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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO CAMPUS UNIVERSITÁRIO DO ARAGUAIA INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO DE LICENCIATURA EM GEOGRAFIA ELENE VILELA DE JESUS A PRODUÇÃO DA PERIFERIA EM BARRA DO GARÇAS- MT UM ESTUDO DE CASO SOBRE A OCUPAÇÃO IRREGULAR SÃO JOSÉ Barra do Garças, MT 2014

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

    CAMPUS UNIVERSITÁRIO DO ARAGUAIA

    INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

    CURSO DE LICENCIATURA EM GEOGRAFIA

    ELENE VILELA DE JESUS

    A PRODUÇÃO DA PERIFERIA EM BARRA DO GARÇAS- MT

    UM ESTUDO DE CASO SOBRE A OCUPAÇÃO IRREGULAR SÃO JOSÉ

    Barra do Garças, MT

    2014

  • 1

    ELENE VILELA DE JESUS

    A PRODUÇÃO DA PERIFERIA EM BARRA DO GARÇAS- MT

    UM ESTUDO DE CASO SOBRE A OCUPAÇÃO IRREGULAR SÃO JOSÉ

    Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de

    Licenciatura em Geografia, Instituto de Ciências Humanas

    e Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso como

    parte dos requisitos para obtenção do título de Licenciada

    em Geografia.

    Orientadora: Profa. Me. Adriana Queiroz Nascimento.

    Barra do Garças, MT

    2014

  • 2

  • 3

    UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

    CAMPUS UNIVERSITÁRIO DO ARAGUAIA

    INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

    CURSO DE LICENCIATURA EM GEOGRAFIA

    FOLHA DE APROVAÇÃO

    Título: A PRODUÇÃO DA PERIFERIA EM BARRA DO GARÇAS- MT: UM ESTUDO

    DE CASO SOBRE A OCUPAÇÃO IRREGULAR SÃO JOSÉ

    Autor (a): Elene Vilela De Jesus

    Monografia defendida e aprovada em 22 de Agosto de 2014

    ________________________________________

    Profa. Me. Adriana Queiroz do Nascimento

    Orientadora UFMT CUA

    ________________________________________

    Prof. Dr. Hidelberto de Souza Ribeiro

    Examinador UFMT/CUA

    ________________________________________

    Profa. Me. Zenilda Lopes Ribeiro

    Examinador UFMT/CUA

  • 4

    DEDICATÓRIA

    Dedico este trabalho ao meu saudoso pai

    (In memorian), que apesar de não ter visto nem a

    minha formatura do Ensino Médio, foram sempre a

    lembrança de suas palavras que me fizeram trilhar

    esse caminho em busca de uma formação e também

    a meu filho, minha maior inspiração nos momentos

    difíceis.

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    AGRADECIMENTOS

    Primeiramente agradeço à Deus pela oportunidade de ter cursado o ensino superior,

    que ampliou os meus conhecimentos e me possibilitou enxergar o mundo de uma forma

    diferente, com criticidade da realidade na qual estamos inseridos.

    Agradeço a todos os professores da graduação, que fizeram parte desse processo de

    construção de conhecimento. Aos mais dedicados por mostrarem como posso ser, e aos menos

    dedicados por ensinarem como não devo ser ao longo do exercício de minha profissão docente.

    À todos que me ajudaram ao longo do curso agradeço imensamente, à minha sogra

    Edileuza que cuidou do meu filho, meu sogro Juvenil (In Memorian), pelo carinho dedicado à

    meu Bebê durante minhas aulas de campo e a meu companheiro Wedson, o qual me deu a

    notícia de que havia sido aprovada para o curso de Geografia na Universidade Federal de Mato

    Grosso e me incentivou imensamente ao longo desses quatro anos e meio.

    Em especial à minha Orientadora Adriana Queiroz do Nascimento que muitíssimo bem

    ministrou as aulas do projeto de pesquisa, a base que me possibilitou a construção desse

    Trabalho de Conclusão de Curso. Agradeço principalmente a sua dedicação e paciência ao me

    guiar ao longo da pesquisa.

    À professora Zenilda Lopes Ribeiro, uma vez que suas aulas de Geografia Urbana

    trouxeram à tona minha paixão pela Geografia e foram nessas aulas que escolhi pesquisar sobre

    a Ocupação Irregular São José. Ao professor Hidelberto de Souza Ribeiro, que através de suas

    publicações sobre Barra do Garças- MT foi de profunda ajuda para o desenvolvimento da

    pesquisa. E à professora Antônia Ieda Delfino por ter me concedido a oportunidade de participar

    do PIBID, programa esse que me possibilitou a vivencia da realidade escolar. Ao professor

    Adeir Archanjo da Mota que gentilmente cedeu um mapa elaborado por ele para ser usado neste

    trabalho.

    Aos colegas de curso, com os quais passei bons momentos tanto em sala de aula quanto

    nas aulas de campo tão famosas no curso de Geografia e principalmente àqueles que me

    incentivaram em momentos difíceis: Marcilene, Alexandre e Liliane. Aos amigos que fiz e aos

    que já tinha, que de alguma forma contribuíram para que eu chegasse até aqui.

  • 6

    RESUMO

    O espaço urbano fragmentado segrega as classes de baixa renda, expropriadas do campo que

    migram para as cidades em busca de melhorias, a procura de um local para morar e abrigar suas

    famílias. Assim este Trabalho de Conclusão de Curso busca demonstrar o processo de formação

    da periferia na cidade de Barra do Garças- MT, estudando especificamente a Ocupação Irregular

    São José que está inserida no Bairro Jardim Nova Barra do Garças. Neste estudo procura-se

    demonstrar os principais agentes produtores do espaço urbano que atuam na construção

    periférica da cidade, investigando a área que possibilitou o surgimento do “bairro”, o seu

    processo de ocupação e também como se dá a regularização fundiária no local, demonstrando

    como as famílias se organizaram para ocupa-la e as dificuldades enfrentadas no início para a

    construção das primeiras casas, a luta desses moradores para conseguirem a escritura de seus

    lotes e a evolução da ocupação em termos estruturais e de valorização. Para investigar tais

    ocorrências frente aos levantamentos realizados neste Trabalho de Conclusão de Curso, a

    abordagem da pesquisa passou por análise qualitativa desenvolvida a partir de um estudo de

    caso, realizando levantamentos que partiram de pesquisa bibliográfica, documental e realização

    de entrevista semiestruturada com os moradores mais antigos da Ocupação São José. Esses

    levantamentos puderam identificar a construção da periferia geográfica e social em Barra do

    Garças-MT e servem ainda para a reflexão frente as mudanças que estão ocorrendo no espaço

    urbano da cidade.

    Palavras-Chave: Ocupação Irregular. Barra do Garças-MT. Periferia. São José.

  • 7

    ABSTRACT

    The fragmented urban space segregates the classes for low-income, expropriated the field who

    migrate to the cities in search of improvements, looking for a place to live and house their

    families. So this Labor Completion of course seeks to demonstrate the process of forming the

    periphery of the city of Barra do Garças- MT, specifically studying Irregular Occupation St.

    Joseph which is inserted in the Garden District of New Bar Herons. This study seeks to

    demonstrate the main producers of urban space agents that act on the peripheral city building,

    investigating the area that enabled the emergence of the "neighborhood", the process of

    occupation and also how is the regularization on site, demonstrating how families were

    organized to occupy it and the difficulties faced in the beginning to build the first houses, these

    residents struggle to get the deed to their plots and developments in structural terms of

    occupation and exploitation. To investigate such occurrences front of surveys conducted this

    work Completion of course, approach the research underwent qualitative analysis developed

    from a case study, conducting surveys departed bibliographical, documentary and conducting

    semi-structured interview survey of residents over Occupation of the former St. Joseph. Such

    surveys could identify the construction of social and geographic periphery Bar Herons MT and

    still serve for reflection face the changes that are taking place in the urban space of the city.

    Keywords: Irregular occupation. Barra do Garças- MT. Periphery. São José.

  • 8

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1: Espaço urbano de Barra do Garças- MT. ................................................................. 20

    Figura 2: Evolução populacional urbana de Barra do Garças- MT......................................... 22

    Figura 3: Distância entre a área central de Barra do Garças- MT e a Ocupação Irregular São

    José ........................................................................................................................................... 29

    Figura 4 e 5: Ficha Cadastral da Ocupação Irregular São José ............................................... 33

    Figura 6: Traçado do arruamento e divisão de lotes da Ocupação Irregular São José ............ 34

    Figura 7 e 8: Quadras que tiveram as construções demolidas em 1998. ................................. 37

    Figura 9 e 10: Comércio na Ocupação Irregular São José. ..................................................... 39

    Figura 11 e 12: Comércio na Ocupação Irregular São José. ................................................... 39

    Figura 13: Imagem da Ocupação Irregular São José em 2005 ................................................ 40

    Figura 14: Urbanização da Ocupação Irregular São José em 2013. ....................................... 40

    Figura 15 e 16: Conjuntos destinados aos aluguéis na Ocupação Irregular São José ............. 41

    file:///D:/versão%20atual%20monografia.docx%23_Toc395718751

  • 9

    SUMÁRIO

    INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 10

    1 UM PANORAMA SOBRE A CIDADE ................................................................................ 13

    1.1 A produção do Espaço Urbano e seus Agentes ......................................................................... 16

    1.1.1 Esfera Econômica ......................................................................................................................................... 17

    1.1.2.Esfera Política ............................................................................................................................................... 18

    1.1.3. Esfera Social ................................................................................................................................................. 18

    2 A FORMAÇÃO GEOGRÁFICA DA CIDADE DE BARRA DO GARÇAS - MT ............................ 20

    2.1 Os Grupos Sociais Excluídos e a Produção da Periferia ............................................................. 23

    3 REFLEXÕES DA PERIFERIA A PARTIR DO SÃO JOSÉ ......................................................... 29

    3.1 A Formação da Área ....................................................................................................................... 30

    3.2 A Ocupação Irregular São José ........................................................................................................ 32

    3.3 A Regularização Fundiária do “Bairro” ............................................................................................ 41

    CONSIDERAÇÕES ............................................................................................................. 44

    REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 46

    APÊNDICE A - Roteiro de entrevista semiestruturada ....................................................... 48

    ANEXO A - Decreto de aprovação do loteamento Jardim Nova Barra do Garças ................ 49

    ANEXO B – Processo para Ação de Usucapião Ordinário ................................................... 50

  • 10

    INTRODUÇÃO

    Na sociedade capitalista atual as pessoas menos favorecidas economicamente são

    induzidas a formarem grupos que lutam pelo direito à moradia. Esse direito é tirado dessas

    pessoas em virtude de especulações imobiliárias e estratégias políticas que obrigam a população

    a ocuparem áreas longínquas, sem documentação.

