, foram inaugurados a Lei de Patentes e Contratos de Tecnologia, que buscavam

incentivar a transferência de tecnologia. Os institutos de pesquisa foram encorajados a

alinhar sua agenda de pesquisa com a necessidade das empresas. Além disso, foi

lançado, em 1996, o projeto de Inovação Tecnológica, que procurava construir as

capacidades de inovação ao empresariado. A mesma rodada do projeto se fez, em 1999,

para pequenas e médias empresas.

46

Além disso, o governo incentivou a criação de empresas privadas envolvidas no

desenvolvimento, na transferência, na consultoria, nos serviços de tecnologia etc. Isso

permitiu às universidades se tornarem proprietárias e principais acionistas das suas

próprias empresas produtivas e aumentar os recursos a elas disponíveis. Um grande

exemplo disso são algumas grandes empresas chinesas. A Huawey, foi criada em 1985

por um grupo de empresas estatais do Ministério da Indústria da Aviação da China. Há

outras que também são transbordamentos das universidades chinesas, como a Lenovo,

produtora de computadores. Ainda hoje, 42,3% do capital da Lenovo são da Legend

Holdings Ltda. (da Academia Chinesa de Ciências). Também, a Haier, quarta maior

produtora mundial de equipamentos linha branca, que ainda é uma empresa “coletiva”;

a Chery, uma das principais empresas do setor automobilístico (propriedade do governo

local de Wuhu) (CASSIOLATO E PODCAMENI, 2015).

De modo geral, a política de inovação procurou estabelecer um ambiente

propício à inovação. Primeiro, por meio da institucionalização de medidas que

encorajassem a pesquisa, e depois pela busca de aproximação das empresas e da

pesquisa acadêmica. É possível verificar que a política contribuiu de forma eficaz para o

aumento do gasto com P&D e também com os gastos das empresas com P&D. Pode-se

verificar isso com os gráficos 5 e 6, eles demonstram uma trajetória semelhante de

crescimento de dos gastos em P&D, como parcela do PIB, aproximando-se de economia

desenvolvidas, como EUA e países da OCDE. Os dados foram obtidos pela base da

OCDE.

Pode-se verificar que embora o gasto com inovação, seja total ou por parte das

empresas, não seja igual aos EUA e OCDE, é possível verificar um movimento

ascendente. O gasto das empresas, em P&D, por exemplo, para o ano de 2013, foi igual

para os países da OCDE e da China.

47

Gráfico 5 – Gasto total em P&D, como porcentagem do PIB, de 1991 a 2013 (EUA,

China e OCDE)

Fonte: OCDE, 2013. Elaboração própria.

Gráfico 6 – Gasto das empresas em P&D, como porcentagem do PIB, 1991 a 2013

(EUA, OCDE e China)

Fonte: OCDE, 2013. Elaboração própria.

Além das informações ligadas ao total gasto com P&D, também é possível

observar o resultado deste gasto, que se dá pelo número de patentes produzidas pela

China. A partir do gráfico 7, pode-se verificar um grande aumento do número de

patentes. Embora ainda inexpressivo, se comparado com os números americanos,

0,00

0,50

1,00

1,50

2,00

2,50

3,001991

1993

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2003

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2013

EUA

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0,00

0,50

1,00

1,50

2,00

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1991

1993

1995

1997

1999

2001

2003

2005

2007

2009

2011

2013

EUA

OCDE

China

48

verifica-se um grande crescimento. Pode-se afirmar que em 1990, a China possuía perto

de zero aplicações em patentes, enquanto os EUA já contavam com, aproximadamente

10.000. Em pouco mais de vinte anos, a China aumentou seu número total para mais de

20.000.

Gráfico 7 – Número de patentes, para EUA e China (1990 a 2013)

Fonte: OCDE, 2013. Elaboração própria.

Além disso, ao observar as patentes por algumas categorias tecnológicas, a partir

da tabela 2, é possível ressaltar que um houve um aumento expressivo do número de

patentes. Vale ressaltar que, embora os números permaneçam abaixo dos EUA, em

todas as categorias, praticamente não existia aplicações de patentes, em 1990. Já em

2012, esse número aumenta, e em alguns casos como ICT, ou seja, telecomunicações e

eletrônicos, que em pouco mais de 20 anos apresentou praticamente a metade do

número dos EUA.

Isso é condizente com a condução de política industrial empreendida pela China,

a partir dos anos 1980. A China buscou a modernização e dispendeu esforços para

direcionar investimentos para os setores mais intensivos em tecnologia. Portanto, houve

fatores externos que colaboraram para que a China se tornasse um importante ponto de

recepção de investimentos, porém, há condicionantes internas que colaboraram para o

sucesso da indústria na China. Tanto a política industrial utilizada para atrair o capital

externo foi crucial, quanto a capacidade chinesa de conseguir absorver esta tecnologia,

0,0

10.000,0

20.000,0

30.000,0

40.000,0

50.000,0

60.000,0

70.000,0

1990

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2000

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2004

2006

2008

2010

2012

EUA

China

49

que se traduz no sistema de inovação criado. É possível verificar que a China foi capaz

de criar capacidades tecnológicas, a partir dos dados ligados à criação de patentes e

também gasto com P&D.

Tabela 2 - Número de aplicações a patentes, segundo IPC*, EUA e China, para

1990 e 2012

EUA (1990) China (1990) EUA (2012) China (2012)

Biotecnologia 1.240,5 1,1 4.249,5 445,6

ICT 2.615,7 0,3 22.655 13.791,6

Nanotecnologia 46,5 0 543,8 68,1

Farmacêuticos 1.284,7 2,3 4.305,2 641,5

Fonte: OCDE, 2012. Elaboração própria.

*IPC: International Patent Classification (Classificação internacional de patentes).

Toda essa política chinesa visava, como já foi citado, dentre outras coisas,

aumentar a participação no comércio internacional, bem como aumentar o crescimento

do PIB chinês. Ao analisar o desempenho da economia chinesa, por meio do aumento

da inserção no mercado externo e também o crescimento do PIB, é possível dizer que a

China elaborou uma estratégia bem sucedida. O gráfico 8, mostra que o share das

exportações chinesas somente aumentou, de 1978 até 2014, enquanto o share das

exportações americanas se manteve, e posteriormente entrou em declínio.

Gráfico 8 – Share das exportações chinesas, americana e dos países em

desenvolvimento na Ásia, em relação ao mundo (1978 a 2014)

Fonte: UNCTAD, 2014. Elaboração própria.

0,0%

2,0%

4,0%

6,0%

8,0%

10,0%

12,0%

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19

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19

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19

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20

00

20

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20

06

2008

20

10

20

12

20

14

China

EUA

Países em

desenvolvi

mento:

Ásia

50

Além do aumento da participação nas exportações, a China também foi a

responsável por um grande crescimento tendo taxas muito superiores ao dos EUA, do

mundo e de todos os países em desenvolvimento, na Ásia, como mostra o gráfico 9.

Gráfico 9 – Crescimento PIB (%) de China, EUA, Mundo, Países em

desenvolvimento na Ásia, Países em desenvolvimento excluindo a China (1978 até

2014)

Fonte: UNCTAD, 2014. Elaboração própria.

Esse grande crescimento suscitou as raízes de tal processo que culminou em uma

grande experiência de sucesso. A visão do Banco Mundial é de que a China se inseriu

em um contexto asiático de “crescimento para fora”, no qual o crescimento chinês se

deu basicamente devido ao grande aumento das exportações. Este foi induzido por

questões ligadas à abertura comercial e políticas de neutralidade comercial, que teriam

ratificado uma alocação eficiente dos recursos da economia mundial. Promoveu-se a

transferência do investimento para os locais de com menores custos de mão de obra,

resultado do mecanismo de outsourcing das grandes empresas multinacionais. Dessa

forma, o ator principal desse movimento seriam as grandes empresas multinacionais

(MEDEIROS, 2010).

-4

-2

0

2

4

6

8

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2000

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2014

China

EUA

Mundo

Países em

desenvolvime

nto: Ásia

Países em

desenvolvime

nto,

excluindo

China

51

Apesar de o comércio internacional ter crescido de forma relevante, como

mostrado no gráfico 8, ao olhar a evolução dos componentes do PIB, a partir da ótica do

dispêndio, é possível verificar o papel do investimento e consumo como protagonistas

no crescimento econômico. Pode-se perceber, a partir do gráfico 10, que os

componentes que mais colaboraram para o aumento do PIB, foram consumo e

investimento, em períodos de diferentes, enquanto as exportações líquidas tiveram

menor importância.

Gráfico 10 - Proporção do incremento de cada componente para o crescimento do

PIB

Fonte: China Statistical Yearbook, 2013. Elaboração própria.

Há ainda uma outra vertente que traz o papel do Estado para o aumento dos

investimentos que ancoraram o crescimento chinês. Embora, a inserção do capital

estrangeiro tenha sido crucial para o processo de catching up tecnológico, o

investimento, principalmente de cunho estatal nunca perdeu sua importância. Como

apontado por Medeiros (2006), “a máquina de crescimento chinesa não se deslocou para

as empresas estrangeiras e suas exportações, mas permaneceu fortemente assentada nos

investimentos públicos, na exportação das empresas estatais e na expansão do

consumo” (MEDEIROS, 2006, p. 387).

O Estado também se fez presente não só como investidor, mas principalmente

como coordenador dos investimentos. Ao longo da década de 1990, foi realizada uma

estratégia industrial, em que o governo selecionou 120 grupos empresariais para formar

um national team em setores de importância estratégica Nolan (2001 apud Medeiros,

2006) semelhante ao modelo coreano. Foi chamada política de “manter as grandes

-80,0

-60,0

-40,0

-20,0

0,0

20,0

40,0

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2011

2012

Consum

o

FBKF

Exportaç

ões

líquidas

52

empresas públicas e deixar escapar as menores” (MEDEIROS, 2006, p.388), na qual, a

ideia era conseguir manter maiores investimentos nos setores chave do governo, e

transformá-los em conglomerados que fossem capazes de competir globalmente, no

futuro.

Para isso, diversos centros de tecnologia foram desenvolvidos. Foram

estabelecidas dezenas de zonas de desenvolvimento econômico e tecnológico

especialmente concebidas para formarem pólos de crescimento voltados para a

economia como um todo. Estas zonas passaram a receber massivos investimentos do

governo em infraestrutura e muitas criaram parques industriais em alta tecnologia.

Dessa forma, o propósito chinês era manter nas mãos do Estado setores de alta

intensidade tecnológica, buscando fortalecê-los e incentivar produção e exportação das

empresas domésticas.

Além disso, o próprio governo chinês modificou sua política de inovação. Como

demonstrado por Cassiolato e Podmenicani (2015), apesar de certo sucesso das

iniciativas chinesas, a maior parte das empresas ainda tinha sua produção subordinada

às grandes cadeias de valor. Dessa forma, as ligações locais ou nacionais entre as

indústrias eram fracas ou lentamente desenvolvidas. Logo, o governo chinês estabeleceu

em 2005, um plano que via a inovação como principal preocupação da China.

Havia uma certeza de que o modelo chinês voltado ao investimento em capital

fixo, e em uma inserção internacional subordinada às etapas finais da cadeia global não

traria o desenvolvimento necessário à China. A China ainda pressionou as empresas

transnacionais a investirem em parques tecnológicos, tornando-se o maior polo de

centro de P&D de empresas transnacionais, a partir de 2000.

Porém, apesar do investimento de tais transnacionais em mais de 1000 centros

de P&D, verificou-se que a pesquisa era voltada a adaptação de tecnologia, e não na

pesquisa inovadora de fato. Além disso, também se ressaltou que tais empresas tendiam

a investir menos nas atividades nas quais já possuíam vantagens tecnológicas. Como

citado por Cassiolato e Podmenicani (2015):

“O governo chinês e as empresas domésticas não devem esperar se

beneficiar muito das atividades de P&D estrangeiras na China. Pelo contrário,

devem focar em construir capacitações inovativas locais, uma vez que a maior

parte das empresas estrangeiras vai investir na área apenas quando sentirem a

concorrência das empresas domésticas. (SU apud CASSIOLATO E

PODCAMENI, 2015, p. 509).

53

Pensando nisso, a China lançou, na Conferência Nacional de Ciência e

Tecnologia um plano de desenvolvimento tecnológico de longo prazo. O plano

enfatizou a inovação endógena. Além disso, o principal foco de condução da política

eram inovações voltadas ao mercado local chinês. Logo a construção de capacidades

tecnológicas deveria ser voltada à solução dos problemas da sociedade

chinesa(CASSIOLATO E PODCAMENI, 2015).

O plano também destacou oito áreas tecnológicas, nas quais o domínio de 27

tecnologias de ponta seria almejado, e quatro programas de pesquisa básica. Estes

programas incluíram tecnologia da informação, biotecnologia, materiais avançados,

manufatura avançada, energia, tecnologia do mar, tecnologia de laser e tecnologia

aeroespacial (CASSIOLATO E PODCAMENI, 2015).

O objetivo da estratégia chinesa, voltada à inovação era utilizar o mercado

interno para desenvolver novas trajetórias tecnológicas voltadas às especificidades da

economia e sociedade chinesas. Por exemplo, o terceiro projeto especial (nova geração

de redes de comunicação móvel de banda larga sem fio) tinha como objetivo alcançar,

em 2020, 10% das patentes globais, 25% do mercado de semicondutores de

telecomunicações, 20% do mercado global de hardware de banda larga e 50% do

mercado doméstico (CASSIOLATO E PODCAMENI, 2015).

O plano da China de usar seu mercado interno como fio condutor do seu

programa de inovação ganhou força em 2009. O MCT, a Comissão Nacional de

Desenvolvimento e Reforma (National Development and Reform Commission –

NDRC) e o Ministério da Fazenda anunciaram a criação de um catálogo de novos

produtos, em âmbito nacional, que receberiam tratamento preferencial nas compras

governamentais. Muitas províncias e municípios elaboraram seus catálogos, retirando

produtos estrangeiros das compras governamentais locais (CASSIOLATO E

PODCAMENI, 2015).

Essa iniciativa ainda se concentrou em seis campos de alta tecnologia: i)

computadores; ii) produtos de comunicações; iii) equipamentos de escritório modernos;

iv) software; v) novas fontes de energia e novos dispositivos de energia; e vi) produtos

de alta eficiência energética e poupadores de energia (CASSIOLATO E PODCAMENI,

2015).

54

Ainda no ano de 2009, o governo avançou mais ainda, com a criação de um

catálogo de 240 tipos de equipamentos industriais, em dezoito categorias, para as quais

haveria incentivos a fim de que as empresas nacionais produzissem, no intuito de

atualizar a base industrial da China. Aquelas que participassem do esforço receberiam

uma combinação de incentivos fiscais e subsídios, bem como prioridade nos catálogos

de produtos de inovação (CASSIOLATO E PODCAMENI, 2015).

Dessa forma, conclui-se que o processo de industrialização chinesa perpassa pela

forte presença do Estado, na economia. Primeiro, ele cria condições indispensáveis para

a atração de capital estrangeiro, como isenções ficais e câmbio desvalorizado. Além

disso, atrai as empresas que buscam vantagens relacionadas a custos salariais.

Posteriormente a isso, o governo passa a direcionar os investimentos para os setores

considerados mais estratégicos da economia. Paralelamente a isso, também há uma série

de investimentos para capacitação e pesquisa, para que a tecnologia possa ser absorvida

e, posteriormente, o país seja capaz de construir tecnologia nova. Ao perceber que os

investimentos ainda se mantinham insuficientes para atender o crescimento chinês, é

promovido um novo planejamento que se volta para as inovações capazes de suprir o

mercado interno chinês.

Portanto, percebe-se que conforme a economia foi evoluindo, os estímulos para

investimentos foram se alterando, e o Estado chinês conseguiu conduzir mudanças na

política industrial, de modo atender novos interesses. Dessa forma, percebe-se que o

Estado chinês, que no início, contava, fortemente, com o capital estrangeiro, passa a se

voltar ao mercado interno. Outra diferença marcante é que o investimento realizado se

voltava para atender às empresas que exportavam, e, posteriormente, a China coloca o

mercado consumidor chinês como peça fundamental para as decisões de investimento.

1.2.5 Mudança do modelo para o mercado interno

Concomitante ao processo de catching up tecnológico e aumento do

investimento na economia chinesa, o Estado também passou a perceber a importância

do consumo para a economia. Como apontado por Medeiros (2010) “também existe

uma pressão dentro do próprio partido comunista, para que haja um crescimento mais

equilibrado no qual o consumo fosse o componente protagonista.” (MEDEIROS, 2010,

55

p. 6). Este objetivo está entre as resoluções do 11º Plano Quinquenal (2006-2010), no

qual, busca-se uma “sociedade socialista harmoniosa”.

Dessa forma, o Estado chinês utilizou de duas vias para estimular o consumo:

aumento salarial e uma nova rodada de investimentos voltada ao mercado interno. Com

relação ao crescimento dos salários, Pinto (2011) aponta que a dinâmica de catching up

influenciou inclusive o novo patamar de salários. A trajetória dos salários chineses é

semelhante à evolução salarial vivida por países desenvolvidos do Leste Asiático, em

suas fases de catching up. A partir do gráfico 11, pode-se verificar uma ascensão

importante do salário na China.

Gráfico 11 - Evolução e taxa de crescimento dos salários nominais em yuan (1990-

2008)

Fonte: Leão (2010). Dados: Laborsta/OIT

Com relação aos novos investimentos, pode-se afirmar que o aumento salarial

gerou um estímulo ao consumo, logo, encaminhou-se uma nova rodada de

investimentos estrangeiros, voltados ao mercado interno. Na abertura da economia

chinesa, o IDE se empreendia em utilizar de baixos custos de produção para produção

de bens finais mais baratos para exportar. No segundo momento, buscou-se atingir um

mercado consumidor crescente, a partir do aumento salarial. Como mostrado, pelo

gráfico 10, a partir de 2002, investimentos e consumo carregam importância

semelhantes em contribuição ao aumento do PIB.

Percebe-se que a China centralizou esforços para a condução de uma política

industrial que levasse a uma maior participação de setores intensivos em tecnologia.

Primeiro, o aparato institucional relacionado à criação das ZEEs, como políticas

0

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2005

2006

2007

2008

Salários

nominais

Taxa de

cresc

56

tributárias, câmbio desvalorizado e mão de obra barata, trouxeram significativos

investimentos a essas regiões. Este IDE, voltado, primeiramente, ao mercado

americano, sofreram desdobramentos que culminaram na posição da China como um

importante receptor de investimentos. Além do aumento do investimento na economia,

a partir da produção, nessas regiões, a capacidade exportadora chinesa se expandiu,

tornando-a, também destaque nos fluxos de comércio internacional.

Contudo, o protagonista no sucesso chinês não é o capital estrangeiro, mas sim a

forma pela qual os investimentos foram conduzidos. O Estado chinês passou a escolher

quais setores seriam priorizados pelo investidor estrangeiros, e, além disso, passaram a

exigir que parte da produção fosse realizada por fornecedores locais. Somado a isso,

previa-se que houvesse transferência tecnológica, de modo que, a China pudesse se

apropriar de capacidades tecnológicas importantes para fortalecer sua própria indústria.

Não somente o capital estrangeiro exerceu papel importante no processo de

catching up tecnológico, mas também o investimento das empresas estatais. Estas

passaram a se focar na produção de bens que fossem considerados prioritários para o

governo, realizando a “escolha dos vencedores”, ou seja, escolhendo quais setores

seriam privilegiados. Portanto, o mix, de abertura de mercado, adoção de instituições de

mercado e a presença do Estado como planejador e investidor, trouxeram a capacidade

chinesa de crescimento e a chance de torná-la uma potencia mundial.

