Prof. Renato César Lena. Treinamento e Desenvolvimento Aula 3.
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA ESCOLA DE DANÇA …§ão... · Aos portadores de dor crônica que...
Transcript of UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA ESCOLA DE DANÇA …§ão... · Aos portadores de dor crônica que...
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA ESCOLA DE DANÇA MESTRADO EM DANÇA
JOANA CARDOSO MASCARENHAS
DOR CRÔNICA E DANÇA: ENTRELACES DO FENÔMENO NO PROFISSIONAL EM DANÇA
Salvador
2013
JOANA CARDOSO MASCARENHAS
DOR CRÔNICA E DANÇA: ENTRELACES DO FENÔMENO NO PROFISSIONAL EM DANÇA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Dança da Universidade
Federal da Bahia, como requisito parcial para
a obtenção do grau de Mestre em Dança.
Orientadora: Profª Drª Clélia Ferraz Pereira
de Queiroz
Salvador
2013
Sistema de Bibliotecas da UFBA
Mascarenhas, Joana Cardoso. Dor crônica e dança : entrelaces do fenômeno no profissional em dança / Joana Cardoso Mascarenhas. - 2013. 114 f.: il. Inclui apêndices e anexos. Orientadora: Profª. Drª. Cléia Ferraz Pereira de Queiroz.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal da Bahia, Escola de Dança, Salvador, 2013.
1. Dança. 2. Dor crônica. 3. Percepção. 4. Movimento. I. Queiroz, Cléia Ferraz Pereira de. II. Universidade Federal da Bahia. Escola de Dança. III. Título.
CDD - 793.3 CDU - 793.3
JOANA CARDOSO MASCARENHAS
DOR CRÔNICA E DANÇA: ENTRELACES DO FENÔMENO NO PROFISSIONAL EM DANÇA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Dança da Universidade
Federal da Bahia, como requisito parcial para
a obtenção do grau de Mestre em Dança.
______________________________________________________
Profª Drª Clélia Ferraz Pereira de Queiroz (Orientadora)- UFBA
_______________________________________________________
Prof.Dr. Durval Campos Kraychete – UFBA
_______________________________________________________
Profª Drª Leda Muhana Iannitelli - UFBA
Salvador, 31 de Janeiro de 2013
Aos portadores de dor crônica que anseiam por conforto
Aos profissionais da Dança e da Clínica de dor
‘Sedare dolore opus divinus est’
Ao meu avô, Gerson Mascarenhas, em memória.
Agradecimentos
São tantos e tão especiais...
À minha família, pelo amor e compreensão, sem palavras...
A Lara, presente mais lindo que a vida poderia me oferecer.
A Daniel, companheiro firme e suave, agradeço-lhe profundamente o seu
amor.
Aos alunos do pilates, pela confiança, e também pela compreensão nas
ausências.
Aos amigos, Marcea Sales, Cloud Sá, Aline Mendonça, Lena Maia,
Bárbara Santos, pela disponibilidade e atenção nos momentos
desnorteados.
A Rose Lima, Jorge Vermelho, Cezar Nunes, Janahína Cavalcante, Fátima
Suarez, Mathias Santiago, Flor Murta, Thiago Assis, pelo interesse e
disponibilidade em me receber.
Aos dançarinos que demonstraram interesse e disponibilidade para
participar deste estudo, sem vocês não teria sido possível.
A Lela, pela confiança, por me proporcionar ser sua orientanda, pelas
reflexões, pelas discussões, pela sua competência, pelo companheirismo e
carinho.
A Durval Kraychete, mestre é uma alegria poder contar com seu olhar
cuidadoso e sensível nesta jornada.
A Leda Muhana pela disponibilidade e leveza, pelos cuidados nas
sugestões.
Aos professores, colegas e funcionários do Programa de Pós-Graduação em
Dança da UFBA, pela colaboração presente.
À FAPESB, pelo apoio financeiro.
RESUMO
O dançarino profissional desenvolve processos de dor que muitas vezes se tornam
crônicos e a despeito de incapacitantes, seguem lesionando e adentrando o terreno de
processos mais e mais dolorosos com o corpo para chegar a um ideal insuperável de
corpo na sua profissão. Esta dissertação se propõe a investigar os processos envolvidos
no fenômeno da dor crônica em dançarinos profissionais na cidade de Salvador, com tal
empenho aspectos considerados fundamentais foram apontados e questões relevantes
foram levantadas procurando dar contribuições para os estudos da relação da dor com a
dança. A discussão está centrada na relação destes profissionais com a dor crônica
neuro-músculo-esquelética nos processos de realização das atividades em dança,
considerando a indissociabilidade entre corpo e mente, conforme a neurobiologia
proposta por António Damásio (1996, 2004), o entendimento de propriocepção segundo
Maxinne Sheets-Johnstone (1998), e a noção de percepção-ação proposta por Alva Nöe
(2004). Questões da dor instaladas no corpo implicam no processo de configuração
corporal e dizem respeito à própria percepção que se tem do próprio corpo, sentido
cinestésico e sistema sensório motor. Compreendendo o corpo como um processo
comunicacional, de acordo com o conceito corpomídia de Greiner e Katz (2003) no
entendimento de trânsito das informações nos fluxos dentro-fora de mão dupla, nos
processos de corporalização como proposto por Clélia Queiroz (2004), movimentos
internos e externos, intrínsecos e extrínsecos, micros e macros, entre organismo e
ambiente fundamenta, o entendimento da consciência como um fenômeno corpóreo
considerando que a propriocepção seja funcional aos movimentos intrínsecos neste
processo auto-organizativo que propiciam a cognição. Tais questões ressaltam o papel
cognitivo do movimento nos processos de corporalização, relacionadas a aspectos
motivacionais de instinto e paixão, envolvendo por sua vez aspectos emocionais e
sentimentos de prazer. Está em jogo o entendimento de experiência com o corpo e com
o movimento no processo de dançar. Trata-se de uma pesquisa de abordagem
metodológica mista, para tal foram elencados aportes teóricos como também foi
realizada uma pesquisa de campo com aplicação de questionários semi-estruturados em
87 dançarinos profissionais na cidade de Salvador.
Palavras chave: Dança. Dor Crônica. Corporalização/Embodiment. Propriocepção.
Percepção. Movimento.
ABSTRACT
The professional dancer develops pain processes that often become chronic and yet
despite this incapacitation, often continue injuring more deeply and causing more pain
in an attempt to reach a professionally ideal body. This paper aims to investigate the
processes involved in the phenomenon of chronic pain in professional dancers in the
city of Salvador, pointing out aspects considered fundamental and raising relevant
questions looking to make contributions to the studies of the relation between pain and
dance. The discussion focuses on the relationship of these professionals with chronic
neuro-musculoskeletal pain in procedures carried out as activities in dance, considering
the inseparability of mind and body as proposed by the neurobiology of Antonio
Damasio (1996, 2004), the concept of proprioception as defined by Maxinne Sheets-
Johnstone (1998) and the notion of perception-action proposed by Alva Noë (2004).
Questions of pain installed in the body involve the process of body configuration and
relate to the perception people have of their own body, their kinesthetic sense and
sensorimotor system. Understanding the body as a communication process according to
the concept of corpomídia of Greiner and Katz (2003), and viewing the two-way flow of
information in corporalization processes as proposed by Clelia Queiroz (2004), internal
and external movements, as intrinsic and extrinsic, micro and macro, between organism
and environment, underlie the understanding of consciousness as a tangible
phenomenon considering that proprioception is functional movements inherent in this
self-organizing process that lead to cognition. Such questions highlight the role of
cognitive processes in motion corporalization related to motivational aspects of instinct
and passion, involving aspects of emotion and feelings of pleasure. At stake is the
understanding of and experience with the body with movement in the process of dance.
This is a survey of mixed methodological approaches and as such, theoretical
contributions are utilized as was also field research with the application of semi-
structured questionnaires in 87 professional dancers in the city of Salvador.
Keywords: Dance. Cronic Pain. Embodiment.Proprioception. Perception. Moviment.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .........................................................................................................11
1.1 DE ONDE VENHO .................................................................................................11
1.2 O CAMINHO ONDE ESTOU..................................................................................15
1.3 A METODOLOGIA..................................................................................................22
2 REVISÃO DA LITERATURA..................................................................................25
2.1 UM APORTE HISTÓRICO DA DOR......................................................................25
2.2 UM APORTE FISIOLÓGICO DA DOR..................................................................28
2.2.1 Sensibilização Periférica.........................................................................................29
2.2.2 Sensibilização Central............................................................................................31
2.2.3 Modulação Endógena da Dor.................................................................................32
2.3 UM APORTE CLASSIFICATÓRIO DA DOR........................................................32
2.4 DOR CRÔNICA NA DANÇA..................................................................................33
2.4.1 Lesões em Dançarinos............................................................................................33
2.5 DOR, MOVIMENTO E IMOBILIDADE.................................................................39
2.6 SOBRE CORPORALIZAÇÃO.................................................................................43
2.7 DE ONDE VÊM AS INFORMAÇÕES?..................................................................44
2.8 UMA PROPOSTA EVOLUTIVA PARA PROPRIOCEPÇÃO...............................46
3 O FENÔMENO DA DOR NA DANÇA....................................................................51
3.1 EMOÇÃO E DOR.....................................................................................................60
3.2 DOR E PRAZER.......................................................................................................70
4 PESQUISA DE CAMPO............................................................................................75
5 CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS.....................................................................89
REFERÊNCIAS..........................................................................................................93
APÊNDICES.............................................................................................................100
APÊNDICE A- AMOSTRAS DE RELATOS DE EXPERIÊNCIA..........................101
ANEXOS....................................................................................................................107
ANEXO A – MODELO QUESTIONÁRIO INICIAL...............................................108
ANEXO B – MODELO
ESCALA GRADUADA DE DOR CRÔNICA BRASIL – EGDC-Br.......................110
ANEXO C – MODELO LOCAL DA DOR MASCULINO......................................111
ANEXO D – MODELO LOCAL DA DOR FEMININO..........................................112
ANEXO E – MODELO
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E PRÉ-ESCLARECIDO.......................113
11
1 INTRODUÇÃO
1.1 DE ONDE VENHO
Num misto de prazer e dor já conhecido no meu próprio corpo desde os primeiros anos
de prática no balé clássico ainda na infância, fui aos poucos percebendo que havia diferenças
na execução dos movimentos em cada corpo, e que apesar de estar cursando aulas de um
método tradicional pautado no pensamento mecanicista e idealizado de corpo uniforme que
segue padrões de movimentos pré-estabelecidos, as diferenças nas estruturas e na organização
corporal se mostravam reforçando os critérios nas preferências dos professores com
determinados alunos.
Por ter uma estrutura corporal nada fácil para os padrões estéticos das técnicas de dança
moderna e balé clássico, apesar de alta e magra, tinha muito encurtamento na cadeia muscular
posterior e restritos ângulos de flexibilidade, sentia bastante dificuldade em realizar a maior
parte dos movimentos nas aulas práticas das técnicas corporais, quase sempre sendo excluída
do grupo de alunas preferidas para os papéis e colocações principais. O interesse pelo estudo
dos processos corporais se iniciou no meu próprio corpo, numa demanda própria de pesquisa.
Foi no curso de graduação, Licenciatura em Dança da UFBA, que iniciei o aprofundamento
desse estudo com experiências corporais riquíssimas que me forneceram subsídios para
construção das ideias, pensamentos e reflexões acerca das questões sobre o fenômeno da dor
na dança, apresentadas nesta dissertação.
No curso de graduação, a curiosidade, o encantamento e a determinação em conhecer as
estruturas corporais, os processos fisiológicos dos movimentos da dança, a análise desses
movimentos e seus processos de aprendizagem, despontaram nas disciplinas: Anatomia
Artística, Cinesiologia aplicada à Dança, Metodologia do Ensino da Dança e
Condicionamento Corporal, com a descoberta fundamental da importância na articulação
teórico-prática, as aulas me proporcionavam o conhecimento de novas informações,
possibilitaram o contato com autores relevantes, como também workshops, oficinas e cursos
que muito contribuíram para a compreensão de que a formação de um profissional da dança
deve ser ampla, continuada e permanente; não se esgota numa graduação.
Uma dor constante na região torácica, localizada na musculatura inter-escapular direita,
me levou, aos quinze anos de idade, ao diagnóstico de uma escoliose e à prática de RPG
(Reeducação Postural Global) por alguns anos, e posteriormente em 1997 ao método Pilates
12
que, após seis meses de prática com a remissão total do sintoma doloroso e um ganho de força
e flexibilidade com uma sensação corporal de crescimento interno nas articulações, me fez
reconhecer algo de especial neste método me levando ao curso de formação, desde então,
tornei-me instrutora e esta passou a ser a principal atividade profissional que venho
desenvolvendo há cerca de quinze anos, ensinando e, também atuando como educadora na
formação de novos professores do método há seis anos.
A inquietação pelo aprofundamento no conhecimento dos processos corporais, diante de
uma grande demanda na procura pelo método Pilates por indivíduos portadores de dor crônica
e a experiência prática da melhora dos sintomas, grande parte dessa população formada por
dançarinos profissionais, me levaram ao curso de Especialização em Clínica de Dor da
Universidade Salvador-UNIFACS, em 2005, e ao Ambulatório de Dor-AMBDOR, do
Hospital Universitário Professor Edgard Santos-H.U.P.E.S., no qual estive como membro por
seis anos, ambos coordenados pelo Professor Doutor Durval Campos Kraychete. Embora o
trabalho fosse voluntário e isso significava bastante sacrifício para mim naquele momento,
tinha enorme prazer e afinco em realizá-lo e sem dúvidas essa foi a grande “escola” para o
conhecimento da dor crônica neuro-musculo-esquelética, que se mostrava, para mim de forma
cada vez mais clara, como uma experiência individualizada, com respostas singulares para a
mesma terapêutica. Constatei, então, o que há muito já vinha intuindo, que não concordaria
com a aplicação de protocolos de atendimento estabelecidos por classificação patológica, e
sim aos cuidados para com as especificidades de cada indivíduo, para isso, além de recebê-los
já diagnosticados, passei a realizar uma ampla anamnese direcionada aos movimentos
envolvidos nas suas lesões neuro-músculo-esqueléticas, e aplicar um questionário construído
com trechos do Inventário para dor de McGuill e mapas com esquemas corporais para
avaliação da localização da dor e outro tipo de mapa corporal para avaliação postural, passei a
conversar mais com os “pacientes/alunos” 1 sobre seus hábitos cotidianos a fim de pegar
alguma pista relativa a hábitos nocivos que pudessem estar mantendo o ciclo vicioso da dor,
sugerindo dicas de como evitá-los e substituí-los. Passei a lhes explicar com mais informações
o que portavam, com dados epidemiológicos, através de imagens, desenhos, analogias,
exemplos, buscando sempre uma linguagem de melhor acesso para o entendimento. De forma
muito semelhante, também usava artifícios desses tipos para a (re)organização do movimento
envolvido na lesão, abordando o corpo de forma integral e não somente o sintoma isolado. Os
1 O termo paciente/aluno é uma adaptação referente ao termo tradicional da área da saúde para o meu campo de
atuação como professora de dança na ocupação de (re)educadora do movimento para estes indivíduos.
13
relatos ao final das dez sessões de Pilates, na grande maioria, eram positivos na relação do
indivíduo com a sua dor crônica e na adesão ao tratamento, o que me convenceu que a
participação ativa do indivíduo, auto-consciente é fundamental nos processos de
(re)organização dos seus próprios movimentos. Como este estudo atual não é referente a essa
experiência de seis anos no AMBDOR, reservo com todo carinho, mais detalhes para uma
próxima ocasião.
Este período riquíssimo com experiências interdisciplinares rendeu a concepção e a
realização do curso de Especialização em Pilates na Faculdade Social da Bahia-FSBA, em
parceria com os colegas e amigos Marcos Ornellas Palmeira, quiropraxista e professor, Aline
Marques Mendonça, fisioterapeuta, e Cloud Kennedy Couto de Sá, educador físico,
professores e coordenadores do curso, que chegou a formar quarenta especialistas na área,
deixando de ser oferecido por motivos administrativos da própria instituição.
Nestes meus trabalhos desenvolvi percepções que me mantiveram mobilizada,
tanto enquanto praticante desde a infância uma bailarina observadora e cuidadosa com seu
próprio corpo que acompanhava e constatava as transformações, como enquanto professora
que observa cuidadosamente as organizações corporais dos seus alunos, acompanhando suas
mudanças com sutileza e respeito. Venho observando a diferença no processo do aprendizado
motor, na percepção, na qualidade de movimento, e organização corporal de cada pessoa.
Tais diferenças ratificam a ideia, defendida na contemporaneidade, da estreita relação entre os
processos cognitivos corporais, revelando, assim, a aprendizagem corporal individualizada.
Essas constatações foram construídas ao longo das minhas experimentações
práticas e fundamentadas em teóricos que já veem dedicando suas pesquisas nesses assuntos,
a partir dos quais muitas discussões são levantadas em diversas áreas do conhecimento. Os
estudos na área da saúde relativos à dor crônica, têm se mostrado cada vez mais voltados para
questões relativas aos altos índices de prevalência de dor crônica nas sociedades
contemporâneas, paralelamente, o contato com dançarinos profissionais que convivem e
permanecem dançando com dor crônica, me fizeram despertar o interesse em propor o pré-
projeto deste estudo.
Envolvida com o ambiente acadêmico, dando aulas, orientando alunos e participando de
bancas de avaliação dos trabalhos de conclusão de cursos em faculdades, percebi o afinco
com essas atividades e a necessidade de ingressar no curso de mestrado para o início na
carreira de pesquisa acadêmica. Diante dessas experiências e de uma expectativa em
14
desenvolver pesquisas no campo de estudos em Dança, iniciei o curso de Mestrado em Dança-
PPGDança-UFBA em 2011, acreditando na oportunidade em aprofundar o conhecimento dos
estudos do corpo, processos de organização corporal, focando a cognição corporal, sistema
sensório-motor, memórias, heranças e registros, mecanismos e fenômenos considerando as
influências do ambiente, da cultura e da crença.
O aporte teórico que as disciplinas e as discussões proporcionam é grande, muitas
mudanças no entendimento de corpo e de dança do que antes havia conhecido na graduação
para uma proposta de um curso de mestrado bastante arrojado. Em mim tais mudanças
geraram quebras de paradigmas e uma espécie de negociação para a acomodação das
informações e de novos entendimentos de corpo, de dança e do mundo.
Dentre as experiências vividas no curso de mestrado, gostaria de salientar a atividade
obrigatória Tirocínio Docente por ter me proporcionado uma vivência teórico-prática do que
acredito ser uma possível proposta metodológica de estudos do corpo para a dança e a saúde,
como também para áreas afins. Esta atividade foi um presente para mim, ansiosa por
experimentar a “prática” da docência, recebi a disciplina DANA 83- Corpo e Movimento,
componente curricular obrigatório no Curso de Enfermagem da UFBA. Não poderia ter sido
melhor! Bastante surpresa em saber que uma disciplina em dança é obrigatória para a
enfermagem, queria aproveitá-la ao máximo, a interdisciplinaridade que tanto defendo, dança
e saúde. Com a orientação da Profª Drª Lela Queiroz, participamos (Eu e a colega Simone
Mello) de todo o processo desde a elaboração da ementa, planejamento das aulas,
programação das atividades, até as discussões avaliativas. Dividimos o curso desta disciplina
em três módulos, cada um deles dirigido por uma de nós e monitorado pelas outras. O meu
módulo foi o segundo e se chamou “Cinesiologia Vivencial”, foi uma realização para mim,
constatei a importância deste conhecimento da área da dança para a área da saúde como
sempre percebi. Tenho ainda comigo os relatos dos alunos desta turma sobre o módulo
“Cinesiologia Vivencial”, que muito me ajudaram certificar a minha escolha pela carreira
acadêmica. Continuaria este trabalho com muito prazer!
15
1.2 O CAMINHO ONDE ESTOU
Este estudo tem como tema o fenômeno da dor na dança, enfocando a cognição com o
movimento. Pretende-se realizar uma pesquisa na área de conhecimento em dança apontando
possíveis contribuições para os estudos da dança e da dor. A discussão estará centrada na
relação dos dançarinos profissionais da cidade de Salvador com a dor crônica neuro-músculo-
esquelética nos processos de realização das atividades em dança, considerando a
indissociabilidade entre corpo e mente, conforme a neurobiologia proposta por António
Damásio (1996, 2004) e o entendimento dos processos de organização corporal segundo a
ideia de corporalização proposta por Lela Queiroz (2004).
Para chegar aos questionamentos que essa pesquisa levanta, se faz necessário,
inicialmente compreender a dor como uma experiência sensorial e emocional, de acordo com
a definição de dor pela Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP): “uma
experiência desagradável, emocional e sensorial, ligada ou não a um dano orgânico ou
descrito pelo paciente em tais termos” (CROMBIE, 1999, p.1-5).
A partir dessa definição, têm-se algumas inquietações: Como o dançarino se relaciona
com a dor, ou seja, como se dá a percepção da dor no corpo dançante? O que difere a
tolerância à dor de um dançarino para uma pessoa que não realiza atividades de dança? Quais
relações podem existir entre a dor e o prazer na dança, entre a dor e o aperfeiçoamento
técnico? Em que medida a dança pode ser aproveitada no tratamento da dor?
Tais inquietações aproximam a dança e a saúde ao fazer parte dos processos de
formação e atuação do dançarino profissional. A relevância em aprofundar o conhecimento
das estruturas internas implicadas nos processos cognitivos do movimento, considerando as
singularidades na organização corporal, se deve pela recorrência de lesões neuro-músculo-
esqueléticas e suas implicações nesta população.
Além disso, podem/devem ter sua discussão ampliada a partir das contribuições das
Ciências Cognitivas, Filosofia, Neurociências, Cinesiologia e Educação Somática, na medida
em que se tem a compreensão da formação do dançarino em distintos níveis de instituições de
ensino da dança. Entendo, então que as discussões a respeito da relação entre a dança e a dor
ainda precisam dar conta de contemplar os mecanismos internos da cognição do movimento e
suas relações considerando o movimento como um processo de conhecimento.
Para lidar com os questionamentos que esta pesquisa levanta a respeito da relação do
dançarino profissional com a sua dor, foi realizada uma revisão bibliográfica apresentando
16
noções e fundamentações de diversos autores à luz de teorias que explicitam noções de
fisiopatologia da dor, sensibilidade corpórea, cognição corporal e processos de organização
corporal, como também a aplicação de questionários para delimitação da população
pesquisada, observando com isso as similaridades, divergências e algumas
proposições/reflexões, que auxiliaram na construção desta pesquisa.
Essas teorias são de importância primaz para o esclarecimento dos pressupostos deste
estudo e para facilitar o diálogo a respeito de como o corpo é entendido no universo da dança
e nos contextos da área da saúde que tratam do movimento humano. Além disso, tais teorias
abordam a organização corporal como processos que se dão de forma experiencial, única e
individual, ao mesmo tempo em que de forma dependente do ambiente e da cultura, o que, por
sua vez, traz importantes contribuições para melhor compreensão das implicações na relação
dança-dor. Participando nos fluxos das informações nos processos de organização corporal, a
dor e suas implicações, questões da contemporaneidade, há muito veem acompanhando a
dança.
O tema: ‘o fenômeno da dor na dança’ abarca assuntos diversos que apresentam
complexidade envolvendo várias instâncias, o que torna impossível contemplá-los por
completo, considerando o prazo de tempo estabelecido. Alguns assuntos considerados
fundamentais para este estudo dentro do eixo temático dança-dançarino profissional-dor
foram elencados para esta dissertação que está organizada em cinco capítulos.
A ideia central deste primeiro capítulo é fornecer o referencial conceitual da pesquisa
acreditando que sem a definição destes conceitos não seria possível tal empreita, nem
tampouco levar a cabo o empenho de tentar responder suas questões.
Neste capítulo é abordado o entendimento de qual corpo estamos tratando com a
apresentação do corpomídia, conceito da área da comunicação que já vem, há algum tempo,
estabelecendo fortes diálogos com estudos da área da dança, proposto pelas pesquisadoras
Christine Greiner e Helena Katz (2003), como também a perspectiva que estamos tratando a
dança com noção da dança como pensamento do corpo desenvolvida por Katz (2005).
Para propor o início tímido de um diálogo interdisciplinar entre a área de conhecimento
da dança e o campo de conhecimento da clínica de dor julgamos importante compreender as
mudanças do entendimento de corpo-máquina para corpomídia. Acreditamos que a
recorrência de lesões neuro-músculo-esqueléticas e a consequente cronificação de dores em
dançarinos profissionais em muito dizem respeito à abordagem de corpo preconizada em
17
determinados tipos de práticas em dança, como também a carência de terapêuticas
especializadas para as especificidades do corpo da dança, se devem por estarem sustentadas
na perspectiva de corpo como objeto dissociado do sujeito. Corpo-máquina é o entendimento
de corpo herdado pela ciência clássica newtoniana e dominante, ainda hoje, nas áreas do
saber, dentre elas as ciências médicas e as ciências do movimento, sobre as quais também nos
debruçaremos neste estudo. Este entendimento é influenciado por uma perspectiva
mecanicista do corpo, na concepção corpo-máquina fundamentada na filosofia cartesiana
dualista corpo-mente, com a ideia de mente desencarnada, como também, pautado no
pensamento determinista, garantindo a vigência da corrente dualista inato X adquirido
(QUEIROZ, 2001). Este tipo de dualismo está implicado na atitude conformista diante das
leis que regem a vida, e se apresenta cotidianamente em expressões afirmativas como “não há
o que fazer, você nasceu assim”, comumente usada no meio da dança, por exemplo, referindo-
se a possibilidade de rotação externa da articulação coxo-femural exigida na execução da
posição básica de en dehors no balé clássico, ou ainda a expressão “você vai ter que aprender
a conviver com a sua dor”, indicando fatos inalteráveis diante dos fenômenos da vida.
A dança vem sendo, ao longo da história, influenciada por esse ideal que visa controle e
maestria na execução dos movimentos, muitas das vezes levando a situações nocivas
irreversíveis. Desta forma, os professores de dança assumem o papel de modelos, detentores
do conhecimento de passos codificados, e transmitem as técnicas de forma gradativa
indicando um progresso linear do aluno na técnica praticada repetidamente. Sobre esse
aspecto, Katz nos esclarece: “pensar o corpo como uma máquina, como uma coleção de
partículas que se organizam no espaço e interagem, obedecendo às leis da física newtoniana:
eis o que domina, ainda hoje, a pedagogia da dança que ignora todos os saberes disponíveis
sobre o seu assunto.” (KATZ, 1994, p.112, apud QUEIROZ, 2001, p. 56) Desta forma, a
relação professor-aluno se mantem pautada no autoritarismo, na qual os anseios, desejos e
demandas naturais para as auto-descobertas não encontram espaço, oprimindo a sensibilidade,
a criatividade e a individualidade do aluno.
