UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a...

99
1 UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE HUMANIDADES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA MESTRADO ACADÊMICO EM FILOSOFIA JADERSON GONÇALVES NOBRE SERENIDADE EM HEIDEGGER: UM DIÁLOGO ENTRE A TÉCNICA E A ARTE Fortaleza CE 2015

Transcript of UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a...

Page 1: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:

1

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARAacute

CENTRO DE HUMANIDADES

PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM FILOSOFIA

MESTRADO ACADEcircMICO EM FILOSOFIA

JADERSON GONCcedilALVES NOBRE

SERENIDADE EM HEIDEGGER UM DIAacuteLOGO ENTRE A

TEacuteCNICA E A ARTE

Fortaleza ndash CE

2015

2

JADERSON GONCcedilALVES NOBRE

SERENIDADE EM HEIDEGGER UM DIAacuteLOGO ENTRE A

TEacuteCNICA E A ARTE

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Curso de

Mestrado Acadecircmico em Filosofia do

Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da

Universidade Estadual do Cearaacute como

requisito parcial aacute obtenccedilatildeo do tiacutetulo de

Mestre em Filosofia

Aacuterea de Concentraccedilatildeo Eacutetica e Esteacutetica

Orientador Prof Dr Eduardo Triandopolis

Fortaleza ndash CE

2015

3

Dados Internacionais de Catalogaccedilatildeo na Publicaccedilatildeo

Universidade Estadual do Cearaacute

Sistemas de Biblioteca

M488d Nobre Jaderson Gonccedilalves

Serenidade em Heidegger Um diaacutelogo entre a teacutecnica e a arte [recurso eletrocircnico] Jaderson Gonccedilalves Nobre ndash 2015

1 CD-ROM 4 frac34 pol

CD-ROM contendo o arquivo no formato PDF do trabalho acadecircmico com 98 folhas acondicionado em caixa de DVD Slim (19 x 14 cm x 7 mm)

Dissertaccedilatildeo (mestrado acadecircmico) ndash Universidade Estadual do Cearaacute Centro de Humanidades Mestrado Acadecircmico em Filosofia Fortaleza 2015

Aacuterea de Concentraccedilatildeo Eacutetica e Esteacutetica

Orientaccedilatildeo Prof Dr Eduardo Triandopolis

1 Serenidade 2 Misteacuterio 3 Teacutecnica 4 Arte 5 Verdade I Tiacutetulo

CDD 3709144

4

5

6

A minha irmatilde Jessica pela

sinceridade com que leva a vida

Quando algueacutem nos admira eacute como

se tiveacutessemos um guardiatildeo que a

cada passo nos relembra nos res-

guarda em nosso caminho

A minha mulher Irlana que com seu

sorriso alegre me faz acreditar que eacute

sim possiacutevel

7

AGRADECIMENTO

Agradeccedilo antes de tudo a minha famiacutelia que esteve estaacute e com certeza

estaraacute presente em todos os momentos alegres e tristes de minha vida Que

ao me dizer que eu poderia ir muito longe me fez perceber que o meu caminho

eacute no sentido de ir cada vez mais para perto Amo vocecircs

A minha mulher Irlana que aleacutem da presenccedila do dia-a-dia acreditou e amou

junto comigo no que aqui venho a dizer Aleacutem de me proporcionar uma nova

famiacutelia

Aos meus amigos que por caminharem juntos sempre me alimentaram de um

bom acircnimo para seguir lutando pelo que acredito

Ao meu orientador Prof Eduardo Triandopolis que por me deixar caminhar

com minhas pernas com meu espiacuterito possibilitou que brotasse aquilo que

realmente estava em meu acircmago

Agrave banca examinadora agrave Professora Cristiane Marinho agrave Professora Tereza

Callado que ao lerem e comentarem o meu trabalho compuseram comigo a

essecircncia do diaacute-logo

Agradeccedilo tambeacutem em especial a todos os que um dia vierem a ler esta

pesquisa Que ela lhes animem tanto quanto me animou ao escrevecirc-la

Agrave natureza com seus bichinhos e plantas em uma harmonia tatildeo profunda e

contagiante que me revelou a essecircncia mais originaacuteria do que eacute a vida O estar

em comunhatildeo com o que nos cerca e nos compotildee

8

ldquoTodas as obras dos poetas mimeacuteticos se me afiguram ser a destruiccedilatildeo da

inteligecircncia dos ouvintes de quantos natildeo tiverem o antiacutedoto e o conhecimento

de sua verdadeira naturezardquo

(Platatildeo Repuacuteblica)

ldquoA arte como o uacutenico antiacutedoto superior contra toda e qualquer vontade de

negaccedilatildeo da vidardquo

(Nietzsche Vontade de poder)

9

RESUMO

Em que sentido a Serenidade como um diaacute-logo entre o pensamento que

calcula e o pensamento que medita um diaacute-logo entre a teacutecnica e a poesia em

conjunto com a abertura ao misteacuterio fonte originaacuterio de todos os vigentes se

apresentam como uma possibilidade um caminho de enfrentamento ao perigo

adveniente da crise resultante da dominaccedilatildeo global da teacutecnica nos acircmbitos

mais essenciais da vida Esse enfrentamento parece se dar no acircmbito da

linguagem e do pensar enquanto a morada do ser O homem como o guardiatildeo

dessa morada do ser eacute aquele que se abrindo ao misteacuterio do a ser destinado

pode arriscando-se ao saltar no abismo do que natildeo vige permitir ou melhor

ser permitido nessa outra possibilidade Aguardando correspondendo ao seu

destino o homem pode ser a medranccedila do que salva Para tal pesquisa

colocam-se aqui em diaacute-logo trecircs ensaios heideggerianos A questatildeo da

teacutecnica A origem da obra de arte e Serenidade Buscamos uma relaccedilatildeo destes

ensaios com outros ensaios centrais de Heidegger assim como sua relaccedilatildeo

com os filoacutesofos que lhe foram fundamentais para que ele chegasse onde

chegou Portanto buscamos pensar as questotildees presentes a partir de suas

origens enquanto questotildees eacuteticas esteacuteticas e metafiacutesicas Aleacutem de re-colocar

questotildees fundamentais agrave filosofia como a questatildeo do ser da verdade e da

linguagem Trata-se aqui de um debate contemporacircneo com a tradiccedilatildeo que

busca res-guardar algo originaacuterio que caiu no esquecimento

PALAVRAS-CHAVE Serenidade Misteacuterio Teacutecnica Arte Verdade

10

ABSTRACT

Think in what sense the Serenity as a con-versation between thinking that

calculates and thought that meditates a con-versation between technique and

poetry together with openness to the mystery source originating in all existing

present as a possibility one danger facing path arising the resulting crisis of

global technical domination over all the most essential areas of human A

confrontation so that occurs in the context of language and thinking while the

same namely the abode of being Man as the guardian of this home of being is

one that opening up the mystery of themselves for can risking to jump into the

abyss than not prevails allow or rather be allowed that another possibility

Waiting corresponding to its destination the man may be the possibility than

saved For such research put into day-logo Heideggerians three tests The

question of technique The origin of the artwork and Serenity Seeking a list of

these tests with the central test Heidegger as well as their relationship with the

philosophers that this was essential for this came near unto arrived So its a

research that seeks to think the issues present from its origins Debating issues

Ethics Aesthetics and Metaphysics In addition to re-raising fundamental

questions of philosophy and of being of truth and language A contemporary

debate in confrontation with the tradition and re-save something original search

that fell by the wayside

KEYWORDS SERENITY MYSTERY TECHNICAL ART TRUTH

11

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO O silencioso chamado O caminho que urge 11

2 O PERIGO QUE AMEACcedilA UM OLHAR Agrave ESSEcircNCIA DA TEacuteCNICA 14

21 DA PERGUNTA PELA TEacuteCNICA Agrave PERGUNTA PELA ESSEcircNCIA SOBRE A

QUESTAtildeO DO SER

14

22 A LIVRE RELACcedilAtildeO COM A TEacuteCNICA DA CORRETUDE Agrave VERDADE 21

23 TEacuteCNICA GREGA E MODERNA DA POIacuteESIS Agrave EXPLORACcedilAtildeO 26

24 DIS-PONIBILIDADE E COM-POSICcedilAtildeO ACERCA DO DESVELAMENTO

EXPLORADOR DA TEacuteCNICA MODERNA

31

3 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES ACERCA DA ESSEcircNCIA DA

ARTE

38

31 ldquoONDE MORA O PERIGO CRESCE O QUE SALVArdquo DA PERGUNTA PELA

TEacuteCNICA Agrave PERGUNTA PELA ARTE

38

32 O ORIGINAacuteRIO DA OBRA DE ARTE O POcircR-EM-OBRA DA VERDADE 44

33 PENSAMENTO POEacuteTICO UM DIZER SILENCIOSO 54

34 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES UM SALTO NA VEREDA 63

4 O CAMINHAR SERENO UM AGUARDAR NA PROXIMIDADE DO MISTEacuteRIO 71

41 DA DESTRUICcedilAtildeO Agrave SUPERACcedilAtildeO DA METAFIacuteSICA ACERCA DA

IDENTIDADE E DIFERENCcedilA

71

42 SERENIDADE O DIZER SIM E NAtildeO Agrave TEacuteCNICA 76

43 DA ABERTURA OU MISTEacuteRIO O DEMORAR-SE NO ENTRE 80

44 DA ABERTURA AO AGUARDAR O CAMINHAR SERENO NA VEREDA 85

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS ndash A-CERCA DO ENTENDIMENTO HUMANO O

SALTO NA VEREDA

91

REFEREcircNCIAS 94

12

1 INTRODUCcedilAtildeO

O silencioso chamado O caminho que urge

A presente pesquisa tem como proposta pensar a problemaacutetica apontada

por Heidegger no acircmbito da dominaccedilatildeo da teacutecnica no presente momento da

humanidade Adentrando esta problemaacutetica buscaremos ir ao fundo das

questotildees para demonstrarmos quatildeo dominado encontra-se o homem e assim

pensar em que sentido eacute possiacutevel reconhecer essa crise e qual o meio que

devemos proceder para efetivar esse reconhecimento Ao fazermos uma

imersatildeo nos textos de Heidegger buscaremos a partir do que foi por ele

pensado enfrentar essas questotildees Destacaram-se para esta pesquisa trecircs

conferecircncias em especial A questatildeo da teacutecnica (1953) A origem da obra de

arte (1936) e Serenidade (1955)

Neste primeiro ensaio Heidegger pensa a crise de seu tempo como uma

crise que tem por base o modo como se encara a teacutecnica o saber a linguagem

e o ser Esse modo de pensar e dizer vem se desenvolvendo a partir do seu

olhar nos primoacuterdios da Filosofia ateacute o periacuteodo claacutessico com Platatildeo e

Aristoacuteteles

Esse saber encontra-se naquilo que ele chama de seu ldquoestaacutegio de

acabamentordquo onde a teacutecnica passa a reger e a dominar quase que

completamente todos os acircmbitos do humano ameaccedilando-o em sua essecircncia

Assim ao sermos remetidos a uma leitura mais aprofundada deste ensaio nos

confrontamos com os escritos de outros filoacutesofos como Platatildeo Aristoacuteteles e

tambeacutem Tomaacutes de Aquino Descartes Kant Hegel e Nietzsche Contudo em

cada um destes pensadores teremos um olhar voltado agraves questotildees

heideggerianas que aqui buscamos pensar

Pensada a problemaacutetica e identificado o caminho que se mostrou como

alternativa agrave dominaccedilatildeo da teacutecnica sobre o homem passaremos ao segundo

momento de nossa pesquisa Um debate acerca de um ensaio anterior na

ordem do tempo ao ensaio da teacutecnica mas na nossa pesquisa

metodologicamente discutido em um momento posterior

13

A origem da obra de arte eacute o resultado de trecircs conferecircncias que se puseram

a tratar da questatildeo da arte e de sua essecircncia Na busca pela essecircncia da arte

enfrentaremos com Heidegger aleacutem da sempre presente questatildeo do ser e da

verdade questotildees esteacuteticas e outras acerca do estatuto do que venha a ser a

Esteacutetica como um campo do saber filosoacutefico Nessa busca de um retorno ao

que seja o originaacuterio na arte teremos em vista o que haacute na essecircncia da arte

que possa vir a se apresentar como aquela possibilidade de confronto agrave crise

identificada no primeiro ensaio portanto algumas questotildees concernentes a

esse ensaio que diante o nosso olhar natildeo estatildeo propriamente ligadas ao que

aqui se busca natildeo seratildeo tratadas com a profundidade com a qual trataremos

as que propriamente se colocam em nosso caminho Outros ensaios

heideggerianos acerca da arte do poeacutetico da linguagem assim como do

pensamento de Nietzsche sobre a arte faratildeo parte deste segundo momento de

nossa pesquisa contudo novamente como no primeiro ensaio a estes nos

reportaremos na medida em que isso se mostrar apropriado ao curso do nosso

caminhar

Tendo sido feita a leitura destes dois ensaios iniciais onde o primeiro

apresenta a problemaacutetica e o segundo nos mostra uma outra possibilidade de

confronto adentraremos o ensaio que nos permitiraacute pensar que tipo de

confronto ocorre entre a teacutecnica e a arte pensada por Heidegger

Com o ensaio Serenidade ensaio norteador deste trilhar como um todo

pensaremos em questotildees como inversatildeo retorno diaacute-logo siacutentese identidade

e diferenccedila poreacutem para que estas questotildees natildeo nos sejam apresentadas de

fora o que nos transporia a um acircmbito completamente diferente do que aqui se

intenta adentrar percorreremos lentamente cuidadosamente e

insistentemente passo a passo ou seja no interior das questotildees ateacute que

estas se apresentem a noacutes no que elas satildeo

Para tanto como eacute caracteriacutestico na leitura dos escritos heideggerianos

duas questotildees que lhes satildeo centrais e que o acompanham por todo o seu

pensar devem ser devidamente tratadas para que assim esse caminhar

parta desde os primeiros passos de dentro de sua filosofia Satildeo estas as

questotildees da verdade e do ser Estas questotildees seratildeo tratadas a partir de uma

trilogia pensada pelo proacuteprio autor como inter-ligadas onde uma natildeo pode

devidamente ser pensada sem a outra Essa trilogia eacute composta assim pelas

14

conferecircncias O que eacute metafiacutesica (1929) A essecircncia da verdade (1930) e A

questatildeo do fundamento (1929)

Assim percorrido o caminho desta pesquisa buscaremos com o devido

cuidado e responsabilidade para com o leitor apresentar o resultado de um

profundo esforccedilo de pesquisa sobre o essencial ao homem sua situaccedilatildeo

presente e sobre uma possibilidade de enfrentamento de alguns dos problemas

que se apresentam como os mais ameaccediladores e perigosos para sua

existecircncia

A serenidade como uma revoluccedilatildeo radical eacute nossa meta neste trabalho

pois busca as raiacutezes de onde se radica uma vasta gama de problemaacuteticas

Uma disposiccedilatildeo que soacute se mostraraacute livre de diversos preconceitos que a ela

possam ser atribuiacutedos apoacutes essa leitura interior Aqui como interior tem-se a

necessidade de um ultrapassar da razatildeo no sentido de uma escuta ao coraccedilatildeo

e ao caminho proposto Soacute por esse olhar interior a serenidade se mostraraacute

natildeo como uma mera passividade que se ausenta daquilo que no presente

momento histoacuterico urge mas se mostraraacute como aquela accedilatildeo mais radical de

confronto agrave crise a qual vem passando toda a humanidade

Eacute portanto com o maior vigor da seriedade e responsabilidade que

devemos ter sobre o nosso presente momento e lugar que se faz aqui esse

convite agrave leitura das palavras que se seguem Palavras que pretendem ser uma

conversa entre o que a partir deste caminhar junto poderemos chamar de

amigos

15

2 O PERIGO QUE AMEACcedilA UM OLHAR Agrave ESSEcircNCIA DA TEacuteCNICA

Neste capiacutetulo seratildeo tratadas as questotildees acerca da teacutecnica e de sua

essecircncia com isso seraacute possiacutevel refletir o sentido da crise apontada por

Heidegger agrave sociedade atual Diante do sentido desta crise seraacute buscada

junto ao filoacutesofo uma indicaccedilatildeo de um caminho de fuga de confronto de

superaccedilatildeo Para tal investigaccedilatildeo se daraacute de iniacutecio uma breve introduccedilatildeo ao

pensar heideggeriano concernente ao ser e agrave verdade pontos centrais em toda

sua obra filosoacutefica Em seguida abordaremos os questionamentos presentes no

ensaio A questatildeo da teacutecnica (1953) relacionados com o caminho que aqui

buscamos traccedilar

21 Da pergunta pela teacutecnica agrave pergunta pela essecircncia A questatildeo do ser

A pergunta pela teacutecnica seraacute desenvolvida no sentido de indicar uma

situaccedilatildeo criacutetica da humanidade atual e do modo como esse homem se

relaciona com o ambiente que o cerca Uma situaccedilatildeo que segundo o filoacutesofo

Martin Heidegger (1889-1976) tem na concepccedilatildeo teacutecnica loacutegico-cientiacutefica e

metafiacutesico-filosoacutefica o centro da problemaacutetica contudo natildeo se trata aqui de

negar ou afirmar cegamente a teacutecnica mas de desenvolver um questionamento

que abra nossa presenccedila para uma livre relaccedilatildeo com esta pois soacute em uma

relaccedilatildeo livre pode-se saber o que eacute verdadeiramente a teacutecnica pode-se

A infacircncia da palavra jaacute vem com o primitivismo

das origens

Nossas palavras se juntavam uma na outra por

amor e natildeo por sintaxe

Manoel de Barros Menino do mato

ldquo pois eacute evidente que haacute muito sabeis o que

propriamente quereis designar quando empregais a expressatildeo bdquoente‟ Outrora tambeacutem noacutes

julgaacutevamos saber agora poreacutem caiacutemos em aporiardquo

Platatildeo O sofista

Ningueacutem de noacutes na verdade tinha forccedila de fonte

Ningueacutem era iniacutecio de nada

Manoel de Barros Poemas rupestres

16

experienciar sua essecircncia Para esta caminhada Heidegger iniciaria com a

pergunta Qual a essecircncia da teacutecnica

Natildeo podemos considerar Heidegger um filoacutesofo sistemaacutetico pelo contraacuterio

seus questionamentos se entrelaccedilam em todo o conjunto de sua obra Pode-se

ler as questotildees do ser e da verdade estas que lhes satildeo fundamentais em

seus diversos escritos e conferecircncias e eacute assim que se daacute com a teacutecnica

Diversos satildeo os escritos onde podemos ler algo relacionado com a questatildeo

poreacutem eacute no ensaio A questatildeo da teacutecnica que se encontra em uma coletacircnea

de textos intitulada pelo proacuteprio autor de Ensaios e conferecircncias que podemos

encontrar este tema com um maior vigor de desenvolvimento Daiacute tomarmos

esse ensaio como base central para esta investigaccedilatildeo mas sempre buscando

relacionaacute-lo com outros textos e autores

Qual a essecircncia da teacutecnica Heidegger nos indica duas respostas dadas

pela tradiccedilatildeo respostas estas que se concatenam em uma Diz i) ldquoA teacutecnica eacute

um meio para um fimrdquo ii) ldquoA teacutecnica eacute uma atividade do homemrdquo Estas

determinaccedilotildees correntes da teacutecnica Heidegger chama de ldquodeterminaccedilatildeo

instrumental e antropoloacutegica da teacutecnicardquo 1 mas para que atividade do homem

eacute a teacutecnica um instrumento e meio Como se desenvolveu o interesse por seu

domiacutenio Surgiu para suprir nossas necessidades baacutesicas para que o homem

pudesse dominar e se assegurar das incertezas advindas das diversidades do

ambiente que o circunda bastando para isso que o homem domine a teacutecnica

com todo seu empenho Eacute nesse sentido que diz Heidegger

A concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica guia todo esforccedilo para colocar o

homem num relacionamento direto com a teacutecnica Tudo depende de se manipular a teacutecnica enquanto meio e instrumento da maneira devida Pretende-se como se costuma dizer ldquomanusear com espiacuterito

a teacutecnicardquo Pretende-se dominar a teacutecnica Este querer dominar torna-se tanto mais urgente quanto mais a teacutecnica ameaccedila escapar ao

controle do homem 2

O instrumento que lhe levaria a seguranccedila pelo domiacutenio da natureza

ameaccedila-lhe fugir ao controle Eacute essa ameaccedila que desperta no filoacutesofo a

necessidade de uma real investigaccedilatildeo de sua essecircncia portanto

recoloquemos a questatildeo com um maior cuidado evitando apresentar

1 HEIDEGGER Martin A questatildeo da teacutecnica [1959] In Ensaios e conferecircncias Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo

Rio de Janeiro Editora Vozes 2002 P12 2 Idem

17

apressadamente as respostas dadas pela tradiccedilatildeo sobre sua essecircncia Vamos

demorar com maior cuidado na pergunta em si escutando o que a pergunta

mesma nos encaminha Qual a essecircncia da teacutecnica Ao perguntar assim soa

outro questionamento o que eacute isto a teacutecnica Esta forma de questionamento

que se coloca deste modo - o que eacute isto - eacute a forma de questionar da proacutepria

Filosofia Este modo de questionamento jaacute se encontra presente em Platatildeo e

Aristoacuteteles Eacute o modo grego de questionar o vigente Assim diz Heidegger

Com a questatildeo agora posta avanccedilamos para a proximidade do ηη

εζηηλ grego Eacute aquela forma de questionar desenvolvida por Soacutecrates Platatildeo e Aristoacuteteles Estes perguntavam por exemplo Que eacute isto ndash o

belo Que eacute isto ndash o conhecimento Que eacute isto ndash a natureza Que eacute isto ndash o movimento

3

E do mesmo modo podemos fazer a pergunta O que eacute isto ndash o ente

Heidegger indica que neste questionamento encontra-se a questatildeo diretriz de

toda histoacuteria da FilosofiaMetafiacutesica ocidental esta que se assemelha com a

histoacuteria do esquecimento do ser Comeccedilamos com a pergunta pela essecircncia da

teacutecnica e agora nos encontramos diante da pergunta pelo ente e de sua

diferenccedila diante da pergunta pelo ser Comeccedilamos em um ponto para agora

chegarmos a sua origem Aqui torna-se necessaacuterio um esclarecimento sobre o

que seja o comeccedilo e sua diferenccedila fundamental com o que seja a origem

(Ursprung) ou melhor com o que seja o originaacuterio o principial O comeccedilo natildeo

eacute ainda o princiacutepio a origem ou dizendo ainda de forma mais condizente com

o pensar heideggeriano o comeccedilo natildeo eacute ainda o originaacuterio Em seu escrito

Hinos de Houmllderlin [19351935] Heidegger distingue bem essa diferenccedila entre

comeccedilo e princiacutepio Diz

Princiacutepio natildeo eacute o mesmo que comeccedilo () O comeccedilo eacute aquilo com que algo se inicia o princiacutepio eacute aquilo de onde isso vem () O comeccedilo eacute cedo deixado para traacutes desaparecendo na continuaccedilatildeo

dos acontecimentos O princiacutepio a origem pelo contraacuterio evidencia-se primeiramente entre os acontecimentos e soacute no fim destes estaacute

plenamente presente () Noacutes humanos nunca podemos principiar com o princiacutepio ndash disso soacute um deus eacute capaz ndash pelo contraacuterio temos

de comeccedilar isto eacute partir de um iniacutecio que soacute conduz agrave origem ou a indica

4

Aqui temos algumas palavras essenciais para o pensar inovador de

Heidegger Ur-sprungUrsprungliche e An-fangAnfaumlngliche Ur-

3 HEIDEGGER Martin O que eacute isto ndash a Filosofia In Conferecircncia e escritos filosoacuteficos Trad br Ernildo Stein Satildeo

Paulo Editora Nova Cultural 1996 P30 4 HEIDEGGER Martin Hinos de Houmllderlin [193435] Trad pt Lumir Nahodil Lisboa Instituto Piaget 1979 pp 11-12

18

sprungUrsprungliche pode ser traduzido na forma de substantivo e na forma

de adjetivo substantivado por origem e originaacuterio O mesmo se daacute com An-

fangAnfaumlngliche que nos surge como princiacutepio e como principial Nestas

traduccedilotildees5 somos remetidos a um ponto de partida a um solo a um comeccedilo Eacute

de encontro a esse sentido de ponto de partida que o pensar de Heidegger se

daacute No seu ensaio A origem da obra de arte os termos Ursprung e Anfang se

apresentam com todo seu vigor como palavras essenciais no sentido de

originaacuterio e principial ldquoA palavra origem (Ursprung) no sentido de originaacuterio

(Ursprungliche) significa fazer eclodir algo trazer algo ao ser num salto

fundador a partir da proveniecircncia da essecircnciardquo6 Em outro momento diz ldquoO

autecircntico princiacutepio (Anfang) nunca tem o caraacuteter de comeccedilo do primitivordquo ldquoeacute

sempre como um salto-preacuteviordquo7

Para adentrarmos um pouco mais na questatildeo seraacute feita uma breve

introduccedilatildeo agrave questatildeo do ser e sua relaccedilatildeo essencial com o ente Aqui temos

como destino de nossa investigaccedilatildeo uma questatildeo diferente a da pergunta pela

crise da sociedade atual denominada por Heidegger de sociedade da era

atocircmica e de sua tentativa de indicaccedilatildeo de um caminho de confronto Assim

esclareceremos em que sentido entendemos nas palavras originaacuterio e

principial uma referecircncia ao sentido do ser em contraposiccedilatildeo ao sentido de

origem e comeccedilo e sua proximidade ao ente

O ente eacute tudo que estaacute presente eacute o carro a cadeira a aacutervore satildeo os

animais os homens eacute tambeacutem deus a teacutecnica e a arte ou seja eacute qualquer

coisa Satildeo as meras coisas as coisas de uso e tambeacutem as coisas supremas

que enquanto coisas estatildeo sendo Ente (Seiende) ηὸ ὄλ eacute o particiacutepio neutro

grego o que para nossa liacutengua portuguesa podemos dizer como o geruacutendio do

ηὸ εἶλαη o infinitivo presente do verbo ser Portanto poderiacuteamos traduzir o ηὸ ὄλ

por sendo Assim ficaria o ser em contraposiccedilatildeo ao sendo A pergunta inicial

da filosofia se deu como dissemos anteriormente no modo O que eacute isto ndash o

ente O que no momento de esplendor no momento originaacuterio perguntava

pelo ser pelo ηὸ εἶλαη tornou-se a pergunta pelo ente pelo ηὸ ὄλ Assim eacute que

5 Nas notas de traduccedilatildeo do ensaio A origem da obra de arte Idalina Azevedo desenvolve com fortes argumentos o

sentido da traduccedilatildeo 6 HEIDEGGER Martin A origem da obra de arte [193536] Trad br Idalina Azevedo e Manuel Antocircnio de Castro Satildeo

PauloEdiccedilotildees 70 2010 p 199 7 Idem p195

19

Aristoacuteteles o grande sistematizador desenvolve sua argumentaccedilatildeo acerca da

ciecircncia primeira Pois se o ente em cada caso especiacutefico eacute o objeto de uma

determinada ciecircncia a natureza da Fiacutesica o homem da Psiquiatria o

acontecimento da Historiografia a linguagem da Filologia O ente aquilo que

estaacute sendo em cada coisa em geral eacute o objeto da filosofia ou como chama

Aristoacuteteles da θηιοζοθία πρώηε (filosofia primeira) da πρώηε ἐπηζηήκε

(ciecircncia primeira) Seu objeto eacute o ente e nada mais

Poreacutem o princiacutepio a proveniecircncia de cada ente deste em particular ou

mesmo do ente enquanto tal natildeo eacute possiacutevel de ser questionada ou justificada

em suas proacuteprias ciecircncias Diz Heidegger em um ensaio com o tiacutetulo Ciecircncia e

pensamento do sentido [1953] escrito na forma de uma preparaccedilatildeo ao ensaio

A questatildeo da teacutecnica apresentado alguns meses depois

A natureza o homem o acontecer histoacuterico a linguagem para as

respectivas ciecircncias o incontornaacutevel jaacute vigente nas suas objetividades Dele cada uma delas depende mas a representaccedilatildeo

nenhuma delas poderaacute abraccedilaacute-lo em sua plenitude essencial () O incontornaacutevel assim caracterizado rege e reina na essecircncia de toda

ciecircncia8

Sendo a Filosofia θηιοζοθία πρώηε a ciecircncia do ente enquanto ente nela

esse incontornaacutevel se apresenta ainda mais incontornaacutevel Seria em certo

sentido esse incontornaacutevel essa proveniecircncia originaacuteria do ente que

poderiacuteamos chamar de ser Natildeo sendo poreacutem nada do que estaacute aiacute mas fonte

principial de tudo que adveacutem Esse ser natildeo sendo coisa alguma natildeo sendo

natildeo pode ser objeto de investigaccedilatildeo da Filosofia Daiacute Heidegger nos dizer que

a morada do ser eacute na linguagem do pensador e do poeta9 ficando ao filoacutesofo o

ente e nada mais Pois se o ser natildeo eacute nenhum destes sendo natildeo eacute ente

algum se eacute natildeo-ente se assim o pensar nos permite expressarmos seria

entatildeo cometer uma infraccedilatildeo agrave regra primeira e fundamental do pensar loacutegico

sobre o qual eacute impossiacutevel errar a saber o princiacutepio da contradiccedilatildeo Este

princiacutepio que segundo Aristoacuteteles eacute o que rege todo o pensar filosoacutefico natildeo

permite falar do natildeo-ente sem tornaacute-lo ente jaacute que o falar filosoacutefico eacute aquele

8 HEIDEGGER Martin Ciecircncia e pensamento do sentido [1953] In Ensaios e conferecircncias

Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo Rio de Janeiro Editora Vozes 2002 pp 54-55 9 HEIDEGGER Martin Carta sobre o humanismo In Marcas do caminho Trad br Ernildo

Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 326

20

que diz o que eacute isto ndash o ente Assim Aristoacuteteles se expressa sobre o princiacutepio

da contradiccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com a Filosofia

Quem possui o conhecimento dos seres enquanto seres devem poder dizer quais satildeo os princiacutepios mais seguros de todos os seres Este eacute

o filoacutesofo E o princiacutepio mais seguro de todos eacute aquele sobre o qual eacute impossiacutevel errar () eacute impossiacutevel que a mesma coisa ao mesmo tempo pertenccedila e natildeo pertenccedila a uma mesma coisa segundo o

mesmo aspecto () Essa noccedilatildeo uacuteltima por sua natureza constitui o princiacutepio de todos os outros axiomas

10

Eacute esse incontornaacutevel aporeacutetico essa vereda que Parmecircnides chamou de o

terceiro caminho ou o natildeo-caminho αηαρπωλ (caminho no qual natildeo se vecirc o

caminho de retorno por onde se veio) do qual nos proiacutebe seguir em seu poema

Sobre a natureza Proibindo por meio das palavras da Deusa Ἀληθεία

Aletheiacutea o jovem justo de seguir ficando ao errante poeta e pensador o risco

de dizer o sentido do ser risco no qual Heidegger se potildee a enveredar Nota-se

isso jaacute em sua primeira grande obra Ser e tempo [1927] onde na primeira

paacutegina ao citar uma passagem do Sofista de Platatildeo diz

ldquo Pois eacute evidente que de haacute muito sabeis o que propriamente

quereis dizer quando empregais a expressatildeo bdquoente‟ Outrora tambeacutem noacutes julgaacutevamos saber agora poreacutem caiacutemos em aporiardquo Seraacute que

hoje temos uma resposta para a pergunta sobre o que queremos dizer com a palavra ldquoenterdquo de forma alguma Assim cabe colocar

novamente a questatildeo sobre o sentido do ser Seraacute que hoje estamos em aporia por natildeo compreendermos a expressatildeo ldquoserrdquo De forma alguma Assim trata-se de redespertar uma compreensatildeo para o

sentido desta questatildeo11

Seraacute que encontramos nas ciecircncias seja ela uma ciecircncia especiacutefica ou

seja ela a ciecircncia primeira esse caraacuteter aporeacutetico Ou eacute justamente deste

aporeacutetico incontornaacutevel que a ciecircncia busca fugir Se perguntar pela essecircncia

de uma coisa eacute perguntar por sua fonte originaacuteria pelo que eacute pelo

incontornaacutevel que se potildee como fonte principial entatildeo por meio da teacutecnica da

ciecircncia natildeo chegaremos a experienciar ou ao menos nos aproximar do que

seja essa essecircncia Diz Heidegger

10

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Trad br Marcelo Perine da ediccedilatildeo Italiana de Giovanni Reale

Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2005 pp 143-145 11

HEIDEGGER Martin Ser e tempo [1927] Trad br Macia de Saacute Cavalcante Schuback

Petroacutepolis Vozes 2008 p 34

21

A essecircncia da teacutecnica natildeo eacute de forma alguma nada de teacutecnico Por isso nunca faremos a experiecircncia de nosso relacionamento com a

essecircncia da teacutecnica enquanto concebermos e lidarmos apenas com o que eacute teacutecnico enquanto a ele nos moldarmos ou dele nos afastarmos () De acordo com uma antiga liccedilatildeo a essecircncia de

alguma coisa eacute aquilo que ela eacute Questionar a teacutecnica significa portanto perguntar o que ela eacute

12

Soacute um caminho natildeo teacutecnico-loacutegico-cientiacutefico pode nos enviar a uma

experiecircncia originaacuteria com a essecircncia da teacutecnica Esse caminho eacute um caminho

do pensamento pois se nos mantivermos no acircmbito da teacutecnica como

poderiacuteamos ainda querer questionar algo a respeito dela e possuir uma

definiccedilatildeo correta Essa definiccedilatildeo haacute muito tempo nos diz que a teacutecnica eacute um

meio e uma atividade do homem Ela nos diz que a teacutecnica eacute um instrumento

do homem para atingir os seus fins

Quem ousaria negar que ela eacute correta () Com certeza O correto

constata sempre algo exato e acertado naquilo que se daacute e estaacute em frente (dele) Para ser correta a constataccedilatildeo do certo e exato natildeo precisa descobrir a essecircncia do que se daacute e apresenta Ora somente

onde se der esse descobridor da essecircncia acontece o verdadeiro em sua propriedade Assim o simplesmente correto ainda natildeo eacute o

verdadeiro E somente este nos leva a uma atitude livre com aqui que a partir da sua proacutepria essecircncia nos concerne

13

Potildee-se em nosso caminho a questatildeo da verdade Eacute com esta explanaccedilatildeo

que passaremos ao proacuteximo passo do caminho que aqui estamos a trilhar

Ainda de forma introdutoacuteria o proacuteximo passo seraacute pensar a questatildeo da

verdade e sua contraposiccedilatildeo ao que seja o correto ao que seja a adequaccedilatildeo

Portanto contrapor o sentido de verdade para Heidegger como ἀιεζεία

aletheacuteia e des-velamento aos conceitos de ὁκοίωζης omoiosis (corretude) e

adequatio (adequaccedilatildeo) eacute entender um processo de sucessivas transformaccedilotildees

np decorrer da tradiccedilatildeo filosoacutefica no que se entende por verdade do seu

nascimento originaacuterio aos dias atuais

22 A livre relaccedilatildeo com a teacutecnica Sobre a corretude e a verdade

12

A questatildeo da teacutecnica p 11 13

Idem pp 11-12

22

Estamos buscando desenvolver um questionamento que nos transponha

para uma livre relaccedilatildeo com a teacutecnica Tal relaccedilatildeo soacute se daacute verdadeiramente

diante de sua essecircncia diante do que seria a teacutecnica A tradiccedilatildeo nos diz que a

teacutecnica eacute um meio e uma atividade do homem definiccedilatildeo que Heidegger chama

de concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica Quem negaria a sua corretude Poreacutem

diante do ateacute aqui exposto algumas interrogaccedilotildees se fazem necessaacuterias Eacute o

correto jaacute o verdadeiro O que eacute corretude e qual o seu acircmbito A verdade foi

desde sempre pensada como corretude Como a verdade foi pensada em seu

momento originaacuterio Qual a relaccedilatildeo entre verdade corretude e teacutecnica

Precisamos percorrer cada um desses passos como num caminhar na busca

de desenvolver algo no sentido desse livre relacionar-se com a teacutecnica que

aqui buscamos

O correto jaacute eacute o verdadeiro Heidegger constantemente nos leva a um

questionamento do habitual e recorrente e nesse habitual nossa concepccedilatildeo

de verdade se apresenta como a mera corretude A verdade no pensamento

calculista se apresenta como exatidatildeo contudo o correto natildeo atinge a

profundidade do verdadeiro Permanece na superficialidade do presente e

habitual mas em que sentido o filoacutesofo diferencia corretude de verdade Onde

cada um destes sentidos atua O pensar heideggeriano acerca do ser e do

ente seraacute relacionado ao que foi apresentado pelas seguintes palavras de

Heidegger ldquoO correto constata sempre algo de exato e acertado naquilo que se

daacute e estaacute em frente (dele)rdquo14

O correto se relaciona com aquilo que se daacute e estaacute em frente dele Seu

acircmbito eacute o do vigente dado posto Seu acircmbito eacute o do ente Acertado e exato eacute

seu relacionamento com o ente com o jaacute desvelado contudo nada sabe sobre

o ser Natildeo desvela sua essecircncia mas movimenta-se no jaacute desvelado no posto

dado ordinaacuterio e habitual sendo que ldquosomente onde se der esse descobrir da

essecircncia acontece o verdadeiro em sua propriedaderdquo15

Enquanto o correto diz

sobre o posto o verdadeiro abre-o ao seu aparecer O verdadeiro deixa viger o

que eacute destinado do ser ao ente do ainda natildeo vigente ao vigente Eacute nesse

descobrir que se mostra o relacionar-se com o ser Abrindo uma clareira ou

como clareira que se permite o vir agrave vigecircncia algo do ser eacute que se daacute um

14

Ibidem 15

A questatildeo da teacutecnica p13

23

acontecer do ser Entatildeo se o correto tem o seu acircmbito no ente a verdade

encontra-se em relaccedilatildeo com o ser Sendo somente esta verdade capaz de

permitir a livre relaccedilatildeo com o essencial com o ser Mas de onde Heidegger

apreende essa distinccedilatildeo entre verdade e corretude que aqui foi apenas posta

mas natildeo foi trilhada Onde encontra o pensador solo para este caminhar

Onde inicia o seu caminhar acerca da verdade da abertura Para essa

pergunta nos remetemos agraves suas palavras

Este aberto foi concebido pelo pensamento ocidental desde o seu iniacutecio como ηὰ ἀιήζεα o desvelado Se traduzimos a palavra ἀιήζεα por bdquodesvelamento‟ em lugar de bdquoverdade‟ essa traduccedilatildeo natildeo eacute

somente mais bdquoliteral‟ mas ela compreende a indicaccedilatildeo de pensar mais originariamente a noccedilatildeo corrente de verdade como

conformidade do enunciado16

Somos entatildeo encaminhados pelas fendas de nossa investigaccedilatildeo aos

gregos e seu modo de pensar O que os gregos entendiam por ἀιήζεα

desvelamento A questatildeo da verdade para Heidegger juntamente com a

questatildeo do ser torna-se o cerne do seu pensar Assim tatildeo fundamental como

a questatildeo do ser eacute a questatildeo da verdade em seu pensar como um todo Eacute

necessaacuterio que mantenhamos ambas como um soacute pensar caminhando juntas

Um ensaio fundamental no que concerne a discussatildeo sobre a verdade eacute o

ensaio A essecircncia da verdade [1930] Este em conjunto com o O que eacute

metafiacutesica [1929] satildeo considerados os textos da virada (Kehre) do

pensamento heideggeriano O proacuteprio filoacutesofo chama este momento de viragem

de seu pensar17

Onde o ser passa a ser buscado diretamente por meio de seu

acontecer poeacutetico-apropriante (Ereignis) Diferentemente de sua busca anterior

a partir do ente privilegiado homem a partir do Da-sein em ambas as fases de

seu filosofar se assim realmente se pode dizer a essecircncia da verdade como

ἀιεζεία des-velamento se potildee como uma questatildeo central

Verdade se disse primeiramente no mundo grego como ἀιεζεία

desvelamento Heidegger inaugura ou recupera em seu sentido originaacuterio uma

leitura a essa palavra essencial ldquoEssa palavra bdquoverdade‟ tatildeo sublime e ao

mesmo tempo tatildeo gasta e embotada designa o que constitui o verdadeiro

16

HEIDEGGER Martin A essecircncia da verdade [1930] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 200 17

Cf Cartas sobre o humanismo pp 339-341

24

enquanto verdadeiro (fazer pro-duzir deixar vir agrave clareira)rdquo18

Na palavra

ἀιεζεία o pensador escuta para muito aleacutem da mera corretude adequaccedilatildeo

certeza objetividade realidade Nela ressoa o originaacuterio ressoa o

desvelamento que abre Uma abertura que deixa advir o destinado do misteacuterio

do oculto ἀιήζεηα eacute composta pelo α privativo mais o radical ιήζε que

podemos traduzir por velado oculto esquecido Daiacute a traduccedilatildeo heideggeriana

de ἀιήζεiα por des-velamento des-ocultaccedilatildeo des-esquecimento Aquilo que

deixa o fechado do velamento vir ao vigor do vigente como o des-velado que

passa do natildeo-dado ao dado ao doado dizendo portanto algo completamente

distinto de exatidatildeo corretude ou adequaccedilatildeo Verdade dizia sobre um

acontecimento essencial do ser

Onde este sentido mais originaacuterio de verdade se perdeu Foi deixado de

lado e com isso esquecido Onde se deu tatildeo grande desvio de pensamento

Heidegger identifica o iniacutecio desta mudanccedila do sentido de verdade e junto com

ela a mudanccedila de sentido do ser com os gregos em sua fase tardia que se

inicia apoacutes a plenitude daquele pensar originaacuterio que se deu com Anaximandro

Pitaacutegoras Heraacuteclito e Parmecircnides Esse periacuteodo tardio que como Nietzsche19

Heidegger identifica como o periacuteodo de decadecircncia do pensar grego e iniacutecio da

decadecircncia do pensar ocidental Esse eacute o periacuteodo dos grandes ldquofiloacutesofosrdquo

Soacutecrates Platatildeo e Aristoacuteteles A mudanccedila no sentido da verdade assim como

a histoacuteria do esquecimento do ser pelo ente tem seu iniacutecio jaacute em Platatildeo

sofrendo novamente uma mudanccedila de paradigma com Aristoacuteteles nos escritos

de loacutegica e de metafiacutesica e com os latinos em suas traduccedilotildees e interpretaccedilotildees

da filosofia grega aquilo que de forma latente ainda pensava o sentido anterior

de verdade e ser eacute transformado em outro pensar e assim esquecido Assim

o que era fundamental ao pensamento grego a questatildeo do ser e da verdade

decai na questatildeo do ente e da adequaccedilatildeo Vejamos essa passagem do Ser e

Tempo onde Heidegger nos diz sobre esse decair do filosofar grego

Embora nosso tempo se arrogue o progresso de afirmar novamente a

bdquometafiacutesica‟ a questatildeo aqui evocada caiu no esquecimento () A questatildeo referida natildeo eacute na verdade uma questatildeo qualquer Foi ela que deu focirclego agraves pesquisas de Platatildeo e Aristoacuteteles para depois

18

A essecircncia da verdade pp 190-191 19

Cf NIETZSCHE Friedrich A filosofia na eacutepoca traacutegica dos gregos In Coleccedilatildeo os pensadores vol XXXII ndash Obras incompletas Trad br Rodrigo Torres Filho Satildeo Paulo Abril

Cultural 1974 pp 37-51

25

emudecer como questatildeo temaacutetica de uma real investigaccedilatildeo () Ε o que outrora se arrancou num supremo esforccedilo de pensamento ainda

que de modo fragmentado e tateante aos fenocircmenos encontra-se de haacute muito trivializado

20

Vejamos como Heidegger lecirc essa histoacuteria do esquecimento e das

seguidas mudanccedilas de sentido da questatildeo da verdade Heidegger em seu

polecircmico ensaio A teoria platocircnica da verdade [19311932 1940] propotildee que o

desvio de sentido jaacute se deu com Platatildeo ao introduzir a noccedilatildeo de ὀρζόηες de

um bdquoolhar reto‟ Para natildeo adentrar em uma discussatildeo mais aprofundada acerca

do ensaio citado e do polecircmico posicionamento heideggeriano sobre o pensar

platocircnico da verdade ressaltaremos aqui apenas aquilo que o autor indica

como o iniacutecio da transformaccedilatildeo da essecircncia da verdade Leiamos uma

passagem deste ensaio

Se no geral em toda e qualquer postura frente ao ente estaacute em questatildeo o ἰδεῑλ da ἰδέα a visualizaccedilatildeo do bdquoaspecto‟ entatildeo todo

esforccedilo deve concentrar-se antes de tudo em procurar possibilitar uma tal visualizaccedilatildeo Para isso eacute necessaacuterio um olhar reto () em

consequecircncia dessa adequaccedilatildeo do notar como um ἰδεῑλ agrave ἰδέα daacute-se uma ὁκοίωζης uma concordacircncia do conhecimento com a coisa mesma Assim da primazia da ἰδέα e do ἰδεῑλ frente a ἀιήζεiα daacute-se

uma transformaccedilatildeo da essecircncia da verdade Verdade torna-se ὀρζόηες retidatildeo do notar e enunciar

21

Apresenta-se aiacute o primeiro passo da transformaccedilatildeo da essecircncia da

verdade uma transformaccedilatildeo que para noacutes parece ocorrer de forma tatildeo sucinta

que torna difiacutecil a compreensatildeo do polecircmico texto de Heidegger

Ο que em Platatildeo e Aristoacuteteles ainda se deu como passagem segundo

Heidegger ali onde o pensamento grego ainda era vigoroso mesmo que jaacute

tornado sistemaacutetico escolar foi abandonado e por conseguinte esquecido

pela tradiccedilatildeo Segundo Heidegger a leitura latina do pensar grego diluiu o vigor

desse filosofar Na traduccedilatildeo de ἀιήζεiα para veritas como uma adequatio daacute-

se o passo decisivo do que vinha mudando de sentido Nessa mudanccedila de

sentido podemos perceber os passos da transformaccedilatildeo do conceito de

verdade Da verdade do ser (ontoloacutegica) a verdade do ente (ocircntica) e por fim

20

Ser e Tempo p 37 21

HEIDEGGER Martin A teoria platocircnica da verdade In Marcas do caminho Trad br Ernildo

Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 242

26

a verdade da proposiccedilatildeo (proposicional) Cada vez de forma mais decadente

mais superficial Cada vez menos originaacuteria a verdade vai se transformando no

exato no correto

Assim na Escolaacutestica podemos ver fortemente os ecos determinantes

da filosofia aristoteacutelica De um pensar loacutegico e argumentativo palavras e

expressotildees usadas por Aristoacuteteles referentes agrave questatildeo da verdade natildeo

apresentam mais o vigor do mundo grego e seu pensar natildeo pulsa mais o

modo grego de pocircr-se no mundo O mundo grego se desvaneceu Soacute restaram

traduccedilotildees e reflexos do que outrora se pensou

Assim pelo exposto podemos vislumbrar o desvio ou mesmo o envio

do sentido originaacuterio de verdade entendida como ἀιήζεiα des-velamento

passando pela ὀρζόηες o olhar reto ὁκοίωζης a semelhanccedila e a adequatio

entendida como base da filosofia escolaacutestica por adequaccedilatildeo da coisa a

proposiccedilatildeo tornando-se assim simplesmente em veritas verdade ao

entendimento atual de adequaccedilatildeo

ldquoOnde nos perdemosrdquo Questionamos a teacutecnica e agora encontramo-nos

diante da verdade e suas variadas determinaccedilotildees e sentidos O que tem a ver

a essecircncia da teacutecnica com a essecircncia da verdade A resposta que Heidegger

nos daacute eacute ldquoTudordquo A essecircncia da teacutecnica e da verdade tem tudo a ver Teacutecnica

em grego se dizia ηέτλε o mesmo termo era usado tambeacutem para a arte

Teacutecnica e arte eram modos de deixar viger o ainda natildeo vigente Deixa-viger

aqueles que diferente dos entes da θύζης natildeo possuiacuteam o eclodir em si

mesmos E como um deixar viger ambos estariam intrinsecamente

relacionados com a verdade pensados como ἀιήζεiα desvelamento Ambas

satildeo pro-duccedilatildeo e como podemos ler na passagem citada por Heidegger do

diaacutelogo Banquete de Platatildeo ldquoTodo deixar-viger o que passa e procede do natildeo

vigente para a vigecircncia eacute ποίεζης eacute pro-duccedilatildeordquo22

A teacutecnica eacute pro-duccedilatildeo e

enquanto pro-duccedilatildeo eacute ποίεζης poiacuteesis eacute desvelamento Pensando assim a

teacutecnica natildeo se resume a um simples meio sua essecircncia estaacute para aleacutem disso

Ela eacute um modo de verdade de desvelamento Mas seraacute que esse modo de

pensar a teacutecnica eacute vaacutelido tambeacutem para a teacutecnica moderna Ou ela pertence

apenas ao acircmbito do pensamento grego Seraacute que a teacutecnica das usinas

22

A questatildeo da teacutecnica p 16

27

induacutestrias da fiacutesica moderna eacute tambeacutem pro-duccedilatildeo ποίεζης Heidegger levanta

essa indagaccedilatildeo da seguinte forma

Teacutecnica eacute uma forma de desencobrimento A teacutecnica vige e vigora no acircmbito onde se daacute descobrimento e decircs-encobrimento onde

acontece ἀιήζεiα verdade Contra essa determinaccedilatildeo do acircmbito da essecircncia da teacutecnica pode-se objetar e dizer que ela vale para o

pensamento grego e no melhor dos casos pode servir para a teacutecnica artesanal mas natildeo alcanccedila a teacutecnica moderna caracterizada pela maacutequina e aparelhagens E eacute justamente esta e somente esta que

constitui o sufoco que nos leva a questionar bdquoa‟ teacutecnica23

Eacute diante esta indagaccedilatildeo que somos levados ao caminho do pensar a

teacutecnica grega em confronto com a teacutecnica moderna Portanto como pensar a

ηέτλε grega e sua relaccedilatildeo com a ποίεζης e sua transformaccedilatildeo na teacutecnica

moderna Eacute a teacutecnica moderna tambeacutem um modo de ἀιήζεiα desvelamento

Caso seja eacute do tipo poieacutetico no sentido de uma pro-duccedilatildeo que deixa-viger Ou

o que lhe caracteriza o que lhe domina eacute outro tipo de desvelamento Satildeo

esses traccedilos que seratildeo investigados nos passos seguintes

23 Teacutecnica grega e moderna Da poiacuteesis agrave exploraccedilatildeo

Em que sentido podemos pensar com Heidegger sua indicaccedilatildeo de que o

que preocupa eacute exatamente o sentido de pro-duccedilatildeo enquanto ποίεζης natildeo

poder mais ser aplicado agrave teacutecnica moderna Que sentido tem essa pro-duccedilatildeo

para os gregos Se natildeo eacute mais a poiacuteesis que determina a teacutecnica moderna o

que eacute Por que esta outra determinaccedilatildeo a saber a exploraccedilatildeo e o

armazenamento ameaccedilam tanto o homem atual Seratildeo estas indagaccedilotildees e as

que surgirem no caminho nas quais nos deteremos com o cuidado

necessaacuterio para que passo por passo trilhemos o caminho no qual

adentramos

Se pensarmos em um antigo moinho de vento grego e em uma usina

hidroeleacutetrica moderna podemos dizer que ambos satildeo um meio de produccedilatildeo de

energia Se pensarmos no agricultor ao lavrar sua terra ou em uma induacutestria de

23

Idem p18

28

agronegoacutecio podemos novamente dizer que ambas tecircm como finalidade a

produccedilatildeo de alimentos O que os diferenciam Natildeo satildeo ambos meio e

finalidade de produccedilatildeo Sim e natildeo Os dois extraem algo da terra poreacutem o

primeiro em cada um dos casos com cuidado deixa que a terra lhe doe o que

lhe eacute necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo de sua vida enquanto que no segundo de

forma abrupta retira da terra como de um reservatoacuterio mais do que o

necessaacuterio com o fim de estocar e armazenar e depois disso fazer um

negoacutecio O primeiro recebe uma doaccedilatildeo como presente ao seu presente O

segundo arranca mateacuteria-prima que ficaraacute disponiacutevel para um uso posterior A

relaccedilatildeo esta proximidade que o antigo tem com a Terra aquela que ele chama

de Matildee ldquoTerra de amplo seio de todos sede irresvalaacutevel semprerdquo24

Γάηα

multinutriz como nos conta nos bdquocanta‟ Hesiacuteodo transforma-se para o

segundo em uma relaccedilatildeo de exploraccedilatildeo forccedilando a terra a fornecer mateacuteria-

prima natildeo mais como uma vaca que pro-duz leite para alimentar a cria Mas

como uma vaca leiteira que em uma induacutestria eacute forccedilada recebendo

hormocircnios agrave produccedilatildeo de muitos litros de leite por dia que seratildeo tratados

transformados encaixotados armazenados para estarem disponiacuteveis agrave venda

Leiamos as palavras de Heidegger

O subsolo passa a se desencobrir como reservatoacuterio de carvatildeo o chatildeo como jazidas de mineacuterio Era diferente o campo que o camponecircs outrora lavrava quando lavrar ainda significava cuidar e

tratar O trabalho camponecircs natildeo provocava e desafiava o solo agriacutecola () A terra se desencobre nesse caso depoacutesito de carvatildeo

e o solo jazida de minerais25

Eacute draacutestica a mudanccedila no relacionar-se com a natureza entre os antigos e

os modernos A pro-duccedilatildeo grega eacute outra completamente diferente dessa

exploraccedilatildeo moderna mas para percebermos esta draacutestica mudanccedila iremos

nos deter ainda mais no que seja essa pro-duccedilatildeo que entre os gregos tinham

esse sentido de ποίεζης Apoacutes esta investigaccedilatildeo estaremos em melhores

condiccedilotildees de adentrar ainda mais na teacutecnica moderna em busca de sua

essecircncia pois soacute em uma verdadeira relaccedilatildeo com essa essecircncia poderemos

buscar um caminho de enfrentamento a essa situaccedilatildeo criacutetica da qual o homem

24

HESIacuteODO Teogonia a origem dos deuses Trad br Jaa Torrano Satildeo Paulo Editora Ilumiuras 1995 p 91 25

A questatildeo da teacutecnica p 19

29

atual se encontra imerso submerso ldquoTudo agora depende de se pensar a pro-

duccedilatildeo e o pro-duzir em toda sua amplitude e ao mesmo tempo no sentido dos

gregosrdquo26

Como na passagem citada do Banquete de Platatildeo pro-duccedilatildeo no sentido

de ποίεζης eacute todo deixar-viger O que leva da natildeo-vigecircncia a vigecircncia eacute todo o

pocircr no sentido de um deixar emergir A proacutepria θύζης nesse sentido eacute uma

ποίεζης uma pro-duccedilatildeo Ela eacute ateacute a maacutexima ποίεζης aquela que se daacute a partir

de si mesma Aqueles que natildeo se pro-duzem por si mesmos satildeo os ποηούκελα

os artefatos os entes criados produzidos pela arte pela ηέτλε Estes se

contrapotildeem e nesse sentido se aproximam dos seres da natureza da θύζης

daqueles que se potildeem por si mesmos dos θύζεη ὅληα Enquanto os primeiros

tecircm sua forccedila de eclosatildeo em outro ἐλ αιιωη os seres da natureza possuem o

eclodir em si mesmos ἐλ ἑασηωη Contudo ambos enquanto um vir agrave vigecircncia

satildeo ποίεζης Os artefatos que natildeo possuem o eclodir em si dependem dos

ἀρτηηέθηωλ dos arquitetos natildeo no sentido atual de arquiteto mas como

aqueles que tecircm a ηέτλε como ἀρτή E assim diz Heidegger

Nos artefatos portanto a ἀρτή de sua mobilidade e assim de seu repouso de estar pronto e estar terminado natildeo estaacute neles mesmos

mas em um outro no ἀρτηηέθηωλ naquele que dispotildee da ηέτλε enquanto ἀρτή Com isso teria sido feito a distinccedilatildeo frente aos θύζεη

ὅληα que se chamam desse modo precisamente porque natildeo tem a ἀρτή de sua mobilidade em um outro ente mas no ente que ele proacuteprios satildeo (e enquanto satildeo esse ente)

27

Leiamos uma passagem da Fiacutesica de Aristoacuteteles do livro Β 1 analisada

na citaccedilatildeo anterior com a qual Heidegger iraacute confrontar seu conceito de θύζης

ao conceito aristoteacutelico e grego de um modo mais geral

Algumas coisas satildeo por natureza outras por outras causas Por natureza os animais e suas partes as plantas e os corpos simples como a terra o fogo o ar e a aacutegua ndash pois dizemos que estas e outras

coisas semelhantes satildeo por natureza Todas estas coisas parecem diferenciar-se das coisas que natildeo estatildeo constituiacutedas por natureza

porque cada uma delas tem em si mesmo um princiacutepio de movimento e de repouso seja com respeito ao lugar ao aumento ou agrave

diminuiccedilatildeo ou agrave alteraccedilatildeo Pelo contraacuterio uma cama uma roupa ou qualquer outra coisa de gecircnero semelhante como as significamos em

26

Idem p16 27

HEIDEGGER Martin A essecircncia e o conceito de Φύζης em Aristoacuteteles ndash Fiacutesica Β 1 [1939] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes

2008 p 264

30

cada caso por seu nome e enquanto isso satildeo produtos da arte (ηέτλε) natildeo tem em si mesmas nenhuma tendecircncia natural agrave

mudanccedila28

Estes entes que natildeo tecircm o eclodir em si necessitam de outro ente para

chegar agrave vigecircncia contudo este vir agrave vigecircncia natildeo adveacutem pela atividade

manual do artista mas por meio de seu saber Arte e teacutecnica satildeo ditas pelos

gregos com a mesma palavra ηέτλε Natildeo por ambas terem em comum o fazer

a atividade manual mas por ambas terem em comum o pro-duzir no sentido de

ποίεζης como um deixar vir agrave vigecircncia em seu aspecto Como um

conhecimento algo relacionado agrave verdade Τέτλε aparece em Aristoacuteteles e

Platatildeo ao lado de επηζηήκε epistecircme Enquanto a επηζηήκε eacute o saber que se

relaciona com os θύζεη ὅληα aqueles que emergem por si os entes naturais a

ηέτλε eacute o saber a respeito dos ποηούκελα dos que natildeo adveacutem por si mesmos

os artefatos Assim diz Aristoacuteteles em sua obra acerca da Eacutetica em um

momento de uma ldquomeditaccedilatildeo especialrdquo ao tratar dos diversos tipos de

conhecimento

Satildeo cinco as disposiccedilotildees em virtude das quais a alma alcanccedila a

verdade (ἀιήζεiα) por meio da afirmaccedilatildeo ou da negaccedilatildeo a arte a ciecircncia o discernimento a sabedoria filosoacutefica e a inteligecircncia () O

objeto do conhecimento cientiacutefico portanto existe necessariamente Ele eacute consequentemente eterno pois todas as coisas cuja existecircncia eacute absolutamente necessaacuteria satildeo eternos () Toda arte se relaciona

com a criaccedilatildeo e dedicar-se a uma arte eacute estudar uma maneira de fazer uma coisa que pode existir ou natildeo e cuja origem estaacute em quem

faz e natildeo na coisa feita de fato a arte natildeo trata de coisas que existem ou passam a existir necessariamente nem de coisas que

existem ou passam a existir de conformidade com a natureza (estas coisas tecircm origens nelas mesmas) Jaacute que haacute diferenccedila entre fazer e agir a arte deve relacionar-se com a criaccedilatildeo e natildeo com a accedilatildeo

29

Com base no exposto Heidegger nos diz ser a teacutecnica no pensamento

grego um saber um modo de desvelar uma verdade criaccedilatildeo em oposiccedilatildeo a

um fazer manual Um saber que permite cuida e protege Protege o enviado o

destinado pelo ser do ocultamento ao des-ocultamento Destinado ao cuidado

e guarda na linguagem do pensador do artista Bem diferente eacute a teacutecnica

moderna onde o a-guardar foi substituiacutedo pela pressa do arrancar onde o criar

28

ARISTOacuteTELES Fiacutesica Traduccedilatildeo proacutepria feita da traduccedilatildeo espanhola de Guillermor R de

Echandia Madrid Editorial Gredos SA 1995 p 45 29

ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicoacutemacos Trad Br Maacuterio de Gama Kury Brasiacutelia Editora UNB

