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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA PROGRAMA DE PÓ-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA MESTRADO ACADÊMICO EM GEOGRAFIA CLERIJANE NASCIMENTO TORRES POR UMA CRÍTICA DA (IN)SUSTENTABILIDADE CAPITALISTA: O CONSÓRCIO INTERMUNICIPAL PARA RESÍDUOS SÓLIDOS DA MICRORREGIÃO DE CASCAVEL - CEARÁ - BRASIL. FORTALEZA - CEARÁ 2016

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA

PROGRAMA DE PÓ-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

MESTRADO ACADÊMICO EM GEOGRAFIA

CLERIJANE NASCIMENTO TORRES

POR UMA CRÍTICA DA (IN)SUSTENTABILIDADE CAPITALISTA: O

CONSÓRCIO INTERMUNICIPAL PARA RESÍDUOS SÓLIDOS DA

MICRORREGIÃO DE CASCAVEL - CEARÁ - BRASIL.

FORTALEZA - CEARÁ

2016

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CLERIJANE NASCIMENTO TORRES

POR UMA CRÍTICA DA (IN)SUSTENTABILIDADE CAPITALISTA: O CONSÓRCIO

INTERMUNICIPAL PARA RESÍDUOS SÓLIDOS DA MICRORREGIÃO DE

CASCAVEL - CEARÁ - BRASIL.

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado

Acadêmico em Geografia do Programa de Pós-

Graduação em Geografia da Universidade

Estadual do Ceará, como requisito parcial à

obtenção do título de mestre em Geografia.

Área de Concentração: Análise Geoambiental e

Ordenação no Território nas Regiões

Semiáridas e Litorâneas.

Orientador: Prof. Dr. José Meneleu Neto

FORTALEZA - CEARÁ

2016

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À Profa. Dra. Cláudia Maria Magalhães

Grangeiro (in memoriam) que iniciou comigo

esse trabalho e que sempre foi mais que uma

professora cumprindo uma tarefa de orientar

um trabalho acadêmico, mas que me ensinou

que a minha ciência deve estar comprometida

com a transformação social.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pela capacidade física e intelectual de transitar pelos domínios das ideias. Por todo o

aprendizado intelectual, ainda que sobre uma fração mínima daquilo que me propus a pesquisar

nesse trabalho. Agradeço sobretudo por conservar em mim a sensibilidade, a coragem e a

esperança; pela graça de humanizar esse conhecimento e porque não dizer pela capacidade de

sentir e sofrer as angústias que o aprendizado intelectual é capaz de provocar na nossa

consciência social para o aperfeiçoamento da nossa condição humana.

À minha família pela composição da minha formação pessoal da qual resulta a minha inclinação

e realização profissional. Apesar da aparente autonomia profissional, certamente, nem o

processo nem o resultado seria o mesmo sem o incentivo e a credibilidade de cada um,

especialmente, sem o apoio da minha mãe Francisca Maria, que do seu jeito simples sempre me

apoiou nessa decisão.

Ao meu marido Wescley Silva pelo apoio na minha decisão de trilhar esse caminho acadêmico

e principalmente pela compreensão em todas as ocasiões em que as ocupações da pesquisa me

furtaram do convívio em família e de nossa vida pessoal.

Ao amigo Clodoaldo Uchoa por sua ajuda e disposição tão fundamentais na obtenção de

informações nos trabalhos de campo.

À Banca Examinadora pela atenção que me foi dispensada e pelo enriquecimento que

proporcionaram à minha orientação com a discussão e avaliação na fase da qualificação, com

suas sugestões e todas as contribuições prestadas a este trabalho com a finalidade de aperfeiçoá-

lo.

À Profa. Cláudia Grangeiro (in memoriam) por compartilhar comigo os seus conhecimentos e

acima de tudo me instigar a construir e humanizar os meus. Agradeço pelo aprendizado durante

a graduação quando eu pude aprender com seus ensinamentos, com seu vasto e humanizado

conhecimento, especialmente durante a orientação do TCC. Agradeço por enxergar em mim

potencial e me encorajar a trilhar os caminhos acadêmicos que me trouxeram até aqui e por

abraçar comigo o projeto do mestrado com especial empenho e amizade. Agradeço por ter

iniciado comigo esse trabalho que é nosso, pelas orientações, correções e provocações que

ajudaram a moldá-lo tal como ele se apresenta agora. Agradeço por todas as palavras de

incentivo, pela atenção a mim dedicada e pela oportunidade de conviver e aprender com a sua

humildade e simplicidade.

Ao Prof. Meneleu Neto por assumir a orientação do meu trabalho e pelo esforço em acompanhar

e contribuir da melhor forma possível com a minha pesquisa.

À minha turma de mestrado, ao Programa de Pós-Graduação em Geografia – ProPGeo e aos

demais professores que contribuíram com a minha formação acadêmica e construção de

conhecimento durante o mestrado.

À FUNCAP, pelo apoio financeiro com a concessão da bolsa de estudos.

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“Não há exclusão social. O que há são formas

de inclusão perversa, de modo que nenhum

sujeito está socialmente excluído.”

(Cláudia Grangeiro)

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RESUMO

A sustentabilidade pode ser tratada como discurso, mas o conceito hegemônico é aquele

estabelecido pela ONU (1987) na forma do desenvolvimento sustentável, que surge em um

contexto de crise do capitalismo como projeto de desenvolvimento capitalista global executado

a partir de um projeto de cooperação internacional para o meio ambiente. No Brasil, políticas

ambientais como a Política Nacional de Resíduos Sólidos - PNRS (2010) estão impregnadas

pelo conceito de desenvolvimento sustentável e a gestão de resíduos sólidos é crítica, com

lixões na maioria dos municípios. No Estado do Ceará a situação é semelhante e nem a política

federal nem a política estadual, que criou consórcios intermunicipais para a gestão associada,

foram capazes de solucionar o problema. Assim, a hipótese é de que a política federal não é

eficiente, porque foi uma resposta a tendências internacionais. O objetivo central é compreender

a dimensão política dos consórcios intermunicipais para implementação de aterros sanitários no

Estado do Ceará como componente da política ambiental internacional e os seus

desdobramentos socioespaciais locais observados a partir do consórcio formado pelos

municípios de Cascavel, Beberibe e Pindoretama. Pesquisas bibliográficas, documentais e de

campo criaram o panorama da situação atual do consórcio. E o surgimento de uma perspectiva

de atuação consorciada, considerada mais exequível, atesta o fracasso daquela inicialmente

proposta pelas políticas federal e estadual. Em todo caso, é ainda uma experiência em

andamento e não apresenta resultados efetivos. É também parte de uma conjuntura específica e

não representa uma política de Estado eficaz e abrangente capaz de responder às demandas de

todos os municípios cearenses. Apesar do fracasso da PNRS (2010), da política estadual de

regionalização e dos consórcios constituídos, esse descompasso não deve ser confundido com

o abandono do projeto hegemônico capitalista, mas sim como um indicativo da sua acomodação

aos interesses internos.

Palavras-chave: Resíduos Sólidos. Aterro Sanitário. Consórcio Público. Desenvolvimento

Sustentável.

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ABSTRACT

Sustainability may be treated as speech, but the hegemonic concept is that established by the

UN (1987) as sustainable development, emerging in a context of crisis of capitalism as a global

capitalist development project carried out from an international cooperation project for the

environment. In Brazil, environmental policies such as the Solid Waste National Policy – PNRS

(2010) are ingrained by the concept of sustainable development whereas solid waste

management is critical, with landfills in most cities. In the state of Ceará, the situation is similar

and neither the National nor the State policies that set up inter-municipal consortiums for

associated management were able to solve the problem. Thus, the hypothesis is the National

policy is not effective because it was a response to international trends. The central goal is to

understand the political dimension of inter-municipal consortiums for the implementation of

landfills in the state of Ceará as part of the international environmental policy and its social-

spatial implications, observed from the consortium composed by the cities of Cascavel,

Beberibe and Pindoretama. Bibliographic, documental and field researches created the

overview of the consortium’s current situation and the emerging of a more achievable

consortium attitude attests the failure of the initially proposed National and State policies. In

any case, it is still an ongoing experiment presenting no effective outcome. It is also part of a

specific conjecture and does not represent an effective and comprehensive State policy able to

supply the demands of all cities in Ceará. Despite the failure of PNRS (2010), of the state policy

regionalization and the established consortiums, this setback should not be taken as the neglect

of a hegemonic capitalist project, but as an evidence of its conformation to internal interests.

Keywords: Solid Waste. Landfills. Public Consortium. Sustainable Development.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Emissões mundiais de Gases do Efeito Estufa (GEE) por setor em 2004 ....... 81

Figura 2 - Municípios brasileiros com todos os serviços de saneamento básico sobre a

concentração populacional, 2008 ...................................................................... 162

Figura 3 - Os tipos possíveis para Consórcio Público segundo o tipo de direito ........... 193

Figura 4 - Regionalização para Gestão Integrada de Resíduos Sólidos ......................... 210

Figura 5 - Gestão de RS e risco ambiental nos municípios cearenses ............................. 216

Figura 6 - Composição dos RSU no Ceará ........................................................................ 220

Figura 7 - Municípios do Ceará por faixa de população, 2010........................................ 226

Figura 8 - Situação dos consórcios para aterro sanitário por município, 2012 ............. 234

Figura 9 - Macro e microrregiões geográficas do Ceará, com destaque para a

Microrregião de Cascavel-CE, 2016 ................................................................ 242

Figura 10 - Principais depósitos geológicos da Microrregião de Cascavel-CE ............... 245

Figura 11 - Domínios Naturais da Microrregião de Cascavel-CE ................................... 245

Figura 12 - Tipos climáticos da Microrregião de Cascavel-CE ....................................... 246

Figura 13 - Unidades fitoecológicas da Microrregião de Cascavel-CE ........................... 246

Figura 14 - Municípios de Cascavel, Beberibe e Pindoretama com destaque para núcleos

urbanos e sedes de distritos ............................................................................... 252

Figura 15 - Cobertura dos serviços de saneamento básico por domicílios em ................ 253

Figura 16 - Cobertura dos serviços de saneamento básico por domicílios em ................ 254

Figura 17 - Cobertura dos serviços de saneamento básico por domicílios em ................ 254

Quadro 1 - Alterações na organização do SISNAMA de 1981 a 2016 ............................. 123

Quadro 2 - Comparação entre as quatro edições da CNMA de 2003 a 2013 .................. 153

Quadro 3 - Os 200 municípios mais populosos do Brasil divididos por região e estados

............................................................................................................................. 167

Quadro 4 - Organização das pessoas jurídicas .................................................................. 189

Quadro 5 - Órgãos que compõem a Administração Pública ............................................ 191

Quadro 6 - Comparação entre as competências do CONPAM e da SEMA ................... 206

Quadro 7 - Órgãos que compõem o histórico da política ambiental no estado do Ceará

............................................................................................................................. 208

Quadro 8 - Histórico das ações sobre RS implementadas no Ceará ................................ 223

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Quadro 9 - Situação dos consórcios intermunicipais para disposição final de RS no

Ceará ................................................................................................................... 240

Quadro 10-Empregos formais por atividade econômica e PIB por setor econômico em

Cascavel-CE, 2013 ............................................................................................. 247

Quadro 11-Empregos formais por atividade econômica e PIB por setor econômico em

Beberibe-CE, 2013 ............................................................................................. 249

Quadro 12-Empregos formais por atividade econômica e PIB por setor econômico em

Pindoretama-CE, 2013 ...................................................................................... 250

Quadro 13-Metas pactuadas entre os municípios do COMARES-UCV, SEMA,

SCIDADES e IDECI para 2016 ........................................................................ 261

Tabela 1 - Características do principal local utilizado para disposição de resíduos

sólidos por número de municípios no Brasil e no Ceará ................................ 217

Tabela 2 - Destinação dos RS especiais por número de municípios no Brasil e no Ceará

............................................................................................................................. 219

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

BIRD Banco Mundial

CDB Convenção sobre Diversidade Biológica

CERs Certified Emission Reductions

(Certificações de Emissões Reduzidas)

CNMA Conferência Nacional de Meio Ambiente

CODESSUL Consórcio de Desenvolvimento do Sertão Central Sul

COGERH Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos

COMARES Consórcio Municipal para Aterro Sanitário de Resíduos Sólidos

COMARES-

UCV

Consórcio Municipal para Aterro Sanitário de Resíduos Sólidos-Unidade

Cascavel

CONPAM Conselho de Políticas e Gestão do Meio Ambiente

COP Conferência das Partes

CQNUMC Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima

ECO-92 Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento

– 1992

FUNASA Fundação Nacional de Saúde

GEEs Gases de Efeito Estufa

GWP Global Warming Potencial

(Potencial de Aquecimento Global)

IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços

IDC Instituto para Desenvolvimento de Consórcio

IDECI Instituto de Desenvolvimento Institucional das Cidades do Ceará

IFM Instituições de Financiamento Multilateral

IPCC Intergovernmental Panel on Climate Change

(Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática)

IQM Índice Municipal de Qualidade do Meio Ambiente

MDL Mecanismo de Desenvolvimento Limpo

MMA Ministério do Meio Ambiente

MOP Reunião das Partes

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ONU Organização das Nações Unidas

PAC Programa de Aceleração do Crescimento

PERS (2001) Política Estadual de Resíduos Sólidos

PERS (2016) Plano Estadual de Resíduos Sólidos

PGIRS Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos

PIB Produto Interno Bruto

PNMA Política Nacional de Meio Ambiente

PNMC Política Nacional de Mudança do Clima

PNRS Política Nacional de Resíduos Sólidos

PNSB (2007) Política Nacional de Saneamento Básico

PNSB Pesquisa Nacional de Saneamento Básico

PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PNUMA Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

PSA Pagamento por Serviços Ambientais

RCEs Reduções Certificadas de Emissões

RMF Região Metropolitana de Fortaleza

RS Resíduos Sólidos

RSS Resíduos de Serviços de Saúde

RSU Resíduos Sólidos Urbanos

SCIDADES Secretaria das Cidades do Estado do Ceará

SEINFRA Secretaria de Infraestrutura do Estado do Ceará

SEMA Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Ceará

SEMACE Superintendência Estadual de Meio Ambiente

SESA Secretaria da Saúde do Estado do Ceará

SOMA Secretaria da Ouvidoria-Geral e do Meio Ambiente

TAC Termo de Ajustamento de Conduta

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 15

2 A PROBLEMÁTICA AMBIENTAL EM PERSPECTIVA ..................................... 25

2.1 PRECEDENDO O OBJETO .......................................................................................... 25

2.2 O CENÁRIO DA CRISE AMBIENTAL ....................................................................... 39

2.2.1 O aquecimento global: meios, motivo e oportunidade .............................................. 44

2.3 A SUSTENTABILIDADE E O OLHAR EMPREENDEDOR SOBRE A CRISE

AMBIENTAL ................................................................................................................. 50

2.3.1 O mito do desenvolvimento sustentável ...................................................................... 59

2.4 A CONSTRUÇÃO DE UM FRÁGIL REFERENCIAL DE PROTEÇÃO AMBIENTAL

......................................................................................................................................... 70

2.5 A ECONOMIA VERDE E AS NOVAS FORMAS DE RELAÇÃO DE PODER ........ 91

3 A POLÍTICA AMBIENTAL BRASILEIRA ........................................................... 104

3.1 UMA PROPOSTA DE PERIODIZAÇÃO DA POLÍTICA AMBIENTAL BRASILEIRA

....................................................................................................................................... 105

3.1.1 Período Antecessor (1500-1929) ................................................................................ 107

3.1.2 Primeiro Período (1930-1971).................................................................................... 108

3.1.3 Segundo Período (1972-1987) .................................................................................... 113

3.1.4 Terceiro Período (1988-2004) .................................................................................... 125

3.1.5 Período de Internacionalização (a partir de 2005) .................................................. 140

4 PANORAMA DOS RESÌDUOS SÓLIDOS NO BRASIL ...................................... 159

4.1 A GESTÃO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS NO BRASIL ............................................. 159

4.1.1 Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL) e resíduos sólidos ...................... 163

4.2 ASPECTOS RELEVANTES DA POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS

....................................................................................................................................... 168

4.2.1 A Gestão Integrada dos Resíduos Sólidos ................................................................ 169

4.2.2 O Consórcio Público ................................................................................................... 186

5 O CONSÓRCIO DA MICRORREGIÃO CASCAVEL-CE E OS DESAFIOS NA

EXECUÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS ............... 200

5.1 A POLÍTICA AMBIENTAL NO ESTADO DO CEARÁ ........................................... 200

5.1.1 A gestão dos resíduos sólidos no estado do Ceará ................................................... 216

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5.2 OS CONSÓRCIOS INTERMUNICIPAIS NO ESTADO DO CEARÁ: DESAFIOS E

PERSPECTIVAS .......................................................................................................... 229

5.3 O CONSÓRCIO INTERMUNICIPAL DA MICRORREGIÃO DE CASCAVEL ..... 241

5.3.1 Os entes consorciados ................................................................................................. 243

5.3.2 O COMARES-UCV .................................................................................................... 255

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 266

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 270

APÊNDICES ............................................................................................................... 277

APÊNDICE A - Indicadores diversos dos municípios do COMARES-UCV .............. 278

APÊNDICE B – Resoluções CONAMA para resíduos sólidos (1986-2009) .............. 279

APÊNDICE C – Normas NBR para resíduos sólidos (1984-2008) ............................. 281

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1 INTRODUÇÃO

O acesso aos serviços de saneamento básico é de extrema importância para a

melhoria da qualidade de vida1 de todos os seres humanos, uma vez que, responde às

necessidades essenciais ao seu bem-estar. Entretanto, enquanto a necessidade de acesso aos

serviços de saneamento é universal, as condições de acesso a eles são mediadas por relações

sociais: estão diretamente ligadas às condições de vida de determinada classe social, de modo

que, quanto mais limitadas forem as condições sociais e econômicas dos indivíduos, maiores

serão as dificuldades de acesso aos serviços de saneamento básico e pior tende a ser a qualidade

do serviço ofertado, o que reflete diretamente na saúde pública e na salubridade ambiental.

Assim, o Estado deve estabelecer metas e políticas públicas com a finalidade de implementar a

progressiva universalização da adequada oferta – acessada via pagamento2 - dos serviços de

saneamento básico, pois dela muito depende a garantia da saúde pública e a proteção do meio

ambiente.

De acordo com a Política Nacional de Saneamento Básico – PNSB (BRASIL,

2007a)3, no Brasil, o saneamento básico é composto por quatro serviços: abastecimento de água,

esgotamento sanitário, manejo de águas pluviais e manejo dos resíduos sólidos. Para

regulamentar especificamente o manejo dos resíduos sólidos, em 2010, foi sancionada a Lei

12.305/2010 que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos - PNRS, dispondo sobre os

princípios, objetivos, instrumentos e diretrizes relativas à gestão integrada e ao gerenciamento

de resíduos sólidos no Brasil. Na prática, o ponto alto dessa política é a imediata adequação

socioambiental da disposição final dos resíduos sólidos gerados em todo o país, que deverá ser

feita em aterros sanitários que disponham de uma infraestrutura mínima exigida, inclusive o

tratamento do biogás, acompanhada de mudanças sociais, ambientais e econômicas. O período

disposto para a adequação foi de quatro anos, mas, expirado o prazo em 2014, pouquíssimos

municípios conseguiram cumprir o dispositivo legal e os lixões continuam a compor a paisagem

brasileira.

1 Embora esteja comumente relacionado ao Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, a qualidade de vida não

deve ser usada como um equivalente para padrão de vida, pois enquanto este se volta a quantificar o acesso a

bens e serviços numa perspectiva econômica, entendemos que a qualidade de vida remete a um conjunto de

condições que contribuem para o bem-estar dos seres humanos de uma forma ampla (físico, mental, psicológico,

emocional, espiritual, social etc.), de modo a garantir a sua realização como ser humano em distintos campos da

vida pessoal e social, o que transcende os aspectos sociais de renda e por envolver aspectos subjetivos da pessoa

humana são difíceis de mensurar numericamente. 2 Devemos atentar que a palavra “oferta” assume caráter dúbio, pois é um serviço configurado ou constituído para

o acesso pago, ou seja, mesmo que haja a oferta, o acesso só se dará através do pagamento. 3 Lei 11.445, de 5 de janeiro de 2007, também referida como Lei do Saneamento Básico.

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O desafio lançado aos municípios brasileiros é imenso, porque para a maioria deles

o manejo dos resíduos sólidos se resume à coleta domiciliar, à limpeza e à coleta em vias e

logradouros públicos, sendo os resíduos sólidos coletados destinados de forma inadequada para

os lixões4. É importante ressaltar que a divisão territorial do Brasil é marcada por uma

expressiva concentração (89,8%) de municípios com até 50.000 habitantes (IBGE, 2010),

muitos deles pequenos, com frágil administração pública e sem condições técnicas e financeiras

para atenderem aos critérios da legislação no tempo previsto.

Frente a essa contradição, assim como já havia sido encorajado na PNSB (BRASIL,

2007a)5, a PNRS (BRASIL, 2010) adotou como um de seus instrumentos de implementação “o

incentivo à adoção de consórcios ou de outras formas de cooperação entre os entes federados,

com vistas à elevação das escalas de aproveitamento e à redução dos custos envolvidos”

(BRASIL, 2010, p.5) e determina, como clara medida de incentivo, que “os consórcios públicos

constituídos, nos termos da Lei nº 11.107, de 2005, com o objetivo de viabilizar a

descentralização e a prestação de serviços públicos que envolvam resíduos sólidos, têm

prioridade na obtenção dos incentivos instituídos pelo Governo Federal.” (BRASIL, 2010,

p.21).

Antes disso, em 2007, o Governo Federal, através do Ministério das Cidades (por

meio da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental - SNSA), em conjunto com o Ministério

do Meio Ambiente - MMA (no âmbito da Secretaria de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano

- SRHU), com o apoio do Banco Mundial e recursos do Governo do Japão lança um projeto de

Mecanismos de Desenvolvimento Limpo – MDL, que pretende realizar estudos de viabilidade

para o aproveitamento do biogás gerado nos aterros sanitários das maiores cidades brasileiras.

O MDL é uma das três ferramentas de flexibilização que permite aos países

desenvolvidos alcançarem suas metas de redução de Gases de Efeito Estufa – GEEs

estabelecidas pelo Protocolo de Quioto (1997) além de suas fronteiras nacionais, através de

projetos voluntários realizados em países subdesenvolvidos. A ferramenta MDL se insere no

4 O número de municípios que destinam seus resíduos aos lixões varia entre diversos autores, bem como a

caracterização de lixão. Mas, para fins de política pública, são adotados a definição e os números do IBGE,

posteriormente explorados. 5 É possível contemplar tal incentivo entre as diretrizes e objetivos da Lei nº 11.445/07 que institui a Política

Nacional de Saneamento Básico: “Art. 48. A União, no estabelecimento de sua política de saneamento básico,

observará as seguintes diretrizes: [...] XI - estímulo à implementação de infraestruturas e serviços comuns a

Municípios, mediante mecanismos de cooperação entre entes federados. [...] Art. 49. São objetivos da Política

Federal de Saneamento Básico: [...] VII - promover alternativas de gestão que viabilizem a auto-sustentação [sic]

econômica e financeira dos serviços de saneamento básico, com ênfase na cooperação federativa; (BRASIL,

2007a, pp.13-14).”

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contexto da política ambiental internacional - iniciada com a Conferência de Estocolmo em

1972 em um contexto de crise do capitalismo - como base para a continuidade do projeto

hegemônico de desenvolvimento econômico6.

Reproduzindo os valores da política ambiental internacional, um dos componentes

do projeto de MDL no Brasil é denominado Ação Governamental e prevê a “unificação da

agenda governamental para a implementação de políticas públicas voltadas para a gestão de

resíduos sólidos, com enfoque na redução de emissões e no aproveitamento energético do

biogás.” (MESQUITA JÚNIOR, 2007, p.7).

À mesma época desse projeto, já tramitava o Projeto de Lei da Política Nacional de

Resíduos Sólidos (PL 1991/2007), encaminhado pelo Executivo ao Congresso Nacional e há

pouco havia sido sancionada a PNSB (2007), com a qual o projeto de MDL declara estar de

acordo. Em publicação oficial, que descreve o funcionamento e as exigências do projeto de

MDL – a série intitulada “Mecanismos de Desenvolvimento Limpo Aplicados a Resíduos

Sólidos” - é possível identificar que o projeto traça diretrizes e linhas de ação muitas vezes

idênticas àquelas da versão final da PNRS (2010), publicada após o lançamento do projeto de

MDL, quando o governo brasileiro já havia assumido compromisso, inclusive financeiro, com

o Banco Mundial e com o Governo do Japão.

Assim como o maior objetivo prático da PNRS (2010) é a implementação de aterros

sanitários e a erradicação dos lixões, o principal foco do projeto de MDL é assegurar o

tratamento do biogás proveniente dos resíduos sólidos de aterros sanitários e lixões encerrados

com vistas a reduzir a atual quantidade de emissões, para que, uma vez quantificadas, estas

possam ser cotadas em créditos de carbono, favorecendo o país investidor com a emissão de

mais “licenças para poluir” além da sua cota pré-estabelecida no Protocolo de Quioto7 ou

vendendo-as para outro país que necessite.

6 Neste momento, se firmava uma crítica da sociedade ao modelo de desenvolvimento quanto ao desgaste

ambiental e social a ele inerentes e uma preocupação dos capitalistas com as fontes de recursos naturais que

possibilitassem a continuidade do modelo vigente. Assim a sustentabilidade surge como discurso hegemônico e

o desenvolvimento sustentável como a nova estratégia de desenvolvimento dentro de um contexto de crise do

capitalismo e de consolidação de políticas neoliberais executadas na década de 1980, como parte do pacote de

estratégias para implementação da reestruturação produtiva (LIMA, 2003). 7 O Protocolo de Quioto é um tratado internacional que visa a redução da emissão dos gases que intensificam o

efeito estufa, agravantes do aquecimento global. O acordo é consequência de uma série de eventos iniciados com

a Conference on the Changing Atmosphere (Toronto, no Canadá, 1988); seguido as publicação do relatório First

Assessment Report do IPCC (Sundsvall, na Suécia, 1990); e da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a

Mudança Climática – CQNUMC (ECO-92, Rio de Janeiro, Brasil, 1992). É ratificada por mais de 175 países.

Discutido e negociado em 1997, durante a III Conferência das Partes da UNFCCC (COP-3) em Quioto no Japão,

foi aberto para assinaturas em 1997 e ratificado em 1999. Entrou em vigor em 2005, após a ratificação de 55

países, que juntos, produziam 55% das emissões globais de CO2 em 1990 (mma.gov; mct.gov; ipam.org;

terra.com, 2015).

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O fato é que, completados os quatro anos de prazo estipulados pela lei federal de

resíduos sólidos, muitos municípios não conseguiram cumpri-la. Os municípios em uníssono

argumentam que é impossível construir uma gestão integrada de resíduos sólidos com todas as

condições exigidas em tão pouco tempo. Este fato nos leva a suscitar um questionamento a

respeito desse dispositivo legal, não com relação aos seus objetivos, mas principalmente aos

seus instrumentos e a exigência de que, em quatro anos, o país resolva um problema estrutural

acumulado desde os seus primeiros contextos históricos.

Desse modo, formulamos a seguinte indagação: a determinação sobre a qual dispõe

a PNRS (BRASIL, 2010) foi pensada para atender as necessidades de saneamento básico em

manejo de resíduos sólidos dos municípios brasileiros, em sua maioria pequenos, ou ela é

possível apenas aos municípios mais populosos e já com melhores índices de saneamento,

coincidindo justamente com aqueles 200 municípios para os quais também é dedicado o projeto

de MDL concebido em 2007?

Embora a obrigatoriedade de aterros sanitários para pequenos municípios não tenha

a intenção de torná-los alvo para o projeto de MDL, certamente ela faz parte de um conjunto de

ações por este induzidas: apesar de se referir aos maiores municípios, muitos deles já com

aterros sanitários, o projeto enquanto instrumento da política ambiental internacional traz

instruções para serem aplicadas de forma ampla na área de resíduos sólidos, alcançando todos

os municípios brasileiros.

De qualquer forma, os municípios enfrentam muitos desafios na implementação da

PNRS (2010) até mesmo na corrida à formação e administração dos consórcios para a

construção dos aterros sanitários. Muitos municípios têm uma frágil administração pública

conjugada a uma organização institucional deficiente8, o que torna a própria formação do

consórcio um desafio.

No estado do Ceará, o Governo do Estado tomou a frente na formação dos

consórcios, formados sob consultoria do Instituto para Desenvolvimento de Consórcio - IDC e

com base em um estudo de viabilidade para tratamento e disposição de resíduos sólidos

elaborado em 2005/2006 pela empresa espanhola Prointec, fruto de uma parceria do Estado

com o Governo da Espanha (CEARÁ, 2016).

8 Por exemplo, a eleição dos gestores em muitos municípios ainda ocorre dentro de um jogo político-eleitoral

baseado em relações históricas, não levando em conta a preparação ou o compromisso político para o exercício

da função. Via de regra isso se generaliza na estrutura institucional através da distribuição de cargos, o que muitas

vezes reflete na incapacidade técnica, administrativa, política, jurídica e financeira da administração pública

desempenhar suas funções de maneira satisfatória.

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O documento final do Prointec já propunha os consórcios intermunicipais como

melhor opção para os municípios cearenses realizarem a gestão adequada dos resíduos sólidos,

criando trinta aterros sanitários consorciados (criação de 27 e melhoria dos três existentes na

RMF) com estrutura adequada para o tratamento dos resíduos sólidos dos entes federados -

inclusive o tratamento de biogás - e erradicando os seus respectivos lixões. Assim como a PNRS

(2010) que seria lançada em 2010 e o projeto MDL de 2007, o estudo também contempla

objetivos básicos como a inclusão social de catadores9, a coleta seletiva, a reciclagem e o

fechamento dos lixões, todos na pauta da política ambiental internacional.

Inicialmente, foram formados oito consórcios entre 2007 e 2008 e até 2014 já

estavam formados os 26 (vinte e seis) consórcios criados até agora10. Entretanto, enquanto o

Governo do Estado – mais tarde amparado pela PNRS (2010)11 - estabeleceu que os projetos

executivos para todos os aterros devem contemplar um estudo de viabilidade para a venda de

créditos de carbono (SCIDADES, 2012, p.37), não há previsão para a construção do

equipamento em nenhum município cearense.

Aparentemente, a PNRS (2010) reforça a chamada aos municípios alvos do projeto

de MDL: aqueles que conseguem mobilizar recursos financeiros, técnicos, jurídicos,

organização institucional eficiente, administração entregue à terceirização etc. Por outro lado,

parece ignorar os municípios mais frágeis, pois tal empreendimento demanda recursos técnicos

e vultosos investimentos financeiros não acessíveis à maioria dos municípios brasileiros, em

sua maioria pouco populosos e com poucos recursos, e que embora organizados em consórcios

intermunicipais, em sua maioria não conseguiram atingir a determinação legal.

Completado o prazo limite para os municípios brasileiros adequarem a sua gestão

de resíduos sólidos e dar a destinação adequada a estes em aterros sanitários, o Governo do

Estado do Ceará apenas conseguiu formalizar os consórcios intermunicipais de resíduos sólidos

e afirma que não há grandes perspectivas de participação financeira do Estado para a área,

exceto em alguns municípios incluídos em outros projetos financiados pelo Banco Mundial. Os

9 Inclusão social aqui se opõe à forma degradante de trabalho a qual estão submetidos os catadores e catadoras nos

lixões. Nessa proposta, a catação não poderia ser realizada nos lixões e sob as mesmas condições, tendo que ser

mais salubres e higiênicas. Entretanto, é importante esclarecer que o trabalho no lixão, mesmo que de maneira

perversa, já é uma forma de inclusão social, pois todos estão incluídos no processo, o que muda é a qualidade da

inclusão. 10 Desses, quatro foram iniciativa dos próprios municípios. 11 A PNRS (BRASIL, 2010, p.8) estabelece que o Plano Nacional de Resíduos Sólidos a ser atualizado a cada 4

(quatro) anos deve conter obrigatoriamente “proposição de cenários, incluindo tendências internacionais e

macroeconômicas”. Também o Decreto 7.404/2010 que regulamenta a PNRS é claro ao discorrer sobre os

instrumentos econômicos e estabelece que entre as medidas indutoras está o “apoio à elaboração de projetos no

âmbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo - MDL ou quaisquer outros mecanismos decorrentes da

Convenção Quadro de Mudança do Clima das Nações Unidas (BRASIL. Decreto n° 7.404, 2010, art. 80).

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demais permanecem em situação crítica, enquanto devem considerar a possibilidade de serem

contemplados com o projeto de MDL para ajudar a manter a viabilidade econômica dos

empreendimentos.

Nessas condições, é necessário atentar para as dificuldades que os municípios

cearenses, notadamente aqueles com menores condições técnico-financeiras, vêm enfrentando

para atender as determinações legais da PNRS (2010): se as vias encontradas para a solução

dessa questão estão em consonância com as demandas e necessidades desses municípios ou se

vêm se mostrando inviabilizadoras da efetivação de políticas municipais de saneamento

ambiental.

Identificamos um conflito entre a legítima necessidade socioambiental dos aterros

sanitários determinado pela PNRS (2010) e a possível apropriação capitalista dessa

necessidade, não apenas do empreendimento, por meio dos mecanismos estabelecidos pela

política ambiental internacional, que inclusive parece direcionar e condicionar a política

ambiental interna. Assim, nossa hipótese é de que o Brasil não tenha pensado a sua política

federal de resíduos sólidos com a devida autonomia, de forma a responder às necessidades reais

dos seus municípios, mas sim priorizando tendências internacionais, na busca de se integrar,

embora que de maneira subalterna, na mundialização da economia, notadamente pela via do

mercado verde, fruto do modelo de desenvolvimento sustentável vigente.

Desse modo, essa pesquisa se propõe a investigar a dimensão política dos

consórcios intermunicipais para implementação dos aterros sanitários no Estado do Ceará e os

seus desdobramentos socioespaciais locais, observados a partir do consórcio intermunicipal

sediado pelo município de Cascavel e suas dificuldades, dada sua semelhança com a quase

totalidade dos municípios cearenses que se encontram em situação de irregularidade por não

terem conseguido construir seus aterros sanitários no prazo previsto pela PNRS (2010).

Assim, elegemos o recorte espacial da Microrregião Geográfica de Cascavel que

corresponde ao Consórcio Municipal para Aterro Sanitário de Resíduos Sólidos – Unidade

Cascavel - COMARES-UCV, formado pelos municípios de Cascavel (sede do consórcio e

provável sede do aterro sanitário), Beberibe e Pindoretama para ilustrar as dificuldades

enfrentadas pela quase totalidade dos municípios cearenses. Desse modo, pudemos acompanhar

os desdobramentos locais que a PNRS (2010) e as suas disposições, sobretudo a exigência de

implementação dos aterros sanitários, em conformidade com as exigências internacionais

geraram de fato para os municípios do recorte espacial.

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O investimento previsto para cada um dos 27 aterros que se pretende construir no

Estado do Ceará é da ordem de milhões12 de reais que deverão vir da Caixa Econômica Federal,

Ministério da Saúde, Fundação Nacional de Saúde - FUNASA, Ministério do Meio Ambiente

- MMA, Ministério das Cidades, recursos do Tesouro, do Estado e do Programa de Aceleração

do Crescimento - PAC I e II (SCIDADES, 2012). Portanto, é interesse de toda a sociedade a

forma como todo esse elevado valor será investido e se o investimento responde de fato ao

interesse público, tanto do ponto de vista ambiental como socioeconômico.

Em contrapartida, enquanto o projeto de MDL prevê que a receita a ser injetada

pelo investidor se refira apenas ao beneficiamento do biogás, pois “não incluem os custos de

construção do aterro sanitário, recuperação ambiental do lixão, coleta e tratamento de chorume,

e outros investimentos na infraestrutura do aterro sanitário propriamente dito.” (FELIPETTO,

2007, p.31); se indica que seja definido “um único operador do aterro, do sistema de gás e das

unidades de monitoramento” (Ibid., p.34) para evitar um possível conflito de interesses que

venha a prejudicar o empreendimento. Isso torna complexa a administração do aterro enquanto

serviço público associado a uma iniciativa internacional regulada por interesses externos.

Além do mais, para os aterros no Ceará há previsão de investimentos diretos do

Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID e do Banco Mundial - BIRD, o que nos leva

ao questionamento sobre a forma de empreendimento pretendida e o que a obrigatoriedade dos

aterros no Brasil representa em termos financeiros na economia para serem encorajadas por tais

instituições financeiras globais.

Desse modo, o nosso objetivo central é compreender a dimensão política – com

suas respectivas implicações econômicas e ambientais - dos consórcios intermunicipais para

implementação dos aterros sanitários no Estado do Ceará como componente da política

ambiental internacional e os seus desdobramentos socioespaciais locais. Para tal, foi necessário

investigar como a política ambiental internacional e seus princípios norteadores exercem

considerável influência sobre o disposto na PNRS (2010); identificar os elementos que denotam

a vinculação dos aterros sanitários, enquanto política pública, com a lógica da política ambiental

internacional pautada na economia verde através de projetos de Mecanismos de

Desenvolvimento Limpo - MDL; e analisar os desafios na implementação da PNRS (2010) –

12 “[...] a estimativa é de que cada aterro [Sobral, Cariri e Limoeiro do Norte] signifique um investimento de

aproximadamente R$ 15 milhões” (SCIDADES, 2012, p.38). Entretanto, o valor é relativo se comparado aos

gastos de infraestrutura com megaeventos, por exemplo: o novo estádio Castelão construído para a Copa 2014

custou cerca de 500 milhões, fora o alto custo de manutenção que o aparelho demanda.

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notadamente os aterros sanitários - para os municípios cearenses, materializado nesta pesquisa

pelo Consórcio composto pelos municípios de Cascavel, Beberibe e Pindoretama.

A gestão inadequada dos resíduos sólidos e as suas consequências socioambientais

como parte da problemática ambiental têm sua realização nas relações sociais e na produção do

espaço. Entendemos que a escala da problemática ambiental é global e que ela é uma resposta

às sobreposições históricas da produção material, especialmente intensificada no modo de

produção capitalista, de modo que temos no materialismo histórico, a possibilidade de rastrear

estas relações dialéticas e contraditórias estabelecidas em torno da problemática ambiental.

Os procedimentos metodológicos foram divididos em três etapas complementares.

A primeira foi o levantamento bibliográfico relacionado à questão ambiental, procurando

desenvolver uma leitura crítica do desenvolvimento sustentável e da forma como as políticas

públicas intercedem em favor destes mecanismos priorizando aspectos econômicos. Pela

pesquisa bibliográfica também foram selecionadas as fontes literárias sobre as quais se

constituem as bases teórico-metodológicas da pesquisa.

A segunda etapa foi a pesquisa documental que se debruçou sobre a análise de leis,

documentos e pronunciamentos oficiais e foi dividida entre informações públicas e explícitas e

informações implícitas ou não veiculadas. As primeiras são sobretudo leis, documentos e

informações públicas disponíveis em portais oficiais das três esferas de governo, de instituições

não-governamentais, privadas e supranacionais. Já os documentos e informações menos

explícitas foram obtidos numa terceira etapa, as pesquisas de campo, realizados sobretudo em

órgãos públicos envolvidos no processo como a Secretaria Estadual de Meio Ambiente do

Estado do Ceará - SEMA, a Secretaria das Cidades do Estado do Ceará - SCIDADES, as

Coordenadorias de Meio Ambiente dos municípios de Cascavel, Beberibe e Pindoretama e o

COMARES – UCV.

Embora as etapas tenham se sucedido na ordem citada, as pesquisas bibliográfica e

documental se estenderam por todo o tempo de execução da pesquisa e os dados e as

informações referentes ao objeto de estudo colhidos nessas três etapas foram tratados à luz das

referências teóricas.

No Capítulo II, apresentamos inicialmente as bases teórico-metodológicas sobre as

quais se construiu a pesquisa, elucidamos alguns conceitos-chave utilizados no trabalho e

buscamos construir no diálogo com os autores uma abordagem geográfica do objeto em si,

apresentando a trama de relações em que ele se encontra imbricado, as quais será necessário

explorar para que ele possa ser, por fim, desvendado.

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Em seguida, abordamos a problemática ambiental de forma mais ampla.

Realizamos uma exposição geral das condições ambientais mais notórias que levaram à eclosão

da “consciência ambiental”, com destaque para os movimentos sociais e os grandes desastres

ambientais. Depois realizamos uma breve exposição de como o aquecimento global

compromete o equilíbrio do sistema climático global do ponto de vista científico oficial e como

ele foi intensificado pelas atividades produtivas, sobretudo após a Revolução Industrial e com

o uso demasiado dos combustíveis fósseis. A exposição é baseada na teoria científica oficial e

dominante sem, contudo, deixar de fazer uma ressalva à possível apropriação tanto da ciência,

que atesta tais fenômenos, quanto dos fenômenos em si, dada a sua magnitude e urgência.

Introduzimos o tema da sustentabilidade e como ele é apropriado pelo poder

hegemônico num contexto de crise do capitalismo, sendo transformado em discurso e dando

atenção também para o contradiscurso que se contrapõe a sua proposta de resolver a crise dentro

dos marcos do capitalismo. Analisamos o contexto em que o desenvolvimento sustentável é

desenvolvido e difundido em escala global como a nova estratégia de desenvolvimento

capitalista e como o poder hegemônico implementa ações unificadas direcionando o projeto de

cooperação internacional para tratamento da problemática ambiental, num contexto em que o

Estado é incumbido de massificar a assimilação e legitimação do desenvolvimento

(in)sustentável.

Reconstruímos um breve histórico dos eventos ambientais internacionais ocorridos

sobretudo na segunda metade do século XX e de como arquitetou-se a envergadura da política

internacional do clima no decorrer de tais eventos e os rumos tomados pelo projeto de

cooperação internacional. Expomos ainda os principais elementos sobre os quais se estrutura a

economia verde, analisando como através deles são reproduzidas as históricas relações de poder

e os novos mecanismos utilizados para tal, principalmente os Mecanismos de Desenvolvimento

Limpo – MDL que se relacionam com o nosso objeto de estudo, visto sua influência sobre a

legislação brasileira de resíduos sólidos.

O Capítulo III traz uma proposta de periodização da política ambiental brasileira

explorando aspectos gerais da legislação ambiental e caracterizando os principais marcos

jurídicos que a compõem, bem como o contexto social em que eles se estabeleceram, tanto na

esfera nacional como internacional, especialmente aqueles que denotam o seu alinhamento com

o desenvolvimento sustentável, como as políticas nacionais de meio ambiente, educação

ambiental, saneamento básico, mudanças climáticas, resíduos sólidos, etc.

O Capítulo IV apresenta o panorama geral dos resíduos sólidos no Brasil,

relacionando o local e o global. A primeira parte é dedicada à gestão de resíduos sólidos no

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Brasil, expondo as diferenças regionais, situando o estado do Ceará, mas também discutindo

MDL e sua relação com os resíduos sólidos e os aterros sanitários pretendidos. A segunda parte

explora os aspectos mais relevantes da PNRS (2010): inclui aqueles aspectos que denotam o

seu alinhamento com o desenvolvimento sustentável, mas se ocupa sobretudo com o conceito

de gestão integrada proposta pela lei e com a caracterização do consórcio público enquanto

elemento jurídico e ferramenta da administração pública.

O Capítulo V concentra a escala estadual e local e pode ser dividido em duas partes.

A primeira realiza um apanhado dos principais dispositivos e órgãos que compõem a política

ambiental no estado do Ceará, traçando a trajetória recente das políticas e ações implementadas

pelo Estado na área de resíduos sólidos e apresenta o panorama atual da gestão no Estado. É

apresentado o histórico e o panorama dos consórcios intermunicipais no Estado do Ceará: aqui

são tratados e organizados os dados obtidos na pesquisa documental e colhidos junto a órgãos

públicos em trabalhos de campo.

Finalmente, a segunda parte se atem ao recorte do COMARES-UCV e à luz das

discussões teóricas realizadas na parte inicial do trabalho, esta seção trata do objeto de estudo

de maneira pormenorizada. Primeiro, expõe os dados e os resultados pertinentes ao consórcio

e aos municípios regionalizados em particular obtidos com pesquisa bibliográfica, análise

documental e trabalho de campo. Em seguida, expõe a situação atual do consórcio no contexto

estadual e em relação aos requisitos da PNRS (2010), discorrendo sobre as iniciativas

estabelecidas, as dificuldades enfrentadas, os êxitos logrados e os apontamentos hora indicados.

Ao final, pudemos identificar influências internacionais sobre a PNRS (2010),

elementos que vinculam os aterros sanitários à política ambiental internacional e os desafios

locais na implementação da política de resíduos enquanto desdobramentos socioespaciais locais

da política ambiental global, ambos apontando o local como recorte do global numa amplitude

que vai muito além da questão ambiental, mas que tem nela o seu eixo central.

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2 A PROBLEMÁTICA AMBIENTAL EM PERSPECTIVA

2.1 PRECEDENDO O OBJETO

A questão dos resíduos sólidos que, atualmente, toma as agendas políticas dos

países e governos apresenta-se em meio à problemática ambiental como um importante ponto

de análise da crise ambiental, pois o desafio de gerir a enorme e crescente quantidade de lixo

que se acumula no meio ambiente remete a forma visível da insustentabilidade desse sistema

linear de produzir mercadorias.

Essa discussão passa necessariamente pelo entendimento de conceitos

fundamentais como a produção do espaço social, bem como o ambiente enquanto categoria de

análise. Não é nossa pretensão nos debruçarmos longamente sobre a discussão dos conceitos

abordados nessa pesquisa, mas entendemos que se faz necessário elucidar pelo menos alguns

deles, no sentido de esclarecer as bases de referência que orientam a pesquisa. Com esse diálogo

teórico-metodológico, buscamos construir uma abordagem geográfica do objeto em si,

apresentando a trama de relações em que ele está imbricado, as quais será necessário explorar

ao longo do trabalho para que ele possa ser, por fim, desvendado.

A problemática ambiental encontra-se numa intercessão entre as relações sociais e

a relação entre sociedade e natureza. E o produto dessa combinação de relações é o espaço

geográfico, cuja produção ocorre pela associação de dinâmicas sócio-históricas com as

estruturas e dinâmicas naturais. Ele é resultado das sobreposições históricas da produção

material, espaço onde o ser humano torna-se ser social, naturalizando a sociedade e socializando

a natureza, de modo que, sociedade e natureza encontram-se intrinsecamente ligadas.

Essa relação indissociável é também dialética e oferece subsídios fundamentais

para se pensar as relações de contradição e complexidade estabelecidas em torno da

problemática ambiental enquanto função da organização da sociedade, também contraditória, e

resultado da sobreposição histórica da produção material. Admitindo que as coisas ou os objetos

existem em sua concretude histórica e, portanto, social, analisamos a crise ambiental pela ótica

do materialismo histórico e a partir da produção social do espaço e das relações que a sociedade

estabelece com a natureza, pautando a interpretação do nosso objeto na crítica de que não é

possível enfrentar a problemática ambiental através dos mesmos mecanismos que a gestaram.

Assim, é possível questionar a redução da crise a limites externos, ou seja, questões

geoecológicas, uma vez que “os problemas ambientais surgem como resultado de um conflito

no interior da sociedade ou das contradições entre capital e trabalho (MARX, 2004), e capital

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e natureza (BENTON, 1996), exigindo trazer o debate da sustentabilidade para o campo das

relações sociais.” (NOVICKI, 2009, p.3).

Também é necessário empreender um esforço no sentido de superar a clássica

dicotomia entre sociedade e natureza, reconstituindo o percurso histórico dessa relação, à luz

do entendimento do ambiente e de que seus problemas não são apenas questões geoecológicas,

mas remetem à atuação social e histórica do homem/mulher junto ao meio natural.

Embora haja muitas interpretações para ambiente, muitas vezes empregado com o

sentido de meio natural, e seja frequente a sua apresentação em justaposições diversas, tomamos

aqui o ambiente tal como empregado por Grangeiro (2012), no sentido de ambivalência, de

interação entre o social e o natural, como propõe a sua própria morfologia que já contém em si

esta ideia13. Assim, qualquer outro vocábulo que anteceda o termo “ambiente” no sentido de

limitá-lo ou ampliá-lo representaria antes a sua negação. Por exemplo, o termo “sócio-

ambiental” a nosso ver é uma negação do ambiente, pois em si este já é composto de uma parte

social, bem como outra natural. Isso o aproxima do conceito de espaço enquanto produto das

interações sociais e naturais. Desse modo, o termo “espaço-ambiente” empregado por

Grangeiro (2013), ao nosso ver, é o único que preserva o sentido de ambiente, sem negar a sua

ideia, pois antes o reforça, o reafirma.

O ambiente se refere, portanto, a esse conjunto de fatores naturais e não naturais

que estabelecem entre si uma relação de reciprocidade que vai muito além de interações

ecossistêmicas. Nele o homem não é apenas um organismo dentro do todo ecológico, mas um

ser social capaz de intervir na natureza e que interagindo com os demais fatores compõe o

ambiente como um todo indivisível (SCARLATO; PONTIN, 1992).

Grangeiro (2012, p.81) afirma que “os diversos problemas [ambientais] já

detectados são função de distintas variáveis em interação”. Para a autora, a dinâmica social

introduz na dinâmica natural comandada pelas forças motrizes da natureza variáveis que lhes

eram externas, de modo que ambos se tornam integradas, compondo “uma unidade de elementos

diferentes ou heterogêneos que formam um todo – uma unidade de diversidades” com diferentes

níveis de interferência das práticas socioespaciais.

Assim, advoga a autora, para compreender o ambiente é necessário entender esses

processos e práticas socioespaciais que, sendo historicamente construídos e determinados,

convergem para a formação de um território. Assim, podemos entender que

13 Segundo Grangeiro (2012), o vocábulo ambiente é composto pelo prefixo ambi que significa “duplo, de ambos

os lados” e ente, que significa “o que existe, o que é; ser, coisa, objeto, substância”.

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A formação de território traz em seu bojo, de modo geral, a apropriação da natureza;

de modo específico, a formação de territórios determinados espacial e temporalmente

apropria-se de um meio ambiente, que embora seja integrante dos quadros físicos

planetários, é espacial e temporalmente particularizado ou determinado para aquele

grupo social. Tanto as características do meio natural como do construído são inter-

relacionadas entre si e interdependentes; deste modo, se refazem em características

próprias que passam a revolver-se como implicações tanto na dinâmica social como

na natural, que conjugadas, lhes deram origem e que já não são mais idênticas; ou

seja, - “in continuum” e dialeticamente - há sempre um novo sistema ambiental, tanto

o geral, planetário, como os particularizados, em movimento (GRANGEIRO, 2012,

p.85).

Estabelecida essa relação entre um grupo social e o seu meio ambiente, concordamos

que é necessário considerá-la de forma coletiva para uma compreensão mais ampla, uma vez que

há interação entre uma multiplicidade de grupos sociais em diferentes escalas espaço-tempo que se

diferenciam entre si dentro da estrutura social e na sua relação com a natureza (GRANGEIRO,

2012, p.85). Entretanto, não se pode afirmar que as construções humanas sobre a superfície da terra

resultem da interação desses distintos grupos com o seu meio ambiente de uma forma homogênea.

Como afirmamos, os diversos grupos sociais são distintos e não significa que há uma simetria de

forças entre eles, mas ao contrário, esses grupos podem ser dominantes ou dominados, de modo que

a relação que um grupo subordinado exerce com o seu meio ambiente ou seu território pode ser

determinado ou redefinido pelos interesses e pela visão de mundo, inclusive acerca da natureza, de

outro grupo que sobre ele se impõe.

Isso se torna bastante evidente no atual modo de produção, onde os “espaços

geográficos que ainda sejam o resultado de uma interação íntima entre grupos humanos e seu

embasamento geográfico. [...] são cada vez mais raros, parecendo resultar de uma falta de

dinamismo geográfico decorrente de uma inadaptação às condições do mundo moderno.”

(SANTOS, 1986, p.09 apud GRANGEIRO, 2012, p.85). Isso será importante para entender, no

contexto da crise ambiental e do desenvolvimento sustentável, a ofensiva do capital sobre as

comunidades tradicionais, seus territórios e os bens naturais vistos apenas como fontes de

recursos para a produção capitalista.

Logo, a produção desse ambiente não pode ser referida como resultante da interação

humana de forma generalizada sobre a face da terra, ou seja, não pode ser atribuída ao

homem/mulher na “sua condição de espécie pura e simplesmente, mas à sua condição de ser

social e, fundamentalmente, em função da dinâmica dos progressos econômicos, científicos,

tecnológicos, sociais; das interconectividades espaço-tempo e do modo de produção

hegemônico” de modo que

Esta nova forma de pensar o ambiente nos remete, necessariamente, a admiti-lo, como

produto de relações conflituosas, emprenhadas de contradições; que não se trata da

simples transformação de elementos naturais em recursos, ou de práticas

ecologicamente inadequadas. Trata-se da transformação da natureza em mercadoria;

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trata-se de um “artefato humano”, (NEDER, 2002), e em que nele o social e o humano

se incluem, e que, portanto, devemos mudar as formas de perceber, compreender e

nele intervir (GRANGEIRO, 2012, p.86)

Tampouco os problemas ambientais podem ser resultantes de ações antrópicas, como

se fosse responsabilidade de todo mundo e ao mesmo tempo de ninguém, ocultando a produção do

espaço, como se dará, por exemplo, o tratamento da questão ambiental no domínio do

desenvolvimento sustentável. Esse entendimento de ambiente confere aos problemas ambientais

natureza histórica e social que não é neutra, nem tão pouco deve ser naturalizada, de modo que

sua resolução passa, necessariamente, pela transformação dessa relação entre homem/mulher e

natureza e das relações entre os homens que, dominando alguns a natureza, usam-na para

dominarem uns aos outros.

Rodrigues (1998) nos fala disto quando diz que:

Os problemas ecológicos parecem, à primeira vista, referir-se apenas às relações

homem-natureza e não as relações dos homens entre si. [...] A questão ambiental deve

ser compreendida como um produto da intervenção da sociedade sobre a natureza.

Diz respeito não apenas a problemas relacionados à natureza, mas às problemáticas

decorrentes da ação social. [...] Os problemas ambientais dizem respeito às formas

pelas quais se produz o espaço geográfico que compreende, no dizer de Milton Santos,

os processos sociais representativos de uma dada sociedade (RODRIGUES, 1998,

pp.8-9).

Para compreendermos como esses problemas ecológicos referem-se à relação dos

homens entre si e não somente à relação dos homens com a natureza, precisamos considerar

que ambas as relações estão interligadas e compreender a transformação histórica da natureza

e o que ela significa para o homem/mulher social enquanto concretude histórica.

Toda a construção social está, segundo a perspectiva marxista, baseada nessa

relação entre homem14 e natureza, haja vista que as condições naturais são o recurso

fundamental para a vida do homem e pressuposto geral para toda produção. Essa transformação

histórica da natureza passa pelo processo de produção, através do qual ela é transformada pelo

trabalho15 em bens diversos que passam a ter concretude social e histórica. Aqui, nos referimos

à produção material tal como ela é definida por Bernardes e Ferreira (2003, p.18) como sendo

o “processo pelo qual se altera a forma da natureza: pelo trabalho o homem modifica as formas

das matérias naturais, de modo a satisfazer suas necessidades.”

Essa definição de produção material é ampla e se realiza pelo trabalho para a

satisfação das necessidades humanas. Sendo assim, ela é tão essencial quanto o próprio trabalho

14 Nessa e em outras passagens do mesmo contexto o vocábulo “homem” se refere ao ser humano enquanto espécie,

ou seja, aos seres humanos em geral, homem e mulher. 15 Nessa perspectiva marxista, o trabalho constitui-se como uma necessidade natural eterna mediando a relação

entre homem e natureza, na produção de valores de uso.

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e só se efetiva por meio de uma forma social determinada, ou seja, de relações sociais de

produção. Entretanto, o modo industrial de produzir mercadorias dentro do modo de produção

capitalista é apenas um dos modos possíveis para a realização da produção material e, embora

historicamente seja o mais expressivo pela sua amplitude e capacidade de transformação da

natureza, não é o único possível.

Assim, o homem passa a se apropriar da natureza como fonte para toda a sua

produção material e regente das relações sociais. Para entendermos como essa relação de poder

mediada pela dominação da natureza se estabelece, temos que levar em conta que a história da

humanidade - que não ocorre no mesmo passo em todas as sociedades humanas – inscreve-se

na relação dos homens entre si e com a natureza e é marcada pela necessidade que o

homem/mulher tem de conhecê-la. Por meio do desenvolvimento da racionalidade, o

homem/mulher passa de uma condição selvagem a ser social e inicia um processo ascendente

de conhecimento, transformação, apropriação e manipulação da natureza.

Inicia-se aí um apartamento, uma emancipação simbólica do homem/mulher em

relação à natureza, agora socializada e posta para domínio. Desde a perspectiva rústica de

conhecimento e domínio da natureza até a apropriação privada dos recursos naturais como

condição para a produção de mercadorias no atual modo de produção capitalista, a dominação

da natureza remete também a dominação do homem pelo homem, enquanto pressuposto para a

produção. À medida que a sociedade vai desenvolvendo as suas forças produtivas essa condição

é reproduzida, e se amplia da relação do grupo para esferas maiores no decorrer do tempo

histórico, até atingir escala global, como é por exemplo, a relação que países desenvolvidos e

subdesenvolvidos mantém entre si e com a natureza (TORRES, 2014, p.4).

Mas, socializada, a própria ideia de natureza é também uma construção histórica.

Conforme a complexidade das relações sociais em cada época, haverá diferentes conotações

para o conceito de natureza, para as formas de apropriação e para a relação que a sociedade

estabelece com ela:

A ‘natureza em si’ não passa de abstração. Não encontramos senão uma idéia [sic] de

natureza que toma “sentidos” radicalmente diferentes segundo as épocas e os

homens... Como todas as nossas idéias [sic], a imagem da natureza que prevalece em

cada época e em cada meio toma assim o peso de um teor social (LENOBLE, 1969,

p.37 apud RODRIGUES, 1998, p.10).

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Enquanto o pensamento clássico é caracterizado por uma relação orgânica16 entre

homem/mulher e natureza, o pensamento moderno considera que a natureza deve estar a serviço

do homem/mulher, devendo para isso ser conhecida e dominada. Nesse momento, enquanto o

homem/mulher é definitivamente apartado da natureza e posto como superior a ela, também a

ciência é consolidada como superior à natureza e à própria sociedade que a constituiu. Assim é

que, desde o século XVII, a ciência tem sido o instrumento através do qual tem-se efetivada a

apropriação da natureza. Desse modo, é que “as construções do homem – sociais, intelectuais,

abstratas, modernas, simbólicas – se tornam superiores ao próprio homem e meio através do

qual se estabelecem relações de poder entre eles.” (TORRES, 2014, p.6).

Historicamente, o desenvolvimento das forças produtivas e intelectuais tem sido

diretamente proporcional à escala e à intensidade da exploração que o homem – aquele

proprietário dos meios de produção – incide sobre a natureza. No período moderno, seu

desenvolvimento foi intenso (ciência e técnica) caracterizando o que Harvey (1992) vai chamar

de uma “compressão do espaço-tempo” (RODRIGUES, 1998) e, na contemporaneidade, ambos

são maximizados e multiplicados. Podem ser nitidamente contempladas na intensificação do

modo industrial de produzir mercadorias e na globalização da economia, pois com “a

distribuição espacial das engrenagens produtivas da industrialização e da extração de recursos

naturais em escala global, as atividades potencialmente degradadoras do meio ambiente foram

disseminadas sobre o planeta.” (TORRES, 2014, p.8).

É nesse contexto de distribuição global das estruturas produtivas dentro de um

sistema político e econômico orientado pela lógica capitalista de desenvolvimento que atribui

desenvolvimento a crescimento econômico, medido pelo grau de industrialização e capacidade

de produzir mercadorias - ideologicamente relacionadas à noção de bem-estar social - que se

inscreve a relação entre os países e o papel que o Estado17 possui em executar as condições

necessárias para o desenvolvimento do capital.

Assim como a ideia de natureza, a ideia de desenvolvimento também é uma

construção histórica. Entendemos que o desenvolvimento em si, refere-se ao aspecto social de

determinada sociedade. Embora crescimento econômico e desenvolvimento social sejam coisas

16 Essa relação orgânica não era necessariamente de submissão do homem/mulher, mas remete à escala e a

intensidade da sua atuação sobre o meio natural, de forma que permitia a resiliência dos ecossistemas

(RODRIGUES, 1998). 17 “Qualquer ação do Estado é indicativo da manifestação de interesse político-econômico de algum grupo que

compõe o quadro social, o que não indica necessariamente que todos são contemplados de forma igualitária,

mas sim que, dentro do contexto hegemônico atual, os benefícios serão capitaneados principalmente por

aqueles que tiram vantagem da reprodução de uma sociedade estruturada conforme a lógica do capital” (DIAS,

1997. p.41).

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distintas, como na lógica capitalista a prática econômica subjuga as demais, ela se transforma

no parâmetro absoluto, ignora essa diferenciação e passa a se referir ao crescimento econômico

como sendo desenvolvimento. Assim, a ideia de desenvolvimento que predomina na sociedade

capitalista contemporânea está condicionada ao crescimento econômico: os países

subdesenvolvidos – entenda-se aqueles do capitalismo periférico - deverão perseguir o nível de

crescimento econômico alcançado pelos países desenvolvidos – aqueles do capitalismo central

- até que se atinja um desenvolvimento homogêneo entre as nações.

O conceito inicial de desenvolvimento desponta a partir da obra de Rostow [Etapas

do desenvolvimento econômico, 1971], que, recuperando o darwinismo social18, se

baseia na ideia de sucessão evolutiva de estágios, onde tal qual na natureza, as

sociedades humanas evoluiriam de formas inferiores para superiores. Nesta hipótese,

parte-se de um modelo de sociedade rudimentar culminando no modelo da civilização

ocidental industrializada de consumo, considerada única e universal

(LAYRARGUES, 1997, p.1, grifo nosso).

Tanto é que, no contexto do desenvolvimento sustentável, a denominação “países

subdesenvolvidos” se transforma em “países em desenvolvimento19” para firmar essa visão

evolutiva. De fato, a comparação não é gratuita, e merece um parêntese no decorrer dessa

exposição: ao analisar as implicações da ascensão da biologia nas últimas décadas do século

XX como “rainha das ciências” para com os estudos culturais, Hoefle (1999, pp.124-125)

afirma que o paradigma racionalista do neodarwinismo ascendeu sobre todas as ciências, de

modo que “os seus conceitos básicos e a sua metodologia passaram a ser amplamente aplicados

e imitados” como um espectro das Ciências Naturais que assombrava as Ciências Sociais. Para

o autor, a proposta do ambientalismo biocêntrico de naturalizar o homem/mulher reintegrando-

o à natureza preparou o caminho para o advento do neodarwinismo no final do século XX que

retomava o seu “polêmico projeto do evolucionismo clássico, com todas as suas implicações

18 Ao analisar as implicações da ascensão da biologia nas últimas décadas do século XX como “rainha das ciências”

para com os estudos culturais, Hoefle (1999, pp.124-125) afirma que o paradigma racionalista do neodarwinismo

ascendeu sobre todas as ciências, de modo que “os seus conceitos básicos e a sua metodologia passaram a ser

amplamente aplicados e imitados” como um espectro das Ciências Naturais que assombrava as Ciências Sociais.

Para o autor, a proposta do ambientalismo biocêntrico de naturalizar o homem reintegrando-o à natureza

preparou o caminho para o advento do neodarwinismo no final do século XX que retomava o “polêmico projeto

do evolucionismo clássico, com todas as suas implicações políticas e éticas, provocando reações críticas de

ambientalistas radicais com visão eco-antopocêntrica [sic]” (MERCHANT, 1992; PEPPER, 1996 apud

HOEFLE, 1999). 19 A classificação dos países possui diferentes nomenclaturas (países de economia avançada, emergente,

subdesenvolvida, países em transição, países recentemente industrializados etc.) de acordo com diferentes órgãos

internacionais como ONU, FMI, Banco Mundial etc., porém, todas têm como base a economia. Nos documentos

do PNUMA sobre desenvolvimento sustentável, são usados dois termos: “países desenvolvidos” para referir

àqueles que atingiram uma economia avançada e “países em desenvolvimento” em referência àqueles países que,

ao contrário, ainda não são plenamente desenvolvidos, sem especificar necessariamente o grau de

desenvolvimento, ou seja, inclui os países pobres e os emergentes.

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políticas e éticas, provocando reações críticas de ambientalistas radicais com visão eco-

antropocêntrica.” (MERCHANT, 1992; PEPPER, 1996 apud HOEFLE, 1999).

Assim, “os neodarwinistas retomam a tese dos etólogos dos anos 1960, de que o

comportamento humano é fruto de milhões de anos de evolução, tendo predominado o período

de caçadores e coletores” de modo que a agressão e atual disputa territorial do homem/mulher

contemporâneo se justifica como herança comportamental desse período. Quando posto na

sociedade industrial contemporânea, esse comportamento causaria certos desajustes (ansiedade,

depressão, estresse etc.) do homem/mulher para com a sociedade que deverão ser corrigidos

por manipulações químicas e genéticas para ajustá-lo à sociedade20, já que a sociedade

naturalmente não poderia regredir no processo evolutivo.

Segundo Hoefle (1999), o neodarwinismo supera a ideologia política do

darwinismo clássico, pois é com o discurso científico que ela igualmente justifica as

disparidades culturais fundamentadas em grupo étnico, gênero e classe social. Por outro lado,

enquanto a ciência – as ciências biológicas – justifica as diferenças sociais com processos

adaptativos naturais, garante por meios sociais a conservação dessa estratificação. É o caso da

engenharia genética - na época, muito em evidência devido a possibilidade da programação

genética - aplicada ao planejamento familiar e cujo acesso vai depender da classe social dos

indivíduos, visto que

As tecnologias são extremamente caras, de forma que somente a classe alta dos países

pós-industrializados e a pequena elite dos demais países têm acesso à ela. Seus filhos

terão além de vantagens sociais, também vantagens biológicas, cristalizando cada vez

mais a estrutura de classe em suas sociedades e, especialmente entre países. Anula-

se qualquer perspectiva de mobilidade social (HOEFLE, 1999, p.140, grifo nosso).

Ora, os países desenvolvidos são os que mais consomem mercadorias, matérias

primas e energia, gerando enormes quantidades de resíduos sólidos, mantendo o nível de vida

que mais contribui com a degradação da natureza, de modo que o planeta não seria jamais

suficiente para responder a esse nível de consumo em escala mundial (SCARLATO; PONTIN,

1992). Esse ponto será de extrema importância para compreendermos a proposta de

20 Diante dos avanços da biologia na época, sobretudo da engenharia genética, Hoefle (1999) faz uma analogia ao

romance “Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley, 1932, onde numa sociedade dividida por castas, em um

futuro distópico, as pessoas são pré-condicionadas biologicamente e condicionadas psicologicamente a viverem

de forma harmoniosa, sem infligirem as normas e as leis sociais. Sem ética, religião ou valores, as pessoas são

condicionadas desde cedo a ignorarem tudo que possa ser crítico ou emotivo e suas dúvidas e inseguranças são

rapidamente dissipadas com o consumo de uma droga. Oito décadas depois, em 2002, surge o filme

“Equilibrium” com o mesmo enredo, porém aparentemente mais próximo desse futuro.

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desenvolvimento sustentável da ONU, cuja justiça social se baseia na universalização do

consumo ao nível dos países desenvolvidos.

Essa ideia de desenvolvimento homogêneo ao redor da qual orbitam os ideais da

globalização econômica é a mais contrária e equivocada possível dentro de um sistema que se

alimenta das contradições e dentro do qual o desenvolvimento dá-se de maneira desigual e

combinada21. Nesse sentido, “pensar que o país desenvolvido representa o espelho do menos

desenvolvido é uma fábula. Na verdade, o subdesenvolvimento é o que eles recebem do

capitalismo, assim como o capitalismo recebe do subdesenvolvimento o seu fôlego, seu

oxigênio, sua própria circulação sanguínea.” (SCHIMIDT, 1986 apud RODRIGUES, 1998,

p.34).

E essa relação complementar é verificada também no interior de cada país. Nos

países subdesenvolvidos, com alta concentração de renda e, em geral, edificados sobre base

social e política frágil, as contradições do capital são, particularmente, mais visíveis e

agressivas: através da divisão do trabalho é estabelecido um sistema de acumulação desigual e

combinada em escala mundial, onde a superexploração dos trabalhadores na periferia do

sistema capitalista alimentam um contínuo fluxo de capitais e de recursos dos subdesenvolvidos

para os desenvolvidos (RODRIGUES, 1998).

Pala Kaplan (2011), a divisão na atribuição de papéis entre os países do mundo é

decorrente de uma das etapas do modo de produção capitalista, o imperialismo, que considerada

uma etapa ou fase superior do capitalismo, de acordo com Lenin (2008), surgiu como

desenvolvimento e continuação direta das suas características.

Para esse autor, a globalização dever ser observada a partir dessa configuração

política e econômica e da assimétrica relação de poder estabelecida entre os diferentes países.

Ademais, apesar de se impor como um conceito estabelecido (que remete à ideia de integração

e totalidade), a globalização é a expressão dos interesses de forças econômicas extremamente

poderosas e que vem se impondo enquanto ideologia dominante22.

Assim sendo, a globalização opera como uma necessária estratégia para o processo de

mundialização do capital, mediante sua crescente acumulação e expansão (Loureiro,

2009, p.4), atuando por mecanismos de coerção e de consenso, impondo sua

21 O desenvolvimento desigual e combinado remete à espacialização complexa e heterogênea em que espaços

distintos revelam diferentes níveis de produtividade que surgem quando o capitalismo se desenvolve segundo

uma hierarquização espacial, combinando diferentes variáveis (composição orgânica do capital, de

produtividade, de relações de produção, de taxas de lucros, de incidências de lutas de classes, diferentes níveis

de inversão de capital e de infraestrutura etc.) no tempo, no espaço e em diferentes escalas. 22 Segundo Kaplan (2011), a globalização enquanto ideologia abrangente, tanto ofusca o problema da crise do

capitalismo ser estrutural, quando desloca a discussão para outras frentes, inviabilizando críticas e alternativas

reais ao capitalismo, quanto é evocada para justificar as reformas estruturais de feição neoliberal como sendo

inevitáveis.

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naturalização ou naturalizando sua imposição, qual seja, de modos mais explícitos ou

implícitos (ideológicos) (KAPLAN, 2011, p.27).

Ademais, esse desenvolvimento homogêneo não é possível entre os países do globo

nem no interior dos subdesenvolvidos, pois

Ainda que os países subdesenvolvidos atinjam um elevado nível de desenvolvimento

econômico, as riquezas desse processo não serão socializadas entre as classes que o

compõem. O ideário do desenvolvimento oculta a divisão social de classes, se idealiza

na escala do estado-nação, mas os meios sociais através dos quais ele se dá acontecem

na esfera social, nos diferentes grupos e setores que compõem a sociedade de classes

em cada país e onde a exploração se reproduz em nível local, especialmente nos países

subdesenvolvidos (TORRES, 2013, p.33).

Essa exploração não é apenas do trabalhador/trabalhadora, mas também dos bens

naturais entendidos como recursos para a produção. A apropriação da natureza avança na

mesma medida em que avança o desenvolvimento das forças produtivas e na fase atual do

capitalismo, a sua apropriação é fundamental para a reprodução do sistema. Enquanto os

recursos naturais - bem comum da sociedade, privadamente apropriados e entregues à

exploração indiscriminada em nome do progresso e do desenvolvimento - e seus benefícios se

restringem a uma pequena parcela da sociedade, os danos ambientais são socializados sem que

o Estado se mostre capaz de - ou interessado em - protegê-los.

A competitividade do intercâmbio econômico no mercado mundial se apoia no

intercâmbio ecologicamente desigual, revelando novas formas de manter as velhas estruturas

de dominação. O capitalista, enquanto proprietário dos recursos naturais, coloca o valor

econômico acima do valor ecológico sem que sejam contabilizados os custos ambientais no

valor da produção exportada, assim é que ele se apossa dos recursos naturais considerados bens

comuns essenciais para a vida, inclusive na perspectiva biológica enquanto valor de uso, para

convertê-los para si em valor de troca (TORRES, 2014).

Finalmente, as evidências desse modelo predatório começam a aparecer na natureza

numa escala preocupante e eclodem muitos movimentos que contestam a depredação natural

imposta pelo modo de produção. Em meio a todo o movimento ambientalista, a problemática

entra na pauta dos diversos países e, frente à ameaça que o esgotamento dos recursos naturais

representa para a reprodução do capital, o poder hegemônico toma para si a autoridade sobre o

tema e surge então a proposta do desenvolvimento sustentável.

Para Lima (2003, p.100), o fato da sustentabilidade ser um tema que possui

diferentes leituras construídas por forças sociais distintas, que disputam entre si o

reconhecimento da sua interpretação como sendo a verdadeira, torna a sua abordagem complexa

o suficiente para ser tratada como discurso, no sentido empregado por Michel Foucault (2001),

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enquanto “práticas geradoras de significados que se apóiam [sic] em regras históricas para

estabelecer o que pode ser dito, num certo campo discursivo e num dado contexto histórico.”

De qualquer modo, foi o relatório da Comissão Brundtland (CMMAD/ONU, 1987)

que “estabeleceu os parâmetros e projetou o debate social sobre o desenvolvimento sustentável,

projetando mundialmente o conteúdo da nova estratégia oficial de desenvolvimento”, com uma

ênfase econômica e tecnológica e uma tônica conciliadora. Esse discurso da sustentabilidade

apresentado ao debate público é uma hábil operação político-normativa e diplomática,

empenhada em responder algumas das contradições expostas pelos modelos anteriores de

desenvolvimento, como a questão de garantir fontes de recursos e dar uma resposta aos

questionamentos sobre os limites do crescimento intensamente discutidos na década de 1970

(LIMA, 2003, p.102).

De maneira geral, essa proposta pretende resolver a crise se utilizando dos mesmos

mecanismos e com base no fortalecimento da mesma lógica que a gestou. Sem propor uma

mudança dos modos de organização social e do modo de produção capitalista de mercadorias,

mantendo obscurecida a produção do espaço, protegendo o modo capitalista de produção e as

relações contraditórias que ele sustenta. Entretanto,

A problemática ambiental traz à tona, e é preciso desvendar a partir desta ponta de

iceberg, que o ideário do desenvolvimento, mesmo o desenvolvimento sustentável,

compreendido como a produção contínua de novas mercadorias, o progresso tido

como o avanço científico tecnológico, é fundamentalmente problemático

(RODRIGUES, 1998, p.61).

Mas na contramão dessa abordagem contestatória e atendendo a interesses

hegemônicos, a problemática ambiental ganha visibilidade e o desenvolvimento sustentável é

tomado como o novo estandarte do desenvolvimento, de modo que para fazer parte do rol dos

desenvolvidos os países precisam se integrar no novo modelo, igualmente globalizado,

hegemônico e respaldado pela ciência, porém politicamente representado, fortemente

legitimado pela ameaça do colapso ambiental e cada vez mais pautado em relações de poder

por meio da tecnologia e associado ao capital financeiro.

Para Novicki (2009), em uma perspectiva crítica, cabe questionar a viabilidade da

sustentabilidade, assim como da democracia, sob o modo de produção capitalista a partir de

pressupostos claros: primeiro, há uma relação de subordinação do modelo de desenvolvimento,

seja ele sustentável ou não, à sociedade civil, buscando conquistar legitimidade sobre a sua

organização e função, ou seja, sobre o que produzir, para quem e como; segundo, a função do

Estado é organizar e proteger o processo de acumulação capitalista, e ele o faz reproduzindo a

assimetria de poder presente na sociedade através da estrutura institucional e materializando-a

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em políticas públicas; e terceiro, a exclusão social ou, como preferimos, a inclusão perversa23

e a degradação ambiental são as formas aparentes da essência do modo de produção capitalista

e, portanto, decorrem dele.

Para responder a essa primeira questão, introduzimos a discursão que Furtado e

Strautman (2014) desenvolvem com base na argumentação de Boltanski e Chiapello (2009) -

em O Novo Espírito do Capitalismo - de que a crítica funciona como o grande motor que dinamiza

o espírito do capitalismo, fornecendo-lhe sua justificação moral, uma vez que “[...] o

capitalismo se utiliza da crítica, algo que lhe é alheia e até hostil, para justificar-se, mesmo

quando o objetivo da crítica não seja estabelecer um espírito capaz de possibilitar a acumulação

do capitalismo e sim de reformar ou superar o sistema.” (FURTADO; STRAUTMAN, 2014,

p.224).

A apropriação da crítica pelo capitalismo em seu favor ocorreria através de três

formas: a) a crítica serve para deslegitimar o último espírito do capitalismo e, reduzindo sua

eficácia, abrir legitimação para o espírito ascendente; b) em busca de se legitimar, o capitalismo

incorpora parte dos valores em nome dos quais foi criticado e, mantendo a mesma lógica e

estrutura, ele modifica apenas a roupagem com a qual se apresenta de acordo com as críticas

contra ele disparadas; c) ele pode também responder a crítica alterando o modo imediato de

obtenção de benefícios num processo sempre novo, desatualizando a crítica, que pode não dar

conta de explicá-lo.

Para ilustrar a questão, tomemos como exemplo a tática de Instituições de

Financiamento Multilateral como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de

Desenvolvimento: eles deixaram de investir diretamente em projetos polêmicos, que eram alvo

de críticas, pelo menos desde o início da década de 1980, e passaram o oferecer assistência

técnica para os próprios governos os implementassem. Desse modo, eles criaram outra forma

de garantir a obtenção dos benefícios, ao mesmo tempo em que se esquivaram da crítica.

Antes disso, as instituições criaram, lideradas pelo Banco Mundial, uma política de

salvaguardas ambientais que, teoricamente, orientaria os investimentos feitos pelas instituições,

buscando a um só tempo legitimar sua atuação agregando valor social e ambiental aos seus

investimentos e desarmar a crítica incorporando parte de seus valores. E por último, mas não

menos importante e em ações unificadas com outros gigantes do capitalismo (ONU, governos,

23 Entendemos que dentro do capitalismo não há exclusão, pois todos fazem parte do processo, como o modelo é

demasiadamente concentrador tanto de riqueza quanto de pobreza e tem nessa relação complementar a sua

dinâmica vital. Temos por certo que, mesmo aqueles que sobrevivem em situações precárias e que aparentemente

estão à margem do sistema, estão incluídos, apenas essa inclusão ocorre de modo perverso.

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corporações etc.), a aceitação dos problemas da clássica “economia marrom” para legitimar a

adesão à iluminada “economia verde” como um processo ascendente de aperfeiçoamento do

capitalismo.

Mas, Furtado e Strautman (2014, p.226) ressaltam que “o objetivo de Boltanski e

Chiapello [2009] não é reduzir o papel da crítica a conceder força para o inimigo e sim mostrar

sua importância, a necessidade de ela sempre recomeçar. [...] A crítica, porém, é capaz de

desnaturalizar os fenômenos sociais, ao mostrar que a mudança é possível”. Entretanto, mesmo

dentro da crítica, um novo desafio se apresenta, pois ela não é um corpo unificado e pode ser

claramente dividida quanto ao seu posicionamento entre crítica contestatória e crítica

reformista. Essa divisão será de extrema importância para compreendermos a importância que

têm os instrumentos de participação e inclusão ditos democráticas para a legitimação e a

manutenção do capitalismo contemporâneo, tornando-se eficazes instrumentos de dominação

dentro do projeto de governança ambiental proposto pelo desenvolvimento sustentável: a

neutralização da crítica, a decisão pelo consenso, o desarmamento ou a cooptação da oposição,

sobretudo de movimentos sociais e de populações atingidas, quer pelo impacto de grandes

obras, quer pela financeirização da natureza, as decisões ditas participativas que pretendem

tornar a sociedade cúmplice e álibi do Estado etc.

Isso nos leva ao segundo ponto elencado por Novicki (2009), o Estado como

organizador e protetor do processo de acumulação capitalista. Harvey (2005) entende o Estado

de acordo com a concepção marxista24 de que ele existe, não como um estágio de

desenvolvimento da sociedade, mas como o reconhecimento de que ela está mergulhada em

uma autocontradição insolúvel e rachada em um antagonismo irreconciliável. Assim, para não

destruir as classes com interesses econômicos divergentes e a própria sociedade, foi necessário

criar um poder que, “nascido da sociedade, mas se colocando acima dela e, progressivamente,

alienando-se dela” pudesse moderar o conflito (ENGELS, 1941, p.155 apud HARVEY, 2005,

pp.79-80).

No controle do Estado, a classe economicamente dirigente se transforma também

na classe que dirige a sociedade politicamente: suas ações exercem o seu poder para o seu

próprio bem com o discurso de que são para o bem comum. Para garantir essa condição, é

necessário dotar a imagem do Estado de autonomia e independência, e conectá-lo à ideologia,

capaz de universalizar os interesses da classe dominante como sendo o interesse comum, de

24 Harvey (2005) afirma que embora Marx tivesse a intenção, nunca escreveu uma teoria sobre o Estado. Porém,

como suas concepções sobre o Estado estariam presentes em todos os seus textos, foram elaboradas muitas

reconstruções do que seria uma teoria marxista do Estado com base neles.

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modo que as ideias de dada sociedade são as ideias da sua classe dirigente que também domina

como classe pensadora. Desse modo, para que as ideias dominantes ganhem a aceitação geral

da sociedade, é necessário que elas sejam

Apresentadas como idealizações abstratas, como verdades eternamente universais.

Assim essas ideias devem ser apresentadas como se tivessem uma existência

autônoma. As noções de “justiça”, “direito” e “liberdade” são apresentadas como se

tivessem um significado independente de qualquer interesse de classe específico

(HARVEY, 2005, p.81, grifo nosso).

Tais conceitos são criação da classe dominante para justificar a superioridade do

Estado sobre todas as classes. Mais que ferramentas ideológicas pairando no campo das ideias,

esses conceitos ganham forma quando o Estado aplica “um sistema legal que abrange conceitos

de propriedade, indivíduo, igualdade, liberdade e direito, correspondentes às relações sociais

de troca sob o capitalismo” e sobre as quais se assentam as relações de produção e acumulação

que, “uma vez criadas, devem, necessariamente, ser fomentadas, amparada e aplicadas pelo uso

do poder do Estado”:

Em geral, o Estado e, em particular, o sistema legal possuem um papel crucial a

desempenhar na sustentação e na garantia da estabilidade desses relacionamentos

básicos. A garantia do direito da propriedade privada dos meios de produção e da

força de trabalho, o cumprimento dos contratos, a proteção dos mecanismos de

acumulação, a eliminação das barreiras para a mobilidade do capital e do trabalho e a

estabilização do sistema monetário (via Banco Central, por exemplo) estão todos

dentro do campo de ação do Estado (HARVEY, 2005, p.84).

Assim, Harvey (2005) afirma que o Estado é e sempre foi um agente central para o

funcionamento da sociedade capitalista, cujas formas e modos de funcionamento mudaram ao

passo em que o capitalismo amadurecia. Assim, ele tem por certo que nas sociedades

capitalistas, o “Estado desempenha, necessariamente, certas tarefas básicas mínimas no apoio

ao modo capitalista de produção”.

Como Novicki (2009), entendemos que é necessário atentar para os limites do

discurso governamental que apresenta o Estado como o agente defensor do interesse geral da

sociedade e para as políticas setoriais que afirmam trabalhar para resolver a degradação

ambiental e a exclusão social (inclusão perversa), uma vez que, ao contrário, estando a origem

desses dois problemas na essência do capitalismo e sendo eles fundamentais para a sua

reprodução, eles são, na verdade, protegidos pelo aparelho do Estado, unidade básica do projeto

de cooperação internacional para a implementação mundial do desenvolvimento sustentável.

E por fim, conforme entendido por Marx (1988), o modo capitalista de produção

em sua essência é o responsável pela exclusão social (inclusão perversa) e degradação

ambiental. Esse pressuposto como visão de mundo, permite articular fenômenos aparentemente

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desconectados, para finalmente estabelecer uma relação entre esses fenômenos, que seriam a

aparência, e a essência do modo de produção capitalista (NOVICKI, 2009).

Entendemos que o programa do desenvolvimento sustentável é a nova

industrialização que os países subdesenvolvidos precisam efetivar para chegarem ao sonhado

desenvolvimento. Resta-nos tentar compreender as novas formas através das quais os velhos

interesses são implementados para a manutenção do sistema, mas temos por certo que uma

delas é a política ambiental internacional, mais uma vez levada a cabo pelos Estados-Nação,

que reestruturam suas políticas e suas ações de modo a assimilar os seus direcionamentos.

Nesse contexto, é necessário avaliar com prudência e desconfiança as políticas

públicas, sobretudo aquelas ligadas ao meio ambiente. No caso do Brasil, a política ambiental

é historicamente marcada pelos direcionamentos externos dos grandes eventos internacionais.

Atualmente, o Ministério do Meio Ambiente - MMA, que comanda todas as questões

relacionadas à meio ambiente no país não se acanha em levantar nitidamente a bandeira do

desenvolvimento sustentável, afirmando que “o desafio é a construção de uma política de

integração entre o setor produtivo e o meio ambiente, promovendo a adequação do país às novas

exigências de competitividade no comércio nacional e internacional.” (MMA, 2015).

Assim, estariam as ações empreendidas em torno da implementação de aterros

sanitários - um dos pontos alvos do desenvolvimento sustentável - para a gestão dos resíduos

sólidos no Brasil livres desse direcionamento internacional? Ou, ao contrário, elas seriam

exatamente o resultado da ação do Estado brasileiro na execução do desenvolvimento

sustentável? Esperamos, a partir desse estudo, rastrear essas relações dialéticas e contraditórias

estabelecidas em torno da problemática ambiental com enfoque na gestão dos resíduos sólidos

e, a partir de sucessivas aproximações, chegar ao conhecimento do real concreto.

2.2 O CENÁRIO DA CRISE AMBIENTAL

A questão ambiental tem suas raízes no final do século XIX, mas foi apenas no pós-

Segunda Guerra Mundial (1939-1945) que ela eclodiu. Desde o final da década de 1960, a

problemática ambiental figura entre uma das grandes preocupações mundiais, ganhando

notoriedade em diferentes espaços de discussão, sempre associada à desmedida exploração dos

recursos naturais, seu esgotamento e à poluição que o sistema produtivo inflige ao meio

ambiente.

O despertar dessa consciência ambiental é representado principalmente pelos

movimentos ecológicos que surgiram em todo o mundo no século XX, especialmente após as

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décadas de 1960 e 1970. Embora o movimento ambientalista não fosse uma unidade

homogênea, mas um mosaico de posicionamentos com diferentes visões e interesses não

raramente conflitantes, de maneira geral, ele representou um ponto significativo na contestação

do modelo de desenvolvimento vigente, das formas como ele se serve do meio natural e da

gravidade das suas consequências.

O discurso ecológico está cheio de contradições e é altamente diversificado.

