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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO LINHA DE PESQUISA EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E EDUCAÇÃO MATEMÁTICA AMANDA YASMIM CEZARINO FOTOGRAFIA COMO PRÁTICA DE ENUNCIAÇÃO: EXPERIÊNCIAS VIVENCIADAS NA EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS NATURAIS PARA SURDOS, NO CONTEXTO DO PROJETO NOVOS TALENTOS/UFMT/CAPES CUIABÁ-MT 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

LINHA DE PESQUISA EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E EDUCAÇÃO

MATEMÁTICA

AMANDA YASMIM CEZARINO

FOTOGRAFIA COMO PRÁTICA DE ENUNCIAÇÃO: EXPERIÊNCIAS

VIVENCIADAS NA EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS NATURAIS PARA SURDOS, NO

CONTEXTO DO PROJETO NOVOS TALENTOS/UFMT/CAPES

CUIABÁ-MT

2017

AMANDA YASMIM CEZARINO

FOTOGRAFIA COMO PRÁTICA DE ENUNCIAÇÃO: EXPERIÊNCIAS

VIVENCIADAS NA EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS NATURAIS PARA SURDOS, NO

CONTEXTO DO PROJETO NOVOS TALENTOS/UFMT/CAPES

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Educação do Instituto de Educação da Universidade Federal de

Mato Grosso como requisito para obtenção do título de Mestre

em Educação na Área de Concentração Educação, na Linha de

Pesquisa Educação em Ciências e Educação Matemática.

Orientadora: Prof.ª. Dr.ª. Tânia Maria de Lima

CUIABÁ-MT

2017

Dedicatória

Dedico aos surdos pela inspiração do Olhar

Agradecimentos

A energia que move o universo e que envolve meu caminhar sempre em direções

sensíveis ao Outro.

À minha querida orientadora que me conduziu com altruísmo durante esse

processo. Por confiar na minha capacidade, pela amizade, cuidado e, sobretudo pela

paciência, meus eternos agradecimentos.

À banca examinadora, Profº Drª Antonio Carlos Rodrigues de Amorim, Profª

Drª Nilce Maria da Silva, Profª Drª Maria Liete Alves Silva, Profª Ozerina Victor de

Oliveira pelo aceite de participação e pelas valiosas contribuições.

As amizades que construí na Linha de Pesquisa Educação em Ciências e

Educação Matemática e que me motivaram a escrever com alegria.

Aos meus colegas do grupo de estudos e pesquisa Educin/UFMT, que

contribuíram com as discussões e construção desse caminho.

Aos profissionais do Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE) e aos

Professores do programa, pelas partilhas e contribuições.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela

bolsa de estudos concedida.

À equipe administrativa e pedagógica do CEAADA, às intérpretes pela presteza

todas as vezes que foram solicitadas, e aos alunos que prontamente se dispuseram a

participar da pesquisa.

Aos alunos da graduação que atuaram como monitores no Projeto Novos

Talentos auxiliando no trabalho com a fotografia e que carinhosamente aceitaram

participar desta pesquisa.

Aos principais responsáveis pelos trabalhos com a fotografia no Projeto Novos

Talentos que contribuíram significativamente com este estudo.

À minha família, sempre doce e sensível que me apoiou e motivou nos

momentos difíceis do processo de escrita.

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Pesquisas que trazem contribuições à Fotografia e Educação de

Surdos; Fotografia e Educação em Ciências Naturais

60

LISTA DE FIGURAS

Fotografia 1 Balneário da Sebastiana................................................................ 81

Fotografia 2 Caverna......................................................................................... 81

Fotografia 3 Roda d‟água.................................................................................. 81

Fotografia 4 Casa na árvore.............................................................................. 81

Fotografia 5 Pequenos caminhos....................................................................... 83

Fotografia 6 Caminho infinito........................................................................... 83

Fotografia 7 Caminho perigoso......................................................................... 84

Fotografia 8 Caminho do cupim........................................................................ 84

Fotografia 9 Muro casa cuiabana I.................................................................... 87

Fotografia 10 Muro casa cuiabana II.................................................................. 87

Fotografia 11 Mangueira..................................................................................... 87

Fotografia 12 Muro casa cuiabana III................................................................. 87

Fotografia 13 Detalhes do pátio da casa cuiabana............................................ 88

Fotografia 14 Aluno CEAADA........................................................................... 88

Fotografia 15 Dois alunos CEAADA.................................................................. 88

Fotografia 16 Chegada ao local da obra Orla Cuiabana.................................... 90

Fotografia 17 Características gerais do Rio Cuiabá........................................... 90

Fotografia 18 Rio Cuiabá.................................................................................... 91

Fotografia 19 Margem Rio Cuiabá...................................................................... 91

Fotografia 20 Poluição Rio Cuiabá..................................................................... 92

Fotografia 21 Lixo Rio Cuiabá............................................................................ 92

Fotografia 22 Utilização do Rio Cuiabá pela população local............................ 93

Fotografia 23 Projeto Orla Cuiabana.................................................................. 93

Fotografia 24 Estudantes do CEAADA no APMT............................................. 94

Fotografia 25 Estudantes do CEAADA no APMT II......................................... 94

Fotografia 26 Aluno CEAADA fotografando especiaria cuiabana..................... 95

Fotografia 27 Detalhes aluno CEAADA fotografando na feira do Porto........... 95

Fotografia 28 Grupo de alunos fotografando bairro do Porto............................. 96

Fotografia 29 Detalhes de aluna fotografando bairro do Porto .......................... 96

RESUMO

Na contemporaneidade, os recursos tecnológicos permitem produzir e por em circulação

uma profusão de informações e de imagens em tempo quase que real. No universo de

imagens produzidas em nossos dias, a fotografia ocupa lugar de destaque, pois ela pode

ser considerada com uma forma que as pessoas encontram para falar de si e do mundo a

qualquer momento. Esse entendimento motivou a realização deste estudo cujo propósito

é analisar experiências vivenciadas no Projeto Novos Talentos/UFMT/Capes,

notadamente no que se refere ao uso de fotografia na educação em ciências naturais para

estudantes surdos. O campo do estudo foi o Projeto Novos Talentos (PNT),

desenvolvido pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) com apoio financeiro

da Capes. Este projeto de extensão universitária – configurado como uma rede de

conversação entre estudantes e docentes vinculados a diversos cursos de graduação e de

pós-graduação da UFMT e estudantes e professores de cinco escolas públicas de

educação básica de Mato Grosso – apostou na produção de fotografias como uma forma

de registro visual que favorece o protagonismo de estudantes no processo educativo.

Neste estudo damos destaque à participação de uma escola especializada na educação de

surdos, denominada Centro Educacional de Apoio ao Deficiente Auditivo (CEAADA),

participante do PNT. O referencial teórico aqui adotado foi fundamentado nos estudos

culturais, mais especificamente nos estudos surdos. A metodologia seguiu os postulados

da abordagem qualitativa do tipo estudo de caso. Os dados foram extraídos de

documentos (relatórios do projeto), de observações e de entrevistas semiestruturadas

com sujeitos praticantes do PNT. As análises indicam que a fotografia pode ser

considerada uma linguagem que possibilita expressar não só aprendizados no campo das

ciências naturais, como também de outras ciências que integram o currículo escolar. Os

resultados remetem ao reconhecimento de que a fotografia potencializa a interação

surdo-ouvinte, pois é uma prática de enunciação. Em se tratando da educação de surdos

a fotografia reitera o que disse o poeta pantaneiro Manoel de Barros: Imagens são

palavras que nos faltaram.

Palavras-Chave: Fotografia; Educação em Ciências Naturais; Educação de Surdos;

Projeto Novos Talentos.

ABSTRACT

In contemporary times, the technological resources allow us to produce and broadcast a

profusion of informations and images in real time. Regarding the large amounts of

images produced nowadays, the photography is highlighted because it can be

considered as a way of people talking about themselves to the world at anytime. This

understanding motivated the accomplishment of this study, whose purpose was to

analyze the experiences lived in the Project Novos Talentos/UFMT/Capes, particularly

regarding the use of photography in the education of natural sciences for deaf students.

The field of study was the Project Novos Talentos (PNT), developed by Federal

University of Mato Grosso (UFMT) and sponsored by Capes. This university‟s

extension project – configured as a network of conversation between students and

faculties linked to several undergraduate and postgraduate courses at UFMT, and

students and teachers from five elementary public schools in Mato Grosso – focused on

the production of images as a way of visual registration that favors the protagonism of

students in the educational process. In this study, we highlighted the participation of a

specialized school in the education of deaf, called the Educational Center to Support the

Hearing Impaired, which is a participant of the PNT. The theoerical framework adopted

here was based on cultural studies, more specifically on deaf studies. The methodology

followed the postulates of the qualitative approach of the case study type. The data were

extracted from documents (project reports), observations, and semi-structured

interviews with PNT practitioners. The analysis indicated that photography can be

considered as a language that can improve learning in the field of natural sciences as

well as other sciences that integrate the curriculum of the school. The results of this

study refers to the recognition that photography enhances the deaf-hearer interaction

because it is a practice of enunciation. When it comes to the education of the deaf,

photography reiterates what the poet Manoel de Barros said: Images are words that we

lacked.

Key Words: Photography; Education in natural sciences; Education for the Deaf;

Novos Talentos Project.

Ensaios fotográficos

Difícil fotografar o silêncio.

Entretanto tentei. Eu conto:

Madrugada, a minha aldeia estava morta.

Não se via ou ouvia um barulho,

Ninguém passava entre as casas.

Eu estava saindo de uma festa.

Eram quase quatro da manhã.

Ia o silêncio pela rua carregando um bêbado.

Preparei minha máquina.

O silêncio era um carregador?

Estava carregando o bêbado.

Fotografei esse carregador.

Tive outras visões naquela madrugada.

Preparei minha máquina de novo.

Tinha um perfume de jasmim no beiral do sobrado.

Fotografei o perfume.

Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.

Fotografei a existência dela.

Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo.

Fotografei o perdão.

Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa.

Fotografei o sobre.

Foi difícil fotografar o sobre.

Por fim eu enxerguei a nuvem de calça.

Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com

maiakoviski – seu criador.

Fotografei a nuvem de calça e o poeta.

Ninguém outro poeta no mundo faria

uma roupa mais justa para cobrir sua noiva.

A foto saiu legal.

Manoel de Barros

Do livro: Ensaios fotográficos.

Rio de Janeiro: Editora Record, 2000.

SUMÁRIO

MOTIVAÇÃO E PROPÓSITOS DESTE ESTUDO.......................................... 12

1. EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS NATURAIS: UM DIREITO DOS

SURDOS..................................................................................................................

19

1.1 Ciência moderna: entre avanços, promessas de libertação e

práticas de exclusão.............................................................................

20

1.2 A Ciência na condição pós-moderna.................................................. 23

1.3 A cultura no plural: um olhar sobre cultura surda.......................... 25

1.4 Desafios da educação em ciências naturais para surdos.................. 34

1.5 Pedagogia dos surdos........................................................................... 44

2. A FOTOGRAFIA COMO UM ARTEFATO CULTURAL E UMA

PRÁTICA DE EUNUNCIAÇÃO DO POVO SURDO.......................................

50

2.1 Fotografia como um artefato cultural................................................ 51

2.2 Usos da fotografia na educação ......................................................... 55

2.3 O que diz a literatura sobre a fotografia na educação de surdos e

na educação em ciências naturais......................................................

59

2.4 Fotografia como prática de enunciação pelo surdo.......................... 63

3. EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA COMO REDE DE CONVERSAÇÃO.....

68

3.1 Extensão Universitária numa via de mão dupla............................... 68

3.2 Quando a extensão se configura como uma rede: quem são os

incluídos?..............................................................................................

73

3.3 Projeto Novos Talentos/UFMT/CAPES uma rede de conversação. 75

3.4 Fotografando a Natureza .................................................................... 78

3.4.1 Oficina fotografando a Natureza I......................................................... 79

3.4.2 Oficina fotografando a Natureza II........................................................ 82

3.4.3 Oficina fotografando a Natureza III: Pinhole........................................ 85

3.4.4 Projeto Rio Cuiabá: história, memórias, retratos e perspectivas............ 89

4. EXPERIÊNCIAS VIVENCIADAS NO USO DE FOTOGRAFIA NA

EDUCAÇÃO DE SURDOS...................................................................................

98

4.1 O caminho trilhado na coleta de dados.............................................. 99

4.2 Narrativas de mediadores das atividades.......................................... 100

4.3 Narrativas de monitores do PNT........................................................ 108

4.4 Narrativas de estudantes surdos......................................................... 114

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 120

REFERÊNCIAS.....................................................................................................

124

APÊNDICE A TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO 130

APENDICE B TERMO DE ASSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

PARA CRIANÇAS

132

APENDICE C TERMO DE AUTORIZAÇÃO INSTITUCIONAL 133

12

Motivação e propósitos deste estudo

Para entender nós temos dois caminhos: O da sensibilidade que é entendimento do corpo;

e o da inteligência que é entendimento do espírito. Eu escrevo com o corpo

Manoel de Barros

Ao iniciar esta dissertação com uma imagem da Série Caminhos que foi

fotografada por estudantes surdos, em uma das atividades do Projeto Novos Talentos,

intento1 convidar o leitor a percorrer os caminhos que foram trilhados no

desenvolvimento do estudo aqui apresentado. Quero começar explicitando que o

interesse por esta pesquisa surgiu das experiências vivenciadas no meu percurso

estudantil, notadamente no âmbito da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

Por essa razão, inicio este trabalho descrevendo algumas atividades que fizeram parte

dessa trajetória e que convergiram para a realização desta pesquisa.

As palavras que tecem essa rede de sentidos expressos nesta dissertação falam,

portanto, de mim e de outras pessoas que partilharam essa história. Assim como o poeta

pantaneiro, busco escrever com o entendimento do corpo para chegar ao entendimento

do espírito requerido pela produção acadêmica. Sei que “as palavras [...] recebem nossas

torpezas, nossas demências, nossas vaidades e demais escorralhas. As palavras se sujam

de nós na viagem” e que, portanto, elas nos “escondem sem cuidado”, pois, “escrever é

cheio de cascas e de pérolas” (BARROS, 2010, p. 382).

Essa história começa no final do meu primeiro ano na graduação quando

comecei a participar do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica

(PIBIC) vinculando-me ao Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação em Ciências

Naturais - Educin. As pesquisas realizadas no PIBIC resultaram na publicação de um

artigo2 que buscou analisar sentidos atribuídos à coruja e à flor de Liz, adotados como

1 Nesta apresentação da dissertação o verbo será conjugado na primeira pessoa do singular por tratar de

experiências pessoais que motivaram a realização deste estudo. Nos demais capítulos, o verbo será

conjugado na primeira pessoa do plural. 2 LIMA, Tânia Maria de; MIRANDA, Amanda Carolina das Neves; CEZARINO, Amanda Yasmim. A

pedagogia e seus símbolos. Revista Pedagogia UFMT, novembro de 2014.

13

símbolos da Pedagogia. Naquela ocasião, participei de estudos e discussões em torno da

ciência, dos cientistas e da educação em ciências naturais. Eu pude, então, compreender

o papel da ciência na modernidade e as relações de poder que se fazem presentes na

produção e difusão da tecnociência. Durante todo o curso de graduação, continuei

participando do Educin e, por conseguinte, estudando e acompanhando pesquisas

relacionadas à educação em ciências naturais.

No terceiro ano da graduação integrei também um projeto de extensão

universitária3 fundamentado no uso da equoterapia em atividades pedagógicas

destinadas à educação de crianças e jovens com deficiências físicas e/ou intelectuais.

Essa experiência possibilitou-me o contato com profissionais das áreas de fisioterapia,

fonoaudiologia, psicologia e zootecnia que atuavam no projeto. Os praticantes4 eram

atendidos com o objetivo de trabalhar suas necessidades educacionais especiais, tendo

em vista que a equoterapia por meio das técnicas de equitação com o cavalo busca

superar danos sensoriais, cognitivos e comportamentais. Observei avanços, ainda que

pequenos, na relação do praticante com o cavalo como equilíbrio, atenção e outros. Esta

experiência5 despertou em mim maior sensibilidade para reconhecer as diferenças e as

potencialidades de cada sujeito. Concluí que alguns diagnosticados com a mesma

deficiência física ou cognitiva se desenvolviam de maneiras diferentes em função dos

relacionamentos com as pessoas e também com os animais.

No quarto ano do curso de graduação, cursei a disciplina Língua Brasileira de

Sinais (Libras) que foi ministrada por uma professora surda. Nesta disciplina não

enfrentei grandes dificuldades porque já dispunha de experiências anteriores com a

língua de sinais. Na educação básica, eu tive a oportunidade de participar de um grupo

que fazia apresentações de músicas em Libras pela cidade, dessa forma, aprendi alguns

sinais e pude conviver com pessoas surdas. Essa experiência me possibilitou estar em

contato com outra realidade, a qual não conhecia. Acredito que ter contato com outra

língua ainda quando criança potencializou minha proximidade com a cultura surda, com

as causas do povo surdo. Desde a minha adolescência pude compreender que as pessoas

surdas não são mudas, como alguns se referem a elas. Enquanto estudante da graduação,

3 Projeto de Extensão da UFMT Equoterapia: estimulando a memória e a concentração em portadores do

Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, coordenado pela profª Lisiane Pereira de Jesus. 4 Termo designado para tratar dos sujeitos que participam das atividades equoterápicas.

5A experiência é utilizada aqui na acepção defendida por Larrosa (2016). Essa concepção de experiência

será discutida no capítulo 2.

14

eu já havia participado de um curso de extensão em Libras. Em tal curso pude relembrar

alguns sinais e aprender outros, ampliando assim, meus conhecimentos nessa língua.

Ao entrar no Mestrado na linha de Pesquisa: Educação em Ciências e Educação

Matemática, passei a integrar a equipe do projeto “Rede de estudos e colaboração para

inclusão social e desenvolvimento da cultura científica” – também denominado Projeto

Novos Talentos (PNT). Este projeto, fomentado pela Capes, foi caracterizado como uma

atividade de extensão universitária. Sua configuração foi orientada pela

indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. A articulação entre esses três

pilares que caracterizam a universidade foi favorecida pela rede que se estabeleceu entre

estudantes e docentes vinculados a diversos cursos6 de graduação e de pós-graduação da

UFMT, estudantes e professores vinculados às escolas de educação básica que são

parceiras no projeto e representantes da Secretaria de Estado de Educação (SEDUC).

Considero necessário destacar que, dentre as escolas parceiras, uma delas atua

especialmente na educação de pessoas surdas.

O PNT constituiu-se em uma experiência muito significativa para os sujeitos

praticantes7, fato que explica o interesse de estudantes da graduação e da pós-graduação

em pesquisar algumas atividades desenvolvidas em seu contexto. No meu caso, o

interesse se dirigiu especialmente às atividades que fazem uso da fotografia na educação

de surdos. Minha pesquisa foi orientada pelo propósito (Objetivo geral) de analisar

experiências vivenciadas no Projeto Novos Talentos/UFMT/Capes, notadamente no que

se refere ao uso de fotografia na educação em ciências naturais para estudantes

surdos.

Para alcançar este escopo, organizei a pesquisa com base nas seguintes ações

(Objetivos específicos):

Desenvolver estudos teóricos sobre relações entre ciência, cultura, cultura surda

e educação em ciências naturais, dando destaque à educação de surdos;

Compreender a concepção de extensão universitária expressa no PNT;

Descrever as proposições do PNT para uso de fotografia na educação;

Analisar experiências vivenciadas no PNT, notadamente no que se refere ao uso

de fotografia na educação em ciências naturais para estudantes surdos.

6 Destaco aqui os seguintes cursos: História, Pedagogia, Biologia, Química, Física, Geologia, Geografia.

7Termo utilizado por Certeau (1994) para designar sujeitos que praticam a produção da cultura no

cotidiano.

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A metodologia seguiu os postulados da abordagem qualitativa do tipo estudo de

caso, a partir das contribuições de Yin (2015). Os dados foram extraídos de documentos

(relatórios do projeto) e de entrevistas semiestruturadas realizadas com sujeitos

praticantes que integraram o PNT. A descrição mais detalhada do percurso

metodológico realizado nesta pesquisa será apresentada ao longo do trabalho.

Considero que esta pesquisa tem relevância acadêmica porque, ao realizar o

levantamento de teses, dissertações e artigos que tratam desse assunto, observei que são

parcos os estudos na área, sobremaneira os que buscam interfaces entre fotografia,

educação em ciências naturais e educação de surdos.

Nessa perspectiva, o referencial teórico foi ancorado em autores que se situam

no campo dos Estudos Culturais (CERTEAU, 1994, 2012; LARROSA, 2016; HALL,

1997a, 1997b; SANTOS; MACEDO, 2004; LOPES, 2013; AMORIM, 2008; SILVA,

1999), com destaque para os que se dedicam aos Estudos Surdos (LULKIN, 2015;

LUNARDI, 2015; PERLIN e STROBEL, 2009; PERLIN e MIRANDA, 2011, PERLIN,

2015; SÁ, 2010; SKLIAR, 2015; STROBEL, 2016). Entendo que os Estudos Culturais

nos fazem questionar padrões estabelecidos no modo de pensar a cultura. Além disso,

motivam também a busca pela construção de novos sentidos nas relações com o Outro.

Essa perspectiva teórica tem valor político, pois permite "a articulação de resistências

variadas às formas instituídas pelos aparatos de poder" (MACEDO, 2004 p.122).

Os Estudos Surdos são considerados aqui como um campo de conhecimento

articulado aos estudos culturais. Por essa razão, “as identidades, as línguas, os projetos

educacionais, a história, a arte, as comunidades e as culturas surdas são focalizadas e

entendidas a partir da diferença, a partir de seu reconhecimento político” (SKLIAR,

1998, p. 5).

Por conseguinte, o surdo é concebido neste estudo como uma pessoa que integra

um grupo social organizado que faz uso de uma língua específica (de sinais) e produz

uma cultura própria. “Os surdos, ou Surdos com letra maiúscula, como proposto por

alguns autores, são pessoas que não se consideram deficientes, utilizam uma língua de

sinais, valorizam sua história, arte e literatura e propõem uma pedagogia própria para a

educação das crianças surdas.” (BISOL & VALENTINI, 2011, p. 1).

Por assim entender, considero o surdo como diferente e não deficiente. “Os

deficientes auditivos seriam as pessoas que não se identificam com a cultura e a

16

comunidade surda” (BISOL & VALENTINI, 2011, p. 1). Prefiro o termo “diferença”

porque “é nela que se baseia a essência psicossocial da surdez: ele (o surdo) não é

diferente unicamente porque não ouve, mas porque desenvolve potencialidades

psicoculturais diferentes das dos ouvintes” (BEHARES, apud SÁ, 2006, p.65).

Parto do pressuposto de que a fotografia potencializa a educação de surdos, pois

eles são pessoas notadamente constituídas de experiências visuais8. Entendo que as

imagens produzidas por meio de fotografias têm alcances inimagináveis, pois motivam

a produção de experiências/sentidos pelos observadores. Na sociedade contemporânea,

marcada pelo vertiginoso avanço da ciência e da tecnologia, a popularização da

fotografia ocorre em larga escala, por pessoas de diferentes idades e posicionadas em

diferentes contextos. Os usos das tecnologias digitais não são mais exclusividade de

uma minoria pertencente à classe mais abastada. Elas são utilizadas também por

diferentes grupos sociais, em diversas dimensões da vida.

Neste trabalho, a fotografia é concebida na acepção defendida por AMORIM

(2008, p.114), ou seja, como “representações fora dos discursos oficiais, naquilo que os

excede e deles escapa”. Reitero, assim, o entendimento do autor de que “as

apresentações do cotidiano, encontradas em diferentes textos, ganham intensidades de

presente com o uso de imagens, especialmente reproduções de fotografias” (p.115).

Este estudo está organizado em quatro capítulos. Inicialmente apresento as

“lentes teóricas” adotadas na produção do olhar sobre as demandas da educação em

ciências naturais para estudantes surdos a partir de análises sobre relações de poder

expressas na ciência, na cultura e na educação. Nesse sentido, aponta-se alguns

paradoxos tais como os expressivos avanços científicos e tecnológicos que caracterizam

a sociedade contemporânea e as marcas de “injustiças cognitivas” (SANTOS et al 2016)

a exemplo da exclusão de surdos dos processos educativos. Com base em estudos

realizados por pesquisadores surdos (PERLIN E STROBEL, 2009; PERLIN E

MIRANDA, 2011), chamamos a atenção para o necessário reconhecimento de que a

educação em ciências naturais para surdos requer reconhecimento de que esse grupo

social faz uso de uma língua e de uma cultura diferentes daquelas que são utilizadas na

produção e divulgação da ciência.

8O termo experiências visuais é concebido aqui como a utilização da visão, (em substituição total à

audição), como meio de comunicação. Dessa experiência visual surge a cultura surda. (PERLIN E

MIRANDA, 2003).

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No segundo capítulo, abordo a cultura visual, o histórico da fotografia

considerando-a como um artefato cultural que pode ser utilizado na educação como uma

prática de enunciação. Apresento também um breve panorama da literatura relativa à

fotografia na educação de surdos para, então, situar as possíveis contribuições desse

estudo.

A potencialidade da extensão universitária nos processos de inclusão de surdos

na cultura universitária e de professores e estudantes universitários na cultura surda

(inclusão em uma via de mão dupla) é objeto de discussão do terceiro capítulo desta

dissertação. Os argumentos em defesa desse posicionamento são fundamentados em

experiências vivenciadas no Projeto Novos Talentos/UFMT/Capes, notadamente no que

se refere ao uso da fotografia como uma prática de enunciação pelo estudante surdo.

O quarto capítulo apresenta os resultados de análises sobre a fotografia como

prática de enunciação, a partir de experiências vivenciadas na educação em ciências

naturais para surdos, no contexto do Projeto Novos Talentos/UFMT/Capes. As análises

foram fundamentadas em relatos de experiências de participantes do referido projeto,

incluindo estudantes surdos.

18

19

CAPÍTULO 1

Educação em ciências naturais:

um direito dos surdos

Eu preciso ser outros. Manoel de Barros

Este estudo põe em pauta a educação em ciências naturais para estudantes

surdos, tendo como eixo o uso de fotografia como uma prática de enunciação. Antes de

desenvolver as análises sobre essa questão, nós julgamos necessário apresentar as

“lentes teóricas” que auxiliaram na produção do nosso olhar sobre o objeto de estudo

aqui apresentado. Referimo-nos às contribuições de autores que se situam no campo dos

estudos culturais-estudos surdos, os quais permitem compreender as demandas da

educação de surdos a partir de análises sobre relações de poder expressas na ciência, na

cultura e na educação (CERTEAU, 1994, 2012; LOPES e MACEDO, 2012; LULKIN,

2015; LUNARDI, 2015; MACEDO, 2004; PERLIN E STROBEL, 2009; PERLIN E

MIRANDA, 2011, PERLIN, 2015; SÁ, 2010; SANTOS et al, 2006; SILVA, 1999;

SKLIAR, 2015; STROBEL, 2016). Fez-se necessário considerar que, do ponto de vista

histórico, tais significantes sempre estiveram relacionados com atividades de pessoas

ouvintes mantendo os surdos e outros grupos sociais à margem do processo.

Iniciamos este capítulo tecendo algumas considerações sobre a ciência moderna,

observando avanços decorrentes dessa forma de conhecimento, bem como alguns de

seus paradoxos, tais como as promessas de libertação humana e os processos de

colonização, negação e exclusão. Em seguida, situamos a ciência na “condição pós-

moderna” (LYOTARD, 2013) reconhecendo que ela passa por uma crise de

legitimidade de dimensões epistêmicas e político-sociais, pois são fortes as evidências

de suas relações com o poder econômico engendrado no mundo globalizado.

(LYOTARD, 2013; SANTOS et al (2006).

Levando em conta que a ciência faz parte da cultura, deslocamos a discussão

para esse campo observando que nele também ocorrem relações de poder e práticas de

20

exclusão. Além disso, recorremos às contribuições de CERTEAU (2012) para realçar

que a cultura precisa ser concebida no plural. Ilustramos a pluralidade da cultura dando

destaque à cultura surda na acepção defendida por pesquisadores surdos da área

(PERLIN, 2015; PERLIN e STROBEL, 2009; STROBEL, 2016). E também chamamos

atenção para o necessário reconhecimento de que os surdos produzem língua, identidade

e cultura própria, fato que precisa ser considerado por quem está interessado na inclusão

de surdos nas muitas dimensões da vida humana, notadamente na educação. Nesse

sentido, reiteramos o posicionamento de pesquisadores que argumentam em defesa da

pedagogia para os surdos (PERLIN e STROBEL, 2009; PERLIN e MIRANDA, 2011).

1.1. Ciência moderna: entre avanços, promessas de libertação e práticas de

exclusão

No ocidente, a ciência está relacionada ao conjunto de transformações que

marcaram o final da Idade Média e o começo de um novo tempo caracterizado como

modernidade. Tais transformações foram resultado de uma trama de acontecimentos

distintos, porém, enredados uns nos outros. Referimo-nos especialmente ao

enfraquecimento do poder da Igreja Católica; à reforma protestante; à ascensão da

burguesia, ao surgimento do capitalismo; à criação dos estados nacionais; à descoberta

da imprensa, à revolução científica e à escolarização institucionalizada.

A modernidade foi associada à saída do ser humano do longo período de

escuridão epistêmica (controle do corpo e do pensamento pelos postulados teocráticos)

para o que foi denominado de “Iluminismo” (liberdade do corpo e do pensamento pelo

exercício da razão). A ciência moderna foi apresentada, então, como uma nova forma

de produção, circulação e de utilização de conhecimento. Diferente da filosofia natural

(de caráter mais especulativo), a ciência moderna interessou-se pelos problemas da vida

prática e pelo progresso do ser humano e da humanidade como um todo. Em uma

sociedade que almejava mudanças estruturais, a ciência serviu para fazer emergir outros

centros de poder, orientados mais pela busca de conhecimentos e pela tradução dos

conhecimentos em tecnologias e em serviços.

A valorização da natureza gnosiológica da ciência explica porque ela ganhou

estatuto de legitimidade e de hegemonia em relação a outras formas de conhecimento

21

tornando-se, assim, um paradigma dominante. Por conseguinte, formas de

conhecimento não referenciadas na racionalidade técnica (filosofia, artes, saberes

narrativos, mitos, crenças) foram expurgadas do campo de produção e de divulgação da

ciência. O progresso foi associado à busca da verdade pelo exercício da razão

fundamentada na objetividade, neutralidade e universalidade dos conhecimentos

científicos. Ser moderno significava, portanto, ser capaz de compreender a linguagem

da ciência e de reconhecer o seu poder de transformação pessoal e social. O cientista

(macho, branco de origem européia) foi apresentado como um “herói do saber”, ou seja,

como um sujeito racional que “trabalha por um bom fim ético-político, a paz universal”

(LYOTARD, 2013, p. xv).

Os muitos benefícios derivados do desenvolvimento científico e tecnológico

estão presentes no nosso cotidiano a ponto de não ser possível pensar na dinâmica do

mundo contemporâneo sem contar com a tecnociência. Entretanto, é preciso considerar

que, se por um lado a ciência e a tecnologia promoveram muitos avanços nos vários

campos da atividade humana, por outro, o uso inadequado e desequilibrado da

tecnociência resultou também em uma série de problemas, tais como a acentuação das

desigualdades sociais, a centralidade do poder político-econômico nas mãos de poucos e

graves alterações no ambiente.

Na cartografia do mundo de hoje são muitas as evidências dos paradoxos da

modernidade e da ciência moderna. Enquanto em algumas partes do mundo há

abundância dos benefícios da tecnociência (notadamente em países ricos do hemisfério

norte), em outros (sobremaneira em países pobres do hemisfério sul), a miséria mantém

boa parte da população em condições subumanas, a exemplo do que ocorre na Somália

e em regiões mais pobres do Brasil. Dessa forma, as promessas de emancipação humana

pela via da ciência, da busca denodada da verdade, não se efetivaram. A exclusão de um

grande contingente da população dos espaços de produção e circulação da ciência

explica porque a “injustiça cognitiva” é tema de estudos de pesquisadores que se situam

no campo dos estudos culturais (SANTOS, et al, 2006).

