UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE … de... · 2017. 2. 6. · 1 universidade...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO GRUPO PESQUISADOR EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL, COMUNICAÇÃO E ARTE RITA DE CÁSSIA LEVENTI ALEIXES JUSTIÇA CLIMÁTICA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL NAS TEIAS DO FÓRUM DE DIREITOS HUMANOS E DA TERRA DE MATO GROSSO CUIABÁ–MT 2015

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

    INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

    PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

    GRUPO PESQUISADOR EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL,

    COMUNICAÇÃO E ARTE

    RITA DE CÁSSIA LEVENTI ALEIXES

    JUSTIÇA CLIMÁTICA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL NAS TEIAS DO

    FÓRUM DE DIREITOS HUMANOS E DA TERRA DE MATO

    GROSSO

    CUIABÁ–MT

    2015

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

    INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

    PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

    GRUPO PESQUISADOR EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL,

    COMUNICAÇÃO E ARTE

    RITA DE CÁSSIA LEVENTI ALEIXES

    JUSTIÇA CLIMÁTICA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL NAS TEIAS DO

    FÓRUM DE DIREITOS HUMANOS E DA TERRA DE MATO

    GROSSO

    Árvore da Vida (PORTINARI, 1957)

    CUIABÁ-MT

    2015

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    RITA DE CÁSSIA LEVENTI ALEIXES

    JUSTIÇA CLIMÁTICA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL NAS TEIAS DO FÓRUM

    DE DIREITOS HUMANOS E DA TERRA DE MATO GROSSO

    Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação, na Área de Concentração Educação, Linha de Pesquisa Movimentos Sociais, Política e Educação Popular – Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte.

    Orientadora: Profa. Dra. Michèle Sato

    Coorientadora: Profa. Dra Regina Silva

    CUIABÁ–MT

    2015

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    Dados Internacionais de Catalogação na Fonte.

    A366j ALEIXES, Rita de Cássia Leventi. JUSTIÇA CLIMÁTICA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL NAS TEIAS DO FÓRUM DE DIREITOS HUMANOS E DA TERRA DE MATO GROSSO / Rita de Cássia Leventi ALEIXES. -- 2015 102 f. : il. color. ; 30 cm.

    Orientadora: Profa. Dra. Michèle Sato. Coorientadora: Profa. Dra. Regina Silva. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Cuiabá, 2015. Inclui bibliografia. 1. Justiça Climática. 2. Educação Ambiental. 3. Direitos Humanos. 4. Fórum de Direitos Humanos e da Terra de Mato Grosso.

    Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos

    pelo(a) autor(a).

    Permitida a reprodução parcial ou total, desde que citada a fonte.

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    DISSERTAÇÃO APRESENTADA À COORDENAÇÃO DO PROGRAMA DE

    PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DA UFMT

    RITA DE CÁSSIA LEVENTI ALEIXES

    JUSTIÇA CLIMÁTICA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL NAS TEIAS DO FÓRUM

    DE DIREITOS HUMANOS E DA TERRA DE MATO GROSSO.

    BANCA EXAMINADORA

    Michèle Sato – Orientadora – Presidente da Banca

    Regina Silva – Coorientadora – Membro da Banca

    Tânia Maria Lima – Banca Interna

    Marcos Sorrentino – Banca Externa

    Michelle Jaber – Banca Interna (suplente)

    Cuiabá-MT, 18 de maio de 2015.

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    DEDICATÓRIA

    Figura 1 - Bird drinking water1

    Autoria: Edwin Kats

    À Vera e Francisco,

    amados Pais que me ensinaram que sabedoria precede o conhecimento (ambos in memorian).

    Às minhas filhas Mariana, Vitória e Gabriela, amores de minha vida, pelo apoio e cuidado.

    À Milton, para além de esposo, grande amigo e companheiro.

    À Luzia, Simony, Fernando, Matheus, João Pedro, Gonçalo, Nayara, Letícia, família que amo. Sem vocês, jamais seria possível.

    1 Disponível em: < http://batyar.com/wp-content/uploads/2014/05/0_db34b_8e9a28ff_XXL.jpg> Acesso em: 10 fev. 2015.

    http://batyar.com/wp-content/uploads/2014/05/0_db34b_8e9a28ff_XXL.jpg

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    A G RA D EC IM E NT O S

    A Deus, em sua suprema e diversas formas, por permitir este caminhar. A todos e todas de um grupo de pessoas que possibilitaram encontros,

    aprendizagens, alegrias, superações e tudo aquilo que faz relevar ainda mais o sentido de humanidade em um encontro de sonhos coletivos.

    À amada professora Doutora Michèle Sato pelo exemplo de dedicação acadêmica, mas principalmente pela generosidade de, ao perceber as minhas dificuldades, alumiar os trilhos da pesquisa.

    A muito querida professora Doutora Regina Silva, pela coorientação neste trabalho, exemplo de amor e persistência acadêmica.

    Ao professor Doutor Marcos Sorrentino pela generosidade em participar deste percurso, registrando meu sincero orgulho em tê-lo como examinador em minha banca de defesa.

    À professora Doutora Tânia Maria Lima, em seu jeito especial de sempre instigar, de modo firme e ao mesmo tempo com admirável gentileza, a necessidade de superação das fragilidades acadêmicas, naturais as trilhas da pesquisa.

    À professora Doutora Michele Jaber pelo constante carinho creditado a mim, durante todo o tempo e espaço de convivência. Agradeço muito o prazer de estar contigo nesta caminhada.

    A todos os colegas do GPEA, em especial a Lushi em sua alegria, Denize amiga sempre, Giseli Nora sempre energia contagiante, Rosana com sua constante determinação.

    À Maria Eliete (Lika) e sua exemplar intensidade, ao querido Herman sempre por perto com seus ‘ver-sos’, a Ivan Belém pela alegria e ao Júlio pelo peculiar bom humor.

    À amiga Elizete, irmã de alma, por possibilitar momentos inesquecíveis de risos (e algumas angústias), minha sincera admiração pela integridade e persistência com que supera medos e busca seus sonhos, na certeza que estaremos sempre juntas, alheias aos diversos caminhos que possamos no futuro trilhar.

    Ao inesquecível colega André (in memorian), querido menino que em sua luta nos ensinou o sentido do amor à vida, ao Direito e à Justiça, traduzidos na paixão pela pesquisa.

    Aos professores e técnicos, servidores do Instituto de Educação da UFMT, do Programa de Pós-Graduação em Educação, pela atenção dispendida em todos os momentos, em especial à professora Márcia, aos colegas Mariza e Marcos.

    À especial Luisa, sempre disposta à ajudas preciosas, mas principalmente por nos contagiar com o seu constante sorriso, capaz de amenizar dificuldades burocráticas administrativas inerentes aos passos de uma vida acadêmica.

    A todas as Pessoas Especiais que militam junto ao Fórum de Direitos Humanos e da Terra de Mato Grosso, ainda que não entrevistadas nesta pesquisa, mas com as quais convivi durante esta pesquisa, pelo acolhimento e confiança dispensados a mim, e, principalmente, com as quais aprendi a manter a esperança e os sonhos de construção de uma sociedade melhor.

    Muitíssimo obrigada àqueles que aceitaram ser os sujeitos desta pesquisa, os quais, com carinho e compreensão, renunciaram de precioso tempo pessoal para

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    propiciar momentos inesquecivelmente educativos a esta pesquisadora: Gilberto Vieira, Michelle Jaber, Roberto Tadeu, Roberto Rossi, João Inácio, José Inácio, Elizete Gonçalves, Romário Augusto, Paulo César e Denize Amorim.

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    ALEIXES, Rita de Cássia Leventi. A Justiça Climática e a Educação Ambiental nas teias do Fórum de Direitos Humanos e da Terra de Mato Grosso. 2015. 103 f. Dissertação (Mestrado em Educação), Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte (GPEA). Cuiabá, 2015. Orientadora: Dra. Michèle Sato. Coorientadora: Dra. Regina Silva.

    RESUMO

    O Fórum de Direitos Humanos e da Terra de Mato Grosso (FDHT-MT) é uma instância

    da sociedade civil que agrega diversos sujeitos e entidades – a maioria de organizações

    não-governamentais (Ongs) – que buscam proteger os Direitos Humanos e também as

    vidas não humanas e seus ambientes. O fórum possui 11 Grupos de Trabalho (GT),

    entre esses o GT “Meio Ambiente e Grupos Sociais” composto por 7 entidades que,

    juntas, buscam usar táticas para combater as violações socioambientais. O objetivo da

    pesquisa foi compreender de que maneira os participantes deste GT percebem a

    dimensão ambiental e climática em suas formas de luta e organização, se trabalham

    com o conceito de justiça climática e também se consideram o fórum como uma

    estrutura educadora capaz de promover a aprendizagem entre seus participantes.

    Compreendendo diferentemente mudança climática e justiça climática, considero que

    os grupos sociais vulneráveis e as comunidades economicamente desfavorecidas estão

    mais expostos aos riscos e desastres provocados pelas alterações extremas do clima, e

    sofrerão mais os efeitos dos câmbios de forma injusta. Com inspiração metodológica

    na pesquisa participante, os integrantes do fórum foram entrevistados com perguntas

    não-estruturadas, algumas gravadas por meio eletrônico, outras por transcrições

    manuscritas, mas todas expressamente autorizando a utilização de imagens e das

    entrevistas, bem como a identificação de seus nomes completos. Os resultados revelam

    que os membros do FDHT-MT possuem uma visão que entrelaça o ambiente com a

    sociedade humana na intrincada teia que tece os cuidados da vida. Possuem

    organizações, projetos, programas e ainda respondem a demanda dos Movimentos

    Sociais, muitas vezes fugindo do próprio escopo da constituição original das

    entidades. Embora concebam a mudança climática, e estejam preocupados com os

    efeitos deste fenômeno, raras são as organizações que possuem ações diretas com os

    princípios da Justiça Climática. Todos os participantes compreendem que o fórum é

    uma estrutura educadora capaz de promover aprendizagens que tecem as políticas

    públicas sobre Direitos Humanos e da Terra. Esta constatação autoriza afirmar que o

    fórum é uma instância da Educação Ambiental popular, capaz de propor, construir e

    sustentar as políticas públicas que visem a inclusão social, a proteção ecológica e a

    democracia.

