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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO SONIA PALMA CARTOGRAFIA DO IMAGINÁRIO: A DIMENSÃO POÉTICA E FENOMENOLÓGICA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL. CUIABÁ-MT 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

SONIA PALMA

CARTOGRAFIA DO IMAGINÁRIO: A DIMENSÃO

POÉTICA E FENOMENOLÓGICA DA EDUCAÇÃO

AMBIENTAL.

CUIABÁ-MT

2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

SONIA PALMA

CARTOGRAFIA DO IMAGINÁRIO: A DIMENSÃO

POÉTICA E FENOMENOLÓGICA DA EDUCAÇÃO

AMBIENTAL.

CUIABÁ-MT

2011

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SONIA PALMA

CARTOGRAFIA DO IMAGINÁRIO: A DIMENSÃO POÉTICA E

FENOMENOLÓGICA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL.

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Educação da

Universidade Federal de Mato Grosso como

requisito para a obtenção do título de

Mestre em Educação na Área de

Concentração Educação, Cultura e

Sociedade, Linha de Pesquisa Movimentos

Sociais, Política e Educação Popular.

Orientadora: Profa. Dra. Michèle Sato

CUIABÁ-MT

2011

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© Sonia Palma, 2011

É permitida a reprodução total ou parcial desta obra, desde que citada a fonte.

P171c

Palma, Sonia.

Cartografia do imaginário: a dimensão poética e fenomenológica da

educação ambiental. Sonia Palma. -- Cuiabá (MT): Instituto de

Educação/IE, 2011.

138 f.: il.; 30 cm.

Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal de Mato

Grosso. Instituto de Educação. Programa de Pós - Graduação em

Educação.

Orientadora: Profª. Drª. Michèle Sato.

Inclui bibliografia.

1. Educação ambiental. 2. Manoel de Barros – Poética Surrealista. 3.

Gaston Bachelard – Fenomenologia do imaginário. I. Título.

CDU: 37:504

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SONIA PALMA

PROFA. DRA. REGINA APARECIDA SILVA

Examinador Externo (UNIRONDON)

PROF. DR. LUIZ AUGUSTO PASSOS

Examinador Interno (UFMT)

PROF. DR. CLEOMAR FERREIRA GOMES

Examinador Interno (UFMT)

PROFA. DRA. MICHÈLE SATO

Orientadora (UFMT)

Aprovado em 05/12/2011

DISSERTAÇÃO APRESENTADA À COORDENAÇÃO DO PROGRAMA DE PÓS-

GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DA UFMT

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Aos meus filhos, Wilson, Davi e Luciano,

três presentes de D’us, pelas perguntas difíceis, por serem a razão da

minha felicidade, de meu viver.

Homenagens Póstumas

À minha mãe Olga Fava Palma e a meu pai, José Palma, que deixaram

imensa saudade. Minha mãe com seu silêncio, sua força, apontando os caminhos

para meu percurso, enquanto meu pai com seu imenso carinho e sabedoria,

mostrava que a sensibilidade é imprescindível para a alegria de viver, e que com

suas histórias desde cedo me transportava para os vários mundos possíveis.

À Maria Pereira, minha comadre-amiga-irmã por ter feito parte de minha

vida de um jeito muito especial, tendo-me ensinado os passos para a educação

de meus filhos, seus sobrinhos, de forma sensível e amável.

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Agradecimento Especial

Por tudo que em minha vida fez

transformar, agradeço imensamente à

amiga e orientadora, Michèle Sato, a

quem tenho enorme carinho e

admiração.

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AGRADECIMENTOS

A D’us, primeiramente, pela vida, pela família, pelos amigos!

Ao procurar agradecer todas as pessoas que contribuíram para a realização deste

trabalho posso correr o risco de falhar na minha lembrança, já que são muitas

que de alguma forma estiveram presentes na minha vida, direta ou

indiretamente, durante o período em que estive envolvida com a pesquisa, e

mesmo antes dela, quando fui aos poucos sendo envolvida pela utopia da

educação ambiental. Neste sentido, tudo que aqui escrevo, pode representar

apenas parcialmente minha real gratidão por todos.

Aos membros da Banca Examinadora Dr.ª Regina Aparecida Silva, Prof. Dr.º Luiz

Augusto Passos, Prof. Dr.º Cleomar Ferreira Gomes e Prof. Dr.º Benedito Dielcio

Moreira, pela amizade e valiosas contribuições.

Agradecimentos à Universidade Federal de Mato Grosso e ao Programa de Pós-

Graduação em Educação, com carinhos especiais à Luiza, à Mariana e ao Jeison,

pela constante atenção e disponibilidade em auxiliar na resolução dos problemas

burocráticos.

Aos professores e professoras do mestrado, meus agradecimentos pelas

contribuições e aprendizagens.

Ao Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte (GPEA),

pela oportunidade de aprendizado constante, pelo encontro, pelos debates e à

Rede Mato-grossense de Educação Ambiental (REMTEA), espaço onde é possível

sonhar a Educação Ambiental para a luta coletiva.

Às minhas especiais amizades: Michellinha e Regina, pela presença linda e

carinhosa em minha vida. À Bete, pela constante preocupação, pelas muitas

conversas manoelinas e bachelardianas, dando importantes contribuições ao meu

trabalho. À Imara, Lúcia, Lika e Deby pelo carinho e deliciosa amizade. À Glauce

pela amizade, pelo companheirismo e aprendizado nos exemplos de seu

profissionalismo. Ao Samuka, ao Rona, ao Herman e Jorginho pela presença

amiga e, ainda a todas as amizades construídas na UFMT durante esse meu

percurso.

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A todos os meus familiares pela presença significante como parte importante na

minha história. Ao Wilson, por ter compartilhado comigo durante todos esses

anos a educação de nossos filhos. Aos meus irmãos e irmãs, companheiros

indispensáveis na rica jornada que alicerçou o meu ser e estar no mundo. E, à

Kátia, sobrinha do coração, pelo afeto, pela amizade e incansável paciência, com

seus ouvidos sempre atenciosos às minhas dúvidas e angústias.

Agradeço à Sonia Marchioni Bianco, sensível artista plástica, autora dos bordados

da poética de Manoel de Barros e minha professora, por autorizar a divulgação

de suas imagens em meu trabalho.

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RESUMO

Sob a perspectiva da Educação Ambiental, o objetivo da pesquisa é apresentar

um estudo bibliográfico do entrelaçamento da poética surrealista de Manoel de

Barros e a fenomenologia do imaginário de Gaston Bachelard. Trata-se de uma

proposta em vias de uma educação pela sensibilidade, considerando a

subjetividade como elemento indispensável para formação do ser humano,

reivindicando, dessa forma, a aliança entre ciência e poesia em busca da

transformação necessária para a superação dos problemas sociais e ambientais

existentes. Tradicionalmente, ciência e poesia são segregadas no pensamento da

modernidade, impossibilitando a comunhão entre elas, fator que contribui para

que a objetividade seja totalmente desvinculada da subjetividade, reforçando a

assimetria existente entre os seres humanos e contribuindo para com a

desigualdade e a exclusão. Neste sentido, com ênfase na Cartografia do

Imaginário de Michèle Sato, metodologia adotada na construção do caminho

epistemológico da pesquisa, consideramos os elementos bachelardianos como

substratos fenomenológicos de investigação: a ÁGUA compreendida como

formação, metáfora à nossa constituição original, a gênese do desejo que dará as

possibilidades da viagem científica; a TERRA enfatizando a deformação, lugar

metafórico para vencer os obstáculos epistemológicos, num movimento de

“reaprender a aprender”; o FOGO evidenciando a transformação, em busca da

mudança desejada, num processo constante de busca, de envolvimento e

engajamento; e o AR, almejando a renovação, metaforizando o repouso, o

reencantamento da pesquisa, para que um novo ciclo tenha início. Primamos

pela construção de um estudo que possa contribuir para a compreensão das

questões ambientais, a fim de esboçar um mundo que possa aliar a ciência à

poesia, na tentativa de compreensão do universo poético-humano.

Palavras-chave: Educação Ambiental; Poesia; Cartografia do Imaginário.

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ABSTRACT

From the perspective of Environmental Education, the research objective is to

present a bibliographical study of entanglement of surrealist poetics of Manoel

de Barros and phenomenology of the imagination of Gaston Bachelard. This is a

proposal in education and way of sensitivity by considering subjectivity as

indispensable for the formation of the human being, claiming thus the alliance

between science and poetry in search of the necessary transformation to

overcome the social and environmental problems. Traditionally, science and

poetry are segregated in the thinking of modernity, making the communion

impossible between them, a factor that contributes to the objectivity totally

detached from subjectivity, reinforcing the asymmetry between humans and

contributing to inequality and exclusion. In this sense, emphasizing the Imaginary

Cartography of Michèle Sato, methodology adopted for the construction of the

path of epistemological research, consider the Bachelard’s elements as substrates

to the phenomenological research: WATER education understood as a metaphor

to our original constitution, the genesis of desire that will give the possibilities of

scientific journey; the EARTH emphasizing the deformation, metaphoric place to

overcome the epistemological obstacles, a movement of "re-learn to learn"; FIRE

showing the transformation, in search of the desired change in a constant process

of searching, involvement and engagement; and the AIR, aiming at renewal,

metaphorising rest, re-enchantment of the research, so that a new cycle

begins. We excel by building a study that may contribute to the understanding of

environmental issues, in order to sketch a world that can combine science to

poetry, in an attempt to understand the poetic universe-human.

Keywords: Environmental Education, Poetry, Cartography of Imaginary.

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Manoel de Barros

Fonte:

http://3.bp.blogspot.com/Manoel_de_Barros__Rosto01.jpg

RETRATO QUASE

APAGADO EM QUE SE

PODE VER

PERFEITAMENTE NADA

Não tenho bens de

acontecimento.

O que não sei fazer

desconto nas palavras.

Entesouro frases. Por

exemplo:

- Imagem são palavras que

nos faltaram.

- Poesia é a ocupação da

palavra pela imagem.

- Poesia é a ocupação da

Imagem pelo Ser.

Ai frases de pensar!

Pensar é uma pedreira.

Estou sendo.

Me acho em petição de lata

(frase encontrada no lixo).

Concluindo: há pessoas que

se compõem de atos, ruídos,

retratos.

Outras de palavras.

Poetas e tontos se compõem

com palavras.

(Manoel de Barros, 2010,

p.263)

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SUMÁRIO

CAPÍTULO 1: ÁGUA...............................................................................10

1.1 A GÊNESE DO DESEJO DO FAZER CIENTÍFICO..........................................11

1.1.1 Um Ser Humano não biografável: Manoel de Barros.................................16

1.1.2 O filósofo poeta e/ou o poeta filósofo: dualidade em Gastón

Bachelard.........................................................................................................22

1.2 REGISTROS IDENTITÁRIOS DE UMA VIAJANTE........................................27

1.3 RESSONÂNCIAS DOS DEVANEIOS NA INVESTIGAÇÃO.............................34

CAPÍTULO 2: TERRA.............................................................................39

2.1 TERRA LABIRÍNTICA.................................................................................40

2.2 TERRA E OS DEVANEIOS CONCEITUAIS...................................................43

2.2.1 Educação ambiental poética.....................................................................48

2.2.2 Manoel de Barros e Gastón Bachelard: outros mundos

possíveis...........................................................................................................58

CAPÍTULO 3: FOGO..............................................................................63

3.1 FOGO EPISTEMOLÓGICO........................................................................64

3.2 FOGO PRAXIOLÓGICO...........................................................................76

CAPÍTULO 4: AR...................................................................................93

4.1 AR – TOCANDO OS ELEMENTOS.............................................................94

4.2 É TEMPO DE REPOUSO...........................................................................100

4.3 REENCANTAMENTO PARA UM NOVO CICLO.......................................113

4.4 MEUS DESCAMINHOS E PROPOSIÇÕES FINAIS......................................122

BIBLIOGRAFIA.....................................................................................131

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1.1 A GÊNESE DO DESEJO DO FAZER CIENTÍFICO

Escolher trabalhar a Educação Ambiental na perspectiva do GPEA-Grupo

Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte, é escolher pular sobre

águas limpas e borbulhantes, mesmo quando não se sabe nadar, apenas pelo

prazer do devaneio na admiração do borbulhar cintilante. É a possibilidade de

flutuar sobre as nuvens, poetizando vida, sem medo de um dia cair no espaço

aberto; é colocar o pé na terra, fechando os olhos e sentindo toda sua força e

energia, respirando fundo, em busca do cheiro mineral que exala, às vezes, seca

resultante de um sol escaldante, às vezes úmida resultante de um dia de chuva; é

sentir o calor da chama do fogo ardente de uma fênix que orienta sem queimar,

que desorienta sem incinerar. É, ainda, buscar a maestria na tentativa de ser

cientista sem perder a fé, de ser místico sem perder a racionalidade; pois tudo

emana da vontade da ação de transformar pensamento em realidade, na busca

inquieta e coletiva por um mundo melhor, por um mundo mais justo.

É nesta perspectiva que procuro1 apresentar os caminhos que me levaram

a um mundo de possibilidades, na gênese das orientações de uma Educação

Ambiental gpeana, onde me torno única ao mesmo tempo em que sou múltipla,

me faço outra, ao mesmo tempo em que sou eu mesma.

Minha trajetória como pesquisadora não tem sido fácil. Muitas vezes,

me questionei se haveria mesmo em mim essa identidade, pois a dificuldade com

o fazer ciência nos moldes da modernidade cartesiana foi muitas vezes motivo

para eu pensar se seria mesmo capaz de continuar meu caminho na pesquisa.

Mas é na poética de Manoel de Barros e na fenomenologia do imaginário

de Gaston Bachelard que encontro o alento para trajetória da pesquisa, num

universo delineado por inúmeras possibilidades, não estático; como salienta

1 Vale descrever, já no início da abordagem que, ora utilizaremos o verbo na primeira pessoa

do singular, ora na primeira pessoa do plural, no entanto, não se trata de desconhecimento

linguístico ou confusão de tempo verbal, mas de um diálogo que se fez tanto com a minha

subjetividade enquanto ser humano único - eu, com minhas particularidades; como em outras

vezes, com a necessária presença do outro e do mundo, biodiversidade. Esta é também uma

maneira de agradecer àqueles que perfizeram comigo a trajetória por esta Cartografia do

Imaginário (SATO, 2011), a qual teve como sustentáculo a poética de Manoel de Barros e a

filosofia de Gaston Bachelard.

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Octavio Paz (1982), o universo está sempre em movimento e por mais que

queiramos detê-lo, ele sempre se apresenta com novos ritmos e danças. É com

esta percepção cíclica do mundo que, conduzida pela Cartografia do Imaginário

(SATO, 2011), encontrei nos caminhos da Educação Ambiental a possibilidade de

um universo em diálogo, como o apresentado por Manoel de Barros em suas

poesias e por Gaston Bachelard em sua filosofia do imaginário, para quem “[...]

a poesia faz o sentido de a palavra ramificar-se, envolvendo-a numa atmosfera

de imagens” (BACHELARD, 1991).

Tradicionalmente, ciência e poesia são segregadas no pensamento da

modernidade, impossibilitando a comunhão entre elas. Fator que contribui para

que a objetividade seja totalmente desvinculada da subjetividade, reforçando a

assimetria existente entre os seres humanos e contribuindo para com a

desigualdade e a exclusão. Assim, acreditamos que no contexto do movimento

ecologista, a árdua luta por um mundo mais justo é sensibilizada pela poética,

pois arrastados pelo rio de imagens que ela nos proporciona, roçamos as

margens do puro existir e adivinhamos e/ou percebemos um estado de unidade

com as coisas existentes no mundo, ou seja, de união final com o nosso ser e

com o ser do mundo (PAZ, 1982).

Literatura e filosofia são diálogos importantes no contexto da Educação

Ambiental, pois compreende que para além do local da casa (territórios), é

preciso cuidar dos moradores que nela habitam, com suas identidades e

subjetividades, (OLIVEIRA, 2009, p.6). A Educação Ambiental aspira por

sociedades sustentáveis, pautadas em vivências humanas, com seus conflitos e

similitudes; sociedades onde a poesia também seja tema inerente, pois acredita

tal qual Octavio Paz que:

Uma sociedade sem poesia careceria de linguagem: todos diriam

a mesma coisa ou ninguém falaria, sociedade transumana em

que todos seriam um ou cada um seria um todo autossuficiente.

Uma poesia sem sociedade seria um poema sem autor, sem

leitor e, a rigor, sem palavras. Condenados a uma perpétua

conjunção que se resolve em instantânea discórdia, os dois

termos buscam uma conversão mútua: poetizar a vida social,

socializar a palavra poética. Transformação da sociedade em

comunidade criadora, em poema vivo; e do poema em vida

social, em imagem encarnada (PAZ, 1982, p.310).

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Octavio Paz nos apresenta a poesia como um elemento capaz de

corroborar para que o ser humano se apresente por meio da imanência e da

transcendência do “ser filosófico” da Educação Ambiental, de tal maneira que

nos permita perceber que nas intersecções onde encontramos nossos sonhos

individuais, nossos valores e nossos devaneios, também se encontram nossas

aspirações coletivas, na luta por um mundo menos desigual.

A respeito da transcendência e imanência em nós, Passos e Sato abordam:

A primeira nos põe circunstanciados num tempo perspectivado

para o futuro, inscrevendo e referenciando nossa existência à

materialidade; a segunda nos chama além de nós, provocando

nossa capacidade de ultrapassar fronteiras antes acenadas,

reacomodando-a - na perspectiva de um caminho pessoal,

inédito num percurso que possa oportunizar transpô-las. Pôr

limites às águias é provocá-las à transgressão (PASSOS e SATO,

2002).

Buscarei aqui esboçar um estudo da poética de Manoel de Barros em

diálogo com a filosofia do imaginário de Gaston Bachelard no campo da

Educação Ambiental, orientada pela Cartografia do Imaginário2 (SATO, 2011),

procurando deixar perceptível que, para compreender a rede de relações que

compõem o cosmo, é preciso considerar também a cartografia simbólica que nos

instiga a pensar em sujeitos sociais, construindo suas identidades em

reciprocidade com as outras coisas que compõem o cosmo.

Portanto, a dissertação que ora se descreve busca apresentar o resultado

de uma pesquisa qualitativa, cujo objetivo é um estudo bibliográfico do

entrelaçamento entre a poética surrealista de Manoel de Barros (OLIVEIRA,

2010) e a fenomenologia do imaginário de Gaston Bachelard (2005) no campo

da Educação Ambiental. A pesquisa é de cunho bibliográfico, cujo caminho

percorrido recebeu as orientações metodológicas da Cartografia do Imaginário

de Michèle Sato (2011). Acreditamos tal qual Bachelard (1991, p.6), que “[...]

2 Instrumento metodológico de investigação de pesquisa fenomenológica constituído por Michèle

Sato. (SATO, 2011a).

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numa poesia mais livre, como o surrealismo, a linguagem está em plena

ramificação”. O Surrealismo3 trata o imaginário com seriedade. Seus seguidores,

liderados pela pessoa e ideias de André Breton, “Tinham profundo respeito pelo

método científico” (CHIPP, 1996, p.374), e desenvolveram uma variedade de

técnicas para excitar a imaginação e desvelar o inconsciente. Nele, a poesia

liberada favorece a novidade na imagem e tal importância, portanto, se fortalece

na necessidade de mostrar que o fazer poético, mais precisamente advindo do

olhar manoelino, nos convida a perceber que a imaginação poética não é um

ato criado na invenção, mas, sobretudo, na descoberta de outras presenças;

seria, como aborda Paz (1984, p.319), um “perceber no uno o outro [...] dar

presença aos outros. A poesia: procura dos outros, descoberta da outridade”.

É nesta outra possibilidade de ver-sentir o mundo que Gaston Bachelard

nos instiga a fazer uma ruptura com o mundo convencional e dialoga com as

presenças vislumbradas por Manoel de Barros, nos aportando no mundo dos

devaneios, deixando perceber que o mundo, tal qual está imposto, nos fecha

toda a perspectiva de sonhos e utopias, que a poesia, no entanto, nos excita para

uma perspectiva que não nos permite um diálogo em monólogo, como enfatiza

Paz (1984, p. 318), “a poesia não diz: eu sou tu; diz: meu eu és tu”, em Manoel

de Barros este é um dos sentidos latentes, “os outros: o melhor de mim sou eles”

(BARROS, 2010, p. 349).

A filosofia nos permite compreender as origens da linguagem poética, que

segundo Bachelard (1991, p. 05), trata-se de um trabalho primoroso de

“reanimar uma linguagem criando novas imagens”, pois esta é a ferramenta do

poeta. Para que descrevêssemos este elo entre o poeta e o filósofo, foi necessário

revisitá-los inúmeras vezes, foi preciso nos perdermos em seus devaneios, nos

permitindo sonhar com eles a construção de um novo mundo. Manoel de Barros

nos apresenta o Pantanal como a casa dinâmica expressa por Bachelard (2005),

pois esta aparece como um processo dinâmico de imagens, nos permitindo viver

em outros universos. Reforçando as proposições do filósofo, Manoel de Barros

3 Movimento liderado por André Breton (1896-1966), escritor francês e poeta; grupo altamente

organizado de escritores e artistas que acreditavam numa estreita relação entre sua arte e os

elementos revolucionários na sociedade.

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permite e incita o universo a habitar a sua casa, aqui o Pantanal de Mato Grosso.

Para além dessa interpretação, ao compreendermos o território nas vias do ser

humano, é possível também de nos compreender nessa mágica rede de relações.

Assim, compreendemos que, tanto o poeta quanto o filósofo preenchem

com palavras tudo o que tocam, nos apresentando as coisas do mundo nas

intersecções com vivências e os delírios humanos; e não só de matéria, nem

tampouco só devaneios, mas de ambos, fazendo juntos girar a espiral do

mundo. A Educação Ambiental acredita que enquanto esta outra possibilidade de

ver o mundo não se converter em crença compartilhada, em desejo e luta

coletiva, não serão possíveis sociedades nas quais os seres humanos se

reconheçam e, portanto, a sociedade neoliberal encontrará sempre espaço para

poder continuar a impor sua visão homogênea do mundo e, ainda mais tocante,

poderá corromper a arte, os sonhos, a utopia, de modo que esta fique envolta

por uma película, onde por meio de máscaras acabe por uniformizar os seres

humanos. “A vida dos campos, mesmo em seus seres vegetais, é uma

representação por imagens da vida amorosa” (BACHELARD, 2003, p. 247).

Portanto, não está destoada da vida humana, é pura alquimia.

Percorrer por entre os caminhos da Educação Ambiental, na perspectiva

de Manoel de Barros e Gaston Bachelard, significou trilhar pelos caminhos nada

convencionais do fazer científico, na medida em que, aliado à arte e à filosofia,

se fez de forma sensível, buscando valores que trazem a leveza e a concretude

do mundo, pois esta conversação nos mostra que o mundo é uma metáfora do

ser humano e vice-versa. Este olhar no mundo, e por meio do mundo, nos

permite criar imagens sempre em vias de fazer-se, pois, por mais que surjam, e

inevitavelmente, pautadas nesse diálogo, o surgimento dessas imagens sempre se

dá em abundância, sob constante olhar de novidade, esta construção sempre

será possível. Essas imagens, como afirmam o filósofo do imaginário;

[...] não se deixam classificar como os conceitos. Mesmo quando

são muito nítidas, não se dividem em gêneros que se excluem.

Após ter estudado, por exemplo, as pedras e os mistérios, não

dissemos tudo sobre os cristais; após ter sonhado inúmeras

petrificações, não seguimos verdadeiramente os devaneios

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cristalinos. Pelo menos, tudo deve ser dito outra vez com uma

nova tonalidade (BACHELARD, 1991, p. 229).

É com estas múltiplas possibilidades do olhar bachelardiano que

acreditamos que se insere a poesia manoelina, pois, ao recorrermos às

bibliografias que se referem ao poeta e ao filósofo, encontramos uma gama de

possibilidades de compreensão de ambos os devaneios, porém, trata-se de

devaneios que escorrem por frinchas, pois “quem anda em trilhos é trem de

ferro, sou água que escorre entre pedras: liberdade caça jeito” (BARROS, 1990,

p.189). Nesta perspectiva, vale destacar que Manoel de Barros em entrevistas

aborda que suas poesias falam dele mesmo, um ser humano que se faz nas/pelas

linguagens. Sendo as palavras manoelinas uma entrega aos devaneios para outra

compreensão de sua própria experiência de mundo, assim como Bachelard, em

sua filosofia do imaginário, entrega-se ao devaneio explorando novos caminhos

ao romper com a razão no estudo da imaginação poética (BACHELARD, 2005),

percebemos que os dois autores podem nos fornecer subsídios para a pesquisa,

no que tange um dos princípios básicos da Educação Ambiental, ou seja, a não

compreensão de ser humano desvinculado da natureza, expressa e apregoada

pela visão homogênea e neoliberal do mundo.

Ao caminhar pela poética manoelina e por entre a fenomenologia de

Gaston Bachelard nos sentimos convidados a participar ativamente de seus

devaneios, onde o real e o sonho se projetam como unidade, onde o ser

humano se apresenta com suas assimetrias e conflitos. E é nesta perspectiva que

se insere a importância desse estudo na Educação Ambiental, mostrando que esta

transpõe questões meramente pontuais, como a preocupação com queimadas,

devastação, lixo, entre outras.

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1.1.1 Um ser humano não biografável: Manoel de Barros

Invento para me conhecer.

Manoel de Barros

Não há uma biografia sistematizada do autor. Em 2005, quando iniciei

mais efetivamente meus estudos em Manoel de Barros, busquei escrever uma

biografia do autor dentro do que foi possível encontrar em livros e em algumas

páginas na internet. As palavras que aqui se encontram pouco se alteraram desde

aquela época, salvo alguns novos livros e relatos advindos de entrevistas.

Portanto, no que se refere a textos sobre uma biografia de Manoel de Barros é

possível perceber de imediato a repetição contida nos mesmos. Muito do que se

escreve a respeito são fios biográficos tecidos por ele, o poeta. Isto confirma que

sua vida e seus feitos são retirados de suas próprias obras, entrevistas e

comentários na internet, pois como ele mesmo diz: "É a palavra que me vai

desvelando"4, e/ou ainda:

Não sou biografável. Ou, talvez seja. Em três linhas.

1. Nasci na beira do rio Cuiabá.

2. Passei a vida fazendo coisas inúteis.

3. Aguardo um recolhimento de conchas. (E que seja sem dor, em algum banco

da praça, espantando da cara as moscas mais brilhantes)

(BARROS, 1990, p.11).

E é a partir de suas próprias pistas que tentaremos descrever um pouco

de nosso poeta que tem sempre a grandeza de nos surpreender por meio das

coisas ínfimas.

Nascido no Beco da Marinha, em 19 de dezembro, na Cuiabá de 1916, o

poeta Manoel de Barros, advogado por formação, mas poeta por revelação é

filho do à época influente capataz morador da beira do Rio Cuiabá, João

Venceslau Barros. Conhecido pelos mais íntimos por Nequinho, ele mesmo diz

ter crescido entre as coisas do chão, desde um ano de idade, “Até os 8 anos, eu

4 Entrevista a José Castello.Disponível em http://migre.me/637Dz

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fui criado no chão, da forma mais primitiva”, quando o pai resolveu fixar

morada para construir fazenda em Corumbá, hoje região do Mato Grosso do

Sul: “Ali o que eu tinha era ver os movimentos, a atrapalhação das formigas,

caramujos, lagartixas. Era o apogeu do chão e do pequeno.”

Seus estudos foram realizados em colégios internos, a partir dos oito

anos de idade, quando saiu de casa pela primeira vez para um internato em

Campo Grande. É sabido que seu maior incentivador foi Padre Antonio Vieira,

para quem a frase5 “era mais importante que a verdade, mais importante que a

sua própria fé. O que importava era a estética, o alcance plástico. Foi quando

percebi que o poeta não tem compromisso com a verdade, mas com a

verossimilhança." Ao sair do colégio, entra em contato com a obra de Rimbaud e

por meio dela descobre o poetizar inscrito na mistura de sentidos, apresentando-

lhe a total liberdade que a palavra poética pode ter. “Foi o poeta mais

importante para mim. Aprendi com ele uma certa promiscuidade dos sentidos na

natureza. Ele tinha uma linguagem própria, toda sua, aquela coisa do "trouver la

langue" ("encontrar a língua").”6

A política fez parte de sua vida por uns tempos e tanto sua leitura de

Marx, como sua participação na Juventude Comunista pode nos dar uma

amostra de seu lado militante. Em épocas de repressão política sua criação

poética o salva da prisão quando, aos 18 anos, ao pichar uma estátua com a

frase “Viva o Comunismo”, o primeiro livro de sua autoria intitulado “Nossa

Senhora de Minha Escuridão” impede que seja preso por um policial, que ao

folheá-lo a pedido da dona da pensão onde morava, convenceu-se do não

envolvimento comunista daquele “menino”; mas o policial leva o único

exemplar em troca da liberdade do poeta. De sua militância restou o

5 Segundo o Professor da Unicamp Alcir Pécora, pesquisador e autor do livro sobre as frases de

Antonio Vieira em seus “Sermões” - Índice das coisas mais notáveis: Editora Hedra, 2010, o

Padre Antonio Vieira, “orador e escritor, era um homem de frases lapidares, fulminantes, nas

quais não se podia mexer mais, como um poema. Ser um bom frasista, em termos retóricos e

de oratória sacra, no caso de Vieira, significa sempre ser capaz de apresentar de maneira eficaz

um argumento. Não se trata apenas de produzir maravilha, mas de fazer a maravilha trabalhar

em favor de seu propósito. Como padre, o propósito de Vieira foi sempre edificante, no bojo

de um projeto de conversão universal.” Fonte: http://migre.me/637FM

6 Entrevista concedida a André Luis Barros, disponível em: http://migre.me/637Hb, e

originalmente publicada em: Jornal do Brasil. Ideias. 24/08/1996.

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desapontamento após ouvir as palavras do seu líder Luiz Carlos Prestes e diz:

“Quando escutei o discurso apoiando Getúlio — o mesmo Getúlio que havia

entregue sua mulher, Olga Benário, aos nazistas — não aguentei. Sentei na

calçada e chorei. Saí andando sem rumo, desconsolado. Rompi definitivamente

com o Partido e fui para o Pantanal.”7

Não querendo estabelecer-se como fazendeiro ou como cartorário, como

queria seu pai à época, resolve correr o mundo, e sobre suas andanças, quando

então adquire o amor pelas coisas “desimportantes”, destacamos as palavras do

próprio poeta:

Quando eu era jovem, fiz uma longa viagem pela Bolívia. Viajei

sem rumo por Porto Suárez, Orurus, Chiquitos, vivendo sempre

no meio da indigência. Eu não fazia nada, eu simplesmente vivia

- e bebia muita chicha, a aguardente que os índios bolivianos

fazem com o milho. Passava os dias ali, quieto, no meio das

coisas miúdas. E me encantei. [...] Em minha viagem à Bolívia,

procurei as cidades decadentes, as mais miseráveis. Ficava o dia

todo encostado, pescava, bebia, passava os dias misturado com

os bugres, os descendentes diretos dos índios americanos. Eu

vivia no meio deles, empenhado apenas em conhecer aquelas

pequenezas (BARROS, apud BARROS, 1996).

O contato com a arte moderna veio quando encontrou um amigo que o

convidou para ir a Nova York: “Foi um choque cultural: Picasso nos museus,

Bach tocando nas igrejas. Fizemos uma viagem cheia de escalas, fomos chegando

aos poucos.” (Ibidem). Após encontrar muita “miséria” pelo caminho, morou

por um ano em Nova York, onde ocupou grande parte de seu tempo fazendo

curso sobre cinema e pintura, entrando em contato com as obras de “Picasso,

Chagall, Miró, Van Gogh, Braque, que reforçavam seu sentido de liberdade.

Entendeu então que a arte moderna veio resgatar a diferença, permitindo que

‘uma árvore não seja mais apenas um retrato fiel da natureza: pode ser fustigada

por vendavais ou exuberante como um sorriso de noiva’ " (Ibidem)

Foi quando voltou ao Brasil que conheceu seu “guia de cego” (BARROS,

apud CASTELLO, 1999), como chama carinhosamente a esposa Stella. Casaram-se

7 Disponível em: http://www.releituras.com/manoeldebarros_bio.asp

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após apenas três meses, e viveram durante quarenta anos no Rio de Janeiro,

onde Manoel de Barros formou-se em direito. Morando em Mato Grosso do Sul

desde 1961, tem seu local de nascimento confundido por muitos como Corumbá

(MS), por ter morado lá quando voltou do Rio. Atualmente ele e sua esposa

Stella de 84 anos moram em Campo Grande (MS), vivendo até hoje

apaixonadamente. Pedro, João e Martha são os três filhos, que juntos deram ao

casal sete netos.

