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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO DEPARTAMENTO DE LÍNGUA E LITERATURA ESTRANGEIRA ANDRÉ LUÍS LEITE DE MENEZES CONTRIBUIÇÕES PARA UMA ANÁLISE DESCRITIVA DE TRÊS TRADUÇÕES BRASILEIRAS DA OBRA O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO DE ALLAN KARDEC FLORIANÓPOLIS 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO

DEPARTAMENTO DE LÍNGUA E LITERATURA ESTRANGEIRA

ANDRÉ LUÍS LEITE DE MENEZES

CONTRIBUIÇÕES PARA UMA ANÁLISE DESCRITIVA DE TRÊS TRADUÇÕES

BRASILEIRAS DA OBRA O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO DE ALLAN

KARDEC

FLORIANÓPOLIS

2018

ANDRÉ LUÍS LEITE DE MENEZES

CONTRIBUIÇÕES PARA UMA ANÁLISE DESCRITIVA DE TRÊS TRADUÇÕES

BRASILEIRAS DA OBRA O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO DE ALLAN

KARDEC

Trabalho de Conclusão de Curso (TCC)apresentado para a obtenção do grau deBacharel em Língua e Literatura Francesasna Universidade Federal de Santa Catarina(UFSC) sob a orientação da Profa. Drª.Noêmia Guimarães Soares.

FLORIANÓPOLIS

2018

Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor, através do Programa de Geração Automática da Biblioteca Universitária da UFSC.

Menezes, André Luís Leite Contribuições para uma análise descritiva da obra OEvangelho segundo o espiritismo de Allan Kardec / AndréLuís Leite Menezes ; orientadora, Noêmia Guimarães Soares,2018. 40 p.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) -Universidade Federal de Santa Catarina, Centro deComunicação e Expressão, Graduação em Letras Francês,Florianópolis, 2018.

Inclui referências.

1. Letras Francês. 2. Estudos Descritivos da Tradução.3. Tradução de obras espíritas. 4. Allan Kardec. 5. OEvangelho segundo o espiritismo. I. Soares, NoêmiaGuimarães . II. Universidade Federal de Santa Catarina.Graduação em Letras Francês. III. Título.

AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha orientadora, Profa. Dra. Noêmia Guimarães Soares, que desde o início

apoiou e incentivou a ideia deste trabalho, pelas conversas sobre espiritismo e pelas

prazerosas atividades de extensão desenvolvidas ao longo da minha graduação.

Aos professores Dr. Gilles Jean Abes, Dra. Marie-Hélène Catherine Torres e Dr. Sérgio

Romanelli, por aceitaram o convite de participar da banca examinadora do meu TCC.

Aos meus pais, pela oportunidade de estar aqui hoje, sobretudo à minha mãe, Tereza, pela

dedicação, carinho e paciência.

À minha irmã Carol.

À Jaque, pela amizade, pelos bons momentos e pelo apoio emocional.

Ao Charles, pelas discussões sempre frutíferas, mas principalmente, pela ternura e pelo amor.

“Tout se meut dans la destinée inconnue ; la vie est universelle et éternelle, et nous sommes

une tribu intellectuelle, gravitant avec nos soeurs dans l'espace sans bornes.”

(Camille Flammarion, Les Étoiles et les Curiosités du Ciel, 1882)

RESUMO

É sabido que a tradução desempenha um papel fundamental em diversas culturas, contribuindotambém para a difusão de textos religiosos. Publicado em 1864, na França, O Evangelho segundoo espiritismo é uma das obras-base do espiritismo, doutrina codificada por Allan Kardec (1804-1869), além de ser a obra kardequiana com o maior número de traduções no Brasil. Sabe-se que,no contexto brasileiro, o espiritismo pressupõe um processo de formação doutrinária, de controlepedagógico, que passa pelo livro e a escrita, uma vez que as principais referências de estudo dadoutrina partem das obras de Kardec. Embora exista um número significativo de estudos voltadospara as questões tradutórias de um considerável número de textos religiosos, não foramencontrados trabalhos que abordem a tradução de obras espíritas no Brasil. Desse modo, esteTrabalho de Conclusão de Curso traz um breve estudo que busca analisar três traduçõesbrasileiras de O Evangelho segundo o espiritismo, a saber, a de Guillon Ribeiro (1944), a de J.Herculano Pires (1998) e a de Evandro Noleto Bezerra (2008). Com base nos Estudos Descritivosda Tradução (Holmes, 1972; Even-Zohar, 1990; Toury, 1995; Lambert e Van Gorp, 2011),principalmente no que se refere ao conceito de normas, este trabalho se propõe a investigar, deforma preliminar, algumas questões paratextuais, observando se há aí ou não marcas da presençado tradutor, e, também, qual é o perfil do tradutor e o que se diz sobre as traduções. Como umapequena amostra da análise linguística que pode ser desenvolvida, examina-se, de formaintrodutória, a tradução de alguns nomes próprios nos textos das três traduções em estudo. Oobjetivo é tecer algumas reflexões e discutir questões pertinentes a partir dos resultadosencontrados, bem como contribuir para o debate acerca da tradução de obras espíritas no Brasil.

Palavras-chave: Estudos Descritivos da Tradução. Tradução de obras espíritas. Allan Kardec. O

Evangelho segundo o espiritismo.

RÉSUMÉ

Il est connu que la traduction joue un rôle fondamental dans plusieurs cultures, contribuant à ladiffusion de textes religieux. Publié en 1864, en France, L'Évangile selon le spiritisme est l'unedes oeuvres qui constituent la base du spiritisme, doctrine codifiée par Allan Kardec (1804-1869),étant l'oeuvre kardequienne la plus traduite au Brésil. On sait qu'au Brésil, le spiritisme suppose unprocessus de formation doctrinale, de contrôle pédagogique, qui passe par le livre et l'écriture,puisque les principales références d'étude de la doctrine proviennent des oeuvres de Kardec. Bienqu'il existe de nombreuses recherches portant sur des questions de la traduction de plusieurs textesreligieux, on ne trouve pas beaucoup de travaux sur la traduction des oeuvres spirites au Brésil.Ainsi, ce Travail de Consclusion de Cours présente une brève étude qui vise à analyser troistraductions brésiliennes de L'Évangile selon le spiritisme, à savoir, celle de Guillon Ribeiro(1944), celle de J. Herculano Pires (1998) et celle d'Evandro Noleto Bezerra (2008). Basé sur lesÉtudes Descriptives de la Traduction (Holmes, 1972; Even-Zohar, 1990; Toury, 1995; Lambert eVan Gorp, 2011), en particulier sur le concept de normes, ce travail examine, de façonpréliminaire, quelques questions paratextuelles, en observant si on y trouve ou non des marques dela présence du traducteur, et aussi quel est le profil du traducteur et ce qu’on dit à propos destraductions. Comme un petit échantillon de l'analyse linguistique qui peut y être développée, onexamine, à titre préliminaire, la traduction de quelques noms propres dans les textes des troistraductions étudiées. L’objectif est celui de réfléchir et discuter de certaines questions pertinentesà partir des résultats trouvés, ainsi que de contribuer au débat sur la traduction des oeuvres spiritesau Brésil.

Mots-Clés: Études Descriptives de la Traduction. Traduction d’oeuvres spirites. Allan Kardec. O

Evangelho segundo o espiritismo.

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Tradução de nomes próprios........................................................................................33

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Capa do ESE (Tradução de Guillon Ribeiro)..………………................................24

Figura 2 - Nota da editora e explicação (Tradução de Guillon Ribeiro)..................................25

Figura 3 - Capa do ESE (Tradução de J. Herculano Pires)......................................................28

Figura 4 - Explicação do tradutor J. Herculano Pires..............................................................29

Figura 5 - Capa do ESE (Tradução de Evandro Noleto Bezerra)............................................31

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................10

2 CONTEXTUALIZANDO A OBRA...................................................................................14

3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA......................................................................................18

4 ANÁLISE PRELIMINAR: ALGUNS ASPECTOS RELEVANTES NAS TRÊS TRADUÇÕES......................................................................................................................22

4.1 A TRADUÇÃO DE GUILLON RIBEIRO (1944).........................................................22

4.2 A TRADUÇÃO DE J. HERCULANO PIRES (1998)....................................................25

4.3 A TRADUÇÃO DE EVANDRO NOLETO BEZERRA (2008)....................................30

4.4 TRADUÇÃO DE NOMES PRÓPRIOS NAS TRÊS TRADUÇÕES.............................32

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................34

REFERÊNCIAS......................................................................................................................37

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1 INTRODUÇÃO

Publicado pela primeira vez em abril de 1864, na França, ainda sob o nome de Imitation

de l’Évangile selon le spiritisme [Imitação do Evangelho segundo o espiritismo], O Evangelho

segundo o espiritismo é a terceira obra da Codificação Espírita1, que fornece a base doutrinária do

espiritismo2, codificado3 por Allan Kardec4 (1804-1869).

No Brasil, o espiritismo se estabeleceu na segunda metade do século XIX, durante o

Império, numa época em que as ideias vindas da França influenciavam fortemente as elites

brasileiras. O país abrigava um bom número de franceses, o que permitiu a recepção e a expansão

da doutrina em nosso país. Destacando o papel das traduções para o desenvolvimento da doutrina

espírita em solo brasileiro, Lewgoy escreve:

Inicialmente praticado em círculos de imigrados franceses no Rio de Janeiro, odesenvolvimento do espiritismo foi impulsionado pela tradução das obras deAllan Kardec; primeiro pelo jornalista baiano Luiz Olimpio Telles de Menezes,na década de 1860 e, logo após, pelo médico Joaquim Travassos5. Nessa época,registraram-se importantes adesões de membros da elite imperial ao espiritismo,como o médico e político cearense Adolfo Bezerra de Menezes Cavalcanti(1831-1900), além de outros médicos, advogados, jornalistas e militares.(LEWGOY, 2008, p. 87).