1992 pp 115-116

31

foi substituiacutedo pelo en-formar onde a co-pertenccedila de identidade e diferenccedila em

uma harmonia originaacuteria foi substituiacutedo pela mesmidade pela uni-formizaccedilatildeo

industrial pelo negoacutecio Aquele saber que na plenitude do mundo grego do

pensamento originaacuterio era a aproximaccedilatildeo do homem agrave natureza decaiu em

um afastamento sugador explorador O misteacuterio do aguardar foi apagado pela

exatidatildeo do calcular O filho que naquela bdquomanhatilde de sol‟ brincava livremente

com sua matildee natureza tornou-se na bdquonoite do mundo‟ o ldquosenhor da terrardquo

escravizado por seu proacuteprio trabalho e conceitos Esses ldquosenhoresrdquo tornaram-

se cada vez mais escravos de seus instrumentos Indigentes cada vez mais

imersos na cotidianidade dos entes explorando armazenando e negociando

como diz Heidegger

Eacute justamente esse homem assim ameaccedilado que se alardeia na figura de senhor da terra Cresce a aparecircncia de que tudo que nos vecircm ao

encontro soacute existe agrave medida que eacute um feito do homem Esta aparecircncia faz prosperar uma derradeira ilusatildeo segundo a qual em

toda parte o homem soacute se encontra consigo mesmo () Entretanto hoje em dia na verdade o homem jaacute natildeo se encontra em parte

alguma consigo mesmo isto eacute com a sua essecircncia30

Eacute esse desvelamento explorador que de forma alguma eacute um deixar-que-

advenha que nada tem de ποίεζης Eacute essa exploraccedilatildeo que assusta Pois qual

o sentido desse explorar e armazenar sem fim Eacute pensando no sentido de

suprir o necessaacuterio Natildeo essa exploraccedilatildeo e armazenamento tecircm a finalidade

do estar disponiacutevel Eacute essa dis-ponibilidade (Bestand) que preocupa Nela o

proacuteprio fruto ou melhor dizendo acerca da modernidade a proacutepria coisa o

proacuteprio objeto esvai-se ldquoEm toda parte se dispotildee a estar a postos e assim

estar a fim de tornar-se e vir a ser dis-poniacutevel para ulterior dis-posiccedilatildeo31

rdquo Cada

coisa passa a ser um dis-poniacutevel que estando ali armazenado espera por uma

negociaccedilatildeo que o trans-ponha daqui para ali

Uma nova meditaccedilatildeo se potildee em nosso caminhar ldquoQue desencobrimento

se apropria do que surge e aparece no pocircr da exploraccedilatildeordquo32

Como podemos

pensar mais propriamente sobre esta disponibilidade Qual a essecircncia da

teacutecnica moderna que leva o homem a um desvelar explorador onde tudo se

30

A questatildeo da teacutecnica pp 29-30 31

Idem p20 32

Ibidem

32

apresenta como mera disponibilidade De onde proveacutem essa essecircncia da

teacutecnica moderna Daacute-se por conta da negligecircncia do homem ou eacute mera

fatalidade do periacuteodo ou ainda eacute outra a situaccedilatildeo Sobre estes

questionamentos nos deteremos nos proacuteximos passos

24 Dis-ponibilidade e Com-posiccedilatildeo Acerca do desvelamento explorador

da teacutecnica moderna

A disponibilidade (Bestand) se potildee em nosso caminho Essa palavra

assume aqui um sentido muito mais essencial do que mera provisatildeo ldquoa palavra

disponibilidade se faz agora o nome de uma categoriardquo ldquodesigna o modo em

que vige e vigora tudo o que o descobrimento explorador atingiurdquo33

Chegamos

com este passo ao ponto alto aquele que surge diante do profundo do que

agora buscamos proximidade desse nosso percurso Estamos para

experienciar o originaacuterio que adveacutem das profundezas da essecircncia da teacutecnica

moderna Esse extra-ordinaacuterio que permite que nos elevemos agravequela relaccedilatildeo

livre entre nossa presenccedila (Dasein) e a essecircncia da teacutecnica portanto nesse

caminho in-habitual nos faz recuar lentamente alguns passos como quem se

prepara para pegar o impulso necessaacuterio ao salto-mortal no abismo (Abgrund)

Retornemos entatildeo alguns passos

Como pensarmos essa disponibilidade que nos passos anteriores vimos

como o preocupante acerca da teacutecnica moderna O que rege como apelo

essa disponibilidade Ela eacute regida por uma inadimplecircncia do homem por fruto

da ganacircncia de sua vontade ou ela eacute regida por algo mais originaacuterio ldquoSe a

teacutecnica moderna natildeo se resume a um mero fazer do homem () temos de

encarar em sua propriedade o desafio que potildee o homem a dispor do real

como dis-ponibilidaderdquo34

Heidegger como quem lanccedila o olhar ao outro lado do

abismo sobre o qual se prepara para saltar chama a esse ldquoapelo de

exploraccedilatildeo que reuacutene o homem a dis-por do que se des-encobre como dis-

ponibilidaderdquo35

de Ge-stell com-posiccedilatildeo Sobre o uso inusitado dessa palavra

33

Ibidem 34

Idem pp22-23 35

Idem p23

33

sobre seu sentido e lugar nesse percurso nos deteremos mais agrave frente Aqui o

indicamos apenas como um caminho a ser percorrido

Questionamos a teacutecnica ao nos depararmos com o perigo desta escapar ao

nosso domiacutenio Criamos teorias e conceitos com o fim de assegurar domiacutenio

Construiacutemos escolas com o intuito de dominar o saber e agora vemos as

criaccedilotildees fazendo um papel oposto ao intuito pensado em uma cadeia de

eventos onde o ser foi perdendo lugar ao domiacutenio do ente

A usina hidroeleacutetrica instalada no Reno como nos fala o filoacutesofo natildeo estaacute

mais aiacute como o velho moinho de vento Ela estaacute ali ou podemos ateacute dizer o

contraacuterio o rio estaacute ali instalado na usina a fim de se explorar a forccedila de

movimento das correntes de suas aacuteguas a dispor energia Esta energia seraacute

armazenada para em seguida estar agrave disposiccedilatildeo de uma induacutestria que usaraacute

este disponiacutevel para gerar instrumentos de trabalho ao homem que tambeacutem

estaraacute ali agrave disposiccedilatildeo para algum serviccedilo para ser meio de alguma finalidade

Se eacute que podemos ainda chamar isso de finalidade essa cadeia de disposiccedilatildeo

onde cada qual destes constituintes natildeo tem sentido algum pelo que eacute Usina

rio induacutestria homem negoacutecio natureza o tempo estatildeo todos aiacute apenas como

disposiccedilatildeo Caiu com isso tudo na indiferenccedila na mesmidade da

disponibilidade Vejamos uma passagem em Heidegger acerca do que

dissemos

A energia escondida na natureza eacute extraiacuteda o extraiacutedo vecirc-se transformado o transformado estocado o estocado distribuiacutedo o distribuiacutedo reprocessado Extrair transformar estocar distribuir

reprocessar satildeo todos modos de desencobrimento Todavia este desencobrimento natildeo se daacute simplesmente Tampouco perde-se no

indeterminado () por toda parte assegura-se o controle Pois o controle e seguranccedila constituem ateacute marcas fundamentais do descobrimento explorador

36

O proacuteprio homem encontra-se preso sem-saiacuteda nessa cadeia de

disponibilidade Ele encontra-se conectado a essa amarraccedilatildeo a esse

esqueleto a essa teia nessa com-posiccedilatildeo que a tudo abarca Eacute nesse sentido

de amarraccedilatildeo palavra que em alematildeo se diz por Gestell que Heidegger usa o

termo essencial com-posiccedilatildeo Em Ge-Stell o Ge tem o sentido de ldquoforccedila

originaacuteria de reuniatildeordquo e Stell com o sentido de pocircr de colocar junto de lugar

36

Idem p20

34

Assim por meio de uma escuta cuidadosa Ge-Stell eacute pensado como com-

posiccedilatildeo forccedila originaacuteria que reuacutene em um ponto em um lugar Como no termo

siacutentese onde sin tem o sentido de reuniatildeo e tese com o sentido de posiccedilatildeo

posto junto a siacuten-tese eacute entatildeo o iniacutecio da histoacuteria do desenvolvimento dessa

essecircncia da teacutecnica moderna Siacuten-tese eacute esta cadeia de amarraccedilatildeo que reuacutene

todo o disposto em uma cadeia sem-escape Siacuten-tese eacute Ge-stell eacute com-

posiccedilatildeo Bestand e Gestell como disponibilidade e composiccedilatildeo usados para

indicar o extra-ordinaacuterio do pensar heideggeriano podem ao leitor menos

atento parecer um abuso de linguagem poreacutem eacute sempre como extravagacircncia

que se potildee o pensar em profundidade Extravagante como o salto mortal

Assim Heidegger defende o uso destes termos dizendo o seguinte

Seraacute possiacutevel extravagacircncia maior ainda Certamente que natildeo Soacute que esta extravagacircncia eacute um antigo costume do pensamento E os

grandes pensadores tornaram-se extravagantes precisamente quando tecircm de pensar o mais elevado () o fato de Platatildeo usar a

palavra εἶδος para dizer a essecircncia de tudo e de cada coisa Pois na linguagem de todo dia εἶδος diz a visatildeo que uma coisa visiacutevel nos

apresenta agrave percepccedilatildeo sensiacutevel37

Contudo perguntamos esta Ge-stell com-posiccedilatildeo que teve seu

nascimento no pensar grego como siacuten-tese este pocircr-junto-em-relaccedilatildeo-a se

deu por negligecircncia do pensar do homem Deu-se por um descuido um des-

vio Eacute fruto da liberdade do homem de seu arbiacutetrio Heidegger nos diz que

natildeo A com-posiccedilatildeo enquanto um modo essencial de des-velamento natildeo eacute um

des-vio mas sim um envio do ser um destino do desencobrimento pelo ser

portanto um acontecimento-histoacuterico Entatildeo ao contraacuterio do que haviacuteamos

questionado a com-posiccedilatildeo como destino natildeo adveacutem da liberdade do homem

mas de um escravo da fatalidade do destino de um escravo de seu tempo

Tambeacutem natildeo o que se daacute eacute algo diverso Sendo fruto do destino a

composiccedilatildeo acontece pela liberdade Parece que nos encontramos em uma

confusatildeo em um emaranhado onde palavras contraditoacuterias se imbricam Esta

confusatildeo se instaura se pensarmos destino e liberdade como entende a

tradiccedilatildeo O que Heidegger pensa com essas palavras Algo bem diferente da

37

Idem p23

35

fatalidade e do arbiacutetrio Destino eacute pensado como um pocircr a caminho um envio

da silenciosa fonte originaacuteria Em suas palavras

Pocircr a caminho significa destinar Por isso denominamos de destino a forccedila de reuniatildeo encaminhadora que potildee o homem a caminho de

um desencobrimento Eacute pelo destino que se determina a essecircncia de toda histoacuteria A histoacuteria natildeo eacute um mero elemento da historiografia

nem somente o exerciacutecio da atividade humana A accedilatildeo humana soacute eacute histoacuterica quando enviada por um destino

38

No caso da liberdade Heidegger natildeo a pensa como vontade como

arbiacutetrio ou como uma liberdade de movimento mas sim como um deixar-ser

Como um permitir uma escuta onde o ente se des-vela pelo envio do ser Este

deixar-ser se daacute como um entregar-se ao ente ente Como um acolhimento

do e pelo ente como cuidado e proteccedilatildeo Entretanto este deixar-ser poderia

ser pensado no sentido negativo de ldquodesviar a atenccedilatildeo de algordquo ou de uma

renuacutencia agrave onde se ldquoexprime uma indiferenccedila ou uma omissatildeordquo mas como foi

dito este deixar-ser tem um sentido contraacuterio ao de omissatildeo sendo ateacute a

maacutexima atenccedilatildeo e presenccedila diante o vigente como escuta e abrigo esta

liberdade acontece em seu parentesco com a verdade pensada como ἀιήζεiα

Pois eacute ao que se desvela que deixa-ser o ente que se eacute O que pelo misteacuterio

como misteacuterio eacute enviado ao desvelamento eacute abrigado mesmo ao se esconder

por este deixar-ser da liberdade Verdade misteacuterio e liberdade se emaranham

em sua co-pertenccedila ao acontecer poeacutetico-apropriante do ser (Ereignis)

Misteacuterio aqui eacute pensado como este que libera ldquoO encoberto que sempre se

encobre e cobrerdquo o fechado que abriga o eclodir

Este entregar-se ao caraacuteter de desvelado do ente como nos diz

Heidegger natildeo eacute um ldquoperder-se nele mas um recuo diante do ente afim que

este se manifeste naquilo que eacute e como eacuterdquo39

Pensando deste modo eacute que

podemos ver a copertenccedila entre destino e liberdade onde estes natildeo vatildeo de

encontro um ao outro mas pelo contraacuterio vatildeo ao encontro um do outro O que

o destino envia a liberdade permite O que eacute doado pelo misteacuterio eacute protegido

no des-velo pelo livre deixar-ser Leiamos o que diz Heidegger acerca desta

relaccedilatildeo entre destino e liberdade

38

Idem p27 39

A essecircncia da verdade p201

36

O destino do desencobrimento sempre rege o homem em todo o seu ser mas nunca eacute a fatalidade de uma coaccedilatildeo Pois o homem soacute se

torna livre num envio fazendo-se ouvinte e natildeo escravo do destino A essecircncia da liberdade natildeo pertence originariamente agrave vontade e nem tatildeo pouco se reduz agrave causalidade do querer humano

A liberdade rege o aberto no sentido do aclarado isto eacute do des-encoberto () A liberdade eacute o reino do destino que potildee o

desencobrimento em seu proacuteprio caminho40

Assim respondemos ao questionamento sobre o acontecimento

histoacuterico da teacutecnica como com-posiccedilatildeo se ele eacute fruto de uma inadvertecircncia ou

se eacute ele uma fatalidade de nossa eacutepoca Natildeo sendo nem um nem outro mas o

fruto de um envio proveniente do misteacuterio do ser Ao pensarmos assim nos

mantemos no espaccedilo livre com a essecircncia da teacutecnica ao qual buscamos estar

nesse percurso de nosso trilhar o pensamento heideggeriano Abre-se com

este pensar caminhos novos de enfrentamento agrave situaccedilatildeo de crise que se

apresenta sobre o modo da teacutecnica Nesse extra-ordinaacuterio onde se abre para a

essecircncia da teacutecnica somos tomados por um ldquoapelo de libertaccedilatildeordquo Diz

Heidegger

A essecircncia da teacutecnica moderna repousa na com-posiccedilatildeo A com-

posiccedilatildeo pertence ao destino do descobrimento Estas afirmaccedilotildees dizem algo muito diferente do que a frase tantas vezes repetida a

teacutecnica eacute a fatalidade de nossa eacutepoca onde fatalidade significa o inevitaacutevel de um processo inexoraacutevel e incontornaacutevel () quando

pensamos poreacutem a essecircncia da teacutecnica fazemos a experiecircncia da com-posiccedilatildeo como destino de um desencobrimento Assim jaacute nos mantemos no espaccedilo livre do destino Este natildeo nos tranca numa

coaccedilatildeo obtusa que nos forccedilaria uma entrega cega agrave teacutecnica ou o que daacute no mesmo a arremeter desesperadamente contra a teacutecnica e

condenaacute-la como obra do diabo Ao contraacuterio abrindo-nos para a essecircncia da teacutecnica encontramo-nos de repente tomados por um apelo de libertaccedilatildeo

41

Eacute nesse passo que se encontra o perigo Pois se a liberdade eacute

entendida como um deixar-ser o que nos eacute destinado ldquoo homem histoacuterico

tambeacutem pode deixando que o ente seja natildeo deixaacute-lo-ser naquilo que ele eacute e

assim como eacute O ente entatildeo encobre-se e eacute dissimuladordquo42

Este natildeo-deixar-ser

naquilo que eacute se apresenta no homem moderno como esse pensamento que

calcula nesta com-posiccedilatildeo dominante que tudo explora e torna disponiacutevel

Neste sistema operativo e calculaacutevel que potildee em fuga toda outra forma de

40

A questatildeo da teacutecnica pp 27-28 41

Idem p 28 42

A essecircncia da verdade p 203

37

pensar Eacute aqui que mora o perigo Nesse esforccedilo de dominar bdquocom espiacuterito‟ a

teacutecnica nessa produccedilatildeo exploradora esquece-se o misteacuterio e com isso tem-se

a fuga da possibilidade de um desvelar mais originaacuterio O pensamento

meditativo poeacutetico a pro-duccedilatildeo como ποίεζης eacute ameaccedilada de ser encoberta

por completo ldquoO predomiacutenio da com-posiccedilatildeo arrasta consigo a possibilidade

ameaccediladora de se poder vetar ao homem voltar-se para um desencobrimento

mais originaacuterio e fazer assim a experiecircncia de uma verdade mais inauguralrdquo43

O grande perigo natildeo se encontra portanto no perigo das armas na

superficialidade dos novos meios de comunicaccedilatildeo virtuais na intoxicaccedilatildeo por

remeacutedios nos transgecircnicos agrotoacutexicos ou qualquer outro elemento teacutecnico

Seu perigo extremo estaacute na fuga desta outra possibilidade no completo

domiacutenio da com-posiccedilatildeo sobre a essecircncia do pensar do homem

Entretanto ldquodificilmente abandona o que mora na proximidade do

originaacuterio o lugarrdquo Com essas palavras do poema A peregrinaccedilatildeo de Houmllderlin

palavras finais do ensaio A origem da obra de arte eacute feita a passagem do

perigo ao que salva CITACcedilAcircO A essecircncia mais essencial eacute res-guardada

pela forccedila originaacuteria do misteacuterio ldquoO domiacutenio da composiccedilatildeo natildeo poderaacute

deturpar todo o brilho da verdaderdquo44

Ao se afastar de sua morada essencial o

homem eacute tomado por um apelo de retorno O pensamento loacutegico calculador

potildee o homem cada vez mais diante aos entes em sua mera cotidianidade

Decai assim na mesmidade do apenas dado O homem histoacuterico eacute tomado por

um teacutedio profundo que manifesta o ente em sua totalidade onde tudo se

apresenta como indiferenccedila Outro humor entatildeo arrebata o homem a

anguacutestia Nesta o ente se potildee em fuga o nada se manifesta como um apelo

da morada essencial a experienciaccedilatildeo do nada abre o pensar a outra

possibilidade Para outro modo de ser se abre como fonte Abre como questatildeo

e misteacuterio para um pensar que natildeo seja mais um mero com-pocircr mas um pocircr

poeacutetico inaugural Permitindo pela escuta cuidadosa que venha agrave vigecircncia

como doaccedilatildeo deste nada originaacuterio Esta questatildeo sobre o nada e os humores

de teacutedio e anguacutestia seraacute tratada mais adiante com um maior aprofundamento

Aqui trata-se apenas de pensar o apelo silencioso

43

A questatildeo da teacutecnica pp30-31 44

Idem p31

38

Pensar a essecircncia da teacutecnica eacute escutar a voz o canto do destino que

adveacutem da fonte principial eacute colocar-se na histoacuteria de maneira autecircntica Esta

escuta potildee Heidegger a se deter na voz do poeta Houmllderlin ldquopoeta dos poetasrdquo

doa em seu dizer muitas palavras que abrem o seu pensar Diante deste

poeta o filoacutesofo-pensador se deteacutem em muitos momentos com muito cuidado

Assim diz o poeta ldquoOra onde mora o perigo eacute laacute que tambeacutem cresce o que

salvardquo Eacute portanto no domiacutenio da com-posiccedilatildeo como essecircncia da teacutecnica

moderna que se mostra a outra possibilidade de um desocultar mais originaacuterio

Mas qual o sentido deste salvar Que outra possibilidade de pensar se

presenteia nesse extra-ordinaacuterio que se deu no confronto com o pensar

teacutecnico Eacute esse outro pensar a salvaccedilatildeo da ameaccedila da crise Esses satildeo os

questionamentos derradeiros desta fase de nossa investigaccedilatildeo Satildeo sobre

estas questotildees que nos deteremos agora como passo preparatoacuterio para uma

nova questatildeo ou seja a questatildeo do confronto

39

3 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES ACERCA DA ESSEcircNCIA DA ARTE

Neste capiacutetulo pensaremos a questatildeo da arte buscando avizinhaacute-la do

originaacuterio (Ursprung) e da essecircncia (Wesen) no sentido de encontrar aiacute outra

possibilidade capaz de um confronto agrave crise apontada pelo des-velar

explorador da teacutecnica moderna Deixaremos que a essecircncia da arte se

apresente ao pensar Nossa busca eacute portanto a de saber se na arte guarda-se

a medranccedila daquilo que pode nos salvar deste tempo de indigecircncia desta

noite do mundo Para tal busca faremos um momento que nos serviraacute de

passagem da questatildeo anterior da teacutecnica para a questatildeo da arte que agora se

iniciaraacute Apoacutes esse momento de passagem adentraremos a questatildeo da arte e

buscaremos pensar como a sua essecircncia se apresentou ao filoacutesofo Daqui

seremos levados a pensar em conjunto a essecircncia da arte e a questatildeo da crise

atual do entendimento teacutecnico

31 ldquoOnde mora o perigo cresce o que salvardquo Da pergunta pela Teacutecnica agrave

pergunta pela Arte

Chegamos num ponto crucial de nossa investigaccedilatildeo passo derradeiro

acerca da pergunta pela teacutecnica natildeo eacute contudo conclusivo eacute apenas um

preparo para um olhar em outro sentido O tiacutetulo deste ponto jaacute nos indica para

onde vamos seguir Passaremos da questatildeo da teacutecnica agrave questatildeo da arte

Poreacutem eacute preciso ainda alguns passos para que essa mudanccedila natildeo se decirc de

forma brusca Em que sentido se daraacute essa mudanccedila Aleacutem desta indicaccedilatildeo

A ciecircncia pode classificar e nomear os oacutergatildeos

de um sabiaacute Mas natildeo pode medir seus encantos

A ciecircncia natildeo pode calcular quantos cavalos de forccedila existem nos encantos de um sabiaacute

Quem acumula muita informaccedilatildeo perde o

condatildeo de adivinhar divinare Os sabiaacutes divinam

Manoel de Barros Livro sobre nada

Do fundo abismo nascem as altas montanhas

Maacutercia de Saacute

O escuro me ilumina Manoel de Barros

40

de mudanccedila de olhar o tiacutetulo tambeacutem nos diz outra coisa ldquoOnde mora o perigo

eacute laacute tambeacutem que cresce o que salvardquo Nessas palavras de Houmllderlin Heidegger

nos indica o fio condutor desta mudanccedila Contudo precisamos esclarecer o

que se entende aqui por salvar Como relacionar este salvar que agora se pocircs

no caminho com a pergunta inicial acerca da essecircncia da teacutecnica Como a

arte se relaciona com a teacutecnica diante da pergunta pela essecircncia Iremos nos

deter nestes questionamentos nos passos seguintes

Haviacuteamos dito que a essecircncia da teacutecnica moderna se apresentou apoacutes

nosso questionar como com-posiccedilatildeo O desvelar explorador que arrancou da

terra tudo como mera dis-ponibilidade eacute regido por essa com-posiccedilatildeo Na

dominaccedilatildeo deste explorar com-positor o perigo que ameaccedila eacute o de se trancar

ao homem a possibilidade de um outro desvelar mais originaacuterio a saber o

desvelar poeacutetico Este que enquanto ποίεζης deixa que o ente seja a cada

vez o ente que eacute Sendo regida assim pela liberdade como um deixar-ser essa

ποίεζης deixa-pocircr Esta ameaccedila contudo natildeo se deu por conta de uma

negligecircncia do homem nem por um capricho ou por uma veleidade Ela eacute fruto

de um destino de uma doaccedilatildeo Sendo destino adveacutem de um acontecer

histoacuterico do ser Soacute ao se perceber este sentido da essecircncia da teacutecnica

moderna o homem pode receber essa doaccedilatildeo aos cuidados e proteccedilatildeo de sua

guarda na linguagem Sua guarda se daacute aos que escutam o apelo da silenciosa

fonte originaacuteria Pensar sua essecircncia eacute escutar esse apelo Soacute onde se daacute esse

pensar cuidadoso e esse poetar permissor eacute que se pode dizer com vigor

essas palavras do poeta ldquoonde mora o perigo eacute laacute tambeacutem que cresce o que

salvardquo Portanto natildeo nos apressemos em dar respostas Tentemos com maior

esforccedilo nos manter nessa bdquofesta do pensar‟ frente agrave abertura do misteacuterio frente

agrave vereda O que Heidegger pensa em con-sonacircncia com o poeta por salvar Eacute

ele um salvar a tempo de uma destruiccedilatildeo iminente ou nos diz outra coisa a

voz do poeta Continuemos no nosso lento caminhar

Pensando com Houmllderlin Heidegger nos diz

O que significa salvar Geralmente achamos que significa apenas retirar a tempo da destruiccedilatildeo o que se acha ameaccedilado em continuar

41

a ser o que vinha sendo Ora ldquosalvarrdquo diz muito mais ldquoSalvarrdquo diz chegar agrave essecircncia a fim de fazecirc-la aparecer em seu proacuteprio brilho

45

Chegar agrave essecircncia eacute o sentido do salvar Na ameaccedila cresce o que salva

pois eacute nessa ameaccedila que o apelo por um retorno ao lar se potildee fortemente de

forma mais decisiva Pensemos a essecircncia natildeo de modo tradicional como

essentia como aquilo que diz o que uma coisa eacute como quid Essecircncia deve

ser pensada como colocamos de iniacutecio logo nos primeiros passos do percurso

Pensemos a essecircncia como o originaacuterio como fonte doadora principial Natildeo

como iniacutecio daquilo que logo que se potildee a caminhar eacute deixado para traacutes mas

como principial que dura e vigora a cada passo que mesmo no afastar-se eacute o

que sustem e envia Da qual natildeo eacute permitido um abandono ou um natildeo ouvir

seu apelo Eacute assim que Heidegger nos diz

Eacute do verbo bdquowesen‟ viger que proveacutem o substantivo vigecircncia Wesen

essecircncia em sentido verbal de vigecircncia eacute o mesmo que bdquowaumlhren‟ durar () Goethe chegou a usar no lugar de bdquofortwaumlhren‟ perdurar a palavra misteriosa bdquofortgewaumlhren‟ continuar a conceder Sua escuta

ouve nessa palavra uma harmonia impliacutecita de continuidade entre

bdquowaumlhren‟ durar e bdquogewaumlhren‟ conceder46

Como um carvalho que diante do perigo ao crescer fortifica suas raiacutezes

nas profundezas da Terra ldquocrescer significa abrir-se agrave amplitude do ceacuteu e ao

mesmo tempo estar arraigado na obscuridade da Terrardquo47

pois satildeo as raiacutezes

que salvam Estas como fontes doadoras de alimento recebem da Matildee Terra

multinutriz a forccedila de salvaguardar o caminho a forccedila de sustentaccedilatildeo e de

contra-posiccedilatildeo ao perigo da crise que ameaccedila ldquoEm silecircncio e em seu tempordquo

se apresenta outra possibilidade Juntamente com as palavras do poeta outras

palavras satildeo ditas ldquomas eacute poeticamente que o homem habita esta Terrardquo

Como podemos sustentar as palavras do poeta se eacute exatamente o perigo do

pensar loacutegico calculador cientiacutefico que ameaccedila o homem Se o agir desse

homem reflete o seu pensar ou sua fuga de pensar logo eacute cientificamente que

este constroacutei suas casas que este trabalha e que se coloca no mundo Se o

que lhe rege eacute a com-posiccedilatildeo o explorar e a dis-posiccedilatildeo Heidegger diz

45

A questatildeo da teacutecnica p31 46

Idem p 33 47

HEIDEGGER Martin O caminho do campo In La prensa Traduccedilatildeo pessoal a partir da

traduccedilatildeo espanhola de Sobine Langenheim e Abel Posse 1976 p 2

42

A composiccedilatildeo eacute um modo destinado de desencobrimento a saber o des-cobrimento da exploraccedilatildeo e do desafio Um e outro modo

destinado eacute o desencobrimento da pro-duccedilatildeo da ποίεζης Esses modos natildeo satildeo poreacutem espeacutecies que justapostas fossem subsumidas no conceito de desencobrimento O desencobrimento eacute o

destino que cada vez de cofre e inexplicavelmente para o pensamento se parte ora num des-encobrir-se pro-dutor ora num

des-encobri-se ex-plorador e assim se reparte ao homem48

Eacute o misteacuterio que rege essa proximidade e esse repartir Estar atento a

este misteacuterio eacute o grande passo no sentido da superaccedilatildeo da ameaccedila Eacute o passo

capaz de impulsionar o salto mortal no abismo Eacute este misteacuterio que concede

Sem ele natildeo a arvore que se sustente que dure e para viger eacute preciso durar

ldquoSomente dura aquilo que foi concedido Dura o que se concede e doa com

forccedila inaugural a partir das origensrdquo49

Em um ensaio acerca da essecircncia da

poesia (Houmllderlin e a essecircncia da poesia) Heidegger se deteacutem em algumas

palavras de Houmllderlin dentre elas a seguinte ldquoMas o que dura instauram os

poetasrdquo O que dura eacute instaurado pelos poetas Ao falar do teacutecnico e de sua

essecircncia constantemente surge o poeacutetico Como podemos nos perder nesses

dois modos de pensar tatildeo distintos Ou seraacute que a rota de duas estrelas que

passam ao longe uma da outra guarda em si uma vizinhanccedila essencial

Escutemos estas palavras de Heidegger antes de continuarmos nosso

caminhar

Outrora natildeo apenas a teacutecnica trazia o nome de ηέτλε

Outrora chamava-se tambeacutem de ηέτλε o desencobrimento que levava a verdade a fulgurar em seu proacuteprio brilho Outrora chamava-se tambeacutem de ηέτλε a pro-duccedilatildeo da verdade na

beleza Τέτλε designava tambeacutem a ποίεζης das belas-artes50

Seraacute que na arte poderemos encontrar o caminho do que salva Se o

perigo que ameaccedila diz respeito ao modo de des-velar do real ou seja diz

respeito a verdade pode a arte estando em sua essecircncia relacionada com o

belo dizer algo sobre esta Ou o que se daacute eacute o contraacuterio a essecircncia da arte

estaacute mais proacutexima da verdade como ἀιήζεiα do que do belo ldquoA essecircncia da

arte seria esta o pocircr-se em obra da verdade do sendo mas ateacute agora a arte soacute

48

A questatildeo da teacutecnica p 32 49

Idem p 34 50

Idem p 36

43

tinha a ver com o belo e a beleza e natildeo com a verdaderdquo51

ldquoEacute o poeacutetico que leva

a verdade ao esplendor superlativo () O poeacutetico atravessa com seu vigor

toda arte todo desencobrimento que vige na belezardquo52

A arte se apresenta

aqui relacionada com a verdade Aqui o que estaacute sendo dito se daacute na forma

de indicaccedilatildeo de uma mudanccedila no sentido do caminho

Seraacute entatildeo que a arte eacute a possibilidade que silenciosamente cresce na

Terra para a salvaccedilatildeo da ameaccedila que se consuma na crise aqui indicada

Deixemos Heidegger nos perguntar o mesmo

Seraacute que as belas-artes satildeo convocadas ao des-encobrir poeacutetico Seraacute que o desencobrimento haacute de reivindicaacute-las mais

originariamente para que fomentem por sua parte o crescimento do que salva para que despertem e instaurem em nova forma a visatildeo e

a confianccedila no que se concede e outorga Ningueacutem poderaacute saber se estaacute reservada agrave arte a suprema

possibilidade de sua essecircncia no meio do perigo extremo53

Se natildeo podemos saber se eacute na arte que se reserva a possibilidade do

que salva deveremos ainda nos encaminhar nessa arriscada aventura que eacute a

da busca por sua essecircncia ldquoEncaminhar na direccedilatildeo do que eacute digno de ser

questionado natildeo eacute uma aventura mas um retorno ao larrdquo ldquoAinda natildeo

pensamos o sentido quando estamos apenas na consciecircncia Pensar o sentido

eacute muito mais Eacute a serenidade em face do que eacute digno de ser questionadordquo54

Como os pensadores e poetas serenamente nos arriscaremos nessa vereda

Nos arriscaremos no sentido de termos em vista que no fim dessa nova

caminhada possamos nos deparar diante uma aporia Buscamos a essecircncia da

teacutecnica para abrir nossa presenccedila a um livre relacionamento com sua essecircncia

Esta se apresenta como um modo de des-velamento o explorador que potildee

tudo como dis-posiccedilatildeo a uma com-posiccedilatildeo Essa busca nos levou por fim agrave

questatildeo da arte Diz Heidegger

Natildeo sendo nada de teacutecnico a essecircncia da teacutecnica a consideraccedilatildeo essencial do sentido da teacutecnica e a discussatildeo decisiva com ela tecircm de dar-se no espaccedilo que de um lado seja consanguiacuteneo da essecircncia

da teacutecnica e de outro lado lhe seja fundamentalmente estranho

51

A origem da obra de arte p 87 52

A questatildeo da teacutecnica p 37 53

Ibidem 54

Ciecircncia e pensamento do sentido p 58

44

A arte nos proporciona um espaccedilo assim Mas somente se a consideraccedilatildeo do sentido da arte natildeo se fechar agrave constelaccedilatildeo da

verdade que noacutes estamos a questionar55

Nossas consideraccedilotildees acerca da teacutecnica apontaram para a ποίεζης

poiacuteesis como um modo de des-velar de verdade como a essecircncia da teacutecnica

grega e para a Ge-stell com-posiccedilatildeo tambeacutem como um modo de verdade

como a essecircncia da teacutecnica moderna Ambas seriam modos de verdade de

des-velamento Assim a essecircncia da teacutecnica se apresentou como verdade

Poreacutem a razatildeo de que em um dado momento se apresenta como des-

velamento e em outro se apresenta de um outro modo para noacutes permanece

um misteacuterio O misteacuterio se instaurou Esse mesmo que oculto em sua

essecircncia clareou agrave noacutes a possibilidade de um outro caminho O outro como

diferenccedila se apresentou como inaugural diante a identidade a habitual do

mesmo A arte tem em seu nascimento a aproximaccedilatildeo com a teacutecnica eacute-lhe

consanguiacutenea Houmllderlin pensando com Heraacuteclito escreve em seu Hipeacuterion ldquoA

palavra grandiosa ἔλ δηαθέρολ ἑασηῶη de Heraacuteclito soacute poderia ser encontrada

por um grego pois essa eacute a essecircncia da beleza e antes de encontraacute-la natildeo

havia filosofia algumardquo56

pois para ele a beleza eacute o ser e para Heraacuteclito o ser eacute

esse ldquoἔλ δηαθέρολ ἑασηῶηrdquo o uno em si mesmo diverso Heraacuteclito e Houmllderlin

satildeo enquanto pensador e poeta constantemente considerados por Heidegger

O poeacutetico aqui eacute relacionado para aleacutem do belo diz acerca do ser e da

verdade eacute o ηό ἐθθαλέζηαηολ de Platatildeo que sai a brilhar de forma superlativa

Constantemente somos levados a pensar a arte em consideraccedilatildeo com a

verdade

Investigaremos a arte na busca da sua essecircncia considerando

continuamente a questatildeo da verdade Contudo como foi dito a questatildeo da

verdade e a questatildeo do ser no pensamento heideggeriano andam de matildeos

dadas Assim como se deu nesse percurso a seguir re-colocaremos a questatildeo

do ser e da verdade Soacute assim seremos capazes de dizer algo a respeito da

arte se tem ela a medranccedila do que salva se ela nos indica ainda outra

possibilidade outro caminho ou se por fim devemos abandonar

definitivamente essa busca de um pensar em confronto agrave crise

55

A essecircncia da teacutecnica p 37 56

HOacuteLDERLIN Friedrich Hipeacuterion ou o eremita na Greacutecia Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante

Rio de Janeiro Vozes 1993 p 99

45

32 O originaacuterio da obra de arte O pocircr-em-obra da verdade

Nos passos anteriores vimos como Heidegger passou da questatildeo da

teacutecnica entendida em sua essecircncia como um des-encobrimento agrave questatildeo da

arte tambeacutem como um saber que des-encobre Em sua origem grega ambos

eram pensados pela palavra ηέθλε Teacutecne foi pensada desde Homero como

um saber Arte e saber pertenciam a um mesmo acircmbito Um saber que permitia

ao ser ao divino o seu advento ao que era por si proacuteprio Arte era um saber

um modo de verdade α-ιήζεηα poreacutem mesmo ao pensar grego esta relaccedilatildeo

entre arte e verdade se deu apenas extrinsecamente Sua relaccedilatildeo mais iacutentima

se mostrou desde o comeccedilo da tradiccedilatildeo com a questatildeo do belo passando por

toda a tradiccedilatildeo com este mesmo sentido mesmo que de diferente modo em

cada etapa do desenvolvimento do pensar Arte e belo e natildeo arte e verdade

era a relaccedilatildeo que se mantinha Soacute em Heidegger segundo o proacuteprio pensador

essa relaccedilatildeo passa ao seu vigor essencial Pois soacute neste filoacutesofo a verdade eacute

pensada como α-ιήζεηα des-encobrimento Soacute nele ela eacute pensada em sua

profundidade essencial pois mesmo ali no pensar grego essa essecircncia da α-

ιήζεηα se deu de forma oculta57

O olhar da ciecircncia esteacutetica surgido na modernidade ao artiacutestico ao

poeacutetico era um olhar sob impeacuterio da loacutegica Este olhar pensou desde seu

nascimento a arte em relaccedilatildeo ao belo ao gosto aos sentidos A mudanccedila de

paradigma que se deu com o pensar vigoroso de Heidegger em relaccedilatildeo ao

ser exigia outra linguagem uma nova forma de se pocircr diante do artiacutestico A

loacutegica como vimos anteriormente natildeo abarcava mais este pensar do ser pois

natildeo sendo mais ente o ser natildeo cabia mais no domiacutenio de seus objetos A

loacutegica seria aquela que sabe dos entes e nada mais A arte como um saber

que permitiria o advir do destinado passou a dizer a respeito do ser Para a

57

Cf HEIDEGGER Martin Parmecircnides Trad br Seacutergio Maacuterio Wrublevski Petroacutepolis Editora

Vozes 2008 P 29

ldquoEscrever o que natildeo acontece eacute tarefa da

poesiardquo

Manoel de Barros Menino do mato

46

loacutegica tratar do brotar de um natildeo-adveniente ao vigente do natildeo-ente sem

tornaacute-lo ente natildeo era uma possibilidade e pensar o natildeo-ente como um ente era

entrar em contradiccedilatildeo ferindo o fundamento supremo o princiacutepio da

contradiccedilatildeo Uma desconstruccedilatildeo torna-se necessaacuteria

O que em Ser e tempo se apresentou como a destruiccedilatildeo Destruktion da

ldquohistoacuteria da ontologiardquo58

e com ela como o ldquoenrijecimento de uma tradiccedilatildeo

petrificadardquo ou seja da tradiccedilatildeo loacutegicametafiacutesica eacute na verdade uma

desconstruccedilatildeo59

Esta desconstruccedilatildeo da histoacuteria da ontologia que em outros

momentos eacute chamada de superaccedilatildeo da metafiacutesica eacute uma superaccedilatildeo da

linguagem e do pensar loacutegico Uma histoacuteria que chega a sua consumaccedilatildeo com

o nascimento da Esteacutetica da loacutegica do sensitivo Assim a desconstruccedilatildeo da

Metafiacutesica na tradiccedilatildeo seraacute entendida como a histoacuteria da ontologia cujo

momento final seraacute a desconstruccedilatildeo da histoacuteria da Aesthetica

O meacutetodo indicado por Heidegger em Ser e tempo eacute o meacutetodo

Fenomenoloacutegico Em um certo sentido em consonacircncia com o que defendia

Husserl como um deixar-que apareccedila o que adveacutem da fonte o que adveacutem de

si mesmo Como Heidegger observa

O meacutetodo de tratar essa questatildeo eacute fenomenoloacutegico Isso poreacutem natildeo

significa que o tratado prescreva bdquoum ponto de vista‟ ou uma bdquocorrente‟ () fenomenologia diz entatildeo ἀποθαίωεζζαη ηὰ θαηλόκελα

ndash deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra tal como se mostra a partir de si mesmo Eacute este o sentido formal da pesquisa que

traz o nome de fenomenologia Com isso poreacutem natildeo se faz outra coisa do que exprimir a maacutexima formulada anteriormente ndash bdquopara as coisas elas mesmas‟

60

Em seu ensaio A origem da obra de arte Heidegger lanccedila um profundo

e cuidadoso olhar ao acontecer da arte natildeo mais um olhar esteacutetico ou loacutegico

que se manteacutem na superficialidade do fundamento do fundo mas um olhar

permissivo esse olhar fenomenoloacutegico Potildee-se a pensar como uma escuta e

natildeo mais a refletir e buscar conclusotildees Qual o originaacuterio (Ursprung) da obra de

arte Aqui antes de adentrarmos os passos seguintes re-coloquemos a

58

Ser e tempo sect 6 59

Conferir o estudo de Stein acerca da questatildeo da desconstruccedilatildeo da metafiacutesica STEIN Ernildo Diferenccedila e metafiacutesica ensaios sobre a desconstruccedilatildeo Ijuiacute UNIJUIacute 2008 60

Ser e tempo pp66- 74

47

questatildeo do termo Ursprung que estaacute no tiacutetulo do ensaio heideggeriano

Traduzindo para o portuguecircs a palavra alematilde Ursprung pode-se tanto dizer (a)

origem como por meio de substantivaccedilatildeo (o) originaacuterio Ao decompormos Ur-

sprung temos o prefixo Ur primordial e a palavra Sprung advida do verbo

springen saltar Eacute como um bdquosalto fundador‟ como um bdquofazer eclodir‟ como

podemos ler em seu ensaio que Heidegger pensa esta expressatildeo61

Ao

traduzir-se por origem somos levados a pensar em algo pontual em um iniacutecio

temporal e espacial um fundo alicerce sobre o qual possamos construir o

nosso edifiacutecio Como origem somos remetidos de volta para o interior da

tradiccedilatildeo metafiacutesica da loacutegica e seu pensar dominante Origem eacute fundamento

eacute chatildeo conceito E o que eacute do acircmbito do pensar acircmbito no qual Heidegger

busca re-instaurar eacute o do abismo (Abgrund) do sem chatildeo Eacute aquele poccedilo no

qual o pensador ao levar o seu pensar ao misteacuterio da fonte principial (Anfang)

cai em seu caminhar

Com origem com solo alicerce se constroacutei impeacuterio Eacute levar com

seriedade o des-envolvimento o progresso do saber Eacute caminhar sempre para

frente em linha reta eacute o reto pensar ὀρζόηες ortoacutetes bdquoretidatildeo do olhar‟ Eacute

seguir como trem comeacutercio induacutestria poder eacute dar resposta eacute uma re-

afirmaccedilatildeo da tradiccedilatildeo Em originaacuterio algo outro se passa Cai-se em um poccedilo

para dentro do que estava apenas na superfiacutecie Cai-se em ἀπορία Sendo

pelo ldquoentendimento escolado da loacutegicardquo62

motivo de riso pois sem chatildeo natildeo se

vai a lugar nenhum natildeo se responde nada Esse ldquocair no poccedilordquo que sempre foi

ldquomotivo de risordquo ldquonatildeo levando a lugar nenhumrdquo eacute o que Heidegger chama a

tarefa do pensar Eacute ldquoao menos uma vez chegar ao lugar em que jaacute estamosrdquo63

Eacute a abertura ao misteacuterio oculto da fenda do ser Caindo nas aacuteguas de um rio eacute

permitir-se ser levado ao destino caminhando com o fluxo do que adveacutem da

fonte principial

61

A origem da obra de arte p 199 Aleacutem do dito pelo proacuteprio filoacutesofo conferir a nota de traduccedilatildeo de Idalina acerca da expressatildeo Ursprung em sua traduccedilatildeo ao ensaio citado pp 224-

228 62

A linguagem p 8 63

Idem

48

Eacute neste sentido como originaacuterio que lemos a palavra Ursprung Daiacute o

tiacutetulo do ensaio ser tambeacutem pensado como O originaacuterio da obra de arte64

Perguntar pelo originaacuterio da obra de arte eacute perguntar pela proveniecircncia de sua

essecircncia Esta essecircncia natildeo seria aquela pensada como solo como a essentia

da tradiccedilatildeo metafiacutesica mas como abertura sem fundo como Abgrund aquele

aberto que recebe o proveniente do misteacuterio do ser Segundo a opiniatildeo

corrente a proveniecircncia da obra de arte eacute a atividade do artista mas o que diz

se um artista eacute um artista eacute a sua obra de arte

O artista eacute a origem da obra A obra eacute a origem do artista Nenhum eacute sem o outro Do mesmo modo nenhum dos dois porta sozinho o

outro Artista e obra satildeo em-si e em sua muacutetua referecircncia atraveacutes de um terceiro que eacute o primeiro ou seja atraveacutes daquilo a partir de onde artista e obra de arte tecircm seu nome atraveacutes da arte

65

A pergunta pela obra de arte eacute encaminhada a pergunta pela arte

mesma Qual a essecircncia da arte para que ela possa ser originaacuteria de algo

Heidegger inicia sua busca por essa essecircncia pelo que foi dito na tradiccedilatildeo

Buscaraacute sua essecircncia a partir de sua realidade efetiva Procurando sua

essecircncia na obra de arte existente A obra de arte eacute uma coisa como as

demais Eacute uma coisa como a pedra e tambeacutem como o utensiacutelio sapato Poreacutem

a obra de arte eacute uma coisa acrescida de algo mais algo de mais elevado que

uma mera coisa Eacute algo de produzido pelo homem mas os instrumentos os

utensiacutelios como a panela o martelo o carro tambeacutem satildeo coisas produzidas

pelas matildeos do homem Mas obra de arte eacute tambeacutem mais elevada que o

utensiacutelio pois aleacutem se ser uma coisa produzida ela nos diz algo de outro Ela eacute

alegoria eacute siacutembolo

A obra de arte aleacutem do caraacuteter de coisa eacute ainda um outro algo Este outro algo que estaacute nela constitui o artiacutestico () Alegoria e siacutembolo

fornecem o enquadramento representacional em cuja perspectiva desde haacute muito tempo se move a caracterizaccedilatildeo da obra de arte

66

64

A origem da obra de arte p 225 65

Idem p 37 66

Idem p43

49

Na busca pela essecircncia da arte a partir de sua realidade efetiva nos

deparamos com a coisa e com o utensiacutelio Sendo antes de tudo uma coisa

desvia-se o caminho da essecircncia da arte para o da essecircncia do que seja uma

coisa da coisidade da coisa Assim observa-se se a arte eacute uma coisa

acrescida de algo mais ou se eacute algo de outro A pergunta torna-se entatildeo Qual

a essecircncia da coisa Seguindo o fio condutor da investigaccedilatildeo da tradiccedilatildeo

filosoacutefica acerca da coisa Heidegger nos indica trecircs principais definiccedilotildees A

coisa eacute i) ldquoA substacircncia com os seus acidentesrdquo67

ii) ldquoA unidade de uma

multiplicidade dada nos sentidosrdquo68

e iii) ldquoa coisa eacute uma mateacuteria enformadardquo69

Esse eacute o esquema conceitual da esteacutetica desde seus primeiros acenos Das

definiccedilotildees citadas a terceira mateacuteria enformada eacute a que mais se adequa a

esse esquema conceitual

A distinccedilatildeo entre mateacuteria e forma eacute e na verdade nas mais diferentes variedades pura e simplesmente o esquema conceitual usado em todas as teorias da arte e da Esteacutetica () Quando se liga a forma

ao racional e a mateacuteria ao irracional considera-se o racional como o loacutegico e o irracional como o iloacutegico e quando se acopla ao par conceitual forma-mateacuteria ainda a relaccedilatildeo sujeito-objeto entatildeo o

representar dispotildee de uma mecacircnica conceitual agrave qual nada se pode opor

70

Para Heidegger esta definiccedilatildeo da coisidade da coisa poreacutem natildeo se

aplica apenas para as meras coisas Um par de sapatos e um quadro de van

Gogh satildeo tambeacutem mateacuteria enformada Uma pedra possui uma mateacuteria em uma

determinada forma contudo aiacute a forma eacute apenas uma mera distribuiccedilatildeo

espacial de um determinado conteuacutedo Jaacute no par de sapatos a forma eacute de tal

modo fundamental por conta de sua utilidade que influencia ateacute na escolha do

material a ser usado no momento de sua produccedilatildeo Flexiacutevel e macia para uma

roupa resistente e dura para um martelo e assim se daacute com os outros

utensiacutelios Pensando assim Heidegger aponta para o produzido para este algo

uacutetil proacuteximo ao dia a dia do homem que vem primeiramente para esta

definiccedilatildeo de mateacuteria-forma e daiacute passa a coisidade da coisa O homem

67

Idem p 53 68

Idem p 59 69

Idem p 61 70

Idem p 63

50

transfere do utensiacutelio para a coisa a sua definiccedilatildeo e isto por meio do esquema

esteacutetico e sua relaccedilatildeo com a arte e os artefatos

Por conseguinte mateacuteria e forma enquanto determinaccedilotildees do sendo satildeo naturais agrave essecircncia do utensiacutelio Propriamente este nome

nomeia o elaborado em vista de sua utilidade e uso Mateacuteria e forma natildeo satildeo de modo algum determinaccedilotildees originaacuterias da coisidade da proacutepria coisa

71

Somos assim novamente enviados a outro acircmbito A busca pela

essecircncia da coisa nos levou a questatildeo do utensiacutelio Qual a sua essecircncia O

que lhe difere da mera coisa lhe pondo a meio caminho entre coisa e arte Ou

seraacute o utensiacutelio ainda algo outro Com estas indagaccedilotildees chegamos com

Heidegger ao produzido em vista de uma utilidade o utensiacutelio tem na serventia

o traccedilo fundamental a partir do qual este sendo nos olha Eles satildeo tatildeo

melhores quanto menos pensarmos neles em sua constituiccedilatildeo em sua forma

ou mateacuteria Seja o sapato ou o martelo eacute na serventia que se encontra o seu

valor e natildeo em sua constituiccedilatildeo Portanto como Heidegger nos diz na

confiabilidade da serventia ela se torna uacutetil Quando apenas usamos o

utensiacutelio por conta da confiabilidade a ele cedida sua essecircncia nunca nos

chega como o que este utensiacutelio eacute No contato diaacuterio e habitual com o utensiacutelio

sua essecircncia natildeo se apresenta junto agrave relaccedilatildeo que ele que manteacutem

Para Heidegger um homem diante de um quadro de Van Gogh onde

figura um par de sapatos pintados e nada mais ao pensar algo de outro

acontece

Da escura abertura do interior gasto dos sapatos a fadiga dos passos trilhados olha firmemente No peso denso e firme dos sapatos se

acumula a tenacidade do lento caminhar atraveacutes dos alongados e sempre mesmos sulcos do campo sobre qual sopra continuo um vento aacutespero No couro estaacute a umidade e a fartura do solo Sob as

solas insinua-se a solidatildeo do caminho do campo em meio agrave noite que vem caindo Nos sapatos vibra o apelo silencioso da Terra sua calma

doaccedilatildeo do gratildeo amadurecente e o natildeo esclarecido recusar-se do ermo terreno natildeo-cultivado do campo invernal Atraveacutes do utensiacutelio perpassa a afliccedilatildeo sem queixa pela certeza do patildeo a alegria sem

palavras da renovada superaccedilatildeo da necessidade o temor diante do anuacutencio do nascimento e o calafrio diante da ameaccedila da morte Agrave

Terra pertence este utensiacutelio e no Mundo da camponesa estaacute ele

71

Idem p 67

51

abrigado A partir deste pertencer que abriga o proacuteprio utensiacutelio surge para seu repousar-em-si

72

A obra de arte trouxe ao desvelado aquilo que o utensiacutelio enquanto um

sendo eacute Natildeo poreacutem da forma habitual como mera serventia como

confiabilidade A obra inaugura Terra e Mundo Terra como aquilo de onde

este sendo proveacutem e mundo como o aberto do qual aquele sendo faz parte A

obra de arte potildee-em-obra a verdade do sendo do ente Eacute como um pocircr-em-

obra da verdade que Heidegger pensa a essecircncia da arte Por meio da arte

cada sendo vem a vigecircncia de forma extra-ordinaacuteria como um sendo um ente

que irrompe do seu ser Brota pela abertura que acontece na arte da Terra ao

Mundo Esse pocircr-se-em-obra da verdade eacute ποίεζης poiacuteesis Este pocircr

enquanto obra adveniente do ser eacute pensado como um deixar-que atraveacutes da

escuta cuidadosa ao misteacuterio do ser brote do fechado da Terra ao desvelado

do Mundo

Terra e Mundo satildeo palavras-chave para a compreensatildeo do pensar

heideggeriano acerca da arte Terra natildeo eacute o conjunto maciccedilo de areia ou um

planeta Como Γε Gaia Terra os gregos natildeo diziam nada disso Terra tambeacutem

natildeo eacute simplesmente o fechado o velado em oposiccedilatildeo ao Mundo como o

aberto o desvelado Terra como aquela que abriga natildeo pode ser um riacutegido

fechar-se em si eacute de uma forma completamente diferente um res-guardar-se

que acolhe que nutre Ela eacute Gaia Matildee ldquode amplo seio de todos sede

irresvalaacutevel semprerdquo73

ldquomulti-nutrizrdquo74

Eacute entatildeo proteccedilatildeo e natildeo simplesmente

dissimulaccedilatildeo Terra eacute o misteacuterio cuidadoso do essencial Assim tambeacutem Mundo

natildeo eacute apenas o aberto Eacute no Mundo que vige ldquoas decisotildees mais essenciais de

nossa histoacuteriardquo75

Mundo eacute para onde o ser se destina natildeo como um espaccedilo

um lugar mas como acircmbito do acontecimento Eacute a morada do vigente Mundo

eacute sempre o inobjetaacutevel

72

Idem p81 73

Teogonia p 91 74

Podemos ver em muitas passagens da Iacuteliada assim como da Odisseia Homero se referindo agrave Γε Gaia Terra como a Matildee multi-nutriz 75

Origem da obra de arte p 109

52

Eacute na disputa entre Terra e Mundo que se daacute o ldquoacontecer poeacutetico-

aproprianterdquo (Ereignis) como Heidegger passou a chamar o acontecimento do

ser

Para onde a obra se retira e o que ela deixa surgir nesse retirar-se noacutes denominamos Terra Ela eacute a que faz surgir e que abriga A Terra

eacute a que natildeo sendo forccedilada a nada eacute sem esforccedilo e infatigaacutevel Sobre a Terra e nela o homem histoacuterico funda o seu morar no Mundo No

que a obra instala um Mundo ela elabora a Terra76

Arte eacute entatildeo abertura Enquanto no utensiacutelio haacute um gastar-se com o uso

com sua serventia na obra de arte enquanto a disputa originaacuteria de Terra e

Mundo se manteacutem em seu vigor enquanto permanece como obra daacute-se

abertura O artista natildeo gasta a tinta ao criar um quadro como gasta o pintor no

seu trabalho de pintar um muro de uma casa Na pintura criadora do artista eacute

que as cores vecircm a ser as cores que satildeo O verde vem na arvore pintada a

ser o verde da natureza o azul revela o ceacuteu Jaacute no utensiacutelio a lata de tinta eacute

tanto melhor quanto mais some ao ser usada como revestimento Na obra de

arte haacute um permanecer uma instauraccedilatildeo Eacute na poesia que a palavra chega ao

dizer na muacutesica que o som chega ao soar na escultura que a pedra chega ao

resistir

Na obra de arte daacute-se essa clareira na arte daacute-se o acontecimento

como obra da verdade A verdade eacute posta em obra Aqui uma pergunta se potildee

como necessaacuteria o que eacute a verdade para que possamos dizer que ela eacute pela

obra de arte posta em obra Re-coloquemos entatildeo a questatildeo da verdade que

no primeiro capiacutetulo apenas indicamos para que esta advenha em seu sentido

mais profundo Ou seja pensemos um pouco mais acerca da verdade para

adentrarmos de forma mais cuidadosa na vereda do pensar heideggeriano

Pensar verdade α-ιήζεηα como des-encobrimento nos remete a outro

acircmbito do pensar Um acircmbito do ainda-natildeo da adveniecircncia Somos

transpostos da rigidez conceitual do definido do dado agrave fluidez do vir-a-ser da

abertura do misteacuterio Ao pensar a verdade como o desvelado o velado passa

a se mostrar como mais originaacuterio como fonte originaacuteria deste desvelado

Mostra-se como mais essencial Este velado pode entatildeo ser pensado como o

76

Idem p115

53

natildeo-desvelado como a natildeo-verdade Sendo mais essencial importa a noacutes

mais essa natildeo-verdade do que a verdade Eacute assim que Heidegger no ensaio A

essecircncia da verdade faz a virada da questatildeo da verdade para a natildeo-verdade

De uma busca pela verdade somos transpostos a uma busca pela natildeo-

verdade

Poreacutem para Heidegger essa passagem da verdade para a natildeo-

verdade natildeo deve ser pensada pura e simplesmente como uma inversatildeo mas

como abertura de outro acircmbito do pensamento Pensar a verdade como a natildeo-

verdade achando com isso estar saindo do acircmbito do definido do dado da

identidade para o acircmbito do indefinido da diferenccedila seria um equiacutevoco

Tomar simplesmente a natildeo-verdade por verdade eacute apenas outro acircmbito da

rigidez do conceito Heidegger nos propotildee em seus ensaios uma mudanccedila no

acircmbito do pensamento natildeo uma mera inversatildeo mas algo de outro Esse

acircmbito por ele proposto mais originaacuterio e mais profundo natildeo pode ser

atingido com a operaccedilatildeo loacutegica da inversatildeo e suas enunciaccedilotildees predicativas

Soacute um pensamento como abertura um pensamento do sentido e natildeo mais um

meramente conceitual pode adentrar essa profundidade Soacute assim pode-se

pretender um avizinhar ao ser Verdade eacute pensada como clareira Natildeo sendo

nem o aberto desvelado nem o fechado velado mas sim abertura

possibilidade de adveniecircncia de acontecimento poeacutetico-apropriativo Assim

diria Heidegger acerca da clareira

Um tal aparecer acontece necessariamente em uma certa claridade Somente atraveacutes dela pode mostrar-se aquilo que aparece isto eacute brilha A claridade por sua vez poreacutem repousa numa dimensatildeo de

abertura e de liberdade que aqui e acolaacute de vez em quando pode clarear-se A claridade acontece no aberto e aiacute luta com a sombra

() Somente esta abertura garante tambeacutem agrave marcha do pensamento especulativo sua passagem atraveacutes daquilo que pensa

Designamos esta abertura que garante a possibilidade de um aparecer e de um mostrar-se com a clareira (die Lichtung)

77

Outra questatildeo referente agrave verdade que aqui seraacute de crucial importacircncia

eacute a da verdade como erracircncia O homem enquanto um ente no Mundo que

caminha pelo aberto eacute um jogado na erracircncia do Mundo O homem se

77

O fim da filosofia e a tarefa do pensamento p 102

54

relaciona insistentemente com os entes com o aberto Neste relacionar-se com

o dado o homem afasta-se do misteacuterio Afastando-se assim do essencial do

ser do misteacuterio originaacuterio daacute-se o errar ldquoEste vaiveacutem do homem no qual ele

se afasta do misteacuterio e se dirige para a realidade corrente sai de um objeto da

vida cotidiana para outro desviando-se do misteacuterio ele eacute o errar78

rdquo O homem

um ek-sistente um lanccedilado para fora de si no mundo insistentemente Com

isso eacute o homem des-guardado no aiacute do aberto Como errante ele eacute lanccedilado

para fora no aberto do cotidiano e se relaciona com os outros entes com o

Mundo Diz Heidegger

O homem erra O homem natildeo cai na erracircncia em um momento dado

() erracircncia se revela como o espaccedilo aberto para tudo que se opotildee agrave verdade essencial () aquilo que o haacutebito e as doutrinas filosoacuteficas chamam de erro isto eacute a natildeo-conformidade do juiacutezo e a falsidade do

conhecimento eacute apenas um modo e ainda o mais superficial de errar () A erracircncia domina o homem enquanto o leva a se desgarrar Pelo

desgarramento poreacutem a erracircncia tambeacutem contribui para fazer nascer esta possibilidade que o homem pode tirar da ek-sistecircncia e que

consiste em natildeo se deixar levar pelo desgarramento O homem natildeo sucumbe no desgarramento se ele mesmo eacute capaz de provar a erracircncia enquanto tal e de natildeo desconhecer o misteacuterio do ser-aiacute

79

Eacute da essecircncia do homem enquanto ek-sistente a erracircncia Tanto mais

errante como tambeacutem mais aberto ao misteacuterio do ser mais homem ele eacute

Provando da erracircncia corre o homem o risco de aiacute perder-se no

desgarramento Evitando esta erracircncia nega ele sua essecircncia Eacute necessaacuterio

entatildeo um enfrentamento onde o homem como o que se arrisca mais ponha-

se diante dessa possibilidade de perder-se Eacute soacute na peossibilidade de perder-

se que pode este se encontrar Assim para Heidegger o homem arrisca-se na

erracircncia com a constante abertura ao misteacuterio mas o misteacuterio eacute aquele que se

potildee em fuga diante de toda investigaccedilatildeo Daiacuteo pensar para Heidegger que se

pretende aberto ao misteacuterio natildeo poder ser do tipo investigativo do tipo que

forccedila abertura que rasga Pois no oculto do misteacuterio eacute como se estiveacutessemos

em matildeos uma pedra e quebrando-a ao meio quiseacutessemos saber o que haacute em

seu interior Ao quebrar o dentro se potildee em fuga ocultando-se dentro dos dois

pedaccedilos resultantes da quebra Nessa quebra violenta soacute nos deparamos com

o fora o superficial o sempre aberto O interior sempre se resguarda Assim eacute

78

A essecircncia da verdade p208 79

Idem p 209

55

o misteacuterio Quanto mais forccedilamos sua adveniecircncia mais em fuga ele se potildee

Na arte natildeo haacute um forccedilar abertura mas um permitir um aguardar paciente