    Palavras-chave: Justiça Climática. Educação Ambiental. Direitos Humanos.

    Movimentos Sociais.

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    ALEIXES, Rita de Cássia Leventi. Climate justice and environmental education in the

    webs of human rights Forum and of the land of Mato Grosso. 2015. 103 f. Dissertation

    (master of education), Universidade Federal de Mato Grosso, Institute of Education,

    Postgraduate Program in Education, Group Researcher in Environmental Education

    GPEA. Cuiabá, 2015. Advisor: Dr. Michèle Sato. Co-Advisor: Dr. Regina Silva.

    ABSTRACT

    The Human Rights Forum and of the land of Mato Grosso (FDHT-MT) is an instance

    of civil society that aggregates various subject and entities - the majority of non-

    governmental organizations – that seek to protect human rights and non-human also.

    The Forum has 11 working groups (WG), among these the GT "environment and social

    groups" composed of 7 entities, which together seek to use tactics to combat the

    environmental violations. The objective of the research was to understand in what way

    the participants of this GT realize the environmental dimension and climate in its

    forms of struggle and organization, if they work with the concept of climate justice and

    also consider the Forum as an educator structure able to promote learning among its

    participants. Understanding contrary to climate change and climate justice, I believe

    that the vulnerable social groups and economically disadvantaged communities are

    more exposed to risks and disasters caused by extreme climate changes, and will suffer

    more the effects of currency exchange unfairly. Methodological research inspired

    participant, the members of the Forum were interviewed with unstructured questions,

    some recorded by electronic means, other by handwritten transcriptions, but all

    expressly authorizing the use of images and interviews, as well as the identification of

    their full names. The results show that the members of the FDHT-MT have a vision

    that interweaves the environment with the human society on the intricate web that

    weaves the cares of life. Have organizations, projects, programs and still respond to

    demands of social movements, often fleeing from the scope of the original Constitution

    of the entities. Although devise climate change, and are concerned about the effects of

    this phenomenon, rare are the organizations that have direct action with the principles

    of climate justice. All participants understand that the Forum is an educational

    framework able to promote learning that weave public policy on human rights and of

    the Earth. This authorizes state that the Forum is an instance of popular environmental

    education, able to propose, to build and sustain public policies aimed at social

    inclusion, environmental protection and democracy.

    Keywords: Climate Justice. Environmental Education. Human Rights. Social.

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    LISTA DE ILUSTRAÇÕES

    Figura 1 - Bird drinking water ............................................................................................... 6

    Figura 2 – ‘Mística’ de abertura realizada pelo Grupo Fé e Vida – Cáceres-MT -

    Abertura de evento 5ª Conferência sobre DHT-MT (2014) ............................................. 16

    Figura 3 – ‘Ciranda’ de Glenio Bianchetti (1988) .............................................................. 29

    Figura 4 - Representação da dinâmica dos Grupos de Trabalhos no FDHT-MT ......... 31

    Figura 5 - Reunião V Conferência Estadual de Direitos Humanos e da Terra de Mato

    Grosso, Cuiabá-MT, 2014 ...................................................................................................... 34

    Figura 6 - Representação da transversalidade das lutas sociais por direitos em redes

    de MS ....................................................................................................................................... 37

    Figura 7 - Puxada de Rede, de Cândido Portinari (1959) ............................................... 48

    Figura 8 - ‘Ciranda’, de Antônio Poteiro ............................................................................ 58

    Figura 9 - ‘Mística’ de Encerramento – Grupo Fé e Vida – Cáceres-MT. Cerimonia

    abertura de evento coordenado pelo FDHT-MT (2014) ................................................... 85

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    LISTA DE QUADRO E GRÁFICO

    Quadro 1 - Tipologia de Concepções sobre Ambiente na EA (SAUVÉ, 1997)..............59

    Gráfico 1 - Principais Táticas de Lutas do FDHT, indicadas pelos entrevistados ....... 75

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    LISTA DE SIGLAS

    ABHP Associação Brasileira de Homeopatia Popular

    ADDC Associação de Defesa dos Direitos do Cidadão

    CBE/CBA Comunidades Eclesiais de Base – Cuiabá

    CBFJ Centro Burnier Fé e Justiça

    CDHHT Centro de Direitos Humanos Henrique Trindade

    CEBI/MT Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos de Mato Grosso

    CEDDH Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos

    CONSEMA Conselho Estadual de Meio Ambiente

    CIMI Conselho Indigenista Missionário.

    CJMT Coletivo Jovem de Meio Ambiente – Mato Grosso

    CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

    CPM Centro Pastoral para Migrantes

    CPT Comissão Pastoral da Terra

    CUT Central Única dos Trabalhadores

    DCNEA Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental

    DH Direitos Humanos

    DHT-MT Direitos Humanos e da Terra de Mato Grosso

    DNEDH Diretrizes Nacional para a Educação em Direitos Humanos

    DPE/MT Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso

    EA Educação Ambiental

    EDHPSFA Escritório de Direitos Humanos da Prelazia de São Félix do Araguaia

    FAPEMAT Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso

    FBMC Fórum Brasileiro sobre Mudanças Climáticas

    FDHT-MT Fórum de Direitos Humanos e da Terra de Mato Grosso

    FLEC Fórum de Lutas das Entidades de Cáceres

    FMMC Fórum Matogrossense sobre Mudanças Climáticas

    FORMAD Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento

    GPEA Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte

    GT Grupo de Trabalho

    IC Instituto Caracol

    INAU Instituto Nacional de Ciências e Tecnologia em Áreas Úmidas

    INHURAFE Instituto Humana Raça Fêmina

    INPE Instituto de Pesquisas Espaciais

    IPCC Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima

    INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio

    Teixeira

    JC Justiça Climática

    MMA Ministério do Meio Ambiente

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    MMJC Marcha Mundial por Justiça Climática

    MPF Ministério Público Federal

    MS Movimentos Sociais

    MST Movimento dos Trabalhadores Sem Terra

    MT Mato Grosso

    MNDH Movimento Nacional de Direitos Humanos

    NESA Núcleo de Economia Socioambiental

    NMS Novos Movimentos Sociais

    ONU Organizações das Nações Unidas

    OPAN Operação Amazônia Nativa

    PC Pastoral Carcerária

    PBMC Painel Brasileiro sobre Mudanças Climáticas

    PM Pastoral do Migrante

    PNEDH Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos

    PNUA Programa das Nações Unidas para o Ambiente

    RBJA Rede Brasileira de Justiça Ambiental

    REDD Redução de Emissões de Gases do Efeito Estufa

    REMTEA Rede Mato-grossense de Educação Ambiental

    SEMA Secretaria Estadual do Meio Ambiente

    SEDUC Secretaria Estadual de Educação

    SINDJOR Sindicato dos Jornalistas de Mato Grosso

    SINTEP Sindicato dos Trabalhadores no Ensino do Público

    SFV Sociedade Fé e Vida

    UFMT Universidade Federal de Mato Grosso

    UNFCCC Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima

    UNICEN Faculdade de Direito de Tangará da Serra

    UNIVAG Universidade de Várzea Grande

    USP Universidade de São Paulo

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    SUMÁRIO

    CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO – O tempo e os fios da Teia ........................................... 16

    1.1 Iniciando a tessitura ..................................................................................................... 17

    1.2 Andanças e o encontro pessoal com a pesquisa ...................................................... 22

    CAPÍTULO 2. OBJETIVOS – Planejando o arranjo da teia .............................................. 29

    2.1 O Fórum de Direitos Humanos e da Terra de Mato Grosso .................................. 30

    2.2 Direitos Humanos, Justiça Ambiental e Mudanças Climáticas ............................. 35

    2.3 Justiça Climática e Educação Ambiental................................................................... 42

    CAPÍTULO 3. METODOLOGIA – Na tessitura da teia ................................................... 48

    3.1 Ações Investigativas e Método ................................................................................... 49

    3.2 Os processos da pesquisa ............................................................................................ 54

    CAPITULO 4. RESULTADOS – Arquitetura da Teia ....................................................... 58

    4.1 Diálogos em Roda ........................................................................................................ 59

    4.2. Justiça Climática e Equidade ..................................................................................... 64

    4.3 O FDHT-MT enquanto estrutura Educativa ............................................................ 77

    CAPÍTULO 5. O Entrelaçamento entre Teias de Fios ...................................................... 85

    5.1 No balançar entre fios e esperanças da teia .............................................................. 86

    REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 92

    APÊNCIDES .........................................................................................................................102

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    Figura 2 – ‘Mística’ de abertura realizada pelo Grupo Fé e Vida/Cáceres- MT. Abertura da 5ª Conferência Estadual sobre Direitos Humanos-MT (2014)

    Autoria: Regina Silva

    CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO – O tempo e os fios da Teia

    IDENTIDADE Preciso ser um outro, para ser eu mesmo[...]

    No mundo que combato morro no mundo por que luto nasço

    (MIA COUTO, 2001)

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    1.1 Iniciando a tessitura

    Em tempos atuais, as novas maneiras de mobilizações populares tornaram-se

    temas centrais em quase todos os segmentos organizados como forma de ecoar lutas

    coletivas frente a conhecidos problemas sociais, a exemplo da corrupção na gerência

    de recursos públicos, desrespeito a direitos fundamentais como educação, saúde,

    alimentação de qualidade, trabalho e moradia dignos, degradação do meio ambiente,

    entre outros.

    A respeito dos desafios no campo ambiental, urge especial preocupação com as

    ações sociais voltadas à compreensão coletiva sobre os fatores e consequências

    oriundas de eventos climáticos extremos, em âmbito local e mundial, trazendo a lume

    a importância dos movimentos sociais congregar as discussões sobre a Justiça

    Climática (JC) e a Educação Ambiental (EA), nas lutas pela construção e efetivação de

    políticas públicas.