    O espaço urbano é produto da divisão social de classes, do crescimento desordenado

    das cidades, Revolução Industrial e uma consequente expropriação rural resultante do modo de

    produção capitalista que segrega as classes de baixa renda, produzindo as periferias, favelas,

    dentre outras formas de acesso ao solo urbano.

    No sentido de compreender esse processo que ocorre nas cidades, surge a necessidade

    de investigar a formação da Ocupação Irregular São José, área periférica de Barra do Garças-

    MT, que nos incita a descobrir como famílias se organizaram para a ocupação de uma área e

    também compreender como é realizada a regularização fundiária da área em questão.

    O anseio de investigar a Ocupação Irregular São José surge em virtude da vivência no

    bairro e do convívio com os moradores que esperam ver seus lotes documentados e não mais

    tenham medo de perder suas moradias construídas aos poucos, num processo de autoconstrução.

    Sendo assim, torna-se de suma importância investigar com essa pesquisa, as origens do que

    levam as pessoas a se organizarem e ocuparem áreas na cidade, verificando de quem eram as

    terras da área em questão, o que possibilita a reflexão sobre o que pode ser realizado para que

    áreas que tiveram a mesma origem, também possam ter seus lotes regularizados.

    Assim, este trabalho de conclusão de Curso teve como objetivo analisar os agentes

    produtores do espaço urbano da Ocupação Irregular São José em Barra do Garças-MT,

    investigando como esse processo ocorreu e sua importância para o surgimento do mesmo.

    Como objetivos específicos este trabalho buscou:

    Levantar informações sobre a área que possibilitou o surgimento do “bairro”

    São José;

    Investigar o seu processo de ocupação;

    Identificar como vem sendo realizada a regularização fundiária da área;

    Pode-se perceber que a cidade cresce de forma que reproduza a sociedade baseada no

    acúmulo de capital, onde segrega a população de baixa renda espacialmente, levando-os a

    habitarem os arredores da cidade, distantes do centro, ocorrendo assim, diversos vazios urbanos

    e bairros periféricos. Enquanto as áreas centrais são mais valorizadas os lotes periféricos têm

    preços simbólicos, quando são comprados, no início da fundação destes bairros.

  • 11

    Para investigar tais ocorrências frente aos levantamentos realizadas neste Trabalho de

    Conclusão de Curso, a abordagem da pesquisa passou por análise qualitativa desenvolvida a

    partir de um estudo de caso, o qual procurou estudar profundamente um objeto, realizando

    levantamentos sobre a Ocupação Irregular São José que está inserida no Bairro Jardim Nova

    Barra do Garças.

    As técnicas de pesquisa que foram utilizadas neste trabalho passaram pela:

    Pesquisa bibliográfica: realizando um levantamento acerca das teorias

    relacionadas aos agentes produtores do espaço urbano, com autores como Roberto Lobato

    Corrêa, Ana Fani Alessandri Carlos, Arlete Moisés Rodrigues, Leonardo Benevolo, Milton

    Santos, Henri Lefebvre, dentre outros;

    Pesquisa documental: procurando por dados documentais na Prefeitura

    Municipal de Barra do Garças –MT -departamento de terras de Barra do Garças, Secretaria de

    Planejamento e Secretaria de Finanças- na busca de dados sobre o loteamento e regularização

    fundiária do mesmo

    Entrevista semiestruturada com perguntas fechadas e abertas com roteiro

    previamente elaborado de acordo com Minayo (2012) realizada com os primeiros moradores

    da Ocupação Irregular para descoberta sobre como conseguiram seus lotes e como foi a

    organização para ocuparem a área.

    O presente trabalho foi organizado em uma sequência, na qual no primeiro momento

    foi realizada a revisão bibliográfica para demonstrar a origem das cidades, uma vez que para

    entender as cidades de hoje é preciso entender as cidades anteriores e todo o seu processo de

    construção espacial, assim como os agentes que produzem e consomem este espaço.

    No segundo momento foram feitas reflexões acerca do termo ocupação e periferia,

    assim como seus principais formadores, buscando elencar os motivos que levam as cidades a

    terem essa forma de segregação sócio espacial, caracterizando nessa etapa a cidade de Barra do

    Garças-MT ora analisada e os principais agentes que fomentaram o desenvolvimento da mesma.

    E na terceira parte foram analisadas as entrevistas com moradores, as quais foram

    filmadas e consentidas por eles através do termo de consentimento livre e esclarecido, mesmo

    assim lhes foi garantido o anonimato e sigilo sobre os dados, uma vez, que de acordo com

    Minayo (2012) este é um dos requisitos que dizem respeito à entrada do entrevistador em

    campo. Realizadas também nessa etapa as análises das pesquisas em órgãos fornecedores de

    documentos, que comprovassem informações acerca do loteamento da área em questão. Esses

    relatos mostram como foi a organização, a ocupação em si, as dificuldades pelas quais passaram

    e ainda passam seus moradores e a evolução dessa área periférica em termos estruturais e

  • 12

    valorais, uma vez que, instalações próximas à mesma estão reconfigurando esse espaço e os

    levantamentos buscaram apresentar o que vem sendo feito para o processo de regularização dos

    lotes.

    Por último, foram realizadas as considerações, que abordaram os agentes produtores

    do espaço urbano responsáveis pela existência dessa periferia, a análise sobre as origens das

    terras que possibilitaram o desenvolvimento da ocupação e o seu processo de regularização,

    valorização, e, atração de outro público de moradores, deixando uma proposta de ampliação do

    conhecimento a respeito do termo ocupações irregulares, identificando quem são e o porquê

    dessas pessoas se apropriarem de espaços vazios, vencendo consequentemente o “pré-conceito”

    que lhes são imputados devido à forma de conseguir o seu local de morar.

  • 13

    1 UM PANORAMA SOBRE A CIDADE

    A cidade é o local que expressa melhor a sociedade capitalista, um espaço onde há a

    consagração da mais valia. É na cidade que as relações e o comércio se intensificam, enfim

    todas as atividades do capitalismo. É para o espaço urbano que tudo converge.

    A cidade deve ser pensada antes do momento em que ela surgiu, sendo assim o

    fenômeno urbano teve início desde a antiguidade. Segundo Benevolo (2009) há cerca de 5.000

    anos, nas planícies aluviais do oriente próximo, algumas aldeias se transformaram em cidades.

    Dessa forma, para entender a cidade de hoje deve-se voltar as suas origens.

    Assim, para Carlos (2001), a cidade tem uma origem histórica que nasce num

    determinado momento da história da humanidade e se constitui ao longo do processo histórico,

    assumindo formas e conteúdos diversos, sendo a mesma algo não definitivo, não podendo ser

    analisada como um fenômeno pronto e acabado, porque as formas que ela assume ganham

    dinamismo ao longo de seu processo.

    De acordo com Rolnik (2004), as cidades, independentemente do tempo ou lugar tem

    uma característica em comum e afirma “Na busca de algum sinal que pudesse apontar uma

    característica essencial da cidade de qualquer tempo ou lugar, a imagem que me veio à cabeça

    foi a de um imã, um campo magnético que atrai, reúne e concentra os homens” (ROLNIK,

    2004, p. 12)

    “Mas a cidade não é apenas um conteúdo, é o resultado dos trabalhos dos homens,

    abriga-os e os faz viver” (MONBEIG, 2004, p.292). No entanto, para Carlos (2001) a cidade

    não é apenas resultado de trabalho, mas inclusive da divisão social, sendo uma materialização

    de relações de história dos homens normatizadas por ideologia, é forma de pensar, sentir,

    consumir, é modo de vida, de uma vida contraditória.

    No período paleolítico o homem era nômade, porém suas primeiras manifestações de

    interesse em fixar-se em algum lugar estão relacionadas a sua preocupação com seus mortos,

    em procurar para eles uma “moradia”, portanto “a cidade dos mortos antecede a cidade dos

    vivos” (MUNFORD, 1985 apud SPÓSITO, 2008, p.12). Este mesmo autor também indica um

    segundo ponto que pode explicar a origem das cidades, o qual deve ser destacado: a relação do

    homem paleolítico com a caverna, que embora não fosse moradia fixa, era utilizada para o

    acasalamento e rituais de arte, era um lugar de segurança e onde guardavam seus instrumentos.

    Uma contribuição muito importante para a fixação do homem que precede a revolução

    agrícola é a revolução sexual ou a “domesticação do homem”, onde a mulher mãe, presa a seus

    filhos e que reduz seus movimentos em função de uma criança começa a prender o homem na

  • 14

    terra e o próximo passo é a domesticação das plantas e animais e um excedente agrícola que

    dão início ao processo de fixação do homem ao lugar.

    “Aquilo a que chamamos revolução agrícola foi, muito possivelmente,

    antecedido por uma revolução sexual, mudança que deu predomínio não ao

    macho caçador, ágil de pés velozes pronto a matar, impiedoso por necessidade

    vocacional, porém, à fêmea, mais passiva, presa aos filhos, reduzida nos seus

    movimentos ao ritmo de uma criança, guardando e alimentando toda sorte de

    rebentos, inclusive, ocasionalmente, pequenos mamíferos lactantes, se a mãe

    destes morria, plantando sementes e vigiando as mudas, talvez primeiro num

    rito de fertilidade, antes que o crescimento o e multiplicação das sementes

    sugerisse uma nova possibilidade de se aumentar a safra de alimentos.(...)Com

    a grande ampliação dos suprimentos alimentares, que resultou da

    domesticação cumulativa de plantas e animais, ficou determinado o lugar

    central da mulher na nova economia.(...) A casa e a aldeia, e com o tempo a

    própria cidade, são obras da mulher”(MUNFORD, 1985 apud

    SPÓSITO,2008, p.13).