Ora, é sabido que a tradução desempenha, desde há muito tempo, um papel fundamental

nas mais diversas culturas e civilizações ao redor do mundo. Delisle e Woodsworth (2003)

destacam a importância do trabalho dos tradutores, através do qual contribuíram, no decorrer da

história, em uma gama de diferentes domínios, com a difusão, transmissão e transformação de

1 Expressão bastante difundida no meio espírita para designar as cinco obras-base da doutrina espírita. Além de OEvangelho segundo o espiritismo, são elas: O livro dos espíritos (1857), O livro dos médiuns (1861), O céu e oinferno (1865) e A gênese (1868).2 Ao longo deste trabalho, utiliza-se os termos “espírita”, “espiritista” ou “espiritismo” para se referir à doutrinacodificada por Allan Kardec, cunhados por ele a fim de evitar confusões com outras terminologias já estabelecidas,como “espiritual”, “espiritualista” e “espiritualismo”, que já possuíam uma acepção bem definida, conforme Wantuil(1982).3 Entendemos o termo “codificar” conforme a acepção dada pelo dicionário Bechara (2009): “Reunir (leis, regras,preceitos, etc.) numa só obra; sistematizar”. Segundo os espíritas, Allan Kardec é tido como o “codificador doespiritismo”, pois foi o responsável pela organização, coordenação e sistematização dos ensinamentos ditados eguiados por “espíritos superiores”, que eram fornecidos por via mediúnica, ou seja, intermediado por um médium.Assim, entende-se que a Doutrina Espírita não foi criada ou inventada por Kardec, e sim por esses “espíritoselevados”, conforme Wantuil (1982).4 Allan Kardec é o pseudônimo de Hippolyte Léon Denizard Rivail, que passa a ser utilizado definitivamente com apublicação de Le livre des esprits (1857) e até o fim de sua vida. Rivail, que já tinha um nome respeitado e conhecidono meio científico, com inúmeras e importantes obras publicadas, teria ficado com dúvidas a respeito do nome com oqual assinaria a obra, temendo que o nome verdadeiro pudesse originar confusão e prejudicar o êxito de seu novoempreendimento. Conforme é relatado em O que é o espiritismo (Kardec, 2013), Rivail preferiu adotar o nome deAllan Kardec, que teria sido seu nome numa vida anterior, no tempo dos druidas, que lhe fora revelado pelo seu“espírito protetor” – denominado Zéfiro – em uma comunicação pessoal.5 A primeira tradução integral de L’Évangile selon le spiritisme foi realizada a partir da 16ª edição francesa, pelomédico Dr. Joaquim Carlos Travassos (1839-1915), que também se empenhou nas traduções de outras obras deKardec, por intermédio da editora B. L. Garnier.

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textos religiosos6. Os autores acrescentam que essas traduções “têm refletido condições políticas,

filosóficas e ideológicas cambiantes, [...] fornecendo novas interpretações para públicos

diferentes” (DELISLE; WOODSWORTH, 2003, p. 170).

Aubrée e Laplantine (1990) comentam que, apesar de possuir bases em solo francês, foi

no Brasil que o espiritismo floresceu, solidificou-se e passou a abrigar o maior número de

espíritas no mundo7. Ainda segundo os autores, o espiritismo brasileiro, da mesma forma que o

espiritismo francês, pressupõe um processo de formação doutrinária, de controle contínuo e

pedagógico, que passa pelo livro e pela escrita. De fato, as principais referências de estudo e

aprendizado da doutrina em centros espíritas ou em reuniões de natureza espiritista partem, ainda

hoje, das obras de Allan Kardec, especialmente de O Evangelho segundo o espiritismo (ESE),

obra de maior veiculação no meio espírita brasileiro8 e a mais procurada, lida e comentada

(SOUZA, 2004, p. 123). Além disso, a obra possui mais de quatro milhões e meio de exemplares

vendidos e 165 edições9, apenas com base nos números das edições publicadas pela Federação

Espírita Brasileira (FEB), a principal e mais influente instituição dentro do movimento espírita no

país10.

Os poucos trabalhos de cunho científico e acadêmico relacionados ao espiritismo que

foram publicados no Brasil, em boa medida, enfocam os fenômenos mediúnicos, as questões

doutrinárias ou o aporte ao tratamento de saúde (MORAES; ZANATTA; HUMPHREYS, 2015).

Desse modo, visto que não foram encontrados estudos voltados para a tradução de obras espíritas

em nosso país, este estudo tem por objetivo empreender uma investigação inicial acerca de três

traduções brasileiras da obra L’Évangile selon le spiritisme, a saber, a de Guillon Ribeiro (1944),

a de J. Herculano Pires (1998) e a de Evandro Noleto Bezerra (2008). A seleção se deve ao fato

de que essas três traduções são aquelas sobre as quais se obtiveram mais informações11,

principalmente no que diz respeito aos tradutores, o que contribuiu para o prosseguimento do

6 Embora exista uma gama significativa de estudos acadêmicos voltados para as questões tradutórias de umconsiderável número de textos religiosos, em particular da Bíblia, não foram encontrados estudos aprofundados sobrea tradução de obras espíritas.7 Segundo dados divulgados pelo IBGE (2010), o número de pessoas que se declaram espíritas no Brasil, chega a 3,8milhões. Disponível em: <https://censo2010.ibge.gov.br/noticias-censo.html>. Acesso em: 04 julho 2018.8 Para se ter uma ideia, foram identificadas aproximadamente vinte traduções diferentes disponíveis na internet, combase numa pesquisa feita em sites de vendas virtuais.9 Conforme um levantamento publicado por Editora FEB (2006). Disponível em: <http://www.sistemas.febnet.org.br/acervo/revistas/2016/WebSearch/page.php?pagina=211.>. Acesso em: 04 julho 2018.10 A FEB se consolidou no Brasil em 1884, “passando a atuar como uma associação centralizadora que pretendia: (i)regular as ideias espíritas, (ii) representar todas as agremiações e (iii) ser a instituição oficial de divulgação no país.Foram seus líderes, adeptos do Espiritismo religioso, os que tiveram mais forças e acabaram ganhando, frente aosdemais grupos, a primazia de dizer o que era (ou não) Espiritismo. Foram eles que alcançaram, depois de muitas lutasinternas, a liderança do movimento espírita, criando, assim, uma doutrina que se assumia cada vez mais como umadoutrina religiosa, como uma religião.” (ARRIBAS, 2011, p. 6).11 As informações a respeito das traduções e dos tradutores foram coletadas apenas a partir de pesquisas na internet,por meio de sites que disponibilizam jornais, revistas, periódicos e livros espíritas, que serão citados ao longo destetrabalho.

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estudo. A primeira, possivelmente a tradução mais antiga em língua portuguesa disponível para

venda12, vem sendo publicada até hoje pela FEB e é, por vezes, referida como “a mais perfeita na

língua portuguesa” (SOUZA, 2004, p. 125). A segunda, publicada pela editora da Federação

Espírita do Estado de São Paulo (FEESP), é de autoria de J. Herculano Pires, que tinha grande

preocupação com a questão doutrinária em suas traduções (RIZZINI, 2001). A terceira, também

publicada pela FEB, procura renovar e fornecer uma linguagem mais acessível do ESE.

O critério de escolha das três traduções também se deve à diferença temporal entre elas:

por exemplo, a tradução de Ribeiro está separada da tradução de N. Bezerra por um intervalo de

sessenta anos. Isto é relevante, pois sabe-se que, com o passar do tempo, as traduções se renovam

e atingem leitores diferentes, uma vez que são produtos gerados em contextos e períodos

específicos13. Sobre as traduções mais antigas, não serão citadas ao longo deste trabalho, já que o

foco é apresentar traduções que ainda se encontram à venda atualmente.

Tendo como base a abordagem teórica dos Estudos Descritivos da Tradução,

principalmente no que se refere ao conceito de normas tradutórias proposto por Toury (1995) e o

esquema metodológico para a descrição de traduções proposto por Lambert e Van Gorp (2011), o

escopo deste trabalho é investigar, de forma preliminar, de que modo se apresentam as traduções,

se há destaque ou não para o nome do tradutor, e, também, qual é o perfil do tradutor, como os

tradutores se referem à atividade tradutória que desempenham e quais suas ideias – e as da crítica

– a respeito da tradução. Para tanto, foram consultadas, embora não exaustivamente, dado o

objetivo do presente trabalho, diversas fontes, como entrevistas, jornais, periódicos, livros ou

sites espíritas, além dos prefácios e notas de rodapé contidos nas traduções. Será apresentada,

ainda, uma breve análise descritivo-comparativa das traduções de nomes próprios nos textos das

três traduções em exame. Assim, o intuito é realizar um levantamento inicial das normas

tradutórias que regem as escolhas dos tradutores.

O trabalho foi estruturado em três partes, além da introdução e das considerações finais.

Na primeira parte, faz-se uma breve contextualização à obra, em que são aludidos o contexto

histórico francês do século XIX e o papel de Allan Kardec para a codificação dos livros-base da

doutrina espírita. Tais informações buscam favorecer o entendimento acerca da forma como foi

concebido o ESE e por que é tido como uma das obras fundamentais da doutrina espírita. A

segunda parte abrange as questões relacionadas às teorias da tradução que serão utilizadas. Para

este estudo, serão apresentadas algumas contribuições advindas dos Estudos Descritivos da

12 Antes de Guillon Ribeiro, a FEB já havia publicado O Evangelho segundo o espiritismo através de uma traduçãorealizada por Antonio Lima, no início do século XX, que é encontrada apenas em acervos de obras raras.13 As edições escolhidas para este estudo foram publicadas em 1994 (Guillon Ribeiro), 2006 (J. Herculano Pires) e2017 (Evandro Noleto Bezerra). Considerando que todas possuem diversas edições disponíveis, tentou-se escolheredições que tivessem sido publicadas com maior distância temporal entre si.

13

Tradução, realizadas por James S. Holmes (1972), Itamar Even-Zohar (1990), Gideon Toury

(1995) e José Lambert e Hendrik Van Gorp (2011). A terceira e última parte é destinada às

análises propriamente ditas das três traduções citadas. Num primeiro momento, são apresentadas

algumas informações a respeito dos tradutores, bem como algumas ideias sobre as traduções que

desempenharam. A seguir, são investigadas algumas questões paratextuais14, visando identificar

possíveis marcas do tradutor. Por último, será exposta uma breve análise descritivo-comparativa

da tradução dos nomes próprios contidos no texto-fonte, em que será apresentada uma pequena

amostra linguística.

Ainda que não seja o objetivo do estudo analisar o texto traduzido em si, vale salientar

que o ESE é um texto religioso que traz citações de diversas passagens da Bíblia, que é um texto

dito sagrado. Isso coloca o ESE na categoria de textos considerados “sensíveis”, que “são

passíveis de suscitar objeções por motivos ligados à religião”, havendo “um grande envolvimento

emocional por parte dos usuários” e “reações extremadas dos ouvintes/leitores” (GOGH, 2001, p.

149). Assim, deve-se ter consciência de que os materiais linguísticos nesses textos carregam uma

especificidade a mais no seu conteúdo, pois envolvem questões ligadas à religião e que não serão

abordadas na presente investigação.

O intuito deste trabalho é, portanto, discutir certas questões pertinentes levantadas a

partir da investigação das três traduções brasileiras do ESE e seus tradutores. Desse modo,

espera-se contribuir para o debate acerca da tradução de obras espíritas no contexto brasileiro.

14 O conceito de paratexto utilizado neste trabalho corresponde ao que Genette (2009) chama de produções verbais ounão verbais que acompanham uma obra.