A injustiça cognitiva está relacionada ao fato de que o sujeito da modernidade

relacionado à capacidade de participar do processo de transformação política,

econômica, social, cultural e de usufruir dos benefícios da ciência. Ele deveria, portanto,

compreender a linguagem da ciência reconhecendo que ela é regulada por regras

22

estabelecidas no jogo da produção científica (LYOTARD, 2013). Desse jogo participam

apenas os que são reconhecidos como cientistas ou iniciantes na área.

O padrão estabelecido para o sujeito da modernidade explica porque a ciência

foi utilizada para justificar processos de colonização e negação de povos considerados

como raças inferiores, os quais seriam naturalmente relegados à condição de

colonizados, escravizados, eliminados. Explica também a negação de identidades

diferentes do padrão estabelecido e o esforço para forjá-las nesse formato. Isso ocorreu,

por exemplo, com os surdos que foram considerados como um corpo com defeitos que

poderiam ser corrigidos pela ciência, ou seja, por meio de procedimentos clínicos e/ou

pelo uso de tecnologias capazes de reabilitar a audição e a fala.

Essa perspectiva deu base ao ouvintismo9 difundido por médicos,

fonoaudiólogos e educadores. Trata-se de um pensamento voltado para a normalização

de comportamentos sociais com base no modelo de pessoa ouvinte. O consentimento do

chamado ouvintismo alcançou alguns próprios surdos que têm os ideais do progresso,

da ciência e da tecnologia como representação.

[...] poderíamos dizer que a teoria moderna tinha um objetivo bastante

claro inventar um sujeito modelo para todos. A partir deste objetivo

foi fixada a idéia da normalidade. Assim em educação do surdo, o

sujeito normal era o sujeito ouvinte, falante. A partir daí se

estabeleciam metanarrativas que afirmavam não existir nada fora da

idéia desse sujeito normal (PERLIN, e STROBEL, 2009, p. 14).

Ao se constituir em um campo de conhecimento restrito a uma minoria de

privilegiados, a ciência distanciou-se do seu propósito de emancipação humana

(universalidade) e manteve-se articulada aos centros do poder político-econômico

acentuando ainda mais as desigualdades sociais. Essa constatação, somada aos

problemas de ordem epistemológica que ocorrem na atualidade, dentro da própria

ciência, gera uma crise de legitimidade que exige pensá-las sobre outros parâmetros,

apontados por SANTOS (1998) como o paradigma emergente.

Para MIGNOLO (2004), o paradigma emergente, tratado por Santos, propõe

conectores de diferentes perspectivas, experiências e histórias do conhecimento, da

compreensão e das organizações sociais. Os conectores rompem com os termos

totalitários de ciência que tem como inferior quem pensa e age em uma perspectiva

9 O ouvintismo é conceituado por SKLIAR (1998b, p.15) como “um conjunto de representações dos

ouvintes, a partir do qual o surdo está obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinte”.

23

diferente de seus pressupostos. Nesse sentido, um conhecimento não totalitário “admite

diferentes princípios e práticas de conhecer ou de batalhar por uma sociedade cujo

objetivo final seja uma vida decente para todos os seus membros” (MIGNOLO, 2004,

p.683).

1.2. A ciência na condição pós-moderna

Vivemos em um tempo bastante complexo em decorrência das vertiginosas

transformações produzidas pelas Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC).

Tais tecnologias potencializam o processo de globalização que rompe barreiras,

afetando conceitos que antes pareciam estáveis, tais como a ideia de nação, identidade,

cultura, ciência, escola, educação etc.

A complexidade desse cenário de transformações de múltiplas dimensões se

revela no entendimento de que protagonizamos a história da sociedade pós-moderna.

Esse termo relaciona-se com “o estado da cultura após as transformações que afetaram

as regras dos jogos da ciência, da literatura e das artes a partir do final do século XIX”

[...] Refere-se à “crise dos metarrelatos”, conforme observou LYOTARD (2013, p. xv).

Esse autor defende que vivemos na condição pós-moderna. O termo condição

relaciona-se à ideia do estado de cultura da sociedade pós-moderna. Reiteramos a

pertinência do uso do termo condição por entender que ele se refere a um estado, uma

situação, uma circunstância do conhecimento.

A condição pós-moderna é marcada pelos abalos nas certezas que

caracterizaram a modernidade. Ela exige revisão (outras visões) dos pressupostos que

utilizamos para explicar os fatos do mundo (incluindo a ciência), para relacionar com o

Outro (o diferente), para agir enquanto pessoa no singular e no plural.

A necessária revisão nos postulados da ciência moderna resulta do

entendimento de que ela está em crise, pois “o saber muda de estatuto ao mesmo tempo

em que as sociedades entram na idade dita, pós-industrial e as culturas na idade dita,

pós-moderna” (LYOTARD, 2013, p. 3). Assim, no jogo da linguagem da ciência

moderna as posições e regras estavam bem estabelecidas e davam destaque à atuação

dos cientistas, concebidos como pessoas que tinham autonomia para definir os objetos

de estudo, os enunciados e a linguagem destinada ao público consumidor da ciência,

mas, na condição pós-moderna esta estabilidade foi afetada. Na lógica da sociedade pós-

24

industrial os jogos de linguagem são reconfigurados. A ciência se tornou uma

“tecnologia intelectual” a serviço do mundo competitivo. Trata-se de um conjunto de

mensagens possível de ser traduzido em quantidade de informação (bits) e configurado

como uma mercadoria informacional fomentada pelo capital e pelo Estado. Os cientistas

já não podem ser considerados autônomos e interessados apenas na verdade, pois, a

descoberta do erro pode dar mais eficácia e potência ao sistema de informação do que a

descoberta da verdade (LYOTARD, 2013).

Ainda que a sociedade pós-industrial possa acentuar os processos de controle

sobre a ciência, é preciso considerar que ela é produzida em meio a tensões e

negociações. Há, portanto, possibilidade de estabelecimento de relações mais

horizontalizadas entre a ciência e outras formas de saber. LYOTARD (2013) considera

que novas relações podem ser estabelecidas entre a ciência e os saberes narrativos,

desde que haja disposição para isso. Ao situar a problemática da produção científica no

âmbito da universidade, o autor chama a atenção para a necessidade de se reconhecer

que, na idade da informática, o governo do saber é um grande problema que afeta a

pesquisa. Se a universidade deseja manter seus compromissos político-sociais, ela

precisa abrir suas portas e caminhar na perspectiva de estabelecer outros jogos de

linguagem reconhecendo a potencialidade de outras formas de conhecimento (saberes

narrativos) que foram por ela incorporados, porém, negados e/ou subjugados.

Boaventura Sousa Santos (1998, 2010), assim como seus colaboradores

(SANTOS et al, 2006), também tem chamado a atenção para a crise da ciência

moderna, observando que há conflitos epistemológicos internos (no modo de produção

da ciência). Tais conflitos, que ocorrem notadamente no campo da Física e da Biologia,

somados aos problemas de ordem político-social-cultural põem a ciência em crise.

Ao realçar o colapso do reducionismo mecanicista dentro da própria ciência, o

autor considera que não existem razões para justificar a “guerra da ciência” entre os

defensores da legitimidade da racionalidade tecnicocientífica e os que apontam

problemas no estatuto epistemológico, político, social e cultural da ciência moderna.

Diante da acusação de defensor da anticiência, SANTOS et al (2006) propôs “trocar

ideias em vez de insultos” (p.24). Nessa perspectiva, argumenta que o debate epistêmico

sobre crise da ciência moderna pode ser um caminho para “descobrir áreas de consenso

sobre a legitimidade e a autoridade da ciência enquanto um modo de compreender o

mundo” (2006, p. 24).

25

Análises desenvolvidas por esses e outros autores que tratam da ciência na

contemporaneidade remetem ao entendimento de que a ciência é uma parte da cultura

humana. Ela “é um dos jogos de linguagem com os quais significamos o mundo”

(LOPES E MACEDO, 2012, p.153). Dito de outra forma, a ciência é uma das formas de

saber adotadas pela humanidade para a produção da existência. Ademais, “não há razões

científicas para que a explicação científica deva ser considerada como melhor do que

explicações alternativas. Trata-se de um juízo de valor” (STENGERS, 2001, p.131). Por

essa razão, a hegemonia da ciência em relação aos saberes narrativos precisa ser mais

bem analisada, sobretudo, pelos educadores.

1.3. A cultura no plural: um olhar sobre a cultura surda

CERTEAU (2012) é um teórico que permite compreender as relações de poder

travadas no campo da cultura e, por conseguinte, no campo da ciência. Ele questiona a

ideia de cultura como uma produção dos letrados e dos poderosos. Ao invés de conceber

a cultura no singular ele a apresenta no plural.

Não há um setor particular na sociedade onde se possa fornecer a

todos os outros aquilo que os proverá de significação. Seria restaurar o

modelo unitário: uma religião imposta a todos, uma ideologia do

Estado, ou “o humanismo” de uma classe colonizadora. Que grupo

tem o direito de definir, em lugar dos outros, aquilo que deve ser

significativo para eles? É verdade que a cultura está, mais do que

nunca, nas mãos do poder, o meio de instalar, hoje como no passado,

oculto sob um “sentido do homem”, uma razão de Estado. Mas a

cultura no singular tornou-se uma mistificação política. Mais do que

isso, ela é mortífera. Ameaça a própria criatividade. Sem dúvida, é

atualmente um problema novo encontrar-se diante da hipótese de uma

pluralidade de culturas, isto é, de sistemas de referência e de

significados heterogêneos entre si (CERTEAU, 2012, p. 142).

Estudos que tratam de processos de colonização (HALL, 1997; SANTOS et al

2006) realçam que o controle sobre a cultura foi adotado como uma prática de

dominação. Isso se deu pela imposição da cultura do colonizador (monolítica) como

forma de cercear a atividade criadora e de limitar as possibilidades dos grupos sociais

colonizados de darem significado à própria existência. Todavia, como mostram os

estudos culturais, as práticas de colonização e/ou de colonialismo não operam num

vazio. As culturas subalternizadas lutaram/lutam pelo reconhecimento de suas

respectivas identidades e pela autonomia cultural, social ou étnica, sempre se

26

manifestando e dizendo “não” pelas vias possíveis, na perspectiva de conquistar espaço

político-cultural.

No mundo globalizado, as fronteiras políticas e econômicas tornam-se mais

tênues afetando diretamente as culturas. Os hibridismos tornam-se inevitáveis, fato que

explica movimentos de resistências tais como o fundamentalismo islâmico em regiões

do Oriente Médio e o fundamentalismo hindu na Índia. “Por bem ou por mal, a cultura é

agora um dos elementos mais dinâmicos – e mais imprevisíveis – da mudança histórica

do novo milênio” (HALL, 1997, p.20).

As tensões e conflitos no mundo globalizado parecem indicar que a

“homogeneização das estruturas econômicas deve corresponder à diversificação das

expressões e das instituições culturais. Quanto mais a economia unifica, mais a cultura

deve diferenciar” (CERTEAU, 2012, p. 142-143).

É na cultura que se dá a luta pela significação, na qual os grupos

subordinados tentam resistir à imposição de significados que

sustentam os interesses dos grupos dominantes. Nesse sentido, os

textos culturais são muito importantes, pois eles são um produto

social, o local onde o significado é negociado e fixado, em que a

diferença e a identidade são produzidas e fixadas, em que a

desigualdade é gestada (COSTA, 2005, p.138).

As discussões em torno da cultura dos grupos minoritários têm ganhado

centralidade na sociedade pós-moderna. Isso explica o lugar de destaque dado aos

Estudos Culturais. Nesse campo teórico, há entendimento de que as relações de classe

são dimensões importantes, mas não suficientes para o desenvolvimento de análises dos

muitos problemas do nosso tempo. O foco é deslocado para a cultura, pois ela é um

campo de luta em torno da significação social (SILVA, 1999). O cotidiano é

responsável pelas influências advindas de cada espaço circulado. Diariamente o sujeito

pós-moderno é confrontado por imagens, pessoas, cenas e cenários que estão em

constante produção de sentidos. A cultura pode ser concebida, portanto, como um jogo

de poder estabelecido pelas relações com a identidade (SILVA, 1999).

Para HALL (1997a), tem ocorrido um processo, cada vez mais aprimorado, de

vigilância e regulação das identidades face ao entendimento de que os seres humanos

são interpretativos, instituidores de sentidos e, portanto, praticantes da cultura. Isso

significa que as identidades não são fixas. Elas estão em movimento e mudam de acordo

27

com os caminhos percorridos por cada sujeito enquanto pessoa e enquanto parte do

grupo social.

À medida que os sistemas de significação e representação cultural se

multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade

desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma

das quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente

(HALL, 1997b, p.13).

No cenário de pluralidade de cultura, os movimentos minoritários buscam

autonomia cultural pela marcação da sua identidade. Considerando os objetivos deste

trabalho, destacamos aqui o movimento em defesa do reconhecimento de que os surdos

têm uma cultura própria. Buscamos amparo em autores surdos que desenvolvem

estudos sobre identidade e cultura surda. (PERLIN e STROBEL, 2009; STROBEL

2016). O intuito é o de compreender como é que o surdo entende essas questões na

condição de habitante de um mundo marcado pela hegemonia da cultura ouvinte.

Compreender a cultura surda requer entendimento de como o surdo se identifica.

Nessa perspectiva fazemos uso das palavras de Wilson Miranda, pesquisador surdo que

assim se apresenta:

Sou surdo! Meu jeito de ser já marca a diferença! [...] Ser surdo, viver

nas diferentes comunidades dos surdos, conhecer a cultura, a língua, a

história e a representação que atua simbolicamente distinguindo a nós

surdos e à comunidade surda é uma marcação para sustentar o tema

em questão (MIRANDA apud STROBEL, 2016, p. 29).

STROBEL (2016) – em seu estudo “As imagens do outro sobre a cultura surda”

– entende que tais imagens são permeadas por representações imaginárias moduladas a

partir de um padrão ouvintista. A maneira de pensar dentro de uma representação

ouvintista é modulada a fim de estabelecer padrões que regulem as diferenças. A autora

narra uma série de experiências pessoais que revelam problemas enfrentados

cotidianamente pelo surdo em decorrência da hegemonia da cultura ouvinte. Com base

nas experiências vividas, ela define cultura surda como:

O jeito de o sujeito surdo entender o mundo e de modificá-lo a fim de

torná-lo acessível e habitável, ajustando-o com as suas percepções

visuais, que contribuem para a definição das identidades surdas e das

“almas” das comunidades surdas. Isso significa que abrange a língua,

as ideias, as crenças, os costumes e os hábitos do povo surdo (p.29).

A Cultura surda é produzida a partir do envolvimento de surdos nas

comunidades surdas. O processo de transmissão da cultura surda não é fácil, porque ela

28

pode ser negada e/ou interrompida durante a formação social do surdo. Surdos, filhos de

pais ouvintes, geralmente têm pouco ou nenhum contato com a comunidade surda e

convivem em um ambiente predominantemente ouvinte. Nesse caso, eles têm restrições

no acesso à língua de sinais, a outros artefatos que compõem a cultura surda e não

participam a luta do movimento dos surdos.

STROBEL (2016) chama atenção para o fato de que as comunidades surdas não

são homogêneas. Mesmo que sendo organizadas por surdos existem diferenças. Há

grupos de surdos organizados a partir de interesses compartilhados entre seus membros,

mas distintos dos interesses dos demais grupos. Os interesses podem estar relacionados

com: raça, religião, profissão, direitos sociais – tais como o acesso à educação – etc.

Outro aspecto destacado pela autora é a distinção entre “comunidade surda” e

“povo surdo”. Uma comunidade se organiza a partir de uma formação grupal que

compartilha dos mesmos interesses. Nesse aspecto, esse grupo pode ser formado por

surdos, familiares, amigos e outros profissionais que se coadunam devido ao objetivo

em comum. Já a definição de “povo” está relacionada aos mesmos costumes, história,

tradições, língua. Dessa forma, povo surdo engloba os “sujeitos surdos que podem não

habitar no mesmo local, mas que estão ligados por um código de formação visual

independente do nível linguístico” (STROBEL, 2016, p.42).

Para melhor caracterizar a cultura surda STROBEL (2016) explicita o que

entende por artefato cultural e destaca os artefatos culturais mais importantes, de seu

ponto de vista, para ilustrar a cultura do povo surdo. São eles: experiência visual;

desenvolvimento linguístico; família; literatura surda; vida social e esportiva; artes

visuais; política; materiais.

O que seriam artefatos culturais? A maioria dos sujeitos está habituada

a apelidar de “artefatos” os objetos ou materiais produzidos pelos

grupos culturais; de fato, não só formas individuais de cultura

materiais, ou produtos definidos da mão de obra humana; também se

pode incluir tudo o que se vê e sente quando se está em contato com a

cultura de uma comunidade, como materiais, vestuário, maneira pela

qual um sujeito se dirige a outro, tradições, valores e normas, etc.

(p.43).

As experiências visuais estão relacionadas diretamente à subjetividade dos

surdos. Elas estão imbricadas nas múltiplas dimensões da vida dos surdos.

29

Os sujeitos surdos, com a sua ausência de audição e do som, percebem

o mundo através de seus olhos e de tudo o que ocorre ao redor deles:

desde os latidos de um cachorro – que são demonstrados por meio dos

movimentos de sua boca e da expressão corpóreo-facial bruta – até de

uma bomba estourando, que é óbvia aos olhos de um sujeito surdo

pelas alterações ocorridas no ambiente, como os objetos que caem

abruptamente e a fumaça que surge (p.45).

Para elucidar o que significa a experiência visual como um artefato cultural,

Strobel narra uma situação vivenciada por ela.

Uma vez meu namorado ouvinte me disse que iria fazer uma surpresa

para mim pelo meu aniversário; falou que iria me levar a um

restaurante bem romântico. Fomos a um restaurante escolhido por ele.

Era um ambiente escuro, com velas e flores no meio da mesa. Fiquei

meio constrangida porque não conseguia acompanhar a leitura labial

do que ele me falava, por causa da falta de iluminação e pela fumaça

de vela que desfocava a imagem do rosto dele, que era negro; e para

piorar, havia um homem no canto do restaurante tocando música que,

sem que eu pudesse escutar, me irritava e me fazia perder a

concentração por causa dos movimentos dos dedos repetidos de vai e

vem com seu violino. O meu namorado percebeu o equívoco e

resolvemos ir a uma pizzaria! (p. 44).

A experiência visual de criança surda é potencializada quando ela tem contato

com surdos mais velhos. Estes podem sanar dúvidas e instigar as curiosidades

propiciadas pela experiência visual. Podem também ajudar a lidar com dificuldades

provocadas por fatores como: campo de visão, iluminação, informações visuais.

O desenvolvimento linguístico acontece de diversas formas com os surdos.

Mesmo aqueles que vivem isolados ou em uma comunidade rural e que não têm acesso

à língua de sinais desenvolvem mecanismos de comunicação, tais como: sinais

emergentes ou sinais caseiros. Contudo, o acesso do surdo à língua de sinais se dá

especialmente pela participação na comunidade surda. Esta propicia maior segurança,

autoestima e identidade sadia. As singularidades das comunidades surdas explicam

porque a língua de sinais pode apresentar variações de acordo com as regiões e com o

país. As variações podem promover alterações com o passar do tempo. A autora é

categórica ao afirmar que, de forma alguma a língua de sinais pode ser ensinada tendo

embasamento na língua oralizada do país em questão “porque ela tem gramática

diferenciada” (STROBEL, 2016, p.55). Também o sistema de escrita da língua de sinais

30

é totalmente diferente. No Brasil, o sistema é conhecido como Escrita em Língua de

Sinais (ELS)10

.

Outro artefato cultural do povo surdo é a família. De acordo com a referida

autora, pais ouvintes, que não têm contato com a cultura surda, ao descobrirem que o

filho é surdo, buscam amparo em especialistas (profissionais ouvintes da saúde) para

aprender a lidar com essa situação inusitada. Ocorre que o anseio de tornar seus filhos

surdos normais perante a sociedade fala mais alto. Mesmo pais ouvintes que procuram a

comunidade surda têm dificuldade em compreender a importância do convívio com a

cultura surda, pois, sentem-se estrangeiros em uma cultura diferente daquela a que estão

acostumados. Para a criança surda, o convívio em um lar ouvinte é desafiador, pois ela

pode ser excluída das conversas em família. Por predominar a linguagem oralizada, o

surdo fica de fora da maioria dos assuntos, perdendo a chance de enriquecer o

vocabulário. A criança surda que nasce em uma família surda tem o contato com a

língua de sinais desde a mais tenra idade. A comunicação em língua de sinais ocorre de

maneira natural e enriquecida em termos da cultura surda.

A literatura surda compreende uma multiplicidade de gêneros, dentre os eles:

piadas, literatura infantil, histórias de surdos, romances, poesias, contos, fábulas etc.

A literatura surda se refere às várias experiências pessoais do

povo surdo que, muitas vezes, expõe as dificuldades e/ou

vitórias das opressões ouvintes, de como se saem em diversas

situações inesperadas, testemunhando as ações de grandes

líderes e militantes surdos, e sobre a valorização de suas

identidades surdas (p.68).

As produções advindas deste artefato cultural têm ganhado cada vez mais espaço

e se tornado objetos de investigação em pesquisas realizadas por surdos e ouvintes.

Além disso, essas obras têm contribuído para a luta em torno da identidade e diferença

surda. Grande parte dessas narrativas tem sido gravada em CD-ROM, vídeos, DVDs

através da língua de sinais.

A vida social e as práticas esportivas dos surdos também constituem

importantes artefatos culturais. A autora deixa claro que para o surdo é mais natural

10

A pesquisa desse sistema SignWrinting (SW) no Brasil foi desenvolvida pela doutora surda Marianne

Stumpf, junto com outros pesquisadores. O primeiro contato que ela teve com esse sistema foi no ano de

1996 e em 2005 defendeu a sua tese com esse tema.

31

conviver entre os pares. Mas, nem por isso podem ficar isolados. Os surdos encontram

mecanismos para participar do convívio social, de atividades de lazer, de esportes etc.

As criações artísticas também são importantes artefatos culturais dos surdos.

Assim como os ouvintes o povo surdo busca expressar sua subjetividade, sua

criatividade, suas emoções, suas histórias, enfim, sua cultura, por meio de pinturas,

esculturas, fotografias, teatro e etc. A potencialidade das criações artísticas pode ser

observada, por exemplo, no teatro (marcado pela expressão facial, do corpo e pela

língua de sinais), na poesia, nas narrativas e contação de histórias, na produção de

filmes, documentários, nas performances, etc. (STROBEL, 2016).

No que diz respeito à política é preciso considerar que as comunidades surdas

têm atuação efetiva. “O espaço cultural mais conhecido de todos são as associações de

surdos” (STROBEL, 2016, p.88). Os surdos utilizam tais espaços para discutir acerca

dos direitos, das lutas e dos interesses comuns. Os espaços mais conhecidos de

militância política da comunidade surda são a Federação Nacional de Educação e

Integração dos surdos (FENEIS) e a Confederação Brasileira de Desportos dos Surdos

(CBDS). A força da militância do movimento surdo se expressa na publicação da Lei nº

10.436, de 24 de abril de 2002 que reconhece a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e na

instituição do Dia do Surdo. Esse dia é comemorado em 26 de setembro, mesma data

em que foi fundada a primeira escola de surdos no Brasil11

. A atuação política do povo

surdo é considerada fundamental para as mudanças positivas que englobam os

interesses da comunidade surda.

A acessibilidade surda é permeada por materiais que visam incluir o surdo no

cotidiano. Como um artefato cultural, os materiais são planejados, elaborados e

utilizados de acordo com a necessidade de cada época. Atualmente os smartphones e

tablets têm contribuído para a comunicação entre surdos e ouvintes. Os recursos

oferecidos pelos dispositivos permitem que a comunicação ocorra por meio de

chamadas de vídeo em que surdos possam trocar informações em Libras. Contudo,

ainda é grande a necessidade de materiais adequados ao uso dos surdos, uma vez que os

materiais são produzidos com base nas demandas dos ouvintes.

11

Atual Instituto Nacional de Educação dos Surdos (INES), foi fundado no Rio de Janeiro, em 1857, pelo

professor Francês surdo Eduard Huet.

32

PERLIN (2015) também afirma a necessidade de reconhecimento de que a

maneira de pensar e de se expressar do surdo é diferente do modo de ser do ouvinte. Ela

considera que a compreensão dessa diferença é fundamental no estabelecimento de

relações entre as diferentes culturas.

A cultura ouvinte, no momento, existe como constituída de signos

essencialmente auditivos. No que tem de visual, como a escrita,

igualmente é constituída de signos audíveis. Um surdo não vai

conseguir utilizar-se de signos ouvintes como, por exemplo, a

epistemologia de uma palavra. Ele somente pode entendê-la até certo

ponto, pois a entende dentro de signos visuais. O mesmo acontece

com a pronúncia do som de palavras. Não adianta insistir nesse ponto.

Se dissermos que a escrita é do ouvinte e o surdo aprende a escrita,

estaríamos cometendo equívocos. O pensamento visual da escrita é

um dos aspectos de que o surdo se serve constantemente, muito

embora, hoje, os surdos evidenciem esforços demasiados em ler e

escrever. A escrita do surdo não vai se aproximar da escrita do ouvinte

(PERLIN, 2015, p.57).

É comum entre ouvintes leigos a crença de que o surdo deve ser fluente na

língua portuguesa escrita, de forma que, a comunicação entre essas duas culturas deva

ocorrer exclusivamente por meio da língua portuguesa. Entretanto, conforme observou

PERLIN (2015), o surdo não pode compreender a língua portuguesa da mesma forma

que o ouvinte que a concebe naturalmente, pois este está imerso em uma cultura

constituída de signos audíveis. Por essa razão, a autora argumenta que não se pode

exigir do surdo a escrita da língua portuguesa exatamente como se exige de um ouvinte.

“A identidade surda se constrói dentro de uma cultura visual” (PERLIN, 2015, p.58).

Ela chama atenção para o fato de que a crença de que a cultura surda ainda é tida como

inferior à cultura ouvinte se faz presente em nossos dias, fato que pode ser ilustrado

pelas tentativas de submeter os surdos ao desenvolvimento do oralismo por meio de

tratamentos fonoaudiólogos e de implantes de aparelhos, tendo como justificativa o

acesso do surdo à cultura ouvinte.

Outro aspecto de grande relevância destacado por PERLIN (2015) é a

necessidade de reconhecimento de que as identidades surdas são múltiplas. A autora

identifica cinco categorias: identidades surdas, identidades surdas híbridas, identidades

surdas de transição, identidades surdas incompletas, identidades surdas flutuantes.

As “identidades surdas” englobam os surdos que reconhecem o uso de

comunicação visual, bem como, a interação em espaços com outros surdos, a identidade

política surda. As “identidades surdas híbridas” referem-se aos surdos que nasceram

33

ouvintes. Esses surdos possuem duas línguas, porém, ao se tornarem surdos, sua

identidade estará voltada mais para as identidades surdas. As “identidades surdas de

transição” referem-se aos surdos que foram criados totalmente em uma cultura ouvinte,

e ao ter contato com a cultura surda passam a reconhecer a experiência visual em seu

cotidiano, porém, ainda possuindo características do “ouvintismo”. A “identidade surda

incompleta” é compreendida por surdos que vivem apenas em uma cultura ouvinte.

Nessa condição o surdo não se reconhece dentro de uma cultura surda e muito menos

dentro da cultura ouvinte. Ele vive imerso na cultura ouvinte na qual ele não se

reconhece. Na categoria “identidades surdas flutuantes” estão presentes surdos que

querem viver em uma cultura ouvinte, chegando até mesmo a desprezar a cultura surda.

Ao tecer essas considerações sobre identidade e cultura surda, intentamos deixar

claro nosso entendimento de que os surdos têm o direito de viver a sua diferença. Nesse

sentido, reafirmamos a relevância do movimento surdo considerando que:

A formulação comum de uma série de objetivos e estratégias de ação,

na perspectiva surda, focaliza a perspectiva de uma sociedade na qual

os surdos são cidadãos normais e em que a justiça social se concretiza

na resistência a todas as formas de discriminação e exclusões sociais.

Esse fator fundamental na existência do movimento que, lutando pelo

surdo, resiste à complexidade da cultura vigente, mas no sentido de

abrir o acesso a ela de uma forma em que se sobressaia a diferença

(PERLIN, 2015. p.71).

Entendemos também que a luta dos movimentos e das comunidades surdas não

ocorre de forma isolada. Ouvintes também participam da luta pelo empoderamento dos

surdos e pelos seus direitos sociais e políticos. Para o surdo, o ouvinte que luta junto

dele, que frequenta comunidades surdas, que convive com surdos em situações formais

e não formais, que realiza leituras produzidas por surdos, que respeita e valoriza o povo

surdo e suas conquistas, contribui para o fortalecimento das imagens surdas no contexto

social.

Na condição de educadoras, colocamo-nos especialmente na luta dos surdos pelo

direito à educação que favoreça o acesso à cultura concebida no plural. Nessa

perspectiva, reiteramos a defesa da educação que leva em conta os pressupostos da

pedagogia dos surdos, conforme acepção defendida por PERLIN e STROBEL (2009) e

PERLIN e MIRANDA (2011).

34

1.4. Desafios da educação em ciências naturais para surdos

Temos o entendimento de que o currículo permite-nos compreender as relações

de poder entre os conhecimentos que estão presentes nos mais diversos espaços

educativos. “O currículo existente está baseado em uma separação rígida entre “alta”

cultura e “baixa” cultura, entre conhecimento científico e conhecimento cotidiano”

(SILVA, 1999, p.115).

Para LOPES & MACEDO (2013), a linguagem e seus sistemas de significação são

centrais nas discussões em torno de cultura e currículo. Os sentidos são frutos da

linguagem que, por sua vez, se confunde com a própria noção de cultura. “É a

linguagem que institui a diferença e é, assim, cúmplice das relações de poder” (LOPES

& MACEDO, 2013, p.203).

Ao buscar o entendimento acerca das hibridizações que percorrem o campo do

currículo, compreendemos que os discursos realizados por diversos grupos de estudos

da área, contribuem significativamente para que não nos voltemos para uma definição

exclusiva. Qualquer axioma, principalmente se tratando de currículo, limita a

compreensão das identidades e das culturas que se fazem presentes no social. “A

elaboração curricular passa a ser pensada como um processo social, preso a

determinações de uma sociedade estratificada em classes, uma diferenciação social

reproduzida por intermédio do currículo” (LOPES e MACEDO, 2011, p.29).

Dessa forma, compreendemos que o currículo além de pensar a formação dos

estudantes, está configurado numa forma de conhecimento que se quer formar na

sociedade por intermédio da escola. Portanto, todo o conhecimento é então interpretado

como discurso e conectado ao poder (LOPES, 2013, p.13).

Nesse sentido, é imprescindível que observemos os discursos produzidos no campo

do currículo, a fim de identificar quais sentidos estão surgindo acerca de conhecimento

e cultura, por exemplo.

Assim como as tradições que definem o que é currículo, o currículo é,

ele mesmo, uma prática discursiva. Isso significa que ele é uma

prática de poder, mas também uma prática de significação, de

atribuição de sentidos. Ele constrói a realidade, nos governa,

constrange nosso comportamento, projeta nossa identidade, tudo isso

produzindo sentidos (LOPES & MACEDO, 2011, p.41).

35

O conhecimento é um dos principais pontos responsáveis pela compreensão do que

se entende por currículo. Compreendemos que a noção de currículo que mais se

aproxima de nosso estudo é a perspectiva que visa reconhecer as mais diversas

identidades e culturas. Para MACEDO (2006), os currículos escolares são “como um

espaço-tempo em que estão mesclados os discursos da ciência, da nação, do mercado, os

“saberes comuns”, as religiosidades e tantos outros, todos também híbridos em suas

próprias constituições” (p.289).

O currículo como um espaço-tempo cultural de fronteira, tratado por MACEDO

(2006), envolve “pensar o espaço-tempo da política como um cruzamento entre

características globais do capitalismo e especificidades locais em um processo que

envolve hibridismos” (p.286). Ainda segundo a autora, a diferença cultural precisa ser

negociada, pois somente pode ser captada num espaço-tempo conflituoso.