    Com a fixação do homem ao lugar, deu origem as aldeias que ainda não podem ser

    classificadas de cidade porque não possuem divisão do trabalho nem de classes sociais, e só a

    partir do surgimento, primeiramente do caçador-chefe político- rei, criou condições para uma

    relação de exploração começando a existir uma divisão de classes. “Aí se originou a sociedade

    de classes, e se concretizou a última condição necessária e indispensável à própria origem da

    cidade” (SPÓSITO, 2008, p.16) .

    No entanto, para haver essa divisão de classes primeiro foi preciso o desenvolvimento

    de um excedente agrícola ocasionado pelo melhoramento das técnicas, sedentarização e

    domesticação do homem, que consequentemente leva a criação de um mercado, portanto, “a

    cidade enquanto local permanente de moradia e trabalho, se implanta quando a produção gera

    um excedente, uma quantidade de produtos para além das necessidades de consumo imediato”

    (ROLNIK, 2004, p.16). Mas a necessidade de administrar esse excedente traz à tona a

    transformação do mesmo em poder militar e este em dominação política.

    Sendo assim, de acordo com Spósito (2008) a origem das cidades não está explicada

    essencialmente pelo econômico, mas sim pelo social e político, desta maneira, a cidade na sua

    origem não é somente o lugar da produção, mas sim da dominação.

    Sobre isso Rolnik também escreve:

    A origem da cidade se confunde portanto com a origem do binômio

    diferenciação social/centralização do poder. Este se coloca tanto internamente

    (para os vários grupos ou classes sociais da cidade em questão) quanto

    externamente, na conquista e ordenação dos territórios sob seu poder

    (ROLNIK, 2004, p. 21).

    Pode-se observar que existem diversos fatores que possibilitaram o surgimento das

    cidades e de acordo com Carlos (2001) são seis estes elementos: divisão do trabalho, divisão da

  • 15

    sociedade em classes, acumulação tecnológica, produção do excedente agrícola decorrente da

    evolução tecnológica, um sistema de comunicação, uma certa concentração espacial das

    atividades não agrícolas.

    Já com a industrialização o fenômeno urbano toma novo rumo pois “a partir da

    intensificação da produção industrial viável, tanto graças ao capital acumulado, como pelo

    desenvolvimento técnico científico, a urbanização tomou ritmos acentuados” (SPÓSITO, 2008,

    p.49), levando grande maioria da população do campo para a cidade, ocorrendo assim um

    crescimento populacional urbano, onde o campo deixa de ser subsistência para ser fornecedor

    de matéria prima. Dessa maneira, a industrialização foi o elemento propulsor da intensificação

    do processo de urbanização. Agora, a cidade passa a ser o espaço da produção e não somente

    da dominação, passando também a produzir mercadorias.

    A indústria também aglomerou os operários em suas proximidades, começando assim

    a dividir a ocupação do solo urbano, pois os operários foram viver próximos a seus trabalhos e

    os proprietários das industrias foram viver longe do incomodo que a indústria provocava. “O

    crescimento das cidades tornou centro a área antes compreendida por todo o núcleo urbano,

    formando- se ao seu redor uma faixa nova, considerada a periferia” (SPÓSITO, 2008, p.49),

    sendo que a princípio o centro era ocupado pelos operários e a periferia abrigava os ricos que

    fugiam do centro e das proximidades com a classe pobre.

    Com esse intenso processo de urbanização ocasionado por tantas mudanças estruturais,

    o espaço da cidade começa também a ter diversos problemas devido à grande leva de migrantes

    campo-cidade, ou atraídos em busca de melhorias de vida ou expropriados-expulsos de suas

    pequenas propriedades rurais. Lefebvre aponta que:

    A cidade se transforma não apenas em razão de “processos globais”

    relativamente contínuos (tais como o crescimento da produção material no

    decorrer das épocas com suas consequências nas trocas, ou o desenvolvimento

    da racionalidade) como também em função de modificações profundas no

    modo de produção, nas relações “cidade-campo”, nas relações de classe e de

    propriedade (LEFEBVRE, 2001, p. 58).

    Isso vem demonstrar como a cidade é construída e reconstruída de acordo com o

    momento histórico vivenciado pela sociedade, e também de acordo com a evolução do modo

    de produção adotado por essa mesma sociedade. “Sem dúvida, é possível dizer que hoje o

    mercado domina a cidade. Essa configuração - cidade dominada pelo mercado – é própria das

    cidades capitalistas, que começaram a se formar na Europa Ocidental ao final da Idade Média”

    (ROLNIK, 2004, p.29).

  • 16

    De acordo com Rolnik (2004) a transformação da vila medieval em cidade-capital de

    um Estado moderno vai operar uma reorganização radical na forma de organização das cidades.

    O primeiro elemento que entra em jogo é a questão da mercantilização do espaço, ou seja, a

    transformação da terra urbana, que passa a ser mercadoria e em seguida a organização das

    cidades passa a ser marcada pela divisão da sociedade de classes que separa os donos dos meios

    de produção dos vendedores da força de trabalho e por último um poder centralizado, o qual

    interfere diretamente na vida dos cidadãos.

    Dessa maneira as cidades de hoje são resultados da acumulação das cidades anteriores

    e sofrem transformações ao longo do tempo de acordo com as mudanças ocorridas na sociedade

    desde o modo de produção que rege essa sociedade até as relações que a mesma estabelece.

    1.1 A produção do Espaço Urbano e seus Agentes

    Na cidade o espaço urbano é produzido de acordo com a classe social dominante,

    obedecendo suas vontades e estratégias em relação a valorização do solo urbano, sempre a favor

    desse mercado capitalista que busca moldar a cidade de acordo com seus interesses.

    A produção do espaço, seja ou da rede urbana, seja o intraurbano, não é o

    resultado da “mão invisível do mercado”, nem de um Estado hegeliano, visto

    como entidade supraorgânica, ou de um capital abstrato que emerge de fora

    das relações sociais. É consequência da ação de agentes sociais concretos,

    históricos, dotados de interesses, estratégias e práticas espaciais próprias,

    portadores de contradições e geradores de conflitos entre eles mesmos e com

    outros segmentos da sociedade (CORRÊA, 2013, p.43).

    O espaço urbano é o espaço das contradições inerentes à sociedade capitalista, das

    lutas de classes, local este em que a cidade toma seu corpo e reproduz-se de acordo com seu

    modo de produção, sendo nesse espaço que o capitalismo torna-se cada vez mais forte e

    metamorfoseia-se, explorando e segregando os pobres.

    É importante salientar que o espaço urbano se reproduz na contradição/luta.

    De um lado estão necessidades do processo de valorização do capital –

    enquanto condição geral de produção – em que o indivíduo se perde, cria-se o

    estranhamento, o distanciamento e o desencanto do mundo; a cidade dividida

    e vendida aos pedaços, espelha a segregação do habitante, expulsando-o para

    a periferia da mancha urbana. De outro, ocorre a reprodução da vida humana

    em todas as suas dimensões, enquanto retomada dos lugares, recriação de

    pontos de encontro, e da busca de identidade com o outro ( Carlos, 2001, p.92)

    Por possuir esses recortes em pedaços para diversos usos, o espaço urbano é

    fragmentado, uma vez que é dividido em áreas tanto comerciais quanto residenciais ou

  • 17

    industriais, porém, essas diferentes áreas estão articuladas pela circulação das pessoas e de

    mercadorias.

    O espaço urbano capitalista – fragmentado, articulado, reflexo, condicionante

    social, cheio de símbolos e campo de lutas – é um produto social resultado de

    ações acumuladas através do tempo, e engendradas por agentes que produzem

    e consomem espaço. São agentes sociais concretos, e não um mercado

    invisível ou processos aleatórios atuando sobre um espaço abstrato. A ação

    destes agentes é complexa, derivando da dinâmica da acumulação de capital,

    das necessidades mutáveis de reprodução das relações de produção, e dos

    conflitos de classe que dela emergem (CORRÊA, 2005, p.11).

    Estes agentes sociais reorganizam o espaço urbano através de diferentes ações, porém,

    sem mudar seu caráter fragmentado e articulado, reflexo e condicionante social. Fazem e

    refazem a cidade num processo que utiliza de estratégias concretas, atuando para a reprodução

    da sociedade capitalista, atendendo interesses de um agente dominante. E de acordo com Correa

    (2005), a ação é regulada por um marco jurídico que não possui neutralidade.

    Para Carlos (2001), a produção do espaço urbano fundamenta-se num processo

    desigual, portanto o espaço deverá refletir essa contradição inerente ao processo de reprodução

    do capital interessado apenas no uso produtivo do espaço, através do processo de valorização,

    já a sociedade anseia por condições melhores de reprodução da vida em sua dimensão plena.

    De acordo com Corrêa (2005) os agentes que produzem o espaço urbano são: os

    proprietários dos meios de produção, proprietários fundiários, os promotores imobiliários, o

    Estado e os grupos sociais excluídos. Estes agentes que produzem e consomem o espaço urbano

    podem ser divididos em esferas de acordo com a sua prática, são as esferas econômica, política

    e social.

    1.1.1 Esfera Econômica

    Os agentes da esfera econômica, apesar de haver diferenças em suas estratégias,

    possuem características comuns, como a posse de uma renda da terra controlando o uso da terra

    urbana, incorporando novas áreas à cidade com a transformação da terra rural em urbana,

    especulando os preços da terra urbana e diversas outras ações que sempre visam o lucro,

    característica principal do modo de produção vigente.

