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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS MESTRADO ACADÊMICO EM SOCIOLOGIA ROBERTO CARLOS FERNANDES DE OLIVEIRA O SISTEMA DE COTAS COMO EXPECTATIVA DE ACUMULAÇÃO DE CAPITAL ECONÔMICO: UMA QUESTÃO DE CIDADANIA SUBSTANTIVA SOB A PERSPECTIVA DOS DIREITOS HUMANOS FORTALEZA CEARÁ 2017

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS

MESTRADO ACADÊMICO EM SOCIOLOGIA

ROBERTO CARLOS FERNANDES DE OLIVEIRA

O SISTEMA DE COTAS COMO EXPECTATIVA DE ACUMULAÇÃO

DE CAPITAL ECONÔMICO: UMA QUESTÃO DE CIDADANIA

SUBSTANTIVA SOB A PERSPECTIVA DOS DIREITOS HUMANOS

FORTALEZA – CEARÁ

2017

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ROBERTO CARLOS FERNANDES DE OLIVEIRA

O SISTEMA DE COTAS COMO EXPECTATIVA DE ACUMULAÇÃO DE CAPITAL

ECONÔMICO: UMA QUESTÃO DE CIDADANIA SUBSTANTIVA SOB A

PERSPECTIVA DOS DIREITOS HUMANOS

Dissertação apresentada para ao Curso de

Mestrado Acadêmico em Sociologia do

Programa de Pós-Graduação em Sociologia,

do Centro de Estudos Sociais da Universidade

Estadual do Ceará, como requisito parcial à

obtenção do título de mestre em Sociologia.

Área de concentração: Sociologia.

Orientadora: Prof. Dra. Maria Glaucíria Mota

Brasil

FORTALEZA – CEARÁ

2017

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ROBERTO CARLOS FERNANDES DE OLIVEIRA

O SISTEMA DE COTAS COMO EXPECTATIVA DE ACUMULAÇÃO DE CAPITAL

ECONÔMICO: UMA QUESTÃO DE CIDADANIA SUBSTANTIVA SOB A

PERSPECTIVA DOS DIREITOS HUMANOS

Dissertação apresentada para ao Curso de

Mestrado Acadêmico em Sociologia do

Programa de Pós-Graduação em Sociologia,

do Centro de Estudos Sociais da Universidade

Estadual do Ceará, como requisito parcial à

obtenção do título de mestre em Sociologia.

Área de concentração: Sociologia.

.

Aprovada em 18 de agosto de 2017.

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Tudo que penso, sinto e faço é só porque não

tenho capacidade de imaginar a quantidade..

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela existência e pelo amor com que me fez enfrentar tudo que vivi.

À Professora Maria Glaucíria Mota Brasil pelo incentivo e a orientação recebida.

Às Professoras Danyelle Nilin Gonçalves e Lígia Mori Madeira por dedicarem seus talentos

para minha formação.

À Querida Cristina Maria Pires de Medeiros, Secretária do PPGS-UECE; sem você eu não

estaria aqui. Obrigado!

Ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia PPGS-UECE e todos os professores do

Mestrado em Sociologia; me fizeram pensar “fora da caixinha”.

Aos meus colegas da Turma 2015, que me acolheram, me receberam, me ensinaram, me

incentivaram, me rejuvenesceram e me amaram.

À minha amada Mãe e queridos Irmãos e Irmãs; este esforço é para o orgulho de vocês.

Ao meu saudoso Pai, a saudade e a vontade de mostrar o que eu fiz.

Aos amigos sempre presentes; Irmãos que a vida me deu.

Aos meus filhos lindos e amados; entre encontros e ausências nunca me negaram alegria.

À minha linda, amada, admirada e desejada Paulinha; esposa dedicada, meu porto seguro que

tudo faz para me ver feliz.

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“O Capitão Jonathan,

Com a idade de dezoito anos,

Captura, um dia, um pelicano

Em uma ilha do Extremo Oriente.

O pelicano de Jonathan,

Na manhã, põe um ovo totalmente branco

E desse ovo sai um pelicano

Que se parece espantosamente com o primeiro

pelicano.

E o segundo pelicano

Põe, por sua vez, um ovo também branco

De onde sai, inevitavelmente,

Um outro do mesmo jeito.

Isto pode durar muito tempo

Se, antes, não for feita uma omelete”.

(DESNOS apud BOURDIEU, 1982, p. 7)

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RESUMO

O estudo analisa o sistema de cotas como expectativa de acumulação de capital econômico e

sua disposição para promoção de uma cidadania substantiva, indicadora de uma melhoria das

condições de possibilidade que favoreçam a conquista de capital cultural, econômico e social

dos indivíduos, materializando a dignidade humana pelo exercício pleno do direto à educação.

O mesmo tem como referência a questão da discriminação e do preconceito racial no Brasil,

assim como o novo capítulo com a adoção das ações afirmativas e principalmente com a

edição da Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, que dispôs sobre o ingresso nas instituições

federais de ensino superior de estudantes oriundos da escola pública, pretos, pardos, indígenas

e deficientes, com a reserva de metade de suas vagas. Um debate sobre a correção da

discriminação positiva reacendeu a necessidade de estudar a expectativa que esse tipo de

política pode causar. O empobrecimento da população negra desde o fim da escravidão e o

processo de construção do racismo estrutural nos apontam a necessidade de promoção de uma

política pública focalizada que promova reparação, diversidade cultural e representatividade

social.

Palavras-chave: Sistema de Cotas. Racismo. Cidadania. Direitos Humanos.

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ABSTRACT

The study analyzes the system of quotas as expectation of accumulation of economic capital

and its willingness to promote a substantive citizenship, indicating an improvement in the

conditions of possibility that favor the achievement of cultural capital, economic and social

development of individuals, materializing the dignity by the full exercise of the right to

education. The same has as reference the issue of discrimination and racial prejudice in

Brazil, as well as the new chapter with the adoption of affirmative actions and especially with

the issue of Law no 12,711, dated 29 August 2012, which deals with the entry into federal

institutions of higher education to students from public schools, blacks, mulattoes, indigenous

and disabled, with the booking of half of their jobs. A debate on the correction of positive

discrimination reignited the need to study the expectation that this type of policy may cause.

The impoverishment of the black population since the end of slavery and the process of

construction of structural racism point us to the need to promote a focused public policy that

promotes reparation, cultural diversity and social representation.

Keywords: Quota System. Racism. Citizenship. Human rights.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 –

Figura 2 –

Figura 3 –

Figura 4 –

Figura 5 –

Gráfico 1 –

Gráfico 2 –

Gráfico 3 –

Gráfico 4 –

Gráfico 5 –

Gráfico 6 –

Gráfico 7 –

Gráfico 8 –

Quadro 1 –

Tabela 1 –

Tabela 2 –

Tabela 3 –

Tabela 4 –

Tabela 5 –

Tabela 6 –

Tabela 7 –

Composição racial, cotas para PPIs e Índice de Inclusão Racial por região

Percentual de vagas do sistema de Cotas – Ceará.........................................

Percentual de vagas do sistema de Cotas – Ceará - Exemplo.....................

População de Fortaleza por classes..................................................................

Renda mensal média por bairro - Fortaleza - 2010.......................................

Adesão das Universidades Estaduais às AAs por ano...................................

Distribuição da oferta de vagas nas universidades estaduais.......................

Adesão das Universidades Federais às AAs por ano.................................

Evolução do IDH do Brasil.............................................................................

IDHM de Fortaleza – 1991, 2000, 2010..........................................................

Evolução do IDHM desagregado no Brasil, 2000 e 2010...............................

Renda GRUPO A...........................................................................................

Renda GRUPO B...........................................................................................

Leis Estaduais que instituem AAs no ensino superior público.....................

Universidades Estaduais que adotam programas de ação afirmativa.........

Número de universidades de acordo com o meio de adoção das AAs..........

Índice de Inclusão Racial..................................................................................

Retorno salarial de anos a mais de escolaridade............................................

Subíndices do IDHM desagregado no Brasil, 2000 e 2010..........................

Remuneração média por grau de instrução – Fortaleza 200/2010...............

Resumo da declaração por ocupação principal do declarante......................

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABPN Associação Brasileira de Pesquisadores Negros

ADPF Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental da Constituição

CESPE Centro de Seleção e de Promoção de Eventos

DEM Partido Político Democratas

ENADE Exame Nacional de Desempenho do Estudante

ENEM Exame Nacional do Ensino Médio

FIES Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior

GEMAA Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa

GNDIRPF Grandes Números da Declaração de Imposto de Renda da Pessoa Física

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDE Índice de Desenvolvimento Educacional

IDH Índice de Desenvolvimento Humano

IDH-B Índice de Desenvolvimento Humano dos bairros

IDHM Índice de Desenvolvimento Humano Municipal

IESP Instituto de Estudos Sociais e Políticos

INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

IPECE Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará

IPRS Índice Paulista de Responsabilidade Social

IVS Índice de Vulnerabilidade Social

MEC Ministério da Educação

MPMB Movimento Pardo-Mestiço Brasileiro

ONU Organização das Nações Unidas

PIB Produto Interno Bruto

PNADs Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios

PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PROUNI Programa Universidade para Todos

RAIS Relação Anual de Informações Sociais

REUNI Reestruturação e Expansão das Universidades Federais

SISU Sistema de Seleção Unificada

STF Supremo Tribunal Federal

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UECE Universidade estadual do Ceará

UENF Universidade Estadual do Norte Fluminense

UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro

UFC Universidade Federal do Ceará

UNB Universidade de Brasília

UNEB Universidade do Estado da Bahia

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura

UTI Unidade de Tratamento Intensivo

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SUMÁRIO

1

1.1

1.2

1.3

2

2.1

2.2

3

3.1

3.2

3.2.1

3.2.2

3.2.3

3.3

4

4.1

4.2

4.3

5

6

INTRODUÇÃO.............................................................................................

O PESQUISADOR E A PESQUISA: UMA APROXIMAÇÃO

CONSCIENTE................................................................................................

O PROCESSO DE FORMULAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA..

DELINEAMENTO DA PESQUISA...............................................................

RAÇA/COR, EDUCAÇÃO E O SISTEMA DE COTAS NO BRASIL...

A QUESTÃO RACIAL NO BRASIL.............................................................

AÇÕES AFIRMATIVAS NO BRASIL E A POLÊMICA EM TORNO DO

SISTEMA DE COTAS...........................................................................

EDUCAÇÃO PARA QUÊ? PROBLEMATIZANDO O ÓBVIO...........

A ÉTICA HUMANISTA NASCIDA PELA MÃO DA EDUCAÇÃO........

BOURDIEU, O SISTEMA DE COTAS E O OMELETE DE OVO DE

PELICANO.....................................................................................................

Bourdieu e as categorias aliadas a uma sociologia da educação..............

O sistema de ensino bourdieusiano e a pedagogia racional.......................

O sistema de cotas e o omelete de ovo de pelicano.....................................

TEORIA CRÍTICA DA EDUCAÇÃO: UM DIÁLOGO ENTRE

HABERMAS E PAULO FREIRE.............................................................

EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO........................

TEORIA DO CAPITAL HUMANO E O SISTEMA DE COTAS...............

EXCLUSÃO SOCIAL, DESENVOLVIMENTO HUMANO E

EDUCACIONAL .......................................... ...........................................

O SISTEMA DE COTAS E A EXPECTATIVA DE ACUMULAÇÃO DE

CAPITAL ECONÔMICO..............................................................................

CIDADANIA, SISTEMA DE COTAS E DIGNIDADE HUMANA........

CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................

REFERÊNCIAS............................................................................................

APÊNDICE A- ROTEIRO DE ENTREVISTA..............................................

APÊNDICE B- TERMO DE CONSENTIMENTO.......................................

APÊNDICE C- QUESTIONÁRIO SOCIECONÔMICO..............................

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ANEXO ......................................................................................................

ANEXO A- RELATÁRIO IDH-M................................................................

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1 INTRODUÇÃO

Mal iniciamos o século XXI e a percepção geral do senso comum é de um estado de

desesperança, ausência de referenciais, consumismo, individualismo, e de uma sensação de

“mal-estar” e ceticismo próprios de uma modernidade tardia.

Ao redor do mundo (Egito, Tunísia, Primavera Árabe, Islândia, Indignados na Espanha,

Occupy nos Estados Unidos) revoltas e protestos de toda ordem demonstram a falta de

confiança das pessoas nas suas instituições sociais. Sem que ninguém esperasse, aconteceu

também no Brasil (CASTELLS, 2013), onde observamos uma eloquente crise de legitimidade

de pessoas e instituições; pairando no inconsciente coletivo a promessa inacabada de um

Estado do Bem-Estar Social.

Isso não quer dizer que não haja uma luz no fim do túnel. Pelo contrário, o momento

atual é propício ao debate sobre as intercorrências observadas em todo o caminho percorrido

pela política pública, seus ciclos e subsistemas, desde a formação da agenda, formulação,

decisão política, implementação e avaliação; e nesse sentido analisar como as políticas

públicas sociais, em especial aquelas voltadas para o acesso ao ensino superior, podem (ou

devem) contribuir para a materialização da dimensão social da cidadania.

A redemocratização do País nos legou uma Constituição analítica ambiciosa e nos

brindou com um espectro programático de direitos e políticas, tendo na educação, uma das

mais destacadas expressões dos direitos humanos, notadamente nas políticas públicas voltadas

para o acesso ao ensino superior, um fator de inclusão social e um mecanismo para a

materialização da dimensão social do conceito de cidadania.

Dentre as políticas públicas direcionadas para o ensino superior, o Sistema de Cotas

aparece como uma política educacional que pode ter a capacidade de fazer a diferença na vida

das pessoas, na medida em que tem a pretensão de promover o desenvolvimento econômico e

a diversidade cultural, e sobretudo, atenta às suas responsabilidades diante das principais

questões sociais, contribuir para transformar a sociedade, por ela sendo transformada

(MARQUES, 2012).

É nesta perspectiva que proponho uma reflexão crítica sobre políticas públicas de

acesso ao ensino superior, especificamente sobre o Sistema de Cotas e a expectativa que gera

em relação à possibilidade de acumulação de capital econômico, abordando essa questão de

cidadania substantiva sob a perspectiva dos direitos humanos. Esse é o tema e o objetivo geral

da minha pesquisa.

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1.1 O PESQUISADOR E A PESQUISA: UMA APROXIMAÇÃO CONSCIENTE

O interesse em eleger o sistema de cotas como objeto de pesquisa acadêmica teve para

mim uma dupla motivação: uma de ordem pessoal e outra de ordem profissional.

No plano pessoal a pesquisa me remete a um acerto de contas comigo mesmo. Nasci em

um bairro pobre da periferia de Fortaleza, que na origem constituiu um campo de

concentração durante a seca de 1932, passando a formar uma grande favela ao longo do litoral

leste da cidade até seu recente e não acabado processo de urbanização. O famoso Pirambu,

que na língua tupi-guarani significa peixe-roncador.

Filho de um torneiro mecânico e de uma Senhora “do lar”, nasci, ali mesmo, numa casa

de taipa de mão (sem vaso sanitário ou torneira) e cresci em um ambiente onde a ausência de

saneamento básico não permitia o acesso a abastecimento de água potável encanada, aos

meios necessários de coleta e tratamento do esgoto, a condições mínimas de limpeza urbana,

ao manejo de resíduos sólidos e o controle de pragas, além da exposição frequente ao abuso e

à violência que marcavam aquela região. Aos treze anos estudava à noite e trabalhava durante

o dia (vendedor ambulante, higienizador de telefone, auxiliar de serviços gerais, monitor do

Mobral, até como ator fiz uma “ponta”). Oriundo da escola pública1, lá pelos idos de 1985

ingressei na faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará após prestar vestibular,

onde me dei conta de que irmãos e amigos, contemporâneos da mesma condição

socioeconômica, não partilhavam comigo daquela experiência de conhecer o mundo e da

alegria da descoberta.

Um belo dia, em uma aula de filosofia, ao comentar sobre o fato de que o

estacionamento da faculdade mais parecia o pátio de uma montadora de veículos2, um jovem

professor, em tom provocativo, afirmou que não seria possível que um menino lá do Pirambu

estivesse naquela sala de aula frequentando o curso de Direito junto com os filhos da elite

econômica. Da carteira de trás levantei timidamente minha mão e disse:

- Eu estou aqui!

1 Interessante destacar que na então Escola Técnica Federal do Ceará (Instituto Federal de Educação, Ciência e

Tecnologia do Ceará - IFCE), os alunos classificados na segunda metade do exame de seleção (como era o meu

caso) participavam obrigatoriamente, durante 06 meses (o chamado período zero), de um estágio de nivelamento

de conhecimentos, estudando por um semestre inteiro as disciplinas português e matemática, como forma de

suprir uma eventual falta de base que pudesse comprometer o rendimento ao longo do curso técnico.

2 Referindo-se à tradição das famílias abastadas de presentear seus filhos com um carro zero-quilômetro quando

passavam nos vestibulares das profissões tidas como “nobres”: Medicina, Direito e Engenharia.

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Depois do olhar curioso de todos da sala o professor respondeu:

- É, mas você não é a regra, você é uma exceção. Ainda que digna de aplauso, mas

continua sendo uma exceção.

Aquilo martelou minha cabeça até os dias atuais, me fazendo refletir sobre a influência

do status de origem no status de destino. Por que, no círculo familiar e de amigos próximos de

minha geração, eu teria sido o único a ter acesso ao ensino superior? O que teria dado certo?

Vale aqui a outra face dessa mesma pergunta: O que teria dado errado?

Muito provavelmente essa situação tenha influenciado na minha escolha de exercer a

condição de servidor público, contribuindo para a materialização de políticas públicas, nas

várias carreiras que exerci ao longo de 31 anos, estando hoje a compor uma das carreiras da

Advocacia Pública Federal, cuja atribuição gira em torno da formatação jurídico-

constitucional das políticas públicas da União, de forma a construir uma nova visão de

orientação jurídica, tendo na normatividade dos princípios uma maneira de harmonizar o

interesse público, a segurança jurídica a o ideal de justiça pós-positivista. O exercício do

cargo de Procurador Federal é o aspecto de ordem profissional que me aproxima também do

objeto de pesquisa.

Na Advocacia-Geral da União, especificamente na Procuradoria Federal no Ceará,

exerço a nobre função de representar a União (incluídas aí Autarquias e Fundações Públicas),

judicial e extrajudicialmente, bem como as atividades de consultoria e assessoramento

jurídico dessas entidades. Em tempos de politização do direito e de judicialização da política

essa tem sido uma tarefa gigantesca. No rol da 159 autarquias e fundações públicas federais

representadas pela Procuradoria Federal no Ceará, minha atuação profissional engloba as

matérias de Servidor Público e Pessoal, Cobrança, Recuperação de Créditos e Controle da

Probidade, Desenvolvimento Agrário e Desapropriações, Desenvolvimento Econômico,

Indígena, Infraestrutura, Licitações, Contratos e Patrimônio, Meio Ambiente, Previdência e

Assistência Social, Saúde, Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia.

Todas as políticas públicas da União, em todas as fases do ciclo de implantação, têm

a contribuição da Advocacia de Estado na formatação jurídico-constitucional, na defesa

judicial e administrativa e segurança jurídica dessas ações do Estado, tendo sempre como

referência o interesse da coletividade. Faz parte de meu dia a dia profissional o

acompanhamento de políticas públicas como demarcação de terras indígenas, licenciamento e

reparação ambiental, reforma agrária, combate ao flagelo da seca, proteção previdenciária e

assistencial, mineração, política regulatória de energia elétrica, telecomunicações, defesa

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econômica, águas, petróleo, transportes, patrimônio histórico, artístico e cultural, leitos de

UTI, cirurgias complexas, transplantes, medicamentos, trabalho decente, bem como as

políticas públicas vinculadas à esfera educacional, tendo como destaque aquelas mais

judicializadas como ENEM, SISU, FIES, PROUNI, e SISTEMA DE COTAS.

No entanto, essa atividade não pode ser realizada de forma estanque ou acrítica; e é

aqui que se deve perquirir sobre uma nova forma de atuar desses órgãos de orientação e

representação jurídica da União, sob prisma de uma nova hermenêutica constitucional.

O Direito encontra-se numa nova quadra teórica chamada de neoconstitucionalismo,

cujo fundamento filosófico vem a ser o pós-positivismo, que tem como inspiração a

reconciliação do direito com a ética e com a política. Esse acoplamento estrutural do sistema

jurídico à moral e à política é feito pela via dos direitos fundamentais, expressão da

materialidade jurídica da dignidade humana. O pós-positivismo, para além de uma legalidade

estrita, procura empreender uma leitura moral do Direito, onde a interpretação e aplicação do

ordenamento jurídico hão de ser inspiradas por uma teoria de justiça (BARROSO, 2005).

Aqui só faz sentido a norma jurídica se constituir um dever-ser para ser justo

(VASCONCELOS, 2006).

No bojo da ideia de promover a integração ética à textura aberta da norma jurídica

inclui-se, por óbvio, o aporte dos outros, mas não menos importantes, saberes, como a

economia, a sociologia, a filosofia, a psicologia, etc.; o que me trouxe à investigação

sociológica de uma política pública, como forma de perquirir a eficácia social de meu

trabalho na materialização das políticas públicas, sejam distributivas, redistributivas ou

regulatórias.

O fato é que aqui estou, encantado com a sociologia, me dispondo a pesquisar, a essa

distância, o Sistema de Cotas como expectativa de acumulação de capital econômico,

abordando essa questão de cidadania substantiva sob a perspectiva dos direitos humanos,

procurando amparo em uma epistemologia crítica que dê respostas para minha necessidade

profissional e para minhas inquietações intelectuais de ordem pessoal.

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1.2 O PROCESSO DE FORMULAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA

1.2.1 Problema de pesquisa

Nenhuma pesquisa nasce pronta. Todas têm início com algum tipo de problema que dá

margem à hesitação, perplexidade, ou alguma outra questão difícil de explicar ou de resolver

(GIL, 2014, p. 33).

Com essa não foi diferente. Embora tivesse a intenção desde o começo de pesquisar o

Sistema de Cotas, meu problema de pesquisa sofreu um processo de refinamento até chegar

ao estágio atual. Começou como uma proposta ampla e provisória de estudar as políticas

públicas de acesso ao ensino superior e a transformação da sociedade: um estudo sobre a

dimensão social do conceito de cidadania.

Essa proposta inicial teve que mudar de perspectiva ao longo do caminho, sobretudo

após a etapa da qualificação. É certo que não devem existir regras rígidas para a formulação

de um problema de pesquisa, mas a clareza, a precisão e a delimitação do problema a uma

dimensão viável me fizeram acreditar na possibilidade de estudar o Sistema de Cotas em sua

relação com o capital econômico, abordando essa questão de cidadania substantiva sob a

perspectiva dos direitos humanos.

Na medida em que as disciplinas cursadas no mestrado (como metodologia de pesquisa

em ciências sociais e seminário de dissertação) amadureciam minha percepção para a

pesquisa, essa dimensão foi ficando cada dia mais clara.

Uma mudança fundamental foi realizada após a qualificação. O que pode parecer

apenas uma mudança de palavra3, na verdade colocou a pesquisa na direção que

compatibilizasse a metodologia, o objetivo pretendido e as possibilidades da pesquisa,

conforme orientado na ocasião da qualificação. Isso porque, como o sistema de cotas

estudado ainda não teve sequer a sua primeira turma formada, não havendo possibilidade

material de verificar a trajetória desses estudantes na sua vida profissional e cultural após a

participação no programa, o estudo teve que ser realizado em função da perspectiva que a

3 Antes da qualificação, o título proposto conteria O SISTEMA DE COTAS COMO FATOR DE

ACUMULAÇÃO DE CAPITAL ECONÔMICO; ao final do trabalho, fiado nas orientações recebidas na

qualificação, este pesquisador entende que trabalhar a dimensão da política de cotas em sua em perspectiva seria

mais factível. Assim o trabalho findou por apresentar em seu título O SISTEMA DE COTAS COMO

EXPECTATIVA DE ACUMULAÇÃO DE CAPITAL ECONÔMICO.

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politica poderia proporcionar na vida dessas pessoas, assim como da percepção que os

atingidos teriam de seu desenvolvimento, ante a impossibilidade substancial de verificar as

cotas como fator efetivo de mudança neste momento.

Na forma como foi realizada a pesquisa, a questão central girou em torno de investigar

qual a perspectiva de o Sistema de Cotas representar um aumento do capital econômico dos

indivíduos, relacionando esse aspecto com a questão do exercício da cidadania substantiva

sob a perspectiva dos direitos humanos.

A proposta visa investigar como a educação, através do sistema e cotas, permeada por

elementos de inclusão social e multiculturalismo, traz a expectativa de repercutir no capital

econômico, com reflexos no capital social e cultural dos indivíduos, apresentando-se como

alternativa de emancipação, já que a diversidade promovida pelas ações afirmativas pode ter o

potencial de inundar a sociedade de diferentes perspectivas intelectuais e culturais, cuja

consequência poderá ser a reprodução de uma estrutura estruturante mais igual.

1.2.2 Justificativa

Desde a edição do pacto social firmado com a promulgação da Constituição Cidadã em

1988, o Brasil experimentou nesses quase trinta anos dois ciclos distintos. Um primeiro ciclo

mais aliado ao consenso de Washington, com sua ideia monetarista de estabilização e rigidez

fiscal, e com a firme convicção de que “primeiro, é preciso fazer o bolo crescer, para depois

dividi-lo4”. Um segundo ciclo na era Lula-Dilma de inspiração desenvolvimentista que aliava

desenvolvimento econômico com inclusão social, que trouxe a política social para o centro da

estratégia de desenvolvimento, “com aportes crescentes de recursos que geraram impactos

significativos nas condições de vida da população do Brasil nos últimos dez anos”

(JANNUZZI; PINTO apud MADEIRA, 2014, p. 15).

No entanto, nos dias atuais, percebe-se, não só no Brasil, mas no mundo em geral, um

realinhamento de forças tendentes a promoção de um retrocesso em relação ao pacto do

Estado de bem-estar, com a adoção de políticas que não favoreçam as condições de

possibilidade de efetiva materialização do sistema de proteção social, que no caso brasileiro

ainda se encontra em construção.

Essa possibilidade de retrocesso tem causado bastante preocupação e pode ainda

reacender um debate que já se julgava sepultado, pelo menos do ponto de vista de

4 Frase atribuída a Antônio Delfin Netto - http://educacao.uol.com.br/biografias/antonio-delfim-netto.htm

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definitividade dos efeitos da decisão judicial prolatada pelo Supremo Tribunal Federal,

quando referendou a constitucionalidade do sistema de cotas, mas que se sabe, ainda é motivo

de controvérsia, notadamente em tempos de extrapolação dos limites da civilidade, fato

observado pela intermináveis discussões com suporte em discurso de ódio que grassam pela

rede mundial de computadores.

Outro aspecto a ser considerado diz respeito ao modo pelo qual se opera a socialização

dos indivíduos através da escola. Ressalvadas as divergências das correntes da sociologia da

educação, seja do ponto de vista puramente epistemológico, seja do ponto de vista da função

social da educação, a socialização dos indivíduos é o ponto de encontro das diferentes

abordagens teóricas a respeito do papel da educação na sociedade.

Tomando a política pública como espaço de construção de sentidos e instrumento de

participação política (FARENZENA; LUCE, 2014, p. 196), essa preocupação com o

retrocesso, assim como o debate sobre o aspecto sob o qual a socialização através da educação

ocorre, que nos leva ao enfrentamento dos fatores sociais garantidores de uma cidadania

plena, já tornariam evidente a necessidade de uma pesquisa que tem como foco avaliar a

expectativa social de uma política pública de acesso ao ensino superior de uma população

historicamente alijada desse processo, como forma de disseminação de conhecimento no

espaço de resistência a um retrocesso anunciado. Tais fatos seriam relevantes para justificar a

pesquisa.

No entanto, a pesquisa trouxe também a possibilidade de evidenciar a percepção em

relação à promoção do multiculturalismo, de inclusão social e emancipação. A compreensão

desse processo e o entendimento que as ações afirmativas não podem ser encaradas somente

como fator de compensação de danos do passado, mas como fator de promoção de

diversidade e emancipação também justificam a pesquisa que está sendo realizada.

Ainda assim, investigar as Ações Afirmativas – Sistema de Cotas e a perspectiva de sua

repercussão no capital econômico dos indivíduos, e observar sua vocação como instrumento

de cidadania real, como forma de materializar a dignidade do homem, pode favorecer, no

aspecto puramente acadêmico, a produção de conhecimento que possa dar suporte aos

diversos sistemas de monitoramento e avaliação de políticas públicas no Brasil, no aspecto

relacionado ao desempenho dessa ação do Estado, assim como contribuir para o debate da

relação entre desenvolvimento e políticas públicas. Um exemplo dessa produção de

conhecimento, ou pelo menos a indicação de produção futura, poderá ser verificado do

diálogo promovido entre Bourdieu, Habermas e Paulo Freire, indicativo de um marco teórico

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para se trabalhar o projeto político pedagógico na universidade a partir desse novo perfil de

estudantes produzido pelo sistema de cotas.