É imperativo destacar que as relações de poder exercem influência direta na

concepção de currículo e educação de surdos. Entretanto, vislumbramos importantes

delineamentos para a compreensão das diferenças no currículo. Para Amorim (2008),

dizer que as identidades estão cada vez mais sujeitas ao jogo da

história, da política, das estratégias discursivas, da “tradução”, é dizer

que elas estão cada vez mais trabalhadas pela diferença, sujeitas ao

jogo da diferença e, por conseguinte, funcionando cada vez menos na

órbita do idêntico, do mesmo, da permanência (p.125).

MACEDO (2004) propõe um novo conceito de currículo de ciências que visa

retomar “seu caráter de espaço/tempo ambivalente que se vai construindo na relação

entre os muitos mundos culturais que o constituem” (p.122). O currículo é entendido

então como prática cultural. Partilhamos do pensamento de MACEDO (2004) no

entendimento de que os currículos são textos culturais, ainda que não falem de cultura,

pois discutem saberes legitimados em algum momento histórico. Atualmente, muitos

pesquisadores da área de currículo passaram a adotar os estudos culturais, por se tratar

de uma “base epistemológica mais híbrida e de tendência pós-marxista” (MACEDO,

2004, p.124).

O currículo do ponto de vista dos estudos culturais continua se pautando discussões

que têm relação direta com o campo político. Os aspectos econômicos são diretamente

influenciados pela cultura que, por sua vez, é reproduzida por atores sociais em espaços

de confronto/negociação mobilizados pelo currículo. Dessa forma, o desafio parece

36

residir em pensar um currículo que respeite a singularidade das diferenças, sem

transformá-las em desigualdade (MACEDO, 2004, p.127).

As experiências ocorridas durante o Iluminismo ainda deixam marca no currículo de

ciências. No seu movimento de expansão colonial, pôde conhecer e usurpar saberes das

mais variadas culturas locais, até mesmo no oriente. Contudo, sem o reconhecimento

devido, os sistemas de referência de outras culturas eram marginalizados perante o

legítimo conhecimento científico. Para MACEDO (2004), tais procedimentos ocorriam

de forma premeditada, com objetivo de garantir a universalidade do avanço de uma

ciência ocidental. No que se refere à biodiversidade, MACEDO (2004) faz destaque

como sendo um dos maiores exemplos de exploração colonial. Pois,

Os grandes conglomerados transnacionais se apropriam das tradições

de conhecimento, constituídas pelas populações locais em sua relação

com a natureza, e tornam-se oficialmente e mundialmente os

detentores desse saber. Embora a Amazônia surja, nos últimos anos,

como um dos espaços privilegiados dessa apropriação, nos currículos

de ciências, a opção por uma abordagem internalista tem ajudado a

criar invisibilidade sobre o tema favorável à colonização (p.139).

Podemos afirmar, então, que a busca pela universalidade de um conhecimento

científico ocidental disseminou uma ideologia prejudicial para as relações sociais.

Muitas atrocidades e preconceitos cometidos foram justificados se utilizando de bases

cientÍficas. Em nosso modelo de educação em ciências naturais, por exemplo,

desconsideramos outras fontes de conhecimento que não sejam baseadas em uma

ciência ocidental. As tecnologias, por sua vez, são instrumentos da ciência que a

legitimam como conceito de desenvolvimento da sociedade. MACEDO (2004) busca

enfatizar que há uma necessidade de se produzir pesquisas que busquem analisar os

efeitos da tecnologia sobre as populações, entendendo que a distribuição e os custos do

desenvolvimento tecnológico são desiguais, tanto na África e Ásia como no Brasil.

“Embora as desigualdades sociais sejam vistas com preocupação, não são tratadas como

associadas ao desenvolvimento tecnológico, mas como algo que existe apesar dele”

(MACEDO, 2004, p. 143).

As maiores prejudicadas com as políticas de desenvolvimento são comunidades

rurais de países do hemisfério sul que se vem obrigadas a abandonar sua relação com a

terra e adentrar a uma cultura urbana exclusivamente consumista.

Os efeitos negativos desse conceito de desenvolvimento em países

periféricos, como os da América Latina, agravam-se na medida em

37

que a destruição ambiental rompe com padrões culturais ligados à

terra, especialmente fortes nesses países (MACEDO, 2004, p.145).

Além disso, a tecnologia aliada à economia contribui para a desvalorização e

exclusão social de qualquer grupo que não se caracterize no padrão eurocêntrico. Ainda

segundo MACEDO (2004), as políticas são definidas pelo desenvolvimento, “assim os

custos das políticas de desenvolvimento propiciam uma acentuada exclusão das

populações em pior situação social” (p.146). É o caso das mulheres que ganham menos

que os homens e da exclusão de outros grupos sociais.

Atualmente já existem modelos alternativos de desenvolvimento sustentável que

articulam ambiente e interesses econômicos e sociais. Contudo, segundo MACEDO

(2004) esses modelos são pouco trabalhados nos currículos de ciências. Torna-se

evidente que o currículo de ciências é um importante instrumento social que deve ser

questionado a partir de considerações culturais locais. A universalidade de uma cultura

científica vem marginalizando as minorias e potencializando as desigualdades. Para

MACEDO (2004) os alunos e seus saberes questionam a legitimidade da dominação da

cultura hegemônica, contribuindo para questionamentos na prática cultural. “Entendido

como entrelugar cultural, o currículo torna-se um espaço/tempo de formação identitária

que ajuda a produzir/transmitir saberes discriminatórios, mas os mescla a outros saberes

nativos” (MACEDO, 2004, p.150).

A organização curricular pautada nas disciplinas é criticada por AMORIM (2004).

O autor entende que a aprendizagem deve ter caráter ativo. Nesse viés, não só a

relevância de cada conhecimento propostos deve ser problematizada e discutida, como

também as convicções que propõem certa linearidade dos conhecimentos mais simples

em direção aos mais complexos. Pois o campo da educação em ciências é carregado de

influências teórico-metodológicas advindas de trajetórias de ensino formalistas,

conteudistas e marxistas (AMORIM, 2004).

Tendo seu entendimento pautado nos estudos de Deleuze e Guattari acerca do

rizoma12

, AMORIM (2004) compreende que os conhecimentos científicos ganham

novas identidades por meio da forma com que são trabalhados no cotidiano escolar.

12

O rizoma está, na Obra de Deleuze e Guattari, inscrevendo-se no vasto conjunto de seus pensamentos sobre a vida, colocando “sob rasura” compreensões, dentre muitas outras, de história, de ações do capitalismo, de transcendência e, destaco, de aspectos relativos à gênese da forma. (AMORIM, 2004, p.156)

38

Para o autor, as práticas de ação escolares cotidianas sistematicamente apresentam os

objetos de ensino que, rizomaticamente, podem nos indicar maneiras de

olhar/pensar/inventar as relações entre forma e conteúdo e suas interações na

configuração dos conhecimentos escolares (AMORIM, 2004, p.159).

É necessário pensar a educação em ciências naturais do ponto de vista do contexto

escolar. Para AMORIM (2004), a escola é reprodutora de conhecimentos produzidos em

outros campos culturais. Esse entendimento implica dizer que é mais fácil enxergar

empecilhos impostos diante de uma estrutura já consolidada, assim, as práticas escolares

acontecem pelo entendimento de territorialização e desterritorialização, sendo que os

significantes são sempre passíveis de rupturas e de serem retomados. Para o autor, esses

movimentos de retorno quebram a perspectiva da linearidade que é abarcada pelos

métodos modernistas.

Compreendemos que a educação em ciências naturais em uma perspectiva inclusiva,

pressupõe a construção conjunta dos saberes. Faz-se necessário levar em consideração

as experiências identitárias, ou seja, a diferença. STROBEL (2016) destaca que:

O povo surdo luta pela pedagogia surda que parte de um “olhar”

diferente, direcionado em uma filosofia para educação cultural, na

qual a educação dá-se no momento em que o surdo é colocado em

contato com sua diferença, para que aconteça a subjetivação e as

trocas culturais (p. 90).

A contemporaneidade tem sido tomada por lutas, legislações, discussões teóricas

etc. em torno da temática surda. Esse cenário tem contribuído para que avancemos nas

questões relativas aos interesses dos surdos. Dessa forma, “o currículo também está em

processo de transformação” (STROBEL, 2016, p.92). A autora cita exemplos de

currículos que já englobam temáticas surdas em espaços escolares inclusivos. Esse

avanço contribui para a constituição do que a autora chama de “identidades culturais

positivas de sujeitos surdos”.

No campo da educação, autores como LUNARDI (2015) se prestam a produzir

estudos que tratam das discussões, dos discursos e das práticas que envolvem a

educação de surdos. Para a autora, os Estudos Surdos têm propiciado novos padrões

teóricos de educação e de escola de surdos, aproximando-se dos Estudos Culturais.

Dessa forma, a comunidade surda e a língua de sinais são fundamentais na proposta de

39

reestruturação curricular que se pauta em alternativas teórico-pedagógicas advindas de

um modelo sócio antropológico de educação.

Para SKLIAR (2015), os mecanismos de colonização do currículo do ouvintismo

sobre o planejamento do currículo na educação de surdos ainda é um fenômeno pouco

explorado. O autor buscou em seu estudo abordar variadas representações

desenvolvidas a partir de formas de colonização ouvintista do currículo. Dentre elas: o

currículo para deficientes mentais; o currículo para os ouvintes; o currículo para

deficientes da linguagem; o currículo da beneficência laboral; e o currículo salva-vidas

como último recurso para os surdos que não se encaixam nos anteriores. Todas essas

formas de currículo têm como princípios práticas pedagógicas de subordinação de todo

currículo ao oralismo, exclusão de adultos surdos, desatenção a processos significativos

de aprendizagem do surdo, desprofissionalização etc.

Os modelos de educação estabelecidos que marginalizam a participação do

surdo na sociedade e contribuem para o que SKLIAR (2015) chama de justificações

impróprias sobre o fracasso na educação de surdos. Dessa forma, são culpabilizados, os

próprios surdos, os professores e as limitações dos métodos de ensino, o que pode torna-

los, até mesmo, mais rigorosos. Entretanto, esquece-se a responsabilidade do Estado e

das políticas educacionais.

Do nosso ponto de vista, o não reconhecimento da língua de sinais ao longo da

história dos surdos é um dos principais fatores que contribuiu para a marginalização

desses sujeitos no espaço escolar, principal lócus de acesso à cultura científica. Diversos

autores como SÁ (2012) evidenciam em seus estudos a falta de sinais para traduzir as

palavras advindas das ciências naturais.

Para começar a pensar em uma educação de surdos que possibilite uma

reestruturação nos processos significativos de aprendizagem, SKLIAR (2015) chama a

atenção para: as teorias de aprendizagem que reconheçam os direitos linguísticos e de

cidadania dos sujeitos surdos, as epistemologias dos professores ouvintes na

aproximação com os estudantes surdos, os mecanismos de participação das

comunidades surdas etc.

Os conteúdos impostos no currículo das escolas estão diretamente relacionados

com o que se pretende produzir socialmente. Para LUNARDI (2015) a ideologia oralista

40

é dominante no currículo e na educação de surdos, fazendo com que as práticas

pedagógicas estejam atreladas a conceitos de recuperação e reabilitação. Os textos e as

narrativas curriculares são produzidos, de forma interessada, por grupos dominantes da

sociedade. Assim, para um currículo que tem o oralismo como ideologia, os surdos

continuam sendo vistos como doentes e anormais. Ainda para LUNARDI (2015), essas

ideias foram justificadas e legitimadas por médicos, especialistas, professores ouvintes,

pais e familiares de surdos.

Faz-se necessário retomar o entendimento de que esses padrões foram

estabelecidos pelos ideais do homem moderno. Entretanto o surdo “é um individuo

multifacetado, parcial, plural e nunca homogêneo” (LUNARDI, 2015, p.161). Portanto,

as práticas educativas precisam ser revistas, assim como os processos metodológicos e o

currículo. Dessa forma, para a autora, o multiculturalismo comporta o reconhecimento

da diferença e das diversas identidades e culturas existentes no currículo. A educação

numa perspectiva multicultual permite que os surdos sejam agentes de sua própria

educação.

“A concepção do multiculturalismo trabalha com a ideia de

convivência das diferenças, das diversas culturas nacionais e de sua

representação na educação e no currículo. Portanto, estamos falando

da convivência de grupos de surdos e grupos de ouvintes num

determinado espaço escolar e curricular. Nesse contexto, observa-se

um processo de incorporação cultural, por meio da escola e do

currículo, ou seja, há uma socialização forçada de uma cultura

particular – dos ouvintes – baseada na exclusão dos valores e práticas

culturais do grupo de surdos” (LUNARDI, 2015, p.163).

Dessa forma, possibilita que tanto surdos como ouvintes tenham suas

identidades e culturas reconhecidas por ambos os grupos. As diferenças se tornarão

visíveis e, portanto, consideradas. Inspirada em McLaren, a autora supracitada

compreende que um multiculturalismo crítico deve considerar as relações de poder, que

se dão na correlação de forças estabelecidas no jogo social. A proposta consiste em dar

visibilidade aos surdos e questionar as imposições curriculares e educacionais

produzidas por práticas discursivas de um grupo dominante.

O estudo de SÁ (2015) trata do discurso surdo. A autora constrói uma

interessante reflexão acerca da linguagem na modernidade e na pós-modernidade com o

objetivo de visualizar representações de uma suposta realidade do surdo. Além disso,

trata a argumentação e o discurso surdo como importantes instrumentos de lutas com e

41

sobre a linguagem. “O texto surdo é um texto argumentativo. Se considerarmos que

argumentar é agir, podemos dizer que é um texto de ação.” (SÁ, 2015, p.173). Os

surdos não constroem seus argumentos de maneira igual. Somos seres sociais que

constroem a visão da realidade com base em nossas respectivas experiências de vida.

Dessa forma, até aqui já está claro que os surdos foram por muito tempo,

marginalizados, “sofreram até mesmo violência institucional contra sua língua e cultura,

cabe aos profissionais da educação contribuírem para propiciar momentos de discussão,

em que os argumentos dos surdos tenham também peso e poder” (SÁ, 2015, p.173).

A Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS, para SÁ (2015) é uma língua

visuogestual. Como o português falado ou escrito pode ser utilizada pelos surdos para

construção de momentos de discussão e argumentação em relação aos respectivos

interesses de cada um. Esse “agir retórico” denominado por SÁ (2015) visa ultrapassar

os obstáculos de aceitação de sua tese. Entretanto, historicamente, o discurso surdo não

é reconhecido pelos ouvintes. SÁ (2015) aponta alguns dos possíveis motivos para que

esse discurso ainda seja questionado e deslegitimado. O primeiro motivo consiste no

preconceito ainda muito presente na cultura ouvinte de caracterizar o surdo como

indivíduo possuidor de uma deficiência que compromete além da audição. Ou seja, o

seu discurso é visto como ineficiente ou defeituoso. O segundo, a maioria da população

não compreende a Libras, visto que esta foi reconhecida apenas recentemente. Além

disso, a população surda é composta por um grupo minoritário, com pouco espaço

dentro de uma sociedade predominantemente ouvinte.

A discussão em torno da deficiência surda é tão ampla dentro do entendimento

do discurso que propõe novas possibilidades de compreender o sujeito surdo. Para SÁ

(2015) existe uma luta em torno da palavra deficiente. Esta palavra está impregnada de

sentidos que foram produzidos por um discurso de poder. Ser surdo não significa

compreender que este sujeito está com sua capacidade de aprender comprometida. A

Libras e outros mecanismos de ler o mundo propiciam que essa capacidade não

impossibilite o aprender. Para SÁ (2015) a luta dos surdos é maior que termos

materiais, pois se desenvolve também em torno de bens simbólicos.

Nesse sentido, o estudo de LULKIN (2015) resgata eventos da história, dando

destaque para algumas investigações legitimadas pela ciência moderna em que esta

42

busca descapacitar o sujeito surdo e subordinar a sua língua e cultura. Há registros

datados do século XVIII de uma instituição pública de e para pessoas surdas, na França.

A partir do movimento europeu, a língua de sinais passa a ser

reconhecida como forma de comunicação apropriada para a educação

de pessoas surdas. Em pouco tempo, os resultados positivos da

metodologia utilizada pelo Abade de L‟Epée, fundados da escola de

Paris, chamam a atenção de religiosos e educadores e fundam-se

inúmeras escolas para surdos na Europa e nos Estados Unidos, com

profissionais surdos e ouvintes (LULKIN, 2015, p.34).

Observamos que os surdos naquela época, conseguiram certo tipo de

reconhecimento de sua Língua em instituições públicas. No entanto, nesse mesmo

período, o autor descreve estudos que minaram essas conquistas. A filosofia sensualista,

por exemplo, defensora de um processo de evolução em que o corpo está na base e a

mente no topo, defendia a linguagem oral como superior à língua de sinais. Ou seja, o

surdo como inferior ao ouvinte em sua língua, mas também na inteligência e no

pensamento. Nesse mesmo viés, a ciência biomédica foi uma das principais

responsáveis por inferiorizar o sujeito surdo, buscando legitimar um padrão ideal de

corpo. O corpo curado de moléstias deveria ser reabilitado, dessa forma não sendo mais

possível estimular o uso da língua de sinais, pois esta deveria ser superada.

De acordo com LULKIN (2015), diversas estratégias foram utilizadas a fim de

acabar de vez com o uso da Língua de Sinais. Temos o entendimento de que a Língua

de Sinais é o principal meio de reconhecimento da cultura surda, dessa forma, podemos

compreender que o controle de uma das principais componentes da cultura surda fez

parte de um movimento de institucionalização de uma forma de cultura dominante.

O movimento de normalização da cultura ouvintista é tão forte que nem nos

damos conta de algumas proposições que desvalorizam os saberes dos sujeitos surdos.

Baseado em autores como Giroux e McLaren, LULKIN (2015) aponta práticas

institucionalizadas na educação por áreas como da fonoaudiologia, psicologia,

medicina, pedagogia que são legitimadas por instâncias maiores. As Leis, o currículo

das escolas, projetos pedagógicos etc., são produzidos em conformidade com os ideais

da modernidade. “Dessa maneira, se funda uma identidade pela oposição surdo-mudo

versus ouvinte-falante, fruto de uma ciência interessada na correção do desvio, na

humanização do selvagem, na reabilitação do deficiente” (LULKIN, 2015, p.41). Até

mesmo as formas pedagógicas, segundo o autor, submetem o aluno surdo a processos

43

avaliativos, institucionalizados historicamente, que consideram a fala e a escrita como

única e verdadeira metodologia adequada ao processo de ensino e aprendizagem. Faz-se

necessário direcionar o olhar para as práticas no contexto escolar, político e cultural,

uma vez que os discursos hegemônicos constituem a manutenção de uma cultura

dominante.

Nesse sentido, SKLIAR (2015), pautando-se nos estudos de McLaren, faz

destaque às oposições binárias: normalidade/anormalidade, ouvinte/surdo, maioria

ouvinte/maioria surda, língua oral/língua de sinais etc., como um dos fatores mais

nocivos à análise da realidade educacional. Para o autor, tais oposições privilegiam o

primeiro termo, pois estabelecem uma norma hierárquica, dessa forma, caracterizando

uma “metanarrativa que define o significado da norma cultural” (SKLIAR, 2015, p.20).

Ainda segundo o autor, a norma hierárquica estabelece que o segundo termo não existe

sem o primeiro, mas dentro dele.

Nosso estudo compreende a necessidade de considerar o discurso como

mecanismo de compreensão da sociedade. Dessa forma, faz-se necessário que o surdo

tenha esse espaço garantido, a fim de se fazer presente no social. A partir desse

entendimento, consideramos que o estudo de SÁ (2015) vem colaborar com a nossa

compreensão de educação de surdo. Pois, “o surdo, no uso de sua língua visuogestual,

faz uso do poder da linguagem, constituindo a si próprio de uma certa forma e

interagindo na sociedade” (p.175).

Apesar de reconhecimentos legais de uma política que está se propondo a tornar

a sociedade inclusiva, os espaços políticos não são compostos por sujeitos surdos,

mesmo quando os seus respectivos interesses estão em jogo. Para SÁ (2015), as

abordagens educacionais não atendem aos interesses dos surdos. Isto fica claro se

compreendermos que os principais sujeitos não foram convidados a argumentar acerca

de suas necessidades. É imprescindível que, além de buscarmos compreensões em torno

da temática da surdez, estejamos sempre em contato e realizando momentos de diálogo

com o próprio surdo. Assim como SÁ (2015), acreditamos que temos condições de lutar

juntos denunciando o autoritarismo.

SÁ (2015) deixa claro, em seu estudo, diversas estratégias argumentativas

utilizadas por surdos na construção de um texto. Seus respectivos discursos são

fundamentados em estratégias de valor do irreparável, figuras de repetição,

44

amplificação, figuras de linguagem etc. Dessa forma, a autora defende o bilinguismo na

educação de surdos, entendendo que a Libras é a principal Língua de comunicação do

surdo e, por esse motivo, deve ter seu uso incentivado nos mais diversos espaços de

interação social. Além disso, é nessa língua que o estudante surdo deve ter contato com

os conteúdos culturais de sua comunidade dentro do processo educacional.

1.5. Pedagogia dos surdos

Pesquisadores que se dedicam ao estudo da educação dos surdos (LULKIN,

2015; PERLIN e STROBEL, 2009; SÁ, 2010), dão evidências de que essa história é

marcada por processos de exclusão, de negação, de segregação, mas também pela luta

do movimento dos surdos para garantir direitos à cidadania. LULKIN (2015) resgata

eventos da história para estabelecer relações entre a lógica da modernidade e as

tentativas de subordinar o surdo à cultura dominante, ou seja, ao modo de ser e de viver

do ouvinte.

A história revela que a luta pelo direito do surdo de usar a língua é antiga. Na

França, no século XVIII, ocorreram experiências de educação de surdos com base na

língua de sinais. Em pouco tempo os resultados positivos dessa metodologia de ensino

se espalharam na Europa e nos Estados Unidos. Contudo, foram utilizadas diversas

estratégias a fim de acabar com o uso da Língua de Sinais, sob argumento de que o

surdo deveria ser educado com base na língua dos ouvintes.

A negação da identidade do surdo é “fruto de uma ciência interessada na

correção do desvio, na humanização do selvagem, na reabilitação do deficiente”

(LULKIN, 2015, p.41). Assim, os surdos foram submetidos às formas pedagógicas que

consideram a fala e a escrita dos ouvintes como única e verdadeira metodologia

adequada ao processo de ensino e aprendizagem. Valorizou-se então o oralismo,

legitimado por médicos, especialistas, professores ouvintes, pais e familiares de surdos,

com base na ideia de que os surdos eram doentes que poderiam ser curados (LUNARDI,

2015).

Os modelos de educação que marginalizaram a participação do surdo no

processo educativo ainda vigoram em nossos dias. Na opinião de SKLIAR (2015) o

45

ouvintismo ignora as limitações dos métodos de ensino e das políticas educacionais,

atribuindo ao surdo a culpa pelo próprio fracasso.

Faz-se necessário considerar que, nas últimas décadas, foram feitas conquistas

significativas no campo da educação de surdos. Tais conquistas foram asseguradas na

Constituição Federal de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

(LDB) nos Planos Nacionais de Educação (PNE), na Lei de Libras (Lei 10.436/2002),

no Decreto da Libras (5.626/2005) e na Política Nacional de Educação Especial na

perspectiva da Educação Inclusiva. A incorporação de temáticas surdas em espaços

escolares pode ser apontada também como uma conquista educacional, pois contribui

para a constituição de “identidades culturais positivas de sujeitos surdos” (STROBEL,

2016, p.92).

Para que o direito de todos à educação se torne efetivo é preciso repensar o

modelo de escola e os métodos de ensino.

Sim, a escola é um direito de todos, mas não a mesma escola, não a

mesma proposta, pois a mesma escola não atende às necessidades e

especificidades de todos. O “direito de estar” deve ser preservado, mas

ele não resolve. O que resolve é deslocar o foco do ambiente e colocar

o foco no estudante, na pessoa. O que resolve é envidar todos os

esforços para maximizar o aprendizado, é tornar a escola significativa

para todos, é atender ao que sinalizam os especialistas das áreas (que

têm sido tão desprestigiados) e os achados científicos. A inclusão

escolar não é o objetivo final! (SÁ, 2011, p. 17).

Essa autora questiona a inclusão que vem sendo promovida na atualidade por

entender que “escola para todos não é sinônimo de mesma escola” (p. 17). Quando a

hegemonia da língua, da cultura e da pedagogia dos ouvintes é mantida, os surdos

continuam segregados e à margem da educação.

O que estamos assistindo no Brasil é a uma ineficácia em atender ao

direito que tem cada pessoa de ser atendido em sua singularidade. Em

nosso país, a chamada “Inclusão” tem sido entendida meramente

como socialização na escola regular. Mas o que seria “garantir o

direito à Educação para Todos”? Seria oportunizar a quebra de

preconceitos e enriquecer o ambiente com as diferenças, mas não se

este “enriquecimento” favorece apenas aqueles que serão beneficiados

com a convivência com o diferente, em detrimento do direito do

“diferente” em ser atendido em suas demandas – linguísticas,

culturais, arquitetônicas etc. (SÁ, 2011, p. 17).

Não podemos deixar de considerar que a escola foi e continua sendo o principal

lócus de acesso à cultura científica. No entanto, é preciso considerar que essa cultura é

46

veiculada apenas na linguagem escrita e oral, marginalizando aqueles que fazem uso de

outras formas de linguagem, como é o caso dos surdos. Estes utilizam a Libras, uma

linguagem visuogestual que tem uma estrutura gramatical diferente do Português.

Ademais, faltam sinais em Libras para traduzir as palavras que compõem o léxico do

currículo escolar, sobretudo, quando se trata das ciências naturais (SÁ, 2012).

A inclusão de pessoas: surdas, cegas, cadeirantes ou com outras diferenças, na

escola exige considerá-la como uma pluralidade. Por conseguinte, é precisa conceber e

produzir o “currículo como espaço-tempo de fronteira cultural” (MACEDO, 2006).

Nessa acepção, os currículos escolares são “como um espaço-tempo em que estão

mesclados os discursos da ciência, da nação, do mercado, os “saberes comuns”, as

religiosidades e tantos outros, todos também híbridos em suas próprias constituições”

(p.289). Neles “sujeitos diferentes interagem, tendo por referência seus diversos

pertencimentos” (p. 288). Dessa forma, a diferença cultural não é vista como um

problema atribuído à escola, mas sim, como algo que faz parte da dinâmica social.

Produzir o currículo que leva em conta a diferença implica em fazer dele um espaço-

tempo.

[...] em que os bens simbólicos são “descolecionados”,

“desterritorializados”, “impurificados”, num processo que explicita a

fluidez das fronteiras entre as culturas do eu e do outro e torna menos

óbvias e estáticas as relações de poder [...] nesse híbrido que é o

currículo, tramas oblíquas de poder tanto fortalecem certos grupos

como potencializam resistências (MACEDO, 2006, pp 289 – 290).

Pensar e produzir o currículo com base na identidade e na diferença exige

reconhecer o outro não apenas como o diverso, o multicultural. O outro é político, “que

não vive somente para contestar o malefício, que não se alinha facilmente a uma cultura

que pode ser ordenada como múltipla, que não pode ser reduzido [...] a uma ação apenas

relacional e comunicativa” (SKLIAR, 2002 p. 202).

AMORIM (2008, p. 123) também se situa no campo teórico que concebe o

currículo como espaço de encontros das identidades, “das diferenças, de

desdobramentos em um comum-múltiplo, divergente, desfigurante”.

Dizer que as identidades estão cada vez mais sujeitas ao jogo da

história, da política, das estratégias discursivas, da “tradução”, é dizer

que elas estão cada vez mais trabalhadas pela diferença, sujeitas ao

jogo da diferença e, por conseguinte, funcionando cada vez menos na

órbita do idêntico, do mesmo, da permanência (AMORIM, 2008,

p.125).

47

Nesta concepção de currículo, os conhecimentos científicos não gozam de

hegemonia em relação às outras formas de conhecimento, pois há entendimento de que

a ciência é uma das linguagens que usamos para compreender e dar sentido aos fatos do

mundo. Ela é uma parte da cultura que, conforme observou CERTEAU (2012), precisa

ser concebida no plural. Lidar com a pluralidade de identidades, de culturas, de

múltiplas demandas num contexto de diferenças, exige da escola disposição para se

reinventar cotidianamente. As práticas de ação escolares ganham potência quando se

apresentam os objetos de ensino rizomaticamente, indicando muitas maneiras de

olhar/pensar/inventar as relações entre forma e conteúdo e suas interações na

configuração dos conhecimentos escolares (AMORIM, 2004, p.159).

Em se tratando da educação em ciências naturais interessada na inclusão de

estudantes surdos, julgamos ser necessário considerar que os desafios são muitos.

Destacamos aqui alguns deles a partir das leituras e experiências que vivenciamos

durante a elaboração desta dissertação: o modelo de ensino vigente nas escolas valoriza

os postulados da ciência moderna sublimando outras manifestações culturais; os

artefatos culturais (quadro de giz, livros, cadernos, recursos audiovisuais, etc.) adotados

pelas escolas são referenciados na cultura ouvinte; a formação de professores (inicial e

continuada) continua sendo promovida tendo como referência o estudante idealizado

que anda, vê, ouve, fala e se comporta dentro dos padrões estabelecido como

normalidade; boa parte dos estudantes surdos chega à escola sem compreender a língua

de sinais; faltam sinais em libras para muitos termos que compõem o léxico do currículo

escolar.

Concordamos com SÁ (2010, 2011, 2015) quando considera que a inclusão

escolar de surdos demanda modelos de educação voltados para o enfrentamento das

práticas de marginalização e de violência institucional contra a língua e a cultura dos

surdos. Cabe aos profissionais da educação propiciar momentos de discussão que

permitam a participação de estudantes surdos nas aulas para que os argumentos por eles

utilizados tenham também peso e poder. Nessa perspectiva é preciso considerar o que

foi expresso no documento “A educação que nós, surdos, queremos” produzido pelo

movimento de surdos, por meio da Federação Nacional de Educação e Integração de

Surdos (FENEIS, 1999). Com base neste documento, pesquisadores surdos do campo da

educação (PERLIN e STROBEL, 2009, PERLIN e MIRANDA, 2011, STROBEL,

2016) defendem uma pedagogia diferenciada.

48

O povo surdo luta pela pedagogia surda que parte de um “olhar”

diferente, direcionado em uma filosofia para educação cultural, na

qual a educação dá-se no momento em que o surdo é colocado em

contato com sua diferença, para que aconteça a subjetivação e as

trocas culturais (STROBEL, 2016, p. 90).

Na perspectiva “a escola de surdos é o lugar que se presta para essa construção

de identidades. A pedagogia nela constante deve ser a pedagogia para surdos” PERLIN

e MIRANDA, (2011, p. 110). Esses autores contribuem para a compreensão dos

pressupostos dessa pedagogia citando alguns dos seus tópicos importantes:

a. A língua desta pedagogia: Utiliza a língua em que o surdo tem

facilidade de aprender. Entende a língua portuguesa como segunda

língua. b. As informações necessárias no processo curricular: Trata

de como se transmite o conteúdo do currículo para os surdos, como se

faz para que ele registre a informação, acolha a informação, e como

fazer para que passe a fazer parte de seus arquivos de conhecimentos.

Como se processa a introdução ao conhecimento? Como se processa o

registro do conhecimento? c. O lugar da 2.ª língua: [...] A produção

textual em língua portuguesa pelo surdo não é tão rica devido à

compreensão do vocabulário e seu uso. d. O espaço da cultura: Como

preparar o ambiente da diferença? Que práticas, que teorias, que

aspectos entram nesta diferença? e. A comunidade escolar: [...] A

comunidade escolar não é somente de alunos e professores, é também

de funcionários, direção, que deve se constituir na comunidade de

utentes de língua de sinais. Funcionários surdos sempre serão modelos

na escola de surdos. f. O auxílio tecnológico: [...] a pedagogia do

surdo utiliza recursos de visão. Tudo que facilita o desenvolvimento

visual ou a aprendizagem por meio da visão vai estar nesse modelo.