    ...... Os proprietários dos meios de produção: são os grandes proprietários

    industriais e das grandes empresas comerciais, são grandes consumidores do espaço,

    necessitando de terrenos amplos e baratos que satisfaçam seus requisitos locacionais

  • 18

    pertinentes as atividades de suas empresas, não sendo eles interessados em especulação

    fundiária porque isso poderia levar a um aumento dos salários de seus funcionários;

    Proprietários fundiários: São os proprietários de terras que atuam no sentido

    de obterem a maior renda fundiária de suas propriedades, interessados em que seu uso

    seja o mais remunerador possível, e isso significa que estão interessados no valor de

    troca da terra e não de seu uso. Exercem pressão junto ao estado visando interferir no

    processo de definição do uso do solo urbano e do zoneamento. Influenciam na

    passagem do rural ao urbano e na periferizaçao das cidades;

    ...... Promotores imobiliários: São os responsáveis pela especulação imobiliária,

    não estão interessados em atender as demandas de habitação popular, por isso segregam

    as classes populares. Exercem pressão no Estado para que o mesmo ofereça

    infraestrutura e beneficie certos grupos e exclua outros;

    1.1.2. Esfera Política

    Nesta esfera está presente o Estado com suas regulações através de leis e programas

    que também produzem o espaço urbano, e há uma ligação muito forte entre a esfera econômica

    e a política, uma vez que o estado não é neutro em suas ações sempre estando a favor do ganho

    econômico, sendo as vezes o Estado incorporador e especulador da terra urbana. As esferas

    econômicas e políticas “que determinam o modo de vida da população, a forma como se

    apropriam do espaço urbano, as ações e movimentos populares, a visão estereotipada dessas

    áreas e a forma como se relacionam” (MARES, 2013, p.1). Nesse sentido Correa diz que:

    ...... O papel do Estado: Visa criar condições de realização e reprodução da

    sociedade capitalista, o seu discurso é sempre para encobrir os interesses dominantes.

    Sendo atuante como grande industrial, consumidor de espaço e de localizações

    específicas, proprietário fundiário e promotor imobiliário, sem deixar de ser agente de

    regulação do solo e o alvo dos chamados movimentos sociais urbanos;

    1.1.3. Esfera Social

    A sociedade e a cidade não são formadas apenas pelos mais ricos, mas também por

    aqueles que trabalham e lutam por um espaço onde possam construir sua moradia, mas são os

    explorados por esse grande capital. Dessa forma,

  • 19

    ........ Os grupos sociais excluídos: são agentes modeladores que produzem seu

    próprio espaço, sendo esta produção uma forma de resistência e estratégia de

    sobrevivência perante as dificuldades impostas aos grupos recém expulsos do campo ou

    que vêm de áreas urbanas em processo de renovação, os quais, lutam para ter direito à

    cidade.

    Os grupos sociais excluídos se organizam para conseguirem fazer parte da cidade e

    obterem também, nesta cidade fragmentada, o seu espaço urbano. Buscamos entender como é

    produzido esse espaço segregado, em especial a Ocupação Irregular São José em Barra do

    Garças-MT.

  • 20

    2 A FORMAÇÃO GEOGRÁFICA DA CIDADE DE BARRA DO GARÇAS - MT

    A cidade de Barra do Garças está localizada na divisa dos estados de Mato Grosso e

    Goiás, numa região denominada de Vale do Médio Araguaia e possui 65 anos de emancipação

    política (figura 01). Foi um dos maiores municípios da região anteriormente ocupando onde

    teve a extensão de 170.000 km² e atualmente ocupa 9.078,983 km².

    FIGURA 1: Espaço urbano de Barra do Garças- MT.

    Elaboração: Adeir Archanjo da Mota, 2014.

    Sua fundação data de 1924 e o seu principal historiador divide sua evolução em quatro

    partes, em decorrência do processo histórico brasileiro, sendo elas: a Garimpeira, Fundação

    Brasil Central, Agropecuária e incentivos fiscais e por último os gaúchos e a agricultura.

    Na primeira parte, a garimpeira, foi estabelecido o primeiro núcleo urbano da cidade

    “O povoado de Barra do Garças iniciou-se quando Antônio Cristino Côrtes e seu compadre

    Francisco Dourado, saindo de registro do Araguaia, se destinavam aos garimpos do Garças”

    (VARJÃO, 1992, p.57).

  • 21

    A partir desse início de povoamento começaram a aparecer as primeiras características

    de cidade, que foi o estabelecimento do comércio. “Em 1925, como já era grande o número de

    garimpeiros no local, apareceram os primeiros comerciantes e outros exploradores dos

    bamburristas” (VARJÃO, 1992, p.57).

    Com isso, o desenvolvimento para a categoria de município foi questão de pouco

    tempo: “Foi elevada à categoria de Distrito de Paz (Vila), em 21 de Dezembro de 1935, sob o

    decreto nº 32. No entanto, foi sob a Lei Estadual nº 121, de 15 de setembro de 1948, que passa

    a ser considerado município, recebendo status “emancipativo” político-administrativo

    (RIBEIRO,2001, p.33).

    Dessa maneira, pode-se observar que as primeiras características de povoado da cidade

    se deu em torno da exploração da riqueza natural e do comércio, que viveu essa fase embrionária

    até 1943 quando se instalou na região a Fundação Brasil Central que tinha o objetivo de

    “desbravar” o centro-oeste. Sendo essa a segunda fase do desenvolvimento de Barra do Garças.

    “A chegada da Expedição Roncador- Xingu, sob a chefia do Tenente-Coronel Flaviano

    de Matos Vanique, e, em seguida, as realizações da Fundação Brasil Central motivaram o

    progresso de Barra do Garças, até então em processo lento” (VARJÃO, 1992, p.61).

    Segundo Varjão (1992), na terceira parte, denominada de agropecuária e incentivos

    fiscais houve a compra de grandes faixas de terras no município para exploração da pecuária,

    usando dos benefícios de incentivos fiscais oferecidos pelo governo através do imposto de

    Renda. Por último, a quarta fase, foi marcada pela chegada de migrantes gaúchos que

    introduziram a agricultura e pode ser considerada o passo decisivo da implantação da

    agricultura denominada agronegócio.

    Pode-se analisar através desses dados que a ação do Estado foi de grande importância

    para o desenvolvimento de Barra do Garças enquanto cidade uma vez que a partir da Expedição

    Roncador-Xingu, posteriormente Fundação Brasil Central é que o desenvolvimento urbano

    ocorreu com maior nitidez e posteriormente o Estado com incentivos fiscais atraiu os paulistas

    e a expansão da pecuária.

    Numa análise mais profunda pode-se dizer que foi nessa fase que teve início o processo

    de segregação espacial na cidade, uma vez que só podiam tomar conta de terras (mercadoria,

    produto) quem tivesse condição de mantê-la ou de compra-la e consequentemente os grandes

    proprietários fundiários também são donos de grandes lotes urbanos.

    A construção de estradas, a criação de povoamentos e a implementação de

    uma rede de comunicação, ligando Barra do Garças ao Estado de Goiás e,

    consequentemente, aos estados de Minas Gerais e São Paulo, de fato, criaram

    as condições para que na década de 1970, o município pudesse se incorporar

  • 22

    ao mercado produtivo nacional. Nesse sentido pode-se dizer que a Fundação

    Brasil Central cumpriu sua tarefa, ou seja, graças a sua intervenção, o

    município de Barra do Garças, a partir de 1965, estava preparado para a nova

    fase de efetivação das relações capitalistas no Centro –Oeste e Amazônia

    (RIBEIRO, 2001, p.34).

    Com isso, Barra do Garças, evoluiu em termos econômicos e populacional, porém,

    como toda cidade que se desenvolve rapidamente, problemas urbanos acontecem como falta de

    saneamento básico para a maior parte da população, acesso à moradia, problemas relacionados

    ao uso do solo urbano como especulações, grilagens, transformação de solo rural em urbano,

    um crescimento populacional não acompanhado de infraestrutura básica e habitação suficiente,

    consequentemente ocorre a periferizaçao da cidade.

    Em 1960, a população de Barra do Garças era de 15.075 pessoas sendo 4.771 na área

    urbana e 10.304 na área rural e em 1970, atinge um contingente de 26.570 pessoas e desse total

    10.217 residindo na cidade e 16.353 no campo. Em 1980, a população 43.690, destes 29.325

    na área urbana e 14.365 no campo e dados do IBGE de 1997 apontam que a população do

    município era de 47.122 e desse total 42.943 estavam na área urbana e 4.190 na área rural.

    Dessa maneira “ entre 1980 e 1997 a população rural sofreu um decréscimo de 70,8%, enquanto

    a população urbana teve um crescimento da ordem de 46,4%” (RIBEIRO, 2001, p.59).

    Figura 1: Evolução populacional urbana de Barra do Garças- MT

    Fonte: IBGE, 2010.

    Essa inversão entre população rural e urbana pode ser explicada pelos investimentos

    realizados na área urbana da cidade, assim como a modernização do campo e expropriação dos

    0

    10.000

    20.000

    30.000

    40.000

    50.000

    60.000

    1960 1970 1980 1997 2010

    PO

    PU

    LAÇ

    ÃO

    ANO

    EVOLUÇÃO POPULACIONAL URBANA DE BARRA DO GARÇAS 1960-2010

    rural

    urbana

  • 23

    pequenos proprietários por grandes latifundiários, fazendo com que a população com menor

    poder aquisitivo vinda do campo também formasse periferias na cidade.

    Mas, um dos agentes produtores do espaço urbano que mais se destacaram em Barra

    do Garças para que se iniciasse esse intenso processo de urbanização foi o Estado, uma vez que

    implantou políticas de integração nacional, o que trouxe além da população rural da própria

    cidade uma leva de migrantes de outras regiões do país. Assim:

    A concessão de incentivos fiscais para a subversão de projetos aprovados pela

    SUDAM e a criação de uma infraestrutura viária, como já dissemos, foi a

    maneira encontrada para atingir uma agricultura e uma pecuária capitalistas.

    Portanto, trata-se de um conjunto de medidas que contou com a participação

    direta do Estado federal, visando atrair para a região o capital e seus agentes.

    (RIBEIRO, 2001, p.37)

    Esse crescimento urbano da cidade de Barra do Garças que abre espaço para os

    migrantes tanto vindos da área rural da cidade quanto de outras regiões do país, leva as

    populações pobres que não tendo condições de se instalarem em locais próximos ao centro ou

    de seu trabalho (quando o têm), a ocuparem os arredores da cidade em terrenos de especulação

    ou do poder público.

