UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE … · Construção da curva de...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS FÍSICAS E MATEMÁTICAS
DEPARTAMENTO DE QUÍMICA
UTILIZAÇÃO DE UM CORANTE PERICRÔMICO NA DETERMINAÇÃO DE
ALQUILBENZENOSSULFONATOS EM DETERGENTES COMERCIAIS
AMANDA CRISTINA DE JESUS CUNHA
Florianópolis
Fevereiro/2017
Amanda Cristina de Jesus Cunha
UTILIZAÇÃO DE UM CORANTE PERICRÔMICO NA DETERMINAÇÃO DE
ALQUILBENZENOSSULFONATOS EM DETERGENTES COMERCIAIS
Relatório apresentado ao Departamento de Química
da Universidade Federal de Santa Catarina,
como requisito parcial da disciplina de
Estágio Supervisionado II (QMC 5512)
Orientador: Dr. Vanderlei Gageiro Machado Co-orientadora: Dra. Vanderléia Gava Marini
Florianópolis
Fevereiro/2017
3
Amanda Cristina de Jesus Cunha
UTILIZAÇÃO DE UM CORANTE PERICRÔMICO NA DETERMINAÇÃO DE
ALQUILBENZENOSSULFONATOS EM DETERGENTES COMERCIAIS
____________________________________________________________
Prof. Dr. Luciano Vitali
Coordenador de Estágios do Curso de Bacharelado em Química
Banca Examinadora:
____________________________________________________________
Prof. Dr. Vanderlei Gageiro Machado
Orientador
____________________________________________________________
Prof. Dr. Bruno Silveira de Souza
____________________________________________________________
Prof. Dr. Miguel Soriano Balparda Caro
Florianópolis
Fevereiro/2017
4
“Captured in this bright sparkling glitter dome
An enlightened shimmering black chamber
Levitating grand massive comets
Into here and then ascend to rise
Broaden, unbundles pursuit of life
In blessed observance combined
Conceive, subsist in gratitude
From each universe echoed”
(Weltseele – Obscura)
5
Agradecimentos
A Deus, por me proporcionar uma sorte acima da média.
Ao meu orientador Vanderlei, pela paciência, e principalmente pela
oportunidade de desenvolver um projeto cuja aplicação é compatível com o dia-a-
dia, algo que inicialmente me motivou a escolher o curso de Química.
Aos atenciosos colegas do Polissol, especialmente ao Carlos e à Vanderléia,
por toda a atenção concedida na realização deste trabalho.
À minha querida mãe, por ser o norte da minha vida, pela dedicação
excepcional na minha educação e formação, e pelos ensinamentos, exemplos, apoio
e amor incondicional que pretendo transmitir para as próximas gerações da nossa
família.
Ao meu tio Valdeci, pelos ensinamentos, exemplos positivos e apoio.
À toda minha família materna e paterna, especialmente ao meu pai, às
minhas quatro lindas irmãs e aos meus queridos seis (e contando...) sobrinhos.
Ao meu querido amigo de longa data e distância, Eduardo Comys, pela
amizade sincera, “desleal” e “100% desinteressada”.
À professora Lúcia, por aquele teste de chama com sais inorgânicos no 1°
ano do ensino médio que despertou minha curiosidade e definiu meu futuro.
A todos os professores do departamento de Química que contribuíram para
a minha formação acadêmica, especialmente aos professores Marcus Sá, Maria da
Graça, Tereza Cristina e ao meu orientador Vanderlei, cujos exemplos de dedicação
ao trabalho são inspiradores a todos que desejam ser bons profissionais.
À Universidade Federal de Santa Catarina, alma mater, e aos seus
servidores e colaboradores, principalmente aos funcionários da limpeza e
manutenção do campus, do Restaurante Universitário, e das Bibliotecas Central e
Setorial do CFM.
À Capes e CNPq pelo fomento.
E a todos aqueles que contribuíram positivamente na minha caminhada até
aqui.
6
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .............................................................................................................................. 14
2. REFERENCIAL TEÓRICO ............................................................................................................ 16
2.1. Surfactantes ................................................................................................ 16
2.1.1. Alquilbenzenossulfonatos (ABS) .................................................... 17
2.1.2. Micelização ....................................................................................... 18
2.2. Pericromismo .............................................................................................. 22
2.2.1. Interação de corantes com surfactantes em meio aquoso .......... 26
3. OBJETIVOS .................................................................................................................................. 30
3.1. Objetivos Gerais ......................................................................................... 30
3.2. Objetivos Específicos ................................................................................ 30
4. METODOLOGIA ............................................................................................................................ 31
4.1. Materiais ...................................................................................................... 31
4.2. Método espectrofotométrico do azul de metileno (NBR 10738:1989) .... 31
4.2.1. Preparo das soluções ...................................................................... 31
4.2.2. Construção da curva de calibração ................................................ 32
4.2.3. Testes com amostras de detergentes comerciais ........................ 34
4.3. Método Pericrômico ................................................................................... 35
4.3.1. Determinação do ET(corante) .......................................................... 35
4.3.2. Avaliação do ET(corante) com a adição de DBS............................ 36
4.3.3. Construção da curva de calibração ................................................ 37
4.3.4. Testes com amostras comerciais ................................................... 37
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO .................................................................................................... 39
5.1. Método espectrofotométrico do azul de metileno (NBR 10738:1989) .... 39
5.1.1. Construção da curva de calibração ................................................ 39
5.1.2. Determinação do teor de DBS nas amostras de detergentes
comerciais a partir da metodologia da ABNT ............................................ 41
5.2. Método Pericrômico ................................................................................... 44
5.2.1. Estudo do pericromismo ................................................................. 44
7
5.2.2. Cálculo dos teores de ABS nas amostras ..................................... 52
5.3. Comparação entre os métodos ................................................................... 54
6. CONCLUSÃO ................................................................................................................................ 57
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................. 58
8
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Representação simplificada de uma molécula de surfactante ................. 16
Figura 2. Representação das estruturas moleculares de alguns surfactantes ........ 17
Figura 3. Representação esquemática dos monômeros de surfactante em solução
aquosa antes e depois da CMC ............................................................................... 18
Figura 4. Ilustração esquemática da solvatação aquosa no monômero de
surfactante e na micela ............................................................................................ 19
Figura 5. Propriedades físicas visualizadas na determinação experimental da CMC
................................................................................................................................. 20
Figura 6. Tensão superficial de uma gota de água sem surfactante e com
surfactante ............................................................................................................... 22
Figura 7. Ilustração esquemática do comportamento da banda de absorção de um
soluto frente ao aumento da polaridade de solventes. ............................................. 23
Figura 8. Esquematização da transferência de carga intramolecular na betaína de
Reichardt (composto 6) ............................................................................................ 25
Figura 9. Representação da estrutura molecular do corante 7 ............................... 26
Figura 10. Representação do modelo de Gouy-Chapman ...................................... 27
Figura 11. Representação simplificada das regiões de solubilização em uma micela
................................................................................................................................. 27
Figura 12. Esquematização da construção da curva de calibração utilizando o
método espectrofotométrico do azul de metileno ..................................................... 33
Figura 13. Esquematização da diluição das amostras de detergente para análise
pelo método ABNT ................................................................................................... 34
Figura 14. Ilustração esquemática do procedimento de determinação do
ET(corante) ............................................................................................................... 36
9
Figura 15. Esquematização da titulação do corante com DBS ............................... 37
Figura 16. Ilustração esquemática da preparação das amostras comerciais para
leitura em UV-vis ...................................................................................................... 38
Figura 17. Representação da estrutura molecular do AM (A) e do DBS (B). .......... 39
Figura 18. Curva de calibração obtida pela metodologia da ABNT ......................... 41
Figura 19. Espectros de UV-vis do corante 7 em: água(─), metanol(─), etanol(─), 1-
propanol(─), 1-butanol(─), acetona(─), DMF(─), DMA(─), DMSO(─) e acetonitrila(─)
................................................................................................................................. 44
Figura 20. Correlação entre ET(corante) para o composto 7 e ET(30) nos solventes:
(a) acetona, (b) DMA, (c) DMF, (d) DMSO, (e) acetonitrila, (f) 1-butanol, (g) 1-
propanol, (h) etanol, (i) metanol, (j) água ................................................................. 46
Figura 21. Representação estrutural de ressonância do corante 7: (A) forma
benzenoide, (B) forma quinonoide ........................................................................... 47
Figura 22. Variação do comprimento de onda do corante 7 em função da
porcentagem volume/volume de DBS 0,1 mol L-1: 0%(─) 2%(─) 4%(─) 6%(─) 8%(─)
10%(─) 20%(─) 30%(─) 40%(─) 50%(─) ................................................................. 48
Figura 23. Comparação entre o comportamento da banda solvatocrômica do
corante com a adição de pequenas alíquotas de (a) DBS e (b) SDS ...................... 50
Figura 24. Variação de ET(corante) com a adição de alíquotas de DBS 4,9 mmol L-1
................................................................................................................................. 51
Figura 25. Curva padrão para a determinação de ABS em amostra de detergente
através do método pericrômico ................................................................................ 52
Figura 26. Comparação entre os métodos: ABNT (█), Pericrômico (█) e Desvio
Médio (█). ................................................................................................................ 54
10
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Comprimentos de onda máximos de absorção das hemicianinas em
diferentes ambientes ................................................................................................. 27
Tabela 2. Volumes de solução estoque retirados para as soluções padrões ........... 31
Tabela 3. Massa de detergente adicionada à solução diluída 1 e volumes corrigidos
transferidos para a solução diluída 2 ......................................................................... 35
Tabela 4. Volumes adicionados de água e DBS para a avaliação do ET(corante) ... 36
Tabela 5. Absorvâncias das soluções padrões de DBS obtidas através do método
espectrométrico do azul de metileno ......................................................................... 40
Tabela 6. Dados obtidos nas leituras de UV-vis para as amostras comerciais através
do método espectrofotométrico do azul de metileno ................................................. 42
Tabela 7. Dados encontrados no cálculo do teor de DBS na amostra seguindo a
metodologia ABNT .................................................................................................... 43
Tabela 8. Variações dos comprimentos de onda do corante 7 em solventes polares
próticos e apróticos ................................................................................................... 45
Tabela 9. Energias de transição molares do corante 7 em diversos solventes......... 46
Tabela 10. Variação do comprimento de onda de absorção com o teor de DBS ..... 49
Tabela 11. Dados obtidos nas leituras de UV-vis e resultados para as amostras
comerciais utilizando o método pericrômico .............................................................. 53
Tabela 12. Comparação entre os limites de detecção e quantificação dos métodos.
