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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS EDUCAÇÃO E LETRAS COLEGIADO DO CURSO DE HISTÓRIA ANA PAULA LENHARDT MEMORIAL DOS PIONEIROS: A CONSTRUÇÃO DE UM LUGAR DE MEMÓRIA EM TOLEDO-PR MARECHAL CÂNDIDO RONDON 2014

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS EDUCAÇÃO E LETRAS

COLEGIADO DO CURSO DE HISTÓRIA

ANA PAULA LENHARDT

MEMORIAL DOS PIONEIROS: A CONSTRUÇÃO DE UM LUGAR DE MEMÓRIA

EM TOLEDO-PR

MARECHAL CÂNDIDO RONDON

2014

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS EDUCAÇÃO E LETRAS

COLEGIADO DO CURSO DE HISTÓRIA

ANA PAULA LENHARDT

MEMORIAL DOS PIONEIROS: A CONSTRUÇÃO DE UM LUGAR DE MEMÓRIA

EM TOLEDO-PR

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como pré-requisito de conclusão de curso de Licenciado em História, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Orientador: Marcos Nestor Stein

MARECHAL CÂNDIDO RONDON

2014

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DECLARAÇÃO DE AUTORIA

EU ANA PAULA LENHARDT, DECLARO PARA OS DEVIDOS FINS QUE O

CONTEÚDO DESTE TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO É DE MINHA

EXCLUSIVA AUTORIA, ASSUMINDO, PORTANTO TOTAIS DIREITOS E

RESPONSABILIDADES SOBRE ELE.

ANA PAULA LENHARDT.

ASSINATURA,

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ

CAMPUS DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS

COLEGIADO DO CURSO DE HISTÓRIA

ANA PAULA LENHART

MEMORIAL DOS PIONEIROS: A CONSTRUÇÃO DE UM LUGAR DE MEMÓRIA

EM TOLEDO-PR

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como pré-requisito de conclusão de

curso em Licenciatura em História, da Universidade Estadual do Oeste do

Paraná.

Marechal Cândido Rondon, ____/___________/________

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________

___________________________________________

__________________________________________

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer primeiramente a Deus pelo dom da vida, da sabedoria

e pela força concedida para persistir na luta pelos meus sonhos e por chegar até

aqui.

A mulher mais incrível e batalhadora, um exemplo de força e superação,

minha mãe, Sirley Marlene Kammler, que mesmo diante das dificuldades do dia-a-

dia sempre me ajudou a lutar pelos meus sonhos, e sempre confiou em mim. Pois,

se consegui concluir essa etapa da minha vida foi graças a ela, que me incentivou. E

sem ela eu nada seria.

A minha irmã Denise Maiara Lenhardt pelo apoio e carinho.

A vocês duas agradeço também, amor, apoio e compreensão, bem como pela

força que me deram ao longo desses difíceis cinco anos de idas e vindas entre

Toledo e Marechal Cândido Rondon. Amo muito vocês!

As minhas amigas Fernanda Fogaça, Nádia Goehlen, Luana Molina da Silva,

Elisangela Raquel Nunes de Oliveira, Tcheile Selatchek e Fabiana Stahl Chaparini

pela amizade, momentos vividos e pelas trocas de experiências ao longo destes

anos que não seriam as mesmas sem vocês. E também aos demais colegas com os

quais vivi as dificuldades deste último ano.

E também ao André Luiz Alves pelo amor, carinho, cumplicidade e

compreensão.

Aos professores, não apenas da UNIOESTE, mas a todos que participaram e

auxiliaram na minha formação. Em especial ao meu orientador Marcos Nestor Stein

que tornou possível a conclusão deste trabalho.

A todos vocês muito obrigada!

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RESUMO

Este trabalho tem por objetivo analisar o processo de criação da memória do “pioneiro” na cidade de Toledo a partir do monumento denominado Memorial dos pioneiros, edificado em 2012. Foi realizada uma breve discussão sobre o processo de formação do município, ocorrido no inicio da segunda metade do século XX, e como alguns sujeitos envolvidos nesse processo acabam por ser identificados como “pioneiros”, especialmente a partir de 1980, por meio de narrativas e da construção de lugares de memória que envolvem o passado e o presente do município.

Palavras chave: Toledo, Memorial dos Pioneiros, Lugar de memória.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ----------------------------------------------------------------------------------------------------9

CAPÍTULO 01 --------------------------------------------------------------------------------------------------- 12

1. UM BREVE HISTÓRICO SOBRE A FORMAÇÃO DO MUNICÍPIO DE TOLEDO ------- 12

CAPÍTULO 2 ---------------------------------------------------------------------------------------------------- 21

2. A EDIFICAÇÃO DA MEMÓRIA PIONEIRA ------------------------------------------------------- 21

2.1. PROJETO HISTÓRIA: UMA CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA --------------------------- 21

2.2. A CONSTRUÇÃO DE UM LUGAR DE MEMÓRIA EM TOLEDO-PR ------------------ 25

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS --------------------------------------------------------------------------- 35

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ----------------------------------------------------------------------- 37

LISTA DE FONTES -------------------------------------------------------------------------------------------- 39

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LISTA DE FIGURAS

Figura 01 Mapa da Fazenda Britânia p. 14

Figura 02 Propaganda de vendas de Terras produzida pela Maripá p. 17

Figura 03 Memorial dos pioneiros p. 28

Figura 04 Memorial dos pioneiros – coluna com nomes p. 29

Figura 05 Homenagem ao “pioneiro desconhecido” p. 32

Figura 06 Homenagem aos “pioneiros colonizadores” p. 33

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INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por principal objetivo analisar a construção do Memorial dos

Pioneiros, edificado em 2012 na cidade de Toledo, localizada no Oeste do Estado do

Paraná. Este memorial foi feito em homenagem aos primeiros migrantes que

chegaram à localidade entre 1940 e 1951, quando ocorreu a emancipação política

administrativa do município de Toledo. Na construção desse memorial ocorreu a

seleção de elementos que determinariam os sujeitos que são ou não considerados

como os “pioneiros” da cidade.

Como moradora da cidade, presenciei ao longo dos anos de 2008 e 2012 um

aumento significativo da construção de memoriais, principalmente de homenagem

às “famílias pioneiras”, dentre eles o Memorial dos Pioneiros. Após ter ingressado no

curso de graduação em História da UNIOESTE, no ano de 2010, passei a ter contato

com leituras e discussões que tratavam sobre o processo de criação de memórias e

identidades. Comecei a perceber como memoriais e monumentos fazem parte da

criação e significação da memória e como os mesmos criam identidades,

principalmente de determinados agentes do processo histórico. Esses elementos me

levaram a escolher trabalhar com a construção do referido memorial.

Outro fator que levou a escolha deste assunto ocorreu após a leitura da

bibliografia a respeito de Toledo, pois vários autores discutem a construção da figura

do “pioneiro” município, porém não trataram a representação deste a partir deste

novo memorial.1

A colonização da região Oeste do Paraná se deu de forma mais intensiva a

partir da segunda metade da década de 1940 e início da década de 1950, motivada

pela venda de terras da antiga Fazenda Britânia, uma obrage argentina de capital

inglês que atuava na região, e pela “Marcha para o Oeste” 2.

