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Universidade Federal de Pernambuco Centro Acadêmico do Agreste Núcleo de Design Palloma Thaís Bezerra Montenegro Orientadora: Andréa Camargo Caruaru, 2010

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Universidade Federal de Pernambuco

Centro Acadêmico do Agreste

Núcleo de Design

Palloma Thaís Bezerra Montenegro

Orientadora: Andréa Camargo

Caruaru, 2010

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

Projeto de Graduação desenvolvido como requisito parcial para obtenção de grau

de Bacharel em Design da Universidade Federal de Pernambuco, Centro

Acadêmico do Agreste.

Orientadora:

Profª Andréa Camargo

Co-Orientadora:

Profª Nara Rocha

Caruaru, 2010

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Catalogação na fonte Bibliotecária Nathália Cabral Sena CRB4 - 1719

M777a Montenegro, Palloma Thaís Bezerra. A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos / Palloma Thaís Bezerra

Montenegro. – Caruaru: A autora, 2010. 73 p. : il. ; 30 cm. Orientadora: Andréa Camargo. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso) – Universidade Federal de

Pernambuco, CAA. Design, 2010. Inclui bibliografia e anexos. 1. Design. 2. Design de produto. 3. Calçados. I. Camargo, Andréa (orientadora). II.

Título.

745.2 CDD (22.ed.) UFPE (CAA 2011-03)

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2ª Avaliadora

Profª. Me. Andréa Fernanda de Santana Costa

1ª Avaliadora

Profª. Me. Nara Oliveira de Lima Rocha

Orientadora

Profª. Me. Andréa Barbosa Camargo

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Dedico esta vitória à minhas mães,

que me guiaram nesse caminho

e me incentivaram para que eu

chegasse até o fim.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, pela determinação e garra que me deu. Em

seguida, a minha mãe - avó - tia que me educou e criou como filha me dando

toda base nos estudos e todas as oportunidades para que eu ingressasse na

Universidade.

Especialmente a minha mãe que lutou como um homem em guerra, para que

nada me faltasse e um dia eu estivesse aqui onde estou, me graduando

numa Universidade Federal, para a partir daí caminhar com meus próprios

pés.

Agradeço a minha professora e colaboradora Andréa Camargo que me

incentivou e contribuiu com todo seu aprendizado para que eu concluísse

este trabalho. Também ao professor Sílvio Diniz que desde o início do curso

me deu força e conselhos quando precisei, me estimulou quando achei que

tudo estava perdido e sempre confiou em mim e no meu potencial.

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

Montenegro, Palloma Thaís Bezerra.

A arte aos seus pés: o design

dos calçados únicos.

Profª Orientadora: Andréa Camargo;

Profª Co-orientadora: Nara Rocha

Caruaru: UFPE, 2010, 73 folhas,

Projeto de Graduação em Design.

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RESUMO

O objetivo desta pesquisa é analisar o design dos calçados únicos baseado

na observação do mercado de consumo atual, onde há a associação do

design, da arte, da arquitetura para conceção de tal objeto. A vertente

estético-simbólica enaltecida pelo design dos calçados únicos, caracteriza o

design pós-moderno, ou qualquer outra denominação pertinente ao período,

caracterizado pela quebra de paradigmas racionais, presentes em meados

do século XX. Já no século XXI, em meio à disposição das funções

relacionadas a concepção de um produto, tendo como norte a visão de

teóricos como Löbach e Baxter, é pertinente argumentar que o

contemporâneo sinaliza um retorno ao período onde o design era concebido

como arte – anos 80. O aporte teórico que norteará esta pesquisa, além dos

já ditos teóricos que criaram metodologias para o design de produto, será

referente ao estudo da percepção estética e visual - segundo Arnheim

(2008), Gomes (2006 e 2009) e Dondis (1997) – dos calçados únicos

(surgidos a partir da década de 1970), bem como a análise do “fetichismo”

relacionado a esse tipo de calçados, permeando entre os sexos masculino e

feminino.

Palavras-chaves : Design, arte, arquitetura, calçado.

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Índice de Figuras

Figura 1 – Funil de decisões, mostrando o processo convergente da tomada de decisões,

com a redução progressiva dos riscos – pág. 12

Figura 2 – As quatro formas de atração dos produtos – pág. 14

Figura 3 – Quatro categorias de objetos que satisfazem as necessidades humanas – pág. 16

Figura 4 – Classificação das funções de um produto – pág. 18

Figura 5 – Modelo do processo de design – pág. 21

Figura 6 – Naomi Campbell no desfile da coleção outono-inverno de Vivienne Westwood –

pág. 30

Figura 7 – 01: Jailson Marcos, designer pernambucano, 2010; 02: Mihai Albu, designer romeno,

2010; 03: Tea Petrovic, designer de Sarajevo, 2009; 04: Iris Schieferstein, designer alemã, 2009

– pág. 31

Figura 8 – Coleção de tênis “Keds” de 2009 – pág. 36

Figura 9 – Dançarinas de Charleston – pág. 36

Figura 10 – Modelo de Christian Dior veste New Look – pág. 37

Figura 11 – O primeiro two tone da Chanel – pág. 38

Figuras 12 e 13 – Sapatos criados pelo estilista Alexander McQueen para o desfile do Paris

Fashion Week Spring 2010 e celebrizado por Lady Gaga em seus vídeo clipes – pág. 39-40

Figura 14 – Móveis e objetos de uso usados para reflexão e produção artística – pág. 45

Figura 15 – Calçados de Pierre Hardy equilibrados – pág. 56

Figura 16 – Calçados de Pierre Hardy instável – pág. 56

Figura 17 – Calçado simétrico – pág. 56

Figura 18 – Calçado assimétrico – pág. 56

Figura 19 – Calçado com regularidade – pág. 57

Figura 20 – Calçado irregular – pág. 57

Figura 21 – Simplicidade – pág. 57

Figura 22 – Complexidade – pág. 57

Figura 23 – Economia – pág. 58

Figura 24 – Profusão – pág. 58

Figura 25 e 26 – Calçados McQueen. Sutileza x ousadia – pág. 58

Figura 27 – Pé de Lotus – pág. 60

Figura 28 – Bota bizarra – pág. 61

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Índice de Quadros

Quadro 1 – Metodologia Projetual para desenvolvimento de produtos de moda. – pág. 28

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

1. Introdução

Através da inclusão da arte no design dos calçados únicos1, os criadores desse

estilo de sapato acabam por desbancar uma das três funções descritas por Baxter

e Löbach para o desenvolvimento de um produto – a função prática. Essa agrega

ao produto a sua funcionalidade e questões ergonômicas de ordem fisiológica para

o ser humano. Nos calçados únicos essa função deixa de existir porque no seu

desenvolvimento, tem-se por principal objetivo a ênfase da função estética e o

apelo simbólico, tornando-os apenas calçados decorativos ou para

colecionadores, sem que eles tenham propriamente a função de calçar.

A relevância dessa pesquisa se dá, justamente, pela exclusão de uma das etapas

de desenvolvimento do produto de design, enfatizada por teóricos anteriormente

relatados. Havendo, sim, a ressalva da vertente poética da metodologia projetual

de design do produto, ou seja, aquela vinculada ao sensório, tornando-o um

produto de apelo apenas simbólico, meramente artístico, sendo comparado com

obras de arte, bem como esculturas. Daí surge a necessidade de se ater a

aspectos relevantes da percepção visual, das relações com a arte, design e

arquitetura, da análise da Estética e da Gestalt. Será analisado também, o tema

“fetiche” que transforma as usuárias dos calçados únicos em objeto de desejo,

objeto esse aguçado através da fantasia sexual pelo sexo masculino, assim como,

no que concerne a posse do produto, pela mulher.

A pesquisa realizada é de caráter analítico, pois, envolve o estudo e o

aprofundamento das informações disponíveis a fim de explicar e solucionar um

problema. Segundo Thomas e Nelson (1996) a pesquisa analítica é feita partindo

de duas categorias: histórico-analítica e filosófica. A primeira se preocupa com

fatos do passado que explicarão a atual situação do fenômeno estudado. A outra

por sua vez, é caracterizada por examinar e analisar os fatos, sintetizando-os

dentro de um modelo teórico predefinido.

1 “Os calçados únicos são uma fusão de arquitetura, escultura, engenharia, moda com arte requintada e fetiche. Apresentam composições em camadas, materiais inusitados e formas que desafiam a gravidade.” (NAZARIAN, 2010)

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

O estudo se dará através do método de abordagem hipotético - dedutivo, que se

inicia pela percepção de um problema previsto na realidade, para a partir daí

formular-se hipóteses que por sua vez serão testadas para chegarem a

determinadas conclusões (LAKATOS, 2010).

Ainda como técnicas, serão empregadas: análise do discurso em livros, artigos,

teses, sites e blogs referentes à área da presente pesquisa, coleta de dados e

onde se fizer necessário.

Através das técnicas descritas acima será feita uma verificação nas etapas das

metodologias de design já explanadas, a fim de buscar as que melhor se

enquadram no processo de desenvolvimento dos calçados únicos; se faz

necessário também pesquisar sobre a história e origem dos calçados, além de

discorrer sobre as distinções dos calçados únicos. O foco principal da pesquisa é

analisar a percepção estética no design dos calçados únicos criados a partir da

década de 70.

Como métodos de procedimento, serão utilizados o histórico e comparativo. O

histórico trata-se da análise diacrônica, entre a investigação do passado e a

evolução histórica, visando compreender os fatores do presente. Já o método

comparativo procura as semelhanças e explica divergências através da análise

(LAKATOS, 2010).

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

2. Metodologia para Criação de um Produto de Design

2.1 Segundo Baxter, Löbach e Bürdek

Baxter (2000) afirma que antes de iniciar o processo de desenvolvimento de um

produto deve-se inicialmente fazer um funil de decisões. Este funil é uma forma de

minimizar as variações de risco e incerteza, é um processo de tomada de decisões

- Figura 1. As formas retangulares mostram às alternativas prováveis e as

arredondadas as decisões durante o processo de seleção de alternativas.

Figura 1 – Funil de decisões, mo strando o processo convergente da tomada de decisõe s, com a redução

progr essiva dos riscos. (Adaptado - Baxter, 2000)

As etapas que compõem o funil de decisões acima citado são: pesquisar

inicialmente a viabilidade comercial do novo produto, elaborar a especificação do

produto, iniciar o projeto do produto, fazer testes com modelos e protótipos, iniciar

a fabricação e por último fazer a distribuição e divulgação do produto. A divisão

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

desse processo em diversas etapas é importante para o planejamento e controle

de qualidade. A definição de cada etapa pode ser alterada de acordo com a

natureza do produto e o funcionamento da empresa.

Vale lembrar ainda, que o desenvolvimento de produtos deve ser feito para o

consumidor, interpretando as suas necessidades, desejos, valores, sonhos e

expectativas.

O estilo do produto é uma qualidade que provoca a atração visual. Ele agrega

valor ao produto sem necessariamente modificar suas funções. Uma boa

composição é sempre uma arte (BAXTER, 2000).

Segundo Baxter (2000) a percepção humana é dominada pela visão, o sentido

visual predomina sobre todos os outros sentidos, por isso a aparência do produto

é tão importante para sua atratividade. A beleza de um produto relaciona-se com

as propriedades do nosso sistema visual. A beleza não está apenas no produto,

mas também em quem vê.

Os objetos transmitem um significado simbólico. O entendimento do conteúdo

simbólico aumenta o nosso entendimento em relação ao estilo do produto.

Um objeto pode ter uma forma nunca vista e assim mesmo não causar tanta estranheza. Ele pode parecer familiar porque simboliza algo que é familiar. Isso está ligado à nossa percepção. Ao perceber um objeto, o nosso cérebro o classifica imediatamente como atraente ou sem atrativo. Ele faz isso instintivamente, buscando na memória emoções e sentimentos ligados a outros objetos semelhantes (BAXTER, 2000, p. 35).

Os consumidores consideram os produtos atrativos a partir de quatro formas, elas

estão representadas na Figura 2.

