UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício...

229
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO DOUTORADO EM DIREITO PÚBLICO LUIZ CARLOS SOUZA VASCONCELOS HERMENÊUTICA E TEORIA DOS PRECEDENTES JUDICIAIS: EXAME CRÍTICO DA (IN)COERÊNCIA DECISÓRIA NO ÂMBITO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Salvador 2018

Transcript of UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício...

Page 1: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

DOUTORADO EM DIREITO PÚBLICO

LUIZ CARLOS SOUZA VASCONCELOS

HERMENÊUTICA E TEORIA DOS PRECEDENTES JUDICIAIS:

EXAME CRÍTICO DA (IN)COERÊNCIA DECISÓRIA NO ÂMBITO DO

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Salvador

2018

Page 2: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

1

LUIZ CARLOS SOUZA VASCONCELOS

HERMENÊUTICA E TEORIA DOS PRECEDENTES JUDICIAIS:

EXAME CRÍTICO DA (IN)COERÊNCIA DECISÓRIA NO ÂMBITO DO

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal

da Bahia (UFBA) como requisito parcial para obtenção do

título de Doutor em Direito Público, inserida na linha de

pesquisa Teoria do Processo e Tutela dos Direitos, área de

concentração Direito Público.

Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire

Soares.

Salvador

2018

Page 3: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

V331 Vasconcelos, Luiz Carlos Souza,

Hermenêutica e teoria dos precedentes judiciais: exame crítico da

(in)coerência decisória no âmbito do Supremo Tribunal Federal / por Luiz

Carlos Souza Vasconcelos. – 2018.

228 f.

Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares.

Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de

Direito, 2018.

1. Hermenêutica (Direito). 2. Precedentes judiciais.

I. Soares, Ricardo Maurício Freire. II. Universidade Federal da Bahia. III.

Título

CDD- 340.11

Page 4: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

3

LUIZ CARLOS SOUZA VASCONCELOS

HERMENÊUTICA E TEORIA DOS PRECEDENTES JUDICIAIS:

EXAME CRÍTICO DA (IN)COERÊNCIA DECISÓRIA NO ÂMBITO DO

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da

Universidade Federal da Bahia (UFBA) como requisito parcial para obtenção do grau de

Doutor em Direito Público, inserida na linha de pesquisa Teoria do Processo e Tutela dos

Direitos, área de concentração Direito Público.

Aprovada em 19 de setembro de 2018.

Prof. Dr. Ricardo Maurício Freire Soares – Orientador

Universidade Federal da Bahia – UFBA/ Professor da UFBA

Prof. Dr. Dirley da Cunha Júnior

Pontifícia Universidade Católica - São Paulo/Professor da UFBA

Prof. Dr. Wilson Alves de Souza

Universidade de Buenos Aires – Argentina/Professor da UFBA

Prof. Dr. Ricardo Zuluaga Gil

Universidad de Salamanca – Espanha/Professor da Universidade de Medellín – Colômbia

Prof. Dr. Luis Gerardo Samaniego Santamaria

Universidad de Salamanca - Espanha/Professor da Universidade de Quintana Roo - México

Page 5: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

4

A

Maria Isabel, mãe querida, por ter me ensinado a aprender.

Carla, Luiz Júnior, Laila, Lorena e Maria Luíza, filhos queridos, por terem me levado a

aprender a ensinar.

Page 6: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

5

AGRADECIMENTOS

São tantos e tão especiais...

A Deus, sempre Ele, meu verdadeiro norte, pelo dom da vida, e por ter oportunizado a

conclusão de mais um ciclo de minha vida.

À minha família, amigos e servidores da Justiça Federal de Itabuna, pela imensa

paciência e amor, compreendendo as minhas ausências, os ritmos acelerados do dia a dia, as

mudanças de humor, porém sempre presentes a todo instante.

A meus irmãos, em especial ao irmão Paulo, fiel incentivador.

Ao meu professor-orientador, Dr. Ricardo Maurício Freire Soares, mestre amigo,

sempre venerado por onde passa e também exemplo de mérito acadêmico, o qual incentivou a

construção deste trabalho científico, com muita paciência, zelo e de maneira democrática.

Aos colegas doutorandos que, desde o início, acreditaram em meu trabalho, em

especial Patrícia Verônica Sobral, Dejair dos Anjos, João Lordelo e Flora Augusta, com os

quais tive a alegria de discutir e compartilhar ideias do pensamento jurídico contemporâneo.

Ao Programa de Pós-Graduação em Direito da UFBA, pelo apoio, infraestrutura,

qualidade e simpatia de seus professores, pesquisadores e funcionários, os quais contribuíram

direta ou indiretamente no desenvolvimento desta tese.

Aos alunos, tanto os da graduação como os da pós-graduação lato sensu, verdadeiros

alicerces na construção constante de meu aprendizado.

Por fim, muito obrigado a todos, de coração, por possibilitarem essa experiência

enriquecedora e gratificante, de relevância ímpar para meu crescimento como ser humano e

profissional.

Page 7: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

6

Nada é sozinho. Nada é para sempre. Todo saber é saber do homem,

ser histórico e contingente, pelo que este saber só se legitima se apto

para servir à humanidade.”

Calmon de Passos

Page 8: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

7

RESUMO

Esta tese tem como objetivo realizar uma abordagem teórica e jurisprudencial acerca do

entendimento do processo hermenêutico e do discurso jurídico utilizados na formação de

decisões judiciais, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, especialmente sua relação com a

teoria dos precedentes, no que tange aos aspectos da interpretação, aplicação e unicidade do

Direito, demonstrando-se assim a atualidade e relevância do tema pesquisado. Com o

fortalecimento dos precedentes, desafia-se para o Judiciário a relevante função de preservação

dos princípios da segurança jurídica, da igualdade dos jurisdicionados e da dignidade da

pessoa humana, todos inseridos na Constituição. A jurisdição, em momento pretérito com a

sua característica de apenas declarar a vontade da lei, destina-se na atualidade a sensibilizar o

julgador a conformar todo o ordenamento jurídico aos direitos previstos na Constituição, no

exercício da função judicante, fazendo valer, assim, a força normativa do texto constitucional.

Os juízes e tribunais supremos, em especial o STF, emplacam a salutar missão de auxiliar o

Estado nesse procedimento especial e maduro de interpretação das leis e da resolução das

matérias de direito que aportam as instâncias judiciárias. As decisões que conferem sentido,

unidade e desenvolvimento ao Direito interessam a toda a sociedade e não apenas às partes

envolvidas no litígio. O estudo da hermenêutica jurídica e dos precedentes judiciais exige

reflexões críticas e pragmáticas, de forma que a investigação transcenda ao dogmatismo do

positivismo clássico, realçando uma interpretação mais adequada das normas jurídicas às

novas e constantes mutações sociais. Utiliza-se a vertente metodológica

jurídico-dogmática-comparativa, tendo na pesquisa bibliográfica e na documental os

instrumentos levantados para a comprovação das hipóteses, revendo, assim, as principais

obras pertinentes ao assunto pesquisado.

Palavras-chave: Hermenêutica – Precedentes Judiciais – Supremo Tribunal Federal

Page 9: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

8

ABSTRACT

This thesis aims at a theoretical and jurisprudential approach on the understanding of the

hermeneutical process and the legal discourse used in the formation of judicial decisions,

within the scope of the Federal Supreme Court, especially its relation with the theory of

precedents, regarding aspects of interpretation, application and uniqueness of the Law, thus

demonstrating the relevance and relevance of the researched topic. With the strengthening of

precedents, the relevant function of preserving the principles of legal certainty, equality of

jurisdiction and dignity of the human person, all inserted in the Constitution, is challenged for

the Judiciary. The jurisdiction, at a time in the past with its characteristic of merely declaring

the will of the law, is currently intended to sensitize the judge to conform the entire legal

order to the rights provided in the Constitution, in the exercise of the judicial function, the

normative force of the constitutional text. Supreme judges and supreme courts, especially the

Supreme Court, have a salutary mission to assist the State in this special and mature

procedure of interpretation of laws and resolution of matters of law provided by judicial

bodies. Decisions that give meaning, unity and development to the Law are of interest to the

whole society and not just to the parties to the dispute. The study of legal hermeneutics and

judicial precedents requires critical and pragmatic reflections, so that research transcends the

dogmatism of classical positivism, emphasizing a more adequate interpretation of legal norms

to the new and constant social changes. The legal-dogmatic-comparative methodological

aspect is used, having in the bibliographical research and the documentary the instruments

raised for the verification of the hypotheses, thus reviewing the main works pertinent to the

researched subject.

Keywords: Hermeneutics - Judicial Precedents - Supreme Federal Court

Page 10: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

9

SOMMARIO

Questa tesi si propone di condurre un approccio teorico e giurisprudenziale sulla

comprensione del processo ermeneutico e il discorso giuridico utilizzato nella formazione

delle decisioni, sotto la Suprema Corte, in particolare il suo rapporto con la teoria del

precedente, per quanto riguarda gli aspetti della interpretazione, l'applicazione e l'unicità del

diritto, dimostrando così la tempestività e la pertinenza del tema di ricerca. Con il

rafforzamento di quanto precede, sfida alla magistratura la relativa funzione di conservazione

dei principi di certezza del diritto, l'uguaglianza della dignità umana e giurisdizionale, il tutto

inserito nella Costituzione. Giurisdizione nel tempo passato con il suo caratteristico dichiarare

solo la volontà della legge, destinata oggi per sensibilizzare al giudice di conformare l'intero

sistema legale dei diritti previsti dalla Costituzione, nell'esercizio della funzione di

aggiudicativo, applicando in tal modo la forza normativa del testo costituzionale. I giudici e le

corti supreme, in particolare la Corte Suprema, emplacam la missione salvifica di aiutare lo

Stato in questa procedura speciale e maturo di interpretazione delle leggi e la risoluzione delle

questioni di diritto che contribuiscono autorità giudiziarie. Le decisioni che danno senso,

l'unità e lo sviluppo di legge riguardano l'intera società, non solo le parti coinvolte nella

controversia. Lo studio di interpretazione giuridica e precedente giudiziario richiede

riflessioni critiche e pragmatiche, in modo che la ricerca trascende il dogmatismo del

positivismo classica, mettendo in evidenza una più appropriata interpretazione delle norme

giuridiche a nuovo e costante cambiamento sociale. Esso utilizza l'aspetto metodologico

legale dogmatico-comparativa, e in strumenti letteratura e documentari sollevato al caso

prove, la revisione, in modo che i principali lavori relativi al tema cercato.

Parole chiave: Ermeneutica - Precedenti giudiziari - Corte federale suprema

Page 11: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

10

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 12

2 ESTADO CONSTITUCIONAL DE DIREITO ................................................................ 22

2.1 ESTADO DE DIREITO E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: POSTULADOS

ESTRUTURANTES E CONFORMADORES DA ORDEM

JURÍDICO-CONSTITUCIONAL ............................................................................................ 24

2.2 O PROCESSO COMO MECANISMO DEMOCRÁTICO DE CONSTRUÇÃO E

LEGITIMIDADE DO DIREITO.............................................................................................. 33

2.3 SEGURANÇA JURÍDICA E ACESSO À JUSTIÇA COMO JUSTIFICATIVAS

PRINCIPIOLÓGICAS DO SISTEMA DE PRECEDENTES ................................................. 45

2.3.1 A Segurança: Necessidade da Ordem Jurídica e Respeito aos Precedentes ............ 47

2.3.2 A Garantia do Acesso à Justiça sob a Perspectiva da Efetividade dos Direitos ...... 51

3 A TEORIA GERAL DOS PRECEDENTES JUDICIAIS E SUAS

ESPECIFICIDADES .............................................................................................................. 62

3.1 AS TRADIÇÕES JURÍDICAS DO COMMON LAW E DO CIVIL LAW: DIÁLOGOS E

CONVERGÊNCIAS ................................................................................................................ 64

3.2 PRECEDENTES JUDICIAIS: CONCEITO, NATUREZA JURÍDICA E EFICÁCIA .... 68

3.2.1 Conceito: Distinções Relevantes ................................................................................... 70

3.2.2 Natureza Jurídica .......................................................................................................... 75

3.2.3 Eficácia da Norma do Precedente ................................................................................ 78

3.3 A VINCULATIVIDADE DOS PRECEDENTES NO DIREITO COMPARADO ........... 82

3.4 FUNDAMENTOS FAVORÁVEIS E CONTRÁRIOS AOS PRECEDENTES

OBRIGATÓRIOS .................................................................................................................... 91

3.4.1 Razões para Seguimento e Críticas .............................................................................. 91

3.4.2 Argumentos Contrários e Críticas ............................................................................... 96

4 O REGIME JURÍDICO DOS PRECEDENTES NO ORDENAMENTO

PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO ............................................................................... 100

4.1 OS DEVERES INSTITUCIONAIS DOS TRIBUNAIS: UNIFORMIZAÇÃO,

ESTABILIDADE, INTEGRIDADE E COERÊNCIA ........................................................... 102

4.2 OS PRECEDENTES JUDICIAIS VINCULANTES NA DOGMÁTICA NACIONAL . 107

4.3 A DINÂMICA DAS TÉCNICAS DE UTILIZAÇÃO DOS PRECEDENTES NO

DIREITO BRASILEIRO ........................................................................................................ 121

5 OS PRECEDENTES NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

CONTEXTUALIZANDO O PROCEDIMENTO HERMENÊUTICO E APLICAÇÃO

EM PROL DA CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS ....................................................... 128

5.1 HERMENÊUTICA E INTERPRETAÇÃO: CAMINHOS METODOLÓGICOS PARA A

COMPREENSÃO DO DIREITO E ARGUMENTAÇÃO POR PRECEDENTES ............... 129

Page 12: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

11

5.2 O STF COMO CORTE DE PRECEDENTES E GUARDIÃO DA ORDEM

CONSTITUCIONAL ............................................................................................................. 143

5.3 ASPECTOS RELEVANTES DE DECISÕES DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL E

SUA APLICABILIDADE NA SEARA DO PROCESSO ..................................................... 148

5.3.1 O Controle de Constitucionalidade ...........................................................................148

5.3.2 Enunciados de Súmula Vinculante e Demais Súmulas em Matéria Constitucional

................................................................................................................................................ 153

5.3.3 Recursos Extraordinários Repetitivos ....................................................................... 156

5.3.4 Reclamação Constitucional ......................................................................................... 158

6 EXAME CRÍTICO DE PADRÕES DECISÓRIOS DO STF À LUZ DO DISCURSO

JURÍDICO ............................................................................................................................ 161

6.1 PAPEL DA JURISDIÇÃO, ATIVISMO JUDICIAL E REPERCUSSÃO FRENTE AOS

DESAFIOS DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO ................................................ 168

6.2 A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA: CONTRIBUIÇÃO CRÍTICA A PARTIR DO

JULGAMENTO DO HABEAS CORPUS Nº

126.292/SP..............................................................................................................................188

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 212

REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 216

Page 13: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

12

1 INTRODUÇÃO

O escopo desta tese edifica-se a partir da compreensão basilar da sistematização do

processo hermenêutico e sua relação com o sistema de precedentes judiciais, demonstrando a

conduta do Supremo Tribunal Federal no tocante à interpretação, aplicação e unidade do

Direito, bem como o munus exercido no Estado Democrático de Direito.

Afirma-se que o tema proposto vem sendo tratado diuturnamente pela doutrina

processual e pelos operadores do direito, com a visão direcionada ao instrumentalismo do

processo, em detrimento da qualidade nas decisões judiciais proferidas.

A importância deste estudo advém do interesse de aprimorar o sistema jurídico

brasileiro, no intuito de reversão desse quadro atual de letargia jurídica, o que justifica a

originalidade deste escrito, à vista de como o problema jurisdicional é aqui pensado e

discutido, porquanto repercute direta e indiretamente na sociedade como um todo.

Verifica-se que o objeto deste escrito é relevante, tanto no viés prático como

intelectual, pois vivenciados trinta anos da Carta Magna brasileira, constata-se ainda a

tendência de fragmentarização do direito, espelhado na discricionariedade, no casuísmo e no

“decisionismo” dos tribunais, especialmente do STF, deixando à margem, por vezes, toda a

integridade jurisprudencial.

Aqui no Brasil, principalmente após a primeira década que seguiu à promulgação da

Constituição de 1988, e, também, o progressivo estágio de assimilação do processo

hermenêutico-constitucional do direito, o debate a respeito do papel do Poder Judiciário tem

sido tônica nas arenas jurídico-políticas, com o contínuo afastamento do passivismo judicial.

Muito se tem falado também, nos dias atuais, qual o perfil decisório que vem sido

seguido pela mais alta cúpula do país, no que tange ao discurso jurídico ali empregado. Se no

campo prescritivo, ela deve agir como um tribunal de teses ou atuar como uma corte de

resolução de casos concretos.

O certo é que no organograma constitucional brasileiro, o Supremo Tribunal Federal

cumpre três funções básicas: corte constitucional, instância recursal e órgão originário. Age

como corte na sua função de tribunal constitucional, especialmente no controle de

constitucionalidade de leis e atos normativos; como instância recursal, a partir de casos

concretos que ali aportam, quando provocado para apreciar pronunciamentos judiciais

prolatados por instâncias inferiores do Judiciário; e, também, como órgão originário, naquelas

Page 14: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

13

situações em que o STF funciona como corte de instância única em conflitos individuais, a

exemplo de causas movidas em face do Presidente da República.

Ter conhecimento sobre o que o Supremo Tribunal Federal decidiu e os fundamentos

utilizados na decisão constituem o primeiro passo para que o sistema de precedentes tenha

êxito no sistema jurídico brasileiro.

A sociedade tem cobrado incessantemente do Poder Judiciário, especialmente do STF,

a prestação jurisdicional mais condizente com a realidade social e também uniformidade e

previsibilidade em seu discurso, à luz do princípio da segurança jurídica e da efetividade dos

direitos fundamentais, a partir dos elementos éticos e morais que devem permear a

administração pública.

Entende-se o Direito como a resposta racional esperada, servindo como reprimenda a

toda violência da sociedade e os juízes não devem decidir, ao seu alvedrio, mas aplicando o

Direito, buscando-se a justiça no caso concreto. O intérprete deve estar atrelado à objetividade

do Direito, cumprindo a função que a constituição lhe prescreve, no controle de

constitucionalidade das leis e no campo do devido processo legal.

Como é sabido, o homem vive em sociedade e de igual modo não pode haver

sociedade sem o Direito. A vida em coletividade normalmente gera conflitos, em virtude da

constante ação de pessoas em relação às outras, consideradas membros dessa comunidade,

imprimindo um choque entre os interesses, motivado pela escassez de bens necessários à

satisfação das necessidades e pretensões de todos, gerando assim tais desavenças.

Os conflitos são oriundos de desigualdades sociais motivadas por problemas

históricos, políticos e econômicos. Essas lides tanto podem ser resolvidas por meios judiciais

(tutela jurisdicional) ou através de mecanismos extrajudiciais (como a mediação e a

conciliação).

O provir do Direito vem do fato social, porque não tem como ignorar as normas

jurídicas, ou seja, são elas que irão descartar ou reprimir qualquer ato do indivíduo contrário

ao convívio social. O que se percebe com esta afirmação é que as regras do Direito estão

atreladas à sociedade e vice-versa e essa interdependência é que manterá o equilíbrio entre os

conflitos e a ordem social.

Assim, desponta o Direito como instrumento de controle social e de regulação desses

conflitos, ordenando comportamentos e a vida em sociedade, por meio de seu sistema de

regras e princípios, protegendo e assegurando a liberdade do indivíduo, remetendo-a ao

Page 15: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

14

interesse coletivo. O Direito visa regulamentar as relações intersubjetivas, dando-lhes

segurança, estabilidade e previsibilidade.

Compete ao Poder Judiciário dar garantias e efetivar o respeito pleno aos direitos

humanos fundamentais, não podendo a lei excluir a apreciação de demandas por aquele,

ocorrendo lesão ou ameaça a direito. Destaca-se como relevante missão conferida ao Supremo

Tribunal Federal o controle de constitucionalidade das leis, garantindo-se a efetivação de

direitos fundamentais e uma vida digna.

No sistema brasileiro, é função primordial do Poder Judiciário dar interpretação à

constituição, uniformizando a sua aplicação em todo o país, especialmente por meio do STF.

O Supremo Tribunal Federal, com o fito de agir de forma adequada a alcançar a

unidade do direito, deve proceder à interpretação de forma lógico-argumentativa,

universalizável e coerente com os textos constitucionais.

A racionalidade do sistema é o motivo principal para uma teoria dos precedentes,

devendo o Supremo Tribunal Federal assumir a sua função de tribunal de interpretação, dando

sentido ao direito constitucional, tutelando-se a isonomia e a segurança jurídica. O que se

percebe na prática é o desvirtuamento desse munus, em algumas situações.

O processo brasileiro tem a responsabilidade de solucionar casos concretos por meio

de pronunciamento judicial justo para as partes, como também deve estar atento a promover a

unidade do direito com a criação de precedentes.

Posto isto, são levantadas como situações-problemas para este estudo reflexivo e de

produção teórica as seguintes formulações interrogativas: Qual o papel que tem

desempenhado o Supremo Tribunal Federal no Estado Democrático de Direito? O Supremo

tem-se preocupado com a implementação de teses jurídicas em suas decisões judiciais? As

decisões prolatadas pelo STF têm comprometido o processo hermenêutico de

individualização do Direito?

Buscando construir um campo de hipóteses que pudessem responder, a priori,

efetivamente aos questionamentos acima expostos, foram forjadas possibilidades de

conjecturas.

A primeira delas a ser testada no decurso deste trabalho é que, tomando como alicerce

reflexivo a geografia do “engessamento” do discurso judicial, identifica-se que a utilização de

Page 16: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

15

precedentes pode gerar um ordenamento jurídico de cunho interpretativo estático e desprovido

de legitimidade social.

Como segunda hipótese, vê-se a emissão de enunciados normativos com uma

instrumentalidade sem compromisso com a prática do direito e da justiça nos casos aportados

ao Judiciário.

A terceira hipótese, configurando-se como consequência da anterior, apresenta uma

possível incoerência nos julgamentos da corte suprema constitucional, restringindo-se a

isonomia, o acesso à justiça, a segurança jurídica e a previsibilidade das decisões judiciais. A

argumentação por vezes utilizada dificulta a individualização do direito e a justiça, por

estabelecer regramentos amplos e abstratos como a lei.

A quarta hipótese formulada é que o perfil decisório da Suprema Corte tem passado

por contínua mudança comportamental, demonstrando preocupação não somente com análise

de pretensões recursais concretas, mas também com construção de teses jurídicas de

observância obrigatória pelas demais instâncias judiciárias, em circunstâncias semelhantes, de

forma a racionalizar a jurisdição.

Como quinta hipótese, o modelo de precedentes obrigatórios é imprescindível para

garantir o papel dos princípios jurídicos, enquadrados como espécie normativa, dentro da

concepção de um Estado democrático de direito constitucional.

Como última hipótese, pode-se asseverar que o acesso à justiça e a segurança jurídica

constituem-se garantias fundamentais imprescindíveis à efetivação da tutela jurisdicional e

para a materialização procedimental de uma vida digna no Estado Democrático de Direito.

Vale salientar que o objetivo geral deste campo investigativo e científico na seara

jurídica será o de compreender o território hermenêutico do Direito, refletindo sobre o

processo decisório no Supremo Tribunal Federal à luz dos precedentes judiciais ali criados.

Para que haja a efetiva compreensão, com clara conjectura reflexiva do objeto de

estudo, serão perseguidos os seguintes objetivos específicos no processo de construção textual

desta tese: 1) Refletir sobre o Estado Constitucional de Direito; 2) Revisitar a teoria dos

precedentes judiciais, no que diz respeito às tradições jurídicas, à funcionalidade no direito

comparado e suas especificidades; 3) Analisar o regime jurídico dos precedentes no

ordenamento processual civil brasileiro; 4) Demonstrar o processo de aplicação dos

precedentes no Supremo Tribunal Federal em prol da consolidação de direitos; e 5) Selecionar

e proceder ao exame crítico de decisões do STF à luz do discurso jurídico.

Page 17: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

16

O presente trabalho tem também por finalidade contribuir de alguma forma para o

debate sobre a teoria geral dos precedentes, mostrando os pontos mais relevantes do tema e

direcionando uma compreensão adequada sobre os pronunciamentos vinculantes descritos no

ordenamento jurídico pátrio.

Preocupa-se também a pesquisa em fazer um diagnóstico sobre a arbitrária e

discricionária promoção de juízos de valor na criação de precedentes pelos tribunais,

notadamente a sua aplicação pelo STF, o qual deve dar exemplo na construção de processo

hermenêutico e jurisprudencial forte e delineado pela legalidade. O que algumas vezes não

acontece, envolvendo-se a corte constitucional em questões políticas, com brigas internas

entre seus ministros, aflorando-se o ego de alguns e esquecendo-se do papel fundamental de

dar unicidade ao Direito e coerência aos seus julgados.

Justifica-se o presente estudo com o entendimento da sistemática do processo

hermenêutico, a partir do discurso jurídico protagonizado nas decisões do STF no que tange à

interpretação, à aplicação e à unidade do Direito, com a formulação de precedentes em alguns

momentos sem nenhum critério formal ou racionalidade jurídica na construção de teses, o que

pode causar o enrijecimento exacerbado da atividade interpretativa em questões

constitucionais.

No arcabouço da fundamentação teórica, a partir do diálogo do entendimento de

autores e obras referenciados nesta tese sobre a temática aqui abordada, fora utilizado o

paradigma do neoprocessualismo, em que o acesso à justiça passa a ser compreendido,

interpretado e aplicado com base na ótica substancial e axiológica dos direitos fundamentais,

positivados em tratados internacionais e nas constituições.

Surge, com isso, o direito de ação, que é a faculdade de provocar a atividade

jurisdicional. Nessa ótica, a ação consiste em verdadeiro direito fundamental, de cunho

abstrato, com notável amplitude e complexidade, donde derivam muitos outros direitos.

Entende-se o princípio do acesso à justiça como elemento conformador na efetividade dos

direitos fundamentais, onde todos os cidadãos podem efetivamente fazer valer seus direitos.

Não se entende a jurisdição num viés que não observe a sua dinâmica processual,

porquanto o êxito da tarefa de julgar é ligado inteiramente ao meio instrumental com o qual

lida, ou seja, à técnica processual e procedimental, à estrutura fática, à atuação dos auxiliares

do juízo e ao comportamento do magistrado.

Page 18: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

17

Nesse contexto, a hermenêutica jurídica é uma disciplina de real importância e

interessa àqueles que se proponham a entrar no mundo do Direito, uma vez que a aplicação

das normas jurídicas não prescinde de interpretação.

Trata-se de ciência que estabelece as regras e os métodos que servirão de uso na

interpretação da norma, objetivando determinar-lhe o sentido real esperado pelo ordenamento

jurídico em que se encontra incluída tal norma jurídica. Trazer à discussão precedentes,

jurisprudência e decisões judiciais é reportar-se ao âmbito da questão hermenêutica.

No mundo jurídico, hermenêutica e interpretação são exemplos de entrelaçamento

entre aplicações e princípios. Enquanto que a hermenêutica tem base teórica e constitui

princípios, mecanismos, preceitos, informação geral, a interpretação é prática, aplicando tais

orientações. Não são semelhantes tais conceitos, apesar de muito frequente o uso

indiscriminado de ambos. A interpretação utiliza-se de ensinamentos hermenêuticos. A

hermenêutica tem como foco o estudo e a sistematização de critérios aplicáveis na

interpretação de regras legais.

Assim, cabe ao juiz utilizar-se de raciocínio coerente e sistemático no procedimento

hermenêutico, inspirado no ideal de justiça recepcionado pelo texto constitucional.

A norma é consequência da interpretação. A definição da norma de decisão no caso

sub judice fica a cargo do magistrado. A realização do direito é operacionalizada em duas

etapas: o viés interpretativo do texto até a norma jurídica e o segundo momento partindo da

norma jurídica até chegar a norma de decisão solucionadora do caso, utilizando-se dos

critérios da proporcionalidade e da razoabilidade, com a prudência que o caso requer e atento

às consequências daí advindas.

Cumpre também abordar a clássica distinção entre texto e norma, uma vez que se verá

que interpretar é compreender o significado da norma jurídica vertida em um texto. Daí que

definir um e outro torna-se relevante à sistematização das ideias aqui apresentadas.

O juiz brasileiro, de primeira instância, ao resolver os casos concretos, tem o poder de

não aplicar a lei que está em desconformidade com a constituição, na sua função de controle

de constitucionalidade. A última e definitiva palavra cabe ao Supremo Tribunal Federal,

guardião dos ditames constitucionais. Isso o diferencia de muitos países da Europa

Continental, em que tal atribuição não é conferida ao juiz ordinário.

Vê-se ainda que o Poder Judiciário, a exemplo do STF, transforma-se, por vezes, em

um produtor de insegurança jurídica, emitindo normas jurídicas na forma de precedentes, sem

Page 19: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

18

a interpretação correta da norma e do fato, ficando ao sabor do momento político vivenciado

pelo país, com perda da credibilidade junto aos jurisdicionados, alterando seus precedentes

sem fundamentação plausível, incorrendo em desrespeito à isonomia, à coerência, à

integridade e à uniformidade na interpretação do direito.

Afirma-se que com o neoconstitucionalismo e com a atividade do juiz por meio de

efetivação das regras abertas originou-se o modelo de magistrado mais atento ao controle de

constitucionalidade das leis e à concretização de direitos.

O princípio da legalidade, antes de fundamentação apenas formal, passa a ter

configuração material, com aderência ao conteúdo da legislação. A lei deve ser aplicada em

conformidade com os direitos fundamentais. Essa função exercitada pelo juiz muito se

confunde com o modelo do julgador da tradição do common law, a exemplo do direito

estadunidense e inglês.

Necessário entender que a segurança jurídica, muito forte no civil law por conta da

estrita aplicabilidade da lei, não tem como se afastar do sistema de precedentes, onde casos

iguais devem ser julgados do mesmo modo, dando racionalidade ao direito. Esse sistema não

é restrito ao desenvolvimento do direito do common law.

Não se nega aqui que um dos avanços do Código de Processo Civil/2015 vem a ser o

encadeamento dogmático de um sistema de precedentes obrigatórios. A igualdade, a coesão, a

segurança jurídica e a previsibilidade dos decisórios jurisdicionais revelam as principais

motivações para a implementação desse sistema.

Decidir tendo como baliza os precedentes judiciais traz para o julgador carga maior de

atenção e responsabilidade, exigindo apreciação criteriosa dos fatos e da questão de direito,

objeto do caso atual e sua correspondência com o processo anterior.

A Constituição Federal de 1988 deu proteção especial aos direitos, ao afirmar que as

normas definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicabilidade imediata (art. 5º,

parágrafo 1º), inserindo-os também como cláusulas pétreas (art. 60, parágrafo 4º, IV),

protegendo-os do legislador ordinário e do poder constituinte derivado. Por outro lado, o

artigo 5º, parágrafo 2º, permite outros direitos, mesmo que não expressamente previstos na

CF, também considerados fundamentais, tratando-se, pois, de cláusula aberta.

Cumpre distinguir direitos fundamentais e direitos humanos. Aqueles se referem aos

direitos da pessoa, reconhecidos juridicamente no âmbito do Direito Constitucional de um

Page 20: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

19

Estado, ao tempo em que estes tem relação direta com os documentos de Direito

Internacional.

Nesse sentido, traz-se à tona o princípio da dignidade da pessoa humana, tratando-se

de um núcleo ao redor do qual são atraídos os direitos. Essa dignidade é protegida pela

Constituição Federal de 1988, por meio dos direitos fundamentais, conferindo sistematização

a esses interesses. Trata-se de valor constitucional supremo, considerado o centro axiológico

da Carta Magna.

No caso brasileiro, esse princípio encontra-se assentado no artigo 1º, inciso III, da

Constituição Federal, sendo alçado a fundamento da República. Tem-se, assim, um

compromisso formalmente assentado na constituição. Nos casos de lesão a deveres e direitos

advindos da dignidade da pessoa humana, verificar-se-á a situação concreta de atuação dos

órgãos jurisdicionais, visando assegurar o cumprimento desse vetor constitucional.

O precedente constitui decisão judicial, prolatada em um processo prévio, que servirá

como alicerce para formação de outro pronunciamento jurisdicional, que vem a ser

posteriormente proferido.

A resposta estatal deve transcender o caso particular, devendo gerar efeitos normativos

para frente em casos análogos. Deve proporcionar conteúdo com a característica de

universalização e de especificação da regra jurídica.

Ressalta-se o aspecto caracterizador do precedente, de roupagem grandemente

coercitiva, extraindo-se daí o stare decisis, dando a conotação de que a decisão antecedente

cria o direito, impondo aos juízes a obrigação de conduzir-se, nos casos posteriores,

observando os julgamentos já prolatados em situações pretéritas parecidas.

Tem-se assim que o precedente não deve ser entendido como norma pronta e

completa, que pode resolver vários casos por simples silogismo. Ele não se basta em si,

podendo ser interpretado, por maior que seja sua objetividade, tendo-se o cuidado de evitar

uma criatividade jurisdicional sem limites, a fim de não comprometer a racionalidade do

sistema jurídico.

Percebe-se que o Poder Judiciário brasileiro tem demonstrado preocupação pela

resolução mais célere e eficaz das demandas levadas a ele e a utilização de precedentes pode

possibilitar esse desenvolvimento, oferecendo tratamento isonômico para as partes

processuais em situações semelhantes, no que tange aos fatos principais.

Page 21: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

20

Assim sendo, os caminhos teóricos serão percorridos pelo pesquisador para encontrar

as soluções das perguntas levantadas na formulação do problema, com respeito aos

pensamentos divergentes.

No que se refere ao plano de trabalho, esta tese foi fracionada em cinco partes.

Apresentar-se-á no capítulo 2 o desenvolvimento de algumas reflexões sobre o Estado

Constitucional de Direito, com a análise da dignidade da pessoa humana, do processo judicial

como meio democrático e legítimo e dos princípios da segurança jurídica e do acesso à

justiça, estes últimos como razões essenciais para o sistema de precedentes.

No capítulo 3, travar-se-á discussão sobre a teoria geral dos precedentes judiciais, sua

relação com as tradições jurídicas do common law e do civil law, conceito, natureza jurídica e

eficácia, observância no direito comparado, além de tecer críticas sobre razões favoráveis e

contrárias aos precedentes obrigatórios.

No capítulo 4, demonstrar-se-á a dinâmica do precedente no ordenamento jurídico

brasileiro, trazendo ao contexto os deveres institucionais dos tribunais, o rol de decisões

vinculantes e as técnicas de utilização aqui vivenciadas.

No capítulo 5, o trabalho tratará de contextualizar o procedimento hermenêutico e

aplicação de precedentes no Supremo Tribunal Federal, fazendo um estudo sobre o controle

de constitucionalidade, súmulas vinculantes e demais enunciados sumulares, recursos

extraordinários repetitivos e a reclamação constitucional.

Por final, no capítulo 6, proceder-se-á à criticidade de alguns decisórios do Supremo

Tribunal Federal, seu papel jurisdicional e como tribunal ativista frente aos novos desafios

sociais, elegendo-se como decisão inicial paradigmática a contida no julgamento do HC nº

126.292/SP, que trata da execução provisória da pena e presunção de inocência, no que tange

especialmente ao discurso jurídico ali empregado, se coerente ou não.

Vale ressaltar que esse julgado não fora escolhido pela importância ou repercussão na

sociedade. Serve apenas para demonstrar as linhas argumentativas decisórias do STF, em

casos difíceis e o diálogo com as decisões anteriores ali prolatadas.

O HC nº 126.292/SP e outros decisórios posteriores sobre a mesma matéria refletem o

ativismo forte do tribunal, tanto no que se refere à influência da decisão do Supremo na

interpretação da lei, com a formação de precedentes e uso dos métodos hermenêuticos, quanto

à efervescência desses pronunciamentos na mídia e nas instâncias ordinárias.

Page 22: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

21

De outro ponto, a generalidade das situações que rodeiam as relações sociais na

atualidade exige um comportamento flexível do pesquisador a respeito do raciocínio ou

método de pesquisa empregado.

Na construção da adequação metodológica da presente tese utilizou-se como método

de abordagem o hipotético-dedutivo, que parte de um problema, ao qual se oferece uma

espécie de solução provisória (hipótese), e, com base na teoria-tentativa, passa-se a criticar a

solução previamente colocada, buscando expurgar o equívoco.

Por sua vez, o método de procedimento foi o jurídico-comparativo, pois foram

identificadas similitudes e diferenças da temática proposta em dois ou mais sistemas jurídicos.

Não apenas se exporá o problema, mas desenvolverá a pesquisa compreensiva e calcada no

estudo comparado.

Realizou-se uma pesquisa exploratória, que utiliza o levantamento bibliográfico e a

análise de exemplos como facilitadores da compreensão do tema. Ademais, empregou-se a

pesquisa documental, desenvolvida com base em materiais que ainda não receberam

tratamento analítico, bem como por intermédio de elementos já elaborados, como livros,

artigos científicos, publicações periódicas e impressos diversos.

Page 23: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

22

2 ESTADO CONSTITUCIONAL DE DIREITO

O tempo atual vem sendo nutrido por várias transformações sociais. Por consequência,

o Direito tem vivenciado grave crise que o impede de desincumbir-se de sua função de

proporcionar justiça e segurança jurídica às relações.

Destarte, a sociedade está experimentando novo Direito Constitucional, chamado de

neoconstitucionalismo.1 No plano teórico, esse fenômeno reconhece a constituição como

instrumento que tem força normativa própria, expandindo-se a medida da jurisdição

constitucional por meio de hermenêutica apropriada às novas exigências processuais.

Com isso, os juízes deixaram de ser meros aplicadores das leis e passaram também a

ser fonte de criação do direito. Nesse pensamento, os magistrados, como intérpretes do texto

constitucional, tornam efetivos os direitos fundamentais nele inseridos.

Revela-se o neoconstitucionalismo como nova forma de compreensão da realidade,

justificando a alteração do paradigma, de Estado Legislativo para um Estado Constitucional

de Direito, trazendo a constituição para o centro do sistema jurídico, com força vinculante e

caráter de obrigatoriedade, com supremacia no ordenamento jurídico e grande força

valorativa.2

No cenário brasileiro, a partir do texto constitucional de 1988, a constitucionalização

do direito tem visibilidade real, onde as normas constitucionais e seus valores (principalmente

os relacionados à implementação do acesso à justiça, da dignidade da pessoa humana e dos

direitos humanos fundamentais) são argumentos utilizados para a interpretação e aplicação do

Direito como um todo, fazendo parte da decisão jurisdicional, seja em processos envolvendo

conflitos menos complexos, como também em grandes lides.

Como ressalta Lênio Luiz Streck, o Direito (e, por óbvio, a constituição como sua

expressão máxima) deve ser visto hoje como campo necessário de luta para implantação das

1 Segundo Eduardo Cambi, neoconstitucionalismo é um movimento que sugere uma nova metodologia jurídica

atrelada “à realização do Estado Democrático de Direito, por intermédio da efetivação dos direitos fundamentais

de todos.” (CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais, políticas

públicas e protagonismo judiciário. São Paulo: Almedina, 2016, p. 28). 2 CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. rev. ampl. e atualizada. Salvador: Jus

Podivm, 2011, p. 40.

Page 24: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

23

promessas modernas (igualdade, justiça social, respeito aos direitos fundamentais, dentre

outras).3

Vê-se, concordando com o autor ora citado, que o conteúdo da constituição brasileira

de 1988 perfaz-se no resgate das promessas da modernidade, dando-se relevo à eficácia e

aplicabilidade das normas que instituem os direitos sociais, econômicos e culturais.

Os princípios assumem lugar de destaque, pois são normas que possuem grau amplo

de abstração e generalidade, que informam as ideias e valores fundamentais encontrados por

todo o ordenamento jurídico.

Eduardo Cambi4 explica que a Constituição

[...] deve ser concebida não como um conjunto fechado e estático de normas

jurídicas, mas como um processo público aberto e evolutivo. Tal abertura do sistema

constitucional, provocada pelos valores e princípios jurídicos, exige um novo

raciocínio jurídico, de maior justificação, não sendo suficiente argumentar com a

autoridade do órgão que emana a regra nem com a observância formal do

procedimento legal, sendo imprescindível examinar e valorar os conteúdos

substanciais que suportam as normas jurídicas.

Assiste razão a Cambi, pois o processo civil moderno exige nova teorização da norma,

com o entrelaçamento das regras e princípios, por meio da interpretação do direito não

automática e mecânica, nem arbitrária, devendo deixar claro os motivos determinantes da

decisão judicial, de forma que haja clareza para toda a comunidade jurídica.

Os operadores jurídicos (juízes, promotores, defensores, advogados) devem fazer

cumprir a legislação processual civil, a qual determina que o processo, como instrumento de

materialização da jurisdição, tem que seguir o seu procedimento, sua disciplina e sua

interpretação em conformidade com as normas fundamentais prescritas na Carta Magna,

promovendo eficiência e eficácia ao sistema.

Para este estudo, numa perspectiva filosófico-jurídica, são desvelados os dois

princípios que sustentam o balizamento lógico da análise dos fundamentos da ordem

jurídico-constitucional - o Estado de Direito e a Dignidade Humana – ambos com eficácia

normativa vinculante e de aplicabilidade imediata.

3 STRECK, Lênio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: uma Nova Crítica do Direito. Porto

Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 29. 4 CAMBI, Eduardo. 2016, op. cit., p. 113.

Page 25: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

24

2.1 ESTADO DE DIREITO E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: POSTULADOS

ESTRUTURANTES E CONFORMADORES DA ORDEM

JURÍDICO-CONSTITUCIONAL

O primeiro princípio, o Estado de Direito, tal como consagrado na CF (Art. 1º), é,

portanto, sempre, um Estado Constitucional e um Estado Democrático de Direito,

fundamentando o constitucionalismo contemporâneo, o qual tem o objetivo de concretizar os

postulados da democracia, que tem como base a soberania popular.

Cabe aqui inserir a lição de Gomes Canotilho, que também se aplica ao ordenamento

brasileiro, na ideia de que o princípio do Estado de Direito é “um princípio constitutivo, de

natureza material, procedimental e formal [...] que visa dar resposta ao problema do conteúdo,

extensão e modo de proceder da atividade do Estado”5.

Entende-se o Estado de Direito pela submissão do poder estatal ao ordenamento

jurídico vigente, objetivando-se promover a segurança jurídica aos cidadãos.

Há uma relação direta com o princípio da legalidade, destacando-se o papel da lei, não

somente por sua formalidade de ato abstrato e com caráter de generalidade e força obrigatória,

mas também por sua conduta de influenciar na transformação da sociedade e na realização

dos valores morais e éticos do ser humano, com conteúdo submetido à constituição, para ser

considerada válida.

Ingo Sarlet sublinha que o “Estado de Direito o é tanto em sentido formal quanto

material, já que os dois esteios se fazem indispensáveis e se complementam e reforçam

mutuamente”6.

Para esse autor,

O Estado formal de Direito (ou em sentido formal) já se configura mediante a

previsão e garantia de uma divisão (separação) de poderes, a legalidade da

administração pública, a garantia de acesso à justiça e independência judicial no

plano do controle dos atos administrativos, bem como a pretensão por parte do

particular de ser indenizado quando de uma intervenção estatal indevida no âmbito

de sua esfera patrimonial.

[…] Por outro lado, a noção de Estado material de Direito (ou em sentido material)

exige que a legalidade esteja orientada (e vinculada) por parâmetros materiais

superiores e que informam a ordem jurídica e a ação estatal, papel que é exercido

5 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 3. ed. Coimbra:

Almedina, 1999, p. 243. 6 SARLET, Ingo; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. 4. ed.

ampl., incluindo novo capítulo sobre princípios fundamentais – São Paulo: Saraiva, 2015, p. 272.

Page 26: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

25

por princípios jurídicos gerais e estruturantes e pela vinculação do poder público

(dos agentes e dos seus atos) a um conjunto de direitos e garantias fundamentais.7

O contemporâneo Estado de Direito tem relação direta com o Estado de Direitos

Fundamentais, servindo este como parâmetro principal de validade do ordenamento jurídico

em sua totalidade.

Posto isto, cabe aqui citar como norteadores deste estudo os elementos que integram e

qualificam o Estado de Direito segundo o autor acima:

O primado do Direito [...]; reconhecimento e proteção de direitos e garantias

fundamentais[...]; o princípio da separação de poderes [...]; o princípio geral da

segurança jurídica [...]; a responsabilidade do Estado [...]; a garantia da proteção

judiciária (acesso à justiça efetiva) [...]8

O primado do Direito constitui-se na convivência e articulação dos princípios da

constitucionalidade e da legalidade (incluindo a reserva legal), onde o legislador ordinário

deve respeitar os ditames constitucionais. Os poderes Executivo e Judiciário, ao interpretar e

aplicar as leis, devem conformá-las com a constituição.

Já o reconhecimento e proteção de direitos e garantias fundamentais dizem respeito à

dicção do Estado de Direito como Estado material de Direito nas suas diferentes concepções,

especialmente como social e democrático, podendo ser exigidos prestações positivas em face

do ente estatal. Tem-se em relevo a garantia dos direitos fundamentais, proporcionando aos

cidadãos o direito subjetivo de acionarem o Poder Judiciário, quando se sentirem lesados ou

ameaçados em seus interesses.

No que alude ao princípio da separação de poderes o jurista faz referência ao fato de

que

[…] Os três poderes (órgãos e funções) estatais se caracterizam por uma atuação

conjunta e voltada à consecução dos objetivos constitucionais, atuação que se dá de

forma desconcentrada, racional e juridicamente limitada por esferas de competência

próprias e mecanismos de controle recíprocos.9

Vê-se, assim, uma distribuição de funções entre os três Poderes estatais (Executivo,

Legislativo e Judiciário), aliado ao fato de que o poder é uno e indivisível, não existindo

7 SARLET; MARINONI; MITIDIERO. 2015, op. cit., p. 272. 8 SARLET; MARINONI; MITIDIERO. 2015, op. cit., p. 273-280. 9 SARLET; MARINONI; MITIDIERO. 2015, op. cit., p. 276.

Page 27: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

26

hierarquia funcional entre eles, com as competências estabelecidas na constituição,

exercendo-as de forma conjunta, racional e em controle recíproco e limitado pela lei.

Sobre o princípio geral da segurança jurídica, conquanto não esteja taxado de forma

explícita na constituição, é mister externar que ele constitui elemento relevante ao

entendimento da própria concepção de Estado de Direito, assumindo a dupla condição de

direito e garantia fundamental, prevendo estabilidade ao ordenamento jurídico e

relacionando-se diretamente com o princípio democrático, do Estado social, da divisão de

poderes, da igualdade, da liberdade e da própria dignidade da pessoa humana. Por conta disso,

será adiante visto de forma mais detalhada.

Com referência ao elemento da responsabilidade do Estado, o que pode ser dito a

priori é que ele se afigura como peculiaridade essencial ao Estado de Direito, tendo em vista

que essa característica impõe a existência de sistema jurídico-público de responsabilidade

estatal, mas da mesma forma,

[…] implicando um dever de reparação dos prejuízos causados pelos órgãos estatais

[...], mas também um dever de indenização de determinados sacrifícios impostos aos

cidadãos, como é o caso da previsão de uma indenização justa por conta de

expropriações levadas a efeito pelo poder público.10

O Estado e seus agentes públicos devem ser responsabilizados por seus atos, sejam

eles omissivos ou comissivos, que venham a afetar o patrimônio e posições jurídicas de

vantagem dos cidadãos, tendo, em regra, responsabilidade objetiva, com fundamento no artigo

37, par. 6º, da CF e em legislação infraconstitucional.

Conforme posicionamento predominante na doutrina e em precedentes judiciais, essa

responsabilidade objetiva estatal exige a comprovação de três pressupostos: ação ou omissão

pública, prejuízo a terceiros e a relação de causalidade entre a conduta e o dano causado.

Quanto ao elemento da garantia da proteção judiciária (acesso à justiça) do

jurisdicionado, pode-se afirmar que representa um dos pilares e imposições centrais do Estado

Democrático de Direito, no que concerne ao acesso ao Judiciário e também ao respeito às

garantias constitucionais e processuais, a exemplo do devido processo legal, do contraditório

e da ampla defesa, da publicidade e da motivação dos atos processuais.

10 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. 1999, op. cit., p. 278.

Page 28: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

27

Como fundamentação teórica para o desvelamento do que seja essa garantia é

oportuno trazer à discussão o excerto analítico exposto por Ingo Sarlet ao afirmar que

“o Estado de Direito não deve, portanto, limitar-se a ser um Estado que reconhece um sistema

de direitos fundamentais, como de ser um Estado no âmbito do qual os direitos são efetivos

inclusive em face e contra o próprio poder estatal”11.

O segundo alicerce lógico da análise dos fundamentos da ordem constitucional pátria é

a Dignidade da Pessoa Humana, que se encontra positivada no art. 1º, inciso III, da Carta

Magna12.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, do ano de 1948, no seu

preâmbulo, reconheceu a dignidade relativa a todo o ser humano com fulcro na liberdade, na

justiça e na paz mundial, descrevendo em seu art. 1º que “Todas as pessoas nascem livres e

iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação

umas às outras com espírito de fraternidade”. Trata-se assim de escrito histórico, servindo de

alicerce aos direitos humanos.

Verifica-se que as constituições não descrevem o conteúdo da dignidade nem

informam seu campo de proteção jurídica. Cabem à doutrina e à jurisprudência definirem as

bases do conceito jurídico de dignidade, sem o interesse de fazê-lo em definitivo, dado

tratar-se de instituto de densidade aberta.

A dignidade humana, a partir da influência do pós-positivismo, tornou-se modelo de

justiça material, sendo invocada pelos cidadãos de forma concreta nas ações que chegam ao

Judiciário, sob o manto de se buscar o direito justo, sendo norma que embasa o

reconhecimento de direitos humanos fundamentais.

Sobre esse assunto, Ricardo Maurício13 assim se pronuncia:

[...] o princípio ético-jurídico da dignidade da pessoa humana importa o

reconhecimento e a tutela de um espaço de integridade físico-moral a ser assegurado

a todas as pessoas por sua existência ontológica no mundo, relacionando-se tanto

com a manutenção das condições materiais de subsistência como com a preservação

dos valores espirituais de um indivíduo que sente, pensa e interage com o universo

circundante.

11 SARLET; MARINONI; MITIDIERO. 2015, op. cit., p. 279. 12 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 08 fev. 2018. O artigo

1º, inciso III, assim preceitua: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e

Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...];

III – a dignidade da pessoa humana; [...]”. 13 SOARES, Ricardo Maurício Freire. Elementos de teoria geral do direito. 2. ed. rev. atual. ampl. São Paulo:

Saraiva, 2015, p. 246.

Page 29: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

28

Pode-se dizer que se trata de reconhecer a todos os seres humanos alguns direitos

básicos – justamente os direitos considerados fundamentais, propiciando-lhes as condições

materiais mínimas para uma vida digna. Ressalta-se que a comunidade que acolhe os direitos

oriundos da dignidade humana revela-se uma sociedade que se nutre da justiça como valor.

Para Edilsom Pereira de Farias, “o princípio fundamental da dignidade da pessoa

humana cumpre um relevante papel na arquitetura constitucional: ele constitui a fonte

jurídico-positiva dos direitos fundamentais”14.

Essa proposição justifica a concretização dos direitos fundamentais elencados na

Constituição brasileira, que a partir de sua incorporação ao sistema jurídico constitucional,

sob o atributo de princípio estruturante e de critério interpretativo, dá unidade e coerência a

esses direitos, com a pretensão de concretude e eficácia.

Aqui se recorre à afirmação de Flademir Martins, para quem “o princípio da dignidade

da pessoa humana constitui a base, o alicerce, o fundamento da República e do Estado

Democrático de Direito por ela instituído”15.

A partir do texto da CF de 1988, nos âmbitos político-social e econômico-jurídico,

passou-se a entender como prioridade do Estado Constitucional o ser humano, em todas as

suas dimensões, como gênese de estímulo criativo e objetivo da administração pública. A

existência do Estado se corporifica em função da pessoa humana, a qual representa o fim

principal da atuação estatal.

É necessário salientar que a positivação da dignidade da pessoa humana, como

fundamento da República, e o rol exemplificativo de direitos fundamentais previstos na

Constituição brasileira não evidenciam, por si só, mera concessão do legislador constituinte,

mas sim realça a responsabilidade estatal de servir-se como instrumento para garantia desses

mesmos direitos, individual e coletivamente apresentados.

Kant16 afirma que todo indivíduo deve dispor de sua humanidade, tanto em favor de

sua própria pessoa, como direcionada à pessoa do outro, sempre como fim em si mesma e

nunca como meio, respeitando-o em sua dignidade. Ela é referenciada como valor

incondicional, sem comparação, centrada na autonomia da vontade.

14 FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de Direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a

liberdade de expressão e informação. 3. ed. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2008, p. 63. 15 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional

fundamental. 1. ed. (ano 2003), 7. reimpr. Curitiba: Juruá, 2012, p. 71-72. 16 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. De Paulo Quintela. Lisboa: Edições

70, 2005, p. 69.

Page 30: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

29

No entanto, Schopenhauer17 já proclamava, ironizando a ideia kantiana, justificando

que é vazia de sentido:

Esta expressão, dignidade humana, usada por Kant, tornou-se desde então o

lenga-lenga de todos os moralistas perplexos e cabeças-ocas, que escondem por trás

desta imponente expressão a sua incapacidade de estabelecer alguma base real para a

moral, ou de uma que faça algum sentido. Eles contam astuciosamente com o fato de

que seus leitores vão ficar contentes de se verem investidos nesta dignidade, e por

isso se darão por satisfeitos.

Nesse ínterim, cabe destacar aqui a importante tarefa desempenhada pelo princípio da

dignidade da pessoa humana, que deve proporcionar proteção integral ao ser humano,

tutelando direitos e liberdades, garantindo-se as necessidades materiais básicas para uma vida

digna.

O Direito e o Estado somente têm razão de ser se agirem em função da pessoa, e não o

inverso. Isso se refere a qualquer pessoa, independentemente de seu padrão social, ou de atos

que tenha praticado. Todos têm semelhante dignidade, são sujeitos capazes de tomarem

decisões e também de assumirem responsabilidades sociais.

O princípio da dignidade da pessoa humana foi referenciado na doutrina brasileira

como o “coração do patrimônio jurídico-moral da pessoa humana”18 e como a “norma das

normas dos direitos fundamentais”19.

Perfilha-se com a pragmática ideia de que o princípio da dignidade da pessoa humana

deve atuar como critério informador, numa situação real, em que ocorre a colisão de um

princípio fundamental com outros princípios também considerados essenciais.

Como realçou Habermas20, a dignidade da pessoa humana “forma algo como o portal

por meio do qual o conteúdo igualitário-universalista da moral é importado ao direito”.

Com isso, ao se interpretar esse princípio, deve-se ter em conta também a moral, que

servirá de norte para levar o intérprete a encontrar a solução mais justa entre as possibilidades

textuais e presentes no sistema jurídico.

17 SCHOPENHAUER, Arthur. On the Basis of Morality. Indianapolis: Hackett, 1965, p. 100. 18 ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. O princípio da dignidade da pessoa humana e a exclusão social. Revista

de Interesse Público, n. 4, 1999, p. 32. 19 BONAVIDES, Paulo. Prefácio. In: SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade (da pessoa) humana e direitos

fundamentais na Constituição Federal de 1988. 10ª ed., rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do

Advogado Editora, 2015, p. 18. 20 HABERMAS, Jürgen. O conceito de dignidade humana e a utopia realista dos direitos humanos. In:

_________. Sobre a constituição da Europa. Trad. Luis Werle, Luiz Repa e Rúrion Melo. São Paulo: Ed.

UNESP, 2012, p.17.

Page 31: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

30

Colaciona-se o conceito de dignidade da pessoa humana, com traço multidimensional,

tessitura aberta e com caráter inclusivo:

Assim sendo, temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e

distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito

e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um

complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra

todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as

condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e

promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência

e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito

aos demais seres que integram a rede da vida.21

A dignidade da pessoa humana reflete em si a integralidade de valores físicos e morais

que é resguardada a todo o indivíduo por estar no mundo, devendo ser tratado de igual forma

com respeito e consideração, livre de qualquer tentativa de aliciamento ou de ser concebido

como coisa no cenário social.

No que se refere à natureza jurídica da dignidade da pessoa humana, o constituinte

brasileiro enquadrou-a como princípio jurídico fundamental, deslocando-a do rol dos direitos

fundamentais, conferindo direitos subjetivos negativos (não violação da dignidade) e

positivos (promoção e proteção da dignidade), inclusive com conteúdo prestacional diante do

Estado. Foi a primeira vez que o texto constitucional brasileiro tratou desse paradigma,

constituindo o pressuposto essencial para legitimar a ordem jurídica.

Vale dizer que não é somente obrigação do Estado promover medidas de proteção e

respeito a esse princípio, mas também contempla todas as organizações privadas, os

particulares e a sociedade em geral. O dever de cuidado imposto pelo ordenamento

jurídico-positivo envolve inclusive a proteção do indivíduo em face de si mesmo, que atenta

contra sua própria dignidade, por motivos diversos.

Nesse viés, Pérez Luño22 explica: “a dignidade da pessoa humana constitui não apenas

a garantia negativa de que a pessoa não será objeto de ofensas ou humilhações, mas implica,

também, num sentido positivo, o pleno desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo”.

Ficou clara a intenção do constituinte de conferir aos princípios fundamentais a

natureza de normas matrizes e informadoras de todo o sistema constitucional, principalmente

21 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade (da pessoa) humana e direitos fundamentais na Constituição

Federal de 1988. 10ª ed., rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2015, p. 70-71. 22 PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique. Derechos Humanos, Estado de Decrecho y Constitución. 5ª ed. Madrid:

Tecnos, 1995, p. 318.

Page 32: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

31

em relação às normas que definem os direitos e garantias fundamentais, que de igual forma

formam o núcleo principal da Constituição Federal de 1988.

Convém discorrer que em outros capítulos da Lei Fundamental a dignidade da pessoa

humana foi ventilada, dispensando-se atenção especial pelo legislador nos artigos 170, caput

(a ordem econômica tem por objetivo garantir a todos uma vida digna); 226, par. 7º (fixou o

planejamento familiar nos postulados da dignidade e da paternidade responsável); 227, caput

(resguardou à criança e ao adolescente esse direito) e, por último, no art. 230 (quando tratou

do direito dos idosos em ser amparados, com a defesa de sua dignidade e bem-estar social).

Como bem acentuou Jorge Miranda23, a constituição, ante a sua natureza

compromissária, dispõe de uma lógica de sentido, de importância e de conformidade prática

aos direitos fundamentais, que, por consequência, a partir do princípio da dignidade humana,

concebe o ser humano como fundamento e finalidade do Estado e da comunidade em geral.

Há interdependência envolvendo a dignidade da pessoa humana e os direitos humanos

fundamentais, uma vez que é por meio desses direitos internamente considerados que a

dignidade encontra-se garantida.

Para Luhmann24, da mesma forma que a liberdade, a pessoa consegue sua dignidade

por meio de uma conduta autodeterminada e da formação exitosa da sua respectiva

identidade.

Segundo esse autor, as concepções de liberdade e dignidade representam

condicionantes essenciais para a autorrepresentação humana como pessoa individualmente

considerada, processando-se no contexto da sociedade.

Nessa toada, ressalta-se a importância da tutela jurídica estatal por meio do processo,

buscando-se a real concretude dos direitos fincados no ordenamento jurídico, atentando para a

eficácia das normas fundamentais da processualística pátria.

De outro ângulo, pode-se afirmar que os decisórios que não observam precedentes

sólidos dos tribunais superiores ocasionam de alguma forma restrições diretas ao princípio da

dignidade da pessoa humana. Fala-se de ofensa direta quando a decisão não acolhe o

precedente e não observa os pressupostos necessários para esse mister ou então quando não

23 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 3ª ed, vol. IV. Coimbra: Coimbra Editora, 2000,

p. 180. 24 LUHMANN, Niklas. Grundrechte als institution. 2ª ed. Berlim: Duncker e Humblot, 1974, p. 60.

Page 33: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

32

procede corretamente a modulação dos efeitos da decisão posterior, com repercussão negativa

na índole desse princípio.

Page 34: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

33

2.2 O PROCESSO COMO MECANISMO DEMOCRÁTICO DE CONSTRUÇÃO E

LEGITIMIDADE DO DIREITO

É sabido que até a Segunda grande Guerra Mundial a teoria jurídica era influenciada

pelo Estado Legislativo de Direito, em que a lei era a fonte principal de legitimação do

ordenamento posto, não dando azo à força normativa das constituições. Preocupava-se com o

direito em sua estrutura normativa, sem se ater aos valores e ao conteúdo. A validade da

norma estava atrelada à autoridade competente produtora da lei e não à feitura do valor

justiça.

A justiça ou a injustiça das normas jurídicas não seriam objeto de estudo da ciência do

Direito. O positivismo define o direito como aquele efetivamente oriundo das autoridades que

detêm o poder político de produzir as normas jurídicas e desde que a criação da regra tenha

ocorrido em conformidade com o procedimento legal para a edição normativa.

Essa teoria sustenta ainda a separação entre o direito e a moral. A interferência da

moral no direito não deve ser examinada pela teoria do direito, separando o estudo deste como

ele é da apreciação moral do intérprete a respeito de como o direito deve ser.

Na seara positivista, a atividade de interpretação traduz-se em processo lógico-formal

de subsumir o fato à norma que ali se aplica. Logo se vê que nos dias atuais não é mais

possível que o magistrado analise um caso concreto, dispondo o Direito apenas como

conjunto de regras, onde o juiz é a pessoa que proclama apenas as palavras da norma,

confundindo-se essa última com o texto legal.

Nesse sentido, Humberto Theodoro Junior25 acrescenta:

Desde Kelsen, no entanto, sabemos que a norma é mais do que o texto da lei; é, sim,

o sentido que se apreende do texto da lei. Isso torna a aplicação do Direito muito

mais capaz de lidar com a realidade dos fatos, uma vez que as prescrições legais

(hipotéticas, abstratas) nunca se encaixam perfeitamente no mundo dos fatos. Se, ao

invés de tomarmos que a lei possui apenas um sentido dado, compreendermos que a

norma jurídica é capaz de nos abrir um leque de interpretações possíveis, então o

sistema se expande para além dos estreitos limites da literalidade.

Com a crise do positivismo jurídico, abriu-se o debate a respeito da função e da

interpretação do direito, trazendo à lume as percepções sobre justiça e legitimidade para

25 THEODORO JUNIOR, Humberto et al. NOVO CPC – Fundamentos e Sistematização – 3ª ed. rev., atual. e

ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 57.

Page 35: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

34

melhor entendimento do sistema jurídico, nos sentidos axiológico e teleológico, sendo

concebido o ordenamento de forma mais dinâmica e aberto aos fatos e valores ético-políticos.

A partir daí, sobressaiu-se novo paradigma jusfilosófico denominado de pós-positivismo

jurídico.

Nessa leitura, Luís Roberto Barroso acentua:26

A superação histórica do jusnaturalismo e o fracasso político do positivismo abriram

caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acerca do Direito,

sua função social e sua interpretação. O pós-positivismo é a designação provisória e

genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das relações entre

valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica e a teoria dos

direitos fundamentais.

Esse novo tempo de abordagem do conhecimento tem procurado estreitar os laços

entre a moral e o direito, com a consequente aproximação da realidade social, recorrendo à

argumentação jurídica mais flexível e permeável à moral. A abertura do debate aos valores

éticos-políticos e ao mundo dos fatos desembocou nas denominadas teorias constitucionalistas

ou neoconstitucionalismo, como dimensão do pensamento pós-positivista no Direito

Constitucional.

Esse fenômeno neoconstitucionalista surgiu na Alemanha logo depois da Segunda

Guerra Mundial, abrangendo a Lei de Bonn (1949) e a criação do Tribunal Federal (1951). Na

Itália, com a Constituição (1947) e o Tribunal Constitucional (1956), como manifestação ao

nazismo e fascismo que existiam naqueles países. No caso brasileiro, apareceu com o declínio

do regime ditatorial e com a Constituição Federal de 1988, igualmente como em outros países

latinos.

Nesse viés, o Poder Judiciário assume importante papel no Estado contemporâneo,

com a implementação de novas técnicas hermenêuticas na interpretação do ordenamento

jurídico e a utilização de princípios, ao lado das regras, na resolução do caso concreto.

O juiz é o protagonista dessas teorias neoconstitucionalistas e considerado o guardião

dos valores constitucionais, com ponderações e releituras construtivas, exigindo-se

participação mais ativa e cooperativa no resultado da demanda judicial.

26 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009,

p. 327.

Page 36: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

35

O pensamento neoconstitucionalista desencadeou o surgimento do Estado

Constitucional de Direito, como protótipo jurídico, à luz das normas e valores constitucionais,

principalmente os inerentes aos direitos fundamentais, perpassando para os demais ramos

jurídicos.

Reconhece-se a constituição como norma jurídica, com força vinculante, compulsória

e dotada de supremacia, desempenhando papel nuclear no ordenamento jurídico, que além de

restringir a atuação dos poderes públicos, seus ditames refletem diretamente nas relações entre

os indivíduos.

Nessa esteira de pensamento, Daniel Sarmento e Cláudio Souza Neto aduzem27:

O fenômeno de constitucionalização do Direito teve causas diversas. Uma delas foi

a ampliação das tarefas das constituições, que, a partir do advento do Estado Social,

deixaram de tratar apenas da organização do Estado e da garantia de direitos

individuais, passando a disciplinar muitos outros temas, como a economia, a família,

o meio ambiente etc. Outra foi a sedimentação da ideia, acima explorada, de que a

Constituição é norma jurídica e não mera proclamação política, o que se relaciona

com a difusão e fortalecimento da jurisdição constitucional. Uma terceira foi o

surgimento de uma cultura jurídica que passou a valorizar cada vez mais os

princípios, vendo-os não mais como meios para integração de lacunas, mas como

normas jurídicas revestidas de grande importância no sistema, capazes de incidir

diretamente e de dirigir a interpretação de regras mais específicas.

No cenário brasileiro, a partir do texto constitucional de 1988, a constitucionalização

do direito tem visibilidade real, onde as normas constitucionais e seus valores (principalmente

os relacionados à implementação da dignidade da pessoa humana e aos direitos humanos

fundamentais) são argumentos utilizados para a interpretação e aplicação do direito, fazendo

parte da decisão jurisdicional.

Para Guastini28, com a constitucionalização do Direito, resultou em que a ordem

jurídica ficou muito impregnada pelas normas da constituição, que dão validade tanto à lei

como a jurisprudência e a doutrina, condicionando, inclusive, as atitudes dos protagonistas

políticos e as relações entre as pessoas.