    Nesta pesquisa, apresento os caminhos e compreensões vivenciadas durante este

    trabalho acadêmico, abarcando três grandes elementos teóricos: Justiça Climática,

    Educação Ambiental e Direitos Humanos (DH) nas ações de luta de um determinado

    movimento social: o Fórum de Direitos Humanos e da Terra de Mato Grosso (FDHT-

    MT).

    Em 2011, uma reunião de entidades de defesa dos Direitos Humanos atuantes no

    Estado de Mato Grosso contou com participantes do movimento ecologista, propondo

    a inclusão do meio ambiente como componente essencial à efetivação dos direitos

    humanos.

    A partir disso, foi fundado o FDHT-MT abraçando uma dimensão mais inclusiva,

    menos antropocêntrica e mais justa do ponto de vista da luta socioambiental,

    admitindo que o ambiente não é mais objeto de consideração humana, mas é sujeito

    na sua existência com a humanidade, na medida em que evita “[...] polarizar em

    extremismos do antropocentrismo ou do biocentrismo”, reconhecendo a existência de

    uma “[...] rede de vida mais horizontalizada capaz de enxergar toda forma de vida e

    todos os elementos da natureza” (SATO; SILVA; JABER-SILVA, 2013, p. 124).

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    Para Santos (2007, p. 23), compreender os direitos humanos na conjuntura de uma

    economia globalizada e capitalista, implica reconhecer a existência de uma

    globalização hegemônica neoliberal e uma globalização contra-hegemônica. E,

    distinguindo os enfraquecimentos atuais dos “[...] direitos humanos e suas relações

    com as dimensões da injustiça global é possível construir a partir deles, mas para além

    deles, ideias e práticas de resistências fortes”.

    Especialmente, ter como prioridade inibir desigualdades entre regiões ou grupos

    sociais, provenientes dos impactos e conflitos socioambientais assim considerados

    aqueles cujo “[...] cerne do conflito gira em torno das interações ecológicas” (SATO;

    SILVA; JABER-SILVA, 2013, p. 88). Nesse diapasão, inclui-se aqueles decorrentes de

    eventos relacionados às mudanças climáticas, oriundas de um modelo de crescimento

    econômico que maximiza o lucro e estimula um modelo de produção e de consumo

    que impacta fortemente o meio ambiente e altera profundamente os fundamentos

    éticos relacionados à proteção ambiental e aos direitos humanos.

    Amoldo neste trabalho, a Justiça Climática como um indispensável componente nas

    ações empreendidas pelos novos Movimentos Sociais que estimulem firmes reflexões

    tanto nas instâncias institucionalizadas (órgãos e agentes políticos responsáveis por

    políticas públicas); quanto no ambiente escolarizado e nos espaços coletivos

    organizados pela sociedade civil.

    Numa das pontas da tríade proposta, sustento que uma Educação Ambiental,

    estabelecendo-se como processo permanente de aprendizagem, deve firmar “[...]

    valores e ações indispensáveis à transformação humana e social e preservação

    ecológica [...] estimulando a formação de sociedades socialmente justas e

    ecologicamente equilibradas [...]” (SATO, 2002, p. 17).

    Uma Educação Ambiental assinalada em ações e espaços educativos não formais,

    tende a caracterizar-se como essencialmente política, capaz de potencializar e

    fortalecer atuações coletivas adequadas a enfrentar padrões e comportamentos

    hegemonicamente estabelecidos, inclusive por antagonizar-se em muitos momentos

    com a esfera institucional.

    Como objetivo geral desta pesquisa, intencionei compreender se o conjunto das

    atividades promovidas pelo FDHT-MT, em suas principais táticas (CERTEAU, 2005)

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    de lutas enquanto movimento social, constitui uma proposição da educação popular,

    assumindo a Justiça Climática, os Direitos Humanos e a Educação Ambiental como

    marcos de partida desta jornada científica.

    Como dito anteriormente, o FDHT-MT foi fundado no ano de 2011, pela

    articulação de diversas entidades da sociedade civil organizada, já experientes na luta

    pela defesa dos Direitos Humanos em Mato Grosso.

    Com a criação do fórum, as lutas políticas sociais tomaram contornos mais

    fortalecidos e visíveis nas pautas de diálogo com o governo, podendo afirmar que o

    movimento tático de lutas do FDHT-MT é um processo de aprendizagem constante,

    constituindo-se parte da educação popular (FREIRE, 1987).

    Dentre as diversas frentes de atuação do FDHT-MT, destaco a construção de dois

    relatórios estaduais (JABER-SILVA; SILVA; SATO, 2011; WERNER; SATO; ROSSI,

    2013), que por movimentos coletivos conseguiram desenhar um panorama geral das

    violações dos direitos humanos e do ambiente no Estado de Mato Grosso.

    No blog do FDHT-MT2, as visitações diárias são frequentes e de todo o mundo,

    que além das principais manchetes, também conta com espaços temáticos específicos,

    como sobre impactos socioambientais oriundos da Copa Mundial de 2014, o Programa

    Estadual de Educação em Direitos Humanos, Povos Indígenas, Justiça Climática, entre

    outros.

    Os objetivos específicos delimitados no desenvolvimento desta pesquisa foram:

    1) Conhecer de que maneira o ambiente é considerado nas atividades de algumas

    entidades partícipes no FDHT-MT; 2) Compreender como alguns participantes do

    fórum, em especial do Grupo de Trabalho ‘Ambiente e Grupos sociais’, percebem a

    questão climática; 3) Identificar quais são as principais táticas de lutas que envolvem

    a proteção socioambiental, com especial consideração à justiça climática; 4) Apreender

    se o FDHT-MT pode ser considerado como um espaço educador que promove EA.

    Foram entrevistados 10 (dez) representantes de entidades que participam do

    FDHT-MT, sendo 08 (oito) diretamente partícipes no GT Ambiente e Grupos Sociais,

    quais sejam: 02 (dois) entrevistados do CBFJ-Centro Bunier Fé e Justiça; 02 (dois)

    entrevistados do CJMT-Coletivo Jovem para o Meio Ambiente; 01 (um) entrevistado

    2 O blog oficial do FDHT-MT está disponível em: .

    http://direitoshumanosmt.blogspot.com.br/

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    da CPT - Comissão Pastoral da Terra; 01 (um) entrevistado do CIMI-Conselho

    Indigenista Missionário; 01 (uma) entrevistada do IC-Instituto Caracol; e 01 (uma)

    entrevistada da UFMT - Universidade Federal de Mato Grosso. Além dessas,

    entrevistei 01 (um) representante do FORMAD - Fórum Mato-grossense para o Meio

    Ambiente e Desenvolvimento; e 01 (um) representante da DPE/MT - Defensoria

    Pública do Estado de Mato Grosso.3

    A consolidação deste trabalho aconteceu com a minha inserção no grupo que se

    pretendia compreender, enquanto representante do Instituto Caracol, condição que

    me oportunizou compartilhar em atividades e reuniões desenvolvidas no cotidiano do

    FDHT-MT, durante os anos de 2013 e 2014.

    A respeito, o IC é uma organização civil não governamental, fundada em

    setembro de 2008, tendo como princípio basilar de suas atividades a Educação

    Ambiental que favoreça a construção coletiva de espaços da “[...] sociedade civil para

    a militância, participação e controle social das políticas públicas relacionadas à

    dimensão socioambiental”.4

    A construção desta pesquisa foi realizada com a participação conjunta dos

    entrevistados, tornando-se estes coautores, na medida em que compartilhamos

    atividades, estudos e militâncias desenvolvidas junto ao Fórum, assumindo que a

    pesquisa serve para “[...] constatar, constatando se intervém, e intervindo educa e se

    educa” (FREIRE, 1996, p. 32).

    As entrevistas realizadas foram interpretadas por referências conceituais teóricas

    detalhadas ao longo desta pesquisa, no sentido de dar mais qualidade aos processos

    de compreensão do objeto pesquisado.

    Além disso, evidencio as contradições ou descompassos, bem como as

    potencialidades práticas inerentes ao movimento social pesquisado (FDHT-MT), e

    possíveis consequências na construção de uma efetiva sustentabilidade política e

    socioambiental. Procuro inspiração na pesquisa participante enquanto trilha

    metodológica, por compreendê-la como:

    3Os trechos de entrevistas, inseridos neste trabalho, foram transcritos e integram acervo pessoal desta pesquisadora. 4O Instituto Caracol mantém perfil na rede social facebook, desde 2009. Disponível em: .

    https://www.facebook.com/caracolinstituto

  • 21

    [...] um repertório múltiplo e diferenciado de experiências de criação coletiva de conhecimentos, destinados a superar a oposição sujeito/objeto no interior de processos que geram saberes e na sequência das ações que aspiram gerar transformações a partir também desses conhecimentos. (BRANDÃO, 2006, p.

    12-13).

    Na pesquisa envolvo a Educação Popular como referencial teórico-metodológico

    trazido enquanto processo educativo que se realiza tanto no ensino formal, no espaço

    da informalidade, como no interior dos Movimentos Sociais.

    A Educação Popular fortalece uma concepção educativa assentada no “[...]

    envolvimento permanente do sujeito no domínio político; ativo na construção e

    reconstrução das estruturas sociais e econômicas nas quais se dão as relações de poder

    e se gestam as ideologias” (FREIRE, 1997, p. 11).

    A práxis Freireana consolida uma cultura de cidadania e responsabilidade

    socioambiental, oriunda de interações horizontais principalmente entre o sujeito e os

    diversos atores coletivos ligados aos temas educação, ambiente, participação política,

    entre outros direitos sociais.

    Este trabalho está elaborado em cinco capítulos.

    No Capítulo 1 apresento um trilhar no tempo, não apenas da minha biografia

    acadêmica e profissional, mas dos contextos responsáveis pela identificação desta

    pesquisadora com o tema aqui pesquisado, os passos trilhados antes e durante a

    realização deste trabalho acadêmico, os aspectos éticos e a importância acadêmica

    desta investigação.