14

2 CONTEXTUALIZANDO A OBRA

Antes de iniciar o estudo das traduções do ESE, importa expor, ainda que com brevidade,

a proposta da obra e sua importância para o espiritismo. Para tanto, faz-se necessário aludir ao

contexto histórico francês do século XIX para o desenvolvimento da doutrina espírita, bem como

ao papel crucial que teve Allan Kardec em seu empreendimento e, sobretudo, à posição central

ocupada pelo livro para a difusão da doutrina espírita. A respeito disso, Lewgoy (2000), em seu

oportuno estudo antropológico sobre a cultura escrita presente no espiritismo, fornece uma válida

reflexão, observando que

A ideia de uma “codificação”, como inscrição sistematizada de um códigojurídico na forma escrita, em livro, não deixa de ser altamente significativaenquanto emblema de uma pretensão legalista de erigir um cânone religioso embases reveladas mas não clericais. Herdeira dos ideais igualitários da RevoluçãoFrancesa e de um difuso iluminismo científico e jurídico pós-napoleônico, aselaborações de Kardec buscam conciliar razão e revelação numa mesmaproposta, onde as bases religiosas de uma nova moralidade são lançadas, baseadanas crenças da vida após a morte, na releitura da oposição cristã entre corpo ealma, na escala espírita de desenvolvimento evolutivo dos espíritos, nareencarnação como fator de regeneração moral [...], e na existência de umapluralidade de mundos habitados (LEWGOY, 2000, p. 117).

O surgimento do espiritismo está, portanto, diretamente relacionado com a existência do

texto escrito, que ganha corpo com a publicação de O livro dos espíritos (1857), tido como a

primeira obra do chamado pentateuco espírita, codificado por Allan Kardec.

Allan Kardec – Hippolyte Léon Denizard Rivail – nasceu em Lyon, na França. Foi

bacharel em Letras e Ciências e escreveu diversos livros, como aritméticas, gramáticas, livros

pedagógicos, além de conhecer diversas línguas, entre elas o inglês e o alemão, e desempenhar

também a tarefa de tradutor15. Seu nome era importante e respeitado no meio acadêmico e de

ensino francês, fazendo com que a Universidade de França adotasse algumas de suas obras.

Em Obras póstumas (1912), Kardec principia o relato de sua iniciação no espiritismo

referindo-se ao caso das “mesas girantes”, de que ouvira falar através de um amigo magnetizador,

em 1854. O fenômeno das chamadas “mesas girantes”, “mesas falantes” ou “dança das mesas” foi

o começo de uma série de manifestações que vinham se revelando no mundo inteiro e era

observado em diversas partes da Europa (WANTUIL, 1982). Em 1853, ele se manifesta também

nos salões parisienses, sendo visto como uma nova forma de divertimento “que consistia na

reunião de certo número de pessoas em torno de uma mesa, que então, depois de um tempo,

parecia que ganhava vida, e ‘dançava’ no ar, sem suporte aparente” (FERNANDES, 2008, p. 52).

Essas sessões tornaram-se muito populares na época, viraram manchetes de jornais, chamando a

15 Traduziu, por exemplo, do francês para o alemão, os três primeiros livros de Télémaque, do escritor francêsFénelon.

15

atenção de cientistas e religiosos, que faziam aparecer explicações as mais diversas para tais

fenômenos, entre elas a de que seriam causados por espíritos16. É, então, que entra a figura de

Allan Kardec, pedagogo diplomado e renomado, de formação metódica, racional e positivista, isto

é, preocupado com a objetividade dos fatos, que também passa a se interessar e a investigar essas

manifestações, e que, ao se encontrar com o movimento social que surge naquele contexto

histórico – o século evolucionista –, propicia a formação de uma doutrina e de uma moral

chamada de espiritismo (AUBRÉE; LAPLANTINE, 1990).

Em maio de 1855, Kardec tem seu primeiro contato com o fenômeno das mesas girantes

e começa a frequentar assiduamente sessões que ganhavam cada vez mais seriedade. As

comunicações logo se desenvolvem e são transmitidas através de médiuns17, facilitando a

realização desses “diálogos”18.

Conforme é relatado em O que é o espiritismo (Kardec, 2013), todas as instruções eram

dadas pelos espíritos, que também escolhiam as datas em que eram efetuadas as sessões

particulares assistidas por Kardec. Este, por sua vez, passa a revisar, a organizar e a sistematizar

todas as suas comunicações obtidas anteriormente, sempre buscando o auxílio de outros médiuns,

para quem propunha as mesmas questões, a fim de comparar e confirmar as respostas obtidas.

Quanto a isso, Amorim diz que

O trabalho de compilação da doutrina espírita efetuado por Kardec baseou-se noque ele denominou de controle universal dos ensinamentos dos espíritos [...]. Oreferido princípio tinha por escopo evitar que o conteúdo doutrinário não ficasserestrito à autoridade de um único espírito ou de um único médium; dessa forma,Kardec submetia ao cruzamento as diversas respostas dadas pelos diversosespíritos a diversos médiuns espalhados pelo mundo. (AMORIM, 2011, p. 79).

16 Kardec comenta que um dos primeiros resultados que colheu de suas observações foi “que os Espíritos, nada maissendo do que as almas dos homens, não possuíam nem a plena sabedoria, nem a ciência integral [...] e que a opiniãodeles só tinha o valor de uma opinião pessoal.” Assim, Kardec passaria a ter desde sempre, bastante cautela ao lidarcom os tipos de respostas advindas das comunicações que viria a organizar para todo o seu trabalho (KARDEC,2008, p. 188).17 Os instrumentos usados para as comunicações cada vez mais se desenvolviam, a fim de facilitar esse processo.Inicialmente, as comunicações se davam seguindo uma linguagem de sinais e pancadas, conhecido como tiptologia.Contudo, as respostas limitavam-se a “sim” ou “não”. A tiptologia se aperfeiçoou com a tiptologia alfabética,aumentando as possibilidades de comunicação, mas era ainda um processo lento e demorado, até que sedesenvolveram a psicografia através da cesta-pião, cesta de bico ou prancheta e a escrita manual ou escritainvoluntária, esta considerada a forma mais simples e fácil. Tais modos só eram permitidos pelo concurso de umapessoa com o dom da mediunidade, denominada médium, que excluía toda e qualquer possibilidade de participaçãode suas ideias pessoais. Conferir O livro dos médiuns (KARDEC, 2013, p. 161-170).18 Ainda em Obras póstumas (1912), Kardec conta que, para cada sessão, trazia questões metodicamente preparadasque o interessavam, relacionadas ao ponto de vista da filosofia, da psicologia e da natureza do mundo invisível, queeram sempre respondidas com precisão, profundeza e de maneira lógica. Entre os participantes, figuravam pessoassérias, que não mais se interessavam, em boa medida, por questões fúteis. A princípio visando apenas à sua própriainstrução, Kardec observa que os escritos que havia recolhido formavam um conjunto que tomava as proporções deuma doutrina e que deveriam ser compartilhados para a instrução de todo o mundo. Foi em 30 de abril de 1856 que,por meio de umas das comunicações, Kardec soube da missão que viria a desempenhar como “missionário-chefe doespiritismo”, o que seria confirmado também, de forma mais clara, por outros médiuns (WANTUIL, 1982).

16

Imbuído desse cuidado metodológico, Kardec publica, em 1857, publica O livro dos

espíritos, após dois anos de trabalho, fornecendo a base filosófica para o espiritismo. Na

sequência, O livro dos médiuns (1861), em que é abordada a parte experimental da doutrina,

explicando os fenômenos e os métodos de comunicação com os espíritos. A terceira obra, O

Evangelho segundo o espiritismo (1864), em torno da qual está o foco de nossa pesquisa, fornece

uma explicação das principais passagens dos Evangelhos bíblicos e uma interpretação dos

ensinamentos de Jesus Cristo, tentando resgatar, assim, o cristianismo em sua “forma original”.

Além desses, ainda publicou O céu e o inferno (1865) e A gênese (1868)19. Enfatizando a vertente

religiosa20 presente no ESE, Fernandes escreve:

o “ESE” contém a síntese da proposta religiosa do Espiritismo, que em linhasgerais seria o resgate do cristianismo em sua pureza original. [...] O espiritismovinha, ao seu tempo, cumprir as promessas de Jesus de “ensinar todas as coisas”e “recordar tudo que vos tenho dito”. Não teria vindo antes porque “o mundo nãoo pode (podia no caso) receber”, porém o século XIX, tempo da ciência e dosavanços nas mais variadas áreas do conhecimento humano, havia deixado ocaminho preparado para a chegada dessa nova revelação, a terceira (depois deMoisés e Jesus) [...]. (FERNANDES, 2008, p. 33).

Em suma, o ESE21 buscaria resgatar para os dias atuais a moral contida nos Evangelhos,

à luz do espiritismo, visando torná-la compreensível e acessível para as sociedades modernas. O

espiritismo passaria a fornecer uma espécie de “chave” para o entendimento da linguagem

alegórica e ininteligível de que se valem muitos pontos do Evangelho, da Bíblia e dos autores

sacros (KARDEC, 1866, p. V).

A publicação do ESE atenuou as inumeráveis perseguições que o espiritismo vinha

sofrendo desde o seu aparecimento. Em boa medida, elas vieram por parte da Igreja Católica que

imediatamente passou a incluir todas as obras espíritas em sua lista de livros proibidos, o Index

Librorum Prohibitorium. Apesar disso, a obra conheceu grande sucesso, com diversas tiragens em

19 A fim de divulgar os princípios da doutrina, Kardec também publica diversos opúsculos, entre eles O que é oespiritismo (1858), funda e dirige a Revista Espírita (entre 1858 e 1869) e cria a Société parisienne des étudesspirites, em 1859.20 A obra traz como subtítulo Contenant l'explication des maximes morales du Christ, leur concordance avec lespiritisme, et leur application aux diverses positions de la vie, e a citação Il n'y a de foi inébranlable que celle quipeut regarder la raison face à face, à tous les âges de l'humanité.21 Com relação à sua preparação, na segunda parte de Obras pósumas, no capítulo intitulado Imitação do Evangelho,Kardec faz alusão a uma comunicação mediúnica recebida em Ségur, Paris, no dia 9 de agosto de 1863, pelo Sr. d’A.,em que faz referência ao conteúdo de um livro que era preparado em segredo naquele momento. Nessa mesmacomunicação, Kardec é prevenido sobre a forte oposição que encontraria, por parte do clero, após a publicação dolivro, sendo também encorajado a prosseguir com o trabalho, já que as perseguições, longe de enfraquecerem omovimento espírita, apenas fariam crescer o número de adeptos. Em seguida, uma segunda comunicação é solicitadapor Kardec, que parte para uma viagem de retiro em Saint-Adresse, perto do Havre, quando lhe é explicada anecessidade de seu “recolhimento e isolamento”, “livre de toda a preocupação senão aquela da Doutrina”, para aelaboração de uma obra que abrirá ao espiritismo “o largo caminho das aplicações úteis para o bem da sociedade”(KARDEC, 2008, p. 217).