1.2.3 Hipóteses

Lembro que nos primeiros dias do mestrado, quando ainda estávamos nos conhecendo

em sala de aula, em um dos intervalos alguém teve a ideia de perguntar a cada um sobre seu

projeto de pesquisa. Falei que iria estudar o sistema de cotas. Logo se formou a discussão em

torno de quem era contra e de quem era a favor. Esclareci de logo que não era disso que se

tratava a pesquisa, mas de saber se o sistema de cotas teria potencial para melhorar a vida das

pessoas.

Hoje, olhando para o objetivo geral de pesquisa, corro risco de ser questionado se isso

não constitui uma questão óbvia. Mas a sociologia revela aquilo que está por trás das coisas

tidas como óbvias, uma “elaboração dolorosa do óbvio” (WRIGHT, 2000 apud GIDDENS,

2013, p. 64), uma vez que “de fato, a boa sociologia ou ilumina a nossa compreensão do

óbvio ou transforma por completo o nosso senso comum” (BERGER apud GIDDENS, 2013,

p. 64).

Assim é que antes de confessarmos a obviedade do sistema de cotas em relação ao

capital econômico dos indivíduos, precisamos desvelar os elementos que nos permitem ir na

direção desse tipo de conclusão. Para isso precisamos discutir o papel da educação na

sociedade e como ela pode se aliar ao desenvolvimento econômico.

A hipótese apresentada como explicação provisória foi a de que o sistema de cotas

proporcionará uma expectativa de aumento do capital econômico dos indivíduos, tendo como

evidência as conclusões da teoria do capital humano, que serviram de suporte para o

desenvolvimento dos vários índices de desenvolvimento humano.

No que diz respeito à questão do racismo estrutural, a hipótese que se levanta é a de que

a pedagogia racional apontada por Bourdieu teria o condão de estancar o processo de

reprodução cultural através do sistema escolar.

A partir dessa ideia de Bourdieu, a aplicação da teoria crítica da sociedade à educação

me parece a maneira intelectualmente mais adequada de designar a função social da educação

na atualidade, guardando total relação com a solução da pedagogia racional, na medida em

que propõe repensar as políticas de educação no sentido de implementar currículos escolares

que favoreçam a uma situação mais igualitária, como também na defesa de práticas

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pedagógicas com perspectivas mais amplas de formação humana e cultural. Não apenas as

dimensões particulares próprias de grupos culturais presentes na escola estariam sendo

abarcados, mas também, dimensões relacionadas com a formação humana multifacetada onde

as dimensões artísticas e espirituais são, também, indissociáveis (VILELA, PEREIRA

MATIAS, 2006, p. 77). Essa ideia parte da constatação habermasiana de um novo tipo de

racionalidade, a racionalidade comunicativa, diferente da racionalidade puramente

instrumental, baseada no desenvolvimento de outras habilidades que não só aquelas

competências técnicas voltadas para suprir as necessidades decorrentes do advento da

sociedade capitalista, seja através do treinamento para a burocracia do Estado, seja pela

formação de mão-de-obra especializada para a industrialização.

Ao longo da pesquisa busquei categorias, dados de outras pesquisas já realizadas,

evidências de que as hipóteses levantadas podem ser constatadas no plano da realidade.

1.3 DELINEAMENTO DA PESQUISA

Do ponto de vista de seus objetivos a pesquisa pode ser qualificada como exploratória e

descritiva, uma vez que não tem por finalidade medir o efeito específico da política, mesmo

porque os primeiros estudantes cotistas, que ingressaram na universidade após a

obrigatoriedade decorrente da Lei nº 12.711/2012, sequer colaram grau e ainda não estão no

mercado de trabalho, mas esclarecer conceitos e ideias, traçar uma visão geral de tipo

aproximativo e contribuir para a formulação de problemas mais precisos e hipóteses

pesquisáveis em estudos posteriores (GIL, 2014), na medida em que trabalhou o sistema de

cotas como expectativa da melhoria de vida e verificou a percepção dos estudantes em relação

a ela.

Com esse objetivo, adotei como procedimentos técnicos a pesquisa bibliográfica e

documental e a aplicação de um questionário a dois grupos específicos de estudantes.

Realizou-se uma busca de fontes bibliográficas em bibliotecas especializadas, com a

finalidade de efetuar uma abordagem sociológica dos conceitos necessários à resolução do

problema, que me permitiram efetuar pesquisas empíricas dos aspectos teóricos envolvidos no

tema.

Abordei as categorias teóricas como capital econômico, capital cultural, capital social,

capital humano, educação, habitus, socialização, assim como aquelas mais ligadas à

sociologia do direito, como cidadania, direitos humanos e redistribuição, nas obras de autores

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como Adorno, Amartya Sem, Axel Honneth, Bourdieu, Habermas, Paulo Freire, Florestan

Fernandes, Nancy Fraser, T. H. Marshal, Theodore William Schultz.

Examinei pesquisas realizadas com base no IDH, IDHM, IES, IVS, IDE, IDH-B,

GNDIRPF e outros estudos para verificar a compatibilidade da teoria do capital humano com

a expectativa do aumento da renda pessoal em função do aumento dos anos de estudo, aí

incluído, por óbvio, o ensino superior e a política focalizada de acesso à universidade que

constitui o sistema de cotas, pois a ênfase e o peso relevante da variável educação em todos

esses índices que medem inclusão ou exclusão, vida boa ou vida ruim (LEMOS, 2008),

mostram a sua importância para definir e determinar o padrão de desenvolvimento de uma

sociedade e o seu nível de riqueza e pobreza.

O trabalho de campo realizado consistiu em visita à Pró-Reitoria de Graduação da

Universidade Federal do Ceará – UFC, onde fui recebido pela Pró-Reitora Adjunta de

Graduação, no Campus do Pici - Bloco 308 - Fortaleza – CE, assim como pelo Diretor de

Indicadores de Graduação e Registros Estatísticos, a quem entrevistei com as perguntas que

constam no apenso I, cuja finalidade era compreender como se deu o processo de adoção do

sistema de Cotas na UFC e como é feito o seu acompanhamento do ponto de vista

quantitativo e qualitativo.

Em seguida foi realizada a aplicação de um questionário, cujo modelo consta no apenso

II, no primeiro semestre de 2017, em dois grupos distintos: um de cotistas da Universidade

Federal do Ceará e outro entre não-cotistas de universidades diversas do curso de Direito,

estagiários da Advocacia-Geral da União. Os formulários foram respondidos individualmente,

aplicados em amostras não probabilísticas de forma aleatória, controladas as variáveis

“cotistas” e “não cotistas”, para a construção de amostras emparelhadas (PAUGAM, 2015)

que permitissem verificar as condições socioeconômicas e a percepção em relação ao sistema

de cotas dos dois grupos de indivíduos. O questionário foi elaborado a partir da adaptação

para a realidade da pesquisa do questionário construído por Moehlecke (2002) e do aplicado

no Exame Nacional de Desempenho do Estudante - ENADE.

No desenvolvimento da dissertação percorri o seguinte itinerário e assim organizei o

meu trabalho:

No capítulo 2 abordei a questão racial no Brasil, o itinerário de empobrecimento da

população nega, o processo de formação cultural do racismo e da discriminação, assim como

as polêmicas existentes em torno da adoção da política de cotas no Brasil. Vi como se deu a

implantação da política, sua definição e qualificação, a evolução temporal e o impacto da Lei

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de Cotas sobre as universidades federais e estaduais, cotejando dados levantados pelo Grupo

de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa -GEMAA, do Instituto de Estudos Sociais

e Políticos – IESP, ligado à Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.

No capítulo 3 problematizei a função social da educação, através de uma perspectiva

crítica que me levou a refletir sobre para que queremos a educação nos dias atuais e em que

medida o sistema de cotas se insere neste processo. Aqui trabalhei a educação como elemento

social responsável pela organização da experiência dos indivíduos na vida cotidiana, no

desenvolvimento da personalidade e na garantia da sobrevivência e do funcionamento das

próprias coletividades humanas (RODRIGUES, 2011).

Analisei o nascimento da ética humanista operada pela via da educação através da visão

de Rousseau, a maneira como as estruturas da sociedade se reproduzem através da educação

escolar em Bourdieu e o modo como esse processo de reprodução pode ser utilizado a favor

da emancipação. A partir daí alinhei essa perspectiva considerada reformista de Bourdieu à

teoria crítica da educação, através da racionalidade comunicativa habermasiana e a pedagogia

da autonomia freiriana.

No capítulo 4 verifiquei como o sistema de cotas pode gerar a expectativa de produzir

capital econômico dos indivíduos e como se dá a repercussão desse fato na acumulação de

capital social e cultural, com interferência na relação de status de origem/destino. Para isso

utilizei a teoria do Capital Humano, desenvolvida por Shultz, e que serviu de suporte para a

idealização do Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, quando faz uma relação direta

entre educação e economia, trazendo a ideia de que quanto mais o indivíduo conseguir

melhorar o seu nível de escolaridade, maiores serão as oportunidades no mercado de trabalho,

pois aqui a educação explica diretamente a geração de oportunidades. Procurei demonstrar a

relevância da educação formal associada a outros fatores individuais na obtenção de melhores

oportunidades profissionais (COUTINHO, 2007).

Analiso ainda uma série de indicadores sociais produzidos a partir do IDH (IDHM, IES,

IVS, IDE, IDH-B, GNDIRPF) e outros estudos que apontam para uma expectativa positiva do

aumento da renda pessoal em função do aumento dos anos de estudo, aí incluído, por óbvio, o

ensino superior e a política focalizada de acesso à universidade que constitui o sistema de

cotas. Ao final do capítulo comento o resultado da pesquisa de campo realizada em dois

grupos de estudantes distintos, um de cotistas e outro de não-cotistas, sobre a percepção de

cada um em relação às cotas.

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No capítulo 5 discuto o sistema de cotas como instrumento de cidadania efetiva, sua

relação com os direitos humanos e seu potencial para correção das injustiças de natureza

socioeconômicas e culturais, para colher as conclusões do estudo no capítulo final.

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2 RAÇA/COR, EDUCAÇÃO E O SITEMA DE COTAS NO BRASIL

É importe repisar e repetir o itinerário da pesquisa, par entender a razão e a importância

de problematizar a questão racial no Brasil, que em um primeiro momento não havia sido

incluído nos objetos específicos da pesquisa. No entanto, nenhuma pesquisa nasce pronta.

Todas têm início com algum tipo de problema que dá margem à hesitação, perplexidade, ou

alguma outra questão difícil de explicar ou de resolver (GIL, 2014, p. 33).

Com essa não foi diferente. Embora tivesse a intenção desde o começo de pesquisar o

Sistema de Cotas, meu problema de pesquisa sofreu um processo de refinamento até chegar

ao estágio atual. Começou como uma proposta ampla e provisória de estudar as políticas

públicas de acesso ao ensino superior e a transformação da sociedade: um estudo sobre a

dimensão social do conceito de cidadania.

Essa proposta inicial teve que mudar de perspectiva ao longo do caminho. O

desenvolvimento da pesquisa me fez acreditar na possibilidade de estudar o Sistema de Cotas

em sua relação com o capital econômico, mas a etapa da qualificação e o material colhido no

campo trouxeram a reflexão e indicaram a necessidade de problematizar, também, a questão

racial no Brasil, que se supunha superada, ou pelo menos pacificada, após o julgamento pelo

Supremo Tribunal Federal da constitucionalidade do sistema de cotas.

O fato é que essa questão nunca foi sepultada e todas as vezes que inicio uma conversa

sobre minha pesquisa as pessoas de logo querem discutir essa questão, com os

posicionamentos mais variados contra ou a favor. Mais ainda, ficou evidenciada nas respostas

dos questionários de dois grupos de estudantes bem distintos: um formado por alunos que

ingressaram na universidade pelo sistema de cotas e outro formado por alunos que

participaram da concorrência geral ou estudantes de instituições particulares de ensino (que

noutro momento da pesquisa serão devidamente analisados). Na medida em que o tempo

amadureceu minha percepção para a pesquisa, essa dimensão foi ficando cada dia mais clara.

Assim é que neste capítulo discorrerei sobre a questão racial no Brasil, as desigualdades

educacionais decorrentes deste fato e a consequente controvérsia sobre o sistema de cotas.

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2.1 A QUESTÃO RACIAL NO BRASIL

Mas afinal, qual conceito de raça podemos adotar neste trabalho? Como antecedente

podemos destacar que do ponto de vista estritamente biológico existe apenas uma raça: a Raça

Humana. O estágio atual da genética já comprovou a inexistência de subgrupos humanos,

sendo certo que o termo persiste enquanto construção social com base nas características

fenópticas dos indivíduos relativas à cor da pele, composição dos cabelos e estrutura física.

Ora, se existe apenas uma raça, qual a razão deste assunto gerar ainda tanta controvérsia. A

resposta é simples: enquanto categoria social o conceito de raça nos ajuda a entender a

questão da discriminação e da construção paulatina do modelo de desigualdades educacionais

e socioeconômicas presente na sociedade brasileira.

Essa percepção tem relação direta com a forma com que a questão racial foi tratada no

Brasil ao longo dos séculos. Do ponto de vista da delimitação histórica, podemos observar

três fases distintas, que acolhem três paradigmas diferentes, começando por um cientificismo

biológico de paradigma racial, passando por um paradigma cultural a partir de Gilberto Freire

e culminando com o paradigma sociológico assumido através dos estudos de Florestan

Fernandes.

Comecemos pelo paradigma racial. Durante o período da escravidão no Brasil e já no

começo do século XIX uma doutrina cientificista de cunho biológico postulava classificar os

seres humanos por raças. A eugenia classificava os brancos como uma raça superior, os

negros como inferiores e os mulatos como degenerados, o que aliado a uma suposta influência

do clima tropical no enfraquecimento da integridade biológica e mental dos indivíduos

tornava o Brasil a personificação da degeneração biológica (TELES apud AMORIM;

FERRREIRA; ALVES, 2012, p. 27). Essa ideologia tinha o firme propósito de justificar e

legitimar todo o processo de colonização europeia e a escravidão existente na época:

Nessa abordagem, é adotada uma análise de foco biológico como modelo legítimo

de explicação da realidade social brasileira, sob a ótica do naturalismo e do

darwinismo social, trazendo ideias de raças superiores e inferiores, que competiriam

numa luta universal, orientada a partir da existência de uma hierarquia natural em

que a raça “superior” branca acabaria exterminando a raça “inferior” negra

(AMORIM; FERRREIRA; ALVES, 2012, p. 39).

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Tomada como um fato negativo, a miscigenação enquanto mistura de raças, seja do

ponto de vista biológico, seja do ponto de vista social e cultural, era tida como extremamente

indesejável, razão pela qual era nítida a opção por assegurar a hegemonia das características

observáveis na população branca em relação às características observáveis na população não-

branca. Deste paradigma racial, donde já se tinha a ideia de uma miscigenação inviável e que

inevitavelmente produziria uma esterilização cultural e degeneração racial, surgiu a teoria do

branqueamento da população através do cruzamento dos poucos brancos com mulheres negras

e índias como forma de “purificar” a população brasileira. “Tal teoria encontrou terreno fértil

até as primeiras décadas do séc. XX. Tomam-se, como exemplo ilustrativo, as previsões,

sustentadas por João Batista Lacerda (1912), de que em 2012 a população brasileira seria

composta por 80% de brancos, 3% de mestiços, 17% de índios e nenhum negro” (TELLES,

apud AMORIM; FERRREIRA; ALVES, 2012, p. 27).

Pela clareza da opção ideológica e pelo choque e repulsa que pode nos causar nos dias

atuais, transcrevemos, por oportuno, a citação do crítico literário, promotor, juiz e deputado

Sylvio Romero, que em ensaio de 1880 reverberava o racismo aberto, dito “científico”, como

expressão do discurso intelectual hegemônico da época, não obstante ele mesmo ser

considerado republicano e antiescravocrata:

A minha tese, pois, é que a vitória na luta pela vida, entre nós, pertencerá no porvir

ao branco; mas que este, para essa mesma vitória, atento às agruras do clima, tem

necessidade de aproveitar-se do que é útil às outras duas raças lhe podem fornecer,

máxime a preta, com que tem mais cruzado. Pela seleção natural, todavia, depois de

prestado o auxílio de que necessita, o tipo branco irá tomando a preponderância, até

mostrar-se puro e belo como no velho mundo. Será quando já estiver de todo

aclimatado no continente. (ROMERO apud AZEVEDO, 1987, p. 71).

Essa visão cientificista de paradigma racial como arbitrário cultural predominante no

século XIX no Brasil, aliada ao tratamento dado aos negros após a abolição da escravidão,

acabou por fortalecer e criar as condições de possibilidade para a paulatina exclusão dos não-

brancos na vida cultural, social, econômica e política do país. No entanto, a partir da década

de 30 do século passado, notadamente pela dimensão que acabaria por tomar a obra Casa

Grande & Senzala de Gilberto Freire, esse paradigma racial cedeu espaço para uma

apropriação baseada na cultura, influenciada pela Antropologia Cultural de Franz Boas, onde

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a noção de raça pautada na biologia dá lugar ao culturalismo como novo paradigma para o

entendimento da diversidade entre os seres humanos.

Esse paradigma cultural observado na obra de Gilberto Freire, como crítica do

evolucionismo e marco nacional de rompimento com a ideologia racial pautada no critério

biológico, preocupa-se com a diversificação formativa do país e evidencia uma leitura

amigável e cortês na relação entre brancos e negros no Brasil escravocrata, traz a

miscigenação como fator determinante de uma postura não segregacionista, inaugurando o

mito da democracia racial no Brasil como fonte de unificação nacional. Assim é que:

A obra “Casa Grande & Senzala” foi concebida como uma resposta às teorias raciais

que ainda persistiam nas diversas correntes interpretativas do Brasil. A partir do

culturalismo de Freyre (1933) chegou-se à conclusão de que não existiriam raças

inferiores e superiores e que a causa da possível inferioridade física dos brasileiros

estaria ligada ao predomínio do latifúndio, que, por muito tempo, privou a

população colonial de uma alimentação equilibrada e sadia (AMORIM;

FERRREIRA; ALVES, 2012, p. 40).

Na verdade, esse tipo de abordagem que eufemisa o conflito e que aponta para época

uma suposta conciliação entre brancos e negros, ao contrário do que se supunha com a

ideologia da democracia racial, contribui para negar o preconceito e a discriminação. “Dessa

forma, esse ideal de Democracia Racial, construído por Freyre (1933), forneceu os

argumentos que a elite branca necessitava para se defender de possíveis acusações de

discriminação e continuar impondo a sua hegemonia, usufruindo dos seus privilégios”

(BENTO apud AMORIM; FERRREIRA; ALVES, 2012, p. 41).

É importante que se diga, o que está por trás dessa lógica da mestiçagem positiva,

mesmo que tenha sido fruto de uma apropriação indevida, é a ideia de que a miscigenação se

desenvolveu sem que fosse observada alguma redução nas desigualdades sociais entre os

grupos envolvidos, mesmo considerando que a obra de Gilberto Freyre buscou denotar o que

se tem por definido hoje como relações raciais horizontais, em que prevalecia uma certa

adaptabilidade e a integração dos grupos na sociedade, que levaria a uma assimilação de

valores e extinguiriam as diferenças estruturais (TELLES apud AMORIM; FERRREIRA;

ALVES, 2012). Assim é que, os defensores do paradigma cultural sinceramente:

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(...) acreditavam em relações harmoniosas no Brasil e “previam um futuro otimista

para os descendentes de escravos [...] qualquer hierarquia racial, conflito ou

exploração no Brasil eram temporárias...” (TELLES apud AMORIM; FERRREIRA;

ALVES, 2012, p. 41).

No entanto, essa suposta relação racial horizontal, harmônica e pacífica, apesar do

mérito de ter rompido com o determinismo biológico, não foi bastante para explicar o fosso

cada vez maior que se abria entre a população branca e a não-branca no Brasil pós-abolição.

Como explicar a marginalização e as desigualdades raciais frente a uma suposta democracia

racial?

Nesse ponto ganha relevância uma terceira fase característica das relações raciais no

Brasil, que adotando um paradigma da estrutura social tem em Florestan Fernandes um

colaborador de primeira hora, adotando para sua análise um viés de cunho sociológico

adaptando a abordagem racial brasileira de então ao contexto de sua época, que não poderia se

furtar do enfrentamento dos aspectos históricos, econômicos, sociais e culturais, sob pena de

não poder explicar o modelo de desigualdades existente entre negros e brancos.

Assim é que, posto abaixo o argumento “científico” da diferenciação e classificação

biológica das raças, assim como seu aspecto puramente culturalista de uma suposta

democracia racial, a concepção sociológica de raça foi muito bem evidenciada no Relatório de

Desenvolvimento Humano (Racismo, pobreza e violência) de 2005 do Programa das Nações

Unidas para o Desenvolvimento – PNUD:

Estudos feitos sob outras perspectivas e com outros métodos, nas ciências sociais e

na antropologia, chegaram à mesma conclusão sobre a falácia do conceito de raça.

As pesquisas nessas áreas mostram também que o discurso racial tem sido usado

para manipular ideologicamente as diferenças fenotípicas entre os grupos humanos,

de maneira a legitimar a dominação das “raças” supostamente superiores sobre as

“raças” supostamente inferiores. Todavia, embora o estatuto teórico-científico de

raça tenha sido desmontado na segunda metade do século 20, o conceito permanece

como uma construção social, uma categoria analítica que continua sendo usada para

agregar indivíduos e coletividades que compartilham aspectos físicos observáveis,

como cor da pele, textura do cabelo e compleição corporal (PNUD, 2005, p.12).

Foi o que se chamou de desmitificação da democracia racial brasileira, produzida pela

Escola Sociológica Paulista, onde nomes como Octavio Ianni, Fernando Henrique Cardoso,

Roger Bastide, liderados por de Florestan Fernandes, desenvolveram pesquisa patrocinada

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pela UNESCO, “com o intuito de desvendar o fato que girava em torno da suposta

Democracia Racial defendida por Freyre (1933) que, para ele, era incondizente com a

realidade de um país caracterizado pelo racismo e pelo genocídio, como era o Brasil, em sua

concepção (AMORIM; FERRREIRA; ALVES, 2012):

Os focos de pesquisa adotados por Freyre (1933) e Fernandes (1955) eram diferentes

e até mesmo opostos, pois, enquanto Freyre (1933) pregava a Democracia Racial,

Florestan Fernandes (1955) enfatizava a existência da desigualdade e da

discriminação racial (AMORIM; FERRREIRA; ALVES, 2012, p. 42).

Ao contrário da visão anterior de paradigma cultural, pautado em relações raciais

horizontais, esse novo enfoque traz uma visão de relações verticais, onde são problematizados

os motivos pelos quais ainda persistem as desigualdades raciais no Brasil, apesar do

propalado mito da democracia racial. Mostra-se aqui uma nova visão da teoria do

branqueamento, tida como elemento legitimador da discriminação do negro no Brasil. O

paradigma sociológico trouxe a nu a ideia de que o Brasil é caracterizado pela desigualdade

racial, sendo o “racismo à brasileira” (TELLES, 2003) um fato recorrente, tendo prevalecido a

exclusão e não a integração de uma população que foi sendo empobrecida, econômica e

culturalmente, ao longo da formação da identidade e da riqueza nacionais.

Essa ideia de democracia racial teve na verdade um forte apelo ideológico para ludibriar

negros e mestiços, leva-los a acreditar na plena integração (por obra e graça da miscigenação

e branqueamento), afastando de suas aspirações qualquer motivação para uma postura de luta

por reinvindicações e mudanças (FERNANDES, 1965) de um status quo que nunca os

favoreceu. Tido como uma das maiores economias do planeta, O Brasil, considerado por

longo tempo como o país da Democracia Racial, pareceu (negativamente) deitado

eternamente em berço esplêndido, apontando uma realidade completamente distinta:

As distinções e desigualdades raciais são contundentes, facilmente visíveis e de

graves consequências para a população afro-brasileira e para o país como um todo.

A literatura é pródiga em trabalhos que demonstram, ao longo de décadas, a

presença e a persistência das desigualdades raciais a da situação subalterna do negro

na sociedade brasileira (HERINGER apud AMORIM; FERRREIRA; ALVES, 2012,

p. 43).

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A face triste do movimento escravista legou a essas populações uma herança de

abandono e exclusão que denotam o nível de desigualdades sociais existente na sociedade

brasileira nos dias atuais. Para além da reparação, há de se assegurar para essas pessoas

desassistidas instrumentos capazes de combater a discriminação através da promoção da

diversidade cultural e de valores.

Muitas pessoas querem crer (consciente ou inconscientemente) que o negro é

discriminado não porque é negro, mas porque é pobre. E aqui para essas pessoas as ações

afirmativas só se justificariam pelo critério social. Uma análise mais atenta nos traz a

conclusão de que o negro é pobre exatamente porque é negro, uma vez que após a abolição da

escravidão não houve por parte do Estado nenhuma reparação ou política de inclusão, ficando

os ex-escravos jogados à própria sorte, sem acesso a terras5, disputando vagas de emprego

com imigrantes que tinham a simpatia dos fazendeiros e o incentivo do Estado. Na verdade, a

reparação só ocorreu mesmo para os fazendeiros que tiveram subsídios e contaram com a

imigração de trabalhadores da Europa à custa de recursos do Estado Brasileiro. Essa

passagem da obra de Florestan Fernandes transcrita a seguir, que trata da integração do negro

na sociedade de classe, é bem esclarecedora da situação de desamparo da população negra no

período pós-abolição:

A desagregação do regime escravocrata e senhorial se operou, no Brasil, sem que se

cercasse a destituição dos antigos agentes de trabalho escravo de assistência e

garantias que os protegessem na transição para o sistema de trabalho livre. (...) O

liberto se viu convertido, sumária e abruptamente, em senhor de si mesmo,

tornando-se responsável por sua pessoa e por seus dependentes, embora não

dispusesse de meios materiais e morais para realizar essa proeza nos quadros de uma

economia competitiva. (...) Com a abolição pura e simples, porém, a atenção dos

senhores se volta especialmente para os seus próprios interesses. Os problemas

políticos que os absorviam diziam respeito a indenizações e aos auxílios para

amparar a “crise na lavoura”. A posição do negro no sistema de trabalho e sua

integração à ordem social deixam de ser matéria política (FERNANDES, 2008, p.

29/30).

5 Para além de permitir aos estrangeiros a aquisição de terras e estimular a imigração à custa do tesouro, a lei nº

601 de 18 de setembro de 1850, chamada Lei de Terras, tinha como objetivo explícito impedir o acesso de terras

aos negros libertos e aos demais em uma eventual libertação.

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33

Os negros libertos, para além da discriminação por suas características fenópticas,

formam agora um verdadeiro exército de indesejados dos novos tempos, cuja descrição

dramática do historiador Luiz Edmundo exemplifica bem esse momento doloroso deste grupo

populacional, quando descreve o atual Morro da Providência no Rio de Janeiro, então Morro

de Santo Antônio, suas moradias e vielas, pouco tempo depois da abolição:

Por elas vivem mendigos, os autênticos, quando não se vão instalar pelas

hospedarias da rua da Misericórdia, capoeiras, malandros, vagabundos de toda sorte:

mulheres sem arrimo de parentes, velhos que já não podem mais trabalhar, crianças,

enjeitados em meio a gente válida, porém o que é pior, sem ajuda de trabalho,

verdadeiros desprezados da sorte, esquecidos de Deus... [...] No morro, os sem-

trabalho surgem a cada canto (EDMUNDO apud MARINGONI, 2011, p. 42).

O fato é que esse reconhecimento do racismo no Brasil, lastreado em pesquisa científica

com respaldo internacional, assim como a produção sociológica que se seguiu, teve como

consequência uma inapelável pressão para que o Estado adotasse políticas públicas que

considerassem a situação do negro e fosse alinhada com a finalidade de deferir-lhe cidadania

e direitos humanos de modo efetivo e não formal. Aqui já se observa na formação da vontade

nacional, não sem a forte pressão exercida por movimentos sociais e intelectuais, a

compreensão de que o modelo de sociedade tem relação direta com a política racial adotada

no Brasil ao longo de 500 anos e o consequente desnivelamento de oportunidades para todos

os grupos sociais formadores da identidade do país. Essa questão passa então a ser pensada,

seja em forma de política de reparação ou de promoção dos valores próprios da diversidade

observada em toda a nossa gente:

Nessa perspectiva, em meio a essa efervescência de ideais, ao reconhecimento da

dívida histórica, à efetivação dos direitos e à promoção de novos direitos,

verificamos, no seio da sociedade brasileira, a emergência da adoção de políticas

públicas afirmativas voltadas para os “negros” e seus descendentes. As políticas

afirmativas primam pela efetiva reparação dos danos provocados pelos séculos de

escravidão e marginalização dos “negros” brasileiros. Buscam, para tanto,

redistribuir as oportunidades de acesso social (ensino, emprego, etc.) e compensá-los

pelos direitos preteridos, através de políticas de ações de discriminação positiva,

tratando desigualmente os formalmente iguais (AMORIM; FERRREIRA; ALVES,

2012, p. 47).