O neoconstitucionalismo encontra-se ligado a diversos fenômenos, no campo prático e

no âmbito da dogmática jurídica, podendo ser discriminados da seguinte maneira: o

reconhecimento dos princípios como tipo de norma jurídica; a utilização de métodos mais

27 SOUZA NETO, Cláudio Pereira; SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional: Teoria, história e métodos de

trabalho. 2 ed, 2. Reimpressão. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2016, p. 44. 28 GUASTINI, Riccardo. La Constitucionalización del Ordenamiento Jurídico: el caso italiano. In:

CARBONELL, Miguel (Org.). Neoconstitucionalismo (s). Madrid: Editorial Trotta, 2003, p. 49.

Page 37: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

36

flexíveis do raciocínio jurídico, como a ponderação e a teoria argumentativa; a

constitucionalização do Direito; a conexão entre a moral e o direito e a judicialização das

políticas e dos interesses sociais, soerguendo-se o papel do Poder Judiciário nesse mister,

lançando-se mão dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade no campo da

interpretação judicial.

Na visão de Carla Faralli29, a abordagem do constitucionalismo é percebida sob três

argumentos. Em primeiro lugar, a interligação entre direito e moral, com a colocação de

elementos morais no ordenamento, consubstanciados nos princípios e nos direitos invioláveis

das pessoas. Como segundo aspecto, verifica-se a evidência dos procedimentos de aplicação

do direito, particularmente por conta do Poder Judiciário, no desenvolvimento de novos

métodos de decidir uma demanda, com a utilização do critério da ponderação dos princípios.

Por último, observa-se a vinculação do legislador aos princípios, no campo

político-constitucional, contando com o papel desenvolvido pelos magistrados na execução do

raciocínio jurídico, mesmo em confronto com as resoluções legislativas e com a legislação.

Já nas lições de Luís Roberto Barroso30, afirma-se que o neoconstitucionalismo teve

como marco histórico a implementação do Estado Constitucional de Direito; como marco

filosófico, o pensamento pós-positivista, trazendo ao debate a efetividade dos direitos

fundamentais e a aproximação do direito com os ditames da moralidade; e como marco

teórico, o entendimento da constituição como força normativa e o desenvolvimento de novo

discurso de interpretação constitucional.

Tem-se visto muitas críticas ao neoconstitucionalismo, fugindo-se à pretensão deste

trabalho esmiuçar todo o pensamento sobre esse fato. Claro, que todas as opiniões são

importantes, no sentido de buscar-se uma racionalidade e coerência para o sistema.

Assim, a título de informação, as críticas basicamente são as seguintes:

a)supervalorização dos princípios em relação às regras, com posição de destaque para os

primeiros; b) centra-se o foco no papel crucial do Poder Judiciário, depositando expectativas

de que melhor pode efetivar os direitos constantes nas constituições, em detrimento do

princípio da separação dos poderes e da própria democracia; e, por último, c) o realce que se

dar ao critério de ponderação no emprego dos princípios, em detrimento do critério de 29 FARALLI, Carla. A filosofia contemporânea do direito: temas e desafios. Trad. Candice Premaor Gullo. São

Paulo: WMFmartinsfontes, 2006, p. 12. 30 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito: o triunfo tardio do

Direito Constitucional no Brasil. In: Revista da Associação dos Juízes Federais do Brasil. Brasília, ano 23, n. 82,

4º trimestre, p. 123, 2005.

Page 38: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

37

subsunção das regras ao fato concreto, podendo gerar insegurança jurídica, por conta desse

decisionismo jurisdicional.

Advirta-se, por final, que em meio a todas essas considerações, no constitucionalismo

atual deve-se priorizar sempre a pessoa humana, reconhecendo-lhe o direito de escolher os

seus planos de vida, cabendo ao Estado o papel de ajudar criando condições justas para o seu

desenvolvimento como indivíduo, inserto numa sociedade, o que se evidencia plenamente

com o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Evidencia-se com o pós-positivismo a superação da diferenciação entre regras e

princípios. Anteriormente, os princípios tinham a função apenas de auxiliar ou subsidiar no

método de aplicação e construção do direito, integrando a ordem jurídica, em caso de lacuna

legislativa. Ressaltem-se que as regras e princípios são espécies de normas.

Norberto Bobbio31, que acentua a normatividade principiológica, aponta que os

princípios são normas fundamentais encontradas no sistema, sendo as mais gerais e tem a

função de regular casos concretos.

O âmbito de aplicação dos princípios é indeterminado, estando sujeitos a outros

critérios (expansão e compressão) para serem aplicados, observando-se as circunstâncias

fáticas e jurídicas, a fim de definir o seu alcance no caso concreto. As regras, por sua vez, são

determinadas, de aplicabilidade direta.

Os princípios influenciam na criação das regras, sendo a sua base sistêmica,

fornecendo a estas racionalidade e coerência jurídica, funcionando hermeneuticamente muitas

vezes como instrumento de compreensão, interpretação e aplicação das referidas normas.

Não se nega que o Direito é resultado da cultura de um país, com mutável perfil

oriundo das grandes transformações culturais globalizadas e justificado pelo incremento das

relações de troca, de trânsito e de ligação entre os povos.

Com a democracia reforça-se a exigência de deliberações comuns, pressupondo a

permanência de espaços públicos abertos que possibilitem pessoas e grupos à discussão de

questões de direito de importância social, promovendo-se, assim, o diálogo racional. E assim

também deve acontecer no âmbito do processo jurisdicional, visando à condução de

consensos imprescindíveis à melhor solução da demanda.

31 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10ª ed., Trad. Maria Celeste Cordeiro Leite dos

Santos. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999, p. 158.

Page 39: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

38

Nesse sentido, transcreve-se aqui o pensamento de Daniel Sarmento32:

Afirma-se, hoje, que a democracia pressupõe a existência de um espaço público

aberto, em que as pessoas e grupos possam discutir sobre os temas polêmicos,

prontas ao diálogo, reconhecendo-se reciprocamente como seres livres e iguais. A

democracia exige deliberação pública, e o seu objetivo não é – ou pelo menos não é

exclusivamente – o de solucionar divergência contando votos. Pressupõe, ao

contrário, que no processo deliberativo as pessoas manifestem-se buscando o

entendimento e não a derrota do adversário [...]. Almeja-se, enfim, que no debate

franco de ideias inerente a este processo, as pessoas eventualmente revejam suas

posições originais, convencidas pelas razões invocadas pelo outro. Em suma, a

democracia deve ser mais diálogo de que disputa; mais comunicação que embate.

Impõe-se dizer, a essa altura, que o neoconstitucionalismo tem como objetivo vital a

concretização do Estado Democrático de Direito, por meio de procedimento em contraditório,

mediante a aplicação efetiva dos direitos fundamentais, atento às crescentes mudanças da

sociedade, portadora de interesses outros e por vezes até conflitantes.

Nesse sentido, importante notar que o ordenamento jurídico ideal advém do necessário

equilíbrio envolvendo os institutos da segurança jurídica e do valor da justiça, de modo a

promover o devido processo legal (processo justo e cooperativo), com a participação conjunta

e efetiva das partes e do juiz do caso concreto, visando à decisão de mérito equitativa e eficaz,

dentro de lapso temporal razoável.

Para Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, a adequada tutela estatal provém da aptidão da

jurisdição de concretizar a eficácia prometida pelo direito material, sendo indispensável para

tanto conjugar, de forma eficiente, os valores da efetividade processual e da segurança.33

O direito processual busca ordenar o método jurisdicional por meio do emprego de

princípios e regras que conferem ao procedimento uma efetividade ampla, quer dizer, maior

amplitude prática com o menor custo do direito, no que tange ao amparo concreto dos

interesses ali aportados.

Nesse diapasão, as normas relativas ao direito processual civil, as quais tem como

objetivo disciplinar a atuação da jurisdição e a relação jurídico-processual, são consideradas

de direito público, mas algumas delas têm a natureza jurídica de direito privado, por

disciplinarem os conflitos a serem solucionados mediante o processo. As normas que

transcendem o interesse privado são de ordem pública.

32 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2004. 2. ed. ,

2008, p. 307. 33 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Os direitos fundamentais à efetividade e à segurança em perspectiva

dinâmica. Revista do Processo. Vol. 155. São Paulo: Ed. RT, jan. 2008, p. 24.

Page 40: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

39

Esse conjunto normativo é fundamental porque organiza o direito processual, servindo

de alicerce para a compreensão e interpretação das demais regras procedimentais. As normas

ora funcionam como princípios, ora como regras, de forma que disciplinam o procedimento,

estando dispostas nos artigos 1º a 12 do Código Processual Civil (CPC). Parte delas foram

extraídas diretamente do texto constitucional e não se trata de rol taxativo, a exemplo do

princípio do juiz natural, que não é previsto ali, e sim na constituição.

São considerados institutos essenciais de qualquer direito processual a jurisdição, a

ação, a defesa e o processo. Sobre a jurisdição, falar-se-á em momento posterior. Os

princípios processuais agem sobre essas categorias, as quais dão significado aos normativos

fundamentais presentes na Carta Magna em relação a todo o sistema de justiça.

A constituição descreve princípios, confere garantias e dispõe de exigências ao

ordenamento processual, avalizando o processo que deve se desenvolver de forma

cooperativa, democrática, igualitária e no tempo razoável.

Nisso reside a ideia prevista no art. 1º, do CPC, que informa que as normas

processuais devem ser constituídas, disciplinadas e interpretadas de conformidade com os

anseios e com as regras fundamentais vistas na Constituição Federal. Registra-se, com isso, a

força normativa da Carta Maior e de consequência consagra-se o direito processual

constitucional, visando-se à atuação estatal com maior transparência e efetividade.

O art. 3º, par. 2º, do CPC, conclama o Estado a permitir, na medida do possível, a

solução consensual das demandas, por meio da conciliação, mediação ou arbitragem seja na

fase pré-processual ou no decurso do processo, estimulando os operadores jurídicos a se

juntarem nesse mister, de forma a implementar a autocomposição, com respeito à vontade das

partes.

Encontra-se também previsto no art. 5º, LXXVIII, da CF, e também disciplinado no

art. 4º, do CPC, o princípio da razoável duração processual, em que confere às partes o direito

à resolução integral da demanda, no prazo razoável, sem dilações desnecessárias. Amparada

aí está a atividade de execução, que é prescrição do novo CPC. O processo demorado coloca

em risco o direito buscado em juízo e enfraquece a atuação estatal.

A celeridade processual não se confunde com o princípio da razoável duração do

processo, porquanto em determinados tipos de demandas exige-se cognição mais exauriente,

com atenção às garantia processuais, o que pode tornar o procedimento pouco demorado, mas

salutar para a entrega com qualidade da prestação jurisdicional. O que não pode acontecer é o

Page 41: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

40

perecimento de direitos, por conta da inércia das partes ou atuação morosa do Estado-Juiz,

sacrificando direitos fundamentais.

É papel do juiz diligenciar com o fito de inibir comportamentos dolosos das partes

durante o curso processual, punindo os litigantes que agem de má-fé. Por outro lado, caso seja

constatada a conduta retardatária do magistrado na condução do processo, causando prejuízos

aos interesses dos litigantes e dilações indevidas, deve o Estado ser responsabilizado

civilmente pelos danos ocasionados.

Vários avanços foram obtidos objetivando-se prestação jurisdicional mais rápida, sem

delongas, como vistos no sistema jurídico processual, a exemplo do julgamento antecipado do

mérito (art. 355 do CPC), as tutelas provisórias (arts. 294 a 311, CPC), o procedimento nos

juizados especiais estaduais, federais e da fazenda pública (Leis números 9.099/1995,

10.259/2001 e 12.153/2009), a improcedência liminar do pedido (art. 332, CPC), o processo

sincrético ou misto, conjugando as fases cognitivas e executivas nos mesmos autos

processuais, o processo eletrônico e o sistema de precedentes com eficácia vinculante, sendo

este último discutido com maior ênfase neste trabalho.

Necessário falar do princípio da boa-fé objetiva, disposto no art. 5º, do CPC, de

maneira que os sujeitos do processo devem pautar as suas condutas durante o procedimento,

com observância da lealdade e da boa-fé processual, agindo com honestidade e com lisura.

Proíbe-se o comportamento contraditório dos litigantes e também de magistrados, que

desprezam a confiança recíproca e a obrigação de manterem-se leal em suas manifestações

nos autos.

O abuso do direito e a utilização de incidentes ou de recursos protelatórios configuram

hipóteses de lesão ao princípio da boa-fé. Tais atitudes contraditórias/abusivas autorizam a

aplicabilidade de sanções no processo por litigância de má-fé, de ofício ou a requerimento das

partes, tais como a imposição de multa e a vedação de fazer carga dos autos.

O processo é um instrumento democrático. As partes e o juiz, em conjunto, devem agir

para que se obtenha a resolução da demanda de forma efetiva, no tempo razoável,

objetivando-se a decisão de mérito justa e que tenha resultado útil. Extrai-se daí o princípio da

cooperação, disposto no art. 6º, do CPC.

Esse dispositivo deve ser aplicado tanto no processo de conhecimento como no

procedimento executivo, ou seja, em qualquer atividade jurisdicional. Tem-se colaboração

mútua, visando ao processo de resultados.

Page 42: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

41

Paula Costa e Silva34 externaliza a ideia de entender-se o processo como uma

comunidade de comunicação, no qual se desenvolve um diálogo aberto entre os sujeitos

processuais, com a discussão de todas as questões fático-jurídicas consideradas necessárias

para a decisão do caso.

Impõe-se, assim, o modelo de instrumento processual colaborativo. O procedimento

deve ser conduzido pelo juiz, partes e Ministério Público, todos de igual importância na

efetivação do resultado útil para o processo. As decisões são construídas conjuntamente,

exigindo-se dos participantes atuação ética e leal.

Cabe destacar também o princípio da igualdade processual ou da isonomia, previsto no

art. 5º, caput, da CF e no art. 7º, do CPC, que chama a atenção do legislador e do magistrado

para evitarem desigualdades no curso do processo e também o dever de expurgar as que

porventura estão em evidência. Assim dispõe a máxima tratar os iguais de forma igual e

tratar diferentemente os desiguais, na proporção de suas desigualdades.

Busca-se promover a correta atuação das partes no processo, assegurando-as igualdade

de tratamento, incumbindo ao juiz preservar o efetivo contraditório, no exercício dos direitos

e faculdades processuais. Propõe o equilíbrio de forças entre os litigantes, a fim de impedir

que uma parte vença o processo por ser a mais forte. Casos semelhantes devem ter respostas

judiciais similares, pois todos são iguais perante a lei.

Na interpretação e aplicação do direito, impõe-se ao magistrado observar também os

princípios da proporcionalidade e o da razoabilidade, atendendo aos fins sociais, com a

preservação e promoção da dignidade humana. É o que prescreve o art. 8º, do Código de

Processo Civil.

O Supremo Tribunal Federal35 tem-se utilizado dos postulados da proporcionalidade e

razoabilidade para decidir questões, conforme julgamento da 2ª Turma, tendo como relator o

ministro Dias Toffoli, que assim constou na ementa do acórdão:

[...] 3. Ausência de indícios de ilegalidade, tampouco de ofensa aos princípios da

razoabilidade e da proporcionalidade na dosimetria da penalidade aplicada, que

enseje a nulidade da decisão tomada no processo administrativo disciplinar em

questão[...].

34 SILVA, Paula Costa e. Acto e processo. Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 578-579. 35 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão unânime da 2ª Turma do STF, RMS 34701 AgR / DF, rel.

Min. Dias Toffoli, j. 25/08/2017, DJe de 11/09/2017. Disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13576709. Acesso em: 12 fev. 2018

Page 43: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

42

A razoabilidade corresponde à compatibilidade que deve existir entre os meios

utilizados no processo e os fins almejados. Já a proporcionalidade refere-se ao binômio

custo/benefício, também sendo aplicado como regra que vai decidir o caso concreto em que

há colisão de direitos fundamentais.

Esse art. 8º também faz referência ao princípio da eficiência, exigindo-se que o

procedimento tenha o máximo de resultado com o menor esforço possível, com a utilização de

meios menos onerosos, reduzindo-se o tempo e energia dispensados no processo. Tal

princípio tem incidência no processo por conta do art. 37, da Constituição Federal.

Alexandre de Moraes conceitua o princípio da eficiência, que pode ser transportado

para o âmbito do processo judicial, como aquele que

Impõe à Administração Pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do

bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial,

neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia, e sempre em busca da

qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para a

melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar desperdícios e

garantir maior rentabilidade social.36

A eficiência é uma necessidade do Estado Democrático de Direito e também

consequência do devido processo legal, ajustando-se o iter processual às peculiaridades do

caso, com o gerenciamento adequado do procedimento. A eficiência atua como baliza para

que ocorra flexibilidade e mudança no itinerário procedimental.

Registra-se a sanção presidencial da Lei nº 13.655, de 25/04/201837, publicada no

Diário Oficial da União de 26/04/18, que altera o Decreto-Lei nº 4.657, de 04/09/1942 (Lei de

Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB), para incluir dispositivos que tratam da

segurança jurídica e da eficiência na constituição e na aplicabilidade do direito público, tanto

nas áreas administrativas, controladoras e judiciais, dispondo que as decisões nesses setores

devem levar em consideração as consequências práticas do ato decisório e que sejam

devidamente motivadas, sob pena de o agente público responder pessoalmente por seus

pronunciamentos judiciais ou pareceres técnicos, ao se constatar dolo ou erro grosseiro.

Registra-se também o princípio do contraditório, essencial para legitimar os

precedentes judiciais, que é o direito das partes se manifestarem nos autos, de forma prévia,

36 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional Administrativo. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 108. 37 Lei nº 13.655/2018 disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13655.htm.

Acesso em: 18 jun 2018.

Page 44: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

43

efetiva e dinâmica. Trata-se de princípio constitucional, fincado no art. 5º, inciso LV, que

possibilita aos litigantes, em qualquer processo, o efetivo debate e a ampla defesa.

Confere às partes o direito de serem intimadas previamente de todos os atos do

processo, com a garantia de sua presença na defesa de seus interesses, no intuito de evitar

decisões surpresas. O juiz possui a obrigação de provocar a manifestação prévia das partes,

mesmo que se trate de matéria que pode ser vista de ofício, ou simplesmente de presunção. In

casu, a decisão não terá validade, com ausência de legitimidade, uma vez que os participantes

da relação processual sequer tiveram influência em sua elaboração e na formação do

convencimento do magistrado.

Nesse sentido, o legislador foi feliz quando expressamente se refere ao contraditório

no art. 9º, do Código de Processo Civil, que afirma que nenhuma decisão deverá ser proferida

em desfavor de uma das partes, sem que esta tenha se manifestado, excetuando-se aqueles

casos em que é necessário o juiz decidir, de forma provisória, com a verificação de urgência

da medida vindicada e da importância do fundamento, sem ouvida prévia da parte contrária

(inaudita altera parte), protraindo-se assim o exercício do contraditório efetivo para o

momento posterior, a exemplo das tutelas provisórias de urgência e a emissão de mandado

monitório.

O STF, em julgamento por unanimidade, deixou bem claro quanto ao contraditório

que “[...] Assegurada pelo constituinte nacional, a pretensão à tutela jurídica envolve não só o

direito de manifestação e o direito de informação sobre o objeto do processo, mas também o

direito de ver seus argumentos contemplados pelo órgão julgador”.38

O contraditório preserva que se evitem decisões surpresas no autos (art. 10, do CPC),

sem que tenha proporcionado a todos o debate prévio das questões sub judice, pois pode

frustrar as expectativas das partes. Essa bilateralidade de audiência é compatível com o

Estado Democrático de Direito.

Não menos importante é o princípio constitucional da fundamentação das decisões,

sejam elas interlocutórias, sentenças ou acórdãos, devidamente explicitado no art. 93, IX, da

CF, sob pena de nulidade.

38 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão unânime da 2ª Turma do STF, RMS 24.536/DF, rel. Min.

Gilmar Mendes, j. 2/12/2003, DJ de 5/3/2004. Disponível em:

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%2824536%2ENUME%2E+OU+24536

%2EACMS%2E%29%28%40JULG+%3E%3D+20031201%29%28%40JULG+%3C%3D+20040306%29%28S

EGUNDA%2ESESS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/y7el5pey. Acesso em: 11 fev. 2018.

Page 45: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

44

Não se admite proferir decisões sem motivação, com falsa fundamentação, o que se

denota nos casos arrolados no art. 489, parágrafo 1º, do CPC, a título ilustrativo. A legislação

processual vem corroborar com esse entendimento no art. 11, do CPC, como exemplo de

norma direcionada ao juiz da causa, vinculando-o, de forma que constitui obrigatoriedade a

tarefa de manifestar as razões determinantes de seu julgamento, com a exposição real do

raciocínio jurídico utilizado, principalmente em se tratando de formação de precedentes

judiciais.

Com isso, permite-se controle maior da atividade jurisdicional, que deve perfilhar uma

conduta transparente para toda a sociedade. As decisões judiciais servem como parâmetro

para educar o comportamento dos cidadãos, influenciando nas condutas sociais.

Luigi Paolo Comoglio, Corrado Ferri e Michele Taruffo39, desenvolvendo pensamento

sobre o processo justo, assim lecionam:

A perspectiva constitucional dos direitos fundamentais garante o direito ao “justo”

processo, isto é, não mais um processo apenas estruturado formalmente (estático),

mas entendido como garantia mínima de meios e resultados, uma vez que deve ser

concretizada não apenas a suficiência quantitativa mínima dos meios processuais,

mas também um resultado modal (ou qualitativo) constante.

Assim, coadunando com a ideia acima, denota-se que o direito fundamental de se ter o

processo justo, com a efetivação de direitos, é a tônica de toda a dinâmica processual

brasileira, exigindo-se dos operadores jurídicos maior conscientização quanto à finalidade do

processo, que é a promoção da paz social.

Desse modo, o ordenamento processual civil pátrio é desenvolvido tomando como

base o prospecto estabelecido pela lei fundamental, também conhecido como

constitucionalização do processo, a partir do princípio do devido processo legal

Por fim, o processo deve estar configurado com intuito de possibilitar o eficaz alcance

da tutela dos direitos, com a produção de precedentes judiciais em sintonia com as normas

constitucionais, de forma a preservar a igualdade, o acesso à justiça substancial e a segurança

jurídica, tão necessários para identificar o modelo processual no Estado de Direito pátrio.

39 COMOGLIO, Luigi Paolo; FERRI, Corrado; TARUFFO, Michele. Lezioni sul processo civile. 4. ed.

Bolonha: Il Mulino, 2007, vol. 1, p. 63.

Page 46: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

45

2.3 SEGURANÇA JURÍDICA E ACESSO À JUSTIÇA COMO JUSTIFICATIVAS

PRINCIPIOLÓGICAS DO SISTEMA DE PRECEDENTES

É importante ressaltar que o interesse da ciência processual há anos não converge mais

com a simples discussão teórica em explicar por si só os institutos processuais e a trilogia que

o estrutura, a saber: ação, jurisdição e processo.

Justifica-se contemporaneamente o estudo da ciência jurídica na seara da efetividade

normativa, aliando-se os princípios e as regras na aplicabilidade desses institutos, conferindo

legitimidade e eficiência (criação de resultados úteis) na construção do direito. Com isso,

passa-se a objetivar a natureza garantidora do processo, superando-se consequentemente a

visão anterior publicista e pacificadora apenas.

Na realidade nacional, costuma-se judicializar três tipos de demandas: a) a individual,

em que a parte ajuíza ação para amparar direito que entende ameaçado ou lesionado; b) a

coletiva, que se materializa em direitos coletivos e difusos, utilizando-se de meios disponíveis

na legislação para procedimentalizar em juízo esses interesses, por meio de substitutos

processuais, a exemplo do Ministério Público, Defensorias, associações e sindicatos; c) por

último, a litigiosidade de massa, com o ajuizamento de ações repetitivas ou em série,

envolvendo razões de fato e de direito comuns para a solução do mérito.

Por conta disso, revela-se naturalmente complicada a criação de procedimento comum

de tratamento em relação à tipologia litigiosa acima, por parte da ciência processual, o que

inviabilizaria a interpretação e a aplicação do direito condizente com o modelo constitucional

proposto.

Justifica-se aqui a interpretação e a geração do processo, como aprendizado para a

sociedade e formador de condutas comportamentais, de modo que esse instituto sirva como

garantia e não como obstáculo ao acesso à justiça.

Nesse patamar pragmático processual, verifica-se que a simples mudança legislativa,

como ocorreu com o novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), não trouxe para si a

solução integral de todos os problemas vistos ainda corriqueiramente no sistema (como a

morosidade e tempos mortos na tramitação, as despesas processuais, o formalismo exagerado,

a ineficiência do sistema e ainda a presença de rotinas ultrapassadas em seu manuseio), o que

exige também mudança de mentalidade dos atores jurídicos e também redimensionamento na

estrutura do Judiciário (recursos materiais e humanos).

Page 47: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

46

Assim pensa Giuseppe Tarzia40 a respeito da tramitação do processo na Itália, que

também é de tradição civil law e que mantém semelhanças com o procedimento brasileiro:

Os problemas mais graves da justiça social, pelo menos na Itália, dizem respeito, de

outra parte, não à estrutura, mas a duração do processo; dizem respeito aos tempos

de espera, aos ‘tempos mortos’, muito mais que aos tempos de desenvolvimento

efetivo do juízo. A sua solução depende, portanto, em grande parte, da organização

das estruturas judiciárias e não das normas do Código de Processo Civil. A

aceleração da justiça não poderá, portanto, ser assegurada somente com a nova lei ou

com a revisão de todo o processo civil italiano [...].

Chega-se a verificar atualmente no Brasil a tramitação de processos com incremento

de decisões judiciais em larga escala, apenas para cumprir estatísticas e metas definidas pelo

Conselho Nacional de Justiça, de forma muitas vezes aleatória, sem preocupação com a

uniformidade do direito, papel este atribuído principalmente aos tribunais superiores.

Esquece-se, com isso, de implementar a efetividade das normas, ao prolatar

precedentes judiciais não consentâneos com a eficiência e, por vezes, sem legitimidade

constitucional. O processo deve propiciar o debate jurídico permanente visando à formação de

provimentos uniformes e legítimos, que alcancem tutelar efetivamente os direitos.

Nesse ínterim, delimita-se o processo como espaço democrático, onde os temas e

contributos são discutidos de forma intersubjetiva, com o implemento de instrumentos viáveis

e idôneos ao debate jurídico e que leve em consideração as variáveis tempo-espaço em seu

iter gerador de pronunciamento judiciais.

Evitam-se assim condutas solipsistas dos magistrados na cognição processual, com a

adoção de atitudes colaborativas e policêntricas (sem protagonismo) no trâmite procedimental

e de discurso transparente nas questões fático-jurídicas.

Habermas41, em contribuição ao que se propõe acima, como forma de legitimar o

processo, acrescenta:

Ocorre que a estruturação desse processo somente pode ser perfeitamente atendida a

partir da perspectiva democrática de Estado, que se legitima por meio de

procedimentos que devem estar de acordo com os direitos humanos e com o

princípio da soberania do povo.

40 TARZIA, Giuseppe. O novo processo civil de cognição na Itália. Revista de processo, São Paulo: Revista dos

Tribunais, n. 79, jul./set., 1995, p.63. 41 HABERMAS, Jürgen. Faktizität und Geltung: Beiträge zur Diskurstheorie des Rechts und des

demokratischen Rechtsstaats. Frankfurt: Suhrkamp, 1994, p. 664.

Page 48: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

47

Tendo como fundamentos da ordem constitucional brasileira, em particular, o Estado

de Direito e a dignidade da pessoa humana, já explicitados, começam-se a expor algumas

ideias interpretativas no que diz respeito ao espectro conceitual da segurança jurídica e do

acesso à justiça, buscando construir ao final um campo conjectural sobre o papel desses

princípios na edificação do alicerce organizacional das disposições constitucionais.

2.3.1 A Segurança: Necessidade da Ordem Jurídica e Respeito aos Precedentes

Para pronunciar sobre a segurança jurídica será preciso, inicialmente, pontuar os textos

que direta ou indiretamente apresentam-na na Constituição Federal brasileira. No sentido

genérico, o princípio da segurança vem expressamente previsto no caput do Art. 5º, da

Constituição Federal, embora o texto constitucional de 1988 não informe explicitamente esse

direito no processo.42

Ainda no capítulo relativo aos direitos individuais e coletivos, a Carta Magna acolhe,

indiretamente, o princípio da segurança, ao preceituar, no inciso XXXVI, do Art. 5º, que “a

lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”43.

Vê-se também que, ao firmar no inciso XXII, do art. 7º, da CF, os direitos dos

trabalhadores urbanos e rurais, o princípio de segurança configura-se como medida protetiva e

preventiva: “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene

e segurança”44.

O Estado brasileiro, no intuito de tutelar a segurança jurídica, tem o dever de prestigiar

esse princípio no exercício de suas funções, proibindo-o de agir renegando esse direito

fundamental. Possui essa obrigação por meio de prestações estatais fáticas e emissão de

disposições normativas, a exemplo da constituição que fala de inviolabilidade da coisa

julgada, do direito adquirido e do ato perfeito (art. 5º, XXXVI) e de outras disposições que,

mesmo de forma indireta, dão guarida à segurança, como a garantia do contraditório, da

ampla defesa e da motivação dos pronunciamentos judiciais.

42 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 08 fev. 2018. Art. 5º,

caput, da CF: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à

segurança e à propriedade […]” 43 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. op. cit. Acesso em 08 fev. 2018. 44 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. op. cit. Acesso em 08 fev. 2018.

Page 49: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

48

Sem falar do Código de Processo Civil, que de modo semelhante, prescreve

regramentos que protegem a segurança, como os que falam da preclusão, que impede a

rediscussão da matéria já decidida ou a perda da faculdade de agir no tempo determinado.

Como exemplo de uma prestação prática, diagnosticada no Código de Processo Civil

(art. 98), diz respeito à garantia da assistência judiciária para o cidadão postular em juízo, com

o patrocínio da causa por advogado gratuito, que tem habilitação técnica para defender os

direitos dos jurisdicionados.

Apesar de não estar explicitamente, numa linguagem clara, registrado na Constituição

Federal, o princípio da segurança jurídica faz parte da essência da ideia de generalidade e

abstrata de Estado de Direito, estando de outra parte, segundo Ingo Sarlet,

[…] expressa e implicitamente normatizado do ponto de vista constitucional por

meio de um conjunto de princípios e regras, como é o caso da proteção da confiança

(implicitamente assegurado), bem como das figuras do ato jurídico perfeito, dos

direitos adquiridos e da coisa julgada e de garantias contra a retroatividade de

determinados atos jurídicos (como em matéria penal e tributária).45

Faz-se necessário apontar que a segurança jurídica enquadra-se também na categoria

de direito e garantia fundamental, considerado fundamento constitucional, o que dá maior

intensidade a sua dupla concepção objetiva e subjetiva. Porém a interface da

multidimensionalidade do princípio de segurança jurídica com o Estado formal e material de

Direito não dá a entender que tal vinculação tenha exclusividade.

Tal afirmação encontra respaldo teórico nas colocações de Ingo Sarlet quando

assevera:

[…] a segurança jurídica não encontra no Estado de Direito um fundamento único,

devendo ser reconduzida a outros princípios, como é o caso, por exemplo, do

princípio democrático, do princípio do Estado Social, do princípio da separação de

poderes, do princípio da igualdade, do princípio da liberdade e da própria dignidade

da pessoa humana.46

Sobre a dupla dimensionalidade da segurança jurídica, objetiva e subjetiva, cabe aqui

pontuar as ideias conceituais que explicitam essas dimensões. Para isso, tomam-se

emprestadas as definições de Almiro Couto e Silva, que explanou sobre o assunto:

A primeira, de natureza objetiva, é aquela que envolve a questão dos limites à

retroatividade dos atos do Estado até mesmo quando estes se qualifiquem como atos

legislativos. […] A outra, de natureza subjetiva, concerne à proteção à confiança das

45 SARLET; MARINONI; MITIDIERO. 2015, op. cit., p. 277. 46 SARLET; MARINONI; MITIDIERO. 2015, op. cit., p. 277.

Page 50: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

49

pessoas no pertinente aos atos, procedimentos e condutas do Estado, nos mais

diferentes aspectos de sua atuação.47

O que resta claro é que, pelo viés objetivo, esse princípio abrange a garantia do

sistema jurídico, conferindo-lhe estabilidade e orientações seguras, ao tempo em que, pela

característica subjetiva, busca-se proteger os cidadãos em face dos atos dos poderes públicos,

dando-lhes condições de previsibilidade e confiança em suas condutas sociais, de forma que

não possam sair prejudicados por qualquer mudança brusca nas políticas do Estado. Não há

como prever sem ter confiança.

Neil MacCormick fala sobre a segurança jurídica como um elemento valorativo

(valor), sendo fundamental para o Estado de Direito e Constitucional, referenciando a certeza

jurídica e a segurança dos indivíduos como condicionantes para viabilizar a autodeterminação

do povo e sua convivência em situações de recíproca confiança, protegendo-o das atitudes

arbitrárias do poder estatal.48

A atividade jurisdicional também deve perfilhar por esse caminho, coadunando com o

pensamento supra de MacCormick, orientando-se pela adoção dos critérios da certeza,

estabilidade, confiança legítima e efetividade do processo. Aliás, o processo justo decorre

também da segurança jurídica, como requisito primordial de sua conformidade.

Na observância dos precedentes pelos tribunais e juízes, com a instrumentalização de

técnicas alusivas à sua aplicação, materializa-se o instituto da segurança jurídica, conferindo

ao Judiciário maior credibilidade perante a sociedade e possibilitando que cidadãos revistam

suas condutas pautadas nos precedentes já firmados sobre os mais variados temas sociais.

Com isso, estratifica-se a confiança legítima como ponto central na conformidade dessa

garantia.

Michele Tarufo49 aponta para esse entendimento quando propõe a inauguração de uma

política compromissada e séria de precedentes, com o objetivo de alocar grau necessário de

uniformidade e de coerência nas decisões judiciais.

47 COUTO E SILVA, Almiro do. O Princípio da Segurança Jurídica (Proteção à Confiança) no Direito Público

Brasileiro e o Direito da Administração Pública de Anular seus Próprios Atos Administrativos: o prazo

decadencial do art. 54 da lei do processo administrativo da União (Lei n° 9.784/99). Revista Eletrônica de

Direito do Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº. 2, abril/maior/junho, 2005. Disponível na

Internet: <http://www.direitodoestado.com.br>. Acesso em: 11 nov. 2017. p. 3-4. 48 MACCORMICK, Neil. Rhetoric and the rule of law: a theory of legal reasoning, Oxford: Oxford University

Press, 2005, p. 16. 49 TARUFFO, Michele. Precedente e giurisprudenza. Editoriale Scientifica, 2007, p. 31.

Page 51: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

50

É irrefutável a relevância da utilização do precedente na vida do direito, dando a este

mais consistência e segurança ao sistema, pois a opinião formada pela Estado-Juiz na solução

do caso concreto pode representar decisão paradigma para casos futuros análogos, no que

tange à questão jurídica ali debatida.

O precedente é criado como regra de determinado caso, servindo-se de modelo

regulador ou diretriz para outros casos semelhantes, com a extração da norma ou tese jurídica

respectiva, assegurando-se maior previsibilidade e isonomia na resolução das demandas.

A ratio decidendi identifica-se como o motivo jurídico determinante da decisão, ou

seja, a tese jurídica formada a partir da fundamentação do respectivo decisório. É esse

regramento de direito que deve ser perseguido no casos vindouros.

Ressalta-se que às vezes não é fácil identificar precisamente qual a ratio decidendi de

determinada decisão, sendo também polêmico prescrever o melhor método com o fito de

estabelecê-la. A interpretação resulta vacilante nesse sentido.

Extrai-se do magistério de Nelson Nery Junior e Rosa Nery que do princípio da

segurança jurídica, o qual constitui elemento fundamental do Estado Democrático de Direito,

sucedem matérias como: a retroatividade da legislação, a validade dos atos da administração,

a submissão da Administração Pública aos institutos da publicidade e à coisa julgada. Esses

temas possuem em comum a função de assegurarem a estabilidade do direito.50

Com razão os autores, pois o Direito tem a função primordial de engendrar

estabilidade ao sistema, gerando tranquilidade ao cidadão e também ao próprio Estado, bem

como moldando a sua atividade cotidiana (saber os efeitos que podem ser produzidos

decorrentes de suas ações), de forma a contar com o requisito da previsibilidade. Inerentes ao

princípio da segurança estão, portanto, os valores da previsibilidade e da estabilidade da

ordem jurídica.

O requisito da estabilidade tem a ver com a opinião dos tribunais a respeito de como as

leis e os precedentes são interpretados, tema este que será visto no decorrer deste trabalho.

50 NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal comentada e legislação

infraconstitucional. 2. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Ed. RT, 2009, p. 146.

Page 52: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

51

2.3.2 A Garantia do Acesso à Justiça sob a Perspectiva da Efetividade dos Direitos

Após rápida incursão sobre o princípio da segurança jurídica, passa-se, neste

momento, a uma viagem analítica sobre a cartografia conceitual do “acesso à justiça”, que

também solidifica o fundamento da ordem constitucional brasileira.

Um fenômeno ou ente pode ser analisado consoante várias perspectivas. O conceito

servirá para caracterizá-lo segundo o prisma escolhido. Se for jurídico, peculiar e segundo o

fenômeno jurídico será a descrição, o conceito dado.

Em um sistema conceitual, nem todos os conceitos ocupam o mesmo plano; alguns são

fundamentais e outros derivados. Em qualquer construção teórica sobre o Direito, devem ser

agrupados de forma separada os conceitos que compreendem o fenômeno jurídico dos demais

conceitos decorrentes da análise de determinado ordenamento jurídico.

A definição de um conceito de direito é decorrente do estudo de sua essência,

revelando-se como conceito fundamental de um objeto.

Segundo Teran51, uma vez definido o conceito, deve-se aprofundá-lo, determinando,

por exemplo, seus elementos constitutivos, ou analisando as relações entre ele e outros

institutos afins.

Posto isto, é salutar para este momento conjecturar sobre a dimensão conceitual do

Direito e da Justiça.

Concebe-se que Direito e Justiça são conceitos distintos, às vezes caminhando em

sintonia e às vezes não, mas ele deve ser o instrumento para a concretização da justiça, ou

seja, esta deve ser o objetivo do direito, guarnecendo este de significado, de finalidade e

sendo também critério para os julgamentos dos processos.

Em face do seu valor relativo, a justiça varia de acordo com as preferências, com as

tendências, com as ideologias e com as políticas, admitindo-se, assim, que o valor absoluto da

justiça não se encontra à disposição do homem.

Perelman justifica o valor justiça fazendo a seguinte explanação:

A aplicação da justiça formal exige a determinação prévia das categorias

consideradas essenciais. Ora, não se pode dizer quais são as características

essenciais, ou seja, aquelas que se levam em conta para a aplicação da justiça, sem

admitir certa escala de valores, uma determinação do que é importante e do que não

51 TERAN, Juan Manuel. Filosofia del Derecho. 7 ed. México: Editorial Porrua, 1977, p. 79-80.

Page 53: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

52

o é, do que é essencial e do que é secundário. É a nossa visão do mundo, o modo

como distinguimos o que vale do que não vale, que nos conduzirá a uma

determinada concepção da justiça concreta. Qualquer evolução moral, social ou

política, que traz uma modificação da escala dos valores, modifica ao mesmo tempo

as características consideradas essenciais para a aplicação da justiça [...].52

Os acontecimentos da vida relevantes para o direito são apreendidos pela norma que a

eles atribui relevância jurídica: são os fatos jurídicos.

O fato jurídico, na concepção de Marcos Bernardes de Melo53, pode ser tratado como

aquele a que a norma jurídica atribui, especificamente, certas consequências no

relacionamento entre as pessoas. A norma incide no fato tornando-o jurídico.

Ocorre que algumas vezes não se tem certeza se a incidência ocorreu ou não. Surge a

incerteza se há ou não fato jurídico ou mesmo de que forma a incidência ocorreu. Para que o

fato torne-se jurídico, sem essa indefinição, recorre-se ao Judiciário. A sentença é justamente

o ato jurídico que elimina a dúvida.

Segundo Paulo Bezerra54, o direito assume duas funções básicas: a conservadora

(modo estático) e a transformadora (modo dinâmico). E esclarece:

[...] A função conservadora corresponde ao aspecto estático da realidade social; aqui,

o direito atua como controle social das áreas sociais de conformidade, protegendo o

status quo. A função transformadora corresponde ao aspecto dinâmico da realidade

social; o direito atua, então, como controle social das áreas sociais de não-

conformidade, incrementando a mudança social, modificando as relações e os

valores sociais.

O legislador está consciente hoje de que deve dar aos cidadãos e ao juiz maior poder

ao utilizar o processo (instrumento de composição de demandas), objetivando sempre o

direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, sobressaindo, assim, o princípio do acesso à

justiça.

Resta sem dúvida a ideia de que o acesso à justiça vai muito além do seu significado

literal, pois o sistema deve ser igualmente acessível a todos, sem discriminação,

52 PERELMAN, Chaim. Ética e Direito. Tradução de Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes,

1999, p. 30-31. 53 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico. Plano da Existência. 18.ed. São Paulo: Saraiva,

2012, p. 91. 54BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Acesso à Justiça: um Problema Éético-social no Plano da Realização do

Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 53.

Page 54: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

53

possibilitando a produção de resultados justos para as partes envolvidas no processo, em lapso

de tempo razoável, com procedimento eficaz e simplificado.55

A expressão acesso à justiça é de difícil conceituação56, pois não pode ser visto apenas

sob o enfoque literal, significando exclusivamente acesso ao Judiciário, onde as pessoas

possam reivindicar seus direitos, resolvendo as suas pendengas jurídicas perante o

Estado-Juiz.

Geovany Jeveaux adverte que refletir sobre acesso à justiça traz de logo em sua

própria expressão um problema de designação. E esse entrave tem reduzido a cientificidade

de seu objeto:

[…] ou bem se dá ênfase aos aspectos formais e substanciais do acesso aos serviços

judiciais ou aos chamados equivalentes jurisdicionais (arbitramento,

autocomposição), ou bem se investigam os critérios ideológicos também formais e

substanciais de atuação do Estado como agente distribuidor de bens.57

O que esse autor quer dizer é que as maneiras através das quais tem sido o assunto

discutido apresentam-se como abordagem de um acesso formal e substancial à justiça ou de

um acesso à justiça formal e substancial. São designativos que não são privadas de

significação e que não se assemelham.

Continua explicitando sobre esse objeto,

Quando se fala em um acesso formal e substancial à justiça, cuida-se de investigar

quais são as melhores condições de se obter uma decisão judicial ainda desprovida

de conteúdo, do modo mais rápido (celeridade) e com o maior índice de aceitação do

resultado (efetividade). Por outro lado, quando se fala em um acesso à justiça

formal e substancial, cuida-se de investigar as condições pelas quais o Estado atua

ou deve atuar como árbitro distribuidor de bens (não apenas por meio do

processo).58

55 Wilson Alves preleciona: “Com efeito, obviamente que há que se garantir a porta de entrada. O Estado terá

que instituir órgãos jurisdicionais e permitir que as pessoas tenham acesso aos mesmos. Mas isso é elementar.

Veja-se que o Estado praticamente monopolizou o poder jurisdicional, e isso a ponto tal que só

excepcionalmente admite a arbitragem e, em regra, qualifica como crime o exercício da autotutela. [...]

necessário igualmente é que exista a porta de saída. Por outras palavras, de nada adianta garantir o direito de

postulação ao Estado-Juiz sem o devido processo em direito, isto é, sem processo provido de garantias

processuais [...].” (SOUZA, Wilson Alves de. Acesso à Justiça. Salvador: Dois de Julho, 2011, p. 26). 56 Como salienta Horácio Wanderlei Rodrigues, a vagueza da expressão acesso à justiça permite

fundamentalmente dois sentidos: “o primeiro, atribuindo ao significante justiça o mesmo sentido e conteúdo que

o de Poder Judiciário, torna sinônimas as expressões acesso à justiça e acesso ao Judiciário; o segundo, partindo

de uma visão axiológica da expressão justiça, compreende o acesso a ela como o acesso a uma determinada

ordem de valores e direitos fundamentais para o ser humano.” (RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Acesso à

justiça no direito processual brasileiro. São Paulo: Acadêmica, 1994, p. 28). 57JEVEAUX, Geovany Cardoso. Uma Teoria da Justiça para o Acesso à Justiça. In: JEVEAUX, Geovany

Cardoso (Org.). Uma Teoria da Justiça para o Acesso à Justiça. Rio de Janeiro: GZ Ed., 2012, p. 1. 58 JEVEAUX, Geovany Cardoso, 2012, op. cit., p. 1-2.

Page 55: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

54

Existem no ordenamento jurídico constitucional duas normas que se relacionam com o

direito fundamental de ação, uma que trata da inafastabilidade do controle jurisdicional

quando se delimita em juízo ameaça ou lesão a direito e outra que fala da duração do processo

e dos mecanismos que protegem a celeridade na tramitação do feito.

Sob a proteção do Estado democrático de direito, deve o Poder Judiciário

desincumbir-se da obrigação de prestar a jurisdição de forma eficiente e de possibilitar a

realização efetiva dos direitos, porquanto o acesso ao ordenamento jurídico constitucional é

direito fundamental de todos os cidadãos, tão bem delineado no artigo 5º, incisos XXXV e

LXXVIII, da CF/88.59

A ação é exercitada para tutelar direitos materiais, dentro de prazo razoável de

desenvolvimento do procedimento. O tempo consubstancia-se em ônus para os litigantes,

sendo necessidade para o magistrado na formação de seu convencimento.

Vale ressaltar que esse direito não mantém vínculo somente com o Poder Judiciário, e

sim alcançando também o Legislativo e o Executivo, dentro das suas funcionalidades no

ordenamento.

Cabe ao Poder Legislativo a edição de leis que identifiquem técnicas processuais

idôneas à eficácia do procedimento, bem como a instituição de meios que oportunizem o

acesso de pessoas hipossuficientes ao Judiciário. Confere-se, por sua vez, ao Poder Executivo

a obrigação de alocar recursos materiais (equipamentos, tecnologias) e humanos para o

desenvolvimento adequado e tempestivo das atividades jurisdicionais.

Ao vedar a autotutela, em regra, e trazendo o Estado para si o monopólio do poder

jurisdicional, conferiu-se ao cidadão o direito de recorrer ao Judiciário, com o objetivo de

solução dos conflitos.

Sem sombras de dúvida, a concretização do direito ao acesso à justiça é indispensável

à própria concepção de Estado, uma vez que não tem sentido proibir a autotutela, sem que o

Estado possa se desincumbir da sua obrigação de viabilizar a todos a possibilidade do efetivo

acesso ao Judiciário.

59 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Art. 5º [...], XXXV - a lei não excluirá

da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; […]; LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e

administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua

tramitação [...].

Page 56: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

55

Nesse diapasão, o acesso à justiça é direito fundamental, garantido no artigo 5º, inciso

XXXV, da Constituição Federal de 1988, traduzindo-se em direito subjetivo público,

considerado um dos mais relevantes meios de exercício da cidadania.

Vale ressaltar que a inafastabilidade do controle jurisdicional se restringe a garantir o

direito de ação, ao tempo que o acesso à justiça é bem mais amplo, culminando com o direito

à prestação jurisdicional célere e eficaz.

O direito de acesso à justiça, o qual protege a concretude de todos os demais direitos,

dispõe que sejam ajustados procedimentos com o objetivo de dar ao jurisdicionado o direito à

tutela adequada (hábil para atender situação concreta), eficaz (realizar concretamente os

direitos e não apenas declará-los) e tempestiva (de forma célere).

Wilson Alves de Souza60 informa as razões em caracterizar o acesso à justiça como

direito fundamental, pois uma vez violados direitos e garantias substanciais, se não fosse o

acesso ao Judiciário, esses direitos e garantias não teriam como ser exercitados.

O acesso à justiça, também chamado por alguns de princípio da proteção da via

judiciária, de garantia universal, onde essa estrada encontra-se franqueada para discussão de

todo e qualquer direito, envolvendo particulares, poderes públicos, não importando se a parte

é rica ou pobre financeiramente. Busca-se, com isso, uma justiça inclusiva, onde haja a

participação de todos, respeitando-se os direitos e garantias essenciais de todo indivíduo.

Sem essa garantia, portanto, para Wilson Alves de Souza, sequer se poderia falar em

Estado Democrático de Direito.61

Com razão o mestre baiano em afirmar que o direito de acesso à justiça é intrínseco ao

Estado Democrático de Direito, pois no momento que o povo renunciou de sua independência

em prol de uma liberdade comum, deve-se conferir a todos uma ordem jurídica justa,

avalizada pelas garantias constitucionais e processuais em busca da efetivação dos direitos.

60 “Por outras palavras, o acesso à justiça é, ao mesmo tempo, uma garantia e em si mesmo também um direito

fundamental; mais do que isso, é o mais importante dos direitos fundamentais e uma garantia máxima, pelo

menos quando houver violação a algum direito, porque havendo essa violação, todos os demais direitos

fundamentais e os direitos em geral, ficam na dependência do acesso à justiça. [...] o acesso à justiça também

pode ser qualificado com um princípio jurídico com fundamento constitucional.” (SOUZA, Wilson Alves de.

2011, op. cit., p. 84-85). 61 “Estado democrático de direito é aquele em que o poder dos governantes é alcançado por meio do povo e cujo

direito é editado igualmente com participação popular [...]” (SOUZA, Wilson Alves de. Sentença civil

imotivada: caracterização da sentença civil imotivada no direito brasileiro. 2. ed. rev. e ampl. Salvador: Dois de

Julho, 2012, p. 71.).

Page 57: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

56

Para tanto, requer-se atitude enérgica e urgente do Estado, no intuito de melhorar o

cenário trágico porque passa a administração da justiça e dos conflitos, por uma sociedade

livre, justa e solidária, erradicando a pobreza, a marginalização, reduzindo as desigualdades

sociais e promovendo o bem de todos, viabilizando, assim, o objetivo acertado constante do

art. 3º, da CF de 1988.

Como dito por Norberto Bobbio62, “[...] sem direitos do homem reconhecidos e

efetivamente protegidos não existe democracia, sem democracia não existem as condições

mínimas para a solução pacífica dos conflitos que surgem [...]”.

O acesso à justiça sedimenta, pois, o direito de ação, que é o direito de provocar a

jurisdição, bem como de escolha do procedimento.63

Fredie Didier ao manifestar-se sobre o direito de ação quis dizer que se trata de direito

potestativo, visando à geração de um conjunto de relações jurídicas, com a participação dos

sujeitos do processo, que então se inaugura.

Cabe, então, à parte autora, ao ajuizar a demanda, optar entre um procedimento e

outro, a depender do direito material discutido e das circunstâncias da causa, podendo valer-se

do procedimento especial ou comum.

O direito de ação abrange outras situações jurídicas, decorrentes do devido processo

legal, como por exemplo, o direito à resposta estatal, às técnicas processuais idôneas para

demonstrar que a parte tem razão, ao conjunto probatório legítimo, à possibilidade de

protocolizar recursos e o respeito à força dos precedentes judiciais.

Destarte, trata-se de direito fundamental, incondicionado, conferindo a todos o acesso

à justiça, sendo “sempre procedente, na medida em que seu desiderato se identifica com a

prestação da tutela jurídica, que o Estado não pode declinar (art. 140, CPC)”.64

Nessa ótica, a ação consiste em verdadeiro direito fundamental, de cunho abstrato,

com notável amplitude e complexidade, donde derivam muitos outros direitos. Revela o

direito a um provimento judicial, de natureza abstrata, autônoma e instrumental.

62 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 9. ed. Trad. de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier,

2004, p. 203. 63 DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Introdução ao Direito Processual Civil, Parte Geral e

Processo de Conhecimento. 17. ed. rev. ampl. e atual. v. 1. Salvador: Editora JusPodivm, 2015. p. 283. 64 MITIDIERO, Daniel Francisco. “Polêmica sobre a Teoria Dualista da Ação (Ação de Direito Material –

“Ação” Processual): uma Resposta a Guilherme Rizzo Amaral”. Genesis: Revista de Direito Processual Civil,

Curitiba, Genesis, 2004, n. 34, p. 690.

Page 58: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

57

A garantia constitucional da ação tem como escopo o direito ao processo, conferindo

às partes não somente a resposta do Estado, mas também o direito ao contraditório e à ampla

defesa, influindo sobre a formação do convencimento do juiz, observando-se o devido

processo legal (art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal).

Para concretizar a função jurisdicional, o magistrado, cônscio do conteúdo da

constituição, atribuirá sentido ao caso concreto, dando a tutela concreta ao direito substancial,

pacificando, assim, os conflitos, evitando a potencialização e o agravamento das discussões.

Cabe ao Estado-Juiz, por meio da jurisdição, tutelar os direitos e não apenas informar

quais são protegidos, realizando-os no plano fático, tornando-a efetiva65, descaracterizando-se

assim aquela ideia de que “a parte ganhou, mas não levou”.

O juiz contemporâneo deve se preocupar principalmente em proporcionar a eficiente

prestação jurisdicional, com resposta idônea ao gozo efetivo do direito pleiteado. O princípio

da efetividade está diretamente relacionado com a garantia da tutela executiva, com o

emprego de meios executivos necessários para efetivar o direito material no mundo fático,

sendo aptos a possibilitar a real satisfatividade do direito digno da respectiva tutela.

Assim também é o pensamento de Marcelo Guerra66 ao tratar da efetividade,

delineando “[...] um sistema completo de tutela executiva, no qual existem meios executivos

capazes de proporcionar pronta e integral satisfação a qualquer direito merecedor da tutela

executiva”.

A questão do acesso à justiça envolve a necessidade do direito de ir a juízo, seja para

requerer a tutela do Estado, servindo-se de uma petição inicial, seja também para apresentar a

sua resposta, através dos meios legais de defesa, imbuído da ideia de que os problemas

econômicos, sociais e culturais não impeçam o acesso à jurisdição, uma vez que isso negaria o

direito de desfrutar da prestação social necessária para o indivíduo viver de forma harmônica

na sociedade.

Desse modo, não haverá decisão legítima sem se oportunizar àqueles que são afetados

por seus efeitos jurídicos a apropriada oportunidade de participação na formação do julgado.

65 Nesse sentido, afirma Fredie Didier Jr: “[...] os direitos devem ser, além de reconhecidos, efetivados. Processo

devido é processo efetivo.” (DIDIER Jr, Fredie. 2015, op. cit., p. 113). 66 GUERRA, Marcelo Lima. Direitos Fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo: RT,

2003, p. 102.

Page 59: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

58

Explica-se, com isso, a cognição judicial, que é, conforme Kazuo Watanabe67,

prevalentemente um ato de inteligência, pois consiste em analisar e valorar as questões de fato

e de direito que são alegadas no processo pelas partes, e cujo resultado é o alicerce, o

fundamento do iudicium.

O magistrado, através da análise judicial, resolve as questões que lhe são postas,

realizando uma série de atividades intelectuais, fazendo valer a vontade da lei no caso

concreto.

A cognição servirá de preparo para a conclusão do juiz (que é a decisão ou o

provimento jurisdicional), resolvendo paulatinamente as várias questões de fato e de direito

relevantes da causa, de forma fundamentada.

A cognição68 é técnica comum a todos os tipos de processo, predominando com maior

intensidade no processo de conhecimento.

Luiz Marinoni69 explica ainda que a concretização do direito de acesso à justiça

“é indispensável à própria configuração de Estado, uma vez que não há como pensar em

proibição da tutela privada, e, assim, em Estado, sem se viabilizar a todos a possibilidade de

efetivo acesso ao Poder Judiciário.”

Deve-se buscar, também, a melhor verdade possível dentro do processo, levando-se

em conta as limitações existentes e a consciência de que a busca não é um fim em si mesmo,

apenas funcionando como um dos fatores para a efetiva realização da justiça, enaltecendo esse

direito do acesso à justiça, por meio da prestação jurisdicional de boa qualidade.

Analisando comparativamente o movimento de acesso à justiça, Cappelletti e Garth70

constataram três ondas (waves) que invadem em número crescente os Estados

contemporâneos.

67 WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. São Paulo: RT, 1987, p. 41. 68 “Explica-se esse conceito: a finalidade essencial do módulo processual de conhecimento é a obtenção de uma

declaração, consistente em conferir-se certeza jurídica à existência ou inexistência do direito afirmado pelo

demandante em sua petição inicial. Para prolatar o provimento capaz de permitir que se alcance esta finalidade, é

preciso que o juiz examine e valore as alegações e as provas produzidas no processo, a fim de emitir seus juízos

de valor acerca das mesmas. A esta técnica de análise e valoração é que se dá o nome de cognição” (CÂMARA,

Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 15.ed., revista e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2006, v. 1, p. 275). 69 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil: Teoria Geral do Processo. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2006, v.l, p. 185. 70 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto

Alegre: Fabris, 1988, p. 31-73.

Page 60: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

59

A primeira onda data da representação legal do pobre: a pobreza (pobreza econômica

e seus efeitos culturais, sociais e jurídicos) como obstáculo ao acesso ao Judiciário.

A segunda onda tem a ver com a proteção aos interesses difusos. O problema social

reside não só nas hipóteses de consumo, fraude publicitária, adulteração de alimentos,

poluição, como também em relação a minorias raciais e outras minorias (idosos e jovens).

A terceira onda diz respeito ao risco da burocratização do Poder Judiciário,

propondo-se atuação mais humana do julgador e a simplificação do procedimento e dos atos

judiciais e do próprio direito substancial.

No Brasil, o estudo dessas ondas teve como consequência uma série de reformas,

desde a implantação da gratuidade de justiça, indo até a reestruturação do Poder Judiciário,

por meio da Emenda Constitucional nº 45, além da instituição de novo Código de Processo

Civil (Lei nº 13.105, de 16/03/15) e continua se desenvolvendo, com o propósito de se obter o

que se chama de ordem jurídica efetiva, sob os aspectos formal e substancial.

Mauro Cappelletti e Garth71, em seus estudos sobre o acesso à justiça, afirmam que

este é o mais básico dos direitos do homem e o centro da doutrina processual moderna.

O amplo acesso ao Poder Judiciário é condição primordial para a realização do Estado

Democrático de Direito, devendo o processo ser utilizado de forma a garantir às partes acesso

à justiça, ou seja, a uma ordem jurídica justa.72

Nesse sentido, o STF73 decidiu que: “A ordem jurídico-constitucional assegura aos

cidadãos o acesso ao Judiciário em concepção maior. Engloba a entrega da prestação

jurisdicional da forma mais completa e convincente possível.”

Nessa perspectiva, acesso à ordem jurídica justa corresponde ao meio de buscar a

tutela do Estado-Juiz e ter à disposição instrumentos constitucionais previstos para alcançar

essa meta, uma vez que se garante aos jurisdicionados o devido processo constitucional.74

71 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. 1988, op. cit., p. 12-13. 72 “A problemática do acesso à justiça não pode ser estudada nos acanhados limites do acesso aos órgãos

judiciais já existentes. Não se trata apenas de possibilitar o acesso à justiça enquanto instituição estatal, e sim de

viabilizar o acesso à ordem jurídica justa”. (WATANABE, Kazuo. Acesso à Justiça e Sociedade Moderna. In:

GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido; WATANABE, Kazuo (org.). Participação e processo.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988, p. 128). 73 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 2ª T. RE. n. 158.655-9/PA – rel. Min. Marco Aurélio, Diário da

Justiça, Seção I, 2 maio 1997, p. 16567. 74 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência,

3. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 71.

Page 61: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

60

Asseguram-se aos litigantes condições importantes ao acesso formal e efetivo à

justiça, amparado no direito de requerer e, como consectário, conseguir a resposta no tempo

razoável. Pressupõe ser necessária a instrumentalização do processo, como meio de

concretização do direito substancial, que não pode ser afastado da realidade da sociedade.

Conquanto seja conferida ao cidadão a solução de suas controvérsias no Judiciário,

vários obstáculos são impostos aos litigantes, que muitas vezes não apresentam condições de

travar a luta com paridade de armas. À guisa de informação, citam-se as altas custas

processuais, a ausência de defesa técnica, o excesso de formalismo e legalismo, o

desconhecimento dos precedentes judiciais e a morosidade na resolução do processo.

Vale deixar claro que para se atingir o objetivo do processo, os legisladores e

magistrados devem escolher, dentre as alternativas processuais possíveis, aquelas que

traduzem em eficiência e menor custo operacional.

O que quer comprovar com isso que a adoção dos precedentes vinculantes tende a ser

uma opção viável para que o processo se desenvolva de forma mais econômica, célere,

isonômica, sem argumentações desnecessárias, otimizando o tempo do magistrado para

apreciação de outros casos mais complexos. Tudo isso vai importar no amplo acesso à justiça,

como justificado neste capítulo.

Por isso, a se refletir o direito processual na ideia de novo paradigma de efetividade

ampla, é necessário romper uma vez por todas com entendimentos retrógrados, que não mais

respondem aos imperativos do Estado Constitucional contemporâneo, a exemplo de que o

sistema de precedentes viola a garantia do acesso à justiça.

Não se pode concordar com isso, pois o direito fundamental do acesso à justiça não

pode demonstrar desvinculação com precedentes judiciais. Quando os tribunais superiores

descortinam o sentido da norma jurídica, o Poder Judiciário como um todo deve decidir de

conformidade com esse precedente, em casos futuros análogos.

Nesse sentido, Luiz Guilherme Marinoni75 leciona:

Assim, a vinculação aos precedentes, ao invés de negar, fortalece o direito de acesso

à justiça. Ora, não há como admitir decisões múltiplas e contraditórias a um mesmo

caso; a previsibilidade e a estabilidade são imprescindíveis. A previsibilidade

elimina a litigiosidade, evitando a propositura de demandas em um ambiente aberto

a soluções díspares, que, inevitavelmente, desgastam e enfraquecem o Poder

Judiciário [...] Afinal, se existe algo que viola o direito de acesso à justiça é a

75 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 5. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista

dos Tribunais, 2016, p. 154-155.

Page 62: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

61

imposição do ônus de a parte, desnecessariamente, litigar para ter seu direito

protegido. Isso viola, de forma inocultável, os direitos fundamentais à tutela

jurisdicional efetiva e à duração razoável do processo.

Necessário também evidenciar que a continuidade do movimento de acesso à justiça se

fez constar no novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015, atualizado pela Lei nº

13.256/2016), com a inclusão das técnicas de julgamento de recursos extraordinários e

especiais repetitivos e de incidentes de resolução de demandas em série e de assunção de

competência, além da instituição de um sistema vinculante de precedentes.

Por tudo isso, conclui-se que toda essa problemática exige do operador do direito

mudança de mentalidade e também mentalidade de mudança, forte na realidade social que se

apresenta em constante mutação, mormente se tratando de respeito à força obrigatória dos

precedentes.

Page 63: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

62

3 A TEORIA GERAL DOS PRECEDENTES JUDICIAIS E SUAS

ESPECIFICIDADES

As mudanças recentes no ordenamento jurídico brasileiro, tanto constitucionais, como

na legislação, convergem para a prática dos operadores do direito de empregarem decisões

prévias dos tribunais, sejam pacificadas ou isoladas, como mecanismos de aferição e

motivação das teses e pretensões jurídicas no caso concreto.

Ressalta-se que o estudo a respeito da utilização de precedentes vem obtendo espaço

no meio jurídico nacional e internacional.

Necessário aportar neste escrito algumas características que distinguem o precedente

do costume, jurisprudência, ementa, súmulas, coisa julgada e das decisões judiciais, pois

ainda não se tem a adequada categorização e compreensão sobre o tema.

Como consequência, vê-se o crucial caos teórico, sem a sistematização racional,

mesclando-se conceitos e categorias trazidas de outras tradições jurídicas, além de se

evidenciar a presença do uso aleatório de aspectos hermenêuticos na solução do problema em

relação ao caso paradigma.

Na perspectiva teórica, a lei em si passou a ser considerada uma variável inicial da

atividade de interpretação do caso jurídico. A posição do Judiciário nesse mister é estratégica

por diligenciar a formulação do direito por meio do processo dialógico com a participação de

todos os sujeitos processuais no ônus argumentativo. Sobressaem-se, assim, os

pronunciamentos jurisdicionais com força de precedentes, que passam a regular os

comportamentos sociais, dando-lhes segurança e previsibilidade.

Pela perspectiva político-institucional, o Poder Judiciário alcançou um degrau a mais,

institucionalmente falando, anteriormente ocupado pelo Legislativo, que em face das

transformações sociais constantes, deixou de legislar sobre temas essenciais e urgentes,

trazendo para o Judiciário o papel atípico último de realização e efetivação do direito.

Por outro lado, vê-se também a praticidade no acesso às diversas decisões dos

tribunais pátrios e também estrangeiros, por meio de mídias físicas e virtuais, sites

pretorianos, além de revistas especializadas e farta doutrina, de forma que a popularização dos

precedentes em muito auxilia no desenvolvimento profissional e na cognoscibilidade da

sociedade como todo, fortalecendo o sistema precedencialista.

Page 64: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

63

A atuação jurisdicional e o lugar dimensionado pelos seus decisórios são bastante

influenciados pelo sistema jurídico no qual o ordenamento está disposto. Cada país tem a sua

forma particular de operar com precedentes e sua funcionalidade diante dos ditames

constitucionais, da legislação respectiva e da hermenêutica utilizada.

No mundo atual existem duas tradições jurídicas que exercem grande influência nos

ordenamentos: a civil law e a common law. Ambas tem sido levadas para outros países,

divergindo por seu grau de eficácia.

Por outro lado, defende-se aqui neste escrito o entendimento de tratar o precedente

judicial como fonte do direito, porquanto ele é considerado um texto, de onde vai se

reconstruir a norma jurídica, da mesma forma que da lei se extrai um significado normativo.

As razões de decidir do pronunciamento judicial devem ser utilizadas pelos magistrados

subsequentes, de forma vinculante.

Não se vislumbra tratar o precedente como instituto isolado do ordenamento, como se

fosse um fenômeno estanque e não comunicável. Na realidade, os precedentes e as leis são

normas jurídicas e fontes distintas, que devem ser entendidas como parte de um sistema, que

respeitam iguais princípios e regras, devendo ambos conviverem de forma harmônica.

O sistema vinculante de precedentes sustenta vantagens e desvantagens que

necessitam ser aqui debatidas, de forma a legitimar democraticamente a opção adotada pelo

legislador e a evitar que seja mal aplicado pelos tribunais.

Page 65: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

64

3.1 AS TRADIÇÕES JURÍDICAS DO COMMON LAW E DO CIVIL LAW: DIÁLOGOS E

CONVERGÊNCIAS

São reconhecidas várias tradições jurídicas pelo mundo. O direito ocidental identifica

as duas tradições principais e detentoras de maior influência, que são a common law e a civil

law (também chamada romano-germânica). Aqui, pelo objeto do estudo, interessa apenas

esses dois sistemas.