Encontramos posições extremamente autoritárias e outras que, de forma não violenta,

querem derrubar uma ordem industrial poderosa. Apesar dos conflitos internos nas

diversas opiniões dentro do discurso ecológico, há um consenso de que o assunto é

uma questão de sobrevivência e relevante (HARVEY, 199625 apud BERNARDES;

FERREIRA, 2003, p.34).

Esse despertar para a problemática ambiental traz à tona a discussão da metáfora

espacial e retoma a importância da produção do espaço, indicando a necessidade de se rever o

modo de organização social e levanta novos paradigmas e questionamentos, inclusive sobre o

papel da ciência e a aplicação ética da técnica e põe em destaque as contradições que há entre

a produção social do espaço e as formas de apropriação da natureza e sua degradação, sobretudo

num momento histórico em que a interferência das forças produtivas na natureza impunham

um ritmo de exploração nunca antes experimentado.

Na segunda metade dos anos de 1960, ao redor do mundo - basicamente nos países

ocidentais - apareceram uma série de movimentos emancipatórios e contraculturais,

como o dos hippies, dos estudantes, das mulheres, dos pacifistas (especialmente

contra a Guerra do Vietnã), dos negros, dos homossexuais, todos com fortes críticas

ao modo de produção dominante e com uma postura de enfrentamento da ordem

vigente. Desta forma, o movimento ambientalista se expandia no bojo das sociedades

e pressionava por mudanças de ordem econômica e social (LEITE, 2014, p.11, grifo

nosso).

Eram necessárias profundas transformações no comportamento da sociedade e na

organização política e econômica. Embora os movimentos ambientais tenham contribuído para

uma revisão das relações sociedade/natureza e provocado algumas mudanças de atitude,

principalmente com relação ao estilo de vida, elas não foram suficientes para atacar o cerne do

problema, pois seu efeito individual não foi capaz de abarcar as estruturas sociais por não

conterem em si, aspectos suficientes que torne compreensível a produção do espaço.

Outro fator que impulsionou esse despertar para uma consciência ambiental e

levantou questionamentos sobre a ameaça da interferência humana - no nosso entender, dos

proprietários dos meios de produção - ao equilíbrio ecológico foram os inúmeros desastres

ambientais que se multiplicaram no século XX, com uma incidência e magnitude acentuada na

segunda metade deste século.

25 Justice, Nature e the Geograpy of Difference. Oxford: Blackwell.

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Os desastres mais notórios estão relacionados principalmente ao derramamento de

petróleo, acidentes nucleares e contaminação tóxica. São recorrentes em países como Estados

Unidos e Japão, destacando-se também em outros países desenvolvidos na Europa (como

Ucrânia e Itália) e na Rússia, com um de magnitude extrema na Índia.

Na década de 1950, a ilha japonesa de Minamata ganhou visibilidade pela “Doença

de Minamata”. As mortes, as severas convulsões, a perda e descontrole das funções motoras

entre outros problemas de saúde que passaram a acometer a população local eram causadas pelo

contato e pela ingestão de mercúrio e outros metais pesados que envenenavam as águas da Baía

de Minamata, que desde o início da década de 1930 servia de depósito para o lixo industrial da

empresa Chisso Corporation. Os metais passavam da água para a população através da cadeia

alimentar, visto que os peixes e crustáceos daquelas águas eram sua principal fonte de

alimentação. Mais de 3 mil pessoas adoeceram e centenas morreram e, como a doença é

transmitida geneticamente, muitas crianças já nasceram com deformações. Até 1997, quando a

região foi declarada livre do mercúrio apesar de muitas discordâncias, o governo japonês havia

reconhecido mais de 12.500 pessoas como vítimas (COSTA; DAMASCENO; SANTOS, 2012).

Os processos de negociação com a empresa para compensação das vítimas foram exaustivos.

O drama das vítimas somado ao desafio de disputar contra a força da empresa, do governo e da

economia deu ao caso muita visibilidade que, tendo alta cobertura da mídia, sensibilizou o

público que se envolveu protestando e pressionando por mudanças.

Mais tarde em 1984, aconteceu aquele que é considerado o mais grave acidente

industrial da história quando cerca de 40 toneladas de metil isocianato foram lançadas na

atmosfera após um acidente na fábrica de pesticidas Union Carbide - hoje pertencente à Dow

Química – em Bophal, na Índia, matando milhares de pessoas em poucas horas e outras mais

nos meses seguintes. Foram aproximadamente 20.000 mortos e cerca de 150.000 afetados por

cegueira, falência dos órgãos, má formação em fetos e defeitos congênitos que ainda afetam a

população. Segundo a Justiça, o desastre foi causado por negligência: os precários dispositivos

de segurança apresentavam problemas ou estavam desligados, assim como a sirene que deveria

alertar a comunidade em casos de acidente. Depois da tragédia que chocou o mundo, “a

legislação ambiental e de segurança química em muitos países ricos ficou mais rigorosa.”

(COSTA; DAMASCENO; SANTOS, 2012).

Entre os exemplos de desastres, estão os acidentes nucleares. Para avaliação da

gravidade destes, existe a Escala Internacional de Eventos Nucleares – INES que os classifica

em níveis que vão de 1 a 7, porém, devido à natureza da contaminação que eles proporcionam,

não há nível seguro, o que torna a atividade nuclear extremamente perigosa, pois qualquer falha,

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humana ou mecânica pode resultar em consequências gravíssimas que podem perdurar por

vários anos.

Em 1986, um dos reatores da usina nuclear em Chernobyl, na Ucrânia, então União

Soviética, explodiu emitindo para a atmosfera enormes quantidades de radiação, que se

espalharam por toda Rússia e chegaram a contaminar três quartos da Europa. O evento é

considerado o pior desastre nuclear da história e matou mais de 25 mil pessoas, segundo as

estimativas oficiais. “Durante dez dias, o combustível nuclear queimou, jogando na atmosfera

radionuclídeos de uma intensidade equivalente a mais de 200 bombas atômicas iguais à que

caiu em Hiroshima.” (GREENPEACE, 2015). O acidente que foi classificado em nível 7, afetou

um número incalculável de pessoas, principalmente crianças, que até hoje são acometidas pelo

câncer26. Atualmente, o reator que explodiu permanece selado em uma espécie de sarcófago de

concreto e o seu raio isolado, o que não descarta o temor de impactos futuros que possam

ocorrer com a deterioração da contenção.

Uma matéria de revista Exame intitulada “Os dez maiores acidentes petrolíferos da

história”27 publicada em 2010 afirma que nos últimos setenta anos até então, houve mais de

oitenta acidentes de média e alta gravidade ao redor do mundo que lançaram cerca de 7,4 bilhões

de litros de petróleo nos mares e oceanos, sendo que 68% desse volume teria sido derramado

pelos dez maiores acidentes.

Um desses grandes acidentes petrolíferos aconteceu em 1989, quando o

petroleiro Valdez, da então Exxon - que se fundiria com a Mobil em 1999, formando a atual

Exxon Mobil - bateu na costa do Alaska, Estados Unidos, despejando mais de 10 milhões de

galões de óleo nas águas, que rapidamente se espalhou por cerca de 500 Km, matando milhares

de animais de diversas espécies. Segundo dados divulgados pela imprensa na época, teriam sido

mobilizadas cerca de 11.000 pessoas e 1.000 embarcações para conter o impacto. Conforme

matéria de Roberto Naime na página do EcoDebates28, a empresa haveria assumido uma postura

arrogante tentando minimizar os danos do acidente, negando entrevistas na pessoa do seu

26 Notícias mais recentes dão conta de um alarmante aumento de incidência de câncer na região afetada. Conforme

artigo de Roberto Naime publicado na página do Portal EcoDebates em 2010, entre 1990 e 2000, em todos os

locais afetados, houve um aumento na incidência de câncer que chegou a crescer até 2,7 vezes, em outros, a

morbidade aumentou quase três vezes. “Um recente estudo mostrou que a doença em crianças aumentou 88,5

vezes, em adolescentes, 12,9 vezes e, em adultos, 4,6 vezes. Estima-se que entre 14 mil e 31,4 mil cânceres

adicionais de tireóide aconteçam em 70 anos” (ecodebates.com, 2015). 27 Disponível em: <http://exame.abril.com.br/mundo/noticias/10-maiores-acidentes-petroliferos-historia-

556774>. Acesso em: 24 jul. 2015. 28 Roberto Naime é professor no Programa de pós-graduação em Qualidade Ambiental, Universidade FEEVALE,

Novo Hamburgo – RS e colunista do Portal EcoDebates. Disponível em:

<http://www.ecodebate.com.br/2010/09/13/grandes-marcos-de-acidentes-ambientais-artigo-de-roberto-

naime/>. Acesso em: 24 jul. 2015.

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presidente e ainda teria feito lobby para barrar a aprovação de uma lei criada em decorrência do

acidente.

Grandes eventos com dimensões catastróficas para o meio ambiente e para as

pessoas, sobretudo populações mais pobres, como esses ocorridos na Índia, na União Soviética,

nos EUA e principalmente o drama da ilha japonesa de Minamata, que tornou-se público na

década de 1950, foram importantes para pressionar a favor de medidas de intervenções efetivas.

Somados a vários outros de gravidade diversas, esses desastres chocaram o mundo, tomaram a

mídia e chegaram a público adquirindo enorme repercussão e exigindo um posicionamento

político que interferisse nesse quadro, provocando sobretudo mudanças nas regras de segurança

de muitas indústrias e na legislação ambiental.

As décadas de 1960 e 1970, por sua vez, converteram-se em efervescente centro de

debates sobre a temática ambiental – porquanto os movimentos ambientalistas,

antinucleares e pacifistas (como, por exemplo, Greenpeace, Verdes da Alemanha,

Amigos da Terra, Earth First etc.) expandiram-se, trazendo à tona a pertinente

discussão acerca dos problemas oriundos da acelerada utilização dos recursos naturais

por parte de uma população cada vez mais crescente e de uma indústria que estava

ocasionando danos irreparáveis ao meio ambiente (RODRIGUES; LUMERTZ, 2014,

p.114).

Esse despertar ambiental civil fez com que organizações e governos passassem a

internalizar a preocupação com a conservação e o gerenciamento do ambiente a fim de lidar

com os conflitos e os problemas ambientais que se apresentavam. Isso fez “emergir as

organizações ambientalistas, como o Greenpeace, em 1971; instituições, políticas e

instrumentos governamentais voltados à regulação ambiental”, como por exemplo, a

Environmental Protection Agency, criada nos EUA em 1970, a Secretaria Especial do Meio

Ambiente, criada em 1973 no Brasil; e organizações político-partidárias, como os partidos

verdes europeus (BURSZTYN et al., 2006 apud LEITE, 2014, p.12).

Os impactos ambientais não se restringem a acidentes ambientais de grandes

proporções, mas se remetem também à organização social. Na década de 1960, popularizava-

se pelo mundo uma oposição ao modelo político-econômico, fossem os protestos voltados para

os direitos civis nos EUA, fossem de resistência ao regime fechado na Europa Ocidental, ou

mesmo em oposição à transição de doutrina pela qual passava a União Soviética (COSTA et

al., 2014).

Assim, tanto impactos ambientais como sociais foram se multiplicando no decorrer

da produção do espaço, acumulando-se com o tempo e expondo a insustentabilidade ambiental

do modo de produção capitalista, de modo que já não era possível ignorar a questão ambiental

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e ela deveria ser definitivamente incorporada ao modelo de desenvolvimento, respondendo à

crítica e protegendo a ordem vigente.

2.2.1 O aquecimento global: meios, motivo e oportunidade29

Há um consenso científico de que a manutenção de toda a biodiversidade na Terra,

o que inclui o homem, é viabilizada pelo funcionamento do sistema climático, que tem sua

origem na energia irradiada pelo Sol e alimenta as trocas de energia que ocorrem entre a

atmosfera e o substrato terrestre, incluindo todos os elementos bióticos e abióticos da biosfera.

Para que essa troca seja equilibrada, é necessário que os gases que compõem a atmosfera sejam

mantidos em quantidades balanceadas, capazes de reterem uma parte dessa energia para auxiliar

as atividades ecossistêmicas, transformando a Terra em uma estufa gigante que mantém a

temperatura ideal para que a vida possa ser mantida, dinâmica conhecida como efeito estufa.

Durante a história geológica da Terra, o clima global tem variado muito entre

períodos gelados e muito quentes, numa sucessão de milhões de anos e que continuará a

acontecer como um processo natural30. E é a partir desse ponto que as opiniões se dividem.

Todas as atividades do homem sobre a superfície da Terra geram algum tipo de

impacto. Porém, com o desenvolvimento das forças produtivas, os impactos ganham escala e

intensidade muito maiores, que passam a interferir na dinâmica natural em escalas ascendentes,

comprometendo a capacidade de resiliência dos ecossistemas. A Revolução Industrial, sem

dúvidas, contribuiu para o desequilíbrio desses gases, aumentando, sobretudo a concentração

de dióxido de carbono e de gases sintéticos na atmosfera que, segundo estudos científicos, está

diretamente relacionada ao aumento do efeito estufa que interfere diretamente no equilíbrio

climático do planeta. A interferência no sistema climático é um desequilíbrio ecológico grave,

pois as consequências afetam o ecossistema global, interferindo na dinâmica que mantém toda

a biodiversidade.

Essa constatação se deu sobretudo a partir da divulgação do Fourth Assessment

Report - AR4, quarto relatório de avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudança

Climática – IPCC que afirma, com base na comparação entre o aumento histórico das

29 Em dramas policiais, é comum que a investigação criminal se estruture em três aspectos básicos de um crime

para desvendá-lo: meios, motivo e oportunidade. Embora estes três aspectos possam fazer parte da natureza

humana, sendo condicionantes para qualquer ação e não estando associados exclusivamente ao comportamento

delituoso, é nessa perspectiva que são mais citado e não por coincidência identificam esta seção do trabalho. 30 Houve períodos glaciais que duraram cerca de 100 mil anos ou mais, e períodos de 10 mil a 20 mil anos em que

o clima era excepcionalmente quente (EMANUEL, 2007 apud LEITE, 2014, p.24)

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concentrações de Gases do Efeito Estufa - GEEs desde o início da Revolução Industrial e a

elevação da temperatura média global - que as atividades humanas são as responsáveis pelas

alterações climáticas (LEITE, 2014).

Cada GEE possui, segundo as publicações do IPCC, um Potencial de Aquecimento

Global - GWP que se refere à capacidade que cada um desses gases possui para absorver calor

na atmosfera em um determinado tempo, geralmente é considerado um horizonte de 100 anos,

comparada ao CO2. Porém, além do potencial de aquecimento dos gases serem diferentes, eles

também permanecem por tempo distinto na atmosfera e o cálculo precisa considerar todos esses

fatores. Leite (2014, p.23) explica que “o CO2 fica cerca de 100 anos na atmosfera. O CH4 cerca

de 12 anos, mas capta 60 vezes mais calor que o CO2. O N2O fica cerca de 150 anos, com uma

capacidade de 270 vezes maior para captar calor”. Apesar desses números terem sofrido

variações entre diferentes estudos, alguns bastante significativos, eles são utilizados como a

base sobre a qual se assenta todo o sistema de cooperação climática, inclusive o mercado de

carbono.

De acordo com Leite (2014), antes da Revolução Industrial, a concentração de CO2

na atmosfera era de 170 a 280 partes por milhão (ppm), hoje ela é de 400 ppm, o que excede

em muito os limites de variação natural dos últimos 650 mil anos. Segundo o IPCC (2007), as

concentrações de metano e óxido nitroso também aumentaram, alcançando valores de 1.789 e

321 partes por bilhão (ppb), respectivamente (LEITE, 2014).

Em se tratando de aquecimento global, é necessário falar não somente dos gases

naturais que são emitidos pelas atividades produtivas, mas também daqueles artificiais criados

pelas inovações tecnológicas que estão a serviço do mercado. Sendo um elemento estranho à

lógica natural eles podem se acumular na atmosfera, reagindo com outros compostos naturais

ou sintéticos formando outros compostos, alterando processos naturais e desencadeando

consequências desconhecidas. Um exemplo é o clorofluorcarboneto - CFC produzido em 1928:

um gás atóxico, inerte (podendo permanecer intacto por mais de um século) e largamente

utilizado na fabricação de diversos produtos, cujas consequências não eram conhecidas ou

foram simplesmente ignoradas. Depois se descobriu que na estratosfera pode reagir e destruir

enormes quantidades de ozônio, demonstrando as limitações da ciência, inclusive para resolver

problemas que ela mesma criou e como ela está a serviço do desenvolvimento econômico ainda

que ele implique em sérios prejuízos sociais e ambientais:

A produção de um gás que permanece inerte e intacto por um tempo de vida maior do

que a vida média do homem - inclusive dos cientistas que o projetaram - demonstra

ao mesmo tempo o limite do conhecimento científico/tecnológico e o limite das

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escalas tempo/espacial utilizado como base na ciência/tecnologia, além do limite do

conceito de renovabilidade (RODRIGUES, 1998, p.20).

A técnica, o conhecimento científico e o advento de novas tecnologias foram peça

fundamental na dominação ascendente da natureza e na consolidação do modo industrial de

produzir mercadorias. A Revolução Industrial não contribuiu com o aquecimento global apenas

com a fumaça expelida de suas chaminés: ela é decisiva porque reestruturou as relações de

produção e o processo produtivo além do chão da fábrica. O desenvolvimento e a otimização

das forças produtivas possibilitaram a intensificação da produção de mercadorias que devoram

os recursos da natureza e os devolve transformados em uma matéria que não possui lógica

natural de reintegração, acumulando na natureza um montante de resíduos gerados desde a

extração da matéria prima, passando pelo processo produtivo e culminando no rejeito final

vindo com o descarte. “Tais resíduos podem perdurar dezenas de vezes mais que o seu tempo

de uso da mercadoria que os originou. Assim, para um produto com estimativa de cinco anos

de uso, por exemplo, se depositam na natureza resíduos que podem durar por até centenas de

anos.” (TORRES, 2013).

Há uma enorme quantidade de carbono circulando na atmosfera, sendo eliminados

e reabsorvidos de maneira natural e equilibrada. O problema é que a dinâmica natural não possui

mecanismos capazes de equacionar a constante adição desse gás na atmosfera feita pelas

atividades sociais e, consequentemente, esse gás se acumula na atmosfera interferindo no

equilíbrio da dinâmica atmosférica.

Segundo números do IPCC (2007), 85% dos recursos energéticos utilizados são

advindos da queima de combustíveis fósseis, que responde por cerca de 80% do CO2 emitido

na atmosfera. O restante provém do desmatamento e das mudanças no uso do solo. Assim, uma

enorme quantidade de carbono estocada há milhões de anos no seio da Terra na forma de

petróleo, está sendo reintroduzido na atmosfera para sustentar a necessidade de energia

demandada pelas atividades sociais, bem como o carbono incorporado às plantas é liberado com

o desmatamento, realizando uma constante adição de toneladas a mais de carbono na atmosfera.

O fato é que, com o aumento das concentrações dos gases que retêm calor, os

chamados gases de efeito estufa - GEEs, registros indicam um aumento total de temperatura de

1850-1899 a 2001-2005 de 0,76ºC e estima-se que a temperatura média do planeta poderá

elevar-se de 2,5 a 7°C nos próximos 100 anos (IPCC, 2007), tendo como referência o período

pré-industrial:

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Um estudo [divulgado em 1998]31 de reconstrução dos padrões de temperatura global

dos últimos seis séculos evidencia uma elevação abrupta da temperatura a partir das

primeiras décadas do século XX. [...] Reconstruções de temperatura de superfície dos

últimos 1.500 anos sugerem que o aquecimento recente não tem precedentes

(MARCOTT et al., 2013). O IPCC (2001) indica que, dos últimos 12 anos, 11 estão

entre os 12 mais quentes desde que se começou a medir a temperatura global da

superfície, em 1850 (LEITE, 2014, p.22)

Aumento da intensidade de tempestades e ciclones tropicais, aumento nas

temperaturas médias do oceano, tornados, ondas de calor, degelo no Ártico e na Groelândia,

aumento no nível do mar, chuvas intensas e o aumento da frequência e da intensidade de secas

e enchentes32 são alguns dos fenômenos relacionados ao aumento da temperatura global.

As proposições para cenários futuros são ainda piores: acidez na água dos oceanos

que ameaça a vida marinha, uma possível liberação do estoque de metano do solo congelado

siberiano (permafrost), aceleração da perda de biodiversidade com extinção de espécies, queda

na produção de alimentos, incêndios da vegetação, impactos na saúde pública derivados da

expansão de áreas sujeitas a doenças relacionadas ao calor (dengue e febre amarela, por

exemplo) e o aumento na frequência dessas doenças de maneira geral, ameaça a segurança

alimentar e a oferta de água e de energia hidrelétrica de grandes populações derivadas de

alterações no regime de chuvas, o desaparecimento de comunidades costeiras provocado pelo

aumento do nível do mar, aumento na frequência e intensidade de secas e estiagens, inundações,

vendavais, enxurradas, granizo, deslizamentos etc. (LEITE, 2014).

Há pesquisadores que possuem uma perspectiva de análise diferente daquela que

coloca as atividades humanas como causadoras do aquecimento global, destacando processos

naturais que interfeririam no sistema climático global como as mudanças do eixo da Terra (que

interferem na distribuição da incidência da luz solar pelo globo de acordo com a latitude); a

própria quantidade de energia emitida pelo sol; alterações na circulação oceânica e atmosférica;

atividades vulcânicas etc.

Para Leite (2014, p.25), “a mudança do clima lida com alterações em sistemas

globais e regionais de clima e cujo comportamento depende de inúmeros fatores e variáveis.

Como o sistema climático é muito complexo, têm [sic] muitas variáveis e muitas relações não

são lineares”. Sobre as divergências e diferentes conclusões a que chegam diferentes estudos

31 A autora se refere ao Global-scale temperature atterns and climate forcing over the past six centuries. In:

Nature. Vol. 392. 1998. 32 “[...] na medida em que a temperatura sobe crescem tanto a evaporação quanto a capacidade de retenção de água

da atmosfera. Com mais vapor d’água na atmosfera, as chuvas tornam-se mais intensas. Ao mesmo tempo,

temperaturas mais elevadas provocam a evaporação mais veloz, o que causa esgotamento mais rápido da

umidade do solo e início de secas. Desta forma, é possível, em épocas diferentes, uma mesma região apresentar

cenários de enchentes e de secas” (LEITE, 2014, p.23).

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sobre variação climática no mundo todo, a autora afirma que por ser um processo global

complexo com variações regionais, seu estudo requer pesquisas multidisciplinares que avaliem

séries de longo prazo, pois “as incertezas aparecem tanto na estruturação dos modelos

climáticos, como na avaliação de seus parâmetros e conexões. Assim, temperatura e

concentração de gases de efeito estufa são apenas alguns dos parâmetros.”

Para a autora supracitada, essas divergências não colocam em cheque a confiança

no método científico e a capacidade que a ciência possui de explicar os fenômenos. Uma vez

que todos os seus campos buscam gerar teorias e montar modelos que expliquem o universo à

nossa volta, sua evolução ocorre “por um processo dialético em que as pesquisas se

fundamentam no conhecimento estabelecido, mas que somente conseguem transpor os seus

limites à medida que põem em dúvida aquilo que acreditam saber.” (LEITE, 2014, p.25).

Porém, como Rodrigues (1998) e Lima (2003), entendemos que o problema não

está apenas no método científico ou na metodologia utilizada para se obter certo resultado, mas

está na própria essência da ciência e do saber científico. Isso porque apesar da sacralização da

ciência no período moderno ter atribuído ao saber científico uma pretensa superioridade sobre

os outros saberes, sobre as outras construções sociais e sobre a própria sociedade, ele não é

mesmo algo sobrenatural irrepreensível e indefectível portador da verdade, pois é uma

construção social. A sua construção como verdade impessoal, racional e livre de todo

questionamento, hegemonizando-o como o discurso verdadeiro que produz efeitos de poder é

uma invenção social e está apropriada para fins de interesse de classe na dominação da natureza

e no estabelecimento de relações de poder entre os homens.

A maneira coletiva de referirmos o gênero humano - a humanidade – como sociedade

não deve ocultar a heterogeneidade social que ela contém. A dominação do homem

sobre a natureza pela técnica nos leva a compreendê-la como patrimônio humano,

uma conquista social favorável à vida do homem. Porém, enquanto produção social,

tanto a técnica quanto a ciência pertencem a conjunturas sociais específicas, produção

privada, de modo que não representam apenas o domínio do homem sobre a natureza,

mas dos homens entre si de acordo com as classes sociais as quais pertencem

(TORRES, 2014, pp.6-7).

Assim não há neutralidade, não há imparcialidade nem desinteresse no exercício do

saber científico e na utilização da tecnologia. O que há é o seu monopólio por determinados

agentes e instituições igualmente hegemônicas. A sua soberania e poder de julgamento sobre

os demais aspectos da vida social podem ser apropriados para legitimar discursos e interesses,

o que já é suficiente para olharmos com desconfiança para ambas as visões sobre a crise

ambiental: tanto aqueles que expressam previsões apocalípticas de um futuro catastrófico,

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quanto aqueles que negam os efeitos negativos que o modo de produção capitalista inflige ao

meio ambiente.

Considerando que o aquecimento global é, ao mesmo tempo, desencadeador das

mudanças climáticas que alteram todo o equilíbrio do planeta, ameaçando todas as suas formas

de vida; e desencadeado por todas as atividades sociais que, direta ou indiretamente, emitem

alguma quantidade de GEEs, ele é um fenômeno de dimensão global. Logo, a problemática

ambiental é um desafio projetado em escala mundial com potencial para mexer com as

estruturas do mundo tal como conhecemos, seja para melhorá-lo ou para deixá-lo pior, segundo

critérios a serem definidos a priori pelos sujeitos ativos da ação.

Os próprios fundamentos do aquecimento global afirmados como verdade universal

e incontestável são passíveis de equívocos, pelo fato do saber científico ser uma construção

ascendente, mas também podem ser fabricados e manipulados, em decorrência do fato de que

o saber científico também é uma ferramenta socialmente apropriada. Por exemplo, Felipetto

(2007, p.34) ao se referir aos riscos dos projetos de MDL aplicado à gestão de resíduos sólidos

em aterros sanitários, baseia seu sucesso (econômico) na manutenção do Potencial de

Aquecimento Global - GWP do metano, atualmente 21 vezes maior que o do gás carbônico.

Caso, futuramente se descubra que esse número é diferente, isso acarretará mudanças

importantes: “em caso de redução, prejudicaria a viabilidade econômica do projeto e, em caso

de aumento, melhoraria os resultados do empreendimento”.

Especialistas vêm estudando os efeitos dos gases de efeito estufa ao longo dos anos e

chegaram ao valor de 21 como o potencial de aquecimento global do metano. No

entanto, novas pesquisas continuam sendo executadas, e embora sejam pequenas as

chances de isso acontecer, há o risco de que esse número seja alterado (FELIPETTO,

2007, p.34).

Na página do The Greenhouse Gas Protocol (GHG Protocol, 2015)33, podemos

encontrar uma tabela adaptada a partir dos dados do Fourth Assessment Report (AR4) de 2007

do IPCC com os GEEs e seus respectivos valores de GWP em relação ao CO2, calculados para

um horizonte de 100 anos. Para alguns dos GEEs listados, há também valores de referência do

Second Assessment Report (SAR) de 1995. Para os gases que apresentam valores nos dois

relatórios, na quase totalidade, eles diferem. O GWP do clorofórmio (CHCl3), por exemplo, no

SAR (1995) era igual a 4 (quatro) e no AR4 (2007) saltou para 31 (trinte e um)! Outro exemplo

33 Desenvolvido por duas instituições econômicas (World Resources Institute - WRI e World Business Council on

Sustainable Development – WBCSD, o GHG Protocol estabelece um padrão global para a medição e

gerenciamento de emissões de GEEs, que de acordo com o canal é o mais amplamente utilizado em todo o mundo

por governos, empresas e organizações.

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é o do metano (CH) consagrado como sendo igual a 21 (vinte e um) pelo SAR em 1995 quando

o Protocolo de Quioto entrou em vigor, mas que subiu para 25 (vinte e cinco) no AR4 em

200734.

Se nem mesmo o potencial de aquecimento global dos GEEs que representa a base de

todos os cálculos desse engenhoso mercado pode ser definido com segurança, então como

poderemos confiar nos cálculos, se os próprios dados são inseguros? Como, com tanto aparato

tecnológico, não é possível precisar tal potencial? Por que se conta com dois cenários possíveis,

ambos provenientes de descobertas científicas futuras?

De qualquer modo, a produção científica de modo geral aponta as atividades humanas

como sendo o fator de maior responsabilidade pelo aquecimento global e há indicações

convincentes de que o modo de produção atual inflige alta pressão sobre o sistema ecológico

planetário, que mostra claros sinais de desgaste, embora essa não seja uma conclusão nova nem

derivada apenas de comprovações científicas.

2.3 A SUSTENTABILIDADE E O OLHAR EMPREENDEDOR SOBRE A CRISE

AMBIENTAL35

A ideia de sustentabilidade remete à ideia de retroalimentação balanceada de um

sistema que seja capaz de se realizar sem extinguir as suas condições de existência. Assim, a

ideia de sustentabilidade é associada à relação meio ambiente/organização social como sendo

o meio ambiente as condições de existência e a organização social o sistema que precisa dele

para se sustentar, ou seja, precisa consumi-lo na mesma medida em que o preserva para não

acontecer que extinguindo as suas condições de existência se extinga a si mesmo, mas, que ao

contrário, garanta as condições necessárias à sua própria continuidade.

Nesse sentido, entendemos que a ideia de sustentabilidade não é nem de longe algo

novo ou invenção moderna da era capitalista diante da relação de agressão estabelecida com a

34 Segundo o documento, o potencial de aquecimento global - nos dois relatórios respectivamente - do dióxido de

carbono (CO2) = 1 e 1 (sem alterações visto que ele estrutura todo o sistema de medidas); do metano (CH4) = 21

e 25; do óxido nitroso (N2O) = 310 e 298 etc. 35 De acordo com diferentes dicionários da Língua Portuguesa, “empreendedor” é a qualidade daquele que

empreende. Empreender por sua vez é, entre outras coisas, se propor a realizar um trabalho ou uma tarefa difícil

ou perigosa, colocá-la em desenvolvimento ou execução; otimizar a produtividade e o lucro; ter visão de dono.

Os dois vocábulos, bem como os seus derivados, são termos largamente apropriados pela dimensão econômica.

Nesse sentido, o empreendedor é aquele que é capaz de identificar oportunidades e transformá-las em uma

atividade lucrativa. Sua ação é geralmente vista como virtude e ele é descrito com adjetivos positivos, como por

exemplo, criativo, inovador, arrojado, estrategista, ousado, organizado, que possui visão de mercado, traça metas

etc. Embora a palavra possa ser utilizada em outros campos, ela é predominantemente empregada no campo

empresarial dos negócios e do comércio, inclusive estando associada ao termo “empresário”.

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natureza. Ao contrário, a sustentabilidade enquanto essa noção de continuidade e preservação

pode ser verificada, principalmente, entre aqueles pejorativamente vistos como selvagens e

atrasados, que possuem uma matriz de racionalidade diferente desta moderna, científica e

capitalista, cuja forma de vida é a que mais preserva os bens naturais, agora alvo da voraz

(in)sustentabilidade capitalista. A principal diferença talvez não esteja no tempo, no lugar ou

no contexto que os diferencia, mas puramente na essência que difere a sustentabilidade como

valor e como discurso.

Lima (2003) afirma que embora os gérmens do discurso da sustentabilidade possam

ser observados em contextos históricos remotos, suas expressões mais recentes podem ser

observadas a partir da década de 1970, nos movimentos ambientais que irrompem nesse

período, nas conferências da ONU sobre meio ambiente, nos relatórios do Clube de Roma e em

alguns trabalhos pioneiros. Porém, as referências mais explícitas estão na noção de

Ecodesenvolvimento desenvolvida por Ignacy Sachs e, mais tarde, na ideia de desenvolvimento

sustentável proposta pela Comissão Brundtland em 1987.

O movimento ambientalista apresenta em sua composição diversos grupos com

interesses bastante variados. Há dentro dele uma diversidade de posicionamentos que vão desde

correntes com uma proposta revolucionária até aquelas idealizadas para defender a ordem

vigente do capital. Isso indica que o movimento ambientalista de um modo geral é apropriado

por diferentes classes, movimentos e frações da sociedade que, naturalmente, têm interesses

diversos e buscam efetivá-los numa constante tensão de forças dentro do movimento

ambientalista.

Bernardes e Ferreira (2003) apresentam as principais correntes ecológicas

apontadas por Pepper (1995) divididas basicamente em dois segmentos: as conservadoras,

como o neomaltusianismo; e as progressistas, como o ecoanarquismo, a ecologia profunda ou

o ecossocialismo.

Kaplan (2011, p.23) expande essa classificação e conclui que o movimento

ambiental possui “desde posturas anti-humanistas, ecocêntricas e individualistas a concepções

mais coletivistas e racionalistas”. Entre as muitas correntes políticas diferentes, o autor destaca

os fundamentalistas, que se opõem à visão antropocêntrica do homem dominador da natureza;

os ecossocialistas ou eco-marxistas [sic]36, que partem do pressuposto de que os problemas

36 Para um maior esclarecimento sobre essa corrente - embora não seja o objetivo do nosso trabalho a descrição

pormenorizada das correntes ecológicas - decidimos dar especial atenção à corrente ecomarxista por ser

fundamentada em elementos (destacados) que se aproximam da abordagem que orienta o nosso trabalho. Assim,

destacamos na íntegra uma citação de Kaplan (2011, pp.23-24, grifo nosso) que resume os pressupostos dessa

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ambientais são decorrentes da organização social e do modo de produção capitalista; os

compatibilistas, que advogam a possibilidade de se compatibilizar o modelo de

desenvolvimento econômico adotado com a redução dos impactos ambientais; os zeristas, que

atribuem os problemas ambientais ao crescimento demográfico, que deverá ser negativo para

possibilitar a resolução da crise ambiental; os verdes ou ecologistas sociais que, de inspiração

anarquista, criticam tanto o capitalismo quanto o comunismo; os anarquistas em si; as várias

correntes que se apoiam no marxismo; os autoproclamados pacifistas; os humanistas; e a mais

recente, os neoliberais (KAPLAN, 2011).

Embora sejam muitas e com distintas abordagens, as correntes ambientalistas e suas

respectivas referências de sustentabilidade podem assim ser classificadas entre aquelas que

reforçam o discurso hegemônico e aquelas que, ao contrário, contestam não apenas o discurso

hegemônico, mas toda a organização que lhe dá legitimidade.

As primeiras partem assumidamente de uma perspectiva mitigadora de cunho

reformista: defendem a superação da crise socioambiental dentro dos marcos do capitalismo

por meio de ajustes e reformas. Algumas são ingênuas e mesmo apresentando críticas com um

grau distinto de profundidade, acabam legitimando a ordem vigente. Outras são bastante

astuciosas e articuladas, como aquelas que se pautam no discurso dominante de

desenvolvimento sustentável ou mesmo que surgiram com o intuito de dá-lhe legitimidade,

como é o caso da corrente ecocientificista, que surge no contexto do desenvolvimento

sustentável, apostando num processo de modernização ecológica. Essas correntes esvaziam o

conteúdo ambiental, se apropriam do peso dos movimentos ambientais e da urgência da

problemática ambiental para lhe imprimirem uma lógica ecocapitalista, que é na sua essência

reducionista.

As correntes de oposição são radicalmente críticas e combativas ao modo de

produção capitalista, entendendo a crise ambiental como consequência direta da organização

corrente: “Também denominados de ecologistas populares para diferenciar aqueles que não são socialistas. Em

geral, os adeptos dessa corrente "afirmam que a expansão do capitalismo é a causa da desigualdade social,

gerando pobreza, guerras, assim como resultando na degradação ambiental, por meio da globalização e do

imperialismo, sob a liderança dos Estados e instituições transnacionais. Dessa forma, ‘partem do pressuposto de

que os problemas ambientais são decorrentes da organização social e do modo de produção capitalista, que

tomam os recursos naturais (matéria-prima) e humanos (trabalho) como bens passíveis de apropriação e

exploração à exaustão pelo capital, visando a maximização do investimento’, oferecendo ‘como perspectiva, o

controle social da Sociedade ou do Estado democrático sobre o Mercado. Vislumbra-se aqui, com nitidez, um

agudo conflito polarizando a tendência eco-capitalista [sic] que deseja efetuar a completa privatização da

natureza, contra a tendência eco-socialista [sic], que deseja consolidar a natureza como um patrimônio público

e coletivo’ (Layrargues, 2003a, p. 64). Em sua maioria, os ecossocialistas defendem o desmantelamento do

capitalismo e do Estado, com foco na propriedade coletiva dos meios de produção pelos produtores associados

livremente e restauração do bem comum. Para maior aprofundamento, vale a leitura de Löwy (2005).”

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social e da produção do espaço, como um sintoma do modo de produção capitalista e que,

portanto, não pode ser resolvida dentro dos marcos do capitalismo. Essas tendem a ser mais

abrangentes, incluindo uma diversidade de interpretações políticas, filosóficas e ideológicas.

Assim, a ideia de sustentabilidade é notadamente marcada por duas matrizes

discursivas referentes aos dois campos: uma que se apresenta como o discurso oficial e outra

que se apresenta como um contradiscurso. Desse modo, o debate no campo da sustentabilidade

é polarizado por essas duas matrizes em torno das quais se posiciona a multiplicidade de

tendências político-filosóficas a respeito da sustentabilidade (LIMA, 2003).

Assim como são diversas as correntes que historicamente compõem o movimento

ambientalista, também a ideia de sustentabilidade possui diferentes leituras, construídas por

forças sociais distintas, que buscam hegemonizar a sua interpretação de sustentabilidade. No

atual contexto histórico, sustentabilidade transformou-se em uma ideia de longo alcance, que

perpassa diferentes campos discursivos como meio ambiente, ecologia, economia e

desenvolvimento, inclusive sendo capaz de atrair para o seu entorno todas essas abordagens,

constituindo um campo próprio, uma espécie de interdiscurso que se apropria desses campos

para se constituir.

Longe de uma abordagem de análise do discurso ou que se enquadre no campo das

linguagens, queremos chamar a atenção para a abordagem que Lima (2003) dispensa a temática

da sustentabilidade. Para ele, essa condição permite tratar a sustentabilidade como discurso, no

sentido empregado por Michel Foucault (2001), ou seja, práticas que, apoiadas em regras

históricas, são capazes de gerar significados e estabelecer o que pode ou não ser dito dentro de

determinado campo discursivo em um dado contexto histórico (LIMA, 2003, p.99).

O discurso, portanto, relaciona-se simultaneamente, com suas regras de formação,

com outros discursos e com as instituições sociais e o poder que elas expressam. Todo

discurso contém procedimentos de seleção e exclusão que estabelecem os limites do

permitido e do proibido, do que é aceito e rejeitado, do que é considerado verdadeiro

ou falso numa certa configuração histórico-cultural (LIMA, 2003, p.99).

Para Foucault, saber e poder não existem separados um do outro, bem como a

verdade é uma invenção histórica, construída socialmente, uma forma de interpretação que se

impõe sobre outras e sobre o próprio real, tornando-se a interpretação hegemônica sobre aquele

objeto dentro de um determinado campo discursivo e numa dada época. Isso denota que “tanto

o saber quanto a verdade veiculados nos discursos estão enraizados no domínio do poder” e

que, portanto, não há discurso neutro ou desinteressado. Ao contrário, todo discurso exerce uma

vontade de dominação e para atingi-la, associa o poder nele investido ao saber socialmente

reconhecido como verdadeiro (LIMA, 2003, p.101).

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É nesse contexto que se constrói o discurso oficial de sustentabilidade proposto pela

política ambiental internacional, que se estruturou no início da década de 1970 e foi, finalmente,

formalizada através da ideia de desenvolvimento sustentável instituída no Relatório Brundtland

em 1987. Em um momento de crise, no qual eram visíveis os sinais de desgaste que o modelo

de produção infligia ao meio ambiente; quando as críticas e questionamentos à organização

capitalista se expandiam; frente à diversidade de leituras sobre sustentabilidade ou mesmo da

constatação da insustentabilidade do modelo vigente, que as diferentes correntes do movimento

ambientalista representavam, era necessário ao poder hegemônico tomar as rédeas para manter

a sua condição. Assim nasce a sustentabilidade como discurso, pois, de acordo com essa

perspectiva, “toda sociedade controla e seleciona o que pode ser dito numa certa época, quem

pode dizer e em que circunstâncias, como meio de filtrar ou afastar os perigos e possíveis

subversões que daí possam advir.” (LIMA, 2003, p.99).

É a partir desse pressuposto filosófico que Lima (2003) aborda a sustentabilidade

no contexto da sociedade moderna, onde o saber científico é identificado como o discurso

verdadeiro, produzindo efeitos de poder. Esse poder deve-se à objetividade e à neutralidade

atribuídos à ciência e às instituições que a promovem: “o reconhecimento do discurso científico

e de suas qualidades naturalizam-no como verdade impessoal, racional e livre de todo

questionamento, elevam-no a uma posição de hegemonia social e transferem-lhe o poder de

avaliar e julgar os demais saberes.” (LIMA, 2003, p.100).

O desenvolvimento sustentável do PNUMA encontra as suas referências na noção

de Ecodesenvolvimento formulada por Ignacy Sachs, que foi devidamente suplantada pelo

novo discurso formal. A proposta de Sachs articulava promoção econômica, preservação

ambiental e participação social, enfatizando a necessidade de meios para uma emancipação

política, cultural e tecnológica das populações envolvidas nos processos de mudança social, se

posicionando claramente a respeito dos direitos e desigualdades sociais e defendendo a

autonomia dos povos e países menos favorecidos na ordem internacional (LIMA, 2003).

A Comissão Brundtland se apoiou em muitas das ideias de Sachs para elaborar a

sua ideia de desenvolvimento sustentável, mas ao sobrepor a dimensão econômica às demais

dimensões da organização social e ao se pautar numa tônica tecnológica e conciliadora que

tendia a despolitizar a proposta de Sachs, conseguiu esvaziar o conteúdo emancipador do

Ecodesenvolvimento, chegando assim a resultados qualitativamente diferentes (LIMA, 2003).

O Ecodesenvolvimento proposto por Sachs não teve tempo de romper as barreiras

da gestão setorizada do modelo de desenvolvimento então vigente e ao qual ele se propunha

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transformar, porque foi contra-atacado, imobilizado, esvaziado e, por fim, apropriado pelas

estratégias de resistência à mudança da ordem econômica que:

[...] foram dissolvendo o potencial crítico e transformador das práticas de

Ecodesenvolvimento. Daí surge a busca de um conceito capaz de ecologizar a

economia, eliminando a contradição entre crescimento econômico e preservação da

natureza... Começa então naquele momento a cair em desuso o discurso do

Ecodesenvolvimento, suplantado pelo discurso de Desenvolvimento Sustentável

(LEFF, 2001, p.18 apud LIMA, 2003, p.102, grifo nosso).

Uma vez que o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente - PNUMA,

criado em 1972 pela ONU, se solidificou internacionalmente como a autoridade máxima nos

assuntos referentes ao meio ambiente, também se consolidaram os conceitos e valores nos quais

ele é pautado. Estabelecendo os parâmetros para o desenvolvimento sustentável e projetando o

debate social sobre o tema a nível mundial, o Relatório Brundtland (1987) estava assim

projetando o conteúdo da nova estratégia oficial de desenvolvimento que o mundo deveria

assumir daquele momento em diante, formalizando os interesses que já havia sido manifestado

desde o primeiro grande evento internacional que se propunha a discutir os problemas

ambientais e criar um estado de cooperação internacional para lidar com a crise, particularizada

como sendo ambiental:

Desde a Conferência de Estocolmo, em 1972, ficou claro que a preocupação dos

organismos internacionais quanto ao meio ambiente era produzir uma estratégia de

gestão desse ambiente, em escala mundial, que entendesse a sua preservação dentro

de um projeto desenvolvimentista. Dentro dessa perspectiva produtivista, o que se

queria preservar de fato era um modelo de acumulação de riquezas onde o patrimônio

natural passava a ser um bem. O apelo à humanidade e ao bem-estar dos povos era

usado como álibi, sempre citado ao lado dos objetivos de crescimento econômico,

emprestando uma preocupação humanista a intenções não tão nobres (RIBEIRO,

1991, p.79 apud LIMA, 2003, p.104).

Essa nova estratégia de desenvolvimento consolidou suas bases em um discurso

que buscava responder aos principais questionamentos que se levantaram em crítica ao

capitalismo: ao mesmo tempo em que buscava humanizar o capitalismo através da incorporação

de questões sociais; buscava também ‘ambientalizá-lo’ através de uma modernização ecológica

que afirmava ser possível conciliar conservação ambiental com crescimento econômico. E

assim, cada um desses aspectos foi muito bem representado nas três dimensões que compõem

a ideia de desenvolvimento sustentável: crescimento econômico, equidade social e a proteção

ambiental.

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A mobilização internacional em torno da problemática ambiental inaugurava o

início de um processo de ambientalização ou de modernização ecológica37 que seria uma

resposta político-administrativa para o dilema ecológico, no qual o meio ambiente passa de

obstáculo a motor do crescimento econômico e de modo que o processo de valorização da

natureza passaria a gerar uma nova fonte de renda capitalista.

Conforme Novicki (2009), essa vertente ambiental assumida pela economia

neoclássica hegemônica que atribui a crise ambiental aos limites externos (naturais) apresenta

duas propostas básicas: a correção de falha nos mecanismos de ajuste do mercado, através da

internalização das externalidades negativas, ou seja, incluindo a poluição e o desgaste ambiental

nos custos da produção; e da adoção de tecnologias ditas limpas que levariam ao uso racional

e sustentável dos recursos naturais. Assim

A análise dos pressupostos que norteiam esta concepção de desenvolvimento

sustentável permite-nos compreender a necessidade do aumento da competição, da

maior mobilidade de capital, dos processos de acumulação e de alocação de capital,

de busca cada vez maior de aumento da produtividade do trabalho pelo capital e de

eficiência, na dinâmica capitalista de geração de valor. Permite-nos compreender,

igualmente, que, na concepção de desenvolvimento sustentável centrada na lógica do

capital, o livre mercado é o instrumento da alocação eficiente dos recursos planetários

e, neste sentido, a relação trabalho e meio ambiente está subsumida à supremacia do

capital, com sérias consequências para o mundo do trabalho e para os recursos naturais

(DELUIZ; NOVICKI, 2004, p. 22 apud NOVICKI, 2009, p.4).

A estratégia para transpor as limitações que a questão ambiental impunha ao

crescimento econômico precisou renomear velhos fenômenos como ambientais e orientou o

surgimento de ações unificadas – ONU em suas diversas ramificações, Instituições de

Financiamento Multilateral - IFM, lideradas pelo Banco Mundial, que, pelo menos desde a

década de 1980, eram alvo de intensas críticas pelo financiamento de projetos polêmicos e

governos e empresa de países ricos - em torno da proteção ambiental a fim de garantir

legitimidade ao processo.

Esse processo, por sua vez, se baseava na suposição de que a superação ecológica

se daria pela inovação tecnológica, por mecanismos de mercado e construção de consensos e

na capacidade das instituições públicas, internalizando tais preocupações ecológicas,

conciliarem crescimento econômico com a resolução de problemas ambientais.

Sobre a modernização ecológica, Furtado e Strautman (2014) afirmam que:

Ela foi impulsionada por uma elite de políticos, especialistas e cientistas que impõem

suas definições do problema e soluções, buscando manter o interesse das elites

industriais através de instrumentos políticos como as IFM [Instituições de

Financiamento Multilaterais]. Nesse caso o discurso ambiental é utilizado como forma

37 Termos empregados respectivamente por Acselrad (2010 apud FURTADO; STRAUTMAN, 2014) e Hajer

(1996 apud FURTADO; STRAUTMAN, 2014).

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de legitimação e instrumento para garantir a continuação e aprofundamento de

políticas neoliberais: tudo deve ser permitido em nome do meio ambiente

(FURTADO; STRAUTMAN, 2014, p.222).

A Teoria da Modernização Ecológica foi formulada por um grupo de cientistas

sociais de países ricos como a Suécia, a Holanda, a Alemanha, a Noruega e o Japão. É uma

versão mais elaborada do discurso do desenvolvimento sustentável proposto pela Comissão

Broundtland em 1987, mantendo seu caráter compatibilista e reformista: defende a

compatibilidade entre crescimento econômico e proteção ambiental, propondo a reestruturação

da economia política do capitalismo e o enfrentamento da crise ambiental dentro dos marcos

do capitalismo, transformando-se assim no discurso de maior aceitação internacional entre os

países e corporações de vanguarda do ecocapitalismo. “A argumentação econômica e técnico-

científica ocupa uma posição privilegiada nessa matriz interpretativa e tende a deixar em

segundo plano considerações éticas e políticas associadas a valores biocêntricos, de

participação política e de justiça social.” (LIMA, 2003, p.107).

Em suma, a modernização ecológica propõe que a conciliação do crescimento

econômico com a resolução dos problemas ambientais deve ser feita através da internalização

da preocupação ecológica pelas instituições políticas, com ênfase na superação tecnológica, nos

mecanismos de mercado e na colaboração e consenso (NOVICKI, 2009).

Na contramão dessa vertente está a outra matriz que se caracteriza por reunir

posições combativas ao ecocapitalismo e se apresenta como um contradiscurso em oposição ao

discurso oficial do desenvolvimento sustentável e da modernização ecológica.

De acordo com Novicki (2009), em uma perspectiva crítica, a sustentabilidade é

entendida como o “processo pelo qual as sociedades administram as condições materiais de sua

reprodução, redefinindo os princípios éticos e sociopolíticos que orientam a distribuição de seus

recursos ambientais.” (ACSELRAD; LEROY, 1999, p. 28 apud NOVICKI, 2009, p.4). Essa

concepção é norteada pelo princípio da equidade e seus pressupostos estão na tradição do

marxismo e na crítica da economia política, que remete necessariamente à crítica “à sociedade

fundada sobre a propriedade privada dos meios de produção, à subsunção do trabalho ao capital

e à lógica da acumulação capitalista (MARX, 1988).” (NOVICKI, 2009, p.5).

Politicamente, essa matriz se identifica com os princípios da democracia

participativa, prioriza o preceito de equidade social e desconfia da capacidade do mercado como

alocador de recursos, mas se divide em duas tendências principais com relação ao Estado: uma

que defende a subordinação do Estado à Sociedade Civil por suspeitar de sua ação e outra que

defende a intervenção estatal como a estratégia mais eficiente para se alcançar a transição para

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a sustentabilidade, uma vez que a ação civil isolada não é capaz de se contrapor às forças do

mercado e que a ação normativa e política do Estado é indispensável para preservar o meio

ambiente, enquanto patrimônio público. Ela se divide mais ainda com relação à dimensão

ecológica, variando desde visões antropocêntricas a visões biocêntricas38 (LIMA, 2003).

Entretanto, essa diversidade de pensamento quanto à dimensão ecológica não

compromete a solidez da proposta do contradiscurso. Ao nosso entender e ao contrário do que

em geral se propaga, a dimensão ecológica é a menos importante dentro dessa matriz de

sustentabilidade, pois a relação com a natureza é reflexo da organização social, da produção do

espaço e das relações estabelecidas dentro da sociedade de modo que, se estas são predatórias,

também assim tende a ser a relação com a natureza. O mais importante é que, ao contrário do

reducionismo econômico no qual a abordagem ecocapitalista tem base, essa vertente tende a

uma abordagem multidimensional, integrando diferentes dimensões da vida individual e social

dentro da sua referência de sustentabilidade.

Os defensores dessa matriz complexa de sustentabilidade reagem aos reducionismos

econômico e tecnológico que, segundo eles, caracterizam o discurso oficial.

Consideram ainda que não há sustentabilidade possível sem a incorporação das

desigualdades sociais e políticas e de valores éticos de respeito à vida e às diferenças

culturais. [...] De forma geral, esta matriz de sustentabilidade fundamenta-se numa

crítica ampla da civilização capitalista ocidental que reprova o mito do progresso, o

primado da razão instrumental, o fetiche consumista, a idolatria cientificista e o

descentramento do homem e da vida na agenda de prioridades sociais (LIMA, 2003,

p.109, grifo nosso).

Assim, essa referência inclui necessariamente a autonomia política e o respeito à

singularidade cultural de cada país e, em oposição à tônica economicista e à pretensão

universalista da proposta de desenvolvimento sustentável, essa matriz prefere utilizar a

expressão ‘sociedade sustentável’ (LIMA, 2003, p.109).

Essa concepção de sociedade sustentável leva à crítica do modelo de

desenvolvimento capitalista e do papel dos sujeitos políticos na construção dessa proposta de

desenvolvimento sustentável. Revelando-se antônimos, desenvolvimento sustentável e

sociedade sustentável são diferentes visões de mundo, que buscam efetivar distintos projetos

de sociedade. E, para alcançar os interesses em disputa, busca-se ocultar ou explicitar a essência

da exclusão social ou, como preferimos, da inclusão perversa para a conservação ou

transformação, respectivamente, da correlação de forças presente na sociedade (NOVICKI,

2009).

38 De maneira geral, esta é uma ideia que contrapõe o antropocentrismo, entendendo o ser humano como parte da

natureza e não superior a ela com plenos direitos para ameaçar o seu equilíbrio.

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2.3.1 O mito do desenvolvimento sustentável

O desenvolvimento sustentável entendido como um projeto de desenvolvimento

capitalista global deve ser considerado a partir de alguns pontos estruturantes do capitalismo:

a) para se manter, o modelo de desenvolvimento precisa ser legitimado diante da sociedade

civil e ser ideologicamente sustentado como bom; b) precisa garantir fontes de recursos naturais

que garantam a produção; c) é essencialmente segregador, classista e dilapidador da natureza,

enquanto fonte para o processo produtivo que viabiliza a acumulação de capital; d) alimenta-se

das contradições, intensificando as diferenças, extremando riqueza e pobreza; e) o processo de

acumulação capitalista é organizado e garantido pelo Estado, gerido através de estrutura

institucional, e materializado em políticas públicas; f) as conquistas em termos de garantia de

direitos é resultado de luta travada e resistência e não uma tendência do capitalismo.

O desenvolvimento sustentável é uma ideia proposta no Relatório Brundtland

(1987) projetada para ser hegemonizada como o discurso oficial sobre sustentabilidade. A

definição oficial é de que o "desenvolvimento sustentável é aquele que atende as necessidades

do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem suas próprias

necessidades".

Sua elaboração formalizava a nova estratégia oficial de desenvolvimento a nível

mundial, que pretendia responder aos questionamentos que se levantavam quanto aos limites

do crescimento econômico, aos problemas sociais e ao desgaste ambiental produzido pelo

capitalismo, ou seja, manter a legitimidade e garantir as fontes de recursos naturais.

A Conferência de Estocolmo (1972) que deu início a esse projeto, foi precedida por

inúmeros questionamentos sobre os modelos de desenvolvimento ocidentais e socialistas. Na

década de 1960, ocorriam nos Estados Unidos diversos protestos voltados para os direitos civis,

em especial em contestação à Guerra do Vietnã (1955-1975); na Europa Ocidental, havia mais

resistência ao regime fechado; a União Soviética passava por transição de doutrina,

aproximando-se dos princípios vistos na Doutrina Monroe (LAGO, 2007). Essa oposição de

caráter político‐econômico também se levantou em defesa do meio ambiente, questionando

sobretudo os impactos da industrialização sobre o meio natural (COSTA et al., 2014).

Assim, a intenção era criar um Estado de cooperação internacional para lidar com

a crise do capitalismo, particularizando-a como sendo uma crise apenas ambiental, de modo a

que a internalização da preocupação ambiental fosse capaz de dar um novo fôlego à

continuidade do desenvolvimento econômico. Assim, essa estratégia de desenvolvimento se

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preocupou em se vestir de humanização e de ambientalização, e o fez ao compor a ideia de

desenvolvimento sustentável a partir de três dimensões: ambiental, econômica e social.

A problemática ambiental, então percebida como urgente pela sociedade, e o

desafio da sustentabilidade só poderiam ser aceitos pelos capitalistas com a imposição do seu

controle que garantiriam o seu poder. Assim sendo, enquanto estratégia de desenvolvimento

capitalista, o desenvolvimento sustentável preserva a estrutura capitalista, busca corrigir as

falhas e aperfeiçoar o seu padrão de reprodução.

O esgotamento das riquezas naturais, a poluição e o receio da perda de qualidade

de vida são preocupações debatidas desde o início do processo de industrialização, porém se

tornou mais explícita a partir da segunda metade do século XX. Já em 1962, a ONU ressaltava

que o desenvolvimento econômico nos países menos desenvolvidos poderia pôr em risco os

recursos naturais, ou seja, o próprio desenvolvimento econômico, uma vez que estes são a base

para a produção. A grosso modo, a preocupação da ONU era que o crescimento dos pobres

comprometesse o crescimento dos ricos, pois os pobres não estariam habilitados a utilizarem

os recursos naturais de forma sustentável (RODRIGUES, 2005).

Assim, as respostas para os questionamentos sociais sobre a degradação ambiental

puderam ser associadas à necessidade de garantir fontes de recursos naturais. Esse projeto toma

forma nos documentos e nos eventos que se seguem. A preocupação com o esgotamento dos

recursos naturais e o consequente comprometimento do desenvolvimento era justamente a

tônica da Conferência de Estocolmo, em 1972. Também a ideia de crescimento zero proposta

pelo Clube de Roma nessa conferência “está alicerçada nos documentos anteriores da ONU e

na ideia de que a preservação dos recursos naturais só poderia ser obtida com o uso de alta

tecnologia e sob a proteção dos países ricos.” (RORIGUES, 2005, p.4).

Com a afirmação do patrimônio ambiental como bem comum da humanidade, os

limites territoriais dos Estados-nação foram parcialmente ignorados e os países pobres, que são

aqueles com maior quantidade de recursos naturais, alienam a soberania do seu território e dos

seus respectivos recursos naturais a uma estrutura de cooperação multilateral criada sob o

pretexto de arbitrar divergências entre os diferentes países ou blocos de países - notadamente,

os ricos do Norte e os pobres do Sul - para conciliar conflitos e alcançar um consenso que

levasse a um modelo de desenvolvimento ambientalmente adequado.

Nesses termos, o entendimento de desenvolvimento é dúbio e convenientemente

apropriado: há uma clara diferença entre o desenvolvimento e o desenvolvimento dos pobres,

que ao contrário do desenvolvimento que é sinônimo de crescimento, riqueza, emancipação

humana, seria a negação disso tudo, como sinônimo de destruição. Em um contexto ideal, um

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país subdesenvolvido utilizaria os seus recursos naturais para promover o seu próprio

desenvolvimento econômico, o que não é possível no contexto real da globalização, enquanto

reinvenção colonial, em que historicamente os recursos naturais dos pobres são para promover

o desenvolvimento econômico dos países ricos.

Ademais, conforme aponta Rodrigues (2005), há de se atentar que nesse contexto

[...] os conflitos entre o norte ‘desenvolvido’ e o sul ‘subdesenvolvido’ expressam

também, os interesses das corporações internacionais na implantação de indústrias

poluentes e na exploração de recursos naturais dos países da periferia do sistema,

porém, apareciam como conflitos entre países (RORIGUES, 2005, p.5).

Desse modo, as conferências internacionais aparecem como um instrumento de

legitimação dos interesses dos países ricos e das corporações internacionais. Tanto que na Eco

92 (1992) que resultou na assinatura da Agenda 21 e sagrou definitivamente o desenvolvimento

sustentável como meta, a proposta dos países da periferia do sistema para desenvolvimento

sustentável foram rejeitadas (RODRIGUES, 2005, p.5).

O discurso oficial da sustentabilidade e, consequentemente, o ideário do

desenvolvimento sustentável são de cunho compatibilista, ou seja, advogam a compatibilidade

entre preservação ambiental e crescimento econômico, defendendo a superação da crise

ambiental dentro dos marcos do capitalismo, através de mecanismos de mercado e da adoção

de novas tecnologias que melhorariam a gestão do meio ambiente, são as chamadas tecnologias

ecoeficientes. De maneira geral, desvincula a crise ambiental da produção do espaço e da

organização social, trata os bens naturais - vistos como recursos naturais – como bem comum

intergeracional, evoca a responsabilidade coletiva na sua preservação do meio ambiente, a

necessidade de uma cooperação internacional para tratar a crise e a responsabilidade do Estado

na adoção de políticas públicas que busquem implementar o desenvolvimento sustentável. Em

suma:

Trata-se de um discurso politicamente pragmático, que enfatiza a dimensão

econômica e tecnológica da sustentabilidade e entende que a economia de mercado é

capaz de liderar o processo de transição para o desenvolvimento sustentável, através

da introdução de “tecnologias limpas”, da contenção do crescimento populacional e

do incentivo a processos de produção e consumo ecologicamente orientados (LIMA,

2003, p.108).

Enquanto no discurso, a sustentabilidade está associada à noção de verdade, de

saber e de poder. Conforme defende Lima (2003), no contexto da sociedade moderna, o saber

científico é considerado o discurso verdadeiro. Sendo a ciência e as instituições que o criaram

tidas como neutras, o saber científico é tido como uma verdade impessoal, racional,

inquestionável e juiz dos outros saberes, o que lhe confere efeitos de poder.

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A partir desse entendimento, fica mais clara a importância estrutural dada à

tecnologia dentro do ideário do desenvolvimento sustentável. Assim, destaca-se o papel da

técnica, da ciência e da tecnologia no estabelecimento das relações de poder. E no meio técnico-

científico-informacional os países desenvolvidos e as corporações internacionais, que se

encontram na vanguarda da tecnologia, seriam os protagonistas na preservação dos bens

naturais na missão de preservá-los para as gerações futuras, ao oposto dos países pobres e dos

pobres de uma maneira geral (RODRIGUES, 2005, p.6).

O período moderno foi embasado na tecnologia, no progresso científico e no

desenvolvimento tecnológico. Nesse período, edifica-se a sacralização da ciência e da técnica

que se revestem de uma neutralidade para o bem e de uma expectativa salvacionista. O potencial

científico e tecnológico para satisfazer necessidades modernas alimenta a esperança de que

também poderá, num futuro próximo, resolver os problemas sociais e solucionar a degradação

ambiental. Mas ambos são inerentes ao modelo de organização social que permanece ocultado

por essa esperança que, projetada para o futuro, faz com que o espaço concreto seja obscurecido

em detrimento do tempo vindouro indeterminado, caracterizando assim a metáfora temporal

(RODRIGUES, 1998).

Enquanto a problemática ambiental destaca a importância da produção do espaço,

que remete a organização social, a ênfase tecnológica, empregada no ideário do

desenvolvimento sustentável, desfoca essa análise empurrando as soluções para o tempo futuro

e deixando-as a cargo da tecnologia, invisibilizando assim a necessidade da crítica e de

alterações na organização social. Porém, como observa Rodrigues (2005), a Agenda 21(1992)

adotada para a implementação do desenvolvimento sustentável sugere que esse tempo futuro se

refere ao século XXI, entretanto, alcançado este século, continuam a se referir ao futuro.

Contudo, enquanto a Agenda 21 propõe que os compromissos assumidos pelos

Estados no sentido de implementar o desenvolvimento sustentável sejam atingidos no século

XXI, as oito metas elaboradas pela ONU em 2000 com a finalidade de tornar o mundo um lugar

mais justo e solidário e que abordam objetivos de extrema importância para a construção de

uma sociedade mais justa são denominadas Metas de Desenvolvimento do Milênio - MDM39.

Também a ênfase nas necessidades das gerações futuras projeta o olhar para o

futuro, desfocando a análise do presente e a construção histórica que gerou a crise ambiental,

39 As metas são as seguintes: 1. Acabar com a Fome e a Miséria; 2. Educação Básica de Qualidade para todos; 3.

Igualdade entre Sexos e Valorização da Mulher; 4. Reduzir a Mortalidade Infantil; 5. Melhorar a Saúde das

Gestantes; 6. Combater a Aids, a Malária e outras doenças; 7. Qualidade de Vida e Respeito ao Meio Ambiente;

8. Todo Mundo trabalhando pelo Desenvolvimento. A avaliação dos resultados dessas metas é feita com base

no Índice de Desenvolvimento Humano - IDH que engloba riqueza, educação e expectativa de vida.

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bem como as necessidades da geração presente. A ênfase é dada ao meio ambiente como

referência ao meio externo à sociedade e não ao ambiente como uma totalidade complexa

composta pelo meio natural e pelos aspectos sociais que compõem a produção do espaço.

Assim, propositadamente

[...] o uso do termo provocou deslocamento de análises em relação ao território, às

causas e consequências da dilapidação das riquezas naturais, aprofundou as formas e

ocultou os conflitos entre classes sociais, transformou a questão ambiental em agenda

política de países e entre países (RODRIGUES, 2005, p.1-2).

Do mesmo modo, a ideia de que os problemas ambientais são resultados de ações

antrópicas esconde a estratificação social e socializa igualmente as responsabilidades pela

degradação ambiental, omitindo a diferença de classes e a responsabilidade diferenciada da

crise por parte de cada uma: a crise ambiental passa a ser construída como uma ação sem sujeito

social, resultado das ações da humanidade inteira. Assim,

Na tentativa de generalizar os fatos, omite um contexto histórico, e cria o “homem

abstrato”, cuja consequência significa a retirada do componente ideológico da questão

ambiental, que passa a ser considerada com um[a] certa dose de ingenuidade e

descompromisso, frente à falta de visibilidade do procedimento histórico que gerou a

crise ambiental (LAYRARGUES, 1997, p.4)

Segundo Layrargues (2002, p.12), essa ideia de generalização das

responsabilidades pela crise ambiental como um evento sem sujeito, sem agente, sendo assim

responsabilidade de todo mundo, aparece logo no título do Relatório Brundtland (1987) - Nosso

Futuro Comum - que “não por acaso se tornou o slogan da propaganda ideológica dominante

mais difundido na década de 90.” Essa generalização das consequências chama todos ao

compromisso com a implementação do desenvolvimento sustentável, como indica a criação da

metáfora da Espaçonave Terra, na qual todos os seres humanos se encontrariam no mesmo

barco, com suprimentos limitados, e com um destino comum, cabendo a todos a obrigação de

contribuir com a construção do futuro.

Contrapondo a metáfora da Espaçonave Terra, Layrargues (2002, p.13) constrói a

apropriada metáfora do Titanic40, “que afundou levando consigo apenas os passageiros de

segunda categoria, com pelo menos duas classes diferentes, bem demarcadas, nessa Espaçonave

Terra” para explicitar que, mesmo dentro do contexto da crise ambiental global, há grupos

sociais mais afetados pelos impactos ambientais do que outros. Ademais, aproveitando a

metáfora da Espaçonave Terra, entendemos que ela também tem seu capitão, posto prontamente

40 Naufragado em 1912, o transatlântico RMS Titanic somou 1.517 mortos atingindo 68,2% do total de passageiros

assim distribuídos: 39,5% na primeira classe; 58,3% na segunda classe; 75,5% na terceira classe; 76,2% na

tripulação (KAPLAN, 2011).

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assumido pela ONU através da criação do PNUMA ainda em 1972, sugerindo que ao ser criada,

a espaçonave já possuía um capitão delegado para o seu comando.

Layrargues (1997) aponta algumas características dessa proposta, que procura

ocultar o potencial de revisão do modelo de desenvolvimento e organização social que a

problemática ambiental possui, buscando antes reafirmá-los. Para isso, um instrumento

característico importante seria a tecnologia, pois apesar do atual estágio de desenvolvimento da

tecnologia e da organização social representarem os limites do desenvolvimento sustentável,

“tanto a tecnologia quanto a organização social podem ser geridas e aprimoradas a fim de

proporcionar uma nova era de crescimento econômico” que seria sempre ascendente.

Outro ponto importante é a consideração de que a degradação ambiental seria

acentuada pela pobreza dos países subdesenvolvidos e não pelo consumo excessivo dos

desenvolvidos, de modo que a superação da pobreza se dará pela via do crescimento econômico.

Do mesmo modo, o acesso às necessidades básicas - a serem redefinidas de acordo com as

necessidades do mercado de se desenvolver - se daria pelo mercado, relacionando diretamente

a qualidade de vida ao consumo (LAIRARGUES, 2007).

Mesmo frente a todas as evidências de que o planeta não seria capaz de prover a

universalização do padrão de consumo dos países desenvolvidos - uma vez que estes são os que

mais contribuem com a degradação ambiental, no consumo exacerbado de mercadorias,

matérias primas e energia e gerando enormes quantidades de resíduos sólidos - ainda assim,

não se considera que seja necessário reduzir seu nível de consumo.

Consequentemente, a ideia de justiça social contida no desenvolvimento sustentável

não considera a necessidade de se estabelecer um teto de consumo material41, no qual o nível

de consumo dos desenvolvidos representaria um piso de consumo material a ser alcançado pelos

subdesenvolvidos, numa trajetória de consumo sempre ascendente que seria possibilitada pelas

inovações tecnológicas (LAIRARGUES, 1997). Em síntese,

[...] o que está implícito no conceito de justiça social, é a equivalência entre o Norte e

o Sul, a partir da árdua mas necessária definição de quais seriam as necessidades

básicas e comuns a todas as sociedades (...) É precisamente esta premissa [o teto de

consumo material, de acordo com a prudência ecológica e a coerência para com as

gerações futuras] que a Comissão Brundtland evita abordar. Acreditando que as

inovações tecnológicas certamente permitirão o acesso de todos os povos à fartura,

sem comprometimento da sustentabilidade ambiental, não haveria necessidade do

Norte participar do esforço de se impor restrições ao consumo, pois teoricamente ele

41 Teto de consumo material: segundo este autor é uma das características que diferencia o desenvolvimento

sustentável do ecodesenvolvimento.

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não estaria contribuindo para o agravamento da crise ambiental42 (LAYRARGUES,

1997, p.6).

Ao mesmo tempo em que sagra o termo desenvolvimento sustentável, o Relatório

Brundtland (1987) afirma que este é um objetivo a ser alcançado num futuro próximo, um

conceito que possui limites que deverão ser superados com o avanço da tecnologia e da

organização social, sem contanto esclarecer “se o limite é conceitual ou se diz respeito aos

objetivos que se pretende alcançar.” (RODRIGUES, 2005, p.2).

Desse modo, Rodrigues (2005) contesta firmemente a afirmação da ONU de que o

desenvolvimento sustentável seja um conceito, pois não possui “instrumentos teóricos

analíticos que exprimam porque é tido como um conceito” que, aliás, é algo necessariamente

complexo, pois o “conceito é um todo, porque totaliza seus componentes, mas um todo

fragmentado... Todo conceito remete a um problema e os problemas exigem ‘soluções’ pois são

decorrentes da pluralidade dos sujeitos, sua relação, de sua apresentação recíproca.”

(DELEUZE; GUATTANI, 1991, pp.27-28 apud RODRIGUES, 2005, p.2).

Ao contrário, o termo desenvolvimento sustentável parece ignorar a complexidade

do mundo real, ao mesmo tempo em que desconsidera que possam haver quaisquer contradições

e conflitos, apresentando como sendo possível um modelo em que, por mais diferentes que

sejam os interesses dos diferentes atores, poderia se alcançar um consenso em que todos

estivessem plenamente satisfeitos.

Enquanto Lima (2003) trata a sustentabilidade como um discurso ao ser apropriado

pela classe hegemônica, que pretende reter para si e de acordo com os seus interesses e visão

de mundo a definição oficial do que seja a sustentabilidade, ao mesmo tempo que afasta

referências que lhe sejam contrárias, Rodrigues (2005) trata o desenvolvimento sustentável

como um mito, uma vez que ele foi absorvido amplamente pelos diversos setores da sociedade,

que repetem sua definição indistintamente sem, no entanto, compreender como se dará a sua

efetivação.

Por esses motivos, a autora supracitada afirma que o desenvolvimento sustentável

não configura um conceito, mas uma ideia genérica que, abstraindo a complexidade da

realidade social, pretende encontrar soluções mágicas para os problemas do meio-ambiente.

Inicialmente, o termo “sustentável” foi utilizado para lançar uma ponte de diálogo

entre desenvolvimentistas e ambientalistas. Quando incorporado ao termo “desenvolvimento”

42 Uma curiosidade: na declaração final da Rio +20 (2012), o documento “O Futuro que queremos”, o termo “países

desenvolvidos” aparece apenas 3 (três) vezes, enquanto “países em desenvolvimento” aparecem 25 (vinte e

cinco) vezes! Isso indica para quem se direciona o desenvolvimento sustentável, quem é o alvo, quem são os

insustentáveis que devem se adequar.

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proporcionou um ajuste na terminologia (RODRIGUES, 2005) que, tornando-o dúbio e

contraditório, abre margem para diferentes interpretações, “permite uma pluralidade de leituras

que oscilam, desde um sentido avançado de desenvolvimento, associado à justiça

socioambiental e renovação ética, até uma perspectiva conservadora de crescimento econômico

ao qual se acrescentou uma variável ecológica.” (LIMA, 2003, p.106).

Conforme a sociedade ia tomando consciência dos limites desse modo de produção

e as previsões assustadoras de um futuro devastado iam se popularizando, o desenvolvimento

sustentável foi progressivamente se transformado numa espécie de tábua de salvação, com a

capacidade de conciliar divergências em favor de uma causa maior e mais urgente:

Seu apelo se apoiava, sobretudo, em um estilo conciliador que favorecia a

aceitabilidade política internacional e a realização de amplas coalizões de interesses.

Possibilitava, ainda que vagamente, a construção de um campo comum que, se não

promovia o consenso entre as diversas concepções e grupos divergentes, permitia

amortecer ou camuflar os conflitos que os dividiam. Esse campo comum e genérico

da sustentabilidade permitiu aproximar capitalistas e socialistas, conservacionistas e

ecologistas, antropocêntricos e biocêntricos, empresários e ambientalistas, ongs,

movimentos sociais e agências governamentais (LIMA, 2003, p.104).

Se por um lado, no plano do discurso, esse estilo conciliador foi a estratégia mais

brilhante do desenvolvimento sustentável para, usando um único ponto de consenso sobre a

urgências da problemática ambiental, ser amplamente aceito por aqueles que têm interesses

divergentes; por outro, ele demonstra a inviabilidade prática dessa proposta de conciliação de

interesses opostos.

As conferências sobre meio ambiente se propõem a realizar discussões abertas,

considerando os diferentes segmentos da sociedade como forma de se legitimarem socialmente,

apostando na conciliação e no consenso. “A primeira vista nos parece um avanço político de

um evento democrático, porém, considerar que numa sociedade estratificada de interesses

diversos a nível global possa chegar a um consenso em que todos sejam atendidos é fingir que

essas diferenças não existem e que não são latentes e graves.” (TORRES, 2013, pp.63-64)

Uma das características dos processos decisórios na ONU é que todas as definições e

acordos têm que ser consensuais. Isto torna os processos de negociação um complexo

cabo de guerra, em que as divergências acabam excluindo pontos de desacordos, ou

se criam inúmeras condicionantes entre colchetes para posterior negociação

(STIFTUNG; BRASIL, 2012, p.9).

A questão parece ignorar a diversidade de interesses que há entre os diversos atores.

Só o princípio de que os países têm responsabilidades comuns mas diferenciadas já abre uma

grande dificuldade de encontrar um consenso, visto que países desenvolvidos e

subdesenvolvidos têm interesses próprios. Dificuldades maiores se encontram quando se coloca

no contexto da tensão estabelecida entre os interesses dos capitalistas de todos os países agora

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unificados na discussão global e os direitos fundamentais dos diversos grupos sociais e minorias

que há no interior de cada país, sobretudo nos subdesenvolvidos, como se propôs, por exemplo,

a Rio +20 (2012).

Essa pretensa democracia consensual, enquanto prerrogativa, faz com que nos

processos decisórios, os pontos de divergência sejam excluídos ou tenham a sua conclusão

protelada mantendo a neutralidade. Conforme Stiftung e Brasil (2012), isso fez com que grande

parte das propostas mais progressistas do documento-base da ONU para a Rio + 20 (Draft 1)

fosse excluída nas rodadas de negociação que antecederam a conferência. Assim é que os

Princípios de Poluidor/Pagador43, de Precaução Ambiental44 e de Responsabilidades Comuns e

Diferenciadas45 que possuem extrema relevância e que estavam presentes na primeira versão

do documento (Draft Zero) foram retirados da versão final, alterando completamente o rumo

das discussões.

Esses princípios foram fundamentais para viabilizar a adesão dos diversos países

num primeiro momento e assim legitimar o PNUMA como a autoridade máxima nas

negociações referentes ao meio ambiente. O princípio das Responsabilidades Comuns e

Diferenciadas, por exemplo, foi o que possibilitou um entendimento entre os países ricos e os

pobres quando do embate a respeito das responsabilidades sobre a degradação ambiental,

presente desde o primeiro momento na Conferência de Estocolmo em 1972. Como que numa

espécie de armadilha, após consolidada a autoridade mundial do órgão, os princípios

fundamentais que lhe deram validade foram revogados e ele assume um propósito diferente

daquele que, ao menos em tese, justificou sua criação.

Porém, não podemos dizer que tais diferenças tornam complexas as possibilidades

de um entendimento, elas apenas revelam a complexidade da estratificação social e a constante

tensão de forças que há entre seus diferentes segmentos. Nesse caso, nas negociações rumo ao

consenso, os países desenvolvidos conseguem forçar a realização de seus interesses, mantendo

assim sua hegemonia. De acordo com Stiftung e Brasil (2012), nas rodadas de negociação que

preparavam o rascunho para a Rio +20, países ricos como Estados Unidos, Canadá e Austrália

conseguiram alterar premissas de elementar importância para os direitos humanos e para o meio

ambiente e que anteriormente já haviam sido reconhecidos como básicos, como é o acesso aos

recursos naturais como um direito humano, segurança alimentar, acesso à água potável etc.

43 Define que o país responsável por danos ambientais deve arcar com os custos da reparação. 44 Estabelece que uma ação deve ser evitada em caso de incerteza quanto ao impacto do uso de uma técnica ou

produto. 45 Reconhece que os países desenvolvidos são os maiores responsáveis pela degradação do meio ambiente,

revogando o que foi fixado no Protocolo de Quioto, em 1997.

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Se de um lado o desenvolvimento sustentável parece uma necessidade nobre e

urgente, por outro, a sua aceitação generalizada é marcada por uma postura acrítica, incapaz de

relacionar a problemática ambiental à produção do espaço e às relações sociais, incapaz de

estabelecer associação entre a crise ambiental e as formas de apropriação da natureza,

exatamente tal como ele se propõe. Se política e economicamente o desenvolvimento

sustentável está bem definido nos termos desenvolvimentistas de interesse dos países

desenvolvidos, no ideário comum, pode revelar-se vazio por não especificar as vias pelas quais

se fará possível, permanecendo mais no plano da retórica do que em ações efetivas.

Mesmo assim, o discurso do desenvolvimento sustentável oficial foi

progressivamente se tornando a expressão dominante nos discursos sobre meio ambiente e

desenvolvimento social, absorvido e reproduzido pelos diferentes setores da sociedade até se

tonar uma expressão corriqueira e aplicada a vários contextos que podem ser, inclusive,

antônimos, de modo que a “sustentabilidade tornou-se palavra mágica, pronunciada

indistintamente por diferentes sujeitos, nos mais diversos contextos sociais e assumindo

múltiplos sentidos.” (LIMA, 2003, p.99).

Mas esse alcance não foi por acaso. Desde a apresentação do mito do

desenvolvimento sustentável à sociedade na década de 1980 até a sua absorção pelos diversos

setores sociais, a sua clara adoção nas políticas e planos de governo e a sua onipresença em

quase todos os aspectos da vida social46 houve um sistemático processo de internalização desse

discurso que objetivava justamente conquistar essa hegemonia.

A Agenda 21 aprovada na Eco 92 (1992) era propriamente o programa a ser adotado

pelos diversos países na implementação do desenvolvimento sustentável. A implementação das

Agendas 21 locais definidas na Rio +10 (2002) era o compromisso dos países signatários da

Convenção do Clima para efetivarem o programa da Agenda 21 global em seus respectivos

Estados-nação. Esse programa incide sobre amplos aspectos da organização social47 se

46 Vemos a evocação da sustentabilidade enquanto discurso presente nos setores governamentais e seus planos de

governo, em ONGs, no setor empresarial, em projetos, em novas linhas de produtos verdes, na mídia etc. A

sustentabilidade ambiental foi apropriada pelos diferentes setores como marketing. 47 Com base na apresentação do sumário, podemos afirmar que a Agenda 21 contempla os seguintes pontos:

Combate à pobreza, alteração nos padrões de consumo, demografia, assentamentos humanos, saúde;

gerenciamento e manejo de recursos terrestres, de recursos hídricos, de ecossistemas frágeis, de substâncias

químicas, tóxicas, de resíduos perigosos, de resíduos sólidos, de esgoto e de resíduos radioativos; combate ao

desflorestamento, de conservação da diversidade biológica e de biotecnologia, promoção do desenvolvimento

rural e agrícola sustentável; fortalecimento do papel da mulher, de populações indígenas, de ONGs, do comércio

e da indústria, de trabalhadores e sindicatos, da comunidade científica e tecnológica, dos agricultores; Recursos

e mecanismos de financiamento, de transferência de tecnologia; cooperação e fortalecimento institucional;

promoção da ciência e do ensino para o desenvolvimento sustentável; mecanismos nacionais e cooperação

internacional para fortalecimento institucional nos países em desenvolvimento, arranjos institucionais

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estruturando sobre quatro pilares de atuação, a saber: Dimensões Sociais e Econômicas,

Conservação e Gestão dos Recursos para o Desenvolvimento, Fortalecimento do papel dos

grupos principais e Meios de implementação.

O desenvolvimento sustentável é essa estratégia que busca ocultar as causas da

problemática ambiental, obscurecendo a compreensão da produção do espaço, a existência de

classes, a importância estratégica do território, as formas de apropriação da natureza e o poder

dos proprietários dos meios de produção, dos detentores do conhecimento e da tecnologia,

preservando o modo industrial de produção e o sistema capitalista.

[...] impõe-se examinar as contradições ideológicas, sociais e institucionais do próprio

discurso da sustentabilidade, bem como analisar distintas dimensões de

sustentabilidade ecológica, ambiental, social, cultural e outras para transformá-las em

critérios objetivos de política pública (GUIMARÃES, 1995, p.4 apud BERNARDES;

FERREIRA, 2003, p.34).

De qualquer modo, quanto mais o discurso oficial da sustentabilidade e o mito do

desenvolvimento sustentável são difundidos, mais são legitimados e apropriados por diferentes

atores sociais, que lhe imprimem significados, características e as adaptações que melhor se

adequem aos seus interesses, aos seus valores, enfim, à sua visão de mundo.

Isso demonstra que as conferências e esse estado de cooperação internacional têm

servido para estabelecer relações de poder, fortalecendo a ordem vigente e condicionando a

resolução dos problemas sociais e ambientais para a esfera do mercado e aprofundando as

diferenças.

A estratégia para a preservação dos bens naturais não é a revisão do modo de

produção e das formas de apropriação destrutivas da natureza, mas a sua monetarização. Os

bens essenciais à vida dos homens e mulheres não são mais um direito humano fundamental e

inalienável, mas recursos naturais, que precisam ser protegidos pelo mercado da degradação

que a gratuidade implica. Assim é que se institui o Mercado Verde com seus produtos

ambientalmente corretos, com suas tecnologias ecoeficientes e se criará um sem fim número de

instrumentos de financeirização da natureza - aos quais daremos especial atenção mais adiante

- que garantem a reprodução e a mobilidade do capital no ecocapitalismo.

Ao mesmo passo que se pauta cada vez mais no mercado e na tecnologia, se avança

na negação de direitos fundamentais e na privatização dos bens naturais essenciais à vida, que

passarão a ser acessíveis apenas na esfera do mercado, mediado por relações econômicas que

se sobrepõem a todos os demais aspectos da vida social e revelando que a sustentabilidade

internacionais, instrumentos e mecanismos jurídicos internacionais e informação para a tomada de decisões

(CNUMAD, 1992).

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ambiental e social são apenas um pretexto para prosseguir com a sustentação econômica do

modelo vigente. A sustentabilidade social e ambiental são apenas uma roupagem nova sobre o

corpo econômico do sistema capitalista. As roupas lhe servem apenas para ficar apresentável

de acordo com a ocasião, mas passada a necessidade, podem lhes ser tiradas as vestes sem nada

prejudicar o seu corpo, a sua essência.

2.4 A CONSTRUÇÃO DE UM FRÁGIL REFERENCIAL DE PROTEÇÃO AMBIENTAL

Com o despertar da preocupação ambiental por parte de diversos segmentos sociais

e diante da ameaça de que o esgotamento dos recursos naturais pudesse comprometer o

crescimento econômico como já era apontado pela ONU em 1962, ficou claro que era

necessário empregar uma nova estratégia de desenvolvimento que superasse essas limitações.

O entendimento de que a crise ambiental é um fenômeno global seria um

instrumento eficaz para impulsionar o desenvolvimento, e logo se percebeu a necessidade de

criar um fórum internacional de discussão que possibilitasse a criação de um corpo de trabalho

internacional para lidar com a questão.

Assim, em 1972, a Organização das Nações Unidas (ONU) realizou a Conferência

das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, na Suécia. Popularmente

conhecida como Conferência de Estocolmo, o evento foi o primeiro em nível mundial dedicado

à problemática ambiental e se propôs a estabelecer critério e princípios comuns a serem

adotados por todos os povos na preservação do meio ambiente humano.

A conferência aprova então a Declaração de Estocolmo, que consagra a soberania

dos Estados sobre seus recursos naturais e a necessidade de uma ação conjunta para a resolução

dos problemas ambientais, aponta que o processo de industrialização e a pobreza são as causas

da degradação ambiental, que o desenvolvimento econômico seria o requisito para a melhoria

da qualidade de vida e meio através do qual se daria a resolução da crise ambiental. A

declaração também define 26 princípios e outros pressupostos sobre os quais se edificarão as

ações posteriores a respeito do meio ambiente.

O impasse entre países do Norte e do Sul que marcará a trajetória dos eventos

mundiais do clima foram estabelecidos ainda na Conferência de Estocolmo. As conclusões da

Declaração de Estocolmo criam um impasse lógico: a industrialização é ao mesmo tempo o

motor do desenvolvimento econômico e a causa dos problemas ambientais; e os problemas

ambientais serão resolvidos com o desenvolvimento econômico e com a exclusão da pobreza,

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ambos alcançados pela industrialização que é a causadora do problema e que, portanto,

precisaria ser excluída para que o problema fosse resolvido.