Diante esse ser que se resguarda no misteacuterio ora doando-se ora

pondo-se em fuga poetas e pensadores como guardiatildees desse saber que

abre satildeo os caminhantes desse Holzwege Caminho de Floresta dessa

vereda deste terceiro caminho que Parmecircnides em seu poema Da Natureza

indica como aquele descaminho que leva ao nada ao que se potildee em fuga Eacute

nessa vereda nesse Αηραπός nesse caminho de floresta que se daacute o

avizinhanccedilar-se do ser Para adentrar em tal vereda contudo eacute necessaacuterio

arriscar-se frente agrave possibilidade de perder-se no caminhar de cair em um

poccedilo Soacute aiacute eacute possiacutevel avizinhaccedilar-se da fonte principial Poetas e pensadores

satildeo capazes de nomear nesse calar-se Sua linguagem eacute silenciosa Qual o

modo desse silecircncio De que modo eacute o dizer da arte um dizer silencioso Satildeo

nessas questotildees que nos deteremos nos passos seguintes

33 Pensamento poeacutetico Um dizer silencioso

Vimos que a essecircncia da arte em Heidegger se apresentou como um

pocircr-em-obra o acontecimento da verdade onde essa verdade eacute pensada como

clareira abertura A arte potildee-em-obra a verdade do ente Enquanto obra a arte

eacute abertura eacute adveniecircncia do ser ao ente do que eacute para o que estaacute sendo do

natildeo-vigente agrave vigecircncia Poderia ser dito poreacutem com a possibilidade de maacutes

interpretaccedilotildees o que nos adverte o proacuteprio filoacutesofo80

que a arte eacute uma

passagem do nada ao ente Este nada natildeo deve ser aqui pensado como o

nada do niilismo O nada aqui eacute pensado como o natildeo-ente o natildeo-presente

que apesar de natildeo ser um ente eacute sua fonte principial eacute originaacuterio Ser e nada

80

Α origem da obra de arte pp 181-183

ldquoEscrever o que natildeo acontece eacute tarefa da

poesiardquo Manoel de Barros Menino do mato

ldquoSobre o que natildeo se pode calar devemos

silenciarrdquo Ludwig Wittgenstein Tractatus Logico-Philosophicus

56

se pensados com cuidado de natildeo os identificar diretamente podem ser

pensados juntos em sua proximidade

E a verdade surge do nada De fato se pensado com o nada do mero natildeo sendo e se nisso o sendo eacute representado como aquele

existente habitual que depois atraveacutes do entre-permanecer da obra vem agrave luz como o que apenas pretensamente eacute o verdadeiro sendo e assim fica abalado A verdade nunca eacute colhida do existente e do

habitual Abertura do aberto e a clareira do sendo acontecem muito mais somente no que a abertura adveniente se delineia na

projeccedilatildeo81

Toda passagem do natildeo-vigente ao vigente todo brotar da θύζης (fiacutesis) eacute

ποίεζης (poiacuteesis) ou seja todo acontecimento da verdade (Ereignis) toda

abertura como clareira eacute poesia Assim tanto o desencobrimento da teacutecnica

seja ela claacutessica ou moderna como o des-encobrimento da obra-de-arte satildeo

poiacuteesis poreacutem enquanto na teacutecnica moderna o que eacute posto eacute produzido como

algo acabado como pronto no pocircr-em-obra da arte assim como na teacutecnica

claacutessica enquanto ηέτλε o que adveacutem eacute encaminhado como princiacutepio

(Anfang) como inaugural movimento

Na teacutecnica moderna o posto adveacutem por meio de uma com-posiccedilatildeo (Ge-

stell ζσλ-ζέζης) como disponibilidade Na obra de arte o que pela obra eacute

posto em obra adveacutem como disputa confronto Na forma do conceito o com-

posto eacute identitaacuterio unidade eacute ponto final Jaacute na disputa originaacuteria a cada

momento se da diferenccedila A multiplicidade de sentido que eacute dada natildeo permite

um ponto final mas sempre uma reticecircncia eacute abertura de possibilidades Nas

palavras de Heidegger

Encarada em sua essecircncia a arte eacute uma sagraccedilatildeo e um refuacutegio a saber a sagraccedilatildeo e o refuacutegio em que cada vez de maneira nova o

real presenteia o homem com o esplendor ateacute entatildeo encoberto de seu brilho a fim de que nesta claridade possa ver como maior

pureza e escutar com maior transparecircncia o apelo de sua essecircncia

Como a arte a ciecircncia tampouco eacute apenas um desempenho da

cultura do homem Eacute um modo decisivo de se apresentar tudo que eacute e estaacute sendo

82

()

Em oposiccedilatildeo a isso a ciecircncia natildeo eacute nenhum acontecer originaacuterio da

verdade mas sempre a ampliaccedilatildeo de um acircmbito de verdade jaacute aberto e de certo atraveacutes do compreender e fundamentar do que se mostra

na sua esfera como o correto possiacutevel e necessaacuterio Quando e na

81

Idem 82

Ciecircncia e pensamento do sentido p 39

57

medida em que uma ciecircncia vai mais aleacutem do correto para uma verdade isto eacute para o desencobrimento essencial do sendo como tal

entatildeo ela eacute filosofia83

Esse natildeo habitual natildeo-vigente que vem a ser pela poiacuteesis foi a muito

rechaccedilado pela tradiccedilatildeo metafiacutesica enquanto loacutegica O ser foi pensado nesta

tradiccedilatildeo como o ente e este como o vigente o presente o dado e da mesma

forma o natildeo-vigente o ausente foi pensado como o nada e seguindo o

raciociacutenio o aparente foi dado como o erro imagem como o que natildeo se

adeacutequa ao ente Nada ser (ente) e aparecircncia seriam as trecircs vias de

conhecimento a qual o homem poderia movimentar-se As trecircs vias que

segundo Parmecircnides se relacionavam com a verdade Destas trecircs vias uma

necessariamente logicamente deveria ser abandonada pois natildeo era

verdadeiramente uma via mas um αηραπός um natildeo-caminho uma vereda

Holzwege (caminho de floresta) Sendo assim natildeo levaria o homem justo a

lugar nenhum Esta vereda era a via que dizia respeito ao nada ao natildeo-ser

Falar sobre este nada seria a ruiacutena deste justo seria a ruiacutena do conhecimento

loacutegico A loacutegica do pensar reto seria desfeita nessa empreitada

Aiacute em Parmecircnides daacute-se o primeiro momento de rechaccedilamento desta

terceira possibilidade Em Aristoacuteteles aparece na expressatildeo do terceiro

excluiacutedo84

Todo ente ou eacute de certa forma ou o seu oposto Qualquer outra

possibilidade fica entatildeo excluiacuteda Pensar em uma terceira possibilidade eacute ferir o

segundo princiacutepio supremo do pensar loacutegico Podemos ver tanto no princiacutepio

da contradiccedilatildeo como no do terceiro excluiacutedo um abandono do pensar acerca

do nada A linguagem que diz respeito ao homem eacute a linguagem loacutegica Ela

proiacutebe o dizer sobre o nada Contudo mesmo que Parmecircnides e Aristoacuteteles

venham a proibir a reflexatildeo sobre o nada essa proibiccedilatildeo jaacute se apresenta como

um pensar Aiacute ouve um pensar cuidadoso temeraacuterio frente agrave vereda que seria

pensar sobre este nada Natildeo haacute ainda um abandono desta questatildeo mesmo

que com a reflexatildeo sobre ela seja isso que foi proposto Este afastamento

com o desenvolvimento da Ciecircncia da Loacutegica e da Metafiacutesica torna-se um

esquecimento O nada eacute esquecido e com ele a possibilidade de pensar o ser

83

Origem da obra de arte p 157 84

Metafiacutesica pp179-181 Γ 7 ndash 1011b 23-1012a 28

58

como essa outra possibilidade como esse natildeo-vigente Funda-se o impeacuterio da

loacutegica e do ente Eacute nos moldes desse impeacuterio que a Metafiacutesica desenvolve sua

dominaccedilatildeo a todo o pensar da tradiccedilatildeo ocidental numa ldquomecacircnica conceitualrdquo

blindada a qualquer tentativa de des-construccedilatildeo

Soacute com o desmoronamento interno deu-se iniacutecio a queda deste impeacuterio

A proacutepria reflexatildeo loacutegica sob a ameaccedila de autodestruir-se urge pela

necessidade de outra possibilidade de pensamento por outro modo de

linguagem Escuta-se como a voz de um fantasma pois haacute muito tempo

abandonado e esquecido o apelo do ser deste nada que havia sido

rechaccedilado Essa necessidade de outra linguagem eacute interna a proacutepria loacutegica ao

pensar em seus fundamentos pois na proacutepria delimitaccedilatildeo de seu objeto de

pesquisa esta se remete a algo que lhe eacute externo remete-se a esse nada

Trata a loacutegica do ente e nada mais85

e como dizem Platatildeo86

e Aristoacuteteles87

a

sabedoria a ciecircncia de algo eacute tambeacutem a ciecircncia de seu contraacuterio Quem

conhece a boa poesia eacute justamente quem conhece a maacute poesia Quem sabe o

que faz bem agrave sauacutede sabe o que natildeo lhe faz bem Quem busca o saber das

causas primeiras das coisas primeiras dos entes em si pura e simplesmente

conhece o natildeo-ente

Poreacutem acerca deste natildeo-ente neste terceiro caminho soacute o silecircncio eacute

proacuteprio Nesse sentido encontramos a defesa do pensar heideggeriano acerca

do poeacutetico Contudo para tal dizer genuinamente poeacutetico eacute preciso libertar a

linguagem da gramaacutetica assim como eacute preciso libertar a filosofia das

disciplinas acadecircmicas como eacute necessaacuterio libertar a arte das concepccedilotildees

esteacuteticas Haacute outro acircmbito da linguagem o da nomeaccedilatildeo do pocircr-vir Assim diz

Heidegger

A linguagem eacute a morada do ser Na habitaccedilatildeo da linguagem mora o

homem Os pensadores e os poetas satildeo os guardiotildees dessa morada ()Libertar a linguagem da gramaacutetica conduzindo-a para uma

85

O que eacute metafiacutesica p 115-116 86

No Ion Socrates ao interrogar Iacuteon acerca de Homero o faz dizer que aquele que conhece o que eacute bom para uma ciecircncia eacute o mesmo que conhece o que eacute mal Por exemplo eacute o meacutedico

aquele que conhece o que traz sauacutede e tambeacutem o que tira a sauacutede 87

Assim diz Aristoacuteteles ldquoA mesma ciecircncia compete o estudo dos contraacuteriosrdquo Metafiacutesica p135

Γ2 1004a 9-10

59

estrutura essencial mais originaacuteria eacute uma tarefa reservada ao pensar e poetar

88

Eacute na linguagem artiacutestica onde o embate vigoroso entre Terra e Mundo

se daacute na co-pertenccedila de ambos em tal equiliacutebrio que nenhum se sobressai

sobre o outro que se entende esse silecircncio poeacutetico Desse embate primordial

pela forccedila do que se potildee com o que se res-guarda acontece um aquietar-se

um repouso Silecircncio e repouso natildeo satildeo de forma nenhum algo como uma

ausecircncia Satildeo na verdade pura atividade Da disputa daacute-se a co-pertenccedila na

diferenccedila de ambos entre Terra e Mundo entre coisa e mundo O dizer

poeacutetico

Evoca originariamente a partir da simplicidade de um chamado

iacutentimo esse que evoca a diferenccedila sem dizecirc-la () A linguagem fala deixando vir o chamado coisa-mundo e mundo-coisa no entre da

diferenccedila ()Quieto natildeo eacute de maneira nenhuma o que natildeo soa Natildeo soar eacute somente natildeo estar na movimentaccedilatildeo de entoar e soar () A

falta de movimentaccedilatildeo eacute somente o outro lado do repouso () O repouso movimenta-se muito mais do que um movimento e tem muito mais movimentaccedilatildeo do que qualquer moccedilatildeo () quando coisa e

mundo estatildeo quietos no seu proacuteprio a diferenccedila convoca mundo e coisa para o meio de sua intimidade

89

Percebe-se entatildeo que silenciar-se natildeo eacute pensado como um calar-se

como se deu pela tradiccedilatildeo metafiacutesica-loacutegica-cientiacutefica Pois num mero calar-

se o que haacute eacute um abandono No silecircncio em oposiccedilatildeo ao abandono haacute uma

aproximaccedilatildeo uma busca da intimidade do co-responder daacute-se um modo

primordial da linguagem Uma escuta que permite a colheita do destinado pelo

ser Aquela escuta dada na pausa na reticecircncia de um dizer aquele suspiro

Um repouso que natildeo eacute estagnaccedilatildeo mais o autecircntico movimento Soacute quem

silencia eacute quem diz e pensa autenticamente Silenciar-se eacute da essecircncia do

falar Quem natildeo tem linguagem natildeo silencia assim como quem natildeo possui

movimento natildeo pode repousar

Diante da vereda que eacute este terceiro caminho o caminhante cuidadoso

se vecirc em ἀπορία aporia Percebe que precisa respirar e escutar um pouco do

que lhe circula Entatildeo repousa escuta e mira ao redor para o dentro e o fora e

88

Cartas sobre o humanismo p 326 89

A linguagem pp 22-23

60

ainda para aleacutem do ente do presente Aqui ldquomirar significa adentrar o

silecircnciordquo90

ldquoEle escuta agrave medida que pertence ao chamado da quietuderdquo91

Esse eacute modo o do dizer artiacutestico do nomear poeacutetico do falar essencial do

homem

Os mortais falam a partir da diferenccedila no sentido da diferenccedila como

um corresponder O falar dos mortais deve antes de tudo escutar o chamado pois eacute como chamado que o quieto da diferenccedila evoca o

rasgo de coisa e mundo Cada palavra falada pelos mortais fala desde essa escuta como essa escuta Os mortais falam agrave medida que escutam

92

Falamos diversas vezes em arte e poesia mas seraacute que estas satildeo uma

mesma coisa Pensemos um pouco nesse questionamento buscando

semelhanccedilas e diferenccedilas antes de prosseguirmos com o percurso A arte eacute

poiacuteesis poreacutem a θύζης tambeacutem o eacute O poieacutetico eacute bem mais amplo que o

artiacutestico Poesia natildeo eacute pensada aqui estritamente como a escrita do poema

Poiacuteesis eacute tudo que eacute do acircmbito da eclosatildeo do vir-a-ser do brotar adveniecircncia

Eacute fala inaugural Poiacuteesis eacute linguagem quando esta natildeo eacute pensada como mera

expressatildeo modo de comunicaccedilatildeo por letras ou sons Eacute linguagem no sentido

de um narrar inaugural fundador como abertura e morada do ser Assim diz

Heidegger nos paraacutegrafos finais do ensaio A origem da obra de arte

A poiacuteesis eacute a fala inaugurante do desvelar do sendo () poiacuteesis eacute aqui pensada em um sentido tatildeo amplo e ao mesmo tempo numa

unidade essencial tatildeo iacutentima com a linguagem e a palavra que precisa ser deixado em aberto a questatildeo se a arte em verdade em

todos os seus modos - da arquitetura ateacute a poesia esgota a essecircncia da poiacuteesis A proacutepria linguagem eacute poiacuteesis em sentido original

93

Com esse indagar fomos levados da questatildeo da arte como inaugural ao

acircmbito mais amplo da poiacuteesis e da linguagem Seguindo entatildeo o fio condutor

do caminho que estaacute sendo aberto ao se caminhar pensemos acerca da

poiacuteesis do poeta e de sua linguagem Pelo visto poetar eacute entatildeo linguagem em

sentido amplo e originaacuterio poreacutem natildeo soacute o poeta eacute o guardiatildeo dessa morada

do ser Satildeo os pensadores e poetas seus guardiotildees e em sua profunda

conexatildeo com a linguagem estaacute o seu parentesco sua proximidade uma

90

A linguagem na poesia p 35 91

A linguagem p 26 92

Idem p25 93

A origem da obra de arte p 189

61

linguagem que tem na disputa a sua essecircncia O que na linguagem dos

poetas e pensadores vem-a-ser vem como disputa Bem diferente eacute a

linguagem da loacutegica que conceitua e define limitando em algo pronto No

poetar e pensar o nomeado eacute constante adveniecircncia do novo eacute brotar

principial

A questatildeo da linguagem em Heidegger eacute ao lado das questotildees do ser

e da verdade a questatildeo do seu pensar Assim diz Gadamer acerca da filosofia

heideggeriana ldquoSe quisermos colocar em discussatildeo a significaccedilatildeo da filosofia

de Martin Heidegger natildeo podemos fazer outra coisa senatildeo a partir da

experiecircncia fundamental () de uma nova experiecircncia da linguagem da

filosofiardquo94

Ao pensar ser e verdade como adveniecircncia abertura constante de

uma disputa originaacuteria torna-se necessaacuterio uma nova experiecircncia com a

linguagem Como se deu com Aristoacuteteles e seu pensar do ser Onde o que

estava antes de qualquer coisa era o ente a substacircncia Necessitou-se aiacute uma

nova experiecircncia com a linguagem que vigora ateacute o presente como linguagem

loacutegica Com uma mudanccedila no sentido do ser daacute-se em conjunto com esta

uma mudanccedila fundamental na linguagem Eacute na linguagem dos poetas que esta

nova linguagem encontra sua guarda Eacute tarefa dos pensadores e dos poetas

levar a linguagem para o que estaacute aleacutem do presente no sentido de um

encaminhar para o misteacuterio

Em seu pequeno ensaio Houmllderlin e a essecircncia da poesia escrito como

que um complemento ao A origem da obra de arte Heidegger faz a passagem

da questatildeo da arte para a questatildeo mais ampla que eacute a do poetar Escrito em

um mesmo periacuteodo os dois escritos satildeo como que um uacutenico corpo acerca da

arte e do poeacutetico Neste ensaio o pensador parte de cinco palavras-guias do

poeta Houmllderlin o qual nutre grande apreccedilo para desenvolver seu pensar

sobre a essecircncia da poesia O ensaio se apresenta entatildeo como um diaacutelogo

entre pensador e poeta um diaacutelogo do pensamento Buscando por meio

destas palavras-guias pensar sobre a essecircncia da poesia Inicia o ensaio

justificando sua escolha por Houmllderlin para o caminho que entatildeo seraacute traccedilado

Diz

94

Heidegger e a linguagem p23

62

Por que foi escolhida a obra de Houmllderlin com o propoacutesito de mostrar a essecircncia da poesia Por que natildeo Homero ou Soacutefocles por que

natildeo Virgilio ou Dante por que natildeo Shakespeare ou Goethe Nas obras desses poetas foi realizada a essecircncia da poesia tatildeo ricamente ou ainda mais do que na criaccedilatildeo de Houmllderlin tatildeo imatura e

bruscamente interrompida () unicamente porque estaacute carregada com a determinaccedilatildeo poeacutetica de poetizar a proacutepria essecircncia da poesia

Houmllderlin eacute para noacutes em sentido extraordinaacuterio o poeta dos poetas95

Para Heidegger eacute com Houmllderlin que se tem o poetar sobre o poetar Daiacute

sua escolha entre tantos poetas Houmllderlin nomeia a essecircncia da poesia da

poiacuteesis Cria com seu dito uma clareira para a disputa originaacuteria entre Terra e

Mundo Podemos ver por este ensaio a forccedila do poetar no expressar-se por

uma linguagem natildeo conceitual que se apresenta ateacute como contraditoacuteria ao

permitir o que pela linguagem loacutegica seria de iniacutecio reprimido Citemos entatildeo

as cinco palavras-guias para que possamos acompanhar o pensar

heideggeriano sobre o poetar de Houmllderlin

i) Poetizar ldquoa mais inocente de todas as ocupaccedilotildeesrdquo (III 377)

ii)rdquoe foi dado ao homem o mais perigoso dos bens a linguagem Para que testemunhe o que eacuterdquo (IV 246)

iii) ldquoO homem tem experimentado muito Nomeado a muitos celestes Desde que somos um diaacutelogo

E podemos ouvir uns aos outrosrdquo (IV 343) iv) ldquoMas o que permanece instauram os poetasrdquo (IV 63)

v) ldquoPleno de meacuteritos mas eacute poeticamente que o homem habita esta terrardquo (VI 25)

96

Eacute a poesia a mais inocente e aleacutem disso o mais perigoso dos bens do

homem Eacute por meio dela que testemunhamos quem somos Em oposiccedilatildeo ao

expressar-se loacutegico formal intencional produtivo o dizer poeacutetico eacute pura

inocecircncia eacute a simples abertura do coraccedilatildeo ao destinado pelo ser Eacute a

inocecircncia frente agrave intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem o bem mais perigoso pois se eacute pela

linguagem que o homem testemunha quem eacute eacute tambeacutem por ela que pode dar-

se sua decadecircncia Eacute no natildeo cuidado com o dizer que mora o maior perigo

Pensando com o que foi dito anteriormente o homem encontra-se ameaccedilado

pela teacutecnica moderna O maior perigo poreacutem natildeo proveacutem de suas armas e

bombas entre tantos outros perigos O maior perigo estaacute no seu dizer Um

dizer que se mostrou apenas como siacuten-tese com-posiccedilatildeo Um dizer que forccedila

explorando a terra a se dispor produzir energia Nesse dizer moderno que

95

Holderlin e a essecircncia da poesia Traduccedilatildeo livre feita por mim p 1-2 DE ONDE 96

Idem p1

63

podemos bem pensar quase como que outra coisa menos um dizer genuiacuteno

como mera repeticcedilatildeo do acircmbito do jaacute aberto eacute que mora o maior perigo pois eacute

o abandono da outra possibilidade qualquer outra possibilidade Eacute natildeo

abertura a proveniecircncia do misteacuterio do ser O enrijecimento no posto no

habitual Eacute portanto a linguagem enquanto loacutegica o maior perigo ao homem

atual pois eacute pela linguagem que o homem vem a ser homem e eacute por ela que

se daacute a morte essencial deste mesmo homem

Para pensar no perigo que eacute esse bem doado ao homem faccedilamos uma

aproximaccedilatildeo deste ensaio com a conferecircncia Cartas sobre o humanismo para

que se ponha de forma mais vigorosa a questatildeo da linguagem e a ameaccedila que

acompanha o seu des-cuidado Nesta conferecircncia Heidegger pensando no

humanismo como uma reflexatildeo acerca da essecircncia do homem desenvolve

partindo do que eacute dito pela tradiccedilatildeo acerca dessa essecircncia sua concepccedilatildeo de

homem O homem eacute um δῳολ ιόγολ ἒτολ97

traduzida pelo pensar latino como

o homem eacute um animal racional Para a tradiccedilatildeo a essecircncia do homem estaacute na

faculdade da razatildeo E razatildeo nesta tradiccedilatildeo eacute o pensar loacutegico reto e natildeo

contraditoacuterio que exclui qualquer terceira possibilidade Logo o homem eacute um

ser loacutegico Pensando com o dito aristoteacutelico ιόγολ eacute dizer eacute linguagem

Estariacuteamos mais proacuteximo do que aiacute foi dito pensando que o homem eacute um

anima um ser vivo que fala que possui linguagem Eacute a linguagem que daacute

origem ao homem

A soberania da linguagem loacutegica rechaccedilou a outra possibilidade de fala

a do dizer poeacutetico O homem tornou-se o efetivo o loacutegico Aquele que produz e

domina todo o concreto inabalaacutevel pelo menos ateacute sentir que o que lhe dava o

poder o domiacutenio ameaccedila lhe dominar O seu maior bem se mostra agora

como sua maior ameaccedila As grades que eram vistas como seguranccedila ao

adverso torna-se sua prisatildeo Urge entatildeo o diaacutelogo com este outro pensar

Nesta noite do mundo daacute-se a necessidade de uma linguagem que seja

clareira Na seguranccedila de cada um isolado em suas casas em seus

monoacutelogos o diaacutelogo se apresenta crucial pois ldquodesde que somos diaacutelogo e

97

Carta sobre o humanismo p 335

64

podemos ouvir uns aos outrosrdquo este isolamento eacute sempre soacute a perdiccedilatildeo Nossa

indigecircncia realiza-se no abandono do outro

Enquanto mortais o ciclo de nascimento e morte nos eacute essencial A

histoacuteria eacute diaacutelogo ldquoSer um diaacutelogo e ser histoacuterico satildeo ambos igualmente

antigos se pertencem um ao outro e satildeo o mesmordquo 98

e o que nessa histoacuteria

permanece eacute instaurado pelos poetas ldquoA poesia eacute a instauraccedilatildeo do ser com a

palavrardquo99

Sendo adveniecircncia poiacuteesis eacute instauraccedilatildeo eacute obra Os poetas

instauram o ser como clareira como luta entre velado e desvelado Eacute na

linguagem poeacutetica que habita o homem Assim diz a quinta palavra-guia do

ensaio ldquopleno de meacuteritos mas eacute poeticamente que o homem habita essa

terrardquo Eacute nesse diaacutelogo poeacutetico de um com o outro que se abre a clareira de seu

habitar e natildeo no isolamento residencial do morar protegido do misteacuterio do que

possa advir Eacute pois poeticamente que o homem habita Diante disto podemos

ver no periacuteodo atual o quatildeo in-essencial o quatildeo indigente encontra-se a

humanidade

Diante essa indigecircncia perguntamos anteriormente Como enfrentarmos

esta ameaccedila que se apresenta Eacute possiacutevel que a arte ou de forma mais

ampla que a poesia possa confrontar esse perigo Eacute essa outra possibilidade

suficiente como fuga da crise E aleacutem do questionado eacute ainda possiacutevel que

diante de tanta teacutecnica se instaure outra forma de se viver de habitar essa

terra Para pormo-nos diante esses questionamentos adentraremos em um

escrito heideggeriano chamado Para que poetas

34 Poetas em tempos indigentes Um salto na vereda

Diante a crise que ameaccedila o homem em sua essecircncia pensemos na

tarefa destinada aos poetas e com eles os pensadores Pensar portanto se e

como eacute a tarefa destes poetas e pensadores diante este modo teacutecnico de viver

e de pensar Viver teacutecnico este em oposiccedilatildeo ao viver entendido por Heidegger

como aquele brotar sempre novo na disputa da clareira poderia ser pensado

quase como um natildeo-viver Uma teacutecnica exploradora onde todos os entes e o

98

Houmllderlin e a essecircncia da poesia p 6 99

Idem p 7

65

proacuteprio homem deixam de ser o que satildeo essencialmente enquanto θὺζεης

ὄληα seres da fiacutesis para decaiacuterem em meros artefatos seres produzidos Seja

para o comeacutercio o trabalho o poder ou seja como mera disponibilidade

Diante uma aproximaccedilatildeo do ensaio Para que poetas (1946) texto pertencente

ao mesmo conjunto de ensaios de A origem da obra de arte com o todo ateacute

aqui caminhado buscaremos um confronto do caminhado com o questionado

Este conjunto de textos do qual esses ensaios fazem parte tem como tiacutetulo a

palavra essencial Holzwege A versatildeo portuguesa traduziu-a seguindo a

indicaccedilatildeo dada pelo proacuteprio autor no iniacutecio da obra por Caminhos de floresta

Aiacute Heidegger diz assim

Holz [madeira lenha] eacute um nome antigo para Wald [floresta] Na floresta [Holz] haacute caminhos que o mais das vezes sinuosos terminam perdendo-se subitamente no natildeo-trinhado

Chamam-se caminhos de floresta [Holzwege]

Cada um segue separado mas na mesma floresta [Wald] Parece muitas vezes que um eacute igual ao outro Poreacutem apenas parece ser assim

Lenhadores e guardas-florestais conhecem os caminhos Sabem o que significa estar metido num caminho de floresta

100

Holzwege eacute esse sinuoso caminho sempre ainda natildeo-trilhado no qual o

caminhante ao percorrecirc-lo inaugura uma trilha Abrindo para outros

posteriores caminhantes uma trilha Este extra-ordinaacuterio caminho inaugurado eacute

um caminho do pensamento da linguagem da poiacuteesis do ser Sendo antes

de ser percorrido um caminho fechado eacute ainda um natildeo-caminho Parmecircnides

o chama de αηραπός e por um lado proiacutebe ao justo por ele se arriscar a

caminhar por outro lado ao pensar acerca deste caminho no natildeo-dito nos diz

para por ele nos enveredarmos com o maior cuidado possiacutevel Eacute nesse

caminho fechado da floresta eacute portanto nessa vereda que desde o iniacutecio

desta pesquisa cuidadosamente buscamos adentrar Se caminhamos

lentamente eacute porque diferente de se seguir uma trilha jaacute pronta jaacute aberta aqui

estamos nos enveredando em uma constante disputa com o misteacuterio do

adveniente por um Holzwege

100

Caminhos de floresta p3

66

Esta reflexatildeo se deu a princiacutepio sobre a questatildeo da crise atual Uma

crise que ameaccedila o homem ao ameaccedilar sua linguagem e seu pensar no que

neste haacute de mais essencial O que nos levou a pensarmos na teacutecnica que por

sua vez nos fez pensar na teacutecnica moderna Vimos que esta teacutecnica tem em

sua essecircncia tudo a ver com a questatildeo da verdade com a αιήζεηα pois esta

teacutecnica eacute um modo de des-encobrimento Verdade em Heidegger eacute uma

questatildeo inseparaacutevel da questatildeo do ser Com isso adentramos ao cerne do

pensar heideggeriano A questatildeo do ser e da verdade se pocircs em evidecircncia

Verdade como disputa entre des-encobrimento e encobrimento e ser pensado

como acontecimento-poeacutetico apropriativo Ereignis que adveacutem do misteacuterio do

natildeo-vigente nos transpuseram ao acircmbito da ποίεζης poiacuteesis Seguindo entatildeo

a proacutepria indicaccedilatildeo heideggeriana apresentada no final do seu ensaio sobre a

questatildeo da teacutecnica que nos mostra que em seu primoacuterdio teacutecnica como ηέτλε

e arte satildeo consanguumliacuteneos enquanto poiacuteesis satildeo dois modos de des-

encobrimento de verdade de acontecimento do ser Assim passamos ao

acircmbito da arte Pensamos esta em sua essecircncia como pocircr-em-obra o

acontecimento da verdade do ente Como obra que da disputa constante entre

o que se desvela e o que se oculta se mostrou como clareira como

inauguraccedilatildeo

Foi assim que do acircmbito da arte passamos ao do poeacutetico Este acircmbito

foi pensado em sua maior amplitude ou seja como tudo aquilo que adveacutem do

natildeo-vigente ao vigente Essa adveniecircncia daacute-se na linguagem Linguagem eacute a

morada do ser eacute abertura clareira Entatildeo ser verdade e linguagem de forma

entrelaccedilada se puseram como a vereda da qual adentrariacuteamos Temas centrais

heideggerianos da qual qualquer reflexatildeo que envolva o seu pensar natildeo pode

escapar Eacute diante essa vereda que nos questionamos eacute a linguagem poeacutetica

essa outra possibilidade que guarda a medranccedila do que salva Se ela eacute essa

possibilidade como se daraacute o enfrentamento agrave crise Devemos entatildeo substituir

a linguagem loacutegica fonte dessa crise atual pela linguagem poeacutetica como

resposta a crise atual Se natildeo qual o outro caminho ainda a se seguir Ou natildeo

haacute possibilidade alguma que venha a salvar o homem da ameaccedila que lhe

pesa

67

Para o homem essa linguagem eacute o bem mais perigoso que lhe foi

doado Bem pois eacute ela que lhe doa a sua essecircncia O homem eacute um ente que

fala eacute um δῳολ ιόγολ contudo este que lhe doa a essecircncia eacute tambeacutem o que

o levar a correr o risco de perder-se como eacute o caso da crise identificada por

Heidegger O homem enquanto Da-sein enquanto presenccedila que estaacute aiacute no

mundo em relaccedilatildeo com como um lanccedilado para fora um Ek-sistente corre

este risco Como guardiatildeo da linguagem morada do ser eacute este o ente que se

encontra jogado mais agrave vizinhanccedila deste ser Sendo livre contudo para

corresponder ou natildeo ao destinado por este ser podendo portanto correr o

risco o que o leva a sua atual decadecircncia de natildeo corresponder a este

destinado Sua linguagem que em seu pleno vigor eacute um originaacuterio que nomeia

enquanto disputa enquanto diferenccedila pode decair como se daacute no homem

atual no mero expressar-se comum na linguagem formal do comercio de

opiniotildees

Re-pensar a linguagem eacute re-pensar o homem Arriscar-se na linguagem

eacute arriscar-se enquanto homem em oposiccedilatildeo agrave falsa seguranccedila da linguagem

pronta da loacutegica da gramaacutetica da academia Eacute arriscar-se a perder o solo o

fundamento do que lhe assegura Eacute preciso ir aleacutem da superfiacutecie do solo Eacute

preciso arriscar-se a cair no poccedilo em direccedilatildeo ao misteacuterio originaacuterio do ser Eacute

como esse que ousa cair que ousa saltar nesse poccedilo nesse abismo (Ab-

grund) que podem poetas e pensadores se relacionarem com a linguagem

Os pensadores sempre foram chamados de extravagantes ao ousarem dar

sentidos completamente in-habituais agraves palavras para dizerem o mais vigoroso

de seu pensar Assim foi Platatildeo e o εηδος Anaximandro e o seu ἄπεηρολ o

ιόγος de Heraacuteclito a Ge-stell heideggeriana Assim tambeacutem se daacute com a

ousadia inocente do poeta que canta Arriscando-se mais no caminho da

erracircncia permitem quando suportam a adveniecircncia do inaugural

acontecimento do ser

Neste mundo decadente do entendimento predicativo teacutecnico

comercial o ser como o que silenciosamente envia ausenta-se Falta o pensar

sobre o ser Assim diz Heidegger no ensaio Para que poetas

Com esta falta fica fora do mundo o fundo como aquilo que

fundamenta Originariamente abismo [Abgrund] significa o solo e o

68

fundo em direccedilatildeo ao qual tende encosta abaixo algo que estaacute pendurado Contudo o Ab seraacute pensado doravante como a

ausecircncia completa de fundo O fundo eacute o solo de um enraizar e de um erguer-se A era do mundo que carece de fundamento encontra-se suspensa no abismo Supondo que se encontra ainda reservada

uma viragem para este tempo indigente ela apenas poderaacute surgir se o mundo virar radicalmente ou seja dito de uma forma mais precisa

se ele virar a partir do abismo Na era da noite do mundo tem que se experimentar e suportar o abismo do mundo Mas para tal seraacute

necessaacuterio que haja quem consiga chegar ateacute ao abismo 101

Essa era atual do domiacutenio do entendimento teacutecnico loacutegico eacute a noite do

mundo Em seu periacuteodo matutino poetas e pensadores se jogaram no abismo

Como quem cai para o alto em direccedilatildeo ao divino e aiacute com um esforccedilo

tremendo disseram o originaacuterio Pensadores dizendo o ser e poetas o divino

contudo com o desenvolvimento da ciecircncia da loacutegica decai essa possibilidade

da linguagem O ser pondo-se em fuga eacute encoberto pelo ente Soacute resta

ausecircncia Ausecircncia de ser do divino do pensar ausecircncia do homem da

linguagem

Olhar verdadeiramente para este mundo eacute encarar o abismo Eacute natildeo fugir

na ilusatildeo da seguranccedila de um falso solo firme Eacute necessaacuterio encarar esse

abismo e suportaacute-lo ldquoSer poeta em tempo indigente significa cantar tendo em

atenccedilatildeo o vestiacutegio dos deuses foragidos Eacute por isso que no tempo da noite do

mundo o poeta diz o sagradordquo 102

Dizer o sagrado e pensar o ser eacute aiacute onde

cresce o perigo em sua unidade aquilo que guarda a medranccedila do que salva

Co-responder a este destino eacute a tarefa do poeta Co-responder ao destino natildeo

eacute um mero deixar-se levar pensado como uma apatia como ausecircncia mas eacute o

mais longe que cada um pode chegar ldquoCada um chega o mais longe possiacutevel

quando natildeo ultrapassa os limites do caminho que lhe foi destinadordquo 103

Em tempos de indigecircncia falta a coragem do permitir Na superficialidade

do correto da adequatio o homem atual se esconde Haacute aiacute um esconder-se

bem diferente do guardar-se que se daacute com o misteacuterio do ser da Terra como

aquela que abriga pois esconder-se eacute fugir jaacute o guardar-se eacute da proteccedilatildeo eacute

101

Para que poetas pp309-310 102

Idem p312 103

Idem p313

69

corresponder agrave luta necessaacuteria Eacute enfrentamento da outra possibilidade da

erracircncia

Quem eacute que hoje em dia se atreve a considerar-se familiarizado com a essecircncia da poesia bem como com a essecircncia do pensamento e

acha-se ainda suficientemente forte para conduzir ambas as essecircncias agrave mais extrema das discoacuterdias assim estabelecendo a sua concoacuterdia

104

O ser larga o ente ao risco como uma matildee que o solta para seu

desenvolvimento essencial portanto eacute como arriscado que este deve

corresponder agrave sua essecircncia Como enfrentamento como risco erracircncia como

disputa originaacuteria Correndo o risco de com isso termos de suportarmos

desiacutegnios mais pesados do que pensamos ser capazes de suportar Como diz

Houmllderlin por uma carta ao seu amigo

Oh amigo O mundo estaacute ante a mim mais claro que da outra vez e mais seacuterio Eu gosto como vai eu gosto como quando no veratildeo eu

vejo o pai sagrado com matildeo tranquila sacode a nuvem avermelhada com relacircmpagos de becircnccedilatildeo Pois entre tudo o que posso ver de

Deus eacute este sinal que se fez predileto Antes saltava de juacutebilo por uma nova verdade uma visatildeo melhor do que este sobre noacutes e ao nosso redor agora temo que me suceda no final o que ao velho

Tacircntalo que recebeu dos deuses mais do que poderia digerir 105

O poeta como mensageiro que se expotildee aos raios do divino que se ex-

potildee ao destinado do ser Traduzindo esse destinado em linguagem nomeando

de forma inaugural aos homens Sai da seguranccedila do habitual do meramente

dis-poniacutevel ao risco de ser esse mensageiro Assim Heidegger apresenta o

poeta como aquele que inverte ldquoa imanecircncia da consciecircncia calculadora para o

espaccedilo interior do coraccedilatildeordquo 106

Cantando o poeta transmigra do comerciante

ao anjo αγγειος mensageiro do divino do ser aos mortais

A ilusatildeo de seguranccedila dada pela loacutegica e seu inabalaacutevel sistema se

apresentou como a maior ameaccedila Entretanto a quem se arisca mais natildeo daacute-

se um esquecimento um abandono da fonte principial Haacute nesse arriscar-se

o contraacuterio Uma inversatildeo que do desamparo surge o abrigo No que se arrisca

104

Idem p317 105

Houmllderlin e a essecircncia da poesia p 9 106

Para que poetas p352

70

ao abandono surge agrave libertaccedilatildeo do habitual como um caminho puro

extraordinaacuterio a fonte inaudita do ser

O homem que se impotildee vive das apostas do seu querer Vive essencialmente arriscando o seu ser no acircmbito da vibraccedilatildeo do

dinheiro e do valer dos valores Sendo constantemente esse cambista e mediador o homem eacute o ldquocomercianterdquo Pesa e pondera sem parar embora natildeo conheccedila o verdadeiro peso das coisas () Mas ao

mesmo tempo o homem eacute capaz de criar ldquoum estar segurordquo fora da proteccedilatildeo virando o desamparo como tal para o aberto fazendo-se

integrar-se no espaccedilo cordial do invisiacutevel Se isso acontece entatildeo o insaciado do desamparo passa para laacute onde na uniatildeo equilibrada do espaccedilo interior do mundo surge o ser [Wesen] que traz agrave aparecircncia o

modo com o qual essa uniatildeo une representificando dessa forma o ser [Sein] Entatildeo a balanccedila do perigo passa do acircmbito do querer

calculante para o anjo 107

Assim denominamos aqui pensando com Heidegger esse arriscar-se

mais como a tarefa destinada aos poetas e pensadores Arriscar-se esse que

se daacute na forma de um salto (Ur-sprung) na vereda (Holzwege) Este salto na

vereda eacute o caminho por noacutes encontrado ateacute agora como o confronto a essa

crise que ameaccedila a essecircncia do homem poreacutem esse salto natildeo eacute ainda o

momento final deste nosso percurso pois nesse salto o poeta colhe do

misteacuterio do ser o novo inaugurante e em seguida retorna aos entes habituais

e cotidianos Retorna do salto ao mundo e aiacute cercado do habitual necessita

relacionar-se com o circundante

Portanto natildeo podemos pensar que a inversatildeo do pensar loacutegico no

pensar poeacutetico seria o derradeiro passo de nossa caminhada de enfrentamento

a crise Em uma inversatildeo do pensamento loacutegico que calcula ao pensamento

poeacutetico que medita natildeo haacute diaacutelogo carinhoso A inversatildeo da identidade para a

diferenccedila eacute manter-se no acircmbito da identidade Eacute a outra face da decadecircncia

da queda Tornar a diferenccedila a uacutenica possibilidade eacute abandonar de outra

forma a possibilidade de algo outro Eacute retorno a rigidez da imposiccedilatildeo Eacute outra

forma de ilusatildeo onde a diferenccedila eacute agora o fundamento Eacute como se

achaacutessemos que chegamos ao misteacuterio do oculto clareando-o Como jaacute vimos

teriacuteamos assim apenas outro modo do aberto mas de forma nenhuma o oculto

do misteacuterio

107

Idem p360

71

A destruiccedilatildeo da metafiacutesica natildeo eacute um abandono deste saber sobre os

entes Pois se eacute o homem um ente entre os outros entes a destruiccedilatildeo desta

forma de entendimento seria a destruiccedilatildeo do seu mundo Assim essa

destruiccedilatildeo deve tornar-se uma desconstruccedilatildeo uma superaccedilatildeo No sentido de

um abrir-se para outra possibilidade de saber de linguagem

A superaccedilatildeo eacute um reconhecimento do acircmbito deste entendimento

metafiacutesico Eacute um reconhecimento do acircmbito no qual deve manter-se essa

linguagem loacutegica natildeo um abandono Reconhece-se aqui que seu acircmbito eacute o

do habitual do aberto do disponiacutevel presente O poeacutetico deve ser pensado

como a outra possibilidade Natildeo como abandono mas como diaacutelogo Assim

necessitamos ainda de outro passo O poeacutetico como inauguraccedilatildeo que abre

como disputa uma possibilidade de desprendimento do habitual apresentou-

se como o meio de enfrentamento agrave crise Ela guarda a medranccedila do que

salva mas natildeo isolado como uacutenica possibilidade Natildeo eacute suficiente essa

inversatildeo Como meio o poeacutetico prepara para o passo seguinte

Adentraremos a seguir nesse derradeiro passo desta nossa

caminhada Confrontaremos por fim o ensaio Serenidade com os dois

primeiros ensaios que nos norteou ateacute aqui Entatildeo com esses trecircs diaacutelogos A

questatildeo da teacutecnica A origem da obra de arte e Serenidade dialogaremos com

o que aqui se pensou acerca da crise atual e de como enfrentarmos essa crise

Neste ultimo ensaio bastante tardio em seu pensar Heidegger nos indica uma

trilha por onde possamos nos enveredar Nele Heidegger nos fala sobre a

disposiccedilatildeo do homem a serenidade como uma disposiccedilatildeo capaz de

possibilitar um diaacutelogo entre a teacutecnica e a arte Um diaacutelogo que res-guarda a

essecircncia do misteacuterio ao inveacutes de lhe agredir Dialoguemos entatildeo com esse

ensaio cuidadoso e carinhosamente

72

4 O CAMINHAR SERENO UM AGUARDAR NA PROXIMIDADE DO

MISTEacuteRIO

Neste capiacutetulo pensaremos o ensaio Serenidade de Heidegger e

confrontaremos o aiacute pensado com o aqui questionado Partindo inicialmente da

questatildeo de ser o homem um ente entre os outros entes que portanto tem

como necessidade essencial este estar aiacute no Mundo em relaccedilatildeo contudo um

ente que tambeacutem estaacute aberto ao misteacuterio da Terra sendo ele fruto desta

disputa entre Terra e Mundo tem a necessidade para co-responder ao seu

destino de se arriscar nessa disputa geradora do que se apresenta e o que se

oculta Com isso pensaremos como da proposta de uma destruiccedilatildeo daacute-se o

pensar de uma desconstruccedilatildeo uma superaccedilatildeo da metafiacutesica do pensar loacutegico

da linguagem predicativa Passaremos desta reflexatildeo ao posicionamento que

por ele eacute desenvolvido no ensaio o da necessidade de uma co-pertenccedila entre

o pensamento que calcula com o pensamento que medita Entre a linguagem

loacutegica e a poeacutetica Pensando em seguida a questatildeo do misteacuterio do ser da

fonte principial Pensaremos por fim diante todo o percorrido na outra

possibilidade esta capaz de um confronto com a crise indicada no iniacutecio da

caminhada

41 Da Destruiccedilatildeo agrave Superaccedilatildeo da Metafiacutesica Acerca da Identidade e

Diferenccedila

No caminho ateacute aqui trilhado nos deparamos primeiramente com a

problemaacutetica acerca da teacutecnica como um modo de pensar dizer e portar-se

Ir-agrave-proximidade Parece-me agora que a

palavra poderia ser antes o nome para nosso passeio de hoje na vereda

Que nos guiou pela noite dentro cujo brilho eacute cada vez mais deslumbrante e supera em maravilha as estrelas porque

aproxima entre si suas distacircncias no ceacuteu pelo menos para o observador ingecircnuo

natildeo para o investigador exato Para a crianccedila no Homem a noite permanece a

aproximadoracostureira das estrelas Ela junta sem costura bainha nem linha

Heidegger Serenidade

73

diante o mundo como um modo de pocircr o mundo no qual em uacuteltima instacircncia

tudo se apresenta como mera dis-ponibilidade (Be-stand) resultado de uma

exploraccedilatildeo que apenas Com-potildee (Ge-stell) o aiacute jaacute dado Diante deste estaacutegio

da humanidade o Homem encontra-se ameaccedilado ao extremo em sua

essecircncia ameaccedilado a resumir-se ao caacutelculo agrave com-posiccedilatildeo ao comeacutercio ao

trabalho ameaccedilado a tornar-se escravo completo daquilo que surgiu para ele

como instrumento de auxiacutelio na dominaccedilatildeo das coisas que estatildeo sendo

Escravo da teacutecnica desse pensamento calculista o homem guardiatildeo do ser

guardiatildeo da linguagem eacute convocado a partir de um apelo silencioso pelo

destinado da fonte principial a outra possibilidade de estar-no mundo de

colocar o mundo Nesta noite do mundo ao pensar e natildeo apenas calcular

acerca da essecircncia da teacutecnica a arte a poesia e o pensamento que medita se

potildeem como essa outra possibilidade de um confronto a essa crise a essa

ameaccedila a qual ele se encontra

Ao pensar no que seja a arte e o pensamento em seu acircmago em suas

essecircncias a noacutes essas se apresentaram como um pocircr-em-obra como uma

inauguraccedilatildeo a adveniecircncia do natildeo-vigente ao vigente Enquanto na teacutecnica e

com ela a Metafiacutesica a loacutegica a Ciecircncia a filosofia enquanto conceituaccedilatildeo do

ente movimenta-se no acircmbito da com-posiccedilatildeo do que estaacute dado movimenta-se

como uma transformaccedilatildeo um sin-tese na poesia o que se daacute eacute um

nascimento daacute-se um brotar Daiacute surgem alguns questionamentos Eacute essa

outra possibilidade esse pensar poeacutetico jaacute a medranccedila do que salva Pode o

ente homem um ser-no-mundo um ser-com ser isto que eacute habitando nesta

outra possibilidade Seraacute essa mudanccedila essa inversatildeo do pensamento que

calcula representador para o pensamento poeacutetico inaugurador que medita jaacute

o caminho que diante o ateacute aqui trilhado se potildee como o que urge Qual a

trilha que ainda devemos ao caminhar dar abertura nessa vereda que nos

leve dos bdquofrios veacuteus da noite escura‟ ao bdquocalor dos dedos rosa da aurora‟ Em

que disposiccedilatildeo se daraacute essa nova manhatilde que do sereno nos doa gotas de

orvalho seiva de um novo brotar Enveredemos ainda um pouco mais por

estas sendas do pensamento e nos deixemos ser envolvidos pelo que a noacutes for

destinado neste caminhar

Para Heidegger o homem o Dasein eacute aquele ente privilegiado que se

encontra que cria ao co-responder que eacute aceito no entre na abertura na

74

clareira do ser Eacute aquele que estaacute entre o natildeo-vigente e o vigente entre o

fechado e o aberto poreacutem estes abertos e fechados vigentes e natildeo-vigentes

natildeo devem ser aqui pensados com opostas mas como co-generes co-

respondentes O homem eacute aquele ente ao qual eacute destinado pela fonte

principial que eacute o ser ao dar nascimento Nascimento este que se daacute na

poesia ποηεζης e no pensamento pela linguagem autecircntica nomeadora

inaugural mas tambeacutem eacute aquele aiacute no-mundo que se relaciona com os entes

com os vigentes Seria entatildeo negar a essecircncia do homem o negar-lhe a

Metafiacutesica o negar-lhe a loacutegica o caacutelculo o representar o uacutetil o trabalho

Como tambeacutem o eacute anti-natural anti-essencial negar-lhe esta outra

possibilidade que eacute a de dar nascimento esta que natildeo estaacute no campo da

representaccedilatildeo mas na possibilidade de fazer brotar O loacutegico e o poeacutetico lhe

pertencem lhe permitem ser o homem que eacute Se no oculto que res-guarda o

misteacuterio da adveniecircncia ele eacute aceito para ali habitar poeticamente eacute no aberto

do dado este lado do misteacuterio aberto para noacutes onde este se relaciona com os

outros que neste aberto encontram moradas

Diversas vezes Heidegger nos adverte sobre o cuidado primordial de

nos colocarmos diante a questatildeo da destruiccedilatildeo da Metafiacutesica natildeo como um

mero abandono ou uma mera inversatildeo ao pensamento poeacutetico Onde esta

destruiccedilatildeo deveria ser pensada como uma abertura a esta outra possibilidade

como uma abertura ao sentido da diferenccedila entre ser e ente pois se eacute na

linguagem poeacutetica no pensamento que encontramos habitaccedilatildeo para nos

confrontar com as questotildees mais profundas eacute no entendimento loacutegico-

Metafiacutesico que nos relacionamos com o que nos cerca com o que estaacute na

superfiacutecie onde estamos presentes com o cotidiano no qual moramos Eacute nesse

sentido que a Destruiccedilatildeo foi pensada como uma Desconstruccedilatildeo como uma

Superaccedilatildeo como Abertura a essa outra possibilidade Assim tambeacutem eacute

apresentado o Fim da filosofia natildeo como um abandono deste modo de

pensamento mas como uma abertura ao seu alcance ao seu acircmbito pois se a

filosofia e essa aqui eacute entendida como Metafiacutesica eacute aquela que como a

ciecircncia primeira busca o ente e nada mais aquilo que estaacute lanccedilado no A-

bismo no seu fundo lhe eacute estranho estaacute para aleacutem de seu alcance e interesse

Este A-bismo eacute Tarefa do pensamento contudo eacute tarefa do homem tanto a

relaccedilatildeo com os entes como a abertura ao ser Eacute tarefa do homem enquanto

75

aquele que possui logos aquele que estaacute-com o diaacute-logo Por em diaacutelogo

loacutegica e arte eacute sua tarefa

A mera inversatildeo da loacutegica para o poeacutetico do entendimento

representativo para o pensamento como obra da identidade para a diferenccedila

seria ainda um manter-se no apenas aberto da unilateralidade e natildeo jaacute uma

abertura ao dialogo daquilo que nos ldquoaparece como inconciliaacutevelrdquo 108

Sair da

teacutecnica da identidade e ir de forma unilateral para a diferenccedila para o poeacutetico

ainda natildeo eacute o caminho no qual enveredamos Eacute permanecer ainda no mesmo

no fechar-se ao outro A inversatildeo da identidade para a diferenccedila eacute apenas a

extrema possibilidade da identidade eacute sua uacuteltima consequecircncia seu

acabamento eacute natildeo ter ainda atingido ou ter sido atingido pela diferenccedila

enquanto diferenccedila mesma enquanto o entre a clareira a abertura Eacute para

dar um exemplo o que Heidegger entende do movimento realizado por

Nietzsche aquele platonismo ao avesso que sendo o avesso eacute apenas o outro

lado do platonismo eacute ainda o mesmo Eacute levar o que estava na ideia para a

vida eacute uma inversatildeo do solo do fundamento eacute ainda chatildeo firme Entretanto o

que se mostra ao pensar heideggeriano como o originaacuterio como superaccedilatildeo eacute

aquele pensamento sem-fundo eacute o abismo eacute a perca de chatildeo portanto eacute

nesse sentido que pensamos aqui a diferenccedila como aquele entre que natildeo estaacute

nem no nascimento nem no dado de forma unilateral mas um entre pensado

como diaacute-logo

Diaacutelogo aqui pensado como aquele acontecimento aquela disposiccedilatildeo

que caminha (dia δηα atraveacutes indo na direccedilatildeo de um para o outro) que

transita pelo logos (ιογος) Aqui natildeo eacute mais possiacutevel pois natildeo estamos mais

nesse acircmbito uma representaccedilatildeo do que seja essa diferenccedila esse entre como

dialogo O entendimento representativo ao se apropriar desta diferenccedila a

representa como identidade Aqui toda reduccedilatildeo em poucas palavras eacute um

perigo Daacute-se aqui necessariamente como um apelo uma mudanccedila na

linguagem de significativa para uma de sentido Natildeo ficar preso a conceitos ou

definiccedilotildees eacute o caminho necessaacuterio para essa co-respondencia com o entre

com a diferenccedila Eacute preciso harmonizar-se θηιεηλ entrar em acordo com o que

a noacutes se apresenta como aquele amor que Heidegger entende ser o amor

108

HEIDEGGER Serenidade p 23

76

pensado por Heraacuteclito ao nomear o filosofo como θηιοζοθος assim escreve

Heidegger em sua conferecircncia O que eacute isto ndash a filosofia

Um anegraver philoacutesophos eacute aquele hograves philei tograve sophoacuten philein que ama a sophoacuten significa aqui no sentido de Heraacuteclito homologein

falar assim como o Loacutegos fala quer dizer corresponder ao Loacutegos Este corresponder estaacute de acordo com o sophoacuten Acordo eacute harmoniacutea

O elemento especiacutefico de philein do amor pensado por Heraacuteclito eacute a harmonia que se revela na reciacuteproca integraccedilatildeo de dois seres nos laccedilos que unem originariamente numa disponibilidade de um para

com o outro 109

Assim natildeo se pode aqui pensar nesse diaacutelogo como uma dialeacutetica que

se torna o que eacute em uma siacutentese O que se daacute aqui natildeo eacute uma siacuten-tese da

loacutegica com a arte da representaccedilatildeo com a inauguraccedilatildeo O que se daacute aqui eacute

uma luta uma disputa110

um amor um diaacute-logo uma obra (εργολ) Um entre

que natildeo para nem aqui nem ali nem muito menos como uma siacutentese com-

posiccedilatildeo de um com o outro Essa siacutentese que corremos o risco de entender de

forma errada o que aqui se apresenta como diaacutelogo foi o que se apresentou a

noacutes como a essecircncia da teacutecnica moderna como Ge-stell Aqui daacute-se um vai e

vem inquietante que eacute pura quietude Eacute aquele terceiro caminho excluiacutedo a

muito do pensar filosoacutefico que natildeo eacute nem um sim nem um natildeo mas que eacute

uma escuta de ambos simultaneamente os pondo em diaacutelogo eacute abertura

clareira do destinado pelo misteacuterio

Diante deste pensar que pode levar a nos questionarmos se natildeo

estamos pairando no ar num modo de pensamento muito distante de noacutes

algumas questotildees se apresentam natildeo seria esse entre uma indecisatildeo que nos

imobilizaria Natildeo seria esse diaacutelogo um subterfuacutegio de fuga da

responsabilidade do que diante a noacutes se apresenta como urgente Natildeo reinaria

aiacute a mais elevada ausecircncia-de-pensamento Uma passividade diante um

tempo que urge por uma atitude Um mero deixa ser levado pelo acaso Uma

ausecircncia de um querer que determina Essas satildeo algumas das questotildees que

109

HEIDEGGER O que eacute isto ndash a filosofia p 32 110

Hesiacuteodo no iniacutecio de seu escrito Os trabalhos e os dias fala de duas Ερης de duas disputas Uma eacute aquela geradora da guerra entre os homens que por ganacircncia de poder e

riqueza entram nessa disputa essa eacute por ele considerada a disputa ruim A outra eacute aquela disputa essencial entre o homem e a Terra aquela disputa com a adveniecircncia do dia-a-dia a

luta diaacuteria com a vida Essa eacute por ele chamada de a luta boa geradora de todo o bem que temos Enquanto a primeira destroacutei a segunda concebe Aqui quando falamos de disputa

pensamos nessa segunda disputa desse amor gerador

77

se potildeem diante desse diaacutelogo pensado com um entre Como quem preacute-sente a

proximidade da brisa do sereno adveniente da fonte aproveitemos um pouco

mais este caminhar que se aproxima daquilo do qual a muito estamos sendo

chamado que a muito aguardamos e continuemos um pouco mais neste trilhar

42 Serenidade O dizer sim e natildeo agrave teacutecnica

Vivemos em um mundo cercado pela teacutecnica Para onde nos dirigimos e

nos deparamos sempre com seus aparelhos e instrumentos Internet celular

carros induacutestrias e comeacutercios energia eleacutetrica e atocircmica Heidegger viveu em

um tempo diferente do tempo atual Um tempo no qual o que lhe causou

espanto foi a comunicaccedilatildeo por raacutedio e pela televisatildeo O que diria ele dos dias

atuais Espantar-lhe-ia mais a internet do que o raacutedio Seraacute que no essencial

vivemos em um tempo tatildeo diferente Eacute possiacutevel que natildeo O essencial da

teacutecnica natildeo estaacute em seus produtos Natildeo eacute o carro a televisatildeo o raacutedio ou a

internet o que eacute mais proacuteprio a sua essecircncia O que lhe assustou e que hoje

continuaria a assustar e que tambeacutem o assustaria se tivesse nascido antes eacute

o modo teacutecnico de pensar de dizer de agir Natildeo estou imerso na teacutecnica

somente quando uso o celular mais novo que saiu no mercado estou

profundamente imerso na teacutecnica quando o que me faz escolher a educaccedilatildeo

mais apropriada ao meu filho satildeo caacutelculos que me diratildeo qual o melhor negoacutecio

para o seu futuro Estou nessa situaccedilatildeo a qual inquietou tanto Heidegger

quando as decisotildees mais essenciais a nossa existecircncia satildeo decididas por

meros caacutelculos O que mais o assustou foi a possibilidade cada vez mais

crescente de esse olhar com-positor loacutegico calculista representador em

resumo esse olhar teacutecnico ser o uacutenico olhar que domine todas as nossas

decisotildees Essa sim eacute a grande ameaccedila ao homem

Seria uma ameaccedila talvez ainda maior a busca de um completo

abandono das coisas e pensar teacutecnico O homem necessita destes

Houvesse no pensar jaacute antagonistas e natildeo

simples adversaacuterios entatildeo a coisa do

pensar seria mais favoraacutevel

Heidegger Da experiecircncia do pensar

78

instrumentos e linguagem Necessita necessitou e necessitaraacute destes

instrumentos e linguagem teacutecnica como um ente no-mundo um ente-com

outros no qual se relaciona O homem tem sim que dizer bdquosim‟ a estes

instrumentos mas pode deve necessita simultaneamente dizer bdquonatildeo‟ a eles

Essa abertura ao entre agrave diferenccedila enquanto diferenccedila ao diaacute-logo a esse

acordo a essa harmonia originaacuteria exige do homem essa postura de dizer sim

e natildeo simultaneamente aos objetos teacutecnicos nos exige uma tomada de

decisatildeo que natildeo seja unilateral que natildeo seja absorvida nem pelos objetos

nem por seu abandono Exige de noacutes que nos ocupemos disto que ao olhar

representador parece inconciliaacutevel Assim diz Heidegger sobre esse dizer sim e

natildeo simultacircneo as coisas teacutecnicas

O pensamento que medita exige de noacutes que natildeo fiquemos unilateralmente presos a uma representaccedilatildeo que natildeo continuemos a

correr em sentido uacutenico na direccedilatildeo de uma representaccedilatildeo O pensamento que medita exige que nos ocupemos daquilo que a

primeira vista parece inconciliaacutevel () Podemos dizer sim agrave utilizaccedilatildeo inevitaacutevel dos objetos teacutecnicos e podemos ao mesmo

tempo dizer natildeo impedindo que nos absorvam e desse modo verguem confundam e por fim esgotem a nossa natureza (Wesen) 111

Esse pensamento que medita (sinnende) eacute justamente esse que se

contra-potildee potildee-se de frente e assim dialoga com esse pensamento que

calcula Eacute aquele pensamento que natildeo se detecircm no correto adequado no

fundamento mas que se encaminha no sentido da verdade como α-ιήζεηα

como decircs-velamento como clareira como sem-fund(ament)o Eacute portanto o

pensamento inaugural que atento ao destinado da fonte silenciosa do ser daacute

nascimento Eacute deste modo por dar nascimento que eacute esse pensamento que

medita irmatildeo da poesia no pocircr ambos encontram a sua essecircncia Assim

escreve Heidegger em sua obra poeacutetica intitulada de Da experiecircncia do pensar

