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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL
CAMPUS DO PANTANAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
DEBORA DARACELLI BRAGA DE ALMEIDA MENDONÇA
A RETOMADA DA TEORIA DO CAPITAL HUMANO E DA
PRODUTIVIDADE DA ESCOLA – UMA ANÁLISE DA ATUALIDADE
DA TESE DA PRODUTIVIDADE DA ESCOLA IMPRODUTIVA
CORUMBÁ 2014
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL
CAMPUS DO PANTANAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
DEBORA DARACELLI BRAGA DE ALMEIDA MENDONÇA
A RETOMADA DA TEORIA DO CAPITAL HUMANO E DA
PRODUTIVIDADE DA ESCOLA – UMA ANÁLISE DA ATUALIDADE
DA TESE DA PRODUTIVIDADE DA ESCOLA IMPRODUTIVA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul/CPAN como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre.
Orientador: Profº. Dr. Hajime Takeuchi Nozaki
CORUMBÁ 2014
Dissertação intitulada A RETOMADA DA TEORIA DO CAPITAL HUMANO E DA PRODUTIVIDADE DA ESCOLA – UMA ANÁLISE DA ATUALIDADE DA TESE DA PRODUTIVIDADE DA ESCOLA IMPRODUTIVA apresentada ao Programa de
Pós-Graduação na Área de Concentração Educação Social à banca examinadora do programa de Pós-Graduação em Educação - Curso de Mestrado da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus do Pantanal, como requisito para obtenção do título de Mestre. Aprovada em ____/____/_______.
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________ Prof. Dr. Hajime Takeuchi Nozaki (Orientador)
(Universidade Federal de Juiz de Fora)
___________________________________________________ Prof. Dr. André Silva Martins (Titular)
(Universidade Federal de Juiz de Fora)
___________________________________________________ Prof. Dr. Fabiano Antonio dos Santos (Titular) (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul)
___________________________________________________ Profª. Drª. Mônica de Carvalho Magalhães Kassar (Suplente)
(Universidade Federal de Mato Grosso do Sul)
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, Hajime Takeuchi Nozaki que mais uma vez contribuiu para a
minha formação. Mais do que um professor, um amigo que quando foi preciso,
instruiu-me a sair da minha zona de conforto, e que me deu forças para que eu
continuasse a difícil jornada do mestrado.
Aos professores, André Silva Martins e Fabiano Antonio dos Santos, que
gentilmente aceitaram compor a banca de avaliação, pelas contribuições teóricas,
críticas e auxílio no desenvolvimento desse trabalho.
À professora Mônica de Carvalho Magalhães Kassar pelo apoio e incentivo
dispensados ao meu trabalho.
À professora Edelir Salomão Garcia, por ter me aceito para desenvolver atividades
acadêmicas de graduação por meio de auxílio à docência sob sua tutoria, pelo
acolhimento e pelos conselhos dispensados a mim.
Ao meu esposo, Irineu Nunes de Andrade Filho, pelo apoio e por compreender
minha ausência.
Ao Oscar Lameu Neto – in memoriam -, que mesmo na discordância de nossas
convicções, o carisma e o respeito se faziam presentes em nosso meio.
À minha amiga Nayara Sobrinho Lameu que mesmo distante sempre me apoiou nas
minhas escolhas.
À minha amiga, e irmã de coração, Milene Machado Ribeiro, que
surpreendentemente me acolheu em Corumbá. Obrigada pelo carinho e pelas
palavras que sempre me incentivam a continuar.
À Cleide de Paula, Cleidinha da secretaria do PPGE/CPAN, pela inestimável
companhia nas manhãs quentes da cidade branca.
A todos os professores do mestrado em educação de Corumbá pelas discussões
calorosas em sala de aula, e pelas contribuições teóricas que me proporcionaram.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES - pelo
apoio financeiro na concessão da bolsa de estudos.
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo analisar a vigência da tese da produtividade da escola improdutiva no atual padrão de acumulação toyotista. O referencial teórico-metodológico adotado foi o materialismo histórico-dialético e utilizamos como estratégia a pesquisa bibliográfica. Realizamos a análise do pensamento dominante educacional representado pelos autores Guiomar Namo de Mello, Cláudio de Moura Castro e Gustavo Ioschpe, dos documentos da CNI, e dos trabalhos do GT Trabalho e Educação da ANPEd entre os anos de 2000 a 2012. Os resultados a que chegamos indicam que a TCH foi retomada pelo pensamento dominante para orientar os processos educativos reforçando a defesa da produtividade da escola. Para o campo hegemônico, a escola torna-se o local para preparar para o mundo do trabalho e para a nova sociabilidade. A CNI adere à defesa da produtividade da escola, afirmando ser a escola essencial para formar para o processo produtivo, e para a competitividade. Por outro lado, os autores do campo crítico da educação revelam o caráter da improdutividade da escola como mediação para a sua produtividade, os autores apontam que apesar do discurso da hegemonia para a produtividade da escola, na prática, a produtividade não se realiza. O campo crítico destaca os problemas de infraestrutura, os projetos que não são compreendidos pelo corpo educacional, e o esvaziamento dos conteúdos escolares como forma de negação do conhecimento historicamente acumulado. Concluímos indicando a vigência da tese da produtividade da escola improdutiva. Palavras-chave: Neocapital humano; Trabalho e Educação; Pensamento
dominante.
ABSTRACT
This study aims to analyze the validity of the theory of productivity of unproductive school. The theoretical and methodological framework adopted was the historical-dialectical materialism and use the strategy of literature search. We performed the analysis of the educational mainstream thinking represented by the authors Guiomar Namo de Mello, Claudio de Moura Castro and Gustavo Ioschpe, documents CNI, and the work of the Education and Labor GT ANPEd between the years 2000 to 2012 results that we got indicate that TCH was taken up by mainstream thinking to guide educational processes productivity enhancing defense school. To the hegemonic field, the school becomes the place to prepare for the world of work and the new sociability. CNI adheres to the defense of productivity school, claiming to be essential to form for the production process, and the competitiveness school. On the other hand, the authors of the critical field of education reveal the character of the school as unproductive mediation for their productivity, the authors point out that despite the discourse of hegemony to the productivity of the school, in practice, productivity is not realized. The critical field highlights problems of infrastructure projects that are not understood by the educational body, and the emptying of the school curriculum as a way of denying the historically accumulated knowledge. We conclude indicating the validity of the theory of productivity of unproductive school.
Keywords: Human Neocapital; Work and Education; Dominant thought.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Diagrama do mapa estratégico da indústria 2013 – 2022 ......................101
Tabela 1 – Total dos trabalhos apresentados nas Reuniões Anuais da ANPEd entre
os anos de 2000 e 2012...........................................................................................106
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ANPEd- Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CCQs - Círculos de Controle de Qualidade
CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina e Caribe
CNI – Confederação Nacional da Indústria
ECIEL - Programa Estudos de Integração Econômica. Latino-americana
FMI - Fundo Monetário Internacional
GIFE - Grupo de Institutos, Fundações e Empresas
GT – Grupo de Trabalho
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDEB - Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
IPES - Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais
MEC – Ministério da Educação
MOBRAL - Movimento Brasileiro de Alfabetização
ONU - Organização das Nações Unidas
OREALC - Oficina Regional de Educação para a América Latina e Caribe
PCNs - Parâmetros Curriculares Nacionais
PDE – Plano de Desenvolvimento da Educação
PNE – Plano Nacional de Educação
SAEB - Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica
SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Indústria
SESI - Serviço Social da Indústria
TICs - Tecnologias de informação e comunicação
TCH - Teoria do capital humano
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 1
CAPÍTULO
TRAJETÓRIA PARA A COMPREENSÃO DA PRODUTIVIDADE DA ESCOLA: O MÉTODO SOB A CONCEPÇÃO MARXISTA, O TRABALHO E A PRODUTIVIDADE ....................................................................................................... 9
1.1 Os pressupostos da pesquisa e os caminhos metodológicos ................................................. 9 1.2 Da condição ontológica do trabalho ao trabalho no modo de produção capitalista: fundamentos para compreensão da produtividade ........................................................................17 1.3 Condição histórica do trabalho e a produtividade no capitalismo: a questão da educação .....26
CAPÍTULO 2
TRABALHO E EDUCAÇÃO, TEORIA DO CAPITAL HUMANO E PRODUTIVIDADE DA ESCOLA IMPRODUTIVA ................................................................................... 31
2.1 Da condição do trabalho alienante à formação alienadora do trabalhador .............................31 2.2 A Teoria do Capital Humano: a tese da produtividade da escola ...........................................39 2.3 O que produz a escola sob o domínio capitalista do processo produtivo taylorista/fordista – a mediação entre a escola e o processo produtivo ...........................................................................44
CAPÍTULO 3
REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA, COMPETÊNCIAS E POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA DOS ANOS 1990 .................................................... 58
3.1 As mudanças no processo de acumulação capitalista ...........................................................58 3.2 As exigências para o novo perfil do trabalhador ....................................................................62 3.3 A política educacional brasileira a partir do ano de 1990 – as novas reformas educacionais .71
CAPÍTULO 4
A RETOMADA DA TEORIA DO CAPITAL HUMANO E A VIGÊNCIA DA TESE DA PRODUTIVIDADE DA ESCOLA IMPRODUTIVA ..................................................... 84
4.1 O retorno da TCH pelo pensamento dominante: a produtividade da escola ...........................84 4.2 A vigência da tese da produtividade da escola improdutiva .................................................105
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 115
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ....................................................................... 118
APÊNDICE A - Lista dos trabalhos analisados do GT Trabalho e Educação ... 129
INTRODUÇÃO
Este estudo parte das discussões da área do Trabalho e Educação que
tratam da relação entre o processo de produção da vida e a educação. Tem como
pano de fundo inicial a crise do capital da década de 1930, período de reorganização
do Estado brasileiro e posteriormente o movimento de recomposição pós-guerra,
que teve como base teórica para o novo projeto de sociedade a teoria do capital
humano (SOUZA, 2012).
As discussões da economia da educação surgiram após a segunda guerra
mundial, em decorrência do período da década de 1950, quando houve um grande
investimento de capital para a reconstrução dos países do capitalismo central
atingidos pela guerra. O intuito das discussões era o de contribuir com o
desenvolvimento econômico da Europa, e viabilizar mão de obra especializada para
a execução do projeto de reconstrução. Assim, tem-se o surgimento da teoria do
capital humano, que serviu como guia para reorganização da economia mundial
(BAZÍLIO, 1993).
Foi a partir da sistematização de estudos realizados por Theodore Schultz
que a educação passou a ser concebida como potencializadora de investimento
para os ganhos da classe burguesa. A teoria do capital humano pregava a
ampliação das habilidades como investimento, ou seja, as habilidades converter-se-
iam em capital, tornando o homem mais eficiente, gerador de produtividade e de
retorno para o capital. Nesse sentido, o investimento em capital humano significou
ganhos reais de produtividade, bem como significou um meio para a mobilidade
social (ibid.).
É assim que, no Brasil, na década de 1960, a educação adquiriu caráter de
investimento, e buscou adequar-se “às exigências do padrão de acumulação fordista
e às ambições do ideário nacional-desenvolvimentista” (OLIVEIRA, 2004, p. 1129).
As reformas educacionais deste mesmo período tinham como meta a ampliação do
acesso à escola, baseadas no discurso de que a educação potencializaria a
mobilidade social seja do individuo, ou do grupo social, bem como, compreendia a
“redução das desigualdades sociais” (ibid., p. 1129).
Tal ideário afirmava que o desenvolvimento da nação deveria ser alcançado
através do processo de industrialização a fim de que o país atingisse o patamar das
nações desenvolvidas. Neste sentido, a educação tornou-se essencial para o
2
desenvolvimento capitalista ao formar o trabalhador que correspondesse aos
interesses da classe dominante.
O valor da educação ganhou tamanhas proporções que se presenciou a
expansão da escolarização por meio das reformas educacionais, bem como se
observou a necessidade de certificações. Destacamos, assim, o papel mediador que
a educação realizou a partir da teoria do capital humano, uma vez que ela acabou
satisfazendo aos interesses da classe burguesa e tornou-se funcional para o
processo produtivo ao formar valores e atitudes que colaboraram para a submissão
do trabalhador (KUENZER, 2001).
É neste sentido que diversos estudiosos da educação brasileira realizaram
uma crítica à economia da educação, na qual denunciavam a subordinação desta
para a “inculcação da ideologia dominante e reprodução da estrutura social
capitalista” (SAVIANI, 2008a, p. 395).
A primeira posição que procurou denunciar os equívocos da teoria do capital
humano apontou a falácia da combinação do crescimento econômico e da expansão
da escolaridade. Segundo esta posição, a educação não contribuiria para uma
distribuição mais igualitária dos benefícios para as classes, e nem proporcionaria a
diminuição das desigualdades sociais. Neste sentido, haveria uma relação entre a
escola e o processo produtivo que permitiria a criação do excedente de
trabalhadores para atender ao processo produtivo.
Um dos primeiros a escrever a respeito desta discussão quanto à
produtividade da escola foi Wagner Gonçalves Rossi, em 1975, que apontou que a
escola não teria o poder de diminuir as diferenças sociais, portanto, a ideia de
ascensão pessoal nada mais seria do que uma falácia pregada pela ideologia
dominante. Segundo Rossi (1980), o investimento na educação era visto como
aquisição de eficiência para o trabalhador e ganhos de produtividade para a
sociedade. Assim, a escola, na concepção de Rossi, era tida como um aparelho do
capitalismo que serviria apenas como mediadora para o processo produtivo.
Nesta mesma linha de raciocínio, Barbara Freitag (1986) expôs a falácia da
ideologia da democratização da educação, que favoreceu uma falsa consciência na
classe trabalhadora de que esta, para conseguir ascensão econômica, deveria
investir em sua educação e, caso não conseguisse obter êxito, caberia a ela a culpa
pelo seu fracasso. Podemos concluir que nas visões de Freitag e de Rossi, a escola
cumpriria papel imediato no processo produtivo, ao formar o trabalhador para o
3
mundo do trabalho, garantindo maior produtividade, sendo, portanto, a escola
produtiva.
Por outro lado, na década de 1980, outra posição apresentou avanços quanto
à crítica à teoria do capital humano, apresentando a tese de que o capital prescinde
da escola. E é Claudio Salm que contesta as afirmações de que a escola serviria
para o processo produtivo, pois, segundo o autor, seria a fábrica quem realizaria o
papel de formar o trabalhador, sendo que para a escola restaria apenas o papel de
civilizar. Salm mostra em suas formulações que escola e produtividade não possuem
vínculo direto, logo, sua justificativa em afirmar que o capitalismo forma o
trabalhador no próprio seio da produção, sendo a escola, portanto, improdutiva.
(FRIGOTTO, 1984).
Já Gaudêncio Frigotto (ibid.) chamou a atenção de que a tese de Salm
significou um avanço diante do contexto vivido daquele período, porém, alertou que
as limitações apareceram quando Salm concebe a escola como “‘não-capitalista’ ou
uma instituição que está à ‘margem’ do sistema produtivo, pelo fato de não-
existência do vínculo direto” (p.138, aspas no original). Frigotto (ibid.) consegue
apreender o movimento real e contraditório existente entre a escola e as relações de
produção e concluiu que a escola realizaria um movimento contraditório, no qual, ao
cumprir o papel de mediadora no processo produtivo, tornar-se-ia ao mesmo tempo,
produtiva e improdutiva.
Assim, Frigotto (ibid.) apresenta a tese da produtividade da escola
improdutiva, na qual aponta os vínculos e desvínculos da educação com o sistema
econômico, e o papel da educação escolar no interior dessas relações. Nesse
sentido, da mesma forma que o capitalismo “no seu processo de acumulação,
concentração e centralização pelo trabalho produtivo vai exigindo cada vez mais,
contraditoriamente, trabalho improdutivo”1 (ibid., p. 134), a escola ao realizar seu
papel de escola improdutiva, constitui, “uma mediação necessária e produtiva para a
manutenção das relações capitalistas de produção” (ibid., p. 134).
O mesmo autor (ibid.) justifica que a desqualificação da escola ocorre por
conta da mediação que a escola efetiva no interior do processo produtivo. Isso quer
dizer que a escola acaba por formar o aluno, o trabalhador, para a manutenção das
relações sociais de produção. Isso não faz com que a escola seja, ou não,
1 O trabalho improdutivo segundo Marx (1985) configura-se dentro do sistema capitalista como o
trabalho que não produz mais-valia, ou seja, não gera lucro para o capitalista.
4
capitalista, mas, expõe a mediação realizada pela escola, uma vez que, a
produtividade da escola se materializa “na sua improdutividade, isto é, na sua
abstratividade e em seu caráter anacrônico” (p. 173). Assim, a escola para a classe
burguesa forma trabalhadores improdutivos para os cargos de supervisores,
administradores, enquanto a escola voltada para a classe trabalhadora, está
carregada de conteúdos defasados, forma trabalhadores desprovidos de consciência
de explorados e incapazes de buscar a superação de sua condição.
A escola cumpre, portanto, uma função mediadora no processo de
acumulação capitalista, a partir da lógica da dualidade estrutural escolar, que
garante o status quo da classe dominante e a submissão da classe dominada.
A década de 1980 encerra-se com um aparente consenso entre os
pesquisadores da vertente crítica da educação, uma vez que, como aponta Bazílio
(1993, p. 25), a “escolaridade para a indústria fordista era o aspecto secundário,
pois, trabalhava-se na lógica da desqualificação”, bastando ao trabalhador sua força
de trabalho, logo, a “gerência científica bastava à acumulação” (ibid., p. 26). Por
outro lado, mas não contrário às afirmações anteriores, a gerência e a organização
ficariam a cargo de trabalhadores mais preparados, com salários superiores,
responsáveis pelo funcionamento da indústria. Assim, afirma-se a desqualificação da
educação, portanto, como bem apreendeu Frigotto (1984), a produtividade da escola
improdutiva.
Chegamos então à década de 1990 e a partir das leituras empreendidas para
compreender a mediação entre o processo produtivo e a educação, surgiu-nos a
questão da atualidade da tese da produtividade da escola improdutiva, uma vez que,
na década de 1990, com a crise e o reordenamento do capital e da imputação de um
novo projeto de desenvolvimento para o país, foi necessário o planejamento de um
novo ajuste entre o processo produtivo e a educação (TREIN; CIAVATTA, 2003).
Assim, a teoria do capital humano surgiu repaginada, e a máxima da vez é a
educação para empregabilidade, competitividade, para a aquisição de competências
e da educação permanente (SOUZA, 2012).
Deste modo, a transição dos ideais do nacional-desenvolvimentismo para a
globalização causou transformações no campo da educação, no qual foi possível
perceber que a educação dada pela escola não era mais capaz de responder às
necessidades de distribuição de renda e, muito menos capaz de pagar a dívida
social acumulada em períodos passados. Logo, as reformas educacionais de
5
expansão da escolarização na década de 1960 não mais cabiam para o contexto
vivido na década de 1990, pois, as novas necessidades visavam à educação para a
“transformação produtiva com equidade” (OLIVEIRA, 2004, p. 1129).
Diante da nova configuração internacional no plano político, e da nova
situação socioeconômica, a proposta para a década de 1990 indicava caminhos
para a “readequação do Estado e formação de recursos humanos para sustentar o
desenvolvimento dentro do novo paradigma” (PAIVA, WARDE, 1994, p. 16).
Destacamos que o Estado é uma relação social, no qual o Estado materializa os
interesses da classe burguesa. E para dar sustento ao novo projeto de sociedade,
no ano de 1992, a Oficina Regional de Educação para a América Latina e Caribe
(OREALC) e a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL)
publicou o documento intitulado “Educación y conocimiento: Eje de La
transformacion productiva com equidade”. Esse documento influenciou o debate
para a busca pela transformação produtiva com equidade no Brasil (ibid.).
A escola deveria, a partir da reforma educacional de 1990, educar para a
empregabilidade, uma vez que a educação tornou-se indispensável para a aquisição
de emprego, além de assumir um papel de compensação nas políticas sociais
(OLIVEIRA, 2004).
Podemos perceber que as reformas educacionais trazem mudanças
expressivas para os trabalhadores, uma vez que atingem desde o âmbito escolar,
chegando ao processo produtivo, e a escola torna-se mais uma vez a mediadora no
processo de acumulação capitalista2. Neste sentido, Dalila Andrade Oliveira (ibid.)
acrescenta que a educação “passa por transformações profundas nos seus
objetivos, nas suas funções e na sua organização” com intuito de corresponder às
novas demandas do sistema capitalista (ibid., p. 1129).
Assim, a partir da década de 1990, para os neoliberais, a escola estaria
enfrentando uma crise muito intensa na questão da “eficiência, eficácia e
produtividade” (GENTILI, 1996, p. 17), bem como a crise seria de cunho qualitativo.
Logo, os neoliberais argumentavam que “[tratava-se], fundamentalmente, de uma
crise de qualidade decorrente da improdutividade que caracteriza as práticas
2 As reformas educacionais a partir da década de 1990 são uma mediação importante para nosso
estudo, mas não é nosso objeto central de análise.
6
pedagógicas e a gestão administrativa da grande maioria dos estabelecimentos
escolares” (ibid., p. 17).
Com os avanços tecnológicos e as necessidades cada vez mais constantes
de trabalhadores com habilidades cognitivas e competências para ocupar os postos
de trabalho, as reformas educacionais tornaram-se imprescindíveis e suas metas
visavam agora o discurso da equidade social, além da formação de um neocapital
humano3. A educação novamente ocuparia posição central para a aquisição de
emprego, bem como passaria a desenvolver um “papel preponderante na condução
de políticas sociais de cunho compensatório, que visem à contenção da pobreza”
(OLIVEIRA, 2004, p. 1129).
Diante desse novo contexto apresentado a partir da década de 1990 e das
novas reformas educacionais, tornou-se imprescindível uma análise que busque
discutir a produtividade da escola na contemporaneidade, pois, buscar novas
respostas para esse embate do ponto de vista da classe trabalhadora possibilita que
estratégias sejam elaboradas e que apontem para o caminho da conscientização e
organização da classe trabalhadora.
Podemos perceber, então, que na década de 1960 a preocupação com a
escola era somente formar o trabalhador para os domínios básicos de leitura, escrita
e cálculo, a improdutividade da escola era eficiente para o sistema produtivo. Já com
a reestruturação produtiva, o imprescindível são os valores, as habilidades
individuais, as competências. Levando em consideração que a educação escolar
atendia somente a formação de domínios básicos, podemos continuar afirmando
que a improdutividade da escola continua eficiente para o processo de produção? O
que os estudos apontam a respeito da problemática apresentada?
Assim, a partir da compreensão de que “cada novo estágio de
desenvolvimento da sociedade corresponde a um determinado princípio educativo”
(KUENZER, 1989, p. 23) e que a partir dos anos de 1990 a educação teve que
buscar adequar-se às novas demandas do processo produtivo, consideradas aqui
como a instituição de um neocapital humano, compreendemos ser necessária a
apreensão das mediações contemporâneas entre o processo produtivo e a
educação.
3 Segundo as formulações de Frigotto (2007) o neocapital humano vai se configurando a partir das
novas bases, que tem como pano de fundo a informatização, a formação flexível, bem como capacidades abstratas e característica polivalente do trabalhador.
7
As discussões da área do Trabalho e Educação que tratam da relação entre o
processo de produção da vida e a educação tiveram avanços importantes no campo
marxista. Sem desconsiderar todo esse avanço, pretendemos destacar a atualidade
deste debate.
Diante desse quadro, esta pesquisa se propõe a analisar a vigência da tese
da produtividade da escola improdutiva. Retomamos a análise desta tese devido ao
fato de que as mudanças ocorridas no padrão produtivo levaram a outras mudanças
necessárias para o trabalhador, para o trabalho e para a educação.
Para o desenvolvimento deste estudo escolhemos a abordagem do
materialismo histórico-dialético e utilizaremos como estratégia a pesquisa
bibliográfica, uma vez que a pesquisa bibliográfica permite um vasto alcance de
informações, além de possibilitar a utilização de dados espalhados em inúmeras
publicações, auxiliando na formação do mapa conceitual que abrange o objeto. A
pesquisa bibliográfica “é sempre realizada para fundamentar teoricamente o objeto
de estudo, contribuindo com elementos que subsidiam a análise futura dos dados
obtidos” (LIMA, MIOTO, 2007, p. 44).
Realizamos a análise do pensamento de autores ligados ao pensamento
hegemônico no campo da educação, bem como os documentos da CNI.
Escolhemos a CNI por esta ser considerada a principal intelectual da burguesia
industrial, e por ela conduzir questões que envolvem a relação da economia e da
educação4. Também realizamos a analise dos trabalhos do GT Trabalho e Educação
da ANPEd entre os anos de 2000 a 2012.
A escolha pelo campo Trabalho e Educação se deu pelo fato de que:
Desde a sua criação, o GT Trabalho e Educação vem se pautando por duas preocupações centrais: entender o mundo do trabalho como processo educativo, vale dizer, compreender a pedagogia que se desenvolve nas relações sociais e produtivas no modo de produção capitalista e identificar os espaços de contradição que engendram a construção de uma nova pedagogia comprometida com os interesses da classe trabalhadora (TREIN; CIAVATTA, 2003, p. 143-144).
4 José Rodrigues (1998) em seu livro O moderno príncipe industrial: o pensamento pedagógico da
Confederação Nacional da Indústria aponta a CNI como a mais importante entidade político sindical dos empresários, e a mais importante fração do partido ideológico da burguesia brasileira. Para saber mais ver Rodrigues (1998).
8
O critério utilizado para a seleção dos trabalhos foi o caráter de produtividade
da escola apresentado, a captação do vínculo da relação entre a educação e
processo produtivo.
Dividimos esta pesquisa em quatro capítulos, sendo que no primeiro
procurou-se abordar os aspectos metodológicos e a discussão do trabalho
ontológico e do trabalho no modo de produção capitalista. No segundo capítulo
realizamos uma discussão do trabalho no sentido da formação para o processo
produtivo no período do taylorista/fordista, bem como procuramos apresentar a
teoria do capital humano. No terceiro capítulo destacamos o processo de
reestruturação produtiva e as novas demandas do processo produtivo, além das
exigências para o mundo do trabalho e para o âmbito escolar e, por fim, abordamos
as mudanças ocorridas no campo da política educacional brasileira. No quarto
capítulo nos propomos a analisar a vigência da tese da produtividade da escola
improdutiva nos tempos atuais. Nas considerações finais procuraremos realizar a
avaliação dos dados coletados, as possíveis lacunas, bem como alcances e limites
do estudo.
CAPÍTULO 1
TRAJETÓRIA PARA A COMPREENSÃO DA PRODUTIVIDADE DA ESCOLA:
O MÉTODO SOB A CONCEPÇÃO MARXISTA,
O TRABALHO E A PRODUTIVIDADE
A produção da vida origina-se do trabalho e, na ordem capitalista, o trabalho
se realiza a partir do trabalho abstrato e do excedente produzido por esse trabalho
que, por conseguinte exprime a produtividade. O trabalho tornou-se fundamental
para a vida humana, porém, na sociedade capitalista o trabalho tornou-se trabalho
assalariado. Logo, o trabalho no capitalismo exige conhecimentos e habilidades que
na sociedade capitalista são alcançados por meio do aprendizado.
A escola tem como pressuposto a formação humana para a produção da vida.
Como o da classe burguesa é sempre alcançar maior produção, a escola também
deve alcançar maior produtividade, seguindo os ditames do capitalismo. Portanto,
temos como objetivo deste capítulo discutir e apresentar os aspectos metodológicos
utilizados na pesquisa, bem como explicitar a categoria central que faz os homens
produzirem suas condições de subsistência. Na primeira sessão deste capítulo
apresentaremos a discussão do referencial adotado, a estratégia e os
procedimentos. Na segunda parte, apresentaremos o trabalho na sua condição
ontológica e a perda desta condição no processo de acumulação capitalista. Na
terceira sessão deste capítulo realizaremos a discussão do fundamento do trabalho
no desenvolvimento do processo produtivo.
1.1 Os pressupostos da pesquisa e os caminhos metodológicos
Para a elaboração desta pesquisa, pautamo-nos no materialismo histórico-
dialético, por este permitir desvendar nos fenômenos as contradições e “as leis
fundamentais da organização, desenvolvimento e transformação dos fatos e
problemas histórico-sociais” presentes na realidade concreta (FRIGOTTO, 2000, p.
72).
Partimos, conforme explicita Acácia Kuenzer (1998), da dimensão práxica, na
qual a interpretação é a fonte para a transformação, pois, é na prática que
demonstramos a verdade do pensamento. Não podemos isolar a prática do
pensamento, senão, tenderemos a um problema escolástico como denunciaram Karl
10
Marx e Friedrich Engels (2009), a respeito dos filósofos que pretendiam a simples
contemplação da realidade sem buscar a sua transformação.
Ao adotarmos o materialismo histórico-dialético, assumimos uma visão de
mundo que busca na teoria e na prática a transformação da realidade, realidade que
apresenta a sociedade caótica e dinâmica.
A dialética de Marx teve uma contribuição significativa de Hegel. Contudo,
Marx, apesar de sua formação hegeliana, questionou esta perspectiva por
compreender que a dialética hegeliana permanecia somente no âmbito das ideias
(GAMBOA, 1998).
Na dialética materialista, realidade e pensamento são indissociáveis, ou seja,
as leis do pensamento são as leis da realidade, portanto “a produção das ideias, das
representações, da consciência está em princípio diretamente entrelaçada com a
atividade material e o intercâmbio material dos homens, linguagem da vida real.”
(MARX; ENGELS, 2009, p.31). Deste modo as ideias, a consciência, são resultado
das condições de subsistência do homem e não o contrário. Ivo Tonet (2009, p. 15)
acrescenta que:
A realidade social é uma totalidade, ou seja, um conjunto de partes que tendo o trabalho como sua matriz, vai se configurando ao longo do processo histórico-social. O que significa que nenhuma dessas partes pode ser compreendida sem que seja apreendida a sua relação com os outros momentos da realidade social.
A filosofia hegeliana afirma que não se deve partir de nenhuma pressuposição
ao adentrar ao campo da pesquisa. A posição hegeliana é de apresentar a realidade
concreta no espírito, ou na mente, como se a realidade existisse primeiro no espírito.
Porém, Marx e Engels (2009, p. 24) destacam que “a primeira premissa de toda a
história humana é, naturalmente, a existência de indivíduos humanos vivos”.
Portanto, a posição hegeliana de neutralidade foge às condições da materialidade
concreta.
Não há filosofia sem o ser humano, haja visto que a filosofia só pode existir se
houver a humanidade, então a premissa primeira parte da concepção da
necessidade da existência do homem. Mas a existência do homem pressupõe a
necessidade de subsistência deste, ou seja, o homem para existir precisa se
reproduzir e produzir os meios para sua subsistência (ibid.).
11
Surgida esta necessidade, o homem realiza o primeiro ato histórico que é “a
produção dos meios para a satisfação dessas necessidades.” (ibid., p. 40-41).
Contudo, satisfeita esta primeira necessidade, surgem novas necessidades que
demandam mais produção para satisfação destas necessidades. Portanto, a
maneira pela qual os meios para a satisfação das necessidades são produzidos e a
maneira pela qual a comunidade se relaciona, determina o modo de produção.
O homem, ao interagir com outros homens, se organiza, produz e se
reproduz, o homem torna-se homem, é nesse caráter ontológico que ao interagir
com a natureza o homem realiza o trabalho, e é essa ação do homem que diferencia
o homem do animal (MARX, 1985).
Lukács (1996, p.3) acrescenta que:
Somente o trabalho tem, como a essência ontológica, um claro caráter intermediário: ele é, essencialmente, uma interrelação entre (sociedade) e natureza, tanto inorgânica (utensílios, matéria-prima, objeto do trabalho, etc.) como orgânica, interrelação que pode até estar situada em pontos determinados da série a que nos referimos, mas antes de mais nada assinala a passagem, no homem que trabalha, do ser, meramente biológico ao ser social.
Portanto, o homem é essencialmente um ser social, muito diferente dos
animais que não produzem sua subsistência. Assim, toda pesquisa tem um
pressuposto ontológico e a abordagem critico-dialética escolhida para esta pesquisa
pressupõe a relação do sujeito com o objeto e do objeto com o sujeito. Ambos
interagem, agem e se transformam, ou seja, há uma ação concreta que transita na
relação (FRIGOTTO, 2000).
A partir dos expostos surge a necessidade de apresentar os pressupostos
gnosiológicos, entendendo que “os pressupostos gnosiológicos se referem às
concepções de objeto e de sujeito e a sua relação no processo do conhecimento”
(GAMBOA, 1998, p. 102).
Os pressupostos gnosiológicos, apontados por Silvio Sánchez Gamboa (ibid.),
nos quais esta pesquisa se apóia, apresentam o homem como um ser social e
histórico, apesar de “determinado por contextos econômicos, políticos e culturais, é
criador da realidade social e transformador desses contextos.” (p. 103).
Nas pesquisas crítico-dialéticas, a realidade é tida como diacrônica e a
história é tomada como uma concepção ontológica dessa realidade. Nesses
estudos, os fenômenos são percebidos no seu devir e na sua história, no qual os
12
fenômenos são manifestação da essência (ibid.). “A história se preocupa com o
registro do movimento, a evolução e a dinâmica dos fenômenos.” (ibid., p. 106).
Portanto, a pesquisa parte da premissa de que todo ser humano é real, logo,
suas ações e suas condições materiais de vida partem do concreto. O homem
produz segundo as condições que lhe são postas, ou seja, as suas relações sociais
são determinadas pelo modo de produção vigente (MARX; ENGELS, 2009).
Marx e Engels (ibid.) acrescentam que o homem não é um ser que nasce
pronto, mas que é construído a partir do meio em que está inserido na sociedade.
Assim sendo, o homem produz sua condição de vida, porém esta produção está pré-
determinada. Logo, o homem pode fazer a sua história, contudo não pode fazê-la
conforme sua vontade.
O homem nas suas relações sociais, de cotidiano corriqueiro e atribulado,
perde-se no agir, e pelo fato de agir de maneira objetiva sobre a natureza, por vezes
não consegue apreender a realidade verdadeira. É por este motivo que a utilização
do método materialista se torna de suma importância para a organização e
estruturação da pesquisa, já que a realidade exposta não se apresenta de forma
verdadeira, o que se manifesta é o fenômeno. O fenômeno nada mais é que “aquilo
que – diferentemente da essência oculta - se manifesta imediatamente, primeiro e
com maior freqüência.” (KOSIK, 1976, p. 12).
O fenômeno, portanto, compreende fatos do cotidiano que devido à “práxis
utilitária imediata” (ibid., p. 10), faz com que o homem aja automaticamente sem
levar em consideração o porquê dos fatos ocorrerem desta ou daquela maneira. O
fenômeno por agir silenciosa e livremente na vida dos homens ganha independência
e transforma-se num emaranhado senso comum impregnado nas relações dos
homens. Constitui-se assim o mundo da pseudoconcreticidade, no qual deixa
transparecer somente a superfície da realidade verdadeira. As representações
iludem os homens apresentando uma práxis fetichizada, como se essas condições
existentes fossem determinadamente naturais (ibid.).
Karel Kosik (ibid.) ressalta que:
O pensamento que destrói a pseudoconcreticidade para atingir a concreticidade é ao mesmo tempo um processo no qual sob o mundo da aparência se desvenda a lei do fenômeno; por trás do movimento visível, o movimento real interno; por trás do fenômeno, a essência (p. 16).