17

francês, esgotando-se rapidamente e, depois, com as traduções para outros idiomas, como o

português, o holandês, o castelhano, o inglês, o alemão e o japonês, entre outros.

Quanto à estrutura do texto-fonte ao qual se teve acesso22, é divido em prefácio (cuja

autoria é atribuída ao Esprit de Vérité), introdução (dividida em quatro subitens) e 28 capítulos –

contendo o último uma coletânea de preces espíritas. No que tange à organização, no início de

cada capítulo são apresentados o número e o título, bem como os tópicos que serão abordados,

seguidos por uma ou mais passagens bíblicas23, e a referência aos respectivos capítulos e

versículos de origem, introduzindo o tema a ser abordado. A passagem é, então, comentada por

Allan Kardec e explicada à luz da doutrina espírita, complementada por outras citações bíblicas.

Na maioria das vezes, essas explicações são seguidas por instructions des esprits [instruções dos

espíritos], em que são apresentadas outras reflexões acerca dessas passagens. No final das

instruções, são assinados os nomes dos “espíritos” autores da mensagem, o lugar onde foi

transmitida e o ano. Em certos casos, os autores se identificam com o nome de figuras

conhecidas, tais como Fénelon, Eraste, Saint Augustin, Saint Louis ou, ainda, Pascal, tendo

outros que preferem o anonimato, assinando como une reine de France, un esprit ami ou, mais

comumente, como un esprit protecteur. Por fim, no capítulo das preces, organizado em

categorias, é apresentado um prefácio antes de cada oração. Ao longo da obra, Kardec faz uso de

dez notas explicativas24, que, em boa medida, indicam escolhas ou questões relacionadas às

traduções dos trechos bíblicos selecionados, citam outras obras da codificação para

complementar as explicações ou, ainda, informam como se deram as comunicações através das

quais foram enviadas a mensagens.

22 O exemplar utilizado foi digitalizado e disponibilizado pelo Google Books e faz parte do acervo da BibliotecaNacional de Nápoles. Disponível em: <https://books.google.com.br/books?id=yfcU9eVzmVMC&hl>. Acesso em: 04julho 2018.23 Sobre a tradução para o francês das passagens bíblicas selecionadas, Kardec (1866) conta, na introdução do livro,que utilizou-se da tradução de Louis-Isaac Lemaistre de Sacy (1612-1684), que fora o responsável pela traduçãofrancesa da Bíblia mais difundida do século XVIII, também conhecida como a Bíblia de Port-Royal – e que asmáximas contidas no ESE foram organizadas metodicamente, segundo as suas respectivas naturezas, de sorte a criaruma leitura lógica e progressiva. Contudo, no item 14 do quarto capítulo, em que é citada uma passagem do livro deJó, além da tradução de Sacy, Kardec também acrescenta a tradução protestante de Osterwald e a versão da IgrejaGrega.24 Uma dessas notas foi escrita por “M. Pezzani”, um amigo de Kardec que conhecia o grego e o hebraico, de modo aesclarecer algumas passagens bíblicas que não estavam claras.

18

3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Conforme exposto na Introdução, nesta etapa serão abordados os pressupostos teóricos

que fundamentam este trabalho, tendo como base os Estudos Descritivos da Tradução. Serão

apresentadas as contribuições de Holmes (1972), Even-Zohar (1990), Toury (1995) e Lambert e

Van Gorp (2011), principalmente no que diz respeito às normas tradutórias.

O termo Descriptive Translation Studies [Estudos Descritivos da Tradução] apareceu

pela primeira vez em 1972, com a publicação do artigo The name and nature of Translation

Studies, apresentado pelo americano James S. Holmes, considerado o responsável por definir o

nome e o propósito dos Estudos da Tradução. Holmes propôs um mapa com divisão interna em

dois grupos, um “puro” e um “aplicado”, sugerindo que os Estudos da Tradução deveriam ser

considerados uma disciplina de natureza empírica. Os Estudos Descritivos da Tradução (EDT) se

configurariam, então, como um dos ramos “puros”, que englobam três tipos de pesquisa

diferentes no processo da prática tradutória: estudos orientados ao produto, à função ou ao

processo.

Desenvolvida, em boa medida, através dos estudos de Gideon Toury, a concepção teórica

denominada EDT surge da necessidade de mudar a forma tradicional e prescritivista que vinha

sendo adotada em estudos de tradução – para uma abordagem descritiva, o que significa descrever

como as traduções são de fato, em vez de simplesmente prescrever como elas deveriam ser. O

estudo descritivo da tradução passa, então, a considerar o contexto de chegada, enfatizando a

importância do texto-alvo, além do texto-fonte (PYM, 2016).

Toury (1995) defende a necessidade de um ramo descritivo dentro dos Estudos da

Tradução que possa descrever, explicar e prever o fenômeno da tradução. De acordo com o

estudioso, a tradução passa a ser vista como uma atividade que vai muito além das diferenças

sistêmicas entre duas línguas – envolvendo também duas culturas distintas (dois sistemas

diferentes) –, capaz de desempenhar um papel social ou cumprir funções atribuídas por uma

comunidade.

Os EDT dão continuidade, de certa forma, às reflexões geradas pela Teoria do

Polissistema (Polysystem Theory), desenvolvida por Itamar Even-Zohar durante as décadas de

1970 e 1980, que forneceu base para a criação de uma metodologia através da qual se pode

analisar o processo de absorção de um texto traduzido por uma cultura específica num

determinado contexto histórico (BASSNETT, 2003).

A Teoria do Polissistema desenvolvida por Even-Zohar respalda-se no modelo descritivo

de “sistemas” e “produtos culturais” proposto pelos formalistas russos no início do século XX,

principalmente no que concerne ao estudo literário (PYM, 2016, p. 219). Even-Zohar (1990)

19

passa, assim, a considerar a literatura não apenas como um texto isolado, mas como parte de uma

vasta rede de sistemas dinâmicos que estão interconectados e dialeticamente relacionados entre si.

A tradução literária, por sua vez, sob essa perspectiva polissistêmica, é vista como parte de um

sistema literário num grande sistema cultural da língua de chegada, que engloba e dialoga com

outros (poli)sistemas. Desse modo, o modelo polissistêmico fornece uma abordagem

consideravelmente abrangente na medida que envolve tanto sistemas literários como não-

literários (históricos, políticos, sociais, ideológicos, linguísticos), cada um desempenhando uma

função diferente na cultura de chegada. Com isso, consegue-se determinar qual posição ocupam

as traduções e a literatura traduzida dentro de um sistema literário, no processo de transferência

entre uma cultura e outra, bem como os princípios que as conduzem.

Objetivando buscar maior compreensão dos fatores que influenciam a produção e o

processo de determinadas traduções em dados contextos socioculturais e sua aceitação dentro do

sistema de chegada, Toury (1995) apresenta o conceito de normas tradutórias, que são um

conceito-chave nos EDT. O autor as define “como os valores gerais ou ideias compartilhadas por

uma comunidade – quanto ao que é certo ou errado, adequado ou inadequado – em instruções

apropriadas de desempenho aplicáveis a situações específicas” (TOURY, 1995, p. 53). As normas

representam, portanto, um conjunto de orientações mais ou menos implícitas que conduzem o

comportamento de tradutores em suas escolhas tradutórias e apontam para um reconhecimento

real ou potencial, que pode ser positivo (caso as normas sejam seguidas) ou negativo (caso as

normas não sejam seguidas).

Outrossim, ainda sob a perspectiva de Toury (1995), espera-se que as normas operem

não apenas em todos os tipos de traduções, como também em cada etapa do processo de tradução,

influenciando em todos os níveis de seu produto. O autor sugere três modelos de normas

tradutórias: inicial (inicial norms), preliminares (preliminary norms) e operacionais (operational

norms).

A norma inicial diz respeito às escolhas que o tradutor pode fazer no processo tradutório,

entre sujeitar-se ao texto-fonte, adotando as normas da língua e cultura do texto de origem, ou

sujeitar-se ao texto-alvo, priorizando as normas do sistema da cultura-alvo. Desse modo, a norma

escolhida pelo tradutor determina se a tradução assumirá uma postura que tende mais para uma

adequação (adequacy) ou para uma aceitabilidade (acceptability). Na primeira, haverá maior

proximidade com o texto da cultura-fonte, podendo gerar certas incompatibilidades com as

normas da cultura de chegada. Na segunda, contudo, haverá um distanciamento do texto-fonte,

privilegiando as normas da cultura-alvo e produzindo uma tradução “aceitável” em vez de

“adequada”.

20

O segundo modelo refere-se às normas preliminares, que se dividem em política de

tradução (translation policy) e direção da tradução (directness of translation). Dizem respeito,

respectivamente, aos tipos de textos que se escolhe traduzir numa dada cultura e num determinado

período ou aos modos de traduzir (direta ou indiretamente) e seu grau de tolerância quando se

recorre a textos intermediários.

As normas operacionais, por sua vez, são aquelas que ocorrem durante o processo

tradutório e direcionam as escolhas feitas pelo tradutor. Tais normas definem, direta ou

indiretamente, as relações entre texto-fonte e texto-alvo e subdividem-se em matriciais (matricial

norms) e textuais/linguísticas (textual-linguistic norms). As primeiras buscam averiguar a

existência de material da língua de chegada correspondente ao da língua de partida, de forma a

reformular a matriz do texto, estendendo-se a omissões, acréscimos, alterações de lugar e

segmentações. As segundas estão relacionadas com a seleção do material linguístico e estilístico a

serem formulados no texto-alvo. Podem ser gerais, aplicáveis a qualquer tradução, ou específicas

para um determinado tipo de texto e/ou modo de tradução (TOURY, 1995, p. 59).

Ainda sobre o estudo de normas, Toury (1995) acrescenta que elas não são diretamente

observáveis e que, em vista disso, faz-se mister recorrer a fontes textuais (os textos traduzidos em

si) ou a fontes extratextuais (formulações semiteóricas ou críticas, declarações de tradutores,

editores, pessoas envolvidas com a tradução) para uma reconstrução de normas tradutórias. Além

do mais, o autor considera que a pesquisa em tradução deve abranger as relações existentes entre

as normas de vários domínios, de modo a correlacioná-las e ponderá-las entre si.