Ao decorrer dos tempos, as ciências passaram por transformações apontando que
sistemas vivos são regidos na ordem da complexidade e também mudando a posição do
pesquisador, antes posicionado como observador distante do objeto observado, passando a ser
participante implicado na experiência (QUEIROZ, 2001). Tais mudanças implicam nas
abordagens de corpo e de dança elencadas para esta pesquisa considerando a complexidade e
historicidade corporal, como propõem Katz e Greiner com o conceito corpomídia:
18
O corpo não é um meio por onde a informação simplesmente passa, pois toda
informação que chega entra em negociação com as que já estão. O corpo é o
resultado desses cruzamentos, e não um lugar onde as informações são apenas
abrigadas. (KATZ E GREINER, 2003, p.7).
De acordo com este conceito, compreendemos aqui o corpo como mídia de si mesmo,
como um processo comunicacional com o entendimento de como se dá o trânsito das
informações nos fluxos dentro-fora, movimentos internos e externos, intrínsecos e
extrínsecos, micros e macros, organismo e ambiente, destacando o papel do sistema sensório
motor nesses processos. Através das relações de movimentos e contatos constantes o corpo
contamina e é contaminado na relação com o ambiente, trocando informações ocasionando as
transformações em permanente coevolução. Compreendemos a dança como produção de
conhecimento, considerando que pensar e agir são fenômenos codependentes e coevoluíram
juntos, enquanto dançamos estamos produzindo pensamento. (KATZ, 2005). Entendemos que
o homem está implicado no que está observando, alterando o ambiente e transformando a si
mesmo, na inesgotável relação natureza-cultura-natureza.
Como fundamentação de base para nos auxiliar na compreensão destes conceitos, à luz
de teorias das ciências cognitivas, trataremos da indivisibilidade do indivíduo ou unidade
corpo-mente e a cognição corporalizada seguindo as proposições de António Damásio e a
proposta de Lela Queiroz para o entendimento de corporalização, ambos confrontam com a
ideia tradicional de separação dualista entre corpo-mente, razão-emoção, percepção-
conhecimento, razões biológicas e razões culturais. António Damásio (1996, 2004)
neurocientista que dentre sua vasta gama de estudos neurobiológicos nos trás uma
contribuição científica para o entendimento da unidade corpo-mente com a ideia de
continuum entrelaçados por processos neurais nos quais as experiências sensório-motoras
ocupam papel central nos processos cognitivos. Lela Queiroz (2006, 2009) pesquisadora em
dança propôs uma tradução para o termo Embodiment proveniente do conceito Embodied
Cognition dos autores Lakoff e Johnson (1999) que apontam a cognição emergente das
experiências corporais que, se traduzido ao pé da letra o termo seria corporificação ou
incorporação, os autores apontam a cognição como um processo que se dá no organismo, a
autora propõe o termo corporalizar que se refere a tomar corpo, crescer por dentro, indicando,
em conformidade ao conceito corpomídia, uma troca constante de informações num fluxo em
adentramentos dentro-fora/fora-dentro.
19
Esses pressupostos assumem o eixo de sustentação deste estudo tanto para uma
compreensão do entendimento de que tratamos o corpo e a dança, como colocado
anteriormente, como para a contribuição ao diálogo com a abordagem pedagógica e
terapêutica deste corpo no campo da clínica de dor, principalmente no que tange à observação
de questões relativas à dor crônica neuro-músculo-esquelética em dançarinos profissionais,
como o entendimento que os dançarinos profissionais e os clínicos de dor têm sobre o corpo e
seus modos de tratar as individualidades. Consideramos importante esclarecer o que vem a
ser clínica de dor, campo emergente do saber proveniente da área médica que traz mudanças
no entendimento da dor e da sua abordagem terapêutica à medida que passa a considerar a dor
persistente como uma entidade clínica complexa e não somente como um sintoma, e também
à medida que se baseia na prática da multidisciplinaridade para agregar informações na
abordagem desta dor, o que acarreta mudanças no papel e atuação profissional exigindo que
este busque especializar-se. A clínica de dor foi idealizada e proposta pelo médico anestesista
John Bonica em 1947, a partir de experiências próprias como portador de dores persistentes
decorrentes de lesões neuro-músculo-esqueléticas da época em que fora um atleta de elite.
Segundo Bonica sobre tais mudanças de entendimento:
A dor persistente e intensa provoca efeitos que não estão limitados à região
específica onde ela é sentida, [...] não é mais considerada unicamente sob a forma de
um fenômeno psicológico ou neuropsicológico. Essa é uma rígida dicotomia
obsoleta porque a dor é agora reconhecida como o resultado de processos fisio-
psicológicos compostos (...) seus efeitos são tanto físicos como mentais (BONICA,
apud BASZANGER, 1998, p.27, apud SANTOS, 2009, p.67).
Importante também salientar a defesa de que dores crônicas devam ser tratadas por
profissionais especialistas em clínica de dor, salvo as abrangências de cada área. A clínica de
dor propõe a construção de uma relação terapêutica sólida que permita o restabelecimento da
confiança com uma comunicação efetiva possibilitando uma avaliação adequada da dor para
um diagnóstico preciso e um acordo de cooperação que facilite a adesão ao tratamento, tal
proposta demanda tempo e investimento de ambas as partes, o que muitas das vezes
representam aspectos impeditivos diante dos contextos desfavoráveis das sociedades
imediatistas nas quais vivemos. Sobre tal relação médico-paciente:
20
Esta meta pode ser alcançada de várias maneiras. Em primeiro lugar, o médico que
encaminha o paciente deve convencê-lo de que o algologista2 é um especialista na
administração da dor [...]. Deve-se fazer o paciente sentir que a sua individualidade é
reconhecida [...]. (BONICA, apud BASZANGER, 1998, p.27, apud SANTOS, 2009,
p.75).
De acordo com os conceitos propostos como esteio neste estudo, acreditamos ser
necessário aprofundamento em alguns aspectos básicos que constituem os fenômenos
envolvidos na relação dança-dor.
O segundo capítulo trata do sentido da sensibilidade corporal destacando a
propriocepção como fundamental nos processos de organização corporal. Neste capítulo,
faremos uma breve revisão da literatura a respeito de alguns aspectos centrais nos estudos da
dor, para os quais o médico neurocientista Roberto Lent, professor titular da Universidade
Federal do Rio de Janeiro- UFRJ, diretor do Laboratório de Neuroplasticidade do Instituto de
Ciências Biomédicas, serviu como fonte central contribuindo enormemente na construção da
descrição e entendimento dos fenômenos dolorosos com a apresentação de algumas das
estruturas envolvidas tais como os nociceptores. Ainda neste capítulo, um estudo do estado
da arte sobre a percepção da dor em dançarinos profissionais em âmbito nacional e
internacional, a fim de obter um panorama amplo das possíveis questões da dor na dança foi
feita uma pesquisa em meios digitais de publicação de trabalhos científicos com o uso das
seguintes palavras: dor, dança, percepção, dor na dança, dança e dor, percepção da dor,
percepção da dor na dança; a partir das quais foram levantadas algumas questões comuns
como: alta prevalência de dor crônica, negligência à própria saúde, cultura da dor na dança,
um dos pontos principais repercute sobre como os dançarinos vivem em seus corpos
apontando pouca publicação dos assuntos na área da dança. Neste segundo capítulo também
discutiremos alguns aspectos envolvidos nos ciclos movimento-dor-imobilidade a partir da
apresentação da hipótese para o entendimento de como se forma e se mantem o ciclo vicioso
da dor crônica neuro-músculo-esquelética proposta por Panjabi (2005); seguido da noção de
corporalização segundo Lela Queiroz (2004) para a compreensão de como as informações que
transitam nos fluxos dentro-fora, movimentos internos e externos, intrínsecos e extrínsecos,
micros e macros, organismo e ambiente, se organizam configurando o corpo, e por fim,
discorreremos sobre como essas informações chegam e de onde elas vêm, também propondo
2 Algologista é um especialista do estudo e tratamento da dor.
21
um entendimento evolucionista para propriocepção, como também a noção de consciência
corpórea segundo Sheets-Johnstone (1998).
O terceiro capítulo se dedicará a algumas das questões envolvidas na relação dos
dançarinos com a dor crônica neuro-músculo-esquelética, passando pela discussão de aspectos
relativos ao estabelecimento de hábitos e condicionamentos em alguns tipos de práticas em
dança, com contribuições de Lela Queiroz (2001) e Eloisa Domenici (2010), pesquisadoras
em educação somática, emergente campo do saber que envolve disciplinas da dança, da
pedagogia e da saúde, que tem como eixo de atuação o movimento como via de (re)educação
funcional do indivíduo e a percepção como meio transformador nestes processos, e que vem
influenciando a dança uma vez que proporcionam mudanças nas práticas à medida que
preconizam a integridade do indivíduo e portanto a prevenção de lesões. Também pesquisador
somático, o médico José Antônio Lima (1994, 2010) contribui neste capítulo com reflexões
sobre a atuação terapêutica na abordagem deste corpo sensível. Lela Queiroz e José Antônio
Lima nos proporcionam informações a respeito de suas próprias experiências nas práticas
corporais com Klauss Vianna. Na busca pelo entendimento da percepção, o filósofo
cognitivista Alva Nöe (2004) nos traz contribuições a cerca do entendimento enativo de
percepção como ação, como algo que realizamos, também fortalece as afirmações e
efetivações não dualistas desta pesquisa. Ainda neste capítulo, discorremos sobre o papel das
emoções nos processos de cronificação da dor neuro-músculo-esquelética na população
estudada, e suas implicações na geração dos sentimentos de dor e prazer que caracterizam a
relação do dançarino profissional com a sua dor, para compreender como essa trama se dá,
contaremos com a contribuição dos estudos neurobiológicos de António Damásio (1996,
2004).
No quarto capítulo está disposta a pesquisa de campo realizada para delimitação da
população estudada, com a descrição e análise estatística dos dados levantados através dos
questionários.
O quinto capítulo está composto das considerações provisórias tecidas nesta pesquisa
que já indica possíveis desdobramentos para estudos posteriores de doutorado.
22
1.3 A METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa com abordagem metodológica mista, conhecida como quanti-
quali, por utilizar procedimentos característicos da abordagem quantitativa como também
procedimentos da abordagem qualitativa. O estudo se preocupa com fenômenos e realidades
que podem ser quantificados no que diz respeito ao levantamento de dados sócio-
demográficos para delimitação da população estudada, dados estatísticos para delimitação do
objeto estudado contando com variável para indicação de prevalência de dor crônica nesta
população, para este procedimento de pesquisa de campo foram aplicados questionários
elaborados para a especificidade do estudo; estes fenômenos e realidades dizem respeito
também a aspectos do comportamento humano relativos a processos de cronificação da dor
neuro-músculo-esquelética em dançarinos profissionais e como estes lidam com a dor, tais
aspectos não podem ser quantificados e para tal análise foram escolhidos procedimentos da
abordagem metodológica qualitativa do tipo descritivo-explicativo, sendo assim, este estudo
descreve determinados fenômenos e realidades e se propõe a formular algumas reflexões e
articulações analíticas sobre os mesmos. (CRESWELL, 1997 e GÜNTHER, 2006).
A realização dessa pesquisa foi dividida em três etapas. Partimos em busca de uma
revisão bibliográfica a respeito da percepção da dor na dança e concomitantemente a respeito
do campo da dor crônica, na qual foram levantados livros e artigos, porém devido a
abrangência do tema, foram fichados todos os que se aproximavam dos assuntos referentes a
prevalência de lesões neuro-músculo-esqueléticas em dançarinos, prevalência de dor crônica
em dançarinos, neurofisiologia e cognição. Essa revisão bibliográfica possibilitou a
delimitação de alguns dos aspectos envolvidos nos processos de cronificação da dor em
dançarinos profissionais e apontou questões relevantes na relação entre estes e a dor. Tais
aspectos e questões servem como referência e fundamentação propulsora para a segunda e
terceira etapas desta pesquisa. Vale ressaltar a preferência por autores nacionais em acreditar
e defender as nossas próprias epistemologias.
A segunda etapa foi constituída da pesquisa de campo, para isso foram aplicados
questionários elaborados para a especificidade do estudo contendo um instrumento já validado
e também questões específicas elaboradas sobre a relação dos dançarinos com a dor a fim de
levantar dados a respeito de possíveis estratégias e artifícios utilizados pelos dançarinos ao
permanecerem dançando com dor. Nesta etapa contamos com a colaboração atenciosa do
Profº Drº Eduardo Sawaya Botelho Bracher que não somente nos cedeu, gentilmente, a Escala
Graduada para Dor Crônica por ele adaptada e validada para o Brasil em sua tese de
23
doutorado em medicina-USP, 2008, “Adaptação e validação da versão em português da escala
graduada de dor crônica para o contexto cultural brasileiro”, como também nos disponibilizou
o questionário inicial utilizado na sua pesquisa, e ainda, a sua atenção em acompanhar a
elaboração, aplicação e avaliação dos questionários pilotos contribuindo com sugestões que
orientaram a conduta de cada uma das etapas nestes processos.
O instrumento desta pesquisa é constituído de questionário inicial, composto de 32
questões de múltipla escolha que envolve dados sóciodemográficos, perguntas relativas à dor
crônica e perguntas relativas à relação dos dançarinos com a dor crônica e suas implicações
no cotidiano destes profissionais, e uma questão optativa dissertativa sobre um relato de
experiência da dor na dança. Seguido da escala graduada de dor crônica composta de 8
questões de múltipla escolha específicas sobre dor crônica; por fim, um questionário para
identificação do local da dor composto de 3 questões de múltipla escolha, 1 dissertativa e o
mapa corporal que difere em relação aos gêneros masculino e feminino. Para a certificação da
coerência deste instrumento, foram aplicados 5 pilotos, e depois, conforme sugerido em
exame de qualificação deveriam ser aplicados um número entre 100 e 150 para obtenção de
um N favorável, portanto apenas 120 foram respondidos e destes apenas 87 foram
aproveitados. Para tal empreita, contamos com a colaboração da pesquisadora Flor Murta, que
devidamente treinada e identificada participou na aplicação dos questionários para a coleta de
dados. Algumas considerações a respeito da pesquisa de campo deste estudo merecem ser
comentadas. A mais relevante delas se refere a pouca disponibilidade da população em
responder aos questionários por motivos diversos dos quais o mais comum se refere à falta de
tempo, por este motivo, algumas vezes fomos forçados a deixar os questionários com o
entrevistado no intuito que fossem respondidos com calma e depois recolhidos, o que
representou uma falha na coleta de dados uma vez que esses questionários foram perdidos
durante esse processo, o que por sua vez, representam uma perda na obtenção do N desejado;
em contrapartida, os que se disponibilizaram o fizeram com tanto afinco como se fossem os
próprios pesquisadores interessados nos resultados, e quanto a isso, muitos destes
comentaram a falta de retorno das pesquisas acadêmicas para com a população pesquisada, o
que nos faz refletir/avaliar as possibilidades desse retorno. A aplicação destes questionários
seguiu os seguintes critérios de corte:
. Dançarinos profissionais;
. Mínimo de 2 anos de práticas em dança com treinamentos diários de, no mínimo 2
horas;
24
. Idade entre 18 e 75 anos;
Importante salientar que durante o decorrer da pesquisa, percebemos a necessidade de
alterar a idade no critério de corte, passando de 18 para 17 anos, devido à precoce inserção da
população pesquisada no mercado de trabalho em dança. A coleta de dados se deu em
diversos ambientes a fim de abarcar diversos contextos da dança, entre eles: corpo docente e
discente da escola de dança da UFBA, corpo docente e discente da Escola de dança da
FUNCEB, Escola Contemporânea de Dança, Balé Jovem de Salvador, Grupo de dança
Contemporânea-GDC, Balé do Teatro Castro Alves, Grupo RADAR 1 de Improvisação, Kika
Tochetto Cia de Dança, dançarinos profissionais independentes na cidade de Salvador.
Os dados coletados estão dispostos em tabelas no quarto capítulo desta dissertação, bem
como as análises estatísticas dos mesmos. Para a realização destas análises contamos com a
colaboração do estatístico José Bouzas.
A terceira etapa desta pesquisa decorreu sobre a análise e interpretação dos dados
colhidos em campo com articulações nos referenciais teóricos, na qual emergiram algumas
questões-chave de maneira mais delineada, oferecendo mais amplitude e diversidade de
informações para a discussão, que tem por objetivo suscitar reflexões e diálogos que
favoreçam uma melhor compreensão da realidade-foco do estudo.
25
2. REVISÃO DA LITERATURA
Este capítulo dedica-se à revisão bibliográfica sobre dor descrevendo eventos
envolvidos nos aspectos históricos, fisiológicos e classificatórios, como também eventos
envolvidos na fisiopatologia da dor crônica e suas implicações na dança em âmbito mundial,
para a qual apresentamos o estado da arte sobre a percepção da dor no corpo dos dançarinos
profissionais, apontando aspectos e levantando questões envolvidas nos processos de
cronificação da dor, que mostram estar relacionados com lesões neuro-músculo-esqueléticas.
Para o entendimento de como se forma um ciclo vicioso deste tipo de dor crônica,
apresentamos a hipótese de Panjabi (2005), a qual também nos suscita reflexões sobre a
relação entre os aspectos mobilidade, dor, imobilidade e estabilidade no que tange o
movimento articular humano, como também na articulação do homem com o meio no qual
está inserido. Consideramos a dor como um sinal de alerta para o organismo e, portanto, uma
das informações que transitam nos processos de organização corporal, aqui entendidos como
corporalização. Neste capítulo decorreremos ainda sobre o sentido da sensibilidade corporal
destacando a propriocepção como uma habilidade cineticamente cognitiva que constitui a
consciência corpórea de acordo com Sheets-Johnstone (1998).
2.1 UM APORTE HISTÓRICO DA DOR
A dor demarca limites para o organismo, avisa a ocorrência de estímulos lesivos
provenientes do meio externo e/ou interno, portanto tem uma função importante como
sinalizadora e como defesa da estabilização para a sobrevivência do organismo (LENT, 2004;
OLIVEIRA, 2008). Para que essa função seja realizada, o corpo humano conta com um
sistema sensorial próprio composto de receptores e vias aferentes privativas da dor que
veiculam as informações nociceptivas.
As informações dolorosas recebem o nome de nociceptivas, por serem conduzidas pelos
nociceptores, neurônios de pequenos diâmetros que transduzem sinais intensos de natureza
mecânica, térmica e química em potenciais de ação que são transmitidos como informação
dolorosa para o sistema nervoso central.
Originada do latim dolor, dor significa sofrimento. No inglês é traduzida pelo termo
pain que deriva das palavras poine do grego e poena do latim, que significam punição e pena
(OLIVEIRA, 2008). A dor relacionada a doenças era atribuída a fenômenos sobrenaturais que
26
puniam os pecadores nas civilizações primitivas. Para os egípcios e os babilônios a dor era
resultante de doenças com influências divinas ou do espírito dos mortos, e percebida pelo
coração e vasos sanguíneos. A dor era vista como um evento emocional por Aristóteles (384-
322 a.C.), o coração seria a sede dos sentidos e da dor, uma qualidade afetiva, ideia que
perdurou por séculos, as cinco modalidades sensoriais: olfação, visão, gustação, audição e tato
foram caracterizadas por Aristóteles. Alcmaeon (566-497 a.C.) elaborou a concepção de que o
órgão mais importante na percepção da dor, da consciência e das sensações era o cérebro.
Galeno (130-201 a.C.), médico e anatomista romano, fez a classificação dos nervos
periféricos em três categorias: duas primeiras funções sensoriais: sensitivos e motores, e uma
terceira função chamada “especial” relacionada com a detecção da sensação de dor:
nociceptivos. Avicena (908-1037 d.C.), médico árabe destacou a sensação dolorosa como um
sentido independente dos demais.
Apoiando as ideias de Galeno, o cérebro como a sede das sensações e das funções
motoras, René Descartes (1596-1650 d.C.), filósofo francês, introduziu o conceito de reflexo
nervoso propondo que a dor era comunicada por vias nervosas finas ao cérebro e a reação de
retirada dependia dele (TEIXEIRA, 2003; OLIVEIRA, 2008). Após o Renascimento foi
atribuído o papel do Sistema Nervoso Central (SNC) no mecanismo das sensações e da
nocicepção. Nos séculos XVI e XVII, Descartes introduziu os conceitos sobre a
especificidade das vias nervosas envolvidas na nocicepção que se firmaram no século XIX.
Teoria da especificidade, conceituada por Müller (1826): existência de terminações nervosas
distintas para cada variedade de sensação cutânea, “a atuação de vias sensitivas específicas é
responsável pelas diferentes qualidades sensoriais” (TEIXEIRA, 2003, p.5).
Final do século XIX, a teoria do padrão de estímulos, entendia que não existiriam
estruturas específicas responsáveis pela estimulação nociceptiva no sistema nervoso periférico
(SNP), o padrão temporal e espacial dos estímulos conduzidos por canais sensoriais
inespecíficos é que determinaria se a sensação seria nociceptiva ou não. As duas teorias se
completam: no SNC e SNP, há certo grau de especialização funcional e a somação de
estímulos também está envolvida no mecanismo de dor.
No fim do século passado e durante as primeiras décadas deste século, os três
conceitos sobre os mecanismos de ocorrência de dor, ou seja, a teoria da
especificidade, a teoria de padrão de estímulos e a teoria afetiva tiveram ferrenhos
defensores. (TEIXEIRA, 2003, p.5).
27
Em 1965, Melzack e Wall conciliando conceitos da teoria da especificidade e da teoria
do padrão de estímulo, princípio da interação sensorial, apresentaram a teoria da comporta:
estruturas do SNP quando estimuladas geram padrões de impulso que alcançam o SNC onde a
informação sofre influências de sistemas moduladores antes que a dor seja evocada. Segundo
Teixeira (2003), Melzack e Wall sugeriram que, o balanço entre a atividade excitatória dos
neurônios aferentes primários, vias de condução para o cérebro que fazem sinapse com a
medula, e a atividade inibitória das unidades segmentares (regiões da medula e tronco
cerebral) e suprassegmentares (regiões do cérebro e cerebelo), é que sensações como a dor
seriam evocadas.
Esta teoria preconiza a existência de mecanismos de inibição regional que permitem
melhorar a discriminação dos estímulos e fornece as bases fisiológicas para
correlacionar os aspectos psicológicos, a atenção e a influencia de fatores ambientais
sobre o processamento da dor. (TEIXEIRA, 2003, p.5).
Eduardo Bracher (2005), médico Fisiatria e Quiropraxista, pesquisador da dor crônica e
lesões músculo-esqueléticas, desenvolveu estudos sobre a adaptação cultural e validação da
Escala Graduada de Dor Crônica (EGDC-Br) para o contexto cultural brasileiro, em sua tese
de doutorado nos informa:
O relatório da IASP (1979) sugere que a concepção de dor é aprendida por cada
indivíduo através de experiências pessoais no início de sua vida, e que consiste de
uma sensação física bem como uma experiência emocional; observa também que
muitas pessoas referem dor na ausência de lesão tecidual ou outro mecanismo
fisiopatológico provável. (BRACHER, 2005, p.3).
Diante dessa breve revisão histórica e partindo da definição de dor segundo a IASP,
ressalto que a percepção da dor se dá de forma única e individual em cada experiência vivida
no organismo e que nestes processos todos os acontecimentos estão implicados.
O fenômeno da dor é individual e complexo, cada indivíduo desenvolve o seu sistema
modulador de dor de acordo com suas experiências vividas. A relação com o contexto social,
psicológico, emocional, cultural, moral, e toda a sua história de vida permeiam o seu
desenvolvimento.
28
2.2 UM APORTE FISIOLÓGICO DA DOR
Figura 1- Fisiologia da dor
Fonte: www.medicinageriatrica.com.br
Informações sensoriais, decorrentes de estímulos agressivos intensos, são transformadas
em potenciais de ação e transferidas pelas estruturas do Sistema Nervoso Periférico (SNP)
para as unidades do Sistema Nervoso Central (SNC), onde serão decodificadas e
interpretadas. Em condições normais, o fenômeno sensitivo-doloroso é sensibilizado e
suprimido por mecanismos modulatórios em todos os seus processos. (DORE, 2006;
KRAYCHETE et al, 2007; LATREMOLIERE e WOOLF, 2009; TEIXEIRA, 2001)
29
2.2.1. Sensibilização Periférica
O primeiro passo na sequência dos eventos que originam o fenômeno doloroso é a
transformação dos estímulos agressivos ao organismo em potenciais de ação. Quando
ativados, os nociceptores sofrem alterações na sua membrana permitindo a deflagração de
potenciais de ação caracterizando a nocicepção (KRAYCHETE et al, 2007; TEIXEIRA,
2001).
Os nociceptores são terminações livres de fibras de neurônios ganglionares sensoriais
(neurônios aferentes primários-NAP). Os receptores da dor estão presentes em quase todos os
tecidos orgânicos com exceção do sistema nervoso central, “não há nociceptores nos tecidos
nervosos” (LENT, 2004, p. 230). Estão localizados nas fibras Aδ e C, e são especializados em
captar estímulos nocivos ao organismo e capazes de reagir a estímulos mecânicos fortes,
estímulos térmicos extremos e substâncias químicas irritantes ou lesivas. Os nociceptores são
sensíveis a estímulos diferentes que sejam de extrema intensidade, que ponham em risco a
integridade do organismo causando lesões nos tecidos e nas células. São classificados de
acordo com os estímulos que o ativam, em termomecânicos, químicos e polimodais
inespecíficos (KRAYCHETE et al, 2007; LENT, 2004; OLIVEIRA, 2008; PRADO, 1994;
STUCKY et al, 2001; TEIXEIRA, 2001).
Transdução é a tradução feita pelos nociceptores de estímulos agressivos de origem
mecânica, térmica ou química em estímulo elétrico que será transmitido até o SNC
interpretado pelo córtex como dor (KRAYCHETE et al, 2007). No processo de transdução é
gerada uma informação nos nociceptores que será conduzida ao SNC (PRADO, 1994).
O terceiro evento no fenômeno da dor é a transmissão, feita pelos neurônios aferentes
primários presentes nas fibras Aδ e C, do estímulo elétrico, conduzindo a informação
nociceptiva para o corno dorsal da medula espinhal onde ocorrerá a primeira sinapse nesta
região na condução da informação da dor. As fibras aferentes Aδ e C são respectivamente
mielinizadas e não mielinizadas o que caracteriza a diferença de velocidades de condução
entre elas e o tipo de dor ao qual estarão relacionadas. (KRAYCHETE et al, 2007; LENT,
2004; OLIVEIRA, 2008; TEIXEIRA, 2001).
