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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS CAMPUS ARAPIRACA UNIDADE EDUCACIONAL DE PALMEIRA DOS ÍNDIOS CURSO DE PSICOLOGIA LYLLIAN TELES LOPES COSTA A CONCEPÇÃO DE HOMEM-MUNDO DA GESTALT-TERAPIA E SUA APLICAÇÃO NA PRÁTICA: O CONCEITO DE TRANSFENOMENALIDADE DE KOHLER EM AÇÃO PALMEIRA DOS ÍNDIOS 2020

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS

CAMPUS ARAPIRACA

UNIDADE EDUCACIONAL DE PALMEIRA DOS ÍNDIOS

CURSO DE PSICOLOGIA

LYLLIAN TELES LOPES COSTA

A CONCEPÇÃO DE HOMEM-MUNDO DA GESTALT-TERAPIA E SUA

APLICAÇÃO NA PRÁTICA:

O CONCEITO DE TRANSFENOMENALIDADE DE KOHLER EM AÇÃO

PALMEIRA DOS ÍNDIOS

2020

LYLLIAN TELES LOPES COSTA

A CONCEPÇÃO DE HOMEM-MUNDO DA GESTALT-TERAPIA E SUA

APLICAÇÃO NA PRÁTICA:

O CONCEITO DE TRANSFENOMENALIDADE DE KOHLER EM AÇÃO

Trabalho de Conclusão de Curso – TCC apresentado

ao Curso de Graduação em Psicologia da Unidade

Educacional de Palmeira dos Índios do Campus

Arapiraca da Universidade Federal de Alagoas –

UFAL para a obtenção do título de Formação em

Psicologia.

Orientadora: Profª. Ma. Fernanda Cristina Nunes

Simião.

PALMEIRA DOS ÍNDIOS

2020

Catalogação na fonte

Universidade Federal de Alagoas

Biblioteca Unidade Palmeira dos Índios

Divisão de Tratamento Técnico

Bibliotecária Responsável: Kassandra Kallyna Nunes de Souza (CRB-4: 1844)

C837c Costa, Lyllian Teles Lopes

A concepção de homem-mundo da gestalt-terapia e sua aplicação na

prática: o conceito de transfenomenalidade de Kohler em ação/ Lyllian Teles

Lopes Costa, 2020.

160 f.

Orientadora: Fernanda Cristina Nunes Simião.

Monografia (Graduação em Psicologia) – Universidade Federal de

Alagoas. Campus Arapiraca. Unidade Educacional de Palmeira dos Índios.

Palmeira dos Índios, 2020.

Bibliografia: f. 155 – 160

1. Psicologia. 2. Psicoterapia. 3. Gestalt-terapia. I. I. Simião, Fernanda

Cristina Nunes. II. Título.

CDU: 159.9

LYLLIAN TELES LOPES COSTA

A CONCEPÇÃO DE HOMEM-MUNDO DA GESTALT-TERAPIA E SUA

APLICAÇÃO NA PRÁTICA:

O CONCEITO DE TRANSFENOMENALIDADE DE KOHLER EM AÇÃO

Trabalho de Conclusão de Curso – TCC

apresentado à Banca Examinadora para

obtenção do Grau de Formação em Psicologia

no Curso de Graduação em Psicologia da

Unidade Educacional de Palmeira dos Índios do

Campus Arapiraca da Universidade Federal de

Alagoas – UFAL.

Data da aprovação: 19/02/2020

Banca Examinadora

Dedico este trabalho a minha mãe: a mulher da

minha vida e dona do meu coração.

AGRADECIMENTOS

Devo agradecer, em primeiro lugar, àquela que me deu à luz e, com toda a força divina,

enfrentou céus e terra para fazer com que eu seja quem eu sou hoje. Te agradeço, mãe (Adriana),

por ter sido tão forte para enfrentar esse mundo sozinha, mesmo comigo debaixo de tuas asas,

tomando-lhe a paciência e os últimos centavos. Eu te amo e devo a ti cada infinito passo dessa

minha jornada e a oportunidade de estar aqui para poder fazer a diferença através da

maravilhosa profissão que escolhi. Ou será que foi ela que me escolheu?

Agradeço ao meu companheiro único e uno comigo, Vinícius, por ser essa pessoa tão

maravilhosa, que está comigo sempre, confiando e acreditando no potencial que tenho a

oferecer, mesmo quando eu mesma não sou capaz de acreditar. Agradeço todos os dias por ter

você comigo. Obrigada, eu te amo, para sempre!

À minha família: minha avó, Ivonete, e minha tia, Cícera. Obrigada por sempre estarem

aqui, pelo cuidado e todo carinho. Amo vocês!

Gratidão aos meus sogros, Edvânia e Flávio, por serem uma mãe e um pai para mim e

por terem me dado a chance de pertencer a essa família. Vocês são incríveis!

Agradeço pelo companheirismo e pela amizade às minhas amigas de graduação, Ingryd

Ramos, Aryana Lorraynne e Franciely Barbosa. Vocês são os presentes que a UFAL me deu.

Muito obrigada por tudo, meninas! A passagem pela Universidade não seria a mesma sem a

companhia, o apoio e o afeto de vocês!

Aos meus professores de Psicologia da Unidade de Palmeira dos Índios, imensa gratidão

pela oportunidade de aprender com todos vocês. Obrigada!

Todo o meu carinho a minha professora e orientadora Fernanda Simião pela paciência

que dispôs para realização desse trabalho e por ser essa excelente pessoa e profissional. Você é

demais, obrigada!

Por fim, agradeço a Deus pela imensa beleza e multiplicidade da vida que me

impulsionou à missão de ser uma psicóloga. Aqui vou eu!

O que vive é indestrutível, permanece livre em sua

forma de servidão mais profunda, permanece uno e,

mesmo que o divida até o fundo, permanece

invulnerável, e mesmo que o despedace até a medula,

seu ser escapará vitorioso por entre as mãos.

Holderlin

RESUMO

Este trabalho teve por objetivo geral analisar a aplicabilidade prática da Gestalt-Terapia, considerando

suas origens e ramificações, que abrigam suas bases epistemológicas, filosóficas e teóricas e,

consequentemente, a sua visão de homem-mundo, que desagua no conceito de transfenomenalidade

postulado por Kohler. Para tanto, buscamos como objetivos específicos investigar as fronteiras

epistemológicas entre objetividade e subjetividade no âmbito das ciências e da Psicologia; evidenciar,

através da exploração da concepção de homem-mundo da Gestalt-Terapia, as equivalências e

ambivalências existentes entre a Psicologia da Gestalt e a Gestalt-Terapia, considerando seus

pressupostos filosóficos, que são a Fenomenologia, o Existencialismo e o Humanismo; e, além disso,

identificar, através do conceito de transfenomenalidade de Kohler, qual a implicância da concepção de

homem-mundo da Gestalt-Terapia na produção do conhecimento e na prática clínica. Nos capítulos que

compõem este trabalho, discorremos sobre a origem epistemológica da Psicologia e da abordagem

gestáltica, em que discutimos os tipos de ciência (explicativa e compreensiva) e seus respectivos

métodos de investigação, os quais desaguam na dicotomia objetividade e subjetividade. Posteriormente,

realizamos um breve apanhado sobre as três principais vertentes da Psicologia – a Psicanálise, o

Comportamentalismo e a Psicologia Humanista –, a fim de situar epistemologicamente a Gestalt-Terapia

e sua visão de homem-mundo. Apresentamos, também, as bases epistemológicas, pressupostos

filosóficos e teóricos da Gestalt-Terapia com o intuito de aprofundar a compreensão de homem-mundo,

que é o objeto de estudo do nosso trabalho. Esta pesquisa se caracteriza como bibliográfica, qualitativa

e analítico-crítica. Dispomos da base de dados Google Acadêmico para levantamento de material a ser

analisado e selecionamos três artigos científicos em português que trouxessem a apresentação e a

descrição da intervenção do psicoterapeuta diante de um caso clínico em psicoterapia sobre demandas

específicas de transtornos mentais ou psíquicos, sendo que dois destes casos tem por base a Gestalt-

Terapia e um deles a Abordagem Centrada na Pessoa. Os métodos de análise utilizados por essa pesquisa

foram a Pesquisa Narrativa, a Análise de Conteúdo e o Pragmatismo Filosófico. Com base na análise de

conteúdo, definimos três categorias: 1) Objetividade e subjetividade: o sujeito uno na Psicologia; 2)

Ambivalências e equivalências das perspectivas gestálticas sobre o ser-no-mundo; e 3)

Transfenomenalidade: o sujeito uno e a prática clínica da Gestalt-Terapia. Compreendemos que este

trabalho demonstrou como a Psicologia vem se aproximando da realidade do ser humano visando a

estudá-lo, para, posteriormente, intervir. Assim, de acordo com os resultados dessa pesquisa, chegamos

à conclusão de que uma ciência comprometida com o fenômeno humano deverá buscar compreendê-lo

a partir dele mesmo em sua totalidade, existência intencional e relação com o mundo.

Palavras-chave: Psicologia. Gestalt-Terapia. Transfenomenalidade. Prática Clínica.

ABSTRACT

This work had the general aim of analyzing the practical applicability of the Gestalt Therapy,

considering its origins and its branches, which carry its epistemological, philosophical and theoretical

bases. As a consequence, this monograph shows how Gestalt sees mankind in its relationship with the

world and presents the concept of transphenomenal as stated by Kohler. Therefore, the specific

objectives of this work are to investigate the epistemological boundaries between objectivity and

subjectivity among science and Psychology; to emphasize, by means of the exploitation of Gestalt’s

conception of the person-world, the equivalences and ambivalences which exist among Gestalt

Psychology and Gestalt Therapy, while keeping in mind its philosophical assumptions, Phenomenology,

Existentialism and Humanism; in addition, this work aims to identify, through Kohler's concept of

transphenomenal, what is the meaning of the Gestalt’s person-world concept in the production of

knowledge and in clinical practice. This monograph discusses the epistemological origin of Psychology

and the Gestalt approach and the types of science (explanatory and comprehensive) as well as its

methods of investigation, which encompass the objectivity and subjectivity dichotomy. After that, this

work discusses briefly the three main branches of Psychology – Psychoanalysis, Behavioral Psychology

and Humanistic Psychology –, in order to properly locate Gestalt therapy, epistemologically, and its

person-world conception. This monograph also presents the epistemological bases, philosophical and

theoretical assumptions of Gestalt Therapy in order to deepen the understanding of its person-world

conception. This research is bibliographic, qualitative and analytical-critical. Google Scholar’s database

was used with the objective of gathering material to be analyzed. Three scientific papers which presented

and described the intervention of a psychotherapist on specific demands related to mental or psychic

disorders. Two of them have used the Gestalt Therapy perspective. The other was based on the Person-

Based Approach. The methods of analysis utilized here were the Content Analysis Methodology and the

Philosophical Pragmatism. Based on the Content Analysis, three categories were defined: 1) Objectivity

and subjectivity: the single-subject in Psychology; 2) Ambivalences and equivalences of Gestalt’s

perspectives on being in the world; and 3) Transphenomenality: the single-subject and the clinical

practice of Gestalt-Therapy. This work demonstrated how Psychology has becoming closer of the human

reality in order to study the former and, posteriorly, to intervene on it. Thus, according to the results

found in the course of this research, we concluded that a science committed to the human phenomenon

should seek to understand the later from itself in its totality, as well as its intentional existence and

relationship with the world.

Keywords: Psychology. Gestalt Therapy. Transphenomenality. Clinical Practice.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 10

2 CIÊNCIA EXPLICATIVA E COMPREENSIVA: OBJETIVIDADE E

SUBJETIVIDADE 15

2.1 Explicar e Compreender 15

2.2 Dicotomia entre Objetividade e Subjetividade 18

3 AS TRÊS GRANDES VERTENTES DA PSICOLOGIA 35

3.1 Psicanálise 35

3.2 Comportamentalismo 41

3.3 Psicologia Humanista 49

4 BASES EPISTEMOLÓGICAS, PRESSUPOSTOS FILOSÓFICOS E TEÓRICOS

DA GESTALT-TERAPIA 55

4.1 O que é Gestalt? 55

4.2 Fenomenologia 59

4.3 Existencialismo 62

4.4 Humanismo 66

4.5 A Psicologia da Gestalt 69

4.5.1 A Tese do Isomorfismo 77

4.5.2 Transfenomenalidade 78

4.6 Teoria Organísmica de Kurt Goldstein 82

4.7 Teoria de Campo de Kurt Lewin 84

4.8 Gestalt-Terapia: Principais conceitos 85

4.8.1 Fronteira de contato 85

4.8.2 Figura-fundo 86

4.8.3 Awareness (tomada de consciência) 88

4.8.4 Autorregulação organísmica (self-actualization) 89

4.8.5 Ajustamento criativo 90

4.8.6 Aqui-Agora 92

4.8.7 Self 94

4.8.8 Experimentação 95

5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA 99

5.1 Pesquisa Narrativa 102

5.2 Análise de Conteúdo 105

5.3 Pragmatismo Filosófico 107

5.4 Descrições dos casos clínicos 110

6 ANÁLISE E DISCUSSÃO: A CURA DA DIVISÃO E O TODO QUE VAI MUITO

ALÉM DA SOMA DAS PARTES 119

6.1 Objetividade e subjetividade: o sujeito uno na Psicologia 120

6.2 Ambivalências e equivalências das perspectivas gestálticas sobre o ser-no-mundo 130

6.2.1 Análise Narrativa – Caso 1 136

6.3 Transfenomenalidade: o sujeito uno e a prática clínica da Gestalt-Terapia 139

6.3.1 Análise Narrativa – Caso 2 142

6.3.2 Análise Narrativa – Caso 3 144

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS 152

REFERÊNCIAS 155

10

1 INTRODUÇÃO

Esta pesquisa teve a incumbência de investigar a atuação prática da Gestalt-Terapia

tendo como ponto de partida a sua visão de homem-mundo. Assim, discutimos acerca da

construção teórica da Gestalt-Terapia no âmbito da Psicologia, com o intuito de, a partir disso,

contextualizar epistemologicamente o sujeito da abordagem gestáltica. Para isso, se fez

necessário resgatar o lugar do todo da Gestalt1 tanto na produção do conhecimento como na

Psicologia, a fim de analisar de que forma tem se construído essa visão de homem-mundo, bem

como as implicações dessa teoria e compreensão na prática e vice-versa.

Tivemos como objetivo geral analisar a aplicabilidade prática da Gestalt-Terapia,

considerando suas origens e ramificações, que abrigam suas bases epistemológicas, filosóficas

e teóricas e, consequentemente, a sua visão de homem-mundo, que desagua no conceito de

transfenomenalidade postulado por Kohler.

Para consolidação dessa proposta, nossos objetivos específicos foram: 1) investigar as

fronteiras epistemológicas entre objetividade e subjetividade no âmbito das ciências e da

Psicologia; 2) evidenciar, através da exploração da concepção de homem-mundo da Gestalt-

Terapia, as equivalências e ambivalências existentes entre a Psicologia da Gestalt e a Gestalt-

Terapia, considerando seus pressupostos filosóficos, que são a Fenomenologia, o

Existencialismo e o Humanismo; e 3) identificar, através do conceito de transfenomenalidade

de Kohler, qual a implicância da concepção de homem-mundo da Gestalt-Terapia na produção

do conhecimento e na prática clínica.

A motivação para a realização dessa pesquisa decorre de meados do 5º período do curso

de Psicologia através do desenvolvimento de ideias que têm sido maturadas e estudadas já há

muito tempo. A confirmação e permanência dessas ideias durante todo o curso demandou,

então, uma exploração científica legítima, impulsionando o desabrochar dessa pesquisa.

Consideramos que o processo de construção da Psicologia não se dá de maneira linear.

Na realidade, todas as Psicologias envolvidas na nossa discussão nasceram, de certa forma, de

1 Quando dizemos o todo da Gestalt nos referimos às perspectivas gestálticas que serviram de base para

a Gestalt-Terapia, bem como esta última em si. Essas perspectivas são: a Fenomenologia Existencial, a

Psicologia da Gestalt e a Gestalt-Terapia. Agrupamos essas abordagens numa unidade que chamamos o

todo da Gestalt, que é o alvo de nossa análise. Ao longo deste trabalho, veremos que estas abordagens

foram atreladas umas às outras pelas suas concepções de homem e mundo, bem como pelas suas práticas,

que geralmente se entrelaçam.

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uma reelaboração da outra, de acordo com novos pressupostos e novas compreensões do sujeito,

implicando na consideração desta como tendo um caráter poli paradigmático no que se refere à

epistemologia.

A nossa discussão principal se deu, então, em torno da construção da concepção de

sujeito para algumas vertentes da Psicologia, que terei a ousadia de afirmar como uma vertente

una devido à sua orientação para a totalidade. As equivalências encontradas serão o ponto de

partida e de convergência para essa compreensão una da Psicologia, considerando suas

ramificações e objeto de estudo. Foi esse caminho pela estrutura das Ciências e da Psicologia

que ofereceu um norte para uma compreensão ampla da Gestalt-Terapia e sua visão de homem-

mundo e para a análise pragmática de sua prática clínica.

Diante disso, a proposta do nosso trabalho teve o intuito de buscar compreender o ser

humano em sua totalidade. Para tanto, nos ancoramos no conceito de transfenomenalidade de

Kohler, através do qual podemos verificar a possibilidade de elo entre objetividade e

subjetividade, rompendo com o paradigma de que as ciências humanas e as ciências naturais

possuem objetos de estudo diferenciados, pois compreender dessa maneira só reforça

pressupostos segregadores de aspectos subjetivos e objetivos que, na realidade, atuam como um

só para o sujeito.

A respeito dos diferentes tipos de ciência, ressalta-se que, quando se fala em ciências

humanas, esta recebe o status de ciência compreensiva, sendo contrastada com a dita ciência

explicativa, reservada às ciências naturais. Seguindo essa diferenciação, analisamos as

incongruências presentes nessa disputa epistemológica e tentamos promover a cura da divisão,

que rompe o sujeito em fragmentos dele mesmo. Nesse viés, essa divisão não contempla sua

imensa complexidade e, consequentemente, não alcança o cerne de sua questão.

Dessa forma, ousamos afirmar, a partir do exposto nessa pesquisa, que há a

possibilidade de um único paradigma em Psicologia que comporte as multiplicidades de cada

tipo de ciência, considerando a complexidade de seu objeto de estudo: o ser humano. Aliás, é

inegável que este último é estudado tanto em um tipo de ciência quanto noutro. Assim, partimos

do pressuposto de que, quando falamos em concepção de sujeito, separar aspectos constituintes

do mesmo seria limitá-lo no tempo e no espaço, desaguando em sua fragmentação e na

consequente rejeição de sua totalidade como pessoa. Além disso, a rejeição da pessoa em sua

totalidade implicaria fatalmente na nossa prática clínica e profissional.

De acordo com Ribeiro (1985, p. 18),

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[...] não basta afirmar que tudo se resume na matéria que, através de

combinações atômicas complexas, formou todas as espécies existentes, como

ensina o materialismo, nem tampouco basta afirmar a existência de domínios

separados, colocando de um lado vida e natureza inanimada e do outro,

espírito, como queria Descartes, ou vida e espírito de um lado e natureza

inorgânica do outro, como querem os vitalistas, para que a compreensão da

relação homem-universo seja descrita ou compreendida. Tais posições

mantêm a explicação do homem dentro de uma divisão que chega a ser

essencial, isto é, onde a própria natureza humana não é considerada dentro de

um único universo. Tal postura exigiria uma multiplicidade de discursos para

que o homem se fizesse, de fato, inteligível.

Ora, seria insuficiente dizer que o sujeito é constituído de dimensões objetivas e

subjetivas quando essas dimensões, por si só, não agregam a totalidade, complexidade e

multiplicidade do sujeito. Essa distinção não tem fundamento na realidade, bem como a

distância criada entre aspectos objetivos e subjetivos na Psicologia também não se fundamenta,

justamente pela sua obrigação em corresponder àquele que se pretende seu “objeto” de estudo.

Diante disso, tomamos como a principal necessidade dessa pesquisa a compreensão da

pessoa em sua totalidade, considerando que toda teoria implica numa prática e na produção de

subjetividades. Assim sendo, partimos de uma análise pragmática, ou seja, nos utilizamos da

realidade fática para verificar os postulados teóricos (tanto da Gestalt-Terapia como da

Psicologia em si), tendo como principal foco a compreensão de que o que mais importa é, de

fato, a vida e a subjetividade das pessoas. É a prática que conduz a teoria e não o contrário.

Justificamos a imprescindibilidade da análise e estudo aprofundado dessas questões,

pois tomamos como fundamental a concepção de sujeito em sua totalidade, considerando não

só a produção de conhecimento – que comporta o fazer da ciência teórica – mas, principalmente,

a sua implicância na prática clínica dos psicólogos e, consequentemente, na vida das pessoas.

Desse modo, ressaltamos a necessidade de que o saber psicológico contemple as formas e

necessidades destas pessoas de maneira global. Para tanto, é essencial a produção de um saber

comprometido com o ser humano e não com os pressupostos teóricos construídos a parte dele.

A respeito dos caminhos metodológicos, a nossa pesquisa se desenvolveu a partir dos

métodos qualitativo, bibliográfico e analítico-crítico, por meio da Análise de Conteúdo de

Bardin (2004), da Pesquisa Narrativa de Clandinin e Connelly (2000) e do Pragmatismo

Filosófico de William James. A pesquisa narrativa serviu como base para busca de materiais

fáticos que trouxessem o aporte realístico para a discussão, em que selecionamos casos clínicos

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em psicoterapia de base gestáltica e existencial-fenomenológica para análise pragmática,

visando investigar de que forma a teoria se revela na prática e vice-versa.

Através da revisão de literatura realizada, nos utilizamos da produção de autores que

discutem a Psicologia como um todo, bem como especificamente a Gestalt-Terapia e suas bases

teórico-filosóficas. Entre esses autores estão: Goodwin (2010); Perls, Hefferline e Goodman

(1997); Ribeiro (1985); Granzotto e Granzotto (2016); Frazão e Fukumitsu (2015) e Fonseca

(2006).

A partir das buscas realizadas na base de dados do Google Acadêmico pelos descritores

“estudos de caso em Gestalt-terapia” e “Gestalt-terapia e transtornos mentais”, selecionamos

para nossa análise narrativa três artigos científicos em português que trouxessem casos clínicos

em psicoterapia sobre demandas específicas de transtornos mentais ou psíquicos, sendo dois

deles da Gestalt-Terapia e um da Abordagem Centrada na Pessoa.

Optamos por delimitar a demanda específica de transtornos mentais ou psíquicos

visando estabelecer um foco de atenção no que se refere à atuação da Psicologia em relação à

premissa principal da Gestalt sobre o ser humano: o todo vai muito além da soma das partes.

Escolhemos destacar esta premissa por se tratar de uma sentença que demonstra de maneira

suscinta qual a concepção de homem-mundo da Gestalt-Terapia e, além disso, estar interligada

ao conceito de transfenomenalidade de Kohler, conceito central destacado por nós neste

trabalho.

Ao fim da análise de conteúdo de todo o material estudado, definimos três categorias,

que foram: 1) Objetividade e subjetividade: o sujeito uno na Psicologia; 2) Ambivalências e

equivalências das perspectivas gestálticas sobre o ser-no-mundo; e 3) Transfenomenalidade:

o sujeito uno e a prática clínica da Gestalt-Terapia. A partir delas, pudemos alcançar os

objetivos almejados nesta pesquisa, estabelecendo uma conexão entre teoria e prática.

A respeito da estrutura de nosso estudo, organizamos o nosso trabalho em cinco

capítulos. No primeiro capítulo – Ciência explicativa e compreensiva: objetividade e

subjetividade –, discutimos os tipos de ciência (explicativa e compreensiva) e suas

especificidades, discorrendo sobre a diferenciação dos seus métodos de estudo. Além disso,

tratamos da dicotomia entre objetividade e subjetividade, tal qual permeia a discussão

psicológica como um todo e é fruto das distinções entre os tipos de ciência.

No segundo capítulo – As três grandes vertentes da Psicologia –, apresentamos as três

principais perspectivas em Psicologia com o objetivo de explorar as visões de homem-mundo

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desenvolvidas, a fim de contextualizar a abordagem gestáltica fazendo um resgate de seus

vieses científicos, históricos e epistemológicos.

No terceiro capítulo – Bases epistemológicas, pressupostos filosóficos e teóricos da

Gestalt-Terapia –, fazemos um aprofundado caminho pelas bases da abordagem gestáltica

buscando discutir a sua visão de homem-mundo, a qual está totalmente imbrincada em suas

fontes epistemológicas, filosóficas e teóricas. Além disso, abordamos os principais conceitos

em Gestalt-Terapia, buscando oferecer um maior suporte teórico para a posterior análise dos

casos clínicos.

No quarto capítulo – Procedimentos metodológicos da pesquisa –, apresentamos

detalhadamente o percurso realizado para a construção do trabalho e análise dos dados, que se

deu por meio dos métodos: Pesquisa Narrativa, Análise de Conteúdo e Pragmatismo Filosófico.

Além disso, apresentamos as descrições dos três casos clínicos escolhidos para Análise

Narrativa, os quais serviram de suporte prático para a etapa de análise pragmática.

No quinto capítulo – Análise e Discussão: a cura da divisão e o todo que vai muito além

da soma das partes –, trazemos a discussão analítica dos resultados, onde abordamos as três

categorias de análise definidas, através das quais discutimos os principais pontos críticos do

conteúdo estudado, dando um maior destaque para a prática clínica da Gestalt-Terapia.

Por fim, expomos as nossas considerações finais, em que pudemos refletir acerca da

importância de toda a nossa discussão, enfatizando a imprescindibilidade de mais estudos que

abordem essa temática.

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2 CIÊNCIA EXPLICATIVA E COMPREENSIVA: OBJETIVIDADE E

SUBJETIVIDADE

Neste capítulo, faremos um breve apanhado das definições de ciência construídas

historicamente a fim de delimitar campos e áreas específicas de estudo. Os módulos de ciência

costumam seguir a distinção entre Ciência Explicativa e Compreensiva postulada pelo filósofo

hermenêutico e historiador alemão Wilhelm Dilthey (1833 – 1911) em fins do século XIX e

início do século XX, ao situar os objetos de estudo das ciências naturais e das ciências humanas,

apelando também para a validação desta última como ciência. Concentramo-nos, então, neste

autor, para explanar essa diferenciação, devido ser um postulado seu, todavia, tal separação tem

ganhado dimensões amplas no âmbito epistemológico de produção de conhecimento.

Posteriormente à explanação dos tipos de ciência e seus respectivos objetos de estudo,

falaremos um pouco a respeito da distinção que guia essa discussão epistemológica: a diferença

entre objetividade e subjetividade e as implicações decorrentes desta segregação.

Consideramos imprescindível fazer essa discussão inicial, em relação às ciências e suas

dicotomias, uma vez que a Psicologia – tal qual surge como um campo considerado científico

só mais tarde (século XIX) – necessita ser situada dentro do tempo e do seu modo de ciência

específico para uma melhor compreensão de cada uma de suas vertentes (ponto de discussão a

ser explanado no capítulo posterior) bem como para uma análise de suas ambivalências,

semelhanças e, possivelmente, superações.

2.1 Explicar e Compreender

De antemão, se faz necessário o esclarecimento dos sentidos de explicar e compreender.

De acordo com o Dicionário Aurélio (FERREIRA, 1988, p. 284) explicar é “tornar inteligível

ou claro (o que é ambíguo ou obscuro); ajuizar da intenção, do sentido de, interpretar”. A

explicação, então, na discussão científica, consiste na interpretação descritiva dos fenômenos,

de forma objetiva, no sentido de explanar, por exemplo, como determinado fenômeno se

manifesta.

A compreensão, de acordo com o referido dicionário, significa “conter em si, constar

de, abranger; mencionar, incluir; alcançar com a inteligência, atinar com; perceber, entender;

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perceber ou alcançar as intenções ou o sentido de” (FERREIRA, 1988, p. 165). Nas discussões

científicas, compreender representa uma forma de olhar a realidade centrada na sua expressão

pura ou histórica, sem definições a-priori.

Para ressaltar a distinção no que se refere às disputas entre os paradigmas científicos

explicativos e compreensivos, Franco (2012, p. 18) afirma que

Uma visão excessivamente explicativa sobre o humano destruiria a condição

de liberdade na história. Só a noção de compreensão faz justiça a esta

experiência interior e central da ação humana. A explicação se presta a forças

físicas, fala dos efeitos, mas não da natureza das agências envolvidas. Muito

interessante é sua afirmação sobre “compreender tudo”: “... o ser humano que

compreendesse tudo, não seria humano”. Isto porque compreender é capturar

a individualidade, e nossa capacidade de capturar a individualidade é sempre

limitada por nossa própria individualidade. A compreensão no pensamento de

Dilthey não é uma questão do pensamento abstrato. Ela exige o envolvimento

de quem compreende, que participa também com imaginação, para enxergar

o universal no particular e o todo na parte.

O método experimental das ciências da natureza há muito se consolidou por seu rigor

metodológico, em que se exige validade e precisão ao se coletar e interpretar dados colhidos na

pesquisa empírica. Sendo assim, aspectos humanos que não se encaixem ao nível de

mensuração exigida pelo método científico ou que para adequar-se ao método sejam reduzidos,

deveriam ser objeto de estudo das chamadas ciências humanas, ou – como para Dilthey –

ciências do espírito (SCOCUGLIA, 2002).

O que Dilthey contesta, então, é o método positivista, afirmando não ser possível

enquadrar tudo dentro desse método. Sendo assim, segundo o autor, as ciências humanas

compreendem enquanto as ciências naturais explicam os fenômenos. Para ele, isso acontece

porque ambas têm objeto de estudo diversos. Todavia, sua postura não é tão radical a ponto de

separá-las drasticamente, mas o filósofo chega a estabelecer tanto uma relação de continuidade

– em que ambas se complementam – como uma relação de descontinuidade – em que há uma

ruptura ou desvio de foco entre elas ao se estudar os fenômenos.

Como ressalta Franco (2012, p. 17),

É importante, no entanto, destacar que Dilthey se afasta de qualquer apreensão

especulativa do outro. Ele busca algo que possa ser empiricamente testado,

descritivo e que possa ser psicologicamente sustentado. A compreensão, em

Dilthey é, assim, sempre um caminho, uma mediação.

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Desse modo, Dilthey ressalta a importância de se considerar os aspectos históricos,

sociais e existenciais dos seres humanos como aspectos passíveis de serem estudados tão quanto

os objetos mensuráveis das ciências naturais. O método compreensivo, para ele, é o veículo. De

acordo com esse filósofo, as informações obtidas através da história do sujeito são tidas como

dados objetivos, ou seja, dados materiais. A abordagem compreensiva é tomada então como

abordagem objetiva de interpretação. Visto isso, ele não defende um método filosófico e

especulativo de compreensão e interpretação dos dados, mas sim algo baseado na realidade.

Assim, a diferença primordial reside na impossibilidade de se apreender leis gerais em relação

ao processo histórico dos sujeitos (SCOCUGLIA, 2002).

A hermenêutica2 de Dilthey, pois, situa a historicidade humana como ponto chave de

toda compreensão científica e humana acerca da natureza da experiência e, consequentemente,

da subjetividade. Dessa forma, é com seu questionamento que nasce toda a reflexão

epistemológica a respeito da constituição humana e da possível homogeneidade entre sujeito e

objeto (GADAMER, 1999).

Para Dilthey a compreensão adequada é mais orgânica porque intui melhor a

complexidade do espírito humano, tomando a experiência vivida como o

elemento central. O último e derradeiro ensaio destaca o mesmo, a

importância de uma leitura dos movimentos humanos na história. Não se trata

de ter uma leitura filosófica da história, mas procurar, filosoficamente,

entender a consciência humana que emerge na história (FRANCO, 2012, p.

19).

Devido às dimensões históricas e epistemológicas decorrentes dos postulados de Dilthey

ao reivindicar o status de legitimidade das ciências humanas – e diga-se, fenomenológicas – o

pensamento deste autor vem então a assemelhar-se aos postulados fenomenológicos de

Heidegger, Husserl e vários outros fenomenólogos do século XX (FRANCO, 2012).

A seguir, discutiremos a base dicotômica de compreensão dos fenômenos humanos que

enseja essa delimitação entre as ciências – a saber, a dicotomia entre objetividade e

2 A Hermenêutica é um método de interpretação da realidade transmutada pelas formas artísticas,

científicas, poéticas e, no geral, expressivas, que podem vir a compor um texto, uma obra de arte etc.

Na filosofia hermenêutica de Dilthey, a vida, a experiência e a historicidade humanas têm completa

centralidade de seu questionamento filosófico e epistemológico. Além disso, o método fenomenológico

se ancora, em grande parte, na compreensão hermenêutica acerca da ontologia humana.

18

subjetividade – no que diz respeito aos métodos de estudo e pesquisa empírica do fazer

científico.

2.2 Dicotomia entre Objetividade e Subjetividade

Para esclarecermos o caminho percorrido, a fim de explanar a relação entre objetividade

e subjetividade, utilizamo-nos da discussão acerca de algumas teorias psicológicas que

permeiam a disputa epistemológica acerca do método da Psicologia como ciência humana, bem

como quanto à concepção de homem-mundo.

Sendo assim, antes de nos debruçarmos completamente sobre o objeto de estudo deste

trabalho – a prática da Gestalt-Terapia e sua compreensão de homem-mundo – torna-se

imprescindível fazer, antes, uma explanação breve da compreensão de homem-mundo para a

Psicologia como um todo, tomando como foco algumas de suas principais teorias e suas origens

filosóficas. Contudo, traremos apenas aquelas que sejam relevantes ao enfoque deste trabalho.

A distinção entre objetividade e subjetividade reina desde que a humanidade passou a

se perguntar sobre si mesma e sobre os fenômenos existentes. É uma discussão que não se

concentra apenas na Psicologia, mas permeia todo o saber e produção científicos. Tal paralelo

surge, arriscamos dizer, com a separação entre corpo e mente, fruto de concepções dualistas

sobre a natureza e a constituição humana.

As concepções dualistas vêm desde as discussões do filósofo grego Platão (428/427 –

348/347 a.C.) ao separar o mundo sensível do mundo das ideias, em que, neste último, todas as

formas são criadas pela natureza racional, enquanto que o mundo sensível – ou mundo material

– seria um reflexo dessas formas ideais (CHAUÍ, 2010).

A concepção de mente como algo distinto do corpo foi sendo performada historicamente

conduzindo estudos científicos ora concentrados em aspectos ditos mentais ou subjetivos ora

em aspectos comportamentais e sociais. Os aspectos comportamentais são considerados

fenômenos objetivos e, geralmente, são os únicos aspectos passíveis de observação empírica

(GOODWIN, 2010).

A dicotomia entre objetividade e subjetividade surge, então, como um sintoma das

dificuldades encontradas na produção científica e da busca pelo método mais adequado à

amplitude humana. Essa dicotomia pode ser explicada, primeiramente, através do que

19

chamamos monismo versus dualismo, ou seja, duas correntes distintas de pensamento. A

primeira corrente, o monismo, compreende o ser humano como alguém que é constituído por

um corpo e é dotado de singularidade, contudo, essa singularidade é construída na experiência.

A segunda corrente, o dualismo, percebe o ser humano como alguém que transcende essa vida

material e possui uma alma, possivelmente dada por Deus, que não pode ser alcançada pela

ciência (RIBEIRO, 1985).

Como principais ícones do pensamento dualista – ou idealista –, além de Platão,

supracitado, temos seu professor, o filósofo grego Sócrates (469 a.C. – 399 a.C.), o filósofo,

físico e matemático francês René Descartes (1596 – 1650) e o filósofo alemão Friedrich Hegel

(1770 – 1831).

Quanto aos adeptos do monismo – ou materialismo – temos o filósofo grego Aristóteles

(384 a.C. – 322 a.C.); o frade católico Tomás de Aquino (1225 – 1274), que ressignificou o

pensamento aristotélico ao fazer um elo entre este e o cristianismo; o filósofo e empirista

britânico John Locke (1632 – 1704); e o naturalista britânico Charles Darwin (1809 – 1882),

conhecido pela sua obra revolucionária a respeito da evolução das espécies.

Frente à variedade de problemas e situações humanas na história, no decorrer do fazer

científico há a separação entre ciência e filosofia que desagua na especialização: um processo

que abre espaço ao nascimento do positivismo, em que é percebida necessidade de se delimitar

áreas específicas do conhecimento, para fins didáticos e de aprofundamento, bem como a

definição de um método dotado de rigor metodológico que conferisse à ciência confiabilidade

e fidedignidade, deixando a filosofia, então, responsável pelos “temas da alma” ou pelas

especulações sem comprovação (MORIN, 2002).

É o método científico, então, que delimita áreas específicas de investigação e os limites

da pesquisa empírica. Este irá se concentrar em aspectos objetivos (mensuráveis). Dentro da

Psicologia, apesar de não haver consenso em relação ao caráter objetivo ou subjetivo de

diversos fenômenos humanos, alguns dos aspectos estudados – mesmo em laboratório – são os

processos cognitivos e fenômenos mentais, as funções básicas do comportamento humano, a

estrutura da personalidade, a reprodução, a variabilidade genética, entre outros.

Inicialmente, aspectos subjetivos como consciência e percepção começaram a ser

estudados de maneira separada por estruturalistas. O Estruturalismo foi a primeira escola de

Psicologia criada e seus principais nomes foram o psicólogo alemão Wilhelm Wundt (1832 –

1920), que criou o primeiro laboratório experimental de Psicologia em Leipzig (1879), e o

20

psicólogo experimental inglês Edward B. Titchener (1867 – 1927), que foi um dos alunos de

Wundt.

Apesar das controvérsias históricas, devido à popularização equivocada propagada por

Titchener quanto ao sistema de seu mestre, Wundt não tinha, necessariamente, a pretensão de

produzir uma psicologia estruturalista. A chamada Psicologia Estrutural veio a ser formulada

e propagada, mais tarde, de maneira sistemática, pelo seu discípulo Titchener. O sistema teórico

de Wundt, por ter origens na pesquisa fisiológica da época e, depois, por ter sido alvo da

admiração de Titchener, acabou se unificando à psicologia estrutural que seu discípulo viria a

criar posteriormente (GOODWIN, 2010).

Uma evidência da unificação do sistema de Wundt ao de Titchener diz respeito ao

principal método do Estruturalismo, o chamado método de introspecção, que consistia no

estudo laboratorial controlado da percepção a partir de respostas de indivíduos treinados acerca

de como percebiam estímulos externos. No laboratório de Wundt, por sua vez, a introspecção

se dividia em dois fenômenos diferenciados: a auto-observação e a percepção interna, dois

movimentos distintos que, só mais tarde, vieram a ser dissolvidos em um único movimento – o

introspectivo (GOODWIN, 2010).

A percepção interna, então, diz respeito à apreensão dos fenômenos após sua ocorrência,

de modo que os indivíduos treinados poderiam perceber e avaliar a relação causal estabelecida

nesse processo, ou seja, seria possível avaliar quais estímulos estão envolvidos numa relação

de causa e efeito em relação a determinadas sensações. Como apenas os próprios indivíduos

poderiam descrever quanto à sua percepção – por ser algo predominantemente subjetivo – se

fazia necessário que os indivíduos fossem altamente treinados. Esse método, junto à auto-

observação experimental, possibilitaria que os resultados percebidos pudessem ser

reproduzidos experimentalmente em laboratório, onde haveria preparo e substituição das

condições externas. Uma vez monitorados, antes dos fenômenos aparecerem, se poderia

analisar as variáveis envolvidas em sua ocorrência e suas regras de organização

(MARCELLOS; ARAUJO, 2010).

Também não foi por acaso Wundt ser considerado o “pai” da Psicologia Experimental.

Na verdade, ele já tinha pretensões de criar uma nova ciência e uma “nova psicologia” com as

ideias que estava desenvolvendo em laboratório. Ele fez questão de delimitar esse espaço, como

o médico neurologista e psicanalista austríaco Sigmund Freud (1856 – 1939) faria mais tarde,

no sentido de se responsabilizar por um novo paradigma científico que surgiria.

21

Outro fator determinante foi a disseminação que seu laboratório viria a ter após alguns

anos de sua fundação. A sua iniciativa acabou ganhando dimensões amplas de interesse por

parte da comunidade científica da época, bem como para a consolidação da Psicologia como

ciência. Diante disso, como ressalta Goodwin (2010, p. 125),

A nova psicologia de Wundt possuía dois programas principais: o exame da

experiência consciente “imediata”, por meio de métodos experimentais de

laboratório, e o estudo de processos mentais superiores, por meio de métodos

não laboratoriais.

A experiência imediata, para Wundt, era o que havia de mais amplo e complexo, por

isso requeria a minuciosidade do método laboratorial, inclusive se considerarmos a importância

de maior rigor devido à inconstância do fenômeno consciente. Para fazermos uma distinção

fundamental, a experiência imediata seria aquela em que vivenciamos diretamente um

fenômeno no ambiente, ou seja, sentir diretamente frio ou calor e percebê-lo internamente, e a

experiência mediata seria aquela em que conseguimos perceber algo, porém, a partir de um

mediador externo, como por exemplo, saber que está frio ou calor através da medição de

temperatura por um termômetro. Como ressaltam Marcellos e Araujo (2010, p. 3),

[...] a experiência poderia ser abordada por dois pontos de vista distintos,

porém complementares. Um deles refere-se ao domínio que procura, em suas

investigações, abstrair a atividade do sujeito e considerar somente os objetos

em sua regularidade espaço-temporal. Por este motivo e por recorrer à

formulação conceitual, seria dito mediato ou externo e caracterizaria o tipo de

experiência ao qual se dedicam as ciências naturais. O outro tipo de

experiência, chamada de imediata ou interna, seria aquele referente ao

domínio intuitivo, ou seja, da apreensão direta dos próprios fenômenos

subjetivos. A ciência mais geral que adota esta perspectiva seria a psicologia

(WUNDT, 1897, p. 1-6).

Acontece que medir a experiência consciente imediata não é algo de fácil acesso, mesmo

com os recursos em laboratório, aliás, é justamente esse fator que vem a ser, mais tarde, alvo

de críticas, pois argumenta-se que não se pode mensurar fenômenos dessa natureza. Wundt, de

certa forma, compreendia e reconhecia esse problema, todavia, ele defendia que

[...] embora o método experimental só ofereça acesso indireto à experiência

interna, estando limitado à manipulação e ao controle de suas condições

22

externas, a confiabilidade de seu uso estaria assegurada em função de os

processos psíquicos constituírem, com o mundo externo que os cerca, uma

única realidade e, portanto, apresentarem-se ao estudo científico em estreita

relação (MARCELLOS; ARAUJO, 2010, p. 4).

Um conceito que permitia tais investigações e, de certa forma, justificava, de maneira

mais esclarecedora, o status de ciência da Psicologia de Wundt era o conceito de paralelismo

psicofísico. Para ele, todos esses fenômenos só poderiam ser estudados enquanto

compreendidos como uma unidade – a unidade entre aspectos objetivos e subjetivos, porém,

uma unidade apenas de caráter relacional, não de correspondência ou identidade, como se dá,

por exemplo, no ideal platônico (o mundo sensível como reflexo ou idêntico ao mundo das

ideias).

Dada a precedência da vida orgânica sobre os fenômenos mentais, Wundt

entende que não poderia haver fenômenos psíquicos independentes de uma

base física, por outro lado, isso não significaria dizer que toda complexidade

da série psíquica poderia encontrar um correspondente na série física, o que

significaria reduzir os fenômenos psíquicos superiores, tais como aqueles de

caráter coletivo e cultural, a elementos fisiológicos. A proposta do paralelismo

psicofísico, assentada na relação intrínseca entre a experiência mediata e

imediata, assumiria, portanto, um caráter metodológico, capaz de nortear os

estudos científicos da vida psíquica individual, devendo, porém, ser

complementada, do ponto de vista coletivo, pela observação comparada dos

fenômenos complexos [sociais] (MARCELLOS; ARAUJO, 2010, p. 4).

