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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ – CAMPUS DE CASCAVEL
CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM BIOCIÊNCIAS E SAÚDE - MESTRADO
GIANCARLO TOZO
INTERSETORIALIDADE NO ATENDIMENTO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
USUÁRIOS DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS NO MUNICÍPIO DE CASCAVEL -
PR
CASCAVEL Fevereiro/2019
GIANCARLO TOZO
INTERSETORIALIDADE NO ATENDIMENTO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
USUÁRIOS DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS NO MUNICÍPIO DE CASCAVEL -
PR
DISSERTAÇÃO apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Biociências e Saúde – Mestrado, do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Biociências e Saúde. Área de concentração: Biologia, processo saúde- doença e políticas de saúde Orientadora: Profª Dra. Beatriz Rosana Gonçalves de Oliveira Toso Co-Orientadora: Profª Dra. Gicelle Galvan Machineski
CASCAVEL-PR Fevereiro/2019
FOLHA DE APROVAÇÃO
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho, em primeiro lugar, aos trabalhadores e trabalhadoras que,
cotidianamente, enfrentam a difícil tarefa de prestar assistência aos jovens usuários
de drogas, muitas vezes, sem as condições adequadas – espero contribuir de alguma
forma.
Dedico aos meus filhos, Renato e Raul, à minha companheira, Claudia, aos
meus pais, Ada e Ademir, minhas irmãs, Dani, Tati e Jeh, às minhas sobrinhas, Allana
e Manu, e às minhas avós, Iracy e Joana – in memorian.
Dedico aos colegas (agentes universitários e professores) do Hospital
Universitário e da Unioeste.
AGRADECIMENTOS
Acredito que uma conquista como esta, a obtenção de um grau acadêmico,
não decorre apenas de mérito pessoal. Muitos contribuiram para que eu - e muitos
outros - pudesse ter condição para estudar.
Não conseguiria nomear todas, claro, mas, mesmo assim, quero agradecer
especialmente a algumas pessoas e instituições que, de uma forma ou de outra,
contribuíram para que eu pudesse concluir este trabalho.
Agradeço aos meus pais, Ada e Ademir, por tudo! Não posso deixar de
reconhecer o grande esforço que fizeram para que pudéssemos ter uma boa
educação escolar. Às minhas irmãs, Dani, Tati e Jeh, e sobrinhas, Allana e Manu, pelo
apoio e incentivo. À Silvana, pelas transcrições e apoio. Aos cunhados.
Aos meus avós, Iracy, Otávio (in memorian) e Joana (in memorian), por terem
me garantido a estrutura, carinho e incentivo para estudar. Da mesma forma, aos
meus tios. Obrigado!
Ao meu filhos, Renato e Raul, pelo apoio e compreensão com relação às
minhas ausências. Renato, meu parceiro, sou grato por sua existência e pela valiosa
ajuda com o Power Point e Word (recuperei o investimento!).
À minha companheira, Claudia, que me incentivou, me orientou, me aguentou.
Agradeço por suas contribuições teóricas, afetivas, ortográficas... e pela sua
presença.
Às minhas orientadoras, professoras Beatriz e Gicelle, pelas imprescindíveis
conversas e orientações. Reconheço que vocês tiveram muito trabalho...
Agradeço a todos os professores do Programa de Mestrado em Biociências e
Saúde da Unioeste (agora Doutorado!), aos colegas e à secretária do Programa,
Graselha. Agradeço às professoras da banca de qualificação e defesa, Cláudia, Sônia
e Zelimar, pelas valiosas contribuições.
Aos colegas de trabalho da enfermagem do HUOP, pelo incentivo e por suprir
minha ausência. Aos colegas da Ala de Desintoxicação do Hospital, que ousaram
implantar atendimento hospitalar humanizado aos jovens usuários de drogas, tendo
como pressupostos os preceitos da Reforma Psiquiátrica e da Doutrina da Proteção
Integral. Especialmente, pela acolhida, pelos ensinamentos e pela troca de
experiência, à médica Julia, à assistente social Daniela, às enfermeiras Josefa,
Adriana, às técnicas de enfermagem, Carla, Cidinha, Silvani, Gabriela (grupo de PDA),
Paulina, Olga, e demais colegas enfermeiros, médicos, pedagogos, assistentes
sociais e técnicos de enfermagem.
Agradeço à Unioeste por incentivar a qualificação de Agentes Universitários.
A Unioeste é a instituição na qual me graduei, especializei e onde estudo.
Local em que trabalho como enfermeiro desde 2006. Faço parte da luta por manter
essa instituição pública, gratuita e de qualidade. Unioeste: eu defendo!!
Aos trabalhadores e colegas que constroem diariamente a Rede de Atenção
e Proteção Social de Cascavel, mesmo com todos os desafios. Especialmente aos
entrevistados dessa pesquisa. Particularmente ao Adilson, Iara, Cesár, Éder,
Maribel – pelas conversas valiosas sobre a temática da intersetorialidade, pelas
bibliografias emprestadas e dicas. À Paula e Suzana da SEASO e à equipe da
Biblioteca Pública de Cascavel, por me ajudarem com os arquivos da Rede.
Aos companheiros da militância sindical e amigos (Luiz Fernando, Elcir,
Rodrigo Tomazini, Castagna, Josiane, Laerson). E aos companheiros da gestão da
qual participo no Sinteoeste, pelo apoio e por me substituírem sempre que necessário
na difícil tarefa sindical, principalmente nessa reta final. Agradeço ao Ivan, Osmarina,
Claudia, Ailton, Dayam, Sivia, Rosemara, Marilidez, Odete, Marilene.
Obrigado!!
RESUMO
TOZO, G. Intersetorialidade no atendimento de crianças e adolescentes usuários de substâncias psicoativas no município de Cascavel-Pr. 159 p. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-Graduação em Biociências e Saúde, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Campus Cascavel, Unioeste, 2019. Esta pesquisa discute o tema intersetorialidade, relacionando-o às políticas públicas com ações voltadas para drogas, saúde mental e a juventude. Diversas instituições formuladoras de políticas públicas defendem a necessidade da articulação intersetorial como forma de superar problemas relacionados à saúde. Partindo desse entendimento, alguns municípios brasileiros buscam formas intersetoriais de organização e gestão dos serviços públicos destinados a grupos vulneráveis da população, a fim de superar a fragmentação setorial. Desde 2010, o município de Cascavel, no Paraná, articula a Rede de Atenção e Proteção Social - REDE, experiência intersetorial que se encontra em construção. Nesse sentido, tem-se como objetivo geral compreender a relação e a articulação da Rede de Atenção Psicossocial – RAPS, no que se refere ao atendimento de crianças e adolescentes usuários de substâncias psicoativas com a REDE, no município de Cascavel – PR. Os objetivos específicos compreendem descrever, mediante resgate histórico, a construção da REDE no município de Cascavel-Pr; identificar e descrever os canais de comunicação, fluxos e demais instrumentos utilizados no relacionamento e articulação dos diversos pontos dessas redes; e apreender a visão dos profissionais que compõem a REDE como representantes sobre sua implementação e fragilidades. Para tanto, foi realizada pesquisa qualitativa, descritiva e exploratória, por meio de entrevistas semiestruturadas, efetivadas com trabalhadores que desenvolvem seu trabalho com jovens usuários de drogas dos serviços que compõem as duas redes, no período de janeiro a abril de 2018; e coleta de dados documental, de junho a dezembro de 2018, após aprovação do comitê de ética em pesquisa com seres humanos. A análise dos dados concretizou-se por meio do referencial da análise de conteúdo, guiada pelo materialismo histórico. Foi possível observar que a atenção à criança e ao adolescente, usuários de substâncias psicoativas no município de Cascavel, Paraná, desenvolve-se com características de rede intersetorial, com a construção de instrumentos intersetoriais, podendo ser entendida como um processo de trabalho coletivo. Os entrevistados avaliam positivamente a forma como a Rede se estabeleceu, mas apontam as fragilidades para sua efetivação, mencionando dificuldades relacionadas a questões como infraestrutura, grande demanda de atendimento, insuficiência de recursos humanos, fluxo inadequado e ausência de serviços para integrar a rede. Considera-se que a experiência intersetorial do município está em construção, sendo necessários estudos adicionais sobre seu desenvolvimento, que possam contribuir com reflexões a respeito dos serviços, além de colaborar para a ampliação de políticas voltadas ao cuidado de crianças e adolescentes usuários de substâncias psicoativas. Palavras-Chave: Intersetorialidade. Rede intersetorial. Determinação social da saúde. Doutrina da proteção integral
ABSTRACT
TOZO, G. Intersectoriality in the care of children and adolescents psychoactive substances’ users in the municipality of Cascavel-PR. 159 p. Thesis (Master's). Postgraduate Program in Biosciences and Health, Center for Biological and Health Sciences, Cascavel Campus, Unioeste, 2019. This research discusses the intersectoral theme, relating it to public policies with actions focused on drugs, mental health and youth. Several institutions that formulate public policies defend the need of intersectoral articulation to overcome problems related to health. Based on this understanding, some brazilian municipalities seek intersectoral forms of organization and management of public services aimed at vulnerable groups of the population to overcome sectoral fragmentation. Since 2010, the municipality of Cascavel, Paraná, has articulated the Network of Attention and Social Protection - REDE, an intersectoral experience that is under construction. In this sense, the general objective is to understand the relationship and articulation of the Psychosocial Attention Network - RAPS, regarding the care of children and adolescents psychoactive substances’ users with the REDE, in the city of Cascavel - PR. The specific objectives include describing, through historical rescue, the construction of the REDE in the municipality of Cascavel-Pr; identify and describe the channels of communication, flows and other instruments used in the relationship and articulation of the various points of these networks; and to apprehend the vision of the professionals that compose the REDE as representatives on its implementation and weaknesses. For that, a qualitative, descriptive and exploratory research was carried out, through semi-structured interviews with workers that attend young drug users of the services that make up the two networks, from January to April, 2018; and documentary data collection, from June to December 2018, after approval of the human research ethics committee. The data were analyzed using the technique of content analysis, guided by historical materialism. It was possible to observe that attention to the child and adolescent, users of psychoactive substances in the municipality of Cascavel, Paraná, develops with intersectoral network characteristics, with the construction of intersectoral instruments, and can be understood as a collective work process. The interviewees evaluated positively the way the REDE established itself, but they pointed out weaknesses in its effectiveness, mentioning difficulties related to issues such as infrastructure, high demand for services, insufficient human resources, inadequate flow and lack of services to integrate the rede. It is considered that the intersectoral experience of the municipality is under construction, requiring additional studies on its development, which may contribute with reflections on services, and collaborate to broaden policies aimed at the care of children and adolescents psychoactive substances’ users.
Key words: Intersectoriality. Intersectoral network. Social determinants of health. Integral protection doctrine.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Modelo de determinação social da saúde proposto por Dahlgren e
Whitehead (1991). Fonte: Brasil (2008, p.14)............................................................ 24
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Categorias, unidades de análise e documentos e entrevistas ................. 42
LISTA DE ABREVIATURAS
ABRASCO Associação Brasileira de Saúde Coletiva
ACS Agente Comunitário de Saúde
APP Sindicato Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná
CAPS-AD Centro de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas
CAPS-I Centro de Atenção Psicossocial - Infantil
CENSE Centro de Socioeducação
CEP Comitê de Ética em Pesquisa (Unioeste)
CISVEL Comissão Intersetorial de Socioeducação de Cascavel
CMDCA Conselho Municipal dos Direitos das Crianças e dos
Adolescentes
CNACL Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei
CNDSS Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais de Saúde
COMAD Conselho Municipal de Políticas sobre Drogas
CRAPE Centro Regional de Apoio Pedagógico Especializado
CRAS Centro de Referência de Assistência Social
CREAS Centro de Referência Especializado de Assistência Social
CT Conselho Tutelar
DPI Doutrina da Proteção Integral
DSS Determinação Social em Saúde
EC Emenda Constitucional
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
EURECA Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculo
HUOP Hospital Universitário do Oeste do Paraná
IDHM Índice de Desenvolvimento Humano Municipal
LA Liberdade Assistida
MS/GM Ministério da Saúde/Gabinete Ministerial
MSE Medida Socioeducativa
NRE Núcleo Regional de Educação
ONU Organização das Nações Unidas
OPAS Organização Pan-Americana de Saúde
PIB Produto Interno Bruno
PNE Plano Nacional de Educação
PSC Prestação de Serviço à Comunidade
RAPS Rede de Atenção Psicossocial
REDE Rede de Atenção e Proteção Social de Cascavel
RH Recursos Humanos
SAI Serviço Auxiliar da Criança e Adolescente
SAMU Serviço de Atendimento Móvel de Urgência
SESAU Secretaria Municipal de Saúde
SIM/PR Serviço Integrado de Saúde Mental do Paraná
SPA Substância Psicoativa
SUAS Sistema Único de Assistência Social
SUS Sistema Único de Saúde
UBS Unidade Básica de Saúde
UNIOESTE Universidade Estadual do Oeste do Paraná
UPA Unidade de Pronto Atendimento
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 16
2. OBJETIVOS .......................................................................................................... 20
2.1 Objetivo Geral ............................................................................................................ 20
2.2 Objetivos Específicos ................................................................................................. 20
3. REVISÃO DE LITERATURA ................................................................................ 21
3.1 DETERMINAÇÃO SOCIAL DA SAÚDE...................................................................... 21
3.2 DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL ................................................................... 25
3.3 INTERSETORIALIDADE ............................................................................................ 29
4. METODOLOGIA ................................................................................................... 34
4.1 REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO ........................................................... 34
4.2 TIPO DE PESQUISA .................................................................................................. 35
4.3 CAMPO DE PESQUISA ............................................................................................. 36
4.4 POPULAÇÃO E AMOSTRA ....................................................................................... 38
4.5 TÉCNICAS PARA COLETA DE DADOS .................................................................... 39
4.6 ORGANIZAÇÃO, APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DE DADOS ... 40
4.7 QUESTÕES ÉTICAS.................................................................................................. 43
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................................ 45
5.1 INTERSETORIALIDADE E TRABALHO INTERSETORIAL ........................................ 45
5.2 O CONCEITO DE REDE E O PROCESSO HISTÓRICO DE CONSTRUÇÃO DA REDE ............................................................................................................................... 54
5.3 A ARTICULAÇÃO ENTRE A RAPS E OS DEMAIS SERVIÇOS QUE ATENDEM ...... 67
CRIANÇAS E ADOLESCENTES USUÁRIOS DE SPA .................................................... 67
5.4 A CONSTRUÇÃO DE INSTRUMENTOS INTERSETORIAIS ..................................... 78
5.5 AS FRAGILIDADES PARA A CONSOLIDAÇÃO DA REDE ....................................... 89
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 96
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 100
APÊNDICES ........................................................................................................... 115
ANEXOS ................................................................................................................. 134
16
1. INTRODUÇÃO
O envolvimento do autor com a temática começou em 2013, como enfermeiro
do setor de Desintoxicação do Hospital Universitário do Oeste do Paraná (HUOP)1.
Atuar profissionalmente nesse local possibilitou a participação no Conselho Municipal
de Políticas Sobre Drogas (COMAD)2, na Comissão Intersetorial de Socioeducação
de Cascavel (CISVEL)3 e na Subcomissão Criança e Adolescente da Rede de Atenção
e Proteção Social no município de Cascavel, organizações que possuem a
característica de serem compostas por entidades ligadas a diferentes setores e
diferentes políticas públicas, ou seja, procuram realizar seu trabalho de forma
intersetorial.
Essa experiência permitiu relacionar o trabalho realizado no atendimento de
jovens usuários de drogas e álcool4 com as políticas públicas para juventude e drogas
e a intersetorialidade. Dessa forma, foi possível observar empiricamente que, muitas
vezes, os serviços responsáveis por executar as políticas públicas de saúde mental e
juventude encontram dificuldades no atendimento a essa população, entre outras
coisas, devido à complexidade de estabelecer práticas intersetoriais.
Autores reconhecem que a temática do uso de drogas é complexa. Mas, seu
consumo sempre esteve presente nas diversas culturas humanas, passando por
diferentes formas de uso, manuseio e função. Atualmente, está inserido no cotidiano
de grande parte da população mundial, possuindo inúmeros significados, dentre eles,
busca de prazer, alívio imediato e fonte de renda, como as atividades ligadas ao tráfico
1 Setor de Desintoxicação do HUOP: atende crianças e adolescentes usuários de Substâncias Psicoativas – SPA, aberto sob determinação judicial, atende 17 leitos, sendo três para crianças, desde março de 2007 (MOMBELLI; MARCON; COSTA 2010). 2 Criado inicialmente pela lei 3.315/2001 e modificado pelas leis 5.462/2010 e 5.719/2011, é um órgão deliberativo, consultivo e de assessoramento que tem como objetivo coordenar as atividades de todas as instituições municipais, bem como Estaduais e Federais, dedicando-se ao pleno desenvolvimento das ações referentes à redução da demanda de substâncias psicoativas ou drogas em âmbito municipal. Disponível em: http://www.comadcascavel.com.br/comad.html 3 Instituída pelo Decreto Municipal 12.292/2015, mas atuando desde 2011, tem como finalidade: Artigo 1º I - Contribuir para garantir a defesa dos direitos dos adolescentes em comprimento de medidas socioeducativas; II – Elaborar diretrizes e articular ações referentes ao atendimento socioeducativo em âmbito municipal. Disponível em: http://www.cascavel.pr.gov.br/secretarias/seaso/subpagina.php?id=1247 4 Neste trabalho, serão utilizados os seguintes termos como sinônimos: drogas, drogas e álcool, álcool e outras drogas e substâncias psicoativas.
17
de substâncias (ESPÍNOLA, 2013; PRATTA; SANTOS, 2009; SCHENKER; MINAYO,
2005; SILVA, 2011). Entretanto, também pode estar associado a piores condições de
vida. Sobre isso, Torossin e Papini (2013) destacam que, mesmo o uso de drogas
sendo um fenômeno comum e histórico, a associação entre drogas, criminalidade e
doença é um fenômeno moderno.
Analisando estudos estatísticos, tem-se que cerca de 10% da população dos
grandes centros do mundo utilizam de forma abusiva substâncias psicoativas,
independentemente do sexo, instrução, classe econômica e idade (BRASIL, 2003).
No que se refere aos jovens, estudos epidemiológicos evidenciam a iniciação
do uso dessas substâncias cada vez mais precocemente, na passagem da infância
para a adolescência, o que pode acarretar prejuízos inestimáveis para essa população
(ARAUJO et al., 2012; MARQUES; CRUZ, 2000). O Levantamento Nacional com
estudantes do ensino fundamental e médio, realizado no Brasil, em 2010, aponta que
a idade média do primeiro uso é de 13 anos, para álcool, e 14 e 15 anos para as
demais drogas (CARLINI et al., 2010).
No mesmo sentido, dados socioeconômicos referentes a crianças e
adolescentes no Brasil permitem relacionar o uso de drogas com criminalidade,
violência e pobreza. Estudo realizado no Brasil, em 2015, pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (BRASIL, 2016b), aponta que o grupo populacional com até
14 anos corresponde a 21%, sendo, na região Sul, 18,8%; em Cascavel, a população
de 6 a 14 anos é de 14,3 (IBGE, 2018). Os jovens, pessoas entre 15 e 29 anos,
correspondem a 23,6% da população brasileira, sendo, no Sul, 22,3%; em Cascavel,
a faixa etária de 15 a 24 anos corresponde a 19,1% (IBGE, 2018). O mesmo estudo
aponta que, no Brasil, em 2015, 17,6% das crianças de 0 a 4 anos e 18,0% das
crianças e adolescentes de 5 a 14 anos residiam em domicílios cujo rendimento
mensal per capita era de até um quarto do salário mínimo.
No município de Cascavel, cidade considerada polo da região Oeste do
Paraná, a população estimada, em 2017, era de 319.608 pessoas. O salário médio
mensal dos trabalhadores formais é de 2,5 salários mínimos; o Produto Interno Bruto
(PIB) per capita, em 2015, era de 32.372,08 reais; o Índice de Desenvolvimento
Humano Municipal (IDHM), em 2010, era de 0.782; já a taxa de escolarização, de seis
a 14 anos, em 2010, era de 98,1% (IBGE, 2018).
O Mapa da Violência do Brasil de 2015 (WAISELFISZ, 2015) demonstra que
a população entre 15 a 25 anos tem 285% mais chances de morrer vítima de arma de
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fogo do que nas outras faixas etárias. O Cadastro Nacional de Adolescentes em
Conflito com a Lei (CNACL) demonstra que, dos 12 atos infracionais de maior
incidência no Brasil, no período estudado, setembro de 2015 a setembro de 2016,
27,9% corresponderam a tráfico de drogas e condutas afins (TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DO PARANÁ; CONSIJ-PR, 2016).
Frente a esse quadro, é possível perceber, concordando com o apontado por
Lavoratti (2013), que as políticas públicas existentes direcionadas à juventude não
têm cumprido sua função de proteção, sobretudo, para a parcela mais empobrecida,
sendo necessário que, em relação aos jovens que abusam de Substâncias
Psicoativas (SPA), se desenvolvam, de forma conjunta e articulada, ações de saúde,
educação, segurança pública, assistência social, entre outras, visando reverter essa
situação de pobreza e violência que atinge a juventude.
No que se refere ao setor saúde, já há algum tempo, importantes instituições
e organizações formuladoras de políticas, embasados pelo conceito da Determinação
Social da Saúde (DSS), defendem a necessidade da articulação intersetorial como
forma de superar problemas relacionados à saúde de forma geral e, mais
especificamente, de saúde mental (BRASIL, 2010; BRASIL, 2011; OPAS; OMS, 2007).
Partindo desse entendimento, alguns municípios brasileiros buscam formas
intersetoriais de organização e gestão dos serviços públicos destinados a grupos
vulneráveis da população, a fim de superar a fragmentação setorial (BARROSO, 2016;
KISS; SCHRAIBER; D'OLIVEIRA, 2007; LAVORATTI, 2013; VIEIRA; HASSE, 2017).
No município de Cascavel-PR, desde 2010, articula-se a Rede de Atenção e
Proteção Social5 (REDE) dividida em três subcomissões temáticas: Subcomissão do
Adulto, Subcomissão da Criança e Adolescente e Subcomissão da Violência Sexual.
A Rede é composta por profissionais de entidades governamentais e não-
governamentais vinculadas às diversas políticas públicas, indicados por seus
gestores, os quais se reúnem sistematicamente para discutir assuntos relacionados a
cada subcomissão, numa perspectiva intersetorial. Consta como sendo seu
pressuposto:
A construção de uma rede intersetorial baseada nas políticas setoriais, mediante a compreensão dos processos organizacionais dos
5Informações sobre a Rede de Atenção e Proteção Social estão disponíveis em: http://www.cascavel.pr.gov.br/conselhos/intersetorial/. Neste texto, a Rede de Atenção e Proteção Social do Município de Cascavel-PR também será denominada apenas pelo termo REDE, com todas as letras grafadas em maiúsculo.
19
equipamentos sociais, tendo em vista a ampliação da comunicação e articulação entre os serviços para os encaminhamentos mais adequados às necessidades sociais (CASCAVEL, 2018).
Parte-se do princípio de que a organização de redes intersetoriais é uma
importante estratégia de enfrentamento das questões complexas, vivenciadas no dia
a dia dos serviços públicos, especificamente, no trabalho com crianças e adolescentes
usuários de SPA. Essa estratégia visa potencializar os impactos das políticas públicas
e à garantia de direitos, bem como à superação do trabalho setorizado e paralelo. Uma
vez que, nessa perspectiva, cada política setorial, tais como habitação, cultura, saúde,
assistência, economia, entre outras, se insere em uma malha de redes em distintas
modalidades, é possível, desta forma, um modo diferente de intervenção no processo
saúde/doença (LAVORATTI, 2013).
Tendo isso em vista, esta pesquisa propôs-se ao estudo de duas redes que
atendem crianças e adolescentes usuários de SPA do município de Cascavel: uma
setorial da área da saúde, denominada Rede de Atenção Psicossocial – RAPS, e outra
intersetorial, denominada Rede de Atenção e Proteção Social – REDE - visando
compreender a relação e a articulação dessas duas redes, no atendimento às crianças
e adolescentes usuários de substâncias psicoativas.
Para isso, pretendeu-se responder às perguntas: Como se relacionam e se
articulam os serviços da RAPS e a REDE do município de Cascavel – PR, para o
atendimento às crianças e adolescentes usuários de SPA? Como ocorre a
comunicação e articulação entre esses serviços, objetivando-se encaminhamentos
adequados às necessidades sociais da população assistida?
Em uma perspectiva interdisciplinar, foram conceituados os termos que se
mostraram relevantes para o entendimento da temática, por exemplo,
intersetorialidade, redes, redes intersetoriais, processo de trabalho, determinação
social da saúde e doutrina da proteção integral, para relacioná-las com o achado na
prática do trabalho intersetorial, realizado em Cascavel.
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2. OBJETIVOS
2.1 Objetivo Geral
Compreender a relação e a articulação da RAPS, no que se refere ao
atendimento de crianças e adolescentes usuários de substâncias psicoativas com a
REDE do município de Cascavel – PR.
2.2 Objetivos Específicos
Descrever, mediante um resgate histórico, a construção da REDE;
Identificar e descrever os canais de comunicação, fluxos e demais instrumentos
utilizados no relacionamento e articulação dos diversos pontos dessas redes;
Apreender a visão dos profissionais que compõem a REDE como
representantes sobre sua implementação e fragilidades.
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3. REVISÃO DE LITERATURA
O uso abusivo de substâncias psicoativas por crianças e adolescentes é
considerado atualmente um grave problema social e complexo problema de saúde
pública (PRATTA; SANTOS, 2009). No mesmo sentido, Schenker e Minayo (2005)
apontam que o uso abusivo de álcool e outras drogas, dada a magnitude e a
diversidade dos aspetos envolvidos, pode ser entendido como um significativo
problema de saúde pública. Em relação ao uso de drogas por adolescente, Espínola
(2013) problematiza que essa é uma questão complexa, em função de sua
vulnerabilidade e do seu desenvolvimento biológico e psicossocial.
Em consonância, Reis e Guarischi (2016) buscam evidenciar como o uso de
drogas por parte do adolescente se caracteriza como problema social, visto que está
associado à criminalidade e à doença. Esse problema social, segundo os autores,
convoca os diversos campos do saber a produzir respostas a essa questão e o Estado
a intervir sobre ele. Para seu enfrentamento, vêm se desenvolvendo experiências que
se baseiam em abordagens intersetoriais, como no município de Cascavel, no Paraná.
Esta pesquisa, para analisar a realidade de Cascavel, sobre tal temática,
baseou-se nos referenciais teóricos da Determinação Social de Saúde, da Doutrina
de Proteção Integral às Crianças e Adolescentes (DPI), além do conceito de
intersetorialidade, redes e redes intersetoriais, pois, conforme apontam Albuquerque
et al.(2016), a problemática das drogas, visto sua complexidade, não pode ser tratada
de forma fragmentada e simples, requerendo ações igualmente complexas, numa
perspectiva integral e intersetorial.
3.1 DETERMINAÇÃO SOCIAL DA SAÚDE
Autores vêm demonstrando que a ocorrência de problemas de saúde na
população tem como determinantes, além das questões relacionadas à biologia,
outros fatores, como os sociais, culturais, econômicos, políticos, ambientais,
psicológicos e de trabalho. Além disso, entendem que os modos de produção e de
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vida atuam como fatores protetores ou destrutivos na determinação da saúde
(ALMEIDA-FILHO, 1999; BREILH, 2010; CARVALHO, 2013; LOYOLA, 2012).
Esse entendimento se opõe ao modelo biomédico, no qual a saúde é
encarada como ausência de doença. O modelo biomédico tornou-se hegemônico a
partir do século XIX, com os grandes progressos realizados no estudo da biologia,
como o surgimento da microbiologia e a compreensão dos processos fisiológicos
(SCLIAR, 2007). Nessa concepção, a doença e seu lócus, o corpo humano, são os
focos principais da investigação e do interesse dos profissionais, deixando-se de
considerar outros elementos relevantes que podem interferir no processo saúde-
doença (PRATTA, SANTOS, 2009).
Carvalho e Buss (2012) apontam que a frustação com esse modelo fez com
que surgissem, em várias partes do mundo, pensamento crítico ao modelo biomédico,
buscando revalorizar os determinantes sociais e culturais do processo saúde-doença.
Isso se difere das abordagens em que a prioridade estava em combater a doença
quando já instalada.
Tal pensamento crítico, segundo esses autores, diversificado em distintas
referências conceituais, teve sua expressão mais organizada no movimento da
promoção da saúde, que se consolidou em 1986, a partir da 1ª Conferência
Internacional de Promoção da Saúde, realizada em Ottawa, no Canadá6.
É possível perceber que o conceito da Determinação Social da Saúde
influenciou o resultado da Conferência e serviu como base teórica para a Carta de
Ottawa. Na Carta de Ottawa, a Promoção da Saúde tem como foco de ação os
determinantes gerais sobre a saúde.
Saúde é assim entendida como produto de um amplo espectro de fatores relacionados à qualidade de vida, como padrões adequados de alimentação e nutrição, habitação e saneamento, trabalho, educação, ambiente físico limpo, ambiente social de apoio a famílias e indivíduos, estilo de vida responsável e um espectro adequado de cuidados de saúde (CARVALHO; BUSS, 2012, p. 131).
Buss e Pellegrini Filho (2007, p. 76) apontam que existem diversas definições
para o conceito de Determinantes Sociais de Saúde (DSS), mas, entre eles, já é
6 Essa Conferência teve como resultado a Carta de Ottawa sobre Promoção a Saúde (CARVALHO, BUSS, 2012).
23
bastante generalizado que as “condições de vida e trabalho dos indivíduos e de grupos
da população estão relacionadas com sua situação de saúde”.