.................................................................................................................................. 55
11
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABNT
ABS
AM
Anvisa
c
Ca
CMC
CTABr
DBO
DBS
DMA
DMF
DMSO
DQO
ET
ET(30)
ET(corante)
FISPQ
h
LD
LQ
m/m
ma
mDBS
mi
NA
Nag
NBR
R2
S
Associação Brasileira de Normas Técnicas
Alquilbenzenossulfonato
Azul de Metileno
Agência Nacional de Vigilância Sanitária
Velocidade da luz no vácuo
Concentração de dodecilbenzenossulfonato de sódio na 2ª diluição da
amostra
Concentração micelar crítica
Brometo de cetiltrimetilamônio
Demanda Bioquímica de Oxigênio
Dodecilbenzenossulfonato de sódio
N,N-Dimetilacetamida
N,N-Dimetilformamida
Dimetilsulfóxido
Demanda Química de Oxigênio
Energia de transição molar
Energia de transição molar da betaína de Reichardt
Energia de transição molar do corante 7
Ficha de Informações de Segurança de Produtos Químicos
Constante de Planck
Limite de Detecção
Limite de Quantificação
Razão massa/massa
Massa de dodecilbenzenossulfonato de sódio na 2ª diluição da amostra
Massa de dodecilbenzenossulfonato de sódio na 1ª diluição da amostra
Massa inicial pesada da amostra
Constante de Avogadro
Número de agregação
Norma Brasileira
Coeficiente de determinação
Coeficiente angular da curva de calibração
12
s
SAAM
SB3-14
SDS
UV-vis
v/v
V1
V2
Va
Vb
Δλ
λmax
μe
μg
Coeficiente linear da curva de calibração
Substâncias Ativas ao Azul de Metileno
3-(N,N-dimetilmiristilamônio)propanossulfonato
Dodecilssulfato de sódio
Região do Ultravioleta e Visível
Razão volume/volume
Volume total da 1ª diluição da amostra
Volume total da 2ª diluição da amostra
Volume transferido da 1ª diluição para a 2ª diluição da amostra
Volume transferido da 2ª diluição para a extração da amostra
Variação do deslocamento da banda solvatocrômica
Comprimento de onda máximo de absorção
Momento de dipolo do estado excitado
Momento de dipolo do estado fundamental
13
RESUMO
Os alquilbenzenossulfonatos compõem a matéria ativa dos detergentes comerciais,
e são poluentes dos sistemas aquáticos. Uma forma de controlar a liberação destes
tensoativos aos rios e lagos é a quantificação destes compostos nos efluentes. O
método atualmente empregado para tal é o método espectrofotométrico do azul de
metileno (NBR 10738:1989), que possui difícil execução, o que torna necessário
propor alternativas simplificadas a este método. A utilização de uma hemicianina
catiônica com habilidade de detectar variações de polaridade nas suas vizinhanças,
exibindo solvatocromismo positivo em soluções aquosas contendo surfactantes
aniônicos, permitiu seu emprego na quantificação de alquilbenzenossulfonatos em
amostras de detergentes, que foi realizada através da construção de uma curva de
calibração. Os resultados encontrados foram comparados com aqueles obtidos
utilizando a norma NBR 10738:1989, e verificou-se que aplicação da metodologia
proposta para a quantificação de alquilbenzenossulfonatos em amostras de
detergentes comerciais é viável.
Palavras-chave: alquibenzenossulfonato, pericromismo, método espectrofotométrico
do azul de metileno, titulação pericrômica.
14
1. INTRODUÇÃO
Historicamente, os surfactantes são utilizados pela humanidade há milhares
de anos. Por exemplo, existem registros da utilização de sabão encontrados em
artefatos de barro datados em cerca de 2800 a.C. na região da Babilônia - onde
atualmente está localizado o Iraque.
O desenvolvimento da tecnologia permitiu a produção de vários tipos de
surfactantes, entre eles, os alquilbenzenossulfonatos (ABS), que possuem maior
poder de limpeza em relação ao sabão. Isso possibilitou uma maior aceitação no
mercado, e atualmente são consumidos em larga escala.
Em contrapartida, o tratamento inadequado dos efluentes contendo ABS
gera um intenso impacto ambiental, especialmente em razão do uso dos ABS não-
lineares, que resultam em danos aos ecossistemas aquáticos e terrestres, dificultam
o tratamento da água para consumo humano, aumentam a demanda química de
oxigênio (DQO) e a demanda bioquímica de oxigênio (DBO), além de favorecerem a
eutrofização de rios e lagos.
Recentemente, nos Jogos Olímpicos Rio-2016, esse impasse foi
evidenciado pela repercussão negativa da poluição das águas da baía de
Guanabara - um dos maiores cartões-postais da cidade-sede e também local de
provas aquáticas. Uma das fontes de poluição é a liberação de esgotos sanitários
não tratados contendo diversos contaminantes, entre eles, os ABS.
Partilhando das preocupações com a qualidade e disponibilidade da água,
foram estabelecidas leis infraconstitucionais como a Política Nacional de Recursos
Hídricos e o Código Florestal. Inclusive, em alguns estados, existem leis específicas
para o destino dos efluentes, como no Espírito Santo, onde a lei nº 9.439/2010 prevê
o reaproveitamento da água usada por empresas de lavagens de carros. Deste
modo, faz-se indispensável a aplicação de métodos que possam identificar e
quantificar a presença deste contaminante na água.
Atualmente, emprega-se a norma da ABNT NBR 10738:1989 para a
detecção de surfactantes aniônicos através do método espectrofotométrico do azul
de metileno, o qual pode ser aplicado em amostras de água, efluentes domésticos e
industriais. Este ensaio é vastamente utilizado para o fornecimento de laudos
técnicos com resultados confiáveis. Entretanto, para ser executado, exige
15
capacitação técnica, ao mesmo tempo em que há necessidade de uma considerável
instrumentação, além de ser moroso e de fazer uso de solventes orgânicos clorados,
que são poluentes e nocivos à saúde. Além disso, como os ABS encontram-se
presentes nos detergentes utilizados no nosso cotidiano, tornam-se importantes os
estudos de metodologias simples e confiáveis que permitam o controle de qualidade
dos produtos comercializados e dos efluentes gerados.
Deste modo, o presente trabalho visa descrever a aplicação de um novo
método, de fácil aplicação, seguro, que permite uma estimativa da concentração de
ABS em amostras de detergentes comerciais.
16
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1. Surfactantes
Surfactantes, de modo simplificado, são moléculas orgânicas que
apresentam uma cabeça polar, formada geralmente por grupos iônicos ou não-
iônicos, e uma cauda apolar, alifática, podendo apresentar insaturações,
ramificações e grupos aromáticos (Figura 1). Portanto, são compostos anfifílicos, ou
seja, possuem afinidade tanto por compostos hidrofóbicos quanto pelos hidrofílicos,
possibilitando a solubilização em óleos e gorduras, como também em água
(FENDLER, 1982). Isto permite que essas moléculas formem diversos tipos de
soluções coloidais, como emulsões e espumas, permitindo sua aplicação como
sabões, detergentes, umectantes, dispersantes, entre outros, uma vez que essas
moléculas são capazes de residir em interfaces (FENDLER e FENDLER, 1975).
Figura 1. Representação simplificada de uma molécula de surfactante.
Fonte: Elaborada pela autora.
Os surfactantes podem ser classificados segundo diversas propriedades
físicas, como por exemplo, o grau de solubilidade em água e óleo, ou ainda,
conforme o átomo que une a cabeça polar à cauda apolar. Entretanto, é mais
comum a classificação de acordo com a natureza do grupo presente na cabeça
polar. A Figura 2 exibe representações das estruturas moleculares de alguns
surfactantes. Quando a carga no grupo hidrofílico é negativa, como no
dodecilssulfato de sódio (SDS) (1), o surfactante é classificado como aniônico. Já o
brometo de cetiltrimetilamônio (CTABr) (2) e outros surfactantes cuja cabeça polar
apresenta carga positiva, são classificados como catiônicos. Surfactantes dipolares
iônicos ou zwitteriônicos, como o 3-(N,N-dimetilmiristilamônio)propanosulfonato
17
(SB3-14) (3), possuem dois grupos de cargas opostas. Por fim, os surfactantes não
iônicos não apresentam carga em sua estrutura, como no caso do polissorbato-20
(Tween-20) (4) (ROSEN e KUNJAPPU, 2012).