Este processo de catching up trouxe consigo um aumento salarial, ligado ao

processo próprio de países que apresentam maior desenvolvimento industrial. Aliado a

este processo de aproximação da fronteira tecnológica, também existe forte premissa

por parte do governo no estímulo do crescimento baseado no consumo, como forma de

atrair investimentos ao mercado consumidor.

Neste âmbito vivido pela China, atualmente, há a priorização do investimento

para setores ligados a tecnologia mais sofisticada, em detrimento de setores ligados a

trabalho, que representavam o cerne da vantagem competitiva chinesa. Porém, como

será explicitado mais adiante, a dinâmica concorrencial em mercados de alta intensidade

tecnológica faz com que os preços de tais produtos sejam maiores. Portanto, pode-se

dizer que a gradativa substituição de bens ligados a trabalho por bens de tecnologia de

ponta passaria a encarecer as exportações chinesas.

Além disso, o próprio processo de catching up tecnológico trouxe um aumento

salarial, pois a produção de bens mais sofisticados enseja uma mão de obra mais

qualificada, portanto, melhor remunerado. Juntamente a este processo, há também um

57

componente político no aumento salarial. O Estado chinês passou a ser comprometer

com o consumo, o que colabora para novos investimentos voltados ao mercado

consumidor.

Nesse âmbito, a questão em relação ao “fim da China barata se dá por duas

razões. A primeira é pelo próprio processo de catching up tecnológico, que prioriza a

produção de bens mais caros, enquanto passa a se afastar da produção de bens baratos.

Por outro lado, o aumento salarial acaba por também encarecer a produção de bens

intensivos em trabalho. Dessa forma, a análise sobre o processo de mudança da

estrutura produtiva, bem como a estrutura salarial se faz importante para responder a

questão central sobre o “fim da China barata”.

58

2. CAPÍTULO 2 – MUDANÇAS ESTRUTURAIS NA PRODUÇÃO E

SALÁRIOS

No capítulo um, procurou-se mostrar como a China conseguiu levar a cabo seu

projeto de industrialização tardia. Foram exploradas as determinantes tanto externas,

quanto os determinantes internos, ao desenvolvimento chinês. Destaca-se a política

industrial chinesa que procurava mesclar capital estrangeiro e nacional, com o principal

objetivo de tornar a China um país relevante, na indústria e no comércio internacional.

Através da ação do capital estrangeiro, juntamente ao capital nacional, a China

centralizou seus esforços de política nos setores mais intensivos em tecnologia. O

principal objetivo chinês era possibilitar a construção de grandes grupos de empresas

nacionais que pudessem competir globalmente, na produção de bens sofisticados. Dessa

forma, a política industrial chinesa tinha como principal objetivo a mudança na estrutura

produtiva, ou seja, o processo de catching up tecnológico chinês. Aliado a isso, o

próprio processo de mudança da estrutura produtiva chinesa trouxe também um

aumento salarial.

Neste capítulo dois, procurar-se-á compreender qual a natureza desse processo

de intensificação da participação de bens intensivos em tecnologia, tanto no comércio

quanto na indústria. Esta primeira parte da análise se dividirá em duas partes: (i) revisão

bibliográfica de autores internacionais e nacionais, explorando a questão da sofisticação

chinesa; (ii) análise de indicadores de comércio internacional e produção industrial.

Busca-se verificar se houve mudança na estrutura produtiva chinesa na direção de bens

intensivos em tecnologia.

A segunda parte do capítulo dois busca compreender a natureza do aumento

salarial e qual seu impacto sobre a competitividade. Dessa forma, o debate figura entre a

questão de aumento salarial versus aumento de produtividade. Logo, o objetivo central é

verificar se os ganhos salariais são capazes de superar o crescimento da produtividade, o

que comprometeria a competitividade chinesa. A análise está dividida em duas partes:

(i) revisão bibliográfica sobre trabalhos empíricos que tratam da de aumento de salários

e produtividade, na China; (ii) análise de indicadores de produtividade, lucratividade e

salários.

59

Na última parte será abordada a questão de mudança na evolução dos preços de

bens exportados para os EUA, e será comparada aos preços de outros parceiros

relevantes no comércio com os EUA. Os parceiros mais importantes dos EUA foram

elencados segundo tecnologia, ou seja, são aqueles que mais exportam para os EUA, em

determinada tecnologia. É calculado um diferencial de preços entre produtos dentro da

mesma tecnologia, entre China e o parceiro mais importante dos EUA, segundo

tecnologia. O objetivo é verificar se houve impacto das mudanças citadas,

anteriormente, nos preços de bens finais exportados pela China.

Dessa maneira, busca-se verificar através da análise empírica se existe alteração

na estrutura produtiva chinesa na direção de bens mais intensivos em tecnologia, o que

acaba por refletir no preço do produto final chinês. Além disso, a segunda parte quer

demonstrar como as alterações no aumento salarial chinês pode afetar a competitividade

chinesa. Por fim, o reflexo desses dois processos é verificar conjuntamente sobre a

análise da evolução dos preços, segundo tecnologia.

2.1 MUDANÇA NA ESTRUTURA PRODUTIVA

2.1.1 Revisão bibliográfica

Como já foi destacado, a China passou por diversas mudanças que a levaram a

ser um player importante no comércio internacional. A China passou de uma grande

exportadora de bens intensivos em trabalho, para um país exportador de bens mais

sofisticado. Porém, na literatura, não existe um consenso quanto ao grau de sofisticação

das exportações chinesas.

No âmbito da literatura internacional, destacam-se três trabalhos que tratam da

maior participação de setores intensivos em tecnologia, nas exportações chinesas:

Rodrik (2006), Schott (2008) e Lardy (2004). Os dois primeiros trabalhos apresentam

indicadores e análise econométrica baseados na exportação chinesa, apontando para a

intensificação do processo de sofisticação dos produtos exportados. Além disso, estes

artigos mostram, sob diferentes modelagens, que a participação de produtos intensivos

em tecnologia, na produção chinesa, é maior que o esperado para países com

semelhante desenvolvimento. Já o terceiro trabalho questiona o grau de sofisticação

chinês.

60

Rodrik (2006) inicia sua explanação sobre a China apresentando um aumento no

share mundial de suas exportações. Em 1960, a economia chinesa apresentava somente

2% de todas as exportações mundiais, enquanto em 2003, este número vai para 6%.

Além disso, a participação das exportações, no PIB cresceu, entre 1970 e 2003, a taxas

maiores que a mundial. Estes dados mostraram o caráter da mudança da economia

chinesa entre os anos 1980 e 1990, que passa de uma economia, praticamente fechada

para um país importante, nos fluxos comerciais globais.

O autor mostra que o tipo de inserção comercial dos países emergentes é distinto

do estabelecido pelo arcabouço teórico de comércio internacional. Segundo a teoria de

Hecksher-Ohlin, o padrão comercial se dá pela dotação de fatores, no qual, cada país se

especializa na produção de bens nos quais há maior dotação de fatores. Ou ainda,

segundo a teoria Ricardiana, a especialização se dá pelas diferenças de produtividade de

cada indústria. O principal ponto é que de qualquer maneira, a firma atua como agente

maximizador, que ao se deparar com os custos, faz sua escolha ótima (RODRIK, 2006).

Porém, em países em desenvolvimento, há muitos riscos ligados à entrada em

atividades mais sofisticadas. Os custos não estão somente relacionados à dotação de

fatores, mas também a fatores institucionais, como a adaptação ao uso da nova

tecnologia, dentre outros. Além disso, caso obtenha-se sucesso no investimento

inovativo, ele trará espraiamento de informação e tecnologia para os entrantes. Por outro

lado, caso esse tipo de investimento venha a fracassar, as firmas que o realizaram

pagarão totalmente pelo seu insucesso. Logo, as forças de mercado agem de modo

coibir o maior desenvolvimento em áreas mais sofisticadas, nos países em

desenvolvimento (RODRIK, 2006).

O resultado disso é que países de menor renda tendem a investir menos em

setores intensivos em tecnologia, logo, também tem a sua renda diminuída, em relação

ao seu potencial. Em contrapartida, os países mais dinâmicos, economicamente, tendem

a direcionar seus recursos para as atividades mais intensivas em inovação. A partir deste

arcabouço teórico, ele busca estabelecer uma relação quantitativa entre renda e produtos

intensivos em tecnologia. Para isso, o autor constrói um indicador de produtividade

associado a uma cesta de exportação, de forma a verificar qual é a relação deste

indicador com a renda (RODRIK, 2006).

61

Primeiro, é calculada uma média ponderada de renda para todos os países que

exportam aquele determinado bem, sendo chamado de PRODY. Depois, é calculado o

EXPY que é a ponderação de cada PRODY, tendo como pesos a participação que o

determinado bem tem no total exportado pelo país. A primeira relação é a de que EXPY

tem uma relação com a renda, ou seja, países de maior renda tendem a exportar mais o

que os outros países exportam (RODRIK, 2006).

Porém, em 1992, por exemplo, a China foi considerada um outlier da pesquisa,

correspondendo a uma cesta de exportação três vezes maior que o esperado para sua

renda per capita. Ao analisar a evolução deste indicador, em 2003, é possível dizer que

essa cesta ainda se encontra em níveis abaixo da Coréia do Sul, porém, afastou-se da

Índia, com o qual se mostrava próximo, em 1992 (RODRIK, 2006).

Além disso, o autor fez uma relação entre a cesta exportadora e capital humano,

de forma a avaliar a teoria ligada à dotação de fatores. O resultado é que um país como

Bangladesh, que apresentava, características semelhantes à China, como mão de obra

abundante e capital humano relativamente escasso, obteve uma cesta exportadora com

produtividade 50% menor que a chinesa. Dessa forma, o autor aponta para fatores

idiossincráticos relativos à sofisticação chinesa. Ou seja, a cesta chinesa apresenta bens

mais intensivos em tecnologia, que não guardam conexão com sua dotação de fatores

(RODRIK, 2006).

Porém Lardy (2004) argumenta que a China, na verdade, exporta conteúdo

tecnológico, porém nos elos menos nobres da cadeia. Estes acabam por agregar pouco

valor, servindo mais como uma plataforma de exportação. Porém, Rodrik (2006)

argumenta que, ainda assim, o conteúdo exportado é muito grande para o PIB per capita

chinês. Ou seja, países com renda similar à chinesa exportariam uma cesta de menor

produtividade do que a cesta real chinesa.

O segundo trabalho, de Schott (2008), trata de uma comparação entre as cestas

de exportação dos parceiros comerciais dos EUA. A partir deste trabalho, é possível

verificar que a cesta de exportação chinesa se aproxima da dos países pertencentes à

OCDE.

O autor argumenta que a heterogeneidade da produção das províncias

proporciona uma diversidade de produção que acaba resultando na produção de bens

62

intensivos em tecnologia para algumas províncias. Porém, não há dados que

correspondam à exportação específica de cada província, logo, os dados a serem

analisados serão os do país (SCHOTT, 2008).

Antes de analisar a cesta exportadora chinesa, há uma breve explanação a partir

de um indicador de penetração de importações para o mercado americano. Realiza-se

uma comparação entre a exportação da América Latina, países da OCDE e China,

olhando somente para produtos mais intensivos em tecnologia. É possível verificar que

em 1972, todos esses produtos, de origem chinesa, tinham zero exportações aos EUA,

aumentando para 11%, em 2001. Já os países da OCDE perderam participação,

contando com 83% e depois para 52%, para os mesmos anos (SCHOTT, 2008).

Além disso, para o mesmo período, em uma análise dos maiores parceiros

comerciais, a China foi, isoladamente, a que mais obteve aumento absoluto e percentual

de market-share nas importações americanas. Não somente houve incremento do

comércio, mas também aumento da variedade de bens intensivos em tecnologia, em

direção aos EUA (SCHOTT, 2008).

Portanto, já é possível dizer que a China foi capaz de intensificar sua exportação

de bens intensivos em tecnologia. Mas o trabalho quer verificar o quão perto esta cesta

está à dos países da OCDE. Para isso, o autor constrói um indicador de similaridade, e a

partir dele é possível realizar uma análise econométrica:

𝐸𝑆𝐼 = ∑ min(𝑠𝑡𝑝𝑐𝑝 , 𝑠𝑡𝑝𝑑) (1)

𝑠𝑡𝑝𝑐 é o share do país c, nas exportações dos produto p, no ano t.

A análise de comércio internacional de dois países se dá do seguinte modo: se

ESI=0, logo, não há produtos em comum, e se ESI=1, as exportações estão distribuídas

de forma uniforme entre todos os produtos. A partir desse cálculo verificou-se que a

China demonstra mais similaridade com a Ásia e América Latina do que com a OCDE,

porém a diferença vai diminuindo com o tempo, considerando os anos de 1972, 1981,

1991, 2001 (SCHOTT, 2008).

Para realizar as simulações econométricas, o autor escolheu algumas variáveis e

verificou qual a relação ou causalidade das mesmas como a sofisticação da cesta. Dessa

maneira, as variáveis são escolhidas a partir das teorias de comércio tradicionais. A

63

primeira teoria é advinda do arcabouço teórico de Hecksher-Ohlin. Esta estabelece a

causalidade da dotação de fatores na determinação do padrão de inserção dos países, no

comércio internacional. A outra perspectiva é a nova teoria do comércio, na qual, o

tamanho do país tem influência sobre as exportações (SCHOTT, 2008).

Quanto à formulação da primeira teoria, foi adotada uma variável que indicasse

habilidade, ou seja, que pudesse mensurar a diferença entre dotação de fatores. Portanto,

foi escolhida a variável referente ao World Bank, paridade de poder de compra (PPP)

real ajustado pelo PIB per capita. (SCHOTT, 2008).

A outra variável foi referente à nova teoria de comércio, portanto buscou-se

refletir o tamanho do país no comércio internacional. Dessa forma, Schott (2008)

desenha a seguinte equação, na qual estabelece a relação de ESI, com as variáveis

anteriormente citadas:

𝐸𝑆𝐼𝑡𝑐 = 𝛼𝑡 + 𝛽𝑋𝑡𝑐 + 𝛾𝐶𝐻𝐼𝑁𝐴𝑡𝑐 + 𝜀𝑡𝑐 (2)

Para a equação (2), 𝑋𝑡𝑐 representa a variável de característica do país, que pode

ser PPP real ajustado pelo PIB per capita ou PPP real ajustado ao PIB. 𝐶𝐻𝐼𝑁𝐴𝑡𝑐 é uma

variável dummy se a observação for para China (SCHOTT, 2008).

Todos os resultados mostram uma relação positiva entre as características do

país, o que corrobora a nova teoria do comércio e também a de Hecksher-Ohlin. Porém,

os coeficientes para a variável dummy foram positivos, para ambas as características, o

que mostra que a China apresenta uma cesta de exportação mais próxima aos países da

OCDE do que países com características semelhantes à China, como por exemplo,

Bangladesh (SCHOTT, 2008).

Outro aspecto importante é que, ao longo dos anos, a diferença entre as

exportações chinesas e da OCDE diminuem, a partir da interação entre a variável

dummy para China e outras variáveis dummy para as décadas. Ao observar o

comportamento das mesmas variáveis por indústria 6 , o mesmo padrão se repete

(SCHOTT, 2008).

Porém, o autor também deseja fazer uma análise sobre a evolução dos preços das

exportações chinesas. Pois, a evidência empírica demonstra que existe uma relação

6 Produtos químicos; Materiais manufaturados; Máquinas e equipamentos.

64

positiva entre países de maior renda e exportação a preços maiores. Logo, a maior

aproximação da China à cesta da OCDE levaria o país a exportar produtos mais caros.

Para fazer este estudo, o autor realiza a comparação entre os preços de exportação entre

China e os países da OCDE, a partir da aplicação de log sobre a equação (2) (SCHOTT,

2008).

O que se verifica é que a China apresenta preços mais baixos de exportação do

que os países da OCDE. Esta verificação se repete ao olhar para a indústria, e aliado a

isso, os preços chineses se tornam mais baratos ao longo do tempo, entre 1980 e 2000

(SCHOTT, 2008).

A partir de referenciais teóricos distintos, Schott (2008) e Rodrik (2006) chegam

a conclusões semelhantes no que tange ao comércio internacional chinês. A China é um

caso particular, no qual, a sofisticação de suas exportações vai além do que apregoa as

tradicionais teorias de comércio internacional sobre vantagens comparativas.

A literatura nacional também destaca a inserção da China no comércio

internacional de bens intensivos em tecnologia. Como apontado por Pinto (2011), a

China intensificou a estratégia de se tornar um importante player mundial,

majoritariamente nos anos 1990, apresentando aumento na participação no comércio

internacional.

Como demonstrado por Pinto (2011), no período de 1980 a 1989, a China

participava com 1,4% do total exportado no mundo, enquanto em 2009, essa

participação se elevou para 8,7%. Considerando o mesmo período, as importações

chinesas apresentavam market-share de 1,6% e passaram a ser 7,9%, respectivamente.

Além disso, entre os anos de 2000 e 2009, a corrente de comércio7 entre China e mundo

cresceu 4,6 vezes.

Aliado a isso, a China também foi capaz de galgar aumentos de participação nas

exportações de bens intensivos em tecnologia. No período que compreende os anos de

1990 a 1994, do total exportado pela China, 18,6% eram bens de alta intensidade

tecnológica. Já de 2005 a 2009, essa participação aumentou para 36,8%. Enquanto isso

se viu a diminuição da participação dos bens intensivos em trabalho e recursos naturais.

Para os mesmos períodos, a participação caiu de 57,7% para 31,3% (PINTO, 2011).

7 Corrente de comércio é a soma de exportações com importações.

65

Cunha e Xavier (2010) utilizam indicadores de comércio para mostrar a

mudança na pauta de exportação chinesa. A fim de mostrar tal fato, são utilizados dois

indicadores de comércio internacional: vantagens comparativas relevadas e contribuição

ao saldo comercial.

𝑉𝐶𝑅 =𝑋𝑖𝑗 𝑋𝑗⁄

𝑋𝑖 𝑋⁄ (3)

𝐶𝑆 = (1000 𝑃𝐼𝐵𝑗⁄ ) ∗ {(𝑋𝑖𝑗 −𝑀𝑖𝑗) − [((𝑋𝑖𝑗 +𝑀𝑖𝑗) (⁄ 𝑋𝑗 +𝑀𝑗) ∗ (𝑋𝑗 −𝑀𝑗))]} (4)

A equação (3) é o indicador de vantagens comparativas reveladas, no qual, 𝑋𝑖𝑗

são as exportações do setor i, no país j. 𝑋𝑗são as exportações totais do país j e X são as

exportações mundiais. O indicador apresenta resultados maiores ou menores que um.

Logo, se existe alguma vantagem no setor i, o índice será maior que um, caso ocorra o

contrário, o índice será menor que um. O outro indicador (4), complementar ao anterior

(3), é o de contribuição ao saldo. Busca-se verificar se o setor i apresenta contribuição

negativa ou positiva ao saldo (CUNHA E XAVIER, 2010).

A tabela 3 mostra a construção do VCR, segundo tecnologia. Pode-se verificar

que no início do período a China era competitiva em “produtos primários agrícolas” e

“indústria intensiva em trabalho”, mantendo a competitividade somente na última, e

passando a ser competitiva em “fornecedores especializados”. Neste último, o aumento

do índice é resultado de uma melhora do desempenho dos setores de maquinário

(máquinas de escritório e equipamento), o que demonstra mudança na pauta de

exportação. Porém, ainda que nas categorias “indústria intensiva em P&D” e “indústria

intensiva em escala”, o indicador de VCR não seja superior a um, é possível verificar

que ele se aproxima de um, ao comparar os dois períodos (CUNHA E XAVIER, 2010).