A common law é a tradição jurídica que se faz presente nos ordenamentos que vige na

Inglaterra, Austrália, Irlanda, Estados Unidos, Canadá e Nova Zelândia, além de fundamental

influência no direito de alguns países da África e Ásia.

A respeito da common law, afirma Miguel Reale76 que "[…] se revela muito mais

pelos usos e costumes e pela jurisprudência, do que pelo trabalho abstrato e genérico dos

parlamentos. Trata-se, mais propriamente, de um Direito misto, costumeiro e jurisprudencial".

A tradição da civil law encontra-se inserida na Europa, na América Latina, no Brasil,

em diversos países da Ásia e da África. É a mais antiga e também a mais conhecida, tendo sua

origem ligada a 450 a.C., com a publicidade das Doze Tábuas em Roma.

Sobre o civil law o autor acima assevera que "[...] caracteriza-se pelo primado do

processo legislativo, com atribuição de valor secundário às demais fontes do direito."77

Essas duas tradições não estão separadas um da outra, tendo vários contatos e

recíprocas influências. Reconhecem-se que existem diferenças grandes entre os sistemas

jurídicos inseridos nesses países, haja vista a diversidade de normativos legais,

procedimentais e institucionais.

John Merryman e Pérez-Perdomo78 conceituam o termo tradição jurídica não o

complexo de instituições jurídicas, procedimentos e enunciados normativos vigentes em um

país (a isso, eles denominam de sistema jurídico), sendo na verdade:

[...] um conjunto de atitudes historicamente condicionadas e profundamente

enraizadas a respeito da natureza do direito e do seu papel na sociedade e na

organização política, sobre a forma adequada da organização e operação do sistema

legal e, finalmente, sobre como o direito deve ser produzido, aplicado, estudado,

76 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 142. 77 REALE, Miguel. 2003, op. cit. p. 141-142. 78 MERRYMAN, John Henry; PÉREZ-PERDOMO, Rogelio. A tradição da Civil Law: uma introdução aos

sistemas jurídicos da Europa e da América Latina. Tradução Cássio Casagrande. Porto Alegre: Sergio Antonio

Fabris Ed., 2009, p. 21-23.

Page 66: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

65

aperfeiçoado e ensinado. A tradição jurídica coloca o sistema legal na perspectiva

cultural da qual ele, em parte, é uma expressão.

Nesse viés, entende-se a tradição enquanto processo de desenvolvimento e

conhecimento cultural de determinada sociedade, dando-lhe significado e contextualização.

Resulta significação para o direito a partir da cultura do lugar, inter-relacionando-se.

As tradições jurídicas se assemelham por utilizarem textos de lei, doutrina e decisões

judiciais como artefatos do direito. A divergência é notada na forma de operar com esses

elementos e a primazia que lhes é atribuída, possuindo modelos próprios que dão moldura aos

seus institutos legais.

Ao se importar elemento de determinada tradição para outra, ocorre a modificação e

adaptação pelo ordenamento em que é inserido. A importação não acontece de forma pura.

Essa interiorização de técnicas, modelos e definições alienígenas no espaço de outro

ordenamento é denominada de recepção jurídica ou circulação de normativos. A tradição do

Brasil é notoriamente particular, apresentando sinais característicos das tradições da Europa e

dos Estados Unidos, o que se afigura uma tradição híbrida.

É certo que os sistemas do commom law e civil law nasceram em meio a situações

políticas e culturais diferenciadas, ocasionando o surgimento de tradições jurídicas distintas,

caracterizadas por elementos específicos de cada um. As discrepâncias culturais entre os

países por si só não são óbices para a implementação do fenômeno da recepção do direito.

Como exemplo, cita-se o ordenamento jurídico do Japão que sofre muita influência do Direito

francês, alemão e dos Estados Unidos.

O sistema brasileiro incorporou vários aspectos jurídicos advindos dos Estados

Unidos, a exemplo da forma federalista e republicana, o controle incidental de

constitucionalidade e o próprio papel desempenhado pelo STF, com inspiração estadunidense.

O devido processo legal na seara processual pátria é outro instituto importado do common

law.

A tradição jurídica do civil law, com forte influência da Revolução Francesa,

descaracterizou-se com a evolução da sociedade. O magistrado, baseado na corrente

positivista, antes vetado de interpretar a legislação, foi aos poucos trazendo para si essa

função interpretativa, principalmente com as novas definições de direito e da jurisdição,

fundamentado pelas ideias do neoconstitucionalismo.

Page 67: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

66

A forma de decisão a partir de precedentes, utilizando-os como fundamentos

argumentativos, constitui alicerce das tradições jurídicas anglo-saxônicas, com adesão ao

sistema do common law. No caso brasileiro, tem-se o sistema híbrido, com a feitura de

decisões judiciais baseadas em precedentes, com adaptação ao ordenamento previsto no civil

law. O Brasil é historicamente arraigado ao sistema jurídico romano-germânico, com feição

de civil law.79

Necessário entender que a segurança jurídica, muito forte no civil law por conta da

estrita aplicabilidade da lei, não tem como se afastar do sistema de precedentes, onde casos

iguais devem ser julgados do mesmo modo, dando racionalidade ao direito. Esse sistema não

é restrito ao desenvolvimento do direito do common law. O poder dos precedentes

obrigatórios é importante para manter coesão ao sistema jurídico, a isonomia, a estabilidade, a

previsibilidade e a efetividade das decisões das cortes supremas.

A jurisdição, antes com a sua característica declaratória da vontade da lei, destina-se

agora a levar o julgador a conformar todo o ordenamento jurídico aos direitos previstos na

constituição, fazendo valer a sua força normativa. Acrescenta-se que o magistrado não pode

agir como simples servo do Poder Legislativo. Sua função judicial vai muito além, devendo

adaptar as regras e os princípios às realidades sociais, com interpretação condizente com o

modelo de efetivação concreta dos direitos.

Luiz Guilherme Marinoni80 nesse mesmo sentido acentua:

A dificuldade em ver o papel do juiz sob o constitucionalismo impede que se

perceba que a tarefa do juiz do civil law, na atualidade, está muito próxima da

exercida pelo juiz do common law. Ora, é exatamente a cegueira para a aproximação

das jurisdições destes sistemas que não permite enxergar a relevância de um sistema

de precedentes no civil law.

O que pode variar entre os dois sistemas é a importância que se confere à legislação

codificada e a atividade que o magistrado leva em conta ao interpretá-la. O juiz tem a

79 Nesse contexto, segue o pensamento de Júlio César Rossi: [...] Nossos precedentes possuem características

muito peculiares que os afastam dos estadunidenses (common law), e também dos precedentes do civil law, não

porque os sistemas não interajam, mas pela existência da seguinte peculiaridade ou particularidade: pretendemos

construir um precedente que estabeleça uma série de soluções para abarcar as mais diversas peculiaridades

possivelmente existentes em qualquer espécie de lide (seja assemelhada, seja repetitiva), o qual possa ser fruto

de um único julgamento e cuja decisão seja de aplicação obrigatória a todos os demais, que se encontrem em

qualquer grau de jurisdição, sob pena de sua não aplicação gerar o cabimento de reclamação diretamente no

órgão judiciário criador da decisão-padrão, cabendo a ele verificar se é ou não caso de aplicação do seu

precedente. (ROSSI, Júlio César. Precedente à Brasileira: A jurisprudência vinculante no CPC e no novo CPC.

São Paulo: Atlas, 2015, p.152-153) 80 MARINONI, Luiz Guilherme. 2016, op. cit., p. 60.

Page 68: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

67

incumbência de preservar a coerência do direito e de manter o respeito e a credibilidade do

Judiciário perante a sociedade. Ele não soluciona o caso para si, mas para o cidadão, que ali

aporta sua demanda. O julgamento do juiz de piso deve respeitar a autoridade das decisões

judiciais das cortes de vértice.

Necessário frisar que o reconhecimento da jurisprudência como fonte é decorrência,

principalmente, das interações entre as duas tradições jurídicas da common law e civil law. A

decisão jurisdicional, além de norma particular para o caso sob exame, também serve de

normativo geral para casos futuros semelhantes, dando ênfase à parte da fundamentação, de

onde se retira o precedente, com eficácia vinculante ou persuasiva.

Durante o curso do presente trabalho outras características serão vistas sobre as duas

tradições jurídicas, dentro do contexto apropriado ao tema.

Page 69: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

68

3.2 PRECEDENTES JUDICIAIS: CONCEITO, NATUREZA JURÍDICA E EFICÁCIA

Aloca-se o precedente como fazendo parte da Teoria Geral do Direito, a qual trata de

matéria jurídica que tem a diretriz de elaborar, organizar e desenvolver ideias essenciais à

intelecção do método jurídico e da análise do direito. Essa disciplina relaciona-se de igual

modo com a teoria das fontes.

Com o neoconstitucionalismo, diversas mudanças ocorreram nos últimos anos,

especialmente sobre a Teoria do Direito e consequentemente sobre a Teoria Geral do

Processo, que está contida na primeira disciplina.

Com relação ao Direito Constitucional, três significativas alterações: o

reconhecimento da constituição como fonte normativa principal, que produz eficácia e

aplicabilidade imediata; os direitos fundamentais que passaram a orientar a produção de

outras normas e também como direitos subjetivos; e o alargamento da jurisdição

constitucional, a exemplo de mecanismos de controle de constitucionalidade, do instituto da

repercussão geral, da constitucionalização do direito processual, entre outros.

Relacionando-se com a Teoria das Fontes, necessário afirmar três amplas mudanças: o

enquadramento dos princípios como norma jurídica; as cláusulas gerais; a jurisprudência

entendida como fonte normativa.

De acordo com Fredie Didier, há uma proximidade entre a cláusula geral e o

precedente judicial, revelando-se em duas facetas:

[...] Primeiramente, a cláusula geral reforça o papel da jurisprudência na criação de

normas gerais: a reiteração da aplicação de uma mesma ratio decidendi dá

especificidade ao conteúdo normativo de uma cláusula geral, sem, contudo,

esvaziá-la; [...] Além disso, a cláusula geral funciona como elemento de conexão,

permitindo ao juiz fundamentar a sua decisão em casos precedentemente julgados.

Continuando, Didier faz a distinção entre cláusula geral e princípio, onde expõe:

[...] Cláusula geral é um texto jurídico; princípio é norma. São institutos que

operam em níveis diferentes do fenômeno normativo. A norma jurídica é produto da

interpretação de um texto jurídico. Interpretam-se textos jurídicos para que se

verifique qual norma deles pode ser extraída. Um princípio pode ser extraído de uma

cláusula geral, e é o que costuma acontecer. Mas a cláusula geral é texto que pode

servir de suporte para o surgimento de uma regra [...].81

81 DIDIER JR., Fredie. Sobre a Teoria Geral do Processo, essa desconhecida. Salvador: Juspodivm, 2012,

p. 160-161.

Page 70: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

69

Essencial ressaltar que o princípio do devido processo é exemplo de norma que advém

de uma cláusula geral. O regramento de que a decisão deve ser fundamentada é exemplo

também da cláusula geral do devido processo.

É inegável que a subsistência de cláusulas gerais dignifica a criatividade jurisdicional,

onde o campo de atuação do juiz é mais fértil para a edificação do sistema jurídico, com a

resolução dos conflitos levados a sua apreciação.

O reconhecimento da força obrigatória do precedente é fenômeno que pode acontecer

em qualquer lugar, não sendo exclusividade deste ou daquele país. Todo sistema jurídico

reporta-se a precedentes, como parte de sua experiência metodológica, diferenciando quanto à

forma e quanto ao reconhecimento alcançado em cada sistema jurídico.

O stare decisis é uma linguagem latina que tem o sentido de “concordar com ou anuir

a casos já solucionados ou não perturbar coisas que estão estabelecidas”, o que no mundo

jurídico esta expressão está relacionada à cultura de respeito dos tribunais aos precedentes. A

regra jurídica estabelecida no caso paradigma deve ser seguida e empregada em todos os

casos posteriores em que há semelhança de fatos e de direito.

A doutrina do stare decisis, no pensamento de Toni M. Fine, estipula que, “uma vez

que um tribunal tenha decidido uma questão legal, os casos subsequentes que apresentem

fatos semelhantes devem ser decididos de maneira consentânea com a decisão anterior”.82

Esse princípio não prescreve total obediência às decisões pretéritas. Ele possibilita que

os tribunais aufiram benefícios da sabedoria do passado, mas não aceitem o que já esteja

superado ou errôneo, com a análise sólida e fundamentada sobre a aplicabilidade do

precedente. O stare decisis não proclama apenas estabilidade e uniformidade, deixando

patente a flexibilidade para o desenvolvimento do direito, se necessária for.

São expressões que não se equivalem – stare decisis e precedentes – bastante

utilizados na prática como equivalentes. O desenvolvimento prático do primeiro leva aos

precedentes judiciais, porquanto aquele garante a estabilidade das decisões pretorianas, dando

racionalidade ao sistema. Os precedentes dizem respeito ao procedimento do tribunal e juízes

de instâncias inferiores em segui-los, como decorrência da regra do stare decisis.

A existência de um padrão de stare decisis abarca dois requisitos: a) um sistema

organizado de magistrados e tribunais, de forma hierarquizada, tanto vertical (respeito aos

82 FINE, Toni M. O uso do precedente e o papel do princípio do stare decisis no sistema legal

norte-americano. Revista dos Tribunais, São Paulo: RT, vol. 782, 2000, p.90.

Page 71: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

70

precedentes das cortes superiores pelos juízes de instância inferior) quanto horizontalmente

(observância dos precedentes pelos juízes da própria corte); b) publicidade e divulgação do

conteúdo dos padrões decisórios para consulta e acesso por toda a comunidade jurídica e

também da sociedade.

Nesse sentido, passa-se a discorrer sobre tópicos necessários ao entendimento do tema.

3.2.1 Conceito: Distinções Relevantes

É sabido que toda norma jurídica é alvo de ser interpretada, quer seja o ato normativo

escrito (seu foco mais abrangente), quer seja a decisão formada em juízo, como também o

direito relativo aos costumes ou ao tratado de ordem internacional. Isso é necessário para se

aclarar o verdadeiro sentido e alcance do texto normativo.

As normas representam o significado tirado de uma ou mais disposições legais ou de

atos normativos, de conformidade com o trabalho do intérprete na ocasião da aplicação. Por

isso, a norma traduz-se no resultado desse exercício interpretativo.

Cabe ao tribunal a incumbência de interpretar a norma jurídica para decidir um caso

concreto e, a partir daí, extrair o precedente que vai gerir os casos análogos posteriores. Há a

atividade de interpretação por parte do juiz, assim como o necessário contraditório com a

participação efetiva das partes sobre a maneira exata de se aplicar o pronunciamento, que terá

força vinculante.

Com o fortalecimento dos precedentes, desafia-se para o Judiciário a relevante função

de preservação dos princípios da segurança jurídica e da igualdade dos jurisdicionados, ambos

inseridos na constituição.

O CPC/2015 titubeia na utilização corrente de termos como “precedente”,

“jurisprudência” e “súmula”, de forma atécnica e inadequada, por vezes. Há, pois, uma

diferenciação entre essas expressões.

Inicia-se por definir o que seja precedente. Trata-se de decisão judicial, prolatada em

um processo prévio, que servirá como alicerce para formação de outro pronunciamento

jurisdicional, que vem a ser posteriormente proferido. A decisão anterior que serviu de base é

considerada o precedente.

Page 72: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

71

Karl Larenz83, em enxuto conceito, afirma que os precedentes judiciais são

“resoluções em que a mesma questão jurídica, sobre a qual há que decidir novamente, já foi

resolvida uma vez por um tribunal noutro caso”.

Por outro lado, justifica-se também que a decisão pronunciada por um tribunal, nem

sempre se considera um precedente. A resposta estatal deve transcender o caso particular,

devendo gerar efeitos normativos para frente em casos análogos. Deve proporcionar conteúdo

com a característica de universalização e de dizer a regra jurídica.

Hermes Zaneti Jr84 assim propõe:

Os precedentes [...] não se confundem também com as decisões judiciais. Isso

porque as decisões judiciais, mesmo que exaradas pelos tribunais superiores ou

Cortes Supremas, poderão não constituir precedentes. Neste sentido, duas razões

podem ser indicadas para que nem toda decisão judicial seja um precedente: a) não

será precedente a decisão que aplicar lei não-objeto de controvérsia, ou seja, a

decisão que apenas refletir a interpretação dada a uma norma legal vinculativa pela

própria força da lei não gera um precedente, pois a regra legal é uma razão

determinativa, e não depende da força do precedente para ser vinculativa; b) a

decisão pode citar uma decisão anterior, sem fazer qualquer especificação nova ao

caso e, portanto, a vinculação decorre do precedente anterior, do caso-precedente, e

não da decisão presente no caso-atual [...] Assim como, não será precedente, a

decisão que apenas se limitar a indicar a subsunção de fatos ao texto legal, sem

apresentar conteúdo interpretativo relevante para o caso-atual e para os

casos-futuros.

Mesmo possível denominar todo precedente como uma decisão, o contrário não

acontece, porque nem todo decisório judicial será obedecido como precedente. Nem toda

decisão jurisdicional cuidará de circunstância que retornará ao crivo do Judiciário, por não

possuir caráter de construção de uma norma universalizante, qualidade fundamental para o

emprego de precedentes. Os precedentes são motivos generalizáveis que possibilitam a sua

identificação no cotejo com as decisões judiciais e são criados a partir desses decisórios, os

quais servem como matéria prima.

Júlio César Rossi85 assim define o que é precedente:

Entendamos o precedente como resultado (norma jurídica estabelecida para uma

dada situação concreta) de um único julgamento, de uma série de julgamentos,

oriundos de um tribunal local, federal, ou mesmo dos Tribunais Superiores e do

STF, o fato é que o precedente não é apenas e tão somente, por assim dizer,

‘julgado’. Ele representa a essência, o ponto central da discussão levado à

apreciação do Poder Judiciário para a solução de uma determinada lide. [...] Uma

83 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009,

p. 611. 84 ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes: teoria dos precedentes normativos formalmente

vinculantes. 3. ed. rev., amp. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2017, p. 333-334. 85 ROSSI, Júlio César. 2015, op. cit., p. 159.

Page 73: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

72

premissa parece clara: o precedente não se confunde com texto legal, de modo que

não traz em seu bojo as características da generalidade, abstratividade,

imperatividade, impessoalidade etc., todos esses elementos ínsitos à qualidade

normativa.

Para compreender melhor o sistema de precedentes, necessário estabelecer uma

diferenciação entre estes e a jurisprudência, aqui exemplificando o artigo 926 do CPC “Os

tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”.

Direito Jurisprudencial é um discurso empregado habitualmente nos países de civil

law. Conceitua-se jurisprudência como várias decisões judiciais, prolatadas pelos tribunais,

sobre determinado tipo de questão, no mesmo sentido.

Ela é constituída por precedentes vinculantes e de persuasão, que são empregados

como fundamentação jurídica em outros feitos, e também formada de simples decisões

reiteradas. No entanto, a jurisprudência não se caracteriza como uma fonte de força

obrigatória e que tenha validade, sob o aspecto dogmático, a exemplo da constituição e da lei,

as quais são reconhecidas como vinculantes.

Michele Taruffo, tratando de jurisprudência e precedente, explica que há uma

distinção entre ambos, tanto de caráter quantitativo, quanto de qualitativo. No aspecto

quantitativo, ao referir-se à formação do precedente seria necessária apenas a decisão inerente

a um caso específico, enquanto que a jurisprudência refere-se à pluralidade de decisórios

decorrentes de inúmeros casos concretos (às vezes dezenas ou centenas).

Quanto ao viés qualitativo, os precedentes identificam o regramento universalizável, o

qual é aplicado como critério que servirá de paradigma para a decisão no futuro caso

concreto, por conta da semelhança ou da análise comparativa dos fatos da causa anterior e do

subsequente. O magistrado do caso posterior que dirá se existe ou não precedente, dando-lhe

concretude.86

No sentido descrito pelo autor, constata-se diferença quantitativa importante entre os

dois institutos. O precedente trata-se de decisão judicial, que foi prolatada em um caso,

servindo de diretriz para casos análogos futuros. A jurisprudência, de outro modo, trata-se de

uma gama reiterada de decisões judiciais, com entendimento linear e constante sobre

determinado tipo de matéria, dando azo a demonstrar o pensamento do tribunal sobre a

interpretação da norma jurídica.

86 TARUFFO, Michele. Precedente e giurisprudenza. Napoli: Editoriale Scientifica, 2007, p. 11-20.

Page 74: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

73

O precedente é objetivo, pois se reporta à decisão que vai servir de suporte para

decisão de outras ações. A jurisprudência, no entanto, ela tem caráter abstrato, não estando

configurada de modo objetivo em julgamento algum, pois extraída da interpretação e

aplicação pelo tribunal de similar matéria jurídica, de forma majoritária em relação ao seu

entendimento, não tendo autoridade vinculante.

A jurisprudência predominante pode ser transformada em enunciado de súmula,

tradicionalmente chamada de súmulas, que é o resultado do precedente que se constituiu em

uma jurisprudência majoritária, ou seja, é a síntese da jurisprudência que predomina no

tribunal.

Adquire o nome de súmulas por advir de órgão fracionário de determinada corte. O

tribunal, ao verificar já ter constituído o entendimento majoritário, firme e constante acerca de

certa matéria jurídica, formaliza essa construção mediante verbete de súmula, materializando

objetivamente a jurisprudência dominante naquele sentido. Elas constituem método de

trabalho, não dispondo também de força vinculante.

Segundo Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery87, a melhor definição de

súmula é:

O conjunto das teses jurídicas reveladoras da jurisprudência reiterada e

predominante no tribunal e vem traduzido em forma de verbetes sintéticos

numerados e editados. O objetivo da súmula é fixar teses jurídicas in abstrato que

devem ser seguidas pelos membros do tribunal, de modo a facilitar o exercício da

atividade jurisdicional pelo tribunal que as editou.

Não se permite informar apenas o enunciado da súmula, mas de igual modo as

decisões judiciais oriundas dos processos em que tal assunto foi discutido e decidido

(referência aos precedentes anteriores), possibilitando o conhecimento das circunstâncias que

conduziram à construção daquele verbete e as razões jurídicas que alicerçaram tal

entendimento. 88

Somente dessa forma haverá a possibilidade de se demonstrar o alcance certo da

norma jurídica que se pretendeu arrematar no enunciado sumular.

87 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal comentada. 2. ed. São

Paulo: RT, 2009, p. 529. 88 Esse requisito está disposto no art. 926, par. 2º, do CPC, que diz: “Ao editar enunciados de súmula, os

tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação”. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em 25 fev.2018.

Page 75: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

74

Cumpre registrar que os regimentos internos dos tribunais devem prever o

procedimento para construção de súmulas, bem como a sua alteração e eventual

cancelamento, com a previsão de realização de audiências públicas e intervenção do amicus

curiae, de forma que haja o contraditório substancial a respeito da rediscussão da regra

jurídica firmada.89

Sem o desejo de aprofundar o assunto, forçoso determinar a diferença entre súmula

vinculante e demais enunciados de súmulas das cortes.

A súmula vinculante está prevista no art. 103-A, da Constituição Federal, dando

legitimidade ao Supremo Tribunal Federal, de ofício ou a requerimento, para aprovar súmulas

que terão efeito vinculante aos órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e

indireta, nos âmbitos federal, estadual, municipal e distrital, de forma que esses entes

judiciários e administrativos não podem decidir em desconformidade com as referidas

súmulas. São, pois, de aplicação obrigatória, não podendo deixar de aplicá-las e decidir de

forma desigual.

Os enunciados de súmula, chamados persuasivos, não possuem eficácia vinculante,

sendo simplesmente argumentativos, permitindo aos juízes decidirem legitimamente de modo

diferente, desde que o faça de forma fundamentada, justificando o não emprego do enunciado

sumular. Essas súmulas indicam qual entendimento tem predominado em determinado

tribunal.

Quando o precedente é reiteradamente utilizado, transforma-se em jurisprudência que,

se predominante na corte, pode resultar na emissão do enunciado de súmula.

Ademais, distingue-se a ementa do precedente, porque aquela corresponde ao requisito

obrigatório que deve constar dos acórdãos proferidos pelos tribunais90, contendo resumo do

julgado, principalmente com o objetivo de publicidade e documentação. O precedente diz

respeito a todo o texto do decisório judicial. A ementa faz parte do texto decisório, não

devendo ser confundida com a norma que é edificada por meio do precedente.

89 Conferir art. 927, par. 2º, do CPC.

90 Ver art. 943, par. 1º, do CPC, que preceitua essa regra. “Art. 943. [...]. par. 1o Todo acórdão conterá ementa.

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 25 fev.

2018.

Page 76: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

75

Coadunando com o pensamento acima, Maurício Ramires reconhece que a ementa

“deve ser vista como não mais que um instrumento para proporcionar a catalogação da

decisão nos repertórios jurisprudenciais, facilitando o acesso à informação nela contida”91

Outra diferenciação que deve ser registrada diz respeito ao precedente e ao costume.

Aquele depende de um procedimento jurisdicional para que seja formado, enquanto o costume

não se submete a qualquer atividade judicante, sendo formado a partir de reiterados usos

sociais e reconhecidos pelo respectivo grupo. O precedente é fonte de direito oriundo do

Poder Judiciário, enquanto que o costume não advém de fonte estatal, podendo servir de base,

no entanto, para fundamentar a decisão judicial.

Por fim, também não se confunde coisa julgada com o precedente. Assemelham-se

por ambos preservarem a segurança jurídica, por estarem contidos na decisão judicial e por

vincularem os juízes subsequentes. Por outro lado, enquanto a coisa julgada tem eficácia entre

as partes processuais, o precedente está relacionado a todos os cidadãos, forte nos requisitos

da previsibilidade e confiança legítima.

A coisa julgada torna imutável e indiscutível o que foi decidido na sentença, com

efeitos extraprocessuais, impedindo que aquela mesma causa seja rediscutida em juízo,

envolvendo as partes litigantes, obrigando juízes hierarquicamente iguais ou superiores. O

precedente judicial põe fim à discussão das questões jurídicas, no que se refere à

constitucionalidade e/ou interpretação de uma lei, vinculando os magistrados

hierarquicamente inferiores, quanto à ratio decidendi daí extraída.

3.2.2 Natureza Jurídica

O vocábulo fonte significa nascente, procedência e atributo para diversas

manifestações jurídicas. Ao referir-se à fonte de direito, tem-se em evidência que se pretende

determinar a proveniência, onde se produz e se mostra o direito. A doutrina especifica as

fontes materiais ou substanciais e formais, mecanismos pelas quais o Direito se exterioriza no

ordenamento do país.

São exemplos de fontes formais a lei, o negócio jurídico, o precedente e o costume. Já

as fontes materiais dizem respeito às instituições ou grupos que detém competência para

91 RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2010, p. 49.

Page 77: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

76

emitir normas, por conta de sua autoridade, a exemplo do Congresso Nacional e do Poder

Executivo. Para o presente trabalho importam as fontes formais de direito.

Segundo TUCCI, a expressão fonte de direito, no âmbito do discurso jurídico, tem

significado o início do direito objetivo e, sob outra concepção, o veículo por meio do qual se

conhece o direito de certa experiência jurídica pretérita ou o local onde ele se apresenta. As

fontes formais de criação do direito são os modos pelos quais este último é manifestado.92

Assim, necessária a incursão sobre o tratamento dado aos precedentes enquanto

instrumento que emana normas jurídicas, delimitando-o como fonte, pois possibilitam a

extração de regras que fundamentarão novos julgamentos.

Conforme já visto, o precedente constitui a decisão primeira que formaliza a

tese/fundamentação jurídica, delineando de forma definitiva, tornando-a clara. Importante

justificar que o precedente pode assumir tecnicamente dois sentidos, extraído do magistério de

Lucas Buril93:

[...] Em sentido próprio, continente ou formal, é fato jurídico instrumento de criação

normativa, em outras palavras: é fonte de Direito, tratando-se de uma designação

relacional entre duas decisões. Já precedente em sentido impróprio é norma,

significado alcançado por redução do termo “norma do precedente”, que é

precisamente a ratio decidendi, esse sentido é também o substancial.

Os precedentes devem ser considerados fonte primária do direito, com caráter

vinculativo, no sentido próprio ou formal. É por meio da decisão que se identificará a norma

ou motivos determinantes do julgado. Trata-se de efeito anexo da respectiva decisão que dá

origem ao normativo que regerá casos futuros parecidos. O fato jurídico corresponde à

decisão formada em juízo.

Percebe-se que o segundo significado é o menos apropriado, pois confunde-se

precedente com a própria razão de decidir (ratio decidendi), que está contida no texto

decisório. Ele é referenciado pela própria norma extraída da motivação do julgado,

revelando-se como conceituação estrita. Neste caso, o precedente como sinônimo de ratio

decidendi configura princípio ou uma regra e não como fonte normativa do direito.

92 TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2004, p.19-21. 93 MACEDO, Lucas Buril de. Precedentes Judiciais e o Direito Processual Civil. 2. ed. rev., atual. e ampl.

Salvador: JusPodivm, 2017, p. 73.

Page 78: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

77

Assiste razão à Paula Sarno94, quando diz que a decisão judicial é, então:

[...] dupla fonte normativa, com a criação da norma individual que vincula as partes

do caso e da norma geral que vincula ou persuade também outros juízes e

jurisdicionados no bojo do julgamento de casos futuros, ainda mais quando

produzidas por tribunais superiores.

Os precedentes devem ser vistos, pois, como norma, sendo fonte formal primária e que

vincula os tribunais inferiores quanto ao que foi solucionado, haja vista a existência de uma

regra ou princípio com caráter universal.

Pelo fato de o Brasil ser compreendido pela doutrina dominante como país de tradição

civil law, é que decorre o papel da lei como critério principal para aplicação do direito,

especialmente o da subsunção. O juiz apenas declara a norma já existente para a resolução

correta do caso. Nesse compasso, extrai-se a negativa de que a jurisprudência não é fonte do

direito ou é caracterizada apenas como fonte secundária.

Mas não se pode pensar dessa forma, pois a interpretação legislativa não se resume

apenas em declarar o direito preexistente ou extrair um significado normativo. O processo

jurisdicional deve colaborar com a lei com o intuito de fornecer sentido ao direito, tornando-o

denso, objetivado e acessível aos jurisdicionados.

A observância dos precedentes é necessária ao Estado de Direito, muito embora tal

princípio não seja absoluto, a impor respeito de forma automática, sem algum senso crítico

por parte da comunidade jurídica e do juiz. A aplicabilidade sem motivação dos precedentes

gera a petrificação do direito, ocasionando, muitas vezes, injustiças na solução do caso.

Alterar os precedentes, não dar guarida a casos futuros e criação de novos

entendimentos judiciais fazem parte da desenvoltura da jurisprudência como fonte normativa.

Isso é normal, diante das mutações sociais, políticas, culturais e econômicas. O que não são

aceitáveis são mudanças arbitrárias, aleatórias, sem motivação e de forma constante, que

provocam instabilidade e insegurança ao sistema.

Assim, o respeito ao precedente por conta de sua obrigatoriedade ou o entendimento

de que é fonte formal não induz, por si só, que o Poder Judiciário tem força para criar o

direito, por sua própria vontade.

94 BRAGA, Paula Sarno. Norma de processo e norma de procedimento: o problema da repartição de

competência legislativa no Direito Constitucional brasileiro. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 57.

Page 79: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

78

De outro ângulo, Pontes de Miranda, falando de incidência da regra e a eficácia, assim

afirmou:

A incidência da regra jurídica é sua eficácia; não se confunde com ela, nem com a

eficácia do fato jurídico; a eficácia da regra jurídica é a sua incidência; a do fato

jurídico, irradia-se, é juridicização das consequências dele, devido à incidência.

Cada regra de direito enuncia algo sobre fatos (positivos ou negativos). Se os fatos,

de que trata, se produzem, sobre eles incide a regra jurídica e irradia-se deles (feitos,

com a incidência, jurídicos) a eficácia jurídica. Já aqui estão nitidamente

distinguidos, apesar da confusão reinante na ciência europeia: a eficácia da regra

jurídica, que é de incidir, eficácia “legal” (da lei), eficácia nomológica (=da regra

jurídica); e a eficácia jurídica, mera irradiação de efeitos dos fatos jurídicos.95

Conquanto os precedentes já se encontrem presentes nos mais diversos sistemas

jurídicos, o grau de eficácia que contém é que é variável de acordo onde estão inseridos,

assunto que será abordado no próximo item.

3.2.3 Eficácia da Norma do Precedente

Necessário registrar que o precedente judicial é formado por duas partes: as

circunstâncias fáticas que nutrem a controvérsia e a tese ou razão jurídica (denominada de

ratio decidendi) figurada na fundamentação da decisão.

TUCCI96 sobre a ratio decidendi afirma:

[...] constitui a essência da tese jurídica suficiente para decidir o caso concreto [...].

É essa regra de direito (e, jamais de fato) que vincula os julgamentos futuros inter

alia. [...] Cumpre esclarecer que a ratio decidendi não é pontuada ou individuada

pelo órgão julgador que profere a decisão. Cabe aos juízes, em momento posterior,

ao examinarem-na como precedente, extrair a ‘norma legal’ (abstraindo-a do caso)

que poderá ou não incidir na situação concreta. [...] A submissão ao precedente,

comumente referida pela expressão stare decisis, indica o dever jurídico de

conformar-se às rationes dos precedentes [...].

Nesse mesmo diapasão, assume a ratio decidendi a feição de escolha hermenêutica,

com diretriz universal, repercutindo-se sobre todos os casos posteriores, aos quais são

pertinentes, disciplinando-os.

95 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. 4. ed. São Paulo: RT, 1983,

tomo I, p. 16-17. 96 TUCCI, José Rogério Cruz e. 2004, op. cit., p. 175.

Page 80: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

79

O que dá eficácia vinculante ao precedente são os fundamentos determinantes

(tradicionalmente chamados de ratio decidendi) do decisório judicial colegiado, que tenham

tido guarida ao menos pela maioria que integra a turma julgadora e que tenham passado pelo

crivo do contraditório.

Os fundamentos não determinantes da decisão, ou melhor, prescindíveis para o

deslinde do conflito e que também contribuem para o resultado revelado na parte dispositiva,

são chamados de obiter dictum ou dictum, não possuindo efeito vinculante.

O obiter dictum, apesar de não servir como precedente vinculante em caso similar, não

é desprezível, podendo orientar o futuro julgamento da corte, como argumento persuasivo.

Trata-se de simples opinião ou juízo acessório, dita de passagem no texto. Não apresenta

nenhuma eficácia e não tem a possibilidade de ser denominado de precedente nas decisões

subsequentes.

Cumpre ressaltar o pensamento de Daniel Mitidiero97 assim disposto:

A percepção de que o magistrado, ao apreciar uma demanda, (re) constrói duas

normas jurídicas é fundamental para que se possa entender, em primeiro lugar, a

diferença entre o efeito vinculante do precedente – na verdade, da ratio decidendi

contida num precedente -, [...], e o efeito vinculante da coisa julgada erga omnes,

presente em determinadas situações [...].

[...], é imprescindível perceber que a fundamentação da decisão judicial dá ensejo a

dois discursos: o primeiro, para a solução de um determinado caso concreto,

direcionado aos sujeitos da relação jurídica discutida; o outro, de ordem

institucional, dirigido à sociedade, necessariamente com eficácia erga omnes, para

apresentar um modelo de solução para outros casos semelhantes àquele.

Destarte, o juiz ao solucionar a causa dá azo a duas normas jurídicas, uma de

amplitude geral e outra de forma individual. Afirma-se norma geral porque o princípio

jurídico que se extrai do caso específico pode ser utilizado em outras circunstâncias concretas

semelhantes àquele anteriormente formado.

A norma geral, assentada pela jurisprudência, denomina-se de ratio decidendi

(também chamada de holding no direito estadunidense), que se encontra fincada na motivação

da decisão. Representa as razões jurídicas e substanciais que dão base à decisão (fundamentos

determinantes), devendo ter a sua interpretação e compreensão no exame do caso concreto.

A norma geral assentada pelo precedente constitui efeito secundário do decisório, com

efeito erga omnes, não dependente de manifestação jurisdicional nesse sentido.

97 MITIDIERO, Daniel. Fundamentação e precedente – dois discursos a partir da decisão judicial. Revista

de Processo. São Paulo: RT, 2012, n. 206, p. 61-69.

Page 81: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

80

Por outro lado, a norma individual encontra-se presente na parte dispositiva do

decisório e rege apenas aquele caso concreto apreciado pelo juiz, onde este vai dispor se julga

procedente ou improcedente o pedido formulado. Caracteriza-se também pelo fato de ficar

protegida pela coisa julgada material.

O ordenamento jurídico brasileiro tem conhecimento de duas formas de precedentes

(vinculantes e não vinculantes, estes últimos também conhecidos como persuasivos). Os

primeiros prestam-se a garantir que casos similares tenham julgamentos iguais, com eficácia

vinculativa, dando vazão aos princípios da igualdade e da segurança jurídica, como antes

falado, comumente reconduzidos à tradição do common law.

O precedente vinculante ou obrigatório gera a obrigação de respeito à norma nele

exposta para o julgador futuro, que, ao não aplicá-lo corretamente, comete erro, objeto de

eventual recurso pela parte prejudicada.

Sendo precedente persuasivo, nenhum juiz tem a obrigação de segui-lo, não tendo

eficácia vinculante, rotineiramente atrelado à tradição do civil law. Se o utiliza como

precedente é porque convenceu-se de que está correto para o caso sob análise.

Não se defende aqui a ideia de força do precedente vinculado a essa ou àquela tradição

jurídica. Correto falar relacionando-a à medida de intensidade que o precedente pode

influenciar nos decisórios futuros de cada ordenamento, ou seja, diz respeito à autoridade ou

valor que o precedente assume naquele país.

Justifica-se tal assertiva exemplificando o sistema inglês (common law), referenciado

como de maior eficácia da força do precedente e verifica-se, no entanto, a utilização da

técnica interpretativa para distinguir ou superar entendimentos anteriores, possibilitando, com

isso, flexibilidade na vinculação ante a situação concreta sob análise, que não condiz mais

com a realidade.

Para Rupert Cross e J. W. Harris98, a sistematização dos precedentes no que tange a

sua autoridade está atrelada à hierarquização dos tribunais, ou seja, diz respeito ao

funcionamento do Poder Judiciário, dentro de suas respectivas competências, dispondo do elo

que envolve o órgão prolator da decisão do caso concreto e o juízo do precedente.

Interessante dizer que a forma como o Judiciário está estruturado tem sua relevância

no desenvolvimento do stare decisis, por consequência da competência recursal.

98 CROSS, Rupert; HARRIS, J. W. Precedent in English law. 4. ed. Oxford: Claredon Press, 2004, reimpressão

da edição de 1991, p. 5.

Page 82: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

81

Outrossim, classificam-se os precedentes vinculantes em verticais e horizontais, de

acordo com o critério sob qual órgão existe a vinculação, haja vista a conexão hierárquica que

permeia o órgão que proferiu o pronunciamento judicial e o juiz ou tribunal subsequente que

analisa o precedente.

Precedentes horizontalmente obrigatórios são aqueles que informam a força de

persuasão que a decisão anterior tem em comparação com os órgãos que se enquadram no

mesmo nível do que proferiu aquele primeiro decisório. Tem autoridade sobre o próprio órgão

que prolatou a decisão. Entre juízos do mesmo padrão não deve haver qualquer distinção de

autoridade.

Exemplo característico e relevante de precedente horizontal é o denominado

autoprecedente, quer dizer, daquele oriundo do mesmo tribunal que aprecia o caso posterior.

Nesse caso, resta à corte vincular-se ao próprio precedente, porquanto casos semelhantes

devem ser julgados de igual forma, de conformidade com o princípio da isonomia. No

entanto, deve-se registrar aqui a admissão do critério da flexibilidade quanto à manutenção ou

não desse precedente, diante de mudança de entendimento, devidamente fundamentado e de

forma racional.

Precedentes com força vinculante vertical são aqueles proferidos por tribunais que tem

grau de hierarquia superior na estrutura do Judiciário e que tem competência para dizer a

última palavra sobre determinada questão jurídica. Os juízes e tribunais inferiores a eles

devem obediência.

O precedente é uma decisão judicial, sendo que sua força, ora vinculante ora

persuasiva, será identificada em conformidade com a cultura de cada ordenamento jurídico e

também com a análise de sua legislação.

A seguir, passa-se a descrever o sistema de precedentes no direito alienígena, também

conhecido como estrangeiro, à guisa de comparação.

Page 83: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

82

3.3 A VINCULATIVIDADE DOS PRECEDENTES NO DIREITO COMPARADO

O mundo inteiro assiste ao momento de ascendência do Poder Judiciário, desde o pós

2ª Guerra Mundial, onde as democracias deram-se conta da relevância de um sistema judicial

robusto e independente, com vista à proteção dos direitos fundamentais.

É nessa seara que a função da jurisprudência e a aplicação dos precedentes tornam-se

imprescindíveis para o exercício eficiente da jurisdição. De início, cabe reafirmar que

precedentes vinculantes acontecem em muitos ordenamentos, sofrendo variação apenas

quanto ao grau dessa vinculação.

Nesse mesmo pensamento, cita-se aqui TUCCI, por ter declarado que grande parte das

“[...] experiências jurídicas contemporâneas da civil law, contemplam, com diversificada

intensidade, o precedente judicial com força obrigatória, particularmente na esfera do controle

direito da constitucionalidade [..]” 99

É necessário deixar claro que todos os decisórios judiciais produzem efeitos com força

vinculativa. Há efeitos produzidos que apenas vinculam as partes litigantes. No entanto,

quando a razão jurídica consubstanciada no julgado servir de parâmetro para outros casos

sucessivos e semelhantes, deduzem-se que os efeitos produzidos tem eficácia erga omnes e

caráter universalizável. Neste último caso, a incidência da regra ultrapassa o processo sub

judice, podendo ser utilizado como caso-precedente, servindo como orientação geral.

De forma objetiva e tendo como premissa que o precedente veicula como realidade

presente em sistemas jurídicos com estruturas heterogêneas, passa-se a detalhar características

específicas em distintas legislações. Não se tem aqui como finalidade principal tecer críticas

ou defender um modelo padrão de precedentes judiciais.

Consideram-se que as tradições do common law e do civil law, conquanto façam parte

do sistema jurídico ocidental, resultam de culturas e políticas diferentes, originando institutos

e conceituações específicas inerentes a cada uma.

A primeira tradição com sua origem na Inglaterra e também presente nos Estados

Unidos, por conta de sua colonização, ao passo que a civil law com raízes nas tradições

romanísticas, com incidência nos países germânicos e latinos.

99 TUCCI, José Rogério Cruz e. 2004, op. cit., p. 250.

Page 84: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

83

Destaca-se, no primeiro momento, a força dos precedentes no direito da Inglaterra.

Tem coincidência com a origem do common law, presente desde os anos de 1066, com

a conquista normanda, considerado berço da ideia de precedentes com força vinculante. O

ordenamento jurídico inglês jurisdiciona a Inglaterra e o País de Gales.

Com a formação da Corte Europeia de Direitos Humanos100, atraiu-se para este

Tribunal a competência para reapreciar alguns decisórios prolatados pelas instâncias últimas

superiores de todos os países que fazem parte da União Europeia (Reino Unido, Escócia,

Irlanda do Norte e País de Gales). As questões que são objeto de julgamento referem-se à

interpretação e aplicação dessa convenção e os seus protocolos, em matéria relacionada a

direitos humanos.

O sistema judiciário inglês tinha como órgão de cúpula a House of Lords (Câmara dos

Lordes), por meio da Appellatte Committee, enquanto suprema corte, embora seja órgão

parlamentar.

Com a Constitutional Reform Act, de 2005, criou-se a Supreme Court for the United

Kingdom, com independência em relação ao parlamento inglês, tendo a palavra final sobre

questões jurídicas, a partir de 01/10/2009, em casos cíveis advindos de todo o Reino Unido e

também feitos criminais da Inglaterra, País de Gales e Irlanda do Norte. A Suprema Corte é o

maior tribunal do Reino Unido, reapreciando decisões prolatadas por tribunais desses países.

A House of Lords existiu por mais de 600 anos como casa revisora última para os

conflitos cíveis julgados pelos países que compunham o Reino Unido e a União Europeia,

além de outras competências.

Vale ressaltar que os julgados da novel Suprema Corte, que se encontram acessíveis

em seu site público101, remontam referências aos precedentes da House of Lords, não

significando ruptura com o sistema anterior, encadeada há séculos na Inglaterra.

Hierarquicamente inferior à Corte Suprema situa-se a Court of Appeal (Corte de

Apelação), composta por 37 membros, composição maior que a Suprema Corte (que tem 12

julgadores, sendo um deles o que preside e com divisão em turmas), com competência cível e

criminal. O direito de impetrar recursos tanto para o tribunal supremo quanto para a corte de

100 Disponível em: http://www.echr.coe.int/Documents/Convention_POR.pdf. Acesso em: 18 fev. 2018. 101 Disponível em: https://www.supremecourt.uk/. Acesso em:18 fev. 2018.

Page 85: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

84

apelação sofre várias restrições em relação ao seu acesso. Nem todos os julgados podem ser

levados à reapreciação.102

Importante ressaltar a direção vertical dos precedentes vinculantes no direito inglês, no

que se refere à obrigação dos juízes inferiores prestar-lhes obediência. Assim, os precedentes

da Suprema Corte encontram-se no ápice do sistema jurídico e os precedentes da Court of

Appeal vinculam os juízos que lhe são abaixo da organização judiciária, desde que não

refutem os precedentes da Supreme Court.

Nas considerações de Cownie, Bradney e Burton103, no sentido supra, em sua obra

escrita à época da House of Lords:

Precedente não se resume a identificar a ratio. Também envolve considerações sobre

o status da corte. Precedente é um sistema hierárquico onde os Tribunais ficam

vinculados aos Tribunais acima deles. Deste modo a House of Lords é a corte

dominante. Suas decisões são vinculantes para todas as cortes abaixo dela, incluindo

a Court of Appeal.

A Supreme Court tem a faculdade de afirmar qual é o direito, de maneira vinculativa

para os demais tribunais e juízes do Judiciário inglês e galês. Já possui jurisprudência

consolidada sobre muitas matérias, a exemplo do direito à vida, terrorismo e liberdade.

Na Inglaterra, a adesão ao precedente foi prevista no caso Beamish vs. Beamish

(discussão a respeito da validade de matrimônio, onde fixou o entendimento que o casamento

somente tem validade se for realizado por um clérigo) e se consolidou em London Street

Tramways vs. London County Council (decisão da House prolatada a respeito de questão de

direito vincula o tribunal).104

É admitido por Duxbury105 que o segundo caso fez com que a House of Lords se

submetesse aos seus próprios precedentes.

A regra do stare decisis foi recepcionada no direito inglês, a partir da decisão acima e

até o ano de 1966, de modo absoluto, não podendo a própria House of Lords proceder

alterações de forma alguma.

102 Disponível em: https://www.supremecourt.uk/files/A-guide-to-bringing-a-case-to-The-Supreme-Court.pdf.

Acesso em: 18 fev. 2018. 103 COWNIE, Fiona; BRADNEY, Anthony; BURTON, Mandy. English legal system in context. Oxford:

Oxford University Press, 2007, p. 99. 104 CROSS, Rupert. op. cit. p. 106. Casos julgados em 1861 e 1898, respectivamente, pela House of Lords,

disponíveis na íntegra: http://www.uniset.ca/other/ths/11ER735.html e

http://www.bailii.org/uk/cases/UKHL/1898/1.html. Acesso em 18 fev. 2018. 105 DUXBURY, Neil. The nature and authority of precedent. Cambridge: Cambridge University Press, 2008,

p. 42.

Page 86: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

85

No common law essa regra de vinculação aos precedentes não resultou da lei, uma vez

que foi desenvolvida ao longo dos anos, de acordo com atuação dos órgãos jurisdicionais e

seus processos de mudança. A doutrina alienígena admite que o direito inglês é muito rígido,

mesmo não tendo norma escrita que informe que os precedentes da suprema corte tenham

caráter vinculante. O magistrado inglês fica submetido ao precedente, independentemente de

achar que a razão está errada ou mal decidida.

Com o advento, em 1966, do House of Lords Practice Statement, passou-se a colocar

em pratica a técnica de superação de seus respectivos precedentes até os dias atuais, dando

flexibilidade ao sistema. No entanto, somente em situações muito raras admite-se tal

mudança, a fim de evitar perpetuação de decisões injustas.106

O sistema inglês, com a catalogação de suas decisões judiciais, através de compilação

em Reports, fazendo com que as decisões pretéritas chegassem ao conhecimento dos demais

juízes, possibilitou, com isso, a argumentação por precedentes.

Marcelo Alves Dias de Souza107, quanto a isso, acentua:

Os law reports, num primeiro momento, servem como simples material de pesquisa

para os operadores do Direito, no sentido de saber qual a regra estabelecida para

determinada questão. Mas a principal utilidade dos law reports, sem dúvida, é

demonstrar, no bojo de uma contenda judicial, qual é o direito aplicável àquele caso

em julgamento.

Imprescindível destacar que o direito inglês aprovou recentemente alterações

relevantes, no que se refere à recepção de leis escritas, o que é considerado atípico.

Cita-se primeiramente a inclusão da Inglaterra na União Europeia, obrigando-a, por

consequência, respeito às normas da Convenção Europeia de Direitos Humanos, da qual é

signatária. Em 1998, o parlamento inglês sancionou o Human Rights Act – HRA108, cujo

desiderato dessa legislação é fornecer mais eficácia aos direitos protegidos por essa

convenção, dispondo também que se algum tribunal compreender que há regra de statute

inglês que seja contrária à convenção, pode afirmar a sua incompatibilidade.

106 O referido ato na íntegra disponível em: http://swarb.co.uk/practice-statement-judicial-precedent-hl-1966/.

Acesso em: 18 fev. 2018. 107 SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à sumula vinculante. Curitiba: Juruá Editora,

2006, p. 110. 108 Disponível em https://www.legislation.gov.uk/ukpga/1998/42/contents. Acesso em 18 fev. 2018.

Page 87: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

86

Outra modificação, por fim, foi a criação do Código de Processo Civil inglês (Civil

Procedure Rules)109, que, a partir de abril do ano de 1999, fixa novos procedimentos para que

os juízes decidam de forma justa.

Passa-se aqui a relatar a força dos precedentes no direito da Itália.

O direito italiano não possui cultura de precedentes vinculantes, muito embora seja

considerada uma das primordiais fontes do processo civil pátrio e também celeiro do direito

romano. Esse país faz parte da tradição do civil law.

Michele Taruffo afirma que as decisões da Corte di Cassazione (Corte suprema

italiana) tem força obrigatória e que os pronunciamentos judiciais de outros tribunais podem

influenciar casos sucessivos, de alguma forma. O sistema de precedentes é alicerçado num

resumo que manifesta o core da interpretação da disposição normativa. Possui um instituto

denominado de mássima que se assemelha com as súmulas do Brasil, sem fazer referência às

circunstâncias fáticas que condicionaram o tribunal naqueles julgados.110

Outro fenômeno semelhante ao direito brasileiro diz respeito a grande quantidade de

julgados, ano após ano, pela Corte di Cassazione, decidindo casos parecidos várias vezes,

ocasionando distorções na prestação jurisdicional, uma vez que os precedentes são

empregados de forma errônea e excessiva, abarrotando àquele tribunal. A Corte di Cassazione

representa a última instância recursal quanto às decisões proferidas pela magistratura

ordinária.

A corte constitucional da república italiana (Tribunal Constitucional) tem dedicado a

sua atuação na órbita da jurisdição constitucional, com caráter criativo, principalmente quanto

à interpretação do texto constitucional e a espécie de sentença produzida nesse mister.

A principal incumbência do tribunal constitucional insere-se no controle de

constitucionalidade da legislação. Lá nenhum juiz tem competência para dizer

autonomamente que determinada lei é inconstitucional. Na dúvida quanto a isso, o magistrado

deve levantar exceção de inconstitucionalidade diante da corte. Esta não decide o caso

concreto, sendo que o controle é apenas abstrato. A decisão de inconstitucionalidade produz

força vinculante e erga omnes e ostenta-se irrecorrível. Esse controle incidental também pode

ser arguido pelas partes litigantes ou pelo Ministério Público.

109 Disponível em https://www.legislation.gov.uk/uksi/1998/3132/contents/made. Acesso em 18 fev. 2018. 110 TARUFFO, Michele. Precedentes in Italy. Precedent and the law. Reports to the XVIIth Congress

International Academy of Comparative Law – Utrechy, 16-22 July 2006. Edited by Ewoud Hondius.

Bruxelles: Bruylant, 2007, p. 178.

Page 88: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

87

Nesse diapasão, lecionam FEREJOHN E PASQUINO111:

[...] No sistema jurídico italiano de adjudicação constitucional, a Corte

(Constitucional) ordinariamente decide uma questão abstrata. Por exemplo, se um

determinado texto legal é coerente ou consistente com a Constituição. Eles não

decidem o caso submetido a eles; isso é deixado para a corte de origem, muito

embora o caso concreto possa exercer um papel no julgamento em tese da Corte.

Tecnicamente a Corte é somente um juiz de direito. (tradução livre)

Por final, também relevante falar que a jurisprudência da Corte de Cassação prevalece

no sentido de que a jurisdição ordinária não se encontra vinculada à orientação interpretativa

dada pelo tribunal constitucional. O relacionamento deste último com os demais tribunais é

frágil, na dependência do grau persuasivo de seus decisórios.

O destaque agora é para Portugal, a respeito da vinculação aos precedentes, que

possui semelhanças com o Brasil.

A jurisdição superior de Portugal abrange o Supremo Tribunal de Justiça (instância

superior da hierarquia dos tribunais judiciais, com competência cível e criminal) e o Supremo

Tribunal Administrativo, que cuida dos litígios administrativos e fiscais, sendo órgão superior

na hierarquia. A constituição portuguesa prevê outros órgãos, a exemplo dos tribunais de

contas, militares, marítimos e arbitrais.

O Supremo Tribunal de Justiça aprecia os recursos que versam sobre questões apenas

jurídicas, com competência também para uniformizar a jurisprudência, de natureza

persuasiva.

O tribunal constitucional português tem atribuição específica de gerir a justiça em

questões de natureza jurídico-constitucional, com sede em Lisboa, devendo apreciar matérias

relativas à inconstitucionalidade e à legalidade, e ocupa-se também como tribunal eleitoral.

Segundo J.J. Gomes Canotilho, o tribunal constitucional não incorpora abertamente

nenhuma matriz teórica material ou de interpretação, porém os seus acórdãos são recheados

de forte ônus teórico, com grande atenção para a aplicação dos princípios na solução dos

casos que ali chegam.112

111 FEREJOHN, John; PASQUINO, Pasquale. Constitucional adjudication: lessons from Europe. Texas Law

Review, vol. 82, 2004, p. 1689. 112 CANOTILHO, J.J. Gomes. Tribunal Constitucional, jurisprudências e políticas públicas. Colóquio XX

aniversário do Tribunal Constitucional, 28 nov. 2003. Disponível em:

http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/textos030102.html. Acesso em 18 fev. 2018.

Page 89: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

88

A fiscalização abstrata opera-se por meio da ação de inconstitucionalidade, onde

decide a questão, com força vinculante geral e efeito erga omnes. Também age de forma

concreta por ser uma instância recursal.113

Vê-se que essa corte constitucional detém competências semelhantes ao do Supremo

Tribunal Federal brasileiro, especialmente no que se refere à apreciação da

inconstitucionalidade das normas jurídicas, tanto de forma direta como incidentalmente,

pontuando algumas distinções no procedimento.

Pode-se recorrer para o Tribunal Constitucional tendo como objeto os decisórios dos

tribunais que recusem a aplicação de normativo com fundamento na sua

inconstitucionalidade.

Por último, será analisado o stare decisis nos Estados Unidos.

Os E.U.A., com forte influência do direito inglês, pertencem à tradição do common

law, ao passo que também contém traços específicos da civil law, situando-se numa fronteira

entre ambas.

Possuem constituição escrita, que representa a lei suprema do país, contendo sete

artigos e vinte e sete emendas, datada do ano de 1787. O papel das leis nesse país também o

distingue do common law inglês. Trata-se de texto constitucional estável, portanto.

René David114 pontua a ausência de uma constituição escrita no direito inglês:

O que os ingleses chamam Constituição é o conjunto de regras de origem legislativa

ou, na maioria das vezes, jurisprudencial, que garantem as liberdades fundamentais e

que concorrem para limitar o arbítrio das autoridades. O próprio parlamento não

encontra outros limites à sua onipotência que não seja o controle exercido pela

opinião pública, num país onde a tradição e o espírito democrático são uma poderosa

realidade.

Cada Estado da federação americana tem a sua organização judiciária própria,

prevendo suprema corte estadual, tribunais de apelação e justiça ordinária. Os tribunais dos

Estados vinculam-se aos precedentes da Suprema Corte dos Estados Unidos (com jurisdição

nacional), última intérprete, mas não exclusiva, da Lei Maior.

113 Ver Constituição de Portugal, disponível em:

http://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx, Acesso em: 18 fev. 2018. 114 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 2014, p. 433.

Page 90: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

89

Lawrence Baum115 fez a seguinte observação em relação à suprema corte dos EUA,

digna de nota:

Em certo sentido, é notável que um tribunal seja de tal interesse na arena política.

Contudo, o interesse despertado ultimamente pela Corte Suprema não é nada novo:

através da maior parte da história norte-americana desde a adoção da Constituição, a

Corte tem sido importante tópico de preocupação política. Este interesse não deve

surpreender, à luz do papel fundamental que a Corte desempenha através de suas

decisões. A Corte Suprema ajuda a resolver muitas das questões mais importantes e

mais controversas nos Estados Unidos e, ao fazer isto, molda a política do governo

em áreas tão diversas como os direitos civis e a proteção do meio ambiente.

Vê-se que valores e regras de comportamento da sociedade dos Estados Unidos

tiveram influência ou foram afirmados pela suprema corte, a qual tem a admiração pelo povo

que ali habita.

Por meio do julgamento do caso paradigmático Marbury v. Madison, no ano de 1803,

pelo juiz John Marshall, declarou-se a inconstitucionalidade do Judiciary Act, com a

institucionalização do judicial review (controle judicial de constitucionalidade das leis) na

suprema corte dos EUA. Esse precedente demonstra bem o sistema norte-americano de

respeito aos julgados pretéritos. Com o julgamento desse caso ficou assentada a supremacia

constitucional e também fora relevante para a consolidação do stare decisis.

O sistema jurídico americano teve como herança o emprego do precedente vinculante

inglês do common law, apesar de paulatinamente ter se distanciado dos precedentes ingleses,

fortalecendo um sistema jurídico interno alicerçado no direito que foi ajustado de outros

Estados da federação, por conta da ausência de alguma decisão vinculante inglesa.

Importante ressaltar que cabe ao Poder Legislativo produzir as leis, que de igual modo

na Inglaterra, superam os precedentes na hierarquia das fontes. Na realidade, embora estejam

numa posição superior, elas somente são criadas/aplicadas de forma residual, na ausência de

lacunas de precedentes. O princípio da isonomia, de onde se emana o tratamento igualitário de

casos análogos, tem forte influência no sistema de precedentes americano.

Basta verificar o pensamento de Charles D. Cole116 sobre o stare decisis nos EUA:

[...] simplesmente significa que uma vez que a Corte de última instância no sistema

judiciário federal ou estadual decida um princípio de direito para o caso em

julgamento, estabelecendo assim um precedente, a Corte continuará a aderir a este

115 BAUM, Lawrence. A Suprema Corte americana – uma análise da mais notória e respeitada instituição

judiciária do mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1985, p.11. 116 COLE, Charles D. Stare decisis na cultura jurídica dos Estados Unidos: o sistema de precedente

vinculante do Common Law. Revista dos Tribunais. vol. 752, p.1. São Paulo: Ed. RT, jun. 1998 (versão online).

Page 91: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

90

precedente, aplicando-o a casos futuros em que os fatos relevantes sejam

substancialmente os mesmos, ainda que as partes não sejam as mesmas.

O stare decisis americano funciona de forma mais flexível do que o sistema inglês,

uma vez que o magistrado americano tem mais liberdade ao decidir em seguir ou não o

precedente, dando azo às razões que entende relevantes para fundamentar a discricionariedade

judicial.

Com vistas a dar publicidade e acesso fácil aos julgados, vários repertórios públicos e

particulares existem no país com esses objetivos, de forma a promover uma busca fácil e

confiável.

Também se destacam a corte suprema estadual e as cortes de apelação federais que

podem produzir precedentes com força obrigatória (binding precedents) dentro de seu

território de atuação. In casu, a suprema corte americana detém jurisdição sobre todo o

território nacional e, por consequência, aptidão de vincular as demais cortes aos seus julgados.

Explicando o parágrafo anterior, Eduardo Cambi117 escreve:

[...] somente haverá observância obrigatória se a decisão for tomada pela maioria da

Corte também no tocante às razões fundamentais da decisão. Assim, a tomada de

decisões pela maioria ocorre nos EUA diferentemente da forma que é feita no Brasil.

Aqui, para que haja uma decisão tomada pela maioria, basta coincidência quanto ao

dispositivo. Assim, se um julgador chegar a mesma conclusão (dispositivo) a que

chegou outro, haverá, de todo o modo, maioria, independentemente se divergirem,

ou não, quanto à fundamentação. Nos EUA, a coincidência deve se dar, também,

quanto às razões fundamentais da decisão [...].

Na doutrina americana permeia uma decisão constitucional chamada de super

precedente, o qual se encontra tão incorporado ao direito (reiteradamente utilizado há tempos)

e ao desenvolvimento cultural da sociedade, que se torna quase impossível a sua superação.

Portanto, cita-se como exemplo o julgamento do caso Marbury v. Madison, que já

dura muito tempo e de grande aceitação no ordenamento jurídico da América, no que tange à

circunstância do judicial review.

No capítulo seguinte, pontuar-se-á um relevante debate sobre algumas razões que

justificam o seguimento ou que são contrárias ao sistema normativo de precedentes, a fim de

que essa discussão legitime democraticamente a opção feita pelo ordenamento do país.

117 CAMBI, Eduardo. Precedentes Vinculantes. Revista de Processo vol. 215, p.7-8. São Paulo, jan. 2013

(versão online)

Page 92: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

91

3.4 FUNDAMENTOS FAVORÁVEIS E CONTRÁRIOS AOS PRECEDENTES

OBRIGATÓRIOS

Observa-se que o sistema de precedentes é motivado por vários princípios e

regramentos constitucionais. A adoção do stare decisis em determinado ordenamento jurídico,

pautando-se na obediência à constituição do país, possibilita o exercício de atividade

jurisdicional atenta à concretização dos direitos e também mais sensível à otimização da

justiça. Valorizam-se os decisórios judiciais como forma de acelerar o processamento de

causas futuras atinentes à mesma matéria.

Muito embora o que foi afirmado acima, ainda se percebe a enorme dificuldade em se

empregar de forma competente a argumentação por precedentes, tanto da parte do Poder

Judiciário, quanto dos demais operadores jurídicos, seja por motivos de desconhecimento do

direito ou mesmo por resistência ao sistema precedencialista.

Por consequência, por vezes não tem acontecido aplicabilidade séria desse instituto,

pelo exercício de práticas forenses erradas, impossibilitando o desenvolvimento de forte

tradição institucional nesse sentido e a unidade do direito.

A dinâmica processual contemporânea vem mostrando que a opção é pelo método do

stare decisis, muito embora ciente das dificuldades decorrentes dessa escolha.

3.4.1 Razões para Seguimento e Críticas

Segurança Jurídica – Ela está atrelada à subsistência de normas e à estabilidade e

previsibilidade de cada ordenamento. Ausente a segurança, inexiste o Direito. Nenhum país

pode desenvolver-se de forma legítima tornando letra morta esse postulado. Ela dá

sustentabilidade ao ideal de justiça.

Coadunando com a ideia acima, Teresa Wambier118 assim leciona:

O fato de o homem poder viver segundo regras preestabelecidas e por ele conhecidas

pode ser considerado uma conquista da civilização. A simples circunstância de os

padrões de avaliação de sua conduta serem conhecidos, independentemente do juízo

de valor que a respeito destes padrões de avaliação se possa fazer, satisfaz e

tranquiliza. Pode-se dizer que uma das mais relevantes funções do direito é a de,

justamente, gerar previsibilidade.

118 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Precedentes e evolução do direito. ______ (coord.). Direito

Jurisprudencial. São Paulo: RT, 2012, p. 14.

Page 93: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

92

Nesse sentido, o respeito aos precedentes e a uniformidade da jurisprudência são

fatores essenciais para a efetivação da segurança jurídica, garantindo-se previsibilidade ao

ordenamento jurídico e refutando padrões decisórios divergentes para circunstâncias jurídicas

semelhantes ou iguais. Não se aceitam resultados judiciais díspares para situações concretas

parecidas, pois essa divergência jurisprudencial configura atentado ao princípio da isonomia.

A segurança jurídica deve ser entendida como direito fundamental relativo e de caráter

flexível, pois na sua colisão com outros princípios será necessária a ponderação de valores no

caso concreto, com suporte no devido processo legal.

Para a efetivação da segurança, registram-se aqui três fatores essenciais, que são a

cognoscibilidade (direito conhecido e inteligível para servir de guia às condutas sociais), a

estabilidade (continuidade do direito e sua flexibilidade, diante de mudanças) e a

previsibilidade (segurança quanto ao futuro, de forma que os cidadãos tenham dignidade e

liberdade).

Como consequência também é o desestímulo ao ajuizamento de novos processos, por

conta da previsibilidade dos pronunciamentos judiciais. Quando a parte tem conhecimento

prévio das razões porque o Judiciário não ampara a sua pretensão, certamente não ingressará

com a sua ação em juízo, a fim de evitar tempo e dinheiro com uma demanda que não lhe dará

solução favorável.

Sobre mais detalhes deste princípio ratifica-se o que foi dito em tópico anterior desta

tese, que a pontuou como uma necessidade do sistema jurídico e enquanto valor essencial para

que se respeite precedentes, dando coerência e integridade ao direito. O stare decisis é

mecanismo para fortalecimento da segurança jurídica.

Igualdade – Trata-se de princípio de estatura constitucional, dispondo, como regra,

que todos são iguais diante da lei, sem distinção de qualquer natureza. Tal direito tem o

condão de clarear o entendimento e a construção do sistema jurídico, quando de sua aplicação

no caso concreto.

O aspecto teórico que se conforma ao método do stare decisis refere-se àquele que

entende a justiça atrelada à igualdade, ou seja, à concretização deste desiderato. O stare

decisis possibilita que a decisão tomada no caso paradigma resulte na obrigação de que os

julgamentos sucessivos sejam procedidos da mesma forma.

