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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO LEANDRO COSTA VIEIRA ESCOLA EXPERIMENTAL DE TEMPO INTEGRAL E GESTÃO DEMOCRÁTICA: um estudo do cotidiano escolar Cuiabá - MT 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

LEANDRO COSTA VIEIRA

ESCOLA EXPERIMENTAL DE TEMPO INTEGRAL E GESTÃO

DEMOCRÁTICA: um estudo do cotidiano escolar

Cuiabá - MT

2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

LEANDRO COSTA VIEIRA

ESCOLA EXPERIMENTAL DE TEMPO INTEGRAL E GESTÃO

DEMOCRÁTICA: um estudo do cotidiano escolar

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação da Universidade Federal de

Mato Grosso como requisito para a obtenção do título

de Mestre em Educação na Área de Concentração

Educação, Linha de Pesquisa Movimentos Sociais,

Política e Educação Popular.

Orientadora: Profa. Dra. Rose Cléia Ramos da Silva

Cuiabá - MT

2015

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LEANDRO COSTA VIEIRA

ESCOLA EXPERIMENTAL DE TEMPO INTEGRAL E GESTÃO

DEMOCRÁTICA: um estudo do cotidiano escolar

Dissertação de Mestrado em Educação para obtenção do título de Mestre em Educação

Universidade Federal de Mato Grosso. Instituto de Educação. Programa de Pós-Graduação

em Educação.

Banca Examinadora

.........................................................................................................................

Profa. Dra. Rose Cléia Ramos da Silva – UFMT

.......................................................................................................................

Prof. Dr. Márcio Rodrigo Vale Caetano - FURG

......................................................................................................................

Profa. Dra. Suely Dulce de Castilho - UFMT

........................................................................................................................

Profa. Dra. Maria das Graças Martins da Silva - UFMT

.......................................................................................................................

Conceito: ...........................................................................................................

Cuiabá, 10 de abril de 2015.

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DEDICATÓRIA

Ao perceber-me homem com muitos fios de cabelos brancos.

Apesar de minha pouca idade,

vejo que o tempo passa

e mais me pareço com vocês...

Mãe Alvina e Pai Valter...

Em vocês constituo-me sujeito de novos aprenderes...

Em suas imagens aprendo a ressignificar e revigorar o Amor

Alexandre Cougo:

Paciência iluminada da Estrela que ilumina meus caminhos,

Estrela que não canso de Amar com todas as forças.

Irmão menino-homem Leonardo:

em ti devoto a Esperança que nunca cansa de renascer.

É um pouco de vocês esta escrita.

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AGRADECIMENTOS

E agora! Por onde começar?...

Começo estes agradecimentos pelo que há de mais concreto fisicamente na

constituição deste planeta... Agradeço as pedras, pois sem elas, talvez não estivesse aqui.

Mas pedras que muitas vezes são postas em nossos caminhos como forma de

experimentação, avaliando se somos corajosos e persistentes em encarar, de frente, o que

nos leva aos destinos objetivados, ou ao que me trouxe até aqui...

Quero agradecer ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Educação,

da UFMT Campus Cuiabá, agradecer especificamente aos com quem pude ter

possibilidade de compartilhar saberes e aprenderes do mundo acadêmico, de pesquisa e

mesmo de dúvidas lançadas aos questionamentos, como forma de buscar respostas.

Prezada coordenadora do PPGE, profa. Márcia Ferreira, saúdo seu olhar sensível e

crítico aos desdobramentos que se fazem presentes na vida acadêmica, agradeço sua

sensibilidade em ter me ouvido, quando meus gritos implodiam-me em angústias.

Rose... Minha Orientadora amiga e educadora, dedicada aos novos aprenderes, que

me acolheu com braços abertos de educadora, que me faz caminhar e rever a cada nova

escrita o que eu fiz, como fiz e o que devo fazer, que me orienta sempre em buscar

felicidade nos sonhos construídos. Rose Cléia, não sei chamá-la de professora, orientadora,

mas simplesmente de Rose. Agradeço-te os conselhos, a acolhida, a paciência... pois haja

paciência para orientar-me de tão longe. Eu acredito que minhas palavras fugiram da

minha memória para dizer e agradecer de forma muito carinhosa a sua presença nesta

trajetória acadêmica.

Prezad@s amig@s do mestrado, Patrícia Dias, Fagner Rojas, Antônia Martins e

Rosana Guarin... Cada um com suas especificidades são atores e autores desta história;

constituo-me, partilhando a autoria desta escrita. Dos risos, dos almoços, dos lanches, das

hospedagens (nossa e quantas e quantas), dos encontros, reencontros, idas, despedidas e

lágrimas, faz-se vida encarnada e compartilhada. Amig@s, meu muito obrigado.

Pensei e não sei se tive respostas a uma dúvida, se a quem dedico não posso

também agradecer e, por isso, decidi agradecer aos meus pais, Alvina e Valter... Mãezinha!

Paizinho! Sinto saudades de vocês a cada instante, por essa distância física que nos últimos

quase quatro anos nos separam e só faz com que nos reencontremos de tempos em tempos,

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mas que me fez crescer, amadurecer e assumir compromissos que somente pela mediação

da educação que vocês me concederam posso hoje assumir que é tão gostoso quando um

alguém qualquer vem e me diz que sou parecido com vocês. É tão doce saber que vocês

estão sempre a minha espera, com o mesmo sorriso, com o mesmo Amor. Quando escrevi

sobre sujeito marginal, é porque aprendi com vocês que a margem pode ser linda... que a

vida é bela. Obrigado é tão pouco... Eu Amo tanto vocês!

Alê... Quantos caminhos, quantas chegadas e quantas partidas... Eu acredito sempre

no reencontro e lembro-me da primeira vez que ficamos longe um do outro, em que eu

disse que sempre estaria a tua espera, mas quem está sabendo esperar agora é você. Lindo

meu, acho que somos dois meninos-homens bem astuciosos e corajosos de enfrentarmos

sempre a desafiar o desconhecido e fazer dele o inédito-viável. Pois é! Estrela, estrela hoje

não estás só, és uma constelação em mim. Amo-te!

Irmão meu... único irmão. Quando falo em esperança e luta, cabe perceber em tua

imagem a de sujeito que busca nas lutas cotidianas a realização de sonhos. Nunca deixes de

sonhá-los; nunca deixes que o sistema capitalista que fragiliza os homens, te fragilize ou

mesmo tente quebrá-lo... Luta com as palavras, luta com as armas do saber... Sejas

exemplo de humildade, dignidade e de amor que transpira pelos poros e que faz de ti quem

tu és. Amo-te fraternalmente sem limites....

Agradeço aos Costa‘s, aos Vieira‘s, aos Cougo‘s e todos os que se ramificam destes

elos familiares e são parte de minha constituição de sujeito multifacetado. Obrigado a

tod@s, sem exceção.

Aos que não estão fisicamente presentes de muito ou de pouco tempo, mas que seja

o que for, venha a ser o que se é... sei que um dia a gente vai se encontrar. Aos espíritos de

luz que me guiam. Com Amor, obrigado.

Educadores, educadoras, das várias etapas de minha formação, desde a pré-escola,

com a educadora Regina, quem contribuiu nos primeiros passos de minha formação no

―jardim de infância‖. A professora Ângela, educadora do primeiro ano do Ensino

Fundamental, a quem fazia das aulas um mundo imaginativo e cheio de emoções.

Agradeço ainda a um exemplo de educadora, que acredito ser uma das pessoas mais

responsáveis pela trajetória que construo em erros e acertos, Professora Luiza Gislaine,

para mim és exemplo de educadora na condução das relações que se fizeram maiores que o

espaço da escola. Professora Elisabeth Schmidt exemplo de maestria que ilumina

caminhos, que no aconchego de uma fala serena, sabe conduzir seus educandos a novos

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mundos, novos horizontes, que descobre com a educação o aprender a ser... Ser humilde e

ser humano. Obrigado!

Nanda Gutierres, Lene dos Santos e Rose Porto... Três amigas e três histórias da

educação básica, vocês constituem, em mim, parte da minha integralidade, amigas de todas

as horas, de todos os instantes que nunca depositaram na distância o encontro de lacunas

que impossibilitasse nossa amizade. Devo a vocês um pouco ou muito de mim. Obrigado!

Amigos da vida acadêmica, dos tempos de FURG. Goreti Butierres, Josy Tesch, Cybele

Suita e Marco Aurélio... Amigos que são presentes em minha vida, com muito ou pouco

contato, mas que são meus amigos, de hoje e que carregarei sempre em minha memória,

obrigado a tod@s.

Aos Amigos de Corumbá que constituem muito do que aprendo. Sílvia Adriana,

Bruno Marini, Soraia Alle, Thammi Flavie, Antônia mulher guerreira. Nada neste mundo

se faz no acaso; tudo tem razão e sentido em ser. E nestes sentidos e razões se fazem

presentes os nossos caminhos cruzados e o compartilhamento de muitas felicidades que

nos presentearam com a amizade. Amo vocês já com gosto de saudades.

Companheiros de trajetória escolar, profissional. Sujeit@s que colaboraram na

construção desta pesquisa no Rio Grande, em Cuiabá ou em Corumbá, obrigado a tod@s.

Agradeço as mulheres e homens do Bairro ―Camalotes‖ da escola Pantaneira. Foi pouco o

tempo, mas valeu! Aos meninos e meninas desta pesquisa... O Amor pela Educação...

Obrigado aos que virão, aos que ainda estão pra nascer.

Obrigado!!!...

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EPÍGRAFE

“Ninguém educa ninguém, ninguém educa

a si mesmo, os homens se educam entre si,

mediatizados pelo mundo.” (Paulo Freire).

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RESUMO

A pesquisa aqui apresentada retrata aspectos do cotidiano de uma comunidade escolar no

Município de Corumbá, Estado do Mato Grosso do Sul. Tendo como objetivo central

identificar as estratégias e articulações referentes à gestão democrática, constituída a partir

das relações entre escola e comunidade, presentes na construção e no desenvolvimento de

ações pedagógicas no Programa Especial de Educação Integral de Corumbá. Considerou-se

pertinente, na realização da pesquisa, o Estudo do Cotidiano Escolar como metodologia

para as interpretações referentes ao espaço de ocupação pelos sujeitos da comunidade

escolar. Tendo como base teórica e epistemológica de pesquisa autores tais quais: Certeau

(2014); Azevedo (2002-2003); Alves e Oliveira (2001, 2002); dentre outros que colaboram

com estas obras, referindo-se ao estudo do cotidiano escolar. Para o embasamento teórico

sobre gestão democrática e Educação Integral, buscaram-se referenciais em Moll (2000,

2012); Freire (1996, 2011, 2012, 2014); Arroyo (2011, 2012); Silva; Silva (2012); e outros

autores relacionados ao tema. A pesquisa empírica deu-se a partir de observações,

anotações em diário de campo, conversas e entrevistas com os sujeitos da escola e da

comunidade do bairro, articulando teoria e prática como elementares no processo construto

da pesquisa, evidenciando como tem se dado o processo democrático da escola,

evidenciado a partir de três categorias: Democracia, Poder e Participação. Dos dados

coletados, categorizados e analisados, encontram-se os resultados evidenciados a partir das

interpretações sobre o modo como a comunidade escolar percebe o processo democrático

na sua conjuntura mais ampla. Priorizou-se um olhar mais atento às ações referentes à

formação, numa perspectiva emancipadora, capaz de promover a autonomia dos sujeitos

envolvidos no processo educativo e, ainda, a formação integral e integrada dos educandos

para a vida. O que se pode considerar é que há um discurso de democracia que não se

efetiva na prática. A comunidade não participa democraticamente das decisões mais

importantes da gestão. Constatou-se que há um movimento de gestão e organização do

trabalho escolar verticalizado, embora se tenham algumas estratégias de participação que

revelam muito mais um jogo de poder e de manipulação.

Palavras-chave: Educação Integral; Gestão Democrática; Autonomia; Participação

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ABSTRACT

The research presented here depicts everyday aspects of a school community in the

Municipality of Corumbá, Mato Grosso do Sul. With the main objective to identify the

strategies and joints related to democratic administration made up of the relationships

between school and community, present in the construction and development of

educational activities in the Special Program of Integral Education Corumbá. It was

considered relevant in conducting the research, the study of the School Daily life as a

relevant methodology for the interpretations regarding the occupation of space by the

subjects of the school community. With the epistemological theoretical basis of research

which authors such: Certeau (2014); Azevedo (2002-2003); Alves and Oliveira (2001,

2002) among other authors who work in these works, referring to the study of everyday

school life. For the theoretical foundation in democratic management and Integral

Education sought to references in Moll (2000, 2012); Freire (1996, 2011, 2012, 2014);

Arroyo (2011, 2012); Silva; Silva (2012) and others related to the topic. The empirical

research was made from observations, notes in a field diary, conversations and interviews

with the subjects of the school and the neighborhood community, linking theory and

practice as a basic construct in the process of research, showing how has given the

democratic process school evidenced from three categories: Democracy; Power and

Participation. The data collected, categorized and analyzed are the results shown from

interpretations of how the school community realizes the democratic process in its

broadest context. Prioritized a closer look to the actions relating to training in a liberating

perspective, able to promote the autonomy of the subjects involved in the educational

process, and also the full and integrated training of students for life. What can be

considered is that there is a discourse of democracy which is not effective in practice. The

community does not participate democratically the most important decisions of

management, it was found that there is a movement of management and organization of

vertical school work, although there are some strategies of participation that reveal much

more a game of power and handling.

Keywords: Integral Education; Democratic Management; Autonomy; Participation

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BO – Boletim de Ocorrência

CAIC – Centro de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente

CIEP – Centro Integrado de Educação Pública

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

ETI – Educação em Tempo Integral

EETI – Escola Experimental de Tempo Integral

FHC – Fernando Henrique Cardoso

FUNDEB - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização

dos Profissionais da Educação

FUNDEF - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e

Valorização do Magistério

IDEB – índice de Desenvolvimento da Educação Básica

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação

MS – Mato Grosso do Sul

PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais

PEE – Programa Especial de Educação

PEETI - Programa Experimental de Educação em Tempo Integral

PME – Programa Mais Educação

PNE – Plano Nacional de Educação

PPP – Projeto Político Pedagógico

PRONAICA - Programa Nacional de Atenção Integral á Criança e ao Adolescente

RI – Regimento Interno

SEMED – Secretaria Municipal de Educação de Corumbá/Ms

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES/ GRÁFICOS

GRÁFICO 1 ......................................................................................................................... 73

GRÁFICO 2 ......................................................................................................................... 79

GRÁFICO 3 ......................................................................................................................... 80

GRÁFICO 4 ......................................................................................................................... 81

GRÁFICO 5 ......................................................................................................................... 81

GRÁFICO 6 ......................................................................................................................... 82

GRÁFICO 7 ......................................................................................................................... 83

GRÁFICO 8 ......................................................................................................................... 83

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LISTA DE IMAGENS

Figura 1 Pátio da Escola ...................................................................................................... 96

Figura 2 Interior da Escola .................................................................................................. 97

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Sumário

INTRODUÇÃO......................................................................................................... 16

1. O ENCONTRO METODOLÓGICO: DO PASSANTE OBSERVADOR, ÀS

NARRATIVAS AOS SILÊNCIOS DOS SUJEITOS MULTIFACETADOS ............ 25

1.1. O CARÁTER QUALITATIVO NA PESQUISA EDUCACIONAL ......................... 25

1.2. OS COTIDIANOS DA ESCOLA E DA COMUNIDADE ...................................... 27

1.3. CIRCUNSTANCIANDO O LOCUS DA PESQUISA ............................................ 30

1.3.1. Os sujeitos da pesquisa e a invenção de suas personagens ........................... 33

1.3.2. Voltando ao locus da pesquisa....................................................................... 34

1.4. PASSOS E INSTRUMENTOS ............................................................................... 35

2. EDUCAÇÃO INTEGRAL, GESTÃO DEMOCRÁTICA, PARTICIPAÇÃO E

PODER: POSSIBILIDADES PARA A ESCOLA DO SÉCULO XXI ....................... 40

2.1. ASPECTOS SÓCIO-HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO INTEGRAL ...................... 40

2.2. DEMOCRACIA, PODER E PARTICIPAÇÃO: TRÊS PRESSUPOSTOS DO

CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO INTEGRAL ................................................................... 50

3. A EDUCAÇÃO INTEGRAL NOS MEANDROS DO SÉCULO XXI: TEMPOS E

ESPAÇOS DE OCUPAÇÃO NA FORMAÇÃO DO SUJEITO ................................ 56

3.1. SOBRE A BASE DIVERSIFICADA... ................................................................... 57

3.2. A ORGANIZAÇÃO DO PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO E OUTRAS

EXPERIMENTAÇÕES ..................................................................................................... 58

3.4. CONDIÇÕES ECONÔMICAS QUE FAZEM A EDUCAÇÃO INTEGRAL EM

COMUNIDADES POBRES: PODER E DESINFORMAÇÃO ......................................... 70

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3.5. A INTEGRALIDADE E O ACESSO À CULTURA PELOS EDUCANDOS DA

ESCOLA PÚBLICA DE EDUCAÇÃO INTEGRAL ......................................................... 73

3.6. PODER, JOGO POLÍTICO E DIREITO À EDUCAÇÃO: EDUCAÇÃO

INTEGRAL A PARTIR DE 2010 ...................................................................................... 77

4. FALAS, GESTOS E RETALHOS: A ESCOLA QUE CONTA SEU

COTIDIANO ............................................................................................................ 88

4.1. I ATO: IGNÁCIO, HENRIQUE E VICENTE – “TÁ BOM ASSIM!” ................... 89

4.2. II ATO: TRÊS EDUCADORES E SUAS HISTÓRIAS ........................................ 100

4.3. III ATO: COMPARTILHANDO A VIDA DA ESCOLA – COORDENADORES E

GESTORES NA “QUEDA DE BRAÇOS!?” COM A COMUNIDADE ......................... 120

4.3.1. Direção escolar: Maestrias de uma orquestra .............................................. 134

4.4. MARIAS E JOÃOS: VOZES QUE ECOAM NOS CAMALOTES DO RIO ......... 139

5. ATO FINAL: O ESPETÁCULO NUNCA ACABA ........................................... 143

REFERÊNCIAS: ..................................................................................................... 150

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INTRODUÇÃO

“Mágico de Oz”

Aquele moleque, que sobrevive como manda o dia a dia

Tá na correria, como vive a maioria

Preto desde nascença, escuro de sol

Eu tô pra vê ali igual, no futebol

Sair um dia das ruas é a meta final

Viver decente, sem ter na mente o mal

Tem o instinto que a liberdade deu

Tem a malícia, que cada esquina deu

Conhece puta, traficante e ladrão

Toda raça, uma par de alucinado e nunca embaçou

Confia neles mais do que na polícia

Quem confia em polícia? Eu não sou louco[...]

Não quer crescer, ser fugitivo do passado

Envergonhar-se se aos 25 ter chegado

Queria que Deus ouvisse a minha voz

E transformasse aqui num Mundo Mágico de Oz.

(Racionais MC‘s, 1998)

O fragmento desta canção, bem como os devaneios de um poeta, ilustram

realidades, que são paradoxais e desejosas no mundo dos homens. Quando me percebi

desafiado a compor a introdução desta pesquisa, deparei-me com meus limites de homem,

de estudante e de aprendiz. Pensei! Neguei! Afirmei! Até mesmo não tive sono

peregrinando madrugadas em busca de como compô-la. Então, nos alfarrábios da memória

surge um pouco de mim em canção, surge o começo de páginas escritas, reescritas e

rabiscadas no conjunto das informações interpretadas para fins desta pesquisa de mestrado.

Como falar de sujeito integral, de educação integral, se não começar a discussão

nas reflexões acerca do homem da periferia o que traz de seu contexto cotidiano? Como

iria me expor nesta pesquisa sobre comunidade, sobre opressão, limites da democracia e

das circunstâncias que nos constituem enquanto sujeitos se um pouco de mim sujeito

marginal não fosse aqui expresso, mesmo que essa expressão esteja implícita nos caminhos

que percorri e percorro em direção ao novo, desconhecido.

Eu, sujeito marginal, nasce cresce e vive num contexto social, situações estas que

contribuem para uma ou diversas ideias sobre marginalização. Sujeito, eu, que nas

características físicas, no acesso aos bens culturais, econômicos e de formação, me fazem

sujeito social e em situações contidas nos caminhos da vida, também me faz ―ser‖

marginalizado. Sujeito eu, afrodescendente, provindo de raízes de homens e mulheres,

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trabalhadores, que, na labuta cotidiana, constroem suas vidas, percebendo o trabalho como

a válvula de escape pela sobrevivência.

Esta dissertação constitui-se nas andanças curiosas de um sujeito inquieto em

relação às concepções sociais que circunscrevem nossos cotidianos, das ações e razões, que

se estruturam e se modelam a partir das culturas e das raízes que deflagram as vidas de

pessoas, desde as suas concepções até as suas ações vividas no mundo.

Este dissertativo refere-se, também, aos modelos políticos que buscam incorporar

os sujeitos em seus distintos encaixes sociais, proporcionados pelo que lhes é dever e, em

alguns casos, direito. Busca-se a identificação dos limites sociais, culturais, políticos que se

moldam aos limites hegemônicos1 que desenham modelos a serem seguidos e tentam de

diversas formas romper e dizimar culturas2, referências sociais de pequenas comunidades e

perpetuar pequenas elites em poderes seculares.

Dissertar sobre democracia e pensá-la em relação à educação brasileira, faz-se

importante nesta pesquisa, para entender um projeto de educação integral, que se estrutura

desde o ano de 2012, na cidade de Corumbá, Estado do Mato Grosso do Sul. Tal projeto

tem sido de potencial vigor, o que me estimula a desenvolver esta pesquisa referente a um

conjunto de ações políticas e pedagógicas voltadas a um público de camadas sociais

populares, com inúmeras limitações e múltiplos potenciais que o emergente contexto

capitalista proporciona.

A pesquisa aqui apresentada faz um apanhado de situações contidas no cotidiano de

uma escola que se estrutura dentro das ações do Programa Especial de Educação em

Tempo Integral, vinculado às propostas contidas no Decreto 1001, de 15 de dezembro de

2011, do município de Corumbá. Nesta pesquisa são apresentados os dados sobre o

Programa Mais Educação, que foi instituído pela Portaria Interministerial nº 17/2007 e

pelo decreto nº 7.083, de 27 de janeiro de 2010 (Brasília, DF, MEC, 2012, p. 3).

A escola da pesquisa foi fundada em 07 de outubro de 1977, através do Decreto

Municipal 162, tendo hoje, a função de atender estudantes da pré-escola ao nono ano do

1 Ao tratar de hegemonia, refiro-me as concepções trazidas por Alves (2010) que destacam o modo de

organização social em que o sistema capitalista gerencia um movimento estrutural de como a sociedade

contemporânea se orienta. Hegemônico nesta situação será para referir-se à estrutura dos ricos como

detentores do poder e as massas populares (o povo), como seguidores de um modelo de opressão. 2 Durante o trabalho, estarei referindo-me à cultura de diversas formas. Neste sentido, refiro-me às culturas

dos grupos tidos como minoritários, ou de povos que historicamente lutam pelo respeito de suas raízes

culturais, que buscam em suas crenças e nas relações com seus grupos originários a formação que constitui

suas vidas e de seus descendentes.

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Ensino Fundamental; a escola conta, ainda, em seu complexo educacional, com uma

creche, ou Centro de Educação Infantil, que atende crianças de 0 a 3 anos de idade.

É importante deixar exposto que, nesta pesquisa, a dinâmica da Creche não é foco

da pesquisa, devido a uma organização de currículo, de espaço de ocupação (a divisão do

prédio), e mesmo por esta creche apresentar nome distinto, CNPJ e verbas direcionadas às

ações desenvolvidas na mesma. Aqui se expõe o cotidiano da escola, traçando as

dinâmicas desenvolvidas da pré-escola ao nono ano do Ensino Fundamental.

O Decreto Municipal n.1001/2011, visando à atenção de crianças e adolescentes,

oriundos de camadas sociais populares, em bairros considerados de risco e vulnerabilidade

por diversos tipos de violência, desde a verbal até assassinatos; pelos altos índices de

mortalidade infantil e mau rendimento escolar, dentre outros fatores; o poder público de

Corumbá traçou um mapa, visando às comunidades que precisavam de atenção especial

referente a melhores condições de sobrevivência, principalmente para amenizar as

situações de vulnerabilidade, às quais crianças e adolescentes pertenciam. Criou quatro

instituições que atendem crianças de 4 a 14 anos de idade, sendo estas escolas de tempo

integral.

A educação integral tem seu marco histórico na educação brasileira, ainda nos

preceitos de Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro, que objetivavam a permanência da criança

por mais tempo de escola como forma de constituir uma sociedade, com formação mais

articulada às necessárias transformações que o Brasil e o mundo passaram durante todo o

século XX (CARVALHO, 2003). Deve-se observar que as ações, concepções e

articulações políticas de Teixeira e Ribeiro durante o século XX provocam as

transformações e contribuem para lutas no contexto educativo brasileiro do século XXI,

que merecem respeito e mesmo as considerações sobre o que foi importante e o que pode

ser descartado como proposta de uma educação integral, integrada e que não visa apenas o

tempo expandido de permanência do educando na escola, mas que vá além.

A escola da pesquisa partilha de ações diárias, construídas num campo de atuações

pedagógicas e políticas, bem como no campo de projeções futuras. É o espaço que se

destina ao diálogo com as possibilidades de aprender e ensinar, nas suas assertivas

enquanto escola que se estrutura em um novo modelo de ensino e mesmo nas lacunas que

são encontradas a cada novo passo que é dado.

A pesquisa exerce uma função de promover um diálogo que se esgota, ou não,

objetivando o encontro com os acertos e as lacunas. Propus-me a reencontrar esta escola,

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por ter conhecido os primeiros passos do Programa de Educação em Tempo Integral e

reencontrar-me naquela realidade para, então, identificar no dia a dia da escola, os

potenciais caminhos que levam a perceber como o trabalho tem sido desenvolvido,

percebendo-se pontos que já haviam sido postos em discussão e prática. Tais quais:

participação, gestão democrática, movimento escola/comunidade/escola.

Observar e transitar pelo cotidiano escolar possibilita a construção de um marco,

que fundamenta o modo de produção do conhecimento. No entanto, não trato nesta

pesquisa das ações cotidianas de uma escola que está caracterizada por práticas que são

consideradas democráticas e pelas ações que já se concretizaram pela ideia de uma

constituição histórica de escola e do espaço que ela habita/invade. No entanto, são diálogos

ligados a um novo projeto de ensino, que também é construído nestas experiências de uma

escola que expande o tempo de permanência de seus estudantes, professores,

coordenadores, gestores e funcionários, no mesmo sentido em que reorienta as vidas de

famílias inteiras que são e fazem parte desta comunidade, atingidas diretamente pelas

novas nuances educacionais para a(s) escola(s) em tempo integral.

Na composição da pesquisa, após as ações de análise de materiais coletados, do

re/conhecimento do espaço que é habitado por sujeitos homens e mulheres de distintas

formações sociais e culturais, adolescentes e crianças que têm em seus dias de vivências na

escola, considerei pertinente manter o nome da instituição em sigilo, sendo dado a ela, o

nome fictício de Pantaneira. O nome sugerido é o encontro que eu, pesquisador, tenho com

o espaço geopolítico da cidade de Corumbá e com o Pantanal do Mato Grosso do Sul.

A escola, ao ser incluída no Programa Especial de Educação Integral, tem passado

por um período de adaptações e reformulações de seu Projeto Pedagógico e Político,

curricular e que articule situações emergentes referentes aos movimentos da comunidade e

da escola no que tange à gestão democrática e à participação dos sujeitos que compõem o

contexto de comunidade escolar.

A ação de ensino em tempo integral esteve, entre os anos de 2012 a 2014,

envolvida num processo de aprendizagem para todos os segmentos que compõem a escola,

visto ressaltar o que foi dito antes, que é a reorganização de vidas dos estudantes,

professores e familiares. Neste sentido, ao discorrer sobre as transformações que vêm

ocorrendo no Projeto Político Pedagógico, no Regimento e demais documentos que

legitimam a proposta educacional, podem apresentar lacunas ou mesmo a resolução de

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situações indesejadas durante a execução do Programa Especial no interior da escola

cultivada.

A escola pública brasileira exerce um papel fundamental nas relações que ela

constitui com a comunidade, e quando esta formaliza o tempo integral como parte de ações

pedagógicas cotidianas, promove uma trans/formação que extrapola o espaço intramuros e

expande-se para outros nichos que são de ordem comum a toda a comunidade.

Nessa ação, o papel da democracia é exercido como ponto que apoia e constitui as

relações de decisões que não ficam sob regime e responsabilidade do órgão executor de

ensinar, ou seja, a escola. Com o papel de constituir a comunidade como peça fundamental

do que iremos aqui considerar como parte do currículo a ser trabalhado, respeitando a

cultura local, que produz conhecimento e dá forças para o encontro com novas técnicas e

possibilidades de aprendizagens, mas que, também, eleva a comunidade a sair de seu eixo

de apropriação ou de pertença para ir ao encontro de outras culturas e socializar-se em

outros meios.

Partindo deste diálogo sobre escola/comunidade/escola, irei transitar pelas

alamedas e corredores, do bairro e da escola, considerando nestes caminhos, em que meu

olhar de passante curioso mistura-se aos anseios e desejos do encontro com as relações que

se dão entre comunidade/escola/comunidade.

O governo local colocou em prática um Programa de ensino, situando que, ao

promover o ensino em tempo integral, teria a possibilidade de reformular ações sociais,

culturais e políticas, alicerçadas no contexto de escola, mas que movimentariam com os

contextos dos sujeitos das comunidades atingidas pelas Escolas Experimentais de Tempo

Integral (EETIs). No entanto, é necessário perceber e identificar se essas ações foram

consideradas pela comunidade como algo pertinente e necessário. O papel da comunidade

nas vivências escolares torna-se essencial para que não ocorra o movimento de

manipulação, poder e opressão. Para tanto, somente o campo poderá trazer estas evidências

dessa forma, quando destacamos o sentido de democracia na escola, segundo Silva (2008,

p. 40):

A política educacional vigente preconiza o modelo de Gestão Democrática

escolar para todo o país, tendo os Estados e municípios, em principio, autonomia

para adotar diferentes formas de implementá-lo. O discurso da Gestão

Democrática está presente nos manuais, regimentos, cursos de capacitação,

normas, decretos e leis dos órgãos oficiais da e educação. no entanto, permanece

ausente na prática da maioria das instituições escolares.

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A gestão democrática na escola abre a possibilidade de que apareçam conflitos, os

quais estejam relacionados a diferentes interesses que se colocam no plano deliberativo

para a gestão e os segmentos da comunidade escolar. ―Em outras palavras, a democracia

tem múltiplos e, quiçá, distintos sentidos, o que obriga a um esclarecimento, como ponto

de partida‖ (SILVA, 2008, p. 45).

Em relação à formação escolar, é fundamental que a comunidade paute pela

democracia em seu sentido substancial e prime para uma ambiência na qual a formação

escolar seja concebida como um processo em que o indivíduo vai se constituindo com

autonomia. Neste processo em que o humano se perfaz, Freire (1996, p. 59) dirá:

Gosto de ser gente porque, inacabado, sei que sou um ser condicionado mas,

consciente do inacabamento, sei que posso ir mais além dele. Esta é a diferença

profunda entre o ser condicionado e o ser determinado. A diferença entre o

inacabado que não se sabe como tal o inacabado que histórica e socialmente

alcançou a possibilidade de saber-se inacabado. Gosto de ser gente porque, como

tal, percebo afinal que a construção de minha presença no mundo, que não se faz

no isolamento, isenta da influência das forças sociais, que não se compreende

fora da tensão entre o que herdo geneticamente e o que herdo social, cultural e

historicamente, tem muito a ver comigo mesmo. Seria irônico se a consciência

de minha presença no mundo não implicasse já o reconhecimento da

impossibilidade de minha ausência na construção da própria presença.

Neste construto, Freire (1996) contribui no seu discurso referente ao processo de

emancipação do sujeito, percebendo-se em incompletude e que nela este sujeito poderá, ou

não, perceber-se construtor de circunstâncias. Outra circunstância que Freire (2012)

destacará é, ―o poder dos poderosos sempre existiu e sempre procurou esmagar os sem

poder‖. Há de se pensar como a gestão da escola tem exercido o poder que lhe é dado e,

como se constitui o senso crítico dos segmentos da escola referente ao processo

emancipador promovido pela instituição, mas sempre envolvido com a comunidade,

fazendo-se da democracia o usufruto do poder para todos. Freire (2011, p. 83), na

pedagogia do oprimido, dirá:

Se o educador é o que sabe, se os educandos são os que nada sabem, cabe àquele

dar, entregar, levar, transmitir o seu saber aos segundos. Saber que deixa de ser

de ‗experiência feito‘ para ser de experiência narrada ou transmitida. [...] Não é

de estranhar, pois, que nesta visão ‗bancária‘ da educação, os homens sejam

vistos como seres da adaptação, do ajustamento. Quanto mais se exercitem os

educandos no arquivamento dos depósitos que lhes são feitos, tanto menos

desenvolverão em si a consciência crítica de que resultaria a sua inserção no

mundo, como transformadores dele. Como sujeitos.

Quando se dialoga, as questões de autonomia e dominação, direta ou indiretamente,

está se dissertando sobre as questões referentes à integralidade do sujeito no âmbito social.

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A partir desta premissa, dialogar a educação integral no contexto de escola em tempo

expandido de ensino, atribui o contínuo exercício do educador em proporcionar ao

educando a apropriação dos bens e serviços a eles ofertados, questionando seus

funcionamentos, de acordo com sua qualidade e equidade.

Outra das circunstâncias que o contexto dialógico sobre educação integral se faz

necessário a ser promovido é a apropriação desses educandos aos espaços e tempos que a

escola lhes oferece, na perspectiva de promover uma formação humanizante na

transversalidade educacional. Nela os direitos humanos, a educação ambiental, saúde,

respeito à vida, orientação de gêneros e sexualidade sejam sentidos que se constituam

numa perspectiva referenciada através do conhecimento da formação social e cultural da

comunidade e de outros espaços de apropriação territorial do município, estimulando o

respeito e o convívio com as diferenças, sabendo de sua existência, dialogando com elas

sem que ocorra discriminação e preconceito. Segundo Moll (2000, p. 57),

O modelo de escola que conhecemos procede dessa matriz histórica e, portanto

institui-se pela separação do universo social adulto, com suas mazelas e

possibilidades, como espaço que dicotomiza conhecimento e realidade e produz

polaridades ora absolutas, ora relativas ao longo dos últimos séculos: trabalho

manual versus trabalho intelectual; saber erudito versus saber popular; ciência

versus prática; corpo versus espírito; caos versus ordem. [...] polaridades que

evidenciam e cristalizam-se no conjunto de concepções que regem social,

econômica e epistemologicamente a ordem nova e revelam-se em combinações

binárias que reduzem maniqueistamente a vida ao jogo do bem e do mal.

Moll (2000), ao discorrer sobre matriz histórica da escola, quer destacar uma visão

de dominação que encontramos no cotidiano da educação brasileira, no sentido de que as

de/formações sociais constituem-se no que temos enquanto modelo social e, dai faz-se

necessário percebermos as diferenças como existentes, mas que não devem ser

naturalizadas, pois estas existem por fatores que o sistema capitalista ao longo de séculos

incute no meio social como razão e vulgarização dos sujeitos e suas peculiaridades.

Considerando-se na pesquisa as relações que têm se dado no cotidiano da escola,

evidenciando o movimento das relações entre comunidade/escola/comunidade, a pesquisa

estará sendo desenvolvida com a organização a seguir:

O Capítulo 1 apresenta os aspectos de espaço, tempo e cotidiano da escola.

Apresenta a trajetória metodológica da pesquisa, evidenciando, para o conhecimento do

leitor, qual o propósito do estudo do cotidiano e como este vem ao encontro das

perspectivas de identificar-se, no campo, as questões que devem ser evidenciadas como

estudo. Faz-se necessário ainda, neste capítulo, destacar, no percurso metodológico da

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pesquisa, elementos tais como: coleta de dados, análise, categorias de análise,

instrumentos, documentos e literatura utilizada na composição do estudo empírico.

Apresenta ainda alguns processos na conjuntura histórica que convergem ao assunto

abordado durante a pesquisa.

O Capítulo 2 faz um apanhado sobre os Programas de Educação Integral em nível

Federal e Municipal, fazendo um enlace das relações e disjunções que são encontradas no

cotidiano da escola pesquisada. Também serão expostos alguns dados referentes à

qualidade da educação em nível nacional, visando analisar como esta se apresenta em

níveis de qualidade do global (Brasil) para o local (Corumbá). O capítulo é composto por

uma discussão teórica imbricada com análises realizadas a partir de observações e da

narrativa que faço sobre o cotidiano da Escola ―Pantaneira‖. Discute como a educação em

tempo Integral tem se configurado no modelo proposto junto ao município de Corumbá,

vigente desde 2011, e também referente ao Programa Mais Educação, vigente desde 2007,

através da Portaria Interministerial n. 17/2007. Neste sentido, vale situar sobre o que é o

Programa Mais Educação (PME), em nível de ensino em tempo integral e quais são as

convergências e divergências deste programa, nas vivências contidas na escola.

O Capitulo 3 Para sua composição, penso importante salientar algumas questões

referentes à educação integral no circunstancial momento, fazendo referências às seguintes

conjunturas: O modelo social ao qual a educação integral é oferecida; os preceitos

econômicos das comunidades que são atingidas pelo Programa de Educação Integral

brasileiro; a integralidade e o acesso à cultura pelos educandos da escola pública de

Educação Integral; o poder como jogo político que articula propostas referentes a um

modelo de Escola Integral sem relevar suas necessidades urgentes; o direito à Educação e o

Programa de Educação Integral, em nível nacional em contrapartida com índices de

desenvolvimento humano; o Programa de Educação Integral que afirma a inclusão, mas

exclui através da seleção de quem deve participar das atividades no contra-turno escolar.

O capitulo 4 é acompanhado por dados extraídos das falas dos sujeitos da pesquisa

e das observações e anotações evidenciadas pelo diário de campo durante os encontros

com a escola. Este é o capítulo que apresenta o material coletado, acompanhado das

análises que serão evidenciadas pelas concepções trazidas pelos segmentos da escola

apresentadas através das narrativas dos sujeitos envolvidos na pesquisa, evidenciando suas

falas. A partir do que os sujeitos expõem referente à escola, às mudanças ocorridas e às

dinâmicas diárias na mesma, serão explorados aspectos incomuns entre as distintas falas,

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para que se promova a categorização dos elementos extraídos durante os contatos que

obtive na escola.

As narrativas transformam-se a partir do que interpreto e do que vejo. Os sujeitos

expõem suas falas, mas são minhas as interpretações extraídas das narrativas, constituindo

o que o cotidiano traz como método, como constatação. E o repertório que se destaca por

estas narrativas interpretadas, ecoam no modo como a democracia é percebida na relação

comunidade/escola/comunidade e nos gestos que se articulam na constituição de um

Projeto de ensino integral, integrado e integrador. Assim será o foco das considerações a

serem realizadas nesta pesquisa.

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1. O ENCONTRO METODOLÓGICO: DO PASSANTE OBSERVADOR, ÀS

NARRATIVAS AOS SILÊNCIOS DOS SUJEITOS MULTIFACETADOS

Ao imbricar no universo da pesquisa em educação, discutindo a escola e a

comunidade e suas relações no processo de democracia3 e no diálogo contínuo de

desenvolvimento do ensino, deparo-me com um modelo de educação integral implantada

em Corumbá. Neste encontro, com uma política educacional local, que tem como meta a

qualidade do ensino público, encontram-se caminhos que são percorridos para a construção

de um ensino que objetiva educação justa, com qualidade e equidade. Para o encontro

destes pontos, devo evidenciar alguns conceitos, dialogando sobre democracia,

participação e sobre as relações entre comunidade/escola/comunidade.

Para que sejam identificadas estas ações/relações, o estudo do cotidiano escolar

oferece o aparato metodológico que alicerça esta pesquisa de cunho qualitativo. As

evidências que são detectadas estão no cruzamento das ideias e concepções que o campo

oferece. O problema da pesquisa evidencia-se nos fatos e nos movimentos que ocorrem no

campo, durante o percorrer das ruas, alamedas e dos corredores do bairro e da escola.

Nesta peregrinação, o encontro com ideias de movimento cultural, social, do

trabalho como ferramenta de propulsão econômica, o poder como ato político que se forma

nos modos como a comunidade percebe-se e enxerga-se o global, inserindo-se e isolando-

se de um processo dialógico, democrático e que constrói o espaço/tempo de produção de

conhecimentos.

1.1. O CARÁTER QUALITATIVO NA PESQUISA EDUCACIONAL

A pesquisa qualitativa na área da educação tem se alicerçado em componentes que

buscam desdobrar aspectos ligados ao modo de vida e de produção do conhecimento que o

sujeito é capaz de desenvolver nas relações do mundo, este repleto de informações. A

escola, por ser um dos meios de comunicação entre o mundo familiar e a vida social de

crianças e adolescentes, tem sido alvo de inúmeros estudos amparados num caráter

qualitativo. Segundo Zanten (2004, p. 26):

3 Ao se tratar de democracia, busco a relação dos processos que se constituem na unidade escolar, abarcando

todos os sujeitos que podem se envolver no processo, desde pais, estudantes, educadores, funcionários da

escola e demais atores do cotidiano da comunidade do bairro ―Camalotes‖ e da escola ―Pantaneira‖.

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Os métodos qualitativos que utilizamos no campo da Sociologia da Educação

são, em geral, herdeiros de duas grandes tradições: uma tradição que vem da

Antropologia, da Etnologia do que chamamos métodos etnográficos, e uma

tradição da sociologia qualitativa que se desenvolveu muito mais no mundo

anglo-saxônico, sobretudo nos Estados Unidos, com a Escola de Chicago e as

pesquisas que desenvolveu. Minha intenção não é, em absoluto, fazer uma

história dos métodos qualitativos, mas é importante observar que foi no final do

século XIX e princípio do século XX que eles se desenvolveram. Podemos

pensar que o momento em que estavam atuando na sociedade não corresponde

exatamente àquele em que foram desenvolvidos.

A pesquisa qualitativa, no senso desta pesquisa, enquadra-se pela busca de

identificarmos nos diálogos realizados junto aos sujeitos que representam os segmentos da

comunidade escolar do bairro Camalotes, para que se possa extrair de suas falas, o

encontro com concepções referentes ao diálogo entre comunidade/escola/comunidade. O

aspecto qualitativo está presente nas discussões referentes a três elementos que constituem

esta pesquisa: 1) Democracia; 2) Participação; e 3) Poder.

Estes três elementos são revelados pela naturalização das ações que o cotidiano nos

apresenta, visando o momento e as relações da comunidade do bairro Camalotes, com a

escola Pantaneira, as suas construções identitárias referentes à cultura, aos modelos sociais

da comunidade, aos movimentos de economia que interferem diretamente nas vivências

desses sujeitos. É pertinente também destacar que são aspectos que são tecidos e, neste

enredo, apresenta-se uma complexidade de situações que devem ser consideradas em

relação ao ambiente natural da comunidade.

Não é meu objetivo, realizar um estudo sobre a quantidade de pessoas que são ou

deixam de ser participativas no movimento chamado democrático que se contextualiza nas

relações da escola com a comunidade.

Compreender o universo da escola em estudo, a experiência de uma proposta nova

de educação em tempo integral, exige do pesquisador um mergulho no currículo dessa

instituição, mas para além do currículo institucional é preciso fazer um olhar cuidadoso ao

entorno da vida da comunidade escolar. É preciso conhecer as necessidades, os interesses,

e também as expectativas que se revelam fortes nos profissionais e no público que

compõem essa instituição. Para tanto, o caminho metodológico pede um certo rigor. Para

Ghedin e Franco (2011, p. 28-29):

Uma abordagem não constitui, de pronto, o método. Como diz o termo, consiste

na ação de atingir a borda, a extremidade, e não propriamente o objeto em si.