66

Tabela 3 - Indicador de Vantagem Comparativa Revelada (VCR) – China –

1994‑1998 e 2001‑2005

Tipologia Pavitt* 1994-1998 2001-2005

"Produtos primários agrícolas" 1,0619 0,6332

"Produtos primários minerais" 0,6187 0,4418

"Produtos primários energéticos" 0,6903 0,2314

"Indústria agroalimentar" 0,6387 0,5359

"Indústria intensiva em outros recursos agrícolas" 0,6676 0,466

"Indústria intensiva em recursos minerais" 0,7694 0,6742

"Indústria intensiva em recursos energéticos" 0,4375 0,4444

"Indústria intensiva em trabalho" 2,8548 2,1582

"Indústria intensiva em escala" 0,7316 0,8499

"Fornecedores especializados" 0,5753 1,3012

"Indústria intensiva em P&D" 0,5265 0,8051

Fonte: Cunha e Xavier (2010).

Nota: * Como apontado pelos autores Cunha e Xavier (2010), para a classificação das exportações de

setores industriais com base em parâmetros tecnológicos adotou-se como critério de agregação dos dados

a tipologia presente no artigo de Laplane et al apud Cunha e Xavier (2010) elaborada com base em

Pavitt(1984). Em Holland e Xavier (2004), os grupos de setores/ industrias, com base no critério de

agregação, são apresentados como se segue: a) “Produtos primários”: agrícolas, minerais e energéticos; b)

“indústria intensiva em recursos naturais”: industria agroalimentar, industria intensiva em outros recursos

agrícolas, industria intensiva em recursos minerais e industria intensiva em recursos energéticos; c)

“indústria intensiva em trabalho” (ou “tradicionais”): os quais estão concentrados os mais tradicionais

bens industriais de consumo não duráveis como têxteis, confecções, couro e calcados, cerâmica, editorial

e gráfico, produtos básicos de metais, entre outros; d) “indústria intensiva em escala”: inclui a indústria

automobilística, a indústria siderúrgica e os bens eletrônicos de consumo; e) “fornecedores

especializados”: inclui bens de capital sob encomenda e equipamentos de engenharia e são caracterizados

pela elevada obtenção de economias de escopo, alta diversificação da oferta geralmente concentrada em

empresas de médio porte, mas com uma notável capacidade de inovação de produto; f) “indústria

intensiva em P&D”: faz parte deste grupo os setores de química fina (produtos farmacêuticos, entre

outros), componentes eletrônicos, telecomunicações e industria aeroespacial, os quais são todos

caracterizados por atividades inovativas diretamente relacionadas com elevados gastos em P&D,

Ao observar o ranking de VCR, por setor, corrobora-se a mudança na pauta

chinesa de exportação. No primeiro período, as primeiras 20 posições eram de setores

ligados à “indústria intensiva em trabalho” e alguns produtos agrícolas. No entanto, no

segundo período, aparecem setores como equipamentos de informática, veículos,

gravadores de som/TV, ou seja, produtos ligados à “indústria intensiva em escala” e

“fornecedores especializados”.

67

Já a tabela 4 apresenta os resultados para a evolução do indicador de

contribuição ao saldo. Pode-se verificar uma tendência semelhante à trajetória do VCR,

mostrando uma diminuição da importância de setores ligados a produtos primários e

aumento da importância de setores mais intensivos em tecnologia. Além disso, ao

observar os setores, para o segundo período, destaca-se que equipamentos de

informática apresentou a maior contribuição ao saldo. Além disso, equipamentos de

telecomunicações apresenta a quinta maior contribuição ao saldo, ambos pertencentes à

categoria de “indústria intensiva em P&D”.

Tabela 4 - Indicador de Contribuição ao Saldo Comercial (CS) – China –

1994‑1998 e 2001‑2005

Tipologia Pavitt 1994-1998 2001-2005

"Produtos primários agrícolas" 2,4328 -3,3584

"Produtos primários minerais" -6,0460 -10,7689

"Produtos primários energéticos" -0,5009 -13,3521

"Indústria agroalimentar" -2,2583 0,7035

"Indústria intensiva em outros recursos agrícolas" -1,6170 -2,8584

"Indústria intensiva em recursos minerais" -2,5072 -8,6922

"Indústria intensiva em recursos energéticos" -1,9237 -2,4052

"Indústria intensiva em trabalho" 44,5688 61,4293

"Indústria intensiva em escala" 4,0752 17,4725

"Fornecedores especializados" -23,4086 0,8908

"Indústria intensiva em P&D" -12,2510 -38,5569

Fonte: Cunha e Xavier (2010).

Outra análise realizada pelos autores foi comparar o desempenho das

exportações chinesas com as mundiais. Através disso, os autores buscam estabelecer

uma relação entre os setores nos quais o país se tornou mais competitivo e os setores

nos quais há aumento de demanda internacional. Para isso, construiu-se uma matriz de

competitividade, caracterizada por quatro quadrantes. Estes foram divididos em “setores

em retrocesso”; “setores em declínio”; “setores em situação ótima” e “oportunidades

perdidas”.

As características de cada grupo são: “setores em retrocesso” são aqueles que

apresentam taxas de crescimento menores que as taxas internacionais, seguido de uma

diminuição da parcela de mercado do país nestes setores; “setores em declínio”,

68

referem-se ao grupo de setores com taxa de crescimento abaixo da media do mercado

mundial, nos quais ocorre um crescimento da parcela de mercado das exportações do

país; “setores em situação ótima”, representando o grupo de setores que apresentam,

simultaneamente, uma taxa de crescimento acima da media do mercado mundial e um

aumento da fatia de mercado do país nestes setores; “oportunidades perdidas”, referem-

se ao grupo de setores que apresentaram variações positivas no mercado mundial, em

que o pais perdeu market-share.

Tabela 5 - Participação Relativa das Exportações segundo o dinamismo e

competitividade – China – 1994‑1998 e 2001‑2005

Setor/País Setor País 1994-1998 2001-2005

Setores em situação ótima Dinâmico Competitivo 43,90% 51,90%

Setores em declínio Não-dinâmico Competitivo 44,40% 45,00%

Oportunidades perdidas Dinâmico Não competitivo 1,80% 2,20%

Setores em retrocesso Não-dinâmico Não competitivo 10,00% 0,90%

Fonte: Cunha e Xavier (2010).

Percebe-se, a partir da tabela 5, que a China aumentou a participação em

“setores em situação ótima” que são caracterizados pelos setores intensivos em

tecnologia, cuja correspondência está em produtos químicos, manufaturados diversos,

equipamentos de transporte e máquinas. Desse modo, mais da metade das exportações

chinesas acabaram por convergir para as exportações mundiais mais dinâmicas,

caracterizadas por bens mais sofisticados.

Apesar dos exemplos na literatura internacional e nacional, quanto à sofisticação

da exportação chinesa, ainda há autores como Lardy (2004) e Branstetter e Lardy (2006)

que apontam em direção oposta. Segundo eles, não há evidências econométricas

suficientes para se afirmar sobre o aumento da sofisticação. Eles afirmam que as

exportações intensivas em tecnologia resultam da importação de peças e componentes

de alto valor agregado, e que esse país não teria atividades produtivas sofisticadas e

seria apenas uma plataforma de exportação. Dessa forma, analisar a evolução das

exportações não significa dizer que houve mudança estrutural da produção industrial

chinesa.

69

Como também apontado por Sarti e Hiratuka (2010), o aumento do comércio

internacional em bens de alta tecnologia não está associado à mudança na transferência

tecnológica e maior participação nos elos nobres da cadeia de valor. Como eles

destacam: “na maioria dos casos, a produção e a exportação desses produtos continua

sendo resultado da montagem de componentes importados, sem que sejam utilizados

insumos físicos, tecnológicos ou de conhecimentos especializados de origem nacional.”

(SARTI E HIRATUKA, 2010, p. 19).

Nesse sentido, o comércio de bens mais sofisticados não é suficiente para

compreender a mudança na estrutura produtiva de um país. É necessário observar as

mudanças que dizem respeito à dotação de tecnologia, no âmbito da produção industrial

nacional. Dessa forma, o texto de Sarti e Hiratuka (2010) mostra as mudanças na

produção chinesa. Os autores apontam que a China aumentou a sua participação no

produto industrial mundial, como mostra a tabela 6:

Tabela 6 - Participação no Produto Industrial Mundial por Região e Grau de

Desenvolvimento (em %)

1980 1990 2000

Industrializados 77,2 75,5 71,8

Transição 8,6 7,8 4,1

Em desenvolvimento 14,2 16,7 24,1

Leste Asiático (sem China) 2,7 4,6 6,8

China 1,5 2,7 7,1

Sul Asiático 0,8 1,3 1,8

América Latina e Caribe 6,7 5,3 5,2

Brasil 2,9 2,2 1,9

Mundo 100 100 100

Fonte: Sarti e Hiratuka (2010).

Verifica-se que a China apresentou grande aumento de participação na

manufatura mundial, enquanto outras regiões como países industrializados e também o

Brasil, perderam participação. Além disso, a China também aumentou a produção

industrial de bens intensivos em tecnologia. A tabela 7 mostra a participação de bens de

média e alta tecnologia no produto industrial mundial.

70

Dessa forma, os dados sobre produção industrial questionam a ideia de que a

China tenha se tornado apenas uma plataforma de exportação. Pois, a intensificação da

produção de bens de média e alta tecnologia habilitou a China para internalizar

determinadas capacidades tecnológicas que lhe proporcionaram produção mais

complexa e de maior valor agregado.

Tabela 7- Participação dos Países/Regiões em Desenvolvimento no Produto de

Média e Alta Tecnologia Mundial (em %)

1980 1990 2000

Leste Asiático 3,2 6,2 13,6

China 1,3 2,4 6,8

Sul Asiático 0,8 1,1 1,6

América Latina e Caribe 5,1 4,2 4,2

Fonte: Sarti e Hiratuka (2010).

Sarti e Hiratuka (2010) ainda destacam que o caso chinês é especial, pois mostra

uma capacidade dupla: não deixou de ter forte participação na produção de bens

intensivos em trabalho, como vestuário e calçados, porém também conseguiu se inserir

nos setores de novo paradigma tecnológico. É importante salientar que o sucesso chinês,

bem como o asiático se inserem no contexto de dispersão das cadeias de produção de

globais aliado a políticas de atração de IDE, como já explicitado no capítulo um.

Apesar da condicionante externa que colaborou para a atração de IDE, o caso

chinês se torna particular, pois não se resumiu somente à atuação do capital estrangeiro.

Como destacado por Pinto (2011), os eixos da política indústria chinesa combinam

atração de investimento estrangeiro com estímulos à construção/fortalecimento da

malha industrial doméstica. Isso possibilitou a dotação de capacidades que

possibilitassem a criação de conteúdo tecnológico local em setores de ponta.

A fim de aprofundar o entendimento da sofisticação na indústria chinesa,

Nonnenberg e Mesentier (2012) avaliam a evolução do valor adicionado,

especificamente nos setores de alta tecnologia8. Nesse sentido, afirma-se haver aumento

8 Setores (SITC3): 75 – Máquinas para escritório e equipamentos de informática; 76 – Equipamentos de

telecomunicações, e aparelhos de recepção, reprodução, gravação e amplificação de áudio e vídeo; 77 –

Fabricação de máquinas e componentes eletrônicos; 79 – Fabricação de outros equipamentos de

transporte; 87 - Fabricação de aparelhos e instrumentos de medida, teste e controle; 88 - Fabricação de

equipamentos e instrumentos ópticos, fotográficos e cinematográficos, cronômetros e relógios.

71

na sofisticação da indústria chinesa. Além do aumento das exportações chinesas em

bens intensivos em tecnologia, o autor dispõe de alguns argumentos: (i) aumento da

produção chinesa de componentes de bens intensivos em tecnologia; (ii) aumento da

evolução do valor adicionado nas atividades mais sofisticadas. (NONNENBERG E

MESENTIER, 2012).

Devido às poucas estatísticas quanto ao valor adicionado na indústria chinesa, os

autores utilizaram um método para acompanhar a trajetória do valor agregado, porém

não seu nível exato. Calcula-se a diferença entre a exportação e a importação de

determinado setor, sobre o total exportado, como uma proxy da trajetória do valor

adicionado, naquele segmento da indústria (NONNENBERG E MESENTIER, 2012).

Os autores mostram que de 1992 a 1995, o “valor adicionado” chinês que era

zero ficou em torno de 30%, para o setor 75, por exemplo. Os principais destaques de

aumento do valor adicionado chinês foram para a produção de máquinas; TV,

equipamento de rádio e comunicação; celulares; instrumentos ópticos; instrumentos

fotográficos. Sendo que estes mesmos setores tinham baixo desempenho na década de

1990, e passam a ter um boom de produção a partir dos anos 2000 (NONNENBERG E

MESENTIER, 2012).

Os autores ainda procuram distinguir bens finais e seus componentes. Ele

argumenta que a produção de bens finais, mesmo nos setores mais intensivos em

tecnologia, pode ser caracterizada por uma produção de pouco valor adicionado, o que

demonstraria pouca mudança na estrutura produtiva, como já foi observado por Lardy

(2004) e Branstetter e Lardy (2006).

Porém, a produção de componentes eletrônicos dá indícios de uma maior

sofisticação da produção industrial, bem como a internalização de capacidades

tecnológicas. Segundo os autores, a diferença entre exportação e importação de

componentes, de determinado setor, seria uma boa aproximação da evolução do valor

adicionado doméstico. Ao se utilizar disso, ele mostra que houve aumento na produção

de componentes do setor 75, por exemplo. Em 1990, a exportação dos componentes

desse setor era 0,24%, passando a contribuir com 18,31% (NONNENBERG E

MESENTIER, 2012).

72

Embora muitos autores já tenham explorado a questão da sofisticação chinesa,

ainda é preciso aprofundar o estudo sobre o movimento de mudança na estrutura

produtiva. A análise do comércio internacional não é suficiente para avaliar o processo

de catching up tecnológico, é necessário observar as mudanças ocorridas na indústria. A

partir da construção conjunta de indicadores de comércio e produção industrial é

possível avaliar sobre a mudança na estrutura produtiva chinesa.

2.1.2 Análise da evolução de indicadores

A literatura demonstra que existe algum grau de sofisticação associado às

exportações e à produção chinesa. Portanto, o intuito de observar estes dados é

conseguir compreender se houve mudança na estrutura produtiva chinesa e qual o

reflexo de tais eventos na produtividade e competitividade da China.

A análise da mudança na estrutura produtiva será realizada com indicadores

divididos segundo tipo de tecnologia9. Além disso, o estudo é separado em duas partes:

(i) indicadores de comércio internacional; (ii) indicadores de produção industrial.

Para que se possa observar se há uma convergência da produção chinesa com

países mais desenvolvidos, adotar-se-á os dados americanos. Optou-se pela comparação

com a economia americana, pois, trata-se de um país com grande desenvolvimento e

produção mais sofisticada.

Os EUA são o 10º país em renda per capita, no ano de 2013 (WORLD BANK,

2013). Além disso, é um país com uma estrutura produtiva mais complexa, voltada

9 Como os dados da UNIDO são disponibilizados apenas em dois dígitos para cada setor, a classificação

por tipo de tecnologia foi simplificada. Dessa maneira, os setores classificados como intensivos em

recursos naturais incluem os setores: fabricação de produtos alimentícios e bebidas, fabricação de

produtos do fumo, fabricação de produtos de madeira, fabricação de celulose, papel e produtos de

madeira, fabricação de coque, refino de petróleo, elaboração de combustíveis nucleares e produção de

álcool, fabricação de produtos de minerais não metálicos. Os setores baseados em ciência incluem o setor:

fabricação de máquinas para escritório e equipamentos de informática. Os setores intensivos em trabalho

incluem: fabricação de produtos têxteis, confecção de artigos do vestuário e acessórios, preparação de

couros e artefatos de couro, artigos de viagem e calçados, fabricação de produtos de metal – exclusive

máquinas e equipamentos, fabricação de móveis e indústrias diversas. Os setores intensivos em escala

incluem: fabricação de produtos químicos, edição, impressão e reprodução de gravações, fabricação de

artigos de borracha e de material plástico, metalurgia básica, fabricação e montagem de veículos

automotores, reboques e carrocerias, fabricação de outros equipamentos de transporte. Os setores

diferenciados incluem: fabricação de máquinas e equipamentos, fabricação de máquinas, aparelhos e

materiais elétricos, fabricação de material eletrônico e de aparelhos e equipamentos de comunicações,

fabricação de equipamentos de instrumentação médico-hospitalares, instrumentos de precisão e óticos,

equipamentos para automação industrial, cronômetros e relógios.

73

justamente a bens mais intensivos em tecnologia. Segundo World Bank (2013), os EUA

apresentaram para 2013, uma participação de 17,8% do total exportado pertencente a

produtos de alta tecnologia. Este é um indicador superior ao de países de alta renda10

(16,4%), e países de alta renda pertencentes à OCDE (17%).

Somado a isso, os EUA apresentaram altas taxas de investimento em P&D, para

2012. Enquanto países de alta renda gastaram 2,4% em relação ao PIB, e países de alta

renda, pertencentes à OCDE gastaram 2,6%, os EUA gastaram 2,8%. (WORLD BANK,

2012).

Portanto, se houver uma aproximação da estrutura produtiva chinesa com a

americana, é possível dizer que houve aumento significativo de sofisticação na

produção chinesa.

2.1.2.1 Comércio internacional

A maior parte dos dados de comércio internacional compreende os anos de 2001

a 2014. Será realizada uma comparação entre o comércio chinês e americano com o

resto do mundo, a fim de compreender o quanto a China está se aproximando de países

com maior desenvolvimento tecnológico e renda, como os EUA.

O início da análise começa avaliando a inserção no comércio global de China e

EUA, para depois olhar particularmente a pauta exportadora e importadora de cada um.

O gráfico 12 mostra as exportações chinesas e americanas, segundo intensidade

tecnológica 11 , no total exportado para mundo. Pode-se perceber que houve grande

aumento das exportações chinesas, no mundo, em toda classificação tecnológica.

Enquanto, os EUA diminuíram muito sua participação em todas as classificações

tecnológicas. Até mesmo no segmento de alta tecnologia, a China, em 2013, foi

responsável por praticamente 18% do total mundial, enquanto os EUA participaram

com apenas cerca de 10%.

10 Classificação World Bank (2016). Países de alta renda: renda per capita é se $12.736 ou mais. Engloba

80 países; Países de alta renda pertencentes à OCDE: Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Chile,

República Tcheca, Dinamarca, Estônia, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Hungria, Islândia, Irlanda,

Itália, Israel, Japão, Coréia do Sul, Luxemburgo, Holanda, Nova Zelândia, Noruega, Polônia, Portugal,

Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Suécia, Suíça, Reino Unido, EUA. 11 A tabela 1, no anexo, apresenta a divisão dos setores segundo intensidade tecnológica.

74

Para aprofundar os conhecimentos sobre o que direcionou essa inversão no

comércio internacional, é necessário analisar a pauta de exportação e importação,

isoladamente, de cada um dos países.

Gráfico 12 - Evolução da participação das exportações americanas e chinesas, no

total mundial, segundo intensidade tecnológica, de 1995 a 2013

Fonte: UNCTAD, 2015. Elaboração própria.

Durante todo o período, a China mantém uma balança comercial positiva,

exportando mais que importando, como demonstra o gráfico 13. As exportações

cresceram em média, para o período, 17,3% a.a, enquanto as importações também

seguiram um rápido ritmo, com média de crescimento de 16,3% a.a.

0,0%

2,0%

4,0%

6,0%

8,0%

10,0%

12,0%

14,0%

16,0%

18,0%

20,0%

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

China (Baixa)

China (Média)

China (Alta)

EUA (Baixa)

EUA (Média)

EUA (Alta)

75

Gráfico 13 - Exportações, Importações e Balança Comercial chinesa, para os anos

de 2001 a 2014 (em US$ milhões)

Fonte: COMTRADE, 2015. Elaboração própria.