O poeta inovou a linguagem de forma jamais vista na literatura

brasileira. O trabalho literário de Manoel de Barros não pretende ser uma

descrição do ambiente pantaneiro, pois segundo ele quem descreve não faz arte:

“De minha parte, confesso que fujo do regionalismo que não dê em arte, que só

quer fazer registro[...]. Não gosto de descrever lugares, bichos, coisas da

natureza. Gosto de inventar. Quem descreve não é dono do assunto; quem

inventa é” (BARROS, apud CASTELLO, 1999, p.116).

Entrar em contato com sua obra literária é entrar de corpo e alma na

natureza pantaneira universalizada por sua poesia presente nas várias obras

como se segue:

Poemas concebidos sem pecado (1937); Face imóvel (1942); Poesias

(1956); Compêndio para uso de pássaros (1960); Gramática expositiva do chão

(1969); Matéria de poesia (1974); Arranjos para assobio (1982); Livro de pré-

coisas (1985); O guardador de águas (1989); Gramática expositiva do chão -

poesia quase toda (1990); Concerto a céu aberto para solo de aves (1991); O

livro das ignorãças (1993); Livro sobre nada (1996); Retrato do artista quando

coisa (1998); Para encontrar o azul eu uso os pássaros (1999); Exercício de ser

criança (1999); Ensaios fotográficos (2000); Fazedor de amanhecer (2001);

Poeminhas pescados numa fala de João (2001); Águas (2001); Tratado geral das

grandezas do ínfimo (2001); Memórias inventadas - A infância (2003); Cantigas

para um passarinho à toa (2003); Poemas rupestres – ilustração de Martha

Barros (2004); Memórias inventadas – A segunda infância(2006); Memórias

inventadas – A terceira infância (2008); Menino do mato (2010); Poesia

completa (2010).

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Fazendeiro e morador do Mato Grosso do Sul, diz ser culpado pelo

longo anonimato, por não gostar de aparecer. Além disso, demonstra sofrer com

as interpretações equivocadas a seu respeito, resultado de seu isolamento. “Mas

às vezes sofro aqui nessa cidade [...]. Tem gente aqui que pensa que eu vivo

isolado, sozinho, sem amigos, falam que eu sou intratável. Não sou isolado,

não.”8 Diz ainda que “A poesia faz da gente uma espécie de mito, e as pessoas

acabam fazendo da gente uma imagem diferente da realidade.”9

Comprovadamente, a respeito disso, diz José Castelllo ao ver o poeta pela

primeira vez, para uma entrevista em sua casa em Campo Grande(MT).

Onde está o outro Manoel, aquele que inventei? O Manoel

verdadeiro fala, e enquanto fala eu o olho e penso no outro

Manoel de Barros que imaginei existir em seu lugar. Só me resta

admitir que caí numa armadilha que provavelmente eu mesmo

ajudei a armar (CASTELLO, 1999, p.120-121).

Manoel brinca com a sua incapacidade de dissociar o ser humano que

sonha do ser humano de “carne e osso”, nos possibilitando o saber desta

inseparabilidade, deixa nítida a conexão entre subjetividade-objetividade.

O poeta também ri de si mesmo, principalmente quando se trata “do

que não tem”, pois deu tudo para os filhos vivendo agora de mesada, e se julga

um dependente, pois, nem mesmo sabe guiar carros.

Ao completar 90 anos, em 19 de dezembro de 2006, Manoel de

Barros foi extensamente homenageado, inclusive com sete programas exibidos

em especiais de férias da TVE Regional de Mato Grosso do Sul. É considerado o

maior poeta em atividade no Brasil, conquistando todos os prêmios de poesia

no Brasil a que concorreu desde 1960, além de dois Jabutis: “Prêmio Orlando

Dantas” em 1960, conferido pela Academia Brasileira de Letras ao livro

Compêndio para uso dos pássaros; em 1969 recebeu o Prêmio da Fundação

Cultural do Distrito Federal pela obra Gramática expositiva do chão; em 1997,

o Livro sobre nada recebeu o Prêmio Nestlé, de âmbito nacional; em 1998,

recebeu o Prêmio Cecília Meireles (literatura/ poesia), concedido pelo Ministério

8 Entrevista a André Luis Barros, disponível em http://migre.me/637PO

9 Ibidem

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da Cultura; em 2000 recebeu o título de Doutor Honoris Causa, concedido pela

Universidade Católica e em 2003 o mesmo título lhe foi concedido pela

Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT, título máximo de uma

Universidade. Também em 2000, recebeu o Prêmio Odilo Costa Filho da

Fundação do Livro Infanto Juvenil, com o livro Exercício de ser criança; o

Prêmio Academia Brasileira de Letras, com o mesmo livro; em 2002 foi o

vencedor do Prêmio Jabuti de Literatura, na categoria livro de ficção, com O

fazedor de amanhecer; e em 2005 do Prêmio APCA 2004 de melhor poesia,

com o livro Poemas rupestres; Com o livro Poemas Rupestres, recebeu em 2006

o Prêmio Nestlé de Literatura Brasileira.

Waldman atribui a Manoel de Barros um itinerário de vida elíptico, que

vela ao leitor que a poesia é o verdadeiro interesse do poeta,

[...] mas ao velar, a elipse também alude ao homem de carne e

osso que se esconde atrás das palavras mostrando-se concha,

caracol colado à pedra, que, pela poesia, vai se transformando

numa voz que institui os poemas, neles traçando o contorno de

uma personagem (WALDMAN, in: BARROS, 1990, p.11).

Atualmente Manoel de Barros é reconhecido nacional e

internacionalmente como um dos mais importantes poetas do Brasil, e um dos

mais originais poetas do século, como diz Waldman, "a eleição da pobreza, dos

objetos que não têm valor de troca, dos homens desligados da produção

(loucos, andarilhos, vagabundos, idiotas de estrada), formam um conjunto

residual que é a sobra da sociedade capitalista; o que ela põe de lado, o poeta

incorpora, trocando os sinais" (Ibidem, p.26).

É nesta perspectiva, de um poeta que não se coloca em dicotomia com a

natureza, que pensamos na contribuição da poesia manoelina para com o

universo científico, na medida em que esta mostra um sujeito histórico, de

decisão e de ruptura com os valores preconizados pela modernidade. Em sua

poesia a estética e a ética tem o palco simples e fértil do pantanal de Mato

Grosso, território que, por sua vez, está entranhado na alma do poeta.

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1.1.2 O filósofo poeta e/ou o poeta filósofo: dualidade em Gastón

Bachelard

Pela linguagem poética, ondas de

novidade correm sobre a superfície do

ser. E a linguagem traz em si a dialética

do aberto e do fechado. Pelo sentido, ela

se fecha; pela expressão poética, ela se

abre.

Gaston Bachelard

Neste espaço, buscaremos abordar a biografia de um ser humano

híbrido, que entre a objetividade e a subjetividade, traçou compreensões que

rompem com a linearidade do universo, mostrando que os movimentos

impedem que as coisas estejam estagnadas. Assim, na sua produção voltada à

poética o autor aborda seus devaneios, tendo como sustentáculo o campo

movediço dos elementos da natureza, movediço por que não consegue mostrá-

los desconectados entre si, mas em conversação.

Gaston Bachelard nasceu em Champagne (Bar-sur –Aube/França), em 27

de junho 1884. De origem humilde, seus pais possuíam uma pequena loja de

papelaria e tabacaria, onde sempre trabalhou enquanto estudava. O grande

pequeno filósofo tinha como meta tornar-se engenheiro, projeto que foi

interrompido pela Primeira Guerra Mundial, onde serviu, defendendo os

princípios do seu país. Segundo dados de outros trabalhos que apresentam a

biografia do filósofo, ele aprendeu química sozinho, durante o período em que

trabalhou como carteiro, o que o levou a lecionar em colégios secundários as

matérias de física e química. Portanto, é possível observar que deriva daí uma

formação mais objetiva, voltada, considerando a visão cartesiana da ciência,

para um saber mais científico, capaz de abordar com mais precisão o

conhecimento do mundo.

No entanto, aos 35 anos, Bachelard inicia os estudos de filosofia, o que

acreditamos que vem alargar ainda mais sua visão de mundo, possibilitando-o a

transitar por entre a ciência e a poética contida no universo. Após o término do

curso o filósofo passa também a lecionar filosofia. Portanto, o autor transita por

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entre dois mundos julgados, muitas vezes, como opostos, mas que nos são

apresentados como complementares e indissociáveis.

Em 1927, fez seu doutorado pela Sorbone, suas primeiras teses são

publicadas logo em seguida, em 1928 (Ensaios sobre o conhecimento

aproximado e Estudo sobre a evolução de um problema de física: a propagação

térmica dos sólidos). Seu nome passa a se projetar no mundo das ciências,

sendo convidado, em 1930, a lecionar na Faculte dês Lettres de Dijon, onde fica

por 10 anos trabalhando. Mais tarde, em 1940, vai a convite da faculdade para a

Sorbonne, onde passa a lecionar cursos cujas vagas são disputadas pelos alunos

devido ao espírito livre, original e profundo deste filósofo que, antes de tudo,

sempre foi um professor. Bachelard ingressa em 1955 na Academia das Ciências

Morais e Políticas da França e, em 1961, é laureado com o Grande Prêmio

Nacional de Letras.

O filósofo desenvolveu ainda a filosofia da ciência anti-positivista, pois

para ele a ciência era uma atividade autônoma, dependente apenas de si mesma

para suas normas e práticas. Não procurou em suas construções estabelecer a

relação do saber, produzido pelos seres humanos com as coisas, mas a relação

entre seres humanos com seu próprio saber. Ele acreditava, também, que as

teorias físicas não eram divorciadas de comprometimentos metafísicos, ainda que

elas reivindicassem essa separação.

No que trata da obra bachelardiana, encontramos no contexto histórico

de sua produção a revolução científica do início do século XX.

Enquanto um intérprete da ciência de seu tempo, especialmente

a partir das contribuições da Física Relativística, das Geometrias

Não-euclidianas e da Química Quântica, Bachelard organiza

uma epistemologia não-normativa, ao contrário das

filosofias da ciência dominantes de cunho empírico-positivista,

pertencentes à matriz anglo-saxônica.[...] O objetivo de

Bachelard não é dizer aos cientistas como devem proceder

em seu trabalho. Seu diálogo é com os filósofos de seu tempo;

seus questionamentos se dirigem a uma filosofia desatenta para

as transformações radicais que sofre a razão humana com o

advento da ciência contemporânea. Bachelard, além de

questionar os princípios dos filósofos que se baseiam na ciência

do século XIX - Descartes, Kant e Comte -, discute os

pressupostos de seus contemporâneos, notadamente Meyerson,

Sartre, Freud, Bergson e Brunschvicg (LOPES, 1996, p. 250-251).

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Sem pretender aprofundar o tema, mas com o objetivo de situar

rapidamente o leitor na sua produção, a obra de Gaston Bachelard possui duas

vertentes: uma científica (diurna) e uma poética (noturna).

Influenciado pela física quântica e pela teoria da relatividade de Albert

Einstein, o Bachelard diurno (epistemólogo) funda sua filosofia rejeitando os

preceitos de Descartes (1596-1650), fundando sua epistemologia não-cartesiana,

de rejeição às verdades nos padrões da tradição da ciência Moderna, dando

ênfase à descontinuidade das mudanças científicas.

Várias vezes, nos diferentes trabalhos consagrados ao espírito

científico, nós tentamos chamar a atenção dos filósofos para o

caráter decididamente específico do pensamento e do trabalho

da ciência moderna. Pareceu-nos cada vez mais evidente, no

decorrer dos nossos estudos, que o espírito científico

contemporâneo não podia ser colocado em continuidade com

o simples bom senso (BACHELARD, 1972b, p.27).

Por outro lado, o Bachelard diurno (fenomenólogo), reivindicando o

papel central da imaginação sobre todas as faculdades humanas, se alicerça nos

trabalhos de poetas e escritores como Charles Baudelaire, Jean-Paul Richter,

Novalis, Mary Shelley, Holderlin:

Todo o universo visível é apenas um depósito de imagens e de

sinais aos quais a imaginação dará um lugar e um valor relativo;

é uma espécie de alimento que a imaginação deve digerir e

transformar. Todas as faculdades da alma humana devem ser

subordinadas à imaginação, que as requisita todas ao mesmo

tempo (Baudelaire, 1993, p. 99).

Reconhecido como filósofo e poeta, Bachelard se tornou importante

não apenas por seu trabalho na área de filosofia da ciência, mas também por sua

recepção no debate de inúmeros filósofos franceses, incluindo Georges

Canguilhelm, Louis Althusser, Michel Foucault e Michel Serres. Gaston Bachelard

faleceu no dia 16 de outubro de 1962.

Compreendemos que a filosofia bachelardiana apresenta outro percurso

possível para a razão humana, no qual por meio da sensibilidade evocada pela

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imagem é possível trazer a essência da poética de um sonhador. É neste cenário

de elementos movediços, férteis e convidativos que Manoel de Barros se

encontra, nos convidando a transgredir as amarras que nos impedem de ser mais,

no sentido de ser que se completa na relação com o mundo, para vislumbrar um

mundo mais justo e igualitário para todos (FREIRE, 1987). Queremos enfatizar

que a utopia da Educação Ambiental tal qual a utopia freireana ou a poética

veiculada nas palavras do poeta mato-grossense, não é algo irrealizável, muito

pelo contrário, é uma percepção amorosa que acredita que a busca da

democracia, da justiça ambiental10, está intrinsecamente ligada ao respeito às

diversidades que compõe o cosmo, é uma educação de cuidado com a terra e de

todos que nela sobreVivem.

Vale ressaltar, portanto, que os méritos científicos de Bachelard

dependem também, em grande parte, de seus estudos sobre a linguagem poética,

a imaginação, a fenomenologia e suas implicações em episódios da história da

ciência. Acreditamos que o autor deu ênfase à importância do estudo da história

da ciência e opôs-se aos estudos de teorias abstratas, pois para ele a razão deve

desvelar o impensado dos discursos, sob a lógica da descoberta. A história e o

desenvolvimento da ciência, segundo suas concepções, não podem ser

percebidas em progresso linear, mas em processos descontínuos, com obstáculos

e rupturas. A formação de Bachelard, portanto, nos ajuda a tecer considerações

que aproximam das percepções que ora descrevemos, pois suas arguições

fundamentam a nossa proposição no que tange a conexão indissociável entre a

poesia-mundo.

Entre suas obras traduzidas em Língua Portuguesa, podemos citar: O

Homem Perante a Ciência (1967); A Epistemologia (1971); A Filosofia do Não &

Outros Textos (1973); Ensaio Sobre Conhecimento aproximado (1976); Filosofia

do Novo Espirito Cientifico (1976); O racionalismo aplicado (1977); Poética do

Espaço (1978); O Direito de Sonhar (1985); O Materialismo Racional (1990); A

10 De acordo com a Rede Brasileira de Justiça Ambiental, o conceito de Justiça Ambiental refere-

se ao tratamento justo e ao envolvimento pleno de todos os grupos sociais, independente de

sua origem ou renda nas decisões sobre o acesso, ocupação e uso dos recursos naturais em seus

territórios.

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Terra e os Devaneios da Vontade (1991); Novo Espírito Científico (1996); A

formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do

conhecimento (1996); Estudos (2007); A Psicanálise do Fogo (2008); O

Pluralismo Coerente da Química Moderna (2009); A água e os Sonhos ( 2009);

A Experiência do Espaço na Física Contemporânea (2010);

1.2 REGISTROS IDENTITÁRIOS DE UMA VIAJANTE

Se você prende uma água, ela escapará

pelas frinchas.

Se você tirar de um ser a liberdade, ele

escapará por metáforas.

Manoel de Barros

Graduada na área de linguagens, com formação, ainda que parcial, na

área filosófica, que me apaixonei pela poética de Manoel de Barros quando

professora da Escola Livre Porto11 Cuiabá, durante uma pesquisa sobre

metodologias possíveis para se trabalhar a “repulsa” percebida entre os alunos da

6ª e 7ª séries, em tudo que se tratava do chão, da terra onde pisavam, que para

eles significava sujeira. Um processo de reflexão com os alunos foi iniciado, por

meio da leitura das poesias de Manoel de Barros e o estudo do elemento terra e

dos restos deixados no chão pelo ser humano. A partir dos textos produzidos

após as oficinas de poesia, foi perceptível a mudança dos alunos com relação

àquele espaço da escola visto anteriormente por eles como sujo. O contato com

a rebeldia do olhar daqueles alunos me inspirou a busca por opções, e foi

quando a poética manoelina me ofereceu o exercício da cosmovisão, da

possibilidade de outros mundos, de um olhar transcendente para a natureza e as

coisas do chão. Esta minha experiência com os alunos da Livre Porto e outra

com alunos da UFMT numa oficina de produção de textos, já como aluna do

11 Escola de Ensino Fundamental e Médio, cuja pedagogia aplicada é a Pedagogia Waldorf.

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mestrado, encontra-se citada num livro12 recentemente publicado por Cristina

Campos, docente de Língua Portuguesa e Literatura do Instituto Federal de

Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso, fruto de um doutorado na

Universidade de São Paulo (USP), defendido em 2007.

Pensar a Educação Ambiental em companhia da sensibilidade poética é,

antes de tudo, nos despir das marcas impregnadas durante a nossa jornada

existencial, buscando compreender o mundo pelo prisma da Cartografia do

Imaginário, aqui delineado pela palavra de Manoel de Barros. Com esta

percepção será possível olhar não apenas com os olhos, mas com a sensibilidade

expressa na linguagem de quem pela palavra deseja mudar o mundo, mostrando

que é na origem que se encontram os sentidos que deviam nos constituir

enquanto seres humanos, nos ofertando, assim, trilhas para uma viagem de

cunho científico.

Aqui procuro levar em conta as principais circunstâncias que envolveram

o desenvolvimento da minha vida pessoal-profissional, destacando os elementos

que, marcados por quebras de paradigmas, por coerências e incoerências, de

relações estabelecidas com o mundo, resistindo à forma cômoda e dormente de

viver e reproduzir a hegemonia (LINHARES, 2002, p.7), possibilitaram a

construção da minha identidade. Assim, este é o registro de uma memória que se

faz no percurso do instituído em direção às experiências instituintes, como forma

de ser e estar no mundo, de conhecer e atuar na vida, apresentando;

[...] a construção de práticas que se desdobram em

movimentos criadores, para estremecer o que foi

organizado pela história, movimentos que estão sempre

em devir, sem certezas e comprovações da história, mas

enfrentando e infiltrando-se nas tramas instituídas, para

aproveitar frestas e contradições e, assim, afirmar a

outridade (LINHARES, 2006).

Foi assim, pisando em terreno movediço, que projetei meus sonhos, e

são eles que me fazem acreditar na vida e esperançar o futuro. Crença e

esperança que se iniciaram muito cedo, quando ainda quase uma criança, pois

12 CAMPOS, Cristina. Manoel de Barros: o Demiurgo das Terras Encharcadas – Educação pela

Vivência do Chão. Cuiabá: Carlini&Caniato: 2010. p.301

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me lembro de quando dizia ao meu pai, um sábio instrutor e explorador de

caminhos sem formação escolar, o quanto gostava de viajar pelo mundo mágico

das palavras, ler poesias, histórias, fábulas, etc; que, por meio delas, eu podia

conhecer outros mundos. E assim, fruto de um projeto municipal, que levava um

ônibus-biblioteca aos bairros pobres da cidade de Londrina, no estado do

Paraná, cresci no mundo da leitura, o que fez de mim uma apaixonada

professora de Literatura.

Acredito que o poder poético das palavras incita nossa imaginação, nos

permite ir além do aparente, trilhar por descaminhos, como aborda Bachelard

(2003, p.57), assim: “a imaginação vai mais longe; ela faz filosofia [...] aborda

uma ontologia da luta [...] o ser que segue tais imagens conhece então um

estado dinâmico que é inseparável da embriaguez: é agitação pura. É

formigueiro puro”.

E, já que trataremos de cartografia, creio que valha a pena reiniciar o

caminho, marcar minha trilha jogando pedacinhos de pão, mas, ao contrário de

João e Maria (GRIMM, 2002), jogo-os na esperança de que pássaros os comam,

me fazendo permanecer no fundo da floresta encantada, junto aos devaneios

tecidos dentro das casinhas de caracóis, onde me sinto segura para delinear o

lugar possível percorrido na trajetória dessa pesquisa.

Sinto-me uma típica representante daquelas pessoas que fizeram parte de

uma família muito pobre, mas extremamente felizes. Cercada de afeto, brincava

na rua com meus irmãos e irmãs, além de muitas outras crianças à minha volta,

enquanto minha mãe cuidava da casa e da família e meu pai buscava o nosso

sustento nas estradas deste imenso Brasil, na profissão de caminhoneiro. Encho o

peito de afeto, de carinho e orgulho para falar de meus pais, que infelizmente

não estão mais aqui. Porém, deixaram suas marcas, as melhores marcas que os

pais podem deixar a seus filhos: a marca da ética, da luta, da esperança pela

realização dos sonhos, princípios que coadunam com Freire (2006, p. 30): “sem

um vislumbre de amanhã, é impossível a esperança”.

Cresci entre os cafezais, numa natureza cuja estética se difere totalmente

da natureza mato-grossense, período em que era comum brincar sem bonecas ou

qualquer outro tipo de brinquedo industrializado. Inventava as próprias

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brincadeiras, cobrindo “bonecas de milho” com pedaços de pano, ou fazendo

um zoológico, colocando perninhas de palitos de fósforos em goiabas,

mamonas, pêssegos e tudo o mais que encontrava pela frente. Aprendi muito

cedo o “jogo do contente” (PORTER, 1947, p.40), e ainda hoje procuro ver o

lado bom de todas as coisas.

Viajei pela primeira vez a Cuiabá em 1978, com o objetivo de passar

algumas semanas, que acabaram se transformando em quase um ano. De volta à

minha cidade natal, em 1980 ingressei no curso de Letras na UEL – Universidade

Estadual de Londrina, curso inacabado à época, por retornar a Cuiabá

definitivamente em 1982, quando então me casei. Mãe de três filhos, fui levada a

optar por não retornar aos estudos até que eles estivessem “criados”.

Nunca deixei de ler. Foi com um Príncipe criança que aprendi que seria

o tempo que perderia com minha rosa que a faria tão importante (SAINT-

EXUPÉRY, 1991). Em minha estante sempre foi possível encontrar romances,

poesias, filosofia, literatura clássica, literatura moderna, brasileira e estrangeira.

Considerava-me “autodidata” até o momento em que ouvi a Profª Michele Sato,

numa sala do mestrado13, dizer ser impossível sermos autodidatas, uma vez que

ao lermos um livro ou um texto, ou mesmo ao assistirmos um filme para

aprender algo, estamos aprendendo “com alguém ou com algo” e não sozinhos,

já que sempre existe um autor nos bastidores. Hoje percebo a espiral viva e

permanente que envolve os seres humanos, aprendo sempre com alguém e

espero que o outro também aprenda comigo. A esse respeito me junto às sábias

palavras do educador Paulo Freire:

Não estou no mundo para simplesmente a ele me adaptar, mas

para transformá-lo; se não é possível mudá-lo sem um certo

sonho ou projeto de mundo, devo usar toda a possibilidade

que tenha para não apenas falar de minha utopia, mas para

participar de práticas com ela coerentes [...]. É porque podemos

transformar o mundo, que estamos com ele e com os outros.

Não teríamos ultrapassado o nível da pura adaptação ao

mundo se não tivéssemos alcançado a possibilidade de

13 Colóquio do Gpea, na sala 66 do Instituto de Educação da UFMT, 2006.

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pensando a própria adaptação, nos servir dela para programar

a transformação (FREIRE, 2000, p.33).

Foi com o objetivo de lançar-me neste mundo de possibilidades

vislumbrado por Freire que, com os filhos já crescidos, resolvi voltar aos estudos

acadêmicos, ficando naquele indo e vindo, mas enfim, finalizando o curso de

Letras em 2003. Neste ano também iniciava o curso de Filosofia e, entre um

curso finalizado que me deixava ansiosa pela prática da literatura e outro que me

preparava ainda mais para a eficácia nas discussões acerca do pensamento

literário em sala de aula, buscava cursos preparatórios, participava de fóruns,

eventos, congressos e outras formas de crescimento intelectual.

Em 2004 conheci e me apaixonei pela Educação Ambiental e, em 2005,

ingressei no GPEA – Grupo Pesquisador em Educação Ambiental14, da UFMT,

desenvolvendo trabalhos na área e participando ativamente do grupo e de quase

todos os eventos que o envolvia, tanto na participação por meio de

apresentação de trabalhos, como fazendo parte da equipe de organização dos

eventos.

Em 2006 iniciei o trabalho com aulas de Língua e Literatura Portuguesa

para as turmas de Letras na modalidade Modular no Centro Universitário de

Várzea Grande – UNIVAG, tanto na unidade de Várzea Grande quanto na

unidade de Rondonópolis. Em quase sua totalidade, minhas turmas constituíam-

se de disciplinas na área de Literatura, destacando-se o trabalho com a Literatura

mato-grossense, onde sempre tive a oportunidade de trabalhar com os cursistas a

poesia de Manoel de Barros.

Sendo o processo formativo de natureza social e compreendendo a

prática docente do ensino superior como atividade de interação, de troca, na

medida em que nos transformamos durante o processo, busco sempre refletir a

minha prática docente, me amparando na Pedagogia da Autonomia de Paulo

Freire, como possibilidade para o exercício da autonomia do pensar discente, e

14 Por ser constituído por uma equipe multidisciplinar, onde educação, ambiente, comunicação e

arte se aliam e se entrelaçam na ciranda de saberes acadêmicos e populares, no final de 2010 o

grupo acolhe seu novo nome: “Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e

Arte (GPEA)”.

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para o conhecimento reflexivo como forma de liberdade responsável: “As

qualidades ou virtudes são construídas por nós no esforço que nos impomos

para diminuir a distância entre o que dizemos e o que fazemos.” (FREIRE, 1996,

p.25).

O trabalho em sala de aula com a Literatura possibilitou o conhecimento

científico de corpo inteiro, com sentimentos, emoções, dúvidas e desejos, unindo

paixão e razão. Pois, “É impossível ensinar sem essa coragem de querer bem, sem

a valentia dos que insistem mil vezes antes de uma desistência[...] é impossível

ensinar sem a capacidade forjada, inventada, bem cuidada de amar [...] É preciso

ousar para jamais dicotomizar o cognitivo do emocional” (FREIRE, 1997, p. 8).

No início do ano de 2009 ingressei no ProJovem Urbano, um programa

de inclusão de jovens, com a função de Formadora de Educadores de Tangará

da Serra-MT, que atuaram no projeto. Um projeto importante para o meu

aprendizado em olhar e aprender com o outro, pois “Ensinar inexiste sem

aprender e foi aprendendo socialmente que, historicamente, homens e mulheres

descobriram que era possível ensinar” (FREIRE, 1996, p. 26).

Em Julho daquele mesmo ano, fui convidada para participar do Projeto

Haiyô – Magistério Intercultural, quando estive no Parque Indígena do Xingú–

Posto Pavurú, trabalhando com a Língua Portuguesa para a formação de

professores indígenas de sete etnias xinguanas. Uma experiência ímpar em minha

vida, enquanto ser humano que pensava ter chegado para ensinar, mas que sai

com a certeza de ter aprendido!

De 2008 a 2011 compus o quadro da Secretaria Executiva da Rede Mato-

Grossense de Educação Ambiental - REMTEA. Segundo Michèle Sato (SATO,

2003a), o conceito de Rede nasce da Biologia, enquanto sistemas de laços

realimentados, quando ecologistas das décadas de 1920 e 1930, estudando as

teias alimentares e os ciclos da vida propuseram a rede como único padrão de

organização comum a todos os sistemas vivos, como sistemas organizacionais

capazes de reunir indivíduos e instituições, de forma democrática e participativa,

em torno de objetivos e/ou temáticas comuns. O conceito de rede transformou-

se, nas últimas duas décadas, em uma alternativa prática de organização,

possibilitando processos capazes de responder às demandas de flexibilidade,

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conectividade e descentralização das esferas contemporâneas de atuação e

articulação social.

A REMTEA é uma Rede que se estrutura pelo diálogo aberto na

consolidação da Educação Ambiental, apresentando como salienta Michèle Sato

(2010):

A militância, a paixão, e nossa luta generosa em se entregar

incondicionalmente à luta ecológica [...], desde que as redes

agregam todos os territórios e identidades, representa, assim,

um laboratório dinâmico de experiências, acertos e erros

(IBIDEM, 2010).

Pela necessidade de ampliar e aprofundar meus conhecimentos em

Educação Ambiental, participo também de alguns processos de ensino a

distância(EaD), como o curso de Educação Ambiental oferecido pelo Ministério

da Educação (MEC) em parceria com a UFMT em 2009. Atualmente, coordeno

o grupo de tutores do Processo Formativo em Educação Ambiental: Escolas

Sustentáveis e Com-Vida, em sua modalidade ofertada pela UFMT –

Universidade Federal de Mato Grosso. Trata-se de um curso desenvolvido em

parceria com a Coordenação-Geral de Educação Ambiental do MEC e oferecido

pela Rede de Educação para a Diversidade, pelo Sistema Universidade Aberta do

Brasil e pelo MEC, destinado a professores e demais interessados no assunto.

Em cada um desses momentos de reflexão, percebo o quão enredados

nas teias da subjetividade humana estamos, e o quanto se faz necessário trazer à

tona os elementos que alguns acreditam estarem presentes apenas na linguagem

literária, destituída de valor. Pude ainda perceber a polêmica que envolve a

imagem literária que endossa as palavras de Bachelard, quando este aborda que:

A literatura recebe críticas contrárias. Por um lado é tachada de

banalidade, por outro de preciosidade. Ela é lançada na

discórdia do bom gosto e do mau gosto. Seja na polêmica, seja

mesmo na exuberância, a imagem literária é uma dialética tão

viva que dialetiza o sujeito que vive todos os seus ardores

(BACHELARD, 2003, p.71).

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As experiências no âmbito da Educação Ambiental, de cunho

fenomenológico, me fizeram compreender que entrar em nós mesmos por meio

da linguagem poética, implica um ressignificar a nossa existência, para a

compreensão de outras que compartilham conosco o espaço. As imagens

advindas da poética nos auxiliam, faz-nos compreender nossas próprias

limitações, desestruturam nossas verdades e ajudam-nos a construir outros

sentidos (BACHELARD, 2003).

Não tem sido fácil conciliar família, casa, estudos e sonhos, que estou

sempre procurando transformar em ações, mas tenho participado das várias

atividades de Educação Ambiental do GPEA e da REMTEA, onde tenho ancorada

a minha identidade como educadora ambiental.

1.3 RESSONÂNCIAS DOS DEVANEIOS NA INVESTIGAÇÃO

Apresentamos aqui os caminhos da pesquisa intitulada CARTOGRAFIA

DO IMAGINÁRIO: a dimensão poética e fenomenológica da Educação

Ambiental, cujo objetivo é apresentar um estudo bibliográfico do

entrelaçamento entre a poética surrealista de Manoel de Barros (OLIVEIRA,

2010) e a fenomenologia do imaginário de Gaston Bachelard (2005) no campo

da Educação Ambiental, aliadas às vias paralelas da Cartografia do Imaginário

(SATO, 2011).

A Cartografia do Imaginário de Sato (2011) é a via por onde olho os

devaneios de Manoel de Barros e de Gaston Bachelard. Por essa janela, ora vejo

palavras mergulhadas em águas profundas, ora vejo-as em terra firme; outras

vezes vejo o fogo ardente que aquece o aspecto anárquico de uma poética em

prol da Educação Ambiental, e em outras vejo o ar que dá leveza e nos

transporta por mundos utópicos.

Ao falar em cartografia, podemos logo imaginar uma descrição minuciosa

de demarcação de territórios, perspectiva dos defensores do modelo de

sociedade fundada no mercado. A cartografia citada nesta pesquisa se trata de

uma metodologia que busca trilhar um caminho imaginário, portanto, não se

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refere a uma demarcação geográfica, mas a uma cartografia humana, na

apresentação de um poeta e de um filósofo, que se circunscrevem na abertura de

aprendizagens com outros seres e não seres que encontraram por entre as

trajetórias de vida e de devaneios. Assim, a trilha nem sempre é aparente, pois

foi delineada com a contribuição de suas metáforas, e estas por sua vez instigam

caminhos diversos. Talvez seja esta possibilidade de inclusão de novos sentidos

que faz desta cartografia um processo democrático, instituinte e promissor. Para

tal, busquei no decorrer das discussões, por meio da Cartografia do Imaginário,

seguir os anseios e proposições da Educação Ambiental, para a qual a

aprendizagem é uma aventura pela trilha da ação criadora que envolve o ser

humano. Neste foco, o berço identitário/familiar do poeta contribuiu

significativamente para com a sua alma de poeta/menino, assim como o histórico

dicotômico de Gaston Bachelard, cujas obras desenvolvem-se em duas vias:

“uma linha epistemológica, que levanta questões em relação ao método, à

realidade científica, aos objetivos e aos resultados da ciência; e a metafísica da

imaginação, que contribui para acrítica literária contemporânea” (CAMPOS,

2010, p.34).