De qualquer modo, esse impasse lógico reflete o impasse de oposição entre os

países ricos e os países pobres: os países pobres defendiam suas necessidades de

desenvolvimento e de superação da crise social, embora para isso fosse necessário manter o

nível de degradação ambiental como fizeram os ricos, os verdadeiros responsáveis históricos

pela degradação ambiental e transferiam para estes as iniciativas e os investimentos necessários

à sustentabilidade; os ricos, por sua vez, não aceitavam reduzir seus níveis de crescimento

econômico, sobretudo o padrão de consumo, em prol de benefícios ambientais, afinal, ao

mesmo tempo em que sua responsabilidade histórica era apontada como motivadora da crise

ambiental, o desenvolvimento econômico que possuíam era também a superação, ao contrário

do crescimento populacional e da poluição gerada pela pobreza dos pobres que para eles era a

principal causa do problema (LIMA, 2003).

Assim podemos entender que as conclusões da Conferência de Estocolmo mantêm

o impasse ao preservar os dois interesses, que são contraditórios, empurrando-o para o futuro,

uma vez que suas conclusões e pressupostos serviriam de base para negociações futuras.

Entretanto, embora a conferência tenha preservado o impasse para garantir a adesão de ambos

os grupos e dar legitimidade ao projeto de cooperação internacional que disseminaria pelo

mundo inteiro a nova estratégia de desenvolvimento, é válido ressaltar que a ONU - que iniciou

toda essa mobilização - tem muito clara a sua posição a favor dos países ricos. De acordo com

Rodrigues (2005), já em 1962, a ONU destacava que o crescimento econômico dos países em

desenvolvimento poderia pôr em risco os recursos naturais, ignorando a responsabilidade

histórica dos países ricos.

Para Novicki (2009), a Conferência de Estocolmo foi realizada em uma conjuntura

de crise do capitalismo e de conquista do poder pelo neoliberalismo, na qual o diagnóstico da

crise ambiental estava marcado por uma visão conservadora e classista que identificava apenas

os desastres naturais e o subdesenvolvimento e sua consequente pobreza48 como sendo os

responsáveis pela crise ambiental, ignorando as causas do subdesenvolvimento e a

responsabilidade dos países ricos derivada do seu padrão de consumo energético.

48 De acordo com Novicki (2009), ao tratar do tema transversal Meio Ambiente 26 anos depois da Conferência de

Estocolmo (1972), a política educacional brasileira reproduz esse diagnóstico: “As relações político-econômicas

que permitem a continuidade dessa formação econômica e sua expansão resultam na exploração desenfreada de

recursos naturais, especialmente pelas populações carentes de países subdesenvolvidos como o Brasil. É o caso,

por exemplo, das populações que comercializam madeira da Amazônia, nem sempre de forma legal, ou dos

indígenas do sul da Bahia, que queimam suas matas para vender carvão vegetal” (BRASIL, 1998, p. 173 apud

NOVIVKI, 2009, p.7, grifo nosso).

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Com base em suas constatações, esta Conferência afirmou que seria necessário

planejar um desenvolvimento acelerado. Esse desenvolvimento deveria ser feito

mediante maciça transferência de recursos em forma de assistência financeira e

tecnológica que complementassem os esforços internos dos países em

desenvolvimento. Ou seja, se propunha um assessoramento aos países

subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, enfatizando a educação como um dos

elementos fundamentais para o combate à crise ambiental, evidenciando que as

soluções deveriam ser estruturadas no âmbito do indivíduo e da técnica (BATISTA,

2007, p. 112 apud NOVICKI, 2009, p.7).

Ainda em 1972, atendendo à proposta da Conferência de Estocolmo49, a ONU cria

o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA (Urespoited Nations

Environment Programm – UNEP) com o objetivo de coordenar as discussões e as ações de

proteção ao meio ambiente e promover o desenvolvimento sustentável em nível internacional.

O PNUMA representa a voz da ONU nos assuntos de meio ambiente, constituindo-se a

autoridade mundial em meio ambiente, controlando a agenda e a pauta das discussões

ambientais. Conforme definição do próprio órgão, ele atua como defensor do meio ambiente na

promoção da utilização racional do meio ambiente global e do desenvolvimento sustentável,

com a missão de promover liderança e encorajar parcerias no cuidado do meio ambiente,

inspirando, informando e facilitando às nações e aos povos formas de melhorar sua qualidade

de vida sem comprometer as gerações futuras (PNUMA, 2015).

O PNUMA concentra a sua atuação em sete áreas prioritárias de trabalho, a saber:

mudanças climáticas, desastres e conflitos, manejo de ecossistemas, governança ambiental,

produtos químicos e resíduos, eficiência de recursos e meio ambiente. Ou seja, o órgão possui

uma ampla base de atuação sobre diversos setores da organização social organizados em torno

do eixo ambiental.

Em 1983, o PNUMA criou a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento - CMED, mais conhecida como Comissão Brundtland50 com a finalidade de

promover o diálogo entre países ricos e pobres sobre as questões de meio ambiente e

desenvolvimento e de definir termos de cooperação entre eles. Porém, essa comissão é mais

conhecida pela publicação do Relatório Brundtland, intitulado Nosso Futuro Comum que

sagrou a ideia de desenvolvimento sustentável.

O discurso da sustentabilidade surgiu para substituir o discurso do

desenvolvimentismo que a partir dos anos de 1970 apresentava os seus limites através de uma

crise social, ambiental e ético-cultural, mas com maior visibilidade econômica. E essa crise

49 Instituto Brasil PNUMA. Disponível em: <http://www.brasilpnuma.org.br/pnuma/index.html>. Acesso em: 20

jul. 2015. 50 Em menção à sua então presidente Gro Harlem Brundtland.

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ambiental apontava no sentido de uma crítica mais ampla ao modelo de desenvolvimento, que

não se resumia ao desgaste ambiental, mas se expandia para questioná-la, enquanto produto da

organização social. Assim, esse rearranjo da ideia de desenvolvimento se deu no contexto de

crise do capitalismo e de consolidação de políticas neoliberais, executadas na década de 1980,

como parte do pacote de estratégias para implementação da reestruturação produtiva (LIMA,

2003).

Lima (2003) afirma ainda que o discurso da sustentabilidade apresentado ao debate

público não é uma construção ingênua, mas uma hábil operação político-normativa e

diplomática empenhada em responder algumas das contradições expostas pelos modelos

anteriores de desenvolvimento, como a necessidade de garantir a oferta de recursos naturais

para alimentar continuamente o sistema de produção e a poluição causada pelos resíduos. Há

ainda a necessidade de responder aos questionamentos sobre os limites do crescimento

intensamente discutidos na década de 1970 e que já apontavam que o crescimento não poderia

se universalizar no mesmo padrão dos países do Norte sem causar um colapso no ecossistema

planetário, respondendo de maneira especial ao movimento ambientalista que, embora

diversificado, era unânime em exigir a inclusão da questão ambiental na agenda de prioridades

político-econômicas dos países.

Naquele momento de expansão do capitalismo e mobilização do capital sob o julgo

dos imperativos do livre mercado e de governos comprometidos com políticas de privatização,

era necessário que o discurso do desenvolvimento fosse além da tentativa de conciliar a clássica

visão de antagonismo entre crescimento econômico e conservação ambiental, convencendo de

que estes não somente poderiam ser conciliados, mas que a conservação ambiental poderia

impulsionar o crescimento econômico (LIMA, 2003).

Em 1988, o PNUMA e a Organização Meteorológica Mundial - OMM criam o

Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (Intergovernmental Panel on Climate

Change – IPCC) com a finalidade de avaliar as mudanças climáticas e torna-lo o referencial

científico sobre seu conhecimento e seus potenciais impactos ambientais e sócio-econômicos51.

De fato, o IPCC se firma como centro mundial de avaliação das investigações em curso, é a

base de referência não só para as ações do PNUMA, mas também para governos em todo o

mundo e grupos técnicos que discutem as alterações climáticas.

O IPCC organiza a sua atuação sobre três grupos de trabalho - GTs. O primeiro

avalia os aspectos científicos do sistema climático global e o fenômeno das mudanças

51 http://www.ipcc.ch/.

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climáticas; o segundo grupo examina a vulnerabilidade dos ecossistemas frente aos impactos

das mudanças climáticas e as possibilidades de adaptação; e o último grupo de trabalho avalia

as possibilidades de mitigação das mudanças climáticas, com foco na redução das emissões de

GEEs. Em seu primeiro relatório em 1990, o IPCC já afirmava as mudanças climáticas como

uma ameaça e incitavam a negociação de um acordo global para lidar com a questão (LEITE,

2014).

Em uma conjuntura de expansão do neoliberalismo, em 1992, o PNUMA realizou

no Rio de Janeiro, no Brasil, a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o

Desenvolvimento - CNUMAD, informalmente conhecida como Cúpula da Terra ou

simplesmente Eco 92.

A conferência torna claro que o desenvolvimento sustentável será alcançado com

soluções de mercado. De fato, foram aprovados alguns documentos importantes no evento

como a Agenda 21, que direciona explicitamente as ações a serem adotadas pelos diversos

países na busca do desenvolvimento sustentável. Assim, a Agenda 21 é propriamente um

programa de ação para a implementação do desenvolvimento sustentável que denota a primazia

da dimensão econômica sobre os demais aspectos da vida social, com base na necessidade de

garantir políticas econômicas internas satisfatórias até atingir a esfera internacional e a

liberalização do comércio e hegemonia do mercado (NOVICKI, 2009).

Tanto a Comissão Brundtland, quanto a Agenda 21, propõem uma nova relação entre

produção, meio ambiente e desenvolvimento econômico inspirada em uma noção de

sustentabilidade pautada por uma visão econômica dos sistemas biológicos, segundo

a qual caberia ao desenvolvimento econômico apropriar-se dos fluxos tidos como

excedentes da natureza sem, no entanto, comprometer o “capital natural”. Sua

estratégia conjuga crescimento econômico com progresso técnico capaz de poupar

recursos materiais, mas sem restrição aos ritmos da acumulação capitalista

(NOVICKI, 2009, p.8).

Também foram aprovadas a Declaração do Rio ou Carta da Terra; a Convenção

sobre a Biodiversidade que versa sobre a proteção e uso dos ecossistemas; a Convenção sobre

a Desertificação para a minimização dos efeitos da seca e contra a degradação das terras; e a

Convenção sobre as Mudanças Climáticas, com o objetivo de deter os impactos negativos da

emissão de GEEs.

A Eco 92 também foi marcada por um embate discursivo sobre de quem seria a

maior parcela de responsabilidade pelos problemas ambientais: países do Norte ou do Sul.

Porém, a discussão novamente se encaminhou para uma conclusão neutra e aceitável, de modo

que

Os documentos ali produzidos apontam a responsabilidade dos estilos de vida e

consumo das populações afluentes, tanto as das nações desenvolvidas, quanto as dos

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países em desenvolvimento. Isso fez com que o lado perverso do consumismo

moderno começasse a fazer parte dos discursos oficiais e acadêmicos, e estimulou o

ressurgimento do tema da escassez e dos limites ecológicos do desenvolvimento

(PORTILHO, 2005) (LEITE, 2014, p.15).

Dando seguimento à ideia de um acordo global, ainda durante a Eco 92, a

Assembleia Geral das Nações Unidas lança a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre

Mudança do Clima, comumente referida como Convenção do Clima.

Partindo do pressuposto de que o tratamento das mudanças climáticas globais

requer um empenho conjunto de todos os países, o objetivo da convenção é estabelecer

diretrizes capazes de estabilizar as emissões de GEEs em níveis seguros ao mesmo tempo que

garantam a continuidade do crescimento econômico. Um ponto importante a destacar sobre a

convenção é que ela estabelece alguns princípios, entre eles o Princípio das Responsabilidades

Comuns, mas Diferenciadas52 que estabelece compromissos distintos para cada grupo de países

de acordo com o nível de desenvolvimento socioeconômico de cada um. Essa distinção reflete

a capacidade de resposta, menor para os países pobres, e o nível histórico de responsabilidade

pelos problemas do clima, muito maior nos países ricos que “devem ser alvos das ações mais

radicais e imediatas para amenizar o problema.” (LEITE, 2014, p.26).

Entretanto, a hegemonia dos países ricos tão clara com respeito ao crescimento

econômico e às responsabilidades sobre a crise ambiental é mantida com relação às ações a

serem implementadas para resolver os problemas ambientais que eles e o seu modelo de

desenvolvimento desencadearam. Assim

A Convenção do Clima deixa claro que os países desenvolvidos precisam assumir a

liderança do combate às mudanças climáticas. Por terem mais recursos financeiros e

tecnológicos, devem também auxiliar os países em desenvolvimento a lançar as bases

para trajetórias de crescimento de baixo carbono, satisfazendo as necessidades de

adaptação de seus cidadãos (LEITE, 2014, p.27, grifo nosso).

Desse modo, os países pobres reafirmam a sua condição de espectadores, sendo

mantidos na retaguarda política, incluídos nos processos de decisão mundial como

legitimadores de uma cooperação internacional que se autodenomina embasada na diplomacia,

na democracia universal e na soberania dos países, na Política e no Direito.

Outro ponto importante da convenção é que ela determina que os países signatários

façam seus inventários53 de emissões periódicos e listem seus sumidouros que servirão de base

52 Além disso, porque o consumo de energia e as emissões de CO2 per capita dos países ricos são várias vezes

mais altos que os dos países em desenvolvimento e porque os países desenvolvidos são os maiores responsáveis

históricos pelas emissões de GEEs na atmosfera. 53 A convenção estipulou prazos para que os países em desenvolvimento submetam os seus inventários, cujo

formato e metodologias são previamente estabelecida pela convenção (Guidelines) com o intuito de manter um

padrão na avaliação dos dados.

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para o acompanhamento das variações de emissões e avaliação das medidas tomadas (LEITE,

2014). Os relatórios do IPCC são globais e não permitem um alto nível de detalhamento

regional, tornando importante a cooperação dos diversos países com inventários sobre os

aspectos climáticos de seus respectivos territórios para alimentar a base de dados mundial. Esse

compromisso fará com que o Brasil comece a estruturar a sua política ambiental no início da

década de 1990.

É importante notar que o sistema de avaliação de emissões em torno do qual se

organiza todo o movimento internacional pró-clima, atualmente personificado na Convenção

do Clima, está baseado na palavra - assumindo-se como certo que todos os países são

verdadeiros nas informações fornecidas - e nos modelos matemáticos fornecidos pela

convenção como metodologia padrão a ser utilizada pelos países na confecção de seus

inventários.

A Convenção do Clima é um tratado permanente que atravessa os anos através da

Convenção das Partes – COP, evento anual com função deliberativa, onde representantes dos

países signatários se reúnem para discutir e operacionalizar a sua implementação. Além das

COPs da Convenção do Clima, há um segundo segmento de COP referente à Convenção sobre

Biodiversidade,54 também assinada em 1992 durante a Eco 92 (Cúpula da Terra ou CNUMAD),

entretanto, nos ocuparemos aqui daquelas relativas à Convenção do Clima.

E a primeira delas, a COP 1 ocorreu em Berlin, na Alemanha, em 1995 e iniciou o

processo de negociação de metas e prazos para a redução de emissões de GEEs pelos países

desenvolvidos a ser formalizada em dois anos (1997), o que viria a ser o Protocolo de Quioto55.

Em atenção ao princípio das “Responsabilidades comuns, mas diferenciadas” os países em

desenvolvimento não foram submetidos às metas (MMA, 2015). Durante o evento, o IPCC

publicou a segunda grande avaliação da pesquisa sobre mudança do clima, reafirmando sua

ameaça e sugerindo a adoção de estratégias capazes de reduzir as emissões de GEEs.

A segunda reunião das partes, a COP 2 aconteceu em 1996, em Genebra, Suíça e

resultou na Declaração de Genebra: foi decidida a criação de obrigações legais de metas de

redução e que os países em desenvolvimento poderiam solicitar à Conferência das Partes apoio

financeiro para o desenvolvimento de programas de redução de emissões, com recursos do

Fundo Global para o Meio Ambiente (MMA, 2015).

54 As três primeiras edições das COPs da Biodiversidade aconteceram em anos seguidos (1994, 1995 e 1996),

depois, seguiram sendo bianuais. 55 A conferência foi marcada pela incerteza dos países sobre como cada um contribuiria para a redução de GEEs.

Assim, o "Mandato de Berlim" estipulou um período de análise de dois anos em que os países membros podiam

escolher um conjunto de iniciativas que correspondem às suas necessidades (ambientebrasil.com, 2015).

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A terceira, a COP 3 ocorreu em 1997 em Quioto, no Japão. Essa é uma das COPs

mais referenciadas por ser associada ao Protocolo de Quioto, lançado durante o evento com o

objetivo de regulamentar os acordos estabelecidos na Convenção do Clima, no sentido de

estabelecer metas de reduções de GEEs para os países desenvolvidos. A sua efetivação estava

condicionada a sua ratificação por número mínimo de países que somassem pelo menos 55%

das emissões de CO2 em 1990, o que só ocorrera em 2005. As metas de redução de 2,5% das

emissões de 199056 incidiram sobre 37 países industrializados. Entretanto, as metas fixadas

serão progressivamente flexibilizadas por mecanismo que se realizam por meio do mercado de

carbono, criando um complexo sistema econômico que, conforme Cornetta (2012), levará a um

estágio de financeirização do clima.

A COP 4, realizada em Buenos Aires, na Argentina em 1998, centrou esforços para

a implementar o Protocolo de Quioto através da criação do Plano de Ação de Buenos Aires,

“que levou para o debate internacional um programa de metas que levaram em consideração a

análise de impactos da mudança do clima e alternativas de compensação, atividades

implementadas conjuntamente (AIC), mecanismos financiadores e transferência de

tecnologia.” (MMA, 2015).

A COP 5 foi realizada em 1999 na cidade de Bonn, novamente na Alemanha. Seu

destaque foi a implementação do Plano de Ações de Buenos Aires, “mas também o início das

discussões sobre o Uso da Terra, Mudança de Uso da Terra e Florestas. A quinta conferência

discutiu ainda a execução das Atividades Implementadas Conjuntamente em caráter

experimental e do auxílio para capacitação de países em desenvolvimento.” (MMA, 2015).

A COP 6 aconteceu em duas partes, a primeira delas ocorreu em 2000 em Haia, na

Holanda e foi marcado pelo início de divergências entre as partes, levando à suspensão das

negociações naquele ano, daí a necessidade de realizar uma segunda etapa da conferência no

ano seguinte. As divergências envolveram principalmente União Europeia e Estados Unidos

em vários assuntos: Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, mercado de carbono,

financiamento de países em desenvolvimento e outras discordâncias sobre o tema Mudanças no

uso do solo (MMA, 2015). Os Estados Unidos propunham a inclusão de áreas agrícolas e

florestais como sumidouros de carbono, o que os permitiria cumprir, em grande parte, a sua

meta de redução de GEEs. A União Europeia também recusou uma proposta de compromisso.

56 “De modo geral, as metas são de 5,2% das emissões de 1990, porém alguns países assumiram compromissos

maiores: Japão – 6%, União Européia [sic] – 8% e Estados Unidos, que acabaram não ratificando o acordo, 7%”

(MMA, 2015).

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Além das divergências, havia incerteza quanto às possibilidades de sanções para os países que

não alcançassem as suas metas de redução de emissões, o que tornava a obrigação subjetiva.

Sobre a flexibilização das cotas há duas situações. Na primeira, com relação à venda

de créditos de carbono de países subdesenvolvidos que podem vender a sobra da sua cota não

utilizada para os países desenvolvidos, que precisarão extrapolar as suas cotas, há apenas uma

transação financeira entre os dois grupos sem que isso altere a redução de emissões, pois cada

um continua emitindo o que o seu crescimento econômico necessita. Na segunda, no contexto

dos MDL, quando os países desenvolvidos financiam projetos menos poluentes em países

subdesenvolvidos para compensar as suas emissões, entende-se, partindo do pondo de vista que

a métrica utilizada é confiável, que há uma transferência das cotas de um grupo para o outro,

atestando a continuidade dos meios e do nível de crescimento superior nos países desenvolvidos

Em resumo, podemos dizer que os mecanismos de flexibilização de metas permitem que as

obrigações de reduções circulem entre os países, em troca de uma compensação financeira.

A segunda parte da COP 6 aconteceu no ano seguinte, de 16 a 27 de julho de 2001

em Bonn, na Alemanha, após a saída dos Estados Unidos do Protocolo de Quioto. Os

estadunidenses que desde a primeira fase dessa COP estavam insatisfeitos com vários assuntos

e contestavam fortemente a inexistência de metas para os países em desenvolvimento,

finalmente, assumem, sob o governo de George Bush57, que os custos para a redução de

emissões seriam muito elevados para a economia estadunidense e se retiram do acordo. Foi

então aprovado o uso de sumidouros para cumprimento de metas de emissão, discutidos limites

de emissão para países em desenvolvimento e a assistência financeira dos países desenvolvidos

(MMA, 2015).

Para manter o calendário de encontros anuais, a COP 7 aconteceu ainda no mesmo

ano, de 29 de outubro a 9 de novembro de 2001 em Marraqueche, no Marrocos. Dessa reunião

resultou o documento intitulado “Os Acordos de Marraqueche”, onde foram definidos os

mecanismos de flexibilização das metas estabelecidas no Protocolo de Quioto. As partes

decidiram pela limitação do uso de créditos de carbono adquiridos em projetos florestais de

MDL e estabeleceram um fundo de ajuda a países em desenvolvimento voltados a iniciativas

de adaptação às mudanças climáticas (MMA, 2015).

Antes de realização da COP 8, foi realizada a Cúpula Mundial sobre

Desenvolvimento Sustentável, também chamada de Rio +10, em referência aos 10 anos da Eco

92, ou simplesmente Cúpula do Milênio. Aconteceu em Joanesburgo, na África do Sul de 26

57 Governou os Estados Unidos de 2001 a 2009.

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de agosto a 4 de setembro de 2002 com o objetivo de avaliar a execução dos compromissos

firmados, analisar os obstáculos para a implementação da Agenda 21 e discutir soluções. Porém,

dez anos após assumido o acordo, sua avaliação chegou a resultados decepcionantes, pois

[...] ficou claro que a situação mundial havia se agravado, com uma piora nos

indicadores socioambientais e uma redução da ajuda dos países ricos ao

desenvolvimento dos mais pobres. [...] Em relação à Convenção da Biodiversidade,

verificou-se que as 21 metas de redução da perda da biodiversidade, não tinham sido

cumpridas e que o número de espécies animais e vegetais ameaçados aumentou

significativamente. Já a revisão da Convenção da Desertificação mostrou que o

enfrentamento da questão estava aquém dos desafios existentes, o mesmo ocorrendo

em relação às migrações populacionais desencadeadas. E por fim, a Convenção do

Clima anunciava que o período de compromissos do Protocolo de Quioto se esgotaria

em 2012, sem que houvesse ainda um segundo acordo para substituí-lo e sem que as

metas acordadas tivessem sido atingidas (LEITE, 2014, p.15).

Como principais resultados, a conferência divulgou o documento final, denominado

Declaração de Joanesburgo sobre Desenvolvimento Sustentável e entre as estratégias de

solução, foi criada a Agenda 21 Local com a pretensão de ajudar na implementação dos

objetivos e das metas da Agenda 21 global.

No mesmo ano, de 23 de outubro a 1 de novembro de 2002, em Nova Deli, na Índia,

aconteceu a COP 8, cujas discussões sobre o estabelecimento de metas para uso de fontes

renováveis na matriz energética dos países foram bastante influenciadas pela Cúpula do

Milênio, da semana anterior. Porém, um dos pontos mais importantes dessa conferência foi a

“adesão da iniciativa privada e de organizações não-governamentais ao Protocolo de Quioto” e

apresentação dos projetos para a criação de mercados de créditos de carbono (MMA, 2015).

A COP 9 em Milão, na Itália em 2003 discutiu “a regulamentação de sumidouros

de carbono no âmbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, estabelecendo regras para a

condução de projetos de reflorestamento que se tornam condição para a obtenção de créditos

de carbono.” (MMA, 2015).

A COP 10, em 2004, foi novamente realizada em Buenos Aires, na Argentina.

Nessa conferência houve a aprovação das regras para a implementação do Protocolo de Quioto

que entrou em vigor no início do ano seguinte, após a ratificação pela Rússia. No evento, foram

regulamentados os projetos de MDL de florestamento e reflorestamento e os Projetos Florestais

de Pequena Escala - PFPE. Outro ponto importante foi a divulgação de inventários de emissão

de GEEs por alguns países em desenvolvimento, entre eles o Brasil (MMA, 2015).

A COP 11, realizada em Montreal, no Canadá, em 2005, foi a primeira após a

entrada em vigor do Protocolo de Quioto58. Entraram na pauta de discussão as emissões de

58 Dentro do evento houve também a conferência anual entre as Partes no Protocolo de Quioto (CMP ou

COP/MOP).

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desmatamento tropical e mudanças no uso da terra. Durante essa conferência aconteceu também

a primeira Conferência das Partes do Protocolo de Quioto (COP/MOP1), onde foi discutido o

segundo período do Protocolo de Quioto após o Primeiro Período de Referência (2005-2012) e

as instituições europeias defenderam reduções de emissão na ordem de 20 a 30% até 2030 e

entre 60 e 80% até 2050.

Em 2005, quando o Protocolo de Quioto finalmente entra em vigor, ele estabelece

metas que deverão ser cumpridas dentro do Primeiro Período de Referência, de 2008 a 2012:

reduzir as emissões de GEEs em 5,2% com relação aos níveis de 1990. Vale ressaltar,

entretanto, que há uma diferença de quase duas décadas entre o início das atividades e ano base

de referência (1990), de modo que o crescimento econômico efetuado nesse intervalo

certamente agravou o quadro de referência de emissões. De acordo com Leite (2014), já em

1998 um estudo desenvolvido pelo PNUMA alertava para o rápido crescimento das emissões

de GEE de países em desenvolvimento, que levaria a um aumento das emissões de CO2 em

relação aos níveis de 1990, que chegariam a 50% em 2015 e dobrariam até 2050.

Os destaques da COP 12, realizada em Nairóbi, na África em 2006 foi o

financiamento de projetos de adaptação para países em desenvolvimento e a revisão do

Protocolo de Quioto. Na ocasião, o governo brasileiro propôs a criação de um mecanismo que

promovesse efetivamente a redução de emissões de GEEs geradas pelo desmatamento em

países em desenvolvimento. Mais tarde essa proposta seria efetivada com o mecanismo de

Redução de Emissões para o Desmatamento e Degradação (REDD).

O relatório do IPCC publicado em 2007 denominado AR4 (IPCC, 2007) apontou o

desmatamento, a degradação florestal e as queimadas, referidas como Mudança no Uso da Terra

(Land use, Land-use Change and Forestry – LULUCF, em inglês) - como sendo os

responsáveis por cerca de 20% das emissões mundiais de GEE. “A partir daí, começaram a ser

pensados e discutidos, dentro da convenção [do Clima], outros mecanismos que permitem

englobar todos os países na tarefa de redução das emissões de GEE.” (LEITE, 2014, p.30).

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Figura 1 - Emissões mundiais de Gases do Efeito Estufa (GEE) por setor em 2004

Fonte: LEITE, 2014 adaptado do IPCC, 2007.

Enquanto a queima de combustíveis fósseis que alimenta a matriz energética do

processo produtivo mundial e responde por cerca de 80% do CO2 emitido na atmosfera segue

vislumbrando poucas mudanças, avançam as ações de controle de mudança do uso da terra

responsável pelos outros 20%. As ações incidem principalmente sobre os países

subdesenvolvidos, onde alguns como o Brasil, ainda possuem consideráveis áreas de floresta,

muitas delas habitadas por comunidades tradicionais, que realizam uso tradicional da terra

(incluindo queimadas), usadas principalmente para a agricultura de subsistência.

A COP 13 foi realizada em 2007 em Bali, na Indonésia, onde foi discutida a criação

de um novo acordo que substituísse o Protocolo de Quioto. Com base nas conclusões do mais

recente relatório do IPCC foi intensificada a necessidade de ações mais rápidas e eficazes para

conter o aquecimento global. Foi adotado o Mapa do Caminho de Bali (Bali Action Plan, em

inglês) através do qual “os países passam a ter prazo até dezembro de 2009 para elaborar os

passos posteriores à expiração do primeiro período do Protocolo de Quioto (2012).” (MMA,

2015) com vistas a estabelecer um cenário para as negociações em torno de um novo acordo na

COP 15, em 2009. Essa iniciativa basicamente alivia o peso da responsabilidade dos países

ricos sobre a redução de emissões de GEEs, dividindo-o com os países em desenvolvimento

que deveriam participar dos esforços de redução. Sob o signo dessa ideia é criado o conceito de

Ações de Mitigação Nacionalmente Apropriadas (Nationally Appropriate Mittigation Actions

– NAMA)

[...] estabelecendo compromissos mensuráveis, verificáveis e reportáveis (MVR) para

os países em desenvolvimento e que poderiam, mas não necessariamente, ser objeto

de financiamento pelos países do Anexo I. Essas propostas significam que os países

desenvolvidos se comprometem com metas de produtos, nos quais os “produtos” são

as emissões de gases do efeito estufa, e os países em desenvolvimento se

comprometam com as mudanças de políticas, em vez de metas de emissão (LEITE,

2014, p.31, grifo nosso)

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Os compromissos se remetiam à redução de emissões causadas por desmatamento

das florestas tropicais. Nesses termos, quando os países em desenvolvimento se comprometem

e cumprem mudanças em suas políticas passam para a esfera da política internacional a decisão

de como gerir as suas florestas em troca da renovação da promessa de que os desenvolvidos

cumprirão a redução de emissões que há muito foi estabelecida.

Nessa COP, foi aprovada também

[...] a implementação efetiva do Fundo de Adaptação, para que países mais

vulneráveis à mudança do clima possam enfrentar seus impactos. Diretrizes para

financiamento e fornecimento de tecnologias limpas para países em desenvolvimento

também entraram no texto final, mas não foram apontadas quais serão as fontes e o

volume de recursos suficientes para essas e outras diretrizes destacadas pelo acordo,

como o apoio para o combate ao desmatamento nos países em desenvolvimento e

outras ações de mitigação (MMA, 2015).

A COP 14 em Poznan, na Polônia em 2008, o trabalho em torno de um novo acordo

em Copenhague na COP seguinte continuou e foi marcada pela expectativa a respeito da postura

dos Estados Unidos, visto a eleição do presidente estadunidense Barack Obama. Alguns países

em desenvolvimento, como Brasil, China, Índia, México e África do Sul demonstraram abertura

para assumirem compromissos não obrigatórios para a redução das emissões de carbono

(MMA, 2015). Também se chegou a um acordo sobre a operacionalização final do Fundo de

Adaptação para apoiar medidas de adaptação concretas em países em desenvolvimento.

Em 2009, aconteceu a COP 15 em Copenhague, Dinamarca, envolta em um clima

de expectativas para um novo acordo, dado o fim do período do Protocolo de Quioto (2005-

2008). As esperanças se concentravam na resolução do impasse entre países desenvolvidos e

em desenvolvimento, a possibilidade de um comprometimento do novo governo dos Estados

Unidos que respondiam e ainda respondem por um imenso volume de emissões e o

estabelecimento de metas de redução de emissões e as bases para um esforço global de

mitigação e adaptação. Embora não se tenha alcançado um consenso em torno do chamado

Acordo de Copenhague, o evento avançou na discussão do mecanismo de Redução de Emissões

por Desmatamento e Degradação (REDD), considerado importante para os países em

desenvolvimento. Também os países desenvolvidos se comprometeram com o financiamento

de ações de mitigação e adaptação em países em desenvolvimento: fornecer US$ 30 bilhões

entre 2010 e 2012 e atingir os US$ 100 bilhões até 2020 (MMA, 2015).

Segundo Leite (2014), apesar das expectativas, a conferência terminou sem grandes

avanços em torno de um acordo global do clima, graças à diferença de posicionamento entre os

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países industrializados e os ditos emergentes59: os emergentes defendiam que a obrigação

original era a redução das emissões dos industrializados e os industrializados rebatiam que a

decisão não adiantaria sem a adesão dos emergentes, já que estes contribuíam

significativamente com as emissões. De qualquer modo, frente à grande expectativa que essa

COP nutria em torno de um novo acordo que não aconteceu, ela é referida como um grande

fracasso na história das negociações globais para o clima.

A COP 16 realizada em 2010 em Cancun, México, ocorreu sem muitas

expectativas, apenas decidiu sobre algumas discussões iniciadas na conferência anterior, como

a criação do Fundo Verde do Clima (Green Climate Fund)60 para administrar o dinheiro que os

países desenvolvidos se comprometeram a contribuir. Foi mantida a meta de elevação da

temperatura média em no máximo 2°C em relação aos níveis pré-industriais, mas as decisões

sobre o futuro do Protocolo de Quioto foram proteladas para a próxima conferência. Dos 194

países delegados, apenas a Bolívia se posicionou contra os acordos por considerá-los

insuficientes. “O Brasil lançou sua Comunicação Nacional de Emissões de Gases de Efeito

Estufa e anunciou a regulamentação da Política Nacional sobre Mudança do Clima [Decreto nº

7.390/2010]. Isto torna o Brasil a primeira nação a assumir formalmente e se auto-impor limites

de reduções de emissões (no máximo 2,1 bilhões de CO2 até 2020)”61.

Realizada em 2011 em Durban, na África do Sul, a COP 17 gerou a Plataforma de

Durban, na qual as partes se comprometeram em definir metas até 2015, que deverão ser

colocadas em prática a partir de 2020, para conter o aumento da temperatura no mundo. Havia

uma expectativa em prorrogar o Protocolo de Quioto e a discussão do projeto, que devia

substituí-lo, previa algumas condições para se chegar a um acordo em 2015 com adesão de

grandes países emissores de GEEs, como os Estados Unidos e a China.

Entretanto, enquanto as ações de mitigação seguem sendo proteladas, sobretudo a

responsabilidade inicial dos países ricos, que foi o compromisso primeiro, que deu seguimento

ao processo de cooperação, se avançou muito em relação à negação de direitos elementares

59 China, Índia e Brasil estão entre os cinco maiores emissores (LEITE, 2014). 60 Apesar de criado em 2010, o fundo só começou a receber recursos em 2014, tendo arrecadado pouco mais de

US$ 10 bilhões com doações de 29 países, entre desenvolvidos e em desenvolvimento (cartacapital.com, 2015).

A Autoridade Nacional Designada – AND de cada país deverá indicar as instituições nacionais que o fundo

poderá credenciar para o acesso direto aos recursos, conforme condições pré-estabelecidas. No Brasil, a

competência é da Secretaria de Assuntos Internacionais – SAIN do Ministério da Fazenda, que indicou a Caixa

Econômica Federal - CEF e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES. Disponível

em: <http://www.sain.fazenda.gov.br/assuntos/politicas-institucionais-economico-financeiras-e-cooperacao-

internacional/fundo-verde-do-clima-2013-gcf>. Acesso em: 09 ago. 2016. 61 Disponível em: <http://www.terra.com.br/noticias/ciencia/infograficos/cops/>. Acesso em: 21 jul. 2015.

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inicialmente acordados com a finalidade de manter o diálogo, mas que seguem sendo

vorazmente revogados.

Esse é o caso, por exemplo, dos Princípios de Poluidor/Pagador62, de Precaução

Ambiental63 e de Responsabilidades Comuns e Diferenciadas64, inicialmente presentes na

primeira versão do documento-base da ONU para a RIO +20 (Draft Zero), mas excluídos da

versão final do (Draft 1) após rodadas de negociações em que países ricos se posicionaram

fortemente contra premissas relativas a direitos humanos e meio ambiente:

As premissas que abordaram questões elementares de direitos humanos e

responsabilidades ambientais dos Estados no Draft Zero sofreram pesadas restrições

na rodada de negociações que ocorreu nos EUA no final de março. Na versão mais

recente, o agora chamado Draft 1, países como EUA, Canadá e Austrália, por

exemplo, negam preceitos que reconhecem o acesso aos recursos naturais como um

direito humano, defendendo a exclusão dos pontos que tratam de segurança

alimentar, água potável e saneamento básico, erradicação da pobreza e a

responsabilidade dos Estados com o desenvolvimento sustentável. O mesmo se deu

com o trecho que assegurava atenção especial dos governos aos pequenos produtores,

mulheres, indígenas, populações tradicionais e jovens. Mais além, a palavra “pobreza”

foi substituída por “extrema pobreza”, o que, para fins de responsabilização dos

Estados e investimentos em políticas públicas, faz uma enorme diferença (para pior)

(STIFTUNG; BRASIL, 2012, pp.9-10, grifo nosso).

Para fazer cumprir a agenda decenal de avaliação dos acordos selados na primeira

conferência durante a Eco 92, foi realizada em 2012 no Rio de Janeiro, no Brasil65 a Conferência

das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável - CNUDS, a Rio+20. O objetivo central

da conferência foi a renovação do compromisso político internacional com o desenvolvimento

sustentável, baseado em dois temas principais para a sua implementação: a economia verde no

contexto da erradicação da pobreza e o fortalecimento da estrutura institucional no contexto da

governança ambiental (ONU, 2012), ou seja, o fortalecimento do multilateralismo como

instrumento para solução dos problemas globais. Assim, o evento foi a oportunidade para

“avaliar o progresso alcançado nos últimos 20 anos, as lacunas ainda existentes na

implementação dos acordos internacionais e os desafios novos e emergentes.” (MMA, 2015).

O documento final da conferência denominado “O Futuro que queremos” de início

traz a visão comum dos participantes, pontuando as questões que são consenso entre as partes

e norteiam o propósito da conferência, bem como as ações empreendidas para a sua realização

(Nossa visão comum). Em seguida, o documento registra a “Renovação do compromisso

62 Define que o país responsável por danos ambientais deve arcar com os custos da reparação. 63 Estabelece que uma ação deve ser evitada em caso de incerteza quanto ao impacto do uso de uma técnica ou

produto, ignorando o diagnóstico científico dos estudos de impactos ambientais. 64 Reconhece que os países desenvolvidos são os maiores responsáveis pela degradação do meio ambiente,

revogando o que foi fixado no Protocolo de Quioto, em 1997. 65 Desde 2009, a ONU já havia aceitado a proposta brasileira de sediar a Rio+20 (rio20.gov, 2015).

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político66”, onde reafirmam os princípios e planos de ação de eventos anteriores. Conforme a

declaração, é consenso entre os conferencistas que o desenvolvimento sustentável exige ações

concretas e urgentes e que só é possível alcançá-lo através de uma “ampla aliança de pessoas,

governos, sociedade civil e setor privado, todos trabalhando juntos para garantir o futuro que

queremos para as gerações presentes e futuras.” (ONU, 2012, p.4).

Entretanto, como ocorrera com a Rio +10, foi marcante a existência de impasses,

principalmente entre países desenvolvidos e em desenvolvimento e visível o adiamento de

medidas efetivas:

[...] a Rio+20 também não conseguiu avançar em medidas vinculantes em

compromissos obrigatórios, em prazos certos e cobráveis, mas apenas em uma

declaração final genérica. Os países do norte alegaram a crise econômico-financeiro-

social de 2008 como limitação ao apoio financeiro a países pobres – para os quais se

projetara um fundo de US$ 30 bilhões. Além disso, postergaram entre outras ações,

os objetivos do milênio (LEITE, 2014, pp.18-19, grifo nosso).

Meses depois, ainda em 2012, foi sediada em Doha, no Qatar, a COP 18, uma das

mais esperadas, pois deveria avaliar o resultado das reduções de emissões propostos para o

Primeiro Período de Referência (2008-2012) do Protocolo de Quioto. Entretanto, as ações

efetivas foram novamente proteladas e o encontro só conseguiu fechar um acordo para combater

o aquecimento global até 2020, após o encontro beirar o fracasso. Ficou acordada a extensão

do Protocolo de Quioto, que se mantém ativo como o único plano que gera obrigações legais

no enfrentamento do aquecimento global, “embora valha apenas para nações desenvolvidas

cuja fatia nas emissões mundiais de gases do efeito estufa seja menor do que 15%.” Questões

importantes como os detalhes da segunda fase do Protocolo de Quioto não foram resolvidas

assim como a questão da assistência financeira aos países em desenvolvimento, mantendo o

impasse entre os países dos hemisférios Norte e Sul. Aliás, a crise financeira foi o principal

argumento utilizado pelos países ricos para justificar os entraves no financiamento de projetos

destinados ao combate dos efeitos das mudanças climáticas nos países pobres (LEITE, 2014).

A COP 19, em Varsóvia, Polônia, em 2013, acontece com o objetivo de preparar as

negociações para a aprovação do novo tratado que substituiria o Protocolo de Quioto (Acordo

de Paris, 2015). Entretanto, a conferência assume um formato polêmico, tendo sido “marcada

por greve de fome, demissão de ministro e abandono das principais ONGs”.

66 Os chefes de Estado reafirmam o “compromisso de não poupar esforços para acelerar a consecução das metas

de desenvolvimento acordadas internacionalmente, incluindo os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio

(ODM) até 2015” (ONU, 2012, p.4).

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Os resultados da conferência foram a aprovação da criação de um mecanismo de

perdas e danos (loss and damage), que buscará maneiras de compensar países mais vulneráveis

que sofrem com a mudança climática por meio do financiamento de países ricos; decidiram

pelo desbloqueio do debate sobre financiamento a longo prazo, proposto na COP 15; foram

aprovadas normas para o financiamento de projetos voltados à proteção de florestas em países

em desenvolvimento (REDD+). Também os países foram convidados a iniciar ou intensificar

sua preparação para a COP de Paris, devendo inclusive realizarem “consultas públicas com a

sociedade, setores econômicos e governos subnacionais, a fim de determinar qual a contribuição

pretendida no novo acordo” enquanto que grandes países emergentes como a China e a Índia

rejeitaram alguma das propostas de contribuição (PBMC, 2015)67.

Assim como nas demais, as decisões por ações incisivas no sentido de cumprir a

meta de limitar o aumento da temperatura global a 2º C até 2100 foram, em parte, mais uma

vez empurradas para o futuro, o que constitui um grave problema, pois, de acordo com o PBMD

(2015), as ações de redução de GEEs para conter o aquecimento global e promover adaptação

são urgentes e já estão atrasadas68.

Enquanto se protelam as ações, os efeitos do aumento da temperatura se

intensificam e se abatem, principalmente, sobre as populações mais pobres, constatação que

ajudou a construir a conotação polêmica da conferência:

A mensagem da necessidade de urgência em adaptação foi simbolicamente

representada pelo delegado filipino Yeb Saño, que no primeiro dia da conferência

iniciou uma greve de fome que durou 13 dias, em homenagem às vítimas do evento

climático extremo, o furação Hayan, ocorrido nas Filipinas, e também como protesto

pela necessidade de ações mais ambiciosas durante a COP19 (PBMC, 2015).

A COP 20, realizada em 2014 em Lima, no Peru, ocorreu em meio a velhos

embates, como a briga de responsabilidades das emissões entre países desenvolvidos e em

desenvolvimento, que há tempos girava em torno do princípio das responsabilidades comuns,

porém diferenciadas, estabelecidos ainda na Eco 92, e dos pontos sobre financiamento

capacitação e transferência de tecnologias dos países ricos para os mais pobres. A oposição foi

marcada principalmente pelos emergentes China, Brasil, Índia e África do Sul aliados ao

chamado G7769 de um lado, e os desenvolvidos Estados Unidos, União Europeia e Rússia do

outro.

67 O Painel Brasileiro de Mudança Climáticas (IBPC) é um organismo científico nacional ligado à política

ambiental brasileira com enfoque nas questões climáticas. 68 Segundo o IPCC, é preciso diminuir entre 40% e 70% do total de gases lançados até 2050 e zerar essa taxa até

2100 para manter o limite de aumento da temperatura em 2ºC (PBMC, 2015). 69 Esse termo se refere ao grupo de coalizão fundado em 1964 composto pelos países em desenvolvimento e pelos

mais pobres que visa unir forças para elevar a sua capacidade de negociação no âmbito das decisões da ONU.

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Durante o evento, foi divulgada a primeira versão do rascunho para o novo acordo

global para a redução de emissões e indica que a proposta final

[...] deverá incluir disposições sobre corte de emissões de gases, adaptação à mudança

do clima, reparação por perdas e danos causados por desastres naturais, finanças,

desenvolvimento e transferência de tecnologia, capacitação e transparência de ação e

apoio. O novo tratado, que deverá ser obrigatório, mas não punitivo, tem que ser

assinado em 2015, na COP 21, em Paris, e entrar em vigor em 2020 (PBMC, 2015).

Outro documento produzido apresenta as metodologias sobre as quais os países

deverão trabalhar para apresentarem as suas ações após 2020. Entretanto, nem todas as

propostas combinam metas (redução, mitigação, adaptação etc.), sendo que uma dessas

propostas só foca na redução de GEEs, sem mencionar outras ações, como um planejamento

financeiro de longo prazo para combater a mudança do clima, o que seriam reflexo do interesse

dos países desenvolvidos que não querem ser obrigados a cumprir metas financeiras a longo

prazo (PBMC, 2015).

Em meio ao clima de oposição entre responsabilidade, o Brasil lançou a proposta

de Diferenciação Concêntrica, que pretende aperfeiçoar o princípio das responsabilidades

comuns, porém diferenciadas, redistribuindo as responsabilidades e o consequente nível de

comprometimento entre países desenvolvidos, emergente e em desenvolvimento, atendendo

assim a demanda dos países desenvolvidos para que os países emergentes também assumam

compromissos, o que em tese resolveria o impasse.

De qualquer forma, a aprovação do documento final denominado "Chamada de

Lima para a Ação sobre o Clima" que, vago e pouco ambicioso, contém os pontos básicos para

o próximo acordo só foi possível porque os países ricos teriam recuado e assim o documento

final retoma a culpa histórica dos países desenvolvidos sobre a emissão de GEEs, dissolvendo,

pelo menos momentaneamente, um dos principais impasses que vinha travando as discussões.

Nas últimas COPs, observou-se um claro impasse quanto as responsabilidades nas

emissões de GEE. Sobre esse clima de oposição que se estabeleceu entre os grupos de países

do Norte e do Sul, Leite (2014) avalia que “as COPs demonstram a complexidade das

negociações multilaterais, de modo a possibilitar arranjos capazes de avançar em acordos

climáticos, enquanto as promessas de financiamento de longo prazo para os países pobres

proposto em Copenhague não são cumpridas (LEITE, 2014, p.34).

Sem que haja um consenso entre as partes, as decisões não avançam. Não é, pois,

de se esperar que países de todo o mundo, com interesses particulares diversos, chegassem a

um acordo com o qual todos estivessem satisfeitos. Isso é compreensível porque o corte nos

níveis de emissão de GEEs se refere aos interesses de cada país em particular dentro do modo

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de produção capitalista e aos processos decisórios da economia e da política mundial, enfim, da

geopolítica.

Como era esperado, a COP 21 realizada em Paris, na França no final de 2015

culminou com a criação de um novo acordo global que substituirá o esvaziado Protocolo de

Quioto e aponta um novo rumo para a Convenção do Clima. Para muitos, os mais de 150 chefes

de Estados presentes no evento representam um maior engajamento dos diversos países, sejam

daqueles mais vulneráveis às mudanças climáticas, sejam daqueles que se sentem ameaçados

por um possível avanço favorável nas negociações e que por esse motivo desejam acompanhá-

la de perto e influenciá-la. De qualquer forma, “o acordo final da cúpula é considerado histórico

porque é o primeiro aceito pelos 195 países participantes.” (PBMC, 2016).

Apesar do novo acordo haver sido aprovado por consenso, isso não significa que as

negociações não foram um complexo cabo de guerra e que todas as partes saíram satisfeitas.

Notícias veiculadas pela imprensa narram alguns dos percalços e entraves das negociações que

certamente serão esquecidos pela história que apenas mencionará o vitorioso consenso do

resultado final do acordo. Uma notícia da UOL (2015, grifos nossos)70, por exemplo, traz à tona

que

As últimas noites de discussões foram cansativas e as últimas deliberações,

estressantes. No início da tarde, uma simples palavra fez suar frio a delegação

americana [entenda-se “estadunidense”]: um "shall" ("deve"), substituído por engano,

segundo a presidência francesa, por um "should" ("deveria"), no artigo do acordo que

define as obrigações dos países desenvolvidos em matéria de redução de emissões de

gases de efeito estufa, poderia requerer uma passagem pelo Congresso, cuja maioria

é hostil à administração Obama. A frase foi retificada, mas a correção foi contestada

no início da plenária pela coalizão dos países em desenvolvimento. Houve um novo

conciliábulo, que durou quase duas horas, para convencer estes últimos a aceitarem

a versão finalizada. Enquanto Laurent Fabius se preparava para selar o acordo a partir

de seu púlpito, a Nicarágua, contrária à cláusula de não-indenização das perdas e

danos sofridos pelos países pobres, pediu a palavra, que lhe foi negada. De forma

alguma deixariam Manágua, ou qualquer outra capital, estragar essa festa esperada há

tanto tempo!

Como era de se esperar, a diferenciação das responsabilidades entre os países

desenvolvidos e em desenvolvimento permaneceu como uma das principais pautas de discussão

durante o evento. Isso porque a diferenciação de responsabilidades não define apenas os

compromissos com a redução de emissões, mas se estende ao tratamento da questão de forma

geral, refletindo no nível de responsabilidades que cada país deverá assumir.

70 UOL Notícias. “Acordo do clima na COP-21 é sucesso ainda a ser confirmado”. Disponível em:

<http://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/le-monde/2015/12/29/cop21-um-sucesso-ainda-a-ser-

confirmado.htm>. Acesso em: 25 fev. 2016.

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Pelo Acordo de Paris, os países signatários mantiveram o objetivo de conter o

aumento da média de temperatura em 2°C (proposta de Copenhague, em 2009) até o fim do

século, mas se comprometeram em se esforçar para que o aumento não passe de 1,5°C, o que

teria sido uma exigência dos pequenos países insulares, para os quais a submersão é uma

ameaça iminente.

No evento, a grande maioria dos países signatários submeteram os seus

compromissos voluntários para o período de 2020 a 2030, as Intended Nationally Determined

Contributions - INDCs (em inglês) que compõem o acordo. O Brasil assumiu o compromisso

de até 2025 reduzir 37% das suas emissões de GEEs em relação aos níveis de 2005 e atingir a

redução de 43% até 2030. Para isso, uma das principais apostas é a diversificação da matriz

energética nacional até 2030: aumentar em cerca de 18% a participação de bioenergia

sustentável e em 45% a de energias renováveis (MMA, 2016). Entretanto, tanto o governo

federal quanto governos estaduais mantêm projetos de energia contrários ao compromisso

assumido no Acordo de Paris, como ocorre por exemplo no estado do Ceará, onde são levados

a cabo o Projeto Santa Quitéria de exploração de urânio para energia nuclear e as usinas

termelétricas do Complexo Industrial e Portuário do Pecém – CIPP.

A soma do que cada país pode ou quer oferecer livremente, certamente não será

suficiente para o enfrentamento da questão. Apesar da estimativa do IPCC de que para conter

a elevação da temperatura abaixo de 2°C as emissões de GEEs teriam de cair entre 70% e 90%

até 2050 em relação a 2005 e zerar até 207571, o acordo não estabelece metas de redução. O

texto se limita a encomendar estudos até 2018 que avaliem o corte necessário para manter o

aumento máximo de 1,5°C e considera que é necessário zerar as emissões líquidas, ou seja,

alcançar um balanço positivo entre emissões e remoções de GEEs da atmosfera, uma

oportunidade para implementação de mecanismos do desenvolvimento sustentável e da

economia verde que prometem aliar preservação ambiental e crescimento econômico. Aliás, a

esse respeito é oportuno dizer que foram tomadas decisões fundamentais para impulsionar a

implementação de REDD+ no Brasil e no mundo, referentes sobretudo a aspectos

metodológicos que devem encerrar a necessidade de orientações adicionais para a sua

implementação (MMA, 2016).

O Acordo de Paris possui caráter legalmente vinculante e deverá entrar em vigor

em 2020. Ele estabelece que os esforços deverão ser avaliados a cada cinco anos com a

finalidade de orientar as ações de mitigação em prol de desacelerar o aumento da temperatura,

71 Disponível em: <http://g1.globo.com/natureza/noticia/2015/12/acordo-de-paris-sobre-o-clima-veja-perguntas-

e-respostas.html> Acesso em: 25 fev. 2016.

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verificar o cumprimento das medidas voluntárias propostas, o que deverá dar transparência às

ações empreendidas por cada país e quem sabe até negociar metas claras de cortes de emissões

que o texto atual não contempla. A primeira verificação acontecerá em 2023.

O acordo também prevê que a partir de 2020 os países desenvolvidos deverão

investir US$ 100 bilhões anuais para projetos de adaptação e mitigação em países em

desenvolvimento afetados pelos efeitos do aquecimento global, mas sem definir o que cada um

pagará. Considerado baixo, esse valor deverá ser elevado de forma quinquenal a partir de 2025

e definido a partir de novas negociações. Longe de ser um avanço vitorioso, a decisão remete

ao fantasma de um fracasso, já que esse foi um compromisso assumido pelos países

desenvolvidos no Acordo de Copenhague em 2009 que até então não havia sido cumprido72.

Ainda assim foi tema de embates e só chegou a um resultado após a ampliação da base de

doadores exigida pelos países desenvolvidos: incluiu os países emergentes - embora que de

forma facultativa - e a possibilidade de cooperação financeira entre as nações em

desenvolvimento, a chamada “cooperação Sul-Sul”.

Muitos concordam com o secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, que considerou

a conferência um momento decisivo e o acordo um documento histórico que remontam décadas

de negociações e prometem colocar o mundo em um novo caminho para um futuro resiliente73.

Outros apontam que o acordo não resultou em quaisquer compromissos reais, concretos e

mensuráveis, novamente protelando decisões que há muito são urgentes. Seja como for, o que

sai acertado desse acordo é que as partes deixam suas portas abertas para acordos futuros, pois

diante de tantos e tão diversos interesses, as generalizações são a única maneira de se chegar a

um consenso.

Depois de duas décadas de negociações que têm andado em círculo, muito pouco

foi feito. Há uma clara falta de vontade política dos países signatários da Convenção do Clima,

sobretudo dos desenvolvidos, em implementar medidas efetivas de enfrentamento ao

aquecimento global. Nessas condições, o projeto ambiental internacional que se estruturou em

torno da política climática que já demonstrava claras evidências de fracasso nas ações práticas

de mitigação e adaptação ambiental nos parece que se aproxima também do seu esgotamento

político e hegemônico nesse formato, tal qual o conhecemos.

72 Enquanto o Acordo de Copenhague (2009) determinava que os investimentos deveriam atingir os US$ 100

bilhões até 2020, o Acordo de Paris (2016) estabelece que será a partir de 2020. Paris retoma o acordo anterior

não cumprido, o que pode ser visto como boa vontade ou com desconfiança. De qualquer forma, isso protela as

ações práticas. 73 Disponível em: <http://exame.abril.com.br/mundo/noticias/cop-21-divulga-acordo-historico-pelo-clima>.

Acesso em: 24 fev. 2016.

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Assim, como bem destacou Maureen Santos em artigo na revista Carta Capital

(2015)74, entre as disputas e interesses em jogo na COP 21, um ponto crucial e talvez o mais

importante para salvar a Convenção do Clima é a reafirmação do multilateralismo como espaço

coletivo global de tomada de decisões. Isso justifica a expectativa que havia em torno do novo

acordo e o esforço das partes para consolidá-lo, apesar das divergências.

Apesar dos avanços pouco significativos no enfrentamento do aquecimento global

apontarem o fracasso da convenção através de suas sucessivas conferências em termos

ambientais, seus avanços em termos políticos e econômicos, enquanto projeto hegemônico,

apresentam resultados bastante satisfatórios, uma vez que conseguiu fazer com que a ideia de

desenvolvimento sustentável fosse consolidada, disseminada e adotada em escala global,

criando novos elementos que garantissem a continuidade do crescimento econômico e a

manutenção das estruturas de poder vigentes.

2.5 A ECONOMIA VERDE E AS NOVAS FORMAS DE RELAÇÃO DE PODER

As políticas ambientais em nível internacional estão, de uma maneira geral,

assentadas sobre as mudanças climáticas. O ponto de discussão se concentra em torno da

emissão de GEEs, considerados os intensificadores do efeito estufa que leva ao aumento nas

médias globais de temperatura, o famoso aquecimento global, e que desencadeia um sem fim

número de consequências em toda a biosfera. Quer referidos de forma genérica pela sua origem,

quer entendidos como componentes do sistema climático global em mudança, o conjunto dessas

alterações é chamado de mudanças climáticas.

A partir do pressuposto de que as atividades produtivas, que são antes sociais,

intensificam a concentração dos GEEs responsáveis pelo aquecimento global que leva a um

conjunto de mudanças climáticas e que estas oferecem risco para a manutenção dos

ecossistemas e, por consequência, da própria organização social, o objetivo é reduzir emissões

futuras e mitigar os GEEs já emitidos para frear o efeito estufa. Desse modo, como todas as

atividades humanas geram algum impacto e, em certa medida, todas as atividades realizadas

dentro do atual sistema produtivo contribuem direta ou indiretamente para a emissão de GEEs,

todas elas podem ser alvo de medidas que visem diminuir a emissão desses gases. Ou seja,

74 Artigo “Entenda a COP 21 e as disputas em jogo” de Maureen Santos publicado em 09/04/15 na versão digital da revista Carta

Capital. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/blogs/blog-do-grri/entenda-a-cop-21-e-as-disputas-em-jogo-5188.html>.

Acesso em: 25 fev. 2016.

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edificada sobre esse pressuposto, as políticas ambientais têm jurisdição sobre todos os aspectos

da vida social.

De acordo com a proposta de desenvolvimento sustentável pautada no mercado e

na tecnologia, para se alcançar um desenvolvimento sustentável, seria necessário reestruturar

os componentes do sistema produtivo para que ele possa continuar a se reproduzir com base em

uma economia que seja pouco intensiva em carbono, eficiente no uso de recursos naturais e

socialmente inclusiva. Esses critérios nortearão as estratégias de desenvolvimento sustentável

que serão progressivamente desenvolvidas a partir de 1992, ano após ano nas Conferências das

Partes (COPs) dos países signatários da Conferência do Clima.

Essas estratégias são delegadas aos Estados-nação para a manutenção da ordem

vigente, reafirmam as relações de poder estabelecidas entre países e seus respectivos grupos

sociais com interesse distinto - como grupos econômicos internacionais e comunidades

tradicionais, por exemplo - exercidos por meio da apropriação privada da natureza, da

propriedade da tecnologia e da política ambiental, ambas projetadas em escala mundial. Assim,

temos por certo que

Emergindo como proposta de cooperação internacional com base em nova relação

sociedade-natureza, o desenvolvimento sustentável, tal como expresso no Relatório

Brundtland (1987) é uma feição específica da Geopolítica contemporânea. Ela é

reveladora da revalorização da dimensão política do espaço e dos conflitos a ela

inerentes em várias escalas geográficas (BECKER, 1995, p.292 apud RODRIGUES,

1998, p.73).

O fortalecimento da estrutura institucional no contexto da governança ambiental e

a economia verde no contexto da erradicação da pobreza foram eleitos os dois pontos-chave de

ação para a efetiva implementação do desenvolvimento sustentável durante a Rio +20 (2012),

cujo objetivo central era a renovação do compromisso político internacional com o

desenvolvimento sustentável (ONU, 2012). Porém a sua construção já vem de muito antes e se

confunde com o próprio desenvolvimento sustentável, que tendo uma superioridade econômica,

não se sabe dizer ao certo se a economia verde é um instrumento ou a prática do próprio

desenvolvimento sustentável que se propõe.

Lançada em 2008, a Green Economy Initiative (Iniciativa Economia Verde - IEV),

do PNUMA, define a economia verde como aquela que “resulta em melhoria do bem-estar

humano e da igualdade social, ao mesmo tempo em que reduz significativamente os riscos

ambientais e a escassez ecológica.” (STIFTUNG; BRASIL, 2012), ou seja “um conjunto de

processos produtivos que poderia gerar, em um determinado local, o desenvolvimento

econômico, compatibilizando-o com igualdade social, erradicação da pobreza e melhoria do

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bem-estar, reduzindo assim os impactos ambientais negativos e a escassez ecológica.” (LEITE,

2014, p.48).

Assim, a transição para uma economia de baixo carbono deverá adaptar os meios

de produção às necessidades ambientais de modo a garantir a sua continuidade: será necessário

investir em uma matriz energética menos poluente, desenvolver novos produtos, novo sistema

de transportes e mobilidade urbana, novas edificações. Ou seja, é necessário fazer com que toda

a economia passe a girar em torno da sustentabilidade, substituindo tudo que é antigo e

insustentável, por coisas ditas novas e ambientalmente corretas, de modo que “alcançar a

sustentabilidade depende quase inteiramente em acertar na economia.” (STIFTUNG; BRASIL,

2012, p.7).

Nesse sentido, é de extrema importância o conteúdo ideológico para a legitimação

do projeto de desenvolvimento sustentável que se planeja implantar: a aclamação e a

justificação do novo é precedida pela depreciação do velho. Assim, a economia usual ou o

business as usual que se deseja enterrar é classificada como “economia marrom” em referência

ao rastro de destruição dos recursos naturais e à degradação ambiental que ela gera; enquanto a

nova e aclamada “economia verde” é assim referida em oposição, como sendo aquela capaz de

conservar o meio ambiente e resolver os problemas identificados no antigo modelo. Essa ideia

reformista ofusca os questionamentos sobre a natureza contraditória, conflitiva e predatória do

capitalismo, afirmando que seu aperfeiçoamento constante é suficiente para resolver os

problemas que ora afligem a natureza e a sociedade.

Essa reestruturação de amplos setores produtivos é justamente o que sugere o

documento “Rumo a uma Economia Verde: Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável e

a Erradicação da Pobreza” apresentado pelo PNUMA na Rio+20 (2012). O escrito destaca 11

setores-chave para a transição para uma economia verde: agricultura, construções, energia

renovável, silvicultura, indústria de manufatura, recursos pesqueiros, turismo, transporte,

recursos hídricos, manejo de resíduos sólidos e cidades. Por meio de modelos econométricos,

o documento compara o cenário tendencial (business as usual) ao cenário alternativo proposto

com investimentos de 2% do PIB global ao ano até 2050, chegando a resultados muito

superiores em crescimento global do PIB e no nível de emprego e renda (LETE, 2014).

De acordo com Leite (2014), o documento defende a proposição de que a transição

para uma economia verde não implica necessariamente na redução do crescimento econômico:

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aumentaria o nível de emprego, o crescimento do PIB e o capital natural75 (como são referidos

os bens naturais). Entretanto, tal crescimento se daria a médio e longo prazo, sendo necessário

um período de transição em que o nível de emprego precisaria cair junto com a economia

marrom, para depois, através da qualificação e reeducação da força de trabalho, a economia

verde voltar então a crescer.

Investimentos públicos e privados promoveriam a substituição das atuais estruturas

por outras de baixa emissão de carbono. Essa substituição geraria dois efeitos simultâneos: a

geração de emprego e renda, levando à eliminação da pobreza e à melhoria na qualidade de

vida; e o benefício ambiental, fim último da proposta.

Com relação à preservação ambiental, a economia verde está pautada na

“perspectiva de ‘salvar o que resta da natureza’ via mecanismos tradicionais de mercado, no

sentido de que a preservação do planeta passa a ser atrelada aos benefícios que pode trazer ao

capital.” (STIFTUNG; BRASIL, 2012, p.7). Desse modo, os bens naturais essenciais à vida da

humanidade e fonte primeira para a produção material, vista antes como recursos naturais, agora

são atualizados para o conceito de “capital natural”, dentro de uma abordagem completamente

econômica da crise ambiental e indicando a própria concepção de natureza que norteia a

proposta do desenvolvimento sustentável.

A ideia central é de que a gratuidade dos bens naturais é que levam à sua

degradação, de modo que seria necessário protegê-lo por meio do mercado. Isso se faria por

três meios: incluindo os custos da degradação na produção, ou seja, a cobrança sobre o acesso

às fontes de matéria prima e sobre os passivos ambientais demandados pelo processo produtivo

e pela geração de resíduos; cobrando pela utilização dos chamados “serviços ambientais”, ou

seja, pelo usufruto das funções ecossistêmicas, que a natureza gratuitamente oferece aos seres

humanos enquanto componentes do sistema ecológico e; pagando a quem conservar os recursos

naturais e as funções ecossistêmicas e reduzir a degradação ambiental76.

O que faz com que ela não se diferencie da clássica economia marrom é o fato de

que ela não trata a crise ambiental como consequência do modo industrial de produzir e dos

padrões capitalistas de acumulação. Sendo em si contraditória, revela-se um mercado perverso,

que não só não beneficia a natureza como também intensifica as diferenças socioeconômicas.

Em vez de rever os mecanismos de produção que têm sua origem na organização social, a

75 É válido ressaltar que a necessidade da conservação do capital natural é normalmente associada às populações

pobres que seriam as mais dependentes desses recursos e, consequentemente, as mais afetadas pela sua

depredação, emprestando uma visão social e humanitária a objetivos estritamente econômicos. 76 Os genocídios de povos que habitam as terras que são alvo de empreendimentos não entram na conta das

externalidades.

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economia verde apenas estimula a adoção de mecanismos de produção menos poluidores,

baseados em tecnologia, que seriam adotados pelos governos e pela iniciativa privada a fim de

ambientalizar a economia clássica. Desse modo, são desenvolvidos “uma infinidade de

serviços, ferramentas e órgãos institucionalizados nas diversas nações com autonomia legal

para lhe dar coesão e legitimidade.” (TORRES, 2013, p.67).

Para que a política ambiental internacional encabeçada pela ONU pudesse se

transformar numa ferramenta apropriada para a manutenção do poder hegemônico dos países

ricos, das empresas multinacionais, dos grupos econômicos multilaterais e dos capitalistas em

geral, ela teve que ser construída de maneira sutil e ardilosa, para depois, já estabelecida,

avançar ofensivamente sobre o seu objetivo de romper as últimas fronteiras do capital. Ao nosso

ver, a implantação do desenvolvimento sustentável ou da economia verde, duas faces da mesma

moeda, é um plano engenhoso dos capitalistas que seguem algumas fases: convidar ao diálogo,

se submeter para conquistar, se igualar para reverter a submissão, se impor para controlar e

finalmente avançar para dominar.

Inicialmente, as discussões sobre a problemática ambiental no âmbito da

cooperação internacional proposta pela ONU apontavam o aumento das emissões de GEEs

proporcionado pela industrialização como o responsável pelo aquecimento global e as

consequentes alterações climáticas. Desde a Conferência de Estocolmo (1972), o embate entre

países ricos e pobres foi evidente em torno das responsabilidades, de modo que, para poder dar

segmento ao processo de cooperação, foi necessário que se reconhecesse a maior

responsabilidade dos países ricos. Na Eco 92 (1992), esse reconhecimento foi formalizado com

a instituição do Princípio das Responsabilidades Comuns mas Diferenciadas. Assim, o acordo

inicial era que os países industrializados mantivessem as emissões de GEEs nos níveis

identificados em 1990 até o ano 2000 (MESQUITA JÚNIOR, 2007).

Em 2005, quando o Protocolo de Quioto (1997) finalmente entrou em vigor, em

consonância com o Princípio das Responsabilidades Comuns mas Diferenciadas, os países

foram divididos em duas categorias: Partes do Anexo I77, os países que têm metas de redução

77 Correspondem aos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

(OCDE) e os países do antigo bloco soviético, considerados países em transição para economia de mercado,

podendo ser anfitriões de projetos do tipo implementação conjunta. São basicamente: Alemanha, Austrália,

Áustria, Bélgica, Bielo-Rússia, Bulgária, Canadá, Comunidade Europeia, Croácia, Dinamarca, Eslováquia,

Eslovênia, Espanha, Estônia, Federação Russa, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Irlanda, Islândia, Itália,

Japão, Letônia, Liechtenstein, Lituânia, Luxemburgo, Mônaco, Holanda, Nova Zelândia, Noruega, Polônia,

Portugal, Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, República Tcheca, Romênia, Suécia, Suíça, Turquia,

Ucrânia e Estados Unidos (mudancasclimaticas.org, 2015).

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de GEEs; e Partes Não Anexo I78, países em desenvolvimento que não estão sujeitos às reduções

das emissões. As metas progrediram e ficou definido que os países industrializados, os

chamados Anexo I, deveriam reduzir as suas emissões de GEEs em 5,2% com relação aos níveis

de 1990 entre 2008 e 2012, prazo definido como Primeiro Período de Referência.

Entretanto, ao mesmo tempo em que se criaram metas, se estabeleceram

mecanismos de flexibilização para que elas pudessem ser atingidas sem causar impactos

significativos na economia. Assim, o Protocolo de Quioto prevê três mecanismos de

flexibilização que permitem aos países desenvolvidos alcançarem suas metas de redução de

GEEs além de suas fronteiras nacionais: a Implementação Conjunta e o Comércio de Emissões

que só podem ser utilizados entre países industrializados, objetivam a contabilização de

reduções líquidas de emissões de gases com a execução de projetos em outros países também

do Anexo I; e o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, que admite a participação voluntária

de países em desenvolvimento.

A instituição dos mecanismos de flexibilização transformou a obrigação dos países

industrializados de reduzirem as suas emissões em oportunidade de colaborar com a

implantação do desenvolvimento sustentável dos países em desenvolvimento. Na prática, foi a

autorização para criar mecanismos legais para controlá-los em sua política e seus recursos

naturais.

A Implementação Conjunta permite que determinado país do Anexo I implemente

projetos de redução em outro país também do Anexo I, garantindo para si o crédito da ação.

“Por exemplo, se os japoneses têm um alto custo para reduzir suas emissões, estes poderiam

implementar um projeto visando reduções na Alemanha. Estas reduções contariam como

contribuição para a meta de redução do Japão.” (IPAM, 2015).

O Comércio de Emissões permite que um país do Anexo I que tenha diminuído suas

emissões para níveis abaixo da sua meta, possa vender o seu saldo para outro país também do

Anexo I, que não tenha alcançado a meta, de modo que somados, os dois manteriam os limites

propostos para cada um.

O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo - MDL79 permite que os países do Anexo

I alcancem as suas metas de emissões através da implementação de projetos de redução nos

países em desenvolvimento (Não Anexo I), aqueles que não têm metas obrigatórias de redução.

Esses projetos contribuiriam para que a implementação do desenvolvimento sustentável nos

78 Refere-se aos países em desenvolvimento que não se comprometeram em assumir metas obrigatórias de redução

de emissão (mudancasclimaticas.org, 2015). 79 Os projetos MDL podem ser implementados nos setores energético, de transporte e florestal (IPAM, 2015).

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países em desenvolvimento, ao passo que gerariam créditos de carbono para o país investidor

utilizar para compensar as suas próprias emissões ou vendê-los no mercado de carbono para

outro país que necessite.

De acordo com Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia80 (IPAM, 2015), “os

países do Anexo I só podem utilizar esse mecanismo para compensar 1% no máximo de suas

emissões em relação ao ano base de 1990, multiplicado por cinco, enquanto o restante das

reduções deve ser promovido diretamente no próprio país industrializado”. A redução de GEEs

proposta pelo Protocolo de Quioto é de 5,2% com relação aos níveis de 1990. Se os projetos de

MDL podem compensar 1% multiplicado até por cinco vezes, restariam apenas 0,2% de

reduções para os países ricos realizarem em seus respectivos territórios. Ou seja, os países ricos

pouco precisariam alterar a sua economia para se adequar às reduções.

Quanto ao cumprimento das metas, os projetos vislumbrados pelo Protocolo de

Quioto são caracterizados em dois grupos: os que sequestram carbono e os que reduzem gases

de efeito estufa da atmosfera. O primeiro grupo engloba aqueles projetos que pretendem mitigar

os gases de efeito estufa já gerados por processos produtivos anteriores e estão presentes na

atmosfera impactando no efeito estufa, comumente ilustrado por projetos de reflorestamento ou

plantio e referidos como “sequestro de carbono”. O segundo grupo é o dos projetos que visam

a redução de emissões futuras em determinado setor produtivo, adequando certos mecanismos

da produção para que possam gerar menos Gases de Efeito Estufa (GEEs) do que gerariam se

continuassem com o padrão usual.

Os projetos desse segundo grupo são aqueles que utilizam predominantemente o

MDL como medida mitigadora, inclusive o tratamento de biogás (queima e geração de energia)

de resíduos sólidos proposto para os aterros sanitários a serem implementados no Brasil, com

alguns projetos já em funcionamento em algumas cidades brasileiras. O Aterro Bandeirantes,

80 O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) se descreve como uma organização científica, não

governamental e sem fins lucrativos formadas por cientistas e educadores fundada em 1995 com a proposta de

“engajar a ciência e o ativismo ambiental na região amazônica, construindo bases para a ação de movimentos

sociais e para a formulação de políticas públicas”. Declaram defender a participação dos povos que habitam a

região (sobretudo os povos da floresta: indígenas, extrativistas, ribeirinhos, quilombolas etc.) na resolução dos

problemas amazônicos. Entretanto, os eixos estratégicos de atuação desse instituto são: Governança

socioambiental; Fortalecimento de atividades produtivas sustentáveis; Vulnerabilidade e adaptação

socioambiental; e Incentivos econômicos para a sustentabilidade. Ou seja, sua atuação não é só obviamente

orientada pela lógica de desenvolvimento sustentável do PNUMA, mas parece funcionar como um braço deste

dentro da Amazônia e arrastando-a para o contexto internacional:

“[...] trabalhamos gerando informações e fomentando iniciativas para subsidiar políticas públicas, iniciativas locais

e acordos internacionais. Estas atividades são realizadas com a participação de agricultores familiares,

produtores rurais, povos indígenas, comunidades tradicionais e diferentes setores do governo. As pesquisas e a

atuação do IPAM são conduzidas por pesquisadores com excelência acadêmica nacional e internacional”

(IPAM, 2015).

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por exemplo, localizado na Região Metropolitana de São Paulo e o maior aterro sanitário do

Brasil é o pioneiro na recepção desse tipo de projeto MDL, firmado ainda em 200381

(CORNETTA, 2011). Esse tópico será retomado mais adiante com mais detalhes, visto que

representa o elo entre a política ambiental internacional e os aterros sanitários propostos pela

Política Nacional de Resíduos Sólidos (2010).

Quanto ao mercado de carbono82, em suma, podemos afirmar que ele “movimenta-

se basicamente das licenças para poluir que as empresas recebem: a poluição evitada83 por

determinado poluidor medida em créditos de carbono [...] e vendidos a outro poluidor que já

alcançou seu ‘direito de poluir’ e necessita de mais licenças.” (TORRES, 2013, p.67).

A desconfiança sobre os reais benefícios ambientais que esse tipo de negócio verde

proporciona ganha cada vez mais peso quanto mais se avalia os seus mecanismos. Os limites

de poluição estabelecidos nas “Licenças de Poluição”, aos quais cada empresa tem direito e que

constituem a base desse mercado não é algo confiável, pois embora sejam definidos por órgãos

governamentais ou intergovernamentais

Via de regra, o limite de poluição é altamente suscetível ao lobby de empresas e não

se estabelece segundo critérios científicos. A maioria dos mercados de Cap and

Trade[84] usa projeções de emissões históricas fornecidas pela própria indústria para

calcular o tamanho do limite inicial. Isso deu margem a uma manobra das indústrias,

que superestimam suas emissões: quanto mais declaram poluir, tanto mais licenças

receberão. Se essas declarações não condizem com as emissões reais, a empresa pode

de fato aumentar sua poluição ou ganhar dinheiro vendendo as licenças sobressalentes

(STIFTUNG; BRASIL, 2012, p.12, grifo nosso).

As metas de redução de GEEs pautadas em mecanismos de mercado não atenuam

os problemas do meio ambiente, mas agravam as desigualdades entre países: reafirma a inserção

subalterna dos países subdesenvolvidos e a hegemonia dos países desenvolvidos na economia

e na geopolítica global, principalmente por meio da tecnologia produzida nos países

desenvolvidos que “são exportadas, com lucro, para os países em desenvolvimento, para que

estes as apliquem em projetos de geração de créditos. Assim, a crise climática se torna

duplamente lucrativa para os países desenvolvidos.” (STIFTUNG; BRASIL, 2012, p.14).

81 O Protocolo de Quioto só foi ratificado em 2005, embora seu processo tenha se iniciado ainda em 1997. Ou seja,

as negociações foram anteriores à oficialização do tratado e, embora houvesse uma tendência à sua aprovação, a

antecipação do projeto demonstra segurança por parte dos investidores de que o protocolo entraria em vigor.

Exploraremos essa relação nos capítulos que estão por vir. 82 Segundo Stiftung e Brasil (2012, p.14) “o comércio oficial de créditos de carbono já movimenta, de acordo com

estimativas do mercado financeiro norte-americano [estadunidense], aproximadamente US$ 300 bilhões,

montante que pode chegar a US$ 2 ou 3 trilhões na próxima década.” 83 Tem que ser aprovado por uma Autoridade Nacional Designada – AND para gerar o Certificado de Emissões

Reduzidas – CER e então ser negociável, inclusive na bolsa de valores, de acordo com a demanda e a oferta. 84 Cap and Trade ou limitar e negociar, se resume basicamente em diminuir a poluição em troca de compensação

financeira.

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Outra ferramenta criada pela coalizão do clima da ONU para incrementar a

economia verde foi oficializada em 2007 na 13ª Reunião das Partes da Convenção da ONU

sobre Mudanças Climáticas (COP 13), “onde se estabeleceu que os projetos e incentivos

econômicos à redução de emissão deveriam se dar reduzindo ou impedindo o desmatamento

florestal, sobretudo nos países subdesenvolvidos, com maiores reservas florestais.” (TORRES,

2013). Assim foi instituído o programa de Redução de Emissões por Desmatamento e

Degradação – REDD (Reducing Emissions from Deforestation and Forest Degradation) que,

baseado naquela premissa inicial de que a conservação da natureza só se dará pelo mercado,

cria um conjunto de incentivos financeiros para reduzir as emissões decorrentes do

desmatamento e da degradação florestal.

Em suma, se aplica um valor financeiro no CO2 contido nas árvores para ser

comercializado: a floresta ficará de pé apenas se o lucro obtido com a venda do CO2 que ela

estoca em suas árvores for superior ao lucro que seria obtido com as atividades que implicariam

no seu desmatamento85, ou seja, está diretamente relacionado ao que se lucraria se houvesse o

desmatamento, o que é potencialmente problemático para a natureza, pois “quanto maiores os

desmatamentos e o lucro com a destruição das matas, maior o valor de sua preservação e mais

lucrativo é o REDD.” (STIFTUNG; BRASIL, 2012, pp.17-18).

A realização do REDD está condicionalmente associada à apropriação privada das

florestas por determinados grupos econômicos: para manter a floresta de pé é necessário

comprá-la ou estabelecer um contrato com o proprietário. Como “as transações estão baseadas

no interesse de empresas dos países desenvolvidos nas florestas dos países em

desenvolvimento” (STIFTUNG; BRASIL, 2012, p.18), o REDD tem muitos efeitos nocivos.

O primeiro é estrutural: aliena a soberania dos países subdesenvolvidos sobre os

seus recursos florestais à medida que os lança no mercado internacional, onde qualquer grupo

econômico ou governo pode adquirir a propriedade das florestas fincadas em seus territórios,

caracterizando uma nova estratégia de apropriação dos recursos florestais dos países

subdesenvolvidos. Nas acertadas palavras de Porantim86 (2014):

85 “Assim, pode-se acabar incentivando um tipo de chantagem ambiental, pela qual países ou proprietários podem

vincular a preservação da floresta ao pagamento por ela. Algo do tipo: alguém paga, ou desmato.” (STIFTUNG;

BRASIL, 2012, p.18). 86 O Jornal Potantim é uma publicação do Conselho Indigenista Missionário - Cimi, organismo vinculado à

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB e historicamente dedicado à defesa dos direitos de

populações indígenas no Brasil. O Cimi foi criado em 1972 e teve extrema importância na articulação dos povos

indígenas para lutarem pela garantia do direito à diversidade cultural em um contexto em que o Estado brasileiro

assumia abertamente a integração dos povos indígenas à sociedade majoritária. O Cimi tem como princípio

fundamental o respeito à alteridade indígena em sua pluralidade étnico-cultural e histórica, o protagonismo dos

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Mecanismos de compensação para a captura de carbono colocam em risco a própria

soberania nacional, através da expansão das transnacionais na consolidação do poder

e controle sobre povos e governos, águas, territórios e sementes nos países do Sul,

além de modificarem os modos de vida das comunidades locais, que passam a ser

tratadas como fornecedoras de “serviços ambientais” (PORANTIM, 2014, p.2).

Isso leva a outro problema mais perverso: ele avança na negação do direito humano

ao meio ambiente de comunidades tradicionais que habitam as áreas de florestas alvo do

projeto. Por exemplo, os “povos indígenas estão sendo assediados por Organizações Não

Governamentais (ONG) a serviço das empresas do Norte para que firmem contratos cedendo

suas terras e florestas para a captura de gás carbônico (CO2)” (PORANTIM, 2014, p.2).

Torres (2013) citando Stiftung e Brasil (2012) relatam alguns desses casos:

No Brasil, há alguns casos emblemáticos de compra ou contrato de áreas florestais

por empresas internacionais: em 2000, foi realizada a compra de três áreas de Mata

Atlântica no Paraná, por três poluidoras internacionais: a General Motors

(automotiva), a Chevron (petroleira, responsável por um dos maiores vazamentos de

petróleo no Brasil na passagem 2011-2012) e a American Electric Power (maior

companhia energética dos EUA); Em 2011, a empresa irlandesa Celestial assinou um

contrato de 30 anos com os indígenas Munduruku, no Pará. Nos dois casos as

comunidades tradicionais não poderiam deferir quaisquer ações que viessem a

modificar a floresta, nem mesmo atividades extrativistas ou culturais, inerentes a vida

(TORRES, 2013, p.68, grifo nosso).

Em 2010, na 16ª Conferência das Partes (COP 16), o alcance e a complexidade

desse mecanismo foram ampliados: agora renomeado de REDD+, ele se refere à Redução de

Emissões por Desmatamento e Degradação, Conservação, Manejo Florestal Sustentável,

Manutenção e Aumento dos Estoques de Carbono Florestal.

Nesse contexto de precificação dos recursos naturais, alegando a sua proteção e

regido pelo mesmo princípio de compensação financeira, temos a proposta de Pagamento por

Serviços Ambientais - PSA87. Nesse caso, o alvo são as funções ecossistêmicas realizadas

gratuitamente pela natureza para a manutenção do equilíbrio ecológico dos ecossistemas do

planeta e disponibilizadas gratuitamente para todos os homens/mulheres enquanto componente

ecológico, sendo, portanto, essenciais à sobrevivência humana.

[...] o PSA objetiva corrigir as falhas de mercado por meio da internalização das

externalidades. Sob a perspectiva econômica, a maior causa da degradação dos

ecossistemas que prestam os serviços ambientais se deve a uma falha de mercado

povos indígenas nas lutas pela garantia dos direitos históricos e o compromisso com a causa indígena dentro da

perspectiva de uma sociedade democrática, justa, solidária, pluriétnica e pluricultural. “E para esta nova

sociedade, forjada na própria luta, o Cimi acredita que os povos indígenas são fontes de inspiração para a revisão

dos sentidos, da história, das orientações e práticas sociais, políticas e econômicas construídas até hoje.” (Cimi,

2015, grifo nosso). Disponível em: <http://www.cimi.org.br/>. Acesso em: 03 ago. 2015. 87 De acordo com Wunder et al. (2005 apud LEITE, 2014, p.56), “um regime de pagamento por serviços ambientais

é uma transação voluntária na qual um serviço ambiental (environmental service - ES) bem definido, ou uma

forma de utilização dos solos capaz de garantir tal serviço, comprada por pelo menos um comprador, a partir do

mínimo de um provedor se, e somente se o provedor continuar fornecendo esse serviço (condicionalidade).”

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associada com a sua característica de “bens livres” (WUNDER et al., 2008 apud

LEITE, 2014, p.55, grifo nosso).

A superioridade do aspecto econômico sobre todos os demais da vida social é

tamanha que nomeia como “serviços” os benefícios gerados por processos naturais que

sustentam os ecossistemas. Ora, a ideia de serviço enquanto mercadoria - um produto

econômico mesmo que abstrato - requer que a sua aquisição seja necessariamente mediada pelo

pagamento. Como pagaremos a natureza pelos serviços a nós fornecidos? Com a sua

conservação? Com dinheiro? Ou com dinheiro aquele que teve o trabalho de conservá-la para

nosso usufruto?

Uma pista está no argumento de que o sistema econômico necessariamente é

dilapidador da natureza porque não internaliza os custos ambientais da produção, o que leva

inevitavelmente à sua depredação. Logo, para reduzir a pressão sobre os ecossistemas e os

serviços ambientais que eles oferecem, seus exploradores necessitariam internalizar os custos

da sua exploração, ou seja, pagar por eles. Num contexto que propõe o fortalecimento

institucional e o desenvolvimento de infraestrutura em áreas rurais de países em

desenvolvimento, uma das estratégias propostas é a “remoção de subsídios ecologicamente

perversos e a promoção de reformas regulatórias que incluam nos preços dos alimentos e

commodities88 os custos da degradação” (LEITE, 2014, p.49).

Como a natureza não se interessa por ativos financeiros, surge a figura do tutor,

cujo trabalho é garantir os serviços ambientais que o capitalista precisa explorar para reproduzir

o capital e que todas as pessoas necessitam para viver. Assim, a preservação está

necessariamente condicionada ao pagamento, pois embora as funções ecossistêmicas existam

independente da ação do tutor, é o seu trabalho de proteção que garantirá a permanência.

Conforme especifica Leite (2014):

A capacidade do provedor de serviços ambientais de participar de um projeto de PSA

faz com que aquele participante seja um “agente da preservação”, uma vez que

depende dele para receber a contrapartida. O comprador de um serviço ambiental pode

ser qualquer pessoa física ou jurídica que tenha disposição a pagar. Isto inclui

empresas privadas, setor público e organizações não-governamentais (ONGs)

nacionais ou internacionais, entre outros. Uma distinção básica relacionada ao tipo de

comprador pode ser feita segundo MMA (2008) [Ministério do Meio Ambiente do

88 Commodities é o plural de commodity, palavra em inglês que significa mercadoria. Se refere a produtos de baixo

valor agregado, em estado bruto ou pouco processados, produzido em grande quantidade com qualidade

uniforme e que podem ser estocados por certo tempo sem perda sensível de suas qualidades. Seu preço é

negociado na Bolsa de Valores, possuindo cotação global e estando sujeito às circunstâncias do mercado, como

a oferta e a demanda. Em geral se refere a produtos in natura, cultivados (soft commodities) ou de extração

mineral (hard commodities), podendo ser sinônimo de matéria-prima, mas também podem se referir a ativos

financeiros. Assim podem ser divididos em quatro categorias: minerais (petróleo, ouro, bauxita, prata, minério

de ferro, etc.), ambientais ou energéticas (água, madeira, energia, gás, carvão, petróleo, créditos de carbono etc.),

agrícolas (soja, trigo, café, algodão, borracha, etc.) e financeiros (real, euro, dólar, etc.).

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Brasil], que sugere, por um lado, o PSA privado (aquele financiado diretamente pelos

usuários dos serviços) e, por outro lado, o PSA público (em que o Estado atua como

comprador, representando os usuários de serviços ambientais) (LEITE, 2014, p.56).