Fonte: Elaborada pela autora.
2.1.1. Alquilbenzenossulfonatos (ABS)
Os alquilbenzenossulfonatos (ABS), como o dodecilbenzenossulfonato de
sódio (DBS) (5), são os surfactantes aniônicos mais utilizados nos últimos 40 anos,
sendo vastamente encontrados em detergentes, cosméticos, tintas e pesticidas,
entre outros (HAUTHAL, 2004). Eles compreendem 26 isômeros e homólogos com
estrutura [R'C6H4SO3
-]Na
+, onde R
' corresponde a uma cadeia alquílica contendo de
10 a 14 carbonos ao longo do seu comprimento (VERGE, BRAVO e BERNA, 2001).
O estudo desta classe de surfactantes é de especial interesse devido
principalmente ao impacto ambiental causado por estes compostos, desde a
produção até o seu descarte (MUNGRAY e KUMAR, 2009). Além de serem um
empecilho a algumas etapas do tratamento dos efluentes nas estações de
Figura 2. Representação das estruturas moleculares de alguns surfactantes.
1
2
3
4
5
18
tratamento de esgoto, visto que criam vultosas camadas de espuma, eles favorecem
o transporte de poluentes e bactérias por longas distâncias (PENTEADO, EL
SEOUD e CARVALHO, 2006).
2.1.2. Micelização
Em soluções aquosas e em baixas concentrações, os surfactantes
encontram-se na forma de monômeros. Os grupos polares estão solvatados pela
água, enquanto observa-se uma descontinuidade dessas interações na fração
apolar, proporcionando um aumento na energia livre no sistema (ISOBE et al., 2005;
MANIASSO, 2001). O acréscimo da concentração de surfactante produz um estado
metaestável no qual os monômeros se agrupam gradativamente até uma
determinada concentração, conhecida como concentração micelar crítica (CMC)
(DIAMANT, 2016; TANFORD, 1980). Neste ponto, os agregados monoméricos de
surfactantes estão associados fisicamente em unidades esféricas conhecidas como
micelas. Assim sendo, as cadeias alifáticas se transferem tanto para fora do meio
aquoso quanto para o interior da micela, ao mesmo tempo em que as repulsões
eletrostáticas entre os grupos polares fazem com que eles ocupem a superfície da
micela (Figura 3), promovendo um estado mínimo de energia livre (EVANS, 1988;
TANFORD, 1974).
Figura 3. Representação esquemática dos monômeros de surfactante em solução
aquosa antes e depois da CMC.
Fonte: Elaborada pela autora.
Essa redução deve-se ao fato de que a energia livre necessária para
solvatar moléculas hidrofóbicas aumenta linearmente com o volume do soluto,
enquanto a energia livre para solvatar agregados hidrofóbicos aumenta linearmente
19
com o aumento da área superficial. Portanto, a partir de uma determinada
concentração de monômeros, o sistema passa a favorecer a formação de agregados
em detrimento da existência do monômero isolado (Figura 4) (MAIBAUM, DINNER e
CHANDLER, 2004).
Figura 4. Ilustração esquemática da solvatação aquosa no monômero de
surfactante e na micela.
Fonte: Elaborada pela autora.
Com a adição contínua de surfactante à solução, novos agregados se
formam, enquanto a concentração de monômeros permanece aproximadamente
igual à CMC - determinada experimentalmente através de variações abruptas nas
propriedades físicas em uma solução, como por exemplo, tensão superficial,
viscosidade, espalhamento de luz, condutividade, pressão osmótica e capacidade de
solubilização de solutos (Figura 5) (GARCIA, 1986; ROSEN, 2012).
20
Figura 5. Propriedades físicas visualizadas na determinação experimental da CMC.
Fonte: Goodwin (2009).
Existem dois modelos termodinâmicos que teorizam o processo de formação
de micelas: o modelo das pseudofases, que considera a formação dos agregados
como a formação de uma nova fase, e o modelo de ação das massas, onde as
micelas e os monômeros estão em equilíbrio químico (EVANS, 1988; MAIBAUM,
2004). No primeiro modelo, a energia livre de micelização (𝛥𝐺𝑚𝑖𝑐0 ) é a diferença entre
os potenciais químicos do surfactante na forma micelar e monomérica (Equação 1).
𝛥𝐺𝑚𝑖𝑐0 = 𝜇𝑚𝑖𝑐𝑒𝑙𝑎
0 − 𝜇𝑚𝑜𝑛ô𝑚𝑒𝑟𝑜0 = 𝑅𝑇𝑙𝑛(𝑐𝑚𝑐) (Equação 1)
No modelo de ação das massas, à medida em que os monômeros se
agrupam, criam-se múltiplos equilíbrios químicos até alcançar o número de
agregação (Nag) - o número de monômeros que compõem as micelas de um
determinado surfactante, decidindo sua forma e tamanho (Equação 2) (MUKERJEE
e MYSELS, 1971).
21
𝐾𝑁𝑎𝑔 =[𝑆𝑁𝑎𝑔]
[𝑆]𝑁𝑎𝑔 (Equação 2)
Ademais, a micelização é um fenômeno entrópico. A força motriz para o
aumento da entropia é a tendência da cadeia hidrocarbônica de se transferir para o
interior da micela em meio aquoso. Isso ocorre devido à formação de novas
interações hidrofóbicas, como também pelo aumento dos graus de liberdade das
cadeias apolares no interior da micela comparado ao meio aquoso. Como o fator
entrópico é dominante, quando um sistema apresenta entalpia negativa (em geral,
para sistemas micelares é positiva) a energia livre do sistema permanece negativa
(ROSEN e KUNJAPPU, 2012).
Por fim, a inserção de moléculas de surfactante no meio aquoso e a
formação de micelas resultam na redução da tensão superficial da água, visto que
as caudas apolares promovem o afastamento das moléculas de água na superfície,
que inicialmente estão próximas de forma a minimizar a área da interface água-ar
(Figura 6). A atenuação da tensão superficial auxilia no aumento da molhabilidade,
permitindo o incremento da área de contato da água com uma determinada
superfície, facilitando o processo de limpeza (DALTIN, 2011).
22
Figura 6. Tensão superficial de uma gota de água sem surfactante e com
surfactante.
Fonte: Elaborada pela autora.
2.2. Pericromismo
O pericromismo é o fenômeno inerente às moléculas com capacidade de
absorverem radiação eletromagnética de exibirem mudanças na posição, forma e
intensidade das bandas de absorção de acordo com a sua vizinhança. Isso acontece
quando, por exemplo, o espectro de absorção é medido em solventes de diferentes
polaridades, ocorrendo então um fenômeno classicamente conhecido como
solvatocromismo (REICHARDT e WELTON, 2011).
Assim como esquematizado na Figura 7, no espectro de absorção de um
soluto solvatocrômico, o deslocamento hipsocrômico (para comprimentos de onda
menores) de uma banda ocasionado pelo aumento da polaridade do solvente é
denominado como solvatocromismo negativo. Do mesmo modo, o solvatocromismo
positivo é visualizado através do deslocamento batocrômico (para comprimentos de
onda maiores) da banda de absorção quando a polaridade do solvente é aumentada
(BUNCEL e RAJAGOPAL, 1990). Alguns corantes podem apresentar
comportamento diferenciado, mostrando solvatocromismo reverso. Nestes casos,
nos espectros de absorção é possível identificar um deslocamento batocrômico
seguido de um deslocamento hipsocrômico. Em solventes de maior polaridade
ocorre solvatocromismo negativo enquanto uma reversão no solvatocromismo é
observada em meios de polaridade menor (BUNCEL e RAJAGOPAL, 1990).
23
Figura 7. Ilustração esquemática do comportamento da banda de absorção de um
soluto frente ao aumento da polaridade de solventes.
Fonte: Elaborada pela autora.
Essas mudanças são decorrentes de interações intermoleculares solvente-
soluto, tais como: íon-dipolo, dipolo-dipolo, ligação de hidrogênio, ou qualquer outro
tipo de interação com a capacidade de alterar a diferença de energia entre o estado
fundamental e o estado excitado das moléculas contendo cromóforos, como
corantes (JAUQUET e LASZLO, 1975). Se o estado fundamental, em detrimento ao
primeiro estado excitado de uma molécula, possuir maior estabilização pela
solvatação com o aumento da polaridade do solvente, o resultado é um
solvatocromismo negativo. Se o primeiro estado excitado da molécula for mais
estabilizado com o aumento da polaridade do solvente, ocorre solvatocromismo
positivo (REICHARDT, 1994).
Outro fator determinante na visualização do comportamento solvatocrômico
de um determinado soluto é o momento de dipolo. Geralmente, corantes que exibem
intenso solvatocromismo são aqueles que proporcionam uma elevada variação no
momento de dipolo sob excitação. Solutos em que o momento de dipolo aumenta
durante a transição eletrônica (μg < μe) apresentam solvatocromismo positivo.
