UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS - ufmg.br · requisito parcial para obtenção do título de...

41
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Iáskara Ribeiro Garcia EFICÁCIA E EFETIVIDADE DO KIT ESCOLAR DA PREFEITURA DE BELO HORIZONTE, DA PERSPECTIVA DAS MANIFESTAÇÕES RECEBIDAS PELA OUVIDORIA-GERAL DO MUNICÍPIO (2012-2015) Belo Horizonte 2017

Transcript of UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS - ufmg.br · requisito parcial para obtenção do título de...

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

Iáskara Ribeiro Garcia

EFICÁCIA E EFETIVIDADE DO KIT ESCOLAR DA PREFEITURA DE BELO

HORIZONTE, DA PERSPECTIVA DAS MANIFESTAÇÕES RECEBIDAS PELA

OUVIDORIA-GERAL DO MUNICÍPIO (2012-2015)

Belo Horizonte

2017

IÁSKARA RIBEIRO GARCIA

EFICÁCIA E EFETIVIDADE DO KIT ESCOLAR DA PREFEITURA DE BELO

HORIZONTE, DA PERSPECTIVA DAS MANIFESTAÇÕES RECEBIDAS PELA

OUVIDORIA-GERAL DO MUNICÍPIO (2012-2015)

Monografia apresentada ao Departamento de Ciência

Política da Universidade Federal de Minas Gerais como

requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em

Gestão Pública.

Orientadora: Ana Paula Karruz

Belo Horizonte

2017

IÁSKARA RIBEIRO GARCIA

EFICÁCIA E EFETIVIDADE DO KIT ESCOLAR DA PREFEITURA DE BELO

HORIZONTE, DA PERSPECTIVA DAS MANIFESTAÇÕES RECEBIDAS PELA

OUVIDORIA-GERAL DO MUNICÍPIO (2012-2015)

Monografia apresentada ao Departamento de Ciência

Política da Universidade Federal de Minas Gerais como

requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em

Gestão Pública.

_________________________________________________________________________

Ana Paula Karruz – Pesquisadora de Pós-Doutorado em Ciência Política – UFMG (Orientadora)

_________________________________________________________________________

Eduardo Moreira da Silva – Pesquisador de Pós-Doutorado em Ciência Política – UFMG (Banca

Examinadora)

_________________________________________________________________________

Thales Torres Quintão – Mestre e Doutorando em Ciência Política – UFMG (Banca Examinadora)

Belo Horizonte, 12 de Janeiro de 2017.

AGRADECIMENTOS

Muito obrigada, oh! Eterno, por cada segundo de vida.

Pelas experiências já vividas e, por antecipação, pelas que estão por vir.

Por essa etapa, obrigada meus queridos colegas, especialmente, Andréia, Ângela,

Francisco e Pollyanna. Vocês são pessoas especiais! E, na reta final, obrigada pela presença

marcante da Aline e da Taciana. Elas fizeram toda a diferença! São lindas demais!

Obrigada pela família, pais e irmão, marido e filhas!

Pelos colegas de profissão, pelas professoras e professores, especialmente pela Ana Karruz

(disse muitas vezes que, quando crescer quero ser como ela! Uma lindeza de pessoa! Pura

inspiração!), obrigada! E obrigada aos demais membros da Banca Examinadora, Eduardo

Moreira da Silva e Thales Torres Quintão, por concordarem em participar desse ritual de

aprendizado!

Oh! Eterno, obrigada por me permitir ir e vir durante várias noites à Federal, em paz e em

segurança. Por desfrutar momentos de puro prazer, de paixão, de conhecimento! Obrigada por

viver a vida de estudante novamente e ter o privilégio de conviver com a Vera, Leo Barros, José

Ângelo, Eleonora, Manoel, Márcia, Ernesto, Geralda, Ricardo, Bruno, Marlise, Ana Ogando,

Mara, e tantos outros que contribuíram para que eu me tornasse uma pessoa melhor.

Obrigada, oh! Eterno, por esse coletivo que vem alimentando cada um dos projetos da

minha vida!

Pelas mudanças vividas, pela quebra de paradigmas, obrigada!

Obrigada por Jesus Cristo, Senhor e Salvador da minha vida, e pelo Espírito Santo que em

mim habita!

RESUMO

Este estudo avaliou a política pública nomeada Kit Escolar, a qual consiste na doação de

materiais escolares diversificados a estudantes matriculados nas unidades escolares municipais e

creches parceiras de Belo Horizonte. O trabalho apoiou-se em noções de análise de políticas

públicas e microeconomia do setor público, com foco na aplicação dos princípios da eficácia e

efetividade. Especificamente, investigou a tempestividade da entrega dos kits e a adequação de sua

composição, usando para tanto as manifestações registradas na Ouvidoria-Geral do Município de

Belo Horizonte, no período 2012 a 2015. A hipótese de trabalho foi que os kits tenham sido

disponibilizados com pontualidade crescente, e cada vez mais a contento dos

beneficiários/usuários, graças a um processo cumulativo de aprendizado organizacional. O timing

da distribuição dos bens (atinente à eficácia) emergiu como foco principal das reclamações, a larga

maioria das quais mencionou expressamente o uniforme. Ainda que bem mais tímidas em número,

houve manifestações relativas à qualidade (insuficiente) dos itens doados – aspecto relativo à

efetividade da política. A despeito dos desafios operacionais e de desenho ainda presentes, as

análises centradas na perspectiva temporal não colidiram com a hipótese de aprendizado

organizacional. Verificou-se em 2014 uma redução dramática das reclamações referentes ao Kit

Escolar, com manutenção do novo patamar em 2015. Esse movimento foi principalmente liderado

pela diminuição das manifestações sobre atraso de uniformes.

PALAVRAS-CHAVE: Kit Escolar, Belo Horizonte, Eficácia, Efetividade, Ouvidoria.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Frequência das manifestações de ouvidoria, por teor da manifestação............................24

Figura 2. Evolução temporal dos teores das manifestações de ouvidoria.......................................25

Figura 3. Evolução temporal das manifestações de ouvidoria, por menção ao uniforme, em % e

número de registros.........................................................................................................................26

Figura 4. Frequência das manifestações de ouvidoria, por mês e ano do registro...........................27

Figura 5. Frequência das manifestações de ouvidoria, por mês e teor do registro......................... 27

Figura 6. Frequência das manifestações de ouvidoria, por nível de ensino, rede e teor...................28

Figura 7. Frequência das manifestações de ouvidoria, por nível de ensino, rede, teor e ano........ 29

Figura 8. Unidades escolares mencionadas nas manifestações de ouvidoria e respectivas

Administrações Regionais..............................................................................................................30

Figura 9. Frequência das manifestações de ouvidoria, por Administração Regional e ano do

registro............................................................................................................................................31

Figura 10. Frequência das manifestações de ouvidoria, por Administração Regional e teor do

registro............................................................................................................................................31

Figura 11. Número médio de manifestações de ouvidoria por escola, por Administração

Regional..........................................................................................................................................32

LISTA DE QUADROS

Quadro A1. Composição do Kit Escolar: Educação Infantil, de zero a dois anos...........................36

Quadro A2. Composição do Kit Escolar: Educação Infantil, de três a cinco anos..........................37

Quadro A3. Composição do Kit Escolar: Ensino Fundamental, 1º ao 3º ano (1º ciclo)..................38

Quadro A4. Composição do Kit Escolar: Ensino Fundamental, 4º ao 6º ano (2º ciclo)..................39

Quadro A5. Composição do Kit Escolar: Ensino Fundamental, 7º ao 9º ano (3º ciclo)..................40

Quadro A6. Composição do Kit Escolar: Educação de Jovens e Adultos.......................................41

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 9

2 CONTEXTUALIZAÇÃO ............................................................................... 12

2.1 Doação do Kit Escolar como uma política de subsídio à demanda ................................ 12

2.2 A Ouvidoria-Geral de Belo Horizonte como canal de participação cidadã .................... 16

3 DADOS E MÉTODOS .................................................................................... 20

3.1 Dados .............................................................................................................................. 20

3.2 Métodos .......................................................................................................................... 21

4 RESULTADOS ................................................................................................ 23

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 33

6 REFERÊNCIAS ............................................................................................... 35

7 APÊNDICE ....................................................................................................... 36

1 INTRODUÇÃO

As questões que refletem a importância da definição de políticas públicas, de seu

planejamento à execução, passam pela escassez de recursos públicos e a crescente demanda efetiva

para a melhoria da condição social, econômica e ambiental dos beneficiários/usuários.