O argumento de que somente se monetizando é possível preservar cai por terra

quando entendemos que enquanto o processo de produção capitalista e sua clássica economia

marrom deixam um lastro de destruição na natureza, as comunidades tradicionais regidas por

outra matriz de racionalidade, que possuem a sustentabilidade como valor e não como discurso,

são as que mais preservam o meio ambiente. No entanto, essas são as que mais são ameaçadas

com o avanço da economia verde, que em nada se diferencia da marrom, senão na roupagem.

[...] ela seria a ponta de lança de um novo ciclo econômico capitalista, na medida em

que transformaria bens comuns (como a água, a atmosfera, as florestas, oceanos e

mesmo os seres vivos) em mercadorias destinadas à apropriação, acumulação e

especulação, além de ressignificar os territórios (LEITE, 2014, p.50).

A propriedade dos recursos naturais, da biodiversidade e das funções

ecossistêmicas dá ao seu proprietário o poder sobre a reprodução física e cultural de todos

aqueles que delas dependem, negando o direito humano inalienável ao meio ambiente que

passará a ser mediado pelo mercado. Isso é grave porque tenta aniquilar outras formas de

relação com a natureza e de obtenção dos recursos essenciais à vida que não sejam

exclusivamente o mercado, tenta transformar o que resta de valor de uso em valor de troca

quando lança no mercado elementos intangíveis como as funções ecossistêmicas, vendendo o

acesso à biodiversidade89 e ao meio ambiente.

Os povos e comunidades tradicionais90 além de serem os que mais colaboram com

práticas de preservação da natureza são aquelas que representam os últimos povos a serem

completamente dominados pelo capital. Seu modo de vida, aliado à garantia dos bens naturais,

são suficientes para desenvolver uma sustentabilidade independente do mercado e é justamente

esse exemplo indomável que o capitalismo que aniquilar.

A financeirização da natureza significa o aprofundamento radical do capitalismo e, ao

mesmo tempo, configura-se como um neocolonialismo. Os povos indígenas e as

comunidades tradicionais são os principais impactados por esta lógica perversa, que

89 O documento The Economics of Ecosystems and Biodiversity - TEEB do PNUMA divide os valores econômicos

da biodiversidade em valores de uso direto (alimentos, medicamentos, beleza cênica, turismo etc.), de uso

indireto (armazenamento de carbono, regulação de clima, manutenção dos ciclos hidrológicos etc.), de opção

(expectativa de uso futuro da biodiversidade, como para fins medicinais, por exemplo) e de não uso (questões

éticas, morais, culturais e espirituais) (STIFTUNG; BRASIL, 2012, LEITE, 2014). 90 A Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais - PNPCT define-

os como "grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de

organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução

cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e

transmitidos por tradição.” (BRASIL, 2007c, Art.3, I).

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transforma a natureza em mercadoria e agrava ainda mais a desigualdade social

(PORANTIM, 2014, p.2).

Quando os povos indígenas alienam suas terras a uma multinacional através de um

contrato de preservação de floresta, eles perdem o direito de utilizarem-na como base para a

sua reprodução física e cultural, alterando radicalmente sua cultura e seus modos de vida.

Sem o direito de retirar da natureza os bens que necessitam para a sobrevivência,

eles terão de adquiri-los no mercado, onde inclusão social quer dizer inclusão no capitalismo.

Assim é feita a inclusão social dos que são considerados fora do capitalismo: “passando da

condição de filhos, cuidadores e protetores da Mãe Natureza (Pacha Mama) para a condição de

promotores do capital natural, criando-se assim uma nova categoria: operários da indústria do

carbono” (PORANTIM, 2014, p.2).

Como afirma Torres (2013, p.70), “enquanto na retórica o lema da sustentabilidade

é ‘socialmente justo, economicamente viável e ambientalmente sustentável’, na prática ela se

revela o aprofundamento das questões emblemáticas acerca da relação do homem/mulher com

a natureza e o aprofundamento das relações dialéticas dentro da sociedade”.

Temos por certo que

A financeirização da natureza e o crescimento verde não evitarão o colapso do planeta,

que só reencontrará o equilíbrio através de múltiplas estratégias econômicas que

libertem a humanidade da carga do lucro privado como fator de progresso, da primazia

dos direitos territoriais dos povos, de políticas e fundos públicos com controle social,

e de uma nova correlação de forças que democratize o sistema internacional, o liberte

do sequestro das corporações e o reoriente em favor da justiça social e ambiental

(FASE, 2011, pp.43-46 apud LEITE, 2014, p.50).

Enquanto isso a natureza segue sendo apropriada, uma mercadoria através da qual

continua a se sustentar as relações de poder dentro da sociedade. A importância que se dá ao

crescimento do PIB indica a prioridade econômica que a proposta de sustentabilidade capitalista

impõe sobre os demais aspectos que compõem a organização social, “justificando os incentivos

e subsídios para diversos lobbies verdes” (LEITE, 2014, p.50) que continuariam a favorecer os

mais ricos, impedindo o surgimento de soluções transformadoras e mantendo assim as causas

estruturais das desigualdades sociais e econômicas.

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3 A POLÍTICA AMBIENTAL BRASILEIRA

Anteriormente, dissemos que a problemática ambiental encontra-se numa

intercessão entre as relações sociais e a relação entre sociedade e natureza, uma combinação de

relações cujo produto compõe o espaço geográfico, pois este tem a sua produção determinada

pela associação de dinâmicas sócio-históricas com as estruturas e dinâmicas naturais.

Dessa forma, os componentes da problemática ambiental residem em diferentes

formas de dinâmica social: política, educação, cultura, economia, organização espacial,

legislação etc. Como a lei e a política são estruturantes para o funcionamento do Estado

Moderno, elas se tornam a coluna vertebral que sustenta o corpo de instituições e atividades

que compõem a dinâmica social, de modo que a legitimação política e o organograma da

legalidade se impõem de maneira oficial, submetendo tal dinâmica.

Logo, a questão ambiental, por se referir tanto às dinâmicas naturais como sócio-

históricas, ambas em interação, pode ser afetada por qualquer alteração em qualquer uma dessas

dinâmicas: desde fenômenos geológicos de grandes dimensões próprios da dinâmica natural e

humanamente inevitáveis (como por exemplo, erupções vulcânicas, abalos sísmicos, tsunamis

etc.) até atividades corriqueiras próprias da dinâmica social que, sob um olhar raso e

naturalizado desta, não parecem interferir de maneira considerável na problemática ambiental

(como o trânsito, a produção de resíduos, o uso de água e energia, a dieta etc.) ou a subjugam

com certa superioridade (como atividades industriais de alto impacto ambiental, a utilização de

fontes de energia altamente poluente, o uso indiscriminado de água, energia e recursos naturais

para a atividade produtiva, o uso indiscriminado de venenos químicos na agricultura etc.).

E para os fenômenos sociais, há a mediação social. As atividades de grande

impacto, ligadas sobretudo ao setor produtivo, são claramente uma opção política pelo modelo

de desenvolvimento vigente que através da legitimação política e do ordenamento jurídico do

Estado ganham legalidade social e são impostos como projeto de sociedade.

Ao nosso ver, a política ambiental de determinado país se revela no conjunto de

ações políticas que de maneira direta ou indireta, inevitavelmente, afetam o meio ambiente.

Assim entendemos que, ao contrário do que normalmente se possa inferir e embora represente

um marco, a Política Nacional do Meio Ambiente (1981) não resume, nem de longe, a política

ambiental brasileira, mas é antes, um retalho desta.

A legislação ambiental brasileira é bastante volumosa e inclui tanto a PNMA quanto

os dispositivos legais anteriores e posteriores a ela, quer se relacionem diretamente com o meio

ambiente, quer integrem outras políticas específicas que indiretamente o afetam. Desse modo,

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para obtermos uma visão mais abrangente da política ambiental brasileira, é necessário

caracterizar, ainda que de maneira sucinta - pois além de não ser nosso objetivo, obviamente

não daríamos conta de realizar uma análise mais aprofundada de todo o conteúdo relevante

apenas em um capítulo - os aspectos gerais da legislação ambiental brasileira e dela extrair e

explorar os principais marcos regulatórios que a compõem e o contexto social em que eles se

estabeleceram, tanto na esfera nacional como internacional, especialmente aqueles que denotam

o seu alinhamento com o desenvolvimento sustentável.

Entretanto, de antemão, queremos reafirmar a assertiva de Cunha e Coelho (2003,

p.57) de que “não é possível dar conta de todas as idéias [sic] que ajudaram a moldar a política

ambiental brasileira nas últimas décadas”, pois

Crenças, idéias [sic] e valores relacionados a diferentes, [e] nem sempre

compatíveis, abordagens interpretativas das relações entre sociedade e meio ambiente

e do papel do Estado na regulação do uso dos recursos naturais e do comportamento

de indivíduos e grupos sociais tiveram e continuam tendo papel fundamental nesse

processo (CUNHA; COELHO, 2003, p.57).

E é justamente por conta dessa infinidade de fatores que, embora a nossa hipótese

de que os aterros sanitários e a Política Nacional de Resíduos Sólidos no Brasil estejam

diretamente associados à influência da política ambiental internacional, baseada na noção de

desenvolvimento sustentável, também concordamos com os autores quando afirmam que a

referência do desenvolvimento sustentável não é suficiente para nos levar à compreensão de

como essa nova percepção da realidade a partir da crise ambiental tem influenciado as políticas

públicas executadas no Brasil em termos de meio ambiente.

3.1 UMA PROPOSTA DE PERIODIZAÇÃO DA POLÍTICA AMBIENTAL BRASILEIRA

Embora os acontecimentos sociais que dão concretude histórica a essa legislação

ambiental sejam fluidos no tempo e no espaço e não obedeçam a encaixes cronológicos, o

histórico da legislação ambiental brasileira pode ser dividido em períodos com características

comuns. Naturalmente, com o desenvolvimento da sociedade, intensificação das forças

produtivas, das relações e organizações sociais, esses padrões característicos tendem a sofrer

perturbações que subdividem os períodos e encurtam os cortes temporais, à medida que nos

aproximamos da atualidade.

O período anterior a 1930 foi o mais longo e inexpressivo do ponto de vista da

política ambiental, caracterizado por uma ausência quase total de legislações afetas ao meio

ambiente, como uma espécie de marco zero, um período que antecede a formulação e execução

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de políticas ambientais. Conforme Cunha e Coelho (2003), foi somente no século XX que a

preocupação com o meio ambiente resultou na elaboração e na implementação de políticas

públicas de caráter ambiental no Brasil. Partindo desse marco, os autores apresentam uma

proposta de periodização das políticas ambientais no Brasil a partir de uma abordagem histórica

do seu processo de formulação e execução, distinguindo três diferentes momentos históricos

entre 1930 e 2003 dos quais nos apropriaremos.

É possível ainda caracterizar um quarto momento, a partir de 2005, em que se

percebe uma total assimilação do desenvolvimento sustentável nas políticas ambientais ou a

elas relacionadas, expressas principalmente no plano de trabalho do Ministério do Meio

Ambiente e nos compromissos assumidos em conferências internacionais, sobretudo a

Convenção do Clima através de suas sucessivas COPs.

Cunha e Coelho (2003) também classificam as políticas ambientais executadas no

Brasil em três tipos diferentes e complementares:

As políticas regulatórias dizem respeito à elaboração de legislação específica para

estabelecer ou regulamentar normas e regras de uso e acesso ao ambiente natural e a

seus recursos, bem como a criação de aparatos institucionais que garantam o

cumprimento da lei. As políticas estruturadoras implicam intervenção direta do poder

público ou de organismos não governamentais na proteção do meio ambiente. Como

exemplo de políticas estruturadoras temos a criação de unidades de conservação,

sejam elas públicas ou reconhecidas pelo Poder Público; a realização ou

financiamento de projetos locais de conservação e de atividades de zoneamento e

ecológico, entre outras.

Finalmente, as políticas indutoras referem-se a ações que objetivam influenciar o

comportamento de indivíduos ou de grupos sociais. São normalmente identificadas

com a noção de desenvolvimento sustentável e são implementadas por meio de linhas

especiais de financiamento ou de políticas fiscais e tributárias. Representam, portanto,

iniciativas destinadas a otimizar a alocação de recursos. O emprego estratégico de

instrumentos econômicos, nesse caso, busca privilegiar certas práticas consideradas

ambientalmente desejáveis e inviabilizar aquelas que podem resultar em degradação

ecológica (CUNHA; COELHO, 2003, p.45, grifos nossos).

Essa classificação das políticas é essencial para prosseguir a uma tentativa de

periodização, embora os períodos não possam ser caracterizados exclusivamente por elas. Há

sempre mais de um tipo em cada período, mas sua presença ajuda a encontrar padrões capazes

de caracterizar cada um deles, ainda que de uma forma geral, pois é mais fácil caracterizar o

tipo de política do que traçar marcos periódicos precisos, uma vez que os cortes históricos não

são exatos e lineares.

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3.1.1 Período Antecessor (1500-1929)

Desde os tempos coloniais até 1930, o padrão de organização do espaço brasileiro

se deu em “ilhas socioeconômicas” organizando o espaço de modo a atender demandas externas

(PORTO-GONÇALVES, 2000).

Durante o Período Colonial (1500-1822), a economia do Brasil Colônia era baseada

no extrativismo florestal e mineral e na monocultura extensiva da cana-de-açúcar e do café,

ambos levados a cabo por meio de processos rudimentares que provocavam intenso desgaste

ao meio ambiente como a deterioração de solos, o desmatamento e a desertificação localizada

no caso do extrativismo e a exaustão dos solos e a perda da biodiversidade no caso da

agricultura, causadas principalmente pelas queimadas. A ocupação de terras da Colônia se

pautavam pelo sistema de capitanias hereditárias e sesmarias e a apropriação e a exploração dos

recursos naturais eram características de uma política essencialmente extrativista. Sem

nenhuma legislação própria, a primeira menção de controle de recursos naturais teria sido

ordenada de Portugal e incidia sobre o pau-brasil, mas tinha motivação exclusivamente

econômica (MEC, 2015).

Mesmo restrita à proteção florestal, a legislação regulatória tinha pouco efeito

prático. As primeiras formulações ambientalistas ocorreram no final do século XVIII, quando

dentro de um discurso mais amplo de superação do atraso da colônia, intelectuais e políticos

protestavam contra o desmatamento e a agricultura predatória e cobravam ações para conter a

degradação da Mata Atlântica, ambos por preocupação em garantir a continuidade da

exploração (CUNHA; COELHO, 2003).

Durante o século seguinte, período que engloba o Primeiro Reinado (1822-1831),

o Segundo Reinado (1931-1989) e o início da República Velha (1889-1930), tem

prosseguimento a ocupação do território nacional, incentivando-se a ocupação de fronteiras e a

exploração desordenada dos recursos naturais. Em 1850 é proclamada a primeira Lei de Terras,

que tendo um óbvio interesse social, em nada contribuiu para uma melhor gestão da exploração

dos recursos naturais e controle da degradação ambiental que continuaram órfãos submetidos à

atividade econômica. No final do século XIX, surgem as primeiras instalações industriais e se

prossegue com a expansão de atividades agrícolas e pecuárias sem nenhuma ressalva ambiental.

No cenário internacional, os primeiros tratados estavam ligados à segurança

internacional, sobretudo leis e crimes de guerra e ações humanitárias em tempos de conflito

bélico, com destaque para as Convenções de Genebra (1864-1949), as Conferências de Paz

(1899 e 1907) e a criação da Liga das Nações (1919).

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3.1.2 Primeiro Período (1930-1971)

No início do século XX, já havia no Brasil um debate sobre a criação de um Código

Florestal que ganha visibilidade com a criação do Serviço Florestal Federal em 1925.

Entretanto, é somente a partir de 1930 que a regulação ambiental deslancha no país. Em meio

ao coronelismo regional marcado pelo poder das elites rurais, a Revolução de 1930 implanta

um Estado centralizador, que inicia a transição para uma incipiente industrialização e

urbanização iniciadas no Sudeste e inicia o primeiro dos três momentos do histórico das

políticas ambientais brasileiras, que vai de 1930 a 1971.

O padrão de organização do espaço brasileiro que predominou de 1930 a 1980,

estava baseado numa industrialização substitutiva de importações. Esse processo se

caracterizava por uma forte capacidade de investimentos do Estado e na criação de um mercado

interno que se tornou referência para a dinâmica da acumulação capitalista no Brasil, embora a

acentuada desigualdade de renda ainda mantivesse excluída significativa parcela da população.

Os principais protagonistas desse modelo foram o Estado, a burguesia industrial nacional que

em torno dele se desenvolveu, o capital internacional recém-instalado - sobretudo a partir de

1956 com as primeiras montadoras de automóveis - e a propriedade exportadora tradicional,

ainda que perdendo a hegemonia que possuía no período anterior (PORTO-GONÇALVES,

2000).

Durante esse primeiro momento, predomina a atuação do Poder Público Federal e

uma abordagem nacional dos problemas ambientais, cujas poucas ações de caráter regional são

voltadas para as regiões ícone: Sul e Sudeste desenvolvidas e Nordeste e Norte (Amazônia), as

regiões-problema. Esse período é marcado, sobretudo, pela construção de uma base regulatória

sobre o meio ambiente com a adoção de mecanismos legais para a sua regulação (CUNHA;

COELHO, 2003).

Surge assim, na década de 1930, a preocupação do governo brasileiro de disciplinar

o uso dos espaços e recursos naturais com vistas a dificultar sua apropriação por populações de

baixa renda. Nesse sentido, destacam-se o Código das Águas (ainda vigente), que estabelece os

princípios do aproveitamento e da utilização das águas de domínio público, criando direitos e

obrigações aos usuários; e o primeiro Código Florestal (substituído em 1965) que, entre outras

coisas, exigia procedimentos para a exploração comercial de florestas, que eram de difícil

consecução para populações de baixa renda, ambos promulgados em 1934.

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As políticas estruturadoras criadas nesse período compõem uma política de

conservação dedicada à criação de unidades de conservação, sobretudo em área de Mata

Atlântica91 com a finalidade de proteger suas manchas remanescentes do crescimento

populacional que se concentrava na faixa litorânea. Assim, influenciada pela importância que

os parques nacionais dos EUA ganharam durante o New Deal, a política de preservação

brasileira tem início em 1934, quando decreta92 a criação dos primeiros parques nacionais e

áreas florestais protegidas no Nordeste, Sul e Sudeste (CUNHA; COELHO, 2003).

A partir de 1937 são criados os primeiros parques naturais93 do Brasil, embora seja

importante ressaltar que “os parques eram criados como reservas para futura exploração e não

como áreas ecologicamente importantes para o equilíbrio do meio ambiente” (MEC, 2015,

p.17). Em 1937 é criado também o Serviço de Proteção ao Patrimônio Histórico, Artístico e

Natural SPHAN, o atual IPHAN.

A partir da década de 1940, a grande preocupação do Brasil era consolidar obras de

infraestrutura e instalar indústrias de base. Com o início da implantação do projeto siderúrgico

brasileiro, foi então instituído o Código de Minas94 em 1940 para disciplinar a pesquisa e lavra

minerária e foram criadas a Companhia Vale do Rio Doce - VALE em 1942 e a Companhia

Siderúrgica Nacional – CSN, que começou a funcionar efetivamente em 194695.

Nesse cenário, a proteção do meio ambiente caracterizava-se pela administração dos

recursos naturais por meio de órgãos públicos dedicados ao mesmo tempo ao fomento

e à produção de atividades utilizadoras de recursos naturais. A proteção ambiental foi

então associada fortemente à sua futura exploração. Popularmente, pode-se dizer que

a administração pública colocou juntos a galinha e a raposa. Os mesmos órgãos

competentes pela proteção dos recursos naturais tinham a missão precípua de

favorecer sua exploração (MEC, 2015, p.17, grifo nosso).

As décadas de 1940 a 1950 foram mundialmente marcadas pelo anseio de retomada

do crescimento econômico e pela Guerra Fria (1945-1991). Com o fim da guerra, a luta pela

hegemonia mundial se instaura entre os EUA, à frente do bloco capitalista e a União Soviética,

à frente do bloco socialista. Do lado capitalista, antes mesmo de se encerrar o conflito bélico,

iniciou-se um projeto de cooperação internacional com o objetivo de reconstruir a economia

internacional do pós-guerra, formalizado com a Conferência de Bretton Woods em 1944. O

91 Das 26 áreas criadas no período, 13 estavam em área de Mata Atlântica e apenas uma na Floresta Amazônica. 92 Decreto nº 23.793/1934. 93 Os Parques Nacionais de Itatiaia (1937), de Foz de Iguaçu (1939) e da Serra dos Órgãos (1939), entre outros. 94 Decreto-Lei nº 1.185/1940 posteriormente revogado pelo Decreto-Lei nº 227/1967. 95 Enquanto desdobramento político e econômico da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), graças a um acordo

diplomático (Os Acordos de Washington), as duas companhias teriam sido financiadas em grande parte pelos

EUA para fornecer matéria prima para sua indústria bélica.

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projeto culminou na fundação de organismos internacionais como a ONU em 1945, o Banco

Mundial e o Fundo Monetário Internacional – FMI que visavam respectivamente manter a paz

e a segurança mundiais, promover o investimento internacional e manter a estabilidade do

câmbio. Porém, “deve-se atentar para o fato de que tais organismos eram, na sua maioria,

subordinados à supremacia americana [leia-se “estadunidense”] que em face do novo desenho

geográfico da Europa e já às voltas com a guerra fria com a União Soviética, evitava a qualquer

custo cair em outra grande depressão econômica” (ARAÚJO, 2001 apud MEC, 2015, p.17).

Em termos de cooperação internacional para questões ambientais, em 1948, a

UNESCO e o governo francês formam União Internacional para a Proteção da Natureza - UIPN,

uma organização que “desenvolveu importante trabalho na área intelectual sobre o tema e

também influenciou vários países na criação de núcleos conservacionistas agregados aos

governos locais” (GONÇALVES, 2002, p.2). No Brasil, inspirou a criação da Fundação

Brasileira para a Conservação da Natureza – FBCN, a ela filiada. É válido ressaltar ainda que

em 1956 a denominação original foi alterada para União Internacional para a Conservação da

Natureza e dos Recursos Naturais - UICN, adotando o termo conservação, mais alinhado com

os princípios do atual desenvolvimento sustentável e ligado a uma exploração econômica dita

racional dos recursos naturais, em cujo interesse também ficava evidente. Conforme a própria

UICN (2015, tradução livre)96, a organização é hoje a maior e mais antiga organização

ambiental global do mundo, unindo governos, empresas, ONGs e a ONU para desenvolver

políticas, leis e melhores práticas ambientais, além de oferecer apoio à pesquisa científica e

gerenciar projetos de campo em todo o mundo.

A década de 1950 é marcada por uma política de abertura de estradas e pela

transferência da capital nacional para o interior do país. Em 1952, é fundado o Banco Nacional

de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, uma instituição financeira integralmente

pública criada com a função de garantir recursos capazes de sustentar a expansão da economia

brasileira. Conforme Furtado e Strautman (2014), a instituição se tornou o principal instrumento

para a implementação das políticas industrial, de infraestrutura e de comércio exterior,

acumulando profundo conhecimento sobre os principais setores da economia brasileira e uma

enorme capacidade de planejamento econômico. Por outro lado, colecionava também impactos

ambientais e comunidades atingidas por projetos por ele financiados, tanto no Brasil quanto na

América do Sul, onde o banco tem tido uma crescente atuação nos últimos anos.

96 Disponível em: <http://www.iucn.org/about/>. Acesso em: 06 jan. 2016.

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A década de 1960 foi caracterizada como um período de grande desenvolvimento

econômico e tecnológico. Em 1962, é instituída a Política Nacional de Energia Nuclear –

PNEN97, que cria a Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN, bem como disciplina sua

estrutura, traz algumas definições e diretrizes sobre as questões ligadas à exploração e comércio

de minerais, minérios e materiais nucleares98. Essa lei foi o marco regulatório inicial da energia

nuclear no Brasil e estratégica para o desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro99,

iniciado na década de 1950, mas que só decolaria na década de 1970, a partir da construção da

Usina Nuclear Angra I, no litoral do Rio de Janeiro. Depois dela, muitos outros dispositivos a

esse respeito serão introduzidos na legislação brasileira, bem como modificando, anulando ou

disciplinando determinações anteriores e adicionando outras.

Como parte das políticas regionais, em 1963 é criado o Departamento Nacional de

Obras Contra as Secas – DNOCS para atuar no Nordeste brasileiro, historicamente castigado

pela estiagem. No ano seguinte é instituído o Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964) que introduz

o conceito de função social da propriedade100.

Em termos de legislação ambiental propriamente dita, foram promulgados vários

dispositivos legais. Em 1965 é instituído um novo Código Florestal (Lei nº 4771/1965) - em

substituição àquele de 1934 - que cria as Áreas de Preservação Permanente – APPs e as

Reservas Legais Obrigatórias – RLOs, prevê a criação de Parques, Reservas Biológicas e

Florestas Nacionais e disciplina e extração de matéria prima florestal para atividades industriais.

Conforme MEC (2015, p.19), esse novo código passa a enfatizar “o caráter ambiental de

proteção dos recursos naturais em detrimento do conceito de reserva dos mesmos para uso

futuro, antes utilizado. Introduz as primeiras noções de funcionalidade dos recursos florestais

para proteção da fauna associada e dos recursos hídricos”.

Em 1966 são promulgados dois decretos que legitimam acordos internacionais. O

primeiro é a Convenção para a Proteção da Flora, Fauna e das Belezas Cênicas Naturais dos

Países da América101, assinada pelo Brasil ainda em 1940, na qual os países signatários se

97 Lei nº 4.118/1962. 98 Essas operações eram submetidas a CNEN, a quem era então garantida exclusividade (posteriormente revogada)

nas operações envolvendo tais produtos. 99 As pesquisas teóricas sobre energia nuclear teriam sido iniciadas no final da década de 1930 na Universidade de

São Paulo – USP. Na década seguinte, o Brasil tornou-se fornecedor de recursos minerais (monazita, tório e

urânio) para projetos nucleares experimentais nos Estados Unidos, como o Projeto Manhattan. 100 Significa considerar a terra como bem de produção, que deve gerar riquezas para seu proprietário e para toda a

coletividade, determinando que o seu uso seja feito de maneira racional, conservando o meio ambiente e

condicionando ao bem-estar geral da população; prevê a destinação de lotes para a agricultura familiar e reforma

agrária em imóveis improdutivos (MEC, 2015, pp.18-19). 101 Promulgada pelo Decreto nº 58.054/1966.

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comprometem com a criação de áreas de preservação. O segundo é o Acordo Básico de

Assistência Técnica com a ONU e suas Agências Especializadas102 103. Por ele, as partes

assumem obrigações administrativas e financeiras, onde os organismos da ONU se

comprometem a custear total ou parcialmente, conforme seja mutuamente acordado, as

despesas necessárias à prestação de assistência técnica e o Brasil se compromete em

complementar tal custeio e providenciar as condições internas para que o trabalho possa ser

realizado. Essa assistência técnica poderá se dar no sentido de:

a) proporcionar serviços de peritos para assessorar e prestar assistência ao Govêrno

[sic] ou por intermédio deste; b) organizar e dirigir seminários, programas de

treinamento profissional, empreendimentos-pilôto [sic], grupos de trabalho de peritos

e atividades correlatas [...]; c) conceder bôlsas [sic] de estudos e aperfeiçoamento ou

[...] treinamento profissional fora do país; d) preparar e executar projetos-pilôto [sic],

testes, experiências ou pesquisas em locais que venham a ser escolhidos de comum

acôrdo [sic]; e) prestar outra forma de assistência técnica que venha a ser acordada

entre o Govêrno [sic] e os Organismos” (BRASIL, 1966).

Em 1967 é estabelecida a Lei de Proteção à Fauna Silvestre (Lei nº 5.197/1967),

erroneamente conhecida como Código de Caça, que dispõe sobre a proteção à fauna; o novo

Código de Minas (Decreto-Lei nº 227/1967) que dá nova redação ao de 1940 e classifica os

bens minerais, impondo condições para a outorga do direito à sua pesquisa ou lavra; e o Código

de Pesca (Decreto-Lei nº 221/1967), que dispõe sobre a proteção e estímulo à pesca104.

Na política ambiental internacional, a UNESCO realiza em 1968, em Paris, a

Conferência da Biosfera, que se concentrou nos aspectos científicos da conservação da biosfera

e originou um documento com recomendações a respeito do “desenvolvimento de estudos sobre

a relação do ser humano com a biosfera, passando pela necessidade de educação ambiental e

avaliando os impactos do desenvolvimento econômico sobre o meio ambiente”

(GONÇALVES, 2002, p.2). No ano seguinte foi editada a Lei da Política Ambiental Americana

(National Environmental Policy Act - NEPA) que, entre outras coisas, previa incluir, de forma

obrigatória e sob intensa participação pública, a avaliação de impacto ambiental nos processos

políticos de tomada de decisões, com o objetivo de incluir a variável ambiental na análise

interdisciplinar de planos, programas e projetos de intervenção no meio ambiente (MEC, 2015).

102 Promulgada pelo Decreto nº 59.308/1966. 103 As agências são: Organização Internacional do Trabalho, Organização das Nações Unidas para a Alimentação

e a Agricultura - FAO, Organização das Nações Unidas para a Educação, e Ciência e a Cultura - UNESCO,

Organização de Aviação Civil Internacional, Organização Mundial de Saúde – OMS, União Internacional de

Telecomunicações, Organização Meteorológica Mundial, União Postal Universal e Agência Internacional de

Energia Atômica. 104 Segundo Cunha e Coelho (2003), uma primeira versão do Código de Pesca teria sido promulgada antes, em

1965.

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3.1.3 Segundo Período (1972-1987)

Conforme Cunha e Coelho (2003), o segundo período vai de 1972 a 1987, estando

quase completamente compreendido dentro da Ditadura Militar (1964-1985), quando a ação

intervencionista do Estado brasileiro chega ao seu ápice com o Estado editando de forma

centralizada as políticas ambientais até meados da década de 1980. Por fim, o processo de

elaboração e execução das políticas ambientais brasileiras sofre uma relativa descentralização,

quando o Poder Público Federal passa a dividir a atuação com agências regionais, ONGs e

empresas e o processo de formulação e execução de políticas ambientais passa a ser produto da

interação entre diferentes atores com múltiplos interesses.

Em um contexto em que se aumentava a percepção da dimensão global da crise

ecológica e as ações em nível internacional que influenciariam as políticas ambientais

brasileiras, o destaque foram as políticas estruturadoras com forte caráter preservacionista, que

multiplicavam as unidades de conservação de diferentes tipos em diferentes ecossistemas e

habitats. Conforme Cunha e Coelho (2003, p.63), dentro da problemática ambiental, a proteção

da biodiversidade e de ecossistemas ameaçados possui consideráveis implicações em termos de

políticas públicas. Também é alvo de instituições ligadas tanto à proteção ambiental, quanto ao

desenvolvimento, como organizações não-governamentais e organismos de financiamento

internacionais, respectivamente, além de ser um dos temas mais notáveis e polêmicos dentro

do movimento ambientalista, dividindo preservacionistas e conservacionistas.

A vertente preservacionista defende ações de proteção à natureza intocada, em seu

estado original, sem a interferência humana, não apenas como reserva de recursos naturais para

o uso humano, mas por possuir um valor intrínseco que deve ser preservado por si mesmo. Já a

vertente conservacionista defende a implementação de estratégias de uso sustentável dos

recursos naturais, cujas estratégias de manejo adotadas garantam o uso das populações locais e

a disponibilidade no mercado, ao mesmo tempo em que evitem a degradação ambiental.

Entretanto,

O diagnóstico sobre a crise ambiental do planeta, apresentado pelos defensores do

paradigma conservacionista, não diferem muito daquele feito pelos preservacionistas,

chamando-se atenção para as relações entre o subdesenvolvimento, as instabilidades

política e institucional, de um lado, e a degradação dos ecossistemas terrestres, do

outro (CUNHA; COELHO, 2003, p.65, grifos nossos).

Por exemplo, em se tratando dos preservacionistas, conforme as ideias de Terborgh

(1999) introduzidas por Cunha e Coelho (2003), os problemas sociais (superpopulação,

desigualdade social, pobreza, ausência de leis, corrupção etc.) seriam o maior desafio para a

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conservação da natureza, especialmente nos trópicos, onde as principais causas da destruição

da natureza seriam as pressões causadas pela busca do crescimento econômico e pelo

crescimento populacional. Isso justificaria ao Estado executar a delimitação, proteção e

vigilância de áreas onde a presença humana seja proibida, além de uma “internacionalização da

proteção da natureza, sob os cuidados de uma instituição supranacional, com fundos dos países

desenvolvidos e com força policial para evitar ataques externos às áreas protegidas” (CUNHA;

COELHO, 2003, p.64).

Esse pensamento legitima a ideia de que os países subdesenvolvidos são incapazes

de administrar seus recursos naturais sem comprometê-los ou esgotá-los em prol do crescimento

econômico pretendido, o mesmo crescimento já alcançado pelos desenvolvidos às custas da

pilhagem da natureza. Reforça também uma ação forte e centralizada do Estado, além de

mecanismos como vigilância, leis e controle. De fato, essa vertente preservacionista teve

bastante influência nas políticas ambientais implementadas no Brasil no segundo período:

Nas décadas de 1970 e 1980, as políticas ambientais, particularmente aquelas

destinadas à proteção das florestas tropicais nos países em desenvolvimento, foram

fortemente influenciadas pela idéia [sic] de proteção ambiental, com base em um

governo central forte, na criação de unidades de conservação e numa estratégia

coercitiva e punitiva, de regulação e controle, para evitar a utilização de recursos

naturais das áreas a serem protegidas das atividades humanas. Os problemas

ambientais deveriam ser enfrentados mediante a implementação de um conjunto de

leis rigorosas sobre o uso e acesso à terra e da exclusão de grupos sociais de

ecossistemas considerados frágeis ou ameaçados (CUNHA; COELHO, 2003, pp.63-

64).

Nesse período, a escala de atuação nacional sofre decomposições adotando, além

das escalas regionais (Nordeste e Amazônia), escalas metropolitanas (no Sul e Sudeste), de

ecossistemas e mesmo de habitats. A região amazônica vira centro de empreendimentos de alto

impacto ambiental, e a Floresta Amazônica ganha a atenção internacional e se transforma em

um foco de criação de unidades de conservação105. O Nordeste superpovoado e a Amazônia

que, pouco povoada se transforma em destino de povoamento são focos de uma reestruturação

regional.

Na década de 1970, o crescimento econômico brasileiro tem ênfase nas indústrias

de base, sobretudo metalurgia e siderurgia, e nas grandes obras de infraestrutura. O foco de

ação da política ambiental era a poluição industrial e urbana, resultante do intenso processo de

industrialização.

105 No período, foram criadas 76 unidades de conservação, sendo 15 em área de Mata Atlântica e 26 em área de

Floresta Amazônica (CUNHA; COELHO, 2003).

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Na esfera internacional, a emergente preocupação com o meio ambiente ganha

visibilidade: a publicação do Relatório do Clube de Roma em 1971, a crise do petróleo no início

da década e os desastres ambientais de grande magnitude ampliaram a discussão mundial sobre

as limitações do modelo de desenvolvimento econômico e a escassez de recursos naturais

(CUNHA; COELHO, 2003). As reivindicações do movimento ambientalista se fortalecem, a

fundação do Greenpeace em 1971 marca decisivamente a entrada das Organizações Não-

Governamentais – ONGs no debate ambiental e a Conferência de Estocolmo em 1972 marca o

início do projeto de cooperação global que se estruturará em torno das mudanças climáticas.

É importante ressaltar, porém, que essa emergente preocupação com o meio

ambiente e a linha de ação que ela lança está comprometida com o discurso do progresso e

relacionada ao conceito de modernização ecológica106 que

[...] prega a proteção do planeta por seu valor econômico, sem desafiar os

fundamentos filosóficos da sociedade industrial. Concebe o planeta como um sistema

gigante de recursos e o termo conservação é sinônimo de manejo eficiente dos

recursos com o objetivo de manter níveis ótimos de produção sem ameaçar a reposição

de seus estoques (CUNHA; COELHO, 2003, pp.56-57).

Furtado e Strautman (2014) afirmam que pelo menos desde a década de 1980,

instituições de financiamento multilateral como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de

Desenvolvimento eram alvos de críticas por investirem em projetos polêmicos de grande

impacto ao ambiente e às comunidades locais. Em resposta, o Banco Mundial foi o pioneiro na

adoção de políticas de salvaguardas socioambientais, o que lhe rendeu o papel de porta-voz do

conceito de desenvolvimento sustentável. O modelo a ser seguido pelas demais instituições

financeiras exigia dos clientes (países) que os impactos socioambientais fossem considerados

desde a concepção dos projetos.

Ao deixarem de investir diretamente nos projetos, passando a oferecer assistência

técnica para os próprios governos implementá-los, as instituições acumulam vantagens:

garantem a obtenção dos benefícios, se esquivam da crítica, desviando a sua real

responsabilidade sobre os impactos sociais e ambientais causados pelos projetos que

possibilitam, fortalecem o projeto hegemônico do desenvolvimento sustentável e legitimam a

adesão à economia verde como um processo ascendente de aperfeiçoamento do capitalismo.

106 Cunha e Coelho (2003) a veem como a corrente hegemônica dentro do paradigma do desenvolvimento

sustentável, chamando-a de corrente instrumental. Para os autores, o desenvolvimento sustentável é um

paradigma que se divide em duas abordagens filosóficas e epistemológicas: a corrente ecocêntrica e a corrente

instrumental. Ao nosso ver, a corrente ecocêntrica reúne diferentes abordagens de sustentabilidade

completamente opostas ao projeto hegemônico de desenvolvimento sustentável e, portanto, não cabem dentro

dele. A corrente instrumental não é a corrente hegemônica dentro do desenvolvimento sustentável mais ele

próprio, hegemônico dentre as demais abordagens de sustentabilidade, que aliás não se resumem a essa duas.

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Furtado e Strautman (2014) sistematizam dois diferentes grupos que embora

questionem a eficácia das salvaguardas ambientais, têm abordagens opostas. De um lado está o

grupo dos chamados críticos reformistas, aqueles que acreditam nas salvaguardas como

instrumento de reforma dos bancos, atribuem os problemas a falhas operacionais a serem

corrigidas com o aprimoramento das salvaguardas; e do outro, está a crítica contestatória, o

grupo daqueles que veem a criação das salvaguardas apenas como mais um instrumento de

retórica das instituições financeiras com a finalidade de neutralizar a crítica ao modelo de

desenvolvimento reproduzido pelos bancos.

Mais tarde o BNDES também criará uma Política Socioambiental baseada nessas

premissas, mas que infelizmente não é suficiente para frear os projetos de alto impacto social e

ambiental que o banco continua a financiar.

Cunha e Coelho (2003, p.56) afirmam que “essa nova percepção da realidade

influenciou a formulação de políticas públicas nacionais, primeiro nos países desenvolvidos e

depois nos países em desenvolvimento, voltadas à resolução dos problemas ambientais que se

multiplicavam e a estabelecer novos padrões de uso dos recursos naturais”. Mas, a emergente

preocupação internacional com o meio ambiente continuava subordinada ao desenvolvimento

econômico no Brasil. Apesar da pressão dos movimentos ambientalistas e organismos de

financiamento internacionais

As políticas ambientais entram em contradição com as políticas modernizantes e de

integração nacional implementadas pelo regime militar, com forte impacto sobre a

Bacia Amazônica. As atividades de construção de estradas, barragens e linhas de

transmissão de energia elétrica, assim como os projetos de mineração industrial

implementados a partir dos Planos Nacionais de Desenvolvimento (PNDs) entre 1975

e 1985, foram pressionados a realizar estudos de impacto ambiental, bancados por

empresas estatais e privadas. [...] pressionado pelo movimento ambientalista

internacional, o governo militar tenta ajustar a sua postura de comando do

desenvolvimento com o fortalecimento de um arcabouço institucional voltado a tratar

da questão ecológica (CUNHA; COELHO, 2003, p.51).

Em resposta às recomendações da Conferência de Estocolmo, o Brasil criou em

1973 a Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA) que, ligada ao gabinete da Presidência

da República, passou a centralizar os programas de controle ambiental e a complementação da

legislação ambiental. Nos anos seguintes, um grande volume de dispositivos legais que

pretendiam disciplinar a poluição, sobretudo aquela decorrente da atividade industrial, foi

promulgado. Entretanto, grandes obras públicas de infraestrutura com elevado impacto

ambiental e social da época, como usinas hidrelétricas, rodovias federais e a mineração

passassem invisíveis pelo controle ambiental da SEMA e das entidades estaduais de controle

ambiental (MEC, 2015).

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Ainda na década de 1970, é instituída a Lei nº 6.453/1977 que dispõe sobre a

responsabilidade civil por danos nucleares e a responsabilidade criminal por atos relacionados

com atividades nucleares. Entre outras coisas, essa lei estabelece as responsabilidades por

acidentes nucleares e determina os crimes inerentes à atividade nuclear no país. A essa altura,

já estavam em construção as Usinas Nucleares Angra I e II, e a construção de Angra III já havia

sido autorizada pelo Decreto nº 75.870/1975. As três usinas compõem o Complexo Nuclear

Almirante Álvaro Alberto107 situado no município de Angra dos Reis, no litoral do Rio de

Janeiro.

A primeira usina do complexo, Angra I, teve sua construção iniciada em 1972 e em

1984 estava pronta para iniciar suas operações comerciais. Angra II foi a primeira usina

construída a partir do Acordo Nuclear Brasil-Alemanha, firmado em 1975 e fornecida pela

alemã Siemens/KWU. Iniciou suas obras civis em 1976 e após paralisações e um longo atraso

no cronograma da obra, teria sua construção retomada apenas no início da década de 1990,

iniciando sua operação comercial em 2001. Já sobre Angra III, suas obras, que estavam

paralisadas desde a década de 1980, foram retomadas em 2010 após serem incluídas no

Programa de Aceleração do Crescimento – PAC.

Uma vez que a Constituição Federal vigente proíbe a difusão de tecnologia para

fins não-pacíficos, as atividades das usinas nucleares no Brasil devem ser restritas à geração de

energia elétrica. Mas apesar de cara e perigosa, a energia nuclear responde atualmente por cerca

de apenas 2% da energia utilizada no país. Mesmo assim, os defensores da expansão do projeto

nuclear argumentam que ele garantiria a segurança energética e diversificaria a matriz

energética do país, seria economicamente competitivo, possui uma considerável vantagem por

dispor de abundante fonte de matéria-prima já que o Brasil possui uma das maiores reservas

geológicas de urânio do mundo, além de ser uma fonte de energia não emissora de GEEs.

A reserva a que se referem está localizada no município de Santa Quitéria no Sertão

Central do Ceará. É “a maior jazida108 de urânio do Brasil e a quinta maior de todo o mundo”,

cujo interesse de exploração se manifestou ainda na década de 1970 (CÁRITAS, 2013, p.9).

O Projeto Santa Quitéria consiste na instalação de um complexo industrial dedicado

à mineração e beneficiamento do fosfato e do urânio presentes na Jazida de Itataia, destinados

respectivamente à produção de fertilizantes agrícolas e ração animal demandados pelo

107 Em referência ao vice-almirante da Marinha brasileira que foi o principal responsável pela implementação do

Programa Nuclear Brasileiro e representante do Brasil na comissão de energia atômica da ONU. 108 Com 80m de extensão e 160m de profundidade, as reservas lavráveis da jazida concentra 79,3 mil toneladas

de urânio, 8,8 milhões de toneladas de fosfato e 79 milhões de toneladas de minério (ADECE, 2016).

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agronegócio e à geração de energia elétrica na usina nuclear Angra III demandada

principalmente pelo setor industrial (CÁRITAS, 2013; CEARÁ, 2016b; QUITÉRIA, 2016;

ADECE, 2016).

O projeto é fruto de um consórcio homônimo entre a estatal Indústrias Nucleares

do Brasil – INB, responsável pela produção do combustível nuclear que abastece as usinas

nucleares brasileiras e o Grupo Galvani que, além de construtora e mineradora, entre outras

atividades, atua na área de fertilizantes associado a uma multinacional cujo lema é o

desenvolvimento sustentável109.

A Construtora Galvani, de São Paulo, será a empresa que realizará a exploração do

fosfato, retirando o urânio para que seja beneficiado pela INB. [...] Para a exploração,

o Estado assegurou infra-estrutura [sic] de abastecimento d’água, energia elétrica e

acesso rodoviário, capacitação e apoio tecnológico (ADECE, 2016).

De acordo com a Cáritas (2013), o Governo do Estado oferece ainda incentivos

fiscais na forma de isenção de impostos para o projeto, que é parte também do PAC do Governo

Federal, e cujo orçamento conta com financiamento de recursos públicos do Banco do Nordeste

do Brasil – BNB. A previsão inicial era de que a exploração fosse iniciada em 2012.

Em oposição ao discurso de desenvolvimento, segurança, salubridade e

sustentabilidade ambiental propagado pelos empreendedores e pelos governos local, estadual e

federal, a Articulação Antinuclear do Ceará110 rejeita veementemente o projeto de exploração

da Mina de Itataia, ao entorno da qual vivem cerca de seis mil famílias, distribuídas em 42

comunidades: 27 no município de Santa Quitéria e 15 no município de Itatira, todas diretamente

impactadas pelas atividades mineradoras.

Além dos impactos socioambientais locais e presentes, a atividade nuclear deixa

um rastro de impactos com alcance territorial e temporal desastrosos, tristemente colecionados

pelo Brasil:

Na unidade das Indústrias Nucleares do Brasil (INB), em Caetité (Bahia), por

exemplo, o lixo radioativo fica provisoriamente armazenado em piscinas, caldeiras e

barris, expostos à chuva e ao ar. Já em Poços de Caldas (MG), a exploração de urânio

foi encerrada há 15 anos e, ainda hoje, as pessoas têm problemas de saúde decorrentes

109 Em 2014 associou-se (joint-venture) com a norueguesa Yara que adquiriu 60% das participações da empresa.

Presente em todo o mundo, “a Yara pretende ser um líder mundial em agricultura sustentável, contribuindo para

o crescimento verde e desenvolvimento sustentável.” Disponível em: <http://www.yarabrasil.com.br/>. Acesso

em: 09 ago. 2016. 110 A articulação surgiu em 2011 com o intuito de formar e mobilizar as comunidades atingidas, contribuir na

divulgação dos impactos ou antecipação de riscos e acompanhar o Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA).

É composta pelo Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra - MST, a Comissão Pastoral

da Terra - CPT, a Cáritas Diocesana de Sobral e o Núcleo Trabalho, Meio Ambiente e Saúde da Universidade

Federal do Ceará - TRAMAS-UFC, além da participação direta de membros das comunidades impactadas e

entidades parceiras como a Paróquia de Santa Quitéria e o Sindicado dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais

de Santa Quitéria.

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da radiação. Outro exemplo é o das usinas como as de Agra I e II, no Rio de Janeiro,

onde se produz o lixo atômico, para o qual, até agora, nenhum país encontrou solução

de tratamento ou despejo e ainda serve para a fabricação da bomba atômica; caso seja

deixado exposto no meio ambiente, este tipo de dejeto demora, pelo menos, 50 mil

anos para se decompor, podendo ameaçar gerações futuras (CÁRITAS 2013, pp.10-

11, grifos nossos).

Desse modo, mesmo visando a produção de energia elétrica, a exploração nuclear

é uma atividade polêmica de alto risco e potencialmente danosa à saúde humana e ao meio

ambiente de modo geral, devido à alta radioatividade do combustível, dos resíduos atômicos

gerados no processo e ainda sem tratamento adequado e ao risco de eventuais falhas humanas

ou mecânicas que podem resultar em consequências gravíssimas e irreparáveis, como

testemunhamos em Chernobyl em 1986, e mais recentemente em Fukushima, no Japão em

2011.

Após o acidente de Fukushima, alguns países europeus decidiram encerrar seus

programas nucleares, embora continuem vendendo sua tecnologia nuclear para outros países,

como ocorre, por exemplo, entre a Alemanha e o Brasil (Cáritas, 2013). Isso lembra a

descentralização industrial das atividades poluentes dos países do capitalismo central para os

do capitalismo periférico. A diferença é que as atividades nucleares são muito mais danosas.

De todo modo, se o Princípio da Precaução/Prevenção111 fosse respeitado, apenas a

possibilidade de tão danosas consequências deveria ser o suficiente para abortar qualquer

projeto de exploração nuclear em curso, quanto mais o testemunho dos fatos.

Porto-Gonçalves (2000) afirma que a década de 1980 denota a fragilidade do regime

ditatorial e a sua incapacidade de se manter frente às pressões internacionais pela abertura da

economia brasileira. Logo, o padrão de organização social do espaço que vigorou desde 1930

torna-se obsoleto, contribuindo para acelerar o desmonte daquele modelo que, em parte, se deu

graças ao movimento da sociedade civil, que emergindo desde o final da década de 1970 se

torna fundamental na luta pela redemocratização112, contribuindo ainda para a crise de

hegemonia das elites tradicionais.

A presença deste fortíssimo movimento da sociedade civil nos anos 80 foi capaz -

ainda que com retrocessos, como no campo da reforma agrária - de contribuir para

firmes avanços democráticos, como a legislação ambiental, a legislação sobre terras

indígenas, sobre os direitos das populações negras remanescentes de quilombos, entre

outras conquistas democráticas importantes. Sem dúvida, os anos 80 significaram,

também, uma crise de hegemonia entre os setores tradicionalmente dominantes na

sociedade brasileira (PORTO-GONÇALVES, 2000, p.179).

111 No Direito Ambiental Brasileiro, a teoria jurídica prevalente reconhece a existência autônoma e distinta dos

princípios da precaução e prevenção, embora para alguns autores o princípio da prevenção seja mais

abrangente, incluindo o princípio da precaução. 112 Sobretudo na Campanha Pelas Diretas Já em 1984 e no processo constituinte de 1988.

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Diante da necessidade de se repensar as estratégias da gestão pública como um todo,

o processo de instituição de políticas voltadas ao meio ambiente sofreu transformações que

redefiniram suas prioridades, seus arranjos institucionais e seus padrões de relação entre

organismos estatais e não-estatais, fazendo surgir um modelo de gestão ambiental alternativo

fundamentado na democratização dos processos de tomada de decisão, ampliação da

participação da sociedade civil na resolução de problemas ambientais e descentralização das

atividades de fiscalização e monitoramento. Assim, a partir de meados da década de 1980, a

forma centralizada com a qual o Estado brasileiro até então havia editado a política ambiental,

foi gradualmente sendo substituída:

A partir de então, o processo de formulação e implementação da política ambiental no

país passou a ser, cada vez mais, produto da interação entre idéias [sic], valores e

estratégias de ação de atores sociais diversos, num campo marcado por contradições,

alianças e conflitos que emergem da multiplicidade de interesses envolvidos com o

problema da proteção de meio ambiente. A esfera estatal continua sendo, contudo, a

instância em que se negociam decisões e em que conceitos são instrumentalizados em

políticas públicas para o setor (CUNHA; COELHO, 2003, p.43, grifos nossos).

A década de 1980 foi marcada por uma explosão na criação de unidades de

conservação tanto federais quanto estaduais. Diversificadas, elas incluíam reservas biológicas,

reservas ecológicas, e áreas de relevante interesse ecológico, mas eram principalmente Estações

Ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental - APAs, ambas regulamentadas pela Lei nº

6.902/1981. Para Cunha e Coelho (2003, p.52), os diferentes tipos de unidades de conservação

“atendiam a interesses e objetivos múltiplos e à necessidade de proteção de biomas diversos”,

como por exemplo, os parques nacionais, reservas e estações ecológicas estavam relacionados

ao interesse de pesquisa da comunidade científica.

Neste período, a legislação ambiental brasileira se estrutura como política: aquilo

que até então era um conjunto de ações e leis difusas e sem estrutura pode ser sistematizado e

finalmente institucionalizado através da promulgação da Lei nº 6.938/1981, que institui a

Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA. Antes dela não havia uma diretriz nacional e

cada Estado e Município poderia eleger diretrizes próprias para as questões de meio ambiente.

Assim, a PNMA (1981) constitui “uma espécie de marco legal para todas as políticas públicas

de meio ambiente a serem desenvolvidas pelos entes federativos (FARIAS, 2008, p.13),

conforme se propõe:

As diretrizes da Política Nacional do Meio Ambiente serão formuladas em normas e

planos, destinados a orientar a ação dos Governos da União, dos Estados, do Distrito

Federal, dos Territórios e dos Municípios no que se relaciona com a preservação da

qualidade ambiental e manutenção do equilíbrio ecológico, observados os princípios

estabelecidos no art. 2º desta Lei (BRASIL, 1981, Art.5).

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121

Os princípios supracitados são aqueles que devem orientar a execução dos

objetivos. O primeiro deles é a ação governamental, o que marca decisivamente a jurisdição do

Estado “na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um

patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso

coletivo” (BRASIL, 1981, Art.2).

A PNMA institui o Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, cria o

Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA, institui o Cadastro Técnico Federal de

Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental e define os conceitos fundamentais de meio

ambiente113, degradação ambiental114, poluição115, poluidor116 e recursos ambientais (este

último alterado pela Lei nº 7.804/1989) que deverão ser adotados nas políticas posteriores. Ela

“tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida,

visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da

segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana” (BRASIL, 1981, Art.2).

De acordo com Araújo et al. (2011), a PNMA já se baseava no discurso do

desenvolvimento sustentável propagado pelo sistema capitalista e foi o primeiro instrumento

legal de regulação para a exploração dos recursos naturais no Brasil, estabelecendo os

mecanismos de normatização e fiscalização do uso dos recursos naturais. Nesse sentido, o

SISNAMA é o sistema administrativo incumbido de coordenar as políticas públicas de meio

ambiente com a finalidade de implementar a PNMA (1981) e congrega todos os órgãos com

competência para gerir o meio ambiente no país. Conforme Anello (2009), sua criação

Organizou a relação entre os entes federados (municípios, estados e união), os órgãos

executores da política, os conselhos como forma de controle social, e um conjunto de

leis, decretos e resoluções dos conselhos para normatizar e normalizar os atos

administrativos e as regras, padrões e parâmetros de acesso e fiscalização aos serviços

públicos (ANELLO, 2009, p.71 apud ARAÚJO et al., 2011, p.126).

A PNMA (1981) foi instituída ainda sob a vigência da Constituição Federal de

1967, promulgada pela Ditadura Militar (1964-1985). Essa constituição incorporava decisões

arbitrárias e inconstitucionais impostas pelos ditadores (Atos Institucionais e decretos) na

tentativa de dar-lhes legitimidade e era fortemente marcada pela centralização federal e redução

113 “[...] conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite,

abriga e rege a vida em todas as suas formas”. 114 Ou degradação da qualidade ambiental é “[...] a alteração adversa das características do meio ambiente”. 115 “[...] a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem

a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;

c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem

matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos. 116 “[...] a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por

atividade causadora de degradação ambiental”.

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122

da autonomia política de Estados e Municípios. Ao longo de mais de quatro décadas de

mudanças, inclusive a substituição desta pela Constituição Federal de 1988, a PNMA (1981)

teve várias e significativas alterações, além de ser objeto de regulamentações específicas.

Muitas dessas alterações dizem respeito aos órgãos que compõem o SISNAMA,

que tiveram alterações na sua função e hierarquia, bem como a criação de órgãos novos. A

seguir, expomos um quadro com a síntese das principais alterações realizadas na estrutura do

SISNAMA desde sua criação em 1981 até a última alteração feita em 2013.

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123

Quadro 1-Alterações na organização do SISNAMA de 1981 a 2016

Dados: Política Nacional do Meio Ambiente, BRASIL, 1981.

Fonte: Elaborado pela autora.

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124

O CONAMA também passaria por algumas alterações ao longo dos anos, sendo

regulamentada anos depois117, bem como os instrumentos da PNMA (1981) também serão alvo

de regulamentação específica e alterações posteriores118. Seus objetivos se propõem

principalmente a compatibilizar “desenvolvimento econômico-social” com preservação

ambiental e equilíbrio ecológico, além de estabelecer áreas prioritárias de ação governamental,

critérios e padrões de qualidade ambiental e normas para o uso e o manejo de recursos

ambientais, entre outras.

A interpretação sobre os objetivos da PNMA varia entre diferentes autores e possui

diferentes conotações, que vão desde visões românticas de proteção da natureza e crença no

sistema de legalidade política, até posturas mais críticas que veem tal política como a

legalização dos instrumentos que pretendem manter as desigualdades dentro da sociedade.

Conforme Farias (2008, p.2), por exemplo, enquanto para alguns o objetivo seria “tornar efetivo

o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado” (SIRVINSKAS, 2005), para

outros, o objetivo poderia ser tão somente o de “viabilizar a compatibilização do

desenvolvimento socioeconômico com a utilização racional dos recursos ambientais”

(OLIVEIRA, 2005).

Mas não são apenas as políticas públicas de meio ambiente que são afetadas pelas

normas estabelecidas pela PNMA. Para Lustosa et al. (2003), a política “interfere nas atividades

dos agentes econômicos e, portanto, a maneira pela qual é estabelecida influencia as demais

políticas públicas, inclusive as políticas industriais e de comércio exterior (LUSTOSA et al.,

2003 apud FARIAS, 2008, p.2, grifos nossos).

Outros dispositivos legais também importantes são promulgados nessa década,

entre eles vale destacar a Lei nº 7.347/1985, também conhecida como Lei de Interesses Difusos

e Coletivos. Essa lei é também um marco importante, pois ao instituir a Ação Civil Pública,

dando legitimidade aos Ministérios Públicos, Partidos Políticos e Associações legalmente

constituídas para propugnarem em juízo pela preservação e pela proteção do patrimônio público

- ambiental, histórico e artístico – pela primeira vez, ela retirava o monopólio da defesa do meio

ambiente das mãos do Estado (MEC (2015).

Já findado o regime militar, os projetos de infraestrutura que se proliferavam por

todo o território brasileiro afetando populações locais, fossem elas nativas ou não, finalmente

117 A definição da sua finalidade, dos seus membros integrantes e das suas competências, por exemplo, foi dada

por leis posteriores: Lei nº 7.804/1989 e Lei nº 8.028/1990. 118 Entre os muitos dispositivos legais que a alteraram, é válido destacar a Lei nº 7.804/1989, que define seus fins

e mecanismos de formulação e aplicação.

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125

sofreram uma intervenção, ao menos que pequena, quando são adotados os Estudos de Impacto

Ambiental – EIA e os Relatórios de Impacto Ambiental – RIMA em 1986. No cenário

internacional temos a constituição da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento da ONU, a Comissão Brundtland, em 1983 e a publicação do seu famoso

Relatório Brundtland em 1987, que sagra o conceito desenvolvimentista de desenvolvimento

sustentável, que marcará decisivamente o período subsequente das políticas ambientais

brasileiras.

3.1.4 Terceiro Período (1988-2004)

O terceiro momento vai de 1988 a 2005119, marcado por uma maior democratização

e descentralização decisória e pela rápida disseminação da noção de desenvolvimento

sustentável, formalmente introduzida pelo Relatório Brundtland em 1987.

Essa maior descentralização e democratização ocorre, em parte, devido ao processo

de redemocratização, quando é então promulgada uma nova constituição com forte tendência

descentralizadora. Assim, o marco inicial desse terceiro momento das políticas ambientais

brasileiras é a introdução do tema meio ambiente na Constituição Federal de 1988, bem como

na maioria das Constituições Estaduais promulgadas em 1989 e diversas Leis Orgânicas

Municipais de 1990, que também tratavam do meio ambiente e da proteção ambiental (MEC,

2015). A constituição também contempla direitos específicos, inclusive sobre demandas

territoriais, para minorias indígenas, quilombolas e outros povos tradicionais (LASCHEFSKI,

2014).

Pela primeira vez, uma constituição brasileira traz um capítulo dedicado ao meio

ambiente. O resumido Capítulo VI – Do Meio Ambiente é composto de um único artigo, que

determina que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso

comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à

coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”

(BRASIL, 1988, grifo nosso). E para que a efetividade desse direito fosse assegurada, o Poder

Público foi então incumbido de:

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo

ecológico das espécies e ecossistemas;

II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar

as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus

componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão

119 Cunha e Coelho (2004) o encerram em 2003, quando então alcançam o limite temporal de seu trabalho.

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126

permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a

integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente

causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto

ambiental, a que se dará publicidade;

V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e

substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização

pública para a preservação do meio ambiente;

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem

em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os

animais a crueldade (BRASIL, 1988) [120].

A atuação do Poder Público se descentraliza atingindo os três níveis de governo

além de agências regionais, mas também avança na esfera não-estatal e civil, incluindo tanto

ONGs, comunidades e empresas nacionais quanto sendo cada vez mais influenciada por

organismos internacionais que fomentam o desenvolvimento sustentável. Nesse período, as

políticas regulatórias seguem criando legislação específica e aparato institucional e se

multiplicam com medidas de cunho normativo. As políticas estruturadoras intensificam ainda

mais o processo de criação de unidades de conservação, cada vez mais adequadas ao projeto

hegemônico da política ambiental internacional:

Além das unidades que já vinham sendo criadas em períodos anteriores, foram

efetivadas a criação de unidades com status de uso direto, como as reservas

extrativistas, a adequação de unidades, como parques nacionais, florestas nacionais e

áreas de proteção ambiental, dente outras, ao modelo de reservas de desenvolvimento

sustentável, tentando conciliar proteção da natureza com os modos de vida

tradicionais (CUNHA; COELHO, 2003, p.53, grifos nossos).

Contudo, o destaque nesse período é a introdução das políticas indutoras de

comportamento marcadas pelo emprego estratégico de instrumentos econômicos, influenciadas

pela vertente conservacionista e alinhadas com o conceito desenvolvimentista de

desenvolvimento sustentável, não identificadas nos dois períodos anteriores.

Ainda na década de 1980, o aumento do desmatamento em florestas tropicais e os

pequenos resultados das políticas ambientais de proteção estrita de espécies e habitats criadas

sob a influência da vertente preservacionista do movimento ambiental fortaleceram um

movimento de crítica a tal paradigma, fazendo emergir a vertente conservacionista. Os

principais aspectos em que a abordagem conservacionista difere da preservacionista diz respeito

ao pedido por estruturas mais participativas nas tomadas de decisões (gestão participativa) e

uma pretensa sustentabilidade capaz de conciliar exploração econômica dos recursos naturais,

satisfação das necessidades básicas das comunidades locais e preservação ambiental (manejo

sustentável), aspectos com os quais se formava o tripé do desenvolvimento sustentável.

120 Todos os parágrafos foram alvo de posterior regulamentação específica.

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127

De fato, a abordagem conservacionista

É associada ainda com a noção mais ampla de desenvolvimento sustentável, em que

o uso produtivo dos recursos naturais, para promover crescimento econômico e

fortalecer modos de vidas locais, caminha lado a lado com a conservação desses

recursos para benefício das gerações presentes e futuras (CUNHA; COELHO, 2003,

pp.63-64).

Assim, essa vertente lança um olhar de valorização sobre as comunidades locais

vistas agora como atores importantes, bem como a sociedade civil, enquanto colaboradores das

instâncias governamentais na elaboração e execução de políticas e gestão ambientais; ganham

força as ideias de manejo sustentado que garantam os interesses econômicos e a subsistência

das comunidades locais; e a proteção estrita da biodiversidade é ampliada para a funcionalidade

e a estrutura das florestas como um todo, incrementando assim a noção de serviços ambientais,

que mais tarde se tornaria um produto do mercado verde.

Após um período de centralização das políticas ambientais, o fim da década de 1980

e a década de 1990 foram marcados por uma busca crescente de modelos alternativos de

participação da sociedade civil, tanto nos processos de tomada de decisão, quanto na

implementação de programas e projetos de caráter ambiental (CUNHA; COELHO, 2003).

Entretanto, Mitraud (2001 apud CUNHA; COELHO, 2003) alerta para as

limitações da gestão participativa quanto à inclusão de todos os atores interessados em todas as

etapas do processo, sobretudo os grupos mais marginalizados, o que pode manter a

centralização das instituições públicas na formulação de políticas e gestão ambientais, enquanto

a participação dos outros atores se restringe à fase da implementação de projetos. Ao nosso ver,

isso descreve uma falsa gestão participativa121 com a finalidade de legitimar a política ambiental

executada pelo Estado, onde certamente apenas os atores mais fortes serão capazes de se impor,

estabelecendo relações sejam de cooperação ou de conflito com o Estado.

Laschefski (2014) afirma que a tendência de elaboração participativa de políticas

públicas, sobretudo ambientais, se intensificou a partir de Eco 92, quando a noção de

desenvolvimento sustentável foi internacionalmente reconhecida. A pretensão de conciliar

interesses econômicos, sociais e ambientais influenciou o cenário político da década de 1990 e

culminou nas ideias da Terceira Via122.

121 Apesar do termo “participativo” remeter a uma gestão mais democrática e ampla, em um contexto de

desenvolvimento sustentável, talvez o modelo em questão não se trate de uma falsificação, mas da própria gestão

participativa que tem exatamente esse formato. 122 Essa corrente parece tentar reconciliar a direita e a esquerda através de uma política econômica ortodoxa e de

uma política social progressista. Embora à primeira vista, pareça apresentar uma conciliação entre capitalismo

de livre mercado e o socialismo democrático, seus defensores veem-na como algo além de ambos. Conforme

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128

Contrariando a máxima neoliberal, essa proposta reconhecia a necessidade de uma

regulação moral do mercado, além do “empreendedorismo com responsabilidade social, a

promoção de Parcerias Público-Privada - PPP e a revitalização da sociedade civil123” capazes

de reduzirem os gastos do Estado, conforme as recomendações neoliberais das instituições

financeiras internacionais, sem, contudo, retirar completamente a sua responsabilidade. Assim,

os então recentes projetos desenvolvimentistas já deveriam corresponder ao novo quadro

institucional do sistema ambiental e às instâncias participativas, que os justificaria por

supostamente atender aos requisitos participativos de interesses social e ambiental, bem como

lançando as bases do neodesenvolvimentismo (LASCHEFSKI, 2014, p. 247).

Estando a crítica ambiental polarizada entre contestatória e reformista, com

crescente mobilização dos movimentos sociais em prol do meio ambiente, era necessário

contra-atacar. Empresas poluidoras, governos e principalmente instituições financeiras

internacionais possuíam o propósito comum de neutralizar a crítica contestatória. De acordo

com Acselrad (2010 apud FURTADO; STRAUTMAN, 2014), ao longo da década de 1990 eles

incitaram um movimento de substituição do ambientalismo contestatório por um ecologismo

de resultados, pragmático, tecnicista e desenraizado, numa tentativa de neutralização da crítica

contestatória e das lutas ambientais, onde apenas aqueles fortemente vinculados aos

movimentos sociais conseguiram sobreviver.

Em seguida, parte desse ecologismo desenraizado foi cooptado pelo discurso

consensualista das agências multilaterais “de apologia à parceria público-privada, de

deslegitimação da esfera nacional em favor da esfera local, de favorecimento das ações

fragmentárias em detrimento da coerência articulada da ação política” (FURTADO;

STRAUTMAN, 2014, p.223). O mais grave é que esse ecologismo pragmático e agora

consensualista tornou-se, em grande parte, a referência ambiental nos espaços estatais,

“‘prestando serviços’ aos aparatos burocráticos do ‘setor ambiental dos governos’, fornecendo

informação, informação técnica e mediando conflitos, colaborando para a ambientalização do

setor privado e das IFM” (FURTADO; STRAUTMAN, 2014, p.227).

Na contramão desse processo, a crítica contestatória se afirma na sua luta original

por um novo modelo de desenvolvimento, rejeitando as soluções paliativas e retóricas de

fortalecimento do sistema, declarando abertamente: “nosso papel não é o de trabalhar para o

Laschefski (2014), tais ideias nortearam a política dos social-democratas na Europa, dos democratas nos Estados

Unidos e de Fernando Henrique Cardoso no Brasil (1995-2002). 123 Esta é ponto chave na busca do desenvolvimento sustentável, já que havia assumido diversas tarefas sociais e

ambientais de responsabilidade do Estado.

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129

governo; não é o de ocultar o conflito, mas o de dar-lhe visibilidade.” (ACSELRAD, 2010 apud

FURTADO; STRAUTMAN, 2014, p.27).

Com a emergência de novos atores sociais na questão ambiental, destacam-se os

atores não-estatais, que são principalmente organizações internacionais, ONGs e grandes

corporações. Cunha e Coelho (2003, p.68) afirmam que “o setor ambiental é um dos mais

influenciados pela atuação das organizações não-governamentais”. Além de exercerem

influência nacional e internacional na agenda ambiental, influenciam também nas negociações

sobre mecanismos de regulação, acumulando progressivamente grande poder de negociação.

Elas executam políticas ambientais de agências e doadores internacionais, seja através da

implementação de projetos diretos ou de programas de pesquisa e assumem tarefas que antes

eram competência exclusiva de órgãos públicos, criando uma nova esfera de atuação, que Gohn

(1997) vai chamar de esfera pública não-estatal (CUNHA; COELHO, 2003). As grandes

corporações também formulam e executam políticas ambientais de acordo com seus interesses

quando investem em projetos estatais ou ONGs.

As organizações internacionais dirigem a agenda ambiental global e cooperam com

países em desenvolvimento em programas diretamente relacionados ao meio ambiente.

Porter e Brown (1996) destacam a influência das organizações internacionais,

particularmente das instituições financeiras internacionais como o Banco Mundial e o

Fundo Monetário Internacional, sobre as políticas nacionais de desenvolvimento, por

meio de financiamentos a projetos e pesquisas, bem como pela pressão para que

adotem normas compatíveis com a noção de desenvolvimento sustentável (CUNHA;

COELHO, 2003, p.68).

Atenuando tal influência internacional, há autores que defendem que muitas vezes

ela é neutralizada pelos interesses de grupos internos dentro de cada nação, cuja influência pode

prevalecer nos processos de formulação e execução das políticas ambientais. Isso revela a

complexidade da relação de forças que atua sobre as políticas ambientais e coaduna com a

afirmação de Cunha e Coelho (2003) de que “o Estado permanece como espaço central de

articulação entre diferentes projetos políticos e visões de mundo acerca das linhas principais da

política ambiental no Brasil”.

Conforme afirma Porto-Gonçalves (2000), a hegemonia da elite nacional foi

retomada em meados da década de 1990124 quando se estabelece um novo padrão de

acumulação, que tem por base a estabilidade e abertura econômica e a recuperação da

capacidade executiva do Estado. Nesse contexto, surgem os programas de desenvolvimento de

124 Após a eleição de seu candidato à presidência, Fernando Henrique Cardoso, eleito para dois mandados

sussessivos (1995-1998 e 1999-2002).

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grande abrangência e com notáveis investimentos em obras de infraestrutura, levados a cabo

pelo governo federal com o objetivo de alterar o padrão de organização do espaço brasileiro

pautado na industrialização substitutiva de importações até então predominante na formação

socioespacial brasileira:

[...] denota-se a adoção de um novo modelo de desenvolvimento, voltado para a

produção, que deverá propiciar a materialização de projetos de infra-estrutura,

necessários ao crescimento econômico. Dentro da atual ótica do Estado, estes

investimentos deverão ser divididos com a iniciativa privada, servindo-se dos

processos de concessão e privatização dos serviços públicos. [...] Tal programa foi

concebido de modo a promover o desenvolvimento auto-sustentado e reduzir as

disparidades regionais, mediante ações que propiciem a criação de empregos,

principalmente através do investimento privado, nacional ou estrangeiro (UFPA, 1999

apud PORTO-GONÇALVES, 2000, p.180, grifos do autor).

Com relação à competitividade brasileira de produtos primários e grãos -

exportados quase que exclusivamente para os países no norte - mantém-se aquelas

características do padrão de organização do espaço geográfico brasileiro pré-anos 30, ou seja,

privilegiando a tradicional propriedade exportadora. Ademais, para que essa competitividade

seja alcançada é necessário intensificar os processos produtivos e reduzir os custos da produção

com toda sorte de incentivos e, sobretudo, ignorando as externalidades da produção.

Enquanto as políticas ambientais, desde meados da década de 1980, haviam

iniciado uma descentralização, contando com a participação de atores não-estatais; as políticas

desenvolvimentistas que afetavam o meio ambiente eram ainda executadas de forma

centralizada pelo governo. Com relação às políticas ambientais, Cunha e Coelho (2003)

explicam que:

No quadro geral da crise financeira das décadas de 1980 e 1990, as mudanças nas

estratégias econômicas do Estado brasileiro repercutiram na política tradicional de

defesa dos recursos naturais. [...] As políticas ambientais continuaram a se confrontar

com as políticas desenvolvimentistas, com ênfase em projetos de infra-estrutura [sic]

planejados para os eixos de integração e desenvolvimento expressos nos programas

Brasil em Ação (1996-1999) e Avança Brasil (2000-2003). Nesse período,

consolidam-se as políticas do tipo indutoras do desenvolvimento sustentável

(CUNHA; COELHO, 2003, pp.54-55).

Com o aumento das preocupações em torno das mudanças climáticas, o elevado

ritmo de desmatamento da Floresta Amazônica torna-se objeto da atenção internacional e a área

que desde o período anterior havia se transformado em foco de unidades de conservação soma

ainda mais unidades125. Também é criado o Programa de Defesa do Complexo de Ecossistemas

da Amazônia Legal126 com vistas a “conter a ação predatória do meio ambiente e dos recursos

125 Das 119 novas unidades de conservação criadas de 1988 a 2001, 23 estavam em área de Mata Atlântica e 51

em área de Floresta Amazônica (CUNHA; COELHO, 2003). 126 Instituído pelo Decreto 96.944/1988 e também denominado de Programa Nossa Natureza.

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naturais renováveis; disciplinar a ocupação e a exploração racionais; regenerar o complexo de

ecossistemas afetados; proteger as comunidades indígenas e as populações envolvidas no

processo de extrativismo” (MEC, 2015).

Como resposta às críticas ao desmatamento da Amazônia, o governo decidiu

coordenar um projeto de Zoneamento Econômico Ecológico (ZEE) para a Amazônia,

contando para isso com o apoio financeiro e técnico do Programa Piloto para a

Conservação das Florestas Tropicais Brasileiras (Rain Forest Pilot Program – PPG),

lançado em 1990 pela cúpula dos países mais ricos do mundo. O PPG7 tem, no

entanto, um objetivo mais amplo: o de colaborar com a formulação de políticas

públicas para a Região Amazônica e para a Mata Atlântica, que sejam coerentes com

a noção de desenvolvimento sustentável (CUNHA; COELHO, 2003, pp.53-54, grifos

nossos).

Para além da preocupação internacional com a Amazônia, tais iniciativas

demonstram como a política ambiental interacional influencia e direciona as políticas

ambientais brasileiras para fortalecer o projeto hegemônico do desenvolvimento sustentável.

Conforme Cunha e Coelho (2003), ainda na década de 1990, preocupado com a

segurança militar, o governo federal lançou também o Sistema de Vigilância da Amazônia –

SIVAM e o Sistema de Proteção da Amazônia – SIPAM, que entre outros objetivos também

deveriam contribuir para o monitoramento e controle ambiental da Amazônia.

Como parte integrante da Política Nacional para os Recursos do Mar - PNRM e da

Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA, a Lei nº 7.661/1988 institui o Plano Nacional

de Gerenciamento Costeiro – PNGC. Ela estabelece diretrizes e condiciona os usos múltiplos

de praias e mar à proteção ambiental, encarregando o PNGC especificamente de “orientar a

utilização nacional dos recursos na Zona Costeira, de forma a contribuir para elevar a qualidade

da vida de sua população, e a proteção do seu patrimônio natural, histórico, étnico e cultural”

(BRASIL, 1988b).

Outro dispositivo relevante é a Lei nº 7.802/1989, que regulamenta os agrotóxicos

em todas as suas etapas, desde a pesquisa e a produção até o descarte das embalagens e a

fiscalização. Em seguida, o CONAMA estabeleceu resoluções para disciplinar diferentes tipos

de poluição ambiental, entre elas a que institui o Programa Nacional de Controle da Poluição

do Ar e o Programa Nacional de Educação e Controle da Poluição Sonora127.

A legislação brasileira também incorpora tratados internacionais sobre a questão

nuclear. Em 1991, são promulgadas a Convenção sobre Proteção Física do Material Nuclear128,

concluída em 1980; a Convenção sobre Assistência no caso de Acidente Nuclear ou Emergência

127 Respectivamente Resoluções CONAMA nº 005/1989 e nº 002/1990. 128 Promulgada pelo Decreto nº 95/1991.

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Radiológica129, aprovada durante a sessão especial da Conferência Geral da Agência

Internacional de Energia Atômica, assinada em Viena em 1986; e a Convenção sobre Pronta

Notificação de Acidente Nuclear130. Em 1993, é promulgada a Convenção de Viena sobre

Responsabilidade Civil por Danos Nucleares de 1963131.

Na Eco 92, destacam-se a Carta da Terra, que firma os princípios para o uso

sustentável dos recursos naturais do planeta; a Agenda 21, que estabelece planos, projetos,

metas e operação da execução assumidos pelas partes e por diversas ONGs para cada tema da

conferência a fim de implementar o desenvolvimento sustentável; a Convenção sobre

Biodiversidade; a Convenção sobre Mudanças Climáticas e o Acordo para Conservação e

Desenvolvimento Sustentável em Florestas.

A Resolução CONAMA nº 005/1993 disciplina o gerenciamento de resíduos

sólidos gerados nos portos, aeroportos, terminais ferroviários e rodoviários e estabelecimentos

prestadores de serviços de saúde e grandes geradores. Nesse mesmo ano, é promulgado na

íntegra o texto da Convenção sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos

Perigosos e seu Depósito, também conhecida como Convenção de Basiléia132, concluída na

Suíça em 1989.

Conforme o MMA (2015), “um dos objetivos da convenção é promover o

gerenciamento ambientalmente adequado dos resíduos perigosos e outros resíduos

internamente nos países parte, para que com isto possa ser reduzida a sua movimentação”.

Contraditoriamente, essa convenção, que pretende coibir o tráfico de resíduos perigosos, o faz

estabelecendo mecanismos internacionais de controle que são baseados no princípio do

consentimento prévio e explícito para a importação, exportação e o trânsito de resíduos

perigosos. Ou seja, sob a alegação de coibir o tráfico de resíduos perigosos, essa convenção, na

prática, estabelece os mecanismos que legitimam a sua exportação e importação. Desse modo,

seja por qual for a motivação, desde que um país consinta formalmente em receber os resíduos

perigosos de outro país, tudo estará dentro da legalidade. Entretanto, sabemos que o movimento

de resíduos, sejam eles perigosos ou não, mas principalmente se o forem, se dão sempre dos

países mais ricos para os mais pobres, uma vez que os primeiros produzem resíduos em

quantidades muito superiores, bem como numa vasta heterogeneidade.

Apesar de ratificar a constituição, no decreto que a promulga,

129 Aprovada pelo Decreto Legislativo nº 24/1990 e promulgada pelo Decreto nº 8/1991. 130 Aprovada pelo Decreto Legislativo nº 24/1990 e promulgada pelo Decreto nº 9/1991. 131 Aprovada pelo Decreto Legislativo nº 93/1992 e promulgada pelo Decreto nº 911/1993. 132 Aprovada pelo Decreto Legislativo nº34/1992, promulgada pelo Decreto nº 875/1993 e regulamentada

pela Resolução Conama nº 452/2012.

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O Brasil manifesta, contudo, preocupação ante as deficiências da Convenção.

Observa, assim, que seu articulado corresponderia melhor aos propósitos anunciados

no preâmbulo caso apontasse para a solução do problema da crescente geração de

resíduos perigosos e estabelecesse um controle mais rigoroso dos movimentos de tais

resíduos. O art. 4, § 8° e o art. 11, em particular, contêm dispositivos excessivamente

flexíveis, deixando de configurar um compromisso claro dos Estados envolvidos na

exportação de resíduos perigosos com a gestão ambientalmente saudável desses

resíduos (BRASIL, 1993, grifo nosso).

No Brasil, tais resíduos são regulamentados - e o foram tardiamente - pela

Resolução CONAMA nº 452/2012 e tiveram a sua importação, independente da motivação,

definitivamente proibida com a promulgação da Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS

(2010) que estabelece que "é proibida a importação de resíduos sólidos perigosos e rejeitos,

bem como de resíduos sólidos cujas características causem dano ao meio ambiente, à saúde

pública e animal e à sanidade vegetal, ainda que para tratamento, reforma, reuso, reutilização

ou recuperação” (BRASIL, 2010, Art. 49).

Tema de extrema relevância para o meio ambiente, os transgênicos são abordados

pela Lei de Biossegurança133 que dispõe sobre engenharia genética, cria a Comissão Técnica

Nacional de Biossegurança – CTNBio e disciplina o gerenciamento de Organismos

Geneticamente Modificados – OGM desde o seu desenvolvimento, cultivo e manipulação até

sua comercialização, consumo e liberação no meio ambiente.

Desde a década de 1970, o Código das Águas de 1934 já não era capaz de responder

satisfatoriamente aos problemas ambientais gerados com o desenvolvimento industrial. A

expansão dos centros urbanos aumentava a demanda por água tratada ao mesmo tempo em que

os esgotos urbanos e industriais eram despejados nos rios, os dejetos da indústria e da

agricultura contaminavam os lençóis freáticos, a agricultura irrigada se expandia, demandando

mais água, e se multiplicavam as construções de hidrelétricas e também os conflitos gerados

entre os diferentes usuários dos recursos hídricos, de modo que era visível a necessidade de

mudanças na regulação do uso dos recursos hídricos (CUNHA; COELHO, 2003).

Assim, a Lei nº 9.433/1997 institui a Política Nacional de Recursos Hídricos –

PNRH134 que estabelece, entre outras premissas, que as águas são um recurso natural limitado,

um bem de domínio público e, ao mesmo tempo, dotado de valor econômico. Por ela é criado

o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos – SNGRH com base em um

Conselho Nacional e em Comitês de Bacias Hidrográficas. Como premissas também são

133 Lei nº 8.974/1995, regulamentada pelos Decretos nº 1.520/95; 1.752/95; e 2.577/98; e alterada pela Medida

Provisória nº 2.191/2001. 134 Surgiu do Projeto de Lei nº 2.249/1991. É regulamentada pelo Decreto nº 2.612/1998 e alterada pela Lei nº

9.984/2000.

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adotadas as “áreas das bacias e sub-bacias hidrográficas como unidades de planejamento e

execução de planos, programas e projetos” e a proposta de uma gestão descentralizada, da qual

participem o Poder Público, as associações de usuários e as comunidades (MEC, 2015, p.30).

Visivelmente orientados para o desenvolvimento sustentável, seus objetivos são:

I - assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em

padrões de qualidade adequados aos respectivos usos;

II - a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte

aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável;

III - a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou

decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais (BRASIL, 1997a, grifos

nossos).

E um dos instrumentos utilizados para garantir a utilização racional e a não exaustão

da água, enquanto recurso natural tão caro, é a cobrança pelo seu uso. Os valores arrecadados

devem ser revertidos para o custeio das unidades de gestão da própria bacia hidrográfica, bem

como para obras e projetos destinados a melhorar sua quantidade e qualidade. Porém, em um

contexto de desenvolvimento sustentável que atribui a degradação dos recursos naturais à sua

condição de gratuidade, é necessário considerar que a cobrança pelo uso de um recurso natural

fundamental à vida e constitucionalmente definido como bem público não pode ser justificada

apenas pelo custeio da gestão. Outro instrumento que delata a superioridade de interesses

econômicos frente aos impactos ambientais na PNRH (1997) é a compensação a municípios

afetados por obras que comprometam seus recursos hídricos. Ele sacrifica a segurança hídrica

de municípios inteiros a interesses econômicos, abrindo um precedente para as compensações

ambientais previstas no orçamento de projetos de grande impacto ambiental.

Ainda neste ano, é criado o Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais

do Brasil135 e sua Comissão de Coordenação.

O programa tem por objetivo a implantação de um modelo de desenvolvimento

sustentável em florestas tropicais brasileiras, constituindo-se de um conjunto de

projetos de execução integrada pelos governos federal, estaduais e municipais e a

sociedade civil organizada, com o apoio técnico e financeiro da comunidade

internacional. [...] A primeira fase do Programa inclui atividades como: zoneamento

ecológico-econômico; monitoramento e vigilância; controle e fiscalização;

fortalecimento institucional de órgãos estaduais de meio ambiente; implantação e

operação de parques e reservas, florestas nacionais, reservas extrativistas e terras

indígenas; pesquisas orientadas ao desenvolvimento sustentável e ao estabelecimento

de centros de excelência científica; manejo de recursos naturais; reabilitação de áreas

degradadas; educação ambiental e projetos demonstrativos (BRASIL, 1997b, grifos

nossos).

Esse dispositivo é claro e direto: este é um programa que objetiva implantar o

manejo florestal característico do desenvolvimento sustentável. Para custear as atividades do

135 Criado pelo Decreto nº 2.119/1997, que revoga o Decreto nº 563/1992.

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programa, são previstos financiamentos do BIRD, doações do Projeto de Proteção das Florestas

Tropicais, dos Ministérios do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal e

de outras fontes externas e internas que venham a ser identificadas.

Outro marco jurídico importante para a política ambiental brasileira é a Lei nº

9.605/1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e

atividades lesivas ao meio ambiente, mais conhecida como Lei de Crimes Ambientais136.

Conforme MEC (2015, p.31), essa lei abriu “o leque da proteção ambiental para a esfera penal

[...], previu sanções administrativas; redesenhou penalidades e tipificou como crime

modalidades antes tidas como contravenção ou não previstas; previu também a perda ou

restrição de incentivos legais/contratação com a administração pública/suspensão em linhas de

crédito”, alcançou pessoas físicas e jurídicas e “deu base legal mais sólida aos órgãos de meio

ambiente exercerem sua ação fiscalizadora”, uma vez que até então as portarias eram tidas como

insuficientes pelos tribunais.

No plano internacional, outras convenções são assimiladas pela legislação

brasileira. Em 1996, é promulgada a Convenção sobre Zonas Úmidas de Importância

Internacional, conhecida como Convenção de Ramsar137, realizada no Irã em 1971 e em vigor

desde 1975. Tendo a UNESCO como depositária, a convenção é um tratado intergovernamental

para promover a conservação e o uso racional de zonas úmidas no mundo, cujas políticas e

estratégias, assim como ocorre com as Convenções do Clima e da Biodiversidade, são

discutidas pelos países signatários nas Conferências das Partes – COPs, nesse caso, realizadas

a cada três anos.

Inicialmente, estava centrada na conservação de áreas úmidas condicionadas a sua

relevância como habitat para aves aquáticas migratórias, cobrindo uma ampla variedade de

ecossistemas aquáticos em todo o planeta. Porém,

Atenta ao avanço do debate sobre conservação no mundo, a Convenção passou, a

partir dos anos 1980, a abordar o tema de forma mais abrangente, reconhecendo a

importância das áreas úmidas para a manutenção da diversidade de espécies e, ao

mesmo tempo, sua relevância para o bem-estar das populações humanas. Em 1982,

uma emenda ao texto original reconheceu que a proteção das zonas úmidas deve levar

em consideração seu valor econômico, cultural, científico e recreativo (MMA, 2015,

grifo nosso).