A “Marcha para o Oeste”, que ocorreu durante o Governo Vargas,

especificamente durante o Estado Novo (1937-1945), influenciou política e

1 LANGARO, Jiani. Quando o futuro é inscrito no passado: “colonização”, “pioneirismo” nas

memórias públicas de Toledo-PR (1950-2010). São Paulo, 2012 (Tese de Doutorado em História – PUC-SP); SANTOS, Nicheli Rodrigues. (Re)leituras de uma história: o museu histórico Willy Barth na visão de seus visitantes. Marechal Cândido Rondon. 2010 (Trabalho de Conclusão de Curso); STEIN, Marcos Nestor. Colonização e identidade: o caso da Maripá. Esboços, v.7, 1999, p. 129-134. 2 GREGORY, Valdir. Os eurobrasileiros e o espaço colonial: migrações no Oeste do Paraná

(1940-1970). Cascavel: Edunioeste, 2002, p. 88-103.

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ideologicamente as migrações para o interior do Paraná e para o Centro-Oeste.

Vargas visava o estabelecimento de núcleos de povoamento e expansão da

agricultura nas regiões de fronteiras.3

A Fazenda Britânia era uma antiga obrage pertencente à Compañia Maderera

Del Alto Parana, com sede administrativa em Buenos Aires. Esta tinha como

principal atividade econômica a extração de madeira e erva-mate. A conjuntura

relacionada à crise argentina do ciclo da erva-mate levou a Compañia Maderera a

vender uma grande extensão de terras que viria a ser comprada pela Industrial

Madeireira e Colonizadora Rio Paraná – MARIPÁ, em 19414.

Especialmente a partir da década de 1980, os colonizadores do município de

Toledo seriam homenageados, a partir de leis municipais com o “dia do Pioneiro”,

com nomes de praças, ruas, escolas e memoriais.

Para analisar a construção do Memorial dos Pioneiros, utilizamos como

referenciais teóricos, primeiramente, algumas reflexões de Jacques Le Goff, o qual

auxiliou no entendimento sobre o papel dos documentos e monumentos para a

História e Portelli utilizado para refletir sobre a relação entre História e memória.

Além destes, Pierre Nora foi um autor que nos auxiliou na discussão do memorial

como lugar de memória.

Para Nora5:

os lugares de memória nascem e vivem do sentimento de que não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres, notariar atas, porque essas operações não são mais naturais.6

Os lugares de memória são construídos para preservar memórias ou criá-las

e recriá-las. Nesse mesmo sentido, torna-se interessante relacionar essa discussão

de Nora com as reflexões de Le Goff sobre os monumentos7. Segundo ele,

Monumento é tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar a recordação. O monumento tem como característica ligar-se ao poder de perpetuação, voluntária ou involuntária, das sociedades históricas

3 WACHOWICZ, Ruy C. História do Paraná.10.ed. Curitiba: Imprensa Oficial do Paraná, 2002.

_____. Obrageros, mensus e colonos: história do oeste-paranaense. Curitiba: Ed. Vicentina, 1982 4 WACHOWICZ, Ruy. Op.cit.

5 NORA, Pierre. Entre Memória e História: a problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo,

dez. 1993. 6 NORA, Pierre. Op.cit. p. 13.

7 LE GOFF, Jacques. Documentos/Monumento. In:_____.História e memória. 2. ed. Campinas, SP:

Editora da UNICAMP,1992.

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(é um legado à memória coletiva) e o reenviar a testemunhos que só numa parcela mínima são testemunhos escritos.8

Como fontes foram utilizadas uma entrevista com um funcionário do Museu

Histórico Willy Barth, de Toledo, pois trata sobre a participação do museu na

construção desse memorial; textos presentes nas colunas de memorial; um panfleto

de propaganda da venda de terras produzido pela MARIPÁ; ofícios de nomeação da

comissão que fez o levantamento dos nomes que compõem o memorial, e as Leis

Municipais nº 1.476/88 e nº 1.804/97 que instituem o Dia do Pioneiro. Esses

documentos foram disponibilizados pela equipe do referido museu.

O presente trabalho possui dois capítulos. No primeiro, busca-se analisar o

processo histórico da formação do município de Toledo, decorrido principalmente

pelas vendas de terras pela Maripá, na segunda metade da década de 1940, e a

vinda de migrantes advindos do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, descendentes

principalmente de alemães e italianos, que vieram a ser chamados de “pioneiros”.

No segundo capítulo, abordamos a construção do Memorial dos Pioneiros, que foi

edificado em homenagem a esses migrantes.

Busca-se ao longo desse trabalho realizar uma discussão sobre os

monumentos e a preservação/criação da memória e também sobre as narrativas do

pioneirismo encampado pela prefeitura do município de Toledo.

8 LE GOFF, Jacques. Op. Cit, p.535-536

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CAPÍTULO 01

1. UM BREVE HISTÓRICO SOBRE A FORMAÇÃO DO MUNICÍPIO DE

TOLEDO

O processo da colonização do Oeste do Paraná está relacionado às políticas

de (re)ocupação de áreas do território brasileiro durante a Era Vargas9. Em seu

primeiro governo, foi desenvolvida campanha da Marcha para o Oeste que visava

uma expansão das fronteiras nas regiões interioranas do Paraná e do Centro-Oeste.

Além disso,

a “Marcha para o Oeste”, era, também, uma questão de segurança nacional. A estratégia política da criação das colônias agrícolas nacionais, nas áreas consideradas vazias do interior do país, servia por um lado, ao propósito de promover a diminuição dos conflitos urbanos, através do patrocínio da migração interna pelo estado; por outro, o povoamento das fronteiras nacionais evitaria a ocupação por nações estrangeiras.10

Wachowicz busca explicar a ideologia da Marcha para o Oeste, desenvolvida

durante o Estado Novo (1937-1945), da seguinte maneira:

Os intelectuais que apoiavam o governo de Getúlio Vargas estudavam o problema da ocupação da chamada “fronteira guarani”. Acabaram criando o slogan “Marcha para o oeste”. Esta frase acabou concentrando em si toda uma doutrina ideológica que seria concebida pelos homens que assumiram e poder. Para estes intelectuais, o litoral brasileiro já estava demograficamente ocupado e continuava a ser uma espécie de antítese dos sertões desabitados do oeste. Exigia-se para ocupá-lo, a realização de uma nova marcha em profundidade. Para impulsionar um movimento de tanta envergadura, precisavam encontrar uma força coletiva de nacionalidade, que fosse capaz de movimentar milhares de pessoas com o mesmo objetivo. Era preciso encontrar no subconsciente do povo brasileiro, “um fenômeno instintivo dos tempos heróicos”.11

9 CORRÊA, Simone de Souza. O Sindicato dos Trabalhadores Rurais, a Comissão Pastoral da

terra, e a luta dos expropriados da Itaipu em Guaíra/PR (1975-1990) (Monografia de História-UNIOESTE). Marechal Cândido Rondon, 2013. 10

PEREIRA, Eliane M. C. Manso. O Estado novo e a Marcha para o Oeste. História Revista. Vol. 2, nº01, 1997, p. 118. 11

WACHOWICZ, Ruy C. História do Paraná. 10. ed. Curitiba: Imprensa Oficial do Paraná, 2002, p. 349.