13
Portanto, a compreensão do fenômeno é fundamental para se atingir a
essência, pois, tanto o fenômeno quanto a essência são constituições interligadas. A
essência, segundo Kosik (ibid.), foi construída historicamente, uma vez que
ontologicamente o homem tem uma essência.
Assim, o uso da dialética materialista permite a superação da dimensão
fenomênica, para chegar à essência ou, a “coisa em si”, portanto, permite
desvendarmos as relações existentes entre a educação e o processo produtivo.
Kosik (ibid.) acrescenta que para se compreender a coisa em si é preciso
fazer um détour, ou seja, é necessário que se faça um movimento de desvio da
coisa no pensamento. A coisa é uma representação social que se elabora no
fenômeno e é o que dificulta o homem captar a essência da coisa. Portanto, se faz
necessário que para se chegar à essência, parta-se do empírico, ou o real aparente,
e por meio de abstrações alcançadas através das reflexões do pensamento chegue-
se ao concreto, ou ao real pensado.
Uma vez que a realidade se apresenta aos homens como um terreno em que
as suas práticas criam “suas próprias representações das coisas e elabora todo um
aspecto fenomênico da realidade”, (ibid., p. 10), faz com que a essência se
manifeste diferente daquilo que é.
Para compreender o fenômeno deve-se “indagar e descrever como a coisa
em si se manifesta naquele fenômeno, e como ao mesmo tempo nele se esconde”,
(ibid., p. 12), deve-se também analisar o problema da criação da atividade que
estabelece a coisa em si. O homem, ao criar para si um sentido, uma intenção
significativa da coisa, passa a conhecer a independência da coisa, pois “o homem só
conhece a realidade na medida em que êle ‘cria a realidade’ humana e se comporta
antes de tudo como ser prático” (ibid., p. 22).
Segundo Kosik (ibid., p. 30):
14
O método da ascensão do abstrato ao concreto é o método do ‘pensamento’; em outras palavras, é um movimento que atua nos conceitos, no elemento da abstração. A ascensão do abstrato ao concreto não é uma passagem de um plano (sensível) para outro plano (racional): é um movimento no pensamento e do pensamento. Para que o pensamento possa progredir do abstrato ao concreto, tem de mover-se no seu próprio elemento, isto é, no plano abstrato, que é negação da imediaticidade, da evidência e da concreticidade sensível. A ascensão do abstrato ao concreto é um movimento para o qual todo início é abstrato e cuja dialética consiste na superação desta abstratividade. O progresso da abstratividade à concreticidade é por conseguinte, em geral movimento da parte para o todo e do todo para a parte; do fenômeno para a essência e da essência para o fenômeno; da totalidade para a contradição e da contradição para a totalidade; do objeto para o sujeito e do sujeito para o objeto. O processo do abstrato ao concreto, como método materialista do conhecimento da realidade, é a dialética da totalidade concreta, na qual se reproduz idealmente a realidade em ‘todos os seus planos e dimensões ’.
A busca pela compreensão começa pelo mundo da pseudoconcreticidade, do
caótico, que é a própria realidade, da forma fenomênica, então se abstrai no
pensamento, faz-se o détour e volta para o mesmo lugar, ou seja, a realidade,
porém, ao voltar, tem-se um todo estruturado, uma síntese.
Acácia Kuenzer (1998) aponta algumas categorias metodológicas tais como:
a práxis, a totalidade, a contradição e a mediação. A autora (ibid., p. 62) explicita
que:
São as categorias que servem de critério de seleção e organização da teoria e dos fatos a serem investigados, a partir da finalidade da pesquisa, fornecendo-lhe o princípio de sistematização que vai lhe conferir sentido, cientificidade, rigor, importância.
Assim sendo, tem-se que a categoria da práxis se caracteriza pelo movimento
da teoria para a prática e da prática para a teoria, numa unidade, na qual se busca a
superação da dimensão fenomênica do objeto para chegar à concretude. Segundo
Frigotto (2000, p. 81):
No processo dialético de conhecimento da realidade, o que importa fundamentalmente não é a crítica pela crítica, o conhecimento pelo conhecimento, mas a crítica e conhecimento crítico para uma prática que altere e transforme a realidade anterior no plano do conhecimento e no plano histórico-social.
Frigotto (ibid.) acrescenta que a práxis não é uma reflexão diletante, mas uma
ação que visa essencialmente a transformação da sociedade na busca pela sua
superação.
15
A categoria da totalidade se refere à compreensão da realidade enquanto um
todo em processo ativo, na qual as partes só possuem significado perante o todo. As
partes configuram o todo por meio de diversas relações que se constroem formando
uma nova síntese. A totalidade envolve de um lado, a realidade objetiva como um
todo coerente em que cada componente está, de uma forma, ou, de outra, em
relação com cada componente e, de outro lado, essas relações formam, na
realidade concreta, conexões concretas, conectados entre si de formas
completamente diversas, mas sempre determinadas (ibid.).
A categoria da contradição apresenta o real e suas contradições intrínsecas.
Na contradição se busca captar o movimento a todo o momento, considerando que a
realidade não é inerte, ela possui múltiplas determinações e está em constante
movimento e mudança (ibid.). A contradição não se encerra no seu oposto, ou no
seu contrário, ela é a essência da dialética, na qual há uma relação entre os
contrários, assim, é somente na relação com o seu contrário, que se chega realidade
concreta. Já a categoria da mediação é a categoria que visa explicitar as relações
existentes entre as partes e o todo, por estes compreenderem uma relação de
interconexões. A mediação é uma maneira possível de o homem se relacionar com
o próprio homem e a natureza transformando-os, no qual tanto natureza quanto o
homem se modificam, essa mediação permite ao homem compreender a realidade
em que vive (ibid.).
Para desenvolvermos a análise do nosso objetivo pautaremos no fenômeno
da reestruturação produtiva, uma vez que este foi o período que marcou as
mudanças no processo produtivo e na educação. Grosso modo, a reestruturação
produtiva foi um fenômeno que trouxe para o mundo do trabalho novas formas
organizacionais que atingiram tanto o trabalhador, quanto a forma do trabalho, bem
como acarretou na intensificação do trabalho e na exigência de um novo tipo de
trabalhador. Nesta pesquisa realizamos um resgate histórico do processo de
reestruturação produtiva no âmbito da globalização da economia, para depois
discorrermos sobre as suas consequências (ANTUNES, 2009; ANTUNES, ALVES,
2004).
Posteriormente nos pautaremos no novo perfil do trabalhador no processo de
produção flexível, isso porque, com as mudanças ocorridas no mundo do trabalho, o
trabalhador com as características típicas do período taylorista/fordista passou a não
ser mais eficiente para o novo padrão de acumulação. A máxima que passou a
16
vigorar foi a exigência de um trabalhador flexível. Contudo, não bastaria uma
mudança apenas no mundo do trabalho, mas na vida social do trabalhador, ou seja,
a adesão a um novo tipo de comportamento compatível com a sociedade moderna.
Sociedade esta que passou a exigir um cidadão mais participativo na questão da
promoção do desenvolvimento econômico e social, bem como, uma classe
trabalhadora mais conformada com sua condição de explorado. Nesse sentido,
André Silva Martins (2007, p. 125, aspas no original) aponta que “na lógica
burguesa, a estratégia para a promoção do ‘Brasil moderno’ deveria se valer da
ampliação do trabalho educativo para além da escola, envolvendo a esfera cultural”.
A partir deste ponto seguimos para a discussão de qual é a função da escola
capitalista. A atual função da escola está em incluir as crianças e os jovens no
sistema escolar, sem se levar em consideração “os padrões de qualidade exigidos
para ingresso no mercado de trabalho” (SAVIANI, 2008a, p. 442). Essa estratégia
visa tão somente melhorar “as estatísticas educacionais porque permite apresentar
números que indicam a ampliação do atendimento escolar” (ibid., p. 442). A classe
burguesa, ao negligenciar a educação oferecida para a classe trabalhadora, mais
uma vez expõe a dualidade estrutural da escola, uma vez que:
A escola, [...], se constituiu historicamente como uma das formas de materialização desta divisão, ou seja, como o espaço por excelência, do acesso ao saber teórico, divorciado da práxis, representação abstrata feita pelo pensamento humano, e que corresponde a uma forma peculiar de sistematização, elaborada a partir da cultura de uma classe social. E, não por coincidência, é a classe que detém o poder material que possui também os instrumentos materiais para a elaboração do conhecimento. (KUENZER, 2009, p. 3).
Após explicitarmos a abordagem escolhida para a elaboração desta pesquisa,
cabe agora apontarmos a estratégia a ser utilizada. Utilizaremos como estratégia a
revisão bibliográfica, a fim de apreender a problemática que envolve nosso objeto. A
revisão bibliográfica nos permitirá analisar o atual estado do conhecimento na área,
no esforço de integrar os estudos para indicar uma contribuição para a expansão
deste conhecimento (ALVES, 1992).
Segundo Alda Judith Alves (ibid., p. 55):
17
O nível de teorização possível em um dado estudo vai depender do conhecimento acumulado sobre o tema focalizado, bem como da capacidade do pesquisador para avaliar a adequação das teorizações disponíveis aos fenômenos por ele observados. Esse esforço de elaboração teórica é essencial, pois o quadro referencial clarifica o racional da pesquisa, orienta a definição das categorias e constructos relevantes e dá suporte às relações antecipadas nas hipóteses, além de construir o principal instrumento para a interpretação dos resultados da pesquisa.
Na próxima sessão explicitaremos a categoria central marxiana5 que permite
ao homem produzir sua existência: o trabalho.
1.2 Da condição ontológica do trabalho ao trabalho no modo de produção
capitalista: fundamentos para compreensão da produtividade
A Economia Política é uma disciplina estudada e discutida há muitos anos,
desde o século XVII, e surge da preocupação de determinadas classes em
compreender as relações sociais, sendo suas questões centrais os interesses
materiais (NETTO; BRAZ, 2008).
Nesta concepção, o trabalho para os economistas liberais seria uma
atividade mercantilizada na qual adquire importância por este tornar “possível a
produção de qualquer bem, criando os valores que constituem a riqueza social”
(ibid., p. 29, itálico no original).
Segundo Karl Marx (1985), o homem é o único ser capaz de dominar seus
instintos e, por conseguinte, dominar a natureza. O homem é capaz de manipular a
natureza, ao contrário dos animais que devem se curvar a esta e se submeter às
suas leis. Mas a natureza humana não é natural do homem, ela foi/é construída
socialmente. Os animais agem por instinto e suas ações são imutáveis, ou seja,
uma ave como, por exemplo, o João-de-Barro, constrói seu ninho da mesma forma
há milhares de anos, mesmo antes dos homens o nomearem como tal. Por outro
lado, as construções habitacionais dos seres humanos são complexas e muito mais
recentes. “Os seres humanos, a partir de um certo ponto da evolução natural
(biológica), tornaram-se biologicamente aptos à realização de uma atividade
chamada ‘trabalho’” (DUARTE, 2004, p 44, aspas no original). Deste modo, o
homem realiza seu trabalho com sua força de trabalho, que é o próprio trabalho
(MARX, 1985).
5 Que se remete diretamente a Karl Marx.
18
É por meio do trabalho que a transformação da natureza acontece e se
constituiu o ser social e se estabelece a sociedade. Segundo José Paulo Netto e
Marcelo Braz (2008, p. 37, itálico no original) “o que chamamos de sociedade são
os modos de existir do ser social; é na sociedade e nos membros que a compõe
que o ser social existe: a sociedade, e seus membros, constitui o ser social e dele
se constitui”. Assim, no processo de trabalho, ou seja, na relação do homem e
natureza, o homem coloca em movimento suas forças naturais para apropriar-se da
“matéria natural numa forma útil para a sua vida” (MARX, 1985, p. 149). O homem
modifica-se, ao mesmo tempo em que a natureza também se modifica. Essa forma
de trabalho é uma condição “que pertence exclusivamente ao homem” (ibid., p.
149). Diferentemente do animal na sua relação com a natureza, do início ao fim do
nosso trabalho, projetamos o resultado final. Citando o exemplo clássico de Marx
(ibid.), afirmamos que a abelha ao construir a colmeia, favo, por favo, ao fim de sua
construção não terá nada além do já esperado, ou seja, uma colmeia típica das
construções das abelhas. Não que estas construções não sejam de se admirar,
porém, o homem é o único que tem a capacidade de construir, reconstruir, e
modificar suas construções.
Os dois exemplos, do João-de-barro e das abelhas, confirmam que o homem
como ser social desenvolve-se minando cada vez mais as suas determinações
naturais, o que para os animais torna-se impossível. Assim, como apontam Netto e
Braz (2008, p. 39, destaque no original) “o homem, portanto, é natureza
historicamente transformada”.
Marx (1985) acrescenta que o homem, além do esforço da sua força de
trabalho, e de toda a movimentação dos seus órgãos, realiza o trabalho orientado
para determinada finalidade. O ser social então se constitui a partir do trabalho, das
suas peculiaridades, e das exigências do trabalho. Ao passo que o trabalho torna-
se cada vez mais complexo, complexifica-se também as objetivações requeridas do
homem, e consequentemente o homem vai se constituindo como ser social
(NETTO; BRAZ, 2008). Logo as:
[...] chamadas sociedades animais (e também, de modo geral, <<a divisão do trabalho>> no reino animal) são diferenciações fixadas biologicamente, como se pode ver com toda a clareza no <<Estado das abelhas>>. Isso mostra que, qualquer que seja a origem dessa organização, ela não tem em si e por si nenhuma possibilidade imanente de um desenvolvimento ulterior; nada mais é que um modo particular de uma espécie animal de adaptar-se ao próprio ambiente (LUKÁCS, 1996, p. 4, destaque no original).
19
“Deste modo é enunciada a categoria ontológica central do trabalho: através
dele realiza-se, no âmbito do ser material uma posição teleológica que dá origem a
uma nova objetividade” (ibid., p. 5).
É na natureza que o homem encontra os elementos que se constituem como
objetos do trabalho humano, esses objetos são objetos puros, puros no sentido que
não sofreram interferência humana alguma, sendo, portanto as matérias-primas.
Neste sentido, Marx (1985) acrescenta que os objetos apoderados pelo homem
tornam-se meios de trabalho. Deste modo, a matéria-prima “torna-se órgão de sua
atividade, um órgão que acrescenta a seus próprios órgãos corporais, prolongando
sua vida natural [...]” (p. 150). Posteriormente, “tão logo o processo de trabalho
esteja em alguma medida desenvolvido de todo, necessita ele de meios de trabalho
já trabalhados” (p. 150).
Segundo Netto e Braz (2008, p. 31, itálico no original) o trabalho “passa a
exigir habilidades e conhecimentos que se adquirem inicialmente por repetição e
experimentação e que se transmite mediante aprendizado”. Então, o homem vai se
formando homem, aprende a ser homem, e esse é um processo educativo que é
realizado pelo trabalho.
Os meios de trabalho já construídos pelo homem “caracterizam o processo
de trabalho especificamente humano e Franklin define, por isso, o homem como
toolmaking animal, um animal que faz ferramentas” (MARX, 1985, p. 151, itálico no
original).
Os meios de trabalho construídos pelo homem, as ferramentas, tornam-se
mediação entre o homem e a natureza. Essas ferramentas desenvolvem-se
conforme se desenvolve a sociedade, e conforme se desenvolve o homem. Por
isso é que Marx (ibid.) destaca a importância das ferramentas, pois, da mesma
forma que os restos de animais, plantas, ou qualquer outro registro arqueológico
são capazes de dar indícios de espécies extintas, as ferramentas fossificadas
permitem a análise de “formações sócio-econômicas desaparecidas. Não é o que
se faz, mas como, com que meios de trabalho se faz, é o que distingue as épocas
econômicas” (ibid., p. 151).
Contudo, como bem lembra Marx (ibid.), as ferramentas não dão indícios
somente do desenvolvimento das formações sócio-econômicas, mas também dão
indícios das condições sociais que os homens trabalhavam em cada período.
20
A criação de instrumentos de trabalho, mesmo nos níveis mais elementares da história, coloca para o sujeito do trabalho o problema dos meios e dos fins (finalidades) e, com ele, o problema das escolhas: se um machado mais longo ou mais curto é ou não adequado (útil, bom) ao fim a que se destina (a caça, a autodefesa etc.) (NETTO; BRAZ, 2008, p. 32, itálico no original).
Netto e Braz (ibid.) destacam que os dois problemas surgidos pelo trabalho,
os meios e fins, seguem primeiro partindo da finalidade, ou seja, o homem primeiro
antecipa a representação do seu trabalho mentalmente antes de iniciar a
construção. O homem projeta o resultado de seu trabalho, mas para que haja a
concretização do trabalho tem que se realizar o movimento entre o objetivo e o
subjetivo, para constituir a objetivação.
Porém, para se alcançar a finalidade, o homem precisa cumprir as
exigências para a concretização do trabalho. É neste sentido que o homem deve
fazer escolhas do que é útil e bom para produzir seus produtos, para que ele se
concretize. Ao deixar de ser subjetivo, o produto objetivado não se identifica mais
com o homem, ambos tornam-se autônomos. “É assim, pois, que no trabalho, surge
primariamente a distinção e a relação entre sujeito (aquele que realiza a ação) e
objeto (a matéria, o instrumento e/ ou o produto do trabalho)” (ibid., p. 33, itálico no
original).
No processo de trabalho a atividade do homem efetua, portanto, mediante o meio de trabalho, uma transformação do objeto de trabalho, pretendida desde o princípio. O processo extingue-se no produto. Seu produto é um valor de uso; uma matéria natural adaptada às necessidades humanas mediante transformação da forma. O trabalho se uniu com seu objetivo. O trabalho está objetivado e o objeto transformado. O que do lado do trabalhador aparecia na forma de mobilidade aparece agora como propriedade imóvel na forma do ser, do lado do produto. Ele fiou e o produto é o fio. [...]. Considerando-se o processo inteiro do ponto de vista de seu resultado, do produto, aparecem ambos, meio e objeto de trabalho, como meio de produção, e o trabalho mesmo como trabalho produtivo (MARX, 1985, p. 151).
Como podemos perceber, as ferramentas adquirem utilidades para atender
determinadas finalidades, bem como, a forma de trabalho produtivo explicitado
acima o legitima no sentido do processo simples do trabalho (ibid.).
Mas, a constituição do trabalho não termina com a objetivação do produto,
pois, uma vez objetivado, o produto passa a possuir valor de uso. Nesse processo
de trabalho, outros valores de uso inserem-se nos meios de produção, e o mesmo
“valor de uso constitui o produto desse trabalho, e o meio de produção daquele.
21
Produtos são, por isso, não só resultados, mas ao mesmo tempo condições do
processo de trabalho” (ibid., p. 151).
Como vimos, um valor de uso é um produto, mas por outro lado pode tornar-
se também matéria-prima, ou meio de produção, dependendo da função que ele
executa no processo de produção. Assim, o valor de uso ao ser introduzido em
outros meios de produção, deixa de ser produto e torna-se “fatores objetivos do
trabalho vivo” (ibid., p. 152). Quando isto ocorre, não há uma preocupação se o
produto passou por um processo de produção anterior, ou, quem o produziu, ou,
como o produziu, o que importa é a boa execução no processo de trabalho. A
preocupação apenas surge quando o produto, como meio de produção apresenta
defeitos, pois, neste estado, o produto não convém para o processo de trabalho.
Por fim, Marx (ibid., p. 153) explicita que:
O processo de trabalho, como o apresentamos em seus elementos simples e abstratos, é atividade orientada a um fim para produzir valores de uso, apropriação do natural para satisfazer as necessidades humanas, condição universal do metabolismo entre homem e Natureza, condição natural eterna da vida humana e, portanto, independente de qualquer forma dessa vida, sendo antes igualmente comum a todas as suas formas sociais. Por isso, não tivemos necessidade de apresentar o trabalhador em sua relação com outros trabalhadores. O homem e seu trabalho, de um lado, a Natureza e suas matérias, do outro, bastavam.
Até este momento procuramos abordar o trabalho em sua condição
ontológica, condição que para se realizar necessita basicamente do homem e da
natureza, uma vez que, como fora dito anteriormente, o homem só se tornou
homem porque se fez homem, o homem precisou aprender a ser homem.
Contudo, não basta o homem projetar a finalidade de seu trabalho, é
necessário que ele reproduza mentalmente “as condições objetivas em que atua (a
dureza da pedra etc.) e possa transmitir a outrem essas representações” (NETTO;
BRAZ, 2008, p. 33, itálico no original). Ao transmitir essas representações o homem
passa a universalizar e generalizar os conhecimentos que deteve, pois, o trabalho
não é algo individualizado, o trabalho é uma atividade coletiva, que necessita de
outros homens, portanto, o trabalho possui caráter social. Netto e Braz (ibid., p. 34,
destaque no original) acrescentam que o trabalho é também “o processo histórico
pelo qual surgiu o ser desses homens, o ser social”.
O homem, ao produzir suas condições de existência pelo trabalho, amplia
também o desenvolvimento dessas mesmas condições de existência. Com o
22
desenvolvimento da humanidade, o modo do trabalho modifica-se, a formação do
homem se modifica, bem como as relações sociais se modificam (SAVIANI, 2003).
Deste modo, a história da humanidade apresenta distintos modos de
produção nos quais “cada nova força produtiva, na medida em que não é uma
simples extensão quantitativa das forças produtivas [...], tem como conseqüência
uma nova constituição da divisão do trabalho” (MARX; ENGELS, 2009, p. 25).
Assim sendo, o trabalho provoca um marco na sociedade que afeta tanto os
homens quanto a sua forma de se organizar.
Portanto, é imprescindível destacarmos que antes do surgimento do modo
de produção capitalista, houve antes o comunismo primitivo, os modos de produção
asiáticos, escravista e feudal. E todos estes modos de produção representam
etapas do desenvolvimento da sociedade ao longo da história, e em cada modo de
produção há a relação entre a produção e as forças produtivas.
Com o desenvolvimento das relações sociais surge a divisão do trabalho, os
novos modos de produzir, bem como surgem diferentes formas de propriedade
(SAVIANI, 2003).
Assim, o primeiro registro de propriedade é a propriedade tribal, na qual a
divisão do trabalho é pouco desenvolvida, se dispondo por meio da divisão natural
no âmbito familiar. É importante destacar que no comunismo primitivo os meios de
produção e os produtos do trabalho eram propriedade coletiva, bem como, as
relações de produção se baseavam na cooperação de todos da tribo.
Segundo Netto e Braz (2008), a existência da comunidade primitiva durou
por mais de trinta mil anos e, pouco a pouco, a introdução de novos elementos - os
quais os autores (ibid., p. 56) caracterizam como os mais importantes a
“domesticação de animais” e o “surgimento da agricultura” - fizeram com que a
comunidade primitiva perdesse a essência da divisão natural do trabalho, levando
ao seu esfacelamento.
Deste modo, as comunidades primitivas que estabeleciam estes novos
elementos em seu interior, passavam a se diferenciar das outras comunidades ao
tratar da terra, estabelecendo moradia fixa e dando fim ao processo nômade. Logo,
as transformações da natureza deram espaço para o aperfeiçoamento das
ferramentas utilizadas no processo de trabalho (ibid.). Assim, a base da produção
das tribos variava entre a caça e a pesca, ou a criação de gado, ou a agricultura
(MARX; ENGELS, 2009).
23
Podemos perceber que as transformações levaram a novas transformações,
que por sua vez potencializaram o processo de trabalho. A potencialização do
processo de trabalho fez com que se ultrapassasse a produção do que era
necessário às necessidades imediatas de subsistência da comunidade. Logo, havia
muitos produtos aos quais os membros das comunidades não conseguiam
consumir. Esse processo de trabalho resultou na produtividade6. Assim, o
desenvolvimento no processo de trabalho o tornou mais produtivo, logo, a produção
chegava além do que era possível consumir, e esse produto tornou-se o excedente
do processo de produção, o que por outro lado, permitiu o surgimento do acúmulo
dos produtos (NETTO; BRAZ, 2008).
Dois efeitos se farão sentir. De um lado, junto com uma maior divisão na distribuição do trabalho (o artesanato avança e se torna relativamente mais especializado), produzem-se bens que, não sendo utilizados no autoconsumo da comunidade, destinam-se à troca com outras comunidades – está nascendo a mercadoria e, com ela, as primeiras formas de troca (comércio). De outro lado, a possibilidade da acumulação abre a alternativa de explorar o trabalho humano; posta a exploração, a comunidade divide-se, antagonicamente, entre aqueles que produzem o conjunto dos bens (os produtores diretos) e aqueles que se apropriam dos bens excedentes (os apropriados do fruto do trabalho dos produtores) (ibid., p. 57, itálico no original).
Com a dissolução das comunidades primitivas, o trabalho não é mais
comunitário, e os resultados do processo de trabalho também já não são repartidos
entre a comunidade (ibid.).
Assim, o segundo registro de propriedade é a forma de propriedade comunal
e estatal antiga, que teria se fundado com a união de diversas tribos, seja pelas
guerras, ou, seja pelos acordos. Somente os cidadãos em comum tinham poder
sobre os escravos sendo, portanto, caracterizado a propriedade comunal.
Conforme ocorre o desenvolvimento da propriedade privada, a estrutura social
existente se desagrega, e o poder que o povo exercia também se abate. Neste tipo
de sociedade a divisão do trabalho estava mais desenvolvida e “a relação de
classes entre cidadãos e escravos está completamente formada” (MARX, ENGELS,
2009, p. 27).
6 A produtividade no interior das sociedades baseadas na divisão do trabalho é uma noção ligada à
exploração do trabalho. Nesse tipo de sociedade o trabalho cria o excedente, e consequentemente o excedente cria o custo e a circulação da mercadoria. O excedente só tem sentido nas sociedades com divisão do trabalho, logo, a produtividade é ligada ao excedente. Em uma sociedade na qual não exista a divisão do trabalho, ou seja, baseada em uma economia planificada não há excedente, e o que é produzido é para atender as necessidades da comunidade (NETTO, BRAZ, 2008).
24
Podemos perceber então que a sociedade, a partir da divisão de classes, se
caracteriza entre dominados e dominantes, sendo ligados apenas pela troca. Isso
porque se inicia a dicotomia entre trabalho material e trabalho intelectual, e essa
divisão entre material e intelectual traz consigo o desprezo em todo tipo de trabalho
que o homem tenha que se submeter à manipulação da natureza. Despreza-se por
fim o homem escravo (ibid.).
O modo de produção escravista introduziu na história da humanidade não
somente a propriedade privada, mas também a exploração do homem, a produção
mercantil entre diversos povos, bem como possibilitou a diversificação da produção
de bens (NETTO; BRAZ, 2008).
Da mesma forma que o modo de produção escravista teve o seu apogeu,
também teve sua derrocada, e quando seu período de transição tornou-se
completo, passou-se a vigorar o modo de produção feudal (ibid.).
Assim, a próxima forma de propriedade é a propriedade feudal, na qual as
relações sociais existentes neste período compuseram-se das seguintes classes: a
classe dos servos e a classe dos senhores feudais. No feudalismo há a oposição
entre a cidade e o campo, e, a propriedade consistia no trabalho do servo, e “no
trabalho próprio com um pequeno capital a dominar o trabalho dos oficiais” (MARX;
ENGELS, 2009, p. 29).
A economia do feudalismo era essencialmente rural e autárquica: cada feudo compunha-se de uma área de terra de extensão variável, envolvendo uma ou mais aldeias, e sua produção era destinada especialmente ao autoconsumo. [...] Mas também no regime feudal o excedente produzido pelos servos era expropriado mediante o monopólio da violência (real e potencial) exercido pelos senhores que, ademais, administravam a justiça no limite dos feudos (NETTO; BRAZ, 2008, p. 69).
Segundo Marx e Engels (2009, p. 75), a oposição entre a cidade e o campo
“é a expressão mais crassa da subsunção do indivíduo à divisão do trabalho, a uma
atividade que lhe é imposta [...]”. No feudalismo os servos eram submetidos a uma
vida miserável, e apesar de receberem terras dos senhores para cultivá-las, o
cultivo era somente para a sua sobrevivência, já que o que produziam não lhe
pertencia. Os servos prestavam serviços para seus senhores e, em troca, estes
garantiam “a proteção da vida do servo” (NETTO; BRAZ, 2008, p. 69).
Com o apogeu do feudalismo, sua estrutura social adquiriu forma mais
complexa com a organização dos artesãos em cooperativas, e as associações
25
entre os comerciantes. Essas organizações facilitaram, deste modo, a expansão
das rotas comerciais e o seu desenvolvimento, favorecendo a ascensão de uma
nova classe social (ibid.).
É a partir da crise do feudalismo que os comerciantes começaram a
movimentar-se para a revolução social a fim de atingir um novo status de classe
social e, com a efetivação do Estado burguês, “a nova classe dominante articulou a
superestrutura necessária para o desenvolvimento das novas forças produtivas”,
surge então o novo modo de produção, o capitalismo (ibid., p. 75). E, com ele,
temos a quarta forma de propriedade, caracterizada pela propriedade privada. As
classes são divididas em proletariado e burguesia, sendo a segunda detentora dos
meios de produção, restando ao proletariado apenas vender sua força de trabalho7
(MARX; ENGELS, 2009).
Nesse processo de trabalho, o homem, desenvolve seu trabalho sob as
ordens do capitalista, e este se encarrega para que o meio de produção satisfaça a
finalidade que lhe compete, que não haja desperdiço de matéria-prima, nem danos
às ferramentas da produção (MARX, 1985).
Procuramos destacar o trabalho ontológico e a relação do homem com a
natureza, bem como das condições da produção da vida do homem e suas
modificações. Ao realizarmos a discussão das diferentes formas de organização de
trabalho, buscamos explicitar a transição da comunidade primitiva até chegarmos
ao capitalismo no contexto mundial, com intuito de compreender o processo de
desconstrução do trabalho ontológico, e o processo de complexificação do trabalho.
A importância em se apontar essas modificações, dá-se pelo fato de que o
homem ao se fazer homem, torna-se um ser integral, mas quando lhe é retirada a
capacidade de projetar, fragmenta-se, torna-se um ser alienado. É neste contexto
das modificações do modo de produzir a vida, e a consequente divisão do trabalho,
e alienação do próprio homem que a produtividade se configura no capitalismo. No
capitalismo a ênfase dada à produtividade leva à necessidade de se alcançar a
produtividade também no âmbito da educação.
Para darmos continuidade a essa discussão, na próxima sessão
7 A venda da força de trabalho no sistema capitalista não garante que o trabalhador seja empregado,
uma vez que o aumento da produtividade ao invés de aumentar os postos de trabalho tende a criar o aumento do desemprego. O aumento dos excedentes faz com que haja o aumento da força de trabalho. Logo, na sociedade capitalista a qualificação torna-se um meio para obter emprego, uma vez que o capital passa a adotar o discurso de que a educação garante a produtividade (SMANIOTTO, 2010).
26
apontaremos a historicidade do trabalho e da produtividade.
1.3 Condição histórica do trabalho e a produtividade no capitalismo: a questão
da educação
O trabalho para qualquer sociedade existente é uma atividade necessária
para reprodução social. O trabalho, conforme vimos na sessão 1.2, é o processo
pelo qual o homem e a natureza se relacionam de forma que a natureza se submete
ao homem, enquanto este a domina. Através do trabalho, o homem produz as
condições de sua existência, exercendo sua força sobre a natureza para
determinado fim (MARX, 1985).
Segundo Marx (ibid.), a força de trabalho é o próprio trabalho, o autor explicita
que a força de trabalho do trabalhador é consumida pelo capitalista que compra
essa força. Nesse caso, o trabalhador torna-se força de trabalho, assim, com a
instauração do modo de produção capitalista, o trabalho passou a adquirir uma nova
condição. O produto produzido por meio do trabalho, que antes tinha valor de uso,
passou a ter também valor de troca. Apesar do valor de uso do produto ainda existir,
este será produzido para satisfazer as necessidades mercadológicas (FERREIRA,
TEOTONIO, BARBOSA, 2012).
Assim, o produto produzido no processo de acumulação capitalista não visa
satisfazer as necessidades do homem, mas, sim, gerar lucro para o capitalista.
Logo, o processo que faz com que a classe burguesa tenha lucros é realizado pela
força de trabalho do homem, mais especificamente, pelo tempo de trabalho não
pago, que gera o produto, a mercadoria.
O trabalho nesse contexto torna-se trabalho abstrato. Logo, o trabalho, antes
livre das exigências de possuir características trocáveis, no modo de produção
capitalista deve se desenvolver sob as condições de produzir mercadoria. O trabalho
passou a ser controlado pelo capitalismo.
Além de mudar a condição do trabalho, o modo de produção capitalista
modificou a condição do trabalhador, a sua força de trabalho, em mercadoria, pois,
como aponta Marx (1985, p. 49) “[...] o trabalho, à medida que é expresso no valor,
já não possui as mesmas características que lhe advêm como produtor de valores
de uso”.
27
Assim, a força de trabalho passou a ser produto comercializável. Nesse
sentido, o capitalista encontra meios de explorar a força de trabalho e lucrar em cima
dessa exploração, uma vez que só terá valor de uso e troca no processo de
produção aquilo que for vendável e lucrativo para o capitalista. Logo, a força de
trabalho, ao se tornar submissa e parte dos elementos da produção, acaba por
produzir mais-valia, que é o trabalho não pago pelos donos dos meios de produção.
Marx (ibid.) destaca o processo de valorização e expõe a mediação existente
no modo de produção capitalista. O capitalista produz sua mercadoria com valor de
uso com vistas a obter valor de troca, na qual ele possa vender seu produto. O
produto gerado deve conter um valor maior do que a soma de todo processo, desde
os materiais, e, a força de trabalho que foi empregada para a confecção do produto.
E é nesse processo que a mais-valia é produzida. Portanto, o produto, possui não
somente valor de uso, mas, também valor. O valor do produto é caracterizado pela
média de tempo de trabalho materializado.
Para ganhar em cima do trabalhador, o capitalista utiliza da artimanha das
“leis do intercâmbio de mercadorias” (ibid., p. 160), ou seja, o trabalhador vende sua
força de trabalho, e, assim “aliena seu valor de uso” (ibid., p. 160). Isso ocorre
devido ao capitalista pagar ao trabalhador apenas um dia de trabalho, que é o valor
da força de trabalho. Logo, o trabalhador vende sua força de trabalho ao capitalista
para realizar a fabricação do produto. O trabalhador produz a mais para o capitalista,
e esse processo leva à transformação do dinheiro em capital. O trabalho gera valor,
mas, também conserva, ou, transfere esse valor para o produto.
O trabalhador agrega valor mediante o seu trabalho abstrato, e, ao agregar
esse novo tempo de trabalho no produto, novo valor é gerado, devido ao tempo de
trabalho despendido, deixando permanecer assim os antigos valores dos meios de
produção no produto.
Marx (ibid., p. 166) ressalta que:
O trabalhador conserva, portanto, os valores dos meios de produção consumidos ou os transfere, como partes componentes do valor, ao produto, não pelo seu acréscimo de trabalho em geral, mas pelo caráter particularmente útil, pela forma específica produtiva desse trabalho adicional. Como atividade produtiva, adequada a um fim — fiar, tecer, forjar —, o trabalho, através de seu mero contato, ressuscita dos mortos os meios de produção, os vivifica para serem fatores do processo de trabalho e se combina com eles para formar produtos.
