UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA … · [A] orelha média, formada pela...
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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
Instituto de Artes – Campus de São Paulo
Thaís da Silva Natal
Jovens surdos e educação musical inclusiva
São Paulo
2014
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
Instituto de Artes – Campus de São Paulo
Thaís da Silva Natal
Jovens surdos e educação musical inclusiva
Monografia apresentada ao Curso de Licenciatura em
Educação Musical do Instituto de Artes da Universi-
dade Estadual Paulista – UNESP Campus de São Pau-
lo como requisito para aprovação no curso de gradu-
ação. Orientador: Prof. Wladimir Mattos
São Paulo
2014
Resumo
Esta pesquisa tem como tema o jovem surdo, estudante do ensino médio, e sua relação
com a música. O objetivo é entender como se dá a relação do jovem surdo com a música e
indicar implicações dessa relação para a prática pedagógico - musical. Trata-se de uma inves-
tigação de natureza qualitativa e com dados coletados por meio de questionário e entrevistas
realizados com os jovens.
De acordo com as entrevistas, pude analisar que o estilo musical no qual mais gostam
são os de marcação acentuada como por exemplo rock, funk e eletrônico. Espera-se que os
resultados alcançados ajudem os educadores musicais no planejamento e adaptações necessá-
rias nas aulas inclusivas de música.
Palavras-chaves: Surdez, jovens, música, pedagogia.
ÍNDICE
1 . Introdução ......................................................................................................................................... 5
2. Objetivos ............................................................................................................................................ 6
2.1 Objetivos gerais ........................................................................................................................... 6
2.2 Objetivos Específicos................................................................................................................... 6
3. Metodologia de Pesquisa ................................................................................................................... 7
4. Revisão bibliográfica ......................................................................................................................... 7
4.1 a surdez ........................................................................................................................................ 7
4.2 o surdo e sua experiência musical ............................................................................................ 11
4.3. Ser jovem e a música ................................................................................................................ 12
5. A Escuta musical e a relação entre música e movimento............................................................. 14
6. Descrição e análise dos dados ......................................................................................................... 17
6.1. Entrevistas com os jovens surdos ........................................................................................... 19
6.2. Jovens surdos em grupos musicais ........................................................................................ 20
6.3. Jovens surdos na internet ........................................................................................................ 23
7. Conclusão ......................................................................................................................................... 24
9. Anexos .............................................................................................................................................. 29
5
1 . Introdução
Esta pesquisa tem como tema o jovem surdo e sua relação com a música e corresponde
a uma extensão dos estudos realizados na pesquisa de iniciação científica intitulada Jovens
surdos e educação musical inclusiva, sob orientação da profa. Margarete Arroio, que também
assina o Termo de Compromisso relacionado ao questionário aplicado como procedimento
metodológico (como veremos adiante).
O interesse sobre esse assunto surgiu dos meus esforços em atuar na educação musical
para estudantes com deficiência. Neste trabalho focalizo o jovem com surdez que utiliza ou
não aparelho auditivo ou implante coclear. Almejo entender como este jovem, em seu cotidia-
no, interage com a música, já que esta forma de expressão está muito presente na vida de
grande parte das pessoas que vivem essa fase da vida Pretendo, também, levantar alguns as-
pectos sobre como a educação musical poderia ser trabalhada em uma sala de aula inclusiva,
com a presença de alunos que tem audição normal e alunos com surdez.
A volta da obrigatoriedade da música na escola, conforme a Lei 11.769/2008, bem
como as novas políticas educacionais de inclusão, que propõe o acolhimento em classes regu-
lares de alunos portadores de deficiências físicas faz necessário que os professores atualizem os
seus conhecimentos e competências pedagógicas.
O Decreto Nº 5.626,2006 traz:
Art. 14. Inciso IV. As instituições federais de ensino devem garantir, obrigatoria-
mente, às pessoas surdas acesso à comunicação, à informação e à educação nos pro-
cessos seletivos, nas atividades e nos conteúdos curriculares desenvolvidos em todos
os níveis, etapas e modalidades de educação, desde a educação infantil até à superi-
or. (BRASIL, 2006)
Neste mesmo capítulo, o § 1 parágrafo inciso IV garante
O atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos surdos, desde a
educação infantil, nas salas de aula e, também, em salas de recursos, em turno con-
trário ao da escolarização. (BRASIL, 2006)
É fato que os jovens surdos apresentam uma restrição importante, em comparação
com os jovens que tiveram o desenvolvimento típico da audição, dos demais sentidos, habi-
lidades físicas e cognitivas. Entretanto, isso não exclui a possibilidade destes jovens desen-
6
volverem algum nível da sua aptidão musical e, consequentemente, algum interesse pela
música.
Para trabalhar educação musical com o jovem surdo, assim como com os jovens que
tem audição normal, é preciso entender sua relação com a música e como ela interfere no seu
cotidiano. Hoje em dia, o acesso à informação está muito mais facilitado pelas tecnologias
digitais. Podemos encontrar na internet vídeos de música vocal com textos traduzidos para a
LIBRAS e isso pode ser favorável para a relação do jovem surdo com a música. Mas e caso
de música instrumental, como seria se daria essa relação?
Se o objetivo geral desta pesquisa é o estudo da relação do jovem surdo com a música,
o que tange à aprendizagem de música no seu cotidiano.
Os procedimentos metodológicos de investigação seguiram a abordagem qualitativa e
envolveram observações dos jovens com surdez em locais públicos além de entrevistas estru-
turadas com os mesmos. No plano original, esperava-se interagir com estudantes de uma esco-
la específica, mas as dificuldades de inserção na instituição demandaram um replanejamento.
Assim, os jovens entrevistados foram contatados em um local público onde espontaneamente
se encontravam, a estação Santa Cruz do Metrô da cidade de São Paulo. Observações também
ocorreram na XII Feira Internacional de Tecnologia e Reabilitação, Inclusão e Acessibilidade
(REATECH). Outros recursos não previstos foram incluídos na coleta de dados. Trata-se de
materiais disponíveis na internet como vídeos, blogs e site cujo conteúdo abordava a relação
dos jovens surdos com a música.
2. Objetivos
2.1 objetivos gerais
Compreender a relação do jovem surdo com a música
2.2 objetivos específicos
Compreender o jovem surdo no que tange à aprendizagem de música no seu cotidiano.
Revisar bibliografia sobre sujeitos surdos e aprendizagem da música.
7
3. Metodologia de pesquisa
Os procedimentos metodológicos foram de natureza qualitativa. O levantamento de
dados foi realizado por meio de questionários e entrevistas voltados para os jovens surdos em
como a música participa da sua vida, como você lida com ela em seu cotidiano.
Os Jovens foram selecionados pelo critério de adesão voluntária à participarem da
pesquisa e foram contatados em locais públicos da grande São Paulo, estação do metrô Jaba-
quara, shopping metrô Santa Cruz e 12ª Feira Internacional de Tecnologia e Reabilitação,
Inclusão e Acessibilidade (REATECH).