Engels, em 1845, já evidenciava essa relação em sua clássica obra A situação
da classe trabalhadora na Inglaterra. Nesse estudo, o autor relata que as
transformações ocorridas na Inglaterra, decorrentes do processo de industrialização,
produziram impacto diferente, de acordo com a classe social e a condição de vida,
resultando na forma de adoecer e morrer da população. Tendo por base relatórios
oficiais da época, traz como exemplo que: “Em Manchester, [...] mais de 57% dos
filhos de operários morrem antes de completar 5 anos, ao passo que essa taxa é de
20% para os filhos das classes mais altas e, nas zonas rurais, a média é de 32%”
(ENGELS, 2010, p. 147).
Para Fleury-Teixeira (2009), a determinação social da saúde encontra fortes
evidências, quer seja na análise histórica, quer seja em pesquisas epidemiológicas
contemporâneas. O autor aponta que alguns fatores, como a alteração das condições
sociais da população, por si só, podem controlar ou mesmo erradicar problemas de
saúde, como a tuberculose, e vai além, ao relacionar que a qualidade e o padrão das
relações sociais são fatores que possuem inquestionável determinação sobre a
saúde.
Almeida-Filho (2010), ao analisar estudos teóricos e doutrinários sobre o
tema, destaca que, nas últimas décadas, tanto na literatura nacional como
internacional, observa-se um incremento no estudo das relações entre a maneira
como se organiza e se desenvolve uma determinada sociedade e a situação de saúde.
Ao avaliar os eixos teóricos desses estudos, o autor observou a existência
hegemônica de referenciais vinculados ao materialismo histórico, chamando a
atenção para aquelas que “tratam das dimensões políticas dos processos de produção
(condições de trabalho) e reprodução (estrutura de classes) da sociedade” (ALMEIDA-
FILHO, 2010, p. 13). O autor ressalta que o ponto central das pesquisas empíricas e
teóricas se aproxima de temas clássicos da pesquisa social em saúde, tais como
estresse, pobreza e miséria, exclusão e marginalidade, incorporados à pauta de
investigação como efeito de desigualdades sociais.
A presente pesquisa, em consonância com o exposto acima e concordando
com Fleury-Teixeira e Bronzo (2010), considera que a determinação social da saúde
está diretamente ligada às relações econômicas e macrossociais, as quais são
definidas no plano mundial, fazendo-se presentes na vida individual, por meio de
24
mediações, além de estabelecer as condições de existência próprias, comuns dos
diversos grupos sociais. Esses autores, baseando-se na obra de Marx, afirmam que:
“As condições materiais de produção e as características sociais gerais de uma
sociedade são, efetivamente, a base para o padrão sanitário de um povo, assim como
a posição de cada indivíduo na sociedade é uma base da própria saúde” (FLEURY-
TEIXEIRA, BRONZO, 2010, p. 38).
Dentre os modelos explicativos da Determinação Social da Saúde, optou-se,
face ao exposto, pelo proposto por Dahlgren e Whitehead, em 1991. Esse modelo
busca demonstrar a forma de atuação dos DSS sobre as iniquidades em saúde nos
grupos sociais, distribuindo em camadas, conforme níveis de abrangência, como
observado na figura 1, a seguir (BRASIL, 2008):
Figura 1 - Modelo de determinação social da saúde proposto por Dahlgren e Whitehead (1991). Fonte: Brasil (2008, p.14).
O modelo de DSS de Dahlgren e Whitehead foi adotado pela Comissão
Nacional sobre Determinantes Sociais de Saúde (CNDSS) (BRASIL, 2008). A referida
comissão apresentou seu relatório oficial, em 2008, contendo recomendações que
indicam a necessidade da construção de espaços institucionais para o enfrentamento
dos DSS. Dentre as recomendações da CNDSS, destaca-se aqui a ênfase dada à
25
necessidade de ações intersetoriais, relacionadas à promoção da saúde na infância e
adolescência (CARVALHO; BUSS, 2012).
Portanto, pode-se observar que os estudos que fundamentam a teoria da
determinação social da saúde trazem a compreensão de que a saúde é resultado de
um amplo espectro de fatores; assim, de forma crítica, propõem que sejam adotadas
formas de intervenções que ultrapassem as práticas médico-assistenciais, como as
fundamentadas nos princípios da Promoção à Saúde. Lobato e Giovanella (2012)
defendem que as ações de promoção à saúde fazem parte dos serviços de saúde,
mas não se restringem a elas e, no geral, ultrapassam suas fronteiras. No mesmo
sentido, a Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO),
por meio do Grupo de Trabalho sobre Promoção da Saúde e Desenvolvimento Social,
definiu como parte de sua agenda três planos de ação no enfrentamento da
determinação do processo saúde doença, os quais são: plano de atenção à saúde,
com esforço na mudança da lógica assistencial; plano de gestão das políticas
públicas, envolvendo o esforço de intersetorialidade; e plano de políticas de
desenvolvimento, com políticas voltadas para a distribuição equânime dos recursos
sociais produzidos (CARVALHO; BUSS, 2012). Reconhece, dessa forma, a
necessidade do desenvolvimento de ações intersetoriais como parte do esforço para
a implementação de políticas públicas voltadas à Promoção da Saúde.
É possível observar, portanto, que o conceito da intersetorialidade possui
relação com a concepção de DSS e a compreensão sobre Promoção da Saúde.
Verifica-se essa relação quanto às principais políticas direcionadas a crianças e
adolescentes no Brasil. Exemplo disso é o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA),
que, filiado à Doutrina da Proteção Integral das crianças e adolescentes, preconiza a
necessidade de ações intersetoriais como forma de se garantir os direitos
fundamentais dessa parcela da população.
3.2 DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL
A Doutrina da Proteção Integral (DPI) é considerada um significativo avanço
em termos de proteção aos direitos fundamentais de crianças e adolescentes
(BRASIL, 2014a), servindo como base para as principais legislações que
regulamentam a política pública, voltada a essa população. Produto de evolução
26
histórica, no Brasil, a DPI foi precedida pela Doutrina da Situação Irregular que,
anteriormente, orientava as legislações referentes a essa população.
Somente há pouco tempo, crianças e adolescentes foram consideradas
sujeitos de direito. Bidarra e Oliveira (2007) destacam que a criança foi adquirindo o
direito à proteção e à autodeterminação, no bojo do movimento pela afirmação dos
direitos humanos. O primeiro passo foi conquistar a condição de “pessoa” e, a partir
disso, importantes mudanças na percepção sobre as crianças e a fase da infância
ocorreram. As autoras relatam como marco inicial, na luta pelo reconhecimento de
direitos desse grupo populacional, o caso ocorrido nos Estados Unidos, em 1874, com
a criança Mary Ellen.
Mary Ellen, filha de imigrantes irlandeses, ficou órfã de pai e após três anos, sua mãe a entregou ao Departamento de Caridade de Nova York por não ter condições financeiras de sustentá-la. A criança foi entregue a um casal que falsamente se dizia parente da mesma e por seis anos foi objeto de maus tratos: ela era proibida de sair de casa, não tinha roupas para protegê-la do frio do inverno, nem cama para dormir. Mary Ellen tinha ferimentos e cicatrizes por todo o corpo, era forçada a trabalhos domésticos e apesar de ter nove anos na época da denúncia, tinha peso e altura de uma criança de cinco anos devido à desnutrição. Os vizinhos e a proprietária da casa onde a criança vivia com o casal tentaram intervir no caso sem sucesso. Desesperados, procuraram uma assistente social da Igreja Metodista que começou uma longa batalha para salvar a criança. A polícia não podia fazer nada sem provas concretas de agressão; também não havia precedentes que autorizassem uma intervenção jurídico-estatal na vida privada da criança e da família que por ela era responsável. A única maneira encontrada foi processar os responsáveis pela criança com base na Lei de Proteção aos Animais, alegando que as crianças são membros do reino animal e deveriam ser protegidas pelo Estado contra os maus tratos de seus “proprietários” (BIDARRA; OLIVEIRA, 2007, p. 165-166).
No Brasil, somente na década de 1920, surge a primeira legislação sobre o
tema da assistência e proteção às crianças e adolescentes. O Código de Menores
Mello Mattos7, de 1929, a primeira legislação do tipo no Brasil e América Latina,
reconhecia a situação de pobreza como geradora de “crianças abandonadas” e
“jovens delinquentes”. O Código Mello Mattos perdurou até 1979, quando foi
substituído pelo Código de Menores8 (BIDARRA; OLIVEIRA, 2007; BRASIL, 2014a).
Essas, que foram as primeiras legislações que tratam de crianças e adolescentes no
7 Decreto nº 17.943-A, de 12 de outubro de 1927. 8 Lei nº 6.697, de 10 de outubro de 1979.
27
Brasil, eram baseadas na chamada Doutrina da Situação Irregular. Essa Doutrina se
utilizava do termo jurídico “menor” e era destinada para crianças e adolescentes em
"perigo material ou moral” (CIARALLO; ALMEIDA, 2009).
Bidarra e Oliveira (2007) destacam que o termo “menor” não era utilizado para
classificar uma determinada faixa etária da população. Para a Doutrina da Situação
Irregular, somente eram considerados menores os pertencentes dessa faixa etária
que se encontrassem “em situação irregular”.
Para Baranoski (2016, p. 41), ao analisar o artigo 2º do Código de Menores,
de 1979, o termo “situação irregular” compreendia aquelas situações nas quais
ocorriam privações a condições de subsistência, saúde e educação, devido à omissão
dos pais ou responsáveis e, ainda, “situação de castigos, maus-tratos, perigo moral,
falta de assistência legal, desvio de conduta por inadaptação familiar ou comunitária
e autoria de infração penal”.
Do ponto de vista da assistência de crianças e adolescentes, essa Doutrina
teve como resultado o surgimento de instituições filantrópicas, organizadas sob a
lógica do isolamento dos “desviantes”. Hoje, se reconhece que a institucionalização
foi utilizada como forma de privação de liberdades, “muitas vezes em detrimento do
atendimento das necessidades de crianças e adolescentes”, segregando os “pobres,
autores de atos infracionais, com deficiências e com transtornos mentais, entre outros
tidos como incapazes” (BRASIL, 2014a, p.9), evidenciando um forte viés
discriminatório.
Simultaneamente, no plano internacional, importantes instituições já vinham
avançando no reconhecimento da necessidade de proteção da infância e na garantia
de direitos fundamentais. Dentre esses, pode-se citar: a “Carta da Liga sobre
Crianças”, de 1924, aprovada pela Assembleia Geral da Liga das Nações; a
“Declaração Universal dos Direitos Humanos”, de 1948, aprovada pela Assembleia
Geral das Nações Unidas; a “Declaração dos Direitos da Criança” (Resolução n.
1386), em 1959, aprovada pela Organização das Nações Unidas (ONU); e a
Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de 1989, também
aprovada pela ONU (BIDARRA; OLIVEIRA, 2007).
A Convenção sobre o Direito das Crianças consolidou a visão de criança e do
adolescente como sujeitos de direitos, pois adotou a “concepção da proteção integral
à população infanto-juvenil, e reconhece a esse segmento os direitos de todos os
cidadãos” (FARINELLE; PIERINI, 2016, p.64). Esse entendimento se consolida no
28
ordenamento jurídico brasileiro, em 1988, com a inclusão, no artigo 227 da
Constituição Federal da DPI. Consta na Constituição que:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988, p. 144).
Para Baranoski (2016), a adoção da DPI pela Constituição Federal de 1988
trouxe o entendimento de que crianças e adolescentes são sujeitos de direito,
diferentemente da Doutrina da Situação Irregular, na qual a juventude era vista apenas
como objeto de proteção social, controle ou disciplinamento.
Em 1990, tendo como base os ideais contidos na Constituição Federal, artigo
227, e nos compromissos firmados pelo Brasil no plano internacional, principalmente
na já citada Convenção sobre os Direitos da Criança, em 1989, foi aprovado, no
Congresso Nacional, o ECA9 (CIARALLO, ALMEIDA, 2009).
É possível afirmar que, com o artigo 227 da Constituição Federal e o ECA,
houve a superação, no plano jurídico, da Doutrina da Situação Irregular, que norteava
o entendimento e ações do Código de Menores. A DPI assenta-se em três princípios
básicos: Crianças e adolescentes como sujeitos de direitos; destinatários de absoluta
prioridade; e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento (FARNELLI;
PIERINI, 2016; VOLPI, 2005 apud JIMENEZ; FRASSETO, 2015).
Nessa perspectiva, o ECA traz a proibição ao acesso de crianças e
adolescentes ao álcool e outras substâncias que possam causar dependência física
ou psíquica10 (BRASIL, 1990). No que se refere ao direito à saúde, o ECA, no artigo
11º, estabelece que: “É assegurado acesso integral às linhas de cuidado voltadas à
saúde da criança e do adolescente, por intermédio do Sistema Único de Saúde,
observado o princípio da equidade no acesso a ações e serviços para promoção,
proteção e recuperação da saúde” (BRASIL, 1990, p. 3).
Em relação ao atendimento que deve ser prestado como forma de garantir a
proteção integral a essa população, o ECA preconiza que as ações intersetoriais
9 Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990 e atualizações 10 Nova redação dada pela Lei nº 13.106, de 2015.
29
devem ser adotadas. É possível verificar isso no artigo 86º: “A política de atendimento
dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado
de ações governamentais e não-governamentais, da União, dos estados, do Distrito
Federal e dos municípios” (BRASIL, 1990, p. 22).
Observa-se, portanto, o reconhecimento de que ações de intersetorialidade são
necessárias para garantir os direitos fundamentais, entre eles, da saúde de crianças
e adolescentes usuários de substâncias psicoativas. O conceito de intersetorialidade
passa a ser discutido a seguir.
3.3 INTERSETORIALIDADE
Importantes instituições e organizações formuladoras de políticas ligadas ao
setor saúde também defendem a necessidade da articulação intersetorial como forma
de reverter a fragmentação existente, no que diz respeito às políticas de saúde de
forma geral e, mais especificamente, de saúde mental e de drogas.
Como exemplos, pode-se citar, conforme aponta Akerman et al. (2014): a
Declaração de Alma Ata11, que, em 1978, já evidenciava a importância da
intersetorialidade ao afirmar que, para a obtenção do mais alto nível possível de
saúde, é necessária a “ação de muitos outros setores sociais e econômicos, além do
setor saúde”; a questão da intersetorialidade é tratada, também, segundo os autores,
na 8º Conferência Nacional de Saúde, em 1986, na Carta de Ottawa, em 1986, na
Declaração Política do Rio sobre DSS, em 2011, entre outros.
O documento “Renovação da Atenção Primária em Saúde das Américas”,
publicado pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), define a
intersetorialidade na saúde como a ação conjunta desse setor com outros setores e
atores - como a educação, assistência social, trabalho/emprego, entre outros - para
garantir que as políticas públicas e programas maximizem seu potencial de
contribuição com a saúde e o desenvolvimento humano (OPAS/OMS, 2007).
Esse entendimento também está presente em normas legais no Brasil. A
Portaria Ministerial nº 4279, de 30 de dezembro de 2010, estabelece diretrizes para a
organização da rede de atenção à saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde
11DECLARAÇÃO DE ALMA-ATA - CONFERÊNCIA INTERNACIONAL SOBRE CUIDADOS
PRIMÁRIOS DE SAÚDE, Alma-Ata, URSS, 6-12 de setembro de 197 8, disponível em: http://cmdss2011.org/site/wp-content/uploads/2011/07/Declara%C3%A7%C3%A3o-Alma-Ata.pdf
30
(SUS), trata a intersetorialidade como um dos atributos das Redes de Atenção à
Saúde (RAS) (BRASIL, 2010) e, ainda, a portaria MS/GM Nº 3.088/2014 indica a
intersetorialidade como uma das diretrizes da RAPS, sendo uma forma de garantir a
integralidade do cuidado (BRASIL, 2011).
No mesmo sentido, outros setores e políticas também passaram a defender a
articulação intersetorial, com vistas a superar a fragmentação setorial; como exemplo
destaca-se o Plano Nacional de Educação (PNE), o Sistema Único de Assistência
Social (SUAS), o ECA, entre outros (BRASIL, 2014b; PEREIRA; TEIXEIRA, 2013).
Monnerat e Souza (2014) observaram que, a partir da década de noventa, no
Brasil, muitos programas federais traziam consigo a articulação das ações setoriais
de políticas públicas como pressuposto. Entretanto, enfatizam que essas experiências
intersetoriais, induzidas pelo nível federal da gestão das políticas públicas,
demonstram-se frágeis e descontínuas, pois cada ação é encarada como ação de um
determinado setor e/ou ministério e não como uma meta a ser atingida por todos.
Acrescentam, ainda, que, pelo peso da tradição setorizada, característica das
iniciativas estatais na área social, o resultado, muitas vezes, traduz-se em conflitos na
divisão de recursos públicos, agravado por disputas político-partidárias.
Para compreender melhor a temática, torna-se necessário conceituar alguns
termos, sendo eles: intersetorialidade, rede Intersetorial, rede setorial e práticas
fragmentadas.
Pereira (2014, p.23) problematiza que o termo intersetorialidade é dotado de
vários significados, sendo um conceito polissêmico. Aponta que o termo tem sido
considerado como “uma nova lógica de gestão, que transcende um único setor da
política social, e/ou uma estratégica política de articulação entre setores sociais
diversos e especializados”. Também, pode ser entendido, segundo a autora, como um
“instrumento de otimização de saberes; competências e relações sinérgicas, em prol
de um objetivo comum” e ainda como uma “prática social compartilhada, que requer
pesquisa, planejamento e avaliação para a realização de ações conjuntas”. De forma
concisa, Lavoratti (2013) define o tema como a articulação entre as políticas públicas,
visando potencializar as ações desenvolvidas.
A partir desses conceitos, é possível entender a intersetorialidade ou as ações
intersetoriais como ações que visam à superação de práticas fragmentadas. A essa
compreensão de intersetorialidade, agrega-se a concepção de Marx (2017) sobre o
processo de trabalho, considerado uma atividade humana orientada a um fim. Embora
31
Marx trate o processo de trabalho na sua forma simples e abstrata, os conceitos
convergem à medida em que o trabalhador tem o domínio sobre o seu trabalho. O
trabalho Intersetorial apresenta peculiaridades do trabalho intelectual desenvolvido
por trabalhadores técnicos. Além disso, é um trabalho coletivo, uma vez que envolve
não só distintas profissões de um mesmo setor e/ou política pública, mas também
profissões de diferentes setores e/ou políticas públicas. Em muitos sentidos,
assemelha-se com o trabalho em saúde, pois, conforme destacam Malta e Merhy
(2003, p. 62), esse é um processo que “envolve a atuação de um conjunto de
categorias e indivíduos que compartilham recursos técnicos e cognitivos, portanto a
produção depende do trabalho coletivo” (MALTA; MERHY, 2003, p. 62).
Nesse processo de trabalho coletivo, os instrumentos utilizados são a gestão
da rede, seus instrumentos de comunicação, protocolos, os fluxos de atendimentos,
formulários, entre outros.
Nessa perspectiva e tendo como objetivo a superação de práticas
fragmentadas, destacam-se, em alguns municípios do Brasil, as chamadas rede
intersetoriais. Essas redes podem ser compreendidas como o espaço em que
participam as principais políticas direcionadas ao enfrentamento de demandas
complexas, como é o do uso de SPA por crianças e adolescentes. Ou seja, as redes
intersetoriais são os espaços nos quais ocorrem e se operacionalizam as ações
intersetoriais; é onde o trabalho Intersetorial se realiza.
O termo rede, nesse caso, segundo Lavoratti (2013), pode ser considerado
uma estratégia operacional que supera a lógica de fatiamento das ações do governo
por setores/áreas e que potencializa o resultado dos programas, serviços e ações
governamentais. Para essa autora, redes intersetoriais sugerem a ideia de articulação,
conexão, vínculos, ações complementares, relações horizontais entre parceiros,
interdependência de serviços/ações/programas, para garantir a atenção integral aos
segmentos vulneráveis.
As redes intersetoriais buscam integrar e articular as redes setoriais. As redes
setoriais, conforme apontam Quinderé, Jorge e Franco (2014), passaram a estar
presentes nas formulações das políticas de saúde, com a instituição do SUS, nos anos
1980/1990. A Portaria Ministerial nº 4.279/2010 define as RAS – rede setorial de saúde
como o arranjo organizativo de “ações e serviços de saúde, de diferentes densidades
tecnológicas que, integradas por meio de sistemas de apoio técnico, logístico e de
gestão, buscam garantir a integralidade do cuidado” (BRASIL, 2010, p. 4). Além das
32
redes de saúde, as redes setoriais compreendem, ainda, a rede de ensino, rede de
assistência social, entre outras.
Dentre as redes de saúde existentes, este trabalho enfoca a RAPS. A Portaria
do Ministério da Saúde Nº 3.088/2011, em seu Artigo 2º, estabelece como diretrizes
para o funcionamento da RAPS, entre outros, a:
[...] promoção da equidade, reconhecendo os determinantes sociais da saúde; [...] garantia do acesso e da qualidade dos serviços, ofertando cuidado integral e assistência multiprofissional, sob a lógica interdisciplinar; […] e organização dos serviços em rede de atenção à saúde regionalizada, com estabelecimento de ações intersetoriais para garantir a integralidade do cuidado (BRASIL, 2011, p. 1-2).
Observa-se, com isso, que ações intersetoriais são preconizadas como
diretriz para o funcionamento de uma rede setorial. A intersetorialidade, por meio de
redes intersetoriais, se apresenta como alternativa, no que se refere às formas de
organização ou reorganização do processo de trabalho.
Entretanto, ainda hoje, observa-se que, mesmo com o reconhecimento de que
a intersetorialidade é uma estratégia para superar as práticas fragmentadas, os
avanços nessa área têm ocorrido lentamente. Autores procuram explicar esse
fenômeno sob diversos aspectos, apontando formas de superar a problemática.
Costa et al. (2015) estudaram redes de saúde e apontam que práticas
fragmentadas dificultam a aplicação da política de saúde para usuários de substâncias
psicoativas. Nesse caso, os autores caracterizam práticas fragmentadas pela
ausência de diálogo/interação entre atores e setores que constituem a rede de saúde,
polarizações entre serviços ambulatoriais ou hospitalares e falta de comunicação
entre os diferentes pontos de atenção.
Autores destacam o papel dos gestores nesse processo. Para Bellini et al.
(2014), a ruptura com formas fragmentadas e setorializadas passa pelo seu
convencimento, pois, segundo o autor, esses fatores têm o poder de promover, criar
e editar ações concretas na direção da intersetorialidade.
Para Moysés, Moysés e Krempel (2004), a fragmentação ocorre pela ausência
do que ele chama de cultura intersetorial:
A dificuldade de romper as relações tradicionais de trabalho, em que o segmento que detém o poder acaba prevalecendo nos processos de decisão, aliada à dificuldade de profissionais de saúde em olhar para
33
além do objeto específico de sua atuação, muitas vezes em situações contaminadas pelo corporativismo profissional, caracterizam aspectos
da cultura institucional geral do setor público (MOYSÉ; MOYSÉ; KREMPEL 2004, p. 631).
Pereira (2014, p.18) problematiza que o desafio para o desenvolvimento de
práticas intersetoriais está em enfrentar a “lógica dominante da ciência moderna que
continua a valorizar a segmentação dos campos de conhecimento e ação e,
consequentemente, a fortalecer a esquizofrenia intelectual e operativa”.
Partindo do exposto até então, a intersetorialidade é entendida como um
conjunto de ações humanas, orientadas para a superação de práticas fragmentadas.
Portanto, acredita-se que a superação das práticas fragmentadas é fundamental para
a garantia do direito à proteção integral às crianças e adolescentes usuárias de SPA,
conforme consagrado na legislação.
Tendo por base os conceitos expostos até o momento, sobre a compreensão
do processo saúde-doença e da promoção da saúde, em consonância com a DPI,
parte-se do princípio de que a organização de redes intersetoriais é uma importante
estratégia de enfrentamento das questões complexas, percebidas no dia a dia dos
serviços públicos, especificamente, no trabalho com crianças e adolescentes usuários
de SPA. Essa estratégia visa potencializar os impactos das políticas públicas e à
garantia de direitos, bem como à superação do trabalho setorizado e paralelo. Nessa
perspectiva, cada política setorial (habitação, cultura, saúde, assistência, economia,
entre outras) se insere em uma malha de redes em diferentes modalidades,
permitindo, dessa forma, efetivamente, intervir nos DSS que influenciam as crianças
e adolescentes no abuso de SPA.
Com essa exposição, procurou-se explicitar o referencial teórico que será
utilizado na construção do entendimento do fenômeno em estudo. A seguir, será
exposto o caminho metodológico para obtenção e análise dos dados acerca das redes
existentes em Cascavel – PR, para o atendimento de crianças e adolescentes
usuários de SPA.
34
4. METODOLOGIA
4.1 REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO
O processo de construção da experiência intersetorial em Cascavel, acredita-
se, é resultado de um trabalho humano coletivo, complexo, social, provisório e
histórico, com o objetivo de transformar essa dada realidade.
Com essa compreensão, para seu estudo, optou-se, dentre as correntes de
pensamento, por utilizar o arcabouço teórico do materialismo histórico12, o qual parte
dos seguintes pressupostos: 1. O conhecimento é uma construção que se faz a partir
de outros conhecimentos sobre os quais se exercita a apreensão, a crítica e a dúvida;
2. As ideias sobre os fatos são sempre mais imprecisas, mais parciais, mais
imperfeitas do que ele; 3. Nada pode ser intelectualmente um problema, se não tiver
sido, em primeira instância, um problema na vida prática; e, 4. O olhar sobre o
fenômeno está condicionado historicamente pela posição do investigador e pelas
correntes de pensamento em conflito na sociedade (MINAYO, 2010).
No materialismo, a abordagem da realidade efetiva-se pela dialética. Para
Minayo (2010), a dialética reconhece a realidade como processo histórico, provisório
e em transformação. Kosik (1985, p.43) afirma que a “dialética marxista concebe o
real como um todo estruturado que se desenvolve e se cria”. Para Vázquez (2011),
com o materialismo, os fenômenos são analisados buscando se aproximar de sua
totalidade; para isso, procura conhecer a relação entre as partes e o todo (VÁZQUEZ,
2011).
Minayo (2010) destaca que, quando se abordam as questões de
saúde/doença do ponto de vista marxista, esses fenômenos são colocados em relação
com a totalidade social, com cada uma de suas instâncias dentro da especificidade
histórica de sua manifestação.
Tendo por base o arcabouço teórico do marxismo e a natureza do fenômeno
12 Os termos materialismo histórico, marxismo, dialética marxista, não obstante suas diferenças históricas conceituais, as quais se compreende e respeita, para fins didáticos, serão utilizados neste texto como sinônimos.
35
estudado, optou-se por realizar uma pesquisa do tipo qualitativo, descritivo e
exploratório.
4.2 TIPO DE PESQUISA
Para Minayo (2010), a utilização de metodologias qualitativas é importante na
construção do conhecimento sobre saúde, visto que os fenômenos referentes a essa
área são complexos e dinâmicos, sendo indispensável esse reconhecimento para
tratá-lo cientificamente. Marconi e Lakatos (2011, p. 269) apontam que a metodologia
qualitativa “preocupa-se em analisar e interpretar aspectos mais profundos,
descrevendo a complexidade do comportamento humano. Fornece análise mais
detalhada sobre as investigações, hábitos, atitudes, tendências de comportamento,
etc.”
Como a REDE está em construção e necessita de pesquisas científicas que
contribuam para o seu desenvolvimento, optou-se por desenvolver uma pesquisa
descritiva e exploratória, visto que essas metodologias de pesquisa favorecem o
entendimento de objetos pouco estudados, conforme Gil (2007) e Köche (2009).
A pesquisa descritiva permite constatar e avaliar o fenômeno na medida em
que este “se manifesta espontaneamente, em fatos, situações e nas condições que já
existem” (KÖCHE, 2009, p.124). Utiliza-se de levantamento bibliográfico, documental
e entrevistas, na busca por maior familiaridade com a temática (GIL 2007).
Já a pesquisa exploratória visa à descrição das características do fenômeno
por meio da definição do marco teórico conceitual, da utilização de instrumento para
a coleta de dados, bem como observação sistemática e exploração do campo
(MINAYO, 2010; GIL, 2007).
De forma operacional, foram utilizadas: a pesquisa bibliográfica, com intuito de
obter aproximação com a temática, por meio da análise de dados e categorias já
trabalhados por outros pesquisadores (SEVERINO, 2007); pesquisa documental, para
a análise de atas de reuniões, livros de registros, documentos oficiais e outros
produzidos pelos diversos serviços integrantes da rede estudada, cujo roteiro de
obtenção dos dados encontra-se no Apêndice A, pois documentos são considerados
fontes ricas e estáveis de dados (GIL, 2007); e a aplicação de entrevistas
semiestruturadas, com roteiro apresentado no Apêndice B, efetivada com
36
trabalhadores dos serviços que compõem as redes.
4.3 CAMPO DE PESQUISA
Essa pesquisa estudou a RAPS e sua articulação com outros serviços que
atendem crianças e adolescentes usuários de SPA no município de Cascavel. Todos
esses serviços se organizam na REDE.
Dos serviços que compõem a RAPS, foram aplicadas entrevistas para
profissionais que pertencem aos Centro de Atenção Psicossocial – Álcool e Droga
(CAPS AD) - e à Unidade de desintoxicação/HUOP, ambos serviços de saúde
especializados no atendimento a usuários de álcool e outras drogas, conforme a
Portaria MS/GM 30.88/11 (BRASIL, 2011).