28
Marx (ibid.) denominou a parte morta do processo produtivo como capital
constante, pois, é a parte do capital que não produz lucro para o capitalista. O
capital constante são os meios de produção que são constituídos pela matéria-prima
e pelos meios de trabalho. Explicita que essa parte do capital desvaloriza-se
constantemente conforme é usado para a produção. Por exemplo, se o capitalista
comprar uma máquina no valor de R$ 10.000, e essa máquina tenha sua vida útil de
10.000 dias, o que acontece é que a máquina ao decorrer dos dias irá se desgastar,
e se desvalorizará. Caso ocorra do capitalista querer vender sua máquina a irá
vender abaixo do preço que pagou. É por isso que Marx (ibid., p. 168) aponta que o
meio de produção “entra em sua totalidade no processo de trabalho, mas só em
parte no processo de valorização”, já que há o desgaste desse meio de produção.
Já a outra parte do capital:
[...] convertida em força de trabalho em contraposição muda seu valor no processo de produção. Ela reproduz seu próprio equivalente e, além disso, produz um excedente, uma mais-valia que ela mesma pode variar, ser maior ou menor. Essa parte do capital transforma-se continuamente de grandeza constante em grandeza variável. Eu a chamo, por isso, parte variável do capital, ou mais concisamente: capital variável (ibid., p. 171).
Marx (ibid.) em suas formulações afirma que o capital variável garante ao
capitalista um lucro que não é obtido com o capital constante.
A exploração da força de trabalho segundo Marx (ibid.) é calculada pela taxa
de mais-valia. A taxa de mais-valia assim denominada por Marx (ibid.) indica a razão
entre o capital variável e a mais-valia, ou seja, é a taxa de exploração da força de
trabalho. Essa exploração da força de trabalho pode ser realizada pela produção da
mais-valia absoluta e a mais-valia relativa. Segundo Marx (ibid.) a mais-valia
absoluta configura-se pelo aumento da jornada de trabalho, ou ainda pela
intensificação do trabalho.
Há ainda, como aponta Marx (ibid.), a produção da mais-valia relativa, que é
utilizada essencialmente pelos capitalistas. A produção da mais-valia relativa
configura-se pela implantação de inovações técnicas no processo produtivo, que
aumentam a produção social do trabalho, e, em contrapartida diminuem o valor dos
produtos.
Para a geração da mais-valia relativa não há alteração na jornada de trabalho,
e nem intensificação do trabalho. Isso se deve por conta do capitalista sempre
querer ganhar do concorrente, investir em capital constante, em maquinaria, para
29
obter melhores índices de produção com um tempo de trabalho abaixo do qual seria
socialmente necessário. Ou seja, o aumento de maquinaria, leva ao aumento da
produção, que resulta no aumento da produtividade8 do trabalho, logo, o capitalista
acha mais vantajoso investir em capital constante, do que em capital variável. Essa
jogada do capitalista é eficaz somente enquanto sua tecnologia for única, pois,
quando a nova tecnologia alcança os meios de produção dos outros capitalistas, a
geração de mais-valia extra da empresa que utilizava da inovação tecnológica,
termina por se equiparar ao de seus concorrentes. Marx (ibid.) chama a atenção que
no ápice da produção da mais-valia relativa diante da competitividade dos
capitalistas, o desemprego torna-se uma consequência, que pode diminuir quando
inovações surgirem no meio de produção e necessitar de novos trabalhadores9.
Nesse ponto chamamos a atenção para a desvalorização que o capitalista
realiza para com o trabalhador, e mais especificamente no atual estágio do modo de
produção capitalista. Ao se valorizar as máquinas, as inovações tecnológicas com
vistas apenas nos lucros, a desvalorização do trabalhador acaba por se refletir no
salário, na qualificação, e, por conseguinte na educação da classe trabalhadora.
Ao realizarmos a discussão da condição histórica do trabalho, pretendemos
chamar a atenção para o fato de o trabalho ter passado por mudanças para atender
cada modo de produção. Como na sociedade capitalista o que importa é a
acumulação do capital, bem como a busca da centralização do capital para
derrubar o concorrente, essa disputa acaba por atingir a classe trabalhadora que
fica a mercê das ações dos patrões. Contudo, como aponta Marx (ibid.) como a
base produtiva da sociedade capitalista concentra-se na produção da mais-valia
relativa, os trabalhadores tendem a ser desvalorizados frente à valorização do
capital constante. Tendo em vista que nosso foco neste ponto concentra-se na
discussão do atual estágio do capitalismo, destacamos que esses trabalhadores
somente adquirem oportunidade de voltar ao mundo do trabalho caso possuam as
competências necessárias para o processo produtivo.
Porém, para atender as necessidades do processo produtivo o trabalhador
tem como respaldo a educação escolar. A educação, mais precisamente a escola
8 Tem-se que no capitalismo a mais-valia resulta no aumento de produtividade, que em contrapartida
exige a qualificação do trabalhador para acompanhar o avanço tecnológico. Portanto, o avanço das forças produtivas condiciona de imediato uma necessidade de adaptação e qualificação do trabalhador. 9 É nesse sentido que o processo da dimensão histórica do trabalho leva à produtividade, que por
outro lado traz a necessidade de uma intervenção na educação.
30
conforme vimos na introdução deste trabalho, foi objeto de discussão de
economistas e críticos da teoria do capital humano. Tendo isso posto, afirmamos
conforme Saviani (1992), que a educação é um fenômeno da existência dos
homens, e os homens para existirem precisam antes de tudo criar condições para
sua existência por meio do trabalho.
Deste modo, Saviani (ibid., p. 19) explicita que a educação é “uma exigência
do e para o processo de trabalho, bem como é, ela própria, um processo de
trabalho”. E, mais além, a educação é uma construção humana, e sem a
apropriação da herança cultural passada, não seria possível a “construção do
homem em sua especificidade” (PARO, 1999, p. 109). Portanto, se “o homem não
tem sua existência garantida pela natureza, mas precisa produzi-la, ele necessita
aprender a produzi-la; ele precisa aprender a agir sobre a natureza” (SAVIANI, 2007,
p. 10). Nesse sentido a educação tem um importante papel que permitiu que a
humanidade não ficasse estagnada em uma situação primitiva, uma vez que o
homem cria a sua humanidade por meio do trabalho e a transmite por meio da
educação.
Ao longo dos anos, conforme os homens passam a se organizar para
produzir, trocar seus produtos, e como eles definem as propriedades dos meios de
produção, o processo educativo vai se configurando de acordo com as finalidades
que lhes são impostas pela classe social que está no poder. É nesse sentido que
Aníbal Ponce (1984) afirma que o ideal pedagógico encontra-se dominado pela
hegemonia social, porém, em cada estágio da humanidade a finalidade da educação
visa à interesses distintos, uma vez que, a formação social é distinta.
O homem, ao longo da história e no atual estágio do processo produtivo,
permanece em contato com a natureza, mesmo executando o trabalho abstrato. E
assim, nesse processo histórico a educação configura-se como “atualização
histórica de cada indivíduo” (PARO, 1999, p. 109). E é na escola que o
conhecimento historicamente acumulado deveria ser passado para as novas
gerações que não tiveram contato com as descobertas do saber desde os mais
simples, aos mais complexos. Sem a educação, o homem teria que reinventar a
cada nova geração os conhecimentos historicamente acumulados (ibid.).
No próximo capítulo apresentaremos as mudanças que ocorreram no
processo produtivo taylorista/fordista e que afetaram o âmbito do trabalho e da
educação.
CAPÍTULO 2
TRABALHO E EDUCAÇÃO, TEORIA DO CAPITAL HUMANO E
PRODUTIVIDADE DA ESCOLA IMPRODUTIVA
O objetivo deste capítulo é realizar a discussão das mudanças que
ocorreram no processo produtivo e que afetaram o âmbito do trabalho e da
educação no período taylorista/fordista. Na primeira parte deste capítulo será feita
uma apresentação da organização do trabalho no taylorismo/fordismo. Na segunda
parte será apresentada a teoria do capital humano. Já na terceira parte
realizaremos a discussão da mediação entre a escola e o processo produtivo
taylorista/fordista a partir das tendências do período exposto.
2.1 Da condição do trabalho alienante à formação alienadora do trabalhador
A organização do trabalho sofreu diversas mudanças passando por diferentes
transições do modo de produção até a constituição do atual padrão de acumulação.
Mas qual a importância de se discutir as mudanças do mundo do trabalho em uma
pesquisa que busca compreender a função mediadora da escola no processo
produtivo? Antes de prosseguirmos na discussão da condição do trabalho alienante
é necessário que compreendamos os determinantes que impulsionaram o
fortalecimento do capitalismo no âmbito da produtividade. O capitalismo pode
influenciar nas ações da educação, da escola, da sua função, o que diretamente
afeta a educação da classe trabalhadora. Portanto, é imprescindível esta discussão,
pois, como pontua Frigotto (2000, p. 87), ao iniciarmos uma pesquisa não partimos
do nada, mas “partimos de condições já dadas, existentes [...], que gerou a
necessidade da pesquisa se problematizar”.
Como apontado anteriormente, as relações capitalistas foram se constituindo
lentamente conforme o sistema feudal foi sendo superado. Com a concentração do
comércio e da manufatura em países da Europa, o mercado começou a se tornar
mundial, e o processo de produção já não dava conta das demandas. O comércio
que antes era restrito a determinados produtos, tornou-se cada vez mais
diversificado. A manufatura começou a ceder espaço para a indústria, para a
concorrência universal, e a concentração do capital (MARX; ENGELS, 2009).
Assim, Marx e Engels (ibid.) apontam que:
32
No lugar das cidades surgidas naturalmente criou as grandes cidades industriais modernas, [...] onde penetrou, destruiu o artesanato e, de um modo geral, [destruiu] todas as fases anteriores da indústria. Completou a vitória [da] cidade comercial sobre o campo [...] Criou, em geral por toda a parte, as mesmas relações entre as classes da sociedade, e aniquilou, por esse meio, a particularidade de cada uma das nacionalidades. E, finalmente, ao passo que a burguesia de cada nação ainda conserva interesses nacionais particulares, a grande indústria criou uma classe que, em todas as nações, tem o mesmo interesse, e na qual a nacionalidade está já anulada, uma classe que realmente já está livre de todo o velho mundo e, ao mesmo tempo, a ele se contrapõe. Torna insuportável para o operário não só a relação com o capitalista mas o próprio trabalho (ibid., p. 88-89).
Grosso modo, o processo de produção capitalista concentra-se no acúmulo
de bens, sendo que o capital é a forma personificada para a compra da força de
trabalho do homem, bem como é a moeda de troca das ferramentas necessárias à
produção. Com o crescimento da indústria e da concorrência, todo o condicionante
da existência humana se funde em “propriedade privada e trabalho” (ibid. p. 105). É
neste sentido que Marx e Engels (ibid., p. 105) ressaltam que no “dinheiro reside,
portanto, o fato de todo o intercâmbio até os nossos dias ser apenas o intercâmbio
dos indivíduos em determinadas condições, e não dos indivíduos como indivíduos”.
Os homens submetem-se à divisão do trabalho e é por ela que as condições
de trabalho também se fragmentam. Logo, tudo se fragmenta, o capital, o trabalho,
as propriedades privadas, o homem e o seu conhecimento, assim, “o próprio
trabalho só pode existir sob a premissa dessa fragmentação” (ibid., p. 106).
Com a revolução industrial no século XVIII, presencia-se a ocupação das
máquinas no lugar dos trabalhadores e a produção em massa se estabelece para
dar conta das demandas exigidas no processo produtivo, o resultado da introdução
das máquinas é o crescimento do desemprego na sociedade, consoante ao
desemprego, a miséria se alastra. O homem, o trabalhador, torna-se apenas um
complemento da máquina, que pode ser substituído assim que apresentar algum
defeito. O trabalho sob essas condições tornou-se alienador e de regime exploratório
(ibid.).
István Mészáros (2002, p. 185) acrescenta que a classe burguesa assegura
“seu domínio absoluto sobre todos os seres humanos”, bem como, “os ilude com
relação às suas motivações como ‘agentes livres’ e também em relação à margem
perceptível de suas ações” (ibid., p. 187, aspas no original). Assim, os dominados e
iludidos são os homens da classe trabalhadora, e de outro lado a classe burguesa,
33
dona do produto e dos meios de produção. Deste modo, no sistema de produção
capitalista, o trabalhador vende sua força de trabalho em troca de salário para poder
garantir sua subsistência.
Essa conformação mais complexificada da classe trabalhadora assume, no contexto do capitalismo atual, uma dimensão decisiva, dada pelo caráter transnacionalizado do capital e de seu sistema produtivo. Sua configuração local, regional e nacional se amplia em laços e conexões na cadeia produtiva, que é cada vez mais internacionalizada. [...] Assim como o capital é um sistema global, o mundo do trabalho e seus desafios são também cada vez mais transnacionais [...] (ANTUNES, 2009, p. 115, itálico no original).
Conforme as relações capitalistas foram se constituindo, a classe burguesa
vai buscando fortalecer e manter o capitalismo como sistema produtivo vigente,
procurando sempre novas formas de alienação e exploração do trabalhador. A partir
das crises advindas da escassez dos postos de trabalho, os trabalhadores passaram
a buscar alternativas para se manter no emprego. Assim:
Os efeitos da grande depressão do final do século, aliados à grande massa de imigrantes que anualmente chegavam aos Estados Unidos à procura de emprego, levavam a que a grande maioria dos trabalhadores compartilhasse a idéia de que se todos trabalhassem menos haveria uma melhor oferta de empregos (RAGO, MOREIRA, 1984, p. 16).
Logo, a revolução industrial permitiu a introdução do método racional da
produção elaborado por Frederick Winslow Taylor. Este método possibilitou o
aumento da produtividade com economia de tempo, bem como permitiu a diminuição
dos gastos de movimentos dos trabalhadores, levando a um aperfeiçoamento da
divisão social do trabalho no espaço industrial. Visando acabar com a posição dos
trabalhadores de manter menos ritmo de trabalho para a manutenção do emprego,
Taylor defendeu a ideia de que a produtividade do trabalho geraria lucros tanto para
os patrões, quanto para os trabalhadores, “para os quais os ganhos seriam
representados nos salários maiores e nos prêmios de produção” (ibid., p. 17).
O método elaborado por Taylor, denominado de gerência cientifica do
trabalho, configurou-se pelo esforço de aplicação dos “métodos da ciência aos
problemas complexos e crescentes do controle do trabalho nas empresas
capitalistas em rápida expansão” (BRAVERMAN, 1981, p. 82). A gerência científica
iniciada por Taylor visava a adaptação do trabalho ao processo produtivo. Para
Taylor, o controle do processo do trabalho não poderia partir do trabalhador, logo,
34
havia a necessidade da introdução do processo de divisão do trabalho entre o
manual e intelectual no âmbito do processo produtivo.
Taylor criou, para tanto, alguns princípios que nortearam o método
organizacional. O primeiro princípio se baseou em um estudo sistemático no qual
Taylor denominou de “dissociação do processo de trabalho das especialidades dos
trabalhadores” (ibid., p. 103, itálico no original). Nesse princípio, o administrador
agrupa todo o conhecimento ao qual era de posse do trabalhador e o reduz para que
o processo de trabalho seja independente das capacidades dos trabalhadores.
Assim, a gerência teria todo o domínio do conhecimento que antes pertencia ao
trabalhador (ibid.).
A consequência da fragmentação do processo de trabalho dentro da fábrica
foi a divisão dos locais do trabalho. As fábricas passaram a ser divididas em um
local onde são “executados os processos físicos da produção”, que podemos
chamar de o chão da fábrica, e em um local onde são “concentrados o projeto antes
posto em movimento” (ibid., p. 112), ou seja, o escritório da gerência.
Para Taylor, o problema que deveria ser solucionado era quanto ao
desperdício que ocorria durante o processo físico da produção. Para que não
houvesse desperdício, Taylor focou nas atividades gerenciais que deveriam ter o
total controle na imposição ao trabalhador sobre como o trabalho deveria ser
executado. O trabalhador deveria ser adestrado e controlado, e o principal para o
processo produtivo deveria ser sempre a eficiência (ibid.).
Para isso, Taylor desenvolveu o segundo princípio que visava à extinção do
trabalho mental entre os trabalhadores. A partir do momento que o trabalho se torna
um fenômeno social, tem-se a oportunidade de dicotomizar a concepção e a
execução do trabalho, levando o homem a equiparar-se “ao nível de trabalho em sua
forma animal” (ibid., p. 104). Essa dicotomização tinha por objetivo baratear o
trabalhador ao diminuir seu preparo aumentando sua produção, uma vez que o
trabalhador seguiria instruções simplificadas sem pensar e sem compreender os
raciocínios técnicos (ibid.).
Já o terceiro princípio desenvolvido por Taylor definia que o elemento
essencial era o pré-planejamento e o pré-cálculo de todos os elementos do processo
de trabalho, para que assim somente a equipe de gerência tivesse o processo na
mente. Ou seja, cabia à equipe de gerência a “utilização deste monopólio do
35
conhecimento para controlar cada fase do processo trabalho e seu modo de
execução.” (ibid. p.108).
Segundo Luzia Margareth Rago e Eduardo Moreira (1984), a organização
científica do trabalho foi imperativa não somente no espaço do processo produtivo,
mas alcançou as atividades para além do mundo do trabalho, ou seja, penetrou a
vida da sociedade em seu modo de racionalizar o tempo. Assim, apesar da
resistência do proletariado com o método taylorista, Taylor conseguiu implantar seu
método no processo produtivo e para além dele.
Junto com o taylorismo, outro método que foi instaurado com sucesso no
processo produtivo foi o fordismo. Segundo David Harvey (2000, p. 121):
[...] as inovações tecnológicas e organizacionais de Ford eram mera extensão de tendências bem-estabelecidas. [...] Ford também fez pouco mais do que racionalizar velhas tecnologias e uma detalhada divisão do trabalho preexistente, embora ao fazer o trabalho chegar ao trabalhador numa posição fixa, ele tenha conseguido dramáticos ganhos de produtividade. [...] O que havia de especial em Ford (e que em última análise, distingue o fordismo do taylorismo) era a sua visão, seu reconhecimento explícito de que a produção de massa significava consumo de massa, um novo sistema de reprodução da força de trabalho, uma nova política de controle e gerência do trabalho, uma nova estética e uma nova psicologia, em suma, um novo tipo de sociedade democrática, racionalizada, modernista e populista.
E com o processo de instauração do padrão de acumulação fordista, o
trabalhador passou a ser controlado tanto dentro quanto fora da indústria. Isso
porque Henry Ford formulou uma estratégia na qual um grupo de assistentes sociais
foi enviado para acompanhar a vida dos trabalhadores, a fim de confirmar se o novo
perfil exigido pelo mundo do trabalho estava sendo atingido. Outra estratégia para
consolidação do modelo fordista foi a instauração de oito horas e cinco dólares para
o trabalhador. Ford acreditava que o trabalhador adquiriria, assim, a disciplina
necessária para se alcançar melhores resultados de produtividade e, como se não
bastasse, Ford também aumentou os salários dos trabalhadores de sua empresa,
mesmo diante da grande depressão a qual a sociedade passava (ibid.).
Como podemos perceber segundo os apontamentos de Harvey (ibid.), o
binômio taylorismo/fordismo tornou-se modelo para o processo produtivo com vistas
à racionalização e à produção em massa. Porém, como apontamos anteriormente,
este era o período da grande depressão e, ao contrário do que Ford imaginava, a
36
crise era real, logo, muitos trabalhadores tiveram que ser demitidos para regular a
crise (ibid.).
Diante da crise, um novo modelo de gestão estatal entrou em ação a fim de
salvar o capitalismo. Segundo Harvey (ibid., p. 124), “foi necessário conceber um
novo modo de regulamentação para atender aos requisitos da produção fordista”.
Pari passu, o fordismo foi se consolidando, não sem diversas resistências. Assim, “o
problema da configuração e uso próprio dos poderes do Estado só foi resolvido
depois de 1945. Isso levou o fordismo à maturidade como regime de acumulação
plenamente acabado e distintivo” (ibid., p.125). A população passou a desfrutar de
padrões de vida que antes não podiam, e a crise foi reprimida. Segundo David
Harvey (ibid., p. 125), “o fordismo se aliou firmemente ao keynesianismo, e o
capitalismo se dedicou a um surto de expansões internacionalistas de alcance
mundial que atraiu para a sua rede inúmeras nações descolonizadas”, o Estado com
novo papel assumido, disponibilizava investimentos no âmbito social, como saúde,
educação, moradia, etc., bem como o Estado também exercia influência nos acordos
salariais estabelecidos entre patrões e trabalhadores10.
Mas, muito mais que atender as exigências do fordismo, é importante
destacar que o Estado de Bem Estar Social foi uma estratégia para solucionar
paliativamente a crise do período conhecido como a grande depressão. Harvey
(ibid.) em suas formulações aponta que o estabelecimento do fordismo foi um
processo complicado e longo, que, dependeu de decisões de diversos segmentos
corporativistas, estatais e institucionais envoltas de “escolhas políticas feitas ao
acaso ou respostas improvisadas às tendências de crise do capitalismo,
particularmente em sua manifestação na Grande Depressão dos anos 30” (ibid., p.
122 - 123).
Segundo Antonio Gramsci (2008), o fordismo não era apenas um método
racional para o trabalho, mas um método persuasivo, que, agia de maneira a
influenciar os trabalhadores não somente no trabalho, mas também em sua vida
além da fábrica.
Muito mais que produzir, a indústria deveria se preocupar com o consumo.
Para que isso ocorresse foi necessário um planejamento social, no qual o
trabalhador foi adestrado para atitudes automáticas, e se consumia na produção dos
10 A figura do Estado compreende a materialização da ação da classe dominante.
37
produtos. Ou seja, a indústria forçava a desqualificação do trabalhador, e por outro
lado o trabalhador não sentia a necessidade de buscar a qualificação, pois, sua
principal qualificação era mecanizada. Esse se tornou um processo que trouxe para
a sociedade novas condições de vida e de reprodução dos trabalhadores. O
taylorismo/fordismo produziu, portanto, um novo projeto de sociabilidade, no qual
conformou a classe trabalhadora a trabalhar em condições de trabalho exaustivas e
repetitivas, bem como a classe trabalhadora assumiu-se consumidora da produção
em massa (ibid.).
Ressaltamos que essa conquista para a produção capitalista deu-se pela
eficácia de Henry Ford em ocupar-se com a vida do trabalhador. Uma vez que o
trabalho repetitivo e desqualificado impedia a identificação do trabalhador com o
produto de seu trabalho, a estratégia foi inserir hábitos com viés moralista, e um
acompanhamento assistencial no dia a dia da classe trabalhadora. Gramsci (ibid.)
apontou que o método fordista tornou-se um moderníssimo jeito de trabalhar, de
cunho coercitivo, no qual proibira aos trabalhadores os vícios do consumo de bebida
alcoólica, a fim de que esse vício, não atrapalhasse na vida da fábrica. Ford
percebeu que somente o aumento salarial não garantiria a disciplina dentro da
fábrica, pois, se o trabalhador tivesse uma vida boêmia e desregulada quanto a sua
vida conjugal, e, emocional, esses hábitos influenciariam o trabalho dentro da
indústria (ibid.). Assim o fordismo teve êxito com a implantação do chamado
proibicionismo que “era uma condição necessária para desenvolver o novo tipo de
trabalhador em conformidade com uma indústria fordizada [...]” (ibid., p. 29-30, itálico
no original).
Assim, como aponta Gramsci (ibid.) a estratégia de Ford foi uma forma de
criar não somente um novo tipo de operário, mas foi a construção de um novo ser
social, um homem americanizado. O estilo de vida taylorista/fordista permitiu aos
trabalhadores a construção de uma vida linear, e estável, na qual era possível criar
expectativas para a vida a longo prazo. Ou seja, os trabalhadores podiam planejar
suas vidas a longo prazo, bem como as relações familiares, e sociais também
possuíam uma vida longa, e ainda sabiam exatamente quando poderiam se
aposentar (SENNETT, 1999).
Mas o que afeta o trabalhador nas mudanças no processo produtivo são as
formas organizacionais, ou seja, o trabalhador do período taylorista/fordista viu-se
38
totalmente distante do produto do seu trabalho. Pois, como bem estruturaram Taylor
e Ford:
A separação entre o operário e o seu instrumento vai determinando uma separação entre trabalhador e conhecimento, entre trabalhador e ciência. O saber do trabalhador fica agora transferido à máquina. Extirpa-se a ciência do trabalhador comum. É com a incorporação do instrumento à maquinaria que se aguça o trabalho abstrato, desqualifica-se, de modo crescente, o posto de trabalho e prescinde-se cada vez mais da qualificação do trabalhador (FRIGOTTO, 1984, p. 83).
A ciência passa a não ser mais atributo do trabalhador, e aprofunda-se o
trabalho abstrato e coletivo. As máquinas passam a ditar as qualificações que o
trabalhador deve possuir para que este possa trabalhar de acordo com os requisitos
exigidos por ela. Há um aprofundamento da separação entre trabalho intelectual e
manual. Neste ponto podemos perceber a preocupação da classe burguesa com a
educação do trabalhador, no qual os sistemas de educação passam a ser marcados
pela dualidade estrutural, sendo que para a classe trabalhadora deveria ser
reservada uma aprendizagem mecânica e uma educação propedêutica para a
classe burguesa (KUENZER, 1991).
Nesse sentido, o sistema capitalista pretende formar o trabalhador, e por
outro lado não quer socializar o conhecimento, entretanto, tem que qualificar para o
trabalho (ibid.).
No âmbito do Estado, as forças políticas concluíram que houve a necessidade
de um novo tipo de formação do trabalhador, já que o processo produtivo
taylorista/fordista demandava a realização de tarefas fragmentadas. A exigência de
atividades especializadas em nada favoreceu o trabalhador, uma vez que a
especialização serviu para fragmentar o conhecimento do processo do trabalho que
antes o trabalhador detinha em sua concepção total.
Assim, o processo de acumulação capitalista cria o processo de trabalho
alienador e o trabalhador alienado. Não acreditamos ser forçosa a expressão
trabalhador alienado, uma vez que o trabalho para o homem se torna estranhado, e
o que ele produz lhe é estranho.
Na próxima sessão mostraremos como o sistema capitalista alcança seus
objetivos e necessidades mantendo-se como sistema vigente, no qual a educação,
respaldada pela teoria do capital humano, torna-se um dos instrumentos ideológicos
para a classe burguesa permanecer como classe dominante e dirigente.
39
2.2 A Teoria do Capital Humano: a tese da produtividade da escola
Com o avanço da sociedade capitalista, a educação é tida como um elemento
principal para a manutenção da ordem, da estabilidade do capital e dos interesses
econômicos da classe burguesa. É, pois, nesse contexto que Theodore Schultz
(1967, p. 10) afirma que o investimento em capital humano constitui grande
influência “sobre o crescimento econômico; e que o investimento básico no capital é
a educação”.
As discussões do capital humano suscitaram uma concepção tecnicista a
respeito do ensino e da organização da educação, bem como a educação passou a
carregar consigo o estigma tanto do desenvolvimento econômico de um país, quanto
do desenvolvimento do indivíduo. Assim, a educação tornou-se um dos
protagonistas dos discursos de economistas, porém, devemos assinalar que
somente no final da década de 1950 essa discussão ganhou grandes proporções.
Isso porque, como assinala Frigotto (1984, p. 39):
De acordo com a visão neoclássica, para um país sair de estágio tradicional ou pré-capitalista, necessita de crescentes taxas de acumulação conseguidas, a médio prazo, pelo aumento necessário da desigualdade (famosa teoria do bolo, tão amplamente difundida entre nós). A longo prazo, com o fortalecimento da economia, haveria naturalmente uma redistribuição. O crescimento atingido determinaria níveis mínimos de desemprego, a produtividade aumentaria e haveria uma crescente transferência dos níveis de baixa renda do setor tradicional para os setores modernos, produzindo salários mais elevados.
A visão exposta parte da perspectiva burguesa de se compreender e articular
a educação e a economia. É neste segmento que Schultz (1967) afirma que a
instrução11 traz satisfações que podem se manifestar tanto no presente como no
futuro, porém, quando as satisfações são alcançadas a longo prazo, a instrução é
considerada como investimento, já que esse investimento poderá cobrir as despesas
e rendas no futuro. Assim, o investimento na instrução, ou seja, o aprimoramento
das habilidades e dos conhecimentos de uma pessoa passa a fazer parte do
componente da produção, pois, estes se assemelham aos investimentos realizados
em capitais fixos.
11
Theodore Schultz (1967) em seu livro O valor econômico da educação realiza uma distinção entre a educação e a instrução, sendo que instrução representa as atividades que compõem parte integral do ensino e aprendizado de estudantes, e a educação vai além do ensino e da instrução que agregam os currículos.
40
Nesta visão, a instrução também é equiparada a um bem de consumo
durável, no qual, “na qualidade de componente durável do consumo, [a instrução] é
uma fonte de prazeres potenciais, que eleva a futura renda efetiva” (ibid., p. 24).
Schultz (ibid., p. 25) acrescenta:
Sempre que a instrução elevar as futuras rendas dos estudantes, teremos um investimento. É um investimento no capital humano, sob a forma de habilidades adquiridas na escola. Existem numerosos investimentos no capital humano e as cifras tornam-se elevadas. Pode-se dizer, na verdade, que a capacidade produtiva do trabalho é, predominantemente, um meio de produção produzido. Nós ‘produzimos’, assim, a nós mesmos e, neste sentido, os ‘recursos humanos’ são uma conseqüência de investimentos entre os quais a instrução é da maior importância (aspas e itálico no original).
Podemos perceber que, para Schultz (ibid.), a educação de modo geral se
reduz a um conjunto de capacidades, as quais o trabalhador desenvolverá para
poder adentrar ao processo de produção. O valor da educação resume-se a um
investimento para o mundo do trabalho, o homem nesse sentido investe em
capacidades que não o capacitam para além do processo produtivo. Portanto, esse
investimento de maior importância apontado por Schultz (ibid.) passa a justificar as
disparidades existentes na sociedade, seja no âmbito produtivo, ou no âmbito da
individualidade.
Logo:
O conceito de capital humano – ou, mais extensivamente, de recursos humanos – busca traduzir o montante de investimento que uma nação faz ou os indivíduos fazem, na expectativa de retornos adicionais futuros. Do ponto de vista macroeconômico, o investimento no ‘fator humano’ passa a significar um dos determinantes básicos para o aumento da produtividade e elemento de superação do atraso econômico. Do ponto de vista microeconômico, constitui-se no fator explicativo das diferenças individuais de produtividade e de renda e, consequentemente, de mobilidade social (FRIGOTTO, 1984, p. 41).
Nas formulações de Schultz (1967), não é levada em consideração a
condição de classe social à qual o indivíduo pertence, iguala-se a todos como se
todos pudessem competir de forma igual.
No plano microeconômico do capital humano, o homem é visto como um
somatório de força de trabalho e educação. Neste plano, Frigotto (1984, p. 45)
destaca a preocupação dos economistas em evidenciar “o efeito de diferentes tipos
41
e níveis de escolarização em termos de retorno econômico” quanto ao custo-
benefício, taxa de retorno e técnicas de fornecimento de força de trabalho.
Já no plano macroeconômico, a teoria do capital humano se constitui em um
complemento da teoria neoclássica do desenvolvimento econômico, no qual se
afirma que um determinado país sairia da sua condição pré-capitalista a partir do
aumento das taxas de acumulação e da desigualdade. E posteriormente ocorreria
uma redistribuição da economia conforme esta se fortalecesse (ibid.).
A educação, segundo Schultz (1967), eleva-se a uma economia em
desenvolvimento, ou seja, a educação potencializa a capacidade de adaptação dos
indivíduos diante das mudanças das oportunidades de emprego decorrente do
crescimento econômico. Neste cenário, o trabalhador estaria apto a trocar de
emprego e até mesmo deixar sua especialidade para adentrar em um campo de
trabalho que oferecesse mais oportunidade. Schultz (ibid.), a partir da
sistematização da teoria do capital humano, exemplifica da seguinte forma:
Sob as mais diversas circunstâncias, é reconhecido que os indivíduos com oito anos de instrução primária estão mais preparados para enfrentar novos empregos do que os que tiveram apenas quatro anos ou menos de instrução. Da mesma forma, os que possuem instrução secundária estão melhor preparados para fazer essa adaptação do que os que possuem apenas o curso primário. [...] A instrução, nessa conjuntura, é valiosa, por constituir um estímulo à flexibilidade na realização desses reajustamentos ocupacionais e regionais (ibid., p. 57).
Logo, aqueles que não investissem em sua educação estariam sujeitos ao
fracasso, no sentido ocupacional, por não terem o preparo suficiente e não se
enquadrarem aos requisitos das constantes mudanças no mundo do trabalho. O
indivíduo torna-se o culpado por seu desemprego e por sua falta de retorno
econômico, o que denota a estratégia da classe dominante para a formação do
consenso para a classe trabalhadora.
Há uma crescente ideia de que a obtenção da educação pelo indivíduo, de
maneira massiva, é que o impulsionaria a uma carreira bem sucedida, ou o
impulsionaria a adquirir salários mais elevados, mesmo que esse não seja o objetivo
da teoria do capital humano. É o discurso da meritocracia amparada à ideologia do
capitalismo que reforça o estímulo do capital humano. Contudo, essas afirmações
tendem a iludir a classe trabalhadora de que a educação seria a resposta para a
desigualdade social.
42
Contrapondo-se aos discursos hegemônicos, Frigotto (1984) apresenta o
caráter circular interno do capital humano resultante da ótica da classe dominante
que a oculta. Ao analisar o capital humano, o autor expõe a circularidade que
envolve a teoria, no qual o determinante se transforma em determinado, ou seja, a
educação como determinante do desenvolvimento e de distribuição de renda,
transmuta-se em determinada pelo fator econômico.
Acácia Kuenzer (1991, p. 53), em suas formulações, afirma que:
[...] a realidade histórica da visão entre classes antagônicas transmuta-se em estratificação social, onde as relações de dominação e exploração são substituídas pela ideologia do mérito, do esforço individual, da vocação, da racionalidade. O capital deixa de ser concebido como uma relação social para reduzir-se aos seus aspectos puramente físicos; o trabalho, de ação transformadora de natureza tendo em vista a produção das condições materiais de existência, fundamento do conhecimento e princípio educativo, passa a ser mercadoria-trabalho assalariado. A educação, de prática social, histórica, política e técnica, reduz-se à sua função técnica de formar recursos humanos.
É assim que é formado o capital humano, com um discurso burguês que
defende o investimento em escolaridade, em treinamento a favor do
desenvolvimento econômico. A partir da introdução do ‘fator H’, ou seja, de recursos
humanos no vínculo existente entre a educação e o desenvolvimento é que se pôde
estabelecer a função de produção. A função de produção apresenta-se então no
seguinte esquema: renda nacional, ou, individual (Y) que é determinada por capital
fixo (K), trabalho (L) e por capital humano (H). O capital humano é constituído pela
educação, pelo treinamento, com variações de tempo de escolaridade, rendimento
escolar, aproveitamento escolar que, por conseguinte, varia conforme o seu
desdobramento e seus retornos. A renda nacional, ou individual, seria função de um
conjunto de fatores socioeconômicos, ou seja, um leque de fatores que vai desde o
meio familiar, aos diversos fatores escolares. Segundo Frigotto (1984), esta análise
demonstra uma inversão que flagra o modelo circular de análise.