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Wachowicz prossegue mencionando que esse incentivo “heróico” foi

construído por intelectuais a partir de uma determinada narrativa sobre o

bandeirismo12. Segundo ele:

Para esses ideólogos, a bandeira teria estabelecido, na História do Brasil, um ritmo para a nação, para sua cultura, condicionando o comportamento da população. A bandeira deveria ser a força moral que inspiraria os brasileiros do século XX a defender suas fronteiras espirituais e combateria ideologias exóticas. O espírito da bandeira deveria ser revificado, para a grande obra da “marcha para o Oeste”.13

Nesse contexto, no Oeste do Paraná, as terras da antiga Fazenda Britânia, a

partir da segunda metade da década de 1940, foram (re)ocupadas, em sua grande

parte, por agricultores vindos de Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

A década de 1940 revela-se principalmente como uma etapa de povoamento intensivo onde as companhias colonizadoras particulares, gaúchas em sua maioria absoluta, desempenharão um papel de capital importância. A ação governamental cede espaço aos empreendimentos de caráter empresarial, alicerçados fundamentalmente na venda de pequenos lotes agrícolas aos colonos interessados no cultivo direto da terra. Os projetos colonizadores se multiplicam e atraem milhares de famílias durante as décadas de 1940-50. Podemos chamar essa fase como sendo a frente de povoamento sulista, já que a corrente colonizadora tem sua origem preferencialmente nos Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina.14

Cabe informar que esse território que veio a ser colonizado era a antiga

Fazenda Britânia, pertencente à Compañia de Maderas Del Alto Paraná

15considerada uma das maiores obrages que atuava na região, que executava a

extração de madeira e erva-mate. Segundo Ruy Wachowicz,

A obrage era uma propriedade e/ou exploração típica das regiões cobertas pela mata subtropical, em território argentino e paraguaio. Sua existência baseava-se no binômio: mate-madeira. O sistema, assim como apareceu na região em estudo, era praticamente desconhecido no sul do Brasil16.

12

WACHOWICZ, Ruy. Op.cit, p. 349 13

WACHOWICZ, Ruy. Op.cit, p. 349 14

COLODEL, José Augusto. Cinco Séculos de História. p. 42. Disponível em: <http://www.unioeste.br/projetos/oraculus/PMOP/capitulos/Capitulo_01.pdf > Acessado em 17 de Outubro de 2013. 15

Companhia de origem argentina e de capital inglês. 16

WACHOWICZ, Ruy C. Obrageros, mensus e colonos: história do oeste paranaense. Curitiba: Ed. Vicentina, 1982, p. 11.

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A Fazenda Britânia teve sua origem em 1905, como explica este autor:

A obrage denominada Fazenda Britânia, teve origem em 1905, quando o chefe político da região, Jorge Schimmelpfeng, através da lei nº 610 de abril de 1905, adquiriu 250.000 hectares de terras devolutas, a título de compra, à razão de 2$500 o hectare. No ano seguinte, Jorge Schimmelpfeng comunicou ao governo do Estado do Paraná, a organização de uma empresa para a exploração da obrage. Era a Compañia de Maderas del Alto Parana. [...] Esta companhia, era na realidade apenas uma das ramificações de uma outra companhia inglesa: a The Alto Parana Development Company Ltd. [...] Alegando desejar explorar a erva mate, a Compañia de Madera del Alto Parana, requereu em 1909, a compra de mais 22.000 hectares contíguos. A venda foi autorizada pelo Estado do Paraná. Desta forma, a Fazenda Britânia estava composta por dois títulos de domínio direto, expedidos legalmente pelo Estado do Paraná. Formava uma gigantesca gleba, sem solução de continuidade. A rigor, a Fazenda Britânia passou a ocupar a área de 263.462 hectares17.

FIGURA 1. Mapa da Fazenda Britânia.

Fonte: SCHREINER, Davi Félix. Colonização Trabalho e Poder. A formação da cultura do

trabalho no extremo oeste do Paraná. 2. ed. Toledo: Editora Toledo, 1997.p. 19.

17

WACHOWICZ, Ruy C. Obrageros, mensus e colonos: história do oeste paranaense. Curitiba: Ed. Vicentina, 1982, p. 163

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Nessa fazenda a maioria da mão de obra era constituída por outros,

denominados de mensus. Ou seja, a região Oeste paranaense já era povoada antes

da chegada dos primeiros migrantes, motivados pela venda de terras, que foram

posteriormente chamados de “pioneiros”.

A MARIPÁ teve origem em abril de 1946, na cidade de Porto Alegre, onde

ficava sua sede, porém seu principal escritório foi montado em Toledo. Segundo

Wachowicz18, os principais acionistas da MARIPÁ eram Alberto Dalcanale, Willy

Barth, Alfredo Paschoal Ruaro, Egon Bercht e Kurt Bercht e Leonardo Julio Perma,

velhos conhecidos e sócios da colonização realizada no Oeste catarinense.

Os principais adquirentes da Fazenda Britânia, filhos ou netos de imigrantes localizados no Rio Grande do Sul, já eram capitalistas, negociantes e velhos conhecidos, inclusive no serviço de colonização. Foram eles os cabeças da Maripá. Foram então escolhidos os primeiros diretores da firma. Ruaro ficou encarregado do serviço de colonização, Egon Bercht da parte financeira e Julio Bastian, como engenheiro da parte de medições19.

O autor prossegue mencionando que entre os acionistas da MARIPÁ existiu

dois grupos. O grupo Dalcanale que ficou com 33% das ações da empresa, que era

conhecido como o grupo de origem italiana e o grupo alemão que detinha 66%

liderado por Willy Barth.

A existência desses dois grupos entre os acionistas da Maripá influiu de maneira própria e decisiva na política adotada na colonização da antiga Fazenda Britânia. Todos os acionistas eram gaúchos e tudo indica, orientavam-se lato sensu pela política da marcha para o oeste, desencadeada ainda no Estado Novo. O Território Federal do Iguaçu seria colonizado preferencialmente por colonos oriundos do excesso de mão-de-obra agrícola, detectado nas antigas colônias de imigrantes do Rio Grande do Sul20.

Acredita-se na existência desses dois grupos no interior da Maripá, mas em

contra ponto, discordamos do posicionamento deste autor no que se refere aos

acionistas. A empresa é de origem gaúcha, porém parte destes acionistas era

constituída por catarinenses e também paranaenses, conforme destaca Valdir

18

WACHOWICZ, Ruy Christovam. Obrageros, mensus e colonos: história do oeste-paranaense. Curitiba: Ed. Vicentina, 1982, p. 166. 19

Idem. 20

Idem, p. 167

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Gregory em sua obra Os eurobrasileiros e o espaço colonial: migrações no Oeste do

Paraná (1940-1970)21.

Umas das técnicas usadas pela Maripá para difundir venda de terras

paranaenses era a publicação de folhetos que circulavam em cidades do Sul do

Brasil, de onde vieram a grande maioria dos compradores.