Ao endereçar problemas multidimensionais, as políticas públicas precisam de meios

adequados para que sejam submetidas à avaliação de sua eficácia, efetividade e eficiência. A

intervenção prestou serviço a um determinado subconjunto da população? Produziu mudanças em

alguma parcela da realidade? Os resultados atingidos na vida dos beneficiários/usuários, direta ou

indiretamente, foram compatíveis com os objetivos? Solucionou um problema social?

Racionalizou a alocação dos recursos?

Buscando garantir e concretizar o direito social à educação com qualidade, o município de

Belo Horizonte, através da Secretaria Municipal de Educação (SMED), estabelece as ações para

desenvolvimento nas unidades de ensino do município. Valorizando as diversas formas de

aprender, de compreender e dar significado às experiências educativas, a SMED doa itens escolares

diversificados aos estudantes matriculados nas escolas da Rede Municipal de Educação (RME) e

nas creches da Rede Parceira (RP), anualmente, de forma universal e gratuita, desde 2004.

Nomeado Kit Escolar, o conjunto da materialidade doada pela SMED é composto por

material didático diversificado como cadernos, canetas, agenda, cola, esquadro, estojo, mochila,

lápis, régua, apontador, lápis de cor, giz de cera, livro literário, brinquedo pedagógico, vestuário

(agasalho, calça comprida, bermuda ou short saia, três camisetas), tênis (um par) e meias (dois

pares), respeitando a faixa etária de cada aluno, com vistas a incentivar o ensino e consequente

melhoria do aprendizado dos estudantes. Os quadros A1 a A6 do Apêndice detalham a composição

do kit para cada público de matriculados.

Para a política1 de aquisição da materialidade do Kit Escolar, não houve até o momento

uma legislação específica. A base legal é a Lei Orçamentária Anual (LOA), decorrente da que

1 Optou-se por usar o termo “política” e não “programa” porque o Kit Escolar não se encontra institucionalizado no

orçamento municipal sob a forma de um programa. Todavia, de uma perspectiva menos legalista, essa iniciativa

poderia ser considerada um programa social, como definido por Jannuzzi (2016, p. 14): “Programa público é, pois, um

dos instrumentos operacionais das políticas públicas. Programas sociais, subconjunto enfocado neste livro, são

intervenções públicas desenhadas para mitigar uma problemática social ou para promover um objetivo societário

comum. Para isso, com base em uma ‘teoria de mudança social’, explícita ou não, estruturam-se em diversas atividades,

envolvem-se milhares de pessoas em diferentes posições e instituições, consumindo recursos públicos para gerar

produtos, serviços e outras ‘entregas’ para a sociedade e os públicos-alvo almejados”.

10

institui o Plano Plurianual de Ação Governamental (PPAG). A aquisição dos itens é licitada no ano

que antecede a sua distribuição, com Recursos Ordinários do Tesouro, segundo a modalidade

pregão eletrônico, tipo melhor preço aferido por lote, nos moldes da legislação federal (lei federal

n. 8.666/93). A Gerência de Recursos Materiais (GERMA-ED) da SMED realiza as atividades de

planejamento, coordenação, controle e desenvolvimento de ações visando à aquisição de bens

permanentes e de consumo, contratação de serviços e logística geral, dentre outras destinadas a

suprir as necessidades das unidades escolares, da RP e das gerências administrativas e regionais da

SMED, incluindo a compra do Kit Escolar.

Entre 2012 e 2015, foram distribuídos cerca de 780.000 Kits Escolares, ao custo total

aproximado de R$ 120 milhões. Ao longo do tempo, a composição dos kits foi se modificando,

especialmente com a adição do uniforme. Em 2015, o custo unitário do Kit Escolar para os anos

iniciais (1º ao 3º) do ensino fundamental, que é o pacote mais caro, girava em torno de R$ 170 por

estudante). Essa logística do kit é de alta complexidade operacional, não raras vezes enfrentando

óbices, como aqueles que redundam no atraso da entrega do material aos estudantes nos primeiros

meses do ano letivo. Por isso, a SMED envida esforços na redução dos desafios da política quando

avalia o planejamento anual, com base nas experiências acumuladas de um ano a outro,

proporcionando, dentro das possibilidades, entregas cada vez mais tempestivas e apropriadas aos

estudantes. Como membro da equipe da GERMA-ED, vivencio o dia a dia desses desafios e

procuro colaborar para sua superação.

Este trabalho investiga, com propósito descritivo, a evolução da percepção dos

beneficiários/usuários recebedores do Kit Escolar através da análise de manifestações enviadas à

Ouvidoria-Geral do Município de Belo Horizonte (Ouvim), no período de 2012 a 2015.

Especificamente, endereça a seguinte questão de pesquisa: Qual a incidência e tendências de

trajetória das manifestações de ouvidoria relativas à entrega do Kit Escolar e sua composição? O

primeiro elemento da questão (“entrega”) é conexo à eficácia da política; o segundo

(“composição”) refere-se à adequação das cestas doadas, e atina à efetividade. A definição da

pergunta perseguida sustenta-se em noções de microeconomia das políticas públicas. Espera-se que

haja um aprendizado organizacional que se sedimente ao longo do tempo no sentido de

proporcionar entregas cada vez mais adequadas (em timing e conteúdo) e que evidências desse

processo sejam encontradas nas manifestações.

11

Acredita-se que este estudo traga contribuições relevantes. Será diretamente útil à

administração, ao contemplar uma fonte de informação importante para a gestão da política. As

manifestações da Ouvim servem como uma espécie de medições em um termômetro de satisfação

dos beneficiários/usuários, compondo um instrumento valioso para a identificação de pontos

críticos (e.g., potenciais desperdícios, gargalos, inadequações) na operação do Kit Escolar.

Ademais, os registros2 na Ouvim quanto a essa política ainda não foram analisadas

sistematicamente em trabalhos acadêmicos, conferindo ineditismo ao presente esforço.

Além desta introdução, o trabalho está organizado como segue. A seção 2 oferece a

contextualização, dividida em dois tópicos. No primeiro, pondera-se sobre a doação do Kit Escolar

como uma política de subsídio à demanda, com seus pré-requisitos para a eficiência, efetividade e

eficácia. Em seguida, discute-se a atuação da Ouvim como um canal de participação cidadã dos

beneficiários/usuários do Kit Escolar. Na terceira seção, apresentam-se os dados e métodos

aplicados. A quarta seção discorre sobre os resultados da investigação, sendo seguida pelas

considerações finais e referências bibliográficas.

2 Os termos “registro” e “manifestação” são usados como sinônimos neste trabalho.

12

2 CONTEXTUALIZAÇÃO

2.1 Doação do Kit Escolar como uma política de subsídio à demanda

O Kit Escolar constitui uma política de incentivo à demanda por seus componentes.

Objetiva elevar o consumo desses bens, e o faz através da redução de preço ao consumidor final –

preço que é zerado mediante a doação dos itens aos matriculados.

Do ponto de vista estritamente econômico, seria mais eficiente oferecer transferências

em dinheiro, desobrigadas de qualquer uso específico; desta maneira, os beneficiários escolheriam

livremente como utilizar os recursos adicionais, sem que a ação governamental alterasse os preços

relativos de certos grupos de produtos. Um nível mais alto de utilidade poderia ser alcançado,

dependendo das preferências individuais.