    O Capítulo 2 foi pensado com o fito de evidenciar o FDHT-MT, ente coletivo

    escolhido para realização da pesquisa; apresento uma descrição de cada entidade e os

    seus respectivos representantes entrevistados; algumas referências teóricas e

    metodológicas ligadas às formas de atuação daquele Fórum e uma preliminar reflexão

    conceitual sobre Justiça Climática, Direitos Humanos e Educação Ambiental.

    A opção metodológica que inspira a pesquisa foi delineada no Capítulo 3, pela

    descrição das ações investigativas utilizadas por meio da pesquisa participante de

    Paulo Freire e Carlos Brandão.

    No Capítulo 4 reflito sobre os resultados colhidos no presente trabalho,

    dialogando, nessa compreensão, com alguns teóricos referenciados e, respondendo

  • 22

    questões, a exemplo de como o ambiente e a justiça climática são percebidos pelos

    sujeitos entrevistados; as principais táticas de lutas e resistências de enfrentamento das

    atividades contribuintes para a mudança climática e suas consequências

    socioambientais apresentados pelos entrevistados; como eles percebem as injustiças

    sociais e a diversidade de sujeitos na arena de lutas, e, por fim, se o processo construído

    no FDHT-MT pode ser considerado uma instância do exercício da Educação

    Ambiental.

    Na pesquisa, os resultados demonstram os textos e contextos que possibilitam a

    apreensão do ambiente como um componente transversal nas atividades cotidianas

    das entidades que integram o FDHT-MT; as táticas de lutas que buscam garantir a

    construção e implantação de políticas públicas, participação e controle social, o

    reconhecimento da importância da ocupação de espaços institucionalizados ou não,

    como forma de exercício de direitos.

    A relevância do Fórum desponta ao mesmo tempo que possibilita encontros e

    diálogos com uma multiplicidade de outros movimentos, explorando o formato de sua

    atuação em rede. Alguns entrevistados destacam a necessidade de formação e

    discussões teóricas com participação da comunidade acadêmica científica, atribuindo

    a essa ação importância fundamental e inerente a natureza do FDHT-MT, além de

    reconhecer em quais condições aquele Fórum caracteriza-se em um espaço educativo.

    Demarcado como Capítulo 5 deste trabalho, apresento uma entrelaçada reflexão

    de todo o caminho, que não ouso atribuir como conclusão, mas como singelo marco

    de partida para uma pesquisa que necessita ter diversos outros capítulos.

    1.2 Andanças e o encontro pessoal com a pesquisa

    A leitura e estudos realizados nesta pesquisa reavivaram memórias de caminhos

    percorridos por mim desde a graduação no curso de Direito. Enquanto assessora junto

    ao Ministério Público Federal (MPF), comecei minhas experiências práticas no

    acompanhamento de diversificadas ações judiciais relacionadas a defesa do meio

    ambiente natural, proteção do patrimônio histórico cultural, dos interesses de povos

  • 23

    indígenas (Bororo, Xavante, Cinta-Larga, Nambikwara, Pareci, Rikbaktsa, Suyá), bem

    como, outras demandas de natureza coletiva.

    Assim, despertou meu interesse pessoal e profissional pelas lutas empreendidas

    por movimentos sociais organizados, como o Conselho Indigenista Missionário

    (CIMI), Associações de Bairros populares localizados na periferia urbana dos

    municípios de Cuiabá-MT e Várzea Grande-MT, envolvidos nas lutas pelo direito à

    moradia, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em parceria com

    instituições públicas federais, estaduais e municipais, entre estas a própria

    Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

    Nessa fase embrionária de formação profissional, por assim dizer, compreendi

    que aqueles MS buscavam no espaço institucionalizado uma atuação judiciária

    direcionada não apenas a aplicação sistematizada de normas e leis vigentes, mas para,

    além disso, uma ação que efetivasse a proteção a direitos fundamentais de natureza

    individual e coletiva.

    Algumas atuações conjuntas entre entidades governamentais, sociedade civil

    organizada e MPF traduziram-se na efetivação de direitos coletivos e difusos, pois,

    além de pioneiras no contexto judiciário nacional, notoriamente potencializaram uma

    ressignificação das normas jurídicas voltadas aos interesses de segmentos sociais em

    condições de vulnerabilidade, esta compreendida como “[...] um conjunto de

    características, de recursos materiais ou simbólicos e de habilidades inerentes a

    indivíduos ou grupos, que podem ser insuficientes ou inadequados para o

    aproveitamento das oportunidades disponíveis na sociedade” (MONTEIRO, 2011, p.

    35).

    Cite-se, por exemplo, as lutas de grupos e associações de mutuários pela

    efetividade do direito à moradia, por meio do equilíbrio socioeconômico nos contratos

    firmados no âmbito dos Programas Sociais integrantes do Sistema Financeiro da

    Habitação, administrado por Governos Federal, Estadual e Municipal.

    Igualmente, diversas medidas judiciais protetivas para demarcação do território

    indígena Maraiwatsede, localizado entre os municípios de São Félix do Araguaia e

    Alto de Boa Vista; foram associadas as ações cíveis e criminais ajuizadas contra

    invasores de áreas indígenas localizadas em Mato Grosso.

  • 24

    Essa experiência inicial possibilitou conhecer potencialidades e fragilidades na

    atuação institucional, inclusive em razão das limitações oriundas de uma legislação

    edificada quase sempre em molde hegemônico, revelando que a atuação dos entes

    institucionalizados e os interesses almejados pelas lutas sociais, muitas das vezes,

    confrontavam-se, em razão das prioridades assumidas por cada um dos atores sociais.

    Mesmo existindo aparente comunhão de interesses entre representantes da

    sociedade organizada, entes governamentais e, até mesmo, instituições de ensino e

    pesquisa, todos comprometidos com a luta pela garantia à participação democrática

    na construção e efetivação de políticas públicas e programas sociais direcionados à

    garantia de direitos humanos fundamentais, restavam nítidos os desafios de uma

    atuação conjunta.

    Sobre esse contexto, Santos (2009, p. 13) afirma que a “[...] complexidade dos

    Direitos Humanos reside em que eles podem ser concebidos e praticados, quer como

    forma de localismo globalizado, quer como forma de cosmopolitismo ou, por outras

    palavras, quer como globalização hegemônica, quer como globalização contra-

    hegemônica”.

    Desde então, percebi-me nas cirandas de diálogos entre movimentos sociais e

    instituições oficiais federais, estaduais e municipais, a exemplo da Secretaria Estadual

    do Meio Ambiente, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Instituto

    Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, entre outros entes

    públicos ou representantes da sociedade civil.

    Após essa experiência na esfera institucional, assumi caminho autônomo

    passando a atuar na advocacia privada, em defesa de direitos de consumidores

    hipossuficientes, mutuários de programas habitacionais e a defesa do meio ambiente.

    Em 2001, especializei-me em Direito Agroambiental pela Universidade Federal de

    Mato Grosso, momento em que, academicamente, aprofundei os estudos direcionados

    as legislações ambientais.

    Na docência, ministrei aulas em cursos de graduação e pós-graduação em

    Instituições de Ensino Superior, a exemplo da Univag – Centro Universitário Várzea-

    grandense, Unicen – Faculdade de Direito de Tangará da Serra, e por último, na

  • 25

    Faculdade de Direito da UFMT, especialmente em disciplinas de ramos de Direito

    Público como Direito Ambiental, Administrativo e Direito do Consumidor, etc.

    Desde o início dessa vivência prática, uma inquietação passou a tomar corpo

    quando percebido que as normas jurídicas, por si só, muitas vezes não conseguiam

    concretizar-se em resultados emancipatórios, fosse para antigos ou mesmo para novos

    conflitos sociais.

    Daí, entre as razões para a escolha do Mestrado em Educação, em especial pela

    linha de pesquisa de Movimentos Sociais, Política e Educação Popular, está a pretensão

    de compreender e contribuir, por meio da pesquisa, para o fortalecimento de ações que

    concretizem esperanças e sonhos vivenciados no contexto coletivo e individual,

    especialmente através dos resultados que certamente constarão neste trabalho de

    pesquisa.

    A experiência até então vivenciada possibilita assumir com mais propriedade e

    responsabilidade a luta cotidiana pelo direito à participação democrática (ampla e

    equitativamente acessível), acreditando-a fortalecedora de grupos sociais na busca por

    uma maior autonomia política do indivíduo, diante do reconhecimento dos seus

    efetivos direitos e obrigações. Com isso, acalento a persistente inquietação ao pensar o

    papel da lei e da educação na busca da emancipação necessária à efetiva Justiça

    Democrática e Social, além da singular oportunidade de aprimoramento pessoal e

    como componente indispensável para a minha permanência no meio acadêmico.

    A partir do ingresso no Mestrado, pelas leituras iniciais realizadas para o

    desenvolvimento da pesquisa pretendida, um elemento se fez instigador: a Justiça

    Climática, refletida pela necessidade de, nas ações dos movimentos sociais, estimular

    um diálogo educativo que possibilite compreender e lidar com os novos cenários

    ambientais extremos e consequências das mudanças climáticas.

    Esta pesquisa está inserida nas atividades do Grupo Pesquisador em Educação

    Ambiental, Comunicação e Arte (GPEA).

    Criado e coordenado, desde 1997, pela Dra. Michèle Sato, e a partir de 2014

    coordenado pela Dra. Regina Silva, as pesquisas no GPEA têm por princípio “[...]

    fortalecer não somente o campo teórico (Episteme) da EA, mas também pelas

  • 26

    vivências, intervenções e metodologia (práxis), além de colaborar com os valores éticos

    (axioma) e participativos da construção de políticas públicas” (GPEA/UFMT). 5

    No Blog oficial do GPEA é possível conhecer não apenas os projetos científicos

    protagonizados pelo grupo, como os integrantes do grupo pesquisador, além de

    acessar um diversificado e valioso acervo de referências bibliográficas sobre os temas

    educação ambiental, comunicação, arte e temas relacionados.