O CAPS AD de Cascavel é um serviço municipal, responsável pelo
atendimento multiprofissional de crianças e adolescentes que fazem uso prejudicial
de SPA. Realiza o acompanhamento e tratamento clínico ambulatorial, buscando
reinserir o indivíduo à sociedade, além de incentivar sua autonomia (BRASIL, 2011).
Em estudo que buscou traçar o perfil dos atendimentos nesse serviço, constatou-se
que, no período estudado, a taxa de abandono ao tratamento foi superior a 50%,
havendo prevalência de atendimento de adolescentes do sexo masculino na faixa
etária dos 15 anos, escolaridade do 6º ao 9º ano e índice de reprovação de 48,85%.
A renda familiar foi de um salário mínimo. Dos casos estudados, 41,03% foram
encaminhados pelo Conselho Tutelar, sendo que 58,46% dos adolescentes já haviam
cometido algum tipo de ato infracional. A droga mais consumida foi maconha
(COSTACURTA; TOSO; FRANK; 2015).
A ala de desintoxicação do HUOP foi implementada por força de ação judicial,
em 2007. Atende crianças e adolescentes usuários de SPA. Referência nesse tipo de
atendimento para as regiões oeste e sudoeste do Paraná, é considerado o
componente hospitalar da RAPS. O HUOP é um hospital estadual geral de ensino da
região oeste do Paraná (BRASIL, 2011; SILVA, 2018). Pesquisa que caracterizou os
atendimentos na unidade, encontrou que a maioria dos pacientes eram do sexo
masculino (76,5%), concentrando-se na faixa etária dos 15 anos. Destes, 89,9%
possuíam o ensino fundamental incompleto e mais de 60% estavam fora da escola. A
renda média dos familiares era de um a dois salários mínimos. A SPA mais consumida
37
foi a maconha (59,2%). Ainda, 92% dos casos já estiveram envolvidos com atividades
ilícitas, sendo que, desses, 18,2% cumpriram medidas socioeducativas, 17,5%
estavam em cumprimento de medida de Prestação de Serviço à Comunidade (PSC),
11,0% em Liberdade Assistida (LA), 2,6% estava em cumprimento de medidas com
privação da liberdade (SILVA, 2018).
Os demais entrevistados pertencem a outros serviços que também atendem
a essa população, mas não de forma especializada, sendo eles o Programa de
Prevenção e Combate à Evasão Escolar, o Serviço Auxiliar da Infância e Juventude
(SAI), o Conselho Tutelar (CT) e o CREAS II.
O Programa de Prevensão e Combate à Evasão Escolar foi implantado em
2011, por meio de acordo entre o Núcleo Regional de Educação (NRE) e a Prefeitura
Municipal de Cascavel, Ministério Público do Paraná e Vara da Infância e Juventude.
Tem como objetivo a reinserção de crianças e adolescentes evadidos das redes
municipal e estadual de ensino do município de Cascavel-PR. Dados revelam que, em
2011, o município apresentou 1.638 casos de evasão escolar em um universo de
61.428 matrículas, número que representava 2,7% de abandono. No ano de 2014,
houve 4.001 atendimentos pela equipe do Programa, dos quais 1.098 foram
demandas das escolas municipais, correspondendo a 4,46% e 2.903 dos colégios
estaduais, correspondendo a 17,74% (SILVEIRA, 2016).
O Serviço Auxiliar da Infância e Juventude atende crianças e adolescentes
em situação de risco, bem como suas famílias. Fornece suporte técnico-psicológico e
de assistência social ao Juizado da Infância e Juventude, oferecendo subsídios por
meio de relatórios, laudos, audiências, além de desenvolver trabalhos de
aconselhamento, orientação, encaminhamento, prevenção (CASCAVEL, 2018).
O Conselho Tutelar é um órgão responsável por fiscalizar o cumprimento dos
direitos previstos pelo ECA (BRASIL, 1990). Em Cascavel, existem três CT – Sul,
Leste, Oeste - com 15 conselheiros tutelares eleitos (CASCAVEL, 2019b). Dados do
SIPIA13 CT Web revelam que, de 2010 a 2019, em Cascavel, houve 15.952 violações
de direitos atendidos pelo CT, sendo que 52% eram do sexo masculino e 48% do sexo
feminino. Desses, 8% diziam respeito à violação do direito à saúde, 49% à convivência
familiar e comunitária, 31,6% educação, cultura, esporte e lazer, 0,7%
13 O SIPIA é um sistema nacional de registro e tratamento de informações sobre a garantia e defesa dos direitos fundamentais preconizados no ECA. No SIPIA-CT Web, a base do sistema é o Conselho Tutelar (SIPIA, 2019).
38
profissionalização e prática no trabalho e 10,9% relacionado à violação do direito à
liberdade, respeito e dignidade (SIPIA, 2019).
O CREAS II é um serviço municipal ligado à Secretaria de Assistência Social.
Oferece atendimento especializado ao adolescente autor de ato infracional pela
execução de Medidas Socioeducativas14 (MSE) de LA e PSC (POSSAMAI; FABRIS,
2011). Dados divulgados pela Prefeitura de Cascavel-PR demonstram que os
adolescentes com idades de 12 a 15 anos, em cumprimento de PSC e LA,
correspondiam a 30% do total no ano de 2015. Dos 114 adolescentes nessa faixa
etária, 78% eram do sexo masculino. Os três maiores motivos que levaram à execução
de MSE, no ano de 2015, à população de 12 a 15 anos, foram tráfico (20%), furto
(20%) e roubo (12%) (CASCAVEL, 2016).
4.4 POPULAÇÃO E AMOSTRA
Para a escolha dos participantes entrevistados, foi utilizado o recurso
metodológico da amostragem intencional. Essa escolha justifica-se para este trabalho
pois, como se trata de pesquisa qualitativa, a preocupação maior está no
aprofundamento, na abrangência e na diversidade do processo de compreensão do
tema, de modo que todos os serviços foram incluídos, com pelo menos um
representante de cada setor.
A amostragem intencional busca a seleção de elementos para compor a
amostra, de forma que possam espelhar certas dimensões do contexto e sua
construção histórica (MINAYO, 2010). Para Fontanella (2008), com a amostra
intencional, o desempenho de um atributo, por indivíduos típicos, quanto a
determinado parâmetro em investigação, pode revelar funções ou características
representativas do contexto estudado.
Os trabalhadores pesquisados foram representantes de serviços das políticas
públicas diretamente relacionadas ao atendimento de crianças e adolescentes
usuários de SPA, que participam da REDE, com pelo menos seis meses de atuação.
Todos aceitaram participar da pesquisa mediante a assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice C).
14 O ECA estabelece, em seu artigo 112, as medidas socioeducativas aplicadas a crianças e adolescentes, segundo a gravidade do ato infracional cometido, sendo: advertência, obrigação de reparar danos, PSC, LA, semiliberdade e internação.
39
As entrevistas foram realizadas com seis profissionais, todos eles com ensino
superior, sendo três assistentes sociais, uma psicóloga e dois pedagogos. Todos
trabalham diretamente com crianças e adolescentes usuários de SPA. Quatro são
funcionários públicos efetivos do executivo, dois estaduais e dois municipais, um da
justiça estadual e um não servidor público efetivo, no Conselho Tutelar, vinculado ao
Conselho Municipal dos Direitos das Crianças e Adolescentes. Estão distribuídos
conforme a área de atuação, sendo dois componentes da RAPS (um serviço
ambulatorial municipal e outro hospitalar, ambos especializados em crianças e
adolescentes usuários de SPA), um ligado à equipe técnica do judiciário (Vara da
Infância e Juventude), uma do serviço de socioeducação municipal, um do serviço de
educação estadual (Programa Evasão Escolar) e uma do sistema de garantia de
direitos municipal (Conselho Tutelar).
Foram excluídos somente os profissionais dos setores elencados que
participavam como representantes da REDE há menos de seis meses, uma vez que
o critério conhecimento da realidade é indispensável para esse tipo de pesquisa.
4.5 TÉCNICAS PARA COLETA DE DADOS
A coleta dos dados documentais ocorreu no período de junho a dezembro de
201815. Os documentos analisados foram atas, ofícios expedidos e recebidos,
publicações, listas de presença em atividades da REDE, livros de registros,
fluxograma e regimento interno. Os documentos foram identificados da seguinte
forma:
Atas: Ata A, Ata B e assim, sucessivamente, até o último documento;
Ofícios: Ofício Expedido de número um - OFE1 e assim, sucessivamente, até
o último documento. Ofício Recebido de número um - OFR 1 e assim,
sucessivamente, até o último documento;
Publicações da REDE: Manual de Orientações Básicas - MOB 2010 e Caderno
de Orientação Básica - COB 2015;
15 Cabe ressaltar que os documentos localizados estavam guardados em locais diferentes, não havendo até o momento um local único para arquivo. Como parte do compromisso assumido pelo pesquisador, ao final da apresentação da versão final deste trabalho, os documentos serão catalogados e classificados por tipo e data, unificando no que for possível esses arquivos, para devolvê-los a Rede de forma sistematizada.
40
Listas de Presenças de número um - LP 1 e assim, sucessivamente, até o
último documento;
Livros de Registros: Documentos produzidos em 2016 (ofícios, listas,
apresentações e outros) referentes ao Programa de Capacitação organizada
e executada pela REDE, em duas etapas, catalogados e encadernados em
seis Livros, sendo: Volume I, 1º Etapa – LR 1; Volume II, 1º Etapa – LR 2 e
assim, sucessivamente, até o último livro, acrescido da página na qual se
encontram, quando for o caso. Para páginas sem número, será utilizada a sigla
(p.s.n);
Fluxograma de número um - Fx 1 (Anexo A);
Regimento Interno – RI;
Ficha de Referência e Contrarreferência – FIRC (Anexo B).
Em relação às entrevistas, foram realizadas de janeiro a abril de 2018. A
entrevista foi desenvolvida em ambiente de trabalho, em horário que melhor se
adequasse aos trabalhadores, combinado previamente num primeiro contato por
telefone. As entrevistas foram gravadas, transcritas na íntegra e agrupadas para
análise. Os participantes foram identificados da seguinte forma: Entrevistado um - E
1, E 2 e assim sucessivamente.
As entrevistas tiveram a finalidade, conforme Severino (2007), de apreender o
que esses atores pensam, representam, fazem e argumentam sobre a forma como se
articula e organiza essa rede intersetorial.
4.6 ORGANIZAÇÃO, APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DE DADOS
Para a análise dos dados, é necessário, conforme aponta Cavalcante et al.
(2014), qualificar as vivências do sujeito, bem como suas percepções sobre o objeto
e seus fenômenos. Nesse sentido, o autor aponta que o método da análise de
conteúdo pode contribuir para a pesquisa, pois visa à apreensão da realidade visível,
bem como de uma realidade invisível, manifesta nas “entrelinhas” do texto, com seus
vários significados.
Bardin (2003, p.42) define análise de conteúdo da seguinte forma:
[...] um conjunto de técnicas de análise de comunicação visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo
41
das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.
Minayo (2010) destaca que a Análise do Conteúdo é muito utilizada em
pesquisas qualitativas. Esse método de pesquisa procura tornar válidas e replicáveis
as inferências sobre dados de um determinado contexto, atingindo uma interpretação
mais profunda. Para essa autora, a inferência é a razão de ser da análise de conteúdo.
No mesmo sentido, Campos (2004) aponta que esse método pode ser compreendido
como o conjunto de técnicas que tem como objetivo buscar o sentido ou sentidos do
documento analisado, neste caso, entrevistas, tendo por finalidade a produção de
inferências.
Assim sendo, análise de conteúdo é um conjunto de técnicas que busca inferir
sentidos visíveis e invisíveis nas entrevistas e documentos analisados, esperando,
com isso, uma maior aproximação com o fenômeno, de forma mais profunda e
abrangente, a partir das falas dos entrevistados e do registrado em documentos
(BARDIN, 2003).
Segundo Minayo (2010), o pesquisador, ao utilizar esse método, deve partir
de uma leitura de primeiro plano das falas, buscando ultrapassar os seus sentidos
manifestos. Para isso, os procedimentos devem relacionar as estruturas semânticas
(significantes) com estruturas sociológicas (significados), articulando a superfície da
fala com os fatores que determinam suas características.
Neste trabalho, foram seguidas as seguintes etapas, que Campos (2004)
denominou de componentes básicos da análise de conteúdo: 1 – Fase de pré-
exploração do material ou de leituras flutuantes – nessa fase, é procedida a leitura
flutuante do corpus selecionado de forma a conhecer o contexto e obter impressões e
orientações. São necessárias várias leituras de todo o material coletado para que, de
forma menos estruturada, já se consiga visualizar, mesmo que primariamente, pistas
e indícios não óbvios; 2 – Seleção das unidades de análise (ou unidade de
significados) - orientado pelas questões da pesquisa que necessitam ser respondidas,
nessa fase, são selecionadas as unidades de análise, as quais podem ser palavras,
sentenças, frases, parágrafos ou um texto completo de entrevistas, documentos,
diários e livros.
42
Em relação à seleção das unidades de análise, dentre as propostas16 por
Bardin (2003), optou-se, neste estudo, pela análise temática, pois, segundo Minayo
(2010), essa é a mais apropriada para pesquisas qualitativas em saúde. Para essa
autora, a utilização da análise temática permite ao pesquisador “descobrir os núcleos
de sentidos cuja presença ou frequência signifiquem alguma coisa para o objeto
analítico visado” (MINAYO, 2010, p. 316); e 3 – O processo de categorização e
subcategorização – as categorias são como grandes enunciados que abarcam um
número variável de temas. Categorização é a operação de classificação e
sistematização desses enunciados. Mediante sua análise, completa Campos (2004,
p. 614), é possível exprimir “significados e elaborações importantes que atendam aos
objetivos do estudo e criem novos conhecimentos, proporcionando uma visão
diferenciada sobre os temas propostos”.
Na Tabela 1, são apresentadas as categorias e unidade de análise elaboradas
para essa pesquisa, bem como a relação de documentos e entrevistas utilizados.
Tabela 1 - Categorias, unidades de análise e documentos e entrevistas
Categorias de análise
Unidades de análise Documentos e Entrevistas
O trabalho intersetorial e o conceito de intersetorialidade.
Integração, trabalho em comum, articulação, ampliar a comunicação, ruptura, integralidade, interação, conexão, troca de informação, compartilhamento, articulação de ações e diálogos.
Publicações: COB 2015; MOB 2010. Atas: A,B,C,D,E,F,G,H,I,J. Ofícios: OFE 2-8, OFE 16-30, OFE 52-54, OFE 56; OFE 64-65. Livros de Registro: LR 3, p.s.n.; LR 6, p.s.n; LR 3, p.7-10; LR 1, p. 109-114; LR 4, p.s.n; LR 1, p. 16-20; LR 1, p.s.n; LR 1, p. 14; LR 2, p. 142; LR 2, p. 23; LR 5, p. 20; LR 2, p. 27; LR 5, p. 25; LR 2, p. 34; LR 5, p. 33; LR 2, p. 149; LR 2, p. 150; LR 2, p. 250-251; LR 2, p. 23; LR 5, p. 20;LR 2, p. 34; LR 5, p. 33. Entrevistados: E 1, 2, 3, 5, 6.
16 Bardin relaciona, em sua obra, Análise de Conteúdo, além da análise temática, as análises de avaliação, de enunciação, de expressão, das relações e do discurso.
43
O conceito de rede e o processo histórico da construção da REDE.
Articulação entre setores, início da organização da rede, ações iniciais, enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes como tema inicial. Trabalho corresponsável, integrado, parceria entre serviços, intersetorialidade e redes, horizontalidade, trabalho não hieraquizado, políticas com a mesma responsabilidade, democracia e decisão democráticas, troca de informações, linguagem comum, articulação, integração, trabalho com objetivo, rede como órgão gestor.
Publicações: MOB 2010; COB 2015. Livros de Registros: LR 2, p. 23; LR 5, p. 20. Atas: A, B, C, F. Entrevistas: 1, 2, 3, 4, 5, 6. Regimento Interno: RI
A articulação entre a RAPS e os demais serviços que atendem crianças e adolescentes usuários de SPA.
Articulação entre os serviços da RAPS que atendem diretamente crianças e adolescentes usuárias de SPA, a articulação entre a RAPS e a Rede para esses atendimentos, horizontalidade, cooperação, integração, intersetorialidade, diálogo, relação entre parceiros, troca de informações para obtenção de condições preexistentes e ações desenvolvidas.
Publicações: MOB 2010; COB 2015. Atas: A, B. Oficios: OFR 08. Livros de registros: LR 1, p.s.n LR 4, p. 85-266; LR 2, p. 154; LR 5, p. 165. Fluxograma: Fx 1. Entrevistados: E 1, 2, 3, 4, 5, 6.
Construção de instrumentos intersetoriais.
Manual e Caderno de Orientações Básicas, fluxo de atendimento à drogadição e a Ficha Intersetorial de referência e Contrarreferência, Programa de Capacitação.
Publicações: MOB 2010; COB 2015; Fluxograma: Fx 1; Ficha Intersetorial: FIRC. Ofícios: OFE 10-28; OFE 46. Atas: A, B, D, F, H. Livros de Registros: LR 2, p. 40; LR 2, p.42; LR 2, p. 43; LR 2, p. 12-13; LR 4, p. 56; LR 4, p18; LR 5, p. 224; II, 2º, p.s.n Entrevistados: E 1, 2, 3, 4, 5, 6.
As fragilidades para a consolidação da REDE.
Rotatividade dos representantes na Rede, quantidade de profissionais insuficientes para execução das políticas, demanda reprimida e fila para acesso a alguns serviços, insuficiência de projetos e programas voltados ao público jovem e a não institucionalização da Rede.
Entrevistas: E 1, 2, 3, 4, 5, 6. Regimento: RI Lista de Presença: LP 5
Diante do exposto e tendo em vista os objetivos deste estudo, procurou-se,
dentro de uma perspectiva materialista histórica, utilizar do instrumental da pesquisa
qualitativa, para que, de forma profunda e abrangente, seja possível se aproximar da
realidade em que está inserida a experiência intersetorial desenvolvida em Cascavel.
4.7 QUESTÕES ÉTICAS
O projeto de pesquisa, assim como os instrumentos de coleta de dados, foi
44
devidamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade
Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), conforme Resolução do Conselho
Nacional de Saúde/Ministério da Saúde nº 510/2016 (BRASIL, 2016a) e Resolução do
Conselho Nacional Saúde/Ministério da Saúde 466/2012 (BRASIL, 2012), por meio do
Parecer Consubstanciado do CEP nº 2.195.173 (Anexo C).
45
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO
5.1 INTERSETORIALIDADE E TRABALHO INTERSETORIAL
A REDE apresenta-se como uma experiência intersetorial. Esse entendimento
está expresso da seguinte forma em documentos:
A Rede de Atenção e Proteção Social do Município de Cascavel tem como pressuposto a construção de uma rede intersetorial baseada nas políticas setoriais (COB 2015).
Nos registros das primeiras reuniões, ocorridas entre os anos de 2009 e 2011,
num total de 11 reuniões registradas com atas, encontraram-se inferências que
apontam para a necessidade de ampliar a integração entre os serviços, o trabalho em
comum, a articulação e como forma de ampliar a comunicação entre os serviços (Atas
A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K).
Isso porque a discussão recorrente sobre intersetorialidade alterna sobre dois
polos: unidade e superação. E “o discurso corrente sobre intersetorialidade ora se”
refere “a esta como articulação, soma, síntese, unidade, rede, ora como superação
da fragmentação desses setores” (PEREIRA, 2014, p. 26).
Além disso, a autora problematiza que intersetorialidade não pode ainda ser
considerada um conceito, pois, atualmente, não possui uma “formulação teórica
representativa de fatos reais captados pelo pensamento no processo científico de
conhecimento”, visto que se trata de um conceito polissêmico. Por esse motivo, as
representações extraídas dos documentos nos remetem a uma determinada
concepção sobre intersetorialidade.
Segundo Pereira (2014, p.26): “é em meio a essa imprecisão terminológica
que a intersetorialidade nas políticas sociais é definida, revelando ambiguidades e
incoerências”. Entretanto, aponta que o termo tem sido considerado como “uma nova
lógica de gestão, que transcende um único setor da política social, e/ou uma estratégia
política de articulação entre “setores sociais diversos e especializados” (PEREIRA,
2014, p. 23). Dessa forma, os dois entendimentos apontados pela autora não são
46
antagônicos e se complementam.
Na análise dos documentos em que estão registradas as ações desenvolvidas
na construção da experiência intersetorial do município de Cascavel, percebe-se um
entendimento sobre intersetorialidade, que se aproxima do que escreve Pereira
(2014), em primeiro lugar, por apresentar o embrião de uma organização com
características de rede, sem paralelo no município, ou seja, algo novo e, também, por
adotar uma determinada estratégia política de articulação entre setores.
No registro da primeira reunião do que hoje é denominada Rede de Atenção
e Proteção Social de Cascavel (Ata A) - realizada no dia vinte e dois de outubro de
2009, nas dependências do Núcleo Regional de Educação de Cascavel (NRE) -
constam a participação de representantes de 23 instituições, entidades, programas,
representando as políticas de educação, saúde, assistência social, segurança pública,
trabalhadores, justiça, criança e adolescente, com marcada maioria de profissionais
vinculados ao NRE.
Durante o período estudado, percebeu-se um movimento para expansão do
número de serviços participantes. Dentre os 57 ofícios enviados, no período de 14 de
junho de 2011 a 30 de março de 2015, 24 tinham como assunto o convite para
reuniões, indicação de representantes pelos serviços ou atualização de
representantes. Foram encaminhados ofícios com esses convites e solicitações de
indicação de representantes para: Hospital Universitário do Oeste do Paraná,
Delegacia da Mulher, Agência do Trabalhador, Conselho Municipal de Políticas
Públicas Sobre Drogas, Conselho Municipal dos Direitos da Crianças e Adolescente,
Ministério Público Estadual, Secretaria da Mulher, Secretaria Municipal de Cultura,
Secretaria Municipal de Esporte, entre outras (OFE 2-8; OFE 16-30; OFE 52-54; OFE
56). Esse movimento de expansão da intersetorialidade também fica demonstrado em
algumas atas:
[...] fala sobre a necessidade do Conselho Tutelar fazer-se presente nessas
reuniões da Rede, bem como a Patrulha Escolar [...]. Convidar para a próxima
reunião: Conselho Tutelar, Patrulha Escolar, (não legível), Cense I e Cense II, Secretaria Municipal Antidrogas, SAMU, Programa Atitude, (ilegível). (Ata F)
A procura por sensibilizar um grande número de trabalhadores está presente
também na organização de capacitação, desenvolvida em 2016, envolvendo
trabalhadores de vários setores. A referida capacitação teve um público de cerca 1000
participantes (LR 3, p.s.n; LR 6, p.s.n).
47
Na sua maioria, participaram servidores públicos que executavam ou
gerenciavam políticas públicas de saúde, educação e assistência social. Não
obstante, para além dos representantes das chamadas políticas sociais, foi
perceptível a participação também de representantes dos conselhos de garantia de
direitos, associações de portadores de deficiência, Ministério Público, Secretarias de
Cultura e Esporte, bem como de segurança pública.
Os convites para formação foram distribuídos de forma ampla. Na primeira
etapa, foram enviados convites via ofício pela Rede de Atenção e Proteção Social
para 32 instituições diferentes, de diversos setores do município e do estado e, ainda,
para conselhos de garantia de direitos, instituições filantrópicas, associações de
portadores de deficiências e autoridades municipais (LR 1, p. 7-10).
Também, foram encaminhados e-mails, com convite e disponibilidade de
vagas para os chamados serviços socioassistenciais (serviços ligados ao setor de
assistência social, como CRAS, abrigos, setores administrativos, conselhos de
garantia de direitos, associações de portadores de deficiências, entre outros), num
total de 100 vagas para 47 serviços (LR 1, p.109 – 114). Na segunda etapa, foram
encaminhados seis ofícios, para três instituições ligadas ao poder judiciário e
conselhos tutelares, assinados pelos coordenadores da REDE, com convites para a
Mesa Redonda intitulada “Defensoria Pública, Ministério Público, Vara da Infância e
Juventude e Conselho Tutelar” (LR 4, p.s.n).
Essa forma de organização intersetorial, na qual há um movimento de
ampliação não só em quantidade, mas na variedade de políticas e setores
participantes, indo bem além das políticas sociais tradicionais, como saúde, educação
e assistência social, parece diferente de outras formas intersetoriais apresentadas na
literatura, as quais são caracterizadas com uma concepção de intersetorialidade a
partir de uma perspectiva específica e viés restritivo.
Exemplificando, Monnerat e Souza (2014) citam experiências como o
Programa Bolsa Família, no qual há indução à intersetorialidade por meio de
incentivos técnico-institucionais e financeiros, por parte dos setores mais centrais dos
governos, sobretudo o federal. Nesses casos, cada programa é encarado como ação
de um determinado setor e/ou ministério (saúde, educação, assistência social e
outros) e não como algo cujas metas devem ser perseguidas conjuntamente a partir
do empenho de diferentes áreas (MONNERAT; SOUZA, p. 2014).
Segundo o documento Plano de Capacitação (LR 1, p.16-20), os setores
48
participantes na organização foram 10: assistência social do município e do estado,
educação do município e do estado, saúde do município e do estado, esporte do
município, cultura do município, trabalho do estado. Como apoio, foram registrados
cinco setores: justiça e ministério público, conselho de direitos, conselhos tutelares,
universidade e rede de atendimento não-governamental. Além disso, cinco foram os
setores que coordenaram a capacitação, sendo quatro do município, a saber,
educação, assistência social, esporte e cultura; e um do estado, a educação. Foi
possível identificar ainda pela lista de facilitadores da capacitação (LR 1, p.s.n)
especificamente os seguintes: ambulatório de saúde mental, ambulatório de
especialidades crianças e adolescentes, socioeducação, associação de usuários.
O esforço, no sentido de ampliar e diversificar a participação de setores,
serviços e entidades, governamentais e não-governamentais, também é percebido no
ano de 2017. Foram encaminhados ofícios, solicitando renovação dos representantes,
bem como houve a primeira indicação para 69 diferentes entidades, dentre as quais
estavam todas as secretarias municipais, entidades e serviços estaduais (educação,
saúde, assistência social, trabalho), associações de portadores de deficiências,
entidades representantes de trabalhadores e patrões, conselhos de garantia de
direitos, entidades ligadas ao judiciário, entidades filantrópicas, serviços educacionais
de nível técnico e superior e entidades religiosas (OFE 64; OFE 65).
É possível verificar, em alguns documentos, a tentativa de sistematizar o
entendimento sobre a intersetorialidade, mesmo que esse não fique expresso
textualmente em documentos. Percebe-se que o sentido atribuído à intersetorialidade
é o de unidade.
Nos documentos17 “Apresentação da Rede de Atenção e Proteção Social do
Município de Cascavel” (LR 2, p.14), “Apresentação da Secretaria Municipal de Saúde
– SESAU” (LR 2, p. 142) e “Ética e o processo de trabalho: (re)construindo caminhos”,
com ênfase ao tema Acolhimento”, o conceito intersetorialidade é apresentado
associado à integração, trabalho em conjunto, articulação, ampliação da comunicação
entre serviços:
Rede não pressupõe um novo conceito ou um novo serviço, mas sinaliza a necessidade de uma concepção que valoriza a integração e a intersetorialidade. (LR 2, p.23; LR 5, p. 20)
17 Esses documentos são a impressão de Power Point de apresentação realizada no formato de palestra.
49
Mapeando os serviços existentes, governamentais e não-governamentais que atuam direta e indiretamente no atendimento; estabelecendo uma agenda de trabalho comum. (LR 2, p. 27; LR 5, p. 25)
A Rede de Atenção e Proteção Social do Município de Cascavel tem como proposta ampliar comunicação e articulação entre os serviços para os encaminhamentos mais adequados às necessidades sociais. (LR 2, p.34; LR 2, p. 33)
XVII – Articular com outros órgãos e secretarias municipais, estaduais e federais,
entidades da iniciativa privada para desenvolvimento de programas conjuntos. (LR 2, p. 149)
XXII- Desenvolver ações integradas com outras Secretarias Municipais. (LR 2, p. 150)
[Atitudes éticas] São necessárias também para que se possam desenvolver ações coletivas – intersetoriais – REDE? QUEM COMPÕE O TRABALHO EM REDE: 1) As políticas públicas; - A rede governamental e não governamental; QUEM MATERIALIZA, EFETIVA, O TRABALHO EM REDE? PESSOAS! Se existem pessoas…. Existem relações...SENDO ASSIM...Necessárias atitudes éticas! (LR 2, p. 250-251).
É possível inferir que nessa compreensão a intersetorialidade não busca a
superação da atual organização setorial das políticas, mas sim, objetiva desenvolver
ações com vistas a articular os diferentes setores. A forma com que se organizou,
desde seu início, em rede, também contribui para esse entendimento. Entende-se que
a intersetorialidade se desenvolveu na experiência de Cascavel, com características
de rede intersetorial.
A Rede(...) tem como pressuposto a construção de uma rede intersetorial baseada nas políticas setoriais.(COB 2015) Rede não pressupõe um novo conceito ou um novo serviço, mas sinaliza a necessidade de uma concepção que valoriza a integração e a intersetorialidade. (LR 2, p.23; LR 5, p. 20).