Porém, não somente o resultado global do comércio é importante, mas também a

sua natureza. Para compreender como se dá o comércio internacional chinês, é preciso

dividi-lo por tecnologia, como no gráfico 14. Logo, é possível perceber que há uma

diminuição da participação das exportações relacionadas a bens intensivos em recursos

naturais e também trabalho, durante o período.

Enquanto isso, a categoria de escala e diferenciado aumentaram suas

participações, no total exportado. Portanto, os dados se mostram coerentes com a

literatura nacional e internacional, demonstrando uma continuidade do processo de

sofisticação das exportações.

0

500

1000

1500

2000

2500

20

01

20

02

20

03

20

04

20

05

20

06

20

07

20

08

20

09

20

10

20

11

20

12

20

13

20

14

Exportações

Importações

Saldo comercial

76

Gráfico 14 – Evolução da participação das exportações chinesas segundo tipo de

tecnologia de 2001 a 2014

Fonte: COMTRADE, 2015. Elaboração própria.

Além disso, ao observar o saldo comercial, por tipo de tecnologia, no gráfico 15

verifica-se também a continuação da tendência. Os setores que compreendem trabalho,

escala e diferenciado foram os que obtiveram saldo positivo. Este resultado corrobora a

ideia de Sarti e Hiratuka (2010) de que a China ainda consegue aliar as vantagens

competitivas que já apresentava em setores menos sofisticados, e ao mesmo tempo,

aumenta sua inserção nos setores mais competitivos, como demonstra o saldo positivo

para diferenciado e escala.

Gráfico 15 – Evolução do saldo comercial chinês, por tipo de tecnologia, de 2001 a

2014 (em US$ milhões)

Fonte: COMTRADE, 2015. Elaboração própria.

0,0%

10,0%

20,0%

30,0%

40,0%

50,0%

60,0%

20

01

20

02

20

03

20

04

20

05

2006

20

07

20

08

20

09

20

10

20

11

20

12

20

13

20

14

Ciência

Diferenciado

Recursos

Naturais

Trabalho

Escala

-500

-400

-300

-200

-100

0

100

200

300

400

500

600Ciência

Diferenciado

Trabalho

Recursos

Naturais

Escala

77

Porém, parece uma incongruência nos dados, que os setores pertencentes à

tecnologia trabalho percam participação no total exportado, mas ainda gerem saldos

comerciais relevantes, ou seja, ainda são exportados em grande quantidade. Logo, é

preciso olhar mais minuciosamente para a pauta exportadora, a partir da dos dados do

gráfico 16 e da tabela 8.

O gráfico 16 compreende a classificação por tecnologia dos 10 setores mais

exportados pela China para os anos de 2001 e 2014, correspondendo a 62% e 67% de

toda a exportação chinesa, respectivamente. O que se pode perceber é uma grande

mudança da pauta exportadora chinesa, com perda de participação de recursos naturais,

se tornando inexistente em 2014 12 . Além disso, há o aumento significativo em

diferenciado e escala, de 12,7 pp e 8,4 pp, respectivamente. Já os setores intensivos em

trabalho perderam quase metade da participação, com 12,45 pp a menos.

Gráfico 16 - Participação na exportação dos dez principais setores chineses, por

tecnologia, para os anos de 2001 (A) e 2014 (B)

Fonte: COMTRADE, 2015. Elaboração própria.

Já a tabela 8 compreende os 10 setores que mais exportam, na China, para o ano

de 2014. Busca-se verificar se houve mudança na pauta, ou seja, se a China já exportava

esses mesmos setores desde 2001. Estes setores correspondem a pouco mais de 60% de

toda a exportação chinesa, chegando a quase 70% para o ano de 2007. Pode-se verificar

12 Em 2011, havia um único setor pertencente a recursos naturais: 27 – Combustíveis minerais, petróleo e

produtos de destilação, etc.

31,9%24,9%

3,2%2,5%

2001 (A)

Diferenciado

Trabalho

Recursos

Naturais

Escala

44,6%

11,4%

0,0%10,9%

2014 (B)

Diferenciado

Trabalho

Recursos

Naturais

Escala

78

que a tabela 8 mostra a posição de cada setor para cada ano, bem como a sua

participação no total exportado.

Os setores que são classificados como intensivos em trabalho correspondem aos

setores 94, 61 e 62. Muito embora eles figurem entre os 10 maiores setores que

exportam, os setores 61 e 62 perdem, paulatinamente, a participação13. Portanto, embora

sejam responsáveis por um resultado relevante de exportação, eles acabam perdendo

espaço ao longo dos anos.

Ainda é relevante destacar, os outros setores que estão no ranking dos 10

maiores exportadores, pertencentes às classificações de escala e diferenciado. Quanto à

classificação diferenciado, os setores 84, 85 mantiveram a liderança na pauta, durante

todo o período, caracterizando a vantagem competitiva chinesa adquirida nesse tipo de

produção. Além disso, o setor 90, caracterizado por instrumentos ópticos não figurava

no ranking, em 2000, passando a integrá-lo, a partir de 2007. Portanto, essa análise é

complementar ao gráfico 16 que mostra o aumento da participação de diferenciado nas

exportações chinesas ocorrido em treze anos.

Já os setores correspondentes a escala são os quatro últimos, sendo que três deles

não apareciam em 2001. O setor 39 aparecia em 2001, mas tinha apenas 2,5% de

participação, sendo somente ele na classificação de escala. Em 2014, houve novos

setores inseridos na pauta que colaboraram para o aumento da porcentagem de

participação em escala.

13 Além da perda de participação de dois setores, há também a saída de outros setores entre os 10 mais

exportados. Em 2011, ainda havia os setores relativos a trabalho: 64 – Fabricação de calçados, partes de

calçados e etc; 95 – Fabricação de brinquedos e jogos recreativos; 42 – Curtimento e outras preparações

em couro; fabricação de artigos de viagem e de artefatos diversos de couro.

79

Tabela 8 - Evolução da participação e da posição dos dez principais setores

exportadores, na China para 2001, 2007 e 2014

Setores 2001 2007 2014

Posição % Posição % Posição %

'85 Fabricação de equipamentos

e aparelhos elétricos 1 19,3% 1 24,6% 1 24,4%

'84

Fabricação de máquinas,

reatores nucleares, caldeiras,

etc

2 12,6% 2 18,7% 2 17,1%

'94 Fabricação de móveis

8 2,8% 8 2,9% 3 4,0%

'61 Artigos de vestuário,

acessórios, tricô ou crochê 4 5,1% 3 5,0% 4 3,9%

'62

Artigos de vestuário,

acessórios, (exceto tricô ou

crochê)

3 7,1% 4 3,9% 5 3,5%

'90

Fabricação de instrumentos

e materiais médicos, artigos

ópticos

- - 6 3,0% 6 3,2%

'39 Fabricação de plásticos e

derivados 10 2,5% - - 7 2,9%

'87 Veículos (Exceto trens e

outros de linha férrea) - - 9 2,6% 8 2,7%

'71 Fabricação de joalheria,

bijuteria e semelhantes - - - - 9 2,7%

'73 Fabricação de aço e ferro - - 7 3,0% 10 2,6%

Fonte: COMTRADE, 2015. Elaboração própria.

Quanto às importações, a partir do gráfico 17, classifica-se as importações

segundo tecnologia. Os dados reforçam o gráfico de saldo comercial. Há uma

diminuição da participação de diferenciado e escala, porém, há ainda grande parte do

quantum importado de diferenciado, permanecendo em um patamar em torno de 40%.

Um destaque importante é o crescimento da participação de recursos naturais na

importação chinesa. Enquanto, em 2001, recursos naturais correspondia a cerca de 15%

do total importado, este passa a ser de praticamente 30%.

80

Gráfico 17 - Evolução da participação das importações chinesas segundo

tecnologia de 2001 a 2014

Fonte: COMTRADE, 2015. Elaboração própria.

Para compreender melhor a estrutura da pauta de importação chinesa será

realizado o mesmo processo utilizado para exportação. Será observada, através dos

gráficos, a composição, segundo tecnologia, dos nove14 setores mais importantes na

importação chinesa. Além disso, será utilizada a tabela 9, contendo os nove setores

importados em maior quantidade pela China em 2014 e observar se esses setores já

integravam a pauta em 2001.

A comparação dos gráficos 18, A e B, traz que houve aumento de 20,1 pp para

recursos naturais, além de diminuição para diferenciado e escala de, respectivamente,

7,4 pp e 4,4 pp. Também é importante mostrar que não há importados intensivos em

trabalho, e a participação dos importados em ciência15 é inexistente, para 2014.

É interessante notar que houve um aumento das exportações nas classificações

de diferenciado e escala, concomitante com uma diminuição da importação de bens

14 Foram utilizados nove setores, pois um dos produtos que figurava entre os 10 maiores era o setor 99

(Commodities) que não é caracterizada por bens industrializados, portanto não entra na classificação

segundo tecnologia.

15 O setor correspondente a ciência, em 2001, era 98 (Fabricação de aeronaves e componentes).

0,0%

10,0%

20,0%

30,0%

40,0%

50,0%

60,0%

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

2014

Ciência

Diferenciado

Trabalho

Recursos

naturais

Escala

81

nessas mesmas classificações. Portanto, pode-se questionar que tenha havido um

aumento da produção doméstica destes bens, indicando uma mudança na estrutura

produtiva chinesa.

Gráfico 18 - Participação na importação dos nove principais setores chineses, por

tecnologia, para os anos de 2001 e 2014

Fonte: COMTRADE, 2015. Elaboração própria.

Já com relação à tabela 9, ela mostra mudanças de posição no ranking dos 10

maiores setores para 2014, além da participação que eles exercem na pauta importadora.

Estes setores participam com 71%, 80, l% e 77,4% total importado, para os anos de

2001, 2007 e 2014, respectivamente.

Pode-se verificar que o setor correspondente a recursos natural, 27, teve sua

participação aumentada, e, além disso, houve a inserção de outro setor, o 26, que

também apresentou participação crescente.

No que diz respeito aos setores pertencentes à classificação diferenciado, o setor

85 permaneceu como sendo o de maior importância para a pauta, porém, para o setor

84, sua importância foi diminuída. Já para o setor 90, ela aumentou, porém, sua

significância é muito menor que para os outros dois setores.

Para escala, o movimento também se dividiu: para os setores 29 e 74, com

menor importância no ranking, houve um aumento, seguindo de queda da participação.

Porém, para o setor 87, o de maior participação, houve aumento da mesma. No entanto,

o segundo de maior importância, 39, teve sua participação diminuída gradualmente.

43,6%

7,2%

18,3%

1,90%

2001

Diferenciado

Recursos

Naturais

Escala

Ciência

36,2%

23,1%

13,9%

0

2014

Diferenciado

Recursos

Naturais

Escala

Ciência

82

Tabela 9 - Evolução da participação e da posição dos nove principais setores

importados pela China para 2001, 2007 e 2014

Setores 2001 2007 2014

Posição % Posição % Posição %

'85

Fabricação de

equipamentos e aparelhos

elétricos

1 22,9% 1 26,9% 1 21,7%

'27

Combustíveis fósseis,

petróleo, produtos

destilados, etc.

3 7,2% 3 11,0% 2 16,2%

'84

Fabricação de máquinas,

reatores nucleares,

caldeiras, etc

2 16,6% 2 13,0% 3 9,2%

'26 Minério e cinzas - - 5 5,7% 4 6,9%

'90

Fabricação de

instrumentos e materiais

médicos, artigos ópticos

6 4,0% 4 7,3% 5 5,4%

'87 Veículos (Exceto trens e

outros de linha férrea) 10 1,9% 10 2,3% 6 4,6%

'39 Fabricação de plásticos e

derivados 4 6,3% 6 4,7% 8 3,8%

'29 Produtos químicos

orgânicos 7 3,7% 7 4,0% 9 3,1%

'74 Fabricação de cobre 8 2,0% 8 2,8% 10 2,4%

Fonte: COMTRADE, 2015. Elaboração própria.

A comparação com a economia americana se inicia com o gráfico 19. Ao

analisar as exportações, verifica-se que há uma diminuição da participação de

diferenciado, principalmente. Há um ligeiro aumento das exportações de bens intensivos

em ciência e escala, e um aumento maior em recursos naturais.

Dessa forma, os EUA acabaram por intensificar a exportação de produtos que

geralmente apresentam valor unitário menor que os pertencentes à classificação de

diferenciados. Apesar disso, EUA e China se aproximaram quanto ao patamar de

participação de diferenciado e ciência, que são setores intensivos em tecnologia.

Ainda que tenha havido uma diminuição significativa na exportação de

diferenciado, é importante ressaltar que os EUA pouco mudaram sua pauta exportadora

83

de 2001 a 2013. Sendo assim, os 10 setores mais exportados16 são praticamente os

mesmos, mudando apenas de posição.

Gráfico 19 - Evolução da participação das exportações americanas, segundo tipo

de tecnologia, de 2001 a 2014

Fonte: COMTRADE, 2015. Elaboração própria.

Ao observar o gráfico 20, que propõe a análise do saldo comercial, por tipo de

tecnologia, percebe-se que os únicos bens que apresentam saldo positivo são aqueles

baseados em ciência. Há um aprofundamento do déficit para diferenciado e,

principalmente recursos naturais.

Verifica-se também, que embora haja um aumento de participação de recursos

naturais nas exportações, há um aumento superior das importações 17 . O grande

responsável é o setor 27 – Combustíveis fósseis, petróleo, produtos destilados, etc.

Somente este setor corresponde ao total de 10,5% do total importado, no ano de 2014.

16 84 - Fabricação de máquinas, reatores nucleares, caldeiras, etc; 85 - Fabricação de equipamentos e

aparelhos elétricos; 87 - Veículos (Exceto trens e outros de linha férrea); 88 – Fabricação de aeronaves e

componentes; 90 - Fabricação de instrumentos e materiais médicos, artigos ópticos; 39 - Fabricação de

plásticos e derivados; 71 - Fabricação de joalheria, bijuteria e semelhantes; 27 - Combustíveis fósseis,

petróleo, produtos destilados, etc.; 30 - Fabricação de produtos farmacêuticos.

17 É importante destacar o papel que o boom dos preços das commodities teve no aumento das

importações, em recursos naturais. Como apontado por Prates (2007), em 2002, os preços de diversas

commodities elevaram-se a partir dos patamares historicamente baixos atingidos em 2001. Em 2003, alta

desses preços superou a previsão da Organização Mundial do Comércio (OMC), de um crescimento de

5,8% em termos nominais. A tendência altista persistiu até 2006.

0,0%

5,0%

10,0%

15,0%

20,0%

25,0%

30,0%

35,0%

40,0%

45,0%

50,0%

20

01

20

02

20

03

20

04

20

05

20

06

20

07

20

08

20

09

20

10

20

11

20

12

20

13

20

14

Ciência

Trabalho

Diferenciado

Escala

Recursos

Naturais

84

Gráfico 20 - Evolução do saldo comercial americano, por tipo de tecnologia, de

2001 a 2014 (em US$ milhões)

Fonte: COMTRADE, 2015. Elaboração própria.

O gráfico 21 mostra que a participação se manteve praticamente a mesma,

durante o período, para todos os bens, com exceção daqueles ligados a recursos naturais.

Gráfico 21 - Evolução da participação das importações americanas, segundo

tecnologia, de 2001 a 2014

Fonte: COMTRADE, 2015. Elaboração própria.

-500,00

-400,00

-300,00

-200,00

-100,00

0,00

100,00

Ciência

Diferenciado

Recursos naturais

Trabalho

Escala

0,0%

5,0%

10,0%

15,0%

20,0%

25,0%

30,0%

35,0%

200

1

200

2

200

3

200

4

200

5

200

6

200

7

200

8

200

9

201

0

201

1

201

2

201

3

201

4

Trabalho

Ciência

Recursos Naturais

Diferenciado

Escala

85

Dessa forma, percebe-se que embora a China esteja se aproximando dos

patamares americanos de participação nas exportações de bens intensivos em

tecnologia, ela apresenta uma tendência de aumento, o que não se vê na americana. Nos

EUA percebe-se uma direção voltada a bens de menor sofisticação, como os ligados a

recursos naturais, enquanto a China vem aumentando a participação no comércio de

bens sofisticados.

O gráfico 22 permite uma visualização do saldo comercial de tecnologia de

ambos os países. Enquanto a China apresenta aumento do saldo em praticamente todo

tipo de tecnologia, com exceção dos bens baseado em ciência, este é o único setor

superavitário americano.

Gráfico 22 - Evolução do saldo comercial, EUA e China, segundo tecnologia de

2001 a 2014 (em US$ milhões)

Fonte: COMTRADE, 2015. Elaboração própria.

É possível verificar que existem alguns pontos em comum entre o comércio

internacional de China e EUA. Ambos os países parecem convergir para patamares

semelhantes de participação, com relação aos setores mais intensivos em tecnologia.

Aliado a isso, embora a China ainda apresente uma participação de setores ligados a

trabalho, percebe-se um movimento de queda no share de tais produtos, para o

comércio chinês. Isto demonstra algum grau de sofisticação das exportações e

diminuição da importância de bens ligados a trabalho.

-600

-400

-200

0

200

400

600Ciência (China)

Diferenciado (China)

Trabalho (China)

Recursos (China)

Escala (China)

Ciência (EUA)

Diferenciado (EUA)

Recursos naturais (EUA)

Trabalho (EUA)

Escala (EUA)

86

Dessa forma, como apontado por Pinto (2011), os dados quanto aos indicadores

comerciais chinesas demonstram uma inclinação a bens mais intensivos em tecnologia,

em detrimento aos produtos ligados a trabalho. Isso ratifica a ideia de Rodrik (2006) e

Schott (2008) de que a China passou por uma sofisticação de suas exportações.

2.1.2.2 Produção industrial

Ao observar os dados relacionados a comércio, é perceptível o aumento da

sofisticação das exportações, porém o questionamento que resta é quanto à

modernização da produção industrial. É preciso verificar se houve aumento do conteúdo

tecnológico produzido pela indústria local chinesa.

Como já foi citado no capítulo um, a indústria ganhou importância e passou a ser

muito relevante para o crescimento. Além disso, a ação estatal procurou direcionar

investimento em favor da indústria, especialmente àquela ligada a bens intensivos em

tecnologia.

Dessa forma, a primeira análise é verificar se há uma aproximação da

participação da indústria no PIB. Para isso, utiliza-se do MVA (Manufacturing Value

Added – Valor adicionado da indústria18), como parcela do PIB. Dessa forma, verifica-

se se a indústria está perdendo ou ganhando participação do total de valor adicionado da

economia.

A China apresentou uma trajetória ascendente de participação, passando de 25%

do total de valor adicionado na economia, para 35%, em 2012, pelo gráfico 23. Além

disso, ao observar o desempenho das economias emergentes, percebe-se uma diferença

de desempenho ao incluir a China. Sem a China, as economias emergentes apresentam

uma constância quanto à participação do valor adicionado da indústria, enquanto os

valores, quando incluída a China, também apresentam trajetória ascendente, como a

chinesa.

Já para países industrializados e EUA também apresentam um comportamento

constante quanto à participação da indústria. Porém, os países industrializados destinam

uma parcela pouco maior, de 15%, enquanto os EUA destinam 10% do valor adicionado

da indústria, no PIB.

18 Neste caso, são considerados os setores pertencentes à indústria de transformação.

87

Gráfico 23 - Evolução do valor adicionado da indústria/PIB - China, EUA, Países

Industrializados, Países Emergentes (excluindo a China) e Países Emergentes

(incluindo a China) - 1990 a 2012

Fonte: UNIDO, 2013. Elaboração própria.