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As ações afirmativas têm objetivos a curto, médio e longo prazo, como a

implantação da diversidade e a ampliação da representatividade dos grupos

minoritários nos diversos setores (PNUD, 2005, p.119).

2.2 AÇÕES AFIRMATIVAS NO BRASIL E A POLÊMICA EM TORNO DO SISTEMA

DE COTAS

Para além do reconhecimento do racismo no Brasil, o século XXI assiste a uma

verdadeira virada ideológica brasileira no tratamento da questão racial. Aqui está presente

“uma nova imaginação nacional caracterizada pela introdução da discussão das desigualdades

raciais na agenda do Estado, ou seja, surge a preocupação com a implementação de políticas

racialmente orientadas, apesar dos inúmeros argumentos contrários às políticas diferenciadas

por cotas” (BRANDÃO apud AMORIM; FERRREIRA; ALVES, 2012, p. 52).

Ponto fundamental dessa virada foi sem sombra de dúvidas a III Conferência Mundial

contra o Racismo, Xenofobia e Intolerâncias Conexas, ocorrida em Durban, África do Sul, no

ano de 2001; não só a conferência em si, mas o próprio processo preparatório da Conferência

Mundial contra o Racismo – CMR já apontou que além dos movimentos sociais, o próprio

Estado Brasileiro, através do IPEA, agora adotava um discurso moderadamente antirracista,

trazendo o tema para a agenda das políticas públicas oficiais. As discussões que se seguiram

antes e durante a CMR acabaram por culminar no relatório da delegação brasileira, que

incluiu “a recomendação da adoção de cotas para estudantes negros nas universidades

públicas. Após a Conferência Mundial contra o Racismo, o governo brasileiro deu início a

algumas ações que procuraram beneficiar os afro-descendentes [sic]” (HERINGER, 2003, p.

287).

Outros passos não menos importantes e carregados de um simbolismo para a causa da

igualdade racial foram a composição do gabinete do Poder Executivo de três ministros negros

no governo federal que se iniciava em 2003; a indicação do primeiro ministro negro para o

Supremo Tribunal Federal; a edição da lei n 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino de

história e cultura afro-brasileira nas escolas de ensino fundamental e médio de todo o país; a

criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial; culminando com

a promulgação da lei nº 12.288/2010, que institui o Estatuto da Igualdade Racial no Brasil,

prevendo “garantias e o estabelecimento de políticas públicas de valorização dos negros,

buscando corrigir as desigualdades históricas de oportunidades e direitos aos descendentes

dos escravos do país” (AMORIM; FERRREIRA; ALVES, 2012, p. 57). É importante destacar

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35

que dentre as várias ações previstas no Estatuto da Igualdade Racial, naquilo que mais de

perto toca a esta dissertação, traz previsão explícita de que o poder público adotará programas

de ação afirmativa, apesar de não ter sido aprovado de logo o sistema de cotas para ingresso

nas instituições de ensino superior, o que só veio a ocorrer dois anos mais tarde.

E o que são essas ações afirmativas?

Do ponto de vista de sua natureza jurídica, as ações afirmativas concretizam o princípio

constitucional da igualdade; não a igualdade formal como se fez desde o nascedouro no limiar

das revoluções burguesas; mas a isonomia substancial, igualdade material, presente entre nós

desde o advento da ideia do Estado do bem-estar social, colimada à máxima de que a

isonomia material há e ser aquela onde se igualam os iguais e desigualam os desiguais na

medida de suas desigualdades. Esse é o seu fundamento jurídico: concretizar o princípio

constitucional da igualde material:

Como se vê, em lugar da concepção “estática” da igualdade extraída das revoluções

francesa e americana, cuida-se nos dias atuais de se consolidar a noção de igualdade

material ou substancial, que, longe de se apegar ao formalismo e à abstração da

concepção igualitária do pensamento liberal oitocentista, recomenda, inversamente,

uma noção “dinâmica”, ”militante” de igualdade, na qual necessariamente são

devidamente pesadas e avaliadas as desigualdades concretas existentes na sociedade,

de sorte que as situações desiguais sejam tratadas de maneira dessemelhante,

evitando-se assim o aprofundamento e a perpetuação de desigualdades engendradas

pela própria sociedade.

[...] A essas políticas sociais, que nada mais são do que tentativas de concretização

da igualdade substancial ou material, dá-se a denominação de “ação afirmativa” ou,

na terminologia do Direito europeu, de “discriminação positiva” ou “ação positiva”.

(GOMES; SILVA, p. 88/89).

No que diz respeito ao seu conceito enquanto política pública podemos enquadrá-la

como política social, redistributiva, segmental e compensatória, na medida em que visa a

provisão do exercício de direitos sociais como educação, focalizam e distribuem bens ou

serviços a segmentos particularizados da população, minimizando distorções sociais

arraigadas (RUA; ROMANINI, 2013) e “destinadas aos segmentos mais pobres da população,

excluídos ou marginalizados do processo de crescimento econômico e social” (QUEIROZ,

2012, p. 98):

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Atualmente, as ações afirmativas podem ser definidas como um conjunto de

políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário,

concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero, por deficiência

física e de origem nacional, bem como para corrigir ou mitigar os efeitos presentes

da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal

de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego

(GOMES; SILVA, p. 88/89).

Outras definições vão no mesmo caminho de “planejar e atuar no sentido de promover a

representação de certos tipos de pessoas - aquelas pertencentes a grupos que têm sido

subordinados ou excluídos - em determinados empregos ou escolas” (BERGMAN apud

MOEHLECKE, 2002, p. 199); “preferência especial em relação a membros de um grupo

definido por raça, cor, religião, língua ou sexo, com o propósito de assegurar acesso a poder,

prestígio, riqueza” (SANT‟ANA apud MOEHLECKE, 2002, p. 200); “promover privilégios

de acesso a meios fundamentais - educação e emprego, principalmente - a minorias étnicas,

raciais ou sexuais que, de outro modo, estariam deles excluídas, total ou parcialmente”

(GUIMARÃES apud MOEHLECKE, 2002, p. 200) .

O Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa – GEMAA, núcleo de

pesquisa liga ao Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do

Rio de Janeiro – UERJ, assim define Ação Afirmativa:

Ações afirmativas são políticas focais que alocam recursos em benefício de pessoas

pertencentes a grupos discriminados e vitimados pela exclusão socioeconômica no

passado ou no presente. Trata-se de medidas que têm como objetivo combater

discriminações étnicas, raciais, religiosas, de gênero ou de casta, aumentando a

participação de minorias no processo político, no acesso à educação, saúde,

emprego, bens materiais, redes de proteção social e/ou no reconhecimento cultural.

[...]

Sob essa rubrica podemos, portanto, incluir medidas que englobam tanto a

promoção da igualdade material e de direitos básicos de cidadania como também

formas de valorização étnica e cultural. Esses procedimentos podem ser de iniciativa

e âmbito de aplicação público ou privado, e adotados de forma voluntária e

descentralizada ou por determinação legal (GEMAA, 2011).

Há ainda a definição legal específica prevista no Estatuto da Igualdade Racial, segundo

a qual ações afirmativas são os programas e medidas especiais adotados pelo Estado e pela

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iniciativa privada para a correção das desigualdades raciais e para a promoção da igualdade de

oportunidades.

De qualquer modo, seja qual for o viés que se adote para definir o termo ação afirmativa

(legal, jurídico, político, sociológico) sempre há a vinculação a objetivos ligados à promoção

da igualdade de oportunidades; fomento de transformações de ordem cultural; promoção da

diversidade e representatividade, seja no espaça público, seja no espeço privado; criação das

“chamadas personalidades emblemáticas, [...] um mecanismo institucional de criação de

exemplos vivos de mobilidade social ascendente”; assim como prevenção da discriminação,

revelada na chamada “discriminação estrutural espelhada nas abismais desigualdades sociais

entre grupos dominantes e grupos marginalizados” (GOMES; SILVA, p. 96/97), objetivos

que serão melhor explicitados tão logo seja abordada a controvérsia em torno do sistema de

cotas.

Embora a expressão Ação Afirmativa tenha origem nos Estados Unidos

(MOEHLECKE, 2002), sabe-se que a experiência pioneira das ações afirmativas é

proveniente da Índia, onde a recém fundada república incorporou em sua constituição de 1950

garantias jurídicas para minimizar a segregação decorrente do sistema de castas. No entanto,

outros países6 mundo afora também adotaram políticas de ação afirmativa, como África do

Sul, Austrália, Argentina, Canadá, Cuba7, Irlanda do Norte, Malásia, Nigéria

8, sempre

contemplando, em geral, mercado de trabalho, qualificação, educação e representação

política.

6 Linha do tempo das ações afirmativas que consta do site do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação

Afirmativa – GEMAA. Disponível em: http://gemaa.iesp.uerj.br/linha-do-tempo/ Acesso em 22/06/20017.

7 O caso de Cuba é bastante interessante, pois num primeiro momento, logo após a revolução, adotou-se como

princípio a implementação de políticas universalistas, uma vez que se acreditava que “a discriminação e as

desigualdades raciais desapareceriam assim que o privilégio de classe fosse erradicado. Foi proibida qualquer

forma de discriminação e abolido o uso de classificações raciais ou referências à raça, pois não existiriam

cubanos brancos ou negros, mas apenas cubanos. O uso de políticas com enfoque racial era visto como divisivo,

maléfico e desnecessário. [...] No entanto, as mudanças não foram suficientes para extinguir as desigualdades

raciais, que persistem em diversos setores como o educacional, de bem-estar, da saúde, do mercado de trabalho,

da representação política. Em 1997, durante a Reunião do 5º Congresso do Partido Comunista Cubano, Fidel

Castro reconhece que negros e mulheres estão sub-representados nos postos de liderança do governo e do

Estado. Na ocasião, discutiu-se ainda a possibilidade de elaborar um programa de ações afirmativas para esses

setores” (HERNANDES apud MOEHLECKE, 2002, p. 215).

8 A ordem é propositalmente alfabética.

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No Brasil, as iniciativas de ações afirmativas relacionadas ao ingresso no ensino

superior começaram a florescer a partir do ano de 2002, com a implantação do sistema de

cotas na Universidade do Estado da Bahia – UNEB por meio da Deliberação nº 196/2002 do

Conselho Universitário, seguindo-se a edição da Lei Estadual nº 4.151/2003 que criou o

sistema e cotas na Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ e na Universidade

Estadual do Norte Fluminense -UENF. Até o ano de 2015, das 38 universidades estaduais, 34

instituições de ensino superior já haviam aderido a algum tipo de ação afirmativa, o que

corresponde a uma adesão de 89,5% da IES estaduais, seja mediante disposição legal, seja

instituída por ato administrativo do órgão máximo de deliberação da entidade em função da

autonomia universitária, combinando critérios de cota, cota e acréscimo de vagas e/ou bônus,

sendo a cota o critério predominante (EURÍSTENES; LUIZ AUGUSTO; FERES JÚNIOR;

2015):

Tabela 1 - Universidades Estaduais que adotam programas de ação afirmativa

Norte

Universidade do Estado do Amapá

Universidade do Estado do Amazonas

Universidade do Estado do Pará

Universidade Estadual de Roraima

Universidade do Tocantins

Nordeste

Universidade de Pernambuco

Universidade do Estado da Bahia

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

Universidade Estadual da Paraíba

Universidade Estadual de Alagoas

Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas

Universidade Estadual de Feira de Santana

Universidade Estadual de Santa Cruz

Universidade Estadual do Ceará

Universidade Regional do Cariri

Universidade Estadual Vale do Acaraú

Universidade Estadual do Maranhão

Universidade Estadual do Piauí

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

Universidade Estadual Vale do Acaraú

Centro-oeste

Universidade do Estado de Mato Grosso

Universidade Estadual de Goiás

Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul

Sudeste

Universidade de São Paulo

Universidade do Estado de Minas Gerais

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Universidade Estadual de Campinas

Universidade Estadual de Montes Claros

(Continua)

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Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho

Sul

Fundação Universidade do Estado de Santa Catarina

Universidade Estadual de Londrina

Universidade Estadual de Maringá

Universidade Estadual de Ponta Grossa

Universidade Estadual do Centro-Oeste

Universidade Estadual do Norte do Paraná

Universidade Estadual do Oeste do Paraná

Universidade Estadual do Paraná

Universidade Estadual do Rio Grande do Sul Fonte: GEMAA, adaptado

Tabela 2 - Número de universidades de acordo com o meio de adoção das AAs

Meio de adoção N %

Resolução de conselho universitário 19 52,77

Lei Estadual 17 47,23

Total 36 100

Fonte: GEMAA, adaptado

Gráfico 1 - Adesão das Universidades Estaduais às AAs por ano

Fonte: GEMAA, adaptado

(Conclusão)

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Quadro 1 - Relação de Leis Estaduais que instituem programas de ação afirmativa

no ensino superior público e respectivas universidades abrangidas

1. Alagoas ‐ Lei nº 6.542, de 7/12/2004

UNEAL ‐ Universidade Estadual de Alagoas

2. Amapá ‐ Leis Estaduais n°s. 1022 e 1023 de 30/06/2006 e 1258 de 18/09/2008

UEAP ‐ Universidade do Estado do Amapá

3. Amazonas ‐ Lei nº 2.894, de 31/05/2004

UEA ‐ Universidade do Estado do Amazonas

4. Ceará ‐ Lei Estadual n° 16.197 de 17/01/20179

UECE – Universidade Estadual do Ceará

URCA - Universidade Regional do Cariri

UVA ‐ Universidade Estadual Vale do Acaraú

5. Goiás ‐ Lei nº14.832, de 12/07/2004

UEG ‐ Universidade Estadual de Goiás

6. Maranhão ‐ Lei n.º 9.295 de 17/11/2010

UEMA ‐ Universidade Estadual do Maranhão

8. Mato Grosso do Sul ‐ Leis nº 2605 e nº 2589

UEMS ‐ Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul

9. Minas Gerais ‐ Lei Estadual n° 15.259 de 27/07/2004; Resolução n° 104

CEPEX/2004; Lei Estadual nº 13.465, de 12/1/2000

UEMG ‐ Universidade do Estado de Minas Gerais

UNIMONTES ‐ Universidade Estadual de Montes Claros

10. Paraná ‐ Lei n° 13.134 de 18/04/2001 Casa Civil, modificada pela Lei Estadual

nº14.995/2006, de 09/01/2006, Edital nº 007/2007 COORPS, Edital nº 01 2006

CUIA. Resolução n° 029/2006 SETI

UEM ‐ Universidade Estadual de Maringá

UNICENTRO ‐ Universidade Estadual do Centro‐ Oeste

UNIOESTE ‐ Universidade Estadual do Oeste do Paraná

11. Rio de Janeiro ‐ Lei Estadual nº4151/03

UERJ ‐ Universidade Estadual do Rio de Janeiro

UENF ‐ Universidade Estadual do Norte‐ Fluminense

12. Rio Grande do Norte ‐ Lei Estadual Nº 8.258, de 27/12/2002

UERN ‐ Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

13. Rio Grande do Sul ‐ Lei 11.646/01

UERGS ‐ Universidade Estadual do Rio Grande do Sul

Fonte: GEMAA

9 Em 14/04/2014 a Universidade Estadual do Ceará já havia aderido ao Sistema de Cotas por meio de Resolução

do Conselho Universitário, a partir do semestre 2015.1, adotando os critérios da Lei Federal nº Lei 12.771/2012.

Com a promulgação da Lei Estadual n° 16.197 de 17/01/2017 a adesão passou a ser obrigatória em todas as

Instituições de Ensino Superior estaduais, que deverão implementar até p concurso seletivo para ingresso em

2018.

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O mesmo levantamento realizado pelo Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação

Afirmativa – GEMAA (EURÍSTENES; LUIZ AUGUSTO; FERES JÚNIOR; 2015)

considerou, também, um índice de distribuição da oferta de vagas nas universidades estaduais

(que difere do mesmo índice relativo às universidades federais, como veremos adiante), assim

como um índice de inclusão racial por região:

Gráfico 2 - Distribuição da oferta de vagas nas universidades estaduais

Fonte: GEMAA

Tabela 3 - Razão entre o percentual de cotas e a composição racial da população

em cada região (Índice de Inclusão Racial)

% Cotas PPI PPI na Região Índice de Inclusão Racial

Centro-oeste 24,0% 56,9% 0,42

Nordeste 15,2% 69,6% 0,22

Norte 2,6% 75,6% 0,03

Sudeste 9,9% 43,9% 0,23

Sul 5,2% 20,9% 0,25

Fonte: GEMAA

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Figura 1 - Composição racial, cotas para PPIs e Índice de Inclusão Racial por

região

Fonte: GEMAA

No que diz respeito às instituições federais de ensino superior a evolução da adesão às

ações afirmativas deu-se de uma forma um pouco diferente. No caso, a ação afirmativa

qualificada como sistema de cotas só passou a ser obrigatória com a edição da pela Lei nº

12.771/2012, para todas elas, de forma indistinta, de acordo com os parâmetros estabelecidos

na lei federal.

Na verdade, das 63 instituições federais de ensino superior, até o ano de 2007 apenas 20

delas possuíam algum tipo de ação afirmativa que, da mesma forma que as entidades

estaduais, combinavam critérios de cota, cota e acréscimo de vagas e/ou bônus. Digna de

registro foi a iniciativa da Universidade de Brasília, que implementou o sistema de cotas a

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partir do ano de 2003, por decisão de seu conselho universitário, após a grande repercussão do

chamado “Caso Ari”10

, que levou à discussão sobre o racismo na universidade e foi o motor

de todo esse movimento no âmbito das instituições federais de ensino superior.

A partir do ano de 2008, com a criação do REUNI11

, programa do governo federal de

apoio à reestruturação e expansão das universidades federais, “que condicionava a

transferência de mais recursos para as universidades à adoção de políticas inclusivas, houve

um pico de adoção, que depois arrefeceu. No vestibular de 2013, as 18 universidades que

ainda resistiam às ações afirmativas tiveram que adotá-las em cumprimento à nova lei”

(EURÍSTENES; LUIZ AUGUSTO; FERES JÚNIOR; 2015, p. 9):

Gráfico 3 - Adesão das Universidades Federais às AAs por ano

Fonte: GEMAA

10 Conta-se no documentário “Raça Humana”, que narra os bastidores da implantação do sistema de cotas da

UNB, a história do aluno negro do curso de doutorado em Antropologia Arivaldo Lima Alves, que em 1998 foi o

único reprovado em uma disciplina obrigatória, depois de ser agraciado com nota máxima em todas as outras

disciplinas, tendo sido o primeiro aluno a ser reprovado neste programa de pós-graduação depois de 20 anos de

sua criação. Esse episódio (após o Conselho de Ensino rever sua nota e constatar que merecia aprovação)

estimulou a discussão sobre o racismo na universidade que se viu revelado de forma perversa e nada

dissimulado, conduzindo a UNB a adotar seu sistema de cotas já no ano de 2003, posteriormente contestado pelo

partido Democratas (partido ao qual pertence o atual Ministro da Educação) perante o Supremo Tribunal Federal

(STF), que serviu de parâmetro para sufragar a compatibilidade deste tipo de ação afirmativa com a Constituição

da República. 11

O Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) é um

plano de reestruturação das universidades federais que tem como uma de suas principais diretrizes que as

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O que se viu em relação às instituições federais de ensino superior foi que a partir do

REUNI houve uma expansão do número de entidades e de vagas oferecidas nas universidades

federais. “Se no ano de 2003 havia 45 universidades federais, em 2015 elas totalizavam 63, ou

seja, 18 novas unidades foram criadas no período. No tocante ao número de matrículas, em

2003 contabilizavam-se 567,1 mil e em 2014 a oferta havia se expandido para 1.214.635

(INEP apud EURÍSTENES; LUIZ AUGUSTO; FERES JÚNIOR; 2015, p. 3). Com a edição

da Lei nº 12.711/2012 houve uma homogeneização dos critérios de acesso para todas as

entidades integrantes do sistema federal de ensino superior:

Houve também um incremento expressivo na presença de pretos e pardos nas

universidades federais: se em 2003 pretos representavam 5,9% dos alunos e pardos

28,3%, em 2014 esses números aumentaram para 9,8% e 37,8%, respectivamente –

no agregado fomos de 34,20% de pretos e pardos no total de alunos para 47,57%

(EURÍSTENES; LUIZ AUGUSTO; FERES JÚNIOR; 2015, p. 3).

No Brasil, tornado obrigatório pela Lei nº 12.771/2012, o sistema de cotas, no aspecto

geral, consistia, num primeiro momento, na reserva obrigatória de 50% das vagas nas

instituições federais de ensino de nível superior e técnico para pretos, pardos, indígenas,

alunos de baixa renda, todos oriundos da escola pública. Com o advento da Lei nº

13.409/2016 foi incluída mais uma categoria de cotas para pessoas com deficiência12

, que por

ter sido criada em data recente, ainda não houve tempo hábil para implementá-la. Na verdade,

com a nova lei foram estabelecidas SEIS faixas de cotas a saber, com os percentuais que

constam das figuras 04 e 05:

COTA 01 - Alunos oriundos da escola pública, com renda familiar bruta per

capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo;

universidades contempladas desenvolvam “mecanismos de inclusão social a fim de garantir igualdade de

oportunidades de acesso e permanência na universidade pública a todos os cidadãos” (MEC, 2007).

12 Os procedimentos operacionais, com toda a relação da documentação comprobatória das situações que possam

enquadrar os estudantes no sistema de cotas, foram regulamentados através dos decretos nºs 7.824/2012 e

9.034/2017, bem como das portarias normativas do Ministério da Educação de nºs 18/2012 e 09/2017.

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45

COTA 02 - Alunos oriundos da escola pública, com renda familiar bruta per

capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo, autodeclarados pretos, pardos ou

indígenas;

COTA 03 - Alunos oriundos da escola pública, com renda familiar bruta per

capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo, portadores de deficiência;

COTA 04 - Alunos oriundos da escola pública, independentemente da renda;

COTA 05 – Alunos oriundos da escola pública, independentemente da renda,

autodeclarados pretos, pardos ou indígenas;

COTA 06 - Alunos oriundos da escola pública, independente da renda,

portadores de deficiência.

Figura 2 - Percentual de vagas do sistema de Cotas - Ceará

Fonte: elaborado pelo autor

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Figura 3 - Percentual de vagas do sistema de Cotas – Ceará - Exemplo

Fonte: elaborado pelo autor

Pode parecer que o sistema e cotas para acesso ao ensino superior seja a primeira

iniciativa de ações afirmativas no Brasil. No entanto algumas experiências em relação à

proteção do trabalhador e da indústria nacional, das micro e pequenas empresas em matéria de

licitações e até a reserva de vagas para pessoas com necessidades especiais, vigente para fins

de concurso público desde a edição do regime jurídico dos servidores da União em 1990,

passaram despercebidas da população em geral; o que não ocorreu quando os movimentos

sociais, representantes de minorias historicamente discriminadas, começaram a exercer uma

legítima pressão por uma ação política mais efetiva do Estado na direção das ações

afirmativas.

A partir deste momento a sociedade civil passou a se sentir incomodada, estabeleceu-se

a polêmica até então inexistente (ou supostamente inexistente em função do mito da

democracia racial) o que culminou com o questionamento no Supremo Tribunal Federal –

STF do sistema de cotas implantado na Universidade de Brasília no ano de 2003. A Ação de

Descumprimento de Preceito Fundamental da Constituição – ADPF 186/2009 foi ajuizada no

STF pelo Partido Político Democratas - DEM e tinha como finalidade anular os atos

administrativos do Conselho de Ensino da UNB que instituíram o sistema de cotas para

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reserva de 20% de vagas para negros, tendo por conseguinte como critério o aspecto racial,

questionando se este critério seria válido, legítimo e razoável para diferenciar os cidadãos no

exercício de um direito que no seu entendimento deveria ser universal, pois para o DEM o

acesso aos direitos fundamentais não é negado aos negros, mas apenas aos pobres. O relatório

da decisão que apreciou o pedido de liminar é esclarecedor acerca dos argumentos da ação:

Alega que o sistema de cotas da UnB pode agravar o preconceito racial, uma vez

que institui a consciência estatal da raça, promove ofensa arbitrária ao princípio da

igualdade, gera discriminação reversa em relação aos brancos pobres, além de

favorecer a classe média negra. [...] os subitens do Edital nº 02/2009 do

CESPE/UNB violam o princípio da igualdade e da dignidade humana, na medida em

que ressuscitam a crença de que é possível identificar a que raça pertence uma

pessoa. [...] afirmando que saber quem é ou não negro vai muito além do fenótipo.

A petição ressalta, ainda, que a aparência de uma pessoa diz muito pouco sobre a

sua ancestralidade (fl. 30). Refere, com isso, que a “teoria compensatória”, que visa

à reparação do dano causado pela escravidão, não pode ser aplicada num país

miscigenado como o Brasil.

Na inicial, é frisado que, nos últimos 30 anos, estabeleceu-se um consenso entre os

geneticistas segundo o qual os seres humanos são todos iguais (fl. 37) e que as

características fenotípicas representam apenas 0,035% do genoma humano. [...]

Sustenta-se, ademais, que os dados estatísticos referentes aos indicadores sociais são

manipulados e que a pobreza no Brasil tem “todas as cores” (fls. 54-58).

[...] Expõe que, no Brasil, “a existência de valores nacionais, comuns a todas as

raças, parece quebrar o estigma da classificação racial maniqueísta” (fl. 67).

Conclui, assim, que as cotas raciais instituídas pela UnB violam o princípio

constitucional da proporcionalidade, por ofensa ao subprincípio da adequação, no

que concerne à utilização da raça como critério diferenciador de direitos entre

indivíduos, uma vez que é a pobreza que impede o acesso ao ensino superior (fl. 74)

(STF, 2009).

Outros argumentos do partido Democratas, assim como das entidades admitidas13

como

amicus curiae14

que também se posicionaram contra o sistema de cotas, e aqueles alinhavados

13

Foram as seguintes: CONTRA - Movimento Pardo-Mestiço Brasileiro – MPMB. A FAVOR - Defensoria

Pública da União – DPU; Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (IARA); AFROBRAS – Sociedade Afro-

brasileira de Desenvolvimento Sócio Cultural; ICCAB – Instituto Casa da Cultura Afro-brasileira; IDDH –

Instituto de Defensores dos Direitos Humanos; Fundação Nacional do Índio – FUNAI; Fundação Cultural

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nas várias audiências públicas que debateram a questão, também merecem registro em sua

íntegra, tanto que foram lançados no relatório do voto do Ministro Relator (RICARDO

LEWANDOWSKI), quando prolatou sua decisão em plenário já no ano de 2012:

Afirma, contudo, que não se mostra factível a adoção dessa teoria, seja porque não

se pode responsabilizar as gerações presentes por erros cometidos no passado, seja

porque é impossível identificar quais seriam os legítimos beneficiários dos

programas de natureza compensatória. Aduz, ainda, que “se não se pode definir

objetivamente, sem margem de dúvidas, os verdadeiros beneficiários de determinada

política pública, então sua eficácia será nula e meramente simbólica”.

[...] Alega, ademais, que as desigualdades entre brancos e negros não têm origem na

cor e, mais, que a opção pela escravidão destes ocorreu em razão dos lucros

auferidos com o tráfico negreiro e não por qualquer outro motivo de cunho racial.

[...]

Sustentou, em resumo, a inconstitucionalidade da reserva de vagas para o acesso ao

ensino superior de candidatos considerados negros pela comissão julgadora da UnB,

por entender que o referido sistema, ao exigir uma autodeclaração dos candidatos,

“(...) mostra-se incompatível com o dever do Estado de proteger todos os grupos

participantes do processo civilizatório nacional e de valorizar a diversidade étnica e

regional que não se limita às culturas indígenas e afro-brasileiras” (fl. 1.171).

[...]

Yvonne Maggie [...] enviou uma carta [...] na qual defendeu a inconstitucionalidade

do sistema de cotas raciais, em particular por instituírem, no seu entender, uma

espécie de apartheid social. Segundo ela, setores do governo e certas organizações

não governamentais, na busca de atalhos para a justiça social, querem impor ao

Brasil políticas já experimentadas em outras partes do mundo, as quais trouxeram

mais dor do que alívio. Acrescentou que leis raciais não têm o condão de combater

as desigualdades, mas apenas estimulam a ideia de que as pessoas são desiguais e

possuem direitos distintos conforme a raça.

[...] George de Cerqueira Leite Zarur, da Faculdade Latino-Americana de Ciências

Sociais, criticou os programas de ações afirmativas baseados em cotas raciais, para

Palmares; Movimento Negro Unificado – MNU; EDUCAFRO – Educação e Cidadania de Afrodescendentes e

Carentes, CONECTAS Direitos Humanos e Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - CFOAB.

14 O amicus curiae (art. 138 do CPC/2015) é terceiro admitido no processo para fornecer subsídios instrutórios

(probatórios ou jurídicos) à solução de causa revestida de especial relevância ou complexidade, sem, no entanto,

passar a titularizar posições subjetivas relativas às partes – nem mesmo limitada e subsidiariamente, como o

assistente simples. Auxilia o órgão jurisdicional no sentido de que lhe traz mais elementos para decidir. Daí o

nome de “amigo da corte” (TALAMINI, 2016).

