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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ECONOMIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA MESTRADO EM ECONOMIA JULIA TRINDADE ALVES DE CARVALHO POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS E ROTAS TECNOLÓGICAS DE RECICLAGEM PARA A CIDADE DE SALVADOR Salvador 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE ECONOMIA

PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ECONOMIA

MESTRADO EM ECONOMIA

JULIA TRINDADE ALVES DE CARVALHO

POLTICA NACIONAL DE RESDUOS SLIDOS E ROTAS TECNOLGICAS DE

RECICLAGEM PARA A CIDADE DE SALVADOR

Salvador

2013

JULIA TRINDADE ALVES DE CARVALHO

POLTICA NACIONAL DE RESDUOS SLIDOS E ROTAS TECNOLGICAS DE

RECICLAGEM PARA A CIDADE DE SALVADOR

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

Graduao em Economia, como requisito

parcial para obteno do grau de Mestre em

Economia.

Linha de pesquisa: Resduos Slidos Urbanos,

Reciclagem e Meio Ambiente.

Orientador: Prof. Dr. Gervsio Ferreira dos

Santos

Salvador

2013

C331 Carvalho, Julia Trindade Alves de.

Poltica nacional de resduos slidos e rotas tecnolgicas de

reciclagem para a cidade de Salvador/ Julia Trindade Alves de

Carvalho. Salvador, 2013.

162 f.; Il.

Dissertao (Mestrado) Universidade Federal da Bahia,

Faculdade de Economia. Orientador: Prof. Dr Gervsio Ferreira

dos Santos.

1. Salvador resduos slidos. 2. Reciclagem. 3. Poltica

Nacional de Resduos Slidos. 4. Tecnologias de reciclagem

rotas. 5. Polticas ambientais. I. Universidade Federal da Bahia. II.

Santos, Gervsio Ferreira dos. III. Ttulo.

CDD: 628.445

JULIA TRINDADE ALVES DE CARVALHO

POLTICA NACIONAL DE RESDUOS SLIDOS E ROTAS TECNOLGICAS DE

RECICLAGEM PARA A CIDADE DE SALVADOR

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

Graduao em Economia, como requisito

parcial para obteno do grau de Mestre em

Economia.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Gervsio Ferreira dos Santos

(Orientador Universidade Federal da Bahia)

Prof. Dr. Henrique Tom da Costa Mata

(Membro interno Universidade Federal da Bahia)

Prof. Dr. Jardel Gonalves Pereira

(Membro externo Universidade Federal da Bahia)

AGRADECIMENTOS

Agradeo minha me, Clo Carvalho, que sempre esteve ao meu lado, me

apoiando e incentivando, incondicionalmente, com todo amor dessa vida. Ao meu irmo

Diogo, quem, literalmente, nasceu e cresceu junto a mim, se tornando um grande exemplo de

sapincia e fraternidade.

Ao meu pai, Roberto Carvalho, que me disse as frases mais contundentes e

inspiradoras, contribuindo decisivamente para que eu chegasse aqui e alm. minha tia

Leda, minha segunda me, e sua filha e minha prima-irm, Gaia!

Aos meus colegas mestres, que compuseram uma turma impar em inteligncia e

solidariedade: Sydenia, Conrado, Emerson, Erica, casal germnico Eskeresky - Hank, Laura,

Leidisangela, Lucas, Bernardo e Tyago. Aos colegas e amigos da vida, que contriburam para

a minha formao humana e acadmica, em perodos diversos: Geovana Guedes, Itana Maria,

Magali Alves, Jamilly Dias, Guillermo Etkin, Gileno Jr, Elder Arimatia, Joao Teixeira,

Gustavo Delmont, Enio Antunes, La Santana, Andra Gama, Glaucia Lara, Rodrigo

Carneiro, Ronaldo Lyrio, Luis Carlos de Andrade.

turma do fundo: Daniela Vieira, Isabelle Duplat, Manuela Vidal, Patricia

Canrio, Mauricio Vieira, Tiago Phileto, Miguel Phileto. Simplesmente, vocs so parte do

meu DNA.

Agradeo imensamente ao professor e amigo, Dr. Joao Damsio de Oliveira Filho,

a quem terei eterna gratido. Obrigada por ter me dado a oportunidade de trabalhar, estudar e

aprender com a sua genialidade, brilhantismo e honestidade acadmica. A nossa convivncia

foi um divisor de guas na minha formao e algo que muito orgulha.

minha querida amiga Ana Cristina Sacramento por ter me suportado e me

ajudado em tudo, sempre que precisei.

Ao professore Dr. Henrique Tom da Costa Mata, por suas impagveis

contribuies parte terica deste trabalho. Ao professor Dr. Jardel Gonalves Pereira pelas

oportunas contribuies aos aspectos tcnicos, imprescindveis para a contextualizao do

argumento econmico aqui apresentado.

Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes), pela

disponibilizao da bolsa para realizao do mestrado. Aos profissionais da Secretaria do

Programa de Ps Graduao em Economia da UFBA, pelo apoio e presteza nos tramites

burocrticos.

Ao meu querido amigo e co-orientador Roberto Maximiano Pereira que nos

momentos mais difceis desta tese e em outros tantos da vida, acreditou no meu potencial, me

ajudou na soluo de problemas centrais e me fez parecer menos s nesta caminhada. Ao

grande amigo Luis Carlos Santana Ribeiro, um grande parceiro, pelas suas tempestivas

intervenes na forma e contedo deste trabalho.

Finalmente, agradeo ao meu orientador, Prof. Gervsio Ferreiro dos Santos.

Primeiramente, por ter acreditado em mim de olhos fechados, abraando as minhas idias

como verdadeira maestria. E, principalmente, por ter sido o meu farol metodolgico nesse

pantanoso caminho dissertativo. uma honra e um privilgio imenso fazer parte do seu

disputado time de orientandos.

Meus agradecimentos a todos que, direta ou indiretamente, contriburam com esta

pesquisa.

Dedico este trabalho

minha famlia, razo de minha existncia:

Me (Cleo), pai (Roberto), Diogo, Las,

V Alaide (in memoriam), Tia Leda e Gaia.

RESUMO

O objetivo deste trabalho simular a mudana na estrutura de insumos decorrente da

reciclagem de resduos slidos urbanos na cidade de Salvador, por meio das rotas

tecnolgicas de reciclagem mecnica e reciclagem energtica. O Brasil passa por um

momento de definio das respectivas trajetrias tecnolgicas de reciclagem, a partir da

aprovao da lei que institui a Poltica Nacional de Resduos Slidos. No estado da Bahia, a

aplicao dos princpios dessa poltica ainda incipiente. A teoria da economia ecolgica e do

ambiente aponta que as polticas ambientais, dentre as quais se inclui a gesto de resduos

slidos, devem priorizar os mtodos baseados no principio da Ecoeficiencia, que promovam a

conservao de energia de baixa entropia, observando a sua viabilidade econmica. Deste

modo, a partir da metodologia de analise de Insumo-Produto, o presente trabalho busca

comparar as rotas tecnolgicas de reciclagem, verificando a mudana na tecnologia de

produo proporcionada pela adoo de cada rota. O banco de dados utilizado no trabalho

contm informaes provenientes das Contas Regionais e Nacionais do IBGE e informaes

sobre a gerao de resduos slidos urbanos em Salvador. Os resultados mostraram que a

reciclagem mecnica mais eficiente, do ponto de vista econmico e de conservao dos

recursos naturais ao possibilitar uma maior economia de insumos no processo produtivo

intersetorial

Palavras-chave: Resduos Slidos Urbanos. Reciclagem mecnica. Reciclagem energtica.

Meio Ambiente. Poltica Nacional de Resduos Slidos. Analise de Insumo-Produto.

ABSTRACT

The objective of this research is to simulate the change of input structure resulting from the

recycling of municipal solid waste in the city of Salvador, through technological routes of

mechanical recycling and energy recycling. Brazil is going through a defining moment of

their technological trajectories of recycling, starting from the approval of the National Policy

of Solid Wasting. In the state of Bahia, the application of the principles of this policy is still in

its beginning. The theory of ecological and environment economics guides the environmental

policies, among which includes solid waste management, should prioritize methods based on

the principle of eco-efficiency, promoting energy conservation, low-entropy, noting its

economic viability. From the methodology of input-output analysis, this study seeks to

compare the technological recycling routes by checking the change in production technology

provided by the adoption of each route. The database used in the paper contains information

from the Regional and National Accounts IBGE and information on the generation of

municipal solid waste in Salvador. The results showed that mechanical recycling is more

efficient from the point of view of economics and natural resources conservation to enable

greater savings intersectoral inputs in the production process.

Key words: Urbans Solid Wastes. Mechanical Recycling. Energy Recycling. Environment.

National Solid Waste Policy. Input Output Anlysis.

LISTA DE GRFICOS

Grfico 1- Poder calorfico inferior por grupo de RSU 32

Grfico 2 - Numero de estabelecimentos por CNAE da indstria transformadora de matria

prima reciclvel e reciclada, em 2012. 47

Grfico 3 - Numero de estabelecimentos fabricantes de matrias- primas virgens, no estado da

Bahia, 2012 48

Grfico 4 - Estoque de empregos por setor de atividade produtor de matria prima virgem. 49

Grfico 5 - Destino RSU gerado no Brasil e nos pases europeus selecionados (em Kgs /

habitante /ano) 52

Grfico 6 - Quantidade de RSU coletada no Brasil, por ano (em milhes de toneladas). 2007

2011 59

Grfico 7 - Distribuio dos resduos domiciliares e pblicos coletados gerados no Brasil, por

dia, segundo as Regies do Brasil 60

Grfico 8 - Comparao entre participao percentual na quantidade coletada de RSU

nacional e participao percentual no PIB nacional, por estado, em 2008 61

Grfico 9 - Quantidade de RSU (RDO+RPU) coletada por ano em Salvador, em toneladas.

2004- 2011 62

Grfico 10 - Municpios com coleta seletiva - Comparao 2000 e 2008 64

Grfico 11 - Custo marginal de abatimento de emisses e os efeitos da inovao tecnolgica

81

Grfico 12 - Composio gravimtrica dos materiais para reciclagem mecnica, em Salvador,

ano 2010. 127

Grfico 13 - CI poupado pela reciclagem de todos os materiais 130

Grfico 14 - Consumo Intermedirio poupado pelo setor 'Fabricao de resina e elastmeros.