É relevante ressaltar que existe uma grande discussão quanto à perda da

participação da indústria no total do PIB para economias desenvolvidas, como um

processo natural na trajetória de desenvolvimento dessas economias19. Pois, serviços

mais sofisticados passam a ganhar participação do PIB, em detrimento da indústria.

Por isso, é necessário olhar a evolução do valor adicionado da indústria de cada

um dos grupos já citados anteriormente, em relação ao valor adicionado da indústria, no

mundo. Ao fazer isso, no gráfico 24, verifica-se um padrão semelhante ao índice

calculado previamente.

19 Um das vertentes sobre desindustrialização afirma que o processo de desenvolvimento econômico

levaria “naturalmente” todas as economias a se desindustrializar a partir de um certo nível de renda per

capita. Isso porque a elasticidade renda da demanda de serviços tende a crescer com o desenvolvimento

econômico, tornando-se maior do que a elasticidade renda da demanda por manufaturados. Dessa forma,

a continuidade do desenvolvimento econômico levaria a um aumento da participação dos serviços no PIB

e, a partir de um certo nível de renda per capita, a uma queda da participação da indústria no PIB. Além

disso, como a produtividade do trabalho cresceria mais rapidamente na indústria do que nos serviços, a

participação do emprego industrial deverá iniciar seu processo de declínio antes da queda da participação

da indústria no valor adicionado (OREIRO E FEIJO, 2010, p. 222).

10,0%

15,0%

20,0%

25,0%

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35,0%19

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12

China

EUA

Industrializados

Economias

Emergentes

(excluindo China)

Economias

Emergentes

(incluindo China)

88

Gráfico 24- Evolução participação MVA no total mundial – China, EUA,

Industrializados, Economias Emergentes (excluindo China) e Economias

Emergentes incluindo China (1990 a 2012)

Fonte: UNIDO, 2013. Elaboração própria.

Ainda que os países industrializados respondam, em 2012, por quase 60% de

todo o valor adicionado da indústria mundial, essa parcela caiu significativamente, pois

correspondia a 80%, em 1990. Também é possível dizer que há uma convergência de

valores de valor adicionado industrial para EUA e China. Em 1990, o valor adicionado

da indústria chinesa correspondia a praticamente zero do total mundial, enquanto o

valor adicionado da indústria americana era de cerca de 20%. Já em 2012, os valores

convergem para cerca de 20%. Também é importante ressaltar que há uma participação

crescente para “economias emergentes” ao incluir a China, pois do contrário houve

praticamente uma constância da parcela do valor adicionado da indústria.

A partir da análise anterior, ratificou-se que a indústria chinesa se fortaleceu ao

aumentar sua participação na produção mundial. Dessa forma, para compreender melhor

a trajetória deste processo é preciso analisar a evolução da produção industrial e seus

componentes. A primeira análise se faz ao observar o valor bruto da produção (VBP),

sendo este o total final produzido pela indústria, contando com valor adicionado e

consumo intermediário.

0,0%

10,0%

20,0%

30,0%

40,0%

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2010

2012

China

EUA

Industrializados

Economias

Emergente

(Excluindo

China)

Economias

Emergentes

(Incluindo China)

89

Ao iniciar a análise com a evolução do VBP chinês, no gráfico 25, já é possível

perceber que há uma diminuição da produção destinada a trabalho e recursos naturais,

enquanto há o aumento de bens baseados em ciência, diferenciado e escala. Ou seja,

trabalho e recursos naturais, que em geral caracterizam bens intensivos em baixa

tecnologia perderam participação, enquanto bens de média e alta tecnologia ganharam

participação.

Gráfico 25 - Evolução da participação VBP chinês segundo tipo tecnologia* – 1980

a 2008**

Fonte: Unido. Elaboração própria.

* O setor pertencente à tecnologia “Ciência” – 30 - Fabricação de máquinas e equipamentos para

escritório, não apresentava dados anteriores ao ano de 2002. ** Há dados chineses até 2011, porém, os dados americanos só vão até 2008. Portanto, para permitir uma

comparação de períodos, só foram explicitados os dados para estes anos.

Em 1980, as tecnologias, recursos naturais e trabalho, juntas correspondiam a

59,1% do total produzido, ou seja, a maioria da produção estava ligada a bens intensivos

em baixa tecnologia. Já em 2012, este mesmo número cai para 47,1%, ou seja, a maior

parte da produção passa a ser de média e alta tecnologia. Tanto recursos naturais quanto

trabalho perdem participação durante o período, enquanto ciência, escala e diferenciado

ganham participação. No caso americano, como explicitado pelo gráfico 26, percebe-se

que, em 1980, recursos naturais e trabalho contam com 44,3% do total produzido, e

diminuem a participação em 2008, para 41,4%. Porém, somente trabalho perde a

participação, enquanto recursos naturais aumenta.

0,0%

5,0%

10,0%

15,0%

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30,0%

35,0%

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2000

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2008

Rec. Nat

Trabalho

Escala

Diferenciado

Ciência

90

Ainda vale destacar que, em 2008, a estrutura chinesa de produção se assemelha

mais à americana. Na produção de bens baseados em ciência, por exemplo, a China

destina cerca de 5% de seu VBP, enquanto a americana destina menos que isso. No caso

de diferenciado, há uma tendência de aumento da produção chinesa, enquanto a

tendência americana é de queda, porém eles convergem para cerca de 20% do total

produzido. Já com relação a escala, a economia americana permanece em patamares

maiores que o chinês, em 40%, enquanto a China apresenta cerca de 28%, em 2008.

É relevante ressaltar que a China mostrou uma rápida tendência de aumento da

produção os bens mais intensivos em tecnologia. Embora em alguns setores essa

amplitude seja menor, ainda é importante a intensificação do crescimento na produção

desses setores, apontando para uma tendência de aumento.

Gráfico 26 - Evolução da participação do VBP americano, segundo tipo de

tecnologia – 1980 a 2008

Fonte: UNIDO, 2013. Elaboração própria.

Além do valor bruto de produção, é necessário examinar a evolução do valor

adicionado. Pois, ainda que exista grande parte da produção voltada a bens mais

intensivos em tecnologia, isso pode não significar a internalização de capacidades

tecnológicas, mas sim a mera importação de componentes sofisticados, e o seu posterior

processamento.

O estudo do valor adicionado demonstra a capacidade da indústria de gerar

valor. Desse modo, à medida que a estrutura chinesa se aproximar da estrutura de países

de desenvolvidos, ela vai caminhar para a produção de bens intensivos em tecnologia.

Ou seja, deixará os setores tradicionais caracterizados por recursos naturais e trabalhos.

0,0%

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Rec. Nat

Trabalho

Escala

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Ciência

91

Gráfico 27 - Evolução da participação do valor adicionado chinês, segundo tipo de

tecnologia – 1980 a 2007

Fonte: UNIDO, 2013. Elaboração própria.

* Os dados que dizem respeito a valor adicionado para China estão disponibilizados somente até 2007.

Como mostra o gráfico 27, a China apresentava, em 1980, 52,8% de todo seu

valor adicionado nos setores de trabalho e recursos naturais, porém, em 2007, contaram

com 47,4% do total adicionado. Sendo assim, a maior parte do valor adicionado passou

a ser de setores ligados a ciência, diferenciado e escala.

Dentro da categoria de trabalho, o setor que mais perdeu participação foi o 17

(Fabricação de produtos têxteis), que em 1980, participava com 15,1% e em, 2007,

passou a participar com 5,2%. Já em recursos naturais, apenas 2 setores registraram

queda de sua participação. O setor 16 (Fabricação de produtos do fumo) caiu de 4%

para 3% e o setor 23 (Coque, produtos de petróleo refinado) caiu de 4,9% para 3,1%.

Sendo assim, percebe-se que a maior queda foi em trabalho, portanto esses dados

corroboram a ideia descrita no capítulo um de tentativa por parte do governo chinês em

substituir as vantagens competitivas clássicas ligadas à mão de obra barata por

atividades mais intensivas em tecnologia.

Já com relação aos setores de diferenciados, embora tenha havido queda da

participação do setor 29 (Fabricação de máquinas e equipamentos) todos os outros

cresceram. O setor que caracteriza a tecnologia baseada em ciência 30 (Fabricação de

máquinas e equipamentos para escritório) também teve grande crescimento. Em

0

0,05

0,1

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hin

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06

Ciência

Diferenciado

Trabalho

Escala

Rec. Nat

92

contraposição a estes, dos setores intensivos em escala, apenas dois apresentaram

crescimento, sendo eles relacionados a transportes. O setor 34 (Fabricação de veículos

automotores, trailers, semi-trailers) tinha participação de 3,4% e aumentou para 5,2%.

Além dele, o 35 (Outros equipamentos de transporte) que apresentava 0% e passou a

apresentar 1,9%. Os dados são resultado da política industrial perseguida pelo governo

chinês, principalmente a partir da década de 80, na busca na produção de bens de maior

valor agregado.

Isso se corrobora ao visualizar a estrutura de valor adicionado americana.

Percebe-se que nas categorias diferenciado e ciência, ambas apresentam patamares

parecidos de participação do valor adicionado. Destaca-se ainda que houve aumentos na

participação de diferenciado durante o período, enquanto na indústria americana, houve

apenas uma tendência de queda. Também é importante destacar que a economia

americana apresenta uma participação muito maior para a produção de bens intensivos

em escala, porém, a economia chinesa apresentou tendência de crescimento de

participação, que cresceu de cerca de 25% para 30%.

Destaca-se também que ainda que tenha havido um aumento da participação de

trabalho, na China, nos últimos anos da série, porém, ainda se manteve em um patamar

abaixo do de 1980. Já nos EUA, segundo gráfico 28, os setores ligados a trabalhos

participavam com apenas 15% do total de valor adicionado, e passaram a participar com

menos ainda, correspondendo a menos de 10%. Dessa forma, embora a participação de

bens intensivos em trabalho ainda seja alta se comparada à americana, o que se

observou foi uma diminuição da participação desses setores, ratificando a ideia de que

exista uma convergência da estrutura de produção chinesa aos países mais

industrializados.

93

Gráfico 28 - Evolução da participação do valor adicionado americano, segundo

tipo de tecnologia – 1980 a 2007*

Fonte: UNIDO, 2013. Elaboração própria.

* Não há dados para o ano de 1996.

Embora haja diferenças quanto ao valor da participação de cada uma das

classificações de tecnologia, é possível verificar que há uma diminuição da diferença

produtiva entre China e EUA. Pode-se dizer que ambos dedicam sua produção para bens

mais intensivos em tecnologia. A China ampliou a participação de bens intensivos em

escala, ciência e diferenciado, nos quais em alguns casos apresentam participação igual

ou superior à americana. Além disso, a China diminuiu o share de produtos intensivos

em trabalho, bem como apresenta uma participação menor em recursos naturais do que

a americana, para o ano de 2007.

Essa mudança na estrutura industrial enseja salários maiores, pois como

apontado por Nonnenberg e Mesentier (2012), é necessário que haja uma mão de obra

relativamente qualificada para a execução do trabalho em bens mais complexos

tecnologicamente. Dessa forma, o estudo dos custos industriais, principalmente no que

tange aos salários, está fortemente conectado à mudança na estrutura produtiva.

0,0%

5,0%

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20,0%

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Rec. Nat

Trabalho

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Diferenciado

Ciência

94

2.2 MUDANÇAS NA ESTRUTURA DE SALÁRIOS E PRODUTIVIDADE

2.2.1 Revisão bibliográfica

Há certo consenso quanto ao aumento dos salários chineses20, vivido nos últimos

anos. Porém, há dissonância quanto ao impacto dessa elevação de salários sobre a

competitividade chinesa.

Alguns autores como Pinto apud Nogueira (2011), dizem que apesar de os

salários apresentarem uma trajetória ascendente, semelhante à trajetória dos países que

realizaram catching up tecnológico, os ganhos de produtividade são maiores que os

aumentos dos salários. Logo, a competitividade da indústria chinesa ainda se mantém,

em relação a outros países. Nessa mesma linha de raciocínio, Nonnenberg (2008) ainda

afirma que não é possível observar aumentos salariais substanciais, quando comparados

aos níveis de salários internacionais.

Porém, também há outros autores, como Cintra e Pinto (2015) e Li et al (2012)

que afirmam que, a partir dos anos 2000, os custos relacionados a salários cresceram a

taxas maiores que as taxas de aumento de produtividade.

Li et al (2012) argumenta que a China vem experimentando um aumento rápido

de salários, porém, a questão central é aumento de salário versus produtividade. Os

autores dizem que de 1982 até 1997, os ganhos de produtividade foram maiores que os

aumentos salariais, porém essa situação se inverte, no período posterior.

Essa discussão se faz importante, pois determina no longo prazo a

competitividade de uma economia. Como afirmado por Bresser Pereira (2006), os

salários tendem a crescer sem prejudicar o lucro, de modo que seja sempre positivo para

que os empresários continuem a investir. Se a taxa de lucro aumenta muito,

provavelmente, ter-se-á uma desaceleração promovida pelo sub consumo. Caso ocorra o

contrário, será uma desaceleração provocada pelo sub investimento. O autor ainda

afirma que não há desenvolvimento sem lucro e investimento, porém ao mesmo tempo,

o desenvolvimento econômico é aumento de salários. Dessa forma, o aumento de

salários deve acompanhar os ganhos de produtividade para não comprometer a atividade

econômica.

20 Verificar gráfico 11, presente no capítulo 1.

95

Para demonstrar que houve um grande aumento dos salários, a partir dos anos

2000, Li et al (2012) iniciam sua explanação demonstrando o cálculo de aumento de

produtividade. Para isso, calcula-se o aumento do PIB e deduz-se o crescimento da

força de trabalho, logo, obtém-se como resíduo, o crescimento da produtividade do

trabalho. Os autores apontam que durante o período de 1982 até 1997, o PIB cresceu

5,5% e a força de trabalho cresceu 1,9%, portanto, a produtividade do trabalho cresceu

3,6%.

Durante este mesmo período, a China também era “barata” se comparada a seus

vizinhos asiáticos e outros países. Ao comparar a taxa de salário sobre a produtividade

(custo unitário do trabalho na indústria), com países como Índia, Malásia e México, a

China permanecia mais barata (LI ET AL, 2012)

A partir de 1997, o custo unitário do trabalho que era 70% que o americano caiu

para 30%. Embora, a partir do cálculo de produtividade, citado anteriormente, esta tenha

crescido 11,3%, o crescimento real dos salários foi de 13,8%, ou seja, acima da

produtividade (LI ET AL, 2012).

Os autores ainda afirmam que, em 2002, os salários chineses representavam 63%

dos da Malásia e 70% da Coréia do Sul. Eles preveem que se o gap entre produtividade

e salários permanecer de 2,5%, o diferencial de salários entre a Coréia será eliminado

em 2018 e entre a Malásia, em 2022 (LI ET AL, 2012).

Cintra e Pinto (2015) apontam que durante o período de 2008 a 2013, o aumento

da produtividade foi de 51,8%, muito menor que o aumento dos salários. Além disso,

os países vizinhos apresentaram taxas de crescimento de salários nominais menores que

as chinesas, como mostrado pelo a tabela 10.

96

Tabela 10 - China, Indonésia, Filipinas, Tailândia e Vietnã: evolução dos salários

nominais mensais (Em US$)

China* Indonésia Filipinas Tailândia Vietnã

2002 125 - 36 127 163 75

2003 141 - 37 127 166 87

2004 161 - 41 127 166 99

2005 187 - 42 128 176 114

2006 219 - 49 141 183 134

2007 273 - 92 141 189 162

2008 351 205 98 146 205 185

2009 393 222 132 151 202 145

2010 450 256 140 158 216 172

2011 539 317 150 163 234 212

2012 617 380 154 172 251 255

2013 692 440 186 179 275 279

Fonte: Cintra e Pinto (2015).

Nota: * Salários médios dos trabalhadores urbanos de empresas não privadas (1ª coluna) e privadas (2ª

coluna).

O aumento salarial chinês sendo maior que dos países vizinhos, aliado à

diminuição dos incentivos fiscais vem provocando uma nova relocalização de

investimentos estrangeiros. Para Cintra e Pinto (2015), muitas dessas empresas

estrangeiras estão promovendo a relocalização de plantas produtivas para países

fronteiriços da China. Estas estão em busca de mão de obra mais barata e de incentivos

fiscais.

Porém, estas empresas ainda buscam manter parte de suas operações no

território chinês o que lhes garante os vínculos com este importante mercado

consumidor. Essa estratégia das empresas multinacionais tem sido denominada de

“China plus one” (Ueki, 2010; Economist, 2010; Enderwick, 2011 apud Cintra e Pinto,

2015).

Com essa estratégia, as empresas multinacionais estão acoplando os seus

investimentos na China com os investimentos em países vizinhos. Estes investimentos

estão localizados, especialmente, no Vietnã, no Camboja, nas Filipinas, na Tailândia e

na Indonésia. Empresas cujas etapas de produção podem ser mais facilmente

fragmentadas, como os setores de confecções, sapatos, brinquedos e inclusive a

97

eletrônica, estão deslocando parte de suas atividades para os países citados acima (Ueki,

2010; Economist, 2010; Enderwick, 2011 apud Cintra e Pinto, 2015).

O aumento salarial vivido pela China, segundo Li et al (2012) remontam às

seguintes razões: mudanças institucionais; diminuição do ritmo de migração do campo

para as cidades e o desaparecimento do bônus demográfico.

Quanto aos fatores institucionais, é preciso salientar as mudanças que

ocorreram no mercado de trabalho, na China. Até meados da década de 1980, não

existia mercado de trabalho, tal qual no sistema capitalista. Havia um sistema de

alocação de trabalho, com imobilidade dos trabalhadores, distribuição igualitária de

salários e pleno emprego, organizado pelo Estado. Além disso, o Estado também era o

responsável pela determinação dos salários (MORAIS, 2011).

As reformas se iniciaram de forma gradual. Primeiro, a alocação de

trabalhadores passou a ser descentralizada, passando a ser responsabilidade de

autoridades locais. Porém, a partir de 1986, houve um impulso claro na direção de

criação de mercado de trabalho. Foram institucionalizados contratos de curto prazo, de

duração de cinco anos, para trabalhadores estatais, que poderiam ser renovados ou não.

Dessa forma, o Estado que antes era responsável pela geração de empregos vitalícios,

passa a trabalhar com possibilidade de desemprego (MORAIS, 2011).

A outra mudança importante foi permitir às empresas estatais que fixassem suas

remunerações. Segundo Morais (2011), “até então, os salários, definidos centralmente,

tinham baixa dispersão, variavam relativamente pouco se comparado às economias

capitalistas e dependiam da qualificação, posição gerencial, localidade e senioridade”

(MORAIS, 2011, p. 131).

A partir de 1988, salários do setor público passam a ter uma fatia variável, a

depender do desempenho da empresa. Em 1992, as empresas públicas ganharam total

autonomia para definirem internamente os salários, inclusive as dispersões e

diferenciações para cada firma. Juntamente a isso, houve o crescimento da empresa

privada, que não apresenta regulação salarial (MORAIS, 2011).

Dessa forma, percebe-se que a China passou por um processo de mudanças

institucionais que aproximaram a economia chinesa dos mecanismos do mercado de

trabalho de uma economia capitalista. Logo, antes, os salários pagos não apresentavam

relação com a produtividade, e a partir da remuneração baseada no desempenho, foi

possível estabelecer uma relação entre salários e produtividade (LI ET AL, 2012).