    Este trabalho não se apresenta como uma pesquisa esparsa e fragmentada. Ao

    contrário, pretende torna-se coerente ao conjunto de estudos já realizados pelo

    GPEA/UFMT, por ser este um grupo pesquisador com extensa experiência de

    participação em projetos de pesquisas, tendo como agências de fomento a Fundação

    de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso (FAPEMAT), Conselho Nacional de

    Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e Instituto Nacional de Ciência e

    Tecnologia em Áreas Úmidas (INAU 2).

    A investigação se aproxima no objetivo com outros projetos desenvolvidos pelo

    grupo, qual seja, formar consciências políticas, pois alguns deles integram um projeto

    maior denominado ‘Justiça climática no ambiente Pantaneiro’.

    Denominado subprojeto 5.3 - “Justiça climática no ambiente Pantaneiro”, parte

    do Laboratório 5 do Projeto “Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Áreas

    Úmidas (INAU)”, teme como objetivo promover a formação em vários níveis e idades

    à construção de Projetos Ambientais Escolares Comunitários ao enfrentamento do

    clima.

    Partindo da orientação do Intergovernamental Painel on Climate Change (IPCC), o

    referido projeto defende que a maior parte da população brasileira, mas

    principalmente as pessoas com baixo poder econômico, estará mais vulnerável aos

    efeitos desastrosos oriundos da mudança climática.

    Assim, um dos objetivos iniciais do projeto Justiça Climática é justamente

    conhecer como a população percebe a mudança climática, razão em envolver o FDHT-

    MT para este cenário investigativo.

    A importância acadêmica desta pesquisa é possibilitar uma reflexão sobre a

    relação entre Justiça Climática, Educação Ambiental e Movimentos Sociais, estes que

    5Blog GPEA/UFMT. Disponível em: . Acesso em: 20 nov. 2014.

    http://gpeaufmt.blogspot.com.br/

  • 27

    se constituem espaços não apenas de mobilização, mas, inclusive, de formação política,

    capazes de contribuir para a edificação da cidadania democrática-participativa e para

    o reconhecimento da responsabilidade individual para o exercício político. É fato que

    os novos movimentos coletivos podem contribuir no aprimoramento de defesa e

    exercício dos direitos coletivos e individuais.

    Para tanto, pautamo-nos em Sato (2014a, grifo da autora)6 ao utilizar a palavra

    “prognóstico” como um sinal precursor, uma previsão ou um estudo antecipado,

    considerando que “[...] no contexto fenomenológico da incompletude humana, nada é

    conclusivo e está sempre sujeito à transmutação. Assim, [...] a palavra ‘prognóstico’,

    ainda que soe estranha à tradição ambiental ou educativa, gera possiblidades de novas

    reinvenções investigativas”.

    Isso considerado, importa frisar que os aportes acadêmicos, coadunando-se aos

    objetivos da linha de pesquisa Movimentos Sociais, Política e Educação Popular, ante

    as proposições de educação popular nas ações de um determinado movimento social,

    contribuem incisivamente para os estudos de espaços social e coletivamente

    organizados, nas lutas pelo exercício de uma participação democrática.

    A respeito das entrevistas, vale ressaltar que os pesquisados foram previamente

    esclarecidos acerca dos objetivos do estudo, e expressamente concordaram ao assinar,

    individualmente, o respectivo Termo de Consentimento Livre e Esclarecimento, bem

    assim sobre a importância de sua autorização para dar início a essa técnica de coleta

    de informações (Apêndice A).

    Importa, ainda, enfatizar que todos os sujeitos do estudo foram esclarecidos que

    poderiam ter a identidade preservada e garantia do sigilo das informações, se assim

    pretendessem, além de esclarecer que seria permitido a desistência de participar desse

    estudo, sem qualquer prejuízo físico, psicológico, biológico e/ou material, a qualquer

    momento, se assim desejassem.

    De acordo com a Pró-reitoria de Pesquisa da UFMT, ao GPEA é dispensada a

    submissão de pesquisas ao conselho de ética por não envolver investigação com seres

    6Material acadêmico elaborado e disponibilizado pela Dra. Michèle Sato, intitulado “Minutos de Orientação”. Blog oficial do GPEA/UFMT. Disponível em: . Acesso em: 25 maio 2014.

    http://gpeaufmt.blogspot.com.br/2014/06/minutos-de-orientacao-diagnostico.html

  • 28

    humanos, que se relaciona com vidas, patentes ou informações do conhecimento

    tradicional.

    Experimentando rico aprendizado pelo fortalecimento do conhecimento teórico

    e no campo social, participei ativamente de mobilizações e ações institucionais, a

    exemplo de integrar a comissão de sistematização junto a Secretaria Estadual de

    Educação de Mato Grosso, formada para coordenar os trabalhos de construção de um

    Plano Estadual de Educação em Direitos Humanos de Mato Grosso.

    E, na ajuda para elaboração do Relatório de DH e da Terra de Mato Grosso –

    edição 2013, bem como outros subsídios nas ações cotidianas do Fórum, junto a entes

    oficiais, como formulações de pedidos e denúncias para informações e providências

    administrativas.

    Consciente que este estudo trará informações de uma realidade localizada,

    pretendemos cooperar minimamente para que se iniciem processos de reflexão interna

    e externa junto ao nosso objeto de pesquisa, centrado em sua dimensão histórica,

    intencionando converter a tradicional relação sujeito-objeto, em uma relação do tipo

    sujeito-sujeito, criando solidariamente conhecimentos e valores (BRANDÃO, 2006), a

    respeito dos temas aqui tratados.

    Hoje, estou associada ao Instituto Caracol, uma organização não governamental

    que, em parceria com a UFMT, desenvolve projetos de cunho socioeducativo, inclusive

    buscando desenvolver projetos de educação ambiental como componente essencial na

    luta pela justiça climática.

    O Instituto Caracol é um dos elos mais importantes da Rede Mato-Grossense de

    Educação Ambiental, surgindo no bojo dos movimentos do GPEA, que via a

    necessidade de um espaço da sociedade civil, para o enfrentamento de políticas

    hegemônicas governistas que favoreciam o agronegócio.

    Assim, o IC faz parte das estruturas colegiadas para políticas públicas, como o

    Conselho Estadual de Meio Ambiente (CONSEMA), Conselho Estatual de Defesa dos

    Direitos Humanos (CEDDH), a Comissão das lutas femininas, entre outros espaços.

  • 29

    Figura 3 – ‘Ciranda’ de Glenio Bianchetti (1988) 7

    Fonte: Peregrinacultural’s Weblog (2013).

    CAPÍTULO 2. OBJETIVOS – Planejando o arranjo da teia

    Tempo, tempo, tempo, tempo,

    ...compositor de destinos... tambor de todos os ritmos... entro num acordo contigo... por seres tão inventivo... e pareceres contínuo... És um dos deuses mais lindos ... tempo, tempo, tempo (Música ‘Oração ao Tempo’, de Caetano Veloso, 1979).8

    7Disponível em: . Acesso em: 20 out. 2014. 8‘Oração ao tempo’ é uma composição musical de autoria de Caetano Veloso, lançada no álbum Cinema Transcendental, em 1979. Disponível em: . Acesso em: 03 mar. 2015.

    https://peregrinacultural.wordpress.com/2013/10/10/brincadeiras-de-criancas-arte-brasileira/https://peregrinacultural.wordpress.com/2013/10/10/brincadeiras-de-criancas-arte-brasileira/http://letras.mus.br/caetano-veloso/discografia/

  • 30

    2.1 O Fórum de Direitos Humanos e da Terra de Mato Grosso

    Convidada a participar de uma reunião junto ao FDHT-MT, acompanhando a

    Dra. Michèle Sato que representa a UFMT nesse fórum, exaltou-nos inequívoco que

    aquele espaço seria o nosso objeto de pesquisa, compreendo-o como um coletivo social

    autônomo e organizado em rede, mesclado por uma heterogeneidade de atores sociais,

    com o objetivo principal de combater as várias formas de violações em DHs e danos

    socioambientais, presentes nos territórios mato-grossenses.

    Já na segunda reunião de trabalho que participei no fórum, oficialmente passei a

    integrá-lo na condição de representante do Instituto Caracol (IC), com direito a

    manifestação sobre as decisões do FDHT-MT, independente da minha condição de

    mestranda. Portanto, esta dissertação trará a 1ª pessoa do singular nas interpretações

    e trilhas inspiradoras de uma pesquisa participativa, mas em alguns momentos

    assumirá a 1ª pessoa do plural sobre as ações táticas e de lutas do próprio fórum que

    se dinamiza pelo “articulamento” coletivo (SATO, 2004, p. 2).

    Para Sato, a noção de “articulação” é abandonada para, talvez, surgir uma noção

    inacabada de “articulamento” em pleno processo de debate e construção o qual estará

    longe de ser finalizado, propondo:

    [...] construir uma EA sob a noção neologista de ‘articulamento’, oferecendo a ideia da ‘incompletude’, do não finalizada ou ainda por estar descoberta. Alguma coisa tão original revolucionária que muitos haverão de negar, porque suas cartesianas visões do mundo não lhes permitem compreender inovações. Ainda que a luta seja recente, mas como enormes dissabores nas disputas territoriais, o que interessa é construir uma linguagem comprometida com a postura de com-viver na diferença, aceitando a existência da pluriculturalidade onde a biodiversidade é um consenso incondicional. (SATO, 2004, p. 2, grifos da autora).

    O FDHT-MT teve seu lançamento ‘oficial’ em meados de junho de 2011, após

    uma reunião com representantes de diversos segmentos sociais, realizada no Centro

    de Formação Olga Benário Prestes. E, o FDHT-MT originou-se exatamente pela

    confluência de diálogos entre os movimentos e segmentos organizados sociais e

    ambientais, fortalecido pela experiência de militância e ações coletivas e parceria com

  • 31

    outras entidades, porém deliberadamente concentradas na defesa dos DHs, muitas

    dessas protagonizadas pelas diversas instituições que inclusive ainda hoje o integra.