131

Grfico 15 - Consumo Intermedirio poupado pelo setor Celulose e produtos de papel. 132

Grfico 16 - Consumo Intermedirio poupado pelo setor Outros da indstria extrativa. 133

Grfico 17 - Participao do material no poder calrico para reciclagem energtica, no

municpio de Salvador, no ano de 2010 134

Grfico 18 - Consumo Intermedirio poupado pelo setor Produo e distribuio de

eletricidade, gs, gua, esgoto e limpeza urbana. 136

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Esquema de classificao de Resduos Slidos, por origem. 27

Figura 2 - Organograma das principais correntes de pensamento da economia do meio

ambiente 71

Figura 3 - Hierarquia das opes de gerenciamento ambiental. 87

Figura 4 - Diagrama esquemtico da ordem de prioridade sugerida pela Produo mais Limpa

88

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Responsabilidades do Manejo por Tipo de Resduos 28

Quadro 2 - Processos de reciclagem por tipo de material 30

Quadro 3 - Agregao dos setores da TRU Brasil 106

Quadro 4 - Cdigo SCN e descrio dos 49 setores da matriz 108

Quadro 5 - Principais destaques da PNRS 155

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Composio gravimtrica e valorao dos RSU para reciclagem mecnica

Salvador, 2010 43

Tabela 2 - Incinerao e gerao de energia eltrica nos pases desenvolvidos, em 2000. 54

Tabela 3 - Potencial energtico dos RSU produzidos no municpio de Salvador, para o ano de

2010 112

Tabela 4 - Valorao da energia potencial dos RSUs gerados em Salvador 116

Tabela 5 - Preos materiais reciclveis - 2010, So Paulo. 118

Tabela 6 - Distribuio setorial dos materiais reciclveis. 119

Tabela 7 - Coeficientes Rasmussen - Hirschman de ligao setorial 124

Tabela 8 - Resultados da reduo do VBP CI e VA da reciclagem mecnica. 128

Tabela 9 - Valor da diferena do CI por setor 129

Tabela 10 - Resultados da reduo do Valor Bruto da Produo (VBP), Consumo

Intermedirio (CI) e Valor Adicionado (VA) da reciclagem energtica. 135

Tabela 11 - Poder Calorfico Inferior dos grupos de RSU 154

Tabela 12 - Relaes algbricas da TRU e matriz Insumo-Produto 157

Tabela 13 - Valores das Contas Regionais: VBP, CI e VA do estado da Bahia, em 2009. 159

LISTA DE SIGLAS

ABNT Associao Brasileira de Normas Tcnicas

ANEEL Agencia Nacional de Energia Eltrica

ACB Analise Custo - Benefcio

ACE Analise Custo -Efetividade

CNP Certides Negociveis de Poluio

OCB Classificao Brasileira de Ocupaes

CNAE Classificao Nacional de Atividades Econmicas

CIISC Comit Interministerial para Incluso Social e Econmica dos Catadores de

Materiais Reciclveis

CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente

CI Consumo Intermedirio

Cmg Custo Marginal

LIMPURB Empresa de Limpeza Urbana de Salvador

EPE Empresa de Pesquisa Energtica

FEAM Fundao Estadual do Meio Ambiente de Minas Gerais

GIRS Gesto Integrada de Resduos Slidos

GWh Giga-watt hora

GERI Grupo de Estudos de Relaes Intersetoriais

IPI Imposto sobre Produtos Industrializados

IBAM Instituto Brasileiro de Administrao Municipal

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

IBAMA Instituto Nacional do Meio Ambiente

MS Market Share

MRI Matriz de Relaes Intersetoriais

MDL Mecanismo de Desenvolvimento Limpo

MWh Mega-watt hora

MDS Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome

TEM Ministrio do Trabalho e Emprego

MNCR Movimento Nacional de Catadores de Material Reciclvel

PSA Pagamento por Servios Ambientais

PSAU Pagamento por Servios Ambientais Urbanos

PAYT Pay as You Throw

P&D Pesquisa e Desenvolvimento

PIA Pesquisa Industrial Anual

PNSB Pesquisa Nacional de Saneamento Bsico

PCI Poder Calorfico Inferior

PVC Policloreto de Vinila

PABD Polietileno de Alta Densidade

PEBD Polietileno de Baixa Densidade

PNRS Poltica Nacional de Resduos Slidos

PP ou P2 Preveno Poluio

PPP Principio do Poluidor - Pagador

PUP Principio do Usurio Pagador

P+L Produo Mais Limpa

PI Produto Intermedirio

PIB Produto Interno Bruto

KWh Quilo-watt hora

RAIS Relatrio Anual de Informaes Sociais

RDO Resduo Slido de origem Domiciliar

RPU Resduos Solido de origem Publica

RSU Resduos Slidos Urbanos

SCN Sistema de Contas Nacionais

SCR Sistema de Contas Regionais

SLU Sistema de Limpeza Urbana

SINIR Sistema Nacional de Informaes sobre a Gesto de Resduos

SNIS Sistema Nacional de Informaes sobre a Saneamento

TRU Tabela de Recursos e Usos

VA Valor Adicionado

VBP Valor Bruto da Produo

WTE Waste - to - Energy

SUMRIO

1 INTRODUO 18

2 CARACTERSTICAS TCNICAS DA RECICLAGEM DE RESDUOS

SLIDOS URBANOS 24

2.1 DEFINIO DE RESDUOS 24

2.2 DEFINIO E CARACTERIZAO DE RECICLAGEM MECNICA E ENERGTICA 28

2.3 CLASSIFICAO NACIONAL DA ATIVIDADE ECONMICA

RECICLADORA 33

2.4 ASPECTOS ECONMICOS E INSTITUCIONAIS DAS TECNOLOGIAS DE RECICLAGEM ENERGTICA 35

2.5 ASPECTOS ECONMICOS E INSTITUCIONAIS DAS TECNOLOGIAS DE RECICLAGEM MECNICA 40

3 ESTRUTURA ECONMICA E INSTITUCIONAL DA CADEIA DE

RECICLAGEM 44

3.1 INDSTRIA, MERCADO E CADEIA PRODUTIVA DA RECICLAGEM 44

3.2 HISTRICO DA RECICLAGEM DE RESDUOS SLIDOS URBANOS 50

3.3 A RECICLAGEM DE RSU NO MUNDO 51

3.4 LEGISLAO SOBRE RESDUOS SLIDOS URBANOS 54

3.5 MANEJO E DISPOSIO DE RESDUOS SLIDOS NO MUNICPIO DE SALVADOR 58

3.5.1 Manejo e disposio no Brasil 59

3.5.2 Manejo e disposio de Resduos Slidos Urbanos no estado da Bahia 60

3.5.3 Manejo e disposio no municpio de Salvador 61

3.6 RECICLAGEM ENERGTICA E RECICLAGEM MECNICA DE ACORDO COM A PNRS 65

4 ECONOMIA AMBIENTAL E RECICLAGEM 70

4.1 ECONOMIA AMBIENTAL: EVOLUO DAS CORRENTES TERICAS 70

4.2 CORRENTE NEOCLSSICA DE ECONOMIA DO MEIO AMBIENTE: A

ECONOMIA AMBIENTAL 72

4.3 A CORRENTE ECOLGICA DA ECONOMIA DO MEIO AMBIENTE 74

4.4 A ABORDAGEM DA ANLISE CUSTO EFETIVIDADE (ACE) 77

4.5 A ECONOMIA AMBIENTAL NA POLTICA NACIONAL DE RESDUOS

SLIDOS 78

4.5.1 O principio do poluidor pagador na Poltica Nacional de Resduos Slidos. 79

4.5.2 Principio do Protetor - Recebedor 83

4.5.3 Ecoeficincia 86

4.6 COMPARAO ENTRE RECICLAGEM MECNICA E RECICLAGEM ENERGTICA 90

4.7 LITERATURA SOBRE APLICAO DE INSUMO-PRODUTO A

RECICLAGEM E DADOS AMBIENTAIS 91

5 CONSTRUO DE MATRIZES E MTODOLOGIA DE AFERIO

DOS EFEITOS DAS ROTAS DE RECICLAGEM 94

5.1 O MODELO BSICO DE ANLISE INSUMO-PRODUTO 94

5.2 DERIVAO DA MATRIZ DE RELAES INTERSETORIAIS A PARTIR

DA TRU 98

5.3 O MTODO BIPROPORCIONAL RAS 103

5.4 MRI BAHIA PROCESSO DE CONSTRUO DA MRI BAHIA A PARTIR DA VARIANTE DO MTODO BI-PROPORCIONAL PARA A PROJEO

DE MATRIZES DE RELAES INTERSETORIAIS 104

5.4.1 Construo da matriz Bahia pelo mtodo RAS Biproporcional modificado 104

5.4.2 Detalhamento das informaes utilizadas para a construo da MRI Bahia 106

5.5 MTODOS DE AFERIO DOS EFEITOS ECONMICOS CAUSADOS

PELA RECICLAGEM NA CADEIA PRODUTIVA 109

5.6 VALORAO DOS RESDUOS SLIDOS URBANOS GERADOS NO

MUNICPIO DE SALVADOR EM 2010 110

5.6.1 Valorao do potencial energtico dos Resduos Slidos Urbanos 111

5.6.2 Valorao dos RSUs para reciclagem mecnica 116

5.7 O MTODO DA COMPARAO ENTRE MATRIZES Q QUADRADAS: A

REDUO NA OFERTA DE MATRIA PRIMA VIRGEM 119

5.8 CONTRIBUIES DA PRESENTE METODOLOGIA LITERATURA 121

6 COMPARAO ENTRE IMPACTOS ECONOMICOS DAS ROTAS

TECNOLOGICAS DE RECICLAGEM EM SALVADOR 123

6.1 ANLISE DOS INDICADORES DE ENCADEAMENTO DA MRI BAHIA

2009 123

6.2 RESULTADO DAS SIMULAES DE MUDANA TECNOLGICA NA

ESTRUTURA DE INSUMOS 125

6.2.1 Reciclagem mecnica 126

6.2.1.1 Plsticos 130

6.2.1.2 Papis 131

6.2.1.3 Metais 133

6.2.2 Reciclagem energtica 133

6.3 SINTESE DOS RESULTADOS 136

7 CONSIDERAES FINAIS 138

REFERENCIAS 144

ANEXOS 154

18

1 INTRODUO

Atualmente, a quantidade de resduos slidos gerados no mundo de 12 bilhes de toneladas

por ano. A perspectiva, segundo Santos e Dias (2012), de que este valor chegue a 18

bilhes, at 2020. Deste total, cerca de trs bilhes de toneladas se referem aos Resduos

Slidos Urbanos (RSU) 1 gerados pelos 6,6 bilhes de habitantes do planeta Terra.

(CEMPRE, 2010). Os problemas associados gesto de resduos slidos se acumulam e a

cada tempo e lugar so encontrados novos desafios a serem superados. A reciclagem vem

sendo uma alternativa, embora no prometa resolver a maior parte dos problemas associados

aos resduos.

A teoria econmica vem sendo reformulada para absorver as criticas ecolgicas e ambientais.

A concepo econmica tradicional considera que o meio ambiente um dos elementos que

fazem parte do sistema econmico. As teorias econmicas mais modernas invertam esta

relao, ao conceberem o sistema econmico como parte do meio ambiente. A natureza

possui outros sistemas de organizao no antrpicas que se impem ao sistema de

organizao social antrpico, como a economia.

