UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE …‡ÃO_FINAL_ROBERTO... · Ao meu saudoso Pai, a...
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS
MESTRADO ACADÊMICO EM SOCIOLOGIA
ROBERTO CARLOS FERNANDES DE OLIVEIRA
O SISTEMA DE COTAS COMO EXPECTATIVA DE ACUMULAÇÃO
DE CAPITAL ECONÔMICO: UMA QUESTÃO DE CIDADANIA
SUBSTANTIVA SOB A PERSPECTIVA DOS DIREITOS HUMANOS
FORTALEZA – CEARÁ
2017
1
ROBERTO CARLOS FERNANDES DE OLIVEIRA
O SISTEMA DE COTAS COMO EXPECTATIVA DE ACUMULAÇÃO DE CAPITAL
ECONÔMICO: UMA QUESTÃO DE CIDADANIA SUBSTANTIVA SOB A
PERSPECTIVA DOS DIREITOS HUMANOS
Dissertação apresentada para ao Curso de
Mestrado Acadêmico em Sociologia do
Programa de Pós-Graduação em Sociologia,
do Centro de Estudos Sociais da Universidade
Estadual do Ceará, como requisito parcial à
obtenção do título de mestre em Sociologia.
Área de concentração: Sociologia.
Orientadora: Prof. Dra. Maria Glaucíria Mota
Brasil
FORTALEZA – CEARÁ
2017
2
3
ROBERTO CARLOS FERNANDES DE OLIVEIRA
O SISTEMA DE COTAS COMO EXPECTATIVA DE ACUMULAÇÃO DE CAPITAL
ECONÔMICO: UMA QUESTÃO DE CIDADANIA SUBSTANTIVA SOB A
PERSPECTIVA DOS DIREITOS HUMANOS
Dissertação apresentada para ao Curso de
Mestrado Acadêmico em Sociologia do
Programa de Pós-Graduação em Sociologia,
do Centro de Estudos Sociais da Universidade
Estadual do Ceará, como requisito parcial à
obtenção do título de mestre em Sociologia.
Área de concentração: Sociologia.
.
Aprovada em 18 de agosto de 2017.
0
Tudo que penso, sinto e faço é só porque não
tenho capacidade de imaginar a quantidade..
1
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus pela existência e pelo amor com que me fez enfrentar tudo que vivi.
À Professora Maria Glaucíria Mota Brasil pelo incentivo e a orientação recebida.
Às Professoras Danyelle Nilin Gonçalves e Lígia Mori Madeira por dedicarem seus talentos
para minha formação.
À Querida Cristina Maria Pires de Medeiros, Secretária do PPGS-UECE; sem você eu não
estaria aqui. Obrigado!
Ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia PPGS-UECE e todos os professores do
Mestrado em Sociologia; me fizeram pensar “fora da caixinha”.
Aos meus colegas da Turma 2015, que me acolheram, me receberam, me ensinaram, me
incentivaram, me rejuvenesceram e me amaram.
À minha amada Mãe e queridos Irmãos e Irmãs; este esforço é para o orgulho de vocês.
Ao meu saudoso Pai, a saudade e a vontade de mostrar o que eu fiz.
Aos amigos sempre presentes; Irmãos que a vida me deu.
Aos meus filhos lindos e amados; entre encontros e ausências nunca me negaram alegria.
À minha linda, amada, admirada e desejada Paulinha; esposa dedicada, meu porto seguro que
tudo faz para me ver feliz.
2
“O Capitão Jonathan,
Com a idade de dezoito anos,
Captura, um dia, um pelicano
Em uma ilha do Extremo Oriente.
O pelicano de Jonathan,
Na manhã, põe um ovo totalmente branco
E desse ovo sai um pelicano
Que se parece espantosamente com o primeiro
pelicano.
E o segundo pelicano
Põe, por sua vez, um ovo também branco
De onde sai, inevitavelmente,
Um outro do mesmo jeito.
Isto pode durar muito tempo
Se, antes, não for feita uma omelete”.
(DESNOS apud BOURDIEU, 1982, p. 7)
3
RESUMO
O estudo analisa o sistema de cotas como expectativa de acumulação de capital econômico e
sua disposição para promoção de uma cidadania substantiva, indicadora de uma melhoria das
condições de possibilidade que favoreçam a conquista de capital cultural, econômico e social
dos indivíduos, materializando a dignidade humana pelo exercício pleno do direto à educação.
O mesmo tem como referência a questão da discriminação e do preconceito racial no Brasil,
assim como o novo capítulo com a adoção das ações afirmativas e principalmente com a
edição da Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, que dispôs sobre o ingresso nas instituições
federais de ensino superior de estudantes oriundos da escola pública, pretos, pardos, indígenas
e deficientes, com a reserva de metade de suas vagas. Um debate sobre a correção da
discriminação positiva reacendeu a necessidade de estudar a expectativa que esse tipo de
política pode causar. O empobrecimento da população negra desde o fim da escravidão e o
processo de construção do racismo estrutural nos apontam a necessidade de promoção de uma
política pública focalizada que promova reparação, diversidade cultural e representatividade
social.
Palavras-chave: Sistema de Cotas. Racismo. Cidadania. Direitos Humanos.
4
ABSTRACT
The study analyzes the system of quotas as expectation of accumulation of economic capital
and its willingness to promote a substantive citizenship, indicating an improvement in the
conditions of possibility that favor the achievement of cultural capital, economic and social
development of individuals, materializing the dignity by the full exercise of the right to
education. The same has as reference the issue of discrimination and racial prejudice in
Brazil, as well as the new chapter with the adoption of affirmative actions and especially with
the issue of Law no 12,711, dated 29 August 2012, which deals with the entry into federal
institutions of higher education to students from public schools, blacks, mulattoes, indigenous
and disabled, with the booking of half of their jobs. A debate on the correction of positive
discrimination reignited the need to study the expectation that this type of policy may cause.
The impoverishment of the black population since the end of slavery and the process of
construction of structural racism point us to the need to promote a focused public policy that
promotes reparation, cultural diversity and social representation.
Keywords: Quota System. Racism. Citizenship. Human rights.
5
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 –
Figura 2 –
Figura 3 –
Figura 4 –
Figura 5 –
Gráfico 1 –
Gráfico 2 –
Gráfico 3 –
Gráfico 4 –
Gráfico 5 –
Gráfico 6 –
Gráfico 7 –
Gráfico 8 –
Quadro 1 –
Tabela 1 –
Tabela 2 –
Tabela 3 –
Tabela 4 –
Tabela 5 –
Tabela 6 –
Tabela 7 –
Composição racial, cotas para PPIs e Índice de Inclusão Racial por região
Percentual de vagas do sistema de Cotas – Ceará.........................................
Percentual de vagas do sistema de Cotas – Ceará - Exemplo.....................
População de Fortaleza por classes..................................................................
Renda mensal média por bairro - Fortaleza - 2010.......................................
Adesão das Universidades Estaduais às AAs por ano...................................
Distribuição da oferta de vagas nas universidades estaduais.......................
Adesão das Universidades Federais às AAs por ano.................................
Evolução do IDH do Brasil.............................................................................
IDHM de Fortaleza – 1991, 2000, 2010..........................................................
Evolução do IDHM desagregado no Brasil, 2000 e 2010...............................
Renda GRUPO A...........................................................................................
Renda GRUPO B...........................................................................................
Leis Estaduais que instituem AAs no ensino superior público.....................
Universidades Estaduais que adotam programas de ação afirmativa.........
Número de universidades de acordo com o meio de adoção das AAs..........
Índice de Inclusão Racial..................................................................................
Retorno salarial de anos a mais de escolaridade............................................
Subíndices do IDHM desagregado no Brasil, 2000 e 2010..........................
Remuneração média por grau de instrução – Fortaleza 200/2010...............
Resumo da declaração por ocupação principal do declarante......................
42
45
46
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91
39
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85
85
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92
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABPN Associação Brasileira de Pesquisadores Negros
ADPF Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental da Constituição
CESPE Centro de Seleção e de Promoção de Eventos
DEM Partido Político Democratas
ENADE Exame Nacional de Desempenho do Estudante
ENEM Exame Nacional do Ensino Médio
FIES Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior
GEMAA Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa
GNDIRPF Grandes Números da Declaração de Imposto de Renda da Pessoa Física
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDE Índice de Desenvolvimento Educacional
IDH Índice de Desenvolvimento Humano
IDH-B Índice de Desenvolvimento Humano dos bairros
IDHM Índice de Desenvolvimento Humano Municipal
IESP Instituto de Estudos Sociais e Políticos
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
IPECE Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará
IPRS Índice Paulista de Responsabilidade Social
IVS Índice de Vulnerabilidade Social
MEC Ministério da Educação
MPMB Movimento Pardo-Mestiço Brasileiro
ONU Organização das Nações Unidas
PIB Produto Interno Bruto
PNADs Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PROUNI Programa Universidade para Todos
RAIS Relação Anual de Informações Sociais
REUNI Reestruturação e Expansão das Universidades Federais
SISU Sistema de Seleção Unificada
STF Supremo Tribunal Federal
7
UECE Universidade estadual do Ceará
UENF Universidade Estadual do Norte Fluminense
UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro
UFC Universidade Federal do Ceará
UNB Universidade de Brasília
UNEB Universidade do Estado da Bahia
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
UTI Unidade de Tratamento Intensivo
8
SUMÁRIO
1
1.1
1.2
1.3
2
2.1
2.2
3
3.1
3.2
3.2.1
3.2.2
3.2.3
3.3
4
4.1
4.2
4.3
5
6
INTRODUÇÃO.............................................................................................
O PESQUISADOR E A PESQUISA: UMA APROXIMAÇÃO
CONSCIENTE................................................................................................
O PROCESSO DE FORMULAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA..
DELINEAMENTO DA PESQUISA...............................................................
RAÇA/COR, EDUCAÇÃO E O SISTEMA DE COTAS NO BRASIL...
A QUESTÃO RACIAL NO BRASIL.............................................................
AÇÕES AFIRMATIVAS NO BRASIL E A POLÊMICA EM TORNO DO
SISTEMA DE COTAS...........................................................................
EDUCAÇÃO PARA QUÊ? PROBLEMATIZANDO O ÓBVIO...........
A ÉTICA HUMANISTA NASCIDA PELA MÃO DA EDUCAÇÃO........
BOURDIEU, O SISTEMA DE COTAS E O OMELETE DE OVO DE
PELICANO.....................................................................................................
Bourdieu e as categorias aliadas a uma sociologia da educação..............
O sistema de ensino bourdieusiano e a pedagogia racional.......................
O sistema de cotas e o omelete de ovo de pelicano.....................................
TEORIA CRÍTICA DA EDUCAÇÃO: UM DIÁLOGO ENTRE
HABERMAS E PAULO FREIRE.............................................................
EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO........................
TEORIA DO CAPITAL HUMANO E O SISTEMA DE COTAS...............
EXCLUSÃO SOCIAL, DESENVOLVIMENTO HUMANO E
EDUCACIONAL .......................................... ...........................................
O SISTEMA DE COTAS E A EXPECTATIVA DE ACUMULAÇÃO DE
CAPITAL ECONÔMICO..............................................................................
CIDADANIA, SISTEMA DE COTAS E DIGNIDADE HUMANA........
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................
REFERÊNCIAS............................................................................................
APÊNDICE A- ROTEIRO DE ENTREVISTA..............................................
APÊNDICE B- TERMO DE CONSENTIMENTO.......................................
APÊNDICE C- QUESTIONÁRIO SOCIECONÔMICO..............................
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26
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55
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58
64
68
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79
84
94
99
106
110
119
120
121
9
ANEXO ......................................................................................................
ANEXO A- RELATÁRIO IDH-M................................................................
158
159
14
1 INTRODUÇÃO
Mal iniciamos o século XXI e a percepção geral do senso comum é de um estado de
desesperança, ausência de referenciais, consumismo, individualismo, e de uma sensação de
“mal-estar” e ceticismo próprios de uma modernidade tardia.
Ao redor do mundo (Egito, Tunísia, Primavera Árabe, Islândia, Indignados na Espanha,
Occupy nos Estados Unidos) revoltas e protestos de toda ordem demonstram a falta de
confiança das pessoas nas suas instituições sociais. Sem que ninguém esperasse, aconteceu
também no Brasil (CASTELLS, 2013), onde observamos uma eloquente crise de legitimidade
de pessoas e instituições; pairando no inconsciente coletivo a promessa inacabada de um
Estado do Bem-Estar Social.
Isso não quer dizer que não haja uma luz no fim do túnel. Pelo contrário, o momento
atual é propício ao debate sobre as intercorrências observadas em todo o caminho percorrido
pela política pública, seus ciclos e subsistemas, desde a formação da agenda, formulação,
decisão política, implementação e avaliação; e nesse sentido analisar como as políticas
públicas sociais, em especial aquelas voltadas para o acesso ao ensino superior, podem (ou
devem) contribuir para a materialização da dimensão social da cidadania.
A redemocratização do País nos legou uma Constituição analítica ambiciosa e nos
brindou com um espectro programático de direitos e políticas, tendo na educação, uma das
mais destacadas expressões dos direitos humanos, notadamente nas políticas públicas voltadas
para o acesso ao ensino superior, um fator de inclusão social e um mecanismo para a
materialização da dimensão social do conceito de cidadania.
Dentre as políticas públicas direcionadas para o ensino superior, o Sistema de Cotas
aparece como uma política educacional que pode ter a capacidade de fazer a diferença na vida
das pessoas, na medida em que tem a pretensão de promover o desenvolvimento econômico e
a diversidade cultural, e sobretudo, atenta às suas responsabilidades diante das principais
questões sociais, contribuir para transformar a sociedade, por ela sendo transformada
(MARQUES, 2012).
É nesta perspectiva que proponho uma reflexão crítica sobre políticas públicas de
acesso ao ensino superior, especificamente sobre o Sistema de Cotas e a expectativa que gera
em relação à possibilidade de acumulação de capital econômico, abordando essa questão de
cidadania substantiva sob a perspectiva dos direitos humanos. Esse é o tema e o objetivo geral
da minha pesquisa.
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1.1 O PESQUISADOR E A PESQUISA: UMA APROXIMAÇÃO CONSCIENTE
O interesse em eleger o sistema de cotas como objeto de pesquisa acadêmica teve para
mim uma dupla motivação: uma de ordem pessoal e outra de ordem profissional.
No plano pessoal a pesquisa me remete a um acerto de contas comigo mesmo. Nasci em
um bairro pobre da periferia de Fortaleza, que na origem constituiu um campo de
concentração durante a seca de 1932, passando a formar uma grande favela ao longo do litoral
leste da cidade até seu recente e não acabado processo de urbanização. O famoso Pirambu,
que na língua tupi-guarani significa peixe-roncador.
Filho de um torneiro mecânico e de uma Senhora “do lar”, nasci, ali mesmo, numa casa
de taipa de mão (sem vaso sanitário ou torneira) e cresci em um ambiente onde a ausência de
saneamento básico não permitia o acesso a abastecimento de água potável encanada, aos
meios necessários de coleta e tratamento do esgoto, a condições mínimas de limpeza urbana,
ao manejo de resíduos sólidos e o controle de pragas, além da exposição frequente ao abuso e
à violência que marcavam aquela região. Aos treze anos estudava à noite e trabalhava durante
o dia (vendedor ambulante, higienizador de telefone, auxiliar de serviços gerais, monitor do
Mobral, até como ator fiz uma “ponta”). Oriundo da escola pública1, lá pelos idos de 1985
ingressei na faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará após prestar vestibular,
onde me dei conta de que irmãos e amigos, contemporâneos da mesma condição
socioeconômica, não partilhavam comigo daquela experiência de conhecer o mundo e da
alegria da descoberta.
Um belo dia, em uma aula de filosofia, ao comentar sobre o fato de que o
estacionamento da faculdade mais parecia o pátio de uma montadora de veículos2, um jovem
professor, em tom provocativo, afirmou que não seria possível que um menino lá do Pirambu
estivesse naquela sala de aula frequentando o curso de Direito junto com os filhos da elite
econômica. Da carteira de trás levantei timidamente minha mão e disse:
- Eu estou aqui!
1 Interessante destacar que na então Escola Técnica Federal do Ceará (Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Ceará - IFCE), os alunos classificados na segunda metade do exame de seleção (como era o meu
caso) participavam obrigatoriamente, durante 06 meses (o chamado período zero), de um estágio de nivelamento
de conhecimentos, estudando por um semestre inteiro as disciplinas português e matemática, como forma de
suprir uma eventual falta de base que pudesse comprometer o rendimento ao longo do curso técnico.
2 Referindo-se à tradição das famílias abastadas de presentear seus filhos com um carro zero-quilômetro quando
passavam nos vestibulares das profissões tidas como “nobres”: Medicina, Direito e Engenharia.
16
Depois do olhar curioso de todos da sala o professor respondeu:
- É, mas você não é a regra, você é uma exceção. Ainda que digna de aplauso, mas
continua sendo uma exceção.
Aquilo martelou minha cabeça até os dias atuais, me fazendo refletir sobre a influência
do status de origem no status de destino. Por que, no círculo familiar e de amigos próximos de
minha geração, eu teria sido o único a ter acesso ao ensino superior? O que teria dado certo?
Vale aqui a outra face dessa mesma pergunta: O que teria dado errado?
Muito provavelmente essa situação tenha influenciado na minha escolha de exercer a
condição de servidor público, contribuindo para a materialização de políticas públicas, nas
várias carreiras que exerci ao longo de 31 anos, estando hoje a compor uma das carreiras da
Advocacia Pública Federal, cuja atribuição gira em torno da formatação jurídico-
constitucional das políticas públicas da União, de forma a construir uma nova visão de
orientação jurídica, tendo na normatividade dos princípios uma maneira de harmonizar o
interesse público, a segurança jurídica a o ideal de justiça pós-positivista. O exercício do
cargo de Procurador Federal é o aspecto de ordem profissional que me aproxima também do
objeto de pesquisa.
Na Advocacia-Geral da União, especificamente na Procuradoria Federal no Ceará,
exerço a nobre função de representar a União (incluídas aí Autarquias e Fundações Públicas),
judicial e extrajudicialmente, bem como as atividades de consultoria e assessoramento
jurídico dessas entidades. Em tempos de politização do direito e de judicialização da política
essa tem sido uma tarefa gigantesca. No rol da 159 autarquias e fundações públicas federais
representadas pela Procuradoria Federal no Ceará, minha atuação profissional engloba as
matérias de Servidor Público e Pessoal, Cobrança, Recuperação de Créditos e Controle da
Probidade, Desenvolvimento Agrário e Desapropriações, Desenvolvimento Econômico,
Indígena, Infraestrutura, Licitações, Contratos e Patrimônio, Meio Ambiente, Previdência e
Assistência Social, Saúde, Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia.
Todas as políticas públicas da União, em todas as fases do ciclo de implantação, têm
a contribuição da Advocacia de Estado na formatação jurídico-constitucional, na defesa
judicial e administrativa e segurança jurídica dessas ações do Estado, tendo sempre como
referência o interesse da coletividade. Faz parte de meu dia a dia profissional o
acompanhamento de políticas públicas como demarcação de terras indígenas, licenciamento e
reparação ambiental, reforma agrária, combate ao flagelo da seca, proteção previdenciária e
assistencial, mineração, política regulatória de energia elétrica, telecomunicações, defesa
17
econômica, águas, petróleo, transportes, patrimônio histórico, artístico e cultural, leitos de
UTI, cirurgias complexas, transplantes, medicamentos, trabalho decente, bem como as
políticas públicas vinculadas à esfera educacional, tendo como destaque aquelas mais
judicializadas como ENEM, SISU, FIES, PROUNI, e SISTEMA DE COTAS.
No entanto, essa atividade não pode ser realizada de forma estanque ou acrítica; e é
aqui que se deve perquirir sobre uma nova forma de atuar desses órgãos de orientação e
representação jurídica da União, sob prisma de uma nova hermenêutica constitucional.
O Direito encontra-se numa nova quadra teórica chamada de neoconstitucionalismo,
cujo fundamento filosófico vem a ser o pós-positivismo, que tem como inspiração a
reconciliação do direito com a ética e com a política. Esse acoplamento estrutural do sistema
jurídico à moral e à política é feito pela via dos direitos fundamentais, expressão da
materialidade jurídica da dignidade humana. O pós-positivismo, para além de uma legalidade
estrita, procura empreender uma leitura moral do Direito, onde a interpretação e aplicação do
ordenamento jurídico hão de ser inspiradas por uma teoria de justiça (BARROSO, 2005).
Aqui só faz sentido a norma jurídica se constituir um dever-ser para ser justo
(VASCONCELOS, 2006).
No bojo da ideia de promover a integração ética à textura aberta da norma jurídica
inclui-se, por óbvio, o aporte dos outros, mas não menos importantes, saberes, como a
economia, a sociologia, a filosofia, a psicologia, etc.; o que me trouxe à investigação
sociológica de uma política pública, como forma de perquirir a eficácia social de meu
trabalho na materialização das políticas públicas, sejam distributivas, redistributivas ou
regulatórias.
O fato é que aqui estou, encantado com a sociologia, me dispondo a pesquisar, a essa
distância, o Sistema de Cotas como expectativa de acumulação de capital econômico,
abordando essa questão de cidadania substantiva sob a perspectiva dos direitos humanos,
procurando amparo em uma epistemologia crítica que dê respostas para minha necessidade
profissional e para minhas inquietações intelectuais de ordem pessoal.
18
1.2 O PROCESSO DE FORMULAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA
1.2.1 Problema de pesquisa
Nenhuma pesquisa nasce pronta. Todas têm início com algum tipo de problema que dá
margem à hesitação, perplexidade, ou alguma outra questão difícil de explicar ou de resolver
(GIL, 2014, p. 33).
Com essa não foi diferente. Embora tivesse a intenção desde o começo de pesquisar o
Sistema de Cotas, meu problema de pesquisa sofreu um processo de refinamento até chegar
ao estágio atual. Começou como uma proposta ampla e provisória de estudar as políticas
públicas de acesso ao ensino superior e a transformação da sociedade: um estudo sobre a
dimensão social do conceito de cidadania.
Essa proposta inicial teve que mudar de perspectiva ao longo do caminho, sobretudo
após a etapa da qualificação. É certo que não devem existir regras rígidas para a formulação
de um problema de pesquisa, mas a clareza, a precisão e a delimitação do problema a uma
dimensão viável me fizeram acreditar na possibilidade de estudar o Sistema de Cotas em sua
relação com o capital econômico, abordando essa questão de cidadania substantiva sob a
perspectiva dos direitos humanos.
Na medida em que as disciplinas cursadas no mestrado (como metodologia de pesquisa
em ciências sociais e seminário de dissertação) amadureciam minha percepção para a
pesquisa, essa dimensão foi ficando cada dia mais clara.
Uma mudança fundamental foi realizada após a qualificação. O que pode parecer
apenas uma mudança de palavra3, na verdade colocou a pesquisa na direção que
compatibilizasse a metodologia, o objetivo pretendido e as possibilidades da pesquisa,
conforme orientado na ocasião da qualificação. Isso porque, como o sistema de cotas
estudado ainda não teve sequer a sua primeira turma formada, não havendo possibilidade
material de verificar a trajetória desses estudantes na sua vida profissional e cultural após a
participação no programa, o estudo teve que ser realizado em função da perspectiva que a
3 Antes da qualificação, o título proposto conteria O SISTEMA DE COTAS COMO FATOR DE
ACUMULAÇÃO DE CAPITAL ECONÔMICO; ao final do trabalho, fiado nas orientações recebidas na
qualificação, este pesquisador entende que trabalhar a dimensão da política de cotas em sua em perspectiva seria
mais factível. Assim o trabalho findou por apresentar em seu título O SISTEMA DE COTAS COMO
EXPECTATIVA DE ACUMULAÇÃO DE CAPITAL ECONÔMICO.
19
politica poderia proporcionar na vida dessas pessoas, assim como da percepção que os
atingidos teriam de seu desenvolvimento, ante a impossibilidade substancial de verificar as
cotas como fator efetivo de mudança neste momento.
Na forma como foi realizada a pesquisa, a questão central girou em torno de investigar
qual a perspectiva de o Sistema de Cotas representar um aumento do capital econômico dos
indivíduos, relacionando esse aspecto com a questão do exercício da cidadania substantiva
sob a perspectiva dos direitos humanos.
A proposta visa investigar como a educação, através do sistema e cotas, permeada por
elementos de inclusão social e multiculturalismo, traz a expectativa de repercutir no capital
econômico, com reflexos no capital social e cultural dos indivíduos, apresentando-se como
alternativa de emancipação, já que a diversidade promovida pelas ações afirmativas pode ter o
potencial de inundar a sociedade de diferentes perspectivas intelectuais e culturais, cuja
consequência poderá ser a reprodução de uma estrutura estruturante mais igual.
1.2.2 Justificativa
Desde a edição do pacto social firmado com a promulgação da Constituição Cidadã em
1988, o Brasil experimentou nesses quase trinta anos dois ciclos distintos. Um primeiro ciclo
mais aliado ao consenso de Washington, com sua ideia monetarista de estabilização e rigidez
fiscal, e com a firme convicção de que “primeiro, é preciso fazer o bolo crescer, para depois
dividi-lo4”. Um segundo ciclo na era Lula-Dilma de inspiração desenvolvimentista que aliava
desenvolvimento econômico com inclusão social, que trouxe a política social para o centro da
estratégia de desenvolvimento, “com aportes crescentes de recursos que geraram impactos
significativos nas condições de vida da população do Brasil nos últimos dez anos”
(JANNUZZI; PINTO apud MADEIRA, 2014, p. 15).
No entanto, nos dias atuais, percebe-se, não só no Brasil, mas no mundo em geral, um
realinhamento de forças tendentes a promoção de um retrocesso em relação ao pacto do
Estado de bem-estar, com a adoção de políticas que não favoreçam as condições de
possibilidade de efetiva materialização do sistema de proteção social, que no caso brasileiro
ainda se encontra em construção.
Essa possibilidade de retrocesso tem causado bastante preocupação e pode ainda
reacender um debate que já se julgava sepultado, pelo menos do ponto de vista de
4 Frase atribuída a Antônio Delfin Netto - http://educacao.uol.com.br/biografias/antonio-delfim-netto.htm
20
definitividade dos efeitos da decisão judicial prolatada pelo Supremo Tribunal Federal,
quando referendou a constitucionalidade do sistema de cotas, mas que se sabe, ainda é motivo
de controvérsia, notadamente em tempos de extrapolação dos limites da civilidade, fato
observado pela intermináveis discussões com suporte em discurso de ódio que grassam pela
rede mundial de computadores.
Outro aspecto a ser considerado diz respeito ao modo pelo qual se opera a socialização
dos indivíduos através da escola. Ressalvadas as divergências das correntes da sociologia da
educação, seja do ponto de vista puramente epistemológico, seja do ponto de vista da função
social da educação, a socialização dos indivíduos é o ponto de encontro das diferentes
abordagens teóricas a respeito do papel da educação na sociedade.
Tomando a política pública como espaço de construção de sentidos e instrumento de
participação política (FARENZENA; LUCE, 2014, p. 196), essa preocupação com o
retrocesso, assim como o debate sobre o aspecto sob o qual a socialização através da educação
ocorre, que nos leva ao enfrentamento dos fatores sociais garantidores de uma cidadania
plena, já tornariam evidente a necessidade de uma pesquisa que tem como foco avaliar a
expectativa social de uma política pública de acesso ao ensino superior de uma população
historicamente alijada desse processo, como forma de disseminação de conhecimento no
espaço de resistência a um retrocesso anunciado. Tais fatos seriam relevantes para justificar a
pesquisa.
No entanto, a pesquisa trouxe também a possibilidade de evidenciar a percepção em
relação à promoção do multiculturalismo, de inclusão social e emancipação. A compreensão
desse processo e o entendimento que as ações afirmativas não podem ser encaradas somente
como fator de compensação de danos do passado, mas como fator de promoção de
diversidade e emancipação também justificam a pesquisa que está sendo realizada.
Ainda assim, investigar as Ações Afirmativas – Sistema de Cotas e a perspectiva de sua
repercussão no capital econômico dos indivíduos, e observar sua vocação como instrumento
de cidadania real, como forma de materializar a dignidade do homem, pode favorecer, no
aspecto puramente acadêmico, a produção de conhecimento que possa dar suporte aos
diversos sistemas de monitoramento e avaliação de políticas públicas no Brasil, no aspecto
relacionado ao desempenho dessa ação do Estado, assim como contribuir para o debate da
relação entre desenvolvimento e políticas públicas. Um exemplo dessa produção de
conhecimento, ou pelo menos a indicação de produção futura, poderá ser verificado do
diálogo promovido entre Bourdieu, Habermas e Paulo Freire, indicativo de um marco teórico
21
para se trabalhar o projeto político pedagógico na universidade a partir desse novo perfil de
estudantes produzido pelo sistema de cotas.