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

Figura 2 – As qua tro formas de atração dos produtos (Adaptado - Baxt er, 2000)

A primeira forma, atração daquilo que já é conhecido, se conceitua como um

produto já conhecido e consumido que apenas fez um redesign. É importante que

esses produtos não percam suas características tradicionais, nem fujam tanto do

seu padrão, pois, do contrário, os consumidores passam a não reconhecer o

produto. A atração semântica deve transmitir a sensação de confiança e bom

desempenho dos aspectos funcionais. A atração simbólica é inserida de acordo

com o estilo de vida, valores de grupos e emoções dos consumidores. A atração

intrínseca da forma visual é percebida a partir da inserção da elegância e beleza

no produto, do apelo estético (BAXTER, 2000).

Para o desenvolvimento de um produto, Baxter (2000) afirma que é preciso ser

criativo. Diz que a criatividade é o coração do designer em todas as etapas de

criação do projeto. Para Löbach (2001) design significa ideia, projeto ou plano para

solucionar determinados problemas. O design então consistiria na concretização

da ideia, para com ajuda dos meios adequados, transmiti-las para outras pessoas.

Um projeto, modelo ou croqui é o meio que torna percebível a resolução de um

problema.

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

Assim, a definição de design abarca a materialização de uma ideia através de um

projeto mediante a sua configuração, resultando em um produto industrial.

As fases do processo de configuração de um produto industrial chamam-se

design. Ele atua parcialmente e na totalidade. Ampliando o conceito e

considerando que design também faz parte da produção de um produto ou

sistema de produtos que atingem os requisitos da atmosfera humana, pode-se

afirmar que o termo é uma definição geral que responde por processos amplos.

Ele desenvolve uma ideia, faz com que ela se concretize na fase projetual e tem

por finalidade solucionar alguma necessidade humana.

Segundo Löbach (2001) o conceito de design é traduzido por nós como

configuração. O teórico afirma que os dois conceitos, design e configuração, são

conceitos gerais, onde o objeto continua em aberto. Ele fica mais específico

quando o conceito de design se relacionar com outro conceito que tenha relação

com ele, sendo este o objeto de design.

O homem exerce influência em relação à configuração do ambiente e o design

industrial de acordo com sua atuação. Essa relação de influência, descrita por

Bernd Löbach (2001) está representada na Figura 3.

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

Figura 3 – Quatro categorias de objetos que satisfa zem as necessidades humanas. (Adaptado – Löbach, 2 001)

Tudo que tem vida possui necessidades. As necessidades são resultados de

deficiências que se desejam acabar. Os seres humanos têm necessidades

diversas e variadas. A aparição delas nem sempre são lógicas, principalmente

quando outros processos têm preferência eventual.

Tensões insatisfeitas causam sentimentos de frustração. Quando as necessidades são satisfeitas, o homem sente prazer, bem-estar, relaxamento. A satisfação de necessidades pode, portanto, ser considerada como a motivação primária da atuação do homem (LÖBACH, 2001, p. 26.).

Do mesmo modo, além das necessidades existem as aspirações, que são os

desejos, ambições e anseios dos homens (LÖBACH, 2001). Diferentemente das

necessidades, os anseios não partem de uma deficiência ou carência. As

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

aspirações são espontâneas e surgem como consequências das ideias podendo

ser alcançadas por um objeto desejado. Fica claro então que a satisfação de

necessidades e aspirações se dá através do uso de objetos.

Os objetos artísticos são considerados especiais pela forma de transmissão das

informações. Eles não são objetos de extrema necessidade para uns, sendo

classificados como objetos de desejo, atraindo o apelo emocional das pessoas

que os consomem. Sua principal característica é o fato da informação ser

transmitida instantaneamente em seu contexto (LÖBACH, 2001).

Adicionando elementos estéticos como forma, cor, textura, entre outros ao objeto

artístico, mostra-se ao observador um objeto representativo, global ao conjunto.

Devido à percepção global no objeto artístico, ele se torna adequado para

transmitir ideias complexas de forma agrupada. Além disso, a sua forma estética

pode se transformar na única ferramenta de transmissão informacional. “Tais

objetos artísticos têm a missão de satisfazer as necessidades estéticas humanas

pela otimização da informação estética correspondente à percepção sensorial do

homem, o que possibilita a vivência estética” (LÖBACH, 2001, p. 35).

Segundo Löbach (2001), existe ainda uma divisão dos objetos artísticos: “arte útil”

e “arte livre”, o que é irrelevante, pois, todo objeto artístico também é objeto de

uso. Os objetos de uso também são consumidos para satisfazer uma necessidade

estética. Esta necessidade não é reconhecida com frequência como de tal

importância como as necessidades vividas no dia-a-dia. Na verdade as

necessidades estéticas satisfazem o ego, a saúde psíquica e não a saúde física,

que é imprescindível para nossa sobrevivência.

Os aspectos indispensáveis entre a relação usuário e produtos industriais são as

funções dos produtos, o que se torna notório no seu uso, possibilitando à

satisfação das necessidades. Essa vinculação está desenhada na Figura 4.

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

Figura 4 – Classificação das funções de um produto. (Adaptado - J. Gros apud Löbach, 2001)

Cada produto tem variadas funções, isto fica claro se compararmos um objeto de

uso com um objeto artístico.

Pode-se dizer que o homem não tem nenhuma relação com uma nuvem, porém,

ela atua no processo de percepção da sua aparência (função estética) e nos

lembra uma ovelha (função simbólica). Isso deixa claro que a nuvem possui

funções estéticas e simbólicas (LÖBACH, 2001).

Com um produto industrial os usuários têm contato principal com as suas funções

práticas. Mas, além disso, eles têm também aspectos estéticos como cor, forma,

textura. Desse modo conclui-se que os produtos industriais têm várias funções que

são hierarquizadas de acordo com seu valor. A função principal estará sempre

acompanhada de uma secundária e assim por diante.

Löbach (2001) afirma que a função prática refere-se às relações entre um produto

e os aspectos fisiológicos do uso. O principal objetivo dessa função é criar um

produto que satisfaça as necessidades físicas dos usuários.

A função estética é a relação que o produto tem com o nível sensorial do

consumidor.

A função estética dos produtos é um aspecto psicológico da percepção sensorial durante o seu uso. Criar a função estética dos produtos industriais significa configurar os produtos de acordo com as condições perceptivas do homem (LÖBACH, 2001, p. 60).

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

A compra de produtos industriais normalmente se dá pelos aspectos estéticos, já

que as funções práticas não se diferenciam dos concorrentes. Hoje, com a

competitividade no mercado, os aspectos estéticos têm fundamental importância

na hora da compra, eles podem ser decisivos para a aceitação ou rejeição de

determinado produto.

A função simbólica tem o objetivo de estimular a percepção dos objetos através de

experiências e sensações vividas anteriormente pelos usuários. Segundo o autor

essa função é determinada pelos aspectos espirituais, psíquicos e sociais do uso.

A função simbólica dos produtos possibilita ao homem, por meio de sua capacidade espiritual, fazer associações com as experiências passadas. A função simbólica deriva dos aspectos estéticos do produto. Esta se manifesta por meio dos elementos estéticos, como forma, cor, tratamento de superfície, etc, material para associação de ideias com outros âmbitos da vida. A função simbólica de produtos industriais só será efetiva se for baseada na aparência percebida sensorialmente e na capacidade mental da associação de ideias (LÖBACH, 2001, p. 64).

Löbach (2001), assim como Baxter (2000), diz que para um designer industrial

desenvolver um produto inovador, são necessários alguns requisitos. Tomar

conhecimento do problema é uma dessas necessidades. Deve-se depois reunir e

analisar todas as informações coletadas a cerca desse problema, para chegar a

possíveis combinações de ideias e soluções.

O trabalho do designer industrial consiste em encontrar uma solução do problema, concretizada em um projeto de produto industrial, incorporando as características que possam satisfazer as necessidades humanas, de forma duradoura (LÖBACH, 2001, p. 141).

Esse processo de design tem o nome de Método Projetual de Bernd Löbach que

se divide em quatro fases de desenvolvimento. Na fase de preparação se analisa

o problema, a partir daí faz-se análise e coleta de dados referente ao mesmo. Na

fase de incubação usa-se da criatividade para gerar alternativas de soluções,

partindo da coleta de dados feita na primeira fase. A terceira fase é a de

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

iluminação onde se escolhe previamente as alternativas mais adequadas ao

problema e partindo de critérios de avaliação se elege a que mais se enquadra no

projeto. A fase de realização, a última descrita por Löbach (2001), é a fase de

idealização do projeto. É onde se coloca em prática as soluções encontradas para

determinado problema. É a fase projetual de concepção do produto e todas as

suas especificações técnicas.

Muitas vezes se considerou que o objetivo da pesquisa metodológica era

desenvolver um método único e restrito para o design. O que não se levou em

conta é que problemas diferentes requerem diferentes métodos e a principal

pergunta a ser feita antes do processo de desenvolvimento é qual método deve

ser utilizado em qual problema.

Bürdek (2006), diz que a metodologia de design era invadida da noção de que,

antes de se iniciar um projeto ou modificar algo, é preciso compreender do que se

trata.

Horst Rittel (1973, apud Bürdek, 2006) desenvolveu um sistema de pesquisa de

primeira geração, o qual fundamentou que seria possível dividir o processo do

projeto em pequenas fases. Inicialmente compreende e define o problema, depois

coleta informações, analisa essas informações, desenvolve conceitos de soluções

alternativas, avalia e reavalia as soluções e por fim testa e implementa a melhor

solução.

O processo de design é um sistema de manipulação de informações. Esse modelo

é alimentado pelas possibilidades de feedback, não deixando que este se torne

um processo linear de resolução de problemas.

O processo de projeto conta sempre com a possibilidade de, por meio de informações falhas ou novas, saltos tecnológicos, restrições legais e muito mais, tornar o processo de desenvolvimento moroso e redundante, ou seja, por mais informação tornar o processo menos claro ou transparente (BÜRDEK, 2006, p. 256).

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

No mais, procurou se estabelecer um critério básico de métodos valorizando a

prática do designer. Aí estão incluídos, o uso de análises diversificadas (mercado,

funcionais e de informações), uma lista de exigências, métodos de resolução de

problemas e criatividade, sistema de representação (bi e tridimensional), análise

do valor e procedimentos de test. Veja Figura 5.

Figura 5 - Modelo do processo de design. (Adaptado - Bürdek, 2006)

Com isso fica claro que a metodologia a ser aplicada em um projeto depende do

grau de complexidade do mesmo. Cabe saber em quais casos se deve aplicar

qual metodologia (BÜRDEK, 2006).

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

2.2 Segundo Sanches

Sanches (2003) define o termo projeto como palavra-chave ao se falar em design.

Ao pesquisar obras que tratem do assunto, não há um consenso onde este se

inicia, no trajeto do processo de design. Alguns autores ditam a atividade projetual

a partir do problema analisado e definido, conduzindo tais análises para

configuração do produto. Outros acrescentam ainda a esse processo, atividades

anteriores e posteriores às definidas em suas características, sendo estas,

planejamento, pesquisa e acompanhamento das atividades de produção.

Independente das limitações projetuais, para articular e sintetizar os fatores

sociais, antropológicos, ergonômicos, tecnológicos, ecológicos e econômicos,

cada profissional tem um modo próprio para solucionar os problemas detectados.

Dessa forma, o desenvolvimento de produtos industriais é tido como objetos de

design.

Kaminski (2000) diz que esse processo associa um conjunto de atividades,

envolvendo quase todos os setores de uma empresa, tendo como finalidade

transformar as necessidades mercadológicas em produtos ou serviços

economicamente viáveis.

Por isso, o design abarca um conjunto de interações entre designer, processos,

consumidor e produto. Esse processo tanto é criativo como de solução de

problemas.

Deste modo, o designer procura desenvolver um produto inovador, dotado de um elevado número de características valorizadas pelo usuário/ consumidor. Tal tarefa é baseada na capacidade, deste sujeito, de associar determinadas informações com um problema, estabelecendo, através de uma postura crítica, novas relações entre elas e propondo uma solução criativa e eficaz (SANCHES, 2003, p. 15).

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

Sanches (2003) ressalta que na presente argumentação o termo problema tem

menção às necessidades humanas, definindo oportunidades de projetos de

design.

Baxter (2000) diz que o designer tem que traçar um plano de organização e de

tomada de decisões para rumar o desenvolvimento e realização do seu processo.

Para Sanches (2003), as teorias de design vêm evoluindo na tentativa de uma

sistematização amoldada da atividade projetual.