Manoel de Barros é, para nós, um pesquisador de sonhos, que traz com

suas despalavras os deslimites do ser em detrimento do ter, ou seja, caminhando

por sua subjetividade somos capazes de embrenharmos pelos diversos níveis da

objetividade. A sua poética se mostra de formas diferentes para cada ser

humano, ao mesmo tempo em que sua linguagem causa determinada estranheza,

por sua não adesão à forma convencional cultuada pela sociedade, ela também

nos deixa com a sensação de familiaridade, pois faz um passeio matutino pelas

palavras simples do cotidiano. Por sua vez, Gaston Bachelard é o filósofo da

criação artística, do sistema poético dos quatro elementos (água, terra, fogo e

ar), cuja obra ultrapassa a tradição filosófica da imaginação formal, que se faz

presa às amarras da abstração e do formalismo. Para o autor as imagens poéticas

são fontes insubstituíveis para a saúde do ser e concede à imaginação poética a

aptidão de se conhecer, por meio do devaneio, certas realidades da alma

humana, as quais escapam aos métodos do conhecimento objetivo

(BACHELARD, 2003).

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As palavras do mato-grossense Manoel de Barros esboçam um desenho

dos quatro elementos da natureza de Gaston Bachelard: Água, Terra, Fogo e Ar,

por se tratar de uma construção poética que faz a ponte com valores universais,

partindo de uma estrada repleta de túneis, os quais nos transportam do exterior

para o interior, e vice e versa. Neste sentido, o poeta por meio da sensibilidade

desenhou o seu mundo, transformou a natureza em palavras, e estas vão

delineando uma cartografia no imaginário humano, numa representação do ser

humano-natureza. De acordo com Oliveira (2010), trata-se de uma produção

que permeia por entre os quatro elementos e, esta percepção, depende da opção

de porta de entrada que escolhemos para produzir nossas significações.

É nesse entrelaçamento entre a poética de Manoel de Barros e a filosofia

do imaginário de Gaston Bachelard que vislumbramos a poesia aliada à filosofia

como algo capaz de nos contaminar com as utopias da Educação Ambiental, pois

tanto Manoel de Barros quanto Gaston Bachelard apresentam em suas linhas o

desenho mágico da imaginação poética, nas quais estão inseridas, não apenas

seres humanos, mas uma multiplicidade de coisas e não-coisas, de saberes e

dessaberes, que podem contribuir na construção de um mundo melhor para

todos. Nesse sentido, Manoel de Barros nos apresenta sua poética ambiental,

pois, “as palavras que ele aplica às coisas poetizam as coisas, valorizam-nas

espiritualmente num sentido que não pode fugir completamente das tradições”

(BACHELARD, 2002, p.140).

Se embrenhar por este caminho do imaginário, no entanto, é uma tarefa

complexa que exige de nós a árdua atividade de compreender como o ser

humano se compreende mediante suas identidades pessoais.

Em sua Cartografia do Imaginário, Sato(2011) utiliza a metáfora dos

quatro elementos de Bachelard, naquilo que ele considerava como um processo

ímpar de aprendizagem: Água (formação); Terra (deformação); Fogo

(transformação); e Ar (reformação). Nessa mesma perspectiva, dividimos as

páginas de nossa pesquisa em capítulos, que almejam contemplar e mostrar esse

processo de aprendizagem, por meio da metáfora bachelardiana de seus quatro

elementos.

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No primeiro capítulo, intitulado Água, situo meu objeto de pesquisa

avaliando minha própria trajetória de vida. Segundo Bachelard, “o ser voltado à

água é um ser em vertigem. Morre a cada minuto, alguma coisa de sua

substância desmorona constantemente” (BACHELARD, 2002, p.7). Neste

sentido, ora fortalecendo-me ora me destituindo de valores e sentidos é que fui

reconstruindo minha constituição original, a qual deu lugar à gênese de um ser

transitório, que se fez e se refez no desejo de uma viagem pela pesquisa científica

em Educação Ambiental.

No segundo capítulo, o elemento Terra nos ajudará a vencer os obstáculos

epistemológicos. Nele, as hipóteses da pesquisa, objetivos e devaneios

conceituais se apresentam, mesclando cenários, num reaprender a aprender,

entre terra labiríntica e terra de devaneios conceituais, numa pesquisa que “busca

a vastidão do mundo e seus mistérios na busca das hipóteses” (SATO, 2011,

p.549), na medida em que o “desejo pessoal da descoberta na porção da terra

que foi estudada” (Ibidem), foi delineando meu olhar enquanto pesquisadora, na

busca pela “conexão entre o devaneio global e o desejo local, na cartografia que

solicita ser compreendida pelos olhos da pesquisa científica” (Ibidem).

Fogo é o elemento apresentado no terceiro capítulo deste estudo. Nesse

momento apresentamos os caminhos escolhidos para nossa viagem e, durante o

percurso, os elementos teóricos metodológicos da Cartografia do Imaginário de

Michèle Sato (2011) se fazem presente. Na combustão da chama do desejo de

mudança, fogo epistemológico e fogo praxiológico dividem espaço para

apresentar metodologia e método. O fogo bachelardiano comanda a paixão da

nossa pesquisa e com ele sonhamos ardentemente com a transformação, por isso

cuidadosamente delineamos nosso trajeto, pelos caminhos do devaneio de uma

pesquisa de cunho bibliográfico, que apresenta o entrelaçamento entre poética

de Manoel de Barros e a filosofia do imaginário de Gaston Bachelard no campo

da Educação Ambiental, pelas vias da Cartografia do Imaginário, na perspectiva

de interdependência entre ciência e poesia para um fazer a Educação Ambiental,

pois “o sonhador inflamado une o que vê ao que viu. Conhece a fusão da

imaginação com a memória. Abrem-se então todas as aventuras da fantasia,

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aceita a ajuda dos grandes sonhadores e entra no mundo dos poetas”

(BACHELARD, 1989, p.19).

O último capítulo desse estudo tem o elemento Ar como resultado da nossa

trajetória, na tentativa de apresentar, viajando pela Educação Ambiental e a

militância, uma estrada fértil no ambiente da ciência, ao encontro de

ressonâncias para a utopia de uma Ecologia da Resistência, que luta em prol de

um mundo melhor para todos (SATO, 2011). É a utopia de que a pesquisa, após

percorrer caminhos entre a poética manoelina, em consonância com os

elementos bachelardianos: Água, Terra, Fogo e Ar, possa nos ajudar a alçar voo,

não apresentando, portanto, um resultado final, mas a possibilidade de um novo

começo, para que outros caminhos possam ser construídos.

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2.1 TERRA LABIRÍNTICA

Por meio da palavra nos expressamos para o mundo. Somos seres de

linguagem e “a linguagem está no posto de comando da imaginação”

(BACHELARD, 1991, p.6). Em minha trajetória de vida desde muito cedo estive

ligada à linguagem literária, o que me influenciou profundamente em meus

estudos da poética de Manoel de Barros, e posteriormente da fenomenologia da

imaginação de Gaston Bachelard para minha pesquisa de mestrado.

Meu olhar para minha pesquisa em Educação Ambiental sempre foi

voltado para a poética em comunhão com a filosofia, temas aos quais me

identifico e também relacionados à minha formação acadêmica.

No pensamento moderno é tradicional a segregação entre ciência e

poesia, dificultando encontrar caminhos para o fazer científico ancorado na

subjetividade. Mas na filosofia do imaginário de Gaston Bachelard encontro

alento, quando em sua obra o ser humano é ao mesmo tempo racionalista e

imaginante, intelectual e onírico, pois “a imaginação inventa mais que coisas e

dramas; inventa vida nova, inventa mente nova; abre olhos que têm novos tipos

de visão” (BACHELARD, 2002, p.18).

Dessa forma, a partir de minha própria dificuldade em fazer ciência

desvinculada da subjetividade, mas sabedora da necessidade racional na

pesquisa, encontro o primeiro questionamento: é possível uma investigação que

vincule a racionalidade à subjetividade?

Um segundo questionamento que delimitou meu objeto de pesquisa foi:

No contexto do movimento ecologista, teria a poética manoelina aliada à

filosofia do imaginário de Bachelard subsídios capazes de sensibilizar a árdua luta

por um mundo mais justo?

Quais são as contribuições que estes dois autores podem oferecer à

Educação Ambiental que aspira por sociedades sustentáveis? Seria, então, o

diálogo entre a literatura e a filosofia importante neste contexto da Educação

Ambiental, compreendendo que para além do local da casa (territórios), é

preciso cuidarmos dos moradores que nela habitam com suas identidades e

subjetividades, (OLIVEIRA, 2009, p.6)? Este nosso quarto questionamento se

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ancora no fato de coadunarmos com as palavras de Octavio Paz, de sociedades

onde a poesia também seja tema inerente:

Uma sociedade sem poesia careceria de linguagem: todos

diriam a mesma coisa ou ninguém falaria, sociedade transumana

em que todos seriam um ou cada um seria um todo

autossuficiente. Uma poesia sem sociedade seria um poema sem

autor, sem leitor e, a rigor, sem palavras. Condenados a uma

perpétua conjunção que se resolve em instantânea discórdia, os

dois termos buscam uma conversão mútua: poetizar a vida

social, socializar a palavra poética. Transformação da sociedade

em comunidade criadora, em poema vivo; e do poema em

vida social, em imagem encarnada (PAZ, 1982, p.310).

A partir das palavras de Octavio Paz, busco ainda, no entrelaçamento

entre a poética de Manoel de Barros e a filosofia do imaginário de Gaston

Bachelard, respostas para a compreensão da poesia como um elemento capaz de

corroborar para que o ser humano se apresente por meio da imanência e da

transcendência do “ser filosófico” da Educação Ambiental, de tal maneira que

nos permita perceber que nas intersecções onde encontramos nossos sonhos

individuais, nossos valores e nossos devaneios, também se encontram nossas

aspirações coletivas, na luta por um mundo menos desigual.

A respeito da transcendência e imanência em nós, Passos e Sato abordam:

A primeira nos põe circunstanciados num tempo perspectivado

para o futuro, inscrevendo e referenciando nossa existência à

materialidade; a segunda nos chama além de nós, provocando

nossa capacidade de ultrapassar fronteiras antes acenadas,

reacomodando-a - na perspectiva de um caminho pessoal,

inédito num percurso que possa oportunizar transpô-las. Pôr

limites às águias é provocá-las à transgressão (PASSOS e SATO,

2002)

Pesquisar a palavra de Manoel de Barros em diálogo com a filosofia do

imaginário de Gaston Bachelard é sentir-se fenomenologicamente no mundo, é

sair do lugar comum, estando em direção a uma estrada que tanto pode nos

levar às curvas suaves, em meio a um lugar isolado, quanto em direção a túneis

escuros na contramão de uma passagem, ou a pontes de rios tortuosos; palavras

de um poeta cuja experiência vivida junto com as coisas do chão, nos mostrou

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que para saborear a mágica da vida é essencial nos despir do aprendizado

trazido pelo poder dominante. Enquanto a grande maioria dos seres humanos se

preocupa com a produção de armas, com o acúmulo de riquezas e com a

invenção acelerada de tecnologias, surge um poeta-menino desenhando outra

forma de ver o mundo nas encostas de sua poesia. Neste sentido, Bachelard

(2003, p,231) salienta que: “o sonhador está a caminho de uma transcendência

do absurdo”.

Ao trazer as coisas do chão, o poeta nos chama para a importância de

nossa identidade, portanto, compreendemos que esta se afirma no coletivo, no

processo sócio-histórico e cultural. Dessa forma, Manoel de Barros em suas

despalavras pode nos impulsionar à reflexão sobre a democracia e seus princípios

de liberdade, ou seja, o poeta declara que para viver a liberdade é necessário

tirar as amarras que nos prendem ao poder institucionalizado:

Eu queria ser banhado por um rio como

Um sítio é.

Como as árvores são.

Como as pedras são.

Eu fosse inventado de ter uma garça e outros

pássaros em minhas árvores.

Eu fosse inventado como as pedrinhas e as rãs

Em minhas areias.

Eu escorresse desembestado sobre as grotas

e pelos cerrados como os rios.

Sem conhecer nem os rumos como os andarilhos.

Livre, livre é quem não tem rumo

Invento para me conhecer.

(BARROS, 2010, p. 457)

Nosso poeta traz a poesia para os devaneios de seu próprio mundo, onde

sua percepção está muito além da percepção usual da realidade, construindo

dentro de seus poemas uma poética que se entrelaça com o campo da Educação

Ambiental. Manoel de Barros inventa para se conhecer, e nesse sentido sua

poética desvela seu ser e estar no mundo, fazendo-o não se considerar

biografável (BARROS, 1990, p.11). A partir da concepção de “não biografável”

de Manoel de Barros e a proposta em uni-lo à Gaston Bachelard, é possível uma

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interseção biográfica dos dois autores? Para responder a esta questão, senti a

necessidade de investigar a trajetória epistemológica de Gaston Bachelard, e,

mesmo que eu não tenha considerado a necessidade de um estudo aprofundado

de todas as suas obras, foi de muita importância entrar em contato com o

Bachelard que dedicou seus estudos à filosofia das ciências, entre 1928-1934; com

o Bachelard que se dedicou à epistemologia (1934-1940) e o Bachelard filósofo

da imaginação poética, mais efetivamente a partir de 1942.

O trajeto pelo labirinto poético de Manoel de Barros na companhia

fenomenológica de Gaston Bachelard nos leva à participação ativa dos devaneios

desses dois autores, onde a unidade entre o real e o sonho se projeta no ser

humano que vive com suas assimetrias e conflitos. E é nesta perspectiva que

reafirmamos nossa intenção em contribuir com a Educação Ambiental, num

estudo que aponta a necessidade de transpor as preocupações ambientais com

questões meramente pontuais, como a preocupação com queimadas,

devastação, lixo, entre outras. Acreditamos que o diálogo entre o poeta e o

filósofo nos permite ver-sentir a importância da casa, que Friedensreich

Hundertwasser15 (Apud SATO, 2011) metaforiza como nosso íntimo, mas

também nos propicia o olhar pela janela, o respeito ao espaço coletivo (Ibidem).

É, portanto, com esta percepção que acreditamos que “a casa é o nosso canto do

mundo. Ela é, como se diz amiúde, o nosso primeiro universo. É um verdadeiro

cosmos” (BACHELARD, 2005, p. 24).

2.2 TERRA E OS DEVANEIOS CONCEITUAIS

São os jardineiros que tendem a ser os

mais zelosos e hábeis (somos tentados a

dizer: profissionais) construtores de

utopias. [...] Se hoje se ouvem expressões

como “a morte da utopia”, “o fim da

utopia” ou “o desvanecimento da

imaginação utópica”, borrifadas sobre

debates contemporâneos de forma

15 http://www.hundertwasser.at/english/texts/philosophie.php

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suficientemente densa para se enraizarem

no senso comum e assim serem tomadas

como auto-evidentes, é porque hoje a

postura do jardineiro está cedendo vez à

do caçador.

Zygmunt Bauman

Segundo SATO (2011, p.541) “Uma pesquisa é um labirinto, que ao buscar

conhecimentos, reconstrói a condição humana em querer mudar a vida,

reinventando a paixão!”

Ao pretendermos uma pesquisa em Educação Ambiental, de cunho

bibliográfico, no entrelaçamento entre a poética de Manoel de Barros e a

fenomenologia do imaginário de Gaston Bachelard, cujas vias metodológicas

perpassam a Cartografia do Imaginário, desde o início foi impossível não entrar

em movimento cíclico, sabendo das várias possibilidades dos caminhos

inacabados, dos possíveis erros e acertos, das coisas boas e ruins, da

particularidade inerente a toda produção escrita. No entanto, durante todo o

tempo não nos esquecemos da nossa responsabilidade e comprometimento

enquanto pesquisadora, enquanto aprendiz e exploradora de caminhos novos.

A Cartografia do Imaginário é uma proposição metodológica surrealista e

inovadora, criada por Michèle Sato (2011), a fim de orientar a pesquisa

fenomenológica. Seu sistema metodológico traz como “aparelho de

engrenagem” os quatro elementos bachelardianos, Água, Terra, Fogo e Ar,

metáforas utilizadas pelo filósofo como substrato da investigação da gênese da

imagem poética, enquanto que para Michèle Sato, os elementos servem como

substrato fenomenológico para investigação na pesquisa qualitativa. Cada

elemento, isoladamente, é usado como metáfora dos processos de aprendizagem

de Bachelard: formação – deformação – transformação e reformação (SATO,

apud BACHELARD, 2011, p.546).

Dessa forma, ao planejar uma investigação científica, o elemento ÁGUA

(formação) será metáfora da nossa constituição original, a gênese do desejo que

dará as possibilidades de uma viagem científica; a TERRA (deformação)

representará os obstáculos epistemológicos a serem vencidos, mesclando

cenários, um “reaprender a aprender”, ainda que o processo seja dolorido;

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FOGO (transformação) será o representante da combustão da chama, a

mudança desejada, o processo de busca, de envolvimento e de engajamento; e o

AR (reformação) será a metáfora para o tempo do repouso para que um novo

ciclo reinicie, a consideração geral da viagem, a ‘memória, o encantamento e o

reencantamento da pesquisa. Considerando a pesquisa fenomenológica como

um labirinto onde se torna possível a reconstrução da condição humana, a

Cartografia do Imaginário é uma metodologia provocativa, para reinvenções de

caminhos pelo pesquisador, “surgida de maneira despretensiosa com o intuito de

ajudar os participantes do Grupo Pesquisador em Educação Ambiental [GPEA], e

aos poucos foi ganhando novas roupas” (SATO, 2011a).

A terra é o lugar onde os seres humanos constroem os seus sonhos, é onde

germinam suas esperanças, onde crescem a imaginação e a magia, para

florescerem em forma de utopia. Mas essa ligação com a terra pode se

apresentar de forma diferente para cada um, na medida em que há aqueles que a

percebe de maneira dissociada, enquanto outros a percebe como parte

integrante, sua identidade territorial, num sentimento de pertencimento que

reconhece o lugar como parte de sua vida, numa relação que faz dela (a terra) o

“Outro” pulsante em suas veias. Manoel de Barros apresenta este elemento da

natureza de maneira mágica, mostrando a coexistência de todos os seres que

coabitam o cosmo.

Bachelard, bem no início de seu livro A Terra e os Devaneios da Vontade

aborda que as imagens da matéria terrestre “são estáveis e tranquilas [...] traz

experiências positivas, a forma é tão manifesta, tão evidente, tão real, que não se

vê claramente como se pode dar corpo a devaneios relativos à intimidade da

matéria” (BACHELARD, 1991, p.1-2).

Ao buscar estruturar a pesquisa, dar forma a ela, foi possível vivenciar as

palavras de Bachelard toda vez que tentava dar-lhe corpo. A cada aula de

orientação ficava ainda mais perceptível essa minha dificuldade. Mas para o

filósofo da imaginação poética, a imagem literária proporciona a nós a

experiência da criação, e ele acredita “ter a possibilidade, no simples exame das

imagens literárias, de descobrir uma ação eminente da imaginação” (Ibidem,

p.5), mas também a trajetória de uma pesquisa, como salienta Michele Sato

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(2011), pode ser, “conjugar o verbo pensar no eterno gerúndio, como se fosse

um movimento que não se acaba, e por ser algo em plena construção, é possível

fugir da rigidez do método científico da Modernidade, abrindo miríades de

possibilidades” (IBIDEM, 2011, p.01).

Foi ancorada nessas palavras de Gaston Bachelard e de Michèle Sato, que

partimos para nossa ação de um trajeto para a compreensão da pesquisa

proposta, tentando aos poucos vencer os obstáculos epistemológicos

encontrados nas encruzilhadas dos cenários manoelinos e bachelardianos, ou

seja, na poética em comunhão com a filosofia. Nesse sentido, pretendemos

cartografar o imaginário poético em um processo de pesquisa que busca o fazer

científico, unindo racionalidade à subjetividade, sabendo que isto implicaria um

“reaprender a aprender”, na maioria das vezes, trajetória permeada por

instabilidade já que necessitaria desaprender alguns conceitos tidos como

imutáveis, para reconstruir outras possibilidades de aprendizagens. Como nos

ensina Maffesoli:

É na dor e no sangue que se nasce para a existência. Mas é no

maravilhar-se que é possível, bem ou mal, ir vivendo. É

integrando tudo isso que se saberá ser o menos infiel possível à

efervescência existencial característica da sociabilidade

contemporânea (MAFFESOLI, 2007, p.29).

Assim, a cada momento de estudo, na busca pela compreensão da poesia

surrealista de Manoel de Barros, em diálogo com a via bachelardiana

extremamente amável e paciente na realização do cotidiano e do sensível

(QUILLET, 1977, p.10), nos embrenhávamos pelos caminhos de uma pesquisa

qualitativa, modalidade que leva em consideração os desejos e aptidões dos seres

humanos, a fim de esboçar o contorno de uma Educação Ambiental desenhada

para um mundo existente entre a poética e os elementos da natureza

bachelardianos, sempre na tentativa de um processo de compreensão do

universo poético-humano.

Essa forma de olhar nosso objeto de pesquisa sempre inserido no universo

poético-humano, nos permitiu um processo que, aliando a objetividade à

subjetividade fez-nos compreender a complexidade das inter-relações que nos

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impulsionam a uma nova ética socioambiental, pautada no cuidado do eu-

outr@16-mundo, afinal, o que vale para o indivíduo é pertinente também ao

coletivo, ao universal.

Foi necessário, em vários momentos de meus estudos, me despir dos

dogmas, das marcas impregnadas, do aprendizado imposto pelo poder

dominante e das verdades instituídas. Para Manoel de Barros a palavra precisa

ser deformada para se mostrar, a este respeito o poeta relata que: "Sempre achei

a linguagem destroncada mais bela do que a comum. A linguagem é a minha

matéria plástica". Ou seja, é com ela que o autor percorreu os seus caminhos,

redesenhando, em seus livros, seu próprio mundo por meio dos quatro

elementos da natureza: Água, Terra, Fogo e Ar . É, por exemplo, segundo

Oliveira (2010), uma linguagem que coaduna com o ciclo das águas do Pantanal

no seu processo mágico de renovação e fertilidade. Este processo renova os

componentes orgânicos da terra pantaneira, dando vida a outros micro-

organismos. O território da pesquisa, quando conduzido pela Cartografia do

Imaginário pretende também ser fértil, em busca da renovação, acreditando que

a Educação Ambiental na perspectiva de uma poética nada aparente em

comunhão com a filosofia da imaginação abre vias para a compreensão da ética

humana. E é neste processo nem sempre aparente das palavras que buscarei

como guardar nas palavras os meus desconcertos (BARROS, 2010, p. 459); pois

compreendo, tal qual Bachelard que:

Pela linguagem poética, ondas de novidade correm sobre a

superfície do ser. E a linguagem traz em si a dialética do aberto

e do fechado. Pelo sentido, ela se fecha; pela expressão poética,

ela se abre [...] na superfície do ser, nessa região em que o ser

quer se manifestar e quer se ocultar, os movimentos de

fechamento e abertura são tão numerosos, tão frequentemente

invertidos, tão carregados de hesitação, que poderíamos

concluir com esta formula; o homem é o ser entreaberto

(BACHELARD, 2003, P.224-225).

16 A simbologia “@” foi utilizada acatando a recomendação internacional da Rede de Gênero,

para evitar a linguagem sexista e conferir espaços, sociais e biológicos, para os homens e as

mulheres

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2.2.1 Educação Ambiental poética

Eu queria pegar na semente da

palavra.

Manoel de Barros

A Educação Ambiental por meio do diálogo entre a poética e a filosofia,

quando revisitada pelos contornos da Cartografia do Imaginário, se faz

objetivando a ressignificação das percepções perante o meio, a natureza e a

sociedade. Neste sentido, percorrer a obra literária de Manoel de Barros em

diálogo com a filosofia bachelardiana dos quatro elementos, é fazer-se e falar ao

mundo por meio de palavras, invocando as imagens, os sentidos e os

sentimentos que envolvem a natureza-ser humano, pois tal qual o poeta,

acreditamos que:

A ciência pode classificar e nomear os órgãos de um

sabiá, mas não pode medir seus encantos.

A ciência não pode calcular quantos cavalos de força

Existem nos encantos de um sabiá.

Quem acumula muita informação perde o cordão de

adivinhar: divinare. Os sabiás divinam.

(BARROS, 2010, p. 341).

A Educação Ambiental prima pelo respeito e consideração às coisas do

mundo, ensinando e aprendendo com os diversos olhares e significados que cada

sociedade atribui ao ambiente. Trata-se de uma postura de aprendizagem que

adota uma estética do reaprender sempre em movimento, que, bem mais que

classificar e nomear busca dar espaço ao encantamento das coisas, sem com isso

se ausentar da responsabilidade com os problemas que afetam o planeta. É neste

sentido que falamos da preocupação da Educação Ambiental, em sua luta por

sociedades sustentáveis, percebendo no espaço socioambiental outras realidades

para além da percepção unilateral de sociedade. E é nesta via que destacamos a

importância de pensarmos o diálogo entre a poética e a filosofia do imaginário

como possibilidade de viver as experiências humanas pela palavra, ao mesmo

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tempo em que a Educação Ambiental é vislumbrada enquanto possibilidade de

instrumento sociopolítico de extrema importância para as políticas públicas, que

objetivam a promoção da busca por sociedades sustentáveis, no caminho da

contribuição e definição de diretrizes adequadas para o bem viver das

sociedades.

O espírito de luta da Educação Ambiental presente neste trabalho, por um

lado é um espírito de luta conduzido pelas vias do devaneio, pois em meio à

fragilidade observada mediante sensações, sonhos e expectativas, ainda é

possível registrar uma polifonia de sentidos que se despertam e se harmonizam

(BACHELARD, 2001), em busca da ação coletiva. Por outro, é um espírito de

luta surrealista, que se caracteriza pela angústia humana, pela revolta anárquica

contra o estado de coisas impostas pela sociedade, oferecendo a utopia,

afirmando a esperança e o desejo (GOMES, 1995).

A partir de reflexões sobre as utopias da Educação Ambiental,

encontramos no diálogo entre a prosa poética de Manoel de Barros e os

elementos da natureza bachelardianos, uma possível reflexão sobre sociedades

sustentáveis17, mais especificamente em: Agroval (BARROS, 2003a, p.21-23),

assim, ao tentarmos entrelaçar a poesia manoelina aos devaneios bachelardianos,

é possível encontrar os afetos e con-fetos da Educação Ambiental, num olhar

cambiante, coincidente com alguns princípios da fenomenologia no que

concerne a sinestesia presente no mundo.

Na perspectiva da Educação Ambiental, nossa proposição ao estudarmos

o Agroval, é encontrarmos evidência de que o poeta, por meio de uma

linguagem surrealista, mostra-nos a dinâmica do cosmo, mesmo que ali

representado apenas pelo universo pantaneiro, embevecendo-nos com o afazer

incessante da biodiversidade para o equilíbrio do planeta. Neste cenário e,

percebendo o ser humano como pertencente a esse contexto com sua ação

criadora e envolvente, o poeta apresenta alguns princípios éticos que poderiam

subsidiar o nosso olhar sobre o mundo. Nesse sentido, vale destacar que:

17 Esta reflexão resultou em um trabalho aprovado para o X Encontro de Pesquisa em Educação

da ANPED Centro-Oeste, realizado em Uberlândia, julho/2010.

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Nem todo trabalho torna o homem mais homem. Os regimes

feudais e capitalistas foram e são responsáveis por pesadas cargas

de tarefas que alienam, enervam, embrutecem. O trabalho da

poesia pode também cair sob o peso morto de programas

ideológicos: a arte pela arte, tecnicista; a arte pelo partido,

sectária; a arte para o consumo, mercantil. Não é, por certo,

dessas formas ocas e servis que tratam as páginas precedentes,

mas daquelas em que a ruptura com a percepção cega do

presente levou a palavra a escavar o passado mítico, os

subterrâneos do sonho ou a imagem do futuro (BOSI, p. 226-

227, 2004).

Assim, para uma Educação Ambiental ética, percorremos a poesia

manoelina entrelaçada pela filosofia do imaginário de Bachelard pensando-as

como aliadas para outro olhar acerca do ambiente, pois o poeta pode nos

surpreender quando da leitura de suas palavras sob a perspectiva bachelardiana,

aos nos apresentar valores ético-políticos nas asas incandescentes da linguagem

surreal. Lugares onde é possível repensar as aporias que envolvem o contexto

atual, pois, segundo Zygmunt Bauman (2001), estamos vivendo numa época de

incertezas, na qual tudo está passível de contestação, ou seja, é uma época

dinâmica e que por isso mesmo exige uma reflexão mais acirrada da conjuntura

que nos envolve e, muitas vezes, nos absorve, enredando nossas ideias e

percepções a favor de um sistema desumano e cruel. A esse respeito, o autor

declara que esse é o período da modernidade líquida onde tudo escoa por entre

os dedos, não há mais precisão ou rigidez de formas, pois “no mundo em que

vivemos no limiar do século XXI, as muralhas estão longe de ser sólidas e com

certeza não estão fixadas de uma vez por todas” (BAUMAN, 2003, p.45).

Manoel de Barros, de forma sutil, mas profunda, propõe que olhemos

para outras sociedades presentes no cosmo, que estão aquém do nosso olhar de

seres humanos inseridos em uma sociedade capitalista; onde a busca insana pelo

acúmulo de bens materiais, tolhe-nos a possibilidade de ser mais. A esse respeito

propõe que olhemos para “[...] os indícios de ínfimas sociedades. Os liames

primordiais entre paredes e lesmas. Também os germes das primeiras ideias de

uma convivência entre lagartos e pedras” (BARROS, 2003, p. 22), assim, o poeta

nos reporta à necessidade de voltarmos o olhar sobre as pequenas coisas que

também compartilha do cosmo, a fim de aguçarmos o lado sensível que coexiste

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em nós, seres humanos. Pois, a falta de sensibilidade diante das coisas, talvez

advinda do individualismo alimentado pela sociedade capitalista, nos impede de

enxergar além da viseira que nos foi doada pelo sistema no qual estamos

imbuídos e, consequentemente, de construirmos inéditos viáveis, propostos pelo

exímio educador Paulo Freire (1996).

Durante o trajeto da pesquisa, procuramos compreender como a

linguagem inovadora da poética manoelina, não seguidora da norma padrão da

língua, em diálogo com a filosofia do imaginário de Bachelard, que rompe com a

racionalidade, poderia nos incitar a olhar o mundo como possibilidade de

reconstrução, de superação de dogmas e de verdades (in)contestáveis. Vale

destacar que essa deturpação das normas, pode talvez, ser compreendida por

meio do prefixo de negação, que em Manoel de Barros, muitas vezes, ao invés

de negar, reforça a raiz da palavra. Desse modo, o poeta declara em entrevista à

TV Futura (2009), ser apaixonado por agramática, ou seja, a linguagem

destituída de paradigmas. Compreendemos, desta maneira, que as regras muitas

vezes encobertam o sentido polissêmico da linguagem. Nesse viés, “as formas

estranhas pelas quais o poético sobrevive em um meio hostil ou surdo, não

constituem o ser da poesia, mas apenas o seu modo historicamente possível de

existir no interior do processo capitalista” (BOSI, 2004, p.165). Deste modo é

que percebemos a Literatura poética de Manoel de Barros, aquela que por meio

da negação do já (im)posto reconstrói e ressignifica o mundo. Candido (1995)

salienta que:

A literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e

combate, fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente

os problemas. Por isso é indispensável tanto a literatura

sancionada como a literatura proscrita, a que os poderes

sugerem e a que nasce dos movimentos de negação do estado

de coisas predominantes (CANDIDO, 1995, p.243).

Ao abordar literatura, Candido ressalta que a respeito do termo entende

todas as criações de toque poético. Assim, Manoel de Barros por meio de uma

linguagem literária que propõe uma fissura nos valores que o ser humano detém

sobre o mundo, nos afeta os sentidos, pois deixa-nos entrever que a

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desigualdade do mundo, muitas vezes, é alicerçada pelas normas oficiais. A esse

respeito, Candido salienta que:

A organização da sociedade pode restringir ou ampliar a fruição

deste bem humanizador. O que há de grave numa sociedade

como a brasileira é que ela mantém com a maior dureza a

estratificação das possibilidades, tratando como se fossem

compreensíveis muitos bens materiais e espirituais que são

incompreensíveis. Em nossa sociedade há fruição segundo as

classes (CANDIDO, 1995, p. 259).