No uso da prática pedagógica, os sentidos da visão devem ser

ressaltados com o uso de tecnologias que favorecem a aprendizagem,

por exemplo: utilizar o Jornal Nacional com legenda para trabalho em

aula; passar um filme de desenho animado sem legendas e pedir para a

criança surda sinalizar a história que viu, ou ainda pedir para o aluno

fazer algumas frases. A capacidade do surdo interpretar a partir da

imagem e da legenda é marcante (PERLIN e MIRANDA, 2011, pp

110-111).

Entendemos que embora e pedagogia do surdo seja direcionada mais

especificamente para a escola e/ou classe de surdos, ela apresenta alguns elementos que

podem ser utilizados em outros espaços escolares e não-escolares interessados em

prática de inclusão. Neste estudo, voltamos nossa atenção para o uso de fotografia na

educação de surdos, no contexto de um projeto de extensão universitária. Partimos do

entendimento de que, se os surdos são também imagéticos e a fotografia pode se

constituir em um artefato cultural que pode ser utilizado como uma prática de

enunciação pelo surdo. Essa perspectiva é apresentada no capítulo que segue.

49

50

CAPÍTULO 2

A fotografia como um artefato cultural e uma

prática de enunciação do povo surdo.

Imagens são palavras que nos faltaram.

Manoel de Barros

Ao deslizar nosso olhar sobre as imagens que abrem este capítulo (página

anterior), vemos alguns estudantes compenetrados, como quem quer ajustar os recursos

de uma câmera digital para produzir fotografias. Podemos fazer diversas leituras sobre

cada uma das fotografias apresentadas: composição, enquadramento, iluminação, foco,

sentidos que ela suscita etc. No entanto, não podemos compreender a experiência visual

vivenciada pelo autor desta foto, no momento do clique e muito menos a experiência

visual dos estudantes que, na fotografia, aparecem posicionados em outras direções.

Considerando que os jovens retratados na foto são estudantes surdos

desenvolvendo uma atividade extracurricular (de extensão universitária), a ideia de

experiência visual torna-se ainda mais singular. Para o surdo, a experiência visual

significa a utilização da visão, como meio de relacionamento com o mundo já que ele

não pode contar com a audição (PERLIN e MIRANDA, 2003). É com base na

experiência visual que “os sujeitos surdos percebem o mundo de maneira diferente, a

qual provoca as reflexões de suas subjetividades” (STROBEL, 2016, p. 44).

Ao apresentar esse breve prólogo intentamos suscitar as temáticas que serão

abordadas neste capítulo: Fotografia como um artefato cultural; Usos da fotografia na

educação; O que diz a literatura sobre a fotografia na educação de surdos e na educação

em ciências naturais e Fotografia como prática de enunciação do povo surdo. Partimos

do pressuposto de que a explicitação do entendimento que nós temos dessas questões é

requisito fundamental para o desenvolvimento das análises propostas neste estudo.

51

2.1. Fotografia como um artefato cultural

Nós seres humanos, quando dispomos da visão, comportamo-nos como seres

imagéticos. Cotidianamente somos afetados por imagens que instigam nossas

lembranças, pensamentos, ações e reações. A forma como vemos, falamos e reagimos

diante das imagens depende das nossas experiências. São as nossas experiências que

permitem estabelecer conexão com os elementos da imagem e até mesmo fazer parte

dela. A singularidade da experiência não está relacionada diretamente à consciência,

pois, cada imagem articula-se aos sentidos que produzimos com base nas relações

sociais. Imagens são, portanto, artefatos culturais.

Elas formam o material imagético das técnicas publicitárias, do

cinema e de todas as artes; que, a cada instante, nas relações

entre seres humanos, são os milhares de imagens-nuas que constituem

a percepção do rosto e do corpo do outro que transportam

significações mudas e informações muito mais ricas que as

mensagens verbais (GIL, 2005, p.15).

O mundo globalizado produz continuamente cenários imagéticos que demandam

a produção de sentidos a todo instante. Os modelos atuais de produção de imagens

acontecem de maneira desterritorializadas, sobretudo em decorrência do uso de recursos

tecnológicos. Se por um lado existem tentativas de padronizações por imagens, por

outro existem muitas possibilidades de produção de múltiplos sentidos, uma vez que “a

imagem está carregada de todas as qualidades e potencialidades que definem o humano”

(BENTES, 2013, s.p.).

As imagens estão diretamente ligadas às expressões de poder que conduzem as

relações humanas. Em muitas situações o valor de um produto, de uma pessoa, de uma

instituição é definido pelas imagens que são veiculadas, ou seja, à adequação a um

determinado padrão sócio-econômico, estético, ético e lingüístico. O reconhecimento da

importância das imagens na nossa sociedade explica porque ela se tornou um campo de

estudo caracterizado como “cultura visual”.

A cultura visual busca compreender o visual presente cotidianamente, discutindo

os significados que estão sendo criados culturalmente. É um campo de estudo recente

que tem como foco as imagens nas relações de poder (novas e velhas) como produtoras

de novas sociabilidades. “Esse entendimento fundamenta-se na abordagem

sócioantropológica, o que significa focalizar o conhecimento tanto nos produtores

52

dessas experiências quanto no contexto sociocultural em que são produzidas”

(SADERLICH, 2006, p.212).

Os estudos da cultura visual ganham relevância no nosso tempo, denominado

“era digital”. Hoje, talvez sejamos mais afetados pelas imagens virtuais que pelas

imagens reais. Um internauta pode optar pelo isolamento social a fim de fazer parte do

mundo virtual. Redes sociais, a exemplo do Instagram, permitem acesso a outras redes

sociais, como Facebook, Twitter e Tumblr para compartilhamento de fotos, vídeos,

textos escritos, etc. Assim, o internauta pode acompanhar e/ou difundir ideias, valores,

tendências da moda, assumir posicionamentos e motivar comportamentos. Esse

processo é favorecido pelas tecnologias dos smartphones que, a cada dia, tornam-se

mais sofisticados mantendo a facilidade de manuseio. Tais equipamentos dispõem de

câmeras fotográficas de alta resolução com aplicativos de ajustes automático do foco, da

iluminação, do enquadramento, de efeitos que podem ser aplicados em vários tipos de

fotografias, incluindo auto-retratos (selfie). Assim, fotos de boa qualidade podem ser

feitas de forma amadora por qualquer pessoa, até mesmo pelas crianças pequenas. O

sistema operacional dos smartphones (equivalente aos computadores) e a conexão na

internet facilitam divulgação de imagens, textos escritos, áudios e vídeos pelo mundo,

em tempo quase que real.

Na era digital a produção e difusão de fotografias se tornaram uma prática

corriqueira, quase que banalizada porque fotos digitais podem ser produzidas e

apagadas em fração de segundos. Todavia, a história desse artefato cultural revela que a

produção e difusão constituíram um processo complexo e marcado por relações de

poder.

É preciso considerar que a fotografia não é uma tecnologia recente. Existem

descrições do uso dessa técnica no século IV a.C feita por Aristóteles. No entanto,

apenas no início do século XIX houve um avanço na técnica permitindo a captura e a

fixação da imagem por um longo período de tempo. Surgiu, então, a fotografia que

significa “grafia pela luz” numa superfície revestida quimicamente.

A técnica de fixação da imagem foi desenvolvida primeiramente por Joseph

Nicéphore Niépce em 1826 e continuada por Louis Jacques Mandé Daguerre com a

técnica denominada daguerreótipo em 1839. Essa técnica consistia em fixar a imagem

em uma placa de metal após um longo período de tempo, cerca de 30 minutos. Anos

mais tarde, William Henry Fox Talbot desenvolveu o calótipo proporcionando o

53

negativo da imagem e a fixação do positivo após o contato com o papel sensibilizado

quimicamente. (CORRÊA, 2013).

Em 1888 houve uma considerável difusão do uso da fotografia após a invenção

da câmara de filme por George Eastman com a Kodak Nº1, principalmente nos Estados

Unidos. A fotografia instantânea, por sua vez, foi inventada em 1948 por Edwin Land,

de forma que, as imagens eram visualizadas sem a necessidade de que fossem levadas

para um laboratório de revelação.

Estes três momentos da fotografia (daguerreótipo, fotografia de filme

e fotografia instantânea) têm como base a câmara escura e a

fotoquímica acontecendo devido à presença de sais de prata. Durante

muitos anos gravar imagens teve estas características, até o

lançamento da fotografia digital (CORRÊA, 2013, p.12).

Durante o processo de instrumentalização da fotografia no século XIX, houve

duas vertentes que buscaram se apropriar dessa tecnologia. A primeira consistiu em

atribuí-la a uma forma de manifestação artística, pelo fato de que as pinturas feitas

naquele período buscavam retratar pessoas e realidade. Comparando-se com a pintura, a

fotografia era mais prática e possuía maior realismo. A segunda buscou estabelecê-la

como um instrumento técnico cientifico.

A fotografia representou um sopro na atividade científica, que passava

a incorporar, em suas estratégias especulativas, um novo princípio

heurístico, apresentando-se como um novo padrão de rigor – quando,

de fato, a imagem fotográfica, a um só tempo, desviava a atenção do

texto para si e conferia poder persuasivo ao conjunto do discurso

científico (SILVA, 2014, p.347).

O campo das ciências adotou a fotografia como instrumento indispensável.

Fundamentado em Gunthert (2000), Silva (2014) aponta que “a relação que se

estabelecera entre fotografia e ciência não foi, portanto, natural, mas resultado de uma

vontade e de um discurso” (p.347). Utilizada primeiramente no campo da astronomia,

em seguida em outros, a fotografia recebeu maior evidência no campo da medicina que

a utilizava para difundir imagens que retratavam doenças. Essa atividade recebeu um

grande destaque de forma que incentivou o surgimento, em 1869, da Revue

Photographique dês Hôpitaux de Paris. “Tratava-se da primeira iniciativa regular de

emprego e divulgação sistemáticos, no campo da medicina, de fotografias para

representar doenças” (SILVA, 2014, p.351).

No século XIX, o rigor técnico e os altos custos de manipulação da fotografia

restringiram a apropriação dessa tecnologia à ciência e a uma parcela seleta da

54

população. Em outras palavras, a fotografia era empregada pelos que detinham poder

servindo, portanto, para legitimar diferenças.

Na medicina, assim como na antropologia, era a delimitação do que

representa o outro que estava em questão, mais do que o

conhecimento com fins preventivos dos males que afetam a saúde

humana, pois as representações não se prestam a dar a conhecer, mas,

tão somente, a representar. Se, para aquele antropólogo, o outro era o

diferente, para a medicina o outro era o corpo doente (e nisto

aproximam-se, não se afastam), que, em nome da “fortuna pública”,

da “riqueza nacional”, dava sua contribuição à ciência, prestando-se à

demarcação do bizarro e do indesejável (SILVA 2014, p. 359).

A popularização da fotografia ocorreu de maneira efetiva somente com o modelo

digital utilizado nos últimos anos. As primeiras câmeras digitais surgiram após a Guerra

Fria em 1965. Porém, apenas em 1981 os primeiros modelos foram comercializados

pela Sony. A partir de então, o uso da fotografia estabeleceu novas representações das

imagens capturadas.

Machado (1998) faz referência à polêmica que se instalou entre pesquisadores e

fotógrafos sobre o significado de fotografia na atualidade. Por um lado, há quem diga

que o conceito de fotografia não condiz com o processo eletrônico e ou digital de

produção de imagem. Esse processo caracteriza-se numa “metamorfose de conversão

dos grãos fotoquímicos em unidades de cor e brilho, matematicamente controláveis, às

quais damos o nome de pixels” (p. 318). Por outro lado, há quem defesa a ideia de que

as mudanças ocorridas no processo de capturar e fixar imagens não são tão diferentes de

outros processos vividos no universo do cinema, da televisão e da música, por exemplo.

a informática está cada vez mais imbricada na elaboração dos filmes cinematográficos.

A música gravada está tomada por edições geradas eletronicamente. Dessa forma, o que

ocorre com a fotografia não é um processo particular de conversão em informação

eletrônica.

Apesar das polêmicas sobre os processos de produção da fotografia há consenso

quanto ao entendimento de que ela é um artefato cultural. Não se configura apenas

como uma imagem de algo e/ou de alguém, mas, também uma forma de conhecimento,

um modo de produzir narrativas imagéticas, de se manifestar diante dos fatos do mundo

e de participar dos processos de interação social.

O ato de fotografar instiga a autonomia e a sensibilidade estética do fotógrafo,

pois ele busca produzir sentidos aos cenários imagéticos que retrata. Estimula tanto a

55

criticidade e a sensibilidade do indivíduo que fotografa como também de quem faz a

leitura da fotografia.

Na pós-modernidade a fotografia demanda novas experiências visuais que

reconfiguram padrões estabelecidos na modernidade.

A centralidade adquirida pela visualidade está provocando uma

alteração significativa no predomínio que a cultura ocidental estava

acostumada a atribuir ao verbal. A crença na palavra como a forma

mais elevada da prática intelectual, cuja consequência principal foi a

de relegar a representação visual ao âmbito de um conhecimento de

segundo grau, está sendo colocada em xeque a todo o momento

(FABRIS, 2007, p.32).

A pós-modernidade nos impele a pensar sobre o lugar que as imagens ocupam

na nossa vida. Nesse sentido, as instituições educativas são desafiadas a produzir outras

referências pedagógicas, especialmente nesse tempo em que se reconhece o direito de

todas as pessoas à educação. Em se tratando da educação de surdos, o uso de imagens

na educação torna-se ainda mais imperativo, uma vez que são pessoas que aprendem

e/ou ensinam com base em suas experiências visuais.

2.2. Usos da fotografia na educação

Na sociedade contemporânea estamos imersos num mundo de imagens que

dificultam o entendimento do que é real e o que é virtual. Os ciberespaços criam

cenários e temporalidades que exigem novas performances, sobretudo no que se refere

ao uso das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC). Tudo ocorre num ritmo

alucinante que demanda imediatismo ainda que em contextos de incertezas.

Cotidianamente somos afetados por imagens que podem interferir no nosso modo de

ver, de pensar e de agir como protagonistas da história do nosso tempo.

Assim como Fischer, (2011, p.81) consideramos que “para haver protagonismos,

de qualquer espécie, talvez seja preciso mesmo viver no imprevisível, aceitar o incerto –

desde que nessa incerteza tenhamos a companhia de bons textos, bons filmes, boas

imagens”. Exercer papel de protagonista da história implica em fugir do lugar comum,

das interpretações padronizadas e das meras reproduções de modelos de

comportamento. Implica em questionar as “palavras bichadas de costumes” assim como

fez o poeta pantaneiro Manoel de Barros. Só assim é possível “inventar, transcender,

56

desorbitar pela imaginação”, pois o olho vê, a lembrança revê e a imaginação transvê, é

preciso transver o mundo, tirar da natureza as suas naturalidades (BARROS, 2010).

Padrões, modelos, clichês causam sérios danos à vida humana porque negam as

potencialidades do indivíduo falar, pensar e manifestar por si. Por assim entender

colocamo-nos ao lado de pesquisadores que defendem o uso de imagens na educação

como forma de contribuir para que docentes e estudantes possam assumir a autoria do

processo educativo que vivenciam (ALVES, 2001; ALVES e OLIVEIRA, 2004;

AMORIM, 2007; FISCHER, 2011; CALADO, 1994; SONTAG, 2004; WUNDER,

2006, 2008).

Nilda Alves (2001) é uma das vozes que assumem a defesa do uso de imagens

na educação. Nesse sentido, ela entende o currículo como espaçotempo13

composto de

“relações múltiplas entre múltiplos sujeitos com saberes múltiplos, que

aprendem/ensinam, o tempo todo, múltiplos conteúdos de múltiplas maneiras” (p.3).

Entende também que as imagens necessitam ser compreendidas tanto do ponto de vista

dos sentidos de quem as produziu quanto de quem faz sua leitura. Quanto mais fomentar

produtores/leitores de imagens, mais sentidos poderão ser produzidos.

Ao analisarem imagens e narrativas de professoras acerca de fragmentos do

cotidiano escolar Alves e Oliveira (2004) nos levam a pensar que “narrativas e imagens

se entrelaçam em nossas vidas e como tudo o que conseguimos ver se articula sempre

com o que sabemos antes, por narrativas ou imagens anteriores” (p.19). As articulações

entre imagens e narrativas exigem experiências individuais e em coletividade de

relações com o Outro, com o meio, com as tecnologias, ou seja, “num espaçotempo em

uma trajetória pessoal e coletiva” (p.20).

Calado (1994) também considera a imagem como uma linguagem visual que

pode contribuir para o sucesso da comunicação pedagógica. Na opinião dessa autora

para que esta comunicação ocorra de maneira efetiva é preciso possibilitar o acesso aos

diferentes sistemas de representação, às diferentes mídias a fim de ajudar o aluno a

entender a mensagem ou seu sentido levando em conta a compreensão de códigos,

contextos e tecnologias. A utilização da imagem de maneira pedagógica e como

13

Nilda Alves juntou esses dois termos em uma única palavra para mostrar a única possibilidade

de existência desses termos − um tem relação com o outro e só existe nesta relação. (ALVES,

2001, p.2)

57

diversificação das linguagens escolares, estimula o desenvolvimento das formas de

expressão verbal (CALADO, 1994).

Neste estudo partimos do entendimento de que a fotografia é um potente artefato

cultural para a educação, pois ela se constitui numa linguagem, num discurso escrito por

meio de imagens. Essa linguagem é capaz de produzir, desenvolver e compreender a

Língua.

Wunder (2008) faz uso do termo “foto quase grafia”, pois, considera que cada

imagem revelada é apenas “um corte”, “um instante efêmero”, um “fragmento

suspenso”, uma “cicatriz” de “um acontecimento” que se torna eternizado.

A justaposição entre foto/luz e grafia/escrita deixa um pensar. Escrita

da luz: uma escrita que se faz pela passagem da luz, e também uma

forma de escrevermos com a luz. Uma linguagem atravessada pela

fissura entre a emanação luminosa das coisas e seres fotografados e o

desejo de dizer sobre estas coisas e seres. Neste estiramento de forças

de pensamentos, nestes sentidos paradoxais que moram dentro da

própria palavra, um quase. Foto quase grafias. Na suspensão entre a

quase-magia da luz e a quase-matéria da escrita, a impossibilidade de

um sentido último, o acontecimento por fotografias (WUNDER, 2008,

p. 1).

Nessa acepção a fotografia é “uma linguagem atravessada pela fissura entre

emanação luminosa das coisas e seres fotografados e o desejo de dizer sobre estas coisas

e seres” (p, 01).

Mora nas fotografias produzidas cotidianamente a possibilidade do

acontecimento que se dá nelas, por elas, quase que descolado do

tempo passado e fotografado. Nesta fissura, há algo que não

conseguimos apreender e representar em palavras conhecidas. Outros

tempos, outros sentidos fazem-se no silêncio inapreensível das

imagens. Nesta justa ruptura, as possibilidades de a fotografia

multiplicar os sentidos daquilo que vemos (WUNDER, 2008, p. 2).

Nas palavras dessa pesquisadora as fotografias são “marcas de vivências”, uma

forma de “abrir janelas para o tempo passado”. Elas nos permitem “colecionar as coisas

e seres na forma de imagem” (COSTI, 2005 apud WUNDER, 2008, p. 10), “contar uma

história” (MARTINS, 1993, apud WUNDER, 2008, p. 10), “traduzir uma ideia em

imagem” (OPPIDO, 1993, apud WUNDER, 2008, p. 10). Constituem-se, portanto, em:

Histórias, idéias, verdades, mundos, sonhos que desejam ver-se

materializados na superfície de um papel e também que se liquefazem

quando o olhar mergulha nas encostas da luz e da sombra, penetra e

desorganiza as reentrâncias da forma [...] uma maneira fluida de

encontrar outra realidade [...]. Um olhar intencionado e sensível, uma

58

forma de pensar e sentir que afeta e se deixa afetar pelo que vê, um

gesto de por na mesma linha de mira a cabeça, o olho e o coração [...]

(WUNDER, 2008, p. 11).

A leitura que fazemos de cada fotografia depende das nossas experiências, dos

sentidos que atribuímos ao que vemos, ou seja, depende da nossa visão de mundo. É

também um discurso, pois o fotógrafo é alguém que fala sobre um determinado assunto

(um ser, um fato, um contexto, uma condição, etc.) para um público que pode ou não

conhecê-lo. Comporta-se como um “falante” movido por uma intencionalidade

comunicativa. Conforme análises realizadas por Wunder (2008), a fotografia é

permeada por duas potências: expressar e produzir. “Por essas duas forças a fotografia

efetua-se como um discurso centrado naqueles que a produz, numa relação de causa e

efeito entre fotógrafo e imagem” (p.15).

A potencialidade do uso da fotografia na educação é inegável, pois ela permite

produzir imagens que expressam modos de ver, de falar, de representar e dar sentido

para acontecimentos da vida. Na perspectiva adotada por Mendes (2005) a fotografia

pode potencializar também a inclusão social. Em sua opinião existe uma consciência

tardia em torno da temática que ganhou mais visibilidade na década de 1980.

Entretanto, foi somente a partir dos anos noventa que começaram a surgir propostas

voltadas para a “educação visual” como ferramenta de inclusão social.

Dentre as propostas apresentadas nos estudos de Mendes (2005) as mobilizações

com uso de fotografia na “educação do olhar” abrangem participantes e temáticas como,

condição feminina e do negro, jovens privados de liberdade, crianças de rua e etc. Esse

tipo de iniciativa busca fazer da linguagem fotográfica é uma possibilidade de dar voz

ao social. Entende-se que quando as minorias têm acesso à fotografia elas podem usar

este artefato cultural como linguagem para abordar questões sociais e de interesse

popular possibilitando o reconhecimento de culturas ao longo do tempo deixadas a

margem em nossa sociedade (MENDES, 2005).

Neste estudo reiteramos essa perspectiva do uso da fotografia como uma

possibilidade de produção de discursos pelas minorias, como é o caso dos surdos.

Consideramos que, por meio de fotografias os surdos podem “falar”, contestar,

enunciar, posicionar-se politicamente, pois como disse o poeta pantaneiro “imagens são

palavras que nos faltaram” (BARROS, 2010). Por assim entender, buscamos fazer um

levantamento de pesquisas sobre essa temática conforme é apresentado a seguir.

59

2.3. O que diz a literatura sobre a fotografia na educação de surdos e na

educação em ciências naturais

No levantamento das pesquisas sobre o uso de fotografia na educação de surdos

consideramos as produções relativas ao período compreendido entre 2004 a 2015

utilizando os seguintes descritores: “fotografia”, “educação de surdos” e “ensino em

ciências”. As produções foram buscadas no Banco de Teses do Portal da Coordenação

de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), nas Atas do Encontro

Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (ENPEC) e no periódico da Revista

Brasileira de Educação Especial (RBEE)14

. Selecionamos esses três bancos

bibliográficos por entender que são espaços de referência para publicação de resultados

de pesquisa sobre a temática que constitui nosso objeto de estudo.

Para selecionar os trabalhos analisamos os títulos, os resumos as palavras-chave.

Não identificamos produções que tratassem especificamente do uso de fotografia na

educação em ciências para surdos. Optamos por continuar a investigação

desmembrando os descritores de forma a alcançar trabalhos que relacionasse pelo

menos duas das três discussões expressas nos descritores utilizados. Procedemos a uma

nova busca utilizando como descritores “fotografia” e “educação de surdos” e em

seguida “fotografia” e “ensino de ciências”.

No que diz respeito à fotografia e surdos encontramos apenas uma dissertação.

Quanto à fotografia na educação em ciências localizamos três dissertações e três artigos,

conforme descrito a seguir.

Levantamento das produções acadêmicas relativas ao uso de fotografia na

educação de surdos e na educação em ciências.

Quadro 1: Pesquisas que trazem contribuições à Fotografia e Educação de Surdos;

Fotografia e Educação em Ciências Naturais

Título Autoria Tipo Ano

História do Povo Surdo em Porto

Alegre: Imagens e Sinais de uma

trajetória cultural

RANGEL, Gisele Maciel

Monteiro

Dissertação

UFRGS

2004

14

Em 2012 esta revista foi avaliada pela Capes e classificada como Qualis A2.

60

Luz e Cores: Uma proposta

interdisciplinar no ensino

fundamental

ANDRADE, Claudia

Terezinha Fraigede

Dissertação

2005

Cenas e cenários das questões

socioambientais: mediações pela

fotografia

Autora: SANTOS, Manuella

Teixeira Santos

Dissertação

2013

Educação e fotografia: uma

análise quantitativa do projeto

“olhar socioambiental”

Autores: PERINOTTO,

André Riani Costa.

COÊLHO, Hemílio

Fernandes Campos

Artigo

2012

O uso de fotografias para

avaliação da aprendizagem dos

conceitos de fenômenos físicos e

reações químicas

SILVA, Margarete Virgínia

Gonçalves Silva e HUSSEIN,

Fabiana Roberta Gonçalves e

Silva.

Artigo

2013

As fotografias dizem por si só?

Uma reflexão semiológica dos

livros didáticos de ciências por

meio das fotografias no contexto

da zoologia no ensino médio

ALMEIDA, Eduardo Franco

de & ALMEIDA, Sheila

Alves

Artigo

2013

Fonte: Elaboração da autora

A dissertação de Gisele Maciel Monteiro foi intitulada História do Povo Surdo em

Porto Alegre: Imagens e Sinais de uma trajetória cultural15

. A autora partiu do entendimento de

que a fotografia é uma forma de narrativa. Nessa perspectiva seu estudo foi

fundamentado no desenvolvimento de análises sobre narrativas produzidas a partir de

fotografias de diversos momentos importantes da trajetória política e social do povo

surdo no Rio Grande do Sul. Vale ressaltar que tanto a pesquisadora e como os sujeitos

da pesquisa são surdos. A autora considera a fotografia como um texto e que produz

sentidos e significações de histórias vividas pelos surdos. O objetivo geral do trabalho

foi compreender e definir alguns mecanismos e estratégias de articulação e organização

de formações discursivas implicados na invenção de narrativas produzidas em torno dos

povos surdos. A metodologia de pesquisa adotada foi a abordagem qualitativa com foco

em narrativas surdas, registro de histórias e sentidos e história visual. O amparo teórico

metodológico foi baseado nos estudos culturais de Stuart Hall, nos estudos surdos de

Carlos Skliar e na Fotografia de Maura Lopes. Os resultados de sua pesquisa indicam

15

Dissertação defendida na UFRGS, em 2004.

61

que a imagem fotográfica é uma importante fonte documental compatível com a

percepção visual das pessoas surdas. Essa pesquisa entende que a fotografia possibilita

narrativas de surdos. A fotografia atuou como estímulo à memória diante de fatos

ocorridos e vivenciado pelos surdos do Rio Grande do Sul. Além de narrativa, o

trabalho compreende a fotografia como texto e também como linguagem.

Andrade (2005) utilizou a fotografia em seus aspectos conceituais envolvidos no

estudo do comportamento da luz. Este estudo fez uma abordagem interdisciplinar a

partir do projeto “Luz e Cores” nos conteúdos de física, química, educação artística e

biologia, de uma turma de oitava série do ensino fundamental. A pesquisa teve por

objetivo compreender o estudo sobre luz e cores. Para desenvolver essas análises os

estudantes vivenciaram diversas oficinas, dentre elas, o processo de formação da

imagem em uma câmera escura trabalhando uma técnica de fotográfica antiga

denominada pinhole ou buraco de agulha em que se utiliza uma lata para capturar

imagens fotográficas com intuito de explorar e vivenciar o processo de formação da

imagem em uma câmara escura, associando-o à formação da imagem no olho humano.

As análises dos dados apresentaram a fotografia como atrativa para o interesse dos

alunos na realização de atividades interdisciplinares e contribuiu para o entendimento de

conceitos que envolveram o ensino de ciências.

Santos (2012) utilizou a fotografia como instrumento facilitador da apreensão

dos aspectos sociais, econômicos, ambientes, políticos, educacionais, entre outros, que

favorece leituras multidimensionais do contexto socioambiental vivido. O trabalho foi

desenvolvido a partir de uma oficina intitulada “A fotografia no ensino de ciências”

ministrada para dez alunos da graduação dos cursos de Licenciatura Plena em Ciências

Biológicas e Licenciatura em Física da UFPA. A metodologia do trabalho fez uso da

abordagem qualitativa com estratégia de pesquisa-ação. Os participantes foram

orientados pela pesquisadora nos seguintes aspectos: produção de registros fotográficos

de questões socioambientais locais, produção de um texto sobre as imagens capturadas,

apresentação e avaliação em grupo. Os dados desse estudo evidenciam que a ação de

fotografar proporciona um olhar profundo, que a autora chamar de “ver”, sobre as

transformações do contexto ambiental local. Além disso, para a autora a fotografia deve

ser trabalhada em sala de aula no ensino de ciências possibilitando a autonomia dos

estudantes em captar as imagens e construir um pensamento crítico.

62

Perinotto e Coêlho (2012) utilizaram a fotografia como ferramenta de educação.

O estudo foi realizado a partir do projeto de extensão denominado “Olhar

socioambiental” que adotou a fotografia como uma ferramenta para educação ambiental

propiciando aos participantes, alunos de escolas públicas, oportunidades de

aprendizagem ao fotografar imagens de seu cotidiano. No projeto foram realizadas

oficinas de fotografia e cursos de educação socioambiental voltados para a

sensibilização e percepção do ambiente por meio da cultura fotográfica na região do

Delta do Parnaíba. Os dados do trabalho indicam que a fotografia pode ser usada como

recurso pedagógico, pois, é responsável por uma simultaneidade na relatividade do

olhar, de forma que os alunos atuam hora como fotógrafos, hora como leitores das

imagens captadas. Observou-se que uma mesma realidade pode ser vista de diferentes

ângulos, dependendo da perspectiva do observador/fotógrafo. A fotografia trabalhada

no projeto proporcionou aos estudantes se afirmarem como sujeito nas imagens, como

autores e personagens das fotografias, além de promover o desenvolvimento de críticas

às questões ambientais e ecológicas possibilitando uma mudança de comportamentos e

atitudes em relação à fauna, à flora, à cultura do Delta do Parnaíba e aos problemas

decorrentes da degradação ambiental.

Silva e Hussein (2013) utilizaram a fotografia como um recurso tecnológico no

processo de ensino. O estudo ocorreu a partir de uma atividade proposta, a alunos do 2º

ano do ensino médio. Tal atividade consistiu em fotografar fenômenos físicos e reações

químicas observadas no dia-a-dia. Os resultados dessa pesquisa indicaram que os alunos

resgataram conhecimentos estudados anteriormente e registraram a partir da fotografia

os fatos mais corriqueiros que são visualizados constantemente no dia-a-dia envolvendo

a física e a química, como: formação do gelo e da evaporação da água para fenômenos

físicos e a combustão do GLP e da parafina como exemplos de reações químicas. Além

disso, esta atividade segundo os pesquisadores proporcionou uma aprendizagem

significativa.

Almeida e Almeida (2013) analisaram fotografias de animais vertebrados

presentes em três livros didáticos de Biologia referente ao 1º, 2º e 3º anos do Ensino

Médio da rede estadual de ensino de Minas Gerais. Os autores partiram do

entendimento de que as fotografias dos livros didáticos de ciências são ferramentas

pedagógicas importantes para a compreensão do assunto trabalhado em sala de aula.

Para análise das fotografias, definiram critérios como: fotografias especificas sobre o

63

assunto, legendas, autoria, legibilidade e escala para verificar a relação entre a

proporção das imagens do animal no livro e do animal real. Os resultados da pesquisa

indicaram que apesar de haver uma regulamentação para o uso de fotografias em livros

didáticos, ainda encontra-se problemas quanto à impressão de baixa qualidade das

imagens, falta de escala de proporção e ausência de legenda.