Assim sendo, apesar de fazer uma distinção intrínseca de processos físicos e psíquicos,

Wundt procurava assumir uma postura monista de compreensão do ser humano, até mesmo

para se adequar ao modelo de ciência da época. Ele acreditava que determinados fenômenos

humanos – mas, não todos – poderiam ser submetidos ao modelo de investigação do método

científico, considerando sua constância e regularidade e, além disso, a adequação a este método

conferiria o status de confiabilidade e legitimidade aos resultados encontrados e às leis – mesmo

que processuais – estabelecidas pela Psicologia a respeito da consciência humana. Ainda assim,

em sua obra, a separação entre as instâncias objetiva e subjetiva se fazia presente, mesmo que

de forma sutil.

Não é à toa que, posteriormente, Wundt escreveu uma obra completamente dedicada ao

que ele chamava de Psicologia dos Povos, no original Volkerpsychologie, publicado em 1863,

onde abordou fenômenos de natureza sociocultural e intrinsecamente dinâmicos, ou seja,

23

imensuráveis à maneira do método científico e que, segundo o autor, ficariam a cargo de estudos

comparativos. Essa distinção, de certa forma, nos faz acreditar que os fenômenos sociais

acabaram ficando de fora da suposta unidade concebida pelo cientista – a unidade entre a vida

orgânica/física e os fenômenos mentais superiores/psíquicos.

Embora acreditasse que a investigação de laboratório se limitasse

necessariamente à experiência consciente imediata de processos mentais

básicos, Wundt tinha em mente um objetivo mais amplo para sua psicologia.

Ele queria analisar outros processos mentais, como aprendizagem, o

raciocínio, a linguagem e os efeitos da cultura, mas achava que, pelo fato de

estarem tão imbricados na história pessoal, na história cultural e no ambiente

social do indivíduo, esses processos não poderiam ser controlados o suficiente

para o exame em laboratório. Em vez disso, poderiam ser estudados apenas

por meio de técnicas de observação indutivas, comparações entre culturas,

análises históricas e estudos de caso (GOODWIN, 2010, p. 126).

Apesar de ter sido um marco ante à ciência experimental e para a própria Psicologia

como ciência, os estudos de Wundt não tiveram repercussão suficiente para perpetuarem-se

como uma abordagem psicológica de aplicabilidade. Conforme Marcellos e Araujo (2010, p.

2), por não ter conseguido se inserir “no âmbito das investigações empíricas, fundamentadas

pela lógica e pela teoria do conhecimento e testada suas hipóteses, [...] suas contribuições não

encontraram continuidade na história da psicologia”.

Para os teóricos do Funcionalismo – outra corrente da Psicologia, contemporânea ao

Estruturalismo – os atos mentais e subjetivos eram vistos apenas como um conjunto de

processos internos, consequentemente, inacessíveis do ponto de vista do método científico.

Todavia, a premissa principal, que também viria respaldar a noção de aplicabilidade da

perspectiva funcionalista, era de que os processos subjetivos ou internos agiam sempre em

função de um comportamento observável – aliado à sobrevivência –, logo, a subjetividade só

poderia ser estudada através desses comportamentos.

Assim, é desta forma que a consciência passa a ser considerada nos diversos

funcionalismos: a partir de sua função num duplo sentido: como um processo

dinâmico e como um processo orgânico dotado de finalidade adaptativa. Esta

concepção da experiência consciente abre assim uma nova questão, a saber, a

de sua função biológica. Nossa consciência opera aqui no ajuste a situações

problemáticas, sendo ativada com o fim de selecionar as melhores hipóteses

ou alternativas de ação. A experiência passa a ser vista a partir de uma nova

questão (a adaptação), por meio de diversos métodos, distintos da introspecção

controlada (os métodos comparativos com os animais, as psicometrias, a

24

observação natural) e regulada por um novo modelo inspirado na teoria da

seleção natural, fazendo da biologia a ciência-guia da nova psicologia em vias

de surgimento (FERREIRA, 2010, p. 188).

De inspiração darwinista e pragmatista, o Funcionalismo consistiu em uma ciência que,

além de postular o comportamento adaptativo como pressuposto fundamental – ressaltando o

valor ambiental concernente ao comportamento de seleção e avaliação dos organismos –

também possuía o caráter utilitário de buscar a real funcionalidade e aplicabilidade da teoria

para adaptação dos sujeitos na realidade, possibilitando o nascimento de uma Psicologia

aplicada e direcionada.

Inicialmente, as escolas do Funcionalismo se dividiram em duas: a Universidade de

Chicago e a Universidade de Columbia. Dentre os principais autores dessa perspectiva em

Chicago estão os professores e psicólogos norte-americanos John Dewey (1859 – 1952), James

Angell (1869-1949) e Harvey A. Carr (1873 – 1954). E em Columbia, os professores e

psicólogos norte-americanos Edward L. Thorndike (1874 – 1949) e Robert S. Woodworth

(1869 – 1962). Junto a eles, temos o psicólogo norte-americano William James (1842 – 1910),

que estudou e lecionou na Universidade de Havard e é considerado um dos principais

fundadores do Funcionalismo, juntamente com H. A. Carr, Dewey e Thorndike.

Quanto à compreensão do Funcionalismo acerca da relação entre objetividade e

subjetividade, iremos colocar em discussão o pensamento de dois funcionalistas dentre os

principais fundadores: o do psiquiatra clínico e matemático Harvey A. Carr e do psicólogo

pragmatista William James. Consideramos a apresentação de ambos como sendo suficiente para

a posterior análise deste trabalho.

Primeiramente, Harvey Carr afirmava que o objeto de estudo da Psicologia era,

sobretudo, a atividade mental – termo genérico utilizado para comportamento adaptativo. Para

ele, pode haver três tipos de métodos de abordagem: 1) Observação objetiva, em que as

operações mentais são apreendidas na medida em que refletem no comportamento; 2)

Observação subjetiva, em que acontece a apreensão das próprias operações mentais através do

método introspectivo – no entanto restrito a indivíduos treinados e habilidosos (nesse tipo de

método, observa-se certa tolerância ao estruturalismo, apesar das divergências entre essas

escolas); e 3) Observação social, em que se estuda a mente por meio de suas crenças religiosas,

criações, sistemas éticos, cultura, política etc.

25

Não é difícil notar a importante contribuição dos funcionalistas no que diz respeito ao

pioneirismo em relação à aplicabilidade da Psicologia como ciência, a transformando numa

possível prática, bem como no que concerne à compreensão do ser humano como agente ativo

no ambiente. Todavia, a respeito do pensamento de Carr, notamos, ainda, a separação sutil entre

objetividade e subjetividade não só pela delimitação dos métodos de abordagem – o que pode

ser meramente utilizado para fins didáticos –, mas, principalmente, pela inclinação ao método

introspeccionista da Psicologia Estrutural, o que remete à compreensão da mente como uma

estrutura de unidades elementares e a trata como um fenômeno paralelo ao corpo, bem como

devido a separação da categoria social quando colocada lado a lado das abordagens subjetiva e

objetiva.

James, por outro lado, quando decide enveredar pela corrente pragmatista dentro do

Funcionalismo é aquele que melhor se adequa à perspectiva da unidade entre aspectos objetivos

e subjetivos. No entanto, como seu colega Carr, no início, ele também correu o risco de se

prender ao dualismo, algo que acompanha mesmo aqueles que buscam assumir uma postura

científica materialista, como podemos observar até aqui, através do que ocorreu também com

Wundt.

Conforme Ferreira (2010, p. 185, grifos nossos),

A relação entre pragmatismo e funcionalismo é bastante estreita: os primeiros

filósofos pragmatistas como William James e John Dewey são também os

primeiros psicólogos funcionalistas. James Angell (1903), por exemplo,

estipula claramente que o funcionalismo é o pragmatismo psicológico, assim

como o pragmatismo é o funcionalismo filosófico. Mas esta relação é mais

complexa que a assinatura comum dos mesmos autores. Por exemplo, vemos

em James uma psicologia anterior a sua filosofia pragmatista que ainda não é

inteiramente funcionalista. A psicologia dos Princípios de Psicologia

(James, 1890), como Dewey (1940) posteriormente ressalta, ainda não é

plenamente funcional. Ela seria travada por obstáculos, como uma certa

substancialização do sujeito e o dualismo entre mente e corpo advogado

como atitude do psicólogo. É a partir do pragmatismo que o funcionalismo

psicológico vai ser proposto em sua radicalidade.

Entretanto, como todo e qualquer processo de produção do conhecimento não está livre

ou imune das contradições decorrentes de sua construção, o pensamento de James também

sofreu modificações ao longo do tempo. E mesmo ao lado de perspectivas dualistas, ele não foi

eximido de receber o título de principal funcionalista norte-americano.

26

Este autor escreveu em seu principal livro Princípios de Psicologia, publicado em 1890,

que o objeto de estudo desta ciência não é descobrir e analisar os processos elementares da

experiência perceptiva, e sim se debruçar sobre as pessoas verdadeiramente reais e seu processo

de adaptação às circunstâncias do mundo.

Para James, a função primordial da consciência é tornar os seres humanos organismos

preparados para responder satisfatoriamente às mudanças do ambiente. Segundo ele, a

consciência se configura como o fenômeno mais imprescindível para a evolução, para a

sobrevivência e para a perpetuação da espécie humana (FERREIRA, 2010).

Em suma, o Funcionalismo constitui a base do que, mais tarde, vem a ser uma das

vertentes mais importantes e paradigmáticas da história da Psicologia: o Comportamentalismo

ou Behaviorismo em seu termo original – corrente filosófica e empírica que tem como foco de

estudo o comportamento humano e suas manifestações subjetivas.

Nesta linha de pensamento, pela necessidade discursiva da seção – objetividade e

subjetividade – introduziremos aqui uma das vertentes do Comportamentalismo, o

Behaviorismo Radical, vertente criada pelo psicólogo norte-americano Burrhus Frederic

Skinner (1904 – 1990) que entende todos os fenômenos humanos como sendo comportamento,

inclusive os processos psicológicos básicos ditos mentais. Essa corrente de pensamento é

guiada por uma visão monista do ser humano, onde a distinção entre corpo e mente é dissolvida

e há certa tentativa de quebrar a segregação entre aspectos objetivos e subjetivos, dentre estes

também se incluem os aspectos sociais e culturais. (MOREIRA; MEDEIROS, 2007).

O Behaviorismo radical tem sua base teórica em três aspectos indissociáveis da vida

humana: filogênese, ontogênese e cultura. Para Skinner, esses três aspectos andam juntos e

constituem o humano, sendo possível fazer um estudo fidedigno considerando a relação entre

esses três âmbitos, que na vida vivida, atuam como um só. Como afirmam Hubner et al. (2012,

p. 101),

A história filogenética marca a herança da espécie a partir das contingencias

de sobrevivência que selecionam a forma e a função do corpo humano. A

ontogenética é responsável pela construção dos comportamentos ao longo da

história de aprendizagem desse corpo, tornando-o uma pessoa única. A

história cultural amplia, concomitantemente, essa construção em práticas

grupais entre os membros de uma cultura, transmitidas por favorecerem a

sobrevivência do grupo.

27

O que diferencia Skinner dos behavioristas clássicos – John B. Watson (1878 – 1958) e

Ivan P. Pavlov (1849 – 1936) – e nos força a citá-lo precocemente aqui é justamente a tentativa

de quebra da dicotomia, que, inicialmente, se dá ao ver unidade entre corpo e mente –

assumindo uma postura monista – e, posteriormente, ao focar, também, na unidade entre os

aspectos constituintes da vida humana: aspectos objetivos e subjetivos, ou como diria o próprio

Skinner: comportamentos públicos ou privados.

Como afirma Matos (1991), se compreendermos o comportamento humano como um

fenômeno concebido na relação entre o organismo e o ambiente externo, podemos também

chegar à conclusão de que tanto o ambiente interno – o organismo – como o ambiente externo

estão envolvidos nesse processo, ou seja, o ambiente denominado na perspectiva do

Behaviorismo Radical não se restringe apenas aos eventos públicos e observáveis, mas também

faz parte da vida interna dos indivíduos. Sendo assim, o ambiente pode estar fora ou dentro do

sujeito, ele é todo e qualquer evento, objetivo ou subjetivo.

Podemos observar com essa introdução à perspectiva comportamental que, talvez, o

Behaviorismo tenha sido a maior contribuição que o Funcionalismo tenha deixado como legado

à ciência psicológica, pois a filosofia behaviorista, como veremos no capítulo a seguir, foi uma

das teorias que veio a ganhar maior aplicabilidade aos diversos contextos humanos em que atua

a Psicologia. Além disso, com Skinner, o Behaviorismo passou também a evidenciar a possível

unidade do ser humano com o mundo que o cerca.

A próxima teoria da Psicologia a fazer essa discussão no que se refere à objetividade e

subjetividade é a Psicologia Sócio-histórica, vertente da área da Psicologia Social que vem a

ser considerada como “uma perspectiva crítica” das vertentes tradicionais – Psicanálise,

Behaviorismo e Gestalt – as quais explanaremos mais profundamente no próximo capítulo.

Como uma abordagem crítica, a Psicologia Sócio-histórica, perpetuada pela psicóloga

e professora brasileira Ana Mercês Bahia Bock (1952 –), declara-se anticientificista e, como

Dilthey, busca legitimidade científica para as ciências humanas. No entanto, não é com Bock

que nasce a Psicologia Sócio-histórica. Seu criador é o psicólogo e teórico russo Lev Vygotsky

(1896 – 1934) e a sistematização de sua teoria carrega a nomenclatura de Psicologia Histórico

Cultural. Essa, por sua vez, é a base da perspectiva sócio-histórica perpetrada por Bock,

ressaltamos seu nome uma vez que ela é a principal expoente desta teoria no Brasil.

Tendo como base epistemológica o Materialismo Histórico Dialético do sociólogo e

historiador revolucionário alemão Karl Marx (1818 – 1883) e do empresário industrial alemão

28

Friedrich Engels (1820 – 1895), o sistema teórico de Vygotsky se concentrou em unificar os

aspectos fisiológicos ou naturais do humano às noções psicológicas ou subjetivas do ser,

compreendendo os indivíduos como seres em uma unidade complexa que se constitui e se

desenvolve, intrinsecamente, na materialidade e historicidade da vida e da sociedade.

Ancorado nos pressupostos do Materialismo Histórico Dialético, Vygotsky compreende

que é através da própria ação e através do próprio trabalho – a sua principal ferramenta – que o

ser humano se desenvolve. Desse modo, são suas próprias ações que modificam o mundo e esse

movimento também o modifica, numa relação dialética. Como afirma Vygotsky (1996 apud

ZANELLA, 2004, p. 128), “[...] a tarefa fundamental da psicologia dialética consiste

precisamente em descobrir a conexão significativa entre as partes e o todo, em saber considerar

o processo psíquico em conexão orgânica nos limites de um processo integral mais complexo”.

Sendo assim, o autor também faz questão de ressaltar que afirmar a unidade entre a

psique e as funções cerebrais (fisiológicas) não é o mesmo que afirmar a noção de identidade –

no sentido de identificar como sendo iguais a função e a sua expressão psicológica – e sim

compreender os dois fenômenos como uma via de mão única, indissociáveis, imbricados em

uma relação dialética entre si e com o mundo (ZANELLA, 2004).

Segundo a Psicologia Histórico Cultural, portanto, o sujeito existe enquanto relação com

o mundo, ele internaliza o mundo e é nessa relação que ele produz cultura. Esse mesmo sujeito

é visto como ativo, autônomo, consciente e capaz de transformar a sua realidade por meio de

suas ações, ou seja, ao mesmo tempo em que transforma, é transformado pelo mundo. Como

podemos observar, na teoria de Vygotsky há maior flexibilidade em reconhecer a função dos

aspectos biológicos nesse processo, mas quando partimos para a Psicologia Sócio-histórica aqui

no Brasil, como veremos adiante, muitos desses aspectos são deixados de lado, tanto pelas

consequências da interpretação da teoria vygoskiana por Bock, bem como pela vinculação dessa

teoria a um viés político-ideológico.

No que diz respeito à posição político-ideológica da Psicologia Sócio-histórica aliada à

prática profissional do psicólogo, Bock (2004, p. 10 apud SANTOS, 2018, p. 23, grifos do

autor) afirma que

Ao mesmo tempo que esta tarefa, de definirmos o projeto de nossa

intervenção, se coloca como obrigatória, outro ganho acontece. Passamos a

nos ver, como profissionais, que através de nossas intervenções atuamos

no mundo; mudamos o mundo; nos objetivamos no mundo. Nos vemos,

então, como sujeitos que transformam o mundo a partir de sua prática

29

profissional. Isto passa a exigir que façamos de nosso projeto profissional,

um projeto político, de construção do âmbito coletivo.

Diante disso, Bock, que toma seu viés não só como uma teoria psicológica, mas como

instrumento político, faz críticas severas à Psicologia tradicional dizendo que esta é guiada por

uma visão dicotômica, reducionista e mecanicista do ser humano. Sendo assim, ela se propõe a

quebrar esses fatores deterministas e suas imposições. Defende que, sob nenhuma hipótese, a

Psicologia deve se resumir ao método científico das ciências naturais, afirmando ser este um

método que não abarca a essência social e intrinsecamente histórica do ser humano e,

consequentemente, o reduz à mecânica das leis gerais.

Conforme Santos (2018, p. 11), Bock “Segue adiante, lançando os pressupostos da

‘Perspectiva Crítica’, sendo: O fenômeno psicológico não é pertencente à natureza, não pré

existe e reflete a condição social, econômica e cultural do homem”. A Psicologia Sócio-

histórica no Brasil, por sua vez, não admite a existência de algo como a “natureza humana”, e

concebe o indivíduo como um produto ou reflexo da sua relação material com o mundo, lugar

implicado por aspectos socioeconômicos e culturais, que, segundo a autora, tem um peso muito

maior do que aspectos biológicos.

Para a Psicologia Sócio-histórica, em relação aos aspectos biológicos, quando estes não

são negados completamente, são compreendidos como condicionados à moldagem do social,

porém, para esta perspectiva, o movimento contrário, em que se entende que a genética molda

comportamentos, não é concebido. Dessa forma, quando é discutida a relação entre objetividade

e subjetividade, não há como não colocar, também, em discussão, a constituição humana. Logo,

[...] falar do fenômeno psicológico é obrigatoriamente falar da sociedade.

Falar da subjetividade humana é falar da objetividade onde vivem os homens.

A compreensão do “mundo interno” exige a compreensão do “mundo

externo”, pois são dois aspectos de um mesmo movimento, de um processo

no qual o homem atua e constrói/modifica o mundo e este, por sua vez,

propicia os elementos para a constituição psicológica do homem. As

capacidades humanas devem ser vistas como algo que surge após uma série

de transformações qualitativas. Cada transformação cria condições para novas

transformações, em um processo histórico, e não natural. O fenômeno

psicológico deve ser entendido como construção no nível individual do mundo

simbólico que é social. O fenômeno deve ser visto como subjetividade,

concebida como algo que se constituiu na relação com o mundo material e

social, mundo este que só existe pela atividade humana. Subjetividade e

objetividade se constituem uma à outra sem se confundirem. A linguagem

é mediação para a internalização da objetividade, permitindo a construção de

sentidos pessoais que constituem a subjetividade. O mundo psicológico é um

30

mundo em relação dialética com o mundo social. Conhecer o fenômeno

psicológico significa conhecer a expressão subjetiva de um mundo

objetivo/coletivo; um fenômeno que se constitui em um processo de

conversão do social em individual; de construção interna dos elementos e

atividades do mundo externo. Conhecê-lo desta forma significa retirá-lo de

um campo abstrato e idealista e dar a ele uma base material vigorosa. Permite

ainda que se supere definitivamente visões metafísicas do fenômeno

psicológico que o conceberam como algo súbito, algo que surge no homem,

ou melhor, algo que já estava lá, em estado embrionário, e que se atualiza com

o amadurecimento humano” (BOCK, 2004, p. 6 apud SANTOS, 2018, p. 15,

grifos do autor).

Por fim, resta esclarecermos a concepção de subjetividade e objetividade para a vertente

psicológica que é foco de nosso estudo: a Gestalt. Como ela se configura como o objetivo

último de nosso trabalho, se faz necessário o esclarecimento mais profundo de seu conceito já

neste capítulo.

O termo alemão Gestalt tem na base do seu significado a noção de boa forma, todo ou

configuração, remetendo à unidade ou totalidade. Ao longo deste trabalho, utilizaremos este

termo considerando a sua amplitude, que abarca todas as teorias e práticas que remetem a uma

compreensão de homem-mundo como um todo unificado que não pode ser compreendido a

partir da soma de suas partes e que existe apenas quando em relação com o mundo.

A despeito dessa configuração, dentro do todo que chamamos Gestalt se inserem muitas

perspectivas. Algumas delas são mais importantes para os fins deste trabalho: a Fenomenologia

Existencial, com seus primordiais pressupostos filosóficos; a Psicologia da Gestalt, como

ciência introdutória; e a Gestalt-Terapia, como prática.

Neste momento da discussão, o foco neste “todo” da Gestalt é imprescindível, posto que

a explanação de sua dimensão ampla se faz necessária para compreensão fidedigna de sua

constituição histórica. Só mais tarde, no capítulo de análise deste trabalho, poderemos nos deter,

de forma mais esclarecida, em sua aplicação prática e nas implicações dessa aplicação.

O conceito de Gestalt remonta um grande histórico de teorias desenvolvidas por

filósofos e psicólogos dos quais falaremos com mais afinco no próximo capítulo. Para sermos

mais precisos, porém, sem considerar uma perspectiva cronológica, podemos afirmar que o

desenvolvimento do conceito de Gestalt como um conceito chave da Psicologia se dá com o

nascimento da Psicologia da Gestalt, pois é esta perspectiva que dá início a essa abordagem no

âmbito da ciência psicológica.

31

Os criadores da Psicologia da Gestalt foram os cientistas e psicólogos alemães Max

Wertheimer (1880 – 1943), Wolfgang Kohler (1887 – 1967) e Kurt Kofka (1886 – 1941). O

pressuposto mais forte da Psicologia da Gestalt e que, mais tarde, viria a constituir, também, o

escopo da Gestalt-Terapia como prática psicoterapêutica é: o todo vai muito além da soma das

partes. Tal premissa considera a constituição humana como sendo um todo que não se resume

a processos segregados entre si, bem como, nem mesmo a soma desses processos, e sim à sua

totalidade, que é algo completamente distinto.

Sendo assim, expandindo para a nossa discussão, para a Gestalt, a relação entre

objetividade e subjetividade resulta na totalidade do sujeito, e essa totalidade transcende a

especificidade de cada um desses aspectos.

[...] a escola da Gestalt e Kurt Lewin nos leva de encontro ao indivíduo

considerado em sua totalidade. Neles, encontramos uma concepção de campo

onde todos os elementos se fazem presentes, os internos e os externos. Os

conscientes e os inconscientes. Cada qual com sua parcela de influência no

comportamento psico-social (DAMERGIAN, 1991, p. 66 apud SANTOS,

2018, p. 12).

A Gestalt, que compreende o sujeito como uma unidade, é tomada pela vertente crítica

da Psicologia Social – a Sócio-histórica – como uma psicologia “subjetivista”. Essa unidade é

expressa através da intencionalidade da consciência que – segundo o filósofo e matemático

alemão Edmund Husserl (1859 – 1938), considerado o pai da Fenomenologia –, a consciência

é sempre consciência de alguma coisa, ou seja, o sujeito existe apenas enquanto relação com o

mundo (HUSSERL, 2001).

Segundo a Psicologia Sócio-histórica, então, conceitos gestálticos como totalidade,

intencionalidade e essência dão corpo a uma teoria subjetivista que tem a razão como principal

instância. Esta teoria equivoca-se quando relaciona esses conceitos com a estrutura mental ou

identifica a própria Gestalt com o racionalismo. A respeito dessa crítica, Giusta (2013, p. 26)

afirma que

A gestalt, ao preconizar as estruturas mentais como totalidades organizadas

segundo princípios inerentes à razão humana, toma partido pela “pré-

formação”. Se as estruturas são, de fato, pré-formadas e não fruto da ação do

sujeito sobre o mundo objetivo e do mundo objetivo sobre o sujeito, não há

por que apelar para a atividade desse sujeito. Fica patente que, assim como o

32

behaviorismo é um objetivismo sem objetividade, a gestalt é um subjetivismo

sem subjetividade, o que dá no mesmo.

A crítica em relação ao suposto “subjetivismo” acontece devido ao foco que a Gestalt

dá à intencionalidade dos sujeitos – uma característica universal e essencial aos seres humanos

–, que são os únicos que podem realmente existir, enquanto as coisas apenas são. Acontece que

o equívoco pode ocorrer devido à errônea interpretação, visto que o indivíduo é o único que

pode existir uma vez que somente ele tem a capacidade de significar a própria experiência, e a

existência em si demanda significado e intenção. E quando se fala em essência, essa não diz

respeito, necessariamente, a um conceito abstrato ou à existência de uma alma que defina o

humano.

Conforme ressalta Ribeiro (1985, p. 45),

O caráter da essência é o refletir-se; o fundamento da essência é a reflexão em

si, e a reflexão em outro é o fenômeno ou o manifestar-se da essência. Por

outro lado, como a essência é precisamente o que existe, a existência é o

fenômeno. O fenômeno não é um aparecer subjetivo distinto de uma essência

ou número incognoscível, como para Kant; é o próprio manifestar-se objetivo

da essência, possui um valor objetivo. A realidade, última categoria da

essência, é a essência revelada exteriormente no fenômeno.

Assim, os objetos inanimados do mundo só ganham vida uma vez que ganham

significado e este só pode partir dos indivíduos que possuem consciência intencional. O ponto

chave é que essa noção de consciência também não se reduz ao intelecto ou à razão humana.

Somente à medida que são sujeitos à nossa intencionalidade é que os objetos ganham existência

e intenção, no mais, apenas são.

De toda forma, ser é diferente de existir, porém, um completa o outro – eu preciso ser

para existir, eu preciso existir para ter consciência de que sou. Assim, nessa relação dialógica

entre ser e existir, somos considerados fenômeno3. Ribeiro (1985, p. 53) nos traz em suas

palavras um pouco desse sentido de ser e existir:

3 Segundo Ribeiro (1985, p. 51), “tudo aquilo de que a consciência toma conhecimento de uma maneira

intencional pode ser chamado de fenômeno e se torna uma significação para a consciência”.

33

Sendo a consciência, consciência de alguma coisa, ela só é consciência quando

voltada-para um objeto e, de outro lado, o objeto só pode ser definido em

relação à consciência, se ele é um objeto-para-um-sujeito. Isto significa a

existência intencional do objeto na consciência. [...] o objeto só existe agora

em nós, porque nós o percebemos. [...] A realidade, a exterioridade, a

existência do objeto percebido e o seu próprio caráter de objeto dependem das

estruturas da consciência intencional, estruturas graças as quais a consciência

ingênua vê como vê.

Diferentemente da sócio-histórica, que apesar de afirmar um sujeito ativo o transforma

em um receptáculo de condicionamentos sociais, a Gestalt compreende o sujeito como alguém

que possui intencionalidade para o mundo – que detém a própria autonomia e consciência diante

das coisas. A crítica deve-se ao equívoco de que essa intenção se dá a priori, mas, como

mencionamos anteriormente, ancorados em Husserl, a consciência só existe enquanto

consciência de alguma coisa, logo, também só é possível enquanto relação com o mundo.

Como ressalta Penha (1991 apud DALGALARRONDO, 2008, p. 89),

Husserl propõe inverter essa visão meramente passiva da consciência (tabula

rasa); para ele, o fundamental da consciência é ser profundamente “ativa”,

visando o mundo e produzindo sentido para os objetos que se lhe apresentam.

Não existiria, então, uma consciência pura, pois ela é, necessariamente,

“consciência de algo”. A INTENCIONALIDADE, isto é, o visar algo, o

dirigir-se aos objetos, de modo ativo e produtivo é próprio da consciência na

visão fenomenológica.

O filósofo existencialista dinamarquês Soren Kierkegaard (1813 – 1855) dizia que “a

subjetividade é a verdade, a subjetividade é a realidade” (RIBEIRO, 1985, p. 32). Isto significa

a necessidade de se tentar compreender o indivíduo a partir de sua singularidade, de seu

manifestar-se subjetivo. Segundo Ribeiro (1985), conhecer é, portanto, fazer um apelo à

existência, à subjetividade.

Sendo assim, para a Gestalt, que se ancora em pressupostos fenomenológicos, a

subjetividade é a própria realidade do sujeito. A sua manifestação, apesar de objetiva, pois se

perfaz na materialidade da existência, não perde seu caráter subjetivo, pois depende da

singularidade interna do sujeito que a manifestou. Desse modo, a subjetividade,

primordialmente, depende da sua consciência intencional. Conforme Ribeiro (1985, p. 52),

34

A intencionalidade cria relação entre o sujeito e o objeto, entre o pensamento

e o ser, entre o homem e o mundo. A consciência é livre, é ativa, cabe a ela

dar sentido (intenção) às coisas. Ela não é um mero depósito de imagens e

representações de objetos que agiriam sobre os nossos sentidos. Não são os

objetos do mundo exterior que criam as imagens na consciência, mas é ela que

dá sentido ao que existe na realidade objetiva.

Diante disso, notamos que, dentre os conceitos explanados a respeito da relação

objetividade-subjetividade, o conceito de consciência intencional é de extrema importância no

que diz respeito à compreensão de um sujeito ativo, que não somente se condiciona à realidade,

mas cria a própria realidade. Essa compreensão também se faz imprescindível para o

entendimento de uma prática que se centre no ser humano como ponto de partida.

Consideramos que esse panorama que fizemos acerca dos tipos de ciência e suas

dicotomias nos oferecerá um norte em relação às principais vertentes da Psicologia e ao modo

como cada uma delas se constituiu, inclusive, a Gestalt-Terapia. Esse panorama irá oferecer um

melhor entendimento acerca dos caminhos percorridos no que se refere à prática do nosso

referencial teórico: a abordagem gestáltica.

É necessário entender onde cada uma dessas principais vertentes se insere, no sentido

de pensar, também, suas possíveis adequações e transformações, bem como a aplicação do que

já está posto como teoria e compreensão do ser humano, pois, só é possível chegarmos aos fins

objetivos deste trabalho – analisar a prática da Gestalt-Terapia a partir da sua visão de homem-

mundo – compreendendo por quais caminhos esta teoria se enveredou.

Por fim, apresentadas as principais perspectivas filosóficas e psicológicas a respeito da

relação entre objetividade e subjetividade e seus modos epistemológicos de ciência, no próximo

capítulo, explanaremos de forma breve as três principais vertentes da Psicologia como uma

ciência humana: a Psicanálise, o Comportamentalismo e a Psicologia Humanista.

35

3 AS TRÊS GRANDES VERTENTES DA PSICOLOGIA

Este capítulo tem a incumbência de apresentar, de maneira breve, as três principais

vertentes da Psicologia – a Psicanálise, o Comportamentalismo e a Psicologia Humanista –, a

fim de delimitar onde estas se inserem no que diz respeito aos tipos de ciência, discussão que

tem por objetivo situar a perspectiva teórica do nosso trabalho no tempo, na sua história e

também no processo de produção do conhecimento. Como falado anteriormente, tal explanação

e discussão dará norte a uma melhor compreensão da concepção de sujeito da Psicologia como

um todo e, consequentemente, à compreensão prática de sua aplicação.

3.1 Psicanálise

Iremos dar início com a Psicanálise de Sigmund Freud, aquela que, além de não ter

nascido de críticas às perspectivas anteriores, como a maioria das abordagens psicológicas,

introduziu a Psicologia propriamente dita no mercado das profissões a partir da descoberta da

“cura pela fala” – termo usado pela paciente do médico neurologista Joseph Breuer (1842 –

1925), colega de Freud, que mais tarde viria a se tornar sua paciente, comumente conhecida

como Anna O.

O estopim para a fundação da Psicanálise, além das necessidades financeiras de Freud

– que exigiu que este fosse mais do que um pesquisador – foi a sua relação com Joseph Breuer.

Anna O, que tinha vários sintomas histéricos, estava sendo tratada por ele através do seu método

catártico. Como ressalta Goodwin (2010, p. 427), “ele descobriu que, quando conseguia

remontar a primeira ocorrência de um sintoma, Anna vivenciava uma liberação emocional à

qual Breuer se referia como uma “catarse” e os sintomas cediam”.

Freud acompanhou esse caso junto a Breuer e, posteriormente, passou a tratar de Anna

sozinho – os motivos da transferência dos cuidados de Breuer para Freud são, ainda,

controversos (GOODWIN, 2010). Em meio ao tratamento de Anna, ambos passaram a

documentar o caso no livro intitulado Estudos sobre a histeria, publicado em 1895, obra que

passou a ser considerada um dos marcos da Psicanálise, na qual Freud cunhou seus primeiros

conceitos e fundamentos mais preponderantes, entre eles: a relação simbólica que os sintomas

demonstravam ter com eventos traumáticos; o conceito de insight, processo através do qual a

36

pessoa poderia ter o alívio dos sintomas, ao tornar algo inconsciente lúcido à consciência; e

também o conceito de transferência “para referir-se a esse apego ao terapeuta, considerando-o

um passo importante no caminho para recuperação” (GOODWIN, 2010, p. 427).

Quando Freud passou a consolidar sua carreira, em meados da década de 1890, através

da especialização no tratamento da histeria, ele trabalhou utilizando e testando vários métodos

de tratamento, entre eles a hidroterapia para acalmar os nervos e a hipnose como forma de fazer

vir à tona lembranças recalcadas. Foi esse movimento que o levou à técnica da associação livre,

a qual veio a ser o principal método da prática psicanalítica. A associação livre consiste em

falar o que vier à cabeça, sem censurar absolutamente nada. Freud encontrava neste método a

via principal que levaria à expressão do inconsciente, que, segundo ele, atua como um depósito

de reminiscências, para onde vão todos os resíduos simbólicos de determinados eventos

traumáticos (GOODWIN, 2010).

A análise dos sonhos é também um dos principais métodos da prática psicanalítica e

instrumento utilizado na exploração do inconsciente. Foi no ano de 1900 que ocorreu a

publicação oficial do considerado mais importante livro de Freud A interpretação dos Sonhos,

fruto não só de seus estudos e influências, mas também de sua recorrente autoanálise.

Freud achava que os sonhos eram desejos disfarçados, distinguindo entre seu

conteúdo manifesto (a descrição verbal que fornecemos dos sonhos; aquilo de

que eles aparentemente falam) e seu conteúdo latente (seu verdadeiro

significado inconsciente, que em geral tem relação com a sexualidade e/ou

agressividade). Por meio da elaboração onírica, o conteúdo latente dos sonhos

se transforma, simbolicamente, no conteúdo manifesto (GOODWIN, 2010, p.

429).

Para Freud, um importante fator para constituição humana – e dominante em relação à

condição problemática que, vez ou outra, nos acometem – é a sexualidade. À medida que

trabalhava com seus pacientes e avançava no tratamento da histeria, Freud alimentava a forte

crença de que esses problemas neuróticos tinham origem em problemas sexuais não resolvidos.

Inicialmente, fazia a relação direta de abusos sexuais relatados e os sintomas histéricos,

associando a histeria aos traumas da infância. No entanto, foi forçado a rever sua hipótese uma

vez que os relatos nem sempre eram comprovados, fazendo valer a noção de que poderiam ser

imaginários e frutos de desejos inconscientes. Foi assim, então, que ele desenvolveu sua

teorização sobre a sexualidade infantil, através do conceito de complexo de Édipo.

37

Em termos freudianos, o complexo de Édipo – inspirado na tragédia grega Édipo Rei de

Sófocles (496 a.C – 406 a.C) – diz respeito ao afeto que o menino sente pela mãe e o contraste

desse afeto em relação ao pai, aquele que detém o seu “verdadeiro” amor. O mesmo processo

acontece com a menina, mas o afeto é direcionado ao pai e a hostilidade à mãe. Para Freud, o

complexo de Édipo é o âmago da constituição humana, é quando se determina a estrutura a qual

o indivíduo pertence (neurótica, psicótica ou perversa) e se estabelece a sua personalidade,

através da formação da libido e do ego (GOODWIN, 2010).

A partir do complexo de Édipo, outros conceitos estruturais foram desenvolvidos, entre

eles, os conceitos chaves da estrutura da personalidade: id, ego e superego, e mais tarde os

mecanismos de defesa, bem como os princípios motivacionais originários como “eros, o

instinto de vida, manifesto na motivação sexual, e tânatos, a pulsão de morte, expressa por

meio da agressividade e da autodestruição” (GOODWIN, 2010, p. 43, grifos do autor).

A Psicanálise de Freud, ao chegar ao século XX, já vinha sendo denominada pelo seu

criador como a sua “metapsicologia”, nomenclatura escolhida para batizar a sua teoria geral

do comportamento humano. Apesar do seu rigor quanto à estrutura da teoria psicanalítica, essa

metateoria não deixou de sofrer as influências do contexto da época, bem como as influências

do próprio desenvolvimento da história do seu fundador, que se abalou profundamente com os

efeitos da Primeira Guerra Mundial, ao notar os atos desastrosos que o homem era capaz de

cometer, bem como por ter passado pela morte de uma de suas filhas nesse mesmo período.

Isso tudo fez Freud refletir de maneira muito intensa a respeito da morte e foi nesse processo

que ele desenvolveu o conceito de pulsão de morte – mais uma faceta do ser humano a ser

agregada à teoria, junto à pulsão de vida.

Dentre as três instâncias que compõem a estrutura da personalidade, o ego, que se situa

no centro desta, é aquele que busca manter o equilíbrio entre as outras instâncias – o id e o

superego. Freud situa esse centro entre as partes consciente, pré-consciente e inconsciente. O

ego, por estar no centro, é o responsável pelo equilíbrio de forças decorrentes do conflito

constante entre o id e o superego. O id é aquele responsável pelos nossos instintos mais

primitivos, é a-moral – não possui moral, ou seja, também não é imoral, simplesmente não

atribui valor – e é a-temporal. Demanda, a todo o momento, a satisfação de suas necessidades,

principalmente sexo e agressividade.

Na outra instância, há o superego, aquele que detém as regras da sociedade e da

civilização, que atua como um regulador de condutas, representa os valores morais aprendidos

e trabalha impedindo que os instintos do id se expressem de maneira crua. É nesse embate que

38

o ego se insere atuando com o objetivo de não permitir que o indivíduo se aniquile nesse

conflito, ou mesmo se renda a alguma das forças de forma unilateral. Goodwin (2010, p. 432)

afirma que

O ego precisa, além disso, levar em consideração os fatores ambientais

presentes no mundo real, os quais entram no sistema através do que Freud

denominou sistema de “percepção-consciência”. O ego que funciona bem,

segundo Freud, serve de mediador, direcionando as necessidades provenientes

do id de maneira realista e compatível com os valores morais.

Por fim, quanto à teoria psicanalítica, resta apresentarmos os mecanismos de defesa do

ego, que constituem formas de se proteger do real conteúdo potencialmente traumático ou

traumático das situações da vida cotidiana. Os principais mecanismos de defesa são: 1)

recalque, acontece através da parte inconsciente do ego e consiste na expulsão dos conteúdos

reprimidos e indesejados para o inconsciente; 2) projeção, processo em que atribuímos a um

outro características que são nossas, porém, não admitimos, ou seja, projetamos em outra pessoa

como forma de defesa; 3) sublimação, um dos processos mais saudáveis entre os mecanismos

é canalizar as energias que seriam direcionadas a alguma pulsão instintiva e primitiva,

redirecionando a outras atividades de valor social ou para o indivíduo e 4) formação reativa, os

impulsos geralmente considerados reprováveis pelo indivíduo são substituídos pelo seu oposto

para esconder os verdadeiros sentimentos negativos, por ex.: o sentimento de rejeição pelo

próprio filho é reprovado e substituído pelo comportamento excessivamente protetor

(GOODWIN, 2010).

Por fim, consideramos importante fazer um resgate das influências históricas que

implicaram o pensamento de Freud e a construção da sua teoria e prática psicanalítica. As

influências históricas de qualquer teoria implicam diretamente na sua categorização dentro de

um tipo de epistemologia específico, ou seja, dentro de uma forma específica de produção de

conhecimento, tal qual discutimos anteriormente no capítulo anterior sobre as formas de ciência

(explicativa e compreensiva) e suas delimitações no que diz respeito à objetividade e

subjetividade.

As influências filosóficas de Freud, especificamente, não são poucas. Mais da metade

da sua formação em Medicina aconteceu ao lado de fisiologistas. Uma das maiores influências

foi o seu mentor Ernst Brucke (1819 – 1892), psiquiatra e psicólogo alemão, que era o diretor

do Instituto de Fisiologia da sua Universidade (GOODWIN, 2010). Assim sendo, Freud, que

39

era apaixonado pela pesquisa, se enveredou cedo para o lado das ciências naturais, uma vez que

era a forma de ciência que dominava o contexto da época.

Com efeito, essa formação [de Freud] ocorreu durante um período de grande

produção no que se refere aos avanços das diversas disciplinas

tradicionalmente tidas como modelos para a ciência, sendo que isso

possibilitou o surgimento de projetos decisivos de psicologia científica. [...] a

medicina, em seus diversos campos, começava a estabelecer com a física uma

relação cada vez mais consistente, abrindo espaço para a exploração

experimental do corpo (CARVALHO; MONZANI, 2015, p. 784).

Dessa forma, Freud cresceu dentro da Universidade buscando sempre – de maneira

muito espontânea e fiel a si mesmo – formas de pesquisa que correspondessem às exigências

científicas da época. Quando adentrou no âmbito da Psicologia, através da hipnose, não deixou

de lado essa fidelidade à ciência, considerando sempre a causalidade dos fenômenos, e

buscando sempre a origem dos fatos. No entanto, mesmo assim, ele não ficou imune às críticas

e rigidez dos colegas cientistas que aferravam com fortes argumentos a imprecisão e “fantasia”

que a hipnose, a Psicanálise e suas ideias no geral representavam.

Freud, todavia, não concordava que estivesse fugindo do âmbito das ciências naturais,

pois, para ele, a própria alma humana se constituía como um fenômeno natural, sendo assim,

mantinha-se constante em suas ideias e considerava que a Psicologia era uma ciência que

também deveria estar alinhada com a Medicina, a Fisiologia etc. (CARVALHO; MONZANI,

2015).

Os médicos fisiologistas da época ainda estavam impactados com as ideias de Charles

Darwin que não datavam, sequer, 20 anos de publicação, consequentemente, também afetou

Freud de maneira intrínseca. Como ressalta Goodwin (2010, p. 425),

Em primeiro lugar, a percepção básica de Darwin de que a natureza humana

se baseia em seu passado animal forneceu respaldo para as ideias de Freud

acerca da importância de seus instintos biológicos na motivação do

comportamento e do fato que o comportamento nem sempre é “racional”. Em

segundo lugar, a crença de Freud na importância central da motivação sexual

decorre logicamente do fato, bastante óbvio, de que o sexo e a resultante

perpetuação da espécie constituem a própria base da evolução.

40

No entanto, não poderíamos esquecer do fato de que a Psicanálise teve seus dissidentes,

apesar de estar intimamente ligada ao seu fundador. Entre os dissidentes mais destacados – que

desenvolveram sistemas próprios – estão o médico psicanalista austríaco Wilhelm Reich (1897

– 1957), o professor e psicanalista americano Otto Rank (1884 – 1939), o psicanalista

culturalista alemão Erich Fromm (1900 – 1980), o psiquiatra húngaro Alfred Adler (1870 –

1937) e o psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (1875 – 1961), um dos melhores amigos de Freud,

pioneiro no tratamento da esquizofrenia e, posteriormente, criador da Psicologia Analítica.