Diferentemente, a doação de bens e o uso de vouchers (i.e., vales a serem utilizados na

aquisição de bens e contratação de serviços pré-determinados) limitam as escolhas alocativas,

restringindo o nível de utilidade e, por conseguinte, eficiência potencial do sistema (FRIEDMAN,

2002). Todavia, essas ações são frequentemente justificadas com base nos atributos dos produtos

para os quais a demanda é induzida, por serem considerados bens de interesse social (merit

goods), explicam Weimer e Vining (2004). São exemplos de merit goods a habitação para a

população de baixa renda e a provisão de refeições subsidiadas em restaurantes populares. Um

racional subjacente é que os doadores (contribuintes) derivam utilidade de certos padrões de

consumo exibidos pelos beneficiários. Outra motivação sustenta-se no entendimento de que o

consumo de material escolar e uniforme, como no caso do Kit Escolar, pode gerar externalidade

positiva – ou seja, um valor socialmente desfrutado, adicional ao ganho individual de utilidade dos

beneficiários/usuários; sem intervenção, o mercado tenderia a equilibrar-se em volumes subótimos

(aquém do ideal) de consumo. Se o subsídio for grande o suficiente, e se não puder ser negociado

em mercado paralelo, então o consumo do bem subsidiado (aqui, a cesta de material e uniforme

compreendida no Kit Escolar) pode ser aumentado e atingir um nível que não seria esperado caso

a ação estatal se desse por uma transferência em dinheiro, ensinam Friedman (2002) e Weimer e

Vining (2004). Neri (2002, p. 60) sintetiza a discussão que existe na teoria do bem-estar social

sobre transferências em dinheiro versus em produtos:

Segundo os textos de economia, transferências de renda são melhores que transferências

em espécie, pela liberdade do indivíduo escolher que necessidades satisfazer, incluindo a

de prover recursos para o futuro. Nesse sentido, renda universal e bolsa-escola seriam

superiores a cestas básicas e tíquetes-alimentação. A restrição imposta por transferências

13

em bens só faria sentido se acreditarmos na incapacidade dos pobres de fazer escolhas,

como na imagem do pai transformando em cachaça o leitinho das crianças.

Alternativamente, caso vouchers sejam distribuídos sem custo ao beneficiário, eles serão

conceitualmente equivalentes a doações na forma de produtos. Da mesma maneira que aquelas,

vales de magnitude relevante podem estimular a demanda pelos bens e serviços respectivos.

Todavia, como os vouchers são mormente utilizados nos mercados locais, ao aquecerem a

procura tenderão também a provocar aumento de preços das mercadorias-alvo. Por outro

lado, doações de produtos, que são compradas em grande escala e não estão restritas à

disponibilidade nos arredores de moradia e convivência dos beneficiários, provavelmente gozam

de economias de escala, em que o preço unitário médio reduz-se com o incremento da quantidade.

Comprando no atacado em grandes quantidades, espera-se que uma entidade central (a SMED)

possa adquirir os mesmos produtos a um custo unitário substancialmente menor do que aquele que

famílias individuais conseguiriam, mesmo se comprando em uma rede credenciada de papelarias/

lojas que, por ter sua quantidade de vendas bastante aumentada em função do credenciamento,

poderiam elas mesmas obter descontos por volume junto a distribuidores e fabricantes. Esses

descontos seriam menores do que aqueles que a SMED potencialmente obteria, sem contar que os

varejistas, por terem fins lucrativos, naturalmente incluiriam uma margem de lucro na precificação

das mercadorias do kit. Enquanto os vouchers poderiam desenvolver o comércio local, os produtos

distribuídos por esse sistema tenderiam a custar mais ao governo municipal.

O aquecimento dos negócios locais é um tema caro aos representantes da indústria e críticos

da atual política. Em entrevista à “Revista O Papel” (MARTIN, 2014), Fábio Arruda Mortara,

então presidente nacional da Associação Brasileira da Indústria Gráfica (Abigraf) e do Sindicato

da Indústrias Gráficas de São Paulo (Sindigraf-SP) apoia e defende a iniciativa do projeto de lei n.

122/2013, de autoria da Senadora Lúcia Vânia (GO), que dispõe sobre a criação do Cartão Material

Escolar. Esse projeto propõe a transferência direta de recursos aos beneficiários do Programa Bolsa

Família e o uso de cartão magnético exclusivo para a compra do material escolar em papelarias

credenciadas. Mortara pondera que, com um aporte de R$ 200,00 por cartão, em média, e

universalização da proposta a todos os alunos da rede pública de ensino (cerca de 40 milhões),

haveria a injeção de oito bilhões de reais na cadeia do material didático. Além disso, para Mortara:

[...O] Cartão Material Escolar traz benefícios adjacentes, como o estímulo das economias

locais – principalmente papelarias, que hoje não participam de licitações públicas e

enfrentam forte concorrência dos supermercados na venda desses itens. (MARTIN, 2014,

p. 7)

14

Em 9 de outubro de 2013, foi realizada uma Audiência Pública na Câmara Municipal de

Belo Horizonte para debater o tema “Programa Cartão Educação para a concessão do material

escolar para alunos da Rede Pública do Ensino Fundamental”, nos termos do Requerimento n.

1.573/13, de autoria do vereador Leo Burguês (CMBH, 2013). Compunham a mesa representantes

de diversos segmentos da sociedade civil, do Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Rede

Pública Municipal de Belo Horizonte (SindRede), da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo

Horizonte (CDL-BH), da Câmara Setorial de Papelaria e da SMED. Entre os tópicos discutidos,

foram apontados como positivos pelos presentes: a distribuição do material didático e uniforme a

um menor custo por aluno em relação ao valor de aporte proposto para o cartão, a variedade dos

itens que compõem o Kit Escolar, o envolvimento pedagógico e valorização da sustentabilidade na

escolha dos itens, sua homogeneidade, assim como a administração da logística, desde a aquisição

até a distribuição do Kit Escolar. O representante da CDL-BH, Marco Antônio Mendonça Gaspar,

enfatizou a baixa qualidade de alguns itens, levando ao descarte em pouco tempo por parte do

beneficiário/usuário, e a substituição do item ao gosto pessoal do mesmo; salientou também o alto

custo da logística de armazenamento e distribuição dos kits.

O aquecimento dos negócios na cidade de Belo Horizonte também foi pontuado na

Audiência Pública. Além elevar a arrecadação de tributos para os cofres municipais, uma vez que

as licitações não estariam mais abertas ao mercado nacional, Gaspar julgou que o uso do Cartão

fortaleceria a economia local, incentivaria o associativismo (grupos de famílias comprando no

atacado ou com desconto por volume), e possibilitaria a escolha pessoal do beneficiário/usuário.

Essas ponderações foram contra-argumentadas pelos representantes da SMED, que salientaram o

custo unitário substancialmente menor obtido no processo licitatório; ainda que o kit inclua uma

diversidade de produtos (inclusive uniforme completo, com tênis e meias), seu custo é inferior ao

que famílias conseguiriam negociar em papelarias credenciadas, arrazoaram.

Outra consideração importante para o desenho e efetividade da política do Kit Escolar

concerne à questão de quais produtos eleger para doação. Essa escolha é acompanhada de

noções normativas sobre qual o nível de doações justas e quais itens devem ser cedidos – no

exemplo do Kit Escolar, quais seriam adequados às necessidades de estudantes de diferentes faixas

etárias e para quais seria apropriada a sua homogeneização. A despeito de se procurem,

ocasionalmente, insumos para essa decisão no corpo discente, a própria motivação da doação (vis-

à-vis transferência de renda) embute a interpretação de que, por si só, famílias beneficiárias não

15

fariam decisões alocativas em linha com o interesse social de se consumir os bens em tela – seja

por um padrão de preferências, assimetria de informação quanto à contribuição dos itens ao

processo de escolarização, ou pela expressiva carência de recursos.

Note-se que a definição de kits uniformes por ciclo de ensino alicerça-se na ideia de que é

conveniente homogeneizar os produtos. Todos os estudantes terão tênis, cadernos etc. parecidos.

A “customização” ao gosto individual ficaria por conta dos beneficiários/usuários das doações, na

medida em que são aceitáveis modificações como substituição de cadarços, aposição de adesivos

e afins. Se a homogeneização restringe a liberdade de escolha, ela reduz as expressões ostensivas

de desigualdade socioeconômica dentro da sala de aula, o que pode ser considerado um

desdobramento positivo da política, também atinente a sua efetividade.

Não menos importantes são os desafios administrativos incorridos nas operações de

aquisição de suprimentos e em sua logística de distribuição. Estes podem se tornar um entrave

à eficácia das doações, especialmente num contexto de cesta de produtos com muitas variações

internas (entre itens, faixas etárias). Com o procedimento de compra pública vem a

responsabilidade de traduzir para especificações técnicas muito variadas a descrição das

mercadorias eleitas, o que em si é um desafio técnico de monta. Essa empreitada continua após a

assinatura de contratos, cuja execução precisa ser fiscalizada, com aferição da qualidade das

entregas e a sua pontualidade.