As teorias da economia ecolgica e a da economia do meio ambiente vm evoluindo

conceitualmente para preencher esta lacuna acadmica. Neste contexto, o mais urgente dos

problemas ambientais apontados pela teoria a gerao e destinao dos resduos do processo

de produo e consumo. Este um problema mais urgente porque, no curto e mdio prazo,

pode causar mais externalidades negativas do que a exausto de recursos naturais. Georgescu-

Roagen, considerado pai da economia ecolgica apontava para uma preocupao especial

com a capacidade de absoro e processamento dos resduos pelo ecossistema.

No Brasil, so gerados 67 milhes de toneladas de RSU2 por ano, aproximadamente. A

gesto dos resduos slidos municipalizada (BRASIL, 2011 - a). A Constituio Federal de

1988, no inciso V do artigo 30, estabelece a gesto e gerenciamento de resduos slidos

urbanos como competncia municipal, diretamente ou sob regime de concesso ou permisso.

A gesto de RSU no Brasil, assim como ocorre nos demais pases em desenvolvimento,

1 So os resduos de origem domiciliar e comercial. 2 A Pesquisa Nacional de Saneamento Bsico, do IBGE, mais recente do ano de 2008.

19

marcada pela presena de catadores de materiais reciclveis, que retiram do lixo os meios

materiais de sua subsistncia. Desta forma, a presena de catadores uma importante varivel

social a ser considerada na gesto de resduos do Brasil. Alm disso, a reciclagem, ao mesmo

tempo em que gera atividade econmica, tambm evita a produo desnecessria de matrias

primas virgens.

No estado da Bahia, so geradas cerca de11 mil toneladas de RSU por dia, equivalente

quase quatro milhes de toneladas por ano. Dados do Plano Nacional de Saneamento Bsico,

de 2008, indicam que 100% dos 417 municpios do estado possuem manejo de RSU. Na

maioria dos municpios, a prefeitura aparece como nica executora dos servios de manejo de

resduos slidos. O municpio de Salvador, em particular, gera anualmente 830 mil toneladas

por ano, em torno de 2.700 toneladas de RSU por dia. O municpio j no utiliza lixes para

dispor os seus resduos e oferece 100% de cobertura do servio de coleta e manejo de RSU.

Este servio executado por empresas consorciadas terceirizadas, responsveis tambm pelo

servio de disposio final em aterro sanitrio.

A Poltica Nacional de Resduos Slidos (PNRS), instituda pela lei 12.305 /2010 o marco

normativo da gesto de resduos slidos no Brasil. Os princpios constituintes e os

instrumentos econmicos da PNRS formam uma aplicao emprica da abordagem ecolgica

e ambiental da teoria econmica. Os instrumentos econmicos baseados no princpio do

poluidor pagador, do protetor recebedor, e o paradigma da Ecoeficiencia representam os

parmetros normativos da gesto de resduos previstos na PNRS. A PNRS representa um

avano na gesto de resduos slidos no Brasil, pois incorpora os conceitos de poltica

ambiental considerados mais avanados, na atualidade.

A PNRS exige, ainda, que os estados e municpios desenvolvam planos de gesto de resduos

slidos de mbito estadual, municipal e intermunicipal respectivamente. Os planos

intermunicipais so apresentados como uma soluo para o problema de escala

economicamente vivel dos servios de manejo e disposio dos resduos slidos dos

municpios. Os principais destaques normativos da PNRS so: a ordem de aes prioritrias

para a gesto de resduos, mais eficiente do ponto de vista ecolgico; a responsabilidade

compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, especialmente na fase da logstica reversa; a

erradicao de lixes e a incluso de catadores de materiais reciclveis nos planos de gesto

de resduos slidos.

20

A PNRS, ao tempo em que traz avanos na poltica de gesto de resduos slidos no Brasil,

tambm exprime uma controvrsia em relao ordem de prioridades das aes estratgicas

na gesto de resduos slidos. Esta ordem de prioridade traz o ideal de conservao energtica

ecoeficiente. Este ideal assume a no gerao, reduo, reutilizao, reciclagem e tratamento

dos resduos slidos, bem como disposio final ambientalmente adequada dos rejeitos.

Entretanto, ao se referir incinerao com aproveitamento energtico de resduos slidos, a

lei no deixa claro quais so os limites entre a reciclagem mecnica (convencional) e a

reciclagem energtica (incinerao). Isto traz conseqncias significativas para o

planejamento tecnolgico e econmico do sistema de gesto.

De acordo com a ordem de prioridade da PNRS, a incinerao deve ocorrer na etapa de

tratamento de resduos slidos. uma etapa posterior reciclagem mecnica e anterior

disposio final. A finalidade primordial da incinerao seria a reduo do volume de RSU e

a gerao de energia eltrica a partir da queima de Resduos Slidos Urbanos seria um

subproduto desejvel desta tecnologia. A gerao de energia eltrica por meio de incinerao

de RSU um processo tambm conhecido como reciclagem energtica. Entretanto, a

utilizao de tecnologias obsoletas de incinerao de resduos com reciclagem energtica vem

sendo cogitada pelos formuladores de polticas de gesto. A literatura mostra que a gerao de

energia, por estas tecnologias, s economicamente vivel quando se inclui a queima de

papeis e plsticos, materiais com maior poder calorfico entre os RSU. Desta forma, a

incinerao concorreria diretamente com a reciclagem mecnica de RSU, trazendo uma

dicotomia na escolha de tecnologias de gesto de Resduos Slidos Urbanos.

Um ponto fundamental que relaciona a teoria da economia ecolgica com a gesto de resduo

a analise da entropia da energia gerada ou conservada. A teoria enfatiza a necessidade de

priorizar tcnicas de conservao de energia de baixa entropia, que seria o caso da reciclagem

mecnica, em detrimento de tcnicas de gerem energia de alta entropia, a exemplo da

reciclagem energtica. Desta forma, neste trabalho, esta dicotomia o tema central do

problema de pesquisa.

No estado da Bahia, o Plano Estadual de Resduos Slidos est na fase de Projeto de Lei. Este

projeto de lei traz a mesma ambigidade tcnica na gesto de resduos. Como parte do sistema

de gesto de resduos a ser implantado no estado, o plano prev a concesso de benefcios

fiscais s empresas e entidades que tenham como atividade econmica o aproveitamento e a

21

recuperao energtica de resduos slidos produzidos no estado. Tal como ocorre em mbito

nacional, verifica-se a necessidade de delimitar de forma mais precisa as prioridades tcnicas

da gesto de resduos no estado da Bahia. Em Salvador, ainda no existe nenhum projeto de

lei de plano municipal ou plano intermunicipal de gesto de resduos slidos. Dessa forma,

Salvador ainda se encontra na fase escolha das tecnologias de gesto de resduos slidos.

Considerando as possibilidades de adoo de duas rotas tecnolgicas, Reciclagem

mecnica e reciclagem energtica, para recuperao dos Resduos Slidos Urbanos no

municpio de Salvador, o problema de pesquisa que se coloca : Qual a melhor

rota tecnolgica a ser adotada no mbito da Poltica Nacional de Resduos Slidos,

para recuperao ecoeficiente dos Resduos Slidos Urbanos, no municpio de Salvador?

A partir deste problema de pesquisa, o objetivo do presente trabalho ser simular a mudana

tecnolgica na estrutura de insumos decorrente da adoo de duas rotas tecnolgicas pelo

municpio de Salvador. Como objetivos especficos, sero estabelecidos os seguintes: (i)

Construir um referencial terico da economia do meio ambiente relacionada PNRS e

problemtica dos resduos slidos; (ii) Construir um modelo de Insumo - Produto para o

estado da Bahia, para simular uma mudana tecnolgica refletida na estrutura de insumos das

rotas tecnolgicas; (iii) Comparar os resultados econmicos das duas rotas tecnolgicas a

partir da modelagem de Insumo - Produto. A hiptese levantada a priori de que a

reciclagem mecnica provoca uma reduo mais significativa da depleo de recursos

naturais, se comparada economia de recursos proporcionada pela reciclagem energtica.

Diante do presente problema de pesquisa e respectivos objetivos, ser necessrio seguir

algumas etapas para execuo do trabalho de pesquisa. Desse modo, alm desta introduo, a

dissertao composta de mais seis captulos.

O capitulo 2 apresentar ao leitor as principais definies e conceitos tcnicos relacionados

aos resduos slidos e reciclagem. So apresentadas as classificaes dos Resduos Slidos,

bem como a descrio dos Resduos Slidos Urbanos que sero objeto de analise nesta

dissertao. Neste capitulo, sero dadas as definies de reciclagem mecnica e energtica,

mostrando as diferenas tcnicas entre estas duas rotas tecnolgicas. Este capitulo foi

formulado para tornar as expresses tcnicas, utilizadas em toda a extenso deste trabalho,

mais compreensveis ao leitor.

O capitulo 3 discorre sobre os aspectos econmicos e institucionais cadeia produtiva da

22

reciclagem. Ser realizada a descrio do mercado de reciclagem, com a caracterizao dos

agentes que nele atuam. Em seguida, ser apresentada a legislao que rege as instituies

relacionadas cadeia de reciclagem, o histrico da atividade e a configurao da cadeia

produtiva da reciclagem e a legislao que regem o setor reciclador. Por fim, ser explicitada

a problemtica que envolve a Poltica Nacional de Resduos Slidos em relao escolha das

rotas tecnolgicas alternativas de reciclagem e como este trabalho pretende abordar estas

questes.

O captulo 4 traz a reviso da terica sobre a economia ecolgica e a economia ambiental. So

apresentados os principais conceitos e definies tericos relacionados s polticas ambientais

e, em particular, s polticas ambientais urbanas. Neste capitulo so detalhados os conceitos

tericos presentes na PNRS e como estes se relacionam forma ideal de gesto de resduos

slidos urbanos, defendida nesta pesquisa. Tambm so apresentados os trabalhos empricos

precursores da analise comparativa das rotas tecnolgicas, bem como, os trabalhos que j

aplicaram a analise de Insumo-Produto economia da reciclagem. Dessa forma, so

ressaltados os principais conceitos das cincias naturais e da economia que daro

embasamento escolha da rota tecnolgica de reciclagem mais adequada atual realidade

ambiental e ecolgica.

O Capitulo 5 refere-se metodologia utilizada para simulao da mudana tecnolgica,

decorrente da reciclagem, sobre estrutura produtiva do estado da Bahia, para o ano de 2009.

Em primeiro lugar, ser apresentada a metodologia de analise de Insumo-Produto.

Posteriormente, mostrada a construo de Matrizes de Relaes Intersetoriais (MRI)

estaduais pelo mtodo RAS biproporcional modificado e os coeficientes de ligao de

Rasmussen. Em seguida, mostrado o processo de quantificao fsica dos resduos

reciclveis presentes no RSU do municpio de Salvador, tanto do ponto de vista da rota de

reciclagem mecnica quanto da rota de reciclagem energtica. O banco de dados com a

quantidade de resduos gerados em Salvador se refere ao ano de 2010. Uma vez quantificados

fisicamente, os resduos so valorados aos preos de mercado. A partir da, segue-se que com

a explicao do modelo de Insumo-Produto utilizado para a aferio dos efeitos de cada uma

das rotas de reciclagem estudadas nesta dissertao.