Quando o momento de dipolo diminui sob excitação (μg > μe), o solvatocromismo
negativo é observado (MATAGA e KUBOTA, 1970; REICHARDT, 1994).
Moléculas com habilidade de realizarem transferências de carga
intramoleculares sob excitação eletrônica também podem determinar a direção do
deslocamento no espectro de absorção. Quando o primeiro estado excitado é muito
mais dipolar em relação ao estado fundamental, normalmente observa-se
solvatocromismo positivo. Em sondas pericrômicas zwitteriônicas, o estado
24
fundamental é altamente dipolar, enquanto que o primeiro estado excitado é
relativamente menos dipolar, o que resulta em solvatocromismo negativo
(REICHARDT e WELTON, 2011).
O estudo do efeito do solvente no espectro de absorção de uma sonda
pericrômica é de suma importância. As variações observadas são fundamentalmente
resultantes de transições eletrônicas e dependem da natureza do cromóforo, como
também da natureza da transição, que pode ser σ→σ*, n→σ*, π→π* e n→π*. As
absorções de transferência de carga e as transições eletrônicas π→π* e n→π*
possuem maior destaque (REICHARDT e WELTON, 2011).
Estudos mostraram que moléculas contendo elétrons π para as quais a
distribuição de carga no estado fundamental é apreciavelmente diferente daquela no
estado excitado exibem intenso solvatocromismo. Moléculas apolares, como o
fulereno (C60), foram estudadas por Gallaguer et al. (1995). Elas possuem uma
extraordinária rede tridimensional de elétrons π, no entanto, a banda de absorção
desloca-se suavemente com a troca de polaridade do solvente. Já as moléculas
polares, como a betaína de Reichardt [2,6-difenil-4-(2,4,6-trifenilpiridínio)fenolato]
(composto 6; Figura 8), oferecem uma intensa variação do deslocamento da banda -
decorrente da mudança no momento de dipolo na transição eletrônica, que é
resultante de uma transferência de carga de natureza intramolecular do tipo π→π*.
Soluções dessa betaína abrangem todo o espectro eletrônico na região do visível:
são avermelhadas em metanol, violáceas em etanol, azuladas em álcool isoamílico,
esverdeadas em acetona e amareladas em anisol (CATALÁN e HOPF, 2004;
REICHARDT, 1994).
25
Figura 8. Esquematização da transferência de carga intramolecular na betaína de
Reichardt (composto 6).
Fonte: Reichardt e Welton (2011)
Essa robusta alteração nos comprimentos de onda no espectro de absorção
foi essencial para a introdução de um parâmetro empírico de polaridade de solvente
chamado ET(30). Este parâmetro é definido como a energia de transição molar (ET)
de uma sonda pericrômica em um determinado solvente, medido em quilocalorias
por mol (kcal∙mol-1), em temperatura ambiente (25 °C) e pressão de 1 bar, como
descrito na Equação 3:
ET(30)(kcal ∙ mol−1) =hcNA
λmax=
28591
λmax (Equação 3)
sendo que λmax corresponde ao comprimento de onda de absorção máxima da
banda de transição envolvida na excitação eletrônica, h é a constante de Planck, c é
a velocidade da luz no vácuo e NA é a constante de Avogadro (BUNCEL e
RAJAGOPAL, 1990; REICHARDT, 1994).
Em meio às diversas sondas pericrômicas frequentemente estudadas, as
hemicianinas são de especial interesse. Esta classe de compostos é caracterizada
pela presença do grupo cromóforo aminoestirilpiridínio em sua estrutura; e suas
propriedades ópticas permitem diversas aplicações, como por exemplo, sensores na
indústria fotográfica e estudo dos fenômenos de transporte em membranas
celulares, entre outros (MOYANO, 2008; SHIRAISHI, 2008). O iodeto de 4-[4-
(dimetilamino)estiril]-N-metilpiridínio (7), representado na Figura 9, é uma
hemicianina catiônica cujo solvatocromismo foi amplamente estudado por diversos
26
grupos de pesquisa (BEVILAQUA, 2006; SHAH, 1998; TESTONI, 2009). Esta sonda
pericrômica faz parte de um conjunto de hemicianinas que exibem solvatocromismo
reverso, comportamento este que vai de encontro ao solvatocromismo negativo
comumente visualizado para esta classe de compostos (PANIGRAHI, SUKALYAN,
et al., 2007). As correlações entre sua estrutura e o solvatocromismo exibido são
úteis para relatar mudanças de polaridade em solventes e em sistemas micro-
heterogêneos, abrindo espaço para diversas aplicações dependentes destas
propriedades.
Figura 9. Representação da estrutura molecular do corante 7.
7
Fonte: Elaborada pela autora.
2.2.1. Interação de corantes com surfactantes em meio aquoso
Assim como descrito anteriormente, o fenômeno do pericromismo é
verificado em soluções aquosas contendo corantes nas quais surfactantes são
adicionados. Os primeiros trabalhos sobre esse tópico foram conduzidos por Hartley
(1934), que estudou as mudanças de coloração das soluções contendo indicadores
sulfonaftaleínicos com a adição de tensoativos de carga oposta (HARTLEY, 1934).
Esse comportamento foi posteriormente confirmado com outros tipos de corantes
(COLICHMAN, 1951; MINCH e SADIQ-SHAH, 1979).
Em concentrações de surfactante abaixo da CMC, o corante forma um sal
insolúvel com o monômero de surfactante, encontrando-se em suspensão no meio
aquoso. Quando a concentração se aproxima à CMC, a suspensão é solubilizada e
o corante se incorpora à micela (GARCIA e SANZ-MEDEL, 1986).
Para explicar como solutos em geral interagem eletrostaticamente com a
micela, inicialmente Gouy e Chapman propuseram um modelo que logo após foi
aprimorado por Stern (Figura 10). Nesse modelo, a superfície da micela é
equivalente a um plano carregado. As cargas de sinal oposto presentes na solução
27
aquosa se fixam sobre o plano, mais especificamente na interface micela-água -
região conhecida como camada de Stern. À medida em que se distancia dessa
região, as cargas permanecem cada vez mais difusas na solução (ROSEN e
KUNJAPPU, 2012).
Figura 10. Representação do modelo Gouy-Chapman.
Fonte: Elaborada pela autora.
Além da camada de Stern, o agregado micelar possui outras regiões que
possibilitam interações com os corantes, como esquematizado na Figura 11: o
núcleo da micela, que usualmente se comporta como um solvente apolar; a camada
de paliçada, que compreende entre a superfície da micela e as primeiras unidades
de metileno da cauda apolar (moléculas polares volumosas tendem a se solubilizar
nessa região); e entre os grupos polares (TANFORD, 1980).
Figura 11. Representação simplificada das regiões de solubilização em uma micela.
Fonte: Elaborada pela autora.
28
Assim como as interações eletrostáticas são essenciais para a incorporação
de uma sonda pericrômica, o efeito hidrofóbico, ligações de hidrogênio e forças de
van der Waals entre o corante e o surfactante são também de suma importância.
(KARUKSTIS, LITZ, et al., 2010) Ademais, são reforçadas pela dependência da
estrutura da micela (natureza da cabeça polar, comprimento da cauda apolar,
tamanho) e da estrutura do corante (extensão da natureza apolar, grupos polares e
grupos substituintes (GARCIA e SANZ-MEDEL, 1986).
Para haver variação do deslocamento da banda solvatocrômica de um
corante ao interagir com o meio micelar, apenas o pareamento iônico entre eles não
é suficiente. Por exemplo, compostos aromáticos contendo grupo sulfonato
interagem com micelas de CTABr por pareamento iônico, no entanto, o que
ocasiona o deslocamento da banda de absorção é a mudança do micro-ambiente do
cromóforo, causado pela incorporação do corante na camada de Stern, solvatando o
grupo sulfonato. Além disso, ocorrem interações de van de Waals entre o anel
aromático e os grupos polares adjacentes do surfactante catiônico – outro fator que
contribui para a alteração observável experimentalmente (BUNTON e MINCH, 1974).
Por fim, as sondas pericrômicas têm sido vastamente utilizadas para relatar
mudanças na polaridade do microambiente que as cercam. A variação do
deslocamento da banda de absorção de hemicianinas catiônicas foi estudada por
Shah et al. (1998) nos solventes água e DMSO e nas soluções aquosas micelares
de SDS e CTABr. Foi observado que os comprimentos de onda dos corantes nas
soluções do surfactante catiônico foram semelhantes aos encontrados em água,
indicando que houve interação inexpressiva entre as micelas e os corantes, que são
incapazes de adentrá-las. Entretanto, ao se comparar as sondas em DMSO e SDS,
notou-se que os comprimentos de onda de absorção foram semelhantes entre si,
mas díspares ao se confrontar com a água (Tabela 1). Portanto, infere-se que as
sondas pericrômicas interagiram com o interior da micela, sendo úteis para detectar
o decréscimo de polaridade das vizinhanças.
29
Tabela 1. Comprimentos de onda máximos de absorção das hemicianinas em
diferentes ambientes.