98

Já em relação ao segundo fator, apontado por Li et al (2012), o bônus

demográfico chinês se deveu em grande parte à política do “filho único” realizada

durante os anos 1970. Este controle demográfico teve como efeito colateral o

crescimento mais lento da força de trabalho. Em 1982, a população cresceu 1,9%, já em

1997 cresceu 1,4%. Logo, acredita-se que grande parte do aumento acelerado dos

salários se deve ao baixo ritmo de crescimento da população. Ainda segundo a ONU, a

população chinesa começaria a declinar a partir de 2015, sendo assim, em 2050, a força

de trabalho corresponderia a 62% do total populacional. Esta queda levaria a aumentos

salariais ainda maiores (LI ET AL, 2012).

Além disso, houve uma queda no ritmo de migração do campo para as

cidades, que leva ao terceiro argumento de Li et al (2012). Em 2013, a população rural

ainda representava 43,27% do total de pessoas, na China (CHINA STATISTICAL

YEARBOOK, 2014). Isso se dá pelos entraves relativos à existência do sistema

chamado hukou. Este é o sistema de controle populacional, iniciado nos anos 1950, no

qual todo individuo, ao nascer, deve ser registrado no local de nascimento e ganha um

certificado hukou, dizendo se ele é um morador urbano ou rural.

Embora muitos agricultores sejam encorajados a trabalharem nas cidades, por

serem moradores rurais não podem gozar dos benefícios sociais, por esses benefícios

abarcarem somente moradores urbanos. Tais benefícios incluem acesso à escola e

saúde. Além disso, há muita resistência quanto à universalização dos direitos sociais,

pois foi proposto permitir que os filhos e imigrantes rurais tivessem acesso à

universidade, porém não foi aceito (LI ET AL, 2012).

Além disso, mesmo havendo um aumento da população rural, o percentual

dessa população que não se dedica ao cultivo aumentou. Em 1995, a porcentagem de

pessoas que não trabalhavam no campo era de 31% e passou a ser 60%, em 2007.

Portanto, esse contingente populacional não é “aproveitado” nas cidades, devido a

empecilhos legais como o hukou21 (LI ET AL, 2012).

21 Há uma grande discussão em virtude de mecanismos de flexibilização do hukou. Essas mudanças no

sistema de registro chinês são consideradas iniciativas regionais, porém a postura do governo central é de

manutenção das condições do hukou (NABUCO, 2012). A província de Chengdu chegou a extinguir o

sistema, não exercendo diferença alguma entre cidadãos urbanos e rurais, além de proporcionar livre

movimentação de pessoas entre campo e cidade.

99

Dessa forma, é importante ressaltar que a determinação dos salários na China

se dá de uma forma dual. Enquanto há a inserção de mecanismos de mercado para a

determinação dos salários, tanto nas empresas estatais quanto privadas, o Estado ainda

controla o fluxo de migrantes do campo para cidade. Este último tem impacto profundo

sobre os salários urbanos e também o ritmo de crescimento da economia chinesa.

Portanto, verifica-se também, que além de mecanismos relacionados ao aumento de

produtividade, existe um forte componente político no aumento salarial chinês.

Logo, buscar-se-á analisar se a mudança na estrutura produtiva também é um

fator relevante para o aumento salarial, bem como os fatores políticos. Além disso, é

também necessário analisar a evolução da produtividade chinesa. Pois, a partir da

comparação entre salários e produtividade é possível compreender a competitividade da

indústria chinesa.

2.2.2 Indicadores de produtividade e aumentos salariais

A fim de identificar qual a magnitude do aumento salarial o estudo se divide em

duas partes: (i) análise de indicadores de massa salarial; (ii) produtividade. Os dados são

também estudados segundo tecnologia. Os salários tanto chineses quanto americanos

foram obtidos por meio da base da Unido, de modo que fosse possível uma comparação

entre os países. Estes dados foram extraídos em dólares americanos, e posteriormente

foram deflacionados pelo deflator do PIB americano22, obtido pelo indicador do World

Bank (2015).

O primeiro dado a ser analisado é a distribuição dos salários segundo

tecnologia, representado no gráfico 29. Há mudanças quanto à distribuição salarial,

caracterizada por aumento da proporção em escala e diminuição em diferenciado.

22 Este foi o mesmo índice utilizado por Li et al (2012) para comparação de salários internacionais.

Segundo os autores, é uma maneira interessante de medir o quanto os consumidores americanos pagam

pelo trabalho embutido nos bens chineses.

100

Gráfico 29 - Evolução da participação da massa salarial chinesa, segundo de

tecnologia (1980 a 2008)

Fonte: UNIDO, 2013. Elaboração própria.

Porém, quando se observa a estrutura americana, a partir do gráfico 30, pode-se

ver uma participação em ciência, diferenciado e recursos naturais semelhante à chinesa.

A grande diferença é justamente a uma maior participação em escala para a economia

americana, enquanto há maior participação dos setores intensivos em trabalho para a

economia chinesa. Este dado era esperado, já que em todas as análises feitas sobre

comércio internacional e produção industrial havia essa principal dicotomia entre os

países, logo, isso também poderia se refletir, nos dados de salários.

Gráfico 30 - Evolução participação da massa salarial americana, anual, segundo

tipo de tecnologia (1980 a 2008)

Fonte: UNIDO, 2013. Elaboração própria.

0,0%

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20

08

Trabalho

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40,00%

45,00%

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1980

1982

1984

1986

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1990

1992

1994

1997

1999

2001

2003

2005

2007

Ciência

Trabalho

Rec. Nat

Diferenciado

Escala

101

Porém, não somente é importante verificar a composição dos salários, mas

também a qual taxa estão crescendo os salários chineses. Ao verificar o gráfico 31,

tendo como base o ano de 1980, os salários tiveram uma trajetória ascendente, chegando

em até 800% de crescimento, para os bens intensivos em escala.

É importante salientar que, embora os salários chineses apresentem uma

trajetória ascendente, há alguns trabalhos (MORAIS, 2011 e GOUVEIA, 2012) que

apontam uma superestimação do aumento salarial. Segundo eles, os dados oficiais

chineses não captam os salários dos migrantes, que cresceram mais lentamente que o

dos residentes urbanos. Além disso, muitos desses migrantes se ocupam em profissões

no mercado informal de trabalho, representando cerca de metade do emprego urbano

(MORAIS, 2011).

Esta situação é diferente da situação americana, que apresentou basicamente

queda dos salários reais, com a exceção do setor ligado a recursos naturais, como

demonstrado no gráfico 32.

Gráfico 31 - Crescimento da massa salarial chinesa (valores anuais) (1980-2007)*

por tipo de tecnologia 1980=100**

Fonte: UNIDO, 2013. Elaboração própria.

* Não há dados para os anos entre 1986 e 2003.

** Os dados para Ciência são correspondendo ao setor 30 – Máquinas para escritório e equipamentos de

informática não apresentou dados para o anos de 1980, o que impossibilitou realizar o crescimento com

base em 1980.

-100,0%

0,0%

100,0%

200,0%

300,0%

400,0%

500,0%

600,0%

700,0%

800,0%

900,0%

19

81

19

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1983

19

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19

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03

20

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20

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20

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20

07

Trabalho

Rec. Nat

Escala

Diferenciado

102

Gráfico 32 - Crescimento da massa salarial americana (valores anuais) (1980-2007)

por tipo de tecnologia 1980=100

Fonte: UNIDO, 2013. Elaboração própria.

Vale ressaltar que, em alguma medida, os gráficos 31 e 32 refletem as mudanças

descritas, anteriormente, pelo fluxo de investimento direto estrangeiro dos EUA para a

China. As principais empresas americanas redirecionaram seu investimento, fechando

inclusive algumas fábricas, para fabricar em território chinês, em busca de menores

custos de produção. Este processo se deu mais facilmente em produções cujas etapas

pudessem ser mais facilmente fracionadas, como as indústrias de têxtil e vestuário e

eletrônica.

Este movimento se revela pelo gráfico 32, cujas maiores quedas salariais estão

se deram para os tipos de tecnologia diferenciada e trabalho. Para a produção de bens

diferenciados, conta-se em grande parte com o setor ligado a eletrônicos, enquanto para

o tipo de tecnologia intensiva em trabalho, abarcam-se os setores de têxtil e vestuário.

Dessa forma, percebe-se que o gráfico reflete o deslocamento de unidades fabris

dos EUA para a China, como já foi descrito previamente. Isso demonstra também o

desaparecimento do emprego industrial nos EUA. Existem estudos, como de David,

Dorn e Hanson (2013), que apontam para uma relação entre o aumento das importações

chinesas e a diminuição do emprego americano. Eles demonstram que a exposição dos

EUA às importações chinesas trouxe aumento de desemprego, diminuição da

participação da força de trabalho, além de salários menores.

-50,0%

-40,0%

-30,0%

-20,0%

-10,0%

0,0%

10,0%

20,0%

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19

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20

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20

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20

06

20

07

Trabalho

Rec. Nat

Diferenciado

Escala

103

Apesar disso, ao avaliar o crescimento dos salários, também é necessário olhar

para o patamar dos salários. Para obter a magnitude do aumento salarial, ou seja, o

quanto o aumento dos salários chineses convergiu para o patamar americano, é

necessário verificar o quanto um trabalhador médio ganha, segundo tecnologia. Para

abarcar especialmente o período mais recente, ou seja, o que representou o maior

crescimento de salários na China.

Desse modo, foi realizada uma comparação entre EUA e China, com os salários

deflacionados pelo mesmo deflator do PIB americano, já citado anteriormente, tendo

como base o ano de 2004. Os valores encontrados no gráfico 33 são apresentados

segundo tipo de tecnologia, nas quais foram somadas as massas salariais, anuais, dos

setores correspondentes a cada tecnologia, e divididos pelo pessoal ocupado em cada

tipo de tecnologia. Logo, obteve-se uma comparação de ganho médio por trabalhador,

segundo tecnologia.

Apesar de a China ter apresentado aumentos substanciais, e superiores aos

salários americanos, percebe-se que os salários chineses ainda se encontram aquém dos

valores americanos, pelo gráfico 33.

Gráfico 33 - Massa salarial/Pessoal ocupado de China e EUA, segundo tecnologia

(2004 a 2008) em US$*

Fonte: UNIDO, 2013. Elaboração própria.

* Ajustado pelo conversor de paridade de poder de compra (WORLD BANK, 2014).

0,00

10.000,00

20.000,00

30.000,00

40.000,00

50.000,00

60.000,00

70.000,00

2004 2005 2006 2007 2008

Trabalho (EUA)

Escala (EUA)

Rec. Nat (EUA)

Diferenciado

(EUA)Ciência (EUA)

Trabalho (China)

Escala (China)

Rec Nat (China)

Diferenciado

(China)

104

Como se pode perceber, o salário médio americano, por tecnologia, em

praticamente todos os anos é muito superior ao chinês, apesar do crescimento salarial

chinês atingir 800%, por exemplo. Logo, os salários chineses ainda não se aproximaram

dos salários americanos. Porém, o grande entrave que se põe quanto à questão salarial é

saber se o aumento salarial é, suficientemente grande, a ponto de comprometer a

produtividade e a lucratividade da indústria chinesa.

Para verificar se o aumento salarial está afetando a lucratividade será utilizado

como proxy a evolução dos salários sobre o valor adicionado, segundo tecnologia. Será

adotado este indicador, pois como definição da OCDE (2015), o valor adicionado reflete

a contribuição do capital e do trabalho para a produção. Dessa forma, será possível

verificar se o aumento salarial ganhou uma parcela grande do valor adicionado chinês e

se está próximo do patamar americano.

Gráfico 34 - Evolução da participação da massa salarial/valor adicionado*,

segundo tipo de tecnologia (China) – 1980 a 2007

Fonte: UNIDO, 2013. Elaboração própria.

* Todos os valores de valor adicionado e salários foram deflacionados pelo deflator do PIB americano,

tanto para os dados chineses quanto para os dados americanos. Este é o mesmo procedimento adotado em

Li et al (2012).

O movimento da economia americana é oposto ao movimento da economia

chinesa, baseado nos gráficos 34 e 35. Enquanto há uma queda da participação dos

salários para os EUA, na China, há um aumento, com exceção de diferenciado. Porém,

mesmo assim, os EUA ainda permanecem com patamares de participação dos salários

0,0%

5,0%

10,0%

15,0%

20,0%

25,0%

30,0%

35,0%

1980

1981

1982

1983

1984

1984

1984

2003

2004

2005

2006

2007

Trabalho

Rec. Nat

Escala

Diferenciado

Ciência

105

maiores que os chineses, em todos os casos. Portanto, é difícil dizer que a lucratividade

das empresas chinesas esteja ameaçada pelo aumento salarial.

Dessa forma, não se pode dizer se o aumento salarial foi de uma magnitude real

ao ponto de afetar a lucratividade chinesa. No entanto, percebe-se que os valores de

participação da massa salarial/valor adicionado chinês ainda permanecem abaixo dos

patamares americanos. Logo, aparenta-se que não tenha havido prejuízo para a

lucratividade das empresas chinesas.

Gráfico 35 - Evolução massa salarial/valor adicionado, segundo tipo de tecnologia

(EUA) – 1980 a 2007

Fonte: UNIDO, 2013. Elaboração própria.

Ainda assim é necessário verificar a questão apresentada na literatura, quanto a

produtividade versus aumento salarial. Embora os dados apontem para o sentido de que

a competitividade chinesa não esteja ameaçada pelo aumento dos salários, somente o

estudo do crescimento da produtividade, a partir do gráfico 36, conjuntamente com o

crescimento dos salários será capaz de dizer sobre a competitividade chinesa.

0,0%

10,0%

20,0%

30,0%

40,0%

50,0%

60,0%

1980

1981

1982

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1986

2003

2004

2005

2006

2007

Trabalho

Rec. Nat

Escala

Diferenciado

Ciência

106

Gráfico 36 - Evolução produtividade (VA/Pessoal Ocupado) de 1980 a 2007

(China) em US$

Fonte: UNIDO, 2013. Elaboração própria.

Ao observar o gráfico 36, pode-se verificar que houve um crescimento

exponencial da produtividade chinesa, a partir de metade da década de 1990, em quase

todo tipo de tecnologia. Já a economia americana apresentou uma trajetória crescente de

produtividade, em todo tipo de tecnologia, porém em um ritmo mais lento, se

comparado à economia chinesa. Apesar disso, ao observar os patamares de

produtividade, a americana está muito a frente da economia chinesa, como demonstrado

no gráfico 37.

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2000

4000

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Ciência

Trabalho

Diferenciad

o

Rec. Nat

Escala

107

Gráfico 37 - Evolução produtividade* (VA/Pessoal Ocupado) de 1980 a 2007

(EUA)

Fonte: UNIDO, 2013. Elaboração própria.

* Os anos de 1996 e 2003 não tinham dados para pessoal ocupado.

Quanto à comparação entre crescimento de produtividade e salários, pode-se

verificar que a os dados corroboram a literatura abordada previamente. O gráfico 38

demonstra um crescimento exponencial da produtividade, porém este não superou o

aumento de salários, como demonstrado no gráfico 31. O tipo de tecnologia

diferenciado obteve o menor aumento salarial (400%), em 2007, e apresentou o maior

aumento de produtividade (250%) de todos os tipos de tecnologia. Portanto, verifica-se,

de modo geral na economia chinesa, um aumento salarial superior aos ganhos de

produtividade.

0

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60000

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2006

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Ciência

Trabalho

Rec. Nat

Diferenciad

o

Escala

108

Gráfico 38 – Evolução de crescimento da produtividade chinesa, segundo

tecnologia, em porcentagem – 1980 a 2007 (1980=100)

Fonte: UNIDO, 2013. Elaboração própria.

Já a economia americana, o gráfico 39 apresenta um movimento constante de

ganhos de produtividade, juntamente a quedas no crescimento dos salários reais. A

tecnologia, baseada em recursos naturais, apresentou ganhos salariais positivos e

terminou com 10% de aumento salarial, apresentou, em 2007, aumento de

produtividade de pouco mais de 60%. Dessa forma, a economia americana tem a sua

competitividade garantida, com ganhos de produtividade maiores que os incrementos

salariais.

Gráfico 39 - Evolução de crescimento da produtividade americana, segundo tipo

de tecnologia, em porcentagem – 1980 a 2007 (1980=100)

Fonte: UNIDO, 2013. Elaboração própria.

-100,0%

-50,0%

0,0%

50,0%

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Trabalho

Diferenciado

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20

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2006

20

07

Trabalho

Rec. Nat

Diferenciado

Escala

109

É possível verificar que diferente da economia americana, a China apresentou

aumentos salariais superiores aos ganhos de produtividade. Porém, verifica-se que a

lucratividade das empresas não está ameaçada, no curto prazo, e nem mesmo os salários

chineses estão próximos aos salários americanos. No entanto, como apontado por

Bresser-Pereira (2006), a continuidade desse movimento pode levar a economia chinesa

uma crise por sub investimento.

Pensando na questão da diminuição do investimento na China, a relocalização

dos investimentos, na Ásia, como apontado por Cintra e Pinto (2015), poderia ser uma

fraqueza da economia chinesa. Porém, ao pensar na estratégia das firmas de “China plus

one”, verifica-se um sucesso da estratégia chinesa de fortalecimento do mercado

consumidor chinês, como ressaltado por Medeiros (2010).

Neste sentido, Morais (2011) demonstra iniciativas do governo no sentido de

aumentar os salários chineses. A autora aponta que embora o salário mínimo tenha

nascido em 1994, este era praticamente ignorado, nacionalmente. Em 2004, foram

lançadas novas regulações a fim de, tentar utilizar o salário mínimo como forma de

aliviar as desigualdades no mercado de trabalho e tensões sociais.

Definiu-se, em 2004, uma política de reajuste que passou a elevar o salário

mínimo pelo menos a cada dois anos, segundo três métodos distintos e escolhidos pelas

próprias províncias, segundo Morais (2011):

“1 - via os gastos per capita mínimos estimados para um terminado quintil de

famílias de baixa renda; 2 - via o coeficiente Engle, que mede a proporção

dos gastos com alimentação em relação aos gastos totais; 3 - segundo o

padrão internacional de 40% a 60% do salário mínimo em relação ao salário

médio (MORAIS, 2011, p. 141)”.

Dessa forma, percebe-se que há uma preocupação estatal em aumentar os

salários, além do próprio movimento de crescimento da economia, que acaba por elevar

os salários. Além da própria política de aumento de salário mínimo, o gráfico 40 mostra

que a maior elevação dos salários se deu justamente nas empresas domésticas (State

Owned, Urban Collective e Share Holding Corp). Ainda merece destaque o aumento

salarial das empresas estatais, com o segundo maior aumento de todas. Isso se mostra

claramente como um instrumento de política de aumento salarial.

110

Gráfico 40 – Evolução dos salários segundo tipo de empresa – 1996 a 2013

(1995=100) *

Fonte: CHINA STATISTICAL YEARBOOK, 2013. Elaboração própria.

Nota: *Há três tipos de empresas na China: empresas domésticas, empresas estrangeiras com fundos de

Hong Kong, Macao e Taiwan e empresas estrangeiras.

State Owned: empresas que são controladas pelo Estado; Urban-Collective: empresas cujos ativos são de

propriedade coletiva; Cooperative: empresas cujo capital advém, majoritariamente de seus empregados e

cada um apresenta um determinado share de participação; Limited Liability Corp: empresas de 2 a 50

investidores; Share- holding Corp: todo o capital é dividido de forma igualitária entre os sócios; Outros:

outras empresas domésticas não mencionadas acima.

Dessa forma, por um lado, percebe-se que houve uma mudança produtiva que

culminou na mudança do eixo de produção chinês, em direção aos setores mais

intensivos em tecnologia. Estes setores demandam por salários maiores, o que é

ratificado pela maior parcela do valor adicionado responsável por salários nesses

setores. Porém, este aumento salarial não tem acompanhado os aumentos de

produtividade.