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acesso ao ensino superior. Ressaltou que as pessoas não podem ser diferenciadas

pela aparência ou pela raça, não se mostrando válida, no caso, a regra de tratar-se

desigualmente os desiguais, pois seres humanos, pretos ou brancos, não são

desiguais.

[...] Acrescentou que o vestibular é uma forma de neutralizar a manifestação de

discriminações, visto que alunos de qualquer raça, renda, sexo são reprovados ou

aprovados exclusivamente em função de seu desempenho. Nesse sentido, registrou

que “(...) isso significa que os descendentes de africanos não são barrados no acesso

ao ensino superior por serem negros, mas por deficiência em sua formação escolar

anterior”.

[...]

Por sua vez, o representante da Comissão de Assuntos Antidiscriminatórios da

Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Estado de São Paulo – OAB/SP,

José Roberto Ferreira Militão registrou que defende as ações afirmativas, mas

acredita que o Estado não pode impor uma identidade racial. Questionou se seria

correto criar “um racialismo estatal” com o escopo de beneficiar um pequeno

percentual de pessoas.

José Carlos Miranda, representante do Movimento Negro Socialista, asseverou que o

sistema de cotas deveria ser direcionado aos estudantes de baixa renda e sem

considerar a raça, já que os excluídos das universidades são filhos de trabalhadores

pobres, independentemente de sua cor.

[...] Helderli Fideliz Castro, representante do Movimento Pardo-Mestiço Brasileiro -

MPMB, alegou que o sistema de cotas adotado pela Universidade de Brasília não

configura ação afirmativa, pois tem por base “(...) uma elaborada ideologia de

supremacismo racial que visa à eliminação política e ideológica da identidade

mestiça brasileira”. De acordo com ela, o sistema não se destina a proteger pretos e

pardos em si, mas apenas defende aqueles que se autodeclaram negros, excluindo os

que se identificam como mestiços, mulatos, caboclos e, ainda, aqueles que, embora

se autodeclarem negros, são de cor branca (STF, 2012).

E a polêmica não se reservou ao processo judicial. Vários setores da sociedade civil

organizada, incluindo grupos de intelectuais, artistas, ativistas, políticos e imprensa,

promoveram discussões sobre a correção e justiça do sistema de cotas, tendo havido,

inclusive, a redação de uma carta contra o sistema de cotas, subscrita por 113 ditos cidadãos

antirracistas, dentre eles, Ana Maria Machado, Caetano Veloso, Demétrio Magnoli, Ferreira

Gullar, José Ubaldo Ribeiro, Lya Luft e Ruth Cardoso, para quem “as cotas raciais

proporcionam privilégios a uma ínfima minoria de estudantes de classe média e conservam

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intacta, atrás de seu manto falsamente inclusivo, uma estrutura de ensino público arruinada”

(STF, 202).

O argumento de que há somente uma raça, a humana, por óbvio ensejou a crítica de que

o sistema de cotas promoveria uma discriminação às avessas. Kamel (2006), Maggie (2005) e

Fry (2002) criticam abertamente o sistema e cotas com base nesse argumento, provocando em

Carvalho (2006) a preocupação de um retrocesso nas políticas de cotas raciais, na medida em

que:

A afirmação de que não existem raças humanas, agora que está em discussão a

adoção de políticas de ação afirmativa como iniciativa para minimizar a situação de

exclusão, pela escravidão e pelas práticas racistas cotidianas, a que foram

submetidos os negros e os índios pode acabar assumindo as cores do reacionarismo

[...] O discurso de que a raça humana é uma só e que, portanto, não há sentido que

uma parcela se beneficie de tratamento diferenciado, nesse momento só serve para

erigir mais obstáculos à transformação dessa sociedade criando dificuldade para que

ela se torne pelo menos um pouco mais justa (CARVALHO, 2001, p. 1).

Para Kamel (2006), a classificação de pretos e pardos na categoria negros camuflaria a

realidade, causando confusão e ocasionando uma bipolarização racial na sociedade brasileira,

estimulada pelos movimentos sociais que têm como objetivo dividir o Brasil entre negros e

brancos, afirmando que nesta perspectiva “os dados produzidos pelas pesquisas não dão conta

de concluir que a causa das desigualdades sociais é o racismo” (AMORIM; FERRREIRA;

ALVES, 2012, p. 48):

Nessa direção, a utilização da categoria negro é, para Kamel (2006), um retrocesso

metodológico [...]. Pois, os pardos (englobados na mesma categoria que os pretos)

são, em sua maioria, quem preenchem a maior parcela da pobreza no Brasil, ou seja:

“Se a pobreza tem uma cor no Brasil, essa cor é parda” (Kamel, 2006 apud Maggie,

2006, p.11).

Essas afirmações trazem a ideia, no nosso entendimento equivocada, de que o problema

é a pobreza e não o racismo, vale dizer, o negro é discriminado porque é pobre, não porque é

negro. Para a resolução do problema lembram a solução menos impactante para a elite branca,

calcada, sempre, em políticas universais, como um investimento maciço na educação básica;

isso seria o bastante. Para Kamel (2006):

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[...] a causa das desigualdades sociais seria solucionada através de políticas

universais e, não através de ações focalizadas, como a reserva de vagas. Porém, o

autor deixa de assinalar as desigualdades históricas, de oportunidades, que marcaram

a formação do cenário brasileiro [...] (AMORIM; FERRREIRA; ALVES, 2012, p.

49).

Maggie e Fry (2002) também criticam a adoção do sistema de cotas no Brasil,

asseverando que a postura do governo brasileiro, principalmente após a conferência sobre o

racismo de Durban, promoveu uma inversão dos valores da igualdade racial, de cunho

constitucional, e da universalidade das políticas públicas, verificando aqui “um rompimento

com a ideologia do país da mistura” (AMORIM; FERRREIRA; ALVES, 2012, p. 50):

Em outra direção, Maggie e Fry (2002) apontam que criar políticas focalizadas seria

“imaginar o Brasil composto não de infinitas misturas, mas de grupos estanques: os

que têm e os que não têm direito à ação afirmativa, no caso em questão, „negros e

brancos‟” (MAGGIE; FRY, 2002, p.95).

Essa ideia de classificar como negro ou branco é vislumbrada pelos autores como o

“falecimento da utopia” e dos “mitos históricos”: “... parece claro que o cidadão

brasileiro [...] não poderá mais de se identificar como o Macunaíma do Modernismo

Brasileiro: agora ele terá que pertencer a uma “raça ou outra””. (MAGGIE; FRY,

2002, p.95).

Esse entendimento de que a raça única daria suporte a uma crítica fundamentada dos

programas de discriminação positiva não se sustenta. Ora, se existe apenas uma raça e mesmo

assim persiste o fosso social entre negros e bancos, aliada a uma renitente discriminação, o

raciocínio é justamente o contrário: a discriminação e a desigualdade persistem como

construção social, já que do ponto de vista estritamente biológico não existem diferenças.

Vale aqui a assertiva de Bourdieu em “A Miséria do Mundo”, ao declarar que “não há nada de

desesperador no fato de se conhecer a origem social de todas as formas de sofrimento, pois o

que o mundo social fez, o mundo social pode, armado deste saber, desfazer, na medida em

que a alternativa da ciência aponta condições de oferecer os únicos meios racionais de

utilização plena da ação política” (BOURDIEU, 2012, p.735).

Há sim a premente necessidade de igualar os pontos de partida em um Brasil onde se

vive uma meritocracia relativa, permitindo algum grau de mobilidade social “através de

políticas preferencias e focalizadas, sendo necessário, para tanto, que haja uma discriminação

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positiva capaz de instaurar reparações, compensar perdas e indenizar os prejudicados „da

História‟” (BRANDÃO, 2004 apud AMORIM; FERRREIRA; ALVES, 2012, p. 50):

[...] ao buscar tratar desigualmente pessoas desiguais em direitos e oportunidades,

firma-se um novo pacto social, munido de justiça redistributiva e maior participação

em relação ao todo social. Desta forma, garante-se maior igualdade social.

Para Cesar (2007), as políticas focalizadas, como o sistema de cotas, são fundamentais

para que se tenha igualdade de oportunidades, uma vez que a instituição pura e simples de

políticas universalistas não propiciará uma redistribuição universal, que, pelo contrário,

“tendem a perpetuar as desigualdades já distribuídas (CÉSAR, 2007, p. 17):

[…] numa sociedade desigual como é o caso da brasileira, as ações afirmativas para

os grupos identificados racial ou socialmente, apenas traz o benefício de possibilitar-

lhes maior igualdade de condições de acesso aos bens e direitos constitucionalmente

protegidos (CESAR, 2007, p.20).

Para além de permitir que essa população historicamente alijada do acesso à

universidade, com a expectativa de assim ascender na escala social, o sistema de cotas

também aparece como fomento de transformações de ordem cultural; promoção da

diversidade e representatividade, seja no espaça público, seja no espeço privado, fato que tem

importante potencial de enfrentar o problema da discriminação dessas populações.

Mas um fator positivo a justificar essa ação afirmativa está ligado à formação das

“chamadas personalidades emblemáticas, [...] um mecanismo institucional de criação de

exemplos vivos de mobilidade social ascendente”; assim como prevenção da discriminação,

revelada na chamada “discriminação estrutural espelhada nas abismais desigualdades sociais

entre grupos dominantes e grupos marginalizados” (GOMES; SILVA, p. 96/97), como se deu

com a nomeação do primeiro negro para integrar o Supremo Tribunal Federal e o

conhecimento que se teve, a partir daí, de toda a sua biografia, apontando que ele era uma

exceção que confirmava a regra de que para galgar as posições profissionais socialmente

valorizadas o status de origem e a cor da pele têm influência decisivas.

No que é importante para este momento da pesquisa, o sistema de cotas constitui um

dos principais instrumentos de ação afirmativa de acesso ao ensino superior, consistindo na

reserva obrigatória de vagas nas instituições federais de ensino de nível superior e técnico

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para pretos, pardos, indígenas, alunos de baixa renda, bem como aqueles oriundos da escola

pública.

Esse modelo de ação afirmativa voltado para o acesso ao ensino superior, com início lá

pelo ano 2000, mesmo que de forma tímida e para um número reduzido de instituições no Rio

de Janeiro15, promoveu uma mudança crescente e gradativa na composição socioeconômica,

cultural e étnico-racial dos quadros das universidades brasileiras (TAFURI, 2012), com uma

expectativa positiva de gerar impactos sobre o sistema de reprodução de desigualdades

através da escola.

É claro que o acesso puro e simples ao ensino superior de um grupo cultural antes

alijado da disputa no campo científico, por si só, não tem o condão de inverter a lógica da

reprodução cultural pela via escolar. A universidade precisa, a partir desse ponto, adaptar-se a

essa nova realidade e readequar seus processos pedagógicos às especificidades dessa nova

“clientela”. É claro que a adoção do sistema de cotas nas universidades públicas no Brasil não

resolverá todos os problemas como em um passe de mágica. A universidade nesse aspecto

precisa reinventar-se, precisa transformar-se e isso demanda tempo.

O sistema de cotas, para acesso de uma minoria historicamente alijada dos processos de

produção cultural, tem como um de seus fundamentos filosóficos a promoção da diversidade

cultural. Essa promoção da diversidade cultural, aliada uma pedagogia racional, proporcionará

um realinhamento das forças que lutam pela hegemonia no campo científico, fato que

possibilitará que o sistema de ensino, com sua vocação para reprodução de estruturas

desiguais presentes na sociedade, possa, a partir daí, reproduzir uma situação mais igualitária

dada a evidência da transformação do perfil da comunidade universitária, nas atividades do

ensino e da pesquisa, em um ambiente multicultural.

Somados todos esses aspectos, a ação afirmativa de cotas pode ser inserida no processo

de socialização que se verifica através da educação, como uma política social “atual,

inclusiva, transdisciplinar, multicultural, igualitária, flexível, democrática, sustentável, cidadã,

ética, consciente, que respeita a diversidade, e sobretudo, que esteja atento às suas

responsabilidades diante das principais questões sociais, transformando a sociedade e por ela

sendo transformada”. (MARQUES, 2012).

15

A pioneira Lei Estadual nº 3.524/2000 determinou a adoção do sistema de cotas nas universidades públicas do

Estado do Rio de Janeiro.

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3 EDUCAÇÃO PARA QUÊ? PROBLEMATIZANDO O ÓBVIO

[...] “Mas, mesmo que as dificuldades que

cercam todas essas questões permitissem a

discussão sobre essa diferença entre o homem

e o animal, há outra qualidade muito específica

que os distingue, e sobre a qual não pode haver

contestação: é a faculdade de se aperfeiçoar,

faculdade que, com a ajuda de circunstâncias,

desenvolve sucessivamente todas as outras e

reside em nós, tanto na espécie quanto no

indivíduo”. (ROUSSEAU, 1755).

Mas afinal, por que uma política afirmativa de cotas nas universidades ganha relevância

para formação do indivíduo e sua ascensão social? Pode parecer óbvio em uma pesquisa sobre

uma política pública educacional perquirir sobre a função social da educação; mas não é a

sociologia a ciência do óbvio? A questão da obviedade não é nova em sociologia. Giddens,

citando Wright, alerta para o fato de que em virtude de os sociólogos estudarem muitas coisas

sobre as quais temos alguma experiência pessoal, podemos nos perguntar se a sociologia não

seria apenas uma “elaboração dolorosa do óbvio” (WRIGHT, 2000 apud GIDDENS, 2013, p.

64). E citando Berger arremata: “De fato, a boa sociologia ou ilumina a nossa compreensão

do óbvio ou transforma por completo o nosso senso comum” (BERGER apud GIDDENS,

2013, p. 64)16

.

A sociologia nos ensina que as coisas podem não ser tão óbvias assim, e para usar uma

expressão que ficou conhecida pelo nome de uma coluna diária de Nelson Rodrigues, a

16 Em “terra brasilis” também tivemos a nossa discussão sobre o óbvio. Conta o professor Arnaldo Lemos Filho

em seu blog que na época da ditadura militar Nelson Rodrigues criticava os “padres passeatas e os “sociólogos

subversivos” afirmando que “ a sociologia é a ciência do obvio”. Com o seguinte acréscimo carregado de

sarcasmo: do “óbvio ululante”. Em resposta a Nelson Rodrigues, Darcy Ribeiro, depois de ironicamente apontar

uma série de fatos que o senso comum julgava por óbvio, mas que não eram, afirma a necessidade de o cientista

social revelar o que pode estar por trás do que se supõe óbvio, tirando os véus, desvendando, a fim de revelar a

obviedade do óbvio (RIBEIRO, 1979 apud LEMOS FILHO, 2016).

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ciência da sociedade nos dá elementos para descortinar “a vida como ela é”, sem filtros,

máscaras ou papéis.

Assim é que em vez de discorrer pura e simplesmente sobre a função social da

educação, dou a essa questão um viés crítico próprio do entendimento sociológico sobre

qualquer questão que possa parecer óbvia e me proponho a partir daqui a seguinte questão:

Educação para quê?

3.1 A ÉTICA HUMANISTA NASCIDA PELA MÃO DA EDUCAÇÃO

O professor Luc Ferry (2010), ao nos contar a história da filosofia, afirma, sem a maior

margem para a dúvida, que se tivesse de conservar um texto, a ser levado para uma ilha

deserta, com certeza escolheria a passagem que destacamos acima do Discurso sobre a

Origem da Desigualdade entre os Homens, escrito por Rousseau e publicado em 1755. Isso

porque a elaboração de Rousseau trouxe de forma genial uma nova definição para o gênero

humano que permitiu fundar uma nova ética, não mais cósmica ou religiosa, mas humanista.

Antes de Rousseau havia dois critérios para a distinção entre o homem e o animal. O

primeiro diz respeito à inteligência, pois sabemos que para Aristóteles o homem vem definido

como “animal racional”, com a característica específica, própria do gênero humano: a

capacidade de raciocinar. O segundo critério, seguindo Descartes e os cartesianos, atrelados à

sensibilidade, afetividade e sociabilidade, incluída aí a linguagem. Ao ultrapassar essas

distinções clássicas, Rousseau introduz a característica situada no plano da liberdade,

expressa no termo “perfectibilidade”, para designar a capacidade de se aperfeiçoar ao longo

da vida, enquanto o animal, guiado desde a origem e de modo seguro pela natureza, como se

dizia na época, pelo “instinto”, é por assim dizer, perfeito “de imediato”, desde o nascimento

(Ferry, 2010). Ao homem é dada a liberdade de se aperfeiçoar, construindo o mundo e a si

mesmo, sendo certo que o animal ficará para sempre preso ao que foi estabelecido pela

natureza que lhe fez pronto e acabado. Assim é que:

Observando-o objetivamente, constatamos que o animal é conduzido por um instinto

infalível, comum à sua espécie, como por uma norma intangível, uma espécie de

software do qual nunca pode desviar-se. É por isso que, num mesmo processo e por

uma mesma razão, ele é simultaneamente privado de liberdade e da capacidade de se

aperfeiçoar. Privado de liberdade porque está, por assim dizer, preso a seu programa,

“programado” pela natureza de modo que esta lhe serve integralmente de cultura.

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Privado da capacidade de se aperfeiçoar porque, guiado por uma norma intangível,

não pode evoluir indefinidamente e fica, de certo modo, limitado por essa

naturalidade mesma.

O homem, ao contrário, vai se definir ao mesmo tempo por sua liberdade, por sua

capacidade de se libertar do programa do instinto natural e, consequentemente, por

sua faculdade de ter uma história cuja evolução é, a priori, indefinida. (FERRY,

2010. p. 104).

Ora, essa experiência da liberdade que faz do homem perfectível com a capacidade de

evoluir o liga de modo inexorável à instituição social da Educação, viabilizada pela

capacidade de apreensão e transmissão de conhecimentos e habilidades que o difere do animal

pronto e acabado, seja ela mediada ou não pelo sistema formal escolar.

A educação será aqui tratada como “elemento da vida social responsável pela

organização da experiência dos indivíduos na vida cotidiana, pelo desenvolvimento de sua

personalidade e pela garantia da sobrevivência e do funcionamento das próprias coletividades

humanas17

” (RODRIGUES, 2011, p.09).

E começo pela sociologia da educação de Pierre Bourdieu. Não aquele

indiscriminadamente situado no paradigma da reprodução, mas um Bourdieu político que

subverte a lógica da reprodução; que apesar de nos apontar os caminhos da reprodução nos

indica, também, uma saída, como bem analisado pelos professores Cláudio Marques Martins

Nogueira, Maria Alice Nogueira, na obra Bourdieu & a Educação, assim como na obra

Bourdieu pensa a Educação, a Escola e miséria do mundo, obra coletiva organizada por Júlio

Groppa Aquino e Teresa Cristina Rego, com a colaboração de Afrânio Catani, conforme

adiante se demonstrará.

3.2 BOURDIEU, O SISTEMA DE COTAS E O OMELETE DE OVO DE PELICANO

Pois bem, o poema que inaugura esta dissertação (O Pelicano de Jonathan18

) o foi

propositalmente recolhido da abertura do livro “A Reprodução – Elementos para uma teoria

17

O saudoso professor Alberto Tosi Rodrigues abre seu curso de sociologia da educação informando que é dessa

forma que a sociologia vê a educação, na visão do sociólogo brasileiro Florestan Fernandes.

18 O Capitão Jonathan, com a idade de dezoito anos, captura, um dia, um pelicano em uma ilha do Extremo

Oriente. O pelicano de Jonathan, na manhã, põe um ovo totalmente branco e desse ovo sai um pelicano que se

parece espantosamente com o primeiro pelicano. E o segundo pelicano põe, por sua vez, um ovo também branco

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do sistema de ensino” de Pierre Bourdieu, em parceria com Jean-Claude Passeron, lançado

inicialmente em 1970, com o título original Francês La reprodution: elements pour une

theórie du système d'enseignement. Como o próprio título do livro poderia sugerir, a obra traz

elementos para embasar uma teoria do sistema de ensino, que pela forma como fora

apropriada no Brasil, notadamente em função do contexto histórico e político, reveladores de

um ambiente de recepção peculiar, acabou por levar a pecha, no meu sentir de forma

indevida, de integrar o paradigma da reprodução, em face de sua explicação pautada na

relação entre escola e estrutura social, e pela crítica que se lhe faz de adoção de uma

perspectiva determinista, reducionista do comportamento dos agentes à posição que ocupam

na estrutura social; bem como sua pretensa desconsideração das relações internas e da relativa

autonomia do sistema de ensino, que não pode ser tratado, na visão dos críticos, “como

engrenagem inerte do processo de reprodução de desigualdades sociais” (NOGUEIRA, C;

NOGUEIRA, M.; 2009, p. 87).

Na verdade, uma primeira pista, de logo, já nos é ofertada por Bourdieu, ao estampar,

não por acaso, o poema sobre o pelicano de Jonathan na abertura de seu livro “A

Reprodução”. No poema conta-se que o pelicano de Jonathan põe um ovo totalmente branco e

desse ovo sai um pelicano igual ao primeiro, que põe outro ovo branco de onde sai um outro

do mesmo jeito. Robert Desnos, o autor do poema, arremata que essa reprodução pode durar

indefinidamente até que se faça um omelete. Bourdieu aqui já mostra que sua intenção não

tinha nada de desmobilizadora, pautada em um puro determinismo reprodutivista. Aliás

Bourdieu falou em entrevista que os títulos de seus livros, por vezes, levavam a uma má

compreensão de sua real intenção.

Para além de desvelar os mecanismos de funcionamento da socialização através da

escola, Bourdieu nos deu pistas e apontou caminhos, seja através da confessada “pedagogia

racional” indicada em “A Reprodução”; seja porque se identifica em seu projeto teórico uma

manifesta intenção de romper com os determinismos19

, pela mediação de agência e estrutura

de onde sai, inevitavelmente, um outro do mesmo jeito. Isto pode durar muito tempo se, antes, não for feita uma

omelete. (Robert DESNOS apud BOURDIEU, 1982, p. 7)

19 Em texto publicado no livro Coisas Ditas, sob o título Espaço Social e Poder Simbólico, oriundo de

conferência pronunciada na Universidade de San Diego, em março de 1986, Bourdieu esclarece: “Se eu tivesse

que caracterizar meu trabalho em duas palavras, ou seja, como se faz muito hoje em dia, se tivesse que lhe

aplicar um rótulo, eu falaria de constructivist structuralism ou de structuralist constructivism, (...) de fato, o

acaso das traduções faz com que se conheça A reprodução, por exemplo, o que levará, como alguns

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realizada através do habitus, que não pode ser tomado como conjunto de regras fixas para a

ação; seja através da luta pelo nivelamento das posições de disputa que ocorrem no âmbito do

campo científico; ou mesmo, mais tarde, no pós-escrito de “A Miséria do Mundo”, ao

declarar que “não há nada de desesperador no fato de se conhecer a origem social de todas as

formas de sofrimento, pois o que o mundo social fez, o mundo social pode, armado deste

saber, desfazer, na medida em que a alternativa da ciência aponta condições de oferecer os

únicos meios racionais de utilização plena da ação política” (BOURDIEU, 2012, 735).

É com essa percepção que este trabalho vai analisar a trajetória de Pierre Bourdieu,

abordando suas categorias mais significativas para o entendimento do fenômeno da

socialização pela via da educação e analisar em que medida as ações afirmativas, notadamente

o sistema de cotas de que trata a lei nº 12.711/2012, pode oferecer elementos compatíveis com

a direção apontada por Bourdieu para a quebra da constante de reprodução por ele verificada.

3.2.1 Bourdieu e as categorias aliadas a uma sociologia da educação

Nascido em agosto do ano de 1930, em um pequeno vilarejo na província de Béarn,

região rural da França onde se falava o occitânico, descendente de uma família de

camponeses, emergiu (não sem antes frequentar o mais importante centro de formação da elite

intelectual francesa, a célebre Escola Normal Superior de Paris) como uma das maiores

influências intelectuais do século XX, sendo eleito, vinte anos antes de sua morte em 2002,

professor titular da cátedra de sociologia do Collège de France. Acredita-se que sua origem

humilde esteja no cerne da razão pela qual migrou de sua formação inicial em filosofia20

para

comentadores não hesitaram em fazer, a me classificar entre os estruturalistas, ao passo que não se conhecem

trabalhos bem anteriores” (...). No mesmo texto, ao tratar da oscilação existente na sociologia entre o objetivismo

e o subjetivismo: “Se abordei de maneira um pouco pesada essa oposição - um dos mais funestos pares de

conceitos (paired concepts) que, como Richard Bendix e Bennett Berger mostraram, abundam nas ciências

sociais -, é porque a intenção mais constante e, a meu ver, mais importante de meu trabalho foi superá-la.

Embora com o risco de parecer muito obscuro, poderia resumir em uma frase toda a análise que estou propondo

hoje: de um lado, as estruturas objetivas que o sociólogo constrói no momento objetivista, (...); mas, de outro

lado, essas representações também devem ser retidas, sobretudo se quisermos explicar as lutas cotidianas,

individuais ou coletivas, que visam transformar ou conservar essas estruturas.

20 Na França dos anos 50 do século passado a filosofia ocupava o mais alto degrau da hierarquia universitária,

sendo considerada a disciplina rainha. Sua origem social modesta e provinciana não lhe oferecia as disposições

exigidas para o exercício da disciplina rainha (NOGUEIRA, C.; NOGUEIRA, M.; 2009).

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aventurar-se nas ciências sociais, notadamente a antropologia e a sociologia, influenciado

pelo período em que viveu na Argélia durante o serviço militar e, logo depois, como professor

assistente da Faculdade de Letras de Argel. Sua origem humilde também possibilitou que

atribuísse a si mesmo um “habitus clivado”.

Já no campo sociológico, Bourdieu interessou-se pelos mais variados assuntos, que iam

da religião à alta costura, ou da mídia à escola, ou ainda, das artes à linguagem, e por aí vai.

Esse ecletismo de objetos de estudo lhe valeu ter que se utilizar dos mais variados métodos e

técnicas para dar cabo de suas pesquisas. Em função desses vários objetos de estudo já

citados, foram sendo criados e /ou disseminados21

alguns dos conceitos que hoje constituem

categorias importantes no campo sociológico em geral e no campo da sociologia da educação

em particular, como os de espaço social, campo, capital, habitus, violência simbólica, dentre

tantos. Nota-se desde o início sua preocupação em superar as dificuldades da dicotomia

objetivismo x subjetivismo, estrutura x agência, holismo x individualismo metodológico,

propondo uma teoria da prática cuja mediação se dá através do conceito de habitus. Esse fato,

por si só, já lhe é suficiente para que não seja indevidamente adjetivado como simples

reprodutuvista. Assim é que:

Uma das possibilidades de se interpretar a obra de Bourdieu consiste em

concebê-la como orientada por um desafio teórico central: construir uma

abordagem sociológica capaz de superar, simultaneamente, as distorções e

reducionismos associados ao que ele chama de formas subjetivista e

objetivista de conhecimento, ou seja, por um lado, evitar que a Sociologia

restrinja-se, tomando-o como independente, ao plano da experiência e

consciência prática imediata dos sujeitos, às percepções, intenções e ações

dos membros da sociedade, e, por outro, que ela se atenha exclusivamente ao

plano das estruturas objetivas, reduzindo a ação a uma execução mecânica

de determinismos estruturais reificados (NOGUEIRA, C.; NOGUEIRA, M.;

2009, p. 23).

21

Em entrevista para a revista FAMECOS, Bourdieu destacou não ter a pretensão da originalidade eterna:

“Penso, de fato, que a sociologia é uma ciência cumulativa e nunca tive nenhuma pretensão à originalidade

absoluta reivindicada, a meu ver de maneira bastante ingênua, por certos filósofos contemporâneos,

principalmente os que são classificados com frequência na categoria dos “pós-modernos” (Revista FAMECOS •

Porto Alegre • nº 10 • junho 1999 • semestral).

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Através do que chamou de conhecimento praxiológico, buscou identificar as estruturas

que estariam interiorizadas nos sujeitos como disposições estruturadas, estruturantes de

práticas e representações. Nessa perspectiva, Bourdieu entendia por habitus a internalização,

aceitação e incorporação dos padrões de conduta da sociedade, os quais eram reproduzidos no

meio social, mesmo que de forma inconsciente. Ou como ele mesmo dispôs ao traçar um

“Esboço de uma Teoria da Prática, tomando o habitus como:

(...) sistemas de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a

funcionar como estruturas estruturantes, isto é, como princípio gerador e

estruturador das práticas e das representações que podem ser objetivamente

"reguladas" e "regulares" sem ser o produto da obediência a regras,

objetivamente adaptadas a seu fim sem supor a intenção consciente dos fins

e o domínio expresso das operações necessárias para atingi-los e

coletivamente orquestradas, sem ser o produto da ação organizadora de um

regente (BOURDIEU, 1983a, p. 61).

