UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINArepositorio.unesc.net/bitstream/1/3509/1/Manuel Chimbungo...

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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC UNIDADE ACADÊMICA DE HUMANIDADES, CIÊNCIAS E EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO MANUEL CHIMBUNGO TIAGO O CONHECIMENTO MATEMÁTICO DE ANGOLANOS INGRESSANTES NOS CURSOS DE ENGENHARIA: INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA COM BASE NA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC, em cumprimento a um dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Educação. Orientador: Prof. Dr. Ademir Damazio Criciúma 2014

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  • UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE

    UNESC

    UNIDADE ACADMICA DE HUMANIDADES, CINCIAS E

    EDUCAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

    MESTRADO EM EDUCAO

    MANUEL CHIMBUNGO TIAGO

    O CONHECIMENTO MATEMTICO DE ANGOLANOS

    INGRESSANTES NOS CURSOS DE ENGENHARIA:

    INTERVENO PEDAGGICA COM BASE NA TEORIA

    HISTRICO-CULTURAL

    Dissertao apresentada ao

    Programa de Ps-Graduao em

    Educao da Universidade do

    Extremo Sul Catarinense -

    UNESC, em cumprimento a um

    dos requisitos para a obteno do

    ttulo de Mestre em Educao.

    Orientador: Prof. Dr. Ademir

    Damazio

    Cricima

    2014

  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao

    T551c Tiago, Manuel Chimbungo.

    O conhecimento matemtico de angolanos ingressantes nos

    cursos de engenharia: interveno pedaggica com base na teoria

    histrico-cultural / Manuel Chimbungo Tiago; orientador: Ademir

    Damazio. Cricima, SC : Ed. do Autor, 2015.

    171 p : il. ; 21 cm.

    Dissertao (Mestrado) - Universidade do Extremo Sul

    Catarinense, Programa de Ps-Graduao em Educao, Cricima,

    SC, 2015.

    1. Ensino da matemtica. 2. Matemtica Mtodos de estudo.

    3. Matemtica na engenharia. 4. Proposio davydoviana. 5.

    Ensino desenvolvimental. 6. Sistemas de ensino Angola. I.

    Ttulo.

    CDD. 22 ed. 510.7

    Bibliotecria Rosngela Westrupp CRB 14/364

    Biblioteca Central Prof. Eurico Back - UNESC

  • DEDICATRIA

    minha me, Adelaide Toms Manuel; s

    minhas irms, Aldina Adelaide Nahunjo

    Manuel, Leontina Cumbelembe Toms

    Manuel, Memoria Tiago Manuel e minha

    noiva, Lissette Monteiro Herrera, por tudo

    que so para mim.

  • AGRADECIMENTOS

    Meus agradecimentos se estendem a todos aqueles que direta ou

    indiretamente contriburam para o meu desenvolvimento intelectual

    durante o perodo de minha formao no Brasil. Os momentos de

    debate, estudo e reflexes vm possibilitando a contnua transformao

    de minha conscincia para melhor. As pessoas a que me referi

    mantiveram seus braos sempre abertos para me acolher, com pacincia

    e cuidado, nos momentos em que mais precisei. Esses tornaram a

    atmosfera estudantil um lugar aconchegante e propcio para o estudo. O

    meu muito obrigado por se permitirem fazer parte de minha vida.

    Agradeo especialmente ao meu Orientador, Prof. Dr. Ademir

    Damazio, que foi determinante para a concretizao daquilo que para

    mim era apenas um sonho. E, com sua humildade e intelectualidade,

    mostra-se como um grande exemplo de humanidade a ser seguido.

    Agradeo minha me, Adelaide Toms Manuel, s minhas

    irms, Aldina Adelaide Nahunjo Manuel, Leontina Cumbelembe Toms

    Manuel e Memoria Tiago Manuel, e minha noiva, Lissette Monteiro

    Herrera, que, mesmo distantes, acompanharam de perto esta caminhada,

    com apoio necessrio e incondicional.

    Aos professores Dr. Gilvan Luiz Machado Costa e Dr. Ricardo

    Luiz Bittencourt, pelas contribuies na qualificao e na defesa da

    Dissertao.

    A todos os integrantes do GPEMAHC: Grupo de Pesquisa em

    Educao Matemtica: uma Abordagem Histrico-Cultural, por todo o

    auxlio prestado.

    A todos os funcionrios e Professores do Programa de Ps-

    Graduao em Educao (PPGE) da UNESC, pelo aprendizado e apoio

    durante minha formao.

    Aos professores Raisa Bonachea e Arcenio Celorrio dos Santos,

    que me ajudaram a delinear as primeiras ideias para o presente estudo.

    Ao INAGBE e direo do ISP-UJES, pela dispensa e pelo

    financiamento disponibilizado para a minha formao no Curso de

    Mestrado em Educao.

  • Voc se torna um comunista

    quando enriquece sua mente com todos os tesouros j produzidos

    pelo homem.

    Vladimir I. Lenin

  • RESUMO

    Nesta dissertao, apresentar-se- a proposta de um conjunto de

    tarefas particulares referentes ao ensino da matemtica com base nos

    fundamentos pedaggicos davydovianos. Tendo como objetivo

    contribuir no processo de apropriao dos conceitos matemticos

    necessrios aos estudantes ingressantes nos cursos de Engenharia do

    Instituto Superior Politcnico da UJES, em Angola. O problema de

    estudo se expressa na diferena entre o nvel de conhecimento real da

    matemtica bsica desses estudantes e o nvel requerido pelas

    disciplinas iniciais de matemtica desse curso. O referido problema foi

    definido a partir da anlise do desenvolvimento histrico que originou o

    contexto atual da educao angolana nos perodos colonial, ps-

    independncia e ps-guerra civil. Essa leitura se deu articulada com o

    lugar da matemtica no curso em referncia e o ensino precedente a

    esse. A proposta foi elaborada com base nas abordagens pedaggicas

    com fundamentos na Teoria Histrico-Cultural. Entre outros autores,

    citam-se: Vygotsky, sobre o conceito de Zona de Desenvolvimento

    Proximal (ZDP); Leontiev, em relao atividade humana; Davdov,

    com seu modo de organizao do ensino da matemtica para os anos

    escolares iniciais. Esses autores tm como premissa que o ensino a

    base para o desenvolvimento do pensamento terico do estudante, por

    meio da apropriao dos conceitos cientficos. Tais pressupostos foram

    referncia para a elaborao de tarefas que contemplam a apropriao de

    conceitos da matemtica bsica por parte dos estudantes em referncia.

    Na organizao de ensino, toma-se por princpio a possibilidade de se

    constituir, entre os alunos, uma ZDP que possibilite a apropriao

    terica de tal conhecimento. O conjunto de tarefas contemplam os

    componentes da estrutura da atividade de estudo proposta de Davdov:

    necessidade, tarefa de estudo, aes, tarefas particulares e operao. A

    tarefa de estudo volta-se finalidade de obteno de conceitos de

    matemtica bsica com teor de relao entre grandezas e variveis, que

    so centrais para o Clculo Diferencial e Integral. A referida tarefa de

    estudo proposta contempla quatro aes, que so sntese das seis aes

    propostas por Davydov, quais sejam: Anlise inicial dos dados,

    construo do modelo, materializao e extrapolao. As quatro aes

    esto presentes nas tarefas particulares as quais podem contribuir para

    dotar os estudantes ingressantes de conceitos essenciais que fazem parte

    do movimento conceitual das disciplinas iniciais do curso em referncia.

    Palavras-chave: Tarefa de estudo, Matemtica bsica, Engenharia,

    Teoria Histrico-Cultural.

  • ABSTRACT In this work, a proposition of a set of specific tasks related to teaching

    basic math, based on davydovianos pedagogical foundations and

    dialectical logic is presented. The same is to contribute to the

    appropriation of mathematical concepts necessary for students entering

    in the course of Computer Engineering and Computers, Polytechnic

    Institute of UJES in Angola. This problem is expressed in the difference

    between the actual level of knowledge of basic mathematics, these

    students, and the level required by the initial mathematical disciplines of

    the course. The research problem was defined from analysis of the

    development of the current context of the Angolan education, however,

    required the study of its historical development process, in colonial

    times, post-independence and post-civil war. This reading took place

    articulated with the math course in reference to the preceding course to

    higher education. The expression of the system of organization of

    teaching that causes that difference is education reform, in force since

    2002 for the preparation of the proposal was taken as base assumptions

    in relation to pedagogical approaches with foundations in Historical-

    Cultural Theory. Among other authors, is quoted: Vygotsky, on the

    concept of Zone of Proximal Development (ZPD); Leontiev, in relation

    to human activity; Davydov, with his way of organizing the teaching of

    mathematics to the early school years. These authors have the premise

    that education is the basis for the development of theoretical thinking of

    the student through the appropriation of scientific concepts. Such

    assumptions were reference for the elaboration of tasks that include the

    appropriation of concepts from basic math by students who enter the

    engineering course. The organization of teaching, has been taken in

    principle the possibility of setting up, among the students, which allows

    the ZPD theoretical appropriation of such knowledge. The set of tasks

    includes the components of the structure activity study, according to

    which supports the proposed Davydov: need, study task, actions,

    particular tasks and operation. The task of the study back to the purpose

    of obtaining concepts of designation of basic math content of the

    relationship between quantities and variables, which are central to the

    Differential and Integral Calculus.

    Key Words: Concepts - Basic Math, Engineering, Cultural Theory

    History - Angola, Tasks Study.