1.2.3 Hipóteses
Lembro que nos primeiros dias do mestrado, quando ainda estávamos nos conhecendo
em sala de aula, em um dos intervalos alguém teve a ideia de perguntar a cada um sobre seu
projeto de pesquisa. Falei que iria estudar o sistema de cotas. Logo se formou a discussão em
torno de quem era contra e de quem era a favor. Esclareci de logo que não era disso que se
tratava a pesquisa, mas de saber se o sistema de cotas teria potencial para melhorar a vida das
pessoas.
Hoje, olhando para o objetivo geral de pesquisa, corro risco de ser questionado se isso
não constitui uma questão óbvia. Mas a sociologia revela aquilo que está por trás das coisas
tidas como óbvias, uma “elaboração dolorosa do óbvio” (WRIGHT, 2000 apud GIDDENS,
2013, p. 64), uma vez que “de fato, a boa sociologia ou ilumina a nossa compreensão do
óbvio ou transforma por completo o nosso senso comum” (BERGER apud GIDDENS, 2013,
p. 64).
Assim é que antes de confessarmos a obviedade do sistema de cotas em relação ao
capital econômico dos indivíduos, precisamos desvelar os elementos que nos permitem ir na
direção desse tipo de conclusão. Para isso precisamos discutir o papel da educação na
sociedade e como ela pode se aliar ao desenvolvimento econômico.
A hipótese apresentada como explicação provisória foi a de que o sistema de cotas
proporcionará uma expectativa de aumento do capital econômico dos indivíduos, tendo como
evidência as conclusões da teoria do capital humano, que serviram de suporte para o
desenvolvimento dos vários índices de desenvolvimento humano.
No que diz respeito à questão do racismo estrutural, a hipótese que se levanta é a de que
a pedagogia racional apontada por Bourdieu teria o condão de estancar o processo de
reprodução cultural através do sistema escolar.
A partir dessa ideia de Bourdieu, a aplicação da teoria crítica da sociedade à educação
me parece a maneira intelectualmente mais adequada de designar a função social da educação
na atualidade, guardando total relação com a solução da pedagogia racional, na medida em
que propõe repensar as políticas de educação no sentido de implementar currículos escolares
que favoreçam a uma situação mais igualitária, como também na defesa de práticas
22
pedagógicas com perspectivas mais amplas de formação humana e cultural. Não apenas as
dimensões particulares próprias de grupos culturais presentes na escola estariam sendo
abarcados, mas também, dimensões relacionadas com a formação humana multifacetada onde
as dimensões artísticas e espirituais são, também, indissociáveis (VILELA, PEREIRA
MATIAS, 2006, p. 77). Essa ideia parte da constatação habermasiana de um novo tipo de
racionalidade, a racionalidade comunicativa, diferente da racionalidade puramente
instrumental, baseada no desenvolvimento de outras habilidades que não só aquelas
competências técnicas voltadas para suprir as necessidades decorrentes do advento da
sociedade capitalista, seja através do treinamento para a burocracia do Estado, seja pela
formação de mão-de-obra especializada para a industrialização.
Ao longo da pesquisa busquei categorias, dados de outras pesquisas já realizadas,
evidências de que as hipóteses levantadas podem ser constatadas no plano da realidade.
1.3 DELINEAMENTO DA PESQUISA
Do ponto de vista de seus objetivos a pesquisa pode ser qualificada como exploratória e
descritiva, uma vez que não tem por finalidade medir o efeito específico da política, mesmo
porque os primeiros estudantes cotistas, que ingressaram na universidade após a
obrigatoriedade decorrente da Lei nº 12.711/2012, sequer colaram grau e ainda não estão no
mercado de trabalho, mas esclarecer conceitos e ideias, traçar uma visão geral de tipo
aproximativo e contribuir para a formulação de problemas mais precisos e hipóteses
pesquisáveis em estudos posteriores (GIL, 2014), na medida em que trabalhou o sistema de
cotas como expectativa da melhoria de vida e verificou a percepção dos estudantes em relação
a ela.
Com esse objetivo, adotei como procedimentos técnicos a pesquisa bibliográfica e
documental e a aplicação de um questionário a dois grupos específicos de estudantes.
Realizou-se uma busca de fontes bibliográficas em bibliotecas especializadas, com a
finalidade de efetuar uma abordagem sociológica dos conceitos necessários à resolução do
problema, que me permitiram efetuar pesquisas empíricas dos aspectos teóricos envolvidos no
tema.
Abordei as categorias teóricas como capital econômico, capital cultural, capital social,
capital humano, educação, habitus, socialização, assim como aquelas mais ligadas à
sociologia do direito, como cidadania, direitos humanos e redistribuição, nas obras de autores
23
como Adorno, Amartya Sem, Axel Honneth, Bourdieu, Habermas, Paulo Freire, Florestan
Fernandes, Nancy Fraser, T. H. Marshal, Theodore William Schultz.
Examinei pesquisas realizadas com base no IDH, IDHM, IES, IVS, IDE, IDH-B,
GNDIRPF e outros estudos para verificar a compatibilidade da teoria do capital humano com
a expectativa do aumento da renda pessoal em função do aumento dos anos de estudo, aí
incluído, por óbvio, o ensino superior e a política focalizada de acesso à universidade que
constitui o sistema de cotas, pois a ênfase e o peso relevante da variável educação em todos
esses índices que medem inclusão ou exclusão, vida boa ou vida ruim (LEMOS, 2008),
mostram a sua importância para definir e determinar o padrão de desenvolvimento de uma
sociedade e o seu nível de riqueza e pobreza.
O trabalho de campo realizado consistiu em visita à Pró-Reitoria de Graduação da
Universidade Federal do Ceará – UFC, onde fui recebido pela Pró-Reitora Adjunta de
Graduação, no Campus do Pici - Bloco 308 - Fortaleza – CE, assim como pelo Diretor de
Indicadores de Graduação e Registros Estatísticos, a quem entrevistei com as perguntas que
constam no apenso I, cuja finalidade era compreender como se deu o processo de adoção do
sistema de Cotas na UFC e como é feito o seu acompanhamento do ponto de vista
quantitativo e qualitativo.
Em seguida foi realizada a aplicação de um questionário, cujo modelo consta no apenso
II, no primeiro semestre de 2017, em dois grupos distintos: um de cotistas da Universidade
Federal do Ceará e outro entre não-cotistas de universidades diversas do curso de Direito,
estagiários da Advocacia-Geral da União. Os formulários foram respondidos individualmente,
aplicados em amostras não probabilísticas de forma aleatória, controladas as variáveis
“cotistas” e “não cotistas”, para a construção de amostras emparelhadas (PAUGAM, 2015)
que permitissem verificar as condições socioeconômicas e a percepção em relação ao sistema
de cotas dos dois grupos de indivíduos. O questionário foi elaborado a partir da adaptação
para a realidade da pesquisa do questionário construído por Moehlecke (2002) e do aplicado
no Exame Nacional de Desempenho do Estudante - ENADE.
No desenvolvimento da dissertação percorri o seguinte itinerário e assim organizei o
meu trabalho:
No capítulo 2 abordei a questão racial no Brasil, o itinerário de empobrecimento da
população nega, o processo de formação cultural do racismo e da discriminação, assim como
as polêmicas existentes em torno da adoção da política de cotas no Brasil. Vi como se deu a
implantação da política, sua definição e qualificação, a evolução temporal e o impacto da Lei
24
de Cotas sobre as universidades federais e estaduais, cotejando dados levantados pelo Grupo
de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa -GEMAA, do Instituto de Estudos Sociais
e Políticos – IESP, ligado à Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.
No capítulo 3 problematizei a função social da educação, através de uma perspectiva
crítica que me levou a refletir sobre para que queremos a educação nos dias atuais e em que
medida o sistema de cotas se insere neste processo. Aqui trabalhei a educação como elemento
social responsável pela organização da experiência dos indivíduos na vida cotidiana, no
desenvolvimento da personalidade e na garantia da sobrevivência e do funcionamento das
próprias coletividades humanas (RODRIGUES, 2011).
Analisei o nascimento da ética humanista operada pela via da educação através da visão
de Rousseau, a maneira como as estruturas da sociedade se reproduzem através da educação
escolar em Bourdieu e o modo como esse processo de reprodução pode ser utilizado a favor
da emancipação. A partir daí alinhei essa perspectiva considerada reformista de Bourdieu à
teoria crítica da educação, através da racionalidade comunicativa habermasiana e a pedagogia
da autonomia freiriana.
No capítulo 4 verifiquei como o sistema de cotas pode gerar a expectativa de produzir
capital econômico dos indivíduos e como se dá a repercussão desse fato na acumulação de
capital social e cultural, com interferência na relação de status de origem/destino. Para isso
utilizei a teoria do Capital Humano, desenvolvida por Shultz, e que serviu de suporte para a
idealização do Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, quando faz uma relação direta
entre educação e economia, trazendo a ideia de que quanto mais o indivíduo conseguir
melhorar o seu nível de escolaridade, maiores serão as oportunidades no mercado de trabalho,
pois aqui a educação explica diretamente a geração de oportunidades. Procurei demonstrar a
relevância da educação formal associada a outros fatores individuais na obtenção de melhores
oportunidades profissionais (COUTINHO, 2007).
Analiso ainda uma série de indicadores sociais produzidos a partir do IDH (IDHM, IES,
IVS, IDE, IDH-B, GNDIRPF) e outros estudos que apontam para uma expectativa positiva do
aumento da renda pessoal em função do aumento dos anos de estudo, aí incluído, por óbvio, o
ensino superior e a política focalizada de acesso à universidade que constitui o sistema de
cotas. Ao final do capítulo comento o resultado da pesquisa de campo realizada em dois
grupos de estudantes distintos, um de cotistas e outro de não-cotistas, sobre a percepção de
cada um em relação às cotas.
25
No capítulo 5 discuto o sistema de cotas como instrumento de cidadania efetiva, sua
relação com os direitos humanos e seu potencial para correção das injustiças de natureza
socioeconômicas e culturais, para colher as conclusões do estudo no capítulo final.
26
2 RAÇA/COR, EDUCAÇÃO E O SITEMA DE COTAS NO BRASIL
É importe repisar e repetir o itinerário da pesquisa, par entender a razão e a importância
de problematizar a questão racial no Brasil, que em um primeiro momento não havia sido
incluído nos objetos específicos da pesquisa. No entanto, nenhuma pesquisa nasce pronta.
Todas têm início com algum tipo de problema que dá margem à hesitação, perplexidade, ou
alguma outra questão difícil de explicar ou de resolver (GIL, 2014, p. 33).
Com essa não foi diferente. Embora tivesse a intenção desde o começo de pesquisar o
Sistema de Cotas, meu problema de pesquisa sofreu um processo de refinamento até chegar
ao estágio atual. Começou como uma proposta ampla e provisória de estudar as políticas
públicas de acesso ao ensino superior e a transformação da sociedade: um estudo sobre a
dimensão social do conceito de cidadania.
Essa proposta inicial teve que mudar de perspectiva ao longo do caminho. O
desenvolvimento da pesquisa me fez acreditar na possibilidade de estudar o Sistema de Cotas
em sua relação com o capital econômico, mas a etapa da qualificação e o material colhido no
campo trouxeram a reflexão e indicaram a necessidade de problematizar, também, a questão
racial no Brasil, que se supunha superada, ou pelo menos pacificada, após o julgamento pelo
Supremo Tribunal Federal da constitucionalidade do sistema de cotas.
O fato é que essa questão nunca foi sepultada e todas as vezes que inicio uma conversa
sobre minha pesquisa as pessoas de logo querem discutir essa questão, com os
posicionamentos mais variados contra ou a favor. Mais ainda, ficou evidenciada nas respostas
dos questionários de dois grupos de estudantes bem distintos: um formado por alunos que
ingressaram na universidade pelo sistema de cotas e outro formado por alunos que
participaram da concorrência geral ou estudantes de instituições particulares de ensino (que
noutro momento da pesquisa serão devidamente analisados). Na medida em que o tempo
amadureceu minha percepção para a pesquisa, essa dimensão foi ficando cada dia mais clara.
Assim é que neste capítulo discorrerei sobre a questão racial no Brasil, as desigualdades
educacionais decorrentes deste fato e a consequente controvérsia sobre o sistema de cotas.
27
2.1 A QUESTÃO RACIAL NO BRASIL
Mas afinal, qual conceito de raça podemos adotar neste trabalho? Como antecedente
podemos destacar que do ponto de vista estritamente biológico existe apenas uma raça: a Raça
Humana. O estágio atual da genética já comprovou a inexistência de subgrupos humanos,
sendo certo que o termo persiste enquanto construção social com base nas características
fenópticas dos indivíduos relativas à cor da pele, composição dos cabelos e estrutura física.
Ora, se existe apenas uma raça, qual a razão deste assunto gerar ainda tanta controvérsia. A
resposta é simples: enquanto categoria social o conceito de raça nos ajuda a entender a
questão da discriminação e da construção paulatina do modelo de desigualdades educacionais
e socioeconômicas presente na sociedade brasileira.
Essa percepção tem relação direta com a forma com que a questão racial foi tratada no
Brasil ao longo dos séculos. Do ponto de vista da delimitação histórica, podemos observar
três fases distintas, que acolhem três paradigmas diferentes, começando por um cientificismo
biológico de paradigma racial, passando por um paradigma cultural a partir de Gilberto Freire
e culminando com o paradigma sociológico assumido através dos estudos de Florestan
Fernandes.
Comecemos pelo paradigma racial. Durante o período da escravidão no Brasil e já no
começo do século XIX uma doutrina cientificista de cunho biológico postulava classificar os
seres humanos por raças. A eugenia classificava os brancos como uma raça superior, os
negros como inferiores e os mulatos como degenerados, o que aliado a uma suposta influência
do clima tropical no enfraquecimento da integridade biológica e mental dos indivíduos
tornava o Brasil a personificação da degeneração biológica (TELES apud AMORIM;
FERRREIRA; ALVES, 2012, p. 27). Essa ideologia tinha o firme propósito de justificar e
legitimar todo o processo de colonização europeia e a escravidão existente na época:
Nessa abordagem, é adotada uma análise de foco biológico como modelo legítimo
de explicação da realidade social brasileira, sob a ótica do naturalismo e do
darwinismo social, trazendo ideias de raças superiores e inferiores, que competiriam
numa luta universal, orientada a partir da existência de uma hierarquia natural em
que a raça “superior” branca acabaria exterminando a raça “inferior” negra
(AMORIM; FERRREIRA; ALVES, 2012, p. 39).
28
Tomada como um fato negativo, a miscigenação enquanto mistura de raças, seja do
ponto de vista biológico, seja do ponto de vista social e cultural, era tida como extremamente
indesejável, razão pela qual era nítida a opção por assegurar a hegemonia das características
observáveis na população branca em relação às características observáveis na população não-
branca. Deste paradigma racial, donde já se tinha a ideia de uma miscigenação inviável e que
inevitavelmente produziria uma esterilização cultural e degeneração racial, surgiu a teoria do
branqueamento da população através do cruzamento dos poucos brancos com mulheres negras
e índias como forma de “purificar” a população brasileira. “Tal teoria encontrou terreno fértil
até as primeiras décadas do séc. XX. Tomam-se, como exemplo ilustrativo, as previsões,
sustentadas por João Batista Lacerda (1912), de que em 2012 a população brasileira seria
composta por 80% de brancos, 3% de mestiços, 17% de índios e nenhum negro” (TELLES,
apud AMORIM; FERRREIRA; ALVES, 2012, p. 27).
Pela clareza da opção ideológica e pelo choque e repulsa que pode nos causar nos dias
atuais, transcrevemos, por oportuno, a citação do crítico literário, promotor, juiz e deputado
Sylvio Romero, que em ensaio de 1880 reverberava o racismo aberto, dito “científico”, como
expressão do discurso intelectual hegemônico da época, não obstante ele mesmo ser
considerado republicano e antiescravocrata:
A minha tese, pois, é que a vitória na luta pela vida, entre nós, pertencerá no porvir
ao branco; mas que este, para essa mesma vitória, atento às agruras do clima, tem
necessidade de aproveitar-se do que é útil às outras duas raças lhe podem fornecer,
máxime a preta, com que tem mais cruzado. Pela seleção natural, todavia, depois de
prestado o auxílio de que necessita, o tipo branco irá tomando a preponderância, até
mostrar-se puro e belo como no velho mundo. Será quando já estiver de todo
aclimatado no continente. (ROMERO apud AZEVEDO, 1987, p. 71).
Essa visão cientificista de paradigma racial como arbitrário cultural predominante no
século XIX no Brasil, aliada ao tratamento dado aos negros após a abolição da escravidão,
acabou por fortalecer e criar as condições de possibilidade para a paulatina exclusão dos não-
brancos na vida cultural, social, econômica e política do país. No entanto, a partir da década
de 30 do século passado, notadamente pela dimensão que acabaria por tomar a obra Casa
Grande & Senzala de Gilberto Freire, esse paradigma racial cedeu espaço para uma
apropriação baseada na cultura, influenciada pela Antropologia Cultural de Franz Boas, onde
29
a noção de raça pautada na biologia dá lugar ao culturalismo como novo paradigma para o
entendimento da diversidade entre os seres humanos.
Esse paradigma cultural observado na obra de Gilberto Freire, como crítica do
evolucionismo e marco nacional de rompimento com a ideologia racial pautada no critério
biológico, preocupa-se com a diversificação formativa do país e evidencia uma leitura
amigável e cortês na relação entre brancos e negros no Brasil escravocrata, traz a
miscigenação como fator determinante de uma postura não segregacionista, inaugurando o
mito da democracia racial no Brasil como fonte de unificação nacional. Assim é que:
A obra “Casa Grande & Senzala” foi concebida como uma resposta às teorias raciais
que ainda persistiam nas diversas correntes interpretativas do Brasil. A partir do
culturalismo de Freyre (1933) chegou-se à conclusão de que não existiriam raças
inferiores e superiores e que a causa da possível inferioridade física dos brasileiros
estaria ligada ao predomínio do latifúndio, que, por muito tempo, privou a
população colonial de uma alimentação equilibrada e sadia (AMORIM;
FERRREIRA; ALVES, 2012, p. 40).
Na verdade, esse tipo de abordagem que eufemisa o conflito e que aponta para época
uma suposta conciliação entre brancos e negros, ao contrário do que se supunha com a
ideologia da democracia racial, contribui para negar o preconceito e a discriminação. “Dessa
forma, esse ideal de Democracia Racial, construído por Freyre (1933), forneceu os
argumentos que a elite branca necessitava para se defender de possíveis acusações de
discriminação e continuar impondo a sua hegemonia, usufruindo dos seus privilégios”
(BENTO apud AMORIM; FERRREIRA; ALVES, 2012, p. 41).
É importante que se diga, o que está por trás dessa lógica da mestiçagem positiva,
mesmo que tenha sido fruto de uma apropriação indevida, é a ideia de que a miscigenação se
desenvolveu sem que fosse observada alguma redução nas desigualdades sociais entre os
grupos envolvidos, mesmo considerando que a obra de Gilberto Freyre buscou denotar o que
se tem por definido hoje como relações raciais horizontais, em que prevalecia uma certa
adaptabilidade e a integração dos grupos na sociedade, que levaria a uma assimilação de
valores e extinguiriam as diferenças estruturais (TELLES apud AMORIM; FERRREIRA;
ALVES, 2012). Assim é que, os defensores do paradigma cultural sinceramente:
30
(...) acreditavam em relações harmoniosas no Brasil e “previam um futuro otimista
para os descendentes de escravos [...] qualquer hierarquia racial, conflito ou
exploração no Brasil eram temporárias...” (TELLES apud AMORIM; FERRREIRA;
ALVES, 2012, p. 41).
No entanto, essa suposta relação racial horizontal, harmônica e pacífica, apesar do
mérito de ter rompido com o determinismo biológico, não foi bastante para explicar o fosso
cada vez maior que se abria entre a população branca e a não-branca no Brasil pós-abolição.
Como explicar a marginalização e as desigualdades raciais frente a uma suposta democracia
racial?
Nesse ponto ganha relevância uma terceira fase característica das relações raciais no
Brasil, que adotando um paradigma da estrutura social tem em Florestan Fernandes um
colaborador de primeira hora, adotando para sua análise um viés de cunho sociológico
adaptando a abordagem racial brasileira de então ao contexto de sua época, que não poderia se
furtar do enfrentamento dos aspectos históricos, econômicos, sociais e culturais, sob pena de
não poder explicar o modelo de desigualdades existente entre negros e brancos.
Assim é que, posto abaixo o argumento “científico” da diferenciação e classificação
biológica das raças, assim como seu aspecto puramente culturalista de uma suposta
democracia racial, a concepção sociológica de raça foi muito bem evidenciada no Relatório de
Desenvolvimento Humano (Racismo, pobreza e violência) de 2005 do Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento – PNUD:
Estudos feitos sob outras perspectivas e com outros métodos, nas ciências sociais e
na antropologia, chegaram à mesma conclusão sobre a falácia do conceito de raça.
As pesquisas nessas áreas mostram também que o discurso racial tem sido usado
para manipular ideologicamente as diferenças fenotípicas entre os grupos humanos,
de maneira a legitimar a dominação das “raças” supostamente superiores sobre as
“raças” supostamente inferiores. Todavia, embora o estatuto teórico-científico de
raça tenha sido desmontado na segunda metade do século 20, o conceito permanece
como uma construção social, uma categoria analítica que continua sendo usada para
agregar indivíduos e coletividades que compartilham aspectos físicos observáveis,
como cor da pele, textura do cabelo e compleição corporal (PNUD, 2005, p.12).
Foi o que se chamou de desmitificação da democracia racial brasileira, produzida pela
Escola Sociológica Paulista, onde nomes como Octavio Ianni, Fernando Henrique Cardoso,
Roger Bastide, liderados por de Florestan Fernandes, desenvolveram pesquisa patrocinada
31
pela UNESCO, “com o intuito de desvendar o fato que girava em torno da suposta
Democracia Racial defendida por Freyre (1933) que, para ele, era incondizente com a
realidade de um país caracterizado pelo racismo e pelo genocídio, como era o Brasil, em sua
concepção (AMORIM; FERRREIRA; ALVES, 2012):
Os focos de pesquisa adotados por Freyre (1933) e Fernandes (1955) eram diferentes
e até mesmo opostos, pois, enquanto Freyre (1933) pregava a Democracia Racial,
Florestan Fernandes (1955) enfatizava a existência da desigualdade e da
discriminação racial (AMORIM; FERRREIRA; ALVES, 2012, p. 42).
Ao contrário da visão anterior de paradigma cultural, pautado em relações raciais
horizontais, esse novo enfoque traz uma visão de relações verticais, onde são problematizados
os motivos pelos quais ainda persistem as desigualdades raciais no Brasil, apesar do
propalado mito da democracia racial. Mostra-se aqui uma nova visão da teoria do
branqueamento, tida como elemento legitimador da discriminação do negro no Brasil. O
paradigma sociológico trouxe a nu a ideia de que o Brasil é caracterizado pela desigualdade
racial, sendo o “racismo à brasileira” (TELLES, 2003) um fato recorrente, tendo prevalecido a
exclusão e não a integração de uma população que foi sendo empobrecida, econômica e
culturalmente, ao longo da formação da identidade e da riqueza nacionais.
Essa ideia de democracia racial teve na verdade um forte apelo ideológico para ludibriar
negros e mestiços, leva-los a acreditar na plena integração (por obra e graça da miscigenação
e branqueamento), afastando de suas aspirações qualquer motivação para uma postura de luta
por reinvindicações e mudanças (FERNANDES, 1965) de um status quo que nunca os
favoreceu. Tido como uma das maiores economias do planeta, O Brasil, considerado por
longo tempo como o país da Democracia Racial, pareceu (negativamente) deitado
eternamente em berço esplêndido, apontando uma realidade completamente distinta:
As distinções e desigualdades raciais são contundentes, facilmente visíveis e de
graves consequências para a população afro-brasileira e para o país como um todo.
A literatura é pródiga em trabalhos que demonstram, ao longo de décadas, a
presença e a persistência das desigualdades raciais a da situação subalterna do negro
na sociedade brasileira (HERINGER apud AMORIM; FERRREIRA; ALVES, 2012,
p. 43).
32
A face triste do movimento escravista legou a essas populações uma herança de
abandono e exclusão que denotam o nível de desigualdades sociais existente na sociedade
brasileira nos dias atuais. Para além da reparação, há de se assegurar para essas pessoas
desassistidas instrumentos capazes de combater a discriminação através da promoção da
diversidade cultural e de valores.
Muitas pessoas querem crer (consciente ou inconscientemente) que o negro é
discriminado não porque é negro, mas porque é pobre. E aqui para essas pessoas as ações
afirmativas só se justificariam pelo critério social. Uma análise mais atenta nos traz a
conclusão de que o negro é pobre exatamente porque é negro, uma vez que após a abolição da
escravidão não houve por parte do Estado nenhuma reparação ou política de inclusão, ficando
os ex-escravos jogados à própria sorte, sem acesso a terras5, disputando vagas de emprego
com imigrantes que tinham a simpatia dos fazendeiros e o incentivo do Estado. Na verdade, a
reparação só ocorreu mesmo para os fazendeiros que tiveram subsídios e contaram com a
imigração de trabalhadores da Europa à custa de recursos do Estado Brasileiro. Essa
passagem da obra de Florestan Fernandes transcrita a seguir, que trata da integração do negro
na sociedade de classe, é bem esclarecedora da situação de desamparo da população negra no
período pós-abolição:
A desagregação do regime escravocrata e senhorial se operou, no Brasil, sem que se
cercasse a destituição dos antigos agentes de trabalho escravo de assistência e
garantias que os protegessem na transição para o sistema de trabalho livre. (...) O
liberto se viu convertido, sumária e abruptamente, em senhor de si mesmo,
tornando-se responsável por sua pessoa e por seus dependentes, embora não
dispusesse de meios materiais e morais para realizar essa proeza nos quadros de uma
economia competitiva. (...) Com a abolição pura e simples, porém, a atenção dos
senhores se volta especialmente para os seus próprios interesses. Os problemas
políticos que os absorviam diziam respeito a indenizações e aos auxílios para
amparar a “crise na lavoura”. A posição do negro no sistema de trabalho e sua
integração à ordem social deixam de ser matéria política (FERNANDES, 2008, p.
29/30).
5 Para além de permitir aos estrangeiros a aquisição de terras e estimular a imigração à custa do tesouro, a lei nº
601 de 18 de setembro de 1850, chamada Lei de Terras, tinha como objetivo explícito impedir o acesso de terras
aos negros libertos e aos demais em uma eventual libertação.
33
Os negros libertos, para além da discriminação por suas características fenópticas,
formam agora um verdadeiro exército de indesejados dos novos tempos, cuja descrição
dramática do historiador Luiz Edmundo exemplifica bem esse momento doloroso deste grupo
populacional, quando descreve o atual Morro da Providência no Rio de Janeiro, então Morro
de Santo Antônio, suas moradias e vielas, pouco tempo depois da abolição:
Por elas vivem mendigos, os autênticos, quando não se vão instalar pelas
hospedarias da rua da Misericórdia, capoeiras, malandros, vagabundos de toda sorte:
mulheres sem arrimo de parentes, velhos que já não podem mais trabalhar, crianças,
enjeitados em meio a gente válida, porém o que é pior, sem ajuda de trabalho,
verdadeiros desprezados da sorte, esquecidos de Deus... [...] No morro, os sem-
trabalho surgem a cada canto (EDMUNDO apud MARINGONI, 2011, p. 42).
O fato é que esse reconhecimento do racismo no Brasil, lastreado em pesquisa científica
com respaldo internacional, assim como a produção sociológica que se seguiu, teve como
consequência uma inapelável pressão para que o Estado adotasse políticas públicas que
considerassem a situação do negro e fosse alinhada com a finalidade de deferir-lhe cidadania
e direitos humanos de modo efetivo e não formal. Aqui já se observa na formação da vontade
nacional, não sem a forte pressão exercida por movimentos sociais e intelectuais, a
compreensão de que o modelo de sociedade tem relação direta com a política racial adotada
no Brasil ao longo de 500 anos e o consequente desnivelamento de oportunidades para todos
os grupos sociais formadores da identidade do país. Essa questão passa então a ser pensada,
seja em forma de política de reparação ou de promoção dos valores próprios da diversidade
observada em toda a nossa gente:
Nessa perspectiva, em meio a essa efervescência de ideais, ao reconhecimento da
dívida histórica, à efetivação dos direitos e à promoção de novos direitos,
verificamos, no seio da sociedade brasileira, a emergência da adoção de políticas
públicas afirmativas voltadas para os “negros” e seus descendentes. As políticas
afirmativas primam pela efetiva reparação dos danos provocados pelos séculos de
escravidão e marginalização dos “negros” brasileiros. Buscam, para tanto,
redistribuir as oportunidades de acesso social (ensino, emprego, etc.) e compensá-los
pelos direitos preteridos, através de políticas de ações de discriminação positiva,
tratando desigualmente os formalmente iguais (AMORIM; FERRREIRA; ALVES,
2012, p. 47).
34
As ações afirmativas têm objetivos a curto, médio e longo prazo, como a
implantação da diversidade e a ampliação da representatividade dos grupos
minoritários nos diversos setores (PNUD, 2005, p.119).