A modelagem apresentada pretende simular uma mudana tecnolgica na estrutura de

insumos dos setores da cadeia produtiva produzida pela reciclagem de Resduos Slidos

23

Urbanos. um modelo que analisa as conseqncias da reciclagem pela tica dos setores

fornecedores de matria prima virgem. Atravs da reduo do Valor Bruto da Produo do

setor ofertante de matria prima virgem e de energia de diversas fontes3, possvel verificar a

os recursos poupados pela reduo na produo de matria prima virgem, na medida em que

esta substituda por insumos reciclveis e reciclados.

No capitulo 6 sero apresentados os resultados da simulao do uso de materiais reciclveis

como insumos na cadeia produtiva do estado da Bahia. O modelo de Insumo-Produto foi

utilizado para produzir resultados para as duas rotas tecnolgicas de reciclagem discutidas

nesta dissertao, quais sejam reciclagem mecnica e reciclagem energtica. Sero

apresentados os resultados calculados pela analise do lado da oferta. Este modelo exprime a

reduo do Valor Bruto da Produo do setor ofertante de matria prima virgem e de energia

de diversas fontes4, ocasionada pela entrada dos materiais reciclveis na cadeia produtiva.

Uma analise da mudana tecnolgica na estrutura de insumos ser apresentada na concluso

deste capitulo.

O capitulo 7 apresentar as consideraes finais da pesquisa. Ser feita uma sntese dos

captulos e dos resultados encontrados e tambm sero elencadas algumas sugestes de

polticas publicas que podem ser fundamentadas neste estudo. Ao final do capitulo, tambm

sero sugeridos futuros temas de pesquisa, a partir deste estudo.

3 Considera-se que a energia gerada pela queima de RSU entra na matriz como substituto perfeito da energia eltrica

provenientes de outras fontes.

4 Considera-se que a energia gerada pela queima de RSU entra na matriz como substituto perfeito da energia eltrica

provenientes de outras fontes.

24

2 CARACTERSTICAS TCNICAS DA RECICLAGEM DE RESDUOS SLIDOS

URBANOS

Neste capitulo, sero apresentados ao leitor as principais definies e conceitos tcnicos

relacionados aos resduos slidos e reciclagem. So apresentadas as classificaes dos

Resduos Slidos, bem como a descrio dos Resduos Slidos Urbanos (RSU) que sero

objeto de analise nesta dissertao. Tambm so dadas as definies de reciclagem mecnica

e energtica, mostrando as diferenas tcnicas entre estas duas rotas tecnolgicas.

2.1 DEFINIO DE RESDUOS

O termo resduo associado a todo tipo de matria ou energia no aproveitada no processo de

consumo ou produo. Qualquer processo de produo, distribuio, e consumo gera resduo,

seja na forma de matria ou energia dissipada. Atualmente, os 6,6 bilhes de habitantes do

planeta Terra geram cerca de 3 bilhes tonelada de lixo por ano (CEMPRE, 2010). Os

problemas associados a sua gesto se acumulam e a cada tempo e lugar so encontrados

novos desafios a serem superados. A reciclagem vem sendo uma alternativa, embora no

prometa resolver a maior parte dos problemas associados aos resduos. Considerando que

cada processo deste como um ciclo, estes resduos podem ser reintroduzidos no processo de

produo e consumo atravs da sua reutilizao ou reciclagem. Para tanto, faz-se necessrio a

definio correta dos resduos que esto sendo gerados, de forma a encaminhar as melhores

solues possveis para cada tipo de resduo.

Cabe ressaltar que o termo resduo slido se diferencia de lixo. O resduo slido se

configura como algo que tem valor de uso e valor de troca e pode fazer parte de uma cadeia

produtiva em que ocorre a agregao de valor a este (DELMONT, 2007). Por outro lado, o

lixo tem seu preo negativo, pois tudo aquilo que as pessoas pagam, mesmo que

indiretamente para se desfazerem. Os resduos slidos tm um preo positivo, uma vez que

so varias as possibilidades de ganhos que a sociedade e o meio ambiente podem obter com a

sua reintroduo, na cadeia produtiva. Alm das receitas com a reutilizao produtiva dos

RSU, a literatura destaca outros benefcios econmicos derivados da reciclagem (CEMPRE,

2010). Um dos principais benefcios so os custos evitados pela reciclagem devido

economia no transporte e na disposio final dos resduos nos aterros sanitrios. Estes

elementos fazem dos RSU um objeto de valor econmico positivo para a economia e

25

sociedade em geral. Dentre os vrios segmentos de resduos slidos apresentados

anteriormente, a reciclagem mecnica e energtica vem sendo cada vais mais utilizada a nvel

mundial.

A classificao dos Resduos Slidos varia conforme os critrios de agregao dos materiais.

A classificao tcnica pode ser quanto sua origem, ao seu grau de periculosidade ou quanto

s suas caractersticas fsicas. O tipo especifico de resduo que ser objeto de analise nesta

dissertao so os Resduos Slidos Urbanos, que englobam os Resduos Slidos Urbanos

Domiciliares (RDO) e Pblicos (RPU), uma subclasse dos Resduos Slidos.

De acordo com o Manual de Gerenciamento Integrado de Resduos Slidos do Instituto

Brasileiro de Administrao Municipal (IBAM) de 2001, os resduos slidos so geralmente

agregados de duas formas: i- pelos seus riscos potenciais de contaminao do meio ambiente;

ii- quanto natureza ou origem do resduo. Cada uma destas agregaes apresenta outras

sub-agregaes que especificam com mais exatido as caractersticas dos resduos. Tais

caractersticas determinam o tipo de tratamento mais adequado para cada espcie de resduo.

Com relao primeira classificao, a NBR 10.004 da ABNT determina trs subclasses, a

saber: Classe I ou Perigosos: So aqueles com propriedades intrnsecas de inflamabilidade,

corrosividade, reatividade ou patogenicidade; A Classe II ou No- Inertes: So resduos que

apresentam caractersticas de combustibilidade, biodegradabilidade, ou solubilidade que

possam acarretar riscos sade ou ao meio ambiente; Classe III ou Inertes: So aqueles

resduos que no oferecem riscos sade e ao meio ambiente.

De acordo com o Manual do IBAM (2001), a classificao quanto natureza ou origem dos

Resduos Slidos apresenta ainda cinco subclasses distintas, quais sejam: Domstico ou

residencial; Comercial e demais servios; Publico (limpeza de vias e logradouros pblicos);

Domiciliar especial (entulho, pilhas e baterias, lmpadas fluorescentes, pneus, etc.) e

Resduos de fontes especiais (com cinco subclassificaes: lixo industrial, lixo radioativo,

lixo de portos, aeroportos, e terminais rodovirios, lixo agrcola e lixo de servios de sade).

Na cadeia de consumo e produo, ainda so classificados em Ps - industrial, Ps consumo

e Ps-destino final.

O Resduo Ps-industrial formado pelos refugos da produo industrial de materiais ou de

26

embalagens que sobram do processo de comercializao do produto final, conhecida como

perda industrial. Este resduo, que anteriormente era descartado completamente,

corresponde atualmente a 70% do mercado de sucata no Brasil (CEMPRE, 2010). Isto se

deve, em grande parte, qualidade ao material, que possui baixo nvel de contaminao por

outros materiais, facilitando a reciclagem.

Quanto aos resduos Ps consumo, estes so formados por resduos domiciliares, comerciais

e pblicos, que no chegaram ao destino final que so os lixes e aterros. Este resduo a

origem de parte dos resduos slidos urbanos coletados por catadores, seja por meio de coleta

seletiva ou pela triagem realizada em logradouros de forma predatria. A composio dos

resduos slidos urbanos em resduos molhados e secos na composio gravimtrica5 do

lixo gerado diretamente proporcional renda per capita.

No caso do resduo Ps - destino final, este se refere aos materiais triados aps chegarem aos

aterros, lixes ou usina de triagem. Segundo Pimenteira (2002), esta a forma de coleta mais

utilizada por estes trabalhadores em todo o mundo, e tambm a mais perigosa. Os materiais

provenientes desta da triagem, ps-destino final, tm sua taxa de reaproveitamento bastante

reduzida (apenas 0,8%) devido ao alto nvel de contaminao dos resduos por substancias

que inviabilizam a sua reciclagem.

A literatura apresenta imprecises na classificao quanto origem dos Resduos Slidos que

podem ser enquadrados como Urbanos. Segundo o manual do IBAM, a classe de resduos

denominada Resduos Slidos Urbanos representa a soma dos resduos domiciliares (RDO) e

dos resduos pblicos (RPU). O RDO, na definio do IBAM usada por Delmont (2007) e

Freitas (2007), englobaria tanto os resduos domsticos ou residenciais, quanto os resduos

comerciais6. O RPU se refere aos resduos comuns gerados pelas atividades da limpeza de

ruas e logradouros pblicos. Ambos, RDO e RPU, podem ser considerados RSU ps

consumo.

A classificao utilizada pela Lei n 12.305/10 que institui a Poltica Nacional de Resduos

5 Composio Gravimtrica, de acordo com Compromisso Empresarial para a Reciclagem (2010), a composio fsica dos

resduos. Em outras palavras, porcentagem dos diversos tipos de materiais que compem o resduo, tais como papel,

papelo, madeira, plstico, matria orgnica, vidro, metal, entre outros. 6 Desde que coletados de pequenos geradores. Segundo IBAM, por pequeno gerador entende-se um estabelecimento

comercial que gere o equivalente a uma domicilio com at cinco membros. Entretanto, cada municpio pode estabelecer

critrios adicionais para a classificao entre grandes e pequenos geradores (IBAM; 2001. p. 27).

27

Slidos (PNRS), considera como RSU apenas os resduos domiciliares: originrios de

atividades domsticas em residncias urbanas e os resduos de limpeza urbana: os originrios

da varrio, limpeza de logradouros e vias pblicas e outros servios de limpeza urbana. A

PNRS no menciona os resduos de origem comercial ou entulhos como RSU. Neste sentido,

aqui ser levado em conta definio do IBAM (2001), que considera como parte do RSU

tambm os resduos comerciais e entulhos de pequenos geradores, pela semelhana fsica dos

materiais gerados pelos pequenos comerciantes e geradores de entulho com os materiais de

origem domiciliar e publica. A Figura 1 apresenta um organograma de classificao dos RS

conforme o tipo de gerador.

Figura 1 - Esquema de classificao de Resduos Slidos, por origem.

Residuos Slidos

Residuos Slidos Urbanos

Domiciliares

Domsticos ou Residenciais

Comerciais e entulhos de pequeno porte

Publicos

Residuos Solidos de Fontes Especiais

Industrial

Portos, Aeroportos e Terminais Rodovirios

Agricola

Radiotivo

Servios de Saude

Domiciliares especiais

Fonte: Dados da pesquisa, 2013, a partir de IBAM (2001), Delmont (2007), Freitas (2007), Brasil (2010-a).