  • LISTA DE ILUSTRAES

    Figura 1: Desnivelamento entre o conhecimento real e o conhecimento

    requerido do estudante. ......................................................................... 32 Figura 2: Esqueleto da proposio. ..................................................... 119 Figura 3: Grfico da funo. ............................................................... 124 Figura 4: Sntese esquemtica das aes de estudo. ............................ 126 Figura 5: Representao dos segmentos. ............................................. 129 Figura 6: Representao dos segmentos e sua relao. ....................... 129 Figura 7: Inter-relao entre adio e subtrao. ................................. 131 Figura 8: Situao referente ao conceito de diviso. ........................... 132 Figura 9: Representao na reta numrica, conceito de diviso .......... 133 Figura 10: Tarefa representativa do conceito de multiplicao. .......... 133 Figura 11: Esquema multiplicao e diviso. Representao na reta. . 135 Figura 12: Representao dos segmentos de reta AB e CD. ............... 136 Figura 13: Nmero fracionrio na relao parte/todo. ........................ 138 Figura 14: Representao dos nmeros fraccionrios ......................... 138 Figura 15: Relao entre as medidas c e b. ......................................... 140 Figura 16: Soluo esperada para a equao x k = p. ...................... 142 Figura 17: Esquema todo e partes da equao a + x = c. .................... 142 Figura 18: Possvel representao na reta da medida da diagonal....... 146 Figura 19: Conceito de funo do Primeiro grau. ............................... 148 Figura 20: Conceito de funo quadrtica. .......................................... 150 Figura 21: Ponto mximo da funo. .................................................. 150 Figura 22: Conceito de potenciao, o princpio. ................................ 151 Figura 23: Conceito de Potenciao. ................................................... 151 Figura 24: Potenciao. ....................................................................... 152

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  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1: Resumos das disciplinas de Matemtica no curso de Engenharia

    Informtica e Computadores. .............................................................................62 Tabela 2: Caracterstica do pensamento emprico e terico. ............................109 Tabela 3: Tarefa conceito de funo. ...............................................................147

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    GPEMAHC Grupo de Pesquisa em Educao Matemtica: Uma

    Abordagem Histrico-Cultural

    INAGBE Instituto Nacional de Gesto de Bolsa de Estudo

    INIDE Instituto Nacional de Investigao e Desenvolvimento da

    Educao

    ISP Instituto Superior Politcnico

    OGE Oramento Geral do Estado

    PISA Programme For International Studant Assessment PPGE Programa de Ps-Graduao em Educao

    SINPTENU Sindicato Nacional de Professores e Trabalhadores do

    Ensino No Universitrio

    UAN Universidade Agostinho Neto

    UJES Universidade Jos Eduardo dos Santos

    UNESC Universidade do Extremo Sul Catarinense

    ZDP Zona de Desenvolvimento Proximal

    http://www.unesc.net/portal/blog/ver/287/18088http://www.unesc.net/portal/blog/ver/287/18088

  • SUMRIO

    APRESENTAO.................................................................................... 25 1 O PROCESSO DE CONSTITUIO DO ESTUDO ......................... 26

    1.1 MEDIDAS EMPREGADAS PELOS PROFESSORES COM A

    FINALIDADE DE SOLUCIONAR O PROBLEMA .............................. 32 1.2 OPES TERICAS PARA O TRABALHO .................................. 35 1.3 O OBJETO, O PROBLEMA, OS OBJETIVOS E AS BASES

    METODOLGICAS DA PESQUISA .................................................... 41 1.3.1 Desenho Metodolgico ........................................................ 42

    2 O OBJETO DE ESTUDO NO CONTEXTO ANGOLANO:

    CONSIDERAES HISTRICAS ........................................................ 49 2.1 BREVE RESUMO DA HISTRIA DE ANGOLA ........................... 50 2.2 EVOLUO DO SISTEMA EDUCACIONAL EM ANGOLA ....... 51 2.3 CARACTERSTICAS E DESENVOLVIMENTO DO ENSINO

    SUPERIOR EM ANGOLA E NO INSTITUTO SUPERIOR

    POLITCNICO DA UJES (ISP) ............................................................. 53 2.4 HISTRICOS DO INSTITUTO SUPERIOR POLITCNICO ......... 55 2.5 A IMPORTNCIA DAS MATEMTICAS PARA OS

    ENGENHEIROS INFORMTICOS ...................................................... 57 2.6 FUNDAMENTAES DAS DISCIPLINAS DE MATEMTICA

    GERAL NO CURRCULO DO CURSO ................................................. 60 2.6.1 Ferramentas matemticas para o curso de Engenharia

    Informtica e Computadores ...................................................... 63 2.6.2 Currculo de Matemtica no primeiro semestre do curso 64 2.6.3 As reformas educativas e o lugar da matemtica na

    organizao do ensino primrio e secundrio em Angola ........ 69 3 FUNDAMENTAO TERICA ........................................................ 91

    3.1 ATIVIDADE E CONSCINCIA: UM ESTUDO NECESSRIO .... 91 3.2 ATIVIDADE DE ESTUDO EM DAVDOV: CARACTERSTICAS

    ESPECFICAS E O ENSINO DESENVOLVIMENTAL ....................... 98 3.2.1 O desenvolvimento do pensamento terico: superao da

    base lgica formal pela lgica dialtica .................................... 103 3.3 TAREFA E AES DE ESTUDO EM DAVDOV ...................... 113

    4 AS BASES DA PROPOSTA: ALGUMAS TAREFAS A SEREM

    DESENVOLVIDAS PELOS INGRESSANTES NO CURSO DE

    ENGENHARIA DE INFORMTICA E COMPUTADORES ........... 116 PARA TANTO, ESTE CAPTULO FOI DIVIDIDO EM DUAS SEES: DESENHO

    TERICO-METODOLGICO DA PROPOSIO E ALGUMAS TAREFAS

    PARTICULARES DA PROPOSIO. ........................................................... 116 4.1 DESENHO TERICO-METODOLGICO DA PROPOSIO ... 116

  • 4.2 EXPLICITAO DE ALGUMAS TAREFAS PARTICULARES COM BASE NA PROPOSIO DAVYDOVIANA ............................ 127

    4.2.1. Tarefas para o desenvolvimento do conceito de nmero e

    operaes .....................................................................................128 4.2.2 Tarefas referentes ao conceito de Funo ........................146

    5 CONSIDERAES FINAIS ............................................................... 154 REFERNCIAS ...................................................................................... 159

  • 25

    APRESENTAO

    Os determinantes referentes ao processo de ensino e

    aprendizagem da matemtica no contexto angolano, particularmente no

    primeiro ano do curso de Engenharia Informtica e Computadores do

    Instituto Superior Politcnico da UJES, no qual o pesquisador se

    encontra envolvido como docente estagirio de matemtica, geraram a

    necessidade da procura por alternativas mais elaboradas para a melhoria

    dos aspectos ligados diretamente a esse processo.

    A pergunta que sempre afligiu o pesquisador se refere a qual

    medida, na interao professor-aluno-conhecimento matemtico, que

    leva o estudante apropriao dos conhecimentos matemticos no

    primeiro ano desse curso.

    Foi a partir dessa necessidade, ento, que se props a fazer o

    Mestrado em Educao do PPGE da UNESC. E, no envolvimento com o

    GPEMAHC, teve a oportunidade de poder estudar a proposta de ensino

    de Davdov, a qual tem como finalidade levar o aluno ao

    desenvolvimento do pensamento terico por meio da apropriao dos

    conhecimentos cientficos.

    Tendo em considerao o referido estudo, tenciona, com a

    presente dissertao, apresentar proposies de tarefas e aes de estudo

    da matemtica bsica, fundamentadas na lgica dialtica. O pressuposto

    de que possa contribuir na soluo do problema ora apresentado. Para

    tanto, organizou-se esta dissertao em cinco captulos.

    O primeiro trata de descrever o processo de desenvolvimento da

    pesquisa, bem como os aspetos metodolgicos, o problema, os objetivos

    e a escolha da base terica. O segundo captulo trata do ensino no

    contexto angolano, como se apresentou no processo histrico desse pas.

    O terceiro captulo apresenta as concepes tericas da pesquisa. O

    quarto se refere proposio propriamente dita. Por fim, no quinto

    captulo, as consideraes finais.

  • 26

    1 O PROCESSO DE CONSTITUIO DO ESTUDO

    Aps o trmino da formao superior no Brasil, Licenciatura em

    Matemtica, as condies objetivas encontradas no pas de origem do

    pesquisador, Angola, levaram-no a iniciar outra etapa da vida: ser

    professor estagirio de Matemtica do primeiro ano do curso de

    Engenharia Informtica e Computadores no Instituto Superior

    Politcnico (ISP) da Universidade Jos Eduardo dos Santos (UJES).

    Esse local passou a ser o espao de desenvolvimento de sua atividade

    principal (LEONTIEV, 1978), cuja tarefa (DAVIDOV, 1999) se atrela

    finalidade de promover situaes de ensino em sala de aula que levem

    os alunos a se apropriarem dos conceitos de Matemtica propostos pelo

    currculo desse curso.

    Essa sua atividade possibilitou a observao de algumas situaes

    consideradas como problemas com os quais os professores de

    Matemtica e os estudantes de Engenharia se deparam durante o

    processo de ensino e aprendizagem. Esse contexto apreensivo do

    referido curso passa a engendrar o seu trabalho de pesquisa, a

    dissertao de mestrado em Educao.

    Essas inquietaes o afetam cada vez mais pelas requisies dos

    currculos que trazem a ideia de formar engenheiros com perfil

    competitivo. A justificativa de que o mundo contemporneo marcado

    pela globalizao da economia que atinge as diferentes sociedades e o

    sistema de educao atual no d conta de responder a essas novas

    exigncias (BARTOLOM, 2004).

    Outra justificativa para a formao de um engenheiro com tal

    perfil que as transformaes sociais, a globalizao, as mudanas e os

    progressos tecnolgicos esto entre as principais causas da necessidade

    de evoluo e transformao do setor educacional em todo mundo.

    Nesse contexto, o tema principal, a educao, passa a se ver com a

    necessidade de fazer mudanas a fim de adequar-se s demandas da

    sociedade contempornea, para atender a seus objetivos e expectativas

    educacionais e de mercado de trabalho (PEDROZA, 2012).

    Alvarez (1999) acrescenta que, nessa sociedade, a educao

    constitui-se em um fenmeno que se manifesta de mltiplas formas e em

    nveis muito diferentes. um processo complexo, dialtico, que sofre

    mudanas peridicas com a finalidade de dar respostas s crises

    decorrentes das novas necessidades que aparecem e so condicionadas

    pela caracterstica da sociedade capitalista.

    Nesse mbito, a sociedade e as escolas angolanas tambm esto

    envolvidas em mudanas importantes na formao de um profissional

  • 27

    em correspondncia com a integrao do conhecimento cientfico da

    poca contempornea, o desenvolvimento acelerado da cincia e da

    tecnologia e as exigncias da formao das novas geraes que

    envolvem a formao do profissional das cincias tcnicas (HUAMBO,

    2011). Porm, a necessidade de tais mudanas, s quais o pesquisador se

    refere, insere-se em um contexto histrico, social e econmico peculiar

    de Angola. Esses mencionados fatores do contexto histrico so alguns

    dos determinantes no desenvolvimento do ensino escolar, isso no que se

    refere tanto a Angola, em particular, como a outros pases. Eles

    interferem diretamente no resultado da interao professor-

    conhecimento-aluno em sala de aula.