Um dos principais motivos para ocorrência e difusão das dissidências da Psicanálise

freudiana, além do dogmatismo de Freud em não mudar ou flexibilizar a sua compreensão

teórica a respeito do ser humano, foi justamente a sua tendência em colocar a sexualidade como

fonte principal de todos os problemas e, também, como parte estrutural determinante da

personalidade.

Jung merece maior destaque, pois, sua perspectiva – intimamente holística e simbólica

acerca da busca humana por sentido –, mais tarde, viria a ser considerada uma das mais

importantes influências para o desenvolvimento das psicoterapias fenomenológico-existenciais

e, consequentemente, para a Gestalt-Terapia como prática clínica e psicoterapêutica. Conforme

ressalta Fonseca (2006, p. 54, grifos do autor),

Com a sua concepção [de Jung] de individuação, como uma apropriação, cada

vez mais plena, pelo homem, das camadas progressivamente mais profundas

de seu ser, e de sua vinculação com o universo; e com uma compreensão deste

processo como o desdobramento da própria saúde do ser humano, Jung se

contrapôs ao modelo psicanalítico freudiano, que bipartia a pessoa nas pulsões

de morte e de vida, e que entendia uma necessidade de coação social na

constituição do ego e da pessoa, para que o ser humano não realizasse

justamente aquilo que ele seria mais profundamente, e que, para Freud se

constituía como um poço de instintos destrutivos e anti-sociais. Para Jung não.

Na integração de seus níveis mais profundos de ser é que residia, para ele, a

saúde do ser humano, e o desdobramento desta saúde era exatamente, para ele,

a apropriação e integração em sua personalidade, pela pessoa, dos níveis mais

profundos de seu ser.

Jung foi o primeiro a postular – ao menos entre o meio psicanalítico – a noção de

totalidade do indivíduo, amparada em seu conceito de self. O self constitui, sob a perspectiva

junguiana, a totalidade do ser almejada em um contínuo processo de individuação, ou seja, de

constante busca de si mesmo. Para Jung chegar a essa conclusão ele percorreu anos de pesquisa

através do estudo comparado entre culturas humanas diversas, o que fortaleceu a premissa de

41

que essa busca por sentido e pela totalidade essencial tem dimensões arquetípicas autônomas

– energéticas, transcendentais e espirituais – que permeiam toda a humanidade e afetam os

indivíduos de maneira individual e coletiva.

Por isso, Jung é considerado como uma das influências – mesmo que remotas – da

Gestalt-Terapia, uma vez que tentou trazer a noção de totalidade do indivíduo buscando estudar

várias dimensões de sua vida – como a cultura, a consciência, a espiritualidade e a atuação das

camadas mais profundas do ser no direcionamento de sua intencionalidade.

Além de ter sido um teórico importantíssimo para área da Psicologia, que trouxe

perspectivas que englobam vários fatores excluídos dos estudos acerca do ser humano, Jung foi

também essencial à formação do todo da Gestalt como teoria e prática, tanto pela concepção

holística, como pela perspectiva humanista de interpretação da realidade.

A seguir, iremos discorrer sobre o Comportamentalismo, a segunda principal vertente

da Psicologia, que surge como pioneira no que diz respeito ao contraponto feito à Psicanálise.

O comportamentalismo, aliado ao método científico, é a vertente que virá apresentar críticas

ferrenhas à teoria freudiana – a qual, pelo seu método interpretativo – não é passível nem de

comprovação e nem de refutação.

3.2 Comportamentalismo

A fundação do Comportamentalismo – também conhecido como Behaviorismo – como

uma vertente da Psicologia deve o seu crédito a Watson, psicólogo experimental norte-

americano já citado no capítulo anterior. A atribuição de Watson como “fundador” dessa

perspectiva se deve a seu status de psicólogo comportamental, fortemente defendido por ele

mesmo e, também, ao seu proclamado Manifesto Behaviorista, o qual tentou definir o objeto

de estudo da Psicologia e marcou, de certa forma, o início de um verdadeiro movimento dentro

da Psicologia norte-americana.

Apesar de Watson ter sido o primeiro a proclamar a Psicologia como uma ciência

behaviorista, o Comportamentalismo não surge, especificamente, com ele. Antes disso, houve

a perspectiva funcionalista, que já colocava em foco o comportamento como o único passível

de observação e, posteriormente, o fisiologista russo Pavlov, também citado anteriormente.

42

Pavlov, então, apesar de ter sido chamado de psicólogo – devido à sua pesquisa acerca

do condicionamento reflexo – não queria ser titulado dessa forma. Segundo ele, era apenas um

fisiologista, e quanto aos objetivos do método científico, afirmava que

[...] a única estratégia cientificamente defensável era limitar a investigação a

estímulos externos e reações fisiológicas mensuráveis. A “abordagem

psicológica”, por outro lado, implicava um dualismo entre processos

mentais e físicos que Pavlov não estava disposto a aceitar (GOODWIN,

2010, p. 340, grifos nossos).

A contribuição de Pavlov para a Psicologia consistiu, então, na descoberta do que ele

chamou de reflexo incondicionado, conceito esse evidenciado através de suas pesquisas com

cães em laboratório. Foi neste estudo com cães que Pavlov se utilizou do condicionamento

reflexo – ou clássico como mais tarde viria a ser chamado por Skinner – como um método

comportamental que visava produzir um determinado comportamento alvo.

Além de estudar, então, os mecanismos comportamentais de estímulo-reação dos

organismos, Pavlov estudara também, nesse processo, uma maneira de controlar o

comportamento. Algo que, mais tarde, ele viria justificar como um objetivo último da ciência

comportamental: a previsão e controle do comportamento humano e não humano.

O condicionamento reflexo, então, consiste no emparelhamento de um estímulo

incondicionado – presente no processo de reflexo incondicionado (resposta involuntária do

organismo frente a um estímulo) – a um estímulo neutro com vistas a produzir um reflexo

condicionado (ou seja, uma resposta condicionada a este estímulo neutro, e não somente ao

estímulo incondicionado ou estímulo primário). O resultado deste condicionamento produziria,

então, o que antes era inexistente – uma resposta automática do organismo (reflexo

condicionado) e um novo comportamento. Tal movimento é representado na figura a seguir.

43

Figura 1 – Esquema S-R (Estímulo Resposta)

Fonte: Adaptação de Moreira e Medeiros (2007)

O reflexo incondicionado se refere a padrões de respostas inatos que todos os seres

humanos possuem selecionados pelo ambiente durante a história evolutiva das espécies. O

condicionamento reflexo, pois, é a mecânica que produz uma gama de novos comportamentos

reflexos que, no entanto, não seriam mais incondicionados às formas inatas e sim condicionados

pelos estímulos do meio ambiente, em outras palavras: comportamentos aprendidos.

Os estímulos são provenientes do ambiente externo e provocam, invariavelmente,

determinadas respostas/mudanças nos organismos. Esse processo deriva da noção de Darwin

de adaptação, que consiste no processo de aprendizagem do organismo decorrente da influência

desses estímulos, que o faz se adaptar às mudanças do ambiente e, consequentemente, alterar a

própria constituição (MOREIRA; MEDEIROS, 2007).

Watson, por sua vez, foi aquele que mais aproximou a perspectiva Comportamental da

Psicologia, e apesar de divergir de forma precisa do Funcionalismo, conduziu estudos ao lado

do funcionalista Carr. No entanto, vale ressaltar que ele foi mais radical do que qualquer outro

behaviorista ao defender um limite extremo entre objetividade e subjetividade e,

44

consequentemente, a eliminação da Psicologia como estudo da consciência em detrimento da

Psicologia como estudo do comportamento.

Para Watson, a Psicologia deveria esquecer completamente qualquer método

introspeccionista ou subjetivo para se deslumbrar nos ditames da ciência comportamental, bem

como deveria esquecer a noção de consciência e trabalhar apenas o comportamento observável,

como nos traz o próprio Watson (1913, p. 158 apud GOODWIN, 2010, p. 352) em seu

manifesto:

A psicologia como o behaviorista a vê é um ramo puramente experimental e

objetivo das ciências naturais. Seu objetivo teórico é a previsão e o controle

do comportamento. A introspecção não é parte essencial de seus métodos, e o

valor científico de seus dados não depende da presteza com que se prestam à

interpretação em termos de consciência. O behaviorista, em seu empenho de

obter um esquema unitário da reação animal, não conhece nenhuma linha

divisória entre o homem e o animal [...].

Muito posteriormente a anos de pesquisa dedicados à ciência comportamental, Watson

acabou por se voltar ao campo da publicidade. Apesar de suas contribuições à ciência do

comportamento, temos de concordar com a história evidenciada aos olhos de Goodwin (2010,

p. 363) ao afirmar que “em certo sentido, o Behaviorismo watsoniano foi um tremendo

fracasso”, pois, apesar de pregar tanto o rigor metodológico, muitas de suas inferências

decorriam de nada além de alegações sem fundamentos e sem tantas evidências empíricas – as

quais o mesmo julgava tão essenciais. Todavia, não podemos deixar de admitir que, como

Wundt, historicamente, Watson também foi um importante psicólogo ao ajudar a firmar o lugar

da Psicologia como uma ciência possível.

De certa forma, ele também contribuiu para a difusão do pensamento behaviorista entre

os norte-americanos – como aconteceu com a perspectiva funcionalista – no que diz respeito à

questão da aplicabilidade da ciência psicológica à vida real e sua eficácia no trato dos problemas

humanos, bem como à forte insatisfação com o método introspeccionista, tal qual lhes parecia

desprovido de aplicação prática. De todo modo, foi apenas entre os norte-americanos que o

Behaviorismo ganhou toda a difusão no início de sua propagação, não tendo tanta repercussão

em outros países, aliás, o utilitarismo sempre foi uma marca e um objetivo dos Estados Unidos

(GOODWIN, 2010).

45

Um pouco mais tarde, porém, já no fim da década de 1920 e início da década de 1930,

o Behaviorismo passou a ganhar nova força através dos chamados neobehavioristas – os

psicólogos norte-americanos Edward C. Tolman (1886 – 1959) e Clark Hull (1884 – 1952) – e

com o Behaviorismo Radical de Skinner. Diante disso, os Behaviorismos watsoniano e

pavloviano passaram a ser denominados de Behaviorismo Clássico em relação às novas

correntes que surgiram. Toda essa força do Behaviorismo decorreu, também, do contexto da

época, em que vigorava a disseminação do positivismo lógico, que tinha entre seus princípios a

pesquisa experimental com base em fenômenos observáveis e replicáveis, bem como o

desprendimento de métodos “especulativos” de se fazer conhecimento.

O problema é que, mesmo se concentrando no que é observável, é difícil, se

não impossível, evitar a discussão de conceitos não observáveis quando se

desenvolve uma teoria. Por exemplo, se você acredita que o comportamento

humano pode ser motivado pela necessidade de reduzir um impulso forte

como a fome, não terá outro jeito a não ser definir exatamente o que é a fome

e como esta funciona para nos motivar a agir (GOODWIN, 2010, p. 370).

Fazendo um elo à citação de Goodwin, entendemos que a definição hipotético-dedutiva

ou indutiva de um determinado fenômeno não necessariamente concebe um fim pronto e a priori

a respeito do fenômeno – não de uma maneira irreversível –, pelo contrário, serve de guia ao

estudo, o qual irá comprovar a hipótese ou não. No caso do método indutivo, a hipótese sequer

existe, o que existe são princípios observáveis que poderão ser transformados em princípios

gerais, a depender dos resultados encontrados.

A motivação, por exemplo, é um fenômeno não observável e, como concluiremos mais

a frente, foi estudada a fundo pelo Behaviorismo, que, antes, precisou definir o que é motivação,

para só, então, poder explorar o fenômeno estudado. Isso não significa, porém, que estudar o

fenômeno lhe dando uma definição seja algo puramente especulativo, muito pelo contrário,

diferentemente da criação e comprovação de hipóteses ou formulação de leis que se

demonstram regulares, a especulação chega à definição e se encerra nela mesma – já os métodos

hipotético-dedutivo e indutivo ancoram suas hipóteses em traços evidentes, que só então

poderão se provar generalizáveis ou universais.

Sendo assim, podemos chegar à conclusão de que o equívoco das perspectivas

positivistas se encontra no extremismo de considerarem como objeto de estudo apenas

fenômenos observáveis, uma vez que muitos dos aspectos estudados por essas perspectivas não

46

se aplicam unicamente a essa categoria, pois, na maioria das situações, são fenômenos

intrinsecamente interligados objetiva e subjetivamente, portanto, fenômenos não-observáveis

acabam se implicando, também, nessa relação.

Para finalizar esta seção a respeito do Behaviorismo, não podemos deixar de aprofundar

um pouco mais as ideias daquele que consideramos um dos principais ícones dessa teoria –

Skinner – do qual já falamos um pouco no capítulo anterior. Falar de Skinner quando se trata

da perspectiva comportamental é imprescindível, uma vez que foi ele quem deu vida à

aplicabilidade de uma perspectiva que tinha tudo para ser só mais um pensamento determinista

e reducionista sobre o ser humano, assim, ressalta-se que Skinner foi o psicólogo que salvou o

Behaviorismo de afundar-se completamente neste erro.

Como já trouxemos anteriormente, Skinner foi o único, dentro da perspectiva

comportamental, a buscar, mesmo que sutilmente, uma unidade entre aspectos objetivos e

subjetivos para a constituição humana, e mesmo concordando com o postulado do

Behaviorismo Clássico a respeito do foco nos fenômenos observáveis, ele tinha outra forma de

enxergar de que maneira esses fenômenos eram constituídos e expressos. Para ele, não havia,

pois, distinção, tudo era comportamento, inclusive o que fazia parte da subjetividade dos

indivíduos. Logo, a subjetividade também poderia ser estudada pela Psicologia, e desta vez, por

um método que diferia completamente do método introspeccionista: a análise experimental do

comportamento.

O principal postulado de Skinner, que amplia o escopo da filosofia behaviorista, é o

conceito de comportamento operante (que corresponde à ação do organismo no ambiente), este

conceito caminha ao lado do conceito de comportamento reflexo de Pavlov (a resposta do

organismo ao ambiente). Nesta linha de pensamento, o condicionamento operante de Skinner

complementa o condicionamento clássico (reflexo) de Pavlov. Sendo assim, Skinner postula o

condicionamento operante como um outro aspecto do controle do comportamento.

O comportamento operante, pois, consiste nos comportamentos emitidos pelos

indivíduos que produzem uma mudança no meio ambiente, ou seja, diz respeito à forma humana

de “operar” ou agir no mundo (GOODWIN, 2010). Sendo assim, segundo Skinner, em

Comportamento Verbal (1957, p. 1), “os homens agem sobre o mundo, modificando-o e, por

sua vez, são modificados pelas consequências de suas ações”. É dessa forma, então, que Skinner

garante a capacidade ativa do indivíduo no mundo, sem deixar de assumir o princípio

importantíssimo a respeito das consequências destas ações, que também são determinantes para

a constituição humana.

47

Em relação à necessidade de se ampliar o entendimento acerca das formas de

comportamento e condicionamento, Goodwin (2010, p. 393) ressalta que

O condicionamento do tipo S [“S” significa estímulo – modelo Pavloviano de

pareamento entre estímulos] explica um certo tipo de comportamento, mas

Skinner argumentava que ele não explicaria muitos comportamentos que

parecem não ter um estímulo facilmente identificável. Isso é, certos

comportamentos são emitidos pelo organismo e controlados pelas

consequências desses comportamentos, e não por um estímulo indutor.

Logo após o postulado sobre o comportamento operante, Skinner estabelece o

condicionamento operante como método fundamental que dará suporte ao que define como

sendo o objetivo da ciência comportamental: a previsão e controle do comportamento (nesse

quesito, o autor não diverge de nenhum dos behavioristas anteriormente citados). Para ele, o

condicionamento operante deveria ser utilizado através da análise experimental do

comportamento, a qual constitui um método/prática ainda mais abrangente, em que se inserem

todos os demais postulados do Behaviorismo.

Skinner, diferentemente de como fizeram os behavioristas do passado – e como também

faziam os teóricos da Psicologia Cognitiva4, a principal rival do Behaviorismo – não admitia

métodos hipotético-dedutivos. Para ele, não havia hipóteses “a priori” e, como ressalta

Goodwin (2010, p. 396), “preferia a abordagem puramente indutiva da pesquisa, estudando

exemplos de comportamento observável e buscando regularidades que pudessem tornar-se

princípios gerais”.

Nessa mesma linha de não se ancorar em hipóteses definidas a priori, Skinner também

ia de encontro ao que ele chamava de ficções explanatórias. Segundo Goodwin (2010, p. 398),

“a ficção explanatória é a tendência a propor algum fator interno hipotético situado entre os

estímulos observáveis e os comportamentos mensuráveis e, então, usar esse fator como

pseudoexplicação do comportamento”. Para Skinner, então, tal explicação, só poderia estar no

histórico de vida e aprendizagem dos indivíduos e nas contingências de reforço a qual foram

expostos especificamente no momento atual do comportamento em evidência.

4 Área da Psicologia que estuda os processos cognitivos (ou mentais) relacionados aos comportamentos,

como por exemplo: memória, pensamento, emoção, sentimento, percepção, atenção etc.

48

Esse entendimento do autor a respeito das ficções explanatórias foi o que o levou a

criticar fortemente as posturas dos fisiologistas a respeito do reducionismo do comportamento

à atividade do sistema nervoso; e a se contrapor aos cognitivistas que se debruçavam sobre

“pseudoexplicações” a respeito do movimento interno dos indivíduos, e nesse processo,

consequentemente, caíam numa perspectiva mentalista de compreensão do ser humano.

A respeito da liberdade de escolha do ser humano – um fator de discussão importante

para nosso trabalho – Skinner defendeu, por uma vida, a mensagem de que esta liberdade era

uma ilusão. Apesar de constar no escopo do comportamento operante uma faceta do

comportamento humano que atua sobre o mundo, para ele, a noção de liberdade de escolha ia

totalmente de encontro ao pressuposto principal da análise do comportamento: a ideia de que o

comportamento segue leis previsíveis e mensuráveis e é passível ao controle das contingências

de reforço ambientais (MOREIRA; MEDEIROS, 2007).

Consideramos que essa defesa de uma vida inteira pode ter sido equivocada no sentido

de contradizer o próprio princípio skinneriano de comportamento e condicionamento operante,

uma vez que agir e se adaptar são comportamentos sumariamente ativos, pois produz mudanças

ambientais. Até mesmo sujeito ao condicionamento, o indivíduo não deixa de produzir

respostas autônomas, se considerarmos, nesse sentido, sua capacidade de filtragem interna ou

privada (comportamentos privados, como por exemplo, o pensamento, a percepção, a atenção

etc.).

O melhor seria dizer que a liberdade de escolha não existe sem variáveis intervenientes,

ou seja, sem fatores externos que a influenciam. Aliás, é preciso admitir que o ambiente também

é autônomo, logo, neste sentido, sim, a liberdade estaria condicionada ao meio ambiente. No

entanto, dizer que a liberdade não existe de jeito nenhum e é uma ilusão anula completamente

a própria filosofia behaviorista de compreensão do ser humano em prol da soberania das leis e

contingências de reforço universais – tão exigidas pela ciência experimental.

Uma das maiores contribuições do Behaviorismo à história da Psicologia foi o produto

final resultante da grande necessidade que a maioria de seus teóricos sentiu em buscar

funcionalidade e eficácia para os seus sistemas aplicados à realidade e, consequentemente, ao

bem-estar humano em geral (GOODWIN, 2010). Tanto quanto as perspectivas funcionalistas e

behavioristas ganharam mais impacto do que os sistemas de Wundt e Titchener, também o

Behaviorismo Radical de Skinner teve maior respeitabilidade e continuidade prática do que os

sistemas neobehavioristas de Tolman e Hull.

49

A seguir, apresentaremos a última das três principais vertentes da Psicologia: a vertente

Humanista e seus desdobramentos. É justamente essa a vertente que irá desaguar na Gestalt-

Terapia como teoria e prática, sendo imprescindível para a consolidação de sua visão de

homem-mundo e também para o desenvolvimento das psicoterapias fenomenológico-

existenciais.

3.3 Psicologia Humanista

Para introduzirmos a Psicologia Humanista como uma vertente, se faz necessário um

apanhado breve da principal teoria que lhes deu base, a Psicologia da Gestalt, que se valeu dos

postulados de Husserl ao construir sua teoria sobre a percepção humana e se tornou o ponto de

partida para um movimento posterior imprescindível no que diz respeito à epistemologia da

ciência psicológica: o Movimento Humanista, de base intrinsecamente fenomenológico

existencial. Mais tarde, este movimento viria a ser chamado de Psicologia Humanista.

Como trouxemos anteriormente, a Psicologia da Gestalt é a primeira geração da

Psicologia que se serviu do conceito Gestalt para construir sua teoria no âmbito da ciência

psicológica. Entre as suas bases filosóficas e epistemológicas está a Fenomenologia, a qual mais

tarde se associou diretamente ao Existencialismo como corrente filosófica e, com isso, passou

a fazer parte de um todo maior chamado Fenomenologia Existencial.

Dentre os principais nomes da Fenomenologia Existencial estão os anteriormente

citados Husserl e Kierkegaard; o filósofo e professor alemão Martin Heidegger (1889 – 1976);

o filósofo e crítico francês Jean Paul Sartre (1905 – 1980); o filósofo existencialista alemão

Friedrich Nietzsche (1844 – 1900); o filósofo fenomenológico francês Maurice Merleau-Ponty

(1908 – 1961); e o filósofo e pedagogo Martin Buber (1878 – 1965).

No entanto, não foi somente a Psicologia da Gestalt que motivou a criação de um

movimento humanista, mas, principalmente, suas bases filosóficas – o Existencialismo e a

Fenomenologia – justamente pelo resgate que essas perspectivas fazem do Humanismo

Filosófico – filosofia que busca re(situar) o homem no centro.

Dentre os principais nomes do Movimento Humanista temos: o psicólogo americano

Abraham Maslow (1908 – 1970); o neurologista e psiquiatra alemão Kurt Goldstein (1878 –

1965), que foi uma das principais influências teóricas; o psicólogo existencialista americano

50

Rollo May (1909 – 1994); e o psicólogo humanista norte-americano Carl Rogers (1902 – 1987),

responsável por desenvolver uma das mais importantes práticas psicoterapêuticas dentro da

Psicologia de base humanista – a Abordagem Centrada na Pessoa (ACP).

A Psicologia da Gestalt pode ser considerada o pontapé do Movimento Humanista

devido à sua ligação com os pressupostos da Fenomenologia de Husserl e, posteriormente, a

sua ligação com os conceitos teóricos de Kurt Goldstein a respeito da relação todo-parte, bem

como devido à própria identificação do Movimento Humanista com uma teoria psicológica que

fizesse um movimento contrário, por assim dizer, ao movimento feito pela vertente

comportamental – que para os psicólogos humanistas acabava reduzindo o todo às partes e

mecanizando o sujeito existencial a leis genéricas e superficiais. A respeito disso, De Carvalho

(1990 apud CASTAÑON, 2007, p. 106) afirma que

[...] a oposição ao Behaviorismo foi a posição que, pelo caminho da negação,

mais contribuiu para o estabelecimento conceitual da Psicologia Humanista.

Os Humanistas caracterizam o Behaviorismo como uma teoria em que o

homem é visto como um ser inanimado, um organismo puramente reativo,

“uma coisa passiva perdida, sem responsabilidade por seu próprio

comportamento” (p. 33). Assim, o Behaviorismo veria o homem como um

conjunto de respostas a estímulos, ou seja, uma coleção de hábitos

independentes.

Além de se contrapor à perspectiva comportamental, a Psicologia Humanista surgiu

também como um protesto à Teoria Psicanalítica, que, a seu ver, era bastante determinista e

enclausurava o sujeito em categorias e leis universais, não permitindo uma compreensão de

possibilidades e alternativas autônomas aos sujeitos. Desse modo, o Movimento Humanista

surgiu em forma de protesto à Psicologia que se fazia anteriormente, visando – em vez de

somente sintomas psicopatológicos – aspectos positivos da vida humana. Aspectos esses

ressaltados por Castañon (2007, p. 107): “[...] a alegria, o altruísmo, a fruição estética, a

satisfação ou o êxtase”.

Diante disso, esse autor destaca que

A oposição feita pelo movimento da Psicologia Humanista ao Behaviorismo

e à Psicanálise teve como influências anteriores principais as obras do

neuropsiquiatra Kurt Goldstein, da Psicologia da Gestalt e de alguns dos

primeiros teóricos da personalidade. Goldstein exerceu poderosa influência

sobre os psicólogos humanistas através de obras como The Organism (1934)

51

e Human Nature in the light of psychopathology (1940), baseadas em sua

pesquisa sobre a capacidade de reorganização do cérebro humano após lesões

cerebrais, feita com soldados feridos em combate. Nelas, Goldstein introduz

conceitos que seriam assimilados e desenvolvidos por psicólogos humanistas,

como os de autoatualização e tendência ao crescimento, assim como sua visão

holista do organismo humano. Ele enfatiza em suas obras a visão de que o

Organismo é um todo unificado, afetado em sua totalidade pelo o que quer

que aconteça em qualquer uma de suas partes (CASTAÑON, 2007, p. 107,

grifos do autor).

Apesar, pois, de ter seus objetivos em relação à ciência psicológica mais ou menos

definidos (e esses objetivos se concentravam em evidenciar o humano escondido ou esquecido

pelas perspectivas comportamentalistas ou deterministas), muitos dos teóricos que seguiram o

Movimento Humanista se contrapunham uns aos outros no que diz respeito ao seu objeto de

estudo e, consequentemente, à concepção de homem-mundo.

Maslow e Goldstein eram, talvez, os únicos que, explicitamente, tentavam não se

distanciar da compreensão biológica do homem acerca de alguns aspectos, como aqueles de

origem natural e filogenética. Maslow, por exemplo, inferiu fortes críticas ao Existencialismo,

compreendendo-a como uma perspectiva que era totalmente antibiológica e anticientífica. Tal

perspectiva filosófica, por sua vez, era a principal via de compreensão do ser humano para Rollo

May, que também fazia parte do Movimento Humanista.

No entanto, houve sim uma tentativa de unificar os diversos lados assumidos pelos

psicólogos humanistas no que diz respeito à compreensão de ser humano e, consequentemente,

seu objeto de estudo. Tal unificação leva em conta os pontos principais da perspectiva

humanista, que são: o ser humano vai além da soma de suas partes; é consciente; possui livre-

arbítrio; e tem intencionalidade (CASTAÑON, 2007).

A visão homem-mundo, para a Perspectiva Humanista, então, se configura como algo

que vai além do que as outras duas perspectivas (Psicanálise e Behaviorismo) pregaram devido

a um fator muito importante e, ao mesmo tempo, muito simples de ser considerado, e que, no

entanto, ambas as vertentes psicológicas escolheram não assumir ou enfocar: a problemática do

sentido da vida.

O sentido da vida vem a se tornar uma problemática para a Psicologia Humanista ao

passo que esta situa o homem no centro e compreende que a atribuição de sentidos é o

movimento constante do ser no e pelo mundo. Todavia, nem sempre estes sentidos são

encontrados, e é nesse momento que a Psicologia deve atuar. No que se refere à pesquisa

52

psicológica, é também por meio da compreensão deste sentido único para cada pessoa que a

Psicologia irá estudar o ser humano, segundo o entendimento de suas multiplicidades e

possibilidades.

Ainda sobre essa concepção de homem, Castañon (2007, p. 111, grifos do autor) ressalta

que,

Sob o enfoque humanista, o ser humano aparece não como uma resultante de

uma série de coisas, mas como, fundamentalmente, o iniciante de uma série

de coisas. O Homem só aparece para o humanismo na questão do sentido, não

na questão da causa explicativa. O enfoque explicativo se refere ao Homem

como resultado, como passado. Não se refere ao Homem presente, desafiado

por questões de sentido.

Desse modo, a vertente Humanista, sob o entendimento de que o ser vai além das

causalidades explicativas da ciência moderna (em que se ampara o Comportamentalismo), se

contrapõe ao paradigma propagado por Locke acerca da experiência, que diz que nada há no

intelecto que antes não tenha passado pelos sentidos. A Psicologia Humanista se contrapõe

veementemente a esse pressuposto, uma vez que o intelecto deste axioma é interpretado por

essa vertente como equivalente à consciência, tal qual é dotada de intencionalidade, da qual

falamos, e que é direcionada para as coisas mesmas. Sendo assim, a consciência não poderia

ser considerada uma tábula rasa – termo um tanto equivocado utilizado por Locke para

justificar seu pressuposto.

Diante do exposto, vale ressaltar que tanto com conceito de intencionalidade, bem como

o conceito do próprio Locke, foram sendo deturpados – o que não é difícil de esperar com a

variedade de posturas teóricas que abarca a Psicologia. No caso de Locke, a culpa foi mais do

termo escolhido (tábula rasa) do que da complexidade de seu pensamento. Em relação à

intencionalidade, o que pode ter influenciado a sua errônea interpretação foram as diversas

adaptações filosóficas e teóricas que o conceito original sofreu.

Poderemos compreender melhor – ao nos debruçarmos sobre os conceitos da Gestalt-

Terapia de maneira mais profunda no próximo capítulo – que a intencionalidade é algo que

antecede até mesmo as funções mentais, para as quais o intelecto é direcionado. A consciência,

pois, é pré-mental e não se reduz meramente à racionalidade ou ao intelecto. A consciência

intencional não é condicionada à atividade mental, logo, o intelecto não pode equivaler ao

conceito de consciência.

53

No que concerne à consciência intencional como fenômeno pré-mental, Granzotto e

Granzotto (2016, p. 31-37, grifos dos autores) ressaltam que

[...] o filósofo Edmund Husserl reconheceu, nas Gestalten originalmente

propostas por Brentano, nossa dupla inserção pré-mental no mundo da vida.

Por um lado, uma Gestalt é uma ação (linguageira, motora, perceptiva...) de

nosso corpo frente ao mundo ele mesmo. Por outro, uma Gestalt é a

manifestação do mundo junto àqueles atos. [...] Não é novidade alguma o

reconhecimento de que o “apetite” ou “desejo irracional”, próprio ao reino

animal, é uma faculdade autônoma. Aristóteles assim já o admitia em sua obra

“De Anima” (1999). Todavia ninguém antes de Brentano havia ousado

afirmar que tal faculdade, além de autônoma, seria capaz de determinar o

curso de nossas faculdades mentais superiores, inclusive a vontade. Uma

vontade orientada por fenômenos pré-mentais não revelaria mais que uma

configuração patológica do psiquismo. Tratar-se-ia de uma deficiência na

capacidade de julgar ou, como se diz no senso comum, uma falta de “juízo”

ou, simplesmente, de uma “loucura”. Brentano vai na contramão dessa

tradição ao afirmar que as representações objetivas produzidas por nossos

juízos estariam antecipadas por “representantes” que se constituiriam em um

domínio pré-mental, como aquele que caracteriza nossa sensibilidade e nossa

motricidade. Brentano chama tais representantes de “fenômenos psíquicos”,

entendendo por isso totalidades de sentido pré-mental (ou Gestalten)

investidas da capacidade de antever, de maneira indeterminada, o objeto a ser

representado por nossos juízos (produzidos por nossos atos mentais).

Se considerarmos, então, o conceito de intencionalidade da consciência (que somente é

consciência de alguma coisa) de maneira fidedigna à concepção do filósofo alemão Franz

Brentano (1838 – 1917), ressalvada por Husserl, não há como conceber um ser humano

dissociado das suas vivências no mundo da experiência, pois são estas vivências que lhe oferece

substância e lhe confere a possibilidade de atribuição de sentidos.

Quanto à tábula rasa, apesar do termo infeliz utilizado por Locke para se referir ao ser

humano, quando ele defende o pensamento aristotélico dizendo que não há nada no intelecto

que antes não tenha passado pelos sentidos, ou seja, que não tenha sido vivido na experiência

– se considerarmos o contexto em que o pensamento materialista ganhou vigor e

preponderância –, perceberemos com mais clareza que ele não estava se contrapondo,

necessariamente, à ideia de consciência autônoma ou intencional – aliás, esta também só é

possível enquanto em relação com o mundo –, e sim estava se contrapondo ao racionalismo

cartesiano que precedeu o nascimento da “verdadeira” ciência.

O que Locke fez, então, foi uma contraposição às teorias cartesianas e platônicas

(mundo das ideias) a respeito da soberania da razão sobre os sentidos e sobre a experiência

54

humana. Ele defendia que o homem se constitui na experiência e que não há algo “dado” a

priori em um imaginável “mundo das ideias” onde reside a razão/intelecto. O termo intelecto,

pois, se refere à ideia de mente/razão, a qual sob a perspectiva platônica e cartesiana, assume

uma relação hierárquica com os sentidos (que sobrevivem de aparências). É a essa relação – da

mente como predominante sobre os sentidos – que Locke vem manifestar negação.

No mais, não poderemos deixar de ressaltar o nome de Wilhelm Dilthey como uma das

maiores influências da Psicologia Humanista, no que se refere à sua compreensão sobre as

ciências e sobre qual o método mais adequado ao objeto de estudo das ciências humanas. Como

já falamos no capítulo anterior, Dilthey foi aquele que buscou legitimidade para o método

compreensivo das ciências humanas e é o principal responsável pela distinção científico-

epistemológica entre explicar e compreender.

A despeito de sua configuração holística, a Psicologia Humanista se tornou a área da

Psicologia em que várias abordagens psicológicas se inseriram, justamente pela sua

característica de colocar o ser humano em sua singularidade como centro/foco e em primeiro

lugar. O centro, por si só, abarca não só o ser humano como uma totalidade, mas também como

uma totalidade interrelacional – a essa relação atribuímos a perspectiva de “todo”, que

compreende todos os aspectos do campo que afetam o ser ou que sejam afetados por ele.

Neste capítulo, pudemos revisitar as principais vertentes da Psicologia – a Psicanálise,

o Comportamentalismo e a Psicologia Humanista –, entendendo quais os principais postulados

de cada uma, suas visões de mundo e de sujeito, bem como a que cada uma se contrapõe no que

diz respeito à adoção de um modo específico de ciência e de entendimento dos fenômenos

humanos. Esse esclarecimento do modus operandi de cada teoria psicológica nos oferecerá

maior suporte para o entendimento da Gestalt-Terapia como teoria e como prática.

A Gestalt-Terapia como prática psicoterápica é uma das principais abordagens que virá

compor o leque de possibilidades dentro de uma perspectiva humanista de se trabalhar e

enxergar o ser humano. No capítulo que segue, discutiremos de forma mais profunda sobre as

suas bases epistemológicas e pressupostos filosóficos dessa abordagem, bem como das teorias

dentro da Psicologia que lhe dão suporte. É sobre ela que nos debruçaremos daqui em diante,

retomando seus principais conceitos e explorando sua prática clínica.

55

4 BASES EPISTEMOLÓGICAS, PRESSUPOSTOS FILOSÓFICOS E TEÓRICOS DA

GESTALT-TERAPIA

Neste capítulo, faremos um passeio pelas bases epistemológicas, filosóficas e teóricas,

bem como pelos principais conceitos da Gestalt-Terapia, a fim de esclarecer, posteriormente,

sua aplicação prática. Iniciaremos com o aprofundamento da noção de Gestalt, conceito que se

performou historicamente sob a perspectiva de vários autores e estudiosos. Assim, falaremos a

respeito da compreensão de homem-mundo que implica a noção de Gestalt, bem como, das

perspectivas que adotaram essa compreensão, tal qual, mais tarde, veio a se tornar o escopo da

prática clínica psicoterapêutica que pretendemos analisar: a Gestalt-Terapia.

Sendo assim, este capítulo será destinado à explanação de como essas bases conversam

com a Gestalt-Terapia em si, demonstrando os principais conceitos em que essa discussão

teórico-filosófica desagua. Serão discutidas, então, as seguintes perspectivas: a Fenomenologia,

o Existencialismo, o Humanismo, a Psicologia da Gestalt, a Teoria Organísmica, a Teoria de

Campo e, por fim, a Gestalt-Terapia.

Como falado anteriormente, a noção de Gestalt remonta um histórico de autores e

teorias. É por este motivo que este capítulo se faz imprescindível no sentido de discutir como a

ideia de Gestalt se configura em cada perspectiva teórica e de que forma, mais tarde, acaba se

tornando uma prática clínica.

4.1 O que é Gestalt?

O primeiro a postular o vocábulo Gestalt foi o filósofo Franz Brentano. Para ele, as

gestalten – termo técnico do filósofo para se referir ao plural de Gestalt – são entidades

correspondentes aos fenômenos psíquicos. A escolha do termo gestalten se dá justamente pelo

que falamos anteriormente, relacionando o conceito de Gestalt à noção de configuração ou

totalidade. Para esse filósofo, no entanto, os fenômenos psíquicos são, além de totalidades,

gestalten autônomas e espontâneas, portanto, pré-objetivas, e próprias daquele que as detém,

ou seja, próprias do sujeito e imanentes à consciência (GRANZOTTO; GRANZOTTO, 2016).

É importante falarmos de Brentano, pois este foi um dos principais precursores do

movimento fenomenológico, apesar de não ter sido considerado o pai da Fenomenologia, lugar

56

que mais tarde viria a ser ocupado por Husserl. Além de tudo, Brentano foi aquele pontapé

inicial que era necessário para o desenvolvimento de uma filosofia fenomenológica – o que

mais tarde acaba por se configurar não só como método de interpretação da realidade, mas

também como uma ciência humana.

Junto à noção de Gestalt nasce, também, o conceito de intencionalidade, fenômeno esse

que precede até mesmo nossos atos mentais, ou seja, é algo compreendido como inerente à

pessoa, mas que não se confunde com a mente ou o intelecto. Por isso, as gestalten são como

são: totalidades espontâneas e autônomas, pois essas são guiadas pela intencionalidade da

consciência. Não há como tratar de um conceito sem o outro. Conforme Fonseca (2006, p. 30,

grifos do autor),

[...] Brentano, igualmente, entendeu que a consciência se constitui num nível

mais básico do que o nível da dicotomização sujeito-objeto. Ou seja, a

consciência constitui-se anteriormente a qualquer cisão sujeito-objeto, o que

ele designou de caráter intencional, a intencionalidade, da consciência [...]

Para Brentano, os fenômenos psíquicos são equivalentes ao movimento da consciência

intencional, este movimento é completamente anterior à relação sujeito-objeto. Sendo assim, o

filósofo insere toda a orientação autônoma das gestalten (a intencionalidade) em um nível que

não nos permite compreender exatamente como a nossa intencionalidade opera no mundo e de

que forma o mundo é capaz de transforma-la também.

Mais tarde, Husserl reelaborou o conhecimento teórico encontrado em Brentano,

ampliando o conceito de intencionalidade. No entendimento deste conceito, inseriu a

consciência situada pela noção de tempo, fator não discutido por Brentano e que viria orientar

a compreensão dos vividos essenciais (objetos psíquicos totalmente ligados às vivências de

correlação). Husserl, ao elaborar sua Fenomenologia, sentiu falta de uma descrição que

colocasse a relação com o mundo em maior evidência (GRANZOTTO; GRANZOTTO, 2016).

Husserl se incomoda com essa “falta” no pensamento de Brentano e, através das noções

de atual e inatual – que se referem a acontecimentos emergentes para a consciência situados

nos tempos presente, passado e futuro –, postula que a intencionalidade acontece no potencial

correlacional que o mundo pode fornecer ao indivíduo.

É por isso que Husserl fará críticas à definição de Brentano e diante desse processo de

produção define a noção de objeto intencional transcendente, em que tenta mostrar que as

57

coisas mesmas do mundo também possuem intencionalidade quando em relação conosco –

seres conscientes e orientados por uma intencionalidade intrínseca.

Para Brentano, os fenômenos psíquicos – imanentes à consciência – são a origem dos

atos e objetos psíquicos. Os fenômenos psíquicos abrigam a intencionalidade dos sujeitos,

enquanto os atos psíquicos dizem respeito às representações mentais ou ações dos sujeitos

voltadas ao mundo. Para Brentano, a intencionalidade se findava nos fenômenos psíquicos, ou

seja, residia na consciência.

Husserl, por sua vez, só concordou com Brentano no que diz respeito à origem dos atos

psíquicos, que é a consciência, mas discordou no que diz respeito ao movimento intencional

ser um processo unicamente da consciência, pois, para o filósofo, “consciência é sempre

consciência de alguma coisa”. Nesse sentido, entendia que os fenômenos psíquicos e a

consciência como origem dos atos e representações estava sujeita, também, ao objeto

intencional transcendente, ou seja, a consciência não só implica como é implicada nessa relação

com o mundo. Dessa forma, Husserl amplia o leque de possibilidades das pessoas ao afirmar

que o mundo e as coisas mesmas ganham intencionalidade, ao passo em que ambos (em um só)

se relacionam com a nossa subjetividade.

Nesse ínterim, o mundo é capaz de nos moldar também, mas ele não age sozinho, da

mesma forma que nós também não agimos. Uma vez que nossa consciência é situada no tempo,

somos capazes não só de representar a realidade subjetivamente sob o viés de uma nova

totalidade subjetiva, como também somos capazes de criar a nossa própria realidade com base

nos atos intuitivos e conforme as próprias potencialidades que a relação com o mundo pode

gerar.

O objeto (ou a materialidade da existência) torna-se intencional e é transcendente

porque não é mais imanente ao sujeito, é constituído na relação com ele e vice-versa. Assim,

Husserl ressignifica o pensamento de Brentano – e não que Brentano estivesse errado, apenas

não tratou da relação com o mundo que é evidenciada pela Fenomenologia.

Sendo assim, a respeito do conceito gestáltico de intencionalidade podemos concluir

que esta é pré-objetiva, no sentido de não se resumir à racionalidade intelectual e nem mesmo

depender de um fator externo (como podemos perceber com base nas afirmações de Brentano).

Com base no caráter relacional/temporal essencial ressaltado por Husserl, percebemos que uma

vez orientada para algo, uma vez direcionada às coisas mesmas, a intencionalidade acontece

58

através de vivências essenciais5 correlatas ao mundo – aquele que, neste contexto, torna-se

objeto intencional transcendente.

Portanto, a intencionalidade não possui um caráter unicamente individual. Ela acontece

em dois níveis: o nível pré-mental/pré-objetivo ou operativo, em que ela é (de ser), e no nível

mental/comportamental ou categorial (de existir). Quando dizemos que ela é pré-mental/pré-

objetiva, nos referimos ao pensamento de Brentano, o qual se volta para a intencionalidade

como um fenômeno psíquico originador dos atos e objetos psíquicos, portanto, que não depende

do nível mental. E quando afirmamos que existe um nível mental/comportamental ou

categorial, nos referimos à Husserl, que evidencia o caráter vivencial da intencionalidade

correlato ao mundo.

Neste sentido, a intencionalidade torna-se um fator intersubjetivo, sua essência é

produzir vivências, e essas vivências são sempre representadas pela potencialidade

organizacional das gestalten em dar forma ou um sentido único para aquilo que vivencia. Além

disso, a via de sentido não é a única via para a qual a intencionalidade se direciona. A

intencionalidade também comporta os nossos movimentos e todo o processo que diz respeito

ao vir-a-ser. Conforme Granzotto e Granzotto (2016, p. 55, grifos nossos),

[...] o que nos permite falar – agora do ponto de vista dos atos – de uma

diferença entre uma intencionalidade operativa, eminentemente exercida na

forma de atos intuitivos e voltada para transcendências ou possibilidades

unirradiais (como são os objetos da percepção, da memória, da imaginação e

da motricidade); e uma intencionalidade categorial, eminentemente exercida

por meio dos atos intencionais e voltada para transcendências ou

possibilidades unirradiais (como são os objetos da linguagem, das ciências, da

filosofia e da lógica e, em certa medida, da experiência clínica).