Por outro lado, os salários chineses não se aproximaram de padrões

internacionais, quando comparado à economia americana. Mas, aumentaram de forma

0

100

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300

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7001996

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2002

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2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

State Owned

Urban-collective

owned

Cooperative

Joint Ownership

Limited Liability

Corporations

Share Holding

Corporations

Outros

Fundos de Hong

Kong, Macao,Taiwan

Capital estrangeiro

111

expressiva, crescendo a taxas maiores que o aumento de produtividade. Essa elevação

dos salários se mostrou como uma intenção de política, a fim de aumentar e fortalecer o

mercado consumidor chinês.

O que ainda resta compreender é o impacto dessas mudanças sobre os preços

finais. É importante salientar que ainda que os efeitos da diminuição da produtividade

não apresentem impacto direto nos preços atuais, eles exercem efeitos sobre a

produtividade a longo prazo.

2.3 Evolução dos preços relativos de exportações industriais chinesas

2.3.1 Revisão teórica

Esta parte do estudo busca compreender quais as mudanças nos preços relativos

das exportações chinesas. Examinam-se quais foram os impactos das mudanças na

produção e na estrutural salarial chinesa, sobre os preços dos bens exportados. Nesse

sentido, há diversos trabalhos na literatura que buscam estabelecer relações entre os

preços dos bens exportados e a estrutura produtiva dos países produtores.

Primeiro, Schott (2004) utiliza dados em nível de produto, das importações

americanas, de 1972 a 1995. Ele encontrou três relações importantes: (i) uma relação de

valor unitário maior das exportações para países de maior PIB per capita; (ii) os valores

unitários estão correlacionados positivamente com a intensidade de capital utilizado em

sua produção; (iii) países desenvolvidos apresentam um aumento do valor unitário, ao

longo do tempo.

Porém, Schott (2004) ainda encontrou que, embora os países exportassem o

mesmo produto, este possuía preços diferentes. Ele afirma que essa diferença entre

valores unitários estava associada ao que foi chamado de qualidade. Para Aiginger apud

Hiratuka e Cunha (2011), por exemplo, a qualidade está ligada à dinâmica de

concorrência dos mercados. Para ele, a concorrência que se baseia na qualidade é mais

acirrada e diferente da concorrência por preços.

Para Aiginger (2001), a concorrência via qualidade se baseia no alcance de

mercados que sejam mais inelásticos, ou seja, que apresentem menor sensibilidade de

preços em sua demanda. Isso se dá por meio da inovação, diferenciação de produtos,

marketing, dentre outros. Ou seja, a concorrência se dá pela busca da construção de

112

ativos intangíveis capazes de se transformarem em ganhos de monopólios para esses

produtores.

Esse conceito faz parte da dinâmica concorrencial apontada por Schumpeter

(1942). Segundo ele, a concorrência essencial do capitalismo se dá via inovações e não

via preço. Devido a isso, são essas inovações o motor na economia capitalista, bem

como da firma. Elas propiciam que a firma possa gozar de ganhos de monopólio,

durante um determinado tempo, cobrando preços acima do custo marginal. Logo, há

uma conexão muito mais estreita do preço de um bem final, com a criação de ativos

intangíveis do que com o seu custo real.

Ao observar o funcionamento da inovação no contexto da empresa em rede,

Sarti e Hiratuka (2010) apontam que a difusão da inovação não se dá de forma uniforme

entre as empresas da cadeia global de valor. As grandes empresas atuam como

comandantes de uma grande cadeia de fornecedores dispersos ao redor do mundo. As

empresas comandantes da cadeia detêm capacidades tecnológicas, principalmente

ligadas à inovação, que possibilitam que elas se apropriem da maior parte do valor

gerado. Os fornecedores dessas grandes empresas atuam em funções periféricas, com

etapas padronizadas e definidas pelos comandantes da cadeia de valor. Por não

dominarem os ativos intangíveis que as empresas líderes dominam, essas empresas se

apropriam de menor parcela do valor criado.

Neste sentido, o processo de inovação é liderado por empresas que consigam

coordenar as grandes cadeias de valor, pois somente elas conseguem se apropriar da

maior parte do valor gerado. Assim, as empresas que conseguem atuar mais fortemente

em mercados caracterizados pela concorrência via inovação, são justamente aquelas que

conseguiram se inserir em elos mais nobres da cadeia produtiva global.

Schott (2004) ainda complementa esta questão trazendo que o aumento do valor

unitário poderia ser explicado sob duas formas: maior capacidade de inovação e

diferenciação dos produtos, e maior intensidade de capital na produção. Logo, são,

geralmente, países desenvolvidos, que possuem maior tecnologia empregada e, a partir

daí conseguem construir vantagens que os diferenciam de outros produtores via

inovação, podendo auferir maiores lucros. Nesse sentido, a qualidade empregada na

produção possui uma relação direta com a inovação e esta implica a capacidade de

comandar as cadeias de valor globais.

113

A fim de compreender a questão da qualidade do comércio internacional chinês,

Hiratuka e Cunha (2011) utilizam a metodologia mostrada por Fontagné, Gaulier e

Zignago (2007). Realiza-se a divisão do fluxo bilateral de comércio em segmentos de

qualidade (produtos de baixa ou média e alta ou média qualidade), a partir da

comparação entre o valor unitário do produto do país para um determinado mercado de

destino e a média (geométrica) de todos os valores unitários de seus competidores do

mesmo produto para o mesmo mercado de destino, denominada r.

Logo, se r < 1, parte do fluxo de comércio é definido como de baixa qualidade e

a outra parte é de média qualidade; se r > 1, parte do fluxo de comércio é definido como

média qualidade e a outra parte é alta qualidade; se r = 1, o comércio é de média

qualidade. Dessa forma, essa classificação permite separar a qualidade dos fluxos de

comércio segundo tecnologia.

Eles conseguiram identificar a qualidade, segundo tecnologia, como

demonstrado na tabela 11. O que se pode perceber é que de maneira geral, ainda que nos

segmentos com maior intensidade de tecnologia, a China aumentou a participação nos

fluxos de menor qualidade.

Tabela 11 - Evolução market-share mundial de qualidade, segundo tecnologia, na

China, de 2000/2001 e 2006/2007

Segmento

Alta qualidade Média qualidade Baixa qualidade

2000-

2001

2006-

2007

2000-

2001

2006-

2007

2000-

2001

2006-

2007

Produtos primários 1,0 2,0 2,2 1,1 2,1 1,5

Indústria intensiva em recursos naturais 1,2 1,0 1,8 2,8 3,0 5,0

Indústria intensiva em trabalho 8,7 5,1 18,8 13,8 13,8 30,4

Indústria intensiva em escala 0,9 0,9 3,8 4,9 4,9 17,9

Fornecedores especializados 0,9 2,9 3,6 10,7 10,7 21,7

Indústria intensiva em P&D 0,1 1,4 2,7 7,3 7,3 24,5

Total 1,7 1,8 6 6,8 6,8 14,2

Fonte: Hiratuka e Cunha (2011).

Pode-se verificar que, embora a China tenha aumentado a participação dos

fluxos de baixa qualidade, em todos os tipos de tecnologia, nos fluxos mais intensivos

em tecnologia (“fornecedores especializados” e “indústria intensiva em P&D), houve

aumento nos de alta qualidade. Nos segmentos de trabalho e recursos naturais, houve

114

diminuição da produção de alta qualidade, sendo que em trabalho, houve decréscimo,

inclusive na média qualidade. Os setores no qual se verificou o maior aumento dos

fluxos de alta e média qualidade foram nos de fornecedores especializados. Já nos

fluxos de trabalho houve uma queda para bens de alta e média qualidade.

O que se pode verificar é que a partir do trabalho de Schott (2004), juntamente

com os dados encontrados no capítulo dois, esperava-se que houvesse um aumento do

valor unitário chinês. Pois, a China apresentou aumento de PIB, além de intensificar sua

produção em bens mais sofisticados, o que acabaria por aumentar seus preços

internacionais. Porém, como apontado por Hiratuka e Cunha (2011), a China acabou por

intensificar suas exportações para o mundo em bens de qualidade inferior,

caracterizados por valores unitários menores.

Dessa forma, faz-se necessária uma análise detalhada, segundo tecnologia da

evolução dos preços chineses, de modo a compreender os reflexos das transformações

vividas pela economia chinesa, sobre a competitividade de suas exportações. Dessa

maneira, será possível examinar se existe o “fim da China barata”.

2.3.2 Dados sobre a evolução dos preços

A construção de indicadores de preços de exportações de produtos industriais foi

realizada a partir dos dados da CEPII (Baci). A proxy de preços utilizada foi os

chamados Trade Unit Value (TUV)23, que conta com mais de 5000 produtos, por ano,

em até 6 dígitos, baseados no sistema harmônico.

O indicador utilizado é construído com base nas importações americanas da

China e outros parceiros, durante os anos de 2001, 2007 e 2013. Para a construção do

índice, foram elencados os principais parceiros dos EUA, segundo tecnologia, ou seja,

os países que mais exportaram, em valor, para os EUA, para cada tipo de tecnologia. Os

dados de produtos foram compatibilizados entre os países, de modo que foram

comparados os preços dos produtos comuns para cada um dos países.

Dessa forma, dentro de uma mesma tecnologia, são comparados os preços dos

produtos comuns para China e outros parceiros comerciais dos EUA, para um

23 O CIF (Cost of Insurance and Freight) é determinado pela declaração do importador. Inclui todos os

custos de comércio (exceto tarifas e taxas domésticas). O FOB (Free on board) são uma proxy para os

preços de comércio, baseado nas declarações dos exportadores. Não incluem custos de comércio.

115

determinado ano. O índice é uma comparação relativa entre os países, a partir de um

diferencial de preços, dado pela equação abaixo:

P = ∑ {[(𝑃𝑡𝑖𝑐

𝑃𝑡𝑖𝑝⁄ ) − 1] ∗ 𝑤𝑡

𝑖𝑐}𝑖1 (5)

O índice se dá pela divisão de 𝑃𝑡𝑖𝑐, o preço do produto i, no país China, no ano t,

pelo preço de 𝑃𝑡𝑖𝑝

·, ou seja, o preço do mesmo produto i, no ano t, em outro país (p), o

mais importante exportador para o mercado americano, em determinada tecnologia.

Após a divisão dos preços, aplica-se o diferencial, subtraindo um. Depois, para cada

bem i, é calculada a sua importância na pauta exportadora chinesa24, dada por 𝑤𝑡𝑖𝑐.

𝑤𝑡𝑖𝑐 =

𝑋𝑡𝑖𝑐

𝑋𝑡𝑐⁄ (6)

A ponderação dada por 𝑤𝑡𝑖𝑐 é obtida pela razão entre 𝑋𝑡

𝑖𝑐, ou seja, o valor do

produto i, para o ano t, na pauta de exportação da China para os EUA, por 𝑋𝑡𝑐.Este

último é o valor das exportações de produtos presentes em determinada tecnologia.

A principal ideia do índice é que o diferencial de preços seja capaz de captar

alguma diferença de competitividade das exportações chinesas com de outro parceiro

comercial dos EUA, para o mercado americano. A ponderação foi vista como necessária

para evitar que produtos que não fossem relevantes à exportação chinesa tivessem muito

peso para a construção do indicador. Por exemplo, se existe um aumento de preço

relativo para um determinado produto, logo, há um aumento de preços relativos do

índice, como um todo, para uma determinada tecnologia. Porém, se este mesmo produto

é insignificante para a pauta exportadora chinesa, no mercado americano, logo, o

aumento de preço, desse produto, não pode ser entendido como diminuição da

competitividade.

A construção dos índices se dá, primeiramente, pela convergência de produtos

exportados pela China e por outro parceiro, em determinada tecnologia, para um ano

especifico. Isso permite a obtenção dos produtos em comum na exportação chinesa e do

24 O intuito do trabalho é observar se há aumento dos preços chineses. Logo, é importante verificar se os

produtos que sofreram aumento de preços são produtos importantes para a pauta de exportação chinesa.

Dessa forma, os pesos são calculados para cada ano t, para cada bem i, a partir dos dados presentes no

Trademap.

116

país parceiro. Para que possa ser realizada a ponderação, é necessário que existam

produtos comum à lista dos 500 produtos mais exportados, pela China para os EUA, e

os produtos comuns à China e ao parceiro. Dessa forma, os produtos que serão

utilizados na construção do indicador final são aqueles que fazem parte da intersecção

entre os 500 produtos mais exportados e os produtos comuns ao parceiro comercial e à

China.

Os produtos comuns aos 500 produtos mais exportados, China e o parceiro

comercial apresentam o valor das exportações para cada ano. A somatória de todos os

valores de exportação para cada produto, em determinada tecnologia consiste em 𝑋𝑡𝑐.

Logo, para cada produto i, é possível descobrir sua participação na pauta exportadora

China-EUA.

A escolha dos parceiros foi realizada a partir dos dados do TradeMap,

ferramenta da COMTRADE, com os principais parceiros americanos. O principal

parceiro americano é a China, seguido de Canadá, México, para o ano de 2013. Dessa

maneira, foi conduzida uma análise de preços, na qual, foram elencados os parceiros

que são mais relevantes para as importações americanas, dentro de determinada

classificação tecnológica. A tabela 12 mostra o diferencial entre China e outros

parceiros americanos. Por exemplo, para o ano de 2001 e para diferenciado, a China era

49,4% mais barata que o México.

Tabela 12 - Evolução do diferencial de preços entre China, Alemanha, Canadá e

México, segundo tecnologia, para os anos de 2001, 2007 e 2013

Tecnologia País 2001 2007 2013

Diferenciado México -49,40% -24,50% -37%

Escala Canadá 17,30% -36,80% -30,40%

Ciência Alemanha -31,80% -63,6% -88,10%

Rec. Nat Canadá -55,80% -51,20% -39,40%

Trabalho México 2,60% 16,89% -7,40%

Fonte: CEPII, 2013. Elaboração própria.

Vale ressaltar que esta primeira análise foi realizada de modo que não são os

mesmos produtos para todos anos. Em outras palavras, dentro da mesma tecnologia,

117

para 2013, existem produtos que já pertenciam à pauta desde 2001, porém também há

produtos que saíram e outros que foram incorporados à análise.

Na tentativa de acompanhar a evolução do mesmo produto, foi construído outro

indicador, no qual, além da interseção de produtos entre China e outro parceiro, são os

mesmos produtos para os anos de 2001 e 2013. Nesta análise, foram adotados os 1000

produtos da pauta de exportação da China e dos EUA. O intuito era agregar a maior

quantidade de produtos possíveis. Pois, como já foi analisado pelos indicadores, a pauta

de exportação chinesa, neste período, sofreu uma grande mudança.

Em outras palavras, muitos produtos tiveram sua exportação diminuída e outros

produtos foram inseridos, logo, torna-se mais difícil encontrar os mesmos produtos para

anos tão distantes. Portanto, buscou-se aumentar o número de produtos para que ao

calcular o indicador, houvesse o maior número de produtos possíveis, dentro de um tipo

de tecnologia. A tabela 13 mostra o resultado.

Tabela 13 - Evolução do diferencial de preços entre China, Alemanha, Canadá e

México, segundo tecnologia, para os anos de 2001 e 2013 (para os mesmos

produtos)

Tecnologia País 2001 2013

Diferenciado México -53,30% -38,80%

Escala Canadá 1,10% -25,20%

Ciência Alemanha 75,80% 75,80%

Rec. Nat Canadá -48,10% -33,30%

Trabalho México 52% 10,80% Fonte: CEPII, 2013. Elaboração própria.

A primeira análise a ser feita é que, verificam-se diferentes movimentos em

relação à trajetória de preços. Esperava-se que houvesse um movimento generalizado de

aumento dos preços dos bens exportados chineses, por motivos diferentes, para cada

tipo de tecnologia.

Para os bens intensivos em tecnologia, como escala, ciência e diferenciado,

argumentava-se que o aumento de preços se daria pela própria lógica concorrencial de

tais mercados. Para a produção desses bens, o preço não é a variável crucial na

competição, mas sim a inovação. Para outros tipos de tecnologia, menos intensivas em

capital, como trabalho e recursos naturais, acreditava-se que o aumento de preços se

118

daria pelo aumento salarial chinês. Isso se dá devido à maior importância dos salários na

formação dos preços final destes bens.

Deste modo, um aumento geral dos preços de bens chineses estaria em

consonância com a construção argumentativa construída ao longo do capítulo um e dois,

referente à mudança na estrutura produtiva chinesa.

Os dados construídos no início do capítulo dois demonstram que houve um

aumento da produção de bens intensivos em tecnologia. Há inclusive uma maior

aproximação da estrutura produtiva chinesa com a americana, cuja estrutura produtiva é

caracterizada pela expressiva participação de bens de alta tecnologia. Além disso,

grande parte da literatura corrobora a ideia de que a China apresente uma cesta

exportadora de maior intensidade tecnológica que outros países com característica

semelhantes à sua, como apontado por Rodrik (2006) e Schott (2008).

Além disso, o aumento salarial, que é uma tendência geral na China, tanto pela

construção dos dados relativos a salários, quanto pela própria literatura. Como Cintra e

Pinto (2015) demonstram, a China apresenta salários muito maiores que de seus

vizinhos. Além disso, Li et al (2012) também apontam que os ganhos com salários

foram maiores que o aumento de produtividade.

Porém, os resultados do indicador apresentam tendências distintas, com aumento

dos preços chineses para as tecnologias de diferenciado e recursos naturais e um

barateamento de ciência, escala e trabalho.

Para os produtos intensivos em ciência destaca-se o setor 30 (Fabricação de

produtos farmacêuticos). Pois, é o mais importante em termos de importação,

configurando na sétima posição, no ranking de importação americano. Para este

produto, a China aparece como 16º parceiro dos EUA. Portanto, verifica-se que em

mercados de tecnologia mais refinada, o menor preço não garantiu ganhos de mercado.

Este dado se soma ao estudo realizado por Hiratuka e Cunha (2011), no qual demonstra

que houve grande aumento dos fluxos de baixa qualidade, neste segmento.

Dessa forma, ainda que tenha havido aumento da produção nesta tecnologia,

ainda não foi possível galgar avanços que pudessem traduzir em aumentos de qualidade.

Como apontado por Aiginger (2001), a qualidade tem influência em mercados de

característica mais inelástica, nos quais o preço importa menos. Em outras palavras, a

119

concorrência se dá via inovação, e não via preços, como apontado por Schumpeter

(1942). Portanto, neste caso, a qualidade pode ser compreendida como inovação, como

a capacidade gerar ativos intangíveis para seus produtos, que o tornem mais desejado

que os de outros concorrentes.

Percebe-se que, a China aumentou a produção de bens intensivos em ciência,

como apontado pelos indicadores do capítulo dois, porém seus bens não foram capazes

de ganhar mercado, mesmo apresentando preços menores que de outros concorrentes.

Isso demonstra que neste mercado o preço tem uma importância menor e que a China

não foi capaz de participar em segmentos de produtos com maior capacidade inovativa.

Isso pode indicar uma incapacidade da China de atuar em elos mais nobres da cadeia de

valor, que se caracterizam por maior apropriação de valor, como apontado por Sarti e

Hiratuka (2010).

O mesmo movimento se verifica para escala. O setor mais importante para a

importação americana, em 2014, foi o setor 87 (Veículos – exceto ferroviários). A

China ocupa o 6º lugar de importância, em comparação a outros países. Portanto,

mesmo contando com preços menores, não foi possível se apropriar de parcelas maiores

de mercados. Estes dados também são condizentes com dados de qualidade

apresentados por Hiratuka e Cunha (2011). Portanto, apesar de a concorrência essencial

nesses mercados se dar via inovação, percebe-se que a China ainda se manteve na

concorrência via preço, o que não trouxe ganhos de mercados.