4. Revisão bibliográfica
Esta revisão bibliográfica visa situar o tema da pesquisa e está organizada nas seguin-
tes “sub-temáticas”: surdez, surdez e experiência musical e ser jovem e a música.
4.1 a surdez
Antigamente, quando uma criança nascia surda, poderia muitas vezes ser considerada
com algum déficit de inteligência, uma vez que, decorrente do fato de não poder ouvir, a cri-
ança não manifestava tipicamente a atenção aos eventos à sua volta e não desenvolvia a fala.
Hoje em dia, sabemos que ser surdo não está necessariamente associado a algum déficit de
inteligência e que podemos tratar dos diferentes tipos de deficiência auditiva a partir da idade
intra-uterina, sobretudo nos casos relacionados à má formação do órgão auditivo e nos casos
de ordem neurológica.
8
A compreensão das características da surdez demanda algum entendimento da consti-
tuição do órgão auditivo. Segundo Afonso (2012), o ouvido é subdividido em três partes: in-
terna, média e externa.
O órgão utilizado pelos seres humanos na detecção das ondas sonoras é o ouvido
(prefere-se, atualmente, o termo orelha) que, em condições normais, tem capacidade
de detectar cerca de 400 mil sons diferentes, numa escala de frequência sonora com-
preendida, aproximadamente, entre 20 e 20 mil Hertz. A orelha (oficialmente) ou
ouvido (alternativamente) é classificada em três partes: externa, média e interna.
A orelha é constituída pelo pavilhão auditivo e pelo conduto auditivo. A principal
função do pavilhão auditivo é coletar os sons e direcioná-los para o conduto auditi-
vo. [...] [A] orelha média, formada pela membrana timpânica, [compõe-se de] três
pequenos ossos – cujos nomes resultam da semelhança com alguns objetos (martelo,
bigorna e estribo) -, e pela tuba auditiva. Os sons, depois de atingir a membrana tim-
pânica, pela vibração desta, são retransmitidos para os assículos da audição, que
compõem um sistema de alavancas, excitando, por meio sólido, a próxima estrutura
do sistema, denominada janela oval. [...] A orelha interna é constituída, fundamen-
talmente, pela cóclea e pelo aparato vestibular – este último tem função no nosso
equilíbrio. (AFONSO, 2012, p.170 e 171).
9
Quanto à deficiência auditiva, podemos agrupá-la em quatro formas diferentes: defici-
ência auditiva condutiva, neurosensorial, mista e central. Segundo Afonso,
Deficiência auditiva condutiva é aquela que ocorre quando há falhas ou interferência
da transmissão do som, do pavilhão auditivo até o final da orelha média. [...] A defi-
ciência auditiva neurossensorial é aquela que ocorre quando há lesão na orelha in-
terna (cóclea) ou no nervo auditivo. [...] A deficiência auditiva mista, como o pró-
prio nome sugere, é aquela em que há uma alteração do padrão de condução do som.
Esta alteração está vinculada a uma lesão da orelha interna ou do nervo auditivo. [...]
[A] deficiência auditiva central é aquela que nem sempre vem acompanhada pela
diminuição da sensibilidade aos estímulos sonoros; refere-se pela diminuição da
sensibilidade e interpretação das informações sonoras no sistema nervoso cen-
tral. (AFONSO, 2012 p.173)
Fatores que podem determinar a perda auditiva ou diacusia condutiva:
Anotia (durante a gestação a orelha externa não é formada)
Microtia (orelha externa provavelmente não funcional devido não crescimento,
orelha externa pequena)
Atresia do conduto auditivo (conduto não formado e sem transmissão do som)
Estenose do conduto auditivo (origem congênita ou adquirida causando o es-
treitamento do conduto)
Cistos cebáceos (formação de caroços sob a pele)
Infecções e outros.
Deficiência auditiva neurossensorial:
Infecções congênitas durante a gestação (rubéola, sífilis, outras)
Infecções pós-natais
Traumas físicos
Deficiência auditiva mista:
Síndromes genéticas
Lesão da orelha interna ou do nervo auditivo
Deficiência auditiva central:
Alteração no tronco cerebral até as regiões subcorticais e córtex cerebral.
10
O grau da deficiência auditiva, levando em consideração que uma pessoa normal con-
siga perceber sons entra 0 e 24dB, podemos encontrar:
Deficiência auditiva leve: 24 e 40 dB
Deficiência auditiva moderada: 41 a 70 dB
Deficiência auditiva grave: 71 e 90 dB
Deficiência auditiva profunda: 90 dB para cima
É comum pensar que estes sujeitos sejam surdos e mudos, porém este fato ocorre de-
vido a impossibilidade da imitação sonora que ocorre devido a deficiência do indivíduo. Por
isto quando ouvimos um surdo se expressar, muitas vezes, ouvimos alguns ruídos vocais, que
comumente assustam ouvintes que não estejam acostumadas a conviver com pessoas surdas.
Devido a este fator citado acima e ao pouco conhecimento sobre a LIBRAS temos al-
guma das principais consequências da surdez e a dificuldade de comunicação entre as pessoas
surdas e ouvintes. Esta privação pode causar desconfiança e insegurança em todos os partici-
pantes do processo comunicativo.
Segundo dados encontrados no site da Wikipédia1, algumas das características da fala
do surdo seriam:
Vozes demasiado agudas ou graves com flutuações de timbre;
Intensidade de voz mal controlada;
Falta de ritmo com extrema dificuldade em manter o tempo certo para cada produção
fonética;
Dificuldade na capacidade respiratória e fonatória;
Dificuldade ou ausência de acentuação com deformações na melodia, acento temporal
e dinâmico;
Dificuldades articulatórias com omissões, quedas de fonemas ou substituição por ou-
tros.
1 http://pt.wikipedia.org/wiki/Surdez
11
4.2 o surdo e sua experiência musical
Contudo, num primeiro momento, pensar em música e surdez é quase como pensar em
misturar água e óleo, mas essas duas realidades podem estar mais próximas do que se imagi-
na, apesar de existirem ainda relativamente poucos trabalhos na área.
Segundo Oliver Sacks podemos dizer que
Os surdos congênitos não vivenciam o ‘silêncio’ nem se queixam dele (assim como
os cegos não vivenciam a ‘escuridão’ ou não a queixam dela). [...] Ademais, os que
têm a surdez mais profunda conseguem ouvir ruídos de vários tipos e ser sensíveis a
vibrações de toda espécie. [...] O desenvolvimento da percepção de vibrações como
um sentido acessório guarda certas analogias com o desenvolvimento da ‘visão faci-
al’ (que usa o rosto para receber uma espécie de informação de sonar) nos cegos.
(2010, p. 139 – 140).
De acordo com Afonso (2012), o surdo, mesmo que seja surdo profundo, é capaz de
interagir com a música. Ele pode ouvir pequenos ruídos e sentir as vibrações causadas pela
música, encostando-se ao instrumento musical, caixa de som ou pela vibração no chão.