Dessa forma, o movimento das gestalten e da intencionalidade estão intrinsecamente

relacionados, um não acontece sem o outro. E é por isso, também, que não podemos falar de

Gestalt e, mais especificamente, de Gestalt-Terapia, sem retomar a origem de seus principais

conceitos. Ressaltamos, então, que todos os teóricos que discutiremos mais a frente construíram

5 Na abordagem transcendental husserliana as vivências essenciais se referem não somente aos objetos

(ou objetividade correlata ao mundo), mas majoritariamente ao “como” conhecemos os objetos do

mundo, como significamos e ressignificamos as relações.

59

seus conceitos gestálticos, inclusive o próprio conceito de Gestalt, à luz da Psicologia de

Brentano e da Psicologia eidética e descritiva de Husserl.

Diante disso, Gestalt vem a significar, na sua essência, a totalidade destas perspectivas

que transmutam uma palavra numa ação. É algo que estamos tentando evidenciar no decorrer

deste trabalho: como o conceito de Gestalt, independentemente de qual autor vos fala,

representa uma prática voltada ao ser humano em sua totalidade, representa uma prática voltada

ao homem como centro de sua vida. A seguir, apresentaremos a Fenomenologia, que é uma das

bases filosóficas da Gestalt-Terapia, resgatando seus principais fundamentos.

4.2 Fenomenologia

A Gestalt-Terapia é baseada numa abordagem fenomenológica, isto quer dizer que toda

a sua prática é orientada por uma visão fenomenológica do mundo e daquele que lida com ele:

o homem. E o que é a Fenomenologia? Como dissemos anteriormente, a Fenomenologia

tornou-se, além de uma filosofia, um método de interpretação da realidade. Esta seção se destina

a compreender alguns dos principais pressupostos fenomenológicos que se relacionam com a

Gestalt-Terapia, que faz um resgate clínico de seus conceitos fundamentais.

“Fenômeno”, segundo a etimologia da palavra, significa “aparecer” ou “manifestar-se”.

Filósofos fenomenológicos, como Heidegger, se utilizaram desses conceitos para tratar do que

para nós aparece como algo desconhecido e que de alguma forma só poderia ser reconhecido

através da luz (RIBEIRO, 1985). Ou seja, fenômeno é algo que se manifesta, mas além de tudo,

se mostra desconhecido à consciência, e que só então descoberto poderá ser significado pela

nossa percepção. Neste sentido, a luz diz respeito ao momento em que um fenômeno fica

evidente para a consciência através da nossa percepção.

Quando dizemos fenômeno, podemos dizer que o homem em si é um

fenômeno, sem dúvida o mais complexo, aquele com que o manifestar-se da

consciência percorre caminhos de difícil acesso. Pois o fenômeno homem se

revela lentamente. Quanto mais ele se desnuda, mais ele vem, se aproxima de

uma determinada luz, mais ele está em contato com a sua realidade, com sua

essência (RIBEIRO, 1985, p. 45).

60

É interessante observar que a Fenomenologia é o que vem dar norte a toda noção de

Gestalt, porque é ela, como método de interpretação da realidade, que nos fará discutir acerca

da nossa própria percepção consciente, e toda a percepção consciente se relaciona com a noção

de sentido para nós como pessoas. Assim, a Fenomenologia nos faz questionar: como

apreendemos esse mundo que nos cerca? Conforme afirma Ribeiro (1985, p. 44), “[...] de certo

modo, uma casa, por exemplo, não tem realidade nem na consciência, nem fora dela, mas o seu

modo de existência vai depender do modo como a consciência a apreende, a encontra, a visa,

do modo como ela lhe dá sentido”.

Segundo Husserl, a Fenomenologia é a ciência descritiva das essências da consciência

e seus atos. Para este autor, os vividos (ou vivências) são essenciais no sentido de serem únicos

e singulares para cada ser consciente que os vivencia e, consequentemente, existe. Além de

tudo, são essenciais como fatores inerentes à vida, que só acontece em um processo

correlacional homem-mundo. Os nossos atos, então, serão sempre moldados pela nossa

percepção consciente, pelo sentido que atribuímos às coisas, pela nossa capacidade de filtrar,

interpretar e significar a realidade e tudo que se apresenta como fenômeno (RIBEIRO, 1985).

Sendo assim, partindo dessa compreensão do ser consciente e da relação que ele

estabelece com o mundo, temos de enfatizar o conceito de redução fenomenológica, que é de

extrema importância, e que, mais tarde, será utilizado como norte para a prática da Gestalt-

Terapia, tanto como princípio metodológico, quanto como princípio ético. A essência deste

conceito preconiza que todos nós tendemos a ir às coisas mesmas e atribuir-lhes significado.

Cada significado é único a depender de quem o vivencia e se relaciona com o fenômeno dado

em si. Com isso, compreende-se que os fenômenos jamais estão dissociados das experiências

de cada sujeito. É por isso que Husserl cria o seu conceito de redução fenomenológica para

evidenciar a importância de, ao ir às coisas mesmas, colocarmos as nossas verdades (certezas,

sentidos e julgamentos) entre parênteses. Esta seria a única forma de compreender o fenômeno

como ele verdadeiramente se apresenta.

A redução fenomenológica, porém, terá sempre um limite, pois, compreendemos, sob o

ponto de vista da Fenomenologia, que tudo está em relação e, automaticamente, o fenômeno

ganha intencionalidade ao passo em que nos encontramos com ele. Só que precisamos nos

despir de nossos julgamentos, para que verdadeiramente encontremos sua essência intrínseca.

Na ciência experimental esse distanciamento é chamado de neutralidade (fator que

retira a influência do profissional do objeto estudado), mas, para a Fenomenologia, não é

possível ser totalmente imparcial, pois estamos sempre em uma posição de correlação, logo, o

61

movimento de atribuir sentido é involuntário. De toda forma, o que podemos fazer é deixar

esses sentidos produzidos entre parênteses. Este movimento constitui a redução

fenomenológica.

Uma das diferenças entre o método fenomenológico e o método científico, portanto, é

que, sob a ótica da redução fenomenológica, o fenomenólogo está completamente interligado

ao fenômeno pelo apriori de correlação, enquanto que na ciência experimental busca-se estudar

e lidar com o fenômeno em si de forma isolada, ou como dito, de forma neutra. Sob a

perspectiva de Ribeiro (1985, p. 60), no entanto, defender o método da redução fenomenológica

em vez do método científico da neutralidade não significa “renunciar à objetividade científica,

mas antes reintegrar o mundo da ciência ao mundo da vida”.

Para a Fenomenologia e para Gestalt-Terapia, então, o conceito de redução

fenomenológica é de extrema importância, uma vez que nós, como psicoterapeutas, precisamos

olhar para o outro em sua singularidade, antes de qualquer pressuposto teórico-científico e antes

mesmo de nossas pressuposições como humanos.

Acerca da complexidade da redução fenomenológica, Ribeiro (1985, p. 44) faz as

seguintes reflexões:

Como é difícil estar diante das coisas (pessoas, fatos) sem nos misturarmos

com elas! Como é difícil essa postura de observador, que se coloca à distância,

para poder ver melhor! O que significa “ir às coisas mesmas”, quando estamos

diante de um cliente? Que significa “reduzir”, para encontrar a essência

mesma do que se procura? No entanto, se não “reduzirmos”, terminamos

fazendo terapia de nós mesmos e não de nossos clientes. Reduzir, aqui,

significa encontrar-se com o cliente nele, com ele, através dele. Significa

encontrar, intuir tudo que ele é em si, sem nenhuma mistura de nada daquilo

que nós somos. Significa perceber-lhe a essência e com ela familiarizar-se,

significa descobrir-lhe a totalidade e concomitantemente descobrir o sistema

de correlação que minha consciência estabelece com ele. Significa, enfim,

chegar à sua essência.

O conceito de redução fenomenológica, então, além de nos colocar numa posição ética

frente ao indivíduo (fenômeno intimamente complexo que se apresenta), nos remete ao

princípio de enxergar as pessoas em sua totalidade e não apenas como uma soma de suas partes

e/ou sintomas decorrentes de um momento existencial. Diante disso, Ribeiro (1985, p. 58-60)

ressalta que

62

O homem todo e tudo no homem são o objeto da fenomenologia. Isto significa

acabar com a dicotomia mente-corpo e passar o predomínio à pessoa-como-

um-todo [...] a coerência fenomenológica não poderia ir a outro lugar, pois o

homem é a expressão dele todo. Não há como dicotomizar, seja separando

mente e corpo, sujeito-objeto, seja valorizando mais a um que a outro. A

fenomenologia tenta recuperar o homem todo, prestando especial atenção ao

seu corpo que é o visível do invisível, que é o tocável do intocável, que é o

experimental do inexprimível.

A Fenomenologia é, portanto, a ciência que se debruça sobre os seres humanos de forma

a apreender-lhes como realmente são: seres conscientes, únicos em sua totalidade e dotados de

intencionalidade. Esclarecidos os principais pontos da Fenomenologia que alicerçam a prática

da Gestalt-Terapia, podemos concluir que esta filosofia e o resgate de seus métodos oferecem

um suporte essencial tanto à compreensão de homem-mundo da Gestalt-Terapia, quanto à sua

prática clínica e psicoterapêutica. A seguir, apresentaremos o Existencialismo que é, também,

uma das correntes filosóficas de base da Gestalt-Terapia.

4.3 Existencialismo

O Existencialismo, como uma corrente filosófica, tem uma grande incógnita como

figura de seu questionamento: a existência. A existência, para os filósofos dessa corrente, é a

grande e principal interrogação dos seres humanos. “De onde viemos?”, “Para onde vamos?”,

“O que viemos fazer aqui?”, “Escolhemos estar aqui?” e “Quando escolhemos?” são perguntas

que, ao longo de nossas vidas, foram se tornando parte fundamental da nossa constituição, pois

responder a essas perguntas ou encontrar respostas convincentes para cada uma delas é o que

pode nos orientar para algo.

Essa orientação/norte, segundo o Existencialismo, é algo para o qual todos os seres

humanos, mais cedo ou mais tarde, acabam se voltando. Todos estamos à busca de sentido,

pois, desde os primórdios, o ser humano se questiona sobre suas origens, sua constituição, suas

capacidades, e também sobre a existência como um todo. É algo que se desvela como

incompreensível, na maioria das vezes e para a maioria das pessoas.

Atualmente, com o desenvolvimento da ciência e com o avanço constante da produção

de conhecimento – inclusive, da própria Psicologia – nós podemos ter algumas dessas respostas,

mas tudo é tão amplo e cada pessoa é tão una que o sentido e o significado vão depender,

primordialmente, daquele que o procura. Esse é um dos motivos e uma das justificativas para a

63

criação das psicoterapias de base fenomenológico-existenciais, pois, como afirma Ribeiro

(1985, p. 41), “[...] esta nos parece uma das funções da psicoterapia existencial, fazer com que

o homem se interprete, encontre seu próprio lugar no mundo, como dizia Kierkegaard: ‘O

homem não pode viver sem sentido’”.

Então, antes mesmo de ser uma corrente que se questiona a respeito do sentido da

existência, o Existencialismo vem a ser uma filosofia que busca encontrar o sentido dessa

existência, ele tem a função de ajudar o homem em sua jornada, tomando o próprio homem

como centro. Sendo assim, essa corrente filosófica busca colocar o homem em contato com a

própria experiência direta no mundo, considerando que somente ele poderá interpretar

fielmente a própria condição existencial.

Além do questionamento da própria existência, dos próprios limites e das próprias

possibilidades, o Existencialismo conduz a pessoa ao exercício do autoconhecimento, que é

uma ferramenta que nos convida a enxergar o valor e o significado do homem como pessoa e

como humanidade.

Este apelo ao “conhecer-se” profundamente não é uma proposta intelectual,

mas conhecer-se na relação com o mundo e consigo próprio, de modo que o

homem possa dar respostas diferenciadas entre suas necessidades e as

exigências que vêm de fora (RIBEIRO, 1985, p. 35).

O autoconhecimento, nesse sentido, não só serve para o indivíduo – que é ente principal

da própria vida – mas também atua como ferramenta da própria psicoterapia fenomenológico-

existencial, no sentido de oferecer tanto ao terapeuta, como ao cliente, um ponto de partida para

o desvendar do fenômeno do ser. Como ressalta Ribeiro (1985, p. 35) “ao se desvelar, o homem

se conhece e, desvelando-se a si próprio, ele pode compreender o outro”.

Para o terapeuta, é de extrema importância esse exercício como uma forma de situar as

próprias demandas e não as confundir com as do cliente. Esse processo desagua na redução

fenomenológica, em que se compreende o outro a partir dele mesmo e não do que se pensa ou

sente sobre o outro.

Para o cliente, por sua vez, o autoconhecimento – tanto fora do processo terapêutico,

como inserido nele – o conduz para dentro de si mesmo e da movimentação da própria essência,

proporcionando um maior entendimento a respeito dos próprios desejos, dos próprios impasses

64

e das possibilidades enquanto sujeito, como também uma tomada de consciência – conceito

fundamental que discutiremos mais à frente na seção sobre Gestalt-Terapia.

No que diz respeito ao autoconhecimento como uma verdadeira tomada de consciência,

Ribeiro (1985, p. 36) nos traz que

A existência é o todo. Lidar existencialmente com o todo significa estar atento

aos apelos internos que dele promanam, às contradições nele existentes, às

mudanças do dentro-fora-dentro da realidade. Esta visão empresta um sentido

todo especial à nossa proposta de entender o processo psicoterapêutico a partir

de um conceito de homem, como algo real, coisificado na existência através

de uma história individual.

Com essas considerações, podemos perceber que o Existencialismo, tão quanto o

Humanismo, também busca situar o ser humano no centro de sua vida, como um ser autônomo,

livre e responsável. A pessoa em si é o mais importante. O que nos traz, mais uma vez, às

noções de ser e existir – conceituações que são a base dessa corrente. Nas palavras de Ribeiro

(1985, p. 36, grifos nossos),

Assim como diz Heidegger, só o homem existe, enquanto modo característico

de estar no mundo, ao passo que as coisas simplesmente são. As coisas não

têm, como o homem, entendimento, sentimento, linguagem, que Heidegger

chamou de existentialia. Enquanto ser que existe, o homem é um ser de opção,

podendo definir o que pretende ser. O homem paira acima das coisas

materiais, não se confundindo com elas. Ele é o Dasein, uma peça individual,

diferenciada no mundo.

Essa noção de existência vem do entendimento de que o homem é o único capaz de

projetar a si mesmo, ele é o único que pode sair de si, mesmo que categoricamente, para criar-

se a si mesmo novamente, é o único que – no sentido etimológico da palavra existência (ex-

sistere) – pode vir-a-ser e, além de tudo, construir tudo o que demais existe (inclusive a si

próprio), através da própria intencionalidade, através do seu próprio e único operar no mundo

(RIBEIRO, 1985).

Diante disso, surge a pergunta: quem é o Dasein? Ele é o ser-aí, o eis-aí-ser.

O termo “Dasein” serviu para designar a manifestação do ser enquanto ente.

O Dasein se compreende a si mesmo enquanto ser que existe. Segundo

Heidegger, a substância do Dasein é a existência e não o espírito enquanto

65

síntese de corpo e alma. O Dasein não pode ser caracterizado fora da

existência. Ele é seu compreender-se e seu projetar-se. O Dasein enquanto

substância, ou seja, na sua existencialidade ou substancialidade é um ainda-

não, que se lançando na existência reside na não totalidade, no vazio, no nada.

A existência é a sua essência (ROBERTO, 2009, p. 1).

Diante dessa condição de vir-a-ser, a existência se lança ao homem como um

enfrentamento. Aliás, falar em uma pessoa livre, autônoma e responsável a defronta com uma

gama de responsabilidades. É nesse viés que Sartre (1970, p. 7) dirá que “O homem está

condenado a ser livre. Condenado porque não se criou a si próprio; e como, no entanto, é livre,

uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo quanto fizer...”.

Sob esse viés, a liberdade é entendida enquanto angústia que movimenta. Então, ao

mesmo tempo em que o homem pode definir-se a si mesmo conforme a própria condução do

vir-a-ser, toda a sua relação “com o aqui-agora é limitada pela relação da pessoa com o mundo”

(Ribeiro, 1985, p. 36). Sendo assim, a autonomia – fator que oferece controle – também é

condicionada às consequências das próprias ações no mundo, e é claro, também é condicionada

à liberdade do outro, pois tudo está em constante relação e implicação.

A partir dessa implicação, também surge a noção de responsabilidade – agarrada à

perspectiva da liberdade – pois, uma vez livre, como afirma Sartre, podemos escolher os

caminhos a seguir, no entanto, ao passo que escolhemos, tornamo-nos responsáveis por

quaisquer resultados que decorra dessa escolha. Como ressalta Ribeiro (1985, p. 39),

[...] O homem é angústia, pois, sendo livre e como tal se reconhecendo passa

a ser também um legislador de si e dos outros. De outro lado, deve fazer tudo

sozinho, pois ninguém pode, de fato, executar seu projeto para ele; ele é o

criador responsável de si próprio.

Neste sentido, como afirmou Sartre, resgatado por Ribeiro (1985, p. 39), “o

existencialismo é assim, uma moral de ação e um verdadeiro humanismo”, assim tornou-se base

primordial de uma prática direcionada à pessoa como principal interprete de si mesma. Uma

prática como essa implica em não sobrepor nenhuma teoria sobre à pessoa, implica não impor

qualquer julgamento ou pressuposto anterior ao que a própria pessoa escolheu para si mesma

através da tomada de consciência e através da própria liberdade e responsabilidade.

Desse modo, o Existencialismo – junto à Fenomenologia – vem a ser um dos

pressupostos filosóficos de base para o desenvolvimento da Gestalt-Terapia como visão de

66

homem-mundo e como prática psicoterapêutica justamente pelo seu olhar sobre a existência e

sobre o humano que caminha por ela – um ser humano livre, autônomo e responsável.

Seguiremos na exploração das bases filosóficas da Gestalt-Terapia nos debruçando agora sobre

o Humanismo.

4.4 Humanismo

No capítulo anterior, nós falamos do Movimento Humanista, desenvolvido por

psicólogos que tentaram resgatar os princípios do Humanismo Filosófico como corrente que

busca situar o homem no centro. Aqui, discorreremos um pouco sobre essa perspectiva

filosófica que serviu de base para o desenvolvimento da Gestalt-Terapia, enfocando os

princípios da Psicologia Humanista como corrente que defende o Humanismo.

Trouxemos, no capítulo anterior, a Psicologia Humanista como uma das três vertentes

em Psicologia, a qual possui um conjunto diverso de abordagens psicológicas que se orientam

por esse viés de compreensão do humano. Dentre as principais abordagens temos A abordagem

Centrada na Pessoa e a Gestalt-Terapia.

No entanto, cabe ressaltar aqui, no que diz respeito às bases filosóficas e teóricas da

Gestalt-Terapia, que o Humanismo, antes de se tornar um movimento concreto, direcionado por

psicólogos e estudiosos da área da Psicologia, foi um movimento implícito e sutil que fez parte

do pensamento de vários filósofos desde a Grécia antiga e do Renascimento. Antes de um

movimento da Psicologia, foi um movimento cultural que tentava resgatar os valores greco-

romanos e buscava, também, o desprendimento dos dogmas cristalizados da Igreja Católica,

que era dominante na época (FONSECA, 2006).

O Humanismo foi um fenômeno presente em todas as filosofias direcionadas pelo

Existencialismo e pela Fenomenologia Existencial, e só mais tarde é que vem a se tornar um

movimento concreto dentro da Psicologia. É também por esta abundância de teóricos e filósofos

envolvidos com a perspectiva humanista que há, ainda, muitas divergências de pensamento e

compreensão dentro da Psicologia Humanista como um todo. Mas, no geral, todas as

perspectivas que se enquadram nessa vertente têm uma equivalência: o homem e suas vivências

como centro de tudo.

67

A Psicologia Humanista, precisamente, é a vertente em que desagua, então, todas as

teorias e técnicas que se voltam para o entendimento do homem no centro de sua própria vida,

e para além da compreensão sobre o homem, também trata da relação humana para com o

homem humano. Ou seja, traz o foco para a relação terapêutica, que, acima de tudo, deve ser

guiada por uma ética que tem o humano como um ser autônomo, livre e responsável.

Isso nos leva a uma compreensão que retira do terapeuta o lugar de “detentor do saber”

e retira também a soberania da técnica sobre a vida das pessoas. É por esse fator, também, que

o Humanismo está intrinsecamente ligado às perspectivas fenomenológico-existenciais, pois

toma a vivência humana como ponto de partida. Neste sentido, com o homem no centro de sua

vida, compreendemos que também cabe a ele as rédeas do próprio processo terapêutico. O

terapeuta, então, deve ser alguém que estará ali para auxiliar na construção desse caminho, mas

não alguém que rouba a autonomia do sujeito e lhes diz o que fazer (FONSECA, 2006).

Conforme o humanista Carl Rogers, todos os seres humanos tem a capacidade inata para

o autocrescimento, potencialidade que Rogers chamou de tendência atualizante, que, segundo

ele, “[...] é uma tendência inata de todo organismo ao crescimento, maturidade e atualização de

suas potencialidades” (BRITO; MOREIRA, 2011, p. 1). O papel do terapeuta é, então, oferecer

as condições necessárias para a potencialização dessa tendência ao crescimento pessoal, e essas

condições, segundo Rogers, constituem os três pilares da relação terapêutica, que são: empatia,

consideração positiva e autenticidade – discorreremos sobre esses pilares posteriormente.

Indo por esse caminho, podemos perceber que evidenciar o homem como centro de sua

própria vida também o coloca diante de si mesmo. Compreendê-lo como ente que possui

capacidades e potencialidades de se autorregular desagua, também, no entendimento de que

cada pessoa possui ferramentas que atendam a seu próprio desenvolvimento como pessoa.

Neste sentido, o Humanismo traz o foco para o crescimento e realização do ser humano

– a partir dele mesmo – e não somente através de um processo terapêutico, e mesmo dentro do

processo, a autonomia é toda dele, tão quanto a responsabilidade no que diz respeito à sua

própria evolução. Isso provoca um processo de humanização – por parte do terapeuta e do

cliente – que se tornam cada vez mais humanos, e através do autoconhecimento e da tomada de

consciência criam formas “de autogerir-se, de evoluir a partir de dentro, conscientizando-se,

momento por momento” (RIBEIRO, 1985, p. 28).

Diante disso, a Psicologia Humanista busca direcionar seu olhar para o que há de

positivo em relação ao ser humano: o potencial de cada um para moldar seu próprio

68

desenvolvimento, inclusive em terapia, pois se busca tirar o terapeuta de uma relação autoritária

para com o outro. E é por isso que, sob a ótica da perspectiva humanista, devemos priorizar

uma relação genuína e dialógica, em que se permite que a pessoa seja quem ela é, sem objeções

e julgamentos.

É nesse modelo de relação terapêutica que se baseia a Psicologia Humanista. Conforme

a Abordagem Centrada na Pessoa – prática do seu principal expoente, Rogers –, o terapeuta

deve agir sempre guiado pelos três pilares da relação terapêutica que, como apontamos

anteriormente, são: a empatia, a consideração positiva e a autenticidade. A empatia consiste

em “penetrar no mundo fenomênico do cliente – sentir o mundo fenomênico do cliente como

se fosse o seu próprio, sem nunca perder a condição ‘como se’” (ROGERS, 1961, p. 284 apud

PATTERSON; EISENBERG, 2016, p. 44).

A consideração positiva diz respeito à aceitação incondicional do paciente pelo

terapeuta, bem como a congruência que ele é capaz de estabelecer entre as impressões que tem

do paciente e o que é de fato importante para o processo terapêutico. Assim sendo, o terapeuta

deve ser sincero consigo mesmo e trabalhar qualquer barreira que possa ter em relação ao que

o cliente apresenta, para que isso não o impeça de exercer a consideração positiva do cliente e

sua aceitação incondicional, que significa abraçar a demanda do cliente sem julgamentos.

A Autenticidade, segundo Patterson e Eisenberg (2016, p. 49),

[...] significa apresentar-se honestamente ao cliente, sem defesas, objetivos

ocultos ou uma imagem cuidadosamente manipulada. São sinônimos de

autenticidade: sinceridade, imparcialidade e consistência. São antônimos:

falsidade, defensividade, desonestidade, ocultação do eu e manipulação ou

controle da imagem.

Diante disso, podemos perceber que a relação genuína e dialógica é condição sine qua

non (indispensável e essencial) para o processo terapêutico. Os três pilares descritos por Rogers,

por mais que sejam definidos de maneira isolada, quando acontecem constituem fenômenos

entrelaçados e implicados, pois um é imprescindível para que o outro aconteça.

Portanto, a empatia, a consideração positiva e a autenticidade compõem esta relação

genuína que a Psicologia Humanista busca enfatizar, sendo imprescindível que o terapeuta

busque ser uma pessoa empática, autêntica e capaz da aceitação incondicional do cliente. Assim

sendo, através do sincero desvelar do terapeuta, sem defensividade ou falsidade, a relação

69

terapêutica ganha uma âncora para o desenvolvimento da congruência e da confiança do cliente

em relação ao processo, ao terapeuta e a si mesmo.

Diante do exposto, o Humanismo, no que concerne à Psicologia, foi um importante

movimento para o desenvolvimento de um olhar psicológico voltado ao ser humano e às

subjetividades humanas como centro da compreensão homem-mundo e, consequentemente,

centro da ação terapêutica. Na abordagem gestáltica, precisamente, é impossível conceber uma

prática que não esteja atrelada à Psicologia Humanista e seus pressupostos acerca da

subjetividade e singularidade humanas.

Apresentados os pressupostos filosóficos da Gestalt-Terapia, seguiremos com seus

principais pressupostos teóricos de base, que são: a Psicologia da Gestalt, a Teoria Organísmica

de Kurt Goldstein e a Teoria de Campo de Kurt Lewin.

4.5 A Psicologia da Gestalt

Para introduzir a Teoria da Gestalt (como é, também, chamada a Psicologia da Gestalt)

como uma vertente da Psicologia e como uma das bases teóricas da Gestalt-Terapia, resgatamos

suas principais influências filosóficas: a Fenomenologia de Brentano e a Fenomenologia de

Husserl, discutidas no início desse capítulo.

Husserl foi aquele que, apesar de em suas Investigações Lógicas, publicada em 1901,

afirmar que a Fenomenologia não se ocuparia de objetos naturais – para este, inclui-se aqui a

psique humana –, acabou admitindo em seus escritos que “o eu e seus conteúdos de consciência

também pertencem ao mundo”, relação que, mais tarde, respaldou os estudos de fenômenos

psíquicos e perceptuais da Psicologia da Gestalt (GRANZOTTO; GRANZOTTO, 2016).

É o conceito de intencionalidade, por influência de Brentano e Husserl, que traz a

Psicologia da Gestalt à fonte da Fenomenologia como base para seus estudos acerca da

percepção humana. A Teoria da Gestalt retoma o conceito de totalidade de Brentano e de objeto

intencional transcendente de Husserl com vistas a ancorar, de um modo significativo, seus

estudos experimentais acerca da percepção.

O conceito de totalidade será melhor expresso após o esclarecimento do fenômeno que

– diante dos estudos gestálticos de Wertheimer – acabou respaldando cientificamente e

70

objetivamente a constituição da relação todo-parte como fenômeno psíquico e ato subjetivo das

gestalten.

Como falado anteriormente na seção que trata da Fenomenologia, o objeto intencional

transcendente diz respeito aos vividos intencionais que fazem com que um objeto inanimado

do mundo ou caracterizado como apenas categorial à consciência transcenda seu aspecto de

coisa que é para se tornar ato consciente que existe, e isso só é possível enquanto sujeito à nossa

intencionalidade – a intencionalidade da consciência. Este conceito diz respeito a como os

objetos do mundo também passam a ter intencionalidade.

Além disso, conforme ressalta Fonseca (2006, p. 31, grifos do autor),

Brentano criou a Psicologia da Gestalt, ao explicitar que os elementos, as

partes da consciência só podem ser entendidas enquanto pertencentes à

totalidade da consciência. Consciência esta que, a cada um de seus momentos,

se configura como ato de consciência. A configuração, articulação das partes,

tem, é, um sentido próprio; diferente da mera associação, ou soma, de seus

elementos constituintes, como o queria o elementarismo associacionista

wundtiano. [...] Igualmente, Brentano compreendeu e explicitou o caráter

especulativo do ser. Dado a cada momento apenas no movimento de uma

variação de perspectivas. Assumiu, assim, um método aporético, que

privilegia a vivência das perspectivas até o seu limite (aporia), e a abertura

para as perspectivas que daí emergem.

Sendo assim, de acordo com a relação estabelecida por Fonseca (2006), nós podemos

compreender como a origem da Psicologia da Gestalt está no entendimento acerca dos

fenômenos psíquicos (gestalten) de Brentano e, posteriormente, de Husserl.

Concentrar-nos-emos nos conceitos gestálticos mais importantes no que diz respeito ao

objetivo deste trabalho. O primeiro é o conceito de fenômeno phi – o que vem até mesmo

respaldar a noção de intencionalidade, e isso acontece de maneira retroativa, pois a noção de

intencionalidade também o respalda. O fenômeno phi é aquele que vem evidenciar o

entendimento acerca da predominância do todo como algo transcendente à soma das partes.

Dessa forma, fenômeno phi, todo-parte e totalidade são conceitos imbricados e podemos

traduzi-los no conceito de Gestalt.

O fenômeno phi, inicialmente estudado e evidenciado por Wertheimer (que só mais tarde

veio a se juntar a seus colegas Kohler e Kofka), foi identificado a partir de um experimento que,

como descrevem Granzotto e Granzotto (2010, p. 77, grifos nossos),

71

[...] consistia em duas ranhuras, uma vertical e outra inclinada, a mais ou

menos vinte e cinco graus em relação à vertical. Quando a luz era projetada,

primeiro, através de uma ranhura, e, depois, através da outra, a fenda

iluminada parecia deslocar-se de uma posição para a outra, se o tempo entre a

apresentação das duas luzes se mantivesse em limites adequados. Wertheimer

calculou os limites de tempo em que o movimento era percebido. O intervalo

ótimo situava-se em torno de sessenta milissegundos. Se o intervalo entre as

apresentações excedesse cerca de duzentos milissegundos, a luz era vista,

sucessivamente, primeiro, em uma posição, e, depois, em outra. Se o

intervalado fosse demasiado curto, de trinta milissegundos ou menos, as duas

luzes pareciam estar continuamente acesas. Wertheimer deu a esse tipo de

movimento o nome de fenômeno phi. [...]. Em 1912, quando publica sua tese,

Wertheimer explica o fenômeno phi em termos muito simples. Trata-se de

algo para o qual não há explicação, mas a partir do qual é possível

explicar a percepção de fato: o primado do todo em relação às partes.

O que acontece na prática é que, ao visualizarmos os objetos, de acordo com a

compreensão do fenômeno phi, predomina a relação de totalidade, o que causa a percepção de

movimento e fechamento da gestalt, descrito nas leis de organização da percepção. Em relação

à percepção visual, o fenômeno phi é chamado comumente de ilusão de ótica. Vide a imagem

a seguir.

Figura 2 – Fenômeno Phi (Ilusão de Ótica)

Fonte: KITAOKA (2002)

O fenômeno phi foi o ponto de partida, então, para o nascimento da Psicologia da Gestalt

como uma vertente da Psicologia que, além de tudo, viria divergir das abordagens

72

comportamentalistas e estruturalistas que vigoravam na época. O fenômeno estudado, apesar

de complexo, age, curiosamente, como uma ação primária e, de certa forma, natural – o que

acaba indo de encontro com a Fenomenologia de Husserl, que não queria criar nenhuma lei

psíquica, nem mesmo se ocupar com as ciências naturais.

No entanto, mesmo a despeito de sua vontade, a noção de totalidade implicada na

relação da consciência com os objetos categoriais (do mundo) seria respaldada pela descoberta

do fenômeno phi, que comprovara tanto o conceito de intencionalidade, como o primado do

todo em relação às partes, premissa fundamental da Psicologia da Gestalt. Assim, o conceito

de todo-parte está completamente imbricado no fenômeno phi porque é justamente ele que traz

a evidência de como a totalidade atua e, consequentemente, mostra como atua a Gestalt: a boa

forma e/ou configuração subjetiva.

Portanto, para a Psicologia da Gestalt, tendemos a perceber sempre o todo, a boa forma

e o fenômeno phi involuntariamente. Ainda que não se conheça a sua origem e pouco se tenha

conhecido a respeito de sua natureza, este fenômeno determina com provas materiais o processo

perceptivo primário da consciência, que consiste em organizar partes numa totalidade única –

algo que vai muito além do que a mera associação. Esta totalidade pode ser melhor

compreendida através dos Princípios de Organização da Percepção ou Lei da Pregnância.

Como ressalta Goodwin (2010, p. 312),

[...] os psicólogos muitas vezes os utilizam [os princípios de organização da

percepção] quando acusam os gestaltistas de nativistas no que se refere à

percepção. Porém, estes argumentam, pelo contrário, que os princípios de

organização não têm nada a ver com a questão inato x adquirido. Em vez disso,

eles devem ser considerados inerentes à natureza dos objetos do mundo;

nossos sistemas perceptuais destinam-se a adivinhar da melhor maneira o que

existe nele. Como afirmou Wertheimer (1923/1967), “pode-se reconhecer a

‘boa Gestalt’ resultante simplesmente pela sua própria necessidade interior”

(p. 83).

Com base nos estudos da Teoria da Gestalt, por mais que utilizemos o termo “natural”

para referir-nos aos princípios da percepção, isso não significa dizer que é algo,

necessariamente, inato, mas sim primário. No que se refere à organização da percepção, diz

respeito a uma tendência a perceber a boa forma, e esta é orientada conforme a consciência

intencional do indivíduo, que atribui sentido às coisas de maneira a visualizar e se afetar pelo

todo que se mostra à consciência, e não pela soma das partes de suas vivências.

73

Dizer que essa perspectiva transcende o associacionismo e o elementarismo wundtiano

significa dizer que somar elementos ou entendê-los como processos psíquicos que atuam de

maneira isolada não é suficiente para a compreensão da subjetividade humana, esta constitui

um todo, e somente pode ser compreendida enquanto todo que existe para além da soma das

partes.

As leis ou princípios de organização da percepção são: proximidade, similaridade,

direção ou continuidade, disposição objetiva, fechamento ou destino comum e pregnância (boa

forma). Explicaremos cada uma delas a seguir, apresentando também uma figura ilustrativa.

Figura 3 – Proximidade: elementos próximos tendem a ser percebidos juntos.

Fonte: Autora

Figura 4 – Similaridade: elementos semelhantes tendem a ser agrupados e percebidos como

pertencentes a uma única estrutura.

Fonte: Autora

74

Figura 5 – Direção ou continuidade: tendemos a perceber os objetos do mundo como tendo

uma fluidez direcionada – relativa à noção subjetiva de tempo.

Fonte: Autora

Figura 6 – Disposição objetiva: tendemos a visualizar perceptualmente um objeto mesmo

quando já não estamos mais vendo materialmente (vide a visualização de uma luz forte ou a

capacidade representacional da mente6).

Fonte: Autora

6 Experimente olhar para a luz do sol por um pequeno intervalo de tempo e perceberá que continuará

vendo, mesmo de olhos fechados ou olhando em outra direção.

75

Figura 7 – Fechamento ou destino comum: mesmo elementos fora da forma tendem a ser

aglomerados numa totalidade única. Esses princípios desaguam da Lei da Pregância em que

“as figuras são vistas de um modo tão “bom” quanto possível, sob as condições do estímulo”

(GRANZOTTO; GRANZOTTO, 2004, p. 7).

Fonte: Autora

Figura 8 – Pregnância ou boa forma: tendência a perceber os objetos de forma organizada

numa única totalidade.

Fonte: Canva

76

Outro conceito fundamental da Psicologia da Gestalt, o qual não podemos deixar de

expor aqui, é o conceito de figura-fundo, resgatado da ótica exposta no vaso do psicólogo

dinamarquês Edgar Rubin (1886 – 1951), que retoma a noção de apercepção consciente de

Husserl no que diz respeito à percepção espaço-temporal, como observa-se na figura abaixo.

Figura 9 – Vaso de Rubin (1915)

Fonte: Google

Conforme o pensamento de Kohler, o conceito de figura-fundo diz respeito a uma

relação perceptual presente nas gestalten em que toda configuração haverá elementos que são

figura e outros que são fundo. Esses elementos poderão se intercalar em determinados

momentos, num movimento em que o que se percebe ora é figura, ora é fundo, compondo uma

totalidade.

No que concerne à perspectiva husserliana de apercepção espaço-temporal traduzida

no conceito figura-fundo, Granzotto e Granzotto (2016, p. 86) afirmam que

Para Husserl (1893), em cada vivência material, a consciência pode intuir um

sentido de totalidade, que é sua própria vida em constante escoamento ou,

numa única palavra, tempo vivido (kairós). Husserl, ademais, vai dizer que

essa experimentação que a consciência tem de seu próprio fluir é a forma mais

elementar de nossa vida subjetiva (e, neste sentido, de nossa intencionalidade),

porquanto estabelecemos, sem a necessidade do recurso a um ato intelectual,

um horizonte de perfis inatuais para nossas vivências atuais (que sempre

requerem um ato intelectual para se tornarem um objeto temporal). Por tal

77

razão, Husserl vai chamar a experiência de apercepção da unidade do próprio

fluir de intencionalidade operativa (não de intencionalidade categorial ou de

ato, como no caso daquelas vivências instituídas por meio de atos de

linguagem). Por meio dela, deflagramos um “campo de presença” de “perfis

retidos ou inatuais” em favor de “vividos atuais” (p. 105-8).

O conceito de figura-fundo, então, foi de extrema importância para o desenvolvimento

da compreensão de homem-mundo da Gestalt-Terapia, bem como para o desenvolvimento do

conceito de transfenomenalidade, pertencente ao tema de nosso trabalho, o qual exploraremos

em profundidade na seção destinada à Gestalt-Terapia.

A seguir, discorreremos brevemente a respeito da Tese do Isomorfismo, que foi uma

perspectiva adotada pelos psicólogos da Gestalt e que embasou a compreensão de homem-

mundo da Psicologia da Gestalt – visão que evidencia a transfenomenalidade, bem como

respalda a visão de homem-mundo da Gestalt-Terapia.

4.5.1 A Tese do Isomorfismo

Todos os conceitos gestálticos – principalmente o conceito de transfenomenalidade,

tema de nosso trabalho – serão melhor entendidos à luz do que consideramos ser um pilar da

compreensão de homem-mundo para as perspectivas da Gestalt: a Teoria do Isomorfismo.

Com base nos estudos realizados em laboratório e ancorados na noção brentaniana e

husserliana de gestalten, os psicólogos da forma (da Gestalt) compreenderam que existe uma

forma de organização comum entre os atos psíquicos e os objetos do mundo físico. Então, para

eles, as gestalten nada mais são que uma unidade entre os atos psíquicos da experiência humana

e o mundo como uma estrutura físico-geográfica. É neste sentido que formamos uma totalidade

e uma unidade com o mundo.

Conforme a teoria, as expressões ou estruturas físicas estão completamente atreladas às

expressões psíquicas e subjetivas, e as gestalten constituem uma totalidade única composta por

essas partes, mas, em sua essência, transcendem a sua soma. Por este fator, essa ideia foi

chamada de Tese ou Teoria do Isomorfismo, pois, segundo ela, a esfera da consciência e da

percepção e a esfera do mundo físico possuem um mesmo princípio organizador: uma mesma

Gestalt. Dessa forma, tanto nós quanto o mundo caminhamos para a totalidade ou “boa

configuração”.

78

A respeito desse elo que liga o mundo psíquico ao mundo físico, Granzotto e Granzotto

(2016, p. 83) explicam que:

Se é possível eu reconhecer, mesmo na ausência de todos os estímulos que

inicialmente participaram da minha experiência perceptiva, um cubo que

conserva sua forma desde o passado, é porque meu córtex visual, assim como

o cubo ele mesmo, tendem a conservar, cada qual ao seu modo, a configuração

total de suas partes. O cérebro e o mundo conservam, desde o passado, uma

mesma disposição objetiva, ou o que é a mesma coisa, uma mesma Gestalt.

Nesse interim, a Tese do Isomorfismo bebe completamente da noção de objeto

intencional transcendente, a qual compreende que existe uma relação transcendental entre a

psique ou consciência humana e o mundo físico que a circunda. Essa união entre o mundo físico

e o mundo da experiência e vivências humanas pode ser considerada o fim da dicotomia

objetividade x subjetividade – dicotomia esta discutida no primeiro capítulo deste trabalho.

Mais tarde, a Tese do Isomorfismo foi reforçada por Kohler, pois é ela que dará vasão

ao entendimento do conceito de transfenomenalidade (discutido a seguir) dentro da Psicologia

da Gestalt e, posteriormente, implicará diretamente na compreensão de homem-mundo da

Gestalt-Terapia.

4.5.2 Transfenomenalidade

Essa seção destina-se a explorar o conceito de transfenomenalidade de Kohler,

remontando suas origens e sua compreensão como fenômeno preponderante na relação homem-

mundo, tanto na Fenomenologia, como na Psicologia da Gestalt e na Gestalt-Terapia. No que

concerne à aplicabilidade prática da Gestalt-Terapia, este conceito é a base da nossa análise no

presente estudo. É o conceito que vem definir epistemologicamente o que é o todo da Gestalt e

de que maneira ele se performa na produção de conhecimento e na prática psicoterapêutica.

Sartre, em sua obra O ser e o nada, publicada em 1943, correlaciona o entendimento

acerca da transfenomenalidade com a sentença de Husserl que diz que a consciência é sempre

consciência de alguma coisa. Para Sartre, a transfenomenalidade consiste na relação

transcendente homem-mundo, mas também do mundo para com o homem, de forma que

estabelece uma diferença entre o que ele chama de fenômeno do ser e o ser do fenômeno. O

79

fenômeno do ser é aquele que diz respeito a nós mesmos e nossa consciência, nosso ser. O ser

do fenômeno significa o ato de ser das coisas mesmas, que são objeto para a consciência. É

nesta relação que acontece a transfenomenalidade, mas não somente da consciência em relação

a algo, como também do “nada” para a consciência. O nada, neste sentido, se refere ao fato de

que o ser do fenômeno também pode atuar pela ausência material (mas que se mantém presente

perceptivamente), bem como pela condição de ser que não existe, mas apenas é7.

Como ressalta o próprio Sartre (1943, p. 33, grifos do autor),

[...] ser consciência de alguma coisa é estar diante de uma presença concreta

e plena que não é a consciência. Sem dúvida, pode-se ter consciência de uma

ausência. Mas esta ausência aparece necessariamente sobre um fundo de

presença.

Essa forma de presença retrata a atuação do ser do fenômeno, que representam as coisas

mesmas do mundo ou vividos essenciais na consciência. Sendo assim, é estabelecida uma

relação retroativa de transfenomenalidade, em que nossas vivências, antes de qualquer reflexão

(mental) age sobre nós mesmos, enquanto agimos no mundo. A transfenomenalidade pode ser

entendida, então, como a relação intrínseca entre objetividade e subjetividade, no sentido de

não segregar nem uma, nem outra, compreendendo que a atuação de ambas acontece num todo

correlacional.

No que se refere à relação sujeito-objeto, ou seja, à relação entre objetividade e

subjetividade presente no conceito de transfenomenalidade, consideramos pertinente resgatar

aqui um conceito imprescindível da filosofia hermenêutica que retrata como a

transfenomenalidade acontece. Este é o conceito de jogo do filósofo hermenêutico alemão

Hans-Georg Gadamer (1900 – 2002). Em sua obra “Verdade e Método”, publicada pela

primeira vez em 1960, Gadamer faz diversas reflexões acerca da natureza da experiência

estética que, em muitos sentidos e, principalmente, no centro da discussão hermenêutica,

representa o principal ponto de reflexão acerca da relação sujeito-objeto.