    Como consequncia do contexto angolano atual, decorrente de

    um histrico a ser ressaltado no prximo captulo, o governo de Angola,

    no seu plano de desenvolvimento, destaca a prioridade de se investir na

    reconstruo das infraestruturas degradadas pela guerra, bem como de

    oferecer condies de bem-estar social para os seus cidados.

    Nesse sentido, o Plano de Formao de Quadros, para dar

    respostas s necessidades da sociedade angolana atual em termos de

    recursos humanos, foi estendido para todos os setores da sociedade, com

    prioridade para a formao nas carreiras tcnicas de Engenharia, que

    do maior suporte no processo de reconstruo das infraestruturas

    nacionais. Por isso a expanso e abertura dos cursos de Engenharia em

    muitas provncias do pas (HUAMBO, 2011).

    Esses cursos de Engenharia, de modo geral, contam com as

    disciplinas de Matemtica (Clculo Diferencial e Integral, lgebra

    Linear e Geometria Analtica, entre outras) logo nos seus anos iniciais,

    pois ela e seu desenvolvimento como cincia so considerados, em nvel

    mundial, como algo que d uma substancial elevao em termos de

    qualidade (MARTINEZ, 2010). Por isso, continua sendo requisitada no

    processo de formao profissional da engenharia, em atendimento s

    reivindicaes sociais de que a escola e todos os seus seguimentos

    mantenham uma exigncia permanente para com os estudantes,

    desenvolvendo uma atitude cientfica e criadora ante a vida. Por

    consequncia, que capacite o homem para acompanhar as constantes

    evolues da tecnologia e da cincia no mundo, visto que ele se

    encontra em uma poca de constante e forte apelo tecnolgico, de

    transmisso de dados em alta velocidade e de troca de informaes em

    tempo real (CABRAL, 2005).

    Esse apelo s transformaes tecnolgicas e suas implicaes no

    modo de vida do homem moderno a tnica nas orientaes

    curriculares oficiais de diversos pases por exemplo, no Brasil que

  • 28

    propem a formao do engenheiro e objetivam o desenvolvimento de

    competncias e habilidades especficas, dentre as quais as de aplicar

    conhecimentos matemticos, cientficos, tecnolgicos e instrumentais

    (CABRAL, 2005).

    Mas, apesar da importncia da Matemtica nos cursos de

    engenharia, h um ndice muito elevado de insucesso nessa disciplina,

    fato observado em vrios pases como Brasil, Cuba, Portugal e, tambm,

    em Angola. E isso pode se constituir em um motivo para investigao

    (SOARES, SAUER, 2004), orientao com a qual o pesquisador

    concorda.

    Os problemas que afetam a formao matemtica dos estudantes

    tendem a afetar e comprometer a boa formao do engenheiro em

    diversos pases, mais especificamente em Angola, com nvel de

    desenvolvimento e crescimento econmico de primeiro mundo. De

    acordo com Salomo (2013), no perodo de 2003 a 2008, a economia

    angolana registrou um crescimento mdio de 17% ao ano, fazendo parte

    do leque daquelas que apresentaram as mais altas taxas de crescimento

    do mundo. Porm, o contexto revela uma defasagem no processo de

    formao educativa, com indicadores que apontam uma taxa de

    analfabetismo rondando ainda os 30% (ANGOP, 2013). Acresce-se,

    ainda, a carncia de quadros formados para atender s exigncias

    impostas pelo contexto atual e responder aos desafios do governo,

    vinculados ao desenvolvimento pleno do angolano. Dentre os fatores

    ligados ao problema relativo ao ensino da matemtica, reitera-se que o

    histrico, o econmico, o social e o poltico do pas, o qual, no faz

    muito tempo, se encontrava em situao de guerra civil, compem o

    leque de determinantes criadores da condio objetiva apresentada na

    atualidade e influenciam no mau desempenho do ensino da matemtica

    de forma geral. Porm, tal situao desfavorvel tem sido combatida

    pelo governo atual para poder mitigar os ndices de pobreza.

    A situao problemtica a que o pesquisador se refere mais

    agravante em Angola devido ao processo histrico do desenvolvimento

    educacional, cientfico e tecnolgico decorrente de aspectos peculiares

    da histria. At 1975, ano da sua independncia, ainda 85% da

    populao era analfabeta, decorrente de um sistema de ensino

    discriminatrio que fora implementado pelos colonizadores (NETO,

    2005). Todos os esforos e investimentos do governo so em prol da

    reconstruo e reorganizao de um pas assolado pela guerra civil

    durante muitos anos, a qual teve um final apenas em abril de 2002.

    Alm do mais, at o presente momento, no constam registros de

    qualquer pesquisa do gnero na rea de Educao Matemtica em

  • 29

    Angola, e muito menos em revistas cientficas estrangeiras. Isso foi

    possvel confirmar, por exemplo, por meio da busca que o pesquisador

    fez nos principais meios de divulgao, na Internet e nos trabalhos

    cientficos tanto no Brasil quanto em Portugal.

    No entanto, vale esclarecer que o ensino superior em Angola

    sofreu um processo de expanso com a criao de sete regies

    acadmicas. Criaram-se a Universidade 11 de Novembro, com sede em

    Cabinda, cobrindo igualmente a provncia do Zaire; a Universidade Jos

    Eduardo dos Santos, com sede no Huambo, com extenso no Bi e

    Moxico; a Universidade Mandume, com sede em Hula, abrangendo as

    provncias do Namibe, Kuando-Kubango e Cunene; a Universidade

    Kimpa Vita, com sede em Uje e extenso no Kuanza-Norte; a

    Universidade Lwegi, com sede em Lunda-Norte, estendendo-se at

    Lunda-Sul e Malanje; e a Universidade Katiavala, com sede em

    Benguela, que tem como regio de abrangncia o Kwanza-Sul. No

    passado no muito distante havia somente a Universidade Agostinho

    Neto, que tinha seus polos distribudos apenas entre algumas provncias,

    tais como Luanda sede das reitorias e das principais faculdades ,

    Cabinda, Huambo, Kwanza-Sul, Kwanza-Norte, Bengo, Benguela, Uje,

    Namibe, Hula. Essa expanso demandou a presena de quadros

    capacitados e organizao curricular dos cursos ministrados. Para tanto,

    tiveram que contar com a colaborao de pases amigos, os quais

    enviaram docentes para trabalhar nesses cursos e tambm negociaram a

    implementao de currculos de alguns cursos (HUAMBO, 2011). Um

    exemplo real disso pode ser verificado no Instituto Superior Politcnico

    da UJES, instituio onde o pesquisador trabalha, cuja maioria dos

    docentes (80%) so de nacionalidade cubana e os currculos dos cursos de sade (Enfermagem, Laboratrio Clnico e Eletromedicina) so todos

    importados de Cuba. Essa colaborao, principalmente em algumas

    Provncias, tem garantido a estabilidade e o funcionamento dos cursos

    em nvel de ensino superior. O professor estrangeiro tem a grande

    responsabilidade da criao de situaes que promovam a apropriao

    do conhecimento pelos estudantes e passar experincia aos professores

    angolanos recm-formados e integrados ao corpo docente.

    Dentro de todo esse processo e inteno de desenvolvimento de

    um ensino superior de qualidade e abrangncia para todos, deve ser destacado que essas regies acadmicas de ensino superior, por se

    encontrarem em um estgio incipiente, levam ao questionamento se

    realmente se encontram em condies de serem consideradas como

    universidades. Primeiro por no contemplarem os requisitos para o

  • 30

    efeito, quais sejam: ensino, pesquisa e extenso. A no observao de

    tais requisitos ocorre pela escassez de quadros nacionais qualificados

    decorrente do processo histrico de constituio e emancipao como

    pas, o qual produziu o contexto social, poltico e social atual.

    O desenvolvimento do projeto de formao de quadros e

    expanso do ensino superior por todo o pas, com a criao das sete

    regies acadmicas mencionadas, assenta-se ao momento atual. Em

    consequncia disso, o que se apresenta com mais expresso no momento

    o requisito ensino, visto que, em nvel nacional, consta um nmero

    muito reduzido de mestres e doutores que poderiam dar conta do

    desenvolvimento da pesquisa e da extenso. E tambm porque os

    professores estrangeiros que apresentam maior grau acadmico e

    cientfico e mais experincia como docente universitrio permanecem

    no exerccio de suas tarefas por tempo muito limitado, de um a dois

    anos. Alm do mais, os currculos dos cursos importados (a exemplo dos

    cursos de Enfermagem, Laboratrio Clnico e Eletromedicina) no

    contemplam o desenvolvimento ou apresentao de uma monografia de

    final de curso como obrigao para o trmino da formao.

    No entanto, os esforos tanto do Ministrio do Ensino Superior

    como do corpo docente das instituies de ensino superior so para fazer

    com que essas regies acadmicas de ensino superior se constituam em

    universidades. Um exemplo disso a insero do pesquisador no curso

    de mestrado, a qual ele considera como sendo uma expresso do prprio

    projeto do governo de formao dos docentes universitrios. Alm do

    mais, algumas instituies j tm manifestado a inteno de abertura de

    cursos de ps-graduao mestrado, especificamente em parceria

    com universidades estrangeiras.

    De modo geral, em Angola, os cursos de Engenharia contam,

    especificamente, com muitos desses professores estrangeiros j

    mencionados, tanto para as disciplinas de base (Matemtica, Fsica

    Qumica, Ingls e Lngua Portuguesa) como, principalmente, para as

    disciplinas de especialidade. Mas esses professores reclamam de

    algumas dificuldades no processo de ensino e aprendizagem, tais como:

    carncia de bibliotecas adequadas, de laboratrios para a realizao de

    experimentos, dentre outras. Tambm apontam a dificuldade que os

    estudantes tm de se apropriar dos contedos das disciplinas nos

    primeiros anos dos cursos de Engenharia, principalmente nas disciplinas

    de Matemtica.

    As observaes dirias do pesquisador como professor do-lhe

    respaldo quando diz que, em Angola, um dos grandes problemas do

    ensino da Matemtica nos cursos de Engenharia Informtica, e que aqui

  • 31

    ganha destaque, est justamente na dificuldade que os estudantes tm na

    aprendizagem dos contedos dessa disciplina no primeiro ano de

    Engenharia, ou seja, naqueles estudantes recm-formados no ensino

    mdio que ingressam nos cursos superiores de Engenharia.