    No ano de 1996, num período de grande crescimento populacional urbano, surge a

    Ocupação Irregular São José, onde tais contexto histórico podem ser uma das explicações para

    o surgimento desta periferia construída não apenas pelo Estado, bem como por promotores

    imobiliários, proprietários fundiários e agentes sociais excluídos.

    2.1 Os Grupos Sociais Excluídos e a Produção da Periferia

    Os grupos sociais excluídos são grupos modeladores da cidade, que em busca de uma

    moradia ocupam terrenos em áreas vazias da cidade, distantes do centro em loteamentos

    periféricos ou mesmo nos conjuntos habitacionais produzidos pelo Estado, via de regra, também

    distantes da área central e na favela.

    A periferia seria segundo Correa (2005) os arredores da cidade não dotados de

    amenidades físicas como o mar ou locais arborizados, uma vez que as amenidades atraem uma

    população de status para o local e os bairros de status não são socialmente periféricos. Dessa

    maneira uma área distante do centro da cidade que não possua amenidades e habitada por

    proletários é considerada uma periferia social.

    Para Brum (2008), a periferia é uma área desprovida socialmente das inovações trazidas

    pelo desenvolvimento capitalista, com infraestruturas básicas, de população pobre e distante do

  • 24

    centro e das forças dominantes da sociedade. De acordo com Benevolo (2005) a periferia não é um

    trecho de cidade, mas um território livre onde se somam um grande número de iniciativas

    independentes: bairros de luxos, bairros pobres, industrias, depósitos, instalações técnicas e num

    determinado momento essas iniciativas se fundem num tecido compacto, que não foi porém,

    previsto e calculado por ninguém.

    Spósito (2009) diz que o termo periferia com peso pejorativo pode ser explicado em razão

    dos seus moradores que residem distantes dos seus locais de trabalho e do centro perderem muito

    tempo em seus deslocamentos para o trabalho, o que causa um cansaço e o desgaste físico. Mas o

    que pode levar a ter essa ideia pejorativa da periferia pode simplesmente ser a falta de conhecimento

    relacionada a formação dessa parte que é integrante da cidade, que faz parte dela, não entendendo

    o processo ficam à mercê das definições do senso comum.

    O que, no senso comum, representa a periferia é a sua caracterização social,

    marcada pela presença de pessoas de baixa renda, os pobres, que não têm

    meios para aquisição de uma residência em um bairro de status. Mesmo que a

    escolha não seja um bairro elitizado, a população não encontra meios que a

    possibilite escolher em que bairro ou em que área morar e em que condições

    de moradia habitar. Por isso, a periferia é vista como uma apropriação desigual

    do espaço urbano (MARES, 2013, p.3).

    Nesse sentido, podemos dizer que um primeiro ponto de formação da periferia seria a

    classe social, as pessoas de baixa renda, uma vez que os pobres não têm meios que os deixe escolher

    um local para que possam morar. Destaca- se também que se os habitantes dos arredores da cidade

    são uma população rica, já não é mais considerada periferia, passando a mesma passa a ser uma

    apropriação desigual do espaço urbano.

    Assim, as classes de maior renda habitam as melhores áreas, sejam as mais

    centrais ou, no caso das grandes cidades, quando nestas áreas centrais afloram

    os aspectos negativos como poluição, barulho, congestionamento, lugares

    mais distantes do centro. Buscam um novo modo de vida em terrenos mais

    amplos, arborizados, silenciosos, e com maiores possibilidades de lazer. À

    parcela de menor poder aquisitivo da sociedade restam as áreas centrais,

    deterioradas e abandonadas pelas primeiras, ou ainda a periferia, logicamente

    não a arborizada, mas aquela em que os terrenos são mais baratos, devido à

    ausência de infraestrutura, à distância das “zonas privilegiadas” da cidade,

    onde há possibilidades da autoconstrução – da casa realizada em mutirão. Para

    aqueles que não tem nem essa possibilidade, o que sobra é a favela, em cujos

    terrenos, em sua maioria, não vigoram direitos de propriedade (CARLOS,

    2001, p.48 e 49).

    Portanto, na periferia ocorre a reprodução social e espacial da população pobre, uma

    vez que é nela que residem os excluídos do poder, tanto econômico quanto político, os que

    ficam à mercê das decisões dos grupos dominantes. Residem nestes locais, nos quais não

    encontram os serviços básicos, sendo obrigados a se deslocarem ao centro com um transporte

    público (quando existe), caro, que os pauperiza ainda mais. Já as classes de alta renda podem

  • 25

    escolher onde morar, seja no centro ou em terrenos maiores e arborizados afastados, mas que

    não são caracterizados como periferia devido à classe social que o habita.

    Um outro ponto que pode ser razão do nascimento das periferias nas cidades é a

    habitação, pois as pessoas precisam morar, uma vez que “não se pode deixar de ocupar qualquer

    lugar para morar na superfície da terra, porque ninguém vive suspenso no ar”. (SPÓSITO, 2009,

    p.39). Esse problema habitacional no Brasil é antigo e teve seu início assim que se deu a

    abolição da escravidão em 1888, quando os escravos recém- libertos e não mais residentes e

    “sustentados” pelos seus patrões se viram obrigados a procurar áreas para morar, e como não

    tinham nenhuma condição para comprar lotes se viram obrigados a procurar locais distantes

    dos centros, formando as periferias e primeiras favelas urbanas.

    A evolução das favelas acompanhou o processo de urbanização da sociedade

    brasileira. Ela é determinada pelo processo da chamada reprodução da força

    de trabalho. Na sociedade escravocrata, a moradia do trabalhador era provida

    pelo patrão, bem como os demais itens de sua subsistência. A emergência do

    trabalho livre dá origem ao trabalho de habitação. O patrão está livre dessa

    incumbência. A partir da abolição caberia ao trabalhador pagar a sua moradia.

    Essa mudança deveria implicar assalariamento e formação do mercado urbano

    de moradias, como ocorreu nos países capitalistas centrais, não sem muito

    conflito (MARICATO, 2002, p.3).

    A sociedade com menor poder aquisitivo, que são os agentes sociais excluídos é

    considerada apenas como uma massa seguidora dos produtores do espaço, porém segundo

    Campos (2005) as populações pobres ao se apropriarem dos espaços periurbanos, considerados

    ilegais pelo poder público, participam da construção do espaço urbano das cidades.

    Os grupos sociais excluídos participam da formação do espaço urbano ao se

    apropriarem de terras públicas ou privadas e organizam-se de forma que constroem suas

    moradias com qualquer material de que disporem desde a lona, portas, sacos plásticos, e a

    madeira, contando com a ajuda de vizinhos, algumas vezes em mutirão, e de forma rápida para

    não perderem o espaço conquistado.

    Essa população, que não tendo condições de comprarem uma moradia próxima ao

    centro ou pagar aluguel procuram lugares longe do centro, nos quais conseguem terrenos ou

    aluguéis mais baratos e buscam solução para sua moradia em ocupações de formas irregulares

    em locais muitas vezes impróprios de se viver.

    Uma das formas da classe trabalhadora resolver seu problema de morar é

    como já foi visto, comprando um lote em áreas da periferia pobre e geralmente

    em loteamentos clandestinos. Como os salários são baixos, só nestes lugares

    é possível comprar um lote (RODRIGUES, 2003, p.29).

  • 26

    Essas ocupações podem também ser influenciadas pelo poder público para atender a

    agentes imobiliários e proprietários fundiários que usam de estratégias, como a “grilagem”,

    buscando valorização de áreas para uma posterior especulação imobiliária, já que não

    conseguem resolver o problema de moradia empurram os pobres para as periferias. Sobre isso

    Milton Santos diz:

    O próprio poder público torna-se criador privilegiado de escassez, estimula

    assim, a especulação e fomenta a produção de espaços vazios dentro das

    cidades, incapaz de resolver o problema da habitação, empurra a maioria da

    população para as periferias, e empobrece ainda mais os mais pobres, forçados

    a pagar caro pelos precários transportes coletivos e a comprar caro bens de

    consumo indispensável e serviços essenciais que o poder público não é capaz

    de oferecer (SANTOS, 1994, p. 111).

    Os proprietários fundiários são interessados em transformar áreas rurais em urbanas,

    uma vez que é mais rentável para os mesmos. Assim, transformam-se em agentes imobiliários

    e exercem pressão no Estado para que viabilize essa prática com implantação de infraestruturas

    básicas como rede de água e energia elétrica para aumentar o valor de suas terras. Sendo assim:

    A cidade em si, como relação social e como materialidade, torna-se criadora

    de pobreza, tanto pelo modelo socioeconômico, de que é o suporte, como por

    sua estrutura física, que faz dos habitantes das periferias (e dos cortiços)

    pessoas ainda mais pobres. A pobreza não é apenas o fato do modelo

    socioeconômico vigente, mas também, do modelo espacial (SANTOS, 2013.

    p.10).

    Dessa maneira, o espaço da cidade é recortado formando modelos espaciais

    reprodutores da sociedade capitalista, com vazios urbanos e periferia com pouca ou quase

    nenhuma infraestrutura necessária para a sobrevivência dos pobres e no qual os ricos habitam

    as melhores porções deste espaço. E esse modelo é percebido nas cidades brasileiras desde as

    metrópoles as cidades médias e pequenas.

    Nas metrópoles brasileiras o padrão de segregação mais comum é o centro

    versus a periferia. É nas regiões centrais que se encontra a maioria dos serviços

    urbanos, tanto público como privado, local que é ocupado pelas classes de

    mais alta renda. E é a periferia que concentra os excluídos da sociedade,

    isolados de tudo e de todos. Neste sentido, o espaço mostra-se como um

    mecanismo de exclusão social, onde as pessoas de poder aquisitivo mais

    elevado se concentram nas terras com preços mais elevados e os de baixo

    poder aquisitivo nas áreas menos privilegiadas, cujo valor da terra é mais

    barato (ROMANCINI, 2009, p.56).