A classificao de RSU definida pelo IBAM (2001) a mesma utilizada para atribuio de

responsabilidade pelo manejo de RS do municpio de Salvador. O sistema de manejo dos RS

distingue o grande gerador do pequeno gerador, para resduos comerciais, de servios,

industriais e entulhos. O grande gerador, enquadrado nestas categorias, tem responsabilidade

pelo manejo do prprio resduo, enquanto o pequeno gerador pode dispor do servio publico

para a coleta de resduos. Esta diviso poder ser observada no

Quadro 1. Este trabalho pretende fazer uma analise sobre o montante de RSU coletado pelo

sistema publico de limpeza urbana municipal de Salvador.

28

Quadro 1 - Responsabilidades do Manejo por Tipo de Resduos

Origem dos resduos Responsabilidade pelo manejo

Domiciliar Municpio

Comercial pequeno gerador Municpio

Comercial grande gerador Gerador

Pblico Municpio

Servios de sade Gerador

Industrial Gerador

Em perdimento Gerador

Instalaes porturias, terminais alfandegrios, rodovirios e ferrovirios Gerador

Agrcola Gerador

Construo e demolio - pequeno gerador (at 2 m3) Municpio

Construo e demolio - grande gerador (at 2 m3) Gerador

Fonte: PBLU (2012).

Os RSU podem se apresentar de trs formas: i - Resduos reciclveis secos (plstico, papel,

metal, etc.); ii - Resduos reciclveis orgnicos ou molhados (restos de alimentos) e; iii -

rejeitos, que so resduos sem possibilidade de serem reciclados, devendo ser incinerados ou

dispostos em aterros. A Composio gravimtrica dos RSU derivada de fatores

socioculturais e ambientais, tais como o nmero de habitantes, poder aquisitivo, nvel

educacional, hbitos e costumes da populao, condies climticas e sazonais, mudanas na

poltica econmica do pas e na poltica nacional de resduos slidos (SINDICATO DAS

EMPRESAS DE LIMPEZA URBANA NO ESTADO DE SO PAULO; ASSOCIAO

BRASILEIRA DE RESDUOS SLIDOS E LIMPEZA PBLICA, 2012; CEMPRE; 2010).

A depender da intensidade destes fatores, as propores de materiais presentes no RSU e a

quantidade de lixo per capita podem variar entre as reas urbanas e dentro das prprias reas

urbanas.

2.2 DEFINIO E CARACTERIZAO DE RECICLAGEM MECNICA E

ENERGTICA

A reciclagem de RSU se subdivide em basicamente dois processos. No processo conhecido

como reciclagem mecnica, o produto resultante matria prima secundria, que substitui a

matria prima originalmente utilizada no processo produtivo (OLIVEIRA FILHO; FREITAS,

2009). A reciclagem energtica, tambm conhecida como valorizao energtica, consiste em

aproveitar o poder calorfico gerado na queima de resduos para a gerao de energia eltrica.

29

Neste caso, o produto da reciclagem , portanto, a energia eltrica.

De acordo com a Poltica Nacional de Resduos Slidos, definida na Lei 12.305/2010, que

normatiza as praticas de gesto e gerenciamento de RSU, a reciclagem um [...] processo

que transforma materiais reciclveis em novos produtos. O termo reciclagem geralmente

aplicado ao processo de transformao dos mais diversos grupos ou tipos de resduos slidos

que tenham as suas propriedades fsicas, fsico-qumicas ou biolgicas alteradas para

obteno de insumos ou novos produtos. A literatura tambm define os termos recuperao

e valorizao de resduos como sinnimos de reciclagem de resduos slidos. O uso de cada

uma das diversas tecnologias de reciclagem depende do tipo de material a ser processado e do

tipo de insumo / produto que se deseja obter.

A diferenciao do termo reciclagem surge quando se trata de processo de reciclagem dos

materiais plsticos. Segundo Franchetti e Marconato (2003), Oliveira Filho e Freitas (2009), a

reciclagem de plstico pode ser categorizada em quatro tipos: A reciclagem primria; a

reciclagem secundria ou mecnica, a reciclagem terciria ou qumica e; a reciclagem

quaternria ou energtica. O termo reciclagem mecnica e reciclagem energtica, apesar de

originalmente empregado para designar diferentes tipos de processo de reciclagem de

plstico, pode ser estendido para a designao dos processos de reciclagem dos demais

materiais.

Segundo Cempre (2010), Oliveira Filho e Freitas (2009), a reciclagem primria o nome

dado reciclagem de artefatos plsticos defeituosos, realizada internamente pela unidade

produtora. tambm conhecida como reciclagem ps-industrial. Este tipo de reciclagem

importante do ponto de vista de reduo de custos do produtor. Pela facilidade tcnica e

logstica atribuda reciclagem de resduos ps industriais, as metas de aproveitamento

associadas a esta so as primeiras a serem alcanadas por indstrias e policy makers.

A reciclagem secundria ou mecnica a converso de resduos plsticos domiciliares ou

pblicos descartados como lixo pelo seu consumidor final, seja na fase ps - consumo ou ps

destino final. A cadeia produtiva da reciclagem mecnica, que est detalhada no capitulo 3

deste trabalho, requer articulao institucional mais complexa no que se refere

implementao de polticas publicas ambientais, devido a sua multiplicidade das transaes e

atores envolvidos. Em funo desta complexidade, a meta de reciclagem mecnica de difcil

30

alcance.

A reciclagem terciaria ou qumica do plstico a converso dos resduos plsticos em

monmeros ou hidrocarbonetos. Os diversos tipos de plsticos podem ser transformados em

resinas virgens e outras substncias de valor econmico para a indstria. Alm disto, os

diversos tipos de plsticos ps consumo e ps-industrial (PVC, PABD, PEBD, etc.) podem

ser reciclados juntos, sem necessidade de triagem previa. No entanto, sua utilizao em escala

ainda invivel economicamente devido ao alto custo do processo.

Por fim, a reciclagem quaternria ou energtica do plstico consiste no processo de gerao de

energia eltrica atravs do calor advindo da queima dos resduos plsticos. Esta reciclagem se

diferencia da simples incinerao, j que esta no necessariamente produz energia eltrica no

processo de queima do resduo. Trata-se de um tipo de reciclagem bastante difundido nos

pases centrais, especialmente os pases europeus e o Japo. Entretanto, o aproveitamento

energtico pela incinerao de resduos nestes pases recente e ainda no generalizado. De

acordo com o Cempre (2010), o poder calorfico de um quilo de plstico igual ao de um litro

de leo combustvel.

Quadro 2 - Processos de reciclagem por tipo de material

Grupo de

Material

Primria Secundria Terciria Quartenria

Plstico sim sim sim sim

Papel sim sim no sim

Metal sim sim no no

Vidro sim sim* no no

Borracha sim sim* no sim

Madeira sim sim* no sim

Orgnicos sim sim* no sim

Processos de reciclagem

Fonte: Dados da pesquisa, 2013

7.

A reciclagem dos diversos grupos de materiais pode ser categorizada de forma semelhante.

Seguindo os mesmos parmetros utilizados para a classificao da reciclagem de plstico,

possvel estender a categorizao para os demais grupos de materiais. Apenas o processo de

reciclagem qumica ou terciria se aplica somente ao plstico. Assim, os processos industriais

7 Materiais que podem ser reciclados mecanicamente, mas que ainda no possuem a cadeia produtiva desenvolvida no estado

da Bahia

31

de reciclagem dos demais grupos e subgrupos de materiais reciclveis, podem tambm ser

classificados como primrio, secundrio ou quaternrio, tal como esquematizado no Quadro 2

Com relao reciclagem quaternria ou incinerao com fins energticos, sabe-se que todos

os materiais reciclveis secos podem ser queimados. Entretanto, nem todos os materiais tem

Poder Calorfico Inferior (PCI) suficiente para gerar energia calorfica, que pode ser

transformada em energia eltrica. No caso da reciclagem mecnica, a maioria dos materiais

reciclvel mecanicamente, porm alguns no possuem cadeia produtiva desenvolvida em

grande escala em todos os estados da federao.

A incinerao definida como uma tcnica de reciclagem ou recuperao energtica e

tratamento trmico de resduos em unidades fsicas de produo denominadas Usinas WTE,

da sigla em ingls de waste-to-energy. Em uma viso mais ampla, Menezes, Gerlach e

Menezes (2000) a definem com um processo de reduo do peso, volume e das

caractersticas de periculosidade dos resduos. A incinerao elimina as caractersticas de

patogenicidade da matria e reduz os seu volume, por meio da combusto controlada. Desta

forma, existe a incinerao sem gerao de energia eltrica, usada para reduo do volume e

patogenicidade de alguns resduos, e a incinerao com finalidade de gerao de energia

eltrica.

O processo de incinerao conhecido como queima mssica (mass burn) consiste em queimar

os RSU para produzir energia eltrica atravs do vapor, podendo tambm ser usado

diretamente em processos industriais (ou para aquecimento). O principio da gerao de

energia eltrica pela incinerao de resduos obedece aos mesmos princpios fsico-qumicos

de uma usina trmica convencional de ciclo Rankine 8. O montante de energia eltrica

gerada uma funo direta do poder calorfico (PC) do material incinerado e da capacidade

de transformao deste calor em eletricidade (Empresa de Pesquisa Energtica, 2008).

8 O ciclo Rankine um ciclo trmico a vapor, considerado o ciclo ideal para uma unidade motora simples a vapor. Baseia-se

na queima direta de resduos. O sistema de ciclo Rankine bsico composto por quatro equipamentos: A bomba hidrulica

(pump) e a Turbina a vapor (turbine), que dividem o sistema em zonas de alta e baixa presso, a caldeira (boiler) e o

condensador de vapor (condenser), que so responsveis por fornecer e retirar energia do sistema na forma de calor.

Atravs do calor, a turbina a vapor aciona um gerador eltrico que converte energia mecnica (Wt) em eletricidade. Difere

das outras tecnologias de ciclos trmicos (ciclo Otto e ciclo Brayton) que esses necessitam da transformao anterior do

resduo em gases combustveis baseadas na gaseificao, pirlise ou digesto anaerbia de resduos, integradas s turbinas

ou micro turbinas a gs, motores de combusto interna ou clulas a combustvel. (MINAS GERAIS, 2012).

32

O material orgnico tem como alternativa de reciclagem a biodigesto anaerbica. Este gera

metano, que pode ser utilizado para gerao de energia eltrica, e fertilizante agrcola, que

um subproduto slido da biodigesto. Apesar da sua importncia na resoluo de problemas

relacionados ao descarte de resduos e gerao de energia, esta opo no ser analisada neste

trabalho. Isto porque no existe uma cadeia produtiva suficientemente desenvolvida no estado

da Bahia que possa ser captada nas contas regionais, ficando como sugesto para futuros

trabalhos. Desse modo, ser considerado apenas o processo de reciclagem energtica do

material orgnico pela incinerao, uma vez que um material que possui PCI positivo.