A propaganda abaixo é datada do final do ano de 1949, no qual já ocorria a

colonização da região. Como se pode perceber, as propagandas anunciadas

prometiam terras livres de morros, pedras e pragas, bem como clima saudável e

terra fértil.

21

GREGORY, Valdir. Os Eurobrasileiros e o Espaço Colonial: migrações no Oeste do Paraná. Cascavel: Edunioeste, 2002.

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FIGURA 2. Propaganda da venda de terras pela Maripá.

Fonte: Acervo do Museu Histórico Willy Barth. Verificar Anexo.

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18

Esta propaganda tem como primeiro objetivo desestranhar o espaço no qual o

ocorria à colonização, descrevendo o espaço e também as instalações que nele já

havia. Outro elemento que a propaganda salienta é como a religião é usada como

um fator de convencimento. Isso se dá a partir da frase: “Porque TOLEDO hoje têm:

Paróquia, colégio de Freiras”. Mas que isso, reforça também o sentido de que a

religião predominante seria a Católica.

Outro elemento demonstrado é a possibilidade de atividades que a terra da

região permitia, destacando as madeiras para extração, o desenvolvimento da

agriculta e da pecuária. E também como o resultado dessas atividades seria

transportado aos grandes centros urbanos.

Segundo Schneider, “[...] a organização de uma bem planejada infra-

estrutura para recepcionar os colonos migrantes era indispensável, caso contrário, o

empreendimento poderia fracassar 22”. Niederauer, que na época era contador da

Maripá, afirma que “a tarefa consistia, pois, em dividir todo esse latifúndio em

pequenas glebas, isto é, colônias, de uns 25 hectares. Cada grupo de colônias tinha

que estar provido de um povoado, com no mínimo, casa comercial, igreja, escola,

assistência médica.23”.

É importante frisar que esta companhia não era a única colonizadora que

atuava no Oeste paranaense, mas era uma das principais que atuavam durante a

década de 1940 na região. Segundo Gregory24 e Colodel25, além desta, as principais

colonizadoras da região foram a Colonizadora Gaúcha Ltda.; Industrial Agrícola

Bento Gonçalves; Colonizadora Matelândia; Terras e Pinhais Ltda. e a Pinho e

Terras Ltda. Todas tinham suas origens nos Estados do Rio Grande do Sul e Santa

Catarina.

22SCHNEIDER, Claércio Ivan.Contribuição para o estudo de um projeto de colonização no Oeste do Paraná: fundamentos socioculturais. In: LOPES, Marcos A. (Org.). Espaços da memória: fronteira. Cascavel: EDUNIOESTE, 2000, p. 99. 23

NIEDERAUER, Ondy Helio. Toledo no Paraná: a história de um latifúndio improdutivo, sua reforma agrária, sua colonização, seu progresso. Toledo: Composição: Grafo-Set-Impressão e Acabamento: Manz Etiquetas Adesivas Ltda., 1992, p. 122. 24

GREGORY, Valdir. Os Eurobrasileiros e o Espaço Colonial: migrações no Oeste do Paraná. Cascavel: Edunioeste, 2008. 25

COLODEL, José Augusto. Cinco Séculos de História. Disponível em: <http://www.unioeste.br/projetos/oraculus/PMOP/capitulos/Capitulo_01.pdf> Acessado em 17 de Outubro de 2013.

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19

No que se diz respeito ao “elemento humano” selecionado pela Maripá para

ocupar a região da antiga Fazenda Britânia, o Plano de Colonização indica que a

venda das terras seria direcionada para gaúchos e catarinenses:

Para dedicar-se às diversas espécies de culturas, e tendo-se em vista a fixação do homem à terra, escolheu-se o agricultor do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Esse agricultor, descendente dos imigrantes italianos e alemães, com mais de cem anos de aclimatização no paíz, conhecedor das nossas matas, dos nossos produtos agrícolas e pastoris, primado pela sua operosidade e pelo seu amôr à terra em que trabalha, seria, portanto, o elemento humano predestinado à realizar grande parte désta tarefa.26 [...] “Decidida ésta parte, a de procedência do elemento humano a ser escolhido como o mais indicado, fazia-se, ainda, necessário tentar realizar uma seleção escolhendo, si possível, os homens de maior valôr produtivo. Ésta solução, também, foi encontrada e trouxe consigo a fórma de evitar a ruidosa propaganda em torno da “Fazenda Britânia”. Como se sabe, uma propaganda ruidosa, em tôrno de uma local novo, a exemplo de como ocorreu em outros locais, atrairia elementos, digo atrairia elevado número de indivíduos aventureiros e parasitas que nela entreviram um meio de vida fácil às suas atividades deshonestas. Seria bom procurar retardar o máximo possível a penetração desses elementos para dentro de um sêtor novo e são27”.

Uma das estratégias de colonização usadas pela Maripá seria a divisão das

terras em duas regiões: Sul e Norte. A região Sul seria a primeira a ser “povoada”.

Após a fixação dos migrantes nesta parte seria dado início à colonização da região

Norte, onde, segundo o Plano de Colonização28, buscava-se o desenvolvimento de

outras culturas agrícolas, como, por exemplo, o café.

O Plano de Colonização destaca que uma colonização e progresso rápidos

somente seriam possíveis por meio de uma frente de povoamento intenso. E que

este mesmo povoamento auxiliaria no desenvolvimento das pequenas propriedades

agrícolas, novamente por meio da migração de gaúchos e catarinenses29.

Em relação ao processo de colonização, as narrativas produzidas por órgãos

públicos tendem a apresentá-lo como uma ação de heróis, como demonstrado por

26

NIEDERAUER, Ondy Helio (Org.). Plano de colonização da Industrial Madeireira Colonizadora Rio Paraná. 1955, p. 04. 27

NIEDERAUER, Ondy Helio. Op.cit. p. 05 28

NIEDERAUER, Ondy Helio (Org.). Plano de colonização da Industrial Madeireira Colonizadora Rio Paraná. 1955. 29

NIEDERAUER, Ondy Helio. Op.cit.

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20

Oscar Silva, autor de um dos livros do Projeto História30 desenvolvido pela prefeitura

do município de Toledo.

De faces cansadas e muitas vezes ocultas, esquecidos em sua grandiosidade discreta, de mãos ágeis e calejadas de desconhecidos pioneiros também se construiu a história de Toledo. A esses homens, que com sofreguidão e coragem lutaram e morreram por objetivos comuns, que foram, até, quem sabe, deixados no anonimato, se deve a consolidação do progresso e desenvolvimento de uma região31.

Em narrativas semelhantes, a história do município é centrada no discurso do

progresso da região que se deu a partir do trabalho dos migrantes vindos do sul,

denominado de “pioneiros”.

Nesse sentido, o discurso do pioneirismo foi sendo utilizado como um

elemento aglutinador e criador de uma identidade que vem sendo reforçado por

políticas públicas e lugares de memória.

A construção a figura do “pioneiro” em Toledo será discutida no próximo

capítulo que objetiva problematizar a criação do Memorial dos Pioneiros e a

manutenção da memória pública do município de Toledo em torno do “pioneiro”.