Abordar é um olhar que se detém na borda para, a partir dela, atingir o centro do

objeto como um todo. É uma forma de, desde a borda, olhar aquilo que compõe

o objeto em sua totalidade. Quando se fala em abordagem de pesquisa, está-se

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fazendo uma reflexão sobre como se deve conduzir o olhar na direção de

determinados objetos.

A partir do que é apresentado como base qualitativa para a pesquisa aqui

apresentada, faz-se importante também perceber que ela possibilita a escolha dos

instrumentos, capazes de identificar o problema da pesquisa, e como este me conduz a

transitar no estudo do cotidiano como o método utilizado na identificação do cerne do

problema identificado.

1.2. OS COTIDIANOS DA ESCOLA E DA COMUNIDADE

O estudo do cotidiano, como o mesmo já fala em seu enunciado, discorre sobre os

movimentos diários que ocorrem em um contexto. Estes serão desbravados a partir de

olhares e compreensões que serão diagnosticadas no campo, no encontro com o locus da

pesquisa. Segundo Oliveira (2008, p. 164 -165):

Apesar da força desse pensamento hegemônico, que prefere se manter alheio aos

conhecimentos produzidos no cotidiano e pelos estudos a ele vinculados, bem

como aos processos específicos de sua criação, o campo vem se desenvolvendo,

tanto em sua especificidade de campo da sociologia quanto nas diferentes

apropriações que fazem dele pesquisadores de diferentes áreas. Mais do que isso,

temos encontrado nos mais diferentes pesquisadores, alusões à importância

sociológica da vida cotidiana, das possibilidades efetivas de ação dos diferentes

sujeitos sociais em diferentes circunstâncias e à impossibilidade de

contemplarmos a sua complexidade característica por meio de estudos

meramente estruturais.

Visando essa contemplação da complexidade (OLIVEIRA, 2008), o encontro com

o estudo do cotidiano como a possibilidade de encontrar com aspectos inerentes da

comunidade e a esses reconhecer como potencialidade de pesquisa e de elementos que

extrapolam o jugo do senso comum indo ao encontro do científico, do acadêmico, que se

faz das ações contidas pela comunidade como força e forma de atuação enredada nos

movimentos transformadores da comunidade do Camalote. Nesse sentido Oliveira (2008,

p. 165) afirma que: Assim, o debate epistemológico que aqui se coloca envolve, não só

pensamento sobre a vida cotidiana, os saberes e práticas que nela estão presentes, mas os

processos sociais de produção de conhecimento em geral.

O desprendimento que há de ser presente no sujeito que se propõe ao estudo do

cotidiano é o exercício de não fazer juízo de valores, ou mesmo levar um problema ao

locus da pesquisa, sem mesmo que haja neste um problema, pois, para mim, isso pode estar

sendo uma análise subjugada, sem ao menos saber quais são as concepções ou ações dos

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sujeitos que estão envolvidos naquele contexto a ser reconhecido. Segundo Azevedo

(2002, p. 57):

[...] num exercício investigativo vamos puxando os fios que originam aquele

significado, aquele nó, aquela explicação, aquela concepção. Nossa curiosidade e

nossa insatisfação nos impulsionam até o limite de nossas certezas. Alguns, mais

cautelosos, param por aí; outros, mais atrevidos, ‗atravessam o Rubicão‘ de

certezas e se deixam molhar pela dúvida, pela incerteza, pela ansiedade advinda.

A esse movimento, a essa busca podemos chamar pesquisa. Pesquisar é procurar,

e só procura quem se acha insatisfeito, inquieto, curioso, quem se sente desafiado

pelo mundo, quem não se conforma com as explicações que lhes são dadas. ‗É

assim porque sempre foi‘; ‗é assim porque eu quero‘; ‗é assim porque fulano

disse que é‘... Frases utilizadas no cotidiano de homens e mulheres comuns.

Frases utilizadas, de forma estilisticamente mais sofisticadas, no mundo

acadêmico, da ciência e da filosofia.

E por ser impulsionado por estas inquietudes que me movimentaram a não crer que

as coisas são assim porque sempre foram, que me levam a re/conhecer na comunidade

escolar da Pantaneira, as divergências em crer que existiriam outros rumores e outros

sentidos para a naturalização da força que constituí a relação entre

comunidade/escola/comunidade.

O estudo do cotidiano escolar faz um vasculhar em todos os cantos, em

circunstâncias e gestos que se perdem quando se está envolvido por uma situação, sem a

necessária curiosidade. Quando somos sujeitos envolvidos e naturalizamos o ―ser assim

porque sempre foi‖, acontece como se ligássemos um dispositivo que faz seleção do que

deve ou não ser questionado, ser destrinchado. E nestas constatações contidas nos mínimos

detalhes, percebe-se e identificam-se outros caminhos que são tecidos, como fios de uma

teia ou de um tear. Azevedo (2002, p. 60), dirá que:

A rede como metáfora, com seus fios, seus nós e seus espaços esgarçados, nos

permite historicizar a nós mesmos, a nossos pensamentos e a nossos atos, se

entendemos que nada surge do nada, que tudo, de alguma forma está ligado a

tudo, aí incluídos os imprevistos, os acasos, os lapsos, as fraquezas. Se por

historicizar entendemos puxar os fios, desenovelar, desdobrar as redes ou, ao

contrário, enredar fios, a metáfora escolhida ajuda, como tantas outras usadas, a

organizar os acontecimentos. Sua riqueza maior, no entanto, está em que permite

a possibilidade de trançar um número infinito de fios, como exige a opção

teórica pela noção de complexidade. Alguns desses fios, também chamados

conhecimentos, são fornecidos pelo viver cotidiano, em seus múltiplos

contextos, tanto como outros são permitidos pelos conhecimentos científicos que

vamos adquirindo em pesquisas que fazemos.

Então, vale deixar esclarecido que, no cotidiano escolar, busca-se na complexidade

dos fios que são tecidos, nas falas que se enredam e se entrecruzam, os caminhos que

ponderam o que a realidade proporciona. Segundo Ferraço (2002, p. 93):

Em termos mais gerais, a metodologia assumida considerou o cotidiano da

escola como um espaço/tempo de produções/enredamentos de saberes,

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imaginações, táticas, criações, memórias, projetos, artimanhas, representações e

significados. Um espaço/tempo de ações diversas no qual nós, pesquisadores,

estabelecemos redes de relações com os que lá estão. Queiramos ou não,

fazemos parte do cotidiano pesquisado e por mais alheios e neutros que

desejamos ser, sempre acabamos por alterá-lo.

É pertinente e considerável o que Ferraço (2002) nos faz refletir, ao dizer que

seremos sim responsáveis por alterações no cotidiano e que, mesmo querendo ser

observadores passivos, acabamos por alterá-lo enquanto pesquisador. No instante em que

nos inserimos no contexto, somos parte dele e, sendo parte, demos o primeiro passo para a

alteração. Segundo Certeau (2014, p. 83):

A ordem efetiva das coisas é justamente aquilo que as táticas ‗populares‘

desviam para fins próprios, sem ilusão que mude proximamente. Enquanto é

explorada por um poder dominante, ou simplesmente negada por um discurso

ideológico, aqui a ordem é representada por uma arte. Na instituição a servir se

insinuam assim um estilo de trocas sociais, um estilo de invenções técnicas e um

estilo de resistência moral, isto é, uma economia do ‗dom‟ (de generosidades

como revanche), uma estética de ‗golpes‘ (de operações de artistas) e uma ética

da tenacidade (mil maneiras de negar à ordem estabelecida o estatuto da lei, de

sentido ou fatalidade). A cultura ‗popular‘ seria isto, e não um corpo considerado

estranho, estraçalhado a fim de ser exposto, tratado e ‗citado‘ por um sistema que

produz, com os objetos, a situação que impõe aos vivos.

A partir do que Certeau (2014) traz em seu texto, percebemos a complexidade nas

tramas contidas no cotidiano, pois as situações constituem-se nas relações que são tecidas

por falas, gestos e pelos movimentos que nos colocamos a exercer juntamente com o outro,

sem a imposição, sem fazermos das ações que sujeitos vivos e ativos exercem como massa

de modelagem em que seriam como bonecos de manipulação. A única certeza que o

cotidiano oferece ao pesquisador é a existência de realidades complexas, do conjunto de

ações que se fazem presentes no real e no imaginário de cada um dos que constituem em

suas vidas as relações que se fazem harmonia e caos.

Vale considerar que a prática educacional constitui-se por ações que retratam o dia

a dia da escola, sua cultura e sua realidade, para a realização do projeto educacional. Nesse

sentido, amparar-se nas concepções do cotidiano da escola, a partir de um

acompanhamento, de situações que consolidam o espaço/tempo de que a mesma se

constitui, faz-se importante para as indagações a respeito de como a cultura desta escola

proporciona uma educação política e com avanços no plano pedagógico, de forma

indissociável, nas relações obtidas entre comunidade/escola/comunidade.

Certeau, 2014, ao se dialogar com o cotidiano, o autor irá destacar que:

A paisagem imaginária de uma pesquisa sempre tem algum valor, mesmo que

destituída de rigor. Restaura aquilo que se indicava um dia sob o rótulo de

‗cultura popular‘, mas para mudar em uma infinidade móbil de táticas aquilo que

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se representava como uma formação matricial da história. Mantém, portanto,

presente a estrutura de um imaginário social de onde a questão não cessa de

assumir formas diferentes de surgir sempre de novo. Previne também contra os

efeitos de uma análise que, necessariamente, não é capaz de aprender essas

práticas a não ser nas extremidades de um aparelho técnico, onde alteram ou

distorcem os seus instrumentos. E assim, o próprio estudo se faz marginal com

relação aos fenômenos estudados. A paisagem que coloca em cena esses

fenômenos em um modo imaginário tem, portanto, o valor correlativo e terapia

global contra a sua redução por um exame lateral. Assegura a sua presença a

titulo de fantasmas. Essa volta a uma outra cena lembra assim a relação que a

experiência dessas práticas mantém com aquilo que fica à mostra com uma

análise. Testemunha, que só pode ser fantástica, e não científica, da

desproporção entre as táticas cotidianas e uma elucidação estratégica.

(CERTEAU, 2014, p. 99- 100).

A partir do que o autor revela em seu texto sobre as táticas4 cotidianas, os aspectos

destacados de participação, democracia e de poder tornam-se importantes para este estudo,

visto buscar-se identificar os movimentos que estão sendo conduzidos nas relações entre

comunidade e escola.

O estudo do cotidiano foi escolhido como método de pesquisa, por possibilitar

extrair as evidências sobre as relações que são construídas entre a escola e a comunidade

do bairro e dos responsáveis pelos estudantes. Ela possibilita refletirmos se as relações que

se instauram são democráticas ou de poder, desde o movimento de implantação e execução

do modelo de escola até a forma como esse currículo é pensado a partir das relações da

escola com os sujeitos que transitam intra/extra muros da escola.

1.3. CIRCUNSTANCIANDO O LOCUS DA PESQUISA

A escola pesquisada está situada em um movimento cíclico e de espiral de

aprenderes e de relações de formação para a cidadania e a vida, na complexidade e na

ruptura por alguns ideais.

A opção por não divulgar o nome da escola, dá-se por buscar preservar não

somente o nome dos sujeitos que participaram com bastante tranquilidade desta pesquisa,

quanto pelo espaço que foi invadido por mim, pelo meu olhar, pelos movimentos que

foram feitos na escola, no bairro, enfim, por preservar academicamente e respeitosamente

4 As táticas cotidianas referem-se ao conjunto de elementos que são presentes na vida dos sujeitos,

promovendo-lhes o papel de ação e reflexão, buscando sentidos para suas vidas diárias. Interpretando os

códigos que o mundo lhes apresenta, infiltrando-se mais profundamente em alguns sentidos que por muitas

vezes se apresentam superficiais, rasos e que precisam ser descortinados para melhor compreensão do mundo

vivido, encarnado.

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o ambiente, o qual será descrito a seguir, mas conduzido por nomes fictícios e por

personagens deste espaço/tempo de caos.

O caos, como se adota no contexto do ensino das artes visuais, dialoga com a busca

que o artista tem, em relação ao seu espaço de ação, espaço de criação do objeto, das

poéticas visuais. Assim, como na arte, buscam-se na construção dos cotidianos dessa

comunidade, os movimentos caóticos que se embrenham como elementos contidos nela,

que são bases das transformações de espaço e tempo de raízes sócio-históricas desses

sujeitos, de que no pensamento e na organização política e social articulam-se novas

possibilidades para os futuros de homens e mulheres. Segundo Beraldi (2011, p. 184):

Ao destacar a educação como um Plano em que se coloca a tensão entre uma

prática orientada pelas macro políticas do Estado, denominadas como ―educação

maior‖, frente as ações e pensamentos que se territorializam nos detalhes e nas

práticas coletivas do aparentemente banal, a educação menor‖, [...] mostra que o

caos e a multiplicidade fazem parte deste universo educacional, e que, muitas

destas opiniões, que buscam organizar o caos, acabam sendo frustradas porque

visam a uniformidade e a estabilidade idealizadas pela educação maior, tornando

inatingível qualquer processo de compreensão do mundo em sua dinâmica e

complexidade. [...] A educação menor, por conseguinte, tem uma perspectiva

eminentemente política do papel do professor, estabelecendo o compromisso

com a subversão da ordem das grandes verdades uniformizadoras e

padronizantes, instigando a transformar pelos detalhes, pelos aspectos menores,

aquilo que a educação maior ignora ou reprime.

O bairro em que a escola está inserida caracteriza-se por uma comunidade de

homens e mulheres trabalhadoras, em sua maior parte trabalhadores da pesca. Com uma

renda familiar de um salário mínimo, os pais dos estudantes envolvem-se diariamente com

seus trabalhos como operários em diversos tipos de trabalho, tais como: construção civil,

trabalho doméstico, faxina, limpeza pública e privada entre outras funções com

remuneração de baixa renda e que garantem as sobrevivências desses sujeitos em vida

familiar, mas que também pode ser acompanhada por um processo de submissão,

passividade e invisibilidade5 dessa comunidade perante outras e mesmo de órgãos gestores

da vida pública corumbaense.

O bairro organiza-se por ruas e alamedas irregulares, casas simples em subidas e

descidas, que surgem nas imediações de dois bairros circundantes e a área central da

cidade, indo ao encontro do Rio Paraguai que margeia esse loteamento habitacional.

Composto por mercearias, templos religiosos, uma casa de arte e artesanato regional e

5 A invisibilidade aqui tratada caracteriza-se pelo processo histórico de dominação que as camadas populares

sofrem ao longo da história. Esta invisibilidade está atrelada a um processo de manipulação de alguns direitos

e deveres desses cidadãos, fazendo-os ficar submetidos historicamente ao mando dos poderosos.

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demais atrativos da comunidade local, o bairro tem como principal paisagem a vista do

pantanal em que, ao longo da margem oposta, pode-se perceber também algumas

construções do país vizinho, a Bolívia.

Corumbá é um dos municípios mais antigos da região centro-oeste do Brasil. Na

história, configurou-se como um território de disputas entre paraguaios e brasileiros.

Fundada no ano de 1778, sob ordem do Governador da Capitania do Mato Grosso, o

Capitão-General Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, o primeiro vilarejo do

município recebeu o nome de Vila de Nossa Senhora da Conceição de Albuquerque

(www.corumba.ms.gov.br, 2015). Atualmente, a cidade tem uma média de 110.000

habitantes, estando localizada na região do pantanal sul-mato-grossense (IBGE 2014).

A escola Experimental de Tempo Integral ―Pantaneira‖ localiza-se no centro do

bairro ―Camalotes‖. Os nomes que foram concebidos ao locus da pesquisa, bem como aos

sujeitos que se dispuseram a participar deste estudo, contribuindo para o mesmo com suas

falas, foram preservados em sua completude, visto o interesse desta pesquisa, dar-se no

caráter de identificação das relações numa perspectiva de democracia entre

comunidade/escola/comunidade.

O potencial de falas trazidas pelos sujeitos da pesquisa descreve aspectos que são

vivenciados por eles no dia-a-dia das escolhas e das referências que eles têm em relação ao

modelo social no qual convivem. Trata-se também das relações que se constituem no

cotidiano da escola e pelas distintas relações culturais existentes entre professores,

estudantes e familiares, bem como a escola possa ser propulsora de representar outras

referências de cultura que se façam presentes nas vidas dos estudantes e reflitam no

cotidiano familiar.

Para melhor descrever a escola, foi realizada uma entrevista com uma das pessoas

responsáveis pela gestão da instituição que permitiu alicerçar melhor compreensão sobre

alguns fatores descritivos sobre a escola na sua constituição enquanto espaço de formação

crítica, social e cultural de crianças e adolescentes. Esta entrevista foi feita com a Diretora

Gislaine6, a qual se disponibilizou a contar um pouco de alguns aspectos físicos e

estruturais da instituição, possibilitando assim a descrição do lugar onde ocorreu o estudo e

o acompanhamento do cotidiano escolar e comunitário.

6 Entrevista concedida por GISLAINE. Entrevista I. [Abril. 2014]. Entrevistador: Leandro Costa Vieira.

Corumbá, MS, 2014. 1 arquivo mp3. (00:18:06 min.). A entrevista completa encontra-se nos arquivos do

pesquisador.

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1.3.1. Os sujeitos da pesquisa e a invenção de suas personagens

A pesquisa empírica foi realizada em uma escola pública municipal de Corumbá,

em que se buscou preservar o nome da escola e também do bairro onde ela se localiza. Do

mesmo modo, os sujeitos convidados e que aceitaram participar da pesquisa assinaram

termo de consentimento de uso de som e voz na gravação dos diálogos e, também, firmou-

se que suas identidades seriam firmadas. Para tanto busquei nomes do Brasil, se assim

posso considerá-los. Pensei em focar estes nomes fictícios aos nomes de trabalhadores

operários que são reflexos da vida cotidiana da comunidade do bairro.

Nos caminhos percorridos encontrei oito mulheres, com distintas histórias de vidas

e suas especificidades nas relações com a comunidade do bairro Camalotes e com a escola

Pantaneira. Foi possível ainda o encontro de três homens e três meninos, com suas

peculiaridades e olhares que se lançam as interpretações que realizo do cotidiano destas

narrativas referentes ao existir e ao porvir da escola Pantaneira.

A gestora da escola recebeu o nome de Gislaine. Ela concedeu entrevista gravada

no dia 06 de maio de 2014, com duração de 24 minutos aproximadamente. Para tanto, em

todas as chamadas referentes às suas falas, terá como legenda, Diretora Gislaine.

A gestora adjunta cedeu entrevista em outubro de 2014, com duração de

aproximadamente 32 minutos, recebendo o nome fictício de Marília, identidade que será

utilizada nas legendas desta pesquisa.

As duas coordenadoras receberam nomes fictícios de Rosa e Luzia, sendo que o

tempo de duração da entrevista da coordenadora Luzia foi de aproximadamente 21

minutos, e a coordenadora Rosa, com duração de 12 minutos. Para estas personagens,

serão consideradas como legendas Rosa e Luzia. O coordenador cedeu entrevista em maio

de 2014, bem como as duas coordenadoras, Rosa e Luzia. O nome ficcional dado ao

coordenador é Roberto, com chamada nas legendas de Roberto e sua entrevista durou 21

minutos.

Foram entrevistadas três educadoras, as quais concederam entrevistas na mesma

data dos coordenadores pedagógicos da escola. A educadora da primeira entrevista deste

grupo recebeu a identidade de Raimunda, sendo que sua entrevista durou aproximadamente

18 minutos e esta educadora tem como chamada, em suas falas, Raimunda. A segunda

entrevista foi realizada junto com a professora Manuela, nome fictício, o qual se

identificará nas chamadas de suas falas ao longo do texto e o tempo de duração da sua

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entrevista foi de aproximadamente 24 minutos. E Professor Sebastião, que em suas

chamadas receberão este nome ficcional, tendo realizado entrevista com duração de 24

minutos e meio.

Os três estudantes foram entrevistados com anuência de seus responsáveis, estando

estes de acordo com os diálogos realizados em 06 de novembro de 2014. Busquei um lugar

no pátio da escola para a realização da mesma, com três educandos dos anos finais do

Ensino Fundamental, turmas de oitavo e nono anos.

Inácio, o primeiro estudante deste grupo a ser entrevistado, recebeu este nome

fictício para identificá-lo durante a entrevista e nas legendas que serão acompanhadas dos

fragmentos ao longo do capítulo de análises. Sua entrevista teve duração de

aproximadamente 9minutos 20segundos.

Enrique, com autorização dos responsáveis cedeu entrevista com duração de 8

minutos, tendo este nome escolhido para as chamadas nas falas dos estudantes no capítulo

de análise. Da mesma forma, Vicente, o terceiro estudante do grupo, concedeu entrevista

com duração de 10 minutos 15segundos, desta forma recendo este nome fictício nas

chamadas de suas falas nesta pesquisa.

Aos sujeitos que preferiram manter-se anônimos, considerei falas de Joãos e

Marias, com o propósito de fazer minhas considerações referentes às conversas que

tivemos, percebendo que não concederam entrevistas gravadas, fixando-se estas

considerações a partir do diário de campo que foi construído.

1.3.2. Voltando ao locus da pesquisa

A Diretora Gislaine, exercendo uma função junto à gestão escolar, dialoga comigo

sobre os aspectos estruturais da escola: salas de aulas, laboratórios, número de professores

e mesmo o que ela acredita ser importante para o desempenho com melhor formação para

os estudantes imersos no referido contexto de escola integral. Diretora Gislaine diz que ...

Hoje temos 284 alunos matriculados. Nossos coordenadores hoje são três

coordenadores, né, por área específica. Temos o coordenador de pré-escola até

o quinto ano. Temos uma coordenadora pra parte exatas, né! Da área exatas e

uma da área humana, né! E esses coordenadores estão aqui pra dar suporte aos

professores, né. Estão integrados juntamente e, quando o professor tem aquela

dificuldade em sala de aula, de estar fazendo as intervenções necessárias junto

com esses professores. (DIRETORA GISLAINE)

Esse fragmento de entrevista revela que a escola recebe hoje um efetivo de 284

estudantes, 3 coordenadores pedagógicos, 2 gestoras e 23 professores, entre efetivos e

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contratados. A escola tem suporte técnico de 2 secretários; 3 cozinheiras, sendo que o

município, no ano de 2011, executou a efetivação de algumas merendeiras em concurso

público; no entanto, há uma empresa terceirizada que executa a função junto ao ambiente

escolar. Tem ainda o auxílio de 5 funcionários da limpeza, que exercem a manutenção

interna e externa da escola. 2 monitoras de disciplinas e, encontrei em todas as idas, na

escola a presença de 1 guarda municipal fazendo a segurança da escola.

A escola ―Pantaneira‖ tem ainda a presença de 9 monitores do Programa Mais

Educação, que exercem funções de oficinas e complementação pedagógica e que

proporcionam ao ambiente escolar a melhoria do IDEB, segundo falas da Diretora

Gislaine.

Quanto ao espaço físico da escola, não foi informado o perímetro espacial da

mesma, mas a escola compõe em seu prédio principal: 14 salas de aulas; 6 banheiros

(masculino e feminino); 1 laboratório de ciências; sala de tecnologias,

brinquedo/biblioteca; 1 sala de recursos (oferece atenção especial para o estudante com

algum tipo de necessidade de atenção especial).

O prédio secundário da escola, no qual se localizam as duas salas da pré-escola,

também é acompanhado de 1 pequena sala de permanência para os professores da pré-

escola e, junto a esta sala, compõe também a estrutura de 1 banheiro com 2 sanitários

anexados em cada sala. Tem ainda a existência de 1 quadra poliesportiva, com palco e

banheiros, e vestiários que estão desativados ao fundo da quadra.

Circunscrevendo o espaço da escola, a sua frente localiza-se a rua com casas. Na

direção esquerda de sua entrada está uma casa de artesanato regional; a sua direita localiza-

se a creche e, ao lado da mesma, um templo religioso; e, ao fundo, existe um manancial

que leva até a beira do rio Paraguai. Para chegar até o prédio, pode-se chegar com veículo,

a pé ou de bicicleta. O transporte coletivo mais próximo deixa a uma distância média de

300 metros da entrada principal do edifício.

1.4. PASSOS E INSTRUMENTOS

Considerados os movimentos que ocorrem dentro da escola Pantaneira, e na

comunidade do bairro Camalotes, foram traçados alguns caminhos a serem percorridos

para a ação de coleta dos dados neste cotidiano que aflora.

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Foram organizados instrumentos de coleta de dados, objetivando dialogar com os

sujeitos da escola, observar atentamente o espaço escolar e também encontrar aspectos que

revelam os movimentos do bairro Camalotes. Um dos instrumentos utilizados foi o diário

de campo. Organizei um bloco onde tomei notas e até mesmo rabisquei alguns desenhos

durante as observações que foram realizadas na escola, durante o ano de 2014.

Quando me apresentei na escola Pantaneira, já era conhecido, visto que havia

trabalhado na mesma durante um semestre no ano de 2012. No entanto, reencontrava

aquele espaço, na condição de pesquisador, de saber se a dúvida que havia levado comigo

seria geração de um problema a ser estudado ou se outras dúvidas surgiriam no transpor

aquele espaço de aprendizagem?

Apresentei-me junto à gestão da escola, levando comigo uma carta de apresentação

do Programa de Mestrado e fiz um relato de qual seria ali a minha intenção junto ao

cotidiano da escola. Recebido de braços abertos, expus um pouco da dinâmica que iria

desenvolver durante as visitas que faria em 2014. Uma delas seria que não faria visitas

agendadas, com horários e datas certas, mas que a pesquisa tinha como propósito encontros

surpresas, para acompanhar a dinâmica da escola, sem que houvesse um cenário preparado

para tanto. A gestão aceitou a proposta, achou importante por conseguir assim ver como

estavam acontecendo os movimentos pedagógicos na escola.

O outro passo foi a realização de uma entrevista com um pré-roteiro fechado, mas

que foi realizada através de gravador de voz, em que a Diretora Gislaine proporcionou os

subsídios fundamentais de como a escola se organizava em estrutura física e de recursos

humanos, perpassando alguns aspectos subjetivos que serão discorridos no capítulo de

análise da pesquisa. Foram apresentados para a professora os modelos dos questionários de

entrevistas, sendo estas semiestruturadas, o que se realizou com três sujeitos de cada um

dos segmentos que representam a comunidade escolar: professores, gestores,

coordenadores, estudantes, pais/responsáveis de estudantes, demais profissionais da

educação, e monitores do PME.

Os questionários foram organizados de acordo com a compreensão que seria dada

pelos distintos segmentos da escola, observando o grau de conhecimento e de abstração

para que estes fossem respondidos. O questionário visou apreender dos entrevistados se a

escola, que hoje faz parte da existência destes sujeitos, é a escola ideal ou ainda tem um

caminho a ser construído coletivamente.

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As entrevistas variaram de 9 a 12 perguntas, sendo que em alguns casos algumas

foram complementadas, de acordo com o ritmo da conversa de cada sujeito. Os encontros

com gestores, coordenadores e professores deram-se na sala de recursos, para atender

estudantes que necessitam de atenção especial, sendo este um lugar privativo,

impossibilitando que houvesse intervenção de outras pessoas durante o diálogo.

A entrevista com os estudantes aconteceu no pátio da escola, dinâmica que adotei

como coerente e importante no processo de diálogo, visto serem meninos tímidos e que

poderiam sentir-se intimidados de dialogar comigo em um espaço fechado, tal como a sala

de recursos. Foram dois representantes do grêmio escolar e um estudante que representa

seus colegas de escola. Segundo Garcia (2003, p. 204):

Pôr-se a aprender onde pensávamos ir para ensinar. Ir aprendendo

cotidianamente a reaproximar prática e teoria até que se confundam e voltem a

ser o que um dia hão de ter sido, apenas prática teoria prática, sem divisões ou

hierarquias. Mergulhar na prática com @s prátic@s, descobrir a riqueza da teoria

em movimento que se atualiza no cotidiano, enriquecida pelo que a cada dia se

revela como novo. O cotidiano, portanto, como um rico espaço de construção de

conhecimentos, assim como as crianças como sujeitos de saberes e a escola

como locus de diferentes saberes que dialogam dialeticamente possibilitando ser

cumprida a promessa de uma escola que contribua efetivamente para mudar as

vidas de quem nela chega e por ela passa grande parte de sua vida. Uma escola

que não se satisfaça em apenas melhorar a estatística de matrícula, mas que

esteja comprometida com a realização de um projeto político-pedagógico de

qualidade social.

Nos encontros e reencontros com a escola, são descobertas as possibilidades da

pesquisa e, nestas possibilidades, faz-se presente o reconhecimento do território em que

pisei enquanto pesquisador, enquanto passante observador, questionador e curioso, que

desbrava os caminhos que se entrecruzam no devir das sensações que por um instante,

parecem caóticas, porém se organizam de acordo com o que o tempo e o espaço de

atuações apresentam como dinamismo e práxis.

Após a coleta dos dados, o recolhimento se dá para que sejam transcritos e

identificadas categorias a serem analisadas, perceber ainda se há uma real constituição

concisa e consistente no que está diretamente ligado ao propósito da pesquisa.

Alguns movimentos são evidentes nos passos que já foram dados na construção

deste dissertativo, ou seja, a compreensão sobre participação, gestão democrática e poder,

como três elementos que se destacam no que até aqui se identifica no diálogo com o

contexto da escola. Portanto, serão buscados os subsídios para diagnosticar, por meio das

falas e observações realizadas no interior e fora da escola, mesmo nas falas que não

puderam ser captadas através da entrevista gravada, mas que compõem esta pesquisa como

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elementos fundamentais no que se refere às observações e nos movimentos que os sujeitos

fizeram ao depararem-se comigo no contexto da escola e, questionarem-me sobre qual era

meu papel naquela situação, proporcionando, assim, elementos de pesquisa, elementos do

cotidiano.

O sentido de realização de entrevistas gravadas, que foram organizadas para ir ao

alcance dos elementos que são extraídos das falas dos sujeitos, é de fundamental

importância, por possibilitar um diálogo com diretrizes, mas que ao mesmo tempo se

expande, nas relações feitas a partir de uma pergunta específica.

Cada sujeito contribui com suas falas, de acordo com o referencial que o conforma

e, pelas perspectivas socioculturais em que este está inserido. Cabe ao pesquisador fazer a

leitura detalhada dos sentidos que são trazidos nas falas destes sujeitos, oriundos ou não

desta comunidade, mas que nas vivências de escola, acabam por transitar diariamente por

corredores, ruas e alamedas que recortam o bairro e a escola. Manhães (2002, p. 82-83),

revela-nos que:

O trabalho com esta intencionalidade contém um caráter necessariamente

formativo em relação a todos os sujeitos nele implicados. A apropriação que

cada um faz do seu patrimônio existencial através de uma dinâmica de

compreensão retrospectivas é, um fator de formação. [...]Sendo assim, nessa

história encontramos momentos de tecimento de saberes e fazeres que se

recusam a aceitar a passividade e a neutralidade pedagógica e se orientam para a

formação de subjetividades inconformistas e rebeldes, ou mesmo, ao contrário,

processos reificadores e instrumentais, ainda hegemônicos, que escamoteiam os

conflitos e silenciam as possiblidades de um projeto educativo emancipatório.

É importante destacar que as falas dos sujeitos da pesquisa tornam-se material que,

após a coleta, constitui um apanhado de informações em que eu tenho como compromisso

debulhá-los e identificar em cada um dos significados, que ficam expressos pelos sujeitos,

o modo como eles veem os movimentos da escola. Nesta concentração de informações tem

ainda a interpretação feita por mim, das falas destes sujeitos e, das anotações realizadas no

diário de campo, que também constitui instrumento de coleta de dados e compõe elementos

para a interpretação e para o cruzamento dos dados e suas possíveis categorias, e se estas

estão ligadas aos três conceitos que até aqui se busca dialogar: Democracia, Participação e

Poder.

Partindo das considerações trazidas aqui no percurso metodológico da pesquisa, a

seguir serão dialogadas de modo mais generalista aspectos históricos que constituem a

educação integral no Brasil, desde os anos de 1920. Evidencia-se, no capítulo a seguir,

questões ligadas ao conceito de democracia, participação e poder, como as três vertentes

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que são peças chave na construção da pesquisa, envolvendo as relações entre escola e

comunidade, com distanciamentos e aproximações, como estratégia política e pedagógica.

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2. EDUCAÇÃO INTEGRAL, GESTÃO DEMOCRÁTICA, PARTICIPAÇÃO E

PODER: POSSIBILIDADES PARA A ESCOLA DO SÉCULO XXI

2.1. ASPECTOS SÓCIO-HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO INTEGRAL

Há uma necessidade no ser humano de construir situações, objetos e

conhecimentos. Há também a necessidade de desbravar caminhos e re/inventar aquilo que

já foi inventado. Nesta necessidade de re/invenção, aqui busco desbravar caminhos

tortuosos e revelar, através deste dissertativo, um pouco de minha história que vai ao

encontro com outras histórias, que re/conhece nas ações diárias da comunidade pesquisada

e suas peculiaridades a construção cotidiana de refletir e re/conhecer as relações

constituídas entre a escola Pantaneira e a comunidade do bairro Camalotes.

A educação integral, no ano de 2014, constituiu um campo de discussões político-

partidárias, que se tornou ponto de pauta nos debates dos presidenciáveis, evidenciando a

mesma como possibilidade de ascensão ao poder de governar o país, sem ao menos propor

um foco específico sobre o que é e qual o papel da educação integral e o tempo de

expansão de ensino para os estudantes do Ensino Fundamental das escolas públicas

brasileiras.

É importante ressaltar que o debate sobre a expansão do tempo de permanência e

das ações pedagógicas no espaço escolar são ações e movimentos que permearam o século

XX desde os anos de 1920. Segundo Carvalho (2003), a Educação Integral é dialogada no

Brasil desde o movimento escolanovista (1920) e do manifesto dos pioneiros entusiastas da

educação nova (1930). Naquela situação, percebia-se a necessária reestruturação que

deveria acontecer na escola, visando o caráter de semi-internato em que meninos e meninas

teriam a possibilidade de aprender artes e ofícios que somente em tempo ampliado seria

proporcional a estas ações naquela época.

Anísio Teixeira, na história da educação brasileira, pode ser identificado como um

dos precursores das discussões acerca da escola integral. Vale ressaltar que os ideais do

intelectual era o de que a educação, ou seria fundamental incompleta, ou seria integral, mas

que esse entendimento de integralidade compensaria somente alguns poucos. Nas análises

que Carvalho (2003) traz sobre a educação nos anos de 1920, referente a alguns aspectos

regionais, é notório um largo preconceito em relação ao modo como a educação

estruturava-se em determinados estados. Segundo Chagas et. al. (2012, p. 73):

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Anísio Teixeira foi um educador utópico, sonhava com um Brasil desenvolvido,

e, para que o seu sonho se materializasse, só via um caminho – a educação. [...]

Educação identificada com a pedagogia de Dewey, com o pragmatismo norte-

americano, voltado para o desenvolvimento do indivíduo, a democratização, a

liberdade de pensamento e a necessidade da experimentação, com a ciência, com

a arte e cultura popular.

A perspectiva do desenvolvimento educacional, pensando no indivíduo como cerne

do sistema que possibilita a este a formação para as questões sociais fazia-se presentes no

que se propunha à época, no entanto, há uma necessidade maior ao que irá se identificar

através do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, em que Xavier apud Chagas et. al.

(2012, p. 74-75), dirá:

No manifesto de 1932, a ampliação do conhecimento científico aos estudos

pedagógicos, ao planejamento educacional e à administração do ensino escolar

aparece como a expressão intelectual da progressiva onda de secularização da

cultura e como condição essencial para a constituição da sociedade moderna. A

defesa de alguns princípios contidos no manifesto trouxe para o centro do debate

educacional questões fundamentais que apontam para a modernidade. Entre

outras, a democratização das relações sociais pela crítica ao caráter excludente da

escola tradicional, pelo reconhecimento do direito à educação a todos os

cidadãos, pela defesa do princípio da universalidade de acesso à escola. Ao

defender a aplicação da ciência e da técnica em assuntos do ensino e da pesquisa

educacional, o manifesto promoveu a valorização do papel social e político do

educador profissional, o que resultou em um estímulo ao processo de

especialização e autonomização do campo educacional e, logo, de sua

legitimação perante o público e o governo.

Para os anos de 1930, a expansão do acesso à educação pública tornava-se anseio

não só da população, mas também dos manifestos de intelectuais e de um olhar que o

poder público também lançava a essas mobilizações, visto uma parte da população estar

crescendo sem ser alfabetizada, tampouco ter acesso à escola primária.

Anísio Teixeira tem uma significativa importância nos projetos direcionados a um

modelo de educação que voltasse não apenas as questões de aprender a ler, escrever,

calcular e ter o acesso às matérias comuns do currículo formal da educação à época. Esse

educador e intelectual terá importância na história da educação integral, ao desenvolver,

nos anos de 1960, na Bahia, quando fora Secretário Estadual de Educação, o Projeto da

Escola-Parque, um modelo de escola de educação integral voltada para as necessidades de

aprendizados e saberes dos estudantes ligados a direitos, deveres e também a preparação

para o mercado de trabalho, mas esses sujeitos em formação, terem a convicção de que ser

preparado para o mercado de trabalho é, não ser alienado aos ditames do sistema

(CHAGAS. et. al. 2012).

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No que concerne à educação brasileira, e destacando a discussão acerca da

educação integral, o Brasil também terá presente na sua história a figura de Darcy Ribeiro

(1922-1997). O sociólogo teve importante função no que se refere à implantação de escolas

de Tempo Integral no Brasil, ainda em períodos de intensos conflitos referentes ao

processo de ditadura que o Brasil passou durante os anos de 1964 a 1985. Segundo Chagas

et. al. (2012, p. 77):

O cenário político dos anos de 1950 e 1960 possibilitou a aproximação entre as

ideias de diversos educadores tais como Anísio e Darcy, resultando na busca por

um mesmo ideal, o de uma escola pública democrática que atendesse à

população brasileira, em especial, às classes populares, historicamente excluídas.

Nos anos de 1960 com o golpe militar, o intelectual, assim como tantos outros, teve

que viver em exílio no Uruguai. Quando retorna ao Brasil, candidata-se à vice-governador

de Leonel Brizola ao governo do Estado do Rio de Janeiro, tendo como proposta central de

campanha a melhoria da educação pública; assim, foi eleito e, em 1982, assume como vice

governador do estado do Rio de Janeiro, momento em que cria o I Programa Especial de

Educação (I PEE). Segundo Ribeiro apud Chagas et. al. (2012, p. 78):

[...] escolões de tempo integral, cada um deles para mil alunos. Cristalizavam,

pela primeira vez no Brasil, como rede pública, o que é o ensino público de todo

mundo civilizado, que não conhece a escola de turnos, mas só escolas de tempo

integral para alunos e professores. Eles preenchem as condições necessárias

indispensáveis para as crianças oriundas de famílias pobres, que não tiveram

escolaridade prévia, progridam nos estudos e completem o ensino fundamental.

Assegurar isso a todas as crianças é o único modo de integrar o Brasil na

civilização letrada, dissolvendo as imensas massas marginalizadas de brasileiros

analfabetos.

O ideal de escola de tempo integral que qual Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira

comungavam se constitui pelo acesso universal, onde se consolide a laicidade da mesma e

que, nesse sentido, de universalização do ensino público, todos pudessem ter acesso, sem

discriminação ou preconceito, respeitando-se assim aos movimentos das distintas

sociedades que compõem o país, além do respeito e reconhecimento da cultura como

motriz nas ações de interação e formação para a vida.

Os programas e projetos de educação integral, ou de educação em tempo integral,

revelam-nos uma luta por décadas que possibilite a inclusão, a permanência e a assistência

do educando no ambiente da escola. Ao lançarmos um olhar sobre os projetos e programas

elencados para a educação desde o final dos anos de 1980 até a política atual,

perceberemos que algumas das características desses programas e projetos foram utópicos

na busca de concretizar a construção e execução de obras faraônicas, mas que careciam de

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verbas e da manutenção para que crianças e jovens tivessem o acesso e a permanência em

ambientes salubres de aprendizagem, pois para aprender é preciso ter condições que

ofereçam um processo educativo de qualidade.

Nesse pressuposto, a política de educação integral, a qual iremos acompanhar

durante os anos de 1990 a 1992 durante a ascensão de Fernando Collor de Mello (1990-

1992) ao cargo de presidente do Brasil, é conjugada com a política de implantação, dos

Centros de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente - (CAICs). Essa proposta estava

vinculada ao Programa Nacional de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente

(PRONAICA) -, Lei n. 8.642, de março de 1993, em substituição ao Decreto 539, de maio

de 1992, que tinha como proposta a implantação de centros de atenção integral em que,

não somente a criança e o adolescente teriam acesso a esses serviços, mas, as famílias na

atenção à saúde que estaria vinculada ao complexo da escola e também da permanência em

tempo integral da criança e do adolescente ao que a educação lhes pudesse oferecer de

mais propício nos sentidos de cultura, sociabilização, arte, atividades desportivas e na

formação integrada destas crianças e jovens. Segundo Sobrinho; Parente (1995, p. 7):

A meta definida foi a construção de cinco mil CIAC's para atender a

aproximadamente seis milhões de crianças, sendo 3,7 milhões em escolas de

primeiro grau e 2,3 milhões em creches e pré-escolas. [...] O programa foi

concebido originariamente pela Legião Brasileira de Assistência, com

coordenação a cargo do Ministério da Criança e, posteriormente, da Secretaria de

Projetos Especiais da Presidência da República. [...] Com a extinção da

Secretaria de Projetos Especiais da Presidência da República, o Ministério da

Educação e do Desporto criou, em 1992, a Secretaria de Projetos Educacionais

Especiais para dar continuidade ao projeto. [...] O Ministério da Educação e do

Desporto, ao assumir as ações do projeto, introduziu algumas modificações em

sua concepção e mudou sua denominação para Programa Nacional de Atenção

Integral à Criança e ao Adolescente — Pronaica. O programa continuou

adotando o atendimento integral à criança como forma alternativa para o

desenvolvimento dessa população, admitindo, no entanto, que tal atendimento

pode ser dado em instalações especialmente construídas ou adaptadas.

A política de educação integral no Brasil, entre meados dos anos de 1980 e 1990,

passou por inúmeras transformações. Esses movimentos representam Programas e Projetos

descontínuos, que são como cartas partidárias nas disputas pelo poder de governança. Dos

planos de educação integral dos CIEPs e dos CAICs, percebe-se um abismo de propostas

que evidenciem qualidade, no entanto, são propostas de ensino que enfatizam o

assistencialismo.

Cabe às políticas para a educação pública, perceber e identificar quais os critérios

que são propostos e sãos viáveis de serem conduzidos com qualidade. A educação

transforma-se, bem como o mundo evolui e, neste sentido, não se pode propor uma ação

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educacional em que sejam atingidas populações percebidas como carentes, em que

recebem projetos e programas com divergências e lacunas que ocupam o espaço

educacional e pedagógico como responsável pelas falhas em suas projeções. Assim, os

Programas de educação integral de Ribeiro a Collor não deram continuidade.

Existem espalhadas por inúmeros lugares Brasil afora, as arquiteturas dos prédios

voltados para a educação integral, mas que na efetividade desses programas sucumbiu às

necessidades sociais e políticas dos governos seguintes, configuradas na imagem de

Fernando Henrique Cardoso (FHC), o presidente da Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional, Lei n. 9.394, de 1996. Segundo Frigotto e Ciavatta (2003, 102, 103):

A base conceptual da educação básica em um novo projeto é, primeiro, o

reconhecimento dos problemas maiores do mundo globalizado, sob os quais

temos que tomar decisões locais. Em segundo lugar, assumir o direito inalienável

do povo a uma escola pública de qualidade, que garanta a todos os cidadãos a

satisfação da necessidade de um contínuo aprendizado. Neste sentido, a

educação é tanto um direito social básico e universal quanto vital para romper

com a histórica dependência científica, tecnológica e cultural do país, e

fundamental para a construção de uma nação autônoma, soberana e solidária na

relação consigo mesma e com outras nações. A educação é, portanto, ao mesmo

tempo determinada e determinante da construção do desenvolvimento social de

uma nação soberana. Além de ser crucial para uma formação integral

humanística e científica de sujeitos autônomos, críticos, criativos e protagonistas

da cidadania ativa, é decisiva, também, para romper com a condição histórica de

subalternidade e de resistir a uma completa dependência científica, tecnológica e

cultural.