Seguindo a linha dos estudos descritivistas, os teóricos Lambert e Van Gorp (2011)

comentam que a tradução é o resultado de um processo que envolve relações específicas e uma

seleção de estratégias de sistemas comunicativos, cabendo ao pesquisador apontar as normas e

modelos dominantes que determinam tais processos. É preciso atentar para o fato de que o

tradutor atua num contexto específico e não usa, necessariamente, o texto-fonte (sistema-fonte)

como modelo dominante e exclusivo. A tradução abrangerá todos os tipos de interferências

provenientes do sistema-alvo. Os autores, entretanto, se mostram cientes de que é impossível

sumarizar todas as relações envolvidas na atividade tradutória, competindo ao pesquisador definir

as prioridades de análises.

Os pesquisadores sintetizaram um esquema metodológico para a análise descritiva de

traduções, dividido em quatro etapas. A primeira envolve a coleta de dados preliminares25 sobre a

tradução, como título, página-título, se há indicação de gênero, nome do autor ou do tradutor,

metatextos (prefácio, posfácio, ensaios, notas) e estratégias gerais (tradução parcial ou completa).

A partir desse levantamento é possível fazer hipóteses para a análise posterior, que diz respeito ao

25 Neste trabalho, apenas serão apresentados os dados preliminares das traduções.

21

nível macroestrutural. Nessa etapa, observa-se a divisão do texto (capítulos, atos e cenas,

estrofes), o título dos capítulos e como são apresentados, a relação entre os tipos de narrativa, a

estrutura narrativa interna e comentários do autor/tradutor. Tais dados levam a outras hipóteses,

no que tange às estratégias microestruturais (ou seja, mudanças nos níveis fônicos, gráficos, entre

outras), em que são observados o processo de seleção de palavras, padrões gramaticais, níveis de

linguagem, formas de reprodução de fala, entre outros dados. Ao final dessa etapa, poder-se-á

tirar novas conclusões a respeito das estratégias, tanto em nível macro como em micro. Por fim, a

última etapa compreende o contexto sistêmico, em que são apuradas as oposições entre micro e

macroníveis e entre texto e teoria (normas, modelos); relações intertextuais com outras traduções

e/ou obras “criativas”; relações intersistêmicas, como estruturas de gênero e códigos estilísticos.

Em suma,

[...] Não podemos analisar adequadamente traduções específicas se não levarmosem consideração outras traduções pertencentes ao(s) mesmo(s) sistema(s), e senão analisarmos as mesmas em vários níveis micro e macroestruturais. Não énem um pouco absurdo estudar um único texto traduzido ou um único tradutor,mas é absurdo desconsiderar o fato de que esta tradução ou este tradutor possuielos (positivos ou negativos) com outras traduções e tradutores. (LAMBERT;VAN GORP, 2011, p. 221).

Ora, é fundamental o desenvolvimento de pesquisas em grande escala que indiquem quais

as normas e modelos atuantes, não apenas em fenômenos tradutórios de forma isolada, mas

também tendo em vista sua natureza sistêmica, atentando para os aspectos dos fenômenos

tradutórios de forma coletiva.

22

4 ANÁLISE PRELIMINAR: ALGUNS ASPECTOS RELEVANTES DAS TRÊSTRADUÇÕES

Nesta parte, dá-se início ao estudo de três traduções da obra O Evangelho segundo o

espiritismo, realizadas por Guillon Ribeiro (1944), J. Herculano Pires (1998) e Evandro Noleto

Bezerra (2008). Para tanto, busca-se apresentar, ainda que de forma breve, o perfil de cada

tradutor26, com o intuito de destacar informações relevantes de suas vidas, como atividades

profissionais que desempenharam, além de expor algumas reflexões sobre a tradução, a partir de

comentários feitos pelos próprios tradutores ou por outros autores acerca de suas traduções

kardequianas. Também serão apresentadas, de forma introdutória, algumas questões paratextuais,

visando identificar possíveis marcas do tradutor. Toma-se por base os conceitos fornecidos pelos

teóricos dos Estudos Descritivos da Tradução, mencionados anteriormente.

Com relação ao texto-fonte, cabe enfatizar que sua primeira edição foi publicada em

abril de 1864, em Paris, e apareceu originalmente com o nome de Imitation de l’Évangile selon le

spiritisme [Imitação de o Evangelho segundo o espiritismo]27. Contudo, foi a terceira edição –

corrigida, modificada e ampliada –, lançada em 1866, já com o nome de L’Évangile selon le

spiritisme, que passou a ser considerada a edição definitiva e em que grande parte das traduções,

inclusive as que foram selecionadas para este estudo, se baseiam atualmente.

4.1 A TRADUÇÃO DE GUILLON RIBEIRO (1944)

A tradução realizada por Guillon Ribeiro foi lançada em 1944. Além de ser uma das

traduções mais antigas em língua portuguesa disponíveis no mercado atualmente, é publicada pela

editora da FEB, entidade que goza de bastante prestígio no meio espírita brasileiro. A edição

utilizada para a presente descrição é a 109a, publicada em 1994.

Luiz Olympio Guillon Ribeiro nasceu em São Luís do Maranhão, em 1875, e faleceu em

São Paulo, em 1943. Filho de pais pobres, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde escreveu para

jornais importantes da época. Formou-se em engenharia civil e logo foi nomeado segundo oficial

da secretaria do Senado Federal, ocupando o cargo de diretor-geral em 1921. Seu contato com a

doutrina espírita teria se intensificado em 1911, após a morte da mãe, o que o levou a se dedicar e

26 Importa dizer que não se trata apenas de se apresentar meros dados biográficos, uma vez que “esse tradutor tem umcorpo material, uma unidade biológica móvel, um corpo que pode mover-se de uma cultura para outra.[...] Partindoda concepção de que cada tradutor tem um “corpo” ele pode fazer mais do que traduzir. Até que ponto os detalhes davida pessoal podem ser importantes para a tradução: Pym afirma que somente no aspecto em que eles manifestemcorretamente os desejos translacionais, pois existem as causas individuais que são influenciadas pelas causas sociais.”(PYM, 1998 apud PIUCCO, 2009, p. 184).27 Kardec explica que a mudança do título para L’Évangile selon le spiritisme se deu graças a sugestões de seu editore de outras pessoas. Em 1865, a revista Revue Spirite faz menção à segunda edição da obra, já com a supressão dapalavra Imitation. No mesmo ano, é anunciada a publicação da terceira edição, que passou por uma reformulaçãocompleta, recebeu algumas adições e alterações, resultando “numa classificação mais metódica, mais clara e maiscômoda das matérias, o que torna sua leitura e as consultas mais fáceis” (KARDEC, 2012, p. 469).

23

meditar sobre “os conceitos expendidos nas obras de Allan Kardec” (MAGALHÃES, 2015, p.

14). Logo ele passaria a atuar no meio espírita, vinculado à Federação Espírita Brasileira, onde

ocupou cargos de diretoria por 26 anos, incluindo a presidência da entidade, no período de 1920 a

1921 e de 1930 a 1943, ano de sua morte. Foi o responsável por instalar a oficina gráfica da FEB,

em 1939, de modo a favorecer a rápida difusão dos livros espíritas. Além de todas as obras do

pentateuco kardequiano (com exceção de O céu e o inferno), traduziu, ainda, Obras póstumas e os

opúsculos O que é o espiritismo e O espiritismo na sua mais simples expressão. Segundo uma

pesquisa feita no site de obras raras espíritas, em que estão digitalizadas diversas edições antigas,

a tradução de Guillon Ribeiro do ESE aparece inicialmente em 1940. Porém, a tradução utilizada

nas edições atuais, inclusive na edição que será usada para este estudo, data de 1944 e foi

publicada postumamente, no ano seguinte à morte de Ribeiro. Sobre as traduções das obras

kardequianas realizadas por ele, a revista Reformador traz o seguinte comentário:

Emérito linguista, dominava o francês, o inglês, o italiano, o espanhol, vertendoao nosso idioma, valiosas obras espíritas, onde prima pela fidelidade aopensamento original dos autores e pela beleza da forma do vernáculo, o que lhedá primazia entre os demais tradutores espiritistas [...] conservando-lhes apoética e originalidade, agindo, certamente, sob a inspiração do Mais Alto.(MAGALHÃES, 2015, p.15).

A maioria dos comentários encontrados na revista Reformador, publicada mensalmente

pela editora da FEB, também responsável por publicar as traduções de Ribeiro, refere-se sempre

com grande deferência ao seu trabalho como tradutor das obras kardequianas. Percebe-se que a

crítica feita às suas traduções busca enfatizar o fato de que ele era um estudioso de várias línguas,

e que privilegiava não apenas “o pensamento original dos autores”, como também primava “pela

beleza da forma do vernáculo”, ou seja, ao mesmo tempo que visava manter-se próximo ao texto-

fonte, preocupava-se com a forma da língua-alvo. Contudo, apesar de muitos elogios ao trabalho

do tradutor, não se encontra nenhum tipo de análise aprofundada a respeito de suas traduções, ou

mesmo qualquer comentário feito por Ribeiro que justifique suas estratégias tradutórias.

Vale destacar que, além das obras de Kardec, Ribeiro também realizou outros trabalhos

como tradutor. Empenhou-se, por exemplo, na tradução de autores renomados e que também

possuíam ligações com o espiritismo, como Arthur Conan Doyle, Gabriel Delanne, Ernesto

Bozzano, Léon Denis, Pietro Ubaldi e J. B. Roustaing. Publicou diversas obras de sua autoria –

entre as quais Jesus, nem Deus nem Homem, Espiritismo e Política e A Federação Espírita

Brasileira –, além de escrever prefácios, artigos e matérias para a revista Reformador e para a

imprensa espírita.

Analisando-se a tradução de Ribeiro, cuja edição selecionada é a 109ª, publicada pela

FEB em 1994, nota-se, na parte superior da capa com fundo branco, o título do livro entre duas

24

linhas. Na primeira, as palavras “O evangelho” aparecem maiores, permitindo que a expressão

“segundo o espiritismo”, na linha seguinte, ocupe um espaço simétrico. A capa é ilustrada por

uma paisagem pintada pelo artista plástico Clauber Campos Cecconi. Acima, à esquerda da

gravura, estão o nome de Allan Kardec, e, à direita a logomarca da FEB. Não há qualquer

indicação a respeito do tradutor. A contracapa, por sua vez, não contém elementos textuais ou

imagens.

Figura 1 – Capa do ESE (Tradução de Guillon Ribeiro)

Fonte: Imagem digitalizada pelo autor (2018).

A falsa folha de rosto traz novamente o título da obra, que na folha de rosto é

apresentado no topo. Mais abaixo, tem-se a palavra “com” e, sob ela, o texto “A explicação das

máximas morais do Cristo em concordância com o espiritismo e suas aplicações às diversas

circunstâncias da vida”. Na sequência, a preposição “por” antecede o nome do autor. Depois, lê-

se: “Fé inabalável só o é a que pode encarar frente a frente a razão, em todas as épocas da

humanidade”. Por fim, na parte inferior, constam a logomarca da FEB e as informações da

editora.