    O insucesso em tais disciplinas tem contribudo substancialmente

    com o elevado ndice de reprovao e evaso escolar que se observa no

    Instituto Superior Politcnico da UJES. Segundo dados verificados na

    secretaria acadmica da instituio, no curso de Engenharia Informtica

    e Computadores, mais de 40% dos acadmicos reprovam na disciplina

    de Matemtica I, a qual corresponde ao Clculo I. Desse total, 90%

    desistem do curso ou migram para outro logo no primeiro ano,

    apontando a dificuldade na aprendizagem de Matemtica como fator

    decisivo. Vale salientar que 95% das reprovaes ocorrem nas

    disciplinas de Matemtica I (Cculo I), lgebra Linear e Geometria

    Analtica e em Fsica I.

    Reitera-se que, aliados a fatores ligados ao aprendizado, outros

    fatores de ordem social e econmica que contribuem para tal

    situao foram considerados. A experincia do pesquisador como

    docente revela a tese que ora se afirma. Um exemplo particular que pode

    ser apontado que, embora o ensino pblico em Angola seja gratuito,

    ainda h estudantes que se veem em dificuldades financeiras para

    custear, por exemplo, emolumentos referentes confirmao de

    matrcula ou exame de recurso, entre outros documentos. Alm disso,

    muitos estudantes so oriundos de outras Provncias e se veem na

    condio de ter que se organizar e sobreviver longe de um crculo

    familiar mais estreito.

    Porm essa situao tem sido amenizada pelo governo, que

    oferece bolsa de estudos internas para alguns estudantes de baixa renda,

    por meio do Instituto Nacional de Gesto de Bolsa de

    Estudo (INAGBE). Essa medida, embora no seja abrangente a todos,

    tem ajudado muitos estudantes a criarem condies para prosseguir com

    seus estudos.

    Por outro lado, no que tange ao momento professor-aluno, de

    modo mais abrangente, o que se tem observado que, apesar do esforo

    no sentido de propor mudanas no ensino da matemtica nos cursos de

    engenharia nos ltimos anos, o processo de ensino-aprendizagem

    referente a essa disciplina continua sendo o grande responsvel pelos

    altos ndices de reprovao dos alunos (SOARES, SAUER, 2004). Pois,

    como j mencionado em pargrafos anteriores, mesmo em pases com

    situao econmica e social mais estvel, decorrente de um histrico de

    imposio de sua cultura dominadora, o mesmo problema se verifica.

  • 32

    Contudo, a situao em Angola no mpar, pois tem

    similaridades com o contexto brasileiro. E, segundo Cury (2007), as

    dificuldades que os estudantes possuem no aprendizado da matemtica

    nos anos iniciais de Engenharia podem ser justificadas, principalmente,

    devido falta de domnio da matemtica bsica ministrada no ensino

    primrio e secundrio (fundamental e mdio). No primeiro ano de

    Engenharia, observa-se um desnivelamento entre o conhecimento

    matemtico real dos estudantes e o conhecimento requerido para

    estarem aptos a ingressar no curso de Engenharia Informtica e

    Computadores, o qual pode ser ilustrado na figura a seguir:

    Fonte: Celorrio (2000).

    Em outras palavras, Celorrio (2000) auxilia na compreenso da

    situao em que se insere o problema em questo. H, pois, um

    distanciamento entre os conhecimentos e habilidades reais dos

    estudantes e aqueles prprios para iniciar o curso. O pressuposto de

    que h, nessas circunstncias, necessidade de um processo de ensino e,

    consequentemente, de aprendizagem. Por sinal, processo esse que no

    contemplado no currculo do curso nem no prprio sistema angolano de

    ensino. Por consequncia, o problema entregue aos professores da rea

    de exatas do primeiro ano do curso de Engenharia, o que os leva a

    buscar alternativas de solues basicamente espontanestas. Isso porque

    no h algo sistematizado em termos curriculares nem respaldado por

    orientaes oficiais.

    1.1 MEDIDAS EMPREGADAS PELOS PROFESSORES COM A

    FINALIDADE DE SOLUCIONAR O PROBLEMA

    Como mencionado anteriormente, as disciplinas de Matemtica

    dos primeiros anos so bsicas para o curso de Engenharia Informtica e

    Computadores, por servirem de ferramenta de trabalho no exerccio

    futuro da profisso e terem uma metodologia fundamental para a

    Conhecimentos e

    habilidades

    requeridas

    Necessidade

    de

    aprendizagem

    Conhecimentos

    e habilidades

    reais

    Figura 1: Desnivelamento entre o conhecimento real e o conhecimento

    requerido do estudante.

  • 33

    resoluo de problemas. Essa importncia tem colocado prova o

    potencial pedaggico dos professores de Matemtica das carreiras

    tcnicas de Engenharia no Instituto Superior Politcnico da UJES. Isso

    porque h uma pressa e uma cobrana, explcitas nas polticas

    governamentais, nos documentos oficiais e na rotina diria dos cursos,

    para recuperar o tempo com vistas ao desenvolvimento humano,

    profissional e econmico dos cidados angolanos. Afinal, convivem

    historicamente em atraso promovido pela condio de colnia

    portuguesa (at 1975) e, mais recentemente, pelos embates sociais,

    guerra civil (1979 a 2002). Em outras palavras, os professores das

    referidas disciplinas so solicitados e se sentem impotentes para impor

    aos estudantes mesmo com toda a histria da marginalizao os

    mesmos ritmos imprimidos queles inseridos em pases desenvolvidos

    que, historicamente, impuseram tradies culturais dominadoras.

    Em decorrncia, os professores tm se debruado na busca de

    alternativas para a soluo do problema, com adoo de medidas

    espontneas e at sistemticas, mas sem xito. Dentre elas, dar-se-

    destaque para trs:

    1. Explicaes extraclasse, nos fins de semana e em perodo anterior ou posterior s aulas regulares em que tarefas so

    desenvolvidas com a inteno de levar os estudantes a se

    apropriarem de conhecimentos e habilidades que deveriam

    ter desenvolvido durante o perodo de formao precedente,

    ensino fundamental e mdio. As observaes feitas pelo

    pesquisador tm trazido evidncias que tal medida no tem

    ajudado a melhorar a situao em questo. O ensino pelo

    professor e a pretensa aprendizagem do estudante de

    conhecimento matemtico do ensino mdio e de nvel

    superior, concomitantemente, tm causado insegurana, uma

    vez que professor e aluno consideram excessivo o rol de

    contedos dos currculos prprios do ensino superior que,

    para serem esgotados, necessitariam de pleno domnio

    conceitual pertinente educao bsica. Em consequncia,

    emerge acentuadamente o sentimento de desnimo e de

    incapacidade frente ao desafio que se propuseram a

    enfrentar: respectivamente, um ensino e uma aprendizagem

    para uma formao superior em Engenharia Informtica.

    2. Outra medida, comumente adotada pelos professores no Instituto Superior Politcnico da UJES, vulgarmente

    chamada de lembrete. Trata-se de revises rpidas de

    alguns conceitos considerados pr-requisitos que so

  • 34

    apresentados durante as aulas em forma de quadro resumo.

    Igualmente a anterior, tal tentativa de resoluo do problema

    no tem surtido o efeito desejado, pois um lembrete s tem

    sentido se anteriormente tais contedos foram de fato

    trabalhados e consolidados, o que no o caso.

    3. Tambm, com a mesma finalidade de melhorar o quadro que se apresenta, uma terceira tentativa foi o desenvolvimento de

    minicursos que, em Angola, foram chamados de Curso de

    Nivelao. So organizados e submetidos aos candidatos

    antes do exame de acesso. Nesses cursos, professores

    ministram aulas de contedo do ensino mdio que so pr-

    requisitos para o ingresso universidade. Com respeito a

    essa medida, so vrios os autores que trabalharam a

    temtica. Entre eles, no mbito internacional, est Celorrio

    (2000), que enfoca a temtica na perspectiva de preparao

    dos estudantes para ingressar na educao superior.

    Portanto, no com a inteno de dar a base necessria para

    as disciplinas do curso pretendido, no caso em questo,

    Engenharia Informtica.

    Tal medida embora empregada em muitos pases como Cuba,

    Brasil e Portugal no teve xito em Angola. Primeiro, porque a oferta

    de um ano a mais de curso destinado unicamente para nivelao ou

    apropriao de contedos que deveriam ser trabalhados nas sries

    escolares antecedentes constitui-se em mais gasto para o Estado

    Angolano. Segundo, por um problema de ordem legal, pois muitos dos

    estudantes, ao participarem desse nivelamento, reivindicaram a sua

    permanncia no curso superior por se sentirem no direito ao acesso

    imediato. Por isso, tal medida foi proibida pelo Ministrio do Ensino

    Superior em 2009.

    Porm, direito do cidado angolano o acesso educao

    superior, e dever do estado criar condies para que os mesmos tenham

    possibilidades mais igualitrias de ingresso e permanncia nesse tipo de

    curso. Pois, o problema a que o pesquisador se refere dificuldade

    relacionada matemtica bsica decorrente do ensino nas sries

    precedentes e passa a ser responsabilidade da estrutura organizacional

    do nvel superior. Contudo, conveniente a criao de medidas mais

    elaboradas para o tratamento dessa questo em termos pedaggicos,

    juntamente com medidas sociais de apoio e melhoria das condies de

    estudo para o estudante e de ensino para o professor.

    Mesmo porque, tendo em conta as experincias pessoais e

    reflexes delas advindas, todas as medidas apresentadas at ento no

  • 35

    deram o retorno esperado para resolver o problema, por apresentarem

    um carter meramente espontneo e no enfrentarem a situao de

    precariedade conceitual de forma sistemtica e cuidadosa.

    Preocupada com a situao em questo, a direo do Instituto

    Superior Politcnico UJES e a reitoria da universidade, em cooperao

    com a Universidade do Porto (de Portugal), constituiu um grupo de

    matemtica do qual o pesquisador faz parte. Esse grupo prope, dentre

    outros projetos, estudar a possibilidade de implementao da

    experincia da faculdade de engenharia da Universidade do Porto,

    referente ao projeto Universidade Junior, que prope atividades para

    incentivar os estudantes que esto terminando o ensino mdio a se

    interessarem pelo aprendizado das disciplinas de base do ensino superior

    (Matemtica, Fsica e Qumica).

    Esse grupo vem procurando propor aes para o enfrentamento

    dos problemas relacionados ao ensino e aprendizado da matemtica

    nos cursos de Engenharia do ISP. E, em conselho pedaggico, decidiu-

    se aumentar a carga horria das disciplinas de matemtica do primeiro

    semestre, o que agora confere mais tempo para os estudantes se

    apropriarem dos contedos oferecidos por essas disciplinas.