A educação brasileira na Era FHC é representada e se destaca no cenário nacional

como de permanente luta da classe dos professores em seus distintos níveis de formação e

uma visão conservadora, referente ao programa governamental configurado pela LDB

9.394. No que se refere à educação básica, o Ensino Médio ficou desguarnecido, dado a

desigual distribuição dos recursos financeiros vinculados para a educação pública.

O Fundo de Manutenção de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e

Valorização do Magistério (FUNDEF), o qual foi criado pela Emenda Constitucional

14/1996 e regulamentado pela Lei n. 9.424, de 24 de dezembro de 1996, é dado como

presente aos educadores da educação básica, com exemplar descompromisso com o Ensino

Médio e com a Educação Infantil, ambas foram prejudicadas pela focalização no Ensino

Fundamental.

Assim, no período de governo FHC, não se trata de desenvolver programas e

projetos voltados à educação integral, ou ao ensino em tempo integral. Esse modelo de

ensino daria aos cofres públicos um vasto rombo na economia e, vale frisar que foi nos

dois mandatos de FHC, que a educação, em distintos níveis, sofre um processo de

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sucateamento e precarização do trabalho do educador desde a Educação Infantil ao ensino

de pós-graduação. Privatizar setores importantes dos serviços públicos era uma das metas

de governo e, por ora só não ocorreu com maior intensidade pela resistência que os

professores mantiveram enquanto classe, enquanto movimento político em prol da

educação pública e com qualidade. Para Frigotto e Ciavatta (2003, p. 108):

O projeto de educação básica do Governo Cardoso afirma-se sob a lógica

unidimensional do mercado, explicitando-se tanto no âmbito organizativo quanto

no do pensamento pedagógico. Como as ideias de um projeto de

desenvolvimento ―nacional popular‖ e autônomo passaram a ser ridicularizadas,

também o foi a perspectiva de uma educação básica omnilateral, politécnica ou

tecnológica. [...] A dimensão talvez mais profunda e de consequências mais

graves situa-se no fato de que o Governo Fernando H. Cardoso, por intermédio

do Ministério da Educação, adotou o pensamento pedagógico empresarial e as

diretrizes dos organismos e das agências internacionais e regionais,

dominantemente a serviço desse pensamento como diretriz e concepção

educacional do Estado. Trata-se de uma perspectiva pedagógica individualista,

dualista e fragmentária coerente com o ideário da desregulamentação,

flexibilização e privatização e com o desmonte dos direitos sociais ordenados por

uma perspectiva de compromisso social coletivo. Não é casual que a ideologia

das competências e da empregabilidade esteja no centro dos parâmetros e das

diretrizes educacionais e dos mecanismos de avaliação.

Percebe-se, em todo o processo educativo dos anos de 1990, que as ações

governamentais voltam-se ao que o mercado internacional concebe como coerente e

pertinente e transpõe propostas relacionadas àLDB, convergindo ao proposto pelo Senador

Darcy Ribeiro (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003), e que pressupõe um ideal articulado a

um projeto que descarta a mobilização dos educadores brasileiros por uma proposta de

ensino vinculado a qualidade da educação, visando o rompimento com as estratégias de

política econômica. No entanto, a proposta é substituída ao que Ribeiro e seus seguidores

concebiam como coerente e que passou por aprovação e foi sancionado por FHC em 1996.

A discussão acerca da educação integral só volta a ser debatida com a ascensão de

Lula ao poder, no ano de 2003. Nos primeiros meses de política do governo Lula (2003)

podem-se perceber explicitamente as transformações, no âmbito econômico, de

acessibilidade aos serviços públicos tais como: educação, em que as universidades recebem

verbas para a manutenção e ampliação de pesquisa, ensino e extensão, sensação esta que

pude eu vivenciar na universidade durante os quatro primeiros anos de governo de Lula da

Silva.

O FUNDEF foi substituído pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da

Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação – (FUNDEB), criado pela

Emenda Constitucional n. 53/2006 e regulamentado pela Lei n. 11.494, de 20 de junho de

2007, em que a educação básica passa a ser financiada pelo fundo de forma mais

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equânime, sendo revertidos recursos desde a Educação Infantil ao Ensino Médio, incluindo

todas as modalidades.

A educação em tempo integral, no primeiro mandato do governo Lula, não foi

salientada, pois ainda havia várias lacunas que deveriam ser cobertas; somente no final de

seu primeiro mandato o debate sobre a educação integral foi retomado e, segundo o

Manual Operacional de Educação Integral (2012, p.3)):

A educação Integral está presente na legislação brasileira e pode ser apreendida

em nossa Constituição Federal, nos artigos 205, 206 e 227; no Estatuto da

Criança e do Adolescente (Lei n. 9089/1990); na Lei de diretrizes e Bases (Lei n.

9394/1996), nos artigos 34 e 87; no Plano Nacional de Educação (Lei n.

10.179/01) e no Fundo Nacional de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino

Básico e de Valorização do Magistério (Lei n. 11.494/2007). [...] Por sua vez, a

Lei n 10.172, de 9 de janeiro de 2001, que institui o Plano Nacional de Educação

(PNE), retoma e valoriza a Educação Integral como possibilidade de formação

integral da pessoa. O PNE avança para além do texto da LDB, ao apresentar a

educação em tempo integral como objetivo do Ensino Fundamental e, também,

da Educação Infantil. Além disso, o PNE apresenta, como meta, a ampliação

progressiva da jornada escolar para um período de, pelo menos, 7 horas diárias,

além de promover a participação das comunidades na gestão das escolas,

incentivando o fortalecimento e a instituição de Conselhos Escolares. (Brasília,

DF. 2012).

A educação integral na conjuntura social e da política de Lula configura-se pelo

Programa ―Mais Educação‖ (PME) e institui-se através da Portaria Interministerial n

17/2007 e pelo Decreto n 7.083, de 27 de janeiro de 2010, os quais mais adiante serão mais

bem explanados e discutidos. Assim, as propostas do PME é de expandir o tempo de

permanência dos estudantes na ambiência da escola, no entanto, numa ação de turno e

contraturno, fomentando a ampliação e melhora das escolas já existentes e proporcionando

uma ação pedagógica que vá ao encontro de outras nuances que são historicamente

perpetuadas no ensino formal, que é o ensino da leitura, da escrita e da aritmética, além da

história e das ciências e geografia.

O PME irá ao encontro de uma formação mais ampla e múltipla de conhecimentos,

que leve os educandos a um processo de formação cultural, desportiva e social com outros

olhares e outras pertenças aos seus espaços de formação.

A escola poder ser apenas um dos espaços que proporciona a formação integral de

crianças e adolescentes, imersos na vida escolar, pois se consegue perceber que a cidade

pode promover outros espaços de educação integral a esses estudantes. Que o caráter

institucionalizado não garante a constituição total do sujeito, no entanto, a escola poderá

restringir esse sujeito às (in)formações que apenas aquele espaço lhe proporcionará nas

oito horas que permanecer institucionalizado. Rabelo (2012, p. 122, 123) destaca que:

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O homem entendido como temporalidade é capaz de sair de si e ir em direção

àquilo que já não é ou ainda não foi. O cuidado abre, para o ser, um horizonte de

possibilidades próprias à sua existência. A educação tradicional por sua

impessoalidade facilita a reprodução de uma existência inautêntica do ser-

estudante que não compreende suas potencialidades. O papel da educação

voltada fortemente para o desenvolvimento cognitivo, em termos radicais,

constitui um dilema, situado entre o individual e o público. O ser-estudante é

tomado como ponto de partida dessa discussão por revelar o espaço aberto à

lógica existencial para a qual o cuidado está em evidência e é o seu traço

essencial. A educação integral também trafega no âmbito do dever-ser,

projetando suas experiências e ações intersetoriais. Assim no âmbito da

existência, na relação ser-estudante há a possibilidade de uma preocupação que

antepõe-se ao outro em seu poder ser não para retirar-lhe o ―cuidado‖, mas antes

para devolvê-lo como tal. Essa preocupação que pertence ao autêntico cuidado,

ou seja, ao respeito à existência do outro, e não a um saber imposto e alicerçado

na memorização acrítica, proporciona ao ser-estudante a liberdade para tornar-se

transparente a si mesmo.

A educação integral constitui importante diálogo educacional no cenário brasileiro

nos anos 2000 e 2010, porque é quando se discute o perceber-se a integralidade do sujeito,

que se constitui em um determinado modelo social, mas que ele tem o dever de respeito às

diferenças, e o direito de ser percebido diferente. Não significa que nós tenhamos o dever

de aceitar o discurso das diferenças de forma naturalizada, mas que estas sejam dialogadas

como o jogo político e de poder, que se estrutura nas mazelas do capitalismo em seu

projeto vigente. Segundo Martins (2013, p. 15):

A defesa da educação integral esteve presente nas propostas do movimento

operário da inspiração anarquista, principalmente no final do século XIX e início

do século XX. O movimento operário buscava, por meio da educação,

transformar a consciência dos trabalhadores e de seus filhos para realizar a

revolução sociocultural. Os trabalhadores que seguiam a concepção anarquista

lutaram por uma educação que unisse trabalho manual e intelectual, de modo a

formar o homem em seus diferentes aspectos: intelectual, moral, político e

artístico. Consideravam que era necessário formar homens completos, ou seja,

que tivessem suas faculdades plenamente desenvolvidas, porque somente assim

estariam preparados para enfrentar a dominação e a exploração.

De acordo com o que afirma a autora, a concepção que era trazida pelo movimento

anarquista é pertinente com o que defendo para a formação e constituição dos sujeitos, em

relação ao processo educativo que a escola tem a função social de oferecer. O contingente

de criticidade que se adquire em relação ao mundo, e a formação do sujeito completo, do

aspecto espiritual, físico, moral, científico e cultural, são marcas que, ainda a escola, no

formato em que ela está estruturada, hoje, não apresenta caminhos que levem a esta

formação desse ser completo, visto estar sobre o guarda-chuva do poder político

governamental.

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Martins (2013) dirá ainda que Bakunin acreditava que as massas operárias só

seriam libertas quando a educação fosse distinta do modelo de produção capitalista,

possibilitando o acesso dos trabalhadores ao conhecimento produzido. Assim favoreceria a

conquista da igualdade entre tod@s, por ser esse um direito que a ciência oferece ao

mundo. A educação integral perpassa séculos, décadas e mesmo milênios. A proposta

anarquista propõe um caminho que leve os oprimidos a extrapolarem as barreiras do

aprendizado, e lutar por melhores condições de vida social, elevar o intelecto dos sujeitos

por meio de uma educação livre das condições impostas por regimes estruturantes do

Estado. Segundo Silva; Silva (2012, p. 29):

No que se refere ao tempo integral e à educação integral o PDE contempla os

dois aspectos, além de algumas condições estruturais quando integra o Programa

Mais Educação como uma das ações estratégicas. De acordo com o Plano, o

Programa Mais Educação busca ampliar o tempo de permanência dos alunos nas

escolas, o que implica também na ampliação do espaço escolar para a realização

de atividades educativas artísticas, culturais, esportivas e de lazer. Vale salientar

que o Mais Educação aparece no PDE com a perspectiva de ampliação da

jornada escolar e do espaço escolar, a partir do desenvolvimento de atividades

diversificadas, mais ainda sem uma conceituação de Educação Integral.

No que diz respeito ao espaço e tempo de formação integral do sujeito, é importante

perceber o espaço em que ele transita e habita. A escola deve ser percebida como este

espaço de habitação/transição, pois é nela que, desde a pré-escola até o término da

educação básica, a vida escolar torna-se a mais forte influência de formação ética, cultural

e intelectual dos educandos. Observando que isso ocorre, para aqueles que nela

permanecerem, e isso deve ser salientado, pois ainda não temos a educação justa e de

direito para todos, que esse educando constituirá concepções a priori de socialização

extraconvívio familiar e seus expoentes. Segundo Silva; Silva (2012, p. 53):

A concepção conservadora de Educação Integral é parte de um movimento

político-social que, [...] tem seu auge nas atividades políticas concentradas na

década de 1930. Como forma de organização, Ação Integralista Brasileira (AIB)

lançou em outubro de 1932, o Manifesto Integralista, direcionado à sociedade

brasileira, tendo como seu principal mentor Plínio Salgado. [...] Desta forma

apresentava como seu principal objetivo: ‗o da elevação cultural das massas‘.

Objetivamente o aspecto central do projeto era o doutrinamento através de uma

forte ação centralizada pelo Estado, tendo por finalidade, por um lado, garantir o

disciplinamento da conduta do ‗povão‘ e, por outro lado, destinar à elite a

realização de cursos específicos voltados para a ideologia integralista, visando o

comando da nação.

Essa ação, que é apresentada pelos autores, é válida para alguns dos aspectos do

modelo de educação integral que será apresentado pelo Programa Mais Educação,

percebido o movimento que se terá da manutenção das massas através de projetos e

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programas educativos que visem o contraturno escolar como o momento de descontração,

de lazer e que acabam não tendo a relação pedagógica desejada.

Nesse sentido, Silva, Silva (2012) dirão que a ideologia da concepção conservadora

de educação integral, ligadas ao movimento integralista, teria como meta a formação do

homem nos aspectos sociais, físicos e espirituais. E se fizermos uma comparação entre o

movimento integralista e algumas das concepções expostas nos cadernos do PME, a ideia

de constituição dos sujeitos de forma completa, emerge da ideia do corpo, da mente, da

cultura e do meio social, contemplando os mesmos aspectos com outras palavras, e uma

discussão que se articula ao modo de vida contemporâneo é claro, pois são necessárias as

articulações com o mundo tecnológico no século XXI.

A educação integral terá ainda, no século XX, uma vertente que está articulada à

concepção Liberal-Pragmatista que, segundo Silva; Silva (2012, p. 59), ―[...] a teoria

liberal tem contribuições de Hobbes, Rousseau e John Locke, entre outros‖, esta teoria

defenderia que toda e quaisquer propriedades privadas não são direitos naturais, defendidos

por instituições seculares e governos conservadores de proles sucessivas, mas que são sim

direitos de todos, direito civil e que deveria ser assegurado por meio de leis. ―Nesta

perspectiva, caberia ao Estado garantir o direito à propriedade, sem interferir na economia,

respeitando a liberdade econômica dos proprietários privados‖ (SILVA; SILVA, op. Cit.,

p. 59).

As concepções do pragmatismo americano de Dewey, adotadas por Anísio Teixeira

que após uma temporada nos Estados Unidos, tenta adotar várias das medidas educativas lá

estruturadas, na realidade brasileira. Este fato evidencia a imagem e as proposta de

Teixeira como foco de exaltação no sentido de compreender suas ideias como pertinentes

para promover o crescimento econômico, social, cultural e científico da população

brasileira. Silva; Silva (2012, p. 63), afirmarão que:

Assim, para Teixeira (1930), a escola deveria preparar os alunos para a própria

vida. Para tanto, se a escola ‗quer ter uma função integral de educação, deve

organizar-se de sorte que a criança encontre aí um ambiente social que ela viva

plenamente. A escola não deve ser apenas uma classe de exercícios intelectuais

especializados [...] nesse contexto, ‗os professores e a escola deveriam exercer os

preceitos da democracia e da liberdade. O respeito à voz do aluno e à sua

capacidade de resolver problemas e de criar suas soluções deveriam ser

respeitados‘. Essa perspectiva torna indispensável a existência de métodos que

estimulem a atividade dos alunos.

A concepção de educação integral de perspectiva marxista tem, segundo Silva;

Silva (2012), nos preceitos gramscianos a interpretação que é trazida sobre o papel da

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educação, no sentido de revelar que os processos de ensino são criativos e rigorosos.

Afirmando que o professor é o responsável por mediar o conhecimento sobre as ideologias

e as políticas e que, mesmo sem ser autoritário, impondo suas ideias aos estudantes, esse

mesmo educador não deixa de lado seu ponto de vista. E que, segundo Schlesener apud

Silva; Silva (2012), ―[...] o professor é aquele que tem um duplo compromisso: preparar

para o futuro e, ao mesmo tempo, manter os elos com o conhecimento historicamente

produzido, que deve transmitir às novas gerações.‖ Neste sentido, para concluir, Silva;

Silva (2012, p. 76) dizem que:

Sabemos que a escola deveria favorecer à construção do conhecimento, no

entanto, o que podemos ver é a reprodução de conhecimentos dominantes,

escolas com ideologias voltadas às classes que exerçam a dominação. A

necessidade de ter uma escola que proporcione o desenvolvimento integral dos

sujeitos é de urgência na sociedade brasileira. O caráter assumido pela educação

brasileira traz consigo a fragmentação dos saberes e a divisão social cada dia

maior, dando espaço à alienação crescente das classes populares, tornando os

sujeitos cada dia menos críticos diante de sua realidade. A educação hoje

proposta pelo governo caracteriza-se como uma educação que marginaliza a

cultura da classe trabalhadora e isso descaracteriza o conceito trabalhado na

educação integral.

A concepção de educação integral, a qual percebo como coerente, conjuga-se com a

ideia de um sujeito que, nas interações sociais, irá constituir sua formação nos sentidos de:

respeitar a vida humana; a compreensão e manutenção do seu ambiente, seja ele natural ou

produzido; a valorização de suas raízes culturais, familiares e que o constituem desde a sua

concepção; a cultura que será tecida nas vivências de mundo, nas relações de ―si‖ com o

―outro‖ e com o ―todo‖. A educação integral que formará esse sujeito dar-se-á num caráter

crítico de mundo, referente aos seus direitos e deveres, de re/conhecimento do que o

mundo político pode lhe proporcionar enquanto visão que o faz perceber quais as

condições lhe são proporcionadas de acesso aos serviços e bens públicos, sem o alijamento

dele pelas suas características físicas, culturais, étnicas e de proveniência social.

2.2. DEMOCRACIA, PODER E PARTICIPAÇÃO: TRÊS PRESSUPOSTOS DO

CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO INTEGRAL

O tempo de expansão da permanência do estudante na escola confronta-se com

situações da economia, visto que, para a escola atender o aluno em tempo integral, teria

que ter reformas em sua estrutura física. Além disso, há outros aspectos, como: de recursos

humanos, de projetos pedagógicos que transcendem a educação aos limites

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institucionalizados, ou seja, da escola como a única possibilidade de formação intelectual,

pedagógica e mesmo de formação para as relações humanas; a isso dá-se a condição de

ensino em tempo integral.

Há controvérsias entre a questão do tempo e a questão da integralidade, pois não significa

que o educando, que estiver por maior tempo na escola, estará habilitando-se e tendo um

ensino integral, que proporciona e integra aspectos distintos que respaldam sua vida, tais

como: cultura, sociedade, politica, aprendizados transversais que um currículo

enriquecedor lhe garanta, como a formação para a educação ambiental, direitos humanos e

articulação crítica sobre política e cultura.

Essas concepções recaem ainda na situação de poder e de confrontos referentes ao

modo como a escola proporciona a produção de conhecimento, os sentidos que se

constituem na organização da escola e da comunidade, mas trocas de ideias que são

essenciais para o processo de construção curricular que articule o sentido de formação

integral, de construção de conhecimentos para além do currículo formal e que possibilite a

exposição crítica de todos os sujeitos envolvidos no processo, afirmando assim o sentido

de processo democrático, articulado aos anseios da comunidade escolar.

Quando dialogo o sentido de gestão democrática no ambiente escolar, busco

discorrer sobre ações que articulem as relações entre os anseios do corpo docente, gestor,

coordenador e de manutenção da escola, bem como dos estudantes, aliados aos anseios que

a comunidade externa poderá trazer como propostas de um currículo que visa a escola de

tempo integral e a comunidade como aliadas, nunca vistas estas como rivais por disputa de

espaço e de poder. Segundo da Costa (2012, p.480):

No Bairro-Escola, a educação vai muito além da escola. Não há, porém, como se

poderia supor, um esvaziamento da instituição escolar. Há, na verdade, um novo

posicionamento: as escolas deixam de ser as únicas responsáveis pela formação

das crianças e jovens e passam a compartilhar com outros agentes essa complexa

tarefa. Nesse compartilhamento, elas assumem um papel ativo, tornando-se

catalisadoras de novas oportunidades educativas, e encontram na cidade,

particularmente nas comunidades no entorno, territórios plenos de

possibilidades.

Esse processo de cooperação e ação partilhada entre a escola e o bairro é um fator

que contribui de forma positiva na constituição de formar os sujeitos num caráter integral.

Para que ocorra essa ação de participação, fazem-se necessárias as relações contributivas

da comunidade e escola, como já dito anteriormente. Não num jogo de poder, tampouco

retirando da escola o seu papel de formação para saberes inerentes do processo educativo,

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em que os professores são habilitados a realizarem as mediações necessárias. Para Leclerc;

Moll (2012, p. 23):

A demanda por mais tempo diário de escola representa outro lado da moeda da

demanda pela qualidade dos processos pedagógicos e pela democratização dos

conteúdos científicos, tecnológicos, artísticos e culturais, dos usos das

tecnologias e mídias e da participação na produção e disseminação do

conhecimento. A potência do conhecimento de educação integral também

representa insumo para a qualificação do tempo diário, em termos da abordagem

da base comum nacional nas diferentes áreas de conhecimento, saberes

contemporâneos, metodologias, mobilização de atores sociais, profissionais,

articulação entre escola, família, comunidade e espaços educativos.

Como se pode identificar no fragmento acima, Leclerc e Moll (2012) avaliam que a

educação integral tem um caráter de participação e pertinência nas relações que se dão

entre escola, família e comunidade e que essas articulações proporcionarão o sentido da

integralidade e da democratização do ensino, percebendo o caráter da democracia como

elemento da quebra de poderes ou de uma ação entre dominantes e dominados.

Leclerc; Moll (2012, p. 39) dirão ainda que:

A educação integral é inscrita no campo das políticas de ação afirmativa,

prioritariamente não exclusivamente, para as classes sociais historicamente

excluídas ou com acesso restrito aos bens culturais e materiais, em função de

suas condições concretas de existência. A preocupação com a dimensão

comunitária na articulação da oferta de educação integral está associada às lutas

para que a ação afirmativa seja vivenciada como um processo de inserção

societária. Essa possibilidade está representada nas práticas de educação integral

que não se subsumem à organização interna da escola, porque refuta os

pressupostos foucaultianos em relação às instituições totais: ‗quarentena entre

pobreza e a pobreza honesta‘ [...] o propósito de se conjugar abrigo, lazer e

atividades formativas (educativa, correcional ou terapêutica) para se retirar os

meninos e meninas da rua vincula-se à crença ilusória em uma escola

regeneradora que ‗domestica, cuida, ampara, ama e educa‘, e, no caso da escola

de educação básica, vai ‗colocar nas mãos femininas a responsabilidade de guiar

a infância e moralizar os costumes‘.

O que as autoras revelam faz sentido quando se identifica que a escola integral, na

ampliação do tempo de ação pedagógica diária, tem um compromisso mais amplo com os

sujeitos que estarão envolvidos no processo das múltiplas aprendizagens. Deve haver

comprometimento para que a escola seja crítica em relação aos currículos que constroem a

história educacional atual, para se ter clareza do que se está ensinando visando a formação

integral desses meninos e meninas desde a pré-escola ao final da vida escolar.

A apropriação do espaço de ensino, que extrapola os limites físicos intramuros da

escola, deve ser discutida como uma forma de reconhecimento desses espaços que saem da

escola, como o currículo que faz das ações projetadas em seu Projeto Político Pedagógico,

coerente e confiável e, para que ocorra a confiança e a coerência, o encontro com os

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agentes sociais e comunitários são pertinentes e valiosos no que tange às concepções de

integralidade do sujeito.

Se a ação é pela busca da democracia como fundamento, essa ação tem um caráter

de partilhar, de participação dos agentes e representações segmentárias da escola. Mas para

que isso ocorra, se a ação for de poderes, da constituição de um grupo que orienta a forma

como as coisas devem acontecer e outros que executam essas ações, sem ao menos

questioná-las, não teremos o processo democrático e participativo.

Teremos a participação dos membros, como uma forma de executar algum tipo de

trabalho que, por algum instante, já foi organizado e orientado por um outro sujeito ou

grupo e que, no contexto de escola, sempre respinga na manipulação proveniente da

direção (gestão), coordenação pedagógica e mesmo do que as secretarias de ensino fazem,

limitando ações pedagógicas dos cotidianos distintos de cada comunidade atingida.

O poder é uma das condições que mais sufocam as ações que poderiam ser melhor

desempenhadas no cotidiano de uma escola, visto a submissão ser uma das primeiras

imagens que podem ser interpretadas no cotidiano de uma escola. Para que eu fale um

pouco sobre isto, discorro sobre um dos fatos que ocorreu em mais de uma visita junto à

escola Pantaneira.

Nas conversas em que se evidenciava o propósito de meu retorno à escola, e não

sendo com a função de mediar conhecimentos em uma sala de aula, mas para dialogar com

aquele universo escolar, como estavam sendo as relações cotidianas desde a criação do

tempo integral, tive como uma das limitações a negativa dos cinco funcionários da limpeza

e manutenção da escola em realizarem entrevistas e serem sujeitos da pesquisa. Os

secretários da escola justificaram a falta de tempo, sendo seus principais aliados para

negarem-se ao processo das entrevistas, mesmo afirmando que nomes, falas, e qualquer

que fosse o discurso da gravação seria exposto, visto ter um termo de consentimento do

uso da gravação das falas dessas pessoas.

Os diálogos que se realizaram com essas pessoas dos quais não posso utilizar

nenhuma conversa como fragmento de discussão na pesquisa, mas que merece ser

destacado é que estas pessoas consideraram suas falas insignificantes, pelos cargos que as

mesmas exercem no interior da escola, por não considerarem serem ouvidas e, mesmo

vistas, seja por parte do corpo docente ou mesmo, pelos estudantes. E o que impossibilitou

que elas aceitassem as entrevistas foi por medo de represália ou perseguição. E essas

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perseguições ficaram evidentes por não serem no interior da escola, mas pelo órgão gestor

do ensino integral em Corumbá. Segundo Rezende (1995, p. 90):

Analiso, ainda, numa gestão que se pretenda democrática, os momentos de

discussão, em que se confrontam posições divergentes, são ricos e sempre objeto

de crescimento. É preciso exercitar para compreender que quando os membros

de um grupo colocam eticamente suas posições, o consenso final, estabelecido

pela maioria, dificilmente terá coincidências e até poderá estar distante das

posições iniciais. O acatamento, no entanto, não implica abrir mão de posições,

mas percebê-las como outra forma de ver o fato, mesmo que não

consensualmente.

Nessas relações de poder e escola, é evidente que os atores de tal cotidiano terão em

alguns casos ações de passividade e, quando pensamos em poder, logo pensamos na figura

autoritária do professor, na submissão do estudante em ser o receptor de conhecimentos e o

professor o tutor de todo o conhecimento. Para Foucault, (1979, p. 21):

Todo conhecimento, seja ele científico ou ideológico, só pode existir a partir de

condições políticas que são as condições para que se formem tanto o sujeito

quanto os domínios do saber. A investigação do saber não deve remeter a um

sujeito de conhecimento que seria sua origem, mas as relações de poder que lhe

constituem. Não há saber neutro. Todo saber é político. E isso não porque cai nas

malhas do Estado, é apropriado por ele, que dele se serve como instrumento de

dominação, descaracterizando seu núcleo essencial. Mas porque todo saber tem

sua gênese em relações de poder.

Essa situação ultrapassa os limites da relação professor e estudante; ela vai ao

encontro de outros atores que interagem no cotidiano da escola, visto a gestão e

coordenação exercerem uma função que em alguns casos se constitui de forma

dominadora, proporcionada pelo cargo exercido por esses agentes, e pelo domínio de

alguns saberes, restritos ao universo acadêmico.

Há também as relações que se constroem entre a escola e as famílias que, em alguns

casos, é uma relação de distanciamento ou, mesmo quando existe a relação, é para serem

chamadas por algum tipo de queixa ou mesmo pela entrega de notas ou evento pontual

realizado pela escola, em que pais, mães e responsáveis são convidados a participar, no

entanto dificilmente ou nunca a organizarem juntos essas ações e partilhá-las com todos os

outros sujeitos. Ainda, segundo Foucault, op. Cit. p. 21:

O fundamental da análise é que saber e poder se implicam mutuamente: não há

relação de poder sem constituição de um campo de saber, como também,

reciprocamente, todo saber constitui novas relações de poder. Todo ponto de

exercício do saber é, ao mesmo tempo, um lugar de formação de saber.

No ambiente escolar, o poder está diretamente atrelado ao saber, visto perceber-se

na escola um movimento autoritário por parte dos educadores em relação aos educandos

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em tudo aquilo que se refere ao conhecimento intelectual, muitas vezes não dando chances

para que o educando expresse seu conhecimento de mundo, vivido, encarnado em seu

espaço natural, que é o bairro, a comunidade de onde ele provém.

Cabe, neste ponto da pesquisa, destacar que: Democracia, Participação e Poder

serão as três categorias que são evidenciadas na pesquisa como elementos de análise e no

cruzamento das falas dos sujeitos entrevistados e, também, nas observações participantes

nos encontros que tive com a escola durante o ano de 2014.

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3. A EDUCAÇÃO INTEGRAL NOS MEANDROS DO SÉCULO XXI: TEMPOS E

ESPAÇOS DE OCUPAÇÃO NA FORMAÇÃO DO SUJEITO

Para compor este capítulo, penso ser importante salientar algumas questões

referentes à educação integral no momento presente, fazendo referências às seguintes

conjunturas: o modelo social ao qual a educação integral é oferecida; os preceitos

econômicos das comunidades que são atingidas pelo Programa de Educação Integral

brasileiro; a integralidade e o acesso à cultura pelos educandos da escola pública de

Educação Integral; o poder como jogo político que articula propostas referentes a um

modelo de Escola Integral sem relevar suas necessidades urgentes; o direito à Educação e o

Programa de Educação Integral, em nível nacional em contrapartida com índices de

desenvolvimento humano; o Programa de Educação Integral que afirma a inclusão, mas

exclui através da seleção de quem deve participar das atividades no contraturno escolar.

A seleção para os participantes nas ações do PME constituem-se de algumas

circunstâncias presentes nas vidas dos estudantes das escolas públicas que aderem ao

programa: ser pertencente às camadas de famílias pobres; seus pais serem beneficiários do

Bolsa Família e, ter bom rendimento escolar. Se o estudante não estiver incluído em um

dos critérios acima descritos, ele não é agente partícipe das ações do PME, sendo excluído

do movimento de formação integral.

A proposta de educação em tempo integral na cidade de Corumbá surgiu a partir da

implantação do Decreto 1001, de 20 de dezembro de 2011, o qual estipulava que quatro

escolas vinculadas à Secretaria Municipal de Educação (SEMED) teriam, a partir do

começo do ano letivo de 2012, o desenvolvimento de atividades escolares em tempo

integral. O mesmo teve a proposta experimental de ensino, ou seja, que daria a

possiblidade de readequações durante o processo experimental.

Nas circunstâncias que levaram a implantar o tempo integral de ensino, foram

considerados aspectos de empobrecimento dos bairros das escolas, as quais estariam sendo

vinculadas ao Programa. Essas escolas estão localizadas em três bairros na zona urbana da

cidade e um na zona de assentamento rural. O governo do município anunciou nas mídias

locais, com ampla propaganda, a execução de obras que constituíam a escola modelo de

educação integral. E a escola Pantaneira tornou-se essa propaganda, devido às reformas do

prédio, que haviam sido realizadas. As reformas e mesmo ampliação de alguns espaços não

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foram, e continuam não sendo, suficientes para suprir a todas as necessidades da escola em

tempo integral. A Diretora Gislaine revela-nos que:

Tinha que ter uma sala de descanso. Temos uma brinquedoteca; temos uma

estrutura boa, né. Que temos uma brinquedoteca, temos uma biblioteca; temos

um laboratório científico; temos uma sala de informática. Só que esse espaço é

muito pouco para esses alunos, para comportar as atividades que eles passam o

dia inteiro na escola. Poderia ter mais salas, acredito, quando veio a nossa

reforma. Ter feito mais salas pra gente ter outros ambientes, né! de

aprendizagem. (DIRETORA GISLAINE)

Apesar de demonstrar contentamento em relação a alguns espaços do interior da

escola, a professora destaca uma insatisfação, percebendo que não é suficiente o número de

salas e a não existência de um ambiente adequado para o descanso dos estudantes, uma

espécie de centro de convivências. Cabem, então, os seguintes questionamentos: Como a

comunidade escolar recebe a proposta? A implantação do Programa foi discutida

democraticamente na escola junto à sua comunidade? Em que medida foram considerados

os limites e as possibilidades de haver uma prática educativa de qualidade com a educação

de tempo integral?

No primeiro semestre de 2012 havia reuniões pedagógicas, propondo-se formações

contínuas por área. No entanto, a base diversificada, por ser a mais nova, não tinha a

formação contínua dos seus professores, o que me fez questionar junto à gestão, quando

estariam sendo realizados esses processos de formação para essa nova área, na qual estava

atuando.

3.1. SOBRE A BASE DIVERSIFICADA...

A base diversificada, dentro da proposta estabelecida pelo Programa Especial de

Educação Integral de Corumbá, estabeleceu que, juntamente com as ações do currículo de

base comum nacional, fossem desenvolvidas disciplinas que dessem conta de um diálogo

para questões emergentes e transversais, que constam nas propostas do Plano Nacional de

Educação. Essas ações pedagógicas fazem parte do currículo da escola de tempo integral,

tendo um diálogo sobre direitos e deveres da criança e do adolescente, percebendo a

identidade, a autonomia e os valores que são perpassados pelas gerações dos sujeitos.

A base diversificada, apesar do nome, é apresentada no formato de disciplinas

curriculares com o tempo de uma hora relógio, misturada e envolvida pelas ações das

disciplinas do currículo de base nacional comum, que também ocorrem na mesma

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dinâmica de hora relógio. Atribui-se ao professor da base diversificada desenvolver

diálogos e constituir uma formação múltipla e contextualizada em modelos que sejam mais

diversos do que o currículo formal de base comum apresenta na dinâmica de sala de aula;

no entanto, no começo das ações pedagógicas da escola, não havia flexibilidade e mesmo

não se tinha clareza de como desenvolver essas ações pedagógicas, articuladas aos

movimentos da escola e mesmo à dinâmica disciplinar e fragmentada na qual a escola em

tempo integral estava constituída.

3.2. A ORGANIZAÇÃO DO PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO E OUTRAS

EXPERIMENTAÇÕES

A origem das ações pedagógicas para a escola de tempo integral foi concebida no

final do ano de 2011. Os professores atuantes junto à SEMED, foram chamados e

convidados a experimentar as ações da escola de tempo integral; no entanto, era um projeto

que precisava ser construído, ser esboçado, desenhado e feito concreto para alicerçar as

dinâmicas curriculares que nele estariam presentes. Mas como constituir o Projeto Político

Pedagógico da escola, sem nem ao menos saber como haviam sido as ações de diálogo

sobre escola integral junto à comunidade?

Essas e outras situações levariam a movimentar as ações pedagógicas da escola,

sem haver um projeto, uma estrutura curricular que desse o embasamento para que os

educadores desenvolvessem suas ações pedagógicas, ou seja, seria no erro que viriam os

acertos. E nestas experiências a escola começou o ano letivo em 2012, atuando integral,

num período de oito horas diárias, das 08 horas às 16 horas, de segunda a sexta feira.

O Brasil vive uma história de apropriações de diversos bens e serviços que

deveriam ser distribuídos de forma igualitária para a população num todo. Fazendo deste

modo, as classes populares, com seus direitos negados, não teriam clareza de que em suas

mãos têm o poder decisivo e por assim dizer é através dessas decisões do povo que se

constitui o processo democrático, mas com representações que, por muitas vezes,

esquecem a quem prestam esses serviços.

As camadas populares que em sua grande maioria são formada por negros, pardos,

índios e descendentes de famílias de gerações de analfabetos ou de sujeitos oriundos do

campo e que na cidade encontraram nas periferias o lugar de constituição de suas famílias,

percebe-se, por parte das políticas governamentais, erguerem-se barreiras, ou mesmo

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abismos entre ricos e pobres e que só se encontram caminhos para diálogo entre essas

diferentes classes, quando se faz necessária a manutenção do status quo. Freire (2011, p.

64) destaca com veemência a relação entre opressores e oprimidos no que tange ao sentido

de poder e, assim, o autor afirma que:

Não podia deixar de ser assim. Se a humanização dos oprimidos é subversão, sua

liberdade também o é. Daí a necessidade de seu constante controle. E, quanto

mais controlam os oprimidos, mais os transformam em ‗coisa, em algo que é

como se fosse inanimado. [...] Esta tendência dos opressores de inanimar tudo e

todos que se encontra em sua ânsia de posse, se identifica, indiscutivelmente,

com a tendência sadista. [...] O sadismo aparece, assim, como uma das

características da consciência opressora, na sua visão necrófila do mundo. Por

isto é que o seu amor é um amor às avessas – um amor à morte e não à vida.

Ao compreender as dificuldades dos sujeitos em se libertarem das relações de

opressão que muito sofreram e ainda sofrem, passados os anos de 2012 e 2013, ao

re/visitar a escola no ano de 2014, coloquei em foco a organização do Projeto Político

Pedagógico, neste sentido, com a seguinte preocupação: Se este havia sido concluído. A

Diretora Gislaine responde que:

Sim! Nosso Projeto Político Pedagógico, né, ele sempre tem. As pessoas que

chegam aqui sempre têm o acesso. Só que colocamos em papel. Só que desde

que começou a escola de tempo integral, estamos em mudanças, né?! Mudanças

acontecem quase todos os meses nele, então fechamos assim. Então digamos que

ainda não temos o nosso político pedagógico da escola de tempo integral ainda

fechado. Porque esse estamos em construção de novo desse projeto político

pedagógico. (DIRETORA GISLAINE)

A partir da fala da professora, foi possível identificar que, quase findando o período

de experimentação da escola de tempo integral, não foi possível efetivar o PPP da escola,

sendo que as mudanças sempre ocorrem, pois o processo de ensino está caminhando de

acordo com as mudanças que o mundo vem a apresentar. No entanto, sobre o Regimento

Interno (RI) da escola, a educadora afirma que as mudanças estão em permanente

transformação.

No que observo em relação a essa fala, é que a professora pode estar envolvida por

questões que a fazem perceber a não existência do PPP ou do RI como documentos que

legitimam a proposta de escola integral, mas é importante perceber o currículo da escola,

pois esse apresentará mudanças cotidianas, trará uma complexidade de situações contidas

na escola desde a sua concepção até o presente momento. Segundo Padilha (2012, p. 190-

191):

A educação integral incorpora, mas não se confunde apenas com o horário

integral. Isso porque ela procura associar o processo educacional a uma

concepção de conhecimento e de formação humana que garanta o acesso e a

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permanência na escola com qualidade sociocultural e socioambiental. Isso

significa educar para a inclusão no seu mais amplo significado, não a inclusão já

institucionalizada, que na verdade, burocratiza tudo, até mesmo os mecanismos

de acesso e permanência das crianças na escola, esquecendo-se, por exemplo, de

justamente incluir nas suas prioridades aqueles que ainda não são atendidos pela

educação pública.

Se pensarmos em educação integral, percebendo nosso educando por mais tempo

em um espaço de aprendizagens, que não dê a salubridade para que seja desenvolvido o

máximo do potencial criador, questionador, de cultura, de arte e dos saberes que

apreendem esses sujeitos por tempo estendido, mas complexos de outros saberes e fazeres,

a escola deixa de exercer seu papel de integradora e passa a exercer a função de repressora,

de minimizadora das possibilidades de aprendizados mais amplos. Padilha (2012, p. 190)

afirma que:

Se educamos sem dialogar com os saberes e experiências que os alunos trazem

para a escola, estaremos contribuindo para dificultar as suas aprendizagens e

para aumentar os índices de exclusão escolar. Portanto, inviabilizamos a inclusão

a inclusão educacional, cultural, social e política, dificultamos a superação da

desigualdade social, da violência que hoje ganha fôlego na sociedade mundial, e

a manutenção e a conquista de novos direitos sociais, culturais, econômicos e

políticos. E uma das maneiras de enfrentarmos esses desafios é investirmos mais

tempo e energia, com rigor, seriedade e sempre com muita música e alegria, no

que temos chamado de educação integral. Isso se faz tanto no cotidiano de

nossas atividades escolares/comunitárias, como no âmbito de nossa participação

e acompanhamento das diferentes políticas públicas em nossa sociedade.

O processo de escravização negra e de dizimação dos povos indígenas constituiu no

Brasil um processo discriminatório que se reflete nos serviços públicos ofertados aos

sujeitos empobrecidos e que necessitam de saúde pública, educação pública, segurança

pública e que habitam em bairros, favelas e comunidades em que esses bens públicos que

representam estas populações não apresentam qualidade e massacram essas comunidades

com serviços desqualificados ou mesmo a falta dos mesmos. E nesse processo, vale trazer

os elementos que contribuem para qualidade dos serviços da escola, a que aderi, a uma

nova organização do seu tempo escolar.

É salutar considerar ainda, que não basta a implantação de um Projeto ou um

Programa para o Ensino Integral, cogitando a quantidade de educandos inseridos neste

programa, no entanto, deve haver a necessidade de estruturação e sua manutenção,

percebendo-se a qualidade e equidade. A característica que percebo da escola de educação

integral e sua implantação junto a essa comunidade, representa as condições sociais e

econômicas de uma comunidade condicionada às camadas populares de um bairro pobre e

onde há fortes indícios de opressão.

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Não tem como caracterizar essa comunidade como detentora de bens e acesso a

serviços de qualidade, mas em situação insalubre que é a realidade da maior parte das

famílias das camadas populares. Identifica-se, porém, nesse bairro, a constituição por

sujeitos operários e trabalhadores de lutas na labuta diária e que permeiam o perfil dos

historicamente oprimidos.

Neste sentido, pensar para tal público uma proposta pedagógica emancipadora é um

desafio e, ao mesmo tempo, uma função social extremamente relevante. Segundo Santomé

(1997, p. 5):

Elaborar uma proposta curricular obriga a participar da reflexão sobre que tipo

de cidadãos e cidadãs e de sociedade queremos construir. Essa é, sem dúvida,

uma das questões mais importantes que cabe colocar no âmbito da educação e

que nos obriga a realizar uma série de tarefas prévias destinadas a analisar o

presente, averiguar como são hoje nossas sociedades, que problemas aparecem

como mais urgentes, quais são as causas das situações injustas que detectamos.

A partir do que o autor destaca em seu texto, é notório que, ao construir-se uma

proposta educacional que dê ênfase às questões sociais da comunidade em que acontecerá

a intervenção educativa, também deve se pensar o que se propõe ao grupo que será

diretamente afetado por tal intervenção.

A partir disso, é fundamental perceber o processo de implantação e de ação do

tempo integral na Escola pesquisada, pois essa ação irá interferir diretamente nas vidas de

meninos e meninas que ingressam nela ainda na fase da educação infantil, aos 4 anos de

idade e que, se permanecer esse processo de tempo integral, talvez os mesmos possam

vivenciar essa escola durante toda sua fase de escolarização fundamental.

Para isso, sabe-se da necessidade de uma escola que apresente qualidade,

adequação das propostas pedagógicas e metodologias que irão constituir esses educandos.