Portanto, para que o Kit Escolar seja eficaz (i.e., capaz de cumprir sua promessa de

distribuição tempestiva de bens de qualidade para o universo de matriculados), efetivo (i.e., cause

impactos positivos na escolarização dos beneficiários) e eficiente (i.e., de baixo custo em relação

às políticas alternativas), o desenho e operação da política devem ser aderentes a pelo menos cinco

pressupostos. Para a eficácia, deve haver (i) capacidade burocrática para gerir e operar a política;

e (ii) cumprimento dos contratos pelos fornecedores. Para a efetividade, é pré-requisito que (iii) as

cestas de produtos doados sejam adequadamente definidas. Para a eficiência, (iv) as economias de

escala precisam ser capturadas; e (v) não pode haver comercialização, no mercado paralelo, dos

bens doados.

Pressupostos (iv) e (v) não podem ser apropriadamente avaliados com base em

manifestações de ouvidoria; o primeiro requer dados comparativos referentes aos custos de

aquisição e distribuição dos kits; o segundo, muito improvavelmente seria abertamente retratado

naqueles registros, e é de difícil apuração. Os demais pressupostos merecem maior elaboração,

16

considerando que serão foco da análise empírica adiante. No que tange à capacidade burocrática

(i), a política de doação de kits subentende que a SMED disponha de pessoal qualificado em

número suficiente para planejar e executar processos de compra de alta complexidade, em que

aprendizados precisam ser sistematizados e compartilhados ano a ano. Emergindo de uma

combinação entre (i) e (ii), a tempestividade da entrega dos kits também é crítica, já que eventuais

atrasos podem comprometer o aprendizado dos discentes – assim como a reputação da política.

Infelizmente, atrasos são típicos. Normalmente, os processos licitatórios levam de quatro a oito

meses, contando da abertura do pregão à entrega do objeto. Não raro acontecem várias situações

inusitadas nesse percurso, podendo fracassar a aquisição de um dos objetos do kit. Quanto a (iii),

o grau de adequação das cestas concerne às quantidades distribuídas, mas também à escolha de

produtos para compô-las e à qualidade contratada. Dados os esforços da GERMA-ED e SMED em

geral, a hipótese de trabalho é que exista um aprendizado organizacional cumulativo, materializado

em entregas progressivamente mais pontuais e adequdas, e que essa tendência seja evidenciada

pelas manifestações de ouvidoria.

Apesar da grande visibilidade do Kit Escolar e de sua existência há mais de dez anos, essa

política não tem recebido atenção proporcional em estudos acadêmicos, nem tem a Ouvim sido

utilizada como provedora de informação para análise sistemática sobre a percepção dos

beneficiários/usuários quanto à política. A seguir, a contextualização prossegue descrevendo a

principal fonte de dados para este estudo, a Ouvim, e problematizando potenciais vieses que as

manifestações de ouvidoria possam exibir.

2.2 A Ouvidoria-Geral de Belo Horizonte como canal de participação cidadã

O instituto da ouvidoria remonta aos fins do século XVIII e início do XIX, na Suécia,

quando a figura do supremo representante do rei, ombudsman – cuja atribuição era vigiar a

execução das ordens e leis emanadas do monarca – foi transmutada para a de mandatário do

parlamento, com a nova função de controlar em nome próprio a administração e a justiça. Ao longo

do século XX, diversos países seguiram os passos do pioneiro escandinavo, especialmente após as

reformas administrativas na Suécia em 1915 e 1967, as quais resultaram em um modelo no qual as

atribuições eram repartidas entre três ombudsmen. Um primeiro era responsável por questões

ligadas ao bem-estar do administrado; um segundo, pelos assuntos judiciários e militares; e um

terceiro, pelas matérias cíveis (GOMES, 2000).

17

A primeira iniciativa voltada para a criação de uma ouvidoria no Brasil é anterior à

Constituição do Império (1824); em 1823, estabeleceu-se um juízo do povo. Entretanto, o tema

somente começou a ser efetivamente discutido em 1961, por meio do decreto n. 50.533, que

pretendeu a criação de um instituto assemelhado ao do ombudsman. O decreto foi revogado antes

mesmo de ter sido posto em prática. Na década seguinte, o cenário político brasileiro não permitia

desenvolvimento da ideia: nada mais avesso a um regime de exceção do que um canal de

participação e controle social da administração pública pelos cidadãos.

Na década de 1980, concomitantemente ao início do processo de redemocratização do país,

e em resposta à crise de legitimidade política do regime militar, surgem algumas iniciativas no

sentido de assegurar a participação social (CARDOSO, ALCÂNTARA, LIMA NETO, 2012). Em

dezembro de 1986, o decreto n. 93.714 criou um instituto para “a defesa de direitos do cidadão

contra abusos, erros e omissões na administração federal”. Caminhou na contramão das demandas

dos movimentos sociais, uma vez que desconsiderava os princípios da impessoalidade e da

publicidade, dentre outros, não disciplinando regras de elegibilidade de seus membros, tampouco

determinando os limites de atuação do ouvidor. Nesse contexto, movimentos sociais, associações

e entidades pressionaram junto ao governo por uma participação maior nas decisões das arenas

políticas, de forma que suas reivindicações e demandas fossem registradas e atendidas pelos órgãos

estatais (CARDOSO, ALCÂNTARA, LIMA NETO, 2012).

Em meio às lutas pela redemocratização nas relações Estado-sociedade é promulgada a

Constituição de 1988, conhecida como a Constituição Cidadã; essa carta impôs um novo paradigma

democrático, reconhecendo, estabelecendo e formalizando a participação política dos cidadãos no

Estado brasileiro, bem como assegurando vários direitos de cidadania; especificamente, previu

reclamações dos cidadãos “relativas à prestação de serviços públicos” (art. 37, § 3º, inciso I, com

redação dada pela emenda constitucional 19/1998). Assim, houve uma associação do regime

democrático à lógica de participação cidadã, sendo democracia e participação fenômenos

mutuamente constituintes (LYRA, 2005). Dessa maneira, seguindo a trajetória de estímulo à

participação institucionalizada no Estado, foram criadas as ouvidorias nos poderes federal, estadual

e municipal, como instituições de participação cidadã.

Para Quintão (2015), a ouvidoria pública, após a Constituição de 1988, tem sido vista como

um instrumento de controle da administração, com uma atuação predominantemente voltada para

a eficácia e a modernização administrativa. Esse canal de participação muitas vezes funciona

18

principalmente como outlet para reclamações, na prática ocupando um espaço mais tímido que seu

potencial, explica Quintão (2015). Em contraste, as ouvidorias poderiam ter aspirações ambiciosas,

como a “indução de mudança, reparação do dano, acesso a administração e promoção da

democracia”, pontua Lyra (2004, p. 144, apud QUINTÃO, 2015, p. 18). Agindo com a finalidade

da defesa dos direitos dos cidadãos, buscando justiça social e a construção da cidadania, esses

canais promoveriam uma interação próxima com os cidadãos, facilitando a inclusão social e maior

acesso à justiça. Quebrariam, assim, o paradigma da “cultura da reclamação” e proporcionariam a

construção da “cultura de cooperação e participação” (RICHE, 2010, p. 181).

A fonte empírica para este estudo é a Ouvim, criada em 12 de janeiro de 2006 pela lei

municipal n. 9.155 como uma via de comunicação direta entre o cidadão e a Prefeitura de Belo

Horizonte, objetivando identificar eventuais falhas que ocorram na prestação dos serviços, bem

como apontar sugestões que ajudem a aprimorá-los. Atua no exercício da cidadania, incentivando

a participação popular na administração pública. A Ouvim representa um posto de escuta, na

medida em que possibilita à comunidade expressar seus anseios, sendo uma importante ferramenta

de avaliação da gestão pública, no sentido de contribuir para a melhoria da qualidade dos serviços

públicos, inclusive a provisão do Kit Escolar.

O cidadão pode registrar sua manifestação (e.g., reclamação, elogio, sugestão, denúncia,

solicitação via Lei de Acesso à Informação) por meio do telefone 156, pelo atendimento presencial

da Ouvim no BH Resolve3 ou pela web4. O sistema online é autoexplicativo, com orientações claras

para a inserção de uma nova manifestação, consulta a uma manifestação existente, e

complementação de manifestação (encaminhamento de novos dados para facilitar andamento de

manifestação existente). Ao final do registro da manifestação, é fornecido um número de protocolo

(ou número da manifestação, da mesma forma como ocorre nos contatos por telefone e presencial)

e uma senha. Esse número de protocolo e senha serão solicitados sempre que o cidadão quiser fazer

uma consulta sobre o andamento de sua manifestação ou precisar acrescentar informações à

mesma. O cidadão pode, quando necessário, optar por manter seus dados sob sigilo, mas é

conveniente que informe nome completo e contatos para a Ouvim, pois isso permite à Ouvidoria,

se necessário, entrar em contato para tirar dúvidas ou coletar informações complementares.