Grfico 1- Poder calorfico inferior por grupo de RSU

712

8.193

2.729

1.921 2.490

8.633

--

1.000

2.000

3.000

4.000

5.000

6.000

7.000

8.000

9.000

10.000

Matria

Orgnica

Plsticos Papel e

Papelo

Txteis e

Couro

Madeira Borracha Inertes /

rejeitos

PCI (base mida sem cinzas) kcal/kg por material

Fonte: Dados da pesquisa, 2013, a partir de Brasil (2008-a), Minas Gerais (2012) e Climate Works (2012).

Nesta pesquisa, a reciclagem mecnica se resume cadeia produtiva do metal (ferrosos e no

ferrosos), plstico e papel / papelo. Quanto reciclagem energtica, esta relevante para o

plstico, papel / papelo, borracha, madeira e material orgnico. O Grfico 1 ilustra o poder

calorfico inferior por cada quilo de material.

A literatura utiliza o conceito de rota tecnolgica para descrever as tecnologias alternativas

utilizadas para a recuperao dos Resduos Slidos Urbanos. Cada rota tecnolgica tem

conseqncias econmicas, sociais e ambientais distintas. O relatrio da Empresa de Pesquisa

Energtica (BRASIL, 2008-a), da Fundao Estadual do Meio Ambiente de Minas Gerais

33

(MINAS GERAIS, 2012), divulgado em 2012, e o trabalho da Climate Works (2012) 9

definem duas rotas. A primeira rota, Rota A, baseada na reciclagem energtica de RSU

atravs dos incineradores de combusto em grelha, que utiliza o processo mass burn (queima

massiva), com a queima de todos os RSU, orgnicos e secos (MINAS GERAIS, 2012). A

segunda rota, Rota B, combina a gerao de energia eltrica atravs da biodigesto anaerbica

dos RSU com a triagem dos resduos secos para encaminhamento reciclagem. A escolha da

Rota B demanda um Plano Municipal de Gerenciamento de RSU, com coleta seletiva de

forma mais intensiva, o que no longo prazo tende a reduzir o montante gasto em

investimentos inicial.

Os estudos da Climate Works (2012) e Brasil (2008 - c) mostram o custo beneficio de cada

rota. Estes estudos mostram que a queima de RSU concorre diretamente com a reciclagem

mecnica. Isto ocorre porque as plantas produtivas no apresentam instalaes para triagem

dos resduos secos, e a retirada de plsticos e papel pode inviabilizar tcnica e

economicamente a gerao de energia, uma vez que estes guardam o maior poder calorfico.

Desse modo, a opo por centrar a analise das conseqncias econmicas e tecnolgicas neste

subgrupo de resduos decorre da grande participao dos RSU no total de resduos slidos

gerados em Salvador, assim como no Brasil e dos problemas associados sua m disposio

no meio ambiente.

2.3 CLASSIFICAO NACIONAL DA ATIVIDADE ECONMICA RECICLADORA

O IBGE utiliza dois cdigos de classificao de atividades e setores econmicos, que

possuem relao entre si, que sero compatibilizados neste trabalho. Um dos cdigos

utilizado pelo sistema de Contas Nacionais (SCN), doravante denominado 'cdigo SCN',

enquanto o outro cdigo corresponde Classificao Nacional de Atividades Econmicas

(CNAE) verso 2.0. Com relao indstria recicladora e transformadora, no existe na

verso 2.0 da Classificao Nacional de Atividades (CNAE) do Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatstica (IBGE) uma diviso ou grupo para indstria transformadora que utiliza

especificamente os materiais reciclveis. O rgo estatstico nacional entende que a separao

9 Os trabalhos da Empresa de Pesquisa Energtica Brasil (2008-a), da Fundao Estadual do Meio Ambiente de Minas

Gerais Minas Gerais (2012) e do Climate Works (2012) so utilizados como referencia, pois foram os trabalhos

encontrados na literatura destinados a embasar estudos de viabilidade de alternativas tecnolgicas para tratamento de

resduos nas administraes publicas municipais. Desta forma, so trabalhos que contm os parmetros tcnicos das

alternativas tecnolgicas associadas ao tratamento de RSU.

34

da atividade recicladora da atividade de transformao convencional s faz sentido at o nvel

de transformao de sucatas e resduos em matrias-primas secundrias, atividades

consideradas pr industriais. Esta atividades esto classificadas na seo E do CNAE 2.0,

denominada gua, Esgoto e Atividades de Gesto de Resduos e Descontaminao. Nesta

seo, encontram-se as classes 3831.9 Recuperao de materiais metlicos; 3832.7 -

Recuperao de materiais plsticos e; 3839.4 - Recuperao de materiais no especificados

anteriormente. Neste ultimo se incluem a recuperao de papel, papelo, vidro e outros

materiais reciclveis. A definio literal do grupo 383 Recuperao de materiais da CNAE

2.0 dada por IBGE (2007) 10

.

Devido alta taxa de informalidade constatada entre os estabelecimentos recicladores no pas

cadastradas no grupo 383 da CNAE 2.0 11

, existe uma baixa representatividade desta

atividade econmica no Sistema de Contas Nacionais (BRASIL, 2009). Ademais, existem

registros de indstrias recicladoras que so verticalizadas para frente e / ou para trs. Isto

significa que alm de realizarem a atividade de reciclagem industrial, tambm atuam como

transformadores (a jusante) e/ou separadores ( montante), o que dificulta ainda mais a

desagregao das atividades do grupo no SCN (FREITAS; OLIVEIRA FILHO, 2009).

Com relao s indstrias transformadoras demandantes dos materiais reciclados, existe uma

diviso mais especifica entre os grupos de materiais. As indstrias transformadoras de

matrias-primas recicladas so: (SCN 307) - Fabricao de Celulose e Produtos de Papel

(reciclagem do papel), cuja diviso CNAE 2.0 17; (SCN 318) - Fabricao de Artigos de

Borracha e Plstico (reciclagem do plstico), CNAE 2.0 diviso 22; (SCN 322) -

Metalurgia Bsica (reciclagem do alumnio) da diviso 24 segundo a CNAE 2.0 e; (SCN

323) - Fabricao de Produtos de Metal - exclusive mquinas e equipamentos (reciclagem do

ferro e do ao), cuja diviso CNAE 2.0 a 25. Desta forma, verifica-se que a separao dos

materiais reciclveis em grupos condizente com as diversas tecnologias de transformao

industrial a que so submetidos.

10

A CNAE define o processo de recuperao de materiais como: separao e transformao de sucatas e resduos em

matrias-primas secundrias mediante a compactao, tratamentos qumicos, fsicos, etc., permitindo nova transformao.

Os produtos obtidos pela recuperao de materiais so utilizados na indstria. As atividades do grupo classificado pelo

IBGE como reciclador compreendem tambm o tratamento de resduos feito por usinas de compostagem, resultando num

composto utilizado para a fertilizao do solo (BRASIL, 2007-a). Em tese, esse grupo deve ser afetado a montante no

processo de avaliao dos impactos econmicos da cadeia produtiva dos materiais reciclveis. Devido ao alto grau de

informalidade deste setor, composto por ferros-velho, depsitos e cooperativas de catadores de materiais reciclveis, a sua

visibilidade na matriz de Insumo-Produto ainda bastante limitada. 11Oliveira Filho (2009)

35

Estas indstrias, ao utilizarem os materiais reciclveis, deixam de pressionar os setores de atividade

montante, isto , aqueles que lhes fornecem matrias primas virgens. Desta forma, a reciclagem

de metal reduz a oferta do setor (SCN 202 +203) - Outros da indstria Extrativa, cujo cdigo

CNAE 2.0 abrange as divises 05 a 09, exceto a diviso 06 que diz respeito Extrao de Petrleo

e gs natural. A reciclagem de papel reduz a oferta do setor (SCN 307) - Celulose e produtos de

papel, correspondente diviso 17 da CNAE 2.0 . Quanto reciclagem de plstico, esta reduz a

oferta do setor (312) - Fabricao de resina e elastmeros, o qual corresponde ao grupo 203 da

CNAE 2.0.

Em relao reciclagem energtica, o mesmo o grupo do setor (351) - Gerao, transmisso e

distribuio de energia eltrica, que corresponde ao grupo 351 da CNAE 2.0, , ao mesmo

tempo, o setor que oferta (gerao) e demanda (transmisso / distribuio) de energia eltrica.

Espera-se que a reciclagem, ao reduzir a depleo de recursos naturais, provoque uma

mudana na tecnologia de insumos dos setores, refletindo-se em uma matriz de Insumo-

Produto mais limpa, do ponto de vista ambiental

No prximo capitulo sero apresentadas as informaes sobre o panorama da gerao e gesto

de Resduos Slidos Urbanos no Brasil e no mundo. Sero mostradas as principais questes

institucionais e econmicas relacionadas aos Resduos Slidos Urbanos.A construo deste

panorama indispensvel para a compreenso da problemtica sobre a rota tecnolgica de

reciclagem que contemple os critrios de Ecoeficiencia.

2.4 ASPECTOS ECONMICOS E INSTITUCIONAIS DAS TECNOLOGIAS DE

RECICLAGEM ENERGTICA

No mundo existem registros do uso da incinerao para a reduo do volume de resduos

dispostos em aterros ou lixes desde o sculo XVIII (MORGADO; FERREIRA, 2006). Mas

s a partir da segunda metade da dcada de 60 que passa a ser usada para gerao de energia

eltrica. Atualmente, a tecnologia encontra-se na quarta gerao, marcada por uma maior

presso ambiental, e busca de reduo ao mximo dos gases poluentes.

Os avanos na tecnologia de reciclagem mecnica aumentaram o custo de oportunidade da

reciclagem energtica em decorrncia da ampliao de usos produtivos dos RSUs. Desse

36

modo, o crescimento do mercado associado reciclagem mecnica valorizou o RSU como

matria prima dos mais variados processos produtivos. Alm disto, presses polticas

decorrentes da insatisfao de ecologistas e da sociedade pela adoo de processos de

reciclagem menos poluentes induziram reorganizao tecnolgica do setor (CONNETT,

2013).

O primeiro incinerador do Brasil foi instalado em fins do sculo XIX, no estado da Amaznia.

Na dcada de 1970, foi iniciada a fase de implantao de incineradores para resduos

perigosos. At o momento, no se verifica registros de plantas de incinerao de RSU com

finalidade de gerao energtica, como a mass burn (CLIMATE WORKS, 2012). Entretanto

existe uma profuso de projetos em todo o Brasil, para implantao destas plantas em virtude

de uma brecha na PNRS. A tecnologia que est sendo comprada pelo Brasil uma reproduo

da tecnologia utilizada na Europa (OLIVEIRA FILHO, 2010).

O Movimento Nacional de Catadores de Materiais Reciclveis (MNCR) e outras organizaes

ambientalistas tm se manifestado contra a incinerao de RSU. A justificativa a possvel

reduo do mercado de materiais reciclveis, que possibilita a recuperao de RSU

considerado menos poluente do que a recuperao energtica. Alm do aspecto ambiental, o

aspecto social tambm considerado a favor da reciclagem mecnica, que gera mais

empregos e renda ao longo da cadeia produtiva.