Em termos grosseiros, a música é encarada como uma “muleta reabilitacional”. Mas
não é assim para muitos surdos. Se dermos oportunidade, as pessoas surdas não ape-
nas aprendem música como também passam a compreender sua importância intrín-
seca. A música convida ao movimento, à expressão, à integração. O som, sua maté-
ria-prima, é composto por vibrações. Assim o surdo - que não pode ouvir o ambiente
ao seu redor - mas pode sentir em seu corpo as vibrações sonoras, acaba, aos poucos
compreendendo as intenções musicais. Até mesmo pessoas com surdez profunda
podem ter musicalidade inata. (AFONSO, 2012, p.192)
O som é transmitido através de ondas sonoras que se propagam pelo ar podendo ser
percebidas pelo aparelho auditivo. As vibrações provocadas por esta propagação, em determina-
das condições, podem ser percebidas por outros órgãos do corpo, tais como a pele e os ossos. Para
Haguiata-Cervellini, os recursos artificiais de amplificação sonora facilitam ao surdo a per-
cepção dos sons, mas não é sua única possibilidade de experiência sonora.
O uso de aparelhos de amplificação sonora facilita a percepção do mundo sonoro.
Mas não é exclusivamente por esta via que o sujeito surdo pode ter acesso ao som.
Por todo o seu copo é possível captar as vibrações das ondas sonoras. Estas podem
ser percebidas pela pele e pelos ossos. A pele é o órgão dos sentidos mais vital. Po-
de-se viver sem audição, visão, olfato, paladar, mas é impossível viver sem a pele. A
pele estabelece os limites do corpo, propiciando sua relação com o mundo exterior.
É, portanto, um meio de comunicação fundamental com o outro. Ela funciona como
um canal de transmissão geral. Daqui se depreende que os sons possam afetar o su-
jeito também por essa via. E, beneficiando-se dela, o sujeito surdo também pode, en-
tão, usufruir desse mundo sonoro e reagir a ele. Ouvir com o corpo, entrar em sinto-
12
nia com as vibrações sonoras mediante toda extensão pericorporal é possível ao sur-
do, bem como ao ouvinte. O conjunto perceptivo multissensorial permite-lhe a vi-
vência musical e, assim, cria canais para a manifestação de sua própria musicalida-
de. (HAGUIATA-CERVELLINI, 2003, p. 79)
A partir desses dados, podemos falar sobre a musicalidade do surdo. Como ele pode
perceber a música e como podemos observar que esse sujeito possui ou não uma musicalida-
de?
Musicalidade é a possibilidade que o homem tem de expressar a música interna, ou
entrar em sintonia com a música externa, por meio do seu corpo e seus movimentos,
por meio da sua voz, cantando, do tocar, do perceber um instrumento sonoro musical
ou não, ou de uma escuta musical atentiva. (HAGUIATA-CERVELLINI, 2003, p.
75)
Uma pessoa pode expressar sua musicalidade tocando algum instrumento musical,
cantarolando uma melodia conhecida ou criada por ela mesma, dançando ou até mesmo ba-
tendo palmas ou os pés no chão. Portando não podemos separar a música do movimento e
expressão corporal.
As condições e características da experiência sonora e musical das pessoas com surdez
indicam que elas também aprendem música. O que difere esse aprendizado em relação às pes-
soas ouvintes é a forma de realiza-lo. Muitas vezes será necessária a adaptação dos materiais e
métodos pedagógicos de acordo com o tipo de deficiência em questão.
De acordo com Louro; Afonso; Molina (2006, p. 5)
Muitos acreditam que a música para uma pessoa com deficiência deva ser direciona-
da somente com o objetivo de reabilitar. [...] As escolas ou os professores muitas ve-
zes ficam receosos de arcar com alguma responsabilidade sobre a saúde de uma pes-
soa com deficiência. Entretanto, é fundamental que se entenda que a deficiência é
uma condição, não um estado de saúde que se agrava ou não com uma prática edu-
cativa, seja lá qual for.
4.3. Ser jovem e a música
Outro ponto em questão é compreender as quais relações o jovem surdo estabelece
com a música, tendo em vista que essa linguagem artística é muito presente nessa fase da vi-
da.
De acordo com Arroyo, “as práticas musicais participam ativamente das constitui-
ções juvenis” na sociedade atual (2010, p. 22):
13
A música constitui-se em um dos fenômenos mais marcantes das culturas juvenis.
Estudos empreendidos por psicólogos sociais britânico têm confirmado que “a músi-
ca é de importância central na vida da maior parte dos jovens, cumprindo necessida-
des sociais, emocionais e cognitivas” (North; Hargreaves; O’Neill, 2000, p. 269).
Cientes dessa forte presença da música no cotidiano de adolescentes e jovens, pes-
quisadores têm se dedicado a compreender o porquê e o como dessa presença. (AR-
ROYO, 2007, p. 14)
Compreender a maneira os jovens com surdez se relacionam com a música é relevante
para o professor, já que ele é o responsável por orientar os caminhos para o desenvolvimento
desta relação. Cada aluno, deficiente ou não, possui sua própria dificuldade e ou facilidade e o
professor tem que estar preparado para lidar com diferentes situações em seu dia a dia, na sua
jornada de trabalho no que se refere a as condições dos alunos. A partir de então, o professor
deve traçar estratégias para alcançar seu objetivo de facilitar a relação do aluno com a música,
objetivo este que deve estar muito claro para si antes de se iniciar qualquer trabalho com uma
turma, seja ela nova ou já conhecida.
Como professores de música, devemos sempre nos lembrar que muitos alunos, inde-
pendente da condição física ou psíquica, sendo ou não deficiente, em um primeiro momento,
irão abordar a aula de música apenas como um hobbie e alguns poucos seguirão a carreira
musical.
Algumas considerações de Haguiata-Cevellini sobre adolescentes com surdez e músi-
ca merecem atenção. A autora comenta sobre comparação de competências musicais entre
surdos e ouvintes e questões de auto-imagem dos surdos, com base nas pesquisas que reali-
zou.
Concorrer com músicos de gabarito, como é o caso da família de Isadora, é extre-
mamente injusto para uma pessoa surda. O virtuosismo do outro, a sua competência
acabam por denunciar a "incompetência" do surdo. Assim, o não se expor é uma
forma de autoproteção. E, em plena adolescência acabam, quando a autocrítica e o
senso de ridículo andam altamente exacerbados, esse sentimento e a representação
que tem de si mesmo ficam profundamente prejudicados. A autoimagem positiva
que se constrói com os sucessos e o prazer pelas realizações alcançadas fica inatin-
gível. É preciso contar então com a aprovação das outras pessoas para "alimentar-
se". Mas, nesse caso, também fica difícil a aprovação da família, quanto às experi-
ências musicais da filha surda. O nível de exigência é alto e qualquer produção é
apenas vista como um pequeno instrumento de aperfeiçoamento da fala, e não como
uma possibilidade musical. (HAGUIATA-CERVELLINI, 2003, p. 111)
Haguiata-Vervellini, ainda cita em seu texto:
O surdo é extremamente sensível à crítica e pouco residente a frustrações. Em fun-
ção disso, mostra-se desconfiado na sua relação com o ambiente, sensível aos fra-
cassos, às desilusões e às perdas. Sua autoimagem está prejudicada. (HAGUIATA-
CERVELLINI, 2003, p. 61-62)
14
Em entrevistas feitas pela autora com duas garotas surdas, podemos observar a musi-
calidade existente nelas. Uma delas é Isadora, uma jovem com quase 17 anos. Seu pai é músi-
co profissional, a mãe canta em coral, um de seus irmãos um é baterista, o outro é baixista.