Fonte: Shah, Ahmad, et al. (1998)
R Água (nm) DMSO (nm) SDS (nm) CTABr (nm)
CH3 450,1 472,8 478,3 451,1
C2H5 471,0 484,7 487,3 472,8
C3H7 476,2 490,0 490,0 476,9
C4H9 477,4 489,3 491,1 478,1
30
3. OBJETIVOS
3.1. Objetivos Gerais
O presente trabalho visa descrever a utilização do corante 7 no
desenvolvimento de uma metodologia para a determinação de
alquilbenzenossulfonatos em amostras de detergentes comerciais.
7
3.2. Objetivos Específicos
Realizar estudos de UV-vis do corante 7 em 10 solventes de diferentes
polaridades;
Titular o corante em solução aquosa com o surfactante aniônico
dodecilbenzenossulfonato de sódio;
Testar a nova metodologia em detergentes comerciais;
Comparar a metodologia estudada com o ensaio de determinação de
surfactantes aniônicos pelo método ABNT NBR 10738:1989.
31
4. METODOLOGIA
4.1. Materiais
As análises espectrofotométricas foram realizadas no laboratório 205 do
Departamento de Química – UFSC, utilizando um espectrofotômetro UV-vis modelo
HP 8452. O dodecilbenzenossulfonato de sódio foi utilizado como padrão para os
ensaios com surfactantes. Os detergentes comerciais foram adquiridos em
supermercados da Grande Florianópolis. Os solventes empregados neste trabalho
foram adquiridos comercialmente. O corante 7 foi previamente sintetizado por Dra.
Vanderléia Gava Marini, e foi escolhido entre vários outros após experimentos
anteriormente realizados que definiram que este corante possui melhor atividade
frente à variação de DBS em água (NAEEM, 2000; TESTONI, 2009).
4.2. Método espectrofotométrico do azul de metileno (NBR 10738:1989)
Para a execução desta etapa, foi aplicada a metodologia descrita no
procedimento A – Determinação de surfactantes aniônicos pelo método
espectrofotométrico do azul de metileno com extração simples (ABNT, 1989).
4.2.1. Preparo das soluções
a) Solução estoque
Uma quantidade igual a 10 mg de DBS foi pesada e dissolvida em água
utilizando um balão volumétrico de 1000 mL, a fim de se obter uma concentração
final de 10 mg/L.
32
b) Azul de metileno
Em um béquer foram dissolvidos, com uma quantidade mínima de água
destilada, 3 mg de azul de metileno e 5 g de di-hidrogenofosfato de sódio mono-
hidratado (NaH2PO4∙H2O). Essa solução foi transferida para um balão volumétrico de
100 mL, onde foram adicionados 0,68 mL de ácido sulfúrico concentrado (H2SO4). O
volume foi completado com água destilada.
c) Solução de lavagem
Foram dissolvidos 50 g de di-hidrogenofosfato de sódio mono-hidratado em
um béquer utilizando uma quantidade mínima de água. Essa solução foi transferida
para um balão volumétrico de 1000 mL e foram adicionados 6,8 mL de ácido
sulfúrico concentrado. Após a dissolução, o volume do balão volumétrico foi
completado com água destilada.
4.2.2. Construção da curva de calibração
A partir da solução estoque de DBS, foram preparadas soluções de
concentrações variando de 0,1 a 2 mg L-1. Os volumes necessários para preparar
cada solução estão descritos na Tabela 2. Posteriormente, foram transferidas
alíquotas de 20 mL de cada solução diluída de DBS para diferentes provetas e em
cada uma delas foram adicionados 5 mL da solução de azul de metileno e 10 mL de
clorofórmio. Após a agitação e a devida separação de fases, foi descartada a fase
aquosa (sobrenadante), e foram adicionados 20 mL da solução de lavagem. Depois
de uma nova agitação, o sobrenadante foi descartado. Esse procedimento foi
repetido 3 vezes para cada concentração de surfactante. Para a preparação do
branco, o procedimento foi semelhante, substituindo-se a adição de DBS pela adição
de 20 mL de água. Em seguida, foram realizadas leituras de absorvância utilizando a
espectroscopia UV-vis em 655 nm. Foi construído um gráfico de concentração de
DBS versus absorvância, e a partir dele, obteve-se a equação e os parâmetros da
reta a partir de regressão linear utilizando o software gráfico Origin 9.0. A equação
33
foi empregada para calcular as concentrações de DBS nas amostras comerciais.
Este procedimento está esquematizado na Figura 12.
Tabela 2. Volumes de solução estoque retirados para as soluções padrões.
Alíquota transferida (mL) [DBS] (mg L-1)
0,0 0,00
1,0 0,10
3,0 0,30
5,0 0,50
7,0 0,70
9,0 0,90
11,0 1,10
13,0 1,30
15,0 1,50
20,0 2,00
Fonte: ABNT (1989).
Figura 12. Esquematização da construção da curva de calibração utilizando o
método espectrofotométrico do azul de metileno.
Fonte: Elaborada pela autora.
34
4.2.3. Testes com amostras de detergentes comerciais
Foram testadas quatro diferentes marcas de detergentes adquiridos em um
estabelecimento comercial da Grande Florianópolis: Ypê Neutro (1), Ypê Clear (2),
Girando Sol Natural (3), Limpol Cristal (4), e Zavaski Glicerinado (5). Foi pesada uma
massa de aproximadamente 10 mg de amostra de detergente (mi), que em seguida
foi diluída em um balão volumétrico de 100 mL (V1). Uma alíquota de
aproximadamente 20 mL (Va) de cada solução foi diluída em um balão volumétrico
de 100 mL (V2), de forma que todas as soluções possuíssem a mesma
concentração. Estes volumes podem ser verificados na Tabela 3. Posteriormente,
foram transferidas alíquotas de 20 mL de cada amostra diluída de detergente para
diferentes provetas, e em cada uma delas foram adicionados 5 mL da solução de
azul de metileno e 10 mL de clorofórmio. Após a agitação e a devida separação de
fases, foi descartada a fase aquosa (sobrenadante), e foram adicionados 20 mL da
solução de lavagem. Depois de uma nova agitação, o sobrenadante foi descartado.
Esse procedimento foi repetido 3 vezes para cada amostra. Em seguida, foram
realizadas leituras de absorvância utilizando espectrofotômetro de UV-vis em 655
nm. Após repetir esse procedimento em triplicata, as médias das absorvâncias
obtidas foram utilizadas para calcular a concentração de DBS em cada detergente
comercial. Este procedimento está esquematizado na Figura 13.
Figura 13. Esquematização da diluição das amostras de detergente para análise
pelo método ABNT.
Fonte: Elaborada pela autora.
35
Tabela 3. Massa de detergente adicionada à solução diluída 1 e volumes corrigidos
transferidos para a solução diluída 2.
Amostra Massa Inicial (mg) Va (mL)
1 9,7 18,7
2 13,5 14,2
3 11,5 16,7
4 9,6 20,0
5 10,3 18,7
Fonte: Elaborada pela autora.
4.3. Método Pericrômico
4.3.1. Determinação do ET(corante)
Inicialmente, foi preparada uma solução estoque de aproximadamente 10
mmol L-1 do corante 7 em metanol. Alíquotas de 10 μL dessa solução foram
transferidas para frascos de 5 mL e após a evaporação total do solvente (realizada
em estufa), foram adicionados 4 mL dos solventes desejados (acetona, DMA, DMF,
DMSO, acetonitrila, 1-butanol, 1-propanol, etanol, metanol, água) em frascos para a
realização das leituras, a fim de fornecer soluções do corante igual a 25 μmol L-1
(Figura 14). A partir dos espectros de UV-vis, foram extraídos os comprimentos de
onda máximos de absorção do corante em cada solvente, e com isso, foram
calculados os valores de ET(corante) utilizando a Equação 3. Os dados obtidos
foram utilizados para a construção de um gráfico comparativo com os
correspondentes valores de ET(30) em cada solvente.
36
Figura 14. Ilustração esquemática do procedimento de determinação do ET(corante).
Fonte: Elaborada pela autora.
4.3.2. Avaliação do ET(corante) com a adição de DBS
Inicialmente, foi preparada uma solução estoque de 10 mmol L-1 do corante
7 em metanol. Alíquotas de 10 μL dessa solução foram transferidas para frascos de
5 mL, e após a evaporação total do solvente (realizada em estufa), adicionaram-se
aos frascos as proporções descritas na Tabela 4 de DBS 0,1 mol L-1 e água. Após
as leituras em UV-vis foram extraídos os comprimentos de onda máximos do corante
em cada concentração a partir dos espectros, e com isso, foram calculados os
valores de ET(corante) utilizando a Equação 3. Posteriormente, foi construído um
gráfico da alteração do ET(corante) versus a concentração de DBS.
Tabela 4. Volumes adicionados de água e DBS para a avaliação do ET(corante).
%DBS Água (mL) DBS (mL)
0 4,00 0,00
2 3,90 0,08
4 3,85 0,16
6 3,75 0,24
8 3,70 0,32
10 3,60 0,40
20 3,20 0,80
30 2,80 1,20
40 2,40 1,60
50 2,00 2,00
Fonte: Elaborada pela autora.