A legislao nacional que normatiza o processo de incinerao est contida nas resolues do

Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) n 316 e n 358. Estas resolues

dispem sobre os procedimentos e critrios para o funcionamento de sistemas de tratamento

trmico de resduos e sobre a sua aplicao para resduos da sade. As definies e padres

para analise do desempenho do material incinerado, bem como o padro de emisso, de

material particulado, inspeo, anlise do resduo plano de disposio de resduos da queima,

e etc. so normatizados pelas NBR12

11157 e NBR 14.0004 da Associao Brasileira de

Normas Tcnicas (ABNT). Por emitir muitos materiais poluentes ao longo do processo, a

incinerao cercada de legislaes que limitam o seu desempenho.

O rendimento energtico mdio do processo de aproximadamente 20% a 25%, sendo

12Norma Brasileira (NBR) sistematizada pela Associao Brasileira de Normas Tcnicas (ABNT).

37

limitado pela necessidade de manuteno de baixas temperaturas de combusto dos resduos

(em torno de 200c). Esta a forma de se controlar a agressividade ambiental dos gases

expelidos pelo uso deste tipo de combustvel e de evitar o desgaste precoce dos equipamentos

(BRASIL; 2008 -a). Existem diversos tipos de tecnologias de tratamento trmico para gerao

de energia eltrica a partir de RSU. As principais tecnologias de tratamento trmico de

resduos so cinco: 1) incinerao; 2) pirlise, 3) a gaseificao; 4) plasma e 5) co-

processamento em forno de clnquer. A incinerao a tecnologia de tratamento trmico de

resduos mais difundida, atualmente. A necessidade de manuteno das baixas temperaturas

faz com que o seu rendimento energtico seja relativamente baixo, em torno de 450 a 700

KWh por tonelada de RSU (BRASIL; 2008 -a).

Menezes et al (2000) define a incinerao como um processo de combusto controlada . As

usinas de incinerao, com capacidade de gerao de energia eltrica, so tambm conhecidas

pela sigla em ingls WTE (Waste to Energy) (BRASIL; 2008 -a). Fundamentado na

reao do oxignio com componentes combustvel presentes no resduo (como carbono,

hidrognio e enxofre), este processo converte energia qumica em calor, que pode tambm ser

transformado em eletricidade. Para analise da viabilidade tcnica e econmica desta

tecnologia prioritrio o estudo do Poder Calorfico Inferior (PCI) dos RSUs a serem

incinerados. O PCI o resultado das contribuies dos poderes calorficos especficos de

cada material (CLIMATE WORKS, 2012 pg. 37). Estes valores so inferidos em anlises

laboratoriais, pela queima completa dos materiais secos em equipamentos denominados

calormetros. O PCI se relaciona, portanto, diretamente composio gravimtrica dos RSU.

Segundo o inventario de tecnologias de incinerao e recuperao energtica das parcelas

secas e orgnicas dos RSU feito pela Climate Works (2012) a tecnologia mass burn a mais

utilizada. O nome mass burn ou mass burning significa literalmente queima qualquer

coisa no estado em que se encontra (CLIMATE WORKS, 2012, p. 34). Esta tecnologia gera

uma maior quantidade de energia, pois utiliza todos os resduos com poder calorfico elevado,

inclusive plstico e papel (MINAS GERAIS, 2010). Essa tecnologia conta com a maior

experincia de aplicao nos pases que optam pela recuperao energtica e est disponvel

comercialmente no Brasil. Estas caractersticas fizeram com que esta tecnologia se tornasse

parte do objeto de estudo do presente trabalho.

A Tabela 11 do Anexo I mostra os valores de PCI associados aos grupos de materiais que

38

foram utilizados neste estudo para o calculo da viabilidade tcnica da tecnologia de

incinerao mass burn para o municpio de Salvador. O valor do PCI relevante para o estudo

a soma da contribuio de cada material ao PCI Total (em kcal/kg). Esta contribuio

obtida pela ponderao do PCI de cada grupo de material pela participao relativa deste

grupo na composio gravimtrica dos RSU.

Segundo estudo da Empresa de Pesquisa Energtica (2008), embora no seja determinante, o

(PCI) dos RSU deve obedecer aos seguintes parmetros tcnicos: (i) Para PCI < 1.675

kcal/kg, a incinerao no tecnicamente vivel, pois alm das dificuldades tcnicas, exige a

adio de combustvel auxiliar); (ii) Para 1.675 kcal/kg < PCI < 2.000 kcal/kg, a viabilidade

tcnica da incinerao ainda depende de algum tipo de pr-tratamento que eleve o poder

calorfico; (iii) Para PCI > 2.000 kcal/kg, a queima bruta (mass burning) tecnicamente

vivel.

Ainda segundo a Empresa de Pesquisa Energtica (2008), as usinas de incinerao podem

gerar entre 450 e 700 KWh por tonelada de RSU, considerando a tecnologia mass burn. Este

valor semelhante aos informados pelos estudos da Via Pblica e Fundao Estadual do Meio

Ambiente, que servem de referencia para esta dissertao. Segundo a Minas Gerais (2012), o

maior problema da incinerao, do ponto de vista da PNRS, que ela deveria ser usada

somente para os materiais no reciclveis. Entretanto so justamente as fraes de RSU com

maior poder calorfico como plsticos, papel/papelo e borrachas que interessam gerao de

energia e garantem a viabilidade econmica do projeto. Isto torna a tecnologia de reciclagem

energtica concorrente da gesto de resduos que tenha como prioridade a reciclagem

mecnica.

No municpio de Salvador, assim como no restante do Brasil, os RSU possuem uma elevada

frao de matria orgnica que se caracteriza pela umidade e pelo baixo poder calorfico

quando comparada a outros materiais, como pode ser observado na Tabela 11 do Anexo I. Os

valores mostram o PCI individual e a contribuio de cada material ao PCI total, que a

ponderao do PCI individual de cada material pela sua participao na composio

gravimtrica. A participao dos resduos midos ou orgnicos pode variar para mais ou

menos, mas continuam sendo o material com maior incidncia sobre o total de RSUs

brasileiros.

39

Um PCI abaixo do mnimo (que varia entre de 1.650 e 1.920 kcal/kg) implica na necessidade

de combustvel auxiliar para gerao de energia eltrica que mantenha a viabilidade tcnica e

econmica do projeto (MINAS GERAIS, 2010; 2012). Este processo inclui a remoo

magntica de materiais ferrosos e no ferrosos dos RSU, para obteno de uma frao de

resduos com maior poder calorfico. Ao final do processo, a composio do RSU

combustvel se constitui basicamente de materiais plsticos, papis e papelo no reciclados,

madeira, pano e frao orgnica.

As receitas operacionais do projeto so compostas por: venda de energia eltrica, destruio

trmica dos resduos slidos urbanos, recepo dos resduos na porta da planta de incinerao

(gate fee) e venda de crditos de carbono. A venda de energia eltrica gerada em

termoeltricas pautada pelo preo de leiles livres de energia. O valor cobrado pela tonelada

incinerada diz respeito ao custo de recepo ou de porta (gate fee) do material reciclvel.

Os crditos de carbono so gerados pela no disposio do RSU incinerado em aterros, apesar

de haver gerao de outros poluentes no processo de incinerao, o que gera, em alguma

medida, um dbito de carbono. Alm disso, ao gerar energia com o RSU, outras fontes de

energia de origem fssil so poupadas, com conseqente reduo de emisses, significando

mais crditos de carbono.

Quanto ao balano de carbono da incinerao com recuperao energtica, este alvo de

controvrsias. Trata-se de um processo altamente poluente, mesmo quando so consideradas

as tecnologias mais modernas (MINAS GERAIS, 2012; CLIMATE WORKS, 2012). O

estudo da Climate Works alerta para o fato de que o balano da quantidade de energia liquida

envolvida nas vrias cadeias de atividades econmicas relacionadas aos RSUs (coletores,

triadores, aparistas, recicladores e agentes coligados), deve considerar a energia produzida e a

energia conservada em cada rota tecnolgica do inicio ao fim do ciclo de vida dos RSUs

como um todo. Logo, a aplicao da metodologia de Analise do Ciclo de Vida (ACV)

necessria para a avaliao do balano de carbono do processo de incinerao e de reciclagem

mecnica.

Existem estudos relacionados a analise do ciclo de vida de embalagens reciclveis feitos pela

Empresa de Pesquisa Energtica e divulgados em 2008. As concluses apontam que a

economia de energia liquida obtida com a rota tecnolgica que alia reciclagem mecnica dos

resduos biodigesto dos resduos orgnicos de aproximadamente 2,5 vezes superior

40

economia de energia liquida obtida pela rota da incinerao (MINAS GERAIS, 2012).

Os resultados da ACV dos RSUs justificam a adoo de ordem de prioridade a ser seguida no

gerenciamento dos resduos: no gerao, reduo, reutilizao, reciclagem, tratamento de

resduos slidos e disposio final ambientalmente adequada de rejeitos. Essa ordem j vem

sendo adotada pelos pases desenvolvidos e est presente na legislao brasileira (BRASIL,

2010). Esta sistemtica deve servir para nortear os gestores locais na elaborao dos planos

locais de gesto dos resduos slidos. Alm disso, importante considerar os efeitos sobre a

gerao de trabalho e renda que cada rota tecnolgica pode proporcionar.

Em anlise feita pela Empresa de Pesquisa Energtica vinculada ao Ministrio das Minas e

Energia, em 2008, o abatimento de emisses de Gases do Efeito Estufa (GEE) adota como

linha base de emisses o aterro sanitrio sem aproveitamento energtico. Neste caso, a

incinerao, reduz as emisses de GEE (Brasil, 2008-a). A hiptese de recuperao mecnica

da parcela seca do RSU reduz o PCI incinervel, o que implica no uso suplementar de

combustveis fsseis, com o conseqente aumento de emisses de GEE. Segundo os clculos

da Climate Works, com os parmetros adotados neste estudo, cada tonelada incinerada

evitaria a emisso de 0,24343 tCO2e.

A energia eltrica, produto gerado por termoeltricas movidas a resduos slidos, entra como

insumo direto no setor SCN 401 - Produo e distribuio de eletricidade, gs, gua, esgoto e

limpeza urbana. O CNAE 2.0 deste setor se enquadra no grupo 351- Gerao, transmisso e

distribuio de energia eltrica. Devido ao nvel de desagregao possibilitado pelas Contas

Regionais divulgadas do IBGE, o setor que gera energia (oferta) o mesmo setor que

transmite e distribui energia (demanda) no atacado. Segundo a descrio da Comisso

Nacional de Classificao (B RASIL, 2007-a) do IBGE Este grupo compreende a gerao de

energia eltrica em alta tenso, a transmisso desde as usinas de gerao at os centros de

distribuio e a distribuio para os consumidores finais. Este grupo compreende tambm o

comrcio atacadista de energia eltrica. Desse modo, por imposio tcnica, neste trabalho

no existe a possibilidade de desagregar as duas atividades, de gerao e distribuio de

energia eltrica.