30

O Projeto História foi desenvolvido em 1980 e tinha com principal objetivo realizar e produzir um

levantamento da história de Toledo, dentre este o objetivo a principal ação foi a publicação de livros que apresentam uma narrativa da colonização, tendo em vista que os livros não foram escritos por historiadores. LANGARO, Jiani. Quando o futuro é inscrito no passado: “colonização”, “pioneirismo” nas memórias públicas de Toledo-PR (1950-2010). São Paulo, 2012 (Tese de Doutorado em História – PUC-SP). 31

SILVA, Oscar; BRAGAGNOLO, Rubens; MACIEL, Clori Fernandes. Toledo e sua história. Toledo: Prefeitura Municipal de Toledo, 1988.

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21

CAPÍTULO 2

2. A EDIFICAÇÃO DA MEMÓRIA PIONEIRA

Um visitante que percorrer a cidade de Toledo perceberá, provavelmente,

vários monumentos sobre o passado do município. Entre eles, destacam-se

numericamente os que constroem uma memória dos considerados como primeiros

habitantes do local, os nomeados como “pioneiros”.

Ao longo deste capítulo objetiva-se discutir a representação do “pioneiro” a

partir da edificação de monumentos como o Memorial dos Pioneiros elaborado em

2012.

2.1. PROJETO HISTÓRIA: UMA CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA

A construção do Memorial dos Pioneiros deve ser compreendida dentro de

um contexto de produção de narrativas que constroem uma história do município de

Toledo. Entre essas narrativas, selecionamos o projeto intitulado Projeto História.

Trata-se de um projeto criado, em 1980, pela prefeitura de Toledo, durante a

gestão de Albino Corazza Neto. O principal objetivo era realizar um estudo sobre a

história municipal, dando ênfase ao período de formação do município.

De acordo com a entrevista32 realizada com um funcionário do Museu

Histórico Willy Barth no início deste ano:

o objetivo desse projeto era fazer um levantamento da história da cidade, um dos trabalhos desse projeto era publicar livros e pequenas encadernações sobre a história local, e de fato já havia então o livro Toledo e sua história, que foi e é fundamental ainda hoje para as pesquisas, que foi publicado em 1988; cartilha de Toledo, também já havia A Terra e o Homem; algumas obras já dentro desse projeto voltado para construção, para produzir e escrever a história do município sob gerência do senhor Oscar Silva33, que hoje é o nome do prédio do centro cultural.

32

A entrevista foi realizada em 11 de Fevereiro de 2014 no espaço do Museu Histórico Willy Barth. O funcionário solicitou que seu nome não fosse citado neste trabalho. 33

Segundo o entrevistado, Oscar Silva era escritor “embora nordestino a ele coube organizar essa pesquisa e produzir livros sobre a história de Toledo e material sobre a história de Toledo”.

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22

Os textos citados pelo entrevistado cristalizaram determinados sujeitos do

processo de colonização da área onde está localizado o município de Toledo. Jiani

Langaro, em sua tese intitulada Quando o futuro é inscrito no passado, faz a

seguinte análise do Projeto História:

o objetivo era construir e elaborar as memórias públicas da cidade e, para isso, essa iniciativa acabou por cristalizar determinados elementos das recordações sobre a “colonização” e o “pioneirismo”, apresentando-os como a “história local”. Assim os esforços voltaram-se para a criação de uma memória ainda mais monolítica, dedicada a presentificar, no espaço público, determinados fatos e sujeitos do processo histórico34.

Langaro também aborda a visão do prefeito de Toledo acerca desse projeto:

Corazza Neto entendia a “colonização” como sinônimo de história local na condição de conjunto expressivo de lutas e vitórias, digno de servir de inspiração para as gerações vindouras. Essa compreensão era corrente nas memórias públicas da cidade, mesmo antes da escrita do livro35, o que nos permite inferir que o objeto daquela gestão, ao criar o “Projeto História”, não era o de realizar novas interpretações sobre esse passado, mas de fortalecer aquelas já correntes no local, mantendo-as no ambiente público. [...] Através desse movimento, tentava retirar a obra do campo das disputas sociais e políticas e procurava isolar a “memória” em um compartimento estanque36.

O projeto resultou em uma série de publicações que visavam difundir uma

história de Toledo. Langaro caracteriza seus autores da seguinte forma:

Seus autores são pessoas conhecidas na cidade, geralmente integrantes da classe média local, em alguns casos já possuíram algum vínculo com o poder público, transitam nos meios políticos ou nas instituições que articulam o “bloco de poder” local, mas, em sua maioria, não possuem formação acadêmica em História37.

O livro Toledo e sua História é considerado a principal obra realizada pelo

projeto. Sobre ele, Langaro afirma que:

[...] Toledo e sua História reafirma as memórias das forças sociais vitoriosas na cidade e região e, justamente por isso, enfoca especialmente os sujeitos que, ao longo dessa trama, possuíam maiores poderes. Além disso, constrói a ideia de que as ações deles

34

LANGARO, Jiani. Quando o futuro é inscrito no passado: “colonização”, “pioneirismo” nas memórias públicas de Toledo-PR (1950-2010). São Paulo, 2012 (Tese de Doutorado em História- PUC-SP), p. 46. 35

SILVA, Oscar; BRAGAGNOLO, Rubens; MACIEL, Clori Fernandes. Toledo e sua história. Toledo: Prefeitura Municipal de Toledo, 1988. 36

LANGARO, Jiani. Op.cit. p. 62. 37

LANGARO, Jiani. Op.cit p. 50.

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eram necessárias para o triunfo da “nação” e do “progresso” no Oeste do Paraná, relegando a uma posição secundária os demais sujeitos ou mesmo o caráter empresarial dessa “colonização” 38.

Trata-se, portanto, da construção de uma determinada narrativa sobre o

passado de Toledo que cria uma identidade para alguns dos sujeitos que

participaram de sua formação. Loiva Otero Félix, em seu livro História e Memória: a

problemática da pesquisa escreve que “o processo de identificação é um processo

de construção de imagens e, como tal, terreno propício produção de a

manipulações39”. Nesse sentido, pode haver a ocultação e/ou enaltecimento

determinados fatos e sujeitos do processo histórico.

Em suas palavras:

a identidade associa-se também aos espaços, onde está fixada a lembrança de lugares e objetos presentes nas memórias, como organizadores de referenciais identitários. Não nos esqueçamos de que a busca de identidade (s), elemento essencial à memória, é uma das necessidades/atividades fundamentais da sociedade humana até hoje40.