    Contudo, o pesquisador ainda continua naquele recinto

    acadmico e em suas reflexes particulares surgiram os seguintes

    questionamentos: Como desenvolver uma medida capaz de atuar de

    forma que oportunize a melhoria do desempenho dos estudantes com

    relao ao aprendizado da Matemtica no curso de Engenharia

    Informtica e Computadores? De que forma se preencher o espao

    aberto para a interveno do grupo de matemtica formado com a

    finalidade de contribuir para a melhoria dessa situao?

    Esses questionamentos so reveladores de que a situao se torna

    cada vez mais desconfortvel pelo sentimento de impotncia que

    permeia as aes dos docentes do Curso em foco, mas que tambm pode

    ser estendido a outros cursos da rea de engenharia. Porm, os sintomas

    de fraqueza criam a necessidade de busca de novas compreenses.

    Nessas condies, entende-se que as reflexes e as alternativas at ento

    propostas se amparavam em bases puramente pragmticas, portanto,

    com carncia de uma clareza de fundamentos tericos. Essa clareza,

    para o pesquisador, ocorreu quando se inseriu no curso de mestrado.

    1.2 OPES TERICAS PARA O TRABALHO

    Depois de ser admitido no Programa de Ps-Graduao em

    Educao (PPGE) da Universidade do Extremo Sul Catarinense

  • 36

    (UNESC), o pesquisador foi apresentado ao orientador Ademir

    Damazio, que ministrou a disciplina Teoria da Atividade e Proposta de

    Ensino. Tambm cursou a disciplina Educao e Formao Humana

    na Perspectiva Materialista-Histrica: Implicaes Pedaggicas, que

    teve como docente o professor Vidalcir Ortigara. Alm disso, o

    pesquisador participou das discusses nos encontros do Grupo de

    Pesquisa em Educao Matemtica: Uma abordagem histrico-cultural

    (GPEMAHC). O destaque para essas trs aes relacionadas insero

    do pesquisador no curso de mestrado se justifica pela sua contribuio

    para que ele percebesse outros entendimentos tericos sobre a viso de

    homem, de mundo, funo social da educao e da realidade. Com isso,

    a necessidade da escolha de uma teoria que fundamentasse a sua

    dissertao, consequentemente, permitiu que estendesse suas reflexes

    para o contexto dos problemas relacionados Matemtica dos

    estudantes ingressantes no Curso de Engenharia Informtica e

    Computadores do ISP.

    Para tal, foram importantes os estudos realizados com base nos

    textos de autores russos referentes teoria histrico-cultural: Vygotsky

    (1989, 2000), Leontiev (1983, 2001) e Davdov (1988). As produes

    desses estudiosos, a partir da dcada de 20 do sculo XX, revelaram

    contribuies para se repensar a educao atual e, especialmente, o

    ensino da Matemtica, pois so indicativos para se tratar da

    problemtica em configurao.

    Nesse sentido, apresentar-se-o alguns pressupostos dos referidos

    autores que marcaram as primeiras apreenses decisivas do pesquisador

    para a adeso referida base terica. Para tanto, eles sero destacados

    pela ordem em que foram estudados nas disciplinas do mestrado, porm

    com a conscincia de que Vygotsky quem, contemporaneamente, com

    Leontiev, lana a base da dialtica materialista e histrica na Psicologia.

    De Leontiev (1983) extrai-se a sntese de que todo homem nasce

    candidato a ser humano, mas somente se constituir como tal ao se

    apropriar da cultura produzida pelo homem. O processo de apropriao

    da cultura humana resultado da atividade efetiva do homem sobre os

    objetos e o mundo circundante. Mas a gnese desse processo o

    trabalho que criou o homem, desenvolveu-lhe aptides fsicas e

    psicolgicas superiores a qualquer outra espcie animal.

    Para Leontiev (1983), a atividade humana o processo que media

    a relao entre o ser humano (sujeito) e a realidade a ser transformada

    por ele (objeto da atividade). A atividade se apresenta como mediadora

    do homem com o mundo, o qual se expressa na realidade objetiva, a

    natureza, que transformada. Ao mesmo tempo, esse processo promove

  • 37

    transformaes qualitativas no homem, o que permite o

    desenvolvimento de suas faculdades psicolgicas superiores

    (VYGOTSKY, 1989, 2000).

    Assim sendo, o homem passa ento a se desenvolver a partir da

    atividade que realiza e condiciona o seu desenvolvimento. Segundo

    Leontiev (1983, p. 68):

    [...] aqueles processos que, realizando as relaes

    do homem com o mundo, satisfazem uma

    necessidade especial correspondente a ele. [...] Por

    Atividade, designamos os processos

    psicologicamente caracterizados por aquilo a que

    o processo, como um todo, se dirige (o objeto),

    coincidindo sempre com o objetivo que estimula o

    sujeito a executar essa atividade, isto , o motivo.

    Para esse mesmo autor, a atividade constituda por motivo,

    objetivo, aes e operaes. As aes e operaes so devidamente

    articuladas com a finalidade de alcanar o objetivo da atividade e esto

    ligadas ao objetivo. O motivo est atrelado necessidade, o

    impulsionador para a realizao de qualquer atividade. No entanto, uma

    ao pode se constituir em uma atividade quando h uma coincidncia

    entre o motivo e o objetivo.

    Sobre o exposto, Leontiev (2010) acrescenta que cada etapa do

    desenvolvimento de um indivduo caracterizada pela Atividade

    Principal, a qual indica o lugar que o indivduo exerce socialmente em

    determinada etapa de sua existncia. Essa Atividade movimenta todas as

    suas foras vitais e desenvolve-lhe potencialidades que oferecem as

    condies para que o mesmo passe etapa subsequente, uma nova

    atividade principal, que o desenvolve intelectual e psicologicamente.

    Ela a atividade em cuja forma surgem outros

    tipos de atividade e dentro da qual eles so

    diferenciados [...] aquela na qual processos

    psquicos particulares tomam formas ou so

    reorganizados [...] a atividade da qual

    dependem, de forma ntima, as principais

    mudanas psicolgicas da personalidade infantil,

    observadas em certo perodo de desenvolvimento.

    A atividade principal a atividade cujo

    desenvolvimento governa as mudanas mais

    importantes nos processos psquicos e nos traos

    psicolgicos da personalidade da criana, em certo

  • 38

    estgio de seu desenvolvimento (LEONTIEV,

    2010, p. 65).

    Leontiev (2010) afirma que a transio de uma atividade

    principal para outra marcada por uma ruptura e caracterizada pelo

    momento em que a criana se d conta de que o lugar que ocupa no

    mundo das relaes humanas no corresponde mais s suas atuais

    possibilidades (ROSA, 2012), e, caso no seja devidamente orientada,

    tal mudana pode acarretar crises.

    Nesse sentido, relativamente ao exposto, Leontiev (2010, p. 67)

    salienta que:

    [...] no so as crises que so inevitveis, mas o

    momento crtico, a ruptura, as mudanas

    qualitativas no desenvolvimento [...] a prova de

    que um momento crtico ou uma mudana no se

    deu em tempo. No ocorrero crises se o

    desenvolvimento psquico da criana no tomar

    forma espontaneamente e, sim, se for um processo

    racionalmente controlado, uma criana controlada.

    Nesse contexto, entende-se que a passagem do estudante do

    ensino mdio para o ensino superior, em Angola, configura uma

    mudana na sua atividade principal. Nessa nova etapa de sua vida

    (ensino superior) aparecem novos motivos, pois o lugar que ele ocupa

    nas relaes sociais e familiares muda completamente, uma vez que

    adquire certo respeito frente aos demais membros da comunidade. Ter

    uma formao superior em Angola, para alm de significar a obteno

    de status e direito cidadania, tambm se constitui na resoluo de muitos problemas sociais. Isso porque o profissional com nvel superior

    eleva consideravelmente o seu poder aquisitivo. Alm disso, comum

    as pessoas lutarem por uma formao superior com a finalidade de um

    aumento salarial.

    Por esse motivo, a hiptese do pesquisador que o problema das

    dificuldades dos estudantes do primeiro ano em relao apropriao

    dos conhecimentos das disciplinas iniciais de matemtica do curso de

    Engenharia Informtica e Computadores do ISP uma expresso de crises surgidas e no superadas tanto na mudana quanto no

    desenvolvimento das atividades principais. Essas, segundo Leontiev

    (1978), so nomeadamente: o jogo, na infncia pr-escolar; o estudo, no

    perodo escolar; e o trabalho, na idade adulta.

  • 39

    Assim, para os estudantes do ensino superior e das escolas

    tcnicas, a principal atividade a de estudo profissional cuja

    necessidade o trabalho (ROSA, 2012). Nesse estgio, os jovens

    idealizam o caminho que pretendem seguir na vida e pensam sobre as

    perspectivas de sua atividade futura (DAVDOV, 1988). E, por se tratar,

    hipoteticamente, de um perodo de transio de atividade, para o qual

    no foram devidamente preparados, os estudantes, nessa fase, convivem

    com crises, consequncias das deficincias conceituais que se

    acumularam na atividade do jogo e do estudo e se manifestam na

    passagem de uma para outra superior.

    Isso significa que as aes e operaes da atividade subsequente

    no esto orientadas para o desenvolvimento das potencialidades

    adquiridas na atividade precedente na qual o mesmo estudante se

    encontra. No caso especfico dos ingressantes no curso de Engenharia,

    significa a passagem da atividade de estudo para a atividade de

    formao profissional. As exigncias dessa nova atividade, expressas

    pelo currculo do curso de engenharia, so superiores s potencialidades

    adquiridas na atividade anterior, consequncia do currculo do ensino

    mdio.

    Outro pressuposto que se apresenta com as marcas da

    contribuio das leituras de Davidov (1999) que as tarefas e suas

    respectivas aes da atividade de estudo (na educao bsica) no deram

    conta de prover os estudantes de condies necessrias para a

    apropriao dos conceitos concernentes ao ensino superior.

    Em consequncia, apresentam-se diferenas extremas entre as

    possibilidades dos estudantes e aquelas condies requeridas na tarefa e

    nas aes que se expressam nos objetivos do plano de estudo no

    primeiro ano de Engenharia Informtica e Computadores do ISP. Sendo

    assim, parece conveniente que tarefas e aes da atividade de estudo no

    curso de Engenharia Informtica e Computadores, conforme

    mencionado anteriormente, retomem as operaes, conceitos e

    habilidades que, para os estudantes recm-admitidos ao curso de

    Engenharia Informtica e Computadores, ainda se apresentam como no

    cumpridas durante a atividade no ensino mdio.