2.5 ASPECTOS ECONMICOS E INSTITUCIONAIS DAS TECNOLOGIAS DE

RECICLAGEM MECNICA

41

Para compreenso do processo de recuperao industrial do RSU, torna-se fundamental a

correta classificao dos setores de atividade que compem a cadeia produtiva da reciclagem

mecnica no Brasil. Como processo de recuperao mecnica de materiais, entende-se a

separao e transformao de sucatas e resduos em matrias-primas secundrias mediante a

compactao, tratamentos qumicos, fsicos, etc., permitindo nova transformao (FREITAS

E OLIVEIRA FILHO, 2009; CEMPRE, 2010). O processo de reciclagem mecnica de

materiais , portanto, um processo de produo industrial como outro qualquer. Os produtos

obtidos pela recuperao de materiais so utilizados, como matrias- primas secundrias,

pelos setores da indstria de transformao.

Com relao ao processo produtivo do papel, Freitas e Oliveira Filho (2009) aponta que o

processo produtivo tradicional do papel pode ser resumido em trs etapas: i - a extrao da

celulose natural existente nos vegetais, ii - a produo da massa celulsica , que funde a fibra

celulsica com demais componentes qumicos iii - a transformao da massa de celulose no

papel. O grupo de papel e papelo transformado em matria prima secundaria entra

diretamente na etapa de preparao da pasta de celulose, em que pode ser misturada com a

celulose virgem. A existncia de variados contaminantes e a colorao parda fazem com que a

fibra de celulose reciclada seja geralmente utilizada para a fabricao de papis menos

sofisticados como embalagens, papel carto ou imprensa (FREITAS; OLIVEIRA FILHO,

2009).

Ainda segundo Freitas e Oliveira Filho (2009), com relao ao processo industrial de

reciclagem do grupo dos plsticos, a transformao da matria prima secundria ocorre nas

indstrias chamadas de Terceira Gerao Petroqumica. O plstico reciclvel substitui as

resinas plsticas produzidas pelas indstrias de Segunda Gerao Petroqumica. Estas, por sua

vez, obtm sua matria prima nas indstrias da Primeira Gerao, a de petroqumicos bsicos.

A Terceira Gerao de indstrias petroqumicas transforma a resina, virgem ou reciclada em

diversos produtos, tais como embalagens plsticas, mangueiras de irrigao, tecidos etc.

Segundo relatrio do Instituto Plastivida, de 2011, os maiores mercados consumidores de

plsticos reciclados so os setores de utilidades domsticas (16,5%), seguido do setor

agropecurio (15,3%), Industrial (15%), Txtil (10,3%) e Construo Civil (10,2%). A

quantidade de vezes que um material plstico pode retornar ao ciclo finita e varia conforme

a qualidade e o tipo do plstico (CEMPRE, 2010).

42

Quanto ao grupo dos metais, tanto a reciclagem dos metais ferrosos quanto dos no ferrosos

passa por etapas tecnicamente semelhantes. Ambos so separados e vendidos s suas

respectivas indstrias metalrgicas, que executam a fundio e a preparao das ligas

metlicas. A principal diferena entre as cadeias dos metais ferrosos e no ferrosos o preo

de mercado de cada um. Os Metais no ferrosos podem atingir uma relao de preo / quilo

at dez vezes maior do que a observada entre os metais ferrosos. Os metais, de forma geral,

podem ser reciclados infinitas vezes, sem predas significativas das propriedades fsico-

qumicas dos materiais. (FREITAS; OLIVEIRA FILHO, 2009).

A taxa de reciclagem ps-consumo de um dado material dada pela razo entre o total

efetivamente reciclado e o total consumido (IRPM; 2011). As taxas de recuperao dos

plsticos so baseadas nos parmetros suecos. Segundo o Instituto Plastivida (2011) os suecos

reciclam, em media, 35% do total de plstico, ndice superior ao do Brasil, que reciclou em

2011 apenas 22%. Com relao aos papeis brancos ou de escritrio, de acordo com o Cempre

(2010), a taxa mxima encontrada na Argentina, com a reciclagem de at 46% dos papeis

brancos ou de escritrio, bem acima dos 30% reciclados no Brasil. O papelo, juntamente

como alumnio, so um dos poucos materiais cujas taxas de reciclagem brasileira so esto

entre as maiores do mundo, tendo 73% do seu papelo ps consumo e 35,2% do alumnio

recuperados no Brasil por reciclagem mecnica.

Por fim, tem-se a taxa de reciclagem de metais ferrosos, tambm conhecido como sucata de

obsolescncia de utilidades domsticas. A Associao Brasileira de Metalurgia (ABM) estima

que no Brasil sejam reciclados cerca de 50% dos metais ferrosos ps consumo. As taxas de

reciclagem deste material tm informaes escassas quando comparado aos outros materiais

pesquisados. Assim, de um total de aproximadamente 828 mil toneladas geradas anualmente

em Salvador, cerca de 130 mil ou 15,5% do total foram consideradas passiveis de reciclagem

neste trabalho. A Associao Brasileira de Metalurgia (ABM) estima que no Brasil sejam

reciclados cerca de 50% dos metais ferrosos ps consumo. As taxas de reciclagem deste

material tm informaes escassas quando comparado aos outros materiais pesquisados.

Assim, de um total de aproximadamente 828 mil toneladas geradas anualmente em Salvador,

cerca de 130 mil ou 15,5% do total foram consideradas passiveis de reciclagem neste

trabalho.

43

Tabela 1 - Composio gravimtrica e valorao dos RSU para reciclagem mecnica Salvador, 2010

Material

Composio

gravimtrica

percentual

Composio

gravimtrica

absoluta (em ton.)

Percentual

reciclavel

mximo (%)

Total reciclavel

por ano (em ton.)

Preo mdio por

tonelada (em R$

1,00)

Valor total do RSU

reciclaveis (em R$

1,00)

Plstico total 22,1% 183.072 64.075 51.154.907

Plstico Duro 4,9% 40.223 35 14.078 733 10.323.869

Plstico Mole 17,3% 142.849 35 49.997 817 40.831.037

Papel 12,1% 99.978 54.508 24.848.651

Papel Branco 8,3% 68.776 46 31.637 530 16.767.622

Papelo 3,8% 31.202 73 22.871 353 8.081.029

Metais 2,6% 21.766,70 10.101,24 7.088.384

Metais Ferrosos 2,0% 16.553 50 8.276 357 2.951.884

Metais No Ferrosos 0,6% 5.214 35 1.825 2.267 4.136.500

Total 36,8% 304.816 128.684 83.091.942

Fonte: Dados da pesquisa, 2013, a partir de CEMPRE (2010); Salvador (2012 - b); ABM (2011); PLASTIVIDA

(2011).

Como qualquer processo de produo, a reciclagem industrial mecnica , em si, um processo

poluente. Desta forma, a reciclagem enquanto processo produtivo possui tambm um passivo

ambiental, que pode ser contabilizado, por exemplo, como emisses de CO2 geradas no

processo de reciclagem. Por outro lado, sabe-se que a produo de bens de consumo finais e

intermedirios a partir de matrias primas secundarias proporciona economia de energia e

gua. Desta forma, o balano ambiental da reciclagem varia de acordo com cada material e

deve ser feito atravs da Analise de Ciclo de Vida especifico cada realidade produtiva.

44

3 ESTRUTURA ECONMICA E INSTITUCIONAL DA CADEIA DE RECICLAGEM

Este captulo discorre sobre os aspectos institucionais cadeia produtiva da reciclagem. Ser

realizada a descrio do mercado de reciclagem, com a caracterizao dos agentes que nele

atuam e a distribuio espacial das atividades econmicas. Em seguida, ser apresentada a

legislao que rege as instituies relacionadas cadeia de reciclagem. o histrico da

atividade e a configurao da cadeia produtiva da reciclagem e a legislao que regem o setor

reciclador. Por fim, explicitada a problemtica que envolve a Poltica Nacional de Resduos

Slidos (PNRS) em relao escolha das rotas tecnolgicas alternativas de reciclagem e

como este trabalho pretende abordar estas questes. Sero ressaltados os principais artigos da

Poltica Nacional de Resduos Slidos (PNRS) e a sua relao com as alternativas

tecnolgicas da recuperao de resduos.

3.1 INDSTRIA, MERCADO E CADEIA PRODUTIVA DA RECICLAGEM

De acordo com Grupo de Estudos de Relaes Intersetoriais (2009) e Carvalho (2009),

existem vrios agentes envolvidos no mercado de reciclagem. Podem ser elencados os

seguintes: 1) Fonte geradora; 2) Servio de Limpeza Urbana (SLU) 3) Catadores; 4)

Intermedirios (tambm denominados sucateiros, deposeiros ou atravessadores); 5) Indstria

recicladora; 6) Indstria de embalagens. Estes atores desempenham funes bem definidas na

articulao da coleta, separao e comercializao, e transformao de materiais reciclveis.

O processo inicial (etapas 1 e 2) o mesmo para ambas as rotas de reciclagem, energtica e

mecnica. A diferenciao na rota tecnolgica comea na presena ou no do catador de

materiais reciclveis para fazer a triagem do material.

No caso da reciclagem energtica, a tecnologia mass burn no necessita de triagem previa de

materiais reciclveis por grupo. Do material encaminhado para incinerao, so retirados

apenas alguns metais, atravs de peneiras magnticas automatizadas. Aps a combusto, a

energia trmica gerada transformada em eletricidade e entra nas linhas de transmisso at as

distribuidoras de energia eltrica ao consumidor final ou utilizado por autoprodutores.

No caso da reciclagem mecnica, a etapa inicial da reciclagem a coleta e triagem dos RSU.

45

Segundo Oliveira Filho e Freitas (2009), o conjunto de aes requeridas no processo pr-

industrial de reciclagem chamado de recuperao da matria-prima, que inclui a sua

limpeza e prensagem e/ou enfardamento. Este processo deixa o material pronto para ser

utilizado pela indstria de transformao como matria-prima secundria. Desse modo, a

ordem de apresentao das etapas 1 a 6 expressa o fluxo pelo qual passa o material reciclvel.

Segundo pesquisa realizada por Martins et al (2005), a formao de preos no mercado de

reciclagem se enquadra na estrutura de mercado Oligopsnica. Esta caracterizada por

inmeros vendedores de materiais reciclveis e poucos compradores. Logo, a formao de

preos ocorre por parte do comprador, que a indstria recicladora e / ou transformadora.

A fonte geradora definida como um conjunto de agentes que promovem o descarte de

sucata. Por sucata entende-se todo resduo passvel de reaproveitamento aps o seu consumo

produtivo ou final. Neste sentido, possvel dividir os resduos slidos conforme seus

processos geradores da seguinte forma: ps industrial, ps- consumo e ps destino final

(BRITO, 1994 apud PIMENTEIRA, 2002).

Os catadores representam uma parcela da populao marginalizada socioeconomicamente,

que encontra na coleta de materiais reciclveis a nica forma de garantir a sua sobrevivncia

d