Ainda que não tenhamos localizado pesquisas que tratam especificamente da

fotografia na educação em ciências para surdos, consideramos que os estudos permitem

visualizar tal possibilidade. Conforme foi dito anteriormente, um dos problemas da

educação em ciências para surdos é a falta de sinais em Libras para muitos conceitos

que compõem o léxico desse componente curricular. Dessa forma, a fotografia pode

ajudar o surdo a visualizar algumas questões relativas às ciências bem como possibilitar

forma de enunciação diante de problemas do mundo físico e social, incluindo a própria

luta do movimento dos surdos.

2.4. Fotografia como prática de enunciação pelo surdo

A hegemonia do ovintismo é criticada por pesquisadores do campo dos estudos

surdos (QUADROS, 2004; PERLIN, 2015, PERLIN E STROBEL, 2009; PERLIN E

MIRANDA, 2011, STROBEL, 2016). Ainda hoje buscam-se meios pedagógicos para

fazer com que o surdo leia, escreva e, se possível, fale em Português. Assim, a Língua

dos surdos é vista como instrumental para o aprendizado da língua escrita que permite o

acesso aos conteúdos do currículo escolar. A escrita é apresentada, portanto, como o

único caminho para alcançar a cultura erudita. O processo de interação do estudante

surdo com a cultura passa, necessariamente, pela mediação do intérprete.

A preocupação exacerbada com o desenvolvimento da leitura e da escrita em

Português restringe as possibilidades de desenvolvimento integral do estudante surdo.

Os artefatos culturais do povo surdo são ignorados negando-lhes as possibilidades de

uso de outras formas de expressão e de enunciação. Por essa razão o movimento dos

surdos defende a Pedagogia dos surdos. Essa pedagogia é caracterizada pela valorização

da língua de sinais, pelo reconhecimento de que a educação de surdos demanda práticas

pedagógicas que leve em conta a identidade cultural dos surdos, pela preparação dos

espaços educativos para a diferença, pelo incentivo ao desenvolvimento da experiência

64

visual, por meio de recursos tecnológicos que valorizam a interpretação a partir de

imagens (PERLIN e MIRANDA, 2011).

Pensar em diferentes formas de ensinar e aprender considerando

diferentes formas de pensar, de expressar, de ver o outro, nos

redimensiona e nos provoca no sentido de busca e de encontro. Os

efeitos de modalidade provocam novos olhares sobre a pedagogia. As

línguas de sinais nos contextos em que são usadas pelas pessoas

surdas apresentam diferentes vieses de uma possível pedagogia, a

pedagogia visual. Podemos brincar, podemos ler, podemos sentir,

podemos perceber o mundo, podemos aprender, podemos ensinar

através do visual que organiza todos os olhares de forma não auditiva

(QUADROS, 2004, p. 12).

Do nosso ponto de vista, a fotografia é artefato cultural que potencializa

educação de surdos porque instiga a curiosidade, a criatividade, a capacidade de

interpretação e o desejo de se manifestar por meio de imagens. Em outras palavras,

defendemos a fotografia como uma prática de enunciação dos surdos. Para tanto,

buscamos amparo em Certeau (1994, 2012) por considerar que esse teórico relativizou a

noção de verdade, suspeitou da objetividade, criticou a hierarquias nas instituições do

saber, defendeu a entrada das minorias linguísticas nas universidades, evidenciou a

cultura no plural e colocou em dúvida os modelos padronizados de ensino. Ele

interessou-se não pela cultura erudita, mas especialmente pela invenção do cotidiano, ou

seja, pelas criações anônimas dos praticantes da cultura.

Para ressaltar a importância da obra de Certeau neste estudo reiteramos aqui as

palavras usadas por Luce Giard utilizou na apresentação do livro “A invenção do

cotidiano: artes de fazer”.

Em Michel de Certeau são sempre perceptíveis um elã otimista, uma

generosidade da inteligência e uma confiança depositada no outro, de

sorte que nenhuma situação lhe parece a priori fixa ou desesperadora.

Dir-se-ia que, sob a realidade maciça dos poderes e das instituições e

sem alimentar ilusões quanto a seu funcionamento, Certeau sempre

discerne um movimento browniano de micro-resistências, as quais

fundam por sua vez microliberdades, mobilizam recursos insuspeitos,

e assim, deslocam as fronteiras verdadeiras da dominação dos poderes

sobre a multidão anônima. Certeau fala muitas vezes desta inversão e

subversão pelos mais fracos, por exemplo, a propósito dos indígenas

da América do Sul, submetidos à cristianização forçada pelo

colonizador hispânico. Parecendo por fora submeter-se totalmente e

conformar-se com as expectativas do colonizador, de fato

“metaforizavam a ordem dominante” fazendo funcionar as suas leis e

suas representações “num outro registro”, no quadro de sua própria

tradição (p. 18).

65

Assim como Certeau, consideramos que as práticas culturais, tais como as da

cultura dos surdos, são “artes de fazer” que, ao mesmo tempo, são exercidas e burladas

pelas micro-resistências e micro-liberdades. Nesses processos as minorias podem

defender suas manifestações linguísticas posicionando-se contra a hegemonia da língua

e da cultura dos grupos dominantes. Isso implica em fazer uso de várias formas de

enunciação.

Na perspectiva da enunciação [...] privilegia-se o ato de falar: este

opera no campo de um sistema linguístico; coloca em jogo uma

apropriação, ou uma reapropriação, da língua dos locutores; instaura

um presente relativo a um momento e a um lugar; estabelece um

contrato com o outro (o interlocutor) numa rede de lugares e de

relações. Estas quatro características do ato enunciativo poderão

encontrar-se em muitas outras práticas (Caminhar, cozinhar, etc.)

(CERTEAU, 1994, p 40. Destaques do autor).

Consideramos que a fotografia pode ser uma prática de enunciação pelo surdo

porque ela é uma linguagem, um modo diferente de escrever (pela luz), de falar, de

comunicar, de produzir discursos e conhecimentos. Ela possibilita um encontro com

imagens que instigam a produção de sentidos, ideias, palavras, posicionamentos e de

histórias, sem as amarras da lógica da racionalidade técnico-científica.

A linguagem fotográfica pode ser apropriada e reapropriada por ouvintes e

surdos, pois ela opera no campo de uma manifestação simbólica. Ela permite falar do

passado e do presente, de acontecimentos/contextos comuns e também dos inusitados,

obliterados, negados. Ela estabelece contrato direto entre o autor da imagem e o

interlocutor, pois a sua produção é mediada pela câmera fotográfica. Assim, a

produção/interpretação da fotografia pelo surdo se dá de forma autônoma, não demanda

mediação do intérprete de libras. O surdo pode participar livremente de redes de

relações sem limites espaço-temporais e sem barreiras linguísticas.

Acreditamos que a fotografia potencializa a pedagogia dos surdos, pois, abre

novas outras possibilidades para o olhar, para a leitura, interpretação, para a escrita

ampliando os sentidos daquilo que é vivenciado pela experiência visual dos surdos. Ela

pode se constituir em um “discurso visual” (MACHADO, 1998) elaborado com apoio

da tecnologia e com base na subjetividade do fotógrafo. Reiteramos, portanto, a

proposta de Wunder (2006):

Pensemos nas fotografias como um discurso visual mediado pelas

subjetividades daqueles que fotografam e daqueles que observam

fotografias, que foquemos nossa atenção para os contradisparos das

fotografias [...] que nos desloquemos da idéia da fotografia como arte

66

de captar para a idéia de arte de soltar, como se a cada disparo da

máquina fosse o fotógrafo que se esvaísse em disparada, como se

através do obturador aberto, ele se permitisse um vôo cego, mergulho

de se expor (p. 4 – 5).

Ao fazermos a defesa do uso da fotografia na educação em ciências naturais

estamos argumentando que ela possa ser utilizada como um instrumental metodológico

que permite revelar a verdade dos fatos do mundo físico e social em substituição aos

conceitos veiculados pela escrita. Entendemos que uma imagem não pode ser explicada,

dessecada até que ganhe conformidade com os padrões de conhecimento instituídos pela

escola. O exercício da leitura do olhar do outro e da leitura do próprio olhar mobiliza

experiências e sentidos pessoais e coletivos. Cada registro fotográfico é um olhar único

e é interpretado sob o olhar único de cada observador. No entanto, pensamos

[...] na fotografia como aquilo que se cria como resto, como objetos

simbólicos que dão certa materialidade há o que insiste em esvair,

como restos do que foi, do que não foi, do que poderia ter sido, do que

se deseja que seja. Talvez, poderíamos pensar na fotografia como

aquilo que deseja ser realidade, que busca dar materialidade às luzes

fugazes que continuam no espaço em destino infinito. Buscam criar

um outro mundo... uma aspiração (WUNDER, 2006, p. 13).

Em suma, pensamos que a fotografia pode ser usada pelos surdos para produzir

outras formas e olhar, de escrever e de enunciar textos imagéticos em vários campos do

conhecimento sem submetê-las à análise e interpretação, assumida como possível e

verdadeira nas apresentações do cotidiano (AMORIM, apud WUNDER, 2006, p. 11).

Apostamos, portanto, na relação entre subjetividade e objetividade, entre informação e a

imaginação que caracterizam o ato de fotografar. Assim, os surdos podem fazer das

imagens sinais que lhes faltam.

67

68

CAPÍTULO 3

Extensão universitária como rede de conversação

Nosso conhecimento não era de estudar em livros. Era de pegar de apalpar de ouvir e de outros sentidos.

Seria um saber primordial?

Manoel de Barros

Caminhos... Este é o nome da série de fotografias que abrem este capítulo. O

conjunto que compõem esse mosaico de fotografias foi produzido por estudantes

surdos, em uma das atividades do projeto de extensão universitária que foi denominado

“Rede de estudos e colaboração para inclusão social e desenvolvimento da cultura

científica”. Conforme consta na apresentação desta dissertação, esse projeto foi

desenvolvido pela UFMT, com financiamento do Programa Novos Talentos da Capes.

Daí o cognome Projeto Novos Talentos (PNT).

Levando em conta que esta dissertação versa sobre o uso de fotografia na

educação em ciências naturais para estudantes surdos, no contexto do PNT, nós

julgamos ser necessário dedicar este capítulo a descrição e análise de atividades e

experiências desenvolvidas no referido projeto em relação à temática. Os dados aqui

apresentados foram extraídos de documentos do PNT (Projeto e relatórios) e de

relatórios de atividades da escola CEAADA relativos ao citado projeto. Antes de

apresentar a descrição e análise dos dados tecemos algumas considerações sobre o

entendimento que temos de extensão universitária e de inclusão.

3.1. Extensão universitária numa via de mão dupla

No ocidente, a universidade surgiu na Idade Média como um espaço de cultivo

da cultura erudita. A partir do Iluminismo a universidade abarcou também um viés mais

pragmático voltado à aplicação de conhecimentos científicos no processo de

69

modernização da sociedade e à preparação de mão de obra para o mercado. Poderes

políticos, financeiros, industriais passaram a exercer influências sobre ela afetando a sua

autonomia. Dessa forma, o saber criou relações mais fortes com o poder político-

econômico que manteve o controle sobre os processos de produção e de socialização da

cultura científica. Para garantir os privilégios dos grupos dominantes a universidade

manteve rígido controle dos processos de seleção e de formação dos estudantes

universitários.

A modernidade trouxe consigo mudanças na estrutura social como, por exemplo,

a expansão do acesso à escola, assumida como uma política do Estado. A gratuidade do

ensino básico desencadeou um processo de entrada maciça das classes médias na

educação superior. A universidade se viu forçada a enfrentar um problema: conciliar seu

projeto de instituição interessada na produção e difusão da cultura científica com as

demandas das massas que nela adentravam. Ela deveria, portanto, se transformar.

Para se tronar outra, deveria satisfazer uma condição prévia: produzir

essa cultura em uma língua que não seja estranha à grande maioria,

algo impensável em um meio em que a menor veleidade de simplificar

a ortografia provoca uma avalanche de protestos vindos de todas as

partes (CERTEAU, 2012, p. 11).

O rompimento com a ortodoxia significava modificar a relação do ensino com a

cultura. Se a tradição primava pela valorização de conhecimentos considerados nobres e

bem estabelecidos, as mudanças exigidas pela dinâmica social impeliam a universidade

a adotar procedimentos do ensino voltados à cultura de massas.

Ao analisar o processo de modernização da universidade Certeau (2012)

identificou duas correntes que delinearam o funcionamento dessa instituição: a realista e

a cultural. A realista viu “nos produtos escolares um valor de troca, e não um valor de

uso. Ela faz da universidade um meio de obter vantagens sociais. Sob essa perspectiva

os estudantes aceitam a guilhotina do exame ou o formalismo do ensino” (p. 131). A

cultural buscou criar um espaço mais democrático adequando o ensino universitário aos

interesses e necessidade de estudantes trabalhadores e de mulheres casadas. O intento

era promover um desvio político por meio de relações mais livres e mais complexas

com a sociedade, “sob a forma de demandas e de ofertas cada vez mais desordenadas”

(CERTEAU, 2012, p. 132).

70

O desenvolvimento dos meios de comunicação de massa (especialmente a

televisão) foi visto por Certeau como um fator que afetou a escola, enquanto espaço do

poder cultural.

A escola não tem mais a mesma relação com o poder. Ela atua, a partir

de então, em dois quadros. Permanece uma instituição do Estado,

delegada pelo governo, para difundir um modelo cultural definido

pelo centro. Por outro lado, está em uma posição ao mesmo tempo

ameaçada e crítica com relação à cultura que difundem os meios de

comunicação de massa etc. Essa ambivalência pode constituir um pólo

de resistência (que não é necessariamente contestador). De fato, entre

os professores, desenvolve-se um espírito crítico. Este diz respeito, em

primeiro lugar, à sua posição sociológica: é o resultado ideológico da

sua situação de marginalizados. Os docentes não estão mais no centro

da cultura, mas nas suas bordas. Embora ainda dependam da função

de uma estrutura estática, podem encontrar assim o meio de tomar

distância com relação ao imperialismo doravante vulgarizado pela

publicidade ou pela televisão etc. Uma pluralidade de pontos culturais

de referência pode, desse modo, ser garantida (CERTEAU, 2012, p.

139).

Outro aspecto da educação do nosso tempo destacado pelo referido teórico é a

multilocação da cultura. A cultura se mantém vinculada ao poder, mas não é possível

indicar um setor particular na sociedade capaz de fornecer a todos as referências

culturais demandadas (CERTEAU, 2012, p. 142). No mundo globalizado,

a homogeneização das estruturas econômicas deve corresponder a

diversificação das expressões e das instituições culturais. Quanto mais

a economia unifica, mais a cultura deve diferenciar. Não é certo que

cheguemos a isso, nem mesmo que caminhemos efetivamente nesta

direção. Mas será possível pretender de outro modo que, em última

análise, o significado da existência seja idêntico às formas múltiplas

que o homem corre o risco de ser? É uma prática significativa. Ela

consiste não em receber, mas em exercer a ação pela qual cada um

marca aquilo que outros lhe dão para viver e pensar (CERTEAU,

2012, 143).

Reconhecer não existe um centro de produção da cultura significa que ela [a

cultura] precisa ser compreendida no plural. Da mesma forma, a língua também precisa

ser pensada no plural. “Esse presente deve fazer parte do ensino, se quisermos fazer

uma análise adequada à experiência lingüística da comunicação” (CERTEAU, 2012).

Concordamos com esse teórico quanto ao entendimento de que ainda que cada

instituição educativa seja um lugar de intercâmbios linguísticos o ensino rejeita as

diferenças reconhecendo apenas um modo de falar e de escrever: aquele que é

reconhecido como padrão, ou seja, aquele é adotado pelos ouvintes letrados. “Os outros

71

são apenas bastardos, sem posição social e sem legalidade científica” (CERTEAU,

2012, p. 125).

Na perspectiva de Santos (2005) o modelo de universidade referenciado na

lógica da modernidade que valorizou a cultura dos grupos dominantes está em crise. A

própria ciência moderna está em crise em função dos abalos internos na racionalidade

técnico-científica e das evidências de relações entre ciência e poder político econômico.

O conjunto de problemas enfrentados pela ciência põe em suspeição a ideia de

legitimidade da ciência afetando, por conseguinte, a universidade enquanto espaço de

produção, de ensino e de socialização de conhecimentos. Diante da crise instaurada, o

autor chama atenção para a necessidade de a universidade promover mudanças

demandadas pela sociedade pós-moderna. Coadunamos com o autor quanto ao

entendimento de que há necessidade de revisão da concepção de universidade,

sobretudo no que diz respeito aos seus pressupostos e à democratização do acesso a

educação superior.

A universidade não só participou na exclusão social das raças e etnias

ditas inferiores, como teorizou a sua inferioridade, uma inferioridade

que estendeu aos conhecimentos produzidos pelos grupos excluídos

em nome da prioridade epistemológica concedida à ciência. As tarefas

da democratização do acesso são, assim, particularmente exigentes

porque questionam a universidade no seu todo, não só quem a

frequenta, como os conhecimentos que são transmitidos a quem a

frequenta (SANTOS, 2005, p.53).

O grande desafio da universidade no século XXI é fortalecer seu compromisso

ético-político com a sociedade. Isso exige reconhecer que:

o profissional a ser formado é antes de tudo um ser humano, que

precisa tornar-se sensível à dignidade humana bem como um cidadão

que precisa se comprometer com a democratização das relações

sociais, dotando-se de uma nova consciência social. E pouco importa

qual seja sua área de profissionalização (SEVERINO, 2009, p.262).

Na opinião de Santos (2005), o compromisso social da universidade pode ser

potencializado pela extensão universitária, desde que o objetivo prioritário seja “o apoio

solidário na resolução de problemas da exclusão e da discriminação sociais e de tal

modo que nele se dê voz aos grupos excluídos e discriminados” (p. 54).

Essa perspectiva foi expressa no Plano Nacional de Extensão Universitária

produzido, em 1999, pelo Fórum de Pro-Reitores de Extensão das Universidades

Públicas Brasileiras (FORPROEX). Trata-se de uma proposição política que dá outros

72

sentidos à extensão. Apesar de não haver uma única definição para esse termo busca-se

superar a ideia de extensão como prestação de serviços e difusão de conhecimentos

considerados úteis à comunidade. Argumenta-se em favor do reconhecimento de que:

A Extensão Universitária é o processo educativo, cultural e científico

que articula o Ensino e a Pesquisa de forma indissociável e viabiliza a

relação transformadora entre Universidade e Sociedade. A Extensão é

uma via de mão-dupla, com trânsito assegurado à comunidade

acadêmica, que encontrará, na sociedade, a oportunidade de

elaboração da praxis de um conhecimento acadêmico. No retorno à

Universidade, docentes e discentes trarão um aprendizado que,

submetido à reflexão teórica, será acrescido àquele conhecimento.

Esse fluxo, que estabelece a troca de saberes sistematizados,

acadêmico e popular, terá como conseqüências a produção do

conhecimento resultante do confronto com a realidade brasileira e

regional, a democratização do conhecimento acadêmico e a

participação efetiva da comunidade na atuação da Universidade. Além

de instrumentalizadora deste processo dialético de teoria/prática, a

Extensão é um trabalho interdisciplinar que favorece a visão integrada

do social (FORPROEX, 1999, p. 2).

O Plano define um conjunto de conhecimentos e referências para qualquer ação

de extensão: Relação social de impacto, Bilateralidade, Interdisciplinaridade,

Indissociabilidade ensino, pesquisa e extensão. Essas referências se expressam em

alguns dos objetivos apontados no documento:

1) Reafirmar a extensão universitária como processo acadêmico

definido e efetivado em função das exigências da realidade,

indispensável na formação do aluno, na qualificação do professor e no

intercâmbio com a sociedade; 2) Assegurar a relação bidirecional

entre a universidade e a sociedade, de tal modo que os problemas

sociais urgentes recebam atenção produtiva por parte da universidade;

3) Dar prioridade às práticas voltadas para o atendimento de

necessidades sociais emergentes, como as relacionadas com as áreas

de educação, saúde, habitação, produção de alimentos, geração de

emprego e ampliação de renda; 4) Estimular atividades cujo

desenvolvimento implique relações multi,inter e/ou transdisciplinares

e interprofissionais de setores da universidade e da sociedade

(BRASIL, s/d p. 3).

A acepção de que a extensão universitária é uma via de mão dupla entre a universidade

e a sociedade difere significativamente da ideia de extensão como expansão unidirecional de

ações da universidade para fora do seu entorno. Não se trata de distribuir à sociedade migalhas

da cultura acadêmica por meio de cursos rápidos e/ou de serviços prestados. É um

posicionamento político que reconhece o valor de outros saberes e a existência de outros

espaços de poder. Fundamenta-se no diálogo e imiscui na luta pela justiça, pela solidariedade

e pela democracia.

73

Esta conceituação inicia por colocar a Extensão no campo acadêmico.

A Extensão é processo educativo e científico, ao fazer extensão

estamos produzindo conhecimento, mas não qualquer conhecimento,

um conhecimento que viabiliza a relação transformadora entre a

Universidade e a Sociedade e vice-versa. Uma extensão que é

experiência na sociedade, uma práxis de um conhecimento acadêmico,

mas que não se basta em si mesmo, pois está alicerçada numa troca de

saberes, popular e acadêmico, e que produzirá o conhecimento no

confronto do acadêmico com a realidade da comunidade (SERRANO,

s/a, p. 11).

Neste estudo reiteramos o entendimento de que a extensão é uma via de mão

dupla, um lugar de passagem, de troca, de experiência. Um entre lugar onde o saber e o

poder não pertencem a ninguém. Por essa razão nós adotamos a ideia de extensão como

rede de conversação.

O conceito de rede se relaciona com a topologia que, ao contrário da

geometria, focaliza apenas, no objeto estudado, suas propriedades

mais simples, e por isso mais dramáticas, desconsiderando uma série

de fatores, como medidas de largura, altura ou profundidade. Por isso

seus objetos são ditos de geometria variável. Sendo a rede um desses

objetos, não importam suas dimensões. Pode-se aumentá-la ou

diminuí-la sem que perca suas características de rede, pois ela não é

definida por sua forma, por seus limites externos, mas por suas

conexões, por seus pontos de convergência de bifurcação. Por isso a

rede deve ser entendida com base numa lógica das conexões, e não

numa lógica das superfécies (FERRAÇO e CARVALHO, 2013, p.

143 - 144).

Ao adotarmos essa perspectiva teórica seguimos os ensinamentos do poeta

pantaneiro Manoel de Barros. Consideramos que o conhecimento não está somente nos

livros. Ele esta na disposição para tocar, pegar, apalpar, ouvir e dar outros sentidos.

Seria um saber primordial? (BARROS, 2010).

3.2. Quando a extensão se configura como uma rede, quem são os incluídos?

Conforme explicam Ferraço e Carvalho (2013), uma rede não é definida por sua

forma, por seus limites externos, mas por suas conexões, por seus pontos de

convergência e de bifurcação. É o primado da linha sobre a forma. Portanto, numa rede

não há como situar o saber e o poder. Não há possibilidade de indicar acima ou baixo,

dentro e fora, incluído e excluído. Ser incluído é “ser respeitado nas suas diferenças e

não ter de se submeter a uma cultura, a uma forma de aprender, a uma língua que não é

a sua” (GÁRDIA VARGAS, apud STROBEL, 2016, p. 119). A inclusão é, portanto,

74

um movimento político que reconhece o direito de ser diferente em qualquer espaço ou

tempo.

Em se tratando da educação de surdos a inclusão implica no reconhecimento de

que o povo surdo adota língua, identidade e cultura que diferem das referências dos

ouvintes. Strobel (2016), com base em suas experiências enquanto estudante surda

apresenta uma série de relatos que indicam problemas na inclusão quando a identidade

dos surdos é obliterada. Citamos aqui uma das narrativas dessa autora:

Uma vez entrei na sala de aula e todos entregaram trabalho para o

professor; eu fiquei surpresa e perguntei: “que trabalho”? Os colegas

disseram que o professor avisou verbalmente na última aula, só que

ninguém se lembrou de me avisar. Isso também aconteceu com as

provas marcadas e depois, na hora, me dava mal por não ter estudado.

[...] quando me cobravam a leitura labial, eu arrumava todas as

“desculpas” possíveis para escapar daquela situação, inclusive, disse

uma vez que o professor tinha bigode enorme e por isso eu não

entendia. A direção obrigou-o a tirar o bigode, o que ele fez, e fiquei

muito sem graça porque continuei não entendendo e, para piorar, ele

ficou horrível com os lábios muito finos. Então, a partir daí, desde a

infância até a faculdade, comecei a fingir que entendia tudo

(STROBEL, 2016, p. 127).

O reconhecimento do direito de ser diferente explica porque o movimento dos

surdos defende a adoção de uma pedagogia que leve em conta a identidade e a cultura

do povo surdo. Essa proposição expressa no documento “A educação que nós, surdos,

queremos” produzido pela Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos –

FENEIS. Os pressupostos dessa proposição do movimento dos surdos fundamentam a

proposta de Pedagogia dos surdos defendida por pesquisadores surdos da área da

educação (PERLIN e STROBEL, 2009; PERLIN e MIRANDA, 2011).

Esses autores consideram que a política de inclusão escolar de surdos não afetou

a hegemonia da cultura ouvintista na escola. Mesmo em tempos de reconhecimento de

que existe uma língua brasileira de sinais as relações de desigualdade lingüística se

mantêm no campo da comunicação pedagógica.

Isso quer dizer que a reivindicação cultural não é um fenômeno

simples. O caminho tomado é seguido normalmente por um

movimento que resgata sua autonomia e exumar, sob a manifestação

cultural que corresponde a um primeiro momento de tomada de

consciência, as implicações políticas e sociais que aí se acham

envolvidas. Isso não significa, no entanto, eliminar a referência

cultural, pois a capacidade de simbolizar uma autonomia no nível

cultural permanece necessária para que surja uma força política

75

própria. Porém é uma força política que vai conferir à declaração

cultural o poder de realmente se afirmar (CERTEAU, 2012, p. 148 –

149).

Consideramos, portanto, que a inclusão exige reconhecimento de que “a língua

é um meio, não é o fim em função do qual se deve definir tudo. A verdadeira língua é a

política” (2012). Em outras palavras, o respeito ao direito do surdo de ser diferente é um

posicionamento político fundamental para que a inclusão ocorra.

Esses pressupostos serviram como referência para o desenvolvimento das nossas

análises sobre o uso de fotografias na educação na educação em ciências naturais para

estudantes surdos, no contexto do projeto de extensão universitária que foi campo deste

estudo. Para desenvolver tais análises foi necessário tecer algumas considerações sobre

tal projeto dando destaque às atividades relativas ao uso de fotografias na educação.

3.3. Projeto Novos Talentos/UFMT/CAPES: uma rede de conversação

O Projeto Rede de estudos e colaboração para Inclusão Social e

desenvolvimento da cultura científica foi aprovado no Programa Novos Talentos da

Capes, Edital 055/2012, como Projeto nº: 67049. Sua vigência foi prevista para o

período compreendido entre setembro de 2013 e setembro de 2015. Diante da avaliação

positiva do projeto a equipe proponente solicitou a prorrogação para mais um ano,

sendo aprovada pela Capes.

Conforme foi expresso no título do Projeto Novos Talentos, seu objetivo geral

foi criar uma rede estudos e colaboração a fim de desenvolver ações extracurriculares

que favorecessem a inclusão social e desenvolvimento da cultura científica. Nessa

perspectiva foram definidos os seguintes objetivos específicos:

- Promover situações de estudos e debates sobre cientificidade,

produção e socialização da cultura científica na sociedade

contemporânea articulando universidade e escola de educação básica

com reflexos positivos para os dois níveis de ensino;

- Fomentar o uso das tecnologias da informação e da comunicação no

estudo de questões relativas aos vários campos do conhecimento que

integram currículos da educação básica e da educação superior;

- Promover atividades que potencializem o desenvolvimento de

estudos, debates e produção e socialização de conhecimentos sobre o

tema “Aguas em Mato Grosso” reconhecendo o protagonismo de

professores e estudantes da educação básica e da educação superior

nesses processos;

76

- Organizar visitas de estudantes e docentes da educação básica a

espaços inovadores existentes na UFMT, especialmente a laboratórios,

museus, herbário e centros avançados na perspectiva de fomentar o

surgimento de novos talentos no campo da produção e socialização da

cultura científica;

- Promover seminários com a finalidade de possibilitar debates,

apresentação de trabalhos e avaliação sobre as atividades

desenvolvidas em cada um dos subprojetos abrindo espaço para o

pronunciamento e atuação de estudantes e professores da educação

básica;

- Fomentar a Produção de metodologias, estratégias e materiais

didáticos inovadores, visando à melhoria da qualidade da educação;

- Criar estratégias que permitam a inclusão de estudantes surdos neste

projeto;

- Possibilitar a mobilidade de professores da educação básica (viagens

orientadas) a centros de referência em ciência e tecnologia existentes

no Brasil (UFMT, 2012).

No âmbito da UFMT a rede assumiu um caráter interdisciplinar sendo

constituída por 15 docentes, 10 estudantes da pós-graduação e 12 estudantes da

graduação de diversos campos do conhecimento (Pedagogia, História, Geografia,

Química, Biologia, Geologia, Engenharia Sanitária, Comunicação Social). No âmbito

da educação básica, o projeto envolve 25 professores, 125 estudantes contemplando

cinco escolas parceiras: E.E. Nilo Povoas, E.E. Professor Fernando Leite de Campos,

E.E. Pascoal Ramos, E.E. Marechal Candido Rondon (situada na Gleba Coqueiral, em

Nobres) e Centro Estadual de Atendimento e Apoio ao Deficiente Auditivo Profª. Arlete

P. Miguelette (CEAADA). Envolveu ainda cinco profissionais da coordenadoria do

ensino médio da Secretaria de Estado de Educação (SEDUC). A participação de

estudantes surdos no projeto foi assumida como uma política de inclusão.

Em 2016, ano que correspondeu a pesquisa de campo deste estudo, o CEAADA

atuava na educação de estudantes surdos da educação básica, bem como da educação

infantil. Além disso, a escola também oferecia também cursos de Libras destinados

especialmente à capacitação de professores que atuavam com crianças surdas e à

comunidade escolar. Para desenvolver suas atividades o CEAADA contava com uma

equipe multidisciplinar constituída por profissionais das seguintes áreas:

fonoaudiologia, psicologia, serviço social e psicopedagogia.

O PNT expressou entendimento de que a configuração da extensão universitária

como uma rede de conversação potencializa tanto a educação básica como a educação

superior, pois abre espaço para o diálogo sobre questões educativas, para a troca de

experiências e para a busca conjunta de alternativas para os desafios enfrentados na

77

educação. Nesse sentido, o projeto foi organizado em três subprojetos: 1. Cibercultura:

a produção e circulação da cultura científica; 2. Tecnologias da informação e da

comunicação: potenciando novos talentos para uma nova cultura científica; 3.

Diálogos entre pesquisa e ensino: em pauta as águas em Mato Grosso. Cada um desses

subprojetos foi coordenado por um docente vinculado a um programa de pós-graduação.

O coordenador de cada subprojeto assumiu a tarefa de articular o trabalho dos

docentes e dos estudantes (monitores) para o desenvolvimento de seminários, oficinas,

minicursos que trataram da ciência e da educação em ciências (no plural), em interfaces

com a cultura.

Para manter coerência com a configuração em rede as atividades do PNT foram

realizadas em diversos espaços da UFMT (laboratórios, museus, salas de aulas de

diversos institutos/faculdades), nas escolas parceiras, em áreas públicas (bairros, ruas,

áreas de preservação ambiental) e também em outros espaços alocados. Cada espaço foi

definido de acordo com os objetivos e as características das atividades. Cada escola

parceira foi motivada a elaborar projetos educativos que mantivessem relações entre

suas proposições curriculares e as do PNT. (O conjunto das atividades desenvolvidas foi

sumariado no Anexo 1 desta dissertação).

As atividades que envolvem estudantes e professores da educação básica

ocorreram de acordo com o cronograma elaborado em consonância com o calendário

letivo das escolas parceiras e com a disponibilidade da equipe proponente

(coordenadores, monitores e palestrantes). Na organização das atividades foi levada em

conta também a disponibilidade de espaços e de transportes de estudantes da educação

básica.