Nesse viés, vale ressaltar que o autor traz a dialética entre os vários

movimentos do saber, acreditando que o diálogo e a reflexão são necessários

para compreendermos as aporias do mundo contemporâneo, em prol de um

mundo com mais justiça social e humana. Por isso, a luta da Educação Ambiental

no que tange a busca por sociedades sustentáveis se alicerça na percepção de

que, embora sejam relevantes as discussões sobre desenvolvimento sustentável,

devemos focá-las, principalmente, no re-conhecimento de outras vidas existentes,

da superação de um olhar alienado que acredita no bem estar do ser humano,

apenas arquitetado na primazia do capitalismo. A procura insana por melhores

condições econômicas deturpa a compreensão de sociedades sustentáveis, pois

não considera a intervenção destrutiva ao ambiente natural, e por sua vez,

contribui significativamente para o aniquilamento dos seres humanos,

principalmente aqueles que vivem em comunidades biorregionais18.

Com esta percepção de inclusão de ser humano/mundo, no respeito e

acolhimento dos diferentes, acreditamos que a produção poética, com sua

licença para o sonho e para o devaneio subsidia a Educação Ambiental na sua

utopia por um mundo mais justo, de igualdade social, ambiental e humana. A

linguagem surrealista de Manoel de Barros, centrada nos princípios de

deformação para a reconstrução de um mundo novo, nos incita a reaprender os

caminhos, nos despindo das normas, principalmente, ao olharmos sobre o

mundo, com todos os seus conflitos e idiossincrasias. Manoel de Barros, em sua

18 São consideradas Comunidades Biorregionais aquelas comunidades pequenas e relativamente

isoladas, com seus modos de vida e culturas particulares e em extrema dependência com os

ciclos naturais, apresentando, entre outras características, simbologias e mitos vinculados ao

ambiente.

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poesia criadora, nos mostra que o “uni-verso”, muitas vezes, pode ser percebido

como “multi-verso”, principalmente quando nos pautamos na compreensão de

sociedades sustentáveis. As vias íngremes de sua poesia nos provoca, mostrando

que há uma multiplicidade de linguagens no mundo, que não é evidenciada pelo

ser humano e que, portanto, perpassam os princípios de regras estáticas e

insuperáveis. Assim, com a linguagem de Manoel de Barros, é possível passarmos

por um processo de deformação que nos instiga à metamorfose, pois nos

convida a perceber a sinestesia presente nas coisas ínfimas.

Durante a pesquisa, ao visitar e revisitar o Agroval de Manoel de Barros,

foi possível ver por meio da justaposição de palavras, a troca mútua entre as

coisas do chão, evidenciando a generosidade da natureza no seu processo de

recomposição. Considerando o significado das palavras justapostas19 pelo autor,

ele nos reporta a um universo que em primeira instância, e considerando a

perspectiva racional, seria impossível de alimentar vidas, no entanto, ele

reconstrói o nosso olhar sobre esse espaço, nutre os desejos de seres humanos

com ânsia por um mundo mais solidário e justo. Por intermédio da

transmudação do ambiente pantaneiro, o autor nos permite algumas reflexões

sobre as leis do comércio, com base em um princípio ético-político que é

também assegurado pela Educação Ambiental que prima por sociedades

sustentáveis. A esse respeito declara o poeta: “[...] Penso na troca de favores que

se estabelece; no mutualismo; no amparo que as espécies se dão. Nas descargas

de ajudas; no equilíbrio que ali se completa entre os rascunhos de vida dos seres

minúsculos” (BARROS, 2003, p. 22).

Em nosso estudo dos quatro elementos da natureza de Bachelard,

constatamos que o filósofo consagra às imagens poéticas da Agua, do Fogo e do

Ar, uma característica de serem hostis, já que cada um em sua forma é fugidio.

Zygmunt Bauman utiliza a metáfora da liquidez para se referir ao sentido de

movimento da pós-modernidade:

19 Agro = Adj. Ácido, azedo, acre. Íngreme, escabroso. Fig. Árduo, difícil: agro sofrer. Rigoroso,

excessivamente penoso: agro castigo. http://www.dicio.com.br/agro/

Val = S.m. Vale. http://www.habbo.com.br/groups/1368/id/discussions/314252/id/page/2

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Os líquidos, diferentemente dos sólidos, não mantêm sua forma

com facilidade [...] Enquanto os sólidos têm dimensões especiais

claras, mas neutralizam o impacto e, portanto, diminuem a

significação do tempo (resistem efetivamente a seu fluxo ou

tornam irrelevante), os fluidos não se atêm muito a qualquer

forma e estão constantemente prontos (e propensos) a mudá-la

(BAUMAN, 2001, p.8).

No estudo da matéria terrestre, dividida em mole e dura, Bachelard

aborda ter esta a característica de ser estável, diferentemente dos outros três

elementos. Mas o filósofo nos mostra em seus escritos uma particularidade do

elemento Terra que “com efeito, ao contrario os outros três elementos, tem

como primeira característica uma resistência” (BACHELARD, 1991, p.8). No

contexto do que entendemos por resistência em Educação Ambiental, vale

destacar que ao concebermo-la no cerne de uma sociedade excludente e

coadunarmos com um processo de desenvolvimento sustentável que impera a

favor da classe burguesa, buscamos resistir, pois estaríamos ferindo o princípio

ético-político do ser humano ao considerarmos os moldes tradicionais, o que

emerge da luta insana do comércio é o individualismo. Fator que contraria o

processo de humanização descrito por Candido (1995), que segundo ele é

necessário percebermos o movimento complementar entre objetividade e

subjetividade, pois este é:

O processo que confirma no homem aqueles traços que

reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição

do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento

das emoções, a capacidade para penetrar nos problemas da

vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do

mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura desenvolve

em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna

mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade e o

semelhante (CANDIDO, 1995, p. 249).

Ancorado nessa abordagem, Candido nos retorna à tríade

merleaupontyana eu-outr@-mundo, incitando-nos a refletir sobre a correlação

de sentidos em busca da (re)construção de uma nova sociedade. Desta forma,

acreditamos que Manoel de Barros nos provoca a essa reflexão tomando como

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cenário o ambiente pantaneiro e suas diferentes formas de vida, a fim de nos

mostrar que é possível articular um mundo mais ético centrado na diversidade,

onde os conflitos e diferenças podem ser aliados na construção e reconstrução

do mundo, o que nos alerta para o fato de não ser possível pensar a sociedade

de maneira homogênea. Para tal, o autor incita-nos a perceber que as diferenças

de saberes são complementares e que, portanto, são responsáveis pela

vivacidade da dinâmica do ambiente.

Penso num comércio de frisos e de asas, de sucos de sêmen e de pólen, de mudas

de escamas, de pus e de sementes. Um comércio de cios e cantos virtuais; de

gomas e de lêndeas; de cheiro de íncolas e de rios cortados. Comércio de

pequenas jias e suas conas redondas. Inacabados orifícios de tênias implumes.

Um comércio corcunda de armaus e de traças; de folhas recolhidas por formigas;

de orelhas de pau ainda em larva. Comercio de hermafroditas de instintos

adesivos. As veias rasgadas de um escuro besouro. O sapo rejeitando sua infame

cauda. Um comércio de anéis de escorpiões e sementes de peixe.

(BARROS, 2003, p.2).

Com a experiência do Agroval manoelino, procuramos a possibilidade da

percepção de um processo que nos servisse de “combustível” para a pesquisa, o

mesmo processo de chuva e seca que o poeta evidencia magicamente para a

perpetuação da vida no Pantanal: “[...] quando as águas encurtam nos brejos, a

arraia escolhe uma terra propícia, pousa sobre ela como um disco, abre com as

suas asas uma cama, faz chão úbere por baixo - e se enterra” (BARROS, 2003,

p.21). E completa sua proposição:

E ao cabo de três meses de trocas e infusões – a chuva começa a descer. E a

arraia vai levantar-se. Seu corpo deu sangue e bebeu. Na carne ainda está

embutido o fedor de um carrapato de novo ela caminha para os brejos refertos.

Girinos pretos de rabinhos e olhos de feto fugiram do grande útero, e agora já

fervem nas águas das chuvas.

(BARROS, 2003, p. 23).

O poeta chama os elementos da natureza para efetivar a espiral

dinâmica do universo pantaneiro, onde a vida pode ser compreendida na

versão sublime do planeta, onde cada um realiza empréstimo para que o

outro possa continuar a viver, sem cobranças, apenas fazendo girar a roda

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do mundo. Nesse contexto, Manoel de Barros nos apresenta as asas da

arraia, que segundo ele parece uma roda de carreta adernada, onde é

possível vislumbrar o mundo. Assim, se o ser humano compreendesse a

amplitude contida nas coisas ínfimas poderia, quem sabe, delinear o esboço

de uma nova concepção de mundo. Este, alicerçado no princípio da

amorosidade onde a educação emancipadora proposta por Freire20

teria o

lugar supremo, pois “precisamos de algo para ressoar dentro de nós, que

reflita aquilo que somos e dialogue com o mundo em que vivemos. E o

mundo não é. Ele está sendo”. Encontramos na obra de Bachelard

princípios que coadunam com Freire quando ressalta que:

A profundeza do ser pela poesia tem uma marca

fenomenológica que não engana. A exuberância e a

profundidade de um poema são sempre fenômenos do

par ressonância-repercussão. É como se, com sua

exuberância, o poeta reanimasse profundezas em nosso

ser (BACHELARD, 2005: p.7)

O Agroval manoelino, segundo a nossa compreensão, pode representar a

luta da Educação Ambiental, que mesmo sufocada pelo poder neoliberal, tem a

utopia de envolver as vidas e não vidas do mundo, no processo dinâmico e

acolhedor da liberdade e da emancipação. Ao buscar caminhos que rompem

com o tradicionalismo, muitas vezes poderemos nos encontrar num vale

profundo de amarguras, onde o trajeto se faz excessivamente penoso. Porém,

são passos que nos instigam e nos lançam para o novo, tal qual a poesia

manoelina, em um processo incessante de redescoberta e recriação de caminhos.

Portanto, não visualiza essas passagens como punição ou com amargor, mas

como um processo necessário de quem luta por um mundo menos desigual, pois:

Há conflito entre a ideia convencional de uma literatura que

eleva e edifica, segundo os padrões oficiais, e a poderosa força

indiscriminada de iniciação na vida, com uma variedade

complexidade de nem sempre desejada pelos educadores. Ela

não corrompe nem edifica, portanto; mas, trazendo livremente

20 http://portal.mec.gov.br/secad/CNIJMA/arquivos/educacao_ambiental/caracol.pdf

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em si o que chamamos o bem e o que chamamos o mal,

humaniza em sentido profundo, porque faz viver (CANDIDO,

1995, p. 244).

Enfim, acreditamos que as asas da arraia manoelina, nos apresentada em

Agroval pode servir de vislumbre às utopias da Educação Ambiental ou vice-

versa, pois o conhecimento é uma via de mão dupla, na qual o sonho de um

mundo que acolhe os diferentes pode movimentar os princípios ético-político da

solidariedade, centrados não na harmonia, mas na diversidade que acolhe e

amplia os saberes, sabores e sonhos por sociedades sustentáveis.

Nossa pesquisa caminha para uma Educação Ambiental nas vias de uma

poética em comunhão com a filosofia, na ânsia de contribuir para as percepções

de outras realidades que integram o ambiente, fazendo-nos refletir sobre a

necessidade de voltarmos o olhar para o outro, com respeito a todas as suas

limitações, seus sonhos e esperanças, pois:

É necessário vencer o medo do abismo e arriscar-se a sentir o

aroma da flor, porque o mundo também precisa de

panfletários, poetas e loucos que não abandonem a causa

ecologista para que a Terra continue habitável para todas as

formas de vida dependentes de seus elementos circundantes

(SATO; PASSOS, 2003, p. 23).

Entendemos que as trilhas utópicas e sensíveis da poética nos

transportam e nos impulsiona a projetar nossas esperanças no reconhecimento

do dever de respeito e de cuidado com o outro, com o mundo, pois somos

apenas parte de um todo, dentre os muitos outros elementos que coabitam o

cosmo. Assim, quem sabe os caminhos se tornem mais suaves para a

possibilidade de percebermos a essência e a grandiosidade contida nas coisas

simples apresentadas por Manoel de Barros, e que embora, muitas vezes, não

necessitem do ser humano para existir, são responsáveis por sua existência.

Com esta proposição e, também inseridas nesta luta, é que procuramos

trazer uma Educação Ambiental sensível, construída a partir do diálogo entre a

poética de Manoel de Barros e a fenomenologia do imaginário de Gaston

Bachelard.

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2.2.2 Manoel de Barros e Gastón Bachelard: outros mundos possíveis

[...] porque a maneira de reduzir o

isolado que somos dentro de nós

mesmos, rodeados de distâncias e

lembranças, é botando enchimento nas

palavras. É botando apelidos, contando

lorotas. É, enfim, através das vadias

palavras, ir alargando os nossos limites.

Manoel de Barros

Ao promover o encontro dos dois autores, queremos aqui discorrer sobre

alguns conceitos da poética surrealista de Manoel de Barros e da fenomenologia

do imaginário de Gaston Bachelard, intencionando realçar neste entrelaçamento

a possibilidade de ruptura com o modelo de sociedade atual, pois ambos nos

apresentam uma linguagem que delineia outras sociedades possíveis atreladas ao

mundo-vida-devaneio. Os autores nos possibilitam a compreensão de que por

meio das coisas da natureza é possível associarmos conhecimentos que, até

então, eram expressos como dissociáveis. Acreditamos, no entanto, que para

compreendermos tais possibilidades temos que nos abrir não para o

conhecimento, mas para o desconhecimento das coisas.

O diálogo se estrutura ainda, na percepção fenomenológica de que ambos

não acreditam que precisamos ter apenas um ponto de vista sobre o mundo,

mas que os sentidos possíveis são muitos e podem variar de acordo com o lugar

e o espaço que ocupamos no mundo e na natureza. Ou seja, a vida humana

‘compreende’ não apenas um ambiente definido, mas uma infinidade de

ambientes possíveis na emaranhada rede do cosmo (MERLEAU-PONTY, 1999).

Ambos consideram que o sensível, como discorre Merleau-Ponty, se

aprende pelos sentidos, pois delineiam suas trajetórias humanas centradas nas

múltiplas funções dos elementos sensoriais, por meio destes, tanto Manoel de

Barros quanto Gaston Bachelard expõem suas subjetividades, mostram que o ser

humano ao mesmo tempo é uno e também múltiplo. Nesta perspectiva, ser

humano-mundo torna-se inseparável e, portanto, subjetivo, destruindo assim a

visão linear e objetiva.

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É possível observar nos autores que os sentidos incitam as coisas a dizer,

eles interrogam as coisas e estas os respondem. Esta afirmação, ancorada nas

percepções merleaupontyanas, é observada em Manoel de Barros quando

“[...]nas fendas do insignificante ele procura grãos de sol” (BARROS, 2010, p.

177), o poeta por meio da sinestesia suga e é sugado pelos sentidos das coisas, o

que ocorre também em Bachelard, quando indaga os elementos da natureza

para compreendê-los e ser compreendido por eles. Sujeito e mundo se

apresentam abertos e indefinidos, onde “todo saber se instala nos horizontes

abertos pela percepção” (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 280).

Tanto Bachelard quanto Manoel de Barros, na nossa percepção, assumem

potencialmente a função do olhar, pois se misturam às coisas para

compreenderem-se, nesta ação as coisas dialogam com eles e se mostram. Eles

assumem o lugar delas, sendo-as para ver, assim, elas se mostram sob diferentes

ângulos. A comunhão com a natureza é vista num movimento que projeta as

esperanças da Educação Ambiental, pois vislumbra a possibilidade de

percebermos que no mundo vivemos em sociedades.

Ao apresentarem a ambiguidade do universo, os autores enfatizam que a

visão homogênea do mundo apaga as diferenças, na tentativa de impor ao ser

humano a falsa ideia de igualdade que anula as subjetividades humanas e declara

uma sociedade única e imutável. Os mundos possíveis vislumbrados pelos

autores trazem, ao contrário, uma percepção de que ao considerar as diferenças

são aceitáveis outros horizontes, os quais denotam que a oscilação entre os seres

humanos faz parte da mágica do universo, e são com essas diferenças que ambos

tecem suas subjetividades. Como discorre o poeta ele tem “[...] gosto por ir por

reentrâncias baixa em rachaduras de paredes por frinchas, por gretas – com

lascívia de hera” (BARROS, 2010, p.261).

A palavra manoelina em diálogo com as percepções de Gaston Bachelard,

pelo olhar da Cartografia do Imaginário, reforça a utopia da Educação

Ambiental de que o ser humano precisa desaprender, no sentido de que ambas

retratam uma percepção sensível do mundo, destituída de verdades universais.

Nelas, natureza e ser humano passam por um processo constante de se fazer e se

desfazer, e a este (re)fazer está atrelada a compreensão de que devemos ousar

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para ver e sentir outros mundos. “Quando um sonhador reconstrói o mundo a

partir de um objeto que ele encanta com seus cuidados, convencemo-nos de que

tudo é germe na vida de um poeta” (BACHELARD, 2005, p.82).

A natureza exposta pelo olhar e sentir desses dois autores ressignificam

nosso estar no mundo, pois traz intrínseca a ela, fazendo uso do prefixo

recorrente na poesia manoelina, os desvalores (grifo nosso) do universo. Manoel

de Barros e Gaston Bachelard brincam consigo mesmos, se movimentam a fim de

mostrar o avesso das coisas instituídas. O prefixo des-, tem seu uso habitual na

linguagem como elemento negativo, mas na poética manoelina sua função é a

de dar outro sentido, outras definições ou funções aos objetos, outra utilidade.

Assim, desvalor se opõe a valor, numa crítica ao modelo de sociedade

consumista, e a partir do prefixo des-, perde seu significado inicial para dar

intensidade ao objeto valorado. Assim como desaprender “seria assim um modo

de esquecer os saberes racionais, para abrir-se ao irracional, um irracional

legitimado” (HEYRAUD, 2010, p.144).

Estas brincadeiras trazem à tona a séria problemática do mundo que se

deixou guiar por uma sociedade desumana e excludente, incitando a volta de

outros valores, que por serem imperceptíveis aos olhos viciados pelas cifras do

capitalismo deixaram de existir e/ou encontram-se escondidos na consciência

humana. A possibilidade de ruptura, de transgressão com esta barreira imposta

pela sociedade atual pode ser, portanto, a esperança de que o mundo se torne

justo e igualitário, afinal “guiado pelo poeta, o sonhador, deslocando o rosto,

renova o seu mundo” (BACHELARD, 2005, p. 165).

A pesquisa em Educação Ambiental está intrinsicamente ligada ao

contexto humano e segundo Bachelard (1991) do contexto humano não se

exclui o devaneio. Desde o momento em que nos propomos um estudo aliando

ciência e filosofia, o cuidado e o compromisso têm-nos permeado, pois em meio

a uma caminhada que se apresentava labiríntica, não foi fácil encontrar

caminhos que não fossem movediços. Manoel de Barros com sua poesia

surrealista corrompe a racionalidade em favor da sensibilidade. Dessa forma, os

elementos de sua poética se rompem com o mundo convencional,

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apresentando-se como elementos de um outro mundo, possibilitando a

percepção de outros mundos possíveis, de um multiverso.

O Surrealismo, ao se desvencilhar da lógica pré-estabelecida, nos dá

suporte para pensarmos na possibilidade da razão se inclinar ante a imaginação,

abrindo caminhos para uma pesquisa em Educação Ambiental nas sendas da

sensibilidade. Bachelard, em seu estudo sobre o espírito científico, diz:

Quem diz razão, não diz lógica pura [...] e ainda ‘Juntos,

vamos acabar com o orgulho das certezas gerais e com a

cupidez das certezas particulares. Preparemo-nos mutuamente a

esse ascetismo intelectual que extingue todas as intuições. que

torna mais lentos os prelúdios, que não sucumbe aos

pressentimentos intelectuais. E murmuremos, por nossa vez,

dispostos para a vida intelectual: erro, não és um mal’

(BACHELARD, 1991, p.257).

O espaço possível para a pesquisa, a partir de então, embrenha-se nos

caminhos da imagem poética, objetivando desconectar-se da realidade fixa,

imutável, de um mundo exigente por racionalidade desvinculada à

subjetividade, dessa forma nossa realidade visa se transformar em algo novo,

poético.

Manoel de Barros se expressa em suas palavras como um ser inacabado,

aberto às transformações, nesse sentido as abordagens da pesquisa sobre poética

surrealista manoelina busca fortalecer o processo inacabado em que se encontra

o ser humano, e o processo de eterna renovação do ambiente, como visto no

poema Agroval. Nesse sentido, encontramos na solidez da matéria terrestre

bachelardiana, a abordagem de Zygmunt Bauman (2001) sobre o fato de que a

modernidade sólida ancorada nos moldes neoliberais não é capaz de

compreender as ambiguidades do mundo, cedendo espaço para a modernidade

líquida que leva em conta as subjetividades do sujeito.

Em Gaston Bachelard e Manoel de Barros, compreendemos que uma

nova ótica do universo é construída. Nestes a ciência encontra-se de mãos dadas

com a poética, ambas fazem girar a espiral do mundo, onde a subjetividade e a

objetividade encontram amparo legal. Em ambos encontramos a potencialidade

da linguagem em abrir caminhos para um novo existir, isto é, eles projetam

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novas paisagens aos pensamentos e aos devaneios, estes se conciliam com a

Educação Ambiental ao perceber que o mundo é um mosaico de cores que se

encontra sempre aberto ao eu e ao outro.

Enfim, talvez possa ser ousadia de pesquisadora, mas Manoel de Barros e

Gaston Bachelard, de mãos dadas, um mato-grossense e outro francês, mesmo

separados por décadas e por milhares quilômetros de distância, faz-nos crer que

o improvável talvez possa acontecer, pois a teoria-poética de ambos se encontra

com a esperança utópica da Educação Ambiental que embora sendo de luta não

fica alheia às bonitezas do mundo, afinal, “livre, livre é quem não tem rumo”

(BARROS, 2010, p. 457).

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3.1 FOGO EPISTEMOLÓGICO

O ser fascinado ouve o apelo da

fogueira. Para ele, a destruição é mais do

que uma mudança, é uma renovação.

Gaston Bachelard

Sob a perspectiva qualitativa, apresentamos uma pesquisa de cunho

bibliográfico, com a Cartografia do Imaginário (SATO, 2011) nos conduzindo

metodologicamente, a fim de construirmos os caminhos epistemológicos da

investigação. Consideramos os elementos bachelardianos como substratos

fenomenológicos para o trabalho investigativo: a Água compreendida como

formação, a Terra enfatizando a deformação, o Fogo evidenciando a

transformação e o Ar almejando a renovação. Estes elementos vistos sobre as

perspectivas supracitadas são delineados em conversação com as poesias do

mato-grossense Manoel de Barros.

A pesquisa delineada pela Cartografia do Imaginário nos permitiu

devaneios que nos ajudaram a sair do casulo que nos envolveu a cultura

ocidental, a qual impôs a sua vontade e direito, nos impedindo de sermos mais

humanos, já que esta contribuiu fortemente para que neguemos o direito do

outro, declarando como nossa a sua verdade universal, tornando a palavra do

opressor legítima, incontestável e, portanto, imprimindo em nós e no outro a

sua ideologia. No processo sócio, histórico e cultural os seres humanos se

constituíram como seres de linguagens, elemento que deveriam humanizá-los, no

entanto, no cerne desse sistema em que vivemos, a linguagem tem servido como

como arma violenta do opressor, pois permitindo as diversas relações e diálogos,

alicerçados na condição desumana de que a palavra do opressor é um fato

natural e determinado, estas se revestem de outros significados e corrompem o

que o ser humano tem de mais nobre, a capacidade estética e ética de sonhar

esperançosamente (SOUZA, 2001, p.34).

Linguagem não como uma cadeia de representação simbólica (sons,

palavras, gestos) conforme muitos dos estudos desenvolvidos sobre o discurso

verbal, mas como um sistema compreendido num todo, desde o princípio

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quando usada pelo ser humano primitivo até a subversão do descomeço

manoelino, quando ele destronca a linguagem para fazer dela sua matéria

plástica (BARROS apud LOPES, 2009). Uma linguagem que subverte o curso da

língua, pois comparada ao ciclo das águas pantaneiras, um ciclo de fugas e de

encontros, indo e vindo, se fazendo e se desfazendo.

O Desvelo

No descomeço era o verbo.

Só depois é que veio o delírio do verbo.

O delírio do verbo estava no começo, lá

onde a criança diz: Eu escuto a cor dos

passarinhos.

A criança não sabe que o verbo escutar não

funciona para cor, mas para som.

Então se a criança muda a função de um

verbo, ele delira.

E pois.

Em poesia que é voz de poeta, que é a voz

de fazer nascimentos -

O verbo tem que pegar delírio.

(BARROS, 1994, p.17)

Manoel de Barros nos apresenta uma linguagem que supera a função

instrumental de comunicar em prol de uma linguagem que nos apresenta

múltiplos sentidos na relação ser humano-mundo, na medida em que possibilita

uma experiência que ultrapassa os limites da comunicação como sendo um mero

produto de alienação e opressão. A linguagem manoelina nos apresenta ainda

uma experiência humanizadora com as coisas e com o mundo, e das mais

profundas e variadas formas, trazendo-nos a esperança de que por meio dela o

ser humano possa se ver novamente comprometido com a ética necessária para

o enfrentamento das questões ambientais.

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Nossa opção pela abordagem qualitativa se deu na perspectiva de que

existe esta relação dinâmica entre mundo-ser humano, portanto, uma analogia

cósmica e inseparável entre objetividade-subjetividade que nos permitiu um ir,

um vir e um devir na essência da poética manoelina. Nosso objeto, portanto,

contribuiu para que fosse possível legitimar tal conexão a partir não só de nossas

vivências, como também de nossos devaneios. A poesia manoelina e a filosofia

bachelardiana dialogam com as utopias dos pesquisadores em Educação

Ambiental, ao endossarem a transcendência de valores e não apenas de

nomenclaturas como, muitas vezes, sugere a sociedade capitalista, a qual tenta

sufocar os gritos em prol de um mundo mais justo.

A pesquisa qualitativa, segundo Ludke e André (1988, p.3), apresenta

em seu bojo, “a carga de valores, preferências, interesses e princípios que

orientam o pesquisador”, é, portanto, inserida nas complexidades trazidas por

estes elementos que acreditamos termos delineado as percepções sobre a

presença dos delírios verbais presentes no diálogo entre a poética do mato-

grossense Manoel de Barros e a fenomenologia do imaginário de Gaston

Bachelard, nas linhas nem sempre visíveis da Cartografia do Imaginário.

Vale abordar que esta possibilidade de pesquisa científica foi construída

e desconstruída durante a trajetória dos estudos, pois foi inevitável passar pelas

ciências do imaginário, descritas neste trabalho, sem sofrer as influências do

fenômeno do conhecimento epistemológico. Isto significa admitir a nossa

ignorância ao pensar que o projeto inicial viesse a ser a caminhada retilínea da

nossa investigação. Contrariamente, foi necessário, por muitas vezes, desconstruir

para nos afirmar, ou seja, nos submeter à complexa teia do fenômeno da poesia

que nos apontou para outras direções, por vezes, caminhando por trilhas

movediças.

Assim, ao primar pela metodologia qualitativa, tendo como objeto-

sujeito a poesia de Manoel de Barros e a filosofia do imaginário de Gaston

Bachelard, cremos que há a possibilidade de mostrar, por meio dos quatro

elementos bachelardianos da natureza, que o mundo é uma construção histórica

e, enquanto tal está sempre aberto a possibilidades, ainda mais se nos

considerarmos como seres abertos a aprendizagens, que primam pelo real

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sentido da palavra liberdade, onde esta se encontra destituída da negação do

direito de ser mais. Ao trazermos os elementos da natureza para esta caminhada

queremos ainda suscitar a movimentação do mundo, no sentido de que as coisas

não são estáticas como sempre nos foram apresentadas, mas que estão sempre

em consonância com a movimentação do mundo e estas também giram a

procura de novas significações. Portanto, de acordo com Souza (2001):

Lutar por uma nova sociedade, por meio da denúncia e do

anúncio profético, é tarefa que cabe a nós, mulheres e homens,

que não aceitamos o fim dos sonhos, da utopia, da esperança,

que acreditamos que a mudança do mundo e do ser humano é

condição para a humanização. Esta só se faz na e por meio da

ação cultural para a liberdade (SOUZA, 2001, p. 132).

A Educação Ambiental nesta perspectiva, também acredita que os

vínculos de amorosidade com as coisas podem contribuir para que

ressignifiquemos os nossos olhares, princípios que podem ser gerados pela

sensibilidade em percebermos a nossa pequenez diante da gigantesca rede de

relações e inter-comunicações. Portanto, como discorre Sato e Passos (2008):

Não há conflito de identidade que não se resolva na saída do

ser que sou – ser para si – no ser que posso me constituir – ser

para o outro. Aliás, é o outro que me redime; seja de não ter

tido nenhuma consciência anterior à sua emergência, seja da

existência na medida em que me recusasse a abrir-me para a

aventura que todos-os –outros-eus representam para mim

(SATO; PASSOS, 2008, p. 27).

É nessa entrega em comunhão que compreendemos a poesia como

possibilidade de um antídoto contra a percepção estagnada das coisas, pois elas

nos sucumbem, nos tira do lugar comum, porque ao mesmo tempo em que ela

exige a minha subjetividade, singularidade diante das outras coisas, ela também

me mostra a minha não identidade sem o outro, é um nunca ser todos, mas ao

mesmo tempo nunca ser eu sem o todo.

Quanto à solicitação ao diálogo entre o poeta e o filósofo para fazer

parte de nossas argumentações, faz-se compreensível porque acreditamos que em

pesquisa científica também é possível a comunhão entre ciência e poesia, pois

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conforme fomos dialogando com nossas ignorãças em busca de respostas às

nossas proposições no objeto investigativo, vislumbrávamos a incompletude

humana. Porém, mesmo sabedora de que são utopias, este saber ainda não nos

torna desesperançosa, pois acreditamos tal qual o poeta, que são elas, as utopias,

quem nos permite fazer girar a espiral do mundo.

Assim, embora a dimensão social da pesquisa não esteja aparente,

queremos evidenciá-la, como também a dimensão ambiental de cunho

fenomenológico que, por sua vez, encontra-se entrelaçada à primeira.

Mergulhados que estamos, seres humanos, sempre nas águas correntes da vida

em sociedades, buscamos por meio desta pesquisa um saber ético e humano

construído na e pela poesia em diálogo com a filosofia. Esta ousadia advém da

compreensão de que as nossas realidades, ao estarem submersas em competições,

interesses individuais, ambições e vaidades, poda-nos os direitos pelos quais

tanto lutamos: a emancipação e a liberdade.

Ao nos permitir a travessia pelas vias de uma Educação Ambiental cujo

olhar se fez na perspectiva da Cartografia do Imaginário, foi possível perceber no

fluxo dos elementos da natureza uma relação intrínseca com os valores

humanos. Assim, atentando às complexidades do nosso objeto/sujeito de

pesquisa, ou seja, Manoel de Barros e Gaston Bachelard, fomos percebendo que

as ciências e as poesias poderiam dialogar e nos trazer algumas compreensões

sobre o fenômeno dinâmico das vidas e não vidas presentes no cosmo. Por isso,

acreditávamos que bastava essa descoberta para definirmos o caminho a seguir.

Mero engano! Justamente neste momento é que nos deparamos com a fase mais

desafiadora da nossa trajetória, pois por várias vezes caminhávamos e não

saíamos do lugar, até que após muitas reflexões e orientações, compreendemos

que pesquisa também se faz nos (des)encontros. Neste contexto, fomos aos

poucos nos permitindo ser invadidas pela essência da poesia manoelina e, assim,

descrevendo nossas linhas no diálogo proposto, sempre desafiada pela

educadora Michele Sato, que nos instiga, pesquisadores sob sua orientação, a

estar sempre em cena, participando ativamente da intricada trama que nos

propomos a construir.

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Assim, somos instigadas a fazer algumas opções: a nossa, foi a de

contribuir para com um mundo mais justo, igualitário e ético, percebendo a

necessidade de interrogarmos a sociedade em que estamos inseridas. Partindo da

premissa que esta aniquila a emancipação dos seres humanos, que são enredados

na máquina do sistema capitalista, um sistema opressor que nos impedem de

viver nossas liberdades.

Ao descrever estas possibilidades permeamos por entre os territórios e as

identidades movediças que emergem das palavras do poeta e que, muitas vezes,

são percebidas como espaços vazios de significado.

Não que sem significado porque são vazios: È porque não tem

significado, nem se acredita que possam tê-lo, que são vistos

como vazios, melhor seria dizer não vistos. [...] muitos espaços

vazios são de fato, não apenas resíduos inevitáveis, mas

ingredientes necessários de outro processo: o de mapear o

espaço partilhado por muitos usuários diferentes (BAUMANN,

2001, p. 120-121).