Ela diz em suas falas gostar da música, porém, a música não faz diferença em sua vida.
Isadora fez aulas de dança flamenga, o que indica sua musicalidade uma vez que esse estilo de
música requer muita marcação rítmica com o corpo. Além da música flamenga ela gosta de
rock and roll.
A outra é Fabiana, jovem de 19 anos, participa de pesquisa feitas por Haguiata-
Cervellini desde os 4 anos. Desde criança demonstra possuir interesse pela música. Quando
bebê, sua mãe cantarolava para ela e a expunha à música mesmo quando o diagnóstico da
surdez foi dado. Como seus pais, ela diz gostar de músicas calmas e lentas, como as sertanejas
e pagodes, mas também diz gostar de rock. Fabiana adora dançar e cantarola algumas melodi-
as.
Podemos analisar estas duas jovens surdas, ambas possuem contato direto com a mú-
sica desde sua infância e demonstram gostar de ouvi-la. De acordo com a fala de Haguiata-
Cervellini, Isadora mencionar durante a entrevista que a música não faz diferença em sua vida
é uma forma de demonstrar a sua inibição por fazer parte de uma família de músicos, e devido
sua surdez ser incapaz de competir com seus irmãos na pratica musical.
No nosso dia a dia podemos nos deparar com situação semelhante a estas e como pro-
fessores, deveremos saber como remediar estes momentos e fazer com que estes alunos sur-
dos possam se interessar pela aula e não se sentirem isolados ou incapazes.
5. A Escuta musical e a relação entre música e movimento.
Sabemos que a aprendizagem musical está relacionada, antes de tudo, à recepção ou à
escuta. A escuta, por sua vez, está relacionada ao movimento corporal. Ao ouvir música, natu-
ralmente movemos o corpo e por nos movermos, ampliamos a relação com aquilo que ouvi-
mos. Portanto não podemos deixar de trabalhar com o movimento corporal na aula de musica-
lização, assim a forma de compreender a música será adquirida mais facilmente.
Para falar de música e movimento podemos citar o educador musical Émile Jaques-
Dalcroze, nascido em Genebra em 1865 e viveu até 1950. Ele possuía duas grandes preocupa-
15
ções tendo como primeira a interação entre a escuta e movimento corporal e a segunda preo-
cupação o ensino musical em massa devido ao grande aumento da população.
De acordo com ele, os alunos compreendiam intelectualmente a organização rítmica
das melodias, mas não eram capazes de executá-las bem, porque não tinham controle
sobre os movimentos de seu aparelho vocal […]. A segunda preocupação de Dalcroze
é mais ampla e mostra como ele estava interessado em buscar soluções para as condi-
ções que se apresentavam no novo século. Analisando a questão da educação musical
em seu tempo e em seu país, ele atribuiu aos órgãos educacionais, aos professores e
aos artistas a responsabilidade de promover a educação em massa. (FONTERRADA,
2008, p.123)
Dalcroze procurava unir o movimento e a experiência auditiva dos sons pois para ele a
música era composta de sonoridade e movimento. A partir disso Dalcroze cria seu método
denominado “Rithmique” onde enfatiza à educação geral “fornece instrumentos para o desen-
volvimento integral da pessoa, por meio da música e movimento. Além desse propósito mais
amplo, atua como atividade educativa, desenvolvendo a escuta ativa, a voz cantada, o movi-
mento corporal e o uso do espaço” (FONTERRADA, 2008, p.131)
Dalcroze acreditava que para se trabalhar com a música deve-se transformar seu corpo
em um grande ouvido, fazendo com que seu corpo ouça a música e não apenas o seu ouvido.
Agora o que seria expressão corporal?
A expressão corporal é uma conduta espontânea pré-existente, tanto no sentido onto-
genético como filogenético; é uma linguagem através da qual o ser humano expressa
sensações, emoções, sentimentos e pensamentos com seu corpo [...] engloba a sensibi-
lização e a conscientização de nós mesmos tanto para nossas posturas, atitudes, gestos
e ações cotidianas como para nossas necessidades de exprimir-comunicar-criar-
compartilhar e interagir na sociedade em que vivemos. (STOKOE, 1987, p.15).
A partir disso podemos então pensar em como trabalhar com uma pessoa deficiente
auditiva num contexto de educação inclusiva. Como já dito anteriormente um surdo mesmo
que profundo consegue ouvir certos ruídos e como a música é o som e este se propaga pelo
espaço através da onda sonora, você portanto também consegue distinguir um som com o cor-
po através da vibração do som.
16
Portando, o ideal é realizar as aulas de música em uma sala que possua piso de madei-
ra, assim ao colocar uma música em um volume forte, você conseguirá senti-la com os pés
(estar de preferência descalço).
Exemplo de algumas atividades que podem ser realizadas com uma turma que possua
tanto alunos ouvintes quanto deficientes auditivos, seguindo a proposta de movimento corpo-
ral do educador Émile Jaques-Dalcroze:
SENTINDO OS SONS
Peça para seus alunos se movimentarem pela sala de acordo com o andamento da mú-
sica (rápido/lento), lembrando que quanto mais for explorado os planos (alto/médio/baixo),
incentiva-los a fazerem os movimentos básicos como andar, correr, pular, se agachar, engati-
nhar, arrastar-se pelo chão, fará com que a atividade possua um melhor resultado. Se seus
alunos surdos, mesmo descalços e andando no piso de madeira ainda possuírem dificuldade
de perceber a vibração do som, você pode pedir para que eles coloquem suas mãos sobre o
rádio. Outra sugestão é colocar o protetor auricular nos alunos ouvintes, assim mesmo eles
conseguindo ouvir um pouco do som, poderão perceber mais facilmente a vibração do som
também com o corpo.
ANDANDO NO PULSO
Com o auxílio de um relógio, os alunos olharam o movimento do ponteiro dos segun-
dos e acompanhará com passos pela sala, o professor pode auxiliar o movimento tocando em
um tambor com som grave junto com o movimento do ponteiro, logo em seguida pode pedir
para que cada aluno sinta sua batida do coração e se movimente de acordo com ela.