Segundo Iida (1998 apud Sanches 2003) entre o período dos anos 60 e 70 muitos

autores criaram metodologias de design baseadas em metodologias científicas

tradicionais, com etapas sucessivas. Porém, com a evolução da comunicação, os

consumidores tornaram-se mais exigentes e as indústrias mais competitivas,

cobrando do designer uma postura projetual mais flexível e uma visão de mercado

maior.

Maynardes (2002 apud Sanches 2003) analisou o processo de desenvolvimento

de produtos e argumenta que no início do Séc. XX, apesar dos avanços

tecnológicos, os processos projetuais ainda eram feitos como os processos dos

artesãos, sendo bastante marcados por questões estéticas. Logo depois, o

Taylorismo2, segundo Maynardes, introduziu o raciocínio científico e racional como

embasamento teórico para organização de produção, sendo aplicado por Henry

Ford na sua produção de automóveis. Isso fez com que fosse adotada uma

postura racionalista em relação aos processos de desenvolvimento de produtos e

no design de forma geral.

Desse modo, o design passou a ser relacionado com a ciência e tecnologia,

tomando o pensamento científico como alicerce para as metodologias projetuais.

Tal visão fez com que o pensamento projetual seguisse etapas sucessivas,

2 [...] É o modelo de gerenciamento científico dos métodos de trabalho desenvolvido pelo engenheiro americano Frederick Winslow Taylor [...] “Ela visava atingir a eficiência máxima da produção através do planejamento do tempo e dos movimentos envolvidos na execução de tarefas específicas” (CARDOSO, 2008, p. 43).

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

simplificando-se pelo método cartesiano, no qual o problema era subdividido em

problemas menores para análise (SANCHES, 2003).

“A aplicação de metodologias de projeto se referia ao planejamento e utilização de

instrumental em situações específicas e concretas, seguindo um procedimento

lógico e rígido para alcançar um objetivo determinado” (Maynardes, 2002 apud

Sanches, 2003, p. 16).

Contudo, segundo Iida (1998 apud Sanches 2003), há uma diferença significante

entre metodologia de design tradicional e metodologia científica, a etapa de

criatividade. Enquanto no método científico as soluções dos problemas eram bem

determinadas, nos de design a mente humana interferia nas soluções de forma

alternativa e com criatividade.

Iida (2002 apud Sanches, 2003) questiona as metodologias citadas anteriormente

e argumenta que elas apenas coordenam as etapas do projeto, colocando as

resoluções nas mãos dos projetistas ou de alguns gerenciadores de empresas.

Isso limita os critérios de decisões às conjeturas pessoais, tornando-se arriscados

os fatores mercadológicos envolventes do desenvolvimento de produtos. Por isso

o autor defende o processo de design a partir de metodologias sistemáticas,

flexíveis e direcionadas, que reduzam tais riscos e estejam em harmonia com

parâmetros humanos e sociais.

Conforme autores citados anteriormente pode-se considerar os primeiros aspectos

metodológicos envolventes de um projeto de design de moda. Os produtos de

moda têm mútua afinidade com os seus usuários, estabelecendo uma forte

relação emocional. Esse processo de design de moda precisa de estruturação e

aplicação de ferramentas eficazes (SANCHES, 2003).

O significado do termo moda segundo Sanches (2003) é de variação das

alterações sazonais do vestuário. Essa conotação estimula meditações sobre o

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

mercado e a produção industrial de produtos que tem além da função de vestir,

resguardar o corpo e transmitir sensações de bem-estar sócio-psicológico.

Se a concepção destes produtos envolve a articulação de fatores sociais, antropológicos, ecológicos, ergonômicos, tecnológicos e econômicos, em coerência às necessidades e desejos de um Mercado Consumidor, é pertinente afirmar que tal processo se encaixa perfeitamente na conduta criativa de resolução de problemas de design (SANCHES, 2003, p. 52).

Segundo Rech (2002 apud Sanches 2003) qualquer artifício que se relacione com

criação, qualidade, vestibilidade, aparência e preço, que alcance os desejos e

anseios do público alvo produto de moda.

Para Löbach (2001) e Baxter (2000), a participação do designer é de suma

importância no conhecimento dos desejos e necessidades do consumidor para a

definição do problema de design e futuro desenvolvimento do projeto.

Baxter (2000) diz que as exigências dos usuários se qualificam como

características básicas, que fazem o produto ser funcional e os desejos são

considerados como características secundárias, agregando valor ao produto.

Para o desenvolvimento de produtos de moda, Rech (2002 apud Sanches 2003)

considera duas análises que devem ser feitas durante o projeto de produtos de

moda: elaboração e adequação.

Na elaboração a autora avalia três pontos. Primeiro o objeto de inspiração, que

serve de estímulo e conduz a configuração da linguagem visual da coleção. Essa

referência surge da observação de comportamentos do dia-a-dia, influenciando

diretamente nas “qualidades de estilo”, como chama Baxter (2000), ou na

“comunicação estética” assim chamada por Löbach (2001). O segundo ponto é a

contemporaneidade da forma, que dita que o produto de moda tem que estar

sempre atualizado. A linguagem do produto deve estar decodificada de acordo

com os códigos de linguagem atuais. O terceiro e último ponto é o padrão estético,

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

referindo-se ao belo através do estilo, cor, estampa, forma, etc., sendo expressas

pelas tendências de moda e comportamentos.

Nas análises quanto à adequação, considera-se a funcionalidade, referindo-se às questões práticas do uso; os aspectos comerciais, prevendo o planejamento de custos e preços ao consumidor; e por fim, as adequações culturais do produto, pois o contexto cultural sempre influencia os costumes e gostos que regem a opção de compra de um produto (SANCHES, 2003, p. 55).

Apesar da ideia de Rech (2002 apud Sanches 2003), sobre a organização para

desenvolvimento de um produto de moda relacionar-se às ações de projeto como

configuração do produto, ela destaca também a importância da preparação e do

planejamento, partindo da coleta e análise de dados, afirmando tais ações como

de fundamental importância para a qualidade do processo.

Argumentando-se sobre metodologia de projeto, tende-se a explorar mais a ideia

de processo projetual do que um método específico, pois a variação dos contextos

envolventes do desenvolvimento de produtos mostra que a hegemonia, perde

também a sua superioridade, revelando o modelo singular, que atenda as

necessidades de um universo vasto (SANCHES, 2003).

Para abordar metodologias para desenvolvimento de produtos de moda, que são

direcionados a um mercado específico, seus códigos de linguagem devem ser

coerentes e manter flexibilidade junto ao processo de design. Vale salientar que o

designer de moda deve ter a capacidade de gerenciar a qualificação do seu

processo de trabalho.

O embasamento teórico feito com alguns autores anteriormente possibilitou o

entendimento do processo de design e a partir daí pôde-se constatar uma

estruturação do raciocínio projetual. Inicialmente deve ser feita uma delimitação de

parâmetros, depois conhecer o consumidor, fazer uma geração de ideias e por

último pensar no meio de comunicação desse projeto.

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

Por outro lado, o planejamento do processo de desenvolvimento de produtos de

moda, dentro dos critérios do design, proporciona a identificação de pontos

importantes para desenvolvimento de um projeto: flexibilidade e agilidade nas

metodologias, capacidade de inserção no contexto comportamental e síntese na

decodificação de tendências de moda.

Sanches (2003) desenvolveu diagrama (Quadro 1) que mostra como deve ser o

desenvolvimento de produtos de moda a partir das estruturas mentais do processo

de criatividade. As fases do projeto foram divididas de acordo com o pensamento

criativo, juntamente com suas ações relativas, no contexto de desenvolvimento do

produto.

Metodologia Projetual para desenvolvimento de produtos de moda Fases do projeto

Organização do pensamento Ações

Preparação

Identificar um problema a ser

resolvido.

Conhecer melhor o problema.

Definir os limites do problema

e os objetivos básicos do

projeto.

Abastecer a mente com

informações envolvidas na

busca por soluções.

Definir o caminho para chegar

à solução.

Identificar comportamentos humanos

que sinalizem a demanda por produtos

de moda.

Coletar dados sobre estes

comportamentos.

Definir a necessidade a ser atendida

através de produtos de moda, definindo

o problema de design de moda.

Coletar dados sobre o público a ser

atendido, conhecer as suas

necessidades práticas e estético-

simbólicas.

Pesquisar tendências socioculturais, de

moda, materiais e tecnologias que se

vinculem com o universo do público-

alvo e da empresa.

Delimitar as especificações do projeto.

Delimitar o conceito gerador, o qual

define os princípios funcionais e de

estilo do produto ou conjunto de

produtos.

Sintetizar o conceito em referências de

linguagem visual.

Geração Usar os canais de expressão Gerar alternativas de solução do

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

para gerar possibilidades de

solução.

problema (esboços/desenhos, estudos

de modelos).

Estudos de configuração, materiais e

tecnologias.

Avaliação

Avaliar a coerência das

propostas geradas com o

caminho definido.

Selecionar a proposta mais

coerente, de acordo com o

caminho definido e os

objetivos delimitados.

Avaliar as alternativas, de acordo com o

conceito gerador e as especificações do

projeto.

Selecionar a alternativa (ou

alternativas) coerente com o conceito

gerador e especificações do projeto.

Concretização

Elaborar a proposta,

detalhando-a e estudando a

sua viabilidade através de

experimentações.

Detalhar a configuração do produto (ou

produtos) selecionado (desenhos

técnicos).

*Desenvolvimentos tridimensionais

para experimentações.

Avaliações de caimento, conforto,

usabilidade, impacto ambiental e custo.

Corrigir eventuais inadequações.

Documentação

para produção

Especificar e documentar

detalhes técnicos de produção

Confecção de ficha-técnica definitiva.

*Confecção de peça piloto.

Quadro 1 – Metodologia Pr ojetual para desenvolvimento de produtos de moda. (Sanches, 2003)

As necessidades e orientações socioculturais e estéticas do mercado, ao serem

entendidas e resumidas em um conceito, facilitam a lógica do pensamento

projetual para a produção industrial da moda, a qual tem velocidade e valorização

da função estético-simbólica. Vale lembrar que os aspectos que referenciam o

conforto e a usabilidade são fundamentais nos produtos de moda.

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

2.3 Aspectos relevantes das metodologias de

design aplicadas à criação dos calçados únicos

Após a explanação sobre as principais metodologias de design de produto,

pontua-se os aspectos centrais e relevantes referentes à criação dos calçados

únicos. Segundo Baxter (2000) e Löbach (2001), nas etapas de desenvolvimento

de um produto de design deveria constar inicialmente a análise do problema. O

fato é que as usuárias dos calçados únicos não têm um problema propriamente

dito, mas sim uma necessidade. Necessidade de estar diferente, elegante, de se

sentir bem e a vontade com o calçado que está usando.

A função prática desse objeto deixa de existir para dar lugar às funções estéticas

e simbólicas. Na verdade é apenas isso que importa nos calçados únicos, sua

beleza e estética. Portanto, o problema encontrado pelos designers de calçados

únicos durante o desenvolvimento de um novo produto é única e

excepcionalmente a questão harmônica. O calçado deve ser bonito, agradável,

diferente e inovador. Não importa se não vai ser possível andar 100 metros, ou se

ele é impossível de calçar, o importante mesmo é a exclusividade e a atratividade

do modelo (O’KEEFFE, 2008).

Segundo Gomes (2006), o designer deve ter conhecimento cultural, conceitual e

tecnológico para solucionar de forma eficaz e criativa a aparência estética do

produto. O que facilita hoje o pensamento projetual da indústria da moda são as

necessidades, a cultura e a orientação estética do mercado, valorizando assim a

função estético-simbólica do objeto (SANCHES, 2003).

Vivienne Westwood é considerada a “grande dame terrible” da moda por viver

sobre dois princípios: “Se é conservador é porque está morto” e “Quando há

dúvidas, vestir roupa o mais elaborada possível” (O’KEEFFE, 2008, p. 426). Ela

afirma que suas criações surgiram de uma irritação ao padrão ortodoxo de vestir e

de sua perversidade. O’Keeffe (2008) discorre, ainda, que Westwood costuma

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

inspirar-se no fetiche3, por isso, criou em 1993 uma torre instável (Figura 6) de 25

cm de altura (plataforma “mock-crock”), que fez com que a modelo Naomi

Campbell caísse na passarela em meio a um desfile.