Segundo Moll (2012, p. 133):

Um aspecto estruturante da identidade do Programa Mais Educação é sua

preocupação em ampliar a jornada escolar modificando a rotina da escola, pois

sem essa modificação pode-se incorrer em mais do mesmo, sem que a ampliação

do tempo expresse caminhos para uma educação integral. Esse aspecto refere-se

ao esforço para contribuir no redimensionamento da organização seriada e rígida

dos tempos na vida da escola, contribuição essa reconhecida nos conceitos de

ciclos de formação que redimensionam os tempos de aprendizagem e de cidade

educadora, território educativo, comunidade de aprendizagem que pautam

novas articulações entre os saberes escolares, seus agentes (professores e

estudantes) e suas possíveis fontes. Esses últimos articulam as relações entre

cidade, comunidade, escola e os diferentes agentes educativos de modo que a

própria cidade se constitua como espaço de formação humana.

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Referente ao direito à educação justa e com qualidade, a abordagem em Arroyo

(2012, 2014), contribui de forma a debater como a escola atual se constitui em relação à

justiça e ao direito à educação se consolidam na LDB 9394/1996, acompanhada pelo que

está presente na Constituição Federal de 1988, em que ―a educação é direito de todos e

dever do Estado brasileiro‖ e, ainda, a garantia da criança e do adolescente ao acesso e

permanência na educação básica, apresentada esta proposta através do Art. 53, do Estatuto

da Criança e do Adolescente (ECA), em que: ―A criança e o adolescente têm direito à

educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da

cidadania e qualificação para o trabalho [...]‖ (BRASIL, 1990).

A educação brasileira, desde que aprovada a LDB/1996, tem passado por inúmeras

atualizações. Novas legislações ordinárias, que trazem significativos avanços para o campo

da educação brasileira, como, por exemplo, a nova política de financiamento com a Lei do

Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos

Profissionais da Educação Básica, Lei n. 11.494, de 2007 (FUNDEB). A mesma

possibilitou melhor distribuição dos recursos financeiros públicos constitucionalmente

vinculados à educação, serem melhor distribuídos entre os subníveis e modalidades da

educação básica como um todo, superando, em parte, a fragilidade do FUNDEF, extinto

em 2006, que focou o Ensino Fundamental.

A Lei que determina a inclusão dos conhecimentos sobre a cultura africana e afro-

brasileira, Lei n. 10.639, de 2003, modificada pela Lei n. 11.645, de 2008, a qual

compreende ainda a inserção da cultura e das tradições indígenas no currículo escolar; Lei

n. 11.274, de 2006, que amplia o Ensino Fundamental de 8 para 9 anos e outras que

representam bandeiras de lutas das entidades pertencentes aos movimentos sociais.

A educação de tempo integral tornou-se também importante bandeira dos

movimentos sociais, de entidades representativas da educação púbica, no Plano Nacional

de Educação vigente, Lei 13.005/2014, a meta 6 que apresenta a Educação de tempo

Integral como uma política de fundamental importância para o sistema público de

educação, em nível nacional, tendo como objetivo: ―oferecer educação em tempo integral

em, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das escolas públicas, de forma a atender, pelo

menos, 25% (vinte e cinco por cento) dos(as) alunos(as) da educação básica‖ (MEC,

Brasília, DF, 2014).

As ações que são propostas no Plano Nacional da Educação de 2014 até 2024,

sistematizam-se em ampliar as ações de educação integral, fornecendo espaço adequado,

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com salas, laboratórios, quadras poliesportivas, dentre outras estruturas físicas, (vide

estratégia 6.4 do PNE/2014). O que parece possível, mas que se apresenta hoje de forma

deficitária, pois deve se considerar para todas essas situações, um aspecto importante que

são as localidades geográficas de um país continental, em que nem todas as estruturas

devem e podem ser padronizadas.

Outro aspecto que está evidenciado no PNE, são as relações de parcerias através de

instituições públicas, privadas e sindicais para que a adoção de um tempo ampliado

proporcione aos educandos outros espaços educativos. E para que isto ocorra não se devem

considerar apenas os aspectos físicos, mas a ampliação de um corpo técnico e de

educadores que estejam habilitados, com formações especificadas para atuarem nesses

ambientes, e indo além, ressaltando o que o Plano não garante, que é a efetivação de

dedicação exclusiva desses educadores para suas ações em tempo integral, visando que

num período de 40 horas semanais, esses trabalhadores estejam vinculados aos projetos

educativos e pedagógicos para esses grupos.

Não se pode e nem se deve perceber que um Plano de educação visa a ampliação do

espaço físico, da estruturação, e não acompanha e nem garante que se tenham recursos

humanos apropriados e adequados para esta atenção. Que venham a ser construídos

caminhos que levem à autonomia dos educandos a partir de ações em que a comunidade

está integrada.

Não nos basta ver a escola como fortaleza que se fecha para garantir a ―proteção‖ de

nossos educandos, ou mesmo distanciá-los das relações com a comunidade, pois a própria

comunidade, em certo momento, irá desconhecer a escola como órgão inserido na mesma,

pois é importante que a escola faça parte da comunidade e a comunidade adentre essa

escola; no entanto, o Plano Nacional discorre sobre a prática da gestão democrática, mas

não democratiza a escola com os atores que estão e são a comunidade escolar. Não se

apresenta na meta 6 uma estratégia de relações família/escola/comunidade/bairro/cidade e

assim para as ações globais de formação humana.

3.3. A PRÁTICA SOCIAL E OS MOVIMENTOS POPULARES DA EDUCAÇÃO

INTEGRAL

O Programa Mais Educação foi concebido como forma de proporcionar o acesso de

crianças e adolescentes, oriundos de camadas populares, aos bens culturais, artísticos, do

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esporte e do lazer. Por esses meninos e meninas serem oriundos de comunidades que

urgem de atenção referente à melhor qualidade de vida, sujeitos historicamente

marginalizados pelas perversidades do sistema capitalista e suas características

excludentes; excluídos também pela cor da pele ou distintas constituições sociais e

culturais, cria-se uma proposta de educação que, em turno oposto ao do currículo de base

comum nacional, com a possibilidade de atenção em tempo integral e de formação

humana.

O Programa Mais Educação instituído pela Portaria Interministerial n 17/2007 e

pelo Decreto n 7.083 de 27 de janeiro de 2010, integra as ações do Plano de

Desenvolvimento da Educação (PDE), como uma estratégia do Governo Federal

para induzir a ampliação da jornada escolar e a organização curricular na

perspectiva da Educação Integral. (BRASIL, Portal do MEC, 2012).

O documento que legitima a proposta de educação integral traduz, em linhas gerais,

de que a mesma é proposta nas leis e decretos desde a promulgação da Constituição

Federal de 1988, sendo nos artigos 205, 206 e 227, destacado que a Educação Integral é

tema que garante a qualidade e a formação integral do sujeito desde a base comum de

ensino até as questões culturais, artísticas e desportivas. Ainda referente ao tema Educação

Integral, o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n. 9089, de 1990, não faz qualquer

ressalva que especifique diretamente a obrigatoriedade da progressão do estudante em

ingressar em escolas de educação integral.

A LDB/1996, no artigo 34, especifica que: ―A jornada escolar no ensino

fundamental incluirá pelo menos quatro horas de trabalho efetivo em sala de aula, sendo

progressivamente ampliado o período de permanência na escola‖. Neste sentido, é

importante analisar que em 1996, quando a LDB foi aprovada como a lei maior da

educação, o tempo expandido já constava; no entanto, somente dez anos após sua vigência

é que a progressiva expansão do tempo de permanência passou a ter ação concreta através

do Programa Mais Educação.

Há que sabermos que o Brasil tem um histórico de direitos que foram por séculos

limitados a poucos grupos privilegiados social e economicamente, uma realidade em que o

acesso à uma educação de qualidade dava-se com desigual oportunidades contrariando

preceitos da Carta Magna da nação.

Pela conduta discriminatória, ainda referente às raízes escravistas de homens e

mulheres de cor negra, ou ainda pelo trato discriminador em relação aos povos indígenas, a

educação brasileira caracteriza-se pela impossibilidade de permanência desses sujeitos

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socialmente marginalizados de acessarem e manterem-se com êxito nos afunilamentos

avaliativos do sistema educacional formal, mais grave ainda, quando este deveria ofertar

qualidade num sentido de justiça e direito à educação. Segundo Arroyo (2011, p. 33):

Todo pensamento educacional reflete um projeto de sociedade. Quanto mais

tensas as disputas por projetos de sociedade, maiores têm sido as disputas por

concepções e políticas da educação. Quando no pensar a educação falta

sociedade, termina por faltar educação. Aprendemos com os movimentos sociais

a pensar a educação sempre articulada a um projeto de sociedade, de cidade ou

de campo, a um projeto de transformação social e de libertação humana.

Podemos observar uma linha constante: os momentos mais dinâmicos no

pensamento educacional, no sistema escolar se alimentam das indagações e lutas

por direitos, que vêm das tensas relações de forças sociais. Os tempos mais fortes

de politização do campo educacional coincidem com tempos sociais e políticos

fortes, tensos. Até hoje, o que há de mais dinâmico no pensamento educacional

vem dos novos sujeitos, os coletivos populares afirmando-se nas lutas por

direitos atrelados à educação.

As concepções que trago referentes à educação constituída de lutas por um acesso e

permanência que dê direitos e contribua para uma formação com qualidade e equidade,

afirma-se o que as lutas sociais proporcionam no que se refere ao direito à educação. O

direito e o respeito pelas diferenças, visto que todos precisam ser considerados pelos seus

referenciais, por suas características únicas, que constituem esses meninos e meninas,

crianças ou adolescentes, homens e mulheres, jovens, adultos ou velhos, que sejam

respeitados e percebidos enquanto sujeitos sociais.

E neste sentido, quando lançamos um olhar transversal para a cultura e sociedade

nas suas especificidades, proclamamos aí a ideia de que as diferenças são os aspectos que

compõem o contexto social e cultural, desenhando um perfil de sociedade civil bastante

diversificado.

Mas precisa-se aqui lançar o corpo ―despido‖, para depois o ―vestir‖, pelos aspectos

que encobrem os outros corpos por suas constituições sociais e culturais e,

consequentemente, o professor, a cada nova experiência, constitui-se e necessariamente.

Ele também precisaria despir-se de suas concepções sociais e culturais anteriores, para ir

ao encontro de sujeitos que lhe sejam desafiantes para novas descobertas, mas que

carregam consigo, já, alguns elementos que os constituem desde a concepção, ou seja, suas

raízes genéticas, familiares e culturais. Segundo Santomé (1997, p. 7):

O exercício da crítica, típico do trabalho intelectual, tem de aprender a levar em

consideração essa dinâmica de contradições, tensões e assincronias que se

produzem na vida que tem lugar nas instituições escolares, no seio familiar, nos

locais de trabalho, espaços de ócio, instituições culturais e políticas. Dessa

maneira, é possível que seja mais fácil detectar e fazer frente às situações de

injustiça e dominação que sofrem os coletivos sociais com menor poder.

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O que temos percebido nas conjunturas culturais e sociais contemporâneas, é que

hoje há uma disjunção entre as dinâmicas escolares e familiares, no bojo da formação dos

estudantes, visto a escola e a família conceberem-se, hoje, como instituições sociais que se

mantêm distantes, com um convívio social de relações cordiais, no entanto díspares. Será

percebido esse tipo de relação, quando as respostas vêm pelas ações cotidianas dos

educandos, nos acordos e desacordos referentes ao processo de formação que a escola se

propõe a exercer e o modo como esses estudantes se educam nos espaços extraescolares

tais como a própria comunidade local.

Para a concepção de uma escola integral que se configura pensando na formação

integral e integrada de seus estudantes, deve ser repensada sua construção curricular, seu

referencial de sociedade e seu referencial de constituição enquanto instituição voltada aos

deveres e exigências do Estado. Segundo Caetano (2011, p. 29 - 30):

Como parte das instituições que interagem e se integram na sociedade, a escola

tem, em seu interior, sujeitos que trazem de suas relações mais amplas as

aprendizagens que se configurarão, de modo desigual - dadas as relações de

poder na escola - nos conhecimentos gerados com seus movimentos curriculares.

Isto significa assumir que independente das prescrições curriculares dos órgãos

governamentais, a escola se caracteriza como espaço privilegiado de encontro de

diversas leituras e conhecimentos do mundo. Mesmo reconhecendo a

legitimidade e a força dos conteúdos curriculares prescritivos, a potencialidade e

os saberes gerados através das relações constituídas nos espaços escolares serão

frutos das tensões culturais de seus diversos sujeitos. Assim, os movimentos

curriculares, ainda que ausentes de reflexão, não são meras ações descritas ou

magistérios neutros sem resultados práticos na vida dos sujeitos da escola. Eles

são configurados por sistemas de interesses, sejam estes elaborados pelos

sujeitos que estão diretamente nas práticas escolares cotidianas ou por aqueles

que na gestão curricular orientam/determinam o que deve ser ensinado na escola.

(Re)significar o currículo da escola, percebendo as diferenças dos sujeitos que a

constituem, tem sido trabalho árduo e que se configura ao mesmo tempo como uma ação

disjuntiva, entre o modelo de sociedade que ainda carregamos como referência e a forma

como a sociedade atual se constitui. Neste sentido, quando se caracterizam os elementos

que devem ser trabalhados, discutidos, e valorizados, no(s) cotidiano(s) da escola,

deparamo-nos com um choque existencial entre o currículo que se inscreve nas ações

escolares e, os currículos que, isoladamente, pedem passagem para o exercício de ação

social, política e cultural desta escola multifacetada, multicultural.

Caetano (2011), ao ser destacado na citação acima, contribui nas concepções que

tenciono sobre o currículo, enquanto potencial de reflexão e mudança de posturas sobre a

forma como a escola básica atual se constitui. O referencial de comunidade, de cultura, de

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sociedade e demais concepções que constituem cada sujeito, devem ser consideradas no

currículo.

Neste sentido, a escola de tempo integral, que experimenta novas concepções para a

formação dos sujeitos, esses elementos devem ser constituídos como alicerces do currículo

que compõem esta escola. Se, para uma escola de tempo integral, não for possível costurar

diálogos nas ações do currículo comum de base nacional referente aos espaços e ações

multifacetadas7, é possível, então, trazer para uma base diversificada tais diálogos. Moreira

e Candau (2008, p. 214) destacam:

Tempos de escola ‗sob suspeita‘, em que a questão da produção dos saberes

escolares nos remete diretamente às problemáticas da verdade, da racionalidade e

da objetividade do conhecimento no processo de legitimação dos conteúdos

considerados válidos de serem ensinados e aprendidos. Tempos em que se

evidenciam nos mecanismos de poder, socialmente construídos, que entram em

jogo na estratificação e distribuição desses conteúdos curricularizados, tanto no

que dizem respeito à regulação do acesso ao conhecimento historicamente

acumulado como das formas possíveis de se relacionar com o mesmo.

A forma como se organizam as ações cotidianas da escola é também de se defrontar

com questões e tabus no âmbito social estabelecido. Visando superar os tabus, é preciso

promover a democratização dos sujeitos imersos na escola, sua autonomização, de modo

que se faz necessário mergulharmos no universo dos preconceitos a serem quebrados,

através das orientações e formações que melhor dariam conta dos desafios postos.

Quando discorremos sobre gênero e sexualidade, raça, etnia, credo (crença

religiosa), concepções político partidárias, com os nossos educandos, conseguimos

promover junto deles diálogos sobre as diferenças existentes, e que não devem ser

desvalorizadas. Também não devem ser concebidas como absurdas ou verdades

reafirmadas como absolutas, no entanto serem percebidas como possibilidades de trocas de

conhecimentos e de valorização e respeito por essas diferenças. Para Caetano (2011, p. 31):

[...] os conhecimentos a serem universalizados são eleitos, entre vários outros, e

essas eleições fazem parte das políticas que orientam a instituição/sistema

educacional. Entretanto, os currículos não somente sistematizam e organizam os

conhecimentos ou as habilidades a serem universalizados pelas escolas e

aprendidos pelos e pelas estudantes, eles buscam universalizar significados da

cultura e, neste sentido, educar os gêneros, formar as corporalidades e apresentar

subsídios à formação de identidades. Levando em consideração que o corpo é a

base onde o conhecimento é significado e é ele o lócus de que parte a produção e

a expressão da cultura, as sexualidades e os gêneros ganham significados e

reafirmam a necessidade de problematizar os movimentos curriculares, à medida

7 O aspecto que destaco como multifacetado refere-se à compreensão que tenho das distinções culturais de

diferentes tribos; das constituições sócio-políticas dos sujeitos no âmbito familiar, da comunidade em que

esses meninos e meninas crescem, em grande proporção dos que estão na escola pública, são oriundos das

camadas populares da sociedade brasileira, formados e constituídos nos guetos, bairros, vilas e favelas.

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que eles são parte dos dispositivos pelos quais a escola executa a formação de

seus sujeitos.

O autor dialoga as questões de ―educar os gêneros‖ e ―formar as corporalidades‖,

como parte do que proporciona a constituição do currículo na escola. Para tanto, esta

discussão vai ao encontro de outras perspectivas, tais como as formações sociais desses

adolescentes e crianças, e sujeit@s adult@s que se configuram no seio familiar, na

formação psicossocial, na costura cultural e nas concepções políticas desses sujeitos. No

entanto, devemos perceber que parte de alguns desses fios que são tecidos no cotidiano

escolar, formam e proporcionam outros elementos que a família e a subjetividade deste

sujeito, tal qual o aspecto psicológico, dentre outros, serão moldados, serão

desconstruídos/reconstruídos a partir das relações sociais que a escola poderá promover.

A expansão do tempo de permanência de meninos e meninas na escola deve ser

pensada a partir da democratização e concepção de como se justifica esta proposta de

tempo integral, conciliando ações que permitem ao estudante a construção curricular de

seu espaço/tempo de atuação. O movimento social que a escola deve proporcionar não

pode e nem deve estar disjunto de aprenderes populares, visto que a característica marcante

das escolas em tempo integral reflete os padrões sociais de comunidades periféricas, dos

guetos, dos bairros e vilas pobres ou favelas brasileiras. Segundo Paro (1988, p. 14):

[...] a consciência das reais funções que a escola tem desempenhado em nossa

sociedade, é sua função pedagógico-instrumental (em seu duplo sentido de

transmissão do saber e de socialização) que cumpre enfatizar, quando nos

preocupamos com a universalização do ensino. A pretexto dessa ênfase, o que

não se pode, entretanto, é minimizar as implicações político-ideológicas

envolvidas no desempenho de tal tarefa, nem tampouco ignorar que a escola não

constitui o único local de socialização e de instrução. Mas o mais importante é

não perder de vista nossa defasagem em termos de educação pública, quando

comparamos a situação de nosso ensino com a de outros países, onde os

trabalhadores já alcançaram, há muito tempo, esse ideal de universalização da

escola, na qual, através da instrução, apropriam-se de parcela do saber

sistematizado. E parece ser precisamente isso que pretendem as camadas

trabalhadoras quando reivindicam escola e pressionam por mais e melhor ensino

para seus filhos. No entanto, nas atuais condições da rede pública de ensino no

Brasil, a função pedagógico-instrucional só se dá muito precariamente, sendo

que, para grande parte da população, ela nem se apresenta como alternativa.

E nessas circunstanciais condições que Paro (1988) discorre sobre a escola pública,

visando o tempo integral; proporciona que se pense sobre a forma como os educadores

estão hoje envolvidos no processo pedagógico e político da escola integral. Deve-se, ainda,

considerar o que essa escola vem proporcionando nas vidas dos educandos, tendo em vista

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que, ao se dialogar a escola integral, historicamente ela é pensada para atender as camadas

populares, os filhos de trabalhadores/operários que vislumbram uma escola com qualidade.

Cabe encarar que a escola pública em tempo integral deva absorver o educando

para o seu interior, tendo como objetivo visar uma formação integradora, em que essa

escola transponha seus portões, vá ao encontro de um mundo real e, a partir dessa realidade

mundana, busque caminhos alternativos que deem outros significados e constitua sujeitos

transformadores, construtores de sociedades mais envolvidas nos processos de democracia,

sociabilidade e crítica social, tecendo alternativas que sustentem uma possível mudança

social.

A concepção social da escola integral em Corumbá é gerada a partir do olhar

lançado pelo governo local aos conflitos e situações vulneráveis, que se apresentam no(s)

cotidiano(s) das comunidades, as quais foram incluídas pelo PEETI. Foram levados em

conta os aspectos culturais, socioeconômicos e políticos dessas comunidades como

mapeamento das situações problemas que emergiam e proporcionavam a implantação de

escolas em tempo integral nessas comunidades.

No entanto, a intervenção que está sendo realizada, concretiza-se como medida que

se pode considerar provisória, quando se apresenta em caráter experimental, mas que não

se legitima democrática ao identificar de forma generalista o modo como se apresenta o

trabalho que deve ser desenvolvido pela escola de tempo integral. Segundo Antunes;

Padilha (2011, p. 24):

A Educação Integral e Cidadã não visa somente à transmissão de conteúdos, ao

acúmulo informacional, visa à formação e ao desenvolvimento humano global.

Objetiva a preparação de homens e mulheres tecnicamente competentes, capazes

de desempenhar plenamente sua profissão, de viver com autonomia, em busca

permanente de sua realização pessoal e profissional, mas, sobretudo, almeja a

formação de seres humanos que promovem o bem-viver, a justiça social e a vida

sustentável para todos. Seres humanos comprometidos com a felicidade pessoal e

coletiva, com respeito aos direitos humanos e a todas as formas de vida. Pessoas

que, no seu processo de humanização, tenham acesso a um repertório

sociocultural que as prepare mais plenamente para o diálogo com o outro, para

ensinar e aprender com o outro, para conviver com a diferença de forma

democrática, enriquecedora, solidária e emancipadora.

O prazer da socialização caracteriza-se pelas dinâmicas que conseguimos

promover, realizando trocas de conhecimentos, em que os aprendizados que obtive durante

a minha formação acadêmica e de mundo, além das questões que me são subjetivas,

servirão de suporte para a reciprocidade, ou seja, receber do educando o mesmo sentido e

proporcionar-lhe o aprendizado e o ensino através da convivência que nos é oferecida nas

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circunstâncias em que nos encontraremos, de passar dias juntos, inventando e

reinventando, reinterpretando a educação.

É dever de todos e todas perceberem-se como sujeitos que, nesta reinterpretação e

reinvenção da escola, constituirá em si o papel de libertar-se das amarras da opressão. Não

podemos esquecer do que Freire (2011) narrava em seu discurso, de que todos nós

carregamos o germe do opressor; basta a oportunidade e ele floresce em nossas vivências.

Para Freire (2011, p. 72):

Os oprimidos, nos vários momentos de sua libertação, precisam reconhecer-se

como homens, na sua vocação ontológica e histórica de ser mais. A reflexão e a

ação se impõem, quando não se pretende, erroneamente, dicotomizar o conteúdo

da forma histórica de ser do homem.

O sentido de reflexão/ação constitui-se em completude, quando oportunamente

consegue-se articular todos os sujeitos nos processos democráticos, sem distinguir classe

social, formação cultural, orientação sexual, credo, raça/etnia dentre todas as

complexidades que o mundo contemporâneo vem apresentando. O diálogo para perceber a

responsabilidade da escola, frente à socialização e à emancipação dos sujeitos,

caracterizada pela gestão da escola, terá uma luta que sinaliza fronteiras que devem ser

transgredidas, que, dentre outros, percebe-se o principal caráter econômico, que

influenciará nas concepções e decisões da escola, dadas as possibilidades e os limites para

as ações concretas que dependem de financiamento, ou seja a concepção de Poder.

3.4. CONDIÇÕES ECONÔMICAS QUE FAZEM A EDUCAÇÃO INTEGRAL EM

COMUNIDADES POBRES: PODER E DESINFORMAÇÃO

A questão social, como anteriormente foi enfatizado, constitui-se como um dos

elementos principais da implantação de tempo integral de ensino, considerando-se o modo

organizacional das comunidades em que são construídas ou implantadas essas escolas e

quais as suas funções enquanto instituições que devam ter a premissa de superarem, no

universo curricular a que se propõem as fragilidades dessas comunidades, sobretudo às que

se referem as desigualdades de acesso educacional.

As realidades chocam-se na constância de que a escola, que é implantada junto às

comunidades socialmente tidas como vulneráveis, não conseguindo assim uma relação de

trocas entre escola e comunidade. Tal processo revela, por parte dos membros internos à

instituição em ouvir, respeitosamente, a comunidade, e perceber seus anseios e carências.

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Se tratando do limite que encontramos na relação escola/comunidade, no que se

refere às questões econômicas, o tempo integral passou a ser uma forma de dosar as

carências que certas comunidades apresentam. Para tanto, as escolas de tempo integral

acabam sendo uma forma que os governos encontram para remediar as situações de

carência em que as crianças encontram-se imersas no contexto familiar e de suas

comunidades. Em se tratando do aspecto de poder, realizado entre escola e comunidade,

Rezende (2009, p. 47) destacará que:

O poder inerente ao ‗nós‘ comunitário possui algumas características. Nem

sempre é expansivo e agressivo, apresenta necessidades psicológicas que podem

ser bastante influenciadas pela educação, resulta de processos históricos e não é

imposto; pode ser influenciado por vários fatores; pode sofrer o processo

chamado de ‗desarraigamento‘ capaz de levar à desintegração do caráter e à fácil

manipulação por pessoas ou organizações ou, por outro lado, à emancipação

progressista (pensamento independente e desenvolvimento pessoal). O processo

de emancipação pode conduzir a outro tipo de poder: o dos intelectuais

chamados, atualmente, de ‗formadores de opinião‘, em condições de desenvolver

motivações, as quais podem ou não ser influenciadas por um plano – em toda

sociedade há sempre indivíduos motivados e motivadores e as ideias tendem a

sobreviver aos seus divulgadores.

Comungo com o que Rezende (2009) dialoga em relação ao poder e este ser

possível envolver-se pelo que os formadores de opinião divulgarão como condicionante ao

processo de submissão ou emancipação dos sujeitos. Identifico a hegemonização da

sociedade, moldando os preceitos de um determinado grupo social, representado por

pequenas elites dominantes. No entanto, quando os formadores de opinião concebem o

papel de construir junto aos grupos sociais afetados pela dominação, proporcionando-lhes

o encontro com a autonomia, acontece o que Rezende (2009) chamará de ―contra

hegemonia‖, ou seja, que terá condições de organizar as classes dominadas, mas buscando

o desenlace com a histórica dominação, constituindo uma nova organização social.

Percebendo as situações de dominação em relação às dinâmicas da escola integral

desta escola em estudo, visamos identificar como tem sido percebida a ideia de poder,

referindo-se às relações que se fazem presentes entre escola e comunidade, observando o

poder econômico, os níveis de instrução formativa das famílias, dentre outras questões, tais

como o processo sócio-histórico e cultural que constitui os sujeitos da comunidade do

bairro Camalotes. Neste sentido, D‘Ambrósio (2012, p. 114) destaca que:

A escola/academia, bem como a Igreja e a economia, estão no final dessa escala,

isto é, são organizações concebidas pela estrutura de poder para se manter. Mas a

própria dinâmica do ciclo do conhecimento, [...] coloca na geração do

conhecimento os anseios coletivos das massas, que se manifestam através da

crítica. Torna-se assim, inevitável o aparecimento de escolas e academias

contestadoras, bem como de Igrejas reformadas e de novos esquemas de

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propriedade e de produção. A inovação, ou o que alguns chamam progresso,

escapa ao controle do poder.

É pertinente buscarmos nessa identificação sobre o sentido de poder e de

dominação, referente aos movimentos de implantação e de execução das ações de escola

integral no cotidiano da comunidade do bairro ―Camalotes‖ e da escola ―Pantaneira‖,

dialogando como foram as ações do governo local, evidenciando uma relação de parceria

entre escola e comunidade, pois se o objetivo do programa é ser executado em uma

dinâmica de gestão democrática, em que todos participam, estas situações só ocorrem no

instante em que existem as relações entre a escola e a comunidade e vice-versa.

É importante evidenciar que o propósito de gestão democrática e participação dos

membros da comunidade nas decisões e ações contidas no interior da escola, são propostas

ancoradas na LDB 9394/1996, no artigo 14:

Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do

ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e

conforme os seguintes princípios:

I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto

pedagógico da escola;

II - participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou

equivalentes.

É importante ficar claro que o princípio de gestão democrática não é um critério do

governo local, atribuindo as escolas o dever de cumprimento desses movimentos, mas uma

necessidade no sentido de que sejam debatidos e busque-se dialogar com a comunidade

quais as necessidades e anseios da comunidade diante do modelo que é implantado nesta

escola.

Outro fator que é importante ser discorrido no contexto da escola integral, que

também está ligado ao processo democrático, relaciona-se à eleição de diretor, pois o

município estabeleceu, através da Lei 2.264, de 23 de agosto de 2012, que as eleições

seriam realizadas por voto direto e secreto, tendo a posse quem vencesse a eleição com

50% e mais um dos votos válidos. No entanto, o que ocorreu nas escolas de tempo integral,

é que os gestores permaneceram no cargo até o final do período experimental, impedindo

as eleições para diretores nesses estabelecimentos de ensino, contrariando a Lei municipal

n. 2.264/2012.

Nesse processo de integralidade e de decisões, fazem-se presentes as reflexões

acerca do modo que o poder se instaura nas decisões ordinárias que impedem a

comunidade de exercer seus papéis enquanto atores dos processos gestores. A democracia

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é uma das discussões que são trazidas no Programa Especial de Educação Integral de

Corumbá, bem como na Lei 2.264/2012, as quais percebem que a democracia é a forma

por onde haverá a ampliação das possibilidades de formação dos sujeitos para as distintas

questões da vida cotidiana: da cultura, da arte, da formação para a cidadania, das relações

interpessoais, dos processos políticos. Enfim, estabelecer o diálogo como mediador de

conhecimentos

3.5. A INTEGRALIDADE E O ACESSO À CULTURA PELOS EDUCANDOS DA

ESCOLA PÚBLICA DE EDUCAÇÃO INTEGRAL

A proposta do Programa Mais Educação é de garantir o acesso dos educandos da

rede pública de ensino, um encontro com uma formação antes já mais dialogada, que é a

formação para a cultura, a arte, o lazer, atividades desportivas, educação ambiental,

direitos humanos, entre outras ações elencadas.

Na pesquisa desenvolvida foram ouvidas, em entrevista autorizada, 11 pessoas,

sendo 5 homens e 6 mulheres. Na realização das gravações com auxílio de gravador, uma

das perguntas direcionadas aos entrevistados foi: Qual tipo de atividade eles acreditam que

ainda falta na escola de tempo integral? O gráfico abaixo representa o que os participantes

da entrevista acham importante. Foram categorizados elementos que surgiram de suas

falas, neste sentido, proporcionando esta avaliação.

Investigação Empírica sobre cultura e arte na escola (2014)

GRÁFICO 1

Fonte: Dados da pesquisa empírica (2014).

O gráfico acima apresenta alguns dos dados que foram destacados nas falas dos

sujeitos, ao se questionar sobre o que eles gostariam que houvesse enquanto ação cultural,

0

5

10

15

homens

mulheres

não opinaram

TOTAL

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artística e desportiva no cotidiano da escola de Tempo Integral. Todas estas ações

apresentadas nos gráficos acima são traçadas a partir do que esses representantes por

segmentos da escola consideram como importante e essencial no sentido de cultura, arte e

esporte.

Para tanto, o contexto da escola integral proporciona que estas atividades

aconteçam, através das ações do Programa Mais Educação voltadas para o esporte, cultura,

artes e lazer. As vozes que destacaram esses anseios surgem desde os coordenadores

pedagógicos aos estudantes, deixando evidente que há uma carência de ações nestas áreas

no dia a dia da escola ―A Pantaneira‖.

Estas sugestões são fruto do que os representantes dos segmentos de quem consegui

acesso às entrevistas que colocam como urgente no sentido de dinamizar o processo

educacional, de forma a promover maior flexibilidade de acesso a cultura e que eles não

tem encontrado na escola. Segundo Cavaliere (2007, p. 1020, 1021):

Do ponto de vista cultural, a ampliação do tempo de escola envolve disputas

entre ela e outras instituições sociais. Elementos de natureza antropológica

entram em cena quando pensamos sobre a jornada escolar. Traços da cultura

brasileira concorrem com a escolarização; a informalidade nas relações de

trabalho, a persistência do trabalho infantil, mesmo que em suas formas mais

toleradas como o trabalho doméstico, para as meninas, e as funções genéricas e

informais de ajudante, para os meninos, enfim, lógicas de sociabilidade da

infância e da adolescência que se chocam, muitas vezes, com a escola e

particularmente com a jornada ampliada.

A autora fará uma reflexão da cultura que abarca diversos aspectos, dentre eles as

relações domésticas que se constituem no processo de formação do sujeito. A cultura é

algo inerente ao ser humano e não se consegue dissociá-la de outros aspectos que também

são bases de homens e mulheres, tais como os aspectos sociais, políticos e ideológicos. O

contexto da escola em tempo ampliado possibilita discutir as culturas, o processo

multicultural, as concepções que formam homens e mulheres em suas distinções

subjetivas.

O tempo ampliado pode proporcionar que sejam criadas ações referentes à cultura e

socialização, que ultrapasse os limites físicos da escola, explorando outros lugares e nesses

sendo descobertas possibilidades do reconhecimento dos movimentos culturais locais

como fundamentais para a organização do cotidiano escolar. A estas culturas que serão

descobertas nas dinâmicas sociais do bairro onde a escola está inserida será articulada a

ideia da transversalidade pedagógica, necessária para o processo de formação do estudante.

Segundo Paro (1988, p. 16):

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Não é por acaso que a dimensão assistencial é uma das mais caras aos projetos

recentes de expansão do tempo diário de escolaridade oferecidos aos alunos das

escolas públicas. Nestes projetos, argumenta-se que a extensão sugerida é

desejável não só para que os alunos possam aprender mais e melhor, mas

também para que, nesse espaço, possam ser mais bem alimentados, mais bem

cuidados (inclusive no que diz respeito às questões de saúde) e mais protegidos

dos ‗perigos da rua‘. [...] A partir do exame da função pedagógico-instrucional

da escola e das funções supletivas relacionadas ao atendimento de problemas,

[...] impõe-se considerar as demandas da população de baixa renda, diante da

perspectiva de extensão do período diário de atendimento da criança pelo Estado.

[...]

Deve-se considerar que as demandas apresentadas em relação às populações que

são atingidas pelo Programa de Educação Integral apresentam situações que acabam não

sendo cobertas na integralidade pelo Estado; a exemplo disso, temos a saúde, o trabalho e a

renda; educação pública com qualidade, além de segurança pública; e a escola precisa

desenvolver o diálogo com as questões transversais do ensino. Visando a sociabilidade, a

educação ambiental, a formação para a cidadania que são importantes na constituição do

sujeito.

Essa transversalidade configura-se pelas constatações da cultura apresentada pela

escola, através das aulas, da literatura, da arte e da história principalmente e, o que será

descoberto na contramão do currículo escolar estabelecido, mergulhando e se infiltrando

no contexto comunitário para que esse apresente sua cultura, seus agentes e possa dialogar

com a escola, maneiras de dinamizar e proporcionar a ampliação de conhecimentos aos

educandos. Segundo Candau (2011, p. 246):

As diferenças são então concebidas como realidades sócio- históricas, em

processo contínuo de construção-desconstrução-construção, dinâmicas, que se

configuram nas relações sociais e estão atravessadas por questões de poder. São

constitutivas dos indivíduos e dos grupos sociais. Devem ser reconhecidas e

valorizadas positivamente no que têm de marcas sempre dinâmicas de

identidade, ao mesmo tempo em que combatidas as tendências a transformá-las

em desigualdades, assim como a tornar os sujeitos a elas referidos objeto de

preconceito e discriminação.

Um dos propósitos da escola em tempo integral é a articulação entre as culturas,

proporcionando o emaranhado de ações que são expressivas no cotidiano da escola, na

constituição do sujeito em sua completude, mas nunca deixando de se evidenciar que

outras questões devem ser importantes a serem debatidas no convívio educativo. A arte

popular, assim como outras expressões artísticas que são expressas no cotidiano escolar,

precisa ser encontrada pela para que tenha seus espaços invadidos. E um processo a ser

ainda construído e consolidado.

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Proporcionar, neste encontro com o que é diferente no dia a dia da formação do

estudante, respaldo que auxilie na constituição da escola multicultural, que perceba nas

diferenças as possibilidades formadoras. Quando se dialoga sobre cultura no que se

representa o contexto escolar, teremos diversas questões a serem pensadas e

problematizadas, pois é preciso que o sentido de cultura trazido pela escola não suplante o

sentido de cultura das comunidades escolares e, suas raízes familiares que também os

constitui.

O papel da escola é mediar conhecimentos, proporcionar ao educando o acesso às

múltiplas possibilidades de aprendizagens, mas também de perceber como esse estudante

consegue decifrar os códigos que são apresentados a ele, promover em seu cotidiano o

acesso às informações que lhe são necessárias para maior apropriação das questões

referentes ao seu processo de formação. O mundo contemporâneo constitui-se por

inúmeros movimentos e ações, em que alguns são questionadores e críticos da cultura e da

arte hegemônicas, que historicamente fez em parte do repertório dos professores no

processo pedagógico.

Para deflagrar um movimento contrário à arte e à cultura hegemônicas, é

fundamental que o processo educativo vá além dos muros da escola, é importante, sim, que

a escola exerça o papel de mediadora do acesso a outras manifestações culturais e

artísticas. Esse processo transitório permite aos educandos a autonomia para questionarem

quais as funções da cultura na constituição da sociedade atual e quais os elementos

culturais que emergem para o contexto econômico, político e da dominação das populações

e das culturas.

Não há esgotamento nas discussões referentes à cultura, visto que as mobilizações

que presenciamos no cotidiano de vida estão diretamente ligadas a um movimento cultural.

Nesse amálgama de situações, formam-se guetos culturais, mas que necessitam ser

discutido como pertencentes aos gestos dos sujeitos que os fazem seu referencial de

cultura, para que o educando na escola perceba, nessa rede de possibilidades, o que existe

enquanto movimento cultural, aprenda com esses movimentos a respeitar as diferenças e

contextualizar que, a partir das diferenças existentes, surgem os movimentos que se

posicionam contra a dominação.

Quando enfatizo a questão da cultura, busco evidenciar os movimentos sociais que

se constituem no cotidiano do Bairro Camalotes. São os movimentos domésticos, são as

crenças religiosas, o culto à natureza, ao corpo, à preservação do ambiente em que vivem.

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Perpassa o conhecimento sócio- histórico que permeia o contexto que constitui esta

comunidade. A cultura neste caso configura-se por movimentos sociais que ultrapassam

um só aspecto, mas que seja o de trans/formação contextualizada pelos sujeitos que

compõem a organização desse meio.

O PME está articulado às ações que giram em torno do currículo escolar,

considerando estas ações como importantes e fundamentais para o cotidiano da escola. O

Mais Educação, hoje, conta com o auxílio de 9 monitores, segundo a fala da Diretora

Gislaine e das observações que foram realizadas.

No período semanal entre segunda e sexta-feira, são 5 monitores, que estão

cursando algum curso de graduação, todos ligados à licenciatura e os mesmos têm a função

monitória de reforço escolar junto aos estudantes com dificuldades de aprendizagens. As

ações do Programa Mais Educação aos sábados, caracterizam-se por ações da escola aberta

à comunidade, caracterizadas por ações de artesanato e geração de renda.

Estas oficinas são realizadas por atores sociais da própria comunidade; no entanto,

quando a professora fala dos monitores do PME, ela conta como sendo 5, ou seja, apenas

os que exercem a função de auxílio ao reforço escolar, esses são contados como os

monitores do PME e, os monitores da comunidade, são considerados como uma espécie de

colaboradores. Quanto à remuneração dos monitores comunitários, não fica evidente se

eles fazem um trabalho voluntário ou recebem algum tipo de bolsa para exercer essas

atividades.

3.6. PODER, JOGO POLÍTICO E DIREITO À EDUCAÇÃO: EDUCAÇÃO

INTEGRAL A PARTIR DE 2010

A escola pública tem seus tempos e espaços de ocupação numa incessante busca

pela democratização do ensino, através de movimentos dos educadores, mobilizações e

reformas que objetivam não apenas o acesso e a permanência ao ensino público. Que se

perceba a escola como espaço de direito de todo cidadão e que perpasse o caráter de justiça

social como elemento indissociável a um processo emancipador dos sujeitos imersos no

sistema educacional brasileiro. Esta escola não pode servir de jogo político, em relação às

representações partidárias do Brasil, mas que seja dialogada como peça fundamental no

que se refere ao processo emancipatório e de autonomia da população.

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A democratização do ensino público foi discutida durante boa parte do século XX e

continua servindo de análises, denúncias e reivindicações para que ocorra a sua

transformação completa e efetivamente democrática. Alicerçado nesta constatação voltada

à democracia e à qualidade e equidade para o ensino público, levo em consideração três

aspectos a serem discutidos aqui: Poder, Direito à educação e jogo político/partidário no

que se refere a uma educação justa e de qualidade. Segundo Gabriel (2008, p. 218):

O impacto da cultura, nas estruturas empíricas e materiais da organização social,

tem acarretado uma verdadeira ‗revolução cultural‘ que atinge não apenas

aspectos da ordem societária (como fenômenos da globalização e da revolução

tecnológica), mas também abarca a vida cotidiana. Algumas das marcas mais

importantes da dimensão global dessa revolução consistem na amplitude de seu

impacto e em seu caráter democrático e popular. Novas cartografias

espaciotemporais permitem novas percepções, projeções e identificações, tanto

dos indivíduos quanto de coletividades. Nesse movimento, tendências

homogeneizantes e particularistas de mundo se confrontam, fazendo implodir, no

cenário político mundial, os conflitos identitários cuja compreensão e explicação

mobilizam discursos sobre as tensões entre perspectivas universalistas e

relativistas, bem como essencialistas e construcionistas, dependendo da forma de

significar cada uma das noções que estão no polo dessas tensões, bem como a

própria articulação entre esses princípios é possível perceber esses tempos em

termos da existência de uma cultura global mais ou menos homogênea, ou de

novas identificações identitárias, ou ainda a criação de alternativas híbridas.

A articulação que se apresenta deste texto com as questões de jogo político e de

poder, são essenciais no sentido que trata de aspectos humanizantes do cotidiano escolar,

tais como espaço físico harmônico e adequado, que dê sentido ao processo pedagógico dos

estudantes; sujeitos habilitados não somente com suas titulações, mas com olhar sensível

para os educandos que irão fazer parte de suas rotinas de trabalho, entre outros aspectos

que por muitos não são encontrados no contexto familiar, mas que a escola pode lhes

proporcionar. Conceber que a sociedade contemporânea configura-se neste emaranhado de

culturas que se tocam, se cruzam e criam outras vertentes, as quais a autora chamará de

culturas híbridas, embebe do que há de emergente no contexto de discussão sobre poder,

jogo político e direito. Segundo Silva; Silva (2014, p. 41-42):

Em relação à Educação (em tempo) Integral, o que se observa é uma utilização

das atividades do contra turno, visando à melhoria dos indicadores do IDEB.

Uma vez que o IDEB último não possui instrumental adequado para uma

avaliação mais ampla do processo de ensino/aprendizagem nas suas múltiplas

dimensões, a Educação (em tempo) Integral não é avaliada, restando às ações e

programas que compõem a jornada ampliada uma função de entretenimento,

contenção ou uma relação de subordinação às metas do IDEB. Portanto, além de

reforçar a hipótese da prioridade da escola aos fins de Proteção, esta relação

utilitária das atividades da jornada ampliada para a melhoria do IDEB levanta

mais uma hipótese de que a outra prioridade da agenda da Educação (em tempo)

Integral é a formação aos moldes tradicionais sob a vigilância atenta do IDEB.

Resta saber o sentido político-pedagógico desta opção [...]