Enquanto a educação é tida, na ótica do capital humano, como fator básico de mobilidade social e de aumento da renda individual, ou fator de desenvolvimento econômico, nestas análises, o ‘fator econômico’, traduzido por um conjunto de indicadores sócio-econômicos, é posto como sendo o maior responsável pelo acesso, pela permanência na trajetória escolar e pelo rendimento ao longo dessa trajetória. O que é determinante vira determinado (ibid., p. 51, aspas no original).
43
A teoria do capital humano garante sua eficácia ao esconder a verdadeira
natureza dos fenômenos; esse feito é comprovado quando se é analisada a difusão
da visão burguesa que reforça as concepções do senso comum.
A visão burguesa percebe a realidade formada por indivíduos livres que
podem competir em pé de igualdade, não há uma divisão de classes, mas,
estratificações nas quais os indivíduos alcançam um lugar na hierarquia da
sociedade através da lógica da meritocracia, assim, se reduz o indivíduo a um
simples possuidor ou não de propriedade. “A análise deixa de ser o valor-trabalho, e
a relação de classe entre o trabalhador e o capitalista transfigura-se numa relação
de troca de agentes de produção igualmente livre” (ibid. p. 66).
Neste sentido, a escola torna-se transmissora dos conhecimentos para
preparar o trabalhador para o mundo do trabalho, com conteúdos vazios de
criticidade, e servem apenas para a produtividade. Ocorre, pois, a desqualificação
do trabalhador, já que a este foi negado o conhecimento historicamente acumulado.
A função da escola centrada no capital humano foca na descoberta de
indivíduos que se destacam e tenham capacidades requisitadas pelo processo
produtivo. Deste modo, “é ‘lucrativa’ [para a classe burguesa] a existência de um
sistema educacional organizado para descobrir talento humano, e que busca
desenvolver a sua técnica para alcançar este objetivo” (SCHULTZ, 1967 p. 56,
aspas no original).
Levando em consideração o processo histórico ao qual o capital humano
percorreu, a partir das discussões empreendidas por Adam Smith, até o seu
despontamento após a segunda guerra mundial, a teoria do capital humano tornou-
se uma “resposta necessária, de um lado, à crescente mecanização, automação,
com a ampliação de inversões de capital em grandes unidades de produção; e, de
outro, e em decorrência disso, pelas mutações que sofre o processo produtivo”
(FRIGOTTO, 1984, p.122).
O capital humano no plano educacional e pedagógico de perspectiva
tecnicista se organiza e funda uma metodologia que adequa o processo educacional
à concepção de investimento de capital humano, a partir de uma reestruturação do
ensino em todos os níveis de alta racionalidade (KUENZER, 1991).
A teoria do capital humano apoiada no padrão de acumulação
taylorista/fordista e na forte tendência tecnicista que predominava na educação, bem
como na forte ênfase da formação de recursos humanos, na expansão da
44
escolarização, e no desenvolvimentismo, denotava uma crescente incorporação do
progresso técnico que divergia com a crescente desqualificação do trabalhador no
sentido da intensa fragmentação dos conhecimentos e das técnicas no mundo do
trabalho e a acentuada diminuição do capital variável no processo produtivo. Frigotto
(1984, p. 98) explicita que essa divergência revela a “vinculação necessária entre
educação, qualificação e o processo produtivo” como um mecanismo para burlar a
crise do capitalismo que se manifestava.
Na próxima sessão iremos explicitar as relações entre a educação e o
processo produtivo sob o domínio do modelo taylorista/fordista, para então
podermos compreender a produtividade na escola a partir da década de 1990, que
apontaremos no capítulo 3.
2.3 O que produz a escola sob o domínio capitalista do processo produtivo
taylorista/fordista – a mediação entre a escola e o processo produtivo
Para se realizar a análise da relação entre a educação e o processo
produtivo, Frigotto (1984, p. 134) explicita que devemos “recolocar a questão do
papel do sistema educacional no interior das formas que assumem as relações
capitalistas [...]”. Assim, partimos da concepção de que o capitalismo diante do seu
processo produtivo exige cada vez mais de trabalho produtivo, mas por outro lado o
trabalho improdutivo também se faz necessário para a realização da manutenção do
sistema capitalista.
Assim, como vimos na sessão anterior, o capital humano teria a função de
potencializar o trabalho, bem como assumiria a função de investimento, seja ele
social ou individual. Mas essas visões postulam o emaranhado ideológico da classe
burguesa que mascara a real função do capital humano. Deste modo, a função da
escola seria controlada para responder às necessidades do capital e assim
apresentar uma formação na qual os futuros trabalhadores possam estar habilitados
tanto tecnicamente, socialmente e ideologicamente para corresponder às
expectativas do mundo do trabalho (ibid.).
Contudo, não podemos esquecer que, no taylorismo/fordismo, os trabalhos
são simplificados, logo, a qualificação técnica disponibilizada pela escola deixa de
ser requerida pelo processo de produção, o que faz com que a desqualificação
45
torne-se até mesmo um atrativo para a classe burguesa industrial (KUENZER,
1991).
A escola se vê qualificada, mas ao mesmo tempo desqualificada segundo a
visão burguesa. Nesse sentido, nega-se o saber escolar, desqualifica-se a escola da
mesma forma em que se aprofunda a dicotomia entre o saber teórico e o saber
prático. No âmbito da educação, as forças politicas apossam-se das representações
e das formas de aquisição dos saberes, e, “na medida em que, se a ausência de
saber teórico obtido na escola ou em outras instituições compromete a acumulação
do capital, o excesso desse tipo de educação pode ser igualmente comprometedor
[...]” (ibid., p. 132-133). Constata-se, assim, que para a classe burguesa industrial
não interessa, e chega a ser perigoso, o excesso de saber do trabalhador, pois, este
se tornaria um problema para a indústria, uma vez que o trabalhador com aquisição
de conhecimentos críticos e elaborados tem capacidade de reivindicações quanto
aos seus direitos e são mais resistentes às disciplinas exigidas dos processos
produtivos. Logo, o interesse da classe hegemônica burguesa em subordinar a
escola para os seus deleites.
E, como no padrão de acumulação taylorista/fordista as tarefas dos
trabalhadores são totalmente simplificadas, com exigências mínimas, como por
exemplo, a de apenas o trabalhador saber apertar um parafuso, é a experiência que
é valorizada no processo produtivo. A “instrução assume pesos distintos em relação
à experiência, sendo, mais valorizada à medida que aumenta o grau de qualificação
da tarefa” (ibid., p. 133). Mas, é importante destacar que a qualificação neste âmbito
não é a qualificação que se pode ser obtida na escola, mas a qualificação da
experiência no processo produtivo, pois, “quanto mais simplificada a tarefa, maior o
valor dado à experiência como fator de qualificação” (ibid., p. 133).
A escola fica responsável apenas pela aprendizagem dos requisitos como
leitura e cálculos básicos e, dependendo do cargo que o trabalhador irá ocupar no
processo produtivo, poderá nem ser exigida alguma experiência. E como Kuenzer
(ibid.) aponta, poucos são os cargos no processo produtivo que demandam alguma
complexidade no período do taylorismo/fordismo, logo, à classe trabalhadora resta o
trabalho simplificado, repetitivo, e mal remunerado, e isto é conseguido pelo
capitalista com a negação do saber do trabalhador.
Kuenzer (ibid.) afirma que a pedagogia da fábrica cria “o sentido e a própria
incompetência no operário”. Isso porque se nega o saber do trabalhador adquirido
46
no âmbito escolar, e desvaloriza-se o saber adquirido no trabalho, uma vez que esse
saber é fragmentado devido à própria fragmentação do processo de trabalho.
Até mesmo para os trabalhadores que alcançam o patamar do trabalho mais
complexo dentro do âmbito do processo produtivo taylorista/fordista, o seu saber
também é fragmentado, uma vez que, por exemplo, um engenheiro, embora tenha
um conhecimento teórico sistematizado relevante, por outro lado, não possui o
conhecimento prático necessário para execução de sua tarefa (ibid.).
Estabelece-se, portanto, a articulação entre o processo pedagógico levado a efeito na fábrica e na escola, com o objetivo de controlar a produção e a distribuição do saber, de modo a assegurar ao capital a propriedade da técnica e do trabalho intelectual e procurando impedir que a classe trabalhadora a eles tenha acesso (ibid., p. 139).
Nesse sentido, a tese da produtividade da escola improdutiva apresentada
por Frigotto (1984) consegue desvelar a aparente contradição entre a escola e o
mundo do trabalho, uma vez que a função da escola de qualificar para o trabalho
produtivo de forma imediata é ineficaz, devido à constante simplificação do trabalho
e sua desvalorização no padrão de acumulação taylorista/fordista. Portanto, a
função específica da escola não está na sua produção imediata, mas, no que ela
produz de forma mediata, já que sua produção implica na extração da mais-valia.
Nas formulações de Frigotto (ibid.) podemos apreender as três tendências
que tecem análises a respeito das relações entre a escola e o processo produtivo no
sistema capitalista.
Na visão da primeira tendência, a concepção do capital humano defende que
a educação e o treinamento potenciam trabalho, deste modo, o investimento em
ambos, significaria ganhos tanto para o investidor, nesse caso o trabalhador, como
para o próprio capitalista. Segundo esta tendência, qualquer que fosse o tamanho do
investimento em educação ou em treinamento proporcionaria um acréscimo relativo
na produtividade do trabalhador que buscasse este investimento. Podemos perceber
que para esta visão há uma relação direta entre a educação e o sistema produtivo,
uma vez que seria automático o acréscimo marginal na produtividade. É a partir
dessa afirmação que os economistas liberais defenderiam a ideologia burguesa da
função econômica da educação, bem como a educação e a qualificação se
revestiriam como aquelas que iriam curar as mazelas das desigualdades sociais.
47
Portanto, a não qualificação seria a justificativa da classe dominante para a
desigualdade social (ibid.).
A segunda tendência aproxima-se da primeira, pois, esta também afirma que
a educação potencia trabalho, e, por conseguinte, geraria mais produtividade.
Porém, a diferença entre as tendências seria que a segunda traria as ideias de Marx,
pois, para estes, a produtividade gerada significaria o aumento da mais-valia.
Novamente encontramos a relação do vínculo direto entre a educação e o processo
produtivo. Segundo Frigotto (ibid.), os autores que defenderam teses relativas a
essa tendência foram Wagner Rossi com sua obra Capitalismo e educação
publicado em 1978, Cesare Galvan com seu trabalho É possível uma economia da
educação? publicado em 1979, e Barbara Freitag com Escola, Estado e sociedade
publicado em 1978.
Já a terceira tendência, também baseada em Marx, foi articulada por Claudio
Salm que escreveu o livro intitulado Escola e trabalho em 1980. Salm teceu criticas à
segunda tendência, por esta não ir além do pensamento neoclássico. Porém, como
nas tendências anteriores, também compreendeu “no sistema educacional um
mecanismo de produção e ampliação de produção de mais-valia relativa extorquida
pelo capital” (ibid., p. 137).
Mas, o avanço de Salm é quando este consegue apreender o desvínculo
entre a educação e o sistema produtivo. Assim, pontua Frigotto (ibid., p. 137-138):
O trabalho de Salm, é preciso frisar, sob o aspecto especifico da relação entre processo produtivo imediato e processo de qualificação – tema central de sua tese – representa uma desmistificação do vínculo direto, linear, entre produção e qualificação – idéia-força da teoria do capital humano, amplamente assumida tanto pela tecnocracia educacional brasileira, quanto por aqueles ‘críticos’ que concebem genericamente o trabalho escolar como um poderoso instrumento de produção de mais-valia relativa. Desmistifica a crença de que o avanço do progresso técnico demanda um processo crescente de qualificação.
Salm, em suas formulações, apresentou o desenvolvimento do capital que
não necessariamente precisa da qualificação do trabalhador, como apontavam as
tendências anteriores, e ao não necessitar de trabalhadores qualificados, o sistema
produtivo tem total liberdade para trocar, demitir, o trabalhador, sem que esta ação
lhe traga prejuízos. E, mesmo com o progresso técnico no mundo do trabalho,
baseado no taylorismo/fordismo, a não necessidade de qualificação acaba por
48
formar um grande corpo coletivo de trabalhadores que são facilmente substituídos
(ibid.).
Apesar dos avanços destacados na tese de Salm, Frigotto (ibid.) explicita
algumas falhas. Isso porque Salm realiza uma crítica mecânica postulando à escola
uma função simplesmente política e ideológica. Salm não consegue enxergar a
mediação existente entre a escola e o processo produtivo, restando apenas a
mediação do ideológico que, por outro lado, também não expõe como essa
mediação acontece.
Ao descartar qualquer mediação da prática educativa escolar no processo educativo, a não ser a mediação puramente ideológica, e sem explicitar como esta mediação se efetiva, Salm torna estática a relação infra e superestrutural e perde na análise a dimensão dialética desta relação. Efetiva, então, uma separação formal daquilo que historicamente constitui, na concepção gramsciana, um bloco histórico – unidade dialética da infra e da superestrutura – onde, embora o econômico seja determinante, o político e o jurídico reagem uns sobre os outros e sobre a base econômica (ibid., p. 140).
Frigotto (ibid.) acrescenta aos equívocos de Salm a falta de especificidade da
relação antagônica das classes, e do conflito entre o capital e o trabalho. Assim, falta
à tese de Salm apontar as contradições que o sistema capitalista, a classe burguesa
busca para poder suprir suas necessidades, bem como fica um vácuo para apontar
para a resistência da classe trabalhadora. Salm, ao não levar em conta o movimento
do capital, não apreende que a introdução dos progressos técnicos ao processo
produtivo induz à desqualificação do trabalho e à complexificação na divisão social
do trabalho.
Frigotto (ibid.), a partir da análise das tendências anteriores, busca explicitar
as lacunas deixadas por elas, bem como, procura apontar a falácia da teoria do
capital humano, e principalmente procura explicitar a natureza da relação entre a
educação e o processo produtivo.
E para compreender esta relação, Frigotto (ibid.) expõe a divisão social e
técnica do trabalho nas relações do processo de acumulação capitalista. Pois, para
compreender as mediações entre educação e processo produtivo, devemos
compreendê-las no âmbito do processo de acumulação capitalista.
49
É necessário, então apreender a divisão social e técnica do trabalho, posta pelas novas formas de sociabilidade do capital, que destrói, cria, retalha e subdivide ocupações, não apenas o processo imediato de produção ou apenas dentro de uma esfera ou nível produtivo, mas na inter-relação daquele processo com o processo de circulação e consumo dentro das novas formas que vem assumindo a produção capitalista (ibid., p. 144-145).
Logo, as formas assumidas no processo de acumulação taylorista/fordista é o
trabalho técnico e socialmente combinado, onde o trabalho produtivo e o
improdutivo, ainda que distintos, são objetivamente interdependentes. E essa forma
assumida pelo capital, bem como a incorporação da ciência, “permite uma
mistificação do próprio capital”, e assim, “ele mesmo se põe como produtor de valor
ou de mais valor” (ibid., p. 149). Portanto, cabe salientar, que essa mistificação
oculta as relações de classe, no qual os economista liberais não conseguiram
apreender em suas formulações, enxergando apenas as relações técnicas,
considerando-as como relações econômicas. Assim, esse obscurantismo, não
apreendido pelos economistas liberais, faz com que a força de trabalho coletiva
incida a divisão do processo de trabalho.
Neste sentido, Frigotto (ibid., p. 150) explicita:
Tomando-se, então, o uso socialmente combinado da força de trabalho – o trabalho coletivo – como uma das formações sociais capitalistas atuais, e apreendendo as mutações concretas que historicamente vêm ocorrendo no interior da divisão social do trabalho – as quais configuram uma tendência de diminuição relativa de trabalhadores envolvidos, diretamente, no trabalho produtivo e o aumento das funções de controle, supervisão, administração e planejamento e, mais radicalmente, uma revolução dos serviços com a denominada tercialização da sociedade – é possível ver, mesmo ao nível da produção, de forma mediata, a necessidade da prática escolar.
Ou seja, mesmo quando “o capital tende a reduzir ao mínimo seus custos e
resolve, no mais das vezes, dentro dos muros da empresa capitalista, o problema
das qualificações requeridas” (ibid., p. 150-151), e apesar da escola não ser
requerida pela classe burguesa, ela é necessária para o controle e dominação da
classe dominante.
Frigotto (ibid.) explicita uma das razões a partir da posição do trabalho sob o
aspecto intelectual no grupo coletivo de trabalho, afirmando que:
50
[...] pode-se perceber sua contribuição na reprodução da força de trabalho dos que supervisionam, administram, planejam em nome do capital, dentro da própria empresa capitalista. A função da escola, nesse contexto, se insere no âmbito não apenas ideológico do desenvolvimento de condições gerais, da reprodução capitalista, mas também no das condições técnicas, administrativas, políticas, que permitam ao capital ‘pinçar’, na expressão de Gianotti, de dentro dela aqueles que, não pelas mãos, mas pela cabeça, irão cumprir as funções do capital no interior do processo produtivo ( p. 151).
Podemos perceber que a escola realiza um papel mediato no processo
produtivo quando levamos em conta a divisão do trabalho que expressa as relações
sociais qualitativamente distintas, e com o aumento do “quadro crescente de
tecnocratas, desde os níveis de gerência, planejamento, controle, até os níveis
apenas técnicos, que comandam essas empresas” (ibid., p. 153). Deste modo, o
sistema capitalista forma aqueles que lhe irão auxiliar e supervisionar na extração da
mais valia, estes são os engenheiros, os supervisores, os técnicos, etc.,
responsáveis pela manutenção da intensificação do trabalho, apesar dos mesmos
serem explorados pela classe burguesa industrial (ibid.).
Sob o aspecto da contribuição da escola, ficar à margem quanto à
“qualificação para o processo produtivo material e imediato, [...] o mesmo não ocorre
em termos de fornecimento de um certo nível de conhecimento objetivo e elementar”
(ibid., p. 153) para a classe trabalhadora, uma vez que no âmbito das relações
sociais a escola tem uma função preponderante na formação daqueles que ocupam
cargos que gerenciam as “instituições repressivas do Estado” (ibid., p. 154).
Por meio da produção de serviços e de mercadorias a favor do
desenvolvimento do sistema capitalista, o Estado personificado pela classe
burguesa contribui com sua posição intervencionista, com as modificações no
âmbito da produção, que atinge a divisão do trabalho e consequentemente demanda
novas formas de organizações que atingem os trabalhadores (ibid.).
Assim, o sistema educacional articula-se com o processo de produção,
criando estratégias que empurram a classe trabalhadora para um prolongamento de
sua escolaridade, inicia-se o fenômeno das ampliações: a ampliação do tempo
escolar, ampliação do acesso à escola, ampliação de investimento na educação,
seja no ensino público ou privado, tudo para atender a lógica da circulação,
concentração, e a produção do capital, além de ter que dar conta das novas
demandas organizacionais do trabalho (ibid.).
51
Segundo Frigotto (ibid., p. 157), “a ampliação do investimento na educação
cumpre, pois, uma função, não de queima de excedente, mas primordialmente como
inserção deste investimento dentro da estratégia do circuito do capital”, no qual,
longe de ser um investimento que atenda as necessidades da classe trabalhadora,
faz com que a escolarização torne-se cada vez mais desqualificada, e que seus
investimentos sejam todos improdutivos que servem como “controle de oferta e
demanda de emprego” (ibid., p. 157).
Um exemplo de mascaramento quanto ao investimento do Estado às escolas
é a ação da distribuição da merenda escolar. Segundo as formulações de Frigotto
(ibid.), justifica-se a distribuição da merenda escolar como uma maneira de diminuir
a repetência e a evasão escolar. Porém, esse tipo de investimento tem uma
conotação de assistencialismo que “encobre a natureza estrutural do estado de fome
das populações que a recebem e cujo efeito maior não é o proclamado, mas a
realização da mais-valia das empresas que fornecem os alimentos” (ibid., p. 158).
Ou seja, esses investimentos improdutivos escondem em si a lógica para gerar mais
trabalhos produtivos, mais lucros. Para melhor compreensão, destacamos o
investimento em sistema de microcomputadores nas escolas o qual destaca Frigotto
(ibid.):
A disseminação desse instrumental certamente não busca atender às necessidades propriamente educativas, senão às de uma indústria que precisa comercializar suas mercadorias. O dinheiro público é posto, no caso, não para atender às necessidades e interesses públicos, mas aos privados (ibid., p. 159).
Nesse caso, como podemos perceber, o investimento em sistema de
microcomputadores, apesar de aparentemente atender à classe trabalhadora com
uma educação de qualidade tecnológica, nada mais é que uma das estratégias do
sistema capitalista, uma vez que os gastos tidos como improdutivos, geram gastos
produtivos com a compra dos materiais que para serem produzidos tiveram que ser
construídos à base da extração da mais-valia, e que “certamente é algo útil e
funcional para os interesses do capital” (ibid., p. 159).
E com a ampliação da escolaridade e o consequente investimento – uma vez
que não há como se ampliar a escolaridade sem que haja investimento – ainda que
este investimento seja improdutivo, na realidade a ampliação escolar traz consigo
elementos formadores para o processo produtivo que faz com que suas mercadorias
52
tenham uma circulação rentável para os capitalistas, pois, com uma educação
elementar básica, no qual a classe trabalhadora aprenda o básico, este mesmo
trabalhador também adquirirá com sua escolarização uma mentalidade consumista
(ibid.).
Esse movimento de ampliação e investimento é coordenado pela classe
burguesa, por meio do Estado que sofre como afirma Frigotto (ibid.), uma
contradição, uma vez que:
Enquanto gestor econômico, o Estado intervencionista depara-se com uma forma de organização da produção onde a luta intercapitalista pela maximização do lucro, de um lado, e a luta capital-trabalho (classe trabalhadora), de outro, são enfrentadas pelo capital mediante a crescente incorporação de progresso técnico na produção (ibid., p. 163).
Isso faz com que a força de trabalho seja cada vez mais barateada,
desqualificada, e substituível, da mesma forma que os postos de trabalho sob o
domínio taylorista/fordista sejam reduzidos e desqualificados, bem como a educação
escolar passou a ter seu conteúdo deteriorado e desqualificado, e cada vez mais se
passou a valorizar os métodos e as técnicas (ibid.).
A escola passou a ser regida pela perspectiva do capital humano que atende
à eficiência e à produtividade. O capital humano exigido que se celebra na escola no
período taylorista/fordista organiza-se como dito anteriormente na eficiência e na
eficácia da produtividade, logo, o processo educativo deveria ter por base os
padrões das empresas eficientes.
Do mesmo modo que o sistema produtivo passou pela divisão social do
trabalho, a escola percebeu-se tendo que se organizar de tal forma para se
enquadrar aos padrões do processo produtivo. Ocorreu, desta forma, a “divisão
interna do trabalho escolar” (FRIGOTTO, 1984, p. 169), no qual os professores
foram expropriados de seus conhecimentos e até mesmo de sua prática de
transmissão de conhecimentos, ficando a cargo de especialistas a organização dos
métodos que deveriam ser aplicados e os conteúdos, bem como estes tiveram como
função supervisionar as atividades.
Essas são medidas controladoras do saber, e assim como bem mostra
Frigotto (ibid.) quando se refere à expansão do acesso à escola e a ampliação da
escolaridade, que na realidade essas ações tornaram-se amplamente funcionais e
produtivas para a estabilidade do sistema social em geral (ibid.).
53
Deste modo, destacamos, conforme expõe Frigotto (ibid.), as articulações
realizadas na organização escolar e as técnicas que correspondem a interesses
determinados. Interesses que comprometem e aprofundam as desigualdades entre
as classes sociais, bem como reforçam a reprodução da sociedade capitalista (ibid.).
Um exemplo disso são as ações do Estado para gerir a política educacional durante
os anos de 1968 e 1971 com as reformas do ensino de 1º e 2º graus (Lei nº
5.692/71) e a reforma universitária (Lei nº 5.540/68) que garantiram a manutenção
da classe dominante no poder.
Durante o período taylorista/fordista, as instituições profissionalizantes
perderam sensivelmente sua função de qualificar os trabalhadores, pois, na análise
de Frigotto (ibid.), com o avanço tecnológico e constantes mudanças no mundo do
trabalho, a formação profissional ficou cada vez mais a cargo do chão da fábrica:
Esse deslocamento do lócus, onde o capital forma, educa, especialmente os trabalhadores produtivos, indica efetivamente, [...] que o capital tem outros mecanismos situados fora da escola formal para formar o trabalhador que lhe convém (p. 171-172).
Contudo, este posicionamento contradiz as ações do Estado intervencionista
que defende a expansão do ensino, pois, ao mesmo tempo em que ele acredita na
função da escola, por outro lado, financia acirradamente as empresas que contratam
as instituições de formação profissional para formar seus trabalhadores. Como
aponta Frigotto (ibid.), a Lei de incentivo fiscal nº 6.297/75 acaba por forçar os
empresários a contratar tais instituições, ou até mesmo que as empresas criem seus
próprios cursos profissionalizantes, novamente reforçando a desvalorização do
ensino da escola (ibid.).
A escola não consegue acompanhar a evolução tecnológica das empresas e
consequentemente termina por não formar os filhos da classe trabalhadora para o
mundo do trabalho.
Enquanto na indústria e mesmo nos serviços se observa uma crescente automação do processo de trabalho de iniciação a introdução do robô no processo produtivo, a escola brinca de iniciação para o trabalho, de profissionalização, mediante rudimentos de trabalho manual defasado no tempo – um artesanato deformado (ibid., p. 172).
Deste modo, a propagação dos cursos profissionalizantes tende cada vez
mais a desbancar a educação escolar, pois, a escola não conseguiria formar
54
profissionais para entrar no processo produtivo e sucintamente não conseguiria nem
ao menos alfabetizar os alunos.
Assim, a lógica de desqualificação da escola em conjunto com as reformas
educacionais das décadas de 1960 e 1970, e os incentivos fiscais apontam para o
objetivo que se esconde por trás de tais reformas. Pois, o Estado ao:
[...] atribuir à escola uma função de profissionalizar, que não lhe cabe concreta e historicamente na forma de organização da produção capitalista, a reforma vai manter a escola dentro dos parâmetros que a tornam (sic.) funcional para a reprodução das relações sociais de produção (ibid., p. 173).
Outra reforma que também expõe as contradições do Estado para com a
democratização do acesso à educação é a reforma destinada ao ensino superior.
Embasado no discurso de democratização, o Estado realiza, por meio da reforma, a
fundação de mecanismos de “seletividade ou a desqualificação do ensino no interior
da universidade” (ibid., p. 174-175). Dentro desse quadro passou a vigorar a ideia da
meritocracia, no qual apenas aqueles que merecessem conquistariam êxito na
educação e na profissão. A preocupação do Estado para com o ensino superior se
deu pelo fato daquele formar para os postos mais altos dentro do processo
produtivo.
Nesse sentido, a meritocracia é mascarada pelo discurso democrático, no
qual prega que todos têm a oportunidade de acesso à educação, portanto chance de
ascensão no âmbito social. Mas o que não está exposto é que apesar da expansão
da base da pirâmide aumentar, o cume também fica cada vez mais alto o que
dificulta cada vez mais a classe trabalhadora de alcançar o alto da pirâmide (ibid.).
Desta forma, o Estado consegue, ao mesmo tempo, permitir o acesso da classe
trabalhadora ao ensino, e, assim, atende as reivindicações da classe dominada e,
por outro lado, dificulta o acesso dessa mesma classe ao nível superior, o que é
bom somente para a classe burguesa.
Porém, a obtenção do diploma superior não é considerada suficiente para o
alcance a determinadas posições elevadas. Isso ocorre justamente pelo fato de que
com a expansão do ensino no período da internacionalização da economia nacional
no final da década de 1960 também no âmbito do nível superior, houve um
retrocesso quanto aos postos de trabalhos compatíveis com os diplomados. Logo,
passou a manifestar-se na sociedade capitalista uma crescente onda de
55
desempregados diplomados. Novamente cai por terra a ideia de que a aquisição do
diploma garantiria um posto de trabalho melhor remunerado (ibid.).
O problema crucial que se apresenta ao Estado em relação à política educacional, dentro de sua função de gestor dos interesses do capital e, enquanto tal, instrumento de criação das condições para a consecução desses interesses, é, uma vez mais e especialmente no nível superior de ensino, como manter esse nível funcional à divisão social do trabalho, à divisão entre organização e execução da produção. Em suma como manter a estrutura do privilégio – arcabouço básico da sociedade de classes (ibid., p. 177).
Com a massiva reivindicação da população para que o ensino superior se
tornasse acessível, o Estado fez com que as instituições acessadas pela classe
trabalhadora fossem desqualificadas. Isso garantiria que a classe trabalhadora
tivesse acesso somente a cursos que se posicionassem a um nível abaixo das
carreiras elevadas, tais como engenharia, arquitetura, etc., e muitas vezes o acesso
ao ensino superior seria obtido por meio de uma instituição privada (ibid.).
Por outro lado, Frigotto (ibid.) explicita que até mesmo as carreiras
consideradas privilegiadas, na medida em que se expandem e a hegemonia
burguesa assume o controle delas, tornam-se gradativamente desvalorizadas
dependendo de quais instituições ofertarem os cursos. Esse mecanismo auxilia no
controle funcional das carreiras, bem como estabelece novas condições para os
trabalhadores que antes eram tidos como profissionais liberais, para assumirem a
posição de trabalhadores assalariados.
Nesse sentido, Frigotto (ibid., p. 179) indica que:
[...] o que queremos destacar até aqui é que, efetivamente, a escola enquanto instituição que se insere no interior de uma formação social, onde as relações sociais de produção capitalista são dominadas, tende a ser utilizada como uma instância mediadora, nos diferentes níveis, dos interesses do capital.
A negação do acesso ao saber aos níveis mais elevados para a classe
trabalhadora estabelece a marginalização desta classe no sentido de contribuir e
gestar o destino da sociedade. Como ressalta Frigotto (ibid.), a desqualificação da
escola para a classe trabalhadora é uma desqualificação de cunho orgânico, no qual
a irracionalidade é preponderante para a manutenção da divisão do trabalho e da
sociedade. Portanto, não é um problema de cunho conjuntural que pode ser
resgatado com mecanismos técnicos, ou por meio da tecnologia educacional.
56
A problemática apresentada expõe a escola que interessa ao processo
produtivo, ou seja, a classe burguesa industrial, que realiza a mediação efetivada no
interior das relações sociais. A desqualificação da escola demonstra a grande
jogada que a burguesia realiza para impedir que a classe dominada tenha acesso a
posições elevadas, uma vez que a escola se organiza para mediar os interesses da
classe burguesa.
A partir da introdução da profissionalização, Frigotto (ibid.) aponta que ao
invés desta ação fazer com que a escola se tornasse qualificada para preparar para
o mundo do trabalho, na realidade fez o efeito contrário. Portanto, longe de ter sido
uma ação que favorecesse a classe trabalhadora à obrigatoriedade da educação
escolar e ao ensino educativo abstrato, nada mais foi do que um artifício para a
readaptação aos interesses da classe dominante. Assim, a organização escolar que
deveria assegurar uma formação baseada os fundamentos científicos, tecnológicos,
filosóficos, estéticos e político-econômicos para a compreensão crítica das relações
sócias e para a inserção ativa na vida se limitou a assegurar uma formação restrita
em todos os planos da formação.
A questão que se problematiza nesse cenário de desvio de função da escola
é não se perceber que a prática tanto política e técnica escolar se relacionam com
as demais práticas sociais. Essa não compreensão impossibilita que a classe
trabalhadora obtenha uma base concreta de conhecimento, isso porque a
preocupação no âmbito educacional, como postula Frigotto (ibid.), fica mais no plano
ideológico. “Trata-se, de certo ângulo, do reverso da visão tecnicista que empresta
aos meios o caráter neutro e suficiente para resolver as ‘mazelas’ da educação e,
por esta via, as da sociedade” (ibid., p. 183, aspas no original).
Portanto, devemos compreender a prática educativa escolar como prática
política e técnica articulada com as demais práticas sociais. E é neste sentido que
Frigotto (ibid.) chama atenção para a natureza da dimensão política da ação
educativa escolar, uma vez que esta medeia e se define nas relações sociais no
âmbito das produções da existência dos homens (ibid.). Logo, “a especificidade da
dimensão política da ação pedagógica escolar está exatamente na articulação desta
ação na linha dos interesses hegemônicos de uma determinada classe social” (ibid.,
p. 184).
Diante do exposto, podemos perceber que a ação educativa que busca
permitir todos os trâmites necessários para a execução dos interesses de
57
determinada classe é, em suma, político (ibid.). É neste ponto que Frigotto (ibid.)
expõe que o ponto de partida e de chegada da dimensão política deve não apenas
se adequar aos interesses da classe dominada, mas é necessária a mediação na
realidade concreta, pela luta de acesso a uma escola de qualidade que dê condições
para articular o saber com as lutas contra-hegemônicas, pois:
Apropriar-se do saber objetivo que lhes é negado historicamente pela classe dominante a nível de instituição escolar, de instituições culturais, e expropriado a nível do processo produtivo onde o capital se apossa do saber coletivo da classe trabalhadora, é uma tarefa que transcende à vontade política, ainda que esta seja ponto de partida. O resgate efetivo de uma escola de qualidade que alfabetize de fato condiciona, grandemente, a possibilidade de se fazer da escola um espaço que reforça e amplia os interesses da classe trabalhadora. Esse resgate demanda organização, disciplina, qualificação técnica e direção política, e necessita de intelectuais que reúnam, ao mesmo tempo, a capacidade técnica e a opção política na direção dos interesses dos dominados (ibid., p. 185).
Destacamos, conforme explicita Frigotto (ibid.), que no sistema capitalista a
classe burguesa industrial procura remover do trabalhador o controle do seu
processo de trabalho. Esta afirmação aponta para a necessidade do padrão de
acumulação toyotista, que são trabalhadores com as competências exigidas para o
processo de produção, com sua necessidade de não oferecer uma educação de
qualidade.
A tese da Produtividade da Escola Improdutiva configurou-se a partir do
período taylorista/fordista de acumulação, mas, a partir do processo de
reestruturação produtiva, o processo produtivo assumiu novos aspectos. O
taylorismo/fordismo apresentou características de exaustão, bem como adquiriu
caráter flexível. O Estado capitalista também adquiriu uma nova função no setor
econômico e social. Diante dessas mudanças, somente os organismos
internacionais que regem e recomendam as leis para a educação aparentam não
mudar o discurso quanto ao papel da educação que é o de atender aos interesses
da classe burguesa. Nesse sentido, a teoria do capital humano novamente traz
consigo determinações para a educação e para o trabalho. A partir dessa discussão,
no próximo capítulo apresentaremos as mudanças advindas da reestruturação
produtiva, e as consequências para o processo produtivo, para a educação e para
os trabalhadores.
CAPÍTULO 3
REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA, COMPETÊNCIAS E
POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA DOS ANOS 1990
O objetivo deste capítulo é discutir e apresentar o processo de reestruturação
produtiva e o novo padrão de acumulação flexível. Na primeira parte buscamos
apresentar as mudanças ocorridas no mundo do trabalho diante da reestruturação
produtiva. Na segunda parte procuramos apresentar as consequências da mudança
do processo produtivo para o perfil do trabalhador. E na terceira sessão deste
capítulo realizamos uma discussão da política educacional e suas consequências.