O MESTRE
Essa atividade é realizada em roda, escolhe-se um aluno para sair da sala de aula, en-
quanto outro aluno será o escolhido para ser o mestre, todos os demais deveram imitar seu
movimento, esse movimento pode ser desde movimentos com o corpo como ritmos diferentes
batendo palmas ou pés. O aluno que estava fora da sala será chamado e ficará no centro da
roda e terá que descobrir que é o aluno mestre.
ESTÁTUA
Da mesma forma que a atividade Sentindo os sons, o aluno ouvira uma música e deve-
rá andar de acordo com o ritmo dela pela sala (caso os alunos surdos possuam dificuldade em
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distinguir os sons o professor poderá tocar o pulso com um tambor de som grave. Quando a
música parar os alunos deveram ficar em estátua e voltar a se movimentar apenas quando a
música voltar a tocar.
PASSANDO O PULSO
Nesta atividade é muito fácil perder o andamento proposto inicialmente portanto, é in-
dicado para os alunos que já passaram pela experiência de sentir o pulso com o corpo.
Em roda, o professor dará o pulso inicial e os alunos deverão passar esse pulso (pode
ser com palmas, batidas dos pés, tocando algum instrumento de percussão, bolas, bexigas...) e
sempre será passado no mesmo sentido (horário). Depois que eles tiverem feito algumas vezes
está atividade pode ser fazer uma variação (batendo palma ou tocando em um tambor duas
vezes) indicando que o sentido que o pulso deverá ser passado deverá mudar. Lembre-se de
deixar os alunos surdos em uma posição que consigam te ver com facilidade e perceber que o
sentido será alterado.
Lembre-se quando se trata de alunos surdos a aula deverá ser regida em LIBRAS e
falada, assim nenhum aluno se sentirá deslocado e observe se estes alunos não possuem sinais
próprios para comunicar entre eles (ouvintes e surdos), afinal nem todos alunos sabem libras.
Outra forma que pode ser utilizada quando o professor não souber LIBRAS é usar mimica,
deixando sempre bem claro os movimentos e a proposta.
A música não é um objeto externo, mas pertence, ao mesmo tempo, ao fora e ao den-
tro do corpo. O corpo expressa a música, mas também transforma-se em ouvido,
transmutando-se na própria música. No momento em que isso ocorre, música e movi-
mento deixam de ser entidades diversas e separadas, passando a constituir, em sua in-
tegração com o homem, uma unidade. (FONTERRADA, 2008, p. 133)
6. Descrição e análise dos dados
Os procedimentos metodológicos foram de natureza qualitativa como já foi dito. O le-
vantamento de dados ocorreu por meio de entrevistas realizada com os jovens surdos sobre-
como a música participa de suas vidas e sobre como estes jovens lidam com a música no coti-
diano.
18
A princípio, as entrevistas ocorreriam em Colégios orientados ao ensino de surdos,
porém, pela dificuldade ao acesso nas escolas encontradas na região da Grande São Paulo,
foram realizadas em locais públicos.
Alguns dos jovens entrevistados foram abordados nos espaços das estações Jabaqua-
ra e Santa Cruz do metrô de São Paulo. Outros jovens que se dispuseram à realização da en-
trevista foram contatados durante a 12a Feira Internacional de Tecnologias em Reabilitação,
Inclusão e Acessibilidade – REATECH – ocorrida em São Paulo, em abril de 2013.
As incursões na “na internet” em busca de material bibliográfico para a pesquisa
abriu a possibilidade de levantar dados sobre a relação de jovens surdos e música nas redes e
mídias sociais. Os Blogs, páginas do Facebook e do Youtube postados por jovens surdos e
grupos musicais compostos por jovens surdos completaram as fontes de dados da pesquisa. O
quadro 1 abaixo indica as entrevistas realizadas e o quadro 2 as redes e mídias sociais consul-
tadas.
Quadro 1 - entrevistas
Entrevistados2 data Local da entrevista
BV – jovem do sexo feminino 27/03/2013 Estação do metrô Santa Cruz
BM - jovem do sexo feminino 21/04/2013 XII Feira Internacional de Reabilitação, Inclu-
são e Acessibilidade - REATECH
BP – jovem do sexo masculino 21/04/2013 XII Feira Internacional - REATECH
EM – jovem do sexo feminino 21/04/2013 XII Feira Internacional - REATECH
Quadro 2 – Mídias sociais consultadas
MÍDIAS SOCIAIS Projetos Local Cidade
Blog A música do silêncio São Paulo, SP
Blog O surdo: caminho
para educação musical
Conservatório Esta-
dual de Música “Cora
Pavan Capparelli”,
Uberlândia, MG
Blog / FaceBook / Banda Ab’surdos Conservatório Esta- Uberlândia, MG
2 Para preservar o anonimato dos jovens, esses ao referidos apenas pelas iniciais de seus nomes.
19
YouTube dual de Música “Cora
Pavan Capparelli”,
Blog / FaceBook /
YouTube
Surdodum Centro Educacional
de Audição e Lingua-
gem Ludovico Paroni
(Ceal) - Escolas da
rede Pública de Ensi-
no da SE-SUBEP-DF
Brasília - DF
Blog / FaceBook /
YouTube
Som da Pele
Casa do Tambor Recife -PB
6.1. Entrevistas com os jovens surdos
Os jovens contatados, muitas vezes rejeitavam a aproximação para a realização da
entrevista, dizendo que a música não tinha interesse para eles, já que eram surdos. Um jovem,
com surdez parcial que não quis se identificar, ouvia música com fone em apenas um dos ou-
vidos. Quando foi perguntado a este jovem se ele gostava de música, ele disse que não. Por
ser surdo, a música não tinha sentido para ele. Mas quando foi questionado sobre, o que ele
estava ouvindo ele disse ser um grupo de pagode do qual ele gostava.
Em resposta às questões feitas durante a entrevista, foi obtido o seguinte:
A música é importante em sua vida? Sim (por quê?) Não (por quê?)
Dos quatro entrevistados, três responderam afirmativamente e relacionando a música ao sentir
emoções. Um jovem respondeu que a música não fazia sentido para ele.
Descreva como você percebe a música?
Todos os entrevistados descreveram sentir a música através da vibração e dois deles, por usa-
rem aparelho auditivo, também a sentiam pela própria audição.
Ao ouvir música sente vibrações em partes específicas do corpo? Quais partes?
Em geral, os entrevistados disseram sentir a vibração nas mãos, pés e peito. Apenas uma en-
trevistada disse nunca ter reparado.
Descreva como é a sensação no corpo ao ouvir músicas.
20
No geral a sensação ao sentir a música é agradável. Um dos jovens disse que a sensação pode
ser de felicidade ou medo de acordo com a música.
Que tipo de música gosta mais?
Nesta questão as respostas foram bem variadas: rock, funk, música eletrônica, sertanejo, mú-
sica pop, clássica. Uma das entrevistadas alegou não gostar de rock por lhe trazer uma sensa-
ção ruim.
Existe interesse pela música vocal e instrumental?
Três dos entrevistados preferem a música instrumental e apenas um tanto afirmou preferir
música instrumental quanto vocal.