Assim, desde 2002 a Convenção tomou como missão "a conservação e o uso

racional por meio de ação local, regional e nacional e de cooperação internacional visando

136 Regulamentada pelo Decreto nº 3179/1999. 137 Aprovada pelo Decreto Legislativo nº 33/1992 e promulgada pelo Decreto nº 1.905/1996.

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136

alcançar o desenvolvimento sustentável das zonas úmidas de todo o mundo" (MMA, 2015,

grifo nosso).

Conforme o MMA (2015), a adesão do Brasil a essa convenção “possibilita ao país

ter acesso a benefícios como cooperação técnica e apoio financeiro para promover a utilização

dos recursos naturais das zonas úmidas138 de forma sustentável”.

Entendemos que esse alargamento nos horizontes da convenção está intimamente

relacionado à visão das zonas úmidas como fornecedoras de serviços ecológicos fundamentais

para a manutenção do equilíbrio ecológico (como fonte de biodiversidade, como reguladoras

do regime hídrico em diferentes regiões etc.), bem como pela importância social, seja

econômica, recreativa ou mesmo de reprodução cultural, que possuem para diversas populações

que estariam utilizando tais serviços de forma gratuita, vista como o motivo da degradação

ambiental dentro do desenvolvimento sustentável. E essa abordagem dos processos naturais

como prestadores de serviços ambientais é um dos produtos do mercado verde, executado

através do Pagamento por Serviços Ambientais – PSA.

No ano seguinte, 1997, é aprovado o texto da Convenção Internacional de Combate

à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca - UNCCD (sigla em inglês)139, elaborada

durante a Eco 92 em 1992. Políticas, estratégias, questões administrativas e financeiras, de

ciência e tecnologia e a avaliação de implementação de programas são deliberadas pelos 193

países signatários também nas Conferências das Partes – COP, realizadas a cada dois anos.

Esse compromisso estabelece padrões de trabalho e metas internacionais convergentes

em ações coordenadas na busca de soluções qualitativas que atendam às demandas

socioambientais nos espaços áridos, semiáridos e subúmidos secos, particularmente

onde residem as populações mais pobres do planeta. [...] estabelece [também] que os

países Partes envolvidos deverão mobilizar recursos financeiros substanciais e

facilitar, através de cooperação internacional, a transferência de tecnologia,

conhecimentos gerais e técnicos para os países em desenvolvimento afetados (MMA,

2015, grifos nossos).

Assim, no contexto da política ambiental internacional fundamentada no

desenvolvimento sustentável, “a UNCCD é reconhecida como o instrumento fundamental para

138 Atualmente, no Brasil, estão listadas 12 zonas úmidas, a saber: Lagoa do Peixe, RS (1993); Ilha do Bananal,

TO (1993); Reentrâncias Maranhenses, MA (1993); Pantanal Matogrossense, MT (1993); Mamirauá, AM

(1993); APA da Baixada Maranhense, MA (2000); Parque Estadual Marinho do Parcel Manoel Luís, MA (2000);

Reserva Particular do Patrimônio Natural SESC Pantanal, MT (2002); Reserva Particular do Patrimônio Natural

Fazenda Rio Negro, MS (2009); Parque Estadual do Rio Doce, MG (2010); Parque Nacional Marinho dos

Abrolhos, BA (2010); e Parque Nacional do Cabo Orange, AP (2013). Ao todo, a convenção possui 169 países

membros que juntos listaram 2.220 zonas úmidas distribuídas em um total de 214.207.401,74 há. Disponível em:

<http://www.ramsar.org/>. Acesso em: 16 dez. 2015. 139 Assinada pelo governo brasileiro em 1994 e aprovada pelo Decreto Legislativo nº 28/1997.

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erradicar a pobreza e promover o desenvolvimento sustentável nas áreas rurais das terras secas”

(MMA, 2015).

Em 1998 são promulgados: a Convenção sobre a Diversidade Biológica, assinada

durante a Eco 92; o Acordo sobre Cooperação em Matéria Ambiental, celebrado entre Brasil e

Argentina, em Buenos Aires em 1996; o Protocolo da Convenção de Segurança Nuclear,

assinado em Viena em 1994; e finalmente a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre

Mudança do Clima, adotada em Nova Iorque em 1992.

Em 1999 é instituído Decreto nº 2.959/1999, que dispõe sobre medidas a serem

implementadas na Amazônia Legal, para monitoramento, prevenção, educação ambiental e

combate a incêndios florestais (revoga o Decreto 2.662/98). Institui o Programa de Prevenção

e Controle de Queimadas e Incêndios Florestais na Amazônia Legal com o objetivo de:

identificar áreas de maior risco de ocorrência de incêndios florestais; controlar o uso do fogo

ao longo da região; informar os produtores e as comunidades rurais quanto aos riscos dos

incêndios florestais; estruturar e implantar núcleo estratégico com capacidade institucional de

mobilizar força-tarefa para atender a emergências em combate a incêndios florestais de grandes

proporções (MEC, 2015).

A Lei nº 9.795/1999 institui no Brasil a Política Nacional de Educação Ambiental

– PNEA, um notável marco nas políticas ambientais brasileiras e que merece atenção,

sobretudo, no contexto do desenvolvimento sustentável. Presente na PNMA (1981) e na CF de

1988 e alvo de iniciativas governamentais140 e da organização social141 que se multiplicaram na

década de 1990, cabe esclarecer que “a educação ambiental surge no Brasil muito antes da sua

institucionalização pelo governo federal, marcada, no início dos anos 70, pela emergência de

um ambientalismo que se une às lutas pelas liberdades democráticas” (MMA, 2044, p.16).

Por outro lado, antes que fosse estabelecido esse “marco legal que determinou a

inclusão da EA nas políticas educacionais do Ministério da Educação” (MEC, 2015, p.5)142, a

Educação Ambiental também já era um instrumento relacionado à proposta de desenvolvimento

sustentável bastante difundido internacionalmente.

140 Podemos citar a criação do Grupo de Trabalho de Educação Ambiental do MEC140 e da Divisão de Educação

Ambiental do IBAMA (1991) no clima de preparação para a Rio 92; do Programa Nacional de Educação

Ambiental - PRONEA (1994), do Grupo de Trabalho de Educação Ambiental do MMA (1996) e a instituição

dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs, que dá notável visibilidade à educação ambiental

(LAYRARAGUES, 2002, p.6). 141 Em 1992 é criada a Rede Brasileira de Educação Ambiental que, baseada em um modelo de organização social

horizontal, buscava articulação entre educadores ambientais de todo o país. Com base nela, nos anos seguintes

surgiram várias redes locais e regionais. Em 1999, inicia-se um movimento para a criação da Sociedade de

Educação Ambiental do Brasil. 142 As discussões na esfera legislativa haviam se estabelecido ainda em 1993 por meio do Projeto de Lei nº

3.792/1993 (MMA, 2014).

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Segundo Layrargues (2002, p.5), pronunciado pela primeira vez em 1965 durante a

Conferência em Educação realizada na Universidade de Keele na Grã-Bretanha, o termo que se

refere à possível contribuição da Educação em meio à crise ambiental inauguraria uma trajetória

de crescente interesse, sobretudo da ONU, que “empreendeu volumosos esforços para estruturar

e disseminar as bases da educação ambiental ao redor do mundo”. Assim, a partir da década de

1970, as bases da educação ambiental foram lançadas e amplamente divulgadas pela UNESCO

e PNUMA, de modo que muitos dos maiores eventos internacionais de educação ambiental

tiveram lugar nessa década143.

Em 1992, aconteceu no Brasil a I Jornada Internacional de Educação Ambiental,

paralela à Eco 92. Os dois eventos originaram respectivamente o Tratado de Educação

Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global e a Agenda 21, que aborda

explicitamente a educação ambiental no seu Capítulo 36 - Promoção do Ensino, da

Conscientização e do Treinamento. Em 1998, a UNESCO promove, na Grécia, a Conferência

Internacional sobre Meio Ambiente e Sociedade: Educação e Consciência Pública para a

Sustentabilidade, cuja conclusão afirma que “a educação ambiental, assim como a legislação,

tecnologia e economia, seria um dos pilares da sustentabilidade”. E intercalado aos eventos

internacionais, UNESCO e PNUMA apoiaram e promoveram inúmeros seminários regionais

que “não só capilarizaram os princípios da educação ambiental, como também estabeleceram

as peculiaridades locais ou regionais que afetariam a dinâmica dessa prática pedagógica”

(LAYRARGUES, 2002, p.4).

Para Layraragues (2002), a educação ambiental tem duas faces: a mudança

ambiental e a mudança social. Entretanto, o modelo disseminado internacionalmente se

demonstra comprometido apenas com a mudança ambiental, uma ferramenta para viabilizar o

desenvolvimento sustentável, que encobre justamente a necessidade da mudança social no

enfrentamento da crise ambiental. E estando o Brasil na retaguarda das decisões internacionais

sobre meio ambiente, a educação ambiental aqui instituída também segue suas orientações,

embora que de forma deficiente, como ocorre com outras políticas públicas.

Prosseguindo, alcançamos o ano 2000, quando então é criada a Agência Nacional

de Água – ANA (Lei nº 9.984/2000), entidade federal de implementação da Política Nacional

de Recursos Hídricos – PNRH (1997) e de coordenação do Sistema Nacional de Gerenciamento

143 Podemos citar o Congresso de Educação Ambiental (Finlândia, 1974); o Congresso de Belgrado (Ioguslávia,

1975), que culminou na criação do Programa Internacional de Educação Ambiental – PIEA; e a Conferência de

Tbilisi (União Soviética, 1977), considerada por muitos autores o principal marco mundial da educação

ambiental (LAYRARGUES, 2002; MMA, 2014).

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de Recursos Hídricos - SNGRH. Conforme Cunha e Coelho (2003), entre as atribuições do

órgão, está a cobrança pelo uso da água, considerada bem público pela Constituição.

A seguir, é instituída a Lei nº 9.960/2000 como um importante instrumento de

arrecadação ambiental: estabelece os preços a serem cobrados em âmbito nacional pelo

IBAMA, institui a Taxa de Serviços Administrativos - TSA em favor da Superintendência da

Zona Franca de Manaus – Suframa e cria a Taxa de Fiscalização Ambiental – TFA (AC).

No mesmo ano, é instituído o Sistema Nacional de Unidades de Conservação –

SNUC (Lei nº 9.985/2000), regulamentando quase metade de todo o disposto no capítulo

dedicado ao meio ambiente da Constituição Federal de 1988 (incisos I, II, III e VII do art. 225,

§ 1º), o que, a grosso modo, atribui ampla relevância às unidades de conservação dentro da

política ambiental.

A Lei nº 10.257/2001 institui o Estatuto da Cidade, que estabelece normas de ordem

pública e interesse social, que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo,

da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental. Essa lei

condiciona o crescimento urbano ao bem-estar de seus habitantes e disciplina o estudo de

impacto de vizinhança para empreendimentos e serviços que possam interferir com o meio

ambiente urbano e com a sadia qualidade de vida (MEC, 2015). Por ela, os municípios com

população acima de 20 mil habitantes ficam obrigados a elaborar e aprovar seus planos diretores

em até cinco anos, além de estabelecer diretrizes para as operações urbanas consorciadas

(POLETO, 2010).

Em 2002, foi lançado o Programa Nacional de Incentivo às Fontes Alternativas de

Energia Elétrica – PROINFA144, sob a competência do MME e com o objetivo de promover a

diversificação da matriz energética brasileira145 através do aumento da energia elétrica

provenientes de fontes eólica, de biomassa e de pequenas centrais hidrelétricas no Sistema

Elétrico Interligado Nacional – SIN. Entre as benesses alegadas pelo programa estão benefícios

social (geração de emprego), tecnológico (investimento na indústria do setor), estratégico

(complementaridade energética sazonal) e também benefícios econômicos e ambientais, que se

referem respectivamente ao “investimento privado da ordem de R$ 8,6 bilhões” e à “emissão

evitada de 2,5 milhões de tCO2/ano [que] criará um ambiente potencial de negócios de

144 Criado pela Lei nº 10.438/2002 e revisado pela Lei nº 10.762/2003. 145 Ao mesmo tempo pretende aumentar a segurança no abastecimento de energia elétrica e valorizar as

potencialidades que as diferentes regiões brasileiras oferecem para a produção de energia elétrica de cada um

dos tipos pretendidos pelo programa. No Nordeste, por exemplo, predominam as fontes eólicas e de biomassa.

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140

Certificação de Redução de Emissão de Carbono, nos termos do Protocolo de Kyoto” (MME,

2016).

Em 2003 foi realizada a primeira edição da Conferência Nacional de Meio

Ambiente – CNMA. Conforme o MMA (2015), é por meio dessas conferências que o ministério

“tem ampliado a discussão acerca da formulação e implementação de políticas públicas para o

desenvolvimento sustentável”, contando com representantes do setor público, da sociedade

civil organizada e do setor empresarial. O processo se inicia nas etapas municipais, avança para

etapas regionais, depois para as conferências estaduais e culminam na etapa nacional.

As conferências não têm uma frequência regular. Atualmente, foram quatro

edições, todas realizadas em Brasília. A I CNMA teve como tema o Fortalecimento do Sistema

Nacional do Meio Ambiente e seus objetivos foram:

Mobilizar, educar e ampliar a participação popular na formulação de propostas para

um Brasil sustentável; Definir diretrizes para consolidar e fortalecer o Sistema

Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA[...] como um instrumento para a

sustentabilidade ambiental; Diagnosticar e mapear a situação socioambiental

mediante indicadores, atores sociais, percepções, prioridades (MMA, 2015).

Segundo o MMA (2015), teriam sido mobilizadas 65 mil pessoas em todo o país,

dentre as quais foram indicados 912 delegados para participarem da etapa nacional. Do evento

teriam resultado 659 deliberações de competência do MMA e 336 recomendações de

competência de outros órgãos.

3.1.5 Período de Internacionalização (a partir de 2005)

Para esse quarto momento que se inicia em 2005 e adentra os dias presentes, o que

apresentamos não é propriamente uma caraterização, visto que o período em questão é ainda

corrente, mas uma discussão em busca de apreender o significado das mudanças em curso a

partir das políticas ambientais já implementadas, o contexto social em que elas se deram e suas

implicações tanto sociais quanto ambientais.

A partir do início do século XXI, percebemos que há uma generalizada assimilação

do desenvolvimento sustentável não apenas nas políticas ambientais, mas nas políticas públicas

em geral, uma vez que, como preconiza a política ambiental internacional, a questão ambiental

perpassa todas as áreas da organização social que devem ser adequadas para que se possa

finalmente atingir o desenvolvimento sustentável.

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141

Em 2005, o Protocolo de Quioto finalmente entra em vigor, estabelecendo as metas

para o Primeiro Período de Referência (2008-2012)146 e em seguida ocorre a COP 11, a primeira

após a entrada em vigor do Protocolo de Quioto e durante a qual aconteceu a primeira

Conferência das Partes do Protocolo de Quioto (COP/MOP1) onde já foram discutidas metas

para um segundo período de referência do acordo.

Se o período anterior foi marcado por uma rápida disseminação do desenvolvimento

sustentável nas políticas públicas, nesse momento, há uma internacionalização das políticas

públicas e ambientais e das instituições democráticas. Por um lado, as políticas aderem

declaradamente ao desenvolvimento sustentável e aos instrumentos instituídos para a sua

implementação, conforme os compromissos assumidos em conferências internacionais,

sobretudo a Convenção do Clima através de suas sucessivas COPs. Por outro lado, esses

instrumentos se proliferam de diversas formas dentro das instituições democráticas, sobretudo

diante da fragilidade financeira e institucional, sendo capazes de moldá-las à sua semelhança,

cabendo destaque à estratégia de governança ambiental.

Assim, apesar do avanço das instituições e das instâncias democráticas, dentro delas

se encontram formas específicas da reprodução do poder em diferentes escalas, caracterizando

um estado de autoritarismo difuso que submete os impactos ambientais e sociais a interesses

econômicos, disseminando diversas formas de cooptação dos instrumentos democráticos. Nesse

sentido, cabe destaque à participação de grupos sociais constituída sob assimetria de forças,

com o intuito de legitimar os resultados e favorecer a resolução negociada de conflitos em

detrimento da garantia de direitos, sobretudo de populações atingidas por grandes projetos de

infraestrutura ou pela financeirização da natureza.

As políticas ambientais desenvolvidas no Brasil nesse período, são resultado direto

de condições gestadas ainda na década de 1990. Se a tendência à elaboração participativa de

políticas públicas, sobretudo ambientais, consolidada a partir da Eco 92, exigia a ampliação da

participação de movimentos sociais e entidades da sociedade civil organizada, também sugeria

que o Estado precisava criar um novo quadro institucional para o sistema ambiental e as

instâncias participativas, que justificassem a sua política desenvolvimentista frente às

reivindicações da sociedade civil. Ao mesmo tempo, avançava o movimento de neutralização

da crítica contestatória e das lutas ambientais incitadas por instituições financeiras

internacionais, grandes corporações e governos através da substituição do ambientalismo

146 A meta para esse período era a redução das emissões de GEEs em 5,2% com relação aos níveis de 1990, ainda

que houvesse uma diferença de quase duas décadas entre o ano base de referência (1990) e o início das atividades,

período em que o crescimento econômico aumentou exponencialmente a quantidade de emissões.

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142

contestatório por um ecologismo de resultados, que tornou-se, em grande parte, a referência

ambiental nos espaços estatais (FURTADO; STRAUTMAN, 2014, p.227).

Laschefski (2014) afirma que o governo do Partido dos Trabalhadores – PT147 é

caracterizado pela adoção de um pacote de ações de combate à pobreza e pelo sucesso de

medidas econômicas que favoreceram também à classe média; pelo esforço e articulação para

que o país assumisse um papel crescente no cenário mundial; pela inserção de lideranças de

movimentos sociais e ONGs em cargos do governo, sugerindo maior participação da sociedade

civil; e o grande número de obras de infraestrutura implementadas com o Programa de

Aceleração do Crescimento - PAC.

Segundo o autor, alguns analistas caracterizam a política petista como um

neodesenvolvimentismo que marcaria a época do pós-neoliberalismo, precedendo uma

tendência global que se instalou após a crise financeira de 2008: a adoção de abordagens

keynesianas e estruturalistas, nas quais o Estado assumiria uma atuação semelhante ao

desenvolvimentismo da década de 1950148.

Morais e Saad-Filho [2011] afirmam que o governo Lula não trouxe mudanças

revolucionárias, pois a transição iniciada por ele não rompeu totalmente com as

políticas ditas neoliberais dos anos de 1990. De fato, muitas medidas adotadas pelos

governos petistas, sobretudo com relação a infraestrutura, já foram idealizadas no

governo anterior” (LASCHEFSKI, 2014, p. 245).

Algumas destas grandes obras de infraestrutura não retomam apenas o projeto

desenvolvimentista de governos anteriores149, mas também os meios pelos quais se realizaram,

relembrando aquele modelo de desenvolvimento tão criticado internacionalmente na década de

1980 e que, no Brasil, segundo Laschefski (2014, p.246), “resultaram, entre outros, em

gravíssimos problemas ambientais, violência contra os povos da floresta e ocupação

desordenada do território pela grilagem” em nome do projeto militar de integração nacional.

Fortes e French (2012 apud LASCHEFSKI, 2014, p. 248) afirmam que “o Brasil

assiste hoje à multiplicação de grandes projetos de construção civil numa escala que não era

147 Governo Lula (2003-2006 e 2007-2010) e Governo Dilma (2011-2014), cujo segundo mandato (2015-2018)

seria brevemente interrompido por um golpe político no início de 2016. 148 No caso brasileiro, os principais pontos seriam: o investimento em infraestrutura (através do PAC); o combate

aos déficits habitacionais através do acesso ao crédito (Programa Minha Casa, Minha Vida – MCMV); uma

política interna de estímulo ao consumo (elevação do salário mínimo, expansão do emprego formal e distribuição

mais equitativa de renda através de programas sociais, entre outros); e uma política externa mais afinada com

outros países da América Latina e do bloco BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China). 149 Por exemplo, grandes obras do PAC (hidrelétricas, rodovias, hidrovias, expansão da agricultura moderna etc.)

tiveram como antecessores obras dos programas Brasil em Ação (1996-1999) e Avança Brasil (2000-2003) de

Fernando Henrique Cardoso - FHC ou mesmo anterior, como é o caso da barragem de Belo Monte no Estado do

Pará, prevista no II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) do governo militar Geisel (1974-1979), parte do

projeto então denominado Kararaô.

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143

vista desde o milagre econômico (1968-1974) durante a ditadura militar”. Entretanto, a situação

política atual é diferente. Embora em vários países, obras de infraestrutura e instalação de

indústrias-chave, quase sempre tenham sido realizadas em regimes autoritários, no Brasil,

vivemos um avanço das instituições democráticas.

Se por um lado, as controvérsias que cercam projetos neodesenvolvimentistas

polêmicos remetem a conflitos fundamentais sobre o modelo de desenvolvimento adotado pelo

governo, por outro, eles são compartilhados e aceitos pela maioria dos partidos políticos, sejam

eles aliados ou da oposição, bem como levados a cabo por muitos governos estaduais e por

empresas multinacionais que atuam como promotoras do desenvolvimento, substituindo o

Estado (LASCHEFSKI, 2014).

Se as estruturas participativas não permitem que a responsabilidade por atitudes

percebidas como autoritárias recaia apenas sobre os ombros dos representantes do poder formal;

se de maneira geral, as políticas públicas atuais são baseadas em decisões negociadas entre

diversos representantes políticos e, cada vez mais, com representantes da sociedade civil; então

como explicar as violações ambientais e sociais na atual situação política do Brasil? Para

Laschefski (2014, p.250), “vivemos, então, numa situação de autoritarismo difuso, em que há

formas específicas da reprodução do poder nas instâncias democráticas.” Para manter a ordem

então estabelecida da maneira desejável, a violência social e ambiental se dá de modo difuso e

estrutural dentro do próprio sistema.

No caso dos projetos neodesenvolvimentistas, essa violência social e ambiental se

reproduz de diversas maneiras (impunidade, lentidão do julgamento dos culpados, violência no

campo, conflitos agrários e étnicos, retaliações, perseguições, burocracia, participação

ilustrativa etc.), de modo que ao mesmo tempo que facilita a implementação desses projetos,

contribui para o enfraquecimento de grupos de resistência, dispensa a necessidade de

interferência violenta do Estado e naturaliza a violência difusa (LASCHEFSKI, 2014).

Assim, os projetos neodesenvolvimentistas se justificam por supostamente

atenderem ao controle e à fiscalização de um quadro institucional do sistema ambiental e

respeitarem os interesses sociais e ambientais pela via da participação. Entretanto, em muitos

casos, a participação dos grupos afetados pelos projetos é apenas ilustrativa, servindo para

legitimação pois, como afirma Laschefski (2014, p.264), as estruturas participativas são campos

criados artificialmente, onde “a hierarquia do poder já foi denominada antes do início das

atividades do campo, consolidando assim antecipadamente as assimetrias sociais entre seus

integrantes”.

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144

Outras vezes, o jogo de poderes direciona até mesmo a escolha dos representantes

da sociedade civil, de modo a influenciar o curso dos debates e, consequentemente, das decisões

em favor dos atores dominantes. Parte significativa das entidades da sociedade civil organizada,

bem como das empresas responsáveis pelos estudos de impactos ambientais e órgãos de

licenciamento e fiscalização ambiental estão cooptadas pelos empreendedores dos projetos,

sejam eles instituições financeiras, empresas ou Estado.

Todo sistema de produção do conhecimento, desde a educação infantil, está

desenhado para sustentar essa visão do desenvolvimento, que é tratado como um

processo evolutivo, imutável ou uma lei natural que nem precisa ser verbalizada.

Obras que contribuem para esse desenvolvimento são consideradas inquestionáveis.

Com base nesse entendimento, são construídas as visões de mundo, as crenças sobre

a modernidade e, finalmente, as relações de poder. Integrantes inseridos nesse campo,

mesmo com as melhores intenções, têm grande dificuldade (LASCHEFSKI, 2014, p.

269, grifos nossos).

Ao mesmo tempo, contrariando as expectativas de mais participação da sociedade

civil, alimentada, sobretudo, com a inserção de lideranças de movimentos sociais e ONGs em

cargos do governo, não houve avanço em muitos campos de interesse social defendidos por

estes sujeitos, como por exemplo, reforma agrária, demarcação de terras indígenas, quilombolas

e de comunidades tradicionais, combate ao uso deliberado de transgênicos e ao desmatamento

etc. (LASCHEFSKI, 2014).

Por outro lado, como resultado do descontentamento de determinados setores

econômicos, que viam o sistema ambiental brasileiro como barreiras ao crescimento

econômico, observou-se a implementação de várias medidas a fim de agilizar a realização de

grandes obras através da desburocratização do licenciamento ambiental e fazendo com que os

interesses econômicos desses grupos avançassem sobre direitos sociais e ambientais já

adquiridos, caracterizando uma ofensiva legalista. Exemplos são a revisão do Código

Florestal150 e do Código da Mineração, a reestruturação do IBAMA que resultou na criação do

ICMBio em 2007 e os questionamentos relativos à constitucionalidade da demarcação de terras

indígenas (LASCHEFSKI, 2014).

Enquanto são criados novos instrumentos legais que fortalecem a ofensiva, é

percebido um enfraquecimento das instituições democráticas que, enquanto representante do

Estado Democrático de Direito são constituídas para intervir na defesa de direitos, sobretudo

dos sujeitos mais fracos. Como saída, são apontadas estratégias de negociação entre interesses

divergentes que objetivam o consenso entre as partes em detrimento da defesa das vítimas e

150 O atual Código Florestal Brasileiro promulgado pela Lei nº 12.651/2012 é resultante do Projeto de Lei nº

1.876/1999.

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145

punição dos culpados, uma vez que instrumentos democráticos são cooptados por interesses do

capital e os direitos democráticos constitucionais passam a ser negociados em vez de garantidos.

Com isso, instrumentos do desenvolvimento sustentável como a governança

ambiental avançam sobre as instituições democráticas, moldando-as conforme seus interesses,

o que muitas vezes leva ao esvaziamento das competências da instituição e à sua cooptação. De

fato, é grave seu grau de penetração nas instituições brasileiras e estruturas distintas de

governança permeiam as políticas internacionais, nacionais, estaduais e municipais. Para

ilustrar a questão, Laschefski (2014) descreve os rumos tomados pelo Ministério Público no

estado de Minas Gerais151, cujas liminares e recomendações em defesa dos afetados por grandes

projetos raramente foram sustentadas na justiça, levando a instituição a apostar em caminhos

extrajudiciais como a resolução negociada de conflitos152 que, intermediada por agentes da lei,

têm a pretensão de evitar um processo judicial litigioso que poderia se arrastar por anos a fio, o

que por si só já indica a ineficiência do sistema jurídico brasileiro na arbitragem de conflitos e

defesa daqueles que têm seus direitos violados. O Ministério Público153, que muitas vezes

representa a última esperança para os grupos atingidos, negligenciados e violados formal ou

veladamente pelos projetos desenvolvimentistas, devido a sua fraqueza institucional, estaria na

realidade contribuindo para perpetuar a violência difusa arraigada no sistema.

Como fosse o Ministério Público mineiro incapaz de caminhar com suas próprias

pernas, em 2009 o Banco Mundial estabeleceu com este um Termo de Cooperação Técnica -

TCT154, no valor de U$ 399 mil, financiado pelo Institutional Development Fund - IDF, fundo

para fomento do “desenvolvimento institucional”, uma das estratégias do banco para a

151 Conforme afirma Laschefski (2014), o Banco Mundial já se pronunciou publicamente quão interessante é o

Estado de Minas Gerais para a implementação de um projeto-piloto sobre governança, dada a sua variedade

geográfica e socioeconômica, que remete a situações enfrentadas em outros estados pelo Brasil. Com a criação

do Fórum de ONGs Ambientalistas de Minas Gerais que, criado em 2004, debate a política ambiental no estado,

o quadro institucional estaria impregnado pelas ideias de “boa governança” do Banco Mundial. 152 Um instrumento usual é o Termo de Ajustamento de Conduta – TAC (Leis Federais nº 7.347/1985 e nº

8.078/1990). “Os termos de ajustamento de Conduta ou TACs, são documentos assinados por partes que se

comprometem, perante os procuradores da República, a cumprirem determinadas condicionantes, de forma a

resolver o problema que estão causando ou a compensar danos e prejuízos já causados. Os TACs antecipam a

resolução dos problemas de uma forma muito mais rápida e eficaz do que se o caso fosse a juízo. [...] Mas, tanto

o TAC quanto o acordo judicial têm o mesmo objetivo: abreviam o processo.” (Ministério Público Federal –

BA). Disponível em: <http://www.prba.mpf.mp.br/paraocidadao/pecas-juridicas/termos-de-ajustamento-de-

conduta>. Acesso em: 13 abr. 2015. 153 É um órgão criado com grande autonomia para investigar a violação de direitos constitucionais cometida por

entidades governamentais e privadas. 154 De acordo com Laschefski (2014, p.252), a parceria visa a realização de cursos sobre aspectos técnicos de

mediação de conflitos, além de construir um estudo base para a análise legal-ambiental relacionadas à mineração

naquele estado.

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146

implementação da governança no mundo, na qual a resolução negociada de conflitos é um

elemento chave.

Os objetivos são: o fortalecimento da capacidade institucional para aumentar

a eficiência em relação a alocação de recursos humanos; a assistência técnica

para pilotar novas metodologias e técnicas para a quantificação de danos

ambientais; a capacitação dos promotores para oferecer mediação fora dos

tribunais e das cortes de justiça com o objetivo de resolver as insuficiências

da legislação e regulação estadual; e a proteção dos direitos difusos

constitucionais (LASCHEFSKI, 2014, p. 252, grifos nossos).

Como a organização institucional do ordenamento jurídico brasileiro não funcione

corretamente devido à violência e ao autoritarismo difuso presente nas instituições, o que a

proposta de governança oferece não é o fortalecimento democrático e sim o desmantelamento

das instituições, uma vez que não prevê o melhoramento das estruturas democráticas para

garantir direitos, mas incita a sua superação por vias subjetivas baseadas na negociação e no

consenso, elaboradas de acordo com os seus interesses:

A orientação para o consenso já pode ser identificada como uma condição básica para

identificar ‘boa governança’ nos esquemas de avaliação dos países pelo Banco

Mundial. Acredita-se que a resolução de conflitos pode ser alcançada através da

negociação entre interesses diversos, sobretudo em situações de fraqueza institucional

de determinados governos” (LASCHEFSKI, 2014, p.256).

O êxito de tais programas internacionais no Brasil e a adesão a esse tipo de parceria

são a confissão de que o país é incapaz de fazer valer a força de sua própria Constituição e o

atestado de falência das instituições democráticas, não dispondo de instrumentos ou meios para

resolver seus próprios problemas sem precisar recorrer à ajuda externa, que custem a sua

submissão no cenário internacional e uma inclusão subalterna.

Tendo o Estado brasileiro assimilado o desenvolvimento sustentável como modelo

de desenvolvimento econômico, tratou então de introduzi-lo nas políticas públicas,

principalmente nas ambientais, dando-lhe legitimidade, pois como afirmam Cunha e Coelho

(2003, p.43), “a esfera estatal continua sendo, contudo, a instância em que se negociam decisões

e em que conceitos são instrumentalizados em políticas públicas para o setor”.

Porém, o desafio maior estaria na sua implementação, reproduzindo o abismo

histórico que há entre a determinação da lei e a sua real aplicação, combinando avanço e

retrocesso, principalmente no que se refere aos diferentes instrumentos e seus empregos na

manutenção do status quo, que, por sua vez, é resultante da tensão de força entre diferentes

atores com distintos interesses e em diferentes escalas.

Nessa conjuntura, temos a instituição de algumas leis importantes nesse período. A

primeira é a Lei dos Consórcios Públicos que, promulgada em 2005, regulamenta a contratação

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147

de consórcios públicos para a realização de objetivos de interesse comum entre entes federados

de diferentes níveis. Essa lei será importante para a PNSB (2007) e principalmente para a PNRS

(2010), pois ambas estimularão a adoção da gestão consorciada através da formação de

consórcios públicos para o enfrentamento das questões sanitárias as quais se propõem regular.

Ampliando a discussão acerca da formulação e da implementação de políticas

públicas para o desenvolvimento sustentável, neste mesmo ano, o MMA realiza a II

Conferência Nacional de Meio Ambiente - CNMA com o tema “Gestão Integrada das Políticas

Ambientais e Uso dos Recursos Naturais”. Essa edição, que teria superado a anterior em

participação, teve como objetivos:

Firmar a CNMA como uma instância de tomada de decisões orientadoras das Políticas

Públicas Ambientais; Fortalecer o SISNAMA como um instrumento para a construção

da sustentabilidade ambiental; Apontar políticas públicas necessárias ao

desenvolvimento sustentável de forma integrada para os três níveis da federação –

municipal, estadual e nacional; Apontar caminhos para a integração da agenda de

desenvolvimento econômico e social e demais agendas das políticas públicas

privilegiando a sustentabilidade na utilização dos recursos naturais (MMA, 2015).

A seguir é instituída a Lei nº 11.284/2006 que, alterando leis anteriores, inclusive a

PNMA (1981), dispõe sobre a gestão de florestas públicas para a produção sustentável; institui

o Serviço Florestal Brasileiro – SFB na estrutura do MMA e cria o Fundo Nacional de

Desenvolvimento Florestal – FNDF. Ainda em 2006, na ocasião da COP 12, o governo

brasileiro propôs a criação de um mecanismo que promovesse efetivamente a redução de

emissões de GEEs geradas pelo desmatamento em países em desenvolvimento, o que mais tarde

seria efetivada com o REDD e avançaria rapidamente nas conferências seguintes.

No início de 2007, é publicada a Lei nº 11.445/2007 que institui a Política Nacional

de Saneamento Básico, também conhecida como Lei do Saneamento e que estabelece as

diretrizes nacionais para o saneamento básico, composto pelos serviços de abastecimento de

água, esgotamento sanitário, manejo de águas pluviais e manejo dos resíduos sólidos. A política

que objetiva a universalização dos serviços adequados de saneamento básico de modo a

contribuir para a saúde pública e ambiental também tem entre suas diretrizes (2007, Art.48, II)

a promoção do desenvolvimento sustentável.

Também em 2007 foi sancionada a Lei nº 6.040/2007 que institui a Política

Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais – PNPCT

que, como a própria denominação sugere,

tem como principal objetivo promover o desenvolvimento sustentável dos Povos e

Comunidades Tradicionais, com ênfase no reconhecimento, fortalecimento e garantia

dos seus direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, com respeito

e valorização à sua identidade, suas formas de organização e suas instituições

(BRASIL, 2007c. Art.2, grifo nosso).

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148

Para isso, os objetivos específicos se propõem de maneira geral a estabelecer

garantias, sobretudo de acesso dos povos e comunidades tradicionais aos serviços públicos e

estruturas sociais (educação, saúde, previdência, políticas públicas, programas e ações de

inclusão social, infraestrutura, participação e controle social, etc.) com o devido respeito à sua

diversidade e pluralidade socioambiental e cultural.

Queremos ainda destacar garantias fundamentais para a reprodução cultural e

material desses grupos: a garantia aos seus territórios e seus respectivos recursos naturais; a

garantia dos seus direitos, quando afetados direta ou indiretamente por projetos, obras e

empreendimentos; e a garantia do pleno exercício dos seus direitos individuais e coletivos,

sobretudo, nas situações de conflito ou ameaça à sua integridade. Sem que especialmente essas

garantias sejam asseguradas, nenhuma das anteriores poderá oferecer dignidade e segurança

aos povos e comunidades tradicionais, de modo que a visível incompetência do Estado

brasileiro em efetivá-las, é causa constante de conflitos e ameaça para esses grupos.

Entre os princípios dessa política figuram o pleno e efetivo exercício da cidadania,

a segurança alimentar e nutricional, a erradicação de todas as formas de discriminação e a

preservação dos direitos culturais, da memória cultural e da identidade racial e étnica. É válido

destacar ainda que a política se propõe a solucionar ou minimizar os conflitos gerados pela

implantação de Unidades de Conservação de Proteção Integral em territórios tradicionais155,

estimular a criação de Unidades de Conservação de Uso Sustentável e apoiar e garantir a

inclusão produtiva com a promoção de tecnologias sustentáveis, valorizando os recursos

naturais locais e práticas, saberes e tecnologias tradicionais (BRASIL, 2007c, Art.3).

Um mecanismo da economia verde que vem forçando a sua introdução nas políticas

ambientais brasileiras é o Pagamento por Serviços Ambientais – PSA:

Nos últimos 03 anos [2008-2010], a idéia [sic] de “Serviços Ambientais” foi

incorporada ao discurso de setores empresariais e de governo, dando origem a uma

acelerada tentativa de reestruturação de marcos legais e políticas públicas em diversas

áreas - do meio ambiente e agricultura a energia e transportes - tudo isso para

regulamentar uma transição para o que chamam de “economia de baixo carbono”

(TERRA, 2011, p.2).

Assim, a partir de 2007 foram enviadas ao Congresso Nacional várias propostas de

regulamentação do PSA que ultrapassam o modelo de incentivo econômico, dando-lhes caráter

comercial. Na vanguarda, está o Projeto de Lei nº 972/2007, ao qual outros 10 (dez) PLs foram

anexados até 2010 e cujas propostas são potencialmente problemáticas tanto do ponto de vista

155 As unidades de proteção integral não podem ser habitadas pelo homem/mulher. Assim, entendemos que sua

implantação em territórios de povos e comunidades tradicionais vai de encontro ao direito desses grupos sobre

seus territórios e seus respectivos recursos naturais.

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149

ambiental como social, não só garantindo a adesão ao desenvolvimento sustentável e seu

mercado verde, como reforçando o jogo de interesses e poder local, instrumentalizado através

das políticas públicas:

Sem apontar as principais cadeias produtivas ou atividades de risco responsáveis pela

degradação e escassez dos recursos naturais identificados, o PL [nº 972/2007] autoriza

a continuidade das atividades que representam risco e dano ambiental e socializa com

todos os cidadãos os custos econômicos, sociais e ambientais gerados por elas através

da proposta de pagamento por serviços ambientais a qualquer pessoa que quiser

prestar tais serviços ambientais (TERRA, 2011, p.8).

As propostas e alterações que derivam desse PL são ainda mais graves: o texto

substitutivo156 das Comissões de Agricultura e de Meio Ambiente da Câmara para esse PL,

embora divergentes em alguns pontos, dão as bases do regime jurídico proposto para tal política

e “ampliam quase que sem restrições o rol de ações e de áreas que podem estar sob o regime

jurídico do Pagamento por Serviços Ambientais” (TERRA, 2011, p.14).

Ao garantir direito de livre acesso à terra e ao território dos provedores dos serviços,

ele põe em risco o controle da terra e do território dos países em desenvolvimento e os modos

de vida de seus povos, quando associados ao manejo e à conservação das florestas. A proposta

isenta as transações de impostos e dispensa a necessidade de licitação para a contratação do

serviço. Entre as fontes de recursos propostas para compor o fundo que deve sustentar tal

política, estão o fundo especial do petróleo; as receitas oriundas da cobrança pelo uso dos

recursos hídricos, conforme estabelecido pela PNRH (1997); e empréstimos de instituições

financeiras nacionais ou internacionais, expedindo assim licença para novos endividamentos

com instituições financeiras internacionais. A partir de 2008, alguns estados e municípios

criaram leis que implementam o PSA157 (TERRA, 2011).

Na esfera internacional, o destaque na COP 13 realizada no final de 2007 foi o

aliviar de responsabilidades sobre os países desenvolvidos ao dividi-las com os

subdesenvolvidos que deveriam se comprometer com mudanças políticas.

156 É uma versão alterada e aprovada do texto original. 157 Os pioneiros foram o Programa Bolsa Verde em Minas Gerais, o Programa de Pagamento por Serviços

Ambientais e o FUNDÁGUA, ambos no Espírito Santo, que estabelecem remuneração pela conservação de

cobertura florestal que melhore a qualidade e a disponibilidade hídrica. No Espírito Santo, os recursos advêm de

fundos constituídos com a taxação da água, recursos especiais dos royalties do petróleo e os beneficiados incluem

desmatadores, pagos para recomporem matas ciliares que desmataram. Em Minas Gerais, onde o foco é a

recuperação e a conservação da biodiversidade e de ecossistemas especialmente sensíveis, o chamado PSA

Biodiversidade, que prioriza agricultores familiares e pequenos, prevê a progressiva inclusão de todos os

proprietários e posseiros. Os estados de São Paulo (Lei Estadual de Mudanças Climáticas e Programa Mina

D’água), Paraná (Lei do Prestador de Serviços Ambientais), Santa Catarina (Política Estadual de Serviços

Ambientais) e Acre (Sistema Estadual de incentivos a Serviços Ambientais) também regulamentaram o mercado

de PSA, “viabilizados através de fundos estaduais que contam com a cobrança de compensação financeira pela

geração de energia hidrelétrica, cobranças pelo uso da água e do fundo especial de petróleo.” (TERRA, 2011,

p.8).

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150

Nesse espírito de compromisso, a III CNMA, realizada em 2008, teve como tema

as Mudanças Climáticas e os objetivos foram “contribuir para a construção da Política e do

Plano Nacional de Mudanças Climáticas; e analisar e definir a institucionalização e

periodicidade da Conferência Nacional do Meio Ambiente”. Na COP 14 que se seguiu, o Brasil

estava em um grupo de países em desenvolvimento que demonstraram abertura para assumir

compromissos não obrigatórios para a redução das emissões de carbono (MMA, 2015).

Esses compromissos foram oficializados no ano seguinte com a publicação da Lei

nº 12.187/2009, que institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC e através da

qual o Brasil adota o compromisso voluntário de reduzir entre 36,1% e 38,9% suas emissões de

GEEs projetadas até 2020. E como era de se esperar, a política está completamente no domínio

do desenvolvimento sustentável, pois “os objetivos da Política Nacional sobre Mudança do

Clima deverão estar em consonância com o desenvolvimento sustentável a fim de buscar o

crescimento econômico, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais”

(BRASIL, 2009, Art.3, VIII).

A primeira diretriz da PNMC (2009) são os compromissos assumidos pelo Brasil

na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, tanto o Protocolo de

Quioto já em declínio, quanto outros compromissos futuros que venha a assumir. Nesse sentido,

é diretriz também

[...] a promoção da cooperação internacional no âmbito bilateral, regional e

multilateral para o financiamento, a capacitação, o desenvolvimento, a transferência

e a difusão de tecnologias e processos para a implementação de ações de mitigação e

adaptação, incluindo a pesquisa científica, a observação sistemática e o intercâmbio

de informações (BRASIL, 2009, Art.5, X).

Todos esses pontos alvo de cooperação são diretrizes particulares e há ainda muitos

pontos que denotam o ajustamento dessa política nacional ao desenvolvimento sustentável,

consolidado pela política ambiental internacional. Entre eles, vale destacar que práticas,

atividades e tecnologias com baixas emissões de GEEs e os chamados “padrões sustentáveis”

de produção e consumo devem ser estimulados e apoiados. Nesse sentido, a mitigação

pretendida não aponta mudanças sociais, sendo definida apenas como “mudanças e

substituições tecnológicas que reduzam o uso de recursos e as emissões por unidade de

produção, bem como a implementação de medidas que reduzam as emissões de gases de efeito

estufa e aumentem os sumidouros158” (BRASIL, Art.2, VII). Além disso, diante do mercado

158 “Processo, atividade ou mecanismo que remova da atmosfera gás de efeito estufa, aerossol ou precursor de gás

de efeito estufa.” (BRASIL, 2009, Art.2, IX).

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151

verde que se apresenta, determina que as ações de mitigação devem estar em consonância com

o desenvolvimento sustentável e sempre que possível serem mensuráveis.

Além de medidas fiscais e tributárias e da criação de linhas de crédito e

financiamento público e privado especialmente destinadas a estimular a redução das emissões

e remoção de GEEs, também está previsto entre os instrumentos da PNMC (2009) “o

desenvolvimento de linhas de pesquisa por agências de fomento” (BRASIL, 2009, Art.6, VIII),

o que convoca definitivamente a pesquisa científica a legitimar o desenvolvimento sustentável.

Cremos que, em alguma medida, isso guarde relação com a explosão das entusiásticas e

inovadoras “ciências” ambientais159, que apresentam os instrumentos do desenvolvimento

sustentável (MDL, REDD+, PSA, créditos de carbono etc.) como oportunidade de promoção

de desenvolvimento social, da proteção ambiental e da tão propalada sustentabilidade.

Durante a COP 16 em 2010, o Brasil lançou sua Comunicação Nacional de

Emissões de Gases de Efeito Estufa e anunciou a regulamentação da PNMC (2009)160 através

da qual estabelecia limites de redução de emissões, oficializando assim o compromisso

voluntário assumido na conferência de 2008.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos publicada também em 2010 adota e

estabelece as diretrizes para o gerenciamento e a gestão integrada de resíduos sólidos, um

modelo próprio do desenvolvimento sustentável, que aliás é um dos princípios (2010, Art.6,

IV) dessa política.

Apesar da grande quantidade de dispositivos legais relativos ao meio ambiente

promulgados, para Terra (2011), há uma tendência à desregulamentação da proteção ambiental

no sentido de diminuir as obrigações legais em favor da criação de novas oportunidades para o

mercado verde. Nesse contexto e sob a égide de interesses particulares locais, notadamente do

agronegócio, a Lei nº 12.651/2012 institui a terceira versão do Código Florestal Brasileiro, cuja

revisão havia sido proposta desde 1999161.

Conforme dados do Observatório do Código Florestal (2016)162, após o

estabelecimento de sanções mais rígidas para crimes contra Reserva Legal e APP em 2008, a

pressão pela reformulação do Código Floreal começa a ganhar força. Até 2009, somam 36 as

159 Nos referimos à explosão de cursos em diversos níveis (técnico, superior, especializações diversas etc.) e áreas

do conhecimento (engenharias, direito, gestão, administração, economia, marketing etc.) com enfoque no meio

ambiente e no desenvolvimento sustentável nos últimos anos. 160 Decreto nº 7.390/2010. 161 Projeto de Lei nº 1.876/1999. 162 Disponível em: <http://www.observatorioflorestal.org.br/wp-content/uploads/2013/10/timeline.jpg>. Acesso

em: 30 mar. 2016.

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proposições legislativas com finalidade de derrubar o Código Florestal então vigente, quando

foi criada uma comissão especial na Câmara dos Deputados para analisar projetos que

desfiguravam a legislação ambiental, formada majoritariamente pela bancada ruralista. Em

2010 e 2011, a proposta avança rapidamente no Legislativo e é aprovada na Câmara e no Senado

em meio a desastres naturais em várias cidades brasileiras163 e à mobilização de movimentos

sociais e ambientalistas contrários ao retrocesso proposto pela reformulação. A mobilização

levantou uma campanha nacional pelo veto do Executivo164, levada inclusive à Rio +20 em

2012, mas que, contudo, não foi suficiente para enfrentar a força do agronegócio e o desdém da

classe política pela opinião pública e evitar a promulgação do novo código.

Entendemos essa tentativa de desregulamentação da proteção ambiental a qual

Terra (2011) se refere no contexto do autoritarismo difuso e numa conjuntura de apropriação

das ferramentas democráticas para uma nova regulamentação que legitima os interesses

particulares de um grupo dominante. Na prática, a drástica redução do limite mínimo de

cobertura florestal por propriedade conjugada à ampliação de mecanismos de flexibilização

significam a incorporação de milhões de hectares aos mercados de commodities agrícolas, de

carbono e de PSA (TERRA, 2011).

A renovação do compromisso político internacional com o desenvolvimento

sustentável foi o objetivo central da Rio +20, realizada no Brasil em 2012. O evento teve base

em duas ações consideradas postos-chaves para a efetiva implementação do desenvolvimento

sustentável: o fortalecimento da estrutura institucional no contexto da governança ambiental e

a economia verde no contexto da erradicação da pobreza (ONU, 2012).

Em 2013, já na eminência de se esgotar o prazo para a adequação dos municípios

brasileiros à PNRS (2010), foi realizada a IV CNMA com o tema Resíduos Sólidos. Seu

objetivo foi a “Implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, com foco em quatro

eixos temáticos: Produção e Consumo Sustentáveis; Redução dos impactos ambientais;

Geração de emprego e renda; e Educação Ambiental.” (MMA, 2015).

Ainda de acordo com o MMA (2015), essa edição também contou com algumas

inovações, a saber: conferências livres; conferência virtual; criação do Comitê de

Acompanhamento das Deliberações da IV CNMA; e adoção de metodologia para diminuir o

número excessivo de deliberações. Como de costume, o número de participantes nas etapas

precedentes e na etapa nacional foram superiores às conferências anteriores, bem como o

163 Enchentes e deslizamentos que atingem São Paulo, Angra dos Reis e cidades do interior de Alagoas e

Pernambuco em 2010. 164 Campanha #VetaDilma organizada através das redes sociais.

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número de recomendações foi menor, porém tendo caído drasticamente como podemos

observar a seguir:

Quadro 2 - Comparação entre as quatro edições da CNMA de 2003 a 2013

Dados: MMA, 2015.

Fonte: Elaborado pela autora.

(*) O MMA divulgou apenas o número total das recomendações.

Em 2014 aconteceu a COP 20, em meio a velhos embates sobre responsabilidades

entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. O Brasil, ao lado de outros emergentes

marcou oposição, mas também lançou uma proposta com a finalidade de resolver o impasse: a

Diferenciação Concêntrica, que pretendia aperfeiçoar o princípio das responsabilidades comuns

e diferenciadas através de uma redistribuição das responsabilidades que incluíssem os países

emergentes.

Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 312/2015165, que

pretende instituir a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais. A proposta prevê

que a contratação do serviço ambiental se dará através de contrato celebrado entre o produtor

rural e o Executivo e que seu pagamento poderá ser feito em dinheiro ou em melhorias à

comunidade. Prevê ainda a criação de um fundo federal específico para sustentar a política, o

enquadramento na Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998) do produtor que deixar de

cumprir o estabelecido em contrato e permite a dispensa da Lei de Licitações e Contratos (Lei

nº 8.666/1993) para regular esse serviço, salvo quando houver competição entre provedores ou

recebedores de serviços ambientais166.

165 De autoria do deputado Rubens Bueno (PPS/PR). 166 Notícia. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/MEIO-AMBIENTE/490922-

PROJETO-CRIA-A-POLITICA-NACIONAL-DE-PAGAMENTO-POR-SERVICOS-AMBIENTAIS.html>.

Acesso em: 21 jan. 2016.

Total Nacional MMA Outros

I CNMA 2003 65.000 912 659 336 Fortalecimento do SISNAMA

II CNMA 2005 86.000 1.269 780 51Gestão Integrada das Políticas

Ambientais e Uso dos Recursos Naturais

III CNMA 2008 115.000 1.269 Mudanças Climáticas

IV CNMA 2013 200.000 1.352 Resíduos Sólidos

Conferência Nacional de Meio Ambiente - CNMA

60*

660*

Edição AnoNº Participantes Nº Recomendações

Tema

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154

Mais recentemente foi instituída a Lei 13.123/2015, mais popularmente conhecida

como Marco Legal da Biodiversidade, mas que entre os movimentos sociais é mais conhecida

como Lei da Biopirataria, título que indica a sua polêmica.

Andrade (2015) explica que a Convenção sobre Diversidade Biológica - CDB de

1992 ditou regras para uma situação incoerente que existia até então: enquanto os recursos

genéticos167 e conhecimentos tradicionais eram considerados patrimônio comum da

humanidade com acesso ilimitado, o avanço da biotecnologia seguia na contramão dessa

premissa e cada vez mais esses recursos eram transformados em propriedade privada de

corporações através de patentes. Ricos em biodiversidade e pobres em tecnologia, os países do

Sul disponibilizavam gratuitamente seus recursos para empresas do Norte e compravam a altos

preços os produtos produzidos com seus recursos.

Assim, a CDB transforma os recursos genéticos em objeto de soberania nacional

dos países portadores, de modo que a partir de então o acesso aos recursos genéticos e

conhecimentos tradicionais, bem como o posterior uso econômico dos produtos resultantes se

daria por meio de acordo entre a parte usuária e a parte provedora: cabe a cada país conceder

ou não o acesso a seu patrimônio genético e a permissão de acesso aos conhecimentos

tradicionais sobre tais recursos é prerrogativa dos seus detentores168 (ANDRADE, 2015).

Conforme o regime internacional de Acesso e Repartição de Benefícios – ARB,

todos os acordos estão submetidos ao consentimento prévio e informado das partes provedoras

e devem prever a repartição justa e equitativa dos benefícios, dividindo entre as partes o lucro

proveniente da comercialização do produto. Entretanto, cada país precisa estabelecer seus

próprios instrumentos legais que normatizam as condições de acesso.

Conforme Dallagnol (2015), a primeira legislação a abordar o tema no Brasil foi a

Medida Provisória nº 2.052/2000, que surgiu a fim de legitimar o acesso de companhias

estrangeiras169 ao patrimônio genético brasileiro. Apesar das sucessivas alterações e de haver

descaracterizado a repartição de benefícios170, a medida conseguiu enquadrar grandes

corporações, como a Natura Cosméticos, por exemplo.

Desde a aprovação da Convenção da Diversidade Biológica – CDB, em 1992, vinha

sendo construído um acordo internacional sobre o acesso e a repartição de benefícios. Em 2010,

167 Recursos genéticos são todos os organismos vivos, que carregam material genético com potencial de uso

econômico. 168 Os conhecimentos tradicionais sobre as propriedades dos recursos genéticos é a fonte do conhecimento

científico que indica as potencialidades econômicas de cada recurso. 169 Segundo o autor, a Novartis Pharma é a empresa que representa a fusão entre Syngenta e AstraZeneca. 170 “A MP consolidou a repartição de benefícios em uma lógica que converteu saberes tradicionais em propriedade

intelectual” (DALLAGNOL, 2015, p.4).

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155

durante a COP 10 da CDB foi finalmente aprovado o Protocolo da Nagoya. Em 2014, durante

a COP 12 da CDB aconteceu sua primeira reunião, da qual o Brasil não participou por não

haver ratificado o protocolo, pendente no Congresso Nacional e parado desde 2012 por pressão

da bancada ruralista.

Era necessário equacionar os interesses dos setores industriais que resistiam à

normativa estabelecida pelo protocolo e o das empresas que ansiavam por segurança jurídica

para acessar o patrimônio genético nacional e os conhecimentos tradicionais. A partir de 2014,

o tema entra na pauta de discussão do Governo, porém a discussão é monopolizada por um

grupo de empresas interessadas, sem que fosse estabelecido o debate com a sociedade civil ou

com os detentores do conhecimento tradicional. Assim é que o Projeto de Lei nº 7.735/2014 de

autoria do Executivo tramitou rapidamente em regime de urgência e logo foi aprovado em 2015,

dando origem ao Marco Legal da Biodiversidade, como um instrumento marginal do Protocolo

da Nagoya171 (DALLAGNOL, 2015).

Apesar do movimento de contraposição criado por povos indígenas, povos e

comunidades tradicionais e agricultores familiares haver forçado a abertura de espaços de

discussão, alterações no projeto e vetos da Presidência, Dallagnol (2015, p.5) afirma que “isso

no máximo tornou a lei menos pior”. Assim, a mobilização dos movimentos sociais passou a

se concentrar então na regulamentação da lei. Para esta etapa, o governo buscou transmitir uma

aparência de participação social: o MMA convidou as lideranças para oficinas regionais e

promoveu uma consulta pública online da qual resultariam propostas para o decreto

regulamentar. Entretanto,

A falta de informações durante as oficinas, bem como a sensação de que os arranjos

reais eram feitos atrás de cortinas, aprofundaram tanto a desconfiança em relação ao

governo quanto a união dos diversos movimentos. Isso culminou no episódio do

esvaziamento da última audiência pública, em 20 de outubro de 2015 (DALLAGNOL,

2015, p.5).

De um lado, Governo e setores empresariais defendem que a renda gerada pelos

acordos de ARB possibilitaria maiores investimentos na área e, consequentemente, uma maior

proteção dos recursos. Do outro lado, movimentos sociais afirmam que a lei legaliza o acesso

sem consentimento ou justa repartição de benefícios, o que chamam de legalização da

biopirataria.

171 Apesar de operar na lógica do desenvolvimento sustentável abrindo espaço para a resolução dos problemas

ambientais a partir do mercado, não deixa de ser um instrumento importante para o tema. E se, mesmo assim,

não agradou aos setores dominantes que o substituíram pelo Marco Legal da Biodiversidade, podemos inferir o

quão mais prejudicial deve ser o seu substitutivo.

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156

Para Andrade (2015), uma análise mais detida do novo marco mostra que entre

todas as ressalvas e restrições, a repartição de benefícios plena e consentida é a exceção. Os

detentores do conhecimento só receberão os benefícios da repartição se o conhecimento em

questão tiver a origem identificável, ou seja, se ficar comprovado de qual povo ou comunidade

ele provém. Caso contrário, os benefícios irão para o Fundo Nacional de Repartição de

Benefícios - FNRB, vinculado ao MMA. Ora, o sistema de trocas sempre esteve na base dos

conhecimentos tradicionais, de modo que é comum que mais de uma comunidade detenha um

mesmo conhecimento tradicional. Assim, diante da possibilidade de nenhuma delas ser

beneficiada, o marco cria mecanismos de enfraquecimento geral das comunidades e de seu

poder de barganha, fomentando o estranhamento, a competição e o individualismo entre elas: a

repartição caberá à comunidade que primeiro aceitar as condições propostas pela parte usuária.

Há ainda outros projetos legislativos em trâmite que ameaçam a agro e a

biodiversidade. São exemplos o PLC nº 34/2015172, que altera a Lei de Biossegurança para

liberar os produtores de alimentos de informar ao consumidor sobre a presença de componentes

transgênicos nos alimentos; o PL nº 1.117/2015173, que revoga a proibição de “transgênicos de

uso”, plantas que geram sementes estéreis que não podem ser reproduzidas pelo plantio,

submetendo a segurança alimentar conquistada com a agricultura aos mecanismos de mercado

e tecnologia dominados por uma minoria; o PL nº 827/2015174, que altera a Lei da Proteção de

Cultivares, criminalizando o uso livre de espécies protegidas nessa lei e cuja proposta já havia

sido objeto de proposições anteriores, mas que avança rapidamente nessa nova versão; e o PL

nº 4.961/2005175, que altera a Lei de Propriedade Intelectual para permitir o patenteamento de

seres vivos (espécies animais e vegetais).

No tocante a saneamento, em 2014 expirou o prazo inicialmente estabelecido para

a elaboração do Plano de Saneamento municipal, condição para o acesso a recursos federais na

área de saneamento. Após expirado, o prazo foi prorrogado por dois anos (Decreto nº

8.211/2014), sendo deslocado para o fim de 2015, quando novamente expirou sem ser atendido.

Na ocasião, o prazo foi prorrogado uma segunda vez por mais dois anos (Decreto nº

8.629/2015), o que o empurrou para o final de 2017.

172 De autoria do deputado Luis Carlos Heinze (PP/RS. 173 De autoria do deputado Alceu Moreira (PMDB/RS). 174 De autoria do deputado Dilceu Sperafico (PP/PR). 175 De autoria do deputado Antonio Carlos Mendes Thame (PSDB/SP).

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157

Vale ressaltar que esse desfecho foi em grande parte logrado pela Confederação

Nacional de Municípios - CNM176, que atua em vários temas e cuja principal reivindicação é o

aumento de recursos para os municípios. A entidade afirma que a última prorrogação foi

resultado de uma intensa mobilização do movimento municipalista, o que seria uma justa

reivindicação já que “o governo federal não tem cumprindo com seu papel de promover apoio

técnico para os Municípios elaborarem os planos.” (CNM, 2016). Por outro lado, a ausência do

plano exclui tais municípios de receber recursos para serem aplicados na área. E nesse jogo de

intermináveis trocas de acusação quanto às responsabilidades é que as ações práticas seguem

sendo postergadas.

Em 2015, a entidade também criou o Observatório dos Lixões que

[...] tem como objetivo disponibilizar informações sobre a implementação da Política

Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), evidenciar a complexidade dessa política e a

necessidade do envolvimento de todos os entes federados, setor empresarial e da

sociedade para que seja implementada. [...] Esse é o verdadeiro propósito do

Observatório dos Lixões: dar visibilidade às dificuldades enfrentadas pelos

Municípios e possibilitar a compreensão dos desafios da PNRS (FAMEM, 2016)177.

Apesar de ser parte do Plano de Saneamento, o Plano Municipal de Gestão

Integrada de Resíduos Sólidos cuja elaboração também é condição para o acesso a recursos não

recebeu aditivos de prazo, permanecendo expirado desde agosto de 2012 e mantendo os

municípios que ainda não concluíram sua elaboração excluídos de pleitear recursos para a área

de resíduos sólidos. Entretanto, diante do fracasso do primeiro prazo é possível que esse

também seja adiado. Está em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei

Complementar –PLP nº 14/2015178, que dispõe sobre a cooperação entre os entes federados

tendo em vista assegurar a elaboração e a implementação dos planos de saneamento básico e

de resíduos sólidos.

Com objetivo de reforçar a base legal de cooperação federativa e garantir que as leis

sejam cumpridas, o texto prevê apoio técnico e financeiro – por parte da União – para

elaboração e execução de planos municipais e estaduais de Saneamento Básico e de

Resíduos Sólidos. [...] o PL concede aos Municípios prazo até 2 de agosto de 2024

para assegurarem o fim dos lixões, com a disposição final ambientalmente adequada

da totalidade dos seus rejeitos sólidos. Também prorroga, para até 2 de agosto de

2020, o prazo para os Municípios elaborarem o plano de gestão integrada de resíduos

sólidos. [...] os Estados também ficam obrigados a oferecer o mesmo tipo de apoio a

176 Foi criada em 1980, antes que a CF de 88 reconhecesse os municípios como entes da federação. A CNM se

define como uma organização independente, apartidária, sem fins lucrativos e a maior instituição municipalista

da América Latina. Sua atuação é voltada à representação político-institucional dos municípios junto ao Governo

Federal e ao Congresso Nacional e ao fortalecimento da gestão municipal com o objetivo maior de consolidar o

movimento municipalista, fortalecendo a autonomia dos Municípios (CNM, 2016). 177 FAMEM. Notícia: Observatório dos lixões apontará quem cumpre a Política Nacional de Resíduos Sólidos.

Publicada em 14/05/2015. Disponível em: <http://famem.org.br/noticias/2015/05/observatorio-dos-lixoes-

apontara-quem-cumpre-a-politica-nacional-de-residuos-solidos/>. Acesso em: 23 fev. 2016. 178 Apresentado pelo deputado Odelmo Leão (PP-MG).

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158

Municípios, incluindo os agrupados em consórcios. No entanto, caso ocorra o

descumprimento dos prazos, o texto estabelece que o prefeito seja autuado por

improbidade administrativa, sendo a autuação estendida subsidiariamente aos agentes

públicos estadual e federal (CNM, 2016, grifos nossos).

Na esfera internacional, no final de 2015 foi realizada a COP 21, em Paris, na

França. O Acordo de Paris aprovado no evento é o novo acordo global, que substituirá o

Protocolo de Quioto e que deverá entrar em vigor em 2020. Por ele os países signatários

mantiveram o objetivo de conter o aumento da média de temperatura em 2°C até o fim do

século, mas não estabelecem metas para a redução de emissões ou tampouco sanções.

Diante de todo o exposto, entendemos que a evolução das políticas ambientais

brasileiras culminou com esse momento de internacionalização, não somente pela necessidade

de se pensar a crise ambiental e as estratégias de enfrentamento a ela como um problema global,

mas sobretudo comandadas pelo projeto hegemônico global do desenvolvimento sustentável.

Entretanto, tornamos a repetir que, uma vez que o Estado brasileiro assume o desenvolvimento

sustentável como modelo de desenvolvimento econômico e o introduz nas políticas públicas de

maneira ampla, o desafio maior estaria na sua implementação, ainda muito distante do que

preveem as leis até aqui instituídas. Lamentável, frente à urgência da questão ambiental que

não logrou êxitos efetivos, esse descompasso não deve ser confundido com o abandono do

projeto hegemônico: pelo contrário, atores hegemônicos em diferentes escalas têm forçado o

cumprir dos aspectos da lei com maior relevância para a manutenção do status quo e das

estruturas de poder historicamente constituídas externa e internamente.

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159

4 PANORAMA DOS RESÌDUOS SÓLIDOS NO BRASIL

4.1 A GESTÃO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS NO BRASIL

Conforme o estabelecido na PNRS (BRASIL, 2010) a gestão e o gerenciamento de

resíduos sólidos devem ser observados na seguinte ordem de prioridade: não geração, redução,

reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente

adequada dos rejeitos179 (BRASIL, 2010).

A disposição final ambientalmente adequada é definida pela PNRS (2010) como a

“distribuição ordenada de rejeitos em aterros, observando normas operacionais específicas de

modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos

ambientais adversos.” (BRASIL, 2010, p.2). A correta disposição final dos resíduos sólidos em

aterro sanitário, embora seja a medida prática que mais exige mobilização por conta do pouco

tempo para sua execução, ocupa o último nível de prioridade, de modo que esta ordem de

prioridade180 é inversa à ordem de urgência das ações a serem implementadas na transição para

a gestão integrada dos resíduos sólidos. A destinação final adequada é uma necessidade

emergencial, porque a grande quantidade de resíduos sólidos descartados diariamente é um

problema já posto e que causa sérios impactos socioambientais.

A estimativa181 é de que nos 5.562182 (dos 5.564) municípios brasileiros com

manejo de resíduos sólidos domiciliares e/ou públicos sejam recolhidos diariamente cerca de

180 mil toneladas183 de resíduos, fora o lixo que tem outros destinos184 (IBGE, 2010). Esses

dados revelam que a gestão adequada dos resíduos sólidos, assim como os demais serviços de

saneamento básico, deve ser uma prioridade emergencial para o país.

179 A correta disposição dos resíduos sólidos é uma medida paliativa emergencial, mas não deve ser a finalidade

última da legislação que deve priorizar as ações que visem evitar e reduzir a sua geração. 180 As ações prioritárias são aquelas a longo prazo que demandam mudanças complexas e abrangentes em todos

os setores da sociedade, exigindo mesmo mudanças culturais na forma de lidar com o lixo que sejam baseadas

em uma educação ambiental, sobretudo na forma de produzir e consumir. 181 A Pesquisa Nacional de Saneamento Básico feita pelo IBGE (2010), considera os números informados pelas

prefeituras. Conforme a própria pesquisa, apenas 310 aterros sanitários possuem balança rodoviária e se

considerarmos apenas uma delas por município, isso quer dizer apenas 5,57% dos municípios brasileiros podem

afirmar com certeza a sua quantidade de resíduos coletados diariamente. 182 Conforme informação, há 2 municípios que não possuem serviço de manejo de resíduos sólidos. Ver em IBGE

(2010) a Tabela 16 - Municípios, total e com serviço de manejo de resíduos sólidos, por forma de execução do

serviço, segundo as Grandes Regiões e Unidades da Federação – 2008. 183 O IBGE aponta que em 2008 eram 183.448 toneladas por dia. 184 Não é possível precisar a fração de resíduos que tem outros destinos como a incineração, o descarte nos corpos

hídricos, soterramento etc., embora se saiba que elas existem.

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160

O número de municípios brasileiros que destinam seus resíduos sólidos aos lixões,

varia entre diversos autores: de acordo com Mesquita Júnior (2007), eles somam 63,6%, Pereira

Neto (2007) aponta que chegam a 70% e a versão oficial do IBGE (2010) reduz o número para

50,8%. A diferença pode se justificar, entre outros motivos, pela diferença na definição de lixão

utilizada pelos diferentes autores. O IBGE (2010), por exemplo, diferencia lixão e aterro

controlado, embora os dois possuam condições de degradação ambiental semelhantes, o que

não os diferencia para outros autores.

De qualquer forma, para o IBGE (2010, p.214), um lixão, é um “local utilizado para

disposição do lixo, em bruto, sobre o terreno, sem qualquer cuidado ou técnica especial. O

vazadouro a céu aberto [como também é chamado] caracteriza-se pela falta de medidas de

proteção ao meio ambiente ou à saúde pública.”

Já o aterro controlado é definido como um “local utilizado para despejo do lixo

coletado, em bruto, com cuidado de, diariamente, após a jornada de trabalho, cobrir os

resíduos com uma camada de terra, de modo a não causar danos ou riscos à saúde pública e à

segurança, bem como minimizar os impactos ambientais..” (IBGE, 2010, p.185, grifo nosso).

Ou seja, nessa definição, a única diferença entre o lixão e o aterro controlado é a cobertura - no

segundo caso - dos resíduos, que da mesma forma nos dois casos são lançados sem nenhum

tratamento diretamente no solo, contaminando a este e aos recursos hídricos.

Diferentemente dos dois casos, o aterro sanitário indicado pela PNRS (2010) como

disposição final ambientalmente adequada para os resíduos sólidos é definido como uma

Instalação de destinação final dos resíduos sólidos urbanos através de sua adequada

disposição no solo, sob controles técnico e operacional permanentes, de modo a que

nem os resíduos, nem seus efluentes líquidos e gasosos, venham a causar danos à

saúde pública e/ou ao meio ambiente. Para tanto, o aterro sanitário deverá ser

localizado, projetado, instalado, operado e monitorado em conformidade com a

legislação ambiental vigente e com as normas técnicas oficiais que regem essa matéria

(IBGE, 2010, p.185).

Conforme essas definições, os dados oficiais do IBGE (2010) apontam que 50,8%

dos municípios brasileiros depositam seus resíduos sólidos em lixões, 22,5% em aterros

controlados e 27,7% em aterros sanitários. Este último, era de apenas 1,1% em todo o Brasil

em 1989, mas até 2008 havia subido exponencialmente, sendo alavancado pelas regiões Sul e

Sudeste do país e configurando um considerável contraste regional:

[...] os municípios com serviços de manejo dos resíduos sólidos situados nas Regiões

Nordeste e Norte registraram as maiores proporções de destinação desses resíduos aos

lixões – 89,3% e 85,5%, respectivamente – enquanto os localizados nas Regiões Sul

e Sudeste apresentaram, no outro extremo, as menores proporções – 15,8% e 18,7%,

respectivamente (IBGE, 2010, p.60).

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161

Há uma visível diferença na oferta de todos os serviços de saneamento básico entre

os municípios localizados ao norte e ao sul do Brasil. As regiões Norte e Centro-Oeste possuem

menos municípios, com menores concentrações populacionais e com maiores problemas de

saneamento. Situação pior é a da região Nordeste, onde os problemas de saneamento são mais

graves por possuir maior número de municípios e ser bastante populosa. Em oposição, as

regiões Sul e Sudeste do país, que também possuem grande concentração de municípios185, com

muitos municípios populosos, inclusive os mais populosos do Brasil - concentrados sobretudo

no Sudeste - possuem os melhores índices de saneamento (IBGE, 2010), como podemos

observar na figura seguinte:

185A ordem decrescente das grandes regiões brasileiras por número de municípios é a seguinte: Nordeste (1.793),

Sudeste (1.668), Sul (1.188), Centro-Oeste (466) e Norte (449).

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Figura 2-Municípios brasileiros com todos os serviços de saneamento básico sobre a

concentração populacional, 2008

Fonte: IBGE, 2011.

Isso implica dizer que os municípios localizados ao norte do Brasil e que correspondem

a maior parte do território brasileiro, são aqueles que enfrentam os maiores desafios para se

adaptarem tanto à PNSB (2007) quanto à PNRS (2010).

De acordo com o estabelecido na Lei 11.445/2007 (Lei do Saneamento Básico), os

municípios que até 2014 não possuírem um plano de saneamento que contemple o

abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e

drenagem e manejo de águas pluviais urbanas não terão acesso a recursos federais previstos

para investimentos na área.

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163

Segundo constatação da última Pesquisa Nacional de Saneamento Básico186 (IBGE,

2010), a gestão dos resíduos sólidos não é o único problema do Nordeste, pois este possui uma

posição crítica com relações a todos os quatro serviços que compõem o saneamento básico.

Além de possuir o maior número de municípios com lixões (89,3%), “o Nordeste era a região

onde a falta de rede coletora de esgotamento sanitário era mais grave, atingindo algo próximo

a 15,3 milhões de habitantes, com a escassez do serviço187.” (IBGE, 2010, p.28). Enquanto

26,8% dos municípios brasileiros declararam o conhecimento de catadores nas unidades de

disposição final de resíduos sólidos, no Nordeste esse número subiu para 46,4%. Como reflexo

da fragilidade administrativa dos municípios, mais uma vez “a falta de legislação foi mais

emblemática nas Regiões Norte e Nordeste.” (IBGE, 2010, p.31).

4.1.1 Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL) e resíduos sólidos

Para Mesquita Júnior (2007), uma das principais dificuldades para a transição a uma

gestão integrada e disposição adequada dos resíduos sólidos é de ordem financeira, uma vez

que “são necessários investimentos vultosos para a aquisição de equipamentos, treinamento,

capacitação, controle e custeio de todo o sistema de manejo de resíduos sólidos.” (MESQUITA

JÚNIOR, 2007, p.11). Para a superação desse problema, ele apresenta a implementação dos

Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL), que viabiliza o comércio de emissões de

Gases de Efeito Estufa (GEEs).

O MDL é uma das ferramentas de flexibilização criadas pelo Protocolo de Quioto (1997)

para ajudar os países industrializados (Anexo 1) a cumprirem as suas metas de redução, através

de projetos voluntários realizados em países subdesenvolvidos (Não Anexos 1) que reduzam as

186 Essa pesquisa foi realizada por parceria celebrada entre o IBGE e o Ministério das Cidades, ambas instituições

órgãos do governo. Cabe ressaltar que o IBGE é a principal fonte de pesquisa dos mais diversos dados sobre a

população e a organização do território brasileiro. Assim, os dados obtidos nessa pesquisa, além de oferecer

subsídios para a implementação de políticas públicas para universalização dos serviços de saneamento básico,

também são referência quanto à evolução do acesso a esses serviços, principalmente quando comparados às

pesquisas anteriores, o que pode gerar certa otimização dos dados pelo governo federal (metodologia e critérios

que orientam a pesquisa), estadual e municipal (no fornecimento das informações). As informações devem ser

utilizadas com prudência, sempre que possível mediante a uma reflexão teórica mais consistente e não somente

como retrato fidedigno do saneamento básico no Brasil. Exemplo: “Considerou-se que o município tinha rede

coletora de esgoto quando esta atendesse pelo menos a um distrito, ou parte dele, independente da extensão da

rede, número de ligações ou de economias esgotadas” (IBGE, 2010, p.24, grifo nosso). 187 No segundo pior lugar está a Região Norte do País (8,8 milhões), em terceiro o Sul (6,3 milhões), em quarto a

Região Centro-Oeste (3,2 milhões) e a melhor condição foi constatada no Sudeste (1,2 milhão) (IBGE, 2010,

p.28-29).

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164

emissões e/ou aumentem a remoção de CO2 da atmosfera, fazendo com que os desenvolvidos

possam obter suas metas além de suas fronteiras nacionais188 através do mercado de carbono.

Numa visão otimista daqueles que defendem o MDL, costuma-se dizer que a forma

como ele foi concebido garante benefícios tanto para os países desenvolvidos quanto para os

subdesenvolvidos:

O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo previsto e regulamentado no Protocolo de

Quioto tem um duplo objetivo: o primeiro é prestar assistência às Partes Não Anexo

I da CQNUMC para que viabilizem o desenvolvimento sustentável através da

implementação de projetos que contribuam para o objetivo final da convenção; a outra

meta é dar assistência às Partes do Anexo I para o cumprimento dos compromissos

(MESQUITA JÚNIOR, 2007, p.29).

A redução de emissões dos GEEs nos aterros sanitários se justifica porque os gases

de efeito estufa, predominantemente composto por metano189, proveniente da decomposição da

matéria orgânica presente nos resíduos sólidos são captados, queimados e transformados em

gás carbônico com menos impactos no efeito estufa. Esse processo evitaria a adição de metano

que ocorreria se os resíduos orgânicos fossem dispostos de forma inadequada em lixões ou não

fossem tratados nos aterros sanitários: o que deixa de ser lançado na atmosfera é então

negociado no mercado global como créditos de carbono, as chamadas Certificações de

Emissões Reduzidas (Certified Emission Reductions) - CERs, submetidas às leis do mercado e

que podem ser compradas por países (industrializados) que precisam extrapolar a sua cota de

emissões acordada.

Os créditos de carbono são assim chamados porque o dióxido de carbono (CO2) ou

gás carbônico (como é popularmente referido) é o gás padrão utilizado para medir as emissões,

de modo que um crédito de carbono equivale a uma tonelada de CO2 ou de outros GEEs

equivalentes. Os cálculos de equivalência são feitos a partir do Potencial de Aquecimento

Global (GWP) de cada GEEs em relação ao dióxido de carbono (CO2) que é igual a 1 (um). O

potencial do metano, por exemplo, é 21 (vinte e uma) vezes maior que o do dióxido de carbono

(CQNUMC, 2004). “Dessa forma, cada tonelada de metano emitido para a atmosfera equivale

ao lançamento de 21 toneladas de gás carbônico.” (FELIPETTO, 2007, p.23).

188 São três os mecanismos criados para isso: a Implementação Conjunta, o Comércio de Emissões (ambos a

serem utilizados entre países industrializados, objetivam a contabilização de reduções líquidas de emissões de

gases com a execução de projetos em outros países) e o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (único

mecanismo que admite a participação voluntária de países em desenvolvimento). 189 “A sua composição típica é de 40 a 70% de metano, 30 a 60% de gás carbônico, 0 a 1% de nitrogênio, 0 a 3%

de gás sulfídrico e outros gases. O potencial de aquecimento global do metano é 21 vezes maior que o do gás

carbônico (CQNUMC, 2004). Dessa forma, cada tonelada de metano emitido para a atmosfera equivale ao

lançamento de 21 toneladas de gás carbônico.” (FELIPETTO, 2007, p.22-23).

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165

Feitas as equivalências, os créditos de carbono são representados por um

documento chamado Certificações de Emissões Reduzidas - CERs (ou RCEs). Desde a

concepção do projeto até a emissão das CERs, o ciclo do Projeto de MDL percorre ao todo 7

(sete) fases, a saber:

a) Elaboração do Documento de Concepção do Projeto - DCP (Project Design

Document - PDD em inglês);

b) Validação pela Entidade Operacional Designada - EOD;

c) Aprovação pela Autoridade Nacional Designada - AND;

d) Registro no Conselho Executivo do MDL;

e) Monitoramento;

f) Verificação e certificação pela Entidade Operacional Designada - EOD;

g) Emissão das RCEs pelo Conselho Executivo do MDL.

Após respeitadas todas as fases do ciclo determinadas, finalmente as CERs são

creditadas aos participantes:

O administrador do Registro do MDL, subordinado ao Conselho Executivo, deposita

as RCEs certificadas nas contas abertas nesse mesmo registro, de acordo com o

solicitado no Documento de Concepção do Projeto, em nome das devidas partes, bem

como dos participantes das atividades de projeto do MDL. Esse depósito já tem

deduzida a parcela equivalente a 2% do total das RCEs, que será integralizada em um

fundo de adaptação, destinado a ajudar os países mais vulneráveis a se adaptarem aos

efeitos adversos da mudança do clima (FELIPETTO, 2007, p.19).

Contudo, não é necessário esperar a emissão das CERs para que elas possam ser

vendidas, pois a produção de CERs futuras pode ser vendida em qualquer uma das fases do

processo. Porém, a fase em que os certificados são vendidos é determinante no seu valor, pois

“o preço dos CERs está vinculado ao risco de entrega efetiva desses certificados. Assim, quanto

mais adiantado estiver o processo do MDL, teoricamente maior o preço de venda dos

certificados de carbono” (FELIPETTO, 2007, pp.32-33). Entretanto, há uma estratégia de

financiamento que implica na venda das CERs futuras ainda na primeira fase do processo, onde

a antecipação das receitas serviriam para financiar parte do sistema de extração do biogás, mas

que, em contrapeso, reduziria seu valor de mercado.

A contrapartida para o país hospedeiro é que parte das receitas obtidas com a venda

dos CERs é creditada para o aterro sanitário, ajudando na manutenção financeira do

empreendimento e consequentemente reduzindo os custos públicos.

É importante notar que o investimento demandado com projeto de MDL se refere

apenas ao beneficiamento do biogás. “Não incluem os custos de construção do aterro sanitário,

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166

recuperação ambiental do lixão, coleta e tratamento de chorume, e outros investimentos na

infra-estrutura [sic] do aterro sanitário propriamente dito” (FELIPETTO, 2007, p.31).

Entretanto, sob o argumento de mitigação dos riscos associados ao projeto MDL se indica que

seja definido “um único operador do aterro, do sistema de gás e das unidades de

monitoramento” (Ibid., p.34) para evitar um possível conflito de interesses que venha a

prejudicar o empreendimento.

Já em 2007, ao discorrer sobre os riscos associados a projetos de MDL em resíduos

sólidos, Felipetto (2007) considera como risco de mercado a dependência do projeto de MDL

nos aterros sanitários aos mecanismos e negociações internacionais, quando afirmava que

[...] em 2012, termina o primeiro período de compromisso do Protocolo de Quioto e

todos os acordos deverão ser reanalisados. Não se sabe ainda como ficará o

Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. Caso não haja acordo, pode não haver mais

mercado” (FELIPETTO, 2007, p.34, grifo nosso).

Os créditos de carbono estão sujeitos aos riscos de mercado como qualquer outro

produto, de modo que “se a oferta de créditos de carbono aumentar e se tornar maior que a

demanda, os preços podem cair drasticamente”, como prevê Felipetto (2007):

Caso a coleta e o tratamento de gás de aterro sanitário no Brasil tornem-se um negócio

usual (business as usual), esses projetos não serão mais elegíveis para o MDL, pois

não terão adicionalidade, característica obrigatória para tal elegibilidade. Isto é, fazer

o que todo mundo faz usualmente não confere créditos (FELIPETTO, 2007, p.34,

grifo nosso).

Em muitas passagens, percebemos claramente que o interesse econômico dos

empreendimentos de MDL se erguem soberanos às necessidades ambientais. Da forma como

esse mercado de emissões vem se estruturando, é economicamente mais interessante que

empreendimentos como o tratamento do biogás não sejam popularizados para não gerar um

aumento de oferta, que levariam à queda dos preços. Nesses termos, também não seria

interessante que se transformem em um negócio usual, com valores de investimento mais

acessíveis, sendo largamente implantado com uma política de governo independente e

autônoma, pois, embora isso representasse a melhoria da qualidade ambiental, deixaria de ser

uma oportunidade de mercado valiosa.

Enquanto “a divisão territorial do Brasil apresenta uma concentração expressiva de

municípios com até 50 000 habitantes (89,8%)” (IBGE, 2010, p.35), o projeto “Mecanismo de

Desenvolvimento Limpo (MDL) Aplicado à Redução de Emissões de Gases Gerados nas Áreas

de Disposição Final de Resíduos Sólidos” lançado pelo Governo Federal em parceria

internacional

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167

[...] tem como foco os 200 municípios mais populosos, que concentram mais da

metade da população brasileira e são responsáveis por cerca de 60% do total de

resíduos sólidos urbanos gerados no país. As atividades do projeto visam a contribuir

para o desenvolvimento sustentável nas áreas urbanas, disseminando o MDL como

ferramenta eficaz para a implementação de programas econômicos, sociais e

ambientais (MESQUITA JÚNIOR, 2007, p.7, grifo nosso).

É necessário destacar que os Estudos de Viabilidade para a utilização do biogás

gerado nas áreas de disposição final de resíduos sólidos urbanos, um dos componentes do

projeto MDL no Brasil, serão “conduzidos para os municípios selecionados entre aqueles 200

mais populosos” (MESQUITA JÚNIOR, 2007, p.7). Os 200 municípios mais populosos do

Brasil representam apenas 3,5% dos 5.564 municípios brasileiros, mas concentram metade da

população total do país, que girava em torno de 190.732.694 pessoas, segundo o Censo

Demográfico 2010 (IBGE, 2015). Conforme dados do IBGE (apud SOUZA, 2014), metade

desses municípios se concentram apenas na região Sudeste190, como podemos ver a seguir:

Quadro 3 - Os 200 municípios mais populosos do Brasil divididos por região e estados

Dados: IBGE (apud SOUZA, 2014).

Fonte: Elaborado pela autora.

A maioria dos municípios mais populosos se encontra na região Sudeste, que já

possui os melhores índices de saneamento, seguida pelo Nordeste, com índices críticos e pelo

Sul, com índices também favoráveis. Além das regiões metropolitanas distribuídas pelo país, o

190 Dos 200 municípios mais populosos, 99 estão na região Sudeste. São Paulo é líder absoluta com 11.895.893

habitantes, seguida do Rio de Janeiro com 6.453.682. Outros cinco municípios têm na casa dos 2.000.000 e dez

na casa de 1.000.000 de habitantes. Os outros 183 têm de 878.402 a 141.703 (IBGE apud SOUZA, 2014).

BA 13

MA 5 AC 1

CE 5 AM 1

SP 54 AL 2 PR 10 AP 1 GO 7

RJ 22 PE 8 SC 10 PA 7 MT 3

MG 17 RN 3 RS 12 RO 1 MS 2

ES 6 PB 2 RR 1 DF 1

PI 2 TO 2

SE 2

Total de municípios brasileiros: 5.564

1314

32

4664491.188

99

42

Sul

Norte

Os 200 municípios brasileiros mais populosos por região e estado

Nordeste

SudesteCentro-

Oeste

1.668 1.793

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168

Sudeste concentra a maior parte dos municípios mais populosos do Brasil, inclusive aqueles

com mais de 1.000.000 de habitantes191, o que corresponde a uma grande massa populacional

e, consequentemente, a uma enorme produção de resíduos sólidos em escala ideal para a

captação de biogás, visto que apenas 18,7% vão para lixões, o que ainda é um volume

considerável, dada a grande produção dessa região.

Em 2008, o Sudeste concentrava 23 dos 39 municípios brasileiros que realizavam

a recuperação de metano a partir do biogás captado, e 10 dos 26 municípios com geração de

energia a partir do biogás (IBGE, 2010).

De qualquer modo, as regiões Sul e Sudeste possuem as melhores condições de

gestão de resíduos sólidos para receberem projetos de MDL no tratamento de biogás

proveniente de aterros sanitários já existentes, enquanto as demais regiões, embora que com

elevada concentração populacional como é o caso do Nordeste, ainda estejam muito atrás na

transição para a gestão de resíduos sólidos e disposição final adequada estabelecida pela PNRS

(BRASIL, 2010).