3 Central de serviços localizada na Av. Santos Dumont, 363, 2º piso, CEP 30.160-040. 4 https://ouvidoriageral.pbh.gov.br.

19

Uma vez registrada, a manifestação é encaminhada pelo Sistema de Ouvidoria e Gestão

(TAG) para os devidos espaços públicos que deverão responder à demanda do cidadão. As

manifestações sobre o Kit Escolar são respondidas pela GERMA-ED, em colaboração com

gerências regionais ou unidades escolares. Conforme o teor da manifestação, são determinados os

envolvidos e os prazos para as respostas, que são centralizadas na Ouvim, compiladas e

encaminhadas ao cidadão.

Poucas vezes são requeridas complementações ou reformulações das respostas dadas às

manifestações dos cidadãos relativas ao Kit Escolar, segundo nossa experiência pessoal com o

tratamento desses registros. Apesar disso, algumas demandas não podem ser solucionadas

prontamente dada a complexidade operacional da política, como discutido adiante. Na próxima

seção, sobre metodologia, será apresentada a estratégia de seleção das observações

(manifestações), bem como reflexões sobre implicações do uso dos registros de ouvidoria para a

avaliação da eficácia e efetividade do Kit Escolar.

20

3 DADOS E MÉTODOS

3.1 Dados

Este estudo utiliza dados das manifestações de cidadãos, tipicamente familiares de

estudantes beneficiários do Kit Escolar. Engloba registros submetidos à Ouvim entre 2012 e 2015,

por qualquer das formas de contato com a Ouvidoria. A opção por esse intervalo temporal se

justifica pela estabilidade na composição dos kits durante tal período, já que as cestas doadas

passaram por modificações nos anos mais iniciais da política.

O próprio acesso às manifestações foi solicitado via registro, em 30/set/2015, de

manifestação requerendo informação à Ouvim (n. 108.501). A resposta foi obtida em 20/10/2015,

contendo instruções para coleta de dados no sistema TAG, em sua porção atinente à SMED. Os

dados foram processados e disponibilizados pela GERMA-ED, a partir de uma consulta

parametrizada no TAG. Inicialmente, foram utilizadas palavras-chave relacionadas aos itens do Kit

Escolar, como “caderno”, “mochila”, “tênis”, “uniforme”. Essa primeira estratégia de seleção

retornou poucos registros. Sob a orientação da GERMA-ED, adicionou-se o termo de busca “Kit

Escolar”. Nesse segundo momento, foram identificadas 114 manifestações para fazerem parte do

presente trabalho, com boa variação no tocante a anos, regiões da cidade e teor do registro.

Desconhece-se qualquer outra investigação sistemática que tenha explorado as

manifestações da Ouvim quanto ao Kit Escolar. Essa fonte de dados, enquanto inédita, traz algumas

limitações. São visíveis apenas declarações decorrentes de uma ação específica e protagonizada

pelo cidadão, quem despende tempo e energia para tanto. Por tratar-se de uma ação com custos

razoáveis, os registros de ouvidoria, pode-se argumentar, tendem a ocorrer em momentos de grande

motivação, com emoções mais salientes e carregando conteúdo provavelmente mais negativo sobre

a satisfação do usuário dos serviços públicos. Em outras palavras, provavelmente muitos dos

registros são realizados em momentos de exacerbação. Ainda, espera-se que o status

socioeconômico típico dos autores das manifestações seja mais elevado que o da média dos

cidadãos beneficiários da política, pois o próprio ato de buscar a Ouvim requer conhecimento desse

instituto. Este aspecto também contribui para o tom frequentemente negativo dos registros, dada a

expectativa de maior exigência entre o público mais provável de procurar uma ouvidoria. Em

conjunto, essas considerações sugerem que as manifestações da Ouvim tendam a subrepresentar a

satisfação da população com o Kit Escolar.

21

3.2 Métodos

A abordagem metodológica apoiou-se na análise documental e Análise Estruturada de

Textos (AET), ambas técnicas qualitativas. A primeira centra-se na utilização de registros

administrativos, e é descrita por Jannuzzi (2016, p. 77) como:

[...uma] estratégia de avaliação de baixo custo e grande agilidade, empregada em situações

em que as perguntas avaliativas podem ser respondidas pelo exame de documentos, textos

e relatórios de cunho administrativo. De fato, na Administração Pública circulam muitas

evidências documentais que, tratadas adequadamente, podem gerar informações

relevantes na avaliação de programas. Cartas de beneficiários de programas, registros e

reclamações nas ouvidorias de órgãos públicos, relatórios de visitas técnicas e auditorias

são alguns desses documentos.

A AET configura-se como uma técnica de análise de conteúdo indicada para situações de

pesquisa “em que se requer uma interpretação estruturada – formal, padronizada, objetivada – de

ideias, mensagens e conteúdo informacional presentes em documentos, textos, artigos ou corpus5

em geral” (JANNUZZI, 2016, p. 87). Um exemplo bastante didático de aplicação da AET é

encontrado em Jannuzzi (2011). Aquele trabalho busca mostrar o potencial de uso dos relatórios

de auditoria municipal elaborados pela Controladoria Geral da União para diagnosticar fortalezas

e fragilidades no processo de implementação de programas do governo federal, através do exemplo

do Programa Assistência Farmacêutica. O autor emprega a AET para identificar temas, “computar

frequências de termos e palavras em textos, examinar a relação e frequência simultânea desses

termos, inferir o conteúdo semântico por traz dos parágrafos e [...] reduzir um texto discursivo a

um conjunto de palavras-chave ou códigos estruturados” (JANNUZZI, 2011, p. 225).

Inspirado por Bowen e Bowen (2008), Jannuzzi (2011) especifica seis etapas de aplicação

da AET. A primeira corresponde à identificação e seleção do material documental a ser estudado,

processo descrito na seção 3.1 acima. A segunda concerne à definição das dimensões analíticas e

categorias a serem buscadas no texto, com especificação de um sistema de códigos para classificá-

las; a terceira etapa consiste no teste desse sistema de classificação, para seu aprimoramento e

cheque de consistência. Estas duas etapas foram as mais longas, pois, apesar de se ter um modelo

interpretativo em mente (o qual dizia respeito aos pressupostos para a eficácia e efetividade da

política Kit Escolar), não há uma teoria consolidada ou estudos passados que pudessem guiar a

identificação de categorias. As primeiras tentativas culminaram em um número elevado de

5 Corpus corresponde ao “conjunto de discursos, depoimentos e entrevistas levantados” para análise qualitativa

(JANNUZZI, 2011, p. 223).

22

categorias6. Ao final, após extensivas revisões, foram identificadas quatro categorias mínimas7 de

conteúdo das manifestações: atraso/ kit incompleto; inadequação dos itens (e.g., baixa qualidade

do tênis, numeração errada do uniforme); alegação de propaganda enganosa; outra.

A aplicação do sistema de classificação definido caracteriza a quarta etapa, que é sucedida

pela análise de confiabilidade. Para essa quinta etapa, fez-se a checagem da codificação, em

parceria com a orientadora do trabalho. Sanadas as diferenças, moveu-se para a etapa final desse

processo de análise de conteúdo, qual seja, a interpretação dos resultados. Esta foi amparada pela

análise de frequência de códigos, nos recordes conteúdo, tempo, ciclo de ensino (infantil,

fundamental), rede (municipal ou parceira) e Administração Regional, com foco em apurar o grau

de aderência da política aos pressupostos teóricos de eficácia e efetividade que a justificam.

Note-se que os dados aqui empregados referem-se a manifestações tipicamente oriundas de

responsáveis pelos estudantes matriculados na rede atendida pelo Kit Escolar. Assim, eles

permitem uma análise apenas parcial dos pressupostos subjacentes a uma política de doação de

bens. Especificamente, é possível investigar se as entregas têm ocorrido tempestivamente (aspecto

relacionado a uma composição dos pressupostos i e ii, sobre capacidade burocrática e cumprimento

dos contratos); e se as cestas parecem ser apropriadas, pelo menos da perspectiva do “cliente” da

política (pressuposto iii). Os resultados, expostos na próxima seção, não avaliam, portanto, a

eficiência do Kit Escolar.