No verso da folha de rosto, estão os dados complementares da obra e a indicação do

nome do tradutor, Guillon Ribeiro. Na sequência, além do índice, é apresentado um índice de

referências bíblicas com informações correspondentes às passagens utilizadas no texto. Adiante,

consta uma nota da editora apresentando o tradutor ao leitor. No texto, a editora procura valorizar

sua trajetória na FEB, onde ocupou cargos importantes, bem como enfatiza o fato de ele ser

poliglota e de ter traduzido outras obras de Kardec. Além disso, a editora se refere às traduções de

Ribeiro como “impecáveis” e traz, ainda, o trecho de um discurso proferido por Ruy Barbosa em

1903, em que o jurista e diplomata enaltece o trabalho realizado por Ribeiro, então aos 28 anos de

idade, na revisão do Projeto do Código Civil. Na página seguinte, sob o título “Explicação”, a

editora traz informações acerca da terceira edição francesa do ESE e por que é tida como a versão

definitiva, e reproduz um comentário de Allan Kardec publicado na edição de novembro de 1865

da Revue Spirite.

25

Figura 2 – Nota da editora e explicação (Tradução de Guillon Ribeiro)

Fonte: Imagem digitalizada pelo autor (2018).

Com relação às notas de rodapé, a tradução de Ribeiro mantém todas as dez notas

existentes no texto-fonte. Além delas, apresenta outras dez notas, atribuídas à editora FEB, ao

passo que o tradutor, no entanto, não assina nenhuma delas. Vê-se que, no texto em português, o

tradutor não emite comentários sobre a tradução, embora a ele seja atribuída uma nota de uma

página, de caráter laudatório, conforme se observou na Figura 2.

4.2 A TRADUÇÃO DE J. HERCULANO PIRES (1998)

A tradução de J. Herculano Pires foi publicada em 1998 pela editora da Federação

Espírita de São Paulo (FEESP). A edição utilizada nesta descrição é a 19a, do ano de 2006.

José Herculano Pires nasceu em Avaré, estado de São Paulo, em 1914, e morreu em

1979, na capital paulista. Desde cedo mostrou vocação para a escrita literária, publicando seu

primeiro livro aos 16 anos. Graduado e mestre em filosofia pela Universidade de São Paulo

(USP), publicou mais de 80 livros e ensaios, muitos deles em parceria com o médium Chico

Xavier. Durante a década de 1940, mudou-se para a cidade de Marília, no interior de São Paulo,

onde comprou o jornal “Diário Paulista”, que estava em precária situação comercial, e passou a

atuar como jornalista. Foi nesse período que começou a publicar poesias e contos de sua autoria,

além de artigos de vários autores, tendo publicado um livro de poemas intitulado Estradas e Ruas,

26

elogiado pelo crítico literário Sérgio Milliet e pelo escritor Érico Veríssimo (RIZZINI, 2001). Já

em São Paulo, capital, foi colaborador nos jornais Folha da Manhã e Jornal de São Paulo, além

de ingressar nos Diários Associados, onde trabalhou como repórter e cronista parlamentar, e na

Academia Paulista de Jornalismo, ocupando o cargo de patrono. A experiência de H. Pires como

literato e jornalista, assim como sua formação acadêmica, são fatores que certamente

contribuíram para moldar o trabalho que mais tarde viria a desempenhar como tradutor das obras

de Kardec.

Nascido em família católica, H. Pires conta que seu interesse pelo espiritismo se deu

após a leitura de O livro dos espíritos, quando tinha 22 anos. A partir daí, logo teria começado a

frequentar sessões mediúnicas, palestras doutrinárias e a proferir conferências espíritas, chegando

a atuar como presidente de centro espírita. Frequentemente, quando das idas a centros espíritas,

costumava comentar passagens do ESE em suas palestras, estabelecendo um contato inicial com a

obra que passaria a traduzir. Sua tradução foi publicada pela primeira vez em 1965, numa edição

comemorativa do centenário de publicação da obra, pela editora Calvário28. Em 1966, H. Pires,

que também atuava como orientador da Edicel, incentivou e firmou compromisso com o editor

Frederico Giannini para traduzir e publicar pela primeira vez as obras completas da Codificação

espírita, incluindo os doze volumes da Revista Espírita (RIZZINI, 2001). No que diz respeito à

tradução das obras de Kardec, H. Pires menciona a falta de cuidado com que vinham sendo

publicadas as traduções e a inexistência de uma edição explicada e anotada. Sobre o trabalho que

desempenhou, H. Pires, citado por Rizzini (2001), comenta:

Uma trabalheira sem limites. É preciso que me empenhe a fundo nesse trabalho,pois a obra de Kardec vem saindo em traduções sucessivamente decalcadas umasdas outras, em português e castelhano. Além disso, não há uma edição explicadae anotada. Os volumes são apresentados ao público de hoje no mesmo texto dehá um século, sem uma informação, uma anotação, nada de nada, e geralmenteem traduções malcuidadas. Sinto-me pequeno para a grandeza da tarefa, mas souobrigado a reconhecer que tenho de fazê-la sozinho, a menos que Deus permita oaparecimento de alguém para ajudar. [...] Têm-se a impressão de que o francês é,no Brasil, uma língua mais desconhecida do que o etrusco… Há muitostradutores traditori, mas para um trabalho realmente sério não aparece ninguém.(RIZZINI, 2001, p. 218).

No trecho acima, observa-se claramente o pensamento de H. Pires com relação à

tradução e sua consciência no que diz respeito às normas que regem seu trabalho. Ele fala, de

forma convicta, da necessidade de atualização do texto, assim como da importância de

comentários e notas para a tradução. No caso da tradução das obras de Kardec, H. Pires critica as

edições que haviam sido publicadas até então, ou melhor, a falta de cuidado dos tradutores para

com o texto. É importante notar a preocupação de H. Pires com a presença e importância do28 De acordo com uma pesquisa feita no site de obras raras, disponibilizado pela FEB. Disponível em:<http://www.sistemas.febnet.org.br/site/biblioteca/>. Acesso em: 04 julho 2018.

27

tradutor, já que muitas vezes este não dispõe de espaço e permanece invisível, conforme aponta

Venuti (2010). Ressaltando a importância dos paratextos como elemento de visibilidade para o

tradutor, Pessoa (2009) afirma que é através deles que se pode conceder ao tradutor a

oportunidade de explicar suas escolhas ao público-leitor, sendo “um duplo gesto de respeito: ao

leitor, por permitir-lhe entender as decisões tomadas no processo tradutório, e ao tradutor, por

propiciar a sua visibilidade social em reconhecimento a seu trabalho” (PESSOA, 2009, p. 83).

Foi com a ajuda da mestra em francês Sylvia Mele Pereira da Silva, a quem H. Pires

confiou a tradução de Obras póstumas, A gênese e a segunda parte de O céu e o inferno, que

conseguiu entregar todas as traduções ao editor Frederico Giannini. H. Pires, por sua vez,

encarregou-se de traduzir O livro dos espíritos, O livro dos médiuns, O Evangelho segundo o

espiritismo e a primeira parte de O céu e o inferno, também prefaciando todas elas, adicionando

notas e esclarecendo trechos. Além das editoras Calvário e Edicel, a tradução e H. Pires também

foi publicada por outras editoras, como a Eme, a Lake e a FEESP, que será analisada adiante.

Sobre as normas iniciais que regem suas escolhas, H. Pires, citado por Rizzini (2001),

adverte que o principal objetivo das traduções de obras doutrinárias do espiritismo devia tomar

como regra geral

a maior fidelidade ao texto original, com o maior respeito pela nossa língua. Issoquer dizer [...] que a fidelidade não implica o prejuízo do texto português. Pelocontrário, queremos que o leitor brasileiro tenha a impressão de estar lendo umtexto escrito primitivamente em português (e português do Brasil). A razãodessas exigências é a seguinte: as obras doutrinárias, particularmente as deKardec, são documentos da Doutrina. São básicas. A mudança de uma palavrapode modificar o sentido original ou dar-lhe a possibilidade de novainterpretação. E estamos lutando para repor Kardec em sua legitimidade, a maisabsoluta. (RIZZINI, 2001, p. 219).

Percebe-se que H. Pires ora valoriza o texto-alvo, ao afirmar que preza pelo respeito à

língua do sistema de chegada, ora busca se manter próximo ao texto-fonte. Nota-se que o tradutor

é ciente de seu comportamento e das normas que devem reger seu trabalho. Retomando os

conceitos de Toury (1995) sobre as normas tradutórias que conduzem o comportamento do

tradutor e orientam suas escolhas, vale dizer que a tradução pode assumir uma postura que tende à

“aceitabilidade”, isto é, quando as normas favorecem a cultura de chegada e há um maior

distanciamento do texto-fonte, ou uma postura inclinada à “aceitação”, quando as normas

privilegiam a cultura de partida. A posição de “aceitabilidade” é muito conhecida também no

termo utilizado pelo teórico norte-americano Lawrence Venuti, que menciona a estratégia de

“domesticação” (domestication) para designar a prática tradutória que apaga as marcas do

estrangeiro e que adapta tudo à cultura-alvo (VENUTI, 1995). Desse modo, para H. Pires, a

“domesticação” ou “adequação” passa a ser a estratégia desejada para esse tipo de gênero textual

28

– o texto religioso –, uma vez que fornece um documento de base para a doutrina. No entanto, H.

Pires também revela a preocupação de “ser fiel ao sentido original do texto original”, acreditando

que as traduções devem manter Kardec em sua “legitimidade” mais absoluta.

Vale citar a posição que H. Pires tinha com relação a outra tradução do ESE. Através de

um artigo intitulado Adulteração das Obras de Kardec, ele criticou veementemente uma edição

publicada em 1974 pela FEESP, cuja tradução se propunha a “atualizar” a linguagem doutrinária,

mas que segundo a crítica espírita, adulterou, substituiu e até mesmo suprimiu expressões

evangélicas e kardequianas – o que, em nosso entendimento, caracteriza um tipo de adaptação –,

causou grande alvoroço no meio espírita daquele período (AMORIM, 2017).

Passando-se para uma análise inicial dos paratextos da tradução de H. Pires, cuja edição

consultada é a 19ª, publicada em 2006 pela FEESP, a capa, sobre um fundo coral, apresenta um

retrato colorido de Allan Kardec, acima do qual está o título, disposto em três linhas. Uma quarta

linha é reservada para informar o nome do tradutor, que passa a ganhar destaque já na capa. No

canto inferior esquerdo da figura constam os dizeres ‘Edições FEESP’. O nome do autor, Allan

Kardec, por sua vez, é apresentado abaixo da imagem, centralizado.