Em relação à criação dessa identidade “pioneira”, Rollo Gonçalves em seu

trabalho A “mística do pioneirismo”, antídoto contra o socialismo: Bento Munhoz da

Rocha Neto, a reforma agrária e o norte do Paraná dos anos 50 e 60, menciona que

o termo “pioneiro” também foi aplicado no Norte paranaense:

a entronização política do Norte do Paraná significou, por outro lado, o manuseio tático e uma forma regional de categorização coletiva, a identidade pioneira, que, conduzida ao estatuto de tipo humano, veio reforçar a ideia de que uma colonização liberal seria o melhor antídoto contra as propostas de reforma agrária advindas dos socialista e comunistas.41

Nessa sequência, Gonçalves utiliza a seguinte citação de Bento Munhoz da

Rocha Neto para reforçar seus argumentos, de que o uso do termo pioneiro estava

38

LANGARO, Jiani. Op cit. p. 91-92. Grifos do autor 39

FÉLIX, Loiva Otero. Memória e História: a problemática da pesquisa. Passo Fundo: Ediupf, 1998. p, 38 40

FÉLIX, Loiva. Op.cit. 42. 41

GONÇALVES, José Henrique Rollo. A “mística do pioneirismo”, antídoto contra o socialismo: Bento Munhoz da Rocha Neto, a reforma agrária e o norte do Paraná dos anos 50 e 60. Revista de História Regional. Ponta Grossa-PR, 1996. Vol. 2, nº 01, p. 147. Disponível em: <http://www.revistas2.uepg.br/index.php/rhr/article/viewFile/2028/1511>. Acessado em 20 de Outubro de 2013.

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relacionado às posições político-ideológicas no interior dos conflitos agrários

ocorridos no início da segunda metade do século XX no norte do Paraná.

A mística socialista que tantos seguidores tem hoje, e não é evidentemente aquela socialização, fato da nossa época, pela produção mecanizada, pela produção em massa, socialização que todos teremos que aceitar porque um benefício para todos os homens, mas a mística socialista que coloca na mão do Estado a solução de todos os problemas e todas as fontes de produção. Quero mostrar um conflito de mentalidade que acho mais grave de todos: o conflito entre a mística socialista que tenta resolver os problemas a seu modo e o espírito pioneiro que tão bem conhecemos no Sul. (...) Hoje é o Paraná, todo dominado pelo espírito pioneiro. Já não é apenas o Norte do Estado - o Norte verdadeiro, caracteristicamente diferenciado do Norte velho, que definirei como Nordeste; mas o Noroeste, o Oeste e o Sudoeste do Estado. É todo ele dominado pelo espírito pioneiro. E o pioneirismo é a negação da mística socialista (ROCHA NETO, 1987:369)42.

Na fala de Bento Munhoz, o pioneirismo representava um espírito trabalhador

e independente que seria característico dos agricultores do interior do Paraná.

Em suas palavras:

o pioneirismo representa a confiança no esforço pessoal, no esforço individual, no trabalho próprio; o pioneirismo significa, se não uma exigência de assistência do Governo, pelo menos atitude do Governo no sentido de que não atrapalhe a expansão pioneira. (...) O homem pioneiro é o homem que acredita no futuro, que acredita no seu esforço, no seu trabalho, e é dominado por aquilo que (...) chamam de ascetismo capitalista. (...) Leva vida parca, econômica, modesta, é todos os recursos de que dispõe, todos os recursos que adquire investe para melhorar o seu futuro (ROCHA NETO, 1987: 370)43.

Em Toledo, esse discurso pode ser encontrado em livros como o de

Niederaurer44, nos produzidos pelo Projeto História e também em suportes de

memória, como o Memorial dos Pioneiros.

42

ROCHA NETO, Bento Munhoz de. apud. GONÇALVES, José Henrique Rollo. A “mística do pioneirismo”, antídoto contra o socialismo: Bento Munhoz da Rocha Neto, a reforma agrária e o norte do Paraná dos anos 50 e 60. Revista de História Regional. Ponta Grossa-PR, 1996. Vol. 2, nº 01, p. 163. 43

ROCHAR NETO, Bento Munhos. Op.cit. p. 165. 44

NIEDERAUER, Ondy Helio. Toledo no Paraná: a história de um latifúndio improdutivo, sua reforma agrária, sua colonização, seu progresso. Toledo: Composição: Grafo-Set-Impressão e Acabamento: Manz Etiquetas Adesivas Ltda., 1992.

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25

2.2. A CONSTRUÇÃO DE UM LUGAR DE MEMÓRIA EM TOLEDO-PR

A importância atribuída ao “pioneiro” no município de Toledo pode ser

visualizada nas ações públicas municipais, seja com homenagens, nomeações de

espaços ou mesmo leis institucionais, como, por exemplo, as descritas logo abaixo.

A Lei Municipal 1.476/88, foi instituída no mandato de Albino Corazza Neto,

no ano de 1988, esta estabeleceu em 23 de Dezembro de 1988, O Dia do Pioneiro.

LEI Nº 1.476/88 DATA: 23 de dezembro de 1988 SÚMULA: Institui do Dia do Pioneiro e dá outras providências. O POVO DO MUNICÍPIO DE TOLEDO, por seus representantes na Câmara Municipal, aprovou e o Prefeito Municipal, em seu nome, sanciona seguinte Lei: Art. 1º - Fica instituído o Dia do Pioneiro, a ser comemorado, anualmente, na sexta-feira imediatamente anterior ao dia 14 de dezembro, data que marca o aniversário de instalação oficial do Município de Toledo. Art. 2º - O Município de Toledo promoverá no Dia do Pioneiro, festividades, objetivando:

I. Homenagear aqueles que, com seu trabalho, ajudaram a escrever a História da gente toledana;

II. Integrar os pioneiros entre si e com as novas gerações, buscando a continuidade do processo histórico. Art. 3º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário. GABINETE DO PREFEITO DO MUNICÍPIO DE TOLEDO, Estado do Paraná, em 23 de dezembro de 1988 ALBINO CORAZZA NETO PREFEITO DO MUNICÍPIO DE TOLEDO REGISTRE-SE E PUBLIQUE-SE IVANIR ÂNGELO TOFFOLO SECRETÁRIO DE ADMINISTRAÇÃO Publicado no Jornal do Oeste, nº 977, de 31.12.88, pág. 05.

Em 19 de setembro de 1997 foi instituído um novo preceito, descrito abaixo:

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26

LEI Nº 1.804, de 19 de setembro de 1997 Dispõe sobre a comemoração do Dia do Pioneiro.

O POVO DO MUNICÍPIO DE TOLEDO, por meio de seus representantes na Câmara Municipal, aprovou e o Prefeito Municipal, em seu nome, sanciona a seguinte Lei: Art. 1º - Esta Lei dispõe sobre a comemoração do Dia do Pioneiro. Art. 2º - O Dia do Pioneiro, instituído pela Lei nº 1.476, de 23 de dezembro de 1988, será comemorado, anualmente, ao termos do seu artigo 2º, no dia 27 de março, data que marca o aniversário da chegada dos primeiros desbravadores à Terra toledana. Art. 3º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. GABINETE DO PREFEITO DO MUNICÍPIO DE TOLEDO, Estado do Paraná, em 19 de setembro de 1997. DERLI ANTONIO DONIN PREFEITO DO MUNICÍPIO DE TOLEDO REGISTRE-SE E PUBLIQUE-SE ANY LUIZ REFOSCO SECRETÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO

Estas leis trazem em seu conteúdo a oficialização da comemoração do “Dia

do Pioneiro” como um ato de manutenção da memória da colonização e também da

construção de uma imagem do “pioneiro” como o sujeito que promoveu o

desenvolvimento da região do município de Toledo.

É válido ressaltar que tais leis foram propostas e aprovadas por indivíduos

que ocupavam posições junto ao poder público que são em sua grande maioria

descendentes desses45 “pioneiros” que chegaram à região entre o final da década

de 1940 e final da década de 1950.