6 Em junho de 2016, já após algumas tentativas de identificação de categorias no corpus, estava-se trabalhando com

oito categorias, a saber: atraso na entrega; kit incompleto; falácias midiáticas; qualidade dos itens/objetos;

concatenação da distribuição nas unidades escolares; transparência do recurso público gasto com itens do Kit Escolar;

elogios; acesso às informações sobre o Kit Escolar. 7 Podendo aparecer agrupadas em algumas análises.

23

4 RESULTADOS

As considerações apresentadas nesta seção estão organizadas em torno de quatro dimensões

analíticas. A primeira mostra os teores específicos das reclamações, no intervalo 2012 a 2015 como

um todo, e ano a ano. A segunda dimensão concerne à distribuição das reclamações mês a mês,

buscando identificar possíveis padrões de sazonalidade. A terceira diferencia os registros de acordo

com o nível de ensino e rede a que se referem. A quarta e última dimensão confere uma noção

territorial ao estudo, trazendo a distribuição das reclamações entre Administrações Regionais da

Prefeitura de Belo Horizonte (PBH).

Mais de nove em cada dez manifestações (106 de 114, ou 93%) se constituem em

reclamações, críticas ou denúncias. Dessas, 84 (79%) citam o uniforme, entendido nas análises

desta seção como o conjunto de roupas e tênis.

Buscando oferecer maior perspectiva sobre o conteúdo principal das manifestações, elas

foram agrupadas nos temas de atraso/ incompletude dos kits (90; 79%), inadequação dos itens (14;

12%) e outros (10; 9%) – este último envolvendo solicitações de informação, sugestões, elogios8,

denúncias relativas ao processo de aquisição dos kits e alegações de propaganda enganosa sobre a

política. Mais de 60% dos registros relatam atraso no recebimento ou incompletude dos uniformes;

13 das 14 manifestações sobre inadequação do kit também se referem diretamente ao uniforme

(Figura 1), apontando situações de numeração incorreta ou baixa resistência/durabilidade dos itens.

8 Houve dois elogios. Um deles parabeniza a escola e os professores na mesma manifestação em que reclama sobre o

recebimento de kit incompleto. O outro exalta a distribuição do Kit Escolar, inclusive os uniformes.

24

Figura 1. Frequência das manifestações de ouvidoria, por teor da manifestação (n = 114)

Fonte: Elaboração própria.

A trajetória temporal das manifestações é caracterizada por uma queda acentuada em 2014

e manutenção do patamar reduzido em 2015 (Figura 2). Esse movimento foi protagonizado pelos

registros sobre atraso e incompletude do uniforme: 24 em 2012; 39 em 2013; quatro em 2014 e três

em 2015. Inversamente, os atrasos e incompletudes não específicos ao uniforme mostram uma

marcante tendência de alta em 2014, atingindo nove manifestações (versus uma no ano anterior);

em 2015, foram identificados sete registros desse tipo.

70; 61%20; 18%

13; 11%

1; 1%

7; 6%

3; 3%

Atraso/ kit incompleto (commenção ao uniforme)

Atraso/ kit incompleto (semmenção ao uniforme)

Inadequação dos itens (commenção ao uniforme)

Inadequação dos itens (semmenção ao uniforme)

Outro (com menção aouniforme)

Outro (sem menção aouniforme)

25

Figura 2. Evolução temporal dos teores das manifestações de ouvidoria (n = 114)

Fonte: Elaboração própria.

Apenas a minoria dos registros (18; 16%) reportam mais um assunto. Para estes, procedeu-

se a uma classificação secundária, sobre o teor considerado de menor importância no texto da

manifestação. Nove das classificações secundárias configuraram-se como alegações de propaganda

enganosa, e foram frequentemente redigidas como “O uniforme não foi entregue, ainda que a PBH

faça propaganda dizendo que o Kit Escolar beneficia todos os alunos”. Duas das demais criticam

o atraso/ incompletude dos kits, e duas a inadequação dos itens; uma elogia a escola e seus

professores, e quatro tocam em temas secundários diversos, como falta e rotatividade de

professores e insuficiência do espaço físico e da merenda.

A criticidade dos uniformes para a eficácia e efetividade do Kit Escolar parece bastante

saliente, já que 90 (79%) das manifestações os mencionam. Porém, há indícios de que essa

preeminência esteja em declínio, tanto em termos absolutos (30, 45, sete e oito manifestações, para

os anos 2012 a 2015, nessa ordem), quanto relativos: em 2012, 91% dos 33 registros tratavam do

uniforme, contra 44% de um total de 18 manifestações em 2015 (Figura 3). O procedimento para

distribuição dos uniformes pela escola, ainda que não tenha sido capturado por uma classificação

própria, chama a atenção como foco recorrente de reclamações em 2012. Em nove casos naquele

ano, a narrativa da manifestação inclui algo como “A escola já recebeu os uniformes, mas ainda

não os distribuiu aos alunos”. Esses registros reportam episódios em diferentes escolas, do ensino

infantil e fundamental. Nos anos seguintes, não houve manifestações com esse teor específico.

24

39

4 331

97

3 4 33 3 4

33

47

1618

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

50

2012 2013 2014 2015

Atraso/ kit incompleto(com menção aouniforme)

Atraso/ kit incompleto(sem menção aouniforme)

Inadequação dos itens

Outro

Total

26

Figura 3. Evolução temporal das manifestações de ouvidoria, por menção ao uniforme, em % e

número de registros (n = 114)

Fonte: Elaboração própria.

Como era de se esperar, dado o ciclo majoritariamente anual de compra e distribuição dos

kits, os registros de ouvidoria apresentam um padrão sazonal, com alta concentração no primeiro

semestre, especialmente nos meses de março a maio (Figura 4). Ao longo dos anos, parece ter

existido uma tendência de “antecipação” das manifestações: em 2012, elas se iniciaram em abril;

em 2013, em março; em 2014 e 2015, em janeiro. Esse adiantamento pode ser consequência de um

potencial fortalecimento de expectativas de beneficiários e suas famílias quanto à tempestividade

da operação da política do Kit Escolar, embora não haja nesta pesquisa elementos para se afirmar

definitivamente que tal processo tenha ocorrido.

30; 91% 45; 96%

7; 44% 8; 44%

3; 9% 2; 4%

9; 56% 10; 56%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

2012 2013 2014 2015

Com menção ao uniforme Sem menção ao uniforme

27

Figura 4. Frequência das manifestações de ouvidoria, por mês e ano do registro (n = 114)

Fonte: Elaboração própria.

Por outro lado, registros com menção expressa aos uniformes parecem se concentrar nos

meses de abril a junho (Figura 5). Possivelmente, esse aparente delay decorre de atrasos na

distribuição do vestuário em relação aos demais itens do kit, outro ponto a se verificar em análises

futuras.

Figura 5. Frequência das manifestações de ouvidoria, por mês e teor do registro (n = 114)

Fonte: Elaboração própria.

10

18

2 1 1 1

11

10

10

7

31

2 212

10

2

1

1

1

2

8

1

2

2

1

1

0

5

10

15

20

25

Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

2012 2013 2014 2015

3 2 2 2 11

3

32

2 11 1

9

5

3 2

13

2

1016 14

12

8

21 1

10

5

10

15

20

25

Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

Atraso/ Kit incompleto (com menção ao uniforme)

Atraso/ Kit incompleto (sem menção ao uniforme)

Inadequação dos itens

Outro

28

Tomando-se em conjunto as análises anteriores, e partindo-se da premissa de que não haja

razões para acreditar que a Ouvim tenha se tornado um canal menos relevante para a participação

cidadã em geral (ou para registros referentes ao uniforme em particular), não se detectaram

evidências contrárias à hipótese de aprendizado institucional e melhoria da operação da política

ano a ano. Sustentam essa afirmação a redução dramática no número de registros, e a nítida

diminuição das reclamações envolvendo atraso na entrega dos uniformes – provavelmente o

subconjunto de aquisição mais complexa do Kit Escolar, dada a variação da numeração ao nível

do aluno.