Figura 6 – Naomi Campbell no desfile da coleção

outono-inverno de Vivienne Westwood.

(Adaptado – Nazarian, 20 10)

Weestwood compara os excessos de sua criação com o Velho Regime. Pode

também ser comparada com um conto de fadas, porém, seu principal objetivo era

defender a liberdade da mulher em experimentar e a sensualidade feminina

(NAZARIAN, 2010).

Baxter (2000) cita o estilo do produto como uma qualidade atrativa visual. Diz que

um bom estilo é uma arte. O estilo do produto pode ser conceituado como

qualidade intrínseca e de preferência deve conter um algo a mais para provocar a

atração e admiração imediata, chamando atenção para sua aparência. Pode

agregar variados valores de ordem sensível e emocional, denotar ou conotar

mensagens e significados diversos, sobretudo por meio da função simbólica. Vale

3 Tudo que é objeto de adoração entre selvagens, feitiço, manipanso (FERNANDES, 1968).

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

lembrar que o estilo inserido no produto deve conter fatores como: dados

históricos, simbólicos, semióticos, científicos, filosóficos e tecnológicos; consumo

e perfil do usuário (GOMES, 2006).

Para demonstrar a importância e diversidade da estética do produto, a Figura 7

abaixo mostra alguns exemplos, em diferentes épocas e lugares, bem como

diferentes estilos e cultura aplicados em produtos de design.

Figura 7 – 01: Jailson Marcos, designer pe rnambucano – 2010; 02: Mihai Albu, designer romeno – 2010;

03: Tea Petrovic, design er de Sarajevo – 2009; 04: Iris Schieferstein, des igner alemã – 2009.

(Montenegro, 2010)

A percepção visual é responsável pela atração da aparência do produto; e que os

objetos tem também o poder de transmitir função simbólica. Essas funções

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

simbólicas são inseridas no calçado de acordo com o modo de vida e valores das

consumidoras (BAXTER, 2000).

Segundo Löbach (2001) o design deve concretizar suas ideias através dos meios

corretos e transmiti-las para as pessoas. No caso dos calçados únicos esse modo

correto é atingindo o desejo e a satisfação que as usuárias desses calçados têm

ao usá-lo. Agregando ainda a esses objetos elementos estéticos como forma, cor,

textura, materiais novos e inovadores, se atinge a necessidade dessas

consumidoras. As necessidades estéticas satisfazem o ego e a saúde psíquica de

quem consome o calçado único.

Como diz Löbach (2001), a compra de um produto industrial é feita através da

função estética, já que a função prática não se diferencia de concorrente para

concorrente. Esse ponto é crucial para os calçados únicos, já que sua função

principal é a estética, quanto mais diferente de seus concorrentes melhor para o

designer.

A função simbólica ajuda a estimular lembranças de situações e sensações

vividas no passado. Ela deriva da função estética do produto (LÖBACH, 2001).

De acordo com Gomes (2006) uma curiosidade sobre a aquisição de objetos

sofisticados, é que atualmente esses objetos encontram-se num avançado estado

de arte. Isso faz com que os consumidores acabem escolhendo o produto pelo

valor emocional e sensível que representam. “Portanto a decisão de compra leva

em conta exclusivamente os atributos estéticos e simbólicos de cada usuário. É o

que já se está chamando de design emocional” (GOMES, 2006, p. 109).

Bürdek (2006), diz que o processo de design nada mais é que propor

possibilidades de feedback entre o usuário e produtor, não deixando que se torne

num sistema linear, nem tão pouco de apenas solução de problemas.

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

O design de calçados únicos deve procurar desenvolver um produto inovador,

com maior número de características valorizadas pela sua usuária de forma

criativa e eficaz (SANCHES, 2003).

Sanches (2003) descreve o processo de desenvolvimento de produtos de moda

que é o mais adequado para a criação dos calçados únicos. A autora avalia três

pontos: o objeto de inspiração observado a partir do dia-a-dia do público alvo, que

conduz a linguagem visual da nova coleção; segundo, a contemporaneidade da

forma, que dita à atualidade do produto, e, por fim, o padrão estético.

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

3. A concepção dos calçados únicos

3.1 A História e sua Origem

Criado pelos mesopotâmicos por volta de 3.000 a.C. por uma necessidade de

proteção dos pés, o sapato já foi usado em diferentes épocas como distinção de

classes sociais. No antigo Egito as sandálias de palha eram usadas por qualquer

pessoa, porém as dos faraós eram feitas exclusivamente em ouro (O’KEEFFE,

2008).

Ainda se sabe que durante o Império Romano, a cor dos sapatos diferenciava as

classes sociais dos indivíduos. No fim da Idade Média, os bicos longos eram

usados pelos nobres. Quanto maior fosse o bico, mais nobre era aquele cidadão.

“No Império Romano, os sapatos distinguiam as classes sociais: senadores

usavam modelos marrons, os cônsules, brancos e os gladiadores usavam as

sandálias que foram “febre” nas últimas temporadas: as gladiadoras” (STEPHAN,

2010, p. 224). Os romanos foram os primeiros a diferenciar os pés direito do

esquerdo, prática que nos séculos seguintes fora abandonada.

Os japoneses usavam sandálias chamadas zoris. Os persas e indianos usavam

sandálias com solas de madeira. “Os africanos fabricavam modelos de enfiar no

pé com cabedal colorido” (O’KEEFFE, 2008, p. 23). Os eslavos utilizavam

sandálias de feltro, os espanhóis de corda e os ingleses copiaram as usadas pelos

mediterrânicos.

Segundo O’Keeffe (2008) mesmo com todas essas histórias que envolvem os

calçados, até o pré-século 20 sua evolução foi bastante lenta. Até o século 19 não

havia distinção entre o pé direito e o esquerdo e seus materiais variavam pouco. A

Revolução Industrial foi fundamental para sua popularização e criou condições

para que a indústria de calçados se desenvolvesse livremente. Veja a seguir os

principais fatos históricos:

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

Nos primórdios, o borzeguim, espécie de coturno, aparecia entre os assírios por

volta de 2.000 a.C.. Também foi usado na Grécia Antiga. Era feito com sola de

madeira ou couro grosso com o cano em tecido, preso as pernas por correias.

Stephan (2010) discorre que na Idade Moderna, começam a surgir novidades. A

criação do salto é atribuída a Catarina de Médicis, rainha da França. Em 1533 a

monarca trazia em sua bagagem vários sapatos de salto produzidos por um

artesão italiano. Por volta de um século depois, o rei Luís 14 institui o salto

também para os homens. Os saltos vermelhos ou talon rouge eram usados

apenas pelos nobres, bordados com fios de ouro e revestidos com seda ou

brocados.

No século 19, a botinha da rainha Vitória, fechada até o tornozelo e com pequeno

salto era bastante popular. Os modelos para serem usados durante a noite são

mais altos com aplicação de fitas, bordados e pedrarias. A Revolução Industrial

serviu para democratizar a obtenção dos sapatos pelas camadas mais pobres da

sociedade.

Nos anos 10 o estilista Paul Poiret propõe sapatos mais exóticos e coloridos.

Durante a primeira Guerra, com as mulheres tendo que ir trabalhar nas fábricas no

lugar dos homens, os sapatos tiveram que passar a ser mais confortáveis e

práticos. Os Estados Unidos, em 1917, descobrem a borracha e produz o primeiro

tênis da história, o chamado “Keds” (Figura 8). Com o final da Guerra, a moda

esportiva ganha espaço. A indústria passa a produzir vários modelos de calçados

(STEPHAN, 2010).

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

Figura 8 – Coleção de tênis “Keds” de 2009.

Stephan (2010) afirma afirma que nos anos 20, com o movimento pós-guerra, as

saias sobem acima do joelho e o movimento art decó influencia na criação de

estampas e cortes geométricos. Com a era do jazz e do charleston (Figura 9),

surgiu o modelo boneca, com tira fechada em botão, bico redondo e salto baixo e

grosso para ficar mais preso aos pés.

Figura 9 – Dançarinas de charleston.

Nos anos 30, a escassez de matérias-primas leva o homem a buscar novos

materiais como: madeira, plástico, ráfia e cortiça. Surge Carmem Miranda, que

para compensar sua baixa estatura cria os modelos com saltos enormes de cortiça

ou madeira; a plataforma. Com a inovação dos saltos, as sandálias voltam aos

seus tempos de glória. Salvatore Ferragamo usa estrutura de aço para dar

sustentação aos pés, permitindo que os saltos ficassem ainda mais altos e sem

necessitar mais das biqueiras que serviam como uma espécie de trava dos pés

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

(STEPHAN, 2010). Este fato fez com que as mulheres deixassem expostos os

dedos e as unhas dos pés pintadas de vermelho. Fez ainda com que modelos

novos, com tiras finíssimas exibissem todo o pé feminino.

Nos anos 40, mais uma Guerra e a moda incorpora a silhueta em estilo militar,

com sapatos pesados e pouca feminilidade. Com a escassez do couro e borracha,

os materiais têm que ser reinventados novamente. O guarda-roupa feminino é

invadido por calças compridas. Christian Dior, em 1947, propõe a volta ao feminino

com seu “New Look”, que eram saias amplas e acinturadas, com ombros naturais

como mostra a Figura 10. Surge ainda na década os escarpins, resultado da união

entre Dior Roger Vivier que é designer de sapatos (STEPHAN, 2010).

Figura 10 – Modelo de Christian Dior

veste New Look. (Stephan, 2010)

Nos anos 50, Stephan (2010) fala que os tênis e sandálias casuais entram em

destaque. As sapatilhas, usadas por criados no século 18, viram cult nos pés de

Brigitte Bardor e Audrey Hepburn acompanhadas de calças capri. A feminilidade

volta ao auge e em 1951, Charles Jourdan lança o salto agulha.

Stephan (2010) salienta que no início dos anos 60, Coco Chanel, populariza o

modelo que têm seu nome, um escarpim aberto no calcanhar, com o bico em cor

mais escura para disfarçar o tamanho do pé (Figura 11). A minissaia é criada por

Mary Quant, e o microvestido com bota de cano alto é disseminado pela modelo

Twiggy. Os looks futuristas ganham destaque na moda. Neste período, as

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

sandálias passaram a ser menos sofisticadas por conta das Birkenstock

ortopédicas, substituídas nos anos 70 pelas sandálias disco de saltos altos,

produzidas com pele de cobra em cores vivas e cabedal metalizado.

Figura 11 – O primeiro two tone da Chanel. (Stephan, 2010 )

Nos anos 70, tanto os designers quanto os jovens puderam experimentar de tudo

um pouco. Dos chinelos hippies de couro, às plataformas disco, dos coturnos

punks, às psicodélicas sandálias glam. A extravagância foi à chave dessa época.

O verniz com muito brilho e cores contrastantes foi bastante usado. Em 1972

surge a Nike. O culto a forma física consagra o tênis como calçado popular.

Vivienne Westwood iniciou nesse período com a produção de calçados fetiche,

que fogem do padrão de moda ortodoxa. Ela parodia os modelos pouco práticos

que cria com uma forma de tirar sarro contra os burgueses. Ainda fala da moda da

época como medíocre e banal (O’KEEFFE, 2008).

Os anos 80 tiveram como característica o consumismo sem controle. As grifes de

luxo se uniram aos publicitários para conhecer o perfil dos novos consumidores e

direcionar o marketing de vendas. As mulheres investiam em saltos altíssimos

como afirmação de poder. No guarda roupa masculino surge o terno e a ombreira

para marcar a época. Na moda casual, o “new wave” aumenta a cartela de cores

para neons, fluorescentes e cítricas. Designers como Maud Frizon, Manolo Blahnik

e Bennis Edwards, fizeram com que as sandálias de salto recuperassem o status

perdido. Agregaram sofisticação aos modelos de bicos fechados sem perder a

sensualidade. O’Keeffe (2008, p. 25) prossegue salientando que “estes designers

mostraram-nos que afinal os egípcios tinham razão: uma sandália bem desenhada

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

realça a sensualidade natural do pé, permitindo à mulher que a usa ser sedutora

até a ponta dos dedos”.

Democracia é a palavra dos anos 90. Na década da diversidade cultural e da

internet, cabem plataformas, bicos finos, saltos baixos e todas as cores. A mulher

volta a ser feminina e os sapatos têm prioridade pela beleza e não pelo conforto.