    A composição do FDHT-MT inclui um conjunto de 28 entidades agrupadas por

    11 eixos temáticos, quais sejam: 1) Educação e comunicação; 2) Saúde; 3) Migrações,

    trabalho escravo e tráfico de pessoas; 4) Meio Ambiente e Grupos Sociais; 5) Presídio,

    tortura e comitê da verdade; 6) Políticas e Conselhos; 7) Programas de Proteção; 8)

    Copa e megaeventos; 9) Terra e conflitos; 10) Gênero, diversidade sexual e geracional;

    e 11) Religiões, imbuídas sempre na efetivação de processos emancipatórios e de

    justiça social (Figura 4).

    Figura 4 - Representação da dinâmica dos Grupos de Trabalhos no FDHT-MT

    Elaborado por: Michèle Sato (2012).

  • 32

    As 28 entidades que integram o FDHT-MT, estão identificadas adiante por ordem

    alfabética, objetivando demonstrar a amplitude da atuação desse movimento, não

    obstante o recorte que se faz imperioso para o desenvolvimento nos limites de uma

    pesquisa em Mestrado.

    São elas:

    1) Associação Brasileira de Homeopatia Popular-ABHP;

    2) Associação de Defesa dos Direitos do Cidadão-ADDC;

    3) Central Única dos Trabalhadores-CUT;

    4) Centro Burnier Fé e Justiça-CBFJ;

    5) Centro de DHs Henrique Trindade-CDHHT;

    6) Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos de Mato Grosso–CEBI/MT;

    7) Centro Pastoral Para Migrantes-CPM;

    8) Conselho Indigenista Missionário em Mato Grosso-CIMI/MT;

    9) Coletivo Jovem de Meio Ambiente-CJMT;

    10) Comissão Pastoral da Terra-CPT/MT;

    11) Comunidades Eclesiais de Base–CEB/Cuiabá;

    12) Defensoria Pública de Mato Grosso-DPE;

    13) Escritório de Direitos Humanos da Prelazia de São Félix do Araguaia;

    14) Fórum de Lutas das Entidades de Cáceres-FLEC;

    15) Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento-FORMAD;

    16) Grupo Pesquisador em EA, comunicação e arte–GPEA-MT;

    17) Instituto Caracol-IC;

    18) Instituto Humana Raça Fêmina-INHURAFE;

    19) Movimento dos Trabalhadores Sem Terra-MST;

    20) Movimento Nacional de Direitos Humanos-MNDH-MT;

    21) Operação Amazônia Nativa-OPAN;

    22) Pastoral Carcerária-PC;

    23) Pastoral do Migrante-PM;

    24) Rede Mato-grossense de EA-REMTEA;

    25) Sindicato dos Jornalistas de Mato Grosso-SINDJOR;

  • 33

    26) Sindicato dos Trabalhadores no Ensino do Público de Mato Grosso –

    SINTEP/MT;

    27) Sociedade Fé e Vida – Cáceres; e

    28) Universidade Federal de Mato Grosso-UFMT.

    O FDHT-MT estrutura suas atividades de diversos modos. Além de reuniões

    mensais presenciais, vale-se, igualmente, das novas tecnologias da informação, tendo

    uma lista de discussão pelo sistema Google, nas redes sociais Facebook, e em seu Blog.

    O seu perfil criado na rede social Facebook abarca quase 1.531 amigos (FACEBOOK,

    2015).9

    Apesar de direcionar a sua atuação em demandas coletivas, em algumas ocasiões,

    o fórum recebeu denúncias de pessoas ameaçadas, a exemplo de ilustração, temos o

    caso do rapaz que noticiou os efeitos indesejáveis do terreno baldio no interior do MT,

    e foi ameaçado pelo proprietário do imóvel. O FDHT-MT escreveu uma carta de apoio,

    após apuração dos fatos, o rapaz publicou em seu blog e as ameaças pararam.

    Outro caso interessante foi de um rapaz deficiente mental, morador no interior

    de Mato Grosso, que desapareceu de casa. Sua mãe contatou representantes do fórum,

    e sua fotografia e endereço foram divulgados no blog e Facebook (2014)10. Depois de

    uma semana o rapaz foi encontrado. Isto porque alguém ligou para a mãe, alegando

    ter visto a foto no Facebook do fórum.

    E, ainda, em razão de algumas circunstâncias, representantes do FDHT-MT

    visitam região e localidades denunciadas como áreas de conflitos sociais, no sentido

    de dar apoio aos movimentos de grupos sociais em situação de risco.

    Suas ações coletivas são resultantes muito de um articulamento, principalmente,

    com entidades da sociedade civil organizada local, nacional e, em alguns casos,

    internacional. Ao mesmo tempo, o FDHT-MT desenvolve intensa atividade de

    mobilização coletiva com o objetivo de discutir políticas públicas voltadas à defesa dos

    DHs e proteção socioambiental.

    9Facebook. Perfil FDHT-MT. Disponível em: . Acesso em: 10 fev. 2015. 10Facebook. Perfil FDHT-MT. Disponível em: . Acesso em 10 fev. 2015.

    https://www.facebook.com/direitoshumanosMT/friends

  • 34

    Regularmente empenha-se em organizar e participar de encontros coletivos

    organizados em locais comunitários nos bairros e municípios de Mato Grosso, a

    exemplo da V Conferencia Estadual de Direitos Humanos e da Terra de Mato Grosso,

    coordenada pelo FDHT-MT (Figura 5).

    Figura 5 - Reunião V Conferência Estadual de DH e da Terra de Mato Grosso, Cuiabá-MT, 2014

    Autoria: Regina Silva e Michelle Jaber (2014). Fonte: Acervo de Denize Amorim.

    Decorrente dessas articulações, o FDHT-MT consegue potencializar elaboração

    coletiva de relatórios, denúncias, manifestos de Apoio, notas de Repúdio, bem como

    Documentos Bases construídos a partir de uma discussão coletiva com representantes

    comunitários de segmentos sociais e de comunidades tradicionais, essenciais a

    formulação de Políticas Públicas.

    Outro aspecto importante é que o FDHT-MT constrói suas ações primando pela

    horizontalidade em suas decisões, sem prejuízo de estabelecer como mediador

  • 35

    administrativo o representante do CBFJ. Suas táticas de lutas resultam de um processo

    de consulta coletiva entre todos representantes no fórum, contribuindo para a

    construção e manutenção desse espaço coletivo e democrático.

    Os diálogos e discussões temáticas, no mais das vezes, são iniciados e encerrados

    por meio de ferramentas eletrônicas das redes sociais, além de utilizá-las para informes

    e coordenação de ações coletivas, como a exemplo de dar apoio imediato a

    determinada ação de enfrentamento nacional ou mesmo formular manifesto de

    repúdio.

    A lista de discussão não é aberta, exigindo que o interessado seja indicado por

    algum membro do fórum. O gerenciamento da lista, do blog, das redes sociais e dos

    sistemas de comunicação é realizado pelo GPEA/UFMT.

    A organização e atuação em forma de rede permite ao FDHT-MT interligar-se a

    diferentes realidades e espaços sociais, fortalecidos por meio de debates, trocas de

    experiências, diálogos reflexivos e deliberações coletivas, firmados em valores e

    projetos comuns.

    2.2 Direitos Humanos, Justiça Ambiental e Mudanças Climáticas

    Nesta pesquisa, marcos conceituais normativos julgo complementares e

    facilitadores para uma melhor compreensão sobre a temática aqui tratada. Alguns dos

    documentos institucionais aqui mencionados estão reproduzidos em meio magnético,

    anexo a esta dissertação (Apêndice B).

    Evidente que as soluções aos desafios sociais, ambientais e econômicos pautados

    nas lutas pelo enfrentamento das desigualdades sociais, mesmo em uma perspectiva

    abrangente, dinâmica e complexa, não se delimitam apenas pelas diretrizes

    regulatórias atualmente em vigor.

    Ao mesmo tempo, não se pode desconhecer a importância de documentos

    internacionais, como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), a

    Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem (1948), o Pacto de San José da

    Costa Rica / Convenção Interamericana de Direitos Humanos (1968), o Protocolo de

    San Salvador sobre direitos econômicos, sociais e culturais (1988), voltados ao

  • 36

    fortalecimento das lutas dos movimentos sociais, no enfrentamento das desigualdades

    sociais que atingem direitos fundamentais da pessoa humana envolvendo o meio

    ambiente.

    No Brasil, em 1988, a então promulgada Constituição Federal evidenciou a

    preocupação com a construção de um Estado Brasileiro Democrático fundado na

    dignidade da pessoa humana e na cidadania plena como componentes

    principiológicos orientadores das relações institucionais em território brasileiro.

    Em 2009, por Decreto Executivo Federal sob nº 7.037/2009, foi aprovado o

    Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH-3, estabelecendo entre suas

    diretrizes a interação democrática entre Estado e sociedade civil, e principalmente o

    fortalecimento dos Direitos Humanos como instrumento transversal das políticas

    públicas e de interação democrática.

    O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH) instituído como

    política pública de responsabilidade dos Governos Federal e Estaduais, no âmbito da

    educação formal e não formal, estabelece como um dos princípios a mobilização e

    organização de processos participativos em “[...] defesa dos direitos humanos de

    grupos em situação de risco e vulnerabilidade social, denúncia de violações e

    construção de proposta para sua promoção, proteção e reparação” (BRASIL, PNEDH,

    2009, p. 44).

    Com a edição das Diretrizes Nacionais para Educação em Direitos Humanos -

    DNEDH (BRASIL, 2012), o processo educativo em DHs vem sendo acreditado como

    fundamental “[...] tanto para o acesso ao legado histórico dos Direitos Humanos,

    quanto para a compreensão de que a cultura dos Direitos Humanos é um dos alicerces

    para a mudança social”.

    A partir disso, o fortalecimento da “educação em direitos humanos, com

    finalidade de promover a educação para a mudança e a transformação social”,

    fundamentalmente implica em efetivar o princípio da sustentabilidade socioambiental

    (BRASIL, DNEDH, 2012). A educação em direitos humanos, no sentir de Maués e Weyl

    (2007, p. 108), provoca a “[...] constante pesquisa desse aberto e dinâmico ‘objeto’ ”,

    observando que:

  • 37

    Para além das pautas normativas – sem distar delas –, estamos diante da necessidade de ampliar os processos compreensivos acerca do humano, de sua natureza, da sua cultura como uma dimensão de sua natureza, de suas normas como uma das dimensões de sua forma, de seu viver.