3.1 As mudanças no processo de acumulação capitalista
A década de 1990 inaugurou no Brasil um período marcado por mudanças no
âmbito político, econômico, social e educacional. Essas mudanças, no entanto, são
reorganizações provenientes das crises próprias do sistema capitalista, portanto,
não são transformações no sentido revolucionário, mas, de reordenamento
(LUCENA, 2003).
Esse reordenamento configura-se pelo esgotamento do antigo padrão de
acumulação taylorista/fordista e a introdução das novas formas de organização do
trabalho, o toyotismo. O toyotismo adere métodos flexíveis em seu processo
produtivo, bem como se utiliza de novos meios para controlar a instabilidade social
que passou a reclamar respostas para a crise que havia se manifestado. Assim, o
“capital iniciou um processo de reorganização das suas formas de dominação
societal”, bem como procurou “gestar um projeto de recuperação da hegemonia nas
mais diversas esferas da sociabilidade” (ANTUNES, 2009, p. 50). Portanto, a classe
burguesa criou medidas para a dominação para garantir a sua posição como a
classe dominante, classe hegemônica.
Historicamente o toyotismo foi implantado progressivamente, entre as
décadas de 1950 e 1970, tendo como mentor Taiichi Ohno, vice-presidente da
Toyota. O padrão de acumulação toyotista foi consideravelmente aceito entre os
capitalistas por este ser um padrão que buscou estratégias para amenizar a crise do
capital (GOUNET, 1999).
59
O método toyotista consiste na lógica da produção que segue em pequena
quantidade conforme a necessidade da demanda, desse modo a produção é
reduzida e a demanda dita o quanto produzir. Com este novo método, o estoque
passa a ser reduzido, e há uma necessidade de combater o desperdício para o nível
mínimo possível, e isso faz com que as atividades que vão desde o transporte até o
controle de qualidade sejam analisadas com mais rigor, pois, são atividades que
geram gastos e não lucros. Assim, limita-se “ao máximo o tempo de transporte,
estocagem e controle de qualidade” (ibid., p. 26).
As adaptações e as variações da produção fazem com que a flexibilidade da
organização do trabalho seja imprescindível, como por exemplo, o trabalhador que
antes operava a máquina, no toyotismo, tem que fazer com que as máquinas
funcionem. Contudo, o trabalhador não tem a necessidade de estar presente
constantemente perante a máquina, mas apenas prepara os “elementos
necessários” para que a produção aconteça. E como muitas vezes o processo de
produção tem mais de uma máquina, o trabalhador tem que trabalhar em equipe
para fazer com que a produção ocorra normalmente e o grupo dê conta para que a
produção seja contínua. Entra, assim, a figura do trabalhador polivalente, que deverá
trabalhar com várias máquinas, além de ter que saber trabalhar em equipe.
Paul Singer (2000) destaca que a introdução tecnológica comprometeu
diretamente a classe trabalhadora, uma vez que com a introdução da robótica o
trabalho repetitivo executado por vários trabalhadores foi ocupado por ações
programadas realizadas somente por uma máquina. Assim, a introdução de novas
tecnologias no processo de produção aumentou a intensificação do trabalho, trouxe
a desqualificação do trabalho e do trabalhador, bem como causou o desemprego
estrutural (VASAPOLLO, 2005). A tecnologia que deveria atender a classe
trabalhadora passou a ser uma ameaça12.
Aparentemente, o advento do robô tornou dispensável o trabalho humano. Entretanto, o próprio desenvolvimento técnico, que elimina o trabalho vivo, criou um exército de desempregados qualificados e semiqualificados, o qual representa uma reserva de mão de obra barata, cujo aproveitamento torna-se vantajoso para a empresa (FRANCA, 2007, p. 33).
12
O advento tecnológico não surgiu para aliviar o processo de trabalho para o trabalhador, mas sim para elevar a produção e a economia capitalista.
60
Segundo Gilberto Franca (ibid., p. 34), apesar da robótica ter feito parte da
reestruturação produtiva, coube à informatização e à informática realizarem a
“unidade técnica dos diversos processos de trabalho, concentrados ou dispersos nas
diferentes escalas geográficas”. Portanto, a implantação dos sistemas
informacionais permitiu a interligação e unificação do conjunto de programas das
diversas etapas do processo de trabalho, e das empresas envolvidas no processo
total de produção.
Devido à expansão do processo de produção das empresas de um local para
o outro, ou no próprio espaço da empresa, exige-se a rápida adaptação dos
trabalhadores, uma vez que com o trabalho flexível e o desfacelamento do trabalho
parcelado, a classe trabalhadora deve ter agilidade e criatividade para o trabalho. O
trabalho não pode parar e a produção deve atender a todas as necessidades do
mercado, o que acarreta a uma intensificação da exploração do trabalho, pois o
ritmo da produção é comandado contra o tempo e com velocidade exacerbada. Esse
procedimento é controlado pelo gerenciamento do by stress, ou seja, um sistema de
luzes – verde, laranja e vermelho - localizado em toda a área de produção que indica
quando há um problema na produção. Segundo as formulações de Thomas Gounet
(1999), podemos perceber que o trabalhador tem como constante do processo
produtivo a tensão, pois, se “a luz está verde é sinal de que existem problemas
latentes, que não aparecem. É preciso então acelerar o fluxo” (ibid., p. 29).
Outro ponto que faz com que o toyotismo se diferencie do padrão de
acumulação taylorista/fordista é o kanban. O kanban é um sistema de placas ou
senhas que servem de comando, unidas à peça, que é retirada para avisar que é
necessário repor o estoque (ANTUNES, 2009).
O toyotismo estrutura-se também pela horizontalização13, que acarreta na
expansão das subcontratações de fornecedores. A empresa, para produzir
mercadorias a custo baixo, define as condições de preço, prazo e qualidade para as
subcontratadas. As empresas subcontratadas fornecem os elementos necessários
para a concepção do produto da empresa matriz. Gounet (1999) exemplifica com o
relato da própria empresa Toyota, a criadora do método toyotista:
13
As empresas da produção toyotista possuem uma estrutura horizontal, ao contrário da verticalidade da fordista. “Enquanto na fábrica fordista aproximadamente 75% da produção era realizada no seu interior, a fábrica toyotista é responsável por somente 25% da produção, tendência que vem se intensificando ainda mais. Essa última prioriza o que é central em sua especialidade no processo produtivo [...] e transfere a ‘terceiros’ grande parte do que antes era produzido dentro de seu espaço produtivo” (ANTUNES, 1999, p. 54 – 55, aspas no original).
61
A Toyota impõe aos fornecedores seu sistema de produção: máxima flexibilidade, obrigação de instalar-se em um raio de 20 km de suas fábricas, para reduzir o transporte, emprego do kanban dentro da fábrica de autopeças e entre esta e a Toyota (p. 28).
Com as imposições concedidas, a empresa garante o just-in-time - o
aproveitamento máximo do tempo de produção -, o baixo custo de suas mercadorias
e a qualidade dos mesmos, ou seja, lucros para a empresa, uma vez que se tenta
reduzir os gastos a zero.
Outra característica da reestruturação produtiva são os Círculos de Controle
de Qualidade (CCQs) que passaram a fazer parte do processo produtivo. Os CCQs
constituem-se pelos “grupos de trabalhadores que são instigados pelo capital a
discutir seu trabalho e desempenho, com vistas a melhorar a produtividade das
empresas” (ANTUNES, 2009, p. itálico no original, p. 57). Ricardo Antunes (ibid.)
explicita que este método permite a classe burguesa industrial e empresarial
apropriar-se das capacidades intelectuais dos trabalhadores, capacidades estas
desprezadas no padrão de acumulação taylorista/fordista.
Como podemos perceber, a partir da introdução do novo padrão de produção,
as empresas transnacionais passaram por reordenamentos em sua organização do
trabalho e na gestão da produção. Assim, um novo comportamento foi incorporado
pelo corpo empresarial, combinado por novas estratégias de competitividade e
produtividade. (POCHMANN, 2008). As estratégias de competitividade integram a
desverticalização da produção, diversificação dos produtos, elevação na qualidade
dos produtos, inovações tecnológicas e nova conduta empresarial.
No âmbito da estratégia de competitividade entra a máxima da qualidade total
nos processos produtivos. As empresas utilizam-se da fabricação de produtos com
qualidade total, que na verdade esconde a sua principal característica que é ser um
produto com vida útil reduzida. Essa estratégia visa dar continuidade e velocidade
para a produção, bem como visa uma reposição rápida no mercado para o produto
que já foi descartado, ou seja, o produto com mais qualidade, contraditoriamente
tem menor vida útil (ANTUNES, 2009). A qualidade total, desta forma, afeta tanto o
meio em que os homens vivem, por impulsionar o desperdício no sentido de forçar
os consumidores a sempre consumirem mais e mais rápido para que não tenham
produtos obsoletos; como afeta também a força de trabalho humana.
62
As estratégias de produtividade compõem-se da flexibilidade produtiva, da
redução de custos e do tempo morto, dos programas de remuneração distintos, da
gestão participativa14, da redução dos estoques e redefinição do conteúdo da
atividade empresarial (POCHMANN, 2008).
Após a explicitação que realizamos para apresentar o processo de
reestruturação produtiva, na próxima sessão destacaremos as consequências que
essas mudanças trazem para os trabalhadores com relação ao novo perfil exigido,
pois, como vimos, o trabalhador no novo padrão de acumulação necessita ser
polivalente, bem como ter o perfil desejado pelas empresas.
3.2 As exigências para o novo perfil do trabalhador
No período de acumulação toyotista, a teoria do capital humano ganhou uma
nova roupagem e, mais do que agregar os trabalhadores ao mercado de trabalho, as
políticas educacionais orientaram-se para as novas exigências de formação como as
competências e o preparo do trabalhador para uma possível situação de
desemprego, uma vez que, com o advento tecnológico, ocorreu uma diminuição
extrema de força de trabalho no mundo do trabalho (SOUZA, 2012). A perspectiva
da teoria do capital humano agora visa preparar para a competitividade,
empregabilidade e empreendedorismo.
O capitalismo abriu-se para várias mudanças no processo produtivo,
fundamentado no avanço tecnológico, na flexibilidade e na intensificação das
condições de exploração do trabalhador.
A exigência para este novo perfil do trabalhador se deve às tecnologias
advindas do toyotismo. Ao contrário do que se imaginava, a introdução da tecnologia
no meio fabril não abrandou o trabalho da classe trabalhadora, mas intensificou as
condições de exploração de sua força de trabalho (ANTUNES, 2009).
O trabalhador no novo padrão de acumulação toyotista, diferentemente do
antigo modelo taylorista/fordista, não realiza mais o trabalho parcelado, e nem fica
mais preso à esteira.
14
A gestão participativa configura-se no âmbito do processo de produção por trabalhadores que são levados a se sentirem como participantes da empresa, no qual assumem um posto de liderança frente aos demais trabalhadores. Esse tipo de gestão visa estimular a competitividade e a meritocracia, bem como visa a eliminação e ações sindicais.
63
A reestruturação produtiva que surge com o neoliberalismo no Brasil nos anos
de 1990 passou a incorporar os problemas sociais peculiares do mundo do trabalho
em nível mundial. “Surge, como novo estigma do mundo do trabalho, o desemprego
estrutural e a precariedade de emprego e salário que atinge o pólo ‘moderno da
classe operária’” (ALVES, 2000, p. 247, aspas no original). Foi a partir ano de 1995
no governo de Fernando Henrique Cardoso, com a instauração do Plano Real que
surgiu um novo ciclo econômico envolto de um novo tipo de precariedade para o
mundo do trabalho. Com o crescimento econômico veio o crescimento do
desemprego, e a precariedade dos salários. Aumentou-se a exploração ao
trabalhador, conforme expõe Alves (ibid.):
Desenvolve-se uma nova hegemonia do capital na produção, em virtude do desenvolvimento do toyotismo sistêmico e um novo salto na automação microeletrônica; sobretudo a partir de 1993, tendendo a criar um novo perfil operário, mais qualificado (e estável) e, portanto, mais integrado às novas práticas produtivas (p. 251).
O autor (ibid.) acrescenta que a reestruturação produtiva obteve êxitos na sua
implantação no mundo do trabalho por atingir tanto a sua dimensão organizacional,
quanto a sua dimensão real. No âmbito da dimensão organizacional, a
reestruturação produtiva conseguiu estabelecer uma nova sociabilidade no processo
de trabalho, “que promove (e articula) o consentimento operário e o controle (e
intensificação) do trabalho” (ibid., p. 252), bem como estabelece uma nova
regulação do trabalho de acordo com a flexibilidade ascendente do processo
produtivo. E no âmbito da dimensão real, a reestruturação produtiva estabeleceu “a
precariedade de emprego e salário” (ibid., p. 252), o desemprego estrutural,
acarretando prejuízos para a sociabilidade do trabalho. Este movimento causou para
a classe trabalhadora sua diversificação e fragmentação.
O trabalhador, a partir da reestruturação produtiva, passou a ter sua
subjetividade controlada pela hegemonia burguesa, suas qualidades não foram mais
voltadas para as habilidades técnicas, mas para as competências (ibid.).
Alves (ibid.) em suas formulações explicita que na década de 1980 alguns
sociólogos apontavam que a reestruturação produtiva não surgiu somente pela
necessidade da acumulação capitalista, mas também pela “necessidade de um novo
tipo de controle do trabalho” (p. 253). Para a década seguinte, Alves (ibid.) pontua
64
que a reestruturação produtiva no Brasil articulou-se de forma sistemática a um novo
tipo de controle, o controle da subjetividade do trabalhador.
O controle realizado pelo novo padrão de acumulação “surge não apenas
como procedimento técnico, mas principalmente como poderosa operação
ideológica, capaz de constituir uma nova hegemonia do capital na produção” (ibid.,
p. 254).
Alves (ibid.), em sua análise às montadoras do setor automobilístico no Brasil,
no ano de 1994, apontou que a indústria procurou aumentar a interação dos
trabalhadores aos objetivos da indústria, para assim raptar a sua subjetividade, bem
como o setor de recursos humanos procurou se adaptar às necessidades da
reestruturação produtiva:
[...] por meio de uma operação ideológica em que o discurso da valorização do homem oculta um recurso de integrar, mais ainda, o operário às demandas da produção capitalista, a fim de se apropriar do saber operário. Para isso, como parte do ‘programa de valorização do homem, a Ford do Brasil possui um banco de idéias, alimentado pelos próprios operários [...] (ibid., p. 255).
Com a nova estrutura horizontal das empresas, o trabalhador passou a ser
distribuído em células, com vistas a operar várias máquinas. A consequência desta
nova organização é a necessidade de um trabalhador polivalente para que ele possa
desenvolver várias tarefas, evitando que a produção pare. Esse novo procedimento
garante que a empresa tenha ganhos na produtividade e na economia (FRANCA,
2007).
Já no âmbito das competências Marise Nogueira Ramos (2002) aponta que a
gestão por competência compreende os seguintes aspectos: a gestão
individualizada dos trabalhadores para se adequar aos objetivos e recursos da
empresa; desenvolvimento das competências individuais; reconhecimento das
competências adquiridas pelo trabalhador e remuneração de acordo com a função
exercida.
As empresas passaram a adotar procedimentos como análise e identificação
das competências que são requeridas pelos empregos e adquiridas pelos
trabalhadores, como também passou a desenvolver dispositivos de aquisição de
competências, além de desenvolver instrumentos de gestão previsional, ou seja, a
previsão de competências que futuramente devem ser exigidas no trabalho. “Todas
65
essas características exigem que as competências tornem-se visíveis para que
sejam avaliadas” (ibid., p. 195).
Como podemos perceber, as exigências para a formação do trabalhador
tornam-se cada vez mais complexas, como aponta Lucília Machado (1994, p.14):
Com a aplicação da microeletrônica, os equipamentos tornam-se flexíveis e como o comando encontra-se externo à máquina, ou seja, no ‘software’, ela pode ser programada para diversas finalidades o que oportuniza atender à crescente diversificação do mercado. Aquela parcela de trabalhadores que tem acesso à programação precisa se apresentar com maior qualificação e tem no trabalho opções para o desenvolvimento da percepção e do raciocínio.
Segundo Ronaldo Araujo (1999), o novo método organizacional adotado pelas
empresas passou a exigir determinadas características pessoais dos trabalhadores,
e:
Entre as novas demandas por qualificação dos trabalhadores encontramos um grande e impreciso leque de qualidades humanas: iniciativa, espírito de equipe, capacidade de comunicação, sociabilidade, criatividade, disposição para aprender, curiosidade, disciplina, motivação, atenção, responsabilidade, estabilidade, confiança, autonomia, capacidade de gerar e se adaptar às mudanças, independência, capacidade de cooperação, lealdade, comprometimento, competitividade, habilidade de negociação, capacidade de pensar, de decidir, etc. (p. 19).
Neste novo cenário, o trabalhador assume responsabilidades no trabalho que
ultrapassam a técnica, pois, não há uma mudança apenas nas ferramentas
utilizadas para a execução do trabalho, mas há uma reestruturação no âmbito geral
do trabalho. O trabalhador deve ter competências para lidar com os eventos
adversos que o software apresentar, bem como deve ser capaz de resolver os
eventuais problemas operacionais (RAMOS, 2002).
Ramos (ibid.) destaca que os eventos são:
[...] aquilo que ocorre de maneira particularmente imprevista, surpreendente, vindo perturbar o desenvolvimento normal do sistema de produção, ultrapassando a capacidade automatizada de assegurar sua auto-regulação (p. 177).
Em outras palavras, o trabalhador deve ter competência para fazer aquilo que
as máquinas ainda não têm competência para fazer, uma vez que a previsão
abstrata de um problema tal como a imaginação é uma qualidade única do homem.
66
Assim, as ações aplicadas aos eventos se posicionam como uma perspectiva
qualificante do trabalhador (ibid.).
Machado (1994, p. 14) acrescenta:
Encontram-se também, neste caso, trabalhadores reduzidos a funções elementares de preparação e vigilância do equipamento, o que não vem resolver plenamente o problema do trabalho repetitivo e fragmentado. Quanto à função de manutenção, esta se sofistica e os requerimentos educacionais para seu exercício se elevam.
As capacidades puramente técnicas não atendem mais às necessidades do
processo produtivo sendo necessário que o trabalhador possua capacidades de
abstração para prever, ou assegurar a resolução de problemas no processo
produtivo. É neste sentido que se enquadra os eventos que são compreendidos
como algo que ocorre de forma imprevista e indesejada no trabalho, que leva a
problemas no sistema produtivo. Quando um evento ocorre, as máquinas não têm a
capacidade de solucionar o problema. A solução destes imprevistos pelos
trabalhadores é uma das competências valorizadas e extremamente requeridas pelo
processo produtivo, competência essa que engloba uma teia de saberes mobilizados
para o enfrentamento de eventos mais complexos (RAMOS, 2002).
Já na visão de Salerno (199- apud ibid.), o trabalhador diante dos eventos
deve ter a competência de processo, que é a capacidade de elaborar mentalmente o
processo do evento e suas prováveis evoluções, ou seja, o trabalhador deve
compreender uma formação teórica e prática do processo e toda a sua estrutura a
fim de estabelecer as devidas soluções.
Segundo Salerno (ibid.), outras competências são requeridas pelo processo
produtivo, sendo elas: a competência técnico-performativa, que se caracteriza pela
capacidade do trabalhador “integrar os objetivos organizacionais aos atos técnicos”
(p. 183); a competência sobre a organização, que compreende tanto a competência
técnico-performativa da qual ela é resultante, como confronta o conhecimento
técnico “com os parâmetros e os princípios da organização produtiva” (p. 183); a
competência de serviço caracterizada pela postura do trabalhador em se questionar
sobre “o impacto que seus atos profissionais provocariam, direta ou indiretamente,
sobre a maneira de produzir e sobre a vida dos clientes/usuários” (p. 138); e a
competência social, que reporta “ao comportamento e às atitudes do trabalhador e
se manifesta na forma de autonomia, responsabilidade e capacidade de
67
comunicação, integradas às competências profissionais” (p. 183). Nesse sentido,
não basta ser um bom trabalhador, tem que estar apto a servir.
Ramos (2002) chama a atenção que muitas vezes a competência social15 se
confunde com o saber-ser16, como se fossem sinônimos. Porém, a mesma autora
destaca que o saber-ser está mais ligado à abordagem que remete aos “traços da
personalidade e às aptidões do indivíduo, supondo-os inatos e estáveis ao longo do
tempo” (ibid., p. 184). Nesse sentido, Ramos (ibid.) expõe a posição de Zarifian
(1999 apud ibid.), que defende que não há como se avaliar a competência pelo ser
do trabalhador, e nem como avaliar por sua personalidade, pois o que pode ser
avaliado são os procedimentos práticos do trabalhador.
Por outro lado, Machado (1994) afirma que para o novo padrão de
acumulação, o toyotismo, o perfil requerido para o trabalhador compreende a
educação básica, adaptação a novas situações, capacidade de abstração, atenção,
participação, interpretações de informações e responsabilidade, entre outras já
citadas anteriormente características pessoais. Essas novas exigências tendem a
“adoção de novas estratégias de gestão da força de trabalho necessárias à
preparação do campo para a chegada das novas tecnologias” (ibid., p.15).
Já para Ricardo Antunes e Giovanni Alves (2004), no padrão de acumulação
toyotista, a classe burguesa industrial apropria-se da força de trabalho do
trabalhador, bem como visa:
[...] apropriar-se crescentemente da sua dimensão intelectual, das suas capacidades cognitivas, procurando envolver mais forte e intensamente a subjetividade operária. Os trabalhos em equipes, os círculos de controle, as sugestões oriundas do chão da fábrica, são recolhidos e apropriados pelo capital nessa fase de reestruturação produtiva. Suas idéias são absorvidas pelas empresas, após uma análise e comprovação de sua exeqüibilidade e vantagem (lucrativa) para o capital. Mas o processo não se restringe a essa dimensão, uma vez que parte do saber intelectual do trabalho é transferida para as máquinas informatizadas, que se tornam mais inteligentes. Como a máquina não pode suprimir o trabalho humano, ela necessita de uma maior interação entre a subjetividade que trabalha e o novo maquinário inteligente. Surge, portanto, o envolvimento interativo que aumenta ainda mais o estranhamento do trabalho, ampliando as formas modernas de fetichismo, distanciando ainda mais a subjetividade do exercício de uma cotidianidade autêntica e autodeterminada (ibid., p. 347).
15
A competência social corresponde ao comportamento e às atitudes do trabalhador. São caracterizados pela autonomia, responsabilidade, e capacidade de comunicação integradas as competências profissionais (RAMOS, 2002). 16
A competência saber-ser corresponde aos traços de personalidade e as aptidões do trabalhador (ibid.).
68
Ramos (2002) acrescenta que a noção de competência visa ordenar as
relações sociais de trabalho com vista a gerir as condutas e readaptar os valores
éticos e políticos dos trabalhadores para uma constante adaptação ao processo
produtivo. É nesse segmento que Ramos (ibid.) expõe que a competência não se
resume apenas “à gestão da flexibilidade técnica e organizacional do trabalho”, mas
a competência “associa-se fortemente à noção de empregabilidade” (p. 176). Logo,
a noção de empregabilidade torna-se indispensável para a sobrevivência do
trabalhador.
Frigotto (2011) em suas formulações destaca que a noção de
empregabilidade é:
[...] uma noção que busca apagar da memória o direito ao emprego, já que este está dentro de um sistema de regulação social que garante um conjunto de direitos ao trabalhador, defendido por suas organizações. No plano da mistificação, a ideia que se difunde é a de que o fim do emprego é algo positivo para a competitividade e de que, em realidade, com isso todos ganham (p. 27, itálico no original).
De volta à discussão das competências, Ramos (2002) destaca que a
competência passa a se localizar no princípio da organização do trabalho. Desta
forma, o trabalhador assalariado não tem mais a garantia de um emprego estável,
mas o trabalhador é obrigado a se submeter a uma constante validação de sua
competência. Assim, o trabalhador, para assegurar seu emprego, deverá dar provas
de sua adequação ao trabalho, bem como demonstrar merecimento para uma
promoção e garantia de seus direitos.
No âmbito da pedagogia das competências buscadas com afinco pelas
empresas no período do processo de acumulação toyotista, Frigotto (2011, p. 27-28,
itálico no original) ressalta que:
[...] a pedagogia das competências deriva de relações sociais concretas de ultraindividualismo, desmonte dos direitos sociais e coletivos e de políticas universais. Não se refere à educação integral e unitária e nem ao direito ao trabalho, mesmo que seja sob a forma de trabalho explorado, emprego. Vincula-se a uma visão mercantil e ao trabalho flexível, instável e precário. Trata-se do trabalhador buscar as competências que o mercado exige e adaptar-se a elas a qualquer preço ou, então, deixar o lugar para outrem e sem, ou ao menor, custo para o empregador. Daí que para o sucesso desta pedagogia implica, também desmantelar a organização sindical e postular a negociação direta do trabalhador com o empregador.
69
Nas formulações de Silvia Maria Manfredi (1998) as noções de competências
possuem conotações que resgatam alguns conceitos desenvolvidos pela teoria do
capital humano, “reafirmando, por meio de novas palavras, conotações que visam a
reintegração dos trabalhadores aos novos contextos de reestruturação do capital no
âmbito dos locais de trabalho” (p. 29).
Por outro lado, a mesma autora (ibid.) destaca as diferenças entre a
concepção tecnicista de qualificação e as competências.
Quanto às diferenças, parece haver algumas distinções de ordem qualitativa, sendo a primeira mais restrita, limitada do ponto de vista técnico-científico, enquanto a segunda coloca a qualificação em patamares mais abrangentes, até mesmo multidimensionais, incorporando à perspectiva meramente técnico-operacional (própria da racionalidade técnica) dimensões de ordem subjetiva de ordem psicossocial e cultural (ibid., p. 29).
Apesar das competências possuírem diferenças quanto à qualificação, ainda
assim carrega consigo a subordinação quanto à formação do trabalhador para o
processo produtivo e sua desqualificação.
A reestruturação produtiva proporcionou a ampliação do sistema capitalista
que passou a ir além da produção material. Não obstante, a nova postura das
empresas demandou, consequentemente, a necessidade de uma nova postura
também dos trabalhadores. A partir da organização do trabalho, o trabalhador teve
que se adequar mais uma vez às características de um novo ser social, a um novo
modo de viver, uma vez que o homem deveria se adequar à flexibilidade. O homem
deveria tornar-se flexível, para adequar-se a uma vida flexível.
David Harvey (2000) em suas formulações explicita que o processo produtivo
toyotista amparou-se na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados, dos
produtos e dos padrões de consumo. Portanto, a flexibilização exigiu/exige novos
arranjos de disciplinamento, a serem exercidos pela classe que detém o poder, e, à
classe trabalhadora fica o cargo de ser disciplinada.
Nas formulações de Antunes (2009), podemos perceber que a classe
burguesa realizou uma ação de reorganização de dominação societal, indo além do
processo produtivo, mas, gestando um projeto societário com o objetivo de
recuperar a sua hegemonia. No plano ideológico, a classe burguesa realizou sua
empreitada “por meio do culto de um subjetivismo e de um ideário fragmentador que
faz apologia ao individualismo exacerbado contras as formas de solidariedade e de
atuação coletiva e social” (ibid., p. 50).
70
Em uma pesquisa realizada a fim de analisar a experiência de implantação da
gestão do sistema Toyota de produção17, - toyotismo - na construção da segunda
unidade de produção da empresa Toyota Motor Co., Eurenice Lima (2006)
identificou estratégias de disciplinamento e controle voltadas para barrar as
resistências dos trabalhadores. Segundo a autora (ibid.), a empresa conseguiu
disciplinar seus trabalhadores “impondo como modelo o trabalhador colaborador e a
empresa como o ambiente onde pode aflorar o consenso social [...]” (p. 115).
Lima (ibid., p. 118) ressalta que a empresa investigada, procurou formar um
novo tipo de trabalhador, e para que sua meta fosse alcançada, introduziu um plano
de ação que visou estabelecer “relações entre a empresa e a comunidade na qual
se instal[ou]”, bem como, procurou instituir “o sentimento de pertencimento à
comunidade Toyota, por meio do desenvolvimento de atividades de lazer nos fins de
semana”, e evitou o contrato de trabalhadores que tivessem um histórico de
experiências sindicais.
A mudança flexível fez com que a linearidade outrora existente passasse a
não existir mais. Como ressalta Richard Sennett (1999, p. 55), a mudança flexível
“busca reinventar decisiva e irrevogavelmente as instituições, para que o presente
se torne descontínuo com o passado”. Isso significa dizer que as empresas utilizam
de práticas de reengenharia, que grosso modo visa propiciar a redução de
empregos, e padronizar procedimentos operacionais via programas de computador,
possibilitando a avaliação de quantos trabalhadores podem ser demitidos caso tenha
uma fusão de empresas.
Diferentemente do perfil do trabalhador taylorista/fordista, o trabalhador com o
novo perfil toyotista agora precisa se adaptar à instabilidade, à rápida obsoletização
dos produtos, da vida e do próprio homem. Sennett (ibid.) acrescenta o surgimento
do flexitempo, que nada mais é do que a organização de vários horários flexíveis de
trabalho, no qual “o dia de trabalho é um mosaico de pessoas trabalhando em
horários diferentes [...]” (ibid., p. 66).
Sennett (ibid., p. 32) destaca que:
As condições de tempo no novo capitalismo criaram um conflito entre caráter e experiência do tempo desconjuntado ameaçando a capacidade das pessoas transformarem seus caracteres em narrativas sustentadas. [...] Durante a maior parte da história humana, as pessoas têm aceitado o fato
17
A empresa pesquisada pela autora Eurenice Lima adota a expressão sistema Toyota de produção - STP
71
de que suas vidas poderão mudar de repente, seja por motivos de guerras, fomes, ou outros desastres, de que terão de improvisar para sobreviver.
Nesse novo modo de viver, o passado parece não existir, a instabilidade
tornou-se comum e normal, todas as ações se estabelecem a curto prazo, laços não
são cultivados, a confiança não tem tempo para ser conquistada, tudo graças a
esses curtos prazos, a flexibilização “afrouxa os laços de confiança e compromisso e
divorcia a vontade do comportamento” (ibid., p. 33), e assim vai se constituindo o
novo ser social necessário a esse processo de produção capitalista. Portanto, a
reestruturação produtiva além de trazer a necessidade de novas qualificações, como
as competências, trouxe consigo uma nova sociabilidade de âmbito mundial.
Com vistas a compreender como foram estabelecidas as exigências do novo
perfil do trabalhador baseada nas reformas educacionais, apresentaremos na
próxima sessão a discussão da política educacional e suas consequências para o
campo da educação.
3.3 A política educacional brasileira a partir do ano de 1990 – as novas
reformas educacionais
Entre os anos de 1960 e 1970 o Brasil presenciou o ajustamento da educação
às exigências do padrão de acumulação taylorista/fordista e às necessidades do
ideal nacional-desenvolvimentista. As reformas educacionais ampliaram a entrada à
escolaridade, bem como se assentavam na defesa da educação como um
passaporte para a mobilidade social seja ela individual ou coletiva (OLIVEIRA,
2004).
A discussão da democratização da educação ganhou espaço no período da
pós-segunda guerra mundial, mas no Brasil, foi somente nos anos de 1970 que essa
discussão adquiriu importância (OLIVEIRA, 2006).
Dermeval Saviani (2008b) destaca que algumas mudanças no caso do Brasil
também vieram da inauguração da Constituição Federal de 1988, quando a União
passou a estabelecer as diretrizes e bases da educação nacional, e isso segundo o
autor (ibid.) indica nada menos do que o estabelecimento do que deve ser seguido
pela educação nacional por meio das diretrizes.
72
Antes mesmo da promulgação da Constituição Federal de 1988, houve o
interesse de se aumentar o número de anos do ensino obrigatório, a Lei nº 4.024/61
que definia a obrigatoriedade de quatro anos de ensino, no ano de 1971, o ensino de
1º grau passou a ser obrigatório dos 7 aos 14 anos (art. 20), passando para oito
anos de obrigatoriedade, conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei nº
5.692 (SOUZA, 2012). Essa lei também conjeturava a profissionalização
compulsória, fazendo com que os cursos do SENAI se equivalessem ao ensino
regular, uma vez que o SENAI já desempenhava a educação tecnicista.
Os dados estáticos dão uma ideia do impacto da lei. De acordo com os dados
do IBGE (2007), o percentual de analfabetismo dos homens com 15 anos ou mais
de idade era de 29,8; na década de 1970, e em 1980 era de 23,6. Já para as
mulheres o percentual era de 36 em 1970; e em 1980 passou a ser de 27,1. Os
dados populacionais registravam que na década de 1970 um percentual de
93,134.846 habitantes, contra, 119,011.052; em 1980 (IBGE, 1994). Percebemos
uma diminuição no índice de analfabetismo entre os brasileiros, segundo os dados
do IBGE.
Já a taxa de escolarização do ensino fundamental na década de 1980
registrava 80,1; e do ensino médio era de 14,3. Com relação às matrículas, temos o
ano de 1971 que contava com 86.872 matrículas, e no ano de 1980, as matriculas
contavam com um quantitativo de 239.927. Portanto, houve um aumento de 153.055
matrículas, totalizando 176% de aumento de matrículas (ARAÚJO, 2010).
Gilse Guedes (2008) explicita que a educação fundamental tornou-se
essencial para o crescimento do país, e a indústria teve um significativo empenho
em buscar a ampliação da escolarização.
Tomando por base as formulações de Oliveira (2006) destacamos que a
padronização da educação contribuiu para uma pseudo separação entre a educação
básica e o ensino superior. A educação básica compõe o alicerce indispensável para
se alcançar a universidade e no toyotismo a desqualificação da escola causada pela
desqualificação do trabalhador – no sentido do menosprezo das empresas em
desprivilegiar trabalhadores com ensino básico completo –, não é mais eficaz.
Como aponta Oliveira (2004), ocorreu a partir dos anos de 1990 a mudança
de paradigma nas questões das reformas educacionais. As reformas educacionais
no Brasil tenderam a caminhar para duas direções: “a educação dirigida à formação
para o trabalho e a educação orientada para a gestão ou disciplina da pobreza”
73
(ibid., p. 1131). Para que a educação alcançasse a todos, a estratégia utilizada pelos
órgãos responsáveis pelas reformas buscou além dos financiamentos, a chamada
ao voluntariado. Essa arquitetação das políticas educacionais para o voluntariado
garantiu ao Estado o custo mínimo.
As reformas de Estado passaram a ter como o imperativo o discurso da
globalização, uma vez que os países deveriam regular a economia com fins de
controle do mercado e controle social. As reformas educacionais, deste modo,
acarretaram mudanças significativas para os trabalhadores e para o âmbito escolar
(OLIVEIRA, 2005).
É importante destacar que as reformas educacionais também buscaram a
padronização e massificação dos procedimentos administrativos e pedagógicos,
bem como buscaram garantir baixos custos, e instituir o controle central das políticas
implementadas. Logo, a gestão escolar combinada às formas de planejamento e à
descentralização administrativa possibilitaria que as verbas da escola fossem
complementadas com recursos da comunidade e de parcerias.