Partindo de Pereira (2014), chega-se à conclusão de que a intersetorialidade
se apresenta aqui, portanto, como uma forma de fortalecer as ações setoriais. Esse
entendimento converge com o de Lavoratti (2013), visto que essa autora define o tema
como a articulação entre as políticas públicas, visando potencializar as ações
desenvolvidas. Por sua vez, Pereira (2014, p.) considera que intersetorialidade pode
ser entendida como um “instrumento de otimização de saberes; competências e
relações sinérgicas, em prol de um objetivo comum”.
Para uma melhor compressão sobre o tema, acredita-se ser necessário
50
buscar na categoria trabalho o entendimento sobre intersetorialidade, pois, na
experiência concreta em estudo, a intersetorialidade é um trabalho humano, coletivo,
orientada a um fim, corroborando o que escreveram Marx (2017), Malta e Merhy
(2003). No processo de trabalho, portanto, a atividade do homem, com ajuda dos
meios de trabalho, opera uma transformação do objeto do trabalho, segundo uma
finalidade e concebida desde o início (MARX, 2017, p. 258). Nessa perspectiva, a
atividade orientada a um fim, ou o trabalho propriamente dito, é a busca pela
superação das práticas fragmentadas, com base em ações integradoras de setores e
políticas com o desenvolvimento de meios de trabalhos para esse fim.
O trabalho Intersetorial apresenta peculiaridades do trabalho intelectual
desenvolvido por trabalhadores técnicos, uma vez que envolve não só distintas
profissões de um mesmo setor e/ou política pública, mas também profissões de
diferentes setores e/ou políticas públicas, assemelhando-se, dessa forma, ao trabalho
em saúde, pois “envolve a atuação de um conjunto de categorias e indivíduos que
compartilham recursos técnicos e cognitivos, portanto a produção depende do
trabalho coletivo” (MALTA; MERHY, 2003, p. 62). Verifica-se isso nos documentos:
O estabelecimento do fluxo de atendimento exige o diagnóstico prévio do nível de gravidade, que deve ser considerado a partir da avaliação da vítima, da agressão sofrida, da família e do agressor. (MOB 2010).
Um processo complexo que exige a tomada de decisões daquele serviço que tenha feito o primeiro contato com a situação de violência, o qual é denominado “porta de entrada”. (COB 2015).
Nos dois casos, observa-se que o “diagnostico prévio do nível de gravidade”
e “tomada de decisão” remete à necessidade de conhecimentos especializados para
sua execução. A compreensão de Pereira (2014) sobre a intersetorialidade parece ir
no mesmo sentido, pois, para a autora, essa é uma “prática social compartilhada, que
requer pesquisa, planejamento e avaliação para a realização de ações conjuntas”. Na
análise dos documentos, percebe-se o trabalho intelectual desenvolvido por
trabalhadores técnicos, especializados.
A intersetorialidade também é relacionada ao diálogo, troca de informações e
a ampliar a comunicação. Monnerat e Souza (2009) apontam à necessidade de
promoção de mecanismos que favoreçam o diálogo e a troca de informações. Os
mecanismos criados com esse objetivo, apresentados mais adiante do texto, foram os
51
fluxogramas, ficha de referência e contrarreferência, Caderno de Orientações Básica
e o programa de Capacitação da Rede de Atenção e Proteção Social de Cascavel.
A Rede de Atenção e Proteção Social do Município de Cascavel tem como proposta ampliar a comunicação e articulação entre os serviços para os encaminhamentos mais adequados às necessidades sociais. (LR 2, p. 34; LR 5, p. 33).
Bidarra (2009), por sua vez, discute que, para construir outra forma de gestão
pautada pela intersetorialidade, requer-se a integração de diferentes áreas do
conhecimento. Para isso, “é preciso investir nos mecanismos que favorecem o
relacionamento autônomo entre os profissionais de diferentes formações, e deles com
os burocratas, os líderes políticos e os cidadãos” (BIDARRA, 2009, p. 491).
No mesmo sentido, nos depoimentos dos representantes, buscou-se
encontrar a compreensão dos profissionais sobre intersetorialidade.
Conforme encontrado na literatura, a intersetorialidade pode ser
compreendida de várias formas, por isso, é entendida como polissêmica. Percebe-se
nos depoimentos que, entre os entrevistados, há uma determinada estratégia política
de articulação entre setores, o que expõe uma visão sobre intersetorialidade,
assemelhando-se, nos parece, com a encontrada nos documentos analisados. Houve
referências à integração, articulação, ruptura, trabalho em conjunto e diálogo.
Intersetorialidade eu entendo como um trabalho em conjunto, de vários serviços por uma mesma situação. (E 3)
Então, intersetorialidade é ... eu entendo que é o trabalho, interconectado, o trabalho em conjunto, a articulação de ações, é aonde, ... ele tem uma circulação de informações, entre os atores que atuam no sistema. (E 5)
Os serviços, que eles se reúnem, todos em prol, para o avanço, no caso, de uma família, trabalho junto para melhoria das pessoas. [...] uma união de todos os serviços, em prol de uma família, em prol do objetivo de autopromover aquela família, para melhorias, vários segmentos se reúnem. Para mim é quando você descobre que é impossível trabalhar sozinho. [...] é conseguir trabalhar com os demais serviços. (E 6)
Intersetorialidade eu entendo que é essa interface, esse interjogo entre os diversos setores, serviços, instituições. (E 2)
Você consegue dialogar com os outros setores, com os outros serviços [...] eu acho que o benefício da intersetorialidade é você não só repassar o teu problema para alguém, é você compartilhar com alguém, que acho que é o processo inicial de rede, além da horizontalidade, é você compartilhar com mais alguém, de outro setor. (E 6).
52
É possível perceber que essa compreensão sobre intersetorialidade converge
com aquela encontrada nos documentos, assim, a intersetorialidade se apresenta,
portanto, como uma forma de fortalecer as ações setoriais (PEREIRA, 2014),
relacionando-se à compreensão de intersetorialidade como a articulação entre as
políticas públicas, além de visar potencializar as ações desenvolvidas (LAVAROTTI,
2013). E, ainda, como um “instrumento de otimização de saberes; competências e
relações sinérgicas, em prol de um objetivo comum” (PEREIRA, 2014, p. 26). Agrega-
se, ademais, a compreensão trazida por Yazbek (2014, p.98), a qual aponta que a
intersetorialidade “supõe a implementação de ações integradas e a superação da
fragmentação da atenção às necessidades sociais da população”.
Destaca-se a associação entre intersetorialidade, integralidade e totalidade.
Junqueira (2000) aponta que, além de integração e superação, há o entendimento
sobre “considerar o cidadão na sua totalidade”. Para o autor, a “intersetorialidade
incorpora a ideia de integração (...) transcende um único setor (...) buscando superar
a fragmentação das políticas ao considerar o cidadão na sua totalidade”
(JUNQUEIRA, 2000, p. 42).
Além do destaque para a questão da integração, a busca pela superação da
fragmentação das políticas se torna possível, para esse autor, com a compreensão
do indivíduo na sua integralidade. Nos depoimentos, verifica-se esse entendimento:
Uma falha que a gente tem é que nós não damos conta sozinho daquilo que nos apresenta hoje em qualquer setor[...], nós não damos conta de atender a integralidade, a totalidade da pessoa ou da família, então, acho que a intersetorialidade vem nesse sentido, [...]... a intersetorialidade é você pensar que a pessoa não é só aquilo que ela apresenta... ela não é o problema de violência sexual que ela tem na vida dela, ela tem todo um contexto que tá sendo trabalhado. (E 6)
[...] aqui é um hospital, a pessoa, vem internar para tratamento clínico, mas ela é um indivíduo, um indivíduo social, então tem necessidades sociais [...] é esse trabalho entre setores, entre vários serviços, por um mesmo objetivo, numa mesma situação, que é multifatorial, [...] em se tratando de dependência química, ela é multifatorial, então não é só saúde, não é só desintoxicar que vai resolver. (E 3)
Parece que a noção da necessidade da compreensão do indivíduo na sua
integralidade tem a contribuição do conceito ampliado de saúde, extraído da área da
saúde coletiva, da determinação social do processo saúde-adoecimento, discutido
53
anteriormente. Existe o reconhecimento de que, na área da saúde coletiva, o debate
sobre intersetorialidade é significativo, pois nasce mediado pelo conceito ampliado de
saúde (MONERAT; SOUZA, 2014).
Em uma pesquisa realizada com trabalhadores de Saúde da Família, por Silva
e Tavares (2016), também houve associação da intersetorialidade e integralidade. A
integralidade foi considerada um dos fatores mediadores para a implementação do
trabalho intersetorial. Os autores relacionam, ainda, os conceitos de Promoção à
Saúde e aos DSS. O conceito dos DSS traz consigo a compreensão de que a saúde
é resultado de um amplo espectro de fatores e, de maneira crítica, propõe como forma
de intervenções as que ultrapassem as práticas médico-assistenciais. As ações de
promoção à saúde fazem parte dos serviços de saúde, mas não se restringem a elas
e, no geral, ultrapassam suas fronteiras (LOBATO;GIOVANELLA, 2012).
Especificamente, uma vez que os entrevistados da presente pesquisa
desenvolvem seu trabalho com crianças e adolescentes, é possível apontar que fazem
a associação entre integralidade e o conceito de Proteção Integral, constante no ECA.
Há o reconhecimento de que ações intersetoriais são necessárias no sentido de se
garantir os direitos fundamentais de crianças e adolescentes (BRASIL, 1990).
Também há referência ao movimento e ruptura, conforme se percebe no
depoimento a seguir:
Eu entendo que é quando os trabalhos, as ações, elas perpassam o local que você tá. [...] para mim intersetorialidade é você sair dos teus muros, de onde você tá, é quebrar as janelas mesmo, é conseguir trabalhar com os demais serviços. (E 1)
Parece haver a compreensão de que o processo de mudança é um movimento
necessário para a superação das práticas fragmentadas, que levem a ações
intersetoriais, e esse movimento é conflituoso. Para Monnerat e Souza (2009, p. 208),
a tarefa da integração intersetorial é bastante audaciosa e passa pela construção
“criativa de um novo objeto de intervenção comum aos diferentes setores do Estado
que lidam com as questões sociais”. Por sua vez, Bidarra (2009, 484) aponta que a
intersetorialidade não é algo dado ou atingido facilmente. Essa autora enfatiza que,
pelo contrário, “pactuar a intersetorialidade representa um árduo trabalho de
construção (ou melhor, de costura) política”. Indo mais a fundo, Pereira (2014, p. 26)
discute que a intersetorialidade traz em seu conceito a necessidade de rompimento
da tradição fragmentada das políticas sociais e, por isso, “admite-se que ela propicie
54
mudanças de fundo, isto é, de conceitos, valores, culturas, institucionalidades, ações
e formas de prestação de serviços, além de um novo tipo de relação entre Estado e
cidadão”.
5.2 O CONCEITO DE REDE E O PROCESSO HISTÓRICO DE CONSTRUÇÃO DA
REDE
Parte-se do princípio de que a construção da experiência intersetorial, do que
hoje é denominada REDE, é resultado do trabalho humano e, por isso, deve ser
entendido em sua totalidade, como algo complexo, social, provisório e histórico. O
desenvolvimento da REDE concretizou-se a partir de um processo histórico e, de
forma dialética, está em transformação. Pautado pelo conceito de práxis,
compreende-se que “na existência do real, o ser humano, como ser real, realiza uma
atividade prática, objetiva, que está fora de sua consciência e que visa a
transformação da natureza, da sociedade” (TRIVIÑOS, 2007, p.122).
Vázquez (2011) aponta que a atividade se opõe à passividade e sua esfera é
de efetividade, não a do apenas possível. Ocorre efetivamente sem que possa ser
separada do ato ou conjunto de atos que a constituem. A atividade mostra, nas
relações entre as partes e o todo, os traços de uma totalidade, pois atos
desarticulados não são considerados atividade. Atividade é a articulação de atos
singulares e estruturados, como elementos de um todo, ou “um processo total que
desemboca na modificação de uma matéria-prima” (VÁZQUEZ, 2011, p. 222).
A experiência intersetorial desenvolvida em Cascavel deve ser entendida sob
essas perspectivas. Como será visto, houve o desenvolvimento consciente de
ferramentas com o objetivo de superar a fragmentação setorial, pois, conforme
explicou Vázquez, a atividade humana é orientada a um fim e o produto dessa
atividade só existe “através do homem como produto de sua consciência” (VÁZQUEZ,
2011, p. 223).
Na busca pela compreensão do processo histórico da construção da REDE,
percebe-se que o entendimento sobre o trabalho em rede foi se modificando, se
organizando e se reorganizando. Tendo em vista esses elementos e, a partir da
análise documental do período de 2009 a 2017, é possível inferir a adoção de
determinada articulação intersetorial. Essa articulação intersetorial se autodenominou
como rede e, como será visto, possui características de rede intersetorial.
55
Os conceitos selecionados para essa análise foram: rede, articulação entre
setores, rede intersetorial, elementos históricos da construção da rede, temas iniciais,
ações iniciais, trabalho corresponsável, integrado, articulado, parceria entre serviços,
intersetorialidade, horizontalidade, políticas com as mesmas responsabilidades,
democracia e autonomia.
Nota-se, a partir dos documentos, que a construção da REDE estava
associada à noção de rede intersetorial. A essa noção, agrega-se à de rede,
articulação e intersetorialidade. Como é possível verificar abaixo:
A Rede(...) tem como pressuposto a construção de uma rede intersetorial baseada nas políticas setoriais. (COB 2015)
Rede não pressupõe um novo conceito ou um novo serviço, mas sinaliza a necessidade de uma concepção que valoriza a integração e a intersetorialidade. (LR 2, p. 23; LR 5, p. 20)
Essa associação também está presente na literatura. Lavoratti (2013), ao
analisar uma rede de proteção, propõe que rede sugere a ideia de articulação,
conexão, vínculos, ações complementares, relações horizontais entre parceiros,
interdependência de serviços/ações/programas, para garantir a atenção integral aos
segmentos vulneráveis.
O termo rede, nesse caso, segundo Lavoratti (2013), pode ser considerado
uma estratégia operacional que supera a lógica de fatiamento das ações do governo
por setores/áreas e que potencializa o resultado dos programas, serviços e ações
governamentais.
Em relação à rede intersetorial, quem parece melhor sintetizar o conceito é
Bourguignon (2001). Convergindo com a autora, pesquisadores como Ferrari e
Tavarez (2016), Pereira, Santos e Inocente (2011), além de Martins e Roesler (2010),
definem rede intersetorial como:
(...) aquelas que articulam o conjunto das organizações governamentais, não governamentais e informais, comunidades, profissionais, serviços, programas sociais, setor privado, bem como redes setoriais, priorizando o atendimento integral às necessidades dos segmentos vulnerabilizados socialmente (BOURGUIGNON, 2001, p.6).
Para Kiss et al. (2007), rede intersetorial, além da característica de
articulação, requer a presença de canais definidos de comunicação entre os serviços.
56
Portanto, as redes intersetoriais podem ser compreendidas como o espaço em que
participam as principais políticas direcionadas ao enfrentamento de demandas
complexas. São espaços nos quais ocorrem e se operacionalizam as ações
intersetoriais, em que o trabalho intersetorial se gestiona e se realiza. Nesse sentido,
é possivel classificar a REDE como uma rede intersetorial.
Por sua vez, Bidarra (2009) coloca que a ideia de redes traz o entendimento
da existência de pontos e conexões. Nesse entendimento, os pontos de rede são os
diversos serviços, com suas redes próprias que tradicionalmente se organizam em
torno de temáticas. O trabalho em rede seria, então, conectar esses diversos pontos
de forma institucional e organizada. Essa concepção de intersetorialidade, como já
apresentando, não propõe a substituição da forma de organização existente, mas sim,
a necessidade de conectá-la.
A premissa é que se edifiquem redes, não somente a partir da existência de pontos de contato mas, sobretudo, da garantia das conexões, os quais reconhecem como em um mesmo nível de importância todos os núcleos/base por onde passam os fios que amarram a conexão (BIDARRA, 2009, p. 493).
Outras características da REDE, aqui chamada Rede de Proteção, foram
mencionadas. São elas: democracia, horizontalidade e autonomia, conforme abaixo:
Ampliar parceiros, envolver instituições governamentais e não governamentais, são algumas diretrizes que norteiam a Rede de Proteção. Características da Rede de Proteção. Dinamismo: A Rede é uma estrutura flexível, dinâmica e em movimento. Ela é multifacetada. Participação: A cooperação é o que a faz funcionar, sem participação ela deixa de existir; Horizontalidade: A rede não possui hierarquia nem chefia. A liderança provém de muitas fontes e pode variar conforme o tipo de ação. Múltiplas composições: Ela pode se desdobrar em vários segmentos autônomos (subredes) capazes de operar independentemente do restante da rede, de forma temporária ou permanente, conforme a demanda ou a circunstância (grifos nossos). (MOB, 2010)
Esse entendimento, sobre rede, no qual as conexões sobre seus pontos se
efetivam de forma horizontal, com a preservação da autonomia dos profissionais e
serviços, bem como o desenvolvimento de ações complementares, aproxima-se do
encontrado na literatura. Autores como Pereira, Santos e Inocente (2011) defendem
que a regra para o funcionamento da rede é a existência de igualdade e
complementariedade entre seus membros, de maneira que, no seu interior, não há
57
diferenças hierárquicas.
No mesmo sentido, Lavoratti (2013) aponta que rede traz a ideia de conexão,
vínculos, ações complementares, relações horizontais entre parceiros,
interdependência de serviços/ações/programas, para garantir a atenção integral aos
segmentos vulneráveis. Bidarra (2009) aponta para a necessidade de construção de
mecanismos autônomos, desenvolvimento de interação horizontal, pautados no
fortalecimento de atitudes cooperativas, além da busca por alianças com quem
defende um tipo de interlocução e de conexão de natureza horizontal; ademais, é
essencial o amadurecimento de fluxos de trabalhos numa perspectiva democrática.
Dentre os elementos históricos da construção da REDE, percebe-se que,
inicialmente, houve diferentes movimentos de articulação entre setores no
enfrentamento de situações complexas, conforme documento:
Historicamente o município de Cascavel apresentou movimentos de rede voltados a atender problemas sociais e públicos específicos, muitas vezes coexistindo concomitantemente com atuação isolada e fragmentada. (COB, 2015)
Almeida (2014), mesmo não tratando diretamente de rede intersetorial, traz
elementos que permitem compreender o desenvolvimento da experiência de
Cascavel. O autor observa que, na literatura sobre esse tema, é possível classificar
as experiências intersetoriais concretas em dois vetores centrais: 1. Desenvolvimento
de ações intersetoriais, induzidas pelo governo federal a partir de programas
vinculados a políticas públicas de corte social; 2. Desenvolvimento de ações
intersetoriais, realizado nas esferas locais.
Dados extraídos dos documentos parecem demonstrar que, dentro da
perspectiva do autor, a experiência de Cascavel, desde seu início, assemelha-se ao
segundo vetor, ou seja, experiência realizada em esfera local.
Chega-se a esse entendimento, em primeiro lugar, porque a experiência em
análise se desenvolve em nível local - município de Cascavel - ficando restrita a esse
território; em segundo lugar, mesmo que, inicialmente, tenha se organizado em torno
da temática violência à criança e adolescente, durante dois anos - 2009 e 2010, com
a participação de políticas públicas ligadas à área, houve a ampliação na participação
de outros setores das políticas públicas sociais, ou seja, é variável o conjunto de
políticas sociais que se articulam.
Em uma análise sobre cidades, nas quais foram implementadas a
58
intersetorialidade como vetor da gestão municipal, Monnerat e Souza (2014)
demostraram que tais localidades eram capitais ou municípios pertencentes a regiões
metropolitanas, espaço, segundo as autoras, em que as expressões das questões
sociais mostram-se mais agudas e complexas. Isso difere das características do
Município de Cascavel, de médio porte, com população estimada, em 2018, de
324.476 habitantes, predominantemente na área urbana (94,4%), colocado no ranking
do Produto Interno Bruto (PIB) per capita, do Paraná, em 2016, no 8º lugar (IBGE,
2018).
Em 2010, alguns indicadores sociais traziam destaque negativo em relação à
proteção de crianças e adolescentes para o município. Se, por um lado, nesse ano, a
taxa de escolarização, na faixa etária de 6 a 14 anos, era de 98,18%, dados do
Ministério Público do Paraná demonstraram que a taxa de abandono total, no ensino
fundamental e médio, eram 1,3 e 7,1, respectivamente. Comparativamente, tem-se
que, em Curitiba, capital do estado, no mesmo período, as taxam eram 1,8 e 4,7
(GRUPO MARISTA, REDE DE SOLIDARIEDADE, 2013).
Soma-se a isso a Taxa de Mortalidade Infantil, que, em 2009, em Cascavel,
era de 13,61, sendo que, em Curitiba, no mesmo período, foi 8,97. Dados de 2014
indicaram decréscimo para 10 (IBGE, 2018). Ainda, segundo o Mapa da Violência dos
Municípios Brasileiros, dentre os 5564 municípios, Cascavel, em 2006, figurava em
75º dentre aqueles com mais homicídios entre pessoas de 14 a 25 anos, sendo que a
taxa era de 75,3 (WAISELFISZ, 2008, p.61).
Esses dados indicam o desafio tanto da construção quanto do funcionamento
da rede intersetorial, que deve dar conta das necessidades representadas pelas
características próprias dessa realidade.
Ademais, nos primeiros documentos, está registrada outra característica
inicial da REDE, sua temática. As primeiras denominações foram:
Rede de Apoio Permanente. (Ata A) Rede de Proteção para o Enfrentamento a Violência de Crianças e Adolescentes. (Ata B) Rede de Proteção à Criança, ao Adolescente e à Família. (MOB 2010) Rede de Atenção e Proteção Social. (COB 2015) Posteriormente, mediante as alterações das políticas sociais, foram instituídos novos grupos para o enfrentamento e erradicação do trabalho infantil, a
59
organização da rede de proteção de crianças e adolescentes, a articulação para prevenção de violências, principalmente a exploração sexual; o enfrentamento do crack e outras drogas entre outros temas que desencadearam a junção de serviços para atender a uma demanda. Ressaltamos que estas iniciativas partiram da tomada de decisão de diversas secretarias municipais e estaduais. (COB 2015).
Algumas experiências de redes intersetoriais se organizam em torno de
temáticas específicas. Como exemplo, é possível citar a Rede de Proteção às
Crianças e Adolescentes em Situação de Risco para a Violência do município de
Curitiba/PR (LAVORATTI, 2013) e a Rede de Proteção Social à Criança e ao
Adolescente (LONDRINA, 2019).
A rede intersetorial, na experiência de Cascavel, não se organiza em torno de
uma temática específica. Em sua organização, existe uma coordenação geral e
núcleos tematicos, conforme é possivel verificar nos documentos abaixo:
I - Núcleo da Criança e Adolescente; II - Núcleo do Adulto; III - Núcleo de Regulamentação. IV - Núcleo de Enfrentamento as Violências – Núcleo de Novos Diálogos.VI – Núcleo de Saúde Mental. (RI) É constituída por serviços da área da educação, saúde, assistência social, esporte, cultura e segurança, entidades governamentais e não governamentais, que por meio de seus profissionais devem articular ações no sentido de garantir os direitos de seus usuários. (COB 2015) A Rede de Atenção e Proteção Social de Cascavel, com base nas disposições legais, articula ações integradas, intersetoriais entre os serviços/instituições, para prevenir e intervir diante das situações de violação dos direitos de seus usuários. (RI)
Almeida (2014) pesquisou ações intersetoriais realizadas nas esferas locais e
constatou que, nessas experiências, existe um variável conjunto de políticas sociais
que consegue se articular para o enfrentamento de problemas sociais complexos.
Mais que isso, para Pauli (2007), a intersetorialidade tem pontecial de unificar a gestão
municipal. “As ações intersetoriais se iniciam nas pequena parcerias, nos projetos em
comum, vencendo as forças das medidas setoriais, verticalizadas e isoladas, levando-
as para um contexto maior. Elas tem a função de unificar a gestão municipal como um
todo” (PAULI, 2007 p. 65).
No mesmo sentido, Junqueira (2004) aponta que a intersetorialidade,
considerada uma nova lógica de gestão municipal, busca superar a fragmentação das
políticas, considerando o cidadão na sua totalidade. Por sua vez, Ferrari e Tavares
60
(2016, p.105) relacionam a intersetorialidade com atenção integral.
Pensar um modelo de atenção integral nas políticas públicas destinadas à proteção social pressupõe ainda o favorecimento da intersetorialidade, compreendida como a articulação das próprias políticas setoriais e dessas com a complexa rede que abrange outras organizações e seus respectivos serviços.
Tess e Aith (2014), ao analisar políticas intersetoriais relacionadas à saúde,
encontraram a existência de três tipos: políticas de saúde coordenadas pelo setor
saúde e que necessitam de outros para serem bem sucedidas; políticas coordenadas
por outro setor, diferente do da saúde, mas que necessitam da participação deste para
serem efetivas; e as políticas intersetoriais genuínas, que não são lideradas por um
único setor, mas sim, por um órgão intersetorial, criado especificamente para sua
coordenação.
É possível inferir, portanto, que a experiência intersetorial de Cascavel se
constrói em torno de uma temática ampla, não se restringindo a uma temática
específica, qual seja, “garantir os direitos de seus usuários” (COB 2015) ou “intervir
diante das situações de violação dos direitos de seus usuários” (RI),
independentemente da faixa etária ou gênero. Dessa forma, ao se propor a isso,
acredita-se que é possível desenvolver uma visão intersetorial genuína, ainda
trazendo o potencial de unificar, de certa forma, a gestão municipal, superando a
fragmentação setorial.
A análise dos documentos permite inferir que a temática da construção inicial
da REDE estava relacionada a crianças e adolescentes, numa perspectiva do setor
educação, o que se comprova pela maior participação de serviços relacionados ao
atendimento de crianças e adolescentes (Ata A, B, C). Os primeiros temas debatidos
pelos presentes nas primeiras reuniões estavam relacionados a crianças e
adolescentes em situação de negação de direitos, nos casos, o direito à educação,
mas não necessariamente em situação de violência.
No documento que registra a reunião realizada no dia sete de dezembro de
dois mil e dez (Ata B), os assuntos debatidos foram a gestão de rede de proteção a
crianças e adolescentes em situação de risco, a dificuldade para matricular alunos em
cumprimento de medidas socioeducativas18 e discussão de casos com objetivo de
18 Pesquisa realizada em Cascavel, no ano de 2010, constatou que, dos 20 adolescentes reincidentes em cumprimento de medida socioeducativa, em meio aberto, 14 haviam abandonado a escola
61
resolver os problemas de alunos com transtornos psiquiátricos graves, que estavam
fora da escola:
Foram levantadas as dificuldades em efetuar a matricula de alunos em escolas públicas quando estes encontram-se em cumprimento de medida socioeducativa. [...] propõe que haja discussão dos casos (nos) entre serviços específicos para resolver os casos graves de problemas psiquiátricos dos alunos que estão fora da escola, ou que apresentam sérias dificuldades para permanecer nela [...]. (Ata B)
Também se observou que, inicialmente, houve um protagonismo da equipe do
NRE na organização das primeiras reuniões: nesse espaço, foram realizadas as
primeiras reuniões, faziam a coordenação das reuniões e o setor da educação
estadual possuía maior número de participantes (Atas A, B, C e F).
Monnerat e Souza (2014) destacam, com base em análise de estudos na
área, que não é comum o protagonismo da área de educação na implementação de
experiências intersetoriais, situação que parece não ocorrer em Cascavel. As autoras
levantam a hipótese “de que este setor, comparado à saúde e a assistência social,
apresenta legado histórico mais hermético e menos voltado para proposições de
diálogo e inter-relação com outras políticas sociais” (MONNERAT; SOUZA, 2014, p.
47).
Na experiência de Cascavel, o entendimento, que parece predominar entre os
técnicos e gestores do setor, indica vinculação ao “olhar da educação” sobre a
intersetorialidade, como pressuposto de “que os problemas estruturais que afetam as
famílias repercutem diretamente nas condições de aprendizagem das crianças e
adolescentes e que as condições de pobreza são demasiadamente complexas
demandando atuação intersetorial” (MONNERAT; SOUZA, 2014, p. 47).
Leite e Duarte (2005) problematizam que a complexidade da atuação da
escola aumenta à medida que, com políticas universais, passam a ingressar no
sistema escolar alunos com maior grau de vulnerabilidade social. Dessa forma, podem
ser usados, como exemplos do aumento do grau de complexidade, a dificuldade para
garantir matrícula para estudantes em cumprimento de medida socioeducativa, bem
como a evasão escolar de crianças e adolescentes com doença psiquiátrica grave.
Entretanto, dados demonstram que a articulação intersetorial no município
teve origem com a articulação em torno da temática saúde mental:
(POSSAMAI; FABRIS, 2011).
62
O primórdio desta articulação social esteve associado com a esquematização da Rede de Saúde Mental em 2002. (COB 2015).
Foi possível constatar na literatura que, em 2001, houve um Plano Municipal
de Saúde Mental que só começou a ser efetivado a partir de 2003 (SCANDALARA et
al. 2009). Esse processo foi desencadeado após o fechamento do único hospital
psiquiátrico do município e um dos principais da região, com 315 leitos credenciados
ao SUS. O acontecimento, segundo Scandalara et al. (2009, p. 335), acelerou “o
processo de implantação do Plano Municipal de Saúde Mental já aprovado pelo
Conselho Municipal de Saúde”. O referido Plano reordenou a assistência em saúde
mental e propôs a criação de serviços sob a lógica da Reforma Psiquiátrica. O referido
Plano indica, de forma indireta, a importância da adoção de práticas intersetoriais:
“Para tanto, considera-se fundamental a parceria com as Universidades do município
de Cascavel, assim como com as Secretarias de Ação Social, Educação, Meio
Ambiente e Esporte e Lazer” (CASCAVEL, 2001, p. 15).