Quanto aos níveis de ensino, as manifestações são notoriamente mais frequentes no ensino

fundamental – que corresponde a 71(70%) dos registros com nível de ensino especificado (101),

como mostra a Figura 6. Não foram identificadas manifestações relativas à Educação de Jovens e

Adultos (EJA), também atendida pelo Kit Escolar. No ensino fundamental, as reclamações

reduziram-se em número a partir de 2014 (Figura 7), seguindo a trajetória geral disposta na Figura

2.

Figura 6. Frequência das manifestações de ouvidoria, por nível de ensino, rede e teor (n = 114)

Fonte: Elaboração própria.

Tendo em vista a já mencionada centralidade do uniforme nas reclamações, não é

surpreendente que o ensino infantil, nas redes parceira e própria, seja menos recorrente (30 registros

no total). Enquanto a política prevê doação de uniformes para matriculados do ensino infantil na

5

17

58

101

7

13

3

0

10

20

30

40

50

60

70

80

EI-RP EI-RME Ensino Fundamental Não especificado

Com menção ao uniforme Sem menção ao uniforme

29

faixa de três a cinco anos, o mesmo não ocorre para os de zero a dois anos. Ademais, possivelmente

a exigência de uso do uniforme seja mais forte e regular no ensino fundamental que no infantil,

mas esta hipótese não pode ser testada com os dados da Ouvim.

Figura 7. Frequência das manifestações de ouvidoria, por nível de ensino, rede, teor e ano (n =

114)

Fonte: Elaboração própria.

Finalmente, a última dimensão analítica concerne à espacialidade das manifestações. Das

nove Administrações Regionais de Belo Horizonte (Figura 8), Oeste é aquela com menor número

de registros (4), enquanto Pampulha obteve 20, 14 dos quais em 2013 (Figura 9). Também no

recorte territorial, as reclamações quanto a atraso no recebimento dos itens – especialmente

uniformes – dominam as incidências em cada Regional (Figura 10).

Há que se destacar três cuidados na interpretação desses resultados. Primeiro, a

concentração na Regional Pampulha é bastante afetada por um pico de registros de 2013. Segundo,

a disposição de acionar a Ouvim como meio de participação cidadã provavelmente correlaciona-

se positivamente com certos atributos da população atendida pela política, como sua escolaridade

média e grau de envolvimento em decisões comunitárias e políticas. Como pré-requisito, é preciso

saber que a Ouvim existe para manifestar-se através dela. Assim, não convém interpretar que a

operação do Kit Escolar seja especialmente deficiente na Pampulha – região de status

socioeconômico médio mais privilegiado que o de outras partes da cidade.

2

7

17

25

2

8

31

24

1 14

64

1 13 4 5 4

0

5

10

15

20

25

30

35

Infa

nti

l-R

P (

com

men

ção

ao

un

ifo

rme)

Infa

nti

l-R

P (

sem

men

ção

ao

un

ifo

rme)

Infa

nti

l-R

ME

(co

mm

ençã

o a

o u

nif

orm

e)

Infa

nti

l-R

ME

(sem

men

ção

ao

un

ifo

rme)

Fun

dam

enta

l-R

ME

(co

m m

ençã

o a

ou

nif

orm

e)

Ensi

no

Fu

nd

amen

tal-

RM

E (s

em m

ençã

o a

ou

nif

orm

e)

Não

esp

ecif

icad

o

2012 2013 2014 2015

30

Figura 8. Unidades escolares mencionadas nas manifestações de ouvidoria e respectivas

Administrações Regionais

Notas: EF = ensino fundamental. UMEI = Unidade Municipal de Educação Infantil; educação infantil

provida pela rede própria. Creches RP = Educação infantil provida pela rede parceira.

Fonte: Elaboração própria.

31

Figura 9. Frequência das manifestações de ouvidoria, por Administração Regional e ano do

registro (n = 114)

Fonte: Elaboração própria.

Figura 10. Frequência das manifestações de ouvidoria, por Administração Regional e teor do

registro (n = 114)

Fonte: Elaboração própria.

Terceiro, os registros devem ser ponderados pela população estudantil de cada Regional,

em particular a do ensino fundamental, dada a concentração de registros sobre esse nível de ensino.

Uma estratégia simples (porém admitidamente imperfeita) para descontar o viés do contingente

13 3 2

52

62

4 521 2 4

7

49

14

4

11

12 4

23 1

1

13

13

21 2

1

4

0

5

10

15

20

25

2012 2013 2014 2015

1 1 262 1 2 1

1 2 4

11 2 1

5 2 6 11

1

32 6 8

5 8 711

155

0

5

10

15

20

25

Atraso/ Kit incompleto (com menção ao uniforme)

Atraso/ Kit incompleto (sem menção ao uniforme)

Inadequação dos itens

Outro

32

estudantil é dividir o número de registros pelo número de escolas (todos os níveis) na Regional.

Essa concepção pouco muda a ordenação das Regionais, mantendo Oeste e Pampulha nos

extremos, com 0,08 e 0,40 manifestação por escola, respectivamente (Figura 11).

Figura 11. Número médio de manifestações de ouvidoria por escola, por Administração Regional

(n = 101)

Fonte: Elaboração própria.

0,40

0,25

0,23

0,20

0,17

0,17

0,16

0,12

0,08

0,00 0,05 0,10 0,15 0,20 0,25 0,30 0,35 0,40 0,45

Pampulha

Noroeste

Venda Nova

Barreiro

Centro-Sul

Nordeste

Norte

Leste

Oeste

33

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo objetivou analisar o grau de aderência do Kit Escolar a alguns dos pressupostos

microeconômicos para sua eficácia e efetividade, tendo por base as manifestações sobre essa

política junto à Ouvim entre 2012 e 2015. Em particular, endereçou a questão “Qual a incidência

e tendências de trajetória das manifestações de ouvidoria relativas à entrega do Kit Escolar e sua

composição? ”. A hipótese elaborada na concepção do estudo postulava que, através de

aprendizado organizacional acumulado, os kits fossem entregues com pontualidade crescente, e

cada vez mais a contento dos beneficiários/usuários, pelo menos na extensão em que essas

melhorias pudessem ser apuradas via registros de ouvidoria.

O timing da distribuição dos bens emergiu como foco principal das reclamações, com ênfase

para os relatos sobre atraso na entrega dos uniformes. Essa constatação coloca em cheque a eficácia

da política, porém os dados empregados no estudo não permitem investigar as raízes do problema.

Seria fruto de capacidade burocrática frágil, insuficiente para administrar a imensidão de detalhes

nos diversos processos licitatórios para aquisição do material e incorporar aprendizados ao longo

das sucessivas rodadas? Seria, talvez, resultado de dificuldades por parte dos fornecedores em

honrarem os prazos contratados?

Ainda que bem mais tímidas em número, foram identificadas manifestações relativas à

qualidade dos itens doados – aspecto tocante à efetividade da política. Mais uma vez, registros

envolvendo o uniforme, incluindo o tênis, são os mais comuns, frequentemente levantando

situações de numeração incorreta ou baixa resistência/durabilidade dos produtos.

Apesar dos desafios operacionais ainda presentes, as análises centradas na perspectiva

temporal não colidem com a hipótese de aprendizado organizacional no âmbito da SMED.

Verificou-se uma redução dramática em 2014, para menos da metade do número de reclamações

registradas em 2013, com manutenção do novo patamar em 2015. Esse movimento foi

principalmente liderado pela diminuição das manifestações sobre atraso de uniformes. Se for

legítimo afirmar que a Ouvim se mantém um canal de participação tão relevante quanto antes,

então os resultados podem ser tomados como sugestivos de uma melhoria na operação – i.e.,

eficácia – da política ao longo da janela temporal em tela.

Diversas perguntas para pesquisa futura afloram dos achados detalhados na seção anterior.

O que motiva o aparente processo de “antecipação” das reclamações para meses mais iniciais do

ano-calendário? Por que as manifestações são tão mais frequentes da parte de matriculados do

34

ensino fundamental que do infantil, e por que não houve manifestações quando à EJA? Quais

fatores contribuem para a dispersão dos registros entre escolas de diferentes Administrações

Regionais?