2.2 AÇÕES AFIRMATIVAS NO BRASIL E A POLÊMICA EM TORNO DO SISTEMA
DE COTAS
Para além do reconhecimento do racismo no Brasil, o século XXI assiste a uma
verdadeira virada ideológica brasileira no tratamento da questão racial. Aqui está presente
“uma nova imaginação nacional caracterizada pela introdução da discussão das desigualdades
raciais na agenda do Estado, ou seja, surge a preocupação com a implementação de políticas
racialmente orientadas, apesar dos inúmeros argumentos contrários às políticas diferenciadas
por cotas” (BRANDÃO apud AMORIM; FERRREIRA; ALVES, 2012, p. 52).
Ponto fundamental dessa virada foi sem sombra de dúvidas a III Conferência Mundial
contra o Racismo, Xenofobia e Intolerâncias Conexas, ocorrida em Durban, África do Sul, no
ano de 2001; não só a conferência em si, mas o próprio processo preparatório da Conferência
Mundial contra o Racismo – CMR já apontou que além dos movimentos sociais, o próprio
Estado Brasileiro, através do IPEA, agora adotava um discurso moderadamente antirracista,
trazendo o tema para a agenda das políticas públicas oficiais. As discussões que se seguiram
antes e durante a CMR acabaram por culminar no relatório da delegação brasileira, que
incluiu “a recomendação da adoção de cotas para estudantes negros nas universidades
públicas. Após a Conferência Mundial contra o Racismo, o governo brasileiro deu início a
algumas ações que procuraram beneficiar os afro-descendentes [sic]” (HERINGER, 2003, p.
287).
Outros passos não menos importantes e carregados de um simbolismo para a causa da
igualdade racial foram a composição do gabinete do Poder Executivo de três ministros negros
no governo federal que se iniciava em 2003; a indicação do primeiro ministro negro para o
Supremo Tribunal Federal; a edição da lei n 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino de
história e cultura afro-brasileira nas escolas de ensino fundamental e médio de todo o país; a
criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial; culminando com
a promulgação da lei nº 12.288/2010, que institui o Estatuto da Igualdade Racial no Brasil,
prevendo “garantias e o estabelecimento de políticas públicas de valorização dos negros,
buscando corrigir as desigualdades históricas de oportunidades e direitos aos descendentes
dos escravos do país” (AMORIM; FERRREIRA; ALVES, 2012, p. 57). É importante destacar
35
que dentre as várias ações previstas no Estatuto da Igualdade Racial, naquilo que mais de
perto toca a esta dissertação, traz previsão explícita de que o poder público adotará programas
de ação afirmativa, apesar de não ter sido aprovado de logo o sistema de cotas para ingresso
nas instituições de ensino superior, o que só veio a ocorrer dois anos mais tarde.
E o que são essas ações afirmativas?
Do ponto de vista de sua natureza jurídica, as ações afirmativas concretizam o princípio
constitucional da igualdade; não a igualdade formal como se fez desde o nascedouro no limiar
das revoluções burguesas; mas a isonomia substancial, igualdade material, presente entre nós
desde o advento da ideia do Estado do bem-estar social, colimada à máxima de que a
isonomia material há e ser aquela onde se igualam os iguais e desigualam os desiguais na
medida de suas desigualdades. Esse é o seu fundamento jurídico: concretizar o princípio
constitucional da igualde material:
Como se vê, em lugar da concepção “estática” da igualdade extraída das revoluções
francesa e americana, cuida-se nos dias atuais de se consolidar a noção de igualdade
material ou substancial, que, longe de se apegar ao formalismo e à abstração da
concepção igualitária do pensamento liberal oitocentista, recomenda, inversamente,
uma noção “dinâmica”, ”militante” de igualdade, na qual necessariamente são
devidamente pesadas e avaliadas as desigualdades concretas existentes na sociedade,
de sorte que as situações desiguais sejam tratadas de maneira dessemelhante,
evitando-se assim o aprofundamento e a perpetuação de desigualdades engendradas
pela própria sociedade.
[...] A essas políticas sociais, que nada mais são do que tentativas de concretização
da igualdade substancial ou material, dá-se a denominação de “ação afirmativa” ou,
na terminologia do Direito europeu, de “discriminação positiva” ou “ação positiva”.
(GOMES; SILVA, p. 88/89).
No que diz respeito ao seu conceito enquanto política pública podemos enquadrá-la
como política social, redistributiva, segmental e compensatória, na medida em que visa a
provisão do exercício de direitos sociais como educação, focalizam e distribuem bens ou
serviços a segmentos particularizados da população, minimizando distorções sociais
arraigadas (RUA; ROMANINI, 2013) e “destinadas aos segmentos mais pobres da população,
excluídos ou marginalizados do processo de crescimento econômico e social” (QUEIROZ,
2012, p. 98):
36
Atualmente, as ações afirmativas podem ser definidas como um conjunto de
políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário,
concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero, por deficiência
física e de origem nacional, bem como para corrigir ou mitigar os efeitos presentes
da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal
de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego
(GOMES; SILVA, p. 88/89).
Outras definições vão no mesmo caminho de “planejar e atuar no sentido de promover a
representação de certos tipos de pessoas - aquelas pertencentes a grupos que têm sido
subordinados ou excluídos - em determinados empregos ou escolas” (BERGMAN apud
MOEHLECKE, 2002, p. 199); “preferência especial em relação a membros de um grupo
definido por raça, cor, religião, língua ou sexo, com o propósito de assegurar acesso a poder,
prestígio, riqueza” (SANT‟ANA apud MOEHLECKE, 2002, p. 200); “promover privilégios
de acesso a meios fundamentais - educação e emprego, principalmente - a minorias étnicas,
raciais ou sexuais que, de outro modo, estariam deles excluídas, total ou parcialmente”
(GUIMARÃES apud MOEHLECKE, 2002, p. 200) .
O Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa – GEMAA, núcleo de
pesquisa liga ao Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro – UERJ, assim define Ação Afirmativa:
Ações afirmativas são políticas focais que alocam recursos em benefício de pessoas
pertencentes a grupos discriminados e vitimados pela exclusão socioeconômica no
passado ou no presente. Trata-se de medidas que têm como objetivo combater
discriminações étnicas, raciais, religiosas, de gênero ou de casta, aumentando a
participação de minorias no processo político, no acesso à educação, saúde,
emprego, bens materiais, redes de proteção social e/ou no reconhecimento cultural.
[...]
Sob essa rubrica podemos, portanto, incluir medidas que englobam tanto a
promoção da igualdade material e de direitos básicos de cidadania como também
formas de valorização étnica e cultural. Esses procedimentos podem ser de iniciativa
e âmbito de aplicação público ou privado, e adotados de forma voluntária e
descentralizada ou por determinação legal (GEMAA, 2011).
Há ainda a definição legal específica prevista no Estatuto da Igualdade Racial, segundo
a qual ações afirmativas são os programas e medidas especiais adotados pelo Estado e pela
37
iniciativa privada para a correção das desigualdades raciais e para a promoção da igualdade de
oportunidades.
De qualquer modo, seja qual for o viés que se adote para definir o termo ação afirmativa
(legal, jurídico, político, sociológico) sempre há a vinculação a objetivos ligados à promoção
da igualdade de oportunidades; fomento de transformações de ordem cultural; promoção da
diversidade e representatividade, seja no espaça público, seja no espeço privado; criação das
“chamadas personalidades emblemáticas, [...] um mecanismo institucional de criação de
exemplos vivos de mobilidade social ascendente”; assim como prevenção da discriminação,
revelada na chamada “discriminação estrutural espelhada nas abismais desigualdades sociais
entre grupos dominantes e grupos marginalizados” (GOMES; SILVA, p. 96/97), objetivos
que serão melhor explicitados tão logo seja abordada a controvérsia em torno do sistema de
cotas.
Embora a expressão Ação Afirmativa tenha origem nos Estados Unidos
(MOEHLECKE, 2002), sabe-se que a experiência pioneira das ações afirmativas é
proveniente da Índia, onde a recém fundada república incorporou em sua constituição de 1950
garantias jurídicas para minimizar a segregação decorrente do sistema de castas. No entanto,
outros países6 mundo afora também adotaram políticas de ação afirmativa, como África do
Sul, Austrália, Argentina, Canadá, Cuba7, Irlanda do Norte, Malásia, Nigéria
8, sempre
contemplando, em geral, mercado de trabalho, qualificação, educação e representação
política.
6 Linha do tempo das ações afirmativas que consta do site do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação
Afirmativa – GEMAA. Disponível em: http://gemaa.iesp.uerj.br/linha-do-tempo/ Acesso em 22/06/20017.
7 O caso de Cuba é bastante interessante, pois num primeiro momento, logo após a revolução, adotou-se como
princípio a implementação de políticas universalistas, uma vez que se acreditava que “a discriminação e as
desigualdades raciais desapareceriam assim que o privilégio de classe fosse erradicado. Foi proibida qualquer
forma de discriminação e abolido o uso de classificações raciais ou referências à raça, pois não existiriam
cubanos brancos ou negros, mas apenas cubanos. O uso de políticas com enfoque racial era visto como divisivo,
maléfico e desnecessário. [...] No entanto, as mudanças não foram suficientes para extinguir as desigualdades
raciais, que persistem em diversos setores como o educacional, de bem-estar, da saúde, do mercado de trabalho,
da representação política. Em 1997, durante a Reunião do 5º Congresso do Partido Comunista Cubano, Fidel
Castro reconhece que negros e mulheres estão sub-representados nos postos de liderança do governo e do
Estado. Na ocasião, discutiu-se ainda a possibilidade de elaborar um programa de ações afirmativas para esses
setores” (HERNANDES apud MOEHLECKE, 2002, p. 215).
8 A ordem é propositalmente alfabética.
38
No Brasil, as iniciativas de ações afirmativas relacionadas ao ingresso no ensino
superior começaram a florescer a partir do ano de 2002, com a implantação do sistema de
cotas na Universidade do Estado da Bahia – UNEB por meio da Deliberação nº 196/2002 do
Conselho Universitário, seguindo-se a edição da Lei Estadual nº 4.151/2003 que criou o
sistema e cotas na Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ e na Universidade
Estadual do Norte Fluminense -UENF. Até o ano de 2015, das 38 universidades estaduais, 34
instituições de ensino superior já haviam aderido a algum tipo de ação afirmativa, o que
corresponde a uma adesão de 89,5% da IES estaduais, seja mediante disposição legal, seja
instituída por ato administrativo do órgão máximo de deliberação da entidade em função da
autonomia universitária, combinando critérios de cota, cota e acréscimo de vagas e/ou bônus,
sendo a cota o critério predominante (EURÍSTENES; LUIZ AUGUSTO; FERES JÚNIOR;
2015):
Tabela 1 - Universidades Estaduais que adotam programas de ação afirmativa
Norte
Universidade do Estado do Amapá
Universidade do Estado do Amazonas
Universidade do Estado do Pará
Universidade Estadual de Roraima
Universidade do Tocantins
Nordeste
Universidade de Pernambuco
Universidade do Estado da Bahia
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
Universidade Estadual da Paraíba
Universidade Estadual de Alagoas
Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas
Universidade Estadual de Feira de Santana
Universidade Estadual de Santa Cruz
Universidade Estadual do Ceará
Universidade Regional do Cariri
Universidade Estadual Vale do Acaraú
Universidade Estadual do Maranhão
Universidade Estadual do Piauí
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
Universidade Estadual Vale do Acaraú
Centro-oeste
Universidade do Estado de Mato Grosso
Universidade Estadual de Goiás
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul
Sudeste
Universidade de São Paulo
Universidade do Estado de Minas Gerais
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Universidade Estadual de Campinas
Universidade Estadual de Montes Claros
(Continua)
39
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
Sul
Fundação Universidade do Estado de Santa Catarina
Universidade Estadual de Londrina
Universidade Estadual de Maringá
Universidade Estadual de Ponta Grossa
Universidade Estadual do Centro-Oeste
Universidade Estadual do Norte do Paraná
Universidade Estadual do Oeste do Paraná
Universidade Estadual do Paraná
Universidade Estadual do Rio Grande do Sul Fonte: GEMAA, adaptado
Tabela 2 - Número de universidades de acordo com o meio de adoção das AAs
Meio de adoção N %
Resolução de conselho universitário 19 52,77
Lei Estadual 17 47,23
Total 36 100
Fonte: GEMAA, adaptado
Gráfico 1 - Adesão das Universidades Estaduais às AAs por ano
Fonte: GEMAA, adaptado
(Conclusão)
40
Quadro 1 - Relação de Leis Estaduais que instituem programas de ação afirmativa
no ensino superior público e respectivas universidades abrangidas
1. Alagoas ‐ Lei nº 6.542, de 7/12/2004
UNEAL ‐ Universidade Estadual de Alagoas
2. Amapá ‐ Leis Estaduais n°s. 1022 e 1023 de 30/06/2006 e 1258 de 18/09/2008
UEAP ‐ Universidade do Estado do Amapá
3. Amazonas ‐ Lei nº 2.894, de 31/05/2004
UEA ‐ Universidade do Estado do Amazonas
4. Ceará ‐ Lei Estadual n° 16.197 de 17/01/20179
UECE – Universidade Estadual do Ceará
URCA - Universidade Regional do Cariri
UVA ‐ Universidade Estadual Vale do Acaraú
5. Goiás ‐ Lei nº14.832, de 12/07/2004
UEG ‐ Universidade Estadual de Goiás
6. Maranhão ‐ Lei n.º 9.295 de 17/11/2010
UEMA ‐ Universidade Estadual do Maranhão
8. Mato Grosso do Sul ‐ Leis nº 2605 e nº 2589
UEMS ‐ Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul
9. Minas Gerais ‐ Lei Estadual n° 15.259 de 27/07/2004; Resolução n° 104
CEPEX/2004; Lei Estadual nº 13.465, de 12/1/2000
UEMG ‐ Universidade do Estado de Minas Gerais
UNIMONTES ‐ Universidade Estadual de Montes Claros
10. Paraná ‐ Lei n° 13.134 de 18/04/2001 Casa Civil, modificada pela Lei Estadual
nº14.995/2006, de 09/01/2006, Edital nº 007/2007 COORPS, Edital nº 01 2006
CUIA. Resolução n° 029/2006 SETI
UEM ‐ Universidade Estadual de Maringá
UNICENTRO ‐ Universidade Estadual do Centro‐ Oeste
UNIOESTE ‐ Universidade Estadual do Oeste do Paraná
11. Rio de Janeiro ‐ Lei Estadual nº4151/03
UERJ ‐ Universidade Estadual do Rio de Janeiro
UENF ‐ Universidade Estadual do Norte‐ Fluminense
12. Rio Grande do Norte ‐ Lei Estadual Nº 8.258, de 27/12/2002
UERN ‐ Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
13. Rio Grande do Sul ‐ Lei 11.646/01
UERGS ‐ Universidade Estadual do Rio Grande do Sul
Fonte: GEMAA
9 Em 14/04/2014 a Universidade Estadual do Ceará já havia aderido ao Sistema de Cotas por meio de Resolução
do Conselho Universitário, a partir do semestre 2015.1, adotando os critérios da Lei Federal nº Lei 12.771/2012.
Com a promulgação da Lei Estadual n° 16.197 de 17/01/2017 a adesão passou a ser obrigatória em todas as
Instituições de Ensino Superior estaduais, que deverão implementar até p concurso seletivo para ingresso em
2018.
41
O mesmo levantamento realizado pelo Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação
Afirmativa – GEMAA (EURÍSTENES; LUIZ AUGUSTO; FERES JÚNIOR; 2015)
considerou, também, um índice de distribuição da oferta de vagas nas universidades estaduais
(que difere do mesmo índice relativo às universidades federais, como veremos adiante), assim
como um índice de inclusão racial por região:
Gráfico 2 - Distribuição da oferta de vagas nas universidades estaduais
Fonte: GEMAA
Tabela 3 - Razão entre o percentual de cotas e a composição racial da população
em cada região (Índice de Inclusão Racial)
% Cotas PPI PPI na Região Índice de Inclusão Racial
Centro-oeste 24,0% 56,9% 0,42
Nordeste 15,2% 69,6% 0,22
Norte 2,6% 75,6% 0,03
Sudeste 9,9% 43,9% 0,23
Sul 5,2% 20,9% 0,25
Fonte: GEMAA
42
Figura 1 - Composição racial, cotas para PPIs e Índice de Inclusão Racial por
região
Fonte: GEMAA
No que diz respeito às instituições federais de ensino superior a evolução da adesão às
ações afirmativas deu-se de uma forma um pouco diferente. No caso, a ação afirmativa
qualificada como sistema de cotas só passou a ser obrigatória com a edição da pela Lei nº
12.771/2012, para todas elas, de forma indistinta, de acordo com os parâmetros estabelecidos
na lei federal.
Na verdade, das 63 instituições federais de ensino superior, até o ano de 2007 apenas 20
delas possuíam algum tipo de ação afirmativa que, da mesma forma que as entidades
estaduais, combinavam critérios de cota, cota e acréscimo de vagas e/ou bônus. Digna de
registro foi a iniciativa da Universidade de Brasília, que implementou o sistema de cotas a
43
partir do ano de 2003, por decisão de seu conselho universitário, após a grande repercussão do
chamado “Caso Ari”10
, que levou à discussão sobre o racismo na universidade e foi o motor
de todo esse movimento no âmbito das instituições federais de ensino superior.
A partir do ano de 2008, com a criação do REUNI11
, programa do governo federal de
apoio à reestruturação e expansão das universidades federais, “que condicionava a
transferência de mais recursos para as universidades à adoção de políticas inclusivas, houve
um pico de adoção, que depois arrefeceu. No vestibular de 2013, as 18 universidades que
ainda resistiam às ações afirmativas tiveram que adotá-las em cumprimento à nova lei”
(EURÍSTENES; LUIZ AUGUSTO; FERES JÚNIOR; 2015, p. 9):
Gráfico 3 - Adesão das Universidades Federais às AAs por ano
Fonte: GEMAA
10 Conta-se no documentário “Raça Humana”, que narra os bastidores da implantação do sistema de cotas da
UNB, a história do aluno negro do curso de doutorado em Antropologia Arivaldo Lima Alves, que em 1998 foi o
único reprovado em uma disciplina obrigatória, depois de ser agraciado com nota máxima em todas as outras
disciplinas, tendo sido o primeiro aluno a ser reprovado neste programa de pós-graduação depois de 20 anos de
sua criação. Esse episódio (após o Conselho de Ensino rever sua nota e constatar que merecia aprovação)
estimulou a discussão sobre o racismo na universidade que se viu revelado de forma perversa e nada
dissimulado, conduzindo a UNB a adotar seu sistema de cotas já no ano de 2003, posteriormente contestado pelo
partido Democratas (partido ao qual pertence o atual Ministro da Educação) perante o Supremo Tribunal Federal
(STF), que serviu de parâmetro para sufragar a compatibilidade deste tipo de ação afirmativa com a Constituição
da República. 11
O Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) é um
plano de reestruturação das universidades federais que tem como uma de suas principais diretrizes que as
44
O que se viu em relação às instituições federais de ensino superior foi que a partir do
REUNI houve uma expansão do número de entidades e de vagas oferecidas nas universidades
federais. “Se no ano de 2003 havia 45 universidades federais, em 2015 elas totalizavam 63, ou
seja, 18 novas unidades foram criadas no período. No tocante ao número de matrículas, em
2003 contabilizavam-se 567,1 mil e em 2014 a oferta havia se expandido para 1.214.635
(INEP apud EURÍSTENES; LUIZ AUGUSTO; FERES JÚNIOR; 2015, p. 3). Com a edição
da Lei nº 12.711/2012 houve uma homogeneização dos critérios de acesso para todas as
entidades integrantes do sistema federal de ensino superior:
Houve também um incremento expressivo na presença de pretos e pardos nas
universidades federais: se em 2003 pretos representavam 5,9% dos alunos e pardos
28,3%, em 2014 esses números aumentaram para 9,8% e 37,8%, respectivamente –
no agregado fomos de 34,20% de pretos e pardos no total de alunos para 47,57%
(EURÍSTENES; LUIZ AUGUSTO; FERES JÚNIOR; 2015, p. 3).
No Brasil, tornado obrigatório pela Lei nº 12.771/2012, o sistema de cotas, no aspecto
geral, consistia, num primeiro momento, na reserva obrigatória de 50% das vagas nas
instituições federais de ensino de nível superior e técnico para pretos, pardos, indígenas,
alunos de baixa renda, todos oriundos da escola pública. Com o advento da Lei nº
13.409/2016 foi incluída mais uma categoria de cotas para pessoas com deficiência12
, que por
ter sido criada em data recente, ainda não houve tempo hábil para implementá-la. Na verdade,
com a nova lei foram estabelecidas SEIS faixas de cotas a saber, com os percentuais que
constam das figuras 04 e 05:
COTA 01 - Alunos oriundos da escola pública, com renda familiar bruta per
capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo;
universidades contempladas desenvolvam “mecanismos de inclusão social a fim de garantir igualdade de
oportunidades de acesso e permanência na universidade pública a todos os cidadãos” (MEC, 2007).
12 Os procedimentos operacionais, com toda a relação da documentação comprobatória das situações que possam
enquadrar os estudantes no sistema de cotas, foram regulamentados através dos decretos nºs 7.824/2012 e
9.034/2017, bem como das portarias normativas do Ministério da Educação de nºs 18/2012 e 09/2017.
45
COTA 02 - Alunos oriundos da escola pública, com renda familiar bruta per
capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo, autodeclarados pretos, pardos ou
indígenas;
COTA 03 - Alunos oriundos da escola pública, com renda familiar bruta per
capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo, portadores de deficiência;
COTA 04 - Alunos oriundos da escola pública, independentemente da renda;
COTA 05 – Alunos oriundos da escola pública, independentemente da renda,
autodeclarados pretos, pardos ou indígenas;
COTA 06 - Alunos oriundos da escola pública, independente da renda,
portadores de deficiência.
Figura 2 - Percentual de vagas do sistema de Cotas - Ceará
Fonte: elaborado pelo autor
46
Figura 3 - Percentual de vagas do sistema de Cotas – Ceará - Exemplo
Fonte: elaborado pelo autor
Pode parecer que o sistema e cotas para acesso ao ensino superior seja a primeira
iniciativa de ações afirmativas no Brasil. No entanto algumas experiências em relação à
proteção do trabalhador e da indústria nacional, das micro e pequenas empresas em matéria de
licitações e até a reserva de vagas para pessoas com necessidades especiais, vigente para fins
de concurso público desde a edição do regime jurídico dos servidores da União em 1990,
passaram despercebidas da população em geral; o que não ocorreu quando os movimentos
sociais, representantes de minorias historicamente discriminadas, começaram a exercer uma
legítima pressão por uma ação política mais efetiva do Estado na direção das ações
afirmativas.
A partir deste momento a sociedade civil passou a se sentir incomodada, estabeleceu-se
a polêmica até então inexistente (ou supostamente inexistente em função do mito da
democracia racial) o que culminou com o questionamento no Supremo Tribunal Federal –
STF do sistema de cotas implantado na Universidade de Brasília no ano de 2003. A Ação de
Descumprimento de Preceito Fundamental da Constituição – ADPF 186/2009 foi ajuizada no
STF pelo Partido Político Democratas - DEM e tinha como finalidade anular os atos
administrativos do Conselho de Ensino da UNB que instituíram o sistema de cotas para
47
reserva de 20% de vagas para negros, tendo por conseguinte como critério o aspecto racial,
questionando se este critério seria válido, legítimo e razoável para diferenciar os cidadãos no
exercício de um direito que no seu entendimento deveria ser universal, pois para o DEM o
acesso aos direitos fundamentais não é negado aos negros, mas apenas aos pobres. O relatório
da decisão que apreciou o pedido de liminar é esclarecedor acerca dos argumentos da ação:
Alega que o sistema de cotas da UnB pode agravar o preconceito racial, uma vez
que institui a consciência estatal da raça, promove ofensa arbitrária ao princípio da
igualdade, gera discriminação reversa em relação aos brancos pobres, além de
favorecer a classe média negra. [...] os subitens do Edital nº 02/2009 do
CESPE/UNB violam o princípio da igualdade e da dignidade humana, na medida em
que ressuscitam a crença de que é possível identificar a que raça pertence uma
pessoa. [...] afirmando que saber quem é ou não negro vai muito além do fenótipo.
A petição ressalta, ainda, que a aparência de uma pessoa diz muito pouco sobre a
sua ancestralidade (fl. 30). Refere, com isso, que a “teoria compensatória”, que visa
à reparação do dano causado pela escravidão, não pode ser aplicada num país
miscigenado como o Brasil.
Na inicial, é frisado que, nos últimos 30 anos, estabeleceu-se um consenso entre os
geneticistas segundo o qual os seres humanos são todos iguais (fl. 37) e que as
características fenotípicas representam apenas 0,035% do genoma humano. [...]
Sustenta-se, ademais, que os dados estatísticos referentes aos indicadores sociais são
manipulados e que a pobreza no Brasil tem “todas as cores” (fls. 54-58).
[...] Expõe que, no Brasil, “a existência de valores nacionais, comuns a todas as
raças, parece quebrar o estigma da classificação racial maniqueísta” (fl. 67).
Conclui, assim, que as cotas raciais instituídas pela UnB violam o princípio
constitucional da proporcionalidade, por ofensa ao subprincípio da adequação, no
que concerne à utilização da raça como critério diferenciador de direitos entre
indivíduos, uma vez que é a pobreza que impede o acesso ao ensino superior (fl. 74)
(STF, 2009).
Outros argumentos do partido Democratas, assim como das entidades admitidas13
como
amicus curiae14
que também se posicionaram contra o sistema de cotas, e aqueles alinhavados
13
Foram as seguintes: CONTRA - Movimento Pardo-Mestiço Brasileiro – MPMB. A FAVOR - Defensoria
Pública da União – DPU; Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (IARA); AFROBRAS – Sociedade Afro-
brasileira de Desenvolvimento Sócio Cultural; ICCAB – Instituto Casa da Cultura Afro-brasileira; IDDH –
Instituto de Defensores dos Direitos Humanos; Fundação Nacional do Índio – FUNAI; Fundação Cultural
48
nas várias audiências públicas que debateram a questão, também merecem registro em sua
íntegra, tanto que foram lançados no relatório do voto do Ministro Relator (RICARDO
LEWANDOWSKI), quando prolatou sua decisão em plenário já no ano de 2012:
Afirma, contudo, que não se mostra factível a adoção dessa teoria, seja porque não
se pode responsabilizar as gerações presentes por erros cometidos no passado, seja
porque é impossível identificar quais seriam os legítimos beneficiários dos
programas de natureza compensatória. Aduz, ainda, que “se não se pode definir
objetivamente, sem margem de dúvidas, os verdadeiros beneficiários de determinada
política pública, então sua eficácia será nula e meramente simbólica”.
[...] Alega, ademais, que as desigualdades entre brancos e negros não têm origem na
cor e, mais, que a opção pela escravidão destes ocorreu em razão dos lucros
auferidos com o tráfico negreiro e não por qualquer outro motivo de cunho racial.
[...]
Sustentou, em resumo, a inconstitucionalidade da reserva de vagas para o acesso ao
ensino superior de candidatos considerados negros pela comissão julgadora da UnB,
por entender que o referido sistema, ao exigir uma autodeclaração dos candidatos,
“(...) mostra-se incompatível com o dever do Estado de proteger todos os grupos
participantes do processo civilizatório nacional e de valorizar a diversidade étnica e
regional que não se limita às culturas indígenas e afro-brasileiras” (fl. 1.171).
[...]
Yvonne Maggie [...] enviou uma carta [...] na qual defendeu a inconstitucionalidade
do sistema de cotas raciais, em particular por instituírem, no seu entender, uma
espécie de apartheid social. Segundo ela, setores do governo e certas organizações
não governamentais, na busca de atalhos para a justiça social, querem impor ao
Brasil políticas já experimentadas em outras partes do mundo, as quais trouxeram
mais dor do que alívio. Acrescentou que leis raciais não têm o condão de combater
as desigualdades, mas apenas estimulam a ideia de que as pessoas são desiguais e
possuem direitos distintos conforme a raça.
[...] George de Cerqueira Leite Zarur, da Faculdade Latino-Americana de Ciências
Sociais, criticou os programas de ações afirmativas baseados em cotas raciais, para
Palmares; Movimento Negro Unificado – MNU; EDUCAFRO – Educação e Cidadania de Afrodescendentes e
Carentes, CONECTAS Direitos Humanos e Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - CFOAB.
14 O amicus curiae (art. 138 do CPC/2015) é terceiro admitido no processo para fornecer subsídios instrutórios
(probatórios ou jurídicos) à solução de causa revestida de especial relevância ou complexidade, sem, no entanto,
passar a titularizar posições subjetivas relativas às partes – nem mesmo limitada e subsidiariamente, como o
assistente simples. Auxilia o órgão jurisdicional no sentido de que lhe traz mais elementos para decidir. Daí o
nome de “amigo da corte” (TALAMINI, 2016).