    Tal situao leva o pesquisador s primeiras dcadas do sculo

    XX, momento em que o psiclogo bielorrusso Lev Vygotsky (1896-

    1934) traz um novo princpio conceitual para a psicologia do

    desenvolvimento com contribuio para educao escolar. Para

    Vygotsky (2007) h dois nveis de desenvolvimento infantil. O primeiro

    chamado de real por englobar as funes mentais que esto

    completamente desenvolvidas (resultado de habilidades e

  • 40

    conhecimentos adquiridos pela criana). Geralmente, esse nvel

    estimado pelo que uma criana realiza sozinha.

    Essa avaliao, entretanto, no leva em conta o que ela

    conseguiria fazer ou alcanar com a ajuda de um colega ou do prprio

    professor. Isso caracteriza a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP),

    definida como sendo a distncia entre o nvel de desenvolvimento real,

    determinado pela capacidade de resolver um problema sem ajuda, e o

    nvel de desenvolvimento potencial, determinado por meio da resoluo

    de um problema sob a orientao de um adulto ou em colaborao com

    outro companheiro. Quer dizer: o nvel de possibilidades que a pessoa

    tem potencialmente de aprender, mas ainda no completou o processo.

    Significa que os conhecimentos ainda esto fora de seu alcance,

    individuais, mas atingveis desde que a coloque em situao mediada

    com a presena de outrem.

    Um dos conceitos mais conhecidos de Vygotsky o de ZDP, no

    qual ele associa a psicologia geral sobre o desenvolvimento da criana a

    uma viso pedaggica do ensino. A ZDP diz respeito possibilidade do

    indivduo para conhecer e agir sobre a realidade, mas com a ajuda de

    algum mais experiente, como pais, professores, colegas e outras

    pessoas.

    Vygotsky sintetiza o conceito de ZDP dizendo que:

    O nvel de desenvolvimento real caracteriza o

    desenvolvimento mental retrospectivamente,

    enquanto a zona de desenvolvimento proximal

    caracteriza o desenvolvimento mental

    prospectivamente. (VYGOTSKY, 2007, p. 98).

    Em decorrncia disso, de acordo com os princpios da teoria

    histrico-cultural formulada por Lev S. Vygotsky, existe uma forte

    relao entre ensino, aprendizagem e desenvolvimento do pensamento

    dos alunos. Consequentemente, o ensino tem o papel primordial de

    impulsionar o desenvolvimento. Nesse sentido, entre os seguidores de

    Vygotsky, Vasili V. Davdov, pesquisador russo, formulou a teoria do

    ensino desenvolvimental, como uma referncia terica e um mtodo de

    ensino. O autor afirma que durante o processo de atividade de estudo, o

    ensino deve ser organizado com tarefas, com suas respectivas aes de ensino, que requerem o cumprimento de determinadas tarefas

    particulares e operaes.

    nesse contexto de pressupostos da teoria histrico-cultural que

    buscam-se os argumentos para a necessidade de uma organizao do

  • 41

    ensino que leve em conta as potencialidades dos estudantes do primeiro

    ano de engenharia com relao matemtica. Para tanto, faz-se

    necessrio estabelecer aes concernentes tarefa de se apropriar dos

    conhecimentos essenciais para as primeiras disciplinas de matemtica do

    curso de Engenharia Informtica e Computadores do ISP. Sendo assim,

    essa medida pode dar uma melhor resposta ao gritante problema que se

    apresenta em todos os cursos de engenharia do Instituto Superior

    Politcnico.

    Para tal, pressupem-se que urge a proposio de tarefas

    particulares as quais contemplem o teor conceitual da matemtica

    pertinente soluo das deficincias dos estudantes. Porm, com a

    precauo de que sejam elaboradas de modo tal que constituam ZDP

    que crie as condies para que os estudantes se apropriarem dos

    conceitos das disciplinas iniciais de Matemtica, nomeadamente

    Matemtica I, lgebra Linear e Geometria Analtica.

    1.3 O OBJETO, O PROBLEMA, OS OBJETIVOS E AS BASES

    METODOLGICAS DA PESQUISA

    O contexto de reflexo das duas sees precedentes indicador

    da anlise terica e prtica do objeto de investigao, qual seja: a

    revelao das referncias tericas e metodolgicas a respeito da

    determinao de indicadores, procedimentos e/ou metodologias que

    possam se constituir em referencial para o processo de ensino-

    aprendizagem na Educao Superior em Angola, que garantam o

    domnio das ferramentas bsicas da Matemtica. Em outros termos,

    atendam s necessidades instrutivas, educativas e desenvolvedoras da

    formao do profissional, isto , propiciem a apropriao de

    conhecimentos, habilidades e valores pelos estudantes, necessrios para

    cursar Engenharia Informtica e Computadores.

    Esse contexto leva definio do seguinte Problema Cientfico:

    Quais as possibilidades de que as tarefas particulares, na perspectiva do

    ensino desenvolvimental, com base na lgica dialtica, sejam pertinentes

    superao das diferenas entre o conhecimento matemtico real dos

    estudantes e o conhecimento requerido pelas disciplinas de Matemtica

    do primeiro ano do curso de Engenharia Informtica e Computadores?

    Por extenso, surgem trs questes auxiliares:

    1) Existe a possibilidade de organizao do ensino que proponha um conjunto de tarefas particulares baseadas na

    lgica dialtica com as disciplinas de Matemtica do

  • 42

    primeiro ano do curso de Engenharia Informtica e

    Computadores do ISP?

    2) O que necessrio para que as tarefas constituam entre os estudantes ZDP?

    3) Destarte, o desenvolvimento do conjunto dessas tarefas oportuniza as condies para que os estudantes adquiram os

    conhecimentos matemticos potenciais de forma que

    contribuam para superar o desnivelamento entre o

    conhecimento matemtico real e o conhecimento

    matemtico requerido pelo curso?

    O problema de pesquisa articula-se com o objetivo geral: estudar

    a possibilidade de um conjunto de tarefas particulares, na perspectiva do

    ensino desenvolvimental, com base na lgica dialtica, que possibilite

    tratar o desnivelamento entre o conhecimento matemtico real dos

    estudantes e o conhecimento requerido pelas disciplinas de Matemtica

    do primeiro ano do curso de Engenharia Informtica e Computadores.

    Do mesmo modo, as trs questes auxiliares tornaram-se

    providenciais para o estabelecimento dos seguintes objetivos

    especficos:

    Estudar bases bibliogrficas indicadoras da possibilidade de organizao de ensino desenvolvimental, com base na lgica

    dialtica, as quais proponham um conjunto de tarefas referentes

    aos requisitos conceituais necessrios s disciplinas de

    Matemtica do primeiro ano do curso de Engenharia

    Informtica e Computadores do ISP;

    Propor bases para a elaborao de tarefas que constituam, entre os estudantes, uma ZDP.

    Elaborar um conjunto de tarefas anunciadoras da oportunidade de condies para que os estudantes adquiram os

    conhecimentos matemticos potenciais, de forma que contribua

    para minimizar o desnivelamento entre o conhecimento

    matemtico real e o conhecimento matemtico requerido pelo

    curso.

    1.3.1 Desenho Metodolgico

    A investigao tem um teor propositivo e exploratrio, o que d

    uma caracterstica de pesquisa qualitativa. E, em sua especificidade, a

    pesquisa bibliogrfica, por possibilitar a recuperao do conhecimento

    cientfico acumulado sobre o referido problema. Concernente ao

  • 43

    exposto, o pesquisador apresentar sua compreenso sobre a pesquisa

    qualitativa, cujas caractersticas esto expressas em todo este trabalho,

    cujos princpios foram apropriados dos estudos de alguns autores que

    aparecem enunciados na exposio a seguir.

    A metodologia de pesquisa, para Minayo (2003), o caminho do

    pensamento a ser seguido com a finalidade de apreenso do objeto e

    assim a configurao da realidade. Essa realidade no se apresenta ao

    homem de forma imediata. O conhecimento sobre ela dado pelos

    resultados antes desconhecidos pelo sujeito (KOPNIN, 1978).

    A metodologia cientfica ocupa um lugar central na teoria e trata-

    se basicamente do conjunto de tcnicas a serem adotadas para construir

    uma realidade a partir de um conhecimento prvio. Kopnin (1978) deixa

    claro que pesquisa conhecimento. Alm do mais, constitui-se em uma

    atividade bsica da cincia na sua construo da realidade a partir da

    explicitao das coisas como so, ou seja, da revelao da essncia do

    que existe no mundo. Captar a essncia do conhecimento s possvel

    por meio da investigao cientfica. De acordo com Kopnin (1978),

    nesse processo se manifestam as particularidades caractersticas do

    conhecimento humano, o movimento do pensamento no sentido de

    resultados efetivamente novos. A realidade objetiva se constitui por

    meio do fenmeno que chega aos rgos sensoriais humanos,

    juntamente com o elo que vai alm do que o homem pode captar

    imediatamente.

    Kopnin (1978, p. 226) diz que a investigao cientfica, como

    ato de conhecimento, se realiza base da interao prtica do sujeito

    com o objeto.

    Da mesma forma Damazio (2006, p. 4) se refere ao

    entendimento de investigao na perspectiva histrico-cultural:

    A teoria histrico-cultural advoga por uma

    abordagem metodolgica com nfase aos aspectos

    qualitativos em detrimento dos quantitativos,

    preocupando-se em ir alm da simples descrio

    da realidade estudada. O interesse para o modo

    de manifestao do problema e, ao mesmo tempo,

    numa ao dialtica, priorizar: a transformao

    quantidade/qualidade, a interligao todo/partes,

    explicao/compreenso e anlise/sntese.

    A pesquisa qualitativa ajusta-se a este trabalho. Contudo, com a

    precauo apontada por Trivios (2013) de que existem dificuldades

  • 44

    para a sua definio pela abrangncia e ramificaes de

    posicionamentos tericos distintos. Contudo, a compreenso do

    pesquisador apoia-se na afirmao de que a referida pesquisa trata de

    uma atividade da cincia. Por isso, visa ao estudo da realidade que,

    tratando-se especialmente da rea de cincias sociais, no pode ser

    quantificado (MINAYO, 2003). Nesse caso, trabalha com o universo de

    crenas, valores, significados e outros construtos profundos das relaes

    sociais, no redutveis operacionalizao de variveis (GODOY,

    1995).