No corno dorsal da medula e no corno dorsal trigeminal bulbar, terminações nervosas
do neurônio aferente primário efetuam sinapses com os neurônios de segunda ordem, que
recebem informações de vários segmentos corporais, e se juntam para formar os tratos
ascendentes, nestes tratos os axônios transitam pela medula e cruzam o neuroeixo projetando-
30
se no tálamo (PRADO, 1994), formando aí pequenos circuitos locais de grande importância
para a percepção da dor (LENT, 2004).
Os diferentes neurônios aferentes da dor definem a diferenciação entre os componentes
e as cinco respostas relacionadas com dor: reflexos somáticos, respostas autonômicas e
neuroendócrinas, alerta, discriminação sensorial como: intensidade, localização e qualidade
associadas ao estímulo evocador, e dimensões afetivo-motivacionais relacionadas com as
conexões espinotalâmica, espino-hipotalâmica, espinopontoamigdalóide, espinomesencefálica
e suas subseqüentes projeções. (OLIVEIRA, 2008)
Os tratos ascendentes da informação nociceptiva são as vias por onde as informações de
dor são transmitidas, os principais são: o trato neo-espinotalâmico, relacionado com a dor
rápida e poucas sinapses; e o trato paleoespinotalâmico, relacionado com a dor lenta,
multissináptico apresentando projeções variadas que transmitem uma variedade de eventos
somatossensoriais, estão envolvidos nos componentes sensorial-descriminativo e afetivo-
motivacional da dor. Esses são os tratos principais, porém outras vias também transmitem
informações dolorosas relacionadas aos aspectos sensorial e afetivo da dor (OLIVEIRA,
2008; LENT, 2004).
O tálamo, região de substância cinzenta do encéfalo, participa na recepção, na
integração e na transmissão dessas informações sensoriais provenientes dos tratos envolvidos
nas dimensões sensorial-descriminativa e afetivo motivacional (estados emocionais,
atencionais e cognitivos) da dor. Segundo Oliveira (2008), “Parece que a interação sensório-
límbica é essencial para a resposta apropriada relacionada com o contexto afetivo-
motivacional da experiência de percepção da dor” (OLIVEIRA, 2008, p.195).
É pelas projeções tálamo-corticais que as informações de dor chegam ao córtex cerebral
alcançando algumas áreas corticais como as somatossensoriais SI e SII (relacionadas a
informações de localização, modalidade e intensidade do estímulo nocivo) e as estruturas
límbicas (relacionadas a respostas afetivas, cognitivas e comportamento social). Quando essas
informações alcançam o córtex ativando várias áreas corticais ao mesmo tempo, ocorre a
percepção cortical do estímulo doloroso.
A atividade de nociceptores é modulada pela ação de substâncias químicas, algogênicas,
liberadas nos tecidos, em decorrência de processos inflamatórios, traumáticos e/ou
isquêmicos. A liberação dessas substâncias contribui para sensibilizar os nociceptores,
podendo alterar a vasoatividade dos sistemas agravando ou acarretando em síndromes álgicas.
31
Mecanismos analgésicos endógenos modulam ou bloqueiam a passagem das informações da
dor em sua trajetória em direção ao córtex cerebral (KRAYCHETE et al, 2007).
2.2.2. Sensibilização Central
A transmissão dos estímulos nocivos através da medula espinhal não é um processo
passivo. Os circuitos intramedulares têm a capacidade de alterar o estímulo e a
consequente resposta dolorosa. A interação entre esses circuitos medulares
determinará as mensagens que atingirão o córtex cerebral. (KRAYCHETE et al,
2007,p.4)
Estímulos nociceptivos repetidos geram a somação dos potenciais de ação provocando
dor, redução do limiar de sensibilidade e hiperalgesia, que é o aumento da resposta ao
estímulo doloroso no local da lesão ou em áreas adjacentes, e induzem mudanças
neuroplásticas em estruturas supra-espinhais (KRAYCHETE et al., 2007).
Impulsos periféricos sofrem transformações modificando os mecanismos no trajeto de
condução ao sistema nervoso central, gerando adaptações positivas ou negativas. Substâncias
neurotransmissoras relacionadas com a ativação de potenciais pós-sinápticos excitatórios e de
receptores específicos são liberadas após a lesão tecidual, o que amplia e prolonga a resposta
dolorosa. Algumas dessas substâncias estão também envolvidas nos processos da
neuroplasticidade e da hiperalgesia alterando a expressão do fenótipo e perpetuando a
hipersensibilidade neuronal (KRAYCHETE et al. 2007; PRADO, 1994; STUCKY et al.,
2001; TEIXEIRA, 2001).
Estudos com estimulação cerebral não invasiva, técnica que pode guiar a plasticidade
cerebral e também pode ser aproveitada para o tratamento da dor crônica com substancial
reorganização da atividade do Sistema Nervoso Central, como a estimulação magnética
transcraniana repetitiva (REMT) e a estimulação transcraniana por corrente contínua (ETCC),
demonstram neuroplasticidade no córtex cerebral (BRASIL-NETO et al, 1992; 1993; 1995;
SOTO et al, 2010; MACKINNON e ROTHWELL, 2000; Z´GRAGGEN et al, 2009;
FRIDMAN et al, 2004; LEOCANI et al, 2000; NITSCHE et al, 2008; LANG et al, 2005;
NITSCHE e PAULUS, 2000; 2001) e a participação do córtex pre motor, córtex motor
primário e córtex somatossensorial na modulação da dor. (BOGGIO et al, 2008;
DOSSANTOS, 2012; FREGNI et al, 2006; PASCUAL-LEONE, 2006; 2007; RIBERTO,
2007)
32
2.2.3. Modulação Endógena da Dor
A substância cinzenta periaquedutal (SCP) e outras estruturas cerebrais como córtex
somatossensorial, o hipotálamo lateral, o núcleo pré-tectal anterior, a área tegmental lateral, o
núcleo magno da rafe, o núcleo parabraquial, o locus coeruleus, e os núcleos reticulares
gigantocelular e paragigantocelular demonstram capacidade em produzir analgesia quando
estimuladas química ou eletricamente. As fibras nervosas dessas estruturas estabelecem
sinapses em estações intermediárias, de onde descendem neurônios em direção à medula
compondo o sistema descendente de controle da dor, responsável pelo mecanismo central
(endógeno) de modulação da dor (CARVALHO E LEMÔNICA, 1998; KRAYCHETE et al.,
2007; OLIVEIRA, 2008; PRADO, 1994; TEIXEIRA, 2001). O sistema opióide endógeno é
um dos mais importantes mecanismos modulatórios de dor, está envolvido com a regulação
da dor e também com os efeitos dos fármacos opiáceos analgésicos (DOS SANTOS, 2012).
2.3 UM APORTE CLASSIFICATÓRIO DA DOR
O fenômeno da dor envolve componentes sensorial-discriminativo e afetivo-
motivacional. O primeiro está mais relacionado com a dor aguda referindo-se à percepção e
detecção do estímulo nocivo quanto às suas qualidades, intensidade, localização, padrão
temporal e duração. A dor crônica está mais relacionada com o componente afetivo-
motivacional caracterizado pelas reações emocionais e comportamentais desencadeadas pelo
processo doloroso referindo-se à relação entre humor e dor (OLIVEIRA, 2008).
A dor pode ser classificada de acordo com a sua etiologia, com os mecanismos
neurofisiológicos inseridos ou com a região afetada (DORE, 2006; LENT, 2004), para
Oliveira (2008) a dor pode ser classificada, de modo geral, em nociceptiva (fisiológica) e
patológica.
Transitória, de curta duração, rápida, a dor aguda ou nociceptiva (fisiológica), decorre
de estímulo intenso e, geralmente, cessa após o fim deste, propriciando um alerta ao
organismo gerando comportamentos de retirada ou de afastamento do estímulo doloroso.
Como exemplo, ao espetar a ponta do dedo com uma agulha, logo localizamos a dor e
afastamos o dedo do contato com a ponta da agulha (DORE, 2006; LENT, 2004; OLIVEIRA,
2008; TEIXEIRA, 1994).
33
Já a dor crônica, é caracterizada como patológica, de duração prolongada, período maior
que três meses, para fins de pesquisa considera-se um período de no mínimo seis meses,
persistente que não cessa com o fim do estímulo nocivo, apresenta fatores associados,
complexa. As dores crônicas podem também gerar sintomas associados como ansiedade e
depressão interferindo na qualidade de vida. Quando associadas a lesões de tecidos periféricos
provenientes de lesões teciduais, são consideradas como dores inflamatórias e quando
associadas a lesões no sistema nervoso periférico ou central, são consideradas como dores
neuropáticas. (BRACHER, 2005; LENT, 2004; OLIVEIRA, 2008; SÁ K et al, 2009;
TEIXEIRA, 1994).
A dor crônica é uma das grandes causas de incapacidade em adultos jovens nos países
industrializados e uma das razões predominantes de aposentadoria por incapacidade, o que
representa um problema para a Saúde Ocupacional, provocando grande gasto para a Saúde
Pública em todo o mundo. No tratamento da dor crônica, a abordagem multidisciplinar, como
o preconizado pela clínica de dor, é fundamental para restaurar a saúde do indivíduo, já que o
paciente que sofre com dor crônica apresenta, geralmente, alterações físicas, mentais e sociais
secundárias conseqüentes, como depressão, imobilidade, afastamento do trabalho, dentre
outras. (Kerr, 2001; SÁ et al, 2009).
2.4. DOR CRÔNICA NA DANÇA
Pensar a dor, além de sua função de sobrevivência, como um sinal de comunicação que
atua como sintoma e como doença, saber que a emoção é fundamental e decisiva nesse
processo de comunicação e re/conhecer como mídia o corpo na dança, leva-nos a perguntar
como que os dançarinos se relacionam com a dor. Como os corpos que dançam
profissionalmente percebem a dor, como eles manifestam essa dor e para que?
2.4.1. Lesões em Dançarinos
Foi realizado um estudo ao longo dessa pesquisa, com o objetivo de fazer uma síntese
integrativa do conhecimento sobre o tema da percepção da dor no corpo dos dançarinos
profissionais, com base na análise de teses e dissertações defendidas nos programas de pós-
34
graduação de áreas afins nacionais e internacionais através do banco de dados da Biblioteca
Digital Brasileira de Teses e Dissertações como também do banco de dados do Google
Acadêmico e artigos com publicações em periódicos cientificamente validados, selecionados
a partir de uma revisão bibliográfica. Foram usadas na busca as seguintes palavras: dor,
dança, percepção, dor na dança, dança e dor, percepção da dor, percepção da dor na dança.
A revisão bibliográfica das dissertações e teses sobre o tema mostra pouca produção
discente, apenas duas dissertações e duas teses foram consideradas relevantes para a pesquisa
sobre as questões da dança e a dor e seus conteúdos. Bianca Dore (2006) na sua dissertação
“Prevalência e fatores associados à dor em dançarinos profissionais”, após a realização de um
estudo analítico de corte transversal, com 141 dançarinos de companhias de dança
profissional de três capitais do nordeste brasileiro, encontrou níveis elevados de tolerância à
dor em 70,2% dos sujeitos, dor de intensidade moderada à intensa, como também lombalgia
em 80,5% dos entrevistados. As áreas mais acometidas em ordem decrescente são: lombar,
joelho, pescoço, quadris e pés. Dore (2006) nos chama a atenção para a interferência da
sintomatologia na vida pessoal e laboral destes dançarinos.
A tese de doutorado intitulada “Eficácia de um programa de treinamento neuromuscular
no perfil álgido e na incidência da dor femoropatelar entre dançarinos” da professora doutora,
Carla Leite (2007), através de um estudo clínico controlado com 34 dançarinos de
companhias de dança profissional da cidade de Salvador, com sintomatologia da síndrome de
dor femoropatelar, mostra a importância da integração da dança com a ciência do movimento,
com o estudo da cinesiologia da dança o que pode ajudar os profissionais a desenvolver e
implementar programas preventivos de lesões. A autora releva a importância de um
condicionamento adequado para prevenção de lesões baseado nas ciências que compreendem
a complexidade dos processos envolvidos no aprendizado das diversas técnicas corporais que
atender o contexto contemporâneo da dança, alternativas para o treinamento do dançarino.
“Sofrimento e prazer no trabalho artístico em dança” é o título da dissertação de
Mariana Segnini (2010) desenvolvida em um estudo de caso com o Balé da Cidade de São
Paulo. Segnini nos traz informações sobre a relação do trabalhador dançarino e a organização
do trabalho em dança. Ela nos chama a atenção para a valorização da dor nesta relação onde
trabalhar com o corpo dolorido é inerente ao ofício. Dançarinos reconhecem e expõem a dor
enquanto resultado positivo representando comprometimento, envolvimento e dedicação
profissional. A dor é valorizada até o ponto em que não impede o trabalho, quando ocorre
35
afastamento, há angústia e sofrimento. A autora define a valorização da dor como uma
estratégia coletiva de defesa engendrada segundo a psicodinâmica do trabalho.
Um estudo transversal com companhias profissionais de balé clássico e dança moderna
no Canadá, na Dinamarca, em Israel e na Suíça, foi realizado por Craig L. Jacobs (2010) na
sua tese “Lesões músculo-esqueléticas em dançarinos profissionais: prevalência e fatores
associados. Um estudo transversal internacional” 3 nos mostra que há alta prevalência de dor
na população pesquisada, prevalência de lesões musculoesqueléticas é de 20-84%,
prevalência de dor >95%, e que a maioria tem dor crônica. Diante de uma revisão
bibliográfica feita pelo autor para a sua pesquisa ele relata que nos últimos anos apenas 32
artigos sobre o assunto foram aceitos para publicação, a maioria desses artigos ainda
relacionam as lesões em dançarinos com as lesões em atletas sem nenhuma especificidade no
campo da dança. Jacobs mostra que as lesões são comuns em dançarinos e que se faz
necessidade urgente de investigar intervenções que ajudem a controlar e a entender as
implicações em longo prazo nesta população. Relata a atitude dos dançarinos em dançar
lesionados, mais do que 15% dos lesionados não se referem à lesão por causas variadas como:
acreditam que a dor é inerente à dança, é possível dançar com dor, não querem parar de
dançar, medo de perder o lugar que ocupa na companhia de dança. O autor nos chama a
atenção para a necessidade de estudos qualitativos que investiguem a percepção e as atitudes
dos dançarinos diante das lesões.
Embora as dissertações e teses analisadas sobre a percepção da dor no corpo dos
dançarinos profissionais sejam poucas em termos numéricos, são expressivas do ponto de
vista do conteúdo investigado. As informações principais de cada uma delas se
complementam em importância para ratificar a questão da dor na dança.
Alta prevalência de lesões musculoesqueléticas e alta prevalência de dor em dançarinos
integrantes de companhias profissionais de balé clássico, dança moderna, dança
contemporânea e dança afro, distribuídas em um município, em uma região composta de três
municípios brasileiros e em quatro países da América do Norte e da Europa, revelam
sofrimento na população estudada em âmbito mundial. Como também os elevados índices de
tolerância à dor e os relatos de enfrentamento dessas dores diante das atividades profissionais.
3 No texto original: Musculoskeletal Injury in Professional Dancers: Prevalence and Associated Factors. An
International Cross-section Study. (Tradução livre)
36
Uma análise geral dos conteúdos abordados pelas pesquisas nestes trabalhos mostra a
preocupação em implementar treinamentos preventivos, como também com o impacto da dor
na vida pessoal e laboral, com o enfrentamento à dor e suas implicações a longo prazo e com
a necessidade de maior produção literária com especificidade no campo da dança que
investiguem a percepção e a atitude dos dançarinos diante das lesões.
Neste mesmo estudo foram analisados 16 artigos publicados em periódicos validados
cientificamente e selecionados com base nos critérios de expressividade considerando-se a
importância da instituição divulgadora e sua circulação nacional e internacional. O periódico
que apresentou maior número de artigos sobre dança e dor foi a PubMed-MEDLINE, com um
total de 7, seguido por Qualitative Research-SAGE, com 3 artigos, Journal of Dance Medicine
and Science, com 2, Revista Brasileira de Medicina do Esporte, com 1, Fisioterapia em
Movimento, com 1, Clin Podiatry, com 1, e The University of Michigan-Department of
Physical Medicine and Rehabilitation, com 1 artigo.
Alta prevalência de dor, níveis elevados de tolerância à dor e a dor como um aspecto
rotineiro nas atividades da dança são os temas mais enfatizados, se mostrando presentes em
todos os artigos analisados, em seguida estão o treinamento dos dançarinos e as lesões
causadas pelo esforço excessivo, fatores de risco responsáveis pelos altos índices de dor
crônica em dançarinos, relatados em 14 artigos. Nota-se que esses temas estão presentes nas
teses, dissertações e artigos demonstrando sua importância e relevância para ratificar a
questão da dança e a dor.
Nos temas: alta prevalência de dor, níveis elevados de tolerância à dor e a dor como
aspecto rotineiro nas atividades da dança, estão incluídos conteúdos como: sintomatologia
dolorosa, avaliação da dor, enfrentamento à dor, estratégias de enfrentamento à dor, tipos de
dor experimentada, características da dor experimentada, a dor como um sinal de alerta,
consciência das experiências corporificadas, consciência corporal, percepção consciente,
atenção especial, sofrimento prolongado, ‘cultura da dor’ na dança, valorização da dor na
dança, intervenção de fatores psicológicos e psicossociais da dor na dança.
Os conteúdos: lesões musculoesqueléticas em dançarinos, lesões incapacitantes,
adaptação e motricidade específica em dançarinos, disciplina rigorosa, performance muscular
perfeita, treinamento, desempenho superior em dança, “overtraining”/ “burnout” (esforço
excessivo), dedicação profissional e a dificuldade de acesso à assistência médica, estão
incluídos nos temas: treinamento dos dançarinos e as lesões causadas pelo esforço excessivo.
37
Os aspectos que nas pesquisas discentes são abordados ganham reforço, destaque e
prioridade nos artigos nas suas duas categorias de temas. Outros aspectos surgem como
conteúdos emergentes, são eles: “dançarino saudável”, propostas de estratégias de prevenção
de lesões em dançarinos, diminuição da incidência de lesões futuras, tratamento mais eficiente
e efetivo, atenção para o estresse específico em cada tipo de dança, aproveitamento dos
estudos da biomecânica, fisiologia, anatomia e cinesiologia aplicadas à dança para o
desenvolvimento harmonioso dos dançarinos e para a atuação dos dança educadores,
necessidades de programas em dança que integrem as atividades da dança mais
harmoniosamente com outros aspectos da sua vida, negligência dos dançarinos em relação à
sua saúde.
Nota-se, de maneira geral, na análise das teses, dissertações e artigos a relevância para
os seguintes aspectos: literatura da medicina da dança ainda jovem e heterogênea com poucas
evidências, necessidade de pesquisas especializadas na área com questões de pesquisa claras e
relevantes a serem abordadas com desenhos de estudo apropriado, melhores relatórios de
estudo de acordo com as normas científicas e sugestões de que as pesquisas qualitativas
podem fornecer uma compreensão mais útil de interpretações e tratamento da dor dos
dançarinos.
Esta revisão bibliográfica realizada através da análise de duas teses e duas dissertações
produzidas nos programas de pós-graduação em ciências da saúde, artes cênicas, ciências da
reabilitação e ciências médicas, e dezesseis artigos publicados em periódicos nacionais e
internacionais validados cientificamente, permitiu identificar uma significativa preocupação,
dentre as questões da dor na dança, com a percepção e enfrentamento da dor pelos dançarinos.
Permitiu ainda evidenciar a negligência dos dançarinos com a sua própria saúde, negando a
dor ou valorizando-a a fim de manter seus ganhos diretos e indiretos ao mesmo tempo em que
supervaloriza a dor para manutenção do treinamento e fazer artístico.
Neste mesmo levantamento pode-se comprovar alta prevalência de dor e elevados níveis
de tolerância à dor, considerando o uso excessivo do corpo do dançarino como fator de risco.
Porém, fica evidente também, a pouca produção bibliográfica que considere os fatores
psicossociais envolvidos na experiência dolorosa, como o prazer, a paixão, o mercado de
trabalho, o reconhecimento social, e nenhuma que considere os processos cognitivos do
movimento. Vale à pena ressaltar que o maior número de produção e publicação desta
bibliografia está concentrado em diversas áreas do conhecimento e o menor número na área
da dança.
38
Nenhum dos pontos discutidos nas pesquisas analisadas repercute sobre como os
dançarinos vivem em seus corpos, considerando processos de dor somente relativos às lesões
decorrentes do treinamento e tipo de atividade profissional exercida pelo dançarino.
Os estudos analisados se referem à práxis do treinamento em Dança que se sustenta na
ideia do pensamento dominante mecanicista cartesiano do corpo-máquina, onde o corpo é
considerado como uma máquina que deve responder a cada comando do cérebro, e servir a
cada função realizada com a máxima eficiência para alcançar os melhores resultados
desejados e manter uma performance virtuosa.
Esses resultados estão relacionados aos ideais de modelos pré-estabelecidos de acordo
com a estética trabalhada onde todo o processo para se chegar ao resultado é pouco
considerado e o que mais importa é alcançá-lo, conquistá-lo, tê-lo. É a visão mecanicista,
dualista e reducionista do corpo que não considera o fluxo de troca contínua de informações
entre corpo e ambiente (QUEIROZ 2009).
Os dançarinos desenvolvem processos de dor que muitas vezes se tornam crônicos e a
despeito de incapacitantes, seguem lesionando e adentrando o terreno de processos mais e
mais dolorosos com o corpo para chegar ao ideal insuperável de corpo na profissão.
Poderíamos nos perguntar por que isso se dá dessa maneira e o que motiva tanto sofrimento
envolvendo a esfera produtiva do mercado de trabalho em dança.
O treinamento dos dançarinos e as lesões causadas pelo esforço excessivo são temas que
merecem destaque para um estudo mais aprofundado por estarem presentes em todas as
pesquisas estudadas nos diferentes contextos socioculturais.
A percepção da dor no corpo que dança está implicada no processo de configuração
corporal, assim o nível de tolerância e o enfrentamento à dor se estabelecem de acordo com as
experiências individuais e mostram estar relacionados também com emoções e sentimentos
como aspectos motivacionais de paixão, superação e prazer.
O corpo é considerado um sistema aberto e imerso em processos auto-organizadores,
que transita socialmente com a capacidade de adaptação. A experiência da dor pode ser
considerada como um fenômeno natural biológico nos processos de transformação corporal,
que avançam no tempo em busca de estabilidade e sobrevivência, diante da sua contingência
histórica. Como um sinal de alerta para a estabilidade do organismo, a dor, confabula com
informações já presentes no corpo negociando em busca da sobrevivência.
39
A dança, através dos seus movimentos multiplanares, que envolvem mais de um plano
de ação articular explorando fenômenos que constituem o corpo nos processos de
corporalização/embodiment, desenvolve a percepção, consciência e estimula os sentidos. O
interesse em investigar o fenômeno da dor na dança, buscando possíveis entendimentos do
como e do por que o enfrentamento à dor pelos profissionais da dança se dá dessa maneira.
Por que suportam elevados níveis de tolerância à dor e o que os motiva na busca pela
superação dos seus limites físicos e emocionais diante de tanto sofrimento? Por que os
dançarinos permanecem sem levar em conta como vivem em seus corpos? Por que as lesões
neuro-músculo-esqueléticas decorrentes dos treinamentos nas atividades profissionais em
dança são especificamente pesquisadas sem levar em conta os processos de cronificação da
dor gerados destas lesões?
2.5. DOR, MOVIMENTO E IMOBILIDADE
A dor musculoesquelética, uma das mais frequentes, causada por doenças relacionadas
aos ossos, músculos, tendões, fáscias musculares, articulações e seus ligamentos, pode levar à
imobilidade incapacitando e/ou limitando as atividades diárias (ISSY e SAKATA, 2005).
As manifestações de dor podem estruturar modificações corporais, principalmente,
como movimentos compensatórios. O tratamento busca melhorar a função e recuperar os
movimentos. Alguns autores sustentam a ideia de que quando existe um déficit na
musculatura estabilizadora das articulações, haverá como consequência uma disfunção do
movimento e da postura, que provocará sobrecarga em determinadas estruturas neuro-
músculo-esqueléticas, levando a compensações sintomáticas. Forma-se um ciclo-vicioso que
levará à cronicidade da lesão e da dor.
Manohar M. Pajabi, médico diretor do laboratório de biomecânica da Universidade de
Yale, um dos maiores pesquisadores em coluna vertebral do mundo, nos informa a sua
hipótese a respeito de como se dá esse ciclo-vicioso da dor: “a resposta muscular corrompida
afeta a orquestração de ativação dos vários músculos responsáveis pela estabilidade da coluna,
postura e movimento.” (PANJABI, 2005, p. 5) 4.
4 No texto original: The orchestration of the various spinal muscles responsible for spinal stability, posture and
motion is disrupted. (PANJABI, 2005:5) (Tradução livre)
40
Embora não concorde com a ideia da existência de uma unidade controladora dos
movimentos no córtex cerebral, como está disposto no artigo “Uma hipótese de dor lombar
crônica: subfalhas de ligamentos lesionados levam a disfunção do controle muscular”
(PANJABI, 2005) 5, ideia esta que remete à concepção corpo-máquina estabelecendo o corpo
como subordinado ao comando cerebral, por outro lado em acordo com o entendimento de
ciclos complexos de interação entre sinais advindos do cérebro e do corpo como propõe
António Damásio (1996), proponho, para explicação desse ciclo vicioso da dor, a hipótese
sobre o modelo de disfunção mecânica que leva à dor lombar crônica, apresentada por Panjabi
(2005) no seu artigo. O que nos interessa aqui em relação à hipótese proposta por este autor é
(re)conhecer um pouco mais dos processos corporais internos e externos com seus micro e
macro movimentos na experiência da dor.
O autor descreve sua hipótese seguindo as etapas sequenciais: trauma único ou
microtraumas cumulativos provocam lesões nos ligamentos e mecanorreceptores envolvidos.
Os mecanorreceptores feridos geram sinais de transdução corrompidos e desordenados devido
às alterações e incompatibilidade espacial e temporal entre os sinais em relação ao que seria
normalmente esperado. A musculatura age de forma desordenada, as características
individuais dos músculos em relação à coordenação da força de disparo para a contração são
interrompidas, gerando sinais corrompidos que geram disparos desordenados, o ciclo se
mantém e essa condição inicialmente provisória pode persistir caracterizando o processo de
cronificação da dor estabelecendo novos padrões neurais, muitas das vezes, deletérios.