Figura 3 – Capa do ESE (Tradução de J. Herculano Pires)

Fonte: Imagem digitalizada pelo autor (2018).

A contracapa traz o título de uma tabela contendo as “obras do autor para estudos

filosóficos, científicos e religiosos da doutrina espírita”. Abaixo dela, estão a logomarca e o nome

da editora, além do código de barras ISBN. Essa edição vem com orelhas que trazem trechos de

comunicações recebidas dos “guias espirituais” de Allan Kardec. Na segunda orelha, a logomarca

da editora aparece depois do texto. Quanto à parte interna, há folhas de guarda no início. Na falsa

folha de rosto, o título aparece centralizado, contendo, no verso, as informações referentes aos

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação. No cabeçalho da folha de rosto constam o

nome do autor e, mais abaixo, o título, todos em letras maiúsculas. Na metade da página, vê-se o

seguinte texto: “Contendo a explicação das máximas do Cristo, sua concordância com o

29

Espiritismo e sua aplicação às diversas situações da vida”. Dois espaços depois, os dizeres: “Fé

inabalável é somente aquela que pode encarar a razão, face a face, em toda as épocas da

humanidade”. Após novo intervalo, tem-se a expressão “Tradução de” e, abaixo, o nome do

tradutor, J. Herculano Pires. No final, está a logomarca da editora. O verso da folha de rosto traz o

título e os dados complementares da obra. Uma explicação assinada pelo tradutor ocupa as duas

páginas que antecedem o índice, que, por sua vez, é seguido por seis páginas contendo os “traços

biográficos de espíritos dos quais algumas comunicações foram publicadas” na obra. Observa-se a

preocupação do tradutor em situar a obra culturalmente e aproximar o leitor da cultura do texto-

fonte, uma vez que são apresentadas informações históricas sobre personagens como Erasto,

discípulo de Paulo; Fénelon, prelado francês e autor de Telêmaco; Delphine de Girardin, poetisa e

romancista francesa; Lamennais, filósofo e escritor político francês, entre outras personagens.

Após o último capítulo do livro, têm-se mais quatro páginas reservadas para a divulgação de

outras obras espíritas publicadas pela editora. A tradução apresenta, ainda, uma nota explicativa

assinada pelo tradutor, situando e introduzindo a obra ao leitor.

Figura 4 – Explicação do tradutor J. Herculano Pires

Fonte: Imagem digitalizada pelo autor (2018).

Além da explicação introdutória à obra, o tradutor também se faz visível ao longo das

notas de rodapé. Com relação às notas do texto-fonte, o tradutor opta por manter oito das dez

notas, enquanto as outras duas se encontram inseridas no corpo do texto. Diferentemente da

tradução de Ribeiro, analisada anteriormente, o próprio tradutor é o responsável pelas notas de

sua tradução, não aparecendo nenhuma nota da editora. Foi identificado um total de cinco notas

do tradutor.

30

4.3 A TRADUÇÃO DE EVANDRO NOLETO BEZERRA

A tradução de Evandro Noleto Bezerra foi lançada em 2008 e é uma publicação da

editora da FEB, cuja proposta consiste em fornecer uma linguagem mais atual e acessível da obra.

A edição utilizada para esta descrição é a segunda, impressa em 2017.

Evandro Noleto Bezerra29, natural do Maranhão, médico psiquiatra, é o único dos três

tradutores ainda vivo. Tornou-se espírita aos 18 anos de idade, quando se deparou com a leitura

de O livro dos espíritos. Segundo informações contidas no site da editora da FEB, Bezerra já

ocupou, nessa entidade, os cargos de assessor do presidente, diretor e secretário geral.

Atualmente, é membro da diretoria executiva da FEB e um dos redatores da revista Reformador.

Como tradutor, verteu para o português, pela editora da FEB, todas as obras espíritas de Kardec,

tanto o pentateuco como as obras complementares, totalizando 25 volumes. Organizou, ainda,

uma primeira edição bilíngue do ESE, baseando-se na primeira versão francesa da obra.

Em entrevista publicada no site YouTube30, indagado sobre o processo de tradução das

obras de Kardec, Bezerra revela que sua primeira tradução foi o primeiro volume da Revista

Espírita (1858), publicada em 2004 como Revista Espírita. O tradutor destaca a “clareza, a

concisão, a elegância e urbanidade” de que Kardec se utiliza para escrever seus livros, de tal

modo “que ninguém possa ter interpretação divergente acerca de uma frase que ele escreva [...] a

fim de preservar a unidade da doutrina” (ESPIRITISMO EM REVISTA, 2017). Em outra

entrevista, publicada em novembro de 2007 na revista Reformador, Bezerra comenta sobre sua

motivação para a tradução das obras de Kardec, afirmando que muitos leitores espíritas evitam as

edições da FEB realizadas por Ribeiro, por possuírem uma “linguagem erudita, recheada de

expressões complexas e vocábulos peculiares à época em que foram escritos, hoje em desuso ou

pouco empregados e que tornam a leitura cansativa, exigindo maior atenção do leitor

(REFORMARDOR, 2007, p. 417). O tradutor, entrevistado pela revista Reformador, prossegue

dizendo que a motivação para traduzir as obras de Kardec estaria em

Facilitar aos leitores desprovidos de maiores recursos intelectuais a corretacompreensão daquilo que estão lendo, por meio de uma linguagem leve, maissolta, recheada de termos e expressões mais próximas da sua realidade cotidiana,sem prejuízo da correção da língua e com escrupulosa observância da fidelidadeao texto original, o que não significa de modo algum, que tenhamos traduzido aopé da letra, obrigados que fomos, algumas vezes, a nos servir de paráfrases e asubstituir palavras e expressões sem correspondência com a nossa língua.(REFORMADOR, 2007, p. 417-418).

29 Com relação ao ano de seu nascimento, não foi encontrada nenhuma informação. De acordo com o site da editorada FEB, o tradutor teria em torno de 65 anos de idade. FEB (Org.). Evandro Noleto. Disponível em:<http://www.febeditora.com.br/autores/evandro-noleto/>. Acesso em: 04 julho 2018.30 A entrevista, concedida para o programa Espiritismo em Revista, foi publicada em 4 de novembro de 2017, pelocanal Inspiration Spirite. Disponível em: <https://youtu.be/7lBSIxccZU8>. Acesso em: 04 julho 2018.

31

Vê-se, através do comentário acima, que, sobretudo por se tratar de um texto religioso, o

tradutor acredita que há um sentido original que deva ser alcançado, embora se saiba que os

processos de leitura, que estão na base da tradução, sejam históricos e se modifiquem de acordo

com o período ao qual estão delimitados. No depoimento de N. Bezerra, vê-se igualmente a

necessidade de se traduzir novamente as obras da codificação kardequiana, em que a estratégia do

tradutor é utilizar linguagem mais atual, valorizando a cultura receptora, com o intuito de facilitar

a compreensão. Nesse sentido, vale aludir ao que Toury (1995) chama de normas operacionais

“textuais ou linguísticas”, que atuam durante o processo tradutório e afetam as relações entre

texto-fonte e texto-alvo, pois são aquelas que envolvem a composição do texto e estão

relacionadas com o tipo de material linguístico e estilístico a ser (re)formulado no texto-alvo.

Dando prosseguimento à análise da tradução de N. Bezerra, cuja edição utilizada é a

segunda, publicada em 2017 pela FEB, vê-se que a capa, composta em tons esverdeados, mostra

uma imagem de Allan Kardec na metade superior, posicionada sobre um manuscrito. Na parte

inferior, à esquerda, constam o nome do autor destacado em negrito; o título da obra, ocupando

três linhas; e, em tamanho reduzido, a informação “Tradução de Evandro Noleto Bezerra” e, na

mesma linha, no canto inferior direito, vê-se a logomarca da FEB.

Figura 5 – Capa do ESE (Tradução de Evandro Noleto Bezerra)

Fonte: Imagem digitalizada pelo autor (2018).

A contracapa apresenta parte da imagem de Kardec e, ao lado, observa-se uma breve

descrição da obra, distribuída em três parágrafos. Passando para a parte interna, na metade

superior da falsa folha de rosto, encontra-se o título da obra, posicionado da mesma maneira que

na folha de rosto. Mais abaixo, em letras menores, a palavra “contém” ocupa uma linha e precede

o seguinte texto, inserido após o espaço subsequente: “A explicação das máximas morais do

Cristo em concordância com o espiritismo e suas aplicações às diversas circunstâncias da vida”.

Após novo espaçamento, as próximas linhas trazem a preposição “por”, o nome e a reprodução da

assinatura do autor, respectivamente. Adiante, constam os dizeres: “Fé inabalável é somente a que

pode encarar a razão face a face, em todas as épocas da humanidade”. Tem-se, novamente, a

32

indicação do nome do tradutor e, por fim, a logomarca da FEB. O verso da folha de rosto contém

os dados complementares da obra, relativos aos direitos autorais e à edição, bem como a ficha

catalográfica, onde constam informações acerca da tradução de N. Bezerra, feita a partir da

terceira edição francesa. O sumário é apresentado na página seguinte. Após o último capítulo da

obra, seguem-se cinco páginas de nota explicativa da editora, com o seguinte esclarecimento

impresso no rodapé:

Esta Nota Explicativa, publicada em face de acordo com o Ministério PúblicoFederal tem por objetivo demonstrar a ausência de qualquer discriminação oupreconceito em alguns trechos das obras de Allan Kardec, caracterizadas, todas,pela sustentação dos princípios de fraternidade e solidariedade cristãs, contidosna Doutrina Espírita. (KARDEC, 2008c, p. 375).

Com relação às notas de rodapé, a estratégia da tradução de N. Bezerra foi manter

todas as dez notas existentes no texto-fonte. Dos tradutores analisados no presente estudo, a

tradução de N. Bezerra é a que apresenta o maior número de notas, sendo cinco do tradutor e

dezenove da editora.

De maneira geral, as notas presentes nas três traduções analisadas buscam explicar o

sentido das notas do próprio Kardec; acrescentar trechos ou concluir frases “incompletas”, de

modo a corrigir possíveis omissões da terceira edição francesa (sendo utilizada a primeira

edição como referência); contextualizar a época em que foram escritos determinados termos;

explicar nomes pouco conhecidos em língua portuguesa; e, principalmente, esclarecer

escolhas referentes às traduções bíblicas e quais versões foram consultadas. Porém, não são

fornecidos comentários a respeito do processo tradutório e tampouco são comentadas as

estratégias desses tradutores.

4.4 TRADUÇÃO DE NOMES PRÓPRIOS NAS TRÊS TRADUÇÕES

Nesta etapa, pretende-se elaborar uma breve análise descritivo-comparativa das

traduções de nomes próprios, buscando identificar quais foram as estratégias adotadas nas três

traduções. O intuito é apresentar uma pequena amostra da análise linguística, que poderia ser

desenvolvida em outros estudos.