Tamanha instabilidade sugere que antes de buscar atender a qualquer condição para

financiamentos externos ou requisito internacional sobre meio ambiente, mesmo aqueles

estabelecidos em grandes conferências internacionais e que viabilizam esses mecanismos de

mercado instáveis, o Brasil precisa possuir autonomia política e econômica para definir a sua

política ambiental com base nas reais necessidades da população de modo independente e

estável, sendo capaz de mobilizar recursos, sobretudo técnicos e financeiros, para responder às

suas próprias necessidades básicas, como é o caso do saneamento, não podendo submetê-las a

mecanismos externos tão instáveis. Caso contrário, corremos o risco de criar um sistema

nacional de saneamento básico e gestão de resíduos sólidos - ambos de extrema importância

para o desenvolvimento social e salubridade ambiental do Brasil - condicionado a negociações

e interesses externos estranhos às reais necessidades sociais.

4.2 ASPECTOS RELEVANTES DA POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS

191 Dos 14 municípios brasileiros com mais de 1.000.000 habitantes, 13 deles (92%) possuem aterros sanitários e

1 possui lixão. Entre estes, 5 possuem também aterro controlado, pois uma opção não exclui a outra já que o

município pode ter mais de um local para destinação final dos resíduos sólidos (IBGE, 2010). Dada a enorme

população desses municípios, 1 lixão e 5 aterros controlados representa um número também muito grande de

resíduos que tem destino inadequado: um único município de mais de 1.000.000 habitantes seria o equivalente a

20 municípios de 50.000 habitantes, isso se considerarmos o consumo e a geração de resíduos igual para os dois

tipos de município.

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169

De acordo com a Política Nacional de Saneamento Básico – PNSB (BRASIL,

2007a)192, no Brasil, o saneamento básico é composto por quatro serviços: abastecimento de

água, esgotamento sanitário, manejo de águas pluviais e manejo dos resíduos sólidos. O manejo

de resíduos sólidos, por sua vez, é regulamentado especificamente pela Política Nacional de

Resíduos Sólidos – PNRS (BRASIL, 2010) que dispõe sobre os princípios, objetivos,

instrumentos e diretrizes relativas à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos no

Brasil.

A gestão inadequada dos resíduos sólidos constitui um grave problema sanitário,

representado principalmente pela sua disposição final em lixões, como ocorre na maioria dos

municípios brasileiros, onde o manejo dos resíduos sólidos se resume à coleta domiciliar, à

limpeza e coleta em vias e logradouros públicos, ou seja, bem distante da gestão integrada

pretendida pela PNRS (2010). Entre os muitos fatores que alargam a distância entre esses dois

cenários, está o fato de que muitos municípios possuem frágil administração pública e sérias

limitações técnicas e financeiras, em um contexto no qual predominam os municípios de

pequeno porte193.

Essa condição afeta a prestação dos mais distintos tipos de serviços públicos, não

só o manejo de resíduos sólidos. Porém, com a promulgação da Lei dos Consórcios Públicos,

em 2005, que regulamenta a contratação de consórcios públicos para a realização de objetivos

de interesse comum entre entes federados de diferentes níveis, a atuação consorciada se

apresenta como uma alternativa para o enfrentamento desse problema. Assim, tanto a PNSB

(2007) quanto a PNRS (2010) passam a estimular a adoção de consórcios públicos ou outras

formas de cooperação entre entes federados para que, aumentando a escala de atuação, se possa

otimizar a prestação dos serviços e reduzir seus custos.

Nesse contexto, a discussão sobre a gestão dos resíduos sólidos deve ter como base

o disposto na PNRS (2010), enquanto marco regulatório da questão, cabendo destaque a dois

aspectos centrais: a gestão integrada de resíduos sólidos, enquanto objetivo que reúne as

condições de superação do atual problema causado pela gestão inadequada; e os consórcios

públicos, enquanto instrumento que viabiliza a consecução de uma parte importante do objetivo,

que é a implementação dos aterros sanitários.

4.2.1 A Gestão Integrada dos Resíduos Sólidos

192 Lei 11.445/2007. 193 Segundo o IBGE (2010), 89,8% dos municípios brasileiros possuem no máximo 50.000 habitantes.

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170

No Brasil, a gestão dos resíduos sólidos é atribuição do Poder Público Local, mas

a maioria dos municípios brasileiros ainda não é capaz de dar um tratamento conveniente aos

seus resíduos. De acordo com a PNSB (2007, Art.7), o serviço público de limpeza urbana e

manejo de resíduos sólidos urbanos - RSU é formado pelas atividades de coleta, transporte e

transbordo dos RSU; triagem para fins de reutilização ou reciclagem, tratamento e disposição

final dos RSU; e varrição, capina e poda de árvores em vias e logradouros públicos e outros

eventuais serviços pertinentes à limpeza pública urbana. É o “conjunto de atividades, infra-

estruturas [sic] e instalações operacionais de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destino

final do lixo doméstico e do lixo originário da varrição e limpeza de logradouros e vias

públicas”.

Em parte, a grande quantidade e dimensão dos lixões espalhados pelos municípios

brasileiros é resultado de uma redução prática do que seria o serviço público de limpeza urbana

e manejo dos resíduos sólidos: ignorada a etapa do tratamento, a maioria desses municípios

resume o serviço à coleta domiciliar, limpeza e coleta em vias e logradouros públicos e

disposição final da quantidade integral dos resíduos sólidos coletados, feita normalmente em

lixões. Porém, a existência em si dos lixões denota o tratamento que é dado à questão ambiental

nas políticas públicas brasileiras e expõe a incompetência do Poder Público na gestão dos

serviços públicos e do meio ambiente.

A questão de disposição final de resíduos sólidos sempre foi, no Brasil, o componente

mais sacrificado da gestão de resíduos, e mesmo do saneamento ambiental. Como os

lixões sempre ficaram escondidos da população e dos formadores de opinião, a

prioridade de investimentos, com vistas aos benefícios de imagem, concentrou-se na

coleta eficiente de resíduos, ficando a disposição final de resíduos no Brasil em

situação crítica, como revela a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico –

IBGE/2000, onde somente 14% dos municípios dispõem adequadamente os seus

resíduos (FELIPETTO, 2007, p.38).

Antes da instituição da PNRS (2010), as determinações acerca de resíduos sólidos

eram dadas de maneira pontual e específica através de Resoluções do CONAMA e Normas

NBR194. Como política de saneamento geral, a PNSB (2007) se atem a afirmar a disposição

final como componente da limpeza pública e manejo de RSU. Porém, a PNRS (2010) enquanto

política específica e em clara oposição aos lixões, adjetiva a disposição final como

“ambientalmente adequada”, condicionalmente associada a aterro, além de diferenciar

destinação final e disposição final, não rara e erroneamente tratadas como sinônimo:

VII - destinação final ambientalmente adequada: destinação de resíduos que inclui a

reutilização, a reciclagem, a compostagem, a recuperação e o aproveitamento

194 Ver listas em Anexos.

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energético ou outras destinações admitidas pelos órgãos competentes do Sisnama, do

SNVS e do Suasa, entre elas a disposição final [...];

VIII - disposição final ambientalmente adequada: distribuição ordenada de rejeitos

em aterros, observando normas operacionais específicas de modo a evitar danos ou

riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos ambientais adversos;

(BRASIL, 2010, p.2, grifo nosso).

A disposição final ideal deveria ser, portanto, o confinamento ambientalmente

adequado dos rejeitos, ou seja, aquela parcela dos resíduos sólidos que após esgotadas as

técnicas de tratamento e recuperação disponíveis não puderam ser recuperados, somando o

mínimo volume possível. Assim, “tratar resíduos sólidos urbanos significa prepará-los para

algum tipo de reaproveitamento, reduzir seu volume, reduzir seu potencial de poluição

ambiental, ou ainda seu potencial de agressão à saúde humana” (POLETO, 2010, p.309).

Entretanto, quando esse tratamento não acontece, a disposição final se torna o

destino direto dos resíduos sólidos, deixando de ser uma etapa do manejo para se transformar

na sua própria finalidade, de modo que mesmo feita em aterros sanitários, a disposição final

não pode ser considerada ambientalmente adequada se não contempla os rejeitos.

Em reação a esse problema, a PNRS (2010, Art. 9º) determina que “na gestão e

gerenciamento de resíduos sólidos, deve ser observada a seguinte ordem de prioridade: não

geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição final

ambientalmente adequada dos rejeitos” a fim de reduzir o volume e a periculosidade dos rejeitos

encaminhados para a destinação final. Nesse sentido, suas ações se inscrevem no sentido de

reestruturar a gestão e o gerenciamento dos resíduos sólidos então existentes, de modo a torná-

los mais eficazes.

Nascimento Neto e Moreira (2012, p.248) afirmam que gestão e gerenciamento se

distinguem pelo nível operacional em que são realizadas, pois “enquanto os aspectos políticos

e estratégicos do manejo dos resíduos sólidos se concentram no campo da Gestão, os aspectos

operacionais são o foco do Gerenciamento”. As políticas e as decisões da administração pública

sobre os resíduos sólidos tratam-se, portanto, de gestão e requerem um arranjo de condições -

políticas, sociais, ambientais, institucionais, financeiras etc. - adequadas para serem

estabelecidas (NASCIMENTO NETO; MOREIRA, 2012).

O Diagnóstico do Manejo de Resíduos Sólidos Urbanos195 da Secretaria Nacional

de Saneamento Ambiental - SNSA (2009) do Ministério das Cidades afirma que na maioria dos

195 As informações deste relatório não devem ser interpretadas como retrato fiel da realidade brasileira. Além de

ser uma pesquisa passível de certa parcialidade, por refletir a atividade política do governo, o próprio documento

descreve as limitações metodológicas da pesquisa: “Os dados são coletados anualmente, em órgãos municipais

encarregados da gestão do manejo de resíduos sólidos nos municípios. [...] As amostras anuais do SNIS não

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municípios brasileiros, o serviço de manejo dos resíduos sólidos é executado pela

Administração pública direta, que em alguns casos também presta serviços de água, esgoto ou

ambos. A grande maioria não recebe recursos federais para manejo de resíduos sólidos, a

inclusão no IPTU ou o boleto é o principal meio de cobrança entre aqueles que cobram taxas

pela prestação do serviço e ainda parte dos municípios mantém frentes temporárias de

trabalho196 (SNSA, 2009).

Assim, na maior parte dos municípios brasileiros ocorre o modelo convencional de

gestão, onde todas as etapas do manejo dos resíduos sólidos são executadas por um órgão

municipal197 cujas ações se restringem ao território municipal. Ele se aplica a qualquer

município que tenha incorporado os serviços de limpeza urbana ainda que de forma rudimentar,

mas pode sofrer alterações com a transferência da titularidade de prestação do serviço, como

no caso da privatização, onde a municipalidade passa a atuar como fiscalizador (NASCIMETO

NETO; MOREIRA, 2012). Outro modelo ainda pouco popular entre os municípios brasileiros

é a gestão compartilhada em que dois ou mais municípios compartilham uma ou todas as etapas

do manejo. Ele é encontrado principalmente em regiões metropolitanas e é o modelo encorajado

pela PNSB (2007) e pela PNRS (2010), sobretudo na forma do consórcio público.

O gerenciamento, por sua vez, lida com os resíduos desde o momento de seu

surgimento - o que no caso dos RSU de responsabilidade da municipalidade se inicia com o

descarte – até a sua transformação em rejeito. É a técnica de administrar os resíduos sólidos já

produzidos: inicia-se com a coleta dos resíduos sólidos e termina com a disposição final dos

rejeitos.

Nascimento Neto e Moreira (2012, p.248) também afirmam que as conotações de

gestão e gerenciamento além de distintas são também complementares, de modo que, segundo

Castilhos Júnior (2003, p. 10), “as ações de gerenciamento podem ser promovidas por meio de

instrumentos presentes em políticas de gestão”. Como vimos, o manejo geralmente vai ocorrer

mesmo que de forma deficitária, mas sendo ele uma atividade que emana das decisões da

administração pública, depende necessariamente de uma boa gestão. De certo modo, o

gerenciamento é o modo pelo qual a gestão pública trata o manejo dos resíduos sólidos em todas

apresentam a aleatoriedade e a estratificação exigidas para que se tenha uma representatividade garantida

estatisticamente [...] Apesar de todo o esforço realizado, não se consegue que todos os municípios convidados

enviem os dados solicitados, devido a razões que vão do desinteresse às dificuldades internas que têm muitos

municípios para obter seus dados.” (SNSA, 2009, p.12). 196 Para executar atividades que são em geral serviços de capinagem, varrição, pintura de meio-fio e limpeza de

esgotos. 197 Secretaria, departamento de limpeza urbana etc.

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as suas etapas. Logo, a eficiência e a qualidade do gerenciamento estão condicionadas à forma

como a gestão é conduzida.

Nesse sentido, é fundamental que cada município adote um modelo de gestão

adequado a sua realidade e compatível com as suas necessidades, “envolvendo os seus arranjos

institucionais, os seus instrumentos legais e seus mecanismos de controle, de forma a fornecer

suporte legal e institucional ao sistema” (LIMA, 2003, p.54 apud NASCIMENTO NETO;

MOREIRA, 2012, p.253), e para evitar os efeitos indesejáveis sobre a saúde pública e o meio

ambiente que certamente surgem com a adoção de modelos prontos importados de outras

realidades, além de garantir a correta utilidade do investimento.

Em síntese, “o modelo de Gestão de resíduos sólidos urbanos estabelece a forma

pela qual se conduz politicamente a questão, enquanto o modelo de Gerenciamento estabelece

os critérios técnicos de tratamento e disposição final” (NASCIMENTO NETO; MOREIRA,

2012, p.253) que devem ser decididos pela gestão.

Para efeito de lei, não se deve confundir ou entender por igual as definições de

gerenciamento de resíduos sólidos e gestão integrada de resíduos sólidos:

X - gerenciamento de resíduos sólidos: conjunto de ações exercidas, direta ou

indiretamente, nas etapas de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destinação

final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos e disposição final

ambientalmente adequada dos rejeitos [...];

XI - gestão integrada de resíduos sólidos: conjunto de ações voltadas para a busca de

soluções para os resíduos sólidos, de forma a considerar as dimensões política,

econômica, ambiental, cultural e social, com controle social e sob a premissa do

desenvolvimento sustentável (BRASIL, 2010, grifo nosso).

De qualquer forma, é necessário esclarecer que gestão e gerenciamento não são

criação da PNRS (2010). Conforme Lopes (2007 apud NASCIMENTO NETO; MOREIRA,

2012, p.253), os órgãos municipais encarregados dos RSU no Brasil em geral adotam

simultaneamente um modelo de gestão (político-administrativo) e um modelo de

gerenciamento (manejo tecnológico) dos resíduos.

O problema não é a ausência desses dois modelos, mas a sua deficiência causada

pelos mais diversos tipos de limitações que os municípios possuem para lidar com a política e

o manejo dos resíduos sólidos. Assim, a legislação aponta seu melhoramento ao introduzir as

definições de “gestão integrada” e “gerenciamento ambientalmente adequado”, ambos já

executados em alguns municípios antes da promulgação da lei, bastante conhecidos nas áreas

de pesquisa, política, gestão e negócios ambientais e intimamente ligadas ao desenvolvimento

sustentável.

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174

Antes de ser adotado pela PNRS em 2010, gestão integrada e gerenciamento

ambientalmente adequado já eram abordados pela série oficial de publicações intitulada

Mecanismos de Desenvolvimento Limpo Aplicados a Resíduos Sólidos198, que descreve o

funcionamento e as exigências do projeto de MDL que pretende realizar estudos de viabilidade

para o aproveitamento do biogás gerado nos aterros sanitários das maiores cidades brasileiras.

O projeto foi lançado pelo Governo Federal199 em parceria com o Banco Mundial e o Governo

do Japão em 2007.

Esse projeto foi lançado pouco depois de sancionada a PNSB (2007) com a qual

declara estar de acordo e enquanto tramitava o Projeto de Lei da Política Nacional de Resíduos

Sólidos (PL nº 1.991/2007) encaminhado pelo Executivo ao Congresso Nacional. O primeiro

volume da série é denominado “Gestão Integrada de Resíduos Sólidos” e tanto nele como nos

volumes seguintes é possível identificar que o projeto traça diretrizes e linhas de ação idênticas

àquelas da versão final da PNRS (2010), publicada após o governo brasileiro haver assumido

compromisso internacional com o projeto.

A proposta do projeto afirma que “a Gestão Integrada de Resíduos Sólidos pode ser

entendida como a maneira de ‘conceber, implementar e administrar sistemas de manejo de

resíduos sólidos urbanos, considerando uma ampla participação dos setores da sociedade e

tendo como perspectiva o desenvolvimento sustentável’” (MESQUITA JÚNIOR, 2007, p.14).

Esse é exatamente o entendimento adotado pela PNRS (2010) ao determinar que a gestão

integrada dos resíduos sólidos deve ocorrer sob a premissa do desenvolvimento sustentável.

Conforme descrita no projeto MDL, gestão integrada de resíduos sólidos:

Contempla os aspectos institucionais, administrativos, financeiros, ambientais, sociais

e técnico-operacionais. Significa mais do que o gerenciamento técnico-operacional

do serviço de limpeza. Extrapola os limites da administração pública, considera o

aspecto social como parte integrante do processo e tem como ponto forte a

participação não apenas do primeiro setor (o setor público), mas também do segundo

(o setor privado) e do terceiro setor (as organizações não-governamentais), que se

envolvem desde a fase dedicada a pensar o modelo de planejamento e a estabelecer

a estratégia de atuação, passando pela forma de execução e de implementação dos

controles. [...] Deve definir estratégias, ações e procedimentos que busquem o

consumo responsável, a minimização da geração de resíduos e a promoção do trabalho

dentro de princípios que orientem para um gerenciamento adequado e sustentável,

com a participação dos diversos segmentos da sociedade, de forma articulada. [...]

Esse sistema deve considerar a ampla participação e intercooperação de todos os

198 A série de 2007 é composta de cinco volumes de diferentes autores: 1. Gestão integrada de resíduos sólidos; 2.

Conceito, planejamento e oportunidades; 3. Redução de emissões na disposição final; 4. Agregando valor social

e ambiental; e 5. Diretrizes para elaboração de propostas de projetos. 199 Através do Ministério das Cidades (por meio da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental - SNSA) em

conjunto com o Ministério do Meio Ambiente (no âmbito da Secretaria de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano

- SRHU).

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representantes da sociedade [...] geradores e responsáveis pelos resíduos200. Deve ser

baseada em princípios que possibilitem sua elaboração e implantação, garantindo um

desenvolvimento sustentável ao sistema (MESQUITA JÚNIOR, 2007, pp.13-14,

grifos mistos).

Ao afirmar que a gestão integrada contempla aspectos técnico-operacionais e que

deve se orientar para um gerenciamento adequado, essa concepção de gestão integrada mantém

o gerenciamento como um de seus componentes. No entanto, sem mais nada especificar a seu

respeito, limita-se a indicar o aterro sanitário como forma de disposição final mais adequada:

A implantação e operação de aterro sanitário é a solução mais fácil de ser viabilizada,

pois além de atender diretamente aos interesses dos municípios envolvidos,

geralmente apresenta maior economia de escala, traz mais vantagens aos parceiros e

apresenta resultados mais significativos do ponto de vista da gestão integrada nos

moldes indicados neste trabalho (MESQUITA JÚNIOR, 2007, p.22, grifos nossos).

Ou seja, a opção por aterro sanitário não é apenas para responder às necessidades

dos municípios, mas em parte, porque é uma alternativa consistente com o modelo de gestão

integrada que necessita ser implantado para viabilizar a disseminação de projetos de MDL no

país.

Com relação à minimização da geração de resíduos, a Gestão Integrada de resíduos

sólidos adotada pelo projeto de MDL propõe que para alcançar a sustentabilidade ambiental do

modelo:

É necessária uma preocupação constante com o aperfeiçoamento das matrizes de

produção e de consumo. Na matriz de produção, devem ser buscadas a melhoria da

qualidade dos produtos e a otimização das embalagens, visando diminuir a quantidade

de materiais desnecessários agregados na cadeia produtiva. Na matriz de consumo, os

usuários podem fazer uma grande diferença, tratando e se relacionando com seus

resíduos de forma responsável. Essa atuação passa por um consumo com viés

ecológico, privilegiando produtos com selo verde ou selo social, que tragam garantia

de pouca ou nenhuma geração de resíduos, com embalagens retornáveis e recicláveis

(MESQUITA JÚNIOR, 2007, p.16, grifos nossos).

Não se propõe a redução da produção ou do consumo, apenas a adequação

tecnológica de produtos e embalagens, com notável valorização do fator tecnológico que deverá

solucionar tal problema sem que sejam necessárias mudanças estruturais no modo de produzir

e consumir mercadorias. Assim, havemos de nos questionar se esta não é apenas uma forma de

catequizar a população para o mercado verde e garantir a lucratividade com as “mercadorias

ecológicas”. Na prática, esta adequação de mercado significa também a adequação da

consciência do consumidor às novas tendências pseudo-éticas do mercado.

200 O autor exemplifica citando o governo central, governo local, setor formal, setor privado, ONGs, setor informal,

catadores e comunidade.

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Embora a PNRS (2010) determine que a gestão e gerenciamento dos resíduos

sólidos deve observar uma ordem de prioridade que parte da não geração, não encontramos de

fato elementos que contribuam para evitar a geração dos resíduos sólidos, estando suas ações

orientadas para a administração dos resíduos gerados (logística reversa, coleta seletiva,

reciclagem, reutilização etc.).

Ao contrário, um de seus objetivos é o estímulo à adoção de padrões sustentáveis

de produção e consumo de bens e serviços. Tais padrões são definidos como “produção e

consumo de bens e serviços de forma a atender as necessidades das atuais gerações e permitir

melhores condições de vida, sem comprometer a qualidade ambiental e o atendimento das

necessidades das gerações futuras”. Como essa lei é regida pelo desenvolvimento sustentável,

está impregnada por seus elementos, como por exemplo, os princípios de poluidor-pagador,

protetor-recebedor e ecoeficiência.

Entre seus objetivos figuram ainda outros elementos que coadunam com o modelo

de Gestão Integrada proposto pelo Projeto MDL quanto à produção e ao consumo de

mercadorias que resultam na geração de resíduos sólidos, tais como:

III - estímulo à adoção de padrões sustentáveis de produção e consumo de bens e

serviços; IV - adoção, desenvolvimento e aprimoramento de tecnologias limpas como

forma de minimizar impactos ambientais; [...] XIV - incentivo ao desenvolvimento de

sistemas de gestão ambiental e empresarial voltados para a melhoria dos processos

produtivos e ao reaproveitamento dos resíduos sólidos, incluídos a recuperação e o

aproveitamento energético; XV - estímulo à rotulagem ambiental e ao consumo

sustentável (BRASIL, 2010, Art.7).

A Constituição Federal (BRASIL, 1988, Art. 175) determina que “incumbe ao

Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre

através de licitação, a prestação de serviços públicos”. Logo, sendo a limpeza pública e o

manejo de resíduos sólidos um serviço público, estes competem ao Poder Público, que deve

realizá-los sob garantia do controle social201, também um dos princípios fundamentais que

devem orientar a prestação dos serviços públicos de saneamento básico (PNSB, 2007, Art.2,

X). Igualmente a PNRS (2010, Art.6, X) tem como princípio o direito da sociedade à

informação e ao controle social.

201 A PNSB (2007, Art.3, IV, grifos nossos) define controle social como um “conjunto de mecanismos e

procedimentos que garantem à sociedade informações, representações técnicas e participações nos processos de

formulação de políticas, de planejamento e de avaliação relacionados aos serviços públicos de saneamento

básico”. Já na PNRS (2010, Art.3 VI) não figura o termo “representações técnicas” acarretando uma redução

da sua definição, agora caracterizada como o “conjunto de mecanismos e procedimentos que garantam à

sociedade informações e participação nos processos de formulação, implementação e avaliação das políticas

públicas relacionadas aos resíduos sólidos”.

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Apesar das diferentes, ambíguas ou mesmo contraditórias conotações que na teoria

política possam ser atribuídas ao controle social, no Estado Brasileiro ele está associado à

participação dos cidadãos na gestão da coisa pública:

As idéias [sic] de participação e controle social estão intimamente relacionadas: por

meio da participação na gestão pública, os cidadãos podem intervir na tomada da

decisão administrativa, orientando a Administração para que adote medidas que

realmente atendam ao interesse público e, ao mesmo tempo, podem exercer controle

sobre a ação do Estado, exigindo que o gestor público preste contas de sua atuação. A

participação contínua da sociedade na gestão pública é um direito assegurado pela

Constituição Federal, permitindo que os cidadãos não só participem da formulação

das políticas públicas, mas, também, fiscalizem de forma permanente a aplicação dos

recursos públicos [...] supervisionando e avaliando a tomada das decisões

administrativas (TRANSPARÊNCIA, 2016)202.

Como já vimos, a descentralização do poder político e a ampliação dos mecanismos

de participação social são recentes no Brasil: apenas a partir da Constituição Federal de 1988 é

que uma maior democratização e descentralização decisória se desenham, incluindo os

governos estadual e municipal, além de agências regionais. Ao mesmo tempo, há o avanço da

esfera não-estatal e civil que inclui a participação de ONGs, comunidades e empresas nacionais,

bem como as políticas públicas estão expostas a uma crescente influência de organismos

internacionais que fomentam o desenvolvimento sustentável, este rapidamente disseminado no

terceiro período das políticas ambientais brasileiras (1988-2005).

Para além da participação e controle social nas políticas de Estado, o

desenvolvimento sustentável insiste em propagar um avanço do setor privado (segundo setor)

e das organizações não-governamentais (terceiro setor) sobre o setor público (primeiro setor),

um dos pontos fortes que caracterizam a Gestão Integrada. É certo que o Estado tem meios

constitucionais para prestar os serviços públicos de forma indireta através da Administração

Indireta, mas esse modelo de gestão integrada dos resíduos sólidos se propõe a extrapolar os

limites da administração pública, e nos parece que ela se refere principalmente ao avanço dos

setores privados e não-governamental sobre a esfera pública, porém de maneira legal.

O controle social está sempre associado à informação, no sentido de comunicar.

Entretanto, é necessário reforçar que o controle social não se resume a comunicar à sociedade

sobre as decisões ou ações da administração pública. Isso as campanhas de marketing dos

governos já fazem. Trata-se de assegurar os mecanismos de participação para que ela possa

participar ativamente e de maneira autônoma de todas as fases do processo.

Mas, que é a sociedade? Certamente os setores privado e não-governamental a

compõem. O modelo de Gestão Integrada proposto deve contar com a participação dos diversos

202 Disponível em: <http://www.portaltransparencia.gov.br/controleSocial/>. Acesso em: 01 fev. 2016.

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segmentos da sociedade, de forma articulada, com ampla participação e intercooperação de

todos os representantes da sociedade que são respectivamente geradores e responsáveis pelos

resíduos como os governos central e local, setores formal, informal e privado, ONGs, catadores

e comunidade.

Os resíduos sólidos resultam de qualquer atividade humana, de modo que todas as

atividades e sujeitos sociais em alguma medida contribuem para a sua geração, de modo que

uma gestão satisfatória precisa considerar todos os geradores e suas respectivas condições.

Assim, a PNRS (2010, Art.1) define as responsabilidades dos geradores203 e do poder público

e se impõe a todas “as pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, responsáveis,

direta ou indiretamente, pela geração de resíduos sólidos e as que desenvolvam ações

relacionadas à gestão integrada ou ao gerenciamento de resíduos sólidos”.

Como resposta a essa necessidade de integração, entre os princípios adotados pela

PNRS (2010, Art.6) estão a cooperação entre as diferentes esferas do poder público, o setor

empresarial e demais segmentos da sociedade (VI) e a visão sistêmica que deve considerar as

variáveis ambiental, social, cultural, econômica, tecnológica e de saúde pública na gestão dos

resíduos sólidos (III). Numa abordagem mais articulada com os diferentes tipos de geradores,

introduz algumas ideias como:

▪ Acordo setorial: ato de natureza contratual firmado entre o poder público e

fabricantes, importadores, distribuidores ou comerciantes, tendo em vista a implantação da

responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto. Pode ser iniciado por qualquer

uma das partes e suas propostas deverão ser objeto de consulta pública. Sua finalidade pode ser

a implementação da logística reversa;

▪ Ciclo de vida do produto: série de etapas que envolvem o desenvolvimento do

produto, a obtenção de matérias-primas e insumos, o processo produtivo, o consumo e a

disposição final;

▪ Responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos: conjunto de

atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes, importadores, distribuidores e

comerciantes, dos consumidores e dos titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de

manejo dos resíduos sólidos, para minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados,

bem como para reduzir os impactos causados à saúde humana e à qualidade ambiental

decorrentes do ciclo de vida dos produtos;

203 “Geradores de resíduos sólidos: pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, que geram resíduos

sólidos por meio de suas atividades, nelas incluído o consumo.” (BRASIL, 2010, Art.3, IX).

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▪ Padrões sustentáveis de produção e consumo: produção e consumo de bens e

serviços de forma a atender as necessidades das atuais gerações e permitir melhores condições

de vida, sem comprometer a qualidade ambiental e o atendimento das necessidades das gerações

futuras;

▪ Logística reversa: instrumento de desenvolvimento econômico e social

caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta

e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo

ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada;

Também a Gestão Integrada proposta pelo Projeto MDL pode ser entendida como

“um conjunto de referências político–estratégicas, institucionais, legais, financeiras, sociais e

ambientais capaz de orientar a organização do setor” com alguns elementos considerados

indispensáveis, dentre os quais podemos destacar a “consolidação da base legal necessária e

dos mecanismos que viabilizem a implementação das leis”, os “mecanismos de financiamento

para a auto-sustentabilidade [sic] das estruturas de gestão e do gerenciamento” e um “sistema

de planejamento integrado, orientando a implementação das políticas públicas para o setor”

(MESQUITA JÚNIOR, 2007, p.15).

Assim, a Gestão Integrada do MDL propõe a elaboração e a implementação de um

Sistema de Gestão Integrada, cuja fase inicial é a elaboração de um Planos de Gestão Integrada

de Resíduos Sólidos - PGIRS que privilegie a gestão participativa contando com setores da

administração pública e da sociedade. Mesquita Júnior (2007) afirma que “a sustentabilidade

do processo está assentada no atendimento às dimensões ecológica, ambiental, cultural,

demográfica, social, institucional, política, econômica, legal e ética.” Exceto as dimensões

ecológica e ética, as demais possuem uma lista de ações práticas a serem realizadas na

implementação do PGIRS para a garantia dessa sustentabilidade, das quais merecem destaque:

▪ Seleção de áreas adequadas para a implantação de aterros sanitários, elaboração

de projetos para a captação de recursos para sua construção, licenciamento de projetos junto

aos órgãos ambientais competentes e sua obediência à linha da ecoeficiência (ambiental);

▪ Discussão com os setores representativos e adequação dos projetos aos

aspectos culturais e aos hábitos locais (cultural);

▪ Levantamento dos vetores de crescimento locais e cuidado para que o projeto

atenda às necessidades da população no tempo projetado;

▪ Criação de associação ou cooperativa de catadores, implantação de sistema de

coleta seletiva e beneficiamento de materiais recicláveis para geração de trabalho e renda

para os catadores e controle social através da participação crescente da população (social);

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▪ Criação de órgão específico para tratar do manejo dos resíduos sólidos,

capacitação de equipe para a elaboração de projetos para obtenção de recursos junto a órgãos

de financiamento e divulgação intensiva das ações e do progresso do plano, divulgação

intensiva das ações e do progresso do plano (institucional);

▪ Promoção da gestão associada por meio de Consórcios Públicos, convênios de

cooperação técnica entre prefeituras e entidades técnicas e científicas (institucional e

política);

▪ Implantação de sistema de coleta seletiva e do PGIRS, compromisso do

prefeito, do secretariado e da equipe de coordenação do PGIRS em assegurar o processo

participativo ocorra em todas as fases e a continuidade na implementação do plano (política);

▪ Definição de orçamento municipal para o setor de resíduos sólidos, criação e

implementação de uma taxa de coleta de resíduos sólidos e utilização responsável dos

recursos captados / recebidos (econômica);

▪ Elaboração e implementação de lei de resíduos sólidos, de um regulamento de

manejo, de legislação para a inclusão social dos catadores, de legislação facilitadora de

beneficiamento de materiais recicláveis e de uso de materiais reciclados (legal).

Uma parte considerável dessas ações previstas é legalizada oficialmente pela PNRS

(2010) e outra parte se refere, sobretudo, ao processo de implementação da gestão integrada por

ela estabelecida, embora não sejam sua exclusividade. A PNSB (2007), por exemplo, já

indicava a necessidade dos municípios elaborarem seus Planos de Saneamento que inclui o

abastecimento de água, esgotamento sanitário, manejo de águas pluviais e manejo dos resíduos

sólidos, sendo obrigatória a participação da população.

Finalmente a PNRS (2010) estabelece a elaboração de Planos de Resíduos Sólidos

nos níveis federal e estadual, dos Planos Municipais de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos

e do Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos, devendo ser assegurada a ampla publicidade

de seus conteúdos, bem como o controle social em sua formulação, implementação e

operacionalização. O plano é o detalhamento das metas assumidas e das estratégias a serem

adotadas para o seu cumprimento, bem como normas, diretrizes e condicionantes que devem

orientar a implementação da política de resíduos sólidos nos níveis nacional, estadual e

municipal.

Tanto o plano nacional a ser elaborado pela União sob a coordenação do Ministério

do Meio Ambiente e mediante processo de mobilização e participação social, incluindo a

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realização de audiências e consultas públicas204, quando os planos estaduais possuem prazo de

vigência indeterminado e horizonte de vinte anos, devendo ser atualizado a cada quatro anos.

Enquanto os planos federal e estadual possuem uma estrutura de gestão mais ampla e estrutural

em suas respectivas jurisdições, o Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos

possui alguns de seus elementos, porém contém mais especificidades205, sobretudo com relação

ao gerenciamento dos resíduos, como os procedimentos operacionais e especificações mínimas

a serem adotados nos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos, as

regras para todas as etapas do gerenciamento de resíduos sólidos incluindo a adequada

disposição final dos rejeitos, os indicadores de desempenho operacional e ambiental dos

serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos etc.

A elaboração dos planos estaduais e municipais de resíduos sólidos é condição para

que Estados e Municípios tenham acesso a recursos da União, incentivos ou financiamentos de

entidades federais de crédito ou fomento para empreendimentos e serviços relacionados à

gestão de resíduos sólidos. E como a gestão associada possui prioridade na obtenção de tais

recursos, o plano nacional e os planos estaduais devem conter medidas para incentivar e

viabilizar a gestão regionalizada206 dos resíduos sólidos e os planos municipais devem

identificar as possibilidades de implantação de soluções consorciadas ou compartilhadas com

outros Municípios.

Tanto o plano federal quanto os estaduais devem conter proposição de cenários,

mas o plano nacional especifica que essas proposições devem incluir tendências internacionais

e macroeconômicas, as quais não são difíceis de relacionar ao comportamento projetado pelo

desenvolvimento sustentável, já que este é um dos elementos que norteia a PNRS (2010).

A PNRS (2010) determina a obrigatoriedade da elaboração e da implementação do

Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos para estabelecimentos específicos, os quais gerem

resíduos dos serviços públicos de saneamento básico em geral, resíduos industriais, perigosos,

de serviços de saúde, de mineração, de atividades agrossilvopastoris, empresas de transporte,

empresas de construção civil, etc. O plano tem o conteúdo mínimo estabelecido pela lei, deve

204 A versão preliminar para consulta pública do Nacional de Resíduos Sólidos foi elaborada em 2011. Além das

contribuições através da internet, o plano seria discutido em cinco Audiências Públicas Regionais e consolidado

na Audiência Pública Nacional, em Brasília (MMA, 2015). Disponível em:

<http://www.mma.gov.br/estruturas/253/_publicacao/253_publicacao02022012041757.pdf>. Acesso em: 02

fev. 2016. 205 Todas devem estar em consonância com as normas prévias estabelecidas, seja pelo Sisnama, SNVS ou por

legislação federal e estadual, as quais os municípios estão hierarquicamente submetidos. 206 O plano nacional se refere a regiões integradas de desenvolvimento instituídas por lei complementar e as áreas

de especial interesse turístico. O plano estadual se refere a regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e

microrregiões.

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ser elaborado e acompanhado em todas as suas fases por um responsável técnico habilitado,

suas informações devem ser disponibilizadas ao órgão competente para alimentação do Sinir e

no caso de empreendimentos ou atividades que requeiram licenciamento ambiental, o plano é

componente obrigatório do processo.

A Gestão Integrada é um dos elementos propostos pelo projeto de MDL aplicado a

resíduos sólidos. Conforme apresentação dos Ministérios das Cidades e do Meio Ambiente, o

projeto possui quatro componentes:

▪ [...] capacitação - realizado por meio de cursos em âmbito regional e municipal e

apoiado pela publicação desta série de manuais [...];

▪ Estudos de viabilidade da utilização do biogás gerado nas áreas de disposição

final de resíduos sólidos urbanos – conduzidos para os municípios selecionados

entre aqueles 200 mais populosos;

▪ Ação governamental – unificação da agenda governamental para a implementação

de políticas públicas voltadas para a gestão de resíduos sólidos, com enfoque na

redução de emissões e no aproveitamento energético do biogás;

▪ Unificação de base de dados e desenvolvimento do Portal Governamental –

desenvolvimento e integração de bases de dados e de sistemas de informação

disponíveis no Governo Federal sobre o gerenciamento integrado de resíduos sólidos,

incorporando o tema MDL (MESQUITA JR, 2007, p.7, grifos do autor).

Com relação à ação governamental, os citados ministérios afirmam que “é

compromisso do Governo Federal viabilizar a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que

estabelecerá normas e diretrizes para o gerenciamento dos diferentes tipos de resíduos, nos

níveis municipal, estadual e federal” (MESQUITA JÚNIOR, 2007, p.8), atendendo ao mesmo

tempo ao requisito da gestão integrada de consolidar uma base legal. Porém, por unificação se

entende que as ações não devem se restringir à PNRS (2010) mas, ao contrário, devem se

articular com outras políticas públicas.

Com referência à unificação de uma base de dados e de um sistema de informações,

a PNRS (2010, Art.8) adota como instrumentos, por exemplo, os inventários e o sistema

declaratório anual de resíduos sólidos, o Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos

Resíduos Sólidos – Sinir, o Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico – Sinisa,

o Cadastro Nacional de Operadores de Resíduos Perigosos, além de instrumentos da Política

Nacional do Meio Ambiente – PNMA (1981) como o Cadastro Técnico Federal de Atividades

Potencialmente Poluidoras ou Utilizadoras de Recursos Ambientais e o Sistema Nacional de

Informação sobre Meio Ambiente – Sinima. O Decreto Regulamentar da PNRS (2010)

estabelece ainda que a atualização das informações no Sinir é condição para que Estados,

Municípios, Distrito Federal e os consórcios públicos sejam beneficiados com a prioridade no

acesso a recursos.

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A instituição da cobrança de uma taxa pelo serviço de limpeza pública e manejo

dos resíduos sólidos enquanto ação práticas sugeridas a fim de assegurar a sustentabilidade

econômica do processo também ganha respaldo legal na PNRS (2010), embora seja anterior a

ela. A Constituição Federal (1988, Art.145) estabelece que a União, os Estados, o Distrito

Federal e os Municípios poderão instituir tributos na forma de impostos, de contribuição de

melhoria decorrente de obras públicas e de “taxas, em razão do exercício do poder de polícia

ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis207,

prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição”.

A PNSB (2007, Art.29) estabelece que “os serviços públicos de saneamento básico

terão a sustentabilidade econômico-financeira assegurada, sempre que possível, mediante

remuneração pela cobrança dos serviços”. Finalmente e no mesmo sentido, a PNRS (2010,

Art.6, X) estabelece como um de seus objetivos a “regularidade, continuidade, funcionalidade

e universalização da prestação dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos

sólidos, com adoção de mecanismos gerenciais e econômicos que assegurem a recuperação dos

custos dos serviços prestados, como forma de garantir sua sustentabilidade operacional e

financeira”. E para isso, estabelece que o plano municipal de gestão integrada de resíduos

sólidos deve ter em seu conteúdo mínimo o “sistema de cálculo dos custos da prestação dos

serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos, bem como a forma de

cobrança desses serviços” (BRASIL, 2010, Art.19, XIII).

Embora tais dispositivos demonstrem a legalidade da cobrança pelos serviços de

limpeza urbana manejo de resíduos sólidos, eles não são suficientes para encerrar a questão: a

cobrança pela prestação dos serviços públicos não pode ser ditatorial, devendo atender a

determinadas condições para garantir a sua legalidade. De acordo com a Lei nº 8.987/1995, que

dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto na

Constituição Federal (BRASIL, 1988, Art.175), o serviço público adequado é aquele que

“satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade,

generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas” (BRASIL, 1995).

Isso é bastante para concluirmos que a cobrança por um serviço ineficiente ou

mesmo a cobrança desproporcional por um serviço eficiente, além de imoral, é arbitrária.

207 Os serviços divisíveis são aqueles prestados a usuários determinados e remunerados por taxa ou tarifas, como

por exemplo, a iluminação pública domiciliar. Eles são o oposto dos serviços divisíveis, que são aqueles

prestados a usuários indeterminados e indetermináveis e que não podem ser remunerados por taxa, como por

exemplo, a iluminação pública (cursoaprovacao.com, 12/02/2016).

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Conforme a PNSB (2007), a estrutura de remuneração e cobrança dos serviços de saneamento

básico poderá levar em consideração, entre outras coisas:

[...] categorias de usuários, distribuídas por faixas ou quantidades crescentes de

utilização ou de consumo; [...] quantidade mínima de consumo ou de utilização do

serviço, visando à garantia de objetivos sociais, como a preservação da saúde

pública, o adequado atendimento dos usuários de menor renda e a proteção do meio

ambiente; [...] e a capacidade de pagamento dos consumidores (PNSB, 2007, Art.30

grifos nossos).

Inclusive, entre as condições estabelecidas pela PNSB (2007, Art.11) que dão validade

aos contratos de prestação de serviços públicos de saneamento básico, figura a sustentabilidade

e o equilíbrio econômico-financeiro da prestação dos serviços que inclui o sistema de cobrança

e a composição de taxas e tarifas, bem como a sistemática de seus reajustes e a sua política de

subsídios. Também as taxas ou tarifas decorrentes do serviço público de limpeza urbana e de

manejo de resíduos sólidos urbanos devem levar em conta a adequada destinação dos resíduos

coletados e poderão considerar, entre outras coisas, o nível de renda da população da área

atendida (Art.35).

A princípio, a “taxa do lixo” dentro da Gestão Integrada pode não parecer um problema,

mas sua aparente ingenuidade não se sustenta quando conjugada a abordagem potencialmente

problemática com a qual o mesmo modelo de gestão trata a necessidade de redução na geração

dos resíduos sólidos e o consumo. Em um contexto em que se opta por manter intocada a

ideologia do consumo, a taxa que faz crescer mais um custo sobre a renda dos cidadãos é a

mesma que alimenta os setores ligados à limpeza urbana, às engenharias ambientais e aos

aterros sanitários e especialista.

Essa é uma equação perigosa, porque evoca o princípio do poluidor-pagador elevando-

o sobre qualquer princípio de precaução, valoriza as compensações financeiras pessoais em

detrimento do compromisso coletivo com a precaução, de modo que ninguém precisa

comprometer o seu consumo e seu modo de vida, desde que pague pelos resíduos produzidos

em sua decorrência.

Diante do grave problema sanitário que a atual gestão inadequada dos resíduos sólidos

representa, a superação desse modelo falido é um imperativo tão urgente quanto desafiador. É

lógico que uma gestão de resíduos sólidos eficiente necessita de uma estrutura organizacional

adequada com estruturas administrativa, operacional e financeira apropriadas; com uma

estrutura jurídica que domine obrigatoriamente os dispositivos legais locais, bem como os das

esferas estadual e federal aos quais está submetida a municipalidade; de aparato técnico

eficiente; e conhecimento específico local (características da produção de resíduos sólidos do

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município, população, economia, estrutura urbana, geografia local etc.) entre outras coisas. Mas

cabe lembrar que o problema dos resíduos é apenas a ponta visível do iceberg no mar do modo

capitalista de produção de mercadorias, o mesmo mar que propõe a superação da crise

ambiental que ele mesmo criou e através dos seus próprios artifícios.

A concepção de gestão integrada de resíduos sólidos está no domínio do

desenvolvimento sustentável, é sua criação e elemento integrante, estando naturalmente

impregnada pela ideologia hegemônica da sustentabilidade em toda a sua extensão (definição,

instrumentos, objetivos etc.). Sendo a concepção de gestão integrada de propriedade do

desenvolvimento sustentável (discurso oficial e significado hegemônico), salvo algum eventual

esforço de ressignificação, poderíamos afirmar que onde domina tal concepção de gestão,

predomina também elementos do desenvolvimento sustentável208.

Cabe lembrar ainda que a gestão integrada e o gerenciamento de resíduos sólidos estão

inseridos em um contexto de disseminação do MDL nos países subdesenvolvidos enquanto

mecanismo de flexibilização do Protocolo de Quioto, propulsor do mercado global de emissões

e instrumento de implementação global do desenvolvimento sustentável e sua economia verde,

diretamente relacionado aos papéis e às relações estabelecidas entre desenvolvidos e

subdesenvolvidos reproduzidas dentro das estruturas da política ambiental internacional.

Todas essas dimensões propostas podem ser resumidas em três: a econômica, que é

realmente a que domina; a política, que instrumentaliza os interesses econômicos que o capital

estabelece para o setor através das políticas públicas, conferindo-lhe legalidade; e o social,

voltado para a legitimação dos dois primeiros como forma de manter o poder do Estado e a

hegemonia capitalista. Qualquer participação social autônoma e esclarecida reclamaria a crise

ambiental como consequência do modelo de desenvolvimento hegemônico, justamente o que o

desenvolvimento sustentável procura encobrir, de modo que o que se tem por participação

social é legitimação, e conscientização ambiental consiste, via de regra, em doutrinação.

Expirado o prazo estabelecido pela PNRS (2010) para a adequação, a maioria dos

municípios brasileiros segue sem avanço e o gerenciamento dos resíduos sólidos no plano

municipal não foi implementado, embora outros elementos da gestão integrada estejam

assegurados nas esferas política e econômica. Tampouco se observa um debate sério sobre a

questão ou um envolvimento social que transcenda a vulgaridade do desenvolvimento

sustentável, de modo que sem a adesão e o devido entendimento das pessoas sobre a gravidade

do problema ambiental, o crescente e renovado processo de ignorância, introversão e apatia social

208 Inclusive sobre abordagens que pretendem se opor ao desenvolvimento sustentável, mas que desavisadamente

ao se utilizarem de suas criações, acabam por fortalecê-lo, introduzindo-o à crítica.

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faz com que a gestão dos resíduos sólidos se torne cada vez mais uma questão restrita a especialistas

e empresas encarregadas de resolverem o problema, imposta por políticas horizontais e cada vez

mais dominada pelo mercado, criando um nicho econômico próprio dentro do diversificado

mercado verde.

4.2.2 O Consórcio Público

Qualquer busca etimológica rápida encontrará o termo “consórcio” como uma

palavra derivada do latim consors, composta por com que significa "junto" e sores que significa

“a parte de cada um”, o "destino". Consor significa “aquele que tem a mesma sorte, o mesmo

destino209”, referindo-se a “companheiro, sócio, camarada, parente próximo” e “consórcio” em

geral remete à parceria, associação ou sociedade210.

De maneira geral, o termo se refere a uma parceria celebrada entre dois ou mais

entes de personalidade física ou jurídica, que podem ser indivíduos, governos,

empresas, organizações e grupos diversos, bem como a combinação entre estes com a finalidade

de atingir um objetivo comum. O termo é genérico e a escala dessa agremiação pode ir desde

um grupo de pessoas que rateiam entre si o valor para a compra de determinado bem ou objeto,

até formas sofisticadas e juridicamente disciplinadas de parceria entre entes federativos para a

prestação de serviços públicos, aquisição patrimonial ou realização de obras que custam

milhões.

Assim, para melhor delimitar aquele que é do nosso interesse, poderíamos dividir

os consórcios em duas categorias: aqueles que se situam de forma destacada no campo da

Economia e do mercado e aqueles que se relacionam de maneira mais direta com o campo do

Direito Administrativo, que são o tipo que nos interessa.

A título de esclarecimento, o primeiro caso se refere ao chamado Sistema de

Consórcios regulamentado pela Lei nº 11.795/2008, no qual o

“consórcio é a modalidade de compra baseada na união de pessoas - físicas ou

jurídicas - em grupos, com a finalidade de formar poupança para a aquisição de bens

móveis, imóveis ou serviços. A formação desses grupos é feita por uma

Administradora de Consórcios, autorizada e fiscalizada pelo Banco Central do Brasil”

(ABAC, 2015)211.

209 Muitos dicionários, por exemplo, trazem o termo “matrimônio” como sinônimo de “consórcio”. 210 Disponível em: <http://origemdapalavra.com.br/site/palavras/consorcio/>. Acesso em: 27 out. 2015. 211 Associação Brasileira de Administradores de Consórcios - ABAC. Disponível em: <http://abac.org.br/o-

consorcio/historia>. Acesso em: 27 out. 2015.

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O segundo caso, em que o consórcio constitui pessoa jurídica própria que pode ser

de Direito Público - integrando a Administração Indireta do Estado – ou Privado, é exatamente

o Consórcio Público que, como objeto de relevante interesse dessa pesquisa, também poderá

ser referido nesse trabalho como consórcio intermunicipal ao se referir ao objeto de estudo, uma

vez que, necessariamente, o consórcio intermunicipal é uma modalidade de consórcio público,

como veremos adiante.

Entretanto, antes de falarmos sobre os consórcios intermunicipais para

implementação de aterros sanitários no estado do Ceará, é necessária uma compreensão básica

da trajetória dos consórcios, até atingirem a forma atual, juridicamente regulamentados, um

marco considerável na organização da administração pública e opção política de muitos

governos, em diferentes escalas e setores de atuação.

Segundo Amorim (2015), os consórcios públicos “têm origem nas associações dos

municípios, que já eram previstas na Constituição de 1937”. Entretanto, apenas na década de

1980 é que elas se proliferaram por causa do momento político propício da redemocratização,

sobretudo com a promulgação da Constituição Federal de 1988, quando os municípios ganham

autonomia enquanto entes federativos, passando a gozar de competência tributária própria e

capacidade de auto-organização (VIERA, 2012).

Em 1998, a Emenda Constitucional nº 19/1998 altera o Art. 241 da Constituição

Federal que passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por

meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes

federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a

transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à

continuidade dos serviços transferidos (Art. 24 da EC nº 19/1998, grifo nosso).

Essa emenda se refere a dois tipos de gestão associada: o consórcio público e o

convênio de cooperação. Até então, no direito brasileiro, havia um “consenso doutrinário” que

fazia a clássica distinção entre ambos (BORGES, 2005; DI PIETRO, 2005, p.4). “Os convênios

poderiam ser realizados entre pessoas e entidade diferentes, convergindo para uma mesma

finalidade de interesse comum, que necessariamente não precisava ser da competência de todas

e de cada uma delas”. Já os consórcios eram de natureza homogênea, “celebrados [apenas] entre

entidades da mesma espécie e da mesma competência”. Depois do Art.241, a possibilidade de

celebrar consórcio com a União, por exemplo - um ente único em sua espécie - imprime um

caráter heterogêneo na natureza dos entes consorciados (BORGES, 2005).

Para Borges (2005), a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e

bens dos entes consorciados para o consórcio - ainda não reconhecido como pessoa jurídica

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diferenciada - é o ponto de maior relevância do Art. 241 da CF 88, porque dele depende o êxito

das operações consorciadas.

Di Pietro (2005, p.3) afirma que “o objetivo da norma constitucional é o de

consolidar a gestão associada entre os entes federados para consecução de fins de interesse

comum”. A autora afirma que essa redação causou a inconveniente impressão de que cada ente

possuía competência própria para legislar sobre a matéria, o que tornaria impossível a

cooperação entre diferentes entes, cada um com normas próprias.

Segundo Borges (2005), como esse texto possuía muitas falhas e lacuna, era

necessário que fosse disciplinado. Embora alguns juristas entendessem que devido à autonomia

(política, organizacional e administrativa) constitucionalmente assegurada a cada um dos entes

federados (princípio federativo), estes poderiam disciplinar de maneira particular o tema, a

ausência de uma coordenada comum geraria uma anarquia que prejudicaria substancialmente a

cooperação entre eles. Assim, desde 1999 já havia uma comissão constituída pelo então

Ministério de Administração e Reforma do Estado e que deveria elaborar o anteprojeto de lei

que regularia o Art.241 da CF. Porém, com a extinção do ministério, a comissão foi dissolvida

e o projeto interrompido.

Essa regulamentação só seria dada em 2005, com a Lei nº 11.107/2005, conhecida

como Lei dos Consórcios Públicos, que dispõe sobre normas gerais de contratação de

Consórcios Públicos pela União, Estados e Municípios para a realização de objetivos de

interesse comum e seu posterior Decreto Regulamentar nº 6.017/2007. Entretanto, como

observa Borges (2005), apesar de regulamentar o Art. 241 da CF 88 (dado pela EC nº 19/1998),

a Lei sequer cita o referido artigo.

Embora o preâmbulo da Lei destaque apenas o consórcio público, seus dispositivos

tratam também do convênio de cooperação, enquanto forma de gestão associada de serviço

público. Para Di Pietro (2005), o próprio preâmbulo incorre ao erro quando afirma que a Lei

dispõe sobre as normas gerais de contratação de consórcios públicos:

Na realidade, a lei não trata de contratação de consórcio pela União, Estados, Distrito

Federal e Municípios, mas de constituição de pessoa jurídica, o que se dá por meio de

todo um procedimento, que abrange várias fases, conforme se verá. O contrato

[apenas] corresponde a uma das fases do procedimento de constituição da entidade

(DI PIETRO, 2005, p.3, grifo da autora).

O consórcio público constitui entidades sem fins lucrativos, pessoa jurídica própria

diferenciada dos entes federados para assumir os direitos e obrigações acordados. Quanto à

personalidade jurídica, a lei prevê que “o consórcio público constituirá associação pública ou

pessoa jurídica de direito privado”, ou seja, poderá ser de direito público ou de direito privado.

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A Lei 11.107/2005 prevê que os Consórcios [Públicos] de Direito Público são

associações públicas de natureza autárquica, integrantes da Administração Indireta e

devem obedecer a todos os princípios da Administração Pública. Já no caso de

Consórcios [Públicos] de Direito Privado as pessoas jurídicas instituídas para a

realização de objetivos de interesses comuns, são personificadas sob o direito privado.

Pode adotar as formas de associações ou de fundações, e mesmo regidas pelo direito

privado, obedecem às normas de direito público, pois, independentemente da

personalidade jurídica, os Consórcios [Públicos] terão que atender às normas de

Direito Público (MORAES, 2012, p.4).

Essa concisa definição introduz uma série de elementos que precisam ser

esclarecidos e sem o entendimento dos quais o consórcio público não pode ser compreendido

em sua importância política. De certo modo, esses elementos são o que caracterizam o consórcio

público e não tem como compreendê-lo dissociado deles, sobretudo daqueles relacionados às

formas de administração pública e à definição das personalidades jurídicas.

Para melhor ilustrar essa diferenciação entre pessoas jurídicas de direito público e

privado, apresentamos a seguir, as entidades definidas no Código Civil Brasileiro distribuídas

nesses dois grupos, de acordo com a personalidade jurídica de cada uma. Note-se que há um

destaque nas autarquias e associações públicas (direito público) e nas associações e fundações

(direito privado) como indicativo de onde se localizam os consórcios públicos de ambos os

direitos dentro dessa organização.

Quadro 4 - Organização das pessoas jurídicas

Dados: Lei nº 10.406/2002 que institui o Código Civil Brasileiro.

Fonte: Elaborado pela autora.

Com relação à Administração Pública, cabe salientar que ela pode se referir ao

conjunto de funções estabelecidas mediante um sistema legal de normas, que visam organizar

a administração do Estado. Do ponto de vista jurídico, Takeda (2009) assim define que

INTERNO EXTERNO

União Associações*

Estados Sociedades

Distrito Federal Fundações*

Territórios Organizações religiosas

Municípios Partidos políticos

Empresas individuais de

responsabilidade limitada

Personalidade Jurídica

Direito PúblicoDireito Privado

Estados estrangeiros

Autarquias e Associações

públicas*

Outras entidades de caráter

público criadas por lei.

Outras pessoas regidas pelo

direito internacional público.

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Administração Pública é a atividade concreta e imediata que o Estado desenvolve para

assegurar os interesses coletivos, bem como também é o conjunto de órgãos e de

pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função

administrativa. Objetivamente, a Administração Pública tem o condão de gerir os

interesses públicos, por meio de prestação de serviços públicos, ao passo que,

subjetivamente, é o conjunto de agentes, órgãos e entidades designados para executar

atividades administrativas (TAKEDA, 2009).

Nesse sentido, podemos dizer que a Administração Pública212 se refere ao conjunto

de órgãos, serviços e agentes do Estado incumbidos de assegurar à satisfação de necessidades

coletivas diversas, ou seja, prestarem os serviços públicos que competem ao Estado. Desse

modo, entendemos que ela é a atuação do Estado no exercício da sua função e remete à própria

ideologia que defende a necessidade da sua existência, devendo ser obrigatoriamente eficiente,

sob pena de descreditar a necessidade do Estado.

O Estado pode realizar a administração pública de maneira direta ou indireta. A

Administração Direta é composta pelos órgãos públicos que, não possuindo personalidade

jurídica e patrimônio próprios, nem autonomia administrativa ou financeira, integram o poder

central da pessoa política - União, Estado, Distrito Federal e Municípios - caracterizando uma

desconcentração administrativa baseada na distribuição interna de competências. São exemplos

os ministérios, secretarias, departamentos etc.

Diferentemente, a Administração Indireta é composta por entidades com

personalidade jurídica própria, o que implica em patrimônio próprio e autonomia administrativa

e financeira. Nesse caso, a descentralização administrativa se dá com a transferência de

competência para outra pessoa jurídica, como ocorre com as autarquias (Instituto Nacional do

Seguro Social - INSS), fundações públicas, empresas públicas (Caixa Econômica Federal -

CEF) e sociedades de economia mista (Banco do Brasil). Estas entidades são independentes,

não havendo hierarquia entre elas, bem como havendo apenas uma mera vinculação de uma

pessoa jurídica integrante da Administração Pública Indireta a um dos órgãos que compõe a

Administração Pública Direta, como por exemplo, o INSS ao Ministério da Previdência Social

(TAKEDA, 2009).

Entendendo a Administração Pública de forma ampla como esse conjunto de

órgãos, serviços e agentes e feitas as especificações entre Administração Direta e Indireta, então

podemos nos ater aos serviços públicos, o que adiciona um complicador: o direito (público ou

212 O termo também pode remeter a áreas de conhecimento específico das Ciências Sociais, notadamente a

Administração Pública, na Administração - que se ocupa de desenvolver e sistematizar o conhecimento

administrativo voltado às organizações públicas - e o Direito Administrativo, no Direito - cujo objeto de estudo

são as próprias normas aplicáveis à administração pública.

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privado) sobre a titularidade do serviço público. De antemão é necessário entender que os

serviços públicos prestados pela Administração Direta são sempre de direito público e aqueles

prestados pela Administração Indireta podem ser tanto de direito público, quanto privado, o que

é o caso do consórcio público, como podemos ver no quadro seguinte:

Quadro 5 - Órgãos que compõem a Administração Pública

Dados: Lei nº 200/1967 que dispõe sobre a organização da Administração Federal.

Fonte: Elaborado pela autora.

Partindo do pressuposto constitucional de que “incumbe ao Poder Público, na forma

da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a

prestação de serviços públicos” (CF 88, Art. 175), Mesquita Júnior (2007) apresenta as três

formas por meio das quais o Poder Público pode prestar os serviços públicos:

Direta: o Poder Público realiza a prestação do serviço público, podendo criar

órgão ou departamento específico para a sua execução (Adm. Direta necessariamente de direito

público);

Indireta: o Poder Público delega o serviço para terceiro, o que pode ser

concretizado por duas diferentes vias: a) delegação legal, na qual o Poder Público transfere

mediante lei o serviço público para entidade da Administração Pública Indireta (empresa

pública, sociedade de economia mista e autarquia) dotada de personalidade jurídica para prestar

o serviço público e portadora da titularidade do serviço (Adm. Indireta de direito público); e b)

delegação contratual, na qual a titularidade do poder público continua com o Poder Público,

mas este delega a execução dos serviços por contrato para o particular, que assume, com seu

próprio nome, a prestação dos serviços e também os riscos envolvidos nessa prestação (Adm.

DIRETA

Direito Público

→ Delegação Legal → Delegação Contratual

Entidade criada por lei Contrato ou Ato Administrativo

Ministérios Fundação Pública Empresa Permissionária

Secretarias Empresa Pública Empresa Conssecionária

Departamentos Sociedade de Econ. Mista Empresa Terceirizada

Autarquias Parceria Público-Privada (PPP)

Associações públicas * Associações e Fundações *

(Consórcio Público)

Outros

→ Delegado a órgãos que a

compõe

Administração Pública

INDIRETA

Pessoa Política (União, Estados

e Municípios) de

Delegado a outra pessoa jurídica de

Direito Público Direito Privado

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Indireta de direito privado). Pode se dar pela formalização da concessão213, permissão214,

parceria público-privada215, ou terceirização216.

Gestão associada: Forma de cooperação entre diferentes entes federativos (pode

envolver entes da mesma esfera ou de esferas diferentes: municípios, Estados, União) para

desempenho de funções ou serviços públicos de interesse comum dos entes, não podendo incluir

terceiros, ou seja, a iniciativa privada. A gestão associada deve estar estabelecida em

instrumento jurídico com determinação das bases de relacionamento. Pode-se dar de duas

maneiras: a) Consórcio Público, baseia-se no exercício de competências comuns, tem natureza

contratual e exige a definição de obrigações recíprocas entre os consorciados, para o

atingimento dos objetivos de bem comum estabelecidos em contrato (Adm. Indireta de direito

público ou privado); e b) Convênio de Cooperação217, no qual o município pode delegar a

regulação de um determinado serviço a uma instituição de outro município ou do governo

estadual. O convênio de cooperação entre entes federados precisa estar amparado,

obrigatoriamente, por lei de cada um dos conveniados (MESQUITA JÚNIOR, 2007).

Conforme Di Pietro (2005), além do consórcio público de direito público ou privado

e do convênio de cooperação, a gestão associada de serviços públicos pode-se dar ainda através

de Contrato de Programa, que pode estar vinculado ao consórcio ou ser independente deste.

A seguir, um quadro que expõe uma síntese das formas possíveis para o Consórcio

Público conforme sua definição legal quanto as características, ao tipo de direito e a instituição

que o constitui:

213 O particular assume um serviço do qual o Estado é titular e passa a explorá-lo economicamente, realizando a

prestação desses serviços por sua conta e risco. A principal base legal da concessão é a Lei nº 8.987/1995 (dispõe

sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição

Federal). 214 O permissionário é delegado pela Administração Pública a prestar os serviços públicos, assumindo a

responsabilidade objetiva frente ao usuário. Também é regulada pela Lei nº 8.987/1995. 215 É restrita à prestação de serviços, não podendo ser utilizada para o fornecimento isolado de um bem ou de uma

obra, na qual os riscos e as responsabilidades são divididos entre o Estado e o particular. Deve ser licitada através

de concorrência pública em observância à Lei Federal nº 11.079, de 2004. Para essa forma de execução, o valor

mínimo do projeto deve ser de R$20.000.000,00 (vinte milhões de reais) e com prazos definidos entre o mínimo

de 5 (cinco) e o máximo de 35 (trinta e cinco) anos. 216 Contrato administrativo de prestação de serviços ou obras públicas com prazo máximo de contratação de 60

meses, no qual a remuneração é feita pela Administração Pública à medida que o contrato vai sendo cumprido.

É tratado pela Lei nº 8.666, de 1993. 217 Tem respaldo na Constituição Federal no artigo 71, inciso IV, e no artigo 241 em sua Emenda Constitucional

nº 19/1998.

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193

Figura 3 - Os tipos possíveis para Consórcio Público segundo o tipo de direito

Dados: Lei nº 11.107/2005 que dispõe sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos.

Fonte: Elaborado pela autora.

Os Consórcios Públicos são necessariamente uma forma de gestão associada, assim

podem ser constituídos entre dois ou mais entes da Federação de esferas iguais ou diferentes,

visando a prestação de serviços e o desenvolvimento de ações conjuntas, que visem o interesse

coletivo e benefícios públicos. Quando os entes federados pertencem à mesma esfera de

governo o Consórcio é do tipo horizontal, como é o caso da proposta para os aterros sanitários

no estado do Ceará, onde os consórcios públicos são celebrados entre municípios.

Normalmente, o consórcio intermunicipal envolve municípios limítrofes com problemas

comuns, bem como as necessidades de resolvê-los. Também é possível o consórcio público do

tipo vertical, constituído por níveis de governo diferentes, tais como Município-Estado, Estado-

União; Município-Estado-União.

Através do Consórcio Público, os entes consorciados disponibilizam, de acordo

com determinações prévias assumidas em contrato, recursos humanos e materiais em busca de

atingir objetivos comuns, que seriam mais difíceis de serem atingidos individualmente. Os

Consórcios Públicos podem abranger uma gama de serviços tais como: educação; saúde;

pesquisa e estudos técnicos; cultura, esporte e turismo; transporte público e segurança pública;

resíduos sólidos, saneamento básico e gestão ambiental; desenvolvimento regional, urbano,

rural, agrário e obras públicas; manutenção de equipamentos e informática, entre outras

(MORAES, 2012).

Numa visão otimista, Amorim (2015) advoga que o consórcio público possui

vantagens que os municípios consorciados não poderiam atingir sozinhos: ampliação do alcance

das políticas públicas e do atendimento aos cidadãos; maior eficiência do uso dos recursos

públicos; fortalecimento do poder de diálogo, pressão e negociação dos municípios junto aos

DIREITO PÚBLICO DIREITO PRIVADO

→ mediante a vigência das leis de ratificação

do protocolo de intenções

→ mediante o atendimento dos requisitos

da legislação civil

Associações

Fundações

Consórcio Público

→ Atendem às normas de Direito Público independente da personalidade jurídica

Associação pública

→Sem fins econômicos

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194

governos estadual e federal, bem como outras entidades218; maior visibilidade das ações que

pode contribuir para uma maior fiscalização da sociedade sobre a ação dos governos e

aumentar a transparência das decisões públicas.

Para ter legitimidade jurídica, o consórcio deve obedecer ao que está disposto na,

assim referida, Lei dos Consórcios Públicos e sua respectiva regulamentação. Desse modo, deve

seguir as etapas indicadas para garantir o entendimento e a articulação entre os membros: i)

Estudos prévios de viabilidade financeira e compatibilidade das intenções e necessidades e

intenções das partes; ii) Elaboração e assinatura do Protocolo de Intenções do Consórcio, que

estabelece as condições gerais para o seu funcionamento, possuindo conteúdo mínimo previsto

na legislação; iii) Para que seja ratificado, o Poder Legislativo de cada um dos entes

consorciados deverá aprovar o Protocolo de Intenções do Consórcio, que será transformada em

lei e irá se converter no próprio Contrato de Constituição do Consórcio Público, formado apenas

pelos entes que subscreverem o Protocolo de Intenções do consórcio; e iv) Composição e

aprovação – pela assembleia geral - do Estatuto Social, que deverá dispor sobre a organização

do Consórcio, a estrutura administrativa, os cargos, as funções, as atribuições e competências,

a forma de eleição, os órgãos constitutivos do consórcio público e demais regras para sua

funcionalidade. O estatuto deve ser publicado na Imprensa Oficial de cada ente consorciado.

O Protocolo de Intenções é o esforço inicial de articulação para a formação do

consórcio público. Ele é “[...] um instrumento pelo qual os interessados manifestam a intenção

de celebrar um acordo de vontade [...], não se assume, nele, o compromisso de celebrar o

acordo; não se assumem direitos e obrigações; apenas se definem as cláusulas que serão

observadas em caso do acordo vir a ser celebrado (DI PIETRO, 2005, p.7, grifo da autora).

Desse modo, ele servirá de base legal para os demais instrumentais jurídicos que

efetivamente validarão o consórcio, por isso deve ser bem elaborado. Ele deve conter cláusulas

que estabeleçam as principais informações sobre o Consórcio Público, tais como: denominação,

finalidade, prazo de duração e sede do consórcio; a identificação dos entes consorciados, a

especificação dos serviços públicos objeto da gestão associada e das competências transferidas

para o consórcio público e a indicação da sua área de atuação. As cláusulas devem conter ainda

a previsão sobre a natureza do direito (público ou privado) do Consórcio Público; os critérios

que autorizam o consórcio público a representar os entes consorciados perante outras esferas

218 Embora a autora interprete esse ganho como um fortalecimento da autonomia municipal, gostaríamos, embora

não seja o objetivo desta pesquisa, fazer uma provocação: a necessidade de os municípios se unirem para se

fazerem ouvir pelos governos estadual e federal seria um instrumento para se fortalecer a autonomia dos

municípios, enquanto entes federativos - o que pressupõe que ela existe de fato - ou o atestado de seu fraco

desempenho ou mesmo sua ausência em determinados aspectos?

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de governo; a autorização para a gestão associada de serviços públicos explicitando a

autorização para licitar ou outorgar concessão, permissão ou autorização da prestação dos

serviços; as condições para que o consórcio público celebre contrato de gestão ou termo de

parceria; os critérios técnicos para cálculo, reajuste ou revisão do valor das tarifas e de outros

preços públicos e normas sobre o funcionamento da assembleia geral, da eleição do

representante legal do consórcio público219, direitos e números de votos a que tem direito cada

ente consorciado e questões relativas aos empregados públicos.

No Consórcio Público, alguns serviços públicos de competência dos entes

consorciados são transferidos para a gestão associada, o que pode demandar a transferência

total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços

transferidos. Assim o Contrato de Programa é o documento que regula as obrigações que um

ente consorciado constituir para com outro ou para com consórcio público no âmbito de gestão

associada. Ele deve atender à legislação de concessões e permissões de serviços públicos e à de

regulação dos serviços a serem prestados, bem como prever procedimentos que garantam a

transparência da gestão econômica e financeira de cada serviço em relação a cada um de seus

titulares.

Quanto ao regime contábil e financeiro, o Decreto Regulamentar possui apenas dois

pobres artigo que definem que a execução das receitas e despesas do consórcio público deverá

obedecer às normas de direito financeiro aplicáveis às entidades públicas e que o consórcio

público está sujeito à fiscalização contábil, operacional e patrimonial pelo Tribunal de Contas

competente para apreciar as contas do seu representante legal.

O Contrato de Constituição do Consórcio Público não poderá fixar contribuições

financeiras dos entes consorciados ao Consórcio Público. Entretanto, estes poderão ceder-lhe

servidores ou o uso de bens móveis ou imóveis. Eles somente lhe entregarão recursos que

tenham sido devidamente previstos nas suas respectivas leis orçamentárias220 e através de

contrato de rateio221, “instrumento mediante o qual os entes consorciados entregarão recursos

ao consórcio público” (DI PIETRO, 2005, p.10).

219 Este, obrigatoriamente, deverá ser Chefe do Poder Executivo de um dos entes consorciados. 220 A não consignação em lei orçamentária ou em créditos adicionais de dotações suficientes para suprir as despesas

assumidas por meio de contrato de rateio é causa, após prévia suspensão, para exclusão de ente consorciado. 221 Deve ser firmado anualmente, exceto em contratos cujo objeto seja projetos contemplados em plano plurianual

e no caso da gestão associada de serviços públicos custeados por tarifas ou outros preços públicos (DI

PIETRO,2005).

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196

E por falar em tais recursos, há uma aparente confusão na Lei com relação a

operações de crédito222. Ao estabelecer que “é vedada a aplicação dos recursos entregues por

meio de contrato de rateio para o atendimento de despesas genéricas, inclusive transferências

ou operações de crédito”, esta é a única vez em que estas são confusamente mencionadas, não

ficando claro se é ou não permitido ao consórcio público contratá-las.

Mais tarde, seu Decreto Regulamentar (nº 6.017/2007) reescreve o citado artigo

dando margem a entender que é sim permitido quando diz que “[Art.15] é vedada a aplicação

dos recursos entregues por meio de contrato de rateio, inclusive os oriundos de transferências

ou operações de crédito, para o atendimento de despesas classificadas como genéricas”

(BRASIL, 2007b, grifo nosso). Estabelece que “[Art.10] a contratação de operação de crédito

por parte do consórcio público se sujeita aos limites e condições próprios estabelecidos pelo

Senado Federal, de acordo com o disposto no Art. 52, inciso VII, da Constituição”. A referência

citada determina que compete ao Senado Federal “dispor sobre limites globais e condições para

as operações de crédito externo e interno da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios, de suas autarquias e demais entidades controladas pelo Poder Público federal”

(BRASIL, 1988).

Para Amorim (2015), os consórcios não podem contratar operações de crédito e a

alocação de recursos por meio de empréstimos obtidos pelos entes da federação deve respeitar

a Lei de Responsabilidade Fiscal e os limites de endividamento. Assim, os recursos financeiros

podem ser captados com cobrança de tarifa pela prestação de serviços, pelo uso ou outorga de

uso de bens públicos administrados pelos consórcios; por rateio entre os consorciados; ou

convênios com estados e a União.

Assim, a Lei dos Consórcios Públicos (Lei nº 11.107/2005) estabelece que

§ 1o Para o cumprimento de seus objetivos, o consórcio público poderá:

I – firmar convênios, contratos, acordos de qualquer natureza, receber auxílios,

contribuições e subvenções sociais ou econômicas de outras entidades e órgãos do

governo; II – nos termos do contrato de consórcio de direito público, promover

desapropriações e instituir servidões nos termos de declaração de utilidade ou

necessidade pública, ou interesse social, realizada pelo Poder Público; e III – ser

contratado pela administração direta ou indireta dos entes da Federação consorciados,

dispensada a licitação.

222 Conforme especificação do Banco Central do Brasil (2015), “As operações de crédito distribuem-se segundo

as seguintes modalidades: a) empréstimos - são as operações realizadas sem destinação específica ou vínculo à

comprovação da aplicação dos recursos. São exemplos os empréstimos para capital de giro, os empréstimos

pessoais e os adiantamentos a depositantes; b) títulos descontados - são as operações de desconto de títulos; c)

financiamentos - são as operações realizadas com destinação específica, vinculadas à comprovação da aplicação

dos recursos. São exemplos os financiamentos de parques industriais, máquinas e equipamentos, bens de

consumo durável, rurais e imobiliários.” (BCB, 2015, grifos nossos). Na Lei, o termo “operação/operações de

crédito" só aparece uma única vez e não é especificado. Também não aparecem as palavras “financiamento” e

“empréstimo”.

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197

§ 2o Os consórcios públicos poderão emitir documentos de cobrança e exercer

atividades de arrecadação de tarifas e outros preços públicos pela prestação de

serviços ou pelo uso ou outorga de uso de bens públicos por eles administrados ou,

mediante autorização específica, pelo ente da Federação consorciado (BRASIL, 2005,

grifos nossos).

Conforme o disposto legal, o consórcio poderá custear a prestação de serviços

através da cobrança aos citadinos pela prestação dos serviços públicos ou uso dos bens públicos.

O Consórcio Público está sujeito à fiscalização contábil, operacional e patrimonial

pelo Tribunal de Contas competente para apreciar as contas do seu representante legal, sem

prejuízo do controle externo a ser exercido em razão de cada um dos contratos de rateio. Assim,

deve fornecer as informações necessárias sobre os gastos realizados com recursos entregues

pelos entes consorciados em virtude de contrato de rateio para que cada um deles possa

contabilizá-los, honrando assim as obrigações referentes as finanças públicas (Lei

Complementar nº 101/2000).

Ainda que não seja nosso objetivo realizar uma avaliação da Lei nº 11.107/2005 e

sua regulamentação, algumas informações são necessárias na compreensão dos consórcios

públicos. E sendo essa Lei o marco regulatório mais importante nessa matéria, alguns

comentários sobre ela se fazem indispensáveis.

Borges (2005, p.21) assegura que a Lei dos Consórcios Públicos, ao disciplinar a

matéria em outros níveis, trouxe maior eficácia, segurança e responsabilidade administrativa,

contábil, fiscal e até penal dos gestores públicos, uma vez que “a realização de

empreendimentos consorciados, sobretudo na forma de consórcios intermunicipais” era, na

época em que a lei foi promulgada, uma prática bastante disseminada e realizada à revelia de

previsões legais específicas. Isso coaduna com a afirmação de Amorim (2015), de que centenas

de consórcios públicos, sobretudo na área da saúde, já funcionavam no país antes da legislação

fixar normas mais claras e gerais.

É necessário, porém, salientar que há uma diferença entre a competência da União

para estabelecer diretrizes gerais que norteiam a celebração de consórcios e convênios entre

entes federados, o que de fato era necessário para dar certa coerência à questão a nível federal,

e a irrevogável autonomia de cada ente federado de decidir participar ou não dos consórcios.

Embora outras políticas como a PNSB (2007) e a PNRS (2010) estimulem a adesão dos entes

federados a essa forma de gestão associada, chegando mesmo a estabelecê-la como um aspecto

prioritário na aquisição de recursos, nenhum ente federado é obrigado a aderir ao consórcio

público. Porém, se assim o desejar, deverá fazê-lo necessariamente nos termos definidos pela

Lei.

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Para Borges (2005), a Lei nº 11.107/2005 garantiu a preservação da autonomia

constitucional dos entes federados ao lhes assegurar a competência para definir os objetivos da

gestão consorciada, subscrição no protocolo de intenções, ratificação do disposto no protocolo

de intenções pelo legislativo, decidir sobre a retirada, alterações ou extinção do consórcio, sobre

aspectos orçamentários, fiscalização etc.

Em outra perspectiva, Di Pietro (2005, p.6) entende que a inserção do consórcio

público na Administração Indireta se dá de maneira limitada, visto que “cada consorciado

participará do consórcio nos termos e limítes definidos na lei que o ratificar. Nem poderá

exercer qualquer tipo de controle que signifique interferência na autonomia dos outros

consorciados”.

Embora reconhecendo o seu mérito e a sua importância, Borges (2005, p.21)

ressalta que “é uma lei de difícil leitura e interpretação, de estruturação um tanto caótica, com

omissões imperdoáveis”, tais como a omissão de definir conceitos fundamentais223. Para a

autora, ainda que essa omissão não diminua o valor da legislação nem dificulte sua aplicação,

compromete, em certa medida, a compreensão do dispositivo legal, tanto pelos operadores do

direito, quanto mais pelos cidadãos em geral. Mais tarde, o seu Decreto Regulamentador nº

6.017/2007 trará algumas das definições ausentes na Lei. “Parece-nos imperdoável, por outro

lado, a omissão total da Lei na previsão de formas de controle participativo das comunidades

interessadas na realização dos consórcios públicos e convênios de cooperação, que se destinam

à gestão associada de serviços públicos” (BORGES, 2005, p.22, grifos da autora).

Borges (2005) entende que a Lei nº 11.107/2005 introduz significativas alterações

no ordenamento jurídico brasileiro, pois

[...] não se limita a estabelecer coordenadas comuns para a constituição de consórcios

públicos. Vai muito mais além, alterando, em seu texto, o Código Civil [quando cria

nova pessoa jurídica de direito público interno, as associações públicas], o Código

Penal, a Lei 8.666/93 [com relação a licitação nos Art. 23, 24, 26 e 112], e também de

certa forma regulando o disposto no art.37, caput, da Constituição, quando introduz

nova forma da administração indireta, qual seja a associação pública, incluindo-a

entre as autarquias (art. 6º, § 1º)224 (BORGES, 2005, p.9, grifos da autora).

Outro ponto discutível é sobre o direito que o consórcio público pode adquirir.

Conforme Borges (2005), originalmente o Projeto de Lei nº 3.384/2004 previa que o consórcio

público seria apenas de direito público, tendo sido o direito privado adicionado a forma final da

223 Esse ponto seria uma orientação do Projeto de Lei nº 3.384/2004. 224 Altera também a Lei nº 8.429/1992, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos, nos casos de

enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta,

indireta ou fundacional (Lei de improbidade administrativa), acrescentando os incisos XIV e XV no Art. 10, que

trata das hipóteses de improbidade administrativa na gestão associada (Borges, 2005).

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Lei promulgada. Numa perspectiva jurídica, a autora expressa preocupação com o fato de

“entregar-se a administração do consórcio público à uma associação regida pelo direito privado,

mesmo com as cautelas introduzidas pelo art. 6º, § 2º”. Diz:

Não nos parece que a personalidade de direito privado seja adequada para reger as

relações a serem travadas exclusivamente entre pessoas de direito público interno.

Ainda mais, quando a lei em comento traçou uma série de competências para os

consórcios públicos em geral, que veremos a seguir, sem distinguir-lhes a espécie de

regime jurídico. Ora, o desempenho de algumas dessas competências efetivamente

não se coaduna com um regime de direito privado (BORGES, 2005, p.13).225

Também nas palavras de Di Pietro (2005, p.4), “não há como uma pessoa jurídica

política (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) instituir pessoa jurídica para

desempenhar atividades próprias do ente instituidor e deixá-la fora do âmbito de atuação do

Estado, como se tivesse sido instituída pela iniciativa privada”.

A Lei deu alguns privilégios ao consórcio público. Entre eles está um que é motivo

de preocupação e crítica entre muitos autores, sobretudo juristas: a extrema facilidade que a Lei

estabeleceu para a dispensa de licitação na contratação de consórcios públicos.

Amorim (2015) afirma que o texto final “representou um grande consenso”.

Conforme a autora

O governo federal começou a discutir a lei dos consórcios em agosto de 2003 [...],

foram incorporadas contribuições dos projetos de lei que tramitam no Congresso

Nacional e de experiências utilizadas em outros países. Durante a discussão no

Congresso, o governo aceitou unir sua proposta ao Projeto de Lei 1071, de 1999, do

deputado Rafael Guerra (PSDB-MG), que já estava no Senado. Essa composição foi

um avanço político e acelerou a apreciação da matéria” (AMORIM, 2015, grifos

nossos).

Entendemos, porém, que não há consenso entre interesses opostos. O que, por

vezes, se possa chamar de “avanço político”, na prática, representa um sistema de negociação

de interesses que precede o exercício político (decisões, estratégias de governos, leis etc.), o

que não depende necessariamente das pessoas em exercício político, já que está enraizada na

estrutura política brasileira.

225 “A toda evidência, o hibridismo adotado pela lei não se harmoniza com a sistematização jurídica vigente [...].”

(SILVA, 2005 apud BORGES, 2005, p.13).

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200

5 O CONSÓRCIO DA MICRORREGIÃO CASCAVEL-CE E OS DESAFIOS NA

EXECUÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS

5.1 A POLÍTICA AMBIENTAL NO ESTADO DO CEARÁ

Em 1981 foi instituída a Política Nacional de Meio Ambiente - PNMA (Lei nº

6.938/0981) e com ela, os órgãos estaduais de meio ambiente (OEMA’s) tiveram um aumento

significativo de atribuições voltadas para a gestão ambiental nos seus respectivos territórios.

No Estado do Ceará, o órgão que respondia por essas atribuições até então era a

Superintendência do Desenvolvimento do Estado do Ceará – SUDEC, destaque na área de

pesquisa, desenvolvimento regional, elaboração de projetos, cartografia, pedologia, recursos

naturais, etc. A SUDEC226 atuou por 25 anos no Estado, até ser extinta em 1987 para dar lugar

à Superintendência Estadual de Meio Ambiente – SEMACE (SEMACE, 2015).

A criação da SEMACE e do Conselho Estadual de Meio Ambiente - COEMA227

em 1987, é o marco inicial da gestão ambiental no estado do Ceará. A SEMACE foi criada

como órgão executor em nível estadual das políticas de meio ambiente e o COEMA, com

jurisdição em todo o Estado, tinha como objetivo assessorar o governador, a quem estava

diretamente vinculado, em assuntos referentes à política de proteção ambiental no Estado.

O marco legal é a Lei Estadual nº 11.411/1987, que estabelece a Política Estadual

do Meio Ambiente e cria os dois órgãos. Por ela, a SEMACE é criada sob a forma de autarquia,

vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, com jurisdição em todo

o Estado e em atendimento a PNMA (1981):

A SEMACE integra o Sistema Nacional de Meio Ambiente [SISNAMA] na qualidade

de órgão Seccional do Estado do Ceará, competindo-lhe especialmente [e entre outras

coisas]: I. Executar a Política Estadual de Controle Ambiental do Ceará, dando

cumprimento às normas estaduais e federais de proteção, controle e utilização racional

dos recursos ambientais e fiscalizando a sua execução (CEARÁ, 1987, Art.9).

Conforme a PNMA (1981), os órgãos seccionais do SISNAMA são órgãos ou

entidades estaduais responsáveis pela execução de programas e projetos e de controle e

fiscalização das atividades suscetíveis a degradarem a qualidade ambiental. Assim, também

compete à SEMACE, em âmbito estadual, estabelecer os padrões de qualidade ambiental, bem

226 Era estruturada em três departamentos: Departamento Socioeconômico, Departamento de Desenvolvimento

Microrregional e Departamento de Recursos Naturais. 227 O COEMA é composto atualmente por 35 representantes, sendo dois da Assembleia Legislativa e um das

demais entidades do poder público, universidades, ambientalistas, sociedade civil e representantes de classes

profissionais de nível superior. As decisões são tomadas democraticamente por meio de votação dos conselheiros

durante as reuniões ordinárias mensais (SEMACE, 2015).

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como fazê-los cumprir, administrar licenciamento, estabelecer zoneamento ambiental, controlar

fontes de poluição, aplicar penalidades, sugerir a criação de áreas especialmente protegidas,

desenvolver programas educativos e promover pesquisas e estudos técnicos no âmbito da

proteção ambiental, celebrar acordos diversos etc.

No ano seguinte, 1988, é criada a Ouvidoria Ambiental, que foi estabelecida dentro

do espaço da Ouvidoria Geral do Estado de forma não institucionalizada. Ocupando-se

principalmente de promover reuniões de conciliação e intermediação para solucionar problemas

afetos ao meio ambiente, a Ouvidoria Ambiental tornou-se um importante canal para atender

aos anseios da sociedade civil na busca de soluções para as questões ambientais

(SEMA/CONPAM, 2015).

Em 1992, é promulgada a Lei nº 11.996/1992, que dispõe sobre a Política Estadual

de Recursos Hídricos e institui o Sistema Integrado de Gestão de Recursos Hídricos – SIGERH.

No ano seguinte é criada a Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos - COGERH,

responsável pelo gerenciamento e disciplinamento das águas acumuladas no Estado (Lei nº

12.217/1993).