(1960) onde pensar e poetar satildeo pensados como poiacuteesis como o dar-se da

verdade a partir do ser Leiamos suas palavras

Cantar e pensar satildeo os troncos

vizinhos do poetar

Eles crescem do Ser e alcanccedilam sua

111

HEIDEGGER Serenidade pp 23-24

79

verdade

Sua relaccedilatildeo daacute a pensar que Houmllderlin Canta das aacutervores da floresta

ldquoE desconhecidos uns aos outros eles

Ficam o tempo que eles permanecem em peacute

os troncos vizinhosrdquo 112

Eacute esse pensamento poeacutetico meditativo que nos exige que digamos sim

e natildeo simultaneamente agrave teacutecnica O que nos permite viver em meio a ela com

ela sem dela ser escravo e isso natildeo de um modo vacilante oscilante mas de

forma tranquila ou como nomeia Heidegger de modo sereno Com a mais

elevada serenidade (Gelassenheit) Esse dizer sim e natildeo agrave teacutecnica enquanto

diaacute-logo que se demora no entre eacute o que Heidegger nomeia por Serenidade

Em uma conferecircncia intitulada por Serenidade apresentada como um

discurso comemorativo do compositor de oacutepera Conradin Krutzer em 1955

Heidegger nos doa um belo discurso acerca do que seja essa Serenidade que

aqui eacute desde os primeiros passos aguardada Tema que por ele jaacute tinha sido

abordado em uma conversa nos anos de 194445 Nesta conversa tem-se uma

caracteriacutestica de uma linguagem bem mais solta e tambeacutem bem mais profunda

Um excelente exemplo de uma linguagem que busca libertar-se da

representaccedilatildeo da conceituaccedilatildeo Nessa conversa dar-se um deixa ser

conduzido pelo pensamento de amigos que caminhando satildeo aceitos nas

proximidades do misteacuterio do ser e que contudo natildeo perde em profundidade

mas que por esse deixar ao contrario eacute admitido por esta Jaacute o discurso

comemorativo tem uma sistemaacutetica e uma linguagem bem mais proacutexima jaacute que

eacute dirigida a um puacuteblico mais abrangente do que se costuma usar

habitualmente Neste discurso pondo-se a pensar sobre o que seja um ato

comemorativo Heidegger nos leva pelo discurso a pensar que comemorar eacute

pensar acerca de algo eacute pensar sobre o motivo do qual a comemoraccedilatildeo

presta-se a homenagear Diz-nos que ali se escutam as obras do compositor

sua biografia que ali satildeo proferidas anaacutelises criacuteticas de suas criaccedilotildees mas

seraacute que jaacute aiacute se realiza um pensar acerca de algo Relatar enumerar

112

HEIDEGER Da experiecircncia do pensar p 49

80

descrever narrar ainda natildeo eacute um pensar um meditar sobre algo sobre a

abertura que em uma obra de arte daacute-se

Heidegger passa daiacute a pensar sobre o que seja o pensamento Este se

apresenta na sociedade atual em-fuga ldquoTodos noacutes mesmo aqueles que

pensam por dever profissional somos muitas vezes pobres-em-pensamento

ficamos sem-pensamento com demasiada facilidaderdquo 113

E o que potildee em-fuga

o pensamento meditativo eacute esse dominante pensamento que calcula Esse

caacutelculo nos absorve como escravos das coisas que chegamos ao ponto de

darmos mais atenccedilatildeo aos produtos que agraves obras (εργολ) Pensamos muito

mais vezes nos presentes do que nas homenagens e homenageados

Pensamos e aqui jaacute nem podemos mais dizer pensar noacutes queremos

calculamos muito mais os resultados do que o processo o ponto de chegada

do que o caminhar agrave-proximidade-de e assim nos escravizamos pelos objetos

do desejo mais do que nos permitimos livres ao a-caso Eacute em relaccedilatildeo ao que

acabamos de dizer que a serenidade para com as coisas se apresenta como

aquela medranccedila do que salva Permite-nos sermos poeacuteticos em meio a um

mundo dominado pelo teacutecnico Daacute-nos a perspectiva de um novo enraizamento

jaacute que como diz Heidegger a partir de uma citaccedilatildeo do poeta Johann Peter

Hebel ldquoNoacutes somos plantas que ndash quer nos agrade confessar quer natildeo-

apoiadas nas raiacutezes tecircm de romper o solo a fim de poder florescer no Eacuteter e

dar frutosrdquo 114

Heidegger distingue essa disposiccedilatildeo nomeada por ele de Serenidade de

outros modos de conceber a palavra jaacute usada na tradiccedilatildeo por outros filoacutesofos

como eacute o caso da leitura de Meister Eckhart onde a serenidade eacute entendida

como ldquoa rejeiccedilatildeo do egoiacutesmo pecaminoso nem o abandono da vontade proacutepria

em prol da vontade divinardquo 115

Serenidade eacute essa aproximaccedilatildeo iacutentima da Matildee Terra eacute a escuta

cuidadosa do silecircncio do misteacuterio eacute o demorar-se insistente diante a abertura

que enquanto mostra-se simultaneamente se oculta Que se abre apenas para

nos envolver ainda mais no acircmago do misteacuterio Falamos de Serenidade e

constantemente nomes como misteacuterio aguardar cuidado insistecircncia se

113

HEIDEGGER Serenidade p11 114

Idem p27 115

Idem p 35

81

colocam em nosso caminho Falamos de serenidade diante essa ameaccedila na

qual o pensamento que calcula nos absorve O que nos leva a perguntar

Como conseguir essa serenidade O que eacute esse misteacuterio e esse aguardar que

sempre acompanham o pensar acerca da serenidade Estaacute nas matildeos dos

homens atingirem em meio a essa tumultuosa noite que nos cai essa

serenidade ou eacute apenas concernente ao destino do ser esta outra

possibilidade O que devemos fazer para criarmos permitindo o matutino

sereno de uma nova manhatilde Mantenhamo-nos um pouco mais nessa

vizinhanccedila da fonte que haacute muito nos convoca a ali em sua proximidade

demorarmo-nos Essa fonte que haacute muito chama em seu canto o filho ao

retorno aconchegante de seu habitar

43 Abertura ao misteacuterio O demorar-se no entre

O homem do presente eacute o homem da presenccedila Em um sentido filosoacutefico

Heidegger entende essa presenccedila como a marca fundamental do pensamento

metafiacutesico ocidental O ser do ente como a presenccedila eacute re-presentado pela

linguagem loacutegica como o ente Este ser enquanto presenccedila jaacute vem sendo

assim pensado para Heidegger desde os gregos principalmente para o que

ele chama de periacuteodo de decadecircncia do pensar claacutessico com Platatildeo e

Aristoacuteteles Estando este modo de pensar apenas no seu acabamento e este

modo de pensar vigente em quase todos os acircmbitos de decisotildees de accedilotildees e

de reflexotildees esta presenccedila pensada metafisicamente aparece agora tambeacutem

no habitual no dia-a-dia no cotidiano O que eacute de acordo com o bom senso eacute

o que estaacute agrave matildeo que posso tocar que posso decidir e natildeo a indecisatildeo Eacute o

que serve para algo O que vale eacute o agora o que se mostra aqui no presente A

histoacuteria eacute esquecida o esperar natildeo tem vez Vivemos no presente E

estranhamente esse viver no presente se revela uma ausecircncia aterrorizadora

A tecnologia que aproxima os homens os lugares os tempos as distacircncias em

uma intensidade gigantesca tambeacutem os afasta ldquohoje se toma conhecimento de

Eacute capinzal noturno

Escuro denso protetor Vocecirc eacute mata virgem

Pela qual ningueacutem passou

Raul Seixas Mata Virgem

82

tudo pelo caminho mais raacutepido e mais econocircmico e no mesmo instante e com

a mesma rapidez tudo se esquecerdquo 116

O raacutedio ou a internet aproximam tanto

a comunicaccedilatildeo os homens que natildeo eacute mais nem preciso estar ali Minha

presenccedila em todos os lugares por meio dos aparelhos tecnoloacutegicos de

comunicaccedilatildeo reflete minha ausecircncia Presente estaacute a tecnologia mas o

homem mesmo enquanto homem em sua autenticidade encontra-se ausente

Em uma multidatildeo de pessoas que dia-a-dia transitam pelas ruas das grandes

cidades sem nem um simples bdquooi‟ ser dado nos potildee a pensar no grego

Dioacutegenes o ciacutenico que com sua lamparina se pocircs a andar pelas ruas de sua

polis em pleno claro do dia a procurar por um homem sequer Onde

encontramos o homem nesse esquecimento do solo de onde brotam os

nutrientes de seu ser

A busca da certeza move demasiadamente mais do que a verdade Na

velocidade rapidez na pressa atual natildeo haacute tempo haacute perder com indecisotildees

natildeo a tempo para o proacuteprio homem Precisa-se de uma resposta certa mesmo

que para tal tenha-se que se descuidar da busca mais demorada pela verdade

do que no emaranhado do que eacute se oculta Certeza como corretude

adequaccedilatildeo como fundamento firme onde se pode erguer preacutedios para

gigantescos negoacutecios Verdade como decircs-velamento α-ιήζεηα como o cuidado

com o que adveacutem do velado do misteacuterio Esse misteacuterio destruidor da certeza

imediata riacutegida assusta causa espanto ao apressado homem da atualidade

Aquele espanto ηασκαηα que desde os tempos primordiais moveu os primeiros

pensadores cede lugar agrave certeza agrave decisatildeo necessaacuteria ao pesquisar que pela

imposiccedilatildeo da pressa de uma grande quantidade de produccedilatildeo natildeo pode se

demorar neste espanto

Diante desse caminhar ao qual nos enveredamos somos convocados a

serenidade A um estar aberto agrave abertura da adveniecircncia Um estar aberto agrave

abertura do misteacuterio Esse misteacuterio que espanta que afasta a certeza levando

ao risco daquele cair no poccedilo do qual haacute muito tempo se rir Esse misteacuterio que

nos tira da seguranccedila do fundamento do solo e nos envolve com o risco do

abismo Ao homem da decisatildeo esse misteacuterio eacute o que mais o assusta eacute o que

mais ele quer manter distacircncia Mas seraacute que assim como esse homem da

116

Idem p11

83

presenccedila se revelou como um homem da ausecircncia esse mesmo homem da

seguranccedila natildeo se revelaria a noacutes como o homem do medo que vive no mais

inseguro dos modos de existecircncia Seraacute que esta decisatildeo tatildeo adorada por

esse homem natildeo se revelaria a um pensar mais profundo medo de enfrentar o

risco deste entre adveniente do misteacuterio Seraacute que a decisatildeo que urge natildeo eacute a

de um demorar-se nesse misteacuterio Tenhamos entatildeo coragem e enfrentemos

mais estas questotildees

Diante o misteacuterio do que estaacute para aleacutem do que o que se mostra para

aleacutem do que aparece o homem se espanta O homem grego assim espantou-

se e aiacute se demorou Ser nada a fala o dizer o nomear o permanente

imoacutevel o movimento tudo isso o espantou e ele aiacute se demorou O espanto que

a princiacutepio o potildee em fuga simultaneamente o atraiu A curiosidade estando em

seu acircmago o fez olhar para traacutes durante essa fuga Como Orfeu que ao ir ao

Αδες Hades para resgatar a amada tinha apenas que por fim seguir adiante

sem olhar para traz mas que de seu acircmago uma inquietante curiosidade o faz

virar-se para vez se a bem amada consigo seguia Pondo-se em fuga do

misteacuterio do espanto eacute pela curiosidade atraiacutedo a um olhar de aproximaccedilatildeo

Uma curiosidade que vira amor θηιεηλ Um amor ao saber do que se mostrava

mesmo que em seu ocultamento Heraacuteclito nomeou como vimos um pouco

acima a este amante disto que tudo rege de θσιοζοθος filoacutesofo Amor para

ele eacute o harmonizar-se e saber eacute logos Logos esse que eacute misteacuterio aos homens

tanto antes de terem ouvido como depois como se estivessem dormindo 117

Amante desse misteacuterio o pensador nada podia dizer com certeza pois

amante do misteacuterio em harmonia com ele estava sempre num entre O que

para o pensador mais profundo era o mais espantoso era tambeacutem o seu maior

amor Este mais espantoso torna-se ao homem ordinaacuterio apenas ouvinte de

sua linguagem mas que a ela natildeo co-responde enquanto pensador do

profundo do ιογος o mais assustador gerando nesse homem medo Esse

espanto torna-se uma aporia απορηα um sem-saiacuteda da qual natildeo era possiacutevel

num confronto sincero harmonioso fuga Eacute nesse acircmbito do incerto onde o

117

Acerca deste modo de conceber o logos e a sua relaccedilatildeo com os homens consultar o fragmento 1 na organizaccedilatildeo de Diels de Heraacuteclito Este concebia o logos como o regente de

tudo o que haacute Entretanto os homens natildeo se apercebiam disso mesmo depois de serem acerca deste logos instruiacutedo Pois logos eacute ao homem que natildeo o enfrente ateacute os limites de sua

obscuridade misteacuterio

84

homem ordinaacuterio encontra-se meio acuado e o pensador profundo encontra-se

em pleno amor que surge o sofista como aquele que tinham as respostas

Aquele que se apresentava como sabedor dos misteacuterios e do modo de ldquoa esse

dominarrdquo Livrava-se rapidamente desta aporia dessa indecisatildeo por uma

tomada de posiccedilatildeo unilateral de um dos caminhos Com seu amplo domiacutenio de

retoacuterica e da linguagem como instrumento de dominaccedilatildeo dissimulaccedilatildeo essa

tomada de posiccedilatildeo unilateral passava como a mais elevada sabedoria Estes

sofistas despertavam as aporias nos seus ouvintes apenas com o intuito de se

apresentar como um conhecedor dos mais enigmaacuteticos problemas118

que ao

homem poderiam se apresentar para em seguida rapidamente os resolver

Assim diz Heidegger em sua conferecircncia O que eacute isto ndash a filosofia acerca

desses sofistas e de sua entrada neste momento oportuno em que o saber se

demorava ante esse entre do misteacuterio

O ente no ser isto se tornou para os gregos o mais espantador Entretanto mesmo os gregos tiveram que salvar e proteger o poder

do espanto deste mais espantoso ndash contra o ataque do entendimento sofista que dispunha logo de uma explicaccedilatildeo compreensiacutevel para qualquer um para tudo e a difundia A salvaccedilatildeo do mais espantoso ndash

ente no ser ndash se deu pelo fato de que alguns se fizeram a caminho na sua direccedilatildeo quer dizer do sophoacuten Estes tornaram-se por isso

aqueles que tendiam para o sophoacuten e que atraveacutes de sua proacutepria aspiraccedilatildeo despertavam nos outros homens o anseio pelo sophoacuten e o

mantinham aceso O philein to sophoacuten aquele acordo com o sophoacuten de que falamos acima a harmonia transformou-se em oacuterecsis num aspirar pelo sophoacuten O sophoacuten ndash o ente no ser ndash eacute agora

propriamente procurado Pelo fato de o philein natildeo ser mais um acordo originaacuterio com o sophoacuten mas um singular aspirar pelo

sophoacuten o philein to sophoacuten torna-se ldquophilosophiacuteardquo Essa aspiraccedilatildeo eacute determinada pelo Eacuteros

119

A de-cisatildeo120

de demorar-se na abertura na cisatildeo entre o que se oculta

cada vez mais que se mostrava teve para se proteger deste ataque dos

118

Sobre essa postura sofistica ante as aporias e tambeacutem acerca de seu domiacutenio da linguagem conferir a Metafiacutesica de Aristoacuteteles onde ente ao tratar dos problemas dos

contraacuterios enfrenta tanto os dialeacuteticos como os sofista dizendo que aos primeiros era preciso uma argumentaccedilatildeo da problemaacutetica ela mesma para que se revelasse onde estavam se

equivocando jaacute aos segundos era necessaacuterio um constrangimento loacutegico pois esses natildeo buscavam a verdade mas falavam apenas pelo prazer de falar seu falar era meramente dominado pela intenccedilatildeo de um benefiacutecio proacuteprio 119

HEIDEGGER O que eacute isto ndash a filosofia p32 120

Pensamos que no expressatildeo de-cisatildeo guardamos a marca da abertura da cisatildeo do

misteacuterio ao aberto do decircs-velamento De-cidir eacute manter-se nesse entre do dia-logo eacute demorar-se na clareira Jaacute na expressatildeo posiccedilatildeo escutamos o eco daquela palavra que aqui se revelou

como a essecircncia do entendimento teacutecnico Posiccedilatildeo a noacutes remete diretamente aquele sin-tese

85

sofistas que se transformar num posicionamento Numa tomada de

posicionamento unilateral Diante isso eacute que neste percurso por noacutes aqui

trilhado somos levados a pensar que deixar-se ser guiado pelo acordo

harmonioso com o misteacuterio eacute uma de-cisatildeo bem mais vigorosa do que a

decisatildeo no sentido de um posicionar-se Diante as απορηας aporias primordiais

que na intenccedilatildeo de se beneficiar dos sofistas tanto Platatildeo como Aristoacuteteles

necessitaram salvar o espanto por amor ao saber tiveram que decidir por uma

αρθε um princiacutepio ideia ousia e de acordo com essa decisatildeo que a eles se

impocircs como o destinado pelo ser estabeleceram uma linguagem um logos

proposicional em confronto com o risco que se corria com a linguagem poeacutetica

desde primeiros e mais profundos pensadores

Poreacutem o que em Platatildeo e Aristoacuteteles ainda se mantinha como uma de-

cisatildeo adveniente do destinado pelo ser eacute esquecida ofuscada re-configurada

pelo modo outro de pensar latino que o segue Eacute nessa passagem do pensar

grego para o latino que Heidegger indica o ponto crucial do afastamento do

misteacuterio como o mais essencial agrave essecircncia da verdade enquanto decircs-

velamento do esquecimento da cisatildeo que mantendo o pensador no espanto do

entre o protegia o res-guardava da decadecircncia da unilateralidade Por uma

vontade de progresso de decircs-envolvimento essa decisatildeo agora jaacute entendida

como tomada de posiccedilatildeo passa a controlar a razatildeo o pensar torna-se

entendimento o ιογος torna-se loacutegica A αιήζεηα torna-se veritas adequatio

corretude verdade Seguindo sempre adiante sem tempo para parar e olhar

para a proveniecircncia de onde haacute muito eacute enviado o que nos eacute destinado segue

esse decircs-envolvimento A linguagem o pensar que se davam como obra

como poiacuteesis torna-se uma linguagem predicativa proposicional torna-se re-

presentaccedilatildeo passando a dominar praticamente todos os acircmbitos do humano

A de-cisatildeo enquanto com-fronto disputa originaacuteria enquanto a απορηα que

levou o homem a imobilidade retorna na era da teacutecnica pela presenccedila uacutenica da

exigecircncia de um posicionamento A falta de aporia pela certeza imposta pela

pressa dos negoacutecios do desenvolvimento da teacutecnica eacute que agora imobiliza a

capacidade do homem a um confronto verdadeiro radical com o poder de

dominaccedilatildeo que se impotildee sobre ele

onde o sin eacute o por junto e o tese eacute em uma posiccedilatildeo Sin-tese em grego Ge-stell em alematildeo eacute

marca caracteriacutestica da unilateralidade da representaccedilatildeo

86

Diante essa nova imobilidade Heidegger por meio do pensar do poetar

busca redespertar esta aporia perdida aquele acordo originaacuterio aquela

harmonia essencial com o ser Urge uma nova tomada de de-cisatildeo ante a

pressa que impede qualquer parar meditativo-poeacutetico qualquer esperar

escutar Torna-se necessaacuterio o risco de se lanccedilar o olhar agraves profundezas das

alturas e aiacute cair no poccedilo outra vez Potildee-se o arriscar-se a ir-agrave-proximidade do

misteacuterio e se permitir ser entorpecido ldquona boca e na almardquo121

por esse demorar-

se no entre nesta abertura na clareira do ser Mas como pode o homem da

era da teacutecnica do entendimento representativo atingir a profundidade do

misteacuterio Como atingir essa serenidade que guarda a medranccedila do que salva

Trilhemos mais essas questotildees que se potildeem antes de nos demorarmos onde a

muito somos convocados

44 Da procura ao Aguardar o silencioso caminhar na vereda

Pensamos na serenidade como a disposiccedilatildeo que guarda em seu seio a

medranccedila do que salva Estaacute que enquanto um dizer sim e natildeo a teacutecnica nos

liberta da servidatildeo aos objetos e pensamento teacutecnico bem em seu seio Que

como este demorar-se no entre do aberto do misteacuterio da cisatildeo proveniente do

ser ao homem o devolve o conduz a um retorno ao habitar que lhe fora

confiado doado Pensamos essa serenidade em meio a um intenso domiacutenio da

teacutecnica sobre praticamente todos os acircmbitos do humano mas como se tornaraacute

possiacutevel quebrar essas algemas do entendimento representativo loacutegico e

aceder a esta serenidade Qual o procedimento o meacutetodo a forma de

aquisiccedilatildeo desta serenidade Como re-significar a linguagem proposicional

predicativa abrindo a ela a possibilidade do diaacutelogo com a linguagem poeacutetica

Essas perguntas de forma alguma nos conduziratildeo a esta serenidade a essa

121

Faz-se aqui uma alusatildeo ao estado que Mecircnon ao dialogar com Soacutecrates eacute levado pelo seu discurso Um entorpecimento que Platatildeo potildee como o movimento necessaacuterio a rememoraccedilatildeo

fonte de saber Conferir Mecircnon 80 b

E de que modo procuraraacutes Soacutecrates aquilo que natildeo sabes absolutamente o que eacute

Platatildeo Mecircnon

87

proximidade pois satildeo ainda perguntas loacutegicas do acircmbito da representaccedilatildeo

Procedimento meacutetodo adquirir re-significar satildeo todas expressotildees da re-

presentaccedilatildeo Aqui outra relaccedilatildeo com o que se potildee neste aberto do entre se

coloca

Platatildeo em um diaacutelogo no qual se investiga de qual o modo o homem

pode possuir a virtude ἀρεηή faz Mecircnon apoacutes ser levado a uma profunda

aporia sobre o que seja a justiccedila ela mesma ao estilo sofiacutestico perguntar a

Soacutecrates se eacute realmente possiacutevel aprender aquilo que absolutamente natildeo se

conhece Como eacute possiacutevel pela investigaccedilatildeo adquirir aquilo que mesmo ao

dar-se se fecha em si mesmo Como podemos conhecer esse misteacuterio atingir

essa serenidade Quem investiga busca por algo que previamente conta de

antematildeo conta previamente com algum resultado parte de uma instacircncia por

um determinado meacutetodo em alguma direccedilatildeo Mas como investigar algo que

absolutamente ainda natildeo haacute que informaccedilatildeo alguma tem-se dele Essas

perguntas jaacute estatildeo presentes no nascimento da Metafiacutesica tanto com Platatildeo

como com Aristoacuteteles Soacute que a pressa as potildee sempre de lado e nos decircs-via

ao desenvolvimento do que jaacute temos em matildeo do mais faacutecil de produzir do uacutetil

Leiamos algumas palavras de Heidegger acerca desse meacutetodo investigativo

A sua particularidade consiste no fato de que quando concebemos um plano investigamos ou organizamos uma empresa contamos sempre com condiccedilotildees preacutevias que consideramos em funccedilatildeo do

objetivo que pretendemos atingir Contamos antecipadamente com determinados resultados Este caacutelculo caracteriza todo o pensamento

planificador () o pensamento que calcula faz caacutelculos Faz sempre caacutelculos com possibilidades continuamente novas sempre com maiores perspectivas e simultaneamente mais econocircmicas O

pensamento que calcula corre de oportunidade em oportunidade 122

A serenidade que aguardamos natildeo chega a nossa proximidade por uma

investigaccedilatildeo meacutetodo ou atividade pelo contraacuterio eacute por ela afastada Entatildeo ao

homem natildeo resta nada a natildeo ser esperar ficar na passividade esperando que

algo ocorra e que lhe desperte essa serenidade Heidegger nomeia por

aguardar (warten) essa disposiccedilatildeo que em confronto com a investigaccedilatildeo eacute

mais apropriada agrave serenidade Um aguardar que natildeo eacute um mero espera que

natildeo eacute nunca um ficar na expectativa (erwaten) Aguardar natildeo eacute aqui um mero

122

HEIDEGGER Serenidade p 13

88

ficar na passividade esperando que algo ocorra Nem tambeacutem eacute a atividade da

investigaccedilatildeo que quer que algo chegue a determinado resultado Natildeo eacute

passividade nem atividade Eacute um trabalhar-se um obrar-se no sentido de uma

atenccedilatildeo um cuidado ao silecircncio do que se oculta do que nesse ocultar-se se

re-colhe se res-guarda Eacute aquela disposiccedilatildeo daquele caminhante que

trilhando um caminho ainda natildeo aberto que caminhando em uma mata virgem

aguarda pelo que advenha como o caminho pelo qual deve continuar seguindo

Eacute entatildeo aquele respeito aquele carinho amor philein pelo que lhe envolve

Naquela ocasiatildeo que o repouso se mostra o movimento mais apropriado diante

a aporia que se apresenta que lhe envolve ldquoDificilmente podemos alcanccedilar a

serenidade de uma forma mais adequada do que por meio de uma ocasiatildeo

para nos envolvermosrdquo 123

O querer eacute sempre um querer algo Eacute jaacute estar na expectativa A serenidade

como esse aguardar natildeo espera natildeo quer algo O que concerne a esse

aguardar natildeo eacute algo natildeo eacute um ente mas eacute a abertura eacute a clareira Eacute um

recebimento com gratidatildeo ao que brota para si do seio do ser da θσζης da

natureza Essa passagem do querer ao aguardar sereno eacute o caminho a se

seguir na ida agrave proximidade do que guarda a medranccedila do que salva Grato

com o que lhe eacute destinado o caminhante sereno lhe co-responde Liberto de

anseios e vontade o homem recebe a tarefa de guardiatildeo da clareira do brotar

guardiatildeo do diaacutelogo se apresenta como a outra possibilidade ante o perigo que

ameaccedila

Mantendo-se insistentemente nesse entre nessa abertura da cisatildeo do

misteacuterio lhe eacute destinado o Acontecimento-poeacutetico-apropriativo Ereignes da

histoacuteria do homem pois ldquoaquilo que permanece funda os poetasrdquo nas palavras

de Houmllderlin ou o que podemos escutar no eco da palavra por Goethe usada

onde ao inveacutes de usar para dar sentido a perdurar a palavra alematilde fortwaumlhrenI

usa a palavra misteriosa fortgewaumlhren como um continuar a conceder 124

O

que aiacute eacute entatildeo colhido com gratidatildeo como esse que insistentemente se demora

nisso que continua a conceder eacute levado ao homem por esse mensageiro

αγγειος como uma possibilidade de uma nova manhatilde de um novo momento

da histoacuteria Essa possibilidade que pela exploraccedilatildeo de tudo que estaacute dado potildee

123

Idem p45 124

HEIDEGGER A questatildeo da teacutecnica p 33

89

em fuga a possibilidade do inaugural que eacute confiado apenas agravequeles que se

demoram insistentemente no aguardar Aqueles que adentram na floresta natildeo

com intenccedilatildeo de uma exploraccedilatildeo de mais um mercado que lhe renderaacute um

oacutetimo negoacutecio ao comeacutercio mas agravequele que como protetor adentra na floresta

para lhe escutar e lhe res-guardar em seu cuidado

Esta natildeo eacute uma tarefa faacutecil pois aiacute trilha-se natildeo por uma estrada aberta e

segura mas trilha-se por uma vereda que insistentemente lhe potildee o fechado a

frente lhe envolvendo no risco do que absolutamente natildeo se conhece Assim

co-respondendo ao que lhe eacute confiado este caminhante deve insistentemente

demorar-se nessa aguardar do inaugural Qual o sentido dessa insistecircncia que

diversas vezes se apresentou em nosso trilhar Na conversa que eacute colhida de

um passeio do campo Heidegger nos escreve uns versos escutado de um

amigo sobre o que poderia ser pensado como o sentido dessa insistecircncia

Receber a salvo Para longa constacircncia

A verdade que estaacute a ser Nunca soacute algo verdadeiro Que o coraccedilatildeo pensante peccedila

Agrave singela paciecircncia A generosidade uacutenica

Do nobre recordar 125

Se Platatildeo como resposta a aporia acerca da possibilidade de se

aprender o que absolutamente natildeo se conhece fala de uma ἀλάκλεζης

anaminesis rememoraccedilatildeo de um recordar aqui tambeacutem o recordar se

apresenta ldquoA generosidade uacutenica do nobre recordarrdquo Recordando aquele

habitar na proximidade agrave fonte escuta-se o chamado a um novo momento da

histoacuteria a ser trilhado O nobre caminhante se depara no silecircncio da aporia do

entre com o canto de sua Matildee Este eacute convocado ao envolver-se em seu ser

Na disposiccedilatildeo da serenidade a nobreza natildeo eacute mais aquele tiacutetulo que indica um

possuidor de terras ou uma rica famiacutelia detentora de poder financeiro Nobreza

aqui eacute aquilo que tem proveniecircncia O caminhante nobre natildeo eacute dono da terra

na qual habita mas eacute filho dela eacute por ela aceito em seu seio ldquoA nobreza de

caraacuteter seria a essecircncia do pensamento (Denkens) e com isso do

125

HEIDEGGER Serenidade p 59

90

agradecimento (Dankens) Desse agradecimento que natildeo apenas agradece por

algo mas que apenas agradece por agradecerrdquo 126

Nesse nobre caminhar natildeo chegamos a um ponto final onde atingimos a

serenidade ante o misteacuterio e o misteacuterio natildeo eacute por noacutes adquirido O que se daacute eacute

aquele ir-agrave-proximidade eacute um adentrar a vizinhanccedila Com Heraacuteclito Heidegger

pensa esse ir-agrave-proximidade como uma traduccedilatildeo apropriada a esta conversa

do fragmento 122 de Heraacuteclito o menor dos fragmentos que possui uma soacute

palavra Ἀγτηβαζίε aproximar-se ir proacuteximo ser-admitido-no-sei-da-

proximidade Nosso trilhar poderia ser pensado entatildeo como esse ir-agrave-

proximidade Assim escreve Heidegger nas uacuteltimas linhas da conversa acerca

da serenidade

Que nos guiou pela noite dentro cujo brilho eacute cada vez mais

deslumbrante e supera em maravilha as estrelas porque aproxima entre si suas distacircncias no ceacuteu pelo menos para o observador ingecircnuo natildeo para o investigador exato Para a crianccedila no Homem a

noite permanece a aproximadoracostureira das estrelas Ela junta sem costura bainha nem linha

127

Assim natildeo se deve buscar aceder agrave serenidade com a intenccedilatildeo de lhe

atingir e lhe ter em posse A tarefa que fica ao homem em meio ao perigo da

dominaccedilatildeo da teacutecnica eacute algo diferente do querer do atingir do ter em posse A

tarefa que urge eacute a de um aguardar grato insistente no entre da serenidade

como esse demorar-se na proximidade na vizinhanccedila do misteacuterio Eacute pocircr no

sentido de um deixar-que em diaacute-logo esse pensamento que calcula com esse

pensamento poeacutetico que medita Cuidar de si do que lhe eacute essencial ou seja

cuidar da guarda dos misteacuterios da natureza que a si foi concedido Cuidar da

linguagem para que essa natildeo venha a decair completamente em um mero

falatoacuterio em mera proposiccedilatildeo e representaccedilatildeo mas que ela retorne ao que lhe

eacute mais proacuteprio que eacute o inaugurar o nomear o pocircr-em-obra Sua tarefa eacute cuidar

do pensamento pelo pensar ele mesmo salvando-o do ordinaacuterio e habitual

entendimento que calcula da loacutegica assim o res-guardando a possibilidade a

si mais autecircntica do meditar de poetar ante o misteacuterio Res-guardar as

relaccedilotildees dos homens entre si e entre as coisas de uma fraacutegil relaccedilatildeo sujeito-

objeto uma relaccedilatildeo egoica fundada no eu e tu e nesse resguardar permitir

126

Idem p 63 127

Idem pp68-69

91

uma outra relaccedilatildeo onde o diaacute-logo estaacute em seu seio onde a co-pertenccedila

permeia o todo Proteger a verdade como αιεζεηα decircs-encobrimento da

verdade como adequatio veritas corretude Eacute esse o sentido do que seja a

serenidade como a medranccedila do que salva Eacute a essa vizinhanccedila que fomos

levados por esse caminhar por esse caminho da floresta Holzwege por estas

sendas do pensamento por esta vereda Escutemos por fim estas uacuteltimas

palavras as quais por Heidegger foram usadas nas linhas finais de sua obra

acerca da arte A origem da obra de arte palavra de Houmllderlin um poeta que

para ele era os poetas dos poetasldquoDificilmente abandona O que mora na

proximidade do originaacuterio o lugarrdquo 128

128

HEIDEGGER A origem da obra de arte p201

92

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A-cerca do entendimento humano O salto na vereda

Pensamos neste caminhar sobre o homem o seu tempo atual sua

essecircncia e o que a este se apresenta como uma ameaccedila Pensamos na

teacutecnica na arte na serenidade Pensamos no ser na verdade e na linguagem

Adentramos estas questotildees com a proposta de dar um retorno agrave leitura que

fazemos do presente

O homem encontra-se em um estaacutegio de sua histoacuteria em que o

entendimento eacute apresentado como seu grande poder Um entendimento em

maior parte dominado pelo cientiacutefico pelo teacutecnico pelo comercial A razatildeo eacute

um grande negoacutecio para o capital principalmente quando o desenvolvimento

desta razatildeo eacute diretamente ligado agrave produccedilatildeo de um novo produto investido pelo

capital e para o capital Assim encontra-se em grande parte a razatildeo do homem

no presente Uma razatildeo que lhe foi de grande utilidade para lhe proteger das

ameaccedilas do incerto para lhe proteger do espanto do dando-lhe a seguranccedila e

conforto almejados Uma razatildeo que surge como instrumento de dominaccedilatildeo

ameaccedila fugir-lhe do seu controle para passar assim ao domiacutenio

Eacute assim que pensamos a-cerca do entendimento humano como essa cerca

que o aprisiona na dominaccedilatildeo do que seja entendido como o proacuteprio

entendimento O entendimento humano torna-se assim a cerca do humano

Uma cerca sem porta de saiacuteda onde o uacutenico caminho de uma fuga de

uma libertaccedilatildeo se apresenta como um salto Saltando sobre essa cerca para o

que estaacute aleacutem do que por ele foi aberto e dominado por sua razatildeo Este campo

aberto produzido para a sua seguranccedila o amedronta no presente momento de

sua histoacuteria com o perigo de uma escassez do adveniente do misteacuterio do que o

cerca Uma escassez de outra possibilidade que possa lhe salvaguardar da

iminente dominaccedilatildeo que a teacutecnica impotildee como ameaccedila

Urge ao homem saltar essa cerca e corajosamente mesmo que nos

primeiros passos ainda bem desajeitados pela falta de costume com esse novo

ambiente adentrar a vereda do que fora desta cerca se mostra como fonte Eacute

preciso arriscar-se por essa mata virgem em ir-agrave-proximidade do misteacuterio da

93

fonte de onde brota a seiva que alimenta sua essecircncia antes que essa

enfraquecida pela falta de seus nutrientes essenciais padeccedila ante a ameaccedila

que lhe cerca Essa seiva que na cerca eacute o pensamento calculista natildeo eacute

possiacutevel encontraacute-la em lugar algum Devemos nos aproximar dessa silenciosa

fonte originaacuteria que haacute muito canta o homem pelo retorno ao seu habitat

essencial haacute muito o convoca ao salto no a-bismo

Urge o arriscar-se a cair novamente no poccedilo ficando assim exposto a

possibilidade do riso Eacute preciso jogar-se no poccedilo e retornar com a aacutegua fonte

de tudo que em seu acircmago nutre a essecircncia do homem Retornando assim

esse que poeticamente se arrisca mais carregaraacute consigo a possibilidade de

transmitir aos outros homens o que do seio da Matildee Terra recebeu como o

destino dos homens Guardaraacute consigo a possibilidade de doar o que lhe foi

doado Em seu retorno da vereda restar-lhe-aacute a tarefa ainda mais difiacutecil do

que aquele caminhar no fechado a de dia-logar com os que moram dentro da

cerca a tarefa de pocircr em dialogo em si mesmo e em relaccedilatildeo aos outros

poesia e loacutegica metafiacutesica e pensamento caacutelculo e meditaccedilatildeo identidade e

diferenccedila

Nesse trabalho que agora podemos chamar de diaacute-logo a demora nos

primeiros passos foi uma necessidade de enfrentar tanto o enrijecimento da

tradiccedilatildeo como a proacutepria linguagem habitual da qual nos servimos nesse

confronto com a tradiccedilatildeo Se os passos finais se apresentaram em menor

quantidade de palavras eacute porque nele o caminhar cuidadoso exigiu mais

silecircncio do que dizer mais escuta do que fala Encontramo-nos apenas a

caminho de um verdadeiro e real enfrentamento com o aqui pensado Um

enfrentamento que se daraacute em nossas vidas relaccedilotildees pensamentos

linguagem com o misteacuterio do que nos convoca a sua proximidade Uma

aproximaccedilatildeo na qual a cada passo que adentramos nossa linguagem habitual

torna-se cada vez mais perigosa de levar-nos a um des(en)vio no sentido de

um novo afastamento

Esse acircmbito ao qual chegamos nessa nossa con-versa eacute um acircmbito natildeo de

respostas mas onde deve brotar as essenciais perguntas tarefa de todo

pensador que nos seratildeo destinadas ao diaacutelogo com o presente no qual

94

existimos Agradeccedilo portanto a companhia nessa caminhada pela vereda

companhia essa que sem ela nenhum caminhar eacute propriamente um caminhar

verdadeiro

95

REFEREcircNCIAS

Obras de Heidegger

HEIDEGGER Martin A origem da obra de arte [1935-36] Trad br Idalina

Azevedo e Manuel Antonio de Castro Satildeo Paulo Ediccedilotildees 70 2010

______________ A origem da obra de arte In Caminhos de floresta Trad

port Irene Borges-Duarte e Filipa Pedroso 2 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste

Gulbenkian 2012

______________ A origem da obra de arte Trad port Maria da conceiccedilatildeo

CostaLisboa Ediccedilotildees 70

______________ El origen de la obra de arte In Arte y Poesiacutea Trad esp

Samuel Ramos Buenos Aires Fondo de cultura econoacutemica 1958

______________ A questatildeo da teacutecnica [1953] In Ensaios e conferecircncias

Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo Rio de Janeiro Vozes 2008

______________ Serenidade [1955] Trad port Maria Madalena Andrade e

Olga SantosLisboa Instituto Piaget

______________ Ser e tempo [1927] Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante 3 ed

Rio de Janeiro Editora universitaacuteria Satildeo Francisco 2008

______________ Houmllderlin y la esencia de la poesia [1936] In Arte y poesia

Trad esp Samuel Ramos Buenos Aires Fondo de cultura economica 1958

______________ Para que poetas [1946] In Caminhos de floresta Trad

port Irene Borges-Duarte e Filipa Pedroso 2 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste

Gulbenkian 2012

______________ A teoria platocircnica da verdade [193132 1940] In Marcas do

caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Vozes 2008

______________ A essecircncia e o conceito de θσζης em Aristoacuteteles ndash Fiacutesica Β

1 [1939] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini

Petroacutepolis Vozes 2008

______________ Carta sobre o humanismo [1946] In Marcas do caminho

Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Vozes 2008

______________ A essecircncia do fundamento [1929] In Marcas do caminho

Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo giachini Petroacutepolis Vozes 2008

96

______________ Hegel e os gregos [1958] In Marcas do caminho Trad br

Ernildo Stein e Enio Paulo giachini Petroacutepolis Vozes 2008

______________ A essecircncia da verdade [1930] In Marcas do caminho Trad

br Ernildo Stein e Enio Paulo giachini Petroacutepolis Vozes 2008

______________ A essecircncia da Verdade [1930] In Conferecircncias e escritos

filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo Stein Satildeo Paulo Nova

cultural 1996

______________ Que eacute metafiacutesica [192943] In Conferecircncias e escritos

filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo Stein Satildeo Paulo Nova

cultural 1996

______________ O que eacute isto ndash a filosofia [1956] In Conferecircncias e escritos

filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo Stein Satildeo Paulo Nova

cultural 1996

______________ Identidade e diferenccedila [1957] In Conferecircncias e escritos

filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo Stein Satildeo Paulo Nova

cultural 1996

______________ ldquo poeticamente o homem habitardquo [1951] In Ensaios e

conferecircncias Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante Schuback Rio de Janeiro

Vozes 2008

______________ O fim da filosofia e a tarefa do pensamento [1966] In

Conferecircncias e escritos filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo

Stein Satildeo Paulo Nova cultural 1996

______________ Nietzsche I [1961] Trad br Marcos Antocircnio Casanova Rio

de Janeiro Forense Universitaacuteria 2007

______________ Nietzsche II [1961] Trad br Marcos Antocircnio Casanova Rio

de Janeiro Forense Universitaacuteria 2007

______________ Ciecircncia e pensamento do sentido [1954] In Ensaios e

______________ A caminho da linguagem [1959] Trad Maacutercia de Saacute

Cavalcante Satildeo Paulo Editora vozes 2011

______________ A superaccedilatildeo da metafiacutesica [1936-46] In Ensaios e

conferecircncias Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante Schuback Rio de Janeiro

Vozes 2008

______________ Da experiecircncia do pensar [1960] Trad br Maria do Carmo

Tavares de Miranda Porto Alegre Editora Globo 1969

97

______________ Quem eacute o Zaratrusta de Nietszche [1953] In Ensaios e

conferecircncias Trad br Gilvan Fogel Rio de Janeiro Vozes 2008

Obras sobre Heidegger

GADAMER Hans-Georg Hermenecircutica em retrospectiva Trad br Marcos

Antocircnio Casanova Rio de Janeiro Vozes 2009

LOPARIC Zeljko Eacutetica e finitude 2 Ed Satildeo Paulo Editora Escuta 2004

NUNES Benedito Hermenecircutica e poesia o pensamento poeacutetico Org Maria

Joseacute Campos Belo Horizonte Ed UFMG 1999

______________ Passagem para o poeacutetico filosofia e poesia em Heidegger

Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2012

RUumlDIGER Francisco Martin Heidegger e a questatildeo da teacutecnica prospectos

acerca do futuro do homem Porto Alegre Sulina 2006

STEIN Ernildo Seminaacuterio sobre a verdade Liccedilotildees preliminares sobre o

paraacutegrafo 44 de Zein und Zeit Petroacutepolis Vozes 1993

____________ Diferenccedila e metafiacutesica ensaios sobre a desconstruccedilatildeo Ijuiacute

Editora Unijuiacute 2008

Outras obras

AUBENQUE Pierre O Problema do ser em Aristoacuteteles Ensaio sobre a

problemaacutetica aristoteacutelica Trad br Cristina de Souza Agostini e Diocleacutezio

Domingos Faustino Satildeo Paulo Paulus 2012

AQUINO Tomaacutes de Questotildees discutidas sobre a verdade Trad br Luiz Joatildeo

Barauacutena Satildeo Paulo Editora Nova Cultural 2004

ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmacos Trad br Mario de Gama Kury Brasilia

Editora UNB 1961

____________ Fiacutesica trad esp Guillermo R de Echandia Editorial Gredos

SA 1995

____________ Fiacutesica I-II trad br Lucas Angioni Campinas Editora Unicamp

2010

____________ Metafiacutesica trad br Giovanni Reale Satildeo Paulo Ediccedilotildees

Loyola 2013

98

____________ Oacuterganon Trad br Edson Bini Satildeo Paulo Edipro 2010

____________ Poeacutetica Trad pt Ana Maria Valente Lisboa Ediccedilatildeo da

Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkain 2004

BARROS Manoel Poesia completa Satildeo Paulo Leya 2013

BAUMGARTEN Alexander Esteacutetica ndash A loacutegica da arte e do poema [1750]

Trad br Mirian Sustter Medeiros Petroacutepolis RJ Vozes 1993

BRENTANO Franz Sobre los muacuteltiples significados del ente seguacuten Aristoacuteteles

[1862] Trad esp Manuel Abella Madri Encuentro 2007

BURNET John A aurora da filosofia grega Trad br Vera Ribeiro Rio de

Janeiro Contraponto 2006

CROCE Benedetto Breviaacuterio de Esteacutetica Aesthetica in Nuce [1912] Trad br

Rodolfo Ilari Jr Satildeo Paulo Editora Aacutetica 2001

DESCARTE Reneacute As paixotildees da alma Trad br J Guinsburg e Bento Prado

Juacutenior Satildeo Paulo Abril Cultural 1973

_______________ Meditaccedilotildees sobre a Filosofia primeira [1641] Trad br J

Guinsburg e Bento Prado Juacutenior Satildeo Paulo Abril Cultural 1973

FRANZINI Elio A esteacutetica do Seacuteculo XVIII Trad pt Isabel Teresa Santos

Lisboa Editorial Estampa 1999

HEGEL Georg W F Esteacutetica Trad br Orlando Vitorino Satildeo Paulo Editora

Nova Cultural coleccedilatildeo Os pensadores 1999

HESIacuteODO Teogonia Trad br Jaa Torrano 5 Ed Satildeo Paulo Ilumiuras 2003

________ Os trabalhos e os dias Trad br Luiz Otaacutevio Mantovaneli Satildeo

Paulo Odysseus 2011

HOumlLDERLIN Friedrich Hipeacuterion Ou o eremita da Greacutecia Lisboa Editora

Assiacuterio e Alvim 1997

HOMERO Iliacuteada Volumes I e II Trad Haroldo de Campos 2 Ed Satildeo Paulo

Benviraacute 2010

________ Odisseacuteia Volumes I II e III Trad br Donaldo Schuumller Porto Alegre

LampPM 2007

KANT Immanuel Criacutetica da faculdade de julgar [1793] Trad br 2 ed Editora

Forense Universitaacuteria 2007

_______ Criacutetica da razatildeo Pura Trad pt Manuela Pinto dos Santos e

Alexandre Fradique Mourujatildeo Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 2001

99

KIRK G S RAVEN J E e SCHOFIELD M Os filoacutesofos Preacute-Socraacuteticos

histoacuteria criacutetica com seleccedilatildeo de textos Trad port Carlos Alberto Louro Fonseca

Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1994

LAEcircRTIOS Diocircgenes Vida e doutrinas dos filoacutesofos ilustres Trad br Maacuterio da

Gama Kury 2 ed Brasiacutelia UNB 2014

LEAtildeO Emanuel Carneiro Anaximandro Parmecircnides Heraacuteclito Os

pensadores originaacuterios Braganccedila Editora universitaacuteria Satildeo Francisco 2005

LIDDELL Henry George SCOTT Robert A GreekndashEnglish Lexicon Oxford

Clarendon Press 1940

NIETZSCHE Friedrich Assim falou Zaratustra [1883-85] Trad br Paulo Cesar

de Souza Satildeo Paulo Companhia das letras 2011

__________________ Vontade de poder Trad br Marcos Sinesio Perreira

Moraes Rio de Janeiro 2008

PARMEcircNIDES Da Natureza Trad br Joseacute Trindade Santos Satildeo Paulo

Ediccedilotildees Loyola 2002

PEREIRA Isidro Dicionaacuterio de Portuguecircs-Grego Grego-Portuguecircs Satildeo Paulo

Ediccedilotildees Loyola 1984

PLATAtildeO O Banquete In Diaacutelogos ndash Platatildeo Coleccedilatildeo Os pensadores Joseacute

Cavalcante de Souza Trad br Edison Bini Satildeo Paulo Abril cultural 1972

_______ Iacuteon Trad pt Victor Jabouille Lisboa Editorial inqueacuterito 1988

_______ A Repuacuteblica Trad pt Maria Helena da Rocha Pereira 9 ed Lisboa

Fundaccedilatildeo Caloute Gulbenkian

_______ O Sofista In Diaacutelogos I ndash Platatildeo Trad br Edison Bini Satildeo Paulo

Edipro 2007

_______ Mecircnon Trad br Maura Igleacutesias Rio de JaneiroPUC-RIO Ediccedilotildees

Loyola 2005

SCHILLER Friedrich Cartas Sobre a Educaccedilatildeo Esteacutetica da Humanidade

[1795] Trad port Roberto Schwarz Satildeo Paulo EPU 1991

SPENGLER Oswald A decadecircncia do ocidente Trad br Herbert Caro 2ed

Rio de Janeiro Zahar Editores 1973

VAZ Lima Escritos de filosofia VII Raiacutezes da modernidade Satildeo Paulo

Ediccedilotildees Loyola 2002

Page 2: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:

2

JADERSON GONCcedilALVES NOBRE

SERENIDADE EM HEIDEGGER UM DIAacuteLOGO ENTRE A

TEacuteCNICA E A ARTE

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Curso de

Mestrado Acadecircmico em Filosofia do

Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da

Universidade Estadual do Cearaacute como

requisito parcial aacute obtenccedilatildeo do tiacutetulo de

Mestre em Filosofia

Aacuterea de Concentraccedilatildeo Eacutetica e Esteacutetica

Orientador Prof Dr Eduardo Triandopolis

Fortaleza ndash CE

2015

3

Dados Internacionais de Catalogaccedilatildeo na Publicaccedilatildeo

Universidade Estadual do Cearaacute

Sistemas de Biblioteca

M488d Nobre Jaderson Gonccedilalves

Serenidade em Heidegger Um diaacutelogo entre a teacutecnica e a arte [recurso eletrocircnico] Jaderson Gonccedilalves Nobre ndash 2015

1 CD-ROM 4 frac34 pol

CD-ROM contendo o arquivo no formato PDF do trabalho acadecircmico com 98 folhas acondicionado em caixa de DVD Slim (19 x 14 cm x 7 mm)

Dissertaccedilatildeo (mestrado acadecircmico) ndash Universidade Estadual do Cearaacute Centro de Humanidades Mestrado Acadecircmico em Filosofia Fortaleza 2015

Aacuterea de Concentraccedilatildeo Eacutetica e Esteacutetica

Orientaccedilatildeo Prof Dr Eduardo Triandopolis

1 Serenidade 2 Misteacuterio 3 Teacutecnica 4 Arte 5 Verdade I Tiacutetulo

CDD 3709144

4

5

6

A minha irmatilde Jessica pela

sinceridade com que leva a vida

Quando algueacutem nos admira eacute como

se tiveacutessemos um guardiatildeo que a

cada passo nos relembra nos res-

guarda em nosso caminho

A minha mulher Irlana que com seu

sorriso alegre me faz acreditar que eacute

sim possiacutevel

7

AGRADECIMENTO

Agradeccedilo antes de tudo a minha famiacutelia que esteve estaacute e com certeza

estaraacute presente em todos os momentos alegres e tristes de minha vida Que

ao me dizer que eu poderia ir muito longe me fez perceber que o meu caminho

eacute no sentido de ir cada vez mais para perto Amo vocecircs

A minha mulher Irlana que aleacutem da presenccedila do dia-a-dia acreditou e amou

junto comigo no que aqui venho a dizer Aleacutem de me proporcionar uma nova

famiacutelia

Aos meus amigos que por caminharem juntos sempre me alimentaram de um

bom acircnimo para seguir lutando pelo que acredito

Ao meu orientador Prof Eduardo Triandopolis que por me deixar caminhar

com minhas pernas com meu espiacuterito possibilitou que brotasse aquilo que

realmente estava em meu acircmago

Agrave banca examinadora agrave Professora Cristiane Marinho agrave Professora Tereza

Callado que ao lerem e comentarem o meu trabalho compuseram comigo a

essecircncia do diaacute-logo

Agradeccedilo tambeacutem em especial a todos os que um dia vierem a ler esta

pesquisa Que ela lhes animem tanto quanto me animou ao escrevecirc-la

Agrave natureza com seus bichinhos e plantas em uma harmonia tatildeo profunda e

contagiante que me revelou a essecircncia mais originaacuteria do que eacute a vida O estar

em comunhatildeo com o que nos cerca e nos compotildee

8

ldquoTodas as obras dos poetas mimeacuteticos se me afiguram ser a destruiccedilatildeo da

inteligecircncia dos ouvintes de quantos natildeo tiverem o antiacutedoto e o conhecimento

de sua verdadeira naturezardquo

(Platatildeo Repuacuteblica)

ldquoA arte como o uacutenico antiacutedoto superior contra toda e qualquer vontade de

negaccedilatildeo da vidardquo

(Nietzsche Vontade de poder)

9

RESUMO

Em que sentido a Serenidade como um diaacute-logo entre o pensamento que

calcula e o pensamento que medita um diaacute-logo entre a teacutecnica e a poesia em

conjunto com a abertura ao misteacuterio fonte originaacuterio de todos os vigentes se

apresentam como uma possibilidade um caminho de enfrentamento ao perigo

adveniente da crise resultante da dominaccedilatildeo global da teacutecnica nos acircmbitos

mais essenciais da vida Esse enfrentamento parece se dar no acircmbito da

linguagem e do pensar enquanto a morada do ser O homem como o guardiatildeo

dessa morada do ser eacute aquele que se abrindo ao misteacuterio do a ser destinado

pode arriscando-se ao saltar no abismo do que natildeo vige permitir ou melhor

ser permitido nessa outra possibilidade Aguardando correspondendo ao seu

destino o homem pode ser a medranccedila do que salva Para tal pesquisa

colocam-se aqui em diaacute-logo trecircs ensaios heideggerianos A questatildeo da

teacutecnica A origem da obra de arte e Serenidade Buscamos uma relaccedilatildeo destes

ensaios com outros ensaios centrais de Heidegger assim como sua relaccedilatildeo

com os filoacutesofos que lhe foram fundamentais para que ele chegasse onde

chegou Portanto buscamos pensar as questotildees presentes a partir de suas

origens enquanto questotildees eacuteticas esteacuteticas e metafiacutesicas Aleacutem de re-colocar

questotildees fundamentais agrave filosofia como a questatildeo do ser da verdade e da

linguagem Trata-se aqui de um debate contemporacircneo com a tradiccedilatildeo que

busca res-guardar algo originaacuterio que caiu no esquecimento

PALAVRAS-CHAVE Serenidade Misteacuterio Teacutecnica Arte Verdade

10

ABSTRACT

Think in what sense the Serenity as a con-versation between thinking that

calculates and thought that meditates a con-versation between technique and

poetry together with openness to the mystery source originating in all existing

present as a possibility one danger facing path arising the resulting crisis of

global technical domination over all the most essential areas of human A

confrontation so that occurs in the context of language and thinking while the

same namely the abode of being Man as the guardian of this home of being is

one that opening up the mystery of themselves for can risking to jump into the

abyss than not prevails allow or rather be allowed that another possibility

Waiting corresponding to its destination the man may be the possibility than

saved For such research put into day-logo Heideggerians three tests The

question of technique The origin of the artwork and Serenity Seeking a list of

these tests with the central test Heidegger as well as their relationship with the

philosophers that this was essential for this came near unto arrived So its a

research that seeks to think the issues present from its origins Debating issues

Ethics Aesthetics and Metaphysics In addition to re-raising fundamental

questions of philosophy and of being of truth and language A contemporary

debate in confrontation with the tradition and re-save something original search

that fell by the wayside

KEYWORDS SERENITY MYSTERY TECHNICAL ART TRUTH

11

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO O silencioso chamado O caminho que urge 11

2 O PERIGO QUE AMEACcedilA UM OLHAR Agrave ESSEcircNCIA DA TEacuteCNICA 14

21 DA PERGUNTA PELA TEacuteCNICA Agrave PERGUNTA PELA ESSEcircNCIA SOBRE A

QUESTAtildeO DO SER

14

22 A LIVRE RELACcedilAtildeO COM A TEacuteCNICA DA CORRETUDE Agrave VERDADE 21

23 TEacuteCNICA GREGA E MODERNA DA POIacuteESIS Agrave EXPLORACcedilAtildeO 26

24 DIS-PONIBILIDADE E COM-POSICcedilAtildeO ACERCA DO DESVELAMENTO

EXPLORADOR DA TEacuteCNICA MODERNA

31

3 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES ACERCA DA ESSEcircNCIA DA

ARTE

38

31 ldquoONDE MORA O PERIGO CRESCE O QUE SALVArdquo DA PERGUNTA PELA

TEacuteCNICA Agrave PERGUNTA PELA ARTE

38

32 O ORIGINAacuteRIO DA OBRA DE ARTE O POcircR-EM-OBRA DA VERDADE 44

33 PENSAMENTO POEacuteTICO UM DIZER SILENCIOSO 54

34 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES UM SALTO NA VEREDA 63

4 O CAMINHAR SERENO UM AGUARDAR NA PROXIMIDADE DO MISTEacuteRIO 71

41 DA DESTRUICcedilAtildeO Agrave SUPERACcedilAtildeO DA METAFIacuteSICA ACERCA DA

IDENTIDADE E DIFERENCcedilA

71

42 SERENIDADE O DIZER SIM E NAtildeO Agrave TEacuteCNICA 76

43 DA ABERTURA OU MISTEacuteRIO O DEMORAR-SE NO ENTRE 80

44 DA ABERTURA AO AGUARDAR O CAMINHAR SERENO NA VEREDA 85

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS ndash A-CERCA DO ENTENDIMENTO HUMANO O

SALTO NA VEREDA

91

REFEREcircNCIAS 94

12

1 INTRODUCcedilAtildeO

O silencioso chamado O caminho que urge

A presente pesquisa tem como proposta pensar a problemaacutetica apontada

por Heidegger no acircmbito da dominaccedilatildeo da teacutecnica no presente momento da

humanidade Adentrando esta problemaacutetica buscaremos ir ao fundo das

questotildees para demonstrarmos quatildeo dominado encontra-se o homem e assim

pensar em que sentido eacute possiacutevel reconhecer essa crise e qual o meio que

devemos proceder para efetivar esse reconhecimento Ao fazermos uma

imersatildeo nos textos de Heidegger buscaremos a partir do que foi por ele

pensado enfrentar essas questotildees Destacaram-se para esta pesquisa trecircs

conferecircncias em especial A questatildeo da teacutecnica (1953) A origem da obra de

arte (1936) e Serenidade (1955)

Neste primeiro ensaio Heidegger pensa a crise de seu tempo como uma

crise que tem por base o modo como se encara a teacutecnica o saber a linguagem

e o ser Esse modo de pensar e dizer vem se desenvolvendo a partir do seu

olhar nos primoacuterdios da Filosofia ateacute o periacuteodo claacutessico com Platatildeo e

Aristoacuteteles

Esse saber encontra-se naquilo que ele chama de seu ldquoestaacutegio de

acabamentordquo onde a teacutecnica passa a reger e a dominar quase que

completamente todos os acircmbitos do humano ameaccedilando-o em sua essecircncia

Assim ao sermos remetidos a uma leitura mais aprofundada deste ensaio nos

confrontamos com os escritos de outros filoacutesofos como Platatildeo Aristoacuteteles e

tambeacutem Tomaacutes de Aquino Descartes Kant Hegel e Nietzsche Contudo em

cada um destes pensadores teremos um olhar voltado agraves questotildees

heideggerianas que aqui buscamos pensar

Pensada a problemaacutetica e identificado o caminho que se mostrou como

alternativa agrave dominaccedilatildeo da teacutecnica sobre o homem passaremos ao segundo

momento de nossa pesquisa Um debate acerca de um ensaio anterior na

ordem do tempo ao ensaio da teacutecnica mas na nossa pesquisa

metodologicamente discutido em um momento posterior

13

A origem da obra de arte eacute o resultado de trecircs conferecircncias que se puseram

a tratar da questatildeo da arte e de sua essecircncia Na busca pela essecircncia da arte

enfrentaremos com Heidegger aleacutem da sempre presente questatildeo do ser e da

verdade questotildees esteacuteticas e outras acerca do estatuto do que venha a ser a

Esteacutetica como um campo do saber filosoacutefico Nessa busca de um retorno ao

que seja o originaacuterio na arte teremos em vista o que haacute na essecircncia da arte

que possa vir a se apresentar como aquela possibilidade de confronto agrave crise

identificada no primeiro ensaio portanto algumas questotildees concernentes a

esse ensaio que diante o nosso olhar natildeo estatildeo propriamente ligadas ao que

aqui se busca natildeo seratildeo tratadas com a profundidade com a qual trataremos

as que propriamente se colocam em nosso caminho Outros ensaios

heideggerianos acerca da arte do poeacutetico da linguagem assim como do

pensamento de Nietzsche sobre a arte faratildeo parte deste segundo momento de

nossa pesquisa contudo novamente como no primeiro ensaio a estes nos

reportaremos na medida em que isso se mostrar apropriado ao curso do nosso

caminhar

Tendo sido feita a leitura destes dois ensaios iniciais onde o primeiro

apresenta a problemaacutetica e o segundo nos mostra uma outra possibilidade de

confronto adentraremos o ensaio que nos permitiraacute pensar que tipo de

confronto ocorre entre a teacutecnica e a arte pensada por Heidegger

Com o ensaio Serenidade ensaio norteador deste trilhar como um todo

pensaremos em questotildees como inversatildeo retorno diaacute-logo siacutentese identidade

e diferenccedila poreacutem para que estas questotildees natildeo nos sejam apresentadas de

fora o que nos transporia a um acircmbito completamente diferente do que aqui se

intenta adentrar percorreremos lentamente cuidadosamente e

insistentemente passo a passo ou seja no interior das questotildees ateacute que

estas se apresentem a noacutes no que elas satildeo

Para tanto como eacute caracteriacutestico na leitura dos escritos heideggerianos

duas questotildees que lhes satildeo centrais e que o acompanham por todo o seu

pensar devem ser devidamente tratadas para que assim esse caminhar

parta desde os primeiros passos de dentro de sua filosofia Satildeo estas as

questotildees da verdade e do ser Estas questotildees seratildeo tratadas a partir de uma

trilogia pensada pelo proacuteprio autor como inter-ligadas onde uma natildeo pode

devidamente ser pensada sem a outra Essa trilogia eacute composta assim pelas

14

conferecircncias O que eacute metafiacutesica (1929) A essecircncia da verdade (1930) e A

questatildeo do fundamento (1929)