Sendo ao mesmo tempo estrutura e prática, objetividade e subjetividade no seio da vida

vivida, cada ser vivente, ou para usar sua expressão, cada agente, experimenta na medida de

sua posição social uma vida específica que estrutura seu modo de ser, constituindo um

modelo, não fechado, nem acabado (pois comporta o novo, próprio do ser humano), que

orientaria suas ações subsequentes que por sua vez tornariam a estruturar o mundo da vida. O

habitus de Bourdieu, identificado como forma flexível, constitui um princípio gerador

duravelmente armado de improvisações regradas (BOURDIEU, 1983a), há de ser adaptado

pelo agente em cada situação específica. Mais uma vez aqui identificamos a saída de um

determinismo reprodutuvista pelo qual foi injustamente acusado. Em resumo, o habitus de

Bourdieu faz a mediação entre a estrutura (objetividade), o modo de ser de cada um

(subjetividade) e a vida vivida (o mundo da prática).

Na aplicação desses conceitos ao analisar a vida vivida, Bourdieu deu importância

significativa ao aspecto simbólico e cultural na aplicação do modo como se produz e se

organiza a vida em sociedade. Buscando elaborar uma síntese entre funcionalismo,

estruturalismo e marxismo para compreender o papel desempenhado pelas produções

simbólicas na vida em sociedade, buscou identificar o modo como esses bens simbólicos são

produzidos. Aqui utilizou o conceito de “campos” como espaços estruturados de posições

onde são produzidos, classificados e consumidos os bens simbólicos ou culturais. A divisão

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social do trabalho numa sociedade complexa propicia certa autonomia do domínio das

atividades, ocorrendo no interior desses setores autônomos, ou campos da realidade social,

uma luta pelo controle da produção e, sobretudo, pelo direito de legitimidade da classificação

e hierarquização dos bens produzidos em determinado campo (NOGUEIRA, C.;

NOGUEIRA, M.; 2009):

Se tomarmos o campo literário como exemplo, é possível analisar como

editores, escritores, críticos e pesquisadores das áreas de língua e literatura

disputam espaço e reconhecimento para si mesmos e suas produções.

Basicamente, o que está em jogo nesse campo são as definições sobre o que

é boa e má literatura, de quais são as produções artísticas ou de vanguarda e

de quais são as puramente comerciais, de quais são os grandes escritores e de

quais são os escritores menores. Mais do que isso, disputa-se constantemente

a definição de quem são os indivíduos e as instituições (jornais e revistas

literárias, editoras, universidades) legitimamente autorizados a classificar e a

hierarquizar os produtos literários (NOGUEIRA, C.; NOGUEIRA, M.;

2009, p.33/34).

Essa disputa que ocorre no interior dos campos, mesmo que inconsciente, faz com que

aqueles que já têm o domínio na produção e hierarquização, vale dizer, os possuidores da

legitimidade do discurso no interior de determinado campo, assumam uma postura tendente a

empregar ações no sentido de conservarem sua posição dominante. Aos iniciados, ou novatos,

ou que estejam em posição de não-hegemonia, cabe a assunção das seguintes posturas: ou

adotam o discurso oficial, assumindo uma posição do que Bourdieu chamou de “boa vontade

cultural”, ou se contrapõem e adotam uma postura contra hegemônica pela luta da

legitimidade do discurso no âmbito de determinado campo. Esta imposição de determinado

arbitrário cultural como forma de manutenção de posições dentro de determinado campo está

na base do que ele chama de violência simbólica, ou o poder de fazer crer sem perceber.

Assim é que na luta pela hegemonia do discurso em dado campo, surge como de

fundamental importância a utilização do conceito de “capital”, ou melhor, tipos específicos de

capital próprios a um determinado campo de produção simbólica que podem ao mesmo tempo

servir como moeda corrente em determinado campo ou reutilizados em outro campo

específico, como também na sociedade de uma forma geral. Na verdade, os capitais

específicos de cada campo seriam variações dos quatro tipos principais de capital

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caracterizados por Bourdieu, a saber, capital econômico, cultural, social e simbólico

(NOGUEIRA, C.; NOGUEIRA, M.; 2009).

Seguindo essa linha de raciocínio, os “capitais” (recursos) seriam herdados pelos

indivíduos no processo de socialização empreendido por suas famílias - capital econômico

(dinheiro); capital social (conjunto de relacionamentos sociais influentes mantidos pela

família); capital cultural (títulos escolares dos membros da família - institucionalizado;

cultura geral em matéria de arte, culinária, decoração, vestuário, esportes, domínio da língua

culta, informações sobre a estrutura e funcionamento de ensino - incorporado; a propriedade

de livros, pinturas, escultura - objetivado ); e capital simbólico (prestígio que identifica os

agentes no ambiente social). A partir do volume de capitais acumulado, os indivíduos não só

seriam classificados na estrutura social em classes populares, médias e elites, mas receberiam

um conjunto de disposições para a ação típica de sua posição: um habitus familiar e de classe

- modos de ser, pensar e agir (HONORATO, 2005).

O interessante do raciocínio em torno desses espaços de produção simbólica é que os

campos são compostos de leis gerais, com regras de funcionamento invariantes entre os

diferentes tipos de campos (BOURDIEU, 1983c). E isso quer dizer que o campo científico

também se submete a essas regras gerais da teoria dos campos. Embora a verdade da ciência

também necessite de condições especiais de produção, que engloba a estrutura e o

funcionamento do campo científico:

O universo “puro” da mais “pura” ciência é um campo social como outro

qualquer, com suas relações de força e monopólios, suas lutas e estratégias,

seus interesses e lucros, mas onde todas essas invariantes revestem formas

específicas (BOURDIEU, 1983c).

Para Bourdieu, há no campo científico uma luta concorrencial, fato que caracteriza esse

sistema de relações objetivadas de posições adquiridas em disputas anteriores, cujo objetivo

nada mais é que a hegemonia da autoridade científica, tomada esta como capacidade técnica e

como poder social. Aqui já se desvela o mito da neutralidade científica. Assim é que os

julgamentos sobre a capacidade científica de um estudante ou de um pesquisador estão

sempre contaminados, no transcurso de sua carreira, pelo conhecimento da posição que ele

ocupa nas hierarquias instituídas (BOURDIEU, 1983c, p. 124).

Ao tratar do campo científico, Bourdieu faz uma referência a uma descrição de Fred

Reif quando fala do interesse do cientista, e exemplifica com o transtorno experimentado por

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um cientista quando se depara com uma publicação com as conclusões que ele estava quase

chegando. Isso lembra, inclusive, que Charles Darwin experimentou essa situação, razão pela

qual resolveu tornar pública a pesquisa de uma vida. Tributário de uma boa tradição

weberiana assevera que aos olhos do cientista o reconhecimento do outro assume importância

fundamental a para um lucro simbólico de significado superior. A conclusão é que o campo

científico constitui um importante lugar de luta política pela hegemonia do discurso da ciência

em função da posição ocupada.

Verifica-se, também, que para além do monopólio da competência científica, há a

circunstância de favorecimento à acumulação do capital científico. Cabe aqui uma

observação: certa vez um amigo me confidenciou que não tinha muita paciência para

demandar tanta energia na produção e no humilde esforço de publicação de um artigo

científico que ao fim e ao cabo, segundo ele, só seria lido pela comunidade científica (e não

por qualquer membro da comunidade científica, mas apenas aqueles iniciados no assunto e

que sobre ele teriam algum interesse específico, aliados às suas próprias pesquisas). Essa

circunstância já havia sido verificada por Bourdieu quando discorreu sobre o campo

científico, dando conta de que

(...) num campo científico fortemente autônomo, um produtor particular só

pode esperar o reconhecimento do valor de seus produtos (“reputação”,

“prestígio”, “autoridade”, “competência” etc.) dos outros produtores que,

sendo também seus concorrentes, são os menos inclinados a reconhecê-los

sem discussão ou exame. De fato, somente os cientistas engajados no mesmo

jogo detêm os meios de se apropriar simbolicamente da obra científica e de

avaliar seus méritos. Destaques do autor (BOURDIEU, 1983c, p. 127).

Constituído como uma forma específica de recurso, que decorre da autoridade

científica assim estabelecida (não sem luta, nem interesse), esse capital científico tende a ser

acumulado, transmitido e por vezes reconvertido em outras formas de capital, sendo certo que

nesse processo contínuo de acumulação o capital cultural institucionalizado, tido como capital

inicial, representado pelo título escolar, vai assumir um papel determinante, quer seja em

proveito da legitimação do discurso estabelecido, quer seja como ingrediente para a disputa

contra hegemônica, posto que a estrutura da distribuição do capital científico está na base das

transformações do campo científico e se manifesta por intermédio das estratégias de

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conservação ou de subversão da estrutura que ela mesma produz (BOURDIEU, 1983c, p.

134).

Pois bem, diante dos elementos colhidos na compreensão das categorias já analisadas,

penso que é chagada a hora de dialogar com a sociologia da educação de Pierre Bourdieu,

para colhermos as conclusões que mais de perto interessam para a pesquisa.

3.2.2 O sistema de ensino bourdieusiano e a pedagogia racional

A preocupação de Pierre Bourdieu com as consequências das lutas travadas no campo

educacional o acompanhou ao longo de toda a sua vida acadêmica e integrou, de algum modo,

boa parte de sua produção científica. Os livros “Os Herdeiros” de 1964 e “A Reprodução” de

1970 são tidos, indevidamente, diga-se de passagem, como o Estado da Arte de sua sociologia

da educação. Aliás, no que diz respeito ao último, é por conta dele que é rotulado de

estruturalista e/ou reprodutivista (ele mesmo em texto publicado no livro Coisas Ditas já

reclamou e explicou essa equivocada apreensão de sua obra, como já destacado

anteriormente). Seu espírito inquieto já nos faz lembrar que jamais permaneceria inerte a uma

só tradição, notadamente em face das mudanças ocorridas no campo educacional, seja em

função da massificação e democratização do acesso, seja nos modos como se tem trabalhado a

relação com o saber.

Nesse sentido, desde a preocupação inicial com a produção e reprodução cultural e

social pela via do sistema escolar, passando pela preocupação com estratégias de apropriação

do sistema escolar por agentes e grupos, ou mesmo de forma mais recente em textos como

“Os Excluídos do Interior” e “As contradições da Herança”, ambos publicados em 1993 em

“A Miséria do Mundo”, onde constatou que com o acesso de novas clientelas à escolarização,

as desigualdades escolares mudaram de forma e passaram a operar de modo mais sutil ou

imperceptível, assim como o sofrimento do trânsfuga que graças à consagração escolar acaba

por se afastar de seu meio social de origem (NOGUEIRA, C.; NOGUEIRA, M.; 2009, p.52).

O fato é que, em todas as suas análises não se deve perder de vista que seus conceitos

devem ser compreendidos sempre em interdependência, circunstância que demostra, à

saciedade, que sua obra nada tem de desmobilizadora no campo educacional. Pelo contrário,

para além de desvelar os mecanismos de funcionamento da socialização através da escola,

Bourdieu nos deu pistas e apontou caminhos, seja através da confessada “pedagogia racional”

seja pela manifesta intenção de romper com os determinismos, pela mediação de agência e

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estrutura realizada através do habitus, seja pela ideia de subversão das posições de disputa

que ocorrem no âmbito do campo científico. Isso pode ser sentido, repita-se, em sua

declaração de que não há nada de desesperador no fato de se conhecer a origem social de

todas as formas de sofrimento, pois o que o mundo social fez, o mundo social pode, armado

deste saber, desfazer, na medida em que a alternativa da ciência aponta condições de oferecer

os únicos meios racionais de utilização plena da ação política (BOURDIEU, 2012).

Ora, como já visto anteriormente, a preocupação epistemológica de Bourdieu era

romper com a dicotomia objetividade x subjetividade para a compreensão do mundo social.

Dessa forma o agente socializado através da educação não é o sujeito autônomo e muito

menos o que tem seus comportamentos determinados em um pacote pronto e acabado pelas

estruturas sociais. É alguém que, ao sofrer as influências das estruturas, adquire disposições

que podem orientar a sua ação futura, que por sua vez também sobre a influência de seu modo

de ser específico. Esse ethos social e educacional é dia a dia atualizado e estruturante da

mesma estrutura que o influenciou. No entanto, o seu agente parte de um ponto que possui

uma bagagem socialmente herdada que pode ser colocada a serviço do sucesso (ou fracasso)

escolar, incluindo aí o capital econômico, cultural e social adquirido no status de origem

Registre-se, por oportuno que o capital cultural, notadamente na modo incorporado, passa a

integrar a subjetividade do indivíduo e é para Bourdieu o fator que tem o maior peso, maior

até do que o capital econômico, na definição do sucesso (ou fracasso) escolar e no status de

destino. Assim é que

(...) a posse de capital cultural favoreceria o desempenho escolar na medida

em que facilitaria a aprendizagem dos conteúdos e dos códigos (intelectuais,

linguísticos, disciplinares) que a escola veicula e sanciona. Os esquemas

mentais, (as maneiras de pensar o mundo), a relação com o saber, as

referências culturais, os conhecimentos considerados legítimos (a “cultura

culta” ou a “alta cultura”) e o domínio maior ou menor da língua culta,

trazidos de casa por certas crianças, facilitariam o aprendizado escolar tendo

em vista que funcionariam como elementos de preparação e de

rentabilização da ação pedagógica, possibilitando o desencadeamento de

relações íntimas entre o mundo familiar e a cultura escolar (NOGUEIRA, C.;

NOGUEIRA, M.; 2009).

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Na verdade, no caso dos agentes oriundos dos meios mais favorecidos de capital

cultural, a educação escolar funcionaria como uma continuação da educação familiar, ao

passo que para aqueles detentores de uma herança cultural desfavorável, a educação formal e

seus códigos lhes causariam estranheza e constituiriam em verdadeira ameaça, razão pela qual

Bourdieu assim concebeu essa situação como violência simbólica. Não se deve negar que

nesse processo os capitais econômico e social exerceriam um importante papel instrumental

de acumulação do capital cultural; mas ao fim e ao cabo, na visão bourdieusiana, prevaleceria

o capital cultural como fator de sucesso (ou fracasso) no desempenho escolar.

Note-se que a intensidade dos investimentos que cada grupo de agentes se dispõe a

realizar no campo da educação está diretamente ligado à percepção do grau de ascensão que

verificam ou presumem no sucesso escolar de seus membros:

O “interesse” que um agente (ou uma classe de agentes) tem pelos “estudos”

(e que é, juntamente com o capital cultural herdado, do qual ele depende

parcialmente, um dos fatores mais poderosos do sucesso escolar), depende

não somente de seu êxito escolar atual ou pressentido (i.e., de suas chances

de sucesso dado seu capital cultural), mas também do grau em que seu êxito

social depende de seu êxito escolar (BOURDIEU, 1989, p.393).

É claro que desde “A Reprodução” Bourdieu viu uma estrita relação entre o sistema de

ensino e a estrutura de classes. É claro que identificou, naquele momento, a escola como uma

instância de reprodução de desigualdades sociais. Como todo campo, o escolar ou educacional

também não é neutro. Partindo da noção de arbitrário cultural e da ideia de que, como ocorre

em qualquer campo de produção cultural, a parte dominante traçará, mesmo que de forma

inconsciente, estratégias para imposição desse arbitrário cultural e manutenção das relações

de poder e conservação das instâncias de dominação, não se poderia esperar outra lógica que

não fosse a reprodução da ideologia, ou dos interesses, da classe dominante através do campo

escolar.

A noção de arbitrário cultural é interessante por nos trazer a ideia de que a cultura

consagrada, legitimada e transmitida através da escola em nada tem de superior, pois o valor

que lhe é atribuído é arbitrário. É transmitida não por ser melhor ou pior, mas por ser a cultura

do grupo que detém a legitimidade dos discursos e a faz impor com validade universal. Isso

só pode ser compreendido quando se pensa nos vários arbitrários culturais em disputa e as

relações de força dos vários grupos no âmbito da sociedade:

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No caso das sociedades de classe, a capacidade de imposição e de

legitimação de um arbitrário cultural corresponderia à força da classe social

que o sustenta. De modo geral, os valores arbitrários capazes de se impor

como cultura legítima seriam aqueles sustentados pelas classes dominantes.

Portanto, para o autor, a cultura escolar, socialmente legitimada, seria,

basicamente, a cultura imposta como legítima pelas classes dominantes

(NOGUEIRA, C.; NOGUEIRA, M.; 2009).

No entanto, não se pode perder de vista a conclusão bourdieusiana de o que o mundo

social fez, o mundo social pode, armado deste saber, desfazer. Vale dizer, se a escola é capaz

de reproduzir uma sociedade desigual, pelo mesmo mecanismo ela pode reproduzir uma

sociedade mais igualitária, na hipótese em que haja um certo nivelamento dos capitais

herdados no seio familiar ou um ajuste ao modo de ser de cada um dentro do sistema escolar,

mediante sua pedagogia racional. Bourdieu nos mostrou que a escola não é neutra, mas abre

caminho para uma análise crítica da relação com o saber, através do currículo da avaliação

escolar e dos meios pedagógicos.

Embora se saiba que Bourdieu não evoluiu seu pensamento a ponto de ter acesso a uma

suposta “caixa preta” do sistema escolar, o fato é que desde o início de suas pesquisas

apontou a ideia de uma “pedagogia racional”, como solução para a lógica (perversa) da

acumulação do privilégio cultural por meio da escola, que – como vimos – faz com que o

capital cultural permaneça sempre nas mãos daqueles que já o detém (NOGUEIRA, C.;

NOGUEIRA, M.; 2009, p. 86). Essa pedagogia racional, aliada a uma vontade política de

oportunizar a todos os agentes as mesmas chances de acesso a um sistema de ensino

relevante, consistiria em uma aprendizagem metódica que tornasse explicito tudo aquilo que

funcionasse de modo encoberto no processo pedagógico, favorecendo os agentes socialmente

desfavorecidos. Embora não possa parecer, trata-se de igualar igualmente os iguais e

desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades:

(...) uma pedagogia racional e universal, que, partindo do zero e não

considerando como dado o que apenas alguns herdaram, se obrigaria a tudo

em favor de todos e se organizaria metodicamente em referência ao fim

explícito de dar a todos os meios de adquirir aquilo que não é dado, sob a

aparência do dom natural, senão às crianças das classes privilegiadas

(BOURDIEU, 2007, p. 53).

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Mesmo que mais tarde possa ter considerado o caráter utópico da solução apresentada e

que não tenha reservado um desdobramento específico sobre o assunto, talvez porque o

desdobramento haveria de ser reservado à própria pedagogia, o fato é que o conjunto de sua

obra nos faz acreditar numa visão transformadora. Para ele, à sociologia caberia o papel de

desvelar as condições de produção e reprodução do mundo social, fossem elas quais fossem.

Sua manifestação sobre a subversão da ordem estabelecida no campo científico e sua crença

inabalável da capacidade de o mundo social desfazer o que ele mesmo fez, são indicações

claras de que em sua mente nunca deixou de brilhar a ideia da existência de uma saída para os

esquemas reprodutivos desiguais verificados no campo educacional. Interessante o que vai

abaixo destacado sobre a retomada da pedagogia racional:

O que ele considerava paradoxal é que fosse ele a ter que lembrar que o

conhecimento dessa lei é o que tem permitido voar: “é o que tenho dito

sempre desde Os Herdeiros: gostaria que retornassem à conclusão sobre a

„pedagogia racional‟ que havia sido considerada reformista por alguns. E

porque conhecemos as leis da reprodução é que temos alguma chance de

minimizar a ação reprodutora da instituição escolar” (BOURDIEU apud

CATANI, 2014, p. 30).

É como a ideia na mente dessa sociologia das desigualdades culturais e da subversão da

ordem estabelecida do campo científico que analiso o sistema de cotas, verificando quais as

condições de possibilidade que possam inseri-lo como ação desses conceitos.

3.2.3 O sistema de cotas e o omelete de ovo de pelicano

Quando se fala em ação afirmativa, notadamente em face de acesso ao ensino superior,

de imediato povoa a nossa mente a ideia de correção das distorções dos testes padronizados, a

compensação por erros e discriminações do passado e a promoção da diversidade cultural.

Confesso que o argumento que mais me seduz seja o da promoção da diversidade cultural.

Além de não envolver controvérsias sobre eventual responsabilidade coletiva por erros dos

antepassados, também não tem relação com nenhuma ação específica de discriminação.

No caso, não se trata de recompensa ou de reparação, mas de meio de atingir um

objetivo socialmente mais importante, justificado no bem comum da instituição de ensino

superior e da sociedade em geral (SANDEL, 2009), uma vez que a diversidade permite a

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ampliação do alcance das perspectivas intelectuais e culturais, realinhando a disposição das

forças em permanente luta nos campos de produção simbólica.

Sabe-se que a experiência pioneira das ações afirmativas é proveniente da Índia, onde a

recém fundada república incorporou em sua constituição de 1950 garantias jurídicas para

minimizar a segregação decorrente do sistema de castas. No Brasil, algumas iniciativas em

relação à proteção do trabalhador nacional, das micro e pequenas empresas em matéria de

licitações e até a reserva de vagas para pessoas com necessidades especiais, vigente desde a

edição do regime jurídico dos servidores da União em 1990, passaram despercebidos da

população em geral; o que não ocorreu quando os movimentos sociais, representantes de

minorias historicamente discriminadas, começaram a exercer uma legítima pressão por uma

ação política mais efetiva do Estado na direção das ações afirmativas. Aí sim a sociedade civil

passou a se sentir incomodada, estabeleceu-se a polêmica até então inexistente e culminou

com o questionamento no Supremo Tribula Federal da Lei nº 12.771/2012, a chamada Lei de

Cotas. No que é importante para este trabalho, o sistema de cotas, no âmbito da universidade

pública, ao lado do Prouni e FIES, para acesso às instituições da rede privada, constituem os

principais instrumentos de ação afirmativa de acesso ao ensino superior.

O sistema de cotas, no aspecto geral, consiste na reserva obrigatória de vagas nas

instituições federais de ensino de nível superior e técnico para pretos, pardos, indígenas,

alunos de baixa renda, bem como aqueles oriundos da escola pública. Fica claro aqui que esse

modelo de ação afirmativa voltado para o acesso ao ensino superior, com início lá pelo ano

2000, mesmo que de forma tímida e para um número reduzido de instituições no Rio de

Janeiro22

, promoveu uma mudança crescente e gradativa na composição socioeconômica,

cultural e étnico-racial dos quadros das universidades brasileiras (TAFURI, 2012), cujos

impactos sobre o sistema de reprodução de desigualdades através da escola precisam ser

melhor avaliados.

É claro que o acesso puro e simples ao ensino superior de um grupo cultural antes

alijado da disputa no campo científico, por si só, não tem o condão de inverter a lógica da

reprodução cultural pela via escolar. Se seguirmos o raciocínio de Bourdieu, a universidade

precisa, a partir desse ponto, adaptar-se a essa nova realidade e readequar seus processos

pedagógicos às especificidades dessa nova “clientela”. É claro que a adoção do sistema de

cotas nas universidades públicas no Brasil não resolverá todos os problemas como em um

22

A pioneira Lei Estadual nº 3.524/2000 determinou a adoção do sistema de cotas nas universidades públicas do

Estado do Rio de Janeiro.

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passe de mágica. A universidade nesse aspecto precisa reinventar-se, precisa transformar-se e

isso demanda tempo. A alusão ao omelete de Robert Desnos foi o próprio Bourdieu quem

sugeriu; nos apontou a transformação de uma coisa em outra no âmbito de um mesmo campo.

Nos indicou que assim como o sistema de ensino reproduz com competência um modelo de

desigualdade, também pode reproduzir uma sociedade mais igual, multicultural. Isso se dará

de uma forma ou de outra. O meio mais célere e menos traumático está na invenção da

própria universidade para lidar com essa nova realidade. Um meio mais custoso, mas também

possível, pode se dá na subversão do campo científico.

O que chamamos de omelete é a transformação no modo como o sistema de ensino

passará a reproduzir as estruturas sociais. Já se viu com Bourdieu a necessidade de o sistema

de ensino exercer uma pedagogia racional, uma nova maneira de relacionar o agente receptor

aos conteúdos, professores e estrutura do sistema de ensino. Já se viu com Bourdieu, também,

que a luta por posições dominantes no campo científico pode ser assumida de duas formas: ou

os novatos assumem uma postura de boa vontade cultural ou aquela direcionada à subversão

das posições do campo.

O que falo aqui em relação à luta e subversão do campo científico não paira sobre nós

apenas no mundo da teoria. Isso é um fato concreto que já vem sendo vivenciado no seio da

universidade brasileira. Diogo Tafuri, ao relacionar ações afirmativas com lutas acadêmicas

(TAFURI, 2012), traz um interessante relato do professor Henrique Cunha Júnior, titular do

Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Ceará e membro da

Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), que espelha bem essa luta pela

hegemonia no campo científico no âmbito dessa nova situação verificada com o acesso de

grupos culturais não hegemônicos no seio da universidade:

[...] com o intuito de acelerar o processo de pesquisa das temáticas de

interesse dos afrodescendentes, tenho ouvido pelos corredores, e, às vezes,

explicitamente, os seguintes argumentos: pesquisa não tem cor, as temáticas

abordadas por nós não são suficientemente universais, ou seja, não fazem

parte da ciência. Concordo que a pesquisa não tem cor, mas as políticas

científicas, que não têm nada a ver com o cerne do fazer científico, essas têm

os atributos de cor, de grupo social, de grupo histórico, de marginalizações e

de produção das desigualdades sociais, econômicas e políticas. Quem detém

o poder detém a primazia da ciência e determina quais temas são parte ou

não da ciência. (...) A formação dos pesquisadores negros passa por todos

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esses obstáculos ideológicos, políticos, preconceituosos, eurocêntricos, de

dominações e até mesmo de inocências úteis, vigentes nas instituições de

pesquisa e nos órgãos de decisão sobre as políticas científicas (CUNHA

JÚNIOR apud TAFURI, 2012)

É nesse sentido que enxergamos na obra de Bourdieu os caminhos para compreensão

dos modelos de reprodução que ocorrem no âmbito do sistema de ensino e a chave para

transformá-los. Assim faz sentido o poema de Robert Desnos com que Bourdieu fez abrir seu

livro “A Reprodução”, pois essa situação de reprodução de desigualdade se manterá

indefinidamente se não fizermos antes um omelete.

Procurei construir aqui um caminho razoável através da obra de Pierre Bourdieu, que

nos permitisse inserir o sistema de cotas da universidade brasileira nos mecanismos de

solução para o problema da reprodução observada, no nosso entendimento, em sua grande

produção científica, notadamente na sua sociologia da educação.

Vi que sua preocupação epistemológica inicial, centrada na superação da dicotomia

objetividade x subjetividade, como a mediação do habitus, pôde ser entendida como uma

indicação explícita de não aceitar o determinismo dos que indevidamente lhe acusaram de

reprodutuvista, e que inadvertidamente tomaram sua obra como desmobilizadora de uma ação

da educação para a transformação.

Observei que suas categorias devem ser tomadas em interdependência, assim é que ao

conceito de campo se segue o conceito dos variados tipos de capital e que a disputa

interessada no âmbito da produção cultual é logicamente transportada para a disputa no

campo científico. Esse, por sua vez, pode incutir nos novatos uma boa vontade cultural para

aceitação dos discursos legitimados ou enveredar para uma subversão das posições

dominantes, com ou sem a ajuda de uma ainda não totalmente desenvolvida, pelo menos na

sua obra, pedagogia racional.

Vi que o sistema de cotas para acesso de uma minoria historicamente alijada dos

processos de produção cultural, tornada obrigatória nos termos da Lei nº 12.771/2012, tem

como um de seus fundamentos filosóficos a promoção da diversidade cultural. Essa promoção

da diversidade cultural, aliada uma pedagogia racional, proporcionará um realinhamento das

forças que lutam pela hegemonia no campo científico, fato que possibilitará que o sistema de

ensino, com sua vocação para reprodução de estruturas desiguais presentes na sociedade,

possa, a partir daí, reproduzir uma situação mais igualitária dada a evidencia da transformação

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do perfil da comunidade universitária, nas atividades do ensino e da pesquisa, em um

ambiente multicultural.

O sistema de cotas, desse modo, é um passo importante, mas não único, para permitir

ao Estado amparar-se de elementos para fazer agir uma profunda reforma no meio intelectual,

nivelando a batalha pela hegemonia do campo científico, de uma forma que permita o

desaparecimento da desigualdade e da injustiça propiciada pela reprodução de estruturas

desiguais.

Aqui lembramos de um fato ocorrido no seminário sobre a obra “O Estado” de

Bourdieu, promovido pelo Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade da

Universidade Estadual do Ceará. Uma professora palestrante relatou que certa vez, na

composição de uma banca, um dado professor lhe ponderou que os sociólogos usavam

Bourdieu como coentro, que serviria para temperar quase tudo; ela retrucou e lhe disse que

bem melhor seria que suas categorias fossem usadas como pimenta. Já que se costuma

temperar as teorias sociológicas com as categorias de Bourdieu, melhor seria, para tonar a

comparação fiel ao próprio autor, que essa comparação fosse feita com o sal. E por quê?