Em 1999, o COEMA recomendou via moção ao então governador a criação de uma

secretaria estadual de meio ambiente. O motivo era a inadequada vinculação da SEMACE,

órgão executor das políticas de meio ambiente, com a Secretaria de Infraestrutura - SEINFRA,

instituição que realizava as obras do Governo. Tal vinculação “vinha sendo questionada, não

só pelos ambientalistas, ONGs e Academia, como também pelo próprio Ministério do Meio

Ambiente, quanto à isenção e idoneidade da SEMACE para bem cumprir sua função”

(SEMA/CONPAM, 2015).

A secretaria de meio ambiente não foi criada, mas em 2001 foi extinta a Ouvidoria

Geral do Estado e criada a Secretaria da Ouvidoria-Geral e do Meio Ambiente – SOMA (Lei

n.º 13.093/2001), a quem a SEMACE foi então vinculada228.

Nesse mesmo ano, a Lei nº 13.103/2001 instituiu a Política Estadual de Resíduos

Sólidos, regulamentada no ano seguinte229 e muito antes da legislação no âmbito federal, que

só ocorreria em 2010. Entretanto, com a promulgação da PNRS (2010) que disciplinava a

228 Quando foi criada em 1987, a SEMACE estava vinculada à SDU, extinta em 1999. A partir dessa data passou

a ser subordinada à SEINFRA, criada pela Lei nº 12.961/1999. Através da Lei nº 13.093/2001, torna-se vinculada

à SOMA, permanecendo até fevereiro de 2007. Através da Lei nº 13.875/2007, passa a ser vinculada ao

CONPAM (SEMACE, 2015). 229 Decreto Regulamentador Estadual nº 26.604/2002.

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202

matéria em nível federal, a política estadual se tornaria ultrapassada, tendo que ser editada, o

que ainda não aconteceu.

Em 2007, o Governo do Estado do Ceará alterou a estrutura da Administração

Estadual por meio da Lei Estadual nº 13.875/2007 ao extinguir a SOMA e criar o Conselho de

Políticas e Gestão do Meio Ambiente - CONPAM230. Conforme o Decreto Estadual n.º

28.642/2007, a estrutura organizacional do novo órgão era composta pela Presidência do

próprio conselho e mais a Secretaria Executiva, a Assessoria de Desenvolvimento Institucional

e Jurídica, a Coordenadoria de Políticas Ambientais, a Coordenadoria de Educação Ambiental

e Articulação Social, a Coordenadoria Administrativa-Financeira e, como entidade vinculada,

a SEMACE.

Ainda em 2007, em substituição à antiga Secretaria do Desenvolvimento Local e

Regional – SDLR (2003-2006), foi criada a Secretaria das Cidades – SCIDADES que,

conforme as diretrizes e políticas do Ministério das Cidades, tem um campo de atuação bem

extenso, atuando nas áreas de habitação, urbanização, saneamento básico e desenvolvimento

regional.

De acordo com o órgão, as ações desenvolvidas na gestão 2007-2010 foram nessas

quatro áreas, enquanto a gestão 2011-2015 incrementou outras ações. Uma delas foi a atuação

no fortalecimento institucional dos municípios por meio do Instituto de Desenvolvimento

Institucional das Cidades do Ceará – Ideci, entidade vinculada à SCIDADES231, criada em

2011. Também iniciou o Projeto de Desenvolvimento Econômico de Polos Regionais – Cidades

do Ceará, na Região do Cariri Central e aprovou o Projeto de Desenvolvimento Urbano de Polos

Regionais, com execução nas Regiões do Vale do Jaguaribe e Vale do Acaraú. Em 2015, foi

reestruturada com a inclusão das políticas de mobilidade urbana.

Atualmente, a SCIDADES desenvolve uma gama de ações em diversas áreas:

Na área de habitação de interesse social, apoia a construção de empreendimentos

aprovados junto ao Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV, do Governo

Federal [...] No tocante a Estruturação Urbana atua em parceria com os Municípios,

por meio do Programa de Cooperação Federativa – PCF, para a execução de obras

urbanas e equipamentos públicos. Atua também na revitalização de áreas degradadas

da Região Metropolitana de Fortaleza por meio dos Projetos especiais Rio

230 O Órgão Colegiado é composto por onze conselheiros representantes de diferentes instâncias, a saber: Secretaria

de Recursos Hídricos, Secretaria do Desenvolvimento Agrário, Secretaria de Turismo, Secretaria das Cidades,

SEMACE, Conselho Estadual do Desenvolvimento Econômico – CEDE, Assembleia Legislativa, três

representantes da sociedade civil e o presidente do conselho. Também a Procuradoria Geral do Estado tem

assento no conselho, mas com direito apenas à voz (SEMA/CONPAM, 2015). 231 Além do Ideci, também são entidades vinculadas à SCIDADES a Cagece (Companhia de Água e Esgoto do

Ceará), o Detran (Departamento Estadual de Trânsito) e o Metrofor (Companhia Cearense de Transportes

Metropolitanos).

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203

Maranguapinho, Rio Cocó e Dendê. No relacionamento junto à sociedade civil

organizada para o aperfeiçoamento das políticas públicas de sua competência atua por

meio do Conselho Estadual das Cidades – ConCidades-CE (SCIDADES, 2015).

Com tantas atribuições, a secretaria organiza as suas ações entre as

coordenadorias232, subdivididas em células, e as unidades de gerenciamento de projetos233. A

Coordenadoria de Saneamento – Cosan, é dividida em três células: Água, Esgoto e Drenagem;

Resíduos Sólidos; e Apoio e Planejamento Institucional. As duas primeiras células se referem

aos quatro serviços que, de acordo com a Política Nacional de Saneamento Básico (BRASIL,

2007a), compõem o saneamento básico no Brasil: abastecimento de água, esgotamento

sanitário, manejo de águas pluviais e manejo dos resíduos sólidos.

Na área de gestão de resíduos sólidos, a Secretaria das Cidades tem atuado como órgão

de execução de políticas públicas de saneamento, em que se pode destacar a realização

de estudos técnicos, o incentivo à constituição de consórcios e o fomento de

financiamento de infraestrutura para municípios consorciados (CEARÁ, 2013, p.19).

O plano de trabalho da SCIDADES no enfrentamento do problema de destinação

final dos resíduos sólidos nos municípios cearenses, se estabeleceu da seguinte maneira: a)

elaboração de estudos preliminares; b) formalização de Consórcios Públicos Municipais; c)

elaboração dos Projetos Executivos; d) construção dos aterros sanitários e suas Unidades

Periféricas; e) operação e manutenção dos aterros por parte dos Consórcios (CEARÁ, 2013).

Iniciando os trabalhos, os estudos preliminares aconteceram entre 2005 e 2006,

ainda no domínio da extinta SEINFRA e se refere ao Estudo de Viabilidade do Programa para

o Tratamento e Disposição final dos Resíduos Sólidos do Estado do Ceará, realizado pela

Prointec. O próximo passo foi a formação de consórcios públicos intermunicipais, iniciada em

2007, já no âmbito da SCIDADES. A fase seguinte, elaboração dos Projetos Executivos, só se

concretizou para poucos consórcios e a construção e a gestão dos aterros sanitários por enquanto

só existem enquanto plano, como veremos mais adiante na caracterização dos consórcios

intermunicipais para aterro sanitário no Estado (item 5.2).

De todo modo, a ineficiência na execução de algumas políticas públicas no âmbito

do meio ambiente não é o único problema que afeta os órgãos públicos no Estado. Conforme

noticiara a empresa local, em 2008 a Polícia Federal iniciou a Operação Marambaia, que

investigava uma série de crimes ambientais cometidos pela associação criminosa de pessoas

232 Ao todo são cinco Coordenadorias: Desenvolvimento Urbano; Obras Urbanas; Saneamento; Desenvolvimento

da Habitação de Interesse Social e Administrativo-Financeira. 233 Ao todo são três Unidades de Gerenciamento de Projetos: Projeto de Desenvolvimento Econômico Regional

do Ceará – Cidades do Ceará, Cariri Central (UGP I); Projeto de Desenvolvimento Urbano de Polos Regionais,

Vale do Jaguaribe e Vale do Acaraú (UGP II); e Projeto de Desenvolvimento urbano da Região Metropolitana

de Fortaleza.

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204

em diferentes cargos e esferas administrativas, entre os quais estariam servidores de alto escalão

do IBAMA e da SEMACE, secretários, fiscais, professores universitários e empresários. Entre

os crimes, estariam

Licenças ambientais fraudulentas em áreas de preservação, estudos de impacto

viciados, tráfico de influência, peculato, prevaricação, suborno e outros crimes que

favoreciam a especulação imobiliária no litoral de Fortaleza, Caucaia, São Gonçalo

do Amarante, Aquiraz, Fortim, Aracati, Icapuí, área urbana de Crateús e

Guaramiranga [...] (SOBRAL, 2014).

Com o escândalo, o Governo do Estado se viu obrigado a proceder a um reparo

administrativo com a finalidade de moralizar a SEMACE e reintegrar a confiança no órgão.

Porém, o ocorrido serve como exemplo para questionarmos até que ponto as ferramentas legais

– fraudadas ou não - constituídas para a pretensa proteção do meio ambiente são eficientes

dentro do jogo político, científico, jurídico e econômico e quando, apropriadas por relações de

poder, elas deixam de ser instrumentos de proteção para se transformarem em instrumento de

legitimação da destruição ambiental.

Em 2008 foi criado o Fórum Cearense de Mudanças Climáticas e de Biodiversidade

(Decreto nº 29.272/2008), incumbido de elaborar as diretrizes da Política Estadual sobre as

Mudanças do Clima. Criado no âmbito do CONPAM234, o fórum reproduz as diretrizes

nacionais, tendo suas atribuições pautadas pelo desenvolvimento sustentável:

I - Elaborar, em consonância com o Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas e com

a Comissão Interministerial de Mudanças Climáticas, as diretrizes da Política

Estadual sobre as Mudanças do Clima no Estado do Ceará;

II - Elaborar e divulgar o Relatório Estadual de Mudanças Climáticas e da

Biodiversidade;

III - Incentivar, no âmbito da Administração Pública do Estado e dos Municípios, a

adoção de políticas voltadas para a proteção da biodiversidade e administração e

mitigação dos efeitos das mudanças climáticas no Estado do Ceará;

IV - Apoiar, estimular e facilitar a realização de estudos, pesquisas e ações de

educação sobre os temas relativos às mudanças climáticas e à biodiversidade,

conforme previsão contida no Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da

Organização das Nações Unidas - IPCC;

V - Apoiar, estimular e implementar projetos que utilizem os mecanismos de

desenvolvimento limpo, respeitados os tratados internacionais pertinentes (SEMA,

2016, grifos nossos).

Por outro lado, das 32 instituições que compõem o fórum, a maioria é

governamental e reafirma o posicionamento do executivo e do legislativo estadual em defesa

de uma matriz energética que segue na contramão da política de redução de emissões de GEEs

234 Após a extinção desse órgão passou a ser presidido pela SEMA. Apesar de criado ainda em 2008, sua primeira

reunião só aconteceu em março de 2015 já sob a presidência da SEMA.

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205

assumida pelo Brasil no Acordo de Paris (2015)235. Vale destacar ainda que há apenas uma

cadeira para os movimentos sociais que, apesar da clara oposição ao modelo defendido pelas

instituições governamentais, para efeitos de decisão é facilmente esmagado em quórum.

Em 2015, com a mudança do gestor estadual, o CONPAM foi dissolvido e em seu

lugar foi finalmente criada a Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Ceará – SEMA236.

Conforme o estabelecido na Lei Estadual nº 15.798/2015, o COEMA passa a estar vinculado à

SEMA e esta absorve praticamente todas as competências do extinto CONPAM, além de

receber outras não desempenhadas pelo seu antecessor. A seguir, elaboramos um quadro

comparativo entre as competências de um e de outro, com destaque para aquelas que sofreram

alteração:

235 O exemplo mais representativo são as três usinas termelétricas (à base de carvão, gás e óleo) do Complexo

Industrial e Portuário do Pecém - CIPP que juntas já respondem por 27,8% das emissões do estado e consomem

1.257 litros de água por segundo: sua emissão de GEEs é quatro vezes maior que a de toda a frota de automóveis

particulares do Ceará e seu consumo de água seria suficiente para abastecer uma cidade de 900 mil habitantes,

ampliando ainda mais o risco de colapso hídrico, a poluição e os impactos ambientais no estado. Ainda assim, e

além de todos os subsídios concedidos às usinas já instaladas, em maio de 2015, a Assembleia Legislativa

aprovou por 23 (vinte e três) votos a 8 (oito) a proposta do governador Camilo Santana (2015-2018) de conceder

isenção fiscal a novas termelétricas que pretendam se instalar no estado. 236 Lei Estadual nº 15.773/2015.

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206

Quadro 6 - Comparação entre as competências do CONPAM e da SEMA

Dados: CONPAM, 2013 apud TORRES, 2013; SEMA/CONPAM, 2015.

Fonte: Elaborado pela autora.

Nota: Os artigos estão dispostos em pares de equivalentes com destaque (cor e grifo) para aqueles entre os quais

houve modificações (alteração, criação e exclusão).

Assim como o CONPAM, a SEMA mantém a competência de coordenar todo o

sistema ambiental do Estado, o que ampliou o universo da secretaria levando à aquisição de

duas competências fundamentais: a gestão das Unidades de Conservação - UCs e a coordenação

dos planos, programas e políticas de educação ambiental no Estado.

Como a SCIDADES, a SEMA também divide seu plano de trabalho em

coordenadorias que, por sua vez, estão subdivididas em células: Coordenadoria Administrativo-

CONPAM SEMA

I. Elaborar, planejar e implementar a política

ambiental do Estado;

I. Elaborar, planejar e implementar a política

ambiental do Estado;

II. Monitorar e avaliar a execução da política

ambiental do Estado;

II. Monitorar, avaliar e executa r a política ambiental

do Estado;

III. Promover articulação interinstitucional nos

âmbitos federal, estadual e municipal e estabelecer

mecanismos de participação da sociedade civi l;

III. Promover a articulação interinstitucional de

cunho ambiental nos âmbitos federal, estadual e

municipal;

IV. Efetivar a sintonia entre sistemas ambientais

federal, estadual e municipais;-

-IV. Propor, gerir e coordenar a implantação de

Unidades de Conservação sob jurisdição estadual;

-V. Coordenar planos, programas e projetos de

educação ambiental;

V. Fomentar a captação de recursos financeiros

através da celebração de convênios, ajustes e

acordos com entidades públicas e privadas,

nacionais e internacionais, para a implementação

da política ambiental do Estado;

VI. Fomentar a captação de recursos financeiros

através da celebração de convênios, ajustes e

acordos, com entidades públicas e privadas,

nacionais e internacionais, para a implementação da

política ambiental do Estado;

VI. Propor a revisão e atualização da legislação

pertinente ao sistema ambiental do Estado;

VII. Propor a revisão e atualização da legislação

pertinente ao sistema ambiental do Estado;

VII. Coordenar o sistema ambiental estadual; VIII. Coordenar o sistema ambiental estadual;

-IX. Analisar e acompanhar as políticas públicas

setoriais que tenham impacto ao meio ambiente;

-X. Articular e coordenar os planos e ações

relacionados à área ambiental;

VIII. Exercer outras atribuições necessárias ao

cumprimento de suas finalidades nos termos do

regulamento.

XI. Exercer outras atribuições necessárias ao

cumprimento de suas finalidades nos termos do

regulamento.

Competências

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207

Financeira – Coafi; Coordenadoria de Educação Ambiental e Articulação Social – Coeas;

Coordenadoria de Biodiversidade – Cobio e Coordenadoria de Desenvolvimento Sustentável –

Codes.

O desenvolvimento sustentável é um menu de destaque na estruturação da SEMA,

evidenciado sobretudo nas ações e projetos da Codes e da Cobio. A SEMA também ganhou a

competência específica de analisar e acompanhar as políticas públicas setoriais afetas ao meio

ambiente, bem como de articular e coordenar planos e ações relacionados à área ambiental.

Interpretando seu cronograma institucional, tais competências se remetem à Célula de Políticas

Públicas e Projetos Ambientas que está inserida dentro da Codes, o que sugere que tais políticas,

projetos e ações são orientadas pelo desenvolvimento sustentável. A Cobio, responsável pela

gestão das UCs do Estado, por exemplo, possui uma Célula de Compensação Ambiental,

enquanto a Codes possui uma Célula de Mudanças Climáticas e Combate à Desertificação, além

da atribuição, entre outras, de estimular a elaboração e a implantação de projetos de MDL de

energias alternativas.

Dentre os projetos relacionados ao desenvolvimento sustentável, podemos destacar

dois: o projeto Ceará Carbono Zero237, que visa identificar as emissões de GEEs nos municípios

cearenses e gerar instrumentos de gestão que possibilitem a sua neutralização, mitigação ou

compensação; e o projeto de Eficiência Energética238, que propõe ganhos ambientais e

econômicos para indústrias cerâmicas a partir de alterações nas fontes combustíveis que

sustentam a atividade.

Em resumo, este é o quadro dos órgãos que compõem o histórico da política

ambiental do estado do Ceará de 1987 a 2016, quer sejam órgãos diretamente relacionados à

gestão ambiental, quer estejam apenas vinculados aos primeiros, sobretudo à SEMACE que

nesse sentido possui um destaque central:

237 Com implementação inicial para as regiões metropolitanas de Fortaleza e do Cariri, o projeto prevê a realização

de cálculos e gerenciamento de emissões de GEEs através de software, a realização de seminários, mobilizações

e oficinas de apoio a execução do projeto e culminar com a publicação dos relatórios de sustentabilidade dos

municípios envolvidos (SEMA, 2016). 238 Está sendo desenvolvido em convênio com o MMA e tem como foco as indústrias cerâmicas da região do Baixo

Jaguaribe no que se refere às matrizes energéticas utilizadas como combustível para a sua atividade produtiva.

“O objetivo é apresentar de modo concreto as possibilidades dos ganhos ambientais e econômicos obtidos a

partir de um plano de produção sustentável para as indústrias.” (SEMA, 2016).

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208

Quadro 7 - Órgãos que compõem o histórico da política ambiental no estado do Ceará

Dados: SEMACE, 2015; SEMA/COMPAM, 2015; SCIDADES, 2015.

Fonte: Elaborado pela autora.

Obs.: As setas indicam a sucessão de órgãos (esquerda) e vínculo da SEMACE (direita).

(*) Política e órgão federal.

Enquanto órgão competente para promover a articulação interinstitucional nos

âmbitos federal, estadual e municipal, o CONPAM foi o encarregado de organizar as

conferências estaduais e regionais que antecederam as quatro edições da Conferência Nacional

de Meio Ambiente – CNMA, ocorridas respectivamente em 2003, 2005, 2008 e 2013, com

destaque na IV CNMA (2013), que teve como tema os resíduos sólidos.

No tocante aos resíduos sólidos foi criado, ainda na gestão do extinto CONPAM e

agora sob competência da SEMA, o Programa de Gestão Integrada e Regionalizada de Resíduos

Sólidos com o objetivo de instituir ferramentas de planejamento e integração dos órgãos

envolvidos na gestão de resíduos sólidos, fortalecendo a gestão municipal na área e

minimizando os riscos de contaminação do meio ambiente e das comunidades expostas.

Os projetos e as ações que compõem o programa são: a) a atualização da Política

Estadual de Resíduos Sólidos – PERS (2001), com base na PNRS (2010); b) a atualização do

Sistema de Informações Estadual sobre Gestão de Resíduos Sólidos – SIRES; c) a elaboração

dos planos estadual e regionais de resíduos sólidos; d) a apuração do Índice Municipal de

Qualidade do Meio Ambiente – IQM e; e) a regionalização para a gestão integrada de resíduos

sólidos no estado do Ceará.

SDU 1999

SUDEC 1962 1987

PNMA* 1981 -

SISNAMA* 1981 -

PEMA 1987 -

COEMA 1987 -

Ouvid. Amb 1988 2001

↓ SEINFRA 1999 2001

SOMA 2001 2007

SDLR 2003 2006

SCIDADES 2007 -

CONPAM 2007 2015

SEMA 2015 -

1987

2015

2007

2001

Órgãos - Política Ambiental do Estado do Ceará

SEMACE

SEMACE 1987

↓↓

1999

ExtinçãoCriaçãoÓrgãoVinculação da

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209

O estudo para o planejamento da política de regionalização da gestão integrada de

resíduos sólidos, visando soluções integradas e consorciadas foi realizado em 2012 tendo como

subsídio as diretrizes da PNSB (2007), PNMC (2009) e PNRS (2010) e considerando as

unidades de aterros sanitários já existentes ou em fase de projeto (CEARÁ, 2016).

Nesse estudo, foram discutidas três propostas de regionalização para a gestão

integrada de resíduos sólidos. A primeira foi aquela proposta pelos primeiros estudos

elaborados ainda em 2005 e adotada pela SCIDADES, que dividia o Estado em 30 consórcios

intermunicipais para a implementação de aterros sanitários regionalizados e instalados em

municípios sede. A segunda proposta foi baseada no estudo do Instituto de Pesquisa e Estratégia

Econômica do Ceará - IPECE de 2006, que divide o Estado em 13 regiões com base em critérios

naturais e socioeconômicos, estabelecendo municípios polo.

A terceira proposta discutida e adotada foi a interseção entre as duas propostas

anteriores, dividindo os 30 consórcios intermunicipais em 14 Regiões de Planejamento da

Gestão Integrada de Resíduos Sólidos. Cada região possui um município polo que em geral

coincide com o município sede de consórcio que mais se destaca no recorte regional. No mapa

a seguir (figura 4), podemos observar essa divisão regional:

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210

Figura 4 - Regionalização para Gestão Integrada de Resíduos Sólidos

Dados: Plano Estadual de Resíduos Sólidos (CEARÁ,2016).

Fonte: Elaborado pela autora.

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211

Essa é a divisão atualmente adotada nas políticas e planejamento estudais na área

de resíduos sólidos e sobre a qual foi construído o Plano Estadual de Resíduos Sólidos – PERS

(2016). Na prática, essa opção anexa áreas de consórcios em unidades de referência maiores

que facilitem a execução dos estudos conforme a metodologia de amostragem adotada.

Quase uma década antes de política nacional, a PERS (2001) já exigia a implantação

de sistemas de tratamento e disposição final de resíduos sólidos, bem como a recuperação de

áreas degradadas ou contaminadas. Nessa perspectiva, posteriormente foram criados

instrumentos para incentivar a melhoria do desempenho ambiental dos municípios cearenses,

tais como o Selo Municipal Verde (2003) e o Índice Municipal de Qualidade do Meio Ambiente

- IQM (2008) (CEARÁ, 2016).

A Lei Estadual nº 13.304/2003 cria o Selo Município Verde e o Prêmio

Sustentabilidade Ambiental. O primeiro é um programa de certificação ambiental pública

bienal, que identifica “as prefeituras cearenses que atendem aos critérios pré-estabelecidos de

conservação e uso sustentável dos recursos naturais, incentivando o fortalecimento das gestões

ambientais”. Dentre os contemplados com o selo, o prêmio é reservado aos que apresentarem

melhor desempenho (SEMA, 2016).

O IQM ou ICMS Ecológico é um dos índices de qualidade municipal instituídos

pelo Decreto Estadual n° 29.306/2008 e que no estado do Ceará compõe o ICMS

Socioambiental definido pela Constituição239. Os critérios estabelecidos pelo IQM para que os

municípios cearenses possam ter acesso a até 2% do ICMS estadual é a existência ou não de

Sistema de Gerenciamento Integrado de Resíduos Sólidos Urbanos devidamente aprovados

pelo CONPAM/SEMACE240.

“Entretanto, os resultados obtidos ainda não se fizeram sentir, pois ainda

predomina, na maioria dos municípios, o uso do lixão (como destinação final de resíduos,

inclusive para os resíduos de serviços de saúde”. Desse modo, uma das ações propostas no

PERS (2016) para o Programa de Resíduos Sólidos do Ceará é o aprimoramento do sistema de

239 A Constituição Federal (1988, Art.158) determina que 25% do ICMS arrecadado nos Estados seja repassado

aos seus municípios. Desse montante, 75% dependem de critérios constitucionais e 25% (6,25% do total) de

critérios definidos por leis estaduais. O ICMS Socioambiental é esse conjunto de critérios adotado por pelo

menos 18 estados brasileiros para disciplinar o repasse. No estado do Ceará, essa porcentagem é distribuída entre

Índice Municipal de Qualidade Educacional – IQE239 (18%), Índice Municipal de Qualidade da Saúde - IQS

(5%) e Índice Municipal de Qualidade do Meio Ambiente – IQM (2%). A apuração é anual e deve ser requerida

pelos municípios interessados através de formulário e documentação comprobatória, cujas informações prestadas

deverão ser apuradas em visita técnica. 240 Em 2008, foi aceito como critério apenas o Plano de Gerenciamento Integrado dos Resíduos Sólidos Urbanos

– PGIRSU devidamente aprovado pelo CONPAM/SEMACE.

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212

incentivos financeiros, baseado principalmente no IQM, capaz de induzir melhoria na área de

resíduos sólidos (CEARÁ, 2016, p.52).

Como de acordo com a Constituição, parte dos critérios de acesso ao ICMS devem

ser definidas pelos Estados, isso possibilitou a adoção de critérios ambientais que levaram à

criação do ICMS Ecológico. O repasse que nasceu como uma forma de compensar os

municípios pela restrição de uso do solo em locais protegidos, hoje se tornou uma ferramenta

para incentivar os municípios a melhorarem a sua qualidade ambiental, com o intuito de

aumentar a sua arrecadação. Desse modo, baseado na premissa de que a preservação do meio

ambiente deve gerar mais benefícios econômicos do que a sua degradação, o ICMS Ecológico

constitui uma forma de Pagamento por Serviços Ambientais – PSA e está, portanto, no domínio

do desenvolvimento sustentável.

Em 2013 foram iniciados os trabalhos para a elaboração do Plano Estadual de

Resíduos Sólidos – PERS. Fruto de um convênio entre o MMA e o CONPAM, foram

posteriormente assumidos pela SEMA e culminaram no lançamento do plano em março de

2016.

Preservando o desenho dos consórcios intermunicipais para aterros sanitários

anteriormente formados, o plano adota as 14 Regiões de Planejamento da Gestão Integrada de

Resíduos Sólidos (figura 4)241 como sua base de seus estudos, de modo que essas regiões

constituem as unidades de análise adotadas pelo plano em sua estrutura: números, análise,

diagnóstico, prognóstico, metas, planejamentos etc., tudo se refere às regiões.

Dada a grande quantidade de municípios objeto do estudo, eles foram anexados em

regiões e estas foram caracterizadas a partir de uma metodologia de amostragem que utiliza

municípios representativos de cada região, o que reduz a escala, facilitando bastante os estudos.

Os planos estaduais de resíduos sólidos são uma exigência da PNRS (2010) - que

define sua estrutura mínima obrigatória - e um instrumento de planejamento para

implementação gradual das políticas estadual e federal de resíduo sólidos. No Ceará, o PERS

(2016) tem um horizonte de 20 anos (2013-2034) com metas para curto, médio e longo prazo,

devendo ser revisado a cada 4 anos.

241 A elaboração do PERS foi composta das seguintes etapas: Mobilização Social; Diagnóstico socioambiental dos

resíduos sólidos do Ceará; Estudos de prospecção e escolha dos cenários; Validação do PERS (CEARÁ, 2016).

Sobre os estudos que subsidiaram a construção do PERS, eles foram realizados pela Gaia Engenharia Ambiental

e EcoSan Consultoria em Saneamento Ambiental e estão organizados em documentos a ele relacionados:

Cadernos Temáticos (Aspectos Econômicos, Banco de Dados, Capacitação, Mecanismos de Cobrança e

Regulação e Fiscalização), Estudo de Prospecção e Escolha de Cenários de Referência e Panorama dos Resíduos

Sólidos do Ceará (Volumes I, II, III e versão resumida).

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213

As projeções de crescimento populacional e de urbanização para o horizonte do

plano foram feitas a partir dos censos 2000 e 2010 do IBGE. Já as estimativas para a gerações

de Resíduos Sólidos Urbanos - RSU foram alcançadas a partir de um modelo de geração per

capita por faixa populacional do MMA (2003)242. Estimada a população e a geração de resíduos

para o ano de 2013, foi possível estimá-las até 2034 em cada uma das regiões e assim traçar o

perfil do Estado para então elaborar as estratégias e metas para o horizonte do plano.

É importante ressaltar que esse modelo confirma que a produção de RSU per capta

é tão maior quanto mais populosa e urbanizada for determinada região243. Ou seja, ainda que a

unidade de análise do estudo seja a região, o que impõe uma média numérica, é necessário

considerar que há uma sensível diferença entre a produção per capta de um município pequeno

do interior do Estado e a de um município da Região Metropolitana de Fortaleza - RMF, por

exemplo, ou mesmo no interior dos consórcios, onde há sempre um município em destaque.

O plano cria dois cenários futuros244 para a gestão e gerenciamento dos resíduos

sólidos no estado, dos quais decorrem as metas. Foram definidos de acordo com alguns

elementos, a saber: o desenvolvimento socioeconômico do Estado; a modernização

socioeconômica do sistema de manejo de resíduos sólidos; o sistema urbano, ambiente de

atuação do sistema de resíduos sólidos e os vetores estratégicos do desenvolvimento do sistema

de resíduos.

Os vetores estratégicos, por sua vez, estão associados à ordem de prioridade

definida pela PNRS (2010)245 e visam à redução de impactos ambientais e socioeconômicos,

são eles: coleta seletiva, disposição final dos resíduos/rejeitos, educação ambiental e gestão de

resíduos. Foram identificadas ameaças (de alta, média e baixa relevância246) e oportunidades e

em seguida, estas foram distribuídas por vetores estratégicos e classificadas em ordem de

prioridades conforme a relevância das ameaças.

242 A estimativa projetada para o Ceará no ano de 2013 foi a seguinte: população total de 8.790.713 habitantes com

o predomínio de 74,66% de população urbana (6.698.163 habitantes) e geração de RSU média de 1,95

Kg/hab.dia. 243 Conforme o modelo adotado, a geração de RSU média em uma região com faixa populacional de 795 a 2.000

habitante é de 0,72 Kg/hab.dia, enquanto numa região com faixa populacional de 1.000.001 a 1.500.000 essa

geração sobe para 1,95 Kg/hab.dia. 244 “O Cenário I, pelas características apresentadas, seria o ambiente futuro sem a implementação do Plano Estadual

de Resíduos Sólidos e dos Planos Municipais de Gestão Integrado de Resíduos Sólidos, enquanto o Cenário II é

o ambiente futuro com a implementação desses Planos.” (CEARÁ, 2016, p.81). 245 Não geração; redução; reutilização; reciclagem; tratamento; e disposição final de Rejeitos. 246 A ameaça é alta quando representa deficiências que exigem atenção especial dos responsáveis para a

implementação da política de resíduos sólidos, o que faz dela uma prioridade; é média quando não constituem

obstáculos significativos ao desenvolvimento a contento da política de resíduos; e baixa quando podem ser

afastadas por meio de ações pontuais e imediatas (CEARÁ, 2016).

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214

A partir da situação atual dos resíduos sólidos no Estado, o plano estabelece

diretrizes e estratégias para os temas propostos na PNRS (2010). “Essas diretrizes e estratégias

foram estabelecidas de maneira a nortear a consolidação de um conjunto de metas relativas à

gestão dos resíduos sólidos, as ações e os meios para que possam ser implementados tanto a

nível estadual quanto a nível municipal” (CEARÁ, 2016, p.103).

Com relação à disposição final de resíduos sólidos, a diretriz é promover a

disposição final dos rejeitos em aterros sanitários e a estratégia é apoiar a formação de

consórcios intermunicipais e dar suporte aos municípios na elaboração de projetos de

implantação desses aterros. Quanto às metas mencionadas, bem como os programas, projetos e

ações propostos no plano, foram construídos a partir da identificação dos aspectos críticos da

situação atual e pretendem atender às disposições da PNRS (2010), “em que uma das metas

obrigatórias constitui a implantação da disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos

(CEARÁ, 2016, p.106).

“A proposta de implementação do PERS prevê o desenvolvimento de ações por

meio da construção de um Programa de Resíduos Sólidos do Ceará”. São ao todo 36 metas com

o objetivo de promover a sustentabilidade dos municípios e a redução de impactos ambientais

negativos na área de resíduos sólidos (CEARÁ, 2016, p.108).

O modelo tecnológico adotado pelo PERS (2016) segue a proposta da PNRS (2010)

e é baseado sobretudo na formação de consórcios intermunicipais.

O MMA incentiva a implantação de um Modelo Tecnológico que privilegia o manejo

diferenciado e a gestão integrada dos resíduos sólidos, com inclusão social e

formalização do papel dos catadores de materiais recicláveis, com compartilhamento

de responsabilidade com os diversos agentes. Este modelo pressupõe um

planejamento preciso do território, com a definição do uso compartilhado das redes

de instalações para o manejo de diversos resíduos, e com a definição de uma logística

de transporte adequada, para que baixos custos sejam obtidos (MMA, 2011 apud

CEARÁ, 2016, p.94).

Além dos aterros sanitários (NBR 13.896), o modelo tecnológico proposto pelo

MMA inclui outras estruturas de menor magnitude cujas condições de instalação dependem do

tamanho da população a ser atendida247, como pontos e locais de entrega voluntária de resíduos

recicláveis (PEVs ou Ecopontos e LEVs), áreas de triagem e transbordo (ATTs) de diferentes

tipos de resíduos, unidades de compostagem de resíduos orgânicos, áreas de reciclagem e

aterros de resíduos da construção e aterros sanitários de pequeno porte cujo licenciamento é

simplificado (Resolução CONAMA nº 404 e NBR 15.849).

247 No Ceará foram definidas quatro faixas: até 30 mil habitantes; de 30 mil a 250 mil; de 250 mil a 1 milhão e

superior a 1 milhão (CEARÁ, 2016).

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215

Adaptando as orientações do MMA à realidade dos municípios cearenses, o PERS

propõe um modelo tecnológico composto de cinco etapas: geração, segregação,

acondicionamento e coletas dos resíduos sólidos; centrais de armazenamento; triagem dos

resíduos sólidos e polos de estocagem; disposição final dos rejeitos; recuperação de recursos.

Em resumo, o plano se propõe a solucionar os problemas listados pela PNRS (2010)

e assim como esta, se pauta pelo desenvolvimento sustentável, de modo que

Os objetivos principais do Plano são: Desativar e recuperar as áreas degradadas pelos

lixões; implantar a coleta seletiva em todas as regiões de gestão integrada de resíduos

sólidos; implantar a logística reversa; implantar a compostagem dos resíduos

orgânicos; incluir os catadores de materiais recicláveis na responsabilidade

compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos e realizar a Capacitação continuada

para gestão de resíduos sólidos (CEARÁ, 2016, p.15).

O horizonte do plano é 2013-2034, mas ele só foi lançado em 2016, quando já havia

transcorrido metade do tempo previsto para as metas de curto prazo (0 a 4 anos), entre as quais

está a atualização da PERS (2001) e a elaboração dos Planos Regionais de Gestão de Resíduos

Sólidos. Nesse sentido, o plano afirma que “o Estado atualmente através da Secretaria do Meio

Ambiente está encaminhando para aprovação a nova lei estadual em consonância com a PNRS”

(CEARÁ, 2016, p.91), enquanto a elaboração dos planos regionais aparece apenas como meta.

Finalmente, no tocante a atualização das informações sobre resíduos sólidos no

Estado, ainda não existe um sistema de informações e de indicadores sobre a gestão de resíduos.

Atualmente, as informações existentes não são sistematizadas e provém de diferentes fontes

com distintos métodos de captação, como por exemplo o diagnóstico feito pelo PERS (2016),

os dados informados pelos municípios no IQM e as informações fragmentadas de diferentes

órgãos.

Essa inexistência é tratada no plano como uma ameaça de alta relevância, ou seja,

que exige tratamento prioritário com vistas a uma resolução rápida sob pena de comprometer a

implementação da política de resíduos sólidos. Desse modo, a elaboração e a implementação

desse sistema também é uma meta de curto prazo e deve ser implantada pelo Estado em parceria

com os municípios e disponibilizado para a sociedade.

Apesar de se antecipar na elaboração de uma política de resíduos sólidos em 2001,

o Estado não criou um plano para a sua implementação. Assim, as ações empreendidas nesse

campo seguiram programas de governos: descontinuadas, descentralizadas entre diferentes

órgãos e sem a estrutura e a solidez necessárias para tratar a questão de uma forma abrangente

e eficaz. Após a publicação da PNRS (2010), que disciplina a temática em nível federal, o PERS

(2016) constitui o instrumento mais abrangente e integrado, além de legalmente amparado, no

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216

âmbito dos resíduos sólidos no Estado e a partir dele se espera que as ações empreendidas

possam finalmente ser sistematizadas, enquanto política pública capaz de responder as

demandas sociais e ambientais presentes e vindouras.

5.1.1 A gestão dos resíduos sólidos no estado do Ceará

É em um contexto de acentuada diferença regional dentro do espaço nacional que

o Estado do Ceará, onde são recolhidas diariamente 6.909 toneladas de resíduos sólidos (IBGE,

2010), está inserido. De acordo com a Coordenadoria de Saneamento Ambiental – Cosan (2014)

da SCIDADES, dos 184 municípios cearenses, em 2014, apenas 7 deles, concentrados

sobretudo na RMF, realizavam a adequada gestão de seus resíduos sólidos (apenas 4,10%), ou

seja, destinavam seus resíduos sólidos para aterros sanitários. Em situação oposta estão outros

131 municípios (70,90%) que realizam a gestão inadequada e mais 46 municípios (25%) que

realizam uma gestão inaceitável248. Como reflexo, o nível de risco ambiental é alto em 96% dos

munícipios.

Figura 5 - Gestão de RS e risco ambiental nos municípios cearenses

Dados: Cosan, 2014.

Fonte: Elaborado pela autora.

Na tabela a seguir, vemos uma síntese das principais informações levantadas pelo

IBGE (2010) na Pesquisa Nacional de Saneamento Básico de 2008, a respeito do local utilizado

pelos municípios brasileiros para a disposição final dos seus respectivos resíduos sólidos e

podemos ainda comparar a situação do estado do Ceará com o contexto nacional:

248 A Cosan/SCIDADES não deixa claros os critérios utilizados para fazer a classificação da gestão, bem como a

diferenciação entre gestão inadequada e gestão inaceitável.

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217

Tabela 1 - Características do principal local utilizado para disposição de resíduos sólidos

por número de municípios no Brasil e no Ceará

Dados: IBGE, 2010.

Fonte: Elaborado pela autora.

nº % nº %

Total de Municípios 5.564 100,00 184 100,00

Municípios com serviço de manejo de resíduos sólidos 5.562 99,96 184 100,00

Municípios com disposição de resíduos sólidos no solo do

próprio município 4.498 80,84 164 89,13

Com via de acesso em boa condição de conservação 4.255 76,47 165 89,67

Com cerca perimetral 3.345 60,12 112 60,87

Com licença de operação válida 2.258 40,58 80 43,48

Com controle de acesso à instalação 2.159 38,80 58 31,52

Com ocorrência de queima de resíduos a céu aberto (mesmo que

em valas) 1.982 35,62 119 64,67

Com recobrimento eventual dos resíduos com solo compactado

com frequência superior a uma vez por semana 1.818 32,67 49 26,63

Com presença de catadores de resíduos no interior da instalação 1.703 30,61 118 64,13

Com monitoramento sistemático da saúde do pessoal

operacional 1.490 26,78 45 24,46

Com presença de animais de médio e/ou grande porte (porcos,

cães, bovinos, equinos etc.) no interior da instalação 1.478 26,56 84 45,65

Com sistema de manejo de águas pluviais 1.282 23,04 19 10,33

Com edificação para administração e apoio operacional 1.117 20,08 28 15,22

Com recobrimento sistemático dos resíduos com frequência

superior a 1 dia 1.049 18,85 34 18,48

Com sistema de drenagem do chorume 1.020 18,33 16 8,70

Localização a menos de 1 km de aglomerados residenciais 980 17,61 32 17,39

Com impermeabilização da base do aterro (com manta sintética

ou argila) 828 14,88 18 9,78

Com recobrimento sistemático dos resíduos com frequência

diária 784 14,09 4 2,17

Com monitoramento sistemático da qualidade das águas

superficiais 753 13,53 18 9,78

Localização a menos de 1 km de Áreas de Proteção Ambiental 730 13,12 13 7,07

Com monitoramento sistemático da qualidade das águas

subterrâneas 601 10,80 11 5,98

Com sistema de tratamento de chorume interno ou externo à

instalação 531 9,54 7 3,80

Com monitoramento sistemático da estabilidade de maciços 497 8,93 8 4,35

Com sistema de drenagem e tratamento (queima controlada) de

gases 441 7,93 12 6,52

Com sistema de recirculação do chorume no maciço do aterro 391 7,03 6 3,26

Com balança rodoviária 310 5,57 7 3,80

Com moradias improvisadas de catadores na gleba 285 5,12 20 10,87

Com ocorrência de queima de resíduos em fornos improvisados 139 2,50 8 4,35

Com recuperação de metano a partir do biogás captado 39 0,70 0 0,00

Com geração de energia 26 0,47 0 0,00

CearáBrasilCaracterísticas do principal local utilizado para disposição de

resíduos sólidos (aterro sanitário, aterro controlado ou lixão)

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218

De maneira geral, o estado do Ceará possui uma condição crítica e muito distante

daquela proposta pela PNRS (2010). Se a situação do Estado já é grave devido o predomínio

dos lixões, onde se depositam os RSU provenientes da coleta pública domiciliar e da limpeza

pública, ela tende a se agravar quando se analisa a gestão dos resíduos especiais que quando

descartados de maneira inadequada oferecem risco ainda maior para a saúde pública e para o

meio ambiente.

Segundo constatação da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico de 2008, 84%

dos municípios cearenses declararam depositar os Resíduos de Serviços de Saúde - RSS em

lixões junto com os demais resíduos; e entre os que realizam algum tipo de processamento, a

queima a céu aberto é predominante. Apenas 9 municípios realizam a coleta de resíduos sólidos

industriais perigosos e/ou não inertes 249 e somente 31 municípios submetem os Resíduos de

Construção e Demolição – RCD a algum tipo de processamento. Somente 6 municípios

cearenses realizam a coleta seletiva, sendo que em apenas 2 deles a coleta é realizada em todo

o município. A mão de obra empregada no serviço de manejo de resíduos sólidos em todo o

Estado é de 15.205 colaboradores, sendo apenas 9.085 destes efetivos250 (IBGE, 2010).

A seguir, podemos observar essas e outras informações sobre a destinação de

resíduos sólidos especiais no Estado em comparação com o Brasil:

249 São 35 municípios em todo o Nordeste. 250 A pesquisa de saneamento do IBGE considera os números informados pelos municípios, o que certamente não

envolve os catadores e catadoras já que a maioria dos municípios não têm qualquer controle sobre estes, assim

como qualquer despesa com eles dada a natureza informal do trabalho de catação.

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219

Tabela 2 - Destinação dos RS especiais por número de municípios no Brasil e no Ceará

Dados: IBGE, 2010.

Fonte: Elaborado pela autora.

(1) O município pode apresentar mais de um tipo de processamento.

(2) O município pode apresentar mais de uma forma de disposição no solo.

nº % nº %

Total de municípios 5564 100,00 184 100,00

Municípios com coleta e/ou recebimento de resíduos sépticos 4469 80,32 149 80,98

1. Municípios onde não existe processamento dos resíduos

sólidos sépticos56 1,01 1 0,54

2. Municípios que realizam processamento dos resíduos

sépticos2613 46,96 80 43,48

• Incineração 1379 24,78 27 14,67

• Tratamento em autoclave 763 13,71 0 0,00

• Queima a céu aberto 616 11,07 51 27,72

• Queima em fornos simples 131 2,35 8 4,35

• Tratamento por micro-ondas 76 1,37 0 0,00

• Outro 291 5,23 5 2,72

3. Município com local para disposição de resíduos em

solo próprio2358 42,38 123 66,85

• Em vazadouro, em conjunto com os demais resíduos 1108 19,91 82 44,57

• Sob controle, em aterro de terceiros específico para resíduos

especiais1046 18,80 4 2,17

• Sob controle, em aterro convencional, em conjunto com os

demais resíduos642 11,54 10 5,43

• Sob controle, em aterro da prefeitura específico para resíduos

especiais561 10,08 18 9,78

• Outra 811 58,81 17 9,2391

Municípios com coleta de resíduos sólidos industriais perigosos

e/ou não inertes136 2,44 9 17,65

Municípios com coleta e/ou recebimento de resíduos sólidos

industriais perigosos e/ou não inertes159 2,86 10 5,43

Municípios que submetem os resíduos a algum tipo de

processamento (1) 26 0,47 1 0,54

Municípios com serviço de manejo dos resíduos de construção e

demolição4031 72,45 167 90,76

Municípios que submetem os resíduos a algum tipo de

processamento (1) 392 7,05 31 16,85

Município com serviço de manejo de pilhas e baterias 302 5,43 0 0,00

Munícipios que realizam algum processamento 116 2,08 0 0,00

Municípios que depositam os resíduos no solo 232 4,17 0 0,00

→ Tipo de processamento(1)

Resíduos Sólidos industriais perigosos e/ou não inertes

Número de municípios com destinação dos

Resíduos Sólidos Especiais

Pilhas e baterias

Brasil

Resíduos de Serviços de Saúde - RSS

→ Forma de disposição dos resíduos no solo do município (2)

Ceará

Resíduos Sólidos de construção e demolição

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220

Na maioria dos municípios, os RSS são coletados junto com os resíduos comuns e

encaminhados aos lixões, onde em alguns casos são incinerados. Apenas 5 municípios possuem

formas mais adequadas para o confinamento dos RSS e poucos estabelecimentos de saúde

possuem planos de gerenciamento de resíduos sólidos e quando existem não são implementados

e atualizados (SESA, 2007 apud CEARÁ, 2016).

A prática da incineração no estado é limitada e se restringe a uma pequena parcela

dos RSS. Não existem dados sobre a gestão e o gerenciamento dos resíduos de transportes

(portos, aeroportos, terminais alfandegários, rodoviários e ferroviários e passagens de fronteira)

e apesar da considerável comercialização de agrotóxicos e da grande quantidade de indústrias

de extração mineral ativas no Estado251, há carência sobre a destinação final de embalagens de

agrotóxicos e de resíduos da mineração (CEARÁ, 2015).

Entretanto, conhecer a composição dos resíduos sólidos é fundamental para planejar

o seu tratamento e destinação final mais adequados. Com a ausência de coleta seletiva, resíduos

de diferentes tipos são depositados nos lixões municipais. Através de um estudo

representativo252, o PERS (CEARÁ, 2016) realizou uma caracterização física dos RSU,

estimando a sua composição, assim dividida:

Figura 6 - Composição dos RSU no Ceará

Dados: Plano Estadual de Resíduos Sólidos, SEMA (CEARÁ, 2016).

Fonte: Elaborado pela autora.

251 O Anuário Estatístico do Ceará de 2014 contou 329 no ano de 2013 (CEARÁ, 2015). 252 Foram colhidas amostras de RSU nos locais de disposição final de 108 municípios, cujo critério de seleção era

ser sede regional, sede de aterro (município mais representativo) ou com projeto em desenvolvimento ou ter forte

potencial turístico. Para fazer a caracterização física dos resíduos, foi utilizada a metodologia de quarteamento

(NBR10.007/2004). Esse procedimento é detalhado no Panorama dos Resíduos Sólidos do Ceará (CEARÁ,

2015), um dos estudos que estruturaram o plano estadual.

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221

Os RSU são formados majoritariamente por resíduos reaproveitáveis (recicláveis e

compostáveis): 74%. O fato mais importante sobre o reaproveitamento em suas diferentes

formas (compostagem, reciclagem, reutilização etc.) é que ele reduz a exploração de recursos

naturais e a deposição de resíduos no meio ambiente. Para ser eficiente e estruturado, esse

processo deve se iniciar com a segregação dos resíduos na fonte geradora e garantir as

condições sociais e econômicas para o seu reaproveitamento.

Entretanto, essa estrutura ainda é muito incipiente no Ceará: embora haja ações de

coleta seletiva em 21 municípios, apenas os municípios de Crato, Cruz e Crateús possuem uma

ação mais estruturada, com organização e trabalho social com os catadores, coleta seletiva e

galpão de triagem (CEARÁ, 2016). Em geral, a coleta seletiva é rejeitada pelas prefeituras

sobretudo em virtude dos altos custos que demanda, se comparada a coleta comum. Assim,

embora a quantidade de resíduos reaproveitáveis seja alta, o percentual recuperado ainda é

muito inferior.

Não há no Estado exemplos significativos da aplicação de compostagem. Porém,

diante do grande volume de resíduos orgânicos, a medida mais importante é certamente o

combate ao desperdício. Feito isso, a compostagem pode reduzir consideravelmente a

“produção de lixiviados e de biogás nos aterros sanitários, o que torna a exploração mais

econômica”. (CEARÁ, 2016). Além do mais, a compostagem poderia produzir adubos

orgânicos que em certa medida reduziriam a dependência de adubos e fertilizantes químicos,

reduzindo também a contaminação derivada da sua utilização.

Ao contrário dos lixões que têm custo zero, a disposição final obrigatória em aterros

sanitários tem um custo diretamente proporcional à quantidade de resíduos confinada. Diante

desse novo cenário, é necessário considerar que, uma vez que reduz o volume de resíduos, o

reaproveitamento reduz também as despesas com o seu tratamento e sua disposição final. De

qualquer forma, a necessidade de garantir uma estrutura eficiente de reaproveitamento, é ainda

mais irrefutável se considerarmos que o fator mais importante nessa equação é o ambiental.

Porém, o componente econômico não é algo que se possa ignorar pois na prática

ele é decisivo, tanto nos investimentos públicos quanto nos privados. No caso da reciclagem,

por exemplo, ela se deve principalmente porque ajuda a reduzir os custos da produção de novas

mercadorias (redução no consumo e nos preços das matérias-primas, economia de energia etc.)

e segundo o PERS (CEARÁ, 2016, p.62), “o segmento da reciclagem no Estado tem papel

destacado na área industrial”.

Atualmente, a base da cadeia de reciclagem são os catadores. Eles estão presentes

na maioria dos municípios cearenses, trabalhando nas ruas e principalmente nos lixões. O

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222

trabalho em geral é sazonal, rotativo e informal e a quase totalidade dos catadores não utiliza

Equipamentos de Proteção Individual – EPIs. O Diagnóstico sobre Catadores de Resíduos

Sólidos do IPEA (2012) estima que haja cerca de 19.000 catadores em todo o Estado. Para a

maioria deles não há nenhuma forma de organização social como associação e cooperativa ou

qualquer tipo de assistência social por parte do Poder Público ou ONGs253. Eles se concentram

principalmente em Fortaleza e na RMF, assim como as 34 organizações detectadas254 (CEARÁ,

2016). Dentre essas organizações cabe destaque à Rede de Catadores e Catadoras de Resíduos

Sólidos Recicláveis do Estado do Ceará, cuja articulação tem forçado a sua participação em

diferentes espaços de discussão na área de resíduos sólidos, bem como algumas ações.

Quanto aos lixões, eles estão presentes em todo o Estado, alguns há bastante tempo.

De acordo com Dantas (2008 apud Dantas et al., 2009), somente na metrópole Fortaleza, o

histórico de disposição final de resíduos sólidos conta oficialmente com a existência de cinco

lixões entre 1956 e 1998, distribuídos em diferentes pontos da cidade:

[...] o primeiro lixão surgiu em 1956 e durou até 1960, e foi instalado no Bairro Monte

Castelo, ficando conhecido por Lixão do João Lopes. O segundo lixão, de 1961 a

1965, foi instalado na Barra do Ceará. O terceiro lixão, que surgiu em 1966 e durou

até 1967, foi instalado no bairro de Antônio Bezerra e ficou conhecido por Lixão do

Buraco da Gia. O quarto lixão se situou no bairro Henrique Jorge (próximo à Av.

Fernandes Távora) e durou de 1968 à 1977. Por fim, surgiu, nas margens do Rio Cocó,

o Lixão do Jangurussu, que funcionou de 1978 a 1998 (DANTAS et al., 2009, p.2)

As primeiras ações voltadas ao gerenciamento dos resíduos sólidos no Estado do

Ceará se deram a partir da elaboração do Plano Metropolitano de Limpeza Urbana (1988), que

resultou na construção de três aterros sanitários nas imediações de Fortaleza (Caucaia,

Maracanaú e Aquiraz) para resolver a então já problemática gestão dos resíduos sólidos urbanos

na populosa RMF. Os aterros foram construídos pelo Governo do Estado e a operação entregue

à gestão compartilhada dos seis municípios beneficiados (Caucaia e Fortaleza, Maracanaú e

Maranguape, Aquiraz e Eusébio), com a previsão de 20 anos de vida útil, quando então

deveriam ser encerrados.

Em resumo, este é o histórico das ações implementadas pelo Governo do Estado do

Ceará através da SEINFRA e, após 2007 (governo Cid Gomes255), pela SCIDADES:

253 Apenas a Cáritas do Brasil (organização humanitária da Igreja Católica) realiza um trabalho social com

catadores dos lixões de Aracati, Baturité, Russas, Quixeré, Limoeiro do Norte e Fortaleza (CEARÁ, 2015). 254 16 estão em Fortaleza, 9 na RMF e 10 no interior. 255 De 2007 a 2010 e de 2011 a 2014.

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223

Quadro 8 - Histórico das ações sobre RS implementadas no Ceará

Dados: Cosan, 2014.

Fonte: Elaborado pela autora.

As obras implementadas a partir de 2007 são baseadas em um estudo que apontou

a necessidade da construção de aterros sanitários em regime de consórcios intermunicipais para

a adequada destinação dos resíduos sólidos no Ceará. Ele é anterior à publicação da PNSB

(2007) e da PNRS (2010) e surgiu de uma parceria internacional. De acordo com a

coordenadoria de Saneamento Ambiental - Cosan256 da SCIDADES, em 2005, o governo da

256 “Cabe à unidade a implantação de aterros sanitários regionalizados consorciados, contribuindo para o

planejamento regional e a implementação de medidas que visem à melhoria da qualidade de vida das populações

e a preservação ambiental, principalmente pelo papel articulador que desempenha.” (site da SCIDADES, 2013).

Ano Ação Implementada

1988 Elaborado o Plano Metropolitano de Limpeza Urbana

1989-

1990Construção do Aterro Sanitário Metropolitano Oeste em Caucaia (ASMOC)

1991Início da operação do ASMOC - Recebendo os resíduos provenientes do

município de Caucaia

1992-

1995Início do SANEAR I

1995 Conclusão das obras e instalação de equipamentos no ASMOC

1996

Concluídas as obras dos aterros sanitários Metropolitano Sul em Maracanaú

(atendendo a Maracanaú e Maranguape) e Metropolitano Leste em Aquiraz

(atendendo a Aquiraz e Euzébio).

Conclusão das obras e início da desativação do lixão do Jangurussu;

Instalação do incinerador (15t/dia);

ASMOC passa a receber os resíduos de Fortaleza.

Convenio 003/SDU/98, assinado entre o Governo do Estado e as Prefeituras

Municipais de Caucaia e Fortaleza entregando o ASMOC às Prefeituras e

definindo competências administrativas e operacionais dos conveniados.

Desativação do lixão do Jangurussu, em atividade desde 1978.

2001 Conclusão das obras e início da operação do Aterro Sanitário de Jaguaribara.

2005-

2006

Estudo de viabilidade do programa para o tratamento em destinação de resíduos

sólidos do Estado do Ceará (Prointec)

Formação de consórcios públicos e contratação de projetos executivos.

Contratação dos consórcios públicos.

2008 Início da Elaboração de Projetos Executivos

Projetos em elaboração: Icó e Milagres; Sobral, Camocim e São Benedito;

Conclusão da Formação de 22 Consórcios

2012Revisão da nova política estadual de resíduos sólidos e preparação do Programa

de Inclusão dos Catadores

Conclusão de 02 Projetos Executivos (Paracuru e Caririaçu)

Editais em fase de Homologação (Itapipoca, Tauá e Acaraú)

2014Conclusão dos projetos dos aterros de Sobral, Camocim, São Benedito, Icó,

Milagres, Limoeiro do Norte e Codessul.

2013

2010

1997

1998

2007

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224

Espanha dispunha de um valor para ser investido em programas de benefício ambiental em

países subdesenvolvidos a ser definido através de edital, sob condição dos estudos técnicos de

viabilidade serem realizados por uma empresa espanhola. Assim, foi fechado um acordo entre

o governo do Estado do Ceará e o governo da Espanha, que fez um financiamento de 300 mil

euros para serem realizados estudos de viabilidade técnica para a disposição adequada de

resíduos sólidos no Estado realizado pela empresa espanhola Prointec257 em parceria com a

conterrânea Cadic258, que realizou os trabalhos de base.

O estudo foi realizado entre 2005 e 2006. É denominado “Estudo de Viabilidade do

Programa para o tratamento e disposição de resíduos sólidos do Estado do Ceará” e é composto

dos seguintes volumes:

a) Diagnóstico da situação de coleta e destino final dos resíduos sólidos nos

municípios do Estado do Ceará:

a) Documento de Análise global;

b) Fichas Informativas: Diagnóstico por Município;

b) Programa Estadual de Resíduos Sólidos do Ceará: Propostas de Gestão;

c) Proposta para localização de Aterros: Descrição dos trabalhos cartográficos;

d) Planos Locais de Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos (por consórcios);

e) Anteprojetos da construção de Instalações de Tratamento de Resíduos (ITR);

f) Sistema de gestão e funcionamento de Instalações de Tratamento de Resíduos:

Termos de Referência.

De acordo com a conclusão dos trabalhos, a quase totalidade dos municípios

realizava a gestão inadequada dos seus resíduos sólidos. A destinação final indicada para os

rejeitos foram os aterros sanitários, pois outras tecnologias eram vistas como mais

dispendiosas259. Uma vez que, de acordo com o estudo, os municípios não possuíam capacidade

técnica e financeira para construírem e gerenciarem seus próprios aterros individuais, foi

sugerida a construção de aterros sanitários por regionais no regime de consórcios

257 A empresa se declara referência internacional em diversos setores de engenharia, arquitetura, consultoria

relacionada à infraestrutura, urbanismo e meio ambiente. Faz parte de um importante grupo empresarial presente

em todo o mundo com escritório central em Madrid, Espanha (http://www.prointec.es/, 2014). 258 A empresa declara que atua nas seguintes áreas de negócios: representação do território, engenharia e gestão

do território, serviços integrais de atuação, consultoria e formação, meio ambiente e engenharia ambiental. Além

das áreas: produção de dados cartográficos, geoconsultoria, adequação e formação de dados, controle de

qualidade, engenharia GIS, escritórios de integração de tecnologias, escritórios de I+D+I, engenharia ambiental,

escritório de inventários, grupos de formação e escritórios de desenvolvimentos em informática. O grupo

encontra-se além de Espanha (Madrid e Valência), no Brasil, Cuba, República Dominicana, Guatemala,

Nicarágua, El Salvador, etc. (www.sa.com, 2014). 259 Não foram identificadas com que outras alternativas os aterros foram comparados, mas seu custo é bem

significativo.

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225

intermunicipais com a pretensão de facilitar os investimentos técnicos e principalmente

financeiros e, assim, agilizar a transição para uma gestão adequada dos resíduos sólidos no

Estado.

O estudo apontou a necessidade de 30 aterros sanitários para a correta gestão dos

RSU no Estado: implantação de 27 (vinte e sete) novos aterros e melhoria dos 03 (três) já

existentes na RMF. A partir de 2007, começaram a se organizar os primeiros consórcios

intermunicipais para implementação dos aterros sanitários no estado do Ceará.

Embora o estudo do Prointec (2005/2006) seja anterior à PNRS (2010) e ao projeto

de MDL em resíduos sólidos (2007) assumido em nível federal, o Estado do Ceará desde 2005

já dialogava com as tendências internacionais e macroeconômicas ligadas ao meio ambiente,

antecipando-se às iniciativas nacionais no sentido de melhorar as precárias condições de

saneamento ambiental relativa à gestão dos resíduos sólidos. Com isso, podemos perceber que

as investidas internacionais com foco ambiental no Brasil são anteriores à própria

sistematização legal de políticas nacionais, que se dará como resposta à óbvia necessidade, mas

também como resposta à política ambiental internacional que impõe certas exigências na

relação entre países. Ao se referir aos municípios com lixões, por exemplo, Dantas (2009)

afirma que

[...] todos os municípios enquadrados nesse cenário acabam excluídos da lista

internacional de financiamento, pois se encontram fora da lógica da Agenda 21 e do

Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), por possuir um sistema muito

rudimentar para tratar seus resíduos sólidos (SANTOS, 2007 apud DANTAS, 2009,

pp.2-3).

Mesmo que consorciados com o objetivo de somar suas receitas, suas populações e

seus resíduos numa determinada medida que torne possível a implantação e gestão dos aterros

sanitários, a maioria dos consórcios no Ceará ainda não alcança a magnitude populacional das

maiores cidades brasileiras, foco do Projeto de MDL. No estado do Ceará, metade dos

municípios tem no máximo 20.000 habitantes260 (IPECE, 2015) (figura 7). Mesmo assim, todos

os consórcios intermunicipais no Ceará devem considerar nos projetos executivos dos seus

respectivos aterros a viabilidade da venda de créditos de carbono, abrindo-se um precedente

para contar com os recursos advindos da possível efetivação de projetos de MDL em RSU.

260 82% dos municípios cearenses têm até 50.000 habitantes (IPECE, 2015).

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Figura 7 - Municípios do Ceará por faixa de população, 2010

Fonte: IPECE, 2015.

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227

Por outro lado, a esperança futura dessa efetivação deverá excluir a implantação do

sistema de captação e tratamento do biogás como parte constituinte do projeto do aterro, pois

se o consórcio conseguir financiamento para a instalação de estrutura de captação de biogás

como parte integrante do aterro, independentemente do projeto de MDL, o biogás captado não

poderá gerar créditos de carbono, pois uma das condições para isso é que o projeto seja

voluntário, realizado por países do Anexo I do Protocolo de Quioto, ou seja, deve ser uma

iniciativa do país (desenvolvido) investidor.

Mas, como o projeto executivo exige apenas o Plano de monitoramento de efluentes

(líquidos, gasosos e água subterrâneas) e não o seu tratamento efetivo, construir o aterro e

esperar a possível contemplação deste pelo projeto de MDL também poderia ser uma opção.

Entretanto, deve-se ter em mente que as áreas de abrangência da maioria dos consórcios nos

municípios cearenses não possuem o perfil dos municípios vislumbrados pelo projeto de MDL

aplicado a resíduos sólidos. Mesmo assim

O projeto executivo traz informações como (...) a viabilidade da venda de créditos de

carbono. [...] Segundo o orientador [da célula de resíduos sólidos da Secretaria das

Cidades, Paulo César Abreu Alves], a estrutura montada permitirá ao Estado avaliar

a possibilidade da venda dos créditos de carbono, espécie de moeda sustentável de

compensação de mecanismos poluente. A possibilidade está sendo expressa já na

elaboração dos projetos executivos (SCIDADES, 2012, pp.37-38, grifo nosso).

É claro o alto valor do empreendimento e a participação ativa de instituições

financeiras internacionais. Por exemplo, só para os aterros de Sobral, Cariri e Limoeiro do Norte

“a estimativa é de que cada aterro signifique um investimento de aproximadamente R$ 15

milhões. Para esses três, o investimento deve vir do Banco Interamericano de Desenvolvimento

(BID) e Banco Mundial (BIRD)” (SCIDADES, 2012, p.38).

De acordo com a Secretaria das Cidades do Estado do Ceará (2012)

Cada projeto executivo custa, em média, R$ 500 mil. Os atuais são fruto de parcerias

do Ministério das Cidades com a Caixa Econômica ou do Ministério da Saúde com a

Funasa. O Estado entra com uma contrapartida, quando necessário. Atualmente, o

Governo negocia recursos para o projeto executivo de outros quatro, com recursos do

Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2) (SCIDADES, 2012, p.37-38).

Quanto aos recursos financeiros para a execução dos projetos executivos, o que

constitui a primeira etapa para a implementação dos aterros sanitário, a ideia é que eles sejam

drenados de várias fontes: Ministério das Cidades, Ministério do Meio Ambiente, Ministério da

Saúde, Fundação Nacional de Saúde - FUNASA, Programa de Aceleração do Crescimento –

PAC I e II, Caixa Econômica, Tesouro e Estado (SCIDADES, 2012).

Entretanto, embora 178 municípios já estejam com os consórcios intermunicipais

formados, a perspectiva de construção dos aterros está bem aquém como veremos mais adiante

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(item 4.2) e nem mesmo os aterros de Sobral, Cariri e Limoeiro do Norte cujos consórcios foram

formados ainda em 2009 e que contariam com recursos do BIB e do BIRD saíram do papel.

As semelhanças entre as exigências da PNRS (2010) e os objetivos do projeto de

MDL em RSU previsto para aterros sanitários no Brasil se torna intrigante, se considerarmos a

capacidade que as relações exteriores, sobretudo econômicas, têm de direcionar os rumos da

política brasileira. Ainda em 2007, o projeto de MDL no Brasil já parecia coadunar com o

Projeto de Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos, que só seria promulgada

posteriormente, em 2010, quando diz, entre outras coisas, que “também é compromisso do

Governo Federal viabilizar a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que estabelecerá normas e

diretrizes para o gerenciamento dos diferentes tipos de resíduos, nos níveis municipal, estadual

e federal” (MESQUITA JÚNIOR, 2007, p.8).

A PNRS (BRASIL, 2010, p.8) estabelece que o Plano Nacional de Resíduos Sólidos

a ser atualizado a cada quatro anos deve conter obrigatoriamente “proposição de cenários,

incluindo tendências internacionais e macroeconômicas”. Como um país em desenvolvimento

econômico com considerável quantidade de recursos naturais, o Brasil deve sim buscar a melhor

forma de gerir os seus recursos, inclusive contribuindo para um crescimento econômico que

seja pautado por um desenvolvimento social justo e ambientalmente saudável, o que na

interpretação do PNUMA e da ONU seria um “desenvolvimento sustentável”.

A efetiva presença nas discussões e negociações globais é importante e muitos

defendem que o Brasil não poderia ficar atrás nas negociações que ocorrem acerca do

desenvolvimento sustentável e da economia verde. Entretanto, há de se preocupar que essa

busca pela inserção na mundialização da economia no contexto da economia verde e do

desenvolvimento sustentável possa se dar de forma subalterna, submetendo as reais

necessidades da população a interesses externos, como vimos historicamente acontecer com

outros fenômenos propulsores da economia mundial, como a industrialização e o agronegócio,

por exemplo.

Seria uma atuação extremamente subalterna do Brasil construir estruturas como os

aterros sanitários que são de extrema importância social e ambiental para o país - que

demandam altos investimentos públicos ou submissão política para obtenção de investimentos

externos - baseados em necessidades do mercado verde internacional e priorizando relações

externas em detrimento das reais necessidades internas, de modo que o investimento em obras

de extrema importância para o país, possam ser realizadas sem autonomia nacional, de maneira

dependente e a mercê dos direcionamentos externos.

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229

Em todo caso, formados os consórcios, os municípios enfrentam ainda muitas

dificuldades para implementação da PNRS (2010), que vão desde a mobilização dos recursos e

pessoal técnico qualificado para elaboração do projeto executivo até problemas jurídicos261 com

o manejo dos resíduos sólidos e disposição final atual. Completado o prazo para adequação sem

que a maioria dos municípios tenha conseguido executá-la, cabe a nós, nessa pesquisa,

analisarmos os desdobramentos locais desse processo e como as implicações da PNRS (2010),

notadamente a exigência do aterro sanitário e a criação do consórcio intermunicipal, incidirão

sobre os municípios do nosso recorte espacial. E ainda se e como os componentes da política

ambiental internacional - absorvidos pela política ambiental estadual e nacional, mas

despotencializados pela sua incapacidade executiva - refletirão na transição para a gestão

ambientalmente adequada dos resíduos sólidos no contexto local.

5.2 OS CONSÓRCIOS INTERMUNICIPAIS NO ESTADO DO CEARÁ: DESAFIOS E

PERSPECTIVAS

De acordo com Moraes (2012), a prática de cooperação intermunicipal no Brasil

ainda se constitui em ações insipientes, aplicadas principalmente na área de saúde coletiva e

gestão metropolitana de bacias hidrográficas, mas que vem tomando um novo formato de gestão

de políticas públicas, sobretudo após 2001 com a instituição de estratégia de regionalização do

Sistema Único de Saúde (SUS) pelo Ministério da Saúde, posteriormente adotada pelo

Ministério do Desenvolvimento Agrário e por outros ministérios.

Estes dois setores são, de fato, os responsáveis pelo maior número de consórcios

formados no Brasil. Por exigir, em geral, grandes investimentos hierarquizados em rede por

demanda, o setor de saúde é um dos campos mais propícios para a formação de consórcios

públicos e, de fato, “tem sido o motivo da criação de vários consórcios municipais nos últimos

anos”. Outros muitos “têm surgido a partir de projetos de recuperação ou preservação do meio

ambiente, sobretudo em busca de soluções para problemas em torno do manejo de recursos

hídricos de uma bacia hidrográfica” podendo contemplar “questões ambientais mais amplas

como saneamento básico, lixo e enchentes” (AMORIM, 2015).

261 Por exemplo, no município de Pindoretama o ministério público proibiu a prefeitura de dispor o lixo no atual

lixão da cidade e o município de Cascavel foi multado em R$ 300.000,00 pelo IBAMA por não possuir e

implementar um plano de recuperação do atual lixão, em plena atividade. Ambos formam junto como município

de Beberibe um consórcio que, embora formado desde 2011 não conseguiu mobilizar recursos nem mesmo para

contratação do projeto executivo do aterro sanitário.

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230

No estado do Ceará, além dos consórcios intermunicipais para implementação de

aterros sanitários e gestão ambientalmente adequada dos resíduos sólidos, há também alguns

consórcios na área da saúde. Na realidade, os consórcios de saúde são os pioneiros e mais

operantes no Estado, de modo que sua história se confunde com a história dos consórcios

públicos de maneira geral.

Conforme aponta a Secretaria do Planejamento e Gestão – SEPLAG (2015), o

Governo do Estado tem estimulado a formação de consórcios públicos nessas duas áreas:

Tanto a Secretaria das Cidades quanto a Secretaria da Saúde, desde o começo da

gestão (ano de 2007), desenvolvem junto aos municípios cearenses, um trabalho de

suporte técnico na constituição jurídica dos Consórcios, bem como no aporte

financeiro à estruturação dos seus objetivos, no caso em questão, respectivamente, à

construção e gestão de aterros sanitários e na construção e gestão de Centros de

Especialidades Odontológicas (CEO's) e Policlínicas (SEPLAG, 2015, grifo nosso).

Conforme as informações oficiais da SEPLAG (2015), é possível traçar um

resumido histórico das experiências de consórcio público no estado do Ceará, notadamente nas

áreas de saúde e meio ambiente. Embora o nosso foco sejam os consórcios intermunicipais para

implementação de aterros sanitários e gestão adequada de resíduos sólidos, analisar a adoção

de consórcios públicos de maneira geral no estado do Ceará é importante para a compreensão

do contexto político em que se deram essas ações.

Os registros relatam o surgimento de consórcios públicos no estado do Ceará no

final de 2005, após a ratificação da chamada Lei dos Consórcios Públicos (Lei nº 11.107/2005)

e portanto, já nos termos da nova legislação. Nesse ano foram criados três consórcios

intermunicipais no Estado: dois Consórcios de Saneamento, um entre os municípios de Viçosa

do Ceará e Tianguá262, e outro entre os municípios de Paraipaba, Trairi e Paracuru, ambos

incentivados pela então Secretaria de Infraestrutura do Estado - SEINFRA; e o Consórcio de

Desenvolvimento do Sertão Central Sul – CODESSUL263, que teria sido resultado da

cooperação dos prefeitos da região e do apoio técnico da Secretaria Estadual do

Desenvolvimento Local e Regional - SDLR (SEPLAG, 2015).

262 Esse consórcio teria tido alguns problemas provocados por impasses nas decisões. As decisões do consórcio

público são tomadas de forma democrática e coletiva através da votação dos entes consorciados, de modo que

quando formado por apenas dois membros torna as decisões passíveis de impasses, o que pode ser potencialmente

problemático para a organização do consórcio (IDC, 2016). 263 Esse foi o primeiro consórcio administrado pelo IDC. Sendo um consórcio de desenvolvimento, engloba

diferentes serviços públicos, entre eles a gestão de resíduos sólidos. Assim, quando da iniciativa do Governo do

Estado em formar consórcios para resíduos sólidos, o CODESSUL foi apenas adaptado à proposta do Prointec,

uma vez que criar outro consórcio para gerir o mesmo serviço causaria um conflito de competências (IDC, 2016).

Assim, o consórcio inicialmente composto pelos municípios de Pedra Branca, Quixeramobim, Senador Pompeu,

Mombaça, Piquet Carneiro, Milhã, Solonópole, Deputado Irapuan Pinheiro e Acopiara (que pelo Prointec

pertencia ao consórcio de Iguatu) teve a posterior adesão do município de Boa Viagem (SEPLAG, 2015).

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231

Após a conclusão do estudo de viabilidade que apontou a necessidade da

implantação dos aterros sanitários consorciados para a correta gestão dos RSU no Estado em

2006, iniciaram-se, com o apoio da recém-criada Secretaria das Cidades - SCIDADES, as ações

para formação dos consórcios intermunicipais.

Em 2007 foi constituído o Consórcio do Maciço de Baturité, cujas discussões se

haviam iniciado em 2006 com o apoio da Associação dos Municípios e Prefeitos do Estado do

Ceará - APRECE. A perspectiva era de que, com o apoio da FUNASA, o seu aterro sanitário

fosse construído em 2010, o que não aconteceu.

Por outro lado, o Estado também firmou outras parcerias. Em julho de 2007, através

da Secretaria de Turismo – SETUR, o estado do Ceará ratificou o Protocolo de Intenções de

um consórcio público interestadual na área de turismo em parceria com os estados do Piauí e

do Maranhão que seria finalmente constituído em 2009 e cujo objetivo é

[...] a promoção do desenvolvimento integral da região compreendida entre os Lençóis

Maranhenses, Baixo Parnaíba Maranhense e Piauiense, Litoral do Piauí, Serra da

Ibiapaba, Litoral de Camocim e Acaraú e parte do Norte dos Estados do Maranhão,

Piauí e Ceará, de forma sustentável e com equidade social, articulando as ações

públicas federais, estaduais e municipais, com apoio nas organizações da sociedade

civil e na iniciativa privada, com foco no turismo e na cultura, no desenvolvimento

rural e nos demais serviços (SEPLAG, 2015, grifos nossos).

Ainda em novembro de 2007, a Secretaria da Saúde do Estado - SESA instituiu a

Comissão de Fomento e Implantação de Consórcios Públicos de Saúde (Portaria nº 2.061/2007),

com o intuito de estabelecer diretrizes políticas e operacionais para constituição de consórcios

públicos na área de saúde.

A regionalização na área da saúde é uma diretriz do Sistema Único de Saúde – SUS,

que orienta para um processo de descentralização, tanto das ações e serviços de saúde, quanto

dos processos de negociação e pactuação entre os gestores. No Ceará, essa regionalização

agrupa os municípios cearenses em cinco Macrorregiões de Saúde (Fortaleza, Sobral, Sertão

Central, Litoral Leste/Jaguaribe e Cariri) e as subdivide em 22 Regiões de Saúde ou

Coordenadorias Regionais de Saúde - CRES264 (SESA, 2015; SEPLAG,2015).

Em setembro de 2009 foram ratificados265 os Protocolos de Intenção firmados entre

o Governo do Estado e os municípios de 14 microrregiões para a constituição de 14 consórcios

públicos de saúde, que juntos totalizam 111 municípios cearenses. Esses consórcios de saúde

se referem às CRESs - não observando necessariamente o traçado das Microrregiões

264 1ª Fortaleza, 2ª Caucaia, 3ª Maracanaú, 4ª Baturité, 5ª Canindé, 6ª Itapipoca, 7ª Aracati, 8ª Quixadá, 9ª Russas,

10ª Limoeiro, 11ª Sobral, 12ª Acaraú, 13ª Tianguá, 14ª Tauá, 15ª Crateús; 16ª Camocim, 17ª Icó, 18ª Iguatu, 19ª

Brejo Santo, 20ª Crato, 21ª Juazeiro e 22ª Cascavel (SESA, 2015; SEPLAG,2015; CEARÁ, 2013). 265 Pelas Leis Estaduais nº 14.457/2009, 14.458/2009 e 14.459/2009.

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Geográficas do IBGE ou dos consórcios para aterro sanitário - normalmente nomeados pelos

municípios sedes, a saber: Canindé, Iguatu, Russas, Aracati, Brejo Santo, Crato, Juazeiro do

Norte, Limoeiro do Norte, Acaraú, Baturité, Crateús, Itapipoca, Tianguá e Região-Pólo do Vale

do Curu, cuja sede é o município de Caucaia.

Estes [consórcios] promovem ações de saúde pública assistenciais e prestação de

serviços especializados de média e alta complexidade. A nova legislação elenca

serviços de urgência e emergência hospitalar e extra-hospitalar, ambulatórios

especializados, policlínicas, Centros de Especialidades Odontológicas, assistência

farmacêutica, “entre [sic] outros serviços relacionados à saúde, em conformidade com

os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) (SEPLAG, 2015).

Em abril de 2009, foi constituído o Consórcio Intermunicipal de Saneamento do

Sul do Ceará - CISAN-SUL, composto pelos municípios de Aiuaba, Banabuiú, Brejo Santo,

Caririaçu, Crato, Icó, Iguatu, Jaguaribe, Jardim, Jucás, Limoeiro do Norte, Morada Nova,

Quixelô e São João do Jaguaribe, além de Quixeramobim, Milhã, Solonópole e Dep. Irapuan

Pinheiro, que também compõem o CODESSUL. Ou seja, esses quatro municípios sobrepõem

dois diferentes consórcios intermunicipais, um de desenvolvimento e outro de saneamento.

Pelas informações da SEPLAG (2015), é possível inferir que esse consórcio de

saneamento é parte de uma ação em nível federal, bem como já estimulava a PNSB (2007).

Esse consórcio

[...] permitirá a implantação de sistema de abastecimento de água e de esgotamento

sanitário a baixo custo. Esse projeto será desenvolvido em parceria com a Funasa que,

para tanto, está construindo moderno Centro de Referência em Saneamento Ambiental

destinado a assessorar as prefeituras sobretudo o que envolve o setor [...] A exemplo

do que ocorre em outros estados [...] [também fazem parte desse centro] o Laboratório

de Controle de Qualidade da Água e os serviços de assessoramento técnico aos

municípios associados (SEPLAG, 2015, grifos nossos).

Retomando os consórcios intermunicipais para aterro sanitário, em 2009 foram

constituídos 8 (oito) consórcios públicos para implementação de aterros sanitários e

gerenciamento de resíduos sólidos. Esses consórcios incentivados pelo Governo do Estado

através da SCIDADES receberam uma denominação comum: Consórcio Municipal para Aterro

Sanitário de Resíduos Sólidos - COMARES, sendo identificados por um acréscimo que se

refere ao seu município sede que dá nome ao consórcio. Esses primeiros COMARES

constituídos foram os consórcios de Tauá, Camocim, São Benedito, Jaguaribara, Pacatuba,

Limoeiro do Norte e Cariri e Sobral.

Em 2010, foi constituído um grupo de trabalho composto por representantes de

diversas secretarias e órgão públicos (SESA, SCIDADES, SETUR, Tribunal de Contas dos

Municípios do Ceará etc.) e coordenado pela SEPLAG, com a incumbência inicial de organizar

o Encontro Estadual de Consórcios Públicos, ocorrido em março de 2010 com o intuito de

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incentivar e disseminar a prática do consórcio público no estado do Ceará (CEARÁ, 2013;

SEPLAG, 2015). Entretanto, após o evento, aparentemente o grupo de trabalho passou cerca de

dois anos inativo, retomando as atividades apenas em maio de 2012 como pode ser conferido

no portal Consórcio Público do Estado do Ceará, também criado em 2010 como ferramenta de

divulgação e incentivo e fonte de informação sobre os consórcios no Estado.

No início de 2013, o Governo do Estado lançou o Relatório de Acompanhamento

dos Consórcios Públicos 2012. De acordo com o documento, até 2012 a SESA havia constituído

juridicamente 21 consórcios públicos na área da saúde e desses, 16 já estavam atendendo

efetivamente a população266, pois, além de constituidor, o Governo do Estado “também

participa financiando em média 40% dos custos das unidades gerenciadas pelos consórcios

públicos” (CEARÁ, 2013, p.9). Na área de saneamento, haviam sido constituídos juridicamente

25 consórcios públicos para aterro sanitário: 21 fomentados e articulados pela SCIDADES

somando 144 municípios e 04 formalizados por iniciativa municipal (Paracuru, Baturité, Pedra

Branca e Viçosa do Ceará), somando 25 municípios.

No total, 169 dos 184 municípios cearenses compunham consórcios para aterro

sanitário até o final de 2012, embora nenhum em efetivo funcionamento. As exceções foram os

municípios de Iguatu, Cariús, Catarina, Jucás, Quixelô e Tarrafas que deveriam formar o

Consórcio Regional de Iguatu, não formalizado devido a questões judiciais do município sede

junto a FUNASA; os municípios de Parambu, Palmácea e São Gonçalo do Amarante, que não

aderiram a gestão consorciada para aterro sanitário; e os municípios de Fortaleza, Caucaia,

Maracanaú, Maranguape, Aquiraz e Eusébio, que já possuem aterros sanitários (CEARÁ,

2013).

Ainda em 2013, o Relatório de Acompanhamento dos Consórcios Públicos 2012

(CEARÁ, 2013) afirmava que estavam em andamento a elaboração dos projetos executivos

para aterros sanitários de oito consórcios: Paracuru, Cariri, Icó, Milagres, Camocim, Sobral,

São Benedito e Pedra Branca. Em resumo, esse era o mapa dos consórcios públicos para aterro

sanitário até o final de 2012:

266 A descrição é confusa, quando diz que dentre esses 21 consórcios, “17 estão em funcionamento, ou seja, já

possuem recursos financeiros disponíveis para dar iniciou [sic] a operacionalização de suas unidades

(Policlínicas e CEOs). Dos 17 consórcios em funcionamento, somente 16 estão efetivamente em operação

(atendendo diretamente a população cearense).” (CEARÁ, 2013, p.9, grifos nossos). A sentença foi, sem dúvidas,

mal elaborada para um relatório que tinha a finalidade de expor o panorama geral dos consórcios até aquele

momento, porém, a expressão “em funcionamento” pode se referir ao expediente administrativo das unidades de

saúde, uma vez que estes se iniciam em geral primeiro que os atendimentos de saúde.

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234

Figura 8 - Situação dos consórcios para aterro sanitário por município, 2012

Dados: CEARÁ, 2013.

Fonte: Elaborado pela autora.

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235

Há uma grande diferença entre o progresso efetivo alcançado pela maioria dos

consórcios de saúde e aquele pretendido pelos consórcios de aterro sanitário. Enquanto a

maioria dos consórcios de saúde já possui pelo menos um equipamento (CEO ou Policlínica) a

serviço da população, os consórcios de aterro sanitário parecem não ter avançado e nenhum

deles conseguiu de fato implementar o aterro sanitário. E apesar da questão financeira ser

apontada como o principal impeditivo para a construção dos aterros sanitários, a ela deve-se

somar uma questão política pertinente e sintomática: a fragilidade administrativa dos próprios

consórcios.

O Instituto para Desenvolvimento de Consórcio – IDC267, responsável por 24 dos

26 consórcios formados no estado, foi contratado pelo Governo do Estado para mobilizar os

gestores e implantar os consórcios intermunicipais, executando as etapas legais necessárias para

a formação do consórcio, a saber: protocolo de intenções, leis de ratificação municipais, estatuto

social, regimento interno, contrato de rateio e contrato de programa.

Após concluídas essas etapas, o consórcio público está juridicamente formalizado,

legalmente constituído como integrante da administração indireta dos municípios que o

compõem e teoricamente pronto para o exercício da sua função. Regulamentados de acordo

com a legislação vigente, estes consórcios estariam aptos para operarem e pleitearem ou

receberem recursos para a execução do seu objetivo: a construção dos aterros sanitários.

Entretanto, após formado, o consórcio público necessita de uma gestão continuada

para executar as suas funções. Apesar de formados, os consórcios cearenses não tiveram

continuidade após a mudança dos gestores municipais, pois aqueles prefeitos capacitados à

época da formação dos consórcios foram substituídos, de modo que em sua maioria os

consórcios ficaram legalmente formados, mas inativos. Para o IDC (2016), esse é um dos pontos

falhos do consórcio: “os novos gestores nem sabem o que é o consórcio, teria que ser feita uma

nova capacitação e isso não foi feito”.

Durante o I Fórum Estadual de Gestão Pública em Resíduos Sólidos realizado em

junho de 2015, a presidente do IDC criticou abertamente a falta de comprometimento dos

gestores municipais: tanto aqueles que “deram trabalho” na época da formação do consórcio,

quanto os novos gestores que desconhecem ou ignoram as implicações de seu município

267 Entidade do terceiro setor, do tipo associação civil sem fins lucrativos, fundada em 2006 e especializada na

mobilização, implantação e gestão de consórcios públicos para a prestação de variados serviços públicos. Porém,

como foi criado especialmente (visto que à época não havia outras entidades capacitadas) para responder à

formação dos consórcios de resíduos sólidos pretendidos pelo Governo do Estado no âmbito da SCIDADE,

ganhou notável destaque nessa área. Atualmente está trabalhando com a formação de consórcios de resíduos

sólidos nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro (IDC, 2016).

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236

pertencer a um consórcio público. Expôs ainda a aparente incapacidade de seus quadros técnico

e administrativo.

O Ministério Público estadual268 reitera tal incapacidade e salienta que a maioria

dos municípios cearenses se mantêm omissos e passivos, esperando que as secretarias do Estado

se adiantem na questão que é de responsabilidade deles. Após o fim do prazo estabelecido pela

PNRS (2010), a omissão dos gestores municipais causou uma explosão de inquéritos civis no

Estado. A promotora afirma que embora muitos casos afetos ao meio ambiente sejam resolvidos

através de TACs, há também prefeitos que utilizam o instrumento de maneira dolosa com a

pretensão de postergar tanto o cumprimento da obrigação, quanto as penalidades pelo seu não

cumprimento. Nesses casos, a instauração do processo jurídico torna-se inevitável.

O IDC (2016) esclarece que o Estado o contratou apenas para implantar os

consórcios e não para fazer a gestão, pois admitiu que uma vez formados os consórcios, sua

gestão seria feita pelos municípios. Apesar de tomar a frente na formação, o Estado se ausentou

da gestão entregando-a aos municípios: a gestão de resíduos sólidos é prerrogativa

constitucional do Poder Público Local e o Governo do Estado o teria feito para não invadir a

competência municipal.