De acordo com este modelo a resposta muscular desordenada contribui não só para a
manutenção da lesão e da dor, como também acelera o processo degenerativo dos ligamentos,
discos e vértebras.
5 No texto original: A hypotesis of chronic back pain: ligament subfailure injuries lead to muscle control
dysfunction. (Tradução livre)
41
Figura 2 – Situação anormal
Fonte: Panjabi (2005)
Figura 3 – Situação normal
Fonte: Panjabi (2005)
42
Quando uma ação está em eminência de acontecer, características proprioceptivas como
força, equilíbrio, intensidade, tempo e outras, são informadas, através do contato com a
superfície, para que o movimento aconteça. Quando temos dor, os neurônios proprioceptores
são abalados e os movimentos se tornam desordenados, comumente conhecidos como padrões
errôneos de movimentos e aqui entendidos como movimentos compensatórios. Nos
movimentos da dança, por exemplo, estamos sempre ativando e desafiando o sentido da
propriocepção.
Com estes entendimentos, propomos, em relação ao pensamento dominante mecanicista
sobre idealização que padroniza os movimentos na dança, dentro do contexto dos dançarinos
profissionais na delimitação desta pesquisa, tanto no que tange ao uso abusivo do próprio
corpo, como também no que diz respeito aos fundamentos da área da saúde, apontar que
afirmam ser um padrão errôneo aquilo que foge ao padrão ideal estabelecido pautado na
perspectiva cartesiana/ determinista; e fundamentar o pensamento que propomos com o
entendimento de que padrões de compensação de movimentos são organizados naturalmente
como defesa para o organismo e por isso não são errôneos e sim uma nova ordem no corpo
com dor.
As implicações desta nova ordem estão relacionadas à integridade articular, muitas das
vezes, a posição antálgica, aquela que traz certo alívio quanto à dor, acarreta tensões
excessivas em estruturas envolvidas, tais como ligamentos, tendões, e musculatura superficial
por manter a articulação afastada da sua posição neutra, esses processos caracterizam um
movimento compensatório e podem levar a cronificação deste novo padrão, que por sua vez
pode levar à imobilidade e suas implicações.
Com a contribuição das ciências cognitivas, pretende-se elucidar as questões da dor
instaladas no corpo que dança, implicadas no próprio processo de configuração corporal,
envolvendo a própria percepção que se tem do corpo. Passa pela propriocepção, sentido
cinestésico e sistema sensório motor, ressaltando o papel cognitivo do movimento nos
processos de organização corporal, aqui chamados de corporalização, relacionadas a aspectos
motivacionais de instinto e paixão, envolvendo por sua vez aspectos emocionais e
sentimentos de prazer. Está em jogo o entendimento de experiência com o corpo e com o
movimento no processo de dançar.
43
2.6. SOBRE CORPORALIZAÇÃO
Os conceitos, teorias e hipóteses propostas pelas ciências cognitivas a cerca de
embodiment vem sendo utilizados na dança contemporânea para o entendimento da relação
corpo-mente e seus desdobramentos. Lela Queiroz (2004), em “Processos de corporalização
nas práticas somáticas BMC”, propõe a tradução do termo embodiment com o termo
corporalização salientando-o como um processo permanente e dinâmico propondo considerar
uma visão em mão dupla, a partir da visão internalista de embodiment na qual o fenômeno se
dá de dentro para fora; está implicado processos de mutação e transformação em tornar-se
corpo, dentro-fora, fora-dentro. “Corporalização como um processo permanente e dinâmico
de construção-estruturação do desenvolvimento do organismo vivo” (QUEIROZ, 2004, p.
172).
A compreensão de corpo como um processo comunicacional e o entendimento do
trânsito das informações nos fluxos dentro-fora, movimentos internos e externos, intrínsecos e
extrínsecos, micros e macros, organismo e ambiente, nos permite o entendimento do conceito
corpomídia.
O conceito corpomídia (KATZ e GREINER, 2003) propõe o corpo como mídia ativa de
comunicação em fluxo constante com o ambiente (dentro-fora, macro-micro, intra-extra
celular), onde as informações são capturadas pelo processo perceptivo com as perdas
habituais e passam a fazer parte do corpo, são transformadas em corpo, ou seja,
corporalizadas.
O corpo não é o lugar por onde a informação passa, toda informação que chega entra em
negociação com a que já está. É um processo evolutivo de selecionar informações que
configuram o corpo (QUEIROZ, 2009).
No processo de corporalização, as mudanças e a organização das informações geradas
nas adversidades internas e externas entre organismo e ambiente, através do movimento e
contato, tornam-se corpo, que age no ambiente trocando novas informações mantendo o fluxo
contínuo de transformações. Os movimentos organizam as informações que se transformam
em corpo, no instante presente da exploração e nas possibilidades futuras que dependem da
relação com o ambiente e com as informações já presentes, participando intrinsecamente na
auto-organização do organismo que propiciam a cognição. Para as autoras Katz e Greiner,
“nessa perspectiva, o ato de dançar, em termos gerais, é o de estabelecer relações testadas
pelo corpo em uma situação, em termos de outra, produzindo, neste sentido, novas
44
possibilidades de movimento e conceituação.” (KATZ e GREINER, 2003, p.9). A dança é o
resultado desses processos de negociação entre o corpo e o ambiente. Para Helena Katz
(2005), a dança deve ser apresentada como o pensamento do corpo, esse corpo como processo
de comunicação entre a natureza e a cultura.
2.7. DE ONDE VÊM AS INFORMAÇÕES?
Os organismos exploram o ambiente na busca pela sobrevivência. Essa exploração se dá
através do movimento e contato nos embates com as adversidades do meio interno e externo.
Como uma herança evolutiva, muito antes do aparecimento do cérebro e da sua
complexificação, o organismo se arranja organizando a sua forma e função diante das
condições ambientais encontradas, tais como, alterações de temperatura intra e extracorpórea
e alterações de textura intra e extracorpórea. Essas informações são fornecidas pela
propriocepção através do sentido da sensibilidade corporal. Segundo Lela Queiroz (2009),
“[...] alguns organismos, desde os mais primevos, ao enfrentarem adversidades no meio,
encontram soluções para superar obstáculos via tato e circulação no ambiente.” (QUEIROZ,
2009, p.32).
Somestesia é o termo que equivale à sensibilidade corporal (do grego soma, corpo +
aesthesis, sensibilidade) e inclui toda a sensação proveniente da estimulação da superfície e
do interior do corpo, é a única das modalidades sensoriais que pode ser ativada por diferentes
formas de energia: química, térmica ou mecânica. Cada modalidade sensorial tem aspectos
qualitativos particulares que são chamados de submodalidades sensoriais. Segundo Lent
(2004), “As submodalidades somestésicas são o tato, a sensibilidade térmica, a dor, a
propriocepção e outras” (LENT, 2004, p.171).
Para o neurocientista Roberto Lent (2004), a propriocepção é uma submodalidade do
sentido da sensibilidade corporal também chamado de somestesia ou tato. Propriocepção, de
acordo com o Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa, é sensibilidade própria
aos ossos, músculos, tendões e articulações, que fornece informações sobre a estática, o
equilíbrio, o deslocamento do corpo no espaço e etc. Os sentidos correspondem à tradução
para a linguagem neural das diversas formas de energia contidas no ambiente. São chamados
de modalidades da sensibilidade corporal e seus atributos são:
45
(1) localização espacial, podemos identificar a precisa posição em que parte do
corpo sentimos um ponto doloroso, os estímulos táteis podem ser mais precisamente
localizados na superfície corporal do que os estímulos dolorosos profundos; (2)
determinação da intensidade de um estímulo, os sistemas sensoriais são capazes de
realizar uma avaliação bastante precisa da quantidade de energia contida em
determinado estímulo; (3) determinação da duração de um estímulo, podemos
precisar o momento. (LENT, 2004, p.168-171).
A sensibilidade corporal é possivelmente a modalidade sensorial mais antiga entre
os animais. Originou-se da sensibilidade da própria célula, como nos protozoários,
capazes de modificar o trajeto de seu movimento quando são atingidos por estímulos
físicos ou químicos provenientes do meio. Os organismos multicelulares
desenvolveram um sistema nervoso, e já os primeiros neurônios tiveram uma
natureza sensorial, permitindo que os animais percebessem os estímulos externos
que tocavam o seu corpo, assim como os estímulos internos resultantes da
movimentação e do funcionamento dos órgãos. (LENT, 2004, p.185).
Segundo Lent (2004), os receptores da sensibilidade corporal são de grande variedade e
sua distribuição é dispersa no organismo. Alguns deles são simples terminações nervosas
ramificadas, outros são mais complexos, associados a células não neurais e compondo
pequenos órgãos receptores. Podem ser classificados de acordo com o tipo de estímulo
incidente em: mecanoceptores, termoceptores, fotoceptores, quimioceptores e nociceptores; e
também de acordo com a sua localização anatômica em: exteroceptor, interoceptor e
proprioceptor. A maioria dos receptores da sensibilidade corporal é formada por
mecanorreceptores, sensíveis a estímulos mecânicos contínuos ou vibratórios.
A origem dos estímulos sensoriais se dá na relação entre o ambiente, externo ou interno,
e o organismo através de neurônios interligados que compõem o sistema sensorial. Os
primeiros elementos dos sistemas sensoriais são os receptores sensoriais, células
especialmente adaptadas para captar energia incidente, chamadas de células primárias ou de
primeira ordem que se conectam com neurônios de segunda ordem e estes com os de terceira
ordem e assim por diante à níveis mais complexos do sistema nervoso. Os receptores estão
sempre posicionados o mais favorável à captação da energia que os vai estimular, podem estar
em diferentes tecidos e órgãos, nervosos ou não, e os neurônios subsequentes estão sempre
localizados no sistema nervoso, seja no Sistema Nervoso Periférico, seja no Sistema Nervoso
Central.
O autor identifica, pelo menos, nove tipos de receptores da sensibilidade corporal,
descritos aqui apenas quatro tipos, os que estão mais diretamente relacionados com a dor e
com a propriocepção: (1) as terminações livres, presentes em toda a pele e praticamente em
todos os tecidos do organismo, são receptores de adaptação lenta (tônicos) de fibras
46
amielínicas finas e mielínicas, com baixa condução dos impulsos nervosos. Veiculam
informações do tato grosseiro, dor, sensibilidade à temperatura (calor) e propriocepção; (7) os
terminais dos folículos pilosos são fibras sensoriais mielínicas que espiralam em torno da raiz
dos pelos, podem ser fásicos ou tônicos, detectam o deslocamento desses pelos, possuem
motricidade e desempenham papel importante da detecção de obstáculos do meio; (8 e 9)
fusos musculares e os órgãos tendinosos de Golgi, dois tipos de mecanorreceptor muito
especializados, situados nos músculos esqueléticos e respectivos tendões, envolvidos com a
propriocepção.
Lent (2004) descreve a transdução e a codificação dos proprioceptores da seguinte
maneira: a fibra possui canais iônicos dependentes de deformação mecânica; toda vez que
esses canais são deformados, eles se abrem e deixam passar um fluxo de cátions que gera um
potencial receptor despolarizante, de amplitude proporcional à intensidade da energia
incidente e duração que acompanha a duração do estímulo.
Nas rotinas do organismo, os proprioceptores reagem, agem, a cada estímulo num
processo contínuo de negociação com o ambiente, experimentando novas possibilidades e
limites. Esses movimentos de exploração geram informação sobre quem percebe e o que é
percebido testando e selecionando essas informações para encontrar a opção mais adequada
para a ação no ambiente, criando os arranjos adaptativos que dependem da capacidade de
inteligibilidade.
Nos processos de exploração, o organismo descobre o meio e diferencia as
possibilidades e a diversidade que o meio apresenta, selecionando o que for viável para a sua
sobrevivência e estabilidade através de arranjos que permitam ou que proíbam a ação. “Para
implementar novas habilidades o ser humano, organismo vivo complexo, precisa explorar,
testando e selecionando informações para a escolha da ação, no ambiente” (QUEIROZ, 2006,
p.157).
2.8. UMA PROPOSTA EVOLUTIVA PARA PROPRIOCEPÇÃO
O entendimento de experiência aqui proposto é, de acordo com Johnstone (1998),
aquilo que o corpo experiencia como acontecimentos dinâmicos ligados a conceitos
afetivos/táteis cinestésicos, e não como um fenômeno estático e isolado.
47
Maxinne Sheets-Johnstone foi coreógrafa em dança e atua hoje como filósofa e vem
dedicando seus estudos com ênfase nos seguintes assuntos: (1) o papel fundamental do corpo
tátil-cinestésico e sua cinética correlativa com o mundo, (2) o papel fundamental de nossas
conexões evolucionárias em que o nosso corpo tátil-cinestésico é espécie-específico, mas
ligado a outras formas animadas no mundo animado, (3) o fato de que o movimento é uma
dinâmica qualitativa e afetiva, e (4) o entendimento da consciência como um fenômeno
corpóreo considerando que a propriocepção seja funcional aos movimentos intrínsecos neste
processo auto- organizativo que propiciam a cognição.
A propriocepção é o sentido da sensibilidade corporal que permite conhecer o próprio
corpo e o movimento do corpo e assim permite saber o mundo (JOHNSTONE, 1998), refere-
se geralmente por uma sensação de movimento e posição, através do tato e da cinestesia, dos
eventos externos e internos do corpo, incluindo o senso de orientação gravitacional através de
órgãos sensoriais vestibulares.
Nós humanos aprendemos cada coisa que somos movendo-nos e escutando nosso
próprio movimento. Somos sensores dos nossos corpos. De fato, nós humanos como
muitos outros primatas, precisamos aprender a nos mover, nosso sentimento de
movimento tem uma certa dinâmica. (JOHNSTONE, 1998, p.9) 6
Quando uma ação está em eminência de acontecer passa por um contato com o
objeto/ambiente no qual força, equilíbrio, intensidade, tempo, e outras características
proprioceptivas são informadas para que o movimento aconteça. O corpo ajusta cineticamente
o que é encontrado em tempo real e a propriocepção é o sentido mais importante nesse
processo.
A prioridade do movimento e do tato na série de transformações sofridas pelo indivíduo
desde a formação do ovo na fecundação até por todo o processo de desenvolvimento não é
surpreendente, quando conhecemos a sequência de desenvolvimento do tecido neural
embrionário. As sensações de equilíbrio ou desequilíbrio são proporcionadas através de
sensações vestibulares por volta da 4ª semana de vida, na fase fetal, através de sensações
cinestésicas dos receptores nos músculos que proporcionam uma sensação de posição e
6 No texto original: “…we humans learn which thing we are by moving and listening to our own movement. We
sense our own bodies. Indeed, we humans, along with many other primates, must learn to move ourselves…our
body feelings of movement have a certain dynamic.” (JOHNSTONE, 1998, p.9) (Tradução livre)
48
movimento. O sistema sensorial para equilíbrio está quase pronto no início do 4º mês,
também nesse período aparece o movimento reflexivo indicando que o movimento do feto é
coordenado em resposta à estimulação. Os processos de desenvolvimento do tecido neural
relacionados com os movimentos e os estudos fisiológicos sugerem que o desenvolvimento
neural do córtex motor seja estimulado pelos movimentos do próprio corpo. Segundo
Johnstone, “movimento influencia a morfologia” (JOHNSTONE, 1998, p.25) 7.
Na formação genética, “desde os primórdios do organismo, os processos periféricos de
movimentos produzem princípios aliados de organização neurológica” (QUEIROZ, 2006,
p.117). Os genes são desenhados para agir de acordo com o ambiente reagindo à experiência
influenciando as características do organismo, o fenótipo. Desta forma eles trocam
informações com o ambiente e também são influenciados, sofrendo alterações de acordo com
o contexto onde as informações genéticas estejam ativadas. “Os genes fazem mais do que
portar informação; eles reagem à experiência” (RIDDLEY, 2004, p.289 apud QUEIROZ,
2006, p.118).
A interação do gene selecionado e ativado com a morfologia se faz necessária para que
as modificações sejam impulsionadas e nesta atividade novos agregados e propagações
imprevistas surgem moldando as dominâncias genéticas de acordo com a experiência,
“reforçando a teoria de desenvolvimento dinâmico” (QUEIROZ, 2006, p.120) que se
caracteriza pelas “mudanças dinâmicas dos fenômenos tratadas em tempo real” (QUEIROZ,
2009, p.41).
Para Sheets-Johnstone (1998), os organismos vivos são sensíveis ao movimento, têm
sensibilidade às modificações dinâmicas de seu próprio corpo, por isso não podem ser
programados e automatizados, e para cada experiência se dá um aprendizado distinto, a
sensibilidade do movimento é básica e pioneira.
Esta breve revisão bibliográfica aponta, possivelmente, a propriocepção como um dos
sentidos corporais mais antigos, herdado evolutivamente como ferramenta de permanência da
espécie. A autora comenta que ao considerarmos que os cílios dos tentáculos de um pólipo
são deformados pela vibração da água no ambiente que o rodeia, então a sua resposta de
flexão é proprioceptiva, informando a sua posição no ambiente, e não reflexiva. Essa ação
indica os cílios como o início de uma estrutura especializada de órgãos dos sentidos, como
7 No texto original: “Movement influences morphology”. (JOHNSTONE, 1998, p.25) (Tradução livre)
49
uma herança evolutiva, os órgãos externos da propriocepção foram internalizados no curso da
evolução culminando na consciência corpórea cinestesicamente tecida.
As informações das disposições do corpo são fornecidas com a propriocepção. Sheets-
Johnstone (1998) defende a propriocepção como uma capacidade essencialmente cinética
cognitiva, que se constitui como consciência corpórea e o movimento como condição sine-
qua-non da percepção, experiência tátil-cinestésica como primaz para o movimento e o
movimento fundamentalmente proporcionado por seu tato, propriocepção e sensibilidades
corporais.
Importante reforçar para que não se perca de vista a noção da ampla distribuição do
sistema sensorial, os proprioceptores são receptores que se localizam mais profundamente nos
músculos, aponeuroses, tendões, ligamentos, articulações e no labirinto. São essenciais para
informar ao cérebro a noção de posição dos membros e esta informação é essencial para a
coordenação dos movimentos.
As informações proprioceptivas desempenham um papel vital na coordenação e
orientação dos movimentos. Esses processos da sensibilidade corporal pelos quais é possível
discriminar os aspectos de si mesmo como forma animada, são habilidades cineticamente
cognitivas, constituem uma consciência corpórea. A noção de consciência como um
fenômeno corpóreo.
Tato, assim, passa então a habilidades cognitivas essencialmente cinéticas pelas
quais, um organismo discrimina aspectos de si como forma animada. No sentido
mais fundamental essas habilidades cognitivas cinéticas constituem uma consciência
corpórea. (SHEETS-JOHNSTONE, 1998, p.12)8.
De acordo com Sheets-Johnstone (1998), a noção de consciência aqui proposta é a de
um fenômeno fundamentalmente corpóreo, referindo-se a um nível basal na organização
neural que implementa níveis mais complexos constituindo níveis mais elevados da
consciência. O termo consciência remete a inúmeras vertentes de pensamentos e teorias sobre
o assunto em diversas áreas do conhecimento, às quais não iremos decorrer neste estudo, e
que há muito vêm dedicando suas pesquisas em busca de esclarecimentos dos processos
8 No texto original: “Tactility thus enters into the essentially kinetic cognitional abilities by which a creature
discriminates aspects of itself as an animate form. In the most fundamental sense, these kinetic cognitional
abilities constitute a corporeal consciousness...” (JOHNSTONE, 1998, p.12) (Tradução livre)
50
envolvidos neste fenômeno. (QUEIROZ, 2001, p.129). Dentro do escopo desta pesquisa, a
opção pelo entendimento proposto por esta autora se deve ao destaque do sistema sensório
motor nos processos que tecem a consciência apontando a co-ação entre corpo e mente, o que
implica em mudanças na abordagem de corpo apoiando a noção de mente encorpada, que
embasam a ´corporalização`, contribuindo na compreensão das “especificidades que isto traz
para a dança.” (QUEIROZ, 2001, p.129)
Os movimentos são tramados em redes que envolvem o fluxo de informações
constantes entre sistema nervoso periférico e sistema nervoso central, imersos em um
ambiente, “tudo se relaciona como corpomídia” (QUEIROZ, 2009, p.64). Seguindo este
entendimento e considerando a complexificação do sistema nervoso nos seres humanos, pode-
se dizer que o movimento possibilita padrões neurais que envolvem mais de uma zona de
representação cortical embasados na consciência corpórea cinestesicamente tecida, indicando
que tecidos neurológicos basais podem ser acessados através do movimento, em diferentes
níveis da consciência.
Os processos da sensibilidade corporal pelos quais é possível discriminar os aspectos de
si mesmo como forma animada, são habilidades cineticamente cognitivas, constituem uma
consciência corpórea que, se consideradas na manutenção do treinamento e no fazer artístico
em dança, poderão agregar valores diferenciados nas questões da dor na dança.
51
3. O FENÔMENO DA DOR NA DANÇA
Neste capítulo serão discutidos alguns aspectos sobre a relação dos dançarinos com a
dor crônica no que diz respeito aos processos lesivos nas práticas em dança, levantando
questões relativas ao cotidiano destes profissionais envolvendo diversos aspectos de suas
vidas. Algumas reflexões sobre o entendimento de corpomáquina nas práticas em dança,
como também nas práticas terapêuticas destes corpos da dança contrapondo com o
entendimento de corpo sensível nas práticas de educação somática e suas influências na dança
e na saúde. Apontando a percepção como instrumento transformador e a relevância em
valorizar as informações que vêm do próprio corpo nas propostas pedagógicas, terapêuticas e
artísticas na formação e atuação dos dançarinos focando a integridade do indivíduo e,
portanto, a prevenção de lesões. Ainda neste capítulo será discutido o aspecto emocional na
experiência dolorosa, considerando a emoção como regulação básica de sobrevivência do
organismo que constitui uma espécie de memória explicada com a hipótese do marcador
somático de Damásio (1996,2010), e que aponta preferências para sentimentos de dor e prazer
envolvidos na relação dos dançarinos com a dor.
Salientando o entendimento de experiência com o corpo e com o movimento no
processo de dançar, questões da dor instaladas no corpo que dança implicadas no processo de
configuração corporal, dizem respeito à própria percepção que se tem do corpo, sentido
cinestésico e sistema sensório motor, ressaltando o papel cognitivo do movimento nos
processos de corporalização, relacionadas a aspectos motivacionais de instinto e paixão,
envolvendo por sua vez aspectos emocionais e sentimentos de prazer.
Os dançarinos profissionais desenvolvem processos de dor que muitas vezes se tornam
crônicos e a despeito de incapacitantes, seguem lesionando e adentrando o terreno de
processos mais e mais dolorosos com o corpo para chegar ao ideal insuperável de corpo na
profissão. Poderíamos nos perguntar por que isso se dá dessa maneira e o que motiva tanto
sofrimento envolvendo a esfera produtiva do mercado de trabalho em dança.
As práticas corporais em dança, influenciadas pela perspectiva mecanicista do corpo,
que visam o aprendizado dos movimentos de forma repetitiva e padronizada, favorecem
hábitos e condicionamentos corporais sobre estruturas neuro-musculo-esqueléticas que podem
não estar preparadas para tal exigência, tanto no que tange a organização e a percepção ativa
destas estruturas, como também, a falta de atenção às informações periféricas nestes
processos cognitivos (DOMENICI, 2010; QUEIROZ, 2001). Este método de ensino-
52
aprendizagem garante a domesticação hegemônica dos corpos nas suas funções pré-
determinadas para o controle e obtenção de resultados condicionantes.
Segundo Lela Queiroz (2001), a formação dos hábitos é sustentada por crenças sociais e
culturais pelas quais somos submetidos constantemente a séries de condicionamentos. O
termo condicionamento refere-se à relação por dependência entre o efeito esperado e o
estímulo proposto, testada e defendida como tese estímulo-resposta, pelo fisiologista russo
Ivan Petrovich Pavlov (1849-1936). Experiências como a de Pavlov (1949-1936) deram
seguimento à tentativa de observar leis que operam na aprendizagem de condicionamentos
herdados e adquiridos, apoiadas no objetivo de preparar os movimentos para suas relações
com as máquinas no comportamento mecanicista da sociedade industrial. Para a autora, “a
concepção mecanicista determinista e dualista, encontra-se nos bastidores da tese estímulo-
resposta, e o postulado da geração de uma segunda natureza fica associada aos mecanismos
condicionantes” (QUEIROZ, 2001, p.72).
[...] esses condicionamentos, embora largamente empregados por seus resultados
assegurados, subestimavam a inteligência humana de escolha, provocando
limitações à individualidade, produzindo sobretudo submissão e resignação. As
“vantagens” da dependência por recompensa traduziam-se em “desvantagens”, sob o
enfoque da consciência corporal. (QUEIROZ, 2001, p.76)
Apesar de eficaz ao que se propõe esta forma de domesticar corpos mantem certo
distanciamento entre o dançarino e seu próprio corpo. Prevalecendo-se enquanto alienação
invisível, o dançarino se mantém certo do seu domínio corporal a cada repetição dos
movimentos realizados, acreditando adquirir consciência e presteza das suas habilidades
motoras para a conquista de novos desafios impostos, mesmo que isso represente altos custos
pessoais e envolva outros domínios da sua vida, não levando em conta o ‘como se faz’, mas
sim ‘o que se faz’.
A repetição de movimentos lesivos gera estimulação persistente de nociceptores, o que
provoca dor espontânea, redução do limiar de sensibilidade e hiperalgesia, conforme
mecanismo de sensibilização central descrito no capítulo dois desta dissertação. Isso quer
dizer que, por não buscar tratamento adequadamente orientado para uma lesão inicial e, além
disso, manter o movimento que provocou a lesão ao permanecer dançando, favorece-se um
bombardeamento consecutivo de sinais dolorosos advindos dos nociceptores, que se espalham
espacialmente por áreas adjacentes em intervalos de tempo cada vez mais curtos, o que
53
provoca sensação dolorosa cada vez mais rápida e intensa, até que o estímulo nocivo inicial
não seja mais necessário para tal sensação, o que caracteriza o fenômeno da alodínia nos
processos de dor crônica.
Considerar o ‘como se faz’ implica mudanças no entendimento de corpo como algo
estático, imutável e domesticável, para algo impregnado da ideia de processo, dinâmico, em
constante transformação, portanto capaz de modificar padrões de movimentos automatizados.
O corpo deixa de ser tratado como um objeto de observação previsível, passando a ser
percebido a partir de si mesmo, com respeito ao processo cognitivo individual, a subjetividade
encontra ocupação na sensibilidade da percepção dos sinais advindos do próprio corpo. A
percepção passa a ser um instrumento para modificar padrões de movimentos automatizados.