O autor enfatiza que no caso dos espaços vazios, as diferenças são

anuladas e ficam invisíveis à sociedade, prevalecendo a homogeneidade e a falsa

harmonia. A exemplo, citamos o caso de Mato Grosso de paisagem exuberante e

rica diversidade ecológica, distribuídas em seus três biomas, Amazônia, Cerrado e

Pantanal, onde existem identidades que estão a mercê do descaso “[...] nos ditos

‘espaços vazios’ [...] ambientes diversos onde coexiste um rico mosaico cultural

de identidades” (SILVA e SATO, 2011).

Contrariando estes espaços, a poesia de Manoel de Barros nos propõe a

ruptura dessa homogeneidade por meio de abertura ao olhar, pois quanto mais

nos tendemos a ela, mais forte e ameaçadora a diferença se apresenta

(BAUMANN, 2001). Este repensar na diversidade proposta pelo poeta se dá

quando este nos incita à coletividade, espaço onde ao ser outros, nos tornamos

eu, ou como ainda discorre Baumann (2001, p. 22), “para que o poder tenha

liberdade de fluir, o mundo deve estar livre de cercas, barreiras, fronteiras

fortificadas e barricadas”. Foi, portanto, esta fluidez da poesia que contribuiu

para que derrubássemos algumas de nossas próprias barreiras e nos permitisse

construir o diálogo proposto.

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Na configuração descrita, aos poucos fomos percebendo que Bachelard,

com seus devaneios nos incentivava a refletir sobre a não neutralidade da

sociedade e seu poder feroz de manipulação e aniquilamento. Portanto, na

possibilidade de dialogarmos com o filósofo e o poeta, por meio da

“intromissão” sugestiva da linguagem, fomos desarranjando nossas verdades

construídas com bases racionais e nos deixando embevecer pelo sentimento

fluido das despalavras manoelinas e dos devaneios bachelardianos, ambos em

movimento unívoco. Neste êxtase de sentidos, fomos ainda percebendo, tal

qual, José Miguel Wisnik (2005), “a experiência decantada que se constitui em

sentimento do mundo”, com o qual podemos compreender que ao sentir as

outras coisas salientadas por Manoel de Barros, era possível sentir que

compreender o outro, é conte-lo e ser contido por ele, no permanente e

incessante movimento que vai além da diferença que separa o eu e o outro

(Wisnik, 2005, p.33).

A poesia em diálogo com as proposições teóricas de Bachelard, nos fez

ainda compreender que a relação entre a poesia e o mundo, embora

indissociável, é ancorada em aproximações e distanciamentos, os quais nos

levam à superação de modelos hegemônicos e excludentes. O que fornece poesia

ao mundo é, portanto, o mergulho em nós mesmos, um perceber de

pertencimento recíproco, onde o eu é apenas mais um ser no mundo, neste

sentido:

O mundo não cabe do real não cabe no concebível. [...]

‘mundo’ é o conjunto total dos conjuntos do mundo e ao

mesmo tempo aquilo que está fora desse junto, porque o que o

define, na época ‘das concepções do mundo’, é o limite da

totalização que o esgota, mas também a sua abertura

inesgotável. Assim, o mundo – cosmos, natureza, história – está

simultaneamente fora e dentro do mundo (WISNIK, 2005, p.

31-32).

É sob o prisma da diversidade de identidades e de conflitos que a

Educação Ambiental busca contribuir com outros olhares sobre o nosso lugar no

mundo, na tentativa de lutar coletivamente em prol de sociedades sustentáveis,

nos incitando a perceber que tanto os conflitos quanto o solo movediço que se

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encontram no mundo e nas coisas, residem, sobretudo, dentro do ser humano,

pois este e outro são complementares entre si (BRANDAO, 2001).

Neste contexto, foi possível perceber que os elementos da natureza,

abordados por Bachelard poderiam nos ajudar nestas reflexões, já que estes

elementos são vistos pelo filósofo em relação cíclica entre si e entre o ser

humano. Foi então a fecundidade proveniente destas relações, que nos forneceu

os elementos para a copulação entre a poesia manoelina e os quatro elementos

bachelardianos da natureza.

Seguimos as orientações metodológicas da Cartografia do Imaginário,

onde a pesquisa representa uma viagem científica de aprendizagens, de busca

incerta por respostas, e nossa investigação se fez da incerteza, correndo riscos,

aventurando na escolha de meu próprio itinerário (SATO, 2011). Dessa forma,

usando a imaginação e me permitindo a intuição, elegi nomear os capítulos

seguindo a mesma forma estrutural do texto da cartografia. Os elementos,

bachelardianos, Água, Terra, Fogo e Ar, organizados nos títulos dos capítulos,

que seguem o rigor epistemológico da ciência, não tiveram seus sentidos fluindo

linearmente em cada capítulo, muito pelo contrário, eles muitas vezes se

espalharam pelo texto ou se juntaram em todos os capítulos, uma vez que o

objetivo não foi tratar cada elemento separadamente em cada capítulo que lhe

deu o nome, provocando-nos a um repensar a ideia de organização cartesiana

das coisas. Esta proposição explica a retomada de um ou de outro elemento na

trajetória da dissertação. Os capítulos, portanto, evidenciam o elemento, mas

não se sustentam uns sem os outros, pois entre eles há conexões inseparáveis.

Se a metodologia que nos conduziu foi a Cartografia do Imaginário

produzida por Michèle Sato (2011), não conseguimos nos desvencilhar de suas

palavras, pois elas nos orientaram durante todo o percurso, e entendo que a

beleza poética unida à cientificidade da proposição existente nelas já é

justificativa suficiente para estarem repetidamente aqui amparando o descrever

do percurso da pesquisa.

O Fogo é o elemento da transformação, da combustão para a renovação,

para outra concepção de mundo. Como num caldeirão onde ingredientes se

juntam e se misturam para, da particularidade de cada substância à solidariedade

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na combinação, darem vez à transformação e à apreciação de novos sabores,

retomamos aqui a trajetória da pesquisa, simbolizando o cozimento pelo

elemento fogo, para que no borbulhar da sopa eles se dialoguem e se combinem

em busca do renascimento, que na Educação Ambiental representa o

renascimento de um novo mundo de orientação fenomenológica. Para Rubem

Alves “As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem

não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira.” (ALVES, 1999, p.59).

Desta forma, retomamos o primeiro capítulo, que apresenta o objeto da

investigação Manoel de Barros e Gaston Bachelard, avaliando a minha trajetória

identitária enquanto pesquisadora, por meio do elemento água, que por sua vez

percorre toda a produção do poeta Manoel de Barros. Busco trazer ainda o meu

ser no mundo, minha formação e deformação no processo sócio histórico e

cultural, mostrando como aborda Sato (2011, p.550) que “cada etapa de nossas

vidas é um renascer para novas experimentações e sensações” é, portanto, a

possibilidade de nossas “narrativas pessoais, mescladas com um tempo coletivo”.

Desta maneira, me reconhecer possibilitou a percepção de que às vezes deixamos

de nos conhecer, pois deixamos nos levar pela deriva da sociedade, com suas

urgências, esquecendo-nos de viver nossos próprios sonhos.

A poesia manoelina, portanto, nos possibilita este diálogo com nosso eu

mais profundo, pois o poeta nos provoca a pensar sobre quem somos no mundo

e de que jeito estamos atuando nele. Em sua produção ele se permite ser outro

para se compreender “sou um sujeito desacontecido rolando borra abaixo como

bosta de cobra” (BARROS, 2010, p.351) ou em “eu já disse quem sou ele”

(BARROS, 2010, p.353). Ao invés de se conhecer por suas grandezas vistas pela

modernidade, o poeta inverte esta linearidade do ser humano, se

desconhecendo para se conhecer. É, também assim, que procurei narrar minha

biografia ecológica, que permeando por entre minha constituição axiológica

buscou também alguns traçados nas vivências praxiológicas que experimentei

com o mundo, na tentativa de articular alguns desencontros para a minha

construção sempre em vias de fazer-se no campo epistemológico. Pois como

discorre Manoel de Barros, acho que “a minha direção é a pessoa do vento [...]

eu pertenço de andar atoamente” (BARROS, 2010, p. 353).

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Esta construção biográfica me permitiu encontrar novamente com os

meus desfazeres de criança, reviver os saberes e sabores dos seres humanos com

os quais compartilhei meus espaços, momento em que fui percebendo que o

meu eu tem muito deles e que, portanto, eu não sou eu sem aqueles que

compartilharam comigo da minha história. Neste contexto, trouxe os devaneios

manoelinos, pois, tal qual o processo de renovação permitido pelas águas

pantaneiras, fui compreendendo que também nós, seres humanos, às vezes

precisamos botar enchimentos para nos desconhecer. Penso que é um sair do

deserto para encontrar prazerosos oásis, como discorre Sato (2010). Desta

identidade advém “a gênese do desejo que dará as possibilidades de uma viagem

científica” (SATO, 2011, p.547).

Este início de viagem é como um esboço de um quadro, cujas

primeiras pinceladas revelam as imagens da gênese identidária

na água, com ressonâncias nas experiências pessoais que, após a

viagem, terá a pintura do ar em plena ressonância da situação

investigada por ser uma pintura que carrega as principais

abordagens da pesquisa, deve ser escrita ao final, após ser

cumpridas as etapas seguintes das hipóteses, objetivos,

metodologia, resultados e considerações finais; aqui

simbolizados pela força da água, terra, fogo e ar. A arte do

pesquisador estará no talento em mostrar a viagem com

pequenas mostras significativas como se fossem um convite ao

saboreio na miragem do álbum e na escuta sensível de uma

narrativa ainda em plena construção (SATO, 2011, p.551).

O segundo capítulo percorre a firmeza do elemento terra em busca da

flexibilidade dos sentidos que fluem desse elemento para nos fazer compreender

que o pensamento da modernidade, que tradicionalmente impossibilita a

comunhão entre as ciências e as poesias, pode ser desmascarado pelo movimento

ecologista que acredita na sensibilidade advinda da poética, onde esta corrobora

para com a imanência e a transcendência do ser filosófico da Educação

Ambiental, fazendo-o compreender o “remanso que um riacho faz sob o caule

da manhã” (BARROS, 2010, p. 181). E foi pela perspectiva dessa impossibilidade

de comunhão que se dirigiram nossos questionamentos, apresentando as

hipóteses da investigação.

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Mundos possíveis no diálogo entre Manoel de Barros e Bachelard são

construídos também neste capítulo, traçando algumas aproximações e

distanciamentos, os quais denotam que a Educação Ambiental, muito mais que

“preocupação com a conservação da diversidade das espécies biológicas, busca

apreender e com-viver com as diferenças culturais da humanidade” (SATO, 2011,

p.552). Manoel de Barros nos possibilita esta compreensão ao trazer para o

diálogo outros seres humanos que são invisibilizados pelo sistema convencional,

suas desimportâncias, como diz o nosso poeta. É o sentido de deformação

advindo do elemento terra, um processo árduo de desaprender para aprender

ou o “reaprender a aprender” que exige de nós um ver para além do olhar

convencional, processo doloroso para vencer os obstáculos epistemológicos em

busca do conhecer o nosso objeto, talvez observado neste processo muito mais

como sujeito. Afinal se o poeta se faz ver pela poesia, talvez valha abordar que

nos deparávamos sempre diante de um objeto-sujeito e/ou vice-versa,

O terceiro capítulo é um caminhar pelo traçado epistemológico que

delimitamos ao nosso percurso, tentando delinear os caminhos e trilhas que

permitiram construir os sentidos, porém, vale frisar que expusemos aqui apenas

alguns traçados, outros ainda ficaram à deriva. Talvez seja o momento de maior

dificuldade o de discorrer sobre a essência das nossas urgências: “...e quando a

palavra toma consciência de si, a atividade humana deve agenciar seus sonhos

pelo da escrita.” (BACHELARD, 2001, p.257).

Buscamos nele registrar o percurso de nossa trajetória, os desvios

necessários para chegarmos perto do nosso objeto, bem como, os autores com

os quais dialogamos e encontramos âncoras para a produção de nossas

inferências, momento de religarmos os conceitos sob o lume epistemológico,

revelar na medida do possível o labirinto, com suas entradas e possíveis saídas.

A metodologia abrange o método, desde que considerando as

etapas investigativas, tendências. Por esta definição, podemos

buscar compreendê-las à luz de conceitos, teorias e

compreender porque a metodologia privilegiada deixa de ser

mera ‘etapa’ e toma dimensões de princípios teóricos da

pesquisa, como é o caso da fenomenologia. Em outras palavras,

a metodologia vai direcionar a caminhar tanto na parte teórica,

como na prática (SATO, 2011, p.555).

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Além de evidenciar os objetivos é o momento de discorrer sobre as

teorias que deram sustentáculo para a viagem, pois não basta apenas narrar os

procedimentos, precisamos sustentar nossas concepções, bem como, discorrer o

porquê de nossas opções, ou seja, quais foram as concepções teóricas que

consubstanciaram a nossa trajetória.

O quarto capítulo é o registro de nossas considerações sobre o

diálogo entre a poética e a ciência, sobre nossa proposta em aliá-las na

perspectiva de uma Educação Ambiental pela sensibilidade. É onde apresentamos

uma experiência educativa em sala de aula, por meio da poesia, que aliando a

prática à teoria, proporcionou aos alunos a possibilidade de vivenciar a atividade

de forma sensível mas efetiva, em busca da produção do conhecimento.

É portanto nesse capítulo que procuramos revelar nossas descobertas

durante a viagem investigativa, onde os caminhos inaugurais foram nos sendo

apresentadas por entre cores e aromas, por entre texturas e paladares.

É a hora que revela um produto que chega diretamente da

alma, que se abre para o mundo cintilando nossa contribuição

científica sobre os sentidos polissêmicos das viagens. Mas

também é o momento de absorver a crítica e trazer os reflexos

dos espelhos numa viagem centrípeta de nós mesmos. É a hora

das ponderações sobre as dualidades expostas: do direito da

janela ao dever da árvore; e do sair de casa para viagens de

liberdade e do cerrar os trincos pelo lado de dentro no

aprisionamento da aprendizagem. Do compreender o quanto

uma viagem científica é significativa e muda a nós ao mundo

social e científico. Em cada paisagem vista, há desenhos e

memórias de efeito “duplo”. Em outras palavras, quero

parafrasear o surrealista Arthur Rimbaud, e ironizar que é

preciso inverter cenários e acreditar que NÃO é somente nós

que conseguimos olhar a paisagem, pois talvez ela contenha

pedras... “e as pedras olham”. Fenomenologicamente, não há

nenhum trabalho conclusivo (SATO, 2011, p.561).

Estas são as vias delimitadas da nossa dissertação, onde os sentidos se

diluem trazendo miríades de outras possibilidades. O registro de um trabalho

científico necessita de um ‘fechamento’, porém, queremos trazer neste termo os

prefixos de Manoel de Barros des-, pois se trata é de uma abertura a novas

aprendizagens.

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Afinal, como magistralmente discorre os autores supracitados “somos o

estofo do mesmo mundo e da mesma massa estelar do universo” (SATO;

PASSOS, 2008, p. 27).

3.2 FOGO PRAXIOLÓGICO

O trabalho poético é às vezes acusado de

ignorar ou suspender a práxis. Na

verdade, é uma suspensão momentânea

e, bem pesadas as coisas, uma suspensão

aparente. Projetando na consciência do

leitor, imagens do mundo e do homem

muito mais vivas e reais do que as

forjadas pelas ideologias, o poema

acende o desejo de uma outra existência,

mais livre e mais bela.

Alfredo Bosi

A ciência e a poesia na Educação Ambiental de cunho fenomenológico

apresentam-se como inseparáveis, pois não é possível compreender o elemento

objetivo desconsiderando suas particularidades subjetivas. Nesta proposição

ancora-se toda a trajetória da pesquisa, pois, ao mesmo tempo, que nos

deleitamos com a poesia, buscamos também fortalecer com as proposições

teóricas, que selecionamos a partir de leituras prévias e outras que fizeram parte

nos debates e produções das disciplinas obrigatórias do curso de Mestrado da

UFMT.

Após a definição do objeto de estudo, a poesia de Manoel de Barros e a

filosofia da imaginação de Gaston Bachelard, a segunda etapa seria selecionar as

obras a serem lidas. De Manoel de Barros foi impossível não entrar em contato

novamente com todas, o que não foi difícil considerando o prazer de sua

poética e por também a maioria delas fazer parte do meu universo de obras

particulares. Mas em especial, para a escolha das poesias selecionei os livros:

Poesia completa (2010); Memórias Inventadas - as infâncias de Manoel de Barros

(2010); Livro sobre Nada (2004); Memórias Inventadas: a Infância (2003); Livro

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de pré-coisas (2003); O Livro das Ignorãças (1994); Poemas concebidos sem

pecado (1999); Gramática Expositiva do Chão - Poesia quase toda (1990).

Também autores estudiosos de sua obra foram visitados, tanto em livros quanto

na internet, onde há uma vasta opção para pesquisa.

No que tange as produções do filósofo Gaston Bachelard, embora já

familiarizada com partes de textos isolados, tive a grata satisfação de aprofundar

meus estudos em livros do autor constante da biblioteca do GPEA, além de

alguns adquiridos por mim, a partir da indicação sábia de minha orientadora.

Dentre as leituras podemos citar: A poética do espaço (2005), A terra e os

devaneios do Repouso (2003), A terra e os devaneios da vontade (1991), O ar e

os sonhos (2001), A psicanálise do fogo (1999), A água e os sonhos (2005).

Também procurei estudar alguns dos princípios teóricos de suas obras anteriores

à filosofia da imaginação, na busca por respostas ao questionamento sobre ser

possível uma aproximação biográfica entre o filosofo e Manoel de Barros, e

foram elas: A Epistemologia (1971); Conhecimento comum e Conhecimento

Científico (1972); Alguns fragmentos do livro Léngagement rationaliste(1972); A

Filosofia do Não & Outros Textos (1973); Novo Espírito Científico (1996); A

formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do

conhecimento (1996).

Em princípio não havia ainda uma definição de escolha das obras dos dois

autores, a trajetória se deu no caminhar por entre as leituras e proposições, o

que foi possível pela percepção democrática do fazer ciência, pois sabemos que

em muitos casos este caminho já traçado não pode ser flexibilizado. A

compreensão da Educação Ambiental na via fenomenológica, enfatizada por

Sato e Passos, (2003), (2006), (2008) também contribuiu significativamente para

que compreendêssemos que seriam devaneios possíveis, para além de outros

autores.

As leituras foram abrindo caminhos por um terreno fértil, para que em

meados do período do curso surgissem os esboços das vias que me conduziriam

ao processo da pesquisa científica, fortalecendo para traçar os descaminhos desta

dissertação.

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Em nossa trajetória, por entre os nossos desejos de fazer uma pesquisa

bibliográfica no terreno movediço da poesia, por muitas vezes nos deparamos

com o descompasso, com a imprecisão, com a incerteza causada por

burburinhos de que com poesia não se faz ciência, não se explica o mundo. No

entanto, nos reenergizamos porque quem se lança nas águas borbulhantes em

busca de possibilidades jamais teme a pretensão de explicar o mundo, mas de se

deixar fascinar por ele. É um pensar com o coração, que unifica a “racionalidade

na sensação, oferecendo, simultaneamente, o estranhamento ao lado do

maravilhamento” (SATO; PASSOS, 2008, p.19). É Neste fazer, ou melhor, neste

viver, que acreditamos que:

A poética excita e impulsiona a EA para que as ideias e as

emoções, tomando nossa corporeidade, fluam na liberdade do

movimento, banhadas nas luzes e nas sombras das iconografias

e das linguagens de cada ser. A fenomenologia nos envolve e

brada pelo nosso olhar, na verdade um duplo olhar perceptivo:

nas cores da flor que se comunica sensorialmente, percebemos

na pele seu “aroma” que nos penetra quase que

subliminarmente evocando memórias, vivências e saberes.

Arriscamo-nos ao possível machucado de seus espinhos com a

dor expressa pelo vermelho do sangue porque vale a pena ter a

memória desse momento pelas cicatrizes que testemunham

nossa ousadia com jeito de fidelidade. Cicatrizes que se esvaem

com o tempo, ou das quais o corpo insiste em deixar a marca

pelo infinito, como se o tempo coagulasse sem remédios pela

eternidade (SATO; PASSOS, 2008, p.19-20).

Ao trazermos o encontro dessas utopias com a contribuição dos

elementos da natureza, queremos enfatizar, tal qual Fritjof Capra (2006), que há

muitas maneiras de aproximamento com a natureza, que exige um aprender com

sabedoria, compreendendo a sinestesia das coisas do mundo, o vínculo entre ser

humano-natureza, ou seja, quiçá esta fronteira enorme evidenciada pela

sociedade emergente, que na percepção sensível é quase imperceptível, não

exista. Esta é a mágica existente na poesia manoelina, nela o mundo se apresenta

uno e indivisível, apresenta-se, portanto, numa grande conversação e explosão

de saberes. Esta é uma compreensão, no entanto, que exige uma vida inteira,

que ultrapassa fronteiras, onde explicações se tornam desnecessárias. Neste

contexto, acreditamos que é preciso “fazer o pensamento reverdecer. Tratar de

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reanimá-lo, com constância, e também com audácia, mantendo o contato com a

vida” (MAFFESOLI, 2007, p.105).

O filósofo e o poeta são nossos aliados quando percebemos não ser

possível ressignificar ações pautadas em concepções endurecidas, cartesianas,

muito pelo contrário, é necessário viajarmos pela moleza da gosma em

reconhecimento à diversidade existente, escorregando em seus conflitos e

sonhos. Acreditamos que para ver o mundo de outra forma, é necessário jogar

toda a bagagem fora, abandonar muitas de nossas percepções absorvidas durante

o nosso processo sócio histórico, para só então seguir em frente, de malas vazias,

prontos para enfrentarmos a tempestade ou a bonança, desde que em busca da

utopia da Educação Ambiental.

De acordo com Bauman (2007), vivemos em verdadeiros campos de

batalha, espaços aonde as identidades globais vão de encontro com as

identidades locais, muitas vezes abandonadas pelos princípios da justiça social.

Portanto, o princípio desse choque não poderia deixar de ser o desastre

socioambiental e cultural, no qual estamos envoltos.

No entanto, o conhecimento de Manoel de Barros sobre esse mesmo

mundo, foi adquirido na interlocução intrínseca entre ser humano-natureza, ou

seja, ele não aprendeu apenas com os seres humanos, mas também com as

outras coisas ao seu redor, aprendeu com o revoar das borboletas, aprendeu

com a lentidão do caracol-lesma, aprendeu com o canto dos pássaros. Assim,

acreditamos, ele desaprendeu a seguir as linhas retas e as verdades impostas pelas

normas e pelas convenções, mostrando que: “a terapia literária consiste em

desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse nossos mais fundos desejos.”

Manoel de Barros se faz ser por meio de sua palavra poética, pois em Heidegger

(1999, p.10) “o ser habita a linguagem poética e criadora”. Essa terapia em

Manoel de Barros foi possível no convívio sensível e perspicaz com outros seres

humanos e as coisas que o rodeavam. Citamos aqui palavras sobre o padre

Ezequiel, seu primeiro professor de agramática:

Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas

leituras não era a beleza das frases, mas a doença

delas.

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Comuniquei ao Padre Ezequiel, um meu Preceptor,

esse gosto esquisito.

Eu pensava que fosse um sujeito escaleno.

- Gostar de fazer defeitos na frase é muito saudável,

o Padre me disse.

Ele fez um limpamento em meus receios.

O Padre falou ainda: Manoel, isso não é doença,

pode muito que você carregue para o resto da vida

um certo gosto por nadas...

E se riu.

Você não é de bugre? - ele continuou.

Que sim, eu respondi.

Veja que bugre só pega por desvios, não anda em

estradas -

Pois é nos desvios que encontra as melhores surpresas

e os ariticuns maduros.

Há que apenas saber errar bem o seu idioma.

Esse Padre Ezequiel foi o meu primeiro professor de

agramática.

(BARROS, 1994, P.75)

Não se pode deixar de observar a importância da sensibilidade do Padre

Ezequiel ao valorizar o desvio linguístico do menino-bugre, pois que abriu

caminhos, criou estradas, túneis, pontes e intersecções, dando passagem ao

devaneio de um menino-poeta, maravilhado com as imagens esboçadas em sua

mente e transformadas em linguagem escrita. O desvio possibilitou ao menino-

poeta a criação de suas próprias vias, buscando um novo sentido e batizando a

palavra manoelina. Para Octavio Paz “a poesia é sempre uma alteração, um

desvio linguístico. Um desvio criador que produz uma ordem nova e diferente”

(PAZ, 1991, p. 102). O padre dá importância aos desvios e não à estrada.

Percebemos um afeto implícito, uma cumplicidade que fere as normas

convencionais da relação humana, e com esta ressurge e fortalece a relação

explícita do poeta com as palavras.

Lançando um olhar sobre os caminhos percorridos por algumas pesquisas

de cunho qualitativo, é possível observar que os investigadores qualitativos em

educação buscam, continuamente, questionar e compreender os sujeitos de

investigação, com o objetivo de perceber aquilo que eles experimentam, como

interpretam as suas experiências e como eles próprios estruturam o mundo

social em que vivem. Com o passar do tempo e com o ganho da confiança

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pesquisador e pesquisados acabam por trocar confidências, por dividir caminhos,

pois saberão que ambos não utilizarão os dados para fins ilícitos (BOGDAN e

BIKLEN, 1994). É com essa mesma parceria que seguramos nas mãos do poeta

Manoel de Barros e nos deixamos conduzir pelos seus labirintos de confidências

poéticas, descobrindo os poderes deste demiurgo, buscando compreender os

segredos de seus devaneios. Para Gaston Bachelard (1991), o labirinto permite

repor o sonhador em movimento.

Ao apresentar a imagem do caracol, Manoel traz os princípios da moleza

e da dureza, mostrando a elasticidade da ideia/sonho e os mistérios da energia

de um sonhador. Pois de acordo com Bachelard:

A imaginação é um princípio de multiplicação dos atributos

para a intimidade das substâncias. É também vontade de ser

mais, de modo algum evasiva, mas pródiga, de modo algum

contraditória, mas ébria de oposição. A imagem é o ser que se

diferencia para estar certo de vir a ser. E é com a imaginação

literária que essa diferenciação fica imediatamente nítida. Uma

imagem literária destrói as imagens preguiçosas da percepção. A

imaginação literária desimagina para melhor reimaginar

(BACHELARD, 1991, p. 21-22).

Acreditamos que é esta mesma suspensão da imaginação descrita por

Bachelard que nos permite Manoel Barros, quando nos convida para uma

viagem por entre as coisas que precisam ser (re)conhecidas. Ao nos perdermos

em territórios pantaneiros, tomando como guia condutor do encontro a poética

manoelina, é possível visualizar a metáfora vivificante das terras encharcadas,

onde terra e água se correlacionam na busca efetiva por vidas sempre em estado

de fertilidade, onde “as imagens efetuam sagazmente, com uma astúcia essencial

– mostrando e escondendo – as espessas vontades que lutam no fundo do

ser”(BACHELARD, 1991, p.28).

Amolecer a estrutura rígida, este talvez seja um dos ofícios do poeta,

pois é nesta deformação que ele traz todo o frescor do universo, que provoca o

ser a descobrir o seu não ser, aquele desconhecido que fortalece os princípios da

ética e do cuidado proferido por Boff (2008). É por essas vias que seguimos os

passos de Bachelard (1991):

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O conceito caminha passo a passo, unindo formas

prudentemente vizinhas. A imaginação transpõe extraordinárias

diferenças. Unindo a pedra preciosa à estrela, ela prepara “as

correspondências” daquilo que tocamos e daquilo que vemos, e

assim o sonhador leva as mãos aos magotes das estrelas para

acariciar-lhes as pedrarias (BACHELARD, 1991, p. 230)

Faz-se necessário, no entanto, dizer que a imaginação aqui referenciada

é, antes, aquela que faz ver o objeto delirado, que faz maravilhar-se com ele e

sentir seus impulsos, para somente então, após esses devaneios, oferecer suas

dádivas ao sonhador. É o lançar-se pelos caminhos dessa essência nada simplista,

que faz do poeta Manoel de Barros um embriagado. Antes de mostrar suas

intimidades, as coisas pedem para que sejam vistas, que sejam amadas, pois

quando há amor, há também uma troca amorosa de cuidados, de cumplicidade.

Nesta projeção, trazemos novamente a metodologia da Cartografia do

Imaginário, delineada por SATO (2011), onde por meio da essência contida nos

elementos da natureza, se faz presença, a poética do nosso mato-grossense, com

seus desvaneios e despalavras, que nos sucumbem a perceber a dinâmica do ser

humano-mundo. No entanto, embora trazendo a distribuição em capítulos,

queremos enfatizar que tais sentidos surgiram desconexos, numa ida e vinda, em

retas e inclinações, por isso talvez as des-combinações. Vale ressaltar que nem

sempre tais sentidos foram construídos de maneira cômoda, mas conflitante.

Porém, no propósito de estarmos aberta aos aprendizados é que nos deixamos

contaminar por estes desejos e aspirações.

Gaston Bachelard (1999), por meio do elemento fogo, mostra que

este é capaz de limpar as impurezas e restituir o sentido original das coisas, por

meio dele é possível compreender o princípio da renovação dos sentidos

atribuídos às coisas do mundo. Ou seja, o filósofo apresenta o fogo com

qualidades vitais, mostrando sua poderosa capacidade de dinâmica e vivacidade:

O fogo sugere o desejo de mudar, de apressar o tempo, de

levar a vida a seu tempo, a seu além. Então, o devaneio é

realmente arrebatador e dramático; amplifica o destino

humano; une o pequeno ao grande; a lareira ao vulcão, a vida

de uma lenha à vida de um mundo (BACHELARD, 1999, p. 25).

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É, portanto, nesta perspectiva que apresentamos o elemento fogo, como

uma possibilidade de compreender o nosso percurso epistemológico.

Ao aproximarmos a Educação Ambiental da poesia de Manoel de Barros

em diálogo com a filosofia bachelardiana, queremos possibilitar, por meio da

palavra poética, a percepção de que alguns dos anseios da busca pela

sustentabilidade planetária percorrem as vias do fogo epistemológico

apresentado por autores como: Gaston Bachelard (1999), Paulo Freire (2008),

Michèle Sato (2008, 2011), Luiz Augusto Passos (2008), entre outros. Estes nos

possibilitam compreender que a pesquisa científica não está pautada apenas em

questões objetivas alheias às subjetividades humanas, mas antes nos apresentam

por intermédio da paixão do aprender-ensinando com o outro, que é possível e

necessário projetar sonhos na busca da realização de esperanças. “Um coração

sensível gosta de valores frágeis. Comunga com os valores que lutam, portanto,

com a luz fraca que luta contra as trevas” (BACHELARD, 1989a, p.14).

Assim, compreendemos que o fogo simbólico apresentado por Bachelard

também percorre as páginas da poética de Manoel de Barros, pois o poeta nos

apresenta sua paixão pelo contexto e pelos seres humanos com os quais teve

possibilidade de dialogar. Nesta perspectiva, a poética de Manoel de Barros se

parece com chamas que sai do âmago, em busca do aconchego no coração dos

seres humanos, uma maneira que ele encontra de implorar para que entendamos

o poder expressivo dos elementos da natureza, pois, mais que exprimir ideias ou

sensações, sua palavra “tenta ter um futuro” (BACHELARD, 1989: p.3). Assim,

tais elementos surgem a partir da liberdade adquirida nas despalavras do poeta

que, por sua vez, não se encontra acorrentada às amálgamas do saber

convencional, técnico, instrutivo e instituído.

Para nós, pesquisadores, a poesia manoelina representa o fogo

bachelardiano, que pode contribuir significativamente para mostrar que a

Educação Ambiental deve ir além da preocupação com questões pontuais, como:

queimadas, devastação, lixo, entre outras; esta traz em seu bojo o desejo ardente

da Educação Ambiental em nos fazer compreender que a poética que veicula no

mundo vivido e no mundo sonhado é a combustão necessária para fazer com

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que os seres humanos se juntem em prol de um anseio coletivo, em busca de um

mundo mais justo e mais humano.

Manoel de Barros é um artista plástico das palavras, ele as desorganiza

para mostrar a paisagem de um novo mundo, onde os seres humanos descem do

pedestal, ficando do mesmo tamanho das outras coisas que compõem o

universo. Neste fazer o poeta assume, como pondera Sato (2011a), “a

responsabilidade do seu próprio jardim doméstico, contra a assepsia, ou o

clamor obstinado pela harmonia”. Neste sentido, o poeta mostra sua aversão às

palavras e/ou coisas convencionais; “porque a gente também sabia que só os

absurdos enriquecem a poesia” (BARROS, 2010a, p. 450), “a gente gostava bem

das vadiações com as palavras do que das prisões gramaticais, [...] a gente

gostava das palavras quando elas perturbavam os sentidos normais da fala”

(Ibidem, 451).