Assim percorrido o caminho desta pesquisa buscaremos com o devido

cuidado e responsabilidade para com o leitor apresentar o resultado de um

profundo esforccedilo de pesquisa sobre o essencial ao homem sua situaccedilatildeo

presente e sobre uma possibilidade de enfrentamento de alguns dos problemas

que se apresentam como os mais ameaccediladores e perigosos para sua

existecircncia

A serenidade como uma revoluccedilatildeo radical eacute nossa meta neste trabalho

pois busca as raiacutezes de onde se radica uma vasta gama de problemaacuteticas

Uma disposiccedilatildeo que soacute se mostraraacute livre de diversos preconceitos que a ela

possam ser atribuiacutedos apoacutes essa leitura interior Aqui como interior tem-se a

necessidade de um ultrapassar da razatildeo no sentido de uma escuta ao coraccedilatildeo

e ao caminho proposto Soacute por esse olhar interior a serenidade se mostraraacute

natildeo como uma mera passividade que se ausenta daquilo que no presente

momento histoacuterico urge mas se mostraraacute como aquela accedilatildeo mais radical de

confronto agrave crise a qual vem passando toda a humanidade

Eacute portanto com o maior vigor da seriedade e responsabilidade que

devemos ter sobre o nosso presente momento e lugar que se faz aqui esse

convite agrave leitura das palavras que se seguem Palavras que pretendem ser uma

conversa entre o que a partir deste caminhar junto poderemos chamar de

amigos

15

2 O PERIGO QUE AMEACcedilA UM OLHAR Agrave ESSEcircNCIA DA TEacuteCNICA

Neste capiacutetulo seratildeo tratadas as questotildees acerca da teacutecnica e de sua

essecircncia com isso seraacute possiacutevel refletir o sentido da crise apontada por

Heidegger agrave sociedade atual Diante do sentido desta crise seraacute buscada

junto ao filoacutesofo uma indicaccedilatildeo de um caminho de fuga de confronto de

superaccedilatildeo Para tal investigaccedilatildeo se daraacute de iniacutecio uma breve introduccedilatildeo ao

pensar heideggeriano concernente ao ser e agrave verdade pontos centrais em toda

sua obra filosoacutefica Em seguida abordaremos os questionamentos presentes no

ensaio A questatildeo da teacutecnica (1953) relacionados com o caminho que aqui

buscamos traccedilar

21 Da pergunta pela teacutecnica agrave pergunta pela essecircncia A questatildeo do ser

A pergunta pela teacutecnica seraacute desenvolvida no sentido de indicar uma

situaccedilatildeo criacutetica da humanidade atual e do modo como esse homem se

relaciona com o ambiente que o cerca Uma situaccedilatildeo que segundo o filoacutesofo

Martin Heidegger (1889-1976) tem na concepccedilatildeo teacutecnica loacutegico-cientiacutefica e

metafiacutesico-filosoacutefica o centro da problemaacutetica contudo natildeo se trata aqui de

negar ou afirmar cegamente a teacutecnica mas de desenvolver um questionamento

que abra nossa presenccedila para uma livre relaccedilatildeo com esta pois soacute em uma

relaccedilatildeo livre pode-se saber o que eacute verdadeiramente a teacutecnica pode-se

A infacircncia da palavra jaacute vem com o primitivismo

das origens

Nossas palavras se juntavam uma na outra por

amor e natildeo por sintaxe

Manoel de Barros Menino do mato

ldquo pois eacute evidente que haacute muito sabeis o que

propriamente quereis designar quando empregais a expressatildeo bdquoente‟ Outrora tambeacutem noacutes

julgaacutevamos saber agora poreacutem caiacutemos em aporiardquo

Platatildeo O sofista

Ningueacutem de noacutes na verdade tinha forccedila de fonte

Ningueacutem era iniacutecio de nada

Manoel de Barros Poemas rupestres

16

experienciar sua essecircncia Para esta caminhada Heidegger iniciaria com a

pergunta Qual a essecircncia da teacutecnica

Natildeo podemos considerar Heidegger um filoacutesofo sistemaacutetico pelo contraacuterio

seus questionamentos se entrelaccedilam em todo o conjunto de sua obra Pode-se

ler as questotildees do ser e da verdade estas que lhes satildeo fundamentais em

seus diversos escritos e conferecircncias e eacute assim que se daacute com a teacutecnica

Diversos satildeo os escritos onde podemos ler algo relacionado com a questatildeo

poreacutem eacute no ensaio A questatildeo da teacutecnica que se encontra em uma coletacircnea

de textos intitulada pelo proacuteprio autor de Ensaios e conferecircncias que podemos

encontrar este tema com um maior vigor de desenvolvimento Daiacute tomarmos

esse ensaio como base central para esta investigaccedilatildeo mas sempre buscando

relacionaacute-lo com outros textos e autores

Qual a essecircncia da teacutecnica Heidegger nos indica duas respostas dadas

pela tradiccedilatildeo respostas estas que se concatenam em uma Diz i) ldquoA teacutecnica eacute

um meio para um fimrdquo ii) ldquoA teacutecnica eacute uma atividade do homemrdquo Estas

determinaccedilotildees correntes da teacutecnica Heidegger chama de ldquodeterminaccedilatildeo

instrumental e antropoloacutegica da teacutecnicardquo 1 mas para que atividade do homem

eacute a teacutecnica um instrumento e meio Como se desenvolveu o interesse por seu

domiacutenio Surgiu para suprir nossas necessidades baacutesicas para que o homem

pudesse dominar e se assegurar das incertezas advindas das diversidades do

ambiente que o circunda bastando para isso que o homem domine a teacutecnica

com todo seu empenho Eacute nesse sentido que diz Heidegger

A concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica guia todo esforccedilo para colocar o

homem num relacionamento direto com a teacutecnica Tudo depende de se manipular a teacutecnica enquanto meio e instrumento da maneira devida Pretende-se como se costuma dizer ldquomanusear com espiacuterito

a teacutecnicardquo Pretende-se dominar a teacutecnica Este querer dominar torna-se tanto mais urgente quanto mais a teacutecnica ameaccedila escapar ao

controle do homem 2

O instrumento que lhe levaria a seguranccedila pelo domiacutenio da natureza

ameaccedila-lhe fugir ao controle Eacute essa ameaccedila que desperta no filoacutesofo a

necessidade de uma real investigaccedilatildeo de sua essecircncia portanto

recoloquemos a questatildeo com um maior cuidado evitando apresentar

1 HEIDEGGER Martin A questatildeo da teacutecnica [1959] In Ensaios e conferecircncias Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo

Rio de Janeiro Editora Vozes 2002 P12 2 Idem

17

apressadamente as respostas dadas pela tradiccedilatildeo sobre sua essecircncia Vamos

demorar com maior cuidado na pergunta em si escutando o que a pergunta

mesma nos encaminha Qual a essecircncia da teacutecnica Ao perguntar assim soa

outro questionamento o que eacute isto a teacutecnica Esta forma de questionamento

que se coloca deste modo - o que eacute isto - eacute a forma de questionar da proacutepria

Filosofia Este modo de questionamento jaacute se encontra presente em Platatildeo e

Aristoacuteteles Eacute o modo grego de questionar o vigente Assim diz Heidegger

Com a questatildeo agora posta avanccedilamos para a proximidade do ηη

εζηηλ grego Eacute aquela forma de questionar desenvolvida por Soacutecrates Platatildeo e Aristoacuteteles Estes perguntavam por exemplo Que eacute isto ndash o

belo Que eacute isto ndash o conhecimento Que eacute isto ndash a natureza Que eacute isto ndash o movimento

3

E do mesmo modo podemos fazer a pergunta O que eacute isto ndash o ente

Heidegger indica que neste questionamento encontra-se a questatildeo diretriz de

toda histoacuteria da FilosofiaMetafiacutesica ocidental esta que se assemelha com a

histoacuteria do esquecimento do ser Comeccedilamos com a pergunta pela essecircncia da

teacutecnica e agora nos encontramos diante da pergunta pelo ente e de sua

diferenccedila diante da pergunta pelo ser Comeccedilamos em um ponto para agora

chegarmos a sua origem Aqui torna-se necessaacuterio um esclarecimento sobre o

que seja o comeccedilo e sua diferenccedila fundamental com o que seja a origem

(Ursprung) ou melhor com o que seja o originaacuterio o principial O comeccedilo natildeo

eacute ainda o princiacutepio a origem ou dizendo ainda de forma mais condizente com

o pensar heideggeriano o comeccedilo natildeo eacute ainda o originaacuterio Em seu escrito

Hinos de Houmllderlin [19351935] Heidegger distingue bem essa diferenccedila entre

comeccedilo e princiacutepio Diz

Princiacutepio natildeo eacute o mesmo que comeccedilo () O comeccedilo eacute aquilo com que algo se inicia o princiacutepio eacute aquilo de onde isso vem () O comeccedilo eacute cedo deixado para traacutes desaparecendo na continuaccedilatildeo

dos acontecimentos O princiacutepio a origem pelo contraacuterio evidencia-se primeiramente entre os acontecimentos e soacute no fim destes estaacute

plenamente presente () Noacutes humanos nunca podemos principiar com o princiacutepio ndash disso soacute um deus eacute capaz ndash pelo contraacuterio temos

de comeccedilar isto eacute partir de um iniacutecio que soacute conduz agrave origem ou a indica

4

Aqui temos algumas palavras essenciais para o pensar inovador de

Heidegger Ur-sprungUrsprungliche e An-fangAnfaumlngliche Ur-

3 HEIDEGGER Martin O que eacute isto ndash a Filosofia In Conferecircncia e escritos filosoacuteficos Trad br Ernildo Stein Satildeo

Paulo Editora Nova Cultural 1996 P30 4 HEIDEGGER Martin Hinos de Houmllderlin [193435] Trad pt Lumir Nahodil Lisboa Instituto Piaget 1979 pp 11-12

18

sprungUrsprungliche pode ser traduzido na forma de substantivo e na forma

de adjetivo substantivado por origem e originaacuterio O mesmo se daacute com An-

fangAnfaumlngliche que nos surge como princiacutepio e como principial Nestas

traduccedilotildees5 somos remetidos a um ponto de partida a um solo a um comeccedilo Eacute

de encontro a esse sentido de ponto de partida que o pensar de Heidegger se

daacute No seu ensaio A origem da obra de arte os termos Ursprung e Anfang se

apresentam com todo seu vigor como palavras essenciais no sentido de

originaacuterio e principial ldquoA palavra origem (Ursprung) no sentido de originaacuterio

(Ursprungliche) significa fazer eclodir algo trazer algo ao ser num salto

fundador a partir da proveniecircncia da essecircnciardquo6 Em outro momento diz ldquoO

autecircntico princiacutepio (Anfang) nunca tem o caraacuteter de comeccedilo do primitivordquo ldquoeacute

sempre como um salto-preacuteviordquo7

Para adentrarmos um pouco mais na questatildeo seraacute feita uma breve

introduccedilatildeo agrave questatildeo do ser e sua relaccedilatildeo essencial com o ente Aqui temos

como destino de nossa investigaccedilatildeo uma questatildeo diferente a da pergunta pela

crise da sociedade atual denominada por Heidegger de sociedade da era

atocircmica e de sua tentativa de indicaccedilatildeo de um caminho de confronto Assim

esclareceremos em que sentido entendemos nas palavras originaacuterio e

principial uma referecircncia ao sentido do ser em contraposiccedilatildeo ao sentido de

origem e comeccedilo e sua proximidade ao ente

O ente eacute tudo que estaacute presente eacute o carro a cadeira a aacutervore satildeo os

animais os homens eacute tambeacutem deus a teacutecnica e a arte ou seja eacute qualquer

coisa Satildeo as meras coisas as coisas de uso e tambeacutem as coisas supremas

que enquanto coisas estatildeo sendo Ente (Seiende) ηὸ ὄλ eacute o particiacutepio neutro

grego o que para nossa liacutengua portuguesa podemos dizer como o geruacutendio do

ηὸ εἶλαη o infinitivo presente do verbo ser Portanto poderiacuteamos traduzir o ηὸ ὄλ

por sendo Assim ficaria o ser em contraposiccedilatildeo ao sendo A pergunta inicial

da filosofia se deu como dissemos anteriormente no modo O que eacute isto ndash o

ente O que no momento de esplendor no momento originaacuterio perguntava

pelo ser pelo ηὸ εἶλαη tornou-se a pergunta pelo ente pelo ηὸ ὄλ Assim eacute que

5 Nas notas de traduccedilatildeo do ensaio A origem da obra de arte Idalina Azevedo desenvolve com fortes argumentos o

sentido da traduccedilatildeo 6 HEIDEGGER Martin A origem da obra de arte [193536] Trad br Idalina Azevedo e Manuel Antocircnio de Castro Satildeo

PauloEdiccedilotildees 70 2010 p 199 7 Idem p195

19

Aristoacuteteles o grande sistematizador desenvolve sua argumentaccedilatildeo acerca da

ciecircncia primeira Pois se o ente em cada caso especiacutefico eacute o objeto de uma

determinada ciecircncia a natureza da Fiacutesica o homem da Psiquiatria o

acontecimento da Historiografia a linguagem da Filologia O ente aquilo que

estaacute sendo em cada coisa em geral eacute o objeto da filosofia ou como chama

Aristoacuteteles da θηιοζοθία πρώηε (filosofia primeira) da πρώηε ἐπηζηήκε

(ciecircncia primeira) Seu objeto eacute o ente e nada mais

Poreacutem o princiacutepio a proveniecircncia de cada ente deste em particular ou

mesmo do ente enquanto tal natildeo eacute possiacutevel de ser questionada ou justificada

em suas proacuteprias ciecircncias Diz Heidegger em um ensaio com o tiacutetulo Ciecircncia e

pensamento do sentido [1953] escrito na forma de uma preparaccedilatildeo ao ensaio

A questatildeo da teacutecnica apresentado alguns meses depois

A natureza o homem o acontecer histoacuterico a linguagem para as

respectivas ciecircncias o incontornaacutevel jaacute vigente nas suas objetividades Dele cada uma delas depende mas a representaccedilatildeo

nenhuma delas poderaacute abraccedilaacute-lo em sua plenitude essencial () O incontornaacutevel assim caracterizado rege e reina na essecircncia de toda

ciecircncia8

Sendo a Filosofia θηιοζοθία πρώηε a ciecircncia do ente enquanto ente nela

esse incontornaacutevel se apresenta ainda mais incontornaacutevel Seria em certo

sentido esse incontornaacutevel essa proveniecircncia originaacuteria do ente que

poderiacuteamos chamar de ser Natildeo sendo poreacutem nada do que estaacute aiacute mas fonte

principial de tudo que adveacutem Esse ser natildeo sendo coisa alguma natildeo sendo

natildeo pode ser objeto de investigaccedilatildeo da Filosofia Daiacute Heidegger nos dizer que

a morada do ser eacute na linguagem do pensador e do poeta9 ficando ao filoacutesofo o

ente e nada mais Pois se o ser natildeo eacute nenhum destes sendo natildeo eacute ente

algum se eacute natildeo-ente se assim o pensar nos permite expressarmos seria

entatildeo cometer uma infraccedilatildeo agrave regra primeira e fundamental do pensar loacutegico

sobre o qual eacute impossiacutevel errar a saber o princiacutepio da contradiccedilatildeo Este

princiacutepio que segundo Aristoacuteteles eacute o que rege todo o pensar filosoacutefico natildeo

permite falar do natildeo-ente sem tornaacute-lo ente jaacute que o falar filosoacutefico eacute aquele

8 HEIDEGGER Martin Ciecircncia e pensamento do sentido [1953] In Ensaios e conferecircncias

Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo Rio de Janeiro Editora Vozes 2002 pp 54-55 9 HEIDEGGER Martin Carta sobre o humanismo In Marcas do caminho Trad br Ernildo

Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 326

20

que diz o que eacute isto ndash o ente Assim Aristoacuteteles se expressa sobre o princiacutepio

da contradiccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com a Filosofia

Quem possui o conhecimento dos seres enquanto seres devem poder dizer quais satildeo os princiacutepios mais seguros de todos os seres Este eacute

o filoacutesofo E o princiacutepio mais seguro de todos eacute aquele sobre o qual eacute impossiacutevel errar () eacute impossiacutevel que a mesma coisa ao mesmo tempo pertenccedila e natildeo pertenccedila a uma mesma coisa segundo o

mesmo aspecto () Essa noccedilatildeo uacuteltima por sua natureza constitui o princiacutepio de todos os outros axiomas

10

Eacute esse incontornaacutevel aporeacutetico essa vereda que Parmecircnides chamou de o

terceiro caminho ou o natildeo-caminho αηαρπωλ (caminho no qual natildeo se vecirc o

caminho de retorno por onde se veio) do qual nos proiacutebe seguir em seu poema

Sobre a natureza Proibindo por meio das palavras da Deusa Ἀληθεία

Aletheiacutea o jovem justo de seguir ficando ao errante poeta e pensador o risco

de dizer o sentido do ser risco no qual Heidegger se potildee a enveredar Nota-se

isso jaacute em sua primeira grande obra Ser e tempo [1927] onde na primeira

paacutegina ao citar uma passagem do Sofista de Platatildeo diz

ldquo Pois eacute evidente que de haacute muito sabeis o que propriamente

quereis dizer quando empregais a expressatildeo bdquoente‟ Outrora tambeacutem noacutes julgaacutevamos saber agora poreacutem caiacutemos em aporiardquo Seraacute que

hoje temos uma resposta para a pergunta sobre o que queremos dizer com a palavra ldquoenterdquo de forma alguma Assim cabe colocar

novamente a questatildeo sobre o sentido do ser Seraacute que hoje estamos em aporia por natildeo compreendermos a expressatildeo ldquoserrdquo De forma alguma Assim trata-se de redespertar uma compreensatildeo para o

sentido desta questatildeo11

Seraacute que encontramos nas ciecircncias seja ela uma ciecircncia especiacutefica ou

seja ela a ciecircncia primeira esse caraacuteter aporeacutetico Ou eacute justamente deste

aporeacutetico incontornaacutevel que a ciecircncia busca fugir Se perguntar pela essecircncia

de uma coisa eacute perguntar por sua fonte originaacuteria pelo que eacute pelo

incontornaacutevel que se potildee como fonte principial entatildeo por meio da teacutecnica da

ciecircncia natildeo chegaremos a experienciar ou ao menos nos aproximar do que

seja essa essecircncia Diz Heidegger

10

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Trad br Marcelo Perine da ediccedilatildeo Italiana de Giovanni Reale

Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2005 pp 143-145 11

HEIDEGGER Martin Ser e tempo [1927] Trad br Macia de Saacute Cavalcante Schuback

Petroacutepolis Vozes 2008 p 34

21

A essecircncia da teacutecnica natildeo eacute de forma alguma nada de teacutecnico Por isso nunca faremos a experiecircncia de nosso relacionamento com a

essecircncia da teacutecnica enquanto concebermos e lidarmos apenas com o que eacute teacutecnico enquanto a ele nos moldarmos ou dele nos afastarmos () De acordo com uma antiga liccedilatildeo a essecircncia de

alguma coisa eacute aquilo que ela eacute Questionar a teacutecnica significa portanto perguntar o que ela eacute

12

Soacute um caminho natildeo teacutecnico-loacutegico-cientiacutefico pode nos enviar a uma

experiecircncia originaacuteria com a essecircncia da teacutecnica Esse caminho eacute um caminho

do pensamento pois se nos mantivermos no acircmbito da teacutecnica como

poderiacuteamos ainda querer questionar algo a respeito dela e possuir uma

definiccedilatildeo correta Essa definiccedilatildeo haacute muito tempo nos diz que a teacutecnica eacute um

meio e uma atividade do homem Ela nos diz que a teacutecnica eacute um instrumento

do homem para atingir os seus fins

Quem ousaria negar que ela eacute correta () Com certeza O correto

constata sempre algo exato e acertado naquilo que se daacute e estaacute em frente (dele) Para ser correta a constataccedilatildeo do certo e exato natildeo precisa descobrir a essecircncia do que se daacute e apresenta Ora somente

onde se der esse descobridor da essecircncia acontece o verdadeiro em sua propriedade Assim o simplesmente correto ainda natildeo eacute o

verdadeiro E somente este nos leva a uma atitude livre com aqui que a partir da sua proacutepria essecircncia nos concerne

13

Potildee-se em nosso caminho a questatildeo da verdade Eacute com esta explanaccedilatildeo

que passaremos ao proacuteximo passo do caminho que aqui estamos a trilhar

Ainda de forma introdutoacuteria o proacuteximo passo seraacute pensar a questatildeo da

verdade e sua contraposiccedilatildeo ao que seja o correto ao que seja a adequaccedilatildeo

Portanto contrapor o sentido de verdade para Heidegger como ἀιεζεία

aletheacuteia e des-velamento aos conceitos de ὁκοίωζης omoiosis (corretude) e

adequatio (adequaccedilatildeo) eacute entender um processo de sucessivas transformaccedilotildees

np decorrer da tradiccedilatildeo filosoacutefica no que se entende por verdade do seu

nascimento originaacuterio aos dias atuais

22 A livre relaccedilatildeo com a teacutecnica Sobre a corretude e a verdade

12

A questatildeo da teacutecnica p 11 13

Idem pp 11-12

22

Estamos buscando desenvolver um questionamento que nos transponha

para uma livre relaccedilatildeo com a teacutecnica Tal relaccedilatildeo soacute se daacute verdadeiramente

diante de sua essecircncia diante do que seria a teacutecnica A tradiccedilatildeo nos diz que a

teacutecnica eacute um meio e uma atividade do homem definiccedilatildeo que Heidegger chama

de concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica Quem negaria a sua corretude Poreacutem

diante do ateacute aqui exposto algumas interrogaccedilotildees se fazem necessaacuterias Eacute o

correto jaacute o verdadeiro O que eacute corretude e qual o seu acircmbito A verdade foi

desde sempre pensada como corretude Como a verdade foi pensada em seu

momento originaacuterio Qual a relaccedilatildeo entre verdade corretude e teacutecnica

Precisamos percorrer cada um desses passos como num caminhar na busca

de desenvolver algo no sentido desse livre relacionar-se com a teacutecnica que

aqui buscamos

O correto jaacute eacute o verdadeiro Heidegger constantemente nos leva a um

questionamento do habitual e recorrente e nesse habitual nossa concepccedilatildeo

de verdade se apresenta como a mera corretude A verdade no pensamento

calculista se apresenta como exatidatildeo contudo o correto natildeo atinge a

profundidade do verdadeiro Permanece na superficialidade do presente e

habitual mas em que sentido o filoacutesofo diferencia corretude de verdade Onde

cada um destes sentidos atua O pensar heideggeriano acerca do ser e do

ente seraacute relacionado ao que foi apresentado pelas seguintes palavras de

Heidegger ldquoO correto constata sempre algo de exato e acertado naquilo que se

daacute e estaacute em frente (dele)rdquo14

O correto se relaciona com aquilo que se daacute e estaacute em frente dele Seu

acircmbito eacute o do vigente dado posto Seu acircmbito eacute o do ente Acertado e exato eacute

seu relacionamento com o ente com o jaacute desvelado contudo nada sabe sobre

o ser Natildeo desvela sua essecircncia mas movimenta-se no jaacute desvelado no posto

dado ordinaacuterio e habitual sendo que ldquosomente onde se der esse descobrir da

essecircncia acontece o verdadeiro em sua propriedaderdquo15

Enquanto o correto diz

sobre o posto o verdadeiro abre-o ao seu aparecer O verdadeiro deixa viger o

que eacute destinado do ser ao ente do ainda natildeo vigente ao vigente Eacute nesse

descobrir que se mostra o relacionar-se com o ser Abrindo uma clareira ou

como clareira que se permite o vir agrave vigecircncia algo do ser eacute que se daacute um

14

Ibidem 15

A questatildeo da teacutecnica p13

23

acontecer do ser Entatildeo se o correto tem o seu acircmbito no ente a verdade

encontra-se em relaccedilatildeo com o ser Sendo somente esta verdade capaz de

permitir a livre relaccedilatildeo com o essencial com o ser Mas de onde Heidegger

apreende essa distinccedilatildeo entre verdade e corretude que aqui foi apenas posta

mas natildeo foi trilhada Onde encontra o pensador solo para este caminhar

Onde inicia o seu caminhar acerca da verdade da abertura Para essa

pergunta nos remetemos agraves suas palavras

Este aberto foi concebido pelo pensamento ocidental desde o seu iniacutecio como ηὰ ἀιήζεα o desvelado Se traduzimos a palavra ἀιήζεα por bdquodesvelamento‟ em lugar de bdquoverdade‟ essa traduccedilatildeo natildeo eacute

somente mais bdquoliteral‟ mas ela compreende a indicaccedilatildeo de pensar mais originariamente a noccedilatildeo corrente de verdade como

conformidade do enunciado16

Somos entatildeo encaminhados pelas fendas de nossa investigaccedilatildeo aos

gregos e seu modo de pensar O que os gregos entendiam por ἀιήζεα

desvelamento A questatildeo da verdade para Heidegger juntamente com a

questatildeo do ser torna-se o cerne do seu pensar Assim tatildeo fundamental como

a questatildeo do ser eacute a questatildeo da verdade em seu pensar como um todo Eacute

necessaacuterio que mantenhamos ambas como um soacute pensar caminhando juntas

Um ensaio fundamental no que concerne a discussatildeo sobre a verdade eacute o

ensaio A essecircncia da verdade [1930] Este em conjunto com o O que eacute

metafiacutesica [1929] satildeo considerados os textos da virada (Kehre) do

pensamento heideggeriano O proacuteprio filoacutesofo chama este momento de viragem

de seu pensar17

Onde o ser passa a ser buscado diretamente por meio de seu

acontecer poeacutetico-apropriante (Ereignis) Diferentemente de sua busca anterior

a partir do ente privilegiado homem a partir do Da-sein em ambas as fases de

seu filosofar se assim realmente se pode dizer a essecircncia da verdade como

ἀιεζεία des-velamento se potildee como uma questatildeo central

Verdade se disse primeiramente no mundo grego como ἀιεζεία

desvelamento Heidegger inaugura ou recupera em seu sentido originaacuterio uma

leitura a essa palavra essencial ldquoEssa palavra bdquoverdade‟ tatildeo sublime e ao

mesmo tempo tatildeo gasta e embotada designa o que constitui o verdadeiro

16

HEIDEGGER Martin A essecircncia da verdade [1930] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 200 17

Cf Cartas sobre o humanismo pp 339-341

24

enquanto verdadeiro (fazer pro-duzir deixar vir agrave clareira)rdquo18

Na palavra

ἀιεζεία o pensador escuta para muito aleacutem da mera corretude adequaccedilatildeo

certeza objetividade realidade Nela ressoa o originaacuterio ressoa o

desvelamento que abre Uma abertura que deixa advir o destinado do misteacuterio

do oculto ἀιήζεηα eacute composta pelo α privativo mais o radical ιήζε que

podemos traduzir por velado oculto esquecido Daiacute a traduccedilatildeo heideggeriana

de ἀιήζεiα por des-velamento des-ocultaccedilatildeo des-esquecimento Aquilo que

deixa o fechado do velamento vir ao vigor do vigente como o des-velado que

passa do natildeo-dado ao dado ao doado dizendo portanto algo completamente

distinto de exatidatildeo corretude ou adequaccedilatildeo Verdade dizia sobre um

acontecimento essencial do ser

Onde este sentido mais originaacuterio de verdade se perdeu Foi deixado de

lado e com isso esquecido Onde se deu tatildeo grande desvio de pensamento

Heidegger identifica o iniacutecio desta mudanccedila do sentido de verdade e junto com

ela a mudanccedila de sentido do ser com os gregos em sua fase tardia que se

inicia apoacutes a plenitude daquele pensar originaacuterio que se deu com Anaximandro

Pitaacutegoras Heraacuteclito e Parmecircnides Esse periacuteodo tardio que como Nietzsche19

Heidegger identifica como o periacuteodo de decadecircncia do pensar grego e iniacutecio da

decadecircncia do pensar ocidental Esse eacute o periacuteodo dos grandes ldquofiloacutesofosrdquo

Soacutecrates Platatildeo e Aristoacuteteles A mudanccedila no sentido da verdade assim como

a histoacuteria do esquecimento do ser pelo ente tem seu iniacutecio jaacute em Platatildeo

sofrendo novamente uma mudanccedila de paradigma com Aristoacuteteles nos escritos

de loacutegica e de metafiacutesica e com os latinos em suas traduccedilotildees e interpretaccedilotildees

da filosofia grega aquilo que de forma latente ainda pensava o sentido anterior

de verdade e ser eacute transformado em outro pensar e assim esquecido Assim

o que era fundamental ao pensamento grego a questatildeo do ser e da verdade

decai na questatildeo do ente e da adequaccedilatildeo Vejamos essa passagem do Ser e

Tempo onde Heidegger nos diz sobre esse decair do filosofar grego

Embora nosso tempo se arrogue o progresso de afirmar novamente a

bdquometafiacutesica‟ a questatildeo aqui evocada caiu no esquecimento () A questatildeo referida natildeo eacute na verdade uma questatildeo qualquer Foi ela que deu focirclego agraves pesquisas de Platatildeo e Aristoacuteteles para depois

18

A essecircncia da verdade pp 190-191 19

Cf NIETZSCHE Friedrich A filosofia na eacutepoca traacutegica dos gregos In Coleccedilatildeo os pensadores vol XXXII ndash Obras incompletas Trad br Rodrigo Torres Filho Satildeo Paulo Abril

Cultural 1974 pp 37-51

25

emudecer como questatildeo temaacutetica de uma real investigaccedilatildeo () Ε o que outrora se arrancou num supremo esforccedilo de pensamento ainda

que de modo fragmentado e tateante aos fenocircmenos encontra-se de haacute muito trivializado

20

Vejamos como Heidegger lecirc essa histoacuteria do esquecimento e das

seguidas mudanccedilas de sentido da questatildeo da verdade Heidegger em seu

polecircmico ensaio A teoria platocircnica da verdade [19311932 1940] propotildee que o

desvio de sentido jaacute se deu com Platatildeo ao introduzir a noccedilatildeo de ὀρζόηες de

um bdquoolhar reto‟ Para natildeo adentrar em uma discussatildeo mais aprofundada acerca

do ensaio citado e do polecircmico posicionamento heideggeriano sobre o pensar

platocircnico da verdade ressaltaremos aqui apenas aquilo que o autor indica

como o iniacutecio da transformaccedilatildeo da essecircncia da verdade Leiamos uma

passagem deste ensaio

Se no geral em toda e qualquer postura frente ao ente estaacute em questatildeo o ἰδεῑλ da ἰδέα a visualizaccedilatildeo do bdquoaspecto‟ entatildeo todo

esforccedilo deve concentrar-se antes de tudo em procurar possibilitar uma tal visualizaccedilatildeo Para isso eacute necessaacuterio um olhar reto () em

consequecircncia dessa adequaccedilatildeo do notar como um ἰδεῑλ agrave ἰδέα daacute-se uma ὁκοίωζης uma concordacircncia do conhecimento com a coisa mesma Assim da primazia da ἰδέα e do ἰδεῑλ frente a ἀιήζεiα daacute-se

uma transformaccedilatildeo da essecircncia da verdade Verdade torna-se ὀρζόηες retidatildeo do notar e enunciar

21

Apresenta-se aiacute o primeiro passo da transformaccedilatildeo da essecircncia da

verdade uma transformaccedilatildeo que para noacutes parece ocorrer de forma tatildeo sucinta

que torna difiacutecil a compreensatildeo do polecircmico texto de Heidegger

Ο que em Platatildeo e Aristoacuteteles ainda se deu como passagem segundo

Heidegger ali onde o pensamento grego ainda era vigoroso mesmo que jaacute

tornado sistemaacutetico escolar foi abandonado e por conseguinte esquecido

pela tradiccedilatildeo Segundo Heidegger a leitura latina do pensar grego diluiu o vigor

desse filosofar Na traduccedilatildeo de ἀιήζεiα para veritas como uma adequatio daacute-

se o passo decisivo do que vinha mudando de sentido Nessa mudanccedila de

sentido podemos perceber os passos da transformaccedilatildeo do conceito de

verdade Da verdade do ser (ontoloacutegica) a verdade do ente (ocircntica) e por fim

20

Ser e Tempo p 37 21

HEIDEGGER Martin A teoria platocircnica da verdade In Marcas do caminho Trad br Ernildo

Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 242

26

a verdade da proposiccedilatildeo (proposicional) Cada vez de forma mais decadente

mais superficial Cada vez menos originaacuteria a verdade vai se transformando no

exato no correto

Assim na Escolaacutestica podemos ver fortemente os ecos determinantes

da filosofia aristoteacutelica De um pensar loacutegico e argumentativo palavras e

expressotildees usadas por Aristoacuteteles referentes agrave questatildeo da verdade natildeo

apresentam mais o vigor do mundo grego e seu pensar natildeo pulsa mais o

modo grego de pocircr-se no mundo O mundo grego se desvaneceu Soacute restaram

traduccedilotildees e reflexos do que outrora se pensou

Assim pelo exposto podemos vislumbrar o desvio ou mesmo o envio

do sentido originaacuterio de verdade entendida como ἀιήζεiα des-velamento

passando pela ὀρζόηες o olhar reto ὁκοίωζης a semelhanccedila e a adequatio

entendida como base da filosofia escolaacutestica por adequaccedilatildeo da coisa a

proposiccedilatildeo tornando-se assim simplesmente em veritas verdade ao

entendimento atual de adequaccedilatildeo

ldquoOnde nos perdemosrdquo Questionamos a teacutecnica e agora encontramo-nos

diante da verdade e suas variadas determinaccedilotildees e sentidos O que tem a ver

a essecircncia da teacutecnica com a essecircncia da verdade A resposta que Heidegger

nos daacute eacute ldquoTudordquo A essecircncia da teacutecnica e da verdade tem tudo a ver Teacutecnica

em grego se dizia ηέτλε o mesmo termo era usado tambeacutem para a arte

Teacutecnica e arte eram modos de deixar viger o ainda natildeo vigente Deixa-viger

aqueles que diferente dos entes da θύζης natildeo possuiacuteam o eclodir em si

mesmos E como um deixar viger ambos estariam intrinsecamente

relacionados com a verdade pensados como ἀιήζεiα desvelamento Ambas

satildeo pro-duccedilatildeo e como podemos ler na passagem citada por Heidegger do

diaacutelogo Banquete de Platatildeo ldquoTodo deixar-viger o que passa e procede do natildeo

vigente para a vigecircncia eacute ποίεζης eacute pro-duccedilatildeordquo22

A teacutecnica eacute pro-duccedilatildeo e

enquanto pro-duccedilatildeo eacute ποίεζης poiacuteesis eacute desvelamento Pensando assim a

teacutecnica natildeo se resume a um simples meio sua essecircncia estaacute para aleacutem disso

Ela eacute um modo de verdade de desvelamento Mas seraacute que esse modo de

pensar a teacutecnica eacute vaacutelido tambeacutem para a teacutecnica moderna Ou ela pertence

apenas ao acircmbito do pensamento grego Seraacute que a teacutecnica das usinas

22

A questatildeo da teacutecnica p 16

27

induacutestrias da fiacutesica moderna eacute tambeacutem pro-duccedilatildeo ποίεζης Heidegger levanta

essa indagaccedilatildeo da seguinte forma

Teacutecnica eacute uma forma de desencobrimento A teacutecnica vige e vigora no acircmbito onde se daacute descobrimento e decircs-encobrimento onde

acontece ἀιήζεiα verdade Contra essa determinaccedilatildeo do acircmbito da essecircncia da teacutecnica pode-se objetar e dizer que ela vale para o

pensamento grego e no melhor dos casos pode servir para a teacutecnica artesanal mas natildeo alcanccedila a teacutecnica moderna caracterizada pela maacutequina e aparelhagens E eacute justamente esta e somente esta que

constitui o sufoco que nos leva a questionar bdquoa‟ teacutecnica23

Eacute diante esta indagaccedilatildeo que somos levados ao caminho do pensar a

teacutecnica grega em confronto com a teacutecnica moderna Portanto como pensar a

ηέτλε grega e sua relaccedilatildeo com a ποίεζης e sua transformaccedilatildeo na teacutecnica

moderna Eacute a teacutecnica moderna tambeacutem um modo de ἀιήζεiα desvelamento

Caso seja eacute do tipo poieacutetico no sentido de uma pro-duccedilatildeo que deixa-viger Ou

o que lhe caracteriza o que lhe domina eacute outro tipo de desvelamento Satildeo

esses traccedilos que seratildeo investigados nos passos seguintes

23 Teacutecnica grega e moderna Da poiacuteesis agrave exploraccedilatildeo

Em que sentido podemos pensar com Heidegger sua indicaccedilatildeo de que o

que preocupa eacute exatamente o sentido de pro-duccedilatildeo enquanto ποίεζης natildeo

poder mais ser aplicado agrave teacutecnica moderna Que sentido tem essa pro-duccedilatildeo

para os gregos Se natildeo eacute mais a poiacuteesis que determina a teacutecnica moderna o

que eacute Por que esta outra determinaccedilatildeo a saber a exploraccedilatildeo e o

armazenamento ameaccedilam tanto o homem atual Seratildeo estas indagaccedilotildees e as

que surgirem no caminho nas quais nos deteremos com o cuidado

necessaacuterio para que passo por passo trilhemos o caminho no qual

adentramos

Se pensarmos em um antigo moinho de vento grego e em uma usina

hidroeleacutetrica moderna podemos dizer que ambos satildeo um meio de produccedilatildeo de

energia Se pensarmos no agricultor ao lavrar sua terra ou em uma induacutestria de

23

Idem p18

28

agronegoacutecio podemos novamente dizer que ambas tecircm como finalidade a

produccedilatildeo de alimentos O que os diferenciam Natildeo satildeo ambos meio e

finalidade de produccedilatildeo Sim e natildeo Os dois extraem algo da terra poreacutem o

primeiro em cada um dos casos com cuidado deixa que a terra lhe doe o que

lhe eacute necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo de sua vida enquanto que no segundo de

forma abrupta retira da terra como de um reservatoacuterio mais do que o

necessaacuterio com o fim de estocar e armazenar e depois disso fazer um

negoacutecio O primeiro recebe uma doaccedilatildeo como presente ao seu presente O

segundo arranca mateacuteria-prima que ficaraacute disponiacutevel para um uso posterior A

relaccedilatildeo esta proximidade que o antigo tem com a Terra aquela que ele chama

de Matildee ldquoTerra de amplo seio de todos sede irresvalaacutevel semprerdquo24

Γάηα

multinutriz como nos conta nos bdquocanta‟ Hesiacuteodo transforma-se para o

segundo em uma relaccedilatildeo de exploraccedilatildeo forccedilando a terra a fornecer mateacuteria-

prima natildeo mais como uma vaca que pro-duz leite para alimentar a cria Mas

como uma vaca leiteira que em uma induacutestria eacute forccedilada recebendo

hormocircnios agrave produccedilatildeo de muitos litros de leite por dia que seratildeo tratados

transformados encaixotados armazenados para estarem disponiacuteveis agrave venda

Leiamos as palavras de Heidegger

O subsolo passa a se desencobrir como reservatoacuterio de carvatildeo o chatildeo como jazidas de mineacuterio Era diferente o campo que o camponecircs outrora lavrava quando lavrar ainda significava cuidar e

tratar O trabalho camponecircs natildeo provocava e desafiava o solo agriacutecola () A terra se desencobre nesse caso depoacutesito de carvatildeo

e o solo jazida de minerais25

Eacute draacutestica a mudanccedila no relacionar-se com a natureza entre os antigos e

os modernos A pro-duccedilatildeo grega eacute outra completamente diferente dessa

exploraccedilatildeo moderna mas para percebermos esta draacutestica mudanccedila iremos

nos deter ainda mais no que seja essa pro-duccedilatildeo que entre os gregos tinham

esse sentido de ποίεζης Apoacutes esta investigaccedilatildeo estaremos em melhores

condiccedilotildees de adentrar ainda mais na teacutecnica moderna em busca de sua

essecircncia pois soacute em uma verdadeira relaccedilatildeo com essa essecircncia poderemos

buscar um caminho de enfrentamento a essa situaccedilatildeo criacutetica da qual o homem

24

HESIacuteODO Teogonia a origem dos deuses Trad br Jaa Torrano Satildeo Paulo Editora Ilumiuras 1995 p 91 25

A questatildeo da teacutecnica p 19

29

atual se encontra imerso submerso ldquoTudo agora depende de se pensar a pro-

duccedilatildeo e o pro-duzir em toda sua amplitude e ao mesmo tempo no sentido dos

gregosrdquo26

Como na passagem citada do Banquete de Platatildeo pro-duccedilatildeo no sentido

de ποίεζης eacute todo deixar-viger O que leva da natildeo-vigecircncia a vigecircncia eacute todo o

pocircr no sentido de um deixar emergir A proacutepria θύζης nesse sentido eacute uma

ποίεζης uma pro-duccedilatildeo Ela eacute ateacute a maacutexima ποίεζης aquela que se daacute a partir

de si mesma Aqueles que natildeo se pro-duzem por si mesmos satildeo os ποηούκελα

os artefatos os entes criados produzidos pela arte pela ηέτλε Estes se

contrapotildeem e nesse sentido se aproximam dos seres da natureza da θύζης

daqueles que se potildeem por si mesmos dos θύζεη ὅληα Enquanto os primeiros

tecircm sua forccedila de eclosatildeo em outro ἐλ αιιωη os seres da natureza possuem o

eclodir em si mesmos ἐλ ἑασηωη Contudo ambos enquanto um vir agrave vigecircncia

satildeo ποίεζης Os artefatos que natildeo possuem o eclodir em si dependem dos

ἀρτηηέθηωλ dos arquitetos natildeo no sentido atual de arquiteto mas como

aqueles que tecircm a ηέτλε como ἀρτή E assim diz Heidegger

Nos artefatos portanto a ἀρτή de sua mobilidade e assim de seu repouso de estar pronto e estar terminado natildeo estaacute neles mesmos

mas em um outro no ἀρτηηέθηωλ naquele que dispotildee da ηέτλε enquanto ἀρτή Com isso teria sido feito a distinccedilatildeo frente aos θύζεη

ὅληα que se chamam desse modo precisamente porque natildeo tem a ἀρτή de sua mobilidade em um outro ente mas no ente que ele proacuteprios satildeo (e enquanto satildeo esse ente)

27

Leiamos uma passagem da Fiacutesica de Aristoacuteteles do livro Β 1 analisada

na citaccedilatildeo anterior com a qual Heidegger iraacute confrontar seu conceito de θύζης

ao conceito aristoteacutelico e grego de um modo mais geral

Algumas coisas satildeo por natureza outras por outras causas Por natureza os animais e suas partes as plantas e os corpos simples como a terra o fogo o ar e a aacutegua ndash pois dizemos que estas e outras

coisas semelhantes satildeo por natureza Todas estas coisas parecem diferenciar-se das coisas que natildeo estatildeo constituiacutedas por natureza

porque cada uma delas tem em si mesmo um princiacutepio de movimento e de repouso seja com respeito ao lugar ao aumento ou agrave

diminuiccedilatildeo ou agrave alteraccedilatildeo Pelo contraacuterio uma cama uma roupa ou qualquer outra coisa de gecircnero semelhante como as significamos em

26

Idem p16 27

HEIDEGGER Martin A essecircncia e o conceito de Φύζης em Aristoacuteteles ndash Fiacutesica Β 1 [1939] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes

2008 p 264

30

cada caso por seu nome e enquanto isso satildeo produtos da arte (ηέτλε) natildeo tem em si mesmas nenhuma tendecircncia natural agrave

mudanccedila28

Estes entes que natildeo tecircm o eclodir em si necessitam de outro ente para

chegar agrave vigecircncia contudo este vir agrave vigecircncia natildeo adveacutem pela atividade

manual do artista mas por meio de seu saber Arte e teacutecnica satildeo ditas pelos

gregos com a mesma palavra ηέτλε Natildeo por ambas terem em comum o fazer

a atividade manual mas por ambas terem em comum o pro-duzir no sentido de

ποίεζης como um deixar vir agrave vigecircncia em seu aspecto Como um

conhecimento algo relacionado agrave verdade Τέτλε aparece em Aristoacuteteles e

Platatildeo ao lado de επηζηήκε epistecircme Enquanto a επηζηήκε eacute o saber que se

relaciona com os θύζεη ὅληα aqueles que emergem por si os entes naturais a

ηέτλε eacute o saber a respeito dos ποηούκελα dos que natildeo adveacutem por si mesmos

os artefatos Assim diz Aristoacuteteles em sua obra acerca da Eacutetica em um

momento de uma ldquomeditaccedilatildeo especialrdquo ao tratar dos diversos tipos de

conhecimento

Satildeo cinco as disposiccedilotildees em virtude das quais a alma alcanccedila a

verdade (ἀιήζεiα) por meio da afirmaccedilatildeo ou da negaccedilatildeo a arte a ciecircncia o discernimento a sabedoria filosoacutefica e a inteligecircncia () O

objeto do conhecimento cientiacutefico portanto existe necessariamente Ele eacute consequentemente eterno pois todas as coisas cuja existecircncia eacute absolutamente necessaacuteria satildeo eternos () Toda arte se relaciona

com a criaccedilatildeo e dedicar-se a uma arte eacute estudar uma maneira de fazer uma coisa que pode existir ou natildeo e cuja origem estaacute em quem

faz e natildeo na coisa feita de fato a arte natildeo trata de coisas que existem ou passam a existir necessariamente nem de coisas que

existem ou passam a existir de conformidade com a natureza (estas coisas tecircm origens nelas mesmas) Jaacute que haacute diferenccedila entre fazer e agir a arte deve relacionar-se com a criaccedilatildeo e natildeo com a accedilatildeo

29

Com base no exposto Heidegger nos diz ser a teacutecnica no pensamento

grego um saber um modo de desvelar uma verdade criaccedilatildeo em oposiccedilatildeo a

um fazer manual Um saber que permite cuida e protege Protege o enviado o

destinado pelo ser do ocultamento ao des-ocultamento Destinado ao cuidado

e guarda na linguagem do pensador do artista Bem diferente eacute a teacutecnica

moderna onde o a-guardar foi substituiacutedo pela pressa do arrancar onde o criar

28

ARISTOacuteTELES Fiacutesica Traduccedilatildeo proacutepria feita da traduccedilatildeo espanhola de Guillermor R de

Echandia Madrid Editorial Gredos SA 1995 p 45 29

ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicoacutemacos Trad Br Maacuterio de Gama Kury Brasiacutelia Editora UNB

1992 pp 115-116

31

foi substituiacutedo pelo en-formar onde a co-pertenccedila de identidade e diferenccedila em

uma harmonia originaacuteria foi substituiacutedo pela mesmidade pela uni-formizaccedilatildeo

industrial pelo negoacutecio Aquele saber que na plenitude do mundo grego do

pensamento originaacuterio era a aproximaccedilatildeo do homem agrave natureza decaiu em

um afastamento sugador explorador O misteacuterio do aguardar foi apagado pela

exatidatildeo do calcular O filho que naquela bdquomanhatilde de sol‟ brincava livremente

com sua matildee natureza tornou-se na bdquonoite do mundo‟ o ldquosenhor da terrardquo

escravizado por seu proacuteprio trabalho e conceitos Esses ldquosenhoresrdquo tornaram-

se cada vez mais escravos de seus instrumentos Indigentes cada vez mais

imersos na cotidianidade dos entes explorando armazenando e negociando

como diz Heidegger

Eacute justamente esse homem assim ameaccedilado que se alardeia na figura de senhor da terra Cresce a aparecircncia de que tudo que nos vecircm ao

encontro soacute existe agrave medida que eacute um feito do homem Esta aparecircncia faz prosperar uma derradeira ilusatildeo segundo a qual em

toda parte o homem soacute se encontra consigo mesmo () Entretanto hoje em dia na verdade o homem jaacute natildeo se encontra em parte

alguma consigo mesmo isto eacute com a sua essecircncia30

Eacute esse desvelamento explorador que de forma alguma eacute um deixar-que-

advenha que nada tem de ποίεζης Eacute essa exploraccedilatildeo que assusta Pois qual

o sentido desse explorar e armazenar sem fim Eacute pensando no sentido de

suprir o necessaacuterio Natildeo essa exploraccedilatildeo e armazenamento tecircm a finalidade

do estar disponiacutevel Eacute essa dis-ponibilidade (Bestand) que preocupa Nela o

proacuteprio fruto ou melhor dizendo acerca da modernidade a proacutepria coisa o

proacuteprio objeto esvai-se ldquoEm toda parte se dispotildee a estar a postos e assim

estar a fim de tornar-se e vir a ser dis-poniacutevel para ulterior dis-posiccedilatildeo31

rdquo Cada

coisa passa a ser um dis-poniacutevel que estando ali armazenado espera por uma

negociaccedilatildeo que o trans-ponha daqui para ali

Uma nova meditaccedilatildeo se potildee em nosso caminhar ldquoQue desencobrimento

se apropria do que surge e aparece no pocircr da exploraccedilatildeordquo32

Como podemos

pensar mais propriamente sobre esta disponibilidade Qual a essecircncia da

teacutecnica moderna que leva o homem a um desvelar explorador onde tudo se

30

A questatildeo da teacutecnica pp 29-30 31

Idem p20 32

Ibidem

32

apresenta como mera disponibilidade De onde proveacutem essa essecircncia da

teacutecnica moderna Daacute-se por conta da negligecircncia do homem ou eacute mera

fatalidade do periacuteodo ou ainda eacute outra a situaccedilatildeo Sobre estes

questionamentos nos deteremos nos proacuteximos passos

24 Dis-ponibilidade e Com-posiccedilatildeo Acerca do desvelamento explorador

da teacutecnica moderna

A disponibilidade (Bestand) se potildee em nosso caminho Essa palavra

assume aqui um sentido muito mais essencial do que mera provisatildeo ldquoa palavra

disponibilidade se faz agora o nome de uma categoriardquo ldquodesigna o modo em

que vige e vigora tudo o que o descobrimento explorador atingiurdquo33

Chegamos

com este passo ao ponto alto aquele que surge diante do profundo do que

agora buscamos proximidade desse nosso percurso Estamos para

experienciar o originaacuterio que adveacutem das profundezas da essecircncia da teacutecnica

moderna Esse extra-ordinaacuterio que permite que nos elevemos agravequela relaccedilatildeo

livre entre nossa presenccedila (Dasein) e a essecircncia da teacutecnica portanto nesse

caminho in-habitual nos faz recuar lentamente alguns passos como quem se

prepara para pegar o impulso necessaacuterio ao salto-mortal no abismo (Abgrund)

Retornemos entatildeo alguns passos

Como pensarmos essa disponibilidade que nos passos anteriores vimos

como o preocupante acerca da teacutecnica moderna O que rege como apelo

essa disponibilidade Ela eacute regida por uma inadimplecircncia do homem por fruto

da ganacircncia de sua vontade ou ela eacute regida por algo mais originaacuterio ldquoSe a

teacutecnica moderna natildeo se resume a um mero fazer do homem () temos de

encarar em sua propriedade o desafio que potildee o homem a dispor do real

como dis-ponibilidaderdquo34

Heidegger como quem lanccedila o olhar ao outro lado do

abismo sobre o qual se prepara para saltar chama a esse ldquoapelo de

exploraccedilatildeo que reuacutene o homem a dis-por do que se des-encobre como dis-

ponibilidaderdquo35

de Ge-stell com-posiccedilatildeo Sobre o uso inusitado dessa palavra

33

Ibidem 34

Idem pp22-23 35

Idem p23

33

sobre seu sentido e lugar nesse percurso nos deteremos mais agrave frente Aqui o

indicamos apenas como um caminho a ser percorrido

Questionamos a teacutecnica ao nos depararmos com o perigo desta escapar ao

nosso domiacutenio Criamos teorias e conceitos com o fim de assegurar domiacutenio

Construiacutemos escolas com o intuito de dominar o saber e agora vemos as

criaccedilotildees fazendo um papel oposto ao intuito pensado em uma cadeia de

eventos onde o ser foi perdendo lugar ao domiacutenio do ente

A usina hidroeleacutetrica instalada no Reno como nos fala o filoacutesofo natildeo estaacute

mais aiacute como o velho moinho de vento Ela estaacute ali ou podemos ateacute dizer o

contraacuterio o rio estaacute ali instalado na usina a fim de se explorar a forccedila de

movimento das correntes de suas aacuteguas a dispor energia Esta energia seraacute

armazenada para em seguida estar agrave disposiccedilatildeo de uma induacutestria que usaraacute

este disponiacutevel para gerar instrumentos de trabalho ao homem que tambeacutem

estaraacute ali agrave disposiccedilatildeo para algum serviccedilo para ser meio de alguma finalidade

Se eacute que podemos ainda chamar isso de finalidade essa cadeia de disposiccedilatildeo

onde cada qual destes constituintes natildeo tem sentido algum pelo que eacute Usina

rio induacutestria homem negoacutecio natureza o tempo estatildeo todos aiacute apenas como

disposiccedilatildeo Caiu com isso tudo na indiferenccedila na mesmidade da

disponibilidade Vejamos uma passagem em Heidegger acerca do que

dissemos

A energia escondida na natureza eacute extraiacuteda o extraiacutedo vecirc-se transformado o transformado estocado o estocado distribuiacutedo o distribuiacutedo reprocessado Extrair transformar estocar distribuir

reprocessar satildeo todos modos de desencobrimento Todavia este desencobrimento natildeo se daacute simplesmente Tampouco perde-se no

indeterminado () por toda parte assegura-se o controle Pois o controle e seguranccedila constituem ateacute marcas fundamentais do descobrimento explorador

36

O proacuteprio homem encontra-se preso sem-saiacuteda nessa cadeia de

disponibilidade Ele encontra-se conectado a essa amarraccedilatildeo a esse

esqueleto a essa teia nessa com-posiccedilatildeo que a tudo abarca Eacute nesse sentido

de amarraccedilatildeo palavra que em alematildeo se diz por Gestell que Heidegger usa o

termo essencial com-posiccedilatildeo Em Ge-Stell o Ge tem o sentido de ldquoforccedila

originaacuteria de reuniatildeordquo e Stell com o sentido de pocircr de colocar junto de lugar

36

Idem p20

34

Assim por meio de uma escuta cuidadosa Ge-Stell eacute pensado como com-

posiccedilatildeo forccedila originaacuteria que reuacutene em um ponto em um lugar Como no termo

siacutentese onde sin tem o sentido de reuniatildeo e tese com o sentido de posiccedilatildeo

posto junto a siacuten-tese eacute entatildeo o iniacutecio da histoacuteria do desenvolvimento dessa

essecircncia da teacutecnica moderna Siacuten-tese eacute esta cadeia de amarraccedilatildeo que reuacutene

todo o disposto em uma cadeia sem-escape Siacuten-tese eacute Ge-stell eacute com-

posiccedilatildeo Bestand e Gestell como disponibilidade e composiccedilatildeo usados para

indicar o extra-ordinaacuterio do pensar heideggeriano podem ao leitor menos

atento parecer um abuso de linguagem poreacutem eacute sempre como extravagacircncia

que se potildee o pensar em profundidade Extravagante como o salto mortal

Assim Heidegger defende o uso destes termos dizendo o seguinte

Seraacute possiacutevel extravagacircncia maior ainda Certamente que natildeo Soacute que esta extravagacircncia eacute um antigo costume do pensamento E os

grandes pensadores tornaram-se extravagantes precisamente quando tecircm de pensar o mais elevado () o fato de Platatildeo usar a

palavra εἶδος para dizer a essecircncia de tudo e de cada coisa Pois na linguagem de todo dia εἶδος diz a visatildeo que uma coisa visiacutevel nos

apresenta agrave percepccedilatildeo sensiacutevel37

Contudo perguntamos esta Ge-stell com-posiccedilatildeo que teve seu

nascimento no pensar grego como siacuten-tese este pocircr-junto-em-relaccedilatildeo-a se

deu por negligecircncia do pensar do homem Deu-se por um descuido um des-

vio Eacute fruto da liberdade do homem de seu arbiacutetrio Heidegger nos diz que

natildeo A com-posiccedilatildeo enquanto um modo essencial de des-velamento natildeo eacute um

des-vio mas sim um envio do ser um destino do desencobrimento pelo ser

portanto um acontecimento-histoacuterico Entatildeo ao contraacuterio do que haviacuteamos

questionado a com-posiccedilatildeo como destino natildeo adveacutem da liberdade do homem

mas de um escravo da fatalidade do destino de um escravo de seu tempo

Tambeacutem natildeo o que se daacute eacute algo diverso Sendo fruto do destino a

composiccedilatildeo acontece pela liberdade Parece que nos encontramos em uma

confusatildeo em um emaranhado onde palavras contraditoacuterias se imbricam Esta

confusatildeo se instaura se pensarmos destino e liberdade como entende a

tradiccedilatildeo O que Heidegger pensa com essas palavras Algo bem diferente da

37

Idem p23

35

fatalidade e do arbiacutetrio Destino eacute pensado como um pocircr a caminho um envio

da silenciosa fonte originaacuteria Em suas palavras

Pocircr a caminho significa destinar Por isso denominamos de destino a forccedila de reuniatildeo encaminhadora que potildee o homem a caminho de

um desencobrimento Eacute pelo destino que se determina a essecircncia de toda histoacuteria A histoacuteria natildeo eacute um mero elemento da historiografia

nem somente o exerciacutecio da atividade humana A accedilatildeo humana soacute eacute histoacuterica quando enviada por um destino

38

No caso da liberdade Heidegger natildeo a pensa como vontade como

arbiacutetrio ou como uma liberdade de movimento mas sim como um deixar-ser

Como um permitir uma escuta onde o ente se des-vela pelo envio do ser Este

deixar-ser se daacute como um entregar-se ao ente ente Como um acolhimento

do e pelo ente como cuidado e proteccedilatildeo Entretanto este deixar-ser poderia

ser pensado no sentido negativo de ldquodesviar a atenccedilatildeo de algordquo ou de uma

renuacutencia agrave onde se ldquoexprime uma indiferenccedila ou uma omissatildeordquo mas como foi

dito este deixar-ser tem um sentido contraacuterio ao de omissatildeo sendo ateacute a

maacutexima atenccedilatildeo e presenccedila diante o vigente como escuta e abrigo esta

liberdade acontece em seu parentesco com a verdade pensada como ἀιήζεiα

Pois eacute ao que se desvela que deixa-ser o ente que se eacute O que pelo misteacuterio

como misteacuterio eacute enviado ao desvelamento eacute abrigado mesmo ao se esconder

por este deixar-ser da liberdade Verdade misteacuterio e liberdade se emaranham

em sua co-pertenccedila ao acontecer poeacutetico-apropriante do ser (Ereignis)

Misteacuterio aqui eacute pensado como este que libera ldquoO encoberto que sempre se

encobre e cobrerdquo o fechado que abriga o eclodir

Este entregar-se ao caraacuteter de desvelado do ente como nos diz

Heidegger natildeo eacute um ldquoperder-se nele mas um recuo diante do ente afim que

este se manifeste naquilo que eacute e como eacuterdquo39

Pensando deste modo eacute que

podemos ver a copertenccedila entre destino e liberdade onde estes natildeo vatildeo de

encontro um ao outro mas pelo contraacuterio vatildeo ao encontro um do outro O que

o destino envia a liberdade permite O que eacute doado pelo misteacuterio eacute protegido

no des-velo pelo livre deixar-ser Leiamos o que diz Heidegger acerca desta

relaccedilatildeo entre destino e liberdade

38

Idem p27 39

A essecircncia da verdade p201

36

O destino do desencobrimento sempre rege o homem em todo o seu ser mas nunca eacute a fatalidade de uma coaccedilatildeo Pois o homem soacute se

torna livre num envio fazendo-se ouvinte e natildeo escravo do destino A essecircncia da liberdade natildeo pertence originariamente agrave vontade e nem tatildeo pouco se reduz agrave causalidade do querer humano

A liberdade rege o aberto no sentido do aclarado isto eacute do des-encoberto () A liberdade eacute o reino do destino que potildee o

desencobrimento em seu proacuteprio caminho40

Assim respondemos ao questionamento sobre o acontecimento

histoacuterico da teacutecnica como com-posiccedilatildeo se ele eacute fruto de uma inadvertecircncia ou

se eacute ele uma fatalidade de nossa eacutepoca Natildeo sendo nem um nem outro mas o

fruto de um envio proveniente do misteacuterio do ser Ao pensarmos assim nos

mantemos no espaccedilo livre com a essecircncia da teacutecnica ao qual buscamos estar

nesse percurso de nosso trilhar o pensamento heideggeriano Abre-se com

este pensar caminhos novos de enfrentamento agrave situaccedilatildeo de crise que se

apresenta sobre o modo da teacutecnica Nesse extra-ordinaacuterio onde se abre para a

essecircncia da teacutecnica somos tomados por um ldquoapelo de libertaccedilatildeordquo Diz

Heidegger

A essecircncia da teacutecnica moderna repousa na com-posiccedilatildeo A com-

posiccedilatildeo pertence ao destino do descobrimento Estas afirmaccedilotildees dizem algo muito diferente do que a frase tantas vezes repetida a

teacutecnica eacute a fatalidade de nossa eacutepoca onde fatalidade significa o inevitaacutevel de um processo inexoraacutevel e incontornaacutevel () quando

pensamos poreacutem a essecircncia da teacutecnica fazemos a experiecircncia da com-posiccedilatildeo como destino de um desencobrimento Assim jaacute nos mantemos no espaccedilo livre do destino Este natildeo nos tranca numa

coaccedilatildeo obtusa que nos forccedilaria uma entrega cega agrave teacutecnica ou o que daacute no mesmo a arremeter desesperadamente contra a teacutecnica e

condenaacute-la como obra do diabo Ao contraacuterio abrindo-nos para a essecircncia da teacutecnica encontramo-nos de repente tomados por um apelo de libertaccedilatildeo