Outras duas indagações destacam-se em função de sua criticidade para validação dos

resultados desta pesquisa. Primeiro, a recorrente menção ao uniforme realmente indica uma demora

diferencial em sua distribuição, e um embaraço maior derivado da variação de tamanhos entre

alunos do mesmo ano? Ou apenas revela um item top of mind das famílias beneficiadas,

potencialmente devido ao seu maior custo em relação a outros bens da cesta doada? Segundo, a

assunção de relevância constante do veículo Ouvim para ventilar as preocupações dos

belorizontinos é verossímil? O enfrentamento dessas questões de pesquisa requererá dados

diferentes dos trabalhados neste estudo. Demanda a realização de entrevistas e outras abordagens

para coleta de informações qualitativas, a exemplo de grupos focais e oficinas, bem como

participação de diversos atores, ele os quais gestores da GERMA-ED e SMED mais largamente,

gestores regionais e das unidades escolares, professores, pais e – não menos importantes – os

estudantes. Trata-se de um trabalho de sofisticação substancialmente mais elevada, mas que,

acredita-se, pode rendar informações de muita valia para o aperfeiçoamento da política pública do

Kit Escolar.

35

6 REFERÊNCIAS

BOWEN, C. C.; BOWEN, W. M. Content analysis. In: YANG, K.; MILLER, G. J. Handbook of

research methods in Public Administration. New York: CRC Press, 2008. p. 689-704.

CARDOSO, A. S. R.; ALCÂNTARA, E. L. da C.; LIMA NETO, F. C. Ouvidoria pública e

governança democrática. Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, Edição

Especial, p. 27-38, 2012.

CMBH – Câmara Municipal de Belo Horizonte. Ata da trigésima reunião ordinária da Comissão

de Educação, Ciência, Tecnologia, Cultura, Desporto, Lazer e Turismo da Câmara Municipal de

Belo Horizonte, na primeira sessão legislativa da décima sétima legislatura. Belo Horizonte,

09/out./2013.

FRIEDMAN, Lee S. The microeconomics of public policy analysis. Princeton: Princeton

University Press, 2002.

GOMES, Manoel E. A. C. O regime jurídico das ouvidorias públicas brasileiras: causalidade

de sentido e adequação estruturo-funcional. Tese (Doutorado em Direito). Universidade Federal

de Santa Catarina, Florianópolis, 2000, 400 p.

JANNUZZI, Paulo de Martino. Avaliação de programas públicos por meio da análise estruturada

dos relatórios de auditoria da Controladoria Geral da União. Cadernos Gestão Pública e

Cidadania, v. 16, p. 1-18, 2011.

JANNUZZI, Paulo de Martino. Monitoramento e avaliação de programas sociais: uma

introdução aos conceitos e técnicas. Campinas: Editora Alínea, 2016.

LYRA, Rubens P. Autônomas x obedientes: a ouvidoria pública em debate. João Pessoa:

Editora da UFPB, 2004.

MARTIN, Caroline. Cartão Material Escolar pode beneficiar 40 milhões de estudantes e injetar R$

8 bilhões na cadeia do material didático. Revista O Papel, p. 6-8, mar./2014.

NERI, Marcelo. O máximo da renda mínima. Conjuntura Econômica, p. 60-61, abr./2002.

QUINTÃO, Thales Torres. Fala que eu te escuto? Ouvidorias parlamentares e o seu potencial

democratizante: o caso de Minas Gerais. Dissertação (Mestrado em Ciência Política).

Universidade Federal de Minas Gerais: Belo Horizonte, 2015.

RICHE, Cristina Ayoub. Ouvidoria, caminho para a civilidade e o diálogo. Organicom, ano 7, n.

12, 1º semestre de 2010.

WEIMER, David L.; VINING, Aidan R. Policy analysis: concepts and practice. 4a. ed. Upper

Saddle River, NJ: Routledge, 2004.

36

7 APÊNDICE

Quadro A1. Composição do Kit Escolar: Educação infantil, de zero a dois anos

Item Produto Quantidade / Unidade

01 Agenda 01 Unidade

02 Brinquedo pedagógico 01 Unidade

03 Caderno de Desenho 01 Unidade

04 Caneta Hidrocor Jumbo 01 Conjunto

05 Giz de Cera 68mm Jumbo (mini) 01 Caixa

06 Livro de Literatura 01 Unidade

07 Mochila 01 Unidade

Fonte: Elaboração própria, com base em dados fornecidos pela GERMA-ED.

37

Quadro A2. Composição do Kit Escolar: Educação infantil, de três a cinco anos

Item Produto Quantidade / Unidade

01 Agenda 01 Unidade

02 Apontador Jumbo 01 Unidade

03 Borracha 02 Unidades

04 Brinquedo pedagógico 01 Unidade

05 Caderno de Desenho 01 Unidade

06 Caderno sem Pauta 02 Unidades

07 Caneta Hidrocor Jumbo 01 Conjunto

08 Cola 01 Unidade

09 Giz de Cera 01 Caixa

10 Lápis de Cor Jumbo 01 Caixa

11 Lápis Preto Jumbo 02 Unidades

12 Livro de Literatura 02 Unidades

13 Estojo 01 Unidade

14 Mochila 01 Unidade

15 Uniforme 01 Kit

16 Tênis 01 Par

17 Meias 02 Pares

Fonte: Elaboração própria, com base em dados fornecidos pela GERMA-ED.

38

Quadro A3. Composição do Kit Escolar: Ensino fundamental, 1º ao 3º ano (1º ciclo)

Item Produto Quantidade / Unidade

01 Agenda 01 Unidade

02 Apontador comum 01 Unidade

03 Borracha 02 Unidades

04 Caderno de Desenho 01 Unidade

05 Caderno Pautado 03 Unidades

06 Caderno sem Pauta 02 Unidades

07 Caneta Hidrocor 01 Conjunto

08 Cola 01 Unidade

09 Giz de Cera 01 Caixa

10 Lápis de Cor 01 Caixa

11 Lápis Preto 06 Unidades

12 Livro de Literatura 02 Unidades

13 Régua 01 Unidade

14 Estojo 01 Unidade

15 Mochila 01 Unidade

16 Uniforme 01 Kit

17 Tênis 01 Par

18 Meias 02 Pares

Fonte: Elaboração própria, com base em dados fornecidos pela GERMA-ED.

39

Quadro A4. Composição do Kit Escolar: Ensino fundamental, 4º ao 6º ano (2º ciclo)

Item Produto Quantidade / Unidade

01 Agenda 01 Unidade

02 Apontador 01 Unidade

03 Borracha 02 Unidades

04 Caderno Pautado 06 Unidades

05 Caneta Esferográfica Azul 05 Unidades

06 Cola 01 Unidade

07 Giz de Cera 01 Caixa

08 Lápis de Cor 01 Caixa

09 Lápis Preto 06 Unidades

10 Livro de Literatura 02 Unidades

11 Régua 01 Unidade

12 Estojo 01 Unidade

13 Mochila 01 Unidade

14 Uniforme 01 Kit

15 Tênis 01 Par

16 Meias 02 Pares

Fonte: Elaboração própria, com base em dados fornecidos pela GERMA-ED.

40

Quadro A5. Composição do Kit Escolar: Ensino fundamental, 7º ao 9º ano (3º ciclo)

Item Produto Quantidade / Unidade

01 Agenda 01 Unidade

02 Apontador 01 Unidade

03 Borracha 02 Unidades

04 Caderno Espiral 01 Unidade

05 Caneta Esferográfica Azul 07 Unidades

06 Cola 01 Unidade

07 Esquadro 02 Unidades

08 Lápis Preto 06 Unidades

09 Livro de Literatura 02 Unidades

10 Régua 01 Unidade

11 Estojo 01 Unidade

12 Mochila 01 Unidade

13 Uniforme 01 Kit

14 Tênis 01 Par

15 Meias 02 Pares

Fonte: Elaboração própria, com base em dados fornecidos pela GERMA-ED.

41

Quadro A6. Composição do Kit Escolar: Educação de jovens e adultos

Item Produto Quantidade/Unidad

01 Agenda 01 Unidade

02 Apontador 01 Unidade

03 Borracha 02 Unidades

04 Caderno Espiral 01 Unidade

05 Caneta Esferográfica Azul 07 Unidades

06 Cola 01 Unidade

07 Esquadro 02 Unidades

08 Lápis Preto 06 Unidades

09 Livro de Literatura 02 Unidades

10 Régua 01 Unidade

11 Estojo 01 Unidade

Fonte: Elaboração própria, com base em dados fornecidos pela GERMA-ED.