A articulação entre o conjunto das atividades desenvolvidas nos três subprojetos

e no contexto de cada escola parceira foi buscada pela adoção do mesmo eixo temático:

“Águas em Mato Grosso”. Partiu-se do entendimento de que o tema “água” permitiria

abordagem de aspectos históricos, geográficos, biológicos, físicos, químicos,

pedagógicos, artísticos, culturais, etc., favorecendo o diálogo entre os integrantes dos

subprojetos e entre a UFMT e as escolas parceiras. Cada escola parceira foi motivada a

elaborar e desenvolver um projeto de pesquisa sobre o citado tema, mantendo

articulações entre suas atividades curriculares e as atividades propostas pelo PNT. O

78

CEAADA fez opção pelo estudo do Rio Cuiabá, focalizando aspectos históricos e

ambientais.

Na condição de membros da equipe executora do PNT participamos de várias

atividades desenvolvidas relativas aos três subprojetos. De todas as atividades a que

mais despertou nosso interesse foi o uso de fotografia na educação de surdos. Por essa

razão, adotamos essa questão como objeto do nosso estudo no curso de mestrado em

educação. O objetivo precípuo da nossa pesquisa foi analisar experiências vivenciadas

no Projeto Novos Talentos/UFMT/Capes, notadamente no que se refere ao uso de

fotografia na educação em ciências naturais para estudantes surdos. Orientadas por

esse propósito realizamos uma análise de documentos (planos de trabalho e relatórios)

relativos às oficinas Fotografando a Natureza I, II e III (Pinhole) elaborados pela

equipe executora do projeto. Analisamos também os relatórios do Projeto Rio Cuiabá:

Histórias, Memórias, Retratos e Perspectivas que foi elaborado por professores do

CEAADA como uma atividade curricular articulada ao PNT. Tais relatórios referem-se

a duas atividades: “Fotografando o Rio Cuiabá” e “Fotografando o Porto”.

O desenvolvimento dessas atividades foram fundamentadas nos seguintes

princípios:

a educação de surdos exige o protagonismo de estudantes no

desenvolvimento de atividades pedagógicas; o estudante surdo tem o

direito de ter acesso à cultura dos ouvintes; a pesquisa científica

favorece a aquisição de conhecimentos; a fotografia e a produção de

vídeos são recursos que favorecem o aprendizado pelos surdos porque

revelam imagens que podem ser tratadas como textos; o trabalho

interdisciplinar favorece o aprendizado pelo surdo porque estabelece

relações entre diferentes áreas do conhecimento (UFMT-PNT, 2015,

p. 3).

3.4. Fotografando a natureza

Conforme foi apresentado anteriormente, um dos objetivos do PNT foi fomentar

o uso das tecnologias da informação e da comunicação no estudo de questões relativas

aos vários campos do conhecimento que integram currículos da educação básica e da

educação superior. Nesse sentido, o celular foi visto como uma potencialidade para o

processo educativo e não como um problema. A potencialidade refere-se especialmente

ao uso de fotografia como uma linguagem que pode ser utilizada por ouvintes e surdos

79

como uma prática de enunciação: Daí o nome dado à oficina: Fotografando a natureza

numa referência à “grafia pela luz (foto)”.

A concepção de fotografia explicitada nos planos de trabalho e nos relatórios do

PNT coaduna com o entendimento de que “a linguagem fotográfica gera em nós a

sensação de estar à frente de algo que, ao mesmo tempo, está e não está ligado ao que

chamamos de realidade” (WUNDER, 2006, p. 2). Ela fornece dados sobre os lugares, as

pessoas, as épocas e os acontecimentos potencializando interpretações e produção de

sentidos sobre o que é visualizado e retratado por meio de imagens. Todavia, “esse

artefato cultural não pode ser considerado como uma expressão da verdade, porque há

sempre muitas possibilidades de „grafia‟ (pela foto) como também de leitura das

imagens produzidas por meio de fotografia” (UFMT-PNT, 2014b).

3.4.1. Oficina Fotografando a natureza I

Conforme consta no relatório dessa oficina (UFMT-PNT, 2014a) essa atividade

marcou o início das atividades do PNT e teve como propósito integrar membros da

equipe executora do projeto com os 25 professores da educação básica das escolas

parceiras e com os 25 estudantes da escola do campo. Entre os participantes estava

Laura, uma professora surda vinculada ao CEAADA e única pessoa surda da oficina.

A atividade foi realizada na Escola Estadual Cândido Rondon (escola do campo)

situada na Comunidade Coqueiral, em Nobres – MT, de 31 de janeiro a 01 de fevereiro

de 2014. A carga horária dessa oficina foi 16 horas. O transporte dos professores das

escolas urbanas (Fernando Leite, Nilo Póvoas, CEAADA e Pascoal Ramos) foi feito por

um ônibus fretado pela SEDUC. A hospedagem e alimentação do grupo na Comunidade

Coqueiral foram pagas pelo PNT, fato que revela que a parceria envolveu também

questões financeiras.

A coordenadora do PNT abriu os trabalhos explicitando as finalidades e a

dinâmica do PNT. Logo em seguida passou a palavra para o mediador da atividade

(graduado em Comunicação Social), aqui identificado pelo nome fictício de Adelson.

Este apresentou sua equipe e explicitou o Plano de Trabalho.

Partindo do título da oficina “Fotografando a natureza” Adelson explicou que no

PNT a fotografia foi concebida como uma linguagem que pode ser utilizada como uma

forma de comunicação entre o autor da foto e o observador. Daí a importância de zelar

80

pela autoria de cada foto. Em seguida o mediador fez algumas considerações sobre as

seguintes temáticas: história da fotografia; partes de uma máquina fotográfica;

elementos que compõe a linguagem visual da fotografia, como: luz, ângulo, perspectiva,

composição, planos, textura, foco e movimento; leituras de imagens, etc. Valorizou-se a

importância da criatividade para fazer da fotografia uma forma de linguagem e de

expressão.

Após a abordagem de tais questões os participantes foram organizados em

grupos de acordo com as temáticas que foram definidas coletivamente, de acordo com a

orientação de professores da escola Cândido Rondon: nascentes, cavernas, pontos

turísticos, lixo, interações água e solo. Cada grupo produziu um conjunto de fotografias

sobre o tema estabelecido, em espaços fora da escola. O transporte das pessoas de cada

grupo até os pontos escolhidos como espaços para produção das fotografias foi feito por

ônibus escolar e da UFMT. As fotografias foram feitas com celulares e câmeras

fotográficas de acordo com a disponibilidade desses recursos pelos componentes dos

grupos. Vale ressaltar que os estudantes da escola do campo dispunham de celulares

com bons recursos para produção de fotografias, fato que facilitou a realização do

trabalho.

Após os registros fotográficos cada grupo procedeu à seleção de cinco fotos que

deveriam ser apresentadas com indicação do autor e do título. A apresentação das fotos

selecionadas se deu no dia 01/02 como resultado da oficina. O critério de escolha das

fotografias pelo grupo foi as que melhor expressassem a temática trabalhada pelo grupo.

O trabalho envolveu conhecimentos de Tecnologias da Informação e da Comunicação,

sobretudo no que se refere ao manuseio das fotografias digitais e à organização do

material em PowerPoint. Exigiu, portanto, disposição para o trabalho coletivo e para a

conversação sobre “imagens que falam” sobre o tema em pauta.

Apresentamos a seguir algumas fotografias selecionadas na referida oficina

81

Fotografia 1: Balneário da Sebastiana Fotografia 2: Caverna

Autora: Laura Autora: Rosangela

Fotografia 3: Roda d‟água Fotografia 4: Casa na árvore

Autora: Stheffanny Autora: Mariana

No final da oficina os participantes foram motivados a avaliar os trabalhos

realizados. A relevância do uso da fotografia na educação foi realçada por todos os

participantes. Um aspecto que chamou nossa atenção foi a crítica feita pela professora

Laura sobre a indiferença dos participantes ouvintes em relação a ela. A avaliação da

professora foi traduzida por uma professora ouvinte (intérprete de Libras). A professora

Laura explicou que suas tentativas de comunicação com os colegas ouvintes foram

ignoradas pela maior parte deles. Isso lhe causou preocupação, pois, se projeto intentava

incluir estudantes surdos o que estava acontecendo naquela oficina era uma prática de

segregação. Numa fala emocionada e emocionante que arrancou lágrimas dos olhos dos

participantes, a professora surda indagou sobre qual era a concepção de inclusão

adotada no projeto. Os questionamentos feitos pela professora Laura fez com que o

grupo refletisse sobre o sentido de inclusão: “Não significa apenas deixar que o surdo

fique entre os ouvintes. Significa antes de tudo, respeito pelo surdo que não é menos

inteligente, é diferente”. Esse depoimento gerou uma série de indagações: Se o projeto

era uma rede de conversação, quem seria incluído? Onde? Quando?.

82

Os diálogos sobre as questões levantadas pela professora Laura motivaram os

participantes o interesse em aprender sinais básicos que pudessem favorecer a

comunicação entre surdos e ouvintes participantes do PNT. Como encaminhamento,

ficou definido que todos os participantes do PNT deveriam participar de oficinas de

Libras ministradas pelo CEAADA em data a ser definida posteriormente.

Vale ressaltar que durante a vigência do projeto foram realizadas duas oficinas

de Libras no CEAADA, ambas ministradas por professores surdos, com apoio de

estudantes também surdos. Dessa forma, a inclusão foi assumida numa via de mão

dupla: Em algumas atividades os surdos foram incluídos na cultura ouvintes e em outras

os ouvintes foram incluídos na cultura surda.

3.4.2. Oficina Fotografando a Natureza II

A segunda oficina de fotos foi realizada na Associação dos Servidores do Banco

do Estado de Mato Grosso (ASBEMAT), no dia 12 de setembro de 2014, com carga

horária de oito horas. Nessa oficina estiveram presentes cerca de 100 estudantes

(ouvintes e surdos) acompanhados por professores das escolas parceiras urbanas:

CEAADA, Fernando Leite de Campos, Nilo Póvoas e Pascoal Ramos. A dinâmica dos

trabalhos foi a mesma utilizada na oficina ministrada para estudantes da escola do

campo (descrita anteriormente). Os trabalhos foram coordenados pelos mesmos

profissionais da área de comunicação, apoiado por monitores (estudantes da graduação

de diversos cursos). A comunicação com surdos (todos da escola CEAADA) foi

mediada por intérprete de Libras do CEAADA.

Os trabalhos foram iniciados com uma música em Libras que havia sido

ensinada para participantes do PNT, na Oficina de Libras ministrada em 26 de abril de

2014, no CEAADA. Tal oficina foi ministrada pela professora Laura com apoio de

intérprete e de estudantes surdos que atuaram como monitores.

Após a acolhida o monitor da oficina procedeu à apresentação da proposta de

trabalho chamando atenção para o sentido que foi dado à fotografia no PNT, conforme

foi expresso no próprio título da oficina: uma forma de “grafia” da realidade observada.

Foram apresentadas, então, algumas técnicas de fotografia bem como alguns recursos

disponibilizados pelas câmeras de celulares. Posteriormente os estudantes foram

83

organizados em grupos conforme temáticas (Rio Coxipó, Caminhos, Coisas Miúdas,

Lixo). Cada grupo produziu fotografias sobre o tema estabelecido e selecionou 5 fotos

para apresentação em Power Point. Dessa forma, efetivou-se o princípio da conversação

(negociação) e do protagonismo dos estudantes, sobretudo no que se refere à leitura do

ambiente e à enunciação por meio de imagens.

Os grupos foram organizados por escolas em função da necessidade de manter

os estudantes surdos em um mesmo grupo onde havia interpretes de Libras. Partindo da

ideia de que fotografias são formas de “grafar” aspectos da realidade observada foi

proposto que estudantes e professores caminhassem livremente pelo local observando e

fotografassem aspectos relacionados com o tema, fazendo uso de celulares e/ou de

câmeras fotográficas. Foi recomendado que as fotos fossem identificadas pelo

respectivo autor, considerando que se tratava de uma “grafia” pessoal, ou seja, de uma

forma de olhar de comunicar o observado. Foi previsto também que as fotos poderiam

ter autoria coletiva.

Após a produção das fotografias os grupos se reuniram e selecionaram cinco

fotografias que representou o tema trabalhado pelo grupo. Foi solicitado que as fotos

selecionadas fossem apresentadas com indicação do autor, do título, data e com a

logomarca do PNT. No final do dia, cada grupo apresentou as fotos selecionadas que

foram relacionadas com conceitos das ciências naturais, observando a relação/interações

que se processam no ambiente.

Apresentamos a seguir as fotos que foram selecionadas pelo grupo de estudantes

do CEAADA na série que foi denominada “Caminhos”.

Fotografia 5: Pequenos caminhos Fotografia 6: Caminho infinito

Autor: Andryelle Autor: não identificado

84

Fotografia 7: Caminho perigoso Fotografia 8: Caminho do cupim

Autor: não identificado Autor: não identificado

De todas as fotos apresentadas a que mais chamou atenção dos estudantes surdos

foi a de um macaco que morreu eletrocutado na fiação elétrica. Daí o nome da foto:

Caminho perigoso. A partir da observação notamos que os estudantes se mostraram

entusiasmados com o empoderamento que as atividades demandaram. A manipulação

do aparato fotográfico permitiu que estes pudessem estabelecer critérios que nortearam

o olhar para questões de interesses individuais.

Na avaliação dos trabalhos feita pelos participantes foram realçadas as

potencialidades da fotografia na educação em ciência naturais, concebendo-a como uma

forma de linguagem não submetida às normas gramaticais, porém, geradora de sentidos

sobre os aspectos fotografados. Um aspecto que merece destaque foi um relato de um

estudante surdo que, fazendo uso da linguagem de sinais assim enunciou: “de hoje em

diante não vou usar o celular [câmera] só para fazer selfies”. Essa enunciação causou

um sentimento de contentamento na equipe responsável pela realização da oficina

porque deu evidência de que os estudantes deram outro sentido para a fotografia.

Do nosso ponto de vista os relatos apresentados no relatório aproximam em

muitos aspectos do sentido dado à fotografia defendida por Wunder (2008, p. 15):

“como linguagem comunicadora de certas perspectivas, como superfície indiciária que

dá sinais de visão e de apagamentos” do observado. “A fotografia não é só um discurso

que comunica, uma expressão de visões e representações da escola, mas também

contém potencia produtora” (p. 15).

85

As fotos produzidas pelos estudantes foram expostas no Dia do Surdo (26 de

Setembro de 2014) em um shopping Center de Cuiabá, como atividade parte da

comemoração da semana do surdo.

3.4.3. Oficina fotografando a Natureza III: Pinhole

No PNT houve entendimento de que, “em se tratando da educação de surdos a

fotografia amplia a experiência visual, um dos artefatos culturais do povo surdo. Por

essa razão entendemos que ela potencializa a educação do surdo, sendo um recurso

relevante para o aprendizado de ciências naturais” (UFMT-PNT, 2015). Por essa razão,

a escola solicitou uma oficina exclusiva para os estudantes surdos. A oficina foi

realizada no dia 03 de setembro de 2015, em período integral, nas dependências do

CEAADA.

O Plano Pedagógico da Oficina Fotografando a Natureza III foi intitulado

“Protagonismo investigativo: (re)leituras socioambientais por meio de lentes

fotográficas em seus múltiplos sentidos”. A oficina deu destaque à técnica do pinhole.

Por essa razão os trabalhos foram iniciados com diálogos sobre as potencialidades da

linguagem visual no processo pedagógico. Em seguida, foram trabalhadas noções sobre

a história da fotografia estabelecendo relações com a técnica do pinhole. Foram

apresentadas as partes de uma máquina fotografia para explicar o processo de produção

da fotografia. Foram abordados também alguns elementos que compõem essa

linguagem visual, tais como: luz, ângulo, perspectiva, composição, planos, textura, foco

e movimento. Os monitores da oficina deram destaque para a importância da

observação, da criatividade e da intencionalidade do uso da fotografia, lembrando que

elas podem falar por nós. Como disse o poeta pantaneiro, “imagens são palavras que

nos faltaram” (BARROS, 2010).

O objetivo geral foi “desenvolver estudos práticos que proporcionem o

conhecimento acerca do registro de imagens fotográficas como recurso pedagógico na

educação de surdos” (UFMT-PNT, 2015). Para alcançar esse escopo foram definidos os

seguintes objetivos específicos:

Conhecer os princípios básicos de composição visual e aplicá-los à

fotografia; Promover releituras socioambientais; Explorar recursos da

máquina fotográfica digital e a técnica do pinhole; Reconhecer a

86

importância dos fundamentos da linguagem visual para a realização de

obras visuais. Salvar e gerenciar arquivos no Windows Explorer;

Reconhecer e valorizar a importância da fotografia como linguagem

documental e artística. Realizar registro fotográfico a partir da

realidade contextualizada do ambiente socioambiental (UFMT-PNT,

2015, p. 4).

O cenário para a produção de fotografias foi a Casa Cuiabana, espaço cultural

localizado ao lado da escola de surdos. Conforme informações apresentadas por um

funcionário da Casa Cuiabana a arquitetura do prédio remete à Cuiabá do século XVIII,

no antigo caminho dos pescadores. O espaço atual contempla as ruínas de uma chácara

denominada Deidâmia. Os estudantes puderam ver detalhes das paredes da antiga

construção colonial em taipa e adobe, sobre alicerces em pedra canga. O aspecto que

mais chamou atenção dos estudantes surdos foi o local onde os escravos eram

amarrados e colocados sob tortura.

Os estudantes foram motivados também a observar a arquitetura do casarão

colonial que é chamado na atualidade de Casa Cuiabana. A fachada principal apresenta

uma porta e cinco janelas de madeira. A lateral (Travessa Frei Ambrósio) também tem

outras cinco janelas. Foram motivados também a observarem detalhes dessa edificação,

sobretudo, no que diz respeito à manutenção da ambiência de um quintal cuiabano

tradicional. Trata-se de um espaço cultural de uso múltiplo onde foi instalado um teatro

de arena propiciando mais uma alternativa para os grupos artísticos regionais. A Casa

Cuiabana ou "Chácara de Deidâmia", como era conhecida, constitui um dos mais

expressivos exemplares arquitetônicos da Cuiabá do séc XVIII. A partir de 1° de Junho

de 1983, ela passou a fazer parte do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado de Mato

Grosso.

Antes da visita à Casa Cuiabana os estudantes surdos confeccionaram uma

câmera artesanal denominada Pin hole. Os estudantes da graduação que atuaram como

monitores da oficina explicaram (com ajuda de intérpretes), os processos físico-

químicos da produção e revelação da imagem abordando aspectos históricos da

fotografia.

Apresentamos a seguir algumas das fotografias produzidas por estudantes surdos

na referida atividade:

87

Fotografia 9: Muro casa cuiabana Fotografia 10: Muro casa cuiabana 2

Autor: Bruno Autor: Bruno

Fotografia: 11: mangueira Fotografia: 12: muro casa cuiabana 3

Autor: Jenifer, Autor: Jonei,

Notamos que a maior parte das fotos selecionadas deu centralidade às ruínas da

construção antiga. Dados deste estudo apresentados no capítulo quatro indicam que os

estudantes surdos ficaram impressionados com os vestígios da escravidão num local tão

próximo da escola. Nesse sentido, podemos considerar que as fotos das ruínas são

discursos que falam da condição dos escravos na Cuiabá antiga.

Observamos que um dos problemas dessa e de outras oficinas foi a dificuldade

de indicar o autor de cada foto. Isso pode estar relacionado com o fato de que, nem

todos os estudantes dispunham de aparelhos celulares ou câmeras fotográficas. Dessa

forma, os celulares foram compartilhados por vários integrantes dos grupos dificultando

os registros dos respectivos autores das fotos.

As fotografias apresentadas a seguir foram produzidas por câmeras artesanais

denominada pinhole que em inglês significa buraco de agulha. Esse objeto é

88

basicamente uma câmara escura que tem um pequeno orifício em um lado da câmara. O

material sensível à luz (filme ou papel fotográfico) é colocado dentro da lata do lado

oposto ao furinho (que fica tampado até a produção da fotografia).

Fotografia 13: detalhe do pátio da casa cuiabana

Autor: não identificado

Fotografia 14: aluno CEAADA

Autor: não identificado

Fotografia 15: dois alunos do CEAADA

Autor: não identificado

89

A identificação das fotos produzidas com o pinhole também ficou prejudicada

porque não houve cuidado na identificação das latas. Compreendemos que é de suma

importância dar autoria as fotografias que são produzidas, pois, cada autor imprime em

sua fotografia um discurso (enunciação) próprio. Com base em Machado (1997)

consideramos que cada estudante buscou exprimir seus enunciados na forma de textos

imagéticos intencionais, interpretativos e subjetivos, como um tipo de texto como

qualquer outro.

3.4.4. Projeto Rio Cuiabá: Histórias, Memórias, Retratos e Perspectivas

No PNT foi solicitado que cada escola parceira elaborasse um conjunto de

atividades curriculares relativas ao tema “Águas em Mato Grosso”. No caso do

CEAADA, as atividades foram organizadas em torno do projeto Projeto Rio Cuiabá:

Histórias, Memórias, Retratos e Perspectivas. Este projeto que valorizou a fotografia

foi organizado em duas etapas: “Fotografando o Rio Cuiabá” e “Fotografando o Porto”.

A descrição das atividades que seguem foi feita com base no relatório elaborado pela

referida escola.

Na primeira etapa os estudantes surdos foram motivados a desenvolver estudos

sobre o Rio Cuiabá, nas proximidades da Orla Cuiabana, nome dado ao projeto de

revitalização de um pequeno trecho de uma das margens do rio. As obras incluíram a

construção de um calçadão com cerca de 1300 metros, pista de caminhada, áreas de

contemplação do Rio Cuiabá, Mirante, academias ao ar livre e bares ou restaurantes. No total, o

investimento foi de cerca de R$28 milhões.

Na aula de campo nas margens do Rio Cuiabá os estudantes surdos realizaram

observações e registros fotográficos sobre as condições do rio, estabelecendo relações

com os investimentos feitos no projeto orla cuiabana. A produção das fotografias se deu

no dia 06/08/14 nas proximidades do Museu do Rio. Essa atividade foi realizada com a

presença de professores da escola, intérprete de Libras e monitores do PNT.

As fotografias apresentadas a seguir foram consideradas como textos, ou seja,

como uma forma de enunciação pelo surdo sobre as questões observadas.

90

Fotografia 16: Chegada ao local da obra Orla Cuiabana

Autor: não identificado

Para a produção das fotos os estudantes foram organizados em pequenos grupos

encarregados de discutir aspectos que mais chamavam atenção. As questões observadas

foram analisadas com a ajuda dos professores e monitores e posteriormente organizadas

conforme os tópicos destacados a seguir.

Fotografia 17: Características gerais do Rio Cuiabá

Autor: não identificado

O assoreamento do Rio Cuiabá foi um dos aspectos observados. No local foram

visualizados bancos que areia que revelam impactos sobre a profundidade da água e as

dimensões do rio. Foi observado também, pelos estudantes, que a água tem aparência

escura e um cheiro desagradável. Essas questões foram posteriormente discutidas em

sala de aula.

91

Mata ciliar

Quanto a mata ciliar foi observado pelos estudantes surdos, de acordo com o

relatório da escola, que a vegetação que protege o rio é pouca e, em alguns trechos foi

totalmente arrancada.

Fotografia 18: Rio Cuiabá

Autor: não identificado

Presença de poluente (esgoto, lixo, produtos químicos)

Fotografia 19: Margem Rio Cuiabá

Autor: não identificado

92

Fotografia 20: Poluição Rio Cuiabá

Autor: não identificado

No local foi observado acúmulo de lixo revelando descaso pelo rio e pela

qualidade da água.

Fotografia 21: Lixo no Rio Cuiabá

Autor: não identificado

93

Fotografia 22: Utilização do Rio Cuiabá pela população local.

Autor: não identificado

Os estudantes surdos se inquietaram ao saber que a água consumida pela

população de Cuiabá é captada bem próxima ao local onde o esgoto é lançado.

Inquietaram-se também ao observar pessoas pescando no local onde o rio é bastante

poluído. Uma das evidencias dos pontos de pescaria são os caixotes que servem de

suportes para os pescadores.

Um aspecto que motivou muita indagação nos estudantes e professores que

realizaram o estudo foi a constatação de que os investimentos em urbanização e a

paisagismo do projeto Orla Cuiabana incluíam a canalização de um córrego que lança

esgoto in natura diretamente no rio.

Fotografia 23: Projeto Orla Cuiabana

.

Autor: não identificado

94

Em suma, as fotografias produzidas pelos estudantes nos estudos sobre o Rio

Cuiabá podem ser consideradas textos que abordam temáticas ambientais e políticas

públicas que valorizam paisagismo enquanto o Rio Cuiabá está agonizando.

Fotografando o Porto

Após a observação das condições do Rio Cuiabá no contexto do projeto Orla

Cuiabana professores e estudantes do CEAADA foram motivados a buscar informações

sobre a história desse importante rio que deságua no Pantanal de Mato Grosso e que

permite a vida de muitos animais e sobretudo, das populações ribeirinhas. Nesse

sentido, foram realizadas visitas ao Museu histórico de Mato Grosso para saber como

era o Rio Cuiabá no passado.

Fotografia 24: estudantes do CEAADA no APMT

Autor: não identificado

Fotografia 25: estudantes do CEAADA no APMT II

Autor: não identificado

Na visita ao citado museu os estudantes surdos puderam observar fotos antigas

da cidade e aprender sobre a importância do Rio Cuiabá no transporte de pessoas, no

comércio, na alimentação, no abastecimento de água potável, no lazer, etc.

95

Para melhor compreender questões relativas ao Rio Cuiabá no passado e no

presente os estudantes realizaram entrevistas com feirante que trabalham no Centro de

Abastecimento de Alimentos de Cuiabá (Feira do Porto). As entrevistas, gravadas em

vídeo, foram realizadas com a ajuda de intérpretes de Libras.

Fotografia 26: aluno fotografando especiarias cuiabanas

Autor: não identificado

Fotografia 27: detalhe aluno fotografando na feira do porto

Autor: não identificado

Finalizando os trabalhos os estudantes produziram fotografias sobre o bairro do

Porto de hoje, para estabelecer relações com o passado.

96

Fotografia 28: grupo de alunos fotografando bairro Porto

Autor: não identificado

Fotografia 29: detalhes de aluno fotografando bairro Porto

Autor: não identificado

Do nosso ponto de vista essas duas atividades curriculares realizadas pela escola

CEAADA revelam que a fotografia potencializa a educação de surdos porque, conforme

observou Strobel (2016), a experiência visual é um importante elemento na relação do

surdo com a sociedade e com o conhecimento.

Consideramos que na Pedagogia dos surdos a fotografia é um fator

potencializador da enunciação e, portanto, do protagonismo de estudantes e professores

surdos porque lhes dá autonomia na comunicação. A mediação é feita diretamente entre

o surdo e o observador e/ou o autor da foto com o auxílio da máquina, sem demandar o

apoio do intérprete de Libras. Ademais, a fotografia pode ser um poderoso artefato

cultural para produção de fotografias que falam quando faltam palavras.

Em síntese, consideramos que as atividades aqui apresentadas evidenciam que a

fotografia fomenta a criatividade, a curiosidade, a imaginação, a comunicação do surdo

permitindo a compreensão do que disse o poeta pantaneiro: Nosso conhecimento não

era de estudar em livros. Era de pegar de apalpar de ouvir e de outros sentidos. Seria

um saber primordial?

97

98

CAPÍTULO 4

Revelações desta pesquisa

A maior riqueza do homem é a sua incompletude.

Manoel de Barros

Assim como a imagem da página anterior revela um momento da oficina de pin

hole, pretendemos mostrar neste último capítulo experiências vivenciadas no uso de

fotografia na educação de surdos, a partir de narrativas de sujeitos praticantes desse

projeto. Tais narrativas revelam partes de uma história muito mais complexa e completa

do que foi experimentado ao longo dos três anos de vigência do PNT.

Consideramos que as narrativas dos sujeitos entrevistados nesse estudo foram

produzidas a partir de experiências pessoais. Não expressam, portanto, o ponto de vista

de todas as pessoas que participaram do projeto. No entanto, com base nos relatos aqui

apresentados e relatórios produzidos pela escola de surdos podemos considerar que as

experiências foram vivenciadas na acepção defendida por Jorge Larrosa (2016, p. 10).

A experiência é algo que (nos) acontece e que às vezes treme, ou

vibra, algo que nos faz pensar, algo que nos faz sofrer ou gozar, algo

que luta pela expressão, e que às vezes, quando cai em mão de alguém

capaz de dar forma a esse tremor, então, somente então, se converte

em canto. E esse canto atravessa o tempo e o espaço. E ressoa em

outras experiências e em outros tremores e em outros cantos.

O sentido dados à experiência é algo subjetivo. Portanto, a vivência de uma

mesma experiência não produz o mesmo sentido para todos que a vivenciam. Para

alguns a experiência pode ser insignificante. Outros são afetados por ela resultando em

mudanças provisórias. Outros a vivenciam de forma intensa como algo que produz

encantamentos, que provoca tremores e vibrações que alteram o curso da vida

resultando em profundas transformações.

Se a experiência é de natureza pessoal ela não pode ser pedagogizada, nem

didatizada como uma atividade técnica. Dessa forma, os aprendizados ganham mais

99

potência quando as experiências são partilhadas, discutidas e analisadas como “algo que

pertence aos próprios fundamentos da vida” (LARROSA, 2016, p. 13).

É verdade que pensar a educação a partir da experiência a converte em

algo mais parecido com uma arte do que com uma técnica ou uma

prática. E é verdade que, a partir daí, a partir da experiência, tanto a

educação como as artes podem compartilhar algumas categorias

comuns (LARROSA, 2016, p.12).

Foi com base no entendimento de experiência como algo que nos passa, o que

nos acontece, o que nos toca, que nos afeta que realizamos a análise dos relatos dos

sujeitos desta pesquisa. Em outras palavras, consideramos que as narrativas aqui

apresentadas são lembranças de uma experiência vivida de forma marcante. Elas

correspondem a fotografias da memória. São como cortes, pequenos retalhos de tudo

que foi vivido.

4.1. O caminho trilhado na coleta de dados

As narrativas que constituem o material empírico deste trabalho foram

produzidas a partir de entrevistas semiestruturadas com sujeitos praticantes que

integraram o PNT. Foram realizadas 11 entrevistas conforme é descrito a seguir: 2

mediadores da oficina de fotografia (1 professora da UFMT e 1 profissional da área de

comunicação contratado pelo PNT), 5 monitores (estudantes de curso de graduação da

UFMT), e 4 estudantes surdos(da escola CEAADA). Os sujeitos foram identificados

com nomes fictícios.

O foco de atenção foi centrado nas experiências/sentidos que permitem relações

com a educação em ciências naturais para estudantes surdos. Durante as entrevistas não

tivemos a preocupação de fixar os mesmos aspectos para todos os sujeitos da pesquisa.

Foram definidos pontos de discussão que compeliram os entrevistados a discorrer com

liberdade acerca das questões que mais lhes chamaram à atenção. Dessa forma, os dados

não foram apresentados como categorias gerais, os aspectos destacados em cada

entrevista emergiram das singularidades de cada narrativa.

Nossas análises sobre o uso de fotografia na educação de surdos foram

orientadas pela concepção de fotografia como artefato cultural, como uma linguagem e

uma prática de enunciação que potencializa momentos de experiência/sentidos na

100

educação em ciências naturais reconhecendo e valorizando a identidade e cultura dos

estudantes surdos.

4.2. Narrativa de mediadores das atvidades

Neste estudo nós julgamos necessário entrevistar os sujeitos mediadores das

oficinas “Fotografando a Natureza” no intuito de analisar os sentidos que foram dados à

fotografia e a experiência que eles vivenciaram nas interações com estudantes surdos.

Após a leitura das transcrições de tais narrativas organizamos a análise dos dados

considerando os aspectos mais destacados: extensão universitária; inclusão; fotografia

como prática de enunciação do surdo; celular como recurso para a produção de

fotografias e aprendizados da experiência vivenciada.

Extensão Universitária

Para desenvolver a análise sobre o uso de fotografia na educação em ciências

naturais para surdos, no contexto do PNT fez-se necessário compreender a concepção

de extensão universitária que foi assumida pelos sujeitos praticantes, no caso, pelos

mediadores das oficinas fotografando a natureza.