49
acesso ao ensino superior. Ressaltou que as pessoas não podem ser diferenciadas
pela aparência ou pela raça, não se mostrando válida, no caso, a regra de tratar-se
desigualmente os desiguais, pois seres humanos, pretos ou brancos, não são
desiguais.
[...] Acrescentou que o vestibular é uma forma de neutralizar a manifestação de
discriminações, visto que alunos de qualquer raça, renda, sexo são reprovados ou
aprovados exclusivamente em função de seu desempenho. Nesse sentido, registrou
que “(...) isso significa que os descendentes de africanos não são barrados no acesso
ao ensino superior por serem negros, mas por deficiência em sua formação escolar
anterior”.
[...]
Por sua vez, o representante da Comissão de Assuntos Antidiscriminatórios da
Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Estado de São Paulo – OAB/SP,
José Roberto Ferreira Militão registrou que defende as ações afirmativas, mas
acredita que o Estado não pode impor uma identidade racial. Questionou se seria
correto criar “um racialismo estatal” com o escopo de beneficiar um pequeno
percentual de pessoas.
José Carlos Miranda, representante do Movimento Negro Socialista, asseverou que o
sistema de cotas deveria ser direcionado aos estudantes de baixa renda e sem
considerar a raça, já que os excluídos das universidades são filhos de trabalhadores
pobres, independentemente de sua cor.
[...] Helderli Fideliz Castro, representante do Movimento Pardo-Mestiço Brasileiro -
MPMB, alegou que o sistema de cotas adotado pela Universidade de Brasília não
configura ação afirmativa, pois tem por base “(...) uma elaborada ideologia de
supremacismo racial que visa à eliminação política e ideológica da identidade
mestiça brasileira”. De acordo com ela, o sistema não se destina a proteger pretos e
pardos em si, mas apenas defende aqueles que se autodeclaram negros, excluindo os
que se identificam como mestiços, mulatos, caboclos e, ainda, aqueles que, embora
se autodeclarem negros, são de cor branca (STF, 2012).
E a polêmica não se reservou ao processo judicial. Vários setores da sociedade civil
organizada, incluindo grupos de intelectuais, artistas, ativistas, políticos e imprensa,
promoveram discussões sobre a correção e justiça do sistema de cotas, tendo havido,
inclusive, a redação de uma carta contra o sistema de cotas, subscrita por 113 ditos cidadãos
antirracistas, dentre eles, Ana Maria Machado, Caetano Veloso, Demétrio Magnoli, Ferreira
Gullar, José Ubaldo Ribeiro, Lya Luft e Ruth Cardoso, para quem “as cotas raciais
proporcionam privilégios a uma ínfima minoria de estudantes de classe média e conservam
50
intacta, atrás de seu manto falsamente inclusivo, uma estrutura de ensino público arruinada”
(STF, 202).
O argumento de que há somente uma raça, a humana, por óbvio ensejou a crítica de que
o sistema de cotas promoveria uma discriminação às avessas. Kamel (2006), Maggie (2005) e
Fry (2002) criticam abertamente o sistema e cotas com base nesse argumento, provocando em
Carvalho (2006) a preocupação de um retrocesso nas políticas de cotas raciais, na medida em
que:
A afirmação de que não existem raças humanas, agora que está em discussão a
adoção de políticas de ação afirmativa como iniciativa para minimizar a situação de
exclusão, pela escravidão e pelas práticas racistas cotidianas, a que foram
submetidos os negros e os índios pode acabar assumindo as cores do reacionarismo
[...] O discurso de que a raça humana é uma só e que, portanto, não há sentido que
uma parcela se beneficie de tratamento diferenciado, nesse momento só serve para
erigir mais obstáculos à transformação dessa sociedade criando dificuldade para que
ela se torne pelo menos um pouco mais justa (CARVALHO, 2001, p. 1).
Para Kamel (2006), a classificação de pretos e pardos na categoria negros camuflaria a
realidade, causando confusão e ocasionando uma bipolarização racial na sociedade brasileira,
estimulada pelos movimentos sociais que têm como objetivo dividir o Brasil entre negros e
brancos, afirmando que nesta perspectiva “os dados produzidos pelas pesquisas não dão conta
de concluir que a causa das desigualdades sociais é o racismo” (AMORIM; FERRREIRA;
ALVES, 2012, p. 48):
Nessa direção, a utilização da categoria negro é, para Kamel (2006), um retrocesso
metodológico [...]. Pois, os pardos (englobados na mesma categoria que os pretos)
são, em sua maioria, quem preenchem a maior parcela da pobreza no Brasil, ou seja:
“Se a pobreza tem uma cor no Brasil, essa cor é parda” (Kamel, 2006 apud Maggie,
2006, p.11).
Essas afirmações trazem a ideia, no nosso entendimento equivocada, de que o problema
é a pobreza e não o racismo, vale dizer, o negro é discriminado porque é pobre, não porque é
negro. Para a resolução do problema lembram a solução menos impactante para a elite branca,
calcada, sempre, em políticas universais, como um investimento maciço na educação básica;
isso seria o bastante. Para Kamel (2006):
51
[...] a causa das desigualdades sociais seria solucionada através de políticas
universais e, não através de ações focalizadas, como a reserva de vagas. Porém, o
autor deixa de assinalar as desigualdades históricas, de oportunidades, que marcaram
a formação do cenário brasileiro [...] (AMORIM; FERRREIRA; ALVES, 2012, p.
49).
Maggie e Fry (2002) também criticam a adoção do sistema de cotas no Brasil,
asseverando que a postura do governo brasileiro, principalmente após a conferência sobre o
racismo de Durban, promoveu uma inversão dos valores da igualdade racial, de cunho
constitucional, e da universalidade das políticas públicas, verificando aqui “um rompimento
com a ideologia do país da mistura” (AMORIM; FERRREIRA; ALVES, 2012, p. 50):
Em outra direção, Maggie e Fry (2002) apontam que criar políticas focalizadas seria
“imaginar o Brasil composto não de infinitas misturas, mas de grupos estanques: os
que têm e os que não têm direito à ação afirmativa, no caso em questão, „negros e
brancos‟” (MAGGIE; FRY, 2002, p.95).
Essa ideia de classificar como negro ou branco é vislumbrada pelos autores como o
“falecimento da utopia” e dos “mitos históricos”: “... parece claro que o cidadão
brasileiro [...] não poderá mais de se identificar como o Macunaíma do Modernismo
Brasileiro: agora ele terá que pertencer a uma “raça ou outra””. (MAGGIE; FRY,
2002, p.95).
Esse entendimento de que a raça única daria suporte a uma crítica fundamentada dos
programas de discriminação positiva não se sustenta. Ora, se existe apenas uma raça e mesmo
assim persiste o fosso social entre negros e bancos, aliada a uma renitente discriminação, o
raciocínio é justamente o contrário: a discriminação e a desigualdade persistem como
construção social, já que do ponto de vista estritamente biológico não existem diferenças.
Vale aqui a assertiva de Bourdieu em “A Miséria do Mundo”, ao declarar que “não há nada de
desesperador no fato de se conhecer a origem social de todas as formas de sofrimento, pois o
que o mundo social fez, o mundo social pode, armado deste saber, desfazer, na medida em
que a alternativa da ciência aponta condições de oferecer os únicos meios racionais de
utilização plena da ação política” (BOURDIEU, 2012, p.735).
Há sim a premente necessidade de igualar os pontos de partida em um Brasil onde se
vive uma meritocracia relativa, permitindo algum grau de mobilidade social “através de
políticas preferencias e focalizadas, sendo necessário, para tanto, que haja uma discriminação
52
positiva capaz de instaurar reparações, compensar perdas e indenizar os prejudicados „da
História‟” (BRANDÃO, 2004 apud AMORIM; FERRREIRA; ALVES, 2012, p. 50):
[...] ao buscar tratar desigualmente pessoas desiguais em direitos e oportunidades,
firma-se um novo pacto social, munido de justiça redistributiva e maior participação
em relação ao todo social. Desta forma, garante-se maior igualdade social.
Para Cesar (2007), as políticas focalizadas, como o sistema de cotas, são fundamentais
para que se tenha igualdade de oportunidades, uma vez que a instituição pura e simples de
políticas universalistas não propiciará uma redistribuição universal, que, pelo contrário,
“tendem a perpetuar as desigualdades já distribuídas (CÉSAR, 2007, p. 17):
[…] numa sociedade desigual como é o caso da brasileira, as ações afirmativas para
os grupos identificados racial ou socialmente, apenas traz o benefício de possibilitar-
lhes maior igualdade de condições de acesso aos bens e direitos constitucionalmente
protegidos (CESAR, 2007, p.20).
Para além de permitir que essa população historicamente alijada do acesso à
universidade, com a expectativa de assim ascender na escala social, o sistema de cotas
também aparece como fomento de transformações de ordem cultural; promoção da
diversidade e representatividade, seja no espaça público, seja no espeço privado, fato que tem
importante potencial de enfrentar o problema da discriminação dessas populações.
Mas um fator positivo a justificar essa ação afirmativa está ligado à formação das
“chamadas personalidades emblemáticas, [...] um mecanismo institucional de criação de
exemplos vivos de mobilidade social ascendente”; assim como prevenção da discriminação,
revelada na chamada “discriminação estrutural espelhada nas abismais desigualdades sociais
entre grupos dominantes e grupos marginalizados” (GOMES; SILVA, p. 96/97), como se deu
com a nomeação do primeiro negro para integrar o Supremo Tribunal Federal e o
conhecimento que se teve, a partir daí, de toda a sua biografia, apontando que ele era uma
exceção que confirmava a regra de que para galgar as posições profissionais socialmente
valorizadas o status de origem e a cor da pele têm influência decisivas.
No que é importante para este momento da pesquisa, o sistema de cotas constitui um
dos principais instrumentos de ação afirmativa de acesso ao ensino superior, consistindo na
reserva obrigatória de vagas nas instituições federais de ensino de nível superior e técnico
53
para pretos, pardos, indígenas, alunos de baixa renda, bem como aqueles oriundos da escola
pública.
Esse modelo de ação afirmativa voltado para o acesso ao ensino superior, com início lá
pelo ano 2000, mesmo que de forma tímida e para um número reduzido de instituições no Rio
de Janeiro15, promoveu uma mudança crescente e gradativa na composição socioeconômica,
cultural e étnico-racial dos quadros das universidades brasileiras (TAFURI, 2012), com uma
expectativa positiva de gerar impactos sobre o sistema de reprodução de desigualdades
através da escola.
É claro que o acesso puro e simples ao ensino superior de um grupo cultural antes
alijado da disputa no campo científico, por si só, não tem o condão de inverter a lógica da
reprodução cultural pela via escolar. A universidade precisa, a partir desse ponto, adaptar-se a
essa nova realidade e readequar seus processos pedagógicos às especificidades dessa nova
“clientela”. É claro que a adoção do sistema de cotas nas universidades públicas no Brasil não
resolverá todos os problemas como em um passe de mágica. A universidade nesse aspecto
precisa reinventar-se, precisa transformar-se e isso demanda tempo.
O sistema de cotas, para acesso de uma minoria historicamente alijada dos processos de
produção cultural, tem como um de seus fundamentos filosóficos a promoção da diversidade
cultural. Essa promoção da diversidade cultural, aliada uma pedagogia racional, proporcionará
um realinhamento das forças que lutam pela hegemonia no campo científico, fato que
possibilitará que o sistema de ensino, com sua vocação para reprodução de estruturas
desiguais presentes na sociedade, possa, a partir daí, reproduzir uma situação mais igualitária
dada a evidência da transformação do perfil da comunidade universitária, nas atividades do
ensino e da pesquisa, em um ambiente multicultural.
Somados todos esses aspectos, a ação afirmativa de cotas pode ser inserida no processo
de socialização que se verifica através da educação, como uma política social “atual,
inclusiva, transdisciplinar, multicultural, igualitária, flexível, democrática, sustentável, cidadã,
ética, consciente, que respeita a diversidade, e sobretudo, que esteja atento às suas
responsabilidades diante das principais questões sociais, transformando a sociedade e por ela
sendo transformada”. (MARQUES, 2012).
15
A pioneira Lei Estadual nº 3.524/2000 determinou a adoção do sistema de cotas nas universidades públicas do
Estado do Rio de Janeiro.
54
3 EDUCAÇÃO PARA QUÊ? PROBLEMATIZANDO O ÓBVIO
[...] “Mas, mesmo que as dificuldades que
cercam todas essas questões permitissem a
discussão sobre essa diferença entre o homem
e o animal, há outra qualidade muito específica
que os distingue, e sobre a qual não pode haver
contestação: é a faculdade de se aperfeiçoar,
faculdade que, com a ajuda de circunstâncias,
desenvolve sucessivamente todas as outras e
reside em nós, tanto na espécie quanto no
indivíduo”. (ROUSSEAU, 1755).
Mas afinal, por que uma política afirmativa de cotas nas universidades ganha relevância
para formação do indivíduo e sua ascensão social? Pode parecer óbvio em uma pesquisa sobre
uma política pública educacional perquirir sobre a função social da educação; mas não é a
sociologia a ciência do óbvio? A questão da obviedade não é nova em sociologia. Giddens,
citando Wright, alerta para o fato de que em virtude de os sociólogos estudarem muitas coisas
sobre as quais temos alguma experiência pessoal, podemos nos perguntar se a sociologia não
seria apenas uma “elaboração dolorosa do óbvio” (WRIGHT, 2000 apud GIDDENS, 2013, p.
64). E citando Berger arremata: “De fato, a boa sociologia ou ilumina a nossa compreensão
do óbvio ou transforma por completo o nosso senso comum” (BERGER apud GIDDENS,
2013, p. 64)16
.
A sociologia nos ensina que as coisas podem não ser tão óbvias assim, e para usar uma
expressão que ficou conhecida pelo nome de uma coluna diária de Nelson Rodrigues, a
16 Em “terra brasilis” também tivemos a nossa discussão sobre o óbvio. Conta o professor Arnaldo Lemos Filho
em seu blog que na época da ditadura militar Nelson Rodrigues criticava os “padres passeatas e os “sociólogos
subversivos” afirmando que “ a sociologia é a ciência do obvio”. Com o seguinte acréscimo carregado de
sarcasmo: do “óbvio ululante”. Em resposta a Nelson Rodrigues, Darcy Ribeiro, depois de ironicamente apontar
uma série de fatos que o senso comum julgava por óbvio, mas que não eram, afirma a necessidade de o cientista
social revelar o que pode estar por trás do que se supõe óbvio, tirando os véus, desvendando, a fim de revelar a
obviedade do óbvio (RIBEIRO, 1979 apud LEMOS FILHO, 2016).
55
ciência da sociedade nos dá elementos para descortinar “a vida como ela é”, sem filtros,
máscaras ou papéis.
Assim é que em vez de discorrer pura e simplesmente sobre a função social da
educação, dou a essa questão um viés crítico próprio do entendimento sociológico sobre
qualquer questão que possa parecer óbvia e me proponho a partir daqui a seguinte questão:
Educação para quê?
3.1 A ÉTICA HUMANISTA NASCIDA PELA MÃO DA EDUCAÇÃO
O professor Luc Ferry (2010), ao nos contar a história da filosofia, afirma, sem a maior
margem para a dúvida, que se tivesse de conservar um texto, a ser levado para uma ilha
deserta, com certeza escolheria a passagem que destacamos acima do Discurso sobre a
Origem da Desigualdade entre os Homens, escrito por Rousseau e publicado em 1755. Isso
porque a elaboração de Rousseau trouxe de forma genial uma nova definição para o gênero
humano que permitiu fundar uma nova ética, não mais cósmica ou religiosa, mas humanista.
Antes de Rousseau havia dois critérios para a distinção entre o homem e o animal. O
primeiro diz respeito à inteligência, pois sabemos que para Aristóteles o homem vem definido
como “animal racional”, com a característica específica, própria do gênero humano: a
capacidade de raciocinar. O segundo critério, seguindo Descartes e os cartesianos, atrelados à
sensibilidade, afetividade e sociabilidade, incluída aí a linguagem. Ao ultrapassar essas
distinções clássicas, Rousseau introduz a característica situada no plano da liberdade,
expressa no termo “perfectibilidade”, para designar a capacidade de se aperfeiçoar ao longo
da vida, enquanto o animal, guiado desde a origem e de modo seguro pela natureza, como se
dizia na época, pelo “instinto”, é por assim dizer, perfeito “de imediato”, desde o nascimento
(Ferry, 2010). Ao homem é dada a liberdade de se aperfeiçoar, construindo o mundo e a si
mesmo, sendo certo que o animal ficará para sempre preso ao que foi estabelecido pela
natureza que lhe fez pronto e acabado. Assim é que:
Observando-o objetivamente, constatamos que o animal é conduzido por um instinto
infalível, comum à sua espécie, como por uma norma intangível, uma espécie de
software do qual nunca pode desviar-se. É por isso que, num mesmo processo e por
uma mesma razão, ele é simultaneamente privado de liberdade e da capacidade de se
aperfeiçoar. Privado de liberdade porque está, por assim dizer, preso a seu programa,
“programado” pela natureza de modo que esta lhe serve integralmente de cultura.
56
Privado da capacidade de se aperfeiçoar porque, guiado por uma norma intangível,
não pode evoluir indefinidamente e fica, de certo modo, limitado por essa
naturalidade mesma.
O homem, ao contrário, vai se definir ao mesmo tempo por sua liberdade, por sua
capacidade de se libertar do programa do instinto natural e, consequentemente, por
sua faculdade de ter uma história cuja evolução é, a priori, indefinida. (FERRY,
2010. p. 104).
Ora, essa experiência da liberdade que faz do homem perfectível com a capacidade de
evoluir o liga de modo inexorável à instituição social da Educação, viabilizada pela
capacidade de apreensão e transmissão de conhecimentos e habilidades que o difere do animal
pronto e acabado, seja ela mediada ou não pelo sistema formal escolar.
A educação será aqui tratada como “elemento da vida social responsável pela
organização da experiência dos indivíduos na vida cotidiana, pelo desenvolvimento de sua
personalidade e pela garantia da sobrevivência e do funcionamento das próprias coletividades
humanas17
” (RODRIGUES, 2011, p.09).
E começo pela sociologia da educação de Pierre Bourdieu. Não aquele
indiscriminadamente situado no paradigma da reprodução, mas um Bourdieu político que
subverte a lógica da reprodução; que apesar de nos apontar os caminhos da reprodução nos
indica, também, uma saída, como bem analisado pelos professores Cláudio Marques Martins
Nogueira, Maria Alice Nogueira, na obra Bourdieu & a Educação, assim como na obra
Bourdieu pensa a Educação, a Escola e miséria do mundo, obra coletiva organizada por Júlio
Groppa Aquino e Teresa Cristina Rego, com a colaboração de Afrânio Catani, conforme
adiante se demonstrará.
3.2 BOURDIEU, O SISTEMA DE COTAS E O OMELETE DE OVO DE PELICANO
Pois bem, o poema que inaugura esta dissertação (O Pelicano de Jonathan18
) o foi
propositalmente recolhido da abertura do livro “A Reprodução – Elementos para uma teoria
17
O saudoso professor Alberto Tosi Rodrigues abre seu curso de sociologia da educação informando que é dessa
forma que a sociologia vê a educação, na visão do sociólogo brasileiro Florestan Fernandes.
18 O Capitão Jonathan, com a idade de dezoito anos, captura, um dia, um pelicano em uma ilha do Extremo
Oriente. O pelicano de Jonathan, na manhã, põe um ovo totalmente branco e desse ovo sai um pelicano que se
parece espantosamente com o primeiro pelicano. E o segundo pelicano põe, por sua vez, um ovo também branco
57
do sistema de ensino” de Pierre Bourdieu, em parceria com Jean-Claude Passeron, lançado
inicialmente em 1970, com o título original Francês La reprodution: elements pour une
theórie du système d'enseignement. Como o próprio título do livro poderia sugerir, a obra traz
elementos para embasar uma teoria do sistema de ensino, que pela forma como fora
apropriada no Brasil, notadamente em função do contexto histórico e político, reveladores de
um ambiente de recepção peculiar, acabou por levar a pecha, no meu sentir de forma
indevida, de integrar o paradigma da reprodução, em face de sua explicação pautada na
relação entre escola e estrutura social, e pela crítica que se lhe faz de adoção de uma
perspectiva determinista, reducionista do comportamento dos agentes à posição que ocupam
na estrutura social; bem como sua pretensa desconsideração das relações internas e da relativa
autonomia do sistema de ensino, que não pode ser tratado, na visão dos críticos, “como
engrenagem inerte do processo de reprodução de desigualdades sociais” (NOGUEIRA, C;
NOGUEIRA, M.; 2009, p. 87).
Na verdade, uma primeira pista, de logo, já nos é ofertada por Bourdieu, ao estampar,
não por acaso, o poema sobre o pelicano de Jonathan na abertura de seu livro “A
Reprodução”. No poema conta-se que o pelicano de Jonathan põe um ovo totalmente branco e
desse ovo sai um pelicano igual ao primeiro, que põe outro ovo branco de onde sai um outro
do mesmo jeito. Robert Desnos, o autor do poema, arremata que essa reprodução pode durar
indefinidamente até que se faça um omelete. Bourdieu aqui já mostra que sua intenção não
tinha nada de desmobilizadora, pautada em um puro determinismo reprodutivista. Aliás
Bourdieu falou em entrevista que os títulos de seus livros, por vezes, levavam a uma má
compreensão de sua real intenção.
Para além de desvelar os mecanismos de funcionamento da socialização através da
escola, Bourdieu nos deu pistas e apontou caminhos, seja através da confessada “pedagogia
racional” indicada em “A Reprodução”; seja porque se identifica em seu projeto teórico uma
manifesta intenção de romper com os determinismos19
, pela mediação de agência e estrutura
de onde sai, inevitavelmente, um outro do mesmo jeito. Isto pode durar muito tempo se, antes, não for feita uma
omelete. (Robert DESNOS apud BOURDIEU, 1982, p. 7)
19 Em texto publicado no livro Coisas Ditas, sob o título Espaço Social e Poder Simbólico, oriundo de
conferência pronunciada na Universidade de San Diego, em março de 1986, Bourdieu esclarece: “Se eu tivesse
que caracterizar meu trabalho em duas palavras, ou seja, como se faz muito hoje em dia, se tivesse que lhe
aplicar um rótulo, eu falaria de constructivist structuralism ou de structuralist constructivism, (...) de fato, o
acaso das traduções faz com que se conheça A reprodução, por exemplo, o que levará, como alguns
58
realizada através do habitus, que não pode ser tomado como conjunto de regras fixas para a
ação; seja através da luta pelo nivelamento das posições de disputa que ocorrem no âmbito do
campo científico; ou mesmo, mais tarde, no pós-escrito de “A Miséria do Mundo”, ao
declarar que “não há nada de desesperador no fato de se conhecer a origem social de todas as
formas de sofrimento, pois o que o mundo social fez, o mundo social pode, armado deste
saber, desfazer, na medida em que a alternativa da ciência aponta condições de oferecer os
únicos meios racionais de utilização plena da ação política” (BOURDIEU, 2012, 735).
É com essa percepção que este trabalho vai analisar a trajetória de Pierre Bourdieu,
abordando suas categorias mais significativas para o entendimento do fenômeno da
socialização pela via da educação e analisar em que medida as ações afirmativas, notadamente
o sistema de cotas de que trata a lei nº 12.711/2012, pode oferecer elementos compatíveis com
a direção apontada por Bourdieu para a quebra da constante de reprodução por ele verificada.
3.2.1 Bourdieu e as categorias aliadas a uma sociologia da educação
Nascido em agosto do ano de 1930, em um pequeno vilarejo na província de Béarn,
região rural da França onde se falava o occitânico, descendente de uma família de
camponeses, emergiu (não sem antes frequentar o mais importante centro de formação da elite
intelectual francesa, a célebre Escola Normal Superior de Paris) como uma das maiores
influências intelectuais do século XX, sendo eleito, vinte anos antes de sua morte em 2002,
professor titular da cátedra de sociologia do Collège de France. Acredita-se que sua origem
humilde esteja no cerne da razão pela qual migrou de sua formação inicial em filosofia20
para
comentadores não hesitaram em fazer, a me classificar entre os estruturalistas, ao passo que não se conhecem
trabalhos bem anteriores” (...). No mesmo texto, ao tratar da oscilação existente na sociologia entre o objetivismo
e o subjetivismo: “Se abordei de maneira um pouco pesada essa oposição - um dos mais funestos pares de
conceitos (paired concepts) que, como Richard Bendix e Bennett Berger mostraram, abundam nas ciências
sociais -, é porque a intenção mais constante e, a meu ver, mais importante de meu trabalho foi superá-la.
Embora com o risco de parecer muito obscuro, poderia resumir em uma frase toda a análise que estou propondo
hoje: de um lado, as estruturas objetivas que o sociólogo constrói no momento objetivista, (...); mas, de outro
lado, essas representações também devem ser retidas, sobretudo se quisermos explicar as lutas cotidianas,
individuais ou coletivas, que visam transformar ou conservar essas estruturas.
20 Na França dos anos 50 do século passado a filosofia ocupava o mais alto degrau da hierarquia universitária,
sendo considerada a disciplina rainha. Sua origem social modesta e provinciana não lhe oferecia as disposições
exigidas para o exercício da disciplina rainha (NOGUEIRA, C.; NOGUEIRA, M.; 2009).
59
aventurar-se nas ciências sociais, notadamente a antropologia e a sociologia, influenciado
pelo período em que viveu na Argélia durante o serviço militar e, logo depois, como professor
assistente da Faculdade de Letras de Argel. Sua origem humilde também possibilitou que
atribuísse a si mesmo um “habitus clivado”.
Já no campo sociológico, Bourdieu interessou-se pelos mais variados assuntos, que iam
da religião à alta costura, ou da mídia à escola, ou ainda, das artes à linguagem, e por aí vai.
Esse ecletismo de objetos de estudo lhe valeu ter que se utilizar dos mais variados métodos e
técnicas para dar cabo de suas pesquisas. Em função desses vários objetos de estudo já
citados, foram sendo criados e /ou disseminados21
alguns dos conceitos que hoje constituem
categorias importantes no campo sociológico em geral e no campo da sociologia da educação
em particular, como os de espaço social, campo, capital, habitus, violência simbólica, dentre
tantos. Nota-se desde o início sua preocupação em superar as dificuldades da dicotomia
objetivismo x subjetivismo, estrutura x agência, holismo x individualismo metodológico,
propondo uma teoria da prática cuja mediação se dá através do conceito de habitus. Esse fato,
por si só, já lhe é suficiente para que não seja indevidamente adjetivado como simples
reprodutuvista. Assim é que:
Uma das possibilidades de se interpretar a obra de Bourdieu consiste em
concebê-la como orientada por um desafio teórico central: construir uma
abordagem sociológica capaz de superar, simultaneamente, as distorções e
reducionismos associados ao que ele chama de formas subjetivista e
objetivista de conhecimento, ou seja, por um lado, evitar que a Sociologia
restrinja-se, tomando-o como independente, ao plano da experiência e
consciência prática imediata dos sujeitos, às percepções, intenções e ações
dos membros da sociedade, e, por outro, que ela se atenha exclusivamente ao
plano das estruturas objetivas, reduzindo a ação a uma execução mecânica
de determinismos estruturais reificados (NOGUEIRA, C.; NOGUEIRA, M.;
2009, p. 23).
21
Em entrevista para a revista FAMECOS, Bourdieu destacou não ter a pretensão da originalidade eterna:
“Penso, de fato, que a sociologia é uma ciência cumulativa e nunca tive nenhuma pretensão à originalidade
absoluta reivindicada, a meu ver de maneira bastante ingênua, por certos filósofos contemporâneos,
principalmente os que são classificados com frequência na categoria dos “pós-modernos” (Revista FAMECOS •
Porto Alegre • nº 10 • junho 1999 • semestral).
60
Através do que chamou de conhecimento praxiológico, buscou identificar as estruturas
que estariam interiorizadas nos sujeitos como disposições estruturadas, estruturantes de
práticas e representações. Nessa perspectiva, Bourdieu entendia por habitus a internalização,
aceitação e incorporação dos padrões de conduta da sociedade, os quais eram reproduzidos no
meio social, mesmo que de forma inconsciente. Ou como ele mesmo dispôs ao traçar um
“Esboço de uma Teoria da Prática, tomando o habitus como:
(...) sistemas de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a
funcionar como estruturas estruturantes, isto é, como princípio gerador e
estruturador das práticas e das representações que podem ser objetivamente
"reguladas" e "regulares" sem ser o produto da obediência a regras,
objetivamente adaptadas a seu fim sem supor a intenção consciente dos fins
e o domínio expresso das operações necessárias para atingi-los e
coletivamente orquestradas, sem ser o produto da ação organizadora de um
regente (BOURDIEU, 1983a, p. 61).