Neste sentido, a beleza, a arte e a poesia ganham maior destaque, considerando que

refletem o movimento intrínseco de interrelação entre o fenômeno do ser e o ser do fenômeno,

ou seja, a relação intersubjetiva entre o espetáculo e o espectador, entre o espectador e a obra

7 Falamos sobre a diferença entre ser e existir na seção em que discutimos sobre o Existencialismo.

80

e, de um ângulo ainda mais íntimo, a relação entre a subjetividade daquele que cria e a

objetividade daquilo que foi criado, fenômeno este que, posteriormente, se tornará sujeito a

outras formas de subjetividade.

Para Gadamer (1999), o jogo representa uma forma de ser que independe do jogador,

se transformando numa realidade (transfenomenal) que atua autonomamente (ou seja, tem

regras próprias) e conduz, em grande parte, aquele que joga. Relacionamos este conceito à

noção de objeto intencional transcendente dentro da Fenomenologia e, também, ao conceito de

transfenomenalidade de Kohler. Além disso, algo que aproxima ainda mais estes conceitos é a

transformação do jogo em configuração (todo), postulada por Gadamer (1999, p. 187-191), ao

se referir à natureza gestáltica do jogo:

[...] o jogo [como] (espetáculo) possui, antes, uma autonomia simples,

justamente o que deve ser assinalado pelo conceito e transformação. [...] O

conceito de transformação terá, portanto, de caracterizar o modo de ser

independente e superior daquilo que denominamos configuração. A partir dela

é que determinamos a chamada realidade.

Nesse ínterim, o conceito de jogo de Gadamer retrata bem este movimento

interrelacional inerente à condição existencial da experiência estética em que nossa consciência

atua, mas não domina o poder intencional dos objetos, uma vez que ao objeto é conferida a

transcendência de ser que é. De acordo com Santos (2013, p. 6), “[...] não é o jogador que

delimita o espaço do jogo, atribuindo-lhe suas características e contornos, mas, o próprio jogo,

ao realizar-se, dimensiona a si mesmo e, consequentemente, a circunstância que o envolve”.

Assim, além de estar ligado ao conceito de transfenomenalidade, o conceito de jogo

denota uma forma particular de expressão da relação todo-parte, nos levando novamente ao

entendimento gestáltico do primado do todo em relação às partes e, neste caso, na “[...] total

primazia do jogo sobre a consciência do jogador” (GADAMER, 2005, p. 158 apud SANTOS,

2013, p. 6).

O conceito de jogo, então, desagua no entendimento desse fenômeno consciente (entre

nós e o mundo) como uma realidade intrinsecamente transfenomenal, ou seja, que não está nem

na subjetividade nem na objetividade, mas numa dança completamente independente que

transcende esses dois aspectos (sujeito e objeto), formando uma totalidade única, dinâmica e

autônoma. Veremos adiante como este conceito foi performado na Psicologia através do olhar

dos psicólogos da Gestalt.

81

Afim de superar o dualismo psíquico versus físico, Kofka estabelece o que ele chamou

de transobjetividade, demonstrando como acontece o elo entre corpo, mente e mundo exposto

na Tese do Isomorfismo. Com isso, para Kofka, a noção de transobjetividade vem a significar

a união ou unidade descrita nesta tese. Entretanto, o psicólogo faz questão de enfatizar que a

transobjetividade não significa uma junção de duas totalidades distintas com um mesmo destino

ou configuração, e sim corresponde à “configuração de uma única totalidade a “amarrar” o

cérebro e as coisas físicas” (GRANZOTTO; GRANZOTTO, 2016, p. 84, grifo nosso).

Dessa forma, Kofka postula didaticamente sobre a existência de duas esferas

pertencentes a essa relação de transobjetividade, essas esferas são: o campo molar (fenomênico)

e o campo molecular (geográfico). O campo molar é onde o ser humano atua, é onde Kofka

insere o comportamento humano e a experiência/vivência; e o campo geográfico é equivalente

ao mundo físico (estrutural). Para este autor, essa distinção é meramente didática com o intuito

de explanar o entendimento da transobjetividade de uma maneira mais inteligível. Todavia,

destacamos que, em suma, tanto no ambiente comportamental, como no ambiente geográfico,

os fatos assumem formas comuns de organização. Assim, ressaltamos que essa forma comum

constitui a organização para a totalidade.

De acordo com Granzotto e Granzotto (2016, p. 84, grifo dos autores),

Olhando por uma ótica molar (ou fenomênica), o que se encontrará é o

domínio ou ambiente comportamental. Ele não é formado por estímulos

pontuais, mas por totalidades (que Kofka também chama de condutas) que se

formam em virtude dos estímulos. Trata-se de totalidades que se chamam de

comportamentos, sejam eles perceptivos, motores, afetivos ou intelectuais.

Essas totalidades são realidades transobjetivas ou Gestalten. Mas, por outro

lado, olhando por uma ótica molecular, o que se encontrará é o ambiente que

Kofka chama de geográfico. Nele, estão localizados todos os eventos que

envolvem o organismo e o meio. Mesmo as relações que se costuma designar

como vínculos de causa e efeito, se vistos por essa ótica, são organizações

gestálticas entre os materiais envolvidos.

Kohler, por sua vez, discorda da distinção – mesmo que didática – realizada por Kofka.

Está de acordo com a noção de transobjetividade, mas compreende que a relação entre campos

postulada por Kofka não foi suficiente para esclarecer em que sentido ambos constituem uma

única Gestalt, ou uma única realidade.

Para Kohler, a melhor definição para o conceito de transfenomenalidade é de uma

“ponte” entre corpo/mente e mundo. Neste conceito, o psicólogo faz questão de evidenciar que

82

o elemento trans significa que a objetividade e a subjetividade seriam uma coisa só, que vai

além da justaposição de dois elementos relacionados – como os campos molar e molecular de

Kofka. A união entre objetividade e subjetividade, então, desagua na totalização de uma

realidade transfenomenal e não na combinação ou interrelação de duas realidades distintas.

Dessa forma, por mais que Kofka tenha tentado mostrar que existe uma forma comum de

organização entre os campos (formando uma totalidade), para Kohler, foi necessário um

argumento mais contundente.

O argumento de Kofka demonstra, por exemplo, que o meio (físico), ou seja, os objetos

físico-químicos da constituição humana e constituição estrutural do mundo, mantém uma

equivalência com a constituição subjetiva do ser humano. Dessa forma, o que ocorre no corpo,

por exemplo, implica na mente ou consciência e vice-versa. Mas o que Kohler tenta mostrar,

pela via mais radical, é que a própria subjetividade – numa perspectiva transfenomenal – é parte

da objetividade, e o contrário também é verdadeiro. Diante disso, Kohler insere, de uma vez

por todas, o âmbito da experiência social e põe fim a qualquer dicotomia.

Por fim, diante da relação entre os conceitos de transobjetividade de Kofka e de

transfenomenalidade de Kohler, consideramos que o primeiro quebra a dicotomia corpo-mente,

enquanto que o segundo quebra a dicotomia corpo-mente e mundo. Além disso, conforme

ressalta Cholfe (2009, p. 182), entendemos que “é na presença de um que o outro se define”.

Destacamos a importância destes conceitos justamente por proporem a quebra da dicotomia

objetividade x subjetividade, a qual é fundamental para a compreensão de homem-mundo da

Gestalt-Terapia e para a discussão apresentada neste trabalho. A próxima teoria de base da

Gestalt-Terapia a ser discutida é a Teoria Organísmica de Goldstein.

4.6 Teoria Organísmica de Kurt Goldstein

Nessa seção, visamos esclarecer os conceitos fundamentais concernentes à Teoria

Organísmica de Kurt Goldstein com o objetivo de resgatar a sua visão de homem presente na

Gestalt-Terapia. Goldstein, já citado no capítulo anterior, foi um dos fortes nomes do

Movimento Humanista. A Teoria Organísmica é uma perspectiva que, sobretudo, discorre a

respeito dos princípios de autorregulação e da tendência à totalidade, estes se configuram

como seus principais postulados acerca da constituição humana.

83

Goldstein construiu sua teoria à luz do tratamento de vítimas de lesão cerebral durante

a Segunda Guerra Mundial. O que ele percebeu – e que ofereceu subsídios para o

desenvolvimento de suas ideias – foi que existia uma orientação humana para reorganização

física e psíquica com base na totalidade dos fatos, e era isso que determinava o comportamento

dos indivíduos num dado momento.

Sendo assim, para Goldstein, a totalidade constituída na interação organismo-meio tem

preponderância ao determinar de que forma o sujeito irá se autorregular. Com base, então, no

tratamento das vítimas da Segunda Guerra Mundial, esse psicólogo, além de descobrir a

existência do fenômeno de autorregulação organísmica, pôde verificar de que forma ele

acontece. Segundo ele, ocorre um fenômeno chamado centragem – que é a potencialidade das

células para conservarem o equilíbrio ou homeostase entre sua concentração interna e a

concentração das células vizinhas (GRANZOTTO; GRANZOTTO, 2004).

Para este autor, então, a pessoa vive numa dinâmica constante de autorregulação, e é

desta noção que decorre a primeira noção gestáltica de ajustamento. Neste sentido, conforme

Tellegen (1984, p. 38-39 apud GRANZOTTO; GRANZOTTO, 2004, p. 14), “em

circunstâncias adversas, o organismo desenvolve mecanismos adaptativos que podem ser mais

funcionais, ou menos. Um sintoma é, antes de mais nada, uma forma de ajustamento”.

Diante disso, a centragem ou tendência ao equilíbrio/homeostase ocorre em dois níveis:

1) num processo interior – nível vital ou conservativo: é feita pelas células do organismo através

do sistema fisiológico; e 2) num processo interrelacional – nível valorativo ou funcional: diz

respeito aos “sistemas de contato sensoriais e motores pelos quais o organismo obtém do meio,

o que precisa para atender as suas necessidades vitais” (GOLDSTEIN, 1939, p. 46 apud

GRANZOTTO; GRANZOTTO, 2004, p. 13-14).

Podemos concluir, então, que, para Goldstein, a concepção gestáltica de totalidade está

completamente interligada à dinâmica de autorregulação do organismo no meio ambiente,

observada no fenômeno de centragem ou homeostase – um processo que demonstra a busca da

pessoa por equilíbrio na sua relação consigo e com o mundo. Assim sendo, homem-mundo

constituem, juntos, uma totalidade indissociável. Essa compreensão de sujeito é de fundamental

importância para o desdobramento da Gestalt-Terapia como teoria e como prática. Abaixo,

seguiremos nossa discussão apresentando outro pressuposto teórico importante para a

abordagem gestáltica: a Teoria de Campo de Kurt Lewin.

84

4.7 Teoria de Campo de Kurt Lewin

Para Kurt Lewin, o tema campo foi a melhor formulação conceitual proposta pela

Psicologia da Gestalt a respeito das gestalten. Lewin retoma de Kofka essa noção de campo,

mas amplia o conceito deste último introduzindo a noção de espaço vital: onde acontecem as

vivências de pertencimento do organismo frente ao meio ambiente (GRANZOTTO;

GRANZOTTO, 2004).

Conforme Lewin, o campo/espaço, onde reside a totalidade dos fatos na vida das

pessoas, é uma Gestalt, e a Gestalt é onde reside a relação organismo-meio. Sob esta concepção,

postula também o conceito de fronteiras, que são regiões de permeabilidade entre o homem e

o mundo. As fronteiras, para este autor, são totalidades intrínsecas que vão além da soma de

suas partes (organismo + meio), e constituem também o espaço vital onde cada pessoa se

singulariza. Assim sendo, é também nas fronteiras (da pessoa com o meio) que acontece a

emergência de figuras8. Essas figuras decorrem da formação de constructas ou essências

fenomenológicas: totalidades resultantes da configuração gestáltica das partes no todo

(GRANZOTTO; GRANZOTTO, 2016).

Dessa forma, a Teoria de Campo de Kurt Lewin, discorre sobre a existência de uma

instância que abarca a totalidade da vida das pessoas, abrigando também, consequentemente, a

relação organismo-meio. Essa instância é o campo ou espaço vital, e é neste campo (Gestalt) –

onde reside o homem e a totalidade dos fatos – que nós vivenciamos o mundo através das nossas

fronteiras de contato.

Exploraremos o conceito de fronteira de contato na seção que se segue, em que

falaremos a respeito dos principais conceitos da Gestalt-Terapia, que são um ponto chave da

nossa discussão a respeito da concepção de homem-mundo e de como esta concepção se

configura na prática clínica dessa abordagem.

Sendo assim, é importante ressaltar que tanto Goldstein como Lewin foram de extrema

importância para o desenvolvimento da Gestalt-Terapia, sendo os seus postulados científicos

tomados como princípios fundamentais para a re(elaboração) de conceitos gestálticos

posteriores. Discorreremos abaixo sobre esses conceitos.

8 Vide o conceito de figura-fundo dos primeiros psicólogos da Gestalt.

85

4.8 Gestalt-Terapia: Principais conceitos

A Gestalt-Terapia tem como seu principal nome Friedrich (Fritz) Salomon Perls (1893

– 1970), mas cabe ressaltarmos aqui que esta foi desenvolvida e criada pelo chamado grupo

dos sete9, constituído por Isadore Fromm, Paul Goodman (1911 – 1972) – psicoterapeuta

americano –, Paul Weisz, Sylvester Eastman, Elliot Shapiro, Ralph Hefferline (1910 – 1974) –

professor de Psicologia –, além dos psicoterapeutas Fritz e Laura Perls (1905 – 1990.

Posteriormente, Richard Kitzler integrou-se ao grupo.

Adiante, objetivamos esclarecer os principais conceitos da Gestalt-Terapia que dão

vasão a sua perspectiva de homem-mundo, visando expor a fundamentação teórica do capítulo

que tratará de sua aplicação prática: a análise deste trabalho. Esta fundamentação ganha corpo

nestes conceitos, mas permeia todo o caminho que fizemos até aqui, através do resgate das

raízes epistemológicas, filosóficas e teóricas da Gestalt-Terapia.

4.8.1 Fronteira de contato

A fronteira de contato – conceito já introduzido no tópico em que resgatamos os

postulados de Kurt Lewin – é o primeiro conceito a ser exposto na obra Gestalt-Terapia de

Perls, Hefferline e Goodman, publicada pela primeira vez em 1951. É um conceito que reflete

o pensamento do grupo dos sete no que diz respeito à constituição da relação homem-mundo.

Para a Gestalt-Terapia, então, a fronteira de contato é um limiar existente entre o

organismo e o meio ambiente, algo que fica entre mim e o outro, entre o mundo e eu. Um fator

importante é que esse limiar se configura – tal como o conceito de transfenomenalidade – como

um ponto de intersecção entre a objetividade e a subjetividade, performando uma totalidade

completamente autônoma, ou seja, um a priori de correlação: independentemente de qualquer

coisa, o homem está sempre em relação com o mundo. Assim sendo, a fronteira de contato é o

limiar existencial ou espaço vital que configura o modo como essa relação acontece no aqui-

agora.

9 Não encontramos informações consideráveis sobre a origem e formação de todos os membros.

86

Para Perls, Hefferline e Goodman (1997), referenciados como PHG10, esse limiar é

como a superfície da pele e de outros órgãos responsáveis pelas respostas sensoriais do

organismo, e para além do campo físico, constitui um processo de intersubjetividade, em que o

organismo e o meio são um só. Conforme os autores, essa é uma “abordagem “unitária”, no

sentido de que tentamos de maneira detalhada levar em consideração todo problema como se

dando num campo social-animal-físico” (p. 43).

O conceito de contato – intimamente ligado à fronteira de contato – é um termo que

vem juntar numa totalidade única instâncias antes separadas uma da outra como se fossem

âmbitos independentes, entretanto, ambas são interdependentes e não o contrário. Dessa forma,

a sua soma (seu contato) transcende para uma totalidade completamente diferente.

Quando dizemos “fronteira”, pensamos em uma “fronteira entre”, mas a

fronteira – de – contato, onde a experiência tem lugar, não separa o organismo

e seu ambiente; em vez disso limita o organismo, o contém e protege, ao

mesmo tempo que contata o ambiente (PERLS; HEFFERLINE; GOODMAN,

1997, p. 43, grifos dos autores).

Portanto, a fronteira de contato é um conceito importantíssimo que compreende o ser

humano como alguém que continua sendo um ser completamente único mesmo quando

implicado pelas relações que vivencia neste mundo. Dessa forma, a fronteira de contato

estabelece uma relação de implicância sem, necessariamente, retirar o ser de sua

individualidade e singularidade humana.

4.8.2 Figura-fundo

Para a Gestalt-Terapia, figura-fundo é um processo criativo decorrente do contato.

Conforme Perls, Hefferline e Goodman (1997, p. 45, grifos dos autores), “contato, o trabalho

que resulta em assimilação e crescimento, é a formação de uma figura de interesse contra um

fundo ou contexto do campo organismo/ambiente”. Sendo assim, a figura (de contato) constitui

uma gestalt (imagem, percepção, insight) formada através da percepção da pessoa frente aos

fatores do contexto – que assume a forma de um fundo (do campo organismo-ambiente).

10 Seguiremos utilizando a abreviatura PHG para nos referirmos a Perls, Hefferline e Goodman.

87

Ressaltamos que haverá determinados momentos que implicarão na emergência de um

fator como figura, mesmo que antes tenha se configurado como fundo. O contrário também é

possível e a figura pode tornar-se fundo conforme caminha a relação organismo-ambiente. Por

isso, fala-se da relação figura-fundo como uma dinâmica, um processo, e não algo estático.

Estabelecendo uma ligação com a hermenêutica presente na Fenomenologia Existencial

– considerando um dos seus principais princípios ontológicos a homogeneidade entre sujeito e

objeto e, consequentemente, entre objetividade e subjetividade –, podemos compreender o

conceito de figura-fundo como uma dinâmica intrínseca entre o todo e as partes. Tal dinâmica

nos leva à noção heideggeriana de círculo hermenêutico, o qual postula que a compreensão

hermenêutica encontra o seu cume na relação intrínseca entre o todo e as partes, considerando

a experiência humana como um fenômeno que somente será compreendido em seu sentido e

significado pleno se for interpretado conforme a dinâmica todo-parte e, em sentido último,

conforme a dinâmica figura-fundo.

A respeito dessa dinâmica compreensiva, Gadamer (1999, 436-437) ressalta que

[...] O movimento da compreensão vai constantemente do todo à parte e desta

ao todo. A tarefa é ampliar a unidade do sentido compreendido em círculos

concêntricos. O critério correspondente para a correção da compreensão é

sempre a concordância de cada particularidade com o todo. Quando não há tal

concordância, isso significa que a compreensão malogrou. [...] A

compreensão acaba acontecendo, a cada caso, a partir desse todo, de natureza

tanto objetiva como subjetiva. No que se relaciona com essa teoria, Dilthey

falará de “estruturas” e da “concentração em um ponto central”, a partir do

qual se produz a compreensão do todo. Com isso ele transporta ao mundo

histórico, como já dizíamos, o que desde sempre tem sido um fundamento de

toda interpretação textual: que cada texto deve ser compreendido a partir de si

mesmo.

Na Gestalt-Terapia, essa compreensão dinâmica entre figura-fundo toma a historicidade

de cada indivíduo como centro, ou seja, toda a vida e toda a pessoa são focos de compreensão.

As “estruturas” diltheyrianas descritas por Gadamer nos remetem à própria noção de figura, a

qual emerge como ponto central e, no entanto, deverá sempre ser interpretada conforme a

compreensão do todo que transcende ela mesma, traduzindo-se, posteriormente, em fundo; e,

em muitas outras vezes, faz o movimento contrário, e de fundo torna-se figura.

88

4.8.3 Awareness (tomada de consciência)

Awareness é postulada por PHG como processo referente à consciência, tal qual se

perfaz através do contato com o mundo. Segundo os autores, ela assume uma função contato

de extrema importância que envolve tanto o nível perceptivo como o nível motor (movimento),

o que remonta à noção de intencionalidade categorial e operativa. Isso quer dizer que existe

um nível de consciência perceptiva (de atribuição de sentido) e também de operatividade ou

ação no mundo em que condicionamos a realidade a essa forma de consciência, ou seja, agimos

conforme a nossa percepção consciente em dado momento. Diante disso, tanto o trabalho

teórico do gestalt-terapeuta como sua atuação clínica são voltados a intensificação da awareness

ou tomada de consciência no que diz respeito à realidade de cada pessoa, através do olhar para

a totalidade.

A awareness como uma função contato implica primordialmente nas formas de

ajustamento e, assim, configura-se como um fator determinante. Através da tomada de

consciência, conforme afirmam Perls, Hefferline e Goodman (1997, p. 44), “há dificuldades e

demoras de ajustamento”. Isto acontece porque é um processo que depende de inúmeros fatores,

inclusive de outras funções contato, como, por exemplo, a correlação (fronteira) primária entre

o homem e o contexto que o cerca – contexto esse que também exercerá influência sobre como

a consciência constrói seus sentidos (vide a discussão realizada anteriormente acerca do

conceito de objeto intencional transcendente).

De acordo com o fato de que a awareness acontece em dois níveis, podemos

compreender que ela não apenas diz respeito ao exercício de uma “reflexão” ou

“racionalização” sobre determinado fato ou problema, mas primordialmente corresponde à

visualização ou percepção consciente da totalidade gestáltica da realidade, que implica

diretamente numa ação condicionada à percepção consciente, em que tanto o organismo como

o ambiente demandam mudança.

Em relação a esse processo, Perls, Hefferline e Goodman (1997, p. 46, grifos dos

autores) discorrem que

Desde o início da psicanálise, [...] sempre pareceu que a “mera” awareness,

por exemplo, a recordação, curasse a neurose. Note, contudo, que a awareness

não é uma reflexão sobre o problema, mas é ela própria uma integração

criativa deste. Podemos entender também porque comumente “awareness”

89

não ajuda, pois geralmente não se trata em absoluto de uma gestalt consciente,

um conteúdo estruturado, mas mero conteúdo, verbalização ou reminiscência,

e como tal não se alimenta da energia da necessidade orgânica atual e de uma

ajuda ambiental atual.

Por fim, salientamos que, de acordo com os autores, este fator de demanda por mudança

faz com que a tomada de consciência (awareness) se torne um processo essencial para a

consolidação dos ajustamentos pelo organismo. As noções de awareness e ajustamento

decorrem de dois conceitos explorados em seções e capítulos anteriores: o conceito de

autorregulação organísmica e o processo de individuação (conceito junguiano).

4.8.4 Autorregulação organísmica (self-actualization)

Como explanado anteriormente, o conceito de autorregulação organísmica foi

postulado por Goldstein e resgatado pela Gestalt-Terapia. Vale ressaltar que este conceito está

intimamente interligado ao conceito de tendência atualizante ou autoatualização de Carl

Rogers. Ambos – Goldstein e Rogers – foram importantes expoentes do Movimento Humanista.

Para a Gestalt-Terapia, a autorregulação organísmica é um movimento constante que

todos os seres humanos vivenciam buscando um ajustamento a própria realidade. No que diz

respeito à tendência atualizante, isto significa que tais ajustamentos oferecem subsídios ao

crescimento pessoal de cada um. Assim sendo, ao passo que cada ser é capaz de se inventar e

reinventar, pode se tornar alguém completamente novo. Sob a perspectiva fenomenológico-

existencial, esses fenômenos humanos são um eterno vir-a-ser.

De acordo com a Gestalt-Terapia, “todo contato é ajustamento do organismo e

ambiente” (PERLS; HEFFERLINE; GOODMAN, 1997, p. 45, grifos dos autores). Sendo

assim, da mesma forma que todo contato é um a priori de correlação, também os ajustamentos

são intencionais e criativos, pois, na relação com o mundo, o homem está sempre em processo

de assimilação do ambiente a própria constituição. Dessa forma, a cada novo contato, novas

mudanças ocorrerão.

A respeito disso, Perls, Hefferline e Goodman (1997, p. 44) ressaltam que

90

[...] um organismo vive em seu ambiente por meio da manutenção de sua

diferença e, o que é mais importante, por meio da assimilação do ambiente à

sua diferença; e é na fronteira que os perigos são rejeitados, os obstáculos

superados e o assimilável é selecionado e apropriado. Bem, o que é

selecionado e assimilado é sempre o novo, o organismo persiste pela

assimilação do novo, pela mudança e crescimento. Por exemplo, o alimento,

como Aristóteles costuma dizer, é o “dessemelhante” que pode se tornar

“semelhante”; e no processo de assimilação o organismo é sucessivamente

modificado.

Além disso, a autorregulação organísmica, como forma de ajustamento, está

completamente interligada ao conceito de awareness – a qual só ocorre por meio do contato. A

respeito disso, ressaltamos, também, o elo existente entre a noção de awareness e o processo

de individuação de Jung, o qual está correlacionado ao princípio de autorregulação

organísmica.

Nesse interim, é importante resgatamos essa ligação, uma vez que o processo de

individuação diz respeito à busca constante de si mesmo (self) e do autoconhecimento –

propagada pela Psicologia Humanista – como uma ferramenta para potencialização da

consciência e do crescimento; o que demonstra a relação direta entre todos os conceitos

discutidos nessa seção, caracterizando-os como conceitos gestálticos.

4.8.5 Ajustamento criativo

O conceito de ajustamento criativo pode ser entendido, nas palavras de Peruzzo (2011,

p. 381), “como adaptações de arranjos harmônicos realizados de forma criativa, inovadora e

original; por utilizar-se do que está ao seu alcance para sobrevivência em um meio hostil, ao

qual necessita transformar na mesma proporção em que é transformado”. Para além da

preservação e sobrevivência, os ajustamentos criativos buscam responder, também, às

necessidades que transcendem o âmbito do campo físico, fazendo com que estejamos sempre

tentando encontrar respostas inovadoras ou melhores para determinadas situações e vivências

cotidianas.

Isso nos remete ao fato de que, por mais que a noção de autorregulação organísmica

tenha trazido à tona o conceito de ajustamento, Perls, Hefferline e Goodman (1997, p. 44-45,

grifos dos autores) fizeram questão de introduzir o termo criativo para integrar este conceito,

fortalecendo a ideia de que

91

[...] todo contato [onde ocorre os ajustamentos] é criativo e dinâmico. Ele não

pode ser rotineiro, estereotipado ou simplesmente conservador porque tem

que enfrentar o novo, uma vez que só este é nutritivo. [...] Por outro lado, o

contato não pode aceitar a novidade de forma passiva ou meramente se ajustar

a ela, porque a novidade tem de ser assimilada. Todo contato é ajustamento

criativo do organismo e ambiente. Resposta consciente no campo (como

orientação e como manipulação) é o instrumento de crescimento no campo.

Crescimento é a função da fronteira-de-contato no campo

organismo/ambiente; é por meio de ajustamento criativo, mudança e

crescimento que as unidades orgânicas complicadas persistem na unidade

maior do campo.

Conforme ressaltam os autores, é por meio dos ajustamentos criativos que damos forma

às gestalten, onde mesmo situações complicadas (ou inacabadas) integram um todo (boa forma)

que vai muito além da soma das partes. Neste sentido, esses ajustamentos prevalecerão mesmo

em meio a gestalten abertas ou débeis. A respeito disso, Perls, Hefferline e Goodman (1997, p.

46) afirmam que

[...] quando a figura é opaca, confusa, deselegante, sem energia [...] podemos

estar certos de que há falta de contato, algo no ambiente está obliterado,

alguma necessidade orgânica vital não está sendo expressa, a pessoa não está

“toda aí”, isto é, seu campo total não pode emprestar sua urgência e recursos

para o completamento da figura.

Isso desagua nas noções de ajustamento criativo funcional (saudável) e disfuncional

(não saudável), pois é substancialmente diante das gestalten abertas que os seres humanos

sentem a necessidade e o ímpeto para a totalidade ou fechamento da figura (gestalt) –

travestida, por exemplo, em uma situação conflituosa. Os ajustamentos criativos funcionais

ocorrem quando a pessoa consegue assimilar o ambiente, integrando a totalidade do contexto

à sua totalidade, completando a figura gestáltica e adicionando experiências de excitamento e

crescimento à sua história pessoal. Isso decorre do funcionamento saudável da fronteira de

contato, em que a pessoa se desenvolve de maneira integrada e plena.

Já os ajustamentos criativos disfuncionais remetem ao embotamento do sujeito e à

rigidez da fronteira de contato – que pode ser interna ao sujeito, o que impede as formas de

autoconhecimento e crescimento. Devido à cristalização da experiência, o sujeito se torna

incapaz de assimilar o novo extraído do campo organismo/ambiente, o que desagua em

limitações às suas possibilidades existenciais. Sendo assim, os ajustamentos criativos

92

disfuncionais ocorrem quando a pessoa já não consegue se autorregular da melhor maneira que

poderia. Dessa forma, esses ajustamentos podem estar ligados à formação de gestalten débeis,

que podem gerar desordem, instabilidade ou um mau funcionamento do organismo.

Um exemplo de ajustamento criativo disfuncional é o ajustamento psicóticos. A

respeito desse tipo de ajustamento, Granzotto e Granzotto (2008 apud PERUZZO, 2011, p. 386)

afirmam que

Ajustamentos psicóticos são utilizados quando o indivíduo não é capaz de

entrar em contato com suas necessidades, com seus excitamentos, e assim não

consegue definir uma figura dentro do fundo, o que faz com que este tenha

que criar uma figura, como se fosse uma alucinação. Para que assim o

organismo, de alguma forma, possa se auto-regular, mesmo que de forma

precária, o que não é o ideal, mas o real, o possível.

Diante disso, podemos observar que, para a Gestalt-Terapia, independente das

condições, os seres humanos estão numa dinâmica constante de ajustamentos criativos – sejam

eles considerados funcionais ou disfuncionais. Vale ressaltar que tais ajustamentos devem ser

sempre interpretados em relação ao campo organismo/ambiente no qual a pessoa está inserida,

de maneira singular e integral.

4.8.6 Aqui-Agora

Para a Gestalt-Terapia, o conceito de aqui-agora é de fundamental importância no que

diz respeito a dois aspectos: o primeiro se refere à intervenção clínica e o segundo à implicância

da temporalidade na totalidade subjetiva pessoal (self). Em relação ao primeiro aspecto,

podemos dizer que o aqui-agora é um princípio que norteia a prática do gestalt-terapeuta, uma

vez que este compreende o processo e a relação terapêutica (no presente) como fenômenos de

suma importância para o despontar das potencialidades da pessoa. Ou seja, isso quer dizer que,

independentemente do cliente apresentar um conteúdo do passado ou projetos futuros, o que

definirá seu desenvolvimento e crescimento (seja em relação ao passado ou ao futuro) é o

presente, o aqui-agora.

Desse modo, o aqui-agora se refere tanto à relação terapêutica como ao presente ou

aqui-agora do cliente em si. Assim, mesmo diante de sintomas provocados num dado momento

93

do passado, se a pessoa apresenta esses sintomas atualmente, quer dizer que o problema se

configura como algo completamente novo e atual. Logo, a intervenção deve partir de como o

problema se apresenta no aqui-agora para o cliente. A respeito disso, como ressaltam Perls,

Hefferline e Goodman (1997, p. 46, grifos dos autores),

A terapia consiste em analisar a estrutura interna da experiência concreta,

qualquer que seja o grau de contato desta; não tanto o que está sendo

experenciado, relembrado, feito, dito etc., mas a maneira como o que está

sendo relembrado é relembrado, ou como o que é dito é dito, com que

expressão facial, tom de voz, sintaxe, postura, afeto, omissão, consideração

ou falta de consideração para com a outra pessoa etc. Trabalhando a unidade

e a desunidade dessa estrutura aqui e agora, é possível refazer as relações

dinâmicas da figura e fundo até que o contato se intensifique, a awareness se

ilumine e o comportamento se energize.

Sendo assim, o aqui-agora aponta para a reatualização (self-actualizacion) constante

do sujeito frente às situações da vida, o que quer dizer que, se uma situação inacabada (gestalt

aberta) está impelindo a pessoa para o fechamento desta situação, isto significa que a gestalt é

atual e deve, portanto, ser trabalhada sob a ótica do momento presente.

O segundo aspecto fundamental para a compreensão do aqui-agora, que é a totalidade

psíquica subjetiva – o self –, nos remete à noção de temporalidade, demonstrando que, mesmo

que o sujeito esteja vivenciando a manifestação de uma situação passada ou a conjectura de

uma situação futura, ambas as noções de temporalidade delimitam um espaço que se configura

numa totalidade completamente única e diferente, que é o presente.

Isto, entretanto, não significa vangloriar um tempo em detrimento do outro, mas tão

somente dizer que passado e futuro são partes de uma totalidade transcendente que se configura

no aqui-agora (presente). Essa totalidade é o self (si mesmo), que performa a unidade da pessoa

no aqui-agora.

Conforme afirmam Arenhart e Freitas (2016, p. 40),

Isso significa que o foco na Gestalt-terapia é redirecionado para como a

experiência está sendo vivida, relembrada e retida no presente. O aqui-e-agora

abrange uma conscientização que vai além das categorias de conteúdo

(porque), das abstrações, verbalizações ou relações causais traçadas, para

incluir as formas, a relação e a corporeidade que surgem no aqui-e-agora por

meio das realidades sensoriais e motoras disponíveis.

94

Dessa forma, mais do que tentar buscar as causas do sintoma que se manifesta, ou o que

provocou determinada abertura de gestalt, o gestalt-terapeuta direciona o seu foco para como a

pessoa está vivenciando determinada situação. Sendo assim, a atenção é voltada para a

experiência presente do cliente, considerando-o, também, como o único tempo possível de

realização e crescimento.

4.8.7 Self

Na Gestalt-Terapia, o self corresponde à totalidade subjetiva das pessoas. Para sermos

mais precisos, é o sistema de contatos que cada pessoa estabelece num dado momento. Esse

sistema diz respeito à fronteira de contato de cada um, que é condicionada pelo momento

presente, de acordo com as figuras emergentes e as dinâmicas de figura-fundo performadas.

Sendo assim, o self se configura como um sistema flexivelmente variado e mutável, que

se transforma conforme as necessidades orgânicas e subjetivas que se apresentam. Além disso,

vale ressaltar que, como explicado anteriormente, o self constitui um processo integrador que,

à luz do contato e da awareness, dá forma à subjetividade humana. Dessa forma, o self

representa a totalidade do ser, pois, majoritariamente, como um campo, integra organismo e

ambiente e, neste sentido, a gestalt (campo-self) tende a se completar (PERLS; HEFFERLINE;

GOODMAN, 1997).

Nesse interim, o self corresponde tanto ao princípio gestáltico da totalidade, como

também de crescimento – como discutimos anteriormente na seção a respeito da autorregulação

organísmica. Com isso, compreende-se que o fechamento e a correspondência do campo numa

totalidade única representam o equilíbrio que todo organismo busca em sua dinâmica de

autorregulação. Contudo, de acordo com Perls, Hefferline e Goodman (1977, p. 179), “[...] já

que as condições estão sempre mudando, o equilíbrio parcial obtido é sempre inusitado; é

preciso crescer para chegar a ele. Um organismo preserva-se somente pelo crescimento”.

Assim, vale ressaltar que, nesse processo, o equilíbrio/homeostase almejados pelo self

são sempre parciais, pois, do contrário, levaria o organismo ao próprio aniquilamento. Diante

disso, percebemos que a dinâmica de equilíbrio/homeostase/autorregulação e,

consequentemente, o self, estarão sempre condicionados ao movimento, ao excitamento e ao

crescimento, fenômenos esses que dependem, primordialmente, da assimilação do ambiente

95

pelo organismo e vice-versa. Ressaltamos que todos esses processos estão imbricados e

acontecem na fronteira de contato.

4.8.8 Experimentação

Em Gestalt-Terapia, a experimentação difere totalmente do que, a princípio, se pensa

quando se ouve a palavra experimento. Geralmente, se atribui a nomenclatura experimento para

designar um estudo científico laboratorial, contudo, em Gestalt-Terapia, esse conceito ganha

um outro significado, pois se configura como um processo de entrar em contato com.

No que se refere ao processo psicoterapêutico, a experimentação resulta em um método.

No contexto terapêutico individual ou em grupo, o objetivo do gestalt-terapeuta é colocar seus

clientes em contato consigo mesmo no/com o momento presente. Sendo assim, a

experimentação consiste em vivenciar, experenciar e visualizar como está se sentindo

(pessoal/subjetiva/fisicamente) no aqui-agora. Destacamos que esse processo é um movimento

constante de tomada de consciência, dessa forma, objetiva a awareness.

Como ressaltam Perls, Hefferline e Goodman (1997, p. 49, grifo dos autores),

[...] nosso método terapêutico é o seguinte: treinar o ego, as diferentes

identificações e alienações, por meio de experimentos com uma awareness

deliberada das nossas variadas funções, até que se reviva espontaneamente a

sensação de que “Sou eu que estou pensando, percebendo, sentindo e fazendo

isto”. Nesta altura, o paciente pode assumir, por conta própria, o controle.

No que concerne à experimentação como um todo, é necessário expormos aqui,

também, a diferenciação fundamental entre técnica, exercício e experimento, pois, na prática,

esses conceitos podem acabar se confundido sem a devida compreensão de seus princípios.

Todavia, vale ressaltar que, a rigor, os três processos tem um objetivo comum: todos eles

buscam potencializar o contato através da awareness (tomada de consciência), que é o principal

objetivo do gestalt-terapeuta. Em resumo, a aplicabilidade desses princípios, pela via

terapêutica, desagua no processo de experimentação por parte do cliente (FIGUEROA, 2015).

A técnica tem como principal âncora o repertório metodológico do terapeuta. Ela

consiste em ferramentas utilizadas e desenvolvidas pelo terapeuta com vistas a atingir objetivos

96

determinados. Além disso, ela pode ser utilizada tanto em exercícios como nos experimentos.

O que difere a utilização da técnica em exercícios e em experimentos é que, no primeiro, ela é

planejada, e no segundo não. Assim, no experimento, a técnica só emerge como figura no aqui-

agora, está condicionada ao movimento da relação terapêutica. O experimento, em si, é uma

vivência e, sobretudo, é uma iminência que surge dentro da relação terapêutica, é um improviso

(imprevisto e espontâneo) que decorre única e exclusivamente da relação dialógica entre o

terapeuta e o cliente. Ele surge e acontece no aqui-agora vivencial, “orientando-se de acordo

com o que sucede, sem um fim determinado” (FIGUEROA, 2015, p. 88).

A respeito desse processo, Figueroa (2015, p. 90) exemplifica que

Em geral, é o terapeuta que convida o cliente ao experimento a partir de um

tema emergente – um assunto, um gesto, uma fantasia etc. Ele sugere uma

experiência, isto é, um modo de explorar o tema, fazendo algo com aquilo que

não seja só falar sobre. A fim de obter elementos suficientes para a formulação

do experimento, o terapeuta pode utilizar recursos como: perguntar ao cliente

sobre a sua necessidade naquela situação; perguntar o que quer fazer com o

tema emergente; pedir que entre em contato com suas sensações e seus

sentimentos; sugerir que preste atenção no ambiente, olhando para as pessoas

à sua volta.

Além disso, ao vivenciar um experimento – e também na experimentação como um todo

– através da ampliação da awareness, o cliente pode vivenciar a integração entre as partes ou

o fechamento de uma gestalt aberta. Ele pode vivenciar conscientemente um processo que antes

era inconsciente – na Gestalt-Terapia, o que é inconsciente pode se configurar como fundo ou

fenômeno que ainda não chegou à luz da consciência.

Os exercícios, por sua vez, podem ser chamados de atividades, geralmente propostas

pelo terapeuta, e que podem ser realizadas tanto dentro quanto fora da terapia. De acordo com

Figueroa (2015, p. 88), os exercícios são “procedimentos [que podem ser autoaplicáveis] nos

quais os recursos técnicos visam objetivos previamente definidos, como explorar uma das

funções contato (audição, visão, tato, olfato, paladar), observar a respiração etc.”.

Para os criadores da Gestalt-Terapia – PHG –, a única via para a solução dos problemas

humanos, bem como para o fechamento das gestalten, é a experimentação, ou seja, o

desabrochar do contato através da awareness (tomada de consciência), em que não só nos

damos conta de algo que antes era inconsciente (ou não era um fenômeno percebido), como

também tornamos possível a nós mesmos a ressignificação da situação (da gestalt), através da

97

emergência de uma nova figura, que pode ser uma nova percepção, visão ou interpretação da

realidade.

Como trouxemos no nosso terceiro capítulo – em que apresentamos o Humanismo e a

Abordagem Centrada na Pessoa de Carl Rogers como uma das principais psicoterapias de base

fenomenológico-existencial –, o papel do psicoterapeuta, de acordo com Rogers, é oferecer as

condições necessárias para o desabrochar da tendência atualizante de cada pessoa com o

objetivo de potencializar o crescimento inerente ao mecanismo de autorregulação organísmica.

Essas condições foram nomeadas por Rogers de condições facilitadoras11 e na Gestalt-Terapia

de Perls tais ações terapêuticas se agrupam na noção de disposição experimental.

Em certo sentido, a experimentação (gestáltica) consiste na ação terapêutica que

proporciona a ampliação dessas condições à pessoa. Ressalta-se, no entanto, que, em amplo

sentido, tais condições são potencializadas pela experimentação em si, e não pelo

psicoterapeuta como centralizador do processo. Assim, cabe ao sujeito reconhecer a

possibilidade de aventurar-se no processo e em sua própria condição existencial de vir-a-ser,

considerando que a ampliação de sua fronteira de contato estará sempre sujeita ao

impermanente e ao desconhecido.

No sentido existencial-fenomenológico, a experimentação, pois, configura-se no ato de

lançar-se nos mistérios da existência, assumindo-a como único campo fenomênico onde as

vivências podem acontecer. De acordo com Gadamer (1999, p. 125-126, grifos nossos), “[...]

somente existem vivências na medida em que nelas algo se experimenta ou é intencionado.

[...] A vida somente se manifesta na vivência”.

Por fim, não objetivamos explanar aqui todo o arsenal de técnicas, experimentos e

exercícios possíveis em Gestalt-Terapia, mas ressaltamos a importância de se explorar em

profundidade o rol de possibilidades da atuação prática que permeia a produção e literatura da

área.

Diante da discussão realizada neste capítulo, consideramos esse resgate das bases

filosóficas e teóricas da Gestalt-Terapia, bem como dos seus principais conceitos, um ponto

fundamental do nosso trabalho, uma vez que norteará a compreensão do processo clínico e

psicoterapêutico frente à realidade das pessoas. Assim, agora que entramos em contato com os

11 Como apresentado no nosso terceiro capítulo, as condições facilitadoras apresentadas por Rogers são:

empatia, congruência e autenticidade.

98

princípios que ancoram a visão de homem-mundo da abordagem gestáltica, podemos partir para

análise da atuação prática que lhes confere a vida. No próximo capítulo, discorreremos sobre o

percurso metodológico dessa pesquisa, apresentando o material estudado e os métodos

escolhidos para a análise.

99

5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

O presente capítulo tem a incumbência de apresentar detalhadamente os procedimentos

metodológicos adotados para o desenvolvimento da pesquisa e para a análise dos resultados,

considerando os objetivos almejados. A nossa pesquisa consiste em um trabalho de caráter

qualitativo, bibliográfico e analítico-crítico acerca da construção teórica e aplicação prática da

Gestalt-Terapia no âmbito da Psicologia. Apresentaremos, então, como se deu a busca e a

seleção dos casos clínicos que servirão de base para a análise dessa prática, expondo, também,

os métodos escolhidos para avaliação dos resultados, que são: a Pesquisa Narrativa, a Análise

de Conteúdo e o Pragmatismo Filosófico. Além disso, o final deste capítulo conta com as

descrições dos casos clínicos em formato de Análise Narrativa – parte do método da Pesquisa

Narrativa – para uma melhor compreensão do leitor.