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79

As pesquisas referentes à qualidade dos serviços públicos da educação, no Brasil,

nos últimos anos, têm apresentado crescimentos quase não identificáveis no sentido de que

os índices de desenvolvimento da educação básica e pública, não ultrapassou a margem

dos 5,2 pontos em nível nacional. Esses índices são ainda mais baixos quando se discute a

educação pública brasileira, mensurando as avaliações de escolas municipais em todo o

Brasil, chegando assim esse índice à casa dos 4,9 pontos.

Essa escala apresentada está numa avaliação feita de zero a dez, dados retirados do

site do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).

Vejamos os dados nos gráficos abaixo.

GRÁFICO 2

Fonte: dados da pesquisa em fonte INEP (2005-2013). Adaptado pelo autor.

O gráfico acima representa a curva do crescimento quantitativo das escolas nos

anos iniciais de ensino, proporcionalmente desde o começo dessas avaliações no ano de

2005, o ensino aparece em uma linha de ascensão, o que demonstra que, hipoteticamente,

houve avanço, ainda que sutil, no contexto da educação básica, com crescimento de 1,5

pontos. Esta representação mostra os índices em nível federativo, ou seja, a avaliação

global brasileira, sem distinguir regiões e estados brasileiros.

Esses índices apresentados no gráfico acima são demonstrativos do quantitativo

referente à educação, sem se levar em conta aspectos regionais, interpelados por suas

carências. O objeto desta pesquisa não é realizar uma análise minuciosa sobre esses

números e suas especificidades, mas o encontro com os dados referentes a Corumbá, e ao

Estado do Mato Grosso do Sul, para que se avalie o processo de crescimento dos índices

referentes à Escola Pantaneira e, principalmente, a relação de poder que se encontra nestas

avaliações.

0

1

2

3

4

5

6

ano2005

ano2007

ano2009

ano2011

ano2013

IDEB NACIONAL - ANOS INICIAIS

IDEB NACIONALpontos

Cresciment4,

3,4

44,4

4,7

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Os índices acima representados são referentes apenas aos anos iniciais do Ensino

Fundamental, onde realmente houve maior expressividade de crescimento; no entanto, nos

anos finais, os índices serão um pouco menores, menos expressivos. Vejamos o gráfico

abaixo referente aos anos finais do Ensino Fundamental em nível nacional. Observando

que são representações que atentam para se dialogar adiante, como está o processo de

desenvolvimento e de qualidade da educação no Ensino Fundamental e identificar se a

situação de tempo integral contribui expressivamente para o desenvolvimento qualitativo

da educação.

GRÁFICO 3

Fonte: elaborado pelo autor, dados da pesquisa em fonte INEP.

Os dados acima revelam que, entre os anos de 2005 e 2013, o crescimento do

Ensino Fundamental II (anos finais), foi de 0,7 pontos. Isso demonstra que ainda tem muito

a ser realizado em se tratando dos anos finais do Ensino Fundamental. Revela-se ainda que

as escolas atendidas pelas redes municipais apresentam os menores índices de avaliação

nos níveis do Ensino Fundamental I e II.

O Estado do Mato Grosso do Sul, segundo os dados apresentados pelo INEP

(2014), tem um demonstrativo quantitativo, que considera um crescimento não muito

distinto dos dados em nível nacional. O gráfico a seguir ilustra o modo como tem se

organizado o desenvolvimento da educação no Estado do Mato Grosso do Sul, entre 2005

e 2013, observa-se que os dados referentes à educação pública não distinguem relações

entre as escolas municipais e estaduais, apresentam-se generalistas na categoria ensino

público. Vejamos o gráfico a seguir:

00,5

11,5

22,5

33,5

4

ANO2005

ANO2007

ANO2009

ANO2011

ANO2013

IDEB NACIONAL ANOS FINAIS

IDEBNACIONALANOS FINAISPONTOS

3,1 3,4

3,6 3,8 3,8

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GRÁFICO 4

Fonte: elaborado pelo autor, dados da pesquisa em fonte INEP

No gráfico acima podemos observar que o crescimento foi de 1,6 pontos no período

avaliado, entre os anos de 2005 e 2013, sendo estes dados referentes ao Ensino

Fundamental I, neste sentido, tanto em relação aos índices nacional e estadual, podemos

considerar que o crescimento foi em igual proporção. Hipoteticamente, a educação teve um

desenvolvimento durante as políticas governamentais de Lula e Dilma Rousseff (2003-

2014). Agora, analisemos o que se apresenta no Estado do Mato Grosso do Sul, relativo ao

Ensino Fundamental II.

Vejamos o gráfico:

GRÁFICO 5

Fonte: elaborado pelo autor, dados da pesquisa em fonte INEP.

O Gráfico 5 apresenta as avaliações sobre o Ensino Fundamental II no Estado do

Mato Grosso do Sul, mostrando o avanço de 0,8 pontos, sendo que nas avaliações

realizadas no ano de 2011 registrava-se uma queda de 0,1ponto e que volta a crescer 0,1

0

1

2

3

4

5

6

ANO 2005 ANO2007 ANO 2009ANO 2011ANO 2013

IDEB-Mato Grosso do Sul ANOS INICIAIS

IDEB-MS: ANOSINICIAISPONTOS

0

0,5

1

1,5

2

2,5

3

3,5

4

4,5

ANO 2005 ANO 2007 ANO 2009 ANO 2011 ANO 2013

IDEB - Mato Grosso do Sul ANOS FINAIS

IDEB MS: Anos FinaisPONTOS

3,1 3,7 3,9 3,8 3,9

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na avaliação seguinte, 2013. Neste sentido, pode-se considerar que o IDEB estadual da

educação pública estagnou no período compreendido entre 2009 e 2013. Observa-se que

são feitas ressalvas em relação a estes números, percebendo que são considerados números

de participantes no processo insuficientes para serem avaliados.

Referindo-se ao contexto da educação básica (Ensino Fundamental) na cidade de

Corumbá, os índices não diferem muito dos contextos federal e estadual (Mato Grosso do

Sul). No entanto, nos dados referentes à última avaliação (2013), Corumbá apresenta seus

índices abaixo das metas esperadas para o período, referentes ao Ensino Fundamental I,

com menos 0,2 pontos. Vejamos no gráfico (6), a seguir:

GRÁFICO 6

Fonte: elaborado pelo autor, dados da pesquisa em fonte INEP.

No Gráfico acima, os índices representados não se distinguem expressivamente dos

números que podemos acompanhar em nível federal e estadual, pois todos são hipotéticos,

quando nos referimos ao contexto qualitativo, visto que esses números perpassam o caráter

avaliativo dos educandos, não significando que se acompanham esses dados referências.

Acompanhemos, a seguir, como estão os índices, referentes ao Ensino Fundamental II, em

Corumbá.

0

0,5

1

1,5

2

2,5

3

3,5

4

4,5

ANO2005

ANO2007

ANO2009

ANO2011

ANO2013

IDEB - Corumbá: Anos Iniciais

IDEB - Corumbá:Anos Iniciais Pontos

3,1 3,4 3,7 3,9 4

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GRÁFICO 7

Fonte: elaborado pelo autor, dados da pesquisa em fonte INEP.

Perpassando os aspectos observados nos dados acima referenciados, a situação do

ensino público em relação ao Ensino Fundamental II, os demonstrativos do gráfico acima,

apresentam índice que, na equiparação com os dados nacional e federal, são aproximados

no sentido de que houve um crescimento de 0,9 pontos, entre os anos de 2005 e 2013,

sendo que, na última avaliação no Ensino Fundamental II, não se alcançou as metas

programadas para o mesmo período, ficando 0,1 pontos abaixo do esperado.

Estas relações gráficas e numéricas acima vão identificar os níveis em que a

educação pública no município de Corumbá está em relação aos níveis apresentados pelo

Estado e pela Federação. No sentido de que não ocorre um diferencial nas consultas

realizadas e atualizadas pelo INEP ainda este ano.

Vejamos, a seguir, o último gráfico referente ao IDEB da escola antes e durante o

processo de implantação do tempo integral.

GRÁFICO 8

Fonte: Pesquisa de dados da Escola

0

0,5

1

1,5

2

2,5

3

3,5

4

ANO 2005ANO 2007ANO 2009ANO 2011ANO 2013

IDEB Corumbá: Anos Finais

IDEBCorumbá:…

2,7 3,0 3,3 3,5

0

0,5

1

1,5

2

2,5

3

3,5

4

4,5

ANO 2005 ANO 2007 ANO 2009 ANO 2011 ANO 2013

IDEB - ESCOLA DE TEMPO INTEGRAL PANTANEIRA

2,3 2,6 2,8 2,6 4.1

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Observar os dados acima e considerarmos que a educação em tempo integral, que

foi implantada no ano de 2012 junto a essa escola, hipoteticamente, contribuiu para o

desenvolvimento do Ensino Fundamental I, caracterizado pelos dados do gráfico acima

representado. É notório que a avaliação realizada no ano de 2011 pontuou em 2,6, tendo

um crescimento de 1,5 pontos num período de dois anos e, neste tempo, foram

desenvolvidas as atividades pedagógicas e de organização escolar em tempo ampliado de

oito horas diárias de permanência na escola. Pelos números é possível considerar que o

tempo expandido contribui no desenvolvimento da aprendizagem dos educandos.

O INEP não apresenta dados referentes aos anos finais do Ensino Fundamental,

justificado por não existirem resultados para a busca das séries indicadas. Neste sentido,

não pode se afirmar que a educação em tempo integral, amparando-se nos dados do INEP,

apresente-se com a qualidade esperada, visto não ter havido os resultados das avaliações

realizadas pelo Instituto, no período compreendido entre 2005 e 2013. Os dados referentes

estão na página eletrônica do INEP (inep.ideb.gov.br) com suas respectivas atualizações.

Os gráficos foram construídos como forma de compreender em linhas gerais como a

educação tem se constituído desde 2005, convergindo para o debate sobre o ensino com a

expansão de permanência do educando na escola e como isso reverte em sua formação.

É possível constatar que, do sistema federal ao municipal, os números representam

que o Ensino Fundamental I tem se constituído mais estabilizado e com índices que têm

contribuído para o avanço das avaliações referentes ao desenvolvimento da educação; no

entanto, o Fundamental II não expõe de forma transparente qual o resultado que se tem

alcançado neste nível, visto ocorrerem justificativas das faltas de avaliações por parte de

secretarias das escolas e mesmo dos municípios.

A educação integral pode proporcionar desenvolvimento ligado ao modo de

organização do trabalho pedagógico que proporcione o desenvolvimento do sujeito, no

entanto devemos considerar ao que Gadotti (2009) irá trazer como considerações referentes

a que tipo de educação integral temos como meta. O autor afirma:

[...] a educação em tempo integral não significa, necessariamente,

desenvolvimento integral. é preciso saber de que educação integral estamos

falando. Daí a necessidade de deixar claros os princípios e objetivos que definem

o tipo de educação que desejamos. A falta de um projeto bem definido pode

levar ao fracasso boas intensões. (GADOTTI, 2009, p. 41)

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As circunstâncias em que a educação pública tem se deparado é de um campo

conflituoso no sentido de pensarmos o que estamos ensinando e quem está querendo

aprender o que ensinamos. Trata-se de uma reflexão importante e revela as inquietudes que

me acompanham no sentido de observar a apatia e o descompromisso por parte de

educadores e a falta do desejo para a educação por parte dos educandos. Essas

circunstâncias podem ser fruto de um processo de dominação que emerge das

representações políticas do país e se afunilam até o contexto de sala de aula, onde as

expectativas muitas vezes não são alcançadas no sentido de perceber em qual medida uma

educação com qualidade e equidade tornam-se importantes nas vidas dos sujeitos. Para

Arroyo (2011, p. 189):

O escolacentrismo, que tanto enfatiza a escola na sociedade contemporânea parte

de uma teoria da educação muito mais contrária do que favorável aos interesses

das classes populares. Ela se alimenta de uma lógica que nega o direito à

educação das classes trabalhadoras através da dinâmica social. Essa lógica,

inerente à escola, tem que ser criticada, tem que ser denunciada

permanentemente. Não é possível ignorá-la em nome da própria defesa do seu

direito à educação. Antigamente se fazia ‗fora da Igreja não há salvação‘. Hoje

pontificamos: ‗fora da escola não há salvação‘. Essa é e foi sempre a fala das

elites, da aristocracia e a da burguesia quando se dirigia as massas: ‗ se quer ser

educado, vá a escola‘. ‗Se você quer ser alguém que pensa, vá à escola‘. Quem

não pode ir à escola, não pensa e é tratado como ignorante, como incivilizado.

Essa lógica, em si, é contraditória aos interesses das classes trabalhadoras!

As ações pedagógicas, políticas e sociais que permeiam a educação no todo, devem

evidenciar e promover direitos iguais e justos a todas as comunidades que utilizam a escola

como um bem público. Como diz Arroyo (2011) no fragmento acima, ―se você quer ser

alguém que pensa, vá à escola‖, perpassa os preceitos de que a educação escolar é a única

forma de constituir sujeitos críticos e reflexivos em relação ao seu contexto. Não seria,

talvez, necessário refletir melhor em relação à posição de Arroyo?

As raízes de que provém minha ancestralidade, são de um grupo socialmente e

historicamente discriminado: negros; latinos, analfabetos ou analfabetos funcionais;

operários de fábricas de peixe; das estradas de ferro; da mão de obra portuária; do trabalho

doméstico; da limpeza pública urbana; da construção civil.

As características que constituem meus familiares não deixam de ser de exclusão,

por todas as generalizações e conceitos que atribuímos às pessoas que não tiveram o direito

à educação. Ser pobre é ser desinformado e ignorante? Pelo processo, o qual acompanhei

as histórias de vida de meus avós e meus pais, que constituem minha história de vida, dão

elementos que me fazem retomar o questionamento acima expresso: Será que a educação

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escolar é a única forma de elevar o conhecimento e a formação para a vida em sociedade

que o homem necessita? Não!

Meu posicionamento é que as circunstâncias que levam homens e mulheres a se

constituírem socialmente e culturalmente autônomos estão atreladas a uma formação que

os distancie da passividade, que seja proporcionada pela luta por justiça social. Quando

trago este conceito, reflito as palavras de Arroyo (2014) ao proferir uma palestra sobre

integralidade do sujeito.

Miguel Arroyo destaca que nem toda a escola de tempo integral formará de forma

integrada o sujeito. Que muitas vezes essa escola constituirá um processo de submissão e

passividade, e o processo de justiça social requer a luta constante. Querer o abandono aos

grilhões escravistas que dificultam a esses sujeitos decisões e o comprometimento que os

façam autores de suas histórias e que essas se constituam num caráter de partilhamento e

comprometimento ao respeito pelas diferenças, a uma formação de conhecimento. Brandão

(2012, p. 47) destaca que:

O conhecimento exige um primeiro esforço mais íntegro e ativo do diálogo.

Sendo um momento do aprendizado, ele não corresponde somente a informações

cumulativas e funcionais que nos obrigam mais à fixação de regras e manejos do

que a qualquer exercício de reflexão. Para conhecer através do aprendizado

importa não apenas dominar uma técnica ou compreender uma questão, mas

refletir sobre o que se aprende e conhece. Conhecer implica possibilidade da

interpretação, de desacordo, de um diálogo-com, através do qual o que eu

aprendo não é exatamente o que eu leio ou ensinam-se. É mais do que isso, ou

algo diferente. Aprendo um conhecimento quando torno meu pensamento de

outro através do meu.

E nesta perspectiva de formação com respeito às lutas e à defesa dos direitos

fundamentais e sociais do conhecimento que promovem uma formação mais integral e

autônoma, constituo-me. Uma formação em que as mulheres de minha família não se põem

submissas aos costumes de uma sociedade machista patriarcal, mulheres que me ensinaram

e continuam a me ensinar que a autonomia do sujeito se constitui no saber ouvir, quando é

necessário, saber protestar quando se faz presente um contexto em que forças contrárias

podem te fazer sufocado.

Não basta a educação institucionalizada na formação e concepção de mundo

constituído a partir das lutas cotidianas, num caráter de buscar justiça e de ter direitos

respeitados e valorização e comprometimento com o outro. Este outro que também

constitui minhas posturas em constante transformação. E nesse sentido, o pensamento de

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que somos sujeitos sociais, culturais, políticos, que se constituem em permanente

incompletude.

Quando destaca-se poder, jogo político e o direito à educação e, nessa tríade que

sustenta um eixo político importante para a educação, trazemos questões contidas em

gráficos e números que se referem ao desenvolvimento educacional, lidamos com o jogo

político e com o poder, lidamos com o diálogo sobre o direito à educação, no ponto em que

se demarcam os territórios habitados pelo ensino e como esses territórios têm sido

discutidos e servido de campo de batalhas, onde a justiça social se expõe pelos traços que

demarcam o perfil dos sujeitos da escola pública e, nesta exposição, exponho-me como

sujeito oriundo de classes populares, historicamente oprimidas, mas que se constitui ativa e

autônoma no sentido de luta e constante constituição enquanto sujeito integral e integrado

nas multifaces do mundo atual.

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4. FALAS, GESTOS E RETALHOS: A ESCOLA QUE CONTA SEU COTIDIANO

A fala é um dos recursos de comunicação humana que se aprimora ao longo da

evolução, mas existem outras formas de o ser humano se comunicar: o diálogo com o

olhar; o diálogo por gestos. Ou mesmo as expressões que surgem e expõem um sistema

complexo de interesses humanos.

Ao adentrar na perspectiva do cotidiano como aporte metodológico, justifiquei que

um dos movimentos na pesquisa seria a observação dos sujeitos, suas ações enquanto

mulheres e homens, inseridos em um ambiente que lhes é familiar, que lhes constitui

identidade de grupo, de indivíduos. Nesta caminhada, esse passante observador encontrou

muitas personagens que constituem esta pesquisa. Capturou as falas desses sujeitos e por

estes recortes fez a interpretação sua do cotidiano que revela as artimanhas de um

movimento composto por muitas ruas, vielas, alamedas e corredores.

No amontoado urbano que se faz às margens do Rio Paraguai, identifico, nas mãos

calejadas de sujeitos simples e humildes, sonhos e utopias. Ainda bem que existem sonhos

para que possamos da realidade fazer pirraça, fazer poesia e fazer arte e transformar isso

tudo em cultura.

Ao reencontrar o bairro Camalotes, reencontro-me comigo mesmo; não sou parte da

comunidade como sujeito lá nascido, crescido ou por raízes familiares, mas é o reencontro

com o que me constitui, a vida corrida do dia a dia, das mães que deixam seus filhos na

escola e para a labuta se guiam. Dos pais, que se ornamentam de seus uniformes e seguem

em busca do pão de cada dia; e dos filhos que fixam seus olhos até sumirem os corpos

cansados e corajosos de seus pais, em busca de um novo amanhecer, de um novo viver.

O encontro comigo constitui-se nos degraus que desci e subi com suor escorrido na

face, da sacola de conhecimentos que carregava nos ombros e da responsabilidade que

carregava na cabeça. Encontro com um ser que se estranha e se reconhece, mas que se

constitui com esta comunidade, nas ruas sinuosas e nos corredores findados por portas e

janelas que fazem do Camalotes e da Pantaneira, o espaço que forma, que transforma as

vidas de meninos e meninas, que na escola, passam todo dia, menino eu, menino-homem.

Visando o que nos dizem esses sujeitos, este capítulo constitui-se das falas e das

interpretações que são feitas a partir do cotidiano vivido junto à escola Pantaneira e junto à

comunidade do bairro Camalotes, como elementos que vão ao encontro de dados que

descrevem as relações entre a escola e a comunidade.

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Foram realizadas entrevistas com professores, estudantes e pais de estudantes,

coordenadores e gestores da escola. Foram, ainda no caminho, encontrados sujeitos que

dialogaram comigo, que contaram um pouco de suas vivências junto à escola, falas que não

são gravadas, mas que surgem a partir das impressões construídas no diário de campo.

A seguir, são destacadas as entrevistas e suas interpretações realizadas como análise

dos conteúdos aqui destacados, enfatizando que os diálogos serão realizados por grupos ou

segmentos representativos da comunidade escolar.

4.1. I ATO: IGNÁCIO, HENRIQUE E VICENTE – ―TÁ BOM ASSIM!‖

Os três adolescentes são estudantes da escola de tempo integral, fazendo parte dessa

instituição desde tempos anteriores a essa implementação, uma vez que todos relatam que

ingressaram na ―Pantaneira‖ no começo de suas vidas escolares, na educação infantil,

primeira etapa da educação básica. A relação que tivemos durante as entrevistas foi

bastante distante, percebendo-os inquietos e um tanto acuados com a situação. Os três

educandos foram escolhidos com a ajuda de uma das gestoras da escola.

As entrevistas com os estudantes realizaram-se no interior da escola, num pátio

frontal, antes do hall de entrada principal e suas falas oscilam de monossílabos a falas que

inspiram desejos e sonhos.

Inácio demonstra, em toda a entrevista, muitos silêncios, acompanhados por olhar

desconfiado e até com desconforto. Quando o menino foi ao meu encontro, ele olhou em

volta, parou, disfarçou e somente depois de um tempo foi em minha direção e, com certo

receio, sentou-se no banco ao meu lado e o diálogo começou. Inácio é um menino tímido, e

sua entrevista tem falas extraídas quase de forma monossilábica, com várias tentativas de

evitar responder o que eu perguntava.

Henrique, não muito diferente de Inácio, também se apresenta bastante tímido, mas

dialoga de maneira tranquila a sua relação com a escola. O estudante revela, durante a

entrevista, que participa das atividades do Grêmio Estudantil que, durante a entrevista irá

revelar como esse processo influi as relações da gestão democrática no cotidiano da escola.

Vicente, não muito diferente dos outros dois meninos, demonstra, assim como

Inácio e Henrique, dificuldades em revelar como percebe a escola, mesmo trazendo

respostas um pouco mais longas, mas pouco articuladas com as percepções da participação

da comunidade (pais e responsáveis) na vida escolar.

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Pode-se perceber, nas falas dos meninos, o modo como foi comunicado o processo

de implantação da escola de tempo integral, marco na mudança estrutural nas trajetórias

escolares desses estudantes – de uma escola de tempo regular (4 horas) a uma escola de

tempo expandido (8 horas).

Henrique fala sobre o processo decisório e participativo, que deveria reunir todos os

segmentos da escola, não ocorreu até a data da entrevista. Isso se detecta não apenas pela

fala, mas também ao identificar que as vozes dos estudantes não são ouvidas, ou melhor,

não são instigadas à pronúncia. A esse fato da limitação da fala por questões que se

cristalizam nos cotidianos escolares, Freire (2014, p. 90) destaca que, para o educador

encontrar sentido no seu processo pedagógico, faz-se necessário compreender que...

O poder de silenciar implica o desenvolvimento da habilidade de ouvir as vozes

silenciadas de modo a, então começar a procurar modos – táticos, técnicos,

metodológicos – que poderiam facilitar o processo de leitura do mundo

silencioso, que está em íntima relação com o mundo vivido dos alunos(as). Tudo

isso significa que o educador(a) deve estar imerso na experiência histórica e

concreta dos(as) alunos(as), mas nunca imerso de forma paternalista de modo a

começar a falar por eles mais do que verdadeiramente ouvi-los.

O poder da palavra, seja através da fala ou da escrita, faz as relações humanas e

pode dar a luz de conciliar a paz ou de constituir a guerra. No universo escolar, nas

relações que ainda se encontram verticalizadas, pode-se notar que o silêncio dos estudantes

aparece como o modo que eles identificam-se em obediência, em respeito, quando em

verdade deveriam ter suas vozes ouvidas e, a partir, delas os problemas emergentes serem

sanados ou ao menos amenizados.

Henrique fala: ―Parece que teve uma reunião com os pais pra dizer que a escola ia

se tornar integral‖8 (HENRIQUE). Sobre essa chamada, busquei compreender como

houve a abordagem junto aos estudantes e o menino explica que os estudantes não foram

avisados, mas “[...] só os pais‖ (HENRIQUE). Vicente pensa nesse processo e afirma,

inicialmente, que todos foram avisados, mas logo após retoma e explica: ―[...] Na hora de

fazer a matrícula falou pra as mães e as mães avisou aos filhos‖9 (VICENTE). Dessa

forma, ele percebe que a escola o comunicou porque fez isso através dos pais, não se

percebendo como um sujeito ativo nos movimentos de decisão dessa instituição. Sobre

esse assunto, Ignácio afirma não lembrar como tudo ocorreu.

8 ENRIQUE. ENTREVISTA I. [Nov. 2014]. Entrevistador: Leandro Costa Vieira. Corumbá, MS, 2014. 1

arquivo mp3. (00:08:02 min.). A entrevista na íntegra encontra-se nos arquivos do pesquisador. 9 VICENTE. Entrevista I. [Nov. 2014]. Entrevistador: Leandro Costa Vieira. Corumbá, MS, 2014. 1 arquivo

mp3. (00:10:15 min.). A entrevista na íntegra encontra-se nos arquivos do pesquisador.

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As falas dos meninos fazem sentido, quando se percebe as suas ações enquanto

estudantes que não são chamados para um diálogo direto. São falas que representam

marcas de acontecimentos e transformações que ocorrem na escola, mas considero que a

construção de um espaço autônomo e de sujeitos também autônomos não se fará sem a

participação efetiva de todos os envolvidos.

As narrativas mostram a forma como foi realizado o aviso: a abordagem junto à

comunidade para a implantação do tempo integral na escola. Foi um anúncio que se

procedeu no dia de matrícula, em que os responsáveis foram ali avisados. Há um

naturalismo dos estudantes, quando afirmam que receberam os avisos por intermédio dos

pais, sem suas efetivas participações.

Quanto ao gosto por estudar na Escola, os meninos revelam que gostam, que as

vivências com os colegas e os professores com bastante contribuição em suas vidas na

escola. Henrique revela que gosta de estudar na escola, porque... ―[...] Tem mais amigos,

tem mais amizades. Estudo aqui desde criança. De preferência, se tivesse mais séries ia

continuar aqui, mas vou ter que sair, né!‖ (HENRIQUE). Vicente revela que estudar na

Pantaneira ―[...] É muito legal. Os colegas, os professores ajudam bem.‖ (VICENTE).

Ignácio simplesmente disse que gosta de estudar na escola; o menino não faz alguma

consideração sobre as circunstâncias que mais chamam atenção sua no dia a dia de

permanecer oito horas dentro da instituição; no entanto afirma que gosta.

Quando se acompanha um processo em que a escola gera um gosto por estar nela,

demonstra-se que algumas dessas ações têm atingido a esses estudantes, seja pelas

vivências ou mesmo pelos aprendizados. Para Vicente, pensar em sair da escola é estudar

bastante, pois o menino afirmou que, no ano seguinte (2015), ele iria estudar em outra

escola, onde todas as dinâmicas são diferentes. Perguntei a ele se era uma escola de Ensino

Médio Integral, porém sua resposta foi negativa. Vicente passa por um processo natural

que o preocupa, pois serão novas experiências que serão geradas pelo novo espaço que ele

encontrará, distinto de sua realidade hoje; e mais, ele deixa explícito em sua fala, que a

escola tem importância bastante intensa em sua vida.

Henrique e Ignácio dão a entender que suas preocupações não são as mesmas

demonstradas por Vicente, pois os dois têm mais um ano junto à escola e, nesse momento,

vivem os seus cotidianos de estudantes dessa escola. Na fala de Henrique, podemos

perceber que a escola lhe proporciona o encontro com outras aprendizagens e isso garante

querer estar e participar da vida escolar.

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Vicente demonstrava-me tranquilidade ao falar da sua escola. Ele fala dos projetos

novos que estão acontecendo. Pedi para que me desse um exemplo e o educando disse:

―Agora tem o projeto de coleta de água do ar condicionado, pra limpar a escola. Estamos

fazendo vários projetos.‖ Ele explica o projeto... ―Pega a garrafa pet, põe uma

mangueirinha no ar condicionado. Daí deixa encher e põe a água lá na caixa. E

aproveitam a água pra lavar a escola‖ (VICENTE). Revela ainda outras ações: ―Agora

nós estamos fazendo um projeto lá na nossa sala que é pegar o... pegar o coador de papel,

daí pega, quando já tá pronto, deixa secar, daí cola na porta pra encapar a porta‖

(VICENTE).

Essas ações que vêm ocorrendo no cotidiano da escola mostram as pequenas

mobilizações que fazem o possível. A reciclagem entra nas instâncias desses dois projetos

refletindo e revelando a importância de olhar para o que o ambiente escolar pode

proporcionar-lhes enquanto ações de educação ambiental, favorecendo a vista, para os

diálogos transversais do ensino público. O PME tem como proposta essas relações com os

temas transversais do ensino, porém essas relações são mais fortes no que se relaciona à

base diversificada, que não é trabalhada junto com o PME da escola, fragmentando

propostas, quando poderiam ser conjugadas.

Para Henrique, ficar mais tempo na escola revela-se como os momentos em que ele

“[...] mais aprendizagem. Mais tempo pra estudar. Mais tempo pra se divertir‖

(HENRIQUE). O estudante revela que o tempo expandido lhe traz a possibilidade de um

envolvimento maior com o estudo. Estas circunstâncias poderão revelar maior movimento

de conteúdos ou mesmo de ações pedagógicas em que os aspectos transformadores e

condutores para uma formação autônoma apresentar-se-ão como possibilidades nas vidas

desses estudantes.

Henrique faz parte do Grêmio Estudantil da escola e, segundo nossa conversa, ele

diz como são as ações que ocorrem na instituição e como o Grêmio tem se posicionado,

participado das mesmas, fazendo demarcar suas representatividades enquanto corpo

discente. O que Henrique afirmou é que as reuniões em que o Grêmio participa são poucas.

Na data da entrevista, ele afirmou fazer cerca de uns dois meses que haviam chamado o

Grêmio para falar da venda dos aparelhos de ar condicionado antigos.

Arroyo (2011, p. 163) destaca que:

[...] A visão elitista da história que sempre dominou nossa formação nos leva

inconscientemente, a olhar para cima, para o presidente, o ministro, o secretário

estadual, o delegado de ensino ou o diretor, quando nos perguntamos se algo de

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novo em educação se faz ou pode ser feito no país, no Estado ou na unidade

escolar. Sempre nos ensinaram, e continuamos a ensinar aos alunos, que a

história é feita de cima para baixo; que os bem-pensantes, as elites controladoras

do poder fazem a história, e a história da educação também, para os

malpensantes, ou não pensantes – as massas. Estas, pensa-se ingenuamente, ao

máximo se beneficiam da historia e da educação feita pelas elites. Até para

certos grupos que se julgam radicais, as massas e os oprimidos são

mecanicamente reproduzidos pela educação feita e manipulada pelos

dominantes. Visão linear da história em geral e da educação em particular.

A partir das falas de Henrique, evidencia-se que as decisões partem de imediato por

parte da equipe gestora da escola. Henrique, ao ser questionado sobre como se formam as

ações do Grêmio e de toda a unidade escolar para organizar uma atividade com e para os

estudantes, o menino responde: ―Bom, de vez em quanto tem uma reunião, onde eles

chamam nós. Daí conversam, todo mundo organiza lá pra ver o que cada um pode fazer.

E assim ajudar da melhor forma possível, né!” (HENRIQUE). Em relação às reuniões

colegiadas, em que todos participam tendo suas representatividades, Henrique revela que

―De vez em quanto.‖ eles participavam das reuniões que eram para direcionar algumas

decisões referentes à escola, a projetos, aulas, simplificando para o estudante, com o

objetivo de construção do PPP da escola e também revendo o currículo da escola de tempo

integral.

O que o estudante revela, conjugando-se com as falas de Ignácio e Vicente,

contribuem para as relações que adiante serão feitas com outros segmentos da escola,

contextualizando e percebendo até que ponto se realiza as ações em que se efetivam o

ouvir de vozes dos estudantes, ou de seus representantes. Henrique representa um núcleo

da escola e em poucas palavras expressou como ele sente as relações.

A escola desejada alicerça-se na autonomia do educando, no entanto penso até que

ponto se tensionados esses gestos de autonomia no cotidiano de vida desses educandos,

percebendo que é importante destacar que, segundo Freire (2014, p. 219-220):

Quando a gente reflete sobre os limites da educação e as possibilidades da

educação, é preciso ter cuidado para não enxergar na positividade e não enxergar

na negatividade, ou, em outras palavras, não enxergar na impossibilidade e não

enxergar na possibilidade. Quer dizer, a educação não pode tudo, mas a educação

pode alguma coisa e deveria ser pensada com grande seriedade pela sociedade.

Acho que a sociedade civil e nós todos precisamos realmente brigar. Brigar pela

seriedade da escola pública, [...] é brigar pelo dever que o Estado tem de oferecer

uma escola séria, uma escola com quantidade e uma escola em qualidade. [...]

não deixar de cumprir o dever dele, que é de oferecer uma escola séria, uma

escola democrática, uma escola aberta, em que o educando experimenta as

possibilidades que a educação oferece e reconhece os limites da própria

educação.

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O jogo educativo constitui-se em múltiplos processos, desde o diálogo entre os

segmentos e as suas respectivas representatividades, até o espaço que é demarcado entre as

relações de envolvimento da escola com os órgãos financiadores. Nesse aspecto, deve-se

considerar que as comunidades exercem papéis importantes, ao protagonizar as ações

educacionais, ao colocar-se parte da escola como um dos segmentos do currículo que

constitui essa escola. Ao cumprir o papel que é de direito e dever da comunidade escolar, a

qualidade educativa e o espaço da escola serão re/visados com o sentido e o direito que

cabe aos nossos educandos.

Henrique, Vicente e Ignácio são três meninos que representam faces da educação

brasileira pública, que se apresenta em maior percentual nas periferias de todo e qualquer

centro urbano em todas as regiões do país. É nessa condição cotidiana que esses meninos

dizem gostar, curtir, apreciar a escola e suas peculiaridades, apresentam-se em suas falas

mais curtas, aspectos das relações de poder que é exercido sobre esses estudantes. Narrar

que a escola não abre espaço amplo para que eles exponham seus anseios e suas escolhas, é

fato que demarca a verticalidade como esse cotidiano que se apresenta.

Dialoguei com os meninos se as famílias são chamadas a dialogar as necessidades,

os anseios e as situações importantes na e para a escola, os três meninos respondem que

sim, mas que as famílias em sua grande maioria, não participam. Inácio irá revelar que

―Chamam! [...] Quando tem entrega de boletins” (INÁCIO). Isso demonstra que a escola

só terá relações com a família pelo sentido de dar os resultados da produção de

conhecimento dos filhos?

Esse fator é importante ser refletido no que se refere à escola de tempo integral,

percebendo que, se o objetivo é a formação integral dos educandos, o fator de resultado de

notas não deve ser o momento específico de se dialogar com os responsáveis dos

educandos, que o momento é mais amplo, que a avaliação deve ser contínua, diária, a partir

do que esse educando irá assimilar de seus aprendizados.

Quando Henrique revela, em sua fala, que os pais ―[...] até são chamados, mas a

maioria não vem, não se interessa em vir. Mas são chamados, sim. Alguns vêm, mas a

maioria não” (HENRIQUE). Se destaca que foi incutido na rotina dos próprios educandos

que a escola não consegue convencer os responsáveis de partilharem das vidas escolares no

interior da escola além da entrega de notas ou resolução de problemas pontuais

apresentados pelos educandos. E para isto ainda tenciono que a escola não vai até essa

comunidade por outras vias, que não seja a passeata chamando a participar, tampouco ir de

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casa em casa, pois esse trabalho seria redobrado para que esses educadores ficassem pelo

menos mais seis horas diárias, para que houvesse essa efetiva partilha. Mas seria

importante a escola embrenhar-se por outros caminhos que fossem ao encontro dessa

comunidade, dos responsáveis e que constituísse ações alternativas e em momentos

alternativos que possibilitasse a relação escola e comunidade.

Um dos papéis importantes no cotidiano da escola é a presença da comunidade

externa da instituição na vida escolar, pois essa relação irá criar um elo de cumplicidade

que convergirá no melhor aproveitamento pedagógico do educando, visto um

acompanhamento mais apurado e com maior precisão sobre o processo de aprendizagem

pelo qual o educando passa. Além disso, contribuirá para uma ação de compartilhamento

das ações que ocorrem no dia a dia desse espaço, proporcionando ainda o encontro com

outros espaços de aprendizagens. Segundo Rios (2012, p. 168):

Por meio da perspectiva da pedagogia Urbana, afirmamos que o processo de

ensino e de aprendizagem necessita reconhecer-se em múltiplos espaços que não

seguem a significação histórica da instituição escolar (e que a enriquecem), mas

que, por sua vez, ampliem as possibilidades de que se produzam em outros

âmbitos. Nesse sentido, e como parte dessa operação de descentramento, a tarefa

educativa não pode ser colocada sob a tutela de um só sujeito e sim de novos

atores que assumam a tarefa de ensinar, para além da comprovação profissional

específica.

Assim é possível que encontremos em outros espaços e nas alianças feitas com

outros sujeitos que se dispõem ao trabalho pedagógico, ainda que esse seja para uma ação

de conhecimentos de elementos que nem sempre a escola tem a possibilidade de apresentar

ao educando, sejam a chave para ―um novo suporte educacional sobre o que significa

ensinar e aprender‖ (RIOS, op. Cit., p. 169).

Vicente, após ser questionado se já tiveram ideias sobre algum projeto na escola,

dirá que... ―Pensamos no projeto de violão, mas não tem violão!‖ (VICENTE). A

Pantaneira foi uma das escolas selecionadas para a realização do Projeto de Educação

Integral de Corumbá, portanto, acredita-se que a escola teria como uma de suas finalidades

buscar subsídios que dessem conta de proporcionar aos estudantes ações educacionais em

todas as áreas de apropriação desde os temas transversais, ao currículo comum de base

nacional, às questões locais e da região, cultura e arte, mas o que se pode perceber é que

alguns desses propósitos ficam a desejar, pelo que é narrado por Vicente.

Quando falamos da escola e olhamos em nosso entorno, comecei a refletir,

juntamente ao Inácio, depois com Vicente e finalmente com Henrique, sobre as possíveis

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mudanças que poderiam ocorrer na escola. Os meninos revelam coisas muito específicas,

mas que são importantes em suas vivências na escola, Inácio, por exemplo, ressalta que

seria bom ―Uma pintura. Tá tudo rabiscado lá” (INÁCIO); nesse momento, o menino

aponta para os muros e paredes da escola; isso converge com a fala de Vicente que me diz

que é necessário ―Só limpar mesmo.” E Henrique vai além da estrutura física, reflete sobre

as aulas e destaca que: ―As aulas acho que tá boa. Só a estrutura mesmo... Tipo! Por

exemplo, o palco, tá todo depredado. Podia melhorar, né! [...] precisa de limpeza, né.

Geralmente aparece bichos, né. Já apareceu cobra. Realmente precisa ser cuidado‖

(HENRIQUE).

As falas dos três adolescentes sobre a escola é o resultado das reflexões que

fizemos ao olharmos em nosso entorno, não fiz-lhes direcionamento, mas primeiro pedi

que observassem a sua volta, olhassem detalhes e lembrassem como é a escola,

conversamos sobre o que eles acreditavam que poderia ser mudado e os meninos disseram.

Os relatos que constatam-se nas imagens apresentadas abaixo.

Figura 1: Pátio da Escola

Foto 1: Acervo pessoal do pesquisador (2014)

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Figura 2: Interior da Escola

Foto 2: Acervo Pessoal do Pesquisador

A escola apresenta uma dinâmica de constante manutenção do espaço referente à

limpeza interna, podendo-se perceber na Foto 2. É o recorte de parte do refeitório e de um

dos corredores que dá acesso às salas de aula. As auxiliares de limpeza organizam o espaço

três vezes ao dia, no período de aulas e ainda realizam a última manutenção após a saída

dos estudantes, a partir das 15 horas.

Vicente enfatiza sobre recreação e intervalo, dizendo que: ―Não! Só as oficinas das

11 horas às 01 hora. [...] Todas as escola que são em tempo integral não têm recreação.

[...] Poderia ser diferente, pois teria um tempo pra os alunos se juntarem, conversar”. A

fala do estudante demonstra que tem a informação de, nas outras escolas não existir a

dinâmica de intervalo ou recreio. Desse modo, Vicente considera natural que isso não

ocorra na escola. Segundo Andrade (2012, p. 177):

Toda instituição supõe uma teia de relações em torno das quais processos grupais

são estabelecidos: vínculos afetivos, padrões de interação social (como

competição, colaboração) e identificações são alguns entre eles. Dessas relações

produz-se a partir de uma rotina de ações conjuntas, mais ou menos orquestradas

em torno de objetivos compartilhados e de uma disciplina para a convivência – o

clima institucional, capaz de determinar os rumos individuais dos integrantes da

instituição e, consequentemente, afetar a própria instituição.

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A organização dos tempos e espaços de formação dos educandos caracteriza-se por

aspectos que forneçam a esses estudantes possibilidades de aprendizagens, em que sejam

vislumbrados caminhos além do cotidiano que lhes é apresentado a priori. Pacheco (2011,

p. 25-26), dirá que:

A racionalidade tecnocrática, que tende a separar a teoria da prática, promove

pedagogias que suprimem a autonomia dos professores (e dos alunos). De um

modo geral, a formação organizada segundo esse tipo de racionalidade gera

formas de organização escolar decalcadas, nas quais os professores exercem um

controle escasso sobre o seu trabalho. São programas que colocam a ênfase em

‗técnicas pedagógicas, que em geral, evitam as questões sobre a finalidade e o

discurso de crítica e de possibilidade‘.

Pacheco (2011) irá proporcionar, com a citação acima, a reflexão sobre o processo

pedagógico que levará Ignácio, Vicente e Henrique a concordarem que a escola está boa.

Que não é preciso mudar nada, pois tem bons professores, as oficinas proporcionam-lhe

um momento de lazer e também de algumas aprendizagens, não se justificando os

questionamentos.

Os estudantes não são convidados a contribuir na organização de atividades para o

dia da família na escola10

. Segundo Ignácio, a gestão e coordenação organizam, e os

estudantes e suas famílias são chamados para participar das festividades no dia. Isso

demonstra que a escola age de maneira autoritária, e verticalizada, sem considerar quais

ações são importantes e que irão cativar a comunidade. As atividades são organizadas e se

dá o movimento interno na escola. Segundo Pacheco (2011, p. 68):

No século XXI continuam por se caracterizar as promessas que deram ao século

XX o epíteto de ‗século da criança‘. As escolas mantêm práticas assentes em

modelos pedagógicos obsoletos legitimados por um revestimento discursivo

plagiado de qualquer cartilha. E ninguém parece importar-se com isso. Os

estudos oscilam entre o eufemismo e a desculpabilização paternalista. Suas

citações são feitas de fragmentos e citações contaminadas por memórias alheias,

ou pela própria memória dos autores, que os impedem de denunciar aberrações:

o estrado e a secretária como centro estratégico de difusão de ensino; o ditado

seguido de leitura seguida de cópia seguida de contas, problemas, redação,

fichas, ralhos, ameaças, gritos... e mais estrados e mais cadeiras de sentar na

secretaria...

É pelas características seculares que a escola vem se propondo que se constituem

aspectos obsoletos de ensino. A ampliação do tempo de permanência ou a criação de outras

disciplinas, as quais se chamam de oficinas, na escola Pantaneira, não irão garantir a

10

O dia da família na escola foi uma política local, para que não fossem mais considerados os dias em

homenagens às mães ou aos pais e, mesmo ao dia da criança. É um sábado que sempre se considera o mês

destas comemorações, em que as escolas (no geral) municipais, organizam-se para recepcionar os familiares

destes estudantes. Por isso o ―dia da família na escola‖.

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constituição de autonomia dos estudantes, percebido que o processo pedagógico se

constitui de ações verticalizadas entre educandos e educadores. É urgente um projeto

educacional que busque promover a emancipação dos sujeitos através de múltiplos

aprendizados, além do contexto escolar. Segundo Ferraço (2002, p. 103):

Entender/sentir/analisar essa complexidade exige de nós o rompimento das

tradicionais amarras metodológico-teóricas produzidas na modernidade. Romper

essas amarras implica subverter a naturalização da lógica cartesiana na pesquisa

educacional. Requer a coragem de nos lançarmos numa jornada desconhecida,

até porque são muitos os atalhos possíveis de serem percorridos. Requer que nos

deixemos levar pelos movimentos caóticos, de ordem e desordem,. Requer,

como toda tentativa de subversão, ousar enfrentar o desconhecido que pensamos

conhecer, exercitando um sentimento de mundo e vendo através de nosso corpo.