    Para Godoy (1995, p. 58), existem cinco caractersticas principais

    de uma pesquisa qualitativa. Dentre elas, algumas se apresentam nesta

    pesquisa:

    1) O ambiente sua fonte direta dos dados. Exige a participao do pesquisador, pois o fenmeno precisa ser estudado e

    compreendido de forma mais abrangente, no seu prprio

    contexto. Segundo Trivios (2013), o ambiente, o contexto

    onde os indivduos realizam suas aes e desenvolvem seu

    modo de vida, tem importncia essencial na compreenso mais

    clara de suas atividades. Esse aspecto se observa ao longo da

    pesquisa, pois a maioria das informaes resultou da

    experincia e vivncia do pesquisador com os colegas no local

    de trabalho, nas conversas formais (reunio de professores do

    departamento, conselho pedaggico) e informais e na

    observao das condies objetivas nas quais os estudantes e

    professores esto inseridos tanto no contexto local da

    Instituio quanto no contexto mais abrangente do pas,

    relacionado condio histrica, econmica e social.

    2) A anlise dos dados ocorre de forma intuitiva. O pesquisador procura elucidar o ponto de vista dos atores envolvidos. Alm

    disso, evidencia a forma singular de vida dos indivduos

    (TRIVIOS, 2013). Outro aspecto relativo pesquisa

    qualitativa presente em neste trabalho o apresentado neste

    momento. Os professores do Instituto Superior Politcnico da

    UJES tm suas opinies que expressam a real situao do

    problema em questo, por ele estar vinculado diretamente sua

    atividade docente (sua atividade vital). Sendo assim, esse

    problema relacionado relao professor-matemtica-aluno

    manifesta-se, muitas vezes, em forma de angstias nas reunies

    e conversas informais entre os colegas. Tais depoimentos so

  • 45

    apresentados neste estudo quando o pesquisador trata de

    descrever os aspectos da realidade emprica no ISP.

    3) O uso de tcnicas e mtodos estatsticos relativizado, dado que se centra em dados descritivos referentes s pessoas,

    lugares e processos interativos. Em vez de aspectos meramente

    quantitativos expressos na operacionalizao de mtodos

    estatsticos com definio de variveis dependentes e

    independentes. Desse modo, o pesquisador deteve a

    interpretao de algumas porcentagens relativas ao nmero de

    reprovados nas disciplinas iniciais de matemtica relacionadas

    evaso no primeiro ano do referido curso. O objetivo

    interpretar tais nmeros luz dos determinantes que

    influenciam diretamente na causa da presena desse problema.

    Ou seja, os resultados do emprego de mtodos quantitativos

    foram interpretados de acordo com os mtodos qualitativos.

    Alm do exposto nos pargrafos precedentes, mister

    esclarecer que o estudo em foco tem um carter propositivo, pois volta-

    se elaborao de pressupostos e indicao do que na teoria da

    atividade Davdov (1988) denomina de tarefas particulares de estudo.

    Essas tero como componentes essenciais os contedos de matemtica

    bsica, necessrios para os ingressantes no curso de Engenharia de

    Informtica e Computadores. Para tanto, tomam-se como referncia os

    fundamentos do ensino desenvolvimental com base na lgica dialtica.

    Em outras palavras, trata-se de uma proposio de ensino com a

    finalidade de contribuir para a minimizao das lacunas que se

    observam no conhecimento dos estudantes ingressantes com relao

    matemtica bsica.

    Tomando em considerao o exposto, dada a origem do problema

    de pesquisa e por se tratar de um estudo de carter terico propositivo,

    prev-se em termos geogrficos e possibilidades de objetivao que

    a pesquisa se volta a estudantes e professores da provncia do Huambo,

    Angola, do Instituto Superior Politcnico, sustentada em mtodos

    qualitativos e fundamentos das investigaes pedaggicas.

    Particularizam-se como objeto de estudo as insuficincias no

    conhecimento da matemtica bsica por parte dos estudantes do

    primeiro ano do curso de Engenharia Informtica e Computadores.

    O estudo volta-se para um universo constitudo de atores

    vinculados ao processo de ensino e aprendizagem do curso de

    Engenharia Informtica e Computadores do ISP e Instituies, o qual,

    por extenso, poder contribuir para a reflexo sobre o ensino mdio, no

    que diz respeito ao ensino da Matemtica.

  • 46

    Por se tratar de uma proposio, a base do estudo so as fontes

    bibliogrficas que se caracterizam em: 1) de fundamentos para a

    problematizao e constituio do objeto e problema de pesquisa; 2) de

    fundamentos tericos do estudo; 3) de fundamentos metodolgicos para

    a proposio das tarefas de ensino.

    Quanto primeira fonte bibliogrfica de fundamentos do objeto

    e problema de pesquisa , o pesquisador buscou estudos atualizados na

    Internet que tratam do tema; consultas em peridicos, dissertaes,

    documentos oficiais, relatrios, entre outros. Essas fontes subsidiaram

    no diagnstico das insuficincias dos conhecimentos de matemtica por

    parte dos estudantes de Engenharia, de modo geral e, em particular, de

    Engenharia Informtica e Computadores do ISP. Elas foram decisivas

    para indicar as evidncias de tais insuficincias, bem como gerar as

    necessidades para a organizao do ensino que elencasse tarefas com

    teor conceitual de matemtica, condizente com o que se considera

    essencial para o incio do curso.

    Alm disso, os documentos propiciaram a extrao de evidncia

    dos desafios atuais na Educao Superior relativos ao problema em

    questo. Tambm contriburam para contextualizar o processo histrico

    da evoluo da educao em Angola e, ainda, da importncia das

    ferramentas matemticas no curso de Engenharia Informtica e seu

    currculo.

    As fontes bibliogrficas de fundamentos tericos do estudo se

    fundem com as anteriores. Porm, elas tm como especificidade a base

    terica que sustenta a pesquisa, qual seja, a perspectiva histrico-

    cultural. Partiu-se do pressuposto de que a organizao do ensino para

    uma situao peculiar conhecimento matemtico necessrio para

    ingressar num curso de Engenharia tambm precisa se fundamentar

    em uma teoria que explicite a finalidade do ensino e um entendimento

    explcito de aprendizagem. Na perspectiva terica adotada, ao se ter

    como referncia o ensino, indispensvel conceitos como: atividade,

    conscincia, desenvolvimento, aprendizagem, entre outros. Isso levou o

    pesquisador ao estudo de livros de autoria, principalmente de Vygotsky,

    Leontiev e Davdov. Alm disso, recorreu aos estudos de autores que

    adotam em suas investigaes a mesma base terica.

    No que diz respeito s fontes bibliogrficas de fundamentos

    metodolgicos para a proposio das tarefas de ensino, as referncias

    centrais foram as obras de Davdov. A centralidade so os princpios e

    pressupostos necessrios pertinentes ao ensino desenvolvimental. A

    partir deles que se desenhou o teor e as bases necessrias a serem

    contempladas no conjunto de tarefas, como possibilidade de contribuir

  • 47

    com o processo de apropriao de conceitos matemticos indispensveis

    aos ingressantes no referido curso.

    Essas fontes bibliogrficas so revistas constantemente, pois o

    contexto do problema de pesquisa, sua fundamentao terica e a

    elaborao de tarefas orientadoras (como indicao para o processo de

    apropriao de conceitos matemticos por parte dos estudantes

    ingressantes no curso de engenharia) constituem uma unidade dialtica.

    Sendo assim, no se apresentam independentemente uma da outra, mas

    em um todo que permite a anlise com base na articulao entre essas

    partes. Consequentemente, elas promovem a elaborao da sntese a

    partir de suas relaes, apoiando-se na abstrao e na generalizao.

    Para tanto, faz-se necessrio o movimento de ida e vinda aos conceitos

    centrais, tanto da base terica quanto da matemtica, com vista

    constituio dos ncleos bsicos que fundamentam a formulao da

    proposta de tarefas iniciais de Matemtica.

    H, pois, um trnsito entre o abstrato ao concreto, prprio do

    mtodo, que expressa a transformao do conhecimento em seu

    processo de desenvolvimento. Para tanto, requer a observncia dos

    diferentes nveis como, por exemplo, a prtica social na qual se insere o

    objeto de pesquisa, ponto de partida para qualquer processo

    investigativo orientado por abstraes para atingir o concreto em nvel

    de pensamento. Isso solicita a ateno para contrastar o nvel que

    apresenta os elos, bem como as variadas dependncias entre eles. Alm

    disso, permite o tratamento dialtico das contradies que condicionam

    o funcionamento e desenvolvimento dos processos. Na presente

    investigao, esse movimento permite a contextualizao, promove

    necessidades, explicita desafios decorrentes das polticas e

    responsabilidades sociais das universidades angolanas. Sobretudo, traz

    tona o compromisso com determinao de aes pedaggicas

    concernentes matemtica no mbito das atividades de ensino e de

    estudo como forma de oferecer condies conceituais para os

    ingressantes no curso de engenharia.

    Na elaborao da proposta, a qual ser apresentada no quarto

    captulo desta dissertao, houve uma diviso em duas partes. Na

    primeira, foi caracterizado o desenho de sua constituio: necessidades,

    tarefas de estudo, aes de estudo, tarefas particulares e operaes. Na

    segunda, foram indicadas algumas tarefas particulares que contemplam

    conceitos matemticos considerados bsicos. Nesse sentido, destacam-se

    dois ncleos: nmero e funo, porm vistos como inter-relacionados.

    Eles trazem como essncia unificadora a ideia de relao entre grandeza

    (nmero) e variveis (funo).

  • 48

    Dadas as condies objetivas, aponta-se para a indicao de

    apenas algumas tarefas particulares que se caracterizam como

    desencadeadoras. Portanto, no h um detalhamento delas em nmero

    como tambm das finalidades em termos de orientaes de ordem

    pedaggica e epistemolgica. Isso demandaria extensivo tempo, como

    fizeram Davdov e colaboradores por mais de vinte e cinco anos. Para o

    pesquisador, esse detalhamento o desafio que ter que enfrentar em

    suas aes docentes a partir do momento que retomar suas funes em

    Angola. Ser, pois, objeto de futuras investigaes.

  • 49

    2 O OBJETO DE ESTUDO NO CONTEXTO ANGOLANO:

    CONSIDERAES HISTRICAS

    Tenciona-se, com este captulo, abordar a evoluo histrica dos

    fundamentos tericos metodolgicos e a situao atual do processo de

    ensino-aprendizagem da Matemtica em Angola, com nfase na

    pertinncia dos estudantes que ingressaram na Educao Superior nos

    cursos de engenharia, o que constitui uma necessidade para contribuir

    com o aperfeioamento desse ensino no pas.