    Sendo assim, o solo urbano é meio especulativo para a economia capitalista, na qual a

    atuação dos agentes produtores do espaço é responsável pelo parcelamento da cidade de acordo

    com os seus interesses, e sempre é a área central o local que estão os serviços urbanos

    necessários à toda a cidade. Portanto:

  • 27

    Quanto mais cidade se produz, na lógica do capital, maior o preço da terra e

    das edificações. A cidade-mercadoria, a mercadoria terra e unidades

    edificadas não obedecem à lógica da produção de objetos. O preço da terra e

    da cidade aumenta mesmo quando numa determinada porção de seu território

    não há nenhum trabalho produtivo direto (o que explica a especulação em

    terras vazias). A mercadoria terra urbana e a mercadoria cidade são

    diferenciadas de outras mercadorias (RODRIGUES,2007, p.8)

    Com isso é possível verificar que a terra urbana enquanto mercadoria e produto na

    acumulação de capital é também responsável pela segregação social e espacial, uma vez que os

    especuladores agem para que as melhores parcelas deste solo urbano sejam das populações de

    alta renda.

    O setor imobiliário exerce grande influência na cidade e é responsável por alimentar

    as diferenças sociais e econômicas diante do parcelamento e da especulação em torno do solo

    urbano, uma vez que “o livre jogo da especulação ocasiona o deslocamento do habitat popular

    para a periferia ou para os terrenos de pouco valor, o que favorece o fenômeno da “favelização””

    (SANTOS, 2008, p. 205). E,

    Finalmente, a evolução dos custos da construção, combinada com a dos preços

    dos terrenos, enquanto os salários permanecem estacionários, aparece como

    principal responsável pelo desenvolvimento das favelas. O preço da

    construção aumenta mais depressa que o custo de vida geral (SANTOS, 2008,

    p. 206).

    Portanto é possível verificar a grande responsabilidade do Estado enquanto produtor e

    reprodutor dessa exclusão em relação ao acesso e uso do solo urbano, pois o mesmo é

    responsável pela implantação do salário mínimo que cresce pouco e não acompanha o preço de

    materiais de construção, e muito menos dos terrenos.

    Essa dificuldade de acesso ao solo urbano é um dos passos para a ilegalidade das

    cidades, uma vez que os moradores das ocupações em locais públicos ou privados não tem

    documentação legal perante o poder público de seus lotes, pois “ na cidade, a invasão de terras

    é uma regra, e não uma exceção. Mas ela não é ditada pelo desapego à lei ou por lideranças que

    querem afrontá-la. Ela é ditada pela falta de alternativas ” (MARICATO, 2002, p.2).

    Outro problema relativo a esta ilegalidade dos lotes urbanos é a arrecadação por parte

    do município do IPTU (Imposto Territorial e Predial Urbano), sendo que os lotes que não

    possuem o devido registro em cartório não pagam esse imposto e as pessoas sofrem com o

    medo da perda de suas casas.

    Portanto a busca pela regularização fundiária não deve ser apenas interesse dos

    habitantes dessas periferias, mas também do poder público, que pode aumentar sua arrecadação

    e utilizar o dinheiro deste imposto para instalar benfeitorias no mesmo local.

  • 28

    Quando isso acontece, uma implantação de praças, locais de lazer, pode ocorrer uma

    valorização dos lotes e atrair para estes locais outro público de moradores ocorrendo outro

    fenômeno referente a esse processo de reprodução do capitalismo, que é a construção de outras

    periferias, pois os lotes valorizados são revendidos por um bom valor e as pessoas se deslocam

    para outros locais mais distantes ainda, formando novas periferias.

  • 29

    3 REFLEXÕES DA PERIFERIA A PARTIR DO SÃO JOSÉ

    Para ter acesso à moradia as pessoas criam maneiras para morarem nas cidades, em

    ocupações, cortiços e se organizam para terem o direito de morar, de ocupar um espaço na

    cidade. Assim vamos investigar uma dessas formas de organização que as pessoas utilizam para

    ter acesso ao solo urbano: as ocupações irregulares do ponto de vista da propriedade da terra.

    As ocupações ocorrem em bloco, ou seja, um certo número de famílias procura

    juntamente uma área para instalar-se. Esta ocupação de área ocorre num

    mesmo dia para todo um grupo. As ocupações caracterizam-se por uma

    mobilização anterior. As construções, embora de responsabilidade de cada

    família ocupante, são realizadas em verdadeiros “mutirões”, em que as

    famílias que não contam com homens, são auxiliadas por outros. As famílias

    que não podem pagar aluguel ou comprar uma casa/terreno, unem-se na busca

    de uma solução (RODRIGUES, 2003, p.43)

    Assim, o designado pelos moradores como “bairro” São José configura-se na verdade

    como uma ocupação irregular, a qual não tem reconhecimento nos órgãos competentes como

    bairro e localiza-se no interior do bairro Jardim Nova Barra no setor Oeste de Barra do Garças.

    Está a uma distância de 7 km do centro comercial da cidade (figura 03), o que em relação à

    dimensão urbana de Barra do Garças configura-se como uma periferia geográfica e pautando-

    se na definição de Corrêa (2005) a respeito do termo periferia, uma vez que a Ocupação

    Irregular São José é desprovida de amenidades físicas, habitada por uma classe em sua maioria

    assalariada também pode ser denominada como periferia social.

    FIGURA 3: Distância entre a área central de Barra do Garças- MT e a Ocupação Irregular São José.

    Fonte: Google maps, 2014

    É possível verificar através da imagem que no trajeto centro-bairro há um vazio

    urbano típico da segregação urbana, que envia para longe do centro da cidade a população com

  • 30

    menor poder aquisitivo. Portanto “é um produto da existência de classes sociais, sendo a sua

    espacialização no urbano” (CORRÊA, 2005, p.60).

    Esse processo de segregação no Brasil tem início desde que a Terra foi transformada

    em mercadoria. Em 1850 com a Lei de Terras, “só quem podia pagar era reconhecido como

    proprietário juridicamente definido em lei” (RODRIGUES, 2003, p.17). Consequentemente

    excluindo desse processo os trabalhadores sem recursos e os condicionando a vender a única

    coisa que tinham: sua força de trabalho. Assim “ a terra tornou-se uma mercadoria do modo de

    produção capitalista. Uma mercadoria que tem um preço só acessível a uma determinada classe”

    (RODRIGUES, 2003, p.18). Atualmente isto ainda reflete a realidade urbana, podendo ter terra,

    tanto urbana quanto rural apenas os que podem pagar por ela, ou que se organizam para lutar

    contra sua falta de acesso à moradia.

    3.1 A Formação da Área

    Neste sentido a área onde se localiza a Ocupação Irregular São José, de acordo com

    Ribeiro (2001), pertenciam a uma chamada Gleba Araguaia, sendo a mesma uma imensa área

    ocupando as duas margens das BRs 070 e 158 que fazem a ligação entre Barra do Garças, Nova

    Xavantina e que se estende até São Félix do Araguaia, nas divisas de Mato Grosso e Pará. Os

    lotes 02, 03, 04 e 05 da referida Gleba que pertenciam a particulares e não ao INCRA estão

    situados à margem esquerda da BR 070, portanto a Ocupação Irregular está dentro dos lotes

    dessa Gleba.

    Porém quando teve início a ocupação do “bairro”, em Abril de 1996 o que os

    “invasores” diziam era que as terras pertenciam a União, mas havia um senhor que se dizia

    dono legítimo e que apresentava toda documentação, mostrando que as terras pertenciam a

    imobiliária de sua propriedade E.L. Esteves. De acordo com Ribeiro (2001) podia-se afirmar

    que este seria um caso de grilagem, uma vez que ninguém sabia informar como os lotes 02, 03,

    04 e 05 passaram ás mãos do senhor Eurípedes Luiz Esteves. Após tornar-se dono da área teria

    elaborado um projeto para loteá-la, passando assim a um promotor imobiliário que incorpora

    novas áreas à cidade.

    Os incorporadores imobiliários são as empresas que individualmente ou

    associadas aos proprietários loteiam glebas para uso residencial. Se estas

    glebas localizam-se no perímetro urbano, deve-se elaborar projetos de acordo

    com a legislação e se obter sua aprovação nas prefeituras (RODRIGUES,

    2003, p.26).

    .

  • 31

    Assim a firma E.L. Esteves Imobiliária “proprietária” do loteamento denominado

    Jardim Nova Barra do Garças recebeu a aprovação pelo decreto de nº 544 para o referido

    loteamento em 15 de março de 1979, conforme documento municipal, assinado pelo então

    prefeito Sr. Wilmar Peres de Farias. Verifica-se assim a ação de diversos agentes nesse processo

    de produção da cidade.

    No processo de incorporação de novas glebas estão embutidas as diferentes

    formas de “especulação imobiliária”. Participam, em geral, do processo de

    abertura e de consolidação vários agentes: o proprietário fundiário, o

    empreendedor do loteamento (loteadores, corretores), compradores dos lotes

    (moradores) e o Estado, através do aparelho técnico, financeiro e legal. Os

    proprietários de terra podem se confundir com os loteadores ou entrar no

    negócio apenas com a gleba, enquanto os demais encargos – projeto,

    aprovação, abertura de vias, etc. – ficam a cargo do loteador. As porcentagens

    que cada um obtém da venda dos lotes, depende do que ficou estabelecido

    entre as partes (RODRIGUES, 2003, p.26).

    Nesse jogo de especulação percebe-se que um agente é dominante e se transforma em

    dois, uma vez que o Sr. Eurípedes Luiz Esteves, “proprietário” da gleba e especulador

    imobiliário como empreendedor do loteamento na figura da firma de sua propriedade E.L.

    Esteves Imobiliária, sendo ao mesmo tempo proprietário fundiário e loteador ou promotor

    imobiliário.

    De acordo com depoimentos colhidos na prefeitura municipal no Departamento de

    Terras, o mapa do loteamento foi elaborado em Goiânia-GO, e aprovado pela prefeitura

    municipal de Barra do Garças-MT com o nome de Jardim Nova Barra do Garças e a área onde

    localiza-se a Ocupação Irregular São José faz parte desse loteamento.