Roberto Desnos, inserido pelas mãos de Bourdieu na sua obra “A Reprodução”, diz que de

um ovo branco nasce um ovo branco; milagre da reprodução que se repetirá indefinidamente

até que se faça um omelete. Um omelete da produção cultural, diríamos. É essa a omelete que

há ser feita com o ovo do pelicano de Jonathan. O tempero? Comecemos pelo “sal” fornecido

por Pierre Bourdieu.

3.3 TEORIA CRÍTICA DA EDUCAÇÃO: UM DIÁLOGO ENTRE HABERMAS E PAULO

FREIRE

Como vimos, para Bourdieu o que o mundo social fez, o mundo social pode, armado

deste saber, desfazer, na medida em que a alternativa da ciência aponta condições de oferecer

os únicos meios racionais de utilização plena da ação política (BOURDIEU, 2012). Também

vimos com esse autor que a chamada “pedagogia racional” permitiria romper com esse

esquema de reprodução de desigualdades através da escola:

“[...] é o que tenho dito sempre desde Os Herdeiros: gostaria que

retornassem à conclusão sobre a „pedagogia racional‟ que havia sido

considerada reformista por alguns. E porque conhecemos as leis da

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reprodução é que temos alguma chance de minimizar a ação reprodutora da

instituição escolar” (BOURDIEU apud CATANI, 2014, p. 30).

Como não foi desenvolvida por Pierre Bourdieu a “pedagogia racional”, entendo que a

teoria crítica da educação, através do desenvolvimento da racionalidade comunicativa em

Habermas, assim como a pedagogia da autonomia em Paulo Freire, produziram categorias

para se pensar essa nova postura da universidade com a chegada dos cotistas, na medida em

que necessita se adaptar a essa nova realidade e readequar seus processos pedagógicos às

especificidades dessa nova “clientela”.

Começo pela teoria crítica.

Por volta de 1924 Max Horkheimer, Felix Weil e Friedrich Pollock, a que mais tarde se

juntaria Theodor Adorno, fundaram o Instituto de Pesquisa Social junto à Universidade de

Frankfurt. Apesar desse movimento ter como designação a teoria crítica, foi com o rótulo de

Escola de Frankfurt que disseminou suas ideias no debate público alemão e internacional.

Com inspiração na teoria marxiana, a teoria acabou por se consolidar como uma

maneira de intervenção político-intelectual na Alemanha do pós-guerra (HONNETH, 2015),

tendo como perspectiva a orientação para emancipação da dominação, assim como uma

postura crítica em relação à realidade social e ao conhecimento produzido.

Coube a Habermas desenvolver a teoria crítica, naquilo que ficou conhecida como a

segunda geração, tendo como ponto de partida as aporias identificadas por Horkheimer e

Adorno no livro A Dialética do Esclarecimento. A dialética do esclarecimento buscava

investigar a razão humana e as formas sociais de racionalidade, concebendo a razão

instrumental como a única forma estruturante, com uma função de adaptação à realidade e à

produção do conformismo diante da dominação vigente (HONNETH, 2015), bem alinhada a

uma postura ética consequencialista vigente ao tempo da Dialética do Esclarecimento.

Como única forma de racionalidade no capitalismo administrado, a razão instrumental

impediria qualquer possibilidade de emancipação, tendo Honneth (2015) apontado que essa

seria a tese forte do livro a dialética do esclarecimento.

Opondo-se à essa posição aporética, Habermas desenvolve a uma teoria onde revela

um novo tipo de racionalidade. Com um caráter de dupla face, consistindo em uma

racionalidade instrumental e uma racionalidade comunicativa:

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A ação instrumental é aquela voltada para o êxito, em que o agente calcula

os melhores meios para atingir fins determinados previamente. Esse tipo de

ação caracteriza o trabalho, vale dizer, aquelas ações dirigidas à dominação

da natureza e à organização da sociedade que visam a produção das

condições materiais da vida e que (...) possibilitam a reprodução material da

sociedade.

(...) Em contraste (...) surge a racionalidade própria da ação de tipo

comunicativo, quer dizer, aquele tipo de ação orientada para o entendimento

e não para a manipulação de objetos e pessoas no mundo em vista da

reprodução material da vida (como é o caso da racionalidade instrumental).

A ação orientada para o entendimento é aquela que permite a reprodução

simbólica da sociedade (HONNETH, 2015, p. 13).

Na geração atual da teoria crítica há a tese desenvolvida por Axel Honneth (2015) que

parte dos conflitos e configurações sociais e institucionais para entender a sua lógica, que para

ele se dá pela luta pelo reconhecimento.

Ora, uma racionalidade comunicativa que permite a reprodução simbólica da

sociedade e orientada para emancipação da dominação engloba o que Bourdieu categorizou

como pedagogia racional, uma vez que deve considerar o modo de ser de cada um.

Essas premissas da teoria crítica permitiram um intenso desenvolvimento de sua

aplicação ao fenômeno da educação em geral e à disciplina do currículo em particular, que

com sua postura interdisciplinar desponta como a forma intelectualmente mais adequada de

designar a função social da educação na atualidade, guardando total relação com a solução da

pedagogia racional proposta por Bourdieu, na medida em que propõe repensar as políticas de

educação no sentido de implementar currículos escolares que favoreçam a uma situação mais

igualitária, como também na defesa de práticas pedagógicas com perspectivas mais amplas de

formação humana e cultural. Não apenas as dimensões particulares próprias de grupos

culturais presentes na escola estariam sendo abarcados, mas também, dimensões relacionadas

com a formação humana multifacetada onde as dimensões artísticas e espirituais são, também,

indissociáveis (VILELA, PEREIRA MATIAS, 2006, p. 77).

Neste ponto, já cabe aqui uma análise crítica daquilo se apurou no trabalho de campo

junto à Universidade Federal do Ceará e sua atuação na implantação do sistema de cotas. Em

nossa visita à Pró-Reitora de Graduação da Universidade, fomos informados que a UFC não

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dispõe de nenhum programa especial para acolhimento e acompanhamento dos cotistas23

. Nas

palavras do professor que me recebeu: “o aluno é cotista para UFC até o momento da

matrícula, a partir daí todos os alunos da UFC são iguais; aqui não há discriminação”.

Ora, a UFC não criou nenhum programa específico de nivelamento ou

acompanhamento, muito menos alterou ou adaptou os programas políticos pedagógicos de

seus cursos (ANEXO I), considerando as especificidades dos novos alunos cotistas que

passou a receber a partir do ano de 2012. Também é digno de destaque que todos os alunos,

cotistas ou não, são atendidos pelos mesmos programas de bolsas e auxílios dos alunos de

graduação, como Ajuda de Custo, Auxílio Moradia, Auxílio Residência, Bolsas diversas, etc..

Não que esses programas universais são sejam importantes; são e muito. Mas a

universidade haveria de criar programas específicos para lidar com as diferenças

socioculturais que passou a abrigar. Na verdade, a UFC não se preparou para receber os seus

cotistas, seja do ponto de vista puramente pedagógico, seja do ponto de vista de suas políticas

de integração e acolhimento estudantil. Há aqui um longo caminho a ser percorrido, pois “se a

possibilidade de emancipação depende, para Habermas, da racionalização do mundo da vida,

que por sua ver depende do fortalecimento do agir comunicativo” (BANNELL, 2006, p. 103),

a universidade deve criar as condições de possibilidade para que isso aconteça.

Em Habermas, a racionalidade comunicativa, para além de estabelecer uma dimensão

reflexiva com o mundo da vida, favorece os processos de aprendizagem com potencial para

transformar esse mesmo mundo da vida:

Assim, o agir comunicativo é a forma de ação que tem o maior potencial

para encadear processos de aprendizagem, tanto no nível individual quanto

no nível coletivo. É por meio desse tipo de ação social que a racionalização

da sociedade alcança seu nível mais avançado e que, portanto, a razão se

manifesta na história (BANNELL, 2006, p. 48).

Colimada ao espírito da “pedagogia racional” de Bourdieu e na mesma linha de uma

ação orientada para a emancipação de Habermas, vejo no pensamento freiriano uma

atualidade imanente ao contexto de crise e exclusão social do Brasil contemporâneo,

23

Embora saibamos que desde 2013 foi criado o Programa Bolsa Permanência, através da Portaria MEC Nº 389,

de 09 de maio de 2013, cujo objetivo é viabilizar a permanência, no curso de graduação, de estudantes em

situação de vulnerabilidade socioeconômica, em especial os indígenas e quilombolas.

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“testemunho de uma educação dialógica, que se presentifica nas relações humanas de respeito

às diferenças e reconhecimento dos saberes do outro”. Para Paulo Freire a educação relaciona-

se de modo direto com a humanização do mundo pela ação cultural libertadora, “de ser mais e

construir um mundo mais digno com relação às condições concretas da existência humana em

sociedade” (ZITKOSKI, 2010, p. 10):

[...] hoje, mais do que em outras épocas, devemos cultivar uma educação da

esperança enquanto empoderamento dos sujeitos históricos desafiados a

superarmos as situações limites que nos desumanizam a todos (FREIRE,

1994, p. 11).

Essa humanização do mundo em Freire, passa necessariamente pela redefinição de

paradigmas da vida social, notadamente pelo modo de educação e arbitrário cultural impostos

pela classe dominante, das relações humanas cotidianas, das posturas políticas, da produção

do conhecimento, “que está na base da reprodução dos sistemas hegemônicos da sociedade.

Em suma, um projeto humanista e libertador da sociedade exige de nós, hoje, que repensemos

a cultura que cultivamos e os modelos de racionalidades intrínsecos à mesma. ” (ZITKOSKI,

2010, p. 15). Num mesmo sentido, a razão comunicativa em Habermas e a razão dialógica

para a humanização em Freire interpenetram-se:

[...] na luta pela libertação transformadora das sociedades contemporâneas,

que se caracterizam pela opressão e alienação da vida humana, controlada

pelo mundo dos sistemas por meio do processo de racionalização social

ancorada na razão instrumental (HABERMAS, 1998, apud ZITKOSKI,

2010, p. 17).

Portanto, ao definir [...] a ação cultural para a liberdade, como um caminho

de reconstrução da vida em sociedade, Freire está defendendo [...] uma

concepção de vida humana dialógica e dialética e uma proposta de educação

radicalmente libertadora que, no conjunto, se harmonizam por meio da

racionalidade dialógica. É uma racionalidade que busca construir a

existência humana de modo crítico e criativo frente à realidade sociocultural

que nos condiciona, desumaniza e coisifica (ZITKOSKI, 2010, p. 23).

Assim a universidade deve ter por mote a preocupação em oferecer, aos cotistas e não-

cotistas, uma educação diferenciada no sentido considerar a diversidade cultural que

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experimenta por força da ação afirmativa, trabalhada de forma intencional para humanizar a

sociedade por meio de uma formação cultural que favoreça a transformação dos cidadãos, de

forma democrática e participativa. Essa é a expectativa em relação ao modo como o meio

acadêmico lidará daqui para frente com a diversidade cultural presente desde a implantação

do sistema de cotas. E é para isso que se quer a educação como forma de socialização dos

indivíduos.

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4 EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

Desde a edição do pacto social firmado com a promulgação da Constituição Cidadã em

1988, o Brasil experimentou nesses quase trinta anos dois ciclos distintos. Um primeiro ciclo

mais alinhado ao consenso de Washington, com sua ideia monetarista de estabilização e

rigidez fiscal, e com a firme convicção de que “primeiro, é preciso fazer o bolo crescer, para

depois dividi-lo24

”. Um segundo ciclo na era Lula-Dilma de inspiração desenvolvimentista

que aliava desenvolvimento econômico com inclusão social, que trouxe a política social para

o centro da estratégia de desenvolvimento, “com aportes crescentes de recursos que geraram

impactos significativos nas condições de vida da população do Brasil nos últimos dez anos”

(JANNUZZI; PINTO apud MADEIRA, 2014, p. 15). Nesse segundo ciclo foi possível

observar com maior nitidez essa relação existente entre educação e desenvolvimento

econômico.

Essa relação entre educação e desenvolvimento econômico é uma questão que também

pode parecer óbvia, mas que ainda suscita discussões e apropriações de caráter ideológico25

,

razão pela qual ainda precisa ser devidamente explicitada. Uma das apropriações possíveis

dessa ligação funda-se no fato de se colocar o investimento em educação como eixo

primordial do desenvolvimento. Tal concepção geraria o „tão desejado círculo virtuoso‟ com

uma maior distribuição de renda, inclusão social, aumento do consumo, incremento da

indústria, comércio e agricultura, propiciado pelo “aumento dos empregos e dos salários [...],

crescimento exponencial da „arrecadação de impostos com os quais o Estado poderá resolver

os problemas de infraestrutura [...] e arcar com os programas sociais [...] nesse amplo

processo de desenvolvimento geral do país‟ ” (SAVIANI, 2010a, p. 246 apud FAVARO,

TUMOLO, 2016, p. 565).

Nesta perspectiva, a teoria do capital humano sempre nos dá elementos esclarecedores

para entender a educação como um bem de produção e um investimento que se materializa

como um verdadeiro agente do desenvolvimento.

24

Frase atribuída a Antônio Delfin Netto - http://educacao.uol.com.br/biografias/antonio-delfim-netto.htm

25 Por exemplo, no artigo “A Relação Entre Educação e Desenvolvimento Econômico no Capitalismo:

elementos para um debate” (Educ. Soc., Campinas, v. 37, nº. 135, p.557-571, abr.-jun., 2016), Neide de Almeida

Lança Galvão Favaro e Paulo Sergio Tumolo questionam que a posição de Dermeval Saviani em entrevista

concedida em 2005 não é compatível com a luta socialista.

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4.1 TEORIA DO CAPITAL HUMANO E O SISTEMA DE COTAS

A ideia do capital humano não é nova, remonta à investigação sobre a natureza da

riqueza das nações no século XVIII (SMITH, 1996). Alfred Marshal (1890) que mais tarde

também escreveu sobre a ideia já via indícios dessa apreensão nos escritos de Charles

Davenant no século XVII. No século XIX, Marx também teria analisado a ideia de capital

humano à sua própria maneira, quando escreveu que “para modificar a natureza humana geral

de tal modo que ela alcance habilidade e destreza em determinado ramo de trabalho, [...] é

preciso determinada formação ou educação”. (MARX, 1867, p. 289 apud KELNIA; LOPES;

PONTILI, 2013, p. 03). De todo modo, mesmo sem usar o termo, foi mesmo em “A Riqueza

das Nações” que já vem delineado o que mais tarde passaria a ser integrado de forma

sistematizada na teoria do capital humano:

Em quarto lugar, as habilidades úteis adquiridas por todos os habitantes ou

membros da sociedade. A aquisição dessas habilidades para a manutenção de

quem as adquiriu durante o período de sua formação, estudo ou

aprendizagem, sempre custa uma despesa real, que constitui um capital fixo

e como que encarnado na sua pessoa. Assim como essas habilidades fazem

parte da fortuna da pessoa, da mesma forma fazem parte da sociedade à qual

ela pertence (SMITH, 1996, p. 290).

Assim é que se entende por capital humano “o conjunto de capacidades, conhecimentos,

competências e atributos de personalidade que favorecem a realização de trabalho de modo a

produzir valor econômico. São os atributos adquiridos por um trabalhador por meio da

educação, perícia e experiência” (MORENO, 2016). “Capital humano é, pois, o

conhecimento, as habilidades e a experiência que tornam um indivíduo mais produtivo e,

assim, capaz de auferir rendas maiores durante a vida” (PINDYCK; RUBINFELD, 2006, p.

485). Aqui a ideia de formação de habilidades e competências por meio da educação está

diretamente ligada ao resultado econômico, que no caso específico do trabalhador é medido

através dos rendimentos do trabalho, ou seja, a ideia da importância de sua formação

educacional, anos de estudo na acumulação de capital econômico:

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A tese central da teoria do capital humano vincula educação ao

desenvolvimento econômico, à distribuição de renda ou, de forma mais

individual, é responsável direta pela renda. Acredita-se que quanto mais

elevado o nível de escolaridade, maior a probabilidade de o indivíduo

melhorar o seu salário (SEABRA, 2002, p. 17).

A reconstrução mundial promovida no segundo pós-guerra retoma o debate sobre o

capital humano que agora é formalizado como teoria sistematizada, pelos estudos seminais de

pesquisadores da Universidade de Chicago, coordenados por Theodore Schultz e tendo a

participação e Gary Becker e Jacob Mincer, que colocaram a educação como eixo central e

motor de desenvolvimento econômico. Foi dessa forma que o professor de economia da

educação Theodore Schultz passou a ser considerado o Pai da teoria do capital humano, tendo

sido, inclusive, agraciado com um prêmio Nobel de economia, pondo em discussão as ideias

de que o conhecimento também forma capital e que o investimento em capacitação faz

aumentar a produtividade da empresa e os rendimentos individuais do trabalhador:

É vasta na bibliografia a tentativa de aprofundamento na relação entre nível

educacional e rendimento, tendo em vista que o efeito do primeiro na

produtividade do trabalho desencadeia alterações na eficiência, no produto e

na distribuição de renda. Estes trabalhos são fruto da teoria do capital

humano, formulada fundamentalmente por Schultz (1961), Becker (1962) e

Mincer (1974). O primeiro autor estabelece que a decisão de investir “em si

mesmo” é como qualquer outra decisão de investimento, sendo feita na

tentativa de maximizar o bem-estar pelo aumento esperado de produtividade

e, consequentemente, de salário (SIMÕES; CIRINO; CASSUCE, 2014, p.

482).

Formulada por Shultz, a teoria do capital humano foi desenvolvida por Becker (1962)

que para além de problematizar a relevância do treinamento no rendimento do trabalho,

também considerou a questão de raça, gênero e da discriminação no ambiente de trabalho. Já

os estudos de Mincer (1974) trabalham a teoria do capital humano com um viés

econométrico, buscando a relação matemática entre a formação do trabalhador e seu nível de

renda, concluindo que “a produtividade e, consequentemente, as diferenças de rendimentos

entre os indivíduos deveriam estar relacionadas positivamente ao volume do investimento em

capital humano de cada um” (PEREIRA; ZAVALA, 2012, p. 209):

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O trabalho de Mincer, em 1974, que trata de medir o impacto do incremento

de um ano de estudo sobre o salário, é tratado na literatura econômica como

um marco da integração da teoria do investimento em capital humano com

os modelos formais da teoria econômica. A fim de medir o retorno da

educação Mincer propôs um tipo de equação que leva em conta a influência

da educação e da experiência profissional nos salários. Assim, o salário de

um indivíduo é dado por: lnYt=a+b1 s+b2t+b3t2+v (PEREIRA; ZAVALA,

2012, p. 209).

No Brasil, essa teoria também teve franco desenvolvimento, sendo os estudos de

Langoni (1973) um dos pioneiros na aplicação da metodologia minceriana. Já utilizando

dados das pesquisas nacionais por amostra de domicílios – PNADs, Leal e Werlang (1991)

apontam uma taxa de retorno de salário de 16% por ano a mais de estudo. Resende e Wyllie

(2005) encontraram retornos por ano de educação da ordem de 12,6% para mulheres e 15,9%

para os homens, utilizando dados da Pesquisa sobre Padrão de Vida – PPV/IBGE, o que já

demonstra o impacto da variável gênero no estudo dos salários. Interessante destacar a

pesquisa de Suliano e Siqueira (2012) que “encontram evidências de que o retorno da

escolaridade ainda se mantém em patamares elevados, [...]. Para a região Nordeste, um ano a

mais de estudo eleva em 16 por cento os salários, enquanto na região Sudeste este incremento

é de 13 por cento” (PEREIRA; ZAVALA, 2012, p. 211):

Não obstante o uso de diferentes técnicas de estimação, diferentes variáveis

explicativas e base de dados diversas distribuídas ao longo dos anos, as

evidências são de que a taxa de retorno educacional brasileira ainda é

persistentemente elevada. Tais resultados coadunam com os resultados

encontrados por Psacharopoulos e Patrinos (2002) ao estimarem a taxa de

retorno para um conjunto de países. Estes autores mostram que a taxa de

retorno para o Brasil é 15 por cento por ano adicional de estudo, colocando o

país em nono lugar de um total de 71 países (PEREIRA; ZAVALA, 2012, p.

211).

Considerando também o aspecto qualitativo da educação, destaca-se o trabalho de

Behrman e Birdsall (1983), quando „utilizam a equação minceriana para analisar o impacto da

qualidade da educação nos rendimentos, sendo essa equação definida pela alocação de

recursos públicos destinados à educação na forma de qualificação do professor” (SIMÕES;

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CIRINO; CASSUCE, 2014, p. 484). Com o mesmo viés qualitativo, França, Gasparini e

Loureiro (2005) chegaram a mesma conclusão de que a educação aumenta os rendimentos do

trabalho.

Também tendo como base a equação minceriana, Simões, Cirino e Cassuce (2014)

desenvolveram importante estudo onde analisam o impacto qualitativo e quantitativo da

educação (anos de estudo) no rendimento do trabalho no Brasil. Analisando os resultados da

pesquisa, um dado digno de registro logo à partida é o fato de que o retorno em educação em

temos de quantidade no Brasil é cerca de duas vezes maior do que o retorno em qualidade:

Os resultados mostraram que, conforme o esperado, tanto a educação em

termos de anos de estudo formal quanto a qualidade dessa educação,

expressa no IDEB utilizado, são importantes determinantes para o

rendimento médio do trabalho no mercado nacional. Destaca-se que, em

termos de magnitude, o impacto dos anos de estudo mostrou-se maior. Esse

resultado pode estar ligado ao fato de os anos de estudo formal serem um

sinal mais forte para os empregadores, em termos de produtividade do

indivíduo, do que o seu resultado no IDEB, que, na prática, não é

considerado (SIMÕES; CIRINO; CASSUCE, 2014, p. 494).

Também ficou evidenciado no estudo que os trabalhadores com curso superior recebem

em média 219,14% a mais de salário do que aqueles sem diploma. De forma consolidada, a

dissertação de mestrado de Rodrigues (2010) traz um interessante apanhado de várias

pesquisas feitas que analisaram o efeito de um ano a mais de escolaridade no rendimento do

Trabalhador:

Tabela 4 - Retorno salarial de anos a mais de escolaridade de acordo com alguns autores

AUTORES ANO EM EMA MVI HC

Mincer 1976 11,29% - - -

Leal e Werlang 1991 15% - - -

Angrist e Kruege 1991 - - 7,15%; 8% -

Ueda e Hoffmam 2002 - 9,80% 16% e 17,2% -

Chaves 2002 13,88% 8,40%

Sachsida 2004 - - 16% e 17,5% -

França, Gasparini e Loureiro 2005 15,43% 10% 22% -

(Continua)

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83

Rocha e Campos 2006 - - - 18,8%*

14,7%°

Resende e Wyllie 2006 - 1,41% - 0.126

Salvato e Slva 2007 14,95% 13,90% 22,14% 15,8%*

13,78%°

Zaist Salvato e Nakabashi 2008 - - - 11,30%*

8,40%°

Leigh e Ryan 2008 - - 5%; 8%; 12% 15,9%*

12,6°

Chen e Hamori 2009 - 7,67%*

8,06°

12,61% -

EM é a equação de Mincer adaptado; MVI é o Método de Variáveis Instrumentais; MH é a

Metodologia de Heckaman; * é o retorno salarial de anos a mais de escolaridade para a

mulher; ° é o retorno salarial de anos a mais de escolaridade para o homem.

Fonte: (RODRIGUES, 2010, p. 37)

Seja qual for a metodologia utilizada, a abordagem por aspectos quantitativos,

qualitativos, de gênero, raça, localidade, etc., o fato comum ente todas as pesquisas é a

importância e relevância dos anos de estudo no processo de formação socioeconômica dos

trabalhadores. Neste sentido, esses dados são um forte indicativo de que o investimento na

expansão do ensino superior, tanto em termos quantitativos como qualitativos, traz um

significativo impacto no rendimento dos indivíduos e no desenvolvimento econômico de uma

forma geral. O sistema de cotas se insere nessa expectativa de acumulação de capital

econômico dos estudantes que hoje participam do programa.

Esse aspecto tornou-se tão relevante que o Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento - PNUD, ao produzir e divulgar desde 1990 o Relatório de

Desenvolvimento Humano, tem como matriz a teoria do capital humano, pois o indicativo

estatístico da taxa de formação de capital humano de cada nação é o Índice de

Desenvolvimento Humano – IDH, que leva em consideração esperança de vida, educação e

rendimento, servindo de base para diversos outros estudos que consideram a exclusão, a

educação e o rendimento das pessoas. Assim, espera-se que as políticas macroeconômicas de

todas as nações tenham como foco o desenvolvimento humano de forma imediata e o

desenvolvimento econômico como consequência mediata. E o sistema de cotas tem um papel

fundamental neste processo.

(Conclusão)

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84

4.2 EXCLUSÃO SOCIAL, DESENVOLVIMENTO HUMANO E EDUCACIONAL

Com já demonstrado, é com base na teoria do capital humano que diversos índices são

desenvolvidos tendo como foco a exclusão social, o desenvolvimento humano e o

desenvolvimento educacional, buscando subsidiar os agentes políticos para o processo de

decisão da implantação de política públicas. O sistema de cotas não pode prescindir da análise

desses diversos índices para a orientação da direção do ciclo da política pública.

Começo pelo Índice de Desenvolvimento Humano – IDH. O IDH na verdade é a

medida do desenvolvimento humano de um país, apresentada pela primeira vez em 1990 (com

divulgação periódica a partir de então) no primeiro Relatório de Desenvolvimento Humano do

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, projeto que fora idealizado

pelo economista paquistanês Mahbub ul Haq, tendo a importante colaboração do economista

Amartya Sem, como alternativa ao Produto Interno Bruto – PIB, índice predominantemente

utilizado na época.

O IDH pode ser medido levando-se em consideração três dimensões específicas, a

saber: a saúde, pela perspectiva de se levar uma vida longa e saudável; a educação, pela

oportunidade de acesso ao conhecimento; a renda, pela possibilidade de se puder desfrutar de

um padrão de vida digno. Pela simplicidade de congregar em um único índice essas três

importantes dimensões da vida, o IDH acabou ganhado grande reputação mundial, facilitando

a compreensão e fomentando a discussão sobre o desenvolvimento humano das sociedades. O

IDH varia entre 0 (zero) e 1 (um) e compõe-se da média geométrica de suas três dimensões,

revelando que tanto maior terá desenvolvimento humano a nação quanto mais se aproxime do

valor 1 (um). De acordo com o último relatório do PNUD, divulgado em março de 2017 e

elaborado em 2016 com dados de 2015, o Brasil tem um IDH de 0,754, ocupando a 79ª

posição no ranking mundial, considerado um país com índice mediano.

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Gráfico 4 - Evolução do IDH do Brasil

Fonte: PNUD, adaptado

Analisando os últimos relatórios do PNUD observa-se que do ano de 2010 a 2013 a

expectativa de anos de estudo dos brasileiros subiu de 14 para 15,2 anos. Já a média efetiva de

anos de estudo no brasil subiu de 6,9 em 2010 para 7,8 em 2015. Esses dados são relevantes

quando cotejados com a teoria do capital humano para quem a educação é a chave do

desenvolvimento de um país e da renda pessoal de um indivíduo.

Em 2012 o PNUD Brasil, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA e a

Fundação João Pinheiro resolveram adaptar a metodologia do Índice de Desenvolvimento

Humano - IDH Global para um cálculo de um Índice de Desenvolvimento Humano Municipal

– IDHM, tomando como base os dados coletados nos últimos três censos demográficos,

realizados em 1991, 2000 e 2010, popularizando o conceito de desenvolvimento humano e

estimulando a formulação e implementação das políticas públicas que tenham como

finalidade priorizar a melhoria de vida das pessoas. Merece destaque IDHM de Fortaleza:

Gráfico 5 - IDHM de Fortaleza – 1991, 2000, 2010

Fonte: PNUD, IPEA, FJP, adaptado

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Interessante notar, de logo, que o IDHM de Fortaleza de 0,754 em 2010 situa o

município na faixa de desenvolvimento humano alto26

(IDHM entre 0,700 e 0,799) e que essa

evolução verificada no período de 1991 a 2010 reflete exatamente a expressão de suas

dimensões (anos de vida, educação e renda), sendo certo que esse desenvolvimento está

diretamente ligado ao aumento do nível de educação e a consequente renda do trabalho,

conforme visto no capítulo precedente dedicado à teoria do capital humano.

Em 2017 o PNUD Brasil, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA e a

Fundação João Pinheiro congregados no esforço de produzir indicadores socioeconômicos

cada vez mais específicos, publicam um novo espectro de dados no âmbito do Atlas do

Desenvolvimento Humano no Brasil, com a desagregação do IDHM por cor, sexo e situação

de domicílio:

O objetivo dessa iniciativa é visibilizar dados estatísticos que evidenciam

desigualdades e, com isso, subsidiar a elaboração de políticas públicas que

visem a promoção da igualdade racial, de gênero e das condições sociais das

populações residentes nas áreas urbanas e rurais.