41

Eacute nesse passo que se encontra o perigo Pois se a liberdade eacute

entendida como um deixar-ser o que nos eacute destinado ldquoo homem histoacuterico

tambeacutem pode deixando que o ente seja natildeo deixaacute-lo-ser naquilo que ele eacute e

assim como eacute O ente entatildeo encobre-se e eacute dissimuladordquo42

Este natildeo-deixar-ser

naquilo que eacute se apresenta no homem moderno como esse pensamento que

calcula nesta com-posiccedilatildeo dominante que tudo explora e torna disponiacutevel

Neste sistema operativo e calculaacutevel que potildee em fuga toda outra forma de

40

A questatildeo da teacutecnica pp 27-28 41

Idem p 28 42

A essecircncia da verdade p 203

37

pensar Eacute aqui que mora o perigo Nesse esforccedilo de dominar bdquocom espiacuterito‟ a

teacutecnica nessa produccedilatildeo exploradora esquece-se o misteacuterio e com isso tem-se

a fuga da possibilidade de um desvelar mais originaacuterio O pensamento

meditativo poeacutetico a pro-duccedilatildeo como ποίεζης eacute ameaccedilada de ser encoberta

por completo ldquoO predomiacutenio da com-posiccedilatildeo arrasta consigo a possibilidade

ameaccediladora de se poder vetar ao homem voltar-se para um desencobrimento

mais originaacuterio e fazer assim a experiecircncia de uma verdade mais inauguralrdquo43

O grande perigo natildeo se encontra portanto no perigo das armas na

superficialidade dos novos meios de comunicaccedilatildeo virtuais na intoxicaccedilatildeo por

remeacutedios nos transgecircnicos agrotoacutexicos ou qualquer outro elemento teacutecnico

Seu perigo extremo estaacute na fuga desta outra possibilidade no completo

domiacutenio da com-posiccedilatildeo sobre a essecircncia do pensar do homem

Entretanto ldquodificilmente abandona o que mora na proximidade do

originaacuterio o lugarrdquo Com essas palavras do poema A peregrinaccedilatildeo de Houmllderlin

palavras finais do ensaio A origem da obra de arte eacute feita a passagem do

perigo ao que salva CITACcedilAcircO A essecircncia mais essencial eacute res-guardada

pela forccedila originaacuteria do misteacuterio ldquoO domiacutenio da composiccedilatildeo natildeo poderaacute

deturpar todo o brilho da verdaderdquo44

Ao se afastar de sua morada essencial o

homem eacute tomado por um apelo de retorno O pensamento loacutegico calculador

potildee o homem cada vez mais diante aos entes em sua mera cotidianidade

Decai assim na mesmidade do apenas dado O homem histoacuterico eacute tomado por

um teacutedio profundo que manifesta o ente em sua totalidade onde tudo se

apresenta como indiferenccedila Outro humor entatildeo arrebata o homem a

anguacutestia Nesta o ente se potildee em fuga o nada se manifesta como um apelo

da morada essencial a experienciaccedilatildeo do nada abre o pensar a outra

possibilidade Para outro modo de ser se abre como fonte Abre como questatildeo

e misteacuterio para um pensar que natildeo seja mais um mero com-pocircr mas um pocircr

poeacutetico inaugural Permitindo pela escuta cuidadosa que venha agrave vigecircncia

como doaccedilatildeo deste nada originaacuterio Esta questatildeo sobre o nada e os humores

de teacutedio e anguacutestia seraacute tratada mais adiante com um maior aprofundamento

Aqui trata-se apenas de pensar o apelo silencioso

43

A questatildeo da teacutecnica pp30-31 44

Idem p31

38

Pensar a essecircncia da teacutecnica eacute escutar a voz o canto do destino que

adveacutem da fonte principial eacute colocar-se na histoacuteria de maneira autecircntica Esta

escuta potildee Heidegger a se deter na voz do poeta Houmllderlin ldquopoeta dos poetasrdquo

doa em seu dizer muitas palavras que abrem o seu pensar Diante deste

poeta o filoacutesofo-pensador se deteacutem em muitos momentos com muito cuidado

Assim diz o poeta ldquoOra onde mora o perigo eacute laacute que tambeacutem cresce o que

salvardquo Eacute portanto no domiacutenio da com-posiccedilatildeo como essecircncia da teacutecnica

moderna que se mostra a outra possibilidade de um desocultar mais originaacuterio

Mas qual o sentido deste salvar Que outra possibilidade de pensar se

presenteia nesse extra-ordinaacuterio que se deu no confronto com o pensar

teacutecnico Eacute esse outro pensar a salvaccedilatildeo da ameaccedila da crise Esses satildeo os

questionamentos derradeiros desta fase de nossa investigaccedilatildeo Satildeo sobre

estas questotildees que nos deteremos agora como passo preparatoacuterio para uma

nova questatildeo ou seja a questatildeo do confronto

39

3 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES ACERCA DA ESSEcircNCIA DA ARTE

Neste capiacutetulo pensaremos a questatildeo da arte buscando avizinhaacute-la do

originaacuterio (Ursprung) e da essecircncia (Wesen) no sentido de encontrar aiacute outra

possibilidade capaz de um confronto agrave crise apontada pelo des-velar

explorador da teacutecnica moderna Deixaremos que a essecircncia da arte se

apresente ao pensar Nossa busca eacute portanto a de saber se na arte guarda-se

a medranccedila daquilo que pode nos salvar deste tempo de indigecircncia desta

noite do mundo Para tal busca faremos um momento que nos serviraacute de

passagem da questatildeo anterior da teacutecnica para a questatildeo da arte que agora se

iniciaraacute Apoacutes esse momento de passagem adentraremos a questatildeo da arte e

buscaremos pensar como a sua essecircncia se apresentou ao filoacutesofo Daqui

seremos levados a pensar em conjunto a essecircncia da arte e a questatildeo da crise

atual do entendimento teacutecnico

31 ldquoOnde mora o perigo cresce o que salvardquo Da pergunta pela Teacutecnica agrave

pergunta pela Arte

Chegamos num ponto crucial de nossa investigaccedilatildeo passo derradeiro

acerca da pergunta pela teacutecnica natildeo eacute contudo conclusivo eacute apenas um

preparo para um olhar em outro sentido O tiacutetulo deste ponto jaacute nos indica para

onde vamos seguir Passaremos da questatildeo da teacutecnica agrave questatildeo da arte

Poreacutem eacute preciso ainda alguns passos para que essa mudanccedila natildeo se decirc de

forma brusca Em que sentido se daraacute essa mudanccedila Aleacutem desta indicaccedilatildeo

A ciecircncia pode classificar e nomear os oacutergatildeos

de um sabiaacute Mas natildeo pode medir seus encantos

A ciecircncia natildeo pode calcular quantos cavalos de forccedila existem nos encantos de um sabiaacute

Quem acumula muita informaccedilatildeo perde o

condatildeo de adivinhar divinare Os sabiaacutes divinam

Manoel de Barros Livro sobre nada

Do fundo abismo nascem as altas montanhas

Maacutercia de Saacute

O escuro me ilumina Manoel de Barros

40

de mudanccedila de olhar o tiacutetulo tambeacutem nos diz outra coisa ldquoOnde mora o perigo

eacute laacute tambeacutem que cresce o que salvardquo Nessas palavras de Houmllderlin Heidegger

nos indica o fio condutor desta mudanccedila Contudo precisamos esclarecer o

que se entende aqui por salvar Como relacionar este salvar que agora se pocircs

no caminho com a pergunta inicial acerca da essecircncia da teacutecnica Como a

arte se relaciona com a teacutecnica diante da pergunta pela essecircncia Iremos nos

deter nestes questionamentos nos passos seguintes

Haviacuteamos dito que a essecircncia da teacutecnica moderna se apresentou apoacutes

nosso questionar como com-posiccedilatildeo O desvelar explorador que arrancou da

terra tudo como mera dis-ponibilidade eacute regido por essa com-posiccedilatildeo Na

dominaccedilatildeo deste explorar com-positor o perigo que ameaccedila eacute o de se trancar

ao homem a possibilidade de um outro desvelar mais originaacuterio a saber o

desvelar poeacutetico Este que enquanto ποίεζης deixa que o ente seja a cada

vez o ente que eacute Sendo regida assim pela liberdade como um deixar-ser essa

ποίεζης deixa-pocircr Esta ameaccedila contudo natildeo se deu por conta de uma

negligecircncia do homem nem por um capricho ou por uma veleidade Ela eacute fruto

de um destino de uma doaccedilatildeo Sendo destino adveacutem de um acontecer

histoacuterico do ser Soacute ao se perceber este sentido da essecircncia da teacutecnica

moderna o homem pode receber essa doaccedilatildeo aos cuidados e proteccedilatildeo de sua

guarda na linguagem Sua guarda se daacute aos que escutam o apelo da silenciosa

fonte originaacuteria Pensar sua essecircncia eacute escutar esse apelo Soacute onde se daacute esse

pensar cuidadoso e esse poetar permissor eacute que se pode dizer com vigor

essas palavras do poeta ldquoonde mora o perigo eacute laacute tambeacutem que cresce o que

salvardquo Portanto natildeo nos apressemos em dar respostas Tentemos com maior

esforccedilo nos manter nessa bdquofesta do pensar‟ frente agrave abertura do misteacuterio frente

agrave vereda O que Heidegger pensa em con-sonacircncia com o poeta por salvar Eacute

ele um salvar a tempo de uma destruiccedilatildeo iminente ou nos diz outra coisa a

voz do poeta Continuemos no nosso lento caminhar

Pensando com Houmllderlin Heidegger nos diz

O que significa salvar Geralmente achamos que significa apenas retirar a tempo da destruiccedilatildeo o que se acha ameaccedilado em continuar

41

a ser o que vinha sendo Ora ldquosalvarrdquo diz muito mais ldquoSalvarrdquo diz chegar agrave essecircncia a fim de fazecirc-la aparecer em seu proacuteprio brilho

45

Chegar agrave essecircncia eacute o sentido do salvar Na ameaccedila cresce o que salva

pois eacute nessa ameaccedila que o apelo por um retorno ao lar se potildee fortemente de

forma mais decisiva Pensemos a essecircncia natildeo de modo tradicional como

essentia como aquilo que diz o que uma coisa eacute como quid Essecircncia deve

ser pensada como colocamos de iniacutecio logo nos primeiros passos do percurso

Pensemos a essecircncia como o originaacuterio como fonte doadora principial Natildeo

como iniacutecio daquilo que logo que se potildee a caminhar eacute deixado para traacutes mas

como principial que dura e vigora a cada passo que mesmo no afastar-se eacute o

que sustem e envia Da qual natildeo eacute permitido um abandono ou um natildeo ouvir

seu apelo Eacute assim que Heidegger nos diz

Eacute do verbo bdquowesen‟ viger que proveacutem o substantivo vigecircncia Wesen

essecircncia em sentido verbal de vigecircncia eacute o mesmo que bdquowaumlhren‟ durar () Goethe chegou a usar no lugar de bdquofortwaumlhren‟ perdurar a palavra misteriosa bdquofortgewaumlhren‟ continuar a conceder Sua escuta

ouve nessa palavra uma harmonia impliacutecita de continuidade entre

bdquowaumlhren‟ durar e bdquogewaumlhren‟ conceder46

Como um carvalho que diante do perigo ao crescer fortifica suas raiacutezes

nas profundezas da Terra ldquocrescer significa abrir-se agrave amplitude do ceacuteu e ao

mesmo tempo estar arraigado na obscuridade da Terrardquo47

pois satildeo as raiacutezes

que salvam Estas como fontes doadoras de alimento recebem da Matildee Terra

multinutriz a forccedila de salvaguardar o caminho a forccedila de sustentaccedilatildeo e de

contra-posiccedilatildeo ao perigo da crise que ameaccedila ldquoEm silecircncio e em seu tempordquo

se apresenta outra possibilidade Juntamente com as palavras do poeta outras

palavras satildeo ditas ldquomas eacute poeticamente que o homem habita esta Terrardquo

Como podemos sustentar as palavras do poeta se eacute exatamente o perigo do

pensar loacutegico calculador cientiacutefico que ameaccedila o homem Se o agir desse

homem reflete o seu pensar ou sua fuga de pensar logo eacute cientificamente que

este constroacutei suas casas que este trabalha e que se coloca no mundo Se o

que lhe rege eacute a com-posiccedilatildeo o explorar e a dis-posiccedilatildeo Heidegger diz

45

A questatildeo da teacutecnica p31 46

Idem p 33 47

HEIDEGGER Martin O caminho do campo In La prensa Traduccedilatildeo pessoal a partir da

traduccedilatildeo espanhola de Sobine Langenheim e Abel Posse 1976 p 2

42

A composiccedilatildeo eacute um modo destinado de desencobrimento a saber o des-cobrimento da exploraccedilatildeo e do desafio Um e outro modo

destinado eacute o desencobrimento da pro-duccedilatildeo da ποίεζης Esses modos natildeo satildeo poreacutem espeacutecies que justapostas fossem subsumidas no conceito de desencobrimento O desencobrimento eacute o

destino que cada vez de cofre e inexplicavelmente para o pensamento se parte ora num des-encobrir-se pro-dutor ora num

des-encobri-se ex-plorador e assim se reparte ao homem48

Eacute o misteacuterio que rege essa proximidade e esse repartir Estar atento a

este misteacuterio eacute o grande passo no sentido da superaccedilatildeo da ameaccedila Eacute o passo

capaz de impulsionar o salto mortal no abismo Eacute este misteacuterio que concede

Sem ele natildeo a arvore que se sustente que dure e para viger eacute preciso durar

ldquoSomente dura aquilo que foi concedido Dura o que se concede e doa com

forccedila inaugural a partir das origensrdquo49

Em um ensaio acerca da essecircncia da

poesia (Houmllderlin e a essecircncia da poesia) Heidegger se deteacutem em algumas

palavras de Houmllderlin dentre elas a seguinte ldquoMas o que dura instauram os

poetasrdquo O que dura eacute instaurado pelos poetas Ao falar do teacutecnico e de sua

essecircncia constantemente surge o poeacutetico Como podemos nos perder nesses

dois modos de pensar tatildeo distintos Ou seraacute que a rota de duas estrelas que

passam ao longe uma da outra guarda em si uma vizinhanccedila essencial

Escutemos estas palavras de Heidegger antes de continuarmos nosso

caminhar

Outrora natildeo apenas a teacutecnica trazia o nome de ηέτλε

Outrora chamava-se tambeacutem de ηέτλε o desencobrimento que levava a verdade a fulgurar em seu proacuteprio brilho Outrora chamava-se tambeacutem de ηέτλε a pro-duccedilatildeo da verdade na

beleza Τέτλε designava tambeacutem a ποίεζης das belas-artes50

Seraacute que na arte poderemos encontrar o caminho do que salva Se o

perigo que ameaccedila diz respeito ao modo de des-velar do real ou seja diz

respeito a verdade pode a arte estando em sua essecircncia relacionada com o

belo dizer algo sobre esta Ou o que se daacute eacute o contraacuterio a essecircncia da arte

estaacute mais proacutexima da verdade como ἀιήζεiα do que do belo ldquoA essecircncia da

arte seria esta o pocircr-se em obra da verdade do sendo mas ateacute agora a arte soacute

48

A questatildeo da teacutecnica p 32 49

Idem p 34 50

Idem p 36

43

tinha a ver com o belo e a beleza e natildeo com a verdaderdquo51

ldquoEacute o poeacutetico que leva

a verdade ao esplendor superlativo () O poeacutetico atravessa com seu vigor

toda arte todo desencobrimento que vige na belezardquo52

A arte se apresenta

aqui relacionada com a verdade Aqui o que estaacute sendo dito se daacute na forma

de indicaccedilatildeo de uma mudanccedila no sentido do caminho

Seraacute entatildeo que a arte eacute a possibilidade que silenciosamente cresce na

Terra para a salvaccedilatildeo da ameaccedila que se consuma na crise aqui indicada

Deixemos Heidegger nos perguntar o mesmo

Seraacute que as belas-artes satildeo convocadas ao des-encobrir poeacutetico Seraacute que o desencobrimento haacute de reivindicaacute-las mais

originariamente para que fomentem por sua parte o crescimento do que salva para que despertem e instaurem em nova forma a visatildeo e

a confianccedila no que se concede e outorga Ningueacutem poderaacute saber se estaacute reservada agrave arte a suprema

possibilidade de sua essecircncia no meio do perigo extremo53

Se natildeo podemos saber se eacute na arte que se reserva a possibilidade do

que salva deveremos ainda nos encaminhar nessa arriscada aventura que eacute a

da busca por sua essecircncia ldquoEncaminhar na direccedilatildeo do que eacute digno de ser

questionado natildeo eacute uma aventura mas um retorno ao larrdquo ldquoAinda natildeo

pensamos o sentido quando estamos apenas na consciecircncia Pensar o sentido

eacute muito mais Eacute a serenidade em face do que eacute digno de ser questionadordquo54

Como os pensadores e poetas serenamente nos arriscaremos nessa vereda

Nos arriscaremos no sentido de termos em vista que no fim dessa nova

caminhada possamos nos deparar diante uma aporia Buscamos a essecircncia da

teacutecnica para abrir nossa presenccedila a um livre relacionamento com sua essecircncia

Esta se apresenta como um modo de des-velamento o explorador que potildee

tudo como dis-posiccedilatildeo a uma com-posiccedilatildeo Essa busca nos levou por fim agrave

questatildeo da arte Diz Heidegger

Natildeo sendo nada de teacutecnico a essecircncia da teacutecnica a consideraccedilatildeo essencial do sentido da teacutecnica e a discussatildeo decisiva com ela tecircm de dar-se no espaccedilo que de um lado seja consanguiacuteneo da essecircncia

da teacutecnica e de outro lado lhe seja fundamentalmente estranho

51

A origem da obra de arte p 87 52

A questatildeo da teacutecnica p 37 53

Ibidem 54

Ciecircncia e pensamento do sentido p 58

44

A arte nos proporciona um espaccedilo assim Mas somente se a consideraccedilatildeo do sentido da arte natildeo se fechar agrave constelaccedilatildeo da

verdade que noacutes estamos a questionar55

Nossas consideraccedilotildees acerca da teacutecnica apontaram para a ποίεζης

poiacuteesis como um modo de des-velar de verdade como a essecircncia da teacutecnica

grega e para a Ge-stell com-posiccedilatildeo tambeacutem como um modo de verdade

como a essecircncia da teacutecnica moderna Ambas seriam modos de verdade de

des-velamento Assim a essecircncia da teacutecnica se apresentou como verdade

Poreacutem a razatildeo de que em um dado momento se apresenta como des-

velamento e em outro se apresenta de um outro modo para noacutes permanece

um misteacuterio O misteacuterio se instaurou Esse mesmo que oculto em sua

essecircncia clareou agrave noacutes a possibilidade de um outro caminho O outro como

diferenccedila se apresentou como inaugural diante a identidade a habitual do

mesmo A arte tem em seu nascimento a aproximaccedilatildeo com a teacutecnica eacute-lhe

consanguiacutenea Houmllderlin pensando com Heraacuteclito escreve em seu Hipeacuterion ldquoA

palavra grandiosa ἔλ δηαθέρολ ἑασηῶη de Heraacuteclito soacute poderia ser encontrada

por um grego pois essa eacute a essecircncia da beleza e antes de encontraacute-la natildeo

havia filosofia algumardquo56

pois para ele a beleza eacute o ser e para Heraacuteclito o ser eacute

esse ldquoἔλ δηαθέρολ ἑασηῶηrdquo o uno em si mesmo diverso Heraacuteclito e Houmllderlin

satildeo enquanto pensador e poeta constantemente considerados por Heidegger

O poeacutetico aqui eacute relacionado para aleacutem do belo diz acerca do ser e da

verdade eacute o ηό ἐθθαλέζηαηολ de Platatildeo que sai a brilhar de forma superlativa

Constantemente somos levados a pensar a arte em consideraccedilatildeo com a

verdade

Investigaremos a arte na busca da sua essecircncia considerando

continuamente a questatildeo da verdade Contudo como foi dito a questatildeo da

verdade e a questatildeo do ser no pensamento heideggeriano andam de matildeos

dadas Assim como se deu nesse percurso a seguir re-colocaremos a questatildeo

do ser e da verdade Soacute assim seremos capazes de dizer algo a respeito da

arte se tem ela a medranccedila do que salva se ela nos indica ainda outra

possibilidade outro caminho ou se por fim devemos abandonar

definitivamente essa busca de um pensar em confronto agrave crise

55

A essecircncia da teacutecnica p 37 56

HOacuteLDERLIN Friedrich Hipeacuterion ou o eremita na Greacutecia Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante

Rio de Janeiro Vozes 1993 p 99

45

32 O originaacuterio da obra de arte O pocircr-em-obra da verdade

Nos passos anteriores vimos como Heidegger passou da questatildeo da

teacutecnica entendida em sua essecircncia como um des-encobrimento agrave questatildeo da

arte tambeacutem como um saber que des-encobre Em sua origem grega ambos

eram pensados pela palavra ηέθλε Teacutecne foi pensada desde Homero como

um saber Arte e saber pertenciam a um mesmo acircmbito Um saber que permitia

ao ser ao divino o seu advento ao que era por si proacuteprio Arte era um saber

um modo de verdade α-ιήζεηα poreacutem mesmo ao pensar grego esta relaccedilatildeo

entre arte e verdade se deu apenas extrinsecamente Sua relaccedilatildeo mais iacutentima

se mostrou desde o comeccedilo da tradiccedilatildeo com a questatildeo do belo passando por

toda a tradiccedilatildeo com este mesmo sentido mesmo que de diferente modo em

cada etapa do desenvolvimento do pensar Arte e belo e natildeo arte e verdade

era a relaccedilatildeo que se mantinha Soacute em Heidegger segundo o proacuteprio pensador

essa relaccedilatildeo passa ao seu vigor essencial Pois soacute neste filoacutesofo a verdade eacute

pensada como α-ιήζεηα des-encobrimento Soacute nele ela eacute pensada em sua

profundidade essencial pois mesmo ali no pensar grego essa essecircncia da α-

ιήζεηα se deu de forma oculta57

O olhar da ciecircncia esteacutetica surgido na modernidade ao artiacutestico ao

poeacutetico era um olhar sob impeacuterio da loacutegica Este olhar pensou desde seu

nascimento a arte em relaccedilatildeo ao belo ao gosto aos sentidos A mudanccedila de

paradigma que se deu com o pensar vigoroso de Heidegger em relaccedilatildeo ao

ser exigia outra linguagem uma nova forma de se pocircr diante do artiacutestico A

loacutegica como vimos anteriormente natildeo abarcava mais este pensar do ser pois

natildeo sendo mais ente o ser natildeo cabia mais no domiacutenio de seus objetos A

loacutegica seria aquela que sabe dos entes e nada mais A arte como um saber

que permitiria o advir do destinado passou a dizer a respeito do ser Para a

57

Cf HEIDEGGER Martin Parmecircnides Trad br Seacutergio Maacuterio Wrublevski Petroacutepolis Editora

Vozes 2008 P 29

ldquoEscrever o que natildeo acontece eacute tarefa da

poesiardquo

Manoel de Barros Menino do mato

46

loacutegica tratar do brotar de um natildeo-adveniente ao vigente do natildeo-ente sem

tornaacute-lo ente natildeo era uma possibilidade e pensar o natildeo-ente como um ente era

entrar em contradiccedilatildeo ferindo o fundamento supremo o princiacutepio da

contradiccedilatildeo Uma desconstruccedilatildeo torna-se necessaacuteria

O que em Ser e tempo se apresentou como a destruiccedilatildeo Destruktion da

ldquohistoacuteria da ontologiardquo58

e com ela como o ldquoenrijecimento de uma tradiccedilatildeo

petrificadardquo ou seja da tradiccedilatildeo loacutegicametafiacutesica eacute na verdade uma

desconstruccedilatildeo59

Esta desconstruccedilatildeo da histoacuteria da ontologia que em outros

momentos eacute chamada de superaccedilatildeo da metafiacutesica eacute uma superaccedilatildeo da

linguagem e do pensar loacutegico Uma histoacuteria que chega a sua consumaccedilatildeo com

o nascimento da Esteacutetica da loacutegica do sensitivo Assim a desconstruccedilatildeo da

Metafiacutesica na tradiccedilatildeo seraacute entendida como a histoacuteria da ontologia cujo

momento final seraacute a desconstruccedilatildeo da histoacuteria da Aesthetica

O meacutetodo indicado por Heidegger em Ser e tempo eacute o meacutetodo

Fenomenoloacutegico Em um certo sentido em consonacircncia com o que defendia

Husserl como um deixar-que apareccedila o que adveacutem da fonte o que adveacutem de

si mesmo Como Heidegger observa

O meacutetodo de tratar essa questatildeo eacute fenomenoloacutegico Isso poreacutem natildeo

significa que o tratado prescreva bdquoum ponto de vista‟ ou uma bdquocorrente‟ () fenomenologia diz entatildeo ἀποθαίωεζζαη ηὰ θαηλόκελα

ndash deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra tal como se mostra a partir de si mesmo Eacute este o sentido formal da pesquisa que

traz o nome de fenomenologia Com isso poreacutem natildeo se faz outra coisa do que exprimir a maacutexima formulada anteriormente ndash bdquopara as coisas elas mesmas‟

60

Em seu ensaio A origem da obra de arte Heidegger lanccedila um profundo

e cuidadoso olhar ao acontecer da arte natildeo mais um olhar esteacutetico ou loacutegico

que se manteacutem na superficialidade do fundamento do fundo mas um olhar

permissivo esse olhar fenomenoloacutegico Potildee-se a pensar como uma escuta e

natildeo mais a refletir e buscar conclusotildees Qual o originaacuterio (Ursprung) da obra de

arte Aqui antes de adentrarmos os passos seguintes re-coloquemos a

58

Ser e tempo sect 6 59

Conferir o estudo de Stein acerca da questatildeo da desconstruccedilatildeo da metafiacutesica STEIN Ernildo Diferenccedila e metafiacutesica ensaios sobre a desconstruccedilatildeo Ijuiacute UNIJUIacute 2008 60

Ser e tempo pp66- 74

47

questatildeo do termo Ursprung que estaacute no tiacutetulo do ensaio heideggeriano

Traduzindo para o portuguecircs a palavra alematilde Ursprung pode-se tanto dizer (a)

origem como por meio de substantivaccedilatildeo (o) originaacuterio Ao decompormos Ur-

sprung temos o prefixo Ur primordial e a palavra Sprung advida do verbo

springen saltar Eacute como um bdquosalto fundador‟ como um bdquofazer eclodir‟ como

podemos ler em seu ensaio que Heidegger pensa esta expressatildeo61

Ao

traduzir-se por origem somos levados a pensar em algo pontual em um iniacutecio

temporal e espacial um fundo alicerce sobre o qual possamos construir o

nosso edifiacutecio Como origem somos remetidos de volta para o interior da

tradiccedilatildeo metafiacutesica da loacutegica e seu pensar dominante Origem eacute fundamento

eacute chatildeo conceito E o que eacute do acircmbito do pensar acircmbito no qual Heidegger

busca re-instaurar eacute o do abismo (Abgrund) do sem chatildeo Eacute aquele poccedilo no

qual o pensador ao levar o seu pensar ao misteacuterio da fonte principial (Anfang)

cai em seu caminhar

Com origem com solo alicerce se constroacutei impeacuterio Eacute levar com

seriedade o des-envolvimento o progresso do saber Eacute caminhar sempre para

frente em linha reta eacute o reto pensar ὀρζόηες ortoacutetes bdquoretidatildeo do olhar‟ Eacute

seguir como trem comeacutercio induacutestria poder eacute dar resposta eacute uma re-

afirmaccedilatildeo da tradiccedilatildeo Em originaacuterio algo outro se passa Cai-se em um poccedilo

para dentro do que estava apenas na superfiacutecie Cai-se em ἀπορία Sendo

pelo ldquoentendimento escolado da loacutegicardquo62

motivo de riso pois sem chatildeo natildeo se

vai a lugar nenhum natildeo se responde nada Esse ldquocair no poccedilordquo que sempre foi

ldquomotivo de risordquo ldquonatildeo levando a lugar nenhumrdquo eacute o que Heidegger chama a

tarefa do pensar Eacute ldquoao menos uma vez chegar ao lugar em que jaacute estamosrdquo63

Eacute a abertura ao misteacuterio oculto da fenda do ser Caindo nas aacuteguas de um rio eacute

permitir-se ser levado ao destino caminhando com o fluxo do que adveacutem da

fonte principial

61

A origem da obra de arte p 199 Aleacutem do dito pelo proacuteprio filoacutesofo conferir a nota de traduccedilatildeo de Idalina acerca da expressatildeo Ursprung em sua traduccedilatildeo ao ensaio citado pp 224-

228 62

A linguagem p 8 63

Idem

48

Eacute neste sentido como originaacuterio que lemos a palavra Ursprung Daiacute o

tiacutetulo do ensaio ser tambeacutem pensado como O originaacuterio da obra de arte64

Perguntar pelo originaacuterio da obra de arte eacute perguntar pela proveniecircncia de sua

essecircncia Esta essecircncia natildeo seria aquela pensada como solo como a essentia

da tradiccedilatildeo metafiacutesica mas como abertura sem fundo como Abgrund aquele

aberto que recebe o proveniente do misteacuterio do ser Segundo a opiniatildeo

corrente a proveniecircncia da obra de arte eacute a atividade do artista mas o que diz

se um artista eacute um artista eacute a sua obra de arte

O artista eacute a origem da obra A obra eacute a origem do artista Nenhum eacute sem o outro Do mesmo modo nenhum dos dois porta sozinho o

outro Artista e obra satildeo em-si e em sua muacutetua referecircncia atraveacutes de um terceiro que eacute o primeiro ou seja atraveacutes daquilo a partir de onde artista e obra de arte tecircm seu nome atraveacutes da arte

65

A pergunta pela obra de arte eacute encaminhada a pergunta pela arte

mesma Qual a essecircncia da arte para que ela possa ser originaacuteria de algo

Heidegger inicia sua busca por essa essecircncia pelo que foi dito na tradiccedilatildeo

Buscaraacute sua essecircncia a partir de sua realidade efetiva Procurando sua

essecircncia na obra de arte existente A obra de arte eacute uma coisa como as

demais Eacute uma coisa como a pedra e tambeacutem como o utensiacutelio sapato Poreacutem

a obra de arte eacute uma coisa acrescida de algo mais algo de mais elevado que

uma mera coisa Eacute algo de produzido pelo homem mas os instrumentos os

utensiacutelios como a panela o martelo o carro tambeacutem satildeo coisas produzidas

pelas matildeos do homem Mas obra de arte eacute tambeacutem mais elevada que o

utensiacutelio pois aleacutem se ser uma coisa produzida ela nos diz algo de outro Ela eacute

alegoria eacute siacutembolo

A obra de arte aleacutem do caraacuteter de coisa eacute ainda um outro algo Este outro algo que estaacute nela constitui o artiacutestico () Alegoria e siacutembolo

fornecem o enquadramento representacional em cuja perspectiva desde haacute muito tempo se move a caracterizaccedilatildeo da obra de arte

66

64

A origem da obra de arte p 225 65

Idem p 37 66

Idem p43

49

Na busca pela essecircncia da arte a partir de sua realidade efetiva nos

deparamos com a coisa e com o utensiacutelio Sendo antes de tudo uma coisa

desvia-se o caminho da essecircncia da arte para o da essecircncia do que seja uma

coisa da coisidade da coisa Assim observa-se se a arte eacute uma coisa

acrescida de algo mais ou se eacute algo de outro A pergunta torna-se entatildeo Qual

a essecircncia da coisa Seguindo o fio condutor da investigaccedilatildeo da tradiccedilatildeo

filosoacutefica acerca da coisa Heidegger nos indica trecircs principais definiccedilotildees A

coisa eacute i) ldquoA substacircncia com os seus acidentesrdquo67

ii) ldquoA unidade de uma

multiplicidade dada nos sentidosrdquo68

e iii) ldquoa coisa eacute uma mateacuteria enformadardquo69

Esse eacute o esquema conceitual da esteacutetica desde seus primeiros acenos Das

definiccedilotildees citadas a terceira mateacuteria enformada eacute a que mais se adequa a

esse esquema conceitual

A distinccedilatildeo entre mateacuteria e forma eacute e na verdade nas mais diferentes variedades pura e simplesmente o esquema conceitual usado em todas as teorias da arte e da Esteacutetica () Quando se liga a forma

ao racional e a mateacuteria ao irracional considera-se o racional como o loacutegico e o irracional como o iloacutegico e quando se acopla ao par conceitual forma-mateacuteria ainda a relaccedilatildeo sujeito-objeto entatildeo o

representar dispotildee de uma mecacircnica conceitual agrave qual nada se pode opor

70

Para Heidegger esta definiccedilatildeo da coisidade da coisa poreacutem natildeo se

aplica apenas para as meras coisas Um par de sapatos e um quadro de van

Gogh satildeo tambeacutem mateacuteria enformada Uma pedra possui uma mateacuteria em uma

determinada forma contudo aiacute a forma eacute apenas uma mera distribuiccedilatildeo

espacial de um determinado conteuacutedo Jaacute no par de sapatos a forma eacute de tal

modo fundamental por conta de sua utilidade que influencia ateacute na escolha do

material a ser usado no momento de sua produccedilatildeo Flexiacutevel e macia para uma

roupa resistente e dura para um martelo e assim se daacute com os outros

utensiacutelios Pensando assim Heidegger aponta para o produzido para este algo

uacutetil proacuteximo ao dia a dia do homem que vem primeiramente para esta

definiccedilatildeo de mateacuteria-forma e daiacute passa a coisidade da coisa O homem

67

Idem p 53 68

Idem p 59 69

Idem p 61 70

Idem p 63

50

transfere do utensiacutelio para a coisa a sua definiccedilatildeo e isto por meio do esquema

esteacutetico e sua relaccedilatildeo com a arte e os artefatos

Por conseguinte mateacuteria e forma enquanto determinaccedilotildees do sendo satildeo naturais agrave essecircncia do utensiacutelio Propriamente este nome

nomeia o elaborado em vista de sua utilidade e uso Mateacuteria e forma natildeo satildeo de modo algum determinaccedilotildees originaacuterias da coisidade da proacutepria coisa

71

Somos assim novamente enviados a outro acircmbito A busca pela

essecircncia da coisa nos levou a questatildeo do utensiacutelio Qual a sua essecircncia O

que lhe difere da mera coisa lhe pondo a meio caminho entre coisa e arte Ou

seraacute o utensiacutelio ainda algo outro Com estas indagaccedilotildees chegamos com

Heidegger ao produzido em vista de uma utilidade o utensiacutelio tem na serventia

o traccedilo fundamental a partir do qual este sendo nos olha Eles satildeo tatildeo

melhores quanto menos pensarmos neles em sua constituiccedilatildeo em sua forma

ou mateacuteria Seja o sapato ou o martelo eacute na serventia que se encontra o seu

valor e natildeo em sua constituiccedilatildeo Portanto como Heidegger nos diz na

confiabilidade da serventia ela se torna uacutetil Quando apenas usamos o

utensiacutelio por conta da confiabilidade a ele cedida sua essecircncia nunca nos

chega como o que este utensiacutelio eacute No contato diaacuterio e habitual com o utensiacutelio

sua essecircncia natildeo se apresenta junto agrave relaccedilatildeo que ele que manteacutem

Para Heidegger um homem diante de um quadro de Van Gogh onde

figura um par de sapatos pintados e nada mais ao pensar algo de outro

acontece

Da escura abertura do interior gasto dos sapatos a fadiga dos passos trilhados olha firmemente No peso denso e firme dos sapatos se

acumula a tenacidade do lento caminhar atraveacutes dos alongados e sempre mesmos sulcos do campo sobre qual sopra continuo um vento aacutespero No couro estaacute a umidade e a fartura do solo Sob as

solas insinua-se a solidatildeo do caminho do campo em meio agrave noite que vem caindo Nos sapatos vibra o apelo silencioso da Terra sua calma

doaccedilatildeo do gratildeo amadurecente e o natildeo esclarecido recusar-se do ermo terreno natildeo-cultivado do campo invernal Atraveacutes do utensiacutelio perpassa a afliccedilatildeo sem queixa pela certeza do patildeo a alegria sem

palavras da renovada superaccedilatildeo da necessidade o temor diante do anuacutencio do nascimento e o calafrio diante da ameaccedila da morte Agrave

Terra pertence este utensiacutelio e no Mundo da camponesa estaacute ele

71

Idem p 67

51

abrigado A partir deste pertencer que abriga o proacuteprio utensiacutelio surge para seu repousar-em-si

72

A obra de arte trouxe ao desvelado aquilo que o utensiacutelio enquanto um

sendo eacute Natildeo poreacutem da forma habitual como mera serventia como

confiabilidade A obra inaugura Terra e Mundo Terra como aquilo de onde

este sendo proveacutem e mundo como o aberto do qual aquele sendo faz parte A

obra de arte potildee-em-obra a verdade do sendo do ente Eacute como um pocircr-em-

obra da verdade que Heidegger pensa a essecircncia da arte Por meio da arte

cada sendo vem a vigecircncia de forma extra-ordinaacuteria como um sendo um ente

que irrompe do seu ser Brota pela abertura que acontece na arte da Terra ao

Mundo Esse pocircr-se-em-obra da verdade eacute ποίεζης poiacuteesis Este pocircr

enquanto obra adveniente do ser eacute pensado como um deixar-que atraveacutes da

escuta cuidadosa ao misteacuterio do ser brote do fechado da Terra ao desvelado

do Mundo

Terra e Mundo satildeo palavras-chave para a compreensatildeo do pensar

heideggeriano acerca da arte Terra natildeo eacute o conjunto maciccedilo de areia ou um

planeta Como Γε Gaia Terra os gregos natildeo diziam nada disso Terra tambeacutem

natildeo eacute simplesmente o fechado o velado em oposiccedilatildeo ao Mundo como o

aberto o desvelado Terra como aquela que abriga natildeo pode ser um riacutegido

fechar-se em si eacute de uma forma completamente diferente um res-guardar-se

que acolhe que nutre Ela eacute Gaia Matildee ldquode amplo seio de todos sede

irresvalaacutevel semprerdquo73

ldquomulti-nutrizrdquo74

Eacute entatildeo proteccedilatildeo e natildeo simplesmente

dissimulaccedilatildeo Terra eacute o misteacuterio cuidadoso do essencial Assim tambeacutem Mundo

natildeo eacute apenas o aberto Eacute no Mundo que vige ldquoas decisotildees mais essenciais de

nossa histoacuteriardquo75

Mundo eacute para onde o ser se destina natildeo como um espaccedilo

um lugar mas como acircmbito do acontecimento Eacute a morada do vigente Mundo

eacute sempre o inobjetaacutevel

72

Idem p81 73

Teogonia p 91 74

Podemos ver em muitas passagens da Iacuteliada assim como da Odisseia Homero se referindo agrave Γε Gaia Terra como a Matildee multi-nutriz 75

Origem da obra de arte p 109

52

Eacute na disputa entre Terra e Mundo que se daacute o ldquoacontecer poeacutetico-

aproprianterdquo (Ereignis) como Heidegger passou a chamar o acontecimento do

ser

Para onde a obra se retira e o que ela deixa surgir nesse retirar-se noacutes denominamos Terra Ela eacute a que faz surgir e que abriga A Terra

eacute a que natildeo sendo forccedilada a nada eacute sem esforccedilo e infatigaacutevel Sobre a Terra e nela o homem histoacuterico funda o seu morar no Mundo No

que a obra instala um Mundo ela elabora a Terra76

Arte eacute entatildeo abertura Enquanto no utensiacutelio haacute um gastar-se com o uso

com sua serventia na obra de arte enquanto a disputa originaacuteria de Terra e

Mundo se manteacutem em seu vigor enquanto permanece como obra daacute-se

abertura O artista natildeo gasta a tinta ao criar um quadro como gasta o pintor no

seu trabalho de pintar um muro de uma casa Na pintura criadora do artista eacute

que as cores vecircm a ser as cores que satildeo O verde vem na arvore pintada a

ser o verde da natureza o azul revela o ceacuteu Jaacute no utensiacutelio a lata de tinta eacute

tanto melhor quanto mais some ao ser usada como revestimento Na obra de

arte haacute um permanecer uma instauraccedilatildeo Eacute na poesia que a palavra chega ao

dizer na muacutesica que o som chega ao soar na escultura que a pedra chega ao

resistir

Na obra de arte daacute-se essa clareira na arte daacute-se o acontecimento

como obra da verdade A verdade eacute posta em obra Aqui uma pergunta se potildee

como necessaacuteria o que eacute a verdade para que possamos dizer que ela eacute pela

obra de arte posta em obra Re-coloquemos entatildeo a questatildeo da verdade que

no primeiro capiacutetulo apenas indicamos para que esta advenha em seu sentido

mais profundo Ou seja pensemos um pouco mais acerca da verdade para

adentrarmos de forma mais cuidadosa na vereda do pensar heideggeriano

Pensar verdade α-ιήζεηα como des-encobrimento nos remete a outro

acircmbito do pensar Um acircmbito do ainda-natildeo da adveniecircncia Somos

transpostos da rigidez conceitual do definido do dado agrave fluidez do vir-a-ser da

abertura do misteacuterio Ao pensar a verdade como o desvelado o velado passa

a se mostrar como mais originaacuterio como fonte originaacuteria deste desvelado

Mostra-se como mais essencial Este velado pode entatildeo ser pensado como o

76

Idem p115

53

natildeo-desvelado como a natildeo-verdade Sendo mais essencial importa a noacutes

mais essa natildeo-verdade do que a verdade Eacute assim que Heidegger no ensaio A

essecircncia da verdade faz a virada da questatildeo da verdade para a natildeo-verdade

De uma busca pela verdade somos transpostos a uma busca pela natildeo-

verdade

Poreacutem para Heidegger essa passagem da verdade para a natildeo-

verdade natildeo deve ser pensada pura e simplesmente como uma inversatildeo mas

como abertura de outro acircmbito do pensamento Pensar a verdade como a natildeo-

verdade achando com isso estar saindo do acircmbito do definido do dado da

identidade para o acircmbito do indefinido da diferenccedila seria um equiacutevoco

Tomar simplesmente a natildeo-verdade por verdade eacute apenas outro acircmbito da

rigidez do conceito Heidegger nos propotildee em seus ensaios uma mudanccedila no

acircmbito do pensamento natildeo uma mera inversatildeo mas algo de outro Esse

acircmbito por ele proposto mais originaacuterio e mais profundo natildeo pode ser

atingido com a operaccedilatildeo loacutegica da inversatildeo e suas enunciaccedilotildees predicativas

Soacute um pensamento como abertura um pensamento do sentido e natildeo mais um

meramente conceitual pode adentrar essa profundidade Soacute assim pode-se

pretender um avizinhar ao ser Verdade eacute pensada como clareira Natildeo sendo

nem o aberto desvelado nem o fechado velado mas sim abertura

possibilidade de adveniecircncia de acontecimento poeacutetico-apropriativo Assim

diria Heidegger acerca da clareira

Um tal aparecer acontece necessariamente em uma certa claridade Somente atraveacutes dela pode mostrar-se aquilo que aparece isto eacute brilha A claridade por sua vez poreacutem repousa numa dimensatildeo de

abertura e de liberdade que aqui e acolaacute de vez em quando pode clarear-se A claridade acontece no aberto e aiacute luta com a sombra

() Somente esta abertura garante tambeacutem agrave marcha do pensamento especulativo sua passagem atraveacutes daquilo que pensa

Designamos esta abertura que garante a possibilidade de um aparecer e de um mostrar-se com a clareira (die Lichtung)

77

Outra questatildeo referente agrave verdade que aqui seraacute de crucial importacircncia

eacute a da verdade como erracircncia O homem enquanto um ente no Mundo que

caminha pelo aberto eacute um jogado na erracircncia do Mundo O homem se

77

O fim da filosofia e a tarefa do pensamento p 102

54

relaciona insistentemente com os entes com o aberto Neste relacionar-se com

o dado o homem afasta-se do misteacuterio Afastando-se assim do essencial do

ser do misteacuterio originaacuterio daacute-se o errar ldquoEste vaiveacutem do homem no qual ele

se afasta do misteacuterio e se dirige para a realidade corrente sai de um objeto da

vida cotidiana para outro desviando-se do misteacuterio ele eacute o errar78

rdquo O homem

um ek-sistente um lanccedilado para fora de si no mundo insistentemente Com

isso eacute o homem des-guardado no aiacute do aberto Como errante ele eacute lanccedilado

para fora no aberto do cotidiano e se relaciona com os outros entes com o

Mundo Diz Heidegger

O homem erra O homem natildeo cai na erracircncia em um momento dado

() erracircncia se revela como o espaccedilo aberto para tudo que se opotildee agrave verdade essencial () aquilo que o haacutebito e as doutrinas filosoacuteficas chamam de erro isto eacute a natildeo-conformidade do juiacutezo e a falsidade do

conhecimento eacute apenas um modo e ainda o mais superficial de errar () A erracircncia domina o homem enquanto o leva a se desgarrar Pelo

desgarramento poreacutem a erracircncia tambeacutem contribui para fazer nascer esta possibilidade que o homem pode tirar da ek-sistecircncia e que

consiste em natildeo se deixar levar pelo desgarramento O homem natildeo sucumbe no desgarramento se ele mesmo eacute capaz de provar a erracircncia enquanto tal e de natildeo desconhecer o misteacuterio do ser-aiacute

79

Eacute da essecircncia do homem enquanto ek-sistente a erracircncia Tanto mais

errante como tambeacutem mais aberto ao misteacuterio do ser mais homem ele eacute

Provando da erracircncia corre o homem o risco de aiacute perder-se no

desgarramento Evitando esta erracircncia nega ele sua essecircncia Eacute necessaacuterio

entatildeo um enfrentamento onde o homem como o que se arrisca mais ponha-

se diante dessa possibilidade de perder-se Eacute soacute na peossibilidade de perder-

se que pode este se encontrar Assim para Heidegger o homem arrisca-se na

erracircncia com a constante abertura ao misteacuterio mas o misteacuterio eacute aquele que se

potildee em fuga diante de toda investigaccedilatildeo Daiacuteo pensar para Heidegger que se

pretende aberto ao misteacuterio natildeo poder ser do tipo investigativo do tipo que

forccedila abertura que rasga Pois no oculto do misteacuterio eacute como se estiveacutessemos

em matildeos uma pedra e quebrando-a ao meio quiseacutessemos saber o que haacute em

seu interior Ao quebrar o dentro se potildee em fuga ocultando-se dentro dos dois

pedaccedilos resultantes da quebra Nessa quebra violenta soacute nos deparamos com

o fora o superficial o sempre aberto O interior sempre se resguarda Assim eacute

78

A essecircncia da verdade p208 79

Idem p 209

55

o misteacuterio Quanto mais forccedilamos sua adveniecircncia mais em fuga ele se potildee

Na arte natildeo haacute um forccedilar abertura mas um permitir um aguardar paciente

Diante esse ser que se resguarda no misteacuterio ora doando-se ora

pondo-se em fuga poetas e pensadores como guardiatildees desse saber que

abre satildeo os caminhantes desse Holzwege Caminho de Floresta dessa

vereda deste terceiro caminho que Parmecircnides em seu poema Da Natureza

indica como aquele descaminho que leva ao nada ao que se potildee em fuga Eacute

nessa vereda nesse Αηραπός nesse caminho de floresta que se daacute o

avizinhanccedilar-se do ser Para adentrar em tal vereda contudo eacute necessaacuterio

arriscar-se frente agrave possibilidade de perder-se no caminhar de cair em um

poccedilo Soacute aiacute eacute possiacutevel avizinhaccedilar-se da fonte principial Poetas e pensadores

satildeo capazes de nomear nesse calar-se Sua linguagem eacute silenciosa Qual o

modo desse silecircncio De que modo eacute o dizer da arte um dizer silencioso Satildeo

nessas questotildees que nos deteremos nos passos seguintes

33 Pensamento poeacutetico Um dizer silencioso

Vimos que a essecircncia da arte em Heidegger se apresentou como um

pocircr-em-obra o acontecimento da verdade onde essa verdade eacute pensada como

clareira abertura A arte potildee-em-obra a verdade do ente Enquanto obra a arte

eacute abertura eacute adveniecircncia do ser ao ente do que eacute para o que estaacute sendo do

natildeo-vigente agrave vigecircncia Poderia ser dito poreacutem com a possibilidade de maacutes

interpretaccedilotildees o que nos adverte o proacuteprio filoacutesofo80

que a arte eacute uma

passagem do nada ao ente Este nada natildeo deve ser aqui pensado como o

nada do niilismo O nada aqui eacute pensado como o natildeo-ente o natildeo-presente

que apesar de natildeo ser um ente eacute sua fonte principial eacute originaacuterio Ser e nada

80

Α origem da obra de arte pp 181-183

ldquoEscrever o que natildeo acontece eacute tarefa da

poesiardquo Manoel de Barros Menino do mato

ldquoSobre o que natildeo se pode calar devemos

silenciarrdquo Ludwig Wittgenstein Tractatus Logico-Philosophicus

56

se pensados com cuidado de natildeo os identificar diretamente podem ser

pensados juntos em sua proximidade

E a verdade surge do nada De fato se pensado com o nada do mero natildeo sendo e se nisso o sendo eacute representado como aquele

existente habitual que depois atraveacutes do entre-permanecer da obra vem agrave luz como o que apenas pretensamente eacute o verdadeiro sendo e assim fica abalado A verdade nunca eacute colhida do existente e do

habitual Abertura do aberto e a clareira do sendo acontecem muito mais somente no que a abertura adveniente se delineia na

projeccedilatildeo81

Toda passagem do natildeo-vigente ao vigente todo brotar da θύζης (fiacutesis) eacute

ποίεζης (poiacuteesis) ou seja todo acontecimento da verdade (Ereignis) toda

abertura como clareira eacute poesia Assim tanto o desencobrimento da teacutecnica

seja ela claacutessica ou moderna como o des-encobrimento da obra-de-arte satildeo

poiacuteesis poreacutem enquanto na teacutecnica moderna o que eacute posto eacute produzido como

algo acabado como pronto no pocircr-em-obra da arte assim como na teacutecnica

claacutessica enquanto ηέτλε o que adveacutem eacute encaminhado como princiacutepio

(Anfang) como inaugural movimento

Na teacutecnica moderna o posto adveacutem por meio de uma com-posiccedilatildeo (Ge-

stell ζσλ-ζέζης) como disponibilidade Na obra de arte o que pela obra eacute

posto em obra adveacutem como disputa confronto Na forma do conceito o com-

posto eacute identitaacuterio unidade eacute ponto final Jaacute na disputa originaacuteria a cada

momento se da diferenccedila A multiplicidade de sentido que eacute dada natildeo permite

um ponto final mas sempre uma reticecircncia eacute abertura de possibilidades Nas

palavras de Heidegger

Encarada em sua essecircncia a arte eacute uma sagraccedilatildeo e um refuacutegio a saber a sagraccedilatildeo e o refuacutegio em que cada vez de maneira nova o

real presenteia o homem com o esplendor ateacute entatildeo encoberto de seu brilho a fim de que nesta claridade possa ver como maior

pureza e escutar com maior transparecircncia o apelo de sua essecircncia

Como a arte a ciecircncia tampouco eacute apenas um desempenho da

cultura do homem Eacute um modo decisivo de se apresentar tudo que eacute e estaacute sendo

82

()

Em oposiccedilatildeo a isso a ciecircncia natildeo eacute nenhum acontecer originaacuterio da

verdade mas sempre a ampliaccedilatildeo de um acircmbito de verdade jaacute aberto e de certo atraveacutes do compreender e fundamentar do que se mostra

na sua esfera como o correto possiacutevel e necessaacuterio Quando e na

81

Idem 82

Ciecircncia e pensamento do sentido p 39

57

medida em que uma ciecircncia vai mais aleacutem do correto para uma verdade isto eacute para o desencobrimento essencial do sendo como tal

entatildeo ela eacute filosofia83

Esse natildeo habitual natildeo-vigente que vem a ser pela poiacuteesis foi a muito

rechaccedilado pela tradiccedilatildeo metafiacutesica enquanto loacutegica O ser foi pensado nesta

tradiccedilatildeo como o ente e este como o vigente o presente o dado e da mesma

forma o natildeo-vigente o ausente foi pensado como o nada e seguindo o

raciociacutenio o aparente foi dado como o erro imagem como o que natildeo se

adeacutequa ao ente Nada ser (ente) e aparecircncia seriam as trecircs vias de

conhecimento a qual o homem poderia movimentar-se As trecircs vias que

segundo Parmecircnides se relacionavam com a verdade Destas trecircs vias uma

necessariamente logicamente deveria ser abandonada pois natildeo era

verdadeiramente uma via mas um αηραπός um natildeo-caminho uma vereda

Holzwege (caminho de floresta) Sendo assim natildeo levaria o homem justo a

lugar nenhum Esta vereda era a via que dizia respeito ao nada ao natildeo-ser

Falar sobre este nada seria a ruiacutena deste justo seria a ruiacutena do conhecimento

loacutegico A loacutegica do pensar reto seria desfeita nessa empreitada

Aiacute em Parmecircnides daacute-se o primeiro momento de rechaccedilamento desta

terceira possibilidade Em Aristoacuteteles aparece na expressatildeo do terceiro

excluiacutedo84

Todo ente ou eacute de certa forma ou o seu oposto Qualquer outra

possibilidade fica entatildeo excluiacuteda Pensar em uma terceira possibilidade eacute ferir o

segundo princiacutepio supremo do pensar loacutegico Podemos ver tanto no princiacutepio

da contradiccedilatildeo como no do terceiro excluiacutedo um abandono do pensar acerca

do nada A linguagem que diz respeito ao homem eacute a linguagem loacutegica Ela

proiacutebe o dizer sobre o nada Contudo mesmo que Parmecircnides e Aristoacuteteles

venham a proibir a reflexatildeo sobre o nada essa proibiccedilatildeo jaacute se apresenta como

um pensar Aiacute ouve um pensar cuidadoso temeraacuterio frente agrave vereda que seria

pensar sobre este nada Natildeo haacute ainda um abandono desta questatildeo mesmo

que com a reflexatildeo sobre ela seja isso que foi proposto Este afastamento

com o desenvolvimento da Ciecircncia da Loacutegica e da Metafiacutesica torna-se um

esquecimento O nada eacute esquecido e com ele a possibilidade de pensar o ser

83

Origem da obra de arte p 157 84

Metafiacutesica pp179-181 Γ 7 ndash 1011b 23-1012a 28

58

como essa outra possibilidade como esse natildeo-vigente Funda-se o impeacuterio da

loacutegica e do ente Eacute nos moldes desse impeacuterio que a Metafiacutesica desenvolve sua

dominaccedilatildeo a todo o pensar da tradiccedilatildeo ocidental numa ldquomecacircnica conceitualrdquo

blindada a qualquer tentativa de des-construccedilatildeo

Soacute com o desmoronamento interno deu-se iniacutecio a queda deste impeacuterio

A proacutepria reflexatildeo loacutegica sob a ameaccedila de autodestruir-se urge pela

necessidade de outra possibilidade de pensamento por outro modo de

linguagem Escuta-se como a voz de um fantasma pois haacute muito tempo

abandonado e esquecido o apelo do ser deste nada que havia sido

rechaccedilado Essa necessidade de outra linguagem eacute interna a proacutepria loacutegica ao

pensar em seus fundamentos pois na proacutepria delimitaccedilatildeo de seu objeto de

pesquisa esta se remete a algo que lhe eacute externo remete-se a esse nada

Trata a loacutegica do ente e nada mais85

e como dizem Platatildeo86

e Aristoacuteteles87

a

sabedoria a ciecircncia de algo eacute tambeacutem a ciecircncia de seu contraacuterio Quem

conhece a boa poesia eacute justamente quem conhece a maacute poesia Quem sabe o

que faz bem agrave sauacutede sabe o que natildeo lhe faz bem Quem busca o saber das

causas primeiras das coisas primeiras dos entes em si pura e simplesmente

conhece o natildeo-ente

Poreacutem acerca deste natildeo-ente neste terceiro caminho soacute o silecircncio eacute

proacuteprio Nesse sentido encontramos a defesa do pensar heideggeriano acerca

do poeacutetico Contudo para tal dizer genuinamente poeacutetico eacute preciso libertar a

linguagem da gramaacutetica assim como eacute preciso libertar a filosofia das

disciplinas acadecircmicas como eacute necessaacuterio libertar a arte das concepccedilotildees

esteacuteticas Haacute outro acircmbito da linguagem o da nomeaccedilatildeo do pocircr-vir Assim diz

Heidegger

A linguagem eacute a morada do ser Na habitaccedilatildeo da linguagem mora o

homem Os pensadores e os poetas satildeo os guardiotildees dessa morada ()Libertar a linguagem da gramaacutetica conduzindo-a para uma

85

O que eacute metafiacutesica p 115-116 86

No Ion Socrates ao interrogar Iacuteon acerca de Homero o faz dizer que aquele que conhece o que eacute bom para uma ciecircncia eacute o mesmo que conhece o que eacute mal Por exemplo eacute o meacutedico

aquele que conhece o que traz sauacutede e tambeacutem o que tira a sauacutede 87

Assim diz Aristoacuteteles ldquoA mesma ciecircncia compete o estudo dos contraacuteriosrdquo Metafiacutesica p135

Γ2 1004a 9-10

59

estrutura essencial mais originaacuteria eacute uma tarefa reservada ao pensar e poetar

88

Eacute na linguagem artiacutestica onde o embate vigoroso entre Terra e Mundo

se daacute na co-pertenccedila de ambos em tal equiliacutebrio que nenhum se sobressai

sobre o outro que se entende esse silecircncio poeacutetico Desse embate primordial

pela forccedila do que se potildee com o que se res-guarda acontece um aquietar-se

um repouso Silecircncio e repouso natildeo satildeo de forma nenhum algo como uma

ausecircncia Satildeo na verdade pura atividade Da disputa daacute-se a co-pertenccedila na

diferenccedila de ambos entre Terra e Mundo entre coisa e mundo O dizer

poeacutetico

Evoca originariamente a partir da simplicidade de um chamado

iacutentimo esse que evoca a diferenccedila sem dizecirc-la () A linguagem fala deixando vir o chamado coisa-mundo e mundo-coisa no entre da

diferenccedila ()Quieto natildeo eacute de maneira nenhuma o que natildeo soa Natildeo soar eacute somente natildeo estar na movimentaccedilatildeo de entoar e soar () A

falta de movimentaccedilatildeo eacute somente o outro lado do repouso () O repouso movimenta-se muito mais do que um movimento e tem muito mais movimentaccedilatildeo do que qualquer moccedilatildeo () quando coisa e

mundo estatildeo quietos no seu proacuteprio a diferenccedila convoca mundo e coisa para o meio de sua intimidade

89

Percebe-se entatildeo que silenciar-se natildeo eacute pensado como um calar-se

como se deu pela tradiccedilatildeo metafiacutesica-loacutegica-cientiacutefica Pois num mero calar-

se o que haacute eacute um abandono No silecircncio em oposiccedilatildeo ao abandono haacute uma

aproximaccedilatildeo uma busca da intimidade do co-responder daacute-se um modo

primordial da linguagem Uma escuta que permite a colheita do destinado pelo

ser Aquela escuta dada na pausa na reticecircncia de um dizer aquele suspiro

Um repouso que natildeo eacute estagnaccedilatildeo mais o autecircntico movimento Soacute quem

silencia eacute quem diz e pensa autenticamente Silenciar-se eacute da essecircncia do

falar Quem natildeo tem linguagem natildeo silencia assim como quem natildeo possui

movimento natildeo pode repousar

Diante da vereda que eacute este terceiro caminho o caminhante cuidadoso

se vecirc em ἀπορία aporia Percebe que precisa respirar e escutar um pouco do

que lhe circula Entatildeo repousa escuta e mira ao redor para o dentro e o fora e

88

Cartas sobre o humanismo p 326 89

A linguagem pp 22-23

60

ainda para aleacutem do ente do presente Aqui ldquomirar significa adentrar o

silecircnciordquo90

ldquoEle escuta agrave medida que pertence ao chamado da quietuderdquo91

Esse eacute modo o do dizer artiacutestico do nomear poeacutetico do falar essencial do

homem

Os mortais falam a partir da diferenccedila no sentido da diferenccedila como

um corresponder O falar dos mortais deve antes de tudo escutar o chamado pois eacute como chamado que o quieto da diferenccedila evoca o

rasgo de coisa e mundo Cada palavra falada pelos mortais fala desde essa escuta como essa escuta Os mortais falam agrave medida que escutam

92

Falamos diversas vezes em arte e poesia mas seraacute que estas satildeo uma

mesma coisa Pensemos um pouco nesse questionamento buscando

semelhanccedilas e diferenccedilas antes de prosseguirmos com o percurso A arte eacute

poiacuteesis poreacutem a θύζης tambeacutem o eacute O poieacutetico eacute bem mais amplo que o

artiacutestico Poesia natildeo eacute pensada aqui estritamente como a escrita do poema

Poiacuteesis eacute tudo que eacute do acircmbito da eclosatildeo do vir-a-ser do brotar adveniecircncia