No mesmo sentido, é possivel verificar em Cascavel (2019a, s.p.) que:
A conformação da Rede de Atenção em Saúde Mental [município de Cascavel/Pr] tende às diretrizes da reforma psiquiátrica, tais como foram definidas nas 3ª Conferências Estadual e Nacional de Saúde Mental, em contrapartida à desinstitucionalização dos manicômios. Fazem parte desta rede as UBS/USF, os Caps, os ambulatórios de psiquiatria, as residências terapêuticas, o hospital geral/psiquiátrico e as comunidades terapêuticas.
A intersetorialidade fez parte das discussões que ocorreram durante a 3º
Conferência Nacional de Saúde Mental, sendo reconhecida como um dos
instrumentos para a reorientação do modelo assistencial, como é possivel verificar a
seguir: “É primordial a implementação de políticas públicas intersetoriais que
garantam a efetiva qualidade de vida de todos os cidadãos e que se confrontem com
os mecanismos e processos de exclusão social” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001, p.
21).
Portanto, é de se supor, conforme consta no documento citado (MOB 2010),
que a reorganização da política de saúde mental, ocorrida no Brasil, a Reforma
Psiquiátrica ou a luta antimanicomial, baseada num olhar totalizante sobre os
indivíduos, pode ter contribuído para a construção da rede intersetorial, analisada
neste trabalho.
63
Os documentos analisados correspondem aos anos de 2009 e 2011, ou seja,
os registros iniciais. Esses registros permitem traçar um esboço histórico da
construção da REDE, por meio de ações iniciais deliberadas pelos seus primeiros
representantes, e descrever a forma de organização inicialmente adotada. Nesse
breve histórico, será possível encontrar como aconteceu o início da articulação entre
setores que hoje são denominados como Rede de Atenção e Proteção Social do
Município de Cascavel.
O documento mais antigo encontrado nos arquivos é uma ata, na qual está
relatada reunião realizada no dia vinte e dois de outubro de 2009, nas dependências
do NRE, tendo a participação de representantes de 23 instituições, entidades,
programas, das políticas de educação, saúde, assistência social, segurança pública,
representante de trabalhadores, justiça, criança e adolescente, com marcada maioria
de profissionais vinculados ao NRE, incluindo o chefe desse órgão governamental. O
objetivo dessa reunião, registrado na ata, é a: “articulação da Rede de Apoio
Permanente”. Cabe ressaltar que essa reunião foi precedida de outra, realizada no
dia trinta de setembro de 2009, no mesmo local, para “dar início ao planejamento das
ações da REDE”.
Para fins desta pesquisa, o marco inicial da construção da experiência
intersetorial estudada está registrado na Ata A, sendo: a reunião preparatória do dia
30 de setembro de 2009 e a reunião ocorrida no dia vinte e dois de outubro de 2009.
Essa reunião teve como resultado o seguinte:
1 – Elaboração de um manual contendo todos os componentes da Rede e suas atribuições; 2 – Os componentes da Rede em visita a sede dos órgãos de apoio; 3 – Estudo de Casos; 4 - Próxima reunião para o dia dez de novembro de dois mil e nove. Foi solicitado aos componentes da Rede que elaborem um texto explicativo referente a proposta 1(um) e que encaminham para o e-mail, criado nesse momento: [email protected]. (Ata A)
Esse registro indica que, naquele momento, foram realizados dois
movimentos com o objetivo de articulação intersetorial: 1. O manual; e 2. Visitas aos
órgãos de apoio. Essas ações iniciais parecem indicar o reconhecimento da
necessidade de se conhecer o trabalho desenvolvido pelos setores e suas políticas.
A análise dos dados coletados permite reconhecer que o que está registrado
como intenção no documento - elaboração de manual (Ata A) – concretiza-se na
produção de dois “manuais”: um, em 2010, e outro, em 2015:
64
Manual de Orientações Básicas da Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente. (MOB 2010) Caderno de Orientação Básica – Rede de Atenção e Proteção Social – 2015. (COB 2015)
A necessidade de conhecimento do trabalho de cada instituição e seu fazer
profissional foi considerada por Ferrari e Tavares (2016) como um dos requisitos para
o trabalho em rede. No mesmo sentido, os outros requisitos, apontados pelas autoras,
baseiam-se nas orientações propostas pelo Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome, para o trabalho em rede intersetorial: “a disponibilidade para
negociação e diálogo permanente, bem como para a flexibilização de processos e
fluxos de trabalho; o compromisso com o fazer coletivo e o empenho em impulsionar
conexões, como reuniões, encontros, contatos periódicos” (FERRARI, TAVARES,
2016, p. 107).
Dessa maneira, D`Oliveira e Schraiber (2013), ao analisar uma rede
intersetorial de atendimento a mulheres vítimas de violência, reconhecem que, para
sua efetivação, é necessário que cada setor assistencial se reconheça,
reciprocamente, na sua especificidade e naquilo que tem em comum. No mesmo
sentido, Viera e Hasse (2017), ao pesquisar sobre as percepções dos profissionais de
uma rede intersetorial, no atendimento de casos de violência contra mulheres, em
uma cidade de porte médio de São Paulo, encontraram nos relatos que o
conhecimento dos profissionais sobre os outros serviços é parcial, gerando isolamento
e encaminhamentos incorretos.
Para as autoras, a “integração de um trabalho intersetorial necessita
primeiramente de um diálogo inicial entre os serviços para que possa haver
comunicação” (VIERA; HASSE, 2017, p. 59). No mesmo sentido, Kiss et al. (2007),
em pesquisa com profissionais da rede intersetorial de mulheres em situação de
violência, buscando entender qual o grau de integração entre eles, encontraram que:
[...] embora cada entrevistado aponte conhecer diferentes tipos de serviços, este conhecimento não se traduz sempre em articulação assistencial. (...). A assistência acaba fragmentada, já que a necessidade da mulher não é abordada em sua integralidade pelos serviços, dentro de um projeto conjunto (KISS, et al. 2007, p. 499).
Esse movimento, de conhecimento do fazer profissional do outro, é indicado
65
por Junqueira (2000, p. 42) como necessário à “articulação de saberes e experiências
no planejamento, realização e avaliação de ações”.
Nesse sentido, é possível considerar, partindo da reflexão realizada pelos
autores, que a experiência intersetorial em Cascavel se desenvolveu com
características do que foi denominada rede intersetorial. Portanto, a REDE constrói
um entendimento sobre rede intersetorial com as seguintes características:
organização local, com a articulação entre setores distintos, com temática ampla e a
construção de instrumentos, visando à superação da fragmentação setorial.
Nas entrevistas, foi possível perceber a compreensão sobre o trabalho em
rede intersetorial para os entrevistados, o que parece estar relacionado ao
entendimento de que, se a realidade social apresenta problemas complexos,
isoladamente, nenhuma ação terá a possibilidade de atender a todos os aspectos
dessa realidade.
Há referência ao trabalho corresponsável, integrado, articulado e parceria
entre serviços e intersetorialidade, como é possível verificar nos seguintes
depoimentos:
Então, para mim, o trabalho em rede consiste nisso, é um trabalho conjunto mesmo, eu vou até um ponto com esse usuário, com esse meu paciente, mas por mais que o outro serviço atenda, eu não deixo de acompanhá-lo, para mim rede é isso. A rede, ela se corresponsabiliza com os demais serviços, não deixando o usuário nunca flutuando assim, sem... direito. (E 1) Então, o trabalho em rede eu entendo que é um trabalho articulado [...]. (E 5) O trabalho em rede é isso. Uma parceria que dá certo. (E 6) [...] um trabalho que é articulado e por isso mesmo também está altamente relacionado à intersetorialidade [...]. (E 2) [...] trabalho em rede, eu acho que tem a ver com a intersetorialidade [...]. [...] é juntar vários serviços, é você tá em conexão com os diferentes serviços, trocando informações, sentando para conversar sobre os casos. [...] fazer trabalho em rede é essa troca de informações, seja através de reuniões, contatos [...]. (E 3) Ele é um órgão de mediação e de interlocução, né. Primeiramente, é um órgão de mediação e interlocução entre os serviços, entre os setores. (E 4)
É possível inferir que, para os entrevistados, o entendimento sobre rede e
intersetorialidade aproxima-se da compressão de Lavoratti (2013) e Bidarra (2009),
pela compreensão de que a ideia de rede remete à existência de pontos e conexões.
Partindo desse entendimento é que surge a necessidade de articulação, conexão,
66
vínculos, ações complementares, interdependência de serviços/ações/programas.
Bidarra (2009) explica que, para alcançar a resolutividade do que foi demandado, é
fundamental garantir que essas conexões expressem o fluxo das intervenções.
Aproxima-se, também, do conceito de Bourguignon (2001) sobre rede intersetorial.
Para a autora, essas redes são aquelas que articulam o conjunto das organizações
governamentais, não-governamentais e informais, comunidades, profissionais,
programas sociais, setor privado, bem como redes setoriais para garantir a atenção
integral aos segmentos vulneráveis.
Nas falas dos entrevistados, percebe-se a importância da articulação
intersetorial – entendimento também percebido por Silva e Tavares (2016). Em
pesquisa realizada com profissionais de equipes de ESF, sobre potencialidades e
dificuldades para o trabalho intersetorial, as autoras encontraram que, na opinião de
trabalhadores, o trabalho interequipe e intersetorial desarticulado dificulta ações de
promoção à saúde.
Pesquisa com trabalhadores do CREAS procurou conhecer a percepção
desses profissionais quanto ao atendimento da rede de proteção da criança e do
adolescente, vítimas de violência sexual. Apontou que a desarticulação da rede de
atendimento do municipio é uma das dificuldades no enfrentamento desse tipo de
violência. Os autores concluem que “a desarticulação da rede, de fato, é uma
fragilidade que requer uma atenção especial” (FARAJ; SIQUEIRA, 2012, p. 81). No
mesmo sentido, pesquisas que avaliaram a percepção de mulheres vítimas de
violência demonstram a necessidade da articulação intersetorial na busca pelo
enfrentamento dos abusos praticados contra essas mulheres (SANTOS; FREITAS,
2017; MENEZES et al. 2014).
Nas entrevistas, foi possível identificar outras características do trabalho
intersetorial em rede. Assim, aparecem com destaque os termos horizontalidade,
políticas com a mesma responsabilidade, democracia e autonomia, presentes nos
seguintes depoimentos:
Não existe trabalho em rede quando um se sente chefe ou superior ao outro, entendeu? [...] É horizontal mesmo, não tem chefe, vamos dizer assim, ninguém manda mais mesmo, assim, são todos corresponsáveis pela atuação. (E 1) [...] eu entendo assim que cada política deve ter a mesma responsabilidade. (E 2) [...] rede, ela tem aquele conceito da horizontalidade, nós podemos ter alguém
67
que domine a rede, alguém que manda na rede [...] mas que rede, o princípio básico é a horizontalidade. [...] através das reuniões, da plenária, discutindo, pontuando, discutindo as questões pontuais, lá, ampliando essa discussão [...]. (E 4) [...] relação horizontal, não vertical. E entre os parceiros e cada um tem uma função que se complementa. (E 5)
Partindo de Bourguignon (2001), é possível perceber que os entrevistados
indicam um novo conceito de gestão, diferente do tradicionalmente existente nas
políticas públicas, em que a gestão tem características centralizadoras, hierárquicas
e o reconhecimento de que esse modo de gestão impede que os problemas
vivenciados pelo cidadão sejam abordados em sua totalidade. Entretanto, Souza,
Terra e Erdmann (2005) explicam que, para mudar o processo de trabalho setorial,
serão necessárias mudanças de concepções, valores e práticas das organizações
públicas.
Autores apontam que rede possui como características as ligações
horizontais entre integrantes e a corresponsabilidade. Whitaker (2007) apud Pereira,
Santos e Inocente (2011, p.60) detalham a estrutura de uma rede: “Seus integrantes
se ligam horizontalmente a todos os demais, diretamente ou através dos que o
cercam. Todos têm o mesmo poder de decisão, pois decidem sobre sua própria ação;
corresponsabilidade”. Segundo Oliveira, Delziovo e Lacerda (2014), o trabalho em
rede deve se organizar de modo a reconhecer a autonomia dos setores, com decisões
tomadas de forma horizontal nos princípios de igualdade, democracia, cooperação e
solidariedade.
5.3 A ARTICULAÇÃO ENTRE A RAPS E OS DEMAIS SERVIÇOS QUE ATENDEM
CRIANÇAS E ADOLESCENTES USUÁRIOS DE SPA
Para descrever a forma como se articula a RAPS com os demais serviços que
compõem a REDE, discute-se a articulação entre os serviços da RAPS que atendem
diretamente crianças e adolescentes usuárias de SPA e a articulação entre a RAPS e
a REDE para esses atendimentos. Na análise dos documentos, houve referências à
horizontalidade, cooperação, integração, intersetorialidade, diálogo, relação entre
parceiros, troca de informações para obtenção de condições preexistentes e ações
desenvolvidas.
68
Identificou-se, tendo como base os documentos analisados e o ECA, que, na
rede de assistência específica às crianças e adolescentes usuários de SPA, no
município de Cascavel, participam o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas
(CAPS AD) e o Hospital Universitário do Oeste do Paraná (MOB 2010, COB 2015,
OFR 08, OFR 22).
O CAPS AD é definido, na Portaria MS/GM 3038/2011, como:
Art. 7º O ponto de atenção da Rede de Atenção Psicossocial na atenção psicossocial especializada é o Centro de Atenção Psicossocial. (...) § 4º Os Centros de Atenção Psicossocial estão organizados nas seguintes modalidades: (...) IV -CAPS AD: atende adultos ou crianças e adolescentes, considerando as normativas do Estatuto da Criança e do Adolescente, com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas. Serviço de saúde mental aberto e de caráter comunitário, indicado para Municípios ou regiões com população acima de setenta mil habitantes (BRASIL, 2011).
Por sua vez, a Ala de Desintoxicação do HUOP pode ser classificada como o
componente hospitalar da rede de saúde mental, conforme a referida portaria:
Art. 10. São pontos de atenção na Rede de Atenção Psicossocial na atenção hospitalar os seguintes serviços: I - enfermaria especializada para atenção às pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, em Hospital Geral, oferece tratamento hospitalar para casos graves relacionados aos transtornos mentais e ao uso de álcool, crack e outras drogas, em especial de abstinências e intoxicações severas (...) (BRASIL, 2011).
Importante ressaltar que a Ala de Desintoxicação é uma enfermaria
especializada na atenção a necessidades decorrentes do uso de SPA por crianças e
adolescentes, em um hospital geral, o HUOP (MOMBELLI; MARCON; COSTA 2010).
No âmbito do setor saúde, a Portaria Ministerial nº 4.279/2010 define as RAS
– redes setoriais de saúde. Segundo a Portaria, essa rede deve estar configurada com
arranjos organizativos de serviços e ações de saúde por meio de relações horizontais
entre os pontos de atenção, buscando garantir a integralidade do cuidado (BRASIL,
2010). Mendes (2010) amplia essa concepção ao destacar que:
[...] as redes de atenção à saúde são organizações poliárquicas de conjuntos de serviços de saúde, vinculados entre si por uma missão única, por objetivos comuns e por uma ação cooperativa e
69
interdependente, que permitem ofertar uma atenção contínua e integral a determinada população, coordenada pela atenção primária à saúde prestada no tempo certo, no lugar certo, com o custo certo, com a qualidade certa e de forma humanizada, e com responsabilidades sanitárias e econômicas por esta população (MENDES, 2010, p. 2300).
As redes setoriais, conforme apontam Quinderé, Jorge e Franco (2014),
passaram a estar presentes nas formulações das políticas de saúde, com a instituição
do SUS, nos anos 1980/1990. Além das redes de saúde, as redes setoriais
compreendem ainda a rede de ensino, rede de assistência social, entre outras.
Bourguignon (2001), com base na proposta de classificação de Redes Sociais de
Guará et al. (1998 apud BOURGUIGNON, 2001, p.6), define as Redes Setoriais
Públicas como “aquelas que prestam serviços e programas sociais consagrados pelas
políticas públicas como educação, saúde, assistência social, previdência social,
habitação, cultura, lazer, etc.”
Dentre as redes de saúde existentes, esse trabalho enfoca a RAPS. Essa rede
setorial de saúde foi instituída pela Portaria do Ministério da Saúde Nº 3.088/2011.
Art. 1º Fica instituída a Rede de Atenção Psicossocial, cuja finalidade é a criação, ampliação e articulação de pontos de atenção à saúde para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Art. 2º [...] promoção da equidade, reconhecendo os determinantes sociais da saúde; [...] garantia do acesso e da qualidade dos serviços, ofertando cuidado integral e assistência multiprofissional, sob a lógica interdisciplinar; […] e organização dos serviços em rede de atenção à saúde regionalizada, com estabelecimento de ações intersetoriais para garantir a integralidade do cuidado (BRASIL, 2011, p. 1).
Costa et al. (2015) considera que a RAPS é a articulação dos pontos de
atenção à saúde para portadores de transtorno mental e usuários de SPA. Partindo
de uma análise histórica, Morais (2008) defende que a atenção psicossocial tem como
referência a Reforma Psiquiátrica, pois busca a “determinação psíquica e sociocultural
do processo saúde-doença, se opondo a idéia de instituição como clausura” (Morais,
2008 p. 124).
O que foi chamado de o movimento da Reforma Psiquiátrica desenvolveu, na
década de 1970 e início de 1980, o pensamento crítico em relação à
institucionalização da loucura então vigente na época. Como um dos resultados desse
processo, houve a aprovação pelo legislativo brasileiro da Lei Nº 10.216 de 2001.
70
Teixeira et al. (2017) pesquisou as normativas oficiais da esfera federal,
publicadas entre 2000-2016 que, segundo ele, configuraram as Políticas Públicas
sobre drogas no Brasil. A referida lei é considerada pelo autor como um marco da
Reforma Psiquiátrica, pois propôs um novo modelo de atenção em saúde mental - o
modelo psicossocial - em substituição aos manicômios psiquiátricos, com serviços de
base territorial de portas abertas. Por sua vez, Amarante e Nunes (2018) apontam que
a referida Lei possibilitou uma configuração muito favorável e promissora para a saúde
mental no SUS.
No que se refere à atenção ao usuário de drogas, no âmbito do SUS, a
Portaria 3.088/2011 segue o disposto na Portaria Ministerial MS/GM Nº 2.197
(BRASIL, 2011). Essa Portaria de 2004 instituiu a Política Nacional de Atenção
Integral aos Usuários de Álcool e Outras Drogas, redefinindo e ampliando a atenção
integral a essa população, no SUS, no país (Brasil, 2004). Para Rameh-De-
Albuquerque (2017), essa política deve ser considerada como conquista da Reforma
Psiquiátrica Brasileira. A Portaria Ministerial MS/GM Nº 2.197, segundo Morais (2008),
define como principais componentes da assistência ao usuário de drogas:
[...] a atenção básica; a atenção nos CAPS-AD, ambulatórios e outras unidades hospitalares especializadas; a atenção hospitalar de referência e a rede de suporte social (associações de ajuda mútua e entidades da sociedade civil), complementar à rede de serviços
colocados à disposição pelo SUS) (MORAIS, 2008, P. 124).
Costa et al. (2015) defende que, para entender a uma rede assistencial sobre
drogas, deve ser levada em consideração sua conformação em relação à Rede de
Atenção à Saúde e também pela RAPS. Para o autor, concordando com o exposto na
Política do Ministério da Saúde sobre a atenção integral a usuários de álcool e outras
drogas, uma rede de atenção sobre drogas pode ser entendida como uma:
[...] rede de assistência centrada na atenção comunitária associada à rede de serviços de saúde e sociais que tenha ênfase na reabilitação e reinserção social dos seus usuários sempre considerando que a oferta de cuidados a pessoas que apresentam problemas decorrente do uso de álcool e de outras drogas deve ser baseada em dispositivos extra-hospitalares de atenção psicossocial especializada, devidamente articulados à rede assistencial em saúde mental e ao restante da rede de saúde (BRASIL, 2003, p. 06).
A forma como se relacionam esses dois pontos ocorre da seguinte maneira:
71
crianças e adolescentes com problemas, decorrentes do uso de SPA, que, segundo a
avaliação da equipe multiprofissional do CAPS AD serão beneficiados com um
atendimento em regime fechado, são incluídos na Central de Leitos do Estado.
Havendo vaga, são internados na referida unidade hospitalar que, por sua vez, após
a alta hospitalar do adolescente, o encaminha ao serviço ambulatorial de referência,
nesse caso, o CAPS AD (MOMBELLI; MARCON; COSTA, 2010). Como será visto
adiante no texto, além desse encaminhamento formal, a articulação efetiva-se
preferencialmente com a utilização da Ficha de Referência e Contrarreferência,
contatos telefônicos e, ainda, estudos de casos.
Os documentos demonstram que ambos os serviços, CAPS AD e HUOP
participaram, de forma diferente, como integrantes da REDE.
Patrulha Escolar, APP Sindicato, CENSE I, CENSE II, Secretaria da Criança e da Juventude [estado], Juiz de Direito, Conselho Tutelar Leste, Oeste, RBC, SOS Família, Programa Atitude, Eureca I, Família Acolhedora, Creas II, Pró-Jovens Adolescente, Saúde Mental [município], CAPS AD, CAPS I, Conselho de Psicologia, CRAS XIV, CRAS Volante, Diretores representantes da Rede Estadual de Ensino, CRAPE, Equipe de Ensino, Assistência de Chefia, Assistência Pedagógica e a Chefe do Núcleo Regional de Educação. (Ata A)
[representante] do HUOP sugere que seja promovida a articulação entre grupos de serviços. (Ata B)
Indicação de representantes [pelo diretor do HUOP via oficio] para Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente [2012]. (OFR 08)
Corroborando isso, observa-se, nos documentos, que os trabalhadores da
RAPS participaram de todas as etapas da capacitação, realizada no ano de 2016, na
organização da capacitação, como facilitadores das palestras e dos trabalhos nas
salas, nas duas etapas: SIM/PR, CAPS AD, gerência de saúde mental do município
(LR I, p.s.n; LR 4, p.s.n). Além disso, como participantes da capacitação: SIM/PR,
CAPS AD, gestores da área de saúde mental do município, HUOP/Ala de
desintoxicação (LR 4, p. 85 - 266). Na apresentação da Secretaria Municipal de
Saúde, realizada na 1º etapa da capacitação, não houve destaque para RAPS, apenas
com seus serviços descritos no organograma da secretaria (LR 2, p. 154). Na segunda
etapa, houve apresentação de todos os serviços da secretaria. O CAPS AD19 foi assim
descrito:
19 No município de Cascavel, o CAPS AD atende apenas crianças e adolescentes.
72
Assistência em Saúde Mental, (...) Centro de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas (CAPS ad), (...) oferece atendimento a crianças e adolescentes do Município de Cascavel, usuários de álcool e outras drogas. Realiza atividades terapêuticas e preventivas, proporcionando tratamento, habitação e ressocialização junto a família e comunidade. (LR 5, p. 165)
Não há registro de apresentação nas duas etapas da capacitação dos
serviços HUOP e SIM/PR.
Verifica-se, com isso, que os serviços integrantes da RAPS se organizam e
participam da estruturação da REDE, de forma que há protagonismo do CAPS AD
nesse processo. Percebe-se que a construção da REDE faz parte das ações
prioritárias desse serviço para a superação das práticas fragmentadas, em
consonância a políticas públicas. A Portaria do Ministério da Saúde Nº 3.088/2011, em
seu Artigo 2º, estabelece ações intersetoriais como diretrizes para o funcionamento
da RAPS, relacionando a integralidade, entre outras, a “organização dos serviços em
rede de atenção à saúde regionalizada, com estabelecimento de ações intersetoriais
para garantir a integralidade do cuidado” (BRASIL, 2011, p.1 - 2).
No mesmo sentido, Costa, Ronzani e Colugnati (2017) apontam que o CAPS
AD assume papel importante na organização da rede, pois tem a responsabilidade de
gerenciar fluxos de pacientes e, para isso, se articula com os outros componentes da
rede. Acredita-se que, dessa forma, estimula a constituiçao de redes intersetoriais.
Em uma revisão de literatura nacional sobre o assunto, Costa, Ronzani e Colugnati
(2018) demonstraram o protagonismo do CAPS nas políticas e redes da saúde aos
usuários de SPA, no Brasil.
Conforme já visto, a intersetorialidade, por meio de redes intersetoriais, se
apresenta como alternativa, no que se refere às formas de organização ou
reorganização do processo de trabalho. Observa-se, dessa maneira, que ações
intersetoriais, preconizadas como diretrizes para o funcionamento de uma rede
setorial, foram adotadas pela RAPS no Município de Cascavel, no que diz respeito ao
atendimento de crianças e adolescentes usuários de SPA.
A forma como se articula a RAPS com outros serviços que atendem crianças
e adolescentes usuárias de SPA, em Cascavel, está estabelecida no Fluxograma de
Atendimento à Criança e Adolescente em Drogadição, conforme é possível verificar
no documento abaixo:
CRAS, CREAS I, CREAS II, Casa de Passagem Masculina, Casa de Passagem
73
Feminina, Centro da Juventude, Programa Família Acolhedora, Serviço Especializados em Abordagem Social, CENSE I e II, Semiliberdade, EURECA I e II, Conselho Tutelar, Escola Municipal, Escola Estadual, Programa Evasão Escolar, UBS, CAPS AD, UPA Ped., HUOP. (FX 1)
Dos 18 serviços elencados no Fluxograma de Drogadição, 13 possuem
indicação direta para encaminhar para o CAPS AD, sendo eles: CRAS, CREAS II,
Casa de Passagem Masculina, Casa de Passagem Feminina, Centro da Juventude,
Programa Família Acolhedora, CENSE I e II, Semiliberdade, EURECA I e II, Conselho
Tutelar, Escola Municipal, Programa Evasão Escolar, UBS, CAPS AD, UPA Pediátrica,
HUOP. Apenas dois serviços possuem indicação para encaminhamentos ao HUOP,
sendo eles, a UPA Pediátrica e o CAPS AD (FX 1). Por sua vez, o CAPS AD pode
referenciar para a UBS, internamento hospitalar especializado e, ainda, esporte,
cultura, assistência social, Escola, Conselho Tutelar.
Esses dados parecem convergir com o achado de Costa et al. (2017), em
levantamento da rede de atenção aos usuários de drogas, em um município de médio
porte. Nesse levantamento, observou que a maior parte dos serviços era de cunho
generalista; nesse caso, os serviços especializados para o tratamento de usuários
SPA são o CAPS AD e a Ala de Desintoxicação do HUOP. O autor postula que essa
situação se mostra coerente com o modelo assistencial proposto pela Reforma
Psiquiátrica e também com o disposto nas principais políticas nacionais sobre o tema.
É possível verificar também a centralidade do CAPS AD em relação à
articulação intersetorial na experiência de Cascavel, o que parece ser evidenciado na
consulta da literatura sobre o assunto. Leal e Antoni (2013), ao caracterizar os CAPS
(as modalidades existentes) da Região Metropolitana de Porto Alegre/RS,
encontraram que, em relação a ações intersetoriais, 76% dos CAPS possuem
parcerias com outras instituições de saúde e 81% possuíam parcerias intersetoriais,
principalmente, assistência social 88%, educação 53% e Judiciário 41%.
Costa, Ronzani e Colugnati (2018), em estudo sobre o papel do Centro de
Atenção Psicossocial - Álcool e outras Drogas - em relação à rede de atenção aos
usuários de drogas, no município de Juiz de Fora/MG, observou a centralização da
rede no CAPS AD, tomado como dispositivo regulador do fluxo assistencial ao usuário
de drogas e do processo de trabalho. Em outro estudo, Costa et al. (2015) analisou a
articulação entre serviços de uma rede de atenção a usuários de drogas e encontrou
que, além do CAPS AD, outros serviços também participam de rede intersetorial, como
74
os serviços de urgência e emergência, instituições especializadas da saúde mental, a
exemplo dos CAPSs e ambulatórios, serviços do SUAS, CREAS e CRAS, dispositivos
especializados para usuários de drogas, a saber, os hospitais gerais com leitos para
desintoxicação.
Foi possível observar, portanto, que a forma com que se relacionam os
serviços da RAPS com a REDE foi mediada pela maneira como se organizaram os
fluxogramas e também pelos outros instrumentos criados para essa articulação, que
serão descritas adiante, neste texto.
Na pesquisa documental, foi verificado um determinado entendimento sobre
como deve ocorrer a articulação intersetorial. Os conceitos, que são apresentados
como forma de operacionalizar a relação entre os serviços, são os seguintes:
horizontalidade, cooperação, integração, intersetorialidade, conforme o documento
abaixo:
Independente de estar relacionado a esse serviço ou aos demais, objetiva-se facilitar os atendimentos e procedimentos que acionam a Rede de Proteção de forma que todos estejam envolvidos na garantia de direitos. Os componentes da Rede de Proteção primam pela horizontalidade das relações entre seus membros, buscando maior cooperação, valorizando a integração e a intersetorialidade, ampliando parcerias e envolvendo instituições governamentais, não governamentais e a comunidade. (MOB 2010)
Essa forma de operacionalizar o trabalho intersetorial, com características de
rede, encontra referência na literatura da área, cujo entendimento aponta para a
construção de outra forma de relação entre setores, com objetivo de superação da
fragmentação setorial. De forma geral, essas relações são apresentadas como
hierarquizadas, burocráticas, fragmentadas, indicando a necessidade de mudanças
de concepções, valores e práticas das organizações públicas que favoreçam a
construção de relacionamentos autônomos, horizontais, democráticos, com atitudes
cooperativas (BIDARRA, 2009; FERRARI; TAVARES, 2017; LAVORATTI, 2013;
PEREIRA et al. 2011; SOUZA; TERRA; ERDMANN, 2005).