Assim, a análise de monumentos públicos possibilita visualizar como o poder

público atua no sentido de constituir uma memória acerca de um povo e de um

45

Maria Bernadette Paim Barth Caleya (filha de Willy Barth e Diva Paim Barth); Ondy Hélio Niederauer (ex-contador da Maripá); Horst Léo Isernhagen (filho de pioneiro) – ambos estão na comissão do Memorial dos Pioneiros;

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lugar. Ao se pensar a problemática da pesquisa em torno da memória, identidade e

patrimônio, Sandra Pelegrini menciona o cuidado que se deve ter. Para ela

tratar as concepções que envolvem “identidade”, “patrimônio” e “memória” constitui uma tarefa complexa, pois exige a análise de noções inerentes a estes conceitos. Desafio maior envolve a tentativa de articular a problemática das identidades culturais às questões dos bens patrimoniais e das memórias em tempos de globalização46.

No caso da cidade de Toledo, a seleção de quem era o pioneiro e quem não

era pode ter contribuído também para marcar quais seriam as famílias “tradicionais”

do município.

O Memorial dos Pioneiros, como dito anteriormente, foi edificado no ano de

2012 na cidade de Toledo, em sua região central, ao lado praça Willy Barth. De

acordo com as informações concedidas através da entrevista realizada com o

funcionário do museu, as pesquisas para sua construção iniciaram no ano de 2011

com a nomeação da Comissão Especial que seria responsável pelo levantamento

dos nomes dos pioneiros que compõem o memorial.

46

PELEGRINI, Sandra de Cássia Araújo. Identidades culturais: patrimônio e memórias. In: DUARTE, Geni Rosa et AL (Org). História, práticas culturais e identidades: abordagem e perspectivas teórico-metodológicas. Cascavel: Edunioeste, 2008 (Coleção Tempos Históricos; v.2). p. 153.

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28

FIGURA 3. Memorial dos Pioneiros.

Fonte: Acervo do autor.

Este memorial é composto por sete colunas. A primeira à direita apresenta

informações sobre os gestores do município e do Estado na época de sua

construção. Nas demais constam os nomes dos pioneiros e narrativas sobre o

“pioneiro desconhecido” e sobre o “pioneiro colonizador”.

Ao analisar os sujeitos expostos neste memorial, pode-se perceber que são

escritos aproximadamente dois mil nomes, dos quais predominam os descendentes

de italianos. Em segundo, os descendentes de alemães. Também encontram-se em

grande número os nomes de origem polonesa, e por último os de origem brasileira.

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29

FIGURA 4. Nomes dos “pioneiros” indicados pela Comissão Especial diante das pesquisas realizadas ao longo do ano de 2011 (esta é a primeira coluna com os nomes).

Fonte: Acervo do autor.

De acordo com a Portaria nº44, de 25 de janeiro de 2011(ver documento em

anexo), as pessoas envolvidas com as pesquisas e organização do projeto seriam:

Maria Bernadette Paim Barth Caleya (filha de Willy Barth e Diva Paim Barth); Ondy

Hélio Niederauer (ex-contador da Maripá); Padre Raulino Cavaglieri; Horst Léo

Isernhagen; Lourdes Maria de Souza Barbieri (na época diretora do Museu Histórico

de Toledo); Arnaldo Bohnen e Ana Beatriz Costamilan.

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30

Segundo este mesmo documento, caberia a esta comissão estabelecer os

critérios que definiria quem seriam os “pioneiros” do município de Toledo, bem como

elaborar uma relação nominal dos mesmos. Tais nomes, como indicam as figuras 3

e 4, estão hoje nas colunas do memorial transcritos em ordem alfabética.

Conforme o funcionário do Museu Histórico47 que concedeu uma entrevista

sobre a construção do monumento, os critérios utilizados para a identificação dos

“pioneiros,” cujos nomes estariam no memorial, foram criados a partir do cadastro do

“pioneiro48”, dos textos produzidos pelo projeto História, da relação de funcionários

antigos da colonizadora Maripá e de “muitas informações dadas pelos pioneiros.”

Ainda de acordo com este funcionário, “foi realizado um chamamento público

para que a comunidade descobrisse alguns pioneiros e aqueles que ainda não

haviam feito o cadastro dos pioneiros no museu”.

Em suas palavras:

Utilizamos toda a produção da historiografia de Toledo existente, no tempo da pesquisa que foi 2010 e 2011. Usamos da documentação existente no museu: relação de funcionários antigos da Colonizadora Maripá, né, e muitas informações que vieram, os próprios pioneiros trouxeram, que nós tínhamos que perguntar. E claro, entendemos e deixamos isso no memorial, também, muitos nomes não foram possíveis de ser levantados.

Em relação à pesquisa dos nomes dos “pioneiros” homenageados pelo

memorial, o responsável pelo museu destacou que muitos nomes não foram

possíveis de serem levantados.

Nós sabemos que houve o período de extração da madeira dentro do município e o emprego de mão de obra de trabalhadores paraguaios. E os paraguaios viviam na maioria deles em acampamentos nessa empreitada da derrubada da mata e na abertura de estradas. E normalmente esses agrupamentos de trabalhadores, eles tinham um encarregado, também paraguaio, de coordenar esse trabalho, e nós sabemos que muitos desses trabalhadores paraguaios, não pudemos levantar os nomes desses. Até porque uns tinham apenas o apelido e outros, foram, não se sabiam os nomes sabemos, porque os nomes, eles não aparecem na relação de funcionários da empresa Maripá, porque eles não tinham trabalho direto com a empresa, mas eles eram trabalhadores, muitas vezes nem contratados pela Maripá, às vezes pelos próprios proprietários da terra que precisavam fazer o

47

Conforme mencionado anteriormente, essa pessoa pediu para não ter sua identidade revelada durante este trabalho. 48

O Cadastro dos Pioneiros consiste em um documento no qual estão registrados dados pessoais como: nome, endereço e número de documentos pessoais dos primeiros migrantes do município de Toledo, o qual eu não tive acesso, além disso, de acordo com o funcionário do museu, alguns dados desse documento, como por exemplo, o número de telefone está desatualizado.

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desmatamento, “tá”. Então nós fizemos um pequeno trecho no memorial para esses nomes desconhecidos que não foram possíveis levantar para esse memorial. E nós sabemos que entre esses nomes grande maioria eram dos trabalhadores paraguaios para esse memorial. Então, o memorial ainda está aberto, após a inauguração do memorial em março de 2011, ainda restam nomes, a pesquisa posterior já indicou nomes que devem ser incluídos e alguns nomes que devem ser corrigidos, alguns nomes com erros ortográficos, né, que precisam ser corrigidos. E é possível também que as pesquisas mostrando isso demonstre que algumas informações que levaram a colocar aqueles nomes lá, podem não estar corretas, e é possível que algum nome incluído nesse memorial que não seja de algum morador que fixou residência até 1952, pode ser que tenha fixado um pouco depois. As pesquisas vão mostrar isso. Então é possível corrigir nomes, incluir nomes e até excluir alguns nomes desse memorial”.49

Ele também falou sobre o recorte temporal usado pela comissão para o

levantamento dos nomes dos pioneiros:

Pelo menos no momento, os critérios usados pela comissão, foi do limite, corte histórico até uma data importante para o município que foi 1952, isso não quer dizer que no futuro deva ser sempre assim, né? É possível que a comunidade inteira entenda de outra maneira daqui a alguns anos.50

O monumento também faz referencia a aqueles que seriam pioneiros, mas

cujos nomes não foram possíveis de serem levantados: os nominados como

“pioneiros desconhecidos”.