    Nesse sentido, o pesquisador utilizou como subsdio suas prprias

    reflexes advindas de sua experincia e de consultas a variadas fontes

    bibliogrficas. Para tanto, destacam-se os seguintes aspectos:

    A evoluo do sistema educacional em Angola;

    Caractersticas e desenvolvimento do Ensino Superior em Angola, em particular no Instituto Superior Politcnico de

    Huambo (ISP);

    A importncia das matemticas no curso de Engenharia Informtica e Computadores e a estrutura do currculo de

    Matemtica do curso de Engenharia Informtica e

    Computadores;

    A organizao do ensino em Angola (segunda reforma educacional) e o lugar da matemtica no ensino primrio e

    secundrio;

    Os erros frequentes cometidos por estudantes de engenharia no primeiro ano, relacionados matemtica bsica.

    Antes, porm, vale informar que a Repblica de Angola se situa

    na regio ocidental da frica Austral, ocupa uma rea de 1246700 km2,

    com populao estimada, em 2013, de 20.000.000 de habitantes. A

    lngua oficial o Portugus, porm existe, em determinadas regies, o

    predomnio de diversas lnguas nacionais (dialetos), sendo as mais

    faladas: Kikongo, Kimbundo, Tchokwe, Umbundo, Mbunda,

    Kwanyama, Nhaneca, Fiote e Nganguela. No entanto, o ensino formal

    feito na lngua portuguesa. Ultimamente, a imprensa tem veiculado a

    notcia de que, em nvel de governo, existem discusses sobre a incluso

    das lnguas nacionais no currculo do ensino fundamental.

    Como forma de situar o leitor, far-se- uma breve explanao

    histrica da evoluo e situao atual do sistema educacional em

    Angola. Para tanto, tomou-se como parte das referncias a sntese

  • 50

    publicada nos documentos encontrados no Portal Oficial do Governo de

    Angola.

    2.1 BREVE RESUMO DA HISTRIA DE ANGOLA

    A colnia portuguesa de Angola formou-se em 1575, com a

    chegada de cem (100) famlias de colonos e quatrocentos (400)

    soldados. Esses portugueses tinham como principais objetivos explorar

    os recursos naturais e promover o trfico negreiro (escravatura).

    Portanto, suas aes se constituram em um mercado extenso.

    A partir de 1764, no entanto, de uma sociedade escravagista

    passou, gradualmente, a se instituir como sociedade preocupada em

    produzir o que consumia. Em 1850, Luanda j era uma grande cidade

    repleta de firmas comerciais e exportava alguns produtos. Isso era a

    expresso do surgimento da burguesia angolana. Em 1836, o trfico de

    escravos foi abolido e, em 1844, os portos de Angola foram abertos aos

    navios estrangeiros.

    O fim da monarquia em Portugal (1910) e uma conjuntura

    internacional favorvel criaram a necessidade de novas reformas em seu

    domnio administrativo, agrrio e educativo. No plano econmico,

    iniciou-se a explorao intensiva de diamantes. Com o Estado que se

    pretendia extensivo Colnia, Angola passou a ser mais uma das

    provncias de Portugal (Provncia Ultramarina), cuja situao era de

    aparente tranquilidade na viso do colono explorador, que no via o

    nativo como parte constituinte da populao angolana. No entanto, esse

    ambiente de passividade foi abalado quando, na segunda metade do

    sculo XX, surgem os primeiros movimentos nacionalistas.

    Foi a partir de 1950 que se iniciou a formao de movimentos

    polticos de uma forma organizada e explcita, os quais conclamavam

    por independncia e pela constituio de uma nao livre. Para tanto,

    ousaram promover campanhas diplomticas no mundo inteiro, pugnando

    pela independncia. Como o Poder Colonial mostrou-se intransigente s

    propostas das foras nacionalistas, desencadearam-se conflitos armados

    diretos, a luta armada. Depois de longos anos de confrontos, sua

    independncia foi proclamada em 11 de novembro de 1975.

    No entanto, durante os primeiros 27 anos de independncia

    nacional, o pas conviveu com os movimentos nacionalistas, que antes

    combateram o colonialismo portugus e depois lutaram pelo controle do

    pas, o que se transformou numa guerra civil armada. A paz foi

    finalmente consolidada em 04 de abril de 2002.

  • 51

    2.2 EVOLUO DO SISTEMA EDUCACIONAL EM ANGOLA

    A invaso colonialista nos territrios africanos no se deu s pela

    fora das armas, mas tambm pela doutrinao a que foram submetidas

    s populaes, obrigadas a aceitar e assimilar a religio de seus algozes

    portugueses: o cristianismo. Considerados povos brbaros e sem alma,

    os africanos foram submetidos a um longo perodo de doutrinamento

    catlico, de 1575 a 1975 (NETO, 2005).

    O ensino colonial era manifestamente discriminatrio para os

    angolanos. A poltica educacional para colnia no permitia o acesso

    democrtico das populaes aos processos escolares. Sua estrutura era

    idntica da metrpole, integrava dois nveis, o primrio e o secundrio

    geral (NETO, 2005). O colonialismo portugus s comeou na educao

    a partir da dcada de 1960, como resultado da presso poltica e militar

    dos Movimentos de Libertao Nacional e da comunidade internacional.

    Em consequncia disso, expandiu a rede escolar, o que permitiu o

    acesso de angolanos funo de docente. O ensino universitrio foi

    institudo em 1962, com a criao dos Estudos Gerais Universitrios de

    Angola, integrados Universidade Portuguesa, tendo em 1968 evoludo

    para Universidade de Luanda (NETO, 2005).

    Silva (2004), em seu trabalho, apresenta alguns dados referentes

    situao educacional angolana, dos quais far-se- uma breve sntese. As

    escolas pblicas do ensino secundrio geral, no ano letivo de 1959/60,

    contavam com um total de 7.752 alunos, enquanto o nmero de alunos

    das escolas privadas era de 3.084 estudantes. A discriminao racial em

    termos de oportunidade de acesso educao escolarizada evidenciada

    por meio de dados numricos. A proporo dos grupos raciais no total

    dos alunos do ensino secundrio era de 80% de brancos, 17% de

    mestios e apenas 3% de pretos. Incluindo-se os seminrios menores

    mantidos pela Igreja Catlica e as escolas de formao artstica, chega-

    se a um total de 10.836 alunos que frequentaram o ensino secundrio

    entre1960-64. Uma dcada depois, em 1973, havia 5.888.000 habitantes

    (3.245.000 em idade escolar, entre 5 e 24 anos). De acordo com Neto

    (2005), da populao total, somente 10,3% frequentavam a escola, e da

    populao jovem em idade escolar, apenas 18,8%.

    Aps a independncia, em 1975, Angola defrontou-se com a

    existncia de um sistema educativo totalmente decalcado do modelo

    portugus. As infraestruturas escolares estavam genericamente

    localizadas nos centros urbanos, com fraca acessibilidade e equidade em

    relao s populaes autctones, resultando em taxas de escolarizao

  • 52

    muito reduzidas e um elevado ndice de analfabetismo que rondava os

    85% da populao (NETO, 2005).

    Conforme Neto (2005), em 1977, dois anos depois da

    independncia, Angola criou o seu sistema de educao, que foi

    implementado em 1978, caracterizado essencialmente por:

    Maior oportunidade de acesso educao e continuao dos estudos;

    Alargamento da gratuidade;

    Aperfeioamento permanente do pessoal docente.

    A nacionalizao do ensino e a sua democratizao levaram

    primeira exploso escolar verificada no pas no ano letivo 1980/81. Com

    o processo de democratizao, verificou-se o aumento significativo dos

    efetivos escolares que atingiram, em 1980, cerca de 1.800.000 (um

    milho e oitocentos mil) alunos.

    No entanto, esse nmero no se manteve, pois, apesar da

    conquista obtida com a independncia, o pas entrou em guerra civil,

    cujas consequncias se fizeram sentir, principalmente nas zonas rurais.

    Os efeitos puderam ser observados, por exemplo, nas estruturas

    escolares que ficaram devastadas. Atualmente, o governo empenha

    esforos para reerguer e criar novas estruturas que deem conta da

    demanda educacional atual da populao.

    A guerra de Angola foi uma constante desestabilizadora para o

    empobrecimento do estado, da populao e das redes escolares. Devido

    aos conflitos, as populaes trataram de deslocar-se para regies mais

    seguras, o que provocou o aumento da concentrao da populao nas

    grandes capitais de algumas provncias. Naquele momento, os dados

    indicavam que mais da metade da populao escolar estava distribuda

    entre trs provncias, Luanda (30%), Benguela (11,4 %) e Hula (13%)

    (NETO, 2005).

    De 1990 a 1992, o pas tinha 82% de sua populao com apenas

    o ensino primrio. A partir de 1992, a situao se agravou, o nmero de

    crianas em idade pr-escolar passava de dois milhes, mas apenas 1%

    delas tinha acesso ao ensino (NETO, 2005).

    No ano letivo de 1996, da populao angolana em idade escolar

    (dos 6 a 14 anos), perto de 70% corriam o risco de ficar no

    analfabetismo por falta de oportunidade de acesso s redes escolares.

    Segundo as estatsticas oficiais, a taxa de analfabetismo era de 60%. A

    populao analfabeta com mais de 15 anos, em 1995, foi estimada em

  • 53

    quatro milhes de pessoas, dessas, 2,5 milhes eram mulheres. Para

    atenuar o pouco poder de absoro das redes escolares, no ensino

    fundamental foi criado um horrio triplo e salas de aula repletas, com 60

    a 80 alunos (NETO, 2005).

    As estatsticas apresentadas mostram o retrato da situao do

    sistema educacional durante o processo histrico do povo angolano,

    mesmo durante os confrontos da guerra civil. A partir de 2002, com o

    fim da guerra civil e a consolidao da paz no pas, que dura at hoje, o

    governo angolano retomou o processo de reorganizao do sistema

    educacional.

    2.3 CARACTERSTICAS E DESENVOLVIMENTO DO ENSINO

    SUPERIOR EM ANGOLA E NO INSTITUTO SUPERIOR

    POLITCNICO DA UJES (ISP)

    No dia 21 de abril de 1962, o Conselho Legislativo de Angola,

    reunido em sesso extraordinria convocada pelo Governador Geral,

    discutiu e aprovou o projeto que criava os Centros de Estudos

    Universitrios, junto dos Institutos de Investigao e do laboratrio de

    Engenharia de Angola (SOARES, 2003).

    Os Centros de Estudo Universitrios ministrariam cursos

    profissionais e cursos de especializao de nvel superior, visando,

    designadamente, formao de professores do ensino secundrio e de

    tcnicos das especialidade