Na época das celebridades, o sucesso de determinado modelo de sapato depende

diretamente das famosas ou personagens por elas interpretados. Nomes como

Christian Louboutin, Manolo Blahnik, Jimmy Choo conquistaram a fama através do

seriado “Sex and the City” (STEPHAN, 2010).

Escarpins com cores cítricas, meia patas, sapatilhas de todos os tipos, cores e

materiais são algumas tendências dos anos 2000. O animal print volta com força e

as botas voltam não só para os dias de frio com os modelos cowboy, sandal boots

e ankle boots. Antigas marcas viram o “must have”, as sandálias Melissa, o tênis

Converse e Keds nunca foram tão desejados. Modelos do passado ganham uma

repaginada. Lady Gaga ocupa o espaço que foi de Madonna. Alexander McQueen

mostra novos rumos nas passarelas. A união entre Gaga e McQueen, choca e

provoca grande mudança nos modelos de sapatos, são os chamados calçados

arquitetônicos ou conceituais como mostra as Figuras 12 e 13 (STEPHAN, 2010).

Figura 12 – Sapatos criados pelo estilista Alexande r McQueen para o desfile do Paris

Fashion Week Spring 2010 e celebrizad o por Lady Gaga em seus vídeo clipes.

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

Figura 13 – Sapatos criados pelo estilista Alexande r McQueen para o desfile do Paris

Fashion Week Spring 2010 e celebrizad o por Lady Gaga em seus vídeo clipes.

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

3.2 Relações com o Design

Segundo Bürdek (2006), design é uma atividade que agrega valores de

criatividade, invenção e inovação técnica e fantasia cerebral em seu conceito.

Design com toda certeza é um processo criativo, contudo não apenas isso. Cada

objeto de design é resultado de um processo de desenvolvimento determinado por

decisões e condições, além de configuração. Os fatores socioeconômicos,

tecnológicos, culturais, históricos, de produção técnica, ergonômicos, ecológicos,

políticos e artísticos experimentais têm papel bastante importante no processo de

design. Trabalhar com design significa refletir as condições em que ele foi

estabelecido e transmiti-las em seus produtos.

Segundo o “Oxford Dictionary” foi no ano de 1588 que, pela primeira vez, o termo design foi mencionado e descrito como: um plano desenvolvido pelo homem ou um esquema que possa ser realizado; o primeiro projeto gráfico de uma obra de arte ou um objeto das artes aplicadas ou que seja útil para a construção de outras obras (BÜRDEK, 2006, p. 13).

Siegfried Giedeon (1948 apud Bürdek 2006) descreveu que o designer industrial

tinha a função de cuidar da carcaça, esconder os mecanismos visíveis e dar a

tudo formas aerodinâmicas.

A tarefa do design projeta-se para além do objeto, entendendo-a como um passo estratégico na cadeia de transformação da maneira de ver e trabalhar o entorno e, com ele, a viabilização de modificações do próprio indivíduo (Coelho, 1999 apud Sanches, 2003, p. 19).

O termo design industrial foi utilizado pela primeira vez por Mart Stam, que

entendia que projetista era qualquer um que se dedicasse a configuração de

novos materiais em qualquer área. Horst Oelke (1978 apud Bürdek 2006) chama

atenção para que a configuração formal não foque somente nos aspectos

sensoriais e estéticos, mas também nas necessidades dos indivíduos.

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

Para Bürdek (2006), a definição mais clara e atual de design é a formulada por

Michael Erlhoff que diz: “Design que – diferentemente da arte – precisa de

fundamentação prática, acha-se principalmente em quatro afirmações: como ser

social, funcional, significativo e objetivo”.

A atividade profissional exercida pelo designer define-se como:

O equacionamento simultâneo de fatores sociais, antropológicos, ecológicos, ergonômicos, tecnológicos e econômicos, na concepção de elementos e sistemas materiais necessários à vida, ao bem-estar e à cultura do homem (NIEMEYER, 1998, p.25).

O historiador alemão Gert Selle (1973, apud Bürdek, 2006) verificou que o design

havia se tornado uma linguagem do dia-a-dia. “Podemos falar de sua linguagem

do produto na medida em que objetos de design não são apenas portadores de

funções, mas são sempre portadores de informação” (Ellinger, 1966 apud Bürdek,

2006, p. 286).

Selle (1973 apud Bürdek 2006) destaca as funções sociais que os produtos

possuem cada vez mais. Através dos produtos podem-se perceber características

dos usuários e dos produtores destes objetos.

Linguagem é um meio de interpretação da realidade e a linguagem do produto permite ao consumidor possibilidades de identificação com o produto e sua proposta verbal de nível de realidade parece muitas vezes irracional e onírica (Gert Selle 1973 apud Bürdek 2006, p. 286).

Para ele é evidente que este princípio de “linguagem de produto” seja seguido de

forma crítica, pois se trata de descobrir os conhecimentos subjacentes e

comunicá-los.

No Brasil os pontos fortes de atividades desenvolvidas por designers são a

indústria do mobiliário, e desde os anos 80, telecomunicações e computação.

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

Como importantes representantes do design podemos citar, entre outros: José Carlos Mário Bornancini que, desde os anos 60 em conjunto com Nelson Ivan Petzhold, trabalha no ramo de objetos para a casa; Sergio Rodrigues, um arquiteto que se especializou em design de mobiliário e que de 1955 a 1968 dirigiu a empresa de móveis OCA; Freddy Van Camp, um dos primeiros formados e hoje professor da ESDI (Escola Superior de Desenho Industrial), que se dedica a projetos de mobiliário, produtos eletrônicos e desenho de interiores; Newton Gama, que chefia o departamento de design da Multibrás (subsidiária da Whirlpool Co.); Oswaldo Mellone, que também projeta mobiliário e produtos eletrônicos; Fernando e Humberto Campana, que trabalham em projetos de mobiliário de objetos e que se tornaram os internacionalmente famosos designers do Brasil (Campana, 2003); Giorgio Giorgi Jr. E Fabio Falange, que projetam luminárias e sistemas de iluminação que são fabricados sob licença pela Artemide na Itália; e Guto Índio da Costa que se tornou conhecido pelos projetos de mobiliário urbano e eletrodomésticos (BÜRDEK, 2006, p. 198).

Segundo Sudjic (2010) o design cresceu a partir de um conjunto de ideias

essenciais. Uma é que design é uma resposta para uma linha de informações. O

problema é apresentado para o designer e ele deve solucioná-lo. Outra é que

design é democrático, tende a ansiar a produção em massa e a acessibilidade,

que é o seu maior desafio. O design de fato é idealizado para ser útil.

Deyan (2010) afirma que desde que se intitulou como profissão autônoma, o

design é pensado para manipular desejos e aspirações. Trata-se da separação

entre configurar e produzir.

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

3.3 Relações com a Arte

Giorgio Vasari, arquiteto, pintor e escritor de textos sobre arte do século 17, é um

dos primeiros a defender o conceito de obra de arte. Segundo Burdek (2006) o

princípio a que a obra de arte deve a sua essência, intitulada “disegno” significa

esboço ou desenho. “Disegno” significa em todas as épocas a ideia artística,

sendo dividida em “disegno interno” (o esboço e projeto) e “disegno externo”

(desenho, quadro, plástica). Vasari elevou o “disegno” a três artes: arquitetura,

pintura e plástica.

Nos anos 80 designers se dirigiram à arte e se dedicaram a retrabalhar objetos de

uso. Móveis e objetos domésticos foram os preferidos para reflexão e produção

artística – Figura14.

As cadeiras de Gerrit T. Rietveld, mesa do silêncio de Constantin Brancusi, os objetos de Marcel Duchamp, os quadros de objetos surrealistas de René Magritte, o sofá Mae West de Salvador Dali, a mesa com pés de pássaro de Meret Oppenheim, a mesa verde de Allen Jones, as instalações de Kienholz e Segal (BÜRDEK, 2006, p. 67).

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

Figu ra 14 – Móveis e objetos de uso usados para reflexã o e produção artística.

(Monteneg ro, 2010)

Não se discutia uma aproximação com o design, mas um estranhamento dos

produtos, uma infra-estruturação dos objetos, uma variação de paradoxos,

quebras ou pedaços: “Peças de mobiliário de artistas contêm a possibilidade do

uso, mas esta não é a sua principal intenção. Sua qualidade não depende de seu

grau de conforto, do espaço das prateleiras ou da ergonomia da forma”

(Bochynek, 1989 apud Bürdek, 2006).

Nos anos 90 o design se tornou disciplina cultural fundamental, influenciando a

arte mais do que o contrário (BÜRDEK, 2006).

Sol Lewitt (apud Bürdek 2006) afirma que ideias sozinhas podem ser consideradas

obras de arte. Essa declaração foi o ponto de partida para um estilo de arte

chamado de Arte Conceitual. “No ponto central desta discussão está uma

desmaterialização das realizações artísticas, isto é, a renúncia completa da

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

realização das formas de arte clássicas indispensáveis aos materiais” (Felix, 1972

apud Bürdek 2006, p.389).

Pretende-se na arte conceitual estimular conceitos intelectuais nos observadores,

isso por um lado pode ser derivado da filosofia, e por outro lado pode ser

transferido em significados do design (BÜRDEK, 2006).

O ponto inicial dos trabalhos dos grupos Archizoom, Superstudio e Gruppo Strum,

foi a crítica à Boa Forma. Como réplicas provocativas criaram objetos irônicos, que

se ligavam à tradição artística Dadaísta dos Ready Mades ou dos Objets Trouvés.

O grupo Kunstflug iniciou a junção de peças existentes com materiais naturais.

Com o “Geröllradio” (1986), perfilharam que o futuro estaria na eletrônica.

Seu conceito para uma nova máquina de venda de tickets de transporte (Kunstflug, 1988) indicava uma passagem da importância do significado do objeto (hardware-design) para a crescente questão da importância da superfície de interface com o usuário (software-design) (BÜRDEK, 2006, p. 340).

O espanhol Marti Guixé iniciou por volta dos anos 90 projetos conceituais, que

promovem a relação de troca entre consumidor e objeto. Com isso, ele supera de

forma lúdica a fronteira do design, da antropologia, das ciências e da tipografia (Ed

Van Hinte, 2002, apud Bürdek, 2006).

Sudjic (2010) fala que o ser humano materialista tende a dar mais valor ao inútil do

que ao útil. Inútil não no sentido de não ter uma finalidade, mas no sentido de não

ter utilidade. Manolo Blahnik cria sapatos que são super difíceis de andar e são

mais caros que um simples par de sapatilhas, mas podem ser considerados úteis

para uma parcela de consumidoras. Para ele, “num nível mais fundamental,

enquanto a arte é inútil, o design é útil” (SUDJIC, 2010, p. 166).

Segundo o autor acima citado utilidade e status são inversamente proporcionais.

Quanto mais inútil for o objeto, mais valor ele tem.

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

O design é considerado uma espécie de atividade que não deve ser comprada com a arte. A arte, supostamente, trata de toda uma categoria de coisas inteiramente diferentes. Uma atividade trata do mundo material, comercial e útil dos objetos produzidos em massa, e a outra, de um mundo de ideias mais intangível e escorregadio, e da aura do singular e do inútil (Veblen, 1983, apud Sudjic, 2010).

Sudjic discorre que Marcel Duchamp e Andy Warhol falavam do poder da arte de

transformar pequenos materiais em grandes objetos de valor inestimável. Saber

como Jackson Pollock fazia seus quadros é importante, porém não é essencial

para se emocionar com sua arte.

O design tem a função de embelezar e adaptar coisas do cotidiano fazendo com

que nós consumidores vejamos além da utilidade. Ele se preocupa com a questão

emotiva dos objetos. Faz produtos baratos parecerem caros, produtos precários

parecem resistentes e glamorosos. Os designers também têm por função fazerem

os objetos banais serem arte. “O designer é essencialmente um artista, um artista

cujas ferramentas são um tanto diferentes daquelas de seus antecessores, mas

assim mesmo um artista” (Nelson, 1934, apud Sudjic, 2010, p. 169).

“O Museu de arte moderna – MoMa, de modo consciente ou não está fazendo o

melhor para sugerir que o design é tão inútil quanto a arte, e, portanto, quase tão

importante” (SUDJIC, 2010, p. 173). Na verdade o MoMa apresenta o design como

arte.