Nosso objetivo geral foi analisar a aplicabilidade prática da Gestalt-Terapia,

considerando suas origens e ramificações, que abrigam suas bases epistemológicas, filosóficas

e teóricas e, consequentemente, a sua visão de homem-mundo, que desagua no conceito de

transfenomenalidade postulado por Kohler. Sendo assim, analisaremos de que forma a

concepção de homem-mundo tem implicado na atuação do gestalt-terapeuta frente à clínica12.

Para alcançar nosso objetivo geral, tivemos como objetivos específicos: investigar as

fronteiras epistemológicas entre objetividade e subjetividade no âmbito das ciências e da

Psicologia; evidenciar, através da exploração da concepção de homem-mundo da Gestalt-

Terapia, as equivalências e ambivalências existentes entre a Psicologia da Gestalt e a Gestalt-

Terapia, considerando seus pressupostos filosóficos, que são a Fenomenologia, o

Existencialismo e o Humanismo; e identificar, através do conceito de transfenomenalidade de

Kohler, qual a implicância da concepção de homem-mundo da Gestalt-Terapia na produção do

conhecimento e na prática clínica. Dessa forma, o presente estudo e análise foram realizados

com foco nesta concepção de homem-mundo e sua implicância no que diz respeito à produção

de subjetividades.

12 Ressalta-se clínica não somente como a prática da psicoterapia em consultório, mas também como

uma área que se estende para vários âmbitos institucionais como, por exemplo: hospitais, escolas,

instituições de saúde mental, empresas etc.

100

Como mencionado anteriormente, esta pesquisa possui caráter qualitativo, bibliográfico

e analítico-crítico. O caráter qualitativo desta pesquisa se refere tanto à análise minuciosa de

saberes científicos produzidos a respeito dos fenômenos humanos, quanto à própria

ressignificação desses fenômenos pela Psicologia, através da discussão, reelaboração e

consequente esclarecimento.

A pesquisa qualitativa tem como característica a busca exaustiva por uma produção de

conhecimento que não se resuma à coleta de dados e à exposição empírica desses dados

traduzidos em uma realidade numérica e estatística. Dessa forma, o método qualitativo se

define, então, por transcender a esse processo quantitativo. Ressaltamos, porém, que o método

quantitativo também é importante, mas muitas vezes não contempla os objetivos almejados –

em razão da amplitude e inexatidão humana – como acontece, por exemplo, no contexto de

nosso trabalho.

Somado a isso, Rey e Luis (2002, p. 106) apontam que

[...] a construção da informação na pesquisa qualitativa não se apoia na coleta

de dados, como se realiza na pesquisa tradicional; mas segue o curso

progressivo e aberto de um processo de construção e interpretação que

acompanha todos os momentos da pesquisa. Esta última é um processo de

construção teórica, e não um processo de definição de dados empíricos que

tem um momento de conceituação, como ocorre na pesquisa quantitativa: nela

o momento teórico representa mais um momento de conceituação e

organização do material fático, que um momento construtivo e de produção

de ideias.

Assim sendo, o caráter da nossa pesquisa se define como exploratório e qualitativo, não

tendo nenhum intuito estatístico ou quantitativo. Para o levantamento de dados, realizamos,

inicialmente, uma pesquisa bibliográfica, através de uma revisão de literatura, com o objetivo

de fazer um levantamento histórico das bases filosóficas e teóricas da Gestalt-Terapia,

objetivando resgatar, também, as origens do conceito de transfenomenalidade.

Com base na revisão de literatura realizada, nos utilizamos da produção de autores que

discutem a Psicologia como um todo, bem como especificamente a Gestalt-Terapia e suas bases

teórico-filosóficas. Entre esses autores estão: Goodwin (2010); Perls, Hefferline e Goodman

(1997); Ribeiro (1985); Granzotto e Granzotto (2016); Frazão e Fukumitsu (2015) e Fonseca

(2006).

101

Escolhemos expor aqui os principais artigos e obras de autores que são referência no

tema – tanto a respeito da Gestalt-Terapia em si, como em relação ao conceito de

transfenomenalidade – que foram utilizados no nosso trabalho. As produções escolhidas estão

dispostas no quadro a seguir de acordo com a ordem crescente e conforme o ano de publicação,

desacatando título, autores e tipo de produção (livro ou artigo).

Quadro 1 – Materiais de referência no tema estudado

Nº TÍTULO AUTOR (A) TIPO ANO

1 O ser e o nada – ensaio de ontologia

fenomenológica Jean Paul Sartre Livro 1943

2 Gestalt-Terapia

Frederick Perls;

Ralph Hefferline;

Paul Goodman

Livro 1994

3 Gestalt-Terapia: refazendo um caminho Jorge Ponciano

Ribeiro Livro 1985

5

Para uma história da psicologia e da

psicoterapia fenomenológico existencial – dita

humanista. Apontamentos

Afonso H Lisboa da

Fonseca Livro 2006

6 Experiência e Natureza: a Teoria da Gestalt

entre a ciência e a fenomenologia

Jonas Fornitano

Cholfe Artigo 2009

7 A fenomenologia de Köhler e o conceito de

experiência direta

Sávio Passafaro

Peres Artigo 2014

8 A clínica, a relação psicoterapêutica e o manejo

em Gestalt-Terapia

Lilian Meyer Frazão;

Karina Okajima

Fukumitsu

Livro 2015

9 Fenomenologia e Gestalt-Terapia

Marcos José Muller-

Granzotto;

Rosane Lorena

Muller-Granzotto

Livro 2016

Fonte: a autora

A respeito dos métodos de análise adotados nesta pesquisa, utilizamos três tipos, que

são: a Pesquisa Narrativa, a Análise de Conteúdo e o Pragmatismo Filosófico. De acordo com

Clandinin e Connely (2000), A Pesquisa Narrativa consiste em um método de produção de

102

informações através de uma ou mais histórias já publicadas. A Análise de Conteúdo, segundo

Bardin (2004, p. 7), é “[...] um conjunto de instrumentos de cunho metodológico em constante

aperfeiçoamento, que se aplicam a discursos (conteúdos e continentes) extremamente

diversificados”. E o Pragmatismo Filosófico é um método criado pelo psicólogo William James

(já citado no primeiro capítulo) e outros teóricos que buscam a relevância de pressupostos

teóricos no que diz respeito à experiência real das pessoas, ou seja, em relação aos fatos.

Partimos do pressuposto de que a Pesquisa Narrativa é o método que irá expor, de forma

mais nítida, como se dá a prática da Gestalt-Terapia frente ao ser humano, pois será por meio

do contato com artigos científicos que trazem a descrição e análise de casos clínicos que

teremos uma base fidedigna de análise. Diante disso, ao analisar as histórias de cada caso,

teremos o auxílio da Análise de Conteúdo, com vistas a estruturar, de forma categórica, a

ligação entre a prática e a teoria, visando uma melhor compreensão dos conceitos e seu reflexo

no mundo. Por fim, será o Pragmatismo Filosófico aquele que nos oferecerá um panorama real

dos efeitos decorrentes e sentidos construídos a partir dessa relação intrínseca entre teoria e

prática.

A seguir, descreveremos a justificativa para a escolha de cada um desses métodos,

auferindo e ressaltando a complexidade do tema estudado e pesquisado, que é constituído por

várias formas e facetas: a teoria, a prática e os efeitos de ambas na vida e na produção subjetiva

das pessoas.

5.1 Pesquisa Narrativa

Clandinin e Connely (2000, p. 20 apud PINNEGAR; DAYNES, 2007, p. 3)

[...] definem pesquisa narrativa como “uma forma de entender a experiência”

em um processo de colaboração entre pesquisador e pesquisado. A pesquisa

narrativa mais comum pode ser descrita como uma metodologia que consiste

na coleta de histórias sobre determinado tema onde o investigador encontrará

informações para entender determinado fenômeno. As histórias podem ser

obtidas por meio de vários métodos: entrevistas, diários, autobiografias,

gravação de narrativas orais, narrativas escritas e notas de campo. Outra forma

de fazer pesquisa narrativa é descrita por Polkinghorne (1995, p. 1) como

análise narrativa, um tipo de estudo que reúne eventos e acontecimentos e

produz uma história explicativa. Em síntese, a pesquisa narrativa usa as

narrativas tanto como método quanto como fenômeno do estudo.

103

Para tanto, a narrativa será construída com base em casos clínicos já publicados com

vistas a relatar e analisar a prática e o manejo do (a) gestalt-terapeuta de base humanista e

fenomenológica existencial frente aos clientes. Optamos por delimitar a demanda específica de

transtornos mentais ou psíquicos visando estabelecer um foco de atenção no que se refere à

atuação da Psicologia em relação à premissa principal da Gestalt sobre o ser humano: o todo

vai muito além da soma das partes. Escolhemos destacar esta premissa por se tratar de uma

sentença que demonstra de maneira suscinta qual a concepção de homem-mundo da Gestalt-

Terapia e, além disso, estar interligada ao conceito de transfenomenalidade de Kohler, conceito

central destacado por nós neste trabalho.

No que diz respeito à busca pelas histórias narrativas que nos serviram de base, ao buscar

na base de dados do Google Acadêmico13, no período de março a junho de 2019, utilizamos os

seguintes descritores na ferramenta de busca: na primeira busca, “estudos de caso em Gestalt-

terapia” e na segunda busca, “Gestalt-terapia e transtornos mentais”. Os resultados apontaram

cerca de 7.280 produções para o primeiro descritor e 3.060 produções para o segundo descritor.

Na primeira etapa de filtragem do material a ser analisado, escolhemos como critérios

de inclusão a seleção de artigos científicos em português que trouxessem o foco para a

descrição e análise de uma intervenção clínica em Gestalt-Terapia relacionada à situação de

transtornos mentais ou psíquicos. Assim, focamos em publicações em forma de artigo e

excluímos publicações estruturadas como história de vida, monografias e/ou trabalhos de

conclusão de curso, dentre outros tipos de publicação, com o objetivo de filtrar e delimitar o

campo específico da realidade a ser estudada.

Considerando esses critérios, referentes à temática de interesse desse estudo, apenas 20

(vinte) artigos científicos em português foram previamente selecionados e, dentre eles, 3 (três)

foram escolhidos para a construção da análise narrativa dessa pesquisa. Nessa segunda etapa de

filtragem, objetivamos selecionar apenas artigos científicos que apresentassem um caso prático

de como se dá o manejo da Gestalt-Terapia, por esse motivo, excluímos a grande maioria dos

artigos por apresentarem um caráter majoritariamente teórico acerca do manejo. Sendo assim,

dentre os 20 artigos que abordavam a temática pesquisada, analisamos o título e o resumo de

cada obra e fizemos uma leitura flutuante do conteúdo com vistas a verificar se apresentava

13 Ferramenta de pesquisa do Google que oferece acesso a publicações em literatura acadêmica.

104

dados práticos (casos clínicos, suas descrições e manejo) e excluímos aqueles que não tinham

a configuração definida a priori: ser um artigo científico em português que abordasse o manejo

clínico da Gestalt-Terapia apresentando um caso clínico realizado na prática.

Ressaltamos que dentre os três artigos escolhidos, dois deles apresentam casos clínicos

que descrevem o manejo da Gestalt-Terapia – sendo um sobre fobia social e outro sobre o

trauma infantil – e o terceiro trata do manejo da depressão pela Abordagem Centrada na Pessoa

(ACP), tal qual estabelece relação com a Gestalt devido à sua base humanista e

fenomenológica-existencial. Os artigos selecionados estão dispostos no quadro abaixo de forma

crescente conforme o ano de publicação.

Quadro 2 – Artigos científicos selecionados para a análise prática da Gestalt-Terapia

Nº TÍTULO AUTOR (A) ANO

1 Rompimento amoroso, depressão e auto-estima:

estudo de caso

Dilcio Dantas

Guedes;

Julieta Monteiro

Leitner;

Karine Cardozo

Rodrigues Machado

2008

2 Fobia Social: o olhar da Gestalt-Terapia. Um estudo de

caso

Joseane de Alcântara;

Marisete Malaguth

Mendonça

2010

3 Efetividade da clínica gestáltica no tratamento do

trauma infantil: estudo de caso

Daniela Bianchi;

Ida Kublikowski 2018

Fonte: a autora

Como podemos visualizar a partir do quadro, os transtornos mentais ou psíquicos

explorados nas intervenções clínicas que nos servirão de material de análise são: a depressão, a

fobia social e o trauma infantil. Ao final deste capítulo o leitor entrará em contato com a

descrição e análise narrativa de cada caso.

105

5.2 Análise de Conteúdo

A Análise de Conteúdo, método criado pela professora-assistente de Psicologia da

Universidade de Paris V, Laurence Bardin, é uma metodologia adequada tanto às análises

quantitativas como qualitativas. Se configura como um método empírico, o qual irá nos orientar

na sistematização dos achados, sejam eles fatuais ou teóricos e, consequentemente, na

interpretação das informações, buscando dissecar seus sentidos e produções.

Segundo Bardin (2004), uma das funções da análise de conteúdo é a função de verificar

se o material dado é verdadeiro ou não14. A análise de conteúdo, então, tem as seguintes

atribuições: 1) foca-se nas comunicações – no presente trabalho, estas comunicações são a) as

teorias e conhecimentos acerca do ser humano e b) a relação entre esses conhecimentos

produzidos e os seres humanos reais; 2) é categorial-temática, ou seja, constitui apenas um dos

métodos de análise; e 3) tem o caráter de inferir, através das mensagens/comunicações

analisadas, uma interpretação fidedigna da realidade.

Segundo a criadora do método, a análise de conteúdo é algo que se realiza na prática.

Sendo assim, conforme afirma Santos (2012, p. 385), “[...] no que tange às práticas, alguns

exemplos ilustram uma análise de conteúdo segura e objetiva, são eles: análise de entrevista,

análise lexical e sintática de uma amostra e análise temática de um texto”. Nessa pesquisa

utilizaremos a análise temática de textos, tanto aqueles utilizados nas discussões teóricas e

bibliográficas, como aqueles das descrições dos casos clínicos resultantes da análise narrativa

realizada no nosso trabalho.

O método proposto segue alguns passos cronológicos definidos como critérios de

organização, esses passos são: 1) a pré-análise; 2) a exploração do material e 3) o tratamento

dos resultados. A pré-análise consiste em uma fase de organização das ideias e conteúdos que

desaguam na análise propriamente dita. Segundo Bardin (2009 apud ROCHA, 2017, p. 82),

“[...] essa fase tem como principais objetivos: realizar a escolha dos documentos que serão

analisados, a formulação das hipóteses e dos objetivos, bem como a elaboração de possíveis

indicadores que servirão de base para a interpretação final”.

14 Na seção que trata do Pragmatismo Filosófico perceberemos o quanto esses dois métodos tem em

comum.

106

A exploração do material é uma fase da análise de conteúdo intrinsecamente

relacionada com a fase anterior, a pré-análise, uma vez que se refere à aplicação prática desta

fase, em que serão escolhidos os documentos a serem analisados e será realizada a leitura

flutuante com o objetivo de estabelecer as hipóteses e objetivos que orientarão a interpretação

final.

O tratamento dos resultados é realizado através da combinação entre duas técnicas: a

codificação e a inferência. A codificação se refere ao recorte realizado com vistas a delimitar

o campo/temática da pesquisa, e a inferência diz respeito à confirmação ou refutação das

hipóteses formuladas através do estudo. As demais técnicas de análise são: categorização,

interpretação e informatização (BARDIN, 2004).

A categorização consiste num método de elaboração de categorias de análise, sendo

estas formadas por meio do agrupamento de temáticas que se relacionam, todas em um único

bloco categorial, facilitando, posteriormente, a análise do material, que é realizada de acordo

com cada categoria formulada. Cada uma delas deverá abrigar uma única temática, não sendo

possível determinado tema aparecer em mais de uma categoria (essa delimitação é

imprescindível para a manutenção da legitimidade do método).

Como afirmamos anteriormente, a Análise de Conteúdo é um método de análise

categorial/temática. Dessa forma, os próximos passos do método, que são a interpretação e

informatização dos dados, também deverão ser realizados por categoria, e só posteriormente é

possível uma interpretação final baseada na totalidade das categorias. É neste passo que surgirão

as inferências.

Considerando todas essas etapas do processo de análise do conteúdo, na nossa pesquisa

as categorias de análise foram elaboradas enfocando os objetivos específicos desse trabalho, a

partir da análise do material estudado, que foram os principais textos de referência no tema

(Quadro 1) e os casos clínicos (Quadro 2). Como resultado desse processo, formulamos três

categorias de análise, que são: 1) Objetividade e subjetividade: o sujeito uno na Psicologia; 2)

Ambivalências e equivalências das perspectivas gestálticas sobre o ser-no-mundo; e 3)

Transfenomenalidade: o sujeito uno e a prática clínica da Gestalt-Terapia. Estas serão

discutidas no próximo capítulo.

107

5.3 Pragmatismo Filosófico

O Pragmatismo Filosófico consiste em um sistema prático de interpretação da realidade

que tem como principais nomes o filósofo Charles Sanders Pierce (1839 – 1914) e os psicólogos

William James (1842 – 1910) e John Dewey (1859 – 1952), os dois últimos sendo ligados à

Psicologia clássica, dentro da perspectiva do Funcionalismo.

O pragmatismo filosófico nasce, inicialmente, como uma “filosofia da ação”,

preocupada com as formas em que se determinam “as verdades”. Mas, além disso, se constitui

como um método de análise da realidade e das proposições teóricas da ciência. É um método

que tem como princípio vencer as disputas teóricas intermináveis. Sua justificativa tem origem

nos problemas filosóficos, mas o método não se limita à filosofia. Segundo García (2010, p.

224), “[...] a prova da verdade de uma proposta é sua utilidade prática. O propósito do

pensamento é guiar a ação e o efeito de uma ideia é mais importante que sua origem”.

Utilizaremos, então, o pensamento de James e Dewey porque ambos foram teóricos da

Psicologia e compactuam com a ideia do pragmatismo como sendo um método baseado na

realidade fatual, e não apenas algo baseado na razão, no intelecto, na teoria.

Vale ressaltar que, o pensamento de Dewey enfatiza a importância de não se prender a

abstrações e sim buscar construções teóricas e práticas que trabalhem para o melhor

desenvolvimento do organismo. Para Dewey (1919/1959 apud BRANCO; CIRINO, 2016, p.

16), “[...] a Ciência é algo que ‘[...] nasce e se comprova na experiência, e que, depois, é

utilizada mediante as invenções para expandir e enriquecer por mil meios a experiência’”. O

pensamento de James caminha pela mesma via.

Como afirma Nascimento (2011, p. 8),

A filosofia pragmática, conforme James, é uma via intermediária entre as vias

opostas do racionalismo e do empirismo, numa tentativa de conciliar

divergências. James reivindica uma filosofia que não somente exercite os

poderes da abstração intelectual, mas que estabeleça alguma conexão positiva

com o mundo real, o mundo de vidas humanas finitas. Assim, o método

pragmatista consiste num instrumento para assentar as disputas metafísicas,

uma vez que, de outro modo, se estenderiam interminavelmente.

Ao ser ligado à Psicologia Clássica, o Pragmatismo vem influenciar diretamente outras

correntes posteriores em Psicologia e, consequentemente, teóricos ligados à Fenomenologia

108

Existencial, à Psicologia da Gestalt e à Gestalt-Terapia – mesmo que remotamente. Entre esses

teóricos, temos Kurt Goldstein (Teoria Organísmica) e Carl Rogers (ACP) como principais

nomes. Sendo assim, ao nos depararmos com tal ligação, reforçamos ainda mais o interesse de

trabalhar com este método (pragmatismo filosófico), uma vez que já foi cogitada a relação entre

ele a vertente teórica que objetivamos analisar. Consideramos este um fator que demanda maior

exploração e aprofundamento e tentaremos explanar isto neste trabalho.

O pragmatismo filosófico, então, é um método de análise que implica embasar seus

achados empiricamente. Isso significa que será através das consequências práticas da atuação

que analisaremos as produções científicas, tanto relacionadas à concepção de sujeito, bem como

às suas produções subjetivas na prática. Ou seja, tentaremos explanar quais os efeitos que a

abordagem gestáltica tem sobre a vida das pessoas e de que forma ela reflete sua visão de

homem-mundo de uma maneira real e fatual.

Isso não significa dizer, necessariamente, que afirmaremos haver ou não utilidade e

eficiência dessa perspectiva, mas, para além da discussão referente à sua eficiência, iremos

analisar se a teoria implica realmente na prática de forma fiel a seus postulados e,

consequentemente, se a prática comprova as teorias e compreensões sobre o homem.

Ressaltamos o pensamento de Rogers, adepto da Psicologia Humanista – que embasa,

também, a prática da Gestalt-Terapia – em relação à adequação da teoria à realidade humana

e não o contrário. Nas palavras de Branco e Cirino (2016, p. 17):

Seguindo o lastro funcionalista, nos anos em que trabalhou na Universidade

de Chicago, Rogers (1951/1992) foi cuidadoso em não adentrar em questões

filosóficas gerais do tipo “o que é realidade?” ou “o que é a verdade?”. O autor

procurava sempre se restringir e se manter leal às suas observações e pesquisas

clínicas para formular sua teoria, entendendo-a como um plano hipotético

submetido, constantemente, à prova (Rogers, 1959/1977).

Diante disso, através da revisão de literatura e da análise dos casos clínicos, sendo

guiados pelo método pragmático, analisamos de que forma a aplicabilidade da teoria reflete na

vida das pessoas, nelas mesmas e em suas potencialidades, buscando reforçar o princípio de

que a teoria deve sempre ser submetida aos efeitos práticos e à implicância real na vida humana,

ao contrário de tentar adequar esta vida aos seus pressupostos. Sendo assim, pretendemos

encerrar as discussões que separam o ser humano de sua completa existência, que dividem

109

territórios teóricos que, na prática, atuam da mesma forma e, consequentemente, dividem,

também, a vida humana: a qual, na realidade, caminha como uma unidade/totalidade.

A respeito desse aspecto e do seu vencimento pelo método pragmatista, James (1948, p.

93) afirma que

[...] o método pragmatista é, antes de tudo, um método de terminar

discussões metafísicas que, de outro modo, seriam intermináveis. O

mundo é um ou muitos? Livre ou fadado? Material ou espiritual? Essas

noções podem ou não trazer bem para o mundo; e as disputas sobre elas

são intermináveis. O método pragmático, neste caso, é tentar interpretar

cada noção identificando as suas respectivas consequências práticas [...]

se nenhuma diferença prática puder ser identificada, então as

alternativas significam praticamente a mesma coisa, e a disputa é inútil.

Diante do exposto, explicitamos que analisaremos todos esses fatores com auxílio do

Pragmatismo Filosófico e da Análise de Conteúdo junto à interface prática da Análise Narrativa

dos casos clínicos em que a visão de homem-mundo da Gestalt-Terapia pôde ser trabalhada.

Vale ressaltar que, ainda neste capítulo, iremos expor as descrições dos casos clínicos

escolhidos, que elaboramos como primeira etapa da análise narrativa, visando que o leitor

tenha acesso a um panorama de cada caso, os quais serão discutidos no próximo capítulo com

base nas categorias definidas. Porém, se necessário, recomenda-se a leitura dos casos na íntegra

para uma compreensão mais ampla, pois estes se encontram disponíveis virtualmente em

formato digital. Nas descrições, optamos por utilizar os mesmos nomes escolhidos pelos autores

dos artigos, sendo todos eles nomes fictícios, utilizados para proteger a identidade das pessoas

envolvidas e o sigilo das informações pessoais.

Assim, após o leitor ter entrado em contato com todo o arsenal epistemológico,

filosófico e teórico da Gestalt-Terapia e também com o conteúdo de cada caso, poderá

compreender melhor a estrutura das categorias definidas e os resultados analíticos que serão

apresentados no próximo capítulo.

110

5.4 Descrições dos casos clínicos

• Caso 1 – Rompimento Amoroso, Depressão e Autoestima

Leonardo, quando iniciou a psicoterapia, tinha 34 anos, ainda morava com os pais, não

tinha mais o emprego e, após um rompimento amoroso, segundo os relatos de sua mãe, ele

passou a ser cuidado e alimentado como um bebê, sendo este um dos motivos que a fez levá-lo

à terapia. Já não controlava suas capacidades intrínsecas, não ia ao banheiro sozinho, mal comia

e chorava constantemente. Várias vezes ameaçava se matar, dizia que pularia da janela e

demonstrava em gestos simbólicos essa mesma ideia.

As coisas começaram a mudar quando, aos poucos, ele foi se entregando ao processo

terapêutico. Desenhava seus símbolos, falava em gestos e comunicava-se mesmo em meio às

resistências. Seu terapeuta temia a possibilidade de não estar se comunicando fidedignamente

com ele e, como o próprio terapeuta nos traz:

É importante ressaltar que o terapeuta precisa estar presente na relação,

trazendo tudo de si e experimentando o que acontece consigo e com o cliente,

atento a que sentimentos são gerados, sem nunca esquecer que a experiência

do outro é autêntica e singular (GUEDES; LEITNER; MACHADO, 2008, p.

610).

Leonardo começara a mudar já desde a primeira sessão, o que pareceu ser a resposta que

o terapeuta precisava. Como ser humano, ele precisava, mas, o mais importante: também

precisava da resposta de Leonardo como guia para as intervenções. Todavia, o terapeuta admitiu

que não fossem essas incertezas a figura da situação. Como em qualquer processo, ou projeto

existencial, as respostas surgiriam elas mesmas, como fenômeno, no seu campo e no seu tempo.

Um dia depois, a mãe de Leonardo me ligou dizendo que ele tem falado

algumas coisas, tem se alimentado e tem feito uso da toalete de forma

autônoma. [...] Sinto que me comunico com ele, mesmo de forma atípica.

Tenho estado angustiado com as hipóteses de que essa comunicação, na

verdade, não exista, mas ao mesmo tempo sinto que, no fundo, ela está

presente. Hoje continuou em silêncio na sala (GUEDES; LEITNER;

MACHADO, 2008, p. 622).

111

Antes do início do processo psicoterápico, soube-se que Leonardo passou a se medicar

(por recomendação psiquiátrica) também por causa das perturbações psicóticas breves, que, ao

se agravarem, tornaram-se um dos motivos da sua ida à psicoterapia e, além disso, ele não

estava mais exercendo sua própria autonomia. Sua mãe que o levara e demonstrava estar muito

sobrecarregada, pois levava o peso existencial da responsabilidade consigo... Sem o exercício

da sua autonomia, Leonardo não sabia mais o que era responsabilidade.

A autonomia pressupõe um potencial de escolha. Por potencial de escolha,

entende-se a um conjunto de dispositivos internos (emocionais, volitivos e

cognitivos) e externos (políticos, econômicos e sociais) que dão suporte ao

sujeito estabelecer metas e estratégias para alcançar seus objetivos

psicológicos e materiais. Geralmente essas escolhas remetem à noção de auto

atualização (Rogers, 1975,1977). [...], no entanto, para que essa condição

múltipla da existência se efetive, é preciso que o sujeito formule um projeto

(ou projetos) e se mobilize para alcançá-lo(s) (GUEDES; LEITNER;

MACHADO, 2008, p. 611).

Como mencionado, seu ajustamento disfuncional ocorrera após o fim de uma relação

amorosa, a qual desencadeara uma série de sintomas psicopatológicos, desaguando na

depressão, esse embotamento do sentimento, essa alienação do próprio eu e da própria vida,

essa incomensurável desvalia... Leonardo perdeu o sentido. Todavia, mesmo diante dessa

condição, demonstrava capacidade crítica consciente ao perguntar sobre os benefícios da

psicoterapia.

Ainda que tenha passado por muitas sessões, Leonardo voltava a vivenciar sensações

paranoides, não se sentia responsável pelos próprios caminhos e ideais, culpava o mundo: os

pais e as circunstâncias que vivenciava. Buscava suporte para si e para a mãe, que considerava

frágil, apesar de carregá-lo sobre os ombros, ou talvez sua aparente fragilidade fosse justamente

por ter que carregá-lo. Para Leonardo, a fragilidade da mãe era algo injusto, por isso, ele culpava

a si mesmo e ao seu pai – do qual a mãe se separara.

Foi a partir da tomada de consciência – da própria condição, do próprio movimento e

das próprias potencialidades – que Leonardo passou a considerar-se mais autônomo em relação

à sua vida. Ele interrompe a psicoterapia por dois meses, a fim de voar, voar com as próprias

asas.

112

Leonardo referiu sentir indecisão e insegurança quanto a suas próprias

opiniões. Tinha medo, segundo ele próprio, de enfrentar desafios que estariam

por vir, antecipando possíveis fracassos. Pôde dar-se conta que sua

insegurança tem sustentado seu pessimismo e que pode encontrar outras

formas para enfrentar os desafios. Pôde também dar-se conta que o rumo da

sua existência dependeria do seu comprometimento sobre as escolhas que

fizer. Falou do medo de voltar a estar como antes, como se sentisse que

poderia perder o controle, “mais uma vez” (sic). Mesmo com tantas incertezas,

ficou claro que assumiu um potencial para o enfrentamento das dificuldades

que poderão vir (GUEDES; LEITNER; MACHADO, 2008, p. 626).

Após um tempo, Leonardo volta à psicoterapia já com o almejado “controle” em suas

mãos, porém, temendo cair. A vida o desestrutura, e ele vai entendendo que a responsabilidade

pela reestruturação é completamente dele. Ele volta, então, buscando um apoio e uma avaliação

psicológica, pois com este recurso poderia saber se estava progredindo ou não. Leonardo se

angustiava diante desse processo de mudança, que foi outro fator que o motivou a voltar. Porém,

como traz o terapeuta:

É, justamente, a partir desse lugar de angústia que a mudança se opera, assim

como possibilita exercitar a negação de si, caso o sujeito não queira assumir a

responsabilidade da tomada de posição. Dessa forma, o sujeito tem duas

opções elementares, dentre tantas infinitas: ou aceita a angústia e dela

aproveita-se para promover crescimento autêntico, ampliando seu campo

fenomênico e, consequentemente, ampliando seu leque de escolhas e

variabilidade de condutas; ou, então, nega a integração da angústia à sua

vivência, diminuindo suas opções e aumentando sentimentos de culpa que,

possivelmente, fomentará o tédio existencial, intensificando a desorganização

psicológica (Erthal, 1995, 1989). É por isso que se afirma que o objetivo da

psicoterapia é, em justa medida, favorecer que o sujeito possa autorizar-se

como sujeito, a tomar posições a partir de sua liberdade de escolha e a assumir

sua angústia existencial de ser “só”, mesmo que em relação (Moreira, 2001)

(GUEDES; LEITNER; MACHADO, 2008, p. 609).

Apesar dos medos, inseguranças e ansiedades inerentes a toda condição existencial,

Leonardo finaliza o processo psicoterapêutico ainda solteiro, porém, mais consciente,

autônomo, com novas versões de sentido sobre a vida, diante de novas possibilidades, novos

amigos e novas estratégias possíveis ao enfrentamento da vida – vida que é parte dele mesmo.

Diante disso, com o resgate de sua autonomia, passou a operar outras formas de ajustamentos

mais satisfatórias, não apresentando mais sinais de depressão e sintomas psicóticos.

113

• Caso 2 – Efetividade da clínica gestáltica no tratamento do trauma infantil

RD é o nome da criança, uma criança que esteve sofrendo desde que nasceu. Ele passa

por um processo de adoção que, de certa forma, é o que lhe salva de um mar imenso de descaso

e sofrimento. Foram seus pais – um casal homoafetivo – que o levaram para a psicoterapia, em

busca de um suporte psicológico para a criança, que muitas vezes agia de forma agressiva e

apresentava diversos problemas de relacionamento, principalmente em novos ambientes e ao

entrar em contato com pessoas desconhecidas. Esse comportamento de RD e a forma de lidar

com o novo o levava a se isolar e brincar sozinho em diversos momentos, o que não

possibilitava a criação de laços e relações saudáveis de amizade, comuns ao seu estágio de

desenvolvimento. Nas palavras de seu terapeuta:

Outros sintomas referidos pelos pais e escola foram: embotamento afetivo

(manifestado por dificuldade em reconhecer e expressar as suas emoções), e

dificuldades cognitivas (compreender novas tarefas, organizar as suas ações e

articular com clareza as suas necessidades), descontrole dos impulsos

agressivos (normalmente desproporcional ao evento) (BIANCHI;

KUBLIKOWSKI, 2018, p. 254).

Mesmo com poucas informações sobre o histórico da criança, seus pais adotivos

apontaram pontos críticos de sua vivência anterior à época em que foi colocado em uma casa

de acolhimento, o que aconteceu quando RD tinha três anos de idade. Antes disso, ele viveu

como desabrigado, em situação de rua, além de sofrer também com a violência física,

negligência no cuidado e abandono pelos seus pais biológicos.

Os principais pontos críticos na história de RD é que, além de ter vivenciado a situação

de morar na rua, sua mãe sofria de transtorno mental – apresentando comportamento violento

– e seu pai era alcoolista. Sendo moradores de rua, tanto RD quanto os seus pais estavam

sujeitos a péssimas condições de higiene e segurança pessoal.

As sessões de psicoterapia, conforme o relato da terapeuta, ocorreram todas com o

suporte de recursos lúdicos, sendo o principal deles a caixa de areia, além de outros brinquedos,

como animais, bonecos e carros. De acordo com a descrição das primeiras sessões, a disposição

dos objetos feita pela criança dentro da caixa de areia assume uma estrutura completamente

desorganizada, fator que podemos observar na figura abaixo, que retratam duas fotos das caixas

de areia organizadas pela criança em sessões diferenciadas.

114

Figura 10 – Caixas de areia: fotos das primeiras sessões da terapia de RD

Fonte: Bianchi e Kublikowski (2018)

Aos poucos, RD foi incluindo o terapeuta nas brincadeiras, o que permitiu a este último

compreender de maneira mais direta as implicações e evoluções da criança durante o processo.

Conforme a análise do terapeuta, as caixas de areia, somadas ao comportamento de RD durante

as brincadeiras, foram fenômenos que demonstraram a representação simbólica de uma divisão

entre o que RD chama de “lugar do bem” e “lugar do mal”, o que remete ao embate que a

criança vivenciou quando em situação de rua e, provavelmente, na casa de acolhimento.

No primeiro cenário [da figura 10] há uma divisão em três compartimentos.

Segundo RD, havia o espaço do bem (fazenda), um espaço do mal e uma casa

onde estão as tartarugas e um homem. Essa temática – nutrição, morte e luta

do bem com o mal – perpetua-se durante muito tempo nas brincadeiras. Aos

poucos RD inclui a terapeuta nas brincadeiras, fazendo mais contato visual e

verbal. A possibilidade dele poder expressar através da brincadeira o

sofrimento físico e psíquico, juntamente com o fato de poder ressignificar a

privação, dando lugar a uma experiência de nutrição, pôde levar RD a um

resgate do relaxamento, minimizando a hipervigilância (BIANCHI;

KUBLIKOWSKI, 2018, p. 255).

A mudança de ambiente gerada pela saída da casa de acolhimento e transferência para

o lar de seus pais adotivos repercutiu nas brincadeiras da criança durante as sessões de terapia,

apesar dele ainda não ter conhecimento de que o processo de adoção estava sendo finalizado.

RD começou, então, a utilizar nas caixas de areia menos objetos e animais que representam

agressividade, dando lugar a outros animais – como cavalos, cães e também figuras humanas –

, bem como a um ambiente mais limpo e acolhedor.

115

Figura 11 – Caixas de areia: fotos de sessões após 1 (um) ano de terapia de RD

Fonte: Bianchi e Kublikowski (2018)

Além disso, justamente no dia em que findou o processo de adoção, RD representou

uma ponte que levava até uma casa. Com base na visão da caixa de areia acima, bem como na

outra representação abaixo, podemos observar que o ambiente desordenado em que RD viveu

deu lugar a um outro tipo de ambiente, um ambiente novo e familiar, em que a confiança pode

existir. Desse modo, a hipervigilância, o medo e a ansiedade se vão, e voltam as noções de

confiança, cuidado e segurança.

Figura 12 – Caixas de areia: fotos das sessões após a finalização do processo de adoção de RD

Fonte: Bianchi e Kublikowski (2018)

Como podemos ver, através das representações de RD e também aos olhos da

intervenção terapêutica, há nessas últimas caixas de areia a possibilidade de integralização e

harmonização dos elementos. Antes era como se não houvesse um todo. Antes era como se

tudo que existia na vida de RD fosse desorganizado e não caminhasse para lugar algum. Agora,

116

RD já consegue colocar cada coisa no seu lugar, ele organiza os elementos em um todo coerente,

ele sente que pode chegar em algum lugar e, majoritariamente, sabe que isso só é possível agora,

porque passou a ser amado, cuidado e respeitado.

De acordo com a análise do terapeuta, a transformação do contexto de vida de RD foi

crucial para essa mudança de perspectiva e para liberação do trauma carregado em suas costas.

Antes RD sequer enxergava possibilidades de expressar suas emoções, era fechado, “neutro”,

“morto”. RD era uma criança “morta por dentro” – seu medo performava todas as barreiras e

sabotava qualquer tipo de contato.

Hoje RD vive. Vive, contata e ama. Está livre para vir-a-ser.

• Caso 3 – Fobia Social: o olhar da Gestalt-Terapia

Este caso conta a história de uma mulher chamada Paula (nome fictício), que aos 25

anos de idade recebeu o diagnóstico psiquiátrico de fobia social. Desde os 17 anos, quando

concluiu o ensino médio, Paula não estuda e nem trabalha, não consegue estar diante das

pessoas, sente-se observada e paralisada diante da sua vida, e foi isso que a fez buscar a

psicoterapia. Ela queria mudar, pois se sentia imóvel, inerte para a vida, se sentia como alguém

que não era ela mesma, e queria mudar! Nas suas palavras:

[...] eu fiquei sete anos trancada em casa, dá pra acreditar nisso? Foram sete

anos só limpando casa, por temer o olhar das pessoas! Você deve achar que

eu sou maluca... eu sinto que perdi sete anos da minha vida e quero mudar

isso, não quero mais perder meu tempo, porque eu sei que sou capaz de

estudar, me tornar uma profissional formada, trabalhar como qualquer outra

pessoa, sabe?! Mas eu não consigo!... Quando me vejo diante das pessoas é

como se eu paralisasse! Sinto minha mão tremendo, aí eu fico parecendo uma

idiota, e as pessoas devem pensar que eu sou mesmo, porque fujo das

situações... (ALCÂNTARA; MENDONÇA, 2010, p. 18).

Nas primeiras sessões de terapia, Paula diz se sentir envergonhada quando está de frente

para as pessoas, até mesmo quando está praticando atividades rotineiras, como comer ou

escrever. Nesses momentos, ela sente que está sendo observada, vigiada e julgada. Encontra na

psicoterapia, então, um refúgio, um lugar e uma pessoa que a acolhe, que ela sabe (como ela

mesma disse) que não irá julgá-la, pois a psicoterapeuta entende o que está se passando com

117

ela. Naquele lugar, e somente nele, Paula era aceita. Além do mais, a vivência única desse lugar

foi um fenômeno imprescindível para que ela mesma pudesse, também, se aceitar (como é) em

outros lugares!

A psicoterapeuta nos conta pontos importantes de sua relação com Paula, demonstrando

quão fundamental é a aceitação incondicional da sua cliente, de modo a abrigá-la em sua

totalidade e unicidade. Além do mais, enfatiza a importância de se perceber a pessoa como

alguém que está adoecido e não como alguém que é doente. Existem fatores a serem

evidenciados que mostram os motivos para que a figura deste momento seja esta: a de uma

pessoa adoecida, porém, que jamais deixa de estar sujeita ao eterno vir-a-ser! Paula, pela sua

própria mobilização, estava prestes a ser uma pessoa completamente nova!

Através de um exercício de awareness, Paula demonstrou que tinha um medo

compulsório do contato com os outros porque se sentia julgada. Sua fobia era descarregada em

tremores excessivos nas mãos que impendiam que ela se expressasse, fazendo-a sentir-se

envergonhada e, consequentemente, imóvel. Em um dado momento, a origem desse medo se

generalizou.

Antes da fobia começar, entretanto, ela frequentava a igreja e cantava, tinha amigas e ia

para a escola. Porém, se sentia muito oprimida, pois não podia se arrumar, cuidar da aparência,

vestir calças, passar maquiagem ou cortar o cabelo. Para Paula, essas eram coisas normais que

as pessoas poderiam fazer, pois isso as fazia se sentirem bem, e ela não poderia se sentir bem,

pois, se o fizesse, estaria traindo a igreja. Assim, estaria traindo, também, a Deus.

Paula, no entanto, não considerava isso verdade. Ela deixou de ir à igreja e continuava

crendo em Deus. Resolveu se arrumar e se sentir bem consigo mesma. Até que recebeu a visita

das meninas da igreja e paralisou. Naquele momento, ela só conseguia tremer. Não sabia porque

foram lá, mas se sentiu atordoada pelas suas colegas a verem assim: arrumada, bonita, com

calças e cabelo curto. A respeito desse momento, ela diz: “Eu fiquei sem ação, senti vergonha,

como se eu tivesse feito algo muito errado!” (ALCÂNTARA; MENDONÇA, 2010, p. 23).

Paula passou a assimilar aquela culpa como se fosse sua, e não era. Ela não acreditava

que estava fazendo algo errado e, no entanto, reprimir seu modo de ser, engavetar sua energia

de vida e fechar-se para o contato social foi a forma que encontrou de lidar com toda a raiva

que escondia no peito e a culpa que carregava sem ser sua. Na psicoterapia, ela pode descarregar

essa raiva, se dando conta da origem de seu trauma. Pode verbalizar, também, todas as

consequências resultantes da fobia que a afetava e que desaguou em tantos anos de inércia.

118

Paula tomou consciência de que fechara sua fronteira de contato com o mundo, cercando-se

num muro incontínuo de solidão e impossibilidades de ser. Nas palavras da terapeuta:

À medida que o emergente contato com suas emoções começa a ser

estabelecido pela cliente, com o auxílio disciplinado e afetuoso da terapeuta,

foi possível à mesma ampliar suas possibilidades de ação e sua visão do campo

(ALCÂNTARA; MENDONÇA, 2010, p. 26).

Sendo assim, a partir do processo de compreensão dos elementos que geraram sua fobia

e de catarse em psicoterapia das emoções que estavam reprimidas, através de seu acolhimento

e enfrentamento, Paula tomou a iniciativa de ir a uma loja comprar algo. De acordo com ela,

era uma loja cara e ela comprou a prazo, sem hesitar em se expor – pois, tanto ir à loja como

comprar a prazo eram ações que ela considerava impossíveis de realizar diante da fobia. Nesta

loja ela falou com a vendedora que – sincronicidades à vista – era uma menina da igreja que

usava batom, calças e camisetas.... Ah!!!

Paula, uma vez, sentira a necessidade de mudar, passou a usar calças e camisetas e

desenvolveu uma fobia. Hoje, ela resolve mudar novamente, vencendo a fobia que a paralisara.

Desde então, bobeou, mas permaneceu firme, buscando ajustar funcionalmente seu medo à

realidade, confrontando a si mesma a falar com a gerente da loja e fazer entrevistas de emprego

com o objetivo fatal de ser uma pessoa que tem uma vida, uma vida comum, uma vida normal.

Esses foram os primeiros passos de Paula até que ela voltasse a estudar (foi para

faculdade) e trabalhar! Não permitindo que sua energia findasse em si mesma, ficando no

mesmo lugar. Esse não era o equilíbrio. Para manter-se em equilíbrio precisava mover-se, ser e

crescer! Paula, então, mudou. Com a mudança, curou-se e cresceu!

Adeus medo, o medo desapareceu!

119

6 ANÁLISE E DISCUSSÃO: A CURA DA DIVISÃO E O TODO QUE VAI MUITO

ALÉM DA SOMA DAS PARTES

Temos a incumbência de apresentar, neste capítulo, os resultados analíticos dessa

pesquisa, com vistas a demonstrar os frutos de toda a nossa discussão teórica. Esses frutos, além

de promulgar uma concepção de homem-mundo ainda não enfatizada pela Psicologia (não com

a devida atenção, como veremos mais a frente), nos mostra o movimento da teoria virando

prática e vice-versa.