O Projeto Novos Talentos assumiu uma perspectiva dialógica,

interacionista, de escuta. Não saiupronto da universidade. Ele foi

organizado a partir de um diagnóstico, de uma fala com a coordenação

das escolas, com a Seduc a fim de pensar no que poderia ser. Quais

seriam as alianças e parcerias. [...] Foi uma perspectiva diferenciada

de extensão.Eu vou dar centralidade a um ponto que na minha história

enquanto professora da universidade pouco vivenciei em outros

projetos de extensão:a relação estabelecida entre as instituições

envolvidas. [...] A relação de rede, de tramas que se entrelaçaram

numa dimensão de coparticipe de um processo. Essa rede se fortaleceu

nos próprios processos de formação [...] potencializando o

protagonismo dos alunos em diferentes ações pedagógicas. [...] A

Seduc não ficou apenas na passividade da ação, pois, ajudou no

planejamento, na discussão do tempo, da quantidade de pessoas,

especialmente de onde seriam as exposições de fotografia no final.

[...]Houve também a relação de rede e de trama entre professores,

monitores, alunos. Para você ter uma ideia o curso Pinhole(na escola

de surdos) foi uma sugestão dos monitores, eles foram os

protagonistas desse processo. Então a relação hierarquizada saiu de

cena e entrou a trama em rede. Os fios se

entrelaçaramconfigurando um processo bastante coeso, sobretudo, de

diálogo de todos os envolvidos.Foi uma relação dialógica,

horizontalizada, a relação interinstitucional, interdepartamental,

interdisciplinar, foi um inter nesse entre-lugar. [...] A gente teve

alunos surdos que passaram a acreditarna possibilidade de

101

ingressar na UFMT, que não se viram marginalizados, que não se

viram alheios ao processo.(Gleice)

A meu ver, o Projeto foi bastante significativo e queira Deus que essa

experiência possa servir de exemplo e ganhar força para que os

projetos de extensão continuem dessa forma. Nem no outro projeto

de extensão que eu participei [...] teve uma dimensão que nem essa

do PNT.[...] O Projeto proporcionou diversos cenários de ambientes

naturais nas cidades de Chapada-MT, Nobres-MT, Cuiabá-MT, nos

Rios e nascentes. Então os estudantes foram buscar registros

significativos. O PNT potencializou essa busca, sair do ambiente

escolar e ter como desafio algo que o projeto desencadeou.

Aprender em loco, apresentar e expor os registros. [...] Os alunos

trabalharam coletivamente, pois, tiveram que lidar com um universo

de 50, 60 e às vezes 100 fotos para eleger apenas 5 ou 10 fotos que

seriam apresentadas pelo grupo. Imagina o processo de negociação,

que não foi fácil. Mas o sentido era esse, eles deveriam escolher

coletivamente fotos que expressassem um novo olhar acerca de fatos

do mundo. (Adelson)

Ao fazer referência às diferenças entre projetos de extensão universitária os

mediadores parecem indicar duas tendências dentro da universidade as quais foram

observadas por Certeau (2012): uma mais rígida, conservadora dos valores da ciência e

da cultura de elite e outra mais flexível, aberta a cultura de massa que engloba o

conhecimento de todos os envolvidos nas relações pedagógicas.

A tendência mais rígida mantem resquícios da primazia pela tradição de uma

cultura de elite, estável e homogênea. Nesse modelo de extensão a Universidade se

comporta como uma instituição que presta serviços e doa conhecimentos numa via de

mão única. A tendência mais flexível valoriza a cultura das minorias.

Um aspecto que mais chama atenção na concepção de extensão, explicitada

pelos mediadores, foi a configuração do projeto como uma rede de conversação. Esta

perspectiva implica “pensar o conhecimento e a aprendizagem a partir de

agenciamentos coletivos que se produzem em meio à multiplicidade e a processos de

relações não hierárquicas” (FERRAÇO & CARVALHO, 2013, p.145).

As atividades foram realizadas em diversos ambientes extrapolando a ideia de

extensão para além dos muros da universidade. Ela foi situada no espaço do inter, num

entre-lugar que não pertence a ninguém. O trabalho coletivo não pressupôs centralidade

do poder de decisão. Essa concepção aproxima-se da perspectiva de extensão defendida

por Santos (2005). Para esse autor a extensão universitária necessita ganhar uma nova

centralidade na participação ativa na construção da coesão social, se direcionando ao

102

aprofundamento da democracia, defendendo a diversidade cultural, lutando contra a

exclusão social e degradação ambiental.

Inclusão

Partindo do pressuposto de que o projeto foi proposto como uma rede de

conversação, buscamos compreender nas narrativas de mediadores os processos que

demonstraram como ocorreu a inclusão nas oficinas de fotografia.

Uma coisa marcante no projeto é que eu me senti incluída porque eu

estava alheia à língua de sinais. Saio desse processo formativo [...]

com uma necessidade, uma vontade de compreender, de falar a Libras

e mais que tudo isso, reconhecer a importância que ela tem no dia-a-

dia em nossas vidas e na vida do outro. Não consigo ver meus filhos

sem ter o conhecimento da Libras. E hoje é meta para o ano de 2017

toda a minha família fazer o curso. Os surdos estão em nosso dia-a-

dia, nos hospitais, escolas, mercados e etc., e você pode fazer mais

amigos, conversar mais, ajudar mais, ser mais ajudado. Então acho

que esse foi o maior ganho. (Gleice)

O Projeto teve que pensar na perspectiva da inclusão[...] não fez a

opção pela linguagem predominante que é a oralidade. Foi pensada a

perspectiva da inclusão, de todos os envolvidos saberem pelo menos o

nível de comunicação elementar (em Libras), de como aplaudir, de

como cumprimentar, de como receber os surdos. [...] No primeiro

momento, em fevereiro de 2014, nós fomos para o município de

Nobres. [...] Como foi a dinâmica da oficina? O que foi proposto? Que

as escolas envolvidas, professores e alunos da escola Marechal

Rondon de Nobres, e professores surdos e ouvintes da escola Ceaada,

pudessem se envolver naquele trabalho e de um modo geral eles

apresentassem ao final da oficina a seleção de algumas fotos acerca da

temática central “Águas em Mato Grosso” e ao final destacaram quais

foram os sentidos que eles tiveram nessa oficina. [...] Nas

apresentações a gente descobriu pelo testemunho de uma professora

surdaa necessidade de maior interação entre surdos e ouvintes.

Havia a necessidade de inclusão de todos. [...] O segundo cenário da

oficina foi na AABB, esse cenário tinha a margem do Rio Coxipó e

mais as edificações de um clube. Ali eles tinham que sair a campo e

fazer a pesquisa deles. Lá estavam presentes os alunos das escolas

Fernando Leite, CEAADA, Pascoal Ramos e Nilo Póvoas. Tentamos

fazer uma mescla nos grupos com alunos do CEAADA e de outras

escolas, mas em função do interprete não deu. Pois só havia um.

Então para poder ter facilidade no sentido de interação os grupos

foram montados de acordo com os alunos de cada escola. (Adelson)

A realização da oficina de Libras no intento de facilitar a comunicação entre

surdos e ouvintes indica reconhecimento da importância da Língua de Sinais no

contexto das atividades de extensão. A difusão da Libras é defendida pelos Estudos

Surdos, pois, uma das principais críticas realizadas por pesquisadores desse campo

103

(SKLIAR, 2015; PERLIN, 2015; SÁ, 2010; STROBEL, 2016) é o ouvintismo. As

narrativas expressam entendimento de que a aproximação da universidade com a

comunidade surda fortalece o reconhecimento da identidade cultural do Outro.

O número reduzido de intérpretes exigiu a criação de grupos/classes

específicas para surdos. Porém, essa dinâmica não foi considerada uma prática de

segregação, pois é reconhecida como uma necessidade da pedagogia do surdo defendida

por Perlin e Miranda (2011).

Fotografia como prática de enunciação do surdo

Nos relatórios das atividades do PNT observamos que a fotografia ocupou

lugar de destaque. Por essa razão buscamos compreender como ela foi concebida por

sujeitos praticantes, notadamente pelos mediadores das oficinas fotografando.

[...] Eu ajudei a pensar a fotografia no projeto em seu âmbito

pedagógico, não tinha o domínio técnico da fotografia. Então desses

locais que nós realizamos as oficinas de fotografia, foi muito

interessante, houve um aprendizado muito grande. E quando a gente

entendeu que a fotografia tem um potencial pedagógico, colocamos

ela numa perspectiva da fotografia, objetivando grafar esse momento.

Então, que momento é esse? Que tempo é esse? Desse aluno surdo,

desse estudante surdo, não é o tempo nosso. Que olhar ele tem? Então

a gente entendeu que a fotografia poderia captar esse momento.

Pedagogicamente não ficou a fotografia pela fotografia, além da

técnica de iluminação, enquadramento e tudo mais... Eles tiveram que

pensar quais as fotografias que faziam uma organização temática. [...]

A proposição didática tinha a ideia de fazer os registros explorando o

espaço das oficinas. Todos fotografavam no grupo. Então o próprio

grupo tinha que selecionar as fotografias mais significativas para

eles e dizerem o porquê. [...] Antes de apresentarem era uma guerra,

uma negociação, no sentido de quais fotos ficariam. Então quem tinha

os argumentos para falar que aquela era interessante, e aí ele tinha que

convencer os demais. [...] Os resultados das fotografias mostraram que

eles se dedicaram com afinco, pois, as atividades foram realizadas

num curto espaço de tempo. A fotografia demonstrou um potencial

muito grande porque a partir dali os professores das escolas

trabalharam as ciências naturais, matemática, história... Até uma casa

cuiabana que tem valor cultural, histórico, e pode revelar muita coisa.

Então por exemplo, lá no bairro do Porto, o tempo histórico, como é

que esse tempo foi sendo revelado pelos registros fotográficos. Eles

foram sendo motivados a buscar outros registros... Eu lembro de um

aluno surdo que veio me perguntar onde ele encontrava fotografias da

antiga Cuiabá. (Gleice)

[...] Foram propostos alguns temas para que os estudantes fossem a

campo realizar os registros e o que mais me surpreendeu foi que os

alunos do CEAADA foram buscar sentidos que os demais alunos

não tiveram na realização dos registros fotográficos. Como assim?

Na fotografia você pode ir lá e fazer um registro observando o plano

104

geral, tirar uma foto bem ampla daquele ambiente, mas os alunos

surdos foram na foto macro, ou seja, buscaram o efeito mais focado,

de buscar detalhes que talvez passem despercebidos por todos nós.

Então eles foram buscar o caminho do cupim, o caminho até o

formigueiro. O título da apresentação deles foi “caminhos”. Então eles

fizeram um registro, por exemplo, denominado “caminhos perigosos”,

registraram fotos de uma fiação desencapada no prédio onde

estávamos, em outra foto foi registrado um animal que tinha sofrido

choque elétrico e morrido. Os ouvintes retrataram questões mais

amplas... o rio Coxipó, as construções, de modo geral, no nível macro.

Já os alunos surdos foram buscar minúcias, detalhes. [...] O que foi

mais bacana nisso foi ver que os surdos podem se comunicar com

autonomia fazendo uso da máquina fotográfica. A fotografia pode ser

produzida, apreciada, analisada por surdos e ouvintes [...] Na

avaliação da oficina nós ouvimos relatos de alunos que disseram: “eu

aprendi com a fotografia que eu poderia fotografar outras coisas,

como problemas sociais, colocar isso em uma rede social e dizer

para outras pessoas. Isso a gente conseguiu ter de alunos surdos. [...]

E o que foi mais relevante nesse processo do PNT foi depois eles

gostarem de ver as mostras fotográficas em locais públicos. Nós

fizemos exposição de fotografias no Ceaada, num Shopping, na

Assembléia Legislativa de Mato Grosso, na escola do Sesc na cidade

de Poconé-MT e até para o estado de Santa Catarina (numa

apresentação de trabalho pela professora Gleice). Foram mostras

itinerantes. Os alunos se viram como produtores de fotografias

que falam por eles... foi uma coisa mágica. [...] Eles se sentiam

invisibilizados. Nas exposições de fotografias eles puderam mostrar

um pouco da sua obra, da forma que eles olham o mundo. Isso é muito

bacana. Que sentidos a fotografia pode oportunizar para os surdos?

Essa é uma forma de ver e de representar o mundo? Penso que sim. A

fotografia tem esse poder de materializar e eternizar momentos. [...]

A ideia do fotografando é entender que o que você registrou você

pudesse grafar e marcar a vida das pessoas. Podemos fazer isso por

meio da escrita, de uma obra de arte ou de fotografias.... escrever por

fotografia... [...] Dissemos: vocês não vão tirar fotos, vocês farão

registros de momentos e situações. Então a ideia era a de utilizar a

fotografia em seu sentido mais profundo: como linguagem, como um

texto. A fotografia possibilitou a interação e rompeu as barreiras e

limitações em todos os sentidos, sobretudo a questão da

linguagem. Eles tinham uma linguagem universal por meio da

interação com as fotos uns dos outros. O sentido de grafar foi

crescendo no PNT. Tanto como no sentido de possibilitar o

aprendizado, como de dar visibilidade para pessoas que são

invisibilizadas socialmente, oportunizar momentos de inclusão,

entrelaçamento das pessoas. Havia uma linguagem única ali,

universal, a foto. Dali saíram muitas narrativas e depoimentos de

como poderiam utilizar a fotografia como forma até de ativismo. A

fotografia permitiu a interdisciplinaridade, discutir a temática social,

natural, cultural.

Essas narrativas evidenciam diversas potencialidades da fotografia no

processo educativo, em especial dos surdos. Um aspecto que chamou atenção dos

mediadores foi o olhar mais atento dos surdos para detalhes que podem passar

105

despercebidos pelos ouvintes. Há razões para crer que o olhar do surdo é permeado por

suas diferenças pessoais e coletivas. Com base nesse entendimento consideramos que a

fotografia pode ser um importante artefato cultural do povo surdo, pois, potencializa a

experiência visual.

Conforme foi destacado por Strobel (2016) é a experiência visual do surdo

que fundamenta a sua compreensão e atuação no mundo e permite a acessibilidade ao

conhecimento, em suas múltiplas dimensões. Por assim entender, consideramos a

fotografia como uma linguagem, um modo de falar, de comunicar, de produzir discursos

e conhecimentos por meio da “grafia pela foto”. Enquanto imagem, a fotografia permite

contar/recuperar histórias, assumir posicionamentos e instigar a produção de sentidos e

ideias sobre o que nela é retratado.

A fotografia é, portanto, uma prática de enunciação uma vez que: configura

uma ação comunicativa operada por uma linguagem visual; demanda apropriação e/ou

reapropriação da língua dos locutores; refere-se a um momento e lugar determinado;

estabelece contrato com o outro (o interlocutor) numa rede de lugares e de relações

(CERTEAU, 1994).

Na perspectiva dos mediadores, a linguagem fotográfica potencializa a

comunicação entre surdos e ouvintes, uma vez que, ela estabelece contato direto entre o

autor da imagem e o interlocutor, mediado pela câmera fotográfica. Dessa forma, a

produção/interpretação da fotografia pelo surdo se dá de forma autônoma, sem as

barreiras linguísticas e sem o controle de normas gramaticais da leitura e da escrita.

Ademais, o emprego das imagens fotográficas como uso pedagógico proporciona uma

diversificação das linguagens escolares que buscam estimular o desenvolvimento das

formas de expressão (CALADO, 1994).

Celular como recurso para produção de fotografias

Na perspectiva dos mediadores os smartphones não representam problemas para

a educação desde que sejam incorporados ao trabalho pedagógico. Isso pode ser feito,

por exemplo, pela utilização pedagógica da fotografia.

Em muitas escolas os celulares são vistos como um problema, pois

atrapalham as aulas. No PNT eles foram vistos como uma

potencialidade da prática educativa. [...] Lembro-me de um estudante

surdo dizer que sairia do projeto com uma nova visão de fotografia.

Na avaliação da atividade ele disse: “de hoje em diante não vou usar o

106

celular apenas para fazer selfies”. Então... a fotografia assumiu outros

papeis na vida deles, né? Para além das selfies. (Gleice)

Olha o que foi interessante: No PNT, quando nós montamos e

pensamos pedagogicamente nas oficinas de fotografia, percebemos

que os alunos dispunham de celulares com câmeras. Então nós

aproveitamos os celulares para motivar a produção de fotos, ou seja, o

protagonismo dos estudantes. Pensamos na perspectiva de não só criar

um produto de comunicação, mas, também, de motivar os estudantes a

manusear os próprios registros e escrever suas próprias narrativas por

meio de fotografias, de forma espontânea. Fomos à busca dos cenários

e tínhamos como tema a natureza, especialmente a água que era o

tema central do PNT. [...] Então a presença da tecnologia dos

smartphones propiciou e fomentou esse trabalho com a fotografia.

Poucas fotos foram tiradas com câmeras digitais, pois, elas eram

poucas e quase todos os estudantes tinham smartphones. [...] Hoje o

celular vem com uma configuração mínima que pode transformar um

fotógrafo amador num fotografo semiprofissional. Hoje você tem

recursos dentro do aparelho que regulam automaticamente a

iluminação, o foco, o enquadramento, a profundidade. O próprio

celular corrige as distorções. Então a tecnologia estava à disposição

desses alunos, tentamos buscar esses recursos que estavam à mão do

estudante oferecendo ao menos as mínimas noções técnicas como

regra dos terços, composição, iluminação, ângulo, recursos de

perspectiva, os tipos de enquadramento trazendo a fotografia um

espaço e tempo bacana. Tentamos passar isso num curto espaço de

tempo. Ao andar entre os grupos percebia que eles mesmos se

avaliavam quanto as fotografia. Acredito que todos saíram das

oficinas com aquela preocupação de utilizar as técnicas para melhorar

e potencializar os registros fotográficos. Engraçado que nas oficinas

não havia diferenças entre professores e alunos, eles se igualaram nas

aprendizagens das oficinas. Os professores também fizeram relatos

dizendo que se encantaram pela questão da fotografia. (Adelson)

Essa perspectiva dos mediadores aproxima em muitos aspectos da pedagogia dos

surdos defendida especialmente por educadores surdos.

Se o modelo de educação baseado na normalização utiliza-se de

recursos de som, de treinamento da audição, a pedagogia do surdo

utiliza recursos de visão. Tudo que facilita o desenvolvimento visual

ou a aprendizagem por meio da visão vai estar nesse modelo. No uso

da prática pedagógica, os sentidos da visão devem ser ressaltados com

o uso de tecnologias que favorecem a aprendizagem [...] A capacidade

de o surdo interpretar a partir da imagem e da legenda é marcante

(PERLIN e MIRANDA, 2011, p. 111).

A fotografia representa, portanto, uma tecnologia que pode ser utilizada a favor

da pedagogia dos surdos. Enquanto uma forma de comunicação a fotografia não faz

diferença entre surdo e ouvinte. Por meio dela o surdo pode propor e/ou fazer leitura de

textos imagéticos de natureza diversa (artísticos, político-sociais, científicos, educativos,

etc.). Ela permite que os estudantes surdos atuem como produtores de cultura.

107

Aprendizados da experiência

No desenvolvimento da pesquisa consideramos que cada um dos sujeitos

praticantes (participantes do PNT) atribuiu sentidos diferenciados às experiências

vivenciadas. Por assim entender buscamos compreender, por meio de narrativas, os

sentidos atribuídos à fotografia na educação de surdos. Apresentamos a seguir a

perspectiva dos mediadores.

Ocorreu um fato importante na AABB. Quando a gente estava

selecionando as fotos eu estava em uma outra dimensão de

organização.[...] Eu achei muito interessante a forma como os

estudantes surdos retrataram os caminhos. Eles observaram caminhos

feitos por formigas, cupins, fios elétricos, seres humanos. [...] o

caminho da formiga é insignificante num ambiente natural que é

enorme, que é imenso. Porém, para eles que tem a escuta

comprometida, o que é micro, que é singular ganha lugar de destaque

[...]. Eu tenho capacidade para utilizar todos os sentidos, mas o

caminho do cupim, da formiga, caminho do macaco eletrocutado nos

fios da rede elétrica passou despercebido. Nós aprendemos muito

com os surdos, com a sensibilidade estética que eles têm. [...] Foi

muito interessante ver o resultado do trabalho com a fotografia na

educação de surdos na exposição de fotografias realizada na

Assembléia Legislativa e nas escolas. Ver os estudantes surdos

observando suas produções foi emocionante, meu corpo chegou

até a arrepiar porque eu não tinha a dimensão do significado

desse trabalho para esses alunos. Porque esse estudante passou a

olhar o mundo de outra forma. (Gleice)

Foi uma experiência que rendeu aprendizado para todos nós. Foi

muito marcante, emocionante. Tanto que eu mantenho um acervo das

fotografias produzidas que criei um site para disponibilizá-las16

. A

gente está construindo esse site ainda. E lá cada um poderá tirar sua

impressão do que foi cada trabalho. Quando a gente escreve uma

proposta de trabalho a gente pensa que tem uma competência técnica

de ir lá e executá-la com tranqüilidade. Mas você é surpreendido na

execução desse trabalho. Quando eu fui vivenciar aqueles momentos

das oficinas eu vi as potencialidades que a fotografia tem para a

educação. O aprendizado que eu tive foi maior do que eu pude

possibilitar aos alunos, sobretudo no que se refere à educação de

surdos. Percebi que eles têm um olhar mais sensível do que o meu. É

visível a diferença na foto que um aluno surdo faz de uma foto que um

aluno ouvinte faz. Eu passei a fazer essa leitura. Então para mim esse

foi um grande aprendizado. Outro grande aprendizado foi a

oportunidade de conhecer alguns sinais em Libras. Então quando eu

fui para essa oficina de fotografia, que nós escrevemos a proposta e

16 . Repositório de aprendizagem que pode ser visualizado no seguinte endereço: http://ademarta0.wixsite.com/novostalentosufmt.

108

fizemos discussões, já na prática vimos que os alunos surdos

conseguiam ir além das propostas. Eu pensava que o fato de o aluno

ser surdo talvez pudesse ser uma limitação na execução do

trabalho e não, foi um ganho. Na hora de construir as apresentações

em powerpoint os alunos tinham essa preocupação com o detalhe,

com as melhores fotos e etc. Esse projeto foi muito além do que eu

esperava, foi marcante. Tanto que vou começar o Mestrado agora

com um projeto que envolve a fotografia e surdos. (Adelson)

Essas narrativas indicam que a experiência de uso de fotografia na prática

educativa foi marcante para os mediadores porque permitiram outro olhar em relação ao

surdo e à educação do surdo. Ficou evidente a compreensão de que a aprendizagem do

surdo é fundamentada nas experiências visuais (PERLIN e MIRANDA, 2003). Os

sujeitos surdos interpretam visualmente, enquanto os sujeitos ouvintes estão mais

voltados para a audição (STROBEL, 2016). Os dois mediadores referem-se à

experiência como algo marcante. Algo que lhes afetou, que provocou tremores, que

promoveu mudanças no modo de conceber a surdez e de interagir com os surdos. Isso

significa que os mediadores foram raiados pela “experiência como aquilo que nos passa,

ou que nos toca, ou que nos acontece, e ao nos passar nos forma e nos transforma.

Somente o sujeito da experiência está, portanto, aberto à sua própria transformação”

(LARROSA, 2016, p.26).

4.3. Narrativas de monitores do PNT

Consideramos que os estudantes da graduação que atuaram como monitores

exerceram papel preponderante no contexto do PNT. Os monitores que foram sujeitos

dessa pesquisa tinham idade entre 19 e 24 anos. Eles participaram de atividades nas

cinco escolas parceira. Nas entrevistas solicitamos que eles narrassem livremente

experiências vivenciadas no PNT. Observamos que eles deram destaque para as

experiências na escola do campo e na escola de surdos. Considerando os propósitos

deste estudo demos destaque para as questões relativas à educação de surdos.

Julgamos necessário destacar que entre os seis monitores incluem 02 estudantes

dos cursos de licenciatura em Física, 03 Licenciatura em Biologia e 01 de Comunicação

Social da UFMT. A análise das narrativas remeteu aos seguintes aspectos: Extensão

universitária como espaço de formação; Educação de surdos e Fotografia na educação

de surdos.

Extensão universitária como espaço de formação

109

Conforme foi apresentado no terceiro capítulo dessa dissertação, a extensão

universitária foi concebida como uma rede de conversação que permite articulação com

o ensino e a pesquisa. Os relatos que se seguem, apontam como o PNT atuou na

formação acadêmica/profissional destes estudantes.

Foram experiências incríveis que eu irei levar para o resto da

minha vida pessoal e na minha formação. [...] Na minha formação

acadêmica não estudei sobre surdos. Eu tenho que aproveitar e

aperfeiçoar o que aprendi na convivência com eles. Tenho que

continuar mantendo esse contato, aprendendo com eles, e levar esse

conhecimento não só na minha formação, mas na minha vida também.

(Luli)

No PNT nós vamos além dos muros da Universidade. Acho que a

gente tem uma dificuldade muito grande dentro da academia de poder

lidar com a sociedade. Nós nos fechamos muito dentro dos muros

da Universidade e acabamos produzindo conhecimento para nós

mesmos. Foi uma experiência muito importante. Acredito que sem a

experiência prática a gente nunca vai conseguir ser um profissional

atuante na nossa área. A gente precisa conhecer os espaços nos quais a

gente vai atuar. [...] Essa experiência prática, essa relação que

aconteceu no PNT foi muito boa, foi de vivenciar na pele o que é o

ensino público. O que é a vida desses jovens que precisam trabalhar

desde crianças? O que é a cultura dos estudantes surdos? [...] Essa

experiência foi fundamental para nossa formação como sujeito crítico,

enquanto profissional, professores, comunicadores (Glória)

O Projeto Novos Talentos se fez importante na minha formação

acadêmica por dois motivos. [...] primeiramente ao fato de eu, assim

como a maioria dos alunos de graduação envolvidos no projeto

estamos cursando licenciaturas, mas tivemos pouco contato com

as escolas no curso. [...] Em um segundo momento pela relevante

importância da vivência escolar, de organização e funcionamento da

escola de educação especial de surdos na minha formação. (Mari)

O PNT foi importante na minha formação acadêmica por motivos de

vivência profissional bem como de formação pessoal. Assim como eu,

os alunos (monitores) envolvidos no PNT são alunos de licenciaturas.

O grande desafio de se tornar um bom profissional está na dificuldade

de fazer do curso de licenciatura um trampolim para o sucesso

profissional. A dificuldade de ser um bom professor esbarra

principalmente na dificuldade de unir teoria e prática e o PNT me

possibilitou vivências de teoria unidas à prática fundamentais para o

decorrer da minha formação acadêmica assim como da minha futura

atuação profissional. Com as experiências vivenciadas no decorrer

das atividades do PNT, pude compreender uma realidade pouco

abordada na graduação: O ensino de Física para surdos. Devido à

falta de profissionais formados e o desinteresse na área, pude

vislumbrar um mercado de trabalho muito amplo na educação de

ciências para alunos surdos. Assim, passei a cogitar uma

110

especialização nesta área e o interesse em trabalhar com essa

modalidade de ensino. Acredito que os alunos surdos, assim como eu,

têm o interesse e o desejo de compreender os princípios e as leis que

regem a natureza. Dito isto, não se pode privá-los deste conhecimento

pelo simples fato de poucos se interessarem em especializar nesta área

da educação. (Cris)

Em minha categoria de graduando em Ciências Biológicas,

licenciatura, considero que o aprendizado no Projeto Novos Talentos

foi muito relevante, sobretudo pelo contato com a comunidade surda.

Foi essencial, para assim nos desenvolvermos propostas de ensino

adequadas à realidade dessas pessoas. (Rick)

As experiências vivenciadas com o PNT são de grande

importância para a educação de surdos, pois são momentos onde

há a troca de saberes e a interação de alunos surdos e alunos

ouvintes. As palestras, oficinas e aulas de campo e os momentos

de vivencia, possivelmente expandiu o conhecimento científico

dos alunos surdos e ouvintes por meio do contato direto com os

fenômenos culturais, históricos e científicos, que foram

trabalhados no PNT. [...] As experiências que me foram

oportunizadas por meio do PNT foram de grande significância para

minha formação docente. (Tati)

A importância do PNT na formação acadêmica esteve presente nos relatos de

todos os monitores. Os estudantes consideraram as experiências no referido projeto de

extensão universitária foram relevantes porque os cursos de formação, mesmo quando

se trata de licenciatura, não possibilitam a necessária aproximação com as escolas e

outras instituições onde eles poderão atuar.

Submetidos a grades intelectuais que não lhes parecem organizadas

nem em função de suas questões, nem em função de seu futuro, não

percebem mais, no ensino que lhe é “dado”, seu valor de

instrumentalidade cultura e social [...] Sob um aspecto individual, esse

problema pode ser colocado sob o signo daquilo a que os movimentos

estudantis norte-americanos chamam relevance (ou “pertinência”) do

ensino. “Esse termo designa o fato de os estudos estarem ligados

àquele que estuda, não por uma relação de utilidade, mas de

significação. Estudos „relevantes‟ são aqueles que apresentam um

interesse, um significado, que estão ligados, relacionados com aqueles

que os fazem, e isso de modo aparente, manifesto, evidente. Diante de

seus estudos, os estudantes se perguntam: Qual é o sentido disso? O

que eles significam? O que dizem?” (CERTAEAU, 2012 p. 104 – 105)

Para esses estudantes as experiências vivenciadas nas atividades de extensão

universitária deram sentido não apenas para a formação profissional como também para

a vida pessoal. Elas permitiram conhecer o cotidiano escolar e atuar em situações de

ensino. Assim, foi possível transpor os muros da universidade e superar visões

111

centralizadas de conhecimento. No dizer de Glória, a experiência foi “de vivenciar na

pele”, numa aproximação ao sentido de experiência adotado por Larrosa (2016).

Esses relatos entendimento de que a extensão pode ter papel relevante no

processo integral do estudante universitário, sobretudo quando ela possibilita o

“entendimento do papel de todo saber na instauração do social” (SEVERINO, 2009, p.

262).

Educação de surdos

As narrativas deram destaque à importância da experiência vivenciada no

projeto de extensão universitária em questão, sobretudo porque ela possibilitou

aproximações com a educação de surdos.

Foi uma experiência muito interessante que permitiu o contato com os

surdos, nos mostra como coisas simples para nós pode se tornar um

desafio para eles. [...]precisamos estender nosso conhecimento em

relação às formas, meios e alternativas para ajudar os surdos a

vivenciar novas experiências. [...] O contato com eles me mostrou que

preciso melhorar comunicação e expandir meus conhecimentos. (Luli)

O projeto foi bem valoroso pelo fato de estar em contato com essa

população da educação básica que não tem acesso a uma educação de

qualidade, saúde de qualidade e transporte público de qualidade. Foi

muito importante o contato com a realidade social dessas populações e

que são excluídas de varias políticas públicas e também com a cultura

dos surdos. [...]essa juventude tem que ser protagonista da construção

de uma nova sociedade, para construção de um novo futuro. [...] Eles

falam outra língua e muitas vezes fingimos que eles não existem em

nosso cotidiano. (Glória)

A respeito da experiência que o PNT proporcionou posso dizer que

foram muito relevantes para minha formação, sobretudo no que se

refere à educação de surdos. [...]. Em minha opinião o PNT trouxe

para os alunos surdos envolvidos maiores possibilidades de descoberta

pessoais e consequentemente de descobertas profissionais, cumprindo

assim um papel de formação de pessoas mais atentas ao meio em que

vivem. (Mari)

Foi algo inovador e uma experiência marcante na nossa vida e na vida

deles [...] No decorrer das atividades eles se mostraram muito

interessados em compreender os conceitos que estavam sendo

trabalhados. E isto é perfeitamente compreensível, pois alguns

assuntos dificilmente são abordados em sala de aula. O diferencial nas

atividades do PNT foi colocar os alunos surdos como protagonistas

nos trabalhos desenvolvidos. Fazendo-os construírem suas próprias

máquinas fotográficas, confeccionando maquetes das bacias

hidrográficas de Mato Grosso e ainda, proporcionando aulas de campo

e a troca de experiências com os alunos de outras escolas participantes

112

do projeto. (Cris)

O PNT buscou incluir a escola de surdos, pois a educação inclusiva

desse público em atividades de extensão ainda é pouco explorada

pelos educadores. Em vista disso, concluo que as experiências

realizadas tiveram êxito educacional e cultural dentro do planejamento

do projeto para alunos de deficiência auditiva e para nós. Nos

realizamos uma diversidade de oficinas e atividades que mobilizaram

e iniciaram uma nova forma de se educar por inclusão. [...] O mundo

contemporâneo é cada vez mais interligado e a comunidade surda cada

vez mais se expressa em nossos cotidianos. [...] A educação é direito

de todos. Os surdos não podem ser mais vistos como incapazes. Eles

são sujeitos de grande potencialidade de transformação social. (Rick)

Através destra interação com os surdos, pude formular e aprender

sobre as limitações e também as abrangências acerca da visão de

mundo deles. As experiências vividas nesse projeto de extensão

contribuíram para mudar minha visão em relação aos surdos. Vi que

eles são sujeitos ativos e em alguns casos mais perceptivos que alunos

ouvintes. Através dessas contribuições, novos instrumentos me foram

apresentados para a educação dos surdos. (Tati)

Os relatos indicam que o PNT possibilitou um tipo de educação inclusiva

onde todos interagiram e trocaram saberes independente das diferenças culturais. A

inclusão foi entendida, portanto, como uma via de mão dupla e como uma prática que

requer respeito às diferenças. Isso pode ser observado no reconhecimento de que, a

educação de surdos demanda práticas pedagógicas adequadas às singularidades de

pessoas que falam outra língua e produzem uma cultura singular.