Talvez, arte e design não se distanciem tanto quanto se sugere. Na verdade o

design trata de coisas além da utilidade. Esse outro aspecto veio à tona desde o

surgimento do movimento Memphis4, idealizado por Ettore Sottsass no início dos

anos 80, que trouxe o pós-modernismo para o desenvolvimento de mobiliário.

Diz-se sempre que a verdadeira arte do mundo moderno é a engenharia. Mas, na verdade, a verdadeira arte do mundo moderno acaba sendo a arte, que nunca foi mais poderosa do que é hoje. Os artistas se transformaram

4 "Memphis era a recusa definitiva das tendências do Radical Design ou Anti Design italiano dos anos 70". (BURDEK, 2006, p. 137)

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

inesperadamente numa classe de xamãs, e conseguiram assimilar as técnicas da indústria para ajudá-los a fazer isso (SUDJIC, 2010, p. 192).

A arte, por conta do seu prestígio, é fonte de ideias para outras áreas criativas. A

arte e o design servem para se complementarem. A arte pop da superfície da

sociedade de consumo serviu como parâmetro para certos designers e

reabasteceu o tipo de objetos que serviram de inspiração para trabalhos artísticos.

“A inutilidade é, ao que parece, a qualidade mais valorizada. Assim os designers

aspiram a ser artistas” (SUDJIC, 2010, p. 211).

Filosofia da arte trata-se de uma lacuna aberta à reflexão sobre filosofia, por onde

esta restaura o diálogo com o mundo, a existência humana e o Ser.

Modo de ação produtiva do homem, ela é fenômeno social e parte da cultura. Está relacionada com a totalidade da existência humana, mantém íntimas conexões com o processo histórico e possui a sua própria história, dirigida que é por tendências que nascem, desenvolvem-se e morrem, e às quais correspondem estilos e formas definidos. Foco de convergência de valores religiosos, éticos, sociais e políticos, a Arte vincula-se à religião, à moral e à sociedade como um todo, suscitando problemas de valor, tanto no âmbito da vida coletiva como no da existência individual, seja esta a do artista que cria a obra de arte, seja a do contemplador que sente os seus efeitos (NUNES, 2007, p. 15).

“A obra de arte é a imagem que se percebe, não a tinta” (ARNHEIM, 2008, p. 10).

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

3.4 Relações com a Arquitetura

São relacionadas com a arquitetura a história, teoria e prática do design. De

Vitruvius até hoje se exerce a teoria da arquitetura baseada não só na

funcionalidade, mas também nos aspectos estéticos configurativos (BÜRDEK,

2006).

A arquitetura, a mais antiga e por isso considerada a mãe de todas as artes, teve

papel importante no início do século 20. Assim como Peter Behrens, Le Corbusier,

Mies Van Der Rohe, muitos designers da época eram arquitetos.

O autor em aversão a uma euforia plástica “visionária” de um Luigi Colani ou

Verner Panton, fala que encontramos no design e arquitetura italianos, desde os

anos 60, uma gama de conceitos e visões, que em grande parte foram criados por

designers que abraçaram aspectos da cultura social ou da política radical.

O arquiteto americano Philip Johnson, em 1932 juntamente com Henry-Russel

Hitchcock publicou o livro intitulado de “O Estilo Internacional” para o Museu de

arte Moderna de Nova York. Nos anos 50 Johnson se libertou da orientação de

Mies Van Der Rohe e se tornou num dos criadores da arquitetura pós-moderna

(BÜRDEK, 2006).

A atividade pós Segunda Guerra na Europa, diminuiu a reflexão sobre como lidar

com arquitetura. As manifestações de alguns não conseguiam validar uma Teoria

da Arquitetura. Apenas nos anos 70, depois da redução do boom da construção,

manifestou-se com os arquitetos a necessidade de um fundamento teórico.

A influência do estruturalismo francês nos EUA foi percebida na linguística. Tom

Wolfe (1986 apud Bürdek 2006) atribui isto ao marxismo lento. Em 1966 Robert

Venturi publica nos EUA seu livro “Complexidade e Contradição na Arquitetura”.

Ele radicalizava num caráter pluralista e pode ser considerada a primeira atitude

adversa à dominância do Estilo Internacional.

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

Venturi chamou a atenção ao fato de que nos anos 60 no pensamento arquitetônico tudo girava em torno da função e da forma e que nenhum arquiteto privilegiava o simbólico na arquitetura. Ele utilizava conceitos como maior significado, dupla-função, pluralidade ou o originado na psicologia da Gestalt, o olhar sobre referências conexas (BÜRDEK, 2006, p. 368).

Robert Venturi, Denise Scott Brown e Steven Izenour, publicaram em 1979

“Aprendendo de Las Vegas” que tratava a semiótica como esclarecedora de

fenômenos da arquitetura.

“Não nos parece atual forçar a não-objetivação da arquitetura, reduzi-la sempre.

Esse foi um desenvolvimento importante, porém hoje é necessário dar à

arquitetura novamente um significado e lhe conferir uma nova força simbólica.”

(Venturi e Scott Brown, 2002, apud Bürdek, 2006, p. 368)

Na expressão linguística da arquitetura, eles se referenciam às igrejas antigas,

que não existiam sem expressão, mas que tinham muito sobre o que falar, seja

através de seu poder, dos rituais celebrados ou por meio das pregações e

interpretações ocorridas lá.

A arquitetura não é o campo onde o pós-moderno se articulou. Na arquitetura e no

discurso sobre ela, todos descobriram que há um programa pós-moderno, não

exclusivamente como ideia, mas como realidade também.

Em 1987, Charles Jencks descreveu as onze características de um “Cânone do Classicismo Pós-moderno”, onde conceitos como pluralismo cultural, ecleticismo, dupla codificação, multivalência, tradição neointerpretada e outros são utilizados e esclarecidos nos prédios a construir (BÜRDEK, 2006, p. 369).

Bürdek (2006) afirma que arquitetura e design desenvolveram-se a partir do

conceito comum da função direcionada a construções ou objetos para uma

“linguagem dos objetos”.

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

Através do pós-moderno, no final do Séc. 20 a arquitetura sofreu um novo boom,

que se explanou em uma diversidade de conceitos, manifestações e estilos.

Muitos arquitetos criavam discursos teóricos sobre seus projetos, refletindo os

contextos históricos, culturais e filosóficos. Esta visão, porém, faltava nos

designers. Esta “mudez” do design origina-se da falta de conhecimento da

disciplina, o que é compreensível, já que a arquitetura existe há mais de 2000

anos, enquanto que o design à apenas aproximadamente 150 anos.

Volker Fisher identificou a passagem da arquitetura para o design como o termo “pirataria profissional”, onde isto se mostrava de forma unilateral: muitos arquitetos ocupam evidentemente o campo de trabalho dos designers, na medida em que projetem – quase à margem – móveis, luminárias, maçanetas, acessórios ou outros objetos (BÜRDEK, 2006, p. 70).

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

4. Calçados únicos

4.1 Princípios básicos da percepção visual

A palavra estética pode significar um adjetivo (a expressão “imagem estética”) ou

um substantivo (a Estética, uma área da filosofia). Ela é usada como sinônimo de

beleza, isso porque durante muito tempo Estética (vinda da filosofia) significava “o

estudo do belo” (RAMALHO, 2009). O autor fala que na Idade Antiga, o chamado

período Clássico na Grécia entendia beleza como ideal de perfeição, idealizada e

metricamente perfeita.

Segundo Joly (1996), aprendemos a associar a palavra “imagem” à noções

contraditórias e complexas, que permeiam da diversão à sabedoria, religião à

distração, do movimento à inércia, da ilustração à semelhança ou da sombra à

linguagem.

Embora nem sempre relacione-se com o visível, a imagem tem alguns traços

derivados do visual, e depende da produção de um sujeito: concreta ou imaginária,

a imagem passa por pessoas que a produzem ou a reconhecem.

No campo artístico, ele fala que a imagem está associada diretamente à

representação visual: painéis, pinturas, assim como também ilustrações

decorativas, desenhos, fotografia e até imagens de síntese.

As funções da imagem podem mudar não só através do tempo, mas também do

espaço. “Além da função simbólica, outras funções podem realizar-se na mesma

imagem.

Quando a imagem tem entre suas funções a função estética, mas ela é secundária, temos uma imagem estética; quando a imagem tem entre suas funções a função estética, e ela é a mais importante, temos uma imagem artística (RAMALHO, 2009, p. 26).

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

Um produto de design pode se transformar em produto artístico, através do

contexto e na medida em que sua função estética tornar-se mais importante que

suas funções práticas. Isso ocorre porque são representativos de um estilo ou

movimento estético. “Toda imagem artística é estética, mas nem toda imagem

estética é artística” (RAMALHO, 2009, p. 26).

Nenhum objeto é percebido como único ou isolado. “Ver algo implica em

determinar-lhe um lugar no todo: uma localização no espaço, uma posição na

escala de tamanho, claridade ou distância”. “A experiência visual é dinâmica”

(ARNHEIM, 2008, p. 4).

O que uma pessoa percebe não é apenas uma disposição de objetos, cores e

formas. É uma interação entre tensões. Quando essas tensões têm intensidade e

direção pode-se descrevê-las como forças psicológicas

Para qualquer relação espacial entre objetos há uma distância “correta”, que o olho estabelece intuitivamente. Os artistas são sensíveis a esta exigência quando organizam os objetos pictóricos numa pintura ou os elementos numa peça escultórica. Os “designers” e arquitetos buscam constantemente a distância apropriada entre os edifícios, janelas e móveis (ARNHEIM, 2008, p. 5).

Em situações imprecisas o padrão visual é determinado pelo que o observador vê,

tendo em vista o foco de atenção ou preferência por uma direção em particular. Na

experiência perceptiva o indivíduo é estimulado a criar um esqueleto estrutural,

que ajuda a definir a função de cada elemento dentro do sistema.

Numa composição equilibrada, todos os componentes como configuração e

localização se determinam reciprocamente de modo que nenhuma modificação

parece possível, e o todo assume o caráter de necessidade das partes. Já uma

composição desequilibrada parece ser inválida. Seus elementos possuem

tendência para mudar de lugar com finalidade de melhorar sua relação com a

estrutura do todo. “Sob condições de desequilíbrio, a proposição do artista torna-

se incompreensível” (ARNHEIM, 2008, p. 14).

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

Pode-se dizer que a atuação artística é um componente estimulador do processo

do artista e do consumidor, e como tal, busca o equilíbrio. De uma maneira mais

simples, a configuração serve para nos informar sobre a natureza dos objetos

através de sua aparência externa.

A forma sempre vai além da função prática das “coisas”, encontrando assim, em

sua configuração as qualidades visuais como harmonia ou desacordo. Por isso

são simbolicamente lidas como imagens da espécie humana (ARNHEIM, 2008).

Ernst Barlach (1949 apud Arnheim, 2008) diz que escultura é uma arte sã, livre,

não afligida por males necessários como perspectiva, expansão e outras

artificialidades. Toda representação é interpretação visual.

Se olharmos para um “design” ornamental como se fosse uma obra de arte, a unilateralidade de seu conteúdo e forma fá-lo parecer vazio e tolo. Se, por outro lado, uma obra de arte for usada para decoração, ela excederá sua função e perturbará a unidade do todo para o qual foi destinada (ARNHEIM, 2008, p. 141).

Interligada ao conceito estétido-formal do objeto, a organização da forma visual

tem contribuído de maneira bastante importante. O designer deve pensar e

articular os conceitos projetuais referentes à configuração do produto que se

relacionam e influenciam na melhor qualidade estética. Para alcançar esses

objetivos, Gomes (2006) definiu alguns requisitos essenciais, são eles:

organização visual da forma, tratamento cromático, iluminação e materiais.

Para ele a organização visual da forma nada mais é que um princípio ditado pelas

Leis da Gestalt, associada a harmonia, equilíbrio, contrastes, pregnância visual e

técnicas visuais aplicadas.

Já o tratamento cromático, atribui cores adequadas em função do estilo, natureza

psicológica, questões normativas e de marketing, associadas inicialmente ao

design do produto.

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

Iluminação refere-se a especificação apropriada de tipo de luz especial, integrada

a cores. Tem a função de transmitir a informação ao usuário de caráter mais

lúdico, sensível e curioso.