Por outro lado, Passos et al. (2016), em estudo que avaliou a rede de proteção
e cuidado a crianças e adolescentes usuárias de SPA, do município de Betim/MG,
encontrou que a falta de articulação entre os serviços é agravada pela existência de
poucos espaços para definir ações conjuntas. “Como não há articulação ou um fluxo
de rede instituído, cada equipamento fica circunscrito a uma definição estrita de sua
75
função, o que se agrava com o fato de haver poucos espaços de diálogo para definição
de ações conjuntas” (PASSOS et al. 2016, p. 594).
No mesmo sentido, os entrevistados, no que se refere à forma como se
relacionam os diversos serviços que compõem a REDE, destacam características
como o diálogo, a troca de informações, a relação entre parceiros, conforme exposto
nas falas:
A gente convida o outro serviço, a gente encaminha a ficha e não deixa de usar o telefone [...]. (E 1)
A nossa comunicação básica, assim, o diálogo, se dá por meio da ficha de referência e contrarreferência. [...]. Então eu acho que é importante esse diálogo permanecer e quando você encaminha uma ficha de referência acho que é essencial que seja precedido ou de uma ligação telefônica: estou encaminhando um caso, porque a rede pressupõe já conhecimento das pessoas, então, quando eu ligo, eu já falo o nome da pessoa, já sei o nome da pessoa com quem eu estou falando. Ligações telefônicas ou e-mails que a gente manda um e-mail também complementando, o que você tiver a mais é sempre assim essencial. (E 4)
[...] a escola ou o colégio eles encaminham por e-mail a ficha, a gente recebe todos os dias, um monte de encaminhamento [...]. (E 6)
[...] nós estamos o tempo todo identificando situações que ferem alguns direitos, algumas que violam direitos de famílias, de crianças, enfim, ou às vezes algumas falhas, por questão do fluxo não estar bem esclarecido, pela intersetorialidade não estar totalmente fortalecida, às vezes acontecem falhas, então, o nosso trabalho, o tempo todo, é fazer o contraponto, a gente entra em contato, muitas vezes, telefônico [...] então a gente tá o tempo todo fazendo essa articulação com os serviços, então, nós estamos totalmente relacionados, é... a essa intersetorialidade. (E 2)
O nosso serviço tem um trabalho permanente de visitação nos outros órgãos, também dos órgãos para com ele, para que ele, nesse diálogo, estarmos discutindo tanto o fluxo como qual é a demanda que é encaminhada. A Rede de Atenção e Proteção Social de Cascavel construiu um protocolo para isso. (E 4)
É possível verificar que a relação entre os serviços que compõem a REDE
ocorre por meio da Ficha Intersetorial de Referência e Contrarreferência. Essa ficha,
que será descrita mais tarde, neste texto, é utilizada, segundo os relatos, para a
realização de encaminhamentos e troca de informações sobre as situações entre um
serviço e outro. É importante destacar o relato da utilização de contatos pessoais via
e-mail e telefone como forma de comunicação.
Em uma pesquisa com profissionais que atuam no sistema de Socioeducação,
realizada no município de Cascavel-PR, encontrou-se que todos os entrevistados
entendem que o trabalho em rede intersetorial exige comunicação e compartilhamento
76
de responsabilidades (MARTINS; ROESLER, 2011). As autoras evidenciaram, ainda,
que, no entendimento dos entrevistados, a efetivação de uma rede “implica a
comunicação estruturada e ainda as estratégias viáveis e eficazes para a articulação,
intervenção, gestão e avaliação do processo” (MARTINS; ROESLER, 2011 p. 347).
Kiss et al. (2007) estudaram uma rede intersetorial às mulheres em situação
de violência e encontraram que a comunicação entre serviços públicos, além do que
já existe entre organizações não-governamentais e entre os serviços públicos, é
deficitária, gerando fragmentação do cuidado. Para as autoras, a construção de redes
intersetoriais passa pelo desenvolvimento de canais definidos de comunicação entre
os serviços de uma rede. Esses contatos, via telefone e e-mail, além da Ficha
Intersetorial de Referência e Contrarreferência, são necessários, pois, para a
integração do trabalho intersetorial, deve ocorrer primeiramente um diálogo inicial
entre os serviços, para que possa haver comunicação efetiva (VIERA; HASSE, 2017).
Ademais, Passos et al. (2016) encontrou que, quando não há instituição de
fluxos ou a articulação entre os serviços, o trabalho fica limitado ao que está definido
estritamente em cada setor. O relacionamento entre as equipes e serviços ocorre
também com o objetivo de obtenção de informações sobre condições preexistentes e
ações já desenvolvidas. Essas situações são verificadas nas seguintes falas:
[...] a gente não consegue, na maioria das vezes, ver em loco as situações, então assim, a gente precisa do CRAS, da UBS, para fazer uma visita domiciliar, ver a situação em loco, porque a demanda aqui é muito grande e o nosso objetivo é atender a demanda aqui, só que eu preciso saber também desse feedback, dessa questão mais ampla, então assim, eu faço diariamente a gente faz contato com os serviços da rede para saber de situações, porque nem sempre o que aparece para nós é o que realmente é, então assim, às vezes, são trazidas certas demandas, e a gente vai ver com os serviços que estão ali mais próximos, e é outra situação. (E 3) As escolas, quando elas identificam cinco faltas consecutivas ou sete faltas alternadas, elas fazem a ação delas [...] em ela não tendo resultado, sucesso, ela manda para evasão (notificação de evasão escolar). (E 4) Nosso serviço ele tem uma atuação em rede, fazendo encaminhamentos, recebendo encaminhamentos e procura essa articulação entre os diferentes serviços das diferentes políticas. [...] Mas quando o adolescente entra, na entrevista inicial, é identificado as demandas dos adolescentes e essas demandas daí nós acionamos a rede [...]. (E 5) A maioria é escola que nos informa, a escola, até às vezes a unidade básica de saúde, porque ela vai visitando as famílias, as ACS, as agentes de saúde, visitam as famílias, percebem que aquela mãe, aquele pai tão sendo judiado, tão ali sofrendo, tão tendo problema ali com o filho, se usando droga, e eles não sabem
77
o que fazer, então as ACS geralmente passam para a assistente social ou enfermeira, coordenadora da UBS, que vem nos comunicar esse fato. (E 6)
É possível verificar que os entrevistados compreendem a intersetorialidade,
operacionalizada em uma rede intersetorial, como instrumento para obtenção da
integralidade, além de perceber a determinação social do processo saúde-
adoecimento. Souza, Terra e Erdmann (2005) coadunam com essa expectativa, pois
debatem que, para se alcançar os resultados esperados, é necessário efetuar uma
ação com a participação mais abrangente de setores que se complementam.
Por sua vez, D`Oliveira e Schraiber (2013) problematizam que a construção
de redes, nesse caso rede intersetorial, é dependente, entre outras coisas, da
articulação e interação dos profissionais, visando a um projeto assistencial comum.
Para as autoras: “cada profissional e cada setor assistencial tem uma contribuição
parcelar, específica, mas interdependente” (D´OLIVEIRA; SCHRAIBER, 2013, p. 137).
O trabalho em rede, enquanto práxis, é pautado por microrrelações que vão sendo
construídas gradualmente entre pessoas. As relações de confiança estabelecidas
entre pessoas e instituições são potencializadas quando pautadas pela
intersetorialidade (FERRO, 2015).
Percebe-se que a compreensão dos entrevistados sobre como se efetiva a
articulação entre RAPS e os demais serviços da REDE, é pautada por práticas
interdisciplinares, pois ocorre a busca por diferentes saberes para a elaboração dos
projetos terapêuticos dos usuários. Leal e Antoni (2013, p. 95) definem a
interdisciplinaridade “como a interação de diferentes disciplinas que se sustenta sob
uma problemática comum, em uma relação que permite uma aprendizagem mútua e
recombinações dos saberes e práticas”. Pereira (2014) destaca que, isoladamente,
nenhuma das partes ganha sentido e consistência. Para a autora, o prefixo inter serve
para nomear tanto a:
[...] interdisciplinaridade quanto a intersetorialidade, remete a relações dialéticas; isto é, à relação que não redunda em um amontoado de partes, mas em um todo unido, no qual as partes que o constituem ligam-se organicamente, dependem umas das outras e condicionam-se reciprocamente (PEREIRA, 2014).
Portanto, observa-se que a relação entre os serviços da RAPS e entre esses
e os demais serviços, mediada pelo trabalho desenvolvido pela REDE, ocorre em uma
78
perspectiva de rede intersetorial, com a adoção, por parte dos trabalhadores, dos
instrumentos intersetoriais desenvolvidos com o intuito de se alcançar a integralidade
na assistência aos jovens usuários de SPA.
5.4 A CONSTRUÇÃO DE INSTRUMENTOS INTERSETORIAIS
Com a contribuição de Marx (2017), Merhy e Feuerwerker (2016), bem como
de Malta e Merhy (2003), sobre a categoria trabalho, percebe-se que a experiência
intersetorial da construção da REDE pode ser entendida como trabalho humano
coletivo.
Merhy e Feuerwerker (2016) apontam que, para Marx:
[...] a construção mental do produto a ser realizado antecede e se antepõe ao processo de trabalho em si e esse modo de organizar o processo de trabalho envolve uma certa sabedoria (...), ou seja, não basta apenas projetar, é necessário um certo saber tecnológico para juntar aqueles três componentes [do processo de trabalho] e transformá-los em um produto específico. (MERHY; FEUERWERKER, 2016, p. 61).
Em relação ao trabalho em saúde, os autores discutem que, como toda
atividade humana, as práticas em saúde são atos produtivos:
[...] porque visam produzir efeitos, buscam alterar um estado de coisas estabelecido como necessidade. Assim, além de orientadas pelos saberes científicos, são também constituídas a partir de sua finalidade social, que é historicamente construída (MERHY, FEURWERKER, 2016, p. 63).
Com a contribuição de Malta e Merhy (2003), percebe-se que o trabalho
intersetorial apresenta peculiaridades do trabalho intelectual, desenvolvido por
trabalhadores técnicos da área da saúde, uma vez que envolve não só distintas
profissões de um mesmo setor e/ou política pública, mas também “profissões de
diferentes setores e/ou políticas públicas que compartilham recursos técnicos e
cognitivos” (MALTA; MERHY, 2003, p. 62). Portanto, o resultado do trabalho
intersetorial é fruto de trabalho coletivo, desenvolvido por trabalhadores técnicos com
uma prática social de compartilhamento de saberes.
O processo de trabalho intersetorial, no caso concreto de Cascavel, conforme
foi possível extrair dos documentos, desenvolveu suas ferramentas de trabalho, com
79
o objetivo de superar a fragmentação setorial. Para Monnerat e Souza (2014, p. 50),
esse é o ponto forte da proposta da intersetorialidade, pois há a “possibilidade de se
construir uma visão de complexidade dos problemas tendo como requisito o aporte de
diferentes acúmulos setoriais (...) trata-se, pois, de construir objeto e objetivos
comuns”. São necessárias, portanto, estratégias que possibilitem a operacionalização
das ações intersetoriais, empregando-se de meios e instrumentos que possam
estabelecer as conexões necessárias entre os diferentes componentes da rede, tendo
como objetivo superar a fragmentação setorial.
Nessa perspectiva, foi possível identificar quatro ferramentas que fazem parte
do processo de trabalho desenvolvido pela rede intersetorial do município de
Cascavel-PR, sendo: as publicações - Manual de Atenção Básica (MOB 2010) e
Caderno de Orientações Básica (COB 2015), o Fluxo de Atendimento à Criança e
Adolescente em Drogadição (Fx 1), a Ficha Intersetorial de Referência e
Contrarreferência (FIRC) e as capacitações intersetoriais (LR 1) (AMORIN, 2016).
A proposta de criação de um instrumento que tivesse como objetivo “a
descrição e especificação dos serviços e atendimentos do município de Cascavel”
(MOB 2010), voltada para o uso dos trabalhadores que atuam diretamente na
assistência, “o que facilitará a articulação entre os pares” (MOB 2010), resultou na
construção de dois instrumentos: O Manual de Atenção Básica e o Caderno de
Orientações Básicas. As primeiras referências à necessidade de desenvolver esses
instrumentos estão em documentos que registraram reuniões em 2009 e 2010.
Elaboração de um manual contendo os componentes da Rede e suas atribuições. (Ata A)
Manual Norteador. (Ata D)
[...] convidou a Rede para reunião com o objetivo [...] a elaboração de uma
‘cartilha’ com dados de toda a Rede. (Ata F)
A análise dos dados coletados permite reconhecer que o que está registrado
como intenção no documento “elaboração de manual” (Ata A) concretiza-se na
produção de dois “manuais”, um em 2010 e outro em 2015:
Manual de Orientações Básicas da Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente. (MOB 2010)
Caderno de Orientação Básica – Rede de Atenção e Proteção Social – 2015.
80
(COB 2015)
Autores apontam para a necessidade de se conhecer o trabalho desenvolvido
por outros setores, ou mesmo outros serviços, de forma organizada, com o objetivo
de potencializar as ações setoriais, superando a fragmentação. Para Ferrari e Tavares
(2016), conhecer o trabalho de cada instituição e seu fazer profissional é um dos
requisitos para o trabalho em rede.
No mesmo sentido, D`Oliveira e Schraiber (2013), ao analisar uma rede
intersetorial de atendimento a mulheres vítimas de violência, reconhecem que, para
sua efetivação, é necessário que cada setor assistencial se reconheça
reciprocamente, na sua especificidade e naquilo que tem em comum.
Viera e Hasse (2017), ao pesquisar sobre as percepções dos profissionais de
uma rede intersetorial no atendimento de casos de violência contra mulheres, em uma
cidade de porte médio de São Paulo, encontraram nos relatos que o conhecimento
dos profissionais sobre os outros serviços é parcial, gerando isolamento e
encaminhamentos incorretos.
Para Santos e Freitas (2018), que estudaram as fragilidades e potencialidades
da rede de atendimento às mulheres em situação de violência por parceiro íntimo, a
interação entre os serviços organizados em rede só acontecerá efetivamente com
base em conhecimento mútuo, envolvendo, para isso, “informações sobre suas
competências, atribuições, localização, tramitação interna e externa, bem como
horários de funcionamento” (SANTOS; FREITAS, 2018, p. 4).
Entretanto, Kiss et al. (2007), em pesquisa com profissionais da rede
intersetorial de mulheres em situação de violência, buscando entender qual o grau de
integração entre eles, encontrou que não necessariamente conhecer diferentes
serviços se traduzirá em uma efetiva articulação de rede, sem que exista uma ação
com objetivo em comum.
Embora cada entrevistado aponte conhecer diferentes tipos de serviços, este conhecimento não se traduz sempre em articulação assistencial. (...). A assistência acaba fragmentada, já que a necessidade da mulher não é abordada em sua integralidade pelos serviços, dentro de um projeto conjunto (KISS, et al. 2007, p. 499).
Dentro dessa perspectiva, considera-se, portanto, que houve o
desenvolvimento de instrumento ou ferramentas intersetoriais com o potencial de
81
contribuir para a superação da fragmentação setorial.
A necessidade da construção de instrumentos que servissem como ligação
e comunicação entre os componentes da rede, que resultou na atual Ficha
Intersetorial de Referência e Contrarreferência, está registrada no documento em
2010 (Ata B), sendo possível verificar que houve a constatação da existência de
dificuldade de comunicação entre os serviços:
[...] HUOP sugere que seja promovido [...] um sistema de comunicação que informe sobre o andamento dos casos. (Ata B)
[representante] do CAPS AD] fala que teve uma reunião com o juiz da Vara da Infância e o Promotor Público que solicitava a resolutividade dos atendimentos na área da drogadição e comunicação entre a Rede. (Ata F)
[...] além da sempre presente dificuldade por não haver referência e contra referência nos serviços. (Ata H)
Corrobora com esses relatos a pesquisa realizada em 2010, cujo objetivo era
de conhecer as possibilidades da intersetorialidade e articulação em rede, nos
serviços que atendem crianças e adolescentes em cumprimento de medidas
socioeducativas, no município de Cascavel. Nesse estudo, as pesquisadoras
encontraram que, embora existam iniciativas no município para “a construção de
redes, há uma fragilização na comunicação, ou seja, a estrutura relacional não está
conectada e integrada efetivamente” (MARTIN; ROESLER, 2011, p. 351).
Sendo assim, parece haver um esforço no sentido de superar a fragilidade na
comunicação de forma pactuada. Há registro de solicitação de reuniões com gestores
das principais políticas públicas “para implementação da Ficha Intersetorial de
Referência e Contrarreferência e outros encaminhamentos” (OFE 10...28).
Nos documentos que foram analisados, referentes à Capacitação, é possível
verificar que o tema Ficha Intersetorial de Referência e Contrarreferência também foi
objeto da formação nas duas etapas. Foi realizada a apresentação da Ficha, bem
como sua forma de uso e também foi utilizado como instrumento nos estudos de caso.
O mesmo ocorreu com a utilização dos fluxogramas no estudo de caso. É possível
verificar isso nas seguintes falas:
Rede de Atenção e Proteção Social em Cascavel, AÇÕES DESENVOLVIDAS, (...) Implantação da Ficha Intersetorial. (RL 2, p. 40)
A instituição da Ficha Intersetorial surgiu nas discussões da Rede em que a
82
ineficiência de comunicação entre os serviços era uma das dificuldades apresentadas pelos profissionais. Assim com o objetivo de melhorar a comunicação e a qualidade do atendimento aos usuários, foi elaborado a Ficha Intersetorial de Referência e Contrarreferência. (RL 2, p. 42)
(...) possibilita o fluxo de informações entre os atores da rede, buscando a reciprocidade e corresponsabilidade do atendimento. A ficha não pode ser entendida como uma transferência de responsabilidade, mas a continuidade de ações que almejam a integralidade no atendimento. (RL 2, p. 43)
Atividades em Grupos: Estudo de Caso com utilização do Fluxograma e da Ficha Intersetorial. (...) Mesa Redonda: Estudo Exploratório referente aos Estudos de Caso abordados nos Trabalhos em Grupo. (LR 2, p. 12 - 13; LR 4, p. 56).
Amorin (2016), em estudo monográfico sobre a Rede de Atenção e Proteção
Social de Cascavel, descreve o processo de criação da Ficha da seguinte forma:
Contudo, ainda se fazia necessário um documento de comunicação único para os serviços, documento este que seria de uso específico dos técnicos da Rede (...). Por tanto após várias reuniões, com grandes debates e trocas de ideias foi instituída a FICHA DE REFERENCIA E CONTRARREFERENCIA, que em seguida foi apresentada e então referendada pelos Conselhos de direitos de Cascavel e adotada por toda a Rede de Proteção e Atenção de Cascavel, que tem como principal objetivo possibilitar o fluxo de informações entre os atores da rede, buscando a reciprocidade e corresponsabilidade do atendimento. Este documento permitiu que os serviços da Rede se aproximassem, com isso houveram interesses de outros serviços e entidades governamentais e não governamentais para o fortalecimento e melhoria dos atendimentos em rede. (...) a ficha não pode ser entendida com uma transferência de responsabilidade, mas a continuidade de ações que almejam a integralidade no atendimento (AMORIN, 2016, p. 09-10).
Leal e Antoni (2013) consideram que um sistema de referência e
contrarreferência deve possibilitar as trocas de informações no momento do
encaminhamento para outros serviços. Destacam que o desenvolvimento de
ferramentas para encaminhamentos de pacientes de um serviço ao outro é um dos
elementos para a reorganização das práticas de trabalho, pois promove a integração
entre esses serviços.
É importante que se diferencie essa ficha, intersetorial, da usada no sistema
de referência e contrarreferência, utilizado no setor saúde. Quinderé et al. (2014)
apontam que, na RAS, o sistema de referência e contrarreferência ocorre de maneira
engessada, sem a possibilidade de flexibilização, ou seja, de forma burocrática. No
setor saúde esse sistema orienta o fluxo dos pacientes de maneira verticalizada entre
83
os níveis de complexidade do SUS.
A Ficha Intersetorial de Referência e Contrarreferência foi avaliada como
positiva pelos entrevistados e todos relatam a sua utilização no cotidiano de trabalho.
Uma vez que esses trabalhadores atuam especificamente com crianças e
adolescentes usuários de SPA, conclui-se que a RAPS e os outros serviços da REDE
se utilizam desse instrumento intersetorial para se articular e se relacionar, conforme
se observa nos relatos abaixo:
Eu avalio que ela é excelente. [...] todo mundo usa, essa parte a gente venceu. (E 1)
Na verdade, a ficha é, eu conheço a ficha, participei da construção da ficha, junto com o grupo da rede [...] eu acho que ela é bastante útil. (E 2)
Eu acho bem, assim, foi um avanço também a ficha de referência. Porque assim, padronizou. [...]. Então, independente hoje para que serviço eu vou encaminhar, eu uso a ficha de referência, então, facilitou [...]. (E 3)
[...] eu acho que grande parte dos serviços vêm usando. [...] eu acho que ela é muito importante [...]. (E 4)
Eu avalio que ela atende à necessidade, ela é, tanto a parte da referência quanto a parte da contrarreferência [...]. (E 5)
Nossa, é excelente. Porque a partir disso, da ficha de referência e contrarreferência, porque eu uso, meus colegas usam e a gente encaminha bastante, isso se torna uma ligação entre a rede. (E 6)
Essa avaliação positiva é diferente da encontrada na literatura, em que os
sistemas de referência e contrarreferência são considerados como um dos entraves
para a articulação das redes. Costa et al. (2015) fizeram revisão de literatura em redes
assistenciais sobre drogas e observaram a desarticulação entre os serviços. Segundo
os autores, os encaminhamentos são utilizados como forma de aumentar a
integração, sendo que seu aumento significa maior integração dos serviços. Apontam,
entretanto, que, em muitas situações, esses encaminhamentos inserem-se num
sistema de referência e contrarreferência pouco efetivo, podendo resultar em
“descontinuidade do tratamento e em desresponsabilizações por parte dos
profissionais” (COSTA et al. 2015, p. 400).
Em outro estudo, Faraj e Siqueira (2012) pesquisaram a percepção dos
profissionais de um CREAS sobre o atendimento em uma rede de proteção da criança
e adolescente, vítima de violência sexual, e encontraram que, na opinião dos
84
profissionais, a rede do município está desarticulada, não conseguindo manter uma
comunicação adequada entre instituições, órgãos e atores. Segundo o Guia de
Orientações nº 1 do CREAS, esse serviço tem importante papel no estabelecimento
de mecanismos de articulação permanente entre setores (BRASIL, 2005). Os autores
apontam que, de acordo com o Guia, “a rede deve estar articulada e operar na
referência e contrarreferência com os demais serviços socioassistenciais” (FARAJ;
SIQUEIRA, 2012, p. 78).
A partir das entrevistas, foi possível observar quais são os principais
problemas enfrentados para a utilização da ficha, seus desafios e as formas
apontadas para sua superação. Essas questões estão expostas nos seguintes relatos:
Eu avalio que ela é excelente, o problema é que ela não é aplicável ainda. [...], no entanto tem gente que, ou responde de outra forma, ou não coloca nada daquelas informações que deveriam, ou quer colocar. [...] O problema está no preenchimento que eles não seguem aquelas orientações [...], eu não sei se é o fluxo de pessoas que mudam ou tem gente que acha que é muito difícil [...] eu acho que um pouco é falta de vontade mesmo. [...] e agora o problema que a gente tem eu acho que é um pouquinho de dificuldade da pessoa que tá do outro lado mesmo, de não querer, de achar que não tem importância, de achar que dá muito trabalho, mas não é falta de formação, porque isso tem... [...] esse ano de novo a gente tá pensando uma formação mais direcionada para os agentes administrativos na questão também da ficha. (E 1)
Porque a nossa ideia, na verdade, penso que a REDE no futuro, a nossa ideia é unificar tudo isso com um sistema online [...] mas eu ainda tenho conhecimento de muitos serviços que não usam e alguns que têm resistência [...] Algumas pessoas dizem “Já tem muito documento para preencher, eu não vou preencher mais um” ou “Eu não vejo utilidade nessa ficha”, então a gente ainda, ainda existem essas coisas, que eu também acho que é natural, que, se a gente for olhar, historicamente, as coisas não são aceitas assim do dia para a noite, às vezes leva um período para as pessoas irem digerindo aquela ideia. (E 2)
Agora tá aumentando, na verdade, a contrarreferência, mas assim, a gente não tem tido muito retorno, não tem de todo mundo não. (E 3)
Não foi alterado, ainda ela, então assim, eu acho que é preciso constantemente ser revisto, é, o que nós tivemos foi problema de ética [...] E aí nós temos aquele problema: alguém não deu a contrarreferência [...] E aí o restante eu acho que nós temos que qualificar nossos servidores para que eles entendam a importância dela e deem a contrarreferência, acho que esse é o importante... .(E 4)
[...] o trânsito dela é que às vezes dificulta um pouco porque ainda nós não temos um sistema integrado entre todos os atores, de atendimento. [...] E tem muita dificuldade, às vezes, também da contrarreferência, nós temos alguns serviços que dão a contrarreferência, mas daí essa é uma queixa da equipe, que muitos ainda não respondem, não dão a contrarreferência. (E 5)
85
Kantorski et al. (2017) aponta que, com a adoção de instrumentos de
referência e contrarreferência, as unidades assistenciais adquiriram maiores
responsabilidades, pois passaram a ter a incumbência de não só fazer o
encaminhamento, mas também de pensar a continuidade do cuidado ao usuário. Isso
requer o comprometimento dos profissionais envolvidos com o sistema de referência
e contrarreferência, além do agendamento de seu retorno, garantindo a resolutividade
das demandas. Os autores ponderam que, de maneira geral:
[...] a lógica da corresponsabilização, do trabalho compartilhado, vem sendo tencionada a se sobrepor à lógica do mero encaminhamento, o que faz com que o atendimento não seja responsabilidade exclusiva daquele que recebe, mas exige-se a responsabilidade deste em compartilhar, acompanhar e retornar com as informações dos usuários que foram atendidos (KANTORSKI et al., 2017, p. 07).
Tendo em vista os relatos dos entrevistados, percebe-se que é necessário
que todos os profissionais pautem suas ações na intersetorialidade. A utilização de
instrumentos que possibilitem o diálogo intersetorial é condição para a superação da
lógica de encaminhamentos sem o devido compromisso com o acompanhamento dos
casos (CORTES; PADOIN; KINALSKI, 2016; KANTORSKI et al. 2017).
Segundo Amorin (2016), nos anos de 2012 e 2013, a REDE formou comissões
temáticas para a estruturação de fluxogramas. De acordo com o autor, esses
instrumentos visavam padronizar os encaminhamentos entre os serviços. A
necessidade do desenvolvimento de fluxogramas está presente nos documentos
analisados:
[Representante] fala sobre o objetivo das reuniões da Rede de Atendimento e da necessidade dos vários serviços dos órgãos públicos comunicarem-se e estabelecerem fluxos de atenção e atendimento em comum. (Ata F)
Levanta-se a necessidade de determinarmos um fluxo para os serviços em todas as áreas. (Ata H)
Definição de fluxo de atendimento as vítimas de violência sexual. (OFE 46).
[Fluxograma] constitui-se em uma ferramenta de comunicação para que haja a devida notificação e ação entre os agentes da rede. (MOB, 2010)
Revisão de fluxogramas. (LP 6)
86
O fluxograma pode ser entendido como um diagrama, utilizado por diferentes
áreas de conhecimento, com o objetivo de delinear o modo como se organiza um
conjunto de processos de trabalho, vinculados entre si, em torno de uma cadeia de
produção (EGRY; APOSTOLICO; MORAIS 2018; MERHY, 1977).
Atualmente, o município de Cascavel possui 17 fluxogramas estruturados,
divididos em comissões temáticas, conforme é possível verificar no endereço
eletrônico da Prefeitura Municipal (Cascavel, 2018), sendo: Comissão do Adulto - sete
fluxogramas (fluxograma de atendimento de violência física, violência psicológica,
violência sexual, transtorno mental, situações de negligência contra a pessoa idosa,
população de rua e dependência química); Comissão da Criança e Adolescência - dez
fluxogramas (fluxograma de atendimento para a criança e adolescente em situação
de drogadição, prevenção da drogadição na escola, ato indisciplinar, ato infracional,
transtorno mental, transtorno de aprendizagem, situação de violência sexual, situação
de violência física, situação de violência psicológica e negligência, situação de
trabalho infantil); e Comissão da Violência Sexual - dois fluxogramas (fluxograma de
atendimento à violência sexual infantil e violência sexual adulto)20.
Autores defendem que, no que se refere ao trabalho em rede, a definição clara
dos fluxos parece ser fundamental, pois consideram que é necessário pactuar o que
cabe a cada serviço, setor ou política, desenhar os fluxos correspondentes e divulgar
amplamente para todos os profissionais, permitindo, dessa forma, que cada
trabalhador saiba o que fazer e para onde encaminhar (BRIGADÃO; SANTOS; SPINK,
2016; SANTOS; FREITAS, 2017).