37
4.3.3. Construção da curva de calibração
Conforme esquematizado na Figura 15, foi preparada uma solução estoque
de 10 mmol L-1 do corante 7 em metanol. Uma alíquota de 10 μL dessa solução foi
transferida para um frasco de 5 mL e após a evaporação total do solvente (realizada
em estufa) foram adicionados 4 mL de água para fornecer uma solução aquosa do
corante igual a 25 μmol L-1. Foi transferida uma alíquota de 2,0 mL dessa solução
para uma cubeta. Imediatamente após a leitura em UV-vis desta alíquota, a solução
de corante foi titulada com uma solução DBS 4,9 mmol L-1 (1,71 g L-1) contendo
corante na concentração de 25 μmol L-1. Foram adicionados incrementos de 5 a 50
μL, variando a concentração de 0 até aproximadamente 600 mg L-1. Os
comprimentos de onda máximo de absorção foram extraídos em cada concentração,
e estes valores foram utilizados para a construção do gráfico da variação de
ET(corante) no sistema água-detergente em função da concentração do detergente.
Este gráfico serviu como curva de calibração para a análise quantitativa do
surfactante em amostras de detergentes comerciais.
Figura 15. Esquematização da titulação do corante com DBS.
Fonte: Elaborada pela autora.
4.3.4. Testes com amostras comerciais
Foram testadas quatro diferentes marcas de detergentes adquiridos em um
estabelecimento comercial da Grande Florianópolis: Ypê Neutro (1), Ypê Clear (2),
Girando Sol Natural (3), Limpol Cristal (4), e Zavaski Glicerinado (5). De cada
amostra foi retirada uma massa de 1,5 g, que foi diluída com água em um balão
volumétrico de 5 mL. Foi preparada uma solução estoque de 10 mmol L-1 do corante
7 em metanol, e alíquotas de 10 μL dessa solução foram transferidas para frascos
38
adequados. Após a evaporação total do solvente (realizada em estufa), foram
adicionados 80 μL das soluções dos detergentes comerciais de interesse, seguida
da adição de 3,90 mL de água, realizando as leituras em seguida (Figura 16). A
partir dos espectros de UV-vis foram extraídos os comprimentos de onda máximos
de absorção do corante em cada solução, e utilizando a Equação 3 e a obtida
através do gráfico construído no item anterior, foi calculado o teor de DBS em cada
detergente comercial.
Figura 16. Ilustração esquemática da preparação das amostras comerciais para
leitura em UV-vis.
Fonte: Elaborada pela autora.
39
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO
5.1. Método espectrofotométrico do azul de metileno (NBR 10738:1989)
5.1.1. Construção da curva de calibração
O método ABNT utiliza extração líquido-líquido, cuja técnica fundamenta-se
na distribuição do analito entre dois solventes imiscíveis entre si, sendo neste caso,
água e clorofórmio. Como o surfactante aniônico em estudo não absorve na região
do visível, para a detecção espectrofotométrica faz-se necessário a utilização de um
indicador colorimétrico, neste caso, o azul de metileno (AM), representado na Figura
17. Tanto o corante quanto o DBS (Figura 17) possuem altíssima afinidade pela
água em detrimento do clorofórmio. Contudo, a extração resulta em uma
transferência de ambos para a fase orgânica. Isso ocorre devido à formação de um
par iônico entre o corante catiônico azul de metileno e o surfactante aniônico, como
mostrado na Equação 4, reduzindo consideravelmente a solubilidade destes
componentes em água. Isso foi observado experimentalmente durante a confecção
da curva de calibração: quanto maior a concentração de surfactante, mais intensa
era a coloração da fase orgânica.
Figura 17. Representação da estrutura molecular do AM (A) e do DBS (B).
A B
Fonte: Elaborada pela autora.
𝐴𝑀+𝐶𝑙− + 𝑅𝑆𝑂3𝑁𝑎 → (𝐴𝑀+)(𝑅𝑆𝑂3−) + 𝑁𝑎𝐶𝑙 (Equação 4)
Os dados obtidos experimentalmente seguindo a norma NBR 10738/1989
para a construção da curva de calibração para a determinação indireta de
40
substâncias ativas ao azul de metileno (SAAM) em amostras de detergentes
comerciais estão descritos na Tabela 5. Apesar de a curva de calibração ser
baseada na concentração de DBS, ela é útil para determinar o teor de qualquer
substância ativa ao azul de metileno em uma amostra.
Tabela 5. Absorvâncias das soluções padrões de DBS obtidas através do método
espectrométrico do azul de metileno.
Concentração DBS (mg L-1) Absorvância (u.a.)
0 0,0382
0,10 0,0674
0,30 0,1791
0,50 0,3247
0,70 0,4224
0,90 0,5610
1,10 0,6908
1,30 0,8686
1,50 1,0362
2,00 1,3303
Fonte: Elaborada pela autora.
A partir dos dados da Tabela 5 foi construído um gráfico de absorvância
versus concentração de DBS (mg L-1) (Figura 18). Através da regressão linear
calculada pelo software gráfico Origin 9.0, obteve-se a Equação 5, que foi utilizada
para calcular o teor de SAAM nas amostras de detergentes comerciais. O coeficiente
de determinação (R2) obtido para esta reta foi igual a 0,99, indicando que há uma
relação linear entre a concentração de DBS e a absorvância.
41
Figura 18. Curva de calibração obtida pela metodologia da ABNT.
Fonte: Elaborada pela autora.
𝑦 = −7,13 × 10−3 + 0,665𝑥 (Equação 5)
Em geral, os surfactantes aniônicos mais reativos ao método são aqueles
que possuem forte ionização em solução aquosa, uma vez que isso resulta em uma
maior formação do par iônico com o azul de metileno, portanto, esse método é útil
para determinar o teor de surfactante contendo o grupo sulfonato em sua estrutura,
enquanto que é deficiente para a detecção de sabões contendo grupo carboxilato.
(APHA, 1999)
5.1.2. Determinação do teor de DBS nas amostras de detergentes
comerciais a partir da metodologia da ABNT
Os dados obtidos a partir das leituras de UV-vis das soluções diluídas das
amostras de detergentes comerciais estão descritos na Tabela 6.
42
Tabela 6. Dados obtidos nas leituras de UV-vis para as amostras comerciais através
do método espectrofotométrico do azul de metileno.
Amostra Absorvância
1 0,7737
2 0,6088
3 0,4465
4 0,5442
5 0,8722
Fonte: Elaborada pela autora.
Exemplificando os cálculos para a Amostra 4 e tendo como base a Equação
5, foi determinada a concentração de DBS presente na solução diluída 2 (Ca)
utilizando o valor de absorvância encontrado para a amostra:
𝐶𝑎 =−7,13 × 10−3 + 0,5442
0,665= 0,828 𝑚𝑔 𝐿−1
Com o valor de Ca foi calculada a massa de DBS (ma) presente nos 100 mL
(V2) da solução diluída 2:
𝑚𝑎 = 𝐶𝑎 × 𝑉2 = (0,828 𝑚𝑔 𝐿−1) × (0,1𝐿) = 0,083 𝑚𝑔
Considerando-se que toda a massa de DBS presente na solução diluída 2 é
originária da transferência de um volume Va da solução diluída 1, então foi possível
calcular a massa total de DBS (mDBS) presente na solução diluída 1 (V1):
𝑚𝐷𝐵𝑆 =𝑚𝑎 × 𝑉1
𝑉𝑎=
0,083 𝑚𝑔 × 0,1 𝐿
0,02 𝐿= 0,414 𝑚𝑔
43
Como a massa de DBS encontrada na solução diluída 1 teve como origem a
amostra em questão, foi possível calcular o teor de DBS (m/m) ao comparar com a
massa inicial (mi) da amostra:
𝑇𝑒𝑜𝑟 =𝑚𝐷𝐵𝑆
𝑚𝑖× 100 =
0,414 𝑚𝑔
9,6 𝑚𝑔× 100 = 4,3%
O mesmo cálculo foi realizado para todas as amostras, e os resultados estão
descritos na Tabela 7.
Tabela 7. Dados encontrados no cálculo do teor de DBS na amostra seguindo a
metodologia da ABNT.
Fonte: Elaborada pela autora.
Apesar de as amostras 1 e 2 serem da mesma marca, houve uma diferença
significativa entre os resultados encontrados. Como a coloração da matriz da
amostra 1 era amarela e a amostra 2 era incolor, existe a possibilidade de ter
ocorrido interferência positiva colorimétrica. Podem existir outros interferentes
positivos na matriz, como por exemplo: sulfonatos, sulfatos, carboxilatos, cianatos,
tiocianatos, nitratos e cloretos; estes íons possuem também habilidade de formar
pares iônicos com o azul de metileno. Para que haja a transferência destes íons
para a fase orgânica, o par iônico deve ser satisfatoriamente solúvel em clorofórmio,
caso contrário, a etapa de lavagem é suficiente para extrair esse material para a
fase aquosa. Esta etapa elimina os interferentes positivos através da dissolução dos
Amostra mDBS (mg) Teor (% m/m)
1 0,627 6,4
2 0,574 4,2
3 0,383 3,3
4 0,414 4,3
5 0,691 6,7
44
pares iônicos menos estáveis destas substâncias, transferindo-as da fase orgânica
para a aquosa (SOUZA, 2006).