Sendo ao mesmo tempo estrutura e prática, objetividade e subjetividade no seio da vida
vivida, cada ser vivente, ou para usar sua expressão, cada agente, experimenta na medida de
sua posição social uma vida específica que estrutura seu modo de ser, constituindo um
modelo, não fechado, nem acabado (pois comporta o novo, próprio do ser humano), que
orientaria suas ações subsequentes que por sua vez tornariam a estruturar o mundo da vida. O
habitus de Bourdieu, identificado como forma flexível, constitui um princípio gerador
duravelmente armado de improvisações regradas (BOURDIEU, 1983a), há de ser adaptado
pelo agente em cada situação específica. Mais uma vez aqui identificamos a saída de um
determinismo reprodutuvista pelo qual foi injustamente acusado. Em resumo, o habitus de
Bourdieu faz a mediação entre a estrutura (objetividade), o modo de ser de cada um
(subjetividade) e a vida vivida (o mundo da prática).
Na aplicação desses conceitos ao analisar a vida vivida, Bourdieu deu importância
significativa ao aspecto simbólico e cultural na aplicação do modo como se produz e se
organiza a vida em sociedade. Buscando elaborar uma síntese entre funcionalismo,
estruturalismo e marxismo para compreender o papel desempenhado pelas produções
simbólicas na vida em sociedade, buscou identificar o modo como esses bens simbólicos são
produzidos. Aqui utilizou o conceito de “campos” como espaços estruturados de posições
onde são produzidos, classificados e consumidos os bens simbólicos ou culturais. A divisão
61
social do trabalho numa sociedade complexa propicia certa autonomia do domínio das
atividades, ocorrendo no interior desses setores autônomos, ou campos da realidade social,
uma luta pelo controle da produção e, sobretudo, pelo direito de legitimidade da classificação
e hierarquização dos bens produzidos em determinado campo (NOGUEIRA, C.;
NOGUEIRA, M.; 2009):
Se tomarmos o campo literário como exemplo, é possível analisar como
editores, escritores, críticos e pesquisadores das áreas de língua e literatura
disputam espaço e reconhecimento para si mesmos e suas produções.
Basicamente, o que está em jogo nesse campo são as definições sobre o que
é boa e má literatura, de quais são as produções artísticas ou de vanguarda e
de quais são as puramente comerciais, de quais são os grandes escritores e de
quais são os escritores menores. Mais do que isso, disputa-se constantemente
a definição de quem são os indivíduos e as instituições (jornais e revistas
literárias, editoras, universidades) legitimamente autorizados a classificar e a
hierarquizar os produtos literários (NOGUEIRA, C.; NOGUEIRA, M.;
2009, p.33/34).
Essa disputa que ocorre no interior dos campos, mesmo que inconsciente, faz com que
aqueles que já têm o domínio na produção e hierarquização, vale dizer, os possuidores da
legitimidade do discurso no interior de determinado campo, assumam uma postura tendente a
empregar ações no sentido de conservarem sua posição dominante. Aos iniciados, ou novatos,
ou que estejam em posição de não-hegemonia, cabe a assunção das seguintes posturas: ou
adotam o discurso oficial, assumindo uma posição do que Bourdieu chamou de “boa vontade
cultural”, ou se contrapõem e adotam uma postura contra hegemônica pela luta da
legitimidade do discurso no âmbito de determinado campo. Esta imposição de determinado
arbitrário cultural como forma de manutenção de posições dentro de determinado campo está
na base do que ele chama de violência simbólica, ou o poder de fazer crer sem perceber.
Assim é que na luta pela hegemonia do discurso em dado campo, surge como de
fundamental importância a utilização do conceito de “capital”, ou melhor, tipos específicos de
capital próprios a um determinado campo de produção simbólica que podem ao mesmo tempo
servir como moeda corrente em determinado campo ou reutilizados em outro campo
específico, como também na sociedade de uma forma geral. Na verdade, os capitais
específicos de cada campo seriam variações dos quatro tipos principais de capital
62
caracterizados por Bourdieu, a saber, capital econômico, cultural, social e simbólico
(NOGUEIRA, C.; NOGUEIRA, M.; 2009).
Seguindo essa linha de raciocínio, os “capitais” (recursos) seriam herdados pelos
indivíduos no processo de socialização empreendido por suas famílias - capital econômico
(dinheiro); capital social (conjunto de relacionamentos sociais influentes mantidos pela
família); capital cultural (títulos escolares dos membros da família - institucionalizado;
cultura geral em matéria de arte, culinária, decoração, vestuário, esportes, domínio da língua
culta, informações sobre a estrutura e funcionamento de ensino - incorporado; a propriedade
de livros, pinturas, escultura - objetivado ); e capital simbólico (prestígio que identifica os
agentes no ambiente social). A partir do volume de capitais acumulado, os indivíduos não só
seriam classificados na estrutura social em classes populares, médias e elites, mas receberiam
um conjunto de disposições para a ação típica de sua posição: um habitus familiar e de classe
- modos de ser, pensar e agir (HONORATO, 2005).
O interessante do raciocínio em torno desses espaços de produção simbólica é que os
campos são compostos de leis gerais, com regras de funcionamento invariantes entre os
diferentes tipos de campos (BOURDIEU, 1983c). E isso quer dizer que o campo científico
também se submete a essas regras gerais da teoria dos campos. Embora a verdade da ciência
também necessite de condições especiais de produção, que engloba a estrutura e o
funcionamento do campo científico:
O universo “puro” da mais “pura” ciência é um campo social como outro
qualquer, com suas relações de força e monopólios, suas lutas e estratégias,
seus interesses e lucros, mas onde todas essas invariantes revestem formas
específicas (BOURDIEU, 1983c).
Para Bourdieu, há no campo científico uma luta concorrencial, fato que caracteriza esse
sistema de relações objetivadas de posições adquiridas em disputas anteriores, cujo objetivo
nada mais é que a hegemonia da autoridade científica, tomada esta como capacidade técnica e
como poder social. Aqui já se desvela o mito da neutralidade científica. Assim é que os
julgamentos sobre a capacidade científica de um estudante ou de um pesquisador estão
sempre contaminados, no transcurso de sua carreira, pelo conhecimento da posição que ele
ocupa nas hierarquias instituídas (BOURDIEU, 1983c, p. 124).
Ao tratar do campo científico, Bourdieu faz uma referência a uma descrição de Fred
Reif quando fala do interesse do cientista, e exemplifica com o transtorno experimentado por
63
um cientista quando se depara com uma publicação com as conclusões que ele estava quase
chegando. Isso lembra, inclusive, que Charles Darwin experimentou essa situação, razão pela
qual resolveu tornar pública a pesquisa de uma vida. Tributário de uma boa tradição
weberiana assevera que aos olhos do cientista o reconhecimento do outro assume importância
fundamental a para um lucro simbólico de significado superior. A conclusão é que o campo
científico constitui um importante lugar de luta política pela hegemonia do discurso da ciência
em função da posição ocupada.
Verifica-se, também, que para além do monopólio da competência científica, há a
circunstância de favorecimento à acumulação do capital científico. Cabe aqui uma
observação: certa vez um amigo me confidenciou que não tinha muita paciência para
demandar tanta energia na produção e no humilde esforço de publicação de um artigo
científico que ao fim e ao cabo, segundo ele, só seria lido pela comunidade científica (e não
por qualquer membro da comunidade científica, mas apenas aqueles iniciados no assunto e
que sobre ele teriam algum interesse específico, aliados às suas próprias pesquisas). Essa
circunstância já havia sido verificada por Bourdieu quando discorreu sobre o campo
científico, dando conta de que
(...) num campo científico fortemente autônomo, um produtor particular só
pode esperar o reconhecimento do valor de seus produtos (“reputação”,
“prestígio”, “autoridade”, “competência” etc.) dos outros produtores que,
sendo também seus concorrentes, são os menos inclinados a reconhecê-los
sem discussão ou exame. De fato, somente os cientistas engajados no mesmo
jogo detêm os meios de se apropriar simbolicamente da obra científica e de
avaliar seus méritos. Destaques do autor (BOURDIEU, 1983c, p. 127).
Constituído como uma forma específica de recurso, que decorre da autoridade
científica assim estabelecida (não sem luta, nem interesse), esse capital científico tende a ser
acumulado, transmitido e por vezes reconvertido em outras formas de capital, sendo certo que
nesse processo contínuo de acumulação o capital cultural institucionalizado, tido como capital
inicial, representado pelo título escolar, vai assumir um papel determinante, quer seja em
proveito da legitimação do discurso estabelecido, quer seja como ingrediente para a disputa
contra hegemônica, posto que a estrutura da distribuição do capital científico está na base das
transformações do campo científico e se manifesta por intermédio das estratégias de
64
conservação ou de subversão da estrutura que ela mesma produz (BOURDIEU, 1983c, p.
134).
Pois bem, diante dos elementos colhidos na compreensão das categorias já analisadas,
penso que é chagada a hora de dialogar com a sociologia da educação de Pierre Bourdieu,
para colhermos as conclusões que mais de perto interessam para a pesquisa.
3.2.2 O sistema de ensino bourdieusiano e a pedagogia racional
A preocupação de Pierre Bourdieu com as consequências das lutas travadas no campo
educacional o acompanhou ao longo de toda a sua vida acadêmica e integrou, de algum modo,
boa parte de sua produção científica. Os livros “Os Herdeiros” de 1964 e “A Reprodução” de
1970 são tidos, indevidamente, diga-se de passagem, como o Estado da Arte de sua sociologia
da educação. Aliás, no que diz respeito ao último, é por conta dele que é rotulado de
estruturalista e/ou reprodutivista (ele mesmo em texto publicado no livro Coisas Ditas já
reclamou e explicou essa equivocada apreensão de sua obra, como já destacado
anteriormente). Seu espírito inquieto já nos faz lembrar que jamais permaneceria inerte a uma
só tradição, notadamente em face das mudanças ocorridas no campo educacional, seja em
função da massificação e democratização do acesso, seja nos modos como se tem trabalhado a
relação com o saber.
Nesse sentido, desde a preocupação inicial com a produção e reprodução cultural e
social pela via do sistema escolar, passando pela preocupação com estratégias de apropriação
do sistema escolar por agentes e grupos, ou mesmo de forma mais recente em textos como
“Os Excluídos do Interior” e “As contradições da Herança”, ambos publicados em 1993 em
“A Miséria do Mundo”, onde constatou que com o acesso de novas clientelas à escolarização,
as desigualdades escolares mudaram de forma e passaram a operar de modo mais sutil ou
imperceptível, assim como o sofrimento do trânsfuga que graças à consagração escolar acaba
por se afastar de seu meio social de origem (NOGUEIRA, C.; NOGUEIRA, M.; 2009, p.52).
O fato é que, em todas as suas análises não se deve perder de vista que seus conceitos
devem ser compreendidos sempre em interdependência, circunstância que demostra, à
saciedade, que sua obra nada tem de desmobilizadora no campo educacional. Pelo contrário,
para além de desvelar os mecanismos de funcionamento da socialização através da escola,
Bourdieu nos deu pistas e apontou caminhos, seja através da confessada “pedagogia racional”
seja pela manifesta intenção de romper com os determinismos, pela mediação de agência e
65
estrutura realizada através do habitus, seja pela ideia de subversão das posições de disputa
que ocorrem no âmbito do campo científico. Isso pode ser sentido, repita-se, em sua
declaração de que não há nada de desesperador no fato de se conhecer a origem social de
todas as formas de sofrimento, pois o que o mundo social fez, o mundo social pode, armado
deste saber, desfazer, na medida em que a alternativa da ciência aponta condições de oferecer
os únicos meios racionais de utilização plena da ação política (BOURDIEU, 2012).
Ora, como já visto anteriormente, a preocupação epistemológica de Bourdieu era
romper com a dicotomia objetividade x subjetividade para a compreensão do mundo social.
Dessa forma o agente socializado através da educação não é o sujeito autônomo e muito
menos o que tem seus comportamentos determinados em um pacote pronto e acabado pelas
estruturas sociais. É alguém que, ao sofrer as influências das estruturas, adquire disposições
que podem orientar a sua ação futura, que por sua vez também sobre a influência de seu modo
de ser específico. Esse ethos social e educacional é dia a dia atualizado e estruturante da
mesma estrutura que o influenciou. No entanto, o seu agente parte de um ponto que possui
uma bagagem socialmente herdada que pode ser colocada a serviço do sucesso (ou fracasso)
escolar, incluindo aí o capital econômico, cultural e social adquirido no status de origem
Registre-se, por oportuno que o capital cultural, notadamente na modo incorporado, passa a
integrar a subjetividade do indivíduo e é para Bourdieu o fator que tem o maior peso, maior
até do que o capital econômico, na definição do sucesso (ou fracasso) escolar e no status de
destino. Assim é que
(...) a posse de capital cultural favoreceria o desempenho escolar na medida
em que facilitaria a aprendizagem dos conteúdos e dos códigos (intelectuais,
linguísticos, disciplinares) que a escola veicula e sanciona. Os esquemas
mentais, (as maneiras de pensar o mundo), a relação com o saber, as
referências culturais, os conhecimentos considerados legítimos (a “cultura
culta” ou a “alta cultura”) e o domínio maior ou menor da língua culta,
trazidos de casa por certas crianças, facilitariam o aprendizado escolar tendo
em vista que funcionariam como elementos de preparação e de
rentabilização da ação pedagógica, possibilitando o desencadeamento de
relações íntimas entre o mundo familiar e a cultura escolar (NOGUEIRA, C.;
NOGUEIRA, M.; 2009).
66
Na verdade, no caso dos agentes oriundos dos meios mais favorecidos de capital
cultural, a educação escolar funcionaria como uma continuação da educação familiar, ao
passo que para aqueles detentores de uma herança cultural desfavorável, a educação formal e
seus códigos lhes causariam estranheza e constituiriam em verdadeira ameaça, razão pela qual
Bourdieu assim concebeu essa situação como violência simbólica. Não se deve negar que
nesse processo os capitais econômico e social exerceriam um importante papel instrumental
de acumulação do capital cultural; mas ao fim e ao cabo, na visão bourdieusiana, prevaleceria
o capital cultural como fator de sucesso (ou fracasso) no desempenho escolar.
Note-se que a intensidade dos investimentos que cada grupo de agentes se dispõe a
realizar no campo da educação está diretamente ligado à percepção do grau de ascensão que
verificam ou presumem no sucesso escolar de seus membros:
O “interesse” que um agente (ou uma classe de agentes) tem pelos “estudos”
(e que é, juntamente com o capital cultural herdado, do qual ele depende
parcialmente, um dos fatores mais poderosos do sucesso escolar), depende
não somente de seu êxito escolar atual ou pressentido (i.e., de suas chances
de sucesso dado seu capital cultural), mas também do grau em que seu êxito
social depende de seu êxito escolar (BOURDIEU, 1989, p.393).
É claro que desde “A Reprodução” Bourdieu viu uma estrita relação entre o sistema de
ensino e a estrutura de classes. É claro que identificou, naquele momento, a escola como uma
instância de reprodução de desigualdades sociais. Como todo campo, o escolar ou educacional
também não é neutro. Partindo da noção de arbitrário cultural e da ideia de que, como ocorre
em qualquer campo de produção cultural, a parte dominante traçará, mesmo que de forma
inconsciente, estratégias para imposição desse arbitrário cultural e manutenção das relações
de poder e conservação das instâncias de dominação, não se poderia esperar outra lógica que
não fosse a reprodução da ideologia, ou dos interesses, da classe dominante através do campo
escolar.
A noção de arbitrário cultural é interessante por nos trazer a ideia de que a cultura
consagrada, legitimada e transmitida através da escola em nada tem de superior, pois o valor
que lhe é atribuído é arbitrário. É transmitida não por ser melhor ou pior, mas por ser a cultura
do grupo que detém a legitimidade dos discursos e a faz impor com validade universal. Isso
só pode ser compreendido quando se pensa nos vários arbitrários culturais em disputa e as
relações de força dos vários grupos no âmbito da sociedade:
67
No caso das sociedades de classe, a capacidade de imposição e de
legitimação de um arbitrário cultural corresponderia à força da classe social
que o sustenta. De modo geral, os valores arbitrários capazes de se impor
como cultura legítima seriam aqueles sustentados pelas classes dominantes.
Portanto, para o autor, a cultura escolar, socialmente legitimada, seria,
basicamente, a cultura imposta como legítima pelas classes dominantes
(NOGUEIRA, C.; NOGUEIRA, M.; 2009).
No entanto, não se pode perder de vista a conclusão bourdieusiana de o que o mundo
social fez, o mundo social pode, armado deste saber, desfazer. Vale dizer, se a escola é capaz
de reproduzir uma sociedade desigual, pelo mesmo mecanismo ela pode reproduzir uma
sociedade mais igualitária, na hipótese em que haja um certo nivelamento dos capitais
herdados no seio familiar ou um ajuste ao modo de ser de cada um dentro do sistema escolar,
mediante sua pedagogia racional. Bourdieu nos mostrou que a escola não é neutra, mas abre
caminho para uma análise crítica da relação com o saber, através do currículo da avaliação
escolar e dos meios pedagógicos.
Embora se saiba que Bourdieu não evoluiu seu pensamento a ponto de ter acesso a uma
suposta “caixa preta” do sistema escolar, o fato é que desde o início de suas pesquisas
apontou a ideia de uma “pedagogia racional”, como solução para a lógica (perversa) da
acumulação do privilégio cultural por meio da escola, que – como vimos – faz com que o
capital cultural permaneça sempre nas mãos daqueles que já o detém (NOGUEIRA, C.;
NOGUEIRA, M.; 2009, p. 86). Essa pedagogia racional, aliada a uma vontade política de
oportunizar a todos os agentes as mesmas chances de acesso a um sistema de ensino
relevante, consistiria em uma aprendizagem metódica que tornasse explicito tudo aquilo que
funcionasse de modo encoberto no processo pedagógico, favorecendo os agentes socialmente
desfavorecidos. Embora não possa parecer, trata-se de igualar igualmente os iguais e
desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades:
(...) uma pedagogia racional e universal, que, partindo do zero e não
considerando como dado o que apenas alguns herdaram, se obrigaria a tudo
em favor de todos e se organizaria metodicamente em referência ao fim
explícito de dar a todos os meios de adquirir aquilo que não é dado, sob a
aparência do dom natural, senão às crianças das classes privilegiadas
(BOURDIEU, 2007, p. 53).
68
Mesmo que mais tarde possa ter considerado o caráter utópico da solução apresentada e
que não tenha reservado um desdobramento específico sobre o assunto, talvez porque o
desdobramento haveria de ser reservado à própria pedagogia, o fato é que o conjunto de sua
obra nos faz acreditar numa visão transformadora. Para ele, à sociologia caberia o papel de
desvelar as condições de produção e reprodução do mundo social, fossem elas quais fossem.
Sua manifestação sobre a subversão da ordem estabelecida no campo científico e sua crença
inabalável da capacidade de o mundo social desfazer o que ele mesmo fez, são indicações
claras de que em sua mente nunca deixou de brilhar a ideia da existência de uma saída para os
esquemas reprodutivos desiguais verificados no campo educacional. Interessante o que vai
abaixo destacado sobre a retomada da pedagogia racional:
O que ele considerava paradoxal é que fosse ele a ter que lembrar que o
conhecimento dessa lei é o que tem permitido voar: “é o que tenho dito
sempre desde Os Herdeiros: gostaria que retornassem à conclusão sobre a
„pedagogia racional‟ que havia sido considerada reformista por alguns. E
porque conhecemos as leis da reprodução é que temos alguma chance de
minimizar a ação reprodutora da instituição escolar” (BOURDIEU apud
CATANI, 2014, p. 30).
É como a ideia na mente dessa sociologia das desigualdades culturais e da subversão da
ordem estabelecida do campo científico que analiso o sistema de cotas, verificando quais as
condições de possibilidade que possam inseri-lo como ação desses conceitos.
3.2.3 O sistema de cotas e o omelete de ovo de pelicano
Quando se fala em ação afirmativa, notadamente em face de acesso ao ensino superior,
de imediato povoa a nossa mente a ideia de correção das distorções dos testes padronizados, a
compensação por erros e discriminações do passado e a promoção da diversidade cultural.
Confesso que o argumento que mais me seduz seja o da promoção da diversidade cultural.
Além de não envolver controvérsias sobre eventual responsabilidade coletiva por erros dos
antepassados, também não tem relação com nenhuma ação específica de discriminação.
No caso, não se trata de recompensa ou de reparação, mas de meio de atingir um
objetivo socialmente mais importante, justificado no bem comum da instituição de ensino
superior e da sociedade em geral (SANDEL, 2009), uma vez que a diversidade permite a
69
ampliação do alcance das perspectivas intelectuais e culturais, realinhando a disposição das
forças em permanente luta nos campos de produção simbólica.
Sabe-se que a experiência pioneira das ações afirmativas é proveniente da Índia, onde a
recém fundada república incorporou em sua constituição de 1950 garantias jurídicas para
minimizar a segregação decorrente do sistema de castas. No Brasil, algumas iniciativas em
relação à proteção do trabalhador nacional, das micro e pequenas empresas em matéria de
licitações e até a reserva de vagas para pessoas com necessidades especiais, vigente desde a
edição do regime jurídico dos servidores da União em 1990, passaram despercebidos da
população em geral; o que não ocorreu quando os movimentos sociais, representantes de
minorias historicamente discriminadas, começaram a exercer uma legítima pressão por uma
ação política mais efetiva do Estado na direção das ações afirmativas. Aí sim a sociedade civil
passou a se sentir incomodada, estabeleceu-se a polêmica até então inexistente e culminou
com o questionamento no Supremo Tribula Federal da Lei nº 12.771/2012, a chamada Lei de
Cotas. No que é importante para este trabalho, o sistema de cotas, no âmbito da universidade
pública, ao lado do Prouni e FIES, para acesso às instituições da rede privada, constituem os
principais instrumentos de ação afirmativa de acesso ao ensino superior.
O sistema de cotas, no aspecto geral, consiste na reserva obrigatória de vagas nas
instituições federais de ensino de nível superior e técnico para pretos, pardos, indígenas,
alunos de baixa renda, bem como aqueles oriundos da escola pública. Fica claro aqui que esse
modelo de ação afirmativa voltado para o acesso ao ensino superior, com início lá pelo ano
2000, mesmo que de forma tímida e para um número reduzido de instituições no Rio de
Janeiro22
, promoveu uma mudança crescente e gradativa na composição socioeconômica,
cultural e étnico-racial dos quadros das universidades brasileiras (TAFURI, 2012), cujos
impactos sobre o sistema de reprodução de desigualdades através da escola precisam ser
melhor avaliados.
É claro que o acesso puro e simples ao ensino superior de um grupo cultural antes
alijado da disputa no campo científico, por si só, não tem o condão de inverter a lógica da
reprodução cultural pela via escolar. Se seguirmos o raciocínio de Bourdieu, a universidade
precisa, a partir desse ponto, adaptar-se a essa nova realidade e readequar seus processos
pedagógicos às especificidades dessa nova “clientela”. É claro que a adoção do sistema de
cotas nas universidades públicas no Brasil não resolverá todos os problemas como em um
22
A pioneira Lei Estadual nº 3.524/2000 determinou a adoção do sistema de cotas nas universidades públicas do
Estado do Rio de Janeiro.
70
passe de mágica. A universidade nesse aspecto precisa reinventar-se, precisa transformar-se e
isso demanda tempo. A alusão ao omelete de Robert Desnos foi o próprio Bourdieu quem
sugeriu; nos apontou a transformação de uma coisa em outra no âmbito de um mesmo campo.
Nos indicou que assim como o sistema de ensino reproduz com competência um modelo de
desigualdade, também pode reproduzir uma sociedade mais igual, multicultural. Isso se dará
de uma forma ou de outra. O meio mais célere e menos traumático está na invenção da
própria universidade para lidar com essa nova realidade. Um meio mais custoso, mas também
possível, pode se dá na subversão do campo científico.
O que chamamos de omelete é a transformação no modo como o sistema de ensino
passará a reproduzir as estruturas sociais. Já se viu com Bourdieu a necessidade de o sistema
de ensino exercer uma pedagogia racional, uma nova maneira de relacionar o agente receptor
aos conteúdos, professores e estrutura do sistema de ensino. Já se viu com Bourdieu, também,
que a luta por posições dominantes no campo científico pode ser assumida de duas formas: ou
os novatos assumem uma postura de boa vontade cultural ou aquela direcionada à subversão
das posições do campo.
O que falo aqui em relação à luta e subversão do campo científico não paira sobre nós
apenas no mundo da teoria. Isso é um fato concreto que já vem sendo vivenciado no seio da
universidade brasileira. Diogo Tafuri, ao relacionar ações afirmativas com lutas acadêmicas
(TAFURI, 2012), traz um interessante relato do professor Henrique Cunha Júnior, titular do
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Ceará e membro da
Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), que espelha bem essa luta pela
hegemonia no campo científico no âmbito dessa nova situação verificada com o acesso de
grupos culturais não hegemônicos no seio da universidade:
[...] com o intuito de acelerar o processo de pesquisa das temáticas de
interesse dos afrodescendentes, tenho ouvido pelos corredores, e, às vezes,
explicitamente, os seguintes argumentos: pesquisa não tem cor, as temáticas
abordadas por nós não são suficientemente universais, ou seja, não fazem
parte da ciência. Concordo que a pesquisa não tem cor, mas as políticas
científicas, que não têm nada a ver com o cerne do fazer científico, essas têm
os atributos de cor, de grupo social, de grupo histórico, de marginalizações e
de produção das desigualdades sociais, econômicas e políticas. Quem detém
o poder detém a primazia da ciência e determina quais temas são parte ou
não da ciência. (...) A formação dos pesquisadores negros passa por todos
71
esses obstáculos ideológicos, políticos, preconceituosos, eurocêntricos, de
dominações e até mesmo de inocências úteis, vigentes nas instituições de
pesquisa e nos órgãos de decisão sobre as políticas científicas (CUNHA
JÚNIOR apud TAFURI, 2012)
É nesse sentido que enxergamos na obra de Bourdieu os caminhos para compreensão
dos modelos de reprodução que ocorrem no âmbito do sistema de ensino e a chave para
transformá-los. Assim faz sentido o poema de Robert Desnos com que Bourdieu fez abrir seu
livro “A Reprodução”, pois essa situação de reprodução de desigualdade se manterá
indefinidamente se não fizermos antes um omelete.
Procurei construir aqui um caminho razoável através da obra de Pierre Bourdieu, que
nos permitisse inserir o sistema de cotas da universidade brasileira nos mecanismos de
solução para o problema da reprodução observada, no nosso entendimento, em sua grande
produção científica, notadamente na sua sociologia da educação.
Vi que sua preocupação epistemológica inicial, centrada na superação da dicotomia
objetividade x subjetividade, como a mediação do habitus, pôde ser entendida como uma
indicação explícita de não aceitar o determinismo dos que indevidamente lhe acusaram de
reprodutuvista, e que inadvertidamente tomaram sua obra como desmobilizadora de uma ação
da educação para a transformação.
Observei que suas categorias devem ser tomadas em interdependência, assim é que ao
conceito de campo se segue o conceito dos variados tipos de capital e que a disputa
interessada no âmbito da produção cultual é logicamente transportada para a disputa no
campo científico. Esse, por sua vez, pode incutir nos novatos uma boa vontade cultural para
aceitação dos discursos legitimados ou enveredar para uma subversão das posições
dominantes, com ou sem a ajuda de uma ainda não totalmente desenvolvida, pelo menos na
sua obra, pedagogia racional.
Vi que o sistema de cotas para acesso de uma minoria historicamente alijada dos
processos de produção cultural, tornada obrigatória nos termos da Lei nº 12.771/2012, tem
como um de seus fundamentos filosóficos a promoção da diversidade cultural. Essa promoção
da diversidade cultural, aliada uma pedagogia racional, proporcionará um realinhamento das
forças que lutam pela hegemonia no campo científico, fato que possibilitará que o sistema de
ensino, com sua vocação para reprodução de estruturas desiguais presentes na sociedade,
possa, a partir daí, reproduzir uma situação mais igualitária dada a evidencia da transformação
72
do perfil da comunidade universitária, nas atividades do ensino e da pesquisa, em um
ambiente multicultural.
O sistema de cotas, desse modo, é um passo importante, mas não único, para permitir
ao Estado amparar-se de elementos para fazer agir uma profunda reforma no meio intelectual,
nivelando a batalha pela hegemonia do campo científico, de uma forma que permita o
desaparecimento da desigualdade e da injustiça propiciada pela reprodução de estruturas
desiguais.
Aqui lembramos de um fato ocorrido no seminário sobre a obra “O Estado” de
Bourdieu, promovido pelo Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade da
Universidade Estadual do Ceará. Uma professora palestrante relatou que certa vez, na
composição de uma banca, um dado professor lhe ponderou que os sociólogos usavam
Bourdieu como coentro, que serviria para temperar quase tudo; ela retrucou e lhe disse que
bem melhor seria que suas categorias fossem usadas como pimenta. Já que se costuma
temperar as teorias sociológicas com as categorias de Bourdieu, melhor seria, para tonar a
comparação fiel ao próprio autor, que essa comparação fosse feita com o sal. E por quê?