49

Trecho da entrevista concedida por um funcionário do museu 50

Idem.

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FIGURA 5. Homenagem aos pioneiros desconhecidos no Memorial dos Pioneiros.

Fonte: Acervo do autor.

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33

Na próxima coluna, a narrativa procura e englobar os diferentes grupos sob o

título de “Pioneiros Colonizadores”.

FIGURA 6. Placa do memorial “pioneiros colonizadores”. Fonte: Acervo do autor.

Percebe-se nesta parte do memorial uma dedicatória aos diferentes grupos,

caracterizados como étnicos, oriundos do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São

Paulo e estrangeiros, caracterizados como “notadamente paraguaios”. Tais grupos

são apresentados como portadores de um mesmo objetivo, com os mesmos valores,

silenciando-se acerca dos eventuais conflitos e diferenças econômicas e culturais.

Isso nos remete a pensarmos essas narrativas como lugares de memória

“encarregados de desempenhar um papel de manutenção dos liames sociais, de

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fugir à ameaça do esquecimento. Embute-se, assim, a questão das identidades

através dos sistemas de referência e identificação grupal” 51.

Nesse sentido, o Memorial dos Pioneiros se institui como uma forma de

rememorar o passado. Para Pierre Nora52 “a memória perdida não era uma memória

individual, nem uma simples memória coletiva, mas já era uma memória instituída no

modelo sacralidade”.

Em relação aos lugares de memória, Pierre Nora destaca em uma entrevista53

Um lugar de memória, para mim, não poderia ser reduzido a um objeto material, mas sim, ao contrario. A Noção é feita para liberar a significação simbólica, memorial – portanto, abstrata – dos objetos que podem ser materiais, mas na maior parte das vezes não o são. Na verdade, existem somente lugares de memória imateriais, senão seria suficiente que não falássemos de memoriais54.

Bahls analisa como o Centenário do Paraná foi representado em memoriais e

como os mesmos foram apropriados pelo Estado a fim de se construir lugares de

memória e construir identidades. Para esta autora, os monumentos e símbolos

inseridos nesse contexto, registraram

“em suas formas e representações a memória de um grupo, podem apresentar-se como “lugares de memória”, transformando-se em importantes elos entre a memória e a identidade de um povo ou nação. Com isso, a relação entre esses conceitos se torna um valioso instrumento de manipulação dos grupos dominantes, como, por exemplo, pelos intelectuais e pelo Estado, que acabam reinvestindo de um novo sentido os acontecimentos, com o auxílio de comemorações ”55.

Os lugares da memória construídos no município de Toledo ao longo dos

últimos anos, entre eles o Memorial dos Pioneiros, surgiram com o intuito de se

reforçar a memória do “pioneiro” colonizador, como um “sujeito trabalhador”, e

“corajoso”, considerado ainda pela memória oficial do município como o responsável

pelo desenvolvimento da cidade.

51

FÉLIX, Loiva Otero. Op cit, p. 53 52

NORA, Pierra. Insólitos lugares de memória. In: Ricoeur. A memória, a história, o esquecimento. Campinas,SP: Editora da UNICAMP, 2007.p. 413. 53

BREFE, Ana Cláudia Fonseca. Pierre Nora, ou o Historiador da Memória. Revista História Social, Campinas-SP, n. 06, 1999, p. 30. 54

BREFE, Ana Cláudia. Op.cit. p. 30. 55

BAHLS, Aparecida Vaz da Silva. A busca de valores identitários: a memória histórica paranaense. Curitiba, 2007, p. 04. (Tese de Doutorado em História-UFPR).

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3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste trabalho buscou-se discutir como se deu a formação do

município de Toledo a partir de um projeto desenvolvido pela empresa Industrial

Madeireira Rio Paraná - Maripá. Este projeto incluía a extração da madeira e

desenvolvimento da agricultura que seria realizado a partir de migrantes advindos do

Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Tais migrantes foram “selecionados” a fim de

se promover, de acordo com a Maripá, uma colonização mais eficaz e evitar assim a

vinda de “aventureiros” para o novo território. Essa onda migratória da década de

1940 e 1950 mostrou-se influenciada por um projeto político e ideológico

representado pela Marcha para o Oeste.

Estes migrantes que vieram para a região foram caracterizados como

“pioneiros”. Estes sujeitos foram assim nomeados, de acordo com Rollo Gonçalves,

dentro de um panorama político nacional e internacional no qual se desenvolvia uma

campanha contrária ao comunismo.

Esses “pioneiros”, posteriormente vieram a ser homenageados na cidade de

Toledo a partir de monumentos, logradouros e nomeação de espaços públicos, bem

como a partir do Memorial dos Pioneiros, edificado no ano de 2012.

Este memorial traz consigo a característica de um lugar de memória, descrito

por Pierre Nora como um lugar para rememorar/ recordar algo que não está mais

presente na vida das pessoas.

Em Toledo, esta memória é construída e reforçada a partir de lugares de

memória cujo número aumentou significativamente nos últimos anos. Tais

monumentos, além de “evocar o passado e perpetuar a recordação” 56, têm o poder

de representar as visões de mundo de um grupo.

Os lugares da memória buscam preservar e legitimar uma memória já

esfacelada pela aceleração do cotidiano, que faz com que as pessoas vivam em um

ritmo cada vez mais rápido.

Diante disso, o Memorial dos Pioneiros se mostra como um lugar de memória,

ou seja, ele preserva e reforça a memória coletiva e oficial do município de Toledo,

que tende a reproduzir o discurso do “pioneiro”, discutido ao longo deste trabalho.

56

LE GOFF, Jacques. Op.cit. p. 535-536.

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Durante o desenvolvimento deste trabalho, me deparei com algumas

dificuldades que impossibilitaram o acesso à fontes históricas que poderiam

contribuir para uma análise mais crítica sobre a construção do Memorial dos

Pioneiros.

Ao realizar essa pesquisa, pode-se perceber que ainda existem elementos a

serem analisados mais profundamente, como por exemplo, o Estatuto do Pioneiro,

que possibilita uma visão mais ampla de quem são esses sujeitos rememorados

pelo monumento. O estatuto juntamente com outros documentos abre a

possibilidade para o desenvolvimento de novas pesquisas, tendo em vista que o

memorial é uma obra recente no município, necessitando desta forma ainda ser

estudado.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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LISTA DE FONTES

Propaganda de venda de Terras Produzida pela Maripá produzida em 1949.

Disponível em: Museu Histórico Willy Barth.

Lei Municipal de Toledo nº 1.476/88 e Lei Municipal de Toledo nº 1.804/97.

Memorial dos Pioneiros edificado em 2012. Localização: Largo São Vicente de

Paulo, centro de Toledo-Pr.