Sensores da sensibilidade corporal encontram-se espalhados por todo o corpo, são
inúmeros sinais periféricos trocando informações com sinais centrais num fluxo inestancável.
Cada um desses sinais periféricos aciona mapas neurais representados em regiões corticais,
que, por sua vez, coordenados influenciam no comportamento corporal, este gera sinais
dispersos pelo corpo, e assim, o fluxo se mantem em base na experiência vivida a tempo real.
Uma das implicações deste mecanismo está na possibilidade de antecipação das ações pré-
determinadas, através de um mecanismo de simulação da realidade, como se fosse corpo. O
entendimento deste mecanismo proposto por Damásio (1996) recorrente nesta dissertação, a
fim de suscitar reflexões relativas ao automatismo dos movimentos condicionados, na
manutenção deste fluxo entre sistema nervoso periférico e sistema nervoso central, e suas
implicações nos processos de cronificação da dor.
Desta forma, influenciadas pelas mudanças no entendimento de corpo como processo,
em constante transformação, as aulas de dança, integrando a somática, passam então a
privilegiar o sentido da propriocepção nos processos de aprendizado, nos quais os alunos
investigam seus próprios movimentos trabalhando com parâmetros tais como relações entre
ossos, músculos, tendões, ligamentos, força gravitacional, eixo corporal, pontos de apoio,
contato, entre outros (DOMENICI, 2010). Através do autoconhecimento o aluno deixa de
copiar um modelo assumindo autonomia nos processos cognitivos valendo-se da
especificidade do seu próprio corpo. Segundo Lela Queiroz (2001), “aprender por descoberta,
perceber, conhecer, examinar e testar novas possibilidades de movimentos no corpo deviam
dar-se minuciosamente num exercício permanente de diferenciação” (QUEIROZ, 2001, p.
79).
54
A descrição somática proposta acima como forma de aula e ensino-aprendizagem em
dança contrapõe-se aos métodos tradicionais em dança, como técnica, apoiados na concepção
corpo-máquina que favorecem a formação dos dançarinos como máquinas executoras de
movimentos virtuosos, submetendo-os a situações de risco constantemente. Como por
exemplo, ao executarem movimentos multiplanares, aqueles que envolvem mais de um plano
de ação, bastante comuns em diversos tipos de dança e que representam risco para a
integridade articular à medida que não se tenha conhecimento e preparo das estruturas
envolvidas na composição destes movimentos para a sua realização de forma saudável.
A repetição dos movimentos de forma intensa e exaustiva sobre essas estruturas pode
acarretar processos lesivos iniciais que avancem no campo do agravamento e da cronificação,
passando do que poderia ser reversível para a ordem do irreversível, como por exemplo, nos
casos das artroses9 nas articulações de joelhos e quadris, comumente desenvolvidas por
dançarinos nesta situação, que por falta de tratamento inicial adequado pode levar à
imobilidade decorrente da rigidez articular adquirida. Sabe-se que uma articulação é
composta por diferentes tecidos orgânicos, que para manterem-se íntegros, devem agir de
acordo com aspectos tais como, sinergia, alinhamento, congruência, entre outros.
Por outro lado, quando realizamos movimentos, estamos sempre ativando e desafiando
o sentido da propriocepção. Quando temos dor, os neurônios proprioceptores são abalados e
os movimentos se tornam desordenados, o que pode vir a gerar um processo de cronificação
da dor. Para a quebra desse ciclo-vicioso de dor crônica se faz comum, nas práticas
terapêuticas “francamente positivistas tão familiares aos profissionais da saúde, que também
se incomodam com o corpo em movimento” (LIMA, 2010, p.34), considerar alguns aspectos
fundamentais para um movimento saudável, tais como: propriocepção, estabilidade,
alinhamento, mobilidade articular, equilíbrio e força. Como também, nos processos
terapêuticos para a (re)organização do movimento, prioriza-se a estabilidade articular, a
mobilidade articular, a mobilidade na estabilidade e a habilidade funcional.
A estabilidade de uma articulação está relacionada com a posição neutra da sua
anatomia óssea, é incrementada pelas cargas compressivas na posição de carga corporal e na
ausência de cargas, a estabilidade é promovida pelas estruturas ligamentares (RENSTRÖM e
9 Artrose é uma afecção dolorosa crônica das articulações que ocorre por insuficiência da cartilagem, ocasionada
por um desequilíbrio entre a formação e a destruição dos seus principais elementos, associada a uma variedade
de condições como: sobrecarga mecânica, alterações bioquímicas dacartilagem e membrana sinovial e fatores
genéticos. A denominação mais aceita internacionalmente da doença é osteoartrite. É uma das causas mais
freqüentes de dor do sistema músculo-esquelético e de incapacidade para o trabalho no Brasil e no mundo.
(COIMBRA IB, et al. 2004)
55
LYNCH, 1999). A força da gravidade atua constantemente sobre todos os corpos que habitam
o planeta Terra, ao considerarmos que cada seguimento corporal tem o seu próprio centro de
gravidade torna-se clara a ideia de estabilidade enquanto condição estrutural fisiológica para a
mobilidade saudável das articulações corporais, portanto, um dos aspectos fundamentais para
um movimento saudável. Lima (1994), nos mostra a relação entre mobilidade-estabilidade e o
centro de gravidade (CG) de um corpo, “um corpo estará tão mais propenso à imobilidade
quanto mais estável estiver seu CG e tão mais propenso ao movimento quanto menos estável
estiver seu CG” (LIMA, 1994, p. 74).
Tais aspectos recebem nova abordagem ao “privilegiar a informação que vem do
próprio corpo para orientar as decisões” (DOMENICI, 2010, p.75), um dos princípios básicos
das práticas de educação somática. Neste campo do saber, a (re)educação funcional do
indivíduo está fundamentada na relação teórico-prática de natureza investigativa, na
percepção da experiência do corpo em movimento (DENOVARO, 2011; DOMENICI, 2010;
LIMA, 2010). Segundo Domenici (2010), “investigação das possibilidades do movimento
pela exploração da sensopercepção, o que se tornou comum chamar de ‘consciência
corporal’.” (DOMENICI, 2010, p. 75).
A investigação do próprio movimento leva o dançarino ao contato com a pesquisa dos
processos envolvidos na sua própria organização corporal, ‘o como’ as informações intra e
extracorpóreas trocadas na relação com o meio circunstancial se faz de fundamental
importância nas possibilidades dos movimentos corporais.
A facilidade para determinados movimentos se faz coerente aos dançarinos cuja
estrutura corporal permita a possibilidade desses movimentos, criando uma relação
diferenciada deste para com outros dançarinos que não tenham a mesma facilidade. Os
movimentos estão relacionados à especificidade de uma estrutura corporal e ao meio no qual
o organismo está inserido, limitam-se, portanto, quanto à capacidade de cada estrutura
envolvida, como também às adversidades que o meio oferece. Diante disso, os dançarinos
deveriam evitar situações de risco ao realizar movimentos que possam provocar danos por
exaustão das estruturas envolvidas. Neste sentido, realizar saltos sobre pisos de materiais
duros, que não oferecem absorção do impacto para as estruturas corporais em movimento, não
parece indicado. Na realização de um cambré, movimento que exige hiperextensão lombar, a
região da coluna afetada está localizada entre a região torácica e a região sacral, composta por
cinco vértebras, de acordo com a morfologia de cada segmento vertebral, permitem certo grau
de extensão fisiológica total, acima ou abaixo desse ângulo já é considerado como desvio
56
patológico, tal esforço deveria ser reconsiderado respeitando limites que se interponham à
realização do movimento.
Para o entendimento dos movimentos corporais humanos, além das especificidades,
algumas generalidades foram levantadas e muito bem descritas por Lima (1994), são elas:
heranças evolutivas nas modificações estruturais ao longo da evolução do homo sapiens, dos
seres unicelulares à espécie humana, alterações nas curvaturas da coluna e nas rotações das
articulações coxo-femural e gleno-umeral necessárias às mudanças da posição quadrúpede
para bípede, entre outras; interferências de forças externas que atuam sobre o corpo, entre elas
a força de gravidade, força perpendicular constante à qual temos que nos opor para um
deslocamento, incide sobre o centro de massa do corpo o qual chamamos de centro de
gravidade (CG), importante na relação entre estabilidade e mobilidade do corpo humano;
heranças embriológicas, “durante o processo de desenvolvimento o embrião repete todo o
processo evolutivo” (LIMA, 1994, p. 79), uma espécie de ‘viagem’ do passado ao homo
sapiens conforme pré-determinado geneticamente, desenvolvimento dos miótomos,
distribuição dos tipos de musculatura corporal e formação das cadeias musculares.
O autor continua sua análise, complementando com questões referentes à aprendizagem
motora, noções do desenvolvimento do sistema nervoso condutor, do ósseo-articular, do
sistema músculo-tendíneo, concomitante às características neurofisiológicas de apreensão de
informações e as fases do desenvolvimento que tenham envolvimento com a escolha, a
negação ou a afirmação, de fundamentação básica na organização neurológica que apontará as
preferências, salientando que os estímulos iniciais devam contemplar a diversidade
respeitando cada fase nos processos de desenvolvimento para a aprendizagem motora.
Tais informações contribuem para a mudança de entendimento nas formas de
abordagem do corpo na dança e na saúde ao considerar a indivisibilidade do indivíduo com o
entendimento de um contínuum corpo-mente, como proposto nesta pesquisa. Contribuem
como subsídios na construção de argumentos plausíveis para propostas pedagógicas em dança
que contemplem a noção de movimento saudável, que atuem de forma preventiva para as
lesões neuro-musculo-esqueléticas, e que para isso tenham fundamentação científica. Lugar
comum para alunos de práticas corporais em dança é tornarem-se professores devido ao
tempo e à dedicação na técnica praticada, sem nenhum preparo científico-pedagógico para
esta função, o que pode facilitar situações de riscos para a saúde dos seus alunos.
57
Contribuições importantes para a área da saúde à medida que possibilitam uma
abordagem de corpo sensível, subjetivo, contexto-dependente, com a compreensão de que
aspectos motores não estão dissociados das experiências e memórias da história de vida da
pessoa. Lima (2010), contaminado com tais mudanças de entendimentos experienciados na
sua própria prática profissional como médico e educador, propõe que:
Ao médico é imprescindível que sua ação não negligencie que é um indivíduo, com
articulações específicas no mundo, o objeto de seu interesse. Que não saia de
seu horizonte de preceitos que sua ação profissional sobre a queixa, que adquire
substância em possível e eventual afecção trazida por este indivíduo, é mero
complemento da extensão de seu entendimento de como se dá a manipulação
daquelas relações e, em oferenda, no compartilhamento deste entendimento, que
submetido ao tratamento do portador cria o momento em que a relação torna-se
educativa por excelência tanto para o solicitante quanto para o solicitado. (LIMA,
2010, p. 48).
Ao influir-se sobre um indivíduo por interferência nas ações de seu corpo estamos
agindo sobre toda a sua história, isto em qualquer circunstância. Neste contexto,
incluem-se as ações médicas, as ações pedagógicas, as ações religiosas, as ações
artísticas. (LIMA, 2010, p. 54).
Nas práticas em dança, estão envolvidas, entre outras, ações pedagógicas e ações
artísticas, nas quais relações como professor-aluno, aluno-aluno, coreógrafo-dançarino,
dançarino-dançarino, dançarino-público, são baseadas na historicidade de cada corpo em
contaminação com a contingência contextual, e influenciarão no tipo de relação que cada
indivíduo desenvolve com a sua dança, cada corpo se expressa de forma diferente a depender
da sua própria experiência. Diante disso, o cuidado deve ser ainda maior quanto ao
entendimento comum de poder intrínseco nestas relações, conforme dito anteriormente,
relações pautadas em epistemologias que fundamentam métodos alienantes de ensino-
aprendizagem, nos quais, um detém poderosamente o conhecimento e o outro recebe
obedientemente as novas informações. Inverso a estes processos de alienação nas práticas em
dança está a aproximação do dançarino com seu próprio corpo, um dos caminhos para isso é
voltar a atenção para o movimento enquanto este está acontecendo, sabemos que ter atenção a
tudo o que nos ocorre enquanto ocorre é tarefa da ordem do impossível que encontra reforço
nos hábitos cotidianos favorecendo os automatismos. Lela Queiroz sobre os automatismos
afirma que “deles, nossa percepção não se dá conta, pois adiantam em muitas coisas o nosso
viver, e liberam nossa consciência para outras tarefas.” (QUEIROZ, 2001, p. 78).
58
Vivemos em sociedades contemporâneas caracterizadas por formas capitalistas de
produção, nas quais um dos lemas importantes é a máxima popular ‘tempo é dinheiro’, o
retorno financeiro visa o lucro e é diretamente proporcional à quantidade produzida, para isso,
se produz mais em menos tempo, o que acarreta sobrecarga humana nas linhas de produção,
ao trabalhador cabe submeter-se a cargas de trabalho excessivas com o reforço de outra
máxima popular ‘tem que sofrer para vencer’, a crença de que o crescimento vem através do
sofrimento. Tais crenças evocam ‘a cultura da dor na dança’, uma das questões levantadas
nessa pesquisa e que reverbera amplamente em diversos aspectos cotidianos dos dançarinos
tais como, inserção social, mercado de trabalho, remuneração financeira, condições de
trabalho, questões relativas à gênero, questões relativas à etnias, questões relativas à idade,
negligência com a própria saúde, entre outras.
Propomos nesse estudo a compreensão de que ‘ o fenômeno da dor na dança’ envolve
diversos aspectos concomitantes em eventos intra e extracorpóreos a níveis de micro e macro
universos em um ambiente. Seguindo este entendimento, o corpo é configurado na
organização destes eventos, assim a intervenção na intenção de (re)organizá-lo implica entrar
em contato com o fluxo das informações que o configuram. Os processos de corporalização
estão fundamentados nas relações corpo-ambiente em tempo real e contam com o movimento
como mediador, segundo Lela Queiroz, “trata-se de abordar o corpo como produtor de
conhecimento no ambiente em que vive.” (QUEIROZ, 2009, p. 25). Ainda mais um pouco
sobre esses processos, “as relações entre o corpo e o ambiente se dão por processos co-
evolutivos que produzem uma rede de pré-disposições perceptuais, motoras, de aprendizado e
emocionais” (KATZ E GREINER, 2003, p.7).
Entende-se por ambiente “uma espécie de contexto-sensitivo” (KATZ e GREINER,
2003, p.6), e não como demarcação territorial, mas o espaço definido pelas atividades dos
próprios organismos o que implica na “relação co-evolutiva entre meio e organismo”
(LEWONTIN, 2002, p.53-58, apud QUEIROZ, 2009, p.22). O corpo está implicado no
ambiente, em co-dependência. Segundo Lela Queiroz (2009), “A correta visão sobre a
evolução é da co-evolução entre organismos e seus ambientes, cada mudança em um
organismo é tanto a causa como a consequência das mudanças no ambiente.” (LEWONTIN,
1995, p.137, apud QUEIROZ, 2009, p.22).
Tendo em vista que o movimento é essencial para a sobrevivência do organismo, e que
este está sempre em negociação com o ambiente vivendo processos adaptativos em busca da
estabilidade, entende-se que a sensibilidade proprioceptiva é contínua e que a cada
59
experiência se dá um novo aprendizado resultando em percepção. “Percepção e ação seriam,
portanto, inseparáveis. É na troca do organismo com o ambiente que ela co-emerge e,
portanto, se dá espalhada pelo corpo.” (QUEIROZ, 2006, p.157).
Alva Nöe, filósofo cognitivista, pesquisa teorias da consciência, da percepção e da arte,
argumenta percepção como ação. “Percepção não é algo que acontece a nós. É algo que nós
fazemos” (NÖE, 2004, p.1) 10
. Para o autor, perceber é um tipo de atividade corporal
habilidosa, nossa habilidade para perceber não depende somente, mas é constituída pelo que
possuímos do nosso conhecimento sensório motor, os movimentos dependem de um meio
perceptivo da própria consciência, como por exemplo, a propriocepção (NÖE, 2004, p.1-3). A
experiência perceptiva é adquirida graças ao conteúdo na posse das habilidades corporais, o
que percebemos é determinado pelo que fazemos, é determinado por aquilo que estamos
dispostos a fazer. Segundo Nöe (2004), “Especificamente, o auto-movimento depende de
modos de percepção de auto-conhecimento, como por exemplo, a propriocepção e também
perspectivas de auto-consciência”. (NÖE, 2004, p.2) 11
.
Segundo indicações evolutivas, para o ser humano a percepção é de natureza
exploratória e dessa exploração dependem a variabilidade e a seletividade garantindo
possibilidades de ação e novas habilidades (QUEIROZ, 2009). A percepção é uma construção
que resulta da exploração co-emergente entre corpo e ambiente e acontece no corpo.
Dentro da exploração por movimentos o organismo se apropria do conhecimento e
amplia o grau de familiaridade, sem a exploração e com a falta de repertório ele sofre
tenacidade se torna sistema fechado sem contato com o fora (QUEIROZ, 2006, p.156).
Quando o corpo se movimenta para dançar aciona espécies de mapas neurais compostos
em diferentes regiões corticais pelos sinais elétricos gerados nas atividades neuronais
advindos do meio interno como também do meio externo corporal, cada um desses sinais por
sua vez, gera um estado corporal à medida que informa a situação do corpo em momento real.
Nestes acionamentos informações negociam para a organização corporal, de forma que as
informações advindas dos movimentos repetitivos tornam-se antecipatórias gerando fixação
10
No texto original:”Perception is not something that happens to us. It is something we do.” (NÖE, 2004, p.1)
(Tradução livre)
11 No texto original: “Specifically, self-movement depends on perceptual modes of self-awareness, for example,
proprioception and also ´perspectival self-consciouness´. (NÖE, 2004, p.2) (Tradução livre)
60
de rotinas cognitivas no organismo favorecendo ainda mais os automatismos e hábitos, o que
além de prejudicial às estruturas envolvidas pode também levar ao empobrecimento de
repertório de movimentos.
A importância na mudança de entendimento de percepção como algo referente a uma
única via de estímulo-resposta para percepção-ação se faz na compreensão de que há fluxo
dentro-fora no corpo todo e não somente à nível de receptores, deixando menos margem
possível para uma compreensão estática, do entendimento de percepção centralizada e de fora
para dentro, adotando modelos uniformes de perceber para que todos os corpos com suas
singularidades fiquem encaixotados. O nosso entendimento de percepção-ação dá margem
ainda menor para que as práticas terapêuticas/tratamentos possam se desenvolver num grau
raso de compreensão, exige que os trabalhos tenham uma compreensão sobre o corpo com
maior complexidade.
Corpo e ambiente negociam em contínuum por ciclos de ação-percepção-ação indicando
que o movimento propicia a cognição nos processos de desenvolvimento do organismo em
tempo real de acordo com o processo de corporalização/embodiment (QUEIROZ, 2009, p.29-
32). Neste processo, a inteligibilidade - capacidade de detectar informações importantes -
promovem os arranjos adaptativos com as descobertas e as habilidades de diferenciar o que o
meio oferece através das experiências de exploração. Na troca com o ambiente uma dinâmica
se estabelece diante das relações entre os reflexos, movimentos, contato, instinto, tendências,
marcadores somáticos; todos fazem parte do que fica disponível no cérebro para
(re)mapeamentos que se auto-organizam no momento estratégico de tomada de decisão, como
veremos a seguir.
3.1. EMOÇÃO E DOR
As seguintes proposições a respeito da emoção estão aqui dispostas no intuito de
suscitar reflexões a respeito do componente emocional na experiência dolorosa como
proposto na definição de dor pela IASP (CROMBIE, 1995). Dentro do escopo dessa pesquisa,
a emoção é compreendida como uma das informações de regulação básica da vida que co-atua
nos processos de corporalização, embasando comportamentos ativos de defesa para o
organismo diante de processos de doença e de lesão física que podem se expressar de formas
61
diferentes a depender do nível de complexidade envolvido, apontam preferências para
sentimentos de dor e prazer.
Todos os organismos vivos nascem com dispositivos capazes de solucionar
automaticamente, sem que necessitem de qualquer raciocínio prévio, os problemas
relacionados à sua sobrevivência, tais como: defender o organismo de processos de doença e
de lesão física. Segundo Damásio, “As emoções são um meio natural de avaliar o ambiente
que nos rodeia e reagir de forma adaptativa” (DAMÁSIO, 2004, p.62). Berthoz (2003)
argumenta que a emoção, além de ser resposta, é também condutora, marca e resulta em
decisão. Como uma entre algumas de suas atribuições, a emoção vem para apontar uma saída
em uma situação de bloqueio.
Para Damásio (1996, 2004), emoções são conjuntos complexos de reações químicas e
neurais que formam um padrão, têm papel regulador, estão ligadas à vida de um organismo,
ao seu corpo, auxiliam o organismo por meio de ações na autopreservação na medida em que
se desenrolam e interceptam cada momento para ajustes metabólicos necessários como
também (re)ações comportamentais à situações exteriores, de forma deliberada ou não. O
desencadeamento da emoção está relacionado a um “estímulo-emocional-competente”
(DAMÁSIO, 2004, p.65), que forma imagens em diversas regiões cerebrais sensitivas, estas
(re)mapeiam as suas características, sinais ligados à representação sensitiva são enviados para
locais do cérebro capazes de desencadear emoções, esses locais em atividade geram os
estados emocionais que ocorrem no corpo e no cérebro e podem também ser moduladas por
influências diversas, desse modo, as emoções são processos de regulação biológica que
representam estados corporais podendo ser acionadas automaticamente, sem que necessitem
de raciocínio prévio.
As emoções também afetam o modo de operação de inúmeros circuitos neurais
relacionados à criação de imagens e à atenção devido às variadas respostas químicas e neurais
que alteram o meio interior, o estado das vísceras e dos músculos, alterando, também, nossos
órgãos através de substâncias químicas que são liberadas modificando o modo de
funcionamento neural. Ao alterarem o corpo em várias instâncias, é como se as emoções
tomassem a frente emergencialmente no instante em que se dão ‘roubando a cena’. Para
Damásio, “a emoção é uma perturbação do corpo, por vezes é uma verdadeira convulsão.”
(DAMÁSIO, 2004, p.72), ou ainda, “as emoções ocorrem no teatro do corpo.” (DAMÁSIO,
2004, p.35).
62
Ao considerar tais proposições pode-se pensar sobre a participação da emoção nos
mecanismos moduladores da dor que atuam pela preservação da integridade orgânica,
entendendo o movimento como mediador na percepção do ambiente. Essas experiências ao
longo do processo de desenvolvimento demarcam a formação de padrões de compensação
tramados com padrões emocionais e de pensamento que devem ser considerados e não
negados, implementando espécies de memórias emotivas. Para o entendimento de como essa
trama se dá no organismo, apresentamos a hipótese do marcador somático.
A hipótese do marcador-somático de Damásio (1996) é uma proposta para o
entendimento também do papel da emoção nos processos de tomada de decisão, onde antes,
de acordo com o cartesianismo, só era considerada a razão. Damásio (1996) apresenta sua
hipótese salientando que os processos de raciocinar e decidir estão interligados, e que para a
tomada de decisão se faz necessário o raciocínio que por sua vez implicará na escolha entre as
possibilidades de opções e suas respectivas consequências, imediatas ou futuras, para a
sobrevivência do organismo.
Essa variedade de opções de respostas possíveis a cada situação forma espécies de
cenários nos nossos cérebros que constituem imagens na nossa consciência de forma dinâmica
saltando e se justapondo rapidamente. Imagens, segundo o autor, se formam na mente
baseadas nas representações neurais de qualquer modalidade sensorial, não sendo
necessariamente imagens visuais. Alterações nos tecidos cerebrais decorrentes da atividade
dos tecidos corporais são percebidas como padrões e registradas na forma de mapas neurais
gerados em regiões corticais especializadas tornando-se imagens mentais, o que indica que,
segundo Damásio “a mente não está vazia no começo do processo de raciocínio”
(DAMÁSIO, 1996, p. 202), as imagens que se apresentam neste processo trocarão
informações que influenciarão a tomada da decisão. Para entender como selecionamos e como
classificamos as questões inerentes às imagens, Damásio (1996) nos apresenta duas
possibilidades: a “razão nobre” para a tomada de decisão e a hipótese do “marcador-
somático”. A perspectiva tradicional da “razão-nobre” da tomada de decisão é a do senso
comum, considera-se que a lógica formal conduz à melhor opção de solução, é a concepção
racionalista na qual a emoção deve ser excluída, nessa perspectiva é efetuada uma análise de
custos/benefícios para cada um dos cenários e as escolhas são feitas considerando somente as
alternativas do bom e do mal para cada um deles, a questão é que existem mais de duas
alternativas para cada problema e as inúmeras possibilidades de perdas e ganhos que a
memória apresentará para comparação torna essa análise a cada vez algo mais difícil. E ainda
63
assim, nossos cérebros são capazes de decidir bem, dentro do tempo estimado para cada
problema de acordo com a meta a atingir, para isso devem efetuar essa tarefa com algo mais
do que a razão pura. Segundo o autor, “precisamos de uma concepção alternativa”
(DAMÁSIO, 1996, p. 205).
Diante dos prováveis cenários na mente, antes que se faça uma análise de
custos/benefícios para cada possibilidade de solução, ainda enquanto esses cenários estão
constituindo imagens, antes de raciocinar, resultados negativos podem aparecer associados a
uma dada opção de solução apresentando uma sensação visceral desagradável. “Como a
sensação é corporal, atribuí ao fenômeno o termo técnico de somático (em grego, soma quer
dizer corpo); e, porque marca uma imagem, chamo-lhe marcador” (DAMÁSIO, 1996, p. 205).
O Marcador-Somático é um tipo de conhecimento fisiológico, uma espécie de registro
de uma “circuitação neural da estratégia da resposta” nos processos de tomada de decisão que
muitas das vezes não envolvem um conhecimento manifesto, uma consideração explícita de
opções e respectivas consequências, ou um mecanismo de inferência consciente (DAMÀSIO,
1996, p.198). Como um sinalizador faz convergir a atenção apontando o resultado negativo a
que a ação pode conduzir. Atuando como “um sinal de alarme automático” (DAMÁSIO,
1996, p.205), pode fazer com que a opção seja rejeitada automaticamente evitando prejuízos
futuros e reduzindo o número de alternativas para escolha no processo da tomada de decisão,
que ainda assim pode necessitar de raciocínio e seleção final. Se for negativo apontará um
resultado futuro como alerta e se, ao contrário, estiver justaposto com um resultado positivo,
será um incentivo. “Os marcadores-somáticos são um caso especial do uso de sentimentos
gerados a partir de emoções secundárias. Essas emoções e sentimentos foram ligados, pela
aprendizagem, a resultados futuros previstos de determinados cenários.” (DAMÁSIO, 1996,
p. 206).