Fotografia na educação de surdos

Dentre todas as atividades desenvolvidas no PNT a fotografia ocupou lugar de

destaque conforme fica evidenciado na fala dos monitores entrevistados.

O uso de fotografias na educação especializada para surdos é muito

importante. Acompanhei algumas oficinas de fotografia no qual os

alunos do CEAADA participaram, e vi que eles visualizaram um outro

“mundo”, no qual a lente da câmera proporcionou para eles. (Luli)

A fotografia por si só já diz muito. Através de uma fotografia você

pode enxergar várias relações que se estabelecem na vida das

pessoas. Às vezes uma fotografia reflete muitas coisas que nossos

olhos não são capazes de enxergar porque em um enquadramento

talvez você possa reunir vários elementos de uma vida, da

natureza, de um recorte social. A fotografia representa um momento

em que a pessoa está inserida dentro de um determinado local, lugar

da sociedade. A fotografia é muito importante para registro da

história para compreender como o sujeito se transformou ao

113

longo da história. A fotografia é uma forma de a gente mostrar

como vemos o mundo. Então, quando a gente tem os estudantes

surdos ali contando a sua história é enriquecedor. Porque na maioria

das vezes a história é contada por aqueles que detêm os meios de

produção, seja rede globo, pensamento dominante na formação da

educação tradicionalista, tecnicista. (Glória)

O uso de instrumentos e recursos para o ensino de ciências é bastante

importante para tornar o conhecimento significativo. O uso de

fotografias como recurso didático é bastante válido na educação de

surdos, pois, possibilita que eles se tornem protagonistas do próprio

aprendizado. (Mari)

O uso de fotografia na educação em ciências para alunos surdos é de

suma importância, pois facilita a compreensão de determinado

fenômeno, a visualização de determinado animal ou determinada

situação. Porque alguns momentos se torna difícil expressar uma ideia

através do uso da Libras, seja por falta de classificadores ou pela

própria complexidade do assunto em si. E é nesses momentos que a

fotografia se mostra uma poderosa ferramenta, ajudando a situar os

alunos no contexto desejado. (Cris)

A fotografia mostrou-se uma ferramenta muito eficiente ao se

tratar de educação para surdos, pois estes possuem muita afinidade

com as categorias visuais. Dessa forma, as fotografias além de

estimulantes por conceber valores da realidade surda, também por

finalidade tornou o ensino muito mais significativo em seus

resultados. (Rick)

Os alunos normalmente só pensam em algum assunto ou conteúdo

quando o mesmo parece ser interessante, quando o assunto/ conteúdo

é interessante o aluno é estimulado a conhecer e explorar. A fotografia

é um instrumento pedagógico de suma importância na educação dos

surdos voltado para o ensino de ciências, visto que tirar fotos, selfies,

se tornou comum entre os estudantes. É um elemento facilitador do

processo de ensino e aprendizagem, pois é uma maneira de se

expressar. É uma linguagem. (Tati)

Observamos que os monitores que são estudantes de cursos de licenciatura

apresentam uma visão mais instrumental da fotografia (como recurso didático,

ferramenta para ajudar o aluno no aprendizado, instrumento pedagógico). A licencianda

Tati considerou que além de ser um instrumento pedagógico, a fotografia é também uma

“maneira de se expressar, uma linguagem”. A monitora Glória, graduanda em Ciências

Sociais, deu outros sentidos à fotografia. Ela considera que a fotografia pode ajudar a

enxergar relações que se estabelecem na vida social. Pode também ser utilizada como

registro da história e para compreender como o sujeito se transformou ao longo da

história. Além disso, ela manifestou entendimento de que a fotografia é uma forma de

expressão, pois por meio dela o estudante surdo pode contar a sua história.

114

4.4. Narrativas de estudantes surdos

Para melhor compreensão das experiências vivenciadas no Projeto Novos

Talentos, notadamente no que se refere ao uso de fotografias na educação em ciências

naturais para surdos, julgamos ser necessário compreender o sentido dado pelos

principais protagonistas desse processo. Referimo-nos aos estudantes surdos. Para tanto,

realizamos entrevistas com 04 estudantes surdos que participaram efetivamente das

atividades do PNT.

As entrevistas ocorreram entre os meses de março e abril de 2016 na escola Ceaada.

Foram realizadas individualmente com auxilio de interprete de Libras e filmadas tendo em vista

a comunicação ocorrer de forma visual. Os estudantes cursavam a 7ª série do ensino

fundamental e tinham idade variando entre 14 a 21 anos. As análises das narrativas realçaram os

seguintes aspectos: Experiências vivenciadas no PNT; A fotografia na aprendizagem;

Aprendizagens no PNT ou sobre a relevância das atividades de extensão.

Experiências vivenciadas no PNT

Na entrevista com estudantes surdos solicitamos que eles narrassem livremente

sobre suas experiências no PNT.

A primeira atividade que eu lembro foi numa chácara [ASBEMAT].

Nós fomos também na UFMT, depois fomos para a Chapada dos

Guimarães e Nobres. [...] foi muito bom participar. Também fomos no

Rio Cuiabá e também no bairro do Porto. Tiramos fotos. Eu lembro da

atividade na Casa de Cultura Cuiabana, foi a tarde. Eu gostei muito de

tirar foto. Aprendi muita coisa tirando muitas fotos. Cada coisa na

UFMT eu fiquei impressionado e emocionado. Quando fomos a

tarde na casa de cultura tiramos muitas fotos, aí comecei a ver as

coisas sobre o ouro, sobre os negros. Ficamos 4 horas na Casa da

Cultura, tinha muita coisa. (Junior)

Das atividades eu me lembro de tirar fotos, fazer recortes de

imagens para poder ter conhecimento. Lá nós aprendemos como

tirar as fotos, para depois arrumar no papel [revelação de fotos pela

técnica do pinhole]. gostei muito de lá. Eu quero num futuro me

esforçar e fazer faculdade e ensinar os alunos, matemática,

português e etc. As aulas de campo foram boas para minha

formação por causa das imagens que fotografei sobre os animais,

cobras, observei para aprender e depois passar para a professora.

(Breno)

115

Eu lembro das Fotografias. Tirava foto das coisas, de todos que

estavam participando, tinha flash. Acho bom a minha participação

porque eu vou estudar e aprender a tirar as fotos. Quero ser

professora e ensinar. (Julia)

Lembro que eu viajei para aula de campo. Vi muitos pássaros e tirava

muitas fotos. Tirei fotos do bico do pássaro, percebi que alguns

tinham a asa quebrada, então também tirei foto. Visitando as nascentes

observei os peixes e também tirei muitas fotos. Gostei de observar e

tirar foto da cachoeira. Também tiramos fotos em Chapada, na UFMT

e na nossa escola. (Paulo)

Todos os relatos surdos deram destaque às atividades que envolveram a

fotografia o que mostra que essa experiência foi significativa e potencializadora de

aprendizagem em várias áreas do conhecimento, especialmente nas ciências naturais.

Junior destacou que ficou “impressionado e emocionado” o que denota que foi afetado

pela experiência, que pode estar relacionada à acepção apresentada por Larossa (2016).

Isso pode ser entendido pelo fato de que, a experiência visual é um dos principais

artefatos culturais do povo surdo, conforme observou Strobel (2016). A relação da

identidade cultural do surdo e o aspecto visual também foi explicitada por Perlin (2015,

p. 56). Para essa pesquisadora “ser surdo é pertencer a um mundo de experiência visual

e não auditiva”.

Outro aspecto que chama atenção em dois dos relatos dos estudantes surdos é a

associação entre a participação no PNT e o interesse futuro na formação acadêmica e

atuação profissional como professor. Podemos entender que o contato com a UFMT

propiciado pelo projeto de extensão numa via de mão dupla, tornou a universidade mais

próxima da escola e fomentou o desejo de ingressar na educação superior.

A fotografia na aprendizagem

No que diz respeito às aprendizagens relativas à fotografia e suas contribuições

para a educação em ciências naturais os estudantes expressaram os seguintes

entendimentos:

Aprendi muita coisa, aprendi a tirar foto. Por exemplo, quando

está sol fazer um planejamento direitinho do sol, dos reflexos,

essas coisas. Coisa que combina ou que não combina na foto, tirar

foto de tudo. Fui no arquivo público de MT mas eu nunca tinha ido lá,

foi a primeira vez foi esse dia com os alunos. Eu não tirei foto lá, só a

professora que tirou foto. Mas vi muitas fotos antigas parecia que

não era Cuiabá, muito diferente. Antigamente o porto era feio,

horrível, agora está mais bonito. Acho que a fotografia é boa para

116

ajudar o surdo a parar com a bagunça, ter ordem, organização.

(Junior)

Cada imagem você tem que observar para depois tirar as fotos

para que você aprenda, porque precisamos gravar aquelas imagens

na mente e depois vamos copiar sempre aquelas imagens. Vou gravar

na minha mente as imagens que tirei foto. Eu gostei de tirar foto. A

fotografia contribui na educação de surdos porque o surdo

também não tinha esse entendimento de tirar as fotos. Então os

alunos surdos também precisam ter esses conhecimentos e têm que ser

apoiados e ajudados nessa tarefa. (Breno)

Ajudou no meu conhecimento em ciências porque aí tive a

experiência, tive as atividades que fizemos, tive melhor

entendimento de fora da sala de aula, consegui gravar as imagens.

Acho bom. Aprendi sobre o Rio, o curso do Rio, sobre o lixo,

vimos coisas sujas jogadas na água e depois apresentava para sala.

Acho que tirar foto ajuda o surdo que aprende um pouco mais.

(Julia)

Eu lembro do uso da fotografia. A parte de ampliar, diminuir. Na

hora da revelação das fotos não podia ascender a luz senão as

fotos ficavam vermelhas e queimavam. Eu fiquei impressionado

com os detalhes da revelação das fotos e o passo a passo. Uma das

atividades que mais me marcaram foram as fotografias que tiramos na

casa de cultura e em Nobres. As fotos que tirei na aula de campo em

Nobres só ficaram na câmera. Não vi as fotos novamente. Antes do

PNT eu só tinha tirado foto no celular. Mas com o PNT eu aprendi a

como fazer uma composição, enquadramento, observar a luz e o

foco e etc.(Paulo)

As narrativas indicam que todos os estudantes surdos entrevistados relacionam a

fotografia com a aprendizagem concebida em duas vertentes: 1. Compreensão das

técnicas de fotografia. 2. Compreensão de conceitos de vários campos do conhecimento,

especialmente da história (por meio de fotos antigas e atuais) e de ciências naturais (por

meio de fotografias do rio, das plantas e animais). Esses entendimentos reiteram o que

disse a pesquisadora surda Rangel (2004): “A fotografia é o próprio texto lido pelos

surdos”.

Ao relacionar a fotografia com a possibilidade de “parar com a bagunça, ter

ordem, organização” o estudante surdo demonstra entendimento de que esse recurso

desperta o interesse pelo estudo de aspectos do ambiente, motiva a capacidade de

observar detalhes, de escolha de melhores ângulos e de agir com atenção, de

compartilhar o uso dos equipamentos num trabalho coletivo (em grupo) que exige a

espera da vez.

No relato da aluna Julia, os aspectos observados nas atividades “Fotografando o

Rio Cuiabá” e “Fotografando o Porto”. Os aspectos observados e fotografados foram

117

discutidos em sala de aula após aula de campo, potencializando novos aprendizados

relativos às ciências naturais.

Relevância das atividades de extensão

Finalizando as entrevistas solicitamos que os estudantes comentassem sobre a

relação entre as atividades do projeto e as aprendizagens realizadas por eles.

Em Nobres aprendi sobre a água limpa [nascentes], sobre os

peixes, de cuidar e preservar. Mergulhei também lá, foi muito

bom e divertido. Lá aprendemos sobre pedra, terra, bicho,

poluição. Passear foi bom, me diverti bastante, conheci lugares que eu

não conhecia, foi muito bom. Gostei de fazer foto e filmagem, foi

uma modalidade nova para mim. (Junior)

Teve aquela troca de experiência, aí eles pediram para gente

ensinar os professores da UFMT. Porque cada coisa tinha um

sinal, eles não sabiam a gente explicava para eles, o que eles

sabiam eles explicavam para nós. (Breno)

Aprendi lá no Rio Cuiabá sobre a água cheia de lixo. Lá em Chapada

dos Guimarães quando chegamos nos mostraram a igreja e toda

cidade, fomos ver varias coisas dentro da cidade. Lá em Nobres nós

mergulhamos para ver o rio, as nascentes, a água que é limpa e

transparente, eu achei legal. (Julia)

Eu achei o PNT muito bom. Aprendi sobre fotografia, os

animais, as plantas, a água. As atividades do PNT me

ajudaram em ciências, mas também nas aulas de

matemática, de história. Os professores nos lembravam das

aulas de campo para explicar novos conteúdos. (Paulo)

Percebemos que as atividades curriculares que foram articuladas com o projeto

de extensão universitária foram apontadas como potencializadoras de aprendizagens.

Por meio das aulas de campo na margem do Rio Cuiabá, no parque nacional de

Chapada dos Guimarães e em Nobres (Comunidade Coqueiral) os estudantes puderam

estabelecer comparações entre um rio poluído e nascentes e rios com águas

transparentes e limpas. Puderam também realizar estudos sobre plantas, animais, rochas

e características de outros espaços populacionais (cidade e campo).

Conforme relatos de Paulo, “os professores lembravam das aulas de campo para

explicar novos conteúdos” estabelecendo relações entre as ciências naturais e outras

disciplinas.

118

Um depoimento que chamou nossa atenção foi o de Breno que deu destaque à

troca de experiência entre professores e estudantes da UFMT e o CEAADA. Em alguns

momentos os estudantes surdos aprenderam e em outros ensinaram. Isso significa que o

PNT se configurou na prática como uma rede de conversação que não permite

identificar quem foram os incluídos, pois todos comportaram como ensinantes e

aprendizes. Uma rede de conversação fundamentada no respeito e reconhecimento das

diferenças configura-se como um lugar de encontro, de festa, conforme observou

Certeau (2012, p. 54).

Não parece haver felicidade senão onde o outro é a condição do ser,

onde se faz a festa, onde a conservação dos bens é alterada por um

dispêndio feito em nome de outrem, de um outro lugar ou do Outro,

onde se interpõe a festa de uma generosidade comunicativa, de uma

aventura científica, de uma fundação política ou de uma fé.

119

120

Considerações finais

Para ter mais certezas tenho que me saber de imperfeições.

Manoel de Barros

As discussões apresentadas nesse estudo remetem ao entendimento de que os

surdos são sujeitos que historicamente permaneceram à margem da cultura ouvinte.

Tiveram a sua identidade e cultura negadas, principalmente pelo não reconhecimento de

seus artefatos culturais. Na antiguidade a surdez era considerada como castigo dos

deuses e por essa razão pais tinham autorização para sacrificar filhos surdos pelo

entendimento de que não eram merecedores da vida.

A Ciência moderna foi apresentada no contexto do Iluminismo como a redentora

da humanidade pela sua suposta capacidade de revelar a verdade dos fatos. Nesse

sentido, a surdez foi associada com um problema físico que poderia ser corrigido por

meio de conhecimentos, técnicas e tecnologias adotadas pela ciência. Assim, o

pensamento social em torno do povo surdo foi difundido pelos padrões científicos que

buscaram estabelecer procedimentos clínicos capazes de reabilitar a audição e a fala. O

ouvintismo foi defendido, principalmente, por médicos e fonoaudiólogos, mas também,

por professores, a fim de, garantir arquétipos da hegemonia ouvinte, fato que teve

implicações na educação escolar.

A comunidade surda, por sua vez, tem desempenhado papel primordial na luta

pelo reconhecimento e valorização da identidade, da língua e da cultura surda. Essa

perspectiva é defendida sobremaneira por autores que se situam no campo dos Estudos

Culturais por compreender a cultura como um campo de luta e de tensões diante da

hegemonia ouvinte.

Consideramos que na atualidade foram promovidas importantes conquistas no

campo da educação de surdos. Contudo, o povo surdo ainda necessita de melhores

condições de acesso e de permanência na escola e em outros espaços da sociedade.

O principal lócus de acesso à cultura científica é a escola, e como tal, ainda

carece de muitos avanços para que se tenha um currículo que reconheça as diferenças. A

121

predominância do Português, a falta de sinais em Libras, e de outros elementos da

pedagogia dos surdos indicam que ainda existem muitos desafios a serem enfrentados e

superados na educação de surdos. Faz-se necessário a produção do currículo como

espaço-tempo de fronteira cultural, “num processo que explicita a fluidez das fronteiras

entre as culturas do eu e do outro e tornam menos óbvias e estáticas as relações de

poder” (MACEDO, 2006, p.189). Nessa acepção o currículo proporciona o encontro

“das diferenças, de desdobramentos em um comum-múltiplo, divergente, desfigurante”

(AMORIM, 2008, p.123).

Pesquisadores surdos (STROBEL, 2016; PERLIN, 2015; PERLIN &

MIRANDA, 2011) defendem a pedagogia dos surdos. Esta permite as trocas culturais

pautadas no reconhecimento das diferenças do povo surdo. Considera-se, portanto, a

língua, o processo curricular, o Português como a segunda língua, a cultura, o auxílio

tecnológico e etc. Nesse sentido, a experiência visual, como elemento do artefato

cultural é apontada como uma das principais formas de abstração cognitiva do povo

surdo.

A experiência visual ganha força principalmente pelos estudos que reconhecem

a importância do uso de imagens na educação (ALVES, 2001; ALVES e OLIVEIRA,

2004; AMORIM, 2007; FISCHER, 2011; CALADO, 1994; SONTAG, 2004;

WUNDER, 2006, 2008). Por essa razão, neste estudo a fotografia é considerada como

um tipo de imagem que potencializa o processo educativo. Ela é entendida como um

artefato cultural que instiga a curiosidade, criatividade, atribuição e produção de

sentidos.

A utilização da fotografia pelas minorias possibilita, principalmente, enunciar

suas demandas. A linguagem fotográfica é produzida e lida a partir da riqueza de visão

de mundo de cada sujeito. Ela pode ser considerada como uma prática de enunciação

pelo surdo pela possibilidade de produzir discursos, textos, conhecimentos e sentidos

por meio de imagens. Seu uso na educação em ciências naturais consente em

expressar/produzir (WUNDER, 2008) eventos do mundo físico e social em substituição

as apreciações veiculadas pela escrita.

O Entendimento de que o uso da fotografia na educação em ciências naturais foi

um elemento potencializador das atividades de extensão do Projeto Novos Talentos

motivou a realização deste estudo que deu centralidade à educação de surdos.

122

Orientadas por esse propósito realizamos entrevistas com sujeitos praticantes desse

projeto.

Uma das características marcantes nas narrativas dos sujeitos praticantes

(entrevistados) foi a configuração do PNT como uma rede de conversação que integrou

estudantes e professores de diversos cursos de graduação do campus central da UFMT e

estudantes e professores de 05 escolas da rede estadual de educação básica. Uma das

escolas dedica-se à educação de surdos.

O princípio de organização da extensão universitária em rede de conversação

foi valorizado em função do entendimento de que essa forma de organização não

permite falar em inclusão. Não é possível definir quem está dentro e quem está fora.

Todos estão incluídos. Não é possível também definir um lugar para o saber e para o

poder. Estes não pertencem a ninguém porque são operacionalizados de forma coletiva.

Por assim entender, o PNT buscou fazer da extensão uma via de mão dupla por onde

fluíram experiências e conhecimentos potencializadores de aprendizagens coletivas.

A fotografia foi assumida no PNT como uma linguagem, uma forma de

“escrita” (pela luz) e como uma prática de enunciação que pode ser utilizada por surdos

e ouvintes sem amarras gramaticais, pela mediação da câmera. Assim, a fotografia dá

autonomia a quem a produz porque estabelece uma relação direta com o observador.

Ademais, permite fazer uso de tecnologias da informação e da comunicação que estão

presentes na escola e que, em geral, são apontadas como problemas para o ensino.

Referimo-nos aos smartphones que cada vez mais incorporam recursos mais avançados

para a produção de fotografias. No PNT o celular não foi considerado um problema para

a educação e sim uma potencialidade para o protagonismo do estudante enquanto

produtor de “imagens quando faltam palavras” (BARROS, 2010).

Para os monitores entrevistados neste estudo a experiência nesse projeto de

extensão foi marcante do ponto de vista pessoal e profissional porque permitiu a

aproximação com as escolas e o reconhecimento das diferenças entre surdos e ouvintes.

Essas diferenças apontam singularidades do que foi denominado de Pedagogia dos

surdos. No entanto, para os licenciandos da área das ciências naturais a fotografia foi

considerada uma ferramenta, um instrumental para o ensino. Perspectiva diferente foi

apresentada pela monitora que é estudante do curso de ciências sociais. Ela considera

que a fotografia pode assumir um caráter político e social desde que se configure como

um texto que estabeleça relações com a vida social.

123

Na perspectiva dos estudantes surdos entrevistados as experiências

vivenciadas no PNT foram significativas porque aproximaram a escola da universidade

despertando o interesse pela continuidade dos estudos até a educação superior. A

fotografia foi valorizada por todos os estudantes surdos em face do entendimento de que

ela favorece o aprendizado de conteúdos curriculares. Isso pode ser explicado pelo fato

de que a fotografia potencializa a experiência visual, que é um dos artefatos culturais

mais importantes do povo surdo.

As narrativas indicam que são muitas as potencialidades da fotografia:

inclusão, experiências, aprendizados formativos, trabalho coletivo, registro de aspectos

da realidade observada, protagonismo e enunciação do estudante surdo, conhecimentos

técnicos da câmera fotográfica e etc. Em suma a fotografia pode ser considerada uma

linguagem, um discurso e uma prática de enunciação que favorece não apenas o

aprendizado de ciências naturais como também de outras ciências que integra o

currículo escolar.

Com base na experiência que vivenciamos como participantes e como

pesquisadoras do PNT podemos dizer que a valorização do projeto pelos sujeitos

praticantes está relacionada com a sua configuração em rede que motiva o

reconhecimento de que somos todos diferentes, incompletos e insuficientes.

Como disse o poeta pantaneiro “para ter mais certezas tenho que me saber de

imperfeições” (Manoel de Barros).

124

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YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 5ª Ed. 2015.

130

APÊNDICE:

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA OS

RESPONSÁVEIS

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Você está sendo convidado(a) para participar, como voluntário, da pesquisa Fotografia como

princípio educativo: vozes sociais de estudantes surdos17

. Após ser esclarecido(a) sobre as

informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo, assine ao final deste documento,

que está em duas vias, uma delas é sua e a outra é do pesquisador responsável. Em caso de

recusa você não terá nenhum prejuízo em sua relação com o pesquisador ou com a instituição

que recebe assistência. Se sentir necessidade, você poderá, a qualquer momento, encerrar a sua

participação. Em caso de dúvida você pode procurar o Comitê de Ética em Pesquisa com Seres

Humanos da Área das Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso –

CEP Humanas/UFMT, coordenado por Rosangela Kátia Sanches Mazzorana Ribeiro, ou através

do telefone (65) 3615-8935. O objetivo deste estudo é analisar as potencialidades do uso da

fotografia na educação em ciências para estudantes surdos. Sua participação neste estudo

consistirá em: autorizar que os estudantes sob sua responsabilidade participe das entrevistas

atividade seja filmada. Os riscos relacionados com a participação dos estudantes na pesquisa são

mínimos e, por este motivo, os procedimentos deste estudo serão adotados de forma a provocar

o menor nível de desconforto possível. Os benefícios para a participação dos estudantes nesse

estudo é de, divulgar o protagonismo de estudantes surdos fotografando a natureza e dar voz aos

mesmos, considerando suas opiniões, sobre os espaços envolvendo a natureza. Ao participar

desse estudo você estará nos auxiliando a ter maiores esclarecimentos acerca das

potencialidades do uso da fotografia na educação de surdos. O conteúdo das informações

colhidas por esta pesquisa será mantido em sigilo, de modo que estas informações não serão

divulgadas de forma a possibilitar a identificação do estudante. Os dados referentes aos

estudantes serão confidenciais e garantimos o sigilo de sua participação durante toda a pesquisa,

inclusive na divulgação da mesma. Eles servirão como base para a reflexão, elaboração de

relatórios e confecção de publicações. Você receberá uma cópia desse termo onde tem o nome,

telefone e endereço da pesquisadora responsável, para que você possa localizá-la a qualquer

momento. Seu nome é Amanda Yasmim Cezarino ([email protected]), mestranda no

Programa de Pós-Graduação em Educação na Universidade Federal de Mato Grosso campus

Cuiabá e telefone de contato (65) 9600-9907. Em caso de dúvida você pode procurar o Grupo

de Pesquisa Educação em Ciências da Natureza – UFMT, com a Prof. Tania Maria de Lima

(coordenadora do grupo e orientadora da pesquisa). Considerando os dados acima, CONFIRMO

estar sendo informado por escrito e verbalmente dos objetivos destes estudos e em caso de

divulgação AUTORIZO a publicação.

Eu (nome do participante ou responsável): ...............................................................................

......................................................................................................................................................

17

Esse título foi alterado no desenvolvimento do projeto.

131

Idade:....................................... Sexo:........................... Naturalidade: ...........................................

RG Nº: ............................................ declaro que entendi os objetivos, riscos e benefícios de

minha participação na pesquisa e concordo em participar. Concordo com a participação do

estudante........................................................................................................................................

no estudo.

Assinatura do participante (ou do responsável, se menor):

........................................................................................................................................................

Assinatura do pesquisador responsável:........................................................................................

Cuiabá, ........... de ........................... de 2015.

132

TERMO DE ASSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA ESTUDANTES SURDOS

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

TERMO DE ASSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA CRIANÇAS

Meu nome é Amanda Yasmim Cezarino faço parte do Programa de Pós-graduação em

Educação da Universidade Federal de Mato Grosso. Estou estudando para ser pesquisadora e

no meu estudo quero compreender o que estudantes surdos pensam sobre a fotografia como

princípio educativo 18 na formação dos mesmos. Durante a pesquisa solicitarei que participem

de entrevistas para que as questões envolvendo a fotografia sejam respondidas. O estudante

participará apenas se houver consentimento do mesmo. As entrevistas serão filmadas, pois, as

questões serão respondidas na primeira língua dos estudantes a LIBRAS e podem ser

interrompidas quando o estudante achar necessário. A autorização do estudante é necessária

para a realização das entrevistas filmadas.

Eu (nome do participante) ........................................................................................................,

Idade: ........................., declaro que entendi minha participação na pesquisa e concordo em

participar. Assinatura do participante: ......................................................................................

Assinatura do pesquisador responsável: ...................................................................................

Cuiabá, ........ de .................................. de 2015.

18

Esse objetivo foi alterado no desenvolvimento do projeto.

133

TERMO DE AUTORIZAÇÃO INSTITUCIONAL

Cuiabá, ___ de _____ de 2015.

Ilustríssima Senhora,

Eu, Amanda Yasmim Cezarino, responsável principal pelo projeto de pesquisa

em nível de mestrado com o título “Fotografia como princípio educativo: vozes sociais

de estudantes surdos19”, venho pelo presente, solicitar vossa autorização para realizar

esta pesquisa no Centro Estadual de Atendimento e Apoio ao Deficiente Auditivo -

CEAADA, orientado pelo Professora Drª Tânia Maria de Lima.

Este projeto de pesquisa atendendo o disposto na Resolução CNS 466/2012,

tem como objetivo analisar as potencialidades do uso da fotografia na educação em

ciências para estudantes surdos. Os procedimentos adotados serão entrevistas com os

estudantes que serão filmadas. Esta atividade apresenta riscos e desconfortos mínimos

aos participantes, que caso ocorram a pesquisadora fará o possível para saná-los. A

coleta de dados ocorrerá de março a julho de 2016.

Ao autorizar esta pesquisa a instituição não terá nenhum benefício direto.

Entretanto, esperamos que este estudo traga informações importantes sobre as

potencialidades do uso de fotografia na educação de surdos, além de divulgar o

protagonismo de estudantes surdos fotografando a natureza e considerando suas

opiniões. Ao participar desse estudo você estará nos auxiliando a ter maiores

esclarecimentos acerca do tema onde a pesquisadora se compromete a divulgar os

resultados obtidos.

Qualquer informação adicional poderá ser obtida através do Comitê de Ética

em Pesquisa: Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Área das Ciências

Humanas e Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso – CEP Humanas/UFMT,

coordenado por Rosangela Kátia Sanches Mazzorana Ribeiro, ou através do telefone

(65) 3615-8935.

19

Esse título foi alterado no desenvolvimento do projeto.

134

A qualquer momento vossa senhoria poderá solicitar esclarecimento sobre o

desenvolvimento do projeto de pesquisa que está sendo realizado e, sem qualquer

tipo de cobrança, poderá retirar sua autorização. Os pesquisadores aptos a esclarecer

estes pontos e, em caso de necessidade, dar indicações para solucionar ou contornar

qualquer mal estar que possa surgir em decorrência da pesquisa.

Os dados obtidos nesta pesquisa serão utilizados na publicação de artigos

científicos e que, assumimos a total responsabilidade de não publicar qualquer dado

que comprometa o sigilo da participação dos integrantes de vossa instituição como

nome, endereço e outras informações pessoais não serão em hipótese alguma

publicados. Na eventualidade da participação nesta pesquisa, causar qualquer tipo de

dano aos participantes, nós pesquisadores nos comprometemos em reparar este dano,

e ou ainda prover meios para a reparação. A participação será voluntária, não

fornecemos por ela qualquer tipo de pagamento.

Autorização Institucional

Eu,______________________________________________________________

responsável pela instituição _________________________________________ declaro

que fui informado dos objetivos da pesquisa acima, e concordo em autorizar a

execução da mesma nesta instituição. Caso necessário, a qualquer momento como

instituição CO-PARTICIPNATE desta pesquisa poderemos revogar esta autorização, se

comprovada atividades que causem algum prejuízo à esta instituição ou ainda, a

qualquer dado que comprometa o sigilo da participação dos integrantes desta

instituição. Declaro também, que não recebemos qualquer pagamento por esta

autorização bem como os participantes também não receberão qualquer tipo de

pagamento.

135

Conforme Resolução CNS 466/2012 a pesquisa só terá início nesta instituição

após apresentação do Parecer de Aprovação por um Comitê de Ética em Pesquisa em

Seres Humanos.

Pesquisadora:

Responsável pela Instituição:

______________________________________________________________________

Orientadora:

______________________________________________________________________

Documento em duas vias:

1ª via instituição

2ª via pesquisadores