    Sobre o tema, Santos (2007, p. 23) alerta para a necessidade de reconhecer que

    “[...] a complexidade dos Direitos Humanos reside em que eles podem ser concebidos

    e praticados, quer como globalização hegemônica (localismo globalizado), quer como

    globalização contra-hegemônica (cosmopolitismo)”. E, continua:

    O multiculturalismo progressista pressupõe que o princípio da igualdade seja prosseguido de par com o princípio do reconhecimento da diferença. A hermenêutica diatópica pressupõe a aceitação do seguinte imperativo transcultural: temos o direito a ser iguais quando a diferença nos inferioriza; temos o direito a ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza (SANTOS, 2009, p.18).

    Para Scherer-Warren (2012, p. 36), por meio das articulações em rede de

    movimentos sociais implementam-se debates de temas transversais “[...] relacionados

    a várias faces da exclusão social, e a demanda de novos direitos, [...] trazendo para esse

    movimento a necessidade da ideia de indivisibilidade dos direitos humanos” (Figura

    6).

    Figura 6 - Representação da transversalidade das lutas sociais por direitos em redes de MS

    Fonte: Scherer-Warren (2012).

  • 38

    Assim, a Justiça Ambiental e as Mudanças do Clima são temáticas que se

    relacionam transversalmente com os direitos humanos, na medida em que se

    interlaçam as lutas pelos direitos ecológicos, direitos políticos, direitos

    socioeconômicos, entre outros.

    Avançando nessa discussão, Acselrad (2010, p. 114) aduz que também as lutas

    por justiça ambiental, tal como caracterizadas no caso brasileiro, combinam a defesa

    dos direitos a ambientes culturalmente específicos (comunidades tradicionais); a

    proteção ambiental equânime contra a segregação socioterritorial; e a defesa dos

    direitos de acesso equânime a natureza.

    A Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), organização não governamental,

    em 2002, constituía-se como movimento social referindo-se a Justiça Ambiental como

    o “[...] ao tratamento justo e ao envolvimento pleno de todos os grupos sociais,

    independentemente de sua origem ou renda nas decisões sobre o acesso, ocupação e

    uso dos recursos naturais em seus territórios” (RBJA, 2002, online).11

    Para a RBJA, são princípios da Justiça Ambiental: 1) os recursos ambientais como

    bens coletivos, [...] cujos modos de apropriação e gestão devem ser objeto de debate

    público e de controle social; 2) os direitos das populações do campo e da cidade a uma

    proteção ambiental equânime contra a discriminação sócio-territorial e a desigualdade

    ambiental; 3) garantias à saúde coletiva, através do acesso equânime aos recursos

    ambientais, de sua preservação, e do combate à poluição, à degradação ambiental, à

    contaminação e à intoxicação química ― que atingem especialmente as populações que

    vivem e trabalham nas áreas de influência dos empreendimentos industriais e

    agrícolas; 4) os direitos dos atingidos pelas mudanças climáticas, exigindo que as

    políticas de mitigação e adaptação priorizem a assistência aos grupos diretamente

    afetados; 5) a valorização das diferentes formas de viver e produzir nos territórios,

    reconhecendo a contribuição que grupos indígenas, comunidades tradicionais,

    agroextrativistas e agricultores familiares dão à conservação dos ecossistemas; 6) o

    direito a ambientes culturalmente específicos às comunidades tradicionais, e 7) a

    alteração radical do atual padrão de produção e de consumo.

    11Embora a terminologia ‘recursos naturais’ seja utilizada pela RBJA, tem-se que a perspectiva presente nesse termo associa de modo ilegítimo a ideia de uso do solo, água, plantas e animais, em contexto absolutamente extrativista e servível à e descontrolada manipulação reprodutiva e tecnológica.

  • 39

    Dentre os princípios assumidos pela RBJA, merece destaque, nesta pesquisa, o

    princípio – 4, sobre a proteção dos direitos dos grupos diretamente afetados pelas

    mudanças climáticas, exigindo efetividade de políticas de mitigação e adaptação para

    os grupos sociais mais vulneráveis.

    Na leitura dos marcos principiológicos orientadores das ações da RBJA, percebe-

    se que as lutas por Justiça Ambiental se aliam com as “[...] lutas populares pelos

    direitos sociais e humanos, a qualidade coletiva de vida e a sustentabilidade

    ambiental” (RBJA, 2002, online).

    A respeito das mudanças do clima e suas consequências, a Convenção Quadro

    das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) atribuiu expressa diferença

    conceitual entre mudanças climáticas e variabilidade climática (IPCC, 2014, p. 5).

    A mudança climática implica em alterações climáticas que possam direta ou

    indiretamente ser atribuída à atividade humana, indicando uma tendência de

    alteração da média no tempo. Por sua vez, a variabilidade climática é considerada uma

    variação das condições climáticas em torno da média climatológica, aquelas

    decorrentes exclusivamente de causas naturais (ANGELOCCI; SENTELHAS, 2007).

    No Brasil, a Política Nacional sobre Mudança do Clima, instituída pela Lei

    Federal nº 12.187, em 28.12.2009, considera mudança do clima quando “[...] possa ser

    direta ou indiretamente atribuída à atividade humana que altere a composição da

    atmosfera mundial e que se some àquela provocada pela variabilidade climática

    natural observada ao longo de períodos comparáveis” (BRASIL, 2009).

    Com a criação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas12,

    reuniu-se cientistas de 130 países objetivando “[...] avaliar informações científicas,

    técnicas e socioeconômicas relevantes para a compreensão da mudança climática

    induzida, seus impactos e opções de mitigação e adaptação em potencial”, no âmbito

    do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA, 1988, não paginado?).

    O IPCC já concluiu quatro relatórios completos de avaliação, diretrizes e

    metodologias, relatórios especiais e documentos técnicos, inclusive sobre os impactos,

    condições de adaptação e vulnerabilidades humanas (IPCC, 2014).

    12Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), órgão criado em 1988, pelo Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA) e da Organização Meteorológica Mundial (OMM). Disponível em . Acesso em: 20 dez. 2014.

    http://www.ipcc-wg2.gov/

  • 40

    Em 1992, surge a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do

    Clima elaborada durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e

    Desenvolvimento, realizada no Rio Janeiro – Brasil, destacando expressiva

    preocupação quanto a anomalias nos dados de variações de temperatura observados

    por cientistas, “[...] que indicavam uma tendência de aquecimento global devido a

    razões antrópicas” (MMA, 2010).

    O Brasil foi o primeiro a ratificar a Convenção do Clima, em 1994, e hoje é um

    dos Estados firmatários da Convenção que mantém posição de liderança, alcançando

    importante protagonismo dentro das negociações ali compromissadas (BRASIL,

    MMA, 2010, online).

    Em 2000, constituiu-se o Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas (FBMC)13

    tendo por objetivo auxiliar o governo na incorporação das questões sobre mudanças

    climáticas nas diversas etapas das políticas públicas, e também conscientizar e

    mobilizar a sociedade para a discussão e tomada de posição sobre os problemas

    decorrentes da mudança do clima por gases de efeito estufa.

    O FBMC está organizado por câmaras temáticas, compostas por representantes

    de diversos setores econômicos, sociais e técnico-científicos do País com

    responsabilidade na implantação das medidas relacionadas à Convenção-Quadro das

    Nações Unidas sobre Mudança do Clima.

    Na condição de política pública, a abordagem brasileira sobre mudanças

    climáticas consolida-se inicialmente com a edição do Plano Nacional sobre Mudança

    Climática (BRASIL, 2008), passando este a ser considerado como um dos principais

    instrumentos de planejamento e implementação da Política Nacional sobre Mudança

    do Clima (BRASIL, 2009), estruturado em quatro eixos: oportunidades de mitigação;

    impactos, vulnerabilidades e adaptação. O Plano possui caráter dinâmico e sujeita-se

    a revisões e avaliações de resultados periodicamente

    A Política Nacional sobre Mudança do Clima ganha status legislativo com a

    edição da Lei Federal nº 12.187/2009, orientando impositivamente ao

    13 O FBMC foi criado originalmente pelo Decreto nº 3.515, de 20 de junho de 2000, sofreu alterações

    normativas pelo Decreto Presidencial de 28.08.2000. Para conhecer os órgãos e entidades que atualmente participam do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas. Disponível em: http://www.forumclima.org.br/pt/o-forum/composição>. Acesso em: 20 maio 2014.

    http://www.forumclima.org.br/pt/o-forum/composição

  • 41

    comprometimento político de integração e harmonização dos “princípios, objetivos,

    diretrizes e instrumentos” dos programas e das políticas públicas governamentais

    compatibilizarem-se com o respectivo marco regulatório sobre o tema Mudanças

    Climáticas.

    Coadunado a essa proposta, o Painel Brasileiro sobre Mudanças Climáticas

    apresenta o ‘Primeiro Relatório de Avaliação Nacional (PBMC, 2014), destacando a

    relevância do crescente número de publicações científicas disponíveis para avaliar as

    condições de adaptação e de vulnerabilidade, bem como a crescimento da base de

    publicações sob o enfoque multidisciplinar, possibilitando maior foco nos impactos e

    nas respostas sociais, além de uma cobertura integral continuada a nível regional,

    contexto favorável à mobilização social. Ressalta, ainda, que:

    A situação atual do clima exige grandes mudanças no estilo de vida, uma verdadeira revolução energética e a transformação do modo como lidamos com os recursos naturais. Nesse sentido, um processo de adaptação substancial é fundamental para se tentar reverter o panorama atual. [...] Todas as esferas de governo, a indústria, o comércio e a sociedade precisam estar envolvidos no desenvolvimento de uma resposta nacional adequada. Portanto, o entendimento dessas alterações climáticas em cada região é essencial para um planejamento estratégico e o processo de tomada de decisão. (PBMC, 2014, p. 10).