A cada experiência de uma situação que provoque risco para o organismo e que exige
uma ação imediata, um conhecimento específico é gerado, consciente ou não, de acordo com
a contingência. Durante o desenvolvimento orgânico, diante de situações semelhantes o
cérebro pode encurtar o caminho entre a situação estimulante e a resposta escolhida como um
(re)conhecimento de experiências anteriores implementando uma espécie de memória que
facilita para que a resposta seja rápida e automática e não necessite de esforço ou deliberação
no processo de seleção, assim a ligação entre estímulo e (re)ação se fortalece a cada
experiência.
64
Nascemos com a maquinaria das emoções primárias, uma “maquinaria neural necessária
à criação de estados somáticos em resposta a determinadas categorias de estímulos”
(DAMÁSIO, 1996, p. 209), está preparada para processar sinais relativos ao comportamento
social e pessoal integrando as disposições que ligam a respostas somáticas adaptativas.
Provavelmente, os marcadores-somáticos foram criados no nosso cérebro durante o
processo de educação e socialização pela associação de categorias específicas de estímulos a
categorias específicas de estados somáticos. São adquiridos por meio da experiência
considerando um sistema interno com dispositivos para a regulação da vida e sobrevivência
do organismo, com preferências para reduzir os estados desagradáveis do corpo na luta pela
homeostase, e a influência do meio externo como fenômenos, convenções sociais e regras
éticas. É na relação corpo-ambiente-cultura que os marcadores somáticos são reforçados. “O
sistema interno de preferências encontra-se inerentemente predisposto a evitar a dor e
procurar o prazer, e é provável que esteja pré-sintonizado para alcançar esses objetivos em
situações sociais.” (DAMÁSIO, 1996, p. 211).
Segundo Damásio (1996), é na infância e na adolescência que o conjunto crítico de
estímulos está na mais alta atividade para os emparelhamentos somáticos e o seu crescimento
só termina ao fim da vida, o processo de cognição é contínuo, essa aprendizagem, a nível
neural, se dá dentro de um sistema de associações de determinados tipos de fenômenos ou
entidades a determinados estados corporais agradáveis ou não. Os marcadores-somáticos
dependem e são definidos pelo tipo de estado somático e de sentimento produzido num dado
indivíduo, em dado ponto da história, numa dada situação. O autor destaca que a sinalização
pelos marcadores-somáticos é adquirida por um sistema neural crítico situado nos córtices
pré-frontais que recebem também sinais de todas as regiões sensoriais onde se formam as
imagens que constituem os nossos pensamentos, incluindo os córtices somatossensoriais, nos
quais os estados do corpo passados e presentes são representados.
Os sinais de toda atividade que ocorre nas nossas mentes ou nos nossos corpos são
acessados por algumas regiões dos córtices pré-frontais, esses córtices recebem também sinais
de vários setores biorreguladores do cérebro humano, inclusive núcleos neurotransmissores do
tronco cerebral, prosencéfalo basal, amígdala, cíngulo anterior e hipotálamo, que estão
relacionados com o sistema de valores biológicos. Essas informações corroboram com o
caráter da complexidade do fenômeno doloroso, como também podem beneficiar as práticas
em dança à medida que sejam consideradas nos processos de aprendizagem para facilitação
dos ajustes necessários nas realizações dos movimentos, porém representa grande risco à
65
medida que facilitam a automatização desses movimentos, o que pode favorecer as
compensações nos ciclos de dor crônica, uma vez que internamente o cenário se modifica
criticamente em função da dor perpetuando mapas desviantes da rota saudável para uma rota
alternativa que modula o estado de dor, dissimulada pela própria (re)organização do estímulo
frente a dor.
O córtex pré-frontal, tem que ver com estratégia: decidir que sequências de movimento
ativar e em que ordem e avaliar o seu resultado. As suas funções parecem incluir o
pensamento abstrato e criativo, a fluência do pensamento e da linguagem, respostas afetivas e
capacidade para ligações emocionais, julgamento social, vontade e determinação para ação e
atenção seletiva. Para este autor, traumas no córtex pré-frontal fazem com que uma pessoa
fique presa obstinadamente a estratégias que não funcionam ou que não consigam
desenvolver uma sequência de ações correta (DAMÁSIO, 1996).
Os sinais sobre o conhecimento real também são recebidos nos córtices pré-frontais.
Esse conhecimento resulta da experiência que está relacionada com as trocas de informações
inatas com informações adquiridas na relação do meio interno com o meio externo, está
relacionado à regulação biológica e aos estados do corpo.
Os estados do corpo passado e atual estão em constante alteração de acordo com as
preferências biológicas e o conhecimento, contando com a contingência da experiência vivida
que será representada nos próprios córtices pré-frontais.
Tais proposições aqui interessam, pois, dizem respeito ao dilema profissional em
permanecer dançando ou interromper as atividades frente a situações dolorosas que envolvem
ideais de superação dos próprios limites corporais na intenção de novas conquistas, como
também uma disputa interna sobre o limite que a dor aponta e a capacidade de simulá-la para
prosseguir com as atividades, muitas das vezes gerando conflitos nas escolhas profissionais.
As premissas da emoção e da razão com os conflitos entre vantagens e desvantagens
contribuem para o grau de complexidade e incerteza dificultando a tomada da decisão. Neste
momento é necessário recorrer ao raciocínio. Existe um núcleo neurobiológico comum entre
razão e emoção, entre espaço pessoal e social, entre os graus diferenciados de complexidade a
cada experiência.
Duas áreas do domínio autônomo: vida pessoal e contexto social imediato. Uma
limitação na tomada de decisão em uma dessas áreas não significa que a outra área também
tenha a mesma limitação. “O domínio pessoal e social imediato é o que mais se aproxima do
66
nosso destino e aquele que apresenta maior incerteza e a maior complexidade” (DAMÁSIO,
1996, p. 201), decidir bem é escolher a opção mais vantajosa para o organismo em relação a
sua sobrevivência e permanência, são os resultados pessoais básicos para a qualidade da sua
sobrevivência.
Raciocinar, “a racionalidade em ação” (DAMÁSIO, 1996, p. 202), recorrer ao
raciocínio para a tomada da decisão implica em um tipo de consciência mental sobre a grande
quantidade de situações vividas e seus resultados em ações hipotéticas diante dos respectivos
objetivos criando uma espécie de plano de acordo com planos anteriores. “A mente não está
vazia no começo do processo de raciocínio” (DAMÁSIO, 1996, p. 202). Não somos um pote
vazio que vamos acumulando experiência e nos enchendo de conhecimentos, informações
novas confabulam, negociam com informações já existentes decorrentes de experiências
anteriores e todas estão implicadas no processo de escolha para a tomada de decisão no
domínio pessoal e no domínio social imediato, é no corpo que esse trânsito de informações se
dá, e no processo de corporalização essas informações se tornam corpo.
A cada experiência de dor vivida o organismo seleciona a ação mais adequada para a
tomada de decisão diante da situação, sendo a sua primeira vez o seu sistema neuro-
modulador de dor fará a sua estreia e de acordo com a sua performance apresentada no
momento imediato ao estímulo doloroso passa a organizar-se enquanto consciência para as
próximas experiências. Consciência enquanto fenômeno corpóreo cinestesicamente
constituída de acordo com a abordagem de consciência corpórea proposta por Sheets-
Johnstone (1998), e também consciência enquanto justaposição de imagens que se apresentam
em movimento constante de entradas e saídas da consciência, compostas em um repertório
variado dos cenários de opções de respostas possíveis e cenários dos correspondentes
resultados criados a cada situação de escolha de tomada de decisão, como propõe Damásio
(1996).
Considerando o corpo como processo comunicacional, a dor como uma experiência, e o
marcador-somático como um operador do sistema de sinalização para a regulação da vida e
sobrevivência, podemos compreender nas questões da dor na dança, que as escolhas no
enfrentamento da dor estão relacionadas com a historicidade de cada corpo. Os marcadores-
somáticos participam dessa organização corporal ajudando na filtragem de informações com
detalhes relevantes de um dado cenário, indicando a evidência da estreita relação entre os
processos cognitivos e os processos “emocionais”.
67
O que está em jogo no enfrentamento da dor pelos dançarinos profissionais? Decidir o
que escolher entre as muitas possibilidades para ação é uma das perguntas frequentes para nós
no dia a dia, por que decidimos por isto e não por aquilo? Parece que não podemos decidir
entre sentir dor e não sentir dor, mas podemos decidir o que fazer e qual ação escolher diante
da dor, essas experiências são fundamentais para nos ajudar a lidar com as situações
dolorosas. O enfrentamento da dor é uma das questões que se apresenta recorrente na ”cultura
da dor na dança”, enfrentar será negar, desconsiderar sua presença e se mostrar forte diante da
dor? Ou enfrentar será reconhecer os limites dos processos dolorosos no seu próprio corpo e
aprender a lidar com eles de forma saudável, respeitosa e consciente para a escolha deliberada
dos movimentos possíveis?
Muitos aspectos estão em jogo no momento da tomada de decisão, o conhecimento
desse processo sabendo que a emoção é participante, nos ajuda a compreender os altos índices
de tolerância à dor nos dançarinos profissionais, conforme apontam os estudos citados
anteriormente. Escolher ações que tenham consequências imediatas negativas, mas que geram
resultados positivos no futuro.
Essa perspectiva diz respeito a aspectos envolvidos como, por exemplo, a força de
vontade, ao uso abusivo do corpo nos treinamentos técnicos, nos processos criativos
exaustivos, na perspectiva de reconhecimento profissional, remuneração penosa, na
negligência com a própria saúde, e demais questões, onde a ação imediata é desagradável,
mas a perspectiva de futuras vantagens engendra um marcador-somático positivo,
compensatório que suplanta a decisão da escolha imediata, por hora, negativa no contexto da
dor crônica.
Sendo assim, fica claro que o marcador-somático não decide, não define, apenas
sinaliza o curso de uma escolha. Propomos considerar o marcador-somático como uma das
informações participantes no processo de tomada de decisão, como o fluxo das informações é
contínuo, o marcador-somático também troca informações, não está fixo, nem estanque
mesmo que na formação do ciclo vicioso nos processos de cronificação da dor, o marcador-
somático possa reforçar o hábito nociceptivo, daí a sua relevância neste estudo.
Volto a me referir a experiência como aquilo que o corpo experiencia em
acontecimentos dinâmicos ligados a conceitos afetivos/táteis cinestésicos em tempo real de
acordo com o que propõe Sheets-Johnstone (1998), e não como um fenômeno estático e
isolado. Os conteúdos contingentes dessas experiências implicam em um caráter individual
68
considerando o que for mais relevante, a categorização deles e suas representações
dispositivas convergem para zonas localizadas nos córtices pré-frontais e constituem a base
para cenários futuros necessários nas previsões e planejamento de ações futuras. “É aqui que
se aplica a noção de contingência: é algo só seu que se relaciona com a sua experiência, algo
relativo a acontecimentos que variam de indivíduo para indivíduo” (DAMÁSIO, 1996, p.
214).
Toda essa explicação sobre a participação dos córtices pré-frontais nos processos de
raciocínio e decisão se torna ainda mais importante para a compreensão do fenômeno da dor
na dança, ao saber que esses córtices estão diretamente ligados a vias de resposta motora e
química que existem no cérebro e que podem promover, fora do hipotálamo e do tronco
cerebral, respostas químicas que estejam associadas à emoção, apontando assim, a
importância da informação visceral no processo cognitivo.
Segundo Damásio (1996), o estado corporal é consultado e se torna consciente no
córtex somatossensorial e caracterizado pelas informações sobre o corpo nos córtices pré-
frontais e na amígdala, na hipótese dos marcadores-somáticos os conteúdos corporais
contingentes da experiência em tempo real não são considerados, as informações são
adiantadas pelos córtices pré-frontais e pelas amígdalas ao córtex somatossensorial simulando
um possível estado corporal, que mesmo não sendo real, pode influenciar a tomada de
decisão.
Damásio (1996) diz que a formação básica dos marcadores somáticos se dá na infância
e na adolescência, onde estamos mais suscetíveis a estados corporais relacionados com
castigos ou recompensas, essas situações tornam-se repetidas durante o crescimento e suas
categorizações permitem uma autonomia de decisão que não necessitem mais de tantos
estados somáticos para cada escolha e decisão. Ao longo do desenvolvimento, os estados
somáticos passam a ser mais e mais corporalizados e esse processo pode trazer vantagens ou
desvantagens a cada indivíduo de acordo com a sua própria experiência, com as
circunstâncias e com o contexto ao qual está inserido.
Para fazer parte da consciência, além de ser ativado, o estado do corpo real ou simulado
precisa constituir o centro da atenção, embora possa participar de forma oculta sobre as
atitudes de aproximação ou afastamento em relação ao mundo, independente do controle da
vontade sem que a consciência tome conhecimento, seria o que o senso comum aponta como
69
intuição. Assim, os processos cognitivos podem ser influenciados por boa parte das respostas
emocionais interferindo no raciocínio e na tomada de decisões (DAMÁSIO, 1996).
Podemos falar que sistemas de sinalização sempre estiveram disponíveis no cérebro
para a defesa e sobrevivência do organismo, ao longo do tempo evolutivo, nos embates com o
meio, novas estratégias de decisão se tornaram necessárias e para isso estruturas cerebrais
herdaram e conservaram funções das suas precursoras. Com a seleção natural, dispositivos
que funcionam são preservados e outros com capacidade de maior complexidade são
selecionados, quase nunca se desenvolvem mecanismos de tomada de decisão a partir do zero.
“Sua finalidade é a mesma, a sobrevivência, e os parâmetros que controlam seu
funcionamento e avaliam o êxito são também os mesmos: bem-estar, ausência de dor”
(DAMÁSIO, 1996, p. 223).
Segundo Damásio (1996), o mecanismo de tomada de decisão mais antigo, em termos
evolutivos, pertence à regulação biológica, o segundo, ao domínio social e pessoal, e o mais
recente, ao conjunto das operações abstrato-simbólicas que estão relacionadas com o
raciocínio artístico e científico, o raciocínio utilitário-construtivo e os desenvolvimentos da
linguagem e da matemática.
Embora pareçam independentes, esses sistemas neurais funcionam interligados de forma
integrada com diversas combinações entre os dispositivos, é o que demonstram os sinais de
criatividade nos seres humanos contemporâneos. Uma das características da
contemporaneidade é a complexidade, e diante das contingências do tempo atual, as
possibilidades para estratégias nas tomadas de decisão se tornam muitas a cada situação
vivida. A dança contemporânea possibilita essa experiência pelo grau de imprevisibilidade
que apresenta.
O que nos interessa aqui é o conhecimento de que contamos com um sistema de
sinalização cuja base está no corpo e que pode ter a sua atenção dirigida e concentrada de
forma consciente ou não. E pelo que vimos até agora, o maior objetivo deste sistema é a
sobrevivência seguindo com os parâmetros do bem estar e da ausência de dor.
Muitas das questões da dor instaladas no corpo que dança, merecem atenção como, por
exemplo, a questão dos aspectos motivacionais de instinto e paixão relacionados com
emoções e sentimentos de dor e prazer, nos quais o marcador somático pode agir de forma
deliberada ou não independente de ser o estado corporal real ou simulado, o seu padrão neural
pode ser consciente e vir a constituir um sentimento.
70
Os sentimentos que acompanham estados fisiológicos “ótimos” são considerados como
“positivos” naturalmente com ausência de dor e variedades de prazer, portanto, para os
estados fisiológicos onde a homeostase é difícil e a luta pelo equilíbrio é árdua, são
considerados como “negativos” com ausência de prazer e variedades de dor.
3.2. DOR E PRAZER
A discussão sobre as questões da dor instaladas no corpo que dança revela-se ainda mais
complexa, porém o entendimento desta complexidade se torna mais acessível com o
conhecimento da neurobiologia e da neurociência no campo das ciências cognitivas.
Para esta discussão não se pode perder de vista o tipo de corpo do qual este estudo trata.
Um corpo que dança em condições nem sempre favoráveis aos seus próprios limites, que
dança sempre buscando superação e que trabalha exaustivamente para obter resultados
profissionais no mercado de trabalho na cidade de Salvador.
A presença comum e quase que constante da dor nas atividades da dança nesta
população revela, como uma crença popular, de que a dor, de algum modo importante, faz
parte do corpo que dança passando a ser corporalizada desenvolvendo relações nem sempre
saudáveis à integridade orgânica, estabelecendo limiares tênues entre dor e prazer.
Segundo Damásio (2004), dor e prazer fazem parte da base dos sentimentos que
compõem, junto a outros operadores, os fenômenos mentais evocando-se em meio ao
sofrimento humano na mente e no corpo, revelando o estado interno na busca pela
homeostase. Importante salientar que o objetivo da homeostase, a busca de equilíbrio e
integridade, é a sobrevivência do organismo com um estado de vida melhor do que o anterior,
o que os seres humanos reconhecem como bem-estar.
Dor e prazer estão no nível da regulação fisiológica basal, como espécies de atratores
iniciais, demarcam a pré-disposição do organismo para um ou para o outro possibilitando os
marcadores somáticos e atuando nos padrões organizativos.
Quando o corpo funciona bem, ou seja, “quando a transformação e a utilização da
energia ocorrem sem dificuldade” (DAMÁSIO, 2004, p. 40), apresenta-se com descontração
demonstrando confiança e bem-estar, com liberação de endorfinas caracterizando a
experiência do prazer. Por outro lado, problemas funcionais corporais, do metabolismo em
71
geral, fatores internos e/ou externos que ameacem a integridade do organismo podem levar à
dor.
Nos comportamentos de dor e de prazer, o processo da homeostase não se dá de forma
tão simples assim, reações mais simples incorporam as mais complexas, os sistemas
participantes na regulação biológica interagem entre si e integram a maquinaria desses
comportamentos que também participam da maquinaria das pulsões e motivações que
evolvem, necessariamente, dor ou prazer, como por exemplo, as emoções propriamente ditas.
“Os sentimentos de dor ou prazer são alicerces da mente.” (DAMÁSIO, 2004, p. 11).
Nesse sentido, dor e prazer estão na base da construção de reações de aproximação ou
de retraimento do organismo, relacionadas a comportamentos com sensações que os seres
humanos descrevem como sendo dolorosas ou agradáveis, e mais adiante tomando-as como
atração ou repulsa, interpretadas como satisfatórias ou insatisfatórias, e tidas também como
punição, ora como recompensa, que de acordo com o que aponta Lela Queiroz, se tornou um
princípio que consagrou uma fórmula de ensino-aprendizagem. Fórmula esta baseada no
método de condicionamento skinneriano12
influenciou diversas abordagens de ensino,
inclusive as aulas de dança, interessadas em modificar comportamentos a fim de obter
resultados condicionantes através do controle na relação entre desejo e objeto desejado, à voz
de Lela Queiroz, “à eficácia deste método vincula-se a economia de resultado e supõe-se
vantajoso que sua forma de condicionar reforce tendências flagradas por compensações. A
recompensa positiva ocorre quando a “cobaia” reage conforme o esperado” (QUEIROZ,
2001, p. 75).
As reações emocionais acima referidas como de aproximação ou de retraimento dizem
respeito ao nível mais básico de regulação homeostática estando relacionadas a escolhas não
conscientes diante de situações que ameacem a integridade orgânica, como por exemplo, os
reflexos básicos de alarme ou susto, os processos de metabolismo e o sistema imunológico.
Como uma espécie de marcadores muito basais, essas reações, detectáveis pelos movimentos,
apontam pré-disposições e preferências para o afastamento de algo que provoque dor ou
sofrimento e a aproximação do que provoque prazer.
12
(1904- ) B.F. Skinner, professor da Harvard University contribuiu para aprendizagem por condicionamento
operante. Treinava pequenos grupos de pombos e ratos famintos. Desenvolveu a caixa negra, aparelho ambiental
experimental livre de distração, ainda utilizado hoje. Ao manipular as condições em que a comida era
depositada, Skinner observava como comportamento se alterava para determinar as leis da aprendizagem
operante. (DAVIDOFF, 1980, p. 143, apud QUEIROZ, p. 70).
72
Dentre as questões da dor na dança, os limiares entre dor e prazer parecem referir o grau
de complexidade envolvido na relação do dançarino profissional com a sua própria dor
tornando estes limiares pouco delimitados, muitas das vezes mantendo as atividades na dança,
mesmo sentindo dor. Como, por exemplo, o seguinte relato de uma bailarina profissional
(T.A.), 22 anos de idade que atua em companhias de dança contemporânea, jazz e balé
clássico na cidade de Salvador, quando se referia às aulas de preparação corporal e aos
processos de montagem e ensaios: “Eu sinto dor na dança o tempo todo! Só tenho prazer na
dança quando estou no palco” (ALVES, 2012).
Nesta parte do seu relato, a bailarina demonstra na sua fala, que as suas atividades na
dança estão reforçadas no entendimento de corpo-máquina, visando à exímia execução dos
movimentos subordinados ao controle, apontando para a questão da ‘cultura da dor na dança’.
Neste entendimento, os dançarinos profissionais submetem-se comumente a situações de risco
junto a processos dolorosos acreditando que uma dorzinha aqui e outra acolá nada provocam e
indica esforço, empenho, progresso correspondendo a um efetivo ganho subordinado à
recompensa prazerosa idealizada. Para isso, os dançarinos profissionais desenvolvem
estratégias e artifícios passando a lidar com a dor de forma mais habitual. Novos padrões são
corporalizados favorecendo os altos índices de tolerância à dor nesta população.
Dentro desta mesma perspectiva, a crença de que sentir dor se faz necessário nos
treinamentos corporais da dança, torna desvalorizado o trabalho que não gerou dor. A ‘dor
boa’ também se apresenta como uma das questões que envolvem os limiares de dor e prazer
na dança. Aquela dor gostosa de um alongamento mais forçado, como também a dor de uma
musculatura em fase de adaptação após o treinamento, não indicam lesão e sim estar
preparando o corpo em movimentos específicos para certos tipos de dança.
Damásio (2004) diz que, os seres humanos, durante uma emoção, possuem estruturas
cerebrais capazes de representar em mapas sensitivos qualquer alteração no estado corporal, e
mesmo que não seja de forma deliberada, essas reações podem ser classificadas em boas ou
más. Livres do automatismo da maquinaria emocional, os seres humanos podem, em parte,
controlar suas emoções, podem escolher conscientemente em quais relações objetos-situações
investirão tempo e atenção. Segundo o autor, “é isso que fazemos quando seguimos dietas e
programas de exercício físico”. (DAMÁSIO, 2004, p. 60).
Desta forma, dançarinos profissionais submetem-se a comportamentos como: disciplina
rigorosa, treinamento excessivo, overtraining/burnout (esforço abusivo), dedicação
73
profissional obstinada, muitas vezes estabelecendo um tipo de relação na qual a atividade da
dança passa a ser mais valorizada do que os outros domínios da sua vida. Muitas das vezes
levando a conflitos em face de importantes custos pessoais e interpessoais.
Temos agora outra questão: dançar sentindo dor. Que analgesia é essa que acontece
quando (T.A.) está dançando no palco? Para o entendimento desta questão precisamos
recorrer, no capítulo anterior, à descrição do processo de modulação endógena da dor.
Substâncias analgésicas endógenas chamadas peptídeos opióides, entre eles a endomorfina, a
encefalina, a dinorfina e a endorfina, são produzidas, liberadas e processadas durante todo o
processo doloroso. Essas moléculas se encaixam em receptores específicos em determinados
neurônios de certas regiões do cérebro participando naturalmente na modulação endógena da
dor. Os processos de modulação da dor estão relacionados com os processos cerebrais de
mapeamentos dos estados do corpo.
Aqueles dentre nós que estão habituados a falar em público, atores ou
conferencistas, já tiveram por certo a experiência de ser obrigados a atuar mesmo
quando estão doentes. Nessas circunstâncias, é bem provável que tenham notado o
estranho e súbito desaparecimento dos sintomas físicos no momento preciso em que
entram no palco. (DAMÁSIO, 2004, p.124).
Este fenômeno acontece naturalmente devido a participação da região pariaquedutal na
modulação da dor. Sinais nervosos que provavelmente levariam à experiência dolorosa
sofrem influências das mensagens provenientes da substância cinzenta pariaquedutal (SCP)
que, de certa forma, interrompem a passagem desses sinais filtrando as informações, o que
possibilita a criação de um falso mapa corporal. Este mantem-se pelos sinais advindos do
corpo gerando o “falso sentimento que tem base nesse falso mapa que continua a ser
construído na linguagem do corpo” (DAMÁSIO, 2004, p.123).
Sentir dor está relacionado às regiões somatossensitivas do cérebro que produzem
mapas dos estados corporais que podem ser fidedignos ou falsos a depender se a atividade das
regiões cerebrais que mapeiam o corpo foi alterada ou também se a modificação está nos
sinais advindos do corpo, impossibilitando a coincidência entre o mapeamento do corpo e
estado do corpo. Damásio (2004) propõe que a origem do sentimento está no estado real dos
mapas cerebrais que as regiões somatossensitivas constroem a cada momento, e não no estado
do corpo correspondente à realidade exata corrente neste corpo. Além disso, outras áreas do
cérebro podem interferir na transmissão de sinais tanto vindos do corpo para a região
74
somatossensitivas quanto na atividade destas mesmas áreas criando mapas “falsos”, como por
exemplo, a interferência da substância cinzenta pariaquedutal (SCP) na modulação da dor,
descrita anteriormente. Segundo Damásio, “os soldados empenhados em combate também
modificam os mapas do corpo que lhes revelariam dor e medo.” (DAMÁSIO, 2004, p.124-
125).
Para o corpo dos dançarinos profissionais da cidade de Salvador com todos os critérios
que delimitam esta população neste estudo, faz-se necessário recorrer, mais uma vez, ao
capítulo anterior, na descrição sobre estudos que apontam a participação do córtex motor
estimulando as vias descendentes de modulação da dor, sugerindo que de alguma maneira o
movimento possa influenciar na modulação do sinal doloroso. Concomitantemente, é sabido
que o exercício físico altera os níveis de endorfina no sistema nervoso central (SNC), um tipo
de endorfina chamada de b-endorfina e o hormônio adrenocorticotrópico (ACTH) são
liberados juntos em quantidades semelhantes após o exercício físico. A endorfina produz
efeitos analgésicos, eufóricos e adictos gerando implicações em diferentes sistemas do
organismo. Esse processo se dá no eixo espinotalâmico-pituitário-adrenocortical, que quando
estimulado pode ultrapassar em cinco vezes o valor basal com respostas variáveis em função
da intensidade e da duração do exercício. (WERNECK et al, 2005).