Materiais: Especificação apropriada dos materiais, subordinada não só aos fatores funcionais, estruturais e técnicos, mas, também, aos partidos estético-formais na definição de tipos de acabamentos para o produto, como tratamentos de superfícies, áreas transparentes e/ ou opacas, texturas especiais, pinturas e assim por diante (GOMES, 2006, p. 103).

Não vemos a imagem por partes, mas sim como um todo, na percepção visual as

partes não se separam.

Segundo Dondis (1997) as técnicas visuais proporcionam ao designer uma ampla

variedade de elementos para expressão visual do conteúdo. O designer tem o

poder de estabelecer o controle do efeito, o que resulta numa composição forte.

As sutilezas de composição de que o designer dispõe devem-se à variedade de

opções, porém as técnicas visuais também são combináveis e interativas em sua

utilização compositiva.

O estilo ornamental ressalta técnicas visuais que resultam em efeitos elegantes.

“Os efeitos grandiosos que pode produzir constituem um abandono da realidade

em favor da decoração teatral e do mundo da fantasia” (DONDIS, 1997, p. 176).

Essa é uma arte que sem dúvida não dá margem para objetividade nem para

realidade. A seguir serão explanadas algumas técnicas visuais que podem ser

aplicadas ao design dos calçados únicos.

Depois do contraste, o equilíbrio é o elemento mais importante da percepção

visual. Seu oposto é a instabilidade. A Figura 15 é um exemplo de equilíbrio e a

Figura 16 de instabilidade.

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

“O equilíbrio é uma estratégia de design em que existe um centro de suspensão a meio caminho entre dois pesos. A instabilidade é a ausência de equilíbrio e uma formulação visual extremamente inquietante e provocadora” (DONDIS, 1997, p. 141).

Figura 15 – Calçados de Pierre Hardy equilibrados. Figura 16 – Calçado de Pierre Hardy instável.

O equilíbrio pode ser obtido visualmente de duas formas, através da simétria ou

assimetria. “Simetria é equilíbrio axial” (DONDIS, 1997, p. 142). Se trata da

percepção visual com características lógicas e simplicidade. Já os gregos viam a

assimetria como equilíbrio improvável. Veja nas Figuras 17 e 18 exemplos de

simetria e assimetria.

Figura 17 – Calçado simé trico. Figu ra 18 – Calçado assimétrico.

A regularidade (Figura 19) no design constitui o favorecimento da uniformidade dos elementos, e o desenvolvimento de uma ordem baseada em algum princípio ou método constante e invariável. Seu oposto é a irregularidade (Figura 20), que, enquanto estratégia de design, enfatiza o inesperado e o insólito, sem ajustar-se a nenhum plano decifrável (DONDIS, 1997, p. 143).

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

Figura 19 – Calçado com regularidade. Figura 20 – Calçado irregular.

A organização dos elementos contribui de forma considerada para a síntese visual

da simplicidade (Figura 21), uma técnica que envolve uniformidade sem

elaborações secundárias. Já a complexidade (Figura 22) é formada pela junção de

várias unidades, resultando numa complexa organização visual.

Figura 21 – Simplicidade. Figura 22 – Complexidade.

Como mostra a Figura 23, a presença mínima de unidades na comunicação visual

é característica da técnica da economia. O seu oposto, a profusão (Figura 24), é

carregada de detalhes, embelezando o objeto através da ornamentação. A

profusão é uma técnica associada à riqueza, enquanto a economia a pobreza.

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

Figura 23 – Economia. Figura 24 – Profusão.

Embora a sutileza (Figura 25) sugira uma abordagem visual delicada e de extremo requinte, deve ser criteriosamente concebida para que as soluções encontradas sejam hábeis e inventivas. A ousadia (Figura 26) é, por sua própria natureza, uma técnica visual óbvia. Deve ser utilizada pelo designer com audácia, segurança e confiança, uma vez que seu objetivo é obter a máxima visibilidade (DONDIS, 1997, p. 150).

Figuras 25 e 26 – Calçados McQue en. Sutileza x ousadia.

Essas técnicas exemplificadas são apenas alguns modificadores de informação

que está a disponibilidade do designer. “Quase todo formulador visual tem sua

contrapartida, e cada um está ligado ao controle dos elementos visuais que

resultam na configuração do conteúdo e na elaboração da mensagem” (DONDIS,

1997, p. 160).

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

4.2 O fetiche aos seus pés

O sexólogo do século XIX Krafft-Ebing conceituou fetichismo como “A associação

de desejo ardente com a ideia de certas partes da pessoa feminina, ou certos

artigos de vestuário feminino” (STEELE, 1997, p. 19). Para ele tudo começa no

momento em que o amor por um detalhe se torna dominante. O fetichismo erótico

patológico, o fetiche sem associação com uma pessoa, se torna exclusivo do

desejo.

Já Denis (1998 apud Oliveira, 2009) diz que existem mais outras duas concepções

históricas para o termo fetichismo. A primeira é que pertence a um tipo de culto

onde se atribui poderes místicos aos objetos, e a segunda que parte da teoria da

economia que agrega valor transcendental a certos artefatos.

A existência desses três sentidos históricos citados anteriormente são

evidenciados por Miller, Marx e Freud. Representam o que eles têm em comum, o

ato de investir nos objetos significados que não lhes são próprios, ou seja, é a

junção de aspectos espirituais, ideológicos e psíquicos com objetivo de

acrescentar valor simbólico aos objetos (OLIVEIRA, 2009).

Ainda, no que concerne ao termo fetichismo, Steele (1997) salienta que existem

duas teorias à respeito do surgimento do fetichismo. A primeira diz que fetichismo

é universal e tem vivido durante anos em diversas culturas. A outra, diz que ele se

desenvolveu apenas na sociedade ocidental moderna. O fato é que existem

evidências de ambas as teorias.

Segundo o psiquiatra Robert Stoller, após estudo feito sobre fantasias eróticas e

comportamento sexual, afirmou que o fetichismo é uma prática masculina e não

feminina. Isso não quer dizer que as mulheres não tenham fetiche por alguma

parte do corpo ou por roupas, porém o apetite é mais aguçado no homem

(STEELE, 1997).

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

Partes do corpo e de roupas tem sido significativamente fetichizadas. Ovídio

(poeta romano), adorava os pés femininos. A atrofia dos pés chineses (Figura 27)

era bastante associada ao fetichismo (STEELE, 1997).

Na literatura erótica chinesa tem relatos de homens beijando e lambendo os pés

atrofiados - lótus. Eles acreditavam que a atrofia dos pés fazia com que os

músculos da vagina ficassem mais apertados. Steele sugere que as

características relacionadas aos objetos de fetiche estão relacionadas com fatores

significativos relacionados para dar forma ao comportamento sexual e

psicossexuais do ser humano.

Figu ra 27 – Pé de lotus.

A Natural Foot Society, de acordo com Steele (1997), teve que batalhar para

mudar a ideia de que apenas os pés atrofiados e extremamente pequenos eram

bonitos. Essa prática de atrofia na China pode ser comparada com o

desenvolvimento do erotismo do sapato em outros lugares do mundo, pois se há

diferenças importantes, há também analogias chocantes.

Nesse momento histórico, o fetichismo é bastante significativo, pois não está mais

associado a perversões sexuais ou a subculturas sexuais. A primeira moda

fetichista a ser aceita na sociedade foi a chamada bota bizarra (Figura 28), que era

anteriormente relacionada a prostitutas.

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

Figura 28 – Bota bizarra.

Segundo Enne (2008) o fato dos artigos fetichistas hoje serem tão comuns nos faz

refletir sobre a diferenciação entre moda fetichista e moda fetiche. Afinal, embora

elas se relacionem, não são iguais. A moda fetichista se mantém do fetiche, se

inspira no fetiche, mas não tem como alvo satisfazê-lo. "Espartilhos são

armadilhas cruéis, que deram seu lugar a Corselettes, mais amenos e suaves […]

mas só um fetichista entende a diferença entra a mera estética e sua fantasia"

(STEELE, 1997, p. 41).

Vivienne Westwood foi a estilista de moda que mais se inspirou no fetichismo para

produzir suas coleções. Ela foi intimamente associada aos punks. Em 1974

tranformou sua loja numa butique sadomasoquista e de sexo fetichista, onde

vendia roupas de couro e sapatos bizarros (STEELE, 1997).

Muitos modelos inspirados no fetichismo encontraram espaço nas lojas, ruas e até

nas páginas de moda. Hoje a moda fetichista é considerada como moda sexy.

O atrativo erótico dos sapatos de salto está diretamente relacionado com a

feminilidade. Marilyn Monroe disse: “Não sei quem inventou o salto alto. Mas as

mulheres lhe devem muito” (STEELE, 1997, p. 116). Além do fetiche sexual,

Steele sinaliza outras finalidades dos sapatos. São elas: aumentar a estatura de

quem os usa; significar status elevado; servem até como objetos funicionais, como

manter os pés acima da lama na rua enlameada.

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

Muito antes da moda enfatizar os saltos altos, os fetichistas o fizeram, e eles têm consistentemente defendido saltos significativamente mais altos do que dita a moda. De acordo com a historiadora do sapato, Mary Trasko, os fetichistas sempre enfatizaram “as tendências extremas e ignoradas da moda” (STEELE, 1997, p. 106).

O pé é a prova suja da nossa animalidade, o sapato – feito em couro envernizado

e macio, elevado acima do chão por um salto alto e fino, é a coisa mais próxima

do corpo, embora que ainda não seja corpo. “O fetiche é um encanto mágico.”

(STEELE, 1997, p. 114)

De acordo com Steele (1997), acredita-se que hoje em dia o fetichismo por pés e

sapatos seja o tipo mais comum existente no mundo. Porém, o fetiche é escolhido

frequentemente, de acordo com razões de ordem culturais e históricas.

Steele (1997) de acordo com Nazarian (2010), fala que a mulher corresponde de

forma consciente à construção cultural do sapato como artefato de desejo. Seu

interesse pelos variados modelos se dá pela facilidade com que a moda entra em

curso, ou seja, a partir da obsolescência gradual das coleções de sapatos, ditadas

pelo consumo atual. É aí que a mulher se deleita pelo feérico que invade seu

imaginário, permeando todo seu sensório e construindo uma cultura que alinha, no

caso em questão, a arte, o design, a arquitetura para a concepção do seu objeto

de desejo.

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

5. Considerações Finais

A escolha dos calçados únicos como objeto de estudo para esta pesquisa, se deu

por conta da velocidade com que esses objetos estão ocupando espaço nas

passarelas, no mercado fashion e na vida de muitas pessoas. Além de serem

comparados a peças ornamentais e esculturais, são objetos que podem ser

usadas pelos consumidores mais ousados. Vale ressaltar também, que é um tema

pouco explorado por teóricos, no momento atual.

Como dito anteriormente, não existem muitas referências bibliográficas que

abordem o tema vinculado aos calçados únicos. Este fato enaltece a relevância

desta pesquisa, tendo em vista que se tornará um material para somar às

referências existentes, quando se trata do tema em questão. Além disso, é uma

área do design promissora, que como mostrou o estudo, ao passar das décadas

só tem aumentado sua procura e pernamência no mercado consumidor.

Este trabalho tem muito a acrescentar ao profissional de design, principalmente

aos de produto e de moda, justamente por desmistificar a premissa enaltecida por

Baxter e Löbach, vinculada a existência das três funções básicas na concepção

de um produto, tais como: a função prática, a estética e a simbólica.

Quando se enfatizou as metodologias de design de produto, observou-se que,

dentre outros, Sanches (2003) sinaliza a questão de observar o comportamento

humano como forma de criar produtos que sejam aceitos pelo público. No caso em

questão, há a evidência do problema de design, que é a criação de calçados que

associem arte, arquitetura, design, moda em um mesmo produto. Assim, observa-

se que a concepção de tal produto levará em consideração, em especial, as

funções estético-simbólicas. O que denota a formação de um grupo de consumidor

cujas aspirações estão vinculadas apenas ao caráter fetichista da moda,

consolidando a afirmação exposta por Steele (1997, p. 114) de que “o fetiche é

um encanto mágico”. Esse viés feérico do fetiche, enfatiza a omissão da

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

funcionalidade do produto de moda, ora estudado, já que o lado da fantasia, do

deslumbre não mede esforço para suplantar o prático-funcional.