Eacute fala inaugural Poiacuteesis eacute linguagem quando esta natildeo eacute pensada como mera

expressatildeo modo de comunicaccedilatildeo por letras ou sons Eacute linguagem no sentido

de um narrar inaugural fundador como abertura e morada do ser Assim diz

Heidegger nos paraacutegrafos finais do ensaio A origem da obra de arte

A poiacuteesis eacute a fala inaugurante do desvelar do sendo () poiacuteesis eacute aqui pensada em um sentido tatildeo amplo e ao mesmo tempo numa

unidade essencial tatildeo iacutentima com a linguagem e a palavra que precisa ser deixado em aberto a questatildeo se a arte em verdade em

todos os seus modos - da arquitetura ateacute a poesia esgota a essecircncia da poiacuteesis A proacutepria linguagem eacute poiacuteesis em sentido original

93

Com esse indagar fomos levados da questatildeo da arte como inaugural ao

acircmbito mais amplo da poiacuteesis e da linguagem Seguindo entatildeo o fio condutor

do caminho que estaacute sendo aberto ao se caminhar pensemos acerca da

poiacuteesis do poeta e de sua linguagem Pelo visto poetar eacute entatildeo linguagem em

sentido amplo e originaacuterio poreacutem natildeo soacute o poeta eacute o guardiatildeo dessa morada

do ser Satildeo os pensadores e poetas seus guardiotildees e em sua profunda

conexatildeo com a linguagem estaacute o seu parentesco sua proximidade uma

90

A linguagem na poesia p 35 91

A linguagem p 26 92

Idem p25 93

A origem da obra de arte p 189

61

linguagem que tem na disputa a sua essecircncia O que na linguagem dos

poetas e pensadores vem-a-ser vem como disputa Bem diferente eacute a

linguagem da loacutegica que conceitua e define limitando em algo pronto No

poetar e pensar o nomeado eacute constante adveniecircncia do novo eacute brotar

principial

A questatildeo da linguagem em Heidegger eacute ao lado das questotildees do ser

e da verdade a questatildeo do seu pensar Assim diz Gadamer acerca da filosofia

heideggeriana ldquoSe quisermos colocar em discussatildeo a significaccedilatildeo da filosofia

de Martin Heidegger natildeo podemos fazer outra coisa senatildeo a partir da

experiecircncia fundamental () de uma nova experiecircncia da linguagem da

filosofiardquo94

Ao pensar ser e verdade como adveniecircncia abertura constante de

uma disputa originaacuteria torna-se necessaacuterio uma nova experiecircncia com a

linguagem Como se deu com Aristoacuteteles e seu pensar do ser Onde o que

estava antes de qualquer coisa era o ente a substacircncia Necessitou-se aiacute uma

nova experiecircncia com a linguagem que vigora ateacute o presente como linguagem

loacutegica Com uma mudanccedila no sentido do ser daacute-se em conjunto com esta

uma mudanccedila fundamental na linguagem Eacute na linguagem dos poetas que esta

nova linguagem encontra sua guarda Eacute tarefa dos pensadores e dos poetas

levar a linguagem para o que estaacute aleacutem do presente no sentido de um

encaminhar para o misteacuterio

Em seu pequeno ensaio Houmllderlin e a essecircncia da poesia escrito como

que um complemento ao A origem da obra de arte Heidegger faz a passagem

da questatildeo da arte para a questatildeo mais ampla que eacute a do poetar Escrito em

um mesmo periacuteodo os dois escritos satildeo como que um uacutenico corpo acerca da

arte e do poeacutetico Neste ensaio o pensador parte de cinco palavras-guias do

poeta Houmllderlin o qual nutre grande apreccedilo para desenvolver seu pensar

sobre a essecircncia da poesia O ensaio se apresenta entatildeo como um diaacutelogo

entre pensador e poeta um diaacutelogo do pensamento Buscando por meio

destas palavras-guias pensar sobre a essecircncia da poesia Inicia o ensaio

justificando sua escolha por Houmllderlin para o caminho que entatildeo seraacute traccedilado

Diz

94

Heidegger e a linguagem p23

62

Por que foi escolhida a obra de Houmllderlin com o propoacutesito de mostrar a essecircncia da poesia Por que natildeo Homero ou Soacutefocles por que

natildeo Virgilio ou Dante por que natildeo Shakespeare ou Goethe Nas obras desses poetas foi realizada a essecircncia da poesia tatildeo ricamente ou ainda mais do que na criaccedilatildeo de Houmllderlin tatildeo imatura e

bruscamente interrompida () unicamente porque estaacute carregada com a determinaccedilatildeo poeacutetica de poetizar a proacutepria essecircncia da poesia

Houmllderlin eacute para noacutes em sentido extraordinaacuterio o poeta dos poetas95

Para Heidegger eacute com Houmllderlin que se tem o poetar sobre o poetar Daiacute

sua escolha entre tantos poetas Houmllderlin nomeia a essecircncia da poesia da

poiacuteesis Cria com seu dito uma clareira para a disputa originaacuteria entre Terra e

Mundo Podemos ver por este ensaio a forccedila do poetar no expressar-se por

uma linguagem natildeo conceitual que se apresenta ateacute como contraditoacuteria ao

permitir o que pela linguagem loacutegica seria de iniacutecio reprimido Citemos entatildeo

as cinco palavras-guias para que possamos acompanhar o pensar

heideggeriano sobre o poetar de Houmllderlin

i) Poetizar ldquoa mais inocente de todas as ocupaccedilotildeesrdquo (III 377)

ii)rdquoe foi dado ao homem o mais perigoso dos bens a linguagem Para que testemunhe o que eacuterdquo (IV 246)

iii) ldquoO homem tem experimentado muito Nomeado a muitos celestes Desde que somos um diaacutelogo

E podemos ouvir uns aos outrosrdquo (IV 343) iv) ldquoMas o que permanece instauram os poetasrdquo (IV 63)

v) ldquoPleno de meacuteritos mas eacute poeticamente que o homem habita esta terrardquo (VI 25)

96

Eacute a poesia a mais inocente e aleacutem disso o mais perigoso dos bens do

homem Eacute por meio dela que testemunhamos quem somos Em oposiccedilatildeo ao

expressar-se loacutegico formal intencional produtivo o dizer poeacutetico eacute pura

inocecircncia eacute a simples abertura do coraccedilatildeo ao destinado pelo ser Eacute a

inocecircncia frente agrave intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem o bem mais perigoso pois se eacute pela

linguagem que o homem testemunha quem eacute eacute tambeacutem por ela que pode dar-

se sua decadecircncia Eacute no natildeo cuidado com o dizer que mora o maior perigo

Pensando com o que foi dito anteriormente o homem encontra-se ameaccedilado

pela teacutecnica moderna O maior perigo poreacutem natildeo proveacutem de suas armas e

bombas entre tantos outros perigos O maior perigo estaacute no seu dizer Um

dizer que se mostrou apenas como siacuten-tese com-posiccedilatildeo Um dizer que forccedila

explorando a terra a se dispor produzir energia Nesse dizer moderno que

95

Holderlin e a essecircncia da poesia Traduccedilatildeo livre feita por mim p 1-2 DE ONDE 96

Idem p1

63

podemos bem pensar quase como que outra coisa menos um dizer genuiacuteno

como mera repeticcedilatildeo do acircmbito do jaacute aberto eacute que mora o maior perigo pois eacute

o abandono da outra possibilidade qualquer outra possibilidade Eacute natildeo

abertura a proveniecircncia do misteacuterio do ser O enrijecimento no posto no

habitual Eacute portanto a linguagem enquanto loacutegica o maior perigo ao homem

atual pois eacute pela linguagem que o homem vem a ser homem e eacute por ela que

se daacute a morte essencial deste mesmo homem

Para pensar no perigo que eacute esse bem doado ao homem faccedilamos uma

aproximaccedilatildeo deste ensaio com a conferecircncia Cartas sobre o humanismo para

que se ponha de forma mais vigorosa a questatildeo da linguagem e a ameaccedila que

acompanha o seu des-cuidado Nesta conferecircncia Heidegger pensando no

humanismo como uma reflexatildeo acerca da essecircncia do homem desenvolve

partindo do que eacute dito pela tradiccedilatildeo acerca dessa essecircncia sua concepccedilatildeo de

homem O homem eacute um δῳολ ιόγολ ἒτολ97

traduzida pelo pensar latino como

o homem eacute um animal racional Para a tradiccedilatildeo a essecircncia do homem estaacute na

faculdade da razatildeo E razatildeo nesta tradiccedilatildeo eacute o pensar loacutegico reto e natildeo

contraditoacuterio que exclui qualquer terceira possibilidade Logo o homem eacute um

ser loacutegico Pensando com o dito aristoteacutelico ιόγολ eacute dizer eacute linguagem

Estariacuteamos mais proacuteximo do que aiacute foi dito pensando que o homem eacute um

anima um ser vivo que fala que possui linguagem Eacute a linguagem que daacute

origem ao homem

A soberania da linguagem loacutegica rechaccedilou a outra possibilidade de fala

a do dizer poeacutetico O homem tornou-se o efetivo o loacutegico Aquele que produz e

domina todo o concreto inabalaacutevel pelo menos ateacute sentir que o que lhe dava o

poder o domiacutenio ameaccedila lhe dominar O seu maior bem se mostra agora

como sua maior ameaccedila As grades que eram vistas como seguranccedila ao

adverso torna-se sua prisatildeo Urge entatildeo o diaacutelogo com este outro pensar

Nesta noite do mundo daacute-se a necessidade de uma linguagem que seja

clareira Na seguranccedila de cada um isolado em suas casas em seus

monoacutelogos o diaacutelogo se apresenta crucial pois ldquodesde que somos diaacutelogo e

97

Carta sobre o humanismo p 335

64

podemos ouvir uns aos outrosrdquo este isolamento eacute sempre soacute a perdiccedilatildeo Nossa

indigecircncia realiza-se no abandono do outro

Enquanto mortais o ciclo de nascimento e morte nos eacute essencial A

histoacuteria eacute diaacutelogo ldquoSer um diaacutelogo e ser histoacuterico satildeo ambos igualmente

antigos se pertencem um ao outro e satildeo o mesmordquo 98

e o que nessa histoacuteria

permanece eacute instaurado pelos poetas ldquoA poesia eacute a instauraccedilatildeo do ser com a

palavrardquo99

Sendo adveniecircncia poiacuteesis eacute instauraccedilatildeo eacute obra Os poetas

instauram o ser como clareira como luta entre velado e desvelado Eacute na

linguagem poeacutetica que habita o homem Assim diz a quinta palavra-guia do

ensaio ldquopleno de meacuteritos mas eacute poeticamente que o homem habita essa

terrardquo Eacute nesse diaacutelogo poeacutetico de um com o outro que se abre a clareira de seu

habitar e natildeo no isolamento residencial do morar protegido do misteacuterio do que

possa advir Eacute pois poeticamente que o homem habita Diante disto podemos

ver no periacuteodo atual o quatildeo in-essencial o quatildeo indigente encontra-se a

humanidade

Diante essa indigecircncia perguntamos anteriormente Como enfrentarmos

esta ameaccedila que se apresenta Eacute possiacutevel que a arte ou de forma mais

ampla que a poesia possa confrontar esse perigo Eacute essa outra possibilidade

suficiente como fuga da crise E aleacutem do questionado eacute ainda possiacutevel que

diante de tanta teacutecnica se instaure outra forma de se viver de habitar essa

terra Para pormo-nos diante esses questionamentos adentraremos em um

escrito heideggeriano chamado Para que poetas

34 Poetas em tempos indigentes Um salto na vereda

Diante a crise que ameaccedila o homem em sua essecircncia pensemos na

tarefa destinada aos poetas e com eles os pensadores Pensar portanto se e

como eacute a tarefa destes poetas e pensadores diante este modo teacutecnico de viver

e de pensar Viver teacutecnico este em oposiccedilatildeo ao viver entendido por Heidegger

como aquele brotar sempre novo na disputa da clareira poderia ser pensado

quase como um natildeo-viver Uma teacutecnica exploradora onde todos os entes e o

98

Houmllderlin e a essecircncia da poesia p 6 99

Idem p 7

65

proacuteprio homem deixam de ser o que satildeo essencialmente enquanto θὺζεης

ὄληα seres da fiacutesis para decaiacuterem em meros artefatos seres produzidos Seja

para o comeacutercio o trabalho o poder ou seja como mera disponibilidade

Diante uma aproximaccedilatildeo do ensaio Para que poetas (1946) texto pertencente

ao mesmo conjunto de ensaios de A origem da obra de arte com o todo ateacute

aqui caminhado buscaremos um confronto do caminhado com o questionado

Este conjunto de textos do qual esses ensaios fazem parte tem como tiacutetulo a

palavra essencial Holzwege A versatildeo portuguesa traduziu-a seguindo a

indicaccedilatildeo dada pelo proacuteprio autor no iniacutecio da obra por Caminhos de floresta

Aiacute Heidegger diz assim

Holz [madeira lenha] eacute um nome antigo para Wald [floresta] Na floresta [Holz] haacute caminhos que o mais das vezes sinuosos terminam perdendo-se subitamente no natildeo-trinhado

Chamam-se caminhos de floresta [Holzwege]

Cada um segue separado mas na mesma floresta [Wald] Parece muitas vezes que um eacute igual ao outro Poreacutem apenas parece ser assim

Lenhadores e guardas-florestais conhecem os caminhos Sabem o que significa estar metido num caminho de floresta

100

Holzwege eacute esse sinuoso caminho sempre ainda natildeo-trilhado no qual o

caminhante ao percorrecirc-lo inaugura uma trilha Abrindo para outros

posteriores caminhantes uma trilha Este extra-ordinaacuterio caminho inaugurado eacute

um caminho do pensamento da linguagem da poiacuteesis do ser Sendo antes

de ser percorrido um caminho fechado eacute ainda um natildeo-caminho Parmecircnides

o chama de αηραπός e por um lado proiacutebe ao justo por ele se arriscar a

caminhar por outro lado ao pensar acerca deste caminho no natildeo-dito nos diz

para por ele nos enveredarmos com o maior cuidado possiacutevel Eacute nesse

caminho fechado da floresta eacute portanto nessa vereda que desde o iniacutecio

desta pesquisa cuidadosamente buscamos adentrar Se caminhamos

lentamente eacute porque diferente de se seguir uma trilha jaacute pronta jaacute aberta aqui

estamos nos enveredando em uma constante disputa com o misteacuterio do

adveniente por um Holzwege

100

Caminhos de floresta p3

66

Esta reflexatildeo se deu a princiacutepio sobre a questatildeo da crise atual Uma

crise que ameaccedila o homem ao ameaccedilar sua linguagem e seu pensar no que

neste haacute de mais essencial O que nos levou a pensarmos na teacutecnica que por

sua vez nos fez pensar na teacutecnica moderna Vimos que esta teacutecnica tem em

sua essecircncia tudo a ver com a questatildeo da verdade com a αιήζεηα pois esta

teacutecnica eacute um modo de des-encobrimento Verdade em Heidegger eacute uma

questatildeo inseparaacutevel da questatildeo do ser Com isso adentramos ao cerne do

pensar heideggeriano A questatildeo do ser e da verdade se pocircs em evidecircncia

Verdade como disputa entre des-encobrimento e encobrimento e ser pensado

como acontecimento-poeacutetico apropriativo Ereignis que adveacutem do misteacuterio do

natildeo-vigente nos transpuseram ao acircmbito da ποίεζης poiacuteesis Seguindo entatildeo

a proacutepria indicaccedilatildeo heideggeriana apresentada no final do seu ensaio sobre a

questatildeo da teacutecnica que nos mostra que em seu primoacuterdio teacutecnica como ηέτλε

e arte satildeo consanguumliacuteneos enquanto poiacuteesis satildeo dois modos de des-

encobrimento de verdade de acontecimento do ser Assim passamos ao

acircmbito da arte Pensamos esta em sua essecircncia como pocircr-em-obra o

acontecimento da verdade do ente Como obra que da disputa constante entre

o que se desvela e o que se oculta se mostrou como clareira como

inauguraccedilatildeo

Foi assim que do acircmbito da arte passamos ao do poeacutetico Este acircmbito

foi pensado em sua maior amplitude ou seja como tudo aquilo que adveacutem do

natildeo-vigente ao vigente Essa adveniecircncia daacute-se na linguagem Linguagem eacute a

morada do ser eacute abertura clareira Entatildeo ser verdade e linguagem de forma

entrelaccedilada se puseram como a vereda da qual adentrariacuteamos Temas centrais

heideggerianos da qual qualquer reflexatildeo que envolva o seu pensar natildeo pode

escapar Eacute diante essa vereda que nos questionamos eacute a linguagem poeacutetica

essa outra possibilidade que guarda a medranccedila do que salva Se ela eacute essa

possibilidade como se daraacute o enfrentamento agrave crise Devemos entatildeo substituir

a linguagem loacutegica fonte dessa crise atual pela linguagem poeacutetica como

resposta a crise atual Se natildeo qual o outro caminho ainda a se seguir Ou natildeo

haacute possibilidade alguma que venha a salvar o homem da ameaccedila que lhe

pesa

67

Para o homem essa linguagem eacute o bem mais perigoso que lhe foi

doado Bem pois eacute ela que lhe doa a sua essecircncia O homem eacute um ente que

fala eacute um δῳολ ιόγολ contudo este que lhe doa a essecircncia eacute tambeacutem o que

o levar a correr o risco de perder-se como eacute o caso da crise identificada por

Heidegger O homem enquanto Da-sein enquanto presenccedila que estaacute aiacute no

mundo em relaccedilatildeo com como um lanccedilado para fora um Ek-sistente corre

este risco Como guardiatildeo da linguagem morada do ser eacute este o ente que se

encontra jogado mais agrave vizinhanccedila deste ser Sendo livre contudo para

corresponder ou natildeo ao destinado por este ser podendo portanto correr o

risco o que o leva a sua atual decadecircncia de natildeo corresponder a este

destinado Sua linguagem que em seu pleno vigor eacute um originaacuterio que nomeia

enquanto disputa enquanto diferenccedila pode decair como se daacute no homem

atual no mero expressar-se comum na linguagem formal do comercio de

opiniotildees

Re-pensar a linguagem eacute re-pensar o homem Arriscar-se na linguagem

eacute arriscar-se enquanto homem em oposiccedilatildeo agrave falsa seguranccedila da linguagem

pronta da loacutegica da gramaacutetica da academia Eacute arriscar-se a perder o solo o

fundamento do que lhe assegura Eacute preciso ir aleacutem da superfiacutecie do solo Eacute

preciso arriscar-se a cair no poccedilo em direccedilatildeo ao misteacuterio originaacuterio do ser Eacute

como esse que ousa cair que ousa saltar nesse poccedilo nesse abismo (Ab-

grund) que podem poetas e pensadores se relacionarem com a linguagem

Os pensadores sempre foram chamados de extravagantes ao ousarem dar

sentidos completamente in-habituais agraves palavras para dizerem o mais vigoroso

de seu pensar Assim foi Platatildeo e o εηδος Anaximandro e o seu ἄπεηρολ o

ιόγος de Heraacuteclito a Ge-stell heideggeriana Assim tambeacutem se daacute com a

ousadia inocente do poeta que canta Arriscando-se mais no caminho da

erracircncia permitem quando suportam a adveniecircncia do inaugural

acontecimento do ser

Neste mundo decadente do entendimento predicativo teacutecnico

comercial o ser como o que silenciosamente envia ausenta-se Falta o pensar

sobre o ser Assim diz Heidegger no ensaio Para que poetas

Com esta falta fica fora do mundo o fundo como aquilo que

fundamenta Originariamente abismo [Abgrund] significa o solo e o

68

fundo em direccedilatildeo ao qual tende encosta abaixo algo que estaacute pendurado Contudo o Ab seraacute pensado doravante como a

ausecircncia completa de fundo O fundo eacute o solo de um enraizar e de um erguer-se A era do mundo que carece de fundamento encontra-se suspensa no abismo Supondo que se encontra ainda reservada

uma viragem para este tempo indigente ela apenas poderaacute surgir se o mundo virar radicalmente ou seja dito de uma forma mais precisa

se ele virar a partir do abismo Na era da noite do mundo tem que se experimentar e suportar o abismo do mundo Mas para tal seraacute

necessaacuterio que haja quem consiga chegar ateacute ao abismo 101

Essa era atual do domiacutenio do entendimento teacutecnico loacutegico eacute a noite do

mundo Em seu periacuteodo matutino poetas e pensadores se jogaram no abismo

Como quem cai para o alto em direccedilatildeo ao divino e aiacute com um esforccedilo

tremendo disseram o originaacuterio Pensadores dizendo o ser e poetas o divino

contudo com o desenvolvimento da ciecircncia da loacutegica decai essa possibilidade

da linguagem O ser pondo-se em fuga eacute encoberto pelo ente Soacute resta

ausecircncia Ausecircncia de ser do divino do pensar ausecircncia do homem da

linguagem

Olhar verdadeiramente para este mundo eacute encarar o abismo Eacute natildeo fugir

na ilusatildeo da seguranccedila de um falso solo firme Eacute necessaacuterio encarar esse

abismo e suportaacute-lo ldquoSer poeta em tempo indigente significa cantar tendo em

atenccedilatildeo o vestiacutegio dos deuses foragidos Eacute por isso que no tempo da noite do

mundo o poeta diz o sagradordquo 102

Dizer o sagrado e pensar o ser eacute aiacute onde

cresce o perigo em sua unidade aquilo que guarda a medranccedila do que salva

Co-responder a este destino eacute a tarefa do poeta Co-responder ao destino natildeo

eacute um mero deixar-se levar pensado como uma apatia como ausecircncia mas eacute o

mais longe que cada um pode chegar ldquoCada um chega o mais longe possiacutevel

quando natildeo ultrapassa os limites do caminho que lhe foi destinadordquo 103

Em tempos de indigecircncia falta a coragem do permitir Na superficialidade

do correto da adequatio o homem atual se esconde Haacute aiacute um esconder-se

bem diferente do guardar-se que se daacute com o misteacuterio do ser da Terra como

aquela que abriga pois esconder-se eacute fugir jaacute o guardar-se eacute da proteccedilatildeo eacute

101

Para que poetas pp309-310 102

Idem p312 103

Idem p313

69

corresponder agrave luta necessaacuteria Eacute enfrentamento da outra possibilidade da

erracircncia

Quem eacute que hoje em dia se atreve a considerar-se familiarizado com a essecircncia da poesia bem como com a essecircncia do pensamento e

acha-se ainda suficientemente forte para conduzir ambas as essecircncias agrave mais extrema das discoacuterdias assim estabelecendo a sua concoacuterdia

104

O ser larga o ente ao risco como uma matildee que o solta para seu

desenvolvimento essencial portanto eacute como arriscado que este deve

corresponder agrave sua essecircncia Como enfrentamento como risco erracircncia como

disputa originaacuteria Correndo o risco de com isso termos de suportarmos

desiacutegnios mais pesados do que pensamos ser capazes de suportar Como diz

Houmllderlin por uma carta ao seu amigo

Oh amigo O mundo estaacute ante a mim mais claro que da outra vez e mais seacuterio Eu gosto como vai eu gosto como quando no veratildeo eu

vejo o pai sagrado com matildeo tranquila sacode a nuvem avermelhada com relacircmpagos de becircnccedilatildeo Pois entre tudo o que posso ver de

Deus eacute este sinal que se fez predileto Antes saltava de juacutebilo por uma nova verdade uma visatildeo melhor do que este sobre noacutes e ao nosso redor agora temo que me suceda no final o que ao velho

Tacircntalo que recebeu dos deuses mais do que poderia digerir 105

O poeta como mensageiro que se expotildee aos raios do divino que se ex-

potildee ao destinado do ser Traduzindo esse destinado em linguagem nomeando

de forma inaugural aos homens Sai da seguranccedila do habitual do meramente

dis-poniacutevel ao risco de ser esse mensageiro Assim Heidegger apresenta o

poeta como aquele que inverte ldquoa imanecircncia da consciecircncia calculadora para o

espaccedilo interior do coraccedilatildeordquo 106

Cantando o poeta transmigra do comerciante

ao anjo αγγειος mensageiro do divino do ser aos mortais

A ilusatildeo de seguranccedila dada pela loacutegica e seu inabalaacutevel sistema se

apresentou como a maior ameaccedila Entretanto a quem se arisca mais natildeo daacute-

se um esquecimento um abandono da fonte principial Haacute nesse arriscar-se

o contraacuterio Uma inversatildeo que do desamparo surge o abrigo No que se arrisca

104

Idem p317 105

Houmllderlin e a essecircncia da poesia p 9 106

Para que poetas p352

70

ao abandono surge agrave libertaccedilatildeo do habitual como um caminho puro

extraordinaacuterio a fonte inaudita do ser

O homem que se impotildee vive das apostas do seu querer Vive essencialmente arriscando o seu ser no acircmbito da vibraccedilatildeo do

dinheiro e do valer dos valores Sendo constantemente esse cambista e mediador o homem eacute o ldquocomercianterdquo Pesa e pondera sem parar embora natildeo conheccedila o verdadeiro peso das coisas () Mas ao

mesmo tempo o homem eacute capaz de criar ldquoum estar segurordquo fora da proteccedilatildeo virando o desamparo como tal para o aberto fazendo-se

integrar-se no espaccedilo cordial do invisiacutevel Se isso acontece entatildeo o insaciado do desamparo passa para laacute onde na uniatildeo equilibrada do espaccedilo interior do mundo surge o ser [Wesen] que traz agrave aparecircncia o

modo com o qual essa uniatildeo une representificando dessa forma o ser [Sein] Entatildeo a balanccedila do perigo passa do acircmbito do querer

calculante para o anjo 107

Assim denominamos aqui pensando com Heidegger esse arriscar-se

mais como a tarefa destinada aos poetas e pensadores Arriscar-se esse que

se daacute na forma de um salto (Ur-sprung) na vereda (Holzwege) Este salto na

vereda eacute o caminho por noacutes encontrado ateacute agora como o confronto a essa

crise que ameaccedila a essecircncia do homem poreacutem esse salto natildeo eacute ainda o

momento final deste nosso percurso pois nesse salto o poeta colhe do

misteacuterio do ser o novo inaugurante e em seguida retorna aos entes habituais

e cotidianos Retorna do salto ao mundo e aiacute cercado do habitual necessita

relacionar-se com o circundante

Portanto natildeo podemos pensar que a inversatildeo do pensar loacutegico no

pensar poeacutetico seria o derradeiro passo de nossa caminhada de enfrentamento

a crise Em uma inversatildeo do pensamento loacutegico que calcula ao pensamento

poeacutetico que medita natildeo haacute diaacutelogo carinhoso A inversatildeo da identidade para a

diferenccedila eacute manter-se no acircmbito da identidade Eacute a outra face da decadecircncia

da queda Tornar a diferenccedila a uacutenica possibilidade eacute abandonar de outra

forma a possibilidade de algo outro Eacute retorno a rigidez da imposiccedilatildeo Eacute outra

forma de ilusatildeo onde a diferenccedila eacute agora o fundamento Eacute como se

achaacutessemos que chegamos ao misteacuterio do oculto clareando-o Como jaacute vimos

teriacuteamos assim apenas outro modo do aberto mas de forma nenhuma o oculto

do misteacuterio

107

Idem p360

71

A destruiccedilatildeo da metafiacutesica natildeo eacute um abandono deste saber sobre os

entes Pois se eacute o homem um ente entre os outros entes a destruiccedilatildeo desta

forma de entendimento seria a destruiccedilatildeo do seu mundo Assim essa

destruiccedilatildeo deve tornar-se uma desconstruccedilatildeo uma superaccedilatildeo No sentido de

um abrir-se para outra possibilidade de saber de linguagem

A superaccedilatildeo eacute um reconhecimento do acircmbito deste entendimento

metafiacutesico Eacute um reconhecimento do acircmbito no qual deve manter-se essa

linguagem loacutegica natildeo um abandono Reconhece-se aqui que seu acircmbito eacute o

do habitual do aberto do disponiacutevel presente O poeacutetico deve ser pensado

como a outra possibilidade Natildeo como abandono mas como diaacutelogo Assim

necessitamos ainda de outro passo O poeacutetico como inauguraccedilatildeo que abre

como disputa uma possibilidade de desprendimento do habitual apresentou-

se como o meio de enfrentamento agrave crise Ela guarda a medranccedila do que

salva mas natildeo isolado como uacutenica possibilidade Natildeo eacute suficiente essa

inversatildeo Como meio o poeacutetico prepara para o passo seguinte

Adentraremos a seguir nesse derradeiro passo desta nossa

caminhada Confrontaremos por fim o ensaio Serenidade com os dois

primeiros ensaios que nos norteou ateacute aqui Entatildeo com esses trecircs diaacutelogos A

questatildeo da teacutecnica A origem da obra de arte e Serenidade dialogaremos com

o que aqui se pensou acerca da crise atual e de como enfrentarmos essa crise

Neste ultimo ensaio bastante tardio em seu pensar Heidegger nos indica uma

trilha por onde possamos nos enveredar Nele Heidegger nos fala sobre a

disposiccedilatildeo do homem a serenidade como uma disposiccedilatildeo capaz de

possibilitar um diaacutelogo entre a teacutecnica e a arte Um diaacutelogo que res-guarda a

essecircncia do misteacuterio ao inveacutes de lhe agredir Dialoguemos entatildeo com esse

ensaio cuidadoso e carinhosamente

72

4 O CAMINHAR SERENO UM AGUARDAR NA PROXIMIDADE DO

MISTEacuteRIO

Neste capiacutetulo pensaremos o ensaio Serenidade de Heidegger e

confrontaremos o aiacute pensado com o aqui questionado Partindo inicialmente da

questatildeo de ser o homem um ente entre os outros entes que portanto tem

como necessidade essencial este estar aiacute no Mundo em relaccedilatildeo contudo um

ente que tambeacutem estaacute aberto ao misteacuterio da Terra sendo ele fruto desta

disputa entre Terra e Mundo tem a necessidade para co-responder ao seu

destino de se arriscar nessa disputa geradora do que se apresenta e o que se

oculta Com isso pensaremos como da proposta de uma destruiccedilatildeo daacute-se o

pensar de uma desconstruccedilatildeo uma superaccedilatildeo da metafiacutesica do pensar loacutegico

da linguagem predicativa Passaremos desta reflexatildeo ao posicionamento que

por ele eacute desenvolvido no ensaio o da necessidade de uma co-pertenccedila entre

o pensamento que calcula com o pensamento que medita Entre a linguagem

loacutegica e a poeacutetica Pensando em seguida a questatildeo do misteacuterio do ser da

fonte principial Pensaremos por fim diante todo o percorrido na outra

possibilidade esta capaz de um confronto com a crise indicada no iniacutecio da

caminhada

41 Da Destruiccedilatildeo agrave Superaccedilatildeo da Metafiacutesica Acerca da Identidade e

Diferenccedila

No caminho ateacute aqui trilhado nos deparamos primeiramente com a

problemaacutetica acerca da teacutecnica como um modo de pensar dizer e portar-se

Ir-agrave-proximidade Parece-me agora que a

palavra poderia ser antes o nome para nosso passeio de hoje na vereda

Que nos guiou pela noite dentro cujo brilho eacute cada vez mais deslumbrante e supera em maravilha as estrelas porque

aproxima entre si suas distacircncias no ceacuteu pelo menos para o observador ingecircnuo

natildeo para o investigador exato Para a crianccedila no Homem a noite permanece a

aproximadoracostureira das estrelas Ela junta sem costura bainha nem linha

Heidegger Serenidade

73

diante o mundo como um modo de pocircr o mundo no qual em uacuteltima instacircncia

tudo se apresenta como mera dis-ponibilidade (Be-stand) resultado de uma

exploraccedilatildeo que apenas Com-potildee (Ge-stell) o aiacute jaacute dado Diante deste estaacutegio

da humanidade o Homem encontra-se ameaccedilado ao extremo em sua

essecircncia ameaccedilado a resumir-se ao caacutelculo agrave com-posiccedilatildeo ao comeacutercio ao

trabalho ameaccedilado a tornar-se escravo completo daquilo que surgiu para ele

como instrumento de auxiacutelio na dominaccedilatildeo das coisas que estatildeo sendo

Escravo da teacutecnica desse pensamento calculista o homem guardiatildeo do ser

guardiatildeo da linguagem eacute convocado a partir de um apelo silencioso pelo

destinado da fonte principial a outra possibilidade de estar-no mundo de

colocar o mundo Nesta noite do mundo ao pensar e natildeo apenas calcular

acerca da essecircncia da teacutecnica a arte a poesia e o pensamento que medita se

potildeem como essa outra possibilidade de um confronto a essa crise a essa

ameaccedila a qual ele se encontra

Ao pensar no que seja a arte e o pensamento em seu acircmago em suas

essecircncias a noacutes essas se apresentaram como um pocircr-em-obra como uma

inauguraccedilatildeo a adveniecircncia do natildeo-vigente ao vigente Enquanto na teacutecnica e

com ela a Metafiacutesica a loacutegica a Ciecircncia a filosofia enquanto conceituaccedilatildeo do

ente movimenta-se no acircmbito da com-posiccedilatildeo do que estaacute dado movimenta-se

como uma transformaccedilatildeo um sin-tese na poesia o que se daacute eacute um

nascimento daacute-se um brotar Daiacute surgem alguns questionamentos Eacute essa

outra possibilidade esse pensar poeacutetico jaacute a medranccedila do que salva Pode o

ente homem um ser-no-mundo um ser-com ser isto que eacute habitando nesta

outra possibilidade Seraacute essa mudanccedila essa inversatildeo do pensamento que

calcula representador para o pensamento poeacutetico inaugurador que medita jaacute

o caminho que diante o ateacute aqui trilhado se potildee como o que urge Qual a

trilha que ainda devemos ao caminhar dar abertura nessa vereda que nos

leve dos bdquofrios veacuteus da noite escura‟ ao bdquocalor dos dedos rosa da aurora‟ Em

que disposiccedilatildeo se daraacute essa nova manhatilde que do sereno nos doa gotas de

orvalho seiva de um novo brotar Enveredemos ainda um pouco mais por

estas sendas do pensamento e nos deixemos ser envolvidos pelo que a noacutes for

destinado neste caminhar

Para Heidegger o homem o Dasein eacute aquele ente privilegiado que se

encontra que cria ao co-responder que eacute aceito no entre na abertura na

74

clareira do ser Eacute aquele que estaacute entre o natildeo-vigente e o vigente entre o

fechado e o aberto poreacutem estes abertos e fechados vigentes e natildeo-vigentes

natildeo devem ser aqui pensados com opostas mas como co-generes co-

respondentes O homem eacute aquele ente ao qual eacute destinado pela fonte

principial que eacute o ser ao dar nascimento Nascimento este que se daacute na

poesia ποηεζης e no pensamento pela linguagem autecircntica nomeadora

inaugural mas tambeacutem eacute aquele aiacute no-mundo que se relaciona com os entes

com os vigentes Seria entatildeo negar a essecircncia do homem o negar-lhe a

Metafiacutesica o negar-lhe a loacutegica o caacutelculo o representar o uacutetil o trabalho

Como tambeacutem o eacute anti-natural anti-essencial negar-lhe esta outra

possibilidade que eacute a de dar nascimento esta que natildeo estaacute no campo da

representaccedilatildeo mas na possibilidade de fazer brotar O loacutegico e o poeacutetico lhe

pertencem lhe permitem ser o homem que eacute Se no oculto que res-guarda o

misteacuterio da adveniecircncia ele eacute aceito para ali habitar poeticamente eacute no aberto

do dado este lado do misteacuterio aberto para noacutes onde este se relaciona com os

outros que neste aberto encontram moradas

Diversas vezes Heidegger nos adverte sobre o cuidado primordial de

nos colocarmos diante a questatildeo da destruiccedilatildeo da Metafiacutesica natildeo como um

mero abandono ou uma mera inversatildeo ao pensamento poeacutetico Onde esta

destruiccedilatildeo deveria ser pensada como uma abertura a esta outra possibilidade

como uma abertura ao sentido da diferenccedila entre ser e ente pois se eacute na

linguagem poeacutetica no pensamento que encontramos habitaccedilatildeo para nos

confrontar com as questotildees mais profundas eacute no entendimento loacutegico-

Metafiacutesico que nos relacionamos com o que nos cerca com o que estaacute na

superfiacutecie onde estamos presentes com o cotidiano no qual moramos Eacute nesse

sentido que a Destruiccedilatildeo foi pensada como uma Desconstruccedilatildeo como uma

Superaccedilatildeo como Abertura a essa outra possibilidade Assim tambeacutem eacute

apresentado o Fim da filosofia natildeo como um abandono deste modo de

pensamento mas como uma abertura ao seu alcance ao seu acircmbito pois se a

filosofia e essa aqui eacute entendida como Metafiacutesica eacute aquela que como a

ciecircncia primeira busca o ente e nada mais aquilo que estaacute lanccedilado no A-

bismo no seu fundo lhe eacute estranho estaacute para aleacutem de seu alcance e interesse

Este A-bismo eacute Tarefa do pensamento contudo eacute tarefa do homem tanto a

relaccedilatildeo com os entes como a abertura ao ser Eacute tarefa do homem enquanto

75

aquele que possui logos aquele que estaacute-com o diaacute-logo Por em diaacutelogo

loacutegica e arte eacute sua tarefa

A mera inversatildeo da loacutegica para o poeacutetico do entendimento

representativo para o pensamento como obra da identidade para a diferenccedila

seria ainda um manter-se no apenas aberto da unilateralidade e natildeo jaacute uma

abertura ao dialogo daquilo que nos ldquoaparece como inconciliaacutevelrdquo 108

Sair da

teacutecnica da identidade e ir de forma unilateral para a diferenccedila para o poeacutetico

ainda natildeo eacute o caminho no qual enveredamos Eacute permanecer ainda no mesmo

no fechar-se ao outro A inversatildeo da identidade para a diferenccedila eacute apenas a

extrema possibilidade da identidade eacute sua uacuteltima consequecircncia seu

acabamento eacute natildeo ter ainda atingido ou ter sido atingido pela diferenccedila

enquanto diferenccedila mesma enquanto o entre a clareira a abertura Eacute para

dar um exemplo o que Heidegger entende do movimento realizado por

Nietzsche aquele platonismo ao avesso que sendo o avesso eacute apenas o outro

lado do platonismo eacute ainda o mesmo Eacute levar o que estava na ideia para a

vida eacute uma inversatildeo do solo do fundamento eacute ainda chatildeo firme Entretanto o

que se mostra ao pensar heideggeriano como o originaacuterio como superaccedilatildeo eacute

aquele pensamento sem-fundo eacute o abismo eacute a perca de chatildeo portanto eacute

nesse sentido que pensamos aqui a diferenccedila como aquele entre que natildeo estaacute

nem no nascimento nem no dado de forma unilateral mas um entre pensado

como diaacute-logo

Diaacutelogo aqui pensado como aquele acontecimento aquela disposiccedilatildeo

que caminha (dia δηα atraveacutes indo na direccedilatildeo de um para o outro) que

transita pelo logos (ιογος) Aqui natildeo eacute mais possiacutevel pois natildeo estamos mais

nesse acircmbito uma representaccedilatildeo do que seja essa diferenccedila esse entre como

dialogo O entendimento representativo ao se apropriar desta diferenccedila a

representa como identidade Aqui toda reduccedilatildeo em poucas palavras eacute um

perigo Daacute-se aqui necessariamente como um apelo uma mudanccedila na

linguagem de significativa para uma de sentido Natildeo ficar preso a conceitos ou

definiccedilotildees eacute o caminho necessaacuterio para essa co-respondencia com o entre

com a diferenccedila Eacute preciso harmonizar-se θηιεηλ entrar em acordo com o que

a noacutes se apresenta como aquele amor que Heidegger entende ser o amor

108

HEIDEGGER Serenidade p 23

76

pensado por Heraacuteclito ao nomear o filosofo como θηιοζοθος assim escreve

Heidegger em sua conferecircncia O que eacute isto ndash a filosofia

Um anegraver philoacutesophos eacute aquele hograves philei tograve sophoacuten philein que ama a sophoacuten significa aqui no sentido de Heraacuteclito homologein

falar assim como o Loacutegos fala quer dizer corresponder ao Loacutegos Este corresponder estaacute de acordo com o sophoacuten Acordo eacute harmoniacutea

O elemento especiacutefico de philein do amor pensado por Heraacuteclito eacute a harmonia que se revela na reciacuteproca integraccedilatildeo de dois seres nos laccedilos que unem originariamente numa disponibilidade de um para

com o outro 109

Assim natildeo se pode aqui pensar nesse diaacutelogo como uma dialeacutetica que

se torna o que eacute em uma siacutentese O que se daacute aqui natildeo eacute uma siacuten-tese da

loacutegica com a arte da representaccedilatildeo com a inauguraccedilatildeo O que se daacute aqui eacute

uma luta uma disputa110

um amor um diaacute-logo uma obra (εργολ) Um entre

que natildeo para nem aqui nem ali nem muito menos como uma siacutentese com-

posiccedilatildeo de um com o outro Essa siacutentese que corremos o risco de entender de

forma errada o que aqui se apresenta como diaacutelogo foi o que se apresentou a

noacutes como a essecircncia da teacutecnica moderna como Ge-stell Aqui daacute-se um vai e

vem inquietante que eacute pura quietude Eacute aquele terceiro caminho excluiacutedo a

muito do pensar filosoacutefico que natildeo eacute nem um sim nem um natildeo mas que eacute

uma escuta de ambos simultaneamente os pondo em diaacutelogo eacute abertura

clareira do destinado pelo misteacuterio

Diante deste pensar que pode levar a nos questionarmos se natildeo

estamos pairando no ar num modo de pensamento muito distante de noacutes

algumas questotildees se apresentam natildeo seria esse entre uma indecisatildeo que nos

imobilizaria Natildeo seria esse diaacutelogo um subterfuacutegio de fuga da

responsabilidade do que diante a noacutes se apresenta como urgente Natildeo reinaria

aiacute a mais elevada ausecircncia-de-pensamento Uma passividade diante um

tempo que urge por uma atitude Um mero deixa ser levado pelo acaso Uma

ausecircncia de um querer que determina Essas satildeo algumas das questotildees que

109

HEIDEGGER O que eacute isto ndash a filosofia p 32 110

Hesiacuteodo no iniacutecio de seu escrito Os trabalhos e os dias fala de duas Ερης de duas disputas Uma eacute aquela geradora da guerra entre os homens que por ganacircncia de poder e

riqueza entram nessa disputa essa eacute por ele considerada a disputa ruim A outra eacute aquela disputa essencial entre o homem e a Terra aquela disputa com a adveniecircncia do dia-a-dia a

luta diaacuteria com a vida Essa eacute por ele chamada de a luta boa geradora de todo o bem que temos Enquanto a primeira destroacutei a segunda concebe Aqui quando falamos de disputa

pensamos nessa segunda disputa desse amor gerador

77

se potildeem diante desse diaacutelogo pensado com um entre Como quem preacute-sente a

proximidade da brisa do sereno adveniente da fonte aproveitemos um pouco

mais este caminhar que se aproxima daquilo do qual a muito estamos sendo

chamado que a muito aguardamos e continuemos um pouco mais neste trilhar

42 Serenidade O dizer sim e natildeo agrave teacutecnica

Vivemos em um mundo cercado pela teacutecnica Para onde nos dirigimos e

nos deparamos sempre com seus aparelhos e instrumentos Internet celular

carros induacutestrias e comeacutercios energia eleacutetrica e atocircmica Heidegger viveu em

um tempo diferente do tempo atual Um tempo no qual o que lhe causou

espanto foi a comunicaccedilatildeo por raacutedio e pela televisatildeo O que diria ele dos dias

atuais Espantar-lhe-ia mais a internet do que o raacutedio Seraacute que no essencial

vivemos em um tempo tatildeo diferente Eacute possiacutevel que natildeo O essencial da

teacutecnica natildeo estaacute em seus produtos Natildeo eacute o carro a televisatildeo o raacutedio ou a

internet o que eacute mais proacuteprio a sua essecircncia O que lhe assustou e que hoje

continuaria a assustar e que tambeacutem o assustaria se tivesse nascido antes eacute

o modo teacutecnico de pensar de dizer de agir Natildeo estou imerso na teacutecnica

somente quando uso o celular mais novo que saiu no mercado estou

profundamente imerso na teacutecnica quando o que me faz escolher a educaccedilatildeo

mais apropriada ao meu filho satildeo caacutelculos que me diratildeo qual o melhor negoacutecio

para o seu futuro Estou nessa situaccedilatildeo a qual inquietou tanto Heidegger

quando as decisotildees mais essenciais a nossa existecircncia satildeo decididas por

meros caacutelculos O que mais o assustou foi a possibilidade cada vez mais

crescente de esse olhar com-positor loacutegico calculista representador em

resumo esse olhar teacutecnico ser o uacutenico olhar que domine todas as nossas

decisotildees Essa sim eacute a grande ameaccedila ao homem

Seria uma ameaccedila talvez ainda maior a busca de um completo

abandono das coisas e pensar teacutecnico O homem necessita destes

Houvesse no pensar jaacute antagonistas e natildeo

simples adversaacuterios entatildeo a coisa do

pensar seria mais favoraacutevel

Heidegger Da experiecircncia do pensar

78

instrumentos e linguagem Necessita necessitou e necessitaraacute destes

instrumentos e linguagem teacutecnica como um ente no-mundo um ente-com

outros no qual se relaciona O homem tem sim que dizer bdquosim‟ a estes

instrumentos mas pode deve necessita simultaneamente dizer bdquonatildeo‟ a eles

Essa abertura ao entre agrave diferenccedila enquanto diferenccedila ao diaacute-logo a esse

acordo a essa harmonia originaacuteria exige do homem essa postura de dizer sim

e natildeo simultaneamente aos objetos teacutecnicos nos exige uma tomada de

decisatildeo que natildeo seja unilateral que natildeo seja absorvida nem pelos objetos

nem por seu abandono Exige de noacutes que nos ocupemos disto que ao olhar

representador parece inconciliaacutevel Assim diz Heidegger sobre esse dizer sim e

natildeo simultacircneo as coisas teacutecnicas

O pensamento que medita exige de noacutes que natildeo fiquemos unilateralmente presos a uma representaccedilatildeo que natildeo continuemos a

correr em sentido uacutenico na direccedilatildeo de uma representaccedilatildeo O pensamento que medita exige que nos ocupemos daquilo que a

primeira vista parece inconciliaacutevel () Podemos dizer sim agrave utilizaccedilatildeo inevitaacutevel dos objetos teacutecnicos e podemos ao mesmo

tempo dizer natildeo impedindo que nos absorvam e desse modo verguem confundam e por fim esgotem a nossa natureza (Wesen) 111

Esse pensamento que medita (sinnende) eacute justamente esse que se

contra-potildee potildee-se de frente e assim dialoga com esse pensamento que

calcula Eacute aquele pensamento que natildeo se detecircm no correto adequado no

fundamento mas que se encaminha no sentido da verdade como α-ιήζεηα

como decircs-velamento como clareira como sem-fund(ament)o Eacute portanto o

pensamento inaugural que atento ao destinado da fonte silenciosa do ser daacute

nascimento Eacute deste modo por dar nascimento que eacute esse pensamento que

medita irmatildeo da poesia no pocircr ambos encontram a sua essecircncia Assim

escreve Heidegger em sua obra poeacutetica intitulada de Da experiecircncia do pensar

(1960) onde pensar e poetar satildeo pensados como poiacuteesis como o dar-se da

verdade a partir do ser Leiamos suas palavras

Cantar e pensar satildeo os troncos

vizinhos do poetar

Eles crescem do Ser e alcanccedilam sua

111

HEIDEGGER Serenidade pp 23-24

79

verdade

Sua relaccedilatildeo daacute a pensar que Houmllderlin Canta das aacutervores da floresta

ldquoE desconhecidos uns aos outros eles

Ficam o tempo que eles permanecem em peacute

os troncos vizinhosrdquo 112

Eacute esse pensamento poeacutetico meditativo que nos exige que digamos sim

e natildeo simultaneamente agrave teacutecnica O que nos permite viver em meio a ela com

ela sem dela ser escravo e isso natildeo de um modo vacilante oscilante mas de

forma tranquila ou como nomeia Heidegger de modo sereno Com a mais

elevada serenidade (Gelassenheit) Esse dizer sim e natildeo agrave teacutecnica enquanto

diaacute-logo que se demora no entre eacute o que Heidegger nomeia por Serenidade

Em uma conferecircncia intitulada por Serenidade apresentada como um

discurso comemorativo do compositor de oacutepera Conradin Krutzer em 1955

Heidegger nos doa um belo discurso acerca do que seja essa Serenidade que

aqui eacute desde os primeiros passos aguardada Tema que por ele jaacute tinha sido

abordado em uma conversa nos anos de 194445 Nesta conversa tem-se uma

caracteriacutestica de uma linguagem bem mais solta e tambeacutem bem mais profunda

Um excelente exemplo de uma linguagem que busca libertar-se da

representaccedilatildeo da conceituaccedilatildeo Nessa conversa dar-se um deixa ser

conduzido pelo pensamento de amigos que caminhando satildeo aceitos nas

proximidades do misteacuterio do ser e que contudo natildeo perde em profundidade

mas que por esse deixar ao contrario eacute admitido por esta Jaacute o discurso

comemorativo tem uma sistemaacutetica e uma linguagem bem mais proacutexima jaacute que

eacute dirigida a um puacuteblico mais abrangente do que se costuma usar

habitualmente Neste discurso pondo-se a pensar sobre o que seja um ato

comemorativo Heidegger nos leva pelo discurso a pensar que comemorar eacute

pensar acerca de algo eacute pensar sobre o motivo do qual a comemoraccedilatildeo

presta-se a homenagear Diz-nos que ali se escutam as obras do compositor

sua biografia que ali satildeo proferidas anaacutelises criacuteticas de suas criaccedilotildees mas

seraacute que jaacute aiacute se realiza um pensar acerca de algo Relatar enumerar

112

HEIDEGER Da experiecircncia do pensar p 49

80

descrever narrar ainda natildeo eacute um pensar um meditar sobre algo sobre a

abertura que em uma obra de arte daacute-se

Heidegger passa daiacute a pensar sobre o que seja o pensamento Este se

apresenta na sociedade atual em-fuga ldquoTodos noacutes mesmo aqueles que

pensam por dever profissional somos muitas vezes pobres-em-pensamento

ficamos sem-pensamento com demasiada facilidaderdquo 113

E o que potildee em-fuga

o pensamento meditativo eacute esse dominante pensamento que calcula Esse

caacutelculo nos absorve como escravos das coisas que chegamos ao ponto de

darmos mais atenccedilatildeo aos produtos que agraves obras (εργολ) Pensamos muito

mais vezes nos presentes do que nas homenagens e homenageados

Pensamos e aqui jaacute nem podemos mais dizer pensar noacutes queremos

calculamos muito mais os resultados do que o processo o ponto de chegada

do que o caminhar agrave-proximidade-de e assim nos escravizamos pelos objetos

do desejo mais do que nos permitimos livres ao a-caso Eacute em relaccedilatildeo ao que

acabamos de dizer que a serenidade para com as coisas se apresenta como

aquela medranccedila do que salva Permite-nos sermos poeacuteticos em meio a um

mundo dominado pelo teacutecnico Daacute-nos a perspectiva de um novo enraizamento

jaacute que como diz Heidegger a partir de uma citaccedilatildeo do poeta Johann Peter

Hebel ldquoNoacutes somos plantas que ndash quer nos agrade confessar quer natildeo-

apoiadas nas raiacutezes tecircm de romper o solo a fim de poder florescer no Eacuteter e

dar frutosrdquo 114

Heidegger distingue essa disposiccedilatildeo nomeada por ele de Serenidade de

outros modos de conceber a palavra jaacute usada na tradiccedilatildeo por outros filoacutesofos

como eacute o caso da leitura de Meister Eckhart onde a serenidade eacute entendida

como ldquoa rejeiccedilatildeo do egoiacutesmo pecaminoso nem o abandono da vontade proacutepria

em prol da vontade divinardquo 115

Serenidade eacute essa aproximaccedilatildeo iacutentima da Matildee Terra eacute a escuta

cuidadosa do silecircncio do misteacuterio eacute o demorar-se insistente diante a abertura

que enquanto mostra-se simultaneamente se oculta Que se abre apenas para

nos envolver ainda mais no acircmago do misteacuterio Falamos de Serenidade e

constantemente nomes como misteacuterio aguardar cuidado insistecircncia se

113

HEIDEGGER Serenidade p11 114

Idem p27 115

Idem p 35

81

colocam em nosso caminho Falamos de serenidade diante essa ameaccedila na

qual o pensamento que calcula nos absorve O que nos leva a perguntar

Como conseguir essa serenidade O que eacute esse misteacuterio e esse aguardar que

sempre acompanham o pensar acerca da serenidade Estaacute nas matildeos dos

homens atingirem em meio a essa tumultuosa noite que nos cai essa

serenidade ou eacute apenas concernente ao destino do ser esta outra

possibilidade O que devemos fazer para criarmos permitindo o matutino

sereno de uma nova manhatilde Mantenhamo-nos um pouco mais nessa

vizinhanccedila da fonte que haacute muito nos convoca a ali em sua proximidade

demorarmo-nos Essa fonte que haacute muito chama em seu canto o filho ao

retorno aconchegante de seu habitar

43 Abertura ao misteacuterio O demorar-se no entre

O homem do presente eacute o homem da presenccedila Em um sentido filosoacutefico

Heidegger entende essa presenccedila como a marca fundamental do pensamento

metafiacutesico ocidental O ser do ente como a presenccedila eacute re-presentado pela

linguagem loacutegica como o ente Este ser enquanto presenccedila jaacute vem sendo

assim pensado para Heidegger desde os gregos principalmente para o que

ele chama de periacuteodo de decadecircncia do pensar claacutessico com Platatildeo e

Aristoacuteteles Estando este modo de pensar apenas no seu acabamento e este

modo de pensar vigente em quase todos os acircmbitos de decisotildees de accedilotildees e

de reflexotildees esta presenccedila pensada metafisicamente aparece agora tambeacutem

no habitual no dia-a-dia no cotidiano O que eacute de acordo com o bom senso eacute

o que estaacute agrave matildeo que posso tocar que posso decidir e natildeo a indecisatildeo Eacute o

que serve para algo O que vale eacute o agora o que se mostra aqui no presente A

histoacuteria eacute esquecida o esperar natildeo tem vez Vivemos no presente E

estranhamente esse viver no presente se revela uma ausecircncia aterrorizadora

A tecnologia que aproxima os homens os lugares os tempos as distacircncias em

uma intensidade gigantesca tambeacutem os afasta ldquohoje se toma conhecimento de

Eacute capinzal noturno

Escuro denso protetor Vocecirc eacute mata virgem

Pela qual ningueacutem passou

Raul Seixas Mata Virgem

82

tudo pelo caminho mais raacutepido e mais econocircmico e no mesmo instante e com

a mesma rapidez tudo se esquecerdquo 116

O raacutedio ou a internet aproximam tanto

a comunicaccedilatildeo os homens que natildeo eacute mais nem preciso estar ali Minha

presenccedila em todos os lugares por meio dos aparelhos tecnoloacutegicos de

comunicaccedilatildeo reflete minha ausecircncia Presente estaacute a tecnologia mas o

homem mesmo enquanto homem em sua autenticidade encontra-se ausente

Em uma multidatildeo de pessoas que dia-a-dia transitam pelas ruas das grandes

cidades sem nem um simples bdquooi‟ ser dado nos potildee a pensar no grego

Dioacutegenes o ciacutenico que com sua lamparina se pocircs a andar pelas ruas de sua

polis em pleno claro do dia a procurar por um homem sequer Onde

encontramos o homem nesse esquecimento do solo de onde brotam os

nutrientes de seu ser

A busca da certeza move demasiadamente mais do que a verdade Na

velocidade rapidez na pressa atual natildeo haacute tempo haacute perder com indecisotildees

natildeo a tempo para o proacuteprio homem Precisa-se de uma resposta certa mesmo

que para tal tenha-se que se descuidar da busca mais demorada pela verdade

do que no emaranhado do que eacute se oculta Certeza como corretude

adequaccedilatildeo como fundamento firme onde se pode erguer preacutedios para

gigantescos negoacutecios Verdade como decircs-velamento α-ιήζεηα como o cuidado

com o que adveacutem do velado do misteacuterio Esse misteacuterio destruidor da certeza

imediata riacutegida assusta causa espanto ao apressado homem da atualidade

Aquele espanto ηασκαηα que desde os tempos primordiais moveu os primeiros

pensadores cede lugar agrave certeza agrave decisatildeo necessaacuteria ao pesquisar que pela

imposiccedilatildeo da pressa de uma grande quantidade de produccedilatildeo natildeo pode se

demorar neste espanto

Diante desse caminhar ao qual nos enveredamos somos convocados a

serenidade A um estar aberto agrave abertura da adveniecircncia Um estar aberto agrave

abertura do misteacuterio Esse misteacuterio que espanta que afasta a certeza levando

ao risco daquele cair no poccedilo do qual haacute muito tempo se rir Esse misteacuterio que

nos tira da seguranccedila do fundamento do solo e nos envolve com o risco do

abismo Ao homem da decisatildeo esse misteacuterio eacute o que mais o assusta eacute o que

mais ele quer manter distacircncia Mas seraacute que assim como esse homem da

116

Idem p11

83

presenccedila se revelou como um homem da ausecircncia esse mesmo homem da

seguranccedila natildeo se revelaria a noacutes como o homem do medo que vive no mais

inseguro dos modos de existecircncia Seraacute que esta decisatildeo tatildeo adorada por

esse homem natildeo se revelaria a um pensar mais profundo medo de enfrentar o

risco deste entre adveniente do misteacuterio Seraacute que a decisatildeo que urge natildeo eacute a

de um demorar-se nesse misteacuterio Tenhamos entatildeo coragem e enfrentemos

mais estas questotildees

Diante o misteacuterio do que estaacute para aleacutem do que o que se mostra para

aleacutem do que aparece o homem se espanta O homem grego assim espantou-

se e aiacute se demorou Ser nada a fala o dizer o nomear o permanente

imoacutevel o movimento tudo isso o espantou e ele aiacute se demorou O espanto que

a princiacutepio o potildee em fuga simultaneamente o atraiu A curiosidade estando em

seu acircmago o fez olhar para traacutes durante essa fuga Como Orfeu que ao ir ao

Αδες Hades para resgatar a amada tinha apenas que por fim seguir adiante

sem olhar para traz mas que de seu acircmago uma inquietante curiosidade o faz

virar-se para vez se a bem amada consigo seguia Pondo-se em fuga do

misteacuterio do espanto eacute pela curiosidade atraiacutedo a um olhar de aproximaccedilatildeo

Uma curiosidade que vira amor θηιεηλ Um amor ao saber do que se mostrava

mesmo que em seu ocultamento Heraacuteclito nomeou como vimos um pouco

acima a este amante disto que tudo rege de θσιοζοθος filoacutesofo Amor para

ele eacute o harmonizar-se e saber eacute logos Logos esse que eacute misteacuterio aos homens

tanto antes de terem ouvido como depois como se estivessem dormindo 117

Amante desse misteacuterio o pensador nada podia dizer com certeza pois

amante do misteacuterio em harmonia com ele estava sempre num entre O que

para o pensador mais profundo era o mais espantoso era tambeacutem o seu maior

amor Este mais espantoso torna-se ao homem ordinaacuterio apenas ouvinte de

sua linguagem mas que a ela natildeo co-responde enquanto pensador do

profundo do ιογος o mais assustador gerando nesse homem medo Esse

espanto torna-se uma aporia απορηα um sem-saiacuteda da qual natildeo era possiacutevel

num confronto sincero harmonioso fuga Eacute nesse acircmbito do incerto onde o

117

Acerca deste modo de conceber o logos e a sua relaccedilatildeo com os homens consultar o fragmento 1 na organizaccedilatildeo de Diels de Heraacuteclito Este concebia o logos como o regente de

tudo o que haacute Entretanto os homens natildeo se apercebiam disso mesmo depois de serem acerca deste logos instruiacutedo Pois logos eacute ao homem que natildeo o enfrente ateacute os limites de sua

obscuridade misteacuterio

84

homem ordinaacuterio encontra-se meio acuado e o pensador profundo encontra-se

em pleno amor que surge o sofista como aquele que tinham as respostas

Aquele que se apresentava como sabedor dos misteacuterios e do modo de ldquoa esse

dominarrdquo Livrava-se rapidamente desta aporia dessa indecisatildeo por uma

tomada de posiccedilatildeo unilateral de um dos caminhos Com seu amplo domiacutenio de

retoacuterica e da linguagem como instrumento de dominaccedilatildeo dissimulaccedilatildeo essa

tomada de posiccedilatildeo unilateral passava como a mais elevada sabedoria Estes

sofistas despertavam as aporias nos seus ouvintes apenas com o intuito de se

apresentar como um conhecedor dos mais enigmaacuteticos problemas118

que ao

homem poderiam se apresentar para em seguida rapidamente os resolver

Assim diz Heidegger em sua conferecircncia O que eacute isto ndash a filosofia acerca

desses sofistas e de sua entrada neste momento oportuno em que o saber se

demorava ante esse entre do misteacuterio

O ente no ser isto se tornou para os gregos o mais espantador Entretanto mesmo os gregos tiveram que salvar e proteger o poder

do espanto deste mais espantoso ndash contra o ataque do entendimento sofista que dispunha logo de uma explicaccedilatildeo compreensiacutevel para qualquer um para tudo e a difundia A salvaccedilatildeo do mais espantoso ndash

ente no ser ndash se deu pelo fato de que alguns se fizeram a caminho na sua direccedilatildeo quer dizer do sophoacuten Estes tornaram-se por isso

aqueles que tendiam para o sophoacuten e que atraveacutes de sua proacutepria aspiraccedilatildeo despertavam nos outros homens o anseio pelo sophoacuten e o

mantinham aceso O philein to sophoacuten aquele acordo com o sophoacuten de que falamos acima a harmonia transformou-se em oacuterecsis num aspirar pelo sophoacuten O sophoacuten ndash o ente no ser ndash eacute agora

propriamente procurado Pelo fato de o philein natildeo ser mais um acordo originaacuterio com o sophoacuten mas um singular aspirar pelo

sophoacuten o philein to sophoacuten torna-se ldquophilosophiacuteardquo Essa aspiraccedilatildeo eacute determinada pelo Eacuteros