Estes processos podem trazer vantagens ou desvantagens para o indivíduo, relacionados
com a própria experiência, as circunstâncias e o contexto. Reforçando-se a relação corpo-
ambiente proposta pelo conceito corpomídia de Katz e Greiner (2003) e contando com a
hipótese do marcador somático de Damásio (1996), mediando os processos de corporalização,
os limiares de dor e prazer são apontados.
A questão do tipo de relação e delimitação destes limiares nos dançarinos profissionais,
são agravadas pela falta de um eixo educacional no qual o conhecimento auto-consciente do
próprio corpo e a auto-estima sejam valorizados construindo um tipo de relação inteiramente
saudável com a atividade da dança, caracterizado pelo envolvimento voluntário e flexível
facilitando o afeto e a cognição, diminuindo e parando a atividade diante de condições
nocivas. As reações de emoção podem ser modeladas pela aprendizagem, segundo Damásio,
“quanto mais complexa a reação, mais a aprendizagem assume esse papel” (DAMÀSIO,
2004, p.42).
75
4. PESQUISA DE CAMPO
Este capítulo será destinado à descrição em tabelas das análises estatísticas dos dados
levantados na aplicação dos questionários em pesquisa de campo confrontando com alguns
aspectos e questões levantadas neste estudo. Importante salientar que a população estudada é
constituída de dançarinos profissionais atuantes na cidade de Salvador, seguindo os critérios
de corte como descritos na metodologia disposta na introdução desta dissertação.
Tabela 1. Distribuição da amostra de acordo com a classificação da dor crônica (N=87).
Variáveis N=87 %
Classificação da dor crônica
Grau 0 – sem dor 21 24,1
Grau I – dor de baixa intensidade 33 37,9
Grau II – dor de alta intensidade 23 26,5
Grau III – dor moderadamente limitante 8 9,2
Grau IV – dor gravemente limitante 2 2,3
Interferência da dor
Baixa interferência 56 84,9
Alta interferência 10 15,1
Persistência da dor
Não persistente 63 96,9
Persistente 2 3,1
Observação: Diferença nos subtotais se deve a dados perdidos. N=Total da amostra.
Na análise desta primeira tabela já se faz possível perceber o tipo de relação dos
dançarinos com a dor crônica, no que diz respeito à omissão, classificação, interferência nas
atividades diárias não somente profissionais como também que envolvam outros domínios de
suas vidas, e persistência da dor. O alto índice de omissão está relacionado ao percentual de
dançarinos que referem não ter dor, ou dor de grau 0, o que se mostra uma disparidade, uma
vez que para responder aos questionários, os entrevistados confirmaram estarem inseridos no
76
perfil desejado; as estatísticas demonstram também alta tolerância à dor à medida que se
referem à dor crônica como de baixa intensidade, de baixa interferência e não persistente, o
que aponta para as questões relativas à cultura da dor na dança reforçando a crença de que a
dor faz parte das práticas em dança (DORE, 2006, 2007; HINCAPIÉ et.al 2008; JACOBS,
2010; LEITE 2007; SHUCMAN 2011; TAJET-FOXELL, 1995; TARR, 2009, 2011),
levantadas no estado da arte disposto no primeiro capítulo e discutidas no terceiro capítulo
desta dissertação.
Tabela 2. Classificação da dor crônica, de acordo com o sexo (N=87).
Variáveis
Sexo P-valor
(Teste Exato de Fisher)
Feminino Masculino
n=54 % n=33 %
Classificação da dor crônica
Grau 0 – sem dor 13 24,1 8 24,2
0,7121
Grau I – dor de baixa intensidade 18 33,3 15 45,5
Grau II – dor de alta intensidade 16 29,6 7 21,2
Grau III – dor moderadamente limitante 6 11,1 2 6,1
Grau IV – dor gravemente limitante 1 1,9 1 3,0
Interferência da dor
Baixa interferência 34 82,9 22 88,0 0,7304
Alta interferência 7 17,1 3 12,0
Persistência da dor
Não persistente 39 97,5 24 96,0 1,0000
Persistente 1 2,5 1 4,0
Observação: Diferença nos subtotais se deve a dados perdidos. n=Número de observações.
Nesta tabela, que descreve a prevalência de dor crônica de acordo com o sexo, a dor de
baixa intensidade se mostra em maior prevalência no sexo masculino, enquanto que as dores
de alta intensidade e moderadamente limitante se mostram em maior prevalência no sexo
feminino, porém os índices demonstram a dor gravemente limitante mais comum no sexo
masculino. Pode-se comprovar também, maior interferência da dor nas atividades cotidianas
no sexo feminino do que no sexo masculino, que por sua vez refere-se em maior prevalência à
dor persistente.
77
Tabela 3. Classificação da dor crônica, de acordo com a idade (N=87).
Variáveis
Faixa etária (anos) P-valor (Teste
Exato de Fisher)
17 – 22 23 – 32 33 – 66
n=30 % n=28 % n=28 %
Classificação da dor crônica
Grau 0 – sem dor 5 16,7 6 21,4 10 35,7
0,1926
Grau I – dor de baixa intensidade 13 43,3 14 50,0 5 17,8
Grau II – dor de alta intensidade 9 30,0 6 21,4 8 28,6
Grau III – dor moderadamente limitante 3 10,0 1 3,6 4 14,3
Grau IV – dor gravemente limitante 0 --- 1 3,6 1 3,6
Interferência da dor
Baixa interferência 22 88,0 20 90,9 13 72,2 0,2588
Alta interferência 3 12,0 2 9,1 5 27,8
Persistência da dor
Não persistente 25 100,0 21 95,5 16 94,1 0,5164
Persistente 0 --- 1 4,5 1 5,9
Observação: Diferença nos subtotais se deve a dados perdidos. n=Número de observações.
De acordo com a faixa etária, como disposto nesta tabela, a dor de Grau 0 – sem dor se
apresenta em maior índice nos dançarinos de idade madura entre 33 e 66 anos, acreditamos
que isso se deve a alguns fatores como: negação/omissão da dor, êxito em tratamento
adequado realizado, redução da jornada de trabalho com consequente diminuição do uso
abusivo do corpo, e ainda, ter se acostumado com a dor. Os índices estatísticos mostram
também que a maior prevalência de dor Grau I está em adultos jovens com idades entre 23 e
32 anos, consideradas como momento auge da produção profissional, porém esta mesma faixa
etária relata sofrer menos interferências da dor nas suas atividades diárias, estando os maiores
índices sobre interferências na faixa etária dos adultos maduros. Os adultos na faixa etária
entre 17 e 22 anos relatam 100 % de dor não persistente, os índices de persistência da dor
sobem acompanhando o aumento da faixa etária. Esses pontos repercutem nos aspectos
envolvidos com as questões relativas ao mercado de trabalho em dança, tanto no que tange a
inserção quanto à manutenção da colocação ocupada neste mercado de trabalho.
Ao cruzarmos as informações referentes ao índice que aponta o aumento da persistência
à dor com a perspectiva de que os dançarinos se acostumam com ela, como também com as
informações sobre os altos índices de tolerância à dor apresentados pelos outros estudos (AIR,
2009; ANDERSON e SJ, 2008, BACKER, 2010, DORE, 2006, 2007; HINCAPIÉ et al. 2008;
JACOBS, 2010; LEITE, 2007; RIP et al. 2007, SEGNINI, 2010; TAJET-FOXELL, 1995; Á
78
et al. 2009; STARR, 2009), e com a questão da manutenção da colocação no mercado
profissional, nos remeteremos também à questão da negligência com a própria saúde.
Tabela 4. Classificação da dor crônica, de acordo com o estado civil (N=87).
Variáveis
Estado civil P-valor (Teste
Exato de Fisher)
Solteiro Casado/
Amasiado Separado/
Viúvo
n=61 % n=16 % n=8 %
Classificação da dor crônica
Grau 0 – sem dor 13 21,3 5 31,3 3 37,5
0,7180
Grau I – dor de baixa intensidade 25 41,0 4 25,0 3 37,5
Grau II – dor de alta intensidade 17 27,9 4 25,0 2 25,0
Grau III – dor moderadamente limitante 4 6,5 3 18,7 0 ---
Grau IV – dor gravemente limitante 2 3,3 0 --- 0 ---
Interferência da dor
Baixa interferência 42 87,5 8 72,7 5 100,0 0,4327
Alta interferência 6 12,5 3 27,3 0 ---
Persistência da dor
Não persistente 46 95,8 11 100,0 4 100,0 1,0000
Persistente 2 4,2 0 --- 0 ---
Observação: Diferença nos subtotais se deve a dados perdidos. n=Número de observações.
Quanto ao estado civil, os índices mostram que os separados e viúvos são os maiores
em quantidade nos relatos de dor de Grau 0 – sem dor, enquanto que a dores de Grau I e II se
mostram em maior quantidade nos solteiros, já os casados e amasiados se mostram em maior
quantidade para a dor de Grau III, a dor crônica de Grau IV aparece em maior prevalência
para os solteiros. Quanto à interferência da dor em atividades cotidianas, os viúvos e
separados relatam 100% de baixa interferência, já os casados e amasiados apresentam os
maiores índices para alta interferência. Casados, amasiados, separados e viúvos apresentam
100% de dor não persistente, seguidos pelos solteiros que apresentam altos índices para a dor
não persistente. Esses dados apontam para o tipo de relação que o dançarino estabelece com a
dor, no que diz respeito ao espaço que as atividades da dança ocupam em suas vidas (DORE,
2007; RIP et al. 2006; SEGNINI, 2010; TAJET-FOXELL, 1995; TARR e H, 2011;
WAINWRIGHT et al. 2006).
79
Tabela 5. Classificação da dor crônica, de acordo com o grau de instrução (N=87).
Variáveis
Grau de instrução P-valor (Teste
Exato de Fisher)
Até 2ºC SI SC
n=17 % n=22 % n=32 %
Classificação da dor crônica
Grau 0 – sem dor 3 17,6 4 18,2 8 25,0
0,8685
Grau I – dor de baixa intensidade 8 47,1 7 31,8 13 40,6
Grau II – dor de alta intensidade 5 29,4 7 31,8 8 25,0
Grau III – dor moderadamente limitante 1 5,9 4 18,2 2 6,3
Grau IV – dor gravemente limitante 0 --- 0 --- 1 3,1
Interferência da dor
Baixa interferência 13 92,9 14 77,8 21 87,5 0,5611
Alta interferência 1 7,1 4 22,2 3 12,5
Persistência da dor
Não persistente 13 92,9 17 94,4 23 100,0 0,3340
Persistente 1 7,1 1 5,6 0 ---
Observação: Diferença nos subtotais se deve a dados perdidos. n=Número de observações.
Nesta tabela referente à classificação da dor crônica quanto ao grau de instrução, a dor
de Grau 0 aparece em maior prevalência nos dançarinos que completaram o ensino superior, a
prevalência para a dor de Grau I se mostra maior nos dançarinos têm como grau de instrução
o segundo grau completo, já os dançarinos com o nível superior incompleto apresentam a
maior prevalência para dor de Grau II, a dor de Grau III está mais comum entre os dançarinos
com o nível superior incompleto, e a dor de Grau IV tem maior prevalência entre os
dançarinos com nível superior completo. Quanto à interferência da dor nas atividades diárias,
os dançarinos com o nível superior incompleto relatam o maior índice para alta interferência e
o menor para baixa interferência. Já em relação à persistência da dor os dançarinos com nível
superior completo apontam 100% de dor não persistente, seguido dos de nível superior
incompleto e logo depois dos de segundo grau completo, o maior índice para a dor persistente
aponta para os dançarinos de segundo grau completo.
Os dados encontrados referentes ao grupo de dançarinos profissionais que têm como
grau de instrução o segundo grau completo demonstram, de certa forma, relação com o
momento de instalação do processo de dor crônica, quando a tolerância à dor relativa baixa
intensidade, que por sua vez implica na persistência da mesma, uma vez que a dor não
desaparece e segue minando adentrando o quadro da cronicidade.
80
Tabela 6. Local da dor (N=66).
Local da dor N=66 %
Coluna (lombar e cervical) 26 39,4
Joelho 22 33,3
Quadril 6 9,1
Tornozelo 6 9,1
Muscular 5 7,6
Costas 5 7,6
Ombro 5 7,6
Pernas 5 7,6
Pés 2 3,0
Observação: Algumas pessoas referiram dor em mais de um local. Também foram citados: pulso, punho, braço, cabeça, cotovelo, tórax, joanete, tíbia, virilha, canela e ventre.
Nesta tabela quanto ao local da dor, a maior incidência está apresentada na coluna, mais
precisamente nas regiões lombar e cervical, conhecidas como hipermóveis e por isso mais
suscetíveis à instabilidade e, por conseguinte, à lesões, demonstrando que essa é a área do
corpo dos dançarinos profissionais que é mais acometida pelas dores crônicas, logo em
seguida, o segundo maior índice de prevalência está na articulação dos joelhos, outra área do
corpo que sofre bastante lesões devido ao uso abusivo sobre as estruturas destas articulações
(AQUINO e col. 2010; DORE 2006,2007; DUBOIS, 1991; HINCAPIÉ et al. 2008; JACOBS,
2010; KOUTEDAKIS et al. 2008; KRAVITZ, 1984; LEITE, 2007; SHUCMAN, 2011).
Importante salientar que alguns dançarinos referem dor em mais de um local do corpo.
81
Tabela 7. Informações sobre o trabalho (N=87).
Informações sobre o trabalho N=87 %
Trabalho remunerado 49 56,3
Trabalho parcialmente remunerado 21 24,1
Eu trabalho com carteira assinada 18 20,7
Eu trabalho sem carteira assinada 28 32,2
Eu não trabalho / estou desempregado 4 4,6
Eu trabalho em uma única atividade 4 4,6
Eu trabalho com várias atividades 41 47,1
Eu não trabalho / estou desempregado por causa da minha dor 0 ---
Eu estou afastado do trabalho por causa da minha dor 0 ---
Eu fui aposentado por causa da minha dor 0 ---
Observação: Diferença nos subtotais se deve a dados perdidos. N=Total da amostra.
A tabela 7 nos fornece informações sobre mercado de trabalho no que diz respeito ao
vínculo empregatício. Um percentual de somente 56,3% dançarinos profissionais na cidade de
Salvador possui trabalho remunerado, enquanto que 24,1% possuem trabalho parcialmente
remunerado, apenas 20,7% possuem carteira assinada contra 32,2% que não possuem, porém
47,1% exercem várias atividades contrapondo com 4,6% que trabalham em uma única
atividade, e 4,6% relatam estarem desempregados. Nenhum dos entrevistados relata estar
afastado ou desempregado ou aposentado por causa das suas dores. Esta tabela aponta
diretamente para a questão do mercado de trabalho em dança na cidade de Salvador,
demonstrando aspectos tais como: informalidade, remuneração insuficiente, remuneração
inconstante, e fragilidade à medida que grande percentual destes dançarinos mostra exercer
várias atividades para a sua sobrevivência e não somente as atividades da dança. A análise
desta tabela auxilia na compreensão dos comportamentos de submissão dos dançarinos
profissionais, dentro do escopo deste estudo, à condições desfavoráveis de trabalho tanto no
que tange estruturas do próprio ambiente de trabalho, quanto às suas próprias estruturas
corporais, mesmo que isso venha a acarretar prejuízos em diversas instâncias da sua vida, o
entendimento de que o sofrimento é inerente na profissão da dança reverbera no limiar de dor
à medida que se aprende a ‘acostumar’ com a dor reforçando a questão da cultura da dor na
dança refletindo o alto grau de tolerância à dor por dançarinos profissionais apontado no
início desse estudo (SEGNINI, 2010).
82
Tabela 8. Questões 19 a 22.
Variáveis n %
Nos últimos seis meses quantas vezes foi ao médico por causa da dor (n=63)
Nenhuma vez 39 61,9
Uma vez 9 14,3
Duas vezes 4 6,3
Três vezes 4 6,3
Quatro vezes 4 6,3
Cinco vezes 1 1,6
Mais de cinco vezes 2 3,3
Nos últimos seis meses foi a outra pessoa, além do médico, para tratar da sua dor (n=80)
Não 54 67,5
Sim 26 32,5
Profissional que ajudou a tratar a dor (n=26) 1
Fisioterapeuta 11 42,3
Acupunturista 7 26,9
Osteopata 5 19,2
Massagista 5 19,5
Tratamentos realizados para a dor (n=56) 1
Fisioterapia 33 58,9
Pilates 23 41,1
Quiropraxia 5 8,9
Acupuntura 19 33,9
Massoterapia 16 28,6
Outros 19 33,9
Observações: Diferença nos subtotais se deve a dados perdidos. 1 Estas questões podem ter múltiplas respostas.
Também foram citados outros profissionais: Ortopedista, Educador Físico, Nutricionista, etc. n=Número de observações.
Freqüência a outros profissionais nos últimos seis meses: Média de 10 vezes.
A tabela 8 nos informa se houve procura, nos últimos seis meses, por atendimento
médico, como também a procura por outros tratamentos para a dor além do atendimento
médico, e quais os tipos de terapias mais procuradas. O alto índice de 61,9 % indica que os
dançarinos não procuraram atendimento médico, acreditamos que essa informação diz
respeito à negligência com a própria saúde, que por sua vez pode estar relacionada com a
questão do domínio do próprio corpo, ou seja, a certeza de que podem controlar os eventos e
fenômenos do próprio corpo, pensamento reforçado pelos métodos condicionantes de
aprendizagem, de certa forma, alienantes, como também às questões de ordem financeiras
83
envolvidas em um atendimento médico, aspectos discutidos anteriormente no terceiro capítulo
desta dissertação (AIR, 2009; ANDERSON e SJ, 2008; BACKER et al. 2010; DORE, 2006;
JACOBS, 2010; SEGNINI, 2010; SHUCMAN et al. 2011).
Apenas 14,3 % relatam ter procurado atendimento médico uma vez por causa da dor,
6,3 % referem ter procurado o atendimento médico apenas duas vezes neste período, 6,3 %
também é o índice para três vezes, e o mesmo 6,3 % para quatro vezes, o baixo índice de 1,6
% dos entrevistados que procuraram atendimento médico por cinco vezes, enquanto que 3,3
% relatam ter procurado atendimento médico mais de cinco vezes nos últimos seis meses.
Entre os entrevistados 67,5 % relatam não ter procurado nenhum outro profissional além do
médico, enquanto que 32,5% procuraram por outros profissionais além do médico. Entre estes
profissionais o índice de maior procura 42,3 % está nos fisioterapeutas, seguidos dos
acupunturistas com 26,9 % das procuras, os osteopatas estão com 19,2 % da procura e os
massagistas apresentam o índice de 19,5% das procuras, 33,9 % dos entrevistados relatam
procurar outros profissionais tais como: educador físico e nutricionista, neste mesmo índice
relatam procurar ortopedista, porém esta é uma especialidade da medicina e nesta pergunta
queremos saber qual o profissional além do médico é procurado para tratamento da dor.
Importante salientar que estas questões permitem múltiplas respostas, como no caso dos
fisioterapeutas que além de realizarem a fisioterapia clínica tradicional, também realizam
acupuntura, osteopatia e massagem. Em relação aos tratamentos não medicamentosos
realizados para dor, 58,9 % dos dançarinos profissionais neste estudo fazem fisioterapia
clínica tradicional, o Pilates tem 41,1 % dos entrevistados praticantes, 33,9 % dos
entrevistados realizam tratamento com acupuntura, a massoterapia representa 28,6 % da
escolha por tratamentos não medicamentosos, o tratamento quiropraxista apresenta o índice
de 8,9 % entre os escolhidos, e 33,9% dos dançarinos entrevistados relatam realizar outros
tratamentos.
84
Tabela 9. Tipo de medicação mais usada.
Tipo de medicação mais usada n=64 %
Nenhum 18 28,1
AINH 6 9,4
Analgésico 28 43,8
Miorrelaxante 14 21,9
Antidepressivo 0 ---
Esteróide 0 ---
Opióide 0 ---
Outros 6 9,4
Estas questões podem ter múltiplas respostas. n=Número de observações.
Nesta tabela podemos perceber que os analgésicos simples são os mais usados entre os
dançarinos entrevistados representando 43,8 % de uso nesta população, 28,1 % dos
entrevistados relatam não usar medicação, por sua vez 21,9 % preferem os miorrelaxantes, os
antiinflamatórios não esteroides (AINH) apresentam um índice de 9,4 %, similar ao índice
que indica o uso de outros medicamentos, entre eles os fitoterápicos e os homeopáticos, que
não fizeram parte das categorias de medicamentos listadas no questionário. Esta tabela aponta
para a questão da negligência com a própria saúde ao percebermos certa incoerência entre o
índice relativo ao uso de analgésicos simples e o índice referente à procura por atendimento
médico disposto na tabela anterior, o que pode nos levar a pensar que os entrevistados fazem
uso de medicação sem prescrição médica, chamando a atenção para o sério problema da
automedicação.
85
Tabela 10. Questões relativas ao “fenômeno da dor na dança”.
Questões relativas ao “Fenômeno da dor na dança” n %
Acredita que a dor faz parte da dança (n=85) 62 72,9
Situações que considera comum na dança (n=81)
Dor durante o aquecimento muscular 31 38,3
Dor após o treino 51 63,0
Dor durante o treino 15 18,5
Dor antes e depois de treinar e/ou dançar 18 22,2
Dor enquanto dança 4 4,9
Quando você sente dor na dança... (n=86)
Diferencia a dor em benéfica ou maléfica 63 73,3
A dor é sempre benéfica 6 7,0
A dor é sempre maléfica 5 5,8
Não sabe 12 14,0
Por que o corpo se machuca ao dançar (n=86)
Porque ultrapassa seus limites 26 30,2
Devido aos treinamentos intensos 36 41,9
Devido ao esforço abusivo 33 38,4
Devido a falta de preparo e/ou treinamento adequado 34 39,5
Devido à negligência à própria saúde 12 14,0
Permanece dançando quando está sentindo dor (n=86) 64 74,4
O que faz para permanecer dançando quando está sentindo dor (n=75)
Usa Medicação 27 36,0
Modifica a sua movimentação 43 57,3
Não dá atenção à dor 17 22,7
A dor piora ou melhora com o movimento (n=82)
Piora muito 13 15,9
Nem melhora, nem piora 25 30,5
Melhora pouco 25 30,5
Melhora Muito 7 8,5
Não sabe 14 17,1
Como entende a expressão “enfrentar a dor” (n=83)
Reconhecimento profissional / realização 13 15,7
Prazer 6 7,2
Ganhos secundários 10 12,0
Desafio 59 71,0
Como você considera a dor nos treinamentos intensos (n=83)
Produtiva - resultados positivos 25 30,1
Prejudicial - resultados negativos 37 44,6
Impeditiva - interrompe o exercício profissional 19 22,9
Não sabe 7 8,4
Observações: Diferenças nos subtotais se devem a dados perdidos. Estas questões podem ter múltiplas respostas.
86
A tabela 10, talvez a que mais se aproxime dos aspectos relacionados a questão da
‘cultura da dor na dança’, por ser constituída de perguntas que relacionam diretamente
situações de dor nas atividades de dança com o entendimento destas dores pelos dançarinos
profissionais da cidade de Salvador. Para tal proposta, ao elaborar essas perguntas tentamos
alcançar o mais alto grau de objetividade focando a resposta única, porém devido à
complexidade envolvida na sua temática não tivemos êxito e as múltiplas respostas se fizeram
necessárias e, portanto, aceitas.
Grande percentual dos dançarinos, 72,9%, acredita que a dor faz parte da dança, este
índice diz respeito à cultura da dor na dança e reporta-se também aos assuntos discutidos
anteriormente e dispostos na tabela 7. Quanto a situações de dor que consideram comuns na
dança 63,0 % dos dançarinos relatam sentir dor após o treino, entende-se por treino as práticas
de preparação corporal específicas, todos os entrevistados referem comum sentir dor durante o
aquecimento muscular, durante e após o treino, antes e depois de dançar, porém apenas 4,9%
relatam dor enquanto dançam, este último índice aponta para aspectos envolvidos nos
processos de modulação da dor indicando que de alguma maneira o movimento participe
conforme discutidos nos capítulos anteriores desta dissertação; entendemos ‘enquanto dança’
como momentos extra treinos e montagens, momentos de ‘apresentação’.
Quanto à diferenciação da dor em benéfica ou maléfica, o índice de 73,3 % mostra que
estes dançarinos diferenciam a dor benéfica da dor maléfica, conforme vimos no decorrer
deste estudo, a dor é benéfica enquanto sinal de alerta para o organismo, e ao realizarmos uma
análise de maior abrangência aproveitando os índices analisados anteriormente nas tabelas já
apresentadas veremos que a dor se mostra sempre presente e relacionada aos processos de
treinamentos nas práticas em dança e não somente como sinal de alerta, portanto esta
diferenciação se refere à ideia de ganhos e perdas reforçada no pensamento de punição e
recompensa, que por sua vez são embasados na perspectiva mecanicista do corpo.
Por que o corpo se machuca ao dançar? Para responder a esta pergunta 41,9% dos
dançarinos entrevistados relatam ser devido aos treinamentos intensos, 39,5% referem à falta
de preparo e/ou treinamento adequado, 38,4% apontam para o esforço abusivo do corpo,
30,2% acredita que é porque ultrapassa seus limites, e 14,0 % diz ser por negligência à própria
saúde. Importante salientar que as perguntas contidas nesta tabela permitem respostas
múltiplas, o que implica no cruzamento das informações e complexifica a análise. Com
relação à esta questão pode-se dizer que os índices apresentados na análise estatística das
respostas constituem grande argumento para implementação de propostas pedagógicas em
87
dança que priorizem a integridade do indivíduo nas suas práticas corporais. O índice relativo à
negligência a própria saúde aponta para algumas questões que merecem atenção, uma delas
diz respeito ao mercado de trabalho, uma vez que esse mercado é escasso, o que dificulta os
afastamentos para tratamentos de saúde; outra questão diz respeito à dificuldade de assistência
de saúde tanto no que tange os aspectos financeiros desta assistência, quanto os aspectos de
preparação especializada para atender as especificidades deste corpo da dança.
O alto índice de 74,4% dos dançarinos profissionais atuantes na cidade de Salvador
indica que grande parte destes profissionais permanece dançando enquanto está sentindo dor,
esta informação ressalta os aspectos que estamos discutindo ao longo deste estudo. O que
fazem para permanecerem dançando quando estão sentindo dor? 36% relatam usar
medicação, 22,7% relatam não dar atenção à dor e 57,3% dizem modificar a sua
movimentação, estes índices não estão de todo isolados, muitas das vezes estão associados
uns com os outros, remetem mais uma vez aos processos de modulação da dor que envolve
eventos de diversas ordens tais como químicos, neurológicos, físicos, emocionais, e que
alteram os estados corporais que por sua vez alteram os movimentos e que alteram os estados
corporais, conforme descrito nos capítulos anteriores desta dissertação.