    O São José e o novo horizonte aquilo tudo é nova barra, ai quando o Zé Alves

    fez aquele negócio lá ai o pessoal pra homenagear ele, botaram o nome do

    bairro de bairro São José, mas o loteamento é Jardim Nova Barra do Garças,

    o Bairro é que é São José. (entrevista realizada em 22/07/2014)

    A imobiliária com o mapa do loteamento contratou o Sr. José Alves, que era topógrafo

    para fazer a medição dos lotes e o mesmo teria descoberto que a área pertencia à União e não à

    imobiliária. Após essa descoberta o Sr. José Alves teria demorado anos para reunir documentos

    que comprovassem tal informação, para posteriormente ocupar o local. O mesmo teria ido a

    Brasília - DF, falado diretamente com funcionários do INCRA. Informações pautadas em

    depoimento de uma moradora que participou da ocupação, juntamente com o Sr. José Alves:

    O início da ocupação foi através de invasão, através de invasão começou a

    fundação do Bairro São José, só que pra gente fazer isso a gente fomos até

    Brasília né, fizemos reunião com o Procurador Geral do Incra, o doutor

    Sebastião de Azevedo e foi depois dessa reunião com ele lá em Brasília que a

    gente deu seguimento 100%, intão quando nós retornamos de Brasília, nóis

    fomos pra Cuiabá, lá nós tivemos reunião também com o procurador do

  • 32

    INCRA, o doutor José Getuliano Trajano de Moura e o mesmo falou assim

    pra gente que da forma que a gente tava trabalhando, entendeu? Que o

    documento que a gente tinha na mão, podia vim um caminhão de navalha que

    nenhuma nos acertava, era um trabalho muito bonito que nóis tava fazendo

    porque a gente não tava vendendo os terreno, a gente tava fazendo doações, a

    gente tava procurando pessoas que não tinha condição de pagar um aluguel,

    que não tinha uma casa própria, então era essas pessoas que a gente tava

    ajudando, intão mas era um local que não tinha rua aberta, quem abriu as ruas

    aqui pra nós foi o saudoso Wilmar Peres de Farias, que Deus tenha ele num

    bom lugar, foi ele que nos ajudou muito, foi um pai aqui pra nós do Bairro

    São José (entrevista realizada em 20/07/2014).

    Dessa maneira para iniciar a ocupação primeiramente as pessoas que a lideraram foram

    em busca de meios que sustentassem suas ações e documentos que comprovassem como as

    terras poderiam ser ocupadas, já que estavam sem uso e pertenciam à União.

    3.2 A Ocupação Irregular São José

    Nesse contexto, surge em 12 de abril de 1996, uma organizada ocupação, liderada pelo

    Sr. José Alves, com cerca de 100 famílias para ocuparem os lotes que já haviam sido por ele

    medidos, quando este era funcionário da Imobiliária E.L. Esteves. Isto pode ser verificado pela

    entrevista com um dos moradores da Ocupação:

    O Bairro nasce em 12 de abril de 1996, as 15:00 horas, por ocupação inicial de 100

    famílias, lideradas pelo Sr. José Alves, as terras pertenciam ao INCRA, sendo

    denominada a área como Gleba Araguaia 10. Ações políticas e de grilagem podem ter

    dado a posse das terras ao Sr. Eurípedes Luiz Esteves, que fez a medição dos lotes,

    José Alves era topógrafo e funcionário da imobiliária E. L. Esteves. Após ser demitido

    e reclamar seus direitos José Alves insatisfeito liderou um grupo de famílias para a

    ocupação dos lotes, sendo o mesmo ciente de que as terras pertenciam a União e não

    à imobiliária” (entrevista em 16/10/2013)

    Verifica-se a organização do início da ocupação, uma vez que o líder já possuía uma

    ficha cadastral (conforme figura 4 e 5), que data de 12/04/1996, justamente o dia em que a

    mesma teve início e um mapa de divisão da Ocupação Irregular em quadras, locais e nomes das

    ruas, rotatórias que poder ser verificado na figura 6.

  • 33

    FIGURAS 4 E 5: Ficha cadastral da Ocupação Irregular São José

    Foto: Elene Vilela, 2014.

    Com isso, é possível identificar que as reinvindicações e lutas por acesso ao solo

    urbano, quando ocorre de forma programada, demandando prévia organização, pode obter

    êxito, sendo assim:

    O processo cotidiano de tentar minorar as agruras da vida é inicialmente

    fragmentado. Surgem em bairros, favelas, cortiços e também por tipo de

    reivindicação. Porém, as ideias se propagam e as experiências são difundidas

    ampliando a pauta de reivindicações. As cooperativas habitacionais passam a

    integrar o ideário de grupos, a produção por mutirão altera a dinâmica da

    autoconstrução, as ocupações coletivas de terra se ampliam, com traçados de

    ruas e áreas institucionais demonstrando uma organização prévia à ocupação

    (RODRIGUES, 2007, p.82).

    Para que as suas reinvindicações sejam atendidas, formam grupos e lideranças que

    lutam por aqueles que não tem acesso à moradia, tentando dar aos mesmos um local para

    construírem suas casas e para que possam também ter acesso ao solo urbano, tornando assim a

    cidade um local de luta constante. Portanto, a ocupação irregular São José ocorreu de forma

    organizada, sendo planejada anteriormente até mesmo os traçados das ruas, lotes e

    equipamentos comunitários, conforme figura 6.

  • 34

    FIGURA 6: Traçado do arruamento e divisão de lotes da Ocupação Irregular São José

    Foto: Elene Vilela, 2014.

    Para ser feita a distribuição dos lotes existia uma pessoa que comandava essas doações,

    sendo um controlador, o qual administrava a ocupação: o Sr. José Alves. O mesmo com o mapa

    da ocupação e ficha cadastral em mãos conforme doava os lotes pintava no mapa, demarcando

    que aquele lote já havia sido cedido e através da ficha cadastral que tinha o nome de “escritório

    de assentamento do Bairro São José” adicionava os dados das pessoas, como nome, CPF, RG,

    etc. Isso pode ser demonstrado na fala de uma das moradoras que participou deste processo “O

    Sr. José Alves, passava os lotes, fazia uma ficha, para saber a quadra, o número do lote, cada

    um tinha a sua ficha” (entrevista em 26/06/2014).

    As primeiras casas do loteamento foram construídas tendo a direção bairro-centro,

    sendo uma continuação de um bairro já existente- o Vila Maria Gomes dos Santos- e por isso,

    o mesmo, teria recebido o nome de São José, uma vez que seria o encontro de Maria e José

    figuras bíblicas, e não por homenagem ao Sr. José Alves como muitos relatam. Isso pode ser

    corroborado pelas datas da ficha apresentada na figura 4 e 5 acima, pois ela data da fundação

    da ocupação, 12/04/1996, e na mesma já trazia o nome de “bairro” São José, mostrando que a

    denominação já havia sido escolhida, antes de sua ocupação.

    O processo de construção das primeiras casas foi através da autoconstrução, “de posse

    do seu lote, começa a construção da casa, através de um processo longo e penoso, calcado na

    cooperação entre amigos e vizinhos ou apenas na unidade familiar: a autoconstrução. ”

    (RODRIGUES, 2003, p.30). Não tendo água encanada ou energia elétrica a água que utilizavam

  • 35

    nas construções das casas na ocupação São José, cada um buscava da forma que podia, em

    tambores, em caçambas de caminhões, etc. As casas eram construídas aos poucos ou em folgas

    do trabalho, conforme relatam os primeiros moradores:

    Eu não tinha casa nem dinheiro pra pagar aluguel, intão fiquei aí mesmo

    dibaixo das arve, depois colocamo uma loninha. Ai pra construir a casa fomos

    comprando aos poquin, não tinha condição de comprar tudo de uma vez.

    Algum tinha um lampiãozinho e outros, só vela. Essas redes de energia foi nós

    que paguemos, ajuntou todo mundo, não foi prefeito, não foi ninguém. A água

    ajuntou uma turma e foi lá pedir até conseguir (entrevista em 26/06/2014).

    A gente morava em Xavantina, meu pai todo final de semana vinha pra cá e

    nas folgas começou fazer uma meia água, fez uma meia água de início e um

    dos lotes que a gente comprou já tinha uma casa na frente e aí quando terminou

    de construir a meia água, a gente foi pra essa meia água, depois ele arrumou a

    casa da frente que é maior, aí a gente passou a morar lá na casa da frente

    (entrevista em 05/07/2014).

    Eu também sou uma das pessoas que não tinha teto, eu não tinha onde morar

    também, eu não tinha condições de pagar um aluguel também, intão eu

    cheguei pra ele, eu fiquei sabendo intendeu? Da ocupação aqui e daí eu

    procurei ele e pedi pra ele um terreno e ele falou assim: eu arrumo sim pra

    senhora, ai eu falei pra ele: olha seu José eu não tenho condições de pagar um

    aluguel, não tenho casa própria, sou recém chegada na cidade e eu preciso

    muito de um lugarzinho pra mim morar, aí ele falou muito bem dona Maria

    (entrevista em 20/07/2014).

    Por esses relatos dos moradores pode ser verificada a dificuldade encontrada no início

    dessa ocupação irregular, assim como as pessoas realmente não tinham outro meio de se

    estabelecer na cidade, uma vez que não tinham condições de pagar aluguel, e muito menos

    comprarem um terreno, o que lhes restou foi enfrentar essa luta e:

    Assim, num longo e penoso processo, constrói-se a casa e a cidade na

    “periferia”, termo com frequência utilizado para os setores mais precariamente

    atendidos por serviços públicos e não, necessariamente, pela distância em

    relação ao centro da cidade. Não se considera periferia os loteamentos de “alto

    padrão”, bem dotados de serviços públicos, mesmo os localizados em áreas

    distantes do centro (RODRIGUES, 2003, p.31)

    Dessa maneira, essa construção periférica da cidade, que mesmo com a falta de

    serviços públicos no início, se desenvolvia pouco a pouco, mas ainda carecia, por exemplo, de

    pavimentação asfáltica e transporte coletivo, este somente começou a passar dentro da ocupação

    quando foram instalados o mínimo de infraestrutura no ano de 2003 quando as principais vias

    da ocupação foram asfaltadas, fato ocorrido no governo municipal de Wanderley Farias. Antes

    da pavimentação asfáltica no “bairro”, os moradores deveriam seguir até a BR 070, tendo que

    caminhar em alguns casos até seis quadras para utilizarem o transporte coletivo, uma vez que o

    que atendia a ocupação fazia o trajeto centro-Vila Maria.