O ESE, conforme foi mostrado anteriormente, traz muitas marcas culturais, como os

nomes próprios assinados por “espíritos” autores das instruções e, também, o nome das cidades

onde foram recebidas as comunicações.

É interessante notar como cada tradutor lidou com as traduções desses nomes em

francês, cuja maioria pode ser traduzida para o português, como Sanson/Sansão,

Delphine/Delfina, Elisabeth/Isabel, Jules/Júlio, François/Francisco.

33

Quadro 1 – Tradução de nomes próprios

Nomes próprios e descriçõesTEXTO-FONTE T1 – RIBEIRO T2 – H. PIRES T3 – N. BEZERRASanson, anc. membre de la Société spirite de Paris

Sanson, ex-membro da Sociedade Espírita de Paris

Sansão, antigo membroda Sociedade Espírita de Paris

Sanson, antigo membroda Sociedade Espírita de Paris

Delphine de Girardin Delfina de Girardin Delphine de Girardin Delphine de Girardin

Bernardin, Esprit protecteur

Bernardino, Espírito protetor

Bernardim, Espírito protetor

Bernardin, Espírito protetor

Ferdinand, Esprit protecteur

Ferdinando, Espírito protetor

Ferdinando, Espírito protetor

Ferdinand, Espírito protetor

Élisabeth de France Isabel de França Elisabeth de França Elizabeth de França

Jules Olivier Júlio Olivier Jules Olivier Jules Olivier

François-Xavier Francisco Xavier Francisco Xavier Francisco Xavier

François de Genève François de Genève François de Genève François de Genève

Nomes de cidades

TF T1 T2 T3Le Havre Havre Havre Le Havre

Bordeaux Bordéus Bordeaux Bordeaux

Constantine Constantina Constantina Constantine

Lyon Lião Lyon Lyon

Cracovie Cracóvia Cracóvia Cracóvia

Alger Argel Alger Argel

Karlsruhe Carlsruhe Carlsruhe CarlsruheFonte: Elaborado pelo autor (2018).

Nos exemplos demonstrados acima, percebe-se que a tradução de N. Bezerra tende para

a preservação dos nomes em língua francesa, ao passo que a tradução de Ribeiro buscou

encontrar seus equivalentes em português. Quanto à tradução de H. Pires, observa-se que foram

mantidos os nomes em francês, como em português, sem seguir um critério principal.

Vale atentar para os casos François-Xavier e François de Genève. Apesar de manterem

os mesmos prenomes no texto-fonte, são apresentados com nomes diferentes nas três traduções

analisadas, em que se optou por traduzir François-Xavier para Francisco Xavier, mas manter em

francês o nome François de Genève.

No que diz respeito aos nomes das cidades, a tradução de Ribeiro seguiu a mesma

estratégia de aportuguesamento dos nomes próprios citados anteriormente, até em casos como

Bordéus e Lião. Nas duas traduções mais recentes, no entanto, os nomes destas cidades foram

mantidas em francês, como Bordeaux e Lyon. No caso da cidade Alger, T1 e T3 optaram por

traduzir como Argel, enquanto que T2 manteve como no TF, ao passo que com a cidade

Cracovie, todas as traduções a apresentaram como Cracóvia.

34

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo buscou analisar, ainda que de forma inicial, à luz dos Estudos

Descritivos da Tradução, três traduções brasileiras da obra L’évangile selon le spiritisme de Allan

Kardec, realizadas por Guillon Ribeiro (1944), J. Herculano Pires (1998) e Evandro Noleto

Bezerra (2008).

Sabendo que o ESE é uma das obras-base da doutrina espírita, considerou-se necessário

realizar uma breve introdução ao contexto em que a obra estava inserida quando foi publicada,

bem como discutir rapidamente sua importância para o espiritismo e o papel de seu codificador,

Allan Kardec, trazendo-se alguns fatos relevantes de sua vida e formação acadêmica. No que se

refere às traduções, julgou-se indispensável trazer à tona – mas levando em consideração que a

natureza deste trabalho não permite uma abordagem exaustiva – algumas informações biográficas

sobre os tradutores, consideradas relevantes para se compor um perfil do tradutor, além de alguns

comentários relativos ao trabalho de tradução realizado por cada um, pois sabe-se que o discurso

sobre a tradução, do próprio tradutor ou de outros atores, é um elemento importante na definição

das normas que regem o trabalho do tradutor em dada época e lugar.

O presente estudo pretendeu mostrar como as traduções se apresentam. Há, sem dúvida,

diversos aspectos que ainda podem ser analisados. Para tanto, uma investigação mais apurada

precisaria ser desenvolvida para estudar, por exemplo, as estratégias tradutórias adotadas por cada

um dos tradutores do ESE, ou a forma como suas traduções dialogam com outras traduções

existentes ou, ainda, até que ponto essas escolhas interferem na interpretação e compreensão do

texto.

Assim, conseguiu-se chegar a alguns apontamentos relevantes. Todos os tradutores

possuem forte vínculo com a doutrina espírita e partilham o fato de terem traduzido parcial ou

integralmente as obras de Allan Kardec para o português brasileiro. Nenhum dos tradutores

analisados, no entanto, viveu integralmente dessa função. No caso de Ribeiro e N. Bezerra, ambos

desempenharam funções importantes dentro da FEB, a maior e principal instituição espírita do

Brasil. Desse modo, suas traduções passam, consequentemente, a gozar de certo prestígio e

notoriedade no meio espírita, o que fica claro ao se ler comentários elogiosos publicados em

diversas edições da revista Reformador, que está ligada à FEB. Vale destacar, ainda, que tanto

Ribeiro como N. Bezerra gozavam, antes mesmo de serem tradutores de obras espíritas, de certa

autoridade dentro da instituição de maior poder dentro do espiritismo brasileiro – a FEB. Assim, a

relação entre tradução e poder dentro desse contexto religioso poderia servir de tema para

trabalhos futuros.

35

No caso de H. Pires, sua experiência como literato e personagem inserida no meio

editorial é notória, e talvez isso tenha contribuído para que ele se preocupasse com questões que

permitissem dar maior visibilidade ao tradutor, tais como notas e comentários de tradução.

De modo geral, pôde-se conhecer determinados pontos de vista e as ideias sobre tradução

que os três tradutores assumem, embora sustentar um discurso sobre tradução nem sempre reflita

suas práticas. Além disso, com base nos conceitos de Toury (1995), foi possível identificar

algumas das normas que conduziram o trabalho dos tradutores.

No que concerne às análises iniciais de algumas questões paratextuais das traduções

selecionadas, observou-se que apenas na edição mais antiga, de 1998, de Ribeiro, o tradutor não

ganha visibilidade na capa. As informações preliminares levantadas neste estudo mostraram que o

nome tradutor Ribeiro apenas é mencionado numa nota fornecida pela própria editora, a FEB, em

que se encontram informações sobre sua vida pessoal e profissional. Essa edição busca apresentar,

ainda, um índice bíblico que ajuda o leitor a encontrar as passagens citadas no Evangelho e que

são mencionadas por Kardec. O tradutor H. Pires, por sua vez, além de ganhar destaque na capa,

possui visibilidade, também, numa nota explicativa, em que busca apresentar ao leitor

informações relevantes sobre a obra e os nomes de personagens históricas. A edição mais recente

da mesma tradução, por sua vez, traz um resumo da obra em sua contracapa, mas não apresenta

nenhuma explicação introdutória assinada pelo tradutor. Ao se deparar com essas edições, o leitor

certamente pode ser introduzido ou apresentado de forma diferente à obra, pois as informações

que cercam o texto buscam colocar em evidência aspectos diferentes.

Além das investigações paratextuais, buscou-se apresentar uma breve análise descritivo-

comparativa das traduções de nomes próprios contidos no texto-fonte, por exemplo, os nomes de

“espíritos” autores das mensagens e os nomes de cidades onde foram feitas as comunicações. A

ideia foi apontar os aspectos linguísticos que podem ser desenvolvidos para pesquisas futuras.

Nos exemplos mostrados, observou-se que a estratégia usada na tradução Ribeiro foi aportuguesar

a maioria dos nomes, diferentemente da estratégia de N. Bezerra, que buscou manter os nomes em

francês. No caso da tradução de H. Pires, a estratégia foi traduzir parte dos nomes em português,

parte em francês.

No que diz respeito às notas de rodapé, observou-se que na tradução de Ribeiro,

publicada pela FEB, elas são de autoria da própria editora, e não há qualquer indicação de

comentários feitos pelo tradutor. A versão de H. Pires, por sua vez, apresenta comentários e notas

assinados pelo próprio tradutor, que passa a ganhar maior visibilidade. A de N. Bezerra, a mais

atual das traduções, tem como proposta fornecer uma linguagem mais “facilitada” e moderna do

ESE. O tradutor também ganha destaque e mostra-se visível através dos comentários em notas de

rodapé.

36

Percebe-se, assim, que as traduções da terceira obra da codificação espírita oferecem um

vasto conjunto de questões passíveis de investigações mais aprofundadas. Assim, não se

considerou examinar o ESE sob o viés da tradução de textos sensíveis, tampouco analisar a

tradução de trechos que contivessem citações bíblicas, por envolverem aspectos que fugiriam aos

objetivos deste estudo.

Conforme apontou Kardec (1866, p. V), muitas passagens do Evangelho, da Bíblia e de

autores sacros, de modo geral, são “ininteligíveis” e até parecem “irracionais”, por sua linguagem

alegórica, e que o espiritismo seria como uma “chave” para sua compreensão. Desse modo, pode-

se pressupor que as traduções analisadas buscam cumprir esse papel na língua de chegada. Sabe-

se que as traduções envelhecem e que novas traduções passam a ser feitas para continuar

cumprindo sua função comunicativa. Um mesmo texto original pode ser traduzido de diferentes

maneiras de acordo com o tempo em que é traduzido, e essas diferenças históricas podem afetar

não apenas aspectos linguísticos, mas também aspectos estéticos e até ideológicos. De fato, as três

traduções apresentaram características específicas que se devem ao contexto histórico em que

foram realizadas.

Acredita-se que novas pesquisas poderiam ser realizadas, à luz de análises mais

minuciosas, abrangendo outras edições e traduções brasileiras do ESE ou, ainda, desenvolvendo

estudos voltados para a história de sua tradução. Espera-se, por fim, que este estudo, ao reunir

informações sobres os tradutores e seus discursos, bem como as breves descrições sobre essas

três traduções do ESE, possa incentivar a produção de futuras investigações, contribuindo para o

vasto campo dos estudos da tradução e para os estudos voltados para a tradução de obras

espíritas no contexto brasileiro.

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REFERÊNCIAS

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