Em relação à questão sobre piora ou melhora da dor com o movimento, 30,5% diz que
nem piora, nem melhora, 30,5% relata que melhora um pouco, 8,5% diz que melhora muito,
15,9% refere a muita piora, e 17,1% relata não saber. Estes índices apontam para a questão
sobre a especificidade dos movimentos tanto no que diz respeito à atenção ao movimento
enquanto este está sendo realizado, como também no que se refere ao tipo de movimento que
pode trazer melhora ou piora para a dor.
Uma das questões levantadas neste estudo se refere ao enfrentamento à dor, como que
os entrevistados entendem a expressão ‘enfrentar a dor’, 71% deles entendem como desafio,
15,7% entendem como reconhecimento profissional/realização, 12% acreditam estar
relacionado a ganhos secundários, e 7,2% entendem como prazer. O maior índice remete a
alguns aspectos apresentados no terceiro capítulo desta dissertação, a respeito da relação de
domínio que o dançarino tem com o próprio corpo, considerando-se um exímio executor de
movimentos, reforçado no entendimento de corpo máquina.
A dor nos treinamentos intensos é considerada prejudicial-associada a resultados
negativos por 44,6% dos entrevistados, porém é considerada produtiva- associada a resultados
88
positivos por 30,1% deles, 22,9 % dos dançarinos entrevistados consideram a dor como
impeditiva- aquela que interrompe o exercício profissional, e 8,4 % relatam não saber.
A análise desta tabela nos fornece dados para as hipóteses de punição/recompensa e
tolerância implicadas nos diferentes limiares entre dor e prazer discutidos nesse estudo.
Algumas perguntas do questionário permitem múltiplas respostas e isso afere para os
dados uma perspectiva multivetorial, sendo assim detecta-se uma diferença entre o que
aparentemente é anunciado individualmente nas respostas dos questionários e o que estas
respostas indicam em seu conjunto, daquilo que os dançarinos, por vezes, afirmam em seus
relatos. Ou seja, pode surgir um campo contraditório ao relatar e ao firmar sua resposta. Por
outro lado, a subdivisão da coleta em um questionário semi-estruturado e aplicação de uma
escala graduada de dor crônica incrementa o cruzamento de variáveis o que envolve uma
complexidade maior na apuração dos dados.
89
5. CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS
Ao elaborar o projeto para este estudo, objetivou-se de maneira geral investigar/analisar
os processos envolvidos no fenômeno da dor crônica em dançarinos profissionais na cidade de
Salvador, com tal empenho aspectos e questões relevantes foram apontados.
Tais aspectos e questões podem ser aproveitados na construção de argumentos para
diálogos interdisciplinares entre as áreas da dança e a de saúde no que diz respeito aos
conceitos, teorias e abordagens práticas dos assuntos discutidos, possibilitando o trânsito das
informações favorecendo a difusão destes conhecimentos entre as duas áreas da Dança e da
Saúde.
O tema: ‘o fenômeno da dor na dança’ abarca assuntos diversos que apresentam
complexidade envolvendo várias instâncias, diante desta multiplicidade constatamos, através
da observação cuidadosa sobre elas, apontarem para futuros desdobramentos em estudos a
respeito de questões pertinentes à cultura da dor na dança.
De forma dissertativa podemos dizer que a relação dos dançarinos com a dor crônica
envolve muitos aspectos que dizem respeito ao tipo de relação que estes profissionais
desenvolvem com as suas atividades em Dança, que envolvem a relação do dançarino com o
seu próprio corpo embasada nos processos de ensino-aprendizagem ou a falta deles, em
dança.
Para a organização destas considerações muito se fundamentou nos pressupostos
teóricos bem delineados como também nos relatos de profissionais sobre suas próprias
experiências com dores crônicas neuro-músculo-esqueléticas, indicando uma abordagem
teórico-prática para o assunto.
No decorrer desta pesquisa algumas considerações conclusivas foram geradas e
encontram-se listadas abaixo:
1- Como as evidências mostraram, de fato, o fenômeno da dor é individual e
complexo, cada indivíduo desenvolve o seu sistema modulador de dor de acordo com a pré-
disposição genética e suas experiências vividas. A relação com o contexto social, psicológico,
emocional, cultural, moral, e toda a sua história de vida permeiam o seu desenvolvimento.
90
2- A ideia de domínio do próprio corpo, para os dançarinos profissionais, está
relacionada a uma combinação perversa entre a dor crônica e o sofrimento apontando um
limite tênue entre dor e prazer nesta população.
3- Questões da dor instaladas no corpo que dança estão implicadas no próprio
processo de configuração corporal, envolvem a própria percepção que se tem do corpo
passando pela propriocepção, sentido cinestésico e sistema sensório-motor, e mostram estar
relacionadas a aspectos motivacionais de instinto e paixão que, por sua vez, envolvem
aspectos emocionais e sentimentos de dor e prazer.
4- Como aponta o conceito de Embodied Cognition (LAKOFF e JOHNSON,
1999), como visto, e ligando-se ao aspecto da sensibilidade corporal, no que diz respeito à
localização dispersa dos sensores no organismo, detectou-se haver um papel cognitivo da
propriocepção como uma estratégia evolutiva de sobrevivência do organismo, conforme
indicado pela porcentagem da população que assume modificar sua movimentação em função
da dor crônica e de continuar dançando.
5- Seguindo-se a proposta de corporalização de Lela Queiroz (2004,2006) que
defende em sua tese de doutorado, a hipótese dos movimentos na organização neurológica,
esta pesquisa indica na mesma direção que o movimento tem papel cognitivo nos processos
de organização corporal.
6- Segundo apontam estudos sobre modulação da dor (CARVALHO e
LEMÔNICA, 1998; KRAYCHETE et al., 2007; OLIVEIRA, 2008; PRADO, 1994;
TEIXEIRA, 2001; DOS SANTOS, 2012) e levando-se em conta que o exercício físico altera
os níveis de endorfina no sistema nervoso central produzindo efeitos analgésicos (WERNECK
et al, 2005), a ativação das vias descendentes de modulação da dor mostra estar relacionada à
atividade do córtex motor, o que indica que o movimento exerce certa influência nos
processos desta modulação uma vez que estes, por sua vez, estão relacionados com processos
cerebrais de mapeamentos dos estados do corpo.
91
7- O entendimento de consciência corpórea (Sheets-Johnstone, 1998) aponta uma
possibilidade de saída dos processos de condicionamentos lesivos para uma (re)organização
dos movimentos, acessando tecidos neurais basais em diversos níveis da consciência,
considerando a complexificação do sistema nervoso nos seres humanos, pode-se dizer que o
movimento abarca vasta organização de padrões neurais que por sua vez envolvem mais de
uma zona de representação cortical.
8- Pode-se levar em conta a constituição de uma espécie de memória da dor,
considerando os mecanismos de condicionamento e automatismos dos movimentos como
também, tendo em vista a hipótese do marcador somático (DAMÁSIO, 1996) à medida que
favoreçam o ciclo vicioso da dor crônica devam ser considerados e incluídos nas propostas
terapêuticas para a quebra deste ciclo.
9- Movimentos repetitivos tornam-se antecipatórios gerando fixação de rotinas
cognitivas no organismo favorecendo ainda mais os automatismos e hábitos, o que além de
prejudicial às estruturas envolvidas pode também levar ao empobrecimento de repertório de
movimentos, mas, sobretudo acarretar consequências relativas à carreira profissional dos
dançarinos tais como: os ‘vícios de movimentos’ que limitam a abrangência da atuação
profissional uma vez que este esteja habituado somente a um tipo específico de movimento; o
afastamento precoce conhecido como ‘carreira profissional curta’, que além de relacionada à
idade cronológica também diz respeito aos desgastes articulares; e culminar na aposentadoria
por invalidez devido ao uso abusivo do próprio corpo.
10- A alta prevalência de lesões neuro-músculo-esqueléticas nesta população se
mostra condicionada a aspectos que dizem respeito à crença de que, ‘a dor faz parte da
dança’, presente em certos tipos de práticas em dança que preconizam o corpomáquina exímio
executor de movimentos. Diante dos dados coletados neste estudo, estamos mais próximos de
uma evidência de que a ‘cultura da dor na dança’ prevalece no contexto profissional da
população pesquisada.
92
11- Dançarinos profissionais, nesta população pesquisada, apresentam negligência
à própria saúde, à medida que não procuram atendimento médico especializado e se auto-
medicam, muitas das vezes pela dificuldade de acesso ao atendimento como também pela
escassez de especialistas que compreendam as especificidades do corpo da dança; por outro
lado, estes dançarinos profissionais desenvolvem artifícios e estratégias próprias para
permanecerem dançando enquanto sentem dor tais como: usar medicação, não dar atenção a
dor e modificar a própria movimentação. Tais artifícios e estratégias indicam, como dito
anteriormente, participarem da alça de sobrevivência do organismo e reforçam que a
percepção é uma ação agindo com a consciência corpórea muitas vezes inconscientemente e
instintivamente como defesa e proteção, como também agressão dissimulada, intercambiado
pelos marcadores somáticos específicos disponibilizados pela história de vida da pessoa.
Aspectos envolvidos na ‘cultura da dor na dança’ que envolve questões da dor
instaladas no corpo que dança merecem atenção tanto no que tange propostas/ações
pedagógicas em dança quanto a propostas/ações terapêuticas que preconizem a
indivisibilidade do indivíduo, a historicidade corporal, que considerem-no corpo-mente,
corpo-ambiente, corpomídia, por seus processos de corporalização focando o limite entre os
movimentos saudáveis dos prejudiciais e perniciosos, e que privilegiem as informações que
vêm do próprio corpo.
93
REFERÊNCIAS
AIR, M. Health care seeking behavior and perceptions of the medical profession among pre-
and post-retirement age Dutch dancers. Journal of Dance Medicine and Science; 13(2):42-
50 2009.
ANDERSON, Ruth and Hanrahan, SJ. Dancing in pain: pain appraisal and coping in
dancers. Journal of Dance Medicine & Science, Volume 12, Number 1, March 2008, pp. 9-
16(8).
AQUINO, Cecília e col. Análise da relação entre dor lombar e desequilíbrio de força
muscular em bailarinas. Fisioterapia em Movimento, Curitiba, v. 23, n. 3, p. 399-408,
jul./set. 2010.
BACKER J. et al. Self-reported and reported injury patterns in contemporary dance
students. Medical Problems of Performing Artists, 25(1), pp.10-15 2010.
BERTHOZ, Alain. La Décision. Paris. Odile Jacob, 2003.
___________. Lições sobre o corpo, o cérebro e a mente: As raízes das ciências do
conhecimento no Collège de France. Bauru, SP: EDUSC, 2005.
BRACHER, Eduardo. Adaptação e validação da versão em português da escala graduada
de dor crônica para o contexto cultural brasileiro. (Tese de Doutorado), São Paulo, 2008.
BRASIL-NETO, Joaquim et al. Focal transcranial magnetic stimulation and response bias in
a forced-choice task. Journal of Neurology, Neurosurgery, and Psychiatry 1 992;55:964-
966. Disponível em: http://jnnp.bmj.com/content/55/10/964
____________. Modulation of Muscle Responses Evoked by Transcranial Magnetic
Stimulation During the Acquisition of New Fine Motor Skills. Journal of Neuro-
physiology.Vol. 74, No. 3, September 1995. Printed in U.S.A.
_____________. Neurofisiologia e plasticidade no córtex cerebral pela estimulação magnética
transcraniana repetitiva. Rev Psiquiatria Clínica, Rio de Janeiro, v.31 n.5, p.216-220, 2004.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
60832004000500004&lng=en&nrm=iso&tlng=pt>
_____________. Postexercise depression of motor evoked potentials: a measure of central
nervous system fatigue. Exp Brain Res (1993) 93:181-184. Disponível em:
www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/8467889
94
BOGGIO, P.S. et al. Modulatory effects of anodal transcranial direct current stimulation on
perception and pain thresholds in healthy volunteers. European Journal of Neurology 2008,
15: 1124–1130. Disponível em: www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18717717
CARVALHO, Wilson A e LEMÔNICA, Lino. Mecanismos Centrais de Transmissão e de
Modulação da Dor. Atualização Terapêutica. Rev. Bras. Anestesiol 1998; 48: 3: 221-240.
COIMBRA IB, et al. Osteortrite (artrose): tratamento. Rev Bras Reumatol, v. 44 , n. 6, p.
450-3, nov./dez., 2004).
CRARY, Jonathan. Modernizing Vision, em Vision and Visuality. NY: New Press, 1998.
CRESWELL, John W. Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. 2.ed,
Porto Alegre: Artmed, 2007.
CROMBIE, IK. The potencial of Epidemiology. In: Crombie IK, Croft PR, Linton SJ,
LeResche L, Von Korff M, editors. Epidemiology of pain: a report of the Task Force on
Epidemiology . Seattle: IASP Press; 1999. cap.1, p. 1-5.
DAMÁSIO, António. O Erro de Descartes. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1996.
___________. Em busca de Espinosa: prazer e dor na ciência dos sentimentos. São Paulo:
Companhia das Letras, 2004.
DENOVARO, Daniel Becker. Diálogos somáticos do movimento: o método Pilates para a
prontidão cênica. Tese (Doutorado em Artes Cênicas), UFBA, Salvador, 2011.
DOMENICI, Eloisa. O encontro entre dança e educação somática como uma interface de
questionamento epistemológico sobre as teorias do corpo. Pro-Posições, Campinas, v.21, n.2
(62), p.69-85, maio / agosto, 2010.
DORE, Bianca F. Prevalência e Fatores Associados à dor em bailarinos profissionais.
(Tese de Mestrado), UFRN, Natal, 2006.
DOS SANTOS MF, et al. Immediate effects of tDCS on the μ‐opioid system of a chronic pain
patient. Front. Psychiatry 3:93. doi:10.3389/fpsyt.2012.00093.
DUARTE, João Francisco. O sentido dos sentidos – a educação do sensível. Curitiba: Criar
Edições, 2001.
FORTIN, S. et al. The Relationship between Passion and Injury in Dance Students. Journal
of Dance Medicine & Science • Volume 10, Numbers 1 & 2, 2006
95
FRIDMAN, Esteban A. et al. Reorganization of the human ipsilesional premotor cortex after
stroke. Brain (2004), 127, 747±758. Disponível em:
www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/14749291
FREGNI, Felipe et al. A Randomized, Sham-Controlled, Proof of Principle Study of
Transcranial Direct Current Stimulation for the Treatment of Pain in Fibromyalgia.
ARTHRITIS & RHEUMATISM. Vol. 54, No. 12, December 2006, pp 3988–3998.
Disponível em: www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17133529
____________. A sham-controlled, phase II trial of transcranial direct current stimulation for
the treatment of central pain in traumatic spinal cord injury. Pain 122 (2006) 197–209.
GÜNTHER, Hartmut. Pesquisa qualitativa versus pesquisa quantitativa: Esta é q questão?
Psicologia: Teoria e Pesquisa. Vol. 22 n. 2, pp. 201-210, 2006.
HUBERMAN, Georges. "O que vemos, o que nos olha. A inevitável cisão do ver" em O que
vemos, o que nos olha. Coleção TRANS: Editora 34 2010.
ISSY, Adriana M. e SAKATA, Rioko K. Como Diagnosticar e Tratar Dor músculo-
esquelética. RBM (2005) Jun 10 V 67 Especial Clínica Geral.
JACOBS, Craig L. Musculoskeletal Injury in Professional Dancers: Prevalence and
Associated Factors. An International Cross-sectional Study. Toronto, 2010.
JOHNSTONE, Maxine S. A natural history. Journal of consciousness Studies v.5, n.3.
London: Inprint UK, 1998.
JUARRERO, Alicia. Some new vocabulary: A primer on Systems Theory. In: Dynamics in
Action International Behavior as Compex System. Cp7. Londom: Bradford Book Mit
Press, 2002.
KATZ, Helena. A Dança, Pensamento do Corpo. O Homem- Máquina: a ciência manipula o
corpo/ organizador Adauto Novaes. São Paulo. Companhia das Letras, 2003.
KATZ, Helena e GREINER, Christine. Corpomídia: a questão epistemológica do corpo na
área da comunicação. Revista Húmus 1, n. 1. Caxias do Sul: Secretaria Municipal de
Cultura, 2003.
KRAYCHETE, Durval et al. “Dor: Aspectos Atuais da Sensibilização Periférica e Central.”
(Artigo Científico), Botucatu, Rev. Bras. De Anestesiologia, 2007;57:1:94-105.
LANG, Nicolas et al. How does transcranial DC stimulation of the primary motor cortex alter
regional neuronal activity in the human brain? European Journal of Neuroscience, Vol. 22,
pp. 495–504, 2005. Disponível em: www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16045502
96
LANGENDONCK, Rosana van. Merce Cunningham: Dança Cósmica: Acaso, tempo e
Espaço. São Paulo: Edição do Autor, 2004.
LATREMOLIERE, Alban e WOOLF, Clifford J. Central Sensitization: A Generator of Pain
Hypersensitivity by Central Neural Plasticity. J Pain. 2009 September ; 10(9): 895–926.
doi:10.1016/j.jpain.2009.06.012.
LEITE, Carla F. Eficácia de um programa de treinamento neuromuscular no perfil
álgido e na incidência da dor femoropatelar entre dançarinos. Tese (Doutorado em Artes
Cênicas) UFBA, Salvador, 2007.
LENT, Roberto. Cem Bilhões de Neurônios. Rio de Janeiro: Ateneu, 2010.
LEOCANI, Letizia. Et al. Human corticospinal excitability evaluated with transcranial
magnetic stimulation during different reaction time paradigms. Brain (2000), 123, 1161-
1173. Disponível em: http://brain.oxfordjournals.org/content/123/6/1161.full.pdf+html
LEWONTIN, Richard. A tripla hélice: gene, organismo e ambiente. São Paulo:
Companhia da Letras, 2002.
LIMA, José Antônio de Oliveira. Movimento corporal- a práxis da corporalidade.
Dissertação (Mestrado em Educação), Campinas, 1994.
__________. Educação somática: diálogos entre educação, saúde e arte no contexto da
proposta da Reorganização Postural Dinâmica. Tese (Doutorado em Educação),
Campinas, 2010.
MACHADO, Adriana B. O papel das imagens no processo de comunicação:
ações do corpo, ações no corpo. 2007.
MASCARENHAS, Joana. Percepção da dor no corpo do dançarino profissional.
(Artigo Científico), São Paulo, 2005. Disponivel em:
http://www.cindorusp2011.com.br/hotsite-tbcientificos/indice-P.asp
____________. Propriocepção e movimento no fenômeno da dor na dança. (Artigo
Científico). Anais do II Congresso de Pesquisadores em Dança- ANDA- 2012,
2012.v.2.
____________. No Pain, no gain: sem dor, sem saída. II Seminário de pesquisa
do Programa de Pós-Graduação em Dança: Diálogos teóricospráticos em
processos e configurações em dança. (Artigo Científico), UFBA, Salvador, 2011.
Disponível em: http://semppg.blogspot.com.br/p/resumos-aprovados.html
97
____________. Corpo, memória e Sensibilidade no fenômeno da dor na dança.
Seminário Interseções Corpo e Memória. (Artigo Científico), Mimeo. UFP,
Recife, 2012.
MASCARENHAS, J.C. e QUEIROZ, C. Visualidade: Percepção-ação. 10º
Congreso de la Asociación Internacional de Semiótica Visual: Contemporary
Dilemaes of Visuality. (Artigo Científico) Mimeo. Buenos Aires, Argentina, 2012.
MASCARENHAS, J.C. e PALMEIRA, M.O. Lombalgia Crônica: Qual o papel
da musculatura do CORE? (Artigo Científico), Mimeo. UNIFACS, Salvador,
2009.
MACKINNON, Colum D. e ROTHWELL, John C. Time varying changes in corticospinal
excitability accompanying the triphasic EMG pattern in humans. Journal of Physiology
(2000), 528.3, pp. 633—645. Disponível em: jp.physoc.org/content/528/3/633.full
MELZACK, Ronald. A percepção de dor. Fevereiro, 1961. Em Psicobiologia: as bases
biológicas do comportamento. Scientific American, São Paulo, 1970.
NITSCHE, M.A. e PAULUS, W. Excitability changes induced in the human motor cortex by
weak transcranial direct current stimulation. Journal of Physiology (2000), 527.3, pp. 633—
639. Disponível em: http://jp.physoc.org/content/527/3/633.full.pdf+htmle
___________. Sustained excitability elevations induced by transcranial DC motor cortex
stimulation in humans. Neurology 2001;57;1899-1901. Disponível em:
http://www.neurology.org/cgi/content/full/57/10/1899
____________. Transcranial direct current stimulation: State of the art 2008. Brain
Stimulation (2008)1,206–23. Disponível em:
http://www.aipass.org/files/TDCS_State%20of%20the%20art.pdf
NÖE, Alva. Action in Perception. London, The MIT Press, 2004.
________. Dançar como uma maneira de saber: entrevista com Alva Nöe.
Danç[email protected]. Acesso em: 27 de Junho de 2011.
PANJABI, Manohar M. A hypotesis of chronic back pain: ligament subfailure injuries lead
to muscle control dysfunction. 2005.
PACUAL-LEONE, Alvaro. Recent advances in the treatment of chronic pain with
non-invasive brain stimulation techniques. Lancet Neurol 2007; 6: 188–91.
PIMENTA, Cibele; PORTNOI, Andréa. Dor e cultura. Em Dor: um estudo
multidisciplinar/Maria Margarida M. J. Carvalho (organização). São Paulo: Summus, 1999.
98
PINKER, Steven. Tábula Raza: a negação contemporânea da natureza humana. São Paulo:
Companhia, 2004.
PRICOGINE, Ilya. A nova Aliança: metamosfose da ciência. Brasília: Editora Universidade
de Brasília, 1991.
QUEIROZ, Clélia. Corpo, Mente, Percepção. Movimento em BMC e Dança. São Paulo:
Ed.Annablume, 2009.
____________. Cartilha desarrumada: trânsitos e circuitações em Klauss Vianna.
Dissertação (Mestrado em Comunicação e Semiótica) PUCSP, mimeo SP, 2001. Tais citações
referidas estão disponíveis em: Corpo, dança, consciência: circuitações e trânsitos em
Klauss Vianna. Salvador: EDUFBA, 2011.
____________. Corpulações. Tese (Doutorado em Comunicação e Semiótica) PUCSP
mimeo SP, 2006.
_____________. Processos de corporalização nas práticas somáticas BMC. Coleção
Hummus 1. Caxias do Sul, Ed. Lorigraf, 2004.
_____________. Neurológicas. In: Seminários de Dança: O avesso do avesso do corpo,
educação somática como práxis. Ed.Nova letra, Joinville, 2011.
_____________. Para além do corpomáquina: o nascimento do corpomídia. Mimeo.
Congresso Cid Chipre, 2005.
_____________. Em contato: a não execução. In: Concinnitas: arte, cultura e pensamento.
UERJ, DEART, Rio de Janeiro, 1997.
RAMACHANDRAN, V.S. Fantasmas no Cérebro. São Paulo, Editora Record, 2002.
RENSTRÖM, A.F.H. e LYNCH, Scott A. Lesões ligamentares do tornozelo. Rev Bras Med
Esporte. Vol. 5, Nº 1 – Jan/Fev, 1999.
RIBERTO, Marcelo et al. Estimulação cerebral para o tratamento de dor neuropática.
Psicologia: Teoria e Prática – 2007, 9(2):142-149.
SÁ, K et al. Prevalência de dor crônica e fatores associados na população de Salvador, Bahia.
Rev Saúde Pública 2009;43(4):622-30.
SANTOS, Raquel A. dos. Estratégias terapêuticas no tratamento da dor crônica: um
estudo genealógico da clínica da dor. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) UERJ, Rio
de Janeiro, 2009.
99
SEGNINI, Marina P. Sofrimento e prazer no trabalho artístico em dança. Dissertação
(Mestrado em Medicina), USP, São Paulo, 2010.
SHUCMAN, Devon et al. Musculoskeletal Injuries in Dancers. The University of Michigan
Department of Physical Medicine and Rehabilitation, Ann Arbor, MI, 2011.
SILVA, Bárbara Conceição Santos da. A tessitura de sentidos na composição improvisada
em dança: como o dançarino cria propósitos para a cena. Dissertação (Mestrado em
Dança), UFBA, Salvador, 2012.
SOTO et al. Paired-Pulse Transcranial Magnetic Stimulation During Preparation for Simple
and Choice Reaction Time Tasks. J Neurophysiol 104: 1392–1400, 2010.
SOUZA, Beatriz Adeodato Alves de. Corpo em dança: o papel da educação somática na
formação de dançarinos e professores. Dissertação (Mestrado em Dança), UFBA, Salvador,
2012.
TAJET-FOXELL, B. and Rose, F.D. 'Pain and pain tolerance in professional ballet dancers'
British journal of sports medicine 29(1) 31-34 1995.
TEIXEIRA, M.J. Dor: conceitos gerais. São Paulo, Limay, 1994.
TEIXEIRA MJ, Okada M. Dor: evolução histórica dos conhecimentos. In: Teixeira MJ,
Braum JL Filho, Márquez JO, Yeng LT (Eds). Dor: contexto multidisciplinar. Curitiba
2003:15-51.
WAINWRIGTH et al.: Varieties of habitus and the embodiment of ballet. London.
Qualitative Research, 2006.
WERNECK, F.Z et al. Mecanismos de Melhoria do Humor após o Exercício: Revisitando a
Hipótese das Endorfinas. R. bras. Ci e Mov. 2005.13(2): 135-144. First published June 30,
2010; doi:10.1152/jn.00620.2009. Disponível em:
http://jn.physiology.org/content/104/3/1392.full
Z´GRAGGEN, W.J. et al. Mapping of direction and muscle representation in the human
primary motor cortex controlling thumb movements. J Physiol 587.9 (2009) pp 1977–1987.
Disponível em: http://jp.physoc.org/content/587/9/1977.full.pdf+html
100
APÊNDICES
101
APÊNDICE A – AMOSTRAS DE RELATOS
102
103
104
105
106
107
ANEXOS
108
ANEXO A – MODELO QUESTIONÁRIO INICIAL
109
110
111
ANEXO B – MODELO
ESCALA GRADUADA DE DOR CRÔNICA BRASIL-EGDC-Br
112
ANEXO C – MODELO LOCAL DA DOR MASCULINO
113
ANEXO C – MODELO LOCAL DA DOR FEMININO
114
ANEXO D – MODELO
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E PRÉ-ESCLARECIDO