    Em contexto mais local, temos o Fórum Mato-grossense de Mudanças Climáticas

    (FMMC), instituído pela Lei Estadual nº 9.111, de 15.04.200914, criado com o objetivo

    geral de mobilizar e conscientizar a sociedade mato-grossense sobre o fenômeno das

    Mudanças Climáticas e propõe a promoção e a articulação dos órgãos e entidades

    públicas e privadas com o Forum Brasileiro de Mudanças Climáticas.

    Porém, apenas em 2010, o Fórum Mato-grossense aprovou o seu regimento

    interno, definindo expressamente alguns de seus principais objetivos:

    14Vinculado à Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SEMA), o Fórum Mato-grossense de Mudanças

    Climáticas tem sua composição definida no Decreto Estadual nº 2.197, de 22 de outubro de 2009. Seu

    Regimento Interno foi aprovado em 2010, em encontra-se disponível no site oficial da SEMA. Disponível

    em:

    .

    Acesso em: 20 maio 2014.

    http://www.sema.mt.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=26&Itemid=45

  • 42

    I - promover a articulação dos órgãos e entidades públicas e privadas com o Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas e com a Comissão Interministerial de Mudanças Climáticas, visando à formulação e implementação eficiente de políticas públicas relativas às mudanças climáticas globais;

    II - propor normas para a instituição de uma Política Estadual de Mudanças Climáticas, em articulação com a Política Nacional de Mudanças Climáticas e outras políticas públicas estaduais e federais correlatas;

    III - estimular a cooperação entre as três esferas de governo, organismos nacionais e internacionais, agências multilaterais, organizações não-governamentais nacionais e internacionais, instituições privadas, academia, setor empresarial, entre outros, no campo das mudanças climáticas globais. (MATO GROSSO, 2009).

    Em 2012, foi aprovado pelo FMMC a proposta de anteprojeto de Lei do Sistema

    Estadual de REDD+ de Mato Grosso. E, com a edição da Lei Estadual nº 9.878, de

    07.01.2013, restou regulamentado o Sistema Estadual de Redução de Emissões de

    Gases do Efeito Estufa (REDD+) para o Estado de Mato Grosso.

    2.3 Justiça Climática e Educação Ambiental

    Este trabalho abarca a Justiça Climática como um componente fundamental para

    o desenvolvimento de medidas que potencializem condições de enfretamento humano

    e ambiental frente às consequências de mudanças climáticas extremas.

    Para Sato (2013, p. 41), o conceito de Justiça Climática referendado pela RBJA,

    pode ser traduzido como “[...] o direito ao acesso justo e equitativo aos ambientes

    naturais, [...], assim como a garantia de que nenhum grupo social suporte uma parcela

    desproporcional da degradação ambiental”.

    Milanez (2011, p. 84) expressa que a Justiça Climática “[...] surge como um

    desdobramento do paradigma da justiça ambiental e da percepção de que os impactos

    das mudanças climáticas atingem de forma e intensidade diferentes grupos sociais

    distintos”.

  • 43

    Malerba e Leroy (2008, p. 48), por sua vez, defendem que é uma categoria

    sociopolítica, construída no plano político, no plano econômico, no plano institucional,

    no plano jurídico, e na sociedade. Preceituam que:

    A Justiça Climática é entendida como o conjunto de princípios que asseguram que nenhum grupo de pessoas, sejam grupos étnicos, raciais ou de classe, suporte uma parcela desproporcional de degradação do espaço coletivo provocada pelo câmbio climático tal que afete gravemente a qualidade de vida, inviabilize a sua reprodução e os obriga a migrar.

    O componente Justiça Climática ganha maior visibilidade política a partir de

    diversas mobilizações organizadas pela sociedade civil, que sustentadas em estudos

    científicos e conhecimentos populares, reivindicam a efetividade dos direitos

    fundamentais a dignidade da pessoa humana, inseridos em marcos regulatórios

    instituídos no contexto internacional e nacional, e nos quais definiram-se conceitos,

    princípios e obrigações aos países signatários, fortalecendo as discussões sobre a

    temática Justiça Climática.

    A ‘Marcha Mundial por Justiça Climática, Sustentabilidade e Contra o

    Aquecimento Global’ (MMJC, 2013), que atua como fórum e ocorre em 100 países, tem

    entre seus objetivos básicos a democratização de informação sobre a Emergência

    Climática a fim de alcançar a mobilização da sociedade mundial; realizar a Marcha

    Mundial do Clima anualmente, com ações que pressionem os Governos a cumprirem

    legislação local e mundial sobre o Clima; e, ainda, a luta pela mudança imediata da

    “matriz energética suja para a limpa” e “por medidas para socorrer as vítimas

    nacionais e mundiais da emergência climática”.

    Oportunamente, a Rede Brasileira de Justiça Ambiental manifestou

    expressamente sua compreensão a respeito da Justiça Climática, considerando-a como

    uma temática com características específicas que exsurge a partir do novo contexto

    social sobre eventos extremos oriundos das mudanças climáticas, ressalvando:

    Globalmente, os países mais pobres e os ditos emergentes são vítimas de injustiça climática por parte dos países industrializados que, historicamente, são os primeiros responsáveis por nos levar a essa situação.

  • 44

    Mas, por sua vez, os países pobres e emergentes não podem se eximir das suas responsabilidades, primeiro porque governos, setor privado e boa parte das suas sociedades buscam copiar o mesmo modelo e, segundo, porque repetem no seu interior as desigualdades ‘Norte-Sul’.

    Em relação às mudanças climáticas, também operam mecanismos sociopolíticos que destinam a maior carga dos danos produzidos por essas mudanças sobre populações de baixa renda, segmentos raciais discriminados, parcelas marginalizadas e mais vulneráveis da cidadania (RBJA, grifos do autor).

    A Justiça Climática, hoje, mostra-se um movimento independente, com

    características particulares e princípios específicos, envolvendo garantias às

    comunidades e segmentos sociais frente aos impactos e outras formas de danos

    coletivos oriundos de eventos extremos relacionados as mudanças climáticas. É

    considerada um componente fundamental para o desenvolvimento de ações que

    potencializem condições de enfretamento humano e ambiental frente as consequências

    de mudanças climáticas.

    Como particularidade, os movimentos de lutas por Justiça Climática acontecem

    em contextos socioeconômicos que apresentam um caráter transfronteriço, pois

    envolvem Estados não limítrofes, em razão da natureza dos danos e impactos

    ambientais, e respectivas consequências oriundos de fenômenos extremos no clima.

    No Brasil, esse movimento independente que se criou por Justiça Climática,

    inspirado na Convenção do Clima e em outros marcos regulatórios, orientando-se

    fortemente em princípios específicos como da precaução, da prevenção, da

    participação cidadã, do desenvolvimento sustentável, das responsabilidades comuns

    e da equidade, firmando a inequívoca conexão entre justiça climática e direitos

    humanos.

    O princípio da equidade serve para assegurar a observância dos diferentes

    contextos socioeconômicos,

    [...] distribuindo os ônus e encargos decorrentes entre os setores econômicos e as populações e comunidades interessadas de modo equitativo e equilibrado e sopesar as responsabilidades individuais quanto à origem das fontes emissoras e dos efeitos ocasionados sobre o clima. (BRASIL, PNMC, 2009).15

    15 Lei Federal que dispõe sobre o Plano Nacional sobre Mudanças Climáticas.

  • 45

    Nas interseções conceituais entre justiça climática e direitos humanos,

    confiamos na necessidade de um olhar inteiro, sistêmico dos conflitos socioambientais,

    para tanto propondo agregar uma Educação Ambiental que considere as

    particularidades de cada indivíduo e ou grupo, em seus respectivos contextos,

    consubstanciado por um processo educador que potencialize os atores nele

    envolvidos, “[...] promovendo a ampliação de sua conectividade com instituições

    educativas ambientais diversas e o fortalecimento desse processo, possibilitando assim

    a sua continuidade” (SORRENTINO, 2010, p. 09).

    Ao elaborar um documento descritivo contendo proposta de campanha sobre

    educação ambiental e mudanças climáticas, incluindo “estratégia” (sic) de execução,

    Tamaio (2010, p. 4) destaca a seriedade da “[...] modalidade difusa de EA no processo

    de enfrentamento do aquecimento global e suas implicações, podendo contribuir para

    o esclarecimento, engajamento e participação da sociedade civil em ações individuais

    e coletivas”.

    A Educação Ambiental em sua percepção política, não se limita a compreensão

    unitária dos resultados negativos das modificações ambientais em seu sentido

    ecológico, mas protesta pela necessidade de apreender os seus “[...] objetivos

    multidimensionais”, para em seu processo construtivo trazer eloquência para uma

    concepção de democracia participativa, esta enquanto princípio natural do movimento

    de construção de uma efetiva cidadania ambiental (SATO, 2002, p. 23).

    Relevando a importância dos espaços coletivos sociais, Gohn (2010a, p. 16),

    afirma que os Novos Movimentos Sociais (NMS) destacam-se em uma típica ciranda

    educativa de formação popular, envolvendo temas como inclusão social e cultura

    política, em uma ressignificação dos ideais clássicos de Igualdade (para Justiça Social),

    Fraternidade (para Solidariedade) e Liberdade (para Inclusão Social).

    Isso porque, a conjuntura política de uma sociedade significa um fator

    determinante no desenvolvimento e fortalecimento dos NMS, principalmente, quando

    no contexto social predomina uma crise de legitimidade do regime político vigente e

    a crescente degradação das condições socioeconômicas de uma coletividade (JACOBI,

    1993, p. 138).

  • 46

    Nesse contexto multidimensional, elegendo a justiça climática como porta de

    entrada dos diálogos investigativos junto ao FDHT, a Educação Ambiental poderá

    ensejar uma reflexão individual e ao mesmo tempo coletiva que possibilite debater

    sobre a necessidade de formação popular direcionada aos desafios derivados de lutas

    por Justiça Climática, principalmente junto aos grupos e comunidades mais

    vulneráveis.

    As Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos16 impõem sejam

    observadas pelos sistemas de ensino e respectivas instituições, o uso de concepções e

    práticas educativas capaz de promover uma educação para mudança e transformaçã