Page 94: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

93

Gustavo Nogueira diz que:

[...] Com efeito, a partir do momento em que o Tribunal julga um caso

comparando-o com um anterior para que tenham a mesma solução, nos parece que

está tratando a justiça como igualdade, e quem primeiro expôs essa ideia foi

Aristóteles, em seu Ética a Nicômaco. 119

O uso das mesmas respostas a casos similares resulta em redução de decisões

colidentes prolatadas pelo Poder Judiciário e garante aos jurisdicionados que se encontram em

situação jurídica parecida igual tratamento, impulsionando a igualdade.

A doutrina do precedente é consubstanciada na isonomia substancial, ao possibilitar

que situações distintas alcancem soluções também diferentes. O direito à isonomia deve ser

protegido pelos Poderes institucionais do Estado de Direito (Legislativo, Executivo e

Judiciário), sendo tal conduta necessária à efetivação da igualdade em face da lei e na

aplicação das normas.

A igualdade é diretriz para identificar quais circunstâncias são parâmetros válidos para

qualificar a diferença jurídica, e a partir daí extrair a norma, com atenção para que não haja a

valoração arbitrária com desrespeito ao texto constitucional.

Persistindo iguais razões, os mesmos decisórios necessitam ser prolatados, porquanto

consequência lógica do princípio igualitário. No entanto, ao garantir o tratamento isonômico

formal aos cidadãos em decorrência da utilização de precedentes não induz assegurar que essa

conduta igualitária é a melhor opção possível, ou seja, que a justiça material tenha sido

concretizada.

A justiça que o precedente dispõe é a formal entre os cidadãos, com base na segurança

jurídica e na identidade inerente à interpretação do direito.

Eficiência Processual – Necessário proceder à diferenciação entre os termos

eficiência, eficácia e efetividade, que não raramente são confundidos pela doutrina.

A eficácia relaciona-se com a aptidão da norma de produzir efeitos no mundo jurídico,

revelando-se como um dos planos do fenômeno jurídico (o da eficácia do fato).

119 NOGUEIRA, Gustavo Santana. Precedentes vinculantes no direito comparado e no direito brasileiro. 2ª

ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 59-60.

Page 95: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

94

A efetividade diz respeito ao cumprimento dos comandos normativos pelos seus

destinatários, podendo ser empregados sanções e os meios executivos à disposição do Poder

Judiciário. Ela realiza os efeitos dispostos na norma.

A eficiência, aqui neste tópico tratada, tem uma relação direta entre os meios a serem

utilizados e os resultados almejados processualmente, sendo decorrente do devido processo

legal. Trata-se da obrigação de buscar o melhor resultado com o menor dispêndio possível de

tempo e de recursos financeiros.

Assim, o magistrado deve conduzir o processo com eficiência, de forma a engendrar

meios adequados e econômicos na resolução da demanda que ali aporta, proporcionando o

melhor gerenciamento do processo.

Nesse sentido, o tratamento com precedentes objetiva evitar que mova toda a máquina

judiciária para resolver questões paradigmáticas já solucionadas em casos pretéritos,

proporcionando, assim, redução de tempo e dinheiro nos casos sucessivos. Com isso, os juízes

e tribunais reconduzem sua atenção para novos casos problemáticos.

A economia advinda da argumentação por precedentes fortalece o acesso à justiça

substancial e a concretização do direito ao processo justo e efetivo.

Luiz Guilherme Marinoni120, nesse mesmo entendimento, defende que o respeito aos

precedentes “torna o uso do sistema judiciário mais barato, vindo ao encontro dos objetivos

perseguidos pela democratização do acesso à justiça e pela realização do direito fundamental

à tutela jurisdicional efetiva [...]”.

Respeitando-se os precedentes, consequentemente tem-se um processo célere e

econômico, repercutindo, assim, na eficiência do próprio Poder Judiciário e na racionalidade

do sistema, como um todo.

Duração Razoável do Processo – Defende-se aqui que o emprego sério de precedentes

pode contribuir com a celeridade processual, haja vista que a decisão judicial que serve de

paradigma para outros casos similares futuros encurta o tempo desse processo, dando-lhe mais

eficiência.

120 MARINONI, Luiz Guilherme. 2016, op. cit., p. 139.

Page 96: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

95

Afirma-se também que haverá diminuição do labor dos magistrados quando a questão

jurídica já foi objeto de debate e que alcançou o nível de precedente, especialmente definida

pelos tribunais superiores. Além do que recursos serão evitados às cortes diante do

conhecimento prévio das razões determinantes contidas no caso precedente, com a adesão à

decisão, por entender que os argumentos valerão para todos, em situações parecidas, e não

exclusivamente para os litigantes.

Esse princípio de envergadura constitucional decorre também do devido processo legal

e do acesso à justiça, devendo-se buscar o equilíbrio no trâmite do procedimento, de forma

que o tempo do processo não prejudique o interesse das partes nem frustre a prestação

adequada e tempestiva da jurisdição.

Cândido Dinamarco121 assim leciona, justificando sobre a tutela tempestiva:

Os males de corrosão e frustração que o decurso do tempo pode trazer à vida dos

direitos constituem ameaça à efetividade da promessa de tutela jurisdicional, contida

nas Constituições modernas – e ameaça tão grave e tão sentida, que em tempos

atuais se vem afirmando que tal garantia só se considera efetiva quando for

tempestiva.

Esse tema é bastante discutido por toda a comunidade jurídica, seja nacional ou

estrangeira, ante a problemática que atinge o Poder Judiciário dos países, no que tange à

morosidade dos processos.

Justino Magno Araújo, ao discorrer sobre celeridade, assim observa: “problema dos

mais delicados e que deve merecer a mais profunda meditação por partes dos processualistas,

pois nem sempre a melhor justiça corresponde à rapidez nos julgamentos.”122

Interessante pontuar que a celeridade processual a qualquer custo pode comprometer o

julgamento do caso, com restrição de garantias processuais (a exemplo do contraditório,

ampla defesa, publicidade e da motivação dos julgados) e por consequência também de

direitos materiais.

Por fim, podem ainda ser citados outros argumentos que favorecem o stare decisis

(respeito aos precedentes judiciais), a saber: o sistema claro de hierarquização dos tribunais

para se estabelecer o grau de eficácia vertical e horizontal das decisões precedentes e a

121 DINAMARCO, Cândido Rangel. Aceleração dos procedimentos. Fundamentos do Processo Civil

Moderno. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, t. II, p. 892. 122 ARAÚJO, Justino Magno. Direito de defesa no processo civil e no processo penal. Revista da Ajuris, v. 26,

1982, p. 65.

Page 97: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

96

publicidade desses decisórios, com o conhecimento pela sociedade da fundamentação do

julgado, de seus motivos determinantes e de como os tribunais decidem os temas polêmicos.

3.4.2 Argumentos Contrários e Críticas

Demonstrar-se-á, por ora, uma reflexão sobre alguns principais argumentos e críticas

que negam o sistema de precedentes.

Inflexibilidade - A crítica refere-se à rigidez do sistema e à inflexibilidade jurídica,

engessando o Direito. Isso aconteceu no direito inglês quando foi criado, porquanto a própria

House of Lords não detinha o poder de mudar seus próprios precedentes, sendo que tal

situação perdurou até os idos de 1966, época em que a Inglaterra passou a superar os seus

precedentes (técnica do overruling), diante de alteração de contexto social, político,

econômico, cultural e jurídico.

Não se pode dar crédito a essa crítica, pois o sistema precedencialista não é imutável,

indiferente à realidade social. Pelo contrário, ele veio complementar a inércia do Poder

Legislativo na feitura e alteração de textos normativos desconectados com as exigências

sociais. A atuação jurisdicional evita a petrificação das leis, dando-lhes interpretação mais

condizente com os ditames constitucionais, possibilitando a evolução do direito.

Segundo Aulis Aarnio, a relevância em se criar e manter precedentes resulta em ser

mais abundante nas áreas em que a transformação social, econômica ou jurídica é mais

dinâmica, célere, por conta de sua mobilidade na adaptação ao direito. Nenhuma legislação

promove reação tão rápida quanto as cortes na resolução dos conflitos.123

O método de superação do precedente é, na prática, mais fácil que mudar a lei, tendo

em vista que o Poder Legislativo impõe regras procedimentais de alteração da legislação ou

da constituição mais rígidas, exigindo-se quórum maior que o colegiado do tribunal, além dos

corporativismos políticos.

Causa lesão à independência dos juízes – Essa crítica está relacionada ao

impedimento dos magistrados julgarem de acordo com a sua própria consciência, mas de

forma motivada com a apreciação das provas e de tudo o que consta dos autos, pois a 123 AARNIO, Aulis. Precedent in Finland. In: MACCORMICK, Neil; SUMMERS, Robert S. Interpreting

precedents: a comparative study. Aldershot: Dathmouth, 1997, p. 83.

Page 98: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

97

argumentação por precedentes tem por consequência a vinculação dos juízes e tribunais

inferiores àquilo que foi solucionado a respeito de determinada questão jurídica.

Com isso, os precedentes não teriam legitimidade, porque ceifariam a independência

funcional dos juízes de instâncias inferiores em sua tarefa típica de julgar.

Defende-se que não se deve dar guarida à opinião de parte da doutrina quanto à

violação da independência do juiz, pois este não deixará de decidir a demanda, apenas ficará

vinculado ao sistema jurídico, atuando de forma objetiva, obedecendo às leis e aos

precedentes na resolução do conflito.

A atividade de julgar deve levar em consideração todo o Direito, que abrange

princípios e regras. Os precedentes, enquanto fonte normativa, deve ser respeitado por todos,

observando-se a horizontalidade e a verticalidade da organização judiciária.

É incabível aceitar que o julgador aja de maneira solipsista ou arbitrária, como se fosse

o dono do processo, decidindo como bem entender, ao arrepio das questões já decididas pelos

tribunais responsáveis para dar unidade ao direito. A se permitir isso, ter-se-ia tratamento não

isonômico, com decisões divergentes em casos sucessivos similares, com a consequente perda

de credibilidade do Poder Judiciário e retrocesso na distribuição da justiça.

Marinoni discorre chamando a atenção para que não se confunda independência dos

juízes com falta de unidade, a fim de não se permitir um sistema irracional e incoerente, onde

a decisão divergente com o precedente mostra para a sociedade, por vezes, um desserviço.

Assim,

O juiz e os órgãos judiciários são peças dentro do sistema de distribuição de justiça.

Para que este sistema possa realmente funcionar em um Estado de Direito, cada um

dos juízes deve se comportar de modo a permitir que o Judiciário realmente possa se

desincumbir dos seus deveres perante os cidadãos, prestando a tutela jurisdicional de

forma isonômica e com coerência. [...] 124

A igualdade, portanto, deve ser alcançada perante o direito como um todo, com

respeito a todas as suas fontes. Se o Judiciário entender que determinado precedente não se

ajusta mais ao momento, resta a ele então decretar a sua revogação, dentro da competência de

cada órgão.

124 MARINONI, Luiz Guilherme. 2016, op. cit., p. 151.

Page 99: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

98

Violação ao acesso à justiça – a crítica está relacionada com o impedimento de os

cidadãos ajuizarem as suas demandas, dentro da faculdade que a lei lhes assiste, justificando

que os precedentes obrigatórios restringem o irrestrito direito de ação, por falta de interesse de

agir, uma vez a existência de precedente contrário ao interesse do demandante em caso

similar.

Na realidade, os precedentes não impedem o acesso à justiça, como já registrado em

tópico específico deste escrito, pois todos tem o direito de demandar em juízo e de aviar os

recursos que entenderem necessários à defesa de seus interesses.

No entanto, esse acesso não é absoluto, pois a parte deve ter conhecimento do direito

do país, sob pena de ser taxado como litigante de má-fé. Se quer discutir argumentos ou

elementos novos, o acesso à justiça está legitimado. Não se quer, com isso, de forma alguma,

limitar ou restringir direitos, até porque o Judiciário é que prestará a tutela jurisdicional

reclamada.

Não se admite, pois, é a reiteração abusiva de processos que discutam a mesma

matéria, sendo que já existe resposta judicial anterior quanto a isso por um tribunal superior.

A movimentação da máquina judiciária poderá ser em vão, isso sem contar com o dispêndio

de tempo e dinheiro por parte do Estado.

Ofende a separação dos poderes – A crítica que se faz é que o sistema de precedentes

obrigatórios refuta à ideia de divisão de poderes, sendo que o Judiciário intervém na tarefa do

Legislativo, ao criar o direito (o precedente), invadindo na esfera de competência deste, que

tem a faculdade típica de criar leis. Ao Judiciário, cabe apenas a interpretação e aplicação das

normas criadas.

Esse argumento não é aceitável, porquanto o Legislativo em muitas situações fica

inerte na edição de normas, não acompanhando as mudanças constantes da sociedade, que

exige respostas urgentes para os temas polêmicos do dia a dia. O fato é que o Legislativo não

se desincumbe de seu dever constitucional a contento, o que conduz o jurisdicionado a

judicializar suas demandas.

In casu, cabe a esse último não apenas o papel de intérprete das leis, mas

principalmente o dever de concretizar os direitos à luz dos ditames constitucionais. Por conta

disso, sua atividade pode possibilitar a criação do direito, pois sua função não é apenas

declaratória do sentido da lei.

Page 100: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

99

Claro que o stare decisis delimita o campo de atuação do juiz, pois impõe um ônus

argumentativo muito grande na fundamentação das decisões, como parâmetro de controle e

racionalidade, de forma que os seus pronunciamentos possam convencer a sociedade e a

comunidade jurídica, servindo como diretrizes universalizáveis.

Assim, não se teve aqui a intenção de dar cabo a esse assunto, pois existem outros

aspectos contrários à cultura de precedentes, a exemplo de que delineia obstáculo à isonomia

no tratamento dos casos; de que inexiste uma cultura de respeitabilidade a esses institutos e

que haveria um engessamento do direito, entre outros.

No próximo capítulo, travar-se-á discussão sobre como a técnica de precedentes tem

sido aplicada no sistema jurídico pátrio, compreendendo-se o direito e o processo

jurisdicional, e com apoio também em subsídios importados da tradição do common law.

Page 101: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

100

4 O REGIME JURÍDICO DOS PRECEDENTES NO ORDENAMENTO

PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO

A cultura tradicional do civil law, decorrente da colonização pelos portugueses, é a

que prevalece historicamente em solo brasileiro e é inegável que não se pode afirmar que se

tem aqui uma cultura forte de valorização dos precedentes.

A crítica também vai ao ensino jurídico que não consegue refletir de forma

contundente em sala de aula o direito sob a órbita interpretativa das cortes, limitando-se à

dogmática de passar o direito positivado na legislação. Também é observado que os próprios

tribunais não se submetem aos seus decisórios, dando mau exemplo.

Na Inglaterra e nos Estados Unidos, enraizados na tradição do common law, já está

incorporado naquelas culturas a doutrina do stare decisis, mesmo com as dificuldades e as

mudanças porque passam no dia a dia. Os precedentes lá não são impostos pela lei,

diferentemente do que ocorre no Brasil.

Por outro lado, o direito pátrio tem demonstrado que está avançando na sua relação

com precedentes, principalmente com o advento da Lei 13.105, de 16/03/15, que trata do

Código de Processo Civil, reservando nas disposições da Parte Especial, no Livro III,

capítulos que tratam da uniformização da jurisprudência, súmulas e precedentes.

Um dos sustentáculos da novel lei processual civil brasileira assenta-se na organização

dogmática de um regime de precedentes judiciais vinculantes. Assim, afirma-se que não foi o

CPC/2015 o único responsável a recepcionar os precedentes obrigatórios no ordenamento.

Importante ressalvar que desde o Brasil-Império já se tratava sobre o emprego de

precedentes, particularmente por conta da emissão dos assentos dos Tribunais do Comércio

(Decreto nº 738, de 25/11/1850, especialmente os artigos 11, 12 e 13125).

Com isso, percebe-se euforia grande por parte do Judiciário, dos operadores jurídicos e

da doutrina quanto ao tema, com debates que ocorrem em todos os cantos do país, em busca

de compreensão maior sobre o discurso precedencialista, os julgamentos das cortes e suas

consequências na tutela dos direitos.

125 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/historicos/dim/DIM738.htm. Acesso em: 22

fev. 2018.

Page 102: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

101

Há uma tendência em padronizar decisórios como instrumento da estabilidade e

segurança jurídica do sistema, porque os precedentes exercem função relevante na dinâmica

dos pronunciamentos judiciais.

Sobre a padronização de decisão, tão relevante para se dar unidade ao direito e não

culminar com o empobrecimento do discurso jurídico, Dierle Nunes126 afirma que “o processo

é garantia e a padronização de julgados (precedentes) deve ser formatada e aplicada a partir

deste pressuposto.”

A padronização decisória deve ser delineada a partir do modelo constitucional do

processo. É certo que a eficácia do precedente obrigatório tem sua legitimidade atrelada à

constituição.

A assertiva que acaba de ser feita coaduna com as lições de Ronaldo Brêtas de

Carvalho Dias, que aponta:

[A] Legitimidade democrática das decisões jurisdicionais, comprometidas com o

princípio do Estado Democrático de Direito, está assentada na exclusiva sujeição

dos órgãos jurisdicionais às normas que integram o ordenamento jurídico, sobretudo

as normas constitucionais, emanadas da vontade do povo, porque discutidas, votadas

e aprovadas pelos seus representantes, no Congresso Nacional.127

A título de informação e em consonância com o tema aqui estudado, relevante

registrar o trabalho de pesquisa realizado pela Universidade Federal de Minas Gerais, estando

à frente na qualidade de Presidente da comissão coordenadora, Thomas Rosa de Bustamante,

com o título “A força normativa do direito judicial: uma análise da aplicação prática do

precedente no direito brasileiro e dos seus desafios para a legitimação da autoridade do Poder

Judiciário”, contendo 180 páginas de relatório, o qual se encontra encartado na página do

Conselho Nacional de Justiça (CNJ).128

O regime dos precedentes judiciais encontra-se positivado nos artigos 926, 927 e 928,

do Código de Processo Civil, que serão tratados nos tópicos seguintes.

126 NUNES, Dierle. Padronizar decisões pode empobrecer o discurso jurídico. Disponível em:

https://www.conjur.com.br/2012-ago-06/dierle-nunes-padronizar-decisoes-empobrecer-discurso-juridico. Acesso

em: 22 fev. 2018. 127 BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias. Processo Constitucional e Estado Democrático de Direito. 3.ed.

Belo Horizonte: Del Rey, 2015, p. 158-159. 128 Disponível no site do CNJ:

http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/destaques/arquivo/2015/06/881d8582d1e287566dd9f0d00ef8b218.pdf.

Acesso em: 15 jun. 2018.

Page 103: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

102

4.1 OS DEVERES INSTITUCIONAIS DOS TRIBUNAIS: UNIFORMIZAÇÃO,

ESTABILIDADE, INTEGRIDADE E COERÊNCIA

Com o objetivo de valorizar as decisões dos tribunais, o art. 926, caput, inicia a

exposição da matéria destacando o dever das cortes de dar uniformidade a sua jurisprudência,

de forma a mantê-la estável, íntegra e coerente. Com isso, preconiza a obrigação legal e

genérica do Estado de proteger a segurança jurídica nas decisões jurisdicionais.129

Hermes Zaneti Jr.130 bem explica esse dispositivo legal fazendo alusão ao trabalho do

intérprete:

O CPC, no art. 926, caput, procura constranger o intérprete vinculando-o: a) à sua

própria interpretação do direito nos casos-precedentes (estabilidade, teste de

observância do stare decisis, pois os precedentes não devem ser mudados a cada

decisão – vinculação horizontal); b) a um teste de não-contradição, decorrente da

conferência entre o conteúdo da decisão-atual e o conteúdo das decisões anteriores,

dos casos-precedentes (coerência em sentido estrito, teste de consistência); c) e a um

teste de universalização, de verificação da racionalidade e unidade do direito,

conferindo se a decisão está adequada com a tradição jurídica – incluídos os demais

textos normativos – e com a unidade da Constituição, podendo ser aplicada no caso

e a partir de então ser repetida nos casos análogos ou similares (coerência em

sentido amplo, teste de universalização das razões).

A legislação esclarece de forma incisiva o comportamento que se espera dos tribunais

no exercício de formação e desenvoltura do direito, por meio do processo judicial. O requisito

da coerência dos pronunciamentos jurisdicionais, em sentido lato, é desmembramento da

atividade racional e universal no trato da matéria.

A partir do momento em que é estabelecido pela corte competente certo entendimento

sobre uma questão jurídica, esse posicionamento deve ser seguido/mantido na análise de casos

similares futuros, para que os cidadãos tenham consciência de que decisões tomarem e quais

recursos serão comprometidos, pois alicerçados nesses precedentes.

Segundo Thomas Bustamante131, com pensamento de igual modo, afirma que existe

“conexão incindível entre as ideias de justificação e universalização”.

129 “Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”.

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em 22 fev.

2018. 130 ZANETI JR., Hermes. 2017, op. cit., p. 397. 131 BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do Precedente Judicial. A justificação e a aplicação de regras

jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012, p. 111-112.

Page 104: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

103

Independentemente da tradição jurídica adotada, a aderência à norma universal para o

deslinde de uma contenda particular é requisito inevitável da fundamentação do direito.

Justificar é esclarecer que o ato está correto e que pode ser praticado.

Prescreve-se também que o tribunal tem a obrigação de uniformizar a sua

jurisprudência, diante do dissentimento interno de seus órgãos fracionários acerca de idêntico

objeto jurídico. Por conta disso, a jurisprudência prevalecente será sumulada, sujeitando-se ao

alicerce fático dos precedentes que serviram de fundamento para sua criação, à luz do art.

926, parágrafos 1º e 2º, do CPC132.

Esse enunciado de súmula trata-se de norma geral que auxiliará o intérprete na análise

do caso concreto. O Judiciário não cria norma abstrata. A súmula, pode-se dizer, é uma norma

de caráter geral, vinculada à circunstância fática que a precedeu, que necessita ser contrastada

e apreciada no caso-futuro, com vista à verificação de equivalência das razões determinantes e

o juízo de adequação respectivo.

Com o requisito da estabilidade, visa-se a impedir que os tribunais decidam de

qualquer jeito, abandonando ou alterando sem qualquer fundamentação plausível suas

anteriores decisões e consolidadas sobre determinada matéria, sob pena de ferir os princípios

da segurança jurídica e da isonomia.

Ao aplicador do direito soaria estranho vincular-se ao precedente e constatar

diuturnamente mudança de pensamento de tribunais superiores, de forma aleatória, como se

estivesse diante de uma jurisprudência lotérica133, com o uso impróprio das técnicas

precedencialistas.

O tribunal deve respeitar a sua jurisprudência, os seus precedentes. Isso não quer dizer

que nada possa ser alterado. Caso não se ajuste mais à realidade social, pode ocorrer a sua

modificação, na forma do art. 927, par. 4º, do CPC134, exigindo-se, para tanto fundamentação

132 Art. 926. [...]. § 1o Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os

tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante. § 2o Ao editar

enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua

criação. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em

25 fev. 2018. 133 CAMBI, Eduardo. Jurisprudência lotérica. Revista dos Tribunais, v. 786, 2001. 134 “Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: [...] § 4o A modificação de enunciado de súmula, de

jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de

fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da

confiança e da isonomia.” Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-

2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em 22 fev. 2018.

Page 105: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

104

adequada. A motivação das decisões exerce função externa ao processo, servindo de norte ao

próprio Judiciário e para toda a conduta da sociedade.

Ressalta-se o Enunciado 316, produzido pelo Fórum Permanente de Processualistas

Civis (FPPC), alusivo ao assunto em tela, que diz: “A estabilidade da jurisprudência do

Tribunal depende também da observância de seus próprios precedentes, inclusive por seus

órgãos fracionários.”135

O tribunal, conquanto seccionado em vários órgãos, configura um só ente e deve agir

de forma una, precisando ter postura similar sobre determinada matéria jurídica. Não se

sustenta a argumentação por precedentes em que os órgãos que compõem o tribunal não

seguem os decisórios padrões do plenário ou da corte especial, conforme o critério do stare

decisis horizontal.

Nesse sentido, eis o pensamento de Humberto Ávila136 quanto ao valor segurança

enquanto estabilidade: “estabelece exigências relativamente à transição do direito passado ao

direito futuro. Não uma imutabilidade, portanto, mas uma estabilidade ou racionalidade da

mudança, que evite alterações violentas”.

O pressuposto da integridade diz respeito à historicidade das decisões aceitas na

interpretação e aplicação dos julgados que envolvem matéria similar, relacionando-se com a

noção de unidade do ordenamento. Deve-se evitar que a mesma questão jurídica seja vista de

maneira injustificada perante distintos órgãos e que sejam respeitados os julgamentos

anteriores, com justificação de alteração na posição anteriormente adotada. 137

Impede-se assim o voluntarismo do Judiciário, competindo ao magistrado analisar o

caso de acordo com o direito na sua complexidade, envolvendo disposições constitucionais,

civis e administrativas, respeitando-se a hierarquia do sistema normativo.

A coerência relaciona-se com o tratamento isonômico que é exigido na resolução de

casos análogos, de forma a impedir os tribunais de decidirem de forma contraditória às

135 Trata-se o FPPC de grupo de reunião de processualistas pátrios, com objetivo de revelar concepções

doutrinárias interpretativas do CPC de 2015, por meio de enunciados, aprovados de forma unânime. Ver

https://www.novocpcbrasileiro.com.br/enunciados-interpretativos-sobre-o-novo-cpc-do-fppc/. Acesso em: 25

fev. 2018. A título argumentativo, ver também enunciados 453, 454 e 455. 136 ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência e realização no Direito Tributário. São Paulo:

Malheiros, 2011, p.124. 137 Ver os enunciados 456 e 457 do FPPC, que tratam desse dever.

Page 106: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

105

decisões que antecederam, com exceção das técnicas de distinção ou superação dos

precedentes, que se encontram dispostas no art. 489, par. 1º, VI, do CPC138.

Thomas Bustamante139, quanto ao tema, informa que:

O postulado da coerência exige que todas as situações que puderem ser

universalmente formuladas e subsumidas nas mesmas normas gerais sejam tratadas

da mesma forma, a não ser que, em um discurso de aplicação dessas normas, surjam

elementos não considerados na hipótese normativa que justifiquem a formulação de

uma exceção ou a não aplicação das consequências jurídicas ao caso concreto.

Há uma obrigação de respeito aos próprios precedentes, isto é, os tribunais não podem

ignorá-los (dever de autorreferência). O discurso do Judiciário necessita ser coerente,

conquanto não implique um só pensamento, mas que justifique substancialmente a mudança

de orientação jurídica, dando solidez e confiança à atuação jurisdicional.

Ronald Dworkin assim se pronuncia metaforicamente a respeito da construção judicial

do direito, comparando-a a um romance em cadeia, onde cada juiz escreve um capítulo da

obra, conectado ao texto anterior e considerando ao que outrora fora solucionado

previamente. Optando por superar determinado precedente, o magistrado fará um esforço

interpretativo para conservar a linha da novela encadeada, de forma a possibilitar o

desenvolvimento do direito.140

Lênio Streck socorre-se dos ensinamentos de Dworkin, ao propor a integridade

próxima da justiça e da equidade enquanto princípios morais do direito. Faz-se um paralelo

entre os deveres da coerência e integridade:

Coerência significa dizer que, em casos semelhantes, deve-se proporcionar a

garantia da isonômica aplicação principiológica. Haverá coerência se os mesmos

princípios que foram aplicados nas decisões o forem para os casos idênticos; mas,

mais do que isto, estará assegurada a integridade do direito a partir da força

normativa da Constituição. A coerência assegura a igualdade [...] A integridade

exige que os juízes construam seus argumentos de forma integrada ao conjunto do

direito. Trata-se de uma garantia contra arbitrariedades interpretativas. A integridade

limita a ação dos juízes; mais do que isso, coloca efetivos freios, através dessas

comunidades de princípios, às atitudes solipsistas-voluntaristas. A integridade é uma

138 “Art. 489. São elementos essenciais da sentença: [...]§ 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão

judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: [...]VI - deixar de seguir enunciado de súmula,

jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em

julgamento ou a superação do entendimento”. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-

2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em 22 fev. 2018. 139 BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. 2012, op. cit., p. 269-274. 140 DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes,

2007, p. 271-286.

Page 107: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

106

forma de virtude política. A integridade significa rechaçar a tentação da arbitrarieda-

de.141

O Judiciário retrata-se, pois, como uma instituição que exige decisões consistentes. A

consistência está relacionada aos deveres da coerência e da integridade. Nesse sentido, os

precedentes devem ser entendidos como forma de se presumir a correta aplicação do direito.

Outra norma importante para compreender o sistema vinculante de precedentes é o que

consta do artigo 927, caput e incisos e par. 1º, do CPC, que informa explicitamente a

obrigação de juízes e tribunais atentarem para as manifestações judiciais de força obrigatória,

devendo tal dispositivo ser conjugado em sintonia com os artigos 10, 489 e 926, todos do

Código de Processo Civil, de forma a torná-lo mais operante.142 É o que se verá no capítulo

que se segue.

141 STRECK, Lênio Luiz. Por que agora dá para apostar no projeto do novo CPC. Disponível em:

https://www.conjur.com.br/2013-out-21/lenio-streck-agora-apostar-projeto-cpc. Acesso em 25 fev. 2018. 142 Art. 10 do CPC “O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito

do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual

deva decidir de ofício.” Art. 927. “Os juízes e os tribunais observarão: I - as decisões do Supremo Tribunal

Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II - os enunciados de súmula vinculante; III - os

acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de

recursos extraordinário e especial repetitivos; IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em

matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V - a orientação do

plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados. § 1o Os juízes e os tribunais observarão o disposto

no art. 10 e no art. 489, § 1o, quando decidirem com fundamento neste artigo.” Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 25 fev. 2018.

Page 108: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

107

4.2 OS PRECEDENTES JUDICIAIS VINCULANTES NA DOGMÁTICA NACIONAL

Essa inovação decorrente da Lei 13.105/2015, com vigência a partir de 18/03/2016,

remeteu-se ao material normativo imprescindível para o stare decisis brasileiro,

diferentemente daquele da Inglaterra e dos E.U.A. Isso é natural, pois cada ordenamento

apresenta suas peculiaridades sistêmicas. O legislador resolveu implementar uma novel

cultura ao Brasil, no que tange à obediência aos precedentes e à jurisprudência solidificada,

especialmente àqueles emitidos pelos tribunais supremos.

O artigo 927, da Lei 13.105/2015, por sua vez, de caráter exemplificativo, revela a

natureza do cumprimento do regramento anterior no direito pátrio, dispondo a relação de

decisões, com eficácia vinculante. Diz-se exemplificativo, pois não esgotam todas as formas

de pronunciamentos jurisdicionais que permitem declarar um precedente ou uma

jurisprudência, a exemplo dos decisórios do STF e do STJ em processos de competência

originária, em recursos ordinários, das seções ou câmaras dos tribunais.

No entanto, há discussão doutrinária a respeito do art. 927 do CPC, consubstanciada

nos seguintes problemas: a) Ocorreu a inserção de um modelo de precedentes obrigatórios no

Brasil, de forma cogente ou apenas tal artigo enumera as decisões, sem impor-lhes caráter

algum de vinculatividade? b) Apenas as Cortes Supremas formam precedentes vinculantes?

A resposta ao primeiro questionamento, que aqui se tutela, é que os julgadores devem

respeitá-los na solução do caso concreto, observando-os como preceitos jurídicos. Trata-se de

vinculatividade de natureza jurídica, qualificada pelo dever ser. Na verdade, o precedente é

uma fonte formal. Justifica-se tal afirmação conjugando com as disposições relativas ao

incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR), ao incidente de assunção de

competência (IAC) e aos recursos especial e extraordinário repetitivos, as quais preveem

imperatividade aos decisórios judiciais ali proferidos.

Traz-se à tona o magistério de Hermes Zaneti Jr. ao afirmar categoricamente que o

aludido artigo e respectivos incisos enumeram precedentes formalmente vinculativos:

O CPC/2015 rompeu definitivamente com a tradição brasileira do direito

jurisprudencial e da jurisprudência persuasiva, elencando no art. 927 e incisos os

casos em que os precedentes no Brasil obrigam, portanto, são normativos e

vinculantes, e não meros exemplos de boas decisões. Daí falarmos, nestes casos, de

precedentes normativos formalmente vinculantes, uma vez que são normas

Page 109: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

108

primárias, estabelecidas como tal pela legislação processual formal, que determina a

sua vinculação independentemente de suas boas razões.143

Destarte, o CPC arrolou no art. 927 um catálogo hierárquico de decisões com força

obrigatória visando à efetivação dos princípios da legalidade e da segurança jurídica, que

permitem o uso da ação de reclamação ou outras decisões monocráticas de relatores (tutelas

provisórias) que promovam celeridade em caso de inobservância pelos juízos inferiores. Todo

precedente, seja ele vinculante ou persuasivo, exige que seja observado e levado em

consideração à luz do aferimento hermenêutico no caso sob análise.

Essa mudança de paradigma visa garantir racionalidade ao sistema jurídico brasileiro,

com diminuição da discricionariedade dos juízes, objetivando evitar o decisionismo judicial,

vinculando-os aos próprios decisórios. O dispositivo legal reconduz ao entendimento o qual

deve ser aplicado à luz do texto constitucional, com interpretação operativa144, em especial

quando lida com princípios e cláusulas gerais.

Vale ressaltar, entretanto, que o dever de observância não traduz necessariamente em

obrigatoriedade às cegas, ou seja, em respeito absoluto, integral, sem nenhum critério.

Observar quer dizer atentar, levar em conta, no momento da apreciação do caso. Um

precedente permite ser observado, sem obrigatoriamente ser seguido ou reproduzido pelos

juízos de instâncias inferiores, haja vista a correta utilização das técnicas do distinguishing

(distinção de casos) e overruling (superação do entendimento), buscando-se a integridade do

direito, com a exposição de fundamentação apropriada.

Para Daniel Amorim Neves, o vocábulo observarão, no caput do art. 927 significa

“aplicarão de forma obrigatória.”145

Não se exige qualquer outra norma para imprimir efeito vinculante aos incisos

constantes do artigo 927, como contrariamente faz pensar Alexandre Câmara. Para ele o

termo observarão resulta simplesmente no dever do juiz de levar em consideração na

143 ZANETI JR, Hermes. Precedentes normativos formalmente vinculantes. In: DIDIER JR, Fredie et al. (coord).

Precedentes. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2016, v. 3, p. 421. Também é o pensamento de Fredie Didier, Paula

Sarno e Rafael Oliveira, que lecionam: “No Brasil, há precedentes com força vinculante – é dizer, em que a ratio

decidendi contida na fundamentação de um julgado tem força vinculante. Estão eles enumerados no art. 927,

CPC.” DIDIER JR., Fredie. BRAGA, Paula Sarno. Oliveira, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual

Civil. Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Precedente, Coisa Julgada e Tutela Provisória. 10. ed. rev.

ampl. e atual. v. 2. Salvador: Editora JusPodivm, 2015, p. 455. 144 Essa atividade operativa deve perceber uma dubiedade na interpretação. A decisão que induz precedente

adiciona significado ao sistema jurídico, reconstruindo-o. FERRAJOLI, Luigi. Interpretazione dottrinale e

interpretazione operativa. Rivista Internazionale di Filosofia del Diritto, 1, p. 290-304, 1966, esp. p. 291-292. 145 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo.

Salvador: Editora JusPodivm, 2016, p. 1492.

Page 110: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

109

aplicação do direito. Caso não tenha um regramento explícito dando eficácia obrigatória ao

precedentes, considera-se como persuasivo apenas.146

Entendendo como precedentes obrigatórios, tem-se o enunciado 170 do Fórum

Permanente de Processualistas Civis, ao afirmar que “As decisões e precedentes previstos nos

incisos do caput do art. 927 são vinculantes aos órgãos jurisdicionais a eles submetidos”.

Assim, não induz faculdade aos juízes seguir ou não tais decisórios.

Defendem a hipótese de não existir um sistema brasileiro de precedentes, Lênio Streck

e George Abboud147, sem negarem, contudo, a integridade e a coerência objeto da acepção

dworkiniana de problematização do direito. O direito desenvolve-se a partir da obediência a

esses últimos atributos. Alegam que a vinculação é jurisprudencial, e não de precedentes.

Em sentido contrário e em apoio a este escrito, vale trazer o pensamento de Aurélio

Viana e Dierle Nunes148, defendendo que o CPC/2015 instituiu, sim, um modelo

precedencialista (provimentos vinculantes), ao afirmar que esse sistema melhor se adequa ao

direito democrático, com a inserção de técnicas processuais e força teórica capazes de reduzir

os óbices que permeiam o direito jurisprudencial brasileiro.

Questão também prudente a destacar é a pecha de inconstitucionalidade que alguns

juristas149 querem imprimir aos incisos III, IV e V, do aludido artigo 927, o que será mais um

debate a aportar nos tribunais superiores. Alegam que somente a constituição pode fixar força

imperativa aos precedentes, a exemplo de decisões em controle concentrado de

constitucionalidade e súmulas vinculantes, todas com previsão no texto constitucional.

Alegam também que violaria o princípio da separação dos poderes, onde o Judiciário não tem

competência para legislar.

146 E Alexandre Câmara arremata: “Assim é que tem eficácia vinculante as decisões e enunciados sumulares

indicados nos incisos I a III do art. 927; e são meramente argumentativos as decisões e verbetes sumulares de

que tratam os incisos IV e V do mesmo artigo.” CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil

brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015, p. 434-435.

147 Assim dizem: “Por isso mesmo é que devemos tirar lições do sistema de precedentes do common law para

melhor compreensão do ‘sistema de vinculação jurisprudencial’ (e não de precedentes) criado pelo CPC no

Brasil”. STRECK, Lênio; ABBOUD, Georges. O NCPC e os precedentes – afinal, do que estamos falando? In:

DIDIER JR, Fredie et al. (coord). Precedentes. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2016, v. 3, p.176. 148 Os autores acentuam: “[...], a negativa da existência dos precedentes no CPC/2015 pode, inversamente,

colaborar para a continuidade da aplicação caótica e descomprometida dos provimentos vinculantes ou padrões

decisórios, quaisquer que sejam os respectivos nomes de batismo, algo que vem ocorrendo há décadas [...]”.

VIANA, Antônio Aurélio de Souza; NUNES, Dierle. Precedentes: a mutação do ônus argumentativo. Rio de

Janeiro: Forense, 2018, p. 221-222. 149 Ver NERY JR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São

Paulo: RT, 2015, p. 1912-1913; ABBOUD, Georges. Discricionariedade administrativa e judicial. São Paulo:

RT, 2014, p. 392.

Page 111: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

110

Esta tese não coaduna com a opinião de Nelson Nery Jr., Rosa Nery e Abboud, pois a

atividade jurisdicional não tem o condão de criar norma geral e abstrata, a exemplo do Poder

Legislativo. O que se extrai é que os precedentes são fontes normativas e que criam normas

particulares e concretas, de caráter universal, para situações futuras e iguais.

De igual modo, Hermes Zaneti Jr. não concorda com o pensamento de Nelson Nery Jr.

e Rosa Nery, por entender que:

A vinculação dos incisos III, IV e V do art. 927 do CPC é um desdobramento da

progressiva recepção do stare decisis no ordenamento jurídico brasileiro, iniciada

ainda com as reformas ao CPC de 1973 e com a EC 45/04. Não há

inconstitucionalidade porque não há ofensa aos princípios da separação de poderes e

da legalidade, uma vez que se vincula apenas aos órgãos do Poder Judiciário e se

observa a legalidade por ter sido a vinculação formalmente estabelecida por lei.

Trata-se, na verdade, de uma integração entre as funções exercidas pelo Poder

Legislativo e pelo Poder Judiciário, criar o direito como legislador dentro da

moldura da Constituição e reconstruir o direito como juiz dentro do processo de

interpretação, sendo que a vinculatividade formal dos precedentes reduz o espaço de

discricionariedade dos juízes e ao mesmo tempo garante mais racionalidade,

previsibilidade e igualdade no direito.150

A vagueza do conteúdo da lei faz com que o intérprete aja de maneira criativa,

conferindo àquela um sentido unívoco, dentro de certa racionalidade e controle

argumentativo, de forma a contribuir com a melhor distribuição da justiça.

Entende-se que fere a constituição o fato da existência de decisões judiciais

diuturnamente proferidas, por vezes divergentes entre si, desrespeitando-se a hierarquia

institucional e viciando o sistema pela instabilidade e insegurança jurídica. O stare decisis

torna-se imprescindível ao ordenamento jurídico brasileiro, por infundir mais

responsabilidades e ônus argumentativo aos juízes e tribunais ao lidar com precedentes,

jurisprudência e súmulas.

Quanto ao segundo questionamento a respeito de quais Cortes tem competência para

formar precedentes obrigatórios, há um dissenso doutrinário.

Cabe ao Poder Judiciário a solução de todas as contendas e a uniformidade do direito,

por meio de seus juízes e tribunais, sendo que a competência de cada órgão encontra-se

regulada na Constituição Federal de 1988.

150 ZANETI JR., Hermes. 2017, op. cit., p. 402.

Page 112: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

111

Abre-se um parêntese para diferenciar qual o papel das Cortes de Justiça e das Cortes

Supremas na organização judiciária nacional, à luz do magistério de Luiz Guilherme

Marinoni, que também coaduna com o entendimento perfilhado neste escrito.

Os primeiros tribunais são aqueles preocupados com a análise da justiça no caso ali

recorrente. Tem a função de examinar as circunstâncias fáticas e a questão jurídica aplicável,

por meio de contraditório substancial e debate sobre a aplicabilidade da jurisprudência ou do

precedente constitucional ou federal ao caso sob análise, resolvendo, ao final, o conflito. Os

tribunais de justiça estaduais e os tribunais regionais federais estão incluídos nessa situação,

aqui tratados de cortes de justiça ou cortes de apelação.

As cortes supremas ou cortes de vértice, aqui consideradas apenas o Supremo Tribunal

Federal e o Superior Tribunal de Justiça, tem a função de conferir sentido e dar unidade ao

direito, possibilitando-se debate profícuo sobre as questões jurídicas e com o exercício

hermenêutico a partir do caso concreto, proclamando a última palavra a respeito de matéria

constitucional ou federal, respectivamente.

Com a apropriada deliberação a respeito dessas questões jurídicas e atingimento de

maioria na votação do colegiado, partilhando de idêntico fundamento na resolução do

problema, as cortes supremas emitem o precedente, identificando ali a ratio decidendi, que se

extrai da própria fundamentação do julgado. Claro que o STJ ou STF não reexaminam fatos

ou apreciam provas, em grau recursal, mas os seus argumentos levam em consideração a

existência do quadro fático e sua relação com a matéria de direito a ser resolvida.

Com a cognoscibilidade e o caráter universalizável desse precedente, a própria corte

suprema (stare decisis horizontal), as cortes de justiça e os demais juízes de primeira instância

(stare decisis vertical), ao analisarem casos futuros similares, tem o dever de promoverem a

racionalidade do ordenamento jurídico, com a observância obrigatória desse decisório,

pautando-se em critérios objetivos, forte nos princípios da segurança jurídica, da coerência e

da isonomia.

O atributo da universalização, ligado ao precedente, deve reconduzir o direito à

realidade social, ou seja, os decisórios relativos especificamente a litígios dizem respeito

apenas às partes litigantes, enquanto que as decisões que dão sentido ao ordenamento jurídico,

reconstruindo-o, beneficiam a toda a sociedade.

Com isso, parte-se da premissa de que os tribunais de apelação ou cortes de justiças

não criam precedentes (função apenas do STJ e STF, pois preocupados com o

Page 113: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

112

desenvolvimento do direito). Aqueles tem a função de reexaminar a matéria objeto das

decisões proferidas pelos juízes de piso, permitindo com isso o debate colaborativo no sentido

de maturar a interpretação das leis e das questões jurídicas.

Reiterados julgados e várias interpretações legais no mesmo sentido desembocam no

pensamento uniforme dessa corte de justiça acerca de certa questão de direito, dano azo ao

que se chama de jurisprudência.

De igual modo corroboram Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Arenhart e Daniel

Mitidiero:

[...] Para uniformizar, é preciso conhecer o que é disforme: pressupõe-se justamente

a ausência de uniformidade na interpretação e aplicação do direito. Quando se pensa

no STF e no STJ como cortes de interpretação e de precedentes, porém, a partir do

exato momento em que esses tribunais dão determinada interpretação, constitui

grave infidelidade ao direito deixá-la de lado na aplicação dos casos concretos que

recaem em seus âmbitos de aplicação. Daí que o STF e o STJ – como Cortes

Supremas que são – devem dar unidade ao direito e não propriamente uniformizá-lo.

[...] Devem dar unidade ao direito a partir da solução de casos que sirvam como

precedentes para guiar a interpretação futura do direito pelos demais juízes [...].

Nessa linha, uniformizar é tarefa das Cortes de Justiça, que tem o dever de controlar

a justiça da decisão de todos os casos a elas dirigidos – o que obviamente inclui o

dever de aplicação isonômica do direito.151

A uniformização do direito cabe às cortes de justiça, pois a partir de vários casos

similares que ali chegam devem impor a mesma opção jurídica, de forma a não ferir o

princípio da igualdade.

Também Daniel Mitidiero152, de igual modo, propõe a separação da tutela jurisdicional

em duas esferas judiciárias diferenciadas, que abarcam as dimensões de resolução dos

conflitos. No seu pensar, ter-se-ia uma corte que cuidaria apenas de proferir decisão justa na

resolução da controvérsia (cortes de Justiça ou órgãos judiciais ordinários), e outra corte

responsável pela adequada interpretação de forma proativa e pela criação do precedente,

enriquecendo o depósito de preceitos jurídicos universalizáveis, visando à unidade do direito

(cortes supremas ou órgãos jurisdicionais extraordinários).

A técnica interpretativa do direito é o objetivo das cortes supremas, dispondo o caso

concreto simplesmente como meio a desafiar a função jurisdicional. A lesão à interpretação

151 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O Novo Processo Civil. 2ª

ed. rev. atual. e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 548-551. Ver também

MARINONI, Luiz Guilherme. 2016, op. cit., p. 289-292. 152 MITIDIERO, Daniel. Cortes Superiores e Cortes Supremas: do controle à interpretação, da jurisprudência

ao precedente. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 36-39.

Page 114: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

113

dada pelas cortes de vértice deve ser encarada como erro institucional grave, inadmissível no

sistema hierárquico judiciário brasileiro. É necessário que se busque entender o STF e o STJ

como tribunais de interpretação e de precedentes, de forma a viabilizar espaço estável de

desenvolvimento social.

No entanto, essa assertiva de que somente o STF e o STJ produzem precedentes não é

corrente pacífica na doutrina, senão veja-se.

Hermes Zaneti Jr. discorda ao afirmar que não é prudente atrair para as cortes de

vértice a função única de criadora de precedentes, a partir do que dispõe o art. 927 e incisos,

do CPC. São considerados precedentes as decisões de outros tribunais, dentro de seus âmbitos

de atuação, respeitando-se os pronunciamentos decisórios dos tribunais categoricamente

superiores em sentido contrário. Assim, o autor conclui:

Afirmar que as cortes estaduais e os tribunais regionais federais vinculam por

‘jurisprudência’, nos casos de incidente de assunção de competência e de incidente

de resolução de demandas repetitivas, representa deixar de perceber o papel desses

tribunais na formação, aplicação e alteração do modelo de precedentes assinado pelo

Código e deixar de separar claramente o que nós tínhamos antes dele: um modelo de

jurisprudência persuasiva; do que agora se formou: um modelo de precedentes

normativos formalmente vinculantes. 153

Não se pode dar guarida a tal argumento, por dois motivos. Quando se diz que o STJ e

o STF tem poder de criar precedentes, isso não quer dizer que o ministro do tribunal exerce

função mais relevante do que o juiz de piso ou dos demais tribunais. Na realidade, há uma

diferença no exercício da jurisdição, especialmente no que tange às suas competências

constitucionais.

O segundo motivo diz respeito ao grau hierárquico na estrutura da organização

judiciária, sendo que os efeitos de seus decisórios atingem a todos, a respeito da tese advinda

daquele precedente, com a finalidade precípua de atribuir unidade a todo o ordenamento. Se

assim não fosse, haveria tumulto interpretativo ou anarquia decisória, em que cada juízo

proferiria decisões a seu bel prazer, de forma arbitrária e aleatória.

Dierle Nunes, Flávio Pedron e André Horta rechaçam a opção teórica de Marinoni e

Mitidiero, por não aceitarem a concentração no STF e STJ da autoridade de formar

precedentes, uma vez que esses tribunais tem vacilado na interpretação de temas polêmicos,

principalmente por não haver unanimidade, por exemplo, na aplicação do princípio da

153 ZANETI JR., Hermes. 2017, op. cit., p. 407.

Page 115: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

114

proporcionalidade, que tem sido utilizado pelo STF como válvula de escape para orientar uma

decisão.

Continuam os autores na crítica às cortes supremas, pois no Estado Democrático de

Direito não se pode aceitar protótipo ultraestatalista, com todo o poder interpretativo

concentrado em mãos de duas cortes, haja vista que o Direito não é desenvolvido apenas nos

tribunais supremos, deixando de lado a relevância institucional dos demais tribunais nacionais

nesse mister. A persistir esse entendimento, ocorreria a sujeição irrestrita aos tribunais de

vértice, limitando, por consequência, a uniformização do direito ao pequeno conjunto de casos

que aportariam para julgamento no STF e STJ.

E concluem dizendo:

O modelo proposto por Mitidiero e Marinoni defende, sob viés socializador e

estatalista, um protagonismo judicial concentrado nas Cortes Supremas incapaz, em

nossa opinião, de oferecer espaço processual deliberativo (comparticipativo) para a

formação e aplicação dos precedentes judiciais.154

Não se pode dar apoio integral ao que pensam Dierle Nunes, Flávio Pedron e André

Horta, pois partem do pressuposto de que o STF e STJ são cortes que querem se autolegitimar

no poder, esquecendo-se de que a competência deles é legitimada pela própria Carta Magna,

os quais são detentores da interpretação última em matérias constitucional e direito federal,

respectivamente.

Claro que esses órgãos de vértice não tem dado exemplos, com formação de padrões

decisórios incoerentes, por vezes, o que será melhor avaliado mais à frente. Mas isso não pode

ser óbice para o desenvolvimento do direito. Aposta-se também na decisão colegiada, com

critérios objetivos, forte na fundamentação do comando jurídico, buscando-se decisão justa

para o caso paradigmático.

O procedimento de formação de precedentes parte-se de um processo judicial, com a

participação e ouvida de partes, Ministério Público, Defensoria Pública e Juiz, o que refuta a

ideia de que o procedimento não é comparticipativo. Havendo necessidade, de ofício ou a

requerimento, pode ocorrer a intervenção de amicus curiae e também audiências públicas, que

contribuirão para a formação/superação da tese jurídica.

154 NUNES, Dierle. PEDRON, Flávio Quinaud. HORTA, André Frederico de Sena. Art. 926 do CPC e suas

propostas de fundamentação: um diálogo com concepções contrastantes. In: NUNES, Dierle. MENDES, Aluísio.

JAYME, Fernando Gonzaga (coord.). A nova aplicação da jurisprudência e precedentes no CPC/2015. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 336-361.

Page 116: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

115

Eduardo Cambi milita em defesa do STF e STJ enquanto cortes supremas, assim se

pronunciando:

Tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça não podem

ser compreendidos como Cortes de Correção. Não constituem terceira ou quarta

instância. Por isso, a atuação desses Tribunais não deve se basear na tutela dos

direitos subjetivos nem estar centrada no interesse particular ou com a justiça do

caso concreto, mas se preocupar com a unidade do direito objetivo federal ou

constitucional.

Cabe ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça a função de

unificar a interpretação da Constituição e do direito federal. Por isso, são

consideradas Cortes de Precedentes, não Cortes de correção, o que significa que não

tem a função precípua de dizer a última palavra sobre a legalidade e a legitimidade

dos casos concretos, mas a de governar a orientação jurídica do Poder

Judiciário.155

Conclui-se, assim, esse sucinto e sólido debate doutrinário, por afirmar que o

desrespeito aos precedentes judiciais resvalam na negativa do próprio direito. São vinculantes

porque tem a responsabilidade de conferir unidade, especialmente porque é resultado da

atividade interpretativa do texto constitucional e da legislação federal pelos tribunais

supremos.

De outra banda, as hipóteses previstas nos incisos do art. 927, do CPC, as quais devem

ser observadas por magistrados e tribunais em seus pronunciamentos, merecem, neste

primeiro momento, uma breve análise:

I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de

constitucionalidade

Essas decisões produzem efeito erga omnes, em relação à coisa julgada, na medida em

que a ratio decidendi (motivos determinantes) dos decisórios prolatados pelo STF em controle

concentrado de constitucionalidade possui natureza vinculante, exigindo postura obrigatória

no seguimento dessas orientações por parte de todos os juízes e demais tribunais.

II e IV – Os enunciados de súmula vinculante e de súmulas do STF e STJ

A observância a tais enunciados consubstancia-se nos motivos determinantes dos

precedentes que lhe antecederam.

155 CAMBI, Eduardo. 2016, op. cit. p. 196-197. Conferir também TARUFFO, Michele. Cinco Lecciones

mexicanas: memoria del taller de drecho processual. Cidade do México: Escuela Judicial Electoral, 2003,

p. 40.

Page 117: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

116

Afirma Monica Sifuentes156 que as “súmulas vinculantes podem ser hoje qualificadas

como verdadeiras fontes do direito”, pois possuem imperatividade coercitiva aos órgãos

jurisdicionais, à administração pública e à sociedade em geral, além de conterem requisitos

parecidos com a norma jurídica, ou seja, os critérios da generalidade e abstração.

Outrossim, viável o instrumento processual da reclamação (art. 103-A, § 3º, da CF e

art. 7º, da Lei 11.417/2006) com o objetivo de anular ou cassar a decisão judicial que for

contra o entendimento preceituado na súmula vinculante ou que a tenha aplicado de forma

indevida, sem prejuízos de outros meios jurídicos de impugnação de decisões à disposição do

interessado.

III – Os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de

demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos

O Código de Processo Civil, em seus artigos 489, par. 1º, 984, par. 2º e 1038, par. 3º,

prevê procedimentos com o objetivo de formação de preceitos jurídicos, em que os motivos

contrários e favoráveis à tese de direito discutidos incidentalmente serão apreciados pela

corte. Tem-se aí o contraditório substancial, passível de ingresso do amicus curiae e

realização de audiência públicas, com a oitiva de pessoas experientes e com conhecimento

acerca da questão sub judice.

Nesse sentido, traz-se aqui o incidente processual de assunção de competência,

previsto no art. 947, do CPC, que tem como objeto o julgamento e a fixação de tese jurídica

pelo órgão pleno, quando se tratar de recurso, reexame necessário ou feito de competência

originária do tribunal, envolvendo importante questão jurídica (de direito material ou

processual) e de real repercussão social (que transcende os interesses das partes envolvidas),

não repetida em múltiplas ações (feito específico ou quantidade mínima de processos e não

em causas repetitivas).

Tal incidente visa garantir a segurança jurídica, prevenir distorções e uniformizar a

jurisprudência, dando credibilidade ao Judiciário. Desperta-se com isso confiança nas

decisões prolatadas, em que casos semelhantes terão tratamento isonômico.

A sua instauração ocorre em qualquer tribunal, inclusive nas cortes supremas,

envolvendo qualquer demanda, enquanto o processo ou o recurso respectivo não for julgado.

Deve ser promovida real divulgação e publicidade quanto a esse instituto. Confere-se

156 SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante – Um estudo sobre o poder normativo dos tribunais. São Paulo:

Saraiva, 2005, p. 161.

Page 118: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

117

legitimidade para promoção do incidente ao relator, a qualquer das partes litigantes, ao MP e

ao Defensor Público.

Com a formação do entendimento nesse incidente, caso seja ajuizada alguma ação

com fundamento que o contrarie, o magistrado julgará improcedente o pedido autoral, de

forma liminar, sem necessidade de citação do réu e de instrução probatória, nos termos do

art. 332, III, do CPC. Cabe também reclamação pela não observância da tese jurídica adotada

em determinado acórdão prolatado no incidente, de conformidade com o art. 988, IV, do CPC.

O julgamento será realizado pelo órgão designado no regimento interno do tribunal

respectivo, com a inclusão em pauta, observando-se a ordem cronológica de conclusão dos

feitos, à luz do art. 12 do CPC. O acórdão proferido pode ser objeto de recurso, sejam eles

embargos declaratórios, recursos especial e extraordinário, ordinário ou de revista, a depender

da situação concreta.

Necessário também registrar os decisórios criados na resolução de casos repetitivos,

com previsão no Código de Processo Civil, em seu art. 928, que abrange o Incidente de

Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) e os recursos especiais e extraordinários

repetitivos, gerando discussão a respeito de questões jurídicas de direito material ou

processual. Tais instrumentos objetivam dar uniformidade à jurisprudência, no que trata das

questões repetitivas.

Prioriza-se que se dê tratamento igual a processos distintos que contêm a mesma

questão jurídica, com realce à segurança jurídica. Exigem-se que tenham vários processos já

decididos, com relevante divergência de pensamento, gerando instabilidade jurídica.

Têm legitimidade para requerer o IRDR, na forma do art. 977 do CPC, o juiz ou

relator (por ofício), as partes, o MP e a Defensoria Pública (esses últimos mediante petição),

instruindo o pedido com a documentação necessária que demonstre os requisitos exigidos.

O julgamento ficará a cargo do órgão designado no regimento interno do tribunal de 2º

grau, que cuida de dar uniformidade à jurisprudência, de forma a mantê-la íntegra, una e

coerente. Para combater essa decisão de mérito, cabem recursos especial e extraordinário para

o STJ e STF, respectivamente, seguindo orientação do art. 987, caput, CPC.

O órgão colegiado que tem a função de resolver o IRDR e de proclamar a tese de

direito procederá também ao julgamento do recurso, do reexame necessário e da ação de

competência originária da Corte.

Page 119: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

118

Com o julgamento desse incidente, a tese de direito terá aplicabilidade nas causas

individuais ou coletivas que cuidam de igual questão jurídica, com tramitação na área de

atuação do respectivo tribunal, alcançando inclusive os processos que correm nos juizados

especiais estaduais ou da região. Afetará tanto os casos pendentes como os futuros que ali

aportarem.

Passa-se a falar sobre o julgamento dos recursos excepcionais repetitivos, seja ele

especial ou extraordinário, que versem sobre a mesma matéria jurídica e multiplicidade de

processos. Tal faculdade está prevista no art. 1036 do CPC.

Existe autonomia nos tribunais de 2º grau e superiores na escolha dos recursos

especiais e extraordinários, que servirão como paradigmas nesse tipo de julgamento. A

suspensão dos demais processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre

semelhante questão de direito, é obrigatória.

Considerando as particularidades atinentes aos recursos especial e extraordinário,

apenas matérias de direito federal e constitucional, respectivamente, são objeto desse

incidente. Diferentemente do IRDR, que tem objeto mais extenso, abrangendo outras

questões, a exemplo de direito local.

Após a seleção dos recursos, cabe ao relator, no tribunal superior, a afetação daqueles

escolhidos como objeto da controvérsia, além de delimitar de maneira precisa a matéria que

será submetida a julgamento, com a fixação do objeto em litígio. Ordenará a suspensão de

todos os feitos pendentes, que ocupam-se da mesma questão e que tramitam no território

pátrio. O prazo para julgamento dos recursos é de 1 (um) ano, tendo precedência sobre os

demais processos, à exceção daqueles relativos a réus presos e de habeas corpus.

O relator também tem a faculdade de requerer ou admitir a presença de outras pessoas,

órgãos ou entidades especializadas, com representatividade adequada, assim chamados de

amicus curiae (art.138 c/c art. 1038, I, ambos CPC), que tenham interesse no julgamento, ante

a importância da matéria a ser julgada e de grande repercussão social. Poderá determinar

audiências públicas, com o depoimento de outras pessoas (art. 1038, II), a fim de melhor

instrução do procedimento.

Com a decisão dos recursos afetados, ocorre a sua eficácia sobre os feitos sobrestados,

aplicando-se a tese firmada. O acórdão proferido na técnica resolutiva de recursos especiais

Page 120: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

119

ou extraordinários repetitivos possui eficácia obrigatória, após a sua publicação, por atração

do art. 1040 do CPC.157

V – A orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados

Por último, como o órgão jurisdicional não possui caráter consultivo, a palavra

“orientação” deve ser compreendida como uma decisão, dotada de eficácia vinculante aos

demais juízes e tribunais correspondentes.

Com as considerações supra, é imperioso dizer que a criação de precedentes,

jurisprudência e enunciados de súmulas tem o objetivo principal de oferecer unidade ao

direito e coesão ao sistema. Ampliam-se o debate e a discussão jurídica, com participação

mais qualificada de todos os envolvidos.

Apenas a título informativo, a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de

Magistrados (ENFAM) em parceria com o Superior Tribunal de Justiça desenvolveu o

Projeto Corpus927158, com o objetivo principal de reunir e tornar acessível a toda a

comunidade jurídica e acadêmica, além da sociedade em geral, os decisórios vinculantes, os

enunciados e as orientações do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça,

bem como as respectivas jurisprudências consolidadas, de que cuida o art. 927 do Código de

Processo Civil. As consultas dizem respeito ao controle de constitucionalidade, súmulas

vinculantes, repercussões gerais, recursos repetitivos, súmulas, jurisprudências em tese e a

pesquisa jurisprudencial em si.

Iniciativa digna de aplauso, pela transparência dos tribunais superiores ao lidarem com

relevante assunto, demonstrando o conteúdo de todos decisórios que correspondem ao artigo

927 do CPC.

Assim, intencional é perquirir o que pode ser considerado vinculante no precedente e

quais conteúdos decisórios servem de diretrizes jurídicas para seguimento pelo Poder

Judiciário no enfrentamento de novos casos. Como se opera a atividade de verificar a simetria

entre o processo atual e a decisão-paradigma?

As respostas a esses questionamentos o direito brasileiro, de origem ligada à tradição

do civil law, deve responder progressivamente por dizer respeito à eficácia, interpretação e

157 Os artigos citados do CPC estão disponíveis em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-

2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 28 fev. 2018.

158 A consulta ao Corpus927 (C927) poderá ser efetuada por meio do link: http://corpus927.enfam.jus.br/. Acesso

em 21 jun 2018.

Page 121: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

120

dinâmica do sistema precedencialista. É necessário amadurecimento cultural e raciocínio

jurídico crítico quanto ao modo de lidar com o tema, porquanto a obediência aos precedentes

não se encontra inserido na cultura. É o que se verá no capítulo seguinte.

Page 122: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

121

4.3 A DINÂMICA DAS TÉCNICAS DE UTILIZAÇÃO DOS PRECEDENTES NO

DIREITO BRASILEIRO

Viu-se que a profundidade da eficácia vertical dos precedentes encontra-se calcada no

critério da autoridade. Magistrados e tribunais de apelação estão vinculados à infraestrutura

organizacional do Judiciário, o que lhes é facultado dissentir de tais julgados com o propósito

de demonstrar a necessidade de eventual alteração pelas cortes supremas, responsáveis pela

unidade e desenvolvimento do direito.

Eduardo Cambi e Renê Hellman, quanto a esse aspecto de insubordinação, afirmam

que se trata de uma jurisimprudência159, hipótese que se caracteriza como arbítrio judicial,

gerando incoerência e insegurança jurídica ao sistema. Excetuam-se os casos em que se

procede à distinção ou à superação do entendimento, com a demonstração de carga forte de

argumentação nesse sentido.

Para tanto, como forma de elucidar a dinâmica do stare decisis no ordenamento

jurídico e também responder aos questionamentos iniciais desse tema, é indispensável trazer à

discussão alguns institutos fundamentais: ratio decidendi (ou holding), obiter dictum,

distinguishing (distinção) e overruling (superação). Os dois primeiros já foram objeto de

conceituação no capítulo anterior, que serão aqui abordados de forma mais contextualizada.

Esclarece-se que para se identificar a ratio decidendi (razões de decidir) e o obiter

dictum (considerações de passagem) de uma decisão, passa-se pela análise criteriosa da parte

da fundamentação do julgado-precedente, tarefa esse afeta aos juízes do caso-sucessivo.

Muito embora seja tranquilo dizer que a ratio decidendi (termo predominante no

direito inglês) ou holding (terminologia norte-americana) seja o elemento do precedente que

obriga a interpretação em determinado sentido, a conceituação exata desse instituto expõe a

problemática teórica dos países da tradição common law.

José Rogério Tucci traz ao contexto a seguinte afirmação, que aqui é acolhida:

Cumpre esclarecer que a ratio decidendi não é pontuada ou individuada pelo órgão

que profere a decisão. Cabe aos juízes, em momento posterior, ao examinarem-na

como precedente, extrair a “norma legal” (abstraindo-a do caso) que poderá ou não

incidir na situação concreta.160

159 CAMBI, Eduardo. HELLMAN, Renê. Jurisimprudência – a independência do juiz ante os precedentes

judiciais como obstáculo à igualdade e à segurança jurídica. Revista de Processo, v. 231, maio/2015, p. 349-366. 160 TUCCI, José Rogério Cruz e. Parâmetros de eficácia e critérios de interpretação do precedente judicial.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito Jurisprudencial. São Paulo: RT, 2012, p. 123.

Page 123: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

122

Assim, o que vincula é a norma do precedente, a qual é extraída da fundamentação do

julgado, sendo delineada e tornada cognoscível em casos subsequentes, servindo como

comando universal. Então norma do precedente e fundamentação não se confundem. Esta

permanece ilesa, enquanto que a primeira trata-se de motivo determinante, que servirá de

norte para julgamentos futuros.

Há uma controvérsia doutrinária quanto ao método mais empregado nas cortes ou

aquele considerado o mais eficaz.

O primeiro método é o chamado fático-concreto161, onde a razão de decidir deve

conformar-se com os fatos materiais relevantes que influenciaram na solução do caso e

serviram de definição para o regramento jurídico. A crítica que se faz a esse método é que ele

é restritivo e adstrito à peculiaridade do caso.

O segundo método é o abstrato normativo, em que a decisão do caso-precedente

considera o normativo mais apropriado para resolver eventuais processos que são similares. O

que consta da fundamentação do julgado como preceito expresso ou implícito é fundamental

para chegar a ratio decidendi, de forma que alcance maior quantidade de casos que serão

regrados.