A questão que aqui se coloca é: o processo de desenvolvimento recente do

país ampliou ou reduziu as desigualdades entre esses grupos de indivíduos,

se consideradas as dimensões do desenvolvimento humano? (PNUD, 2017)

Pois bem, a análise dos dados desagregados já confirmam as diferenças

socioeconômicas entre os grupos estudados, uma vez que brancos, homens e populações

urbanas obtiveram os melhores resultados. Notou-se em 2010 que o IDHM dos negros no

Brasil levou 10 anos para se equiparar ao IDHM dos brancos em 2000, diminuindo

significativamente a diferença entre os índices atuais, analisados os dados de 2000 a 2010,

onde a taxa média de crescimento do IDHM da população negra cresceu 2,5% ao ano,

superando os 1,4% ao ano da população branca. Como o fator educação tem forte relevância

na composição do índice é de se observar que este fato coincide com a expansão da oferta de

vagas para negros nas universidades observada nesse mesmo período, conforme

detalhadamente analisado no capítulo inicial:

26

No caso dos países a avaliação do PNUD segue a seguinte tabela:

IDH baixo: abaixo de 0,500 - IDH médio: entre 0,500 e 0,799

IDH alto: 0,800 e 0,899 - IDH muito alto: acima de 0,900

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Gráfico 6 - Evolução do IDHM desagregado no Brasil, 2000 e 2010

Fonte: PNUD 2017

Tabela 5 - Subíndices do IDHM desagregado no Brasil, 2000 e 2010

Fonte: PNUD, 2017

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Mas uma vez observamos pela análise das tabelas acima e pelas conclusões do estudo a

relação direta entre formação escolar e nível de renda. Se para a população negra o aspecto

educacional foi o que mais contribuiu para o crescimento médio anual de 4,9% em seu

IDHM, a renda domiciliar per capta capita observou um aumento de 55,48% no mesmo

período, mas a diferença entre a renda de negros e brancos ainda é muito grande, pois a renda

média per capita dos brancos ainda é mais que o dobro da renda da população negra.

Tendo como pano de fundo o IDH do PNUD, preservando os indicadores Longevidade,

Escolaridade e Riqueza, mas incluindo outras variáveis específicas, encontramos o Índice

Paulista de Responsabilidade Social – IPRS27

, produzido pelo Instituto Legislativo paulista

(ILP, 2014), o índice de Vulnerabilidade Social – IVS28

, elaborado pelo IPEA com a mesma

metodologia do IDH e IDHM, o Índice de Exclusão Social29

(GUERRA; POCHMANN;

SILVA, 2014), o Índice de Exclusão Social30

(LEMOS, 2008), o Índice de Desenvolvimento

Educacional –IDE e o Índice de Desenvolvimento Humano de Fortaleza, por bairro,

elaborados pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Município de Fortaleza, onde é

27

O IPRS acompanha o paradigma que sustenta o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), do Programa das

Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Esse modelo pressupõe que a renda per capita é insuficiente

como único indicador das condições de vida de uma população e propõe a inclusão de outras dimensões

necessárias a sua mensuração. Assim, além da renda per capita, o IDH incorpora a longevidade e a escolaridade,

adicionando as condições de saúde e de educação das populações em um indicador mais abrangente de suas

condições de vida IILP, 2014, p. 11).

28 O Índice de Vulnerabilidade Social (IVS), construído a partir de indicadores do Atlas do Desenvolvimento

Humano (ADH) no Brasil, procura dar destaque a diferentes situações indicativas de exclusão e vulnerabilidade

social no território brasileiro, [...]. Complementar ao Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), o

IVS traz dezesseis indicadores estruturados em três dimensões, a saber, infraestrutura urbana, capital humano e

renda e trabalho, permitindo um mapeamento singular da exclusão e da vulnerabilidade social para os 5.565

municípios brasileiros (conforme malha municipal do Censo demográfico 2010) e para as Unidades de

Desenvolvimento Humano (UDHs) das principais regiões metropolitanas (RMs) do país (IPEA, 2015, p. 12).

29 Tem como finalidade classificar os municípios brasileiros segundo o grau de desenvolvimento econômico e

social, servindo de subsídio para a concepção e implementação de políticas públicas destinadas a reduzir os

aspectos perversos da exclusão social (GUERRA; POCHMANN; SILVA, 2014 p. 22).

30 Desta vez também tivemos o cuidado de dar uma maior ênfase ao papel da educação no processo de

desenvolvimento econômico sustentado. Já havíamos detectado que o maior peso no IES está neste indicador, o

que mostra a sua importância na definição e na determinação do padrão de desenvolvimento ou de pobreza

(LEMOS, 2008, p. 8).

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observado que o fator escolaridade repercute de forma decisiva no nível de renda dos

cidadãos.

Outro estudo relevante e que consta do documento FORTALEZA 2040 (FORTALEZA,

2015) traz dados que reforçam essa expectativa de que anos a mais de estudo possam

repercutir no padrão de renda. Analisando dados da RAIS, IBGE, IPECE, o Município de

Fortaleza teve um aumento de 131,7% nos empregados com nível superior. Neste mesmo

período observou um aumento na remuneração por grau de instrução, havendo também uma

diminuição dos componentes da classe baixa e um aumento das classes média e alta:

Tabela 6 - Remuneração média por grau de instrução – Fortaleza 2000/2010

Fonte: RAIS/MTE, adaptado

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Figura 4 - População de Fortaleza por classes

Fonte: RAIS, adaptado

Também é interessante observar no mesmo estudo, fato corroborado pelo relatório do

Índice de Desenvolvimento Educacional de Fortaleza por Bairro, que a distribuição do

rendimento médio nos 119 bairros de Fortaleza encontra seu menor patamar nos bairros de

periferia, justamente onde se observa um grau de instrução bem menor em relação aos bairros

ditos “nobres” (FORTALEZA, 2016). Os 16 bairros com maior renda estão na chamada

“zona nobre”, enquanto os 103 com mais pobres estão localizados na periferia:

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Figura 5 - Renda mensal média por bairro - Fortaleza - 2010

Por fim, analisando o relatório Grandes Números da Declaração de Imposto de Renda

da Pessoa Física – GNDIRPF 2016, que constam dos dados abertos da Receita Federal do

Brasil (RECEITA FEDRAL, 2016 - Resumo da Declaração por Ocupação Principal do

Declarante), a tabela 14 nos aponta que o rendimento tributável é maior para aquelas

ocupações que exigem nível superior de instrução e mais tempo de anos de estudo e

escolaridade:

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Tabela 7 - Resumo da declaração por ocupação principal do declarante

GRANDES NÚMEROS DIRPF 2016 - ANO-CALENDÁRIO 2015 R$ EM BILHÕES

Ocupação Principal do Declarante Qtde Declaran

tes Rendim. Tribut.

Rendim. Tribut. Exclus.

Rendim. Isentos

Membro do Poder Executivo 8.235 0,95 0,06 0,18

Membro do Poder Judiciário e de Tribunal de Contas 20.699 7,63 1,07 3,93

Membro do Poder Legislativo 38.006 2,99 0,17 0,64

Membro do Ministério Público (Procurador e Promotor) 14.051 5,35 0,74 2,39

Dirigente superior da adm. pública, inclusive fundações etc 65.557 5,11 0,45 0,82

Diplomata e afins 2.625 0,41 0,11 0,67

Advogado do setor público, Proc. Fazenda, Cons. Jurídico etc 27.861 6,77 0,64 1,07

Servidor das carreiras de auditoria fiscal e de fiscalização 67.579 15,42 1,67 2,12

Deleg. de Polícia e serv. carreiras de polícia, exc. militar 128.021 14,48 1,17 1,39

Servidor das carreiras de gestão governamental, analista etc 19.803 2,69 0,25 0,29

Dirigente, pres., diretor emp. indust., com. ou prest. serv. 2.678.653 100,59 53,76 248,65

Presidente e diretor empresa pública e soc. economia mista 12.090 0,74 0,20 0,34

Gerente ou superv. empresa indust., comerc. ou prest. serv. 813.576 55,93 10,62 33,46

Gerente ou superv. empresa pública e soc. de economia mista 45.525 5,73 0,89 1,10

Presidente, diretor, gerente, superv. organ. internac. e ONG 10.765 0,73 0,11 0,32

Matemático, estatístico, atuário e afins 20.492 1,64 0,27 0,36

Analista de sist., desenv.de soft., adm.de redes e banco etc 333.887 26,53 4,00 7,30

Físico, químico, meteorolog., geólogo, oceanógrafo e afins 38.379 4,36 0,75 1,26

Engenheiro, arquiteto e afins 502.400 54,27 12,48 32,20

Biólogo, biomédico e afins 54.288 3,81 0,40 1,04

Agrônomo e afins 36.708 3,90 0,63 1,67

Médico 340.091 63,44 7,98 39,50

Odontólogo 186.144 14,34 1,12 4,30

Enfermeiro nível sup., nutricionista, farmacêutico e afins 404.469 25,22 2,16 3,20

Veterinário, patologista (veterinário) e zootecnista 44.656 3,11 0,38 1,33

Fonoaudiólogo, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional e afins 131.625 5,89 0,49 2,01

Advogado 312.794 19,85 5,00 25,31

Sociólogo e cientista político 6.243 0,53 0,09 0,21

Antropólogo e arqueólogo 1.433 0,12 0,01 0,05

Economista, administrador, contador, auditor e afins 427.909 36,02 9,18 20,68

Profissional de marketing, publicidade e da comercialização 73.103 5,00 1,13 3,33

Psicólogo 98.169 5,57 0,81 2,59

Geógrafo 4.358 0,34 0,04 0,08

Historiador 4.061 0,29 0,03 0,06

Assistente social e economista doméstico 60.579 4,04 0,36 0,53

Professor na educação infantil 261.341 12,39 1,00 1,03

(Continua)

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Professor do ensino fundamental 1.005.904 55,16 4,33 4,48

Professor do ensino médio 518.606 32,95 2,71 3,79

Professor do ensino profissional 50.645 4,11 0,34 0,52

Professor do ensino superior 225.856 28,42 3,04 6,19

Pedagogo, orientador educacional 137.480 8,86 0,80 1,23

Técnico em constr. civil, edificações e obras de infra-est. 31.744 1,67 0,18 0,38

Técnico em eletro-eletrônica e fotônica 74.798 5,41 0,74 0,91

Técnico em informática 54.854 2,86 0,30 0,64

Técnico em biologia 2.348 0,13 0,01 0,02

Técnico da produção agropecuária 15.582 0,91 0,09 0,19

Técnico da ciência da saúde humana 133.177 6,06 0,47 0,40

Técnico da ciência da saúde animal 1.373 0,07 0,02 0,01

Técnico de labor., Raios-X e outros equipamentos diagnóstico 47.319 2,51 0,20 0,24

Técnico de bioquímica e da biotecnologia 2.605 0,14 0,01 0,02

Técnico de conservação, dissecação e empalhamento de corpos

540 0,03 0,00 0,00

Técnico em navegação aérea, marítima, fluvial e metrofer. 21.215 1,85 0,23 0,34

Técnico em transportes (logística) 32.595 1,55 0,18 0,30

Técnico das ciências administrativas e contábeis 143.654 7,31 0,76 1,67

Técnico de inspeção, fiscalização e coordenação administrat. 21.739 1,31 0,13 0,19

Técnico de serviços culturais 3.445 0,16 0,02 0,04

Outros técnicos de nível médio 529.659 29,59 3,12 3,65

Trabalhador de atendim. ao público, caixa, despachante etc 169.019 6,81 0,68 1,04

Trabalhador dos serviços domésticos em geral 19.555 0,49 0,04 0,13

Trabalhador dos serviços de hotelaria e alimentação 59.047 2,08 0,19 0,42

Trabalhador dos serviços de admin., conserv. e manut. edif. 68.361 2,65 0,22 0,31

Trabalhador dos serviços de saúde 172.564 8,47 0,68 0,72

Trabalhador dos serv. de embelezamento e cuidados pessoais 59.542 1,48 0,05 0,52

Trabalhador dos serviços de proteção e segur. (exc. militar) 156.838 7,28 0,58 0,45

Motorista e condutor do transporte de passageiros 400.850 12,94 0,88 4,06

Outros trabalhadores de serviços diversos 632.579 22,04 2,10 5,76

Vendedor e prestador de serviços do comércio, ambulante etc 813.630 28,02 2,28 6,18

Trabalhador da transformação de metais e compósitos 294.426 14,02 2,07 1,71

Trabalhador da fabricação e instalação eletro-eletrônica 39.772 1,88 0,28 0,23

Montador de aparelhos e instrumentos de precisão e musicais 1.488 0,06 0,01 0,01

Joalheiro, vidreiro, ceramista e afins 17.543 0,75 0,09 0,07

Trabalhador das indústrias têxteis, do curtimento, vest. etc 91.493 3,86 0,38 0,51

Trabalhador das indústrias de madeira e do mobiliário 33.774 1,27 0,12 0,21

Condutor e operador de robôs, veículos e equip. movim. carga 57.519 2,16 0,28 0,70

Trabalhador das indústrias química, petroquím., borracha etc 179.215 11,51 1,52 1,18

Trabalhador de instal. siderúr. e de materiais de construção 58.064 2,87 0,39 0,29

Trabalhador de instal. e máq. de fabric. de celulose e papel 31.518 1,73 0,23 0,15

Trabalhador da fabric. de alim., beb., fumo e agroindústrias 125.566 5,53 0,73 0,52

Operador de instalações de prod. e distribuição de energia 26.863 2,06 0,29 0,22

Trabalhador de reparação e manutenção 387.825 16,75 1,83 1,77

Fonte: Receita Federal do Brasil, adaptado

(Conclusão)

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O que todos esses índices (IDH, IDHM, IES, IVS, IDE, IDH-B, GNDIRPF) e estudos

nos apontam é que há razão para concluir sobre uma expectativa positiva do aumento da renda

pessoal em função do aumento dos anos de estudo, aí incluído, por óbvio, o ensino superior e

a política focalizada de acesso à universidade que constitui o sistema de cotas, pois a ênfase e

o peso relevante da variável educação em todos esses índices que medem inclusão ou

exclusão, vida boa ou vida ruim (LEMOS, 2008), mostram a sua importância para definir e

determinar o padrão de desenvolvimento de uma sociedade e o seu nível de riqueza e pobreza.

4.3 O SISTEMA DE COTAS E A EXPECTATIVA DE ACUMULAÇÃO DE CAPITAL

ECONÔMICO

Não obstante a evidência de que a teoria do capital humano e a análise dos indicadores

socioeconômicos apontam para uma relação positiva entre escolaridade e nível de renda, esse

estudo não poderia prescindir da informação dos estudantes em relação a esse tipo de

expectativa.

Para isso foi elaborado questionário socioeconômico (anexo II) e aplicado a dois grupos

distintos: um formado por cotistas da Universidade Federal do Ceará (GRUPO A) e outro

aplicado a não-cotistas estagiários do curso de Direito na Advocacia-Geral da União (GRUPO

B), visando elaborar perfil socioeconômico e a percepção dos participantes em relação ao

assunto.

No que diz respeito ao Grupo de Cotistas, doravante denominado GRUPO A, observou-

se que dos 50 alunos entrevistados 70% se autodeclararam negros/pretos e 24% se

autodeclararam pardos/mestiços e apenas 6% brancos; e que de acordo com a classificação

estipulada pelo IBGE 64 se autodeclararam negros/pretos e 28 se autodeclararam pardos e 8%

se declararam brancos. Em relação aos não-cotistas, integrantes do GRUPO B, verificou-se

um percentual de 35,5% de brancos e 60,3% de pardos e apenas 4,2% de negros pelo critério

da autodeclaração, e pelos critérios do IBGE os percentuais de 36% de brancos, 60% de

pardos e apenas 4% de pretos.

Do universo dos cotistas abordados verifica-se um número bem superior de

pretos/negros que se dispuseram a participar da pesquisa em relação ao número de pardos. Se

tomarmos em consideração o fato de que existe uma relação inversa no percentual oficial para

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o Estado do Ceará (IBGE/CENSO/2010 – 62% Pardos e 4,8% Pretos), pode-se concluir que

houve um interesse bem maior pelo assunto em relação à população negra/preta de cotistas, o

que demonstra um maior engajamento dos autodeclarados negros na luta por reivindicações

de caráter cultural e sociopolítico em ações que possam contribuir para a erradicação do

racismo, da discriminação e do preconceito, alinhado ao movimento negro que “tem se

debruçado sobre um trabalho de valorização do negro, de vivência da negritude e,

consequentemente, de uma identidade negra positiva, processo em que a educação

desempenha atuação importante (ADÃO, 2003, p. 61 apud AMORIM; FERREIRA; ALVES,

2012, p. 45).

No quesito escolaridade dos pais do GRUPO A observou-se um percentual de apenas

8% de pais e mães com nível superior, enquanto no GRUPO B esse percentual sobre para

82% de pais 66% de mães com nível universitário. Há também uma diferença marcante entre

os dois grupos no quesito condições socioeconômicas, na medida em que 68% do GRUPO A

não possuem nenhum automóvel em seu domicílio, sendo que 28% possuem 01, 4% possuem

02 e não há nenhum que possua 03 automóveis, enquanto que no GRUPO B esse percentual

cai para 10,2% sem automóvel, sendo que 22,4% possuem 01, 40,8% possuem 02 e 24,3%

possuem 03 veículos no seu domicílio. A mesma disparidade é verificada no que diz respeito

a móveis e utensílios domésticos, tevê por assinatura, número de banheiros, empregados

domésticos. Mas o interessante é que em relação a acesso à internet, possuir smarphone e

notebook, os números se equivalem.

Digno de destaque são as conclusões extraídas do relatório de campo no que diz

respeito à comparação da renda entre os dois grupos. No GRUPO A verificou-se que 52% dos

cotistas tem renda familiar média de até R$ 1.000,00, enquanto que no GRUPO B esse

percentual chegou a apenas 6%. No GRUPO B 86% próprios estudantes já têm essa renda e

88% dos estudantes tem renda familiar acima de R$ 3.000,00:

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Gráfico 7 - Renda GRUPO A

Fonte: elaborado pelo autor

Gráfico 8 - Renda GRUPO B

Fonte: elaborado pelo autor

Esse diferencial de renda também vem refletido na trajetória escolar dos integrantes de

cada grupo de forma bem definida. Observou-se que quanto maior a renda, maior o percentual

de estudantes que tiveram sua trajetória na escola particular e, por conseguinte, tiveram

trajetória na escola pública aqueles com renda bem menor. Esse fato, aliado à escolaridade

dos pais e outros fatores socioeconômicos observados, é um forte indicativo da relação e da

influência direta que o status de origem pode produzir status de destino.

A segunda parte do questionário aplicado aos estudantes trata sobre a percepção de cada

um sobre temas como discriminação, preconceito e expectativa de mobilidade social em

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relação ao sistema de cotas. Interessante notar que 54% dos estudantes do GRUPO A

participam de movimentos sociais e/ou movimento estudantil, enquanto apenas 4% dos

entrevistados do GRUPO B participa desse tipo de movimento, que demonstra, mais uma vez,

um maior engajamento dos autodeclarados pretos e pardos na luta por reivindicações de

caráter cultural e sociopolítico em ações que possam contribuir para a erradicação do racismo,

da discriminação e do preconceito.

Quando os dois grupos foram colocados frente ao questionamento se “o vestibular é um

método justo para selecionar aqueles que têm capacidade de entrar numa universidade”, 94%

dos cotistas no GRUPO A descordaram ou descordaram fortemente dessa assertiva, enquanto

no GRUPO B apenas 20% descordaram ou descordaram fortemente e 80% dos não-cotistas

concordaram ou concordaram fortemente com essa possibilidade.

Quando postos a opinar sobre se “estudantes brancos têm mais chance de entrar numa

boa universidade do que estudantes negros” as respostas foram as seguintes: no GRUPO A

94% concordaram ou concordaram fortemente, enquanto que no GRUPO B apenas 26%

concordaram ou concordaram fortemente, o que demonstra o grau de percepção do

preconceito estrutural em cada um dos grupos de forma bem definida. Quando chamados a se

manifestar sobre se “estudantes entram numa boa universidade apenas por seus próprios

méritos e esforços”, o GRUPO A descordou ou descordou fortemente com 92% de seus

integrantes, enquanto o GRUPO B descordou ou descordou fortemente com apenas 24% e,

por óbvio, concordou ou concordou fortemente em 76%, que demonstra, de forma bem clara,

a percepção de cada grupo em relação à meritocracia.

Quando a questão é se “anos de escravidão e discriminação criaram condições que

tornam difíceis para os negros conseguirem sair da pobreza”; “o Sistema de Cotas propiciará

o acúmulo de capital econômico, cultural e social, com repercussão direta no aumento do

capital humano e da empregabilidade, promovendo a ascensão social do indivíduo; “o

Sistema de Cotas proporcionará um alinhamento de valores e culturas no seio da

universidade, tornando um ambiente multicultural e mais heterogêneo”; “políticas de cotas

são uma boa forma de corrigir desigualdades raciais históricas”; “é válida a adoção de ações

afirmativas para igualar as oportunidades de acesso na universidade”; a percepção de ambos

os grupos é concordar ou concordar fortemente.

Já quando a questão é se “os negros não têm problemas relacionados à sua cor, os

problemas dos negros são iguais àqueles enfrentados pela maioria da população pobre”, a

percepção do GRUPO A é descordar ou descordar fortemente, enquanto no GRUPO B 68%

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concordam ou concordam fortemente; agora se a questão é “não existe preconceito no Brasil,

pois somos uma nação miscigenada, ” há uma forte tendência em ambos os grupos de

descordar ou descordar fortemente.

Confrontados com a pesquisa do IPEA que aponta que “os negros recebem um salário

menor que os brancos, têm um índice de desenvolvimento humano - IDH menor do que o dos

brancos e são a maioria dos que vivem abaixo da linha de pobreza no Brasil”, e chamados a

opinar sobre qual o principal motivo que leva a população negra a viver em piores condições

que a população branca, a maioria de ambos os grupos entendeu ser o preconceito e a

discriminação que existe contra os negros.

De um modo geral as entrevistas evidenciaram uma relação direta entre o status de

origem e o status de destino, uma percepção diferenciada em relação ao preconceito,

discriminação e meritocracia e uma expectativa positiva equilibrada nos dois grupos em

relação à possibilidade das cotas corrigirem desigualdades sociais históricas; de que

propiciarem o acúmulo de capital econômico, cultural e social, com repercussão direta no

aumento do capital humano e da empregabilidade, promovendo a ascensão social do

indivíduo; bem como um alinhamento de valores e culturas no seio da universidade, tornando

um ambiente multicultural e mais heterogêneo.

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99

5 CIDADANIA, SISTEMA DE COTAS E DIGNIDADE HUMANA

Assim como a educação tem um forte apelo no papel de construção da cidadania,

também podemos afirmar que cidadania e direitos humanos têm uma estreita relação. O

primeiro, Cidadania, é conceito eminentemente político de forte apropriação do direito. O

segundo, Direito Fundamental, é conceito eminentemente jurídico de forte apropriação

política. Neste sentido são conceitos que se interpenetram, denotando uma designação de

status social do cidadão conectado a um status normativo (REGO, 2008), um referente às

condições culturais, econômicas e sociais do indivíduo e o outro ligado à igualdade de

exercício de diretos abrangidos por determinado ordenamento jurídico:

Desta forma, a cidadania se constitui em um arcabouço de direitos,

prerrogativas e deveres que configura um sistema de reciprocidades

determinantes da natureza das relações entre os indivíduos entre si e com o

Estado. Seu enraizamento na vida coletiva como sentimento, cultura e

sistema de referências valorativas torna-se medida fundamental do grau de

democratização alcançado por uma dada sociedade. Sua configuração

política normativa mais ampla se expressa através de um conjunto de valores

morais e regras jurídicas e sociais que sustentam as relações de reciprocidade

e de interdependência entre os indivíduos e os diversos grupos sociais na

concretude da ação coletiva (REGO, 2008, p 149).

Numa visão mais ampla a cidadania haveria de abranger para além da garantia do

exercício de direitos, as noções de participação e pertencimento a determinada comunidade

(SOUKI apud CARVALHO, 1998). O certo é que a palavra cidadania expressa uma aspiração

que está na ordem do dia. Apesar de o conceito de cidadania ser central na agenda intelectual

e política das sociedades contemporâneas, e de cruzar a cada dia novas fronteiras, ganhando

mais espaço nas democracias representativas, não existe uma definição consensual ou mesmo

análises definitivas de sua história. (BOTELHO, 2012).

Da antiguidade clássica à sua apropriação como categoria jurídica de inspiração

romana, é na modernidade que o conceito de cidadania passa a revelar uma conotação mais

ligada à noção de “direitos do homem”, para assumir o qualificativo de “identidade social

politizada”. (REIS, 1998). Seus múltiplos significados gravitam, pois, em torno do universo

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de valores e prática dos direitos e do reconhecimento de direitos que, por sua vez, fornecem o

conteúdo e os limites da cidadania. (BOTELHO, 2012).

Obra clássica das ciências sociais, sempre lembrada nas discussões do conceito de

cidadania, a conferência proferida por T. H. Marshal (1967) - Cidadania, Classe Social e

Status nos herdou uma sequência evolutiva histórica que aponta três dimensões do fenômeno

social da cidadania, a saber: Dimensão Civil, Dimensão Política e Dimensão Social. O

estatuto formal e o exercício material de todas essas dimensões de cidadania estão

umbilicalmente ligados à definição, proteção e materialização dos direitos fundamentais, os

direitos humanos. Essa visão da cidadania descrita por Marshal sugere que foi o exercício dos

direitos civis que ensejou a conquista dos direitos políticos e que o exercício destes, por fim,

permitiu os direitos sociais – que remetem à ideia central de justiça social, como, por

exemplo, o direito à educação. (BOTELHO, 2012):

Quando se separaram, os três elementos da cidadania romperam, por assim

dizer, toda relação. Tão completo foi o divórcio que, sem violentar

demasiadamente a precisão histórica, podemos designar o período formativo

de cada um a um século distinto - os direitos civis, no século XVIII; os

políticos, no XIX; e os sociais no século XX. Como é natural, estes períodos

deverão ser tratados com uma razoável elasticidade, e há certo solapamento

evidente, sobretudo entre os dois últimos (MARSHAL, 1967, p. 65).

Na verdade, foi o próprio Marshal que propôs essa separação da cidadania em três

elementos distintos, muito mais em função de sua evolução histórica31

do que propriamente

de seu sentido lógico. Para ele, em tempos passados essas dimensões de direitos de cidadania

estavam fundidos em um só bloco em função da agregação típica das instituições do Estado.

Assim é que definiu em três partes o conceito de cidadania:

Chamarei estas três partes, ou elementos, de civil, política e social. O

elemento civil é composto dos direitos necessários à liberdade individual –

liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito à

propriedade e de concluir contratos válidos e o direito à justiça. [...] Por

elemento político se deve entender o direito de participar no exercício do

31

No Brasil a evolução dessas dimensões da cidadania ocorreu de forma diferente do ponto de vista puramente

histórico.

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poder político, como um membro de um organismo investido da autoridade

política ou como um eleitor dos membros de tal organismo. [...] O elemento

social se refere a tudo que vai desde o direito a um mínimo de bem-estar

econômico e segurança ao direito de participar, por completo, na herança

social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões que

prevalecem na sociedade. As instituições mais intimamente ligadas com ele

são o sistema educacional e os serviços sociais. (Grifei) (MARSHAL, 1967,

p. 63/64).

Apesar dessa posição estanque, e na crença de um Estado do Bem-Estar, que o levou a

acreditar numa unificação civilizatória pela via da cidadania, com o emprego de políticas

sociais de viés igualitário, o próprio Marshal problematizou e reconheceu a tensão existente

entre o desenvolvimento da cidadania por direitos iguais e a existência de desigualdades

sociais própria do sistema capitalista.

Nesse sentido, refletindo o processo de formação da cidadania do modelo Inglês, a

categorização de Marshal não pode ser tomada de forma acrítica ou atemporal, na medida em

que não havia como problematizar as tensões decorrentes das manifestações de etnia e raça,

bem como das lutas sociais que se desenvolveram no seio do Estado democrático de direito,

no contexto da contemporaneidade.

Nessa ordem de raciocínio, é possível ampliar a dimensão social colhida de Marshal

(1967), através das categorias de redistribuição e reconhecimento fornecidas por Nancy Fraser

(2001), no texto “Da Redistribuição ao Reconhecimento? Dilemas da Justiça na era pós-

socialista. Segundo Fraser (2001), nos dias atuais a materialização da justiça social exige a

presença de ações que garantam a redistribuição e o reconhecimento.

Em geral acolhido por pensadores liberais (John Rawls, Ronald Dworkin e Amartya

Sem), o paradigma da redistribuição foca formas socioeconômicas de injustiça, enraizadas na

estrutura econômica da sociedade, aí incluídas a exploração, a marginalização econômica e a

privação. Esse paradigma da redistribuição alinha-se a ideia de capital humano, e a relação

direta existente entre educação e desenvolvimento econômico, entre anos a mais de

estudo/formação e melhoria no nível de renda pessoal do indivíduo (conforme exaustivamente

trabalhado em capítulo precedente), inserido aí, por óbvio, o sistema de cotas.