Os sentidos subjetivos adormecidos pelo modelo de sociedade capitalista

se levantam pela chama da poética, pois estes não foram apagados da memória,

permaneceram latentes e intactos no ínfimo dos seres humanos e, se

movimentados, podem não só fazer girar a espiral de um mundo mais ético e

justo, como também incitar a luta em prol de que este fogo por vezes cálido

e/ou ingênuo, se torne um fogo epistemológico, capaz de lançar as chamas da

sapiência. Pois, como incita Sato (2011), ao discorrer sobre os procedimentos

necessários, a pesquisa científica pautada na Cartografia do Imaginário, também

no saber fazer, exige que cada qual adapte tudo ao seu contexto, aos seus

devaneios e às suas esperanças particulares, acomodando conceitos, mudando

percepções, ou revendo pontes para novas religações, em busca do sonho

coletivo.

As palavras do poeta incendeiam a imaginação do seu interlocutor, fluem

sentidos que podem incinerar o autoritarismo, o individualismo, a ganância e

outros fatores que alienam e embrutecem os seres humanos. Percebemos assim,

que a poética pode ser uma das formas de conhecermos a nós mesmos, de incitar

a sensibilidade, de mudar nossa concepção de mundo, de renovar nossas

atitudes, pois:

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O fogo, para o homem que o contempla, é um exemplo de

pronto devir e um exemplo de devir circunstanciado. Menos

abstrato e menos monótono [...] o fogo sugere o desejo de

mudar, de apressar o tempo, de levar a vida a seu termo, a seu

além. Então, o devaneio é realmente arrebatador e dramático;

amplifica o destino humano; eu o pequeno ao grande, a lareira

ao vulcão, a vida de uma lenha à vida de um mundo. O ser

fascinado ouve o apelo da fogueira (BACHELARD, 1999, p. 25).

Portanto, vale compreender que para que a relação entre a Educação

Ambiental e a poesia se transforme de fogo epistemológico para um fogo

praxiológico, desejado pela Educação Ambiental:

Há uma grande ponte a ser construída não apenas pelo

conhecimento, mas pelo re-conhecimento. Re-conhecer implica

conhecer o que há no outro de mim e o que há de mim no

outro. É, portanto, saber que, para além da diferença, há entre

nós também continuidades, campos de referência mútua, de

alianças e de similitudes que nos circunscrevem como

semelhantes. Conhecer e re-conhecer é campo da ética (SATO;

PASSOS, 2008, p. 26).

A relação citada pelos autores implica a compreensão de que somos

seres inconclusos, aprendemos com o outro e/ou com as outras coisas que

dividem conosco esta esfera planetária. Como devaneia Manoel de Barros

(2010) ”A gente é rascunho de pássaro. Não acabaram de fazer [...] eu só queria

construir nadeiras para botar nas minhas palavras” (Barros, 2010). Acreditamos

que Manoel de Barros soube construir suas nadeiras para o mergulho poético, e

que estas só foram possíveis pelo fogo que brotava de seus poros, pelo desejo

ardente de compartilhar a beleza da sua casa, o Pantanal de Mato Grosso.

Atentarmos para a compreensão do mundo, pautados no entendimento do

primitivo e na nossa própria identidade, saberes suscitados pela e na poética

manoelina, como considera Sato (2011, p.542): “seria a guinada conceitual

prigoginiana, que nos convida para repensar os conflitos socioambientais para

além da consideração harmônica presentes nos discursos ambientais da

modernidade”.

Acreditamos que nesta compreensão, nossa trajetória pela poesia

manoelina em comunhão com a filosofia de Bachelard e conduzida pela

Cartografia do Imaginário, nos permitiu delirar em nossa própria biografia por

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meio do poder fluente das palavras dos dois autores, nossas ressonâncias pessoais

por meio dos inúmeros sentidos do elemento água, marcou os passos de nosso

primeiro caminhar, entendendo de onde provem o conhecimento que

adquirimos e quais utopias têm nos fortalecido enquanto ser humano, e em

especial nas nossas vivências como educador@s ambientais.

A respeito da percepção supracitada, Manoel de Barros declara que seu

conhecimento veio das coisas primitivas, de um desaprender que possibilitou

ampliar suas ignorãças, pois ficou “sabendo que é também das percepções

primárias que nascem arpejos e canções e gorjeios” (BARROS, 2010, p. 450).

Com este entendimento é possível compreender a tarefa complicada que se fez

em nosso segundo caminhar, que exigiu de nós um destituir dos saberes

convencionais, a fim de nos despir de dogmas e verdades instituídas , para assim

construir a nossa própria pele “criar nossas próprias modas como passaporte

social, com direito às diferenças da diversidade” (SATO, 2011, p.542). Foi, como

aborda nosso poeta, a possibilidade de desver o mundo, de inventar para se

conhecer, “eu queria que minhas palavras de joelhos no chão pudessem ouvir as

origens da terra” (BARROS, 2010, 461). Ou “romper com nossos obstáculos

epistemológicos, mesclando cenários, ‘um reaprender a aprender’”(SATO, 2011,

p.546) o elemento terra com seu poder de deformação. Neste trajeto, revelamos

nossas opções e desejos, onde a fenomenologia de Gaston Bachelard deu as

mãos à poética manoelina, iluminando possibilidades e violentando alguns

saberes já enraizados.

Após compreendermos as redes complexas e complementares existentes

em nossa percepção particular, começamos então o terceiro caminhar, a

possibilidade de redesenhar a nossa casa. O nosso poeta a levantou com

palavras, projetou o seu olhar pela janela e vislumbrou o universo, oferecendo-

nos a possibilidade de construir devaneios junto à Educação Ambiental, na

construção de um fogo praxiológico que trava uma luta coletiva na busca por

um mundo mais humano. Isto é, “ter o direito de enfeitar coisas íntimas, como o

olho da nossa janela, mas respeitar o espaço coletivo, reconhecendo a árvore

como oikos de todos, anunciando uma nova estética ecológica” (SATO, 2011,

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p.542), “fazer parte das árvores como os pássaros fazem” (BARROS, 2010, p.

465).

Manoel de Barros mostrou que na construção de seu fogo

epistemológico e/ou praxiológico soube se maravilhar com as experiências e com

os saberes adquiridos, tanto no contexto da vida pacata de um menino criado

no interior, como no espaço da vivência acadêmica. Suas percepções causam em

nós um tufão de aprendizagens, mostrando-nos que atos particulares também

podem construir possibilidades gigantescas. Nestas andarilhagens entre as vias

do devaneio e da realidade o poeta esteve na companhia de seres humanos

ilustres, como: Rimbaud, Baudelaire, Bola Sete, Padre Vieira, Bernardo, entre

tantos outros.

Sou um sujeito cheio de recantos.

Os desvãos me constam.

Tem hora leio avencas.

Tem hora, Proust.

Ouço aves e beethovens.

Gosto de BolaSete e Charles Chaplin.

O dia vai morrer aberto em mim.

(BARROS, 2002, p.60)

Observamos que Manoel de Barros, ao brincar com as palavras,

aconchega outros sentidos possíveis aos códigos linguísticos, o autor pinta as

palavras com o fogo de suas percepções, de suas afeições e de suas sensibilidades:

é a arte da linguagem em seu esplendor maior! Nesta perspectiva, acreditamos

que por meio da poética manoelina é possível compreendermos as palavras de

Deleuze e Guattari, quando enfatizam que:

O escritor torce a linguagem, fá-la vibrar, abraça-a, fende-a,

para arrancar o percepto das percepções, o afecto das afecções,

a sensação da opinião – visando, esperamos, esse povo que

ainda não existe (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 228)

Ou, quem sabe, um povo que já existe, mas que precisa ser reavivado

pelo fogo incandescente da poesia que, acreditamos, se encontra alheia aos

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vícios ideológicos, políticos e sociais. A compreensão da sociedade na qual

estamos inseridos nos possibilita o quarto caminhar, de sensibilidade advinda do

fogo da paixão em romper com este mundo im-posto, na tentativa de contribuir

para que este povo saia do sono profundo em que se encontra, isto é, um povo

que pode despertar do adormecimento em que se encontra e sair das redes

emaranhadas de uma sociedade cruel que manipula e ignora as subjetividades

humanas, em prol de outro mundo possível. O elemento ar, com seu poder de

reformação, “é o tempo do repouso para que um novo ciclo reinicie” (SATO,

2011).

Manoel de Barros nos apresenta em sua poética as chamas de uma

amorosidade que pode nos ajudar a acender a fogueira para a construção de um

novo mundo. Afinal, como discorre Gaston Bachelard, “em outras palavras, o

corpo humano sugere pontos de fogo que os Artistas alquímicos se esforçam por

classificar” (BACHELARD, 1999, p. 114). E enfatiza ainda citando um médico do

final do século XVIII, “Esse benigno calor que fomenta nossa vida”

(BACHELARD, 1999, p.115). É o quinto caminhar, pedindo passagem para um

mundo ecologicamente construído, pautado na tríade merleaupontyana que

clama para com o cuidado com o eu-outro-mundo, espaço onde quem sabe,

poderemos, na nossa tímida verdade, dialogar com seres humanos que também

mergulharam pelas mesmas águas e que lutaram para que suas utopias

continuassem vivas, construindo esperanças.

Ao avançarmos pelos caminhos do diálogo entre Manoel de Barros e

Gaston Bachelard, nos deixando contaminar pelas irradiações de suas palavras, o

fogo transmitido pela poética manoelina em suas despalavras foi construindo

outras trilhas de aprendizagens que nos colocou diante de nossas ignorãnças, as

quais nos levaram ao desejo da mudança de olhar e de postura mediante as

coisas do mundo. O fogo contagiante do poeta Manoel de Barros nos convida a

sair da nossa “casa-território” e a vislumbrar também a “cidade-cosmos”

(DELEUZE; GUATTARI, 1992, p.241).

Assim, acreditamos que a poesia de Manoel de Barros quando em diálogo

com a filosofia de Bachelard contribui para inflamar o fogo da Educação

Ambiental para reanimá-la, pois as esperanças devem arder em busca de espaços,

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de caminhos possíveis, revelando por meio do fogo praxiológico (projetos,

pesquisas, publicações e lutas coletivas) de que é possível aferir dignidade por

meio de iniciativas e intervenções pautadas na cidadania (SATO, 2005). Neste

contexto, a Educação Ambiental em nome da ética universal do ser humano,

busca contribuir com a superação das injustiças desumanizantes, pois acredita,

veementemente, que a luta por um futuro mais digno, a priori, prescinde da

esperança que não cruza os braços diante dos empecilhos, mas que na ação

desbrava possibilidades.

Vale enfatizar assim, que neste viés, a Educação Ambiental com a qual nos

filiamos não compreende, ou melhor, não se permite falar em subjetividade

destituída da objetividade ou vice-versa, pois acredita que entre ambas há uma

dialética que vê a história como um devir sensível. Devir que se ancora na

percepção de Deleuze e Guattari (1992, p. 229), quando considera que “um

devir sensível é o ato pelo qual algo ou alguém não pára de devir-outro

(continuando a ser o que é)”.

As palavras poéticas de Manoel de Barros são devires que nos possibilitam

compreender a tríade tão sonhada pela Educação Ambiental – eu–outro–mundo

(MERLEAU-PONTY, 1999), que se dilui nas esperanças da Educação Ambiental,

acrescentando forças à luta por sustentabilidade, na qual “o amor não é senão

um fogo a transmitir. O fogo não é senão um amor a surpreender”

(BACHELARD, 1999). Vale enfatizar que, “as mentes cartesianas resistem em

aceitar propostas poéticas como parte da pesquisa, mas a poesia amacia a dura

racionalidade e aumenta os níveis de compreensão” (SATO, 2011, p.549).

Manoel de Barros apresenta-nos sua poesia, reescrevendo o mundo e se

inscrevendo nele, por meio de linguagens que recuperam a relação original do

ser humano com a natureza. No contexto de uma poesia em comunhão com a

natureza, de conteúdo pantaneiro e de compromisso estético e ético com as

questões humanas e ambientais, é que optamos por uma investigação amparada

por sua produção poética, pois a poesia desse pantaneiro, na medida em que

deixa de lado um modelo pautado no desenvolvimento e volta o seu olhar para

a natureza, apresenta-nos uma postura ética, onde a sensibilidade parece cumprir

o importante o papel de aprimorar a formação do ser humano, para o seu

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despertar quanto à complexidade e desafios de superar as questões

socioambientais que aniquilam o ser humano-mundo.

Os girassóis de Van Gogh

Hoje eu vi

Soldados cantando por estradas de sangue

Frescura de manhãs em olhos de crianças

Mulheres mastigando as esperanças mortas

Hoje eu vi homens ao crepúsculo

Recebendo o amor no peito

Hoje eu vi homem recebendo a guerra

Recebendo o pranto como balas no peito

E como a dor me abaixasse a cabeça

Eu vi os girassois de Van Gogh

(BARROS, 2002, p.60)

A abertura ao aprender em contato com o fascínio das imagens projetadas

pela poesia manoelina age como uma espécie de viagem em estado de transe,

de ascese, que nos ajuda a penetrar em lugares insuspeitados, que apresentam a

dimensão da grandiosidade humana nas asas incandescentes da poesia, este

aprendizado acreditamos que poderia nos possibilitar a transcendência sugerida

por Merleau Ponty (1999). No entanto, esta transcendência só se tornaria

possível se o ser humano assumisse o compromisso por uma vida íntegra, mais

ética e humana, se posicionando diante do caos social instaurado em cada época,

lutando em prol do coletivo.

Neste viés, compreendemos a necessidade de estabelecer diálogo entre os

seres humanos e o mundo, pois a partir desse o mundo torna-se pronunciável, as

vozes são vistas dentro de um panorama democrático, que por assim ser é

transformado para a sonhada humanização/coisificação de todos. Esta postura

híbrida pode permitir o entendimento de que o ser humano não está solitário no

universo, não é, portanto, “o senhor do universo”, senão um ser que comunga

com uma infinidade de outros seres e elementos que fazem girar a espiral da vida

e não vida do planeta. Assim, o dialogismo que evidenciamos em nossa

trajetória de estudo e delírios se ancora na percepção de que vivenciar o diálogo

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implica na compreensão do outro, destituída da visão antagônica, na qual o

outro, na sociedade capitalista que vivenciamos, nos é apresentado. Ou seja, visa

compreender eticamente que a minha identidade enquanto ser no mundo e em

contato com o outro se faz na amorosidade freireana.

Segundo Michèle Sato:

A racionalidade científica pode impedir de enxergar outros

modos alternativos de valorizarmos o mundo que nos cerca,

negligenciando outras vozes para superar o hiato que se

estabelece nos processos das tomadas de decisão e de

comunicação com a população.21 (SATO, 2001a, p.148).

Neste sentido, a poesia de Manoel de Barros trata de uma natureza onde

os “restos” do chão, abandonados pelo mundo consumista se iluminam de

significados.

O fogo aparece na literatura como elemento de purificação para o

renascer de uma nova vida. Portanto, avesso às normas e convenções, Manoel

de Barros sabe que é preciso transgredir muitos dos valores cultuados pela

modernidade, para, desta forma, compreender e exprimir a essência da poética

ambiental. Assim, a partir de uma linguagem desafiadora, ele descreve com

maestria, seu conhecimento sobre a inocência contida na natureza e propõe

iluminarmos o mundo com o incêndio dos girassóis de Van Gogh. O fogo-flor,

assim, se apresenta retratando o fogo amoroso, o sentido sensível do incêndio,

que toma conta da alma, talvez, trazendo a luz, capaz de iluminar o ser humano

para que ele perceba que há outras existências presentes no mundo.

Manoel de Barros (2010), ao poetizar que existe incêndio nas pétalas dos

girassóis nos leva a uma reflexão sobre a suave metáfora do fogo, ao mesmo

tempo em que a imagem nos remete ao poder criador da imaginação, dos

sentidos. Assim, provoca uma necessidade de apontar novos rumos ao olhar

acostumado, ao nosso olhar sobre as coisas, bem como outros sentidos, fazendo-

21 SATO, Michèle; MONTEIRO, Silas; ZAKRZEVSKI, Cláudio & ZAKRZEVSKI, Sônia. “Ciências,

filosofia e educação ambiental – links e deleites”. In OLAM - Ciência e Tecnologia. Rio Claro:

ano I, v.1, n.1, p. 133-159, 2001.

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nos acreditar que “os raios solares que ardem como fogo nas águas pantaneiras

pode transmudar a força da indignação em poder que pode nos mover à

concretização dos nossos desejos” (SATO, 2005, p.43). Estes são os reflexos

incitados por Manoel de Barros no espelho das águas pantaneiras, os quais nos

incitam para uma mudança de postura diante das coisas do mundo, onde o

querer fazer impulsiona a ação criadora.

Somos sabedoras que esta mudança implica em uma luta que se faz

ancorada na esperança, não apenas por meio da batalha-ação que demonstra

que não aceitamos entregar a “espada”, não queremos coadunar com a crise

existencial que estamos vivenciando neste século, pois acreditamos que a trans-

formação do ser humano que se dilui na transformação do mundo é uma

qualidade possível e necessária para a humanização, é nesta esperança que nos

projetamos enquanto utopia, enquanto esperança, confiando que esta não é

uma luta perdida, muito pelo contrário ela nos impulsiona a acreditar que outro

mundo é possível.

A utopia da Educação Ambiental se enlaça ao sonho de que é possível

incluir a todos com suas particularidades, a partir do vislumbrar de que vivemos

em sociedades e que estas precisam ser sustentáveis. Percepção que pode ser vista

no enredo do poeta quando este discorre a mágica do Pantanal por meio do

prosa poética “Agroval” (BARROS, 2010, p.202), uma poética que pode ser vista

como o exercício da transformação, que incita ressignificação do mundo,

podendo representar a luta da Educação Ambiental, que mesmo sufocada, por

baixo das pedras do poder neoliberal, tem a utopia de envolver as vidas e não

vidas do mundo, no processo dinâmico e acolhedor da liberdade e da

emancipação. Este perceber, porém, acontece se fizermos jus às nossas condições

éticas e política de lutar pelo coletivo, pelo devir.

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OS ELEMENTOS

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4.1. AR – TOCANDO OS ELEMENTOS

Considerando a arte poética como algo que não tem a pretensão de

explicar o mundo por meio de conceitos, mas de falar de experiências no

mundo, propomos uma Educação Ambiental articulada por meio de diálogos,

onde a ciência e a poética somam espaços. Pois, “em poesia que é voz de poeta,

que é a voz de fazer nascimentos – o verbo tem que pegar delírio” (BARROS,

2010, p. 301).

Gaston Bachelard (1999, p.132), sugere uma possibilidade de classificação

dos temperamentos poéticos. Nesse sentido, nosso temperamento poderia ser

revelado de acordo com nossos devaneios sob um signo predominante: “as

almas que sonham sob o signo do fogo, sob o signo da água, sob o signo do ar e

sob o signo da terra revelam-se muito diferentes entre si” (Ibidem).

No entanto, ressalva ele que isso não existe materialmente em nós, ou de

forma predominante. O que Bachelard acredita existir são orientações,

tendências a um ou outro elemento, e o que orienta as tendências são as

imagens. Nossa imaginação é polarizada pelos elementos.

Diz-me qual é teu fantasma: o gnomo, a salamandra, a ondina

ou a sílfide? Por acaso já não se observou que todos esses

seres quiméricos são formados e nutridos de uma matéria ú

nica? O gnomo terrestre e condensado vive na fenda do

rochedo, guardião do mineral e do ouro, repleto substâncias

mais compactas; a salamandra de fogo devora-se em sua

própria chama; a ondina das águas desliza-se sem ruído sobre o

lago e alimenta-se de seu reflexo; a sílfide, a quem a menor

substância pesa, a quem a menor quantidade de álcool

amedronta, que se zangaria talvez com um fumante que “suja

seu elemento” (Hoffmann), eleva-se sem dificuldade no céu

azul, satisfeita com sua anorexia. (BACHELARD, 1999, p.

133)

Nesse sentido, arriscaríamos dizer que durante nossa pesquisa nos

encontramos assombrados pelos fantasmas bachelardianos. A química das

inspirações poéticas dos quatro elementos de Bachelard atuava em nós a cada

reflexão, a cada abordagem sobre nosso papel enquanto pesquisadora e

militante em Educação Ambiental.

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Para nossa pesquisa, sofremos dos descaminhos de águas borbulhantes

entrando pelas frinchas, dos deslizes pela gosma espalhadas entre pedras;

fincamos os pés descalços na terra, tocando-a e deixando-a escapar por entre os

dedos, sentindo sua força suave, ora seca e ora úmida; ardemos nas chamas de

girassóis, lembrando-se de uma fênix vigilante, amorosa, mas que compartilha

lutas e sentimentos; e, voamos por entre as nuvens, trocando palavras ao vento

no espaço aberto, em busca da poética transformadora, da poética inquietante.

Nossa investigação buscou o direito de sonhar (BACHELARD, 1985), mas

sabendo não poder perder de vista a ciência. Neste sentido, trilhou por entre os

caminhos da pesquisa qualitativa e pela Fenomenologia bachelardiana,

objetivando a construção de um estudo coletivo que possa contribuir para a

compreensão das questões ambientais vistas sobre outro prisma. Assim,

esperamos colaborar para incitar no ser humano os princípios ético-políticos,

principalmente no que se refere ao seu cuidado e ao seu pensar, para uma nova

possibilidade de compreender inserido no complexo, mas instigante e promissor

universo do “eu-outr@-mundo” (SATO; PASSOS, 2003).

O sonho de contribuir, de alguma forma, com a transformação

necessária para o fortalecimento de nossas lutas em prol de um mundo melhor

foi constante, e recebeu a companhia de muit@s outr@s sonhadores que, de

malas vazias caminharam comigo, ora em terras firmes, ora em terras sinuosas;

mergulharam em águas borbulhantes para em seguida sentirem os rostos

queimando no fogo de uma chama de luta ardente; se jogaram em abismos em

busca de brisas aqui e ali, na esperança de que o vento levasse a utopia da

Educação Ambiental para outros espaços.

O ar, com seu poder de tocar todos os elementos, teve na pesquisa a

particularidade de nos movimentar e nos conduzir a todos os caminhos possíveis.

Por meio dele, pude voar, sem asas, em busca do meu olhar de pássaro, a fim de

me encontrar e ao mesmo tempo me perder, para a militância dos diversos

projetos do GPEA. Esse mergulhar na imensidão de possibilidades que a

sensibilidade poética me proporcionou, fortaleceu, a cada participação em

projetos, a minha compreensão sobre a impossibilidade da dissociação das

questões ambientais das sociais, e dois projetos foram importantes nessa

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compreensão, pois significativos para a visibilidade e audiência a diversas

comunidades, cujas identidades na maioria das vezes estão à mercê do descaso

histórico e da economia hegemônica, em ambientes diversos ditos como

“espaços vazios”, (SILVA e SATO, 2011), onde: “coexiste um rico mosaico

cultural de identidades interatuantes, que muitas vezes estão invisibilizadas ou

ainda são pouco conhecidas. Com isso muitos grupos sociais não estão sendo

contemplados na elaboração de políticas públicas” (IBIDEM, 2011, p.7).

A marca característica da trajetória da militância no GPEA é, portanto:

A aliança entre o prazer acadêmico e a paixão da militância.

Conjugando política com ciência, em espiral de um campo

magnético, é capaz de subir na árvore em protesto contra o

desmatamento, na mesma medida que publica artigos

qualificados nos padrões internacionais, da rígida avaliação que

ora irradia de um buraco negro que suga as energias e sinergias

das boas noites de sono. Conjugando sabedoria com táticas de

luta, o controle social é um exercício cidadão na pedagogia

participativa do GPEA (SATO; SENRA, 2009).

Durante os vários voos, pude aterrissar e fincar os pés descalços na terra e

sentir sua força suave, e foi em consonância com esse elemento bachelardiano,

que se divide entre os devaneios da vontade e do repouso, que me vi inserida

no aprendizado proporcionado pelo projeto “Territorialidade e Temporalidade

da Comunidade Quilombola de Mata Cavalo”, pesquisa iniciada em 2006, que

teve fomento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso

(FAPEMAT) na comunidade quilombola de Mata Cavalo, local de diversos

conflitos culturais, étnicos, políticos e socioambientais, onde grande parte dos

danos ecológicos existentes na área da antiga terra de sesmaria foi causada pelos

fazendeiros da localidade (JABER; SATO, 2010).

O complexo Mata Cavalo é comunidade negra rural formada

por seis comunidades próximas, quase todas de quilombos. Há

nesta comunidade descendentes escravos que almejam

permanecer na terra da antiga sesmaria – Mata Cavalo.

Dividida em seis nucleamentos - Estiva, Mata Cavalo de Baixo,

Mata Cavalo de Cima, Mutuca, Capim Verde e Aguaçu, as

associações matriculadas em cartório representativas dos

mesmos são: Associação Sesmaria Boa Vida - Mata Cavalo,

Associação de Pequenos Produtores de Mata Cavalo de Cima,

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Associação de Pequenos Produtores de Mata Cavalo de Baixo,

Associação de Pequenos Produtores Ponte da Estiva, Associação

de Pequenos Produtores da Capim Verde, Associação de

Pequenos Produtores Aguaçú de Cima e Associação de

Pequenos Produtores Mutuca (SIMIONE, 2008, p.70).

O quilombo é palco de inúmeros conflitos pela apropriação do território

e sua história é marcada por disputas e despejos (JABER; SATO, 2010), e ainda

de acordo com Manfrinate (2011, p.16) “Mata Cavalo, é uma comunidade

descendentes de escravos que lutam para o reconhecimento e posse definitiva da

terra, enfrentando muita violência para isso”. Uma comunidade onde a liderança

feminina tem papel preponderante, “No início da década de 90 a comunidade

estava desmobilizada e em poucos anos eles se agruparam, reconhecendo-se

como comunidade e passaram a enfrentar os fazendeiros da região, ficando as

mulheres como barreira para o confronto propriamente dito” (Ibidem, p.20).

Na esperança de contribuir com o combate do racismo e das injustiças

ambientais, o GPEA acumula a experiência de vários trabalhos a partir desse

projeto, no sentido de buscar uma justiça inclusiva, de compreensão de fatores

de risco e de busca de táticas que possam desafiar o poder hegemônico da

exclusão social, e seu compromisso político “não nega seu papel acadêmico

enquanto produtor de conhecimentos, porém expande seus horizontes,

abraçando a docência e a comunidade no bojo de suas proposições” (SATO,

2011b).

O modelo econômico capitalista é propulsor de desigualdades e conflitos

e seus efeitos sociais, ambientais e econômicos têm sido devastadores para o ser

humano e a natureza, evidências estampadas nas altas taxas de perda de

biodiversidade, desmatamentos, queimadas e poluição, assim como, nas

desigualdades sociais, na miserabilidade e nos altos índices de conflitos (JABER e

SATO, 2010, p.2).

Do alto das nuvens, foi possível sentir o calor da chama que ardia durante

as lutas compartilhadas por outro importante projeto do GPEA. A partir da

constatação da frágil proposição social do Zoneamento Socioeconômico

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Ecológico de Mato Grosso (ZSEE)22

, em outubro de 2008 o lançou a proposta de

um mapeamento das identidades e territórios de Mato Grosso, nascendo daí o

projeto “Mapeamento Social do Estado de Mato Grosso”, cujas agências de

fomento para o projeto foram o Conselho Nacional de Desenvolvimento

Científico e Tecnológico (CNPq) e a FAPEMAT. O projeto teve como objetivos a

revelação das múltiplas identidades e seus modos de vida e a elaboração de um

mapa dos conflitos ambientais existentes nos territórios mato-grossenses. A

partir do processo do ZSEE, alguns belos trabalhos resultaram no grupo, entre

eles:

Uma dissertação de mestrado que aborda o processo de

construção do Grupo de Trabalho de Mobilização Social e de

toda política de participação da sociedade civil23

; uma tese de

doutorado que traçou o mapa social, identificando os

habitantes e seus hábitos nos habitats mato-grossenses24

; e uma

outra tese em curso sobre o mapeamento dos conflitos

socioambientais, identificando os principais dilemas e

fragilidades25

. As duas teses hoje são reconhecidas como

instrumentos das políticas públicas, inclusive pela procuradoria

do estado, além de fazer um importante aporte ao fórum dos

direitos humanos e da Terra de Mato Grosso, e ambas autoras

fazem parte da comissão de relatoria do ano 2011 (SATO,

2011b).

A complexidade dos problemas que afetam o mundo atual aponta, cada

vez mais, para a necessidade de uma compreensão de ambiente que busque a

”incorporação efetiva da dimensão social junto à ecológica no que se refere ao

tratamento da questão ambiental, atendendo à diversidade das dinâmicas

naturais, sociais e culturais em termos regionais” (SANTOS et al, 2009, p.4).

E, considerando nossa própria singularidade, compartilhamos nosso

mundo com sujeitos também singulares, membros de comunidades ímpares cujas

22 Instrumento político do projeto de Lei nº 273/2008 que institui a Política de Planejamento e

Ordenamento Territorial do Estado de Mato Grosso.

23 Denize Amorim: mestre UFMT (educação), sobre o processo de mobilização, significado da

militância e participação nas políticas públicas de MT.

24 Regina Silva: doutora UFSCar (Ecologia), um vasto mapeamento das identidades de povos e

grupos sociais vulneráveis, sendo hoje um instrumento de política pública reconhecida pela

procuradoria pública - detalhamento em: http://migre.me/61HIA

25 Michelle Jaber: doutoranda UFSCar (Ecologia), num complexo mapeamento dos conflitos

socioambientais, que hoje coaduna com o fórum dos direitos humanos e da Terra de MT e que

integra a comissão de relatoria do ano 2011 - detalhamento em: http://migre.me/61HKx

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identidades se fundam nos seus diversos aspectos sociais e culturais. As diferentes

formas de ser e estar no mundo se estabelece como marcas pós-modernas de

identidade, definidas historicamente (HALL, 2003), e se encontram numa visão

de sociedade onde a homogeneização não tem mais lugar, onde sociedades se

querem sustentáveis e vão em direção contrária ao desenvolvimento sustentável

que se prende nas amarras das verdades únicas e excludentes. Uma sociedade

sustentável “[...] evidencia seres mais comprometidos e solidários, com novos

valores políticos e culturais, com uma nova forma de olhar o mundo e a vida, e

com uma forma especial, amorosa e fenomenológica de relacionamento com o

outro e com a natureza” (SILVA, 2006, p.53).

A Educação Ambiental deve vir de mãos dadas nesta ciranda,

aliada à valorização da cultura, na ousadia da reconstrução de

sociedades sustentáveis, que resignifique valores com justiça

ambiental, pertencimento e democracia. Há pontos e linhas

frouxas, mas há, também, um território de lutas que transcende

este tempo tirano, resgatando as tessituras dos sonhos coletivos

da Educação Ambiental (Ibidem, p. 110).

Nesse sentido, no contexto da Educação Ambiental, Manoel de Barros nos

transporta por entre a imaginação, incitando-nos a perceber a forma concreta no

invisível, a nos perder nas intersecções em busca da realização das correlações

existentes na complexidade do mundo, para que nos percamos antes de nos

acharmos, e percebamos que os outros coexistem em nós, mesmo nas vias

impalpáveis. Ou ainda, em certos caminhos, ao procurarmos os sentidos das

coisas por meio do aprendizado convencional, percebemos que acabamos por

tirar suas potencialidades de ser mais.

O Vento

Queria transformar o vento.

Dar ao vento uma forma concreta e apta a foto.

Eu precisava pelo menos de enxergar uma parte física

do vento: uma costela, o olho...

Mas a forma do vento me fugia que nem as formas

de uma voz.

Quando se disse que o vento empurrava a canoa do

índio para o barranco

Imaginei um vento pintado de urucum a empurrar a

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canoa do índio para o barranco.

Mas essa imagem me pareceu imprecisa ainda.

Estava quase a desistir quando me lembrei do menino

montado no cavalo do vento – que lera em

Shakespeare.

Imaginei as crinas soltas do vento a disparar pelos

prados com o menino..

Fotografei aquele vento de crinas soltas.

(BARROS, 2010, 384).

Dividir a estrada com Manoel de Barros e Gaston Bachelard foi aprender

romper com pensamento moderno tradicional de que ciência e poesia devem ser

segregadas quando se trata do científico. O ser humano é ao mesmo tempo um

ser de racionalidade e subjetividade. Há uma imensidão de possibilidades de

percurso da palavra quando dirigimos o olhar para o mundo dos dois autores,

que um por meio de palavras e outro pela filosofia das imagens, possibilita-nos

ultrapassar as barreiras da Educação Ambiental pontual26

para pensá-la mais

complexamente. Trilhando no campo da poética, numa investigação de interface

da poesia de Manoel de Barros com os elementos da natureza de Bachelard,

buscamos contribuir com a possibilidade de legitimar algumas vozes e

compreendê-las pelo viés das múltiplas linguagens possíveis. Assim, quem sabe,

poderemos propor trilhar caminhos de uma Educação Ambiental de diálogos

férteis com a ciência, buscando encontrar as vias que nos levam a ressonâncias

para a utopia de uma “Ecologia da Resistência, que rompe arestas e parte para o

embate em busca de uma Educação Ambiental utópica” (SATO, 2011b), mas

realizável.