Neste sentido, Oliveira (2004, p. 1131) destaca que a “eqüidade far-se-ia
presente, sobretudo, nas políticas de financiamento, a partir da definição de custos
mínimos assegurados para todos”.
Assim, as reformas educacionais estimulariam a escola a maximizar seus
resultados em termos de eficácia e eficiência. Portanto, para que a escola alcance
tais objetivos, por meio de uma gestão flexível, deveria adotar “como critério de
racionalidade os imperativos da iniciativa privada” (SENNA; FERNANDES, 2006, p.
9).
As reformas educacionais trouxeram para a escola novas orientações para a
formação do trabalhador de novo tipo, pois, com a flexibilização e horizontalização
das empresas, os trabalhadores com saber fragmentado não teriam mais espaço no
formato das empresas. Isto coloca importância no exame da vigência da tese da
produtividade da escola improdutiva, uma vez que, no contexto do toyotismo, busca-
se cada vez mais a maximização da qualidade total nas escolas e uma pedagogia
corporativista (SAVIANI, 2008a). Nesse sentido, para a escola caberia o papel de
preparar os alunos para o mundo do trabalho, uma vez que, conforme os autores
indicam no toyotismo não cabe mais à escola ser improdutiva. Assim, tanto o
fracasso quanto a desqualificação da escola não caberiam nesse novo contexto, e
isso torna necessário a revisão da tese da produtividade da escola improdutiva.
74
Diferentemente do período taylorista/fordista, no qual a escola é
desqualificada para formar os filhos da classe trabalhadora, no toyotista a escola
busca incluir os alunos no processo da aprendizagem.
Os organismos internacionais apontaram as diretrizes da reforma educacional
com o intuito de superar a crise do capitalismo. Nesse sentido é que a legislação
educacional faz referência à classificação elaborada pela Organização Internacional
do Trabalho – OIT – quanto às competências que devem ser cultivadas nos
estudantes, sendo elas: “as competências básicas, genéricas e específicas”
(RAMOS, 2002, p. 190).
Segundo Ramos (ibid.), as competências básicas constituem-se das
habilidades básicas de leitura, escrita, comunicação oral, etc.; já as competências
genéricas abarcam os comportamentos profissionais específicos comumente ligados
a atividades que envolvem tecnologia; e as competências específicas se dirigem a
uma determinada ocupação, que não pode ser transferida para outra, uma vez que
suas especificidades são restritas. Podemos perceber que as novas exigências vão
muito além das capacidades puramente técnicas, elas permeiam o campo
psicológico, pessoal e cultural do trabalhador.
Os organismos internacionais como o Banco Mundial realizaram reformas no
âmbito educacional para reajustar a economia tendo por diretriz o projeto neoliberal
de sociedade (MELO, 2004). E, assim, retomaram a ênfase da teoria do capital
humano, inculcando aos países de capitalismo periférico sua vocação para formar
para o processo produtivo; em outras palavras, formar força de trabalho barata, uma
vez que as reformas educacionais estão ligadas a metas que visam “a
refuncionalização do Estado e a redução da pobreza; dentro dos movimentos de
liberalização, privatização e desregulação” (ibid., p 163).
De acordo com os dados do IBGE (2010), os homens apresentam taxa de
analfabetismo de 9,8% contra 9,6% das mulheres. O maior índice de analfabetos
está entre os mais velhos, no qual 92,6% têm 25 anos ou mais de idade. No ano de
2010 o Brasil apresentou o quantitativo de 51,5 milhões de alunos matriculados na
educação básica pública e privada – creche, pré-escola, ensino fundamental e
médio, educação profissional, especial e de jovens e adultos. Dos 51,5 milhões,
85,4% estudam nas redes públicas e 14,6% em escolas particulares
(MEC/INEP/DEED, 2010).
75
Por outro lado, no estudo apresentado por Oliveira (2007) a respeito da
universalização do ensino fundamental, os dados apontam que, durante a década de
1990, os alunos que haviam sido excluídos do sistema de ensino foram
reincorporados no sistema escolar durante a década de 1990.
O problema apresentado na pesquisa de Oliveira (ibid.) é que o sistema
educacional absorveu muitos estudantes que não correspondem com a faixa etária
do grau de ensino. Ou seja, o número de alunos no ensino fundamental é bem maior
que a faixa etária correspondente. Como adverte Oliveira (ibid., p. 668), “as crianças
estão na escola, mas atrasadas em seus estudos”.
Cabe ressaltar que as mudanças nas políticas educacionais no período do
governo presidencial de Fernando Henrique Cardoso refletiram na educação uma
tendência para a “transformação produtiva com eqüidade” (OLIVEIRA, 2004, p.
1129, itálico no original).
André Silva Martins (2007) destaca que no período do governo presidencial
de Fernando Henrique Cardoso, o neoliberalismo da Terceira Via18 permitiu que a
burguesia determinasse estratégias que interferissem no âmbito da educação com
vistas a uma nova sociabilidade para a classe trabalhadora.
Neste sentido, Oliveira (2004) explicita que o argumento utilizado para
orientar as políticas educacionais seriam os organismos internacionais ligados à
ONU. Segundo a autora (ibid.), um desses organismos que estabeleceu esforços
para as reformas educacionais foi a Conferência Mundial sobre Educação para
Todos, realizada em Jomtien, em março de 1990.
A Conferência Mundial sobre Educação para Todos, sob coordenação da
UNESCO e do Banco Mundial, buscou fornecer definições e novas perspectivas
sobre as necessidades básicas de aprendizagem. O intuito destas novas definições
teve como escopo instituir compromissos em nível mundial para assegurar que
todas as pessoas pudessem usufruir dos conhecimentos básicos que permitam ao
trabalhador a obter uma vida digna (CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE
EDUCAÇÃO PARA TODOS, 1991). Conforme as definições da Declaração, as
18
A Terceira Via segundo André Silva Martins (2007) se constituiu após a atualização e revisão das normas conservadoras fundamentais de Hayek, definidos no Consenso de Washington, mas que apesar de conservadoras busca atualizações tanto políticas como atualizações das novas funções do Estado, ou seja, da classe dominante, em relação às políticas sociais, à estrutura da sociedade e à sociabilidade.
76
metas para a educação se dirigiram para dar ênfase na educação básica para os
países de capitalismo periférico (ibid.).
Melo (2004) ainda destaca que as reformas educacionais realizadas na
América Latina e Caribe:
[...] além de cumprirem a meta de redução do gasto público, com o progressivo desmonte das agências do estado-de-bem-estar-social, e de preocupação dos organismos internacionais com a redução da pobreza e a governabilidade dos países latinoamericanos, são também resultado da criação científica e tecnológica para os países dependentes. Da mesma forma, são resultado dos movimentos de flexibilização do trabalho e das relações trabalhistas, o que atinge diretamente as propostas e demandas por educação dos vários sujeitos políticos coletivos nestes países (ibid., p. 164).
A Conferência Mundial de Educação para Todos foi marcada pela relação
entre a equidade social e a educação, sendo que a concepção de Educação para
Todos equivale a uma educação básica, no qual essa por sua vez, remete a uma
educação que satisfaça as necessidades básicas de aprendizagem de todos (SILVA,
2011). Frigotto (2003) destaca que com a reorganização do sistema capitalista e o
advento da tecnologia, as mudanças potencializaram a destruição da vida humana,
fato este que a própria OIT constatou ao afirmar que a tecnologia veio a empobrecer
os países de capitalismo periférico.
Logo, as reformas trouxeram consigo o desamparo ao trabalhador, já que a
redução dos gastos públicos demanda cortes nos serviços sociais. E, por
conseguinte, as reformas atingiram o âmbito estrutural que possibilitou a
concentração das ações do governo, essenciais para a sobrevivência da classe
trabalhadora (SILVA, 2011).
Os enfoques das reformas educacionais de cunho internacional
centralizaram-se na diminuição da pobreza e das desigualdades sociais, por meio da
educação como forma de ingresso para o mundo do trabalho. Melo (2004) alerta que
as propostas de mudança trouxeram consigo a divisão dos vários níveis de ensino,
logo, a educação tornou-se cada vez mais seletiva e fragmentada.
A padronização da educação em forma de lei, portanto, visava responder às
necessidades da modernização, da introdução tecnológica, e das novas formas de
organização do trabalho. Assim, as reformas educativas passaram a ser regidas
pela doutrina neoliberal que defende a redução do Estado.
77
Não é por acaso que a partir do final da década de 1970 os organismos internacionais, acima referidos, guardiães da reprodução e segurança do capital, passam a educar intelectuais para difundirem estas novas noções e estimularem reformas educativas para ajustar os sistemas educacionais à nova (des)ordem mundial. O Brasil tem vários representantes formados nestes organismos e que se constituíram âncoras e ideólogos das reformas educativas da década de 1990. Paulo Renato de Souza, Ministro da Educação por oito anos no Governo Fernando Henrique Cardoso, constitui-se num desses proeminentes quadros. João Batista de Oliveira, Maria Helena Guimarães, Cláudia Costin, entre outros, constituem-se em expoentes desta vulgata (FRIGOTTO, 2011, p. 28).
Assim, tem-se que, no Brasil, as reformas educacionais se dirigiram para uma
educação para a igualdade social e a mudança de foco para as reformas justifica-se
pelas mudanças ocorridas no processo produtivo. Por conseguinte, as mudanças
também afetaram a organização e gestão escolar. Para que as escolas obtenham o
êxito esperado pelo processo produtivo, a exigência definida para as escolas é
formar os filhos da classe trabalhadora para a empregabilidade, uma vez que a
educação torna-se cada vez mais indispensável para a obtenção de um emprego
formal (OLIVEIRA, 2004). Diante das exigências definidas para as escolas,
destacamos o aspecto ideológico das concepções dominantes que busca inculcar
princípios e valores para a formação da cidadania, e nesse viés preconiza nos
indivíduos o sentido de pertencer e integrar a uma determinada vida social e atuar
dentro dos limites da sociedade capitalista (MARTINS, 2013). Assim, a educação
escolar também acabaria por cumprir papel fundamental compensatório e
assistencialista para a contenção da pobreza (OLIVEIRA, 2004), uma vez que o
Brasil durante os anos de 1990 passou por uma crise política e econômica que
desestruturou os estabelecimentos e serviços públicos o que afetou diretamente a
classe trabalhadora (SENNA; FERNANDES, 2006).
Nessas novas condições reforçou-se a importância da educação escolar na formação dos trabalhadores que, pela exigência da flexibilidade, deveriam ter um preparo polivalente apoiado no domínio de conceitos gerais, abstratos, de modo especial aqueles de ordem matemática. Manteve-se, pois, a crença na contribuição da educação para o processo econômico-produtivo, marca distintiva da teoria do capital humano. Mas seu significado foi substantivamente alterado (SAVIANI, 2008a, p. 429).
Segundo Souza (2002), a investida do neoliberalismo na política educacional
brasileira se apoiou em três teses19 sendo elas:
19
No capítulo quatro nos deteremos nas teses de Guiomar Namo de Mello e Claudio de Moura Castro.
78
A necessidade de se estabelecer parâmetros de qualidade para nortear a gestão das políticas educacionais; a de que o Brasil não gasta pouco em políticas sociais, ele gasta mal; e, a de que o problema educacional do Brasil não é a universalização do ensino, mas a produtividade do trabalho escolar (ibid. p. 111).
A primeira tese faz apologia à qualificação para o consumo, no qual considera
que o conhecimento, criatividade e a iniciativa são matérias primas para o
desenvolvimento, bem como o investimento na educação escolar garante a
aquisição de conhecimentos a fim de serem utilizados para o “lazer, o consumo e
para o trabalho” (ibid. p. 112). No advento das novas tecnologias, é preciso que se
prepare os novos consumistas tecnológicos. A segunda tese afirma que os gastos
com a educação são mal elaborados, e que deve ser preciso “compreender a
disputa das forças no campo das políticas sociais” (ibid. p. 113). Já a última tese
assegura que universalização do acesso à educação escolar tem índices
satisfatórios, mas o problema está “nas altas taxas de evasão e repetência” (ibid. p.
114).
Essas teses, segundo Souza (ibid.), serão as normas para a ofensiva
neoliberal para as novas diretrizes educacionais, através do Plano Decenal de
Educação para Todos, bem como através dos diversos decretos para o ensino
superior e também profissional, além das investidas na educação básica. Com
relação à educação escolar, cabem a estes o papel tão somente de propor
complementos para o currículo.
Souza (ibid.) destaca que o Plano Decenal estabelecido pelo governo de
Itamar Franco visava à padronização das necessidades básicas para a educação
pública. Assim ficou estabelecido que o Plano Decenal determinaria que todas as
escolas deveriam ter a seguridade de dar condições básicas de oferta de ensino,
bem como estas deveriam ser deliberadas pelos vários setores do governo e que os
conteúdos deveriam ser definidos pela Constituição.
Ester Senna e Maria Dilnéia Espíndola Fernandes (2006) acrescentam que as
políticas educacionais do Brasil na década de 1990 também tiveram mudanças no
setor jurídico normativo. O fundamento para as mudanças no setor jurídico
normativo deu-se por conta das redefinições causadas no domínio do Estado
burguês.
79
Diante disso, o período é marcado pela promulgação e instituição de uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96); pela criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Lei nº 9.424/96); e do Plano Nacional de Educação (Lei nº 10.172/2001), entre outras importantes mediações de caráter jurídico legal (ibid., p. 1).
Houve consequentemente um movimento para a implantação de vários
programas, ações e projetos educacionais, bem como a de projetos avaliativos como
o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), e a dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs).
Outro ponto destacado por Souza (2002, p. 117) é a força do corpo
empresarial para articular a “gestão das políticas educacionais, agora com mais
disponibilidade para encaminhar suas propostas priorizando a obtenção do
consenso em vez da coação”.
Segundo Martins (2007, p. 139), para que a classe burguesa alcançasse a
concretização de seus interesses, esta buscou incorporar “as orientações do
neoliberalismo da Terceira Via passando a operar com novos objetivos pedagógicos
dirigidos para redefinir o padrão de sociabilidade dominante”.
A partir das formulações de Martins (ibid.), podemos perceber que o corpo
empresarial constituiu em um importante intelectual orgânico para a classe
dominante. Em 1995, esses intelectuais criaram o Grupo de Institutos, Fundações e
Empresas (GIFE) que liderou as estratégias para a organização e conscientização
do empresariado para a atuação coletiva para uma nova sociabilidade do capital. Ou
seja, o GIFE buscou assegurar uma nova percepção, tanto social, como de valores,
para construir uma classe trabalhadora formada com os novos requisitos requeridos
pelo processo produtivo: consumidores, e consumidores preocupados com a
responsabilidade social das empresas. E o ponto principal demarcado pelas
estratégias empresariais é a contenção da luta de classe.
Souza (2002) considera que na história nunca os empresários estiveram
distantes dos debates educacionais, porém, neste novo cenário a investida adquire
um cunho mais social, com novas readaptações para a teoria do capital humano.
80
Diante das reformas operadas pelos e nos sistemas de ensino, o papel que caberia à escola agora é que esta maximize os resultados esperados em termos de eficácia e eficiência. Para que a escola empreenda esta tarefa, segundo os reformadores, seria necessário que a escola flexibilizasse suas ações por meio de sua gestão, adotando como critério de racionalidade os imperativos da iniciativa privada (SENNA; FERNANDES, 2006, p. 9).
Frigotto (2007) explicita que o capital humano neste novo contexto apresenta
novos conceitos que se reduzem às dimensões cognitivas, de valores, atitudes e de
comportamento.
Deste modo, as políticas educacionais também apresentaram grandes
mudanças no âmbito jurídico normativo, com redefinições para o Estado burguês
que estabeleceram a promulgação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Lei nº 9.394/96); e, a criação do Plano Nacional de Educação (Lei nº
10.172/2001).
A prioridade da reforma educacional dos anos 1990 passou a ser a Educação
Básica, ou melhor, o ensino fundamental que, de acordo com a Constituição Federal
de 1988, é de responsabilidade dos municípios (art. 211). Conforme consta no
relatório de monitoramento de Educação para Todos (UNESCO, 2013), a
universalização do ensino fundamental, apesar de ter sido posta como prioridade da
reforma educacional, não alcançou a universalização. Segundo dados da UNESCO
(ibid.), por meio de uma avaliação do progresso da universalização do primeiro nível
do ensino secundário, em 1999, dos 82 países avaliados, “apenas 26% alcançaram
a universalização do primeiro nível do ensino secundário” (ibid., p. 10), e no ano de
2011, “esse número subiu para 32%; até 2015, espera-se que a proporção de países
que alcançaram esse nível cresça para 46%” (ibid.).
No âmbito do poder executivo, Senna e Fernandes (2006, p. 8) destacam
que:
[...] por meio do Ministério de Educação (MEC), Há a implantação/implementação de vários programas tais como o programa Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), os Parâmetros Nacionais Curriculares (PCNs), o Programa Bolsa Escola, atualmente Bolsa Família, entre outros tantos programas que objetivam colocar a educação em uma perspectiva de melhorar a inserção competitiva internacional do País.
Já segundo as formulações de Oliveira (2004, p. 1130), essas regulações
refletem “diretamente na composição, estrutura e gestão das redes públicas de
81
ensino”, uma vez que essas ações modificam totalmente a composição das redes,
tanto no aspecto físico, quanto no aspecto organizacional. E outro ponto
fundamental que se coloca para as redes de ensino é a adesão aos “conceitos de
produtividade, eficácia, excelência e eficiência”, ou seja, as redes devem adequar-se
aos ditames das teorias administrativas.
Novamente, com vistas a cobrir o maior número de matriculados no ensino
fundamental, no ano de 2006, foi instaurada a Lei Nº 11.274, na qual foi instituída e
normatizada a ampliação do ensino fundamental obrigatório para nove anos
(BRASIL, 2006). Logo, dispondo sobre a duração de nove anos para o ensino
fundamental, a idade para a matrícula obrigatória foi estabelecida a partir dos seis
anos de idade.
Visando assegurar uma educação para todos, foi criado, em 2006, por meio
da sociedade civil brasileira, uma instituição denominada Todos Pela Educação. A
instituição Todos Pela Educação tem como escopo proporcionar condições de
acesso, de alfabetização e de sucesso escolar, bem como visa à expansão de
recursos aplicados na Educação Básica e na melhora da gestão desses recursos.
Os objetivos da instituição se resumem em cinco Metas, sendo elas: Meta 1 toda
criança e jovem de 4 a 17 anos na escola; Meta 2 toda criança plenamente
alfabetizada até os 8 anos; Meta 3 todo aluno com aprendizado adequado ao seu
ano; Meta 4 todo jovem de 19 anos com o Ensino Médio concluído; Meta 5
investimento em educação ampliado e bem gerido (TODOS PELA EDUCAÇÃO,
2013b).
Já no ano de 2007 a partir do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE)
foi regulamentado o Decreto nº 6094/2007 que implementa o Plano de Metas
Compromisso Todos pela Educação, pela União Federal, em regime de colaboração
com Municípios, Distrito Federal e Estados, a participação das famílias e da
comunidade, mediante programas e ações de assistência técnica e financeira,
visando à mobilização social pela melhora da qualidade da educação básica. O
Decreto visa estabelecer como foco a aprendizagem, a alfabetização das crianças
até os 8 anos de idade, combater a repetência, a evasão, bem como aferir a
qualidade da educação com base no Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica – IDEB (BRASIL, 2007).
E, no dia 25 de junho de 2014 a presidente Dilma Rousseff sancionou sem
vetos o Plano Nacional de Educação 2014/2024. A articulação para a aprovação do
82
PNE já estava em discussão há quase três anos no Congresso Nacional. O PNE
prevê que 10% do Produto Interno Bruto devem ser investidos em educação até o
ano de 2024. O último PNE teve vigência até 2010, logo, o PNE deveria ter sido
aprovado em 2011 (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2013a; BRASIL, 2014).
O PNE também tem como objetivo triplicar as matrículas da Educação
Profissional Técnica de Nível Médio, com vistas a assegurar a qualidade da oferta,
bem como pretende garantir pelo menos 50% de gratuidade na expansão de vagas.
Entre as estratégias adotadas pelo PNE está a preocupação com o ensino médio, no
qual o PNE visa universalizar, até 2016, o atendimento escolar para todos os jovens
entre 15 a 17 anos e pretende, até 2020, aumentar a taxa líquida de matrículas no
ensino médio para 85%; outra estratégia formulada para se alcançar as metas do
PNE é fomentar a expansão das matrículas de ensino médio integrado à educação
profissional, bem como pretende estimular a expansão do estágio para estudantes
da educação profissional técnica de nível médio e do ensino médio regular, com o
objetivo de estimular as competências próprias da atividade profissional, a
contextualização curricular e o desenvolvimento do estudante para a vida cidadã e
para o trabalho (BRASIL, 2014).
Segundo consta no Art. 2 do PNE20, fica estabelecido como diretrizes para os
anos de 2014 a 2024, o alcance da erradicação do analfabetismo; a universalização
do atendimento escolar; a superação das desigualdades educacionais; a melhoria
da qualidade do ensino; a formação para o trabalho e para a cidadania com ênfase
em valores morais e éticos em que se fundamenta a sociedade; a promoção da
sustentabilidade sócio-ambiental; a promoção humanística, científica e tecnológica
do País; o estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação
como proporção do produto interno bruto; a valorização dos profissionais da
educação; e, a difusão dos princípios da equidade, do respeito à diversidade e a
gestão democrática da educação (ibid.).
Estamos diante de um novo momento da história do capitalismo, decorrente
da reestruturação produtiva. Questionamos como a escola está atendendo as
exigências do mercado para a sua produtividade com vistas ao novo perfil do
trabalhador.
20
Mesmo não tendo o objetivo de analisarmos os dados do PNE 2014/2024, estes indicam a preocupação da classe dominante em erradicar o analfabetismo no Brasil, bem como, aumentar expressivamente as matrículas na educação profissional, o que nos levanta a questão para qual formação se pretende oferecer à classe trabalhadora.
83
No próximo capítulo pretendemos analisar a vigência da tese da produtividade
da escola improdutiva.
CAPÍTULO 4
A RETOMADA DA TEORIA DO CAPITAL HUMANO E A VIGÊNCIA DA TESE DA
PRODUTIVIDADE DA ESCOLA IMPRODUTIVA
O objetivo deste capítulo é apresentar a análise da vigência da tese da
produtividade da escola improdutiva. Com base no material analisado,
evidenciamos, na primeira sessão, a retomada contemporânea da Teoria do capital
humano (TCH), por meio da tese produtividade da escola, advinda do campo
hegemônico. Na segunda sessão, apresentamos a vigência da improdutividade da
escola, mesmo na atual conjuntura, como uma mediação da produtividade da
escola, por meio de análises feitas no campo crítico da educação.
4.1 O retorno da TCH pelo pensamento dominante: a produtividade da escola
O material analisado nos revelou que há uma retomada da tese da
produtividade da escola e da teoria do capital humano pelo campo hegemônico.
Nesse primeiro momento vamos expor a concepção dominante21, que teve a leitura
de três autores responsáveis por teses que nortearam a ofensiva neoliberal e as
novas diretrizes educacionais brasileiras: Guiomar Namo de Mello, Cláudio de Moura
Castro e Gustavo Ioschpe.
Com relação aos autores temos que Guiomar Namo de Mello é educadora e
diretora da Escola Brasileira de Professores - EBRAP, destaca-se no campo
educacional da classe burguesa hegemônica por prestar consultoria para projetos de
formação inicial de professores da educação básica em nível superior, presenciais e
à distância. A tese de Mello (1998) estabelece que a educação necessita de
parâmetros de qualidade para nortear a gestão das políticas educacionais, bem
como considera que o conhecimento, a informação, a criatividade são fundamentais
para o desenvolvimento econômico, e defende a formação para a cidadania. Nesse
sentido, “Namo de Mello, conhecedora do pensamento crítico, constitui-se em hábil
21
André Silva Martins (2013) apresenta duas concepções dominantes – concepção 1 a finalidade da educação escolar de preparar recursos humanos para impulsionar o desenvolvimento econômico, e concepção 2 a função da escola de preparar para a cidadania. Contudo, para o nosso estudo nos pautaremos em uma concepção que envolve as duas dimensões. Para saber mais das duas concepções dominantes ver Martins (2013).
85
adaptadora de noções para o ideário pedagógico brasileiro” (FRIGOTTO, 2011b, p.
11).
Já Claudio de Moura Castro (1994) é da área da economia, foi coordenador
do Projeto educação e Desenvolvimento, Programa Estudos de Integração
Econômica Latino-americana (ECIEL) entre os anos de 1974 a 1979. Foi diretor
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) entre os
anos de 1979 e 1982. Trabalhou como economista sênior na área de recursos
humanos no Banco Mundial em Washington, e foi secretário-executivo do Centro
Nacional de Recursos Humanos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA) entre os anos de 1982 a 1984. Em sua tese o autor afirma que o problema da
educação no Brasil é gastar mal ou fazer mau uso dos recursos investidos, e
acrescenta que somente os países que deram atenção à educação atingiram o
desenvolvimento.
Gustavo Ioschpe (2004) é economista graduado em Ciência Política e
Administração, e é sócio-fundador do Compromisso Todos pela Educação. Ioschpe
apresenta-se como encabeçador de diversos discursos a respeito da educação, e
destaca-se no âmbito educacional burguês por ter ganhado grande repercussão nas
mídias televisivas. Ioschpe (ibid.) desenvolveu sua tese buscando desvelar o
impacto da educação sobre o crescimento econômico do país, para o autor a
educação pública é um meio para que o Brasil alcance o desenvolvimento.
Também realizamos a leitura de documentos da Confederação Nacional da
Indústria (CNI): Conhecimento e Inovação para a Competitividade (BANCO
MUNDIAL, CNI, 2008), CNI 70 anos a construção do futuro (CONFEDERAÇÃO
NACIONAL DA INDÚSTRIA, 2008), Educação Para a Nova Indústria
(CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA, 2007), e o Mapa estratégico da
Indústria 2013-2022 (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA, 2013).
Diante do material analisado pudemos apreender três noções da tese da
produtividade da escola: a) a importância da escola; b) a preparação e a
produtividade do aluno (aluno cidadão); e, c) crescimento/desenvolvimento
econômico. Essas três noções formam os pilares do discurso da TCH, ou neocapital
humano22, ou seja, é a base que sustenta tese da produtividade da escola na
contemporaneidade.
22
Gaudêncio Frigotto (2007) expõe a visão dos economistas que reduzem a educação a um fator de produção de capital humano. O neocapital humano aponta para a mudança de conceito mais abstrato
86
O primeiro eixo evidenciado no campo hegemônico foi a importância da
escola. Para Guiomar Namo de Mello (1998) a educação tornou-se uma prioridade
em todo o mundo, passando por reformas nos sistemas educacionais, “com a
finalidade de torná-los mais eficientes e equitativos no preparo de uma nova
cidadania” (p. 30).
Nesse ponto destacamos a defesa de Mello (1998) na qual a autora afirma
que para que o país se desenvolva e se prepare para uma nova sociedade é
necessário que as pessoas sejam capazes de obter e selecionar informações, bem
como necessitam ter criatividade, iniciativa, e conhecimento23. A defesa de Mello
parte de uma concepção predominantemente hegemônica de caráter reducionista da
função da escola, na qual fica a cargo da educação atender aos interesses da classe
burguesa hegemônica. O que se esconde por trás dessa defesa é a preparação dos
trabalhadores a partir da educação. Portanto, não é sem interesse que a educação
escolar passou a ser alvo das pautas dos governos que defendem que a economia
deve tornar-se competitiva e com equidade. Nesse sentido, não é por acaso que
elencamos o primeiro eixo desvelado no campo hegemônico como a importância
dada para a escola, pois, é neste local que se busca preparar o aluno, e se deposita
a confiança para o desenvolvimento econômico do país.
Na concepção de Ioschpe (2004), o papel do ensino secundário tem
relevância não só na economia, mas tem efeito no sistema educacional. Isso porque,
segundo o mesmo autor (ibid., p. 216), “a educação secundária deixou de ser uma
vantagem competitiva e passou a ser necessidade, assim como o primário”. Ioschpe
faz a defesa para a massificação da educação do ensino médio para que o país
possa competir com a economia internacional. Portanto, podemos perceber que bem
mais do que preocupação com a classe trabalhadora chegar até o ensino médio,
Ioschpe preocupa-se com o ranking competitivo da economia internacional.
Ioschpe (2004) ressalta que a popularização da educação deve-se à
necessidade de o país fortalecer o ensino universitário. Para o economista, a
“competição do capital humano se dá na universidade e, a se manter o
– Sociedade do conhecimento, e as novas demandas para o perfil do trabalhador – que expressa a materialidade complexa e perversa da contradição do capital e do trabalho, permanecendo a natureza da relação do capital. Para saber mais ver Frigotto (2003, 2007). 23
Sobre a formação para o novo perfil exigido aos trabalhadores ver sessão 3.2 do capítulo 3 deste trabalho.
87
desenvolvimento tecnológico visto nas últimas décadas, dentro em breve ela
passará para o nível da pós-graduação” (ibid., p. 216).
Apesar do otimismo de Ioschpe, os dados indicam que a expectativa do autor
ainda está longe de ser alcançada, pois, apenas 15 % dos jovens do Brasil de 18 a
24 anos estão na universidade, e a meta que se pretende cumprir de acordo com o
PNE é que se chegue a 33% de taxa líquida de matricula até 2030 (BRASIL, 2013.).
Segundo Ioschpe (2008, p. A17, aspas no original):
Não é mais aceitável que as pessoas com nível de renda mais alto, os empresários mais ricos, se despreocupem da qualidade da educação brasileira. Acho que agora essa compreensão chegou, tanto que há, por exemplo, iniciativas como essa agora do "Todos pela Educação", de grandes empresários, que se deram conta de que a formação de capital humano é absolutamente importante para o sucesso das suas empresas e para o desenvolvimento do país. A educação traz um enorme benefício direto, mensurável. Então é bom que ela seja tratada como investimento, e que as pessoas olhem para a educação como uma ferramenta que vai render frutos.
Podemos concluir então que, para Ioschpe, a preocupação é quanto à
necessidade de capital humano competente para trabalhar com as tecnologias
advindas do processo produtivo, bem como para a competitividade. Não há uma
preocupação com a educação voltada para a emancipação do trabalhador, seja para
a educação básica, ou para a universitária, mas apenas para as necessidades do
processo produtivo. Logo, podemos perceber que o economista enfatiza que a
escola deve formar alunos produtivos necessários para o processo produtivo, e
quando ressalta a educação universitária, Ioschpe novamente dá ênfase para o
processo produtivo.
Diante dessas afirmativas apresentadas pelos autores deparamo-nos com o
eixo da preparação e produtividade do aluno, mas que ressaltamos não se
desvincula do primeiro eixo.
Mello (1998) faz uma apologia a um novo olhar do capital humano, no qual
demonstra que o ensino escolar deve ter por finalidade formar competências para o
processo produtivo e para a sociabilidade (SANTANA, 2008).
Para Vanilda Paiva e Mirian Jorge Warde (1994), a retomada da teoria do
capital humano apresenta-se diferente do conceito propagado nas décadas de 1950
e 1960. Para as autoras (ibid.), o diferencial está no sentido de que a economia da
educação:
88
[...] tem se concentrado fortemente sobre o retorno do investimento educacional cristalizado no conhecimento que produz riqueza ou em entender em que medida a produtividade de cada um é determinada não apenas pelo nível educacional, mas também pelos daqueles que o rodeiam. Trata-se, porém, de capacitação que muito além do conhecimento específico ou instrumental para abranger a educação em sentido lato: atitudes, motivação, capacidade de cooperar e trabalhar em grupo são tão importantes quanto o domínio de técnicas e de conteúdo (p. 21).
Nesse sentido, apenas a obtenção de diplomas não é o suficiente para esse
novo modelo de produção, como a defesa é de que há um excesso de diplomas, é
necessário que o trabalhador dê provas reais de suas competências. O
conhecimento ganha centralidade nas discussões que visam o crescimento
econômico, porém, “não se trata apenas do conhecimento que gera inovação, mas
de conhecimento que permite utilizar os produtos dela resultantes” (PAIVA, WARDE,
1994, p. 22).
Castro apoiado no eixo da importância da escola e na preparação e
produtividade do aluno, apontou que o Ensino Médio brasileiro estava ultrapassado
e abandonado no tempo, apontando assim para as reformas do ensino (CARNEIRO,
2011). Para Castro (1994), a educação deveria se tornar flexível, tal como o próprio
sistema produtivo, bem como, defendia a instauração de um ensino médio flexível
para atender aos alunos, pois, segundo ele não caberia uma solução única para
alunos diferentes. A educação secundária possuiria muitas versões para diversos
tipos de formação, como preparar os alunos para viver em uma sociedade moderna,
preparar para adentrar ao ensino superior, e formar os alunos para o mercado de
trabalho. O problema apontado por Castro (1994) era de que as metas apontadas
não tinham convergência entre si, uma vez que preparar para o ensino superior
requer um tipo de formação e preparar para o mercado de trabalho requer outro tipo
de formação.
Logo, Castro (1997) direciona suas formulações para um discurso que
evidencia, além da formação de força de trabalho para o mundo de trabalho, a
ênfase para a dualidade educacional:
89
O segundo grau recebe alunos com níveis de aptidão, idade e motivações muito diferentes e tem que oferecer a eles as opções de ir trabalhar ou de entrar no ensino superior. Se os alunos têm aptidões e planos de vida diferenciados, colocá-los todos juntos não pode dar certo. Assim, é necessário acomodá-los em lugares diferentes e oferecer-lhes conteúdos diferentes (o que pode ser feito via flexibilidade dentro de programas únicos ou por via de programas diferenciados). Ainda quando o segundo grau despeja na rua, sem preparação para o mercado, os que não podem continuar, o resto do sistema tem que se acomodar a estes fluxos de saída e oferecer a preparação necessária (CASTRO, 1997, p. 3 - 4).
É interessante notarmos que Castro reconhece a dualidade estrutural
existente na educação, bem como a defende, e utiliza desse fenômeno da educação
para ser usado a favor da classe burguesa. A classe burguesa industrial interessa
utilizar toda a força de trabalho variável e disponível. Não é sem motivo que o
capitalismo tem a necessidade da existência do exército reserva de trabalhadores,
pois, quando existe a leva de trabalhadores que não mais tem utilidade para o
processo produtivo, haverá sempre quem o substitua.
Flávio Anício Andrade (2004) constata que:
[...] as capacidades dos concluintes do ensino médio devem ser mobilizadas no sentido do aperfeiçoamento contínuo do processo de trabalho em uma empresa organizada sobre a base do trabalho coletivo – levando em consideração obviamente a trajetória dos que vierem a ter a ventura de encontrar uma colocação em uma organização produtiva de tal tipo. Sua passagem pela escola média deve contribuir, portanto, para que estes indivíduos adquiram uma atitude de predisposição à aceitação do que é novo e desconhecido; em outras palavras, que sejam “flexíveis” quanto à necessidade de se adaptarem a determinadas condições de realização do trabalho que signifiquem o abandono do estabelecido, do aceito como tradicional (p. 12).