Roberto Desnos, inserido pelas mãos de Bourdieu na sua obra “A Reprodução”, diz que de
um ovo branco nasce um ovo branco; milagre da reprodução que se repetirá indefinidamente
até que se faça um omelete. Um omelete da produção cultural, diríamos. É essa a omelete que
há ser feita com o ovo do pelicano de Jonathan. O tempero? Comecemos pelo “sal” fornecido
por Pierre Bourdieu.
3.3 TEORIA CRÍTICA DA EDUCAÇÃO: UM DIÁLOGO ENTRE HABERMAS E PAULO
FREIRE
Como vimos, para Bourdieu o que o mundo social fez, o mundo social pode, armado
deste saber, desfazer, na medida em que a alternativa da ciência aponta condições de oferecer
os únicos meios racionais de utilização plena da ação política (BOURDIEU, 2012). Também
vimos com esse autor que a chamada “pedagogia racional” permitiria romper com esse
esquema de reprodução de desigualdades através da escola:
“[...] é o que tenho dito sempre desde Os Herdeiros: gostaria que
retornassem à conclusão sobre a „pedagogia racional‟ que havia sido
considerada reformista por alguns. E porque conhecemos as leis da
73
reprodução é que temos alguma chance de minimizar a ação reprodutora da
instituição escolar” (BOURDIEU apud CATANI, 2014, p. 30).
Como não foi desenvolvida por Pierre Bourdieu a “pedagogia racional”, entendo que a
teoria crítica da educação, através do desenvolvimento da racionalidade comunicativa em
Habermas, assim como a pedagogia da autonomia em Paulo Freire, produziram categorias
para se pensar essa nova postura da universidade com a chegada dos cotistas, na medida em
que necessita se adaptar a essa nova realidade e readequar seus processos pedagógicos às
especificidades dessa nova “clientela”.
Começo pela teoria crítica.
Por volta de 1924 Max Horkheimer, Felix Weil e Friedrich Pollock, a que mais tarde se
juntaria Theodor Adorno, fundaram o Instituto de Pesquisa Social junto à Universidade de
Frankfurt. Apesar desse movimento ter como designação a teoria crítica, foi com o rótulo de
Escola de Frankfurt que disseminou suas ideias no debate público alemão e internacional.
Com inspiração na teoria marxiana, a teoria acabou por se consolidar como uma
maneira de intervenção político-intelectual na Alemanha do pós-guerra (HONNETH, 2015),
tendo como perspectiva a orientação para emancipação da dominação, assim como uma
postura crítica em relação à realidade social e ao conhecimento produzido.
Coube a Habermas desenvolver a teoria crítica, naquilo que ficou conhecida como a
segunda geração, tendo como ponto de partida as aporias identificadas por Horkheimer e
Adorno no livro A Dialética do Esclarecimento. A dialética do esclarecimento buscava
investigar a razão humana e as formas sociais de racionalidade, concebendo a razão
instrumental como a única forma estruturante, com uma função de adaptação à realidade e à
produção do conformismo diante da dominação vigente (HONNETH, 2015), bem alinhada a
uma postura ética consequencialista vigente ao tempo da Dialética do Esclarecimento.
Como única forma de racionalidade no capitalismo administrado, a razão instrumental
impediria qualquer possibilidade de emancipação, tendo Honneth (2015) apontado que essa
seria a tese forte do livro a dialética do esclarecimento.
Opondo-se à essa posição aporética, Habermas desenvolve a uma teoria onde revela
um novo tipo de racionalidade. Com um caráter de dupla face, consistindo em uma
racionalidade instrumental e uma racionalidade comunicativa:
74
A ação instrumental é aquela voltada para o êxito, em que o agente calcula
os melhores meios para atingir fins determinados previamente. Esse tipo de
ação caracteriza o trabalho, vale dizer, aquelas ações dirigidas à dominação
da natureza e à organização da sociedade que visam a produção das
condições materiais da vida e que (...) possibilitam a reprodução material da
sociedade.
(...) Em contraste (...) surge a racionalidade própria da ação de tipo
comunicativo, quer dizer, aquele tipo de ação orientada para o entendimento
e não para a manipulação de objetos e pessoas no mundo em vista da
reprodução material da vida (como é o caso da racionalidade instrumental).
A ação orientada para o entendimento é aquela que permite a reprodução
simbólica da sociedade (HONNETH, 2015, p. 13).
Na geração atual da teoria crítica há a tese desenvolvida por Axel Honneth (2015) que
parte dos conflitos e configurações sociais e institucionais para entender a sua lógica, que para
ele se dá pela luta pelo reconhecimento.
Ora, uma racionalidade comunicativa que permite a reprodução simbólica da
sociedade e orientada para emancipação da dominação engloba o que Bourdieu categorizou
como pedagogia racional, uma vez que deve considerar o modo de ser de cada um.
Essas premissas da teoria crítica permitiram um intenso desenvolvimento de sua
aplicação ao fenômeno da educação em geral e à disciplina do currículo em particular, que
com sua postura interdisciplinar desponta como a forma intelectualmente mais adequada de
designar a função social da educação na atualidade, guardando total relação com a solução da
pedagogia racional proposta por Bourdieu, na medida em que propõe repensar as políticas de
educação no sentido de implementar currículos escolares que favoreçam a uma situação mais
igualitária, como também na defesa de práticas pedagógicas com perspectivas mais amplas de
formação humana e cultural. Não apenas as dimensões particulares próprias de grupos
culturais presentes na escola estariam sendo abarcados, mas também, dimensões relacionadas
com a formação humana multifacetada onde as dimensões artísticas e espirituais são, também,
indissociáveis (VILELA, PEREIRA MATIAS, 2006, p. 77).
Neste ponto, já cabe aqui uma análise crítica daquilo se apurou no trabalho de campo
junto à Universidade Federal do Ceará e sua atuação na implantação do sistema de cotas. Em
nossa visita à Pró-Reitora de Graduação da Universidade, fomos informados que a UFC não
75
dispõe de nenhum programa especial para acolhimento e acompanhamento dos cotistas23
. Nas
palavras do professor que me recebeu: “o aluno é cotista para UFC até o momento da
matrícula, a partir daí todos os alunos da UFC são iguais; aqui não há discriminação”.
Ora, a UFC não criou nenhum programa específico de nivelamento ou
acompanhamento, muito menos alterou ou adaptou os programas políticos pedagógicos de
seus cursos (ANEXO I), considerando as especificidades dos novos alunos cotistas que
passou a receber a partir do ano de 2012. Também é digno de destaque que todos os alunos,
cotistas ou não, são atendidos pelos mesmos programas de bolsas e auxílios dos alunos de
graduação, como Ajuda de Custo, Auxílio Moradia, Auxílio Residência, Bolsas diversas, etc..
Não que esses programas universais são sejam importantes; são e muito. Mas a
universidade haveria de criar programas específicos para lidar com as diferenças
socioculturais que passou a abrigar. Na verdade, a UFC não se preparou para receber os seus
cotistas, seja do ponto de vista puramente pedagógico, seja do ponto de vista de suas políticas
de integração e acolhimento estudantil. Há aqui um longo caminho a ser percorrido, pois “se a
possibilidade de emancipação depende, para Habermas, da racionalização do mundo da vida,
que por sua ver depende do fortalecimento do agir comunicativo” (BANNELL, 2006, p. 103),
a universidade deve criar as condições de possibilidade para que isso aconteça.
Em Habermas, a racionalidade comunicativa, para além de estabelecer uma dimensão
reflexiva com o mundo da vida, favorece os processos de aprendizagem com potencial para
transformar esse mesmo mundo da vida:
Assim, o agir comunicativo é a forma de ação que tem o maior potencial
para encadear processos de aprendizagem, tanto no nível individual quanto
no nível coletivo. É por meio desse tipo de ação social que a racionalização
da sociedade alcança seu nível mais avançado e que, portanto, a razão se
manifesta na história (BANNELL, 2006, p. 48).
Colimada ao espírito da “pedagogia racional” de Bourdieu e na mesma linha de uma
ação orientada para a emancipação de Habermas, vejo no pensamento freiriano uma
atualidade imanente ao contexto de crise e exclusão social do Brasil contemporâneo,
23
Embora saibamos que desde 2013 foi criado o Programa Bolsa Permanência, através da Portaria MEC Nº 389,
de 09 de maio de 2013, cujo objetivo é viabilizar a permanência, no curso de graduação, de estudantes em
situação de vulnerabilidade socioeconômica, em especial os indígenas e quilombolas.
76
“testemunho de uma educação dialógica, que se presentifica nas relações humanas de respeito
às diferenças e reconhecimento dos saberes do outro”. Para Paulo Freire a educação relaciona-
se de modo direto com a humanização do mundo pela ação cultural libertadora, “de ser mais e
construir um mundo mais digno com relação às condições concretas da existência humana em
sociedade” (ZITKOSKI, 2010, p. 10):
[...] hoje, mais do que em outras épocas, devemos cultivar uma educação da
esperança enquanto empoderamento dos sujeitos históricos desafiados a
superarmos as situações limites que nos desumanizam a todos (FREIRE,
1994, p. 11).
Essa humanização do mundo em Freire, passa necessariamente pela redefinição de
paradigmas da vida social, notadamente pelo modo de educação e arbitrário cultural impostos
pela classe dominante, das relações humanas cotidianas, das posturas políticas, da produção
do conhecimento, “que está na base da reprodução dos sistemas hegemônicos da sociedade.
Em suma, um projeto humanista e libertador da sociedade exige de nós, hoje, que repensemos
a cultura que cultivamos e os modelos de racionalidades intrínsecos à mesma. ” (ZITKOSKI,
2010, p. 15). Num mesmo sentido, a razão comunicativa em Habermas e a razão dialógica
para a humanização em Freire interpenetram-se:
[...] na luta pela libertação transformadora das sociedades contemporâneas,
que se caracterizam pela opressão e alienação da vida humana, controlada
pelo mundo dos sistemas por meio do processo de racionalização social
ancorada na razão instrumental (HABERMAS, 1998, apud ZITKOSKI,
2010, p. 17).
Portanto, ao definir [...] a ação cultural para a liberdade, como um caminho
de reconstrução da vida em sociedade, Freire está defendendo [...] uma
concepção de vida humana dialógica e dialética e uma proposta de educação
radicalmente libertadora que, no conjunto, se harmonizam por meio da
racionalidade dialógica. É uma racionalidade que busca construir a
existência humana de modo crítico e criativo frente à realidade sociocultural
que nos condiciona, desumaniza e coisifica (ZITKOSKI, 2010, p. 23).
Assim a universidade deve ter por mote a preocupação em oferecer, aos cotistas e não-
cotistas, uma educação diferenciada no sentido considerar a diversidade cultural que
77
experimenta por força da ação afirmativa, trabalhada de forma intencional para humanizar a
sociedade por meio de uma formação cultural que favoreça a transformação dos cidadãos, de
forma democrática e participativa. Essa é a expectativa em relação ao modo como o meio
acadêmico lidará daqui para frente com a diversidade cultural presente desde a implantação
do sistema de cotas. E é para isso que se quer a educação como forma de socialização dos
indivíduos.
78
4 EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Desde a edição do pacto social firmado com a promulgação da Constituição Cidadã em
1988, o Brasil experimentou nesses quase trinta anos dois ciclos distintos. Um primeiro ciclo
mais alinhado ao consenso de Washington, com sua ideia monetarista de estabilização e
rigidez fiscal, e com a firme convicção de que “primeiro, é preciso fazer o bolo crescer, para
depois dividi-lo24
”. Um segundo ciclo na era Lula-Dilma de inspiração desenvolvimentista
que aliava desenvolvimento econômico com inclusão social, que trouxe a política social para
o centro da estratégia de desenvolvimento, “com aportes crescentes de recursos que geraram
impactos significativos nas condições de vida da população do Brasil nos últimos dez anos”
(JANNUZZI; PINTO apud MADEIRA, 2014, p. 15). Nesse segundo ciclo foi possível
observar com maior nitidez essa relação existente entre educação e desenvolvimento
econômico.
Essa relação entre educação e desenvolvimento econômico é uma questão que também
pode parecer óbvia, mas que ainda suscita discussões e apropriações de caráter ideológico25
,
razão pela qual ainda precisa ser devidamente explicitada. Uma das apropriações possíveis
dessa ligação funda-se no fato de se colocar o investimento em educação como eixo
primordial do desenvolvimento. Tal concepção geraria o „tão desejado círculo virtuoso‟ com
uma maior distribuição de renda, inclusão social, aumento do consumo, incremento da
indústria, comércio e agricultura, propiciado pelo “aumento dos empregos e dos salários [...],
crescimento exponencial da „arrecadação de impostos com os quais o Estado poderá resolver
os problemas de infraestrutura [...] e arcar com os programas sociais [...] nesse amplo
processo de desenvolvimento geral do país‟ ” (SAVIANI, 2010a, p. 246 apud FAVARO,
TUMOLO, 2016, p. 565).
Nesta perspectiva, a teoria do capital humano sempre nos dá elementos esclarecedores
para entender a educação como um bem de produção e um investimento que se materializa
como um verdadeiro agente do desenvolvimento.
24
Frase atribuída a Antônio Delfin Netto - http://educacao.uol.com.br/biografias/antonio-delfim-netto.htm
25 Por exemplo, no artigo “A Relação Entre Educação e Desenvolvimento Econômico no Capitalismo:
elementos para um debate” (Educ. Soc., Campinas, v. 37, nº. 135, p.557-571, abr.-jun., 2016), Neide de Almeida
Lança Galvão Favaro e Paulo Sergio Tumolo questionam que a posição de Dermeval Saviani em entrevista
concedida em 2005 não é compatível com a luta socialista.
79
4.1 TEORIA DO CAPITAL HUMANO E O SISTEMA DE COTAS
A ideia do capital humano não é nova, remonta à investigação sobre a natureza da
riqueza das nações no século XVIII (SMITH, 1996). Alfred Marshal (1890) que mais tarde
também escreveu sobre a ideia já via indícios dessa apreensão nos escritos de Charles
Davenant no século XVII. No século XIX, Marx também teria analisado a ideia de capital
humano à sua própria maneira, quando escreveu que “para modificar a natureza humana geral
de tal modo que ela alcance habilidade e destreza em determinado ramo de trabalho, [...] é
preciso determinada formação ou educação”. (MARX, 1867, p. 289 apud KELNIA; LOPES;
PONTILI, 2013, p. 03). De todo modo, mesmo sem usar o termo, foi mesmo em “A Riqueza
das Nações” que já vem delineado o que mais tarde passaria a ser integrado de forma
sistematizada na teoria do capital humano:
Em quarto lugar, as habilidades úteis adquiridas por todos os habitantes ou
membros da sociedade. A aquisição dessas habilidades para a manutenção de
quem as adquiriu durante o período de sua formação, estudo ou
aprendizagem, sempre custa uma despesa real, que constitui um capital fixo
e como que encarnado na sua pessoa. Assim como essas habilidades fazem
parte da fortuna da pessoa, da mesma forma fazem parte da sociedade à qual
ela pertence (SMITH, 1996, p. 290).
Assim é que se entende por capital humano “o conjunto de capacidades, conhecimentos,
competências e atributos de personalidade que favorecem a realização de trabalho de modo a
produzir valor econômico. São os atributos adquiridos por um trabalhador por meio da
educação, perícia e experiência” (MORENO, 2016). “Capital humano é, pois, o
conhecimento, as habilidades e a experiência que tornam um indivíduo mais produtivo e,
assim, capaz de auferir rendas maiores durante a vida” (PINDYCK; RUBINFELD, 2006, p.
485). Aqui a ideia de formação de habilidades e competências por meio da educação está
diretamente ligada ao resultado econômico, que no caso específico do trabalhador é medido
através dos rendimentos do trabalho, ou seja, a ideia da importância de sua formação
educacional, anos de estudo na acumulação de capital econômico:
80
A tese central da teoria do capital humano vincula educação ao
desenvolvimento econômico, à distribuição de renda ou, de forma mais
individual, é responsável direta pela renda. Acredita-se que quanto mais
elevado o nível de escolaridade, maior a probabilidade de o indivíduo
melhorar o seu salário (SEABRA, 2002, p. 17).
A reconstrução mundial promovida no segundo pós-guerra retoma o debate sobre o
capital humano que agora é formalizado como teoria sistematizada, pelos estudos seminais de
pesquisadores da Universidade de Chicago, coordenados por Theodore Schultz e tendo a
participação e Gary Becker e Jacob Mincer, que colocaram a educação como eixo central e
motor de desenvolvimento econômico. Foi dessa forma que o professor de economia da
educação Theodore Schultz passou a ser considerado o Pai da teoria do capital humano, tendo
sido, inclusive, agraciado com um prêmio Nobel de economia, pondo em discussão as ideias
de que o conhecimento também forma capital e que o investimento em capacitação faz
aumentar a produtividade da empresa e os rendimentos individuais do trabalhador:
É vasta na bibliografia a tentativa de aprofundamento na relação entre nível
educacional e rendimento, tendo em vista que o efeito do primeiro na
produtividade do trabalho desencadeia alterações na eficiência, no produto e
na distribuição de renda. Estes trabalhos são fruto da teoria do capital
humano, formulada fundamentalmente por Schultz (1961), Becker (1962) e
Mincer (1974). O primeiro autor estabelece que a decisão de investir “em si
mesmo” é como qualquer outra decisão de investimento, sendo feita na
tentativa de maximizar o bem-estar pelo aumento esperado de produtividade
e, consequentemente, de salário (SIMÕES; CIRINO; CASSUCE, 2014, p.
482).
Formulada por Shultz, a teoria do capital humano foi desenvolvida por Becker (1962)
que para além de problematizar a relevância do treinamento no rendimento do trabalho,
também considerou a questão de raça, gênero e da discriminação no ambiente de trabalho. Já
os estudos de Mincer (1974) trabalham a teoria do capital humano com um viés
econométrico, buscando a relação matemática entre a formação do trabalhador e seu nível de
renda, concluindo que “a produtividade e, consequentemente, as diferenças de rendimentos
entre os indivíduos deveriam estar relacionadas positivamente ao volume do investimento em
capital humano de cada um” (PEREIRA; ZAVALA, 2012, p. 209):
81
O trabalho de Mincer, em 1974, que trata de medir o impacto do incremento
de um ano de estudo sobre o salário, é tratado na literatura econômica como
um marco da integração da teoria do investimento em capital humano com
os modelos formais da teoria econômica. A fim de medir o retorno da
educação Mincer propôs um tipo de equação que leva em conta a influência
da educação e da experiência profissional nos salários. Assim, o salário de
um indivíduo é dado por: lnYt=a+b1 s+b2t+b3t2+v (PEREIRA; ZAVALA,
2012, p. 209).
No Brasil, essa teoria também teve franco desenvolvimento, sendo os estudos de
Langoni (1973) um dos pioneiros na aplicação da metodologia minceriana. Já utilizando
dados das pesquisas nacionais por amostra de domicílios – PNADs, Leal e Werlang (1991)
apontam uma taxa de retorno de salário de 16% por ano a mais de estudo. Resende e Wyllie
(2005) encontraram retornos por ano de educação da ordem de 12,6% para mulheres e 15,9%
para os homens, utilizando dados da Pesquisa sobre Padrão de Vida – PPV/IBGE, o que já
demonstra o impacto da variável gênero no estudo dos salários. Interessante destacar a
pesquisa de Suliano e Siqueira (2012) que “encontram evidências de que o retorno da
escolaridade ainda se mantém em patamares elevados, [...]. Para a região Nordeste, um ano a
mais de estudo eleva em 16 por cento os salários, enquanto na região Sudeste este incremento
é de 13 por cento” (PEREIRA; ZAVALA, 2012, p. 211):
Não obstante o uso de diferentes técnicas de estimação, diferentes variáveis
explicativas e base de dados diversas distribuídas ao longo dos anos, as
evidências são de que a taxa de retorno educacional brasileira ainda é
persistentemente elevada. Tais resultados coadunam com os resultados
encontrados por Psacharopoulos e Patrinos (2002) ao estimarem a taxa de
retorno para um conjunto de países. Estes autores mostram que a taxa de
retorno para o Brasil é 15 por cento por ano adicional de estudo, colocando o
país em nono lugar de um total de 71 países (PEREIRA; ZAVALA, 2012, p.
211).
Considerando também o aspecto qualitativo da educação, destaca-se o trabalho de
Behrman e Birdsall (1983), quando „utilizam a equação minceriana para analisar o impacto da
qualidade da educação nos rendimentos, sendo essa equação definida pela alocação de
recursos públicos destinados à educação na forma de qualificação do professor” (SIMÕES;
82
CIRINO; CASSUCE, 2014, p. 484). Com o mesmo viés qualitativo, França, Gasparini e
Loureiro (2005) chegaram a mesma conclusão de que a educação aumenta os rendimentos do
trabalho.
Também tendo como base a equação minceriana, Simões, Cirino e Cassuce (2014)
desenvolveram importante estudo onde analisam o impacto qualitativo e quantitativo da
educação (anos de estudo) no rendimento do trabalho no Brasil. Analisando os resultados da
pesquisa, um dado digno de registro logo à partida é o fato de que o retorno em educação em
temos de quantidade no Brasil é cerca de duas vezes maior do que o retorno em qualidade:
Os resultados mostraram que, conforme o esperado, tanto a educação em
termos de anos de estudo formal quanto a qualidade dessa educação,
expressa no IDEB utilizado, são importantes determinantes para o
rendimento médio do trabalho no mercado nacional. Destaca-se que, em
termos de magnitude, o impacto dos anos de estudo mostrou-se maior. Esse
resultado pode estar ligado ao fato de os anos de estudo formal serem um
sinal mais forte para os empregadores, em termos de produtividade do
indivíduo, do que o seu resultado no IDEB, que, na prática, não é
considerado (SIMÕES; CIRINO; CASSUCE, 2014, p. 494).
Também ficou evidenciado no estudo que os trabalhadores com curso superior recebem
em média 219,14% a mais de salário do que aqueles sem diploma. De forma consolidada, a
dissertação de mestrado de Rodrigues (2010) traz um interessante apanhado de várias
pesquisas feitas que analisaram o efeito de um ano a mais de escolaridade no rendimento do
Trabalhador:
Tabela 4 - Retorno salarial de anos a mais de escolaridade de acordo com alguns autores
AUTORES ANO EM EMA MVI HC
Mincer 1976 11,29% - - -
Leal e Werlang 1991 15% - - -
Angrist e Kruege 1991 - - 7,15%; 8% -
Ueda e Hoffmam 2002 - 9,80% 16% e 17,2% -
Chaves 2002 13,88% 8,40%
Sachsida 2004 - - 16% e 17,5% -
França, Gasparini e Loureiro 2005 15,43% 10% 22% -
(Continua)
83
Rocha e Campos 2006 - - - 18,8%*
14,7%°
Resende e Wyllie 2006 - 1,41% - 0.126
Salvato e Slva 2007 14,95% 13,90% 22,14% 15,8%*
13,78%°
Zaist Salvato e Nakabashi 2008 - - - 11,30%*
8,40%°
Leigh e Ryan 2008 - - 5%; 8%; 12% 15,9%*
12,6°
Chen e Hamori 2009 - 7,67%*
8,06°
12,61% -
EM é a equação de Mincer adaptado; MVI é o Método de Variáveis Instrumentais; MH é a
Metodologia de Heckaman; * é o retorno salarial de anos a mais de escolaridade para a
mulher; ° é o retorno salarial de anos a mais de escolaridade para o homem.
Fonte: (RODRIGUES, 2010, p. 37)
Seja qual for a metodologia utilizada, a abordagem por aspectos quantitativos,
qualitativos, de gênero, raça, localidade, etc., o fato comum ente todas as pesquisas é a
importância e relevância dos anos de estudo no processo de formação socioeconômica dos
trabalhadores. Neste sentido, esses dados são um forte indicativo de que o investimento na
expansão do ensino superior, tanto em termos quantitativos como qualitativos, traz um
significativo impacto no rendimento dos indivíduos e no desenvolvimento econômico de uma
forma geral. O sistema de cotas se insere nessa expectativa de acumulação de capital
econômico dos estudantes que hoje participam do programa.
Esse aspecto tornou-se tão relevante que o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento - PNUD, ao produzir e divulgar desde 1990 o Relatório de
Desenvolvimento Humano, tem como matriz a teoria do capital humano, pois o indicativo
estatístico da taxa de formação de capital humano de cada nação é o Índice de
Desenvolvimento Humano – IDH, que leva em consideração esperança de vida, educação e
rendimento, servindo de base para diversos outros estudos que consideram a exclusão, a
educação e o rendimento das pessoas. Assim, espera-se que as políticas macroeconômicas de
todas as nações tenham como foco o desenvolvimento humano de forma imediata e o
desenvolvimento econômico como consequência mediata. E o sistema de cotas tem um papel
fundamental neste processo.
(Conclusão)
84
4.2 EXCLUSÃO SOCIAL, DESENVOLVIMENTO HUMANO E EDUCACIONAL
Com já demonstrado, é com base na teoria do capital humano que diversos índices são
desenvolvidos tendo como foco a exclusão social, o desenvolvimento humano e o
desenvolvimento educacional, buscando subsidiar os agentes políticos para o processo de
decisão da implantação de política públicas. O sistema de cotas não pode prescindir da análise
desses diversos índices para a orientação da direção do ciclo da política pública.
Começo pelo Índice de Desenvolvimento Humano – IDH. O IDH na verdade é a
medida do desenvolvimento humano de um país, apresentada pela primeira vez em 1990 (com
divulgação periódica a partir de então) no primeiro Relatório de Desenvolvimento Humano do
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, projeto que fora idealizado
pelo economista paquistanês Mahbub ul Haq, tendo a importante colaboração do economista
Amartya Sem, como alternativa ao Produto Interno Bruto – PIB, índice predominantemente
utilizado na época.
O IDH pode ser medido levando-se em consideração três dimensões específicas, a
saber: a saúde, pela perspectiva de se levar uma vida longa e saudável; a educação, pela
oportunidade de acesso ao conhecimento; a renda, pela possibilidade de se puder desfrutar de
um padrão de vida digno. Pela simplicidade de congregar em um único índice essas três
importantes dimensões da vida, o IDH acabou ganhado grande reputação mundial, facilitando
a compreensão e fomentando a discussão sobre o desenvolvimento humano das sociedades. O
IDH varia entre 0 (zero) e 1 (um) e compõe-se da média geométrica de suas três dimensões,
revelando que tanto maior terá desenvolvimento humano a nação quanto mais se aproxime do
valor 1 (um). De acordo com o último relatório do PNUD, divulgado em março de 2017 e
elaborado em 2016 com dados de 2015, o Brasil tem um IDH de 0,754, ocupando a 79ª
posição no ranking mundial, considerado um país com índice mediano.
85
Gráfico 4 - Evolução do IDH do Brasil
Fonte: PNUD, adaptado
Analisando os últimos relatórios do PNUD observa-se que do ano de 2010 a 2013 a
expectativa de anos de estudo dos brasileiros subiu de 14 para 15,2 anos. Já a média efetiva de
anos de estudo no brasil subiu de 6,9 em 2010 para 7,8 em 2015. Esses dados são relevantes
quando cotejados com a teoria do capital humano para quem a educação é a chave do
desenvolvimento de um país e da renda pessoal de um indivíduo.
Em 2012 o PNUD Brasil, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA e a
Fundação João Pinheiro resolveram adaptar a metodologia do Índice de Desenvolvimento
Humano - IDH Global para um cálculo de um Índice de Desenvolvimento Humano Municipal
– IDHM, tomando como base os dados coletados nos últimos três censos demográficos,
realizados em 1991, 2000 e 2010, popularizando o conceito de desenvolvimento humano e
estimulando a formulação e implementação das políticas públicas que tenham como
finalidade priorizar a melhoria de vida das pessoas. Merece destaque IDHM de Fortaleza:
Gráfico 5 - IDHM de Fortaleza – 1991, 2000, 2010
Fonte: PNUD, IPEA, FJP, adaptado
86
Interessante notar, de logo, que o IDHM de Fortaleza de 0,754 em 2010 situa o
município na faixa de desenvolvimento humano alto26
(IDHM entre 0,700 e 0,799) e que essa
evolução verificada no período de 1991 a 2010 reflete exatamente a expressão de suas
dimensões (anos de vida, educação e renda), sendo certo que esse desenvolvimento está
diretamente ligado ao aumento do nível de educação e a consequente renda do trabalho,
conforme visto no capítulo precedente dedicado à teoria do capital humano.
Em 2017 o PNUD Brasil, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA e a
Fundação João Pinheiro congregados no esforço de produzir indicadores socioeconômicos
cada vez mais específicos, publicam um novo espectro de dados no âmbito do Atlas do
Desenvolvimento Humano no Brasil, com a desagregação do IDHM por cor, sexo e situação
de domicílio:
O objetivo dessa iniciativa é visibilizar dados estatísticos que evidenciam
desigualdades e, com isso, subsidiar a elaboração de políticas públicas que
visem a promoção da igualdade racial, de gênero e das condições sociais das
populações residentes nas áreas urbanas e rurais.