26 Uma Educação Ambiental considerada pontual se estabelece mais como sinônimo de natureza,

e suas ações são mais dirigidas, como por exemplo comemorar o dia das árvores plantando

uma espécie. Já, uma Educação Ambiental vista pela perspectiva complexa, é concebida de

forma crítica, reflexiva, política, cujos elementos naturais se encontram presentes, mas em

conjunção com as relações culturais.

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4.2 – TEMPO DE REPOUSAR O DEVANEIO

Ao mergulhar numa pesquisa fenomenológica pelos caminhos da

Cartografia do Imaginário de Michèle Sato, a linguagem sensível proporcionada

pelo entrelaçamento do estudo bibliográfico da poética de Manoel de Barros

com a fenomenologia da imaginação de Gaston Bachelard me faz correr o risco

de me perder nos redemoinhos d’água e não conseguir voltar à terra; de me

lançar às chamas me transformando em pó, que a um simples sopro se perde ao

vento. Dessa forma, sem deixar de reconhecer a ordem na desordem, procuro

trazer a seguir algumas considerações em busca de uma ordem de pensamento e

de linguagem mais lógica para o leitor. Este foi um grande desafio durante a

pesquisa, e então, para trazer ao meu trabalho o científico, o acadêmico,

inicialmente busquei um formato de roteiro que pudesse me orientar para uma

estrutura de pensamento mais lógica, de orientação cartesiana,

reconhecidamente mais aceita no que tange a um trabalho acadêmico, ou um

quadro.

Metaforizando o meu submergir das águas para correr em terras firmes,

mas não deixando de me lembrar do fogo que aquece o frio e o direito de

brincar de olhar nuvens ao vento, um quadro comparativo foi o modelo

organizador de ideias escolhido. Durante a estruturação do mesmo, fui

organizando o pensamento dos dois autores, paralelamente, e após essa etapa

procurei os pontos de intersecção entre o poeta e o filósofo. Organizando os

pontos de encontro entre os dois autores, busquei o que chamei no quadro de

ponto de chegada, me referindo ao entrelaçamento do pensamento dos dois

autores com a Educação Ambiental.

Mas um quadro explicativo no formato geométrico romperia com a

estrutura fenomenológica da pesquisa, e gostaríamos de ser compreendidas pelo

caracol manoelino que tentamos desenhar por entre as palavras, caracol este que

teve como fio condutor os quatro elementos da natureza, tomando as cores e os

devaneios bachelardianos como sustentáculo móvel de uma cartografia do

imaginário. No entanto, sabedoras de que o pensamento cartesiano ainda

impera nas academias, mesmo não optando pelo formato geométrico,

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reconhecemos ser necessário, para situar um leitor “menos atento” às

contribuições ímpares da fenomenologia bachelardiana, uma sistematização das

ideias por meio de um texto mais lógico.

Nessa estruturação foi também objetivo buscar de forma mais ordenada

as respostas aos questionamentos da pesquisa, com vistas à confirmação de nossa

hipótese de que a aliança entre a ciência e a poética pode contribuir para a

formação do ser humano e para uma Educação Ambiental transformadora, em

busca da superação dos problemas sociais e ambientais existentes. Para tanto, as

questões a seguir serviram como nosso roteiro de pesquisa:

É possível uma investigação que vincule a racionalidade à subjetividade?

No contexto do movimento ecologista, teria a poética manoelina aliada à

filosofia do imaginário de Bachelard subsídios capazes de sensibilizar a

árdua luta por um mundo mais justo?

Quais são as contribuições que estes dois autores podem oferecer à

Educação Ambiental que aspira por sociedades sustentáveis?

Seria então, o diálogo entre a literatura e a filosofia importante neste

contexto da Educação Ambiental, compreendendo que para além do

local da casa (territórios), é preciso cuidarmos dos moradores que nela

habitam com suas identidades e subjetividades, (OLIVEIRA, 2009, p.6)?

A partir da concepção de “não biografável” de Manoel de Barros e a

proposta em uni-lo à Gaston Bachelard, é possível uma interseção

biográfica dos dois autores?

Portanto, orientando-me pela Cartografia do Imaginário, proponho

novamente revisitar os capítulos desta vez em busca dos vestígios da formação

(água), deformação (terra), transformação (fogo) e da reformação (água) na

construção investigativa (Bachelard, 1988). “O método, se existe, não pode

portanto ser de nenhum, modo racionalização mas apenas modo de detecção,

de distinção, de exame” (BACHELARD, apud QUILLET, p.94). Para tanto, apenas

alguns pontos foram tomados para referendar a proposta.

No capítulo Água (formação), seguindo as orientações de percurso da

Cartografia do Imaginário, foram as orientações de mundo e epistemológica as

linhas condutoras da pesquisa.

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Ao adentrarmos a imaginação poética de Gaston Bachelard foi possível

perceber que para o filósofo a casa é nosso ponto de referência no mundo,

como signo de habitação e proteção da alma humana. Em A Poética do Espaço,

afirma Bachelard: “a casa é nosso canto no mundo. [...] a casa abriga o

devaneio, a casa protege o sonhador, a casa nos permite sonhar em paz” (2005,

p. 24-25). O filosofo aporta no mundo dos devaneios, deixando perceber que o

mundo, tal qual está imposto, tira-nos a perspectiva de sonhos e utopias, ao

contrário da poesia que nos excita para uma perspectiva e não permite o mundo

estático, em monólogo, mas em um eterno movimento e diálogo. Para ele “as

fronteiras opressoras são fronteiras ilusórias” (BACHELARD, 1971, p.26).

Para Manoel de Barros o mundo se apresenta como o Pantanal de Mato

Grosso, sua casa, um mundo em processo dinâmico de imagens, nos permitindo

viver em outros universos, na mesma medida em que incita o universo a habitar

a casa. Para além de sua interpretação, ao compreendermos o território nas vias

do ser humano, é possível também de nos compreender nessa mágica rede de

relações.

No Pantanal ninguém pode passar régua [...] A régua é

existidura de limite. E o Pantanal não tem limites. [...]. Por aqui

é tudo plaino e bem arejado pra céu. Não há lombo de morro

pro sol se esconder detrás. Ocaso encosta no chão. Disparate de

grande este cortado. Nem quase não tem lado por onde a gente

chegar de frente nele. Mole campanha sem gumes. Lugares

despertencidos. (BARROS, 1985, p. 31).

À orientação científica, Bachelard é contrário àquela nos moldes

cartesianos, de retidão e verdade única e defende uma ciência em eterna

retificação, uma anticiência; segundo ele "o conhecimento científico é sempre a

reforma de uma ilusão"(BACHELARD, 1971, p.18).

Da mesma forma, para Manoel de Barros:

“A expressão reta não sonha. Não use o traço acostumado. A

força de um artista vem das suas derrotas. Só a alma

atormentada pode trazer para a voz um formato de pássaro.

Arte não tem pensa: O olho vê, a lembrança revê, e a

imaginação transvê. É preciso transver o mundo. (BARROS,

2004, p.15).

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E ainda, “Para ter mais certezas tenho que me saber de

imperfeições”(BARROS, 2004, p. 15).

Dessa forma, tanto o poeta quanto o filósofo, tomam o espaço vivido

como metáfora de mundo, preenchendo com palavras tudo o que tocam e

sentem, nos apresentando as coisas do mundo na intersecção das vivências e os

delírios humanos. Em suas obras, os dois autores privilegiam a relação e a

descontinuidade, em detrimento da dicotomia sujeito/objeto e do progresso

linear, respectivamente, referenciais cartesianos da ciência clássica.

Ao trabalharmos uma Educação Ambiental por meio da sensibilidade

poética, pretendemos “tocar” as pessoas para o cuidado com lugar onde

vivemos, com o mundo, pois tanto Manoel de Barros, quanto Bachelard tomam

o espaço vivido como metáfora de mundo, como espaço de ser feliz

(BACHELARD, 2005, p.19). A relação com nossa casa reflete a nossa relação com

o mundo e nesse sentido. A Educação Ambiental prima pelo bem estar individual

e coletivo buscando se orientar pelo conhecimento que se faz nas interações

estabelecidas com o contexto socioambiental em suas multidimensões que inclui

a estética, a ética e os afetos.

Por outro lado, a Educação Ambiental não nega o caos, ao contrário,

reconhece-o como forma de conhecimento, buscando processos educativos que

aceitem as diferenças, considerando subjetividades e as diversidades culturais, a

fim de produzir e compreender novos conhecimentos, em prol de um mundo

mais justo.

No capítulo Terra (deformação), quando a Cartografia do Imaginário

orienta-nos com vista a “vencer os obstáculos epistemológicos, mesclando

cenários, um ‘reaprender a aprender’, ainda que o processo seja dolorido;”

(SATO, 2011, p.546), para a sistematização aqui proposta, natureza e sociedade

foram revisitadas no trajeto da pesquisa.

Em Bachelard, podemos ver a importância da linguagem poética para um

favorecimento na criação de uma nova forma de ver o mundo, pois “Quando

um sonhador reconstrói o mundo a partir de um objeto que ele encanta com

seus cuidados, convencemo-nos de que tudo é germe na vida de um poeta”

(BACHELARD, 2005 p.82). Dessa forma, a linguagem poética é um trabalho

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primoroso de “reanimar uma linguagem criando novas imagens” (BACHELARD,

1991, p. 05).

Manoel de Barros, de forma sutil, mas profunda, propõe que olhemos

para outras sociedades presentes no cosmo, que estão aquém do nosso olhar de

seres humanos inseridos em uma sociedade capitalista; onde a busca insana pelo

acúmulo de bens materiais, tolhe-nos a possibilidade de ser mais. A esse respeito

propõe que olhemos para “[...] os indícios de ínfimas sociedades. Os liames

primordiais entre paredes e lesmas. Também os germes das primeiras ideias de

uma convivência entre lagartos e pedras” (BARROS, 2003, p. 22), assim, o poeta

nos reporta à necessidade de voltarmos o olhar sobre as pequenas coisas que

também compartilha do cosmo, a fim de aguçarmos o lado sensível que coexiste

em nós, seres humanos.

A natureza/sociedade pelo olhar e sentir desses dois autores ressignificam

nosso estar no mundo. Ambos aportam no mundo dos devaneios, deixando-nos

a percepção de que o mundo, tal qual está imposto, tira-nos a perspectiva de

sonhos e utopias, ao contrário da poesia que nos excita para uma perspectiva e

não permite o mundo estático, em monólogo, mas em um eterno movimento e

diálogo.

A Educação Ambiental por meio do diálogo entre a poética e a filosofia,

quando revisitada pelos contornos da Cartografia do Imaginário, se faz

objetivando a ressignificação das percepções perante o meio e a sociedade. Neste

sentido, percorrer a obra literária de Manoel de Barros em diálogo com a

filosofia bachelardiana dos quatro elementos, é fazer-se e falar ao mundo por

meio de palavras, invocando as imagens, os sentidos e os sentimentos que

envolvem a natureza e o ser humano.

É neste sentido que falamos da preocupação da Educação Ambiental, em

sua luta por sociedades sustentáveis, percebendo no espaço socioambiental

outras realidades para além da percepção unilateral de sociedade. E é nesta via

que destacamos a importância de pensarmos o diálogo entre a poética e a

filosofia do imaginário como possibilidade de viver as experiências humanas pela

palavra, ao mesmo tempo em que a Educação Ambiental é vislumbrada

enquanto possibilidade de um recurso sociopolítico de extrema importância para

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as políticas públicas, que objetivam a promoção da busca por sociedades

sustentáveis, no caminho da contribuição e definição de diretrizes adequadas

para o bem viver das sociedades.

No capítulo Fogo (transformação), percurso onde os devaneios da

pesquisa seguem o desejo bachelardiano da busca, do envolvimento e do

engajamento, temos na razão de mãos dadas com a imaginação as bases para

organização do material pesquisado. Dessa forma, “o inconsciente sob o

consciente, os valores subjetivos sob a evidência objetiva, o devaneio sob a

experiência” (BACHELARD, 1994, p.34).

Em Bachelard a imaginação poética propõe uma nova via de

conhecimento, corrompendo a racionalidade em favor da sensibilidade,

permitindo ao devaneio a mediação do sujeito com o mundo: a imaginação é

devolvida à sua função vital que é valorizar as trocas materiais entre o homem e

as coisas”(BACHELARD, 2003, p. 51).

A poesia de Manoel de Barros corrompe a racionalidade em favor da

sensibilidade. Dessa forma, os elementos de sua poética se desvinculam do

mundo convencional, apresentando-se como elementos de um outro mundo,

possibilitando a percepção dos diversos mundos possíveis também presentes nos

devaneios bachelardianos.

Foi aí que encontrei Einstein (ele mesmo — o Alberto Einstein).

Que me ensinou esta frase: A imaginação é mais importante do

que o saber. Fiquei alcandorado! E fiz uma brincadeira. Botei um

pouco de inocência na erudição. Deu certo. (BARROS, 2008)

Além disso, os elementos se apresentam de mãos dadas sem a ruptura

convencional, ou seja, os saberes se constroem na multiplicidade, possibilitando

a combustão para um renascer.

A Educação Ambiental cartografada pela poética de Manoel de Barros e,

em diálogo com a fenomenologia da imagem de Gaston Bachelard, se propõe

nas vias de um conhecimento que busca a superação dos problemas sociais e

ambientais, reivindicando a necessidade da formação e transformação do ser

humano, da aliança entre ciência e poesia com vistas à busca de meios de

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superação dos dilemas socioambientais. Porém, muito mais que um pensar, é um

estar junto, participando das lutas em prol de justiça ambiental.

No capítulo Ar (reformação), trazemos a poética, a linguagem surrealista

como ponto de convergência encontrado. Para Bachelard, a palavra poética é

capaz de falar o mundo na linguagem do mundo. “[...] dize-me qual é o teu

infinito e eu saberei o sentido do teu universo; é o infinito do mar ou do céu, é

o infinito da terra profunda ou da fogueira?” (BACHELARD, 2001, p. 6). Em A

Chama de uma Vela, ele nos dá um exemplo, quando se refere a “Fogueira de

seivas”, extraído de um poema da obra “La nuit parle”, de Louis Guillaume:

“Fogueira de seivas, palavras nunca ditas, semente sagrada de uma nova

linguagem que deve pensar o mundo com a poesia [...] Com três palavras ligou

o fogo e a água. Isso é um grande triunfo da linguagem. Só a linguagem poética

pode ter tamanha audácia” (BACHELARD, 1989b, p.77).

A palavra poética nos liberta do adulto que somos e nos renova à infância

onde encontramos um universo de possibilidades para o nosso estar no mundo:

“somos feitos para respirar livremente. [...] E é nisso que a poesia – ápice de toda

alegria estética – é benéfica” (BACHELARD, 1989a, p. 24-25).

Influenciado pelo surrealismo, Bachelard dedicou seu trabalho intelectual

em refutar as premissas cartesianas. Para o filósofo da imaginação poética, é a

poesia liberada, a linguagem se ramifica e “um poema é um cacho de imagens”

(BACHELARD, 1991, p.6). Segundo Pierre Quillet:

Seu mundo é um mundo do fazer-ser (grifo do autor), uma

obra em composição onde as decisões essenciais ainda

estão para serem tomadas, como realismo que não

subscreve nada de antemão, que pesa o possível para lhe

conferir seu peso de ser como um resultado, um realismo

que é um surrealismo a preço convencionado (QUILLET,

1966, p.10)

Propondo uma forma de pensar não estática, do vir a ser, e tomando a

experiência do poeta, num movimento de colocar a razão em um processo de

revolução permanente, Bachelard se refere a um Surracionalismo, corrente de

pensamento “que é também uma proposta de revolução: revolução

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indispensável para que a razão humana recupere sua função de turbulência e

agressividade’” (BACHELARD, 1985 p.IX).

Mas Bachelard não tem medo do instável na busca da criação e nos

propõe ousar, correr riscos, viver o conhecimento para além dos valores

estabelecidos, pois segundo ele "no reino do pensamento, a imprudência é um

método" (BACHELARD, 1972, p.11).

Para Manoel de Barros “temos que enlouquecer o nosso verbo, adoecê-lo

de nós, a ponto que esse verbo possa transfigurar a natureza” (BARROS, 1990,

p.341). Com estes delírios verbais, o poeta nos ajuda a despir dos conceitos fixos

e vislumbrarmos outros devaneios possíveis. Manoel de Barros estabelece uma

nova ordem, se libertando das amarras do paradigma cartesiano. É, portanto, a

desconstrução da linguagem instituída para reaprender outras formas de ver

mundo.

Manoel de Barros com sua poesia surrealista corrompe a racionalidade em

favor da sensibilidade. Dessa forma, os elementos de sua poética se rompem com

o mundo convencional, apresentando-se como elementos de um outro mundo,

possibilitando a percepção de outros mundos possíveis.

Nessa vertente, a poética de Manoel de Barros ao transpor a

ordem lógica estabelecida, traz em si marcas do Surrealismo

estético de André Breton e Oswald de Andrade, pois deturpam

as normas convencionais, recriam palavras que transgridem a

realidade objetiva e apresenta um universo em constante

processo de renovação. Isso respalda nossas percepções de que a

poesia de Barros se inscreve na perspectiva surrealista,

vislumbrando uma nova percepção de mundo, independente

de classe ou etnia (OLIVEIRA, 2010, p.61)

Tanto o pensamento do poeta quanto o do filósofo se apresentam em

oposição ao racionalismo clássico de bases cartesianas, valorizando a importância

de se libertar das amarras impostas pela razão, em favor da imaginação criadora,

condição fundamental para a ampliação do conhecimento.

Na verdade, a resistência também cresceu junto com a "má

positividade” do sistema. A partir de Leopardi, de Hölderlin, de

Poe, de Baudelaire, só se tem a consciência da contradição. A

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poesia há muito que não consegue integrar-se, feliz, nos

discursos correntes da sociedade. (BOSI, 2004, p.142).

No “ser filosófico” da Educação Ambiental, a poesia pode ser um

elemento capaz de corroborar para que o ser humano se apresente por meio da

imanência e da transcendência, de tal maneira que nos permita perceber que é

nas intersecções onde encontramos nossos sonhos individuais, nossos valores e

nossos devaneios, também se encontram nossas aspirações coletivas, na luta por

um mundo menos desigual.

Refletindo a poesia como elemento que corrobora para a imanência e

transcendência do ser humano, trago na pesquisa um momento da minha

vivência enquanto educadora, onde a prática e a teoria se uniram na produção

de conhecimento.

Considerando que para a apreensão da poesia enquanto produto abstrato

de conhecimento, partir de uma experiência concreta, oportunizando a

observação da caminhada em direção ao conhecimento, pode ser uma prática

eficaz para a compreensão daquilo que é proposto em espaços escolares e não

escolares.

Segundo Octavio Paz, “A poesia nasce do silêncio e no balbuciamento, no

não poder dizer, mas aspira irresistivelmente à recuperação da linguagem como

uma realidade total” (PAZ, 1982, p. 120). Desta forma, a fim de aliar prática e

teoria na produção de conhecimento, propus instaurar o poético na esfera do

real por meio de algumas oficinas e salas de aula27

. A experiência demonstrou

que ao proporcionar aos alunos a possibilidade de vivenciar a atividade,

sentindo as sensações e emoções da experiência lúdica na poética de Manoel de

Barros, o processo de conhecimento se deu de forma mais efetiva, levando os

envolvidos à compreensão de que o conhecimento de mundo está aliado aos

modos de pensar, agir e sentir o mundo.

Não tendo a pretensão de apresentar uma receita pronta, estática, mas

como prática pautada na abordagem da Educação Ambiental de que tudo está

em vias de transformação, que pode ser recriado nas diversas realidades do

27 Duas dessas oficinas se encontram citadas no livro Manoel de Barros: O Deminurgo das Terras

Encharcadas – Educação pela Vivência do Chão, de Cristina Campos (2010, p.301).

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cotidiano escolar e não escolar, apresento a seguir um “esboço” do que foi uma

das práticas.

Em 2004, enquanto trabalhava na Escola Livre Porto Cuiabá, percebi uma

mudança na percepção dos alunos das 6ª e 7ª séries quanto aos espaços naturais

da escola. O que antes para eles era um espaço de brincar e de conviver, de uma

hora para outra passou a ser um lugar “sujo”, que causava repulsa,

principalmente os lugares do pátio onde não eram impermeabilizados com

cimento, onde se evitava a qualquer custo o pisar na terra. O chão, lugar de

muita lembrança infantil passava a ser visto por eles como um lugar feio, repleto

de sujeira.

Dei início então a um processo de reflexão com os alunos. Primeiramente

fiz questão de “passear” com eles livremente, sem compromisso de tempo, sem

amarras de conteúdo pelo pátio da escola. Não revelei o caráter da atividade

para não ficarem presos a qualquer julgamento preestabelecido do ambiente.

Alguns resistiram incialmente em entrar no “espírito” livre da atividade, mas aos

poucos foram se integrando ao ambiente e aos outros, sem compromisso, apenas

como um passeio pelos espaços da escola. A Pedagogia Waldorf28

princípio

pedagógico da Escola Livre Porto Cuiabá, foi um fator importante na realização

da atividade, já que ela permite a liberdade e a desvinculação das amarras e

cobranças do tempo na produção do conhecimento.

Para um segundo momento da atividade, no final da “aula de campo” eu

propus uma oficina que dei o nome de “desutilidades poéticas”, o que já causou

curiosidade nos alunos, formando um burburinho de opiniões e palpites sobre

28 Introduzida por Rudolf Steiner em 1919, na Alemanha uma das principais características da

Pedagogia Waldorf é o fato de não se exigir do aluno, ou cultivar precocemente o pensar

abstrato (intelectual). Almeja-se que as aulas sejam um preparo para a vida. A Pedagogia Waldorf

transcende a mera transmissão de conhecimento e se converte em sustentação do

desenvolvimento integral do educando, cuidando que tudo o que se faça tenha como meta a

transformação de sua vontade e o cultivo de sua sensibilidade e intelecto. Desse modo, procura-

se estabelecer uma relação harmônica entre desenvolvimento e aprendizagem, fazendo confluir a

dinâmica interna da pessoa com a ação pedagógica direta, ou seja, integrando os processos de

desenvolvimento individual com a aprendizagem da experiência humana culturalmente

organizada. A Pedagogia Waldorf dá especial atenção para que no ensino se encontrem

entretecidos pontos de vista científicos e estético-artísticos com os aspectos relativos ao respeito

profundo e à admiração ante o mundo. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Pedagogia_Waldorf

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do que poderia se tratar a minha proposta. Mas não demoraram a descobrir que

se tratava de uma roda de conversas, quando na aula seguinte pedi para

afastarem as carteiras deixando o centro da sala livre. Sentei-me no chão e pedi

que formássemos um círculo e assim iniciei a nossa “conversa” perguntando a

eles o que acharam do passeio na escola no dia anterior e o que eles haviam

observado durante as “andanças”. As primeiras palavras foram as de que nada

haviam visto senão as mesmas coisas de sempre, como o parquinho, a quadra

de esporte e o prédio. Deixei-os livre para falarem e aos poucos foram surgindo

coisas como: árvores, pedregulhos, flores, crianças brincando, etc.

Perguntei a eles se era possível pensar naquele espaço de terra existente na

escola como um lugar dinâmico de vida, para além do entendimento de que a

vida ali fosse tida apenas como as pessoas e as árvores e pássaros que eles

haviam visto. Num primeiro momento disseram que tirando as pessoas, as

plantas e os pássaros, não era possível pensar no pátio de terra como lugar de

vida. Mas aos poucos as reflexões foram chegando... Havia os “calanguinhos”, os

caramujos, os insetos (vários foram mencionados), as formigas. Então, o espaço

que se apresentava a eles como estático passou a se apresentar como dinâmico,

onde a vida pulsava. Perguntei o que achavam do lugar do pátio com terra29

e

mais uma vez vi a repulsa pelo “feio e sujo” estampada em seus rostos.

Terminamos nossa conversa com a minha leitura de um poema sem

identificar o autor: “O dia todo ele vinha na pedra do rio escutar a terra com a

boca e ficava impregnado de árvores” (BARROS, 1990, p.170”) e informei que

na aula seguinte conversaríamos sobre esse assunto, que eles pensassem nisso

sobre “escutar a terra com a boca”. Que também trabalharíamos um pouco de

química e que eles pesquisassem os componentes da terra, do elemento terra.

29 O espaço físico da Escola Livre Porto atende um dos princípios básicos da Pedagogia Waldorf,

que é o de considera-lo como um corpo em relação com tudo no mundo. Dessa forma, o espaço

físico deve ter relações com a natureza, assim como com os membros da instituição e da

comunidade no entorno. Cada escola Waldorf é diferente uma da outra, pois não há uma receita

de espaço escolar, mas todas tem como forma característica Waldorf a noção de vida e

espiritualidade: corpo, alma e espírito.

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Na aula seguinte30

iniciamos com a conversa sobre a poesia e apresentei a

eles o autor, poeta Manoel de Barros. Na pedagogia Waldorf a biografia tem um

lugar especial e é extremamente valorizada como forma literária e de apreensão

do conhecimento. Assim, toda apresentação de um autor merece ser tratada da

forma mais detalhada possível. Apesar de àquela época ainda ter um

conhecimento sobre o poeta, minha admiração por ele já era grande, então não

foi difícil atender a proposta. Em seguida passamos a falar sobre a pesquisa dos

elementos terra e perguntei à turma se alguém via nos resultados da pesquisa

alguma forma de conexão com a poesia de Manoel de Barros. Nada, nenhuma

resposta! Foi um momento de troca de olhares, e observando esse gesto tive a

impressão que eles queriam dizer: “essa professora está doida?” Fomos então

para o pátio ver o “elemento terra” que eles haviam pesquisado. Propus que

tocassem, pegassem com as mãos, olhassem, cheirassem, sentissem a terra, que

buscassem nela qualquer impressão ou sentimento que pudessem ter, que a

procurassem em todos os cantos, levantassem as pedras, folhas, etc. e

observassem todos os detalhes... Ficamos por ali por uns 30 minutos,

aproximadamente, e encerramos a aula com meu pedido de “tarefa”: Assim

como Manoel de Barros se expressou em sua poesia que “ouvia a terra com a

boca”, gostaria de saber de vocês o que teriam para expressar sobre a terra que

acabaram de ver.

É claro que não obtive uma antologia poética na aula seguinte, mas muita

coisa foi produzida. Era tarefa! Mas a consideração principal a ser feita aqui foi a

minha percepção de mudança entre a terra sem vida anteriormente vista pelos

alunos, para a terra cheia de vida após essas etapas da minha proposta

pedagógica. Apesar de alguns alunos ainda resistirem à sujeira da terra, não havia

mais uma percepção generalizada nesse aspecto na sala.

A partir dessa proposta, o elemento terra foi trabalhado nas aulas de

química, enquanto que nas aulas de português trabalhávamos a poesia de

Manoel de Barros, sobre a terra e os restos deixados nela pelo ser humano. Aos

30 Na Pedagogia Waldorf existe o “professor de classe”, que é o professor principal da turma,

cuja aula em que ele trabalha acontece todos os dias e leva o nome de “aula principal”, com

duração de 1h45min.

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poucos a percepção de “sujeira da terra” foi dando lugar à percepção de “sujeira

do homem deixada na terra”.

A feira de ciências é um momento importante na escola e alguns textos e

poemas foram produzidos pela turma para o evento e visitados por outros

alunos e professores da escola, deixando a sensação de que a poética estava

realizando sua tarefa que, segundo Sato

[...]deve estar a serviço da utopia, pois no fundo, o que

queremos é mudar a vida, alterar as relações de propriedades,

diminuir as diferenças das classes, promover a inclusão social e a

lutar pela proteção ecológica através dos conceitos da

democracia (LEMINSKI, apud SATO, 2006, p.92).

4.3 REENCANTAMENTO PARA UM NOVO CICLO

Uma pesquisa em Educação Ambiental

deve ter ecos, além-mares, ares, terras e

fogos. Tem que ser intensa em seus

contrastes de formas, representações,

volumes e composições. Só assim

poderemos encontrar um plano dinâmico

sob uma nova essência do conhecimento.

[...] A Educação Ambiental deve ter o

compromisso de permitir sermos

protagonistas para alcançar a utopia -

apaixonadamente e sempre!

Michèle Sato

O pássaro, segundo Bachelard (2001), é o ar livre personificado, este é

capaz de expressar o máximo do sentido da palavra liberdade. É nesta vertente

que ele voa por entre a poesia manoelina, como se fosse o artesão do passado e

do presente, puxando fios para a construção de um futuro. Portanto, a

esperança da Educação Ambiental é que este futuro seja o menos nebuloso

possível, que apresente os princípios do cuidado com o outro e com a natureza.

Este é o mundo almejado por aqueles que lutam em defesa dos princípios da

justiça ambiental e da amorosidade, pois acreditam que “no mundo do sonho

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não se voa porque se tem asas, mas acredita-se ter asas porque se voa. As asas

são consequências. O principio do voo onírico é mais profundo. É esse principio

que a imaginação aérea dinâmica deve reencontrar (BACHELARD, 2001, p.28)”.

Manoel de Barros nos permite a possibilidade de compreensão com as

suas poesias, pois as apresenta livres das amarras do mundo convencional,

permitindo-nos alçar voos conduzidos por suas despalavras.

O poeta, por meio de suas imagens levantadas nas coisas simples e

cotidianas nos mostra como a poética está intrínseca no dia a dia, desde que

sejamos sábios para perceber que ao longo de décadas fomos permitindo que

alguns valores fossem dissociados de nossa existência, princípios que quando

parte integrante de nós nos tornam mais éticos, mais justos e, portanto, mais

humanos. Assim, faz-se necessário o nosso reencontrar, sujeito-objeto, ou seja,

um encontro conosco mesmo e com as coisas, valores e poderes que foram de

nós destituídos, para que assim possamos fortalecer nossa identidade e perceber

que o sujeito e o objeto são faces de uma mesma história. Nesta perspectiva, de

cumplicidade mútua, é que sujeito-objeto se misturam, mostrando que:

O ganho, da parte do sujeito, não é menor que da parte do

objeto, se quisermos meditar filosoficamente partindo, não da

representação, mas do devaneio aéreo. Diante do céu azul, de

um azul muito suave, descolorido, diante do céu purificado

pelo devaneio eluardiano, teremos oportunidade de apreender,

no estado nascente, na dinâmica prestigiosa do estado nascente,

o sujeito e o objeto – juntos. Diante do céu de onde estão

banidos os objetos nascerá um sujeito imaginário de onde estão

banidas as recordações. O distante e o imediato se entrelaçam.

O distante do objeto e o imediato do sujeito (BACHELARD,

2001, p. 170-171).

Esta cumplicidade em Manoel de Barros é um estado latente natural, pois

o poeta não aponta, não analisa, não denuncia; ele sente, dialoga, se entranha às

coisas, se permite sonhar e construir mundos, conduzido pelo movimento

incessante da natureza. Como exemplo, compreendemos a cosmologia contida

na árvore, citada por Bachelard (2001), o qual defende que esta dá uma

impressão de nobreza. Com esta contribuição bachelardiana e com a perspicácia

do nosso poeta, podemos levantar um mundo inteiro. Estas construções de

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mundos em Manoel de Barros é poder operante, como em “Agroval”31 “Ali, por

debaixo da arraia, se instaura uma química de brejo. Um útero vegetal, insetal,

natural. A troca de linfas, de reima, de rumem que ali se instaura, é como um

grande tumor que lateja” (BARROS, 1990, p.233). A este poder de construção

cosmológica e considerando o arquétipo da árvore, Bachelard ainda salienta

que:

É preciso nada menos que uma alma infinita [...] nenhum

pincel pode pintá-la, nenhuma cor representá-la. Nada é

tranquilo, nada está em repouso; tudo é atividade. É o mundo

inteiro, e ele só pode ser compreendido pelo espírito do

homem, pela alma do poeta, e ser simbolizado pelo fluxo

incessante da linguagem. Este não é um tema para o pintor e o

escultor, mas para o poeta (BACHELARD, 2001, p. 225).

Em Agroval, por exemplo, Manoel de Barros contempla esta cosmologia

na imagem fértil da arraia, “[...] quando as águas encurtam nos brejos, a arraia

escolhe uma terra propícia, pousa sobre ela como um disco, abre com as suas

asas uma cama, faz chão úbere por baixo, - e se enterra. Ali vai passar o período

da seca. Parece uma roda de carreta adernada (BARROS, 1990, p.232-233)”.