Além da presença dos interferentes positivos, deve-se considerar a presença
de materiais de natureza catiônica que podem competir com o azul de metileno na
formação do par iônico, diminuindo os valores de SAAM em relação ao valor exato.
5.2. Método Pericrômico
5.2.1. Estudo do pericromismo
O corante 7 apresenta estruturalmente grupos com capacidade doadora e
aceitadora de elétrons. Isso produz um comportamento diferenciado dependendo do
tipo de solvente empregado, resultando em soluções coloridas que variam entre o
laranja-avermelhado até o amarelo. É possível observar na Figura 19 que com o
aumento da polaridade do solvente, a banda de absorção desloca-se
hipsocromicamente em solventes polares doadores de ligação de hidrogênio, ao
mesmo tempo em que ocorre deslocamento batocrômico em solventes polares não
doadores de ligação de hidrogênio. Os comprimentos de onda máximos de absorção
podem ser verificados na Tabela 8.
Figura 19. Espectros de UV-vis do corante 7 em: água (─), metanol (─), etanol (─),
1-propanol (─), 1-butanol (─), acetona (─), DMF (─), DMA (─), DMSO (─) e
acetonitrila (─).
Fonte: Elaborada pela autora.
45
Tabela 8. Variações dos comprimentos de onda do corante 7 em solventes polares
doadores e não doadores de ligação de hidrogênio.
Solvente max (nm) Solvente max (nm)
1-Butanol 488,1 DMF 470,2
1-Propanol 486,0 DMA 470,4
Etanol 480,7 DMSO 472,0
Metanol 476,3 Acetonitrila 472,3
Água 470,8 Acetona 472,6
Através da Equação 3 foram calculados os valores de ET(corante), os quais
foram utilizados para a construção do gráfico de ET(corante) em função de ET(30)
(Figura 20). Este gráfico evidenciou o comportamento visualizado no espectro de
absorção. Com a análise dos dados descritos na Tabela 9 nota-se que o aumento
da polaridade do solvente proporcionou um aumento expressivo na energia de
transição do corante frente aos solventes polares doadores de ligação de hidrogênio,
enquanto que em solventes polares não doadores de ligação de hidrogênio ocorre
uma discreta redução (exceto para a acetona). Esse comportamento será explanado
adiante.
46
Figura 20. Correlação entre ET(corante) para o composto 7 e ET(30) nos solventes:
(a) acetona, (b) DMA, (c) DMF, (d) DMSO, (e) acetonitrila, (f) 1-butanol, (g) 1-
propanol, (h) etanol, (i) metanol, (j) água.
Fonte: Elaborada pela autora.
Tabela 9. Energias de transição molares do corante 7 em diversos solventes.
Solvente ET(30) (kcal mol-1) ET(corante) (kcal mol-1)
Acetona 42,20 60,42
DMA 42,90 60,71
DMF 43,20 60,66
DMSO 45,10 60,56
Acetonitrila 45,60 60,55
1-Butanol 49,70 58,54
1-Propanol 50,70 58,69
Etanol 51,90 59,33
Metanol 55,40 60,01
Água 63,10 61,91
Fonte: Elaborada pela autora.
(d) (b)
(c)
(e)
(f) (g)
(h)
(i)
(j)
(a)
47
O corante 7 possui duas estruturas de ressonância: as formas benzenoide e
quinonoide, representadas na Figura 21 por A e B, respectivamente. Foi
demonstrado por cálculos teóricos que a forma benzenoide possui maior momento
de dipolo em comparação à quinonoide (ZHAI, HUANG, et al., 1999). Na presença
de solventes polares apróticos, o solvatocromismo positivo visualizado é decorrente
de a forma quinoide possuir maior estabilização pela solvatação no estado
fundamental, a qual ocorre através de interações íon-dipolo. No caso dos solventes
próticos, no estado fundamental ocorre uma estabilização da forma benzenoide
através de ligações de hidrogênio e interações íon-dipolo, produzindo o
solvatocromismo negativo observado. Com a absorção de energia, ocorre uma
transferência intramolecular de carga negativa e o corante tende a assumir a forma
quinonoide (EPHARDT, 1989; JEDRZEJEWSKA, 2003). Como as transições
eletrônicas ocorrem muito rapidamente, a princípio não ocorre uma mudança
significativa da posição do cromóforo, portanto, a solvatação do estado excitado
ocorre semelhantemente ao estado fundamental. Desta forma, as interações que
antes estabilizavam a molécula, passam a desestabilizá-la, aumentando a energia
de transição do sistema. Quanto maior a capacidade de um solvente realizar
ligações de hidrogênio, mais acentuada será a desestabilização, produzindo a
relação aproximadamente linear para solventes doadores de ligação de hidrogênio
visualizada na Figura 19 (BINNEMANS, BEX, et al., 1999).
Figura 21. Representação estrutural de ressonância do corante 7: (A) forma
benzenoide, (B) forma quinonoide.
Fonte: Elaborada pela autora.
A possibilidade de formação de pares iônicos entre as moléculas do corante
- que poderiam alterar o deslocamento da banda de absorção - assim como a
possibilidade do íon iodeto alterar o espectro de absorção do corante foi excluída
A B
48
após alguns experimentos por Bevilaqua et. al (2006), o que reforça que as
variações dos comprimentos de onda observadas são provenientes da capacidade
pericrômica do corante.
Ao se analisar o comportamento da sonda frente à presença de surfactante,
observa-se que a banda solvatocrômica se desloca batocromicamente com o
aumento da concentração de DBS, indicando a passagem do corante para um
microambiente mais apolar. Além disso, através da análise dos dados presentes na
Tabela 10, verifica-se que ocorre uma considerável variação do deslocamento (Δ ≈
33 nm). Na Figura 22 é possível observar que ocorre deslocamento significativo da
banda solvatocrômica entre 0-4% da concentração de DBS, sendo que após essa
concentração, a variação do deslocamento da banda de absorção foi desprezível.
Figura 22. Variação do comprimento de onda do corante 7 em função da
porcentagem volume/volume de DBS 0,1 mol L-1: 0%(─) 2%(─) 4%(─) 6%(─) 8%(─)
10%(─) 20%(─) 30%(─) 40%(─) 50%(─)
Fonte: Elaborada pela autora.
49
Tabela 10. Variação do comprimento de onda de absorção com o teor de DBS.
% DBS (v/v) max (nm)
0 450,2
2 474,1
4 482,6
6 482,8
8 482,0
10 482,9
20 482,7
30 482,5
40 482,6
50 482,7
Fonte: Elaborada pela autora.
A Figura 23 exibe os espectros de absorção do corante com a adição de
pequenas alíquotas de DBS (a) e SDS (b). Nos dois casos, o comprimento de onda
máximo de absorção do corante na ausência de surfactante é de 450 nm. O
acréscimo da concentração de DBS resulta em um deslocamento batocrômico com a
formação de um ponto isosbéstico em aproximadamente 460 nm, indicando a
presença de duas espécies do corante que são espectroscopicamente distintas,
sendo que uma possui maior afinidade por um meio polar (forma benzenoide), e
outra por um microambiente mais apolar (forma quinonoide). Este ponto não é
observado quando a mesma titulação é realizada com SDS. Isso ocorre uma vez
que o grupo piridínio do corante produz um complexo altamente estável com o grupo
aromático do DBS, enquanto que a interação do corante com SDS, que não possui
grupo aromático, é essencialmente eletrostática (SHAH, NAEEM, et al., 2008). Este
fato é reforçado pelos experimentos realizados por Behera et al. (2005), que
mostraram que a constante de ligação entre hemicianinas catiônicas e o surfactante
aniônico é reduzida pelo aumento do caráter apolar das interações entre eles.
50
Figura 23. Comparação entre o comportamento da banda solvatocrômica do corante
com a adição de pequenas alíquotas de (a) DBS e (b) SDS.
(a) (b) Fonte: Elaborada pela autora.
Após o ponto isosbéstico, a banda solvatocrômica se desloca até 480 nm,
sendo este o comprimento de onda com maior absorvância. Neste ponto ocorre uma
estabilização do deslocamento da banda com a adição de DBS, indicando uma
saturação da solubilização do corante na micela.
Ao realizar uma titulação do corante com uma solução de DBS e extrair os
máximos de absorção obtidos, seguida da aplicação da Equação 3 para encontrar a
energia de transição molar do corante com a variação da concentração de DBS, foi
construído o gráfico apresentado na Figura 24, que mostra que o parâmetro
ET(corante) decresce abruptamente com o aumento da concentração de DBS entre
0 e 200 mg L-1, mantendo-se aproximadamente constante a partir deste ponto,
revelando que esta sonda é sensível a pequenas variações de polaridade nas
vizinhanças.
51
Figura 24. Variação de ET(corante) com a adição de DBS 4,9 mmol L-1.
Fonte: Elaborada pela autora.
Utilizando a variação abrupta observada na Figura 24 como indicativo da
ocorrência da CMC, inferiu-se que foi atingida aos 200 mg L-1 de DBS. Ao confrontar
esse dado com as medidas de condutividade, que forneceram uma cmc igual a 223
mg L-1 (SHAH, NAEEM, et al., 2000), percebe-se que o método pericrômico é útil
para estimar a região onde ocorre a CMC.