Já o paradigma do reconhecimento tem por alvo injustiças culturais e simbólicas,

incorporando demandas pelo reconhecimento da diferença de grupos nacionais, étnicos,

raciais, dentre outros, aí incluídos a dominação cultural, o não reconhecimento e o

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desrespeito. (NEVES, 2013). Tal paradigma guarda perfeita colimação a políticas públicas,

como o sistema de cotas, cujos objetivos estão ligados ao fomento de transformações de

ordem cultural; à promoção da diversidade e representatividade e à prevenção da

discriminação.

De qualquer modo, seja designando um status social do cidadão, seja afirmando um

status normativo do sujeito perante o Estado, o conceito arendtiano de cidadania como o

“direito a ter direitos (LAFER, 2003) nos indica a necessidade de materialização dos direitos

humanos, na medida em que o exercício de todos os demais direitos decorre exatamente do

que foi deferido pelo status de cidadania. E mais além, materialização de direitos humanos no

sentido de transformar uma cidadania formal em cidadania substancial, para que não constitua

essa declaração de direitos apenas uma folha de papel32

33

.

Aqui é importante rememorar que após a ruptura promovida nos diretos humanos, cujo

ponto alto foi a eclosão de duas guerras mundiais na primeira metade do século passado, a

comunidade internacional firma um novo pacto que teve como característica a positivação dos

direitos fundamentais nas constituições dos Estados soberanos e um sistema internacional de

proteção de direitos humanos mediados pela Organização das Nações Unidas – ONU, criada

com a finalidade precípua de evitar a repetição dos horrores da ruptura mundial e impedir um

terceiro conflito de proporções apocalípticas. A partir daí a dignidade do ser humano passou a

ser a condição essencial de uma paz duradoura.

A declaração Universal dos Diretos do Homem e do Cidadão, proclamada pela ONU

em 1948, em seu artigo primeiro reafirma os valores da revolução francesa, desta vez como

compromisso de todos os povos que passaram a partir de então a internalizá-los em seus

ordenamentos jurídicos positivos: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e

em direitos. São dotadas de razão e de consciência e devem agir em relação umas às outras

com espírito de fraternidade” (grifei). Sobre esse ponto específico é oportuno transcrever o

32

“Existem, contudo, em cada País, duas Constituições: uma, real e efetiva, integralizada pelos fatores reais de

poder que regem a sociedade; a outra, a Constituição escrita, a folha de papel, que poderá corresponder quase

perfeitamente à Constituição efetiva ou dela se dissociar. [...] Lassalle já dizia que de nada servirá o que se

escreve numa folha de papel, se não se justifica pelos fatores reais e efetivos do poder” (LIMA, 2000).

33 “Lassalle introduziu no estudo constitucional teorias que abordam o contraponto entre o que se compreende

por Constituição “real” - conjunto de “fatores reais de poder” que regem o país - e Constituição “folha de papel”

- constituição formal. Segundo esse autor, o valor e a durabilidade da Constituição escrita dependem da sua

coerência com os fatores sociais existentes, isto é, da Constituição real. Do contrário, esta fará fraquejar aquela,

resultando no seu descumprimento” (LAMAS, 2011).

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comentário peculiar de Norberto Bobbio, como síntese das ideologias vencedoras do pós-

guerra, sobre essa referência explícita à liberdade, igualdade e fraternidade presente na

Declaração:

[...] um sinal dos tempos o fato de que, para tornar sempre mais irreversível

esta radical transformação das relações políticas, convirjam, sem se

contradizer, as três grandes correntes do pensamento político moderno: o

liberalismo, o socialismo e o cristianismo social (BOBBIO, 1992, p. 262

apud (TOSI, 2005)

Ainda sobre esse momento de ruptura dos direitos humanos, Lafer (2003) liga sua crise

ao advento do “estado totalitário de natureza”, classificando o totalitarismo como uma

proposta de organização da sociedade cujo objetivo nada mais é que a dominação total dos

indivíduos. Para ele, o caráter supérfluo dos seres humanos assumido pelo totalitarismo

desconsidera a especificidade do ser humano como valor-fonte de todos os valores sociais e

fundamento da ordem jurídica. Assim, na medida em que a dignidade do ser humano ganha

expressão jurídica nos direitos fundamentais, a sua abolição diz respeito de forma direta à

crise dos direitos humanos verificada no período entre as duas grandes guerras mundiais.

Ao discorrer sobre a origem e desenvolvimento dos direitos humanos através da

tradição ocidental, Lafer (2003) indica a expressão bíblica de que “Deus criou o homem à sua

imagem” para asseverar que o valor atribuído ao ser humano como fundamento dos direitos

humanos é uma asserção que faz parte da tradição, rompida esta pela experiência totalitária.

Identifica ainda na tradição grega a referência necessária aos direitos do homem, apontando

no estoicismo um movimento importante de divulgação de uma nova dignidade do ser

humano após o fim da democracia e das cidades-estados. Aponta a tradição judaico-cristã

como importante fonte dos direitos humanos pelo valor absoluto consagrado a cada pessoa

humana, pensamento que tornou possível a temática dos direitos do homem.

O mesmo autor faz referência como importante elemento da tradição a fundamentar os

direitos humanos o individualismo, pensamento que ao colocar o homem no centro das

preocupações, inclui a subjetividade como dado fundamental da realidade. Do mesmo modo

vê na reforma que promoveu a ruptura da unidade religiosa, aspiração da liberdade de credo,

como outro fator importante para o desenvolvimento da doutrina dos direitos humanos.

Finalmente encontra nos contratualistas da ilustração o fundamento filosófico que permitiu a

positivação do tema dos direitos humanos nas declarações de direito que se seguiram às

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chamadas revoluções burguesas, tendo em vista que as revoluções Americana e Francesa

tinham por escopo dar uma dimensão permanente dos direitos concebidos na nova ordem

estatal. Essa positivação iria se mostrar relativa do ponto de vista da intenção de permanência

dos direitos humanos por ocasião do totalitarismo.

Com essa evolução histórica Lafer (2003) aponta o movimento de afirmação jurídico-

política dos direitos humanos, consagrados em primeira, segunda e terceira gerações ou

dimensões. Para tal finalidade utiliza a dicotomia, de forma não excludente, ex parte populi/ex

parte pincipis, com a finalidade de analisar os direitos humanos sob a perspectiva daqueles

submetidos ao poder, no primeiro caso, em inter-relação com a daqueles detentores do mesmo

poder, no segundo.

Assim é que os direitos humanos de primeira geração são aqueles inerentes ao

indivíduo, constituem um não fazer por parte do Estado, estão ligados à perspectiva da

liberdade, tido como direitos naturais e precedentes ao contrato social. São os direitos civis e

políticos consagrados nas declarações de Virgínia e Francesa. Já os direitos humanos de

segunda geração são aqueles vinculados ao Estado de bem-estar, constituem um fazer para o

Estado e um direito de crédito para o indivíduo, havendo perfeita complementaridade com os

direitos de primeira geração, visto que buscam dar efetividade à realização dos direitos civil e

políticos. São os direitos sociais, econômicos e culturais, dentre eles o direito à educação.

Lafer (2003) arremata que a heterogeneidade jurídica dos direitos de primeira e segunda

gerações propiciou que sua tutela no âmbito do sistema universal de proteção dos direitos

humanos do pós-guerra tivesse que ser definida em dois documentos distintos, o que refletia a

divisão ideológica dos blocos vencedores da segunda guerra mundial e que prevaleceu no

mundo até o final da guerra fria34

.

Definidos os contornos dos direitos de primeira e segunda gerações (ou dimensões35

),

baseados nos valores de liberdade e igualdade, temos aqueles ligados ao valor fraternidade,

34

“Já no primeiro Tratado sobre Direitos Humanos, nos anos 60, as principais potências – os Estados Unidos,

com visão liberal, e a União Soviética, com sua visão marxista do mundo – divergiram sobre seu conteúdo. [...]

A solução foi a assinatura de dois tratados: o Pacto dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto dos Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais, ambos assinados em 1966” (CASADO FILHO, 2012, p. 54).

35 “A primeira crítica que se faz à classificação dos direitos em “gerações” é a de que tal termo passa uma ideia

de hierarquia entre os direitos. Para tais críticos, como Bobbio, há no subconsciente coletivo a percepção de que

uma geração posterior seria superior à que lhe antecedeu, algo que não é verdade quando falamos de Direitos

Humanos. [...] Em virtude das aparentes confusões que o termo „gerações‟ poderia causar, boa parte da doutrina

prefere utilizar a expressão “dimensões”, para classificar os direitos humanos” (CASADO FILHO, 2012, p. 40).

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sendo os chamados direitos de terceira geração aqueles considerados de inspiração e

titularidade coletiva, como o da autodeterminação dos povos, o direito ao desenvolvimento, o

direito ao meio ambiente equilibrado e o direito à paz, dentre outros36

.

De qualquer sorte, os direitos humanos, independentemente do valor a que esteja

relacionado, a geração ou dimensão em que foi classificado, “representam a cristalização do

supremo princípio da dignidade humana” (COMPARATO, 2016, p. 627), a materialização do

“direito a ter direitos”, a consolidação do respeito à liberdade, como um espaço que abriga a

pluralidade e, a partir dela, constitui esfera política e cria uma realidade compartilhada

(CARVALHO in AQUINO; REGO, 2014).

É desse respeito à pluralidade e da garantia de um mínimo existencial de bem-estar

econômico de que trata o sistema de cotas, e é nessa perspectiva que a implementação no

Brasil de ações afirmativas (SISTEMA DE COTAS – SOCIAIS E RACIAIS) possa atender a

uma demanda reprimida de cidadania social, nas categorias de redistribuição e

reconhecimento, propícias a contribuir para o nivelamento do capital econômico, cultural e

social do habitus inicial dos indivíduos, reproduzindo na sociedade todo o reflexo do

multiculturalismo decorrente da inclusão social promovida no âmbito do sistema educacional

de nível superior. O sistema de cotas é aqui encarado como instrumento de cidadania

redistributiva que tem por objetivo materializar a dignidade humana pelo exercício pleno do

direito à educação.

36

“Na atualidade existem doutrinadores que defendem a existência dos direitos de quarta geração ou dimensão,

[...] Para Noberto Bobbio, “tratam-se dos direitos relacionados à engenharia genética. ”[...] Paulo Bonavides

também defende a existência dos direitos de quarta geração, com aspecto introduzido pela globalização política,

relacionados à democracia, à informação e ao pluralismo, [...]. Registre que já existem autores defendendo a

existência dos direitos de quinta geração ou dimensão, sendo que entre eles podemos citar o próprio Paulo

Bonavides, aonde [sic] o mesmo vem afirmando nas últimas edições de seu livro, que a Paz seria um direito de

quinta geração” (DIÓGENES JÚNIOR, 2012, p. 05).

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A questão ética baseada no critério certo/errado, justo/injusto, que poderia se supor

sepultada pela manifestação recorrente do Supremo Tribunal Federal em relação

constitucionalidade do sistema de cotas, permanece latente na sociedade brasileira,

notadamente em tempos em que se observa uma ameaça de retrocesso não só na

materialização de uma cidadania substantiva através da prestação de políticas sociais

focalizadas, pactuadas pela sociedade brasileira em 1988, mas no próprio deferimento formal

em uma carta de direitos, a Constituição Cidadã. Discursos carregados de preconceitos e

discriminação, um acirramento, midiaticamente incentivado, de opostas visões de mundo, que

tenham o mercado ou a pauta social no cento de desenvolvimento, favorecem setores

conservadores capazes de provocar um verdadeiro efeito backlash37

, notadamente em relação

à questão racial no Brasil.

Essa postura reacionária observada na sociedade brasileira em tempos de redes sociais

reflete nada menos do que o modo como foi tratada a questão racial no Brasil, desde o

nascedouro da nação, e que por séculos produziu as condições de possibilidade para o

empobrecimento da população negra, a exclusão, a discriminação, o preconceito e a falta de

representatividade desse segmento no tecido social. Uma política inicial pautada no racismo

científico e na ideia de embranquecimento da população, seguida de uma postura ideológica

que favoreceu a criação do chamado mito da democracia racial brasileira, paralisaram

qualquer disposição de luta por reivindicações e mudanças pela falsa promessa de uma

integração que nunca veio. A virada ideológica e o reconhecimento do Estado brasileiro da

existência de um racismo estrutural só veio a ocorrer quase 500 anos depois do início do

flagelo da escravidão, sendo certo que foi somente após todo o processo envolvendo a

participação brasileira na III Conferência Mundial contra o Racismo, Xenofobia e

Intolerâncias Conexas, ocorrida em Durban, África do Sul, no ano de 2001, que o tema do

racismo e a adoção de ações focalizadas entraram na agenda das políticas públicas oficiais,

37

“Aqui no Brasil, também é notória a presença do efeito backlash, fruto da reação política ao aumento do

protagonismo judicial nas últimas décadas. É perceptível a ascensão política de grupos conservadores, havendo,

de fato, um risco de retrocesso em determinados temas. A cada caso polêmico enfrentado pelo Supremo Tribunal

Federal, tenta-se, na via política, aprovar medidas legislativas contrárias ao posicionamento judicial”

(MARMELSTEIN, 2016).

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com a recomendação para adoção de cotas para estudantes negros nas universidades públicas

brasileiras, política alinhada a outras ações simbólicas antirracistas, com viés de reparação e

inclusão, culminando com o Estatuto da Igualdade Racial e a Lei de Cotas.

A implantação das cotas no Brasil ocorreu de forma paralela à expansão da oferta de

vagas nas universidades brasileiras, seja por meio do REUNI, seja por meio da criação de

novas instituições de ensino superior, seja por políticas como SISU, PROUNI e FIES, o que

propiciou não ter havido a redução do número de vagas para não-cotistas com a sua

implantação. De outra banda, a previsão na lei de cotas de critérios de renda (a cota social),

étnicos (pretos, pardos e indígenas) e vulnerabilidade física (deficientes), que dão tratamento

semelhante a parâmetros de desigualdade necessariamente imbricados, dotou o modelo

brasileiro oficial de uma legitimidade capaz de lhe deferir sustentabilidade do ponto de vista

da efetividade social e da segurança jurídica.

É claro que essas políticas não foram implantadas sem a reação de setores que,

consciente ou inconscientemente, atuaram na direção da manutenção da dominação

econômica e do arbitrário cultural prevalente. Argumentos sobre a existência de uma única

raça, a falta de razoabilidade de utilizar o fator étnico para diferenciar os indivíduos no

exercício de direitos que se entendiam universais, a falsa ideia de que o negro é discriminado

porque é pobre e não porque é negro, o suposto risco do agravamento do preconceito e da

criação de uma discriminação reversa em relação aos brancos, a impossibilidade de reparar

erros de gerações passadas com o sacrifício de gerações futuras, para justificar a adoção

somente de políticas educacionais universalistas, foram e são ainda hoje utilizados para

deslegitimar a política de cotas.

Ocorre que o fato de biologicamente existir uma única raça é exatamente o fator que

legitima a discriminação positiva. Ora, se existe apenas uma raça, por que há tamanha

desigualdade dos indicadores sociais entre pretos, índios e brancos? A resposta está no fato de

que a divisão da sociedade por “raças” permanece como construção social e os efeitos dessa

construção hão de ser necessariamente enfrentados e reparados por parte da sociedade através

das ações do Estado. Neste sentido, viu-se no estudo que o negro é discriminado por que é

pobre; mas também foi observado que o negro somente é pobre porque é negro, pois foi

submetido a um longo processo de empobrecimento com a participação ativa da sociedade

através do Estado. Essa constatação é dura, mas é importante que se diga.

Em relação ao argumento sobre a necessidade de investimento em políticas universais é

bom que se diga que há mesmo necessidade de investimento em políticas universais. Mas não

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só. Como visto no estudo (e o exemplo de cuba é emblemático para mostrar) as políticas

universais sozinhas não são suficientes para debelar o racismo estrutural. Se no primeiro

momento da revolução cubana foram adotadas políticas universalistas, com a abolição de

qualquer discriminação (não existiam cubanos brancos ou negros, apenas cubanos), na cresça

de que a discriminação e as desigualdades raciais desapareceriam junto com o privilégio de

classe, trinta e oito anos depois foi constatado que as mudanças não extinguiram as

desigualdades raciais, que persistiram em todos os setores, do educacional à representação

política, tendo Fidel Castro reconhecido a sub-representação dos negros nos postos de

liderança do Estado, adotando-se, a partir daí, políticas de ações afirmativas na ilha.

Adotadas essas políticas de cotas no Brasil, que expectativas se devem ter em relação a

elas, no que diz respeito à prevenção da discriminação e do preconceito? Viu-se no estudo que

o campo educacional e científico, assim como o campo da comunicação é um espaço de luta

social, “um espaço onde o poder simbólico, dentre outros é exercido (SANTOS, 2004, p.

163). A dominação simbólica exercida silenciosamente através do sistema educacional formal

ganha um novo componente com o sistema de cotas, uma oportunidade de utilizar a

heteroglossia bakhtiniana (GONÇALVES, 2016) a favor da emancipação, traduzida pela

diversidade social produzida pela transformação do perfil da comunidade universitária, como

importante fator de transmissão de uma herança cultural mais igual (ou menos desigual), uma

vez que a diversidade permite a ampliação do alcance das perspectivas intelectuais e culturais,

realinhando a disposição das forças em permanente luta nos campos de produção simbólica.

Assim a universidade não deve desperdiçar a oportunidade de adequar e aplicar ao

mundo real seus projetos políticos pedagógicos que contemplem essa maior diversidade

cultural que passou a experimentar por força da ação afirmativa; trabalhar efetivamente a

humanização social através de uma formação cultural que favoreça a transformação dos

cidadãos, de forma democrática e participativa. Essa é a expectativa em relação ao modo

como a universidade lidará com a diversidade cultural trazida pelo sistema de cotas.

Mas não é só. Como visto, a teoria do capital humano, utilizada como parâmetro para a

construção de diversos indicadores (IDH, IDHM, IES, IVS, IDE, IDH-B, GNDIRPF) que

relacionam educação e desenvolvimento econômico; tempo de vida, escolaridade e riqueza;

vida boa e vida ruim; contemplando três dimensões necessárias para uma vida plena: uma

vida longa e saudável (longevidade), o acesso ao conhecimento necessário para a

perfectibilidade (educação) e um padrão de vida para aceso às necessidades básicas (renda),

evidenciou o potencial do sistema de cotas para melhoria da renda da população atingida,

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pois a ênfase e o peso relevante da variável educação em todos esses índices que medem

inclusão ou exclusão mostram a sua importância para definir e determinar o padrão de

desenvolvimento de uma sociedade e o seu nível de riqueza e pobreza

Essas expectativas foram confirmadas nas entrevistas realizadas em dois grupos

distintos, que, se evidenciaram a relação direta entre status de origem status de destino,

também revelaram uma percepção dos estudantes de ambos os grupos em relação à existência

de preconceito e discriminação, à ideia de uma meritocracia relativa que não iguala os pontos

de partida, e, principalmente, à possibilidade das cotas corrigirem desigualdades sociais

históricas; de propiciarem o acúmulo de capital econômico, cultural e social, com repercussão

direta no aumento do capital humano e da empregabilidade, promovendo a ascensão social do

indivíduo; bem como um alinhamento de valores e culturas no seio da universidade, tornando

um ambiente multicultural e mais heterogêneo.

A par disso, essa garantia de um mínimo existencial de bem-estar econômico e cultural,

que se tem como expectativa em relação ao sistema de cotas, atende a uma demanda

reprimida de cidadania substancial, de redistribuição e reconhecimento, indicadoras de uma

melhoria das condições de possibilidade que favoreçam a conquista de capital cultural,

econômico e social dos indivíduos, materializando a dignidade humana pelo exercício pleno

do direto à educação, tomada aqui como o elemento social responsável pela organização da

experiência dos indivíduos na sua vida cotidiana, pelo desenvolvimento de sua personalidade

e pela garantia da sobrevivência e do funcionamento das próprias coletividades humanas

(RODRIGUES, 2011).

Encerro este trabalho não sem antes relembrar do verso de Robert Densos que fiz

constar da epígrafe, a mim apresentado pela mão de Bourdieu, uma vez que em tema de

racismo estrutural e desigualdade social há que se esperar que a sociedade faça alguma coisa,

pois “isto pode durar muito tempo, se antes não for feita uma omelete” (DESNOS apud

BOURDIEU, 1982, p. 7). Aproveitemos a oportunidade e o potencial que a política de cotas

pode fornecer à universidade e à sociedade de evoluir no sentido da superação dessa divisão

tão cruel que classifica as pessoas pela sua renda, pela cor de sua pele e pela sua condição

física e cultural.

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APÊNDICES

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APÊNDICES A – ROTEIRO DE ENTREVISTA

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APÊNDICE B – TERMO DE CONSENTIMENTO

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APÊNDICE C – QUESTIONÁRIO SOCIOECONÔMICO

1. Sexo o M o F o Outro:

2. Estado Civil o Solteiro o Casado o Outro:

3. Data de nascimento Data

4. Local de nascimento

Sua resposta

5. Como você se classificaria de acordo com sua cor/raça?

Sua resposta

6. E de acordo com os termos do IBGE, como você se classificaria? o branco o pardo o preto o amarelo o indígena

7. Grau de escolaridade do pai: o Ensino fundamental o Ensino médio

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o Curso superior o Pós-graduação o Outro:

8. Grau de escolaridade da mãe:

o Ensino fundamental o Ensino médio o Curso superior o Pós-graduação o Outro:

II. CONDIÇÕES SOCIOECONÔMICAS

9. Em que quantidade você possui em seu domicílio - carro/automóvel? o Nenhum o 1 o 2 o 3 o 4 ou mais

10. Em que quantidade você possui em seu domicílio - TV de LED/PLASMA/SMART/4K?

o Nenhum o 1 o 2 o 3 o 4 ou mais

11. Em que quantidade você possui em seu domicílio - banheiro? o Nenhum

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o 2 o 3 o 4 ou mais

12. Em que quantidade você possui em seu domicílio - geladeira duplex ou freezer?

o Nenhum o 1 o 2 o 3 o 4 ou mais

13. Em que quantidade você possui em seu domicílio - máquina de lavar roupa?

o Nenhum o 1 o 2 o 3 o 4 ou mais

14. Sua casa tem empregada (o) doméstica (o)? o Nenhum o 1 o 2 o 3 o 4 ou mais

15. Você tem Smartphone? o Sim o Não

16. Você tem computador de mesa? o Sim

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17. Você tem notebook? o Sim o Não

18. Você tem tablet? o Sim o Não

19. Você tem acesso à internet? o Sim o Não

20. Você tem TV por assinatura? o Sim o Não

21. Considerando todas as pessoas de sua casa/família que trabalham ou têm algum tipo de rendimento, qual a média de renda da família?

o Até 1000 reais o De 1001 a 3000 reais o De 3001 a 5000 reais o De 5001 a 7000 reais o De 7001 a 10000 reais o De 10001 a 15000 reais o De 15001 a 20000 reais o Acima de 20000 reais

22. Qual a sua renda pessoal? o Não tenho renda o Até 1000 reais o De 1001 a 3000 reais o De 3001 a 5000 reais o De 5001 a 7000 reais

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o De 7001 a 10000 reais o De 10001 a 15000 reais o De 15001 a 20000 reais o Acima de 20000 reais

23. Você cursou o ensino fundamental (1º grau) em escola: o pública o particular o pública/particular o outro

24. Você cursou o ensino médio (2º grau) em escola: o pública o particular o pública/particular o outro

25. Você fez cursinho para prestar o vestibular/ENEM? o Sim o Não

26. Quanto ao trabalho você: o Nunca exerceu atividade remunerada o Realiza trabalhos remunerados ocasionais o É bolsista da Universidade o Exerce trabalho assalariado o Desempregado o Não está trabalhando e não está procurando emprego

27. Você participa de algumas dessas instituições? o Atividades religiosas o Associação de moradores o Clube esportivo o Movimento estudantil

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o Sindicato o Partido político o Movimento social o Nenhum o Outro:

28. Você é beneficiado por alguma política de assistência estudantil? o Nenhuma o Residência universitária o Restaurante universitario o Auxílio-moradia o Auxílio-alimentação o Ajuda de custo o Acompanhamento psicopedagógico/psicológico/psicossocial o Bolsa de Iniciação acadêmica o Bolsa de incentivo ao desporto o Outro:

29. O vestibular é um método justo para selecionar aqueles que têm capacidade de entrar numa universidade.

o Concorda fortemente o Concorda o Descorda o Descorda fortemente

30. Estudantes ricos têm mais chance de entrar numa boa universidade do que estudantes pobres.

o Concorda fortemente o Concorda o Descorda

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o Descorda fortemente

31. Estudantes brancos têm mais chance de entrar numa boa universidade do que estudantes negros.

o Concorda fortemente o Concorda o Descorda o Descorda fortemente

32. Estudantes entram numa boa universidade apenas por seus próprios méritos e esforços.

o Concorda fortemente o Concorda o Descorda o Descorda fortemente

33. Todas as pessoas, independentemente de sua cor/raça deveriam ser tratadas da mesma forma e ter os mesmos direitos.

o Concorda fortemente o Concorda o Descorda o Descorda fortemente

34. Igualdade de oportunidades para brancos e negros é algo i o Concorda fortemente o Concorda o Descorda o Descorda fortemente

35. O governo federal deve fazer de tudo que puder para melhorar as condições sociais e econômicas dos negros.

o Concorda fortemente o Concorda

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o Descorda o Descorda fortemente

36. O governo não deve fazer nenhum esforço especial para ajudar os negros porque eles mesmos devem se ajudar.

o Concorda fortemente o Concorda o Descorda o Descorda fortemente

37. O Sistema de cotas propiciará o acúmulo de capital econômico, cultural e social, com repercussão direta no aumento do capital humano e da empregabilidade, promovendo a ascensão social do indivíduo.

o Concorda fortemente o Concorda o Descorda o Descorda fortemente

38. O Sistema de cotas proporcionará um alinhamento de valores e culturas no seio da universidade, tornando um ambiente multiculturale mais heterogêneo.

o Concorda fortemente o Concorda o Descorda o Descorda fortemente

39. Anos de escravidão e discriminação criaram condições que tornam difíceis para os negros conseguirem sair da pobreza.

o Concorda fortemente o Concorda o Descorda o Descorda fortemente

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40. Os negros não têm problemas relacionados à sua cor; os problemas dos negros são iguais àqueles enfrentados pela maioria da população pobre.

o Concorda fortemente o Concorda o Descorda o Descorda fortemente

41. No Brasil, brancos e negros são tratados de forma diferenciada. o Concorda fortemente o Concorda o Descorda o Descorda fortemente

42. Não existe preconceito no Brasil, pois somos uma nação miscigenada.

o Concorda fortemente o Concorda o Descorda o Descorda fortemente

43. Seria mais justo se as cotas fossem apenas de caráter social (renda/escola pública) e não com base na cor da pele.

o Concorda fortemente o Concorda o Descorda o Descorda fortemente

44. Políticas de cotas são uma boa forma de corrigir desigualdades raciais históricas.

o Concorda fortemente o Concorda o Descorda

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o Descorda fortemente

45. Em vez de políticas de cotas, melhor seria investir na educação básica.

o Concorda fortemente o Concorda o Descorda o Descorda fortemente

46. As pessoas deveriam entrar na universidade somente por seus méritos e esforço próprios, independentemente da igualdade ou não de oportunidades.

o Concorda fortemente o Concorda o Descorda o Descorda fortemente

47. É válida a adoção de ações afirmativas para igualar as oportunidades de acesso na universidade.

o Concorda fortemente o Concorda o Descorda o Descorda fortemente

48. Pesquisa do IPEA aponta que os negros recebem um salário menor que os brancos, têm um índice de desenvolvimento humano - IDH menor do que o dos brancos e são a maioria dos que vivem abaixo da linha de pobreza no Brasil. Na sua opinião, qual o principal motivo que leva a população negra a viver em piores condições que a população branca?

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o O preconceito e a descriminação que existe contra os negros o que não aproveitam as oportunidades que têm

para melhorar de vida o A falta de oportunidade de qualificação da mão-de-obra

negra o Não sabe o Outro:

49. Considerando que não existisse o Sistema de Cotas, o que aconteceria se uma pessoa, vinda da escola pública, estudar bastante para o vestibular/ENEM?

o Provavelmente ela conseguirá ingressar no curso desejado se realmente se esforçar

o Apesar do esforço que ela faça, dificilmente ela terá chances de ingressar

o Talvez ela até consiga ingressar, mas apenas nos cursos onde a concorrência é baixa

o Depende da capacidade da pessoa o Outro:

50. Você entrou na universidade pelo Sistema de cotas ou PROUNI ou FIES?

o Sim o Não

51. A instituição de ensino onde você atualmente estuda é: o Pública o Particular

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ANEXO

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ANEXO A- RELATÁRIO IDH-M

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