Patrícia Perrone Mello e Luís Roberto Barroso, sobre o tema, assim discorrem:

Algumas formulações acima seriam aceitáveis como holding. Outras, claramente

exorbitariam do entendimento realmente afirmado pela corte para decidir. Por isso,

ambos os métodos - fático-concreto e abstrato-normativo - são fundamentais para

chegar a uma formulação adequada da norma emergente do precedente. A

identificação da ratio decidendi pressupõe, em verdade, a avaliação de alguns

aspectos essenciais: i) os fatos relevantes, ii) a questão jurídica posta em juízo iii) os

fundamentos da decisão e iv) a solução determinada pela corte. Em tribunais em que

a definição da decisão se dá pelo sistema de votação em série é preciso identificar

qual foi a posição adotada pela maioria dos julgadores sobre tais aspectos. Com base

nestas considerações, afirma-se que a ratio decidendi de uma decisão corresponde a

uma descrição do entendimento adotado pela corte como a premissa necessária ou

adequada para decidir o caso concreto, à luz das razões invocadas pela maioria.162

Vê-se, com isso, que procurar saber a ratio decidendi e compreender se ela é adequada

à resolução da demanda exige do operador jurídico exercício de interpretação, com a

161 Conferir em: GOODHART, Arthur L. Essays in jurisprudence and the common law. Cambridge:

Cambridge University press, 1931, p. 1-26. 162 MELLO, Patrícia Perrone Campos. BARROSO, Luís Roberto. Trabalhando com uma nova lógica: a ascensão

dos precedentes no direito brasileiro. Revista da AGU. Brasília: AGU, ano 15, n. 3, jul./set. 2016, p. 27.

Disponível em: http://seer.agu.gov.br/index.php/AGU/article/view/854/730. Acesso em 01 mar. 2018.

Page 124: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

123

identificação de similitudes e diferenciações que envolvem os casos. Cabe ao intérprete

pormenorizar e valorar as circunstâncias fático-jurídicas para depois decidir de forma

consistente. O juiz, nesse contexto, não pode agir de forma robotizada ou simplesmente

mecânica, atitude essa que pode possibilitar a involução do direito.

A ratio é a argumentação judicial em que o precedente está diretamente alicerçado,

por isso de sua vinculatividade, podendo ter ainda a natureza jurídica de princípio ou de

regra, a partir do caso concreto. O requisito vinculante não se encontra na parte dispositiva do

decisório, a qual a sua eficácia está relacionada apenas àquele caso julgado.

Nesse sentido, Edward D. Re confirma que “apenas os fundamentos da decisão

merecem reconhecimento e acatamento com força vinculativa”.163

No direito brasileiro é possível precedente com diversas rationes decidendi, a exemplo

das questões processuais, como fixação de competência e a configuração de repercussão

geral, desde que levadas ao debate e decididas corretamente.

O que se percebe na praxe brasileira é que no resultado de um julgamento o normal é

somar a conclusão da votação, de forma que se considera prevalecente entendimento quando

ao final é demonstrado pela maioria dos votos ou de modo uníssono.

Não se admite isso como correto quando, apesar de a conclusão ter ocorrido por

maioria ou unanimidade, ficar registrado que os juízes se valeram de fundamentos totalmente

distintos. Assim, entende-se não considerar vinculante o fundamento que nesse acórdão não

tenha ocorrido resultado no mínimo por maioria e que não foi objeto de ampla discussão entre

os seus pares.

Os argumentos que servem de reforço e que não são imprescindíveis para a conclusão

do decisório são chamados de obiter dictum (aquilo que é dito para morrer). Não são

necessários ao desfecho do conflito. Tem serventia normalmente como simples auxiliar da

interpretação jurídica, como simples opinião, sem efeito vinculante para julgamentos futuros e

não se trata de razão determinante do precedente.

No entanto, é importante registrar que os dicta podem influenciar no desenvolvimento

do direito, podendo ser a ratio decidendi do futuro.

163 RE, Edward D. Stare Decisis. Trad. brasil. de Ellen Gracie Northfleet. Revista de Processo, São Paulo: RT,

v. 73, 1994, fl. 49.

Page 125: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

124

Na atividade de verificação de semelhança e distinção entre o caso-precedente e o

caso-subsequente, cabe ao juiz identificar os fatos materiais importantes, as normas que

recaem sobre esses fatos, os motivos determinantes que influenciaram a decisão anterior e

promover a discussão acerca da questão de direito envolvida e sua aplicabilidade ao processo

atual.

Considerando que o Código de Processo Civil/2015 adotou o sistema de precedentes

obrigatórios, de igual modo recepcionou algumas técnicas, compondo o que se chama de

dinâmica do precedente, preconizada no instituto da distinção (termo inglês: distinguishing ou

distinguish) e da superação (locução inglesa: overruling).

Todo ordenamento baseado em precedentes necessita, para o regular funcionamento,

estar atento para a constante mudança do pensamento jurídico, de forma que se preveja a

existência de distinções e superações.

Dessa maneira, a utilização de um precedente para dirimir novos casos acontece por

meio de atividade associativa (argumentar por meio da analogia) ou através de diferenciação

entre os casos (motivar por intermédio de contra-analogia). Se as circunstâncias forem

distintas, não incide o decisório padrão pelo juiz, com a fundamentação adequada para tanto.

Diz distinguishing quando sucede a distinção entre o caso concreto atual e o caso

paradigma, não coincidindo os fatos essenciais discutidos e os que foram utilizados para dar

sustentação à ratio decidendi ou tese jurídica revelada no precedente. Caso não seja hipótese

de afastamento do precedente, o magistrado tem a possibilidade de utilizar-se da interpretação

restritiva ou ampliativa.

Assim, cabe ao juiz, em sua atividade cognitiva, a interpretação de forma restrita, por

convencer-se que as especificidades do caso concreto vetam o emprego da regra jurídica

exposta no precedente, podendo julgar o caso de forma livre, sem eficácia vinculativa. Incide

aí que se chama de restrictive distinguishing. O magistrado, estendendo à hipótese sob exame

igual solução jurídica dos casos anteriores, por achar aplicável, recai naquilo comumente

chamado de ampliative distinguishing.

Claro que é necessário, em qualquer situação, o julgador expor os motivos pelos quais

decidiu, com a interpretação da lei conformando-a ao texto constitucional e procedendo à

verificação das hipóteses fáticas de ambos os feitos.

Page 126: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

125

Fredie Didier Jr, Paula Sarno e Rafael Oliveira164 explicam:

Sendo assim, pode-se utilizar o termo ‘distinguish’ em duas acepções: i) para

designar o método de comparação entre o caso concreto e o paradigma (distinguish-

método) – como previsto no art. 489, §1º, V, e 927, § 1º, CPC; ii) e para designar o

resultado desse confronto, nos casos em que se conclui haver entre eles alguma

diferença (distinguish-resultado), a chamada ‘distinção’, na forma em que

consagrada no art. 489, § 1º, VI, e 927, §1º, CPC.

Estando o caso sub judice a revelar alguma particularidade que o separa do paradigma,

ainda assim pode-se aplicar aquela ratio decidendi, pois não se exige identidade absoluta

entre as circunstâncias fáticas, trazendo para o juiz o trabalho de séria argumentação para

comprovar tal hipótese. O labor da técnica distintiva recai ao se aplicar qualquer precedente,

sem exceção. O direito à distinção é decorrente do princípio da igualdade.

O Código de Processo Civil pátrio, em vários de seus artigos, traz previsão expressa da

técnica distintiva, às vezes como dever operacional dos magistrados, por vezes como ônus

argumentativo para as partes e seus causídicos, o que contribuirá para a evolução do

raciocínio jurídico desses operadores e para o emprego racional e coerente do distinguishing.

Esse comando distintivo pode ser dinamizado por qualquer juiz, seja ele de primeira

instância ou do tribunal, que tem por objeto verificar se o caso atual adequa-se à decisão

pretérita, seja qual for o juízo do precedente em análise (STF ou STJ).165

Outra situação é a possibilidade de o juiz da causa atual aplicar o precedente

obrigatório, mesmo discordando do conteúdo decisório, procedendo-se à ressalva de seu

entendimento166 contrário à tese exposta pelos tribunais. Com isso, preserva-se a eficácia

vinculante vertical e promove a coerência e estabilidade da jurisprudência.

Por outro lado, esse dissenso tem importância prática, pois ocorre a injeção de novos

parâmetros ao crivo jurídico, possibilitando o contraditório e a revisão do precedente em

momento posterior pelos tribunais competentes.

As técnicas de superação são duas, que possibilitam o sistema jurídico evoluir, a saber:

overruling e overriding. Acontece a primeira quando se revela a superação total do

164 DIDIER JR., Fredie. BRAGA, Paula Sarno. Oliveira, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual

Civil. Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Precedente, Coisa Julgada e Tutela Provisória. 10. ed. rev.

ampl. e atual. v. 2. Salvador: Editora JusPodivm, 2015, p. 491. 165 O Enunciado 174 do FPPC em igual pensamento: “A realização da distinção compete a qualquer órgão

jurisdicional, independentemente da origem do precedente invocado.” 166 Assim também preceitua o Enunciado 172 do FPPC: “A decisão que aplica precedentes, com a ressalva de

entendimento do julgador, não é contraditória.”

Page 127: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

126

precedente, com a revogação do anterior, exigindo-se poder maior de argumentação, com

motivos até então não enfrentados. Pode ser de forma expressa, quando a corte impõe

expressamente nova orientação, revogando a anterior. Também de maneira tácita ou implícita,

atribuindo orientação que contradiz com a anterior, conquanto não a afirme de forma

expressa.

O ordenamento jurídico brasileiro não recepcionou a forma tácita, uma vez exigir

motivação adequada e particular para a superação de um entendimento jurisprudencial, com

base nos princípios da segurança jurídica, da igualdade e da proteção da confiança depositada

no precedente (art. 927, par. 4º, CPC).

Necessário registrar o pensamento de Thomas Bustamante ao entender que o

overruling “apresenta-se como resultado de um discurso de justificação em que resulta

infirmada a própria validade da regra antes visualizada como correta”.167

Propõe-se que a superação, embora importante para o desenvolvimento do direito,

deve ser a derradeira alternativa a ser tomada pela corte suprema, de forma a não

comprometer a estabilidade jurídica. A mudança, por si só, simplesmente porque os

magistrados resolveram modificar as suas opiniões, sem quaisquer razões adequadas que

demonstrem cabalmente o equívoco do precedente ou erro manifesto, pode dar por fim com a

lógica do stare decisis.

O STF já se manifestou nesse sentido, demonstrando cautela quanto a essa técnica,

com decisão encartada na ementa do acórdão do Tribunal Pleno, AgR ADI 4.071, a saber

“[...] 3. A alteração da jurisprudência pressupõe a ocorrência de significativas modificações

de ordem jurídica, social ou econômica, ou, quando muito, a superveniência de argumentos

nitidamente mais relevantes do que aqueles antes prevalecentes [...]”.168

Ao revogarem um precedente, as cortes devem revelar os sérios motivos que levaram à

ausência de consistência sistêmica. Além do mais, as cortes supremas devem promover o

diagnóstico prévio das perdas e ganhos a serem auferidos pela revogação. O que não

representa atribuição de fácil alcance, vale frisar.

167 BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. 2012, op. cit., p. 388. 168 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão não unânime do Tribunal Pleno, AgR na ADI 4-071/DF, rel.

Min. Menezes Direito, j. 22/04/2009, DJe de 16/10/2009. Disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=604046. Acesso em: 02 mar. 2018.

Page 128: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

127

Outro aspecto a ser observado é sobre a edição de nova lei em sentido contrário, a qual

possibilita automaticamente a revogação do precedente, com a ressalva de essa lei ser julgada

inconstitucional posteriormente. Não se tem aqui superação, no sentido técnico falando, mas

mudança na legislação. Os tribunais e juízos de piso tem a faculdade de não aplicar o

precedente, a partir da entrada em vigor daquela norma, que permitiu a pronta revogação.

Deve haver, no entanto, compatibilidade entre o grau hierárquico que originou o precedente e

o nível do produtor da modificação legislativa.

No overriding ocorre somente a parcial superação do precedente, onde o tribunal

restringe o campo de sua incidência, por conta de outra regra ou princípio.

Imperioso destacar também a técnica da sinalização, que tem muito a ver com o

princípio da segurança jurídica. O tribunal tem sentido que é necessário superar o precedente,

por perda de sua consistência, mas não quer fazer isso de surpresa, preparando toda a

comunidade jurídica e sociedade quanto a esse fato, de forma a assegurar a confiança que o

cidadão tem acerca de determinada interpretação jurídica.

Com isso, sinaliza-se que fará em momento posterior a mudança de entendimento

sobre a questão, se necessário ainda for, sendo que até lá abre-se caminho para discussão

prévia do assunto, de forma dialética. 169

Essa técnica ainda é de duvidosa consistência, em princípio, pois deixa os

jurisdicionados na dúvida sobre qual momento a superação vai ocorrer, se vai realmente

acontecer e quais os requisitos prévios necessários para tanto, pois o tribunal não fica

vinculado por conta disso. Por outro lado, não deixa de ser um avanço na evolução do direito.

Pretende-se nos capítulos seguintes contextualizar a dinâmica de formação e aplicação

dos precedentes no âmbito do Supremo Tribunal Federal, com ênfase no processo

hermenêutico e no ativismo jurisdicional, procedendo-se à análise crítica de seu discurso

jurídico, proposta fundamental desta tese.

169 Enunciado 320 do FPPC: “Os tribunais poderão sinalizar aos jurisdicionados sobre a possibilidade de

mudança de entendimento da Corte, com a eventual superação ou a criação de exceções ao precedente para casos

futuros.”

Page 129: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

128

5 OS PRECEDENTES NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

CONTEXTUALIZANDO O PROCEDIMENTO HERMENÊUTICO E APLICAÇÃO

EM PROL DA CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS

Já foi aqui defendido anteriormente que para o funcionamento regular do sistema de

precedentes no território brasileiro é preciso, antes de tudo, sua conformidade com o texto

constitucional, dando-lhe legitimidade, além de requerer dos operadores do direito mudança

comportamental ao lidar com o stare decisis e também alteração na forma como se produzem

as decisões judiciais, especialmente no âmbito do STF, para que todo o sistema seja permeado

de coerência, estabilidade e segurança jurídica.

A partir do Código de Processo Civil/2015, houve um incremento no debate acerca

dos precedentes vinculantes, porém ainda persiste uma confusão enorme no meio jurídico

brasileiro de como operacionalizá-los na prática forense, já de antemão sabendo que o Brasil

não dispõe de forte cultura precedencialista, o que muito necessita amadurecer nesse ofício. O

CPC traz para si o compromisso de proporcionar organicidade ao sistema, à luz da integridade

dos decisórios judiciais.

A Constituição Federal de 1988 estimula a garantia dos direitos individuais e

transindividuais dos cidadãos. Nesse contexto, o processo tem o condão de proporcionar

decisão justa e efetiva às partes, a formação e a obediência ao precedente judicial para todo o

corpo social. O discurso do Poder Judiciário nessa dinâmica argumentativa precisa ter

coerência e ser estruturado de forma racional, de maneira que haja prestação jurisdicional

adequada, tempestiva e eficaz.

Assim, apresenta-se o STF como tribunal imprescindível para a proteção de direitos

por meio da interpretação congruente, última e realista a respeito dos fatos e das questões que

ali chegam. Nesse sentido, percebe-se uma afluência gradativa entre a função nomofilácica

dessa corte suprema e os precedentes, ambos recepcionados no direito pátrio.

A experiência jurídica modificou-se muito a partir da segunda metade do século XX,

principalmente com o pensamento neoconstitucionalista, com enorme repercussão no direito

constitucional, na teoria da norma e na ciência hermenêutica, esta última a ser tratada no

tópico seguinte.

Page 130: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

129

5.1 HERMENÊUTICA E INTERPRETAÇÃO: CAMINHOS METODOLÓGICOS PARA A

COMPREENSÃO DO DIREITO E ARGUMENTAÇÃO POR PRECEDENTES

Citam-se aqui algumas modificações que merecem atenção, no campo da

hermenêutica, porque tem passado o ordenamento jurídico brasileiro, as quais contribuem

para a concretização da justiça e para a resolução dos conflitos que são levados ao crivo

jurisdicional.

São elas: a compreensão da diferenciação entre o texto e a norma, o que faz esta

resultar da atividade interpretativa do primeiro; a utilização pelos tribunais, especialmente do

STF, dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade como fundamentação dos

decisórios; a convivência do método subsuntivo com a metodologia da concretização dos

comandos normativos em conformidade com o que prega o Estado Constitucional de direitos;

por fim, a ênfase que é atribuída à criatividade judicial na produção de suas decisões.

O processo civil brasileiro tem demonstrado dificuldades quando esbarra no manuseio

indevido da legislação, de caráter ainda formalista e seu procedimento permeado por regras

obscuras e dúbias na aplicação do direito. Para tanto, a utilização da hermenêutica para

superar essa crise processual e linguística é medida que se impõe, conferindo ao intérprete o

sério papel de desvendar a vontade da norma e em especial na formação do precedente.

A palavra hermenêutica provém do grego, Hermeneúein, e significa revelar, traduzir,

compreender e interpretar, e deriva de Hermes, deus da mitologia grega, filho de Zeus e de

Maia, considerado o intérprete da vontade divina, o qual tinha a incumbência de levar as

mensagens dos deuses aos homens, esclarecendo-as, fazendo o papel de intérprete. Habitando

a terra, era um deus próximo à humanidade, o melhor amigo dos homens.

Para Carlos Maximiliano, a hermenêutica jurídica tem por objeto o exame das normas

prescritivas (regras e princípios) do direito, estabelecendo seu sentido e alcance170.

Trata-se, assim, da ciência que estabelece as regras e os métodos que servirão de uso

na interpretação da norma, objetivando determinar-lhe o sentido real esperado pelo

ordenamento jurídico em que se encontra incluída tal norma jurídica. A hermenêutica é o

caminho, o elo que traz coesão e que faculta o processo de comunicação entre a lei e o

intérprete.

170 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991.

Page 131: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

130

Nas palavras de Celso Bastos171, a hermenêutica trata das regras jurídicas, de seu

alcance e validade, investigando sua origem e seu desenvolvimento, preordenando-se a uma

atividade ulterior de aplicação, existindo autonomamente do uso que depois se vai fazer delas.

Conclui afirmando que a hermenêutica é a responsável pelo fornecimento de subsídios e de

regramentos utilizados na atividade interpretativa.

A definição de hermenêutica foi assim delineada por Vicente Raó172,

A hermenêutica tem por objeto investigar e coordenar por modo sistemático os

princípios científicos e leis decorrentes, que disciplinam a apuração do conteúdo, do

sentido e dos fins das normas jurídicas e a restauração do conceito orgânico do

direito, para efeito de sua aplicação e interpretação; por meio de regras e processos

especiais procura realizar, praticamente, estes princípios e estas leis científicas; a

aplicação das normas jurídicas consiste na técnica de adaptação dos preceitos nelas

contidos assim interpretados, às situações de fato que se lhes subordinam.

Afirma-se metaforicamente que interpretação e hermenêutica reproduzem as duas

faces da mesma moeda, pois, embora distintos os conceitos, acham-se interligadas.

Gadamer173 retoma a ideia circular de Heidegger do processo de entendimento em

geral, para narrar o modelo de que a hermenêutica jurídica se socorre no que tange à

interpretação e aplicação de textos normativos vinculadores, o denominado círculo

hermenêutico:

Quem quiser compreender um texto, realiza sempre um projetar. Tão logo apareça

um primeiro sentido no texto, o intérprete prelineia um sentido do todo.

Naturalmente que o sentido somente se manifesta porque quem lê o texto lê a partir

de determinadas expectativas e na perspectiva de um sentido determinado. A

compreensão do que está posto no texto consiste precisamente na elaboração desse

projeto prévio, que, obviamente, tem que ir sendo constantemente revisado com base

no que se dá conforme se avança na penetração do sentido.

Assim, os estudos da hermenêutica levam a compreender a diferença entre norma e

texto, sendo aquela resultante da interpretação deste, bem como permite diferenciar

interpretação de aplicação. Quanto à diferença entre os primeiros, passou-se da concepção

objetivista, que encarava a norma como alguma coisa extraída do texto, em seu estado pronto

e acabado, para uma concepção subjetivista, onde é imprescindível o papel do intérprete na

feitura da norma jurídica, que não é tirada simplesmente, mas moldada pelo sujeito.

171 BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. 3. ed. ver. amp. São Paulo: Celso

Bastos, Editor, 2002, p. 33-34. 172 RAÓ, Vicente. O direito e a vida dos direitos. São Paulo: Max Limonad, 1952, v.2, p. 542. 173 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método I: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. 8. Ed.

Trad. Flávio Paulo Meurer. Petrópolis: Vozes. Bragança Paulista: Universitária São Francisco, 2007, p. 356.

Page 132: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

131

Mesmo que o texto não apresente dúvidas de qualquer espécie, é necessária a atividade

interpretativa por outras razões. Ao intérprete cabe ser a ponte entre o que está para ser

interpretado (aquilo que é objeto da interpretação) e os destinatários da referida interpretação.

Interpretar é a ação de esclarecer o sentido de alguma coisa. É tornar claro o

significado de uma enunciação verbal, de um gesto ou postura. Busca-se o sentido real das

coisas e para tanto o sujeito se esmera em diversos recursos, observa os elementos, recorre aos

conhecimentos da lógica, da área psicológica e de definições técnicas, com o objetivo de

revelar a mensagem.

Del Vecchio já dizia que: “A justa aplicação da norma requer do intérprete a

descoberta do significado intrínseco, que ele não fique parado ante a letra da lei, mas lhe

colha o sentido próprio, o espírito.”174

Com isso, cabe ao juiz utilizar-se do raciocínio coerente e sistemático no

procedimento hermenêutico, inspirado no ideal de justiça recepcionado pelo texto

constitucional.

O intérprete decodifica, percorrendo contrariamente à via seguida pelo codificador. A

interpretação é ato de intelecção, conhecimento da realidade e sensibilidade.

No entendimento de Paulo Nader175, para a formação do intérprete é exigível algumas

qualidades como conhecimento técnico, probidade, serenidade, equilíbrio e diligência. O

autor continua explicando:

Além dessas qualidades, o intérprete deve possuir curiosidade científica, interesse

sempre renovado em conhecer os problemas jurídicos e os fenômenos sociais.

Precisa estar em permanente vigília, atento à evolução do Direito e dos fatos sociais.

Deve ser um pesquisador, pois ninguém conhece o suficiente, em termos de ciência.

Não se deve prender definitivamente a velhas concepções. O intérprete necessita de

um espírito sempre aberto, preparado para ceder diante de novas evidências. O

conhecimento do Direito é essencial, bem como o da organização social, com seus

problemas e características.

O labor hermenêutico deve encontrar-se o mínimo possível sujeito à ideia ou ao

capricho pessoal daquele que interpreta, fixando nos métodos e em julgamentos objetivos o

mecanismo de superação dessas mudanças individuais do intérprete.

174 VECCHIO, Giorgio Del. Lições de filosofia do direito. Tradução de Antônio José Brandão; revista e

prefaciada por L. Cabral de Moncada; atualizada por Anselmo de Castro. Coimbra, Portugal: Sucessor Ceira,

1979, p. 377. 175 NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 33. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 262.

Page 133: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

132

Por outro lado, o processo de feitura das normas resulta na interferência criadora,

valendo-se de princípios gerais ou de fatos retirados da realidade para complementar e

desenvolver dados normativos primários, visando obter a norma decisória do caso concreto.

Segundo o pensamento de João Pedro Gebran Neto176,

É imprescindível que se reconheça a existência de limites para a atividade

interpretativa, e eles são fundamentalmente dois: a) a realidade fática, porque não há

como modificá-la, devendo o intérprete reconhecer essa limitação como forma de

fazer uma interpretação possível e adequada; b) o princípio da legalidade, impondo o

respeito ao próprio texto constitucional e estabelecendo segurança aos cidadãos.

O intérprete, ao declarar o sentido dos textos da área jurídica, não se atém à vontade

do legislador, pois a dinâmica da vida desafia a necessidade de ajustar as velhas concepções

aos tempos modernos.

A tal propósito, Karl Larenz177 escreveu:

O juiz, de modo semelhante ao legislador, é de acordo com a sua própria ideia

descobridor e ao mesmo tempo conformador do Direito, que ele traz sempre de novo

para a realidade num processo interminável a partir da lei, com a lei e, caso

necessário, também para além da lei. O Direito (realmente vivo, existente) é o

resultado deste processo, no qual colaboram a ciência do direito e finalmente todos

aqueles também que exprimem publicamente a sua opinião sobre questões jurídicas

e contribuem assim de qualquer modo a definir a consciência jurídica geral [...].

Não é demais falar que o Direito é comunicação na sociedade, obra do homem, que

procura manifestar ideias em palavras, visando a tornarem significativas, sujeitando-se a

diversas compreensões e sentidos.

Nesse sentido, afirma Ricardo Maurício Freire Soares178 que “[...] todo objeto

hermenêutico é uma mensagem promanada de um emissor para um conjunto de receptores ou

destinatários.”

Importante ponto a assinalar é se existe um método interpretativo de modo a guiar o

jurista a agir com segurança toda vez que se põe frente à situação que demande habilidades

interpretativas. De outro modo, como a norma é destinada a todos, por seu cunho de

generalidade, lógico reconhecer que todos precisam necessariamente interpretá-las.

176 GEBRAN NETO, João Pedro. A aplicação imediata dos direitos e garantias individuais: a busca de uma

exegese emancipatória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 71. 177 LARENZ, Karl. 2009, op. cit,, p. 50. 178 SOARES, Ricardo Maurício Freire. Hermenêutica e interpretação jurídica. 2. ed. atual., rev. e ampl. São

Paulo: Saraiva, 2015, p. 33.

Page 134: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

133

Uma das propostas consiste também em evitar o decisionismo, muito claro no julgado

do STJ, AgReg em ERESP n° 279.889-AL, onde o Min. Humberto Gomes de Barros assim se

manifestou:

Não me importa o que pensam os doutrinadores. Enquanto for Ministro do Superior

Tribunal de Justiça, assumo a autoridade da minha jurisdição. O pensamento

daqueles que não são Ministros deste Tribunal importa como orientação. A eles,

porém, não me submeto. Interessa conhecer a doutrina de Barbosa Moreira ou Athos

Carneiro. Decido, porém, conforme minha consciência. Precisamos estabelecer

nossa autonomia intelectual, para que este Tribunal seja respeitado. É preciso

consolidar o entendimento de que os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins e

Humberto Gomes de Barros decidem assim, porque pensam assim. E o STJ decide

assim, porque a maioria de seus integrantes pensa como esses Ministros. Esse é o

pensamento do Superior Tribunal de Justiça, e a doutrina que se amolde a ele. É

fundamental expressarmos o que somos. Ninguém nos dá lições. Não somos

aprendizes de ninguém. Quando viemos para este Tribunal, corajosamente

assumimos a declaração de que temos notável saber jurídico - uma imposição da

Constituição Federal. Pode não ser verdade. Em relação a mim, certamente, não é,

mas, para efeitos constitucionais, minha investidura obriga-me a pensar que assim

seja.179

Não se tem como anuir com o pensamento do ministro Humberto de Barros, onde

demonstrou que o Poder Judiciário pode interpretar a legislação e os fatos de qualquer forma,

sob o manto da independência jurisdicional. Claro que não se pode prescindir dos

ensinamentos doutrinários, até porque a evolução do direito depende também desse suporte

intelectual e não se pode admitir que o direito seja fruto apenas de pensamento do intérprete,

na sua faceta individualista, a exemplo da fala do ministro.

Se os magistrados do STJ ou de qualquer tribunal, a luz do pronunciamento do

ministro, podem manifestar-se como querem sobre o real significado dos textos legais, para

que então a existência destes no mundo jurídico? Qual a utilidade das leis? Fazer uso do

método interpretativo no interesse do juiz é dar vazão à arbitrariedade, a qual deve ser

expurgada do processo hermenêutico de interpretação. Defende-se, por isso, o diálogo

permanente entre a doutrina e a jurisprudência.

Para tanto, o exegeta pode chegar a três caminhos diferentes (quanto ao resultado),

depois da interpretação das expressões jurídicas, a saber: a) Interpretação declarativa, em que

as palavras são dosadas com adaptação aos sentidos que a lei deseja imprimir. As palavras

dizem, com exatidão, o espírito da lei; b) Interpretação restritiva, quando o legislador não

179 A respeito do referido pronunciamento, Lênio Streck fez alguns críticos apontamentos, que vale a pena

conferir. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2006-jan-05/devemos_importar_sim_doutrina. Acesso em:

03 mar. 2018. Ver julgado em:

https://ww2.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?acao=pesquisar&livre=+279.889-

al&operador=e&b=INFJ&thesaurus=JURIDICO. Acesso em: 22 jun 2018.

Page 135: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

134

andou bem ao formular o ato normativo, falando mais do que queria dizer, devendo o

intérprete eliminar a amplitude dos vocábulos; e c) Interpretação extensiva, onde o legislador

utilizou-se dos termos, dizendo menos do que desejava declarar, permitindo ao intérprete

alargar o foco de incidência normativa, com referência aos seus termos.

Continuando, quanto à fonte, a interpretação do direito pode se dá de três formas:

autêntica, doutrinária e judicial.

A interpretação autêntica, acostumada a chamar também de legislativa, que é a oriunda

do próprio Poder com competência para a produção do ato interpretado, ou seja, emanando-se

do Executivo, por decreto ou medida provisória, essa interpretação será a que for feita por

novo decreto ou medida provisória, dando esclarecimentos sobre o teor do ato editado

anteriormente.

Se o ato objeto da interpretação foi uma lei, caberá à casa legislativa a explicação.

Procedendo-se dessa maneira, há a retroatividade ao começo de vigência do conteúdo

interpretado. Caso tenham ocorrido modificações no texto anterior, estas não poderão ser

empregadas de forma retroativa, com exceção de situações já estipuladas no ordenamento.

A interpretação doutrinária é aquela encontrada em obras científicas, em tratados

qualificados, em pareceres de juristas e em livros de mestres do Direito.

A interpretação judicial, também chamada jurisprudencial, que interessa

especificamente a este estudo, é aquela feita pelos juízes ou tribunais. O juiz declara o sentido

e o limite contidos na norma, dando aos textos sob exame interpretação atualizada, proibindo

a ele mudar o critério do legislador pelo seu individual.

Nesse ponto, Sálvio de Figueiredo Teixeira180, ex-ministro do Superior Tribunal de

Justiça: “Se o juiz não pode tomar liberdades inadmissíveis com a lei, julgando contra legem,

pode e deve, por outro lado, optar pela interpretação que mais atenda às aspirações da Justiça

e do bem comum.”

O trabalho exegético deve considerar todo o acervo normativo que diz respeito a um

assunto. Considera-se anticientífico o procedimento feito pelo intérprete, ausente a visão do

conjunto de dispositivos legais referentes à matéria, ao interpretar artigos de forma isolada,

correndo o risco de auferir resultados não verdadeiros.

180 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Revista do Superior Tribunal de Justiça, nº 26, p. 384.

Page 136: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

135

Na hermenêutica moderna, o elemento teleológico exerce um papel de grande

importância. Sabe-se que tudo o que o ser humano faz é em função de objetivo a ser atingido.

O texto legal é criação humana e está nela contida a ideia de algo a ser buscado. Esse

elemento investiga os fins que a lei pretende alcançar. Os interesses da sociedade a proteger

dão a inspiração na elaboração dos textos legislativos.

Nesse sentido, corrobora Paulo Nader181:

A ideia do fim não é imutável. O fim não é aquele pensado pelo legislador, é o fim

que está implícito na mensagem da lei. Como esta deve acompanhar as necessidades

sociais, cumpre ao intérprete revelar os novos fins que a lei tem por missão garantir.

Esta evolução de finalidade não significa ação discricionária do intérprete. Este, no

afã de compatibilizar o texto com as exigências atuais, apenas atualiza o que está

implícito nos princípios legais. O intérprete não age contra legem, nem

subjetivamente. De um lado tem as coordenadas da lei e, de outro, o novo quadro

social e o seu trabalho se desenvolve no sentido de harmonizar os velhos princípios

aos novos fatos.

No ato de interpretar procuram-se tornar vivos os fins que ocasionaram a edição da lei,

revelando a mens legis. Com o desenvolvimento da teoria da interpretação, demonstrou-se o

papel do intérprete, o qual deve valorar e decidir, escolhendo entre uma das respostas

interpretativas possíveis. A norma não vem antes da interpretação, mas decorre desta, sendo

edificada a começar dos elementos contidos no texto da lei e de toda a ordem jurídica.

Ricardo Maurício Freire Soares explica essa operação hermenêutica salientando que

“[...] Quando o operador do direito estiver diante de várias interpretações possíveis para uma

norma, ele deverá optar por aquela que melhor se harmonize com a afirmação de uma vida

digna.” 182

Qualifica-se também como um elemento utilizado na técnica de ponderação ou

balanceamento, quando estão em jogo interesses constitucionais divergentes, pautado pelos

princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Para Morrison, “[...] A natureza argumentativa do direito e a natureza inconclusa do

direito e da atuação jurídica determinam que os advogados e juízes são parte de um processo

ininterrupto; o modo como abordam suas tarefas é crucial.”183

181 NADER, Paulo. 2011, op. cit, p. 280. 182 SOARES, Ricardo Maurício Freire. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: em busca

do direito justo. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 144. 183 MORRISON, Wayne. Filosofia do Direito: dos gregos ao pós-modernismo. Tradução Jefferson Luiz

Camargo; revisão técnica Gildo Sá Leitão Rios. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 517.

Page 137: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

136

Para a adesão da norma jurídica abstrata à realidade dos fatos requer-se do hermeneuta

atenção especial, em cada caso concreto, devendo o intérprete separar o que é fundamental ou

juridicamente importante daquilo que nada acrescenta. Um exercício constante do senso

crítico a exigir do jurista nesse trabalho interpretativo.

Tem as supremas cortes (STF e STJ) o poder de dar sentido ao direito, desvendando a

interpretação certa do texto da lei, sendo que as suas decisões devem ser legitimadas por

fundamentos racionais aceitáveis por toda a comunidade jurídica e pela sociedade. Nesse

sentido, o direito passa a ser interpretação e exercício argumentativo constante.

No momento em que as decisões dessas cortes informam o sentido ao direito,

otimizando-se a sua estabilidade e previsibilidade, tutelam-se a igualdade e a segurança

jurídica, elaborando, assim, o precedente judicial, com a outorga de unidade ao ordenamento

jurídico.

Por serem textos, frise-se também que os precedentes são objeto de interpretação.

Compreende-se que não é simplesmente utilizar-se do método da subsunção ao se aplicar o

precedente ao caso presente. Muito mais do que isso.

De igual modo pensa Ricardo Maurício Freire Soares ao sustentar que lidar com

precedentes não é simplesmente aplicá-los mecanicamente, exigindo cuidados do intérprete

no momento de confrontar se há similitude das circunstâncias fáticas e das questões jurídicas

entre as situações objeto das controvérsias.

E ao final, o autor arremata:

[...] Sendo assim, sobreleva o papel construtivo e criativo da experiência

jurisprudencial, visto que decisão judicial reflete não apenas as concepções, os

costumes e a personalidade do julgador, mas, sobretudo, o peso que ele atribui a

certos valores sociais contemporâneos que o levam a dar ênfase ou a ignorar um

dado precedente.184

Utilizar o precedente é fazer uso da conclusão hermenêutica extraída anteriormente

para aplicação no caso atual, interpretando-o. O juiz deve decidir edificando significados

normativos por meio da justificação de seus atos. A séria motivação dos decisórios judiciais

traz legitimação à jurisdição.

Para melhor compreensão, indispensável trazer ao contexto a clássica distinção entre

texto e norma, muito bem descrita por Humberto Ávila. Isso porque, ao longo texto, ver-se-á

184 SOARES, Ricardo Maurício Freire. Hermenêutica e interpretação jurídica. 2. ed. atual., rev. e ampl. São

Paulo: Saraiva, 2015, p. 142.

Page 138: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

137

que interpretar é compreender o significado da norma jurídica vertida em um texto. Daí que

definir um e outro tornam-se relevantes à sistematização das ideias aqui apresentadas.

Afirma Humberto Ávila que texto e norma são coisas distintas. Texto é o dispositivo

legal, o escrito, a proposição, ao passo que norma é o sentido construído a partir da

interpretação sistemática de textos normativos. Nessa ótica, há texto (dispositivo) sem norma

e norma sem texto. Não há correspondência biunívoca entre texto e norma. Pode-se ter norma

sem texto, como se dá com o princípio da segurança jurídica; texto sem norma, como o

preâmbulo da Constituição Federal que invoca a proteção de Deus, duas normas derivadas de

um único texto e dois textos para uma norma. Em suma, não há relação biunívoca entre texto

e norma, o que atesta a necessidade de se entender claramente a sua distinção185.

Eros Grau186, ao distinguir norma de texto, conclui que a ação de interpretar é um

processo intelectivo, através do qual, originando-se de fórmulas linguísticas encontradas nos

atos normativos (disposições, textos, prescrições), chega-se à determinação de seu teor

normativo. A norma é feita pelo intérprete, a partir dos enunciados, desvencilhando-se de seu

invólucro (o texto), produzindo-se, assim, a regra normativa.

Müller187 informa a diferença entre norma e texto, afirmando que não são sinônimos,

como quer acreditar a teoria conservadora. Texto, no seu entender, é apenas a ponta do

iceberg, diferente de norma que é todo o volume oculto que dá base àquele texto. Encontrar

esse volume e suas várias maneiras possíveis de interpretação é o trabalho do intérprete, que

alcançará no texto a forma que limita as possibilidades de realização material do arcabouço

constitucional.

A propósito, Müller188 esclarece que a teoria estruturante do direito trata-se de uma

nova concepção da teoria do direito, resultando o conceito pós-positivista da norma jurídica,

sendo que esta não se acha já acabada nos textos legais, uma vez que nestes se encontram os

enunciados normativos. A norma só será editada em cada caso concreto, através da decisão

judicial.

185 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 9. ed. ampl. e

atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 30-34 186 GRAU, Eros. Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. 5. ed. São Paulo: Malheiros,

2009, p. 84-89. 187 MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho do direito constitucional. 2. ed. Tradução: Peter Naumann. São

Paulo: Max Limonad, 2000, p. 53-54. 188 MÜLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito. Tradução Peter Naumann, Eurides Avance de Souza.

2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 305.

Page 139: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

138

Nas palavras de Marcos de Aguiar Villas Boas189, define-se que:

A norma jurídica é o resultado da atividade de construção de sentidos por parte do

operador do direito. Os signos colocados no texto, nos enunciados, servem de base

para que o intérprete construa significações, para que ele molde a norma a ser

aplicada. Os textos, de uma forma geral, não revelam sentidos prontos e acabados.

Os textos são suportes para a construção de sentidos. Não é diferente com os textos

jurídicos, também chamados de direito positivo, textos positivados, enunciados

prescritivos etc.

Texto, assim, é o enunciado linguístico, o comando normativo dotado de signos, o

qual produzirá efeitos se e quando ocorrer a hipótese de fato prevista. Ocorrida esta, deverá

surgir a norma jurídica que irá ter incidência na situação fática relacionada. O texto seria,

nesse contexto, a norma jurídica geral e abstrata. A norma jurídica, em sentido estrito, seria

aquela individual e concreta, que conforma o fato verificado.

Como se sabe, o Direito não existe por si só. Ele subsiste na sociedade. A sua causa

encontra-se nas relações vitais, nos acontecimentos mais consideráveis para a vida em

sociedade. Esta é fonte que cria e local onde o direito age, seu foco de afluência. O Direito

visa a regulamentar as relações intersubjetivas, dando-lhes segurança, estabilidade e

previsibilidade.

Ao existir em função da sociedade, o Direito reflete os fatos sociais, que representam,

segundo Émile Durkheim190, “maneiras de agir, de pensar e de sentir exteriores ao indivíduo e

dotadas de um poder coercivo em virtude do qual se lhe impõem”. O Direito, como meio de

ajuste social, não pode conduzir-se alheio a esses fatos. As normas jurídicas devem se

encontrar em conformidade com as manifestações do povo.

A conduta humana no meio social é o objeto das normas jurídicas. As normas

regulamentam as relações na sociedade. Os comportamentos intersubjetivos são a constante

preocupação da linguagem normativa, em seus diferentes compartimentos. As relações sociais

trabalham de forma dinâmica provocando uma semiose constantemente.

Os intérpretes das normas verificam se as condutas sociais coincidem com as

referências inseridas nas proposições chamadas antecedentes das normas jurídicas. Quando a

subsunção acontece, fala-se que ocorreu a incidência da norma.

189 BOAS, Marcos de Aguiar Villas. A Interpretação, a Aplicação e a Argumentação Jurídica. Livro

Metodologia da Pesquisa em Direito da UFBA, Salvador, 2012, v. II, p. 389. 190 DURKHEIM, Émile. As Regras do Método Sociológico. Tradução Pietro Nassetti. São Paulo: Martin

Claret, 2006, p. 33.

Page 140: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

139

Segundo o entendimento de Paulo de Barros Carvalho191,

A norma jurídica é a significação que obtemos a partir da leitura dos textos de

direito positivo. Trata-se de algo que se produz em nossa mente, como resultado da

percepção do mundo exterior, captado pelos sentidos. [...] A norma jurídica é

exatamente o juízo (ou pensamento) que a leitura do texto provoca em nosso

espírito. Basta isso para nos advertir que um único texto pode originar significações

diferentes, consoante as diversas noções que o sujeito cognoscente tenha dos termos

empregados pelo legislador.

Em uma determinada ordem jurídica, a linguagem que informa a respeito do que se

está falando é a do fato jurídico, sendo tal linguagem com aptidão para instituir os fatos

sociais em jurídicos.

Norberto Bobbio192, assim se manifesta:

Quando dizemos que uma norma jurídica é uma proposição, queremos dizer que é

um conjunto de palavras que têm um significado. [...] a mesma proposição

normativa pode ser formulada com enunciados diversos. O que interessa ao jurista,

quando interpreta uma lei, é o seu significado. Como uma proposição em geral pode

ter um significado, mas ser falsa, também uma proposição normativa pode ter um

significado e ser – não digamos falsa – mas, [...], inválida ou injusta. Também para

as proposições normativas, o critério de significância pelo qual se distinguem as

proposições propriamente ditas de um conjunto de palavras sem significados se

diferencia do critério de verdade ou validade, pelo qual se distinguem proposições

verdadeiras e válidas de proposições falsas ou inválidas.

Essa distinção é importante para a interpretação jurídica visto que esta, de modo

singelo, nada mais é do que a compreensão do significado dos textos, que na sua

corporificação transforma-se em norma jurídica. Ou seja, o intérprete alcança o sentido do

texto transformando-o em norma na sua atividade compreensiva de identificação do

significado de algo.

Assim, dada a amplitude dos fatos postos à frente do exegeta, a interpretação

geralmente é feita de modo a selecionar todos os fatos que dizem respeito à norma que será

analisada. O intérprete não trabalha com fatos brutos, mas construídos. E a sua construção

está pautada em determinados parâmetros.

Importante aqui a distinção de Jürgen Habermas193 entre fatos e objetos da

experiência. Os fatos seriam os enunciados linguísticos sobre as coisas e os acontecimentos,

191 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. 192 BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti. São

Paulo: Edipro, 4 ed. revista, 2008, p.74. 193 HABERMAS, Jürgen. Teoría de la acción comunicativa: complementos y estudios previos. Madrid:

Ediciones Catedra, 1994, p. 117.

Page 141: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

140

sobre as pessoas e suas manifestações. Os objetos da experiência são aquilo acerca do que se

fazem afirmações, aquilo sobre que se emitem enunciados.

A importância dos fatos para a interpretação foi muito bem sentida por Pontes de

Miranda ao afirmar que o suporte factual que está no mundo “[...] não entra [...], todo ele. [...]

despe-se de aparências, de circunstâncias, de que o direito abstraiu; e outras vezes se veste de

aparências, de formalismo, ficando estranhas a ele, para poder entrar no mundo jurídico”194.

Não há interpretação dos textos com posterior interpretação dos fatos, numa operação

equivocada de subsunção. No ponto, a observação de Eros Grau é meritória195:

O intérprete discerne o sentido do texto a partir e em virtude de um determinado

caso dado; a interpretação do direito consiste em concretar a lei em cada caso, isto é,

na sua aplicação [Gadamer]. Assim, existe uma equação entre interpretação e

aplicação: não estamos, aqui, diante de dois momentos distintos, porém frente a uma

só operação [Marí]. Interpretação e aplicação consubstanciam um processo unitário

[Gadamer], superpondo-se.

Mas não fica apenas aqui a interpretação, numa mera compreensão dos textos e dos

fatos. Vai além, pois, partindo-se dessa correlação, constrói normas que devem ser

ponderadas para a solução de casos concretos e finda-se com solução presente geralmente

numa decisão judicial, que dita o direito. Daí afirmar-se, em suma, que direito não é problema

apenas de interpretação, mas de qualificação, de relevância e de prova. No entanto, na esteira

deste trabalho, ater-se-á apenas ao problema da interpretação.

Diante do apresentado, pode-se afirmar que a interpretação do direito tem caráter

constitutivo e não meramente declaratório. É dizer, a interpretação não pode ser considerada

como a mera descrição do significado de texto mesclado com um fato, mas a construção,

ainda que atrelada à moldura previamente fixada pelo direito, até porque todo texto possui

traços de significado mínimos incorporados ao uso da linguagem, de modo que não se pode

deles afastar-se completamente.

Logo, o intérprete está sempre reconstruindo sentidos, consistindo nesse reconstruir o

sentido de interpretação.

Nesse ponto, a posição interpretativa de Hans Kelsen assume coro quando afirma

inexistir única resposta correta196, uma vez que a atuação do intérprete se dá sempre diante de

194 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. Vol. I. 1954, p. 20.

195 GRAU, Eros. 2009, op.cit., p. 10. 196 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. 8. ed. São Paulo: Martins Fontes,

2009, p. 396

Page 142: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

141

um plexo de opções, de modo que a escolhida seja a mais suportada pelo direito ou a mais

adequada.

Por isso afirma-se que interpretar é escolher uma entre várias interpretações possíveis,

podendo a interpretação eleita nem sempre ser a mais correta, na visão de quem a analisa, até

porque a ideia abstrata do justo não comporta única solução.

A resposta dada pelo direito é sempre dinâmica, até porque aquele, na visão de Eros

Grau197, “é um organismo vivo, peculiar, porém, porque não envelhece, nem permanece

jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo”.

E aqui a peculiaridade da interpretação, pois sempre se adapta à realidade e aos seus

conflitos, corroborando a tese acima de que não existe a única solução plausível, porém a

mais consentânea com a realidade dos fatos e das normas, aliada à conjuntura de fatores que

interferem na interpretação e na construção do direito.

João Pedro Gebran Neto198 arremata:

Dessa distinção entre texto e norma sobressai a figura do intérprete, a quem cumpre

fazer a ponte entre esses dois elos. O papel do intérprete é de suma importância,

porquanto poderá formular a norma segundo a carga de conhecimento, de cultura, de

vivência e, até mesmo, da ideologia que professe. Não se está dizendo, com isso,

que tenha absoluta liberdade para declarar a norma, a ponto de poder até mesmo

negá-la, mas que, com base nas limitações do próprio texto e do sistema, poderá

realizar, em cada texto em forma de crisálida, a metamorfose da norma, tal qual a da

borboleta.

Tal atividade é por demais relevante no Direito, porque as palavras não são geralmente

evidentes, unívocas, mas, na sua maioria, plurissignificativas, de modo que requerem sempre

interpretação, não apenas pela sua ambivalência, mas porque são construídas e reconstruídas

no emaranhado dos fatos que o direito visa a ordenar, de modo a existir uma relação

constitutiva de sentidos à medida em que se interpreta os fatos.

Partindo-se de tais premissas, e também incluindo aí o papel dos precedentes, Luís

Roberto Barroso observa que:

[...] o sistema jurídico (i.e., os enunciados e demais elementos normativos) sempre

desempenhará um papel decisivo. É que a interpretação constitucional estará

limitada pelas possibilidades de sentido oferecidas pelas normas jurídicas e pelas

diferentes categorias operacionais do Direito. Ao lado do sistema jurídico, no

entanto, também o intérprete tem papel de destaque, pois sua pré-compreensão do

197 GRAU, Eros. 2009, op. cit., p. 59. 198 GEBRAN NETO, João Pedro. 2002, op. cit., p. 67.

Page 143: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

142

mundo, do Direito e da realidade imediata irá afetar o modo como ele irá apreender

os valores da comunidade [...].199

Nesse diapasão, visando a efetividade do processo, o STF desponta de forma

inovadora no seu posto de tribunal constitucional, devendo assumir incontestavelmente o seu

munus de guardião principal e detentor da interpretação última da Carta Magna. A CF/1988 é

documento que proporciona unidade ao ordenamento jurídico, haja vista a propagação de sua

matiz principiológica a toda seara infraconstitucional.

Com isso, revelam-se injuriosos alguns posicionamentos de juízos de grau inferior ao

fazer vista grossa aos decisórios proferidos pelo STF, mitigando-se a força normativa do texto

constitucional e a eficácia de suas decisões. Por conta disso, a corte deve proceder à

valorização de seus precedentes, procurando dar a correta interpretação dos casos à luz da

efetividade da norma constitucional.

O capítulo seguinte tem o objetivo de demonstrar a atividade e o papel jurisdicional do

Supremo Tribunal Federal, o qual possui a missão de regular a uniformidade de interpretação

do texto constitucional em todo o território brasileiro.

199 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e

a construção do novo modelo. 1. ed. 3 tiragem. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 287.

Page 144: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

143

5.2 O STF COMO CORTE DE PRECEDENTES E GUARDIÃO DA ORDEM

CONSTITUCIONAL

O Supremo Tribunal Federal, órgão de cúpula do Judiciário, traz para si a

responsabilidade principal de manter intangível a constituição, com a sua competência

originária e recursal prevista no art. 102 da Carta Maior.200 Exerce, pois, importante papel

político em colaboração com os demais Poderes da república, no que se refere à promoção e

desenvolvimento do direito, diante das reais necessidades sociais.

Tribunal constituído por onze Ministros, por nomeação do Presidente da República,

após aprovação por maioria absoluta do Senado. Todos os julgadores são cidadãos com mais

de trinta e cinco anos de idade e menos de sessenta e cinco, e que tenham notabilidade no

conhecimento jurídico e idoneidade moral justificados.

Esses requisitos são necessários tendo em vista que compete ao STF exprimir a última

palavra201 sobre temas constitucionais, com o trabalho hermenêutico diário muito intenso,

sobretudo no que se refere à valoração e a escolha da norma correta a ser extraída da

legislação, dentre várias opções disponíveis, a fim de dar interpretação uniforme ao Direito. A

tomada de decisões não é tarefa fácil, exigindo de tais ministros muita prudência e dever

argumentativo, por conta de seu papel de prestar contas à sociedade.

Considerando que este escrito defende a divisão entre o trabalho das cortes de justiça e

cortes supremas, não cabe ao STF reapreciar a prova dos autos em recurso extraordinário,

dando-lhe novo entendimento quanto ao arcabouço fático, a não ser no caso de

inadmissibilidade da prova, por ser ilícita, por exemplo, velando pela interpretação

constitucional. Em regra, é sua atribuição examinar questões de direito constitucional.

200 Conferir trabalho “A Constituição e o Supremo”, com apontamentos imprescindíveis sobre julgados do STF,

artigo por artigo e ADCT, no que tange ao controle de constitucionalidade, aos precedentes, súmulas vinculantes,

enunciados de súmulas e repercussão geral reconhecida. Disponível em:

http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/constituicao.asp. Acesso em: 04 mar. 2018. 201 Em sentido contrário, Daniel Sarmento e Cláudio Pereira Neto chamam atenção sobre essa visão tradicional

afeta ao STF no sentido de proclamar a última palavra. Eles não concordam com essa premissa, por achar um

erro tanto do aspecto descritivo como prescritivo. Assim se posicionam: “Sob a primeira perspectiva, não é

verdade que, na prática, o Supremo Tribunal Federal dê sempre a última palavra sobre a interpretação

constitucional, pelo simples fato de que não há última palavra em muitos casos. [...] Sob o ângulo prescritivo,

não é salutar atribuir a um órgão qualquer a prerrogativa de dar a última palavra sobre o sentido da Constituição.

Definitivamente, a Constituição não é o que o Supremo diz que ela é [...]. É preferível adotar-se um modelo que

não atribua a nenhuma instituição – nem do Judiciário, nem do Legislativo – o ‘direito de errar por último’,

abrindo-se a permanente possibilidade de correções recíprocas no campo da hermenêutica constitucional, com

base na ideia do diálogo[...]”. (SOUZA NETO, Cláudio Pereira; SARMENTO, Daniel. 2016, op. cit., p. 405-

406).

Page 145: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

144

Nesse sentido, compete ao Supremo Tribunal Federal proteger a jurisdição

constitucional, ou seja, a esse órgão cabe a formação de precedentes quanto ao sentido que

deve ser dado à matéria constitucional. O controle de constitucionalidade final está afeto ao

STF, considerado corte suprema de precedentes constitucionais. 202

Luiz Guilherme Marinoni alerta quanto ao papel das cortes supremas no país, em que

embora “[...] não tenham mais a tarefa de corrigir decisões, podem resolver os casos sem ter

que, necessariamente, elaborar precedentes, mas não podem deixar de se guiar por um modelo

de julgamento comprometido com a sua função perante o Estado de Direito.”203

Frise-se quanto a isso que o STJ e os demais órgãos jurisdicionais devem submeter-se

ao STF quanto a esse controle, ao passo que eles também possuem a obrigação de interpretar

os enunciados normativos à luz do texto constitucional.

Os tribunais e juízes inferiores, ao recusarem aplicar o entendimento das cortes

supremas na solução de casos similares, configura com essa conduta grave desvinculação à

própria ordem jurídica, sendo uma afronta ao Estado de Direito. Necessário fidelidade ao

princípio do stare decisis, enquanto condição precípua para o soerguimento do Estado

Constitucional.

Daniel Mitidiero quanto a esse ponto assevera:

[...] Portanto, do ponto de vista institucional, que é justamente aquele que deve ser

levado em consideração pelo sistema encarregado de tutelar judicialmente os

direitos, o Direito encontra sua expressão na interpretação que é dada à

Constituição e à legislação pelas Cortes Supremas a partir de casos concretos. Essa

é a razão pela qual os arts. 926 e 927, CPC, reconhecem o valor vinculante do

precedente.204

A observância aos precedentes requer magistrados cautelosos, sensíveis e diligentes

quanto ao raciocínio interpretativo realizado no confronto dos casos, visando tutelar o direito,

com a apreensão das razões determinantes advindas da justificação judicial realizada pelo

tribunal supremo. O stare decisis deve ser respeitado horizontal e verticalmente pelos órgãos

202 Em sentido diverso, pensam Nelson Nery Jr e Georges Abboud: “Por óbvio que não ignoramos a necessidade

de o STF e o STJ uniformizarem entendimento sobre questões jurídicas de natureza constitucional e federal,

respectivamente. O que não pode haver, venia concessa, é a minimalização da tarefa constitucional desses

tribunais à objetivação dos processos que se encontram a seu cargo, notadamente porque a Constituição Federal

lhes imputou a obrigatoriedade de decidir lides, consoante expressa competência recursal estatuída, por exemplo,

na CF 102, III e 105, III.” (NERY JR., Nelson. ABBOUD, Georges. Recursos para os tribunais superiores e a

Lei 13.256/2016. Revista de Processo, vol. 257/2016, p. 217-235, jul/2016). 203 MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento nas Cortes Supremas: precedente e decisão do recurso diante do

novo CPC. 1. ed. 2.tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 15. 204 MITIDIERO, Daniel. 2017, op. cit., p. 119.

Page 146: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

145

de cúpula, inclusive os fracionários, e demais órgãos da estrutura organizacional do Poder

Judiciário, de primeira e segunda instâncias.

O Direito submete-se ao procedimento de interpretação e de aplicação. O precedente

do STF adquire eficácia extraprocessual vinculante, ou seja, com âmbito de atuação para além

do processo em que foi proferido, pois representa enriquecimento ao ordenamento jurídico,

uma vez que a sua função é dirimir a equivocidade da legislação. O precedente, enquanto

fonte do direito, deve ser observado por ocasião da aplicação da norma ao caso sub judice.

É imperioso lembrar que a norma jurídica (ratio decidendi) a ser seguida não se

encontra em todo decisório prolatado pela suprema corte, mas, em princípio, apenas naquele

em que o resultado da votação colegiada ocorreu por maioria de votos de seus membros, em

relação ao fundamento determinante. Em um tribunal de precedentes justificam-se os motivos

e não os votos.

Precisa-se compreender que as justificativas judiciais devem ter o caráter

universalizável, de forma que as suas razões possam ser aplicadas nos demais casos futuros

que possuam as mesmas circunstâncias fáticas materiais importantes.

Por outro lado, é notório que a suprema corte tem se esbarrado cada dia mais com o

aparecimento de casos difíceis (também conhecidos como hard cases), relacionados a temas

polêmicos, de forte interesse público, com grande mobilização da sociedade e a incessante

cobertura da imprensa, além do diálogo com os demais Poderes, que se manifestam a favor ou

contra, exigindo posição judicial sobre o assunto.

O STF atualmente é grande protagonista político, tornando-se palco de debate sobre

temas de grande repercussão social, política, econômica e financeira, demonstrando maior

ativismo desse tribunal na forma de interpretar e aplicar as leis, ao impor, por vezes,

condições à sua aplicabilidade.

Citam-se como exemplos as decisões sobre pesquisas com células-tronco, interrupção

de gestação de fetos anencéfalos, união homoafetiva, terras indígenas, condução coercitiva de

investigados, execução provisória de sentença penal condenatória sem trânsito em julgado,

nepotismo, greve no serviço público, dentre outros.

Nesses temas, vê-se a preocupação da corte em formar logo o seu entendimento sobre

as contendas, de forma que sirva de diretriz normativa para casos futuros análogos. Para

alcançar legitimidade maior em sua atividade jurisdicional, os ministros tem, por vezes,

demonstrado cautela quanto aos argumentos utilizados em seus votos, além de, a

Page 147: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

146

requerimento ou de ofício, procederem audiências públicas e admitirem a presença de amicus

curiae ao processo, incentivando o contraditório e a ampla defesa.

Destarte, a prestação jurisdicional realizada pelo STF revela o ponto mais alto e o

termo final da atividade judiciária no que tange à intelecção de todo o texto constitucional,

alcançando sempre a definitiva palavra sobre o seu significado. As decisões dessa corte tem o

condão de criar direito, tendo a natureza constitutiva, no sentido de constituir um enunciado

normativo prescrevendo comportamentos futuros e de dar integridade ao sistema jurídico

federativo. Tem-se aí o exercício de seu munus de forma prospectiva.

Frise-se também a intervenção incessante do Poder Judiciário, especialmente do STF,

que tem sido cada vez mais requisitado em solucionar as demandas judiciais, haja vista a crise

porque vem passando os demais Poderes, que se encontram envolvidos em denúncias diárias

de corrupção, a forma arbitrária e desidiosa no manejo das políticas públicas de efetivação de

direitos fundamentais e também a política partidária pátria.

Necessário registrar também acerca da atuação da corte, no exercício de duas

funções205 que desempenha na realidade institucional brasileira, aparentemente contrapostas, a

saber: a contramajoritária, em que o Judiciário é chamado a resolver uma causa, envolvendo

a atuação dos Poderes Legislativo e Executivo, no sentido de proceder à invalidação,

modificação ou implementação de alguma política pública ou decidir sobre a

inconstitucionalidade de uma lei, por exemplo. Necessária muita cautela pelo tribunal, uma

vez que pode extrapolar os seus poderes definidos constitucionalmente.

Nesse entendimento, pontua Tércio Sampaio Ferraz Júnior206:

Em suma, com base em condições sociopolíticas do século XIX, sustentou-se por

muito tempo a neutralização política do Judiciário como consequência do princípio

de divisão dos poderes. A transformação dessas condições, com o advento da

sociedade tecnológica e do estado social, parece desenvolver exigências no sentido

de uma desneutralização, posto que o juiz é chamado a exercer uma função

socioterapêutica, liberando-se do apertado condicionamento da estrita legalidade e

da responsabilidade exclusivamente retrospectiva que ela impõe, obrigando-se a

uma responsabilidade prospectiva, preocupada com a consecução de finalidades

políticas das quais ela não mais se exime em nome do princípio da legalidade (dura

lex sed lex).

205 Sobre esse assunto, forçoso conferir no noticiário Consultor Jurídico o que o ministro Luís Roberto Barroso

falou sobre a atuação do STF e a evolução do direito, na conferência realizada em Belo Horizonte, na data de

10/02/2014, com o tema “Grandes transformações do direito contemporâneo e o pensamento de Robert Alexy”.

Disponível em: https://www.conjur.com.br/2014-fev-13/stf-exerce-papeis-contramajoritario-representativo-

afirma-barroso. Acesso em 15 jun 2018. Toda a palestra dele disponível em:

https://www.conjur.com.br/dl/palestra-barroso-alexy.pdf. Acesso em 15 jun 2018. 206 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. O Judiciário frente à divisão dos poderes: um princípio em decadência?

Revista Trimestral de Direito Público. Malheiros Editores, n. 9, 1995, p. 40-48.

Page 148: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

147

Os ministros não são escolhidos por voto popular e as decisões políticas devem

originalmente ser tomadas pelos Poderes competentes, o que não é o caso do STF. Claro que

se a ação ou omissão dos referidos Poderes contrariar inequivocamente a constituição, cabe ao

tribunal exercer o seu mister.

A função contramajoritária é relativamente atual e o seu exercício é consequência da

desneutralização do magistrado, que deve se libertar da legalidade estrita, ante as velozes

mudanças sociais, as quais exigem do juiz uma hermenêutica bem fundamentada e

consentânea com os valores constitucionais.

O segundo papel diz respeito à seara representativa, que é exercido com mais

intensidade, quando em determinadas situações confere direitos aqueles que ajuízam

demandas sociais, porque tais interesses fundamentais não foram satisfeitos pela

administração pública. Como exemplos em que o tribunal agiu de forma mais ativista

citam-se a equiparação de uniões homoafetivas e a interrupção da gravidez de fetos com

anencefalia.

Quanto ao modo e alcance como são resolvidos os casos que ali ancoram e o discurso

pretoriano utilizado para tal mister, se coerente ou não, serão objeto de análise em momento

posterior.

No capítulo seguinte, promover-se-á discussão sobre alguns aspectos relevantes

inerentes à formação e aplicabilidade de decisões judiciais vinculantes na suprema corte.

Page 149: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

148

5.3 ASPECTOS RELEVANTES DE DECISÕES DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL E

SUA APLICABILIDADE NA SEARA DO PROCESSO

A partir do presente momento serão arrolados alguns institutos descritos na legislação

federal e constitucional, formados e aplicados em processos decisórios de alçada do Supremo

Tribunal Federal, cuja discussão será sob o prisma da dogmática jurídica e seus reflexos no

processo, prestigiando-se o stare decisis. Falar-se-á apenas de alguns aspectos considerados

necessários, no que tange ao sistema de precedentes.

5.3.1 O Controle de Constitucionalidade

Prescreve o art. 102, parágrafo 2º, da Constituição Federal, redação conferida pela

EC nº 45/2004, o qual foi regulamentado pelo art. 28, parágrafo único, da Lei nº

9.868/1999207:

§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal,

nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de

constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante,

relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública

direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

Os juízes e tribunais devem sujeitar-se aos precedentes da suprema corte em controle

concentrado de constitucionalidade, conforme dispõe o art. 927, inciso I, do Código de

Processo Civil, textualmente atribuindo a tais decisões efeito vinculante, sendo dispensável a

emissão de enunciado de súmula para tanto.

No campo do controle da constitucionalidade, o precedente vinculante tem a função de

especificar os motivos determinantes quanto à inconstitucionalidade das leis, a partir da

fundamentação do decisório, notoriamente por meio da criação ou determinação de regras

207 Art. 28. Dentro do prazo de dez dias após o trânsito em julgado da decisão, o Supremo Tribunal Federal fará

publicar em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União a parte dispositiva do acórdão.

Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação

conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia

contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal,

estadual e municipal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9868.htm. Acesso em 07 mar.

2018.

Page 150: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

149

constitucionais. A ratio decidendi da constitucionalidade ou da inconstitucionalidade é que

tem o efeito de vincular. 208

A esse respeito, imperioso trazer aqui a diferenciação feita por Lucas Buril entre

decisão e precedente em sede de controle de constitucionalidade por ação, ao afirmar que

“[...] Enquanto o precedente determinará normas constitucionais, explicitando razões para o

controle, a decisão elimina dispositivos normativos, certifica sua constitucionalidade ou,

ainda, determina sua interpretação constitucionalmente adequada.”209

Nos dias atuais, observa-se que tem havido aplicabilidade do controle judicial de

verificação da constitucionalidade das leis muito maior que o controle político. Isso tem

afetado a democracia, exigindo interferência diuturna do Judiciário nesse campo, o que tem

trazido ao debate jurídico e político a questão da legitimidade desse Poder.

Quanto a isso, John Ferejohn tem assegurado que “desde a 2ª guerra mundial, tem

havido uma profunda transferência de poder, das legislaturas em direção aos tribunais e outras

instituições jurídicas ao redor do mundo.”210

Sendo assim, uma lei ou qualquer norma oriunda do poder público passam pelo crivo

judicial da constitucionalidade pelo STF, a exemplo de emendas constitucionais, leis

complementares e ordinárias, medidas provisórias do Poder Executivo e regimentos internos

dos tribunais. Excetuam-se as leis municipais e estaduais diante das constituições estaduais,

cujo controle abstrato compete ao Tribunal de Justiça.

É da competência do STF o julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade

(ADIN) ou das ações declaratórias de constitucionalidade (ADC), de atos legislativos

estaduais e federais. O STF realiza controle repressivo no exame dessas ações.211

208 Nesse sentido, conferir ementa da ação de reclamação 1.987-0/DF, Pleno STF, relator ministro Maurício

Corrêa, DJ 21/05/2004, o qual acolhe os efeitos vinculantes. Disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=87272. Acesso 21 mar. 2018. 209 MACÊDO, Lucas Buril de. 2017, op. cit., p. 375-376. 210 FEREJOHN, John. Judicializing politics, politicizing law. Law and Contemporary Problems, vol. 65, n. 3,

2002, p. 41.

211 Conferir na Constituição Federal: Art. 102 “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda

da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de

lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo

federal [...]”; Art. 125 “Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta

Constituição. § 2º Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos

normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para

agir a um único órgão [...]”. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.

Acesso em 20 mar. 2018.

Page 151: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

150

Vale registrar que os tratados e convenções internacionais, integrados ao sistema

jurídico brasileiro, também são objeto de controle judicial de constitucionalidade, seja de

forma direta ou incidental.212

No sistema jurídico pátrio o controle de constitucionalidade pode ocorrer de forma

direta (controle abstrato ou concentrado) ou de forma incidental em qualquer processo

(controle difuso ou controle concreto). A primeira acontece por meio de ação direta ao

próprio Supremo Tribunal Federal, enquanto que a segunda é examinada em processo

conflituoso, que envolve partes, onde o exame da constitucionalidade é feito de forma prévia

ao mérito da ação judicial, servindo de pressuposto à solução da demanda. O controle

incidental é realizado pelo juiz condutor do procedimento litigioso e sempre ocorre no caso

concreto.