Acerca dos aspectos estruturais e interações entre a sonda pericrômica e o
surfactante, é necessário observar a solvatação em dois estágios: antes e depois da
CMC. Inicialmente, o corante forma um par iônico com o grupo polar do monômero
de surfactante na proporção de 1:1, indicado pelo decréscimo inicial de ET(corante)
visualizado na Figura 24. Com o aumento da concentração de DBS, ocorre a auto-
organização do surfactante em agregados micelares, e o par iônico previamente
formado adere-se à superfície micelar. Este comportamento pode ser observado no
primeiro platô na Figura 24. Com a adição contínua de surfactante, ocorre a
passagem do corante para o interior da micela, sendo que a porção hidrofóbica do
corante interage com o núcleo e o cromóforo com a camada de paliçada (SHAH,
1998; SHAH, 2008).
É possível visualizar que a Figura 24 possui uma região onde há uma
correlação linear entre a concentração de DBS e a energia de transição molar do
corante, possibilitando construir uma curva de calibração para a determinação
indireta da concentração de ABS em amostras de detergentes. Utilizando o software
52
gráfico Origin 9.0 para calcular a regressão linear dos dados adquiridos na faixa
linear da Figura 25, obteve-se a Equação 6, que foi empregada para calcular o teor
de ABS nas amostras de detergentes comerciais. O coeficiente de determinação
(R2) alcançado para esta reta foi igual a 0,99 - indicando que há uma correlação
linear entre a concentração de DBS e a energia de transição molar do corante.
Figura 25. Curva padrão para a determinação de ABS em amostra de detergente
através do método pericrômico.
Fonte: Elaborada pela autora.
𝑦 = 63,5 − 0,0152𝑥 (Equação 6)
5.2.2. Cálculo dos teores de ABS nas amostras
A partir da Equação 6, foi encontrado o teor de DBS nas amostras
comerciais. Foram realizados os seguintes cálculos (exemplificando para a amostra
5):
Inicialmente, foi determinada a concentração de DBS presente na solução
diluída 2 (Ca) utilizando o valor de ET(corante) encontrado para a amostra 5 (Tabela
11):
Com a ET(corante) obtida na leitura da amostra 5, foi encontrada a
concentração de DBS presente na amostra diluída (Ca):
𝐶𝑎 =62,29 − 63,50
−0,0152= 0,080 𝑔 𝐿−1
53
A partir desta concentração, foi possível calcular a concentração da solução
concentrada da amostra (Cb):
𝐶𝑏 =𝐶𝑎 × 𝑉1
𝑉𝑎=
0,080 𝑔 𝐿−1 × 3,98 𝑚𝐿
80 𝜇𝐿= 3,959 𝑔 𝐿−1
Portanto, a massa de DBS presente nesta solução da amostra é:
𝑚𝐷𝐵𝑆 = 𝐶𝑏 × 𝑉2 = (3,959 𝑔 𝐿−1) × (25 × 10−3 𝐿)
𝑚𝐷𝐵𝑆 = 0,099 𝑔
Como a massa de DBS nesta solução teve como origem a amostra em
questão, foi possível calcular o teor de DBS (m/m) ao comparar com a massa inicial
(mi) da amostra:
𝑇𝑒𝑜𝑟 =𝑚𝐷𝐵𝑆
𝑚𝑖× 100 =
0,099 𝑔
1,507 𝑔× 100 = 6,6%
O mesmo cálculo foi realizado para todas as amostras, e os resultados estão
descritos na Tabela 11.
Tabela 11. Dados obtidos nas leituras de UV-vis e resultados para as amostras
comerciais utilizando o método pericrômico.
Amostra max
(nm)
ET(corante) (kcal mol-1)
Massa inicial (g)
Massa calculada (g)
Teor (%m/m)
1 464,7 61,53 1,510 0,161 10,7
2 466,0 61,35 1,510 0,175 11,6
3 456,0 62,70 1,508 0,065 4,3
4 460,0 62,15 1,504 0,110 7,3
5 456,7 62,29 1,507 0,099 6,6
Fonte: Elaborada pela autora.
54
5.3. Comparação entre os métodos
Os dois métodos estudados neste trabalho se baseiam na determinação
espectrofotométrica indireta de ABS utilizando indicadores colorimétricos, visto que o
surfactante em estudo não absorve na região do UV-vis. Os teores de ABS obtidos
foram comparados na Figura 26, onde é possível verificar que algumas amostras
apresentaram valores muito próximos entre si, com baixos desvios médios.
Figura 26. Comparação entre os métodos: ABNT (█), Pericrômico (█) e Desvio
Médio (█).
Fonte: Elaborada pela autora.
Em média, os métodos forneceram teores de ABS em torno de 6,5% (m/m).
A Anvisa não estabelece um valor mínimo, normatizando apenas que este não deve
ser superior a 10% (m/m) em detergentes líquidos para limpeza geral (ANVISA,
1978). Deste modo, as amostras então em conformidade com a Resolução
Normativa. Contudo, ao comparar os resultados encontrados no método da ABNT
com as Fichas de Informações de Segurança de Produtos Químicos (FISPQ)
fornecidas pelas fabricantes das amostras 1, 2 e 4 apenas a amostra 1 estava de
acordo com o que foi informado. Os desvios negativos encontrados podem ser
explicados pela perda de analito nas diversas etapas de extração e lavagem
inerentes ao método.
Ao comparar estes resultados com aqueles obtidos no método pericrômico,
percebe-se que os teores encontrados apresentaram valores muito próximos entre si
55
para a maior parte das amostras. Os desvios positivos encontrados neste método
podem ser atribuídos a alguns fatores, tais como: presença de tensoativos aniônicos
e zwitteriônicos diversos ao DBS, que podem variar a direção do deslocamento da
banda de absorção do corante, presença de branqueadores ópticos que absorvem
na mesma região do corante, como também a presença de glicerina na formulação.
Na Tabela 12 encontram-se os limites de detecção (LD) e quantificação
(LQ), calculados através das Equações 7 e 8, respectivamente. Foram utilizados os
desvios padrões dos coeficientes lineares (s) e os coeficientes angulares das curvas
de calibração (S), ambos fornecidos pelo software Origin 9.0. Com a análise destes
dados infere-se que o método pericrômico permite a detecção de ABS em
concentrações menores comparado ao método ABNT.
𝐿𝐷 = 3,3 ×𝑠
𝑆 (Equação 7)
𝐿𝑄 = 10 ×𝑠
𝑆 (Equação 8)
Tabela 12. Comparação entre os limites de detecção e quantificação dos métodos.
s S LD (mg L-1) LQ (mg L-1)
ABNT 0,0169 0,665 0,084 0,254
Pericrômico 0,0419 0,0152 9,097 27,566
Fonte: Elaborada pela autora.
O método da ABNT é validado e seletivo para SAAM, que em geral
compreendem aos ABS e outros surfactantes aniônicos. Apresenta baixo LD, LQ e
interferentes conhecidos. Entretanto, é um método muito trabalhoso, realizado em
diversas etapas que necessitam de elevadas quantidades de materiais, entre eles
solventes nocivos e poluentes que necessitam de descarte especial, bem como EPI
adequado. Além disso, devido à alta solubilidade dos ABS em água, ocorre extração
parcial na fase aquosa, acarretando em perda de analito durante as etapas de
extração e lavagem. Também pode ocorrer formação de emulsão, principalmente
em amostras mais concentradas, tornando a análise ainda mais morosa.
56
O método pericrômico é muito rápido e útil para estimar a concentração em
amostras contendo pequenas quantidades de ABS devido ao baixo LD e LQ, além
de requerer pouca quantidade de solvente, materiais e instrumentação, sendo mais
benéfico ao meio ambiente. Entretanto, pode ser pouco seletivo, uma vez que a
presença de contaminantes que podem interagir com a sonda pericrômica, bem
como matrizes coloridas podem alterar os resultados.
57
6. CONCLUSÃO
A hemicianina catiônica iodeto de 4-[4-(dimetilamino)estiril]-N-metilpiridínio
possui solvatocromismo reverso em solventes polares devido às transferências de
carga intramoleculares inerentes à sua estrutura, ocasionada pelas porções doadora
e aceptora de elétrons, bem como pela presença de duas estruturas de ressonância
- benzenoide e quinonoide - proporcionando solvatocromismo negativo em solventes
doadores de ligação de hidrogênio, e solvatocromismo positivo em solventes não
doadores de ligação de hidrogênio.
Através da titulação desta sonda pericrômica com soluções de surfactantes
aniônicos, registrou-se solvatocromismo positivo com o aumento da concentração de
surfactante. A presença de uma faixa linear no gráfico resultante desta titulação
permitiu seu emprego como uma curva de calibração para a quantificação de
alquilbenzenossulfonatos em amostras de detergentes comerciais, sendo que a
maior parte das amostras testadas apresentou resultados semelhantes aos
encontrados utilizando a norma NBR 10738:1989.
O método desenvolvido neste trabalho pode ser considerado uma alternativa
viável para a determinação de alquilbenzenossulfonatos em amostras de
detergentes comerciais, uma vez que forneceu resultados semelhantes ao método
tradicionalmente utilizado, rapidez e simplicidade adequada para aplicação neste
tipo de amostra, além de utilizar reagentes menos nocivos à saúde e ao meio
ambiente.
58
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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