Essa justificativa explicaria porque os consórcios da saúde funcionam e os de

resíduos sólidos não: sendo a saúde prerrogativa das três esferas de governo, os consórcios da

saúde contam fortemente com a participação do Governo do Estado.

Vale ressaltar, que nos consórcios na área de resíduos sólidos, o Governo do Estado

do Ceará não participa financeiramente dos custos das unidades gerenciadas pelos

consórcios públicos. Neste caso, o Governo do Estado constrói os aterros e os cede

para que os municípios consorciados possam fazer a gestão física e financeira dos

aterros sanitários, ou seja, o Estado não desembolsa recursos para a gestão destes

consórcios, como o faz no caso dos consórcios públicos de saúde (CEARÁ, 2013,

p.20).

Não, o Governo do Estado não constrói os aterros sanitários. Pelo menos não

construiu nenhum dentro do novo ordenamento jurídico estabelecido a partir de 2005 com a Lei

dos Consórcios Públicos, seguido pela PNSB (2007) e pela PNRS (2010). Os três aterros

sanitários da RMF construídos pelo governo estadual são de outro contexto e não podem

representar a efetiva atuação do Estado na construção desses equipamentos dentro do atual

contexto das políticas ambientais de saneamento assumidas em âmbito federal.

Os consórcios intermunicipais de resíduos sólidos no Ceará são anteriores à PNRS

(2010) e não trazem a ideia de gestão integrada, estando focados apenas em aterros sanitários,

268 Fala da promotora Jacqueline Faustino durante o III Seminário Política Nacional de Resíduos Sólidos (2016).

Disponível em: <http://praticaeventos.com/seminarioresiduos/#!>. Acesso em: 03 maio 2016.

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237

como a própria denominação sugere. Diante do seu real fracasso, visto que nenhum deles

atingiu o objetivo de implementar seu aterro sanitário e da ampliação trazida pela gestão

integrada, os aterros sanitários enquanto objeto de gestão ambiental deixaram de ser o centro

da política estadual de resíduos sólidos. O Estado lança mão do discurso de que os aterros

sanitários são apenas um componente da gestão integrada e que a prioridade deverá ser outras

técnicas de tratamentos de resíduos sólidos269.

Em 2012, uma comissão cearense visitou vários países da Europa para conhecer as

formas de tratamento de resíduos sólidos empregadas por lá. Um dos destaques foi a técnica de

vermecompostagem, desenvolvida pela empresa portuguesa Lavoisier, na época com uma usina

instalada na ilha de São Miguel, no arquipélago dos Açores, em Portugal. A técnica utiliza

minhocas para limpar os resíduos recicláveis, preparando-os para a reintegração no ciclo

produtivo e transforma os resíduos orgânicos em adubo orgânico natural. Para o IDC, essa é a

técnica mais apropriada do ponto de vista ambiental e economicamente mais viável para a

realidade dos municípios cearenses.

A usina de vermecompostagem é relativamente simples: constitui-se de um galpão

dividido em baias e um espaço para as máquinas circularem. Entretanto, o IDC (2016) afirma

que o Governo do Estado não dispõe de recursos para a instalação das usinas, fazendo-se

necessário buscar parcerias privadas e investimentos junto ao Governo Federal e IFMs

(BID/BIRD).

Nesse sentido, temos duas questões sobrepostas. A primeira é quanto ao

investimento de instituições capitalistas que leva a novas e impagáveis dívidas ou que, no caso

dos investimentos não onerosos, são pagos com adequação política ao projeto hegemônico

capitalista, ambos reproduzindo a Geopolítica atual.

O segundo é a entrada do setor privado em um serviço público extremamente

relevante, sobre o qual o Estado tem se mostrado incompetente. Para além da inclusão de

empresários prevista na gestão integrada (responsabilidade compartilhada, logística reversa,

incentivos fiscais etc.) e das empresas que atuam no ramo de resíduos sólidos e limpeza urbana,

a substituição do Estado pela iniciativa privada tanto em nível local quanto internacional é uma

questão que merece atenção.

269 Um exemplo ilustrativo é a fala do coordenador de saneamento básico da SCidades durante o III Seminário

Política Nacional de Resíduos Sólidos, realizado em abril de 2016: ele reiterou que a gestão integrada trazida

pela PNRS (2010) não se atém aos aterros sanitários, mas abre um leque de diferentes técnicas de tratamento de

resíduos sólidos que devem ser priorizadas.

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238

Em vários eventos sobre resíduos sólidos realizados no estado, alguns

representantes do setor empresarial convidados para debater a questão defenderam abertamente

a resolução do problema dos resíduos sólidos através do mercado. Durante o III Seminário

Política Nacional de Resíduos Sólidos, realizado em abril de 2016, por exemplo, o diretor de

serviços ambientais do Grupo Marquise afirmou que não é dever do Estado prover os serviços

públicos que a sociedade demanda e insistiu fortemente na ideia do setor privado como

empreendedor eficiente para resolver os problemas que o Estado, segundo ele, não pode nem

deve resolver. O Estado deveria assumir o papel de facilitador, sobretudo com a elaboração de

políticas públicas para possibilitar a ação do empreendedor na resolução dos problemas. Além

de evocar os princípios neoliberais, afirma ainda que a redução na geração de resíduos sólidos

prevista na PNRS (2010) não implica necessariamente na redução do consumo, mas será

alcançada com a otimização do processo produtivo, o que na prática remete à ideia de

ecoeficiência proposta pelo desenvolvimento sustentável com a finalidade de proteger o

consumo.

O economista e coordenador econômico-tarifário da Agência Reguladora de

Serviços Públicos Delegados do Estado do Ceará - ARCE em sua palestra sobre taxas e tarifas

para o manejo de resíduos sólidos foi enfático ao afirmar que o Estado não é capaz de atender

a todas as demandas sociais. Para ele, é necessário pensar em termos de negócios e atrair a

iniciativa privada. Conforme o economista, é necessário que a população pague pelos serviços

de resíduos sólidos, pois o gasto público com esse serviço estaria competindo com outros

serviços essenciais como saúde e educação. “Não é uma questão ideológica, é uma questão

aritmética”, defende. Forçando a aceitação, ele apela que de uma forma ou de outra a sociedade

paga pelos resíduos sólidos, seja com taxas e tarifas para a sua correta gestão, seja com as

consequências da sua ingerência, como a proliferação das doenças como zika e dengue, por

exemplo.

O fato do estado do Ceará ter quase todos os seus municípios consorciados é visto

pelo IDC (2016) como uma vantagem que aumenta a capacidade de atrair investidores, pois ao

mesmo tempo em que o consórcio garante um maior volume de resíduos sólidos (matéria prima)

que possibilita uma economia de escala, oferece também maior segurança jurídica ao investidor

frente à troca periódica dos gestores municipais. Os investidores podem celebrar contrato

diretamente com os consórcios e geralmente são pessoas que já conhecem o potencial

econômicos da área de resíduos sólidos.

Embora a questão não apresente evolução efetiva, uma fala recorrente nesse meio

é de que há muitos investidores interessados na exploração de resíduos sólidos no estado do

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239

Ceará, sobretudo investidores estrangeiros. O IDC (2016) confirma essa informação e afirma

que alguns consórcios estão com projetos em fase de elaboração, outros já possuem projetos

concluídos, mas ainda faltam recursos e investidores para executá-los270.

O PERS (CEARÁ, 2016, p.43) afirma que “o projeto de erradicação de lixões e a

construção de aterros sanitários é um projeto em andamento no Estado”. A seguir, expomos um

quadro com o resumo da situação atual dos 30 consórcios intermunicipais definidos para essa

finalidade.

270 Não foi possível apurar quais são esses municípios.

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240

Quadro 9-Situação dos consórcios intermunicipais para disposição final de RS no Ceará

Dados: SCIDADES, 2015 apud Plano Estadual de Resíduos Sólidos (CEARÁ,2016).

Fonte: Elaborado pela autora.

Nota: LP - Licença Prévia, LI - Licença de Instalação, CTR - Central de Tratamento de Resíduos, ET - Estações

de Transbordo e AS - Aterro Sanitário

Consórcio

Intermunicipal

Município

SedeSituação Atual

COMARES- Paracurú

COMARES-UC Crato

COMARES-IC Icó

COMARES-UMI Milagres

CONDERES-US Sobral

Estudos ambientais e projetos executivos de AS e unidades correlatas elaborados pela

SCIDADES. LP já emitida pela SEMACE. Aguardando recursos para implantação. Em fase final

para solicitação de LI para o sistema do aterro sanitário e licença da obra de 1 CTR e 7 ETs.

Início das obras previsto para o segundo semestre de 2016.

COMARES-UCA Camocim

COMARES-USB São Benedito

COMARES-ULLimoeiro do

Norte

Concluído cerca de 65% dos serviços relativos ao contrato para elaboração dos estudos e

projetos de engenharia. LP já emitida pela SEMACE. Em fase final para solicitação de LI para o

sistema do AS e licença da obra de CTR e ETs. Início das obras previsto para o primeiro

semestre de 2017.

COMARES-UCV Cascavel

A SCIDADES não possui contrato para elaboração de estudos ambientais e projetos executivos

de AS e unidades correlatas para esta região. Estão sendo realizadas ações para promover a

gestão integrada de resíduos.

CODESSULPedra

Branca

O convênio entre a SCIDADES e o município para elaborar os estudos e projetos de engenharia

está sendo revisado. Concluído cerca de 30% dos serviços. Aguardando recursos para

implantação do sistema.

COMARES-UAS AssaréConcluído cerca de 30% dos serviços relativos ao contrato para elaboração dos estudos e

projetos de engenharia. Aguardando recursos para implantação do sistema.

COMARES-UIP Itapipoca

COMARES-UNVA Acaraú

COMARES-UT Tauá

COMARES-UAR Aracati

Modelo de disposição final em fase de discussão entre o consórcio, SETUR e SCIDADES para

dar início aos estudos ambientais e técnicos e projetos de engenharia de AS e unidades

correlatas.

AMSA Baturité

COMARES-UCN Canindé

COMARES-UCR Crateús

COMARES-UIT Itapajé

COMARES-UJ Jaguaribara

COMARES-UNR Nova Russas

COMARES-UPC Pacajús

COMARES-UIP Ipú

COMARES-USC Quixadá

AMIREVicosa do

Ceará

Obras iniciadas em convênios antigos (já concluídos), porém os recursos

destinados não foram suficientes para estruturar completamente o AS.

- IguatuConsórcio não formalizado. A SCIDADES não possui contrato para elaboração de estudos

ambientais e projetos executivos de AS e unidades correlatas para esta região.

- Fortaleza

Consórcio não formalizado. AS construído pelo Estado em cessão de uso para as prefeituras

de Fortaleza e Caucaia. Encontra-se no final de sua vida util. A Prefeitura de Fortaleza planeja

construir um novo aterro sanitário em uma área contígua. LP já emitida pela SEMACE.

- AquirazConsórcio não formalizado. AS construído pelo Estado em cessão de uso para as prefeituras

de Aquiraz e Eusébio. Encontra-se no final de sua vida util.

- MaracanaúConsórcio não formalizado. AS construído pelo Estado em cessão de uso para as prefeituras

de Maracanaú e Maranguape. Encontra-se no final de sua vida útil.

COMARES-UP Pacatuba Sem informações

Estudos ambientais e projetos executivos de AS e unidades correlatas elaborados pela

SCIDADES. LP já emitida pela SEMACE. Aguardando recursos para implantação.

Concluído cerca de 85% dos serviços relativos ao contrato para elaboração dos estudos e

projetos de engenharia. LP já emitida pela SEMACE. Aguardando recursos para implantação do

Contrato iniciado em 2015, com previsão de entrega dos primeiros estudos ainda no ano de

2015. Aguardando recursos para implantação do sistema.

A SCIDADES não possui contrato para elaboração de estudos ambientais e projetos executivos

de aterro sanitário e unidades correlatas para esta região.

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241

Vale destacar ainda que de acordo com o PERS (CEARÁ, 2016), a implantação

efetiva dos consórcios, ou seja, seu funcionamento efetivo operando com legislação, diretoria,

corpo técnico, sede e equipamentos implantados é uma meta de longo prazo, ou seja, tem até

20 anos para ser completamente concluída271.

5.3 O CONSÓRCIO INTERMUNICIPAL DA MICRORREGIÃO DE CASCAVEL

Há diferentes tipos de regionalização possíveis, de diferentes escalas, inclusive

sobrepostos, e definidos por diferentes critérios. Tal sistematização tem, normalmente, um

objetivo estratégico-administrativo. Com dimensões continentais, o Brasil possui diferentes

escalas de regionalização de caráter administrativo estabelecidas sobre os limites das divisões

políticas de estados e municípios.

O Consórcio Municipal para Aterro Sanitário de Resíduos Sólidos-Unidade

Cascavel - COMARES-UCV é formado pelos municípios de Cascavel, Beberibe e Pindoretama

e coincide com a área da Microrregião de Cascavel, na Mesorregião do Norte Cearense. Os três

municípios limítrofes guardam semelhanças no processo histórico de formação mantendo

estreitas relações ao longo do tempo. Porém, Cascavel sempre manteve uma posição de

destaque e tornou-se município mais de um século antes dos vizinhos, que foram mantidos

como seus distritos até serem finalmente emancipados politicamente. Essa influência foi

formalizada em 1989, quando foi definida a Microrregião de Cascavel composta pelos três

municípios (figura 9). Desse modo, o consórcio apresenta as características gerais que

influenciaram no agrupamento dos demais consórcios, servindo para ilustrar de maneira geral

o mosaico estadual dos consórcios municipais.

A seguir, podemos observar a divisão do estado do Ceará em macro e microrregiões

geográficas com destaque para a Microrregião de Cascavel, que corresponde ao COMARES-

UCV:

271 Prevê a implantação de 20% do total a curto prazo (0 a 4 anos), 70% a médio prazo (5 a 12 anos) e 100% a

longo prazo (13 a 20 anos).

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242

Figura 9- Macro e microrregiões geográficas do Ceará, com destaque para a

Microrregião de Cascavel-CE, 2016

Dados: IPECE, 2015.

Fonte: Elaborado pela autora.

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243

5.3.1 Os entes consorciados

A história dos municípios de Cascavel e Beberibe remonta ao século XVII, quando

da colonização portuguesa realizada via sesmarias e do conflito com os indígenas que

habitavam a região em que hoje se localiza os municípios.

Segundo a historiografia oficial, as terras do atual município de Cascavel

compunham uma sesmaria adquirida da Coroa Portuguesa em 1694. O povoamento não tardou

e em meio às fazendas de cana-de-açúcar em 1710, foi construída a Capela de Nossa Senhora

do Ó, em torno da qual se desenvolveu o centro urbano e comercial (PMC, 2013).

Com o ciclo da carne-seca e do charque, Cascavel se destaca como um entreposto

comercial e de hospedagem, no percurso que ligava os municípios de Fortaleza e Aquiraz a

Aracati. Desde que surgiu a comunidade até a sua configuração atual, foram muitas as

mudanças: anexações, desmembramentos, inclusão e exclusão de distritos e territórios que

atualmente pertencem a municípios vizinhos, etc. (IBGE, 2013 apud TORRES, 2015).

Criado como distrito em 1832, logo foi elevado à categoria de vila e no ano

seguinte, 1833, tornou-se município. Atualmente é constituído de seis distritos: Cascavel,

Caponga, Jacarecoara, Guanacés, Pitombeira e Cristais. A partir de 2009 passou a integrar a

área da Região Metropolitana de Fortaleza (PMC, 2013). Cascavel exerce uma centralidade

relativa na microrregião: é o município mais populoso, com maior população urbana, maior

taxa de urbanização e maior economia.

O município de Beberibe também está localizado em terras que formaram as

sesmarias concedidas pela Coroa Portuguesa a alguns colonizadores em 1691, mas seu

povoamento efetivo só deslancharia algum tempo depois. Aquelas terras teriam recebido as

primeiras expedições de portugueses a partir do século XVII, compostas sobretudo por

religiosos que se dedicavam ao aldeamento e à catequização dos índios e por militares que se

ocupavam de garantir a proteção das terras contra outros invasores europeus.

Embora no histórico do município tanto a municipalidade quanto o IBGE nada

mencionem sobre os verdadeiros donos da terra e passem a contar a história do município a

partir das sesmarias definidas pelo invasor europeu, outras fontes apontam que as terras do atual

município tinham como primeiros habitantes os índios Potyguara e outras tribos pertencentes

ao tronco Tupi, como os Jenipapo-Kanyndé272.

272 Lou Seboek, National Map Collection (Canadá), Ottawa, 1974.

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244

Apenas no início do século XIX teria se iniciado o povoamento do então Sítio

Lucas, que deu origem ao que mais tarde seria a sede municipal de Beberibe (PMB, 2015) e o

atual centro do município se desenvolveu ao redor de uma capela que anos depois passaria por

uma grande reforma transformando-se na Igreja Matriz (IBGE, 2015).

Em 1883 foi criado o distrito de Beberibe, subordinado ao município de Cascavel.

Após várias permutas entre distrito e município, em 1951 é desmembrado de Cascavel e

definitivamente elevado à categoria de município. Após sucessivas anexações alternadas com

perda de distritos, o município assume a atual composição administrativa com sete distritos:

Beberibe, Forquilha, Itapeím, Parajuru, Paripueira, Serra do Félix e Sucatinga (IBGE, 2015).

Sobre os primórdios do povoamento do município de Pindoretama apenas se sabe

que a pequena localidade esteve por muito tempo subordinada ao município de Cascavel273 e

após sucessivas emancipações seguidas de reintegrações, finalmente alcançou sua emancipação

política em 1987. Informalmente, conta-se que a atual Avenida Capitão Nogueira, que corta o

centro de Pindoretama, teve início em 1876 com a abertura de uma estrada para passar uma

linha telégrafa. A obra teria sido realizada pelo governo imperial de D. Pedro II, que desejava

fazer a ligação telefônica entre Aracati e Fortaleza.

Em área territorial, Pindoretama é o menor dos três municípios da Microrregião de

Cascavel, representando apenas 2,88% da área total da microrregião. Possui a maior densidade

demográfica do grupo (256,06 hab/km²) e seus 72,85 Km² são distribuídos entre cinco distritos:

Pindoretama, Capim de Roça, Caponguinha, Ema e Pratiús.

Os três municípios se localizam no litoral leste do Ceará, nos domínios da Planície

Litorânea e estão quase que completamente situados na compartimentação geoambiental dos

Tabuleiros Costeiros. Em Cascavel e Beberibe, cujos territórios possuem saída para o mar, há

uma estreita Faixa de Praia que abriga campos de dunas e os complexos flúvio-marinhos, bem

como há áreas de Planície Ribeirinha, que avançam do litoral para o interior, e de Maciços

Residuais do tipo Sertões ao sul (figura 11). Esses domínios naturais se assentam

predominantemente sobre o depósito geológico de rochas sedimentares, com a ocorrência de

cobertura sedimentar recente ao longo da faixa de praia e manchas de rochas metamórficas mais

ao sul (figura 10) (IPECE, 2015).

273 Em 1884 foi transformada em distrito de Cascavel com o nome de Baixinha e em 1929 o nome foi alterado

para Palmares (IBGE, 2015).

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245

Figura 10 - Principais depósitos geológicos

da Microrregião de Cascavel-CE

Fonte: IPECE, 2015 (Adaptado).

Figura 11 - Domínios Naturais da

Microrregião de Cascavel-CE

Fonte: IPECE, 2015 (Adaptado).

Assim como os demais municípios litorâneos, os municípios estão entre os menos

susceptíveis à desertificação e fora do perímetro semiárido que predomina no estado do Ceará:

aí predomina o clima tropical quente semiárido brando, com ocorrência do clima tropical quente

semiárido ao sul de Cascavel e Beberibe (figura 12), onde ocorre também o domínio natural

dos Sertões (figura 11) (IPECE, 2015).

Os municípios se situam dentro da Bacia Metropolitana. No perímetro da

microrregião estão os rios Choró e Pirangi, importantes riachos como Malcozinhado e

Salgadinho274, além de córregos275, lagoas e açudes. A unidade fitoecológica predominante é o

Complexo Vegetacional da Zona da Mata – CVL, mas há a ocorrência de mata ciliar na Planície

Ribeirinha de Beberibe, de Floresta Perenefólia Padulosa Marítima próximo à foz do Riacho

Malcozinhado em Cascavel e áreas de Cerrado na porção noroeste de Cascavel e sobre a maior

parte do território de Pindoretama (figura 13) (IPECE, 2015).

A microrregião concentra quatro unidades de conservação: a APA do Balbino em

Cascavel (reserva municipal), as APAs da Lagoa de Uruaú e do Monumento Natural das

274 Outros riachos: Caponga Roseira, Santa Maria, Umburanas, Rancho da Casca, Perdigão etc. 275 Cotia, Mauriti, Cajueiro, Moreira, Boa Vista, Andreza, Lola, Camará, Pau Branco, Carnaúbas etc.

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246

Falésias de Beberibe (reservas estaduais) e a Reserva Extrativista Prainha do Canto Verde

(reserva federal) em Beberibe. Pindoretama não possui praias nem unidades de conservação

ambiental.

Figura 12 - Tipos climáticos da

Microrregião de Cascavel-CE

Fonte: IPECE, 2015 (Adaptado).

Figura 13 - Unidades fitoecológicas da

Microrregião de Cascavel-CE

Fonte: IPECE, 2015 (Adaptado).

Com relação aos aspectos econômicos dos municípios que compõem a

microrregião, o setor de serviços responde pela maior parte da composição do PIB municipal,

enquanto a agropecuária é o menos significativo. Juntos, os três municípios somaram um PIB

regional de R$ 892.364,00 em 2011, em que Cascavel respondia por mais da metade dessa cifra.

Em 2011, o PIB cascavelense alcançou R$ 484.886,00, constituído sobretudo pelo

setor de serviços, o que mais movimenta a economia local. Em situação oposta, a agropecuária

possui a menor participação no PIB municipal e responde por pouco mais de um décimo dos

empregos formais. Com o PIB bem inferior ao do setor de serviços, a indústria sozinha gerava

41,73% dos empregos formais no município, quase o mesmo número que administração

pública, comércio e serviços juntos (IPECE, 2014).

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247

O quadro a seguir apresenta em números absolutos e porcentagem a distribuição

dos postos formais de trabalho por atividade econômica no município e a distribuição do PIB

por setor econômico:

Quadro 10-Empregos formais por atividade econômica e PIB por setor econômico em

Cascavel-CE, 2013

Dados: IPECE, 2014.

Fonte: Elaborado pela autora.

A economia do município contempla agropecuária, fruticultura, comércio e

indústria de transformação, setor em que se destacam empresas de grande porte como a Cascajú

Agroindustrial S/A e a JBS-Cascavel Couros Ltda276, que atuam no beneficiamento da castanha

de caju e do couro, respectivamente. Há ainda uma expressiva produção de confecções, além

da produção de artesanato em cerâmica e cipó de fogo, baseada no trabalho familiar de

comunidades afastadas do centro comercial.

O centro comercial é bastante diversificado em produtos e serviços. Aí acontece

semanalmente a Feira de São Bento, que se constitui principalmente de confecções, além de

calçados e artesanatos. É uma importante fonte de renda e atrativo turístico, pois atrai feirantes

e consumidores de toda a região e movimenta o comércio local. O turismo também é uma

atividade considerável, associado principalmente às praias que se distribuem ao longo da costa:

Caponga, Águas Belas, Barra Nova, Barra Velha e Balbino.

O segundo maior PIB da microrregião pertence a Beberibe. Historicamente, sabe-

se que o município alcançou um expressivo desenvolvimento econômico com a indústria de

rapadura local através dos inúmeros engenhos instalados para o beneficiamento da cana de

açúcar produzida na região. Tal riqueza teria rendido a Beberibe a alcunha de "Vila Rica".

276 A da JBS – Cascavel Couros Ltda (2001) foi precedida pelas empresas Bermas (1999-2007), Eagle Ottawa

(2007) e Bracol (2007-2010).

Estrativa Mineral 0 0

Indústria de Transformação 3.350 41,73%

Serviços industriais de utilidade pública 0 0,00%

Construção Civil 76 0,95% 6,77%

Comércio 1.368 17,04%

Serviços 821 10,23%

Administração Pública 1.508 18,78% 26,64%

Agropecuária 905 11,27%

Outros 0 0,00%

TOTAL 8.028 100,00% 66,60%

Indústria

PIB (2011)

R$ 484.886

Agropecuária

Serviços

Empregos Formais em Cascavel - 2013

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248

Atualmente, conforme o perfil da microrregião, o setor de serviços é o grande motor

econômico do município, responsável por 63,19% do PIB municipal em 2011. Nesse sentido,

vale ressaltar a atividade turística associada às belezas naturais, sobretudo às praias de Morro

Branco, Praia das Fontes, Uruaú, Barra da Sucatinga, Canto Verde, Parajuru, Marambaia e

Arióis.

Menos expressiva na microrregião, aqui a agropecuária obteve destaque na

economia, sendo a segunda atividade que mais gerava empregos formais no município em 2010

(IPECE, 2014). Entretanto, nesse ano, Beberibe apresentou o maior índice de população

extremamente pobre da sua microrregião, concentrado principalmente sobre a população rural,

então predominante.

Na agricultura, destacam-se as culturas de cana-de-açúcar, caju, mandioca, milho e

feijão. Na pecuária, destacam-se a criação de bovinos, suínos e avícolas277. No setor industrial,

Beberibe possui indústrias variadas como produtos alimentares, produtos minerais não

metálicos, extrativa mineral, vestuário, calçados e artigos de couro e peles, cabendo destaque

às diversas tijolarias que fazem do município um dos grandes produtores de tijolos do estado

do Ceará.

Com relação aos empregos formais apurados em 2013, administração pública

respondia por quase metade dos postos formais de trabalho, seguida da agropecuária com

21,38% dos empregos (IPECE, 2014). A seguir, podemos conferir os números de empregos

formais no município por atividade econômica e como eles refletem na composição do PIB de

cada setor.

277 Não foi possível apurar a natureza ou composição (subsistência, grande propriedade etc.) das atividades

agropecuárias.

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249

Quadro 11-Empregos formais por atividade econômica e PIB por setor econômico em

Beberibe-CE, 2013

Dados: IPECE, 2014.

Fonte: Elaborado pela autora.

Apesar de responder por pouco mais de um décimo do PIB da microrregião,

Pindoretama possui a mesma ordem de participação dos setores econômicos na composição da

economia municipal. Embora a indústria fosse responsável por quase metade dos postos formais

de trabalho, em 2011 o setor respondia por apenas 16,85% do PIB municipal, a menor

participação econômica entre os municípios da microrregião. Esse fato reflete a baixa atividade

industrial no município, que não possui indústrias de grande porte. Além do mais, a pequena

extensão territorial torna cômodo o deslocamento diário de pindoretamenses que possuem

empregos nas indústrias de municípios vizinhos. O protagonista econômico e base da economia

local é o setor de serviços, responsável por 73,12% do PIB e o setor menos expressivo é a

agropecuária que contribui com apenas um décimo da economia.

O município possui muitos engenhos para o beneficiamento da cana-de-açúcar, de

onde provém a expressiva produção de rapadura e de cachaça. O município é conhecido como

a capital da rapadura e os engenhos e a feira livre local são pontos de visitação para muitos

turistas que exploram o litoral leste da costa cearense e os principais atrativos turísticos para o

pequeno município que não possui praias. Desde 2006, o município promove, sempre no mês

de julho, o Festival Internacional da Cana-de-açúcar da Região das Palmeiras, popularmente

conhecido como “PindoreCana” e que atrai muitos visitantes nos seus quatro dias de

programação278. O evento busca fortalecer a cultura da cana-de-açúcar nas suas tradições, na

produção e no comércio, além de aumentar o fluxo turístico no município.

278 Entre as atividades oferecidas estão apresentações culturais, apreciação culinária dos produtos derivados da

cana-de-açúcar, oficinas, palestras, shows de humor, distribuição de brindes, premiação etc.

Estrativa Mineral 1 0,00%

Indústria de Transformação 323 6,52%

Serviços indistriais de utilidade pública 5 0,10%

Construção Civil 64 1,29% 13,66%

Comércio 261 5,27%

Serviços 534 10,77%

Administração Pública 2.409 48,60% 23,16%

Agropecuária 1.060 21,38%

Outros 300 6,05%

TOTAL 4.957 100,00% 63,19%

Empregos Formais em Beberibe - 2013 PIB (2011)

R$ 484.886

Agropecuária

Indústria

Serviços

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250

Administração pública, comércio e serviços juntos respondem por uma fatia de

empregos formais (47,22%) semelhante à indústria e em último lugar figuram a construção civil

e a agropecuária, ambas com 2,8% dos postos de trabalho formalizados, como vemos a seguir:

Quadro 12-Empregos formais por atividade econômica e PIB por setor econômico em

Pindoretama-CE, 2013

Dados: IPECE, 2014.

Fonte: Elaborado pela autora.

Com relação às finanças públicas, em 2012 Pindoretama alcançou R$ 32,218,00 de

receita e R$ 33.649,00 despesas (IPECE, 2014), ficando com um débito de R$ -1.431,00 o que,

embora não seja muito em termos de cifra, sugere que a administração pública não foi capaz de

equilibrar positivamente as contas no ano de referência.

Com relação aos aspectos populacionais dos municípios que compõem o

COMARES-UCV, há uma proporcionalidade quase exata entre a população residente e o

número de domicílios ocupados quando distribuídos entre as áreas rural e urbana. Isso indica

que a média de moradores por residência é semelhante no campo e na cidade.

Em Cascavel, cerca de 85% dos domicílios particulares ocupados estão localizados

na área urbana, que comporta o mesmo percentual populacional. Em contrapartida, com grandes

extensões de áreas rurais, apenas 15% da população reside no campo. Há áreas urbanas nos

centros dos distritos, mas o principal núcleo urbano do município é a Sede municipal, que

concentra também as principais atividades produtivas e sociais, bem como apresenta uma maior

dinamização na produção do espaço. Consequentemente, aí há uma maior produção de resíduos

e a deterioração do meio ambiente é mais intensa.

O município de Beberibe possui a maior extensão territorial, ocupando cerca de

64% da área total da microrregião e a menor taxa de urbanização, o que lhe confere a menor

Estrativa Mineral 0 0,00%

Indústria de Transformação 915 47,07%

Serviços indistriais de utilidade pública 0 0,00%

Construção Civil 56 2,88% 10,33%

Comércio 285 14,66%

Serviços 151 7,77%

Administração Pública 482 24,79% 16,85%

Agropecuária 55 2,83%

Outros 0 0,00%

TOTAL 1.944 100,00% 73,12%

Empregos Formais em Pindoretama - 2013 PIB (2011)

R$ 484.886

Agropecuária

Indústria

Serviços

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251

densidade demográfica do conjunto (30,37 hab/km²). Obviamente essa densidade também é

maior nos núcleos urbanos e menor no campo pois, apesar de superior em número, a população

rural se dissipa em meio à vasta área rural do município.

Em 2010, cerca de 60% da população de Pindoretama vivia em área urbana no

município que tem a mais elevada densidade demográfica da microrregião na qual está inserido.

Pelas razões já elencadas sobre o papel das áreas urbanas na dinamicidade e centralidade dos

municípios, certamente a área urbana é mais densamente povoada que a rural e é provável que

a área rural possua densidade demográfica superior à dos outros municípios regionalizados.

O mapa a seguir (figura 14) mostra a malha rodoviária que faz a integração

territorial de cada um dos três municípios e através da qual as populações se distribuem

territorialmente, mostrando também a localização espacial dos distritos e destacando os

principais núcleos urbanos.

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252

Figura 14-Municípios de Cascavel, Beberibe e Pindoretama com destaque para núcleos urbanos e sedes de distritos

Dados: IPECE, 2015 (atualizado de IBGE/IPLANCE, 1998).

Fonte: Elaborado pela autora.

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253

Em Cascavel, a quantidade de domicílios atendidos pela coleta de lixo (12.434) em

2010 era inferior à quantidade de domicílios em área urbana (16.089). Isso significa que até

aquele ano o município não conseguia oferecer a coleta de lixo domiciliar em toda a sua área

urbana, mesmo que o número de domicílios atendidos fosse superior aos de Beberibe (8.388) e

Pindoretama (3.715) juntos. A quantidade de domicílios com abastecimento de água (12.455) era

então semelhante à coleta, mas a cobertura de esgotamento sanitário era ínfima, como vemos a

seguir279:

Figura 15-Cobertura dos serviços de saneamento básico por domicílios em

Cascavel-CE, 2010

Dados: IPECE, 2014.

Fonte: Elaborado pela autora.

Ao contrário do seu vizinho, em Beberibe a quantidade de domicílios com coleta de

lixo (8.388) é superior ao número de domicílios urbanos (6.301). Como a área urbana tende a ser

privilegiada, é possível que a taxa de cobertura urbana seja alta, podendo até ser universal. Se

assim o for, é provável que um considerável contingente populacional disperso na extensa área

rural do município deixe de ser atendido pela coleta de lixo.

O abastecimento de água ainda é muito precário contemplando apenas cerca de um

quarto da população residente. Porém até 2013 o município tinha o maior número total de

domicílios com coleta de esgoto da microrregião, superando Cascavel em cerca de quatro

vezes280.

279 Os percentuais aqui apresentados são a razão entre o número total de domicílios e número de domicílios atendidos

por cada serviço, conforme dados do IPECE (2014). Porém, Torres (2013, p.103) afirma que “de acordo com a

Secretaria de Recursos Hídricos do Ceará, enquanto 71,1% dos domicílios possuem abastecimento de água, apenas

3,4% dos domicílios possuem instalações sanitárias adequadas em Cascavel”. 280 Enquanto Beberibe possui 1.425 ligações reais de esgoto, Cascavel possui apenas 383. Sua cobertura urbana de

esgoto atinge os 43,95% enquanto em Cascavel é apenas 4,52% e Pindoretama não apresenta dados nessa mesma

pesquisa.

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254

Figura 16-Cobertura dos serviços de saneamento básico por domicílios em

Beberibe-CE, 2010

Dados: IPECE, 2014.

Fonte: Elaborado pela autora.

Em Pindoretama, o número de domicílios atendidos pela coleta de lixo (3.715)

também é superior à quantidade de domicílios localizados na área urbana (3.280). Se a coleta de

lixo cobre toda a área urbana, como é provável em razão da centralidade que esta exerce, isso

implica que ela avança pouco na cobertura da área rural que tem 2.085 domicílios. Nesses termos,

considerando que 100% dos domicílios urbanos sejam atendidos, apenas 20% dos domicílios

rurais desfrutariam do mesmo serviço. Como não há dados referentes ao abastecimento de água

e esgotamento sanitário para o ano de referência, representamos a seguir apenas a situação da

coleta de lixo.

Figura 17-Cobertura dos serviços de saneamento básico por domicílios em

Pindoretama-CE, 2010

Dados: IPECE, 2014.

Fonte: Elaborado pela autora.

Quanto à disposição final dos resíduos sólidos coletados, nos três municípios, todos

os resíduos sólidos produzidos em seus territórios são depositados em lixões municipais. Em

Cascavel, o principal lixão está localizado próximo ao perímetro urbano da sede municipal e

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255

recebe praticamente todos os resíduos gerados no município: resíduos de serviço de saúde,

públicos, domiciliares e particulares de saneamento e de grandes geradores, principalmente das

várias indústrias locais. Em Beberibe, o lixão está cerca de 20 Km distante da sede municipal e

os resíduos privados que recebe provêm principalmente da atividade turística281 (COMARES-

UCV, 2015). Pindoretama não possui atividades turística ou industrial com relevante envio de

resíduos sólidos para o lixão, mas esse também recebe resíduos de diferentes naturezas.

Conforme informações do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento –

SNIS (2014 apud COMARES-UCV, 2015), a produção diária de resíduos sólidos destinada aos

lixões de Cascavel, Beberibe e Pindoretama é respectivamente 150, 50 e 20 ton/dia (COMARES-

UCV, 2015). Entretanto, lembramos que esses números não são confiáveis, uma vez que são

fornecidos pelas prefeituras que não realizam a pesagem dos resíduos.

5.3.2 O COMARES-UCV

O Consórcio Municipal para Aterro Sanitário de Resíduo Sólidos–Unidade Cascavel

– COMARES-UCV é um dos 22 consórcios para implementação de aterro sanitário de resíduos

sólidos formados por iniciativa do Governo do Estado do Ceará sob consultoria do IDC.

Conforme o estabelecido no seu Contrato de Constituição, o COMARES-UCV está

autorizado “a promover a gestão associada de serviços públicos para a implantação e

administração de Aterro de Resíduos Sólidos regionalizado, objetivando principalmente a

integração de serviços de forma eficaz e menos onerosa para seus entes consorciados”

(COMERES-UCV, 2010).

O consórcio possui personalidade jurídica de direito público, do tipo associação

pública e integra a administração indireta dos municípios consorciados: Cascavel, Beberibe e

Pindoretama. A gestão associada do consórcio tem jurisdição dentro do território desses

municípios e sua sede se localiza no município de Cascavel, onde também deveria ser instalado

o aterro sanitário pretendido pelo consórcio.

281 Embora seja um município com relevante atividade turística que sustenta grande quantidade de hotéis, pousadas

e barracas de praia, esses estabelecimentos não aplicam adequadamente seus respectivos Planos de Gerenciamento

de Resíduos Sólidos – PGRS, onerando a coleta de seus resíduos particulares para a municipalidade. Beberibe

possui um Plano de Gerenciamento Integrado de Resíduos Sólidos Urbanos - PGIRSU construído para a obtenção

do ICMS Ecológico, mas que não atende ao escopo da PNRS (2010). (COMARES-UCV, 2015).

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256

Conforme o IDC (2016), sua implantação seguiu os seis passos jurídicos necessários

para a formação do consórcio: protocolo de intenções, leis de ratificação municipais, estatuto

social, regimento interno, contrato de rateio e contrato de programa.

Pouco depois da publicação da PNRS (2010), a Assembleia Geral do COMARES-

UCV aprovou o Estatuto Social do consórcio, um dos dispositivos legais que rege a agremiação

e que tem seu conteúdo mínimo estabelecido por lei282. O documento organizado em 20 capítulos

e 80 cláusulas traz as principais informações acerca da organização do consórcio.

A gestão associada implica a transferência total ou parcial de competências

municipais para o consórcio. Nesse caso, o consórcio absorveu “o planejamento, a regulação, a

fiscalização e, nos termos do contrato de programa, a prestação do serviço público para promover

a destinação de disposição final de resíduos e rejeitos sólidos, na área de atuação da

Administração Pública dos municípios [consorciados]” (COMARES-UCV, 2010, Cap. III).

O Consórcio como titular dos serviços públicos de manejo, destinação e disposição

final de resíduos e rejeitos sólidos, será responsável pela organização e prestação direta ou

indireta destes serviços, mas o seu planejamento, regulação e fiscalização não podem ser total ou

parcialmente transferidos para terceiros (COMARES-UCV, 2010).

Em termos práticos, os objetivos são a realização de licitações compartilhadas; a

aquisição ou administração dos bens para uso compartilhado; a capacitação técnica continuada

do pessoal empregado no gerenciamento de resíduos; o desenvolvimento de programas de

educação, saúde e gestão ambiental; a adoção de tecnologias limpas que minimizem os impactos

ambientais; implantar a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto e garantir

a boa qualidade da prestação dos serviços públicos de manejo de resíduos sólidos e a sua

sustentabilidade operacional e financeira283.

Nesse sentido, o consórcio está autorizado a emitir documentos de cobrança pelos

serviços públicos prestados por ele próprio ou por seus entes consorciados, além de restringir o

acesso ou mesmo suspender (sempre precedida por prévia notificação) a prestação do serviço

para o ente consorciado inadimplente que não honrar as obrigações assumidas.

282 Conforme e estabelecido na Lei dos Consórcios deverá dispor sobre a organização do consórcio, a estrutura

administrativa, os cargos, as funções, as atribuições e competências, a forma de eleição, os órgãos constitutivos do

consórcio e demais regras para sua funcionalidade. 283 Nesse sentido, os objetivos são o reconhecimento do resíduo sólido como um bem econômico e de valor social;

o seu reaproveitamento econômico, incluindo a recuperação e o reaproveitamento energético; a comercialização

de matéria prima ou produtos derivados do funcionamento do aterro sanitário; e a articulação entre as diferentes

esferas do poder público e dessas com o gestor empresarial, com visas à cooperação técnica e financeira para

gestão associada dos resíduos sólidos.

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257

Entretanto, a viabilidade socioeconômica dos serviços a serem prestados deverão ser

“adequadamente planejados, de modo a não onerar desnecessariamente ou injustamente seus

usuários”. Assim, “o planejamento dos serviços públicos deverão ser elaborados e revisados [sic]

com a participação da comunidade, sendo obrigatória a realização de audiências e consultas

públicas” (COMARES-UCV, 2010).

A modicidade dos preços públicos (taxas e tarifas); a equidade social e econômica

dos serviços, salvo aqueles que priorizem o atendimento da população de baixa renda; e a

participação da sociedade por meio de instâncias de controle social são algumas das diretrizes

básicas que norteiam o consórcio. Cabe destaque ainda à universalização do acesso aos serviços

de boa qualidade e em menor prazo possível; a regularidade, continuidade, eficiência e segurança

(para os usuários, trabalhadores, meio ambiente e população em geral); a atualidade ou

modernidade (das técnicas, equipamentos, instalações e serviços); e o bom atendimento ao

público.

A atividade financeira do consórcio obedecerá às normas de direito financeiro

aplicáveis às entidades públicas. Os consorciados apenas repassarão recursos ao consórcio

quando este for contratado para a prestação de serviços, execução de obras ou fornecimento de

bens ou quando houver Contrato de Rateio284, caso em que os consorciados respondem

subsidiariamente pelas obrigações do Consórcio (COMARES-UCV, 2010).

O Consórcio está habilitado a firmar acordos setoriais ou termos de compromisso

com o setor privado e “com o objetivo de receber transferência de recursos, o Consórcio fica

autorizado a celebrar convênios com entidades governamentais, de terceiro setor ou privadas,

nacionais ou estrangeiras” (COMARES-UCV, 2010).

O quadro de pessoal do Consórcio será formado por servidores cedidos pelos entes

consorciados ou por no máximo 16 (dezesseis) empregados públicos admitidos mediante

concurso público285 e regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. Estes, por sua vez,

não poderão ser cedidos aos entes consorciados. Aqueles que estão à frente do Consórcio ou que

desempenham função em qualquer um de seus órgãos, sejam representantes dos entes

consorciados ou dos usuários não poderão ser remunerados (COMARES-UCV, 2010).

284 “O contrato de rateio é um contrato celebrado pelos Entes Políticos, em sede de um contrato de consórcio público,

visando que os recursos adquiridos com a prestação do serviço público, objeto do consórcio, seja rateado entre os

Entes Públicos consorciados, conforme disposto no art. 8º, § 1º, da lei 11.107/2005.” (JusBrasil.com, 2015 –

Disponível em: <http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/1055706/o-que-se-entende-por-contrato-de-rateio-ariane-

fucci-wady>. Acesso em: 16 out. 2015). 285 Conforme a Lei nº 8.66/1993, que dispõe sobre licitações e contratos da Administração Pública.

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258

Os órgãos constitutivos de um consórcio público são formados por representantes

dos entes consorciados de duas formas distintas. Assembleia Geral, Presidência, Vice-

Presidência e Diretoria Executiva são compostos obrigatória e exclusivamente por chefes do

Poder Executivo das instâncias que o compõem. No caso do COMARES-UCV e dos outros

consórcios intermunicipais de resíduos sólidos, esses representantes são os prefeitos dos

municípios.

A Assembleia Geral é órgão mais importante e instância máxima do consórcio, órgão

colegiado composto pelos Chefes do Poder Executivo de todos os entes consorciados, nesse caso,

pelos prefeitos de Cascavel, Beberibe e Pindoretama286. É a assembleia que delibera todas as

questões de competência do consórcio e elege entre seus membros o presidente e o vice-

presidente (segundo mais votado) do consórcio para um mandado de 2 anos, podendo ser reeleito

para um único mandado subsequente.

O presidente é o representante judicial e extrajudicial do consórcio, quem ordena suas

despesas e se responsabiliza pela sua prestação de contas, cargo ocupado pelo prefeito de

Pindoretama (gestão 2015-2016). Todas essas funções podem ser delegadas ao vice-presidente,

exceto a representação judicial e extrajudicial. Já a Diretoria Executiva é formada pelo presidente

do consórcio e mais dois prefeitos por ele nomeados. Julga questões relativas a concurso público,

editais de licitações, aplicação de penalidade, dispensa e exoneração de empregados ou

servidores temporários etc. e se reúne mediante à convocação do presidente e delibera de forma

colegiada. Como o COMARES-UCV é formado por apenas três municípios, a composição da

diretoria coincide com a da assembleia.

Os demais órgãos admitem representantes da esfera não executiva. O Colégio

Eleitoral é composto por dois representantes eleitos por cada Câmara Municipal e presidido por

membro eleito entre os indicados287. Ele elegerá (através do voto secreto) entre seus membros

três candidatos para comporem o Conselho Fiscal, a quem compete “exercer o controle da

legalidade, legitimidade e economicidade da atividade patrimonial e financeira do Consórcio”.

Esse controle interno não prejudica o controle externo do Poder Legislativo de cada

ente consorciado sobre os recursos que cada um deles efetivamente entregar ou compromissar ao

Consórcio. Ao contrário, sujeita o consórcio à fiscalização contábil, operacional e patrimonial do

Tribunal de Contas dos Municípios consorciados (COMARES, UCV, 2010, Cap. IX).

286 Respectivamente Ivonete Pereira, Miclele Rocha e Valdemar Silva (gestão 2013-2016). 287 É vedada a candidatura de parente e afins até o terceiro grau de qualquer dos Chefes do Poder Executivo de entes

consorciados e os membros eleitos só poderão ser afastados mediante proposta de censura aprovada com quórum

exigido em Assembleia Geral.

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259

O Conselho de Regulação, por sua vez, é um órgão de natureza consultiva, formado

por dois membros da Diretoria Executiva e três representantes de usuários, cuja eleição deverá

se dar em conferência convocada mediante ampla publicidade. A ele compete “aprovar as

propostas de Regulamento a serem submetidas à Assembleia Geral, bem como emitir parecer

sobre as propostas de revisão e reajuste de tarifas” de modo que qualquer decisão da Assembleia

Geral nesse sentido, não terá validade sem a prévia manifestação do Conselho de Regulação.

Entretanto, é necessário salientar que as deliberações serão negociadas entre

representantes dos usuários (que podem ser pessoas comuns) e prefeitos: apesar de estarem em

menor número, estes certamente possuem um capital social maior, caracterizando uma assimetria

de forças que pode facilmente fazer as decisões penderem para o lado dos gestores, situação que

pode ser agravada no caso de deliberações realizadas com quórum mínimo exigido.

Formado em 2010, o COMARES-UCV permaneceu inativo até 2014, quando os

gestores recém empossados retomaram as discussões com a pretensão de reativá-lo. Foi

necessário recompor os órgãos e as funções que se encontravam esvaziados e com mandatos

vencidos para iniciar o trabalho, e assumir as responsabilidades, pois uma vez formado, o

consórcio adquire personalidade jurídica própria dotada de obrigações legais, que deixam de ser

cumpridas quando o consórcio, apesar de legalmente formado, permanece inativo. Um exemplo

é a multa contraída pelo COMARES-UCV junto à Receita Federal pela não apresentação da

Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais – DCTF288 durante o tempo em que esteve

inativo.

Judicialmente, o município de Pindoretama responde a uma Ação Civil Pública -

ACP já em fase final, aguardando julgamento. Antes havia firmado um Termo de Ajustamento

de Conduta - TAC com o Ministério Público, o qual não conseguiu cumprir. Em Beberibe a ACP

está em fase final e em Cascavel ainda não há propositura de ACP, mas há um inquérito civil

instaurado. Cascavel tem um processo administrativo no IBAMA por ter tido o suposto aterro

sanitário construído com recursos do MMA transformado no atual lixão289.

288 A DCTF inclui vários tributos. Deve ser apresentada mensalmente por órgãos públicos dos Poderes Executivo,

Legislativo (Estados e municípios) e Judiciário (Estados), autarquias, fundações públicas, consórcios etc. e a sua

não declaração implica multa. 289 Sobre isso há controvérsias. Em outro trabalho (TORRES, 2013), catadores antigos do lixão de Cascavel afirmam

que a estrutura do que seria um aterro sanitário era mínima, reduzida a uma pequena construção e uma balança

rodoviária. De fato, o local não apresenta indícios de valas, canalização de chorume ou impermeabilização do solo,

embora oficialmente conste como aterro sanitário, o que inclusive rendeu dificuldades aos municípios em pleitear

recursos para aterro, uma vez que consta que ele já possui. De qualquer forma, é um trabalho mais específico sobre

as deficiências da administração pública que não trataremos aqui.

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260

O Governo do Estado através da SEMA e SCIDADES afirma que não há orçamento

para a ideia inicial e não há grandes perspectivas de participação financeira do Estado para os

consórcios intermunicipais de resíduos sólidos, exceto os municípios incluídos em outros

projetos financiados pelo Banco Mundial290.

Como que em um cenário ideal, o Estatuto Social do consórcio - criado pelo IDC a

serviço do Governo do Estado durante a formação do consórcio - estipulava o início das

operações do aterro sanitários para julho de 2014, dias antes do prazo final estabelecido pela

PNRS (2010). Após a formação o consórcio caiu na inércia e, como sabemos, o prazo expirou

sem que o objetivo fosse alcançado e sem indicativos de um novo prazo ou ações.

Esse estado de inatividade começou a ser alterado a partir de um contato informal

estabelecido em abril de 2015 entre o secretário de meio ambiente de Cascavel e um representante

da SCIDADES, o coordenador da Cosan. Nos meses seguintes foram realizadas reuniões com os

prefeitos, secretários, técnicos e procuradores dos três municípios, representantes da

SCIDADES, SEMA, IDECI e do Ministério Público do Ceará a fim de abrir novas perspectivas

de atuação para o COMARES-UCV, uma vez que não há perspectivas para a instalação do aterro

sanitário.

O objetivo da articulação é a realização de ações imediatas que atenuem os impactos

da gestão inadequada de resíduos sólidos nos municípios do COMARES-UCV, através de

medidas que possam atender aos princípios da PNRS (2010) dentro das limitações financeiras e

institucionais dos municípios (CEARÁ, 2016).

Foi então criado um plano de trabalho conjunto em que as partes assumem

compromissos práticos a serem executados até o final de 2015. Uma vez que essas metas fossem

alcançadas, a ideia era que a partir de 2016, o consórcio assumisse a continuidade das ações, com

o apoio técnico da SCIDADES, SEMA e IDECI. Porém, as metas não foram atingidas dentro do

prazo previsto e foram deslocadas para 2016. Conforme o PERS (CEARÁ, 2016), estas são as

ações pactuadas e seus respectivos responsáveis:

290 Em relatório da reunião de trabalho realizada com as partes em setembro de 2015 pelo Ministério Público do

Ceará, a SEMA afirma que são 81 municípios do Vale do Acaraú, Salgado e RMF beneficiados com projetos de

recuperação de áreas degradadas, coleta seletiva, bolsa de negócios e plano de comunicação.

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261

Quadro 13-Metas pactuadas entre os municípios do COMARES-UCV, SEMA,

SCIDADES e IDECI para 2016

Fonte: Plano Estadual de Resíduos Sólidos (CEARÁ, 2016).

Esse é um projeto-piloto de assistência técnica e cooperação que ainda não há no

estado do Ceará. Não há nenhuma estrutura de aterro definida e nas discussões é possível

perceber que este não será a estrutura principal. O principal será o conjunto de ações que reduzirá

o volume de lixo gerado, exigindo uma estrutura menor dentro das possibilidades dos municípios.

A ideia era que a implantação de ecopontos (PEVs ou LEVs), a construção do centro

de triagem para catadores e a efetivação de um projeto-piloto de coleta seletiva acontecem

paralelas e de imediato, reduzindo o volume de lixo enviado ao lixão e facilitando assim o seu

manejo que também deveria acontecer até o final de 2016 (CASCAVEL, 2015).

Revisão da legislação municipal e anteprojeto de lei SCIDADES

Encaminhamento e aprovação do projeto de lei Prefeituras

Proposta de revisão das estruturas administrativas SCIDADES

Readequação das estruturas administrativas Prefeituras

Apoio técnico para operacionalização do consórcio SCIDADES

Curso de capacitação para operacionalização do consórcio SCIDADES

Instalação e funcionamento dos consórcios Prefeituras

Elaboração do modelo do cadastro SEMA

SEMA

Prefeituras

Análise do modelo após teste e elaboração do cadastro definitivo SEMA

Identificação e cadastramento dos grandes geradores Prefeituras

Estudo e proposta de participação dos grandes geradores SEMA

Aprovação e efetivação da proposta SEMA

Elaboração de Proposta para Educação Ambiental SEMA

Implementação da proposta de Educação Ambiental Prefeituras

Identificação de locais para os Ecopontos Prefeituras

Elaboração de projetos executivos dos Ecopontos IDECI

Proposta de Gestão do Ecoponto SCIDADES

Proposta de Gestão da Coleta Seletiva SEMA

Implementação dos Ecopontos Prefeituras

Elaboração do modelo do cadastro de catadores SEMA

SEMA

Prefeituras

Análise do modelo após teste e elaboração do cadastro definitivo SEMA

Identificação e cadastramento dos catadores Prefeituras

Organização de cooperativas/Associação de catadores SEMA

Elaboração de Plano de Manejo dos Lixões SCIDADES

Validação Ambiental do Plano de Manejo SEMA

Implementação do Plano de Manejo Prefeituras

Metas Responsável

Teste do modelo por cadastro de grupo amostral

Teste do modelo por cadastro de grupo amostral

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262

Porém, novamente as metas não avançaram e os municípios do COMARES-UCV

celebraram com o Ministério Público um TAC no qual essas metas são detalhadas e redistribuídas

até 2017. A primeira ação prevista é a revisão do Estatuto Social, Regimento e Contrato de

Programa do consórcio. Todos esses instrumentos foram constituídos sobre a ideia inicial de

aterro sanitário e com a ampliação do objetivo do consórcio, tanto os instrumentos quanto a

denominação necessitam ser alterados. A razão social passará para Consórcio Intermunicipal

para Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, mas o nome fantasia referente à sigla anterior será

mantido.

O passo seguinte é a formação de equipe técnica e administrativa que permita a

operacionalização das atividades do consórcio. A sede do consórcio localizada no município de

Cascavel foi inaugurada em outubro de 2015291, mas ainda não oferece expediente regular e

estrutura física adequada devido a complicações na documentação que impossibilita a

movimentação financeira: os municípios consorciados só poderão entregar recursos ao consórcio

mediante Contrato de Rateio, no qual são definidas as regras e critérios das obrigações financeiras

assumidas por cada município para o custeio das atividades do consórcio292. O expediente é dado

sobretudo por técnicos de meio ambiente dos municípios, que na prática são os responsáveis

diretos pelos assuntos referentes ao consórcio.

Ao mesmo tempo está prevista a adequação da legislação municipal à PNRS (2010):

a elaboração de minutas de anteprojetos de lei sobre resíduos sólidos e a sua aprovação nas

câmaras municipais. Deve ser elaborado também o Plano Municipal de Educação Ambiental com

foco nos resíduos sólidos, além de um documento de referência e material de apoio didático

(cartilha e material audiovisual) para os professores da rede de escolas públicas e a promoção de

atividades, gincanas, palestras e oficinas, todos com o apoio da SEMA. Em Cascavel o Plano

Municipal de Educação Ambiental está na fase final de apreciação pública e deve ser lançado

dentro do prazo previsto.

Com relação à reciclagem e à coleta seletiva, as ações previstas são o apoio à

mobilização de catadores, que deverá culminar na criação de associações ou cooperativas; a

implantação de projetos-piloto de coleta seletiva em algumas ruas ou bairros; e o processamento

de reciclagem (termo de parceria). Quanto aos ecopontos, os projetos físicos já foram criados

291 Na ocasião da inauguração estavam presentes as comitivas municipais e representantes da SEMA e da

SCIDADES e os pronunciamentos em geral possuíram um tom de esperança e exaltação da iniciativa. 292 A ideia é que cada ente consorciado assuma responsabilidades financeiras e repasse os respectivos recursos ao

consórcio de modo a assegurar o custeio das atividades técnicas e administrativas a serem desenvolvidas pelo

consórcio a partir de sua Sede. Como é justo, a quota de gestão e gerenciamento de resíduos sólidos deverá ser

rateada de forma proporcional à quantidade de resíduos gerados por cada município, podendo ser reajustada a cada

cinco anos.

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pelo IDECI e os terrenos para a sua construção já foram regularizados em Cascavel e Beberibe

em Pindoretama está sendo definido. O próximo passo é a captação de recursos através de editais,

de modo que e execução da obra de instalação não possui data definida.

Sobre logística reversa, foi realizado um cadastro e reunião com os grandes geradores

de cada município e deverá ser realizado um estudo sobre esses resíduos com a finalidade de

destiná-los para a reciclagem. Finalmente, sobre o tratamento e a disposição final, as ações

previstas no TAC se resumem ao manejo dos atuais lixões e implementação de um projeto-piloto

de poda. O plano de manejo dos lixões e o projeto de poda deverão ser elaborados até o final de

2016. O projeto executivo do lixão deverá ser elaborado até o final de 2017, mas a execução das

obras não possui data definida, pois dependerão da captação de recursos, bem como a

implementação do projeto de poda.

Atualmente, os municípios ainda não possuem o plano municipal de resíduos sólidos

em conformidade com a PNRS (2010) e os lixões continuam sendo o destino dos resíduos

produzidos nos três municípios, recebendo lixo de origens diversas, tanto da limpeza pública

quanto de geradores particulares. Em Cascavel, o lixão ocupa uma extensa área e é de crítica

localização ambiental: a COGERH suspeita de contaminação no Riacho Malcozinhado que corta

o município (CASCAVEL, 2015).

Com essa nova fase de entendimento, o tratamento do Governo do Estado para com

os municípios do COMARES-UCV melhorou: a falta de assistência e o desinteresse dos órgãos

da administração estadual na questão dos resíduos sólidos cedeu lugar a um diálogo que tem

prosperado com vistas a encontrar algumas soluções para o problema (CASCAVEL, 2015).

Porém, embora as reuniões tenham avançado na definição de metas e o Governo do Estado tenha

oferecido certo apoio técnico e tenha sido essencial na mobilização dos atores, a falta de apoio

financeiro ainda é um fator decisivo: em termos práticos, o plano de trabalho firmado com o TAC

não indica um horizonte para o encerramento dos lixões e para a instalação dos ecopontos: ambos

se encerram com a captação de recursos e não se faz nenhuma menção ao aterro sanitário.

Diante da crise econômica e política vivenciada atualmente no Brasil, que avança em

ameaça a direitos e serviços públicos essenciais como saúde, educação, previdência e segurança,

são poucas as perspectivas de apoio financeiro do governo, seja do Estado ou da União. Pensando

nisso, o COMARES-UCV também vislumbra editais internacionais para a área, como por

exemplo o edital da União Europeia, em que o consórcio apresentou proposta para implantação

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de coleta seletiva e organização de cooperativa de catadores, ambos sem perspectivas de recursos

governamentais293.

Como vimos anteriormente, à luz do ordenamento jurídico brasileiro (Constituição

Federal, 1988; PNSB, 2007; PNRS,2010), a sustentabilidade econômica da coleta e manejo de

resíduos sólidos deverá ser garantida pela cobrança dos serviços aos munícipes. Entretanto, isso

não resolve o impasse referente aos investimentos necessários para a instalação do sistema de

gestão e gerenciamento de resíduos sólidos, pois este deverá, obrigatoriamente, preceder à

cobrança, criando antes as condições necessárias para a oferta apropriada do serviço a ser

cobrado.

Ou seja, antes que taxas sejam instituídas, é necessária uma completa reorganização

municipal: técnica, administrativa e institucional. Apesar de certa autonomia conferida pelo atual

pacto federativo, os municípios brasileiros em sua maioria não passaram por um fortalecimento

institucional necessário para o pleno exercício dessa autonomia. Visto que a descontinuidade

administrativa dos municípios é um dos principais pontos fracos dos consórcios intermunicipais

para resíduos sólidos no estado do Ceará, o fortalecimento institucional é fundamental para que

as ações empreendidas tenham continuidade nas gestões seguintes. E nesse sentido, são

fundamentais a participação e o apoio do Governo do Estado.

De qualquer forma, a iniciativa tem mobilizado diferentes atores e está estimulando

as prefeituras a produzirem instrumentos e ações importantes para o enfrentamento do problema

dos resíduos sólidos na área do COMARES-UCV294. Desse modo, em um cenário marcado pela

inatividade dos consórcios para resíduos sólidos, o COMARES-UCV inaugura uma forma de

atuação particular e de certa forma inédita.

Considerando todo o exposto, entendemos que a iniciativa é uma estratégia de

redirecionar o curso das ações de implementação da política de resíduos sólidos no estado,

transferindo o foco dos aterros sanitários para outras ações que também compõem o pacote de

obrigatoriedade fixado pela lei, mas que apesar de dependerem de um investimento inferior

também não foram implementadas nos municípios ou consórcios cearenses. Assim, tendo falhado

aquele objetivo que se tornou o ícone maior da política de resíduos sólidos, entram em pauta os

demais objetivos considerados mais realistas e exequíveis.

A geração de resíduos se refere à forma capitalista de produzir mercadorias, ou seja,

se refere aos pilares do modo de produção que é essencialmente segregador, classista e

dilapidador da natureza enquanto fonte para o processo produtivo que viabiliza a acumulação de

293 Edital EuropeAid/150217/DD/ACT/BR. O consórcio não atingiu a pontuação necessária para ser contemplado. 294 Em Cascavel, por exemplo, a Secretaria de Obras fez a topografia da área do lixão, até então inexistente.

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265

capital. Desnudada a superfície da terra de seus bens naturais agora transformados em recursos,

acaso ela poderia ser revestida por aterros sanitários destinados ao confinamento de resíduos?

Enquanto política pública, a concepção de um projeto estadual de gestão de resíduos sólidos

limitado à disposição final foi um erro, bem como será subestimar a sua importância num

momento em que mais se gera resíduos em toda a história.

Reiteramos que os aterros sanitários não são a solução para o problema dos resíduos

sólidos, enquanto questão social complexa. Mas do ponto de vista da emergência ambiental, eles

também não são dispensáveis: o Ministério Público Estadual entende que, embora necessárias,

as ações empreendidas pelo COMARES-UCV são medidas paliativas e insiste na implementação

do aterro sanitário nos termos da lei.

De fato, a adoção de medidas referentes ao tratamento dos resíduos sólidos é

importantíssima, mas não resolvem o problema da destinação final dos rejeitos, bem como não

exime os municípios dessa responsabilidade nem deve afastar a persecução da meta de um aterro

sanitário adequado às regras sanitárias e de engenharia, tampouco a esperança e o empenho na

superação desse modelo.

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266

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A problemática ambiental é resultado da sobreposição histórica da produção material

e, portanto, não pode ser encarada apenas como questão geoecológica, mas precisa ser inserida

no campo das relações sociais, pois a sua resolução passa pelos caminhos tomados pela

sociedade.

A sustentabilidade pode ser tratada como discurso, pois é um tema que possui

diferentes leituras construídas por forças sociais distintas. Embora haja diferentes abordagens, o

conceito hegemônico é aquele estabelecido pela ONU no Relatório Brundtland (1987) na forma

do desenvolvimento sustentável, que com ênfase econômica e tecnológica, tônica conciliadora e

disseminada através de um projeto de cooperação internacional, busca responder algumas

contradições expostas pelos modelos anteriores de desenvolvimento inaugurando uma nova

estratégia.

Nesse sentido, o desenvolvimento sustentável surge numa conjuntura de crise do

capitalismo e é entendido como um projeto de desenvolvimento capitalista global, pois a crise

do capitalismo foi reduzida à crise ambiental - enquanto denominador comum - com a intenção

de dar um novo fôlego à continuidade do desenvolvimento econômico. Concentrado em torno

das questões climáticas, o desenvolvimento sustentável possui jurisdição sobre todas as

atividades produtivas e sociais que deverão ser reestruturadas, criando um mercado e novas

formas de manter as velhas relações de poder entre nações. E entre os seus instrumentos mais

notáveis estão a influência política, que os países do capitalismo central impõem sobretudo aos

periféricos; e os instrumentos de flexibilização, que lhes permitem burlar acordos ao mesmo

tempo em que expandem seu poder.

No Brasil, a política ambiental está impregnada pelo desenvolvimento sustentável,

como por exemplo as políticas federais de educação ambiental, meio ambiente, mudanças

climáticas, saneamento básico e resíduos sólidos. Essa última claramente influenciada pelos

Mecanismos de Desenvolvimento Limpo - MDL, em um contexto de gestão nacional crítica com

agravantes regionais, em que os lixões compõem a paisagem da maioria dos municípios

brasileiros.

A adoção do modelo de gestão integrada de resíduos sólidos com a exigência de

aterros sanitários são produto da introdução do desenvolvimento sustentável e seus mecanismos

nas políticas públicas de meio ambiente no Brasil. Entretanto, ao mesmo tempo em que

considerou elementos externos, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (2010) não foi capaz de

alterar essa situação. Nem mesmo os planos de saneamento e resíduos sólidos tiveram sucesso.

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267

Os municípios acusam o governo federal de não disponibilizar apoio técnico na elaboração e o

governo federal tem na ausência dos planos um argumento para não conceder recursos

financeiros, mantendo assim um desafortunado impasse. Porém a mobilização municipalista

conseguiu adiar o prazo para o plano de saneamento e tenta conseguir o mesmo com o plano de

resíduos sólidos, empurrando a obrigatoriedade dos aterros sanitários e fechamento dos lixões

para 2024! Na prática, isso salva a cabeça dos gestores em nível local e em nível nacional mantém

a impressão de que a solução está em processo, mas na realidade nada avança em soluções

concretas.

O Estado do Ceará possui uma situação crítica de saneamento e no tocante aos

resíduos sólidos, a precariedade da gestão é generalizada e a presenças de lixões nos municípios

é quase unânime. Apesar de consorciados, os municípios também não avançaram em ações

concretas. Inicialmente, a escolha do recorte espacial se deu porque o consórcio formado pelos

três municípios representava bem os municípios cearenses e a composição dos consórcios

intermunicipais por eles formados: um município polo com influência regional e municípios

menores, combinando diferentes extensões territoriais e sua repartição entre áreas urbanas e

rurais, índices de urbanização e densidade demográfica, indicadores sociais e econômicos etc.,

ao mesmo tempo em que pudessem compor uma unidade territorial e ambiental admissível para

fins de política públicas.

Esperávamos que a compreensão das dificuldades enfrentadas pelo COMARES-

UCV na execução das diretrizes da PNRS (2010), sobretudo a implementação do aterro sanitário,

tornasse possível também a compreensão das dificuldades enfrentadas pelos demais consórcios

e municípios cearenses que partilham das mesmas características. Entretanto, durante o nosso

percurso, o COMARES-UCV inesperadamente inaugurou outra perspectiva de atuação,

rompendo com a inércia que até então caracterizava os consórcios intermunicipais de resíduos

sólidos no estado do Ceará.

Ao final, temos o entendimento que o objetivo foi alcançado: conseguimos apontar

algumas das dificuldades que travam a implementação da PNRS (2010) e compreender que elas

são múltiplas e possuem diferentes escalas. Mas que isso, a aparente guinada que o COMARES-

UCV parece estar construindo com o apoio do Governo do Estado e o fato dessa ser uma

experiência ímpar no Estado, apontam para algumas conclusões.

A primeira é que essa experiência surge diante da constatação de que a PNRS (2010)

e a política estadual de regionalização não foram capazes de induzir melhorias efetivas no

problema dos resíduos sólidos nos municípios cearenses. Há de se ressaltar, portanto, que

considerar a nova estratégia mais realista e exequível reafirma a falha da proposta anterior, não

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quando exige o aterro sanitário, que é de fato uma necessidade, mas quando não viabiliza na

necessária medida os instrumentos para a sua implementação.

Um desses instrumentos seria os consórcios públicos, que apesar de serem o ícone

da política de regionalização do Estado, de fato também não prosperaram. Frente ao fracasso

derivado da incapacidade técnica, política, financeira e institucional dos municípios para a

implementação, tanto dos aterros sanitários quanto das demais obrigações impostas pela PNRS

(2010), entendemos que há um abismo gigante entre as determinações legais da lei dos resíduos

e as perspectivas de seu efetivo cumprimento.

O Governo do Estado tem citado a iniciativa do COMARES-UCV, tanto para mostrar

ação quanto para inspirar outras iniciativas. Porém, se por um lado há a esperança de que, uma

vez que seja bem-sucedida, a experiência possa servir de modelo a ser reproduzido pelos demais

consórcios ou municípios cearenses; por outro, entendemos que ela é uma realidade de exceção

no contexto cearense, derivada de uma conjuntura política específica e não de uma política

pública eficiente e abrangente, pois ao contrário, nasceu do fracasso de uma.

Também é fundamental ressaltar a responsabilidade dos gestores municipais nesse

processo. Não havendo prosperado a implementação dos aterros sanitários, alegando-se

sobretudo incapacidade financeira, o fato é que as demais ações impostas pela política, ainda que

dependessem de um investimento inferior, como a coleta seletiva, por exemplo, também não

foram implementadas nos municípios e consórcios cearenses. Isso aponta para uma deficiência

que não é somente financeira, mas sobretudo institucional e administrativa e quem sabe seja um

indicativo da necessidade de um novo pacto federativo.

Cabe lembrar ainda que a gestão integrada e o gerenciamento de resíduos sólidos

propostos pela PNRS (2010) estão inseridos em um contexto de desenvolvimento sustentável

enquanto projeto hegemônico. As considerações desenvolvidas ao longo do trabalho que situam

o COMARES-UCV dentro da política ambiental brasileira, e ambos dentro da política ambiental

internacional, puderam reafirmar que a dimensão econômica é dominante, enquanto a dimensão

política instrumentaliza os interesses econômicos que o capital estabelece para o setor através

das políticas públicas, conferindo-lhe legalidade e o social se volta para a legitimação dos dois

primeiros como forma de manter o poder do Estado e a hegemonia capitalista.

Uma vez que o Estado brasileiro assume o desenvolvimento sustentável como

modelo de crescimento econômico e o introduz nas políticas públicas de maneira ampla, o desafio

maior estaria na sua implementação, ainda muito distante do que preveem as leis até aqui

instituídas. Apesar do fracasso aparente da PRRS (2010), da política estadual de regionalização

e dos consórcios constituídos, esse descompasso não deve ser confundido com o abandono do

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projeto hegemônico: pelo contrário, atores hegemônicos em diferentes escalas têm forçado o

cumprir dos aspectos da lei com maior relevância para a manutenção do status quo e das

estruturas de poder historicamente constituídas externa e internamente.

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270

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277

APÊNDICES

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278

APÊNDICE A - Indicadores diversos dos municípios do COMARES-UCV

Dados: IPECE, 2014.

Fonte: Elaborado pela autora.

Nº % Nº % Nº % Nº %

Área Absoluta (Km²)

→ Consórcio(%)

Dens. Demogr. (hab/km²)

Taxa de Urbanização (%)

População Total (Hab.)

→ Consórcio(%)

→ Urbana 56.157 84,9 21.611 43,83 11.280 60,38 - -

→ Rural 9.985 15,1 27.700 56,17 7.403 39,62 - -

Domicílios totais

→ Urbanos 16.089 85,43 6.301 44,66 3.280 61,13 - -

→ Rurais 2.743 14,56 7.806 55,33 2.085 38,86 - -

→ Com energia elétrica 18.535 98,63 13.888 98,64 5.251 98,31 2.340.224 98,94

→ Com coleta de lixo 12.434 66,03 8.388 59,58 3.715 69,56 1.781.993 75,35

→ Com Esgot. Sanitário 383 2,03 1.425 10,10 - - 516.386 21,83

Cobertura urbana

→ Com Abast. Água - 2013 12.455 66,14 3.862 27,38 - - 1.635.094 69,13

> Cobertura urbana

IDH (número/posição) 0,646 28º 0,638 37º 0,636 40º - -

IDM (número/posição) 33,39 26º 26,01 57º 34,86 25º - -

População extrema-

mente pobre (%)

PIB (R$) (2011)

→ PIB per capta - 2011

→ PIB Agropecuária - 2011

→ PIB Indústria - 2011

→ PIB Serviços - 2011

Estabel. Comerciais - 2013

Indústrias ativas - 2013

Empregos formais - 2013

Receitas Totais - 2012

Despesas Totais - 2012

ICMS Arrecadado - 2013

→ IQM Equivalente

Eco

no

mia

San

eam

ento

Des

envo

lvim

ento

Po

pu

laçã

o

2010*

COMARES - UCV

R$ 9.164.147 R$ 1.854.224 R$ 8.705.388.724

R$ 91.930 R$ 78.426

R$ 1.166.825

-

1.321

4.957 1.495.923

R$ 7,255 R$ 6,135 R$ 5,359 R$ 10,314

30,37 256,06

33,15% 63,95%

752

8.028

268

R$ 572.759 R$ 115.889 R$ 72.927

R$ 101.648R$ 305.830R$ 484.886 R$ 87.982.450

R$ 32.218

-

84,90% 43,83% 60,38%

17,78%13,97%25,43%16,02%

R$ 90.259 R$ 74.222 R$ 33.649 -

34.763

154.781

1.944

100

440

146

14.10718.832 2.365.2765.365

36,19%-4,52% 43,95%

91,61%93,00%90,05%95,85%

73,08%63,19% 73,12%66,62%

22,22%26,64% 23,16% 16,85%

4,70%10,03%13,66%6,77%

Ceará

-

Cascavel Beberibe Pindoretama

-

-13,92%36,76%49,30%

18.68349.31166.142

837,97 1.616,39 72,85

2,88% -

-

-

84,9

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APÊNDICE B – Resoluções CONAMA para resíduos sólidos (1986-2009)

(Continua)

Lei nº Descrição sucinta

001/1986Critérios básicos e diretrizes gerais para o Relatório de Impacto Ambiental - RIMA - Data da

legislação: 23/01/1986 - Publicação DOU, de 17/02/1986, págs. 2548-2549

002/1991

Adoção ações corretivas, de tratamento e de disposição final de cargas deterioradas,

contaminadas ou fora das especificações ou abandonadas - Data da legislação: 22/08/1991 -

Publicação DOU, de 20/09/1991, págs. 20293-2029

006/1991 Incineração de resíduos sólidos provenientes de estabelecimentos de saúde, portos e

aeroportos - Data da legislação: 19/09/1991 - Publicação DOU, de 30/10/1991, pág. 24063

008/1991 Dispõe sobre a entrada no país de materiais residuais - Data da legislação: 19/09/1991 -

Publicação DOU, de 30/10/1991, pág. 24063

005/1993

Definições, classificação e procedimentos mínimos para o gerenciamento de resíduos sólidos

oriundos de serviços de saúde, portos e aeroportos, terminais ferroviários e rodoviários - Data

da legislação: 05/08/1993 - Publicação DOU nº 166, de 31/08/1993, págs. 12996-12998

023/1996 Regulamenta a importação e uso de resíduos perigosos - Data da legislação: 12/12/1996 -

Publicação DOU nº 013, de 20/01/1997, págs. 1116-1124

228/1997 importação de desperdícios e resíduos de acumuladores elétricos de chumbo - Data da

legislação: 20/08/1997 - Publicação DOU nº 162, de 25/08/1997, págs. 18442-18443

237/1997

Regulamenta os aspectos de licenciamento ambiental estabelecidos na Política Nacional do

Meio Ambiente - Data da legislação: 22/12/1997 - Publicação DOU nº 247, de 22/12/1997, págs.

30.841-30.843

264/1999

Licenciamento de fornos rotativos de produção de clínquer para atividades de co-

processamento de resíduos" - Data da legislação: 26/08/1999 - Publicação DOU nº 054, de

20/03/2000, págs. 80-83 - Status: Vigente (em processo de revisão)

275/2001 Estabelece código de cores para diferentes tipos de resíduos na coleta seletiva - Data da

legislação: 25/04/2001 - Publicação DOU nº 117, de 19/06/2001, pág. 080

302/2002

Parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente de reservatórios

artificiais e o regime de uso do entorno" - Data da legislação: 20/03/2002 - Publicação DOU nº

090, de 13/05/2002, págs. 67-68

303/2002 Parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente - Data da legislação:

20/03/2002 - Publicação DOU nº 090, de 13/05/2002, pág. 068

307/2002 Diretrizes, critérios e procedimentos para a gestão dos resíduos da construção civil - Data da

legislação: 05/07/2002 - Publicação DOU nº 136, de 17/07/2002, págs. 95-96

313/2002 Inventário Nacional de Resíduos Sólidos Industriais - Data da legislação: 29/10/2002 -

Publicação DOU nº 226, de 22/11/2002, págs. 85-91

316/2002 Procedimentos e critérios para o funcionamento de sistemas de tratamento térmico de

resíduos - Data da legislação: 29/10/2002 - Publicação DOU nº 224, de 20/11/2002, págs. 92-95

334/2003

Procedimentos de licenciamento ambiental de estabelecimentos destinados ao recebimento

de embalagens vazias de agrotóxicos - Data da legislação: 03/04/2003 - Publicação DOU nº 094,

de 19/05/2003, págs. 79-80

348/2004 Altera a Resolução no 307, de 5 de julho de 2002, incluindo o amianto na classe de resíduos

perigosos. - Data da legislação: 16/08/2004 - Publicação DOU nº 158, de 17/08/2004, pág. 070

358/2005 Dispõe sobre o tratamento e a disposição final dos resíduos dos serviços de saúde - Data da

legislação: 29/04/2005 - Publicação DOU nº 084, de 04/05/2005, págs. 63-65

Resoluções CONAMA sobre resíduos sólidos (1986-2009)

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280

(Continuação)

(Conclusão)

Dados: IPECE, 2014.

Fonte: Elaborado pela autora.

359/2005 Dispõe sobre a regulamentação do teor de fósforo em detergentes em pó - Data da legislação:

29/04/2005 - Publicação DOU nº 083, de 03/05/2005, págs. 63-64

362/2005

Dispõe sobre o recolhimento, coleta e destinação final de óleo lubrificante usado ou

contaminado. - Data da legislação: 23/06/2005 - Publicação DOU nº 121, de 27/06/2005, págs.

128-130

373/2006

Define critérios de seleção de áreas para recebimento do Óleo Diesel com o Menor Teor de

Enxofre-DMTE, e dá outras providências. - Data da legislação: 09/05/2006 - Publicação DOU nº

088, de 10/05/2006, pág. 102

377/2006 Dispõe sobre licenciamento ambiental simplificado de Sistemas de Esgotamento Sanitário -

Data da legislação: 09/10/2006 - Publicação DOU nº 195, de 10/10/2006, pág. 56

380/2006

Retifica a Resolução Nº 375/2006 - Define critérios e procedimentos, para o uso agrícola de

lodos de esgoto gerados em estações de tratamento de esgoto sanitário e seus produtos

derivados - Data da legislação: 31/10/2006 - Publicação DOU nº 213, de 07/11/2006, pág. 59

396/2008

Dispõe sobre a classificação e diretrizes ambientais para o enquadramento das águas

subterrâneas e dá outras providências. - Data da legislação: 03/04/2008 - Publicação DOU nº 66,

de 07/04/2008, págs. 66-68

401/2008

Estabelece os limites máximos de chumbo, cádmio e mercúrio para pilhas e baterias

comercializadas e os critérios e padrões para o seu gerenciamento ambientalmente adequado

- Data da legislação: 04/11/2008 - Publicação DOU nº 215, de 05/11/2008, págs. 108-109

404/2008

Estabelece critérios e diretrizes para o licenciamento ambiental de aterro sanitário de

pequeno porte de resíduos sólidos urbanos. - Data da legislação: 11/11/2008 - Publicação DOU

nº 220, de 12/11/2008, pág. 93

411/2009

Procedimentos para inspeção de indústrias consumidoras ou transformadoras de produtos e

subprodutos florestais madeireiros, inclusive carvão vegetal e resíduos de serraria. - Data da

legislação: 06/05/2009 – Publicação DOU nº 86, de 08/05/2009, págs. 93-96

416/2009 Prevenção e degradação ambiental causada por pneus inservíveis - Data da legislação:

30/09/2009 - Publicação DOU Nº 188, de 01/10/2009, págs. 64-65

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281

APÊNDICE C – Normas NBR para resíduos sólidos (1984-2008)

(Continua)

Lei nº Ano Descrição sucinta

8418 1983 Apresentação de projetos de aterros para resíduos industriais perigosos - Procedimentos

8849 1985 Apresentação de projetos de aterros controlados de resíduos sólidos urbanos

9190 1985 Sacos plásticos para acondicionamento de RSU - Classificação

9734 1987Conjunto de equipamentos de proteção individual para avaliação de emergência e fuga no

transporte redoviário de produto perigosos - Procedimento

10157 1987 Aterros de resíduos perigosos - Critérios para projeto, construção e operação

11174 1988 Armazenamento de resíduos sólidos classes II (não inertess) e III (inertes)

7501 1989 Transporte de produtos perigosos – Terminologia

10664 1989 Águas - Determinação de resíduos (sólidos) - Método gravimétrico

10703 1989 Degradação do solo - Terminologia

9735 1990Conjunto de equipamentos para avaliação de emergência no transporte redoviário de

produto perigosos - Procedimento

11174 1990 Armazenamento de resíduos classe II (não inertes) e III (inertes) - Procedimentos

11175 1990 Incineração de resíduos sólidos perigosos - Padrões de desempenho - Procedimentos

7166 1992 Conexão internacional de descarga de resíduos sanitários - Formato e dimensões

7167 1992 Conexão internacional de descarga de resíduos oleosos - Formato e dimensões

7503 1992 Ficha de emergencia para produtos perigosos

8419 1992Apresentação de projetos de aterros de resíduos industriais urbanos - Versão Corrigida,

1996

12235 1992 Armazenamento de resíduos sólidos perigosos

12245 1992 Armazenamento de resíduos sólidos perigosos - Procedimentos

12710 1992 Proteção contra incêndio por extintores no transporte rodoviário de produtos perigosos

7504 1993 Envelope para transporte de produtos perigosos

9190 1993 Sacos Plásticos - Classificação

9191 1993 Sacos Plásticos - Especificação

9195 1993 Sacos plásticos p/ acondicionamento de RSU - Método de ensaio

9196 1993 Sacos plásticos p/ acondicionamento de RSU - Determinação de resistência a pressão do ar

9197 1993Sacos plásticos p/ acondicionamento de RSU - Determinação de resistência ao impacto

esfera

12807 1993 Resíduos de serviços de saúde – Terminologia

12808 1993 Resíduos de serviços de saúde – Classificação

12809 1993 Resíduos de serviços de saúde – Classificação

12810 1993 Coleta de resíduos de serviços de saúde

12980 1993 Coleta, varrição e acondicionamento de resíduos sólidos urbanos

12988 1993 Líquidos livre - Verificação em amostra de resíduos - Método de ensaio

13055 1993 Sacos plásticos para acondicionamento de RSU - Determinação de capacidade volumétrica

13056 1993Filmes pláticos para sacos plásticos para acondicionamento de RSU - Verificação da

tranparência

7500 1994 Símolos de risco e manuseio para o transporte e armazanamento de materiais - Simbologia

8286 1994Emprego da sinalização nas unidades de transprte e de rótulos nas embalagens de

produtos perigosos

13095 1994 Instalação e fixação de extintores de incêncio p/carga no transporte de produtos perigosos

13221 1994 Transporte de resíduos - Procedimentos

13333 1995 Caçamba para coleta - Terminilogia

Normas NBR sobre resíduos sólidos (1984-2008)

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282

(Continuação)

(Conclusão)

Dados: Castilhos Júnior, 2003; Poleto, 2010.

Fonte: Elaborado pela autora.

13334 1995 Caçamba para coleta - Dimensões e padronização

13413 1995 Controle de contaminação em áreas limpas

13463 1995 Coleta de resíduos sólidos - Classificação

13463 1995 Coleta de resíduos sólidos - Classificação

8285 1996 Preenchimento da ficha de emergência para produto perigosos

8843 1996 Gerenciamento de resíduos sólidos de aeroportos

13591 1996 Compostagem - Terminologia

13853 1997Coletores para resíduos de serviços de saúde perfurantes ou cortantes - Requisitos e

métodos de ensaio

13894 1997 Tratamento no solo (landfarming ) - Procedimentos

13895 1997 Construção de possos de monitoramento e amostragem - procedimentos

13896 1997 Aterros de resíduos não perigosos - Critérios para projeto, implantação e operação

14283 1999 Resíduos em solos - Determinação da biodegradação pelo método respirométrico

14652 2001Coletor-transportador rodoviário de resíduos de serviços de saúde - Requisitos de

construção e inspeção - Resíduos do grupo A

14725 2001 Ficha de Informaões de Segurança de Produtos Químicos - FISPQ

9191 2002 Sacos plásticos para acondicionamento de RSU - Requisitos e métodos

13332 2002 Coletor-compactador de resíduos sólidos e seus principais componentes - Terminologia

14879 2002 Coletor-compactador de resíduos sólidos - Definição do volume

14599 2003 Requisitos de segurança para coletores-compactadores de carregamento traseiro e lateral

10004 2004 Resíduos sólidos - Classificação

10005 2004 Procedimento para obtenção de extrato lixiviado de resíduos sólidos

10006 2004 Procedimento para obtenção de extrato solubilizado de resíduos sólidos

10007 2004 Amostragem de resíduos sólidos - Procedimentos

15051 2004 Laboratórios clínico - Gerenciamento de resíduos

15112 2004Resíduos da construção civil e resíduos volumosos - Áreas de transbordo e triagem -

Diretrizes para projeto, implantação e operação

15113 2004Resíduos sólidos da construção civil e resíduos inertes - Aterros - Diretrizes para projeto,

implantação e operação

15114 2004Resíduos sólidos da Construção civil - Áreas de reciclagem - Diretrizes para projeto,

implantação e operação

15115 2004Agregados reciclados de resíduos sólidos da construção civil - Execução de camadas de

pavimentação - Procedimentos

15116 2004Agregados reciclados de resíduos sólidos da construção civil - Utilização em pavimentação

e preparo de concreto sem função estrutural - Requisitos

13221 2007 Transporte terrestre de resíduos

13334 2007 Contentor metálico para coleta de resíduos sólidos - Requisitos

15515-1 2007 Passivo ambiental em solo e água subterrânea - Parte 1: Avaliação preliminar

14653-6 2008 Avaliação de bens - Parte 6: Recursos naturais e ambientais

15448-2 2008Embalagens plásticas degradáveis e/ou de fontes renováveis - Parte 2: Biodegradação e

compostagem - Requisitos e métodos de ensaio

15584-1 2008 Controle de vetores e pragas urbanas - Parte 1: Terminologia

15584-2 2008 Controle de vetores e pragas urbanas - Parte 2: Manejo integrado

15584-3 2008Controle de vetores e pragas urbanas - Parte 3: Sistema de gestão da qualidade -

Requisitos particulares para empresas controladoras de pragas