Requer não conter a revolta manifesta no cotidiano, mas partilhar dela,

integrando redes de relações que aparecem e desaparecem nos tempo e espaços

subjetivos. Requer correr riscos de cair em superficialidades e obviedades. De

tornar o texto um romance sem paixão.

É significante que a escola costure ações que promovam a emancipação dos sujeitos

e que essa mesma escola promova a emancipação por meio de conhecimentos do mundo,

para o mundo e que instâncias que, num primeiro momento pareçam simples e pequenas,

possibilitem o encontro com lugares mais distantes, maiores; que sejam promovidos por

meio da escola, do conhecimento a priori do educando, das concepções de mundo e da

conjuntura familiar que os constitui, pois esse é um dos passos que a escola pode garantir

na formação do educando.

Inácio, Vicente e Henrique são três estudantes que representam o corpo de

estudantes da escola Pantaneira, se lhes perguntasse de seus sonhos, talvez fizessem uma

viagem a um mundo que é tão distante do que nós vivemos hoje. Ao questioná-los sobre a

escola, as mudanças se a escola que eles têm é a escola que eles almejam, eles dirão que

sim, ou que talvez sim; se pergunto sobre possíveis mudanças, Inácio, em suas respostas

monossilábicas responde dirá: ―Não! Não tenho.‖ (INÁCIO) É complexo perceber que o

menino não tem sugestões ou que não quer que nada mude, mas se faz complexo quando

ele por muitas vezes pode ser levado a não ser ouvido, ser silenciado, que quando lhe foi

dada a possibilidade de ser ouvido, não se permitiu, porque lhe faltou o sentido autônomo e

de confiabilidade quem sabe.

Vicente e Enrique, mais tagarelas, mas com falas curtas e objetivas, podem ter

sonhos maiores. A escola para eles pode ser a casa dos saberes e dos sonhos que lá fora dos

portões da Pantaneira não lhes são permitidos serem sonhados. Então, se falarmos do

intervalo, do recreio, da diversão, Vicente dirá que... ―Tá bom assim, porque aí tem oficina

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e pode se divertir lá na sala.‖ Essa fala me faz pensar nos sonhos de um encarcerado, que

o banho de sol lhe dá a liberdade momentânea, que pode ser retirada se ele buscar algo

mais.

A escola, ao que me remete, aprisiona por tantas horas dentro de quatro paredes e

por recortes retangulares de janelas que mostram as paisagens do pátio cheio de mato da

instituição, as vidas e os corpos que precisam ser explorados e vistos como corpos que

precisam ser movimentados e vivenciados como parte da formação desses meninos e

meninas. Que a objetivada autonomia se faz por intermédio do recreio, da brincadeira livre,

não diretiva, das astúcias infantis, do menino e da menina que correm, brincam e inventam

além do que lhes é direcionado.

Os dados empíricos revelam que a extensão do tempo dos estudantes na escola vem

acontecendo, sem um planejamento que seja sustentado no plano da gestão e da

organização do trabalho interno da instituição, os dados extraídos a partir do diálogo com

os estudantes, revelam que faltam condições objetivas para que aquele processo educativo,

em tempo integral, alcance a qualidade desejada. Ao que se pode constatar, tudo acontece

de modo desordenado, sem uma ação coletiva planejada, o Projeto Político Pedagógico

que, em tese, seria o documento mais palpável do que a Instituição pretende com a

ampliação do tempo escolar, apresenta-se bastante omisso em relação à educação integral

Se para Henrique “[...] a escola é boa, mas se ela melhorar é melhor ainda. Mas

[...] é boa!‖, proporciona interpretar que ainda pode haver mais, que não está tão bom

assim quanto em algum dos fragmentos das falas de Ignácio foi explicitado. É um bom que

pode ser ótimo, que poderá significar o que hoje é sonho e utopia, pois se conseguimos

fazer do real o que existe, é porque um dia esse real foi sonhado. Foi idealizado! E a

escola, o tempo e o espaço se fazem sonhos de meninos e meninas que, para serem

autônomos, participativos, percebidos e respeitados por suas culturas, suas singularidades,

e coletividades, precisam ser vistos horizontalmente, capazes, e a escola integral precisa

promover isto e reafirmar que não está bom assim.

4.2. II ATO: TRÊS EDUCADORES E SUAS HISTÓRIAS

[...]

Um operário em construção

Compreender por que um tijolo

Valia mais do que um pão?

Tijolos ele empilhava

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Com pá, cimento e esquadria

Quanto ao pão, ele o comia...

Mas fosse comer tijolo!

E assim o operário ia

Com suor e com cimento

Erguendo uma casa aqui

Adiante um apartamento

Além uma igreja, à frente

Um quartel e uma prisão:

Prisão de que sofreria

Não fosse, eventualmente

Um operário em construção. [...] (Vinicius de Moraes).

Bem como na obra ―O operário em construção‖ (1956), de Vinicius de Moraes,

lançam-se nas trilhas do cotidiano as falas de três educadores em construção. São três

sujeitos, que representam o segmento dos educadores da escola que, em seu dia a dia,

constituem em suas vidas a ferramenta do conhecimento como a produção cotidiana de

operários em construção.

Sebastião, Manuela e Raimunda são as três personagens ou sujeitos desta pesquisa,

educadores por formação e pelos caminhos que a vida acadêmica lhes proporciona. Sabe-

se que um dos papéis fundamentais na educação é a figura do educador que, através dos

conhecimentos que adquire nos anos de formação e de atuação profissional, lhe possibilita

vir a compreender e reconhecer que através do ensino, existem os atalhos para a

transformação social de cada sujeito envolvido no processo.

Três educadores que representam um segmento da escola, três ações pedagógicas

com distintas metodologias, que compreendem e destacam situações pontuais referentes às

suas experiências, convergindo e divergindo no modo de interpretarem as realidades que se

fazem presentes no dia a dia da escola Pantaneira.

Os aspectos que constituem as vivências de Manuela, Raimunda e Sebastião

contribuem na forma como se vê a escola, apresentam recortes e fragmentos que vão ao

encontro de suas compreensões a respeito de gestão democrática, de participação e como

interpretam o modo como são as relações da comunidade e da escola num processo

recíproco, de ações partilhadas, dentro da escola e junto à comunidade do bairro.

O olhar que Raimunda lança, referente à democracia, relaciona-se ao que ela

acredita que deveria ocorrer e ao que acontece na realidade da escola. Raimunda demonstra

ser uma professora bastante experiente, com quase 25 anos de ação como educadora em

escolas. Deriva de uma formação em que o educador ditava as regras e os educandos

tinham o compromisso de absorvê-las e respeitar uma ação pedagógica pragmática e

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bastante tradicional. Em sua fala ela destaca que a escola mudou, ―Porque primeiramente o

aluno que tá em jogo, segundo é nós” (RAIMUNDA). A professora interpreta que as

posições entre estudantes e professores são distintas, revelando assim a ideia de um

trabalho verticalizado, considerando-se algumas imposições.

Nessa importância sobre a ordem das coisas, quem está na frente é o estudante, ou o

professor, em um caminho democrático, perde importância quando se pensa em um

processo em que todos atuem horizontalmente, em que todos tenham o mesmo poder

decisório. Porém, Raimunda desacredita que esse processo ocorre na escola: “[...] se a

gente for analisar, não existe.‖ Mas a educadora compreende a democracia por “[...] ter

liberdade de conduzir o que é do seu interesse. Seu e do aluno, lógico‖ (falas de

RAIMUNDA). É viável encontrar, na fala de Raimunda, elementos que, por ela

apresentados sobre democracia, sejam um tanto restritos, pois quando a professora fala dos

interesses próprios e os do educando, se esquece que a ação democrática no conjunto de

situações da escola faz-se a partir da participação e dessa realização se originar nos

segmentos representativos não só de educadores e educandos, mas dos responsáveis, dos

funcionários, gestores coordenadores e demais membros da comunidade.

Para essa circunstância, Sebastião interpreta que a democracia na escola ―é uma

estrutura que leva o governo da escola, que leva o caminho de articulação da escola, mas

que tem um viés diferente que é não só o governo pra uma diretiva, mas um governo que

também se atenta às realidades circundantes”. O educador entende que a “[...] a

tendência chamada democracia deveria ser algo que ouvisse os participantes. Por isso a

representatividade e o conjunto desses anseios, dessas diretrizes que também estão na

realidade” (SEBASTIÃO).

O educador percebe que a democracia deveria se fundar num “[...] processo de

escuta e de coleta de dados a partir das realidades” (SEBASTIÃO). Assim, far-se-ia

realizar as demandas de democracia. O educador se apresenta bastante envolvido em

compreender os movimentos da escola diante de suas lacunas e possibilidades. A leitura

que Manolo faz sobre democracia tem significado no que Paro (2001, p. 10) dirá:

[...] a democracia, apesar de sua origem remota, transformou-se enormemente

em seu percurso histórico, enriquecendo-se de novos significados, à luz dos

quais precisa ser compreendida. Assim, ela já não deve ser vista apenas em sua

conotação etimológica de ‗governo do povo‘ ou em sua versão formal de

‗vontade da maioria‘, mas sim em seu significado mais amplo e atual de

mediação para a construção da liberdade e da convivência social, que inclui

todos os meios e esforços que se utilizam para concretizar o entendimento entre

grupos e pessoas, a partir de valores construídos historicamente.

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A esses valores históricos que são construídos considerando-se que a democracia

deva ser um meio de estimar a liberdade e o convívio social, volta-se o olhar para o

movimento diário da escola e da comunidade do bairro. Quanto ao sentido de democracia,

Manuela irá manifestar que ―[...] é a participação ativa e direta de todos os componentes

do ambiente escolar em todas as decisões que forem tomadas dentro do portão da escola,

no que se refere à educação das nossas crianças.‖11

Acreditar na democracia como possiblidade de realizar um projeto pedagógico que

dê mais sentido ao desenvolvimento de ações coletivas, pensando a escola como elemento

da comunidade, é a probabilidade de tempos em que as fronteiras físicas, instituídas pelos

muros que separam a escola da comunidade, irão ter fim, consequentemente com a

construção de novos caminhos. Contudo Manuela ainda interpreta que é a participação dos

sujeitos que compõem o ambiente escolar e, para que as relações

comunidade/escola/comunidade se estreitem, é preciso avançar nessa participação, indo ao

encontro dos sujeitos, que há muito tempo, foram excluídos dessas deliberações.

Segundo Gutierrez e Catani (2011, p. 87):

Toda e qualquer organização que tente implantar e desenvolver práticas de

natureza participativa vive sob a constante ameaça de reconversão burocrática e

autoritária dos seus melhores esforços. As razoes para isto são diversas: história

de vida dos membros, supervalorização ideológica das formas tradicionais de

gestão, demandas políticas difíceis de conciliar etc. de tudo isso, contudo, um

ponto deve ser destacado: a participação se ocorre, em geral, entre agentes

dotados de distintas competências para a construção de um plano coletivo e

consensual de ação. Na prática da gestão escolar, esta diferença, que em si não é

original nem única, assume uma dimensão muito maior do que a grande maioria

das propostas de gestão participativa e autogestão que pode ser observada.

Quando se pensa o modo de participação dos membros da comunidade nas decisões

a serem tomadas na conjuntura da escola, relacionando-se ao tempo maior de permanência

dos educandos dentro da instituição, deve-se considerar como os sujeitos da comunidade

perceberão a intervenção da escola por maior tempo nas vidas desses meninos e meninas,

que refletirão nas relações constituídas nas vidas familiares e como a escola se relacionará

com a família, considerando-se que esta é fundamental nas decisões a serem tomadas e

direcionadas para as formações dos educandos.

Os educadores e eu fazemos juntos uma reflexão sobre a importância da educação

em tempo integral para a cidade de Corumbá, em especial junto à comunidade do bairro

11

MANUELA. Entrevista I. [Maio 2014]. Entrevistador: Leandro Costa Vieira. Corumbá, MS, 2014. I

arquivo .mp3 (00:23:37min.). A entrevista na íntegra encontra-se nos arquivos do pesquisador.

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Camalotes. Considerando-se o processo democrático para a efetivação das ações do

programa, os educadores contribuem, revelando que a forma como foi construído o

documento que regimenta e põe em prática a ação de tempo integral tem uma “[...] índole

positiva de acontecimentos, mas existem falhas” (SEBASTIÃO). Manuela enfatiza que o

modelo experimental ―[...] veio mais fechado”; a educadora identifica que não houve “[...]

aquele momento de preparação [...]‖, o que se revela como um processo verticalizado. E

para que isso fique especificado sob o olhar dos educadores, Raimunda exporá que ―[...]

Foi imposto, porque, quando nós chegamos aqui, não tinha nada assim. [...] Não chamou

a família pra conversar. Porque o essencial é a família. Sem eles nós não somos nada

[...]‖.

É notório o incômodo de Raimunda ao revelar o processo de forma imposta, sem o

real envolvimento das partes que representam a comunidade escolar. A educadora irá

destacar que foram escolhidas três escolas para abarcar as atividades em tempo integral e

que essas teriam um período experimental. No caso do bairro Camalotes e da escola

Pantaneira, ela revela que ―[...] as crianças não estavam aprendendo como deveriam

aprender. E a idade é muito, assim, além. Porque tinha aluno de 14 anos na primeira

série‖ (RAIMUNDA). A escola foi colocada no rol das escolas integrais para que fosse

solucionado o problema de distorção idade/série. Porém havia outros agravantes que levam

à implantação da ETI no bairro.

Foi feito uma sondagem para que acabasse com essa evasão, sabe, dentro da

escola. Então aqui é um bairro muito, assim, como vamos falar? Hum! De que

os pais eram também evasivos. Eles não dão aquele aparato pra os seus filhos,

quer dizer: de visão; de valores e, estavam se perdendo aqui nesse bairro. Então

por isso que ele foi escolhido pra tempo integral (RAIMUNDA).

Quando Raimunda enfatiza o sentido de valores e considera os familiares como

evasivos no processo de formação dos estudantes e que a escola torna-se integral para dar

conta de formar esses valores junto aos meninos e meninas da Pantaneira, os elementos

que (SILVA; SILVA, 2012) trazem sobre a concepção de educação liberal-pragmatista,

confluirá no discurso de Raimunda, percebendo a escola como o lugar que abranda o caos

da sociedade, arrebanhando os educandos por mais tempo no interior da instituição.

A esse caráter percebe-se que o século XX teve diversos idealizadores da educação

integral com o fim de possibilitar aos meninos e meninas pobres da periferia de grandes

centros, o que as famílias não lhes podiam proporcionar. A exemplo disso temos as figuras

de Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro e Lourenço Filho, que idealizam a escola voltada para

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solucionar os problemas sociais das camadas populares à época. Segundo Silva; Silva

(2012, p. 63):

[...] o papel da escola é de reconstrução da experiência, sendo ela um espaço

formal próprio para o desenvolvimento de experiências reflexivas ‗que se dão de

maneira natural, mas de forma intencionalmente planejada e selecionada. A

escola transforma-se numa ‗microssociedade‘.

A escola, como o lugar que acolhe e constitui as ações formadoras de crianças,

adolescentes e jovens, não pode ser vista como uma microssociedade, idealizada para ser o

lugar perfeito sem o caos cotidiano. Deve ser considerada como a parte integrante e

integrada da comunidade, exposta as suas realidades e buscando interferir para o

melhoramento do caos através do debate sobre direitos e deveres que regem o meio social.

Segundo Cury (2005, p. 14):

As políticas inclusivas, assim, podem ser entendidas como estratégias voltadas

para a universalização de direitos civis, políticos e sociais. Elas buscam, pela

presença interventora do Estado, aproximar os valores formais proclamados no

ordenamento jurídico dos valores reais existentes em situações de desigualdade.

Elas se voltam para indivíduo e para todos, sustentadas pelo Estado, pelo

princípio da igualdade de oportunidades e pela igualdade de todos ante a lei.

Assim, essas políticas públicas não são destinadas a grupos específicos enquanto

tais por causa de suas raízes culturais, étnicas ou religiosas. Isso não impede a

iniciativa de medidas gerais que, na prática, acabam por atingir numericamente

mais indivíduos provindos das classes populares. E elas têm como meta

combater todas e quaisquer formas de discriminação que impeçam o acesso a

maior igualdade de oportunidades e de condições. Desse modo, as políticas

públicas includentes corrigem as fragilidades de uma universalidade focalizada

em todo e cada indivíduo e que, em uma sociedade de classes, apresenta graus

consideráveis de desigualdade. Nesse sentido, as políticas inclusivas trabalham

com os conceitos de igualdade e de universalização, tendo em vista a redução da

desigualdade social.

Diante do que é vivido na rotina da escola percebe-se que essas políticas ditas

inclusivas são nada mais que ações que visam amenizar os problemas presentes no

cotidiano das relações entre escola e comunidade, desvirtuando o caráter de construção

mais ampla de conhecimentos dos educandos.

A comunidade e a escola não deveriam ter um processo de disputa do espaço que é

habitado com o intuito educativo de crianças e adolescentes; no entanto, deveria quebrar os

muros, deveria destruir-se com as fronteiras que se estabelecem no cotidiano dessa

comunidade. A Professora Manuela evidenciará também que um dos sentidos da escola

integral é ―[...] a de proteger as nossas crianças do tempo ocioso que elas têm a partir do

meio-dia. Porque nós sabemos que a maior parte das crianças, ficam alheias, nas ruas,

nas casas dos colegas” (falas de MANUELA). A educadora revela que, do seu ponto de

vista, a escola integral terá o caráter de proteção do que considera como ―[...] possíveis

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problemas mais tarde, no que se refere à disciplina, drogas e muitas outras‖

(MANUELA). No entanto, é vital para a construção democrática da escola, que se perceba

a cultura da comunidade que constitui essa escola para apreciar, assim, a confraternização

dos sujeitos no processo de novas aprendizagens, integrando ações.

Professor Sebastião defende que a proposta deveria ser algo que ouvisse dos

participantes; o educador mostra uma possível ruptura no processo democrático. A análise

feita pelo educador revela que a escola tem uma estrutura pronta para o desenvolvimento

da gestão democrática, todavia ao declarar que, muitas vezes, há uma compreensão

equivocada sobre o assunto por seus representantes. Faz-se valer a ideia de que não tem

havido a ação democrática na completude.

Eu acredito que ela tem uma índole positiva de acontecimento, mas existem

falhas. Então assim: Ela acontece enquanto falhas em estruturas geradas pra

isso. Nossa escola, nossa realidade, tem uma gestão com representabilidade

(representatividade), porém ela não é eficiente. Eu acredito que não pela

estrutura, mas pela forma de... Digamos assim, de alguns erros de compreensão

dos participantes. Mas ela acontece! Tem sua estrutura marcada pra isso. (Fala

de SEBASTIÃO)

Nesta caminhada pelo cotidiano da escola, é revelado, através das falas dos sujeitos

da pesquisa, quais são os caminhos, critérios e situações que levam a essas falhas, desde o

modo como a escola foi submetida a esse caráter de tempo integral e das ações do

Programa, convergindo para o modo como a escola sempre se relacionou com as ações

cotidianas diante da comunidade escolar. Segundo Martins (2013, p. 18).

[...] Seria necessária a construção de uma sociedade onde pudesse exercitar a

plena igualdade, ou seja, a igualdade é o ponto de partida desta nova organização

social. Nesta sociedade, devem desaparecer os privilégios econômicos e políticos

e, consequentemente, as classes sociais deverão ser abolidas. [...] Na sociedade

igualitária aparecerá, então, a diversidade das pessoas. O conjunto de pessoas

diferentes formará uma organização social, onde uns complementam os outros,

formando a verdadeira solidariedade. Nestas condições, a educação poderá

respeitar a diversidade das pessoas, preparando-as de acordo com as suas

inclinações.

Diante disso, é notório que a escola pode e deve constituir um ambiente solidário e

livre de ações verticalizadas ou antagônicas, no sentido de afirmar um movimento que na

realidade não ocorre, em que se depara com os mandantes e os subalternos. É um processo

que está impregnado nesse ambiente de escola. Segundo Ávila (2012, p. 162-163):

A história e as próprias experiências com as escolas têm mostrado que não há

propostas político-pedagógicas que avancem quando implantada pelos sistemas

de ensino, originadas em ações governamentais sem a prévia discussão com as

escolas e sem um processo de preparação para que as pessoas possam se engajar

compreendendo, acreditando e sabendo de fato do que se trata e de suas

possibilidades de ação. E para abraças uma ideia parece necessário que ela se

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integre à vida, entre na corrente sanguínea de cada participante, de cada grupo,

do coletivo; e isso envolve viver, explicitar os conflitos, as queixas, os medos, as

dúvidas, as contrariedades, o que requer realimente a constituição de tempos e de

espaços que possibilitem às pessoas entrar em processo de interlocução.

Os processos, que são caracterizados pelos movimentos da escola, aparecem em

vários aspectos, desde as relações dos educandos no cerne das decisões; o envolvimento de

educadores e gestores com a comunidade e ainda pelo processo como esses educadores

foram vinculados ao Programa de Educação em Tempo Integral e, ainda, o modo como se

fazem presentes as ações pedagógicas, a formação para atuar nas ETIs, e a formação

contínua e continuada desses educadores.

A forma como os educadores foram convocados para exercer as funções

pedagógicas na escola de tempo integral Pantaneira está caracterizada por convocação de

quarenta horas; no caso de Sebastião ou no caso de Manuela e Raimunda, que são de posse

de uma vaga de concurso, foram convidados a receber mais uma convocação, ficando

assim com regime de quarenta horas, que se faz necessário para a atuação na ETI

Pantaneira.

As educadoras Raimunda e Manuela exercem funções específicas nas turmas de

quarto e quinto anos, desde o começo do Programa; já o educador Sebastião exerce o

trabalho com a base diversificada da escola, em que assuntos tais quais: formação para a

cidadania, direitos humanos, educação ambiental e demais temáticas transversais que são

apresentadas nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs (1997), conjugando-se ao que

a LDB/1996 referenda e ao Plano Nacional de Educação – PNE/2014 sobre a necessidade

de mediar conhecimentos a partir de temas transversais da educação.

Para que as ações que venham sendo desenvolvidas na ETI de forma a garantir

melhor aproveitamento do espaço pedagógico como foco de formação para as condições

diárias da vida social, um dos focos das conversas foi a situação que encontram as

formações continuadas desses educadores e, para isso, o educador diz que:

[...] faz parte de um estudo, que eu até participei, da necessidade de uma

formação continuada. Existe hoje uma tentativa, assim, ao meu ver, positiva.

[...] há uma deficiência. Eu descobri [...] que nenhum professor desse

estabelecimento teve um curso... nem no processo de implantação, nem depois

do processo de implantação. Um curso efetivo, não! Tiveram conversas,

pequenas reuniões com um profissional de bom gabarito, mas nada assim de

muito concreto para a formação continuada. (Fala de SEBASTIÃO)

Para a professora Raimunda, ao fazer a relação com a formação continuada,

ela entende que são as formações contínuas que a Secretaria de Educação proporciona a

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cada semestre onde participam todas as escolas, independe de estarem inseridas no

Programa Especial de Educação Integral ou fazerem parte da rede como escolas de tempo

regular. “[...] existe! Mas nunca separado com o das outras escolas que não são de tempo

integral. É junto! Não tem só pra o tempo integral, não tem, não” (Fala de RAIMUNDA).

Fica evidente que a formação não se configura de forma que vise os educadores das

escolas integrais em sua plenitude, visto serem programas de escolas distintos e propostas

pedagógicas que são diversas.

Manuela irá, assim como Raimunda, enfatizar esses encontros, unindo tempo

regular e tempo integral, sentindo que a formação fica um tanto a desejar.

[...] queria que fosse de forma mais aberta. Eu percebo que parece assim, que

cada uma tá criando um modelo de ser trabalhado. Criando uma espécie de

sucesso próprio, mas é algo que tem que ser compartilhado, senão não funciona.

Porque deixa de ser integral. porque ela tem que pensar o seguinte: se a escola

é integral, não tem que ser integral em si mesma, ela tem que ser integral com

outras... Integral e integrada. Então, para que todos falem a mesma língua, que

não diga assim que tem algum segredo. Se tem algo legal, alguma coisa legal

que deu certo, que compartilhe. Quem ganha isso ai são as nossas crianças. A

gente não ganha, não tem que ganhar nada. As crianças ganham... (Fala de

MANUELA).

Na fala de Manuela, evidencia-se que somente as crianças devem ganhar com a

possibilidade das trocas e compartilhamentos por meio do tempo integral, mas o que se

tenciona é que todos saiam ganhando, visto o educador ser peça que, assim como o

educando, fundamental para o desempenho escolar e acadêmico desses meninos e meninas.

A circunstância mais evidente nas falas de Manuela é que as ações de formação e de

construção de projetos e movimentos pedagógicos nas escolas integrais têm se

caracterizado em movimentos condicionados dentro das estruturas de cada escola e

voltados à cada comunidade.

É preciso perceber a cidade, as ações culturais, sociais e outras medidas que

influem nas vidas dos distintos sujeitos da cidade de Corumbá, como fundamentais no

movimento educativo que tem sido proporcionado e que influenciam nas vidas dos

educandos e educadores das escolas de tempo integral. O que eu quero dizer com isto tudo,

é que as falas de Manuela se faz coerente, ao evidenciar que essa educação integral precisa

ser partilhada entre as instituições, no sentido de que isso fortalece o momento pedagógico

que se constitui em relação ao Programa local. A educadora tem uma visão de que essas

ações, ao serem partilhadas, poderão influenciar tanto as outras escolas em relação ao

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processo pedagógico e político da escola Pantaneira, ou mesmo no sentido contrário.

Segundo Branco (2012, p. 251):

[...] o trabalho de formação continuada de professores deve privilegiar o locus da

escola, que no seu cotidiano enfrenta problemas variados para os quais são

necessários referenciais teóricos confrontados com as práticas ali realizadas, bem

como a construção de conhecimentos, estratégias e instrumentos pedagógicos

que deem uma nova dimensão ao trabalho escolar. [...] uma formação de

professores centrada na escola pode proporcionar, entre outras, uma busca de

soluções para os problemas enfrentados no cotidiano escolar; uma atualização

através da articulação da teoria/prática: uma troca de experiências bem-sucedidas

entre os professores que facilitaria o processo de construção e apropriação dos

saberes docentes. Além disso essa formação possibilitaria a construção coletiva

do Projeto Político Pedagógico da escola uma vez que todos estariam

interessados na partilha dos recursos comuns existentes e na mobilização

conjunta da comunidade escolar.

O processo de formação é também mobilização política e, nesse movimento, a

partilha de experiências e de conhecer o que regimenta a ação do trabalho docente e

também da procedência de um Programa específico, são elementos que devem ser levados

em conta. Neste sentido, considerei pertinente buscar, através das discussões sobre o que se

torna viável e importante nas ETIs, o conhecimento que esses três educadores têm em

relação ao decreto municipal n. 1001/ 2011, que cria o Programa Experimental de

Educação Integral. Sobre o assunto que trata diretamente de legislação, alguns educadores

buscam estratégias para não dialogar, evidenciam pouco ou nenhum conhecimento sobre

os aspectos legais, regimentais, e com as duas educadoras ficou evidente estsa situação.

Além do Decreto do município, é preciso que se tenha atenção sobre o PNE – Lei

13.005/2014. A meta 6 do Plano tem como proposta a ampliação do número de escolas

com educação integral de, no mínimo 50%, visando dessa forma a atender 25% da

população escolar do Ensino Fundamental. Aqui é claro e evidente que as propostas

propagadas no PNE têm como meta o alcance de índices quantitativos para a educação, em

que, num período de seis anos tenha-se um crescimento médio de 1,2 pontos nos índices de

desenvolvimento da Educação Básica, do Ensino Fundamental I ao Ensino Médio.

Estas constatações, que podem ser acompanhadas no PNE, são características que

demarcam as propostas do mercado e dos organismos internacionais com olhar voltado

para a educação; são as exigências de índices que não são acompanhadas pela lógica da

qualidade da escola pública em seus múltiplos campos, desde o ambiente até os recursos

humanos que constituem hoje os bancos de docentes da educação básica pública brasileira.

Fomenta-se uma ampliação de escolas integrais, de educação integral no Brasil, que

atinja 25% do corpo discente do Ensino Fundamental; no entanto, não acompanha-se uma

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política que reforce educadores que exerçam as funções pedagógicas na escola integral, ou

ligados ao PME; essas ações são, na maioria senão em sua totalidade, exercidas por

monitores e sujeitos da comunidade que executam o trabalho de oficinas de arte, cultura,

esportes, trabalho voluntário ou mesmo com rendas irrisórias no sentido como a educação

e as ações de um Programa para a formação integral dos educandos deve ser encarado.

A educadora Manuela destacou que desconhece o decreto... “Não! Não tenho muito

conhecimento sobre o decreto. Por isso prefiro nem falar, pois não tenho conhecimento de

causa” (fala de MANUELA). Ao enfatizar essa situação, fica destacado que essa

educadora atua numa instituição guarnecida sobre uma lei que nem de longe faz parte de

seu conhecimento, assim eximindo-se da situação e, assim como a própria educadora

enfatiza no começo da conversa, em relação aos educandos, faz com que ela fique alheia

aos regulamentos do órgão gestor de seu trabalho.

A educadora Raimunda, em relação ao decreto, busca formas escamoteadas de

dizer que não se interessou em conhecer... “O decreto eu não vi. Mas a todo momento eles

dizem que no final desse ano (2014) encerra o período experimental. Que ano que vem, em

2015, já é tempo integral, sem ser experimental. Mas não conheço o decreto... Ainda não

saiu esse decreto. Eu não conheço, sei lá” (Fala de RAIMUNDA). Fica evidente, na

última fala de Raimunda, que ela, além de não ser informada, também não buscou meios

de conhecer o que regimentara seu exercício em uma escola integral. Ao afirmar que não

havia saído o decreto, enfatizei para a educadora que ele estava publicado e em ação desde

dezembro de 2011, quando foi efetivado; nesse momento a educadora afirma que não se

atentou para essas circunstâncias. Para Branco (2012, p. 252):

[...] para atuar na educação integral – segmento ainda inexplorado pela academia

e pelas práticas escolares – o professor precisa contar com uma formação

continuada diferenciada proporcionada pelos sistemas educacionais; de uma

reorganização interna das escolas que contribua para a busca e compreensão dos

conhecimentos não construídos, e para a reflexão coletiva entre seus pares, sobre

os seus saberes e práticas sobre e na ação para a construção da sua autonomia e

interação profissional.

Essa perspectiva vai ao encontro da fala de Sebastião, quando enfatizou que os

professores não tiveram uma formação contínua no ambiente escolar, apenas chamadas de

reuniões pontuais que discorreram sobre a temática. Manolo contribui nesse ponto da

pesquisa, salientando que por conta dos estudos que foram realizados para conhecimento

sobre a educação integral, mas que o educador buscou a qualificação por conta; disse que

foi buscar conhecer os documentos e as informações que o levariam a compreender a

proposta.

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[...] o meu conhecimento é um pouco tardio; enquanto colaborador dessa

instituição eu não recebi a orientação para o conhecimento, eu fui atrás

enquanto estudante, né! E depois assim, até... é. Me tornei, claro o estudante e o

professor, são as mesmas pessoas, mas a motivação foi essa, uma proposta

pessoal. Então eu conheço o decreto, também o documento, [...] o nome eu não

tenho a especificação, mas assim, o processo de implantação da escola integral

em Corumbá. Então eu conheço por conta desse mais desse estudo, por conta

dessa pesquisa [...]. (Fala de SEBASTIÃO)

Professor Sebastião revela-nos que a proposta desse documento, o qual ele não

conseguiu referenciar, é algo que lhe instigou muito o aprofundamento do conhecimento,

pelo que é idealizado, no entanto o educador considera que “Pecou nesse sentido assim, no

processo de conhecimento dele” (SEBASTIÃO). Os educadores, em sua maioria, não

conhecem esses documentos, influenciando assim num processo que se torna alienador no

aspecto da autoformação.

O educador apresenta um perfil que sugestiona que sua ação incorpora teoria à

prática, que em sua ação pedagógica está presente a busca por novos conhecimentos. O

olhar que Sebastião lança para a escola assume a criticidade acompanhada por cuidados no

que ele revela. Ao ser questionado sobre as relações da escola, se era perceptível que a

proposta implantada ia ao encontro de todas as representações e segmentos da instituição, o

educador destaca:

É uma pergunta bem complexa assim, quando a gente analisa. Eu represento

uma parte dessa pergunta. Assim: Enquanto professor, eu vejo que tem alguma

coisa que encaixa, que a proposta vai se efetivando, mas eu percebo que há um

desconhecimento geral, inclusive de compreensão da gestão; de boa parte dos

educadores; de mais (ênfase) por parte dos estudantes e quase que totalmente

por parte dos pais e comunidade, do que significa escola integral. Então assim,

é eu falo que é complexo por que: enquanto cerne, enquanto proposta, eu diria

que não, porém, em uma pesquisa que nós fizemos, assim perguntando, não uma

pesquisa assim, científica, mas assim com uma abordagem, perguntamos assim:

O que que os pais e os professores esperavam da escola integral? Para os pais

teve uma coisa interessante, tipo assim: Entre outras palavras, que a escola

pudesse absorver por mais tempo os filhos, né. Que então fosse uma escola

assim, na expectativa de uma escola integral na cabeça dos pais, boa parte dos

pais que nós abordamos, foi que... fosse uma escola de tempo expandido. Então

que atendia a vontade dele. Porque a escola sem qualquer esforço era de tempo

estendido. Então havia o... se eu perguntasse pra um pai, ele responderia: Não,

está atendendo! Porque ele entende exatamente dessa maneira. Para os

professores, a gente vê que há ainda, uma demanda não cumprida, né, de

algumas propostas inclusive tentadas a aplicar para a efetivação, né.

Especialmente da parte de material de estruturação da escola, que tem, uma

certa estrutura, mas que ainda falha nesse resultado. Então em alguns

professores, a resposta seria negativa. Eu acredito pra mim, que tem um

encontro de possibilidades, mas não é efetivação. Acho que há uma lacuna, um

hiato muito grande pra essa efetivação. (Fala SEBASTIÃO)

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Existe uma substancial lacuna que se apresenta nos anseios da comunidade escolar

no todo, visto que nas palavras do educador, alguns não sentem que a instituição exerça a

função esperada para a concretude da educação integral. Sob o olhar de Manuela,

identifica-se que a educadora considera complexa a pergunta, pois convergindo ao que

Sebastião nos relata:

Eu acredito assim: Se nós professores, ainda não está 100%, então eu acredito

que de certa forma, ainda tem falha ainda por parte dos receptores. Então

assim, ainda falta. Tem muitos pais que não entendem o que é escola de tempo

integral. Eles entendem de escola integral, porque o meu filho passa o dia na

escola e é legal isso. Né! Meu filho tem três refeições no dia e isso é legal. Não é

apenas três refeições por dia e isso é legal. Não é isso... É muito mais que três

refeições por dia. Então é... Esse verdadeiro objetivo da escola integral que

muitos pais ainda desconhecem. Sabe?! Então acredito que precisa ser

explanado ainda melhor. Eu... É! Não precisa repara a questão pedagógica, dos

professores, dos coordenadores. Eles não temem, eles sabem o que é. E se a

coisa não está funcionando realmente da maneira que a gente queria, é porque a

gente ainda não encontrou os caminhos certos. Ou ainda não conseguimos

chegar no determinador "X". Então, a gente ainda tem ai, até o final do ano, pra

"quebrar muito a cabeça", porque ainda tem muita (ênfase) peça do quebra-

cabeça pra ser colocada em ordem [...]. (Fala MANUELA).

Há uma dificuldade por parte da educadora em dialogar sobre a importância da

relação com a família, no processo de implantação e de ação da escola integral. A

educadora expõe de maneira simplista o modo como os pais veem a escola, ao destacar que

eles acreditam estar bom o filho permanecer na instituição, devido às três refeições do dia;

no entanto, esses sujeitos também agem e revelam como percebem a escola de seus filhos.

Expõe-se, assim, que o processo aparente de partilhamento; no entanto, o processo prático

caracteriza-se por uma ação distanciada entre escola/comunidade/escola.

É importante, no ato pedagógico, que a busca pela integração dos sujeitos, é

importante descortinar a concepção de uma educação compensatória. Não se está em um

jogo de ganha ou perda, mas em um processo formativo que deve ser transformador, que

deve proporcionar qualidade e quantidade de forma equivalente. Raimunda, no olhar que

lança para a relação constituída na implantação e ação do PEETI junto à escola Pantaneira,

destaca que:

[...] a proposta vai ao encontro do próprio professor. Porque eu não vejo

coordenador ajudar o professor. [...] A gente vê que pela formação da... família

na escola, que era pra estar todo mundo aqui na escola, e não está. Só os

alunos, a coordenação, direção e professores. Cadê o auxiliar de disciplina?

Cadê a auxiliar de limpeza? Cadê o pessoal de cozinha? Não tão! Eles dizem

que não faz parte. Só quem faz parte é o professor [...] (Fala RAIMUNDA)

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Não há uma visão crítica da educadora em relação aos movimentos que ultrapassem

o plano da sala de aula, ou mesmo, das necessidades concretas e imediatas da comunidade

no todo. Seu discurso sempre remete a uma interação mais intensa entre educandos e

educadores, mas a relação que percebe sobre as outras frentes da comunidade fica no

universo de que são apenas os outros, que não participam, e ponto.

Raimunda identifica que ano após ano se efetiva o esvaziamento por parte de

alguns segmentos no que se refere às reuniões gerais na escola. Mas é importante perpassar

o histórico participativo dessa comunidade junto à escola, desde sua fundação, pois

acredito que impregnou-se a ideia de que a escola detém um poder diretivo, que as funções

da comunidade são apenas de levar e trazer suas crianças e acompanhar avaliações ou

reclamações, sem outros critérios maiores, tais como participar de decisões. Segundo

Arroyo (2011, 0128):

É lamentável constatar que as atuais políticas de formação na esfera federal e em

muitos estados não ultrapassam essa concepção estreita de ensino primário,

apenas a modernizam situando-a no horizonte da empregabilidade e da

habilitação para um mercado de emprego mais moderno, em que supostamente

novas tecnologias exigem dos setores populares novas habilidades. Temos de

aprofundar porque essa resistência conservadora em nossa tradição política e

pedagógica em equacionar a Educação Básica universal nos parâmetros do

direito ao saber e à cultura, da construção de identidades, de sujeitos de cultura e

ética, em que as modernas democracias o vêm colocando. Este é o patamar de

radicalidade onde temos de colocar a construção do profissional da Educação

Básica e sua formação.

A educação, no conjunto de ações pedagógicas, de lutas políticas, de movimento,

carece de uma mobilização da sociedade, para que os estudantes de escolas públicas sejam

beneficiados com melhores condições estruturais e de formação humana para mediar

conhecimentos, para haver as trocas de experiências entre os múltiplos sujeitos do campo

educacional, envolvidos no processo de ensino, de aprendizagem e das políticas que

regulamentam e têm o controle do patrimônio educacional público.

Diante desse controle e da busca por algumas mudanças emergentes e importantes

no processo educacional brasileiro e local, uma das discussões junto aos professores foi em

relação às propostas e contrapropostas que se evidenciam entre a escola e a secretaria de

educação, tendo, do ponto de vista de Manuela, que ela acredita que sim, mas com várias

observações, para o que ela veio a afirmar. Ela diz que...

[...] A secretaria lança uma proposta, uma foi assim com a gente. Lançou uma

proposta de como trabalhar oficina. A escola rebateu. Não vai dar certo! E a

gente bateu, elaborou as nossas questões e falou... Não vai! Tem mais chances

de dar assim e assim! (Fala MANUELA)

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Para a educadora refletir sobre a forma que a secretaria de educação desenvolve os

diálogos ao longo desse ultimo período, revela que diversas coisas são determinadas,

apesar da escola rebater.

Manuela deve ser considerada como uma educadora que também executa as tarefas

que são direcionadas; ela briga, mas também se emociona ao perceber tantas manipulações

referentes ao processo pedagógico da educação integral de Corumbá. Raimunda acredita

que as mudanças, que ocorreram, devido às propostas e contrapropostas entre a escola e a

secretaria, só ficaram no ambiente do Ensino Fundamental de sexto ao nono ano. A

educadora acredita que o papel dos monitores do PME seria o de promover um trabalho de

planejamento conjunto, visto esse ter uma ação desarticulada com as do cotidiano

pedagógico das educadoras. ―O Mais Educação, eu acho que tem que andar junto (ênfase)

com o professor da sala. Com o regente‖ (RAIMUNDA).

Sebastião enquanto educador da escola, diz que: ―É sempre uma batalha! Não é

uma efetivação assim... hum, que acontece com facilidade. Nós fizemos assim, duas

propostas, né. Elas foram aprovadas em partes. Hoje nós temos uma proposta que foi

exatamente assim: que aconteceu exatamente por uma questão de apelo [...]‖

(SEBASTIÃO). As falas dos educadores destaca que todo o processo que fora proposto e

por se tratar de ações em um caráter experimental, trouxe à tona a ideia de novas

experiências na escola, porém o que se explica pelas falas dos educadores é que a

secretaria foi um tanto resistente, causando um processo de lutas constantes para a desejada

mudança.

Sebastião, Manuela e Raimunda expõem que o Projeto Político Pedagógico da

escola encontra-se num processo de constantes mudanças. As palavras do educador

esclarecem objetivamente o que ocorre hoje em relação ao PPP:

Ele tem ido em busca, assim, empírica das ações. Eu acredito, talvez é a força,

mas a fraqueza também. Porque ao mesmo tempo que ele tem essa índole de ser

praticado, de ser organizado, parece-me que o apego de alteração, o apego de

reformulação dele se tange só na prática. E ai. por exemplo, as bases de apoio

pra essa prática, elas são passadas assim, um pouco sem muito entendimento.

(Fala de SEBASTIÃO)

Segundo Manuela, uma das propostas da secretaria é que todas as escolas de tempo

integral tivessem o mesmo PPP, assim, não tendo clareza das especificidades de cada

escola, de cada comunidade. Não teria assim um projeto que abarcasse os necessários

anseios da comunidade escolar, pois estaria a serviço de um modelo comum em todo

município. Isso não é função do PPP, tampouco do currículo de cada instituição. Os

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educadores acreditam que as mudanças são necessárias e precisam ser realizadas em

diversas áreas na escola.

O caráter integral possibilita, a esses educadores, pensarem o processo de

autoformarão e da formação dos educandos. É espontâneo observar, nas falas de Manuela

que é preciso a flexibilidade e o reconhecimento do que está se tentando implantar, mas

que fica muitas vezes penoso o processo, por terem alguns empecilhos, tais como na hora

das oficinas, ter média de 56 estudantes nas salas de quarto e quinto ano, o que torna

insalubre o trabalho dessas educadoras.

Raimunda, nesse sentido, esclarece a importância de que os monitores do PME

agissem como colaboradores em ações da base diversificada, para que não aconteça a

fragmentação do processo educativo dos estudantes na escola integral. Sebastião acredita

que existem coisas boas sendo realizadas, mas garante que a estrutura, os equipamentos, os

materiais influem no melhor processo pedagógico. Porém, o educador corrobora a ideia,

dizendo que: “Acho que a escola deveria, deve. Até onde eu entendi, me parece que não

fez de maneira completa, trabalhar com a comunidade em geral” (SEBASTIÃO). Essa

afirmação do educador proporciona o encontro com a pesquisa e confere que há uma

lacuna entre comunidade/escola/comunidade.