Possui interesse em aprender música, algum instrumento específico?
As respostas aqui foram variadas: uma disse não ter interesse em aprender a tocar instrumento
musical, duas jovens manifestaram interesse em tocar instrumento, (sendo uma bateria e o
outro piano). A quarta jovem já estudara violino.
Essas ambiguidades nas respostas foram encontradas tanto em minhas entrevistas
como também nas entrevistas e relatos encontrados na bibliografia consultada. Em sua tese de
doutorado, Regina Fink (2009) relata que no decorrer das aulas ministradas por ela, as crian-
ças surdas mostraram completo interesse pela música. Entretanto, quando ela fez as entrevis-
tas para saber o que os estudantes recordavam ou o que tinham gostado das aulas, diziam não
se recordar, ou pouco se importar com o que foi trabalhado.
6.2. Jovens surdos em grupos musicais
Podemos encontrar no Brasil algumas manifestações de grupos musicais, onde seus in-
tegrados por indivíduos surdos. Uma vez que, nos quadros de surdez severa, a música está
relacionada à percepção das vibrações das ondas sonoras (e não propriamente da escuta), os
instrumentos de percussão são os preferidos na prática musical das pessoas surdas.
Os projetos encontrados durante minha pesquisa por blogs e sites na internet estão
descritos a seguir.
Projeto Música e silêncio
Este projeto acontece em uma escola da rede municipal da cidade de São Paulo, co-
meçou em 2005 de forma inusitada. Fabio Novenuto, maestro, precisava de uma segunda es-
cola para continuar seu projeto musical iniciado em uma escola na qual atendia apenas ouvin-
21
tes. Com o apoio da diretora desta segunda escola, uma escola orientada a pessoas surdas,
confirmou o interesse dos alunos e iniciou as atividades do projeto Música do Silêncio, em
Setembro de 2012, com um grupo formado por 60 alunos surdos.
A seguir estão alguns depoimentos de jovens participantes desse projeto.
Elyver Cristina Conceição dos Santos – aluna do projeto Música do Silêncio
« “música é amor” »; « “eu recebi um papel e minha mãe perguntou o
que era. Eu disse que era a banda que eu tinha gostado. Minha mãe fi-
cou assustada, mas meu pai deixou eu participar, é ele que me traz aos
ensaios. »
Henrique Gomes – ex-aluno do projeto música do silêncio
« “O Fábio começou a nos ensinar os movimentos da música no corpo
e eu comecei a tocar.” »; « “Eu comecei a sentir o barulho e a tocar.
Eu sinto a vibração.” »
Fábio Erico Alves Coelho – aluno do projeto música do silêncio
« “O Fábio pede para eu olhar e fazer igual. O Fábio ensina e eu faço
igual” »
Kelvin Santos Magalhões – aluno do projeto música do Silêncio.
« “É difícil tocar. Mas eu aprendo com meus amigos. O que é bom.” »
Fábio Bovenuto – maestro do projeto música do silêncio
« “O surdo tem a sua musicalidade né, e a gente aprendeu a respeitar e
aproveitar disso. Na verdade a gente tem uma preocupação muito séria
que é não impor para o surdo a nossa musicalidade no nosso senso es-
tético”
Som da pele
Grupo localizado em Recife, Pernambuco, formado por surdos. O trabalho é realizado a
partir da percepção corporal e do estudo do alfabeto musical visual. Para facilitar a visualiza-
ção do pulso, foi criado um metrônomo gigante que funciona com 4 lâmpadas. Estas acendem
uma por vez, de acordo com a pulsação da música. As cores das lâmpadas também ajudam:
verde para abafar o som e branca para tocar forte.
A integrante Iara diz que era triste, não gostava de interagir com os outros, mas, depois
que entrou para o som da pele, a mudança começou:
22
« “Eu tive coragem de participar, de bater os tambores. Fui tentando,
perseverando e fui vendo que surdo também é capaz. Eu sou surda e
tenho baixa visão, só enxergo bem de um olho, mas me sinto capaz. E
imagino: o surdo-cego também é capaz. Ele vai transformando isso
dentro dele e trazendo o sonho para sua vida. Traz calmaria, traz feli-
cidade... É igual a um sonho e através do Som da Pele eu consegui is-
so. Isso melhorou muito a minha vida e me traz muita felicidade, co-
memora” »
Surdodum
Esse grupo musical teve início no Centro Educacional de Audição e Linguagem Ludovico
Paroni (Ceal), em Brasília, uma escola pública especializada no ensino para deficientes audi-
tivos. O trabalho desenvolveu-se a partir da sensação rítmica, tais como: batidas do coração,
dos pés, das mãos, a respiração, o relógio, além de informações visuais. Andréia, vocalista da
banda Surdodum, surda profunda, disse em uma entrevista
« “Oi tudo bem? Meu nome é Andréia [...] Quando eu comecei a can-
tar, na verdade, foi um pouco difícil. No começo eu aprendi a cantar a
música do Tim Maia “Azul da cor do mar”. Fui tentando, tentando, até
cantar no tom. Ai, eu consegui, mas não foi fácil, não. Foi difícil, ape-
sar de não escutar, eu escuto com meus olhos também.” »
Surdo: Caminho para a educação musical
O projeto é realizado na cidade de Uberlândia - MG, no Conservatório Estadual de Músi-
ca Cora Pavan Capparelli. Seu nascimento se deu após a professora Sarita Araújo receber um
aluno de piano surdo, consequentemente após o aparecimento destes outros alunos também
surdos apareceram. Sarita também possui deficiência auditiva surda e utiliza a prótese auditi-
va. Quando jovem ao assistir uma novela em que possuía uma escrava branca na qual tocava
piano, Sarita encantou-se pelo instrumento e resolveu, mesmo com sua dificuldade, aprende-
lo. Anos mais tarde se formou no bacharelado em piano pela Universidade Federal de Uber-
lândia.
O projeto teve início no ano de 2002 e dele participam tradutores/intérpretes de LIBRAS
para atender as necessidades comunicativas do referido projeto. Um aluno surdo, ao entrar no
projeto, participa de duas matérias: musicalização e instrumento, neste contexto, com currícu-
lo e material didático-pedagógico adaptados, as aulas de musicalização são sempre ligadas ao
23
instrumento. Somente depois desta preparação os alunos surdos começam a frequentar as de-
mais matérias junto dos alunos ouvintes.
No ano de 2011 o projeto lançou o primeiro manual de sinais para a música: "Termos
Musicais em Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS".
Através deste projeto foi criada a Banda Ab’surdos, que fez seu lançamento do CD e
DVD no ano de 2010.
6.3. Jovens surdos na internet
Continuando com a pesquisa na internet, deparei-me com blogs de duas pessoas sur-
das: Lak Lobato e Shoyi Chen.