A vertente estético-simbólica enaltecida pelo design dos calçados únicos,

caracteriza o design pós-moderno, ou qualquer outra denominação pertinente ao

período, caracterizado pela quebra de paradigmas racionais, evidenciado pela

crença do “design no trono da arte” (BÜRDEK, 2006, p.64). Este fato narrado

remonta um retorno ao design dos anos 80, demonstrando o caráter sazonal e

cíclico do design de moda. Faz-se pertinente para futuras pesquisas, a busca por

observar a permanência deste comportamento inusitado, onde a arte e o fetiche

se fazem preponderante para a concepção do design dos calçados, ditos únicos.

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

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FERNANDES, Francisco. Dicionário brasileiro contemporâneo ilustrado . Porto Alegre:

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JOLY, Martine. Introdução a análise da imagem . São Paulo: Papirus, 1996.

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LÖBACH, Bernd. Design industrial: Bases para a configuração dos pr odutos

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

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NAZARIAN, Eliza. Cinquenta sapatos que mudaram o mundo/ Design Museu m. Belo

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NIEMEYER, Lucy. Design no Brasil: origens e instalação . Rio de Janeiro: 2AB, 1998.

NUNES, Benedito. Introdução à filosofia da arte . São Paulo: Ática, 2007.

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OLIVEIRA, Cassandra. Fetichismo na moda . Caruaru: 2009.

SANCHES, Maria Celeste. Diretrizes metodológicas para o projeto de produtos de

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SUDJIC, Deyan. A linguagem das coisas . Rio de Janeiro: Intrínseca, 2010.

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

Referências das figuras

Figura 1 – adaptado – Baxter, 2000.

Figura 2 – adaptado – Baxter, 2000.

Figura 3 – adaptado – Löbach, 2001.

Figura 4 – adaptado – J. Gros apud Löbach, 2001.

Figura 5 – adaptado – Bürdek, 2006.

Figura 6 – adaptado – Nazarian, 2010.

Figura 7 – Montenegro, 2010.

Figura 8 – oglobo.globo.com (acessado em: 10/09/2010)

Figura 9 – studiohaidehalim.blogspot.com (acessado em: 10/09/2010)

Figura 10 – Stephan, 2010.

Figura 11 – Stephan, 2010.

Figura 12 – gnt.oglobo.com (acessado em: 10/09/2010)

Figura 13 – gnt.oglobo.com (acessado em: 10/09/2010)

Figura 14 – Montenegro, 2010.

Figura 15 – shoelover.com.br (acessado em: 26/11/2010)

Figura 16 – shoelover.com.br (acessado em: 26/11/2010)

Figura 17 – itsfashiontime.wordpress.com (acessado em: 26/11/2010)

Figura 18 – itsfashiontime.wordpress.com (acessado em: 26/11/2010)

Figura 19 – portaisdamoda.com.br (acessado em: 26/11/2010)

Figura 20 – enfimblog.com.br (acessado em: 26/11/2010)

Figura 21 – tanianeiva.com.br (acessado em: 26/11/2010)

Figura 22 – conceitocouro.com.br (acessado em: 26/11/2010)

Figura 23 – fashionview.wordpress.com (acessado em: 26/11/2010)

Figura 24 – shoesforfun.blogspot.com (acessado em: 26/11/2010)

Figura 25 – aspatricias.uol.com.br (acessado em: 26/11/2010)

Figura 26 – aspatricias.uol.com.br (acessado em: 26/11/2010)

Figura 27 – comunidademib.zip.net (acessado em: 29/11/2010)

Figura 28 – 4.bp.blogspot.com (acessado em: 29/11/2010)

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

Anexo 1

Estilo do objeto no Design de Moda

Os estilos no campo do vestuário datam dos primórdios da humanidade. Ao longo

do tempo foram sendo criados e diversificados em razão de inúmeros fatores

sociasi, econômicos, culturais, políticos e comportamentais – incrementados pelo

advento de novos materiais, pelo progresso técnico dos processos de confecção,

bem como em função de um incessante desenvolvimento tecnológico aliado, por

sua vez, ao gênio inventivo e empreendedor de incontáveis profissionais da

indústria da moda.

A seguir são descritos sucintamente alguns dos mais importantes conceitos e

características que orientaram os estilos estético-formais, sobretudo de roupas

femininas, que vigoraram no século XX. Retomados agora, em boa parte, nos

anos 2000.

Início do século XX até 1914: corpo livre do espartilho que trouxe mudança na

silhueta feminina; encurtamento das saias; surgimento do sutiã; “vestidos” duas

peças, iguais a saia mais corpete.

Década de 1920 : saias um pouco mais curtas, na altura dos joelhos, deixando

aparecer pela primeira vez as pernas (sempre cobertas por meias); silhueta mais

próxima de um cilindro: achatamento de seios e quadris; cabelos curtos; uso de

calças – estilo “melindrosa”.

Década de 1930 : saias voltam a ficar mais compridas, porém as costas ganham

destaque e enormes decotes; roupas feitas com muitos metros de tecido, luxo;

cabelos na altura dos ombros, ondulados e de preferência platinados; resgate da

feminilidade.

Década de 1940 : economia de tecidos por causa da 2ª Guerra Mundial; roupas

mais justas; influência dos uniformes militares; muitos adornos nas cabeças, como

turbantes e redes; silhueta feminina rígida.

Década de 1950 : com o fim da guerra houve novamente um resgate da

feminilidade, desta vez marcado pelas criações de Christian Dior, inspiradas na

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

Belle Époque: saias rodadas e cintura marcada, o New Look; surgimento de uma

moda jovem: jeans, jaquetas de couro, camiseta, calça cigarrete e biquines.

Década de 1960 : revoluções, conquista do espaço, Guerra do Vietnã: tecidos

tecnológicos; minissaia, materiais inusitados, como o plástico; cabelo colorido;

hippies; mods; estampas e cores psicodélicas; influência das artes; o unissex;

cabelão; padrão estético feminino baseado na modelo Twiggy, muito magra;

maquiagem de “boneca”.

Década de 1970 : black is beautiful; pantalonas; camisas justas; psicodelia; muita

cor, estampa e sintéticos; lurex, cetim e brilho; tangas para moda praia; jeans com

lycra; óculos imensos; surgimento do conceito de grife; punk, glam, hippie, disco.

Década de 1980 : culto ao corpo saudável e trabalhado; individualismo; corpo

feminino masculinizado; tribos: punks, new wave, góticos, peruas, metaleiros,

yuppies; japonismo: muito preto; volumes exagerados x minimalismo; grande

ícone: ternos e tailleurs Armani; moda manipulada pela indústria têxtil e pelas

grandes grifes.

Década de 1990 : corpo torneado, mas magro; desconstrutivismo; globalização;

mundo cada vez mais se rejuvenescendo; conceito de tribos se expande: grunges,

clubbers, drag queens, mauricinhos e patricinhas; roupas cuidadosamente

“detonadas”; tênis; streetwear; sportwear; sobreposição de peças; roupas

funcionais com muitos bolsos; tecnologia têxtil mais avançada e funcional;

“supermercado de estilos”: todos ao mesmo tempo; customização; vintage.

Anos 2000 : reglamorização; luxo; moda decorativa e minimalista ao mesmo

tempo; mistura forte de décadas.

Gomes Filho

Design do objeto – bases conceituais, 2006.

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

Anexo 2

"Moda é arquitetura: é uma questão de proporções."

[Coco Chanel]

Para não começar a minha escrita com uma referência usual de palavras como

“magnífico”, “lindo” ou “explêndido”, ao inexplicável trabalho de Har Lee Chau, eu

prefiro usar um tipo de onomatopeia que pode traduzir o que eu penso: WOW! E

assim, o fascínio pela arte, se assim se pode chamar sem insultar o genioso

produtor, é expressado por quase nada, pois não se pode figurar uma palavra que

o descreva em tamanha magnificência. Sim, eu estou realmente surpresa com a

genialidade dessas peças que representam criatividade pura. Quando entrei no

site de Lee, havia um sentimento de excitação para ver algo que mudaria

completamente a minha ideia de calçado moderno. É tão raro encontrar alguém

que rompe a barreira do mainstream de calçados... E o desafio de projetos de

inovações sobre a moda são já quase impossíveis, tendo em vista que há anos se

procura a mesma obra prima.

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

É lógico que eu não posso jogar aqui a frase que não viveria sem um par desses

sapatos, até porque, eles mais me parecem obras de arte que servem para ser

admiradas pela profunda expressão que inspira formas arquitetônicas expiradas

através do viés da moda. Mas com sinceridade, eu daria bastante por um desses

para simplesmente tê-lo em uma estante ou em uma prateleira de vidro exclusiva

na parede do meu quarto.

Alguns dos sapatos das imagens, são na verdade, apenas protótipos. Mas seja

pelo ilusório desafio de vencer a gravidade ou pelo aspecto arquitetônico que dão

aos calçados, esses inusitados designers provaram que moda e arte seguem

juntas em uma tênue linha de mesclas conceituais e expressivas.

Na minha opinião, a aparição de designers como Chau no mundo, me faz pensar

que nossos valores artísticos não se perderam com as múltiplas revoluções de

produção pelo capital no mundo. Pois, se voltarmos à era clássica, por mais

paradoxal ou mesmo chavão que seja, podemos perceber quão valiosos eram os

trabalhos manuais e de tão profundo conhecimento técnico e criativo.

Há nessas criações modernas uma certa pretenção que ultrapassa a luxúria

materialista. Tenho visto muitos trabalhos reflexivos acima de coisas que nos

últimos anos eram produzidas apenas para atrair a admiração e

consequentemente o dinheiro dos consumidores em geral. Porém, para as

pessoas que podem criar coisas que enchem uma pessoa com admiração, como

na idade antiga, em que se criava algo do nada, e não simplesmente se faziam

pastiches e reformulações como se vê hoje em demasia; quero dizer que, é de

coisas assim que a contemporaneidade precisa, se no mínimo maior parte das

pessoas não conhece o trivial do que houve de arte no passado. Estilo e

personalidade já se tornaram palavras vulgares e esteriotipadas nesse mundo

onde ninguém reflete sobre o próprio sentido das palavras que se usam.

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

O conceito arquitetônico de Har Lee Chau me inspirou para a crítica moderna de

produção de arte em calçados hoje, e excita-me muito conhecer fenômenos

humanos que aliam arte, moda e arquitetura. Destarte, tenho algumas dicas para

quem, de forma homônima, se interessou pelo assunto:

Há produções de roupas com inspirações arquitetônicas, como a do couturier

francês Alexis Mabille, que limpou os excessos de suas produções cheias de

rendas e bordados, inspirando-se nas geometrias da arquitetura, fazendo

experimentações em alfaiataria na sua coleção de verão 2010;

Frank Gehry, autor de esculturais projetos arquitetônicos espalhados pelo mundo,

que redefiniram a arquitetura contemporânea, assinou em 2006 uma linha de

joias em parceria com a Tiffany e Co., com peças de ouro branco e amarelo que

mimetizam a arquitetura das espetaculosas linhas que ele cria;

Eylem Binboga é um designer de acessórios versáteis. Tem uma bolsa de couro

inspirada pela forma áspera e intuitiva que se apresentam em cadernos de

desenhos;

Em acessórios : Para ganhar o seu mestrado e doutorado Tine de Ruysser

desenvolveu um "oragmi de metal" com placas de cobre de fusão para tecido. O

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A arte aos seus pés: o design dos calçados únicos.

resultado é um tecido incrivelmente rígido e flexível, bastante artesanal.

(www.tinederuysser.com)

Em tecidos : Charlotte Linton desenhou uma coleção de sedas com impressão

digital para "o guarda-roupa de um personagem fictício, um zoólogo viajando ao

redor do mundo na primeira parte do século 20." tem bastante texturas. Eu gosto.

(www.charlottelinton.com)

No décor , temos Marché Art de Vie; e exclusivamente na joalheria, Antonio

Bernardo – conhecido por subverter os limites entre joia e escultura.

E então? Alguém aí gosta da geometria que foge da linearidade e pastiche

contemporâneos? Particularmente, acho que esse é sempre o meu conceito para

uma vida autônoma e feliz.

Ana Clara

zebratrash.blogspot.com 22 de julho de 2010