A questão que aqui se coloca é: o processo de desenvolvimento recente do
país ampliou ou reduziu as desigualdades entre esses grupos de indivíduos,
se consideradas as dimensões do desenvolvimento humano? (PNUD, 2017)
Pois bem, a análise dos dados desagregados já confirmam as diferenças
socioeconômicas entre os grupos estudados, uma vez que brancos, homens e populações
urbanas obtiveram os melhores resultados. Notou-se em 2010 que o IDHM dos negros no
Brasil levou 10 anos para se equiparar ao IDHM dos brancos em 2000, diminuindo
significativamente a diferença entre os índices atuais, analisados os dados de 2000 a 2010,
onde a taxa média de crescimento do IDHM da população negra cresceu 2,5% ao ano,
superando os 1,4% ao ano da população branca. Como o fator educação tem forte relevância
na composição do índice é de se observar que este fato coincide com a expansão da oferta de
vagas para negros nas universidades observada nesse mesmo período, conforme
detalhadamente analisado no capítulo inicial:
26
No caso dos países a avaliação do PNUD segue a seguinte tabela:
IDH baixo: abaixo de 0,500 - IDH médio: entre 0,500 e 0,799
IDH alto: 0,800 e 0,899 - IDH muito alto: acima de 0,900
87
Gráfico 6 - Evolução do IDHM desagregado no Brasil, 2000 e 2010
Fonte: PNUD 2017
Tabela 5 - Subíndices do IDHM desagregado no Brasil, 2000 e 2010
Fonte: PNUD, 2017
88
Mas uma vez observamos pela análise das tabelas acima e pelas conclusões do estudo a
relação direta entre formação escolar e nível de renda. Se para a população negra o aspecto
educacional foi o que mais contribuiu para o crescimento médio anual de 4,9% em seu
IDHM, a renda domiciliar per capta capita observou um aumento de 55,48% no mesmo
período, mas a diferença entre a renda de negros e brancos ainda é muito grande, pois a renda
média per capita dos brancos ainda é mais que o dobro da renda da população negra.
Tendo como pano de fundo o IDH do PNUD, preservando os indicadores Longevidade,
Escolaridade e Riqueza, mas incluindo outras variáveis específicas, encontramos o Índice
Paulista de Responsabilidade Social – IPRS27
, produzido pelo Instituto Legislativo paulista
(ILP, 2014), o índice de Vulnerabilidade Social – IVS28
, elaborado pelo IPEA com a mesma
metodologia do IDH e IDHM, o Índice de Exclusão Social29
(GUERRA; POCHMANN;
SILVA, 2014), o Índice de Exclusão Social30
(LEMOS, 2008), o Índice de Desenvolvimento
Educacional –IDE e o Índice de Desenvolvimento Humano de Fortaleza, por bairro,
elaborados pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Município de Fortaleza, onde é
27
O IPRS acompanha o paradigma que sustenta o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), do Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Esse modelo pressupõe que a renda per capita é insuficiente
como único indicador das condições de vida de uma população e propõe a inclusão de outras dimensões
necessárias a sua mensuração. Assim, além da renda per capita, o IDH incorpora a longevidade e a escolaridade,
adicionando as condições de saúde e de educação das populações em um indicador mais abrangente de suas
condições de vida IILP, 2014, p. 11).
28 O Índice de Vulnerabilidade Social (IVS), construído a partir de indicadores do Atlas do Desenvolvimento
Humano (ADH) no Brasil, procura dar destaque a diferentes situações indicativas de exclusão e vulnerabilidade
social no território brasileiro, [...]. Complementar ao Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), o
IVS traz dezesseis indicadores estruturados em três dimensões, a saber, infraestrutura urbana, capital humano e
renda e trabalho, permitindo um mapeamento singular da exclusão e da vulnerabilidade social para os 5.565
municípios brasileiros (conforme malha municipal do Censo demográfico 2010) e para as Unidades de
Desenvolvimento Humano (UDHs) das principais regiões metropolitanas (RMs) do país (IPEA, 2015, p. 12).
29 Tem como finalidade classificar os municípios brasileiros segundo o grau de desenvolvimento econômico e
social, servindo de subsídio para a concepção e implementação de políticas públicas destinadas a reduzir os
aspectos perversos da exclusão social (GUERRA; POCHMANN; SILVA, 2014 p. 22).
30 Desta vez também tivemos o cuidado de dar uma maior ênfase ao papel da educação no processo de
desenvolvimento econômico sustentado. Já havíamos detectado que o maior peso no IES está neste indicador, o
que mostra a sua importância na definição e na determinação do padrão de desenvolvimento ou de pobreza
(LEMOS, 2008, p. 8).
89
observado que o fator escolaridade repercute de forma decisiva no nível de renda dos
cidadãos.
Outro estudo relevante e que consta do documento FORTALEZA 2040 (FORTALEZA,
2015) traz dados que reforçam essa expectativa de que anos a mais de estudo possam
repercutir no padrão de renda. Analisando dados da RAIS, IBGE, IPECE, o Município de
Fortaleza teve um aumento de 131,7% nos empregados com nível superior. Neste mesmo
período observou um aumento na remuneração por grau de instrução, havendo também uma
diminuição dos componentes da classe baixa e um aumento das classes média e alta:
Tabela 6 - Remuneração média por grau de instrução – Fortaleza 2000/2010
Fonte: RAIS/MTE, adaptado
90
Figura 4 - População de Fortaleza por classes
Fonte: RAIS, adaptado
Também é interessante observar no mesmo estudo, fato corroborado pelo relatório do
Índice de Desenvolvimento Educacional de Fortaleza por Bairro, que a distribuição do
rendimento médio nos 119 bairros de Fortaleza encontra seu menor patamar nos bairros de
periferia, justamente onde se observa um grau de instrução bem menor em relação aos bairros
ditos “nobres” (FORTALEZA, 2016). Os 16 bairros com maior renda estão na chamada
“zona nobre”, enquanto os 103 com mais pobres estão localizados na periferia:
91
Figura 5 - Renda mensal média por bairro - Fortaleza - 2010
Por fim, analisando o relatório Grandes Números da Declaração de Imposto de Renda
da Pessoa Física – GNDIRPF 2016, que constam dos dados abertos da Receita Federal do
Brasil (RECEITA FEDRAL, 2016 - Resumo da Declaração por Ocupação Principal do
Declarante), a tabela 14 nos aponta que o rendimento tributável é maior para aquelas
ocupações que exigem nível superior de instrução e mais tempo de anos de estudo e
escolaridade:
92
Tabela 7 - Resumo da declaração por ocupação principal do declarante
GRANDES NÚMEROS DIRPF 2016 - ANO-CALENDÁRIO 2015 R$ EM BILHÕES
Ocupação Principal do Declarante Qtde Declaran
tes Rendim. Tribut.
Rendim. Tribut. Exclus.
Rendim. Isentos
Membro do Poder Executivo 8.235 0,95 0,06 0,18
Membro do Poder Judiciário e de Tribunal de Contas 20.699 7,63 1,07 3,93
Membro do Poder Legislativo 38.006 2,99 0,17 0,64
Membro do Ministério Público (Procurador e Promotor) 14.051 5,35 0,74 2,39
Dirigente superior da adm. pública, inclusive fundações etc 65.557 5,11 0,45 0,82
Diplomata e afins 2.625 0,41 0,11 0,67
Advogado do setor público, Proc. Fazenda, Cons. Jurídico etc 27.861 6,77 0,64 1,07
Servidor das carreiras de auditoria fiscal e de fiscalização 67.579 15,42 1,67 2,12
Deleg. de Polícia e serv. carreiras de polícia, exc. militar 128.021 14,48 1,17 1,39
Servidor das carreiras de gestão governamental, analista etc 19.803 2,69 0,25 0,29
Dirigente, pres., diretor emp. indust., com. ou prest. serv. 2.678.653 100,59 53,76 248,65
Presidente e diretor empresa pública e soc. economia mista 12.090 0,74 0,20 0,34
Gerente ou superv. empresa indust., comerc. ou prest. serv. 813.576 55,93 10,62 33,46
Gerente ou superv. empresa pública e soc. de economia mista 45.525 5,73 0,89 1,10
Presidente, diretor, gerente, superv. organ. internac. e ONG 10.765 0,73 0,11 0,32
Matemático, estatístico, atuário e afins 20.492 1,64 0,27 0,36
Analista de sist., desenv.de soft., adm.de redes e banco etc 333.887 26,53 4,00 7,30
Físico, químico, meteorolog., geólogo, oceanógrafo e afins 38.379 4,36 0,75 1,26
Engenheiro, arquiteto e afins 502.400 54,27 12,48 32,20
Biólogo, biomédico e afins 54.288 3,81 0,40 1,04
Agrônomo e afins 36.708 3,90 0,63 1,67
Médico 340.091 63,44 7,98 39,50
Odontólogo 186.144 14,34 1,12 4,30
Enfermeiro nível sup., nutricionista, farmacêutico e afins 404.469 25,22 2,16 3,20
Veterinário, patologista (veterinário) e zootecnista 44.656 3,11 0,38 1,33
Fonoaudiólogo, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional e afins 131.625 5,89 0,49 2,01
Advogado 312.794 19,85 5,00 25,31
Sociólogo e cientista político 6.243 0,53 0,09 0,21
Antropólogo e arqueólogo 1.433 0,12 0,01 0,05
Economista, administrador, contador, auditor e afins 427.909 36,02 9,18 20,68
Profissional de marketing, publicidade e da comercialização 73.103 5,00 1,13 3,33
Psicólogo 98.169 5,57 0,81 2,59
Geógrafo 4.358 0,34 0,04 0,08
Historiador 4.061 0,29 0,03 0,06
Assistente social e economista doméstico 60.579 4,04 0,36 0,53
Professor na educação infantil 261.341 12,39 1,00 1,03
(Continua)
93
Professor do ensino fundamental 1.005.904 55,16 4,33 4,48
Professor do ensino médio 518.606 32,95 2,71 3,79
Professor do ensino profissional 50.645 4,11 0,34 0,52
Professor do ensino superior 225.856 28,42 3,04 6,19
Pedagogo, orientador educacional 137.480 8,86 0,80 1,23
Técnico em constr. civil, edificações e obras de infra-est. 31.744 1,67 0,18 0,38
Técnico em eletro-eletrônica e fotônica 74.798 5,41 0,74 0,91
Técnico em informática 54.854 2,86 0,30 0,64
Técnico em biologia 2.348 0,13 0,01 0,02
Técnico da produção agropecuária 15.582 0,91 0,09 0,19
Técnico da ciência da saúde humana 133.177 6,06 0,47 0,40
Técnico da ciência da saúde animal 1.373 0,07 0,02 0,01
Técnico de labor., Raios-X e outros equipamentos diagnóstico 47.319 2,51 0,20 0,24
Técnico de bioquímica e da biotecnologia 2.605 0,14 0,01 0,02
Técnico de conservação, dissecação e empalhamento de corpos
540 0,03 0,00 0,00
Técnico em navegação aérea, marítima, fluvial e metrofer. 21.215 1,85 0,23 0,34
Técnico em transportes (logística) 32.595 1,55 0,18 0,30
Técnico das ciências administrativas e contábeis 143.654 7,31 0,76 1,67
Técnico de inspeção, fiscalização e coordenação administrat. 21.739 1,31 0,13 0,19
Técnico de serviços culturais 3.445 0,16 0,02 0,04
Outros técnicos de nível médio 529.659 29,59 3,12 3,65
Trabalhador de atendim. ao público, caixa, despachante etc 169.019 6,81 0,68 1,04
Trabalhador dos serviços domésticos em geral 19.555 0,49 0,04 0,13
Trabalhador dos serviços de hotelaria e alimentação 59.047 2,08 0,19 0,42
Trabalhador dos serviços de admin., conserv. e manut. edif. 68.361 2,65 0,22 0,31
Trabalhador dos serviços de saúde 172.564 8,47 0,68 0,72
Trabalhador dos serv. de embelezamento e cuidados pessoais 59.542 1,48 0,05 0,52
Trabalhador dos serviços de proteção e segur. (exc. militar) 156.838 7,28 0,58 0,45
Motorista e condutor do transporte de passageiros 400.850 12,94 0,88 4,06
Outros trabalhadores de serviços diversos 632.579 22,04 2,10 5,76
Vendedor e prestador de serviços do comércio, ambulante etc 813.630 28,02 2,28 6,18
Trabalhador da transformação de metais e compósitos 294.426 14,02 2,07 1,71
Trabalhador da fabricação e instalação eletro-eletrônica 39.772 1,88 0,28 0,23
Montador de aparelhos e instrumentos de precisão e musicais 1.488 0,06 0,01 0,01
Joalheiro, vidreiro, ceramista e afins 17.543 0,75 0,09 0,07
Trabalhador das indústrias têxteis, do curtimento, vest. etc 91.493 3,86 0,38 0,51
Trabalhador das indústrias de madeira e do mobiliário 33.774 1,27 0,12 0,21
Condutor e operador de robôs, veículos e equip. movim. carga 57.519 2,16 0,28 0,70
Trabalhador das indústrias química, petroquím., borracha etc 179.215 11,51 1,52 1,18
Trabalhador de instal. siderúr. e de materiais de construção 58.064 2,87 0,39 0,29
Trabalhador de instal. e máq. de fabric. de celulose e papel 31.518 1,73 0,23 0,15
Trabalhador da fabric. de alim., beb., fumo e agroindústrias 125.566 5,53 0,73 0,52
Operador de instalações de prod. e distribuição de energia 26.863 2,06 0,29 0,22
Trabalhador de reparação e manutenção 387.825 16,75 1,83 1,77
Fonte: Receita Federal do Brasil, adaptado
(Conclusão)
94
O que todos esses índices (IDH, IDHM, IES, IVS, IDE, IDH-B, GNDIRPF) e estudos
nos apontam é que há razão para concluir sobre uma expectativa positiva do aumento da renda
pessoal em função do aumento dos anos de estudo, aí incluído, por óbvio, o ensino superior e
a política focalizada de acesso à universidade que constitui o sistema de cotas, pois a ênfase e
o peso relevante da variável educação em todos esses índices que medem inclusão ou
exclusão, vida boa ou vida ruim (LEMOS, 2008), mostram a sua importância para definir e
determinar o padrão de desenvolvimento de uma sociedade e o seu nível de riqueza e pobreza.
4.3 O SISTEMA DE COTAS E A EXPECTATIVA DE ACUMULAÇÃO DE CAPITAL
ECONÔMICO
Não obstante a evidência de que a teoria do capital humano e a análise dos indicadores
socioeconômicos apontam para uma relação positiva entre escolaridade e nível de renda, esse
estudo não poderia prescindir da informação dos estudantes em relação a esse tipo de
expectativa.
Para isso foi elaborado questionário socioeconômico (anexo II) e aplicado a dois grupos
distintos: um formado por cotistas da Universidade Federal do Ceará (GRUPO A) e outro
aplicado a não-cotistas estagiários do curso de Direito na Advocacia-Geral da União (GRUPO
B), visando elaborar perfil socioeconômico e a percepção dos participantes em relação ao
assunto.
No que diz respeito ao Grupo de Cotistas, doravante denominado GRUPO A, observou-
se que dos 50 alunos entrevistados 70% se autodeclararam negros/pretos e 24% se
autodeclararam pardos/mestiços e apenas 6% brancos; e que de acordo com a classificação
estipulada pelo IBGE 64 se autodeclararam negros/pretos e 28 se autodeclararam pardos e 8%
se declararam brancos. Em relação aos não-cotistas, integrantes do GRUPO B, verificou-se
um percentual de 35,5% de brancos e 60,3% de pardos e apenas 4,2% de negros pelo critério
da autodeclaração, e pelos critérios do IBGE os percentuais de 36% de brancos, 60% de
pardos e apenas 4% de pretos.
Do universo dos cotistas abordados verifica-se um número bem superior de
pretos/negros que se dispuseram a participar da pesquisa em relação ao número de pardos. Se
tomarmos em consideração o fato de que existe uma relação inversa no percentual oficial para
95
o Estado do Ceará (IBGE/CENSO/2010 – 62% Pardos e 4,8% Pretos), pode-se concluir que
houve um interesse bem maior pelo assunto em relação à população negra/preta de cotistas, o
que demonstra um maior engajamento dos autodeclarados negros na luta por reivindicações
de caráter cultural e sociopolítico em ações que possam contribuir para a erradicação do
racismo, da discriminação e do preconceito, alinhado ao movimento negro que “tem se
debruçado sobre um trabalho de valorização do negro, de vivência da negritude e,
consequentemente, de uma identidade negra positiva, processo em que a educação
desempenha atuação importante (ADÃO, 2003, p. 61 apud AMORIM; FERREIRA; ALVES,
2012, p. 45).
No quesito escolaridade dos pais do GRUPO A observou-se um percentual de apenas
8% de pais e mães com nível superior, enquanto no GRUPO B esse percentual sobre para
82% de pais 66% de mães com nível universitário. Há também uma diferença marcante entre
os dois grupos no quesito condições socioeconômicas, na medida em que 68% do GRUPO A
não possuem nenhum automóvel em seu domicílio, sendo que 28% possuem 01, 4% possuem
02 e não há nenhum que possua 03 automóveis, enquanto que no GRUPO B esse percentual
cai para 10,2% sem automóvel, sendo que 22,4% possuem 01, 40,8% possuem 02 e 24,3%
possuem 03 veículos no seu domicílio. A mesma disparidade é verificada no que diz respeito
a móveis e utensílios domésticos, tevê por assinatura, número de banheiros, empregados
domésticos. Mas o interessante é que em relação a acesso à internet, possuir smarphone e
notebook, os números se equivalem.
Digno de destaque são as conclusões extraídas do relatório de campo no que diz
respeito à comparação da renda entre os dois grupos. No GRUPO A verificou-se que 52% dos
cotistas tem renda familiar média de até R$ 1.000,00, enquanto que no GRUPO B esse
percentual chegou a apenas 6%. No GRUPO B 86% próprios estudantes já têm essa renda e
88% dos estudantes tem renda familiar acima de R$ 3.000,00:
96
Gráfico 7 - Renda GRUPO A
Fonte: elaborado pelo autor
Gráfico 8 - Renda GRUPO B
Fonte: elaborado pelo autor
Esse diferencial de renda também vem refletido na trajetória escolar dos integrantes de
cada grupo de forma bem definida. Observou-se que quanto maior a renda, maior o percentual
de estudantes que tiveram sua trajetória na escola particular e, por conseguinte, tiveram
trajetória na escola pública aqueles com renda bem menor. Esse fato, aliado à escolaridade
dos pais e outros fatores socioeconômicos observados, é um forte indicativo da relação e da
influência direta que o status de origem pode produzir status de destino.
A segunda parte do questionário aplicado aos estudantes trata sobre a percepção de cada
um sobre temas como discriminação, preconceito e expectativa de mobilidade social em
97
relação ao sistema de cotas. Interessante notar que 54% dos estudantes do GRUPO A
participam de movimentos sociais e/ou movimento estudantil, enquanto apenas 4% dos
entrevistados do GRUPO B participa desse tipo de movimento, que demonstra, mais uma vez,
um maior engajamento dos autodeclarados pretos e pardos na luta por reivindicações de
caráter cultural e sociopolítico em ações que possam contribuir para a erradicação do racismo,
da discriminação e do preconceito.
Quando os dois grupos foram colocados frente ao questionamento se “o vestibular é um
método justo para selecionar aqueles que têm capacidade de entrar numa universidade”, 94%
dos cotistas no GRUPO A descordaram ou descordaram fortemente dessa assertiva, enquanto
no GRUPO B apenas 20% descordaram ou descordaram fortemente e 80% dos não-cotistas
concordaram ou concordaram fortemente com essa possibilidade.
Quando postos a opinar sobre se “estudantes brancos têm mais chance de entrar numa
boa universidade do que estudantes negros” as respostas foram as seguintes: no GRUPO A
94% concordaram ou concordaram fortemente, enquanto que no GRUPO B apenas 26%
concordaram ou concordaram fortemente, o que demonstra o grau de percepção do
preconceito estrutural em cada um dos grupos de forma bem definida. Quando chamados a se
manifestar sobre se “estudantes entram numa boa universidade apenas por seus próprios
méritos e esforços”, o GRUPO A descordou ou descordou fortemente com 92% de seus
integrantes, enquanto o GRUPO B descordou ou descordou fortemente com apenas 24% e,
por óbvio, concordou ou concordou fortemente em 76%, que demonstra, de forma bem clara,
a percepção de cada grupo em relação à meritocracia.
Quando a questão é se “anos de escravidão e discriminação criaram condições que
tornam difíceis para os negros conseguirem sair da pobreza”; “o Sistema de Cotas propiciará
o acúmulo de capital econômico, cultural e social, com repercussão direta no aumento do
capital humano e da empregabilidade, promovendo a ascensão social do indivíduo; “o
Sistema de Cotas proporcionará um alinhamento de valores e culturas no seio da
universidade, tornando um ambiente multicultural e mais heterogêneo”; “políticas de cotas
são uma boa forma de corrigir desigualdades raciais históricas”; “é válida a adoção de ações
afirmativas para igualar as oportunidades de acesso na universidade”; a percepção de ambos
os grupos é concordar ou concordar fortemente.
Já quando a questão é se “os negros não têm problemas relacionados à sua cor, os
problemas dos negros são iguais àqueles enfrentados pela maioria da população pobre”, a
percepção do GRUPO A é descordar ou descordar fortemente, enquanto no GRUPO B 68%
98
concordam ou concordam fortemente; agora se a questão é “não existe preconceito no Brasil,
pois somos uma nação miscigenada, ” há uma forte tendência em ambos os grupos de
descordar ou descordar fortemente.
Confrontados com a pesquisa do IPEA que aponta que “os negros recebem um salário
menor que os brancos, têm um índice de desenvolvimento humano - IDH menor do que o dos
brancos e são a maioria dos que vivem abaixo da linha de pobreza no Brasil”, e chamados a
opinar sobre qual o principal motivo que leva a população negra a viver em piores condições
que a população branca, a maioria de ambos os grupos entendeu ser o preconceito e a
discriminação que existe contra os negros.
De um modo geral as entrevistas evidenciaram uma relação direta entre o status de
origem e o status de destino, uma percepção diferenciada em relação ao preconceito,
discriminação e meritocracia e uma expectativa positiva equilibrada nos dois grupos em
relação à possibilidade das cotas corrigirem desigualdades sociais históricas; de que
propiciarem o acúmulo de capital econômico, cultural e social, com repercussão direta no
aumento do capital humano e da empregabilidade, promovendo a ascensão social do
indivíduo; bem como um alinhamento de valores e culturas no seio da universidade, tornando
um ambiente multicultural e mais heterogêneo.
99
5 CIDADANIA, SISTEMA DE COTAS E DIGNIDADE HUMANA
Assim como a educação tem um forte apelo no papel de construção da cidadania,
também podemos afirmar que cidadania e direitos humanos têm uma estreita relação. O
primeiro, Cidadania, é conceito eminentemente político de forte apropriação do direito. O
segundo, Direito Fundamental, é conceito eminentemente jurídico de forte apropriação
política. Neste sentido são conceitos que se interpenetram, denotando uma designação de
status social do cidadão conectado a um status normativo (REGO, 2008), um referente às
condições culturais, econômicas e sociais do indivíduo e o outro ligado à igualdade de
exercício de diretos abrangidos por determinado ordenamento jurídico:
Desta forma, a cidadania se constitui em um arcabouço de direitos,
prerrogativas e deveres que configura um sistema de reciprocidades
determinantes da natureza das relações entre os indivíduos entre si e com o
Estado. Seu enraizamento na vida coletiva como sentimento, cultura e
sistema de referências valorativas torna-se medida fundamental do grau de
democratização alcançado por uma dada sociedade. Sua configuração
política normativa mais ampla se expressa através de um conjunto de valores
morais e regras jurídicas e sociais que sustentam as relações de reciprocidade
e de interdependência entre os indivíduos e os diversos grupos sociais na
concretude da ação coletiva (REGO, 2008, p 149).
Numa visão mais ampla a cidadania haveria de abranger para além da garantia do
exercício de direitos, as noções de participação e pertencimento a determinada comunidade
(SOUKI apud CARVALHO, 1998). O certo é que a palavra cidadania expressa uma aspiração
que está na ordem do dia. Apesar de o conceito de cidadania ser central na agenda intelectual
e política das sociedades contemporâneas, e de cruzar a cada dia novas fronteiras, ganhando
mais espaço nas democracias representativas, não existe uma definição consensual ou mesmo
análises definitivas de sua história. (BOTELHO, 2012).
Da antiguidade clássica à sua apropriação como categoria jurídica de inspiração
romana, é na modernidade que o conceito de cidadania passa a revelar uma conotação mais
ligada à noção de “direitos do homem”, para assumir o qualificativo de “identidade social
politizada”. (REIS, 1998). Seus múltiplos significados gravitam, pois, em torno do universo
100
de valores e prática dos direitos e do reconhecimento de direitos que, por sua vez, fornecem o
conteúdo e os limites da cidadania. (BOTELHO, 2012).
Obra clássica das ciências sociais, sempre lembrada nas discussões do conceito de
cidadania, a conferência proferida por T. H. Marshal (1967) - Cidadania, Classe Social e
Status nos herdou uma sequência evolutiva histórica que aponta três dimensões do fenômeno
social da cidadania, a saber: Dimensão Civil, Dimensão Política e Dimensão Social. O
estatuto formal e o exercício material de todas essas dimensões de cidadania estão
umbilicalmente ligados à definição, proteção e materialização dos direitos fundamentais, os
direitos humanos. Essa visão da cidadania descrita por Marshal sugere que foi o exercício dos
direitos civis que ensejou a conquista dos direitos políticos e que o exercício destes, por fim,
permitiu os direitos sociais – que remetem à ideia central de justiça social, como, por
exemplo, o direito à educação. (BOTELHO, 2012):
Quando se separaram, os três elementos da cidadania romperam, por assim
dizer, toda relação. Tão completo foi o divórcio que, sem violentar
demasiadamente a precisão histórica, podemos designar o período formativo
de cada um a um século distinto - os direitos civis, no século XVIII; os
políticos, no XIX; e os sociais no século XX. Como é natural, estes períodos
deverão ser tratados com uma razoável elasticidade, e há certo solapamento
evidente, sobretudo entre os dois últimos (MARSHAL, 1967, p. 65).
Na verdade, foi o próprio Marshal que propôs essa separação da cidadania em três
elementos distintos, muito mais em função de sua evolução histórica31
do que propriamente
de seu sentido lógico. Para ele, em tempos passados essas dimensões de direitos de cidadania
estavam fundidos em um só bloco em função da agregação típica das instituições do Estado.
Assim é que definiu em três partes o conceito de cidadania:
Chamarei estas três partes, ou elementos, de civil, política e social. O
elemento civil é composto dos direitos necessários à liberdade individual –
liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito à
propriedade e de concluir contratos válidos e o direito à justiça. [...] Por
elemento político se deve entender o direito de participar no exercício do
31
No Brasil a evolução dessas dimensões da cidadania ocorreu de forma diferente do ponto de vista puramente
histórico.
101
poder político, como um membro de um organismo investido da autoridade
política ou como um eleitor dos membros de tal organismo. [...] O elemento
social se refere a tudo que vai desde o direito a um mínimo de bem-estar
econômico e segurança ao direito de participar, por completo, na herança
social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões que
prevalecem na sociedade. As instituições mais intimamente ligadas com ele
são o sistema educacional e os serviços sociais. (Grifei) (MARSHAL, 1967,
p. 63/64).
Apesar dessa posição estanque, e na crença de um Estado do Bem-Estar, que o levou a
acreditar numa unificação civilizatória pela via da cidadania, com o emprego de políticas
sociais de viés igualitário, o próprio Marshal problematizou e reconheceu a tensão existente
entre o desenvolvimento da cidadania por direitos iguais e a existência de desigualdades
sociais própria do sistema capitalista.
Nesse sentido, refletindo o processo de formação da cidadania do modelo Inglês, a
categorização de Marshal não pode ser tomada de forma acrítica ou atemporal, na medida em
que não havia como problematizar as tensões decorrentes das manifestações de etnia e raça,
bem como das lutas sociais que se desenvolveram no seio do Estado democrático de direito,
no contexto da contemporaneidade.
Nessa ordem de raciocínio, é possível ampliar a dimensão social colhida de Marshal
(1967), através das categorias de redistribuição e reconhecimento fornecidas por Nancy Fraser
(2001), no texto “Da Redistribuição ao Reconhecimento? Dilemas da Justiça na era pós-
socialista. Segundo Fraser (2001), nos dias atuais a materialização da justiça social exige a
presença de ações que garantam a redistribuição e o reconhecimento.
Em geral acolhido por pensadores liberais (John Rawls, Ronald Dworkin e Amartya
Sem), o paradigma da redistribuição foca formas socioeconômicas de injustiça, enraizadas na
estrutura econômica da sociedade, aí incluídas a exploração, a marginalização econômica e a
privação. Esse paradigma da redistribuição alinha-se a ideia de capital humano, e a relação
direta existente entre educação e desenvolvimento econômico, entre anos a mais de
estudo/formação e melhoria no nível de renda pessoal do indivíduo (conforme exaustivamente
trabalhado em capítulo precedente), inserido aí, por óbvio, o sistema de cotas.