Vale ressaltar que embora a China tenha àlcançado posições melhores na

produção de bens intensivos em escala e ciência, ela, possivelmente, não conseguiu se

inserir em elos mais nobres da cadeia, marcados pela concorrência por inovação. Isso se

traduz em preços menores e pouco aumento de market share.

Já com relação a diferenciado, existe uma tendência de aumento dos preços

chineses. É relevante salientar que o setor mais importante da pauta americana é o setor

84 (Fabricação de máquinas, reatores nucleares, caldeiras, etc), seguido do 85

(Fabricação de máquinas e equipamentos elétricos). Em ambos, a China é o fornecedor

mais importante para os EUA. Logo, percebe-se que houve aumentos de preços para

estes produtos, sem que houvesse perda de mercado.

Como também foi demonstrado por Hiratuka e Cunha (2011) este foi o único

segmento que apresentou aumento nos fluxos de alta, média e baixa qualidade. Dessa

120

forma, esboça-se um cenário no qual o aumento de preços chineses esteja, também,

atrelado a um aumento de qualidade. Isto demonstrou a capacidade chinesa de penetrar

em mercados nos quais a construção de ativos intangíveis é crucial para o sucesso da

estratégia.

Pode-se dizer que a produção de bens diferenciados se deu de forma mais

madura, que possibilitou a inserção da China em elos mais nobres da cadeia produtiva.

Dessa forma, foi possível aliar preços maiores com maior aumento de market share.

Como apontado por Pinto (2011), nestes segmentos, a China apresenta grandes

corporações como Lenovo (computadores), a Huawei (equipamentos de

telecomunicações), a Haier (eletrodomésticos e eletroeletrônicos). Isso ratifica a ideia de

que a China foi capaz de construir dotações tecnológicas que lhe possibilitaram atuar,

em alguma medida, como comandante da cadeia de valor e se apropriar de maior valor

criado, neste segmento.

Também é importante destacar que os setores ligados à eletrônica receberam

investimentos desde a abertura chinesa ao IDE. Isso se deu devido ao fato de a produção

de eletrônicos ser mais facilmente separado, o que facilitou a dispersão da cadeia

produtiva (ACIOLY, 2005). Logo, isso pode ter ajudado no amadurecimento da

produção chinesa e consolidação de grandes grupos.

Com relação à tecnologia intensiva em trabalho, a China apresenta resultados

semelhantes para a análise feita com os mesmos produtos e com produtos variando.

Para ambos os estudos, existe uma tendência de queda dos preços chineses para bens

intensivos em trabalho. Portanto, pode-se esperar que tenham sido incorporado novos

produtos à pauta que baratearam, ainda mais, o preço chinês.

Segundo Hiratuka e Cunha (2011), os bens intensivos em trabalho teriam sido os

quais diminuíram sua participação em alta e média qualidade, voltando-se somente para

produtos de baixa qualidade. Apesar disso, neste segmento, a China é o parceiro

comercial mais importante dos EUA. Portanto, pode-se partir do mesmo argumento de

Aiginger (2001), segundo o qual, os produtos de maior qualidade conseguem avançar

em mercados, nos quais o preço seja menos importante, na determinação da

concorrência. Logo, pelo fato de setores de trabalho terem um componente forte ligado

aos preços, espera-se que os bens exportados se mantenham com preços baixos.

121

Além do fato de a concorrência para o mercado de bens intensivos em trabalho

se dar pelo preço, é relevante ressaltar que a política industrial engendrada durante os

últimos 30 anos se deu no sentido de afastar a produção chinesa de bens de menor

intensidade tecnológica. Na adoção da política industrial, como apontado por Pinto

(2011) e Leão (2010) apontam que o Estado chinês conduziu o deslocamento do

investimento de setores tradicionais para setores de tecnologia de ponta. Dessa forma, a

construção de grandes empresas líderes capazes de comandar a cadeia foi

comprometida, restando os fornecedores que realizam as atividades periféricas,

fortemente ancoradas no preço.

É pertinente apontar que na análise de Sarti e Hiratuka (2010), os autores

destacam que embora a China tenha aumentado a participação de bens intensivos em

tecnologia, a produção de bens intensivos em trabalho, ainda, é muito importante para

China. Os dados ligados a comércio internacional demonstram que apesar da

importância ter caído na pauta, estes bens ainda são muito relevantes para a China.

Dessa forma, há um grande empenho na manutenção da competitividade, portanto, na

manutenção dos preços menores (competição por preço).

Já os bens intensivos em recursos naturais apresentaram uma tendência de

encarecimento. Percebe-se em uma comparação entre os anos de 2001 e 2013 para a

pauta importadora americana, que houve pouca mudança neste segmento para a China.

Ela se manteve competitiva em setores, nos quais já era competitiva. Portanto, o

aumento de preços pode ter dois significados: aumento de qualidade dos bens

exportados para os EUA, ou, impacto das mudanças nos salários sobre os preços finais.

Como se viu por Hiratuka e Cunha (2011), a China optou por centralizar sua

exportação em bens de qualidade menor, portanto, os preços finais seriam menores.

Dessa forma, pela própria dinâmica concorrencial ligada fortemente ao preço e a

atuação em setores de menor qualidade, esperava-se que os preços finais fossem mais

baratos. Porém, isso pode ser explicado pelo fato de que no tipo de tecnologia de

recursos naturais, a China apresenta pouca competitividade, logo, o aumento salarial

teve maior preponderância na construção do preço final.

A análise dos indicadores de preços relativos apresenta resultados semelhantes

ao trabalho de Schott (2008). A China realizou um esforço grande de política industrial

e aumentou a produção de bens intensivos em tecnologia, se comparado a outros países

122

de característica semelhante. O esperado, portanto, é que os preços chineses

aumentassem, porém, no estudo de Schott (2008) os preços vão se barateando. Nas

análises realizadas anteriormente, isso se verifica para a produção de bens intensivos em

escala e ciência, porém não ocorre o mesmo para diferenciados.

Ao aprofundar essa análise, percebe-se que nos segmentos nos quais os preços

relativos são menores, e a concorrência não se dá via preço, a China teve menor

inserção comercial. Portanto, pode-se inferir que a China não foi capaz de, ao menos

para bens intensivos em escala e ciência, construir a dotação tecnológica necessária para

realizar a competição via inovação com outros países. Em outras palavras, nestes

segmentos a competição pela inovação se faz mais importante que a competição via

preço, e a China não conseguiu se inserir de forma a conseguir competir via inovação.

Além disso, possivelmente, ela não conseguiu construir empresas capazes de comandar

cadeias globais. Dessa forma, as firmas, possivelmente, continuaram a realizar

operações mais periféricas, sendo incapazes de comandar cadeias, atuando como

geradoras de inovação e, apropriando-se de maior valor, com preços maiores.

Porém, para a produção de bens diferenciados há uma importante participação

das exportações chinesas para o mercado americano. Além disso, verifica-se uma

diminuição, paulatina, do diferencial entre China e México. Poder-se-ia questionar que

o aumento salarial é o vetor que impulsiona o aumento de preços. Contudo, ao observar

o gráfico 31, percebe-se o aumento da massa salarial para diferenciado foi o menor

entre cada tipo de tecnologia. Além disso, o gráfico 34 mostra que o único tipo de

tecnologia que apresentou diminuição da participação da massa salarial no valor

adicionado. Aliado a essas informações, percebe-se que o maior aumento de

produtividade vem justamente dos bens diferenciados, logo, é pouco provável que o

aumento de salários seja a razão pela qual houve aumento dos preços relativos chineses.

Embora o exame da evolução dos preços relativos pareça não ter uma forte

conexão com os dados encontrados para aumento salarial e produtividade, é notável

destacar que a compreensão da competitividade de uma economia deve ser em uma

visão de longo prazo. Ou seja, os efeitos da trajetória de produtividade versus aumento

salarial apresentam efeitos de médio a longo prazo. Como apontado por Li et al (2012),

algumas das principais condicionantes que conferem grande aumento salarial, como por

exemplo o bônus demográfico, apresentarão efeitos e um período posterior e mais

123

distante. Dessa forma, a análise é importante na medida que aponta gargalos de

competitividade e quais setores poderiam estar ameaçados.

Nesse sentido, toda a produção chinesa apresentou aumentos salariais superiores

aos ganhos de produtividade. Os dados corroboram a teoria de Li et al (2012) e também

de Cintra e Pinto (2011). Embora a China esteja empenhada em realizar uma política de

aumento salarial em benefício ao mercado interno, é necessário que sejam observados

fatores institucionais chineses como a flexibilização do hukou. Este exerce uma pressão

altista sobre os salários urbanos que pode acabar por afetar a produtividade da economia

chinesa.

124

CONCLUSÃO

A China desempenha um papel muito relevante do ponto de vista econômico, na

configuração da economia mundial. Este protagonismo é resultado de uma série de

condicionantes externas e internas que propiciaram o florescimento da China como

grande economia exportadora, além de “fábrica do mundo”.

Dentre os fatores que colaboraram para a modernização chinesa está o

investimento estrangeiro. Devido à nova dinâmica de acumulação da empresa

capitalista, a cadeia de valor passou a ser fragmentada. Além disso, contou-se com uma

especialização maior das atividades realizadas em cada país ou região, como salientado

por Sarti e Hiratuka (2010). A localidade na qual seria produzido era escolhida baseada

no menor custo possível da operação. Nesse sentido, a China apresentava uma vantagem

competitiva relacionada a uma mão de obra, relativamente qualificada e de baixo custo.

A China soube se beneficiar de tal configuração e criou as ZEEs. Nestas, as

empresas podiam gozar de câmbio desvalorizado, incentivos fiscais e tributário, além da

mão de obra barata (MILARÉ, 2011). Portanto, a maior parte dos investimentos eram

direcionados a setores intensivos trabalho.

Porém, o Estado implementou uma política industrial que se utilizava do

investimento estrangeiro para modernização do parque industrial. Se a principio o IDE

era direcionado a setores intensivos em trabalho, na segunda fase do IDE, a China

procurou deslocar os investimentos para setores de alta tecnologia e de exportações

(ACIOLY, 2005).

Estas empresas estrangeiras poderiam produzir sob a condição de: (i) utilizarem

de fornecedores locais; (ii) realização de transferência tecnológica e engenharia reversa.

Portanto, percebe-se que havia uma preocupação de que o capital estrangeiro fosse

responsável pela modernização da indústria chinesa, além de fornecer as dotações

tecnológicas necessárias para avançar na fronteira tecnológica (PINTO, 2011).

Além disso, havia um empenho estatal em transformar as empresas estatais

chinesas em grandes conglomerados capazes de competir globalmente. Dessa forma, o

Estado chinês passou privatizar as empresas menores e de pouco cunho estratégico para

o governo. As empresas que se mantiveram sob a égide do Estado eram aquelas que

atuavam em setores intensivos em tecnologia (LEÃO, 2010).

125

Dessa maneira, a política industrial conduzida exerceu forte impacto sobre o

desempenho chinês: a China passou a ser um importante player no comércio

internacional, participando do comércio de bens intensivos em tecnologia. Os trabalhos

de Schott (2008) e Rodrik (2006) destacam um aumento da participação chinesa na

exportação de bens intensivos em tecnologia.

Porém outros autores como Lardy (2004) apontavam o comércio chinês fruto

apenas do processamento de componentes eletrônicos mais sofisticados. Contudo, Sarti

e Hiratuka (2010) demonstram que a China passou a demonstrar uma maior participação

de setores intensivos em tecnologia, em sua indústria.

Os dados consolidam a ideia de que a China deslocou suas exportações e

também sua produção industrial na direção de bens mais sofisticados, em detrimento de

bens intensivos em trabalho e recursos naturais. Este processo de catching up traz

consigo, também, um aumento dos salários, devido à melhor qualificação de mão de

obra empregada na produção de bens mais sofisticados.

Porém, não é possível estabelecer uma relação direta de causalidade entre

catching up e aumento salarial. Pois, o mercado de trabalho da China, como apontado

por Morais (2011) apresenta uma característica dual. Ou seja, existe um mercado de

trabalho regido pela oferta e procura, porém há um componente forte político, que acaba

por determinar salários e oferta de trabalho. O Estado ainda exerce uma participação

muito forte no mercado de trabalho chinês.

Embora o aumento salarial não esteja tão refletido no aumento de preços

chineses, é importante salientar que a trajetória de produtividade e aumento salarial

apresenta consequência de médio a longo prazo. Pois, como apontado por Bresser-

Pereira (2006), os salários devem crescer juntamente à produtividade, a fim de evitar

crises de sub investimento.

O estudo dos preços relativos chineses trouxe mais profundamente a questão do

processo de catching up tecnológico. A partir da análise, verificou-se que em segmentos

de maior intensidade tecnológica, como ciência e escala, o preço dos bens exportados

deveriam aumentar de modo a se aproximar ao de países desenvolvidos, como

determina Schott (2004). Porém, este movimento se dá somente para a produção de

bens diferenciados. O que se percebe é que, embora a China tenha galgado avanços na

126

fronteira tecnológica, para o segmento e escala e ciência, ela não foi capaz de se inserir

em elos mais nobres da cadeia de produção de valor, mantendo-se em posições ainda

periféricas.

Como discutido anteriormente, a China conseguiu construir grandes

conglomerados capazes de competir globalmente e comandar cadeias de valor, como a

Lenovo e Huawei, para a produção de bens diferenciados. Dessa forma, ela passou a

competir via inovação, na qual o preço tem menor importância na competição. Já nos

tipos de tecnologia de escala e ciência, a China ainda se mantém na competição por

preço, logo, avançou-se se forma discreta no comando das cadeias globais nestes

segmentos.

É possível dizer que se o processo de catching up tecnológico se aprofundar, e a

China conseguir desenvolver capacidades tecnológicas suficientes para comandar

cadeias globais de valor, então, talvez, seja o fim da China barata. Neste sentido

explicita-se que a maior parte da produção chinesa se deslocará para bens intensivos em

tecnologia, em detrimento de bens intensivos em trabalho e/ou recursos naturais. Logo,

nesses setores, como já enfatizado anteriormente a concorrência essencial se dá pela

inovação, na qual o preço tem um papel secundário, e apresenta geralmente preços

médios maiores.

Por outro lado, sob a ótica de aumento dos salários, a competitividade chinesa

pode estar ameaçada em médio a longo prazo, devido aos ganhos salariais serem

superiores aos ganhos de produtividade. Dessa forma, o governo chinês deve operar de

maneira a eliminar os fatores institucionais que ainda pressionam o salário chinês como

o bônus demográfico e o hukou. O aumento salarial pode se tornar problemático tanto

para setores, nos quais o salário é um forte componente de custo, quanto nos outros.

Quanto à produção intensiva em trabalho, ainda não foi possível observar um

aumento dos preços de bens intensivos em trabalho, devido ao aumento salarial. Pois,

por um lado, também houve diminuição da margem das empresas, demonstrado pelo

gráfico 34. Neste gráfico percebe-se que há um aumento da participação da massa

salarial chinesa, no valor adicionado, portanto há uma diminuição do lucro. Caso a

situação persista, é possível que estes setores percam competitividade, e eles ainda

representam uma parte significativa da pauta exportadora chinesa, como demonstrado

pelos dados e salientado por Sarti e Hiratuka (2010).

127

A China deveria se empenhar em políticas de flexibilização do hukou, por

exemplo. Como apontado por Nabuco (2012), diversas províncias estão,

paulatinamente, “legalizando” a situação de imigrantes do campo, e procurando fixá-los

em suas cidades. Em 2009, uma província muito importante do ponto de vista

econômico, Shangai, adotou um sistema de pontos que permite a conversão do morador

rural para morador urbano. Segundo o sistema, há um determinado número de itens

como o grau de escolaridade, tempo de residência na cidade, registro de residência do

cônjuge, renda e empregador que acumulam determinados pontos. Dessa forma, o

morador que conseguir a pontuação mínima pode realizar a conversão do seu hukou

(NABUCO, 2012).

É preciso compatibilizar a política de aumento salarial, para fortalecer o

consumo, com uma adequação do crescimento dos salários com os ganhos de

produtividade. Dessa forma, será possível realizar um crescimento mais sustentável, e

também “equilibrado”, como apregoado pelo próprio governo (MEDEIROS, 2010).

Dessa forma, verifica-se que todo o processo de desenvolvimento da economia

chinesa é bastante complexo. Pois, apesar da abertura da economia chinesa, o Estado

ainda exerce uma forte influência sobre todos os mercados. Logo, o componente

político é de extrema importância.

A partir de toda a análise, é possível verificar que a China apresenta uma

trajetória singular de desenvolvimento de capacidades, aproximando-se da fronteira

tecnológica. Todo o esforço de política foi direcionado para a produção de bens

intensivos em tecnologia e a China conseguiu galgar posições importantes em mercados

intensivos em tecnologia. No caso de bens diferenciados, ela ainda foi capaz de

construir grandes empresas, comandantes da cadeia de valor. Estas se tornaram centros

difusores de tecnologia e passaram a se apropriarem de maior valor agregado, que se

traduziu em preços maiores, internacionalmente.

Porém, para outros tipos de tecnologia, como ciência e escala, a China

permanece em posições periféricas da cadeia de valor. Embora tenha havido um

aumento da produção desses bens em território chinês, a tendência de queda de preços

nestes segmentos demonstra que ainda não foi possível comandar as grandes cadeias de

valor. Pois, nestes segmentos, a concorrência se dá via inovação, que apresenta preços

maiores, realizada pelos grandes conglomerados, líderes da cadeia de valor.

128

Para os setores intensivos em trabalho, vê-se que suas margens de lucro vêm

diminuindo, pois o aumento salarial exerce uma pressão sobre os preços finais. Porém,

como este segmento apresenta uma forte concorrência via preço, estes produtos ainda

não apresentaram aumento de preços finais. Caso a situação se mantenha, estes setores

podem perder competitividade e até mesmo deixar de serem produzidos em local

chinês, para serem produzidos em países vizinhos, como apontado por Cintra e Pinto

(2015).

Sob esta perspectiva, a China “barata” para bens diferenciados já se iniciou, e

para os outros segmentos intensivos em tecnologia, este movimento pode acontecer

também. Pois, como apontado pelo próprio governo, a China busca construir grandes

conglomerados, capazes de competir globalmente (MEDEIROS, 2006). Dessa forma,

para que isso aconteça, será necessário investir em inovações, que apresentam preços

maiores.

Quanto aos setores intensivos em trabalho, caso a China não empreenda

mudanças institucionais em sua política de migração do campo para cidade e a “política

do filho único”, a produção intensiva em trabalho pode ter sua competitividade

ameaçada, no médio e longo prazo. Logo, caso isso não ocorra, será o fim da China

“barata” para a produção de bens intensivos em trabalho. Além disso, provavelmente,

boa parte da produção será destinada a outros países vizinhos.

129

ANEXOS

Classificação intensidade tecnológica – OCDE (2011)

Alta tecnologia

Fabricação de aeronaves e componentes

Fabricação de produtos farmacêuticos

Fabricação de material e equipamentos de escritório

Fabricação de equipamentos de rádio, TV e telecomunicações

Fabricação de equipamentos médicos, ópticos e de precisão

Média/Alta Tecnologia

Fabricação de máquinas e equipamentos elétricos

Fabricação de veículos

Fabricação de produtos químicos

Fabricação de ferrovias e equipamentos de transporte

Fabricação de máquinas e equipamentos

Média/baixa tecnologia

Fabricação de construção de barcos

Fabricação de borracha e produtos de plástico

Fabricação de coque, petróleo refinado e combustível nuclear

Fabricação de outros produtos minerais não-metálicos

Fabricação de produtos de metal

Baixa tecnologia

Reciclagem

Fabricação de madeira, polpa, papel, impressão e publicação

Fabricação de produtos alimentícios, bebidas e fumo

Fabricação de têxteis, couro e calçados

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