Lakshmi, conhecida por Lak Lobato, hoje com 32 anos, nasceu ouvinte, mas teve per-
da de audição aos 10 anos de idade. Foi diagnosticada com sequela tardia de caxumba, diag-
nóstico irreversível de surdez profunda bilateral. Utiliza o implante coclear, tem como sua
língua materna o português e não utiliza LIBRAS como segunda língua.
Ela expressa em seu texto a capacidade de elasticidade que um cérebro humano pode
ter. No caso da música, segundo suas palavras: “Para tudo o que se move, meu cérebro imagi-
na um som. Então, quanto mais compassado for esse movimento, mais próximo de uma me-
lodia aquilo se torna. Adoro movimentos ritmados, porque viram uma verdadeira orquestra na
minha cabeça. A visão substitui muito a audição”.
Shaoyi Chen, presidente da associação chinesa de surdos, perdeu a audição os quator-
ze anos. Antes de adoecer e ficar surdo, Shaoyi estudava música na escola. Após a surdez, ele
se viu na impossibilidade de continuar seu sonho e assim abandonou a música. Porém, após
20 anos surdo, ele descreve a experiência de sentir o silêncio e apreciar a música:
« “Uma vez que o homem é um animal que pensa, mesmo a pessoa
que tenha deficiências físicas pode usar seu poder da imaginação e, se
ele tiver perdido um dos sentidos, pode treinar e aguçar seus outros
sentidos. Além disso, exatamente porque ele perdeu um tipo de vida
pelo qual seu coração anseia, sua experiência do mundo que o cerca
pode geralmente ser até mais requintada e até mais genuína e mais
próxima da intuição. Portanto, ele pode provavelmente ter sentimentos
diferentes daqueles de uma pessoa sadia.” »
24
Como no texto de Lak, ele cita a plasticidade do cérebro humano. A plasticidade cere-
bral também conhecida como neuroplasticidade é a capacidade que o cérebro possui em rea-
dequar movimentos perdidos por acidente, doenças ou pela má-formação congênita, chamada
amelia bilateral, isso seria a inexistência de membros. Para que a neuplasticidade ocorra é
necessária uma motivação, força psíquica.
Plasticidade Cerebral é a denominação das capacidades adaptativas do sistema ner-
voso centra – sua habilidade para modificar sua organização estrutural própria e fun-
cionamento. É a propriedade do sistema nervoso que permite o desenvolvimento de
alterações estruturais em resposta à experiência e como adaptação a condições mu-
tantes e a estímulo repetidos. (RELVAS, 2007, p.7) (LOURO, 2012, p.114)
7. Conclusão
Podemos então considerar que a música pode sim ser trabalhada em um contexto de
inclusão de alunos surdos. Muitas vezes ao nos depararmos com alunos deficientes nos senti-
mos de mãos atadas, sem saber por onde começar e o que fazer para que estes não se sintam
excluídos das aulas. Com as informações apresentadas no presente trabalho espero poder au-
xiliar os professores a estabelecerem um ponto de partida em relação a este tema.
O papel fundamental do professor é ser uma ferramenta que transfira o conhecimento
aos seus alunos, de forma clara, objetiva, que otimize os recursos disponíveis na realidade na
qual está inserido. Devido a abstratividade inerente a música como forma de arte, o professor
deverá procurar formas para transferir estes conhecimentos aos alunos sem deixar com que
estes percam o interesse pela aula.
Quando possuir um aluno deficiente auditivo, o professor deve verificar qual o grau
da deficiência, se este possui aparelho auditivo ou implante coclear, e se o mesmo possuí al-
guma forma de deficiência além da surdez. Como pode ser analisado durante o trabalho, uma
pessoa surda pode se sentir inferior ou incapaz em relação aos ouvintes, logo, também é im-
portante saber se este aluno possui acompanhamento psicoterápico, bem como incentivar o
aluno com surdez a descobrir que mesmo deficiente ele é capaz de superar obstáculos. Afinal,
quem não já sentiu alguma dificuldade ou insegurança?
Como a educadora Viviane Louro diz:
“Música é importante porque é importante, para todas as pessoas, em todos os mo-
mentos de suas vidas independente de suas habilidades ou dificuldades. (...) todos são
25
capazes de aprendê-la. É somente questão de respeitar as possibilidades de cada um e
adaptar tal fazer para aqueles que possuem dificuldades acentuadas” (2006, p. 29)
Esta pesquisa demonstrou que é possível atingir a inclusão do movimento corporal
no âmbito da aula de música atingindo uma melhor inclusão dos alunos deficientes auditivos.
Cabe ao professor buscar os recursos que mais lhe convêm, tendo em mente sempre a dispo-
nibilidade dos mesmo na sua realidade de trabalho.
Como resultado final de minha pesquisa, pude observar que para os surdos a música
só traz algum significado se vivenciada em um contexto, como por exemplo, ir em uma bala-
da ou festas. Caso contrário, o mesmo não tem sentido, ao menos que o surdo em questão
tenha alguma porcentagem auditiva, use aparelho auditivo ou tenha implante coclear. Neste
caso, a música se torna uma forma de interação como para qualquer outro jovem.
De forma geral, os surdos profundos preferem as músicas que possuem marcação de
pulso acentuado, como o Rock, a música eletrônica, Rap e o Funk.
Quando se trata de aprendizado musical, os surdos preferem optar por instrumentos de
tessitura grave ou de percussão, pois eles possuem mais reverberação do som. A forma em
que um surdo pode “ouvir” a música é sentindo-a através da vibração, onde para eles é tida
como uma sensação agradável. Normalmente está vibração é sentido pelos membros das pon-
tas do corpo (mãos e pés) e no peito.
A música, mesmo para o ser surdo, traz conforto e sentimentos, mesmo que este seja
sentido através das vibrações.
Como pudemos observar, encontramos várias manifestações musicais espalhadas pelo
Brasil com a participação de jovens surdos. Infelizmente ainda carecemos de pesquisas mais
abrangentes nesta área, uma vez que o pouco que se tem produzido está relacionado aos pro-
pósitos estritamente terapêuticos e reabilitadores. E as pesquisas na área da educação musical
normalmente ocorre de acordo com suas próprias experiências e curiosidades.
No decorrer das entrevistas, da análise da literatura e do material da internet, foi cons-
tatado que os jovens surdos, muitas vezes, demonstram interesse pela música, porém, tanto
nas entrevistas realizadas no presente trabalho quanto as realizadas pela educadora Regina
Finck, verifica-se que no momento em que estes jovens são entrevistados suas respostas são
muito sucintas, demonstrando uma quase indiferença em relação à música.
À vista disso, o professor será o colaborador para que o aluno surdo se sinta confiante
e entusiasmado pela possibilidade de desenvolver, com as suas possibilidades, a sua aptidão e
competências musicais.
26
8. Referências
ARROYO, Margarete. Escola, juventude e música: tensões, possibilidades e paradoxos.
Em Pauta: Revista do Programa de Pós Graduação em Música – UFRGS, Porto Alegre, v.
18, p. 5-39, 2007.
ARROYO, Margarete. Jovens, música e percursos investigativos. Uberlândia. ArtCultura,
v.12, n.20, p.21-35,2010.