Em relação à avaliação do fluxograma pelos entrevistados, foi possível
perceber que possuem uma avaliação positiva, com destaque para a forma de
construção do fluxograma, de forma coletiva e precedida de discussão entre os
envolvidos, entretanto, alguns entrevistados apontam questões a serem superadas,
como problemas com falta de pessoal para a execução das atividades, opções para
encaminhamentos para os adolescentes e a dificuldade de adesão dos usuários ao
atendimento proposto pelo CAPS AD.
Olha, eu acho que eles são bons [fluxogramas]. Eu não vou dizer para você que é cem por cento, nós não temos ainda uma questão de cem por cento, por algumas demandas dos serviços. Olha, o CAPS AD não tem uma demanda
20 No endereço eletrônico da Prefeitura, os fluxos da Comissão da Violência Sexual se repetem na Comissão do Adulto e Comissão da Criança e Adolescente (Cascavel, 2018).
87
reprimida porque a gente se vira nos trinta. Mas a gente tem também problema de RH como os demais serviços, dificuldade de RH todos os serviços têm [...] mas o fluxo ele funciona bem, eu gosto do jeito que flui, foi toda a equipe, toda a rede que discutiu esses fluxos, então eu acho assim que chegou mais próximo do ideal, mas eu acredito que sempre há mudanças, não é o ideal, mas ele é o mais próximo do ideal que a gente pode conseguir. (E 1)
[...] e o que eu me recordo é que são fluxos bem discutidos, assim, nós discutimos exaustivamente cada um dos fluxos, então, com certeza deve haver alguns ajustes aí, que a gente vai precisar fazer, mas eu acredito que ele é um fluxo bastante razoável. Sabe, em termos de lógica, de encaminhamentos, de ordem, quem que é primeiro que vai atender, para onde que vai depois [...]. (E 2)
Eu acho que faltam recursos, opções para encaminhamento. Principalmente quando a gente fala em cursos, em atividades, em o que esse adolescente fazer? Então assim, acho que isso é bem limitado. (E 3)
Olha, eu avalio que ele precisa ser revisto, ele precisa constantemente, como qualquer uma das nossas ações, ser avaliado e reavaliado. (E 4)
Olha, eu avalio que é ... como ele está desenhado, ele atende à demanda, só tem a questão de, é ... não, adesão dos adolescentes no CAPS AD, e no atendimento, ela não é de forma muito positiva, a gente tem dificuldade para adesão do adolescente, então acho que isso é um nó, acho que a rede tem que estar discutindo [...]. (E 5)
Para nós é assim, um fluxograma, nosso fluxograma aqui, eu avalio positivo. (E 6)
Esse entendimento também encontra paralelo na literatura. Cortes et al.
(2016) estudaram os instrumentos de articulação intersetorial em uma rede de
proteção a mulheres vítimas de violência e encontraram que:
Foi identificado na fala das profissionais o entendimento que o fluxograma é um dispositivo de fortalecimento para a construção da rede de atenção (...) A reconstrução coletiva foi permeada por saberes das diferentes áreas envolvidas, representadas pelos diferentes serviços, cada um com seus pontos de vista acerca do funcionamento do fluxograma (CORTES et al., 2016, p. 04 - 06).
Em outra pesquisa com profissionais da rede de proteção e cuidado a crianças
e adolescentes usuários de SPA, do município de Betim/MG, Passos et al. (2016, p.
594) observaram que não há fluxograma instituído para os casos de drogadição no
município, sendo essa uma deficiência, visto que “cada equipamento fica circunscrito
a uma definição estrita de sua função”.
Ademais, também se percebe pelas entrevistas que questões estruturais,
como recursos humanos, infraestrutura e materiais insuficientes são limitadoras para
88
a efetivação de redes (BARRA; OLIVEIRA, 2016; FARAJ; SIQUEIRA, 2012; PERES;
GRIGOLO; SCHNEIDER, 2017). Um dos entrevistados apresentou como uma das
fragilidades a dificuldade para encaminhamentos dos jovens para recursos
comunitários, a saber cursos, atividades e outros. Autores concordam que redes
sociais de apoio poderiam ser empregadas como uma via possível de contemplar as
demandas dos jovens pelo primeiro emprego, escolarização e lazer, tendo capacidade
de distanciar os jovens do uso de drogas (COSTA et al. 2012; KANTORSKI et al.,
2016).
Por fim, outro instrumento desenvolvido pela REDE foi a realização de
formações dirigidas aos profissionais que atuam nos diferentes serviços e políticas
públicas sociais, com o objetivo de capacitar esses trabalhadores para a utilização
dos instrumentos intersetoriais desenvolvidos. Ocorreram formações nos anos de
2013, 2014 e 2016 (LR 1) (AMORIN, 2016; CASCAVEL, 2018), entretanto, para fins
desta pesquisa, serão apresentados os resultados encontrados apenas na formação
realizada no ano de 2016, tendo em vista a disponibilidade de fontes de dados.
O Programa de Capacitação teve os seguintes objetivos, conforme consta no
formulário Plano de Trabalho do Programa de Capacitação Continuada e Permanente
da REDE:
OBJETIVO GERAL - Promover capacitações continuadas e permanente aos trabalhadores da Rede de Atenção e Proteção Social a fim de aprimorar e aperfeiçoar a qualidade dos serviços prestados aos usuários da Rede do Município de Cascavel. OBJETIVO ESPECÍFICOS – 1. Apresentar aos trabalhadores a organização da Rede (...). 2. Capacitar os trabalhadores para a utilização dos fluxogramas e da Ficha Intersetorial (...). (LR 4, p. 18)
Na atividade Estudo de Caso (Anexo M), foi apresentado aos participantes um
contexto familiar complexo, envolvendo crianças, adolescentes, adultos (homens e
mulheres) e idosos. São descritas, nesse contexto, situações que envolvem saúde
mental, gravidez, evasão escolar, tráfico de drogas, uso de SPA por adultos,
subemprego e desemprego e violência. Os participantes, divididos em grupos
heterogêneos, deveriam indicar encaminhamentos para as situações relatadas,
utilizando-se para isso da Ficha Intersetorial, tendo como base os fluxogramas
pertinentes. As questões apresentadas no Estudo de Caso para que fossem
respondidas pelos participantes foram:
89
Quais informações sobre a família ainda são necessárias para uma abordagem integral? Quais ações, intervenções e encaminhamentos devem ser realizados para cada membro da família com base nesse relato? Quais fluxogramas foram utilizados? (RL 5, p. 224)
No que se refere à programação, dentro dos conteúdos abordados, foi dado
ênfase para a apresentação de secretarias envolvidas na REDE. Na primeira etapa,
foram seis apresentações, sendo cinco secretarias municipais (Assistência Social,
Saúde, Educação, Cultura e Esporte e Lazer) e uma da esfera estadual (Educação)
(LR 2, p. 12 - 13).
Na segunda etapa, realizada no segundo semestre de 2016, ocorreram
apresentações das mesmas secretarias com acréscimo na programação de uma
“Mesa Redonda: Defensoria Pública, Ministério Público, Vara da Infância e Juventude
e Conselho Tutelar” (LR 5, p.s.n).
Monnerat e Souza (2014, p.51) destacam, na literatura sobre gestões
intersetoriais, a necessidade de “aprendizagem institucional como meio de obter
resultados mais efetivos destas iniciativas”. Faraj e Siqueira (2012, p. 81-82), em
estudo que pretendeu conhecer a percepção dos profissionais do CREAS quanto ao
atendimento de uma rede de proteção da população infanto-juvenil de um município
do Rio Grande do Sul, encontraram que “a desarticulação da rede, de fato, é uma
fragilidade que requer uma atenção especial”, requerendo o desenvolvimento de
instrumentos e necessária conscientização dos envolvidos para seu uso.
A partir disso, pode se inferir que a referida formação teve como principal
objetivo apresentar ao maior número possível de profissionais, serviços e instituições
envolvidos com as causas sociais, o acúmulo do trabalho intersetorial produzido pela
REDE. Acredita-se, portanto, que essa pode ser considerada uma formação
intersetorial, pois parte de um esforço no sentido de superar a fragmentação setorial.
Nessa perspectiva, rede não é apenas a construção de uma realidade de
vínculos, mas também uma maneira de analisar e entender a realidade social. É por
isso que de uma rede pode resultar um saber intersetorial, que transcende as relações
intersetoriais na construção de novos saberes, de novos paradigmas (Junqueira,
2000).
5.5 AS FRAGILIDADES PARA A CONSOLIDAÇÃO DA REDE
As falas dos entrevistados evidenciam a existência de aspectos a serem
90
superados e alguns problemas identificados para a consolidação da REDE, sendo
eles: rotatividade dos representantes na REDE, quantidade de profissionais
insuficientes para a execução das políticas, baixos salários, demanda reprimida e fila
para acesso a alguns serviços, insuficiência de projetos e programas voltados ao
público jovem e a não institucionalização, como é possível verificar abaixo:
[...] A gente tem muito que caminhar, a gente tem uma fila, uma demanda reprimida enorme, em CMEI, a gente tem demanda reprimida em CREAS, a gente tem demanda reprimida na saúde. (E1) [...] a única coisa que eu vejo que falta muito nessa rede é que são poucos profissionais ainda, embora pareçam muitos, mas frente à demanda eu acho que precisaria de mais profissionais dos serviços [...] porque eu vejo, assim, uma rotatividade muito grande desses profissionais por conta dos baixos salários que são pagos. (E 2) Daí eu vejo como desafio, para a rede hoje, é na parte de estabelecer, junto com os atores, as prioridades, dos recursos, das políticas sociais. (E 5)
Os desafios apontados para a construção da REDE convergem com o
encontrado na literatura. Vieira e Hasse (2017) encontraram que, na opinião de
profissionais que atuam em rede intersetorial, voltada a mulheres vítimas de violência,
em um município de porte médio, o principal problema que dificulta o atendimento é a
falta de infraestrutura, principalmente de recursos humanos.
Faraj e Siqueira (2012, p. 79), em entrevistas com profissionais do CREAS,
sobre uma rede municipal de proteção à criança e adolescente vítimas de violência,
evidenciaram que os principais dificuldades encontradas pelos trabalhadores eram
relacionadas à estrutura física, “reduzida equipe de profissionais, grande demanda,
falta de materiais de trabalho”, entre outros.
Costa et al. (2015) encontraram dados semelhantes em relação aos CAPSs
ADs, após uma revisão narrativa da literatura sobre as redes assistencias a respeito
de drogas. A literatura aponta como frequentes os problemas na estrutura física,
escassez de recursos humanos e falta de subsídios. Os autores problematizam sobre
as consequências negativas aos usuários de uma participação “aquém do Estado na
implementação das políticas sobre a temática” (COSTA et al., 2015, p. 397).
Bittencourt et al. (2018) encontraram que a principal reclamação de usuários e
acompanhantes de um CAPS AD estava na infraestrutura das instalações físicas.
91
Peres, Grigolo e Schneider (2017) relacionam a falta de profissionais com
demanda excessiva de trabalho a partir de relatos de profissionais envolvidos na
implementação de um programa de prevenção ao uso abusivo de drogas. Segundo
os autores, a demanda excessiva de trabalho:
[...] apareceu como uma variável que intervém na prática do programa, também pode estar relacionada à falta de profissionais, sendo esta uma outra dificuldade para estabelecer a intersetorialidade. A escassez de pessoas nos serviços e instituições, destes setores, compromete o funcionamento e a organização dos mesmos, pois acaba restringindo as ações e intervenções, sobrecarregando alguns profissionais (PERES, GRIGOLO, SCHENEIDER, 2017, p. 879).
Pesquisa realizada por Pagliace (2019), com profissionais da enfermagem de
um hospital geral de ensino, que possui leitos de saúde mental destinados a crianças
e adolescentes usuárias de substância psicoativa, localizado no Oeste do Paraná,
identificou que os trabalhadores afirmam encontrar dificuldades para a execução do
cuidado, tendo em vista a insuficiência na quantidade de recursos humanos e ao
espaço físico restrito da unidade para a quantidade de pacientes que atendem.
Em pesquisa com profissionais do CAPS II e AD do munícipio de Natal/RN,
Bezerra e Dimenstein (2008, p. 638) perceberam a existência de superlotação dos
serviços e demanda reprimida “como resultado de uma rede de atenção básica não
eficaz, a deficiência de suporte dos serviços existentes e o número insuficiente de
profissionais”. Os autores destacam que essas dificuldades, por serem estruturais,
precisam ser entendidas como efeitos das políticas econômicas, adotadas pelos
governos, sendo que são reflexos da economia mundial. Em Nota Técnica, o Instituto
de Pesquisa Aplicada (IPEA) evidencia que, no Brasil, o patamar de gastos com
políticas assistenciais (gastos do Ministério de Desenvolvimento Social) passou “de
R$ 36 bilhões em 2006 para R$ 74 bilhões em 2015”, refletindo na disponibilidade
maior de medidas socioprotetivas em relação a populações vulneráveis (PAIVA et al.,
2016, p. 14). Entretanto, no que se refere à oferta de serviços socioassistenciais, a
referida nota aponta que:
A despeito dos avanços já logrados, há lacunas, seja de cobertura insuficiente de alguns equipamentos, seja de estruturação dos mesmos, conforme evidenciam as carências técnicas e operacionais observadas em parcela importante dos Cras e Creas (PAIVA et al., 2016, p. 25).
92
No Brasil, em 2016, foi promulgada a Emenda Constitucional Nº 9521 (BRASIL,
2016c), que institui o Novo Regime Fiscal. Estudos desenvolvidos pelo IPEA apontam
que a mudança poderá trazer impactos negativos no campo assistencial. Em um dos
estudos, os autores da referida nota indicam que o Novo Regime Fiscal:
[...] representará perdas expressivas para o campo assistencial. (...) poderá comprometer os avanços realizados em relação ao combate à pobreza e à desigualdade, e à promoção da cidadania inclusiva. (...) poderá impor uma descontinuidade da oferta socioprotetiva, o que constrangerá as proteções já afiançadas pela política assistencial (PAIVA et al., 2016, p. 4).
No que se refere à área da saúde, os autores de nota técnica do IPEA
destacam que, com o Novo Regime Fiscal, os impactos decorrentes da desvinculação
das despesas dessa área poderão resultar em perda de recursos, quando
comparadas às regras de vinculação das Emendas Constitucionais nº 29 e nº 86 e,
ainda, à diminuição per capita do gasto público com saúde (VIERA; BENEVIDES,
2016). Essa situação, segundo os autores, poderá trazer como consequência a:
[...] desobrigação dos governos de alocarem mais recursos em saúde em contextos de crescimento econômico, (...) o provável aumento das iniquidades no acesso a bens e serviços de saúde e dificuldades para a efetivação do direito à saúde no Brasil (VIEIRA; BENEVIDES, 2016, p. 4).
Com isso, é possivel inferir que, com o cenário desenhado após a EC Nº 95,
as políticas direcionadas à juventude, incluindo as ligadas ao atendimento a crianças
e adolescentes usuárias de SPA, passarão a ficar comprometidas, uma vez que as
dificuldades apontadas pelo entrevistados, evidenciando escassez de recursos
humanos e infraestrutura, serão agravadas, repercutindo, acredita-se, negativamente,
na construção da rede intersetorial.
21 A EC Nº 95, anteriormente denominada PEC Nº 241, também conhecida como PEC do Teto de Gastos, foi aprovada no dia 15 de dezembro de 2016. A EC Nº 95 institui um Novo Regime Fiscal no âmbito da União para os próximos 20 anos, ao estabelecer um limite para as despesas primárias, individualizado por cada um dos poderes. De acordo com a Proposta, de 2017 a 2036, o crescimento anual do gasto não deverá ultrapassar a inflação, o que, na prática, congelará, em termos reais, a despesa primária no patamar de 2016 (PAIVA, 2016).
93
Outro aspecto destacado pelos entrevistados diz respeito a ações de
Promoção da Saúde. Foi apontada a insuficiência de projetos e programas voltados
ao público jovem, conforme depoimentos a seguir:
Não sei se é questão de recursos, mas falta algumas coisas para encaminhamento, então assim, como eu estava falando, questão de cursos, do que você oferece, porque você faz assim, você desintoxica o adolescente e tenta pensar numa mudança de vida para esse adolescente, e o que você oferece? (E 3) Tá faltando, falta serviço. Falta ainda programas para a rede funcionar, falta muitas políticas públicas, falta políticas públicas voltada para a criança e ao adolescente. (E 6)
A Promoção da Saúde tem como foco de ação os determinantes gerais sobre
a saúde (CARVALHO; BUSS, 2012). A Carta de Ottawa preconiza cinco campos de
ações para a promoção à saúde, sendo: elaboração e implementação de políticas
públicas saudáveis; criação de ambientes favoráveis à saúde; reforço da ação
comunitária; desenvolvimento de habilidades pessoais; e reorientação do sistema de
saúde (LOBATTO; GIOVANELLA, 2012).
Medina (2011) destaca que as políticas públicas sobre drogas devem ser
pensadas de forma mais ampla, articuladas com políticas de cultura, esporte, lazer e
outros. Em relação à juventude, é fundamental que as políticas procurem ampliar a
socialização dos jovens, com a “oferta de programas, equipamentos públicos, de
cultura, esporte, lazer e inclusão digital, gerido por jovens e com estrutura necessária
para seu funcionamento” (MEDINA, 2011, p. 117-118).
O ECA (BRASIL, 1990), seguindo o artigo 227 da Constituição Federal
(BRASIL, 1988), assegura aos jovens o direito à educação, à cultura, ao esporte, à
profissionalização e ao lazer.
Gomes, Sá e Neira (2016, p. 47), ao analisar a intersetorialidade no contexto
da educação integral, discutem que, para garantir o exposto no ECA, é necessária
não somente a escola, mas também uma “série de setores em funcionamento em
favor da proteção integral, agindo com suas competências específicas e de forma
coordenada”.
Em seu artigo 59º, o ECA estabelece que “os municípios, com apoio dos
estados e da União, estimularão e facilitarão a destinação de recursos e espaços para
94
programações culturais, esportivas e de lazer voltadas para a infância e a juventude”
(BRASIL, 1990, p. 18).
Com isso, é possivel perceber que, do ponto de vista dos entrevistados, o
município de Cascavel, bem como os outros níveis da gestão pública, não vem
aplicando adequadamente recursos que visam à promoção à saúde de crianças e
adolescentes usuários de drogas, conforme preconizado no ECA. Essa situação deve
se agravar, tendo em visa o novo Regime Fiscal.
Outro aspecto apontado pelos entrevistados diz respeito à formalização da
REDE.
[...] nós existimos de fato, mas formalmente nós não existimos. (E 1) [...] institucionalizar a rede, oficializar ela em termos de papel [...] com toda essa troca de pessoal, da nova gestão e tal (refere-se a troca de prefeito municipal e por consequência da gestão municipal), nós temos que ter agora uma capacitação, temos que capacitar o pessoal. (E 4)
É importante que se diga que, durante o período estudado, houve movimentos
no sentido de formalização da Rede pelo executivo municipal, incluída a elaboração e
aprovação, em 2017, pelos representantes, de um Regimento Interno (RI) (LP 5) como
uma etapa para a institucionalização da REDE. Entretanto, esse ainda é um desafio a
ser superado.
Autores defendem a necessidade de institucionalizar as experiências
intersetoriais, como as redes. Monnerat e Souza (2009) discutem que a ação
intersetorial não deve se resumir às articulações passageiras, visando atender
demandas emergentes. Nesse sentido, para as autoras, é “necessário conferir
institucionalidade ao processo de construção da intersetorialidade no nível local”
(MONNERAT; SOUZA, 2009, p. 210).
Por sua vez, Avelar e Malfitano (2018) estudaram as redes vinculadas às
principais políticas públicas do município de Campinas/SP e apontam que a
articulação intersetorial tem a potencialidade para garantir acesso às políticas sociais,
por ampliar seu alcance; entretanto, necessita-se de institucionalidade. Cortes, Padoin
e Kinalski (2016, p. 8) estudaram a construção coletiva de instrumentos para o
atendimento em rede no município de Santa Maria/RS e observaram a “necessidade
de formalizar institucionalmente os dispositivos construídos”.
95
Por outro lado, os autores ponderam que o trabalho em rede formalizado por
si só não garante a articulação entre os serviços e suas interconexões. Em sua
pesquisa, Lavoratti (2013, p.287-288) problematiza que:
[...] a partir de sua institucionalização pela gestão municipal, a “Rede” assumiu novas características ligadas à administração pública tradicional (hierarquia, burocracia, etc.). No entanto, coexistem na atualidade elementos da proposta que originou esta experiência coletiva (cooperação, comunicação ágil, discussão conjunta, etc.), o que gera uma permanente tensão entre a proposta original de “Rede” (presente no imaginário de alguns parceiros e dos profissionais que atuaram na sua construção) e a configuração que se formou a partir da “incorporação” do Programa intersetorial pelo governo municipal.
Ademais, outro aspecto referente à formalização da REDE, levantado pelos
entrevistados, diz respeito à influência que eleições para o executivo e legislativo
municipal podem exercer nesse processo. Corroborando Monnerat e Souza (2014),
citam o caso da experiência intersetorial no município de Niterói/Rj, na qual
evidenciam que o processo eleitoral local impactou negativamente no arranjo
intersetorial que vinha sendo construído no Município. No mesmo sentido, Kiss et al.
(2007) consideram que estratégias inovadoras, como o caso das redes intersetoriais
não consolidadas, são dependentes dos momentos políticos da gestão municipal,
comprometendo a realização das ações.
Foi possível observar, portanto, que as fragilidades para a consolidação da
REDE, apontadas pelos entrevistados, encontram equivalência em outros estudos. A
insuficiência de recursos humanos e de infraestrutura, a demanda de atendimento e
insuficiência de programas e projetos voltados aos jovens, merecem destaque, tendo
em vista o cenário negativo apontado por pesquisadores, no que se refere às finanças
públicas para os próximos 20 anos; isso repercute na possível diminuição de ações
intersetoriais e de promoção à saúde. As mudanças percebidas na política local, como
a não formalização até o momento da REDE e os efeitos decorrente de disputas
político-partidárias, também são apontadas como fragilidades a serem superadas.
96
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Existe consenso na sociedade em geral e, especificamente, entre
pesquisadores e profissionais de saúde, de que o uso de drogas por crianças e
adolescentes é prejudicial, com impactos no seu desenvolvimento biopsicossocial,
podendo ser considerado um complexo problema de saúde pública.
O conceito de Determinação Social de Saúde contribui para esse
entendimento, com uma concepção ampliada do processo saúde-doença, visto que
se considera a saúde como resultado de um amplo espectro de fatores e, de forma
crítica, propõe intervenções para além das práticas médico-assistenciais. No mesmo
sentido, a DPI também contribui, pois propõe ações articuladas de diversos setores
no sentido de garantir a proteção integral a crianças e adolescentes.
Outras áreas, para além da saúde, a exemplo da educação e assistência
social, também discutem a relevância de ações intersetoriais como importantes
instrumentos no enfrentamento do complexo problema de crianças e usuários de SPA,
sobretudo, nas camadas mais pobres da população, tendo em vista sua associação
com a criminalidade e doenças.
Entretanto, ainda hoje, persiste o desenvolvimento de ações fragmentadas,
desarticuladas e paralelas, resultado, entre outras coisas, da forma como
tradicionalmente e culturalmente ainda se organizam as políticas públicas no Brasil.
Por outro lado, pesquisadores e profissionais vinculados, diretamente, à assistência
de crianças e adolescentes usuárias de SPA, concordam que essa situação, por ser
multifacetada, requer ações intersetoriais para seu enfrentamento.
No Brasil, desde a década de noventa, vêm se desenvolvendo experiências
intersetoriais com diferentes características, as quais buscam romper com a
fragmentação setorial, contudo, há a necessidade de mais estudos sobre o tema.
Na experiência concreta de Cascavel, foi observado o desenvolvimento de
ações no sentido de reunir diferentes setores, governamentais e não-governamentais,
para o enfrentamento de problemas sociais complexos, como é o caso do uso e abuso
de drogas por crianças e adolescentes. Essa rede intersetorial se organizou de uma
certa forma, diferindo e se aproximando de outras experiências estudadas.
97
Tendo isso em vista, considera-se que o objetivo de compreender a relação e
a articulação da RAPS, no que se refere ao atendimento de crianças e adolescentes
usuários de substâncias psicoativas, com a REDE, foi alcançado. Destaca-se,
entretanto, que os limites dessa pesquisa foram: a) o desenho metodológico adotado
não incluiu representantes de usuários, de familiares, dos serviços não-
governamentais e da atenção primária; b) a indisponibilidade de parte dos arquivos
documentais da Rede e do Núcleo da Criança e Adolescente e c) escassez de
publicações referentes ao tema.
Foi possível observar que essa experiência se desenvolveu com
características de rede. Os relatos dos entrevistados e os documentos coadunam com
o descrito na literatura com referência à ideia de democracia, relações horizontais e
conexão entre pontos e parcerias. Constatou-se, ainda, similaridade com as
experiências de ações intersetoriais realizadas nas esferas locais.
A rede intersetorial, na experiência de Cascavel, não se estrutura em torno de
uma temática específica. Em sua organização, existe uma coordenação geral e
núcleos temáticos. Outra característica observada diz respeito à existência da
compreensão de que essa rede intersetorial busca superar a fragmentação setorial,
mas sem, com isso, romper com a forma de organização setorial existente. Nesse
sentido, houve referências à sinergia, potencialização de ações e trabalho conjunto.
Aspectos históricos também foram levantados, contribuindo com a
compreensão de como efetivou-se a construção histórica da REDE.
Foi possível afirmar que o início da REDE, da forma como é conhecida hoje
em dia, ocorreu em 2009, como resultado do movimento de organizações de outras
redes temáticas no município, em torno de temas tido como complexos. Inicialmente,
foi denominada Rede de Atenção e Proteção a Crianças e Adolescentes. Essa
primeira organização teve protagonismo de técnicos e gestores da NRE e debruçava-
se em torno de situações que envolvessem crianças e adolescentes com demandas
escolares. As primeiras ações intersetoriais desenvolvidas nesse processo foram no
sentido de proporcionar que cada setor assistencial se reconhecesse, reciprocamente,
na sua especificidade e naquilo que tem em comum. Além disso, a organização
intersetorial, desenvolvida em Cascavel, foi influenciada pela adoção de políticas
sociais com características inclusivas, tendo como marco a CF de 1988.
A forma como se relacionam os serviços que compõem a RAPS e outros
serviços, no atendimento de crianças e adolescentes usuários de SPA, segue, além
98
dos dispositivos legais de cada área, o SUS, o ECA, os fluxogramas de atendimento
à drogadição, o uso da Ficha de Referência e Contrarreferência, ambos instrumentos
intersetoriais. Os participantes do estudo utilizavam os instrumentos, ainda que as
relações ocorressem para além do uso estrito da ficha, com contatos entre os
trabalhadores via e-mail e/ou telefone. Ressaltaram a característica dessa articulação
com referências à horizontalidade, cooperação, integração, intersetorialidade, diálogo,
relação entre parceiros, troca de informações para obtenção de condições
preexistentes e ações desenvolvidas.
Foi possível perceber que o CAPS AD procura cumprir seu papel de
articulador da rede, como ponto especializado da atenção psicossocial no
atendimento a esse grupo específico, no que se refere à intersetorialidade, exercendo,
conforme demonstrado, protagonismo, que converge com o modelo assistencial,
proposto pela Reforma Psiquiátrica.
Admite-se que o desenvolvimento da REDE buscou superar a fragmentação
setorial. Esse estudo, tendo como base os conceitos de práxis e processo de trabalho,
entendeu que se trata de um trabalho intersetorial, coletivo, executado por
trabalhadores técnicos de diversas áreas, construído historicamente e em
desenvolvimento, o qual tem como fim superar a fragmentação setorial.
Foram percebidas, ainda, as fragilidades no que se refere à consolidação da
REDE, sendo: a rotatividade dos representantes; quantidade de profissionais
insuficientes para execução das políticas; baixos salários; demanda reprimida; e fila
para acesso a alguns serviços. Outras fragilidades apontadas foram: a insuficiência
de projetos e programas, voltados ao público jovem, na perspectiva de promoção à
saúde; e a não institucionalização da REDE.
Nesse sentido, tendo em vista o Novo Regime Fiscal, adotado no Brasil, em
2017, pode-se inferir que, no que se refere ao financiamento, a tendência é a
progressiva redução de recursos destinados às políticas sociais consagradas na CF
de 1988, o que pode levar ao desmonte dessas políticas, com reflexos diretos nas
ainda modestas ações intersetoriais. Essa situação requer que os trabalhadores, já
conscientes da necessidade de ações intersetoriais para a efetivação das diversas
políticas públicas, se organizem com o objetivo de defender a revogação da EC 95 e
defender a ampliação de tais políticas. Além disso, aponta-se a importância de mais
estudos com o objetivo mensurar o impacto dessas situações na implementação da
REDE.
99
Com isso, espera-se ter contribuído para a ampliação do conhecimento sobre
a intersetorialidade, como possibilidade para a superação de práticas setoriais
fragmentadas, que se distanciam da efetividade das ações desenvolvidas no
atendimento de crianças e adolescentes usuárias de SPA. Para tanto, demonstrou-se
a intersetorialidade como uma experiência concreta, de maneira que a construção da
REDE é um processo histórico e em desenvolvimento.
Assim, este estudo poderá, acredita-se, trazer subsídios para as reflexões e ações
relacionadas ao desenvolvimento da REDE, contribuindo com melhorias no
atendimento às crianças e adolescentes usuários de SPA.
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APÊNDICES
APÊNDICE A – Roteiro para a coleta de dados da pesquisa documental
1) Como se organiza a Rede de Atenção e Proteção Social?
2) Quem são as lideranças da Rede de Atenção e Proteção Social?