Nesse entendimento, segue o magistério de Luiz Guilherme Marinoni:

No controle concreto, [...] A constitucionalidade da norma, em outras palavras, não é

o objeto ou mesmo o fim do processo. Ou seja, o processo não é instaurado em

virtude de dúvida acerca da legitimidade da norma nem objetiva definir a sua

constitucionalidade [...]. O controle abstrato, ao contrário, considera a norma em si,

desvinculada de direito subjetivo e de situação conflitiva concreta. Busca-se, no

controle abstrato, apenas analisar a validade constitucional da norma,

independentemente de ser ela imprescindível, ou não, à tutela jurisdicional de um

direito.”213

Frise-se, no entanto, que o mandado de injunção trata-se de ação constitucional

endereçada ao STF (art. 102, I, q, da CF214), cujo controle de constitucionalidade por omissão

é exemplo de forma concreta e de competência originária, visando a proteger interesse

constitucional inerente à circunstância particular e concreta demandada em juízo.

O controle de constitucionalidade é também realizado mediante técnicas de

interpretação conforme a constituição e declaração parcial de nulidade, sem diminuição de

texto, por meio de ação direta ou incidental, a luz do art. 28, parágrafo único, da Lei nº

9868/1999, mencionado anteriormente.

212 O que tem decidido o STF na MC ADIn 1480, relator Ministro Celso de Mello. Disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=347083. Acesso em 20 mar. 2018. 213 SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. 2015, op. cit., p. 932-933. 214 Art. 102 CF: “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente: [...] q) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma

regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados,

do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos

Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 20 mar. 2018.

Page 152: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

151

O recurso extraordinário é o instrumento pelo qual o STF opera o controle incidental

da constitucionalidade da matéria ali envolvida no caso concreto. Já se tem decidido no STF

que nos casos de decisões tomadas em recursos extraordinários, pelo plenário do órgão, elas

usufruem de efeitos extraprocessuais, vinculando tanto as partes do processo quanto os

demais órgãos da Administração e do Judiciário. Doutrinariamente tem-se nominado essa

conduta de objetivação do recurso extraordinário.215

Nesse sentido, Gilmar Mendes assevera que:

A natureza idêntica do controle de constitucionalidade, quanto às suas finalidades e

aos procedimentos comuns dominantes para os modelos difuso e concentrado, não

mais parece legitimar a distinção quanto aos efeitos das decisões proferidas no

controle direto e no controle incidental. 216

Considerando que o juiz de piso da jurisdição nacional, ao resolver as demandas

concretas, pode decidir pela inconstitucionalidade de lei ou atribuir significado judicial à

legislação mediante técnicas interpretativas conforme e proclamação parcial de nulidade,

confere-se a ele poder de grande destaque no cenário da tradição civil law. Ressalta-se que

esse magistrado, no seu munus de controle judicial, deve respeitar os decisórios do STF,

mesmo em controle difuso.

É imperioso realçar a função que o controle de constitucionalidade exerce como meio

técnico de uniformização do direito. Nesse aspecto, exsurge a necessária argumentação por

precedentes, no âmbito do controle da constitucionalidade afeta ao STF, por afirmar

judicialmente o sentido último da matéria constitucional. O Judiciário exerce o papel de

intérprete final do texto constitucional, cabendo a ele afirmar a desconformidade da lei.

A ratio decidendi daí extraída transcendem para além das questões individuais e

devem vincular os órgãos do Judiciário e da Administração Pública.217

215 Consultar RE nº 376.852/SC, relator ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno do STF, DJU 24/10/2003, p.

65. 216 MENDES, Gilmar Ferreira. O Papel do Senado Federal no Controle de Constitucionalidade: um caso clássico

de mutação constitucional, Revista de Informação Legislativa, nº 162, abr/jun. 2004, p. 164. De igual modo,

Pedro Miranda de Oliveira diz que “[...] Em suma, a repercussão geral e a consequente objetivação do recurso

extraordinário refletem o reconhecimento de que as decisões do STF devem ser sempre paradigmáticas e

relevantes”. (MIRANDA DE OLIVEIRA, Pedro. Recurso extraordinário e o requisito da repercussão geral.

São Paulo: Ed. RT, 2013, p. 377.) 217 “Com a expressão ‘eficácia transcendente da motivação’ se pretende significar a eficácia que, advinda da

fundamentação, recai sobre situações que contêm particularidades próprias e distintas, mas que, na sua

integridade enquanto questão a ser resolvida, são similares à já decidida, e, por isso, reclamam as mesmas razões

que foram apresentadas pelo tribunal quando da decisão. Embora os casos tenham suas inafastáveis

particularidades, a sua substância, vista como questão de direito a ser solucionada pelo tribunal, é a mesma.

Assim, se a norma x foi considerada inconstitucional em virtude das razões y, a norma z, porém

Page 153: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

152

A ideia de eficácia vinculante das razões determinantes já encontrou eco218 no

Supremo Tribunal Federal, haja vista o papel desempenhado por esse órgão em proteger o

esforço normativo da Carta Magna, além de cooperar com a prevenção e desdobramento da

ordem jurídico-constitucional. O sistema deve proporcionar previsibilidade às condutas, de

modo que permita a evolução dos indivíduos no Estado de Direito.

Diante de mudança recente de pensamento do STF, de rejeição da tese da eficácia

transcendente, aguarda-se como esse órgão deve se posicionar doravante quanto à

abrangência do art. 927, I, do CPC e também do art. 988, III, uma vez que ambos os artigos

cuidam da eficácia obrigatória das decisões do Supremo em sede de controle concentrado de

constitucionalidade, admitindo-se reclamação para tal mister.219

Assim, na corte de precedentes devem-se apresentar as justificativas dos fundamentos

(motivos concorrentes e contrários) e não as dos votos obtidos no julgamento. As razões

devem ser compartilhadas por maioria, para que se obtenha a ratio decidendi e o precedente

constitucional.

substancialmente idêntica a x, exige a aplicação das razões y.” (SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz

Guilherme; MITIDIERO, Daniel. 2015, op. cit. p. 1017). 218 Conferir com a ação de Reclamação nº 1.987-0/DF, julgada procedente por maioria, Pleno, relator ministro

Maurício Corrêa, publicado DJ 21/05/2004, por contrariedade à decisão prolatada pelo STF na ADIn nº

1.662/SP. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=87272. Acesso

em 20 mar. 2018. Ver também Reclamação nº 2.363-0/PA, relator ministro Gilmar Mendes, Pleno, DJ

01/04/2005, que afirmou que os motivos determinantes de decisório prolatado em ADIn possui eficácia

vinculante. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=365588.

Acesso em 20 mar. 2018. Ver enunciado 168 do FPPC que também proclama a transcendência: “Os

fundamentos determinantes do julgamento de ação de controle concentrado de constitucionalidade realizado pelo

STF caracterizam a ratio decidendi do precedente e possuem efeito vinculante para todos os órgãos

jurisdicionais.” Disponível em: http://www.cpcnovo.com.br/wp-content/uploads/2017/05/FPPC-Carta-de-

Florianopolis.pdf?inf_contact_key=d7cef03802afe2c25acb93ce56a44e47. Acesso em 21 mar. 2018. 219 Conferir Reclamação nº 7.672 AGR/GO, relator ministro Edson Fachin, 1ª Turma, DJe 19/08/2016, assentada

no item 1 da ementa do acórdão: “1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal assentou a ser incabível

reclamação que trate de situação que não guarda relação de estrita pertinência com o parâmetro de controle ou

quando fundada na teoria da transcendência dos motivos determinantes de acórdão com efeito vinculante.”

Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=11525034, Acesso em 21

mar. 2018. Ver também Emb. Decl. no Ag. Reg. na Reclamação nº 6.416/SP, ministro relator Luiz Fux, 1ª

Turma, DJe 11/09/2014, conforme item 3 da ementa do acórdão: “3. Não há identidade ou similitude de objeto

entre o ato impugnado e a decisão tida por desrespeitada, sendo certo que esta Corte já se manifestou no sentido

da rejeição da aplicação da teoria dos motivos determinantes.” Disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=6694486. Acesso em 21 mar. 2018. Em

sentido contrário, ver posicionamento de Luís Roberto Barroso, ministro do STF, disponível em: MELLO,

Patrícia Perrone Campos. BARROSO, Luís Roberto. 2016, op. cit., p. 47. Disponível em:

http://seer.agu.gov.br/index.php/AGU/article/view/854/730. Acesso em 01 mar. 2018.

Page 154: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

153

5.3.2 Enunciados de Súmula Vinculante e Demais Súmulas em Matéria Constitucional

As súmulas são utilizadas no direito pátrio a partir da década de 1960, recepcionadas

pelo STF por meio do ministro Victor Nunes Leal, idealizador de tal instituto. A sua

construção tem raízes nos assentos portugueses da Casa de Suplicação e nos prejulgados, em

que o referido ministro afirmava que as súmulas objetivavam encontrar o meio-termo

necessário de estabilização da jurisprudência.220

O Código de Processo Civil preceitua em seu art. 927, incisos II e IV, a observância

obrigatória pelos juízes e tribunais das súmulas vinculantes e enunciados de súmulas emitidos

pelo STF tratando de matéria constitucional.

As súmulas vinculantes são editadas pelo STF, de conformidade com o art. 103-A, da

Carta Magna e disciplinadas pela Lei nº 11.417/2006, no que tange à edição, revisão e o

cancelamento desses enunciados. Além do próprio Supremo Tribunal Federal, tem o

propósito também de vincular os demais órgãos julgadores e a administração pública direta e

indireta, no âmbito federal, estadual e municipal.

Na forma do art. 103-A, par. 1º, CF221, existem requisitos específicos para sua criação,

como a controvérsia iminente a respeito da matéria constitucional, que ocasione forte

insegurança jurídica e relevante multiplicidade de feitos sobre questões similares.

Tais súmulas são produzidas após decisões reiterativas do STF acerca de matéria

constitucional, sendo este o seu objeto, velando pela sua interpretação, dando unidade ao

direito. A eficácia vinculante acontece imediatamente, a partir do ato da publicação no Diário

da Justiça e Diário Oficial da União, que ocorre no prazo de 10 (dez) dias posterior à sessão

em que foi aprovada a edição, revisão e cancelamento do enunciado sumular. Existe a

possibilidade de o Supremo modular os efeitos da súmula, considerando motivos de

segurança jurídica ou interesse público (art. 4º, Lei 11.417/2006222).

Os demais tribunais pátrios tem a legitimidade para propor ao Supremo a criação de

súmulas vinculantes (art. 3º, XI, Lei 11.417/2006), o que reserva aos enunciados sumulares

220 LEAL, Victor Nunes. Passado e futuro da súmula do STF. In: Revista de Direito Administrativo. V. n. 145.

jul./ set. 198, p. 5. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/43387/42051.

Acesso em 21 mar. 2018. 221 “Art. 103-A. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em:

28 fev. 2018. 222 Ver Lei nº 11.417, de 19/12/2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-

2006/2006/lei/l11417.htm. Acesso em: 28 fev. 2018.

Page 155: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

154

viés mais democrático. No entanto, cabe apenas ao STF a competência para edição, revisão e

o seu cancelamento.

Não se deve confundir súmula com precedente judicial, eis que este compõe o suporte

fático do normativo que possibilita a formação da súmula, a qual possui vinculatividade

singular. Compete apenas ao Supremo, de forma exclusiva, estabelecer o seu sentido.

Acredita-se que a súmula vinculante tem engessado o ordenamento jurídico, por vezes, de

forma acentuada, por comprometer a atividade de interpretação e criativa dos demais órgãos

judiciais, assumindo viés autoritário.

Nessa perspectiva, segue o pensamento de Bruno Dantas223:

A instituição da súmula vinculante tenta amenizar os problemas interpretativos de

ordem constitucional por meio de um rígido esquema vertical, que compele órgãos

jurisdicionais e Administração Pública à estrita observância da interpretação fixada

pelo Supremo Tribunal Federal. É certo que isso trará uma elevada dose de

segurança ao sistema, mas o trade-off apresenta-se imediatamente: o cerceamento da

tão propalada atividade criativa do juiz, não obstante a possibilidade de revisão e

cancelamento de súmulas vinculantes.

Acresce-se a isso o fato de que os precedentes, quando prolatados, se não ocasionarem

dúvidas em seus destinatários quanto ao sentido da ratio decidendi, propõe-se então a

desnecessidade de editar súmulas vinculantes, por não demonstrar insegurança jurídica,

requisito este último necessário para a formação de súmulas.

Luiz Guilherme Marinoni224 responde satisfatoriamente quanto aos motivos que

entende importantes para a edição de súmula vinculante:

[...] Esta nova ‘modalidade’ de súmula surgiu da percepção de que as súmulas

vinham sendo tratadas como enunciados gerais e abstratos, destituídas de qualquer

intenção de tutelar a coerência do direito e a segurança jurídica. Ora, um enunciado

que não objetiva garantir a unidade do direito não tem razão para ser vinculante ou

obrigatório. A súmula passa a ter eficácia vinculante quando aflora a consciência de

seu significado, ou seja, da sua função de espelho e síntese da realidade

jurisprudencial e da sua imprescindibilidade para a garantia de tratamento igual a

casos semelhantes.

Mesmo em controle difuso de constitucionalidade, em sede de recurso extraordinário,

não se permite ao STF descuidar-se de sua tarefa institucional de guarnecer o sistema jurídico

de igualdade, coerência e de segurança. Aliás, não se revelará a unidade do direito, com

223 DANTAS, Bruno. Súmula Vinculante: o STF entre a função uniformizadora e o reclamo por legitimação

democrática. Revista de Informação Legislativa, a. 45 n. 179, jul/set, 2008, p. 180-181. Disponível em:

http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/176543/000843878.pdf?sequence=3. Acesso em 22 mar.

2018. 224 MARINONI, Luiz Guilherme. 2016, op. cit., p. 312.

Page 156: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

155

afirmação do texto da constituição, enquanto ainda os precedentes da corte suprema estiverem

sendo desrespeitados pelos juízes e tribunais em seus decisórios judiciais.

Por outro lado, Fredie Didier Jr. tem demonstrado preocupação com a criação de

súmulas pelo STF, por atecnia na elaboração desses institutos, ao utilizar termos vagos e

ambíguos, a exemplo da Súmula Vinculante nº 11. Segundo ele, o enunciado é tão grande,

que mais se assemelha a uma lei, com a consequente dificuldade de intelecção do texto

sumular.225

Correto o posicionamento de Fredie Didier Jr., pois as súmulas devem ser elaboradas

de maneira clara e objetiva, a fim de que possam ter aplicabilidade prática, por simples

dedução subsuntiva em casos futuros semelhantes. Não devem ocasionar dúvidas quanto à sua

interpretação, especialmente quanto ao campo de sua incidência. As súmulas devem ter

caráter normativo geral.

O Código de Processo Civil empresta relevante papel aos enunciados sumulares, ao

estabelecer que os tribunais possam, na medida do possível, editar súmulas de sua

jurisprudência pacificada (art. 926, par. 1º), além de permitir sumarização de procedimentos

na seara dos recursos. A súmula deve ser interpretada em correspondência aos precedentes

que lhe antecederam, para fins de validade de sua eficácia no caso concreto. O papel da

súmula é, principalmente, catalogar esses precedentes, dando compatibilidade e integridade ao

sistema.

As demais súmulas do STF diferenciam-se das vinculantes, por não se dirigirem em

face da administração pública e não ensejarem ação reclamatória, à luz do art. 103-A, par. 3º,

da Constituição Federal. A título de informação, o STF editou 56 súmulas vinculantes226 e

736 súmulas persuasivas227, algumas já superadas/revogadas.

225 Conforme Editorial nº 49 do site do Prof. Fredie Didier Jr. Disponível em:

http://www.frediedidier.com.br/editorial/editorial-49/. Acesso em 26 mar. 2018; Conferir aplicabilidade da

Súmula Vinculante 11 do STF: “Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga

ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a

excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e

de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.”

Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=1220. Acesso em 26 mar.

2018; Lênio Streck e Georges Abboud afirmam que a análise feita por Didier Jr é contraditória. (STRECK,

Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto – o precedente judicial e as súmulas vinculantes? 3. ed. rev.

atual. de acordo com o novo CPC. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2015, p. 84). 226 Conferir disponibilidade no site do STF:

http://portal.stf.jus.br/textos/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumulaVinculante. Acesso em 26 mar. 2018. 227 Ver disponibilidade no site do STF: http://portal.stf.jus.br/textos/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula.

Acesso em 26 mar. 2018.

Page 157: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

156

Vale ressaltar que, de igual modo, detém caráter obrigatório a observância dos

enunciados sumulares do STF, relativos a questões constitucionais, e das súmulas do Superior

Tribunal de Justiça, acerca de disposições infraconstitucionais.

Cabe ao STF, portanto, impedir pronunciamentos decisórios conflitantes acerca de

igual questão de direito constitucional, constituindo precedentes com eficácia obrigatória as

decisões proferidas em seu campo de atuação.

5.3.3 Recursos Extraordinários Repetitivos

É sabido que a decisão que resolve o recurso extraordinário constitui ocasião adequada

para que o Supremo Tribunal Federal possa desincumbir-se efetivamente de seu munus de

proclamar adequada compreensão do direito, pautando sentido aos textos constitucionais, de

forma a reduzir o grau de indefinição ou imprecisão do ordenamento jurídico.

A partir daí, pode se formar o precedente, com a exposição da ratio decidendi,

projetando-se eficácia vinculante para os casos futuros análogos, à luz do art. 927, III, do

Código de Processo Civil. Agindo dessa forma, o STF coopera com o Poder Legislativo, na

sua função precípua e paradigmática de proporcionar unidade ao direito.

Nesse diapasão, aduz-se aqui o pensamento de Eduardo Arruda Alvim ao afirmar que

“o recurso extraordinário, portanto, sempre teve como finalidade, entre outras, a de assegurar

a inteireza do sistema jurídico, que deve ser submisso à Constituição Federal”.228

Esse recurso serve de meio para a resolução do caso da parte recorrente e também para

a determinação do precedente obrigatório a respeito da matéria constitucional ali ventilada,

proporcionando a uniformização de entendimento.

A parte que ajuizar o recurso extraordinário tem o dever de mostrar em suas razões

recursais a matéria constitucional que objetiva ver analisada pelo Supremo, ou seja, deverá

informar a equivocidade da decisão recorrida. Chama-se a isso de prequestionamento, ou seja,

a matéria constitucional já objeto de decisão.

Essa exposição de motivos é necessária para fins de demonstrar o requisito da

repercussão geral (relevância econômica, social, política e jurídica que transcendem os

228 ALVIM, Eduardo Arruda. O Recurso Especial na Constituição Federal de 1988 e suas origens. In: Teresa

Arruda Alvim Wambier (coord.). Aspectos polêmicos e atuais do recurso especial e do recurso

extraordinário. São Paulo: RT, 1997, p. 46.

Page 158: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

157

interesses discutidos na causa), preliminarmente ao mérito. Inexistindo repercussão geral229, o

recurso extraordinário não será admitido pelo STF. A repercussão da matéria deve contribuir

para construção da unidade do direito, com a elucidação de problemas interpretativos de

ordem constitucional, haja vista a presença do binômio relevância da questão e sua

transcendência ao caso concreto.

Caso seja aceita a repercussão geral, o ministro relator no âmbito do STF ordenará que

se suspenda o prosseguimento dos demais processos individuais ou coletivos que estejam

pendentes e que tratem sobre igual objeto, tramitando em todo território nacional, a fim de

evitar decisões conflitantes. Isso não impede que ocorra distinção de casos, se existir

requerimento de parte interessada nesse sentido.

Apraz ressaltar que há previsão no ordenamento jurídico brasileiro do julgamento de

recursos extraordinários em bloco230, ou seja, tratando-se de recursos repetitivos que discutem

a mesma matéria de direito. O Supremo julga a questão, com ênfase no contraditório,

definindo a tese jurídica aplicada, que servirá de precedente paradigma, irradiando-se os seus

efeitos para os demais casos pendentes e futuros. Podem ser admitidos e ouvidos nos

processos outras pessoas ou entidades que tenham interesse na resolução da demanda, além de

realização de audiências públicas, com vista a influenciar na decisão do tribunal, tornando-a

mais democrática possível.

229 Conferir com o art. 1035 do CPC: “Art. 1.035. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não

conhecerá do recurso extraordinário quando a questão constitucional nele versada não tiver repercussão geral,

nos termos deste artigo.§ 1o Para efeito de repercussão geral, será considerada a existência ou não de questões

relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do

processo.§ 2o O recorrente deverá demonstrar a existência de repercussão geral para apreciação exclusiva pelo

Supremo Tribunal Federal.§ 3o Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar acórdão que :I -

contrarie súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal; II – Revogado (Redação dada pela

Lei nº 13.256, de 2016);III - tenha reconhecido a inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal, nos termos

do art. 97 da Constituição Federal.” Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-

2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em 27 mar. 2018.

230 É o que preceitua os arts. 1036 e ss. do CPC: “Art. 1036 Sempre que houver multiplicidade de recursos

extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento de

acordo com as disposições desta Subseção, observado o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal

Federal e no do Superior Tribunal de Justiça. § 1o O presidente ou o vice-presidente de tribunal de justiça ou de

tribunal regional federal selecionará 2 (dois) ou mais recursos representativos da controvérsia, que serão

encaminhados ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça para fins de afetação,

determinando a suspensão do trâmite de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitem no

Estado ou na região, conforme o caso. § 6o Somente podem ser selecionados recursos admissíveis que

contenham abrangente argumentação e discussão a respeito da questão a ser decidida. [...]; Art. 1.040. Publicado

o acórdão paradigma: [...] III - os processos suspensos em primeiro e segundo graus de jurisdição retomarão o

curso para julgamento e aplicação da tese firmada pelo tribunal superior.” Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em 27 mar. 2018.

Page 159: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

158

Os recursos que foram selecionados pelo tribunal de origem devem revelar

argumentação bem ampla, que propiciem a demonstração adequada das diversas opiniões que

tratam sobre a questão jurídica em debate e também devem ser admitidos pelo relator ministro

da corte suprema. O procedimento das demandas repetitivas requer que haja discussão e

exame de todos argumentos com vista à criação de precedente.

Vê-se assim a caracterização do interesse público no deslinde da questão, que está bem

além das pretensões subjetivas objeto do processo. Isso porque o exame do caso favorece ao

Estado, ao dispor de sua função jurisdicional, bem como a todo o corpo social, haja vista que

se fixará a interpretação adequada e balizadora que será aplicada nos demais casos similares e

a consequente diminuição de novos feitos que deixarão de ser analisados pelo STF sobre igual

matéria.

Vale registrar que os acórdãos proferidos em recursos extraordinários com repercussão

geral admitida ou os acórdãos prolatados em casos de recursos extraordinários repetitivos têm

o condão de irradiar força vinculante para os demais tribunais e ao próprio STF. Quando uma

decisão prolatada em outro processo desrespeitar tais julgamentos, o instituto da reclamação

somente poderá ser utilizado pela parte interessada, após esgotados os juízos ordinários.

5.3.4 Reclamação Constitucional

Trata-se de ação judicial recepcionada pelo arts. 102, I, l e 105, I, f, ambos da Carta

Magna, com hipóteses legais e específicas de incidência, que tem como finalidade preservar a

competência e a autoridade dos decisórios oriundos do Supremo Tribunal Federal e do

Superior Tribunal de Justiça, respectivamente. É um procedimento legitimamente brasileiro,

pois se desconhece no direito alienígena medida similar.

Tem igualmente previsão constitucional (art. 103-A, parágrafo 3º) o cabimento da

ação reclamatória com a finalidade de se fazer respeitar a autoridade da súmula vinculante ou

nos casos em que se tem aplicado erroneamente231 referido enunciado sumular.

231 Tal permissão encontra-se guarida no art. 7º, da Lei nº 11.417/2006, que determina: “Da decisão judicial ou

do ato administrativo que contrariar enunciado de súmula vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-lo

indevidamente caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal, sem prejuízo dos recursos ou outros meios

admissíveis de impugnação.§ 1o Contra omissão ou ato da administração pública, o uso da reclamação só será

admitido após esgotamento das vias administrativas.§ 2o Ao julgar procedente a reclamação, o Supremo

Tribunal Federal anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial impugnada, determinando que outra

Page 160: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

159

O STF, no julgado nº Rcl 16487/MG AgR, assim definiu a ação reclamatória,

conforme assentado na ementa do acórdão:

A reclamação é ação autônoma de impugnação dotada de perfil constitucional,

prevista no texto original da Carta Política de 1988 para a preservação da

competência e garantia da autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal

(art. 102, “l”, da Lei Maior), e, desde o advento da Emenda Constitucional nº

45/2004, é instrumento de combate a ato administrativo ou decisão judicial que

contrarie ou indevidamente aplique súmula vinculante. 232

Trata-se de instrumento jurídico processual que tem como objetivo verificar atos

graves que desrespeitam normas de competência ou decisões da suprema corte. Caso julgue

procedente a reclamação, a decisão ou o ato administrativo será cassado, estabelecendo a sua

adequada aplicação ou a negativa de utilização das razões de decidir, em conformidade com

as particularidades do caso concreto.

No mesmo caminho, tal ação foi delineada expressamente nos artigos 988 a 993, todos

do Código de Processo Civil, ampliando as situações de cabimento, além de regular o seu

procedimento. Com a alteração feita pela Lei 13.256/2016, o art. 988, inciso III, do CPC,

prevê o cabimento da reclamação quando ofender súmula vinculante e também ofensa à

decisão prolatada pelo STF em controle de constitucionalidade.

Rinaldo Mouzalas e João Otávio Terceiro Neto Bernardo de Albuquerque assim

lecionam:

[...] Se, no Brasil, não houvesse disposição de necessária obediência ao precedente e

a instituição da reclamação para garantir a vinculatividade, correr-se-ia o risco de

criar um sistema de precedentes obrigatórios sem muita eficácia perante o Judiciário,

que tem o hábito de frequentemente desrespeitar suas próprias decisões. [...] o

cabimento da reclamação não exclui os recursos previstos em lei, os quais podem e

devem ser interpostos independentemente do ajuizamento da ação constitucional

[...].233

seja proferida com ou sem aplicação da súmula, conforme o caso.” Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11417.htm. Acesso em 27 mar. 2018. 232 Ver acórdão unânime STF na Rcl 16487/MG AgR, relatora Ministra Rosa Weber, Primeira Turma,

julgamento realizado em 26/08/2014, processo eletrônico Dje 174. Disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=6683003. Acesso em 27 mar. 2018. De

outra banda, o STF compreende que “Não cabe reclamação para questionar violação à súmula do STF sem efeito

vinculante e a dispositivos constitucionais, que, aliás, são estranhos à fundamentação da decisão agravada e à

própria reclamação”. (Rcl 10900 ED, relator Ministro Luís Roberto Barroso, Primeira Turma, julgamento em

26/08/2014, processo eletrônico DJe 185). Disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=6796669. Acesso em 27 mar. 2018. 233 MOUZALAS, Rinaldo. ALBUQUERQUE, João Otávio Terceiro Neto Bernardo de. Reclamação

Constitucional. In: DIDIER JR, Fredie et al. (coord). Precedentes. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2016, v. 3, p.790.

Page 161: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

160

Ressalta-se que tal instituto veio integrar o sistema dos precedentes judiciais abarcados

pelo Código de Processo Civil, precisamente em seus artigos 926 e 927, já mencionados em

capítulos anteriores. Tal ação veio assegurar o efeito vinculatório dos precedentes judiciais,

podendo ser ajuizada em face de qualquer tribunal, não somente no STF. Também se trata de

mecanismo direcionado a dar racionalidade ao ordenamento jurídico, não sendo admitido seu

uso após o trânsito em julgado do decisório que se propõe reclamar.

Por final, passa-se à criticidade de decisórios prolatados no âmbito do STF, avaliando

o discurso jurídico da suprema corte sob o prisma da (in)coerência de seus julgados.

Page 162: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

161

6 EXAME CRÍTICO DE PADRÕES DECISÓRIOS DO STF À LUZ DO DISCURSO

JURÍDICO

Já foi aqui ventilado em momentos anteriores que a força dos precedentes oriundos da

suprema corte é essencial para o desenvolvimento da coerência do sistema jurídico,

assegurando-se previsibilidade e confiança nas decisões do Judiciário. A mudança de sua

jurisprudência dominante pode permitir surpresa indevida e injusta a toda a sociedade, a qual

nela assentou suas condutas e modos de viver.

O sistema jurídico do país – formado pelos decisórios jurisdicionais – principalmente

os prolatados pelo STF – ocasiona expectativa no jurisdicionado e deve gerar confiança,

assegurado pelo princípio da segurança jurídica.

Adota-se, assim, o entendimento de que o Supremo deve ter a liberdade de buscar o

maior alcance e significado ao texto normativo constitucional, sem extrapolar a sua

competência jurisdicional, com a exteriorização de discurso interpretativo sério, coerente e

devidamente fundamentado, de forma a cumprir a sua missão unificadora do direito pátrio.

Essa unidade perseguida pela corte necessita ser compreendida em seu viés

retrospectivo e prospectivo. Melhor dizendo, resolvem-se as questões jurídicas controversas,

sem esquecer-se do desenvolvimento do direito, conjugando-o aos recentes reclamos sociais,

sempre em prol do interesse comum.

Por outro lado, frise-se que a corte de cúpula destaca-se ativamente na garantia e

realização dos direitos fundamentais declinados no texto constitucional de 1988, configurando

os seus pronunciamentos judiciais em responsabilidade política. Necessário que sejam

avaliados previamente os efeitos extraprocessuais dessa atuação, especialmente na seara do

controle da constitucionalidade, de forma a não tumultuar o sistema jurídico-social.

Abriga-se a ideia de que a jurisdição constitucional não atua de forma impotente

perante os demais Poderes públicos (Executivo e Legislativo), podendo lançar mão de

diversas técnicas jurídicas para a realização dos direitos. Cumpre ao Poder Judiciário analisar

se a atuação dos demais Poderes tem levado à efetivação dos fins estabelecidos na

Constituição. O procedimento de interpretação e aplicação por meio dos pronunciamentos

jurisdicionais resulta na técnica de reconstituição contínua e de modernização do direito.

Page 163: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

162

Nesse sentido, o Judiciário atua como alternativa à ineficiência dos demais Poderes,

dignificando assim a democracia. A omissão estatal é uma situação que não deve ocorrer,

devendo-se comprometer com os princípios resguardados no texto constitucional vigente.

Assim, traz-se para o enriquecimento desta tese, a título apenas ilustrativo e de

complementação ao seu conteúdo, o relatório de atividades da Suprema Corte no ano de 2017.

Tal informativo demonstra as audiências públicas realizadas (perfis genéticos de

condenados, direito ao esquecimento, marco civil da internet e suspensão do aplicativo

whatsapp), as reuniões institucionais (com presidentes de outros tribunais pátrios, autoridades

e com frente nacional de prefeitos), a prestação jurisdicional destacada em 283 sessões de

julgamento e 02 sessões plenárias solenes, 58 audiências de interrogatórios de réus e oitivas

de testemunhas, presencialmente ou por vídeoconferência, e o acervo de recebimento no total

de 103.650 novos processos, sendo distribuídos 56.257, média de 5.626 para cada ministro da

Casa.

O relatório informa também a quantidade de decisões prolatadas de forma monocrática

e colegiada e também as decisões do plenário, taxa de recorribilidade, quantitativo de

processos baixados, histórico da repercussão geral reconhecida e negada e seus respectivos

temas, as teses jurídicas firmadas e a liberação de processos suspensos no país e os

julgamentos de grande relevância, a exemplo do RE 580.252, RE 574.706, RE 760.931, ARE

654.432, RE 587.970, RE 597.854, RE 646.721 e RE 878.694, RE 612.043, ADC 41, ADPF

109/ADI 3.356/ADI 3.357/ADI 3.406/ADI 3.470/ADI 3.937/ADI 4.066, ADI 4.439, ADI

5.526 e ADI 5.763. Constatam-se também informações sobre o desenvolvimento informático

na prestação jurisdicional.

Digna de elogio essa atitude da corte de vértice em proporcionar aos jurisdicionados e

a toda sociedade transparência em números de suas atividades e na articulação institucional.234

Sob o aspecto da eficiência, Francisco Rosito tem debatido incessantemente sobre os

precedentes judiciais e sua repercussão na racionalidade da tutela jurisdicional, afirmando:

A operacionalidade da teoria depende da atividade exercida pelos tribunais

superiores, permitindo-se incrementar a prestação jurisdicional, seja em termos

materiais, seja em termos processuais. No primeiro aspecto, a teoria dos precedentes

judiciais vem contribuir para a modernização do processo civil brasileiro quanto ao

movimento de ‘universalização da jurisdição’, preocupado com a ampla admissão

em juízo e com a qualidade da prestação jurisdicional, a fim de otimizar a tutela

234 Dados extraídos do Relatório de Atividades 2017 do STF. Disponível em:

http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/centralDoCidadaoAcessoInformacaoGestaoEstrategica/anexo/RelatorioAtivid

adesSTF2017.pdf. Acesso em 28 mar. 2018.

Page 164: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

163

jurisdicional para atender à massificação dos processos e ao número incessante de

conflitos. No segundo aspecto, a teoria normativa dos precedentes judiciais

representa economia, celeridade e eficiência na prestação jurisdicional, porquanto

proporciona melhor rendimento para o exame dos casos relevantes.235

Razão assiste ao autor, uma vez que o Poder Judiciário atuando de forma tempestiva,

com menor onerosidade e sendo mais eficiente, trará ao sistema maior modernização e

credibilidade.

Cumpre aqui registrar o comentário feito por Keith Rosenn sobre o sistema de controle

de constitucionalidade brasileiro, aqui traduzido:

O Brasil tem um sistema de controle de constitucionalidade extenso e complicado.

Tem também uma Constituição enorme, carregada de direitos individuais

específicos e de objetivos sociais e econômicos de longo alcance. Colocar direitos e

objetivos por escrito, no entanto, mesmo em uma constituição nacional, não

assegura seu respeito por aqueles encarregados de administrar as operações diárias

do governo. Em virtude da existência no Brasil de um sistema judicial acessível,

muitas dessas violações constitucionais estão nas secretarias dos tribunais esperando

solução judicial. Como o Brasil tem apenas um sistema mínimo de vinculação por

precedentes, as cortes decidem as mesmas questões constitucionais muitas vezes

seguidas. Além de isso consumir recursos judiciais valiosos, isso produz

interpretações conflitantes das disposições constitucionais.236

De outro norte, afirma-se, também, que juízes subjugados apenas à lei não se aceitam

nos dias atuais. Legislador e magistrados afluem na criação do direito, de forma a permitir a

esses últimos a produção de normas autônomas em face da lei, por conter conceitos jurídicos

indeterminados e cláusulas gerais, atuando supletivamente ao Poder Legislativo.

O juiz deve dar interpretação à lei a partir do texto constitucional e da normatividade

dos princípios. Nesse sentido, o precedente do STF deve ser entendido como ordem geral e

vinculante, além de ser fonte do direito, tendo assento no mundo jurídico. A eficiência do

Poder Judiciário está calcada também na existência dessa padronização decisória. A decisão

judicial deve dar ao sistema jurisdicional maior racionalidade, coerência, integridade e

eficiência, de forma a justificar e legitimar a atividade decisória dos magistrados.

235 ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais: racionalidade da tutela jurisdicional. Curitiba: Juruá,

2012, p. 453. 236 ROSENN, Keith S. Judicial Review in Brazil: Developments under the 1988 Constitution. Southwestern

Journal of Law and Trade in the Americas, v. 7, p. 291-320, 2000.Disponível em:

https://repository.law.miami.edu/cgi/viewcontent.cgi?referer=https://www.google.com/&httpsredir=1&article=1

169&context=fac_articles. Acesso em 28 mar. 2018.

Page 165: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

164

O Supremo Tribunal Federal avançou muito em seu papel institucional de controle de

constitucionalidade das leis, acentuando o seu ativismo em temas de real repercussão política,

econômica, eleitoral, moral e social.237

E no exercício dessa função, o Supremo tem dado respostas a questões polêmicas,

alicerçado principalmente na linguagem dos direitos fundamentais e na compreensão de

regime democrático inclusivo, com argumentações criativas e de expansão das normas da

constituição, intervindo nas escolhas políticas dos demais Poderes, ante as omissões ali

aportadas.

Carlos Alexandre Campos assim escreve:

Os acontecimentos pré-1988 revelaram o poder político sempre procurando subjugar

o Supremo, castrando a independência e o poder decisório do Tribunal a cada

decisão que lhe fosse contrária. O ambiente político hostil constrangeu o Supremo e

implicou o passivismo judicial. Durante os primeiros anos de vigência da

Constituição de 1988, [...], o passivismo se manteve em boa medida, dentre outros

motivos, em função da cautela natural sustentada por juízes e cortes diante de

regimes políticos em fase de afirmação e de revelação. Porém, aos poucos, o

ambiente político pós-88, tanto no Congresso Nacional como no âmbito do Poder

Executivo federal, mostrou-se marcado por um discurso e por uma postura de

respeito e de tolerância com as decisões do Supremo, o que tem favorecido, sem

dúvida, a liberdade e assertividade decisórias.238

Verifica-se a modificação jurídico-cultural em seu discurso decisório, de forma a

implementar eficazmente a constituição, a exemplo da denegação do formalismo literal e

conservador de antes e com abertura atualmente à criatividade na interpretação dos textos

normativos, trazendo também os elementos morais como justificativas de seus julgados.

Vê-se também que a concentração de autoridade no âmbito de atuação do STF tem

mitigado o princípio da separação dos poderes, acumulando-se em único tribunal a

competência de guardião da constituição, além de ser corte de cúpula do Judiciário, com foro

delimitado constitucionalmente. Essa circunstância fez nascer o fenômeno da Supremocracia,

237 Sobre o tema, constatar os seguintes julgados do STF: AgRg em ADI 3.153/DF (2004); ADI 1.753/DF

(1998); ADI-MC 4.048/DF (2008); MI (s) 670-9/ES, 708-0/DF e 712-8/PA (2007); ADI 939/DF (1993); ADI

1.946/DF (2003); ADI 3.105/DF (2004); ADI 3.685/DF (2006); ADI 4.307/DF (2009); MS 26.602/DF (2006);

RE 631.102/PA (2010); ADPF 144/DF (2008); ADI 3.510/DF (2008); ADI 4.277/DF (2011); ADPF 54/DF

(2012); ADPF 186/DF (2012); ADI 3.330/DF(2012); PET 3.388/RR (2009); RE 579.951/RN (2008); ADI

2.240/BA (2007); ADI 875/DF (2010); ADPF 153/DF (2010); Extradição nº 1.085 (2009); ADI 4.638/DF

(2012); AP 470/MG (2013), entre outros. 238 CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Dimensões do ativismo judicial do STF. Rio de Janeiro: Forense,

2014, p. 260.

Page 166: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

165

palavra trazida por Oscar Vilhena Vieira239, representando o desenho institucional brasileiro, a

qual revela dois sentidos, a saber:

Em um primeiro sentido, o termo supremocracia refere-se à autoridade do Supremo

em relação às demais instâncias do judiciário. Criado há mais de um século (1891),

o Supremo Tribunal Federal sempre teve uma enorme dificuldade em impor suas

decisões, tomadas no âmbito do controle difuso de constitucionalidade, sobre as

instâncias judiciais inferiores. A falta de uma doutrina como a do stare decisis do

common law, que vinculasse os demais membros do Poder Judiciário às decisões do

Supremo, gerou uma persistente fragilidade de nossa Corte Suprema. Apenas em

2005, com a adoção da súmula vinculante, completou-se um ciclo de concentração

de poderes nas mãos do Supremo, voltado a sanar sua incapacidade de enquadrar

juízes e tribunais resistentes às suas decisões. Assim, supremocracia diz respeito,

em primeiro lugar, à autoridade recentemente adquirida pelo Supremo de governar

jurisdicionalmente (rule) o Poder Judiciário no Brasil [...].

Em um segundo sentido, o termo supremocracia refere-se à expansão da autoridade

do Supremo em detrimento dos demais poderes. A ideia de colocar uma corte no

centro de nosso sistema político não é nova [...] Foi apenas com a Constituição de

1988 que o Supremo deslocou-se para o centro de nosso arranjo político. Esta

posição institucional vem sendo paulatinamente ocupada de forma substantiva, em

face a enorme tarefa de guardar tão extensa constituição. A ampliação dos

instrumentos ofertados para a jurisdição constitucional tem levado o Supremo não

apenas a exercer uma espécie de poder moderador, mas também de responsável por

emitir a última palavra sobre inúmeras questões de natureza substantiva, ora

validando e legitimando uma decisão dos órgãos representativos, outras vezes

substituindo as escolhas majoritárias [...].

Note-se que foi um avanço enorme alçar o Supremo Tribunal Federal como centro

político das discussões, à luz da CF/1988, uma vez que, por ocasião da ditadura militar, a

corte sequer era consultada acerca de matérias relevantes e polêmicas que aportavam o país.

A eficiência na prestação jurisdicional é dever estatal e também direito do cidadão,

uma vez que a sociedade muda a todo momento e o poder público deve estar mais perto dos

indivíduos, protegendo-os de qualquer injustiça.

Ao propósito, vê-se no documento Justiça em Números, estampado no site do

Conselho Nacional de Justiça, ano 2017:

O Poder Judiciário finalizou o ano de 2016 com 79,7 milhões de processos em

tramitação, aguardando alguma solução definitiva. Desses, 13,1 milhões, ou seja,

16,4%, estavam suspensos ou sobrestados ou em arquivo provisório, aguardando

alguma situação jurídica futura. Durante o ano de 2016, ingressaram 29,4 milhões de

processos e foram baixados 29,4 milhões. Um crescimento em relação ao ano

anterior na ordem de 5,6% e 2,7%, respectivamente. Mesmo tendo baixado

praticamente o mesmo quantitativo ingressado, com Índice de Atendimento à

Demanda na ordem de 100,3%, o estoque de processos cresceu em 2,7 milhões, ou

seja, em 3,6%, e chegou ao final do ano de 2016 com 79,7 milhões de processos em

tramitação aguardando alguma solução definitiva. [...] Os dados por segmento de

Justiça demonstram que o resultado global do Poder Judiciário reflete quase

239 VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremocracia. Revista de Direito GV. São Paulo 4[2], 2008, p. 444-445.

Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rdgv/v4n2/a05v4n2.pdf. Acesso em 14 jun 2018.

Page 167: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

166

diretamente o desempenho da Justiça Estadual, com 79,2% dos processos pendentes.

A Justiça Federal concentra 12,6% dos processos, e a Justiça Trabalhista, 6,8%. Os

demais segmentos, juntos, acumulam 1,4% dos casos pendentes. [....] O número de

casos sentenciados registrou a mais alta variação da série histórica. Em apenas um

ano, entre 2015 e 2016, o número de sentenças e decisões cresceu em 11,4%,

enquanto o crescimento acumulado dos seis anos anteriores foi de 16,6%. Tal

incremento da produtividade dos magistrados e servidores chegou a 30,8 milhões de

casos julgados em 2016. [...] Analisando o Poder Judiciário como um todo, tais

diferenças significam que, mesmo que o Poder Judiciário fosse paralisado sem o

ingresso de novas demandas e mantida a produtividade dos magistrados e dos

servidores, seriam necessários aproximadamente 2 anos e 8 meses de trabalho para

zerar o estoque. [...] O tempo do processo baixado no Poder Judiciário é de 1 ano e 9

meses na fase de conhecimento e de 4 anos e 10 meses na fase de execução no 1º

grau de jurisdição e de 8 meses no 2º grau [...].240

Percebe-se que há preocupação dos órgãos superiores em solucionar os processos que

ali chegam, mas ainda não é o suficiente para enfrentar os gargalos processuais, por conta da

ausência das ferramentas necessárias para fazê-lo, a exemplo da falta de recursos humanos e

financeiros, de formação continuada de juízes e servidores, deficiência no acervo tecnológico,

cultura retrógrada ainda de profissionais do Direito e operadores jurídicos que tem revelado

dificuldades em operacionalizar o processo.

Celso Antonio Bandeira de Mello assim leciona:

As decisões jurisprudenciais têm, na intimidade da composição do que se entende

por Direito, uma importância peculiar e toda especial, pois são elas que produzem a

intelecção autêntica do Direito. Deveras, é a intelecção da norma que determina e

especifica seu conteúdo. [...] a intelecção jurisdicional há de ser irrefragavelmente

reconhecida como sendo o Direito no caso concreto [...].241

O pronunciamento judicial não deve apenas ser encarado como mecanismo de

resolução de uma demanda, uma vez que a solução do caso concreto em si não é o bastante

para desincumbir-se do dever de prestar a jurisdição. Pensa-se que a decisão judicial deve ter

o condão de promover a unidade do direito, diminuindo a indeterminação do discurso jurídico

ali implementado.

Nesse caminho, assenta-se que o desrespeito a precedentes, de forma sistemática,

tende a mitigar o Estado de Direito, uma vez que as realidades demonstram tratar-se de

inúmeras leis a orientar a mesma conduta, gerando total instabilidade e imprevisibilidade ao

sistema. Isso provoca um caos ao ordenamento como um todo, pois a inobservância da

240 Extraído do site do CNJ:

http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2017/12/b60a659e5d5cb79337945c1dd137496c.pdf., p. 67 e 134.

Acesso em: 23 maio 2018. 241 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Segurança jurídica e mudança de jurisprudência. Revista de Direito do

Estado, n. 6, Rio de Janeiro: Renovar, abr.-jun. 2007, p. 330-331.

Page 168: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

167

jurisprudência dominante leva à enorme recorribilidade processual, o que sobrecarrega os

tribunais pátrios.

Cabe ao Judiciário, portanto, agir de maneira cautelosa, responsavelmente, haja vista

as diversas consequências e efeitos que o seu pronunciamento pode provocar na realidade que

o cerca. Esse é o papel do Supremo Tribunal Federal aqui proclamado.

Page 169: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

168

6.1 PAPEL DA JURISDIÇÃO, ATIVISMO JUDICIAL E REPERCUSSÃO FRENTE AOS

DESAFIOS DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

O estudo sobre o tema jurisdição deve passar pelo cerne de sua evolução conceitual,

expondo o pensamento de alguns processualistas, até chegar aos tempos atuais, com a ideia de

que esse instituto deve atender aos reclamos da sociedade, com a prestação de tutela justa,

tempestiva e eficaz, respondendo às especificidades do direito buscado em juízo e utilizando

técnicas e procedimentos adequados para tal mister.

No Estado Liberal de Direito, erigiu-se a lei como seu fundamento, de forma a

expurgar o sistema jurídico do absolutismo, que vigia à época. A lei, aprovada com a

intervenção da representação popular, servia para impor limites à liberdade da pessoa. A

ordenação do rei não era suficiente. O princípio da legalidade constituiu-se o meio para

caracterizar o direito, sendo que este seria produzido por um poder com competência

legislativa. O Poder Judiciário aplicava apenas a lei, sem a interpretação ajustada ao caso

concreto.

Para Montesquieu242, que defendeu a teoria da separação dos poderes, o julgador

exercia atividade puramente intelectual, sendo apenas boca da lei, afirmando apenas o que

havia produzido pelo Legislativo, utilizando-se do critério da subsunção. A criação do direito

era função com exclusividade do Poder Legislativo. Observa-se daí que a teoria de

Montesquieu, mesmo voltando-se contra os abusos do antigo regime, não foi bem aceita, pois

aflorou a tirania do Legislativo, resultando impossível manter o controle dos abusos

decorrentes da lei.

A teoria do positivismo jurídico recepciona essa concepção de direito, limitando-se a

atuação jurisdicional à descrição legal, atendendo-se à vontade do legislador.

Ainda sob os auspícios ideológicos e assentados nos valores do Estado Liberal de

Direito e do Positivismo, no final do século XIX, passou-se a conceber a jurisdição como

atividade vinculada e dirigida a proteger os direitos subjetivos particulares lesionados,

242MONTESQUIEU. O espírito das leis. São Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 158.

Page 170: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

169

abolindo-se a tutela preventiva, ficando restrita a atuação do juiz à reparação do direito em

si.243

Não se conferia ao magistrado a tarefa de atuar previamente à violação do direito,

argumentando-se que essa conduta poderia violar o regramento normativo. O papel da

prevenção era inerente à Administração e ao Judiciário somente o papel repressivo.

Revela-se, em seguida, a conotação publicista defendida por Giuseppe Chiovenda, em

que a jurisdição dispõe de um poder direcionado a afirmar o direito objetivo, com a atuação

da vontade concreta da lei.

Foi de Ludovico Mortara244 a afirmação primeira da natureza pública do processo

civil, porém ele se manteve atrelado aos valores culturais e à ideologia do Estado Liberal.

Explicando,

Não obstante, ainda que o pensamento de Mortara tenha sido importante para

afirmar a natureza pública do processo, o fato é que a sua concepção de jurisdição,

ao frisar a defesa do direito objetivo, não se livrou do peso dos valores do Estado

liberal, mantendo-se absolutamente fiel à ideia de que o juiz, diante da sua posição

de subordinação ao legislador, deveria apenas atuar a vontade da lei.245

Chiovenda aplaudiu a iniciativa de Mortara, por este ter afirmado o Direito Processual

Civil com natureza publicista. Daí extraiu-se, por Chiovenda, a autonomia da ação processual

em relação ao direito subjetivo material, propagando o final do pensamento privatista do

processo. A ação tratava-se do poder de acionar a atividade jurisdicional, não se relacionando

com a efetivação do direito material.

Para Chiovenda246, a jurisdição é entendida como atividade inerente à atuação da

vontade concreta da lei. A atuação intelectual do juiz sobressai na análise do caso concreto,

com a declaração da existência ou não da vontade da lei em relação aos litigantes. Isso não

quer dizer que o magistrado dá azo à norma individual ao caso sub judice. Ao legislador,

conferia-se o papel de criador do direito e, ao magistrado, a aplicação da lei criada ou das

normas gerais. Nessa época, o direito confundia-se com a própria lei.

243 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória. 4. ed. São Paulo: Ed. RT, 2006, p. 312 e ss. 244 MORTARA, Ludovico. Commentario del Codice e dele leggi di procedura civile. Milano: Vallardi, 1923. 245 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil. 1ª

ed., 2ª tiragem, vol. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 40. 246 CHIOVENDA, Giuseppe. Príncípios del derecho procesal. Madrid: Reus, s/d, p. 365.

Page 171: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

170

Vale ressaltar, de acordo com o pensamento de Cristina Rapisarda247, que a escola

chiovendiana, com seus princípios e valores, teve reflexos importantes na formação do direito

processual italiano e brasileiro, especialmente a doutrina relativa à criação do Código Buzaid

de 1973.

No entanto, a crítica que se faz à doutrina chiovendiana é que não houve

questionamento sobre o acesso à justiça, principalmente sobre a técnica procedimental

adequada a suprir os direitos da minoria. Por outro lado, permaneceu fiel ao pensamento

positivista clássico.

Traz-se ao contexto a doutrina de Carnelutti248, ao afirmar que no processo há

interesse privado em debate, revelando a jurisdição como a atividade voltada à justa

composição da lide. Segundo ele, a lide era vista como o conflito de interesses qualificado

pela pretensão de determinada parte, ao passo que de outro lado havia a resistência de outro

litigante.

Existia a ideia de litigiosidade para se conceituar a jurisdição, pondo-se a lide como

instituto imprescindível para a presença da atuação jurisdicional, ou seja, não se podia pensar

jurisdição sem a contenciosidade.

Enquanto Carnelutti preocupava-se com o interesse das partes, Chiovenda voltava-se

para a atuação do Estado-juiz, num prisma publicista do processo. Para Carnelutti249, a

sentença serviria para resolver a lide, tornando-se a lei individual entre as partes, integrando o

ordenamento jurídico, com a atividade cognitiva e intelectiva do juiz, sendo insuficiente a lei

por si só. A jurisdição também tinha a atuação declaratória da lei. Para Chiovenda, a atividade

jurisdicional é simplesmente declaratória, com o papel do juiz de declarar apenas a vontade

concreta do direito objetivo.

Calamandrei250, por outro lado, dizia que a lei geral se particularizava por atividade do

magistrado, por meio de uma sentença, que se tornava ao final do processo indiscutível e

imutável, com o manto da coisa julgada material. O ato sentencial tinha valor não porque era

justo, mas pela força de lei que lhe era conferida no caso concreto.

Outrossim, não se refuta aqui a contribuição da doutrina estrangeira para o

desenvolvimento da jurisdição. A atividade do Estado-Juiz tem caráter declaratório e o

247 RAPISARDA, Cristina. Profili della tutela civile inibitoria. Padova: Cedam, 1987, p. 70. 248 CARNELUTTI, Francesco. Sistema di diritto processuale civile. Padova: Cedam, 1936, v. 1, p. 40. 249 CARNELUTTI, Francesco. Diritto e processo. Napoli: Morano, 1958, p. 18 e ss. 250 CALAMANDREI, Piero. Istituzioni di diritto processuale civile. Napoli: Morano, 1970, p. 156.

Page 172: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

171

processo serve como meio de composição de conflitos. Esse pensamento perdura até hoje na

comunidade jurídica.

No entanto, contemporaneamente, tais modalidades de conceituar a jurisdição já não

se prestam a atender às exigências atuais de justiça e à efetividade do processo, onde a

interpretação e a aplicação do direito devem ser operacionalizadas à luz da concretização dos

direitos fundamentais e dos princípios norteadores da justiça, dando ênfase à força normativa

da constituição.

Essas teorias, por darem assento ao princípio da legalidade, com a soberania da lei,

negam a interpretação jurisdicional no momento decisório, pois a lei não é perfeita,

possibilitando-se, assim, considerações judiciais e fundamentadas no caso sob análise.

Nesse sentido, vê-se o entendimento de Marinoni251:

Diante da transformação da concepção de direito, não há mais como sustentar as

antigas teorias da jurisdição, que reservavam ao juiz a função de declarar o direito

ou de criar a norma individual, submetidas que eram ao princípio da supremacia da

lei e ao positivismo acrítico [...]. O Estado constitucional inverteu os papéis da lei e

da Constituição, deixando claro que a legislação deve ser compreendida a partir dos

princípios constitucionais de justiça e dos direitos fundamentais[...].

Três aspectos são caracterizadores da jurisdição: poder, função e atividade.

O poder está relacionado com a imposição do direito, com a sujeição das partes àquilo

que foi julgado, buscando-se a satisfação da bem, onde o Estado-Juiz tem papel importante

em fazer cumprir a sua decisão, interferindo de forma concreta no âmbito jurídico da parte

vencida.

A função está relacionada à atribuição conferida pela constituição ao Poder Judiciário,

de prestar a jurisdição, quando provocada. Como atividade, materializa-se por meio da

atuação do juiz no processo, com a prática de atos processuais, que solucionará ao final a

demanda, dando a sua resposta por meio de decisão judicial.

Para Daniel Amorim Neves252, entende-se a jurisdição como:

[...] a atuação estatal visando à aplicação do direito objetivo ao caso concreto,

resolvendo-se com definitividade uma situação de crise jurídica e gerando com tal

solução a pacificação social. Note-se que neste conceito não consta o tradicional

entendimento de que a jurisdição se presta a resolver um conflito de interesses entre

as partes, substituindo suas vontades pela vontade da lei. Primeiro porque nem

251 MARINONI; ARENHART; MITIDIERO. 2015, op. cit., p. 156 252 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. 2016, op. cit., p. 37.

Page 173: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

172

sempre haverá conflito de interesses a ser resolvido, e segundo porque nem sempre a

atividade jurisdicional substituirá a vontades das partes [...].

Razão assiste ao autor, uma vez que a lide não é de fundamental importância para

delimitar conceitualmente a jurisdição, pois existe processo que tramita sob os auspícios da

jurisdição voluntária, como também exemplificam-se outros feitos de natureza contenciosa,

sem a presença da lide, nos casos de ações de controle concentrado de constitucionalidade.

Citam-se também exemplos de jurisdição sem o caráter da substitutividade, como no caso das

ações constitutivas necessárias.

Segundo Alexandre Câmara253, somente se considera jurisdição aquela exercida pelo

Estado, excluindo de tal atividade a arbitragem, justificando tratar-se de equivalente

jurisdicional, por não ter o caráter puro de jurisdição. Quanto à natureza jurídica da

arbitragem, se é jurisdição ou não, não é objeto do presente estudo, até porque esse assunto

não está pacificado entre os doutrinadores.

O autor critica Carnelutti, por não entender que se trata de atuação do Estado de

composição de lide, afirmando que esta é um caractere simplesmente acidental, pois há casos

de jurisdição sem a presença da lide, exemplificando ação de anulação de casamento, onde

necessita do processo jurisdicional para dar os efeitos daí decorrentes. Entende que a

atividade do Estado é no sentido de impor solução ao caso concreto, certificando e

reconhecendo direitos.

Continua dizendo que trata a jurisdição da função do Estado-Juiz que dá solução ao

caso de conformidade com o direito, sem o exercício de qualquer tipo de discricionariedade,

em que para cada demanda ajuizada extrai-se a decisão legítima à luz da constituição e

somente ela pode ser prolatada em cada caso, ou seja, a resposta juridicamente apropriada. O

juiz não deve inventar o normativo jurídico para o caso. A solução dar-se-á no procedimento

em contraditório, com a participação das partes e do magistrado.

Também explica o autor, a contrário de Chiovenda, que a jurisdição não atua fazendo

a vontade da lei ou vontade do legislador. Assim esclarece:

[...] A lei, que não é um ser, não é dotada de vontade própria. E a vontade do

legislador é algo que, a rigor, não existe (e se existisse seria irrelevante). Qual a

relevância de se determinar por que uma lei foi feita com o texto que tem? Qual teria

sido a vontade dos autores da lei? Será que a lei foi aprovada pelo Legislativo por

unanimidade? O que terá levado os integrantes do Legislativo a votar por sua

253 CÂMARA, Alexandre Freitas. 2015, op. cit., p. 30-32.

Page 174: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

173

aprovação? Será que todos o fizeram pelo mesmo motivo? E qual a importância

disso? Isso demonstra a irrelevância de se perquirir a vontade do legislador (ou da

lei).254

Necessário registrar que a atividade jurisdicional desenvolveu-se da aplicação do

direito à realização de direitos fundamentais. Solucionar demandas exige atitude mais ativa do

juiz, num critério prospectivo, com resposta adequada aos atos postulatórios no processo,

além de resolver as questões jurídicas ali discutidas.

Segundo Araken de Assis255, “O poder estatal de resolver os conflitos originados da

vida social [...], através de decisão autoritária, chama-se de jurisdição [...]. Constitui

importante serviço público a cargo do Estado [...]”.

Qualquer juiz, no exercício da jurisdição, deve proceder de forma imperativa na

observância das garantias constitucionais, especialmente o devido processo legal, pois assim

não agindo poderá mitigar os anseios do Estado Democrático de Direito, cometendo injustiças

e não prestando a tutela adequada.

Humberto Theodoro Júnior256 prefere definir a jurisdição como a função estatal e não

como um poder, assim conceituando-a “[...] é a função do Estado de declarar e realizar, de

forma prática, a vontade da lei diante de uma situação jurídica controvertida [...]”.

Esclarece o processualista que quando se reporta à vontade da lei quer dizer que vai

muito além de sua aplicação literal, buscando-se implementar a norma jurídica adequada ao

caso, de acordo com as garantias advindas da constituição, numa visão sistêmica do

ordenamento jurídico, ou seja, fundamentada em princípios e os valores políticos e sociais

envolvidos. A vontade da lei é concretizada realizando-se o direito em sua completude.

Correta a posição do autor, uma vez que não teria sentido falar-se em jurisdição sem

que se desincumba de seu papel essencial de tutelar os direitos, em um processo cooperativo,

assegurando-se a igualdade e a participação efetiva dos atores processuais. O Estado tem esse

dever por conta do direito fundamental à ordem jurídica justa e efetiva, decorrente do art. 5º,

inciso XXXV, da Constituição Federal, que trata do princípio da inafastabilidade de jurisdição

e do acesso à justiça.

254 CÂMARA, Alexandre Freitas. 2015, op. cit., p. 31 255 ASSIS, Araken de. Processo Civil Brasileiro: parte geral: fundamentos e distribuição de conflitos. v. 1. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 558-559. 256 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do processo civil,

processo de conhecimento e procedimento comum. v.1. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 106.

Page 175: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

174

A tutela jurisdicional, que somente é conferida à parte que se encontra numa posição

jurídica de vantagem, ou seja, ao titular do direito violado ou sob ameaça, deve ser prestada

de forma adequada, protegendo-se eficazmente os interesses deduzidos em juízo.

Como contributo ao tema, tem-se a definição dada por Fredie Didier Jr257 que aduz:

[...] é a função atribuída a terceiro imparcial de realizar o Direito de modo

imperativo e criativo (reconstrutivo), reconhecendo/efetivando/protegendo situações

jurídicas concretamente deduzidas, em decisão insuscetível de controle externo e

com aptidão para tornar-se indiscutível.

Trata-se de conceito bem aprimorado levando em consideração o pensamento jurídico

da contemporaneidade, onde o processo deve ser interpretado e estruturado de forma que ele

sirva ao direito material, dando a tutela necessária à sua concretização.

Por conta da vedação da autotutela, o Estado-juiz substitui a vontade das partes

envolvidas na demanda, praticando os atos necessários ao exercício da jurisdição. Essa

atuação substitutiva é operacionalizada por meio de pessoa estranha ao conflito e imparcial,

que decide o feito através da técnica da heterocomposição no bojo do processo. A

imperatividade decorre da atuação do Poder Judiciário, como uma das funções do Estado. As

partes ficam sujeitas ao que foi decidido pelo juiz.

Além disso, essa função também é criativa, onde se tem o conhecimento dos fatos e as

questões de direito envolvidas, exigindo-se do magistrado conduta mais ativa, com

interpretação e aplicação das normas de forma fundamentada, de conformidade com a

constituição, formulando-se ao final a decisão, por meio do auxílio de regras e princípios e da

técnica de ponderação dos interesses, em parceria com as partes. O normativo jurídico criado

vai fundamentar a decisão contida no dispositivo do pronunciamento judicial.

Na opinião de Manoel Jorge e Silva Neto, o constitucionalismo moderno ou social

reveste-se “da modificação da postura do Estado em face dos indivíduos, já, agora, amparado

no princípio da não-neutralidade, e destinado a intervir no domínio econômico em ordem à

consecução de sociedade menos desigual.”258

A jurisdição se preocupa com a tutela dos interesses que ali chegam, certificando e

reconhecendo situações jurídicas (tutela de conhecimento), efetivando o que foi determinado

257 DIDIER JR., Fredie. 2015, op. cit., p. 153. 258 SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de Direito Constitucional. 5.ed.Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009,

p. 25.

Page 176: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

175

em juízo, com a satisfação do bem da vida (tutela de execução), além de assegurar e proteger

direitos (tutela provisória de urgência e de evidência).

O Estado só age, em regra, se for provocado, por meio da instauração da demanda,

onde é convocado a solucionar o caso concreto. Tem-se configurado aí o princípio da inércia.

Uma situação concreta é levada à apreciação do Estado-Juiz.

Confere-se ao Judiciário o controle da função legislativa (com a verificação da

constitucionalidade das leis e integração das lacunas existentes) e administrativa (análise dos

atos da administração), dentro de seu munus típico de julgar, dando-se a derradeira palavra

sobre o caso judicializado.

Nesse sentido, Daniel Mitidiero259 afirma que a insuscetibilidade de controle externo é

característica do poder jurisdicional. No mais, a definitividade também se reflete numa das

roupagens da jurisdição, trazendo segurança às situações jurídicas, com a decisão transitada

materialmente em julgado, formando-se o título judicial indiscutível e imutável.

Luiz Guilherme Marinoni traz a seguinte problemática: “[...] como o juiz opera a

reconstrução interpretativa de uma norma jurídica para o caso concreto quando a norma geral

não existe ou é incompatível com os princípios constitucionais de justiça e com os direitos

fundamentais”.260

A norma reconstruída deve não apenas expressar o convencimento do juiz, mas

também conter a motivação de seu decisório, justificando-o racionalmente, observando-se as

provas produzidas e a participação democrática das partes no curso do procedimento.

Afirmam também que essa fundamentação deve apresentar condições de ser

universalizável, ou seja, a possibilidade de ser reaplicável para as situações jurídicas futuras e

similares, extraindo-se daí o exercício legitimado da jurisdição, com a racionalidade

argumentativa do direito.

Veja-se que os autores estão corretos nesse ponto. Não é demais anotar que a

fundamentação ou motivação dos atos judiciais trata-se de princípio elencado no art. 93, IX,

da CF, considerado direito fundamental, sob pena de nulidade dos atos jurisdicionais que se

distanciam desse ditame constitucional.

259 MITIDIERO, Daniel. Elementos para uma teoria contemporânea do processo civil brasileiro. Porto

Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 83. 260 MARINONI; ARENHART; MITIDIERO. 2015, op. cit., p. 112-113.

Page 177: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

176

Reforçando esse entendimento, afirma-se que: “A fundamentação proporciona

accountability às decisões e é pressuposto da sua legitimidade em uma democracia”.261

A motivação requer, no mínimo, a explicação sobre o porquê da circunstância concreta

subsumir-se ao ordenamento jurídico e qual a consequência jurídica advinda dessa operação,

orientando-se por razões públicas, independentemente de dogmas religiosos e ideologias

particulares. Isso reduz consequentemente o risco de equívocos judiciais.

Parte-se daí também a razão de observar precedentes dentro da realidade brasileira,

pela necessidade prática de racionalizar o sistema jurídico, mediante várias técnicas que

tendem a tornar menos complexa a aplicação dos normativos (por exemplo, enunciados de

súmulas, precedentes, súmulas vinculantes). A atividade do juiz, com atenção ao

desenvolvimento do direito, assume papel preponderante por meio de juízos deônticos,

assentados na constituição.

O emprego correto dos decisórios padrões pode ajudar sobremaneira o sistema jurídico

pátrio, especialmente no cenário jurisdicional de litígios de massa, haja vista a pouca

capacidade institucional e número elevado de causas que tramitam na jurisdição brasileira.

Derzi e Bustamante, sob esse aspecto, lecionam:

Devemos seguir precedentes não mais apenas porque eles constituem direito

positivo formalmente produzido por alguma autoridade institucionalmente

autorizada a criar direito, mas porque os precedentes passam a ser vistos como uma

exigência da própria ideia de “razão prática”. Não pode haver um sistema jurídico

racional sem um método universalista e imparcial de aplicação do direito positivo.