Possibilita-nos, portanto, pela poesia compreender a percepção de Bachelard

quando este discorre que nada é repouso, pois a arraia mesmo estando

arranchada continua com o seu ciclo de fertilização e de movimento. Este ciclo é

latente na produção manoelina e também na percepção da Educação Ambiental,

é um saber que agrega outros saberes na possibilidade de ressignificar o já

existente, de um ir além que atribui importância a coisas desimportantes, mas

que acreditamos que nos doa, como aborda o poeta, a percepção da

“inauguração de um outro universo. Que vai corromper, irromper, irrigar e

recompor a natureza”(BARROS, 1990, p.234).

É possível observar que o poeta atribui asas à arraia, não no sentido

convencional, mas ao permitir que um leitor atento perceba que intrínseca a esta

imagem aparecem inúmeras possibilidades de sentidos, de devaneios, ou seja, é

um voo permitido em uma imagem que a primeira vista encontra-se arranchada.

31Gramática Expositiva do Chão (Poesia quase toda) – Manoel de Barros.

Editora Civilização Brasileira – edição 1990.

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Esta percepção faz-nos compreender o filósofo Gaston Bachelard quando este

discorre que: “quando um sonhador reconstrói o mundo a partir de um objeto

que ele encanta com seus cuidados, convencemo-nos de que tudo é germe na

vida de um poeta” (BACHELARD, 2005, p.82).

Ao fazer o percurso da pesquisa as respostas aos nossos questionamentos

foram se apresentando e estão direta ou indiretamente inseridas nas palavras do

texto. Mas, o devaneio constante ao qual me vi atraída, tanto pela poética de

Manoel de Barros quanto pela fenomenologia do imaginário de Gaston

Bachelard, me proporcionou o trazer para o texto uma linguagem que muitas

vezes dificulta o entendimento de forma mais objetiva, deixando tudo nas

entrelinhas. Dessa forma, trago a seguir respostas aos questionamentos que

orientaram todo o meu caminhar.

Num espaço cujas exigências predominantes para a validação científica de

um trabalho se dá nos moldes da racionalidade moderna, nosso maior desafio

durante a pesquisa foi a busca da superação da segregação entre a racionalidade

e a subjetividade, pensamento arraigado no fazer científico. Ao buscarmos

respostas ao se é possível uma investigação que vincule a racionalidade à

subjetividade?, acreditamos que Gaston Bachelard nos traz subsídios suficientes

para dar conta de validar a resposta ao nosso questionamento. A filosofia de

Bachelard se faz irreverente no empenho da superação do equívoco da disjunção

entre racionalidade e subjetividade. Apesar de durante a pesquisa termos

observado uma divisão entre o Bachelard “diurno” e o “noturno”, o Bachelard

pesquisado se apresentou como um Bachelard cujo pensamento é permeado

pelos campos diferentes da ciência e da poética, mas que em seu projeto

filosófico se complementam. Para o filósofo:

Os eixos da poesia são de início inversos [com relação aos da

ciência]. Tudo o que a filosofia pode esperar é tornar a poesia e

a ciência complementares, unindo-as como dois contrários bem-

feitos (BACHELARD, 1999, p.10)

Dessa forma, na filosofia de Gaston Bachelard foi possível encontrar

subsídios epistemológicos que possam validar o vínculo entre ciência e poesia,

racionalidade e subjetividade sem que isso implique a redução de uma em

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detrimento de outra. Muito pelo contrário, para o fenomenólogo da imaginação

poética essas duas áreas do conhecimento encontram sua fonte comum na

relação de complementaridade (FELICIO, 1994, p. 1).

Para Manoel de Barros:

A ciência pode classificar e nomear os órgãos de um

sabiá

Mas não pode medir seus encantos.

A ciência não pode calcular quantos cavalos de força

Existem

Nos encantos de um sabiá.

Quem acumula muita informação perde o condão de adivinhar: divinare.

Os sabiás divinam.

(BARROS, 2004, p. 53)

Numa investigação por meio da Cartografia do Imaginário, metodologia

de bases fenomenológica surrealista, o vinculo não excludente entre ciência e

poesia se faz permeado pela poética de Manoel de Barros em comunhão com a

fenomenologia do imaginário de Gaston Bachelard, tornando possível a utopia

da Educação Ambiental para um mundo melhor e mais justo, pois “Se a poesia

desaparece do mundo, os homens se transformariam em monstros, máquinas,

robôs.” (BARROS, 1990, p.311).32

Ao nosso segundo questionamento: No contexto do movimento

ecologista, teria a poética manoelina aliada à filosofia do imaginário de

Bachelard subsídios capazes de sensibilizar a árdua luta por um mundo mais

justo?, temos que, no trajeto percorrido para a pesquisa, cujo olhar se fez pelo

prisma da Cartografia do Imaginário, a poética de Manoel de Barros entrelaçada

à filosofia do imaginário de Gaston Bachelard nos deu possibilidades de novos

olhares, para novos mundos. O poeta, com suas palavras livres das amarras do

convencionalismo, nos permitindo novos voos, e o filósofo justificando a virtude

do devaneio em prol do humano, nos possibilitou encontrar subsídios capazes de

sensibilizar a luta por um mundo mais justo, no contexto ecologista.

32 BARROS, Manoel. “Sobreviver pela palavra”. Entrevista concedida a José Otávio Guizzo.

Revista Grifo, Campo Grande – MS. In: Gramática expositiva do chão,p.308-309.

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A tarefa do poeta é impelir ligeiramente as imagens para estar

certo de que o espírito humano opera aí humanamente, para

estar certo de que são imagens humanas, imagens que

humanizam forças do cosmo. Somos então conduzidos à

cosmologia do humano. Em vez de viver um ingênuo

antropomorfismo, devolveremos o homem às forças

elementares e profundas (BACHELARD, 2001, p.41)

Na medida em que, na intersecção entre a poética de Manoel de Barros e

a filosofia de Gaston Bachelard foi possível perceber uma abordagem surrealista

em ambas as produções; e ainda, na medida em que uma abordagem de cunho

surrealista busca romper com a racionalidade em favor da sensibilidade, com as

convenções de mundo impostas a fim de apresentar elementos que favorecem

outras possibilidades de conhecimento, de mundo; acreditamos que a luta

ecologista por um mundo mais justo possa ser sensibilizada, já que a partir da

pesquisa compreendemos que numa Educação Ambiental pelas vias sensíveis da

poética e do imaginário, e ainda nas vias surrealistas da Cartografia do

Imaginário o conhecimento em busca da superação dos problemas sociais e

ambientais leva em consideração todas as vias possíveis, em aliança entre poesia

e ciência, onde a sensibilidade não pode deixar de reconhecer a razão como

essencial ao conhecimento, enquanto a razão não pode deixar de reconhecer a

sensibilidade como essencial ao humano. Uma se faz em consonância e co-

dependência com a outra, ambas aliadas à postura surrealista sensível, mas da

mesma forma subversiva, de luta em busca da renovação e da transformação de

mundo.

No bojo de nosso terceiro questionamento: Quais são as contribuições

que estes dois autores podem oferecer à Educação Ambiental que aspira por

sociedades sustentáveis?, encontra-se a Educação Ambiental que busca por

sociedades sustentáveis, reconhecendo no processo de existência o envolvimento

do ser humano e de toda a forma de vida e não-vida na constituição do planeta.

Para aquém da noção de sociedades sustentáveis temos a noção de

“desenvolvimento sustentável”, termo que é hoje amplamente utilizado no

contexto de investimentos e financiamentos, principalmente nos discursos

governamentais, também aqui levando em consideração o uso da terminologia

na semântica conotativa da melhoria de vida. Melhoria de que espécie de vida?

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E, também, melhoria de quantas vidas? Para a Educação Ambiental o conteúdo

da palavra desenvolvimento funda-se essencialmente no modelo de sociedade

capitalista, excludente, que reconhece a diversidade ecológica, biológica e

cultural apenas como componente exploratório e a serviço do enriquecimento

de poucos e empobrecimento de muitos. Um modelo incapaz de dar conta das

questões sociais e ambientais que afetam o bem estar e ameaçam as sociedades e

a vida em geral.

A noção de sociedades sustentáveis tem seus alicerces, principalmente, no

reconhecimento da diversidade, das diferenças nas várias culturas, superando o

olhar da crença do bem estar humano fundado essencialmente na noção

capitalista que leva em consideração apenas o econômico em detrimento do

cultural, do social, do humano, que consequentemente não considera a

destruição da natureza como algo que possa ameaçar a vida, principalmente as

que vivem em situações de maior fragilidade de injustiça ambiental, como as

pequenas comunidades.

Entendemos que uma Educação Ambiental nas sendas da poética

manoelina, em comunhão com a filosofia do imaginário bachelardiano e

referendada pela subversão do surrealismo da Cartografia do Imaginário, pode

contribuir na busca pela transformação humana que vislumbra a construção de

um mundo mais justo. Dessa forma, a contribuição dos dois autores na

constituição de sociedades sustentáveis se insere principalmente na medida em

que os elementos de seus devaneios rompem com o mundo convencional, não

aceitando o mundo instituído, apresentando-se como elementos de um outro

mundo, possibilitando a percepção de outros mundos possíveis.

No questionar sobre ser “então, o diálogo entre a literatura e a filosofia

importante neste contexto da Educação Ambiental, compreendendo que para

além do local da casa (territórios), é preciso cuidarmos dos moradores que nela

habitam com suas identidades e subjetividades, retomamos algumas

considerações anteriores de que ao trabalharmos uma Educação Ambiental por

meio da sensibilidade poética, pretendemos “tocar” as pessoas para o cuidado

com lugar onde vivemos, com o mundo, pois a relação com nossa casa reflete a

nossa relação com o mundo e, nesse sentido, a literatura aqui representada pela

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poética de Manoel de Barros em diálogo com a filosofia de Gaston Bachelard,

constitui um importante meio para a reflexão e compreensão do respeito e do

cuidado com o outro, com o mundo.

Urbanos ou não, é certo, estamos ligados fisiologicamente à

mãe-terra. Ao nosso quintal. Ao quintal da nossa infância – com

direito a árvores, rios e passarinhos. O poema promana desses

marulhos. (BARROS, 1990, p.319).

Por essa trilha sensível, mas que nem por isso desconsiderada forte, já que

surrealista, revolucionária, em busca da transformação e do criar novos mundos,

novas possibilidades, entendemos o diálogo entre a literatura e a filosofia como

promotor do conhecimento que leva em consideração a razão e a sensibilidade,

sem que um exclua o outro, nos trazendo a possibilidade de uma Educação

Ambiental que seja capaz de promover novos olhares para e sobre o mundo, um

olhar ético que reconhece o dever do respeito e do cuidado com o outro, pois

somos apenas parte de um todo. A Educação Ambiental prima pelo bem estar

coletivo e individual, mas este último não dentro de uma ordem de cunho

egoístico, mas solidário, que reconhece as particularidades sem excluir a

universalidade das coisas e dos sujeitos do mundo.

Como ultimo questionamento da nossa pesquisa, sem que com isso

consideremos responder a todas as dúvidas que foram surgindo no caminhar da

investigação, procuraremos abaixo responder se “A partir da concepção de “não

biografável” de Manoel de Barros e a proposta em uni-lo à Gaston Bachelard, é

possível uma intersecção biográfica dos dois autores?”

Ao buscarmos um entrelaçamento biográfico de Manoel de Barros e

Gaston Bachelard, mesmo sabendo de antemão da surrealidade que permeia a

obra dos dois autores, não foi objetivo investigar o assunto propriamente dito.

O que propusemos inicialmente nesse questionamento em particular foi

investigar a possibilidade de existência de conexão entre os dois autores, mas

estávamos naquele momento, ao elaborar a questão e defini-la como

componente da hipótese da pesquisa, considerando apenas as particularidades

da imaginação poética.

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Para além do surrealismo, foi possível encontrar vários pontos de

convergência entre os dois autores, como por exemplo a forma universalizar o

particular na representação de mundo; a ruptura com a razão moderna; a

concepção de que a palavra poética é capaz de falar o mundo na linguagem do

mundo; a palavra poética como libertadora, renovadora e criadora de mundos.

Porém, mais biograficamente falando, ou em termos temporais e de produção,

consideramos o início do Séc. XX, momento da revolução científica pela física

quântica e pela teoria da relatividade de Albert Einstein, o ponto culminante de

encontro biográfico do poeta e do filósofo. Ambos têm produções publicadas à

época, cuja essência é possível de ser compreendida como de ruptura com as

concepções da modernidade.

Entre o conhecimento comum e o conhecimento científico a

ruptura nos parece tão nítida que estes dois tipos de

conhecimento não poderiam ter a mesma filosofia. O empirismo

é a filosofia que convém ao conhecimento comum. O empirismo

encontra aí sua raiz, suas provas, seu desenvolvimento. Ao

contrário, o conhecimento científico é solidário com o

racionalismo e, quer se queira ou não, o racionalismo está ligado

à ciência, o racionalismo reclama fins científicos. Pela atividade

científica, o racionalismo conhece uma atividade dialética que

prescreve uma extensão constante dos métodos. (BACHELARD,

1996, p.120).

Manoel de Barros, em entrevista à revista Bric à Brac33

sobre sua rebeldia

em fazer uma poética livre influenciada por Rimbaud e Oswald de Andrade

disse: “Não queria comunicar nada. Não tinha nenhuma mensagem. Queria

apenas me ser nas coisas”(BARROS, apud WALDMAN, 1990, p.12). Manoel de

Barros já demonstrava sua ruptura com a racionalidade em favor da

sensibilidade.

Mas, à medida que a investigação avançava, todos os caminhos levavam-

me a um ponto surrealista de reflexão. Mas de uma reflexão que não se realizava

apenas no aspecto de um surrealismo nos moldes de um movimento artístico,

mas de um surrealismo nos moldes de postura ética, revolucionária, que se

33 Entrevista concedida à revista Bric à Brac, III, 1989, p.36. In: WALDMAN, Berta. A Poesia ao

Rés do Chão.

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apresentava cada vez mais aparente, no encontro entre os dois autores e pela

perspectiva da Cartografia do Imaginário.

Nossa investigação percorreu caminhos em busca de uma Educação

Ambiental capaz de se fazer na aliança entre a ciência e a poética, com vistas a

contribuir para a formação do ser humano em busca da superação dos

problemas sociais e ambientais existentes.

Encontramos na investigação um ponto de convergência entre a poética

de Manoel de Barros e a filosofia do imaginário de Gaston Bachelard pelas vias

da Cartografia do Imaginário, que consideramos significativo para a Educação

Ambiental. Tal convergência se faz nas vias da utopia revolucionária, refutando

todas as orientações que se fizeram originar nas premissas cartesianas, propondo

uma forma de pensar não estática, criadora, em processo de revolução

permanente, reconhecendo o caos como forma de conhecimento. Esse ponto de

convergência coaduna com as premissas da Educação Ambiental que acreditamos

ser necessária e urgente para a superação dos problemas sociais e ambientais que

enfrentamos atualmente.

4.4 MEUS DESCAMINHOS E PROPOSIÇÕES FINAIS

Em toda viagem há vários mundos que se

cruzam. Ao começar seu caminho o

viajante carrega consigo um mundo

preenchido com suas lembranças, seus

medos, seus desejos e amores. Ao longo

do caminho outro mundo se desenrola,

cheio de paisagens e de cores, que

interpelam e modificam a bagagem

inicial, fazendo surgir um cruzamento de

experiências e de sensações que

multiplicam os caminhos inaugurais.

Adauto Novaes

Nessa viagem procurei desaprender o caminho para chegar ao meu destino,

e, passando pelo vale labiríntico de Hundertwasser (apud SATO, 2011),

aproveitei a pressa pegando carona na lentidão de um caracol manoelino que,

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apaixonado por uma pedra do jardim de Eros (SATO, 2011, p.565),

comprometia a temporalidade da pesquisa, onde procurei, a todo momento,

ouvir o sotaque das origens (BARROS, 2010b, p.109) nas águas dormentes

bachelardianas e, como “Todo sonhador inflamado é um poeta em

potencial”(BACHELARD, 1989, p.11), me encontrei perdida na leveza do voo,

por ter sido transformada em bocó.

O Bocó,

Bocó é sempre alguém acrescentado de criança. Bocó é

uma exceção de árvore. Bocó é um que gosta de

conversar bobagens profundas com as águas. Bocó

é aquele que fala sempre com sotaque das suas

origens. É sempre alguém obscuro de mosca. É

alguém que constrói sua casa com pouco cisco.

É um que descobriu que as tardes fazem parte de

haver beleza nos pássaros. Bocó é aquele que

olhando para o chão enxerga um verme sendo-o.

Bocó é uma espécie de sânie com alvoradas.

(BARROS, 2006, p.49)

Com esta minha nova identidade, proveniente do apreço e da

necessidade dos saberes manoelinos, trago as proposições finais desta dissertação,

sabedora de que estas não se configuram como fechamento de pesquisa, muito

pelo contrário, de acordo com a epígrafe, trata-se é de uma multiplicação dos

meus caminhos inaugurais pela diversidade de mundos que se abriram à minha

frente. Assim, vale novamente trazer a minha subjetividade diante dos meus

mundos, que ora transita pelo universo particular ora percorre o descaminho do

universo múltiplo.

Quando vi, pela primeira vez, aos 15 anos de idade, a estética do Cerrado

mato-grossense, o sentimento de repulsa pelo diferente, pelo estranho aos nossos

olhos foi imediato, pois identificado naquele momento como “feio” não se

apresentava dentro dos padrões da estética geométrica da vegetação do sul do

país a que meus olhos estavam acostumados. Foi exatamente esta percepção

que, anos depois, me levou à pesquisa por possibilidades para trabalhar com os

alunos da escola Livre Porto o problema do belo e do feio, pois, o belo, de

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acordo com a estética tradicional, se configura por sua função de equilíbrio

dinâmico, de harmonia, negando toda a tensão que possa lhe garantir

(ADORNO, 2006, p.60). E, segundo Umberto Eco, “Diante da incoerência e

incompletude do conjunto, nos sentimos autorizados a dizer o feio”, e como

“[...] beleza e feiura são definidas em referencia a um modelo específico” (ECO,

2007, p.15), firmou-se então o trabalho com meus alunos, o que

consequentemente me levou ao encontro da poética de Manoel de Barros.

Meu julgamento estético da vegetação local ao chegar ao Mato Grosso,

coincidia com as bases na herança simétrica recebida dos europeus no sul do

país, manifestação “dos princípios racionais e estéticos de simetria que o

Renascimento instaurou” (HOLANDA, 1995, p.109). Hoje, passados quase 30

anos de orgulhosa cuiabania, estando há mais de 25 destes anos morando no

mesmo lugar, na mesma casa, percebo esse meu espaço pelos princípios da

diversidade, da parceria, da interdependência, do fluxo, do todo.

Basicamente, a diferença entre jardim e quintal está nos objetivos a que

esses espaços se propõem. O jardim é visto como um espaço de plantas

ornamentais, cuja proposta é a de apresentar a fachada da casa, um lugar para se

olhar, se admirar, quase que intocável; já, o quintal é um espaço hospitaleiro,

comunitário; quintal é espaço de memória do eu, espaço lírico, é o espaço das

desutilidades manoelinas: As coisas tinham para nós uma desutilidade poética. /

Nos fundos do quintal era muito riquíssimo o nosso dessaber (BARROS, 2004,

p.11).

Minha forma de ser e estar no mundo tem se transformado no decorrer

da reconstrução de meu próprio eu, na medida em que minha identidade tem

sido um processo de construção. Segundo Bauman “o eixo da estratégia de vida

pós-moderna não é fazer a identidade deter-se – mas evitar que se fixe.”

(BAUMAN, 1998, p.114). A visão de mundo de forma estanque deu lugar à uma

visão compartilhada, mas que respeita as particularidades de cada ser que

compõe o cosmo. Segundo Sato e Passos (2008, p.26) “Toda consciência emerge

e se apreende a si própria porque negada. O limite me conduz a um campo

perceptivo de identidade própria, que jamais teria sem ele. É pelo conhecimento

do limite que dou conta de que sou o outro do outro.”

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Meu jardim, que inicialmente se apresentava como um retilíneo e verde

gramado, pontuado geometricamente com plantas aqui e ali, de forma estanque,

fragmentada, transformou-se deliciosamente num genuíno quintal cuiabano que,

entre cajus, jambos, mangas e jacas, tem-me aconchegado durante os estudos e

leituras, e, onde à sombra cheia de cores, aromas e texturas, que só um quintal

pode proporcionar, realizei muitas das reflexões necessárias a esta pesquisa.

Manoel de Barros é, para nós, um pesquisador de sonhos, que traz com

suas despalavras os deslimites de ser em detrimento do ter, ou seja, caminhando

por sua subjetividade nos encontramos, ao mesmo tempo em que somos capazes

de nos perder. A sua poética se mostrará de formas diferentes para cada ser

humano e, ao mesmo tempo em que sua linguagem causa determinada

estranheza, por sua não adesão à forma convencional cultuada pela sociedade,

ela também nos deixa com a sensação de familiaridade, pois faz um passeio

matutino pelas palavras simples do cotidiano.

Portanto, ao propormos a poética de Manoel de Barros em comunhão

com a filosofia de Bachelard buscamos incitar a importância de considerar os

diversos saberes apreendidos no contexto local e cotidiano. Assim, vale ressaltar

que os porquês de Manoel de Barros são compreensíveis pela possibilidade de

sua poesia nos levar a uma viagem na percepção da transparência em nós

mesmos, do entendimento de que no individual se encontra o coletivo e vice-

versa, como o próprio poeta declara em seu Livro sobre o Nada (2004) – o

melhor de mim sou eles.

No contexto supracitado, observamos que não se trata de um saber e de

uma relevância de âmbito local, mas universal, pois o nosso poeta transpõe o

limite geográfico do Pantanal. Afinal, “um grande poeta, que sabe forçar as

imagens a produzirem pensamentos, utiliza um diálogo para nos mostrar o amor

e o conhecimento que se prende à árvore” (BACHELARD, 2003, p. 237). Nesse

caso, acreditamos que a árvore representa o cosmo com toda sua simbologia.

Nesse estudo, Gaston Bachelard esteve presente durante todo o percurso,

o filósofo da criação artística, do sistema poético dos quatro elementos (água,

terra, fogo e ar), cuja obra ultrapassa a tradição filosófica da imaginação formal,

que se faz presa às amarras da abstração e do formalismo. Para o autor as

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imagens poéticas são fontes insubstituíveis para a saúde do ser e concede à

imaginação poética a aptidão de se conhecer, por meio do devaneio, certas

realidades da alma humana, as quais escapam aos métodos do conhecimento

objetivo (BACHELARD, 2003). É nestas curvas, que compreendemos que a

poesia de Manoel de Barros pode nos contaminar com as utopias da Educação

Ambiental, pois apresenta em suas linhas o desenho mágico da poética

ambiental, no qual está inserido não apenas seres humanos, mas uma

multiplicidade de coisas e não-coisas, de saberes e dessaberes, que podem

contribuir na construção de um mundo melhor para todos. Pois, “as palavras

que ele aplica às coisas poetizam as coisas, valorizam-nas espiritualmente num

sentido que não pode fugir completamente das tradições” (BACHELARD, 2003,

p.140).

Se embrenhar por este caminho, no entanto, foi uma tarefa complexa que

exigiu de nós a árdua atividade de compreender como o ser humano se

compreende mediante suas identidades pessoais. Assim, Ana Carolina D.

Escosteguy (2001) aborda que esta compreensão pode advir da projeção entre o

conhecimento interior e o exterior, que é atravessado pelas práticas sociais, ou

seja, vale compreender como nos constituímos, nos percebemos e nos

apresentamos para nós mesmos e para os outros. Instigações que segundo a

autora tecem instabilidade e dúvidas mediante aos padrões preconcebidos.

Ainda segundo a autora, o debate sobre as identidades oscila,

basicamente, entre duas grandes matrizes: o essencialismo e a construção social.

No entanto, apresentam posições preconceituosas tanto uma quanto outra, pois

enquanto a primeira ao discorrer sobre a verdade absoluta ignora as

particularidades do outro, a segunda destaca-a, mas, muitas vezes, traça o perfil

da construção do outro como ser inferior. Por isso, com este estudo buscamos

percorrer o traçado de uma visão ética e democrática de identidade pelas linhas

da poesia. Esta, mais exatamente a produção do poeta mato-grossense Manoel

de Barros dá-se ao conhecimento de uma percepção mais justa de identidade,

pois a apresenta em constante movimento, e acreditamos que uma das condições

para compreendermos e melhorarmos o nosso estar no mundo é reconhecer a

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desestabilização gerada pela modernidade, quem sabe perpassada pela existência

da globalização.

Nesta perspectiva, Zygmund Bauman (2001), nos mostra que estamos

vivendo uma era líquida onde as coisas não mais se apresentam estáticas e

imutáveis, mas ao contrário, elas fluem naturalmente. Assim, é possível observar

que as mudanças presentes na sociedade apresentam ressonâncias de ordem

política, econômica e cultural, e uma das formas para compreender estas

alterações é perceber que: “a identidade é uma busca permanente, está em

constante construção, trava relações com o presente e com o passado, tem

história e, por isso mesmo, não pode ser fixa, determinada num ponto para

sempre, implica movimento” (ESCOSTEGUY, 2001, p. 04). Esta mutabilidade, ou

melhor, esta sempre nova possibilidade de enxergar e se comportar diante das

coisas do mundo estão presentes nas palavras de Manoel de Barros quando este

discorre que de seu querer é possível projetar as coisas e que, portanto, elas são

mutáveis:

COMPORTAMENTO

Não quero saber como as coisas se comportam.

Quero inventar comportamento para as coisas.

Li uma vez que a tarefa mais lídima da poesia é a

De equivocar o sentido das palavras

Não havendo nenhum descomportamento nisso

Senão que alguma experiência linguística.

Noto que às vezes sou desvirtuado a pássaro, que

sou desvirtuado em árvores, que sou desvirtuado para pedras.

Mas que essa mudança de comportamento gental

Para animal vegetal ou pedral

É apenas um descomportamento semântico.

Se eu digo que grota é uma palavra apropriada para ventar nas pedras,

Apenas faço o desvio da finalidade da grota que

Não é a de ventar nas pedras.

Se digo que os passarinhos faziam paisagens

na minha infância,

é apenas um desvio das tarefas dos passarinhos que

não é a de fazer paisagens.

Mas isso é apenas um descomportamento linguístico que

Não ofende a natureza dos passarinhos nem das grotas.

Mudo apenas os verbos e às vezes nem mudo.

Se digo ainda que é mais feliz quem descobre o que não

presta do que quem descobre ouro –

penso que ainda assim não serei atingido pela bobagem.

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Apenas eu não tenho polimento de ancião.

(BARROS, 2010, p. 395-396)

As palavras do mato-grossense Manoel de Barros esboçam um desenho

dos quatro elementos da natureza de Gaston Bachelard, por se tratar de uma

construção poética que faz a ponte com valores universais, partindo de uma

estrada repleta de tuneis que nos transportam do exterior para o interior, e vice

e versa. Neste sentido, o poeta por meio da sensibilidade desenha seu mundo,

transformando a natureza em palavras, e estas vão delineando uma cartografia

no imaginário humano, numa representação ser humano-natureza. De acordo

com Oliveira (2010), trata-se de uma produção que permeia por entre os quatro

elementos, dependendo apenas da opção de porta de entrada que escolhemos.

Percebe em seus escritos que o olhar do poeta para a família era

transguiado por metáforas enquanto menino, quem sabe chegadas até ele pelas

vias da suavidade amorosa de tudo aquilo que estava ao seu redor. Ou talvez

por ainda não conhecer, à época, aquele que ainda era um poeta-menino, a

demarcação que devasta os sentidos, que coloca o olhar em prol de uma visão

unilateral de sociedade, e que impõe a ideia de verdade única, com o objetivo

de permanência de tudo aquilo que “impede a aspiração utópica e

revolucionária de mudar a vida” (LÖWY, 2002). Neste sentido, vale reforçar o

reconhecimento o verdadeiro aprendizado que encontramos no caminhar da

militância nos diversos projetos do GPEA, que busca fortalecer ainda mais a

compreensão de que as questões ambientais não se dissociam das questões sociais

e que, portanto, devem ser compreendidas em prol de uma luta solidária com as

causas do eu-outro. E é nesse sentido de luta solidária, numa visão surrealista de

romper as barreiras em busca da liberdade, de retirar do caminho tudo aquilo

que impede a passagem que entramos na composição e Manoel de Barros pelas

vias do re-encantamento do mundo (ibdem, 2002).

A solidariedade de que falamos acima está também latente no poeta,

como podemos verificar no fragmento abaixo:

MARIA-PELEGO-PRETO

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Maria-pelego-preto, moça de 18 anos, era abundante de pêlos no pente.

A gente pagava pra ver o fenômeno.

A moça cobria o rosto com um lençol branco e deixava

pra fora só o pelego preto que se espalhava quase até pra cima do umbigo.

Era uma romaria chimite!

Na porta o pai entrevado recebendo as entradas...

Um senhor respeitável disse que aquilo era uma indignidade e um desrespeito às

instituições da família e da Pátria!

Mas parece que era fome.

(BARROS, 1990, p.51)

O poeta busca seu passeio pelas palavras, numa experiência contrária às

experiências poéticas dominantes. Insubmisso, discorda da moralidade imposta e

caminha rumo a um estado de espírito que protesta contra os paradigmas da

sociedade atual e valoriza tudo o que é essencialmente humano. Acreditamos

que os princípios expressos em sua poesia precisam contaminar os seres

humanos, pois enquanto tivermos a capacidade de julgar o outro, de ameaçá-lo,

de puni-lo antes de compreendê-lo, de não nos sensibilizarmos com as suas

misérias, não seremos capazes de ver a paisagem do caminho, pois a sua beleza,

o seu frescor, está impresso no como olhá-la. Faz-se importante também apontar

a dualidade expressa na imagem do pai entrevado versus o senhor respeitável,

refletindo sobre o olhar habitual dirigido a esses seres humanos, em contraponto

à percepção criada pela sensibilidade do poeta.

Portanto, na tentativa de traçar uma rota para esse estudo apresentamos

um esboço do multiverso34

– território-universo que dialoga com outros

territórios-universos - do poeta e do filósofo, mostrando que este foi delineado

por entre repertórios múltiplos, peculiares, advindos de diferentes culturas com

as quais manteve contato e estas o projetaram para uma abertura ao ato de

aprender. Na intersecção de sentidos acreditamos que o poeta nos orienta a

redesenhar as nossas percepções sobre o mundo por meio de suas águas líricas

(OLIVEIRA, 2010).

A via por onde olho o devaneio poético de Manoel de Barros, me mostra

que desde sua primeira infância o poeta já destilava seus lampejos de sonhador.

34 Um dos universos paralelos da física quântica, abordado por Deutsch (DEUTSCH apud SATO,

2011) como maneira de explicar o mundo que nos cerca.

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Por essa janela, ora vejo suas palavras mergulhadas em águas profundas, ora

vejo-as em terra firme; outras vezes vejo o fogo que aquece o aspecto anárquico

de sua poesia, e em outras vejo o ar que dá leveza e é capaz de nos transportar

por mundos utópicos, surreais, mas que acreditamos ser possíveis.

Por sua vez, Gaston Bachelard ao propor a razão em comunhão com a

sensibilidade poética, se refere a um Surracionalismo, que como dito

anteriormente é uma proposta revolucionariamente necessária à recuperação da

“função de turbulência e agressividade” (BACHELARD, 1985 p.IX) na razão

humana.

Desta forma, numa concepção de que a poética e a ciência possam dar as

mãos em prol da formação do ser humano e ainda pensando nessa concepção

pelas vias sensíveis da poética surrealista de Manoel de Barros entrelaçada à

fenomenologia da imaginação de Bachelard, que em sua filosofia aproxima a

ciência e a poesia, dando a essa aproximação a terminologia de Surracionalismo.

Uma Educação Ambiental que utiliza como princípios básicos metodológicos a

Cartografia do Imaginário, pelas vias sensíveis da poética surrealista de Manoel

de Barros aliada à filosofia do imaginário de Gaston Bachelard, poderia ser

compreendida como uma Educação Ambiental Surracionalista?

Ao promover o encontro da poética e da filosofia pela ótica da

Cartografia do Imaginário, a estética surrealista foi se apresentando para a

compreensão dos fenômenos. E foi daí que após as respostas encontradas, surge

essa indagação. Nossa pesquisa não pretendeu e nem teria fôlego para seguir

mais adiante no entendimento aprofundado do Surracionalismo de Bachelard,

dando a certeza de que a viagem da investigação está ainda por seguir. Que aqui

pode ser entendido como apenas um ponto de chegada, ou possível intersecção

entre pontos de partida, já que “Eu não caminho para o fim, eu caminho para as

origens” 35

35 Em entrevista a Bosco Martins para a Caros Amigos. Disponível em

http://www.overmundo.com.br/overblog/manoel-de-barros-se-considera-um-songo-parte-i.

Acesso em 29.10.2011

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