[...] a proposta maior pra escola que nós estamos seria essa dimensão de

envolvimento da comunidade circundante; da comunidade participante, que não

é só pai e mãe, mas que é o vizinho, o comerciante, né. Pessoas que poderiam

ter uma abertura que assim, ilustra uma ideia da intenção da escola sem muros

[...]. (Fala de SEBASTIÃO)

Nesse sentido, Guará (2009, p. 68) dirá que:

Educação integral com inclusão social supõe pensá-la articulada com as demais

políticas sociais, rompendo a velha ordem que fragmenta saberes e necessidades

– uma educação que constrói caminhos para um novo momento histórico de

integração cada vez maior de conhecimentos e competências. Por isso as ações

voltadas para a melhoria da educação contemporânea, seja na perspectiva

quantitativa (atendimento a todos), seja na aposta qualitativa (todas as dimensões

da vida), necessitam ser articuladas. Entretanto, o bom desempenho escolar

continua a ser um direcionador fundamental para a inclusão cidadã.

A educação é uma das ações que constituem formações em distintas bases da vida

humana sendo a escola apenas um dos setores da sociedade que fomentam a formação dos

sujeitos; no entanto, a educação vai além do processo de escolarização, pois outros setores

podem e irão contribuir na formação do sujeito, fazendo-se assim presente a ideia da

integralidade. As diferentes formas de educação informal que existem podem, ainda,

muitas com maior potencial ideológico, contribuírem com a emancipação dos sujeitos,

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considerando inclusive importantes segmentos dos movimentos sociais que são

expressivamente presentes no campo da educação informal.

Gohn (2007) traz um texto em que, na sua base, faz referências a distintas teorias

referentes às frentes de movimentos sociais na América Latina. Nesse sentido, existem

duas dessas teorias que destaco para melhor compreensão sobre o sentido dos espaços

informais na contribuição de formação integral do educando. Segundo Gohn (2007, p.

442),

Teorias que destacam a capacidade de resistência dos movimentos sociais, a

partir de elaborações sobre o tema da autonomia, de formas de lutas em busca da

construção de um novo mundo, de novas relações sociais não focadas ou

orientadas pelo mercado, da luta contra o neoliberalismo. Nessa abordagem,

critica-se veementemente a ressignificação das lutas emancipatórias e cidadãs

pelas políticas públicas que buscam apenas a integração social, a construção e

produção de consensos, conclamando para processos participativos, mas

deixando-os inconclusos, com os resultados apropriados por um só lado, o que

detém o controle sobre as ações desenvolvidas. São as cidadanias tuteladas,

geradas nos processos de modernização conservadora. Trocam-se identidades

políticas construídas e tecidas em longas jornadas de lutas, por políticas de

identidades construídas em gabinetes burocratizados. [...] Teorias que canalizam

todas as atenções para os processos de institucionalização das ações coletivas.

Preocupam-se com os vínculos e redes de sociabilidade das pessoas, assim como

o desempenho das pessoas em instituições, organizações, espaços segregados,

associações, etc. O paradigma teórico que embasa toda a elaboração ou

construção e desenvolvimento dessa abordagem baseia-se nas teorias da privação

social, desenvolvidas inicialmente, entre outros, pelos interacionistas simbólicos

no início do século XX.

Quando estamos infiltrados no contexto da escola atual, conseguimos perceber nas

dinâmicas cotidianas essas ações acontecerem de forma explícita e pela busca de uma

ordem social que se baseia num senso de que, a partir da institucionalização desses

educandos num processo pedagógico de turno integral, essas crianças e adolescentes

estarão ―prontos‖ para os desafios do mundo. São expressões fortes aqui destacadas, mas a

escola que se propõe ao preparo de educandos emancipados e autônomos nas suas ações

enquanto cidadãos tem sido essa aliada às condutas de controle de Estado, apresentadas

pelas políticas atuais.

Os movimentos dos indígenas, os movimentos negros, os movimentos dos

homossexuais, os movimentos de trabalhadores das classes operárias, movimentos

comunitários de sem tetos, sem terras dentre outras tantas mobilizações de sujeitos que são

considerados de grupos minoritários, têm apresentado a busca por diferentes formas de se

ler, interpretar e vivenciar o mundo. Nessa somatória de constituições desses grupos

sociais, pela cidadania, pela emancipação e autonomia dos sujeitos imersos nessas frentes,

a escola do século XXI passa a ser o campo minado com necessárias transformações.

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O ensino de tradicionais matérias, pois assim é necessário ser considerado o que a

escola exercita com seus educandos, a função de compor no contingente disciplinar os

conteúdos das diferentes áreas do conhecimento como matéria a ser absorvida pelos

educandos. Essas matérias ou disciplinas não compensam o ideário social atual, em que a

Língua Portuguesa irá ultrapassar os limites e os meandros que a gramática ensina aos

estudantes; vivificado esse mesmo sentido, para a Geografia, para a arte (quando esta for

focada no limite do museu e da galeria ou de uma expressão erudita...), mesmo para a

História que precisa ser revisitada e reconhecida de outros aspectos e outras fontes de

informação, entre todas as outras disciplinas do currículo de base comum nacional de

educação básica no Brasil.

Ao dialogarmos sobre as perspectivas que são pedagógicas, políticas e sociais da

escola, um dos focos das conversas foi saber se a escola que esses educadores têm é a

escola que eles querem? As respostas foram bastante articuladas no que se refere ao

educador Sebastião e à educadora Manuela; já Raimunda fez uma observação sucinta e

bastante direta, no que se refere à escola que ela tem hoje. ―[...] hoje se fala muito em

tempo integral, mas será que vai permanecer?[...] Será que vai acontecer?”

A educadora afirma que a escola não é a que ela deseja. E não é porque ela

desacredita em um modelo de tempo integral tal qual vem sendo desenvolvido enquanto

ato pedagógico na atual conjuntura. Esse modo faz Raimunda descontente e desacreditada

na escola que hoje vem funcionando. Sebastião irá conceber que:

Infelizmente, não! A escola e... eu respondo o não pra duas escolas. Primeiro

como professor, né! A escola que eu, educador, gostaria de viver, ainda está

distante, porque é uma escola ainda tachada com uma finalidade laboral, né.

Que nem uma escola que abra horizontes pro estudante sonhar com futuro que

não seja só o trabalho. Então eu acho que isso é pequeno pra pessoa, que é uma

dimensão da nossa vida, claro! Uma dimensão superimportante, se relevarmos

as realidades que nós vivemos. Mas ... Não é a dimensão. Assim! O saber! O

prazer! Que são coisas que nós vivemos, que nos formam também, que estão ai

novos teóricos que mostram esse referencial, então não é por esse viés. É uma

escola que cumpre essa finalidade, mas a meu ver é uma finalidade muito

pequena. [...] Enquanto pessoa, enquanto assim, ... até como estudante é

interessante que hoje, por exemplo, eu encontre desafios, para dialogar com os

atuais. A escola que me formou, ela se pontuava muito pela leitura, por exemplo

[...]eu fui formado nisso, então assim, adquiri gosto pela leitura, mas, por

exemplo, tenho uma dificuldade com imagem, assim, pra me formar a partir da

imagem. Já uma coisa que os estudantes de hoje não têm. Eles já têm uma

dificuldade com a leitura. É uma exigência monstro pra eles, né! Eles não

conseguem às vezes. Até assim, às vezes por algum outro, sei lá. Por dificuldade

normal, mas a maioria é por falta de prática. Então! Mas eles são detentores, de

uma maneira, muito mais acelerada que é pictórica, né. [...] Então assim, eu

tenho uma dificuldade, as vezes, de entrar nesse universo pra dialogar com isso,

né. Que é um desafio meu. Então assim, a minha escola, que eu tenho, a escola

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que eu absorvi, então assim, que me formou. Então assim, hoje eu tenho outra

escola pra ensinar. (Fala de SEBASTIÃO)

A análise feita pelo educador é o reflexo de uma práxis que não se limita somente

às ações pedagógicas direcionadas e que ficam atreladas ao que apresenta como proposta

do órgão gestor pelo qual o educador encontra-se guarnecido. A dimensão é mais ampla, e

faz que Sebastião reflita a escola que ele tem, como o lugar que forma o educando para o

mercado, para as concepções mercadológicas, e o seu desejo, seus sonhos, vão ao encontro

de uma educação que proporcione aos educandos mais do que a vida laboral, e que

encontre o sujeito em sua plenitude. Que forme o sujeito dos sonhos, de formação cultural

para a arte, que veja e reconstrua o seu espaço habitado, mas sem perder de vista sua

relação com esse espaço. Para Freire (2014, p. 41-42):

O inédito-viável é uma proposta prática de superação, pelo menos em parte, dos

aspectos opressores percebidos na realidade. O risco de assumir a luta pelo

inédito-viável é uma decorrência da natureza utópica, própria da consciência

crítica, que faz do ato de sonhar coletivamente um movimento transformador,

uma vez que ‗quando os seres conscientes querem, refletem e agem para

derrubar as situações-limites... o inédito-viável não é mais ele mesmo, mas a

concretização dele no que ele tinha antes de inviável. A consciência crítica não

apenas se predispõe a mudanças, mas assume a luta pela construção do inédito-

viável, ou seja: ‗algo que o sonho utópico sabe que existe mas que só será

conseguido pela práxis libertadora... uma coisa inédita ainda não claramente

conhecida e vivida, mas sonhada‘.

Pelas lutas diárias e pelos caminhos trilhados constroem-se as possiblidades. Os

sonhos são nada mais que a revelação de sujeitos que acreditam na potência de suas forças

como armas transformadoras de realidades. Quando Raimunda se questiona sobre a escola

acontecer, não percebo o desgaste e a desistência por melhores condições; vejo uma

educadora que salienta que o modo como essa escola constitui-se hoje, não alimenta os

sonhos, tampouco realiza e satisfazem os anseios de uma comunidade; ao contrário, ela faz

com que esses sentimentos sejam aflorados e levados ao questionamento. Está bom do jeito

que está ou algo precisa ser diferente? Para tanto são os olhos, os gestos, a língua inquieta

na boca da educadora e suas utopias que a constituem esse ser em incompletude.

Manuela revela que a escola onde ela atua e que ela conhece, não supre as

necessidades que ela acredita serem essenciais na constituição da formação do educando.

Essa revelação cruza quando a educadora revela que ―A escola que a gente quer, é a escola

que a gente gostaria de colocar os nossos filhos. ... Eh! Mesmo eu trabalhando em uma

escola pública, o meu filho não estuda em escola pública‖ (Fala de MANUELA). Isso

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demonstra uma educadora constituída em equívocos, mas que faz a reflexão sobre esse

processo.

Ela percebe que faltam alguns elementos que são trans/formadores no cotidiano da

vida escolar. “[...] Ele não está aqui comigo hoje por questão de segurança.‖ Para

Manuela, o que levaria a escola a ter um ambiente melhor seria mais segurança na escola.

A violência, sendo ela caracterizada por atos que simbolizam ou executam as ações

que contrariam a integridade humana, colabora nesse instante para se perceber como

vemos e agimos no espaço amplo da escola, no todo, percebendo-a como desafio cotidiano.

O sentido de segurança que a educadora busca, encontra-se com um sentido também de

poder, de domínio de forças organizadas pelo Estado para conter circunstâncias

consideradas de risco social.

É a reorganização das identidades de um grupo de sujeitos, sendo visto como a

comunidade do bairro Camalotes e da escola Pantaneira. A situação de violência pode ser

reflexo da opressão do Estado aos direitos e possibilidades das camadas populares. Neste

sentido, quando a educadora trata de segurança, ao mesmo tempo que acredita em uma

escola sem muros, ela se contradiz e impulsiona pensarmos onde está a lacuna que precisa

ser coberta?

Manuela é o reflexo das angústias, dos medos, de vitórias e da coragem de enfrentar

o desconhecido; é a essência da vida humana em sua complexidade. A educadora destaca

que

A comunidade, eu sinto que a comunidade ainda não é amiga da escola, ainda!

Eu percebo que a escola ainda, não conseguiu quebrar os muros, ainda, sabe?!

Ela não conseguiu ser parceira como a gente sonha. A gente ainda se sente

ameaçado, por „Ns‟ elementos, que tentam fazer aqui da escola um ambiente de

guerra. (Fala de MANUELA)

A escola só se tornou o que ela é, porque historicamente ela se constituiu fortificada

e, ao seu redor, a comunidade é inválida de diálogos com as possibilidades e diferenças.

Bem como disse a educadora, a distância, os muros que impedem a relação não só para

essa condução para um lugar justo e digno de se viver, mas para uma relação afetuosa que

fique protegida e que forme cidadãos contra a violência, simbólica ou exercida, sendo a

escola o lugar que pode possibilitar transformações e partilha. Manuela acredita que é

preciso...

[...] a comunidade vê, enxerga a escola como parte dela, como se fosse o quintal

de sua casa. A gente cuida do quintal da nossa casa. Então eu queria que nossa

escola fosse o quintal da casa deles, que não existissem muros, que eles

pudessem trafegar aqui quando eles quisessem, né. Que eles pudessem chegar

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assim, na janela da sala e, a gente não precisasse fechar e dizer assim: Perigo,

né! (Informação verbal – Manuela, maio 2014)

Manuela, de forma sonhadora, envolveu-me com suas palavras e o modo como

percebe a escola. E a educadora finda a conversa dizendo que a escola que sonha para a

Pantaneira é ―uma escola mais pura [...]” (Fala MANUELA). A educação torna-se integral

também na práxis e na reflexão dos educadores em relação ao espaço de trabalho que esses

habitam. É transformadora e constitui sentidos, quando se percebe esse espaço como

possível e apropriado no processo educacional. Para Freire (op. Cit. p. 42 -43):

Vale reiterar a obviedade de que o inédito-viável não corre ao acaso nem se

constrói individualmente, bem como o fato de que a criação do inédito-viável

representa uma alternativa que se situa no campo das possibilidades e não das

certezas, pois o critério ‗da possibilidade ou impossibilidade de sonhos é um

critério histórico-social e não individual‘. [...] é o entendimento de compreender

a história como possibilidade e o inédito-viável como uma alternativa construída

coletivamente a partir da vivência crítica do sonho almejado. Sonhar

coletivamente, na perspectiva da construção do inédito-viável, é, pois, um

princípio que expressa possibilidades práticas da intencionalidade da Pedagogia

dos sonhos possíveis.

Os educadores lançam olhares que convergem a um sentido: de que a escola que

existe hoje não garante o processo integral dos seus educandos. É uma escola que expandiu

o tempo de permanência, mas necessita expandir outros aspectos essenciais na vida

humana. Mas Raimunda, Sebastião e Manuela revelam ainda que há esperança e desejo

pelo que é transitório e se transforma. Não são funções diárias que se jogam ao vento e ao

espaço sem proveito e sem aprendizado. São experiências cotidianas que re/formam

concepções e o trabalho desses educadores, no mundo das possibilidades.

4.3. III ATO: COMPARTILHANDO A VIDA DA ESCOLA – COORDENADORES

E GESTORES NA ―QUEDA DE BRAÇOS!?‖ COM A COMUNIDADE

Diante do que se considera em relação à participação, ao processo democrático e ao

sentido de poder nos movimentos diários da escola de tempo integral Pantaneira, ouvi a

equipe que coordena e dirige a escola, fazendo análise do que pensam os coordenadores e

gestores da instituição. Neste caminho, busquei identificar como as relações entre esse

grupo de sujeitos e os demais segmentos da escola cruzam elementos sobre o sentido de

democracia que eles acreditam e, como conduzem o processo no cotidiano da escola.

Os diálogos ocorreram no primeiro e no segundo semestres de 2014, no período de

maio de 2014 e outubro do mesmo ano. Considero aqui três elementos que irão identificar

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como se caracterizam as ações no interior da escola, levando-se em conta os cargos que

esses cinco educadores têm na escola.

A educadora Rosa foi indicada pela Secretaria de Educação do município para

exercer o papel de coordenadora pedagógica no ano letivo de 2014, considerando-se que

era percebida a necessidade de um nome para coordenar a área de exatas (Matemática,

Química, Física ou Ciências). A educadora é bastante jovem e, segundo seu relato, está

vinculada com cargo efetivo no município desde 2013, quando esteve ministrando aulas.

Como a SEMED tem um banco de dados com nomes a serem indicados para cargos de

coordenação, Rosa teve seu nome nessa classificação, então assumindo o papel de

coordenadora pedagógica na escola.

A educadora Luzia desde 2012, tem vínculo como efetiva junto ao município. Ela

diz que, até 2011, exerceu cargo de professora convocada e afastou-se da escola quando

assumiu concurso de educadora noutro município, porém, em 2012, Sole assumiu o cargo

efetivo junto à SEMED, ficando durante todo ano de 2012 e 2013 lecionando em uma

escola de tempo regular em outra região da cidade. Assim como Rosa, a educadora teve

seu nome indicado a assumir a coordenação pedagógica da escola junto aos anos finais do

Ensino Fundamental. Sole acredita na dinâmica da escola e afirma que gosta do que faz,

pois um de seus desejos foi o retorno para essa instituição, onde exercera o cargo de

educadora antes de sair por motivo de dois concursos públicos.

Roberto é o coordenador pedagógico dos anos iniciais e pré-escola. Sobre seu

ingresso junto à instituição nesse cargo, ele diz que “[...] foi um convite da secretaria de

educação. Na época não havia quem aceitasse o convite pra coordenação aqui na escola

[...]‖ (Fala de ROBERTO). Para tanto, o educador afirma que a dificuldade de encontrar

pessoas que queiram assumir tal responsabilidade dá-se pelo modo como a comunidade é

percebida, pois segundo o que lhe era narrado, o bairro ―apresenta ter uma certa

agressividade [...] são pessoas, digamos assim, agressivas; essa é a imagem que passa ai

pra o pessoal que está na rede municipal há algum tempo.‖ (ROBERTO).

A partir desse destaque na fala de Roberto podemos nos embrenhar no cotidiano da

escola e da comunidade sob o olhar dos coordenadores e, mais adiante, dialogando com o

das gestoras da instituição. O que caracteriza a escola e a comunidade é o sentido de

agressividade, no que se refere ao cotidiano das vidas dos sujeitos que vivem nessa

localidade. O relato de Roberto remete-nos a uma importante reflexão: pensar as relações

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da escola e da comunidade, visando entender a função social da primeira. O que é feito

pela escola no sentido de garantir um processo educativo emancipador?

Os coordenadores, ao serem questionados sobre gestão democrática no contexto da

escola pública, afirmaram que é o direito de todos participarem das

opiniões no processo democrático. Roberto diz que é um processo que “[...] envolve não

só a opinião de professores, como também da comunidade, do público escolar, sejam eles

alunos, pais, ou aqueles órgãos que podem ajudar aí na gestão, digamos assim, no

andamento deste colégio.‖

É salutar perceber que a gestão democrática tem como função principal a

participação de todos nos processos decisivos na e para a escola; para tanto, existem

importantes reflexões que precisam ser percebidas a esse respeito. Dourado contribui

dizendo:

Situar as políticas de educação no Brasil e, no bojo dessas, as discussões sobre a

gestão democrática implica resgatar os vínculos e compromissos que norteiam a

presente reflexão, pois convivemos com um leque amplo de interpretações e

formulações reveladoras de distintas concepções acerca da natureza política e

social da gestão democrática e dos processos de racionalização e participação,

indo desde posturas de participação restrita e funcional atreladas às novas formas

de controle social (qualidade total) até perspectivas de busca de participação

efetiva e, consequentemente, de participação cidadã. (2011, p.95)

Considerando que a gestão democrática é hoje um princípio constitucional e está

presente, também, na maioria das constituições estaduais brasileiras, é plausível

considerarmos que o sistema público de ensino, através desse modelo de gestão alcançou

certo avanço. A sociedade adquiriu uma importante conquista com o tal princípio

constitucional, por exemplo, Constituição Federal de 1988, art. 206, inciso VI. Porém, na

prática das instituições escolares públicas, sobretudo a partir da década de 1990, o modelo

de gestão democrática apresentou-se bastante desvirtuado do seu movimento originário.

Em relação às formas pelas quais a gestão democrática passou a ser compreendida e

implementada no universo das escolas públicas, é razoável dizer que seguiu uma

perspectiva gerencialista, a qual toma a participação como um mecanismo meramente

formal, razão pela qual há tantos problemas relacionados ao processo de participação nesse

modelo vigente. Segundo Peroni (2012, p.22):

O individualismo é uma posição comum ao neoliberalismo e à Terceira Via. Para

esta, cada indivíduo é responsável por abrir o seu caminho, e as transformações

ocorrerão na esfera pessoal, e não societária – mesma concepção da teoria do

capital humano, que reforça o individualismo e a meritocracia. [...] Nesse

sentido, questionamos o que significam democracia e participação para a

Terceira Via, quando a sociedade civil é muito mais chamada a executar tarefas

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do que a participar nas decisões e no controle social. A democratização seria

apenas para repassar tarefas que deveriam ser do Estado. A sociedade acaba se

responsabilizando pela execução das políticas sociais em nome da democracia

Quando os coordenadores afirmam que ingressam na escola no ano de 2014 a partir

de um convite (convocação) realizado pela SEMED, percebe-se que o processo

democrático não se efetiva nessa manobra, que é de caráter pedagógico e político, pois

envolve o corpo técnico que gerencia a mediação das ações internas e externas à escola

desde o campo pedagógico, mediando as ações dos educadores; nas relações de

aprendizagem dos educandos, percebendo as limitações e as possibilidades para os

necessários conhecimentos, além de fazer a mediação das ações entre comunidade e escola,

visto os responsáveis dos educandos dirigirem-se aos pais, quando há necessidade de

mediar alguma discussão a respeito da vida escolar desses estudantes.

É salutar alçar que, quando o processo que deve ser democrático, para a escolha dos

nomes que representam um segmento da escola, não ocorre a partir de um perfil que a

comunidade considera viável; os sujeitos indicados para o exercício desses cargos perdem

suas referências com a comunidade.

A escola Pantaneira, desde o ano de 2012, quando se tornou integral teve um

processo anual de renovação do corpo de coordenadores pedagógicos, sendo o primeiro

ano com a presença de três educadores indicados e, que um desses foi remanejado para

outra instituição por solicitação própria, os outros dois permaneceram na escola somente

até o final do ano letivo de 2012, sendo substituídos no ano seguinte.

Em 2013, foram indicados aos cargos de coordenadores três educadores da

instituição, sendo que esses permaneceram no cargo durante o período letivo daquele ano.

Já no ano de 2014, esse corpo técnico fora substituído por três nomes indicados novamente

pela SEMED, os quais aqui na pesquisa são os sujeitos dos diálogos relacionados a esse

segmento da escola.

A concepção dos coordenadores a respeito de gestão democrática concerne ao

sentido de participação efetiva dos sujeitos referentes às decisões a serem tomadas no

cotidiano da escola. Para que isso ocorra, é importante que essa ação seja compreendida

como um ―processo de aprendizado e de luta política que não se circunscreve nos limites

da prática educativa, mas vislumbra, nas especificidades dessa prática social e de sua

relativa autonomia‖ (DOURADO, 2011, p. 95).

Nesse sentido, o olhar que Roberto lança para a escola é que “[...] a gestão

democrática dentro desse sistema de educação integral, ainda não está acontecendo [...]‖.

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O educador constitui a concepção de que a escola de tempo integral tem um caráter

formador que se amplia além do currículo formal, onde compreendo isto como o currículo

de base comum nacional. Para o coordenador a educação integral deve ir ao encontro ―[...]

do entendimento da nossa cultura, dos nossos costumes, desenvolver o aluno no seu todo,

voltado para as atividades que ele possa desenvolver aqui ou, então, seguir até outro

caminho mesmo” (Fala de Roberto).

Do ponto de vista de Brandão (2012, p. 49):

[...] para educar, ensinar geografia e outras ciências da matéria, da vida e da

presença do humano em ambas e na cultura deveria servir para formar pessoas

não apenas vocacionadas a um mero ‗desenvolvimento sustentável‘, mas a uma

outra concepção do mundo da vida e uma outra sensibilidade (bem mais do que

apenas uma outra ética), para com o humano, a natureza e o ambiente. [...] muito

além do funcional, do utilitário, do competente-competitivo, devemos educar

fazendo interagirem o útil e o aparentemente inútil... de tão humano. Fazendo

transfalarem a nossos educandos não esta ou aquela ciência, mas justamente as

linhas e teias de fronteiras entre elas. Uma educação que aprenda a fazer falarem

juntas através das artes, da espiritualidade (indígena e oriental inclusive), as

filosofias dentro e fora da sala de aula.

Esta ação que se visa na construção da educação integral do sujeito precisa ser

posta em prática, a partir daquilo que tem sido considerado como uma prática desconexa

com intenções e teorias que objetivam uma educação que transpõe as fronteiras

disciplinares e que fragmentam o homem, quando em essência encarnada esse sujeito é

integral, nunca fragmentado.

Pensar a educação integral como elos ou teias que formam os educandos é algo que

precisa ser considerado como uma ação complexa, construída por muitos caminhos, por

ações distintas e na cooperação de muitos indivíduos.

Contrapondo ao que Roberto acredita sobre a gestão democrática na escola, Rosa

dirá que ―[...] tá acontecendo, sim. Vem as sugestões da Secretaria [...] a gente abre pra

todo mundo, todos os professores [grifos meus]. A gente discute, a gente parte pra ver o

que pode, né, sugerir pra modificar alguma coisa” (Fala de Rosa). A educadora considera

que a abertura dos diálogos realizados entre a SEMED e a escola, quando são ―abertos‖ aos

demais educadores da escola é considerado um processo democrático. Porém, é importante

ressaltar que esse processo irá ser democrático em partes, não em sua completude, visto os

demais segmentos da escola não serem representados.

Rosa percebe que a educação integral em Corumbá tem um papel de ―melhorar a

educação‖. A educadora considera, em sua fala a respeito da importância de implantação

deste Programa, no sentido, de que o IDEB conta muito para o desempenho das escolas.

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Rosa faz uma relação condicionada ao sentido de desempenho avaliativo, do quanto o

estudante irá render no processo de absorção conteudista, não refletindo a importância do

tempo integral, ação constitutiva do educando para além do que a escola pode ensinar.

Rosa enfatiza o objetivo que se tem enquanto aumento dos índices internos da escola no

sentido do rendimento do educando.

Luzia considera que a educação integral tem um caráter de atender a criança em

permanecer o dia todo na escola, possibilitando àqueles com carências das mais distintas,

terem esse serviço assistencial. A educadora faz uma relação com outros municípios

brasileiros que são bastante distantes de outras cidades, lugares estes geograficamente

isolados. Neste sentido, fazendo uma relação direta com Corumbá, visto a cidade estar em

uma localização geograficamente isolada. ―As crianças ficam mais protegidas [...] acho

que abrange toda essa questão mesmo social, mesmo da região” (Fala de LUZIA).

A educadora demonstra através de sua fala o que em outros lugares da escola pude

detectar nas analises realizadas, de que essa escola se constitui como um espaço de

proteção para os estudantes sendo que estes ficariam distantes do que a rua lhes pode

oferecer. Parece-me que a rua só proporciona aos sujeitos as más condições de formação

enquanto ser social. Essa concepção está atrelada ao discurso de diferentes educadores que

pude ter possibilidade de dialogo enquanto fazia observações.

Na sala dos professores, um dos assuntos correntes é sobre as famílias dessas

crianças ou das más condições sociais nas quais elas passam cotidianamente junto à

comunidade. Outra relação sempre evidenciada pelos educadores é o fato de a escola

proporcionar três refeições diárias e essas crianças e adolescentes permanecerem o dia

inteiro vivenciando a realidade de escola integral.

É importante salientar que a educação integral não visa apenas o desempenho

valorativo das disciplinas de um currículo tradicionalmente instituído, através de leis e

decretos que determinam o ensino de determinados conhecimentos, nem distanciando ou

mesmo excluindo outros conhecimentos importantes para a formação desses educandos.

Volto, neste ponto, a afirmar que escola e comunidade não podem criar um campo de

batalhas, em que a escola se fecha fortalecida por detrás de muros e distancia-se de sua

comunidade. Segundo Azevedo (2003, p. 214):

[...] a missão civilizatória da escola, que se dá, ao mesmo tempo, pela imposição

da cultura do colonizador e pela negação (como forma de tentativa de controle)

da cultura do colonizado, considerada ‗bárbara‘. Mesmo quando, como hoje,

circula todo um discurso multicultural de ‗respeito pela diversidade cultural‘,

nele se apresenta um modo de mascarar normas, valores e interesses

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etnocêntricos, uma forma de criação da diversidade cultural a partir da

concepção de um universalismo, de uma cultura antecedente ou originária e de

contenção da diferença cultural, administrando um consenso.

O que Azevedo (2003) enfatiza é comum no cotidiano da comunidade Camalotes e

da escola Pantaneira, visto perceber-se a cultura local ser deslocada do interior da

instituição como forma de manter a ordem, como forma de padronização de um modelo

educacional, firmando-se assim o distanciamento da escola e da comunidade, mesmo por

intermédio dos próprios educandos. Nas falas de Inácio, Henrique e Vicente, ouvia-se que

a escola é boa; que os professores ensinam e que as relações fraternais são importantes em

suas vidas.

A partir do que os três meninos narraram timidamente sobre a escola, quando é

revelado por Enrique que, se tivesse atividades artísticas e culturais, seria melhor do que

está hoje, me questionava até que ponto essa escola é interessante e até que ponto eles

foram e continuam sendo instigados a se questionarem sobre essa casa das aprendizagens e

das descobertas? Quando Vicente narra que pensaram em um projeto de violão, no entanto

não existem instrumentos na escola, frustrando os educandos para esse aprendizado,

questionava-me: Até que ponto iria eu gostar de uma escola que impossibilita o processo

criativo e de liberdade de expressão, que instiga as perguntas, mais do que as respostas

objetivas? Freire (2012, p. 54) proporciona uma reflexão que responde em partes aos meus

anseios que se referem ao gosto pela escola...

[...] a perspectiva neoliberal, pragmática, reforça a pseudoneutralidade da prática

educativa, reduzindo-a à mera transferência de conteúdos aos educandos a quem

não se exige que os apreendam para que os aprendam. É essa mesma

‗neutralidade‘ que fundamenta o esvaziamento da formação [...] em simples

treino no emprego de técnicas e procedimentos [...]. Toda prática educativa que

vá mais além disto, quer dizer, que evite a dicotomia entre leitura do mundo e

leitura da palavra, leitura do texto e leitura do contexto, perde o aval da

pedagogia e se transforma em mera ideologia. Mais ainda: em palavreado

inadequado ao momento atual, sem classes sociais, sem conflitos, sem sonhos,

sem utopias.

Ao dialogar com os coordenadores sobre a escola de tempo integral, percebe-se que

não se fala dos sonhos dos educandos, não se fala sobre objetivos para a mudança de

posturas dessa geração da comunidade do Camalotes num sentido que não seja apenas para

as exigências mercadológicas, ao que indicou Sebastião ao se referir que sua escola

sonhada vai além da formação para o trabalho, que seja prazerosa, que seja desejada. O que

se percebe é a mecanização e a ampliação de conteúdos na vida dos educandos, não

havendo uma crítica de mundo, não se percebendo o ideal de formação integral desses

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meninos e meninas que fujam de um modelo de escola estruturado nas disciplinas, na

avaliação quantitativa, de desempenho e de progressão a partir de conteúdos absorvidos

pela transmissão.

A escola integral apresenta-se como um desafio referente ao processo pedagógico

que a constitui, promovendo assim a necessidade de formação contínua de seus

educadores.

Geralmente a formação vem através da Secretaria de Educação. Eles

encaminham um cronograma, as formações são divididas por áreas, todos

participam. Normalmente no começo do ano tem as formações geral. Na

verdade é uma "Boas vindas, né!" e, na metade do ano tem aquela reunião após

as férias de junho e, ali mesmo já são definidas algumas das salas que são

divididas por grupos, turmas, por áreas; até o pessoal da limpeza geral. Toda

escola participa dessas formações. (LUZIA)

A coordenadora indica-nos que as reuniões que foram planejadas no começo do

ano, referentes aos movimentos da escola durante o semestre, é o que Sole considera como

formação continuada dos educadores. A educadora conjuga a recepção dos educadores no

período pós-férias como o processo formativo desses professores. O que não diferencia no

relato de Rosa e de Roberto, que ambos dirão que o processo ocorre em reuniões

semestrais, acompanhadas pelo corpo técnico pedagógico da Secretaria de Educação do

Município, tendo por finalidade a organização do espaço/tempo a ser ocupado durante o

decorrente ano em que essas reuniões ocorrem.

No sentido de outras capacitações, tais como especialização, curso de extensão,

dentre outras ações ligadas ao processo contínuo de aprendizagem, Sole diz que essa

formação ocorreu somente até 2013, quando ela ainda não estava na escola e que é um

processo ainda muito restrito; nem todos são convidados a participarem de cursos de

especialização. E a educadora relata ainda que, se você tem o desejo dessa formação com

certa urgência, aí é preciso investimento do próprio bolso, sem o auxilio da SEMED para

que se venha a ter essa formação.

Roberto, Luzia e Rosa indicaram, através de seus relatos, que desconhecem o

Decreto 1001, de dezembro de 2011, que põe em prática o Programa Especial de Educação

Integral do município de Corumbá. Os três exercem o papel de coordenadores pedagógicos

de áreas que se conjugam para o desempenho da escola, mas revelam não ter esse

conhecimento, afastando-os de um processo que é político e de acesso ao plano que os

regimenta.

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Neste ponto, é comum encontrar, no dia de trabalho docente, educadores que se

distanciam das leis. Até aqui acompanhado o processo de reconhecimento do Decreto

municipal, somente o educador Sebastião disse ter se apropriado desse documento, o qual é

de livre acesso junto ao Diário Oficial do município de Corumbá, contendo em média

cinco páginas de documento com as propostas para as ações da experimentação do tempo

integral junto a quatro instituições escolares de Ensino Fundamental em âmbito municipal.

É salutar pensar que conhecer as propostas regimentais ou de legislação referentes

ao trabalho que se exerce, proporciona um olhar crítico, ao pensar como são as dinâmicas

afirmadas em teorias e o que se realiza na prática cotidiana da instituição.

O Decreto 1001 apresenta suas diretrizes, tendo como foco a formação integral do

estudante através de formação para a cidadania, focada nos aspectos sociais e pessoais dos

educandos. E estabelece ainda, no parágrafo II do Art 3. ―A formação de educadores no

novo modelo escolar e na nova metodologia de ensino, qualificados e atuando de maneira

eficiente na prática pedagógica‖. Para que ocorra essa eficiência, faz-se necessário um

processo de trocas, de possibilitar a esses educadores o contato com essas qualificações, o

que se apresenta até aqui, segundo falas dos educadores, deficitário e com inúmeras

lacunas.

As propostas que foram apresentadas na escola, segundo os educadores e

coordenadores, não vão ao encontro das expectativas e anseios de todos os segmentos da

escola. Rosa traz, em sua fala, o que o corpo docente tem percebido e compreendido

enquanto ação pedagógica, suas conquistas e mesmo as barreiras que são encontradas,

porém sobre os educandos, que são o foco desse modelo de escola, ela dirá que:

Pros alunos a gente vê que tem alunos que tem perfil, no caso de escola integral.

Que eles conseguem realizar, né. Mas que a gente tem os alunos que não têm

esse perfil de escola integral. Que é difícil, né, eles ficarem oito horas sentados

em uma carteira, é difícil. [...]A gente vê que tem alguns alunos que já foram

embora, por conta (risos?!), né, da sobrecarga que é um pouquinho puxada,

pesada pra eles. (ROSA)

Esse relato da educadora contradiz toda a proposta de ensino integral, que tem

como principal proposta a ação pedagógica diferenciada, voltando-se olhar para as

necessidades urgentes das comunidades que tiveram em suas escolas o Programa de

Educação Integral imposto. Segundo Azevedo (2003, p. 23):

A realidade, assim comumente designada, está muito mais nos sentidos (visão,

olfato, tato, paladar), nas crenças, nos valores, na compreensão do

narrador/observador do que propriamente se revela como algo-em-si que

preexiste ao sujeito, esperando para ser desvelada. [...] Uma história pode ser

contada de várias maneiras, dependendo do enfoque do narrador [...].

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E perpassando essas histórias cotidianas narradas pelos coordenadores, Roberto

enfatiza que...

O sistema implantado hoje é um modelo que veio, assim, digamos que pronto,

né! Esse ano a escola teve uma oportunidade de sentar, reestruturar a sua forma

de trabalhar. Só que eu observo que ainda não é aquilo que os professores

desejam, e acredito que o que o sistema integral pode oferecer, né! Quando se lê

educação integral, se pensa que irá desenvolver seu aluno em todos os aspectos,

né! E não tem sido feito isso. Acredito até, que não só pela formação dos

professores, mas também pelo currículo. Do currículo que está aí, tanto da base

comum, quanto da base diversificada. A base diversificada ainda é aquela que,

tem pouco a ser diversificada na verdade. O professor ainda fica muito em sala

de aula, muito no quadro é... Então isso dai foge um pouco dessa proposta de

educação integral, porque se oferece ao aluno aquilo que ele já estava

habituado. O quadro, o giz, o papel, a cópia, cópia e mais cópias. Assim, não há

assim um desenvolvimento da parte física, por exemplo, com outros jogos;

capoeira é... dança. [...] Eu acho que ela ainda não atende, assim, aos anseios

não só dos professores como da comunidade. (ROBERTO)

O educador/coordenador retrata um processo pedagógico que se apresenta

desarticulado num sentido de que, o que tem acontecido enquanto prática, não dá conta do

que se trouxe enquanto proposta documentada. Robert percebe que as ações práticas não

devem colocar sobre os ombros dos educadores, desenvolverem trabalhos que fujam de

suas alçadas, que não sejam articulados com suas formações e, para isso, ele relatou o caso

dos educadores de área que têm suas cargas horárias complementadas com atividades

pedagógicas de base diversificada, fazendo o que se diria ―uma salada de frutas‖ no

processo pedagógico desses educadores.

Luzia acredita que as propostas têm ido ao encontro, sim, mas enfatiza o encontro

do que os educadores lutam. A coordenadora/educadora vislumbra que, ter horário de

almoço e ter ocorrido a criação de oficinas em horário de almoço dos educadores, é

solução para o processo pelo qual a escola vem passando, de experimentar, de envolver a

escola em um movimento constante de transformações, de articulações pedagógicas que

propiciem a melhor formação dos educandos, mas que essa seja distanciada de um

processo avaliativo (quantitativo), mas que seja um processo avaliativo (qualitativo), em

que esses se percebam enquanto sujeitos em formação. Segundo Freire (2011, p. 72):

[...] em função das condições históricas, em função do nível de percepção da

realidade que tenham os oprimidos, é o conteúdo do diálogo. Substitui-lo pelo

antidiálogo, pela sloganização, pela verticalidade, pelos comunicados é pretender

a libertação dos oprimidos com instrumentos da ‗domesticação‘. Pretender a

libertação deles sem a sua reflexão no ato desta libertação é transformá-los em

objeto que se devesse salvar de um incêndio. É fazê-los cair no engodo populista

e transformá-los em massa de manobra.

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Articulando o fragmento de Freire (2011) ao que é observado no cotidiano da

Pantaneira o processo verticalizado de condução das decisões na escola apresenta-se

constante, desde a implantação do sistema integral de ensino, até aos movimentos diários

que refletem na comunidade do bairro Camalotes. Neste sentido, a chamada do título deste

estudo tem me provocado pensar sobre as concepções e práticas de democracia que

norteiam o cotidiano da referida escola Pantaneira. Ao compreender a democracia como

um importante movimento político e social de partilha de poder, que visa a igualdade e a

participação no processo decisório de modo a garantir a autonomização do coletivo, a

realidade em estudo tem se mostrado completamente avessa ao que concebo como prática

democrática. Segundo Cury (2005, p. 30):

[...] não se pode deixar de apontar que a importância da educação escolar ainda

não conseguiu chegar a ponto de mobilizar agressivamente a sociedade civil em

prol de sua dignidade e valor. É preciso que essa bandeira chegue à população e

que ela possa injetar novo ânimo aos educadores identificados com a cidadania e

com os direitos humanos e possa cobrar dos governos o devido empenho para

com um direito que deve conjugar a igualdade jurídica com a igualdade

substantiva. Decorre daí a impulsão para modelos de gestão mais transparentes e

abertos, a busca de novos recursos e um planejamento estratégico que

consubstancie uma vontade política adequada ao valor proclamado da educação

para todos.

Quando se dialogou com os educadores/coordenadores vislumbrando o diálogo

entre escola/comunidade/escola, em suas falas foi enfatizada a todo o momento a figura do

professor, dos diretores e dos coordenadores. Pais, estudantes e demais membros internos e

externos à escola não foram colocados em evidência, o que é mais um dos fatores que

demonstra a escola distante da sua comunidade.

Os três coordenadores trouxeram em suas falas, também, a percepção de que

quando a escola e a Secretaria dialogam, hoje tem havido mais disposição da SEMED

ouvir, no entanto não significa que as ações que a escola se propõe são colocadas em

prática, havendo ainda resistência ou mesmo aprovações em partes de alguns projetos e

propostas pedagógicas, no entanto eles afirmam ter havido melhores condições de

diálogos.

Luzia, Roberto e Rosa notam que existem mudanças necessárias na escola, para seu

melhor desempenho. Luzia e Rosa, dirão que o horário das oficinas precisa de alterações,

visto serem realizados constantes estudos para que isso ocorra. Roberto propõe que a

escola tenha maior contato com as famílias e, segundo o educador, se isso não acontece

com a participação de todos, que tenham ao menos as representatividades nesse processo.

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O que leva a compreensão de que não existe a relação entre família e escola. Segundo

Mendes (2009):

Na formação sociopolítica do brasileiro, a noção de participação nas decisões

políticas está limitadamente presente. Além do ato de votar em dias de eleição,

que é, sem dúvida, um importante exercício democrático, são raros os canais à

disposição do cidadão para efetivamente se apropriar do conjunto de

informações e decisões de uma administração pública, ou seja, apoderar-se

daquilo que lhe pertence como cidadão.

Os processos de participação nas ações estatais revelam que a sociedade em geral é

representada, mas não tem uma participação direta em relação às decisões e aos

movimentos que se referem às necessidades urgentes ou de longo prazo para as classes

populares. Nesse pilar de representatividade verticalizada, percebe-se que as camadas

populares não se manifestam nos diálogos, ficando isoladas e recebendo mandos e

direcionamentos referentes ao que fora noutro momento decidido por suas distintas

representações.

Nesse processo de transformação pelo qual a escola vem passando na cidade de

Corumbá, percebido o tempo integral, é acompanhado por alterações dos documentos que

regimentam esses processos no interior dessas instituições, perpassando PPP, RI e o

currículo escolar, vislumbrando o modelo implantado. O que indicam as falas dos

coordenadores da escola é que esse período experimental, também foi o período de ajuste

do PPP da escola, percebendo-se as necessidades que se apresentam no dia a dia da

mesma.

O processo de ajuste desses documentos, é de inteira importância para toda a

comunidade escolar, visto todos serem atingidos pelo que acontecerá na escola Pantaneira.

Para que isso ocorra, faz-se necessária a participação efetiva de todos os segmentos da

escola. Neste sentido, a categoria participação apresenta-se como de suma importância no

processo; para tanto, precisa ser total, precisa ser representada e dialogada entre esses

segmentos da escola. Segundo Mendes (2009, p. 77):

A escola pública, na qualidade de instituição responsável por viabilizar o acesso

a esses bens produzidos historicamente pela humanidade à maior parte da

população, tem um papel importante a cumprir no desenvolvimento desse

homem, de modo a criar condições que contribuam na formação dos sujeitos

envolvidos no processo pedagógico. Assim, no convívio de pessoas com idades e

características diferentes podem ser construídas práticas e estabelecidas relações

que possibilitem tanto o domínio quanto a elaboração de novos saberes que

conduzam a ações autônomas e livres.