No nosso primeiro capítulo discutimos as definições de ciência que situam a Psicologia

no tempo e na produção de conhecimento, além da dicotomia que tem guiado a criação e o

desenvolvimento de suas abordagens teóricas – a dicotomia entre objetividade e subjetividade.

No segundo capítulo, discorremos a respeito das três grandes vertentes da Psicologia – a

Psicanálise, o Comportamentalismo e a Psicologia Humanista – com o objetivo de situar

epistemologicamente a abordagem que é objeto de nosso trabalho: a Gestalt-Terapia.

No terceiro capítulo, nós trouxemos os principais postulados epistemológicos,

filosóficos e teóricos da Gestalt-Terapia a fim de contextualizar essa abordagem em relação às

suas bases, bem como explanar a sua visão de homem-mundo – que é um ponto crucial para a

sua análise pragmática e fatual. No quarto capítulo, expomos os métodos de análise e as

intervenções clínicas que serviram de base empírica para a discussão prática do nosso objeto de

estudo: a prática da Gestalt-Terapia.

Assim sendo, com base em todo material estudado, pudemos perceber um ponto

fundamental que permeia toda a nossa discussão: a concepção de homem-mundo para a

Psicologia como um todo (numa perspectiva epistemológica), considerando o quanto ela

implica na concepção de homem-mundo da Gestalt-Terapia e, consequentemente, em sua

prática clínica – tal qual é reflexo das teorias que se criaram.

Diante disso, com base na filtragem e seleção de material descritas no capítulo anterior

– através dos métodos: Pesquisa Narrativa, Análise de Conteúdo e Pragmatismo Filosófico –

definimos três categorias de análise, baseadas tanto no conteúdo teórico como no conteúdo

prático (as intervenções dos três casos clínicos selecionados para análise). As categorias

elaboradas foram: 1) Objetividade e subjetividade: o sujeito uno na Psicologia; 2)

Ambivalências e equivalências das perspectivas gestálticas sobre o ser-no-mundo; e 3)

Transfenomenalidade: o sujeito uno e a prática clínica da Gestalt-Terapia. A seguir,

120

apresentaremos a discussão analítica de cada uma das categorias, inserindo os casos clínicos

em sua explanação.

6.1 Objetividade e subjetividade: o sujeito uno na Psicologia

A dicotomia entre objetividade e subjetividade foi discutida no nosso primeiro capítulo,

apresentando diversas divergências de posicionamento em Psicologia no que se refere à

interpretação do ser no mundo e à produção de conhecimento. Essa dicotomia existe desde o

nascimento da Psicologia, pois reflete a separação entre os tipos de ciência – explicativa e

compreensiva – e seus métodos específicos de investigação científica. Nossa pretensão, no que

se refere a essa categoria, é demonstrar de que forma essa dicotomia acaba por não se sustentar,

apesar de permear toda a discussão teórico-científica, bem como evidenciar que a única

possibilidade de um estudo fidedigno dos fenômenos humanos é a união paradigmática15 entre

as áreas científicas mencionadas.

Historicamente, um fator preponderante na distinção entre ciência explicativa e

compreensiva foi a promoção do método científico como único método de investigação válido,

tornando este um método cientificamente hegemônico. Sendo assim, criou-se, como já

explanado no primeiro capítulo, a distinção entre ciências humanas e naturais e,

consequentemente, a dicotomia entre objetividade e subjetividade. A partir disso, o ser humano

– que é objeto de estudo tanto num tipo de ciência quanto noutro – também foi dividido em

partes (RIBEIRO, 1985).

Além disso, de acordo com Scoguglia (2002, p. 255), as perspectivas compreensivas

acabam por reforçar, também, o dualismo ontológico (entre objetividade e subjetividade) uma

vez que

[...] centralizam suas investigações na singularidade do mundo social em

relação ao natural e reafirmam a maior complexidade das análises das ações

humanas. Reforçam também, um dualismo epistemológico, pois consideram

que são realidades completamente diferentes, não podendo ser estudadas da

mesma maneira porque os interesses cognitivos que orientam o conhecimento

15 Conforme nos traz Jacobina (2000, p. 7-8) – ancorado no conceito de paradigma de Thomas Kuhn

(1922 – 1996) –, o sentido deste conceito se refere a uma “[...] ‘matriz disciplinar’, uma estrutura

partilhada pelos praticantes de uma mesma disciplina”.

121

são distintos. Para Dilthey, por exemplo, as ciências sociais se interessam

pelas singularidades enquanto as ciências naturais se interessam pela

generalidade, pelo que se repete ou pelo que não varia.

É notória a importância da busca pela legitimidade das ciências humanas, ou a crítica

em relação ao método científico hegemônico não conseguir abarcar toda a complexidade da

experiência humana. Porém, o que se defende ao ser criada a noção de ciência compreensiva

não é uma complementariedade entre os tipos de ciência (que, supostamente, possuem objetos

de estudos diferenciados), mas sim uma contradição e uma afronta ao método científico, fator

que cria mais uma disputa epistemológica do que uma ciência verdadeiramente comprometida

com o ser humano, consequentemente, fidedigna à realidade estudada (SCOGUGLIA, 2002).

A respeito da distância estabelecida entre os tipos de ciência e da indissociabilidade

entre elas, Franco (2012, p. 21) propõe a possibilidade de

[...] uma dialética entre os termos. Assim, toda interpretação efetiva teria

momentos de explicação e momentos de compreensão. Estaríamos assumindo

que entre as ciências humanas e naturais há, ao mesmo tempo, continuidade e

descontinuidade. [...] Não se pode dizer “sou pela subjetividade, sou pelas

humanas” e desistir do lugar da matemática e da importância das ciências da

experimentação. A relação entre natureza e cultura terá que ser mais complexa

que isto. O futuro dos estudos da subjetividade, quer me parecer, tem a ver

exatamente com a capacidade de fazer luto desta tensão, algo infantil, das

humanas contra as ciências naturais e exatas.

Como vimos no primeiro capítulo, muitas das contradições entre as perspectivas

psicológicas a respeito dos fenômenos objetivos e subjetivos são guiadas pela distinção entre as

ciências e pela busca do status de cientificidade, porém, este não precisaria se resumir ao

método experimental (laboratorial) e nem se ater unicamente aos métodos das ciências

humanas.

A busca excessiva pelo status científico, muitas vezes, fez com que perspectivas não

necessariamente dicotômicas passassem a ser interpretadas como dicotômicas. Nesse mesmo

movimento, perspectivas compreensivas, que buscaram a quebra da dicotomia, acabaram por

reforçá-la, através de um posicionamento radical em relação à divergência epistemológica dos

métodos, que, em suma, podem se complementar da mesma forma como se complementam a

objetividade e a subjetividade nos fenômenos humanos estudados (EYSENCK, 1997).

122

Ricoeur (1976) discorda daqueles que alimentam a dicotomia entre

compreensão e explicação, entendendo-as como realizações epistemológicas

distintas, pertinentes a diferentes áreas do saber – a compreensão adstrita às

Ciências Humanas e a explicação às Ciências da Natureza – e a diferentes

esferas da realidade, ou seja, o espírito e a natureza. Para nosso autor, de modo

diferente, se o discurso é produzido como evento e compreendido pelo outro

como significação, conforme previamente exposto, é passível não apenas de

ser compreendido, mas também de ser explicado (MELO, 2016, p. 302).

Diante disso, propomos o seguinte questionamento, o qual tentaremos responder ao

longo deste capítulo: será que os objetos de estudo das ciências explicativas e compreensivas

são tão divergentes assim, ou são fenômenos pertencentes a uma única realidade existente?

Estudar esses fenômenos, de uma maneira fiel à sua existência, não implica considerá-los como

uma totalidade indissociável?

Wundt, por exemplo, apesar de postular o conceito de paralelismo psicofísico – que

acaba situando corpo e mente em instâncias diferentes –, bem como a distinção científica entre

aspectos psicológicos e sociais, compreendia a complexidade da experiência humana como

uma totalidade, por mais que a divisão em partes fosse dominante.

No que se refere a este fator, Marcellos e Araujo (2010, p. 13) ressaltam que

Wundt defende um monismo segundo o qual a complexidade da experiência

humana é entendida como um todo unificado e coerente, podendo ser

observada a partir de sua relação com os objetos da experiência ou

exclusivamente a partir da referência ao sujeito.

Já James, apesar de ser um funcionalista, que focava no comportamento observável,

valorizava, também, a função e o estudo da consciência – fenômeno considerado por alguns

cientistas comportamentais como completamente irrelevante, justamente pelo seu caráter

subjetivo.

Continuando no território das abordagens em Psicologia e das dicotomias no que se

refere à sua visão de sujeito, a Psicologia Sócio-histórica de Bock (também abordada no nosso

primeiro capítulo) é uma das perspectivas que tentou quebrar a dicotomia objetividade x

subjetividade bem como a dicotomia indivíduo x sociedade – e a partir dessa tentativa, aferrou

severas críticas às abordagens clássicas em Psicologia, dentre elas as suas três principais

vertentes: a Psicanálise, o Comportamentalismo e a Gestalt.

123

Todavia, a Psicologia Sócio-histórica – que como tantas outras abordagens nasceu de

uma crítica a uma abordagem anterior – não se atentou ao fato de que algumas das principais

teorias em Psicologia que criticava tinham os mesmos objetivos que os seus: distanciar-se dos

dualismos corpo-mente e corpo-mente e mundo presente na origem filosófica da Psicologia.

Vale ressaltar que a busca pela quebra da dicotomia corpo-mente e corpo-mente e

mundo é um movimento que permeia a maior parte das perspectivas em Psicologia, sejam as

abordagens mais inclinadas aos estudos comparativos ou experimentais. Apesar deste fato, a

grande maioria dos psicólogos ainda se mostra resistente no que se refere à junção de ambas

compreensões e métodos.

Em relação a essa resistência que persiste entre os especialistas, Eysenck (1997, p. 1224-

1226) aponta que

A existência de um paradigma implica a existência de um acordo

(razoavelmente) universal sobre seus elementos essenciais; claramente, esse

acordo entre especialistas está completamente ausente. [...] Como físicos

tiveram que aprender que estavam lidando com um continuum espaço-tempo,

psicólogos terão de aprender que precisam lidar com um continuum mente-

corpo – e não com entidades cartesianas completamente separadas uma da

outra.

O Comportamentalismo, discutido no nosso segundo capítulo, perspectiva mais

inclinada à ciência experimental, foi uma das mais afetadas pelas críticas da Psicologia Sócio-

histórica. Essa perspectiva também compreende que existe uma unidade entre corpo e mente,

o que o configura como uma teoria monista ao considerar a relação retroativa do ser humano

no ambiente (e em sociedade), bem como a sua condição histórica como fator determinante.

Apesar de suas divergências, no que se refere à dicotomia entre objetividade e

subjetividade, a Psicologia Sócio-histórica parece dialogar com uma das vertentes

comportamentalistas: o Behaviorismo Radical de Skinner. A respeito disso, a sentença de

Skinner (1957, p. 1) que diz “[...] os homens agem sobre o mundo, modificando-o e, por sua

vez, são modificados pelas consequências de suas ações” condiz, especificamente, com a

principal premissa do método adotado pela Psicologia Sócio-histórica, o materialismo histórico

dialético, tal qual propaga a ideia de que os homens transformam o mundo e são transformados

por ele.

124

Nesse ínterim, as divergências existentes entre essas perspectivas no que se refere à

origem natural-biológica do ser humano implicam apenas numa questão de nomenclatura, por

exemplo, na Psicologia Sócio-histórica, o nome dado à noção de natureza humana, que advém

do naturalismo, em que se ancora a perspectiva behaviorista, é transmutado no conceito de

condição humana, que reflete a tentativa de negar o aspecto biológico e, no entanto, se refere

ao mesmo processo: o ser humano condicionado a algum aspecto inato – além da própria

existência no mundo –, mesmo que não totalmente. Temos, também, a noção de internalização

em que o ser humano apreende o mundo que o cerca, filtrando as informações recebidas. No

Behaviorismo Radical esse fenômeno é chamado de aprendizagem.

Assim sendo, a depender de como o fenômeno ocorre, o sujeito pode ser mais ativo ou

passivo, sendo sempre influenciado pelas situações presentes no meio e vice-versa. Na

perspectiva do Behaviorismo Radical, essas situações recebem o nome de contingências (que

são determinadas pela história filogenética, sociogenética e cultural), e na perspectiva da

Psicologia Sócio-histórica são chamadas de contexto sociocultural. Na primeira perspectiva,

essa influência decorrente do contexto significa um condicionamento, algo que a segunda não

é capaz de admitir, afirmando ser uma ideia mecanicista (SANTOS, 2018). Visualizamos,

entretanto, que, nesses pontos, ambas as perspectivas parecem dizer a mesma coisa, porém, de

modos diferentes.

A respeito da Gestalt (tomemos aqui as perspectivas gestálticas como um todo),

aprofundada no nosso terceiro capítulo, e que também foi alvo de críticas da Psicologia Sócio-

histórica, esse fenômeno de internalização e aprendizagem desagua nas noções de assimilação,

introjeção e apropriação do meio ambiente pelo organismo (PERLS; HEFFERLINE;

GOODMAN, 1997). Dessa forma, podemos perceber que, em suma, todas as perspectivas

mencionadas consideram o ser humano como ativo nesse processo interrelacional,

independentemente de estar sujeito aos condicionamentos ambientais, ao mundo que o cerca e

à ação do objeto intencional transcendente (os objetos vivenciais do mundo). Neste sentido, o

ponto chave dessa ideia é que a liberdade de atividade e autonomia do indivíduo não é

independente da relação com o mundo.

Apesar disso, nem todos se mantiveram fiéis à sua própria compreensão de ser humano

devido à reverência que tinham em relação aos territórios teórico-científicos estabelecidos.

Skinner, por exemplo, arriscou afirmar que a liberdade era uma ilusão devido à sua ideia de

previsão e controle do comportamento, mesmo apresentando em seus principais postulados as

noções de comportamento ativo e operante, de autocontrole e transformação social pelo

125

homem. A Psicologia Sócio-histórica, do outro lado, mesmo lutando por uma compreensão de

ser humano ativo em sociedade, ao fixar-se na ideia de supremacia do contexto social, torna

esse humano um receptáculo de condicionamentos sociais. Nesse ínterim, essa perspectiva é

fortemente marcada pela aliança entre Psicologia e Política, tornando-se, para além de uma

ciência psicológica, um grande constructo de ideologias (SANTOS, 2018).

Considerando os fatores de equivalência entre as perspectivas estudadas, não podemos

deixar de expor, também, àquela entre o método indutivo adotado pelo Behaviorismo Radical

de Skinner e o método da redução fenomenológica da Fenomenologia de Husserl. Ressaltamos,

antes, que além de ter se tornado uma prática clínica, a Fenomenologia também se configurou

historicamente como um método de investigação, como os métodos dedutivo e indutivo. O

método indutivo, por sua vez, é aquele que estabelece uma relação possível com a redução

fenomenológica, uma vez que, pelo seu rigor científico, propõe o distanciamento de hipóteses

estabelecidas a priori. Na redução fenomenológica, no entanto, considera-se que as hipóteses

(julgamentos) podem até existir, mas somente entre parênteses, e no método indutivo, se

existirem, estas deverão ser estudadas e averiguadas cientificamente antes de se tornarem um

princípio.

Apesar das equivalências apontadas, a Psicologia Humanista – que é o berço da Gestalt-

Terapia –, também nasceu de severas críticas ao Estruturalismo e ao Comportamentalismo.

Todavia, muitas das críticas se referem ao modus operandi do modelo científico da época, tal

qual não valorizava a importância da subjetividade nas investigações. Isso decorria justamente

das disputas epistemológicas apontadas e da dicotomização de aspectos objetivos e subjetivos,

como, por exemplo, o comportamento e a consciência. A Gestalt, por sua vez, é a teoria que

tentará findar esta dicotomização, como demonstra a afirmação de Cholfe (2009, p. 69):

Reconhecendo que a oposição entre a psicologia da consciência e a do

comportamento originava-se de pressuposições inadequadas comuns, os

gestaltistas caminharão na construção de um sistema em que a relação entre

percepção e comportamento não se torna apenas possível, mas necessária.

Veremos que essa tensão presente na psicologia do início do século XX

carecia de uma revisão da noção de ciência que a permeava, passando por

questões fundamentais para o conhecimento humano, como a relação entre a

subjetividade e a objetividade.

Diante disso, percebemos a necessidade de uma perspectiva que agregasse esses

aspectos humanos num todo, sem renunciar a imprescindibilidade de nenhum aspecto.

126

Devemos esse movimento, em parte, à Psicologia da Gestalt e, posteriormente, à Psicologia

Humanista (a qual tem seu nascimento implicado pela criação da primeira), que é aquela que

nasce com o objetivo de evidenciar de maneira mais enfática a totalidade e potencialidades do

seu objeto de estudo, tendo como foco de atenção a pessoa como entidade mais importante

nesse processo. Notamos, com todo esse resgate, a importância do movimento histórico da

Psicologia no desenvolvimento da Gestalt como abordagem psicológica, considerando neste

todo tanto a Psicologia da Gestalt, como a Psicologia Humanista e, consequentemente, a

Gestalt-Terapia.

Consideramos que a divisão do ser humano em partes permeou toda a história da

Psicologia, formando territórios teóricos que, em suma, nem precisariam existir, não fosse a

segregação entre os tipos de ciência e a dicotomia objetividade x subjetividade. A

especialização, de certa forma, criou um movimento contrário ao movimento buscado pela

Psicologia, pois o objetivo comum das principais abordagens psicológicas – mesmo as não

comportamentalistas – eram ter legitimidade científica, dessa forma, muitas cederam ao método

de divisão em partes para estudar o ser humano. Entretanto, apesar das divergências entre as

abordagens matrizes da Psicologia, compreendemos que a busca – mesmo que de maneira

fragmentada – por um sistema teórico que evidenciasse a totalidade do ser-no-mundo foi

majoritária, e é por este fator que nenhuma perspectiva de maneira isolada se deteve como única

possível.

Diante disso, o que buscamos demonstrar nesta categoria vai muito além das

peculiaridades de cada perspectiva e das ambivalências estabelecidas entre elas. Buscamos

demonstrar seus pontos em comum, principalmente no que concerne à visão de homem-mundo.

Qual o seu fator de contato? O que as aproximam? Arriscamos dizer que é a integração entre

objetividade e subjetividade. A compreensão do ser humano como um todo unificado. Assim,

é nítida a importância de cada uma dessas perspectivas no que diz respeito à complexidade

humana, tanto em relação ao estudo desta, como em relação ao tratamento terapêutico,

considerando que ambos estão imbricados.

No que diz respeito à Psicanálise – uma das principais vertentes em Psicologia –

consideramos justificável deixá-la por último nessa discussão analítica, pois o próprio Perls,

como principal nome da Gestalt-Terapia, foi um teórico que deu início aos seus estudos e

produções dentro dessa vertente, mas acabou por distanciar-se dela, criando, assim, a sua

própria vertente teórica. Cabe ressaltar, então, que a abordagem gestáltica nasce de uma crítica

à Psicanálise, porém, se configura como uma perspectiva completamente nova.

127

A primeira obra de Perls, Ego, Fome e Agressão, publicada em 1942, representou a sua

crítica a muitos dos postulados psicanalíticos da época. Para Perls, por exemplo, a noção de

consciência foi deturpada pela má compreensão de sua complexidade pela Psicanálise, e

somado a isso, ele critica o enfoque exclusivo dado ao inconsciente. Segundo ele, na Psicanálise

a consciência era compreendida como um mero receptor de impressões, o que desaguava,

também, na noção equivocada do self por esta perspectiva (PERLS; HEFFERLINE;

GOODMAN, 1997).

Em Gestalt-Terapia, o self é o conceito que, basicamente, unifica a compreensão de

personalidade ou subjetividade16 da pessoa humana em sua totalidade. Consequentemente, é

um dos conceitos fundamentais para essa perspectiva, tal qual decorre da relação estabelecida

entre Perls e a Psicanálise. Muitos outros conceitos psicanalíticos serviram de influência e/ou

foram resgatados por Perls – tanto conceitos freudianos, como conceitos de dissidentes da

Psicanálise, como Jung, que mais se aproximava da Fenomenologia (LIMA; DIOGO, 2009).

Entre esses conceitos, temos o conceito freudiano de self, como mencionado, e o conceito

junguiano chamado processo de individuação, discutidos no terceiro capítulo desse estudo.

Além desses, vale ressaltarmos o conceito de agressividade/agressão, que compõe o título da

primeira obra de Perls.

O processo de individuação, sobretudo, ao ganhar a complementariedade da noção de

awareness em Gestalt-Terapia, passa a significar não somente a tomada de consciência tendo

o autoconhecimento como ferramenta, mas também o processo de tornar-se presente como

única via possível para esse tipo de contato. Perls, por exemplo, apontou a Psicanálise e seu

método de associação livre como uma forma de ampliação da awareness, ainda assim, ressalta

que Freud não deu a devida atenção ao fator mais importante desse processo, que é o aqui-

agora. Ter consciência, pois, não é meramente “dar-se conta”, mas agir conforme a

consciência, antes mesmo de perceber-se consciente de tal fenômeno (PERLS; HEFFERLINE;

GOODMAN, 1997).

Além disso, Perls direcionou um foco de atenção fundamental ao conceito psicanalítico

de agressividade, demonstrando um aspecto positivo de crescimento implícito nessa ideia.

16 Para a Gestalt-Terapia, a personalidade ou subjetividade é compreendida através do conceito de self,

o qual não é estático, e sendo dinâmico, é compreendido segundo um horizonte processual.

128

Como ressaltam Isadore From e Vincent Miller (1997, p. 23, grifos dos autores) na Introdução17

da obra Gestalt-Terapia de Perls, Hefferline e Goodman,

Em Ego, Hunger and Aggression, Perls descreveu as origens desta no que ele

chamou de “agressão dental”, morder, tirar um pedaço, e mastigar

completamente a própria experiência para absorver as partes de que se precisa

e livrar-se do que não se precisa. Essa ênfase coloca a agressão sob uma luz

positiva, realçando seu papel tanto na preservação de um sentido de si próprio

como no entender-se para contatar o ambiente. A agressão nos habilita arriscar

ter um impacto no nosso mundo, e nos liberta para sermos criativos ou

produtivos. Este, naturalmente, é o rumo oposto ao tomado por Freud, que

vinculava a agressão ao sadismo anal e ao instinto de morte. Para a Gestalt-

Terapia, a agressão é por natureza sadia e está a serviço da vida.

A crítica de Perls à Psicanálise, apesar de severa, não foi infundada, pois Freud e muitos

de seus súditos – apesar de pioneiros em relação à produção psicológico-científica acerca do

inconsciente – deixaram de lado as potencialidades autorreguladoras da consciência, em

detrimento do “depósito” de reminiscências (inconsciente), o qual acabou por se configurar

como um receptor passivo, que, em sua atividade e supremacia, condiciona a consciência,

inibindo seu poder de atividade e mudança.

Vale ressaltar, porém, que a Psicanálise, apesar de suas contribuições, não adentra nas

equivalências que buscamos evidenciar entre as perspectivas em Psicologia, uma vez que não

nasceu de uma crítica a qualquer paradigma anterior (o que significa que ela não tenta resgatar

ou remodelar nenhum postulado psicológico). Todavia, pelo movimento contrário, é ela que

oferece muito do substrato para a criação e difusão de outras perspectivas em Psicologia

(inclusive a Gestalt-Terapia), além da própria iniciação da clínica como prática

psicoterapêutica.

A partir do exposto, notamos a importância do resgate epistemológico (não só da Gestalt

como da própria Psicologia), pois muitos dos princípios apresentados e discutidos constituíram

a gênese do conceito de Gestalt e, consequentemente, da Gestalt-Terapia como teoria e prática.

Com isso, percebemos que a união corpo-mente e mundo – nas palavras de Perls, Hefferline e

Goodman (1997), campo animal-social-físico – foi preponderante.

A respeito da relação entre os campos animal-social-físico, ressaltamos, mais uma vez,

conforme apresentado no terceiro capítulo, a compreensão gestaltista que enfoca o isomorfismo

17 Introdução à edição do The Gestalt Journal.

129

entre os campos molar e molecular de Kofka, tal qual nos remete ao princípio comportamental

que diz: tudo é comportamento – e que, sobretudo, não se refere unicamente aos fenômenos

(objetivos) observáveis, mas também aos eventos privados ou subjetivos (internos) do ser

humano. Tudo é comportamento, e o comportamento humano em sua totalidade constitui a

subjetividade (EYSENCK, 1997).

Com isso, ressaltamos que a relação exposta entre essas perspectivas psicológicas

demonstra como cada uma delas, à sua maneira, buscou a relação de totalidade que permeia a

vida humana. Ou seja, mesmo divergindo no que diz respeito ao método de investigação e ao

foco de trabalho, todas elas focaram numa perspectiva central no que diz respeito ao fenômeno

estudado: compreendem o ser humano como ser ativo que só existe enquanto relação com o

mundo.

A respeito das equivalências apontadas, conforme ressalta Jacobina (2000) – baseado

na compreensão epistemológica de Kuhn –, uma característica das ciências humanas é o seu

caráter poli paradigmático, no sentido de abrigar, dentro de uma única área do conhecimento,

vários paradigmas, que, geralmente, são incomensuráveis, ou seja, incompatíveis. No entanto,

algo evidenciado por esses autores nos mostra que tem ocorrido um fenômeno interessante com

a produção epistemológica do conhecimento: o resgate de velhos paradigmas. Porém, uma vez

remodelados, ganham a roupagem de um novo paradigma, que pela crítica torna-se o oposto e,

no entanto, carregam os mesmos termos do velho paradigma tradicional.

Ainda de acordo com Jacobina (2000), para se ter uma ciência bem estruturada, devemos

limitá-la a um único paradigma, no entanto, um mesmo paradigma pode comportar espaço para

diversos campos de pesquisa científica. Assim, podemos concluir que é isto que tem ocorrido

com a Psicologia, a qual, em sua gama de abordagens, em sua maioria incompatíveis e

incomensuráveis, não é capaz de se unificar e, consequentemente, ganhar uma maior

confiabilidade, que, conforme o paradigma científico, somente é garantida pela homogeneidade

de seus postulados. A respeito disso, Jung (2015, p. 117) ressalta o seguinte: “[...] prefere-se

geralmente cultivar a ‘psicologia de compartimentos’, onde uma gaveta nada sabe do que a

outra contém”.

Apesar desse fato, arriscamos dizer que a relação de equivalência das visões de homem-

mundo entre as perspectivas em Psicologia comportam um único paradigma, mas uma gama de

variáveis a serem exploradas, e é por este motivo que existem tantas abordagens diferentes, e

que, no entanto, se direcionam ao mesmo e único fenômeno: o ser-uno-ativo e em relação com

o mundo.

130

Por fim, ressaltamos que o recorte das equivalências exposto nesta categoria evidencia

um dos modos em que a prática condiciona a teoria. Neste sentido, a possibilidade de um único

paradigma em Psicologia pode não ter se definido conceitualmente em seu atual modelo

científico, porém, na realidade prática (de suas principais abordagens), é um fenômeno

preponderantemente presente.

A seguir, daremos continuidade às nossas discussões analíticas das outras duas

categorias definidas, explorando de maneira pragmática suas ramificações teórico-práticas.

6.2 Ambivalências e equivalências das perspectivas gestálticas sobre o ser-no-mundo

Esta categoria tem a incumbência de apresentar as ambivalências e equivalências entre

a Psicologia da Gestalt e a Gestalt-Terapia, considerando as perspectivas gestálticas como um

todo, incluindo as suas bases epistemológicas que serviram de âncora para a construção da

dessas teorias, bem como para o desenvolvimento de outras abordagens gestálticas de base

humanista, como, por exemplo, a Abordagem Centrada na Pessoa. Diante desse processo de

análise pragmática, sob a ótica da realidade, consideramos importante aprofundar até que ponto

essas distinções são funcionais ou não.

De acordo com o material estudado, a principal fonte do elo possível entre a Psicologia

da Gestalt e a Gestalt-Terapia é a Fenomenologia, perspectiva que abriga não só a principal

premissa da teoria da Gestalt – o todo vai muito além da soma das partes –, como também veio

a se configurar como uma base imprescindível para a compreensão de homem-mundo da

abordagem gestáltica.

A Fenomenologia, por mais que alguns teóricos a contraponha à Psicologia da Gestalt

– devido às críticas do próprio Husserl ao gestaltismo –, vem a configurar a base desta última

como ciência empírica. Sendo assim, é a relação entre Fenomenologia e Psicologia da Gestalt

que inclui a noção de Gestalt no eixo da Psicologia como ciência experimental e humana. Desse

modo, foi esse movimento empírico dos primeiros psicólogos da Gestalt – de resgatar o primado

do todo em relação às partes, evidenciando experimentalmente o que já se explanava pelo

método fenomenológico – que inseriu a abordagem gestáltica no movimento da Psicologia

(CHOLFE, 2009).

131

Diante disso, é notório que a Fenomenologia, apesar de abrigar alguns postulados

filosóficos de caráter mais especulativo do que empírico (como, por exemplo, a noção de

consciência imanente de Brentano), tem toda uma base materialista de compreensão do ser

humano, pois se ancora na experiência direta do ser-no-mundo, e essa experiência direta, por si

só, constitui uma essência majoritariamente objetiva, ou seja, transcendente. Sendo assim, as

vivências humanas constituem, sob a ótica do método fenomenológico, um dado material, e

diante de sua natureza, essas vivências só podem ser compreendidas a partir delas mesmas e de

sua implicação transcendente à consciência intencional.

“Parece haver um único ponto de partida para a psicologia, exatamente como

para todas as outras ciências: o mundo como encontramos, ingenuamente e

sem crítica” (Köhler, 1947/1929, p. 7). Não há, segundo os gestaltistas, outra

base possível para o conhecimento senão nossa experiência original, ingênua,

a ordem tal como nos é revelada pelo mundo fenomenal. Tal ordem é

justamente o que pretende descrever o termo Gestalt, constituindo-se como o

conceito básico sobre o qual será estruturada a epistemologia do gestaltismo

(CHOLFE, 2009, p. 171).

A respeito da compreensão da Fenomenologia como uma filosofia materialista e sua

relação com a Psicologia da Gestalt constituindo um método fenomenológico de apreensão da

realidade, Cholfe (2009, p. 167) ressalta que

[...] uma das ideias por trás da reflexão fenomenológica gestaltista já estava

presente na filosofia de Brentano e mesmo na filosofia empirista, trata-se da

noção de que os dados da experiência consciente são os únicos objetos

científicos diretamente acessíveis, fato que concede à psicologia descritiva um

privilégio em relação às outras ciências, cujos objetos são transcendentes.

Todo método fenomenológico, além dessa ideia básica, carrega o esforço de

empreender uma suspensão da atividade judicativa diante dos fenômenos,

tentando apreendê-los em sua originalidade, isto é, tal como aparecem à nossa

apreensão. Assim, no âmbito dos fenômenos, o “aparecer” equivale ao “ser”.

Diante dessa reflexão, podemos afirmar, inclusive, que já nesta relação entre a

Fenomenologia e a Psicologia da Gestalt podemos verificar a possibilidade de uma integração

entre objetividade e subjetividade. Seu substrato está na possibilidade do estudo da consciência

através de uma filosofia materialista (a Fenomenologia) – que tem as vivências humanas como

ponto de partida –, combinada a uma base empírica confiável (a Psicologia da Gestalt), a qual

foi capaz de provar experimentalmente o primado do todo em relação às partes e,

132

consequentemente, a autonomia das gestalten como totalidades intrínsecas (que se originam no

pensamento de Brentano).

A partir dessa relação, os psicólogos da Gestalt não somente tornaram a própria

perspectiva uma teoria científica legítima, como também a Fenomenologia uma filosofia

fidedigna e confiável, que, mais tarde, viria a fundamentar uma gama de abordagens

psicoterapêuticas comprometidas com os problemas humanos. Dessa forma, não só a

Fenomenologia se constituiu como um método materialista, como também o gestaltismo como

método fenomenológico. Para tanto, como podemos perceber, não foi necessário distanciar-se

do método experimental (CHOLFE, 2009).

Apesar das contribuições fundamentais da Psicologia da Gestalt e de sua irredutibilidade

no que se refere ao desenvolvimento da Gestalt-Terapia como prática psicoterapêutica, existem

algumas críticas desta última para com a primeira. Essas críticas se referem a um certo

“atomismo” da Psicologia da Gestalt no que diz respeito às propriedades das gestalten

apreendidas como “estruturas autônomas sem interior” (GRANZOTTO; GRANZOTTO,

2004). A compreensão por parte dos teóricos da Gestalt-Terapia gira em torno do entendimento

de que, na Fenomenologia, as gestalten correspondem aos vividos da subjetividade, que são

intrinsecamente dinâmicos; e na Psicologia da Gestalt, estas são configurações autônomas,

porém, estáticas, reduzidas ao contexto laboratorial.

A respeito das estruturas como entidades estáticas, com base no pensamento de

Brentano – o primeiro a postular o conceito de Gestalt –, arriscamos dizer que o caráter

atribuído às gestalten como leis, constantes ou estruturas, evidenciado pela Psicologia da

Gestalt, não anula o ponto de intersecção existente entre elas (as gestalten) e os vividos

essenciais. Pela via contrária, esse caráter revela objetivamente a atuação da intencionalidade

da consciência (como trouxemos no terceiro capítulo), pois, tanto na Fenomenologia de

Brentano, como na de Husserl, a intencionalidade é anterior a qualquer ato mental, ou seja, tal

qual as gestalten, constitui uma totalidade espontânea, autônoma e pré-mental (GRANZOTTO;

GRANZOTTO, 2016).

Ainda referente às críticas à Psicologia da Gestalt, no que diz respeito à redução das

gestalten ao ambiente do laboratório, Perls, Hefferline e Goodman (1997, p. 52, grifos nossos)

ressaltam que

133

A própria situação de laboratório põe um limite em relação à extensão de

nosso pensamento e ao que descobriremos. Essa situação é o contexto total

que determina o significado do que emerge, e o que emerge da limitação é a

qualidade meramente formal e estática da maior parte da teoria da gestalt.

[...] uma situação de laboratório controlada não é de fato uma situação

vitalmente instigante. [...] Mais exatamente, com um fervor louvável de

objetividade, os gestaltistas evitaram, às vezes com declarações cômicas de

pureza, qualquer comércio com aquilo que apaixona e interessa [...] Muitas

vezes parecem estar dizendo na verdade que tudo é relevante no campo da

totalidade, exceto os fatores humanamente interessantes; estes são

“subjetivos” e irrelevantes. Contudo, por outro lado, só o que é interessante

produz uma estrutura vigorosa.

Como podemos perceber, os autores não estavam completamente satisfeitos com as

ramificações da Psicologia de Gestalt como ciência psicológica devido à sua inclinação à

pesquisa no âmbito da ciência experimental. No entanto, apesar de suas severas críticas,

compreendemos que a relação entre a Psicologia da Gestalt e a Gestalt-Terapia transcende o

posicionamento epistemológico que escolheram aderir, uma vez que o que verdadeiramente

importa – sob a ótica dos fatos – não são suas inclinações teóricas pessoais, e sim o estudo

fidedigno da realidade humana.

É notório que, de uma perspectiva laboratorial, a compreensão das gestalten torna-se

incompleta, pois, sob essa ótica do estudo, os resultados desaguam em seus aspectos objetivos

– como, por exemplo, as leis de organização da percepção –, e não fundamentalmente em

aspectos subjetivos, como mais tarde se debruça a Gestalt-Terapia. Todavia, os achados da

Psicologia da Gestalt foram fundamentais para a compreensão da interrelação dos aspectos

objetivos e subjetivos. Neste sentido, a crítica de que a subjetividade foi ignorada pela

Psicologia da Gestalt não tem uma base fática, nem mesmo sólida (CHOLFE, 2009).

Desse modo, considerando a importância da redução fenomenológica como método de

investigação (ir às coisas mesmas), o que a Psicologia da Gestalt tentou fazer em laboratório

foi justamente estudar o movimento das gestalten tais quais elas se apresentavam, considerando

não somente sua repetição (que possibilita a descrição e explicação do fenômeno), como

também a compreensão de sua significação, tal qual apontou para a tendência à totalidade e a

pregnância (boa forma). Nas palavras de Cholfe (2009, p. 173-174),

A partir do momento em que a noção de causalidade passa a se referir a leis

de organização, os fatos tornam-se relacionados significativamente, isto é,

passam a ter sentido num contexto, sendo mutuamente necessários e

inteligíveis com base na configuração que tendem a realizar. Ora, os processos

134

fenomenais e naturais não são, portanto, arbitrários ou meramente

correlacionados, eles nos revelam uma ordem e um fim, são problemas que

exigem a compreensão de seu sentido e não apenas a constatação de sua

repetição. Com base em tais argumentos, temos uma identificação, na Teoria

da Gestalt, entre explicação e compreensão, e a última implicação que

gostaríamos de apontar em relação à epistemologia gestaltista, isto é, a

superação da fronteira entre as ciências naturais (guiadas pela noção de

explicação), e as ciências humanas (guiadas pela noção de significação)

(Koffka, 1955/1935, capítulo 1; Köhler, 1959/1938, capítulo 10).

Além disso, não podemos esquecer do fato de que os estudos do fenômeno phi de

Wertheimer, somados aos conceitos posteriores da Psicologia da Gestalt, tais como figura-

fundo, a tese do isomorfismo, a transfenomenalidade de Kohler e a noção de campo encontrada

em Kofka, foram fatores de comprovação da atuação das gestalten como entidades autônomas

e do ser humano como uma totalidade. Todos esses fatores de relação foram expostos no nosso

terceiro capítulo, que faz um apanhado de todo o substrato essencial para o desenvolvimento

da Gestalt-Terapia como teoria e prática psicoterapêutica.

No que diz respeito à subjetividade tomada como irrelevante, a própria percepção –

objeto de estudo da Psicologia da Gestalt – se configura como um aspecto subjetivo. No entanto,

o que não podemos ignorar, principalmente de um ponto de vista fenomenológico, é sua relação

intrínseca com a objetividade, pois não existe percepção sem objetividade, e a consciência não

existe de maneira isolada. De acordo com Husserl, a consciência é sempre consciência de

alguma coisa (RIBEIRO, 1985).

Uma vez que os teóricos da Gestalt-Terapia se referem aos estudos da Psicologia da

Gestalt em laboratório como reducionistas, eles se contrapõem à união entre objetividade e

subjetividade, compreendendo esta última como a única passível de ser “interessante” ao

cientista e, consequentemente, ao psicólogo. Neste ponto, mais uma vez, devido às disputas

epistemológicas, uma perspectiva unitária do ser humano corre o risco de dissolvê-lo em partes,

contribuindo, mesmo que não intencionalmente, para a manutenção das dicotomias entre sujeito

e objeto.

A partir dessa reflexão, no que se refere à produção do conhecimento, consideramos

encerrada a dicotomia entre Psicologia da Gestalt e Gestalt-Terapia, uma vez que ambas estão

imbricadas pelas próprias origens e pela união entre objetividade e subjetividade – cada uma se

atendo ao seu campo específico, porém, se complementando num todo que vai muito além da

soma das partes. Já em relação à prática psicoterapêutica, somente a Gestalt-Terapia se

direcionou à aplicabilidade terapêutica de sua teoria às realidades humanas. No entanto, ambas

135

são de fundamental importância, pois constituem a visão de homem-mundo que embasa essa

prática e os estudos posteriores necessários à sua aplicabilidade.

Com isso, compreendemos que as equivalências entre a Psicologia da Gestalt e a

Gestalt-Terapia são evidenciadas não só pela concepção de homem-mundo, mas,

primordialmente, pelas bases que lhe ofereceram a ótica da integralidade do ser humano: essas

bases são a Fenomenologia Existencial e a Psicologia Humanista. É por estar atrelada a estas

perspectivas que a Gestalt-Terapia vem a ser compreendida como um modelo de psicoterapia

existencial-fenomenológica (RIBEIRO, 1985).

A Fenomenologia Existencial, discutida no nosso terceiro capítulo, se configura como

uma forma ampla de ver o ser-no-mundo. Devido a sua gama de autores e filósofos

existencialistas, com o tempo, esta adquiriu uma variedade de modelos em psicoterapia, as quais

geralmente enfocam a perspectiva do autor adotado. A Gestalt-Terapia, por sua vez, engloba a

sua compreensão de homem-mundo de uma maneira geral, sem se ater a um determinado autor.

Conforme afirma Ribeiro (1985, p. 41) acerca da relação entre Fenomenologia e Gestalt-

Terapia,

[...] encontramos as mesmas preocupações através de conceitos que serão

posteriormente apresentados e aprofundados, ressaltando, de uma maneira

geral, a crença no homem, aqui e agora presente, capaz de tornar-se cada vez

mais consciente de si próprio, a partir da experiência vivida agora e da certeza

de sua extensão para depois, dentro de uma visão holística do homem como

homem e dele como ser no mundo.

Partindo para a aplicabilidade das psicoterapias gestálticas, como apresentado no início

da discussão desta categoria, a Abordagem Centrada na Pessoa, criada por Carl Rogers, é

também um dos modelos de psicoterapia que advém da perspectiva humanista e,

posteriormente, se alia ao pensamento fenomenológico existencial, se assemelhando a uma

postura gestalt-fenomenológica no que se refere à compreensão de ser humano e à relação

terapêutica. Esse elo estabelecido entre a ACP18 e a Fenomenologia Existencial – considerando

sua ligação ao movimento humanista, que é aliado intrinsecamente ao gestaltismo – é um fator

preponderante de aproximação entre esta e a Gestalt-Terapia.

18 Seguiremos nos referindo à Abordagem Centrada na Pessoa pela abreviatura comumente utilizada –

ACP.

136

No nosso terceiro capítulo, expomos alguns dos principais conceitos da ACP como

vertente humanista de compreensão de ser humano e como estes conceitos se intercalam aos da

Gestalt-Terapia a fim de demonstrar o elo teórico entre essas duas abordagens, tais quais estão

na matriz da concepção de homem-mundo orientada pela ótica gestáltica. Nesta categoria, que

se propôs a evidenciar as equivalências e ambivalências das perspectivas gestálticas sobre o

ser-no-mundo, iremos expor – agora sob a ótica da prática – de que forma essas abordagens

caminham juntas, evidenciando pragmaticamente a suas interrelações. Para tanto, iremos

demonstrar estas equivalências através da análise narrativa do primeiro Caso Clínico (Caso 1),

descrito no capítulo anterior, que tem como título: Rompimento Amoroso, Depressão e

Autoestima.

6.2.1 Análise Narrativa – Caso 1

Sob a ótica humanista da ACP, todo ser humano é livre, autônomo e responsável. Diante

de sua própria liberdade existencial, deve ser capaz de exercer sua autonomia, considerando a

própria responsabilidade diante dos efeitos decorrentes de suas escolhas. No Caso 1, Leonardo

perdeu sua autonomia ao passo em que o sintoma depressivo tomou conta de sua subjetividade,

tornando-o dependente exclusivamente de sua mãe, a qual detinha não só sua liberdade (a fim

de assegurar-lhe a proteção), bem como toda a responsabilidade por ele. Nesse contexto,

Leonardo havia perdido a condição de ser humano livre, autônomo e responsável, pois, além

de estar sujeito a um grande outro (a sua mãe), vivia como um ser subjacente aos episódios

psicóticos breves que o circundavam.