3) De que forma são organizadas as reuniões da Rede de Atenção e Proteção Social?
4) Que temas são e foram tratados e debatidos nas reuniões da Rede de Atenção e Proteção
Social?
5) Que decisões são e foram tomadas nas reuniões da Rede de Atenção e Proteção Social?
6) Que eventos foram realizados pela Rede de Atenção e Proteção Social?
7) Formações e capacitações realizados pela Rede de Atenção e Proteção Social?
APÊNDICE B - Instrumento de Coleta de Dados
Idade:______ Sexo:______ Formação acadêmica:_______________________
Você representa qual setor: ( ) Assistência Social ( ) Saúde ( ) Educação
( ) Conselho Tutelar ( ) Ministério Público
Em que serviço você atua?________________________________________
Que função você desempenha? ____________________________________
Tempo de atuação na Rede como representante:________________________
1. O que você entende por intersetorialidade?
2. O que você entende por trabalho em Rede?
3. Como seu serviço se relaciona com os demais serviços da Rede de Atenção e
Proteção Social de Cascavel?
4. Como funciona o fluxo de atendimento à drogadição desenvolvido pela Rede
de Atenção e Proteção Social de Cascavel?
5. Como você avalia esse fluxograma?
6. Você conhece a ficha intersetorial de referência e contra referência? Como você
a avalia?
7. Diga-me o que você pensa sobre o trabalho desenvolvido pela Rede de
Atenção e Proteção Social de Cascavel.
APÊNDICE C – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO – TCLE
Título do Projeto: INTERSETORIALIDADE NO ATENDIMENTO DE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES USUÁRIOS DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS NO MUNICÍPIO
DE CASCAVEL -PR.
Pesquisador responsável: Giancarlo Tozo - (45) 99129-6755
Convidamos__________________________________________________ a
participar como voluntário (a) da pesquisa intitulada “INTERSETORIALIDADE NO
ATENDIMENTO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES USUÁRIOS DE SUBSTÂNCIAS
PSICOATIVAS NO MUNICÍPIO DE CASCAVEL -PR”. O objetivo do estudo é
compreender a relação e a articulação da Rede de Atenção Psicossocial com a Rede
de Atenção e Proteção Social do município de Cascavel - PR para o atendimento de
crianças e adolescentes usuários de substâncias psicoativas. Para isso será realizada
pesquisa bibliográfica, pesquisa documental e aplicação de entrevista
semiestruturada. Para a realização da entrevista será aplicada o questionário para
servidores públicos que participam como representantes na Rede de Atenção e
Proteção Social de Cascavel, há pelo menos seis meses. O estudo não implica em
nenhum risco para você, apenas a disponibilidade de tempo para responder o
instrumento, no seu local de trabalho, no horário que melhor lhe convir. Caso sinta-se
desconfortável durante a entrevista, nos comprometemos a tomar as devidas
providências. O estudo poderá contribuir para a melhoria do atendimento as crianças
e adolescentes usuários de SPA, pois se espera que traga subsídios para as reflexões
e ações relacionadas ao desenvolvimento da Rede de Atenção e Proteção Social no
município de Cascavel, além de colaborar para a ampliação de políticas voltadas para
o cuidado de crianças e adolescentes usuários de SPA. Não haverá qualquer custo
por estar participando deste estudo, e não haverá nenhuma indenização pela
participação do mesmo. Para algum questionamento, dúvida ou relato de algum
acontecimento os pesquisadores poderão ser contatados a qualquer momento. Uma
cópia deste TCLE será entregue a você, será mantida a confidencialidade do que você
me informar e os dados serão utilizados apenas para fins científicos. Você poderá
cancelar sua participação a qualquer momento, através de contato com o Comitê de
Ética pelo telefone (45)3220-3272. Declaro estar ciente do exposto e desejo participar
da pesquisa
___________________________ ___________________________
Nome Assinatura
Eu, Giancarlo Tozo, declaro que forneci todas as informações do projeto ao
participante e/ou responsável.
____________________ Assinatura Pesquisador
Cascavel, ___de ______________de 2018.
APÊNDICE D – Artigo Cientifico
A ARTICULAÇÃO INTERSETORIAL NO ATENDIMENTO DE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES USUÁRIOS DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS
RESUMO
Objetivo: Compreender a articulação entre duas redes de atenção psicossocial e proteção social
de o município no Oeste do Paraná, no atendimento de crianças e adolescentes usuários de
substâncias psicoativas.
Métodos: Trata-se de pesquisa qualitativa, descritiva e exploratória. A coleta de dados foi
documental e por meio de entrevistas semiestruturadas, com trabalhadores das referidas redes,
no período de janeiro a abril de 2018, e analisadas por meio de análise temática.
Resultado e Discussão: Identificou-se a articulação entre as redes por meio da
intersetorialidade, da horizontalidade, da cooperação e da integração no atendimento a crianças
e adolescentes usuárias de substâncias psicoativas.
Conclusões: A relação entre as redes se organiza a partir dos dispositivos legais dos diversos
setores envolvidos e de fluxogramas de atendimento a drogadição e a ficha de referência e
contrarreferência, além da comunicação entre os trabalhadores, contribuindo para a superação
de práticas setoriais fragmentadas.
Descritores: Intersetorialidade. Saúde Mental. Serviços de Saúde Mental. Criança.
Adolescente.
RESUMEN:
Objetivo: Comprender la articulación entre dos redes de atención psicosocial y protección
social de municipio en el Oeste de Paraná, en la atención de niños y adolescentes usuarios de
sustancias psicoactivas.
Métodos: Se trata de una investigación cualitativa, descriptiva y exploratoria. Recolección de
datos documental y por medio de entrevistas semiestructuradas, aplicadas a trabajadores de
dichas redes, durante el período de enero a abril de 2018, y fueron analizadas con base en
análisis temático.
Resultados y discusión: Se identificó la articulación entre las redes por medio de la
intersectorialidad, de la horizontalidad, de la cooperación y de la integración en la atención a
niños y adolescentes usuarios de sustancias psicoactivas.
Conclusiones: La relación entre las redes se organiza a partir de los dispositivos legales de
los diversos sectores involucrados y de flujogramas de atención a la drogadicción, además de
la ficha de referencia y contrarreferencia, así como de la comunicación entre los trabajadores,
lo que contribuye a la superación de prácticas sectoriales fragmentadas.
Descriptores: Colaboración Intersectorial. Salud Mental. Servicios de Salud Mental. Niño.
Adolescente.
La articulación intersectorial en el cuidado de los niños y los adolescentes usuarios de
sustancias psicoactivas
ABSTRACT
Objective: To understand the articulation between psychosocial attention and social
protection’s networks of West Paraná’s county, in the care of children and adolescents
psychoactive substances’ users.
Methods: It is qualitative, descriptive and exploratory research. The data collection was
documental and through semi-structured interviews with networks’ workers, from January to
April of 2018, and analyzed through thematic analysis.
Results and discussion: The articulation between the networks was identified through
intersectoriality, horizontality, cooperation and integration in the care of children and
adolescents psychoactive substances’ users.
Conclusions: The relationship between the networks is organized based on legal provisions
from various involved sectors and flowcharts of drug addiction service, in addition to the
reference and cross-reference forms, as well as communication among professionals, which
contributes to overcome fragmented sectoral practices.
Descriptors: Intersectoral Collaboration. Mental Health. Mental Health Services. Child.
Adolescent.
The care’s intersectoral articulation of children and adolescents’ psychoactive users
INTRODUÇÃO
A problemática das Substâncias Psicoativas (SPA), dada sua complexidade, não pode
ser tradada de forma fragmentada e simplista, requerendo ações igualmente complexas, numa
perspectiva integral e intersetorial. Importantes instituições e organizações formuladoras de
políticas públicas ligadas ao setor saúde também defendem a necessidade da articulação
intersetorial como forma de reverter a fragmentação existente, no que diz respeito às políticas
de saúde de forma geral e mais especificamente de saúde mental e de drogas (1,2).
A partir da década de noventa, no Brasil, programas federais de áreas como saúde,
educação e serviço social trazem consigo a articulação das ações setoriais de políticas públicas
como pressuposto(3). Como resultado destaca-se as chamadas redes intersetoriais que buscam
articular setores, redes setoriais, serviços e programas (sejam governamentais ou não-
governamentais, com o objetivo de superar práticas fragmentadas no enfrentamento de
demandas complexas, a exemplo do uso de SPA por crianças e adolescentes(4).
Dentre as redes de saúde existentes, encontra-se a Rede de Atenção Psicossocial
(RAPS) que tem como diretriz a intersetorialidade e que se apresenta como alternativa, no que
se refere as formas de organização ou reorganização do processo de trabalho (5).
Entretanto, observa-se que são escassos os avanços para a superação das práticas
fragmentadas que se caracterizam pela ausência de diálogo/interação entre atores e setores que
constituem as redes de saúde, nelas são recorrentes as polarizações entre serviços ambulatoriais
ou hospitalares e a falta de comunicação entre os diferentes pontos de atenção. Isso porque as
práticas intersetoriais têm como desafio o enfrentamento do pensamento científico hegemônico
que valoriza a divisão entre os campos do saber e das práticas (6).
O município do estudo conta com a RAPS e, desde 2010, está articula-se com a Rede
de Atenção e Proteção Social (REDE), composta por profissionais de entidades governamentais
e não-governamentais vinculadas às diversas políticas públicas, cujo pressuposto é a construção
de uma rede intersetorial mediante a compreensão dos processos organizacionais dos
equipamentos sociais, tendo em vista a ampliação da comunicação e articulação entre os
serviços, para os encaminhamentos mais adequados às necessidades sociais(7).
Tendo em vista o exposto, essa pesquisa se propôs ao estudo dessas duas redes que
atendem crianças e adolescentes usuários de SPA em município da região Oeste do Paraná: uma
setorial da área da saúde, denominada Rede de Atenção Psicossocial – RAPS e outra
intersetorial, denominada Rede de Atenção e Proteção Social - REDE.
Este artigo tem como objetivo compreender a articulação entre essas duas redes, sendo
uma de atenção psicossocial e a outra de proteção social, em um município no Oeste do Paraná,
no atendimento de crianças e adolescentes usuários de substâncias psicoativas. Espera-se, com
isso, trazer subsídios para as reflexões e ações relacionadas ao desenvolvimento da REDE
melhorando a articulação intersetorial e contribuindo com melhorias no atendimento às crianças
e adolescentes usuários de SPA.
MÉTODOS
O processo de construção da experiência intersetorial na realidade estudada é resultado
de um trabalho humano complexo, social, provisório e histórico e por isso deve ser entendido
a partir de sua totalidade social e como uma construção histórica. Com essa compreensão, dada
a natureza do fenômeno, optou-se por realizar uma pesquisa de tipo qualitativa, descritiva e
exploratória.
De forma operacional foram utilizadas a pesquisa bibliográfica, documental, e
entrevistas semiestruturadas, com seis trabalhadores dos serviços que compõem as redes, que
foram escolhidos intencionalmente com vistas ao alcance dos objetivos.
A coleta dos dados documentais ocorreu no período de junho a dezembro de 2018. Os
documentos foram identificados da seguinte forma: Atas: Ata A, Ata B e assim sucessivamente,
até o último documento; Ofícios: Ofício Expedido de número um - OFE1 e assim
sucessivamente até o último documento. Ofício Recebido de número um - OFR 1 e assim
sucessivamente até o último documento; Publicações da REDE: Manual de Orientações Básicas
- MOB 2010 e Caderno de Orientação Básica - COB 2015;; Livros de Registros do Programa
de Capacitação: Volume I, 1º Etapa – LR 1; Volume II, 1º Etapa – LR 2 e assim sucessivamente
até o último livro, acrescido da página de onde se encontram, quando for o caso. Para páginas
sem número, foi utilizada a sigla (p.s.n); Fluxograma de número um - Fx 1; Ficha de Referência
e Contrarreferência – FIRC.
Os trabalhadores incluídos foram representantes de serviços das políticas públicas
diretamente relacionadas ao atendimento de crianças e adolescentes usuários de SPA, que
participam da REDE, com pelo menos seis meses de atuação. Dos serviços que compõem a
RAPS foram entrevistados profissionais do Centro de Atenção Psicossocial – Álcool e Droga
(CAPS AD) e da Unidade de Desintoxicação vinculada a um hospital de ensino público, ambos
serviços de saúde especializados no atendimento a usuários de álcool e outras drogas, conforme
a Portaria MS/GM 30.88/11(5). Os demais integram outros serviços que também atendem a essa
população, mas não de forma especializada, sendo eles o Programa de Prevenção e Combate à
Evasão Escolar, o Serviço Auxiliar da Infância e Juventude (SAI), o Conselho Tutelar (CT) e o
Centro de Referência Especializado de Assistência Social II (CREAS II).
As entrevistas foram gravadas e realizadas entre janeiro e abril de 2018,
posteriormente transcritas na íntegra e agrupadas para análise. Os participantes foram
identificados da seguinte forma: E1, E2 e assim sucessivamente.
Para a análise e interpretação dos dados foi utilizada a técnica de Análise de Temática
seguindo as etapas: pré-exploração do material ou de leituras flutuantes; seleção das unidades
de análise (ou de significados); categorização e subcategorização (8).
Foram respeitados os aspectos éticos da pesquisa envolvendo seres humanos, sendo
que o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob parecer nº 2.195.173/17 e
CAAE nº 70756017.7.0000.0107.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
A partir da análise dos documentos e entrevistas identificaram-se as seguintes
unidades: articulação entre os serviços da RAPS que atendem diretamente crianças e
adolescentes usuárias de SPA, a articulação entre a RAPS e a REDE para esses atendimentos,
horizontalidade, cooperação, integração, intersetorialidade, diálogo, relação entre parceiros,
troca de informações para melhor conhecimento sobre condições preexistentes e ações
desenvolvidas. Possibilitando a elaboração da categoria: A articulação entre a RAPS e os
demais serviços que atendem crianças e adolescentes usuárias de SPA.
Identificou-se, tendo como base os documentos analisados, que os serviços que
participam da REDE são CAPS AD e o hospital de ensino público com sua Ala de
Desintoxicação para casos graves de crianças e adolescentes usuários de SPA (MOB 2010, COB
2015, OFR 08, OFR 22).
O CAPS AD é definido, na Portaria MS/GM 3038/2011, com base no ECA, como
ponto especializado da Atenção Pisocossocial no atendimento a adultos ou crianças e
adolescentes usuárias de SPA, com atendimento aberto, regionalizado e comunitário. Por sua
vez a Ala de Desintoxicação do hospital de ensino público pode ser classificada como o
componente hospitalar da RAPS (5).
A RAPS tem como referência a concepção da Reforma Sanitária, que embasou a
Reforma Psiquiatrica Brasileira, segundo a Lei 10216/2001, e articula os pontos de atenção a
saúde para portadores de transtorno mental e usuários de SPA. A referida Lei possibilitou uma
configuraçãofavorável e promissora para a saúde mental no Sistema Único de Saúde (SUS),
pois redirecionou o modelo de assistência em saúde mental(9-11).
No que se refere a atenção ao usuário de SPA, no âmbito do SUS, a Política Nacional
de Atenção Integral aos Usuários de Álcool e Outras Drogas, instituida após 2004, é
considerada como conquista da Reforma Psiquiátrica Brasileira, pois redefine e amplia a
atenção integral a essa população(12).
Portanto, para entender uma rede assistencial sobre drogas deve-se considerar sua
conformação em relação a RAPS. Em primeiro lugar, os pontos de atenção especializados
devem estar aticulados ao restante da RAPS e os pontos de atenção especializados devem estar
associadas a rede de serviços de saúde e sociais que tenham como objetivo a reabilitação e
reinserção social. Assim, a exemplo da Ala de Desintoxicação, crianças e adolescentes com
problemas decorrentes do uso de SPA, que segundo a avaliação da equipe multiprofissional do
CAPS AD podem ser beneficiadas m com um atendimento em regime fechado, são incluídos
na Central de Leitos do Estado. Havendo vaga, esses são internados na referida unidade
hospitalar que, por sua vez, após a alta hospitalar, o encaminha ao serviço ambulatorial de
referência, nesse caso o CAPS AD (9-13).
Os documentos demonstram que ambos os serviços, CAPS AD e hospital participaram
de forma diferente como integrantes da REDE e que os trabalhadores da RAPS, incluindo os
outros serviços, participaram de todas as etapas da capacitação realizada no ano de 2016. Há
registro da participação desses trabalhadores nas duas etapas da capacitação: 1) na organização
da capacitação, como facilitadores das palestras e dos trabalhos em salas, nas quais constam o
Serviço Integrado de Saúde Mental do Paraná (SIM/PR), CAPS AD, gerência de saúde mental
do município (LR I, p.s.n; LR 4, p.s.n); e 2) como público da capacitação participaram: SIM/PR,
CAPS AD, gestores da área de saúde mental do município, hospital/Ala de desintoxicação (LR
4, p. 85 - 266).
Verifica-se com isso que os serviços integrantes da RAPS se organizam e participam
da organização da REDE e que houve o protagonismo do CAPS AD nesse processo, visto que
visa a superação das práticas fragmentadas, em consonância a políticas públicas. Esse serviço
tem a responsabilidade de gerenciar fluxos de pacientes e para isso se articula com os outros
componentes da rede. Acredita-se que dessa forma estimula a constituiçao de redes
intersetoriais(14).
Observa-se que ações intersetoriais, preconizadas como diretriz para o funcionamento
de uma rede setorial, foram adotadas pela RAPS no município do estudo, no que diz respeito
ao atendimento de crianças e adolescentes usuários de SPA. Para tanto, tal articulação entre as
redes se dá por meio de instrumentos como o Fluxograma de Atendimento à Criança e
Adolescente em Drogadição, utilizados pelos serviços, conforme é possível verificar no
documento abaixo.
CRAS, CREAS I, CREAS II, Casa de Passagem Masculina, Casa de Passagem Feminina, Centro
da Juventude, Programa Família Acolhedora, Serviço Especializados em Abordagem Social,
CENSE I e II, Semiliberdade, EURECA I e II, Conselho Tutelar, Escola Municipal, Escola
Estadual, Programa Evasão Escolar, UBS, CAPS AD, UPA Ped., hospital. (FX 1)
Dos 18 serviços elencados no Fluxograma de Drogadição, 13 possuem indicação direta
para encaminhar para o CAPS AD, sendo eles Centro de Referências de Assistência Social
(CRAS), CREAS II, Casa de Passagem Masculina, Casa de Passagem Feminina, Centro da
Juventude, Programa Família Acolhedora, Centro de Socioeducação I e II (CENSE),
Semiliberdade, Centro de EURECA I e II, Conselho Tutelar, Escola Municipal, Programa
Evasão Escolar, Unidades Básicas de Saúde (UBS), CAPS AD, Unidade de Pronto Atendimento
(UPA) Pediátrica, Ala de Desintoxicação/hospital. Apenas dois serviços possuem indicação
para encaminhamentos ao hospital, sendo eles a UPA Pediátrica e o CAPS AD (FX 1). Por sua
vez o CAPS AD pode referenciar para UBS, internamento hospitalar especializado e ainda, para
outros setores como esporte, cultura, assistência social, escola, conselho tutelar.
O que corrobora com levantamento da rede de atenção aos usuários de drogas em um
município de médio porte no Brasil, no qual se observou que a maior parte dos serviços eram
de cunho generalista. No município estudado os serviços especializados para o tratamento de
usuários SPA são apenas o CAPS AD e a Ala de Desintoxicação hospitalar. Demonstrando a
coerência do atendimento com o modelo assistencial proposto pela Reforma Psiquiátrica e
também com o disposto nas principais políticas nacionais sobre o tema (9).
Observou-se, portanto, que a forma como se relacionam os serviços da RAPS com a
REDE é mediada pelo fluxograma de atendimento a drogadição.
Na pesquisa documental se evidenciou uma concepção de articulação intersetorial. Os
conceitos que são apresentados como forma de operacionalizar a relação entre os serviços são
os seguintes: horizontalidade, cooperação, integração, intersetorialidade, conforme o
documento abaixo:
Independente de estar relacionado a esse serviço ou aos demais, objetiva-se facilitar os
atendimentos e procedimentos que acionam a Rede de Proteção de forma que todos estejam
envolvidos na garantia de direitos. Os componentes da Rede de Proteção primam pela
horizontalidade das relações entre seus membros, buscando maior cooperação, valorizando a
integração e a intersetorialidade, ampliando parcerias e envolvendo instituições
governamentais, não governamentais e a comunidade. (MOB 2010)
Essa forma de operacionalizar o trabalho intersetorial, com características de rede,
encontra referência na literatura da área, cujo entendimento aponta para a construção de outra
forma de relação entre setores, com vistas a superação da fragmentação setorial. Importante
destacar que, geralmente, essas relações são apresentadas como hierarquizadas, burocráticas,
fragmentadas, indicando a necessidade de mudanças de concepções, valores e práticas das
organizações públicas para que favoreçam a construção de relacionamentos autônomos,
horizontais, democráticos, com atitudes cooperativas (4-15).
A respeito da articulação entre os serviços e a REDE, as entrevistas destacam
características como o diálogo, a troca de informações, a relação entre parceiros, conforme
depoimentos:
A gente convida o outro serviço, a gente encaminha a ficha e não deixa de usar o telefone [...].
(E 1)
A nossa comunicação básica, assim, o diálogo, se dá por meio da ficha de referência e
contrarreferência. [...]. [...] é importante esse diálogo permanecer e quando você encaminha
uma ficha de referência acho que é essencial que seja precedido ou de uma ligação telefônica:
estou encaminhando um caso, porque a rede pressupõe já conhecimento das pessoas, então,
quando eu ligo, eu já falo o nome da pessoa, já sei o nome da pessoa com quem eu estou falando.
Ligações telefônicas ou e-mails [...]complementando, o que você tiver a mais é sempre assim
essencial. (E 4)
[...] a escola ou o colégio, eles encaminham por e-mail a ficha, a gente recebe todos os dias,
um monte de encaminhamento [...]. (E 6)
[...] nós estamos o tempo todo identificando situações que ferem alguns direitos, [...], o nosso
trabalho, o tempo todo, é fazer o contraponto, a gente entra em contato, muitas vezes, telefônico
[...] então a gente tá o tempo todo fazendo essa articulação com os serviços, então, nós estamos
totalmente relacionados, é... a essa intersetorialidade. (E 2)
O nosso serviço tem um trabalho permanente de visitação nos outros órgãos, também dos
órgãos para com ele, nesse diálogo, estarmos discutindo tanto o fluxo como qual é a demanda
que é encaminhada. (E 4)
Esse relacionamento da REDE difere do que foi encontrado em estudo que avaliou a
rede de proteção e cuidado a crianças e adolescentes usuárias de SPA do município de
Betim/MG e encontrou que a falta de articulação e de diálogo entre os serviços era agravada
pela existência de poucos espaços para definir ações conjuntas, pois cada serviço ficava
limitado a sua função específica. Nesse sentido, entende-se que os contatos via telefone e e-
mail, além de instrumentos como a Ficha Intersetorial de Referência e Contrarreferência são
necessários pois, para a integração do trabalho intersetorial deve ocorrer um diálogo inicial
entre os serviços para que possa haver comunicação efetiva (16-17).
O relacionamento entre as equipes e serviços ocorre também com o objetivo de
obtenção de informações sobre condições preexistentes de funcionamento e ações já
desenvolvidas. Essas situações são verificadas nas seguintes falas:
[...] a gente não consegue, na maioria das vezes, ver em loco as situações, então assim, a gente
precisa do CRAS, da UBS, para fazer uma visita domiciliar, ver a situação em loco, porque a
demanda aqui é muito grande e o nosso objetivo é atender a demanda aqui, só que eu preciso
saber também desse feedback, dessa questão mais ampla, então assim, eu faço diariamente a
gente faz contato com os serviços da rede para saber de situações, porque nem sempre o que
aparece para nós é o que realmente é, então assim, às vezes, são trazidas certas demandas, e a
gente vai ver com os serviços que estão ali mais próximos, e é outra situação. (E 3)
As escolas, quando elas identificam cinco faltas consecutivas ou sete faltas alternadas, elas
fazem a ação delas [...] em ela não tendo resultado, sucesso, ela manda para evasão
(notificação de evasão escolar). (E 4)
Nosso serviço ele tem uma atuação em rede, fazendo encaminhamentos, recebendo
encaminhamentos e procura essa articulação entre os diferentes serviços das diferentes
políticas. [...] Mas quando o adolescente entra, na entrevista inicial, é identificado as demandas
dos adolescentes e essas demandas daí nós acionamos a rede [...]. (E 5)
A maioria é escola que nos informa, a escola, até às vezes a unidade básica de saúde, porque
ela vai visitando as famílias, as ACS, as agentes de saúde, visitam as famílias, percebem que
aquela mãe, aquele pai tão sendo judiado, tão ali sofrendo, tão tendo problema ali com o filho,
se usando droga, e eles não sabem o que fazer, então as ACS geralmente passam para a
assistente social ou enfermeira, coordenadora da UBS, que vem nos comunicar esse fato. (E 6)
É possível verificar que os entrevistados compreendem a intersetorialidade,
operacionalizada em uma rede intersetorial, como instrumento para obtenção da integralidade,
além de perceber a determinação social do processo saúde-adoecimento. Além disso, essa
articulação é pautada por práticas interdisciplinares, pois a elaboração dos projetos terapêuticos
dos usuários está embasada em diversas áreas do conhecimento. Cada setor assistencial e seus
profissionais contribuem de forma parcelar, específica e independente dentro de um projeto
assistencial em comum (1, 18).
Portanto, observa-se que a relação entre os serviços da RAPS e entre esses e os demais
serviços é mediada pelo trabalho desenvolvido pela REDE, o qual ocorre em uma perspectiva
de rede intersetorial, com a ressalva, por parte dos entrevistados, dos instrumentos intersetoriais
desenvolvidos como o intuito de se alcançar a integralidade na assistência aos jovens usuários
de SPA, como: os Fluxogramas e a Ficha Intersetorial de Referência e Contrarreferência.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Existe consenso que o uso de drogas por crianças e adolescentes traz impactos no seu
desenvolvimento biopsicossocial, podendo ser considerado um complexo problema de saúde
pública. Pesquisadores de áreas como saúde, educação e serviço social e profissionais
vinculados diretamente à assistência de crianças e adolescentes usuárias de SPA concordam
que essa situação, por ser multifacetada, requer ações intersetoriais para seu enfrentamento.
Entretanto, ainda hoje, persiste o desenvolvimento de ações fragmentadas,
desarticuladas e paralelas, resultado, entre outras coisas, da forma como tradicionalmente e
culturalmente ainda se organizam as políticas públicas no Brasil.
Apesar de que, no país, desde a década de noventa, vem se desenvolvendo experiências
intersetoriais com diferentes características, as quais buscam romper com a fragmentação
setorial.
Foi possível observar nesse estudo o desenvolvimento de ações no sentido de reunir
diferentes setores, governamentais e não-governamentais para o enfrentamento de problemas
sociais complexos, como é o caso do uso e abuso de drogas por crianças e adolescentes.
Percebeu-se que a forma como se relacionam os serviços que compõem a RAPS e os
demais, no atendimento de crianças e adolescentes usuários de SPA, que compõem a REDE,
seguem, além dos dispositivos legais, os Fluxogramas de Atendimento a Drogadição e a Ficha
de Referência e Contrarreferência, ambos instrumentos intersetoriais. Além de contatos entre
os trabalhadores via e-mail e/ou telefone.
Ressalta-se que essa articulação tem como referência a horizontalidade, a cooperação,
a integração, a intersetorialidade, o diálogo, a relação entre parceiros, troca de informações para
melhor conhecimento sobre condições preexistentes e ações desenvolvidas.
Foi possível perceber que o CAPS AD procura cumprir seu papel de articulador da
rede, como ponto especializado da atenção psicossocial no atendimento a esse grupo específico,
no que se refere a intersetorialidade, exercendo o protagonismo convergente ao modelo
assistencial proposto pela Reforma Psiquiátrica Brasileira.
Nesse sentido, compreendeu-se a articulação da RAPS com a REDE no município do
estudo, no atendimento de crianças e adolescentes usuários de SPA, fundamenta-se na
perspectiva da intersetorialidade como experiência concreta, em que a construção da REDE se
constitui num processo histórico em desenvolvimento.
Esse estudo apresenta como limites no desenho metodológico, a não inclusão de
representantes de usuários, de familiares, dos serviços não-governamentais e da atenção
primária; bem como a indisponibilidade de parte dos arquivos documentais da REDE e do
Núcleo da Criança e Adolescente, além da escassez de publicações referentes ao tema. Assim,
são necessários estudos que tratem da temática a partir de outros métodos a fim de elucidar
facetas não desveladas nessa investigação.
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ANEXOS
ANEXO A – Fluxograma de atendimento à crianças e adolescente em drogadição
ANEXO B – Ficha intersetorial de referência e contra referência
ANEXO C – Parecer consubstanciado do CEP
ANEXO D – Termo de ciência do responsável pelo campo de estudo
ANEXO E – Declaração
ANEXO F – Termo de ciência do responsável pelo campo de estudo
ANEXO G – Termo de ciência do responsável pelo campo de estudo
ANEXO H – Termo de Ciência do responsável pelo campo de estudo
ANEXO I – Termo de ciência do responsável pelo campo de estudo
ANEXO J – Termo de ciência do responsável pelo campo de estudo
ANEXO K – Termo do responsável pelo campo de estudo
ANEXO L - Parecer Ministério Púbico
ANEXO M – Estudo de Caso
ANEXO N – Normas para publicação Revista Gaúcha de Enfermagem
ANEXO O – Confirmação da submissão Revista Gaúcha de Enfermagem