Já o paradigma do reconhecimento tem por alvo injustiças culturais e simbólicas,
incorporando demandas pelo reconhecimento da diferença de grupos nacionais, étnicos,
raciais, dentre outros, aí incluídos a dominação cultural, o não reconhecimento e o
102
desrespeito. (NEVES, 2013). Tal paradigma guarda perfeita colimação a políticas públicas,
como o sistema de cotas, cujos objetivos estão ligados ao fomento de transformações de
ordem cultural; à promoção da diversidade e representatividade e à prevenção da
discriminação.
De qualquer modo, seja designando um status social do cidadão, seja afirmando um
status normativo do sujeito perante o Estado, o conceito arendtiano de cidadania como o
“direito a ter direitos (LAFER, 2003) nos indica a necessidade de materialização dos direitos
humanos, na medida em que o exercício de todos os demais direitos decorre exatamente do
que foi deferido pelo status de cidadania. E mais além, materialização de direitos humanos no
sentido de transformar uma cidadania formal em cidadania substancial, para que não constitua
essa declaração de direitos apenas uma folha de papel32
33
.
Aqui é importante rememorar que após a ruptura promovida nos diretos humanos, cujo
ponto alto foi a eclosão de duas guerras mundiais na primeira metade do século passado, a
comunidade internacional firma um novo pacto que teve como característica a positivação dos
direitos fundamentais nas constituições dos Estados soberanos e um sistema internacional de
proteção de direitos humanos mediados pela Organização das Nações Unidas – ONU, criada
com a finalidade precípua de evitar a repetição dos horrores da ruptura mundial e impedir um
terceiro conflito de proporções apocalípticas. A partir daí a dignidade do ser humano passou a
ser a condição essencial de uma paz duradoura.
A declaração Universal dos Diretos do Homem e do Cidadão, proclamada pela ONU
em 1948, em seu artigo primeiro reafirma os valores da revolução francesa, desta vez como
compromisso de todos os povos que passaram a partir de então a internalizá-los em seus
ordenamentos jurídicos positivos: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e
em direitos. São dotadas de razão e de consciência e devem agir em relação umas às outras
com espírito de fraternidade” (grifei). Sobre esse ponto específico é oportuno transcrever o
32
“Existem, contudo, em cada País, duas Constituições: uma, real e efetiva, integralizada pelos fatores reais de
poder que regem a sociedade; a outra, a Constituição escrita, a folha de papel, que poderá corresponder quase
perfeitamente à Constituição efetiva ou dela se dissociar. [...] Lassalle já dizia que de nada servirá o que se
escreve numa folha de papel, se não se justifica pelos fatores reais e efetivos do poder” (LIMA, 2000).
33 “Lassalle introduziu no estudo constitucional teorias que abordam o contraponto entre o que se compreende
por Constituição “real” - conjunto de “fatores reais de poder” que regem o país - e Constituição “folha de papel”
- constituição formal. Segundo esse autor, o valor e a durabilidade da Constituição escrita dependem da sua
coerência com os fatores sociais existentes, isto é, da Constituição real. Do contrário, esta fará fraquejar aquela,
resultando no seu descumprimento” (LAMAS, 2011).
103
comentário peculiar de Norberto Bobbio, como síntese das ideologias vencedoras do pós-
guerra, sobre essa referência explícita à liberdade, igualdade e fraternidade presente na
Declaração:
[...] um sinal dos tempos o fato de que, para tornar sempre mais irreversível
esta radical transformação das relações políticas, convirjam, sem se
contradizer, as três grandes correntes do pensamento político moderno: o
liberalismo, o socialismo e o cristianismo social (BOBBIO, 1992, p. 262
apud (TOSI, 2005)
Ainda sobre esse momento de ruptura dos direitos humanos, Lafer (2003) liga sua crise
ao advento do “estado totalitário de natureza”, classificando o totalitarismo como uma
proposta de organização da sociedade cujo objetivo nada mais é que a dominação total dos
indivíduos. Para ele, o caráter supérfluo dos seres humanos assumido pelo totalitarismo
desconsidera a especificidade do ser humano como valor-fonte de todos os valores sociais e
fundamento da ordem jurídica. Assim, na medida em que a dignidade do ser humano ganha
expressão jurídica nos direitos fundamentais, a sua abolição diz respeito de forma direta à
crise dos direitos humanos verificada no período entre as duas grandes guerras mundiais.
Ao discorrer sobre a origem e desenvolvimento dos direitos humanos através da
tradição ocidental, Lafer (2003) indica a expressão bíblica de que “Deus criou o homem à sua
imagem” para asseverar que o valor atribuído ao ser humano como fundamento dos direitos
humanos é uma asserção que faz parte da tradição, rompida esta pela experiência totalitária.
Identifica ainda na tradição grega a referência necessária aos direitos do homem, apontando
no estoicismo um movimento importante de divulgação de uma nova dignidade do ser
humano após o fim da democracia e das cidades-estados. Aponta a tradição judaico-cristã
como importante fonte dos direitos humanos pelo valor absoluto consagrado a cada pessoa
humana, pensamento que tornou possível a temática dos direitos do homem.
O mesmo autor faz referência como importante elemento da tradição a fundamentar os
direitos humanos o individualismo, pensamento que ao colocar o homem no centro das
preocupações, inclui a subjetividade como dado fundamental da realidade. Do mesmo modo
vê na reforma que promoveu a ruptura da unidade religiosa, aspiração da liberdade de credo,
como outro fator importante para o desenvolvimento da doutrina dos direitos humanos.
Finalmente encontra nos contratualistas da ilustração o fundamento filosófico que permitiu a
positivação do tema dos direitos humanos nas declarações de direito que se seguiram às
104
chamadas revoluções burguesas, tendo em vista que as revoluções Americana e Francesa
tinham por escopo dar uma dimensão permanente dos direitos concebidos na nova ordem
estatal. Essa positivação iria se mostrar relativa do ponto de vista da intenção de permanência
dos direitos humanos por ocasião do totalitarismo.
Com essa evolução histórica Lafer (2003) aponta o movimento de afirmação jurídico-
política dos direitos humanos, consagrados em primeira, segunda e terceira gerações ou
dimensões. Para tal finalidade utiliza a dicotomia, de forma não excludente, ex parte populi/ex
parte pincipis, com a finalidade de analisar os direitos humanos sob a perspectiva daqueles
submetidos ao poder, no primeiro caso, em inter-relação com a daqueles detentores do mesmo
poder, no segundo.
Assim é que os direitos humanos de primeira geração são aqueles inerentes ao
indivíduo, constituem um não fazer por parte do Estado, estão ligados à perspectiva da
liberdade, tido como direitos naturais e precedentes ao contrato social. São os direitos civis e
políticos consagrados nas declarações de Virgínia e Francesa. Já os direitos humanos de
segunda geração são aqueles vinculados ao Estado de bem-estar, constituem um fazer para o
Estado e um direito de crédito para o indivíduo, havendo perfeita complementaridade com os
direitos de primeira geração, visto que buscam dar efetividade à realização dos direitos civil e
políticos. São os direitos sociais, econômicos e culturais, dentre eles o direito à educação.
Lafer (2003) arremata que a heterogeneidade jurídica dos direitos de primeira e segunda
gerações propiciou que sua tutela no âmbito do sistema universal de proteção dos direitos
humanos do pós-guerra tivesse que ser definida em dois documentos distintos, o que refletia a
divisão ideológica dos blocos vencedores da segunda guerra mundial e que prevaleceu no
mundo até o final da guerra fria34
.
Definidos os contornos dos direitos de primeira e segunda gerações (ou dimensões35
),
baseados nos valores de liberdade e igualdade, temos aqueles ligados ao valor fraternidade,
34
“Já no primeiro Tratado sobre Direitos Humanos, nos anos 60, as principais potências – os Estados Unidos,
com visão liberal, e a União Soviética, com sua visão marxista do mundo – divergiram sobre seu conteúdo. [...]
A solução foi a assinatura de dois tratados: o Pacto dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, ambos assinados em 1966” (CASADO FILHO, 2012, p. 54).
35 “A primeira crítica que se faz à classificação dos direitos em “gerações” é a de que tal termo passa uma ideia
de hierarquia entre os direitos. Para tais críticos, como Bobbio, há no subconsciente coletivo a percepção de que
uma geração posterior seria superior à que lhe antecedeu, algo que não é verdade quando falamos de Direitos
Humanos. [...] Em virtude das aparentes confusões que o termo „gerações‟ poderia causar, boa parte da doutrina
prefere utilizar a expressão “dimensões”, para classificar os direitos humanos” (CASADO FILHO, 2012, p. 40).
105
sendo os chamados direitos de terceira geração aqueles considerados de inspiração e
titularidade coletiva, como o da autodeterminação dos povos, o direito ao desenvolvimento, o
direito ao meio ambiente equilibrado e o direito à paz, dentre outros36
.
De qualquer sorte, os direitos humanos, independentemente do valor a que esteja
relacionado, a geração ou dimensão em que foi classificado, “representam a cristalização do
supremo princípio da dignidade humana” (COMPARATO, 2016, p. 627), a materialização do
“direito a ter direitos”, a consolidação do respeito à liberdade, como um espaço que abriga a
pluralidade e, a partir dela, constitui esfera política e cria uma realidade compartilhada
(CARVALHO in AQUINO; REGO, 2014).
É desse respeito à pluralidade e da garantia de um mínimo existencial de bem-estar
econômico de que trata o sistema de cotas, e é nessa perspectiva que a implementação no
Brasil de ações afirmativas (SISTEMA DE COTAS – SOCIAIS E RACIAIS) possa atender a
uma demanda reprimida de cidadania social, nas categorias de redistribuição e
reconhecimento, propícias a contribuir para o nivelamento do capital econômico, cultural e
social do habitus inicial dos indivíduos, reproduzindo na sociedade todo o reflexo do
multiculturalismo decorrente da inclusão social promovida no âmbito do sistema educacional
de nível superior. O sistema de cotas é aqui encarado como instrumento de cidadania
redistributiva que tem por objetivo materializar a dignidade humana pelo exercício pleno do
direito à educação.
36
“Na atualidade existem doutrinadores que defendem a existência dos direitos de quarta geração ou dimensão,
[...] Para Noberto Bobbio, “tratam-se dos direitos relacionados à engenharia genética. ”[...] Paulo Bonavides
também defende a existência dos direitos de quarta geração, com aspecto introduzido pela globalização política,
relacionados à democracia, à informação e ao pluralismo, [...]. Registre que já existem autores defendendo a
existência dos direitos de quinta geração ou dimensão, sendo que entre eles podemos citar o próprio Paulo
Bonavides, aonde [sic] o mesmo vem afirmando nas últimas edições de seu livro, que a Paz seria um direito de
quinta geração” (DIÓGENES JÚNIOR, 2012, p. 05).
106
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A questão ética baseada no critério certo/errado, justo/injusto, que poderia se supor
sepultada pela manifestação recorrente do Supremo Tribunal Federal em relação
constitucionalidade do sistema de cotas, permanece latente na sociedade brasileira,
notadamente em tempos em que se observa uma ameaça de retrocesso não só na
materialização de uma cidadania substantiva através da prestação de políticas sociais
focalizadas, pactuadas pela sociedade brasileira em 1988, mas no próprio deferimento formal
em uma carta de direitos, a Constituição Cidadã. Discursos carregados de preconceitos e
discriminação, um acirramento, midiaticamente incentivado, de opostas visões de mundo, que
tenham o mercado ou a pauta social no cento de desenvolvimento, favorecem setores
conservadores capazes de provocar um verdadeiro efeito backlash37
, notadamente em relação
à questão racial no Brasil.
Essa postura reacionária observada na sociedade brasileira em tempos de redes sociais
reflete nada menos do que o modo como foi tratada a questão racial no Brasil, desde o
nascedouro da nação, e que por séculos produziu as condições de possibilidade para o
empobrecimento da população negra, a exclusão, a discriminação, o preconceito e a falta de
representatividade desse segmento no tecido social. Uma política inicial pautada no racismo
científico e na ideia de embranquecimento da população, seguida de uma postura ideológica
que favoreceu a criação do chamado mito da democracia racial brasileira, paralisaram
qualquer disposição de luta por reivindicações e mudanças pela falsa promessa de uma
integração que nunca veio. A virada ideológica e o reconhecimento do Estado brasileiro da
existência de um racismo estrutural só veio a ocorrer quase 500 anos depois do início do
flagelo da escravidão, sendo certo que foi somente após todo o processo envolvendo a
participação brasileira na III Conferência Mundial contra o Racismo, Xenofobia e
Intolerâncias Conexas, ocorrida em Durban, África do Sul, no ano de 2001, que o tema do
racismo e a adoção de ações focalizadas entraram na agenda das políticas públicas oficiais,
37
“Aqui no Brasil, também é notória a presença do efeito backlash, fruto da reação política ao aumento do
protagonismo judicial nas últimas décadas. É perceptível a ascensão política de grupos conservadores, havendo,
de fato, um risco de retrocesso em determinados temas. A cada caso polêmico enfrentado pelo Supremo Tribunal
Federal, tenta-se, na via política, aprovar medidas legislativas contrárias ao posicionamento judicial”
(MARMELSTEIN, 2016).
107
com a recomendação para adoção de cotas para estudantes negros nas universidades públicas
brasileiras, política alinhada a outras ações simbólicas antirracistas, com viés de reparação e
inclusão, culminando com o Estatuto da Igualdade Racial e a Lei de Cotas.
A implantação das cotas no Brasil ocorreu de forma paralela à expansão da oferta de
vagas nas universidades brasileiras, seja por meio do REUNI, seja por meio da criação de
novas instituições de ensino superior, seja por políticas como SISU, PROUNI e FIES, o que
propiciou não ter havido a redução do número de vagas para não-cotistas com a sua
implantação. De outra banda, a previsão na lei de cotas de critérios de renda (a cota social),
étnicos (pretos, pardos e indígenas) e vulnerabilidade física (deficientes), que dão tratamento
semelhante a parâmetros de desigualdade necessariamente imbricados, dotou o modelo
brasileiro oficial de uma legitimidade capaz de lhe deferir sustentabilidade do ponto de vista
da efetividade social e da segurança jurídica.
É claro que essas políticas não foram implantadas sem a reação de setores que,
consciente ou inconscientemente, atuaram na direção da manutenção da dominação
econômica e do arbitrário cultural prevalente. Argumentos sobre a existência de uma única
raça, a falta de razoabilidade de utilizar o fator étnico para diferenciar os indivíduos no
exercício de direitos que se entendiam universais, a falsa ideia de que o negro é discriminado
porque é pobre e não porque é negro, o suposto risco do agravamento do preconceito e da
criação de uma discriminação reversa em relação aos brancos, a impossibilidade de reparar
erros de gerações passadas com o sacrifício de gerações futuras, para justificar a adoção
somente de políticas educacionais universalistas, foram e são ainda hoje utilizados para
deslegitimar a política de cotas.
Ocorre que o fato de biologicamente existir uma única raça é exatamente o fator que
legitima a discriminação positiva. Ora, se existe apenas uma raça, por que há tamanha
desigualdade dos indicadores sociais entre pretos, índios e brancos? A resposta está no fato de
que a divisão da sociedade por “raças” permanece como construção social e os efeitos dessa
construção hão de ser necessariamente enfrentados e reparados por parte da sociedade através
das ações do Estado. Neste sentido, viu-se no estudo que o negro é discriminado por que é
pobre; mas também foi observado que o negro somente é pobre porque é negro, pois foi
submetido a um longo processo de empobrecimento com a participação ativa da sociedade
através do Estado. Essa constatação é dura, mas é importante que se diga.
Em relação ao argumento sobre a necessidade de investimento em políticas universais é
bom que se diga que há mesmo necessidade de investimento em políticas universais. Mas não
108
só. Como visto no estudo (e o exemplo de cuba é emblemático para mostrar) as políticas
universais sozinhas não são suficientes para debelar o racismo estrutural. Se no primeiro
momento da revolução cubana foram adotadas políticas universalistas, com a abolição de
qualquer discriminação (não existiam cubanos brancos ou negros, apenas cubanos), na cresça
de que a discriminação e as desigualdades raciais desapareceriam junto com o privilégio de
classe, trinta e oito anos depois foi constatado que as mudanças não extinguiram as
desigualdades raciais, que persistiram em todos os setores, do educacional à representação
política, tendo Fidel Castro reconhecido a sub-representação dos negros nos postos de
liderança do Estado, adotando-se, a partir daí, políticas de ações afirmativas na ilha.
Adotadas essas políticas de cotas no Brasil, que expectativas se devem ter em relação a
elas, no que diz respeito à prevenção da discriminação e do preconceito? Viu-se no estudo que
o campo educacional e científico, assim como o campo da comunicação é um espaço de luta
social, “um espaço onde o poder simbólico, dentre outros é exercido (SANTOS, 2004, p.
163). A dominação simbólica exercida silenciosamente através do sistema educacional formal
ganha um novo componente com o sistema de cotas, uma oportunidade de utilizar a
heteroglossia bakhtiniana (GONÇALVES, 2016) a favor da emancipação, traduzida pela
diversidade social produzida pela transformação do perfil da comunidade universitária, como
importante fator de transmissão de uma herança cultural mais igual (ou menos desigual), uma
vez que a diversidade permite a ampliação do alcance das perspectivas intelectuais e culturais,
realinhando a disposição das forças em permanente luta nos campos de produção simbólica.
Assim a universidade não deve desperdiçar a oportunidade de adequar e aplicar ao
mundo real seus projetos políticos pedagógicos que contemplem essa maior diversidade
cultural que passou a experimentar por força da ação afirmativa; trabalhar efetivamente a
humanização social através de uma formação cultural que favoreça a transformação dos
cidadãos, de forma democrática e participativa. Essa é a expectativa em relação ao modo
como a universidade lidará com a diversidade cultural trazida pelo sistema de cotas.
Mas não é só. Como visto, a teoria do capital humano, utilizada como parâmetro para a
construção de diversos indicadores (IDH, IDHM, IES, IVS, IDE, IDH-B, GNDIRPF) que
relacionam educação e desenvolvimento econômico; tempo de vida, escolaridade e riqueza;
vida boa e vida ruim; contemplando três dimensões necessárias para uma vida plena: uma
vida longa e saudável (longevidade), o acesso ao conhecimento necessário para a
perfectibilidade (educação) e um padrão de vida para aceso às necessidades básicas (renda),
evidenciou o potencial do sistema de cotas para melhoria da renda da população atingida,
109
pois a ênfase e o peso relevante da variável educação em todos esses índices que medem
inclusão ou exclusão mostram a sua importância para definir e determinar o padrão de
desenvolvimento de uma sociedade e o seu nível de riqueza e pobreza
Essas expectativas foram confirmadas nas entrevistas realizadas em dois grupos
distintos, que, se evidenciaram a relação direta entre status de origem status de destino,
também revelaram uma percepção dos estudantes de ambos os grupos em relação à existência
de preconceito e discriminação, à ideia de uma meritocracia relativa que não iguala os pontos
de partida, e, principalmente, à possibilidade das cotas corrigirem desigualdades sociais
históricas; de propiciarem o acúmulo de capital econômico, cultural e social, com repercussão
direta no aumento do capital humano e da empregabilidade, promovendo a ascensão social do
indivíduo; bem como um alinhamento de valores e culturas no seio da universidade, tornando
um ambiente multicultural e mais heterogêneo.
A par disso, essa garantia de um mínimo existencial de bem-estar econômico e cultural,
que se tem como expectativa em relação ao sistema de cotas, atende a uma demanda
reprimida de cidadania substancial, de redistribuição e reconhecimento, indicadoras de uma
melhoria das condições de possibilidade que favoreçam a conquista de capital cultural,
econômico e social dos indivíduos, materializando a dignidade humana pelo exercício pleno
do direto à educação, tomada aqui como o elemento social responsável pela organização da
experiência dos indivíduos na sua vida cotidiana, pelo desenvolvimento de sua personalidade
e pela garantia da sobrevivência e do funcionamento das próprias coletividades humanas
(RODRIGUES, 2011).
Encerro este trabalho não sem antes relembrar do verso de Robert Densos que fiz
constar da epígrafe, a mim apresentado pela mão de Bourdieu, uma vez que em tema de
racismo estrutural e desigualdade social há que se esperar que a sociedade faça alguma coisa,
pois “isto pode durar muito tempo, se antes não for feita uma omelete” (DESNOS apud
BOURDIEU, 1982, p. 7). Aproveitemos a oportunidade e o potencial que a política de cotas
pode fornecer à universidade e à sociedade de evoluir no sentido da superação dessa divisão
tão cruel que classifica as pessoas pela sua renda, pela cor de sua pele e pela sua condição
física e cultural.
110
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119
APÊNDICES
120
APÊNDICES A – ROTEIRO DE ENTREVISTA
121
APÊNDICE B – TERMO DE CONSENTIMENTO
122
APÊNDICE C – QUESTIONÁRIO SOCIOECONÔMICO
1. Sexo o M o F o Outro:
2. Estado Civil o Solteiro o Casado o Outro:
3. Data de nascimento Data
4. Local de nascimento
Sua resposta
5. Como você se classificaria de acordo com sua cor/raça?
Sua resposta
6. E de acordo com os termos do IBGE, como você se classificaria? o branco o pardo o preto o amarelo o indígena
7. Grau de escolaridade do pai: o Ensino fundamental o Ensino médio
123
o Curso superior o Pós-graduação o Outro:
8. Grau de escolaridade da mãe:
o Ensino fundamental o Ensino médio o Curso superior o Pós-graduação o Outro:
II. CONDIÇÕES SOCIOECONÔMICAS
9. Em que quantidade você possui em seu domicílio - carro/automóvel? o Nenhum o 1 o 2 o 3 o 4 ou mais
10. Em que quantidade você possui em seu domicílio - TV de LED/PLASMA/SMART/4K?
o Nenhum o 1 o 2 o 3 o 4 ou mais
11. Em que quantidade você possui em seu domicílio - banheiro? o Nenhum
124
o 2 o 3 o 4 ou mais
12. Em que quantidade você possui em seu domicílio - geladeira duplex ou freezer?
o Nenhum o 1 o 2 o 3 o 4 ou mais
13. Em que quantidade você possui em seu domicílio - máquina de lavar roupa?
o Nenhum o 1 o 2 o 3 o 4 ou mais
14. Sua casa tem empregada (o) doméstica (o)? o Nenhum o 1 o 2 o 3 o 4 ou mais
15. Você tem Smartphone? o Sim o Não
16. Você tem computador de mesa? o Sim
125
17. Você tem notebook? o Sim o Não
18. Você tem tablet? o Sim o Não
19. Você tem acesso à internet? o Sim o Não
20. Você tem TV por assinatura? o Sim o Não
21. Considerando todas as pessoas de sua casa/família que trabalham ou têm algum tipo de rendimento, qual a média de renda da família?
o Até 1000 reais o De 1001 a 3000 reais o De 3001 a 5000 reais o De 5001 a 7000 reais o De 7001 a 10000 reais o De 10001 a 15000 reais o De 15001 a 20000 reais o Acima de 20000 reais
22. Qual a sua renda pessoal? o Não tenho renda o Até 1000 reais o De 1001 a 3000 reais o De 3001 a 5000 reais o De 5001 a 7000 reais
126
o De 7001 a 10000 reais o De 10001 a 15000 reais o De 15001 a 20000 reais o Acima de 20000 reais
23. Você cursou o ensino fundamental (1º grau) em escola: o pública o particular o pública/particular o outro
24. Você cursou o ensino médio (2º grau) em escola: o pública o particular o pública/particular o outro
25. Você fez cursinho para prestar o vestibular/ENEM? o Sim o Não
26. Quanto ao trabalho você: o Nunca exerceu atividade remunerada o Realiza trabalhos remunerados ocasionais o É bolsista da Universidade o Exerce trabalho assalariado o Desempregado o Não está trabalhando e não está procurando emprego
27. Você participa de algumas dessas instituições? o Atividades religiosas o Associação de moradores o Clube esportivo o Movimento estudantil
127
o Sindicato o Partido político o Movimento social o Nenhum o Outro:
28. Você é beneficiado por alguma política de assistência estudantil? o Nenhuma o Residência universitária o Restaurante universitario o Auxílio-moradia o Auxílio-alimentação o Ajuda de custo o Acompanhamento psicopedagógico/psicológico/psicossocial o Bolsa de Iniciação acadêmica o Bolsa de incentivo ao desporto o Outro:
29. O vestibular é um método justo para selecionar aqueles que têm capacidade de entrar numa universidade.
o Concorda fortemente o Concorda o Descorda o Descorda fortemente
30. Estudantes ricos têm mais chance de entrar numa boa universidade do que estudantes pobres.
o Concorda fortemente o Concorda o Descorda
128
o Descorda fortemente
31. Estudantes brancos têm mais chance de entrar numa boa universidade do que estudantes negros.
o Concorda fortemente o Concorda o Descorda o Descorda fortemente
32. Estudantes entram numa boa universidade apenas por seus próprios méritos e esforços.
o Concorda fortemente o Concorda o Descorda o Descorda fortemente
33. Todas as pessoas, independentemente de sua cor/raça deveriam ser tratadas da mesma forma e ter os mesmos direitos.
o Concorda fortemente o Concorda o Descorda o Descorda fortemente
34. Igualdade de oportunidades para brancos e negros é algo i o Concorda fortemente o Concorda o Descorda o Descorda fortemente
35. O governo federal deve fazer de tudo que puder para melhorar as condições sociais e econômicas dos negros.
o Concorda fortemente o Concorda
129
o Descorda o Descorda fortemente
36. O governo não deve fazer nenhum esforço especial para ajudar os negros porque eles mesmos devem se ajudar.
o Concorda fortemente o Concorda o Descorda o Descorda fortemente
37. O Sistema de cotas propiciará o acúmulo de capital econômico, cultural e social, com repercussão direta no aumento do capital humano e da empregabilidade, promovendo a ascensão social do indivíduo.
o Concorda fortemente o Concorda o Descorda o Descorda fortemente
38. O Sistema de cotas proporcionará um alinhamento de valores e culturas no seio da universidade, tornando um ambiente multiculturale mais heterogêneo.
o Concorda fortemente o Concorda o Descorda o Descorda fortemente
39. Anos de escravidão e discriminação criaram condições que tornam difíceis para os negros conseguirem sair da pobreza.
o Concorda fortemente o Concorda o Descorda o Descorda fortemente
130
40. Os negros não têm problemas relacionados à sua cor; os problemas dos negros são iguais àqueles enfrentados pela maioria da população pobre.
o Concorda fortemente o Concorda o Descorda o Descorda fortemente
41. No Brasil, brancos e negros são tratados de forma diferenciada. o Concorda fortemente o Concorda o Descorda o Descorda fortemente
42. Não existe preconceito no Brasil, pois somos uma nação miscigenada.
o Concorda fortemente o Concorda o Descorda o Descorda fortemente
43. Seria mais justo se as cotas fossem apenas de caráter social (renda/escola pública) e não com base na cor da pele.
o Concorda fortemente o Concorda o Descorda o Descorda fortemente
44. Políticas de cotas são uma boa forma de corrigir desigualdades raciais históricas.
o Concorda fortemente o Concorda o Descorda
131
o Descorda fortemente
45. Em vez de políticas de cotas, melhor seria investir na educação básica.
o Concorda fortemente o Concorda o Descorda o Descorda fortemente
46. As pessoas deveriam entrar na universidade somente por seus méritos e esforço próprios, independentemente da igualdade ou não de oportunidades.
o Concorda fortemente o Concorda o Descorda o Descorda fortemente
47. É válida a adoção de ações afirmativas para igualar as oportunidades de acesso na universidade.
o Concorda fortemente o Concorda o Descorda o Descorda fortemente
48. Pesquisa do IPEA aponta que os negros recebem um salário menor que os brancos, têm um índice de desenvolvimento humano - IDH menor do que o dos brancos e são a maioria dos que vivem abaixo da linha de pobreza no Brasil. Na sua opinião, qual o principal motivo que leva a população negra a viver em piores condições que a população branca?
132
o O preconceito e a descriminação que existe contra os negros o que não aproveitam as oportunidades que têm
para melhorar de vida o A falta de oportunidade de qualificação da mão-de-obra
negra o Não sabe o Outro:
49. Considerando que não existisse o Sistema de Cotas, o que aconteceria se uma pessoa, vinda da escola pública, estudar bastante para o vestibular/ENEM?
o Provavelmente ela conseguirá ingressar no curso desejado se realmente se esforçar
o Apesar do esforço que ela faça, dificilmente ela terá chances de ingressar
o Talvez ela até consiga ingressar, mas apenas nos cursos onde a concorrência é baixa
o Depende da capacidade da pessoa o Outro:
50. Você entrou na universidade pelo Sistema de cotas ou PROUNI ou FIES?
o Sim o Não
51. A instituição de ensino onde você atualmente estuda é: o Pública o Particular
133
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Termos Adicionais
Formulários
ENVIAR
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135
136
137
138
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151
152
153
154
155
156
157
158
ANEXO
159
ANEXO A- RELATÁRIO IDH-M
160
161
162
163
164
165
166
167
168
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170
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176
177