No entanto, considerando as potencialidades que todo ser humano tem diante de seu

campo de possibilidades e também a tendência atualizante (organísmica) como pressuposto

fundamental, o psicólogo que se propôs a tratar Leonardo viu na relação dialógica da situação

terapêutica um novo campo se abrindo para o seu cliente: este campo era a terapia e a relação

de crescimento possível que brotava dali. De acordo com Rogers, esse é um dos principais

papéis do terapeuta: oferecer as condições necessárias para o desabrochar da tendência

atualizante da pessoa. Então, feito isto, diante da nova possibilidade apresentada, uma

perspectiva de autorregulação se fez presente para Leonardo. Podemos visualizar esse

movimento no relato do terapeuta:

137

Um dia depois [da primeira sessão de terapia], a mãe de Leonardo me ligou

dizendo que ele tem falado algumas coisas, tem se alimentado e tem feito uso

do toalete de forma autônoma. [...] Sinto que me comunico com ele, mesmo

de forma atípica. Tenho estado angustiado com as hipóteses de que essa

comunicação, na verdade, não exista, mas ao mesmo tempo sinto que, no

fundo, ela está presente. Hoje continuou em silêncio na sala (GUEDES;

LEITNER; MACHADO, 2008, p. 622).

Antes de iniciar a terapia, o que estava acontecendo com Leonardo era uma forma de

ajustamento criativo disfuncional (um dos principais conceitos da Gestalt-Terapia). Com o

término de seu namoro, perdera o sentido. Sob a ótica gestáltica da Fenomenologia Existencial,

o sentido é parte fundamental para o completamento da figura; e, para Rogers, o sentido é parte

fundamental para a constituição da identidade do indivíduo e para a noção pessoal de

congruência e autenticidade (GUEDES; LEITNER; MACHADO, 2008). Leonardo estava

impossibilitado de ser quem era, uma vez que esquecera de si mesmo em meio a tanto

sofrimento. Neste sentido, a depressão como transtorno o alienava não só do mundo ao redor,

mas da sua própria noção de self (si mesmo).

Além disso, culpava o mundo pelo que acontecia com ele. É claro que o contexto

influenciava o que estava acontecendo com Leonardo, mas o contexto jamais age de maneira

isolada das ações dele mesmo. Culpar o mundo pelo que estava sentindo retirava o seu controle

e autonomia em relação às suas próprias potencialidades para entregá-los a entes abstratos

como: a relação inacabada dos pais, o pai, a mãe, a ex-namorada, o chefe que o demitiu etc.

Muito desse sentimento de culpabilização do mundo decorria da não aceitação de sua condição

e devido ao controle de sua vida e poder sobre si mesmo estar totalmente entregue ao problema:

os outros, a psicose e a depressão.

Ao ir se dando conta (awareness – conceito da Gestalt-Terapia) do momento existencial

pelo qual passava (no aqui-agora), Leonardo começou a visualizar novas possibilidades para

além da terapia. Ampliou a percepção de seu campo e, consequentemente, ao aceitar a sua

responsabilidade existencial diante de sua própria vida, viu a possibilidade de assumir-se como

um ser autêntico, dotado de autonomia, e capaz de enfrentar os desafios impostos pelo mundo.

A partir disso, resolveu dar um tempo na terapia. Para o terapeuta, esse fenômeno significou

um movimento importante para o possível fechamento de suas gestalten, tais quais, segundo

este, só poderiam fechar-se de fato quando Leonardo se permitisse entrar em contato com o

mundo. Esse processo é descrito pelo terapeuta na seguinte passagem:

138

[Leonardo] decide “dar um tempo” (sic) na terapia. Eu achei que isso seria

uma forma de exercitar sua autonomia e experienciar o mundo já que, na

psicoterapia, seu fluxo estava dando voltas, como se estivesse represando

energia e evitando uma tomada de posição sobre aquilo que estava retornando

de forma recorrente (experiente por conta do sofrimento). Esse engodo estava

causando-me certo incômodo. Da minha parte, eu também senti que precisava

dar esse tempo, pois percebia que não iríamos sair daquele ciclo, a não ser que

procurasse fechar suas gestalten lançando-se no-mundo (GUEDES;

LEITNER; MACHADO, 2008, p. 627).

Como podemos perceber, a psicoterapia de Leonardo teve um caráter intrinsecamente

gestáltico19 e se constituiu como uma via de realização conjunta que possibilitou ao cliente uma

maior tomada de consciência (awareness) a respeito de sua própria condição no momento

presente (aqui-agora). Esse processo, consequentemente, gerou o resgate de sua autonomia

(perdida) diante da vida, possibilitando a ampliação da fronteira de contato e da percepção de

seu campo fenomênico, o que gerou uma maior abertura para o mundo e uma maior flexibilidade

ao lidar com suas questões existenciais.

É notório que compreender o homem como ser livre, autônomo e responsável implica

em atribuir a ele mesmo o desabrochar da sua própria existência. Sendo assim, neste caso, para

além do resgate das potencialidades de Leonardo durante o processo terapêutico, conseguimos

visualizar também, como fator imprescindível, o que tange ao contexto fora dele – em que o ser

se lança no mundo e, diante desse contato, por meio de suas interrelações, é confrontado a

mudar e viver (vir-a-ser). Essa confrontação do sujeito com o mundo e suas intempéries pode

gerar o sentimento de angústia, e o sujeito é forçado a escolher o que fazer diante dela.

É, justamente, a partir desse lugar de angústia que a mudança se opera, assim

como possibilita exercitar a negação de si, caso o sujeito não queira assumir a

responsabilidade da tomada de posição. Dessa forma, o sujeito tem duas

opções elementares, dentre tantas infinitas: ou aceita a angústia e dela

aproveita-se para promover crescimento autêntico, ampliando seu campo

fenomênico e, consequentemente, ampliando seu leque de escolhas e

variabilidade de condutas; ou, então, nega a integração da angústia à sua

vivência, diminuindo suas opções e aumentando sentimentos de culpa que,

possivelmente, fomentará o tédio existencial, intensificando a desorganização

psicológica (Erthal, 1995, 1989). É por isso que se afirma que o objetivo da

psicoterapia é, em justa medida, favorecer que o sujeito possa autorizar-se

como sujeito, a tomar posições a partir de sua liberdade de escolha e a assumir

19 De maneira pragmática, compreendemos que esse caráter gestáltico integra a Abordagem Centrada

na Pessoa e a Gestalt-Terapia numa totalidade.

139

sua angústia existencial de ser “só”, mesmo que em relação (Moreira, 2001)

(GUEDES; LEITNER; MACHADO, 2008, p. 609).

Diante deste Caso Clínico, podemos visualizar, de maneira pragmática, de que forma

acontece a permeabilidade entre a Fenomenologia Existencial, a ACP e a Gestalt-Terapia,

situando a visão una de homem-mundo, tal qual se ancora no Humanismo e no Existencialismo,

que são suas bases filosóficas. Além disso, este caso nos mostra, de maneira fática, quais as

interrelações conceituais e práticas entre a ACP e a Gestalt-Terapia no que se refere à

aplicabilidade psicoterapêutica.

Por fim, destacamos que esta atuação prática nos revela uma interrelação imprescindível

entre as estas abordagens no que se refere à atuação diante das subjetividades humanas, bem

como uma congruência fidedigna entre a prática e a teoria. Além disso, ressaltamos que esta

última (a teoria) fez jus ao homem como ser autônomo, livre, responsável, e como centro de

sua própria vida.

6.3 Transfenomenalidade: o sujeito uno e a prática clínica da Gestalt-Terapia

Nesta última categoria de análise, pretendemos explanar as implicações do conceito de

transfenomenalidade de Kohler para a configuração da Gestalt-Terapia como teoria e prática,

enfocando esta última (a prática) como principal critério de avaliação. Através da análise

conscienciosa da atuação da Gestalt-Terapia frente aos sujeitos – apresentadas no Caso 2 e

Caso 3 –, podemos visualizar de maneira fidedigna a ramificação que o conceito de

transfenomenalidade tomou no que diz respeito à compreensão de ser humano e à relação

terapêutica.

A partir de uma perspectiva fenomenológica, o conceito de transfenomenalidade de

Kohler, antes de qualquer coisa, significa que existe uma forma comum – que é total – entre

nós e o mundo que nos cerca, isso significa que nossa percepção dos objetos físicos, por si só,

já constitui uma experiência objetiva (ou percepto) do mundo cotidiano. De uma perspectiva

gestáltica, ao mesmo tempo em que o objeto em si não muda – pois ele é, antes mesmo de estar

sujeito a minha percepção –, no momento em que eu entro em contato com ele, este ganha a

existência intencional conferida pela minha consciência. Nesse movimento, a objetividade e a

140

subjetividade se entrelaçam de maneira a não se soltarem jamais20. Sendo assim, a experiência

direta se configura, então, como ato objetivo e subjetivo simultaneamente.

A esse respeito, Peres (2014, p. 176) afirma que

[...] toda “experiência de algo” é compreendida como uma relação entre dois

aspectos de uma mesma experiência englobante. No momento em que ele

[Kohler] afirma coisas como “observo uma experiência objetiva”

(Köhler,1929/1968, p. 20), “o aparelho se manifesta como parte do campo

visual” (Köhler, 1929/1968, p. 21), “Estou ciente da presença da mistura

graças a certas experiências objetivas que tenho diante de mim” (Köhler,

1929/1968, p. 21), fica claro que as experiências objetivas são “observadas”,

estão “diante de mim” e fazem parte integrante de “meu campo visual”. O ato

de observar é uma experiência subjetiva, enquanto o observado é uma

experiência objetiva.

Esse mesmo autor nos traz um exemplo desse processo:

Enquanto a cadeira e suas propriedades percebidas são dependentes de

processos fisiológicos cerebrais, a própria cadeira física, a qual não é de modo

algum a cadeira da experiência, é transcendente e independente da cadeira

percebida. A cadeira física não pode ser vista nem experienciada diretamente

de maneira alguma (PERES, 2014, p. 174).

O exemplo apresentado nos faz questionar: como a objetividade pode ser apreendida se,

conforme a citação, “a cadeira física não pode ser vista nem experenciada diretamente de

maneira alguma”? Isto significa que, uma vez que a cadeira estiver sujeita a nossa

intencionalidade, ela será sempre uma experiência intersubjetiva. No entanto, pelo seu caráter

transcendente (de coisa que é), esta não perde seu caráter objetivo; e, num outro contexto ou

para outro indivíduo, ela poderá vir a significar qualquer outra coisa.

Assim sendo, para Kohler, isto significa que o mundo, tal como o conhecemos, possui

uma essência intrinsecamente transfenomenal, o que implica dizer não somente que

20 Na obra “Gestalt-Terapia”, Perls, Hefferline e Goodman (1997, p. 43) resgatam o pensamento de

Aristóteles, o qual ratifica que “[...] no ato, no perceber, o objeto e o órgão são idênticos”. Isso nos

remete à noção de transfenomenalidade, conceito este que sugere uma forma comum (total) entre nós e

o mundo e, consequentemente, entre a nossa percepção e o objeto percebido.

141

objetividade e subjetividade se imbricam, como também respalda a noção de que nós e o mundo

mudamos a todo momento, logo, somos um eterno vir-a-ser (PERES, 2014).

Relacionando esse processo ao conceito de jogo de Gadamer (que como apresentamos

no nosso terceiro capítulo este conceito está totalmente ligado ao conceito de

transfenomenalidade), compreendemos esse vir-a-ser como uma infinita gama de

possibilidades intrínsecas à relação homem-mundo, pois o jogo e a relação transfenomenal

entre sujeito e objeto irão gerar diferentes formas de ser a depender do campo ao qual este

homem pertence. Conforme afirma Santos (2013, p. 4),

[...] o jogo possui a capacidade de sempre revigorar-se em uma constante

repetição, possuindo, portanto, regras próprias. E, ao passo que o jogo

possibilita instaurar uma constante repetição de determinadas ações, são

justamente essas ações repetidas que deixam que se mostre o diferente: pelas

mesmas jogadas nasce o diferente, não devendo perder de vista o fato de que,

embora se repita uma jogada (ação) aparentemente igual às demais, a

configuração fluída de sentidos por ela revelada está sempre imbuída de um

viço de novidade.

Na Gestalt-Terapia, esse movimento transfenomenal entre nós e o mundo desagua no

conceito de figura-fundo, que representa todos os eventos de nossas vidas que, em algum

momento, se configuram como uma figura emergente ao nosso percepto, e em outra ocasião

podem vir a se tornar fundo (um campo, um contexto, uma memória). Diante disso, sob a ótica

do conceito de transfenomenalidade de Kohler, nós e o mundo constituímos uma totalidade

dinâmica que vai muito além da soma das partes.

No que se refere a nossa pesquisa, que se propõe a analisar pragmaticamente casos

clínicos de pessoas com algum transtorno mental ou psíquico, essa noção de totalidade deve

ser muito bem explanada, pois os transtornos, quando se tornam um fenômeno característico de

um sujeito num dado momento, devem ser vistos sob a compreensão de que uma pessoa adoece,

mas, principalmente, que ela não “é” aquele transtorno, este último é apenas uma parte do todo

que a constitui.

Essa compreensão é condizente ao entendimento da pessoa como totalidade, que vive

um constante e eterno vir-a-ser, ou seja, a depender das transformações que esta pessoa vivencie

na sua relação organismo-meio, em um dado momento, o transtorno que a acompanhou poderá

não fazer mais parte dela. Essas transformações geralmente dependem das mudanças internas

142

e ambientais que geram possibilidades de ajustamentos criativos cada vez mais funcionais para

a pessoa (FRAZÃO, 2015).

Compreender a dinâmica de um transtorno mental dessa forma nos mostra dois fatores

importantíssimos para a atuação do gestalt-terapeuta frente aos sujeitos, que são: 1) sob a ótica

da transfenomenalidade, os transtornos são sempre transfenomenais, ou seja, acontecem na

relação organismo-meio e se constituem como fenômenos isomórficos, que tem uma forma

comum tanto no campo físico (molecular), como no campo comportamental (molar); e 2)

devido ao caráter dinâmico da pessoa em movimento, “ter” um transtorno caracteriza um estado

e não um modo permanente de ser, por isso, sob essa perspectiva, fala-se em pessoa que “está”

doente e não em pessoa que “é” doente (ALCÂNTARA; MENDONÇA, 2010).

Diante disso, ao compreender os transtornos mentais como formas de ajustamento

criativo disfuncional (ou não saudável) e não como propriedades imanentes aos sujeitos,

abrimos mão de uma compreensão de ser humano como ser determinado (e, portanto, separado

de seu campo) em detrimento de uma compreensão de ser humano como uma totalidade

indivisível, a qual não se restringe unicamente ao transtorno e, além disso, o transcende como

parte característica do sujeito. A seguir, veremos como essa totalidade se manifesta como

fenômeno através da análise narrativa dos Casos Clínicos 2 e 3, a partir da qual discutimos a

prática da Gestalt-Terapia.

6.3.1 Análise Narrativa – Caso 2

O caso da criança RD demonstra de forma nítida como estão imbricados o organismo e

o meio em que está inserido e de que forma o seu contexto vivencial (objeto intencional

transcendente) foi fundamental para sua transformação frente ao mundo. Sem a mudança

efetiva em sua realidade, RD não teria conseguido enxergar uma importante faceta da vida: o

seu lado bom. Assim, mesmo que seja enfática a eficiência de seu tratamento psicoterapêutico,

o que se destaca neste caso, inclusive pelas autoras do artigo, é a mudança em seu campo, que

transcende todo o processo.

Desde o início da psicoterapia, através da visualização da caixa de areia – em que RD

representa seus sentimentos –, percebemos o embate em que vive a criança, a qual busca se

defender do mundo. É notório que o ajustamento criativo possível naquele momento para RD

se constituía como disfuncional, pois gerava ansiedade, medo, angústia e prejudicava suas

143

interrelações. É compreensível que ele tenha desenvolvido essas formas de ajustamento

considerando o contexto em que esteve inserido: a situação de rua, a violência e a negligência

por parte de seus pais biológicos. Dessa forma, apesar de ser considerado um ajustamento

criativo disfuncional, destacamos que era o possível para ele diante da realidade que enfrentava.

Nessa perspectiva, de acordo com Frazão (2015, p. 92, grifos do autor),

A escolha feita pela pessoa é sempre a escolha que ela, naquela circunstância,

com aquela experiência pôde fazer. A escolha feita foi em função de uma

necessidade que considero absolutamente verdadeira e legítima: a de

sobreviver como indivíduo mantendo a relação com o outro. Essa escolha se

constitui num ajustamento criativo que pressupõe o princípio da pregnância,

ou da boa forma, da psicologia da Gestalt, de acordo com a qual a organização

psicológica será sempre tão “boa” quanto às condições reinantes o permitirem

(Kofka, 1975, p. 121). O princípio da pregnância é o pressuposto do conceito

de autorregulação organísmica da Gestalt-terapia, segundo o qual o organismo

fará o melhor que pode para se regular dados simultaneamente suas

capacidades e recursos do ambiente (Latner, 1973). As respostas adaptativas

necessárias à sobrevivência que observamos em funcionamento não saudável

resultam de processos de autorregulação organísmica, sendo (na origem)

ajustamentos criativos e constituindo aquilo que é possível.

É somente a partir da possibilidade de acolhimento por parte de seus pais adotivos e

também da abertura para expressão emocional sem julgamento em terapia que RD começa a

externalizar o sofrimento físico e psíquico que o acompanhava desde o início de sua vida. Essa

abertura possibilitou a fluidez da fronteira de contato da criança que, a partir disso, encontrou

novas formas de ressignificar a sua privação – tanto material, quanto afetiva/emocional

(BIANCHI; KUBLIKOWSKI, 2018).

Ao fim do processo de adoção, RD vivencia um movimento de centralização e

integração de partes, em que os objetos de seu meio/campo/mundo são organizados de forma

mais harmônica – em que há possibilidade de fechamento de gestalten através da disposição de

cada coisa em seu lugar. Esse processo também passa a ser demonstrado pela criança, ao longo

do tempo, ao dispor os objetos na caixa de areia (vide as figuras trazidas na descrição do caso

clínico apresentada no capítulo anterior).

Esse processo de mudança de RD (a centralização e integração dos elementos) desagua

numa melhor regulação afetiva da criança, que, a partir disso, além de vivenciar a diminuição

de seus momentos agressivos, passa a expressar as suas emoções de maneira mais saudável e a

se relacionar melhor com outras crianças (BIANCHI; KUBLIKOWSKI, 2018). Isso, no entanto,

144

não quer dizer que RD não apresentasse mais medo e ansiedade, todavia, significava que ele

desenvolveu recursos mais funcionais para lidar com possíveis emoções emergentes que

poderiam desestruturar sua personalidade e/ou reduzir a sua confiança no ambiente.

Sob a ótica do conceito de transfenomenalidade, compreendemos que essa integração

e centralização vivenciada por RD foi imprescindível para a abertura de um campo de

possibilidades mais saudável para a criança. Diante disso, consideramos, então, que a criança,

ao fim do processo terapêutico, já estando em sua nova vida e novo lar, pode vivenciar o que

chamamos de cura na Psicologia e gestalt plena na Gestalt-Terapia. Essa plenitude da gestalt é

evidenciada pela relação transfenomenal entre organismo-meio.

A respeito dessa noção de cura da Gestalt-Terapia, Perls, Hefferline e Goodman (1997,

p. 46, grifos dos autores) ressaltam o seguinte:

[...] Trabalhando a unidade e a desunidade dessa estrutura da experiência no

aqui e agora, é possível refazer as relações dinâmicas da figura e fundo até que

o contato se intensifique, a awareness se ilumine e o comportamento se

energize. E o mais importante de tudo, a realização de uma gestalt vigorosa

é a própria cura, porquanto a figura de contato não é apenas uma indicação

da integração criativa da experiência, mas é a própria integração.

Nesse ínterim, um dos objetivos almejados pela Gestalt-Terapia em sua prática clínica

é a possibilidade de realização de uma gestalt plena e, portanto, passível de cura, onde gestalten

abertas (situações inacabadas) podem ganhar um fechamento (desfecho). Isso nos remete à

integração da desunidade mencionada pelos autores na citação. Essa integração comporta o

processo de formação da unidade necessária para transformação do conteúdo dissolvido em

partes num todo muito mais vigoroso, pleno e, consequentemente, mais saudável para a pessoa,

a qual se orienta sempre para a totalidade. Podemos ver mais detalhes desse processo de cura

na análise narrativa do Caso 3.

6.3.2 Análise Narrativa – Caso 3

A partir do que já discutimos até aqui, podemos ver como os conceitos da Gestalt-

Terapia se entrelaçam ao de suas bases, performando a prática que lhes confere vida e, ao

mesmo tempo, condicionando suas teorias às realidades humanas. Consideramos o conceito de

145

transfenomenalidade como o conceito chave dessa discussão, pois é um termo que abriga essas

relações teóricas encontradas e a prática em si da Gestalt-Terapia como um todo. Diante da

análise narrativa do Caso 3 veremos de forma mais direta como alguns conceitos se entrelaçam,

se unindo ao conceito de transfenomenalidade, que ganha aplicabilidade através da prática

clínica e psicoterapêutica da Gestalt-Terapia.

Um dos principais conceitos que será evidenciado nessa relação intrínseca entre teoria

e prática é o conceito de self, que tal como o apresentamos no terceiro capítulo constitui a

totalidade presente do indivíduo na fronteira de contato; e como discutido neste capítulo, se

refere à personalidade ou subjetividade da pessoa, que é dinâmica e pode mudar de acordo com

as circunstâncias que esta vivencia. A respeito desse movimento dinâmico, Perls, Hefferline e

Goodman (1997, p. 179, grifos dos autores) afirmam que “[...] não se deve pensar o self como

uma instituição fixada; ele existe onde quer que haja de fato uma interação de fronteira, e

sempre que esta existir. Parafraseando Aristóteles, ‘quando se aperta o polegar, o self existe no

polegar dolorido’”.

O que também temos de atentar, quando retomamos o conceito de self, além da sua

dinamicidade, é para a compreensão deste como um processo de unificação, em que a totalidade

da vida dos sujeitos se expressa, e não como uma estrutura separada por partes, ou seja,

fragmentada. Diante isso, se assumirmos esta segunda postura, que impede a compreensão do

sujeito tal qual ele é e se apresenta, corremos o risco – como psicólogos e até mesmo na vida

cotidiana – de fragmentar as pessoas.

Um exemplo desse movimento ocorre quando nos deparamos com um diagnóstico de

transtorno mental, por exemplo, em que podemos acabar reduzindo a totalidade da pessoa a

esse transtorno (parte). Esse modo de compreender o self desagua em sua repartição, pois

passamos a enxergar, então, um self “quebrado”, e diante dessa visão limitada,

consequentemente, perdemos a possibilidade de uma visualização genuína do que a pessoa tem

a oferecer. Nesse sentido, além de estar distante da redução fenomenológica, ficamos

impossibilitados de oferecer um feedback livre de julgamentos e uma escuta clínica qualificada.

O Caso 3 nos mostra a superação dessa visão fragmentada. Vemos, nesta situação, uma

mulher adulta (Paula) que recebe um diagnóstico de fobia social e que, no entanto, não se

aniquila no próprio medo, tendo, por iniciativa própria, a necessidade de mudança, o que a leva

a buscar a psicoterapia. Na relação psicoterapêutica, a psicóloga somente conseguiu enxergar

as potencialidades de Paula porque se despiu dos prováveis julgamentos que teria ao se deparar

com uma pessoa com fobia social. A terapeuta não formulou hipótese alguma, uma vez que o

146

próprio movimento de awareness de Paula iria denunciar as fontes do problema (situação

inacabada).

A psicóloga lida com o tratamento de Paula baseada no que Frazão (2015) chama de

pensamento diagnóstico processual. Essa postura diagnóstica pode ser aplicada

independentemente do diagnóstico anterior de Paula, pois parte do pressuposto da importância

de não tornar o diagnóstico mais um rótulo fixo/permanente para o cliente. Pelo contrário,

entendemos este, sob a ótica da Gestalt-Terapia, como um movimento fluído a ser percorrido

durante a terapia e que, por este motivo, está sujeito a mudanças e constante atualização,

considerando como a pessoa está a cada momento. Acerca desse processo de diagnóstico em

Gestalt-Terapia, Frazão (2015, p. 94, grifos do autor) explica que

Ao longo do processo terapêutico, constantemente nos perguntamos o que está

acontecendo e a serviço do quê (para quê). No pensamento diagnóstico

processual, além de identificarmos os ajustamentos disfuncionais – que por

tenderem a ser padronizados e repetitivos perderam sua natureza criativa –,

devemos identificar os ajustamentos criativos funcionais, que nos remetem às

possibilidades e potencialidades de nossos pacientes. Esse diagnóstico deve

acompanhar o processo terapêutico levando em consideração o crescimento

do paciente e suas mudanças ao longo do tempo e na sua relação consigo e

com o outro. É por isso que, em lugar de diagnóstico, prefiro falar em

pensamento diagnóstico processual.

Nesse ínterim, para a Gestalt-Terapia, a doença é compreendida como uma interrupção

ou inibição no processo de ajustamento criativo do indivíduo desaguando em bloqueios do

ciclo do contato. Para Ribeiro (2007 apud ALCÂNTARA; MENDONÇA, 2010 p. 19), existem

alguns sinais da ocorrência de um ciclo de contato pleno, que são: fluidez, sensação,

consciência, mobilização, ação, interação, contato final, satisfação e retirada. Além destes

sinais, há também os bloqueios do ciclo do contato, que podem tomar diferentes formas:

fixação, dessensibilização, deflexão, introjeção, projeção, proflexão, retroflexão, egotismo e

confluência21.

Considerando o caso de Paula, o que havia acontecido com ela, precisamente, consistia

no bloqueio da fluidez do contato, causando uma fixação da energia mobilizada, que desaguava

21 Neste trabalho, não objetivamos nos deter na explicação dos sinais de contato pleno ou bloqueios do

ciclo do contato. Pretendemos somente explanar quais desses sinais e bloqueios foram vivenciados pela

paciente relatada no Caso 3 durante a intervenção clínica.

147

no tremor excessivo diante das outras pessoas e na paralização diante da vida (ALCÂNTARA;

MENDONÇA, 2010). Paula, na tentativa de manutenção da relação com o outro, se viu diante

de um impasse, pois sentiu-se na obrigação de escolher entre sustentar sua autonomia diante do

próprio self ou manter sua relação com aqueles que a cercavam: a igreja, as amigas, a

comunidade etc. Não encontrando outra maneira de equilibrar essa situação, desenvolveu uma

forma disfuncional de ajustamento criativo.

Vale ressaltar que não é porque ocorreu uma fixação ou inibição no processo de

ajustamento que ele deixou de ocorrer, pelo contrário, ao passo que o ajustamento criativo de

Paula passou pelo bloqueio do ciclo do contato pleno, ela desenvolveu uma forma de

ajustamento criativo disfuncional, que neste caso se configurou como uma fobia social,

impossibilitando o fechamento da gestalt.

A respeito da fixação e inibição do ciclo do contato de Paula, a terapeuta explica:

Podemos observar no diálogo relatado que Paula teve um choque ao ser

flagrada cometendo um ato que era considerado pecaminoso pela sua Igreja e

pelos membros da sua comunidade mais próxima, inclusive pela sua família.

O “olhar reprovador” das amigas acentuou sua profunda mobilização

emocional – a vergonha, e com esse sentimento ela não pôde fazer nada até

agora. Estava mobilizada por intensa emoção de vergonha e revolta e fixou-

se nessa mobilização, permanecendo sem realizar nenhuma ação

(ALCÂNTARA; MENDONÇA, 2010, p. 25).

Além disso, ainda de acordo com as autoras Alcântara e Mendonça (2010, p. 23, grifos

dos autores), “[...] a vivência atual apresentada pela cliente – a fobia ao julgamento do outro –

indica que houve e há elementos no campo social que configuram sua vivência fóbica no

presente”. Neste ponto, as autoras retomam o ocorrido com Paula há 7 anos, quando suas amigas

a encontraram mudada (com cabelo curto, vestindo calça e camiseta), e esse evento gerou o

princípio de sua fobia social. Isso demonstra como o que aconteceu no passado se configura no

atual presente de forma ativa em sua vida, e também evidencia como algo “externo” à Paula foi

capaz de produzir um sintoma tão forte e tão presente subjetivamente. Este exemplo nos

esclarece de maneira pragmática o conceito de aqui-agora, além da relação campo-organismo-

ambiente implícita no conceito de transfenomenalidade e na interligação dos campos animal-

social-físico da Gestalt-Terapia.

Sob a ótica humanista do ser-no-mundo, a Gestalt-Terapia busca enxergar as

potencialidades da pessoa frente à sua realidade. Isso nos remete ao fato de que Paula, mesmo

148

tendo vivenciado por tanto tempo esse transtorno, foi capaz de se autorregular de uma forma

surpreendente, pois, ao longo do processo terapêutico, ela foi tomando consciência (awareness)

dos aspectos vivenciais vinculados ao seu transtorno, sendo, a partir disso, capaz de mobilizar

sua energia para se organizar internamente e mudar. Isso possibilitou a ampliação da visão de

campo de Paula, que antes não conseguia perceber meios de sair daquela situação. Diante dessa

ampliação, ela passou a enxergar assertivamente as ferramentas do ambiente necessárias a essa

mudança. Podemos observar esse movimento no seguinte recorte do diálogo da terapeuta com

Paula em psicoterapia:

C: [...] a Paula de antes não fazia isso (referindo-se novamente à sua iniciativa

de conversar com a gerente da loja).

T: Que negócio é esse que você está falando? Que Paula é essa de antes?

C: A Paula de antes de fazer terapia.

T: Tem uma Paula antes de fazer terapia e outra depois...

C: Tá vendo? (pega uma foto da carteira de identidade, põe ao lado do rosto)

Olha aqui, não é a mesma pessoa!

T: Como é essa pessoa da foto?

C: Antes de sair da Igreja era ainda pior!

T: Pior como?

C: Tem uma Paula que é retraída, você tem que ver as fotos de quando eu

ainda frequentava a Igreja. Não parece eu!

T: Paula, tem três momentos que você está falando. Um quando você

frequentava a Igreja, outro quando você saiu da Igreja, e o terceiro agora, que

você começou a terapia (a Terapeuta organiza a fala da cliente, visando com

a organização do discurso, a organização da vivência).

C: (balança a cabeça concordando com a terapeuta)

T: Nesses três momentos está você... Mas parece que você passou por duas

mudanças muito significativas, uma quando decidiu parar de frequentar a

Igreja, e outra mudança agora, quando você voltou a estudar e trabalhar. Você

concorda com isso?

C: Sim, sou eu nesses três momentos... mas me sinto diferente... não estou

certa de que sou capaz... (referindo-se a continuar as entrevistas de emprego)

... mas parece que eu posso sim... porque sou eu que estou fazendo tudo agora!

T: Você que está fazendo o quê?

C: Sou eu quem estou indo pra faculdade. Sou eu que fui à entrevista para

meu emprego... (ALCÂNTARA; MENDONÇA, 2010, p. 30-31, grifos dos

autores).

149

A partir da mudança de atitude de Paula, percebemos que ela passou a se sentir no

processo, estando completamente consciente do próprio movimento, no aqui e agora. Além de

conscientizar-se dos fatores que geraram a sua fobia, também foi capaz de conscientizar-se

sobre as formas que foi adquirindo durante essa constante dinâmica de figura-fundo, em que

figuras diferentes – do seu próprio self – foram emergindo a cada momento, e os fundos foram

sendo revelados, retratando a totalidade de suas vivências. A cura de Paula, portanto, se deu

como uma consequência de seu próprio processo de mudança (ALCÂNTARA; MENDONÇA,

2010).

Repetimos que a cura surpreendeu até mesmo a terapeuta, que não esperava

de Paula a mudança tão rápida. O processo psicoterápico nos leva ao

inesperado, pois o potencial do cliente é algo inalcançável, cujo limite nos

escapa. É certo que a cura mostrou-se no contexto continente das sessões, sob

as intervenções apoiadoras da Confirmação, Presença e Inclusão exercitadas

pela terapeuta no processo. Mas foi igualmente gerada do potencial criativo

da própria cliente (ALCÂNTARA; MEDONÇA, 2010, p. 34).

Diante disso, no que se refere à prática clínica da Gestalt-Terapia, é importantíssima a

visualização da própria relação terapêutica como uma gestalt. Para além do contexto da pessoa,

a terapia constitui um espaço de criação e desenvolvimento de potencialidades, neste sentido,

o desenvolvimento do contato – via pela qual ocorre a awareness – é fundamental. Assim

sendo, a terapia em si se configura como um espaço necessário a esse desenvolvimento, e a

relação terapêutica genuína, que contempla a confiança, a autenticidade e a aceitação

incondicional, é uma própria gestalt.

A partir dessa compreensão da relação terapêutica como uma gestalt, podemos

entender melhor como a relação terapeuta-cliente se configura como um ambiente potencial

para a experimentação, que comporta o desabrochar de possíveis técnicas, experimentos e

exercícios (conceitos explicados no terceiro capítulo deste trabalho) que visam à tomada de

consciência e ampliação da fronteira de contato.

No que concerne a isto, Perls, Hefferline e Goodman (1977, p. 47) reforçam o

entendimento de que “[...] a única via de solução de um problema humano é a invenção

experimental”. Com base nesse postulado, entendemos que foi a partir da invenção

experimental que Leonardo (Caso 1), RD (Caso 2) e Paula (Caso 3) puderam vivenciar a

ampliação de seu campo de possibilidades e, consequentemente, da sua consciência em relação

a própria subjetividade e a própria vida.

150

Dessa forma, a experimentação se constitui como principal ferramenta de trabalho do

gestalt-terapeuta frente à subjetividade e às vivências das pessoas, sendo a via mais utilizada

no que se refere ao trato das neuroses e ansiedades humanas (PERLS; HEFFERLINE;

GOODMAN, 1997). No que se refere à vivência humana em sua característica fenomenológica

de “coisa em si”, podemos dizer que a experimentação, sob a ótica da transfenomenalidade,

vem a configurar um fenômeno de ser que é, o qual permeia toda a vida, performando um modo

de ser completamente único e singular. Nessa perspectiva, é possível compreender que a

experimentação adquire uma forma comum tanto na terapia quanto no cotidiano, em que a vida

acontece e é por nós experimentada.

Considerando toda a discussão realizada neste trabalho, podemos perceber, a partir de

cada uma das categorias de análise, a exploração em profundidade dos objetivos almejados, que

tiveram como base primordial a visão de homem-mundo e a prática da Gestalt-Terapia. Como

apontamos em nossa discussão, essa visão e prática remetem intrinsecamente às bases

filosóficas, epistemológicas e teóricas da abordagem gestáltica e, além disso, a um movimento

epistemológico primário dentro da Psicologia como ciência. Esse movimento diz respeito à

separação entre os tipos de ciência (explicativa e compreensiva) e à dicotomia entre

objetividade e subjetividade.

Após esse movimento, surge o que poderíamos chamar de movimento secundário na

Psicologia, este diz respeito a sua orientação sutil e intrínseca para compreensão do ser humano

em sua totalidade. Tal orientação foi sendo destrinchada durante todo esse trabalho e, mais

especificamente, na nossa primeira categoria, em que esse movimento se torna ainda mais

evidente estando sujeito à análise pragmática.

Um ponto que merece destaque no nosso trabalho é que podemos perceber que, além da

aproximação epistemológica, há uma unidade equivalente entre a Gestalt-Terapia, que é foco

de nosso trabalho, e as perspectivas gestálticas que lhe fornecem substrato: a Fenomenologia

Existencial e a Psicologia da Gestalt. Além dessas, também temos a Abordagem Centrada na

Pessoa de Carl Rogers, com a qual podemos enxergar certa aproximação, consideramos que

essas aproximações e equivalências são possíveis tanto pela visão de homem-mundo dessas

perspectivas como pela sua aplicação na prática.

Além desses fatores, o momento em que a prática em si se revela mostrou-se deveras

emocionante, pois proporcionou o olhar sobre como o gestalt-terapeuta atua e enxerga o ser

humano no mundo, oferecendo aspectos reais da vida cotidiana em que o conceito de

151

transfenomenalidade pode ser evidenciado para só posteriormente ser aplicado à compreensão

psicoterapêutica.

Por fim, chegamos à conclusão de que o que mais importa, diante de tamanhas

teorizações, é o fenômeno que se revela. Diante disso, ressalta-se a importância de que toda e

qualquer teoria esteja condicionada ao desabrochar desse fenômeno, tal qual corresponde ao ser

humano, mas, para além dele, se performa na transcendência e amplitude de sua existência.

152

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O tema da nossa pesquisa teve como figura principal a prática clínica da Gestalt-Terapia

partindo do resgate de suas bases epistemológicas e teórico-filosóficas no que concerne à sua

visão de homem-mundo. A necessidade de se abordar esse tema surgiu do incômodo gerado,

ao longo dos anos de graduação, diante da fragmentação do ser humano em partes, tanto na

vida como dentro da própria Psicologia – a qual deveria estar comprometida, desde o início,

com a realidade daquele que ela se propõe cuidar, e não com seus postulados teóricos.

Nosso objetivo geral foi analisar a aplicabilidade prática da Gestalt-Terapia,

considerando suas origens e ramificações, que abrigam suas bases epistemológicas, filosóficas

e teóricas e, consequentemente, a sua visão de homem-mundo, que desagua no conceito de

transfenomenalidade postulado por Kohler.

Para chegar a isto, tivemos como objetivos específicos investigar as fronteiras

epistemológicas entre objetividade e subjetividade no âmbito das ciências e da Psicologia;

também evidenciar, através da exploração da concepção de homem-mundo da Gestalt-Terapia,

as equivalências e ambivalências existentes entre a Psicologia da Gestalt e a Gestalt-Terapia,

considerando seus pressupostos filosóficos, a Fenomenologia, o Existencialismo e o

Humanismo; e, por fim, identificar, através do conceito de transfenomenalidade de Kohler, qual

a implicância da concepção de homem-mundo da Gestalt-Terapia na produção do

conhecimento e na prática clínica.

Sendo assim, para responder aos objetivos definidos, estruturamos o trabalho da

seguinte maneira: no primeiro capítulo, tratamos das definições dos tipos de ciência e seus

respectivos objetos de estudo, decorrente da diferenciação entre objetividade e subjetividade,

buscando trazer as principais perspectivas psicológicas e seus caminhos metodológicos. Esse

capítulo possibilitou uma contextualização histórica e epistemológica da Gestalt-Terapia no que

se refere à produção de conhecimento dentro da Psicologia como uma ciência humana.

No segundo capítulo, discutimos as três principais vertentes da Psicologia, a Psicanálise,

o Comportamentalismo e a Psicologia Humanista, a fim de situar, mais uma vez, a Gestalt-

Terapia, porém, desta vez, aliada a última dessas vertentes, que foi, também, o seu berço. Esse

resgate permitiu encontrar a origem da concepção de homem-mundo da Gestalt-Terapia como

uma abordagem que busca enxergar o homem como centro e, com este posicionamento,

evidencia o ser humano em sua totalidade.

153

O terceiro capítulo foi aquele que trouxe o acervo completo das principais bases

epistemológicas, filosóficas e teóricas da Gestalt-Terapia, com o objetivo de discutir a fundo a

sua concepção de homem-mundo, com o intuito de, posteriormente, analisar as equivalências e

ambivalências entre a abordagem gestáltica e estas bases, desta vez sob o enfoque prático.

A nossa pesquisa foi construída a partir do método bibliográfico, qualitativo e analítico-

crítico sob a ótica da Pesquisa Narrativa, da Análise de Conteúdo e do Pragmatismo Filosófico.

Fizemos uma exploração de material com vistas a levantar boas referências que trouxessem

fundamentação a nossa discussão e, também, realizamos uma pesquisa narrativa visando o

acesso a casos clínicos que retratassem uma intervenção de base gestáltica. Após esse processo

de exploração de material e pesquisa narrativa, foram selecionados três artigos científicos em

português para análise.

A partir disso, utilizamos a análise de conteúdo como método de análise para estruturar

a nossa discussão, que foi elaborada em três categorias. Somado a esse processo, aplicamos o

pragmatismo filosófico como pressuposto fundamental da discussão fatual, que toma os fatos

como princípios e condiciona a teoria à prática. Os três casos clínicos selecionados serviram de

base para o alcance do objetivo geral desse trabalho, pois trouxe a prática clínica de base

gestáltica e existencial-fenomenológica como figura principal, onde pudemos aplicar a análise

pragmática. Nesse ínterim, podemos refletir sobre como a prática muitas vezes acaba refletindo

a teoria e, no entanto, concomitantemente a transcende.

Com essa pesquisa, compreendemos que a totalidade da vida humana se caracteriza, em

sua gama de multiplicidades, como um fator complexo e, muitas vezes, indizível, o que torna a

Psicologia essa ciência magnífica e cheia caminhos diferentes a trilhar. Entretanto, é justamente

pela amplitude desses caminhos e da multiplicidade que lhe perpassa que essa ciência humana

pode se consolidar como uma ciência legítima, pois, em alguns níveis, ela conseguiu alcançar

a subjetividade humana. Esse trabalho pode mostrar uma parte desse alcance, porém, além

disso, trouxe alguns desafios a serem vencidos. Um desses desafios é a possibilidade de diálogo

diante do que mais importa: o ser humano em sua totalidade.

Diante dos materiais analisados – as referências bibliográficas e os três casos clínicos –

percebemos a importância desse trabalho no que diz respeito ao resgate da prática como

principal fator de avaliação no que se refere a um pressuposto fundamental da Psicologia

Humanista e da Gestalt-Terapia: ter o homem como centro. Sob essa ótica, frisamos, mais uma

vez, a necessidade da teoria tomar seu norte a partir do fenômeno humano e não o contrário, e

é por isso que escolhemos discutir a prática da Gestalt-Terapia.

154

Visualizamos que, em muitos sentidos, a prática corresponde à teoria e, por isso,

situamos o conceito de transfenomenalidade de Kohler como um ponto central dessa

correspondência. Aliás, se temos uma ciência que busca ser aplicada à vida das pessoas, esta

deve buscar a compreensão mais fidedigna possível daquilo que procura estudar e,

consequentemente, intervir, considerando as multiplicidades envolvidas na relação dessas

pessoas com o mundo.

Nessa pesquisa, notamos que a Psicologia, com sua visão de homem-mundo atuando na

prática, aproxima-se de seu objetivo de ser fidedigna à pessoa que lhe perpassa. Contudo, em

outros sentidos, como, por exemplo, diante das disputas epistemológicas, a Psicologia chega a

correr o risco de retirar o homem do centro – para colocar a si mesma no centro –, fortalecendo

a dicotomia entre objetividade x subjetividade e, ainda mais gravemente, a repartição do homem

em fragmentos que não constituem a totalidade dele mesmo.

Diante disso, a nossa pesquisa se configura como uma tentativa de evidenciar um

caminho possível em Psicologia que a conduza à compreensão do sujeito (humano) como uma

unidade/totalidade. Para tanto, foi necessário enfatizar os pontos de equivalência científica e

paradigmática entre as abordagens psicológicas, tanto em relação ao todo da Gestalt como no

que se refere a algumas das principais vertentes da Psicologia e, também, demonstrar como a

prática (empírica) nos revela esse ponto de convergência, o qual traduz a noção de totalidade

(humana). Sendo assim, tanto o ser humano quanto a Psicologia são um “todo que vai muito

além da soma das partes”, essa totalidade se revela como fenômeno e transcende qualquer soma

possível entre seus elementos constituintes.

Além desses aspectos, conseguimos identificar, ainda, outra faceta importante do nosso

trabalho, que diz respeito a como esse estudo pode servir de norte para uma análise/reflexão

acerca da aplicação prática da Gestalt-Terapia e de seus conceitos na produção do conhecimento

e, consequentemente, na atuação clínica e psicoterapêutica.

Por fim, esperamos que este passo dado na Psicologia e na Gestalt-Terapia – em nome

do homem como centro e como totalidade – transcenda os horizontes traçados e ganhe a

imensidão que lhes é merecida a partir de novos estudos e análises comprometidos com as

subjetividades e multiplicidades humanas dentro desta área magnífica que é a ciência

psicológica.

155

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