É nessa direção que tendem as reformas da educação conforme constatou
Andrade (ibid.). As reformas do ensino médio e a formação para o trabalho exibe o
desejo da classe burguesa industrial para um trabalhador competente em
consequência das reformas advindas da reestruturação produtiva e da nova
sociedade, ou seja, cada vez mais o pensamento dominante explicita sua defesa
pela produtividade da escola. Isso por que como pontua Frigotto (1984) as relações
capitalistas muito além de serem relações técnicas, são relações sociais, na qual a
escola tem um papel de formação para aqueles que irão contribuir para a
manutenção da sociedade vigente.
Ainda no âmbito das reformas do ensino, temos o pensamento de Mello
(1998) que se dirige para as necessidades da produção atual, para uma formação
90
da cidadania em sociedades diversas e carregadas de informação. É nesse ponto
que destacamos a ênfase dada pela autora para a formação de habilidades
cognitivas, e das competências voltadas para o mundo do trabalho. Podemos
constatar essa afirmação a partir do ano de 1998, no qual o Conselho Nacional de
Educação definiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio que
apontava para a necessidade da Reforma do Ensino Médio. Nesse ano, Mello foi
relatora do referido documento que apresentava à educação novas demandas para
corresponderem com o modo de produção flexível, ou seja, era necessário que a
formação dos alunos se adequasse ao mundo do trabalho (CARNEIRO, 2011).
Mello (2014b, p. 4) afirma que a escola pública na preparação da criança:
[...] é o lugar privilegiado da aprendizagem planejada para educar pessoas mais participativas, solidárias, produtivas e felizes”. Nos dias de hoje, com a disseminação das tecnologias da informação, todos podem aprender em espaços não escolares. Mas ainda é na escola que essas aprendizagens podem ser (re)usinadas, que o conhecimento disponível em muitos lugares pode ser significado de acordo com valores estéticos, políticos e éticos que constroem visão de mundo, de sociedade e de seres humanos.
O que queremos demonstrar nesse trecho é a importância dada pela autora
no sentido de construir a partir da escola uma visão de mundo, esse mundo,
enfatizamos, não é o mundo voltado para a superação da divisão de classes e muito
menos para organizar a classe trabalhadora. Novamente apontamos a evidencia do
primeiro eixo da tese da produtividade da escola, no qual Mello afirma que apesar da
classe trabalhadora poder se formar em espaços não escolares, a escola ainda é o
principal espaço de formação.
Para corresponder a esta nova sociedade, Mello (1998) destaca a formação
para a cidadania, ou a qualificação dos trabalhadores para a cidadania. Essa
qualificação se relaciona com a formação para a obtenção de informação e do
conhecimento, pois, segundo Mello (ibid.), o conhecimento é fundamental para que o
homem exerça a cidadania política. Cabe ressaltar a qual tipo de conhecimento
Mello (ibid.) se refere:
[...] a qualificação para o consumo, fundamentada mais na austeridade que na ostentação e associada ao aumento da produtividade e da competitividade, seria uma contribuição da educação para superar as desigualdades sociais que, isoladamente, os sistemas educacionais podem até acentuar (p. 39, grifos nosso).
91
O que queremos destacar aqui é que o conhecimento e a informação
apontados para a qualificação do trabalhador resumem-se na produção do capital,
nos lucros que podem ser obtidos, na geração de riqueza para a classe burguesa. O
conhecimento e a informação destinada à classe trabalhadora são fragmentados e
alienadores e impossibilitam a formação de uma consciência crítica. A preparação
para uma nova cidadania no interior da sociedade capitalista reforça nesse sentido
cada vez mais o aprofundamento da desigualdade entre as classes, bem como
também reforça a necessidade da reforma dos sistemas educacionais para a
eficiência e equitatividade para preparar os homens para esta nova sociedade. Logo,
a problemática da cidadania está no interior da sociedade de classes e na fundação
da propriedade privada. A sociedade capitalista fundada no trabalho abstrato, na
venda e compra da força de trabalho, realiza um movimento contraditório ao propor
o preparo para uma nova cidadania. Isso porque as qualidades fundamentais para a
cidadania são homens livres e iguais. Porém, “a efetivação do ato de compra-e-
venda de força de trabalho tem como consequência inescapável a produção da
desigualdade social” (TONET, 2012, p.49). Logo, a cidadania por mais aperfeiçoada
que seja, “jamais eliminará a desigualdade social, jamais permitirá aos indivíduos
serem efetiva e plenamente livres” (ibid., p. 49). Apontamos que a cidadania
explicitada por Mello (1998) baseia-se na sua conceituação liberal, que parte do
pressuposto de que os homens antecedem, ontologicamente, a sociedade. Ou seja,
nessa concepção, “os indivíduos são portadores de uma natureza essencial, que
não resulta das relações sociais” (TONET, 2012, p. 48). Contudo, partilhamos da
concepção marxiana que afirma que “os indivíduos não precedem, ontologicamente,
a sociedade. A própria natureza dos indivíduos é resultado das suas relações
sociais” (ibid., p 48). O discurso de preparação para a nova cidadania não parte da
concepção da qual defendemos, que é preparar os homens para a emancipação,
uma vez que baseia-se na ideia da adaptação dos homens à sociedade capitalista.
Destacamos que o atual padrão de acumulação tende a precisar cada vez
mais da escola para a produção de um trabalhador adequado para o processo
produtivo. É o que podemos perceber nas análises de Graziela Zambão Abdlan Maia
e Lourdes Marcelino Machado (2000) sobre o vínculo das formas de organização do
trabalho e o sistema educativo que evidenciaram a existência da preocupação com a
formação do trabalhador pelos empresários. As autoras constataram que na visão
dos empresários é impossível o trabalhador sem a mínima qualificação “colaborar
92
com a produção com qualidade e consequentemente, com o lucro da empresa”
(ibid., p. 11). Essa constatação de Maia e Machado (ibid.) revela que a “manutenção
da escola para trabalhadores adultos por uma empresa capitalista está intimamente
ligada ao interesse do capitalista na reprodução do capital” (ibid., p. 13). Portanto, a
preocupação de empresários para com a educação dos trabalhadores inicia-se nos
bancos da escola com vistas para formar a força de trabalho.
Nessa mesma direção, Castro (1994) nos mostra a articulação das
competências individuais e organizacionais no contexto mais amplo da empresa. Em
uma entrevista dada para a jornalista Juliana Falcão sobre a palestra “Aprendizagem
e Tecnologia na Gestão do Conhecimento”, o economista relatou que a tecnologia
na educação corporativa24:
Como se poderia esperar, são as melhores e mais agressivas empresas que mais a utilizam. Lamentavelmente, as outras é que deveriam usar, pois temos ainda uma fração enorme de empresas com gestão amadorística, do servidor de cafezinho até o conselho dos donos (CASTRO, 2004).
Castro (1994) critica as empresas que pararam no tempo, afirmando que a
dificuldade destas está em utilizar a gestão do conhecimento para a sua
competitividade. Segundo Castro (ibid.), quanto mais complexa fica a sociedade e as
organizações, mais soluções diferentes têm que conviver. Por isso, o autor realiza a
defesa de uma educação que forme a classe trabalhadora para sobreviver no atual
contexto produtivo.
Para o economista, outro grande problema da educação é a falta de
qualidade da educação fundamental, o grande impulso para melhorar a educação
decorre das transformações econômicas e tecnológicas, uma vez que essas
transformações fazem com que as empresas busquem profissionais cada vez mais
bem formados. Castro afirma que o sucesso competitivo passa pela aprendizagem
no espaço do trabalho, pela combinação de educação geral e formação profissional,
e por toda a vida do homem. É um processo contínuo, que exige adaptação
24
Educação Corporativa é uma prática coordenada de gestão de pessoas e de gestão do conhecimento tendo como orientação a estratégia de longo prazo de uma organização. Educação corporativa é mais do que treinamento empresarial ou qualificação de força de trabalho. Trata-se de articular coerentemente as competências individuais e organizacionais no contexto mais amplo da empresa. Nesse sentido, práticas de educação corporativa estão intrinsecamente relacionadas ao processo de inovação nas empresas e ao aumento da competitividade de seus produtos, sejam eles bens ou serviços (EDUCOR. O que é educação corporativa. [s/d]. Disponível em: <http://www.educor.desenvolvimento.gov.br/educacao>. Acesso em 18 dez. 2013.).
93
constante. Para Castro (1994), muito mais que investir em educação é preciso uma
educação constante que se inicie nos âmbitos escolares, e percorra durante toda a
vida do homem. Esta defesa, como podemos perceber, parte dos pressupostos da
pedagogia das competências, e por outro lado visa criar o trabalhador produtivo que
corresponda às constantes atualizações do mundo do trabalho.
Em seu texto O futuro de um país sem ciência, Castro (2009a) expõe uma
crítica quanto ao desempenho em ciências no Brasil, no sentido dos conhecimentos
básicos dos princípios da natureza. Segundo Castro (ibid.), falta para o país o
empenho para a ênfase na ciência de um aprendizado que ensine o fundamento, e
não apenas o decorar. O autor (ibid.) acrescenta que a escola deve proporcionar as
competências básicas e não o acúmulo de informações desvinculadas com o
contexto dos alunos. Para tal afirmação, se pauta nos parâmetros do MEC:
Os novos parâmetros curriculares sugeridos pelo MEC ‘propõem um currículo baseado no domínio de competências básicas e não no acúmulo de informações’ (MEC). São cruciais os conselhos de que os livros ‘contextualizem’ o que ensinam. Isto é, que ‘tenham vínculos com os diversos contextos da vida do aluno’, que conectem o que está sendo ensinado a problemas, fatos e circunstâncias próximos do seu mundo (CASTRO, 2009a, p. 13, aspas no original).
Em uma leitura desatenta podemos até nos enganar, acreditando na defesa
de Castro para com o ensino da ciência, mas, sua preocupação é velada pelas
necessidades da hegemonia burguesa. É a classe dominante burguesa que
interessa o bom desempenho em ciências no país. Chamamos a atenção que não é
qualquer tipo de ciência, mas a ciência para o desenvolvimento tecnológico.
Castro (2009a, p.13) explicita que:
Sabemos com segurança que o importante é entender em profundidade algumas poucas ideias e não chafurdar em um pantanal de fórmulas e teoremas. Infelizmente, embora os conselhos do MEC andem na direção certa, o mundo real das escolas não os está ouvindo. Continuamos com um ensino de ciência que vai nos assegurar a permanência em níveis de domínio científico tão primitivos como aos que chegamos no passado (ibid., p.13, grifo nosso).
Na visão dos defensores da educação no viés hegemônico, o conhecimento
crítico que lhe interessa é o conhecimento restrito, ou seja, que vise somente o
progresso econômico do país. Fornecer uma educação que atenda aos interesses
da classe trabalhadora seria dar a oportunidade para formar para derrubada do
padrão de acumulação capitalista. Seria dar condições para que os meios que
94
proporcionam a exploração dos trabalhadores fossem extintos pela classe
trabalhadora. Logo, a preocupação de Castro em difundir a ciência no âmbito
escolar é somente no sentido de investimento em capital humano e para o bem do
desenvolvimento econômico do país.
Já com relação à formação dos educadores e intelectuais da educação, Mello
(1998) destaca que a educação brasileira deve ter a participação dos educadores e
intelectuais em geral para a formação do consenso, uma vez que são os
especialistas que dão “legitimidade e acesso aos meios formadores da opinião
pública”, e, “dentro do campo educacional, os educadores mantêm inúmeras
articulações, tanto com a ‘base’ do sistema de ensino, como com seus dirigentes
dentro e fora do governo” (ibid., p. 112. aspas no original).
O terceiro eixo evidenciado na concepção dominante, o
crescimento/desenvolvimento econômico muito mais do que abarcar os autores do
campo hegemônico também teve contribuição da CNI que veremos mais adiante.
É no pensamento de Claudio de Moura Castro (1994) que fica evidente a
ênfase dada à educação para o desenvolvimento do país. Para Castro (ibid.), o país
deve buscar investir em capital humano, bem como o investimento também deve ser
de acordo com a tecnologia, ou seja, da mesma forma que a tecnologia está em
constante atualização, assim deve ser o investimento nos recursos humanos.
Portanto, a preocupação de Castro (ibid.) não é voltada para a superação do
conhecimento fragmentado e alienante. Essa preocupação mesmo não explicitada
pela classe burguesa, se deve ao fato de que o “capital não pode eliminar o trabalho
vivo do processo de criação de valores, ele deve aumentar a utilização e a
produtividade do trabalho de modo a intensificar as formas de extração do
sobretrabalho em tempo cada vez mais reduzido” (ANTUNES, 2009, p. 119, itálico
no original). Logo, a ênfase que Castro (1994) ocupa para a defesa de investimento
em capital humano de acordo com as atualizações tecnológicas é na verdade uma
preocupação com a preparação da classe trabalhadora para o processo produtivo.
Na mesma direção, segue a defesa de Gustavo Ioschpe (2004) com relação
ao desenvolvimento tecnológico e a educação. Para o autor (ibid.), quanto maior o
avanço tecnológico, mais se tem a necessidade de pessoas com mais
escolarização. Nesse sentido, a educação torna-se escopo das discussões das
políticas de um país quando há o desenvolvimento tecnológico.
95
Mello (1998) também chama a atenção para o avanço tecnológico, no qual ela
afirma ser necessário que a população se prepare para incorporar os instrumentos
tecnológicos para poder utilizá-los, a fim de que a tecnologia melhore a qualidade de
vida da população. Segundo a visão de Mello (ibid., p. 37), a “variedade de
informações e conhecimentos, a capacidade de selecionar o que é relevante para a
necessidade de cada um será, provavelmente, muito importante”. Logo, a ênfase
desloca-se para os “instrumentos e conteúdos que os indivíduos, homens e
mulheres, precisam dominar para que consigam viver melhor, trabalhar e,
principalmente, continuar aprendendo” (ibid., p. 40). Grosso modo, a população,
segundo a autora (ibid.), deve aprender a utilizar as tecnologias para poder consumi-
las, concepção essa que reduz a classe trabalhadora a possuir uma visão
reducionista e instrumental.
Ao buscar desvelar o impacto da educação sobre o crescimento econômico
no país, Ioschpe (2004) realiza o resgate da TCH e da tese da produtividade da
escola, e aponta a educação pública como um meio para que o Brasil alcance o
desenvolvimento. Para o autor, quanto mais anos de escolaridade, mais produtivo se
torna o aluno. Podemos perceber que as concepções burguesas tendem sempre
para a questão econômica do país, não levam em consideração questões para a
superação da divisão de classes e emancipação da classe trabalhadora.
Segundo Ioschpe (2004, p. 70), “o principal fator de demanda da educação é
o desenvolvimento tecnológico de uma economia”. Ao tratar do desenvolvimento
tecnológico e a necessidade de força de trabalho competente para o processo
produtivo, Ioschpe (ibid.) afirma que o país precisa dar atenção ao ensino básico,
popularizando-o.
As estratégias adotadas para a defesa da produtividade da escola pela classe
dominante surgem com um discurso de necessidade de reforma no campo
educacional, e denotam a formação para o consenso e permanência da hegemonia
burguesa. Na concepção de Mello (1998), percebemos como a instauração de
estratégias para a estruturação da economia competitiva e com equidade vai se
firmando. Isso porque, para Mello (ibid.), é necessário cuidado com as
peculiaridades existentes de cada país da América Latina, bem como, é preciso
satisfazer as necessidades de aprendizagem, muito além do ler, escrever e calcular
diante das tecnologias e da informação, para assim desencadear o crescimento
econômico.
96
Mello (1998) parece fazer uma retomada da teoria do capital humano ao fazer
uma defesa da educação como investimento para o desenvolvimento. Mas, o
diferencial está na discussão da transformação da produtividade com equidade,
tendo como ideia principal a “incorporação e a difusão do progresso técnico [como]
fatores fundamentais para que a região desenvolva uma competitividade autêntica
que lhe permita inserir-se com êxito na economia mundial” (OTTONE, 1994, p. 42).
Essa concepção de Mello (1998) deixa evidente que para o pensamento dominante
os elementos para o desenvolvimento constituem-se na produção, expansão do
conhecimento, aprendizagem, qualidade da força de trabalho, sendo que o
conhecimento e a formação tornam-se centrais para a competitividade e equidade
segundo os defensores do neocapital humano. Ao propor uma transformação da
produtividade com equidade, o pensamento dominante esconde a perversidade de
sua ação, uma vez que apenas a classe burguesa é favorecida com a propagação
da produtividade, a equidade não alcança a totalidade da classe trabalhadora.
Para mascarar essa falácia, o pensamento dominante afirma que o país que
apresenta sucesso econômico é o país que investiu em educação, e que dedicou
recursos e atenção permanente para o desenvolvimento da educação. É nesse
sentido que Castro (1994) expõe que com a chegada da tecnologia a educação
tornou-se imprescindível.
A defesa da produtividade pela classe burguesa é explicitada por Ramon
Oliveira (2001) que aponta que a educação básica no âmbito das políticas do
governo tornou-se elemento fundamental paras as reformas. Isso porque as
reformas pautam para uma educação que contribuiu para a constituição de um novo
modelo de desenvolvimento sustentável, contudo, isto somente seria possível a
partir da escolarização da população. O autor nos aponta para as verdadeiras
intenções da classe burgues que é a expansão e prolongamento da educação, mas
com o intuito de favorecer a classe dominante. Oliveira (ibid.) nos revela o fenômeno
da expansão da escolarização que se realiza a partir do movimento do capital.
Para dar o devido respaldo para o crescimento econômico, Mello (1998) em
sua atuação direta com a formação de professores, defende a “necessidade de que
educadores se apropriem dos quatro pilares da educação propostos por Delors25
25
Jacques Delors foi relator da Comissão Internacional sobre educação para o século XXI da Unesco. O texto de Delors é preconizado pela ideologia neoliberal, e traz recomendações de
97
[...]” (SANTANA, 2008, p. 47). Assim, formar os educadores para que incorporem o
aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos, e o aprender a ser,
possibilitaria que os alunos desses educadores também incorporem as
competências necessárias somente para adentrarem ao processo produtivo e se
tornem aptos para a nova sociedade. Em nenhum momento Mello (2014b) aponta
para uma formação dos professores que os prepare para uma compreensão crítica
do que foi proposto por Delors. Para a classe burguesa não há possibilidade de
ruptura do atual padrão de acumulação capitalista, assim, a classe burguesa utiliza
de mecanismos para se manter no poder tendo a escola como uma das principais
auxiliadoras nesse processo.
Chamamos a atenção para o fato de Mello (2014b) afirmar que a escola não
proporciona a propagação da ideologia burguesa, mas um conhecimento voltado
para o capitalismo. Contudo, podemos constatar que a afirmação de Mello (ibid.)
tende ao favorecimento do desenvolvimento do processo produtivo atual, portanto,
há uma retomada da TCH, uma vez que a autora ressalta a necessidade da
formação dos recursos humanos para atender o processo produtivo.
Apesar de defenderem uma educação limitada e limitadora para a classe
trabalhadora, o pensamento dominante para, assegurar sua manutenção, aponta
para um discurso que cria expectativas para a classe trabalhadora. É nesse sentido
que Ioschpe (2004) afirma que a educação traz retornos positivos sob a perspectiva
microeconômica, ou seja, retornos para o indivíduo. Segundo o autor (2004, p. 155),
“não só a escola ajuda a determinar as perspectivas de sucesso no mercado de
trabalho, como também o desempenho neste impacta a trajetória escolar dos
alunos”. Podemos perceber a confiança depositada na educação na visão de
Ioschpe, visão esta que confirma sua fundamentação na teoria do capital humano de
que a educação constitui-se como importante fonte de crescimento. Ioschpe (2004)
pontua que, no plano micro, “o nível da educação é um instrumento poderoso na
determinação de renda de uma pessoa” (ibid., p 154), principalmente em locais em
que a tecnologia apresenta-se com força na indústria.
Por outro lado, Ioschpe (2004) em suas formulações aponta como
responsável pela desigualdade social a educação, desconsiderando a verdadeira
raiz do problema que é o capitalismo, o qual utiliza a exploração da força do
conciliação, solidariedade, bem como, apresenta os quatro pilares educacionais para a formação na educação
98
trabalhador para sua manutenção. Podemos perceber a contradição existente no
discurso de Ioschpe (2004), no sentido de que a educação em um momento
apresenta-se no plano micro como auxiliar para a trajetória do sucesso dos alunos,
mas em outro momento torna-se responsável pela desigualdade social no plano
macro. Nesse sentido, se a educação não der certo, resta culpar o indivíduo.
Mesmo depositando valor na educação para o desenvolvimento econômico,
Ioschpe (2004) ressalta que a educação no Brasil não cumpre a sua função uma vez
que não consegue formar os alunos de acordo com as necessidades da classe
burguesa. Essa constatação de Ioschpe (2004) revela que apesar do discurso para a
produtividade da escola, a classe burguesa ainda não conseguiu atingir sua meta de
produtividade.
Destacamos que a escola, sob a visão de Ioschpe (2004), não produz o que
deveria, ou seja, alunos produtivos necessários para o processo de produção. Nesse
ponto, Ioschpe retoma os ideais da teoria do capital humano ao sugerir a educação
como fator de desenvolvimento econômico e gerador de produtividade. O
economista apoia-se em quatro mecanismos que segundo ele são interligados: a) a
necessidade do desenvolvimento das competências gerais e de sabedorias
específicas essenciais tanto para o funcionamento da sociedade, quanto para
determinados ramos da economia; b) a adoção e adaptação das tecnologias; c)
habilidade em lidar com situações de desequilíbrio; e d) a geração de pesquisas que
propiciem às novas tecnologias permitindo assim a atualização do processo
produtivo, e contrapondo-se “aos retornos marginais declinantes dos investimentos
em capital físico para manter as economias crescendo de maneira sustentada” (p.
210). Estes mecanismos apontados por Ioschpe (ibid.) tendem a reforçar suas ideias
para buscar uma escola que produza de acordo com desenvolvimento do processo
produtivo.
Castro e Ioschpe têm em comum a defesa da maior participação dos
empresários na educação, enquanto, Mello, ao advogar um currículo voltado às
competências, enfatiza a preparação para o mercado de trabalho, e para a
cidadania. Os autores, ao proporem atenção à educação básica, apontam para a
formação da força de trabalho com vistas ao desenvolvimento econômico do país,
mas com o diferencial de uma educação constante e flexível. Ao defender a eterna
aprendizagem, os autores também expõe o lema do aprender a aprender como
orientação pedagógica.
99
Ao analisarmos a retomada da TCH pelos autores representantes do
pensamento dominante, também constatamos a chamada pela produtividade da
escola no âmbito do corpo empresarial. Nesse aspecto destacamos a ação da CNI
que visando criar oportunidades de formação de recursos humanos com alta
qualidade para alcançar um desenvolvimento sustentável no Brasil, desenvolveu em
conjunto com o SESI e o SENAI, no ano de 2007 o programa Educação para a Nova
Indústria de âmbito nacional. Para a CNI:
Essa ação deve estar alicerçada em significativo aporte de investimentos em recursos humanos e infra-estrutura e ser movida por inovações nos conteúdos, nas tecnologias da informação e da comunicação, sintonizada com os novos paradigmas educacionais (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA, 2007, p. 7).
A CNI reforça a tese da produtividade da escola e afirma que a educação
contribui para o avanço da indústria, e como troca a indústria retribui levando
mudanças no âmbito educativo (ibid.). Podemos perceber que essa troca entre a
educação e a indústria não correspondem às expectativas da classe trabalhadora,
mas visam somente o desenvolvimento econômico do país.
Não nos surpreende, assim, a CNI considerar a educação de importância
fundamental para o crescimento da economia, uma vez que para ela, as empresas
brasileiras devem assumir uma posição competitiva, agregando valor e inovação. Da
mesma forma, a CNI defende que se tenha um ambiente de geração e disseminação
de conhecimentos, abastecido de tecnologias de informação e comunicação (TICs),
para, assim, garantir o desenvolvimento de competências profissionais úteis às
necessidades do processo produtivo e no fomento ao empreendedorismo e à
criatividade (ibid.). Logo, o ambiente reservado para a geração e disseminação de
conhecimentos úteis para o processo produtivo é a escola, sendo a escola local para
a reprodução da sociedade capitalista - o que nos remete ao eixo da base da tese
da produtividade da escola, a importância da escola para o campo hegemônico.
É por meio do Programa Educação para a Nova Indústria que a CNI pretende
alcançar a almejada competitividade para a indústria brasileira, e para que a ação se
realize, a CNI estabeleceu um mapa estratégico da indústria com previsão para ser
efetivado até o ano de 2022 (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA, 2013).
No ano de 2005; 4,8 milhões de trabalhadores de um total de 7,8 milhões não
tinham a educação básica completa, ou seja, um percentual de 61,5% dos
100
trabalhadores. Para a indústria, conforme aponta a CNI, a baixa escolaridade da
força de trabalho é um dos principais problemas para o crescimento do país. Assim,
conforme a tendência pesa para a contratação de trabalhadores com maior
escolaridade, que vai além do ensino médio ao ensino superior e tecnológico, o
SESI e o SENAI buscaram se reestruturar às necessidades da indústria
(CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA, 2007).
Assim, o SESI e o SENAI, de acordo com o Programa Educação Para a Nova
Indústria, têm como os seus elementos centrais: a) a expansão e diversificação da
oferta de educação básica, continuada e profissional ajustada às necessidades
atuais e futuras da indústria; b) a modernização, otimização e adequação da
infraestrutura física das escolas e laboratórios; c) a flexibilização no formato e
metodologias de atendimento às demandas educacionais da indústria; e; d) a
capacitação de docentes, técnicos e gestores em tecnologias e gestão dos
processos educacionais.
De acordo com o Mapa Estratégico da Indústria do ano de 2013 (FIGURA 1),
a CNI estabeleceu como fatores chaves de competitividade da indústria a educação;
o ambiente macroeconômico; eficiência do estado; segurança judiciária e
burocrática; desenvolvimento de mercados; relações de trabalho; financiamento;
infraestrutura; tributação; inovação e produtividade. A ordem dos elementos
corresponde à ordem apresentada no documento do Mapa Estratégico da Indústria,
pois queremos chamar a atenção para a prioridade que a CNI expõe para a
educação (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA NOVA INDÚSTRIA, 2013).
101
Figura 1 - Diagrama do mapa estratégico da indústria 2013-2022
Fonte: Confederação Nacional da Indústria. Mapa estratégico da indústria 2013-2022 (2013).
Segundo a CNI (ibid., p. 24):
O fator-chave educação tem destaque no Mapa, como base para os demais fatores, pois sem educação de qualidade um país dificilmente será capaz de se desenvolver de forma sustentada. Por sua vez, o fator-chave inovação e produtividade está na parte superior por ser, em grande medida, resultante da criação de um ambiente competitivo e do protagonismo e ação no nível da empresa.
Podemos perceber que, para a CNI, grande representante industrial, a ideia
de educação para o desenvolvimento vai ao encontro dos pensamentos
anteriormente expostos pelos intelectuais da burguesia analisados neste trabalho.
Com vista à inovação e à produtividade, Ioschpe (2004) ressalta que a educação e a
tecnologia quando estabelecem uma relação interativa há o avanço da
produtividade, que se realiza por meio da instrução. Segundo o mesmo autor (ibid.),
deste modo os alunos - futuros trabalhadores - terão capacidade para se adaptar às
mudanças indispensáveis e constantes das novas tecnologias. Assim, quanto mais a
102
sociedade é instruída, maior é a velocidade para o avanço das tecnologias. É nesse
sentido que o trabalhador percebe-se refém da educação, tendo a necessidade de
buscar constantes atualizações, vivendo o constante aprender a aprender26
(DUARTE, 2008) para não ficar com seu conhecimento obsoleto. A educação ao
invés de permitir ao homem a sua emancipação, o limita cada vez mais.
Por outro lado, o Banco Mundial ressalta que a economia internacional
tornou-se conhecida como economia do conhecimento, logo, trabalhadores com
capacidades inovadoras e uma escolaridade de qualidade, são a chave da
competitividade e do crescimento para um país (BANCO MUNDIAL, 2008).
No mesmo sentido, Schultz (1967, p. 55, itálico no original) afirma que
“somente quando a instrução aumenta, a produtividade e os lucros futuros poderão
ter as suas contribuições, consideradas como um dos fatores do crescimento
econômico computado”. Logo, o interesse demandado para a educação constitui-se
tão somente como um fator para o crescimento econômico do país, pois, como
ressalta Schultz (ibid. p. 54), “se todos os frutos da instrução fossem destinados,
diretamente, ao consumo final, a instrução adicional não contribuiria para o
crescimento econômico”. Chamamos a atenção para o fato de que as formulações
de Schultz (ibid.) trazem à margem as tão requeridas competências propagadas pelo
processo produtivo atual, e a constante aprendizagem.
Conforme expõe a CNI, o Mapa Estratégico da Indústria de 2013 aponta para
a percepção que a indústria tem para o futuro do país. A CNI chama a atenção para
que a percepção da indústria apresentada no mapa depende da capacidade do país
em solucionar os problemas, de como o país desenvolve as competências em
educação, e como se adapta às condições da economia global. Para isso, a CNI
indica que o Brasil deve seguir a tendência mundial dos países que estão em
constante crescimento (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA, 2013).
Segundo a CNI, a educação é um dos principais determinantes da
competitividade da indústria, uma vez que é ela quem proporciona a produtividade
do trabalho. Se uma empresa se cercar de uma equipe com trabalhadores
26
Newton Duarte (2008) faz uma discussão entre as ilusões da sociedade do conhecimento e as pedagogias do aprender a aprender, no qual o aprender a aprender seria o aprender fazendo. Segundo a perspectiva do aprender a aprender, a intervenção pedagógica seria contribuir para que o aluno desenvolva a capacidade de realizar aprendizagens significativas por conta própria, trabalhando com projetos e situações problemas que mobilizem o conhecimento dos alunos e os motivem para que aprendam a aprender, sendo formadas, portanto, as competências necessárias. Para saber mais ver Duarte (2008) Sociedade do Conhecimento ou Sociedade das ilusões?.
103
educados, a busca por soluções para os problemas será mais eficiente, pois,
trabalhadores dotados de uma educação de qualidade são capazes de se adaptar
aos processos, bem como desenvolvem e implementam inovações. “A baixa
qualidade da educação básica, a reduzida oferta de ensino profissional e as
deficiências no ensino superior” (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA,
2013, p. 27) restringem a eficiência para competitividade das empresas. Como
podemos perceber, a CNI reforça o ideário da produtividade da escola, e coloca para
a educação a responsabilidade para formar o trabalhador produtivo que impulsionará
para o desenvolvimento sustentável.
Todavia, comparando o Brasil no âmbito industrial internacional, o país entre
os anos de 2012 e 2013 ficou na 126ª colocação em termos de qualidade da
educação primária. A má qualidade na formação dos trabalhadores reflete na
indústria, conforme aponta a CNI (ibid.). Em 2011, 20% dos trabalhadores formais
da indústria não possuíam o ensino fundamental completo e 45% não havia
concluído o ensino médio. Tecendo um comparativo com os países avançados,
100% dos alunos concluem o ensino fundamental e médio e 50% terminam a
universidade (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA, 2007). A CNI também
ressalta que a defasagem na formação dos professores, a gestão escolar, e os
conteúdos despendidos influenciam nesse fracasso (CONFEDERAÇÃO NACIONAL
DA INDÚSTRIA, 2013). Logo, apesar da CNI enfatizar a importância da educação
para o processo produtivo, há o entrave do fracasso educacional que não permite a
formação dos trabalhadores.
Com relação aos conteúdos, a CNI (2007, p. 39-40) destaca que:
As aulas no ensino fundamental (especialmente nas áreas rurais) ainda seguem em grande parte os moldes adotados na geração passada. Isso significa que os alunos copiam passivamente o que o professor escreve no quadro negro e devem aprender por memorização, uma abordagem que é diametralmente oposta ao aprendizado ativo que privilegia a flexibilidade do raciocínio, o raciocínio conceitual e a habilidade para solucionar problemas - em outras palavras, as mesmas características necessárias aos trabalhadores adultos para que possam competir em uma economia baseada em conhecimento.
Segundo a CNI, para vencer a competitividade internacional, o país precisa
de profissionais com uma boa formação do ensino superior – engenharia
principalmente -, porém, para que os trabalhadores alcancem o ensino superior, eles
necessitam antes de tudo ter a tão falada educação básica de qualidade
104
(CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA, 2013). Novamente, podemos
perceber a estratégia da classe burguesa na busca pela produtividade da escola
como bem expõe o texto da CNI que afirma que o principal para a formação é a
educação básica, e essa educação básica não está sendo formada. Nessa mesma
direção, a CNI também indica que cabe à indústria atender as suas próprias
necessidades, já que a qualidade da força de trabalho é determinante para a
solidificação do desenvolvimento do país. “E a formação voltada para atender às
demandas da indústria exige foco e qualificação, bem como as diretrizes do
processo não podem estar submetidas a pressões políticas e sofrer
descontinuidades” (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA, 2007, p. 37).
Frigotto (2007) destaca que os conceitos relacionados ao processo produtivo
como flexibilidade, qualidade total27, globalização, entre outros, expõem métodos que
visam otimizar o tempo de trabalho, os materiais utilizados, o trabalho vivo, aumentar
a produtividade, para assim elevar a competitividade e a taxa de lucro. Contudo, a
otimização e elevação da produtividade afetam o trabalhador expondo-o a
precarização e intensificação do trabalho. Logo, a preocupação de empresas pela
educação básica, e seu discurso voltado para a valorização humana do trabalhador,
na verdade objetiva formar o trabalhador para atuar no processo produtivo (ibid.).
É nesse sentido que, para Paro (1999), a educação desempenha uma grande
contribuição para o mundo do trabalho, “não quando tenta diretamente formar
profissionais para exercer suas funções no sistema produtivo, mas quando deixa de
lado suas outras funções sociais relacionadas à dotação de um saber crítico [...]”
(ibid. p. 112). Isso porque quando a escola renega a socialização do conhecimento
historicamente acumulado desproporcionando, assim, a consciência crítica quanto a
realidade concreta, a escola tende a favorecer a continuidade para o trabalho
alienado.
Podemos perceber, a partir das análises elaboradas, que a educação básica
é apontada, tanto pelas empresas, como pelos autores do campo hegemônico,
como essencial para o desenvolvimento econômico do país. A escola como uma
instituição social vincula conhecimentos, comportamentos, e, valores, contudo, a
educação, além de fornecer conhecimentos para o mundo do trabalho, articula
conhecimentos de interesses da classe dominante, para sua manutenção no poder.
27
A qualidade total é um projeto de grande destaque dentro do processo dominante de formação do trabalhador de novo tipo. Ver capítulo 3 deste trabalho.
105
Nesse sentido, a função social da educação torna-se subordinada ao controle da
classe que detém o poder, a função da escola é formar para o processo de produção
(FRIGOTTO, 1984) e para a vida.
A análise empreendida demonstra, portanto, os vínculos das defesas da CNI,
com o pensamento dos autores Castro, Mello, e Ioschpe, no sentido de instaurar
uma formação de capital humano competente, flexível, e pré-disposto a uma
constante aprendizagem que convirja com as necessidades do processo produtivo e
do projeto de sociedade da hegemonia burguesa.