  • 36

    Nesses processos de lutas por melhorias em suas condições de vida, que foram

    intensificadas no período de 1996 a 1998 houve sempre pessoas que realmente precisam

    daquele lote, sendo este, a única forma de conseguirem morar, mas existiram também aqueles

    que aproveitavam-se desses momentos para obterem renda própria, conquistando lotes apenas

    para venderem posteriormente. Dessa forma, os próprios militantes da Ocupação Irregular São

    José, exploram os que se encontram em pior situação, ganhando um lote, esperam uma

    valorização, entrando nesse jogo de especulação tão característico da terra enquanto

    mercadoria.

    Um desses casos, no qual a especulação cedeu lugar à conflitos pela posse do solo

    urbano, ocorreu em 1998, em que muitas famílias perderam suas construções, tendo suas casas

    derrubadas por máquinas. Foram colocadas abaixo duas quadras, completamente edificadas,

    algumas dessas pessoas não tiveram tempo nem para retirarem seus pertences. Alguns tentaram

    impedir fazendo cordões de isolamento, porém inúteis contra mandatos judiciais e a força

    policial. Isto pode ser verificado em Reportagem exibida no programa “ Cadeia Neles” pela

    rede Record de Televisão Estadual afiliada da Record Nacional.

    Repórter: - Nós estamos indo para o “bairro” São José, que segundo as

    informações máquinas estão no “bairro” São José derrubando algumas casas

    e desapropriando residências que invadiram o loteamento. Nos estamos indo

    para o local neste momento, uma ordem judicial pra dar toda segurança para

    que as pessoas possam então fazer o mesmo, nós vamos estar acompanhando

    esse trabalho, mostrando a agonia de familiares que estão vendo sua própria

    casa sendo destruída.

    Repórter: - Nós viemos aqui ao “bairro” São José, onde nesse momento você

    que tá em casa vai acompanhando a destruição de algumas casas do

    loteamento que segundo informações tem proprietário. A situação é difícil

    porque as pessoas foram incentivadas a construir, e hoje observem só, a

    máquina está destruindo.

    Repórter: -São quantos lotes aqui?

    Sr. João Carlos: - São 13 lotes meu.

    Repórter: - O pessoal foi notificado para não construir?

    Sr. João Carlos: - Foi e essa é a segunda reintegração de posse que nós

    recebemos, mas o Sr. José Alves por motivos eleitoreiros, ele tende a fazer

    baderna aqui nesse setor, doando lote pro pessoal, vendendo. Então o pobre

    coitado do pessoal que investiram aqui, então eu acredito que o Sr. José Alves

    devia pagar esse prejuízo pro pessoal.

    Repórter: - Podemos entrar aqui?

    Sr. João Carlos: - Pode sim

    Repórter: -Então aqui o pessoal que estão vendo as suas casas sendo

    destruídas, a situação é terrível. Quem vai se responsabilizar por tudo isso? As

    pessoas estão se organizando, a polícia militar já se encontra no local e a

    qualquer momento pode acontecer aqui uma revolta por parte de populares. A

    qualquer momento pode acontecer uma revolta e nós não sabemos o que pode

    acontecer mais tarde.

    Popular: -Esse lote aqui não foi ganho meu fii, foi comprado fii, foi

    comprado, foi R$ 1.000, 00 (mil reais) na beira do asfalto, R$ 500,00

  • 37

    (quinhentos reais) do asfalto pra cá. Por que você não veio aqui e falou isso

    aqui é meu?

    Repórter: -O que pode ser feito numa situação igual a essa? O Zé Alves tá

    sendo acusado e não apareceu até o presente momento, o que pode ser feito?

    D. Balbina, presidente do “bairro” na época: -Uai eu agora tô sem saber o que

    fazer, porque a gente tava ciente que ele tava resolvendo tudo porque ele

    sempre falava pra gente: tô resolvendo, tô resolvendo e agora fazer o que?

    Documento em Brasília e tá chegando, tá chegando e pode ficar

    despreocupado que ninguém vai ser despejado. Então todo mundo tava

    despreocupado e chega numa hora dessa o que que a gente pode fazer.

    Repórter: -Olha nesse momento vai ser derrubada mais uma casa. Essa

    residência é sua?

    2º popular: -Derrubaram minha casa, eu tava viajando uns três dias cheguei

    minha casa ta arrombada e meus trem num tava lá dentro.

    Repórter: -Essas pessoas aqui não tao querendo deixar destruir, não querem

    deixar derrubar, os policiais também se mobilizaram e estão montando uma

    barreira, a casa vai ser destruída, o pessoal não quer deixar, a confusão está

    generalizada, vamos acompanhar as falas aqui

    Populares em coro: -não é pra derrubar, não é pra derrubar.

    Repórter: -A casa está sendo destruída, agora vem aqui comigo, o pessoal

    chorando, agora eu quero que você que tá em casa veja esta cena.

    Através dessa reportagem e das falas tanto do repórter quanto das pessoas entrevistadas

    é possível verificar o quanto essas pessoas foram manipuladas por esse jogo de especulação

    imobiliária, já que compraram esses lotes de quem os conseguiu primeiro e após construírem

    suas casas perderam tudo, até mesmo os pertences de dentro das casas, que não tiveram tempo

    para retirar.As quadras, que foram derrubadas, uma delas hoje ainda não tem nada construído,

    está fechada com muro, em completo abandono e a outra já está com uma parte com kit nets

    prontas e em construção (figuras 7 e 8).

    FIGURA 7 e 8: quadras que tiveram as construções demolidas em 1998

    Foto: Elene Vilela, 2014.

    De acordo com entrevistas com os moradores a instalação da escola municipal, creche

    e a policlínica que hoje existem na ocupação irregular São José ocorreu depois das

    reinvindicações dos moradores e demorou 8 anos para serem conquistados. Depois que a

  • 38

    ocupação foi sendo constituída que esses equipamentos, indispensáveis à população foram

    instalados. Conforme moradora “quando veio o colégio praqui, só serviu pros meus netos, os

    meus filhos já eram tudo grande” (entrevista em 26/06/2014).

    Desde sua fundação o “bairro” teve diversos presidentes, porém atualmente isso está

    inexistente, não contando nem ao menos com uma sede onde os moradores possam fazer suas

    reinvindicações. O “bairro” não conta com um líder que lute por melhorias ou faça frente com

    as lideranças políticas da cidade, mas existem pessoas que se organizam para ajudar os que

    estão em dificuldades, através de rifas, leilões, que quando solicitados acontecem às sextas-

    feira na feira livre que acontece no “Bairro”. Mas no início a ocupação teve lideranças:

    Na época a primeira presidente que a gente nomeou foi a dona Balbina,

    Balbina Brás de Duarte, ela foi a primeira presidente, o segundo presidente foi

    meu ex marido Antônio Angelim da Silva Neto e a terceira dona Maria

    Oliveira Hilário, daí pra frente eu não sei falar o nome das pessoas que

    representaram o bairro (entrevista em 20/07/2014).

    A Ocupação Irregular São José cresceu rapidamente, apesar das dificuldades iniciais,

    e nos dias atuais está sendo um dos locais que “mais cresce na cidade de Barra do Garças”1, já

    conta com infraestruturas básicas como asfalto, rede de água e elétrica em toda a ocupação,

    transporte coletivo. Porém ainda é carente de redes de esgoto, ficando a população sujeita aos

    esgotos que correm pelas ruas, os quais provocam transtornos tanto referente ao mau cheiro

    quanto aos buracos que o mesmo abre nas ruas.

    Por ser uma área periférica social, os moradores da ocupação também sofrem

    preconceitos, uma vez que as periferias são taxadas como locais de violência, tráfico de drogas,

    onde só residem os bandidos. Caracteriza-se como um grave problema social o tráfico e

    comércio de drogas na Ocupação envolvendo, na maioria, jovens menores de 18 anos, uma vez

    que, sendo uma população de baixa renda, pais e mães trabalhadores, muitas vezes deixam seus

    filhos à mercê desse “mal” para tentar dar à eles o sustento.

    Contudo, nesse mosaico que representa a periferia, existe na ocupação um comércio

    em diversos ramos, como mercados, mercearias, distribuidores de bebidas, feira- livre,

    panificadoras, sorveterias, farmácia, tabacaria, lan house, academia de ginástica, restaurantes,

    mecânica de motos e bares, os quais concentram–se em sua maioria em uma rua da ocupação

    que é denominada pelos moradores como a “Avenida do bairro”, esse comércio é bem completo

    e em sua maioria atende a população (figuras 9-12), ficando a diferença com a área central da

    cidade basicamente em relação a preços.

    1 Jargão usado em campanhas publicitárias referentes aos loteamentos vizinhos à ocupação

  • 39

    FIGURAS 9, 10, 11 e 12: Comércio na Ocupação Irregular São José.

    Foto: Elene Vilela, 2014.

    Foto: Elene Vilela, 2014.

    O serviço de correio ainda é inexistente, devido à regulamentação cadastral quanto ao

    endereço, sem definição do nome do “bairro”, uma vez que a população o denomina como

    “bairro” São José e nos registros municipais existe apenas o Jardim Nova Barra do Garças. Há

    também a falta de um lugar para os moradores pagarem as contas de água, tendo que se

    deslocarem ao centro da cidade para tal serviço, mostrando como o centro exerce poder sobre

    as outras áreas da cidade.

    Mesmo faltando alguns serviços que atendam a população instalada na ocupação pode-

    se verificar que o “bairro” vem evoluindo estruturalmente ao longo dos anos como pode ser

    verificado nas figuras 13 e 14 abaixo:

  • 40

    FIGURA 13: Imagem da Ocupação Irregular São

    José em 2005.

    FIGURA 14: Urbanização da Ocupação Irregular

    São José em 2013.

    Fonte: Google eart, 2014.

    Fonte: Google eart, 2014.

    Através dessas duas imagens pode ser verificado que em 2005, ano da primeira

    imagem a ocupação perto dos seus 10 anos ainda não tinha pavimentação asfáltica, existiam

    muitas áreas ainda não edificadas e uma área verde ao lado da ocupação denominada de Bosque

    da Saudade. Já na segunda imagem do ano de 2013, é possível verificar as mu