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Essas ações, que constituem sujeitos autônomos e livres, fazem-se presentes no

processo democrático, no processo de saber ouvir ao outro, de construir no contexto da

escola pública o campo de ação que dê a possibilidade de expressão e de ação do educando

num processo de aprendizagem através do questionamento, através de interpretações que o

farão descobridor de novas possibilidades de liberdade. Quando trago estas características

necessárias para a construção de um processo participativo e democrático, é com o intuito

de perceber como tem sido estruturado o processo que discute a organização da escola, que

busca interpretar o cotidiano dos educandos e de suas famílias como elementos que são

costurados como parte do currículo escolar.

Nas considerações referentes ao olhar que se lança pelos coordenadores no

processo de mudanças pelo qual a escola passa, a democracia é um dos princípios

importantes a ser praticado no cotidiano escolar, levando-se a ―pensar a escola e seu papel

na formação do sujeito‖ (MENDES, 2009, p. 78).

O poder é percebido no cotidiano escolar através das ações que se fazem presentes

na formação de meninos e meninas para o ato político. O poder circunscreve a história do

povo brasileiro desde a sua colonização, desde o ―descobrimento‖, percebida a dominação

dos povos originários pelo processo de domínio cultural eurocêntrico. O modo como a

escola exerce o poder está diretamente articulado como é mediado o conhecimento do

educando, ou nas relações que ela articula com a comunidade. E, ainda, pelo modo como

são construídos projetos e programas que são impostos e desconsidera-se o olhar da

sociedade para o que nesse ambiente será posto em prática. Segundo Oliveira (2002, p. 49-

50):

Pesquisar o cotidiano escolar é, assim, um trabalho de busca de compreensão das

táticas e usos que os professores desenvolvem no seu fazer pedagógico,

penetrando astuciosamente e de modo peculiar, a cada momento, no espaço do

poder. Abdicando da busca de ‗ver‘ a totalidade – objetivo e paradigma de uma

ciência que traz, embutido em si mesma, um necessário esquecimento e

desconhecimento das práticas cotidianas complexas, plurais, diversas [...]. O

cotidiano das escolas, no qual os sujeitos tecem suas redes de fazeres, onde

vivem, agem, sentem, sofrem, amam, os seus ‗praticantes ordinários‘ só existe

onde cessa a busca da visibilidade ‗panóptica‘ de uma escola abstrata, vista do

‗alto‘.

No embrenhar-se pelos espaços habitados da escola, que geram os encontros com

as situações que são narradas pelos próprios atores e autores dessa história, desse universo

que é real, que não é fantástico tampouco abstrato. Rosa, Roberto e Luzia são sujeitos

imersos e envolvidos nesse processo real, vivido e encarnado. São participantes,

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espectadores e autores dessas vivências da vida escolar, que buscam realizar ações que

deem a justa e digna educação aos estudantes oriundos dessa comunidade das camadas

populares.

Se a escola que existe hoje é alicerçada nos moldes de um sistema social que

fragiliza os homens e mulheres oriundos das camadas pobres da sociedade, essa escola

precisa ser transformada, precisa ser descoberta a partir das vivências dos sujeitos desse

processo opressor. Para tanto os coordenadores foram levados a refletir que escola eles

habitam no contexto atual e qual a escola que eles querem? Nessa espiral composta de

múltiplos fios a serem tecidos em rede, Rosa, Luzia e Roberto pensam cada um a seu

tempo e cada um com uma compreensão sobre a escola existente e a escola sonhada,

alguns dialogam com a emoção e outros com a razão, mas constituem sentidos que

trans/formam a escola vivida.

A educadora Rosa, como seu nome transpõe imaginar uma flor sensível e ao

mesmo tempo tão forte, cercada por seus defensivos espinhos, salienta que a escola vivida

é a escola querida; porém a educadora de imediato garante que se a dinâmica fosse de ter

as ações do currículo de base nacional em um período e no contraturno houvesse atividades

de base diversificada, em que os educadores pudessem, nessas quatro horas,

desenvolverem suas ações pedagógicas diretamente articuladas ao currículo da base

diversificada, talvez a escola funcionasse com outras possibilidades. A educadora salienta

ainda que o esporte e a arte são elementos que chamam atenção dos educandos e que é

necessário pensar esses atrativos para o melhor desempenho dos educandos.

Para a educadora Luzia, a escola sonhada, desejada é a escola que ela vive, e Luzia

narra esse fato pelo sentimento fraternal que ela tem pela instituição. A educadora acredita

que a proposta constitui-se numa política que proporciona às crianças melhor alimentação

e um espaço que, do ponto de vista dela, ―[...] realmente as crianças podem se considerar

que estão no céu. [...] Lógico, tem alguns detalhes, ainda assim...” (Fala de LUZIA).

Ao mesmo tempo que Sole considera que a escola é boa, os detalhes que precisam

ser repensados não são revelados em momento algum pela educadora. Para Arroyo (2011,

p. 134-135):

Quando pensamos em um projeto cultural de conteúdos e práticas escolares

comum e universal para todos os cidadãos brasileiros, temos de pensar em um

projeto cultural comum para a formação dos profissionais para que deem conta

da concepção alargada de educação a que nos referíamos antes. Eles têm de

saber-se profissionais desse projeto cultural. Têm de dominar saberes não apenas

sobre conteúdos e práticas de ensino, mas também sobre o desenvolvimento

integral do ser humano, sobre os processos de socialização total dos indivíduos

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nas sociedades modernas. Têm de dominar conteúdos e processos para estimular

o conjunto das capacidades humanas não só cognitivas e intelectuais mas

também sociais, afetivas, expressivas, comunicativas, e entender como todas elas

interferem nos processos de apreensão do conhecimento.

Esse processo de reconhecer-se enquanto educador é importante na construção

identitária do profissional e, quando Arroyo (2011) enfatiza sobre o domínio de questões

que vão além do avanço cognitivo, mas que devem ser acompanhadas pelo

desenvolvimento social, afetivo, cultural e político e, neste sentido, o educador, no

contexto de sociedade que se tem hoje, precisa ser formado para acompanhar esses

aspectos que vão além de um posto já assumido pela educação, que é do desempenho

cognitivo do educando.

Para concluir esse segmento da escola, Roberto irá considerar que a escola que

existe hoje ainda não é a desejada, ―[...] ainda falta muita coisa pra melhorar na escola

que eu tenho. [...] Desde estrutura predial até, como a gente já discutiu aqui, currículo...

escutar os anseios de professor, comunidade. Ainda falta muita coisa a ser melhorada.”

(Fala de ROBERTO). O coordenador reflete a incompletude da escola que deve ser

espelhada na incompletude do sujeito, que estamos em constante construção, mas para que

isso aconteça de forma mais consistente, é importante a relação do ―eu‖ com o ―outro‖ e do

―eu e o outro‖ com o ―todo‖. Não se faz educação sem saber ouvir, sem perceber-se

aprendiz de novos rumos, novas perspectivas educacionais.

A fala do educador é construtiva no sentido de perceber nessa incompletude de

escola a possibilidade de melhorias, a possibilidade de uma nova estrutura de educação que

encare o caráter integral com o sentido integrador, com o sentido de partilhamento, de

democracia e de diálogo horizontalizado, em que o poder não seja adjetivo do processo

gestor da escola pública brasileira.

4.3.1. Direção escolar: Maestrias de uma orquestra

Segundo as narrativas da direção da escola e o que consta no RI (em construção), o

processo de gestão da escola caracteriza-se de forma compartilhada, tendo em vista que são

duas as diretoras que regem os movimentos e representam a escola a partir das decisões

que devem ser tomadas prioritariamente diante das representações dos segmentos da

escola. Diante desse fato, dialoguei com as diretoras da instituição, levando-se em conta a

mesma entrevista aplicada aos professores e coordenadores da escola.

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Diante deste diálogo busquei conhecer um pouco mais do cotidiano da escola a

partir do olhar das educadoras/gestoras, considerando-se a gestão escolar e indo ao

encontro do processo democrático, da ação participativa, e que contrarie o poder, buscando

assim a construção de uma escola autônoma, democrática e participante, na formação dos

educandos. Gislaine é a educadora e gestora geral da escola, acompanhada da educadora e

gestora adjunta Marília.

É constatado, a partir do que as duas educadoras falam sobre a escola, uma

convergência com o que os educadores, estudantes narram a respeito do cotidiano da

mesma, fazendo interpretações referentes aos movimentos de participação, democracia e

poder, em que os distintos membros que estão envolvidos no processo educativo exercem

na escola através das ações individuais ou partilhadas.

O que leva a compreender que a escola busca uma organização de gestão

democrática, alicerça-se aos sentidos que educadores e coordenadores destacam em seus

relatos e que foram revelados anteriormente, ressaltando a necessidade de uma ação que

integre a escola às necessidades da comunidade do bairro Camalotes.

Marília foi convidada a este diálogo evidenciando-se pontos que foram expostos

aos educadores, coordenadores e educandos em relação ao modo como a escola é vista e

vivenciada pela comunidade. Para tanto, a educadora exporá que:

Bom, num primeiro momento, os pais ficaram felizes, né. Porque a criança de

certa forma estaria segura, dentro da escola, que pra eles a escola é um porto

seguro. Às vezes até pra criança, ela prefere estar na escola, do que estar em

casa. Porque aqui, ou não, tem a questão da alimentação no horário certo. Tem

o atendimento, tem atenção dos professores. Tem uma outra rotina, diferente,

obviamente daquela que ela teria em casa. Só que assim a gestão democrática,

vamos dizer assim, porque o Projeto, ele foi implantado de cima pra baixo.

[grifos meus] Porque assim a prefeitura visualizou, planejou o projeto e nos

apresentou já de uma forma. Só que a prática é totalmente, assim é diferente

você ver ele ali no papel, e na hora de você colocar em prática, eh... Vou falar

agora enquanto professora, porque no início eu estava em sala de aula. Então

foi bastante sofrido pra gente passar oito horas na escola, com aluno; até pegar

aquela rotina. O aluno entender aquela rotina. Então o primeiro ano foi

doloroso, o segundo nem tanto, agora já tá mais ameno, que o aluno já tá...

Habituaram nessa rotina e, nós também. Os diretores, coordenadores e

professores já estão assim, encaixados nessa rotina da escola integral.12

(Fala de

MARÍLIA)

É salutar salientar neste ponto, que o Programa Especial de Educação Integral em

Corumbá foi construído a partir de questões que foram levantadas no âmbito

12

MARÍLIA. Entrevista I. [Out. 2014]. Entrevistador: Leandro Costa Vieira. Corumbá, MS, 2014. I arquivo

.mp3 (00:31:22 min.). A entrevista na íntegra encontra-se nos arquivos do pesquisador.

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administrativo e de gabinete da Secretaria de Educação de Corumbá, visando a

implantação de escolas integrais em periferias da cidade, que destoam das perspectivas e

interesses do Estado. Portanto, é importante salientar que o Programa de Educação Integral

vem a atender alguns critérios estruturados no PNE 13.005/2014, que trata a educação

integral como possibilidade de crescimentos nos índices de desenvolvimento da educação

básica, o IDEB que considera viável a expansão do turno e contraturno como forma de

conduzir as ações sistêmicas mercadológicas. Segundo Cury (2005), o processo de

desigualdade está instaurado em políticas que visam a manutenção de determinantes

históricos dos sujeitos em suas distintas classes sociais. Cury (2005, p. 15) enfatiza que:

Tais políticas afirmam-se como estratégias voltadas para a focalização de

direitos para determinados grupos marcados por uma diferença específica. A

situação desses grupos é entendida como socialmente vulnerável, seja devido a

uma história explicitamente marcada pela exclusão, seja devido à permanência

de tais circunstâncias em sequelas manifestas. A focalização desconfia do

sucesso das políticas universalistas por uma assinalada insuficiência. Focalizar

grupos específicos permitiria, então, dar mais a quem mais precisa, compensando

ou reparando perversas sequelas do passado. Isso se baseia no princípio da

equidade, pelo qual, como já se afirmava na Antiguidade Clássica, uma das

formas de fazer-se justiça é ―tratar desigualmente os desiguais

Articula-se a este aspecto um sentido fortemente demarcado nas falas das

educadoras, que é: a escola constituída como fortaleza protetora de crianças indefesas aos

males do mundo. É importante estar atento que a rua não carrega todos esses males

interpretados pela escola que temos nos dias atuais. É importante, nesta permanência de

tempo ampliado do estudante na conjuntura institucionalizada, que esse conheça e enfrente

o que ocorre nos espaços extramuros da escola integral. Para tanto faz-se necessária a

abertura e o derrubar de muros dessa escola, mesmo que num primeiro momento esses

muros sejam quebrados virtualmente, a partir de uma relação de aproximação com a

comunidade, mas que através dessas relações se construam, ou melhor se quebrem esses

obstáculos concretos e físicos, integrando a escola no espaço de comunidade.

No sentido que interpreto em relação da escola com essa comunidade, considero

uma relação fria, em que existem corpos quentes e vivos, cheios de posturas que precisam

ser exploradas. Posturas essas de estudantes e pais de estudantes que possuem uma relação

de vivências de mundo que podem vir a proporcionar outro olhar da escola para a rua, para

o bairro. Que as ―violências‖, se assim devem ser interpretadas, sejam desnudadas e

percebidas como gritos de resistências dessa comunidade em relação ao modo como

historicamente ela vem sendo percebida: vulnerável, marginal, violenta, criminosa, mas

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que, num olhar mais aguçado, é percebida e é discriminada. Atrelado ao sentido

discriminador, é preciso rever o que se considera ―diferente‖ ou ―feio‖ daquilo que

interpretamos superficialmente, apenas de uma primeira vista. Para Freire (2014, p. 74-75):

A experiência de unir, de falar um discurso diferente e proibido; de descobrir que

esse discurso diferente é proibido; de descobrir que esse discurso é válido,

embora digam que ele é feio, são experiências culturais e pertencem à cultura do

povo dominado. [...] Quanto mais o povo dominado se mobiliza dentro de sua

cultura, mais ele se une, cresce e sonha – sonhar é também parte da cultura – e

está envolvido com o ato de conhecer. A fantasia, na verdade, antecipa o saber

de amanhã. Eu não sei por que tanta gente faz pouco da fantasia no ato de

conhecer. De qualquer maneira, todos esses atos constituem a cultura dominada

que quer se libertar.

E neste caminho de sonhos e de utopias a escola se constrói e se desfaz, constitui o

inédito viável (Freire, 2014), e pela busca da originalidade e do cultivo do novo aprender,

esses educadores aos seus tempos aprendem e pecam nos erros, pois a partir desses erros

formam novas formas de ensinar.

Sobre as metas e objetivos da escola integral, a Diretora Gislaine enfatizou que

“[...] a meta é o IDEB que é uma cobrança muito grande.” A fala da educadora confunde

as ideias e metas que a escola deveria apresentar, em contrapartida do que são as

exigências da Secretaria que tem a cobrança da Prefeitura, que tem a cobrança do próprio

Ministério da Educação em relação ao desenvolvimento educativo da escola. A educadora

narra que o educando não pode reprovar, pois a escola integral foi criada para que isso não

viesse a ocorrer junto à instituição.

As respostas da Diretora Gislaine convergem ao que Marília considera um sistema

imposto, em que a instituição mantenedora cria um Programa, apresenta suas expectativas

referentes a esse Projeto e faz exigências à escola na execução das ações pedagógicas com

um prévio aviso que a reprovação é reflexo de fracasso da proposta de escola integral.

Marília considera que existem critérios importantes no processo de apropriar-se das

dinâmicas da escola integral. Não basta somente o educando ter perfil. A gestora considera

que educador também necessita ter um perfil próprio de atuação docente nas escolas

integrais. Para tanto, penso na importância da contínua formação, visto que não se nasce

educador; constituímo-nos educadores, a partir de formação, teorias e prática, da reflexão

da práxis e de novas ações a partir do que se reflete. Ainda nesse aspecto, Mamede (2012,

p. 242-243) enfatiza que:

São muitos os pontos possíveis de interseção das diferentes áreas na contribuição

que elas podem trazer para o pensamento e a efetivação pedagógica na escola. e

outro interessante aspecto da formação, inicial e continuada, que tem relação

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estreita com a educação integral, é que, em ações compartilhadas, podemos

incrementar a formação cultural de todos os atores envolvidos, uma vez que

ações no campo da cultura serão desenvolvidas junto às escolas e às

comunidades e que, em inúmeros casos, os professores/profissionais em

formação e os profissionais das escolas não têm experiências/vivências culturais

mais amplas. Então, conhecer os espaços/lugares e atores culturais da cidade/da

comunidade ganha importância fundamental na formação inicial e continuada.

Uma formação pedagógica bem alicerçada, movida pelo interesse de contínua

descoberta, de novas possibilidades educativas, garante aos educadores a possibilidade de

desenvolverem ações importantes no ambiente escolar. É a viabilidade de que projetos

pedagógicos que consideram culturas locais como fundamentais para o re/conhecimento de

outras culturas se fazem presentes no cotidiano da escola integral. Penso que não basta o

ensino de um bioma nas ciências, quando não se leva o educando a perceber o próprio

ambiente em que ele está imerso, fazendo-o ir ao campo, tocar, cheirar, sentir o que ele

estuda. Isso é o aspecto cultural que é preciso ser trabalhado nas distintas áreas do

conhecimento, independente de serem as Ciências, a Matemática, ou as linguagens, por

exemplo.

Quando enfatizei, durante o texto, o sentido de cultura, considerei a importância de

movimentos que partem das vivências dos educandos, a partir do universo re/conhecido

deles, para posteriores descobertas. E ao trazer o fator social, cultural e político, é viável

considerar que o olhar sensível do educador é importante ao saber abrir uma discussão e

proporcionar que os seus educandos descubram as respostas a partir de suas vivências, e o

processo mediador e informativo de concepções por esses educandos ainda não

descobertas, sejam o papel mediador desse educador a partir do contato a priori que seus

grupos de educandos terão com suas culturas e o choque que levarão, ou não, com a

descoberta de outros movimentos culturais. Segundo Leite (2002, p. 155-156):

Os temas de abordagem da sociedade, elencados pela pós-modernidade, -

multiculturalismo, identidades plurais, racionalidade constituída, construção do

real, particularismo – introduzem a ideia de particularidade em oposição a ideia

de universalidade, indicando a existência plural de sociedades, de sujeitos e de

práticas humanas. Tal pluralidade se traduz em possibilidades de compreensão

do real e de ação sobre o real baseadas não na ideia de essencialidade, mas na

ideia de constitucionalidade. Isso significa dizer que as práticas humanas não são

mais atualização de potencialidades, mas materialização de condições culturais

específicas, próprias, diferentes, locais. São tais condições que acabam por

definir as possibilidades de funcionamento ou de ‗desempenho‘ [...] das práticas

e das invenções humanas.

É a partir dessas singularidades que a escola deve ser pensada, considerando-se as

peculiaridades que dela emergem, para que o processo educativo então venha a ser integral

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139

e integrador, num sentido de envolver o educando no reconhecimento de um emaranhado

cultural e alicerçar-se enquanto sujeito que se identifique com nuances de distintas culturas

que possibilitam a sua formação.

Na visão das educadoras, Diretora Gislaine e Marília, participar da vida escolar, por

parte dos responsáveis e da comunidade, é como a exceção da regra, pois existem os

bastante ativos e participantes e há os que são presentes em chamados da escola por

questões específicas de cada educando, seja por questões de aprendizagem, disciplinar ou

mesmo nas relações interpessoais. Isso que vai ao encontro das falas dos educadores,

coordenadores e mesmo dos educandos em relação à participação da família na escola.

É importante ressaltar que o papel da família no cotidiano escolar, principalmente

no caso da escola integral, faz-se necessário no sentido de que esses sujeitos percebam-se

protagonistas da história educativa dessa comunidade; no entanto, há de se afirmar aqui

que a escola precisa desarmar-se das barreiras que constrói para fortalecê-la contra a rua

(comunidade).

A escola que se tem, segundo Marília, ainda não é a escola de seus sonhos. Assim

como para Diretora Gislaine, que percebe as falhas estruturais da instituição e mesmo da

lacuna que existe entre o órgão mantenedor (Prefeitura/SEMED) e a escola, no sentido da

democratização das propostas elencadas durante os três anos de experimentação da escola

integral. Cabe perceber que unânimes, os educadores acreditarem que existem pontos que

precisam ser trans/formados, mudados para a concepção de educação integral, que busque

o possível sujeito integrado e envolvido no processo político, cultural, social tecido nos

conceitos de autonomia.

Assim se expõem os olhares, sentidos, sensações e anseios de educadores da Escola

Pantaneira, num cotidiano tecido em retalhos de histórias que se fazem utopias e no inédito

viável da escola desejada que é viva na casa dos sonhos.

4.4. MARIAS E JOÃOS: VOZES QUE ECOAM NOS CAMALOTES DO RIO

Foi pensando na trajetória de menino e menina pobre do espetáculo infantil João e

Maria que identifiquei os olhares das mulheres e homens do bairro Camalotes como parte

de sonhos e a luta para escaparem das ―maldições da bruxa da floresta des/encantada‖.

Percorri ainda que, menos do que o desejado, as alamedas e ruas serpenteadas do bairro

Camalotes, com diário de campo na mão e muitas expectativas, com o gravador no bolso

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para ver e sentir os sujeitos desse bairro, num sentido de saber. Que escola é essa que se

chama Pantaneira, que invade esse bairro e se constitui no meio de Camalotes?

Andando entre as ruas estreitas daquele bairro, percebi que eu era observado por

alguns; reconhecido, por outros tantos; visto como mais um passante curioso, invasor, de

um território demarcado por mãos curtidas dos calos da rede tecida para a pesca e, por

olhos queimados do sol a pique do calor pantaneiro de Corumbá. Era dada a partida, indo

ao encontro da comunidade para perceber de suas vozes: Como ess@s percebem a escola?

Como se dão as relações que se imbricam a partir de anseios, desejos, sonhos e utopias, na

construção do que está por vir?

Considerei Marias e Joãos neste fragmento da dissertação, pois foram vozes que

não quiseram o gravador, que preferiram o diálogo no balcão do boteco ou nas casas de

Marias e de Joãos, na casa do artesanato e na doca do pescador à beira do Rio Paraguai. A

compreensão, referente aos movimentos da escola foi de considerá-la como uma boa opção

para os filhos, netos ou sobrinhos, ou mesmo, o pensamento de que foi um projeto que

trouxe problemas e atrapalhou vidas de famílias e de estudantes que não se adaptaram ao

sistema integral e, por esse motivo, foram remanejados para outras escolas, de tempo

regulares, que não estão dentro do bairro.

Em outubro de 2014, dialoguei com duas mães de estudantes de terceiro e quarto

anos da escola Pantaneira. Essas duas Marias não concordavam com a dinâmica de escola

integral e uma das mães, grávida de seu segundo filho, considerou que: ―[...] estou grávida

novamente... Elas nos chama quando o aluno dá algum problema ou pra dize que ele não

tá bem nas média. Não tem outra relação.” Aparentando ser uma mulher de vinte e poucos

ou trinta anos, Maria Serafina13

, mãe do menino do quarto ano, não estava contente com o

modo de agir da escola; não havia ido até lá para uma relação de confraternização ou pela

busca de soluções as desavenças do menino, porém ide até a escola por um chamado da

instituição para queixas e atenção a ser chamada em relação à situação problema gerada

com o educando do terceiro ano.

Maria Madalena14

, mãe do estudante do terceiro ano, destacou que... “[...] depois

que criaram esse tempo integral, só tem aparecido BO não se tem mais sossego. Se fosse

pra chamar a gente pra alguma coisa boa, daí não acontece isso.” As mães que relataram

13

MARIA SERAFINA. Entrevista I. [out. 2014]. Entrevistador: Leandro Costa Vieira. Corumbá, MS, 2014.

I arquivo subscrito através do diário de campo. 14

MARIA MADALENA. Entrevista I. [out. 2014]. Entrevistador: Leandro Costa Vieira. Corumbá, MS,

2014. I arquivo subscrito através do diário de campo.

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141

esses fragmentos acima citados, estavam saindo de um encontro entre escola e família para

solucionar um problema gerado por alguma circunstância não especificada por elas. Neste

dia, eu acompanhei os movimentos de entradas e saídas de familiares na escola e pude

constatar que foram raras as situações que ocorreram isto entre 10h20min da manhã até o

entorno de 13h da tarde.

A relação é de poder, explícita no caso das mães acima representantes da

comunidade externa à escola caracteriza-se pelo chamamento da família ao ambiente

escolar. Não são situações em que a escola vai ao encontro desses familiares para um

acompanhamento do que possa ter gerado o conflito entre as duas crianças no interior da

instituição, visto ambas serem de turmas diferentes. Para Filho (2000, p. 24):

O que é interessante notar é que pelo discurso iluminista a escola é o lugar da

humanização por excelência, onde o homem se desanimaliza, se ilustra, se

civiliza, cresce na busca de uma idealizada essência humana que se alimenta da

Razão para evoluir e alcançar o saber e a liberdade, bens supremos, que se

contrapõem à ignorância e à escravidão. Na prática, sabemos que o ethos da

escola é a disciplina em seus dois sentidos: a escola se organiza em torno de

disciplinas epistemologicamente falando e se encarrega da disciplina

politicamente assim referida. Este último sentido é, talvez, a mais impermeável

característica da escola. é, portanto, o seu traço mais imutável, ou, pelo menos, o

mais resistente às transformações. [...] Tanto a disciplinarização do

conhecimento, quanto a disciplina no sentido de governo e controle, guardam

intimas conexões com o poder.

É importante salientar, segundo Filho (2000), o poder como um dos elementos mais

representados no cotidiano escolar. O envolvimento da comunidade não foi considerado na

posse da gestora e de sua adjunta, com as respectivas mudanças ao longo dos três anos de

escola integral. A gestora fora nomeada, bem como os coordenadores, direcionados pela

SEMED e, suas posteriores mudanças não foram levadas à comunidade.

Nas andanças pela escola e pelo bairro, o representante de pais não se fez presente

em nenhum momento, menos ainda pude contatá-lo, pois seria por intermédio da escola

que esse encontro poderia ser feito. Mas outras Marias e outros Joãos, em suas andanças e

meus passos e olhares curiosos, fizeram com que os caminhos cruzassem; e segundo João

Cândido15

, em um diálogo à beira do muro baixo de sua casa, humilde, mas com muita

receptividade, pode destacar que considera a escola parceira e amiga da comunidade.

Meus filhos todos estudaram aí. Agora meu netinho que foi matriculado e

também vai estudar ai na escola Pantaneira. O que eu tenho a dizer ao senhor é

que a escola é boa, a diretora é receptiva, conversa, não tenho o que queixar da

15

JOÃO CÂNDIDO. Entrevista I. [Jan. 2015]. Entrevistador: Leandro Costa Vieira. Corumbá, MS, 2014. I

arquivo subscrito através do diário de campo.

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escola. Mas agora, moço ... Que tem de pai e mãe, que só é por um descuido e

não tá nem aí pra os filho joga eles aí dentro e se esquece, nesse bairro tá cheio.

A escola, ela é boa e abre as portas pra quem quer nela entrar. Sempre morei

aqui de frente. A escola é boa. (Fala JOÃO CÂNDIDO)

Contrário ao exposto por Maria Serafina e Maria Madalena, João Cândido

considera a escola receptiva e amiga da comunidade. Enfatiza que está sempre aberta a

receber. E a escola se abre a ser recebida? Para tanto, Maria Cecília, mãe de estudante dos

anos iniciais, dirá que “[...] bom, a gente vai até a escola, mas a escola ainda não veio até

a comunidade, e isso seria bom, né? [...]‖. Maria Cecília considerou-se no começo da

conversa uma mulher de pouca fala e, por isso, não fala tanto nas reuniões da escola, mas

ela acredita que a escola recebe bem aos familiares, e comungando das falas de João

Cândido, considera, também, que a escola está sempre aberta para receber a comunidade.

E nessas falas que não permitiram ser captadas pelo gravador, mas que

demarcaram minha memória pelo toque de simplicidade, humildade e esperança, vejo, nos

sonhos interpelados pela realidade, o desejo aguçado de mudar o cotidiano que hoje está

constituído. Ver a escola e degustar dos sabores e apreciar os aromas que da escola se

expandem, são os desejos e sentido que é dado aos gestos, às falas e aos movimentos

cotidianos dessa comunidade.

Mas não posso deixar de enfatizar as falas que não quiseram aparecer. Essas falas

são das operárias da escola que a consideram boa, que consideram o dia a dia de trabalho

tranquilo, mas que não veem uma real articulação entre os segmentos da escola na partilha

de ideias e de opiniões. Essas falas foram enfatizadas entre a vontade de exprimir os

sentimentos de não serem percebidos como sujeitos que podem contribuir nas mudanças da

escola e foram caladas ao mesmo tempo pelo receio do que o poder, de alguns, podem

influenciar na vida cotidiana de trabalho destes operários. Desses operários em construção.

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5. ATO FINAL: O ESPETÁCULO NUNCA ACABA

Considerando-se o movimento que foi dado durante o processo desta pesquisa

começada em 2013, foram construídas teias, caminhos e perspectivas que levaram ao

encontro com o método de estudo do cotidiano escolar. Os elementos que constituíram esta

pesquisa considerada a partir dessa perspectiva teórico/metodológica por mim escolhida, a

qual se caracterizou pelo espaço/tempo em que a escola Pantaneira serviram de campo

empírico para as interpretações referentes às ações praticadas e partilhadas junto com a

comunidade do bairro Camalotes.

Diante do encontro com 11 sujeitos que autorizaram e partilharam de suas

concepções referentes ao espaço habitado da escola por uma complexidade de fatores:

culturais, sociais, políticos, evidenciados por questões étnicas, de gênero, classe social,

raça, fontes de renda desses homens e dessas mulheres que constroem suas vidas a partir

do que consideram pertinente e valorativo para suas relações socioculturais.

Os referenciais teóricos que contribuíram na pesquisa para compreensão sobre o

sentido de gestão democrática, de poder e de práticas de justiça social em que se busca a

emancipação dos sujeitos, abriram leques de possiblidades e sentidos que tornam a escola

um campo de batalhas por uma transformação social e constituição política que busca em

seu dia a dia, o re/pensar sobre essas práticas, e sobre como elas têm sido refletidas, por

parte de gestores, coordenadores, educadores, demais profissionais da educação e que

possibilitem a formação de um caráter crítico e reflexivo nas vidas dos estudantes, desde

sua inserção no espaço educativo até sua formação mais ampla na fase de juventude.

Pensando esse espaço que é construído a partir de múltiplos sentidos, e que busca

as relações com as diferenças, a escola tem marco histórico, com lutas políticas e que,

durante o século XX, passou por inúmeras reformas e reconstruções, buscando alcançar a

atenção do desenvolvimento e de exigências referentes à formação, capacitação e inserção

por meio legal e obrigatório de crianças entre 6 e 17 anos na vida escolar.

As propostas de reforma escolar acompanham processos políticos que refletem o

modelo social que o Brasil tem nos dias de hoje. A escola pública brasileira, bem como

seus profissionais, em uma histórica militância para que a educação seja direito concedido

a todos, sem distinções ou discriminações, buscando a ação de formar para a cidadania e

refletir sobre a necessidade de emancipação do poder político que se amarra aos moldes

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internacionais de organismos que visam à formação para o mercado, para a produção de

bens e insumos.

Na caminhada realizada para a construção da pesquisa, três categorias foram

evidenciadas no sentido de perceber como o Programa Especial de Educação Integral da

cidade de Corumbá foi implantado, considerando-se para tanto a ideia de gestão

democrática e participação da comunidade do bairro na vida escolar, visto esta escola ser,

desde 2012, experimental integral, com tempo ampliado para oito horas de ações

pedagógicas diárias. Nesta investigação, destaquei três elementos categóricos para serem

analisados, tais quais: Democracia, Poder e Participação.

Amparado nos marcos legais, que instituem a escola pública como direito de todo

cidadão brasileiro foram identificados aspectos referentes a pensar a educação, a partir de

mecanismos de controle de desenvolvimento da qualidade das ações pedagógicas da

escola. O fundamento é que o IDEB é, nos dias de hoje, um dos mecanismos de maior

controle referente aos índices de desenvolvimento educacional das escolas públicas de

ensino básico.

A partir da implantação do ensino integral junto à escola Pantaneira, busquei a

relação com os avanços referentes ao IDEB escolar entre 2011 e 2013 e o que foi

constatado é que, no ensino fundamental I, a escola teve um avanço de 1,5 pontos, como

mostra o gráfico da página 85, referente à produtividade dos educandos. O que não

significa a efetiva qualidade que se busca a partir de outros aspectos que vão além da

avaliação em Língua Portuguesa e Matemática.

Percebendo a escola pública como o espaço que deve possibilitar o envolvimento

dos sujeitos na construção de sentidos de autonomia, participação nos processos decisórios

da vida social, cultural e política do país, esta escola ainda se apresenta conservadora em

alguns aspectos específicos e verticalizada na construção dos processos partilhados. Penso

no que Freire (1996, 2011, 2012 e 2014) possibilitou-me perceber em relação ao modo

como se constitui nos sujeitos o propósito da emanciapação e, saber ouvir, respeitando as

prioridades e os valores do que está sendo dito é um dos méritos para que isso ocorra no

conjunto de elementos que a escola proporciona.

Certeau (2014) proporcionou-me a reflexão sobre os movimentos que o cotidiano

oferece, considerando-se a complexidade de fatores que são inerentes da vida humana, que

são reflexos da constituição dos sujeitos em sociedade, visto que só existe o cotidiano

porque existem sujeitos e existem vidas, e porque essas relações só se formam pela

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complexidade e ramificações tecidas pelos sujeitos nos aspectos culturais, sociais,

políticos, econômicos das formações de grupos, de crenças e de movimentos que dão

sentidos ao que é existente e ao que está por ser construído.

Nas relações que foram estabelecidas ao me embrenhar no bairro Camalotes e na

escola Pantaneira, foi um elo de sororidade (Caetano, 2014) que, nos caminhos que

percorri, compreendi o sentido deste termo, mas que vinculo ao modo respeitoso como a

comunidade do Camalotes fora interpretada por mim. Reconhecer, no outro, parte do que

me constitui, possibilitou considerar as possibilidades que a escola em tempo integral

consagrou durante seu tempo de experimentação, vivificada essa consagração a partir do

olhar dos sujeitos da comunidade e da escola.

Nesta peregrinação pelo bairro e pela escola, nos diálogos com trabalhadores,

estudantes, educadores, pais, avós, entre tantas observações e destaques, constata-se que a

escola passa por um momento que a transforma. Mas que, ao mesmo tempo que há tal

transformação, percebe-se um processo ainda verticalizado de poder, de dominação, seja

através dos conteúdos, seja através das limitações referentes ao processo participativo dos

segmentos da comunidade na vida escolar; enfim, seja da forma como a política de

educação integral vem sendo imposta pelo governo federal numa perspectiva

assistencialista e compensatória.

O poder no cotidiano da escola apresentou-se de diversas maneiras. Fosse esse pela

implantação do Programa Especial de Educação Integral, sem haver consulta popular e

orientações para esclarecer quais os objetivos e metas do Programa. Esse limite de

proporcionar a participação ficou evidente nas falas das gestoras, coordenadores

pedagógicos, educadores, pais de estudantes, estudantes, funcionários da escola e mesmo a

comunidade externa que não teve a orientação sobre o que seria desenvolvido no processo

pedagógico do PEETI de Corumbá.

Outra das situações em que o processo verticalizado é explícito está diretamente

ligado à posse da gestora da escola, que, desde 2011, ficou vinculada como diretora, nesse

caso Gislaine e que, no ano de 2012, quando houve processo eleitoral, a Prefeitura de

Corumbá baixou uma normativa extraordinária, evidenciando que todas as escolas

experimentais de educação integral não teriam processo eletivo naquele ano, sendo esses

gestores reconduzidos aos cargos até, pelo menos, o final do ano letivo de 2014.

Neste sentido, ainda demonstrou-se nos dados coletados, que nas articulações e

diálogos entre SEMED e Escola, quanto às propostas e contra propostas evidenciadas no

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projeto experimental, a Secretaria, em alguns momentos, mostrou-se resistente aos

propostos pelo grupo de educadores da escola. Reverteram-se várias dessas propostas,

considerando o que o corpo técnico da secretaria via como pertinente.

Os estudantes demonstraram que as ações da escola ainda se caracterizam por um

processo pedagógico, visando o educando em um posto inferior ao de educadores e outros

sujeitos, no conjunto de relações da instituição. Isso é evidente nas observações que

realizei nos movimentos dos grupos de educandos pelo interior do edifício e pátio, sempre

acompanhados e observados, de perto e distante, o que relacionei a um sistema de

aprisionamento institucionalizado, visando a ordem e a harmonia como elementos chaves

no processo pedagógico, o que não considero palpável, visto que acredito que o caos

também contribui no aprendizado.

A outra categoria que apresenta indícios e, como salientou Sebastião, ―uma índole

positiva‖, refere-se à gestão democrática, e esta se dá no sentido de que em muitos pontos

ainda existe um abismo que separa os segmentos da escola, de acordo com seus interesses

e postos de atuação. Assim, nos processos decisivos, quando se chamam os membros da

comunidade a exercerem o papel cidadão, muitas vezes há falhas, pois alguns segmentos

não se percebem como representativos nos processos democráticos da escola, buscando o

silêncio e o anonimato.

Para esta pauta, um dos segmentos que a todo momento demonstrou-se não

participativo, foi o corpo técnico de manutenção, limpeza, alimentação e administração da

escola. Tod@s negaram-se a realizar o diálogo diante do gravador, mesmo sendo firmado o

sigilo através de documento assinado. Alguns/algumas por considerarem que suas falas não

são importantes neste processo e outros, por sentirem medo e insegurança, levando em

conta a opressão e perseguição. Neste sentido, foram consideradas as notas contidas no

diário de campo e alguns fragmentos de falas desses sujeitos.

O sentido de participação e gestão democrática também se apresentou no campo

com lacunas ainda presentes no cotidiano da escola e da comunidade, visto a comunidade

não adentrar à escola e a escola não adentrar à comunidade. O processo de participação e

de gestão democrática não se faz no chamado dessa comunidade apenas nas ações do

interior da escola. É preciso haver uma reciprocidade e a escola precisa sair de seu casulo,

precisa explorar outros campos e aprender com o conjunto de situações das vidas dos

estudantes.

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Esses meninos e meninas, rapazes e moças com idades que variam de 6 a 14 anos,

são aprendizes, mas também nos educam, no sentido de apresentarem suas realidades como

natural, o real vivido. Não é a escola que deve mudar essas realidades? Para que essas

sejam mudadas, elas precisam ser conhecidas, não superficialmente, mas a partir do que é

encarnado, nas entranhas desses educandos e seus familiares.

Ao pensar na escola integral que constitua sujeitos integrais, não pensando na

formação, na constituição completa de homem, mas que se perceba na incompletude do

ser, nas amarras que faz no convívio com o outro e com o todo, percebendo que existem

diferenças entre os seres e que essas precisam ser dialogadas. Uma escola que, bem como

salientou Manuela, derrube os muros, sejam esses físicos ou imaginários, num processo

único e unido de luta por respeito e que valorize a educação para além do contexto escolar.

Uma educação que integre, que integralize e que dê o sentido de viabilizar o sujeito físico,

intelectual, espiritual, esse sujeito vivente dos processos da complexidade da vida humana

como fonte que alimenta e que constitui o sentido da integralidade, o sentido de autonomia,

autoria, atuação e responsabilidade por si, pelo outro e pelo todo como posses de

democracia, sociabilidade e emancipação do ser, que constitua em si o sentido de inédito

viável como forma de se degustar as possibilidades da vida.

Ao pensar e fazer este estudo sobre educação integral, considerando o que os

sujeitos na pesquisa relataram e descreveram no universo da escola, mostra-me que o

modelo institucionalizado de ensino público tem articulado positivamente nos documentos,

programas, projetos, Leis e decretos que objetivam o melhor desempenho qualitativo da

educação pública brasileira. No entanto, estes processos não têm acompanhado o que se

deseja enquanto ensino que vislumbre para além do que a escola pode oferecer enquanto

processo de ensino e aprendizagem.

As falas dos professores põem em evidência que a escola não comporta todos os

elementos que são necessários para o bom desempenho pedagógico dos educandos, bem

como a escola não se dispõe a ter uma relação mais íntima num sentido de relações

humanas com a comunidade do bairro que é diretamente atingida nas relações pedagógicas

e políticas.

O que esses educadores trouxeram em suas falas reafirma que a escola não pode ser

percebida como único espaço que favoreça a formação integral dos educandos, visto a

escola pública, não ter todas as características que proporcionariam essa formação. Quanto

à democratização do ensino público, infelizmente, o que tiro como conclusão é que não há

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interesse por parte da instituição escolar, financiada pelo Estado, em promover a gestão

democrática, na perspectiva participante de todos os segmentos da escola, em proporcionar

aos educandos um senso crítico, em que tenham uma formação que os façam sujeitos

adultos autônomos e conscientes das características de um processo democrático, das lutas

cotidianas das classes consideradas dominadas (classes populares), por melhores condições

de acesso, permanência e elevação de conhecimentos, que vá além do ensino básico.

O processo de democratização dos sujeitos, pensando sua constituição de forma

autônoma, construtos pelo processo de militância, lutas políticas e sociais, viabiliza uma

sociedade com melhores qualidades de vida e de relações sociais, que são críticas sobre

suas próprias relações individuais, de grupos e globais, ou seja a relação de si com o outro

e de si com o todo.

O cotidiano da escola Pantaneira mostra que há um processo ainda individualista e

verticalizado de decisões e de ações referentes às transformações dessa escola nos últimos

três anos. Percebe-se que essa escola fere as considerações sobre o processo democrático

de escolha de representações nos cargos diretivos e mesmo dos sujeitos que representam

cada segmento dessa escola.

As entrevistas e demais instrumentos da pesquisa mostraram que o processo

democrático nas relações entre escola e comunidade não são ações comuns nesse espaço,

ou seja, as relações não se realizam no dia a dia da escola integral Pantaneira e do Bairro

Camalotes. Há um processo de insegurança e temores no cotidiano das relações entre

escola e comunidade visto não haver uma inserção da escola no cotidiano do bairro bem

como o mesmo não ocorrer da comunidade no interior da escola.

Se esses laços não se firmam nas relações humanas da escola com a comunidade,

há uma projeção de que a comunidade não faça parte das relações sociais da escola e, neste

sentido, a comunidade não se percebe importante nas decisões dessa instituição. Assim, a

gestão escolar voltada para as ações de ensino integral não garante a constituição de

sujeitos revestidos de elementos que os façam autores de suas histórias de vida, que

garanta a essas mulheres e homens elementos que os façam promotores de um modelo

social que revise seus conceitos e características num senso mais amplo sobre grupos

sociais, movimentos culturais, relações políticas e que pense a escola como espaço de

socialização, apropriação dos elementos da cultura e da arte e crítica em relação ao modelo

social que regimenta o Brasil nos dias de hoje. Tudo isso perpassa as lutas de distintos

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sujeitos de múltiplas identidades culturais e sociais, nunca de forma unilateral, mas

ampliada, as necessidades apresentadas pelas comunidades na sociedade num todo.

Quando enfatizei, em alguns trechos da pesquisa, as circunstâncias da

complexidade humana, para refletir uma ideia de sujeito integral, considerei sentidos de

minha vida, sentidos estes subjetivos e que vão ao encontro de situações objetivadas,

encarnadas nos laços sociais, nas relações comuns do dia a dia, vistas essas relações como

forma de possibilitar um sentido ampliado para o modelo de escola integral que perpassa a

realidade vivenciada no cotidiano da Escola Pantaneira. Cabe pensar em uma escola que

transpõe as fronteiras dos muros físicos dessa instituição. Pensar em um projeto

pedagógico e um currículo que seja integrador e transformador, que pense o sentido dos

direitos de justiça para escola que valorize a identidade das comunidades populares. Escola

esta com características únicas, alicerçadas em situações construídas na comunidade e

voltadas para a educação dessa comunidade na inserção global desses estudantes na vida

cotidiana e dos conhecimentos culturais e sociais e suas múltiplas faces e manifestações.

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