A primeira conclusão a que chegamos é de que o pensamento hegemônico
aponta para o retorno da tese da produtividade da escola e da retomada da TCH. A
classe dominante tende a dar ênfase para o que a escola produz e como deve
produzir, mas, por outro lado, não disponibiliza recursos para que esta ação se
efetue de acordo com as suas próprias necessidades. Nesse sentido a escola tende
a não produzir de acordo com as necessidades que a classe burguesa divulga,
porém, ao mesmo tempo ao não produzir de acordo com as suas necessidades a
improdutividade da escola é a produção necessária para a sua produtividade, na
próxima sessão iremos aprofundar essa discussão.
4.2 A vigência da tese da produtividade da escola improdutiva
Se no campo acrítico existe uma reafirmação da produtividade da escola, no
campo crítico os autores do campo Trabalho e Educação evidenciam o caráter
mediato da produtividade como forma de improdutividade.
Nesta parte do trabalho apresentamos a análise dos trabalhos produzidos nos
encontros anuais do GT Trabalho e Educação da ANPEd. Delimitamos a análise dos
trabalhos do campo Trabalho e Educação entre os anos de 2000 a 2012. O critério
utilizado para a seleção dos trabalhos foi o caráter de produtividade da escola
apresentado nos trabalhos. Ao todo foram contabilizados 188 trabalhos integrais
apresentados no GT Trabalho e Educação. Iniciamos a análise com a leitura dos
188 resumos, e posteriormente a leitura dos trabalhos completos, uma vez que a
leitura de alguns resumos deixaram dúvidas quanto ao seu conteúdo. Somaram-se
um total de 52 trabalhos (Apêndice A), portanto, um total de 27,66% de estudos
produzidos no período que corresponderam com a nossa pesquisa (TABELA 1).
106
Tabela 1 - Total dos trabalhos apresentados nas Reuniões Anuais
da ANPEd entre os anos de 2000 a 201228
Reunião Anual da ANPEd
Trabalhos que apresentaram o
caráter de produtividade da
escola
Outros Total dos trabalhos
apresentados
23ª Reunião 2000 7 3 10
24ª Reunião 2001 8 8 16
25ª reunião 2002 7 3 10
26ª reunião 2003 6 10 16
27ª reunião 2004 4 15 19
28ª reunião 2005 5 14 19
29ª Reunião 2006 2 13 15
30ª Reunião 2007 2 15 17
31ª Reunião 2008 3 10 13
32ª Reunião 2009 3 9 12
33ª reunião 2010 1 10 11
34ª Reunião 2011 3 14 17
35ª Reunião 2012 1 12 13
Total 52 136 188
Fonte: Tabela elaborada pela própria autora.
Nas nossas análises pudemos apreender que apesar da defesa da
produtividade da escola, a realidade apresentada mostra-se contrária ao discurso do
pensamento dominante.
Pautamo-nos em dois argumentos que ficaram evidentes nos trabalhos
analisados: a) apesar do discurso do pensamento dominante, na prática a
produtividade da escola não funciona; e, b) a escola mantém um caráter de negação
do conhecimento historicamente acumulado.
Como vimos na sessão anterior, o pensamento dominante faz um resgate da
TCH e consequentemente da tese da produtividade da escola. Mesmo ao considerar
falhas no processo de efetivação da produtividade da escola, a classe burguesa
reafirma tal produtividade. Mas a partir das análises elaboradas na produção crítica
da educação, contatamos que, na prática, a produtividade da escola não funciona.
28
Conforme podemos perceber a partir dos dados apresentados na tabela 1 a discussão sobre a produtividade da escola vai perdendo força ao longo dos anos no campo do Trabalho e Educação, demonstrando assim, a importância dessa reflexão para a organização da classe trabalhadora.
107
Na medida em que a escola ganha status de produtividade, a classe burguesa
tende cada vez mais a valorizar a educação. Contudo, a escola sente-se incapaz de
instaurar os projetos impostos pelo pensamento dominante.
Podemos notar, a partir do trabalho de Maria Emilia Pereira da Silva (2001),
que o fracasso da produtividade da escola se dá quando a escola se depara com a
impossibilidade de aplicar os projetos que lhes são destinados. Silva (ibid.) aponta a
tentativa da instauração da qualidade total pela Secretaria Municipal de Educação
do Rio de Janeiro, e explicita que apesar da qualidade total ser um modelo a ser
seguido na educação, há diversas contradições, interpretações, e ambiguidades
quanto à qualidade total: “A escola sente-se incapaz, diante da formalidade
requerida na elaboração do projeto político-pedagógico. Sabe o que fazer, mas não
sabe como fazer” (ibid., p 10). Esse exemplo, longe de ser um caso isolado, nos
remete às condições pelas quais as escolas passam cotidianamente. Podemos notar
que nos discursos do pensamento dominante, a escola está totalmente apta para
formar trabalhadores para o processo produtivo, e ignoram-se as necessidades da
própria escola.
Em outro ponto, ao explicitar a respeito da materialização do Ensino Médio
Integrado à Educação Profissional, Ana Paula Furtado Soares Pontes e Ramon de
Oliveira (2012) denunciam a elaboração aligeirada dos projetos pedagógicos que
não envolvem discussões conceituais profundas. A não participação dos docentes
para tais elaborações demonstram a falta de espaço democrático na discussão e
elaboração dos projetos que comprometem a materialização da proposta numa
perspectiva político-emancipatória.
Ainda nessa direção Guacira Ribeiro de Abreu e Wania Regina Coutinho
Gonzales (2007) evidenciam as contradições existentes entre os documentos e a
prática pedagógica dos docentes. As autoras apontam que por parte dos docentes
há o desconhecimento das noções que constam nos documentos da instituição e
nos documentos da legislação vigente, bem como os professores utilizam
estratégias de ensino convencionais que não correspondem com o propósito nos
documentos.
O pensamento dominante oculta a crise existente na escola, como nos mostra
Justino de Sousa Junior (2002), que aponta que a crise da escola é um aspecto da
incapacidade intrínseca dos sistemas nacionais de educação, uma vez que:
108
[...] a crise do sistema capitalista deflagrada no início da década de 1970, complexa e profunda e de proporções inauditas, atingiu os pilares dos sistemas nacionais de educação, pois está transformando as bases do sistema capitalista sobre as quais a escola se assentou, na medida em que modifica os processos de trabalho, torna o trabalho vivo evanescente dentro destes processos e abre uma grave crise na relação assalariada de trabalho (ibid., p.1).
Ou seja, a crise existente na escola origina-se na crise do próprio sistema
nacional de educação, que por consequência decorre da reestruturação produtiva,
mas não se finda no processo produtivo. Por esse caminho, mesmo que a escola
não prepare para a profissionalização imediata, a indústria coloca a
responsabilidade na escola para a preparação dos trabalhadores.
É nesse sentido que destacamos a análise de Maria Vieira Silva (2001), que
explicita que a indústria recupera as premissas da TCH, e, também destaca o ethos
empresarial injetado na escola. Porém, ao invés de simplesmente apontar para a
produtividade da escola, Silva (ibid.) apreende que para o corpo empresarial é
necessário motivação de investimentos na educação pública, com a finalidade da
obtenção da produtividade, crescimento econômico, e acumulação do capital.
Portanto, discute-se a necessidade de investimento na educação, porém, não são
criados meios para que os investimentos se concretizem e, muito mais do que serem
concretizados, que esses investimentos atendam às verdadeiras necessidades
existentes.
A consequência da falta de investimento em educação, ou, o investimento
inadequado, traz consigo a problemática de uma educação defasada nos
trabalhadores que chegam ao mundo do trabalho carentes do conhecimento geral
que deveriam ser aprendidos no âmbito escolar. Diante dessa defasagem, o Estado
burguês cria medidas paliativas de cisão entre educação escolar e formação do
trabalhador que se materializa a partir de determinadas políticas educacionais. É no
trabalho de Georgia Sobreira dos Santos Cêa (2000) que constatamos essa
afirmativa quando a autora explicita que a reforma da política de qualificação
profissional tende para a configuração de uma formação para o trabalho desatrelada
da educação formal escolarizada, isso por conta dos arranjos realizados pela
indústria para treinar os trabalhadores de forma eficiente para o trabalho. Logo, a
escola demonstra sua improdutividade ao final do processo da educação, ao não
formar de forma imediata os trabalhadores de acordo com o processo produtivo.
109
Ulisséia Ávila Pereira e Magna França (2011) destacam que as dificuldades
pedagógicas e operacionais para os professores implementarem o currículo, advém
da descaracterização do trabalho didático-pedagógico, e da noção desconexa de
competência que visa modelar uma realidade positiva, modificando as reais relações
entre capital e trabalho. Outro ponto destacado pelas autoras é quanto à
preocupação dos professores diante das constantes mudanças de currículo
decorrentes de políticas que podem modificar a natureza do trabalho docente,
levando a perda de autonomia para atender as necessidades da classe dominante.
No âmbito das reformas do ensino médio, consideramos outra constatação da
mediação da produtividade da escola. Segundo Inge Renate Fröze Suhr (2005, p.
12) muito “mais do que servir aos interesses mais imediatos da produção, a reforma
se constit[ui] numa das estratégias de construção de um novo ideário, adequado à
atual fase do capitalismo”. Portanto, muito mais que do que atender a produtividade
da escola, a reforma do ensino médio pretende colaborar com a nova sociabilidade
do sistema capitalista. A escola serve como ponto estratégico devido possuir em sua
natureza a mediação da produção social da existência humana. Nesse sentido, a
escola tende a ser espaço também de luta da classe trabalhadora e, assim sendo,
resta ao pensamento dominante assegurar que a escola medeie os seus interesses,
anulando qualquer chance da classe trabalhadora se organizar.
Os autores analisados do campo Trabalho e Educação explicitam que a
produtividade da escola não se realiza imediatamente, e assim a escola mantém seu
caráter imediatamente29 improdutivo. Com a reestruturação educacional, o
pensamento dominante conseguiu nutrir um discurso de produtividade que na
prática não encontra aparato para se realizar. Os alunos não têm acesso à escola,
os projetos elaborados permanecem no papel, a escola torna-se submissa diante
dos organismos hegemônicos internacionais, uma vez que o determinismo
tecnológico é que fundamenta a reforma, e por fim a escola não forma os alunos. E
é nesse ponto que mais uma vez encontramos o argumento que nos ajuda a
evidenciar a improdutividade imediata da escola. Para os autores do Trabalho e
29
Baseamo-nos na lógica dialética, na qual integram a totalidade e a mediação. A lógica dialética nos permite ultrapassar “o nível da aparência, da superfície imediata das coisas e atingir a essência. Esta é uma tarefa complexa, porque a realidade que nos envolve, apresenta-se como um todo caótico, só nos possibilitando, por meio da abstração, analisar suas partes” (COLARES, BEZERRA NETO, 2002, p. 2). A análise das partes permite-nos reconstruir o concreto real que está na base de todo o conhecimento. Nesse sentido a medição expõe o caráter imediato da escola, que se apresenta improdutiva, mas a escola também se apresenta produtiva.
110
Educação, a escola nega o conhecimento aos alunos, o que dificulta a formação
para o mundo do trabalho.
Ao levantar-se a questão da eficiência da escola em produzir trabalhadores
produtivos, deparamo-nos com a fala do ex-secretário da Secretaria de Formação e
Desenvolvimento Profissional do Ministério do Trabalho e Emprego Edgard Luiz
Gutierrez Alves, que diz que “é ineficiente treinar trabalhadores se não tiverem pelo
menos de 6 a 8 anos de ensino básico” (CÊA, 2000, p. 11-12). Isso posto,
acrescentamos a explicitação de Arminda Rachel Botelho Mourão (2003), que afirma
que a formação escolar já não teria peso para se estar empregado, isso porque
mesmo a formação escolar sendo importante, o central seria o aprendizado
contínuo. Esta afirmação apontada por Mourão (ibid.) concorda com a formulação
exposta no texto de Ligia Maria Soufen Tumolo e Paulo Sergio Tumolo (2003), que
indica que o “desemprego atinge pessoas de todos os níveis de escolaridade, e que
mesmo aquelas que têm um grau mais elevado de escolarização [...] não têm
encontrado facilidade de conseguir emprego” (p. 5). O que queremos destacar com
as formulações apresentadas é que se, por um lado, não há como se treinar
trabalhadores sem uma mínima educação escolar e, por outro lado, existem muitos
trabalhadores com esse atributo sem um emprego, independente das ocasiões, a
escola apresenta sua improdutividade ao não formar e consequentemente ao não
dar condições para aquisição do emprego ao trabalhador.
Com esse impasse da escola não formar os trabalhadores, podemos
constatar a preocupação da parte empresarial com a escolaridade da classe
trabalhadora, uma vez que, o tempo de escolaridade influencia no processo
produtivo. Portanto, seria a escola eficiente em produzir trabalhadores produtivos?
Buscando responder a esta questão, tentamos apreender o que produz a escola
segundo os autores do campo Trabalho e Educação analisados.
Para Sandra Regina de Oliveira Garcia (2000), o aspecto da função da escola
e o que ela estaria produzindo nos alunos, é uma educação restrita, devido ao
acesso limitado dos excluídos a escola, e a ineficiência do acesso universalizado da
educação. Assim, para os trabalhadores, não caberia uma educação
profissionalizante como as reformas sugerem, mas, seria necessária uma sólida
educação básica. Essa análise de Garcia (ibid.) torna-se pertinente, pois se o
acesso à escola é restrito, o Estado burguês deveria criar primeiramente formas
111
eficientes para o acesso de todos os alunos que estão fora da escola, e não de
imediato disponibilizar uma educação profissionalizante.
Portanto, de nada adianta as reformas política-educacionais se estas ocorrem
de forma falha, essa falha - que na verdade se configura como uma ação
estratégica-, evidenciou-se com o aumento no número de alunos excluídos dos
cursos técnicos. Segundo Manoel José Porto Júnior e Mauro Augusto Burkert Del
Pino (2009) houve uma diminuição tanto do número total de alunos, quanto do
número de formandos nos cursos técnicos. Ao contrário da promessa das reformas
para o aumento de mais vagas e do encaminhamento dos alunos para o mundo do
trabalho, “o que se constatou foi um aumento da exclusão no interior da rede, com a
saída prematura de um número significativo de alunos” (p. 16).
A ineficiência de ações para o acesso à escola também denunciam outro
ponto da educação defasada, o analfabetismo, que mesmo em pleno século XXI
ainda está presente no Brasil. Podemos constatar esse fato por meio do trabalho de
Sousa Junior (2002), que aponta que no processo de escolarização para a
erradicação do analfabetismo, somente nos países de capitalismo central houve um
alcance razoável de sua erradicação, enquanto que nos países de capitalismo
periférico, esse processo não surtiu o mesmo efeito. Ao fazermos um levantamento
atual do índice de analfabetismo no Brasil, apuramos que de acordo com a
UNESCO (2013) em 2013 entre 150 países pesquisados, o Brasil ficou na 8ª
posição com a população adulta analfabeta – 8,4% -, já no âmbito mundial, o
quantitativo chega a 774 milhões de adultos que não sabem ler e escrever.
Faltando menos de dois anos para terminar o prazo de cumprimento dos objetivos da Educação para Todos (EPT), está claro que, apesar dos avanços da última década, nenhum objetivo será conquistado globalmente até 2015. O Relatório de Monitoramento Global de EPT deste ano reforça enfaticamente o fato de que, ao longo da década, continuaram a ser negadas oportunidades de educação às pessoas dos grupos mais marginalizados (ibid., p. 5).
Logo, a improdutividade, longe de não fazer parte da realidade atual, é cada
vez mais evidente diante das análises apreendidas. Como podemos perceber, não
somente nos trabalhos do GT Trabalho e Educação, mas nos próprios documentos
de âmbito internacional, há indícios que apontam para o fato de a escola não estar
preparando os alunos devidamente para o mundo do trabalho, uma vez que não se
sabe como realizar um projeto político pedagógico que atenda às necessidades do
112
processo produtivo. Ademais, como indica Vilma Ferreira Bueno (2002), não basta o
Estado burguês, ou seja, a classe dominante buscar a universalização do acesso à
educação, mas deve garantir a permanência na escola até a sua conclusão.
O que podemos observar é que as reformas direcionam a educação para o
acirramento da negação do conhecimento, como chama a atenção Aparecida de
Fátima Tiradentes dos Santos (2001), que afirma que a existência do esvaziamento
curricular permite o controle do destino de determinada classe social, e a sua
exclusão social.
A substituição, nas propostas curriculares, dos conteúdos formais por supostas competências abstratas, significa adotar a lógica das competências do ponto de vista hegemônico, como estratégia de negação aos setores sociais recém chegados ao Ensino Médio, de instrumentos culturais e politicamente significativos na sua luta pela construção de nova hegemonia (SANTOS, 2003, p. 5).
A análise exposta indica-nos que a substituição curricular por conteúdos que
envolvam as competências se destinam a formar os alunos que conseguiram chegar
ao ensino médio. Em contrapartida, ao invés destes adquirirem um conhecimento
historicamente acumulado da humanidade, os trabalhadores passam a impregnar-se
de conteúdos abstratos que em nada acrescentam para a sua formação.
Por outro lado, na improdutividade da escola, a produtividade se faz presente
no sentido de que ela possui uma função educativa que marca os processos de
formação. É o que podemos observar no trabalho de Ademir Valdir dos Santos
(2005) que destaca em sua análise a visão dos trabalhadores que atribuem à escola
o papel formativo para o cumprimento aos horários, a ter respeito, higiene, a prestar
atenção e ter responsabilidade. Segundo Santos (ibid.):
[...] os trabalhadores se reconhecem muito mais nos aspectos ético-morais de formação, tais como o respeito, a responsabilidade, a obediência, a disciplina e o amor ao trabalho alerta para o fato de que os currículos formativos considerem mais os aspectos humanizadores, ontológicos, do que aqueles preconizados pela racionalidade técnica e administrativa, subordinadas à excludente lógica do capital (p 13-14).
Partindo para o âmbito do olhar dos jovens, Maria Carla Corrochano (2002)
destaca em sua pesquisa que os jovens afirmam que o ensino fundamental
completo é visto como algo dispensável por parte das empresas. Entretanto, na
contramão desta afirmação Nilson Marcos Dias Garcia (2002) aponta em sua
pesquisa que na visão dos jovens trabalhadores há uma exigência de escolaridade
113
para o facilitamento dos treinamentos, uma vez que para se trabalhar com as novas
tecnologias advindas do processo produtivo, possuir conhecimentos básicos é de
suma importância. Em concordância, temos as formulações de João Bosco
Laudares e Antônio Tomas (2001, p. 14) que afirmam que “aparentemente, o nível
médio de formação não mais atende a indústria”. Portanto, podemos observar que a
exigência da escolaridade torna-se condição para o treinamento, ou seja, mesmo
que a educação não atenda ao mundo do trabalho, ainda continua sendo requisito
para o treinamento nas empresas.
Ao longo desta sessão apresentamos nossa análise que mostra o caráter
imediato de improdutividade da escola. Em suma, os autores do campo do Trabalho
e Educação acabam por chegar à mesma tese apresentada por Frigotto, há alguns
anos atrás. Como expõe Suhr (2005), o esvaziamento dos conteúdos da escola é
um processo de exclusão includente e inclusão excludente, na qual a escola pelo
seu esvaziamento cumpre com a naturalização da exclusão, colaborando com a
manutenção da classe dominante no poder. Portanto, as reformas sob a
configuração do capitalismo tem a intenção de favorecer a construção de uma nova
visão de mundo, na qual a exclusão é naturalizada ante a inadequação individual às
exigências da fase do capitalismo. Como podemos observar, a autora chega à
mesma tese de Frigotto da produtividade da escola improdutiva, portanto, o
esvaziamento dos conteúdos sob a configuração do capitalismo tem a intenção de
favorecer a construção de uma nova visão de mundo, na qual a exclusão é
naturalizada ante a inadequação individual às exigências da fase do capitalismo.
Nesse sentido, conforme as formulações de Frigotto (1984, p. 182),
ressaltamos que:
O que fica uma vez mais negada é a organização da escola capaz de formar, desde o nível elementar – como aponta Gramsci, em sua concepção de escola unitária – cada cidadão e todo cidadão concomitantemente para a societas hominum (consciência dos direitos e dos deveres para introduzi-lo na sociedade política e civil) e a societas rerum (conhecimento científico para dominar e transformar a natureza).
Para Saviani (2008a, p. 442), essa retomada do lema aprender a aprender se
objetiva no neotecnicismo como “forma de organização das escolas por parte de um
Estado que busca maximizar os resultados dos recursos aplicados na educação”.
Logo, “os caminhos dessa maximização desembocam na ‘pedagogia da qualidade
total’ e na ‘pedagogia corporativa’” (ibid., p. 442). Essas concepções pedagógicas
114
terminam por configurar em dois fenômenos que afetam a vida da classe
trabalhadora como a exclusão includente que exclui o trabalhador do mercado de
trabalho o conduzindo para a informalidade, e a inclusão excludente, no qual se
configura pela inclusão de alunos em diversos níveis de ensino sem qualidade, que
servem apenas para dados estatísticos educacionais, mas não favorecem a entrada
dos trabalhadores ao mundo do trabalho.
Para finalizar, compreendemos que, apesar de todo o discurso do
pensamento dominante em afirmar a produtividade da escola, na concretude o
processo não se realiza, tendo em vista a falta de investimento, a submissão da
escola, o esvaziamento dos conteúdos, pela escola não formar os alunos, e por fim,
constata-se um processo de dualidade estrutural que afirma a existência da
improdutividade da escola, e ao ser improdutiva a escola integra a sua
produtividade, e a partir dessa mediação configura-se a produtividade da escola
improdutiva. A seguir apresentaremos as nossas considerações finais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo desse trabalho buscamos compreender questões que envolvem a
produtividade da escola no intuito de desvelar a vigência ou não da tese da
produtividade da escola improdutiva. Compreendemos que a teoria do capital
humano (TCH) sistematizada por Theodore Schultz (1967) trouxe a ideia de que se
os indivíduos investissem em educação acabariam tendo um retorno igual ou maior
que outros investimentos produtivos. Nesse período, datado a partir da década de
1960, em pleno desenvolvimento do padrão de acumulação taylorista/fordista e do
modelo keynesiano do Estado de bem-estar social, o pensamento dominante
disseminou que essa seria a solução para diminuir a desigualdade social entre os
países e os indivíduos. Nessa conjuntura social, o mundo do trabalho se
apresentava formado por trabalhadores com saberes fragmentados, e no âmbito da
educação não era exigido o conhecimento historicamente acumulado, sendo,
portanto, a educação escolar desqualificada no Brasil. Assim, o papel mediador que
a educação realizou, a partir da TCH, acabou satisfazendo aos interesses da classe
dominante e tornou-se funcional para o processo produtivo ao formar trabalhadores
com conhecimento fragmentado.
Com o advento da reestruturação produtiva e do avanço tecnológico, houve
uma necessidade de reformas para atender as novas demandas do mundo do
trabalho, trazendo com isso consequências para o âmbito educacional. A
produtividade nesse contexto ganhou força e, se por um lado, houve o enxugamento
da produção, que resulta no aumento da produtividade, por outro lado existe a
necessidade de qualificar o trabalhador para acompanhar os avanços tecnológicos.
Assim, o avanço das forças produtivas resulta em uma necessidade imediata de
uma formação para um novo tipo de trabalhador.
Logo, a TCH foi retomada pelo pensamento dominante para orientar os
processos educativos, novamente ignorando as relações de desigualdade social,
mas reforçando a defesa da produtividade da escola. Para o campo hegemônico, a
escola torna-se o local para preparar para o mundo do trabalho e para a nova
sociabilidade. Portanto, não somente a TCH é resgatada pela classe burguesa, mas
a tese da produtividade da escola também. Na nova conjuntura, a perspectiva da
produtividade da escola na atualidade tem a finalidade de formar trabalhadores mais
eficientes, produtivos, equitativos no preparo de uma nova cidadania, bem como a
116
educação deve caminhar pari passu com o avanço tecnológico. Para o pensamento
dominante, a educação básica constituiu-se como um elemento fundamental para a
entrada no mundo do trabalho. Há o discurso para a massificação do ensino médio,
para a erradicação do analfabetismo, para a prolongação dos anos de escolaridade,
e o discurso de desenvolvimento econômico por meio da educação. Ainda nessa
concepção entra o corpo empresarial representado no Brasil pela CNI que, visando
criar oportunidades de formação de capital humano com alta qualidade e
produtividade para alcançar o desenvolvimento do país, desenvolveu um programa
de educação para atender a indústria. A CNI adere à defesa da produtividade da
escola, afirmando ser a escola essencial para formar para o processo produtivo, e
para a competitividade.
A defesa da CNI e dos intelectuais da burguesia brasileira unem-se para
propagar a produtividade, porém, a realidade apresenta-se com escolas defasadas,
a massificação da educação é falha, e a escola não consegue cumprir com seu
papel de formar a classe trabalhadora com os requisitos de exigidos pela classe
burguesa. A defesa de uma educação que caminhe com o avanço tecnológico
permanece apenas nos discursos hegemônicos. É nesse ponto que os autores do
campo crítico da educação revelam o caráter da improdutividade da escola como
mediação para a sua produtividade.
Muitos autores apontam que apesar do discurso da classe burguesa para a
produtividade da escola, na prática, a produtividade não se realiza. Os autores
apontam problemas de infraestrutura, e da própria estrutura do Sistema
Educacional, que se concebem como obstáculos para o desenvolvimento da
educação. Outro entrave está nos textos dos projetos que não são compreendidos
pelo corpo educacional, o que impossibilita a aplicação dos projetos, e mais além, a
escola percebe-se limitada, e incapaz para elaborar um projeto político-pedagógico.
Logo, o pensamento dominante tem em seus discursos uma proposta bem
articulada, e fundamentada, porém, são discursos que permanecem nos papéis.
Demonstra-se assim a crise da educação que revela também o esvaziamento
dos conteúdos escolares. Os conteúdos historicamente acumulados são substituídos
por conteúdos voltados para as competências de maneira abstrata, assim, nega-se o
saber para a classe trabalhadora, que por sua vez recebe uma educação defasada,
que não lhe garante uma formação voltada para a entrada ao mundo do trabalho.
117
Os autores do campo crítico, ao exporem a negação do conhecimento
revelam o processo da dualidade estrutural da educação, na qual a escola
apresenta-se improdutiva e, sendo improdutiva, a escola integra a sua produtividade
reforçando o caráter classista da sociedade. Assim, afirmamos que os autores do
campo do Trabalho e Educação analisados chegam à mesma tese de Gaudêncio
Frigotto da produtividade da escola improdutiva. Concluímos, assim, para fins deste
estudo, a atualidade e vigência da tese da produtividade da escola improdutiva,
mesmo diante da reestruturação produtiva, do novo padrão de acumulação toyotista
e das novas exigências para o perfil do trabalhador.
A análise do pensamento dominante e dos trabalhos do campo do Trabalho e
Educação nos permitiu realizar um pequeno avanço para desvelar a produtividade
da escola. Contudo, ainda falta buscarmos compreender como se realiza a
produtividade na gestão da educação escolar, na formação dos professores, e para
além dos muros da escola. Para futuros trabalhos sugerimos o aprofundamento da
análise da produtividade da escola no sentido buscar a organização e superação da
condição dominada da classe trabalhadora.
Nessa direção compreendemos que a classe dominante encontra-se em uma
contradição no âmbito da educação, no qual tem que negar o conhecimento
historicamente acumulado para a classe trabalhadora, mas ao mesmo tempo precisa
adequar o trabalhador para poder extrair mais-valia, e para isso precisa educá-lo. A
classe dominante depende, portanto, dos professores, ou seja, dessa nova parte da
classe trabalhadora para aplicar o seu projeto pedagógico, e essa contradição
negativa faz com que a improdutividade se torne medida paliativa para a
manutenção do poder da classe dominante. Negar o conhecimento para a classe
trabalhadora é dar continuidade para a exploração, subordinação e alienação da
classe. É impedir que os trabalhadores se organizem para a superação do atual
padrão de acumulação capitalista. Faz-se necessário a retomada das pedagogias da
tendência contra-hegemônica que permitam o desenvolvimento de uma prática
educativa que vá ao encontro dos anseios e necessidades da classe trabalhadora.
Caminhamos na direção da contradição positiva que permite uma perspectiva crítica
que percebe na escola o espaço para a elaboração de propostas capazes de
orientar a prática educativa numa direção transformadora.
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APÊNDICE A - Lista dos trabalhos analisados do GT Trabalho e Educação
Ano Título Autor
2000 O fio da história: a gênese da formação profissional no Brasil
Sandra Regina de Oliveira Garcia
2000 Novas competências no mundo do trabalho e suas contribuições para a formação do trabalhador
Werner Markert
2000 O trabalhador frente ao terceiro milênio Graziela Zambão Abdian Maia, Lourdes Marcelino Machado
2000 A racionalidade econômica e a política educacional em São Paulo
Aparecida Neri de Souza
2000 A educação profissional sob a ótica da mediação e da ruptura: reflexões sobre o Planfor
Geórgia Sobreira dos Santos Cêa
2000 Relação: educação, trabalho e cidadania Josania Lima Portela
2000 Qualificação e novas formas de controle da força de trabalho no processo de reestruturação da indústria brasileira: tendências dos últimos vinte anos
Noela Invernizzi
2001 Reestruturação produtiva, estado e educação no Brasil de hoje
Flávio Anício Andrade
2001 Ensino médio e educação profissional – reformas excludentes
Ramon Oliveira
2001 Qualidade funcional: gênese de uma "nova"qualidade em educação
Maria Emilia Pereira da Silva
2001 Determinações ontológicas da educação: uma leitura à luz da categoria trabalho
Epitácio Macário
2001 Aquisição da qualificação: a multidimensionalidade de um processo contínuo
Vera Lucia Bueno Fartes
130
Ano Título Autor
2001 O ethos empresarial na educação escolar: novos dispositivos, novas subjetividades
Maria Vieira Silva
2001 "O novo ensino médio agora é para a vida": neoliberalismo, racionalidade instrumental, e a relação trabalho-educação na reforma do ensino secundário
Aparecida de Fátima Tiradentes dos Santos
2001 O técnico de escolaridade média no setor produtivo: seu novo lugar e suas competências
João Bosco Laudares, Antônio Tomas
2002 Hegemonia e educação na conformação contemporânea do campo de qualificação profissional
Antonio Almerico Biondi Lima
2002 Competência e qualificação profissional: noções que se opõem ou se complementam?
Erika Porceli Alaniz
2002 A reforma da educação profissional e seu impacto sobre as lutas concorrenciais por território no currículo do CEFET - MG
José Angelo Gariglio
2002 Trabalho, estado e escola - crises que se entrecruzam
Justino de Sousa Junior
2002 Jovens olhares sobre o trabalho Maria Carla Corronchano
2002 A fábrica como espaço de aprendizagem, a escolarização como perspectiva de emprego
Nilson Marcos Dias Garcia
2002 Letramento e transformações tecnológicas de mundo do trabalho
Vilma Ferreira Bueno
2003 Formação e destinação profissional: trajetórias de alunos do curso de mestria da escola industrial de São Carlos
Ana Maria Ferro Corrêa
2003 Formação de recursos humanos para a saúde: antigos problemas, novos desafios
Antenor Amâncio Filho, José Luiz Telles de Almeida
2003 Para uma abordagem ontológica do cotidiano escolar
Jorge Luis Cammarano Gonzalez
2003 Trabalho e educação no "Novo Ensino Médio": Instrumentalização da estética da sensibilidade, da política da igualdade e da ética da identidade na lógica do capital
Aparecida de Fátima Tiradentes dos Santos
131
Ano Título Autor
2003 A competência e a qualificação: conceitos historicamente construídos para atender interesses de classe
Arminda Rachel Botelho Mourão
2003 Vivência de pessoas desempregadas e o significado do desemprego no capitalismo: elementos para uma reflexão crítica
Ligia Maria Soufen Tumolo, Paulo Sergio Tumolo
2004 (Con)formação para um trabalho competente: a reforma do ensino médio no brasil (1998-2002)
Flávio Anício Andrade
2004 Qualificação profissional e terceirização da força de trabalho: estudo no setor petroquímico da Bahia
Vera Lúcia Bueno Fartes
2004 Teoria do capital intelectual e teoria do capital humano: estado, capital e trabalho na política educacional em dois momentos do processo de acumulação
Aparecida de Fátima Tiradentes dos Santos
2004 A reforma e a contra-reforma da educação profissional brasileira
Elenilce Gomes de Oliveira
2005 Os papéis da família e da escola na constituição dos sujeitos: implicações na formação dos trabalhadores
Ademir Valdir dos Santos
2005 Reforma do ensino médio: o discurso da adequação às necessidades da produção e a naturalização da exclusão
Inge Renate Fröse Suhr
2005 Neoliberalismo e o princípio da competência para o trabalho e a educação nos discursos de Fernando Henrique Cardoso: da ideologia à pedagogia do imponderável
Marcos Zorzal
2005 A pedagogia de competências na reforma da educação profissional no Brasil: entre a teoria e a prática escolar
Carlos Antônio Barbosa Firmino, Ana Maria de Oliveira Cunha
2005 (Des)continuidades e contradições do ensino técnico no CEFET/SC– unidade de Jaraguá do Sul
Eliane Spliter Floriani
2006 O planejamento da educação profissional no contexto do desenvolvimento sustentável
Eliza Bartolozzi Ferreira
132
Ano Título Autor
2006 A reforma da educação profissional e o ensino médio integrado: tendências e riscos
Georgia Sobreira dos Santos Cêa
2007 O ensino técnico por competências: algumas contradições existentes entre os documentos de uma instituição do sistemas e a prática pedagógica
Guacira Ribeiro de Abreu, Wania Regina Coutinho Gonzales
2007 Educação básica e educação profissional: dualidade histórica e perspectivas de integração
Dante Henrique Moura
2008 A (des) articulação do ensino médio com a educação profissional no SENAI-PE/SESI-PE através do projeto EMEP (ensino médio e educação profissional)
Antonio Marcos Alves de Oliveira
2008 Ensino médio integrado à educação profissional: limites e possibilidades
Maria José Pires Barros Cardozo
2008 “Todos Pela Educação”: o projeto educacional de empresários para o Brasil do século XXI
André Silva Martins
2009 Alongamento da escolarização como alternativa ao desemprego: uma panacéia a mais no mundo do trabalho?
Valéria de Bettio Mattos, Lucídio Bianchetti
2009 Integração curricular: o ensino médio integrado e o proeja
Renata Cristina da Costa Gotardo, Edaguimar Orquizas Viriato
2009 A produção da exclusão escolar e a contra-reforma da educação profissional: um estudo de caso sobre a implantação do Decreto 2208/97
Manoel José Porto Júnior, Mauro Augusto Burkert Del Pino
2010 A nova realidade no mundo do trabalho e o desafio da articulação do ensino médio com a educação profissional no Brasil e no Ceará
Francisca Rejane Bezerra Andrade
2011 Políticas de educação profissional e de ensino médio no Cefet-RN (1998-2008)
Ulisséia Ávila Pereira Magna França
2011 Perspectivas e riscos da educação profissional do governo Dilma: educação profissional local e antecipação ao Programa Nacional de Acesso à Escola Técnica (Pronatec)
Marcelo Lima
133
Ano Título Autor
2011 A Educação profissional técnica de nível médio e a questão da integração: pressupostos da formação integral dos estudantes
Maria José Pires Barros Cardozo
2012 O ensino médio integrado: a materialização de uma proposta em um Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
Ana Paula Furtado Soares Pontes, Ramon de Oliveira