BRASIL. MEC. Escola, adolescência e juventude. In: BRASIL. MEC. Parâmetros
Curriculares Nacionais. 5ª a 8ª série. vol.1. Brasília: MEC, 1998. p. 103 - 132.
BRASIL. Decreto Nº 5.626, 2006. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Decreto/D5626.htm Acesso em: 5
agostos de 2012.
BRASIL. Lei 11.769/2008. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/lei/L11769.htm Acesso em: 12
março de 2013.
FINCK, Regina. Ensinando música ao aluno surdo: perspectiva para ação pedagógica
inclusiva. Tese (Educação) Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, 2009.
FONTERRADA, Marisa Trench de oliveira, 1939 – De tramas e fios: um ensaio sobre a
música e a educação / Marisa Trench de Oliveira Fonterrada. -2.ed. – São Paulo: Editora
UNESP; Rio de Janeiro: Funarte, 2008.
LOURO, Viviane S. Educação Musical e Deficiência: PROPOSTA PEDAGÓGICA.
São José dos Campos, SP: Ed. do Autor,
2006.
LOURO, Viviane S.; ALONSO, Luis g.; MOLINA, Sidney. Fundamentos da Aprendi-
zagem Musical da pessoa com deficiência. 1ª edição – São Paulo: Ed. Som, 2012.
GONÇALVES, Dorcelita B.; OLIVEIRA, Marcos R. Termos Musicais em Lígua Brasi-
leira de Sinais - LIBRAS. 1º edição - Minas Gerais: Ed. Pessalácia Ltda, 2011.
HAGUIARA-CERVELLINI, Nadir G., A criança deficiente auditiva e suas reações à
música. 1º edição - São Paulo: Ed. Moraes Ltda, 1986.
HAGUIARA-CERVELLINI, Nadir G., A musicalidade do surdo representação e es-
tigma. 1º edição - São Paulo: Ed Plexus, 2003.
27
SACKS, Oliver. Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos surdos; tradução Laura Texei-
ra Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
STOKOE, Patricia. Expressão corporal na pré-escola / Patricia Stokoe, Ruth Harf; [tra-
dução de Beatriz A. Cannabrava]. – São Paulo: Summus, 1987.
Zanchetta, Alessandra Maria. EDUCAÇÃO MUSICAL E SURDEZ: ponto de partida do
ensino de música para crianças surdas no contexto de inclusão – trabalho de TCC UNESP
– São Paulo 2010.
Sites consultados
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http://www.youtube.com/watch?feature=player_detailpage&v=hKm2uH4dmww Acesso em:
24 de maio de 2013.
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em: 02/01/2015
Batuqueiros surdos chamam atenção ao tocar em maracatu, no Recife. Disponível
em:
http://g1.globo.com/pernambuco/carnaval/2013/noticia/2013/02/batuqueiros-surdos-
chamam-atencao-ao-tocar-em-maracatu-no-recife.html Acesso em 24 de maio de 2013.
Blog Banda Surdodum. Disponível em: http://surdodum.com/ Acesso em 24 de maio
de 2013.
Grupo Surdodum - inclusão através da música. Disponível em: <
http://www.youtube.com/watch?v=F1QU_tXNy6w > Acesso em 3 de setembro de 2013.
Música na rede municipal de São Paulo. Disponível em: <
http://www.youtube.com/watch?feature=player_detailpage&v=nHf13Bv6TAA Acesso em:
24 de maio de 2013.
O feto como ser ouvinte. Disponível em:
http://www.cefac.br/library/teses/9a11156fd396244a7685611978945461.pdf acesso em:
03/01/2015
O sentido da Música. Disponível em: http://www.workersforjesus.com/dfi/s-49por.htm
acesso em 25 de maio de 2013.
28
Surdez e Música - essa união é possível? Disponível em:
http://www.vendovozes.com/2007/11/surdez-e-msica-essa-unio-possvel.html acesso em 25 de
maio de 2013.
TV Globo mostra projeto de música com alunos surdos de escola. Disponível em:
http://www.youtube.com/watch?feature=player_detailpage&v=i1w8yXZ1Hjs Acesso em: 24 de
maio de 2013.
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9. Anexos
QUESTIONÁRIO
Nome:
Idade:
E-mail:
facebook:
Trabalho:
1. Oralizado: Sim ( ) Não ( )
2. Usa aparelho auricular ou implante coclear? Sim ( ) Não ( )
Se sim, qual?
3. Gosta de música? sim ( ) Não ( ) Não se relaciona ( )
3.1 Se relaciona com a música, Como?
( ) Internet (youtube/ tradução para libras)
( ) ouve através de mídia . Quais:___________________________________
( ) Canta
( ) toca algum instrumento musical
( ) participa de alguma banda / grupo musical
ENTREVISTA
1. A música é importante em sua vida?
Sim Por quê? Não por quê?
2. Descreva como você percebe a música?
2.1 - Ao ouvir música sente vibrações em partes específicas do corpo? Quais partes?
2.2 - Descreva como é a sensação no corpo ao ouvir músicas.
3. Que tipo de música gosta mais?
4. Existe interesse pela música vocal e instrumental?
5. Possuí interesse em aprender música, algum instrumento específico?
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TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
INSTITUTO DE ARTES
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Solicitamos sua autorização para que participe de uma pesquisa vinculada a um projeto de
pesquisa do Curso de Licenciatura em Educação Musical, no Instituto de Artes da UNESP. A pesquisa
será realizada pela estudante Thaís da Silva Natal, sob orientação da Profa. Dra. Margarete Arroyo.
Este projeto de pesquisa tem como tema o jovem surdo e sua relação com a música. Serão rea-
lizadas entrevistas e aplicado um questionário a jovens surdos que se interessarem em participar da
investigação; haverá registros em áudio para posterior análise, caso os entrevistados o permitam. Tais
registros serão utilizados unicamente com fins científicos e acadêmicos.
_______________________ _________________
Profa. Dra. Margarete Arroyo Thaís da Silva Natal
RG 10.142.764-SSP-MG RG 42.139.448-1 SSP-SP
Eu, _______________________________________________, fui informado(a) dos objetivos
especificados acima, de forma clara e detalhada. Recebi informações específicas sobre o procedimento
no qual estarei envolvido(a). Todas as minhas dúvidas foram respondidas com clareza, e sei que pode-
rei solicitar novos esclarecimentos a qualquer momento através do telefone (11) 96760-6540.
Terei liberdade de retirar o meu consentimento de participação na pesquisa. Declaro que rece-
bi cópia do presente termo de consentimento livre e esclarecido.
Nome do jovem: ______________________ Assinatura ___________________
Responsável ________________________ Assinatura ___________________
Data __/__/_____
Assinatura do Responsável da pesquisa: ________________________________
Thaís da Silva Natal
Rua: Dr Bento Teobaldo Ferraz, 271
01140-070 – Barra Funda
PABX: (11) 3393-8546