Podemos observar, na interpretação e aplicação dos precedentes, a tensão entre ratio

e autorictas que caracteriza o direito positivo de modo geral. Em um dos polos dessa

tensão há um elemento de autoridade no direito que se manifesta desde o início de

sua institucionalização até o ato final de sua aplicação [...] Mas no outro polo o

direito e a moral compartilham o fato de que ambos necessitam um do outro [...].262

A força da autoridade do Poder Judiciário está relacionada à maneira como

fundamenta racionalmente seus decisórios, atrelando-se ao ordenamento jurídico. Ele tem a

responsabilidade de promover a convivência harmônica e também o equilíbrio dos demais

poderes constitucionais. A sua legitimidade é decorrência do poder normativo constitucional.

261 MENDES, Gilmar Ferreira; STRECK, Lênio Luiz. Art. 93. In: CANOTILHO, J.J. Gomes et al. Comentários

à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 1324-1325. 262 DERZI, Misabel de Abreu Machado. BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. O efeito vinculante e o princípio

da motivação das decisões judiciais: em que sentido pode haver precedentes vinculantes no direito brasileiro? In:

Alexandre Freire; Bruno Dantas; Dierle Nunes; Fredie Didier Jr., José Miguel Garcia Medina: Luiz Fux: Luiz

Henrique Volpe Camargo; Pedro Miranda de Oliveira (org.). Novas Tendências do Processo Civil: Estudos

sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2013, p. 351.

Page 178: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

177

O Código de Processo Civil/2015 trouxe à tona o real problema que é constatado na

realidade forense brasileira, em que a jurisdição tem pecado muito ao dar respostas distintas a

casos similares. Para tanto, instituiu-se a necessária observância dos precedentes, objetivando,

com isso, a igualdade perante o direito. A jurisdição dos tribunais supremos deve ser atrelada

ao futuro, com a construção de critério que doravante vai regular as relações no seio social,

além de vincular os decisórios de todo o Judiciário.

Por outro lado, Luiz Guilherme Marinoni passa a explicar sobre o escopo da

pacificação social, que esse não é o fim último e principal da jurisdição, fazendo paralelo

sobre as seguintes questões:

[...] (i) a existência do juiz dá aos litigantes a consciência de que os seus conflitos

têm uma forma de resolução instituída e estatal, o que elimina as tentativas de

soluções privadas arbitrárias e violentas; (ii) a jurisdição acomoda as disputas,

evitando a potencialização e o agravamento das discussões; (iii) ainda que um dos

litigantes não se conforme com a decisão, ele sabe que, diante da impossibilidade de

levar novamente ao juiz a situação conflitiva já solucionada, nada mais lhe resta

fazer e que, portanto, seria improdutivo e ilógico continuar alimentando a sua

posição.263

Percebe-se, assim, que pacificar conflitos é consequência da atuação direta do poder

jurisdicional, no procedimento em contraditório, mas não faz parte da essência, do caráter ou

objeto precípuo da jurisdição em si.264

O processualista também reforça que a sentença em si não seria suficiente para que o

juiz possa se desincumbir de sua obrigação de prestar a tutela. É necessário utilizar-se do

meio de execução e técnicas processuais adequadas para cumprir satisfatoriamente o julgado.

Com efeito, não basta apenas proclamar a existência de direito por meio do comando

sentencial. A ideia de prestação jurisdicional efetiva passa-se pelo reconhecimento e também

pela satisfação do direito. Assenta-se que o juiz, na atual visão democrática do processo, deve

exercitar a jurisdição não somente como dimensão do poder estatal, mas com o compromisso

de proporcionar à parte, diante de uma ameaça ou violação, tudo o que seu direito o assegure,

dentro do panorama traçado pelo texto constitucional vigente.

263 MARINONI; ARENHART; MITIDIERO. 2015, op. cit., p. 123-124. 264 De igual modo, Nagibe de Melo Jorge Neto assinala que: “O Direito, já há algum tempo, não é mais visto

como mero instrumento de pacificação de conflitos, assumiu definitivamente o lugar de instrumento de

desenvolvimento econômico e social, instrumento de construção da sociedade com base nos valores idealizados

e positivados na Constituição.” (JORGE NETO, Nagibe de Melo. O Controle Jurisdicional das Políticas

Públicas. 2ª tir. Salvador: Juspodivm, 2009, p. 19).

Page 179: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

178

O desafio contemporâneo é o encadeamento de técnicas que neutralizem o poder

manipulador dos magistrados por conta da expansão tecnológica e por todas as formas de

poder que ela sugere.265

No entanto, entende-se que sem Poder Judiciário independente, a democracia não seria

promovida e o processo ficaria eivado de vícios. Propõe-se um Judiciário que defenda de

forma objetiva e independente a ordem jurídico-constitucional, servindo como contrapoder

capaz de refutar qualquer atitude ou manobra que possa lesionar os interesses dispostos

constitucionalmente.

Luigi Ferrajoli266 entende que o exercício da jurisdição, no Estado contemporâneo, não

se revela simplesmente na sujeição dos juízes à legislação, mas se consubstancia na análise

crítica de seu valor de acordo com os padrões legitimamente dispostos na constituição.

De igual modo, e complementado pelo entendimento de Ferrajoli, não se está aqui

sugerindo a criação de um superpoder, imune ao controle de abusos e eventuais desvios na

condução processual, pois assim comprometeria o princípio da separação de poderes. A

atividade judicial não se restringe na aplicação das leis, mas a de promover justiça de

conformidade com o direito.

Ferrajoli também assevera que o garantismo manifesta-se como o outro lado do

neoconstitucionalismo, justificando que independente da proclamação formal, direitos não

protegidos não são, de fato, direitos.267

Com razão o autor, pois o Estado Constitucional de Direito para ser concretizado

depende desse arcabouço de garantias políticas e institucionais, com o incremento de técnicas

idôneas de organização e de cunho procedimental, de forma a fomentar o maior grau de

efetividade dos direitos.

Cabe ressaltar que o legislador, na criação de técnicas processuais adequadas à

proteção dos direitos, deve levar em consideração a realidade atual, principalmente onde há

carência de tutela jurisdicional e o direito material envolvido, observando-se as garantias

constitucionais afetas ao processo.

As técnicas utilizadas no processo devem evoluir com vista a abrir caminhos para que

os jurisdicionados, individual ou de forma coletiva, tenham o poder de influenciar nos

265 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Direito Constitucional. Barueri: Manole, 2007, p. 409. 266 FERRAJOLI, Luigi. Diritti fondamentali. In: VITALE, Ermanno (coord.). Diritti fondamentali. Um

dibatito teórico. 2. ed. Roma-Bari: Laterza, 2002, p.36. 267 FERRAJOLI, Luigi. 2002, op. cit. p. 26.

Page 180: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

179

decisórios políticos e jurídicos que possam afetar a vida em sociedade. Cabe ao Estado a

obrigação de prestar a jurisdição delineada pela existência de direitos coletivos ou individuais,

de acordo com as necessidades decorrentes da situação levada ao Judiciário.

Convergindo com esse pensamento, demonstra-se aqui o magistério de Luiz

Guilherme Marinoni268:

O dever de proteção ou de tutela dos direitos que identifica o Estado constitucional

nada tem a ver com a noção clássica de direito subjetivo. O Estado possui o dever de

tutelar determinados direitos, mediante normas e atividades fático-administrativas

em razão da sua relevância social e jurídica. Também tem o dever de tutelar

jurisdicionalmente os direitos fundamentais, inclusive suprindo eventuais omissões

de tutela normativa, além de ter o dever de dar tutela jurisdicional a toda e qualquer

espécie de direito [...].

A jurisdição traz para si a tarefa de tutelar todos os direitos, sejam fundamentais ou

fora dessa categoria. O tecnicismo processual deve ser capaz de proporcionar a tutela

adequada e tempestiva ao direito material buscado em juízo, por meio da ação, seja de forma

preventiva ou repressiva a atuação jurisdicional.

Reforça-se, nesse ínterim, o princípio do devido processo legal, visto no art. 5º, LIV,

da CF, “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”,

que serve de instrumento necessário para materializar e proteger, em uma ação judicial, os

direitos dos cidadãos.

Este postulado constitucional, validado como direito fundamental, abarca um conjunto

de garantias previstas na constituição (e.g., o contraditório, a ampla defesa, isonomia,

publicidade e razoável duração do processo), assegurando às partes e ao magistrado o direito

de participação ativa na ação, no processo dito cooperativo.

Segundo Radbruch269 “[...], o direito não é afinal senão a realidade que tem o sentido

de se achar ao serviço da ideia de justiça.”

Não se pode deixar de registrar como o valor justiça tem sido um dos objetivos

buscados na resolução do processo judicial, onde as pessoas clamam por tutela jurisdicional

justa, tempestiva e de resultados.

268 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. 2016, op. cit., p. 76. 269 RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito. Trad. L. Cabral de Moncada. 6ª ed. Coimbra: Armênio Amado,

1979, p. 91.

Page 181: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

180

Relacionado a isso, Rawls salienta:

Cada pessoa possui uma inviolabilidade fundada na justiça que nem o bem-estar da

sociedade como um todo pode sobrepujar. Por esta razão, a justiça nega que a perda

de liberdade para uns seja justificada por um bem maior obtido por outros. Ela não

permite que o sacrifício imposto a poucos seja compensado por vantagens maiores

gozadas por muitos. Por isso [...] os direitos protegidos pela justiça não se submetem

a barganhas políticas ou a cálculos de interesse social.270

Se a norma é editada, ela deve ser, na medida máxima possível, materializada de

forma correta, atendendo ao dispositivo constitucional.

Convém ressaltar que o direito essencial à tutela jurisdicional eficaz tem como

destinatários o legislador (na edição das leis) e o magistrado (no exercício da jurisdição,

elegendo-se técnicas procedimentais adequadas à proteção do direito material particularizado

no caso concreto). Cabe à jurisdição, enfim, como atividade pública estatal, garantir a eficácia

social desses direitos, objetivando-se a convivência harmônica entre os indivíduos.

O Supremo Tribunal Federal, enquanto órgão do Poder Judiciário e garantidor último

de direitos fundamentais, tem a função de colmatar as ausências de políticas públicas, diante

das omissões dos outros Poderes, as quais restringem o núcleo qualificado do mínimo

existencial. A atividade precípua do Estado Constitucional encontra-se na concretização

desses direitos. 271

Nesse contexto, traça-se um paralelo entre a função jurisdicional e o ativismo judicial,

como necessidade de efetividade da garantia do acesso à justiça. Os operadores do direito

devem conhecer esse fenômeno ativista e estudar as suas vantagens e limites, ante a

importância do tema.

O ativismo superou os círculos acadêmicos, incorporando-se às lides judiciais, tendo

despertado não só a atenção dos juristas e de estudantes de Direito, com também do próprio

cidadão, que demonstra interesse nesse fenômeno, principalmente pelas dificuldades

encontradas para o exercício de seus direitos.

Esse movimento traz à tona a quebra de uma cultura jurídica até então ligada ao

positivismo, o qual impôs, durante muito tempo, grandes limitações ao direito pátrio, com a

270 RAWLS, John. A theory of justice. Cambridge: The Belknap Press of Harvard University Press, 1971,

p. 3-4. 271 Cita-se como exemplo decisão no RE 482.611-SC, do Min. Celso de Melo, sobre caso de omissão

inconstitucional atribuída ao Município de Florianópolis. Disponível em:

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28%28482611%2ENUME%2E+OU+4

82611%2EDMS%2E%29%29+NAO+S%2EPRES%2E&base=baseMonocraticas&url=http://tinyurl.com/y9qho

7lf. Acesso em 06 mar. 2018.

Page 182: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

181

aplicação mecânica das regras jurídicas e também restrita à frieza da lei, afetando, desse

modo, o efetivo acesso à justiça.

A origem do termo ativismo judicial deve-se aos Estados Unidos da América, com a

utilização massificada da expressão judicial activism em contraponto ao termo self restraint,

ambos utilizados como forma de mostrar as posições da suprema corte em relação aos temas

controvertidos e polêmicos, de grande notabilidade política, influindo na postura adotada

pelos Poderes Executivo e Legislativo relacionada aos indivíduos daquele país.272

Aléxis de Tocqueville, alertando sobre a atuação forte da suprema corte dos E.U.A.,

assim se manifestou: “[...] quase não há questão política nos Estados Unidos que não se

transforme, mais cedo ou mais tarde, em uma questão judicial.”273

Para Paulo Roberto Lyrio Pimenta, é lícita a intervenção do Poder Judiciário, em face

do não cumprimento pelos poderes Executivo e Legislativo do seu dever jurídico de satisfazer

direitos previstos no plano constitucional.274

Dirley da Cunha Júnior, enfrentando o tema, explica que é imprescindível permitir ao

magistrado conhecer das questões políticas e sociais porque passa a sociedade como um todo,

reivindicando-se, assim, o comportamento ativista do Judiciário.275

Afirma-se favorável ao ativismo judicial, cabendo ao juiz assumir o papel de também

atuar e não de apenas assistir às partes no processo, na busca da prestação jurisdicional de

resultados úteis. Revela-se, assim, o juiz politizado, fruto da conquistada independência

jurídica e criatividade na condução do feito.

272 Saul Tourinho esclarece que o termo judicial activism veio à tona no ano de 1947, numa análise da

composição da Suprema Corte, pelo jornalista norte-americano Arthur Schlesinger Jr, no artigo escrito na revista

Fortune, intitulado “The Supreme Court: 1947”. (LEAL, Saul Tourinho. Ativismo ou altivez?: o outro lado do

Supremo Tribunal Federal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 24). 273 TOCQUEVILLE, Alexis de. A Democracia na América. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins

Fontes, 1998, p. 317. 274 Ali Paulo Pimenta esclarece ainda: “Pensar de modo diferente equivale a negar a supremacia da Constituição

e admitir que esta veicula promessas vãs, como mero valor simbólico.” (PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. A

Efetivação de Direitos Fundamentais Sociais pelo Poder Judiciário: Cabimento e Limites. Revista Dialética de

Direito Processual. São Paulo: nº 108 - Março/2012 – p. 89-100). 275 Problematiza o referido autor, expondo que tal discussão envolve uma escolha. Assim: “Para a sociedade, o

que é melhor, um ativismo judicial ou uma auto-contenção judicial? Qual o juiz que queremos? Aquele que, com

argumentos racionais e associados à proteção da pessoa humana, aplica diretamente a Constituição,

concretizando os direitos fundamentais e extraindo da Lei Fundamental todas as suas potencialidades? Ou aquele

que, abstendo-se do exame das questões públicas, não se compromete com o discurso constitucional, sob o

fundamento de que Direito e Política não se relacionam e que é preciso aguardar a iniciativa do legislador

ordinário, como forma de preservar o jogo democrático?” (CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Ativismo Judicial e

Concretização dos Direitos Fundamentais. Revista Baiana de Direito. Salvador: n. 5, Jan/Jun 2010, p. 24-25).

Page 183: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

182

Celso Campilongo descreve o papel político do magistrado, no sentido de que ele deve

“[...] necessariamente, decidir e fundamentar sua decisão em conformidade com o direito

vigente; mas deve, igualmente, interpretar, construir, formular novas regras, acomodar a

legislação em face das influências do sistema político.”276

Segundo José Carlos Barbosa Moreira, o comportamento tímido e acanhado do Poder

Judiciário certamente revelará uma “renúncia a extrair da Constituição as virtualidades que

nela palpitam”277, resultando falta de atendimento às expectativas que a sociedade idealizou

em torno desse Poder.

Luís Roberto Barroso define ativismo judicial como:

[...] uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos

valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos

outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas,

que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente

contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador

ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do

legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva

violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder

Público, notadamente em matéria de políticas públicas.

Continua o autor ao explicitar que judicialização e ativismo judicial não são

fenômenos iguais, apesar de próximos. Sustenta que a judicialização decorre da transferência

da decisão das questões de avançadas repercussões política e social para o crivo do Judiciário,

enquanto que o segundo instituto é a atitude do juiz de entender o sentido e alcance do texto

constitucional através de interpretação, em consequência da crise de representatividade do

Poder Legislativo.278

De fato, tem razão o autor ora citado, tendo em vista que o Judiciário não pode

renunciar ao diálogo entre os Poderes e a sociedade de modo geral. Ao operar dessa forma,

não se torna déspota ou usurpador de um poder. O juiz deve atuar com bastante cautela. Não é

suficiente que a lei seja consequência apenas da vontade popular. A Constituição Federal

exige muito mais que isso.

276 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, Sistema Jurídico e Decisão Judicial. São Paulo: Max Limonad,

2002, p. 61. 277 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O Poder Judiciário e a Efetividade da Nova Constituição. Revista Forense.

Rio de Janeiro, n. 304, out./dez. 1988, p. 154. 278 BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo judicial e Legitimidade Democrática. Artigo

disponível em: https://www.direitofranca.br/direitonovo/FKCEimagens/file/ArtigoBarroso_para_Selecao.pdf.

Acesso em 06 mar. 2018.

Page 184: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

183

Evidencia-se o protagonismo judicial, que transfere poder aos juízes e tribunais para

criarem a norma diante do caso concreto, com alterações importantes na linguagem, ênfase na

fundamentação e na maneira de participação da sociedade, dando vida à constituição,

tornando-a presente, real e efetiva, além de colocá-la no ápice do ordenamento jurídico.

Deve-se observar, sim, todo o procedimento formal na feitura das leis, como também

ter em mente que existem matérias que não poderão ser objeto de afronta à Carta Política,

atendo-se principalmente as cláusulas pétreas explícitas e implícitas.

De outra banda e dentro desse contexto, outro ponto a registrar é que o Supremo

Tribunal Federal não deve alterar a jurisprudência, de forma aleatória, sem que nada tenha

havido de concreto para a mudança do precedente, como a alteração da norma ou a mudança

grande de algum aspecto da sociedade, seja de ordem social, política ou econômica. A

alteração de sua jurisprudência deve ser feita com muito rigor, de forma razoável e coerente.

Como salientado por Dworkin nesse mesmo sentimento: “O que não deve ocorrer é a

falta de coerência. Direito é integridade.”

O juiz Hércules, idealizado por Dworkin, autorizado a utilizar o ativismo (no sentido

de criação ampla do direito), entende o direito como integridade, procurando ajustá-lo à ética,

vinculado à história do constitucionalismo dos Estados Unidos da América, de caráter

notadamente democrático. Esse autor defende que a constituição tem sentido unívoco, sendo

necessário um tribunal ativista para determinar esse significado.279

Aqui não se ingressará no debate sobre os aspectos negativos da constitucionalização

excessiva, como pensa Daniel Sarmento.280

Mas é necessário registrar que a CF/88 disciplinou muitos fatos da vida, além de

designar o Supremo Tribunal Federal como guardião dessa Carta, o que merece a atenção

deste tribunal quanto a esses acontecimentos.281

279 DWORKIN, Ronald. 2007, op. cit., p. 271-331. 280 O autor leciona: “Portanto, entendemos que a Constituição não pode ser vista como a fonte da resposta para

todas as questões jurídicas. Uma teoria constitucional minimamente comprometida com a democracia deve

reconhecer que a Constituição deixa vários espaços de liberdade para o legislador e para os indivíduos, nos quais

a autonomia política do povo e a autonomia privada da pessoa humana podem ser exercitadas.” (SARMENTO,

Daniel. Ubiquidade constitucional: os dois lados da moeda. In: SARMENTO, Daniel. Livre e Iguais: Estudos de

Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 196). 281 O Tribunal estabeleceu que a utilização de algemas deverá ser feita de forma excepcional, devidamente

justificada, editando a Súmula Vinculante nº 11, na decisão tomada dia 07.08.2008, no julgamento do HC nº

91.952/SP, de relatoria do Ministro Marco Aurélio. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo do STF

nº 515/2008. Disponível em:

http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo515.htm#Uso%20de%20Algemas%20e%20E

Page 185: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

184

De outro ponto, quando se debate a maneira de interpretar a constituição ou como a

democracia deve ser delineada, tem-se uma discussão teórica recorrente entre os denominados

substancialistas e os chamados procedimentalistas.

Para os substancialistas, o texto constitucional deve privilegiar direitos fundamentais,

consagrar princípios e objetivos públicos a fim de concretizar importantes valores inseridos

numa sociedade, como justiça, liberdade e igualdade, a serem implementados pelos

magistrados. Já os procedimentalistas pregam que os juízes devem apenas zelar pelo processo

democrático, a fim de que este concretize as aspirações do povo.

Retrata-se, assim, o Supremo Tribunal Federal de ontem, de caráter procedimentalista,

em época de regime ditatorial, com vários julgamentos polêmicos e com grande conotação

política, adotando uma jurisprudência omissiva, atribuindo aos Poderes Executivo e

Legislativo a missão de resolver o conflito relativo ao povo. O Poder Judiciário era refém do

Poder Executivo, com redução de seus quadros, ameaçado em seus vencimentos e

aposentadorias compulsórias impostas. Era um tribunal impotente àquela época.282

Luís Roberto Barroso entende que o STF mudou a sua política judiciária,

desempenhando um papel político, com índole substantiva.283

Com a promulgação da CF/88, trazendo à tona o regime democrático, o qual

sobreviveu bem a diversas crises, revela-se mesmo a postura substancialista adotada pelo

xcepcionalidade%20-%204. Acesso em 06 mar. 2018). Em outro julgado, o STF também declarou a

inconstitucionalidade da prisão civil por dívida, em caso de depositário infiel, mesmo o judicial e revogou a sua

súmula nº 619. Por maioria, o Plenário do STF procedeu ao arquivamento, no dia 03.12.2008, do RE nº

349.703/RS, de relatoria do Ministro Carlos Britto e, por unanimidade, negou provimento ao RE nº 466.343/SP,

tendo como relator o Ministro Cezar Peluso. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo do STF nº

531/2008. Disponível em:

http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo531.htm#Pris%C3%A3o%20Civil%20e%20D

eposit%C3%A1rio%20Infiel%20-%203. Acesso em 06 mar. 2018). 282 LEAL, Saul Tourinho. 2010, op. cit., p. 121-132. 283 E o jurista afirma: “O próprio papel do Judiciário tem sido redimensionado. No Brasil dos últimos anos,

deixou de ser um departamento técnico especializado e passou a desempenhar um papel político, dividindo

espaço com o Legislativo e o Executivo. Tal circunstância acarretou uma modificação substantiva na relação da

sociedade com as instituições judiciais. É certo que os métodos de atuação e de argumentação empregados por

juízes e tribunais são jurídicos, mas a natureza de sua função é inegavelmente política. Embora os órgãos

judiciais não sejam integrados por agentes públicos eleitos, o poder de que são titulares, como todo poder em um

Estado democrático, é representativo. Vale dizer: é exercido em nome do povo e deve contas à sociedade. Essa

constatação ganha maior realce quando se trata do Tribunal Constitucional ou do órgão que lhe faça as vezes,

pela repercussão e abrangência de suas decisões e pela peculiar proximidade entre a Constituição e o fenômeno

político.” (BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro: Exposição

Sistemática da Doutrina e Análise Crítica da Jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 60).

Page 186: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

185

Supremo, avançando em temas controvertidos e em questões da competência originária do

Poder Legislativo, a exemplo da fidelidade partidária.284

Não se está aqui defendendo o agigantamento do Poder Judiciário nesse processo de

tomada de decisões por parte dos entes públicos. Sabe-se também da tripartição de poderes

como exemplo clássico utilizado pelo Brasil, que não pode deixar de lado. O que não se

concorda é com o extravasamento de competências constitucionais.

Ronaldo Dworkin, defensor de um conteúdo substancialista da democracia, acentua

que o ativismo é uma modalidade ruim de pragmatismo jurídico.285

Luiz Guilherme Marinoni, ao referir-se a juiz do common law abordando se este cria o

direito, assevera que a decisão judicial não tem equiparação com a lei, pois esta foi produzida

pelo Poder Legislativo. Naquela tradição o precedente é considerado fonte de direito. Por

conta disso, o autor afirma:

A circunstância de o precedente ser admitido como fonte de direito está muito longe

de constituir um indício de que o juiz cria o direito a partir de sua própria vontade.

Nesta perspectiva, a força obrigatória do precedente, ou a admissão do precedente

como fonte de direito, não significa que o Judiciário tem poder para criar o

direito.286

O Supremo Tribunal Federal não deve inovar na ordem constitucional, a ponto de se

equiparar ao Poder Legislativo, a pretexto de efetivar os mandamentos constitucionais de

enunciação aberta. Não é isso que se prega e não é o que se deseja dessa corte no exercício de

sua função institucional e unificadora do direito.

A criatividade que se apregoa está relacionada à tarefa jurisdicional de completar o

significado da norma posta, em situações que exige do Judiciário a imediata ingerência,

quando provocado.

Preocupante, vale aqui destacar, é quando a alteração jurisprudencial ocorre devido à

mudança opinativa dos magistrados, a seu bem querer, sem consistência jurídica motivacional

284 Saul Tourinho Leal assevera que “Não temos um Tribunal ativista. Temos um Tribunal altivo. É diferente.

Mas e as falhas? Não há? Há, e não são poucas. Contudo, o STF é a grande instância de garantia aos exercícios

de direitos lançados na Constituição Federal de 1988.” (LEAL, Saul Tourinho. 2010, op. cit., p. 163). 285 E o autor continua dizendo: “[...] Um juiz ativista ignoraria o texto da Constituição, a história de sua

promulgação, as decisões anteriores da Suprema Corte que buscaram interpretá-la e as duradouras tradições de

nossa cultura política. O ativista ignoraria tudo isso para impor a outros poderes do Estado seu próprio ponto de

vista sobre o que a justiça exige. O direito como integridade condena o ativismo e qualquer prática de jurisdição

constitucional que lhe esteja próxima.” (DWORKIN, Ronald. 2007, op. cit., p. 451-452). 286 MARINONI, Luiz Guilherme. Aproximação crítica entre as jurisdições de civil law e de common law e a

necessidade de respeito aos precedentes no Brasil. Revista da Faculdade de Direito – UFPR. Curitiba, nº 49,

2009, p. 19-20.

Page 187: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

186

e sem transparência. Isso não é benéfico para a evolução e estabilização do direito, pois

corre-se o sério risco de criar teorias que não evidenciam previsibilidade jurídica.

Aduz-se o pensamento consonante de Teresa Arruda Wambier, asseverando que a

mudança de entendimento “[...] do direito decorrente de ‘fatores pessoais’ é extremamente

criticável e nociva, ainda mais porque normalmente ocorre em tribunais superiores, cuja

função (e razão de ser) é justamente a de orientar os demais órgãos do Poder Judiciário.”287

Por outro lado, não é função do Supremo Tribunal Federal afastar-se das regras

processuais e dos procedimentos integrados e exigíveis no ordenamento jurídico brasileiro.

Caso se marchasse nesse sentido, ter-se-ia um retrocesso na democracia.

Em comunhão com o pensamento acima, Saul Tourinho Leal afirma que: “O Supremo

pode muito, mas não pode tudo.”288

O compromisso do STF é com a defesa do texto constitucional federal, adequando-o

constantemente à evolução dos tempos e da sociedade. Não é que o Judiciário pode tudo, até

porque não se pode esperar a solução de problemas históricos através de simples decisões

judiciais. Mas a sua atuação, inegavelmente, tem o condão de alterar os rumos políticos

protetivos de direitos. As decisões do STF passaram a ser acompanhadas pela mídia289. A

corte ficou mais perto do jurisdicionado; e isso é um aspecto relevante e positivo para a

democracia.

Paradigmas existem e permitem ser rompidos em prol de outras referências que

suportem a evolução social. Entre a conduta ativista e a postura da autocontenção, cabe ao

Poder Judiciário trilhar conjuntamente com os Poderes Executivo e Legislativo rumo à

efetivação dos propósitos do Estado de Direito.290

A intervenção do Judiciário é desnecessária e carece de proteção jurídica quando os

demais órgãos atuam adequadamente dentro das competências atribuídas na constituição.

287 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. A vinculatividade dos precedentes e o ativismo judicial. In: DIDIER JR,

Fredie et al. (coord). Precedentes. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2016, v. 3, p. 268. 288 LEAL, Saul Tourinho. 2010, op. cit., p. 106. 289 A título de informação, alguns decisórios do STF evidenciando o ativismo judicial: ADPF 45-9/2004; RE

628.159-AgR – Maranhão – 1ª Turma; RE 634.643 – AgR – Rio de Janeiro – 2ª Turma; RE 642.536- AgR –

Amapá – 1ª Turma; SL 47 – Pernambuco – Tribunal Pleno. 290 Segundo Elival da Silva Ramos, ao debruçar-se contrariamente sobre o tema: “[...] ao se fazer menção ao

ativismo judicial, o que se está a referir é a ultrapassagem das linhas demarcatórias da função jurisdicional, em

detrimento principalmente da função legislativa, mas também da função administrativa e, até mesmo, da função

de governo.” (RAMOS, Elival da Silva. Ativismo Judicial. Parâmetros Dogmáticos. São Paulo: Saraiva, 2010,

p. 116).

Page 188: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

187

A seguir, serão analisadas a presunção de inocência e a execução provisória da pena, a

partir da controvérsia diagnosticada em torno do julgamento no STF do Habeas Corpus nº

126.292/SP, com o exame deste decisório e outros posteriores à luz de todo o repertório

teórico sistematizado neste e nos capítulos antecedentes.

Page 189: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

188

6.2 A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA: CONTRIBUIÇÃO CRÍTICA A PARTIR DO

JULGAMENTO DO HABEAS CORPUS Nº 126.292/SP

Passa-se aqui a avaliar decisões do STF à luz da teoria dos precedentes e do discurso

jurídico utilizado, notadamente no que tange aos aspectos da (in)coerência, in(flexibilidade) e

ao emprego do ônus argumentativo, sob a perspectiva da tutela efetiva de direitos.

Não se tem pretensão aqui de demonstrar uma sinopse esmiuçada dos decisórios

prolatados, envolvendo os argumentos e contra-argumentos empregados pelas partes e aqueles

perfilhados pelas respectivas decisões.

Assim, traz-se à colação o julgamento histórico e não menos polêmico da suprema

corte, em sede de Habeas Corpus nº 126.292/SP291, que debateu sobre a legitimidade de ato

do Tribunal de Justiça de São Paulo, o qual resultou, pois, na modificação de sua

jurisprudência, autorizando a execução provisória da pena após a decisão condenatória

ratificada pela segunda instância recursal.

O acórdão foi proferido em 17/02/2016, em votação na sessão plenária por maioria 7

votos a 4, vencidos os ministros Rosa Weber, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo

Lewandowski, denegando-se a ordem de Habeas Corpus. O relator do processo foi o saudoso

ministro Teori Zavascki292, sendo acompanhados pelos demais integrantes Edson Fachin, Luís

Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes.

Segue excerto do referido acórdão:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO

CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII).

SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR TRIBUNAL DE

SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA.

POSSIBILIDADE.

1.A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de

apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o

princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso

LVII da Constituição Federal.

291 Conferir o julgamento do Habeas Corpus nº 126.292/SP, na sua íntegra, que se encontra disponibilizado em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10964246. Acesso em: 17 jun 2018.

292 Faz-se referência aqui ao texto do Professor Virgílio Afonso da Silva, o qual escreveu sobre o papel e a

influência do voto do ministro relator nas votações realizadas no Supremo Tribunal Federal, a partir de dados

colhidos dos próprios ministros que compõem esse órgão julgador e dos que já se aposentaram. O texto se

intitula “‘Um voto qualquer’? O papel do ministro relator na deliberação no Supremo Tribunal Federal”. Revista

Estudos Institucionais, v.1, nº 1, 2015. Disponível em:

https://www.estudosinstitucionais.com/REI/article/view/21. Acesso em: 15 jun. 2018.

Page 190: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

189

2. Habeas corpus denegado.

A C Ó R D Ã O - Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do

Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro

RICARDO LEWANDOWSKI, na conformidade da ata de julgamentos e das notas

taquigráficas, por maioria, em denegar a ordem, com a consequente revogação da

liminar, nos termos do voto do Relator. Vencidos os Ministros Rosa Weber, Marco

Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski (Presidente). Falou, pelo

Ministério Público Federal, o Dr. Rodrigo Janot Monteiro de Barros, Procurador-

Geral da República. Brasília, 17 de fevereiro de 2016.

Ministro TEORI ZAVASCKI - Relator

Compulsando os autos originais, verifica-se que a parte foi condenada à sanção penal

de 05 anos e 4 meses de reclusão, com regime inicialmente fechado, por ter praticado o delito

de roubo majorado (art. 157, par. 2º, I e II, do Código Penal), auferindo o direito de impetrar

recurso em liberdade. A acusação não apresentou recurso apelativo para o TJ/SP, apenas a

defesa, pelo seu inconformismo contra o julgamento de sua apelação, a qual determinou que

se expedisse mandado prisional contra o paciente. Não favorável ao mandado de prisão, a

defesa ajuizou Habeas Corpus junto ao STJ (HC nº 313.021/SP293), sendo indeferida

liminarmente a ordem, por não ser aceito o manejo de Habeas Corpus como remédio

substitutivo de recurso especial e também por não caracterizar hipótese de flagrante

ilegalidade sanável pela via do writ.

A ação em comento (HC 126.292/SP) foi ajuizada no STF em face da decisão do

ministro Francisco Falcão, Presidente do STJ, que não acolheu o pleito de liminar no HC

313.021/SP, com discussão a respeito das seguintes matérias: flagrante constrangimento ilegal

e a superação do enunciado sumular 691/STF; segregação do condenado sem esclarecimento

sobre necessidade de prisão preventiva, haja vista que o juízo de primeiro grau deu permissão

para que o sentenciado recorresse em liberdade; ausência de fato novo a justificar o

acautelamento do paciente e, por último, inexistência de trânsito em julgado do decisório

condenatório.

O ministro Teori Zavascki, em liminar monocraticamente proferida, resolveu

suspender a prisão preventiva que fora cominada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, sob o

fundamento de que o decreto prisional previamente ao trânsito em julgado apenas poderia

acontecer na forma de prisão cautelar, com os requisitos dispostos e objetivamente

293 Ver decisão STJ disponível em:

https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=MON&sequencial=43422493&num_r

egistro=201403439093&data=20150202 e

https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=MON&sequencial=61357826&num_r

egistro=201403439093&data=20160527. Acesso em: 17 jun 2018.

Page 191: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

190

comprovados do art. 312 do CPP, fazendo alusão ao precedente do plenário do STF advindo

do HC nº 84078-7/MG (julgamento ano de 2009), tendo como relator o ministro Eros Grau. A

motivação agasalhada pelo TJ/SP reporta-se a elementos executórios da pena, frisou este.

Eis parte da ementa do acórdão relativo ao HC nº 84.078-7/MG294, julgado pelo Pleno

do STF em 05/02/2009, por maioria dos votos, ao deferir a ordem ali almejada, até então

como jurisprudência predominante da Corte:

EMENTA: HABEAS CORPUS.INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA

"EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA". ART.5o, LVII, DA CONSTITUIÇÃO

DO BRASIL, DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ART.1°, III, DA

CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.

1.O art. 637 do CPP estabelece que "[o]recurso extraordinário não tem efeito

suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais

baixarão à primeira instância para a execução Da sentença". A Lei de Execução

Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado

da sentença condenatória. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º,

inciso LVII, que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de

sentença penal condenatória".

2.Daí que os preceitos veiculados pela Lei n.7.210/84, além de adequados à ordem

constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no

art.637 do CPP.

3. A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada

a título cautelar.

4. A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases

processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da

sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do

direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a

pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão. [...]

8. Nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa

qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas

entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade (art.1°,

III, da Constituição do Brasil). É inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam

consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração penal,

o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a

condenação de cada qual. Ordem concedida.

Como voto na sessão colegiada de julgamento de 17/02/2016, o relator ministro Teori

Zavascki, arguiu que, em regra, à luz da Súmula 691/STF, não compete ao Tribunal dar

seguimento a Habeas Corpus ajuizado em face de decisório do relator pelo qual, em writ

pleiteado a tribunal superior, não se conseguiu a liminar, sob pena de eliminação de instância.

Ao mesmo tempo, deu pelo conhecimento do pedido em situações de excepcionalidade,

quando o pronunciamento judicial demonstra-se teratológica, claramente ilegal, justificando

294 Ver acórdão do HC nº 84.078-7/MG, na sua integralidade, no site do STF, disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=608531. Acesso em: 17 jun 2018.

Page 192: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

191

como exemplos as ações de HC números 122670 (Segunda Turma, ano 2013), 121181

(Primeira Turma, ano 2014).

Relatou que o tema sobre execução provisória de pena traz questionamentos acerca do

alcance do princípio constitucional da presunção de inocência e a necessidade de busca de

equilíbrio entre a referida norma e a prestação jurisdicional penal efetiva, atentando-se para

valores atinentes aos acusados penais e à sociedade de um modo geral.

Discorreu que a execução provisória era orientação da jurisprudência pretoriana

vigente a CF/1988, trazendo à tona o julgamento proferido pela Corte Suprema no HC nº

68.726 (ministro relator Néri da Silveira, ano de 1991), onde ali ficou consignado que o

referido princípio não obsta a prisão oriunda de acórdão que, em recurso apelativo, ratificou a

sentença penal condenatória ainda recorrível.

Enfatizou que os recursos especiais e extraordinários não têm efeito suspensivo, em

regra (referiu-se também ao HC 74.983, min. Relator Carlos Velloso, ano 1997) e que as

mitigações ao direito de apelar em liberdade impostas pelo art. 594 (após revogado pela Lei

11.719/2008) do Código de Processo Penal foram recepcionadas pela CF/1988 (fez referência

ao HC 72.366/SP, ministro relator Néri da Silveira, ano 1999).295

O ministro relator assentou que, à exceção da revisão criminal, a análise de fatos e

provas sofre preclusão nas instâncias ordinárias:

[...]Noutras palavras, com o julgamento implementado pelo Tribunal de apelação,

ocorre espécie de preclusão da matéria envolvendo os fatos da causa. Os recursos

ainda cabíveis para instâncias extraordinárias do STJ e do STF – recurso especial e

extraordinário – têm, como se sabe, âmbito de cognição estrito à matéria de direito.

Nessas circunstâncias, tendo havido, em segundo grau, um juízo de incriminação do

acusado, fundado em fatos e provas insuscetíveis de reexame pela instância

extraordinária, parece inteiramente justificável a relativização e até mesmo a própria

inversão, para o caso concreto, do princípio da presunção de inocência até então

observado. Faz sentido, portanto, negar efeito suspensivo aos recursos

extraordinários, como o fazem o art. 637 do Código de Processo Penal e o art. 27, §

2º, da Lei 8.038/1990[...]

Fundamentou como forma de relativizar o princípio da presunção de inocência a Lei

Complementar nº 135/2010 (Lei da Ficha Limpa), a qual abarca em seu artigo 1º, inciso I,

295 O ministro relator Teori Zavascki afirmou também em seu voto que em diversas ocasiões as turmas do STF

posicionaram-se no sentido de que o princípio da presunção de inocência não dificultava a execução antecipada

da pena determinada, ainda que dependendo de julgamento dos recursos excepcionais superiores. Fez alusão aos

HC números 71.723 (Primeira Turma, 1995), 79.814 (Segunda Turma, 2000), 80.174 (Segunda Turma, 2002),

91.675 (Primeira Turma, 2007), 70.662 (Primeira Turma, 1994), RHC 84.846 (Segunda Turma, 2004) e RHC

85.024 (Segunda Turma, 2004). A mudança dessa tradicional jurisprudência ocorreu com o julgamento do HC

nº 84.078-7/MG, no ano de 2009.

Page 193: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

192

como hipótese de inelegibilidade uma sentença penal condenatória prolatada por órgão

colegiado.

Continuou argumentando que cabe ao Poder Judiciário fazer valer o jus puniendi do

Estado, de forma a tornar visível a efetividade da função institucional. Veja-se:

[...]10. Nesse quadro, cumpre ao Poder Judiciário e, sobretudo, ao Supremo Tribunal

Federal, garantir que o processo - único meio de efetivação do jus puniendi estatal -,

resgate essa sua inafastável função institucional. A retomada da tradicional

jurisprudência, de atribuir efeito apenas devolutivo aos recursos especial e

extraordinário (como, aliás, está previsto em textos normativos) é, sob esse aspecto,

mecanismo legítimo de harmonizar o princípio da presunção de inocência com o da

efetividade da função jurisdicional do Estado. Não se mostra arbitrária, mas

inteiramente justificável, a possibilidade de o julgador determinar o imediato início

do cumprimento da pena, inclusive com restrição da liberdade do condenado, após

firmada a responsabilidade criminal pelas instâncias ordinárias [...].

Encerrando o seu voto, o relator propôs orientação no sentido de restaurar a anterior

compreensão jurisprudencial do STF, em que “a execução provisória de acórdão penal

condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou

extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência”.

O ministro Luís Roberto Barroso acompanhou o voto do relator, asseverando que “A

execução da pena após a decisão condenatória em segundo grau de jurisdição não ofende o

princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade (CF/1988, art. 5º, LVII).”

Demonstrou que a CF/88 restringe a culpabilidade e não a prisão do condenado no que se

refere ao trânsito em julgado.

A presunção de inocência trata-se de um princípio constitucional e não de uma regra, o

que justifica fazer as ponderações necessárias com outras normas ou bens jurídicos

confrontantes, a exemplo da efetividade de lei penal. A execução da pena configura exigência

pública, relevante para garantir a credibilidade do Judiciário e direciona para a queda do

paradigma de um sistema penal falido.

A ministra Rosa Weber asseverou que tem seguido, como critério de seus votos, a

manutenção do pensamento jurisprudencial da Corte, especialmente em matérias

constitucionais, com apoio no princípio da segurança jurídica. No entanto, também deixou

claro que nada obsta que a jurisprudência seja superada, considerando a dinamicidade da vida

social. Votou contrariamente ao relator, pela concessão da ordem.

O ministro Luiz Fux, acompanhando integralmente os votos do relator, de Edson

Fachin e de Luís Barroso, fez constar que a presunção da inocência atualmente não ecoa mais

Page 194: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

193

como sentimento constitucional, sendo crucial a superação do precedente, haja vista que não

se encontra mais congruente com os reclamos sociais.

Vale lembrar que o ministro Gilmar Mendes, no julgamento do HC nº 84.078-7,

orientação prevalecente da jurisprudência até então, votou com a maioria, quanto a ser

possível a execução da sentença, apenas após o trânsito em julgado. No entanto, consignou

em seu voto que tem refletido muito sobre aquela decisão proferida no citado Habeas Corpus

e que em alguns casos graves de crimes tem-se visto o comprometimento da efetividade da

justiça.

Com isso, o ministro Gilmar Mendes afirma que a constituição não precisou

objetivamente o que se entende pela expressão “culpado”. Trata a presunção de inocência

como princípio e não regra. Destacou a compatibilidade do cumprimento imediato da pena,

após vencidas as instâncias ordinárias, ao proferir que “Esgotadas as instâncias ordinárias com

a condenação à pena privativa de liberdade não substituída, tem-se uma declaração, com

considerável força de que o réu é culpado e a sua prisão necessária.”

Continuando, o ministro afirma que no direito comparado a garantia contra o regime

prisional antes do trânsito em julgado não é prevalecente. A inocência se presume até o

momento em que a culpabilidade está provada nos autos. Comprovada a culpa, cessa-se a

qualidade de inocente.

Nesse sentido, revisando o seu pensamento anterior a respeito dessa matéria, o

ministro Gilmar assevera que a legislação poderá imprimir tratamento diferenciado ao

condenado, com a prisão do réu após a decisão do tribunal apelativo. Em agindo assim, não se

configurará circunstância violadora do princípio da presunção de inocência. Votou pela

denegação da ordem.

O ministro Marco Aurélio manteve o seu posicionamento consubstanciado em que a

sentença apenas poderá ser executada com o seu trânsito em julgado, seguindo assim o voto

divergente. Mostrou-se bastante preocupado com a novo precedente criado pela corte no

julgamento sob exame e tem dúvidas se a constituição ainda poderia ser denominada de

constituição cidadã, haja vista a releitura pelo tribunal de sua jurisprudência a respeito do

tema. Afirmou que o presente caso não sugere alteração substancial no entendimento da corte.

Marco Aurélio sustentou que o texto constitucional é claro, sem necessidade de

interpretação, sob pena de editar a norma constitucional. Agindo dessa forma, o Supremo

Page 195: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

194

estará extrapolando as suas funções, em prol de um ativismo sem limites. Votou pela

concessão da ordem.

O ministro Celso de Mello votou pelo provimento da ordem, seguindo também a

divergência. De início, assinalou que a presunção de inocência destaca-se por ser importante

conquista histórica da sociedade na sua luta diária contra o Estado opressor. Trata-se de

direito fundamental de qualquer indivíduo, seja qual for o crime praticado, seja grave ou

hediondo. Trouxe para justificar seu voto o contido nos julgamentos dos HC 96.095/SP e

96.219-MC/SP, que tem o próprio como ministro relator.

Asseverou que se revela inadequado trazer para o presente julgado as experiências da

França e dos Estados Unidos, além de outras nações democráticas, que não condicionam o

trânsito em julgado para o cumprimento das sentenças condenatórias penais. De outra banda,

justificou o seu voto fazendo menção ao que consta do art. 105, da Lei de Execução Penal, o

qual impõe como requisito inafastável o trânsito em julgado, fator este ensejador de

legitimidade da execução.

Por último, lamentou a sua preocupação quanto ao presente desvio hermenêutico

proposto pela maioria do STF, em nível de superação de precedente.

De igual modo, acompanhando os votos divergentes, votou o ministro Ricardo

Lewandowski, pelo provimento da ordem, mantendo-se o seu posicionamento de outrora no

HC 84.078-7/MG, prestigiando o princípio da presunção de inocência, taxativamente

estampado de forma absoluta no texto constitucional, não afeto à nova interpretação, segundo

ele.

Manifestou a sua perplexidade quanto à guinada paradigmática de posicionamento do

STF no que tange ao tema, ante o fato de o mesmo tribunal ter afirmado em julgamentos

anteriores (ADPF 347 e RE 592.581) que o sistema penitenciário nacional encontra-se falido

ou em estado de coisas inconstitucional. Lançou sua preocupação que a decisão do colegiado

vai repercutir em muito no aumento do quantitativo de presos provisórios.

Assim delineados os posicionamentos de vários ministros no julgamento do HC nº

126.292/SP, passa-se agora a proceder ao exame crítico, sob a perspectiva do discurso

jurídico empregado, considerando inclusive outros julgamentos que ocorreram posteriormente

sobre igual tema, a exemplo daqueles consubstanciados no HC nº 138.337/SP (ministro

Page 196: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

195

relator Marco Aurélio, Primeira Turma, 2017)296, HC nº 142.173/SP (ministro relator Gilmar

Mendes, Segunda Turma, 2017)297, HC nº 147.957/RS (Decisão monocrática do ministro

Gilmar Mendes, 2017)298 e o HC nº 152.752/PR ajuizado em favor do ex-Presidente da

República, Luiz Inácio Lula da Silva (ministro relator Edson Fachin, plenário STF, 2018)299.

Percebe-se que a questão da execução provisória da pena ainda não está pacificada na

corte constitucional, haja vista que os próprios ministros não respeitam os precedentes do

STF, que de forma colegiada assim definiu, mesmo por maioria de votos, conforme se

verificou no julgamento do HC nº 126.292/SP.

O direito deve evoluir com a sociedade, assim como o STF deve desenvolver-se

também, adaptando a sua jurisprudência ao fato que ecoa do seio social. Andou bem o

Supremo, ao decidir fundamentadamente o HC 126.292/SP, no seu papel de guardião

principal desse direito, o qual transcende os limites intersubjetivos da demanda.

A atuação do STF ocorreu de forma legítima, pois essa atividade não transcendeu à

funcionalidade da corte, nem atingiu o princípio constitucional da separação dos poderes. Não

houve usurpação do poder legiferante. Tratou-se de um caso difícil, polêmico e que a

sociedade cobrava do Judiciário medidas normativas estruturantes nesse sentido. Pensou-se o

direito à luz da hermenêutica e do caso concreto, sem deixar de lado o ônus argumentativo.

No entanto, vozes dissonantes levantaram-se contra o resultado desse julgamento, a

exemplo do texto escrito por Cezar Roberto Bitencourt e Vânia Barbosa Adorno Bitencourt,

que destacou o autoritarismo do STF (que não é proprietário da constituição), o qual

reescreveu a Carta Magna a seu bel prazer e ignorou direitos e garantias fundamentais,

gerando grande insegurança ao ordenamento jurídico. Asseverou quanto a isso que o Supremo

Tribunal Federal “escreveu a página mais negra de sua história ao negar vigência de texto

296 HC nº 138.337/SP disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=14221942. Acesso em: 17 jun 2018. 297 HC nº 142.173/SP disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=12998248. Acesso em: 17 jun 2018.

298 HC nº 147.957/RS disponível em:

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28%28147957%2ENUME%2E+OU+1

47957%2EDMS%2E%29%29+NAO+S%2EPRES%2E&base=baseMonocraticas&url=http://tinyurl.com/y9so7n

by. Acesso em: 17 jun 2018. 299 HC nº 152.752/PR disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5346092. Acesso

em: 17 jun 2018.

Page 197: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

196

constitucional expresso que estabelece como marco da presunção de inocência o trânsito em

julgado de decisão condenatória.”300

Lênio Luiz Streck também discordou do julgamento, ao opinar que:

[...] o STF só esqueceu de discutir a constitucionalidade do art. 283 do Código de

Processo Penal [...] A decisão mostra que o STF fez uma efetiva alteração do texto

constitucional [...] Essa decisão, até mesmo por parte de seus fundamentos, é um

exemplo de ativismo judicial: não há fundamento jurídico constitucional que a

sustente [...] o STF errou. Reescreveu a Constituição e aniquilou garantia

fundamental. Gostando ou não, essa é a Constituição que temos. E todos sabem de

meu elevado grau de ortodoxia quando se trata da Constituição. Até de originalista

já fui chamado [...] Também pode haver quem diga, em defesa da decisão do STF,

que ele foi coerente em sua decisão, porque seguiu a linha de posicionamento que já

havia manifestado no julgamento sobre a constitucionalidade da lei da Ficha Limpa.

Isso seria uma visão frágil de coerência, sem levar em conta uma dimensão de

profundidade, principiológica [...] Esse julgamento foi um equívoco – julgou

inconstitucional o próprio texto constitucional [...] Os tribunais de segundo grau não

estão vinculados a essa decisão; não existe nenhum dever jurídico-constitucional de

obediência a ela [...] Enfim, esse é um entendimento recente, isolado, ainda não

amadurecido, portanto, precário. Penso que devemos levar a sério o texto

constitucional [...] penso que isso não é bom para a democracia.301

Não tem como dar guarida aos pensamentos dissonantes acima. Compete ao STF,

como intérpretes natos, a filtragem constitucional dos conceitos assentados nos dispositivos

infraconstitucionais, que não se amoldam ao momento presente, no que tange aos valores e

costumes sociais, justificando assim o fenômeno conhecido como constitucionalização do

Direito. Viu-se, com isso, que o tribunal não manifestou incoerência com seus precedentes,

quando do julgamento de tal ação. 302

Cabe consignar a diversidade de fundamentos colacionados pelos ministros, em seus

respectivos votos, não obtendo uma única ratio decidendi majoritária, apesar do resultado do

julgamento. Nesse sentir, mesmo assim, conferiu-se ao tribunal de vértice o poder e a

obrigação de dar unidade à jurisprudência, com a identificação correta da norma sob exame.

300 BITENCOURT, Cézar Roberto; BITENCOURT, Vânia Barbosa Adorno. Em dia de terror, Supremo rasga

a Constituição no julgamento de um HC. Texto disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-fev-18/cezar-

bittencourt-dia-terror-stf-rasga-constituicao. Acesso em: 19 ago. 2018. 301 STRECK, Lênio Luiz. Teori do STF contraria Teori do STJ ao ignorar lei sem declarar inconstitucional.

Texto disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-fev-19/streck-teori-contraria-teori-prender-transito-

julgado, Acesso em: 19 ago. 2018. 302 Conferir interessante texto no qual demonstra que a Associação de Juízes Federais do Brasil (Ajufe), a

Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e a Associação dos Magistrados Brasileiros

(AMB) comemoraram a decisão do STF sobre a prisão antes de trânsito em julgado, pois garante maior

eficiência e celeridade na prestação jurisdicional penal. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-fev-

17/ajufe-comemora-decisao-prisao-condenacao-grau. Acesso em: 19 ago. 2018. Por outro lado, ver também

texto escrito por Marcos de Vasconcellos, Felipe Luchete e Brenno Grillo, repórteres da Revista Consultor

Jurídico, onde ali expõem que, na opinião de vários advogados, o STF ouviu a voz das ruas, curvando-se à

opinião pública e que o Supremo “busca um lugar indevido sob os holofotes”. Disponível em:

https://www.conjur.com.br/2016-fev-17/advogados-stf-curvou-opiniao-publica-antecipar-pena. Acesso em: 19

ago. 2018.

Page 198: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

197

Notou-se que houve discordância quanto a interpretação do caso sob exame, mas isso

não é motivo para cada integrante agir da forma como melhor lhe convém, mesmo depois de

decidida a matéria. Isso não é salutar para o Estado Democrático de Direito. O sistema

jurídico fica não confiável, imprevisível e o Judiciário só tem a perder sua credibilidade junto

à população. Afinal de contas, cabe ao Supremo a função central de padronizar os seus

decisórios acerca de matérias jurídicas controversas, ou melhor, constituir e manter a sua

jurisprudência estável, coerente e íntegra. O que às vezes, ressalta-se, tem vacilado nesse

campo.

Pontua-se que o ministro Marco Aurélio, com voto vencido no HC nº 126.292/SP, não

tem seguido a orientação do colegiado. Em seu voto no HC nº 138.337/SP, Primeira Turma,

julgado em 24/10/2017, na qualidade de ministro relator, mais uma vez tornou-se vencido

(único voto sucumbente, registra-se), o que o impossibilitou de redigir o acórdão respectivo.

A redação coube ao ministro Alexandre de Moraes, que por maioria de votos, acordaram em

não aceitar a impetração do writ, revogando a liminar que suspendeu a execução provisória da

pena. Presentes à sessão os Senhores Ministros Luiz Fux, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso

e Alexandre de Moraes. A presidência coube ao ministro Marco Aurélio.

O discurso dissonante utilizado pelo relator Marco Aurélio consubstanciou-se nos

seguintes fundamentos:

[...] 2. Não se pode potencializar o decidido pelo Pleno no habeas corpus nº

126.292, por maioria, em 17 de fevereiro de 2016. Precipitar a execução da pena

importa antecipação de culpa, por serem indissociáveis. Conforme dispõe o

inciso LVII do artigo 5º da Constituição Federal, “ninguém será considerado

culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, ou seja, a culpa

surge após alcançada a preclusão maior. Descabe inverter a ordem do

processo-crime – apurar para, selada a culpa, prender, em verdadeira execução da

sanção [...].

[...] Ao tomar posse neste tribunal, há 27 anos, jurei cumprir a Constituição

Federal, observar as leis do País, e não a me curvar a pronunciamento que,

diga-se, não tem efeito vinculante. De qualquer forma, está-se no Supremo,

última trincheira da Cidadania, se é que continua sendo. O julgamento virtual, a

discrepar do que ocorre em Colegiado, no verdadeiro Plenário, o foi por 6 votos a 4,

e o seria, presumo, por 6 votos a 5, houvesse votado a ministra Rosa Weber, fato a

revelar encontrar-se o Tribunal dividido. A minoria reafirmou a óptica anterior – eu

próprio e os ministros Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli.

Tempos estranhos os vivenciados nesta sofrida República! Que cada qual faça a

sua parte, com desassombro, com pureza d’alma, segundo ciência e consciência

possuídas, presente a busca da segurança jurídica. Esta pressupõe a

supremacia não de maioria eventual – segundo a composição do Tribunal –,

mas da Constituição Federal, que a todos, indistintamente, submete, inclusive o

Supremo, seu guarda maior. Em época de crise, impõe-se observar princípios,

impõe-se a resistência democrática, a resistência republicana. De qualquer forma, há

sinalização de a matéria vir a ser julgada, com a possibilidade, conforme noticiado

pela imprensa, de um dos que formaram na corrente majoritária – e o escore foi de 6

a 5 – vir a evoluir. (grifo nosso)

Page 199: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

198

De forma clara, acertada e concisa, aplaude-se o voto do ministro Alexandre de

Moraes, que sequer fez parte do julgamento paradigma HC nº 126.292/SP, porém curvou-se à

decisão colegiada, reafirmando a jurisprudência do tribunal, assim fundamentado:

[...] No particular, entretanto, não se apresentam hipóteses de teratologia ou

excepcionalidade. Isso porque, no julgamento do HC 126.292/SP (Rel. Min.

TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, DJe de 17/5/2016), o SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL concluiu que a execução provisória de condenação

penal confirmada em grau de apelação, ainda que sujeita a recurso especial ou

extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de

inocência. Esse entendimento foi confirmado no julgamento das medidas cautelares

nas ADCs 43 e 44 (julgadas em 5/10/2016 publicação ainda pendente), oportunidade

na qual se decidiu, também, pelo indeferimento do pedido de modulação dos efeitos.

No exame do ARE 964.246 (Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, DJe de 25/11/2016),

pelo rito da repercussão geral, essa jurisprudência foi também reafirmada [...]

(grifo nosso)

Sem entrar no mérito sobre a relativização do princípio da presunção de inocência, se

a decisão colegiada vigente foi acertada ou não, o certo é que para os indivíduos se

autodeterminarem e que possam conviver protegidos pela confiança mútua, necessário que o

princípio da segurança jurídica seja critério de fundamentalidade do ordenamento

constitucional, a imprimir maior certeza no que decidem os tribunais brasileiros. Não se pode

exigir respeito e observância das suas decisões, sem que o próprio STF faça a sua parte, dando

exemplo de vinculação aos seus precedentes.

O ministro Marco Aurélio não foi muito feliz em afirmar que a decisão colegiada não

tem efeito vinculante e deixou dúvidas quanto ao papel do STF, se ainda representa o

guardião da última palavra em matéria constitucional ou tribunal cidadão. Quando um

ministro desabafa e os demais de forma omissa se calam, demonstra clara falibilidade do

sistema e a não seriedade nos julgamentos que ali acontecem. Cada uma julga ao seu alvedrio

e isso representa perigo à democracia.

Não se está aqui afirmando que os juízes não são independentes na sua maneira de agir

e votar, mas apenas sinalizando que o façam na forma de ressalva de pensamento (ônus

pessoal argumentativo), daquilo que entendem sobre a matéria, mas que observem os padrões

decisórios da alta corte, como premissa de sua atuação. O direito fundamental à segurança

requer observância ao precedente judicial.

Assim continuando a agir, de forma aleatória, o ministro Marco Aurélio ou qualquer

outro só contribuirão para o enfraquecimento do Estado Constitucional. A constituição impõe

observância aos precedentes judiciais e a obrigação de qualquer ministro e tribunal advém daí.

Page 200: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

199

O tempo, as transformações e reclamos sociais são caminhos necessários para a superação de

pensamento da corte sobre o tema aqui debatido.

Em circunstâncias fáticas diferentes, mas tratando-se do mesmo tema de execução

provisória da pena, o ministro Gilmar Mendes, como relator do HC nº 142.173/SP, julgado

pela Segunda Turma do STF, na data de 23/05/2017, tornou sem efeito a prisão de um

cidadão condenado por tráfico de drogas, ao sustentar que a decisão condenatória não

especificou concretamente ser necessária a segregação cautelar. O processo originário que

tramita no Juízo da 6ª Vara Criminal da comarca da Capital/SP ainda aguarda julgamento da

apelação nº 0028031-94.2011.8.26.0050, o que não exauriu a instância recursal de 2º grau,

requisito prévio necessário para a execução provisória e mitigação do princípio da presunção

de inocência.

O objetivo aqui é verificar se a decisão da turma seguiu os precedentes da corte, que in

casu responde-se positivamente. Realmente a prisão provisória exige embasamento de fatos

concretos e comprobatórios. A medida de restringir a liberdade de alguém exige motivação

consistente.

Em seu voto, Gilmar faz referência aos julgados anteriores, como forma de reafirmar a

jurisprudência da Suprema Corte, tornando-a íntegra e coerente, como se comprova abaixo:

[...] Alterando o entendimento prevalecente desde o julgamento do Habeas Corpus

84.078/MG, Rel. Min. Eros Grau, em 2009, este Tribunal reconheceu também a

possibilidade de início da execução da pena após a confirmação da sentença

condenatória em segundo grau, ao indeferir a ordem no Habeas Corpus 126.292,

Rel. Min. Teori Zavascki, em 17 de fevereiro de 2016 [...]

[...] É notório que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 126.292 e das

medidas cautelares requeridas nas ADCs 43 e 44, decidiu pela viabilidade da

imediata execução da pena imposta ou confirmada pelos tribunais locais após

esgotadas as respectivas jurisdições[...]

[...] Nessa linha, não exaurida a instância ordinária, verifico a possibilidade de

assegurar-se ao paciente o direito de aguardar o julgamento de seu apelo em

liberdade[...]

[...] Apenas para fins de registro, destaco que, monocraticamente, os Ministros do

STF têm aplicado a jurisprudência do Supremo no sentido de que a execução

provisória da sentença já confirmada em sede de apelação, ainda que sujeita a

recurso especial e extraordinário, não ofende o princípio constitucional da presunção

de inocência, conforme decidido no HC 126.292/SP. Esse posicionamento foi

mantido pelo STF ao indeferir medidas cautelares nas Ações Declaratórias de

Constitucionalidade 43 e 44, e no julgamento do Recurso Extraordinário com

Agravo 964.246/SP, com repercussão geral reconhecida pelo Plenário Virtual [...]

[...]No julgamento do HC 126.292/SP, o Ministro Dias Toffoli votou no sentido

de que a execução da pena deveria ficar suspensa com a pendência de recurso

especial ao STJ, mas não de recurso extraordinário ao STF [...]. (Grifo nosso)

Page 201: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

200

Gilmar Mendes sinalizou tendência em acompanhar o voto do ministro Dias Toffoli de

que a execução da pena com decisão já exaurida na segunda instância deve esperar o

julgamento de eventual recurso especial no STJ. Tem-se aí já conhecimento prévio do

entendimento do ministro em casos futuros, mas sem perder a essência do fundamento

determinante do precedente, que se fixou na relativização do princípio da presunção de

inocência. Afirmou também que o colegiado decidiu pela possibilidade de prisão a partir do

exaurimento do segundo grau, mas sequer falou que ela fosse obrigatória em todos os casos.

Bom ressaltar que o ministro Dias Toffoli votou com o mesmo entendimento já

verbalizado na decisão precedente, objeto do HC nº 126.292/SP.

Em outro julgamento objeto do HC nº 147.957/RS, ocorrido em 23/11/17, o ministro

Gilmar Mendes, em decisão monocrática, denegou a ordem, ratificando a possibilidade de

execução provisória da sanção penal ao réu condenado à pena de 17 anos de reclusão, crime

de homicídio, com sentença confirmada em segundo grau. Para ele, a garantia da ordem

pública, nas hipóteses de delitos graves, chancela a segregação prisional depois do

exaurimento das instâncias ordinárias. A corte de apelação já havia decretada a prisão

provisória do condenado. Limitou-se a reafirmar a jurisprudência da corte e que a decisão

pretérita do HC nº 126.292/SP tem efeito vinculante, por se tratar de interpretação de texto

constitucional.

Apesar de mais uma vez sinalizar que está propício a acompanhar o pensamento de

Dias Toffoli, argumentou que esse entendimento não pode ser empregado de forma aleatória,

especialmente quando se discute condenação por delitos graves. As circunstâncias fáticas

processuais e a demonstração da culpa impõem uma solução diferenciada de tratamento. A

presunção de inocência pode ser conformada à aplicação no caso concreto. Enfatizou a

necessidade constante de manter a credibilidade das instituições e da efetividade da prestação

jurisdicional.

Digna de elogio essa decisão monocrática, principalmente por manter estável a

jurisprudência da corte, por estar fundamentada e principalmente pela preocupação

demonstrada na tutela efetiva dos direitos e no devido processo legal, além de revelar

comprometimento com o acesso à justiça.

Iniciativa louvável foi a da Procuradoria Geral da República (PGR), tendo como titular

chefe Raquel Dodge que, em 16/11/2017, encaminhou ao Supremo Tribunal Federal

memorial em defesa da manutenção da atual jurisprudência (execução provisória da pena

Page 202: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

201

depois que se encerra a discussão em segunda instância). Um dos objetivos da expedição de

tal documento foi a preocupação da PGR em vista dos recentes decisórios monocráticos

dissonantes com a tese firmada pelo Pleno do STF no ano de 2016, notadamente em sede de

Habeas Corpus.

Segundo ela, o precedente vinculante respeita o duplo grau de jurisdição e a análise de

todos os fatos e provas pelas duas instâncias inferiores. Os recursos excepcionais

subsequentes não suspendem a condenação e que a presunção de inocência mantém-se ativa e

obstaculiza os efeitos extrapenais da condenação antes da preclusão maior processual.

Traz-se aqui um trecho do referido memorial, ao qual se filia o subscritor deste escrito:

[...] 4. Se, por um lado, um sistema de precedentes vinculantes engessado e imutável

estaria fadado à falência por rapidamente se tornar obsoleto, um sistema que

permitisse a revisão súbita e acelerada de seus precedentes vinculantes, por outro

lado, estaria fadado ao mesmo destino por, também rapidamente, revelar-se despido

de credibilidade e utilidade. Não haverá sistema jurídico estável, coeso e previsível

se as Cortes Superiores não se submeterem a critérios especiais – formais e materiais

- para revogar os seus precedentes obrigatórios. 303

Vê-se com essa atitude que o Ministério Público Federal demonstrou preocupação no

combate ao sentimento de impunidade que permeia o país e também com a moralidade do

Poder Judiciário, caso suas decisões paradigmáticas não sejam respeitadas e aplicadas por

toda a magistratura.

Não menos polêmico foi o julgamento do HC nº 152.752/PR, aviado em favor do

ex-Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ocorrido em 04/04/2018, em sede de

tribunal pleno do STF, na sessão presidida pela ministra Cármen Lúcia e tendo como relator

Edson Fachin. A decisão ficou assim delineada, extraída do sítio eletrônico do STF304:

O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, denegou a ordem,

vencidos, em menor extensão, os Ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli, e, em

maior extensão, os Ministros Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Celso de

Mello. Em seguida, o Tribunal, por unanimidade, rejeitou questão de ordem,

suscitada da tribuna pelo advogado do paciente, no sentido de que, havendo empate

na votação, a Presidente do Tribunal não poderia votar. Ao final, o Tribunal

indeferiu novo pedido de medida liminar suscitado da tribuna, vencidos os Ministros

Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio, e cassou o salvo-conduto anteriormente

concedido. Ausente, justificadamente, o Ministro Gilmar Mendes na votação da

questão de ordem e do pedido de medida liminar. Presidiu o julgamento a Ministra

Cármen Lúcia. Plenário, 4.4.2018.

303 O referido memorial pode ser encontrado em:

http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/EXECUCAO_PROVISORIAVFINAL.pdf. Acesso em: 19 jun 2018. 304 Conferir extrato da decisão do HC nº 152.752 em:

http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5346092. Acesso em: 18 jun 2018.

Page 203: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

202

Deflui-se do caso que a defesa do condenado objetivava impedir a execução provisória

do julgado penal, que foi ratificado pela Tribunal Regional Federal da 4ª Região em sede de

apelação, onde o réu foi condenado pelos delitos de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Verifica-se que o voto condutor atribui-se ao ministro relator, Edson Fachin, que

argumentou acerca da inexistência de ilegalidade ou anormalidade no decisório do STJ, que

possibilitou o início da execução provisória da pena, uma vez já condenado em segundo grau.

Sustentou a manutenção da estabilidade do entendimento da corte e da observância

obrigatória do precedente, uma vez inexistir superação do pensamento em sede de controle de

constitucionalidade.

Alexandre de Moraes, em sintonia com o relator, alegou que a presunção de inocência

trata-se de princípio que deve ser relativizado, à luz da jurisprudência do Supremo. O ministro

Luís Roberto Barroso assinalou os efeitos nefastos defendidos pela posição divergente e

adotada pelo Supremo nos anos de 2009 a 2016, repercutindo com isso na avalanche de

recursos manifestamente protelatórios e geradores da prescrição penal, além de ter

contribuído para a inefetividade da prestação jurisdicional penal no país.

A ministra Rosa Weber votou pela denegação da ordem, em consonância com o

entendimento do relator. Ressaltou a relevância de o tribunal conferir previsibilidade às suas

decisões e também sobre a ocasião apropriada para tal alteração de pensamento da corte. A

mudança de composição da Casa e os elementos conjunturais são insuficientes para dar

legitimidade à superação jurisprudencial. Votou pela manutenção do precedente delineado

pelo colegiado em momento pretérito, ressalvando, é claro, seu entendimento a respeito da

matéria.

Vale registrar que a ministra Rosa Weber, por ocasião do julgamento paradigma do

HC nº 126.292/SP, no ano de 2016, que permitiu a execução provisória da pena, votou contra

a alteração da jurisprudência vigente (voto vencido), com arrimo no princípio da segurança

jurídica, alegando a sua preocupação pela instabilidade do entendimento da corte.

Fazendo-se alusão ao julgamento do HC do ex-presidente da República, mais uma vez

mostrou-se coerente em seu voto, mesmo com suas ressalvas de mérito, porém deixou claro

que privilegia o decidido em colegiado, em se tratando de decisão paradigma, sendo esse seu

critério de votação.

Page 204: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

203

O ministro Luiz Fux também votou pela denegação do writ, alegando que o trânsito

em julgado não se encontra estampado na constituição e que a interpretação literal do texto

constitucional resulta em objetar o direito fundamental do Estado-Juiz de efetivar a pena.

A ministra Cármen Lúcia manteve linha coerente em seus votos, desde os julgamentos

do HC nº 84.078-7/MG (ano de 2009, votando a favor da execução provisória, porém saiu-se

vencida) e também no HC paradigma nº 126.292/SP (ano de 2016, votando favorável à

mudança jurisprudencial) e no presente HC votou pela mantença do entendimento do pleno da

corte. Segundo ela, o cumprimento da pena, exauridas as instâncias ordinárias, não constitui

ruptura ou violação ao princípio da não culpabilidade. A Constituição Federal exige do Estado

atuação incessante contra a impunidade e a eficácia do Direito Penal.

O ministro Gilmar Mendes, em divergência parcial com o relator, mas em consonância

com o ministro Dias Toffoli, entende que o julgamento do recurso especial pelo Superior

Tribunal de Justiça demonstra ser o marco dirigente e seguro para a execução provisória da

pena, excepcionando, é claro, as situações de crimes graves, por conta da proteger a ordem

pública e a aplicabilidade da legislação penal.

O voto do ministro Gilmar nada de novo trouxe, uma vez que em julgamentos

anteriores ela já sinalizava por tal mudança de entendimento, conforme já descrito nesta tese

em momento pretérito.

O ministro Toffoli reafirmou os seus motivos já assentados na análise das medidas

cautelares nas ADCs números 43 e 44, com a condição de se aguardar a decisão final do STJ

no recurso ali impetrado para o início do cumprimento da pena. Para ele “como o recurso

extraordinário não se presta à correção de ilegalidades de cunho meramente individual, não há

razão para se impedir a execução da condenação na pendência de seu julgamento”.

O ministro Ricardo Lewandowski foi favorável à concessão da ordem, no sentido de

manter o condenado solto até que ocorra o trânsito em julgado da decisão penal condenatória,

destacando que o princípio da presunção de inocência constitui a mais relevante segurança

dos indivíduos, na medida em que o sistema judiciário pátrio mostra-se disfuncional e muito

congestionado.

O ministro Marco Aurélio deu seu voto pelo salvo-conduto do réu, nos termos

afirmados pelo ministro Lewandowski, fazendo referência que o princípio da presunção de

inocência não se revela letra morta da lei, condicionando o trânsito em julgado à execução

provisória.

Page 205: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

204

Celso de Mello, decano do STF, deu seu parecer favorável à concessão da ordem,

sendo que há vinte e nove anos tem-se posicionado contra a execução da pena sem o trânsito

em julgado do decisório condenatório. Segundo ele “ninguém pode ser tratado pelo Poder

Público como se culpado fosse sem que haja como fundamento uma sentença condenatória

transitada em julgado”.

Os três últimos ministros supra mantiveram-se coerentes com o seu pensamento desde

o julgamento do HC nº 126.292/SP, sem trazer fatos novos aos seus esclarecimentos,

inclusive, com votos já esperados pela comunidade jurídica.

Lamentável afirmar que o presente julgamento descambou na segmentação interna da

alta corte no que tange ao entendimento do mérito em discussão, suscitando divergências

públicas dos ministros julgadores, o que foi assistido, ao vivo, por toda a sociedade através da

rede TV Justiça, sem compreender por vezes o que realmente estava acontecendo. Isso sem

contar que com composição desigual dos integrantes da Casa e também em ocasião política

diferente, esse mesmo Supremo já sustentou pensamentos diversos sobre o referido princípio

da presunção de inocência, quanto ao início de cumprimento da pena.

De igual pensamento e aqui se enquadra ao contexto, Luís Roberto Barroso em

entrevista ao Jornal O Estado de São Paulo, assim se pronunciou:

A vida na democracia é feita pelo processo político majoritário, que se desenrola no

Congresso, e pela proteção e promoção dos direitos fundamentais via Constituição e

Supremo Tribunal Federal. Quando o processo majoritário está azeitado, fluindo

bem, com grande legitimidade, a jurisdição constitucional recua. E quando o

processo político majoritário emperra ou enfrenta dificuldades para votar

determinadas matérias, o STF tem seu papel ampliado.305

Reforça-se que somente de maneira secundária cabe ao STF agir nessas circunstâncias,

o que ilustra necessário para o reforço da democracia. A partir do momento em que as

instâncias originárias de representação popular se omitem, abre-se a possibilidade de o

Supremo Tribunal assumir originariamente esse papel de decidir a respeito de assuntos morais

de grande sensibilidade social, devendo resolver qual o significado deve ser conferido às

cláusulas constitucionais abertas, a exemplo do direito à vida, à igualdade e à liberdade.

305 Entrevista que Luís Roberto Barroso concedeu ao Jornal Estado de São Paulo, na data de 08/04/12, p. A4,

com o título “Obrigar gestação de anencéfalo é torturar a mulher”. Disponível em:

http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/20120408-43272-nac-10-ger-a24-not. Acesso em 13 jun 2018.

Page 206: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

205

Compartilha-se, outrossim, o pensamento de Rodolfo de Camargo Mancuso306, que

com bastante razão expõe sobre o modelo de magistrado que se espera no século vigente:

Para a consecução de todo esse renovado panorama a sociedade brasileira espera o

surgimento do juiz novo, engajado na solução não apenas da crise jurídica, mas

também atento aos aspectos sociopolítico-econômicos subjacentes, conscientizado

de seus elevados deveres como condutor do processo (case manager) e não apenas

como um estático destinatário da prova. Com essa renovada e corajosa conduta,

espera-se que a poeira do tempo recubra antigas e ultrapassadas posturas, tisnadas

do velho sentido majestático e corporativo da Justiça oficial que, durante largo

tempo, serviu para desgastar a instituição, decepcionar os jurisdicionados, e

desservir o ideal da justiça.

Adere-se à ideia de que o juiz no Estado Democrático de Direito não pode ficar

omisso diante da realidade, com atitude passiva, devendo comprometer-se com condutas

institucionais decisórias, atento aos princípios e às regras, em permanente diálogo com as

partes, onde todos os envolvidos na relação processual e também os seus argumentos sejam

levados em consideração e principalmente que exerçam influência nas decisões proferidas.

Não se espera do julgador contemporâneo apenas domínio do direito, mas que tenha

conhecimento de todo o sistema em que inserido, uma vez que as respostas às demandas

sociais não estão somente no ordenamento. Os novos direitos a cada dia apresentam-se como

protótipos da cultura globalizada instalada. Esse é o perfil de atuação que se vislumbra para a

corte suprema brasileira.

Assim, adverte-se que, com a síntese dos argumentos trazidos pelos ministros relatores

e daqueles que o acompanharam e também pelo conteúdo dos votos contrários à procedência

do pedido, pode-se verificar a dificuldade em se concluir pela melhor decisão ou melhor

resposta do Estado-Juiz ou pela mais aconselhável argumentação. Não se pode afirmar que

existe uma única resposta admissível para os imbróglios interpretativos, seja para casos de

fácil resolução como para os denominados casos difíceis.

Difícil argumentar que o sentimento de justiça prevaleceu em tais julgamentos, com

tantos pensamentos contrários à decisão tomada, seja da sociedade ou de parte dos ministros

divergentes. O certo é que os discursos formadores da decisão judicial, todos eles em seu

conjunto, tiveram influência na decisão final e consequentemente no próprio Direito, dando

integridade ao sistema jurídico.

306 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à justiça: condicionantes legítimas e ilegítimas. São Paulo: Ed.

Revista dos Tribunais, 2011, p. 448-449.

Page 207: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

206

Mauro Cappelletti ao se manifestar sobre a legitimação da conduta criativa dos juízes,

pretendeu argumentá-la ao afirmar que é inevitável a discricionariedade judicial e que em toda

atividade interpretativa a criatividade está presente, sob algum aspecto, principalmente

quando se está diante de leis imprecisas e vagas em seu conteúdo.

Nessa ordem, assim o autor assevera:

É manifesto o caráter acentuadamente criativo da atividade judiciária de

interpretação e de atuação da legislação e dos direitos sociais. Deve reiterar-se, é

certo, que a diferença em relação ao papel mais tradicional dos juízes é apenas de

grau e não de conteúdo: mais uma vez impõe-se repetir que, em alguma medida,

toda interpretação é criativa, e que sempre se mostra inevitável um mínimo de

discricionariedade na atividade jurisdicional. Mas, obviamente, nessas novas áreas

abertas à atividade dos juízes haverá, em regra, espaço para mais elevado grau de

discricionariedade e, assim, criatividade, pela simples razão de que quanto mais

vaga a lei e mais imprecisos os elementos do direito, mas amplo se torna também o

espaço deixado à discricionariedade nas decisões judiciárias. Esta é, portanto,

poderosa causa da acentuação que, em nossa época, teve o ativismo, o dinamismo e,

enfim, a criatividade dos juízes.307

Frise-se que o autor encontra-se com a razão. Fazendo-se um paralelo com as decisões

proferidas pelo STF nos HC sob análise, vê-se que não poderia o Judiciário manter-se inerte e

omisso quanto à resposta ao questionamento perfilhado em juízo. Os direitos fundamentais

requerem para sua efetivação a intervenção permanente e ativa do Estado, mesmo que de

forma secundária, como foi a atuação da suprema corte.

A questão julgada tem viés moral, político e bastante polêmica, porém o STF teve a

postura e coragem de resolvê-la, ante os constantes reclamos sociais. Com isso, o Supremo

tem-se esforçado em cumprir o seu papel de diminuir o distanciamento que existe entre os

valores alocados no texto constitucional e as grandes mutações sociais que giram ao redor dos

direitos fundamentais. A excelência da atuação de uma corte está configurada no equilíbrio de

suas decisões. Agiu, pois, com bastante acerto e principalmente com ativismo, dignificando o

princípio do acesso à justiça.

A corte constitucional é formalmente sede de interpretação de normas, com a missão

precípua de dar origem aos precedentes, que servirão de fio condutor para as futuras

interpretações, com eficácia vinculante, agindo assim de maneira proativa em prol da

unicidade do direito.

307 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Tradução de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Porto Alegre:

Sergio Antonio Fabris Editor, 1993.

Page 208: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

207

A divergência de pensamentos, como outrora ocorreu no contexto das votações dos

HC, não foi estabelecida de maneira aleatória, pois cada ministro procurou justificar de forma

lógica e argumentativa os seus posicionamentos, com a juntada de votos extensos, o que

garantiu atribuir um grau forte de legitimação as suas condutas.

Entender como os processos decisórios acontecem no STF não é matéria simplesmente

formal. Necessário compreender também como os votos são proferidos pelos ministros, de

forma a resultar no controle democrático mais profícuo nessa seara jurisdicional. Em regra,

deve-se buscar uma decisão parâmetro (a ratio decidendi) que sirva de precedente para a

solução de futuros casos.

Verifica-se que o processo decisório de argumentação no STF é personalíssimo, cada

ministro desenvolvendo sua esteira de argumentação a respeito da matéria questionada, e com

isso resulta no problema rotineiro de ausência de extração da fundamentação comum, como

parâmetro final e majoritário do colegiado da corte. Entende-se, com isso, que a pluralidade

de ratio decidendi pode postergar para o futuro a solução definitiva sobre qual viés

interpretativo deve prevalecer.

O que se cobra do Supremo Tribunal Federal é o diálogo constante e argumentativo

com as decisões anteriores, como critério imprescindível para dar maior credibilidade,

integridade e coerência ao ordenamento. A interpretação adequada conduz o tribunal a

entregar razões convincentes à sociedade, promovendo a igualdade, a segurança e o império

do Direito, e consequente outorga de significados apropriados e possíveis para a compreensão

da ordem jurídica.308

Os tribunais brasileiros, inclusive o STF, tem desenvolvido um método de deliberação

em que se somam as conclusões dos votos prolatados por cada participante de determinado

órgão, câmara, seção ou mesmo do pleno, com o intuito de saber o resultado da votação e do

processo, deixando de analisar a fundamentação de cada voto, se tem ou não coincidência

entre si. O diálogo entre os juízes integrantes e seus respectivos votos produz maior

legitimidade ao referido resultado. O que não tem acontecido esse diálogo na praxe forense,

de regra.

308 Importante registrar e também anuir com o pensamento de Mitidiero, quando diz que “a correção da

interpretação é assegurada, de um lado, pela racionalidade da atividade de justificação e, por outro, pela

capacidade de universalização e pela coerência do seu resultado”. MITIDIERO, Daniel. 2017, op. cit., p. 101.

Page 209: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

208

Virgílio Afonso da Silva309 ratifica o proposto supra, assim sustentando que “(se) boas

práticas deliberativas são uma fonte de legitimidade da jurisdição constitucional, (a) Suprema

Corte brasileira tem um déficit de legitimidade”.

As decisões judiciais não podem ser visualizadas como uma soma aritmética de votos

divergentes, o que leva a afirmar que a técnica ideal é que se produza uma decisão que

represente fielmente a opinião consolidada da corte, de forma clara e consistente quanto aos

seus fundamentos determinantes, desenvolvido por meio de contraditório, o que ocasionará

com isso maior previsibilidade social e força vinculante.

Em igual entendimento, passa-se a descrever o que Alexandre Freitas Câmara310

manifestou sobre o tema:

[...] a legitimidade constitucional dos padrões decisórios vinculantes depende da

conjugação de um procedimento em que se observa uma comparticipação

qualificada não só do ponto de vista subjetivo, com a abertura para participação de

interessados, amici curiae e especialistas a serem ouvidos em audiências públicas,

mas exige, também, uma deliberação especialmente qualificada, com análise de

todos os argumentos trazidos por esses atores processuais, e com efetiva

colegialidade, de modo a permitir a identificação dos fundamentos determinantes do

padrão decisório. Só assim tais padrões poderão ser legitimamente empregados

como base para a construção de futuras decisões, sendo aplicados adequadamente.

Com uma conduta hermenêutica equilibrada e aliada aos poderes de decisão,

especialmente intensa vinculatividade de seus precedentes, ter-se-á um crescimento decisivo e

mais eficaz do papel desempenhado pela suprema corte na tutela dos direitos fundamentais.

Necessário frisar o papel legitimador da fundamentação na decisão judicial, a qual

proporciona conhecimento das razões de decidir do tribunal, tornando-as de fácil

acessibilidade ao público. Dessa maneira a motivação decisória tem o condão de servir como

instrumento efetivo de legitimação do Poder Judiciário.

Quanto a isso, registra-se que Cunha Rodrigues311 já chamava a atenção sobre a crise

de representação do Poder Judiciário no emprego do discurso jurídico:

[...] a Justiça utilizou tradicionalmente um discurso técnico e erudito e fórmulas

comunicacionais de baixa intensidade. Não se tratava apenas de uma cultura interior,

mas de uma forma de legitimação e de estruturação do poder baseada no

309 SILVA, Virgílio Afonso da. Deciding without deliberating. International Journal of Constitutional Law,

Oxford: Oxford Academic, vol. 11, 2013, p. 584. Tradução livre. Disponível em:

https://academic.oup.com/icon/article/11/3/557/789359. Acesso em: 17 jun 2018. 310 CÂMARA, Alexandre Freitas. Levando os padrões decisórios a sério: formação e aplicação de precedentes

e enunciados de súmula. 1 ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 267-268. 311 CUNHA RODRIGUES. Em nome do povo. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 303.

Page 210: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

209

distanciamento, na natureza iniciática dos saberes e na imposição, sem retorno, do

discurso jurídico. Quando a justiça despertou, a sociedade de comunicação estava aí,

com a sua lógica e os seus mitos. Concluiu-se, a breve trecho, que a comunidade não

entendia o direito nem dominava a racionalidade da justiça. E que o hermetismo

judicial deixará de ser um sinal de fiabilidade para se transformar numa forma de

deslegitimação. As pessoas passaram a querer conhecer os métodos de formação da

decisão e a não se contentarem com um discurso meramente declarativo. Deixaram

de se persuadir sem acesso a razões.

Defende-se aqui que as decisões do STF sejam sempre claras, objetivas, bem

fundamentadas, em que se pode retirar a ratio decidendi, do próprio voto ou do tribunal, de

forma que haja mais transparência, coerência e melhor performance no diálogo com a

sociedade e no respeito aos precedentes.

Compete ao Supremo Tribunal proteger o texto constitucional segundo a finalidade a

qual ela se propõe. Não é possível à corte modificar as normas constitucionais a seu bel

prazer, sob pressão de qualquer pessoa ou Poder, o que o contrário impõe-se que deve manter

os referidos normativos de conformidade com os princípios sociais, sempre em prol da

segurança jurídica e preservando a coerência do direito, como limites ao ativismo judicial.

Ricardo Maurício Freire Soares, atento às alterações constantes promovidas pelos

tribunais acerca da jurisprudência reinante, assim apregoa:

O reconhecimento da mudança jurisprudencial só se afigura possível com a

constatação de que a jurisprudência desponta como fonte de direito justo, capaz de

acompanhar as exigências axiológicas da sociedade. Considerando o Direito como

um fenômeno histórico-cultural e o sistema jurídico como sistema aberto à realidade

social, deve-se reconhecer o papel criativo e construtivo do julgador, bem como a

capacidade de as decisões judiciais engendrar uma normatividade jurídica antenada

com os valores comunitários.312

O ativismo faz bem a democracia, sem os excessos nefastos, ressalta-se. Nos

decisórios em que se desponta mais de uma resposta aplicável, deve o magistrado ter o

cuidado de abarcar aquela que apresenta ser mais justa e eficiente no caso concreto, sem se

descuidar do princípio da legalidade.

As limitações à função de julgar existem e devem ser observados, especialmente

quando se trata de atribuições afetas a outros Poderes. No entanto, quando se trata de dar

efetividade aos direitos fundamentais, o Supremo Tribunal Federal tem que demonstrar

eficiência e tempestividade nesse sentido, por conta do papel guarnecedor que lhe toca.

312 SOARES, Ricardo Maurício Freire. 2015, op. cit., p. 137.

Page 211: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

210

Pensa-se que o Supremo jamais poderá dar as costas para a lei, cedendo às pressões

externas, avalizando julgamentos populares, conquanto o Direito seja autônomo. A legislação

deve sempre ser interpretada, atento à evolução da sociedade e em conformidade com a carta

constitucional. O Estado-Juiz deve agir com tecnicidade ao aplicar a norma, sem ignorar o

trabalho interpretativo e fundamentado que daí decorre. Cabe ao tribunal dar aplicabilidade às

leis de maneira responsável e coerente.

Argumenta-se com a opinião de José Rodrigo Rodriguez, a qual aqui se adere, onde se

percebe que falta ao STF, como cúpula do Judiciário, desenvolver-se melhor como órgão

dotado de racionalidade, capaz de trazer para si a responsabilidade de promover eficazmente a

unicidade do direito, dentro de critérios transparentes e universalizáveis. Veja-se:

[...] afirmo que a jurisdição brasileira funciona com base em argumentos de

autoridade e, especialmente nos casos controversos, em função da agregação de

opiniões individuais. A justificação das decisões articula as razões pelas quais o

indivíduo que a redigiu foi convencido desta ou daquela solução e são irrelevantes

para o resultado final do julgamento. As decisões colegiadas são decididas por

votação sem que haja a redação de uma decisão oficial da corte. Por esta razão,

denomino a jurisdição brasileira de justiça opinativa e afirmo que sua legitimidade

está mais ligada ao funcionamento institucional do Poder Judiciário como um todo

do que à racionalidade de sua argumentação ou ao carisma individual dos juízes.313

Sendo assim, aduz-se que o papel do julgador, e aqui se enquadra perfeitamente o

ministro da suprema corte, não é meramente dá sentido a um texto, conformando-o dentro do

sistema constitucional em que se encontra inserido, mas além disso deve deixar clara a

intensidade da autoridade dessa decisão, como também o seu alcance, de forma a tornar a

norma extraída desse labor interpretativo exequível no mundo dos fatos.

Tem-se observado, também, na realidade jurídica pretoriana a articulação de decisões

acompanhadas simplesmente de citações jurisprudenciais, doutrinárias ou do direito

comparado, com vício de contextualização ou sem criticidade na análise do processo,

servindo como fundamentos de autoridade, aptos a influenciar diretamente no

pronunciamento judicial de mérito.

Abomina-se essa prática, por não contribuir com a criação de padrões decisórios

racionais, perenes e justos, ao passo que também favorece o enfraquecimento do discurso

jurídico, pois inexistente ou fraco o ônus argumentativo.

313 RODRIGUEZ, José Rodrigo. Como decidem as cortes?: Para uma crítica do direito (brasileiro). Rio de

Janeiro: Editora FGV, 2013, p. 62-63.

Page 212: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

211

Nesse aspecto, ecoa de grande valia o que Robert Alexy argumentou sobre a

teorização do discurso, asseverando que “A teoria do discurso jurídico não é uma máquina

capaz de produzir respostas exatas e objetivas ou de atribuir pesos definitivos aos direitos,

mas apenas mostra que são possíveis deduzir argumentos racionais sobre os direitos.”.314

Necessário conter a insegurança jurídica proporcionada pela instabilidade de

determinadas decisões do STF, como no caso em comento, o que pode estar estimulando a

geração de processos temerários, recheados de incidentes processuais protelatórios, além de

contribuir com a inobservância do cumprimento voluntário das obrigações no mundo do

direito, resultando na inefetividade da jurisdição.

O desacordo na jurisprudência dos tribunais ocasiona repercussões negativas e

resultados imprevisíveis às condutas dos cidadãos, produzindo incongruência ao ordenamento

e fomentando a incerteza jurídica, o que pode ser evitado, sugere-se, imprimindo maior

respeito à cultura precedencialista.

314 ALEXY, Robert. Derechos, razonamiento jurídico y discurso racional. Isonomía: Revista de Teoria y

Filosofia del Derecho, 1994, p. 42. Podendo ser encontrado também em:

http://www.cervantesvirtual.com/obra/derechos-razonamiento-juridico-y-discurso-racional/. Acesso em: 18 jun

2018.

Page 213: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

212

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste estudo ficou demonstrado o papel ativo da jurisdição no contexto

contemporâneo, especialmente no âmbito do Supremo Tribunal Federal, como necessário à

defesa e concretização da Carta Magna, garantindo a eficácia dos dispositivos normativos,

com a materialização de seus conteúdos, mormente no que tange à tutela dos direitos

fundamentais e à força vinculante dos precedentes criados.

Também foram fornecidos subsídios para melhor compreensão acerca dos decisórios

jurisdicionais da suprema corte, com o emprego racional, estável, íntegro e coerente de seu

discurso hermenêutico, atento à evolução da sociedade, sem perder de vista a legitimidade

democrática do processo e as consequências práticas daí decorrentes, fundamentado nos

princípios da segurança jurídica, do acesso à justiça, da dignidade da pessoa humana e do

Estado de Direito.

Sintetizam-se, assim, as principais conclusões extraídas do corpo deste trabalho:

1) Com o advento do neoconstitucionalismo verificou-se a reconfiguração do conceito de

jurisdição, exigindo-se do magistrado perfil mais proativo e dinâmico e menos

formalista, de forma que as técnicas procedimentais utilizadas sirvam para atender

eficazmente ao direito.

2) O processo deve ser visto não somente como meio de resolução de demandas, mas

também como mecanismo de operacionalização dos objetivos e valores do Estado

Democrático.

3) O Direito e o Estado devem estar a serviço do indivíduo e não o oposto. Sem a

realização e efetivação dos direitos, o ordenamento jurídico é letra morta e não passa

de boas intenções.

4) A globalização trouxe como consequência, no âmbito cultural, o encadeamento dos

sistemas jurídicos do civil law e do common law e com isso o fortalecimento dos

pronunciamentos judiciais no Estado Constitucional.

5) O Estado de Direito precisa estar apoiado na estabilidade do sistema jurídico, para que

não prosperem o abuso de direito processual e o crescimento da litigiosidade.

6) O aspecto hermenêutico encontra-se interligado ao campo da legitimidade do

decisório judicial e seus respectivos meios de controle, com repercussão direta no

ativismo jurisdicional.

Page 214: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

213

7) O crescimento da dimensão do ativismo judicial no STF tem-se revelado um dos

principais temas incorporados ao debate jurídico-doutrinário e também às discussões

diárias da sociedade.

8) O precedente implementa uma dinâmica no sistema jurídico, por conta de sua

interpretação sistêmica.

9) O precedente enquadra-se como instituto da Teoria Geral do Direito, relacionando-se

diretamente com a teoria das fontes. É considerado fonte do direito e ainda possui

caráter vinculativo, haja vista sua utilização como elemento decisório.

10) A admissão do sistema de precedentes no Brasil requer muito mais do que a

importação de protótipos criados sob modelos diferentes. Será imprescindível um real

esforço de interpretação e de construção dessa cultura, o qual competirá

principalmente aos tribunais e à doutrina, visando reconhecimento de eficácia

vinculante aos precedentes judiciais.

11) O Código de Processo Civil brasileiro confere caráter vinculante aos precedentes,

sendo imprescindível a uniformização da jurisprudência, de forma a racionalizar o

sistema judicial.

12) O precedente obrigatório promove orientação aos jurisdicionados, informando-lhes

como devem se conduzir, além de dar-lhes a previsibilidade sobre as decisões

judiciais, enaltecendo os princípios da segurança jurídica e da igualdade perante a lei.

13) Muito embora deva ser respeitada a hierarquia, os precedentes vinculantes não são

considerados absolutos, onde os demais juízes devem cegamente segui-los sem análise

crítica e circunstancial do caso.

14) Efetivamente, por vezes, tem-se transportado da legislação a mesma problemática de

vagueza na linguagem e do sentido das palavras, com técnica de má qualidade na

elaboração dos precedentes pelo STF, o que gera dúvidas na atividade interpretativa.

15) Os princípios influenciam na criação das regras, sendo a sua base sistêmica,

fornecendo-lhes racionalidade e coerência jurídica, funcionando hermeneuticamente

como instrumento de compreensão, interpretação e aplicação das referidas normas.

16) Os elementos normativos (regras e princípios) devem ser interpretados e aplicados à

luz do discurso utilizado no processo e sempre atento às transformações sociais.

17) A decisão melhor se qualifica quando se emprega aprofundado raciocínio

argumentativo e pragmático nas teses jurídicas, motivo pelo qual tem o condão de

promover a unidade do direito, diminuindo a indeterminação do discurso jurídico.

Page 215: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

214

18) A argumentação discursiva ocorre na relação processual e também deve transcender

para além do processo, por meio do sistema de precedentes, favorecendo à

racionalidade e unicidade do direito.

19) Os sentidos e valores das normas extraídas do texto legal, quando da formação da

decisão judicial, devem ser erigidos e compartilhados de forma coletiva, tornando-os

cognoscíveis para toda a sociedade.

20) A tarefa interpretativa envolve inegavelmente a atividade intelectiva do intérprete, de

modo que não pode haver subsunção automática ou correlação lógica entre fatos e

norma, como se a aplicação normativa fosse tarefa simplista e de fácil resolução.

21) Não se propõe aqui desprezar ou atropelar a legalidade. A interpretação e aplicação do

dispositivo legal, especificamente quando analisadas em situações concretas, devem

ser adequadas às circunstâncias fáticas do momento e em sintonia com os ditames

constitucionais.

22) É plenamente factível que algumas decisões fundamentadas e apresentadas pelo STF

não aparentem corretas, por não espelharem o melhor labor interpretativo e com real

defeito de legitimidade, sem representar os anseios da população.

23) O stare decisis constitui o regramento por meio do qual a segurança jurídica é

proporcionada no ordenamento que respeita os precedentes, principalmente pela

própria corte que os criou (dimensão horizontal) e por todos os juízes de instâncias

inferiores (dimensão vertical).

24) A decisão do STF deve manter-se coerente com os precedentes ali criados, decorrente

de procedimento que impõe respeito ao devido processo legal e que as respectivas

razões determinantes sejam universalizáveis.

25) A decisão pronunciada por um tribunal, mesmo o STF, nem sempre se considera

precedente. A ratio decidendi é que irá vincular os tribunais e os juízes de primeira

instância. Ela evidencia a hermenêutica proclamada no caso em estudo.

26) O Supremo Tribunal Federal, além de ser o guardião da constituição, deve manter

íntegro o sistema jurídico em seu conjunto. A razão de existir desse tribunal está

relacionada à interpretação adequada do ordenamento jurídico, daí decorrendo sua

função nomofilácica.

27) O Supremo Tribunal Federal possui a função de ser corte vocacionada à emissão de

precedentes, reconstruindo o ordenamento jurídico por meio de sério processo

hermenêutico lógico-argumentativo, a partir do caso sub judice.

Page 216: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

215

28) As cortes supremas ou também denominadas cortes de precedentes, que são apenas o

Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, exercem a precípua função

de conferir sentido e unidade ao direito, com a proclamação da última palavra a

respeito de matéria constitucional ou federal, respectivamente.

29) Os tribunais estaduais e os tribunais regionais federais são cortes de justiça ou de

apelação, responsáveis pela uniformização da jurisprudência. Não fixam precedentes,

pois apenas solucionam litígios e não tem a competência de conferir unicidade ao

direito.

30) O desrespeito aos precedentes proferidos pelo STF ou STJ não pode ser entendido

como natural ou sem relevância, podendo promover a instabilidade do Estado

Democrático de Direito e a distribuição díspar e incerta da justiça.

31) A técnica da superação é útil para não deixar petrificar o direito, descongestionando o

sistema, mantendo-o em constante atualização.

32) Os enunciados sumulares, os incidentes de assunção de competência e de resolução de

demandas repetitivas, os julgamentos de recursos extraordinários e especiais

repetitivos e a ação reclamatória contribuem de forma sistêmica e eficiente para a

preservação de decisões coerentes, estáveis e íntegras, necessárias ao desenvolvimento

do direito.

33) Com o progressivo fortalecimento da doutrina do stare decisis brasileiro e dos

precedentes vinculantes, naturalmente as súmulas perderão seu sentido de existir e

raramente serão empregadas.

34) O Supremo Tribunal Federal revela-se como uma instituição representativa de

interesses e concepções da sociedade, motivo pelo qual se tem dado evidência ao

fenômeno cunhado como Supremocracia.

35) Nas deliberações do STF, necessário que o voto do ministro relator seja de

conhecimento prévio dos demais ministros que integram o colegiado, antes da

respectiva sessão de julgamento, de forma a conhecer os argumentos ali trazidos e a

promover maior diálogo e legitimidade à vinculação de seus precedentes.

Page 217: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

216

REFERÊNCIAS

AARNIO, Aulis. Precedent in Finland. In: MACCORMICK, Neil; SUMMERS, Robert S.

Interpreting precedents: a comparative study. Aldershot: Dathmouth, 1997.

ABBOUD, Georges. Discricionariedade administrativa e judicial. São Paulo: RT, 2014.

ALEXY, Robert. Derechos, razonamiento jurídico y discurso racional. Isonomía: Revista de

Teoria y Filosofia del Derecho, 1994.

ALVIM, Eduardo Arruda. O Recurso Especial na Constituição Federal de 1988 e suas

origens. In: Teresa Arruda Alvim Wambier (coord.). Aspectos polêmicos e atuais do

recurso especial e do recurso extraordinário. São Paulo: RT, 1997.

ARAÚJO, Justino Magno. Direito de defesa no processo civil e no processo penal. Revista

da Ajuris, v. 26, 1982, p. 54-71.

ASSIS, Araken de. Processo Civil Brasileiro: parte geral: fundamentos e distribuição de

conflitos. v. 1. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.

ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência e realização no Direito

Tributário. São Paulo: Malheiros, 2011.

______. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 9. ed. ampl.

e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos

fundamentais e a construção do novo modelo. 1. ed. 3 tiragem. São Paulo: Saraiva, 2009.

______. Interpretação e aplicação da Constituição. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

______. Judicialização, Ativismo judicial e Legitimidade Democrática. Artigo disponível

em:

https://www.direitofranca.br/direitonovo/FKCEimagens/file/ArtigoBarroso_para_Selecao.pdf.

Acesso em 06 mar. 2018.

______. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito: o triunfo tardio do

Direito Constitucional no Brasil. In: Revista da Associação dos Juízes Federais do Brasil.

Brasília, ano 23, n. 82, 4º trimestre, p. 109-157, 2005.

______. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro: Exposição Sistemática

da Doutrina e Análise Crítica da Jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2008.

______. Obrigar gestação de anencéfalo é torturar a mulher. Entrevista concedida ao

Jornal O Estado de São Paulo, na data de 08/04/12, p. A4. Disponível em:

http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/20120408-43272-nac-10-ger-a24-not. Acesso em 13

jun 2018.

BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. 3. ed. ver. amp. São

Paulo: Celso Bastos, Editor, 2002.

BAUM, Lawrence. A Suprema Corte americana – uma análise da mais notória e

respeitada instituição judiciária do mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Forense

Universitária, 1985.

Page 218: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

217

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias

e de urgência, 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da

realização do direito. 2. ed. revista. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

BITENCOURT, Cézar Roberto; BITENCOURT, Vânia Barbosa Adorno. Em dia de terror,

Supremo rasga a Constituição no julgamento de um HC. Texto disponível em:

https://www.conjur.com.br/2016-fev-18/cezar-bittencourt-dia-terror-stf-rasga-constituicao.

Acesso em: 19 ago 2018.

BOAS, Marcos de Aguiar Villas. A Interpretação, a Aplicação e a Argumentação

Jurídica. Livro Metodologia da Pesquisa em Direito da UFBA, Salvador, 2012, v. II.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 9. ed. Trad. de Carlos Nelson Coutinho. Rio de

Janeiro: Elsevier, 2004.

______. Teoria da Norma Jurídica. Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti.

São Paulo: Edipro, 4 ed. revista, 2008.

______. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10ª ed., Trad. Maria Celeste Cordeiro Leite dos

Santos. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999.

BONAVIDES, Paulo. Prefácio. In: SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade (da pessoa)

humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 10ª ed., rev., atual. e

ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2015.

BRAGA, Paula Sarno. Norma de processo e norma de procedimento: o problema da

repartição de competência legislativa no Direito Constitucional brasileiro. Salvador:

Juspodivm, 2015.

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. A força normativa do direito judicial: uma análise

da aplicação prática do precedente no direito brasileiro e dos seus desafios para a legitimação

da autoridade do Poder Judiciário. Disponível no site do CNJ:

http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/destaques/arquivo/2015/06/881d8582d1e287566dd9f0d0

0ef8b218.pdf. Acesso em: 15 jun. 2018.

______. Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números. Disponível em:

http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2017/12/b60a659e5d5cb79337945c1dd137496c.

pdf., p. 67 e 134. Acesso em: 23 maio 2018.

______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 08

fev. 2018.

______. Decreto nº 738, de 25/11/1850. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/historicos/dim/DIM738.htm. Acesso em: 22 fev.

2018.

______. Decreto-Lei nº 2.848, de 07/12/1940. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm. Acesso em: 13 jun

2018.

______. Lei nº 9.868, de 10/11/1999. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9868.htm. Acesso em 07 mar. 2018.

______. Lei nº 10.406, de 10/01/2002. Código Civil. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em: 31 mai 2018.

Page 219: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

218

______. Lei nº 11.417, de 19/12/2006. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11417.htm. Acesso em: 28 fev.

2018.

______. Lei nº 13.105, de 16.03.2015. Código de Processo Civil. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em 25

fev.2018.

______. Lei nº 13.655, de 25/04/2018, disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13655.htm. Acesso em: 18

jun 2018.

______. Procuradora Geral da República. Memorial encaminhado ao STF em 16/11/2017.

Disponível em em:

http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/EXECUCAO_PROVISORIAVFINAL.pdf. Acesso

em: 19 jun. 2018.

______. Superior Tribunal de Justiça. AgReg em ERESP n° 279.889-AL. Informativo nº

142. Disponível em:

https://ww2.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?acao=pesquisar&livre=+279.889-

al&operador=e&b=INFJ&thesaurus=JURIDICO. Acesso em: 22 jun. 2018.

______. Superior Tribunal de Justiça. HC nº 313.021/SP. disponível em:

https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=MON&sequencial=

43422493&num_registro=201403439093&data=20150202 e

https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=MON&sequencial=

61357826&num_registro=201403439093&data=20160527. Acesso em: 17 jun. 2018.

______. Superior Tribunal de Justiça. Revista do Superior Tribunal de Justiça, nº 26.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. A Constituição e o Supremo. Disponível em:

http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/constituicao.asp. Acesso em: 04 mar. 2018.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação de reclamação 1987-0/DF, Pleno STF, relator

ministro Maurício Corrêa, DJ 21/05/2004. Disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=87272. Acesso 21 mar.

2018.

______. Supremo Tribunal Federal. Acórdão não unânime do Tribunal Pleno, AgR na ADI

4-071/DF, rel. Min. Menezes Direito, j. 22/04/2009, DJe de 16/10/2009. Disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=604046. Acesso em: 02

mar. 2018.

______. Supremo Tribunal Federal. Acórdão unânime na Rcl 16487/MG AgR, relatora

Ministra Rosa Weber, Primeira Turma, julgamento realizado em 26/08/2014, processo

eletrônico Dje 174. Disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=6683003. Acesso em 27

mar. 2018.

______. Supremo Tribunal Federal. Acórdão unânime da 2ª Turma do STF, RMS

24.536/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 2/12/2003, DJ de 5/3/2004. Disponível em:

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%2824536%2ENUME

%2E+OU+24536%2EACMS%2E%29%28%40JULG+%3E%3D+20031201%29%28%40JU

LG+%3C%3D+20040306%29%28SEGUNDA%2ESESS%2E%29&base=baseAcordaos&url

=http://tinyurl.com/y7el5pey. Acesso em: 11 fev. 2018.

Page 220: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

219

______. Supremo Tribunal Federal. Acórdão unânime da 2ª Turma do STF, RMS 34701

AgR / DF, rel. Min. Dias Toffoli, j. 25/08/2017, DJe de 11/09/2017. Disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13576709. Acesso em:

12 fev. 2018.

______. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 84.078-7/MG, disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=608531. Acesso em: 17

jun. 2018.

______. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 126.292/SP, Plenário, disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10964246. Acesso em:

17 jun. 2018.

______. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 138.337/SP. disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=14221942. Acesso em:

17 jun. 2018.

______. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 142.173/SP disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=12998248. Acesso em:

17 jun. 2018.

______. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 147.957/RS disponível em:

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28%28147957%2E

NUME%2E+OU+147957%2EDMS%2E%29%29+NAO+S%2EPRES%2E&base=baseMono

craticas&url=http://tinyurl.com/y9so7nby. Acesso em: 17 jun. 2018.

______. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 152.752/PR disponível em:

http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5346092. Acesso em: 17 jun. 2018.

______. Supremo Tribunal Federal. Informativo do STF nº 515/2008. Disponível em:

http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo515.htm#Uso%20de%20Al

gemas%20e%20Excepcionalidade%20-%204. Acesso em 06 mar. 2018.

______. Supremo Tribunal Federal. Informativo do STF nº 531/2008. Disponível em:

http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo531.htm#Pris%C3%A3o%

20Civil%20e%20Deposit%C3%A1rio%20Infiel%20-%203. Acesso em 06 mar. 2018.

______. Supremo Tribunal Federal. MC ADIn 1480, relator Ministro Celso de Mello.

Disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=347083. Acesso em 20

mar. 2018.

______. Supremo Tribunal Federal. 2ª T. RE. n. 158.655-9/PA – rel. Min. Marco Aurélio,

Diário da Justiça, Seção I, 2 maio 1997, p. 16567.

_______. Supremo Tribunal Federal. RE nº 376.852/SC, relator ministro Gilmar Mendes,

Tribunal Pleno do STF, DJU 24/10/2003.

______. Supremo Tribunal Federal. Relatório de Atividades 2017. Disponível em:

http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/centralDoCidadaoAcessoInformacaoGestaoEstrategica/ane

xo/RelatorioAtividadesSTF2017.pdf. Acesso em 28 mar. 2018.

______. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante nº 11. Disponível em:

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=1220. Acesso em 26

mar. 2018.

BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias. Processo Constitucional e Estado Democrático de

Direito. 3.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2015.

Page 221: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

220

BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do Precedente Judicial. A justificação e a

aplicação de regras jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012.

CALAMANDREI, Piero. Istituzioni di diritto processuale civile. Napoli: Morano, 1970.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Levando os padrões decisórios a sério: formação e aplicação

de precedentes e enunciados de súmula. 1 ed. São Paulo: Atlas, 2018.

______. Lições de Direito Processual Civil. 15.ed., revista e atualizada. Rio de Janeiro:

Lumen Juris, 2006, v. 1.

______. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015.

CAMBI, Eduardo. Jurisprudência lotérica. Revista dos Tribunais, v. 786, 2001.

______. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais, políticas

públicas e protagonismo judiciário. São Paulo: Almedina, 2016.

______. Precedentes Vinculantes. Revista de Processo vol. 215. São Paulo, jan. 2013 (versão

online).

CAMBI, Eduardo. HELLMAN, Renê. Jurisimprudência – a independência do juiz ante os

precedentes judiciais como obstáculo à igualdade e à segurança jurídica. Revista de Processo,

v. 231, maio/2015.

CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, Sistema Jurídico e Decisão Judicial. São

Paulo: Max Limonad, 2002.

CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Dimensões do ativismo judicial do STF. Rio de

Janeiro: Forense, 2014.

CANOTILHO, J.J. Gomes. Tribunal Constitucional, jurisprudências e políticas públicas.

Colóquio XX aniversário do Tribunal Constitucional, 28 nov. 2003. Disponível em:

http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/textos030102.html. Acesso em 18 fev. 2018.

______. Direito constitucional e teoria da Constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999.

CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto

Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988.

______. Juízes legisladores? Tradução de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Porto Alegre:

Sergio Antonio Fabris Editor, 1993.

CARNELUTTI, Francesco. Diritto e processo. Napoli: Morano, 1958.

______. Sistema di diritto processuale civile. Padova: Cedam, 1936, v. 1.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 14. ed. São Paulo: Saraiva,

2000.

CHIOVENDA, Giuseppe. Príncípios del derecho procesal. Madrid: Reus, s/d.

COLE, Charles D. Stare decisis na cultura jurídica dos Estados Unidos: o sistema de

precedente vinculante do Common Law. Revista dos Tribunais. vol. 752, p.1. São Paulo: Ed.

RT, jun. 1998 (versão online).

COMOGLIO, Luigi Paolo; FERRI, Corrado; TARUFFO, Michele. Lezioni sul processo

civile. 4. ed. Bolonha: Il Mulino, 2007, vol. 1.

COUTO E SILVA, Almiro do. O Princípio da Segurança Jurídica (Proteção à Confiança) no

Direito Público Brasileiro e o Direito da Administração Pública de Anular seus Próprios Atos

Administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da lei do processo administrativo da União

Page 222: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

221

(Lei n° 9.784/99). Revista Eletrônica de Direito do Estado, Salvador, Instituto de Direito

Público da Bahia, nº. 2, abril/maior/junho, 2005. Disponível na Internet:

<http://www.direitodoestado.com.br>. Acesso em: 11 nov. 2017.

COWNIE, Fiona; BRADNEY, Anthony; BURTON, Mandy. English legal system in

context. Oxford: Oxford University Press, 2007.

CROSS, Rupert; HARRIS, J. W. Precedent in English law. 4. ed. Oxford: Claredon Press,

2004, reimpressão da edição de 1991.

CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. rev. ampl. e

atualizada. Salvador: Jus Podivm, 2011.

______. Ativismo Judicial e Concretização dos Direitos Fundamentais. Revista Baiana de

Direito. Salvador: n. 5, Jan/Jun 2010, p. 24-25.

CUNHA RODRIGUES. Em nome do povo. Coimbra: Coimbra Editora, 1999

DANTAS, Bruno. Súmula Vinculante: o STF entre a função uniformizadora e o reclamo por

legitimação democrática. Revista de Informação Legislativa, a. 45 n. 179, jul/set, 2008.

Disponível em:

http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/176543/000843878.pdf?sequence=3.

Acesso em 22 mar. 2018.

DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. 5. ed. São Paulo: Martins

Fontes, 2014.

DERZI, Misabel de Abreu Machado. BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. O efeito

vinculante e o princípio da motivação das decisões judiciais: em que sentido pode haver

precedentes vinculantes no direito brasileiro? In: Alexandre Freire; Bruno Dantas; Dierle

Nunes; Fredie Didier Jr., José Miguel Garcia Medina: Luiz Fux: Luiz Henrique Volpe

Camargo; Pedro Miranda de Oliveira (org.). Novas Tendências do Processo Civil: Estudos

sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2013, p. 333-361.

DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Introdução ao Direito Processual

Civil, Parte Geral e Processo de Conhecimento. 17. ed. rev. ampl. e atual. v. 1. Salvador:

Editora JusPodivm, 2015.

______. Sobre a Teoria Geral do Processo, essa desconhecida. Salvador: Juspodivm, 2012.

DIDIER JR., Fredie. BRAGA, Paula Sarno. Oliveira, Rafael Alexandria de. Curso de Direito

Processual Civil. Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Precedente, Coisa Julgada e

Tutela Provisória. 10. ed. rev. ampl. e atual. v. 2. Salvador: Editora JusPodivm, 2015.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Aceleração dos procedimentos. Fundamentos do

Processo Civil Moderno. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, t. II.

DURKHEIM, Émile. As Regras do Método Sociológico. Tradução Pietro Nassetti. São

Paulo: Martin Claret, 2006.

DUXBURY, Neil. The nature and authority of precedent. Cambridge: Cambridge

University Press, 2008.

DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo:

Martins Fontes, 2007.

ESCOLA NACIONAL DE FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO DE MAGISTRADOS.

BRASIL. Projeto Corpus927. Disponível em: http://corpus927.enfam.jus.br/. Acesso em 21

jun. 2018.

Page 223: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

222

FARALLI, Carla. A filosofia contemporânea do direito: temas e desafios. Trad. Candice

Premaor Gullo. São Paulo: WMFmartinsfontes, 2006.

FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a

imagem versus a liberdade de expressão e informação. Prefácio do Ministro Gilmar Ferreira

Mendes. 3. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2008.

FEREJOHN, John. Judicializing politics, politicizing law. Law and Contemporary

Problems, vol. 65, n. 3, 2002.

FEREJOHN, John; PASQUINO, Pasquale. Constitucional adjudication: lessons from

Europe. Texas Law Review, vol. 82, 2004.

FERRAJOLI, Luigi. Diritti fondamentali. In: VITALE, Ermanno (coord.). Diritti

fondamentali. Um dibatito teórico. 2. ed. Roma-Bari: Laterza, 2002.

______. Interpretazione dottrinale e interpretazione operativa. Rivista Internazionale di

Filosofia del Diritto, 1, 1966.

FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Direito Constitucional. Barueri: Manole, 2007.

______. O Judiciário frente à divisão dos poderes: um princípio em decadência? Revista

Trimestral de Direito Público. Malheiros Editores, n. 9, 1995, p. 40-48.

FINE, Toni M. O uso do precedente e o papel do princípio do stare decisis no sistema

legal norte-americano. Revista dos Tribunais, São Paulo: RT, vol. 782, 2000.

FÓRUM PERMANENTE DE PROCESSUALISTAS CIVIS – BRASIL. Enunciados.

Disponível em: https://www.novocpcbrasileiro.com.br/enunciados-interpretativos-sobre-o-

novo-cpc-do-fppc/. Acesso em: 25 fev. 2018.

GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método I: traços fundamentais de uma Hermenêutica

filosófica. 8. Ed. Trad. Flávio Paulo Meurer. Petrópolis: Vozes. Bragança Paulista:

Universitária São Francisco, 2007.

GEBRAN NETO, João Pedro. A aplicação imediata dos direitos e garantias individuais: a

busca de uma exegese emancipatória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2010.

GOODHART, Arthur L. Essays in jurisprudence and the common law. Cambridge:

Cambridge University press, 1931.

GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação / aplicação do direito. 5. ed.

São Paulo: Malheiros, 2009.

GUASTINI, Riccardo. La Constitucionalización del Ordenamiento Jurídico: el caso

italiano. In: CARBONELL, Miguel (Org.). Neoconstitucionalismo (s). Madrid: Editorial

Trotta, 2003.

GUERRA, Marcelo Lima. Direitos Fundamentais e a proteção do credor na execução

civil. São Paulo: RT, 2003.

HABERMAS, Jürgen. Faktizität und Geltung: Beiträge zur Diskurstheorie des Rechts und

des demokratischen Rechtsstaats. Frankfurt: Suhrkamp, 1994.

______. O conceito de dignidade humana e a utopia realista dos direitos humanos.

In: ______. Sobre a constituição da Europa. Trad. Luis Werle, Luiz Repa e Rúrion Melo.

São Paulo: Ed. UNESP, 2012.

Page 224: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

223

______. Teoría de la acción comunicativa: complementos y estudios previos. Madrid:

Ediciones Catedra, 1994.

JEVEAUX, Geovany Cardoso. Uma Teoria da Justiça para o Acesso à Justiça. In:

JEVEAUX, Geovany Cardoso (Org.). Uma Teoria da Justiça para o Acesso à Justiça. Rio

de Janeiro: GZ Ed., 2012.

JORGE NETO, Nagibe de Melo. O Controle Jurisdicional das Políticas Públicas. 2ª tir.

Salvador: Juspodivm, 2009.

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. De Paulo Quintela.

Lisboa: Edições 70, 2005.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. 8. ed. São Paulo:

Martins Fontes, 2009.

LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste

Gulbenkian, 2009.

LEAL, Saul Tourinho. Ativismo ou altivez?: o outro lado do Supremo Tribunal Federal.

Belo Horizonte: Fórum, 2010.

LEAL, Victor Nunes. Passado e futuro da súmula do STF. In: Revista de Direito

Administrativo. V. n. 145. jul./ set. 198, p. 5. Disponível em:

http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/43387/42051. Acesso em 21 mar.

2018.

LUHMANN, Niklas. Grundrechte als institution. 2ª ed. Berlim: Duncker e Humblot, 1974.

LUÑO, Antonio-Enrique Pérez. Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitución. 5ª

ed. Madrid: Tecnos, 1995.

MACCORMICK, Neil. Rhetoric and the rule of law: a theory of legal reasoning, Oxford:

Oxford University Press, 2005.

MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes Judiciais e o Direito Processual Civil. 2. ed. rev.,

atual. e ampl. Salvador: JusPodivm, 2017.

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à justiça: condicionantes legítimas e ilegítimas.

São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2011.

MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil: Teoria Geral do Processo. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, v.l.

______. Julgamento nas Cortes Supremas: precedente e decisão do recurso diante do novo

CPC. 1. ed. 2.tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

______. Precedentes obrigatórios. 5. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2016.

______. Aproximação crítica entre as jurisdições de civil law e de common law e a

necessidade de respeito aos precedentes no Brasil. Revista da Faculdade de Direito –

UFPR. Curitiba, nº 49, 2009, p. 11-58.

______. Tutela inibitória. 4. ed. São Paulo: Ed. RT, 2006.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de

Processo Civil. 1ª ed., 2ª tiragem, vol. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

______. O Novo Processo Civil. 2ª ed. rev. atual. e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2016.

Page 225: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

224

MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da Pessoa Humana: princípio

constitucional fundamental. 1. ed. (ano 2003), 7. reimpr. Curitiba: Juruá, 2012.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 11. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 1991.

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Segurança jurídica e mudança de jurisprudência.

Revista de Direito do Estado, n. 6, Rio de Janeiro: Renovar, abr.-jun. 2007, p. 330-331.

MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico. Plano da Existência. 18.ed. São

Paulo: Saraiva, 2012.

MELLO, Patrícia Perrone Campos. BARROSO, Luís Roberto. Trabalhando com uma nova

lógica: a ascensão dos precedentes no direito brasileiro. Revista da AGU. Brasília: AGU,

ano 15, n. 3, jul./set. 2016. Disponível em:

http://seer.agu.gov.br/index.php/AGU/article/view/854/730. Acesso em 01 mar. 2018.

MENDES, Gilmar Ferreira. O Papel do Senado Federal no Controle de Constitucionalidade:

um caso clássico de mutação constitucional, Revista de Informação Legislativa, nº 162,

abr/jun. 2004.

MENDES, Gilmar Ferreira; STRECK, Lênio Luiz. Art. 93. In: CANOTILHO, J.J. Gomes et

al. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013.

MERRYMAN, John Henry; PÉREZ-PERDOMO, Rogelio. A tradição da Civil Law: uma

introdução aos sistemas jurídicos da Europa e da América Latina. Tradução Cássio

Casagrande. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2009.

MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado. Vol. I. 1954.

______. Tratado de Direito Privado. 4. ed. São Paulo: RT, 1983, tomo I.

MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 3ª ed, vol. IV. Coimbra: Coimbra

Editora, 2000.

MIRANDA DE OLIVEIRA, Pedro. Recurso extraordinário e o requisito da repercussão

geral. São Paulo: Ed. RT, 2013.

MITIDIERO, Daniel. Cortes Superiores e Cortes Supremas: do controle à interpretação, da

jurisprudência ao precedente. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2017.

______. Elementos para uma teoria contemporânea do processo civil brasileiro. Porto

Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

______. Fundamentação e precedente – dois discursos a partir da decisão judicial.

Revista de Processo. São Paulo: RT, 2012, n. 206.

______. “Polêmica sobre a Teoria Dualista da Ação (Ação de Direito Material – “Ação”

Processual): uma Resposta a Guilherme Rizzo Amaral”. Genesis: Revista de Direito

Processual Civil, Curitiba, Genesis, 2004, n. 34.

MONTESQUIEU. O espírito das leis. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional Administrativo. 2. ed. São Paulo: Atlas,

2005.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. O Poder Judiciário e a Efetividade da Nova Constituição.

Revista Forense. Rio de Janeiro, n. 304, out./dez. 1988, p. 154.

Page 226: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

225

MORRISON, Wayne. Filosofia do Direito: dos gregos ao pós-modernismo. Tradução

Jefferson Luiz Camargo; revisão técnica Gildo Sá Leitão Rios. São Paulo: Martins Fontes,

2006.

MORTARA, Ludovico. Commentario del Codice e dele leggi di procedura civile. Milano:

Vallardi, 1923.

MOUZALAS, Rinaldo. ALBUQUERQUE, João Otávio Terceiro Neto Bernardo de.

Reclamação Constitucional. In: DIDIER JR, Fredie et al. (coord). Precedentes. 2. ed.

Salvador: Juspodivm, 2016, v. 3, p. 777-795.

MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho do direito constitucional. 2. ed. Tradução: Peter

Naumann. São Paulo: Max Limonad, 2000.

______. Teoria estruturante do direito. Tradução Peter Naumann, Eurides Avance de

Souza. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 33. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

NERY JR., Nelson. ABBOUD, Georges. Recursos para os tribunais superiores e a Lei

13.256/2016. Revista de Processo, vol. 257/2016, p. 217-235, jul/2016.

NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo

Civil. São Paulo: RT, 2015.

______. Constituição Federal comentada. 2. ed. São Paulo: RT, 2009.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo

por artigo. Salvador: Editora JusPodivm, 2016.

NOGUEIRA, Gustavo Santana. Precedentes vinculantes no direito comparado e no direito

brasileiro. 2ª ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2013.

NUNES, Dierle. Padronizar decisões pode empobrecer o discurso jurídico. Disponível

em: https://www.conjur.com.br/2012-ago-06/dierle-nunes-padronizar-decisoes-empobrecer-

discurso-juridico. Acesso em: 22 fev. 2018.

NUNES, Dierle. PEDRON, Flávio Quinaud. HORTA, André Frederico de Sena. Art. 926 do

CPC e suas propostas de fundamentação: um diálogo com concepções contrastantes. In:

NUNES, Dierle. MENDES, Aluísio. JAYME, Fernando Gonzaga (coord.). A nova aplicação

da jurisprudência e precedentes no CPC/2015. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2017.

OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Os direitos fundamentais à efetividade e à segurança

em perspectiva dinâmica. Revista do Processo. Vol. 155. São Paulo: Ed. RT, jan. 2008.

PASSOS, J.J. Calmon de. Revisitando o direito, o poder, a justiça e o processo: reflexões

de um jurista que trafega na contramão. Salvador: JusPODIVM, 2012.

PERELMAN, Chaim. Ética e Direito. Tradução de Maria Ermantina Galvão. São Paulo:

Martins Fontes, 1999.

PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. A Efetivação de Direitos Fundamentais Sociais pelo Poder

Judiciário: Cabimento e Limites. Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo: nº 108

- Março/2012 – p. 89-100.

POPPER, Karl Raymund. Lógica das ciências sociais. 3. ed. Rio de Janeiro: Tempo

Brasileiro, 2004.

Page 227: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

226

RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito. Trad. L. Cabral de Moncada. 6ª ed. Coimbra:

Armênio Amado, 1979.

RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto

Alegre: Livraria do Advogado, 2010.

RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parâmetros dogmáticos. São Paulo: Saraiva,

2010.

RAÓ, Vicente. O direito e a vida dos direitos. São Paulo: Max Limonad, 1952, v.2.

RAPISARDA, Cristina. Profili della tutela civile inibitoria. Padova: Cedam, 1987.

RAWLS, John. A theory of justice. Cambridge: The Belknap Press of Harvard University

Press, 1971.

RE, Edward D. Stare Decisis. Trad. brasil. de Ellen Gracie Northfleet. Revista de Processo,

São Paulo: RT, v. 73, 1994.

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. O princípio da dignidade da pessoa humana e a

exclusão social. Revista de Interesse Público, n. 4, 1999.

RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Acesso à justiça no direito processual brasileiro. São

Paulo: Acadêmica, 1994.

RODRIGUEZ, José Rodrigo. Como decidem as cortes?: Para uma crítica do direito

(brasileiro). Rio de Janeiro: Editora FGV, 2013.

ROSENN, Keith S. Judicial Review in Brazil: Developments under the 1988 Constitution.

Southwestern Journal of Law and Trade in the Americas, v. 7, p. 291-320,

2000.Disponível em:

https://repository.law.miami.edu/cgi/viewcontent.cgi?referer=https://www.google.com/&https

redir=1&article=1169&context=fac_articles. Acesso em 28 mar. 2018.

ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais: racionalidade da tutela jurisdicional.

Curitiba: Juruá, 2012.

ROSSI, Júlio César. Precedente à Brasileira: A jurisprudência vinculante no CPC e no novo

CPC. São Paulo: Atlas, 2015.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade (da pessoa) humana e direitos fundamentais na

Constituição Federal de 1988. 10ª ed., rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do

Advogado Editora, 2015.

______; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito

Constitucional. 4. ed. ampl., incluindo novo capítulo sobre princípios fundamentais. São

Paulo: Saraiva, 2015.

SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen

Iuris, 2004. 2. ed. , 2008.

______. Ubiquidade constitucional: os dois lados da moeda. In: SARMENTO, Daniel. Livre

e Iguais: Estudos de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 196.

SCHOPENHAUER, Arthur. On the Basis of Morality. Indianapolis: Hackett, 1965.

SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante – Um estudo sobre o poder normativo dos

tribunais. São Paulo: Saraiva, 2005.

SILVA, Paula Costa e. Acto e processo. Coimbra: Coimbra Editora, 2003.

Page 228: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

227

SILVA, Virgílio Afonso da. Deciding without deliberating. International Journal of

Constitutional Law, Oxford: Oxford Academic, vol. 11, 2013, p. 557-584. Disponível em:

https://academic.oup.com/icon/article/11/3/557/789359. Acesso em: 17 jun. 2018.

______. Um voto qualquer? O papel do ministro relator na deliberação no Supremo Tribunal

Federal. Revista Estudos Institucionais, v.1, nº 1, 2015. Disponível em:

https://www.estudosinstitucionais.com/REI/article/view/21. Acesso em: 15 jun. 2018.

SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de Direito Constitucional. 5.ed.Rio de Janeiro:

Lumen Juris, 2009.

SOARES, Ricardo Maurício Freire. Elementos de teoria geral do direito. 2. ed. rev. atual.

ampl. São Paulo: Saraiva, 2015.

______. Hermenêutica e interpretação jurídica. 2. ed. atual., rev. e ampl. São Paulo:

Saraiva, 2015.

______. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: em busca do direito

justo. São Paulo: Saraiva, 2010.

SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à sumula vinculante. Curitiba:

Juruá Editora, 2006.

SOUZA, Wilson Alves de. Acesso à Justiça. Salvador: Dois de Julho, 2011.

______. Sentença civil imotivada: caracterização da sentença civil imotivada no direito

brasileiro. 2. ed. rev. e ampl. Salvador: Dois de Julho, 2012.

SOUZA NETO, Cláudio Pereira; SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional: Teoria,

história e métodos de trabalho. 2 ed, 2. Reimpressão. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2016.

STRECK, Lênio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: uma Nova Crítica do

Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.

______. Por que agora dá para apostar no projeto do novo CPC. Disponível em:

https://www.conjur.com.br/2013-out-21/lenio-streck-agora-apostar-projeto-cpc. Acesso em 25

fev. 2018.

______. Teori do STF contraria Teori do STJ ao ignorar lei sem declarar

inconstitucional. Texto disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-fev-19/streck-teori-

contraria-teori-prender-transito-julgado, Acesso em: 19 ago. 2018.

STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto – o precedente judicial e as

súmulas vinculantes? 3. ed. rev. atual. de acordo com o novo CPC. Porto Alegre: Livraria do

Advogado Editora, 2015.

______. O NCPC e os precedentes – afinal, do que estamos falando? In: DIDIER JR, Fredie

et al. (coord). Precedentes. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2016, v. 3, p. 175-182.

TARUFFO, Michele. Cinco Lecciones mexicanas: memoria del taller de derecho

procesal. Cidade do México: Escuela Judicial Electoral, 2003.

______. Precedente e giurisprudenza. Napoli: Editoriale Scientifica, 2007.

______. Precedentes in Italy. Precedent and the law. Reports to the XVIIth Congress

International Academy of Comparative Law – Utrechy, 16-22 July 2006. Edited by Ewoud

Hondius. Bruxelles: Bruylant, 2007.

TARZIA, Giuseppe. O novo processo civil de cognição na Itália. Revista de processo, São

Paulo: Revista dos Tribunais, n. 79, jul./set., 1995.

Page 229: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ......Orientador: Professor Doutor Ricardo Maurício Freire Soares. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito,

228

TERAN, Juan Manuel. Filosofia del Derecho. 7 ed. México: Editorial Porrua, 1977.

THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do

processo civil, processo de conhecimento e procedimento comum. v.1. Rio de Janeiro:

Forense, 2015.

THEODORO JUNIOR, Humberto et al. NOVO CPC – Fundamentos e Sistematização – 3ª

ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

TOCQUEVILLE, Alexis de. A Democracia na América. Tradução de Eduardo Brandão. São

Paulo: Martins Fontes, 1998.

TUCCI, José Rogério Cruz e. Parâmetros de eficácia e critérios de interpretação do

precedente judicial. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito Jurisprudencial.

São Paulo: RT, 2012.

______. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2004.

VECCHIO, Giorgio Del. Lições de filosofia do direito. Tradução de Antônio José Brandão;

revista e prefaciada por L. Cabral de Moncada; atualizada por Anselmo de Castro. Coimbra,

Portugal: Sucessor Ceira, 1979.

VIANA, Antônio Aurélio de Souza; NUNES, Dierle. Precedentes: a mutação do ônus

argumentativo. Rio de Janeiro: Forense, 2018.

VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremocracia. Revista de Direito GV. São Paulo 4[2], 2008, p.

441-463. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rdgv/v4n2/a05v4n2.pdf. Acesso em 14 jun.

2018.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Precedentes e evolução do direito. ______ (coord.).

Direito Jurisprudencial. São Paulo: RT, 2012.

______. A vinculatividade dos precedentes e o ativismo judicial. In: DIDIER JR, Fredie et al.

(coord). Precedentes. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2016, v. 3, p. 263-274.

WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. São Paulo: RT, 1987.

______. Acesso à Justiça e Sociedade Moderna. In: GRINOVER, Ada Pellegrini;

DINAMARCO, Cândido; WATANABE, Kazuo (org.). Participação e processo. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 1988.

ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes: teoria dos precedentes

normativos formalmente vinculantes. 3. ed. rev., amp. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2017.

______. Precedentes normativos formalmente vinculantes. In: DIDIER JR, Fredie et al.

(coord). Precedentes. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2016, v. 3.