119

A de-cisatildeo120

de demorar-se na abertura na cisatildeo entre o que se oculta

cada vez mais que se mostrava teve para se proteger deste ataque dos

118

Sobre essa postura sofistica ante as aporias e tambeacutem acerca de seu domiacutenio da linguagem conferir a Metafiacutesica de Aristoacuteteles onde ente ao tratar dos problemas dos

contraacuterios enfrenta tanto os dialeacuteticos como os sofista dizendo que aos primeiros era preciso uma argumentaccedilatildeo da problemaacutetica ela mesma para que se revelasse onde estavam se

equivocando jaacute aos segundos era necessaacuterio um constrangimento loacutegico pois esses natildeo buscavam a verdade mas falavam apenas pelo prazer de falar seu falar era meramente dominado pela intenccedilatildeo de um benefiacutecio proacuteprio 119

HEIDEGGER O que eacute isto ndash a filosofia p32 120

Pensamos que no expressatildeo de-cisatildeo guardamos a marca da abertura da cisatildeo do

misteacuterio ao aberto do decircs-velamento De-cidir eacute manter-se nesse entre do dia-logo eacute demorar-se na clareira Jaacute na expressatildeo posiccedilatildeo escutamos o eco daquela palavra que aqui se revelou

como a essecircncia do entendimento teacutecnico Posiccedilatildeo a noacutes remete diretamente aquele sin-tese

85

sofistas que se transformar num posicionamento Numa tomada de

posicionamento unilateral Diante isso eacute que neste percurso por noacutes aqui

trilhado somos levados a pensar que deixar-se ser guiado pelo acordo

harmonioso com o misteacuterio eacute uma de-cisatildeo bem mais vigorosa do que a

decisatildeo no sentido de um posicionar-se Diante as απορηας aporias primordiais

que na intenccedilatildeo de se beneficiar dos sofistas tanto Platatildeo como Aristoacuteteles

necessitaram salvar o espanto por amor ao saber tiveram que decidir por uma

αρθε um princiacutepio ideia ousia e de acordo com essa decisatildeo que a eles se

impocircs como o destinado pelo ser estabeleceram uma linguagem um logos

proposicional em confronto com o risco que se corria com a linguagem poeacutetica

desde primeiros e mais profundos pensadores

Poreacutem o que em Platatildeo e Aristoacuteteles ainda se mantinha como uma de-

cisatildeo adveniente do destinado pelo ser eacute esquecida ofuscada re-configurada

pelo modo outro de pensar latino que o segue Eacute nessa passagem do pensar

grego para o latino que Heidegger indica o ponto crucial do afastamento do

misteacuterio como o mais essencial agrave essecircncia da verdade enquanto decircs-

velamento do esquecimento da cisatildeo que mantendo o pensador no espanto do

entre o protegia o res-guardava da decadecircncia da unilateralidade Por uma

vontade de progresso de decircs-envolvimento essa decisatildeo agora jaacute entendida

como tomada de posiccedilatildeo passa a controlar a razatildeo o pensar torna-se

entendimento o ιογος torna-se loacutegica A αιήζεηα torna-se veritas adequatio

corretude verdade Seguindo sempre adiante sem tempo para parar e olhar

para a proveniecircncia de onde haacute muito eacute enviado o que nos eacute destinado segue

esse decircs-envolvimento A linguagem o pensar que se davam como obra

como poiacuteesis torna-se uma linguagem predicativa proposicional torna-se re-

presentaccedilatildeo passando a dominar praticamente todos os acircmbitos do humano

A de-cisatildeo enquanto com-fronto disputa originaacuteria enquanto a απορηα que

levou o homem a imobilidade retorna na era da teacutecnica pela presenccedila uacutenica da

exigecircncia de um posicionamento A falta de aporia pela certeza imposta pela

pressa dos negoacutecios do desenvolvimento da teacutecnica eacute que agora imobiliza a

capacidade do homem a um confronto verdadeiro radical com o poder de

dominaccedilatildeo que se impotildee sobre ele

onde o sin eacute o por junto e o tese eacute em uma posiccedilatildeo Sin-tese em grego Ge-stell em alematildeo eacute

marca caracteriacutestica da unilateralidade da representaccedilatildeo

86

Diante essa nova imobilidade Heidegger por meio do pensar do poetar

busca redespertar esta aporia perdida aquele acordo originaacuterio aquela

harmonia essencial com o ser Urge uma nova tomada de de-cisatildeo ante a

pressa que impede qualquer parar meditativo-poeacutetico qualquer esperar

escutar Torna-se necessaacuterio o risco de se lanccedilar o olhar agraves profundezas das

alturas e aiacute cair no poccedilo outra vez Potildee-se o arriscar-se a ir-agrave-proximidade do

misteacuterio e se permitir ser entorpecido ldquona boca e na almardquo121

por esse demorar-

se no entre nesta abertura na clareira do ser Mas como pode o homem da

era da teacutecnica do entendimento representativo atingir a profundidade do

misteacuterio Como atingir essa serenidade que guarda a medranccedila do que salva

Trilhemos mais essas questotildees que se potildeem antes de nos demorarmos onde a

muito somos convocados

44 Da procura ao Aguardar o silencioso caminhar na vereda

Pensamos na serenidade como a disposiccedilatildeo que guarda em seu seio a

medranccedila do que salva Estaacute que enquanto um dizer sim e natildeo a teacutecnica nos

liberta da servidatildeo aos objetos e pensamento teacutecnico bem em seu seio Que

como este demorar-se no entre do aberto do misteacuterio da cisatildeo proveniente do

ser ao homem o devolve o conduz a um retorno ao habitar que lhe fora

confiado doado Pensamos essa serenidade em meio a um intenso domiacutenio da

teacutecnica sobre praticamente todos os acircmbitos do humano mas como se tornaraacute

possiacutevel quebrar essas algemas do entendimento representativo loacutegico e

aceder a esta serenidade Qual o procedimento o meacutetodo a forma de

aquisiccedilatildeo desta serenidade Como re-significar a linguagem proposicional

predicativa abrindo a ela a possibilidade do diaacutelogo com a linguagem poeacutetica

Essas perguntas de forma alguma nos conduziratildeo a esta serenidade a essa

121

Faz-se aqui uma alusatildeo ao estado que Mecircnon ao dialogar com Soacutecrates eacute levado pelo seu discurso Um entorpecimento que Platatildeo potildee como o movimento necessaacuterio a rememoraccedilatildeo

fonte de saber Conferir Mecircnon 80 b

E de que modo procuraraacutes Soacutecrates aquilo que natildeo sabes absolutamente o que eacute

Platatildeo Mecircnon

87

proximidade pois satildeo ainda perguntas loacutegicas do acircmbito da representaccedilatildeo

Procedimento meacutetodo adquirir re-significar satildeo todas expressotildees da re-

presentaccedilatildeo Aqui outra relaccedilatildeo com o que se potildee neste aberto do entre se

coloca

Platatildeo em um diaacutelogo no qual se investiga de qual o modo o homem

pode possuir a virtude ἀρεηή faz Mecircnon apoacutes ser levado a uma profunda

aporia sobre o que seja a justiccedila ela mesma ao estilo sofiacutestico perguntar a

Soacutecrates se eacute realmente possiacutevel aprender aquilo que absolutamente natildeo se

conhece Como eacute possiacutevel pela investigaccedilatildeo adquirir aquilo que mesmo ao

dar-se se fecha em si mesmo Como podemos conhecer esse misteacuterio atingir

essa serenidade Quem investiga busca por algo que previamente conta de

antematildeo conta previamente com algum resultado parte de uma instacircncia por

um determinado meacutetodo em alguma direccedilatildeo Mas como investigar algo que

absolutamente ainda natildeo haacute que informaccedilatildeo alguma tem-se dele Essas

perguntas jaacute estatildeo presentes no nascimento da Metafiacutesica tanto com Platatildeo

como com Aristoacuteteles Soacute que a pressa as potildee sempre de lado e nos decircs-via

ao desenvolvimento do que jaacute temos em matildeo do mais faacutecil de produzir do uacutetil

Leiamos algumas palavras de Heidegger acerca desse meacutetodo investigativo

A sua particularidade consiste no fato de que quando concebemos um plano investigamos ou organizamos uma empresa contamos sempre com condiccedilotildees preacutevias que consideramos em funccedilatildeo do

objetivo que pretendemos atingir Contamos antecipadamente com determinados resultados Este caacutelculo caracteriza todo o pensamento

planificador () o pensamento que calcula faz caacutelculos Faz sempre caacutelculos com possibilidades continuamente novas sempre com maiores perspectivas e simultaneamente mais econocircmicas O

pensamento que calcula corre de oportunidade em oportunidade 122

A serenidade que aguardamos natildeo chega a nossa proximidade por uma

investigaccedilatildeo meacutetodo ou atividade pelo contraacuterio eacute por ela afastada Entatildeo ao

homem natildeo resta nada a natildeo ser esperar ficar na passividade esperando que

algo ocorra e que lhe desperte essa serenidade Heidegger nomeia por

aguardar (warten) essa disposiccedilatildeo que em confronto com a investigaccedilatildeo eacute

mais apropriada agrave serenidade Um aguardar que natildeo eacute um mero espera que

natildeo eacute nunca um ficar na expectativa (erwaten) Aguardar natildeo eacute aqui um mero

122

HEIDEGGER Serenidade p 13

88

ficar na passividade esperando que algo ocorra Nem tambeacutem eacute a atividade da

investigaccedilatildeo que quer que algo chegue a determinado resultado Natildeo eacute

passividade nem atividade Eacute um trabalhar-se um obrar-se no sentido de uma

atenccedilatildeo um cuidado ao silecircncio do que se oculta do que nesse ocultar-se se

re-colhe se res-guarda Eacute aquela disposiccedilatildeo daquele caminhante que

trilhando um caminho ainda natildeo aberto que caminhando em uma mata virgem

aguarda pelo que advenha como o caminho pelo qual deve continuar seguindo

Eacute entatildeo aquele respeito aquele carinho amor philein pelo que lhe envolve

Naquela ocasiatildeo que o repouso se mostra o movimento mais apropriado diante

a aporia que se apresenta que lhe envolve ldquoDificilmente podemos alcanccedilar a

serenidade de uma forma mais adequada do que por meio de uma ocasiatildeo

para nos envolvermosrdquo 123

O querer eacute sempre um querer algo Eacute jaacute estar na expectativa A serenidade

como esse aguardar natildeo espera natildeo quer algo O que concerne a esse

aguardar natildeo eacute algo natildeo eacute um ente mas eacute a abertura eacute a clareira Eacute um

recebimento com gratidatildeo ao que brota para si do seio do ser da θσζης da

natureza Essa passagem do querer ao aguardar sereno eacute o caminho a se

seguir na ida agrave proximidade do que guarda a medranccedila do que salva Grato

com o que lhe eacute destinado o caminhante sereno lhe co-responde Liberto de

anseios e vontade o homem recebe a tarefa de guardiatildeo da clareira do brotar

guardiatildeo do diaacutelogo se apresenta como a outra possibilidade ante o perigo que

ameaccedila

Mantendo-se insistentemente nesse entre nessa abertura da cisatildeo do

misteacuterio lhe eacute destinado o Acontecimento-poeacutetico-apropriativo Ereignes da

histoacuteria do homem pois ldquoaquilo que permanece funda os poetasrdquo nas palavras

de Houmllderlin ou o que podemos escutar no eco da palavra por Goethe usada

onde ao inveacutes de usar para dar sentido a perdurar a palavra alematilde fortwaumlhrenI

usa a palavra misteriosa fortgewaumlhren como um continuar a conceder 124

O

que aiacute eacute entatildeo colhido com gratidatildeo como esse que insistentemente se demora

nisso que continua a conceder eacute levado ao homem por esse mensageiro

αγγειος como uma possibilidade de uma nova manhatilde de um novo momento

da histoacuteria Essa possibilidade que pela exploraccedilatildeo de tudo que estaacute dado potildee

123

Idem p45 124

HEIDEGGER A questatildeo da teacutecnica p 33

89

em fuga a possibilidade do inaugural que eacute confiado apenas agravequeles que se

demoram insistentemente no aguardar Aqueles que adentram na floresta natildeo

com intenccedilatildeo de uma exploraccedilatildeo de mais um mercado que lhe renderaacute um

oacutetimo negoacutecio ao comeacutercio mas agravequele que como protetor adentra na floresta

para lhe escutar e lhe res-guardar em seu cuidado

Esta natildeo eacute uma tarefa faacutecil pois aiacute trilha-se natildeo por uma estrada aberta e

segura mas trilha-se por uma vereda que insistentemente lhe potildee o fechado a

frente lhe envolvendo no risco do que absolutamente natildeo se conhece Assim

co-respondendo ao que lhe eacute confiado este caminhante deve insistentemente

demorar-se nessa aguardar do inaugural Qual o sentido dessa insistecircncia que

diversas vezes se apresentou em nosso trilhar Na conversa que eacute colhida de

um passeio do campo Heidegger nos escreve uns versos escutado de um

amigo sobre o que poderia ser pensado como o sentido dessa insistecircncia

Receber a salvo Para longa constacircncia

A verdade que estaacute a ser Nunca soacute algo verdadeiro Que o coraccedilatildeo pensante peccedila

Agrave singela paciecircncia A generosidade uacutenica

Do nobre recordar 125

Se Platatildeo como resposta a aporia acerca da possibilidade de se

aprender o que absolutamente natildeo se conhece fala de uma ἀλάκλεζης

anaminesis rememoraccedilatildeo de um recordar aqui tambeacutem o recordar se

apresenta ldquoA generosidade uacutenica do nobre recordarrdquo Recordando aquele

habitar na proximidade agrave fonte escuta-se o chamado a um novo momento da

histoacuteria a ser trilhado O nobre caminhante se depara no silecircncio da aporia do

entre com o canto de sua Matildee Este eacute convocado ao envolver-se em seu ser

Na disposiccedilatildeo da serenidade a nobreza natildeo eacute mais aquele tiacutetulo que indica um

possuidor de terras ou uma rica famiacutelia detentora de poder financeiro Nobreza

aqui eacute aquilo que tem proveniecircncia O caminhante nobre natildeo eacute dono da terra

na qual habita mas eacute filho dela eacute por ela aceito em seu seio ldquoA nobreza de

caraacuteter seria a essecircncia do pensamento (Denkens) e com isso do

125

HEIDEGGER Serenidade p 59

90

agradecimento (Dankens) Desse agradecimento que natildeo apenas agradece por

algo mas que apenas agradece por agradecerrdquo 126

Nesse nobre caminhar natildeo chegamos a um ponto final onde atingimos a

serenidade ante o misteacuterio e o misteacuterio natildeo eacute por noacutes adquirido O que se daacute eacute

aquele ir-agrave-proximidade eacute um adentrar a vizinhanccedila Com Heraacuteclito Heidegger

pensa esse ir-agrave-proximidade como uma traduccedilatildeo apropriada a esta conversa

do fragmento 122 de Heraacuteclito o menor dos fragmentos que possui uma soacute

palavra Ἀγτηβαζίε aproximar-se ir proacuteximo ser-admitido-no-sei-da-

proximidade Nosso trilhar poderia ser pensado entatildeo como esse ir-agrave-

proximidade Assim escreve Heidegger nas uacuteltimas linhas da conversa acerca

da serenidade

Que nos guiou pela noite dentro cujo brilho eacute cada vez mais

deslumbrante e supera em maravilha as estrelas porque aproxima entre si suas distacircncias no ceacuteu pelo menos para o observador ingecircnuo natildeo para o investigador exato Para a crianccedila no Homem a

noite permanece a aproximadoracostureira das estrelas Ela junta sem costura bainha nem linha

127

Assim natildeo se deve buscar aceder agrave serenidade com a intenccedilatildeo de lhe

atingir e lhe ter em posse A tarefa que fica ao homem em meio ao perigo da

dominaccedilatildeo da teacutecnica eacute algo diferente do querer do atingir do ter em posse A

tarefa que urge eacute a de um aguardar grato insistente no entre da serenidade

como esse demorar-se na proximidade na vizinhanccedila do misteacuterio Eacute pocircr no

sentido de um deixar-que em diaacute-logo esse pensamento que calcula com esse

pensamento poeacutetico que medita Cuidar de si do que lhe eacute essencial ou seja

cuidar da guarda dos misteacuterios da natureza que a si foi concedido Cuidar da

linguagem para que essa natildeo venha a decair completamente em um mero

falatoacuterio em mera proposiccedilatildeo e representaccedilatildeo mas que ela retorne ao que lhe

eacute mais proacuteprio que eacute o inaugurar o nomear o pocircr-em-obra Sua tarefa eacute cuidar

do pensamento pelo pensar ele mesmo salvando-o do ordinaacuterio e habitual

entendimento que calcula da loacutegica assim o res-guardando a possibilidade a

si mais autecircntica do meditar de poetar ante o misteacuterio Res-guardar as

relaccedilotildees dos homens entre si e entre as coisas de uma fraacutegil relaccedilatildeo sujeito-

objeto uma relaccedilatildeo egoica fundada no eu e tu e nesse resguardar permitir

126

Idem p 63 127

Idem pp68-69

91

uma outra relaccedilatildeo onde o diaacute-logo estaacute em seu seio onde a co-pertenccedila

permeia o todo Proteger a verdade como αιεζεηα decircs-encobrimento da

verdade como adequatio veritas corretude Eacute esse o sentido do que seja a

serenidade como a medranccedila do que salva Eacute a essa vizinhanccedila que fomos

levados por esse caminhar por esse caminho da floresta Holzwege por estas

sendas do pensamento por esta vereda Escutemos por fim estas uacuteltimas

palavras as quais por Heidegger foram usadas nas linhas finais de sua obra

acerca da arte A origem da obra de arte palavra de Houmllderlin um poeta que

para ele era os poetas dos poetasldquoDificilmente abandona O que mora na

proximidade do originaacuterio o lugarrdquo 128

128

HEIDEGGER A origem da obra de arte p201

92

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A-cerca do entendimento humano O salto na vereda

Pensamos neste caminhar sobre o homem o seu tempo atual sua

essecircncia e o que a este se apresenta como uma ameaccedila Pensamos na

teacutecnica na arte na serenidade Pensamos no ser na verdade e na linguagem

Adentramos estas questotildees com a proposta de dar um retorno agrave leitura que

fazemos do presente

O homem encontra-se em um estaacutegio de sua histoacuteria em que o

entendimento eacute apresentado como seu grande poder Um entendimento em

maior parte dominado pelo cientiacutefico pelo teacutecnico pelo comercial A razatildeo eacute

um grande negoacutecio para o capital principalmente quando o desenvolvimento

desta razatildeo eacute diretamente ligado agrave produccedilatildeo de um novo produto investido pelo

capital e para o capital Assim encontra-se em grande parte a razatildeo do homem

no presente Uma razatildeo que lhe foi de grande utilidade para lhe proteger das

ameaccedilas do incerto para lhe proteger do espanto do dando-lhe a seguranccedila e

conforto almejados Uma razatildeo que surge como instrumento de dominaccedilatildeo

ameaccedila fugir-lhe do seu controle para passar assim ao domiacutenio

Eacute assim que pensamos a-cerca do entendimento humano como essa cerca

que o aprisiona na dominaccedilatildeo do que seja entendido como o proacuteprio

entendimento O entendimento humano torna-se assim a cerca do humano

Uma cerca sem porta de saiacuteda onde o uacutenico caminho de uma fuga de

uma libertaccedilatildeo se apresenta como um salto Saltando sobre essa cerca para o

que estaacute aleacutem do que por ele foi aberto e dominado por sua razatildeo Este campo

aberto produzido para a sua seguranccedila o amedronta no presente momento de

sua histoacuteria com o perigo de uma escassez do adveniente do misteacuterio do que o

cerca Uma escassez de outra possibilidade que possa lhe salvaguardar da

iminente dominaccedilatildeo que a teacutecnica impotildee como ameaccedila

Urge ao homem saltar essa cerca e corajosamente mesmo que nos

primeiros passos ainda bem desajeitados pela falta de costume com esse novo

ambiente adentrar a vereda do que fora desta cerca se mostra como fonte Eacute

preciso arriscar-se por essa mata virgem em ir-agrave-proximidade do misteacuterio da

93

fonte de onde brota a seiva que alimenta sua essecircncia antes que essa

enfraquecida pela falta de seus nutrientes essenciais padeccedila ante a ameaccedila

que lhe cerca Essa seiva que na cerca eacute o pensamento calculista natildeo eacute

possiacutevel encontraacute-la em lugar algum Devemos nos aproximar dessa silenciosa

fonte originaacuteria que haacute muito canta o homem pelo retorno ao seu habitat

essencial haacute muito o convoca ao salto no a-bismo

Urge o arriscar-se a cair novamente no poccedilo ficando assim exposto a

possibilidade do riso Eacute preciso jogar-se no poccedilo e retornar com a aacutegua fonte

de tudo que em seu acircmago nutre a essecircncia do homem Retornando assim

esse que poeticamente se arrisca mais carregaraacute consigo a possibilidade de

transmitir aos outros homens o que do seio da Matildee Terra recebeu como o

destino dos homens Guardaraacute consigo a possibilidade de doar o que lhe foi

doado Em seu retorno da vereda restar-lhe-aacute a tarefa ainda mais difiacutecil do

que aquele caminhar no fechado a de dia-logar com os que moram dentro da

cerca a tarefa de pocircr em dialogo em si mesmo e em relaccedilatildeo aos outros

poesia e loacutegica metafiacutesica e pensamento caacutelculo e meditaccedilatildeo identidade e

diferenccedila

Nesse trabalho que agora podemos chamar de diaacute-logo a demora nos

primeiros passos foi uma necessidade de enfrentar tanto o enrijecimento da

tradiccedilatildeo como a proacutepria linguagem habitual da qual nos servimos nesse

confronto com a tradiccedilatildeo Se os passos finais se apresentaram em menor

quantidade de palavras eacute porque nele o caminhar cuidadoso exigiu mais

silecircncio do que dizer mais escuta do que fala Encontramo-nos apenas a

caminho de um verdadeiro e real enfrentamento com o aqui pensado Um

enfrentamento que se daraacute em nossas vidas relaccedilotildees pensamentos

linguagem com o misteacuterio do que nos convoca a sua proximidade Uma

aproximaccedilatildeo na qual a cada passo que adentramos nossa linguagem habitual

torna-se cada vez mais perigosa de levar-nos a um des(en)vio no sentido de

um novo afastamento

Esse acircmbito ao qual chegamos nessa nossa con-versa eacute um acircmbito natildeo de

respostas mas onde deve brotar as essenciais perguntas tarefa de todo

pensador que nos seratildeo destinadas ao diaacutelogo com o presente no qual

94

existimos Agradeccedilo portanto a companhia nessa caminhada pela vereda

companhia essa que sem ela nenhum caminhar eacute propriamente um caminhar

verdadeiro

95

REFEREcircNCIAS

Obras de Heidegger

HEIDEGGER Martin A origem da obra de arte [1935-36] Trad br Idalina

Azevedo e Manuel Antonio de Castro Satildeo Paulo Ediccedilotildees 70 2010

______________ A origem da obra de arte In Caminhos de floresta Trad

port Irene Borges-Duarte e Filipa Pedroso 2 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste

Gulbenkian 2012

______________ A origem da obra de arte Trad port Maria da conceiccedilatildeo

CostaLisboa Ediccedilotildees 70

______________ El origen de la obra de arte In Arte y Poesiacutea Trad esp

Samuel Ramos Buenos Aires Fondo de cultura econoacutemica 1958

______________ A questatildeo da teacutecnica [1953] In Ensaios e conferecircncias

Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo Rio de Janeiro Vozes 2008

______________ Serenidade [1955] Trad port Maria Madalena Andrade e

Olga SantosLisboa Instituto Piaget

______________ Ser e tempo [1927] Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante 3 ed

Rio de Janeiro Editora universitaacuteria Satildeo Francisco 2008

______________ Houmllderlin y la esencia de la poesia [1936] In Arte y poesia

Trad esp Samuel Ramos Buenos Aires Fondo de cultura economica 1958

______________ Para que poetas [1946] In Caminhos de floresta Trad

port Irene Borges-Duarte e Filipa Pedroso 2 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste

Gulbenkian 2012

______________ A teoria platocircnica da verdade [193132 1940] In Marcas do

caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Vozes 2008

______________ A essecircncia e o conceito de θσζης em Aristoacuteteles ndash Fiacutesica Β

1 [1939] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini

Petroacutepolis Vozes 2008

______________ Carta sobre o humanismo [1946] In Marcas do caminho

Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Vozes 2008

______________ A essecircncia do fundamento [1929] In Marcas do caminho

Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo giachini Petroacutepolis Vozes 2008

96

______________ Hegel e os gregos [1958] In Marcas do caminho Trad br

Ernildo Stein e Enio Paulo giachini Petroacutepolis Vozes 2008

______________ A essecircncia da verdade [1930] In Marcas do caminho Trad

br Ernildo Stein e Enio Paulo giachini Petroacutepolis Vozes 2008

______________ A essecircncia da Verdade [1930] In Conferecircncias e escritos

filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo Stein Satildeo Paulo Nova

cultural 1996

______________ Que eacute metafiacutesica [192943] In Conferecircncias e escritos

filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo Stein Satildeo Paulo Nova

cultural 1996

______________ O que eacute isto ndash a filosofia [1956] In Conferecircncias e escritos

filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo Stein Satildeo Paulo Nova

cultural 1996

______________ Identidade e diferenccedila [1957] In Conferecircncias e escritos

filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo Stein Satildeo Paulo Nova

cultural 1996

______________ ldquo poeticamente o homem habitardquo [1951] In Ensaios e

conferecircncias Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante Schuback Rio de Janeiro

Vozes 2008

______________ O fim da filosofia e a tarefa do pensamento [1966] In

Conferecircncias e escritos filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo

Stein Satildeo Paulo Nova cultural 1996

______________ Nietzsche I [1961] Trad br Marcos Antocircnio Casanova Rio

de Janeiro Forense Universitaacuteria 2007

______________ Nietzsche II [1961] Trad br Marcos Antocircnio Casanova Rio

de Janeiro Forense Universitaacuteria 2007

______________ Ciecircncia e pensamento do sentido [1954] In Ensaios e

______________ A caminho da linguagem [1959] Trad Maacutercia de Saacute

Cavalcante Satildeo Paulo Editora vozes 2011

______________ A superaccedilatildeo da metafiacutesica [1936-46] In Ensaios e

conferecircncias Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante Schuback Rio de Janeiro

Vozes 2008

______________ Da experiecircncia do pensar [1960] Trad br Maria do Carmo

Tavares de Miranda Porto Alegre Editora Globo 1969

97

______________ Quem eacute o Zaratrusta de Nietszche [1953] In Ensaios e

conferecircncias Trad br Gilvan Fogel Rio de Janeiro Vozes 2008

Obras sobre Heidegger

GADAMER Hans-Georg Hermenecircutica em retrospectiva Trad br Marcos

Antocircnio Casanova Rio de Janeiro Vozes 2009

LOPARIC Zeljko Eacutetica e finitude 2 Ed Satildeo Paulo Editora Escuta 2004

NUNES Benedito Hermenecircutica e poesia o pensamento poeacutetico Org Maria

Joseacute Campos Belo Horizonte Ed UFMG 1999

______________ Passagem para o poeacutetico filosofia e poesia em Heidegger

Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2012

RUumlDIGER Francisco Martin Heidegger e a questatildeo da teacutecnica prospectos

acerca do futuro do homem Porto Alegre Sulina 2006

STEIN Ernildo Seminaacuterio sobre a verdade Liccedilotildees preliminares sobre o

paraacutegrafo 44 de Zein und Zeit Petroacutepolis Vozes 1993

____________ Diferenccedila e metafiacutesica ensaios sobre a desconstruccedilatildeo Ijuiacute

Editora Unijuiacute 2008

Outras obras

AUBENQUE Pierre O Problema do ser em Aristoacuteteles Ensaio sobre a

problemaacutetica aristoteacutelica Trad br Cristina de Souza Agostini e Diocleacutezio

Domingos Faustino Satildeo Paulo Paulus 2012

AQUINO Tomaacutes de Questotildees discutidas sobre a verdade Trad br Luiz Joatildeo

Barauacutena Satildeo Paulo Editora Nova Cultural 2004

ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmacos Trad br Mario de Gama Kury Brasilia

Editora UNB 1961

____________ Fiacutesica trad esp Guillermo R de Echandia Editorial Gredos

SA 1995

____________ Fiacutesica I-II trad br Lucas Angioni Campinas Editora Unicamp

2010

____________ Metafiacutesica trad br Giovanni Reale Satildeo Paulo Ediccedilotildees

Loyola 2013

98

____________ Oacuterganon Trad br Edson Bini Satildeo Paulo Edipro 2010

____________ Poeacutetica Trad pt Ana Maria Valente Lisboa Ediccedilatildeo da

Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkain 2004

BARROS Manoel Poesia completa Satildeo Paulo Leya 2013

BAUMGARTEN Alexander Esteacutetica ndash A loacutegica da arte e do poema [1750]

Trad br Mirian Sustter Medeiros Petroacutepolis RJ Vozes 1993

BRENTANO Franz Sobre los muacuteltiples significados del ente seguacuten Aristoacuteteles

[1862] Trad esp Manuel Abella Madri Encuentro 2007

BURNET John A aurora da filosofia grega Trad br Vera Ribeiro Rio de

Janeiro Contraponto 2006

CROCE Benedetto Breviaacuterio de Esteacutetica Aesthetica in Nuce [1912] Trad br

Rodolfo Ilari Jr Satildeo Paulo Editora Aacutetica 2001

DESCARTE Reneacute As paixotildees da alma Trad br J Guinsburg e Bento Prado

Juacutenior Satildeo Paulo Abril Cultural 1973

_______________ Meditaccedilotildees sobre a Filosofia primeira [1641] Trad br J

Guinsburg e Bento Prado Juacutenior Satildeo Paulo Abril Cultural 1973

FRANZINI Elio A esteacutetica do Seacuteculo XVIII Trad pt Isabel Teresa Santos

Lisboa Editorial Estampa 1999

HEGEL Georg W F Esteacutetica Trad br Orlando Vitorino Satildeo Paulo Editora

Nova Cultural coleccedilatildeo Os pensadores 1999

HESIacuteODO Teogonia Trad br Jaa Torrano 5 Ed Satildeo Paulo Ilumiuras 2003

________ Os trabalhos e os dias Trad br Luiz Otaacutevio Mantovaneli Satildeo

Paulo Odysseus 2011

HOumlLDERLIN Friedrich Hipeacuterion Ou o eremita da Greacutecia Lisboa Editora

Assiacuterio e Alvim 1997

HOMERO Iliacuteada Volumes I e II Trad Haroldo de Campos 2 Ed Satildeo Paulo

Benviraacute 2010

________ Odisseacuteia Volumes I II e III Trad br Donaldo Schuumller Porto Alegre

LampPM 2007

KANT Immanuel Criacutetica da faculdade de julgar [1793] Trad br 2 ed Editora

Forense Universitaacuteria 2007

_______ Criacutetica da razatildeo Pura Trad pt Manuela Pinto dos Santos e

Alexandre Fradique Mourujatildeo Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 2001

99

KIRK G S RAVEN J E e SCHOFIELD M Os filoacutesofos Preacute-Socraacuteticos

histoacuteria criacutetica com seleccedilatildeo de textos Trad port Carlos Alberto Louro Fonseca

Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1994

LAEcircRTIOS Diocircgenes Vida e doutrinas dos filoacutesofos ilustres Trad br Maacuterio da

Gama Kury 2 ed Brasiacutelia UNB 2014

LEAtildeO Emanuel Carneiro Anaximandro Parmecircnides Heraacuteclito Os

pensadores originaacuterios Braganccedila Editora universitaacuteria Satildeo Francisco 2005

LIDDELL Henry George SCOTT Robert A GreekndashEnglish Lexicon Oxford

Clarendon Press 1940

NIETZSCHE Friedrich Assim falou Zaratustra [1883-85] Trad br Paulo Cesar

de Souza Satildeo Paulo Companhia das letras 2011

__________________ Vontade de poder Trad br Marcos Sinesio Perreira

Moraes Rio de Janeiro 2008

PARMEcircNIDES Da Natureza Trad br Joseacute Trindade Santos Satildeo Paulo

Ediccedilotildees Loyola 2002

PEREIRA Isidro Dicionaacuterio de Portuguecircs-Grego Grego-Portuguecircs Satildeo Paulo

Ediccedilotildees Loyola 1984

PLATAtildeO O Banquete In Diaacutelogos ndash Platatildeo Coleccedilatildeo Os pensadores Joseacute

Cavalcante de Souza Trad br Edison Bini Satildeo Paulo Abril cultural 1972

_______ Iacuteon Trad pt Victor Jabouille Lisboa Editorial inqueacuterito 1988

_______ A Repuacuteblica Trad pt Maria Helena da Rocha Pereira 9 ed Lisboa

Fundaccedilatildeo Caloute Gulbenkian

_______ O Sofista In Diaacutelogos I ndash Platatildeo Trad br Edison Bini Satildeo Paulo

Edipro 2007

_______ Mecircnon Trad br Maura Igleacutesias Rio de JaneiroPUC-RIO Ediccedilotildees

Loyola 2005

SCHILLER Friedrich Cartas Sobre a Educaccedilatildeo Esteacutetica da Humanidade

[1795] Trad port Roberto Schwarz Satildeo Paulo EPU 1991

SPENGLER Oswald A decadecircncia do ocidente Trad br Herbert Caro 2ed

Rio de Janeiro Zahar Editores 1973

VAZ Lima Escritos de filosofia VII Raiacutezes da modernidade Satildeo Paulo

Ediccedilotildees Loyola 2002

Page 3: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:

3

Dados Internacionais de Catalogaccedilatildeo na Publicaccedilatildeo

Universidade Estadual do Cearaacute

Sistemas de Biblioteca

M488d Nobre Jaderson Gonccedilalves

Serenidade em Heidegger Um diaacutelogo entre a teacutecnica e a arte [recurso eletrocircnico] Jaderson Gonccedilalves Nobre ndash 2015

1 CD-ROM 4 frac34 pol

CD-ROM contendo o arquivo no formato PDF do trabalho acadecircmico com 98 folhas acondicionado em caixa de DVD Slim (19 x 14 cm x 7 mm)

Dissertaccedilatildeo (mestrado acadecircmico) ndash Universidade Estadual do Cearaacute Centro de Humanidades Mestrado Acadecircmico em Filosofia Fortaleza 2015

Aacuterea de Concentraccedilatildeo Eacutetica e Esteacutetica

Orientaccedilatildeo Prof Dr Eduardo Triandopolis

1 Serenidade 2 Misteacuterio 3 Teacutecnica 4 Arte 5 Verdade I Tiacutetulo

CDD 3709144

4

5

6

A minha irmatilde Jessica pela

sinceridade com que leva a vida

Quando algueacutem nos admira eacute como

se tiveacutessemos um guardiatildeo que a

cada passo nos relembra nos res-

guarda em nosso caminho

A minha mulher Irlana que com seu

sorriso alegre me faz acreditar que eacute

sim possiacutevel

7

AGRADECIMENTO

Agradeccedilo antes de tudo a minha famiacutelia que esteve estaacute e com certeza

estaraacute presente em todos os momentos alegres e tristes de minha vida Que

ao me dizer que eu poderia ir muito longe me fez perceber que o meu caminho

eacute no sentido de ir cada vez mais para perto Amo vocecircs

A minha mulher Irlana que aleacutem da presenccedila do dia-a-dia acreditou e amou

junto comigo no que aqui venho a dizer Aleacutem de me proporcionar uma nova

famiacutelia

Aos meus amigos que por caminharem juntos sempre me alimentaram de um

bom acircnimo para seguir lutando pelo que acredito

Ao meu orientador Prof Eduardo Triandopolis que por me deixar caminhar

com minhas pernas com meu espiacuterito possibilitou que brotasse aquilo que

realmente estava em meu acircmago

Agrave banca examinadora agrave Professora Cristiane Marinho agrave Professora Tereza

Callado que ao lerem e comentarem o meu trabalho compuseram comigo a

essecircncia do diaacute-logo

Agradeccedilo tambeacutem em especial a todos os que um dia vierem a ler esta

pesquisa Que ela lhes animem tanto quanto me animou ao escrevecirc-la

Agrave natureza com seus bichinhos e plantas em uma harmonia tatildeo profunda e

contagiante que me revelou a essecircncia mais originaacuteria do que eacute a vida O estar

em comunhatildeo com o que nos cerca e nos compotildee

8

ldquoTodas as obras dos poetas mimeacuteticos se me afiguram ser a destruiccedilatildeo da

inteligecircncia dos ouvintes de quantos natildeo tiverem o antiacutedoto e o conhecimento

de sua verdadeira naturezardquo

(Platatildeo Repuacuteblica)

ldquoA arte como o uacutenico antiacutedoto superior contra toda e qualquer vontade de

negaccedilatildeo da vidardquo

(Nietzsche Vontade de poder)

9

RESUMO

Em que sentido a Serenidade como um diaacute-logo entre o pensamento que

calcula e o pensamento que medita um diaacute-logo entre a teacutecnica e a poesia em

conjunto com a abertura ao misteacuterio fonte originaacuterio de todos os vigentes se

apresentam como uma possibilidade um caminho de enfrentamento ao perigo

adveniente da crise resultante da dominaccedilatildeo global da teacutecnica nos acircmbitos

mais essenciais da vida Esse enfrentamento parece se dar no acircmbito da

linguagem e do pensar enquanto a morada do ser O homem como o guardiatildeo

dessa morada do ser eacute aquele que se abrindo ao misteacuterio do a ser destinado

pode arriscando-se ao saltar no abismo do que natildeo vige permitir ou melhor

ser permitido nessa outra possibilidade Aguardando correspondendo ao seu

destino o homem pode ser a medranccedila do que salva Para tal pesquisa

colocam-se aqui em diaacute-logo trecircs ensaios heideggerianos A questatildeo da

teacutecnica A origem da obra de arte e Serenidade Buscamos uma relaccedilatildeo destes

ensaios com outros ensaios centrais de Heidegger assim como sua relaccedilatildeo

com os filoacutesofos que lhe foram fundamentais para que ele chegasse onde

chegou Portanto buscamos pensar as questotildees presentes a partir de suas

origens enquanto questotildees eacuteticas esteacuteticas e metafiacutesicas Aleacutem de re-colocar

questotildees fundamentais agrave filosofia como a questatildeo do ser da verdade e da

linguagem Trata-se aqui de um debate contemporacircneo com a tradiccedilatildeo que

busca res-guardar algo originaacuterio que caiu no esquecimento

PALAVRAS-CHAVE Serenidade Misteacuterio Teacutecnica Arte Verdade

10

ABSTRACT

Think in what sense the Serenity as a con-versation between thinking that

calculates and thought that meditates a con-versation between technique and

poetry together with openness to the mystery source originating in all existing

present as a possibility one danger facing path arising the resulting crisis of

global technical domination over all the most essential areas of human A

confrontation so that occurs in the context of language and thinking while the

same namely the abode of being Man as the guardian of this home of being is

one that opening up the mystery of themselves for can risking to jump into the

abyss than not prevails allow or rather be allowed that another possibility

Waiting corresponding to its destination the man may be the possibility than

saved For such research put into day-logo Heideggerians three tests The

question of technique The origin of the artwork and Serenity Seeking a list of

these tests with the central test Heidegger as well as their relationship with the

philosophers that this was essential for this came near unto arrived So its a

research that seeks to think the issues present from its origins Debating issues

Ethics Aesthetics and Metaphysics In addition to re-raising fundamental

questions of philosophy and of being of truth and language A contemporary

debate in confrontation with the tradition and re-save something original search

that fell by the wayside

KEYWORDS SERENITY MYSTERY TECHNICAL ART TRUTH

11

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO O silencioso chamado O caminho que urge 11

2 O PERIGO QUE AMEACcedilA UM OLHAR Agrave ESSEcircNCIA DA TEacuteCNICA 14

21 DA PERGUNTA PELA TEacuteCNICA Agrave PERGUNTA PELA ESSEcircNCIA SOBRE A

QUESTAtildeO DO SER

14

22 A LIVRE RELACcedilAtildeO COM A TEacuteCNICA DA CORRETUDE Agrave VERDADE 21

23 TEacuteCNICA GREGA E MODERNA DA POIacuteESIS Agrave EXPLORACcedilAtildeO 26

24 DIS-PONIBILIDADE E COM-POSICcedilAtildeO ACERCA DO DESVELAMENTO

EXPLORADOR DA TEacuteCNICA MODERNA

31

3 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES ACERCA DA ESSEcircNCIA DA

ARTE

38

31 ldquoONDE MORA O PERIGO CRESCE O QUE SALVArdquo DA PERGUNTA PELA

TEacuteCNICA Agrave PERGUNTA PELA ARTE

38

32 O ORIGINAacuteRIO DA OBRA DE ARTE O POcircR-EM-OBRA DA VERDADE 44

33 PENSAMENTO POEacuteTICO UM DIZER SILENCIOSO 54

34 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES UM SALTO NA VEREDA 63

4 O CAMINHAR SERENO UM AGUARDAR NA PROXIMIDADE DO MISTEacuteRIO 71

41 DA DESTRUICcedilAtildeO Agrave SUPERACcedilAtildeO DA METAFIacuteSICA ACERCA DA

IDENTIDADE E DIFERENCcedilA

71

42 SERENIDADE O DIZER SIM E NAtildeO Agrave TEacuteCNICA 76

43 DA ABERTURA OU MISTEacuteRIO O DEMORAR-SE NO ENTRE 80

44 DA ABERTURA AO AGUARDAR O CAMINHAR SERENO NA VEREDA 85

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS ndash A-CERCA DO ENTENDIMENTO HUMANO O

SALTO NA VEREDA

91

REFEREcircNCIAS 94

12

1 INTRODUCcedilAtildeO

O silencioso chamado O caminho que urge

A presente pesquisa tem como proposta pensar a problemaacutetica apontada

por Heidegger no acircmbito da dominaccedilatildeo da teacutecnica no presente momento da

humanidade Adentrando esta problemaacutetica buscaremos ir ao fundo das

questotildees para demonstrarmos quatildeo dominado encontra-se o homem e assim

pensar em que sentido eacute possiacutevel reconhecer essa crise e qual o meio que

devemos proceder para efetivar esse reconhecimento Ao fazermos uma

imersatildeo nos textos de Heidegger buscaremos a partir do que foi por ele

pensado enfrentar essas questotildees Destacaram-se para esta pesquisa trecircs

conferecircncias em especial A questatildeo da teacutecnica (1953) A origem da obra de

arte (1936) e Serenidade (1955)

Neste primeiro ensaio Heidegger pensa a crise de seu tempo como uma

crise que tem por base o modo como se encara a teacutecnica o saber a linguagem

e o ser Esse modo de pensar e dizer vem se desenvolvendo a partir do seu

olhar nos primoacuterdios da Filosofia ateacute o periacuteodo claacutessico com Platatildeo e

Aristoacuteteles

Esse saber encontra-se naquilo que ele chama de seu ldquoestaacutegio de

acabamentordquo onde a teacutecnica passa a reger e a dominar quase que

completamente todos os acircmbitos do humano ameaccedilando-o em sua essecircncia

Assim ao sermos remetidos a uma leitura mais aprofundada deste ensaio nos

confrontamos com os escritos de outros filoacutesofos como Platatildeo Aristoacuteteles e

tambeacutem Tomaacutes de Aquino Descartes Kant Hegel e Nietzsche Contudo em

cada um destes pensadores teremos um olhar voltado agraves questotildees

heideggerianas que aqui buscamos pensar

Pensada a problemaacutetica e identificado o caminho que se mostrou como

alternativa agrave dominaccedilatildeo da teacutecnica sobre o homem passaremos ao segundo

momento de nossa pesquisa Um debate acerca de um ensaio anterior na

ordem do tempo ao ensaio da teacutecnica mas na nossa pesquisa

metodologicamente discutido em um momento posterior

13

A origem da obra de arte eacute o resultado de trecircs conferecircncias que se puseram

a tratar da questatildeo da arte e de sua essecircncia Na busca pela essecircncia da arte

enfrentaremos com Heidegger aleacutem da sempre presente questatildeo do ser e da

verdade questotildees esteacuteticas e outras acerca do estatuto do que venha a ser a

Esteacutetica como um campo do saber filosoacutefico Nessa busca de um retorno ao

que seja o originaacuterio na arte teremos em vista o que haacute na essecircncia da arte

que possa vir a se apresentar como aquela possibilidade de confronto agrave crise

identificada no primeiro ensaio portanto algumas questotildees concernentes a

esse ensaio que diante o nosso olhar natildeo estatildeo propriamente ligadas ao que

aqui se busca natildeo seratildeo tratadas com a profundidade com a qual trataremos

as que propriamente se colocam em nosso caminho Outros ensaios

heideggerianos acerca da arte do poeacutetico da linguagem assim como do

pensamento de Nietzsche sobre a arte faratildeo parte deste segundo momento de

nossa pesquisa contudo novamente como no primeiro ensaio a estes nos

reportaremos na medida em que isso se mostrar apropriado ao curso do nosso

caminhar

Tendo sido feita a leitura destes dois ensaios iniciais onde o primeiro

apresenta a problemaacutetica e o segundo nos mostra uma outra possibilidade de

confronto adentraremos o ensaio que nos permitiraacute pensar que tipo de

confronto ocorre entre a teacutecnica e a arte pensada por Heidegger

Com o ensaio Serenidade ensaio norteador deste trilhar como um todo

pensaremos em questotildees como inversatildeo retorno diaacute-logo siacutentese identidade

e diferenccedila poreacutem para que estas questotildees natildeo nos sejam apresentadas de

fora o que nos transporia a um acircmbito completamente diferente do que aqui se

intenta adentrar percorreremos lentamente cuidadosamente e

insistentemente passo a passo ou seja no interior das questotildees ateacute que

estas se apresentem a noacutes no que elas satildeo

Para tanto como eacute caracteriacutestico na leitura dos escritos heideggerianos

duas questotildees que lhes satildeo centrais e que o acompanham por todo o seu

pensar devem ser devidamente tratadas para que assim esse caminhar

parta desde os primeiros passos de dentro de sua filosofia Satildeo estas as

questotildees da verdade e do ser Estas questotildees seratildeo tratadas a partir de uma

trilogia pensada pelo proacuteprio autor como inter-ligadas onde uma natildeo pode

devidamente ser pensada sem a outra Essa trilogia eacute composta assim pelas

14

conferecircncias O que eacute metafiacutesica (1929) A essecircncia da verdade (1930) e A

questatildeo do fundamento (1929)

Assim percorrido o caminho desta pesquisa buscaremos com o devido

cuidado e responsabilidade para com o leitor apresentar o resultado de um

profundo esforccedilo de pesquisa sobre o essencial ao homem sua situaccedilatildeo

presente e sobre uma possibilidade de enfrentamento de alguns dos problemas

que se apresentam como os mais ameaccediladores e perigosos para sua

existecircncia

A serenidade como uma revoluccedilatildeo radical eacute nossa meta neste trabalho

pois busca as raiacutezes de onde se radica uma vasta gama de problemaacuteticas

Uma disposiccedilatildeo que soacute se mostraraacute livre de diversos preconceitos que a ela

possam ser atribuiacutedos apoacutes essa leitura interior Aqui como interior tem-se a

necessidade de um ultrapassar da razatildeo no sentido de uma escuta ao coraccedilatildeo

e ao caminho proposto Soacute por esse olhar interior a serenidade se mostraraacute

natildeo como uma mera passividade que se ausenta daquilo que no presente

momento histoacuterico urge mas se mostraraacute como aquela accedilatildeo mais radical de

confronto agrave crise a qual vem passando toda a humanidade

Eacute portanto com o maior vigor da seriedade e responsabilidade que

devemos ter sobre o nosso presente momento e lugar que se faz aqui esse

convite agrave leitura das palavras que se seguem Palavras que pretendem ser uma

conversa entre o que a partir deste caminhar junto poderemos chamar de

amigos

15

2 O PERIGO QUE AMEACcedilA UM OLHAR Agrave ESSEcircNCIA DA TEacuteCNICA

Neste capiacutetulo seratildeo tratadas as questotildees acerca da teacutecnica e de sua

essecircncia com isso seraacute possiacutevel refletir o sentido da crise apontada por

Heidegger agrave sociedade atual Diante do sentido desta crise seraacute buscada

junto ao filoacutesofo uma indicaccedilatildeo de um caminho de fuga de confronto de

superaccedilatildeo Para tal investigaccedilatildeo se daraacute de iniacutecio uma breve introduccedilatildeo ao

pensar heideggeriano concernente ao ser e agrave verdade pontos centrais em toda

sua obra filosoacutefica Em seguida abordaremos os questionamentos presentes no

ensaio A questatildeo da teacutecnica (1953) relacionados com o caminho que aqui

buscamos traccedilar

21 Da pergunta pela teacutecnica agrave pergunta pela essecircncia A questatildeo do ser

A pergunta pela teacutecnica seraacute desenvolvida no sentido de indicar uma

situaccedilatildeo criacutetica da humanidade atual e do modo como esse homem se

relaciona com o ambiente que o cerca Uma situaccedilatildeo que segundo o filoacutesofo

Martin Heidegger (1889-1976) tem na concepccedilatildeo teacutecnica loacutegico-cientiacutefica e

metafiacutesico-filosoacutefica o centro da problemaacutetica contudo natildeo se trata aqui de

negar ou afirmar cegamente a teacutecnica mas de desenvolver um questionamento

que abra nossa presenccedila para uma livre relaccedilatildeo com esta pois soacute em uma

relaccedilatildeo livre pode-se saber o que eacute verdadeiramente a teacutecnica pode-se

A infacircncia da palavra jaacute vem com o primitivismo

das origens

Nossas palavras se juntavam uma na outra por

amor e natildeo por sintaxe

Manoel de Barros Menino do mato

ldquo pois eacute evidente que haacute muito sabeis o que

propriamente quereis designar quando empregais a expressatildeo bdquoente‟ Outrora tambeacutem noacutes

julgaacutevamos saber agora poreacutem caiacutemos em aporiardquo

Platatildeo O sofista

Ningueacutem de noacutes na verdade tinha forccedila de fonte

Ningueacutem era iniacutecio de nada

Manoel de Barros Poemas rupestres

16

experienciar sua essecircncia Para esta caminhada Heidegger iniciaria com a

pergunta Qual a essecircncia da teacutecnica

Natildeo podemos considerar Heidegger um filoacutesofo sistemaacutetico pelo contraacuterio

seus questionamentos se entrelaccedilam em todo o conjunto de sua obra Pode-se

ler as questotildees do ser e da verdade estas que lhes satildeo fundamentais em

seus diversos escritos e conferecircncias e eacute assim que se daacute com a teacutecnica

Diversos satildeo os escritos onde podemos ler algo relacionado com a questatildeo

poreacutem eacute no ensaio A questatildeo da teacutecnica que se encontra em uma coletacircnea

de textos intitulada pelo proacuteprio autor de Ensaios e conferecircncias que podemos

encontrar este tema com um maior vigor de desenvolvimento Daiacute tomarmos

esse ensaio como base central para esta investigaccedilatildeo mas sempre buscando

relacionaacute-lo com outros textos e autores

Qual a essecircncia da teacutecnica Heidegger nos indica duas respostas dadas

pela tradiccedilatildeo respostas estas que se concatenam em uma Diz i) ldquoA teacutecnica eacute

um meio para um fimrdquo ii) ldquoA teacutecnica eacute uma atividade do homemrdquo Estas

determinaccedilotildees correntes da teacutecnica Heidegger chama de ldquodeterminaccedilatildeo

instrumental e antropoloacutegica da teacutecnicardquo 1 mas para que atividade do homem

eacute a teacutecnica um instrumento e meio Como se desenvolveu o interesse por seu

domiacutenio Surgiu para suprir nossas necessidades baacutesicas para que o homem

pudesse dominar e se assegurar das incertezas advindas das diversidades do

ambiente que o circunda bastando para isso que o homem domine a teacutecnica

com todo seu empenho Eacute nesse sentido que diz Heidegger

A concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica guia todo esforccedilo para colocar o

homem num relacionamento direto com a teacutecnica Tudo depende de se manipular a teacutecnica enquanto meio e instrumento da maneira devida Pretende-se como se costuma dizer ldquomanusear com espiacuterito

a teacutecnicardquo Pretende-se dominar a teacutecnica Este querer dominar torna-se tanto mais urgente quanto mais a teacutecnica ameaccedila escapar ao

controle do homem 2

O instrumento que lhe levaria a seguranccedila pelo domiacutenio da natureza

ameaccedila-lhe fugir ao controle Eacute essa ameaccedila que desperta no filoacutesofo a

necessidade de uma real investigaccedilatildeo de sua essecircncia portanto

recoloquemos a questatildeo com um maior cuidado evitando apresentar

1 HEIDEGGER Martin A questatildeo da teacutecnica [1959] In Ensaios e conferecircncias Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo

Rio de Janeiro Editora Vozes 2002 P12 2 Idem

17

apressadamente as respostas dadas pela tradiccedilatildeo sobre sua essecircncia Vamos

demorar com maior cuidado na pergunta em si escutando o que a pergunta

mesma nos encaminha Qual a essecircncia da teacutecnica Ao perguntar assim soa

outro questionamento o que eacute isto a teacutecnica Esta forma de questionamento

que se coloca deste modo - o que eacute isto - eacute a forma de questionar da proacutepria

Filosofia Este modo de questionamento jaacute se encontra presente em Platatildeo e

Aristoacuteteles Eacute o modo grego de questionar o vigente Assim diz Heidegger

Com a questatildeo agora posta avanccedilamos para a proximidade do ηη

εζηηλ grego Eacute aquela forma de questionar desenvolvida por Soacutecrates Platatildeo e Aristoacuteteles Estes perguntavam por exemplo Que eacute isto ndash o

belo Que eacute isto ndash o conhecimento Que eacute isto ndash a natureza Que eacute isto ndash o movimento

3

E do mesmo modo podemos fazer a pergunta O que eacute isto ndash o ente

Heidegger indica que neste questionamento encontra-se a questatildeo diretriz de

toda histoacuteria da FilosofiaMetafiacutesica ocidental esta que se assemelha com a

histoacuteria do esquecimento do ser Comeccedilamos com a pergunta pela essecircncia da

teacutecnica e agora nos encontramos diante da pergunta pelo ente e de sua

diferenccedila diante da pergunta pelo ser Comeccedilamos em um ponto para agora

chegarmos a sua origem Aqui torna-se necessaacuterio um esclarecimento sobre o

que seja o comeccedilo e sua diferenccedila fundamental com o que seja a origem

(Ursprung) ou melhor com o que seja o originaacuterio o principial O comeccedilo natildeo

eacute ainda o princiacutepio a origem ou dizendo ainda de forma mais condizente com

o pensar heideggeriano o comeccedilo natildeo eacute ainda o originaacuterio Em seu escrito

Hinos de Houmllderlin [19351935] Heidegger distingue bem essa diferenccedila entre

comeccedilo e princiacutepio Diz

Princiacutepio natildeo eacute o mesmo que comeccedilo () O comeccedilo eacute aquilo com que algo se inicia o princiacutepio eacute aquilo de onde isso vem () O comeccedilo eacute cedo deixado para traacutes desaparecendo na continuaccedilatildeo

dos acontecimentos O princiacutepio a origem pelo contraacuterio evidencia-se primeiramente entre os acontecimentos e soacute no fim destes estaacute

plenamente presente () Noacutes humanos nunca podemos principiar com o princiacutepio ndash disso soacute um deus eacute capaz ndash pelo contraacuterio temos

de comeccedilar isto eacute partir de um iniacutecio que soacute conduz agrave origem ou a indica

4

Aqui temos algumas palavras essenciais para o pensar inovador de

Heidegger Ur-sprungUrsprungliche e An-fangAnfaumlngliche Ur-

3 HEIDEGGER Martin O que eacute isto ndash a Filosofia In Conferecircncia e escritos filosoacuteficos Trad br Ernildo Stein Satildeo

Paulo Editora Nova Cultural 1996 P30 4 HEIDEGGER Martin Hinos de Houmllderlin [193435] Trad pt Lumir Nahodil Lisboa Instituto Piaget 1979 pp 11-12

18

sprungUrsprungliche pode ser traduzido na forma de substantivo e na forma

de adjetivo substantivado por origem e originaacuterio O mesmo se daacute com An-

fangAnfaumlngliche que nos surge como princiacutepio e como principial Nestas

traduccedilotildees5 somos remetidos a um ponto de partida a um solo a um comeccedilo Eacute

de encontro a esse sentido de ponto de partida que o pensar de Heidegger se

daacute No seu ensaio A origem da obra de arte os termos Ursprung e Anfang se

apresentam com todo seu vigor como palavras essenciais no sentido de

originaacuterio e principial ldquoA palavra origem (Ursprung) no sentido de originaacuterio

(Ursprungliche) significa fazer eclodir algo trazer algo ao ser num salto

fundador a partir da proveniecircncia da essecircnciardquo6 Em outro momento diz ldquoO

autecircntico princiacutepio (Anfang) nunca tem o caraacuteter de comeccedilo do primitivordquo ldquoeacute

sempre como um salto-preacuteviordquo7

Para adentrarmos um pouco mais na questatildeo seraacute feita uma breve

introduccedilatildeo agrave questatildeo do ser e sua relaccedilatildeo essencial com o ente Aqui temos

como destino de nossa investigaccedilatildeo uma questatildeo diferente a da pergunta pela

crise da sociedade atual denominada por Heidegger de sociedade da era

atocircmica e de sua tentativa de indicaccedilatildeo de um caminho de confronto Assim

esclareceremos em que sentido entendemos nas palavras originaacuterio e

principial uma referecircncia ao sentido do ser em contraposiccedilatildeo ao sentido de

origem e comeccedilo e sua proximidade ao ente

O ente eacute tudo que estaacute presente eacute o carro a cadeira a aacutervore satildeo os

animais os homens eacute tambeacutem deus a teacutecnica e a arte ou seja eacute qualquer

coisa Satildeo as meras coisas as coisas de uso e tambeacutem as coisas supremas

que enquanto coisas estatildeo sendo Ente (Seiende) ηὸ ὄλ eacute o particiacutepio neutro

grego o que para nossa liacutengua portuguesa podemos dizer como o geruacutendio do

ηὸ εἶλαη o infinitivo presente do verbo ser Portanto poderiacuteamos traduzir o ηὸ ὄλ

por sendo Assim ficaria o ser em contraposiccedilatildeo ao sendo A pergunta inicial

da filosofia se deu como dissemos anteriormente no modo O que eacute isto ndash o

ente O que no momento de esplendor no momento originaacuterio perguntava

pelo ser pelo ηὸ εἶλαη tornou-se a pergunta pelo ente pelo ηὸ ὄλ Assim eacute que

5 Nas notas de traduccedilatildeo do ensaio A origem da obra de arte Idalina Azevedo desenvolve com fortes argumentos o

sentido da traduccedilatildeo 6 HEIDEGGER Martin A origem da obra de arte [193536] Trad br Idalina Azevedo e Manuel Antocircnio de Castro Satildeo

PauloEdiccedilotildees 70 2010 p 199 7 Idem p195

19

Aristoacuteteles o grande sistematizador desenvolve sua argumentaccedilatildeo acerca da

ciecircncia primeira Pois se o ente em cada caso especiacutefico eacute o objeto de uma

determinada ciecircncia a natureza da Fiacutesica o homem da Psiquiatria o

acontecimento da Historiografia a linguagem da Filologia O ente aquilo que

estaacute sendo em cada coisa em geral eacute o objeto da filosofia ou como chama

Aristoacuteteles da θηιοζοθία πρώηε (filosofia primeira) da πρώηε ἐπηζηήκε

(ciecircncia primeira) Seu objeto eacute o ente e nada mais

Poreacutem o princiacutepio a proveniecircncia de cada ente deste em particular ou

mesmo do ente enquanto tal natildeo eacute possiacutevel de ser questionada ou justificada

em suas proacuteprias ciecircncias Diz Heidegger em um ensaio com o tiacutetulo Ciecircncia e

pensamento do sentido [1953] escrito na forma de uma preparaccedilatildeo ao ensaio

A questatildeo da teacutecnica apresentado alguns meses depois

A natureza o homem o acontecer histoacuterico a linguagem para as

respectivas ciecircncias o incontornaacutevel jaacute vigente nas suas objetividades Dele cada uma delas depende mas a representaccedilatildeo

nenhuma delas poderaacute abraccedilaacute-lo em sua plenitude essencial () O incontornaacutevel assim caracterizado rege e reina na essecircncia de toda

ciecircncia8

Sendo a Filosofia θηιοζοθία πρώηε a ciecircncia do ente enquanto ente nela

esse incontornaacutevel se apresenta ainda mais incontornaacutevel Seria em certo

sentido esse incontornaacutevel essa proveniecircncia originaacuteria do ente que

poderiacuteamos chamar de ser Natildeo sendo poreacutem nada do que estaacute aiacute mas fonte

principial de tudo que adveacutem Esse ser natildeo sendo coisa alguma natildeo sendo

natildeo pode ser objeto de investigaccedilatildeo da Filosofia Daiacute Heidegger nos dizer que

a morada do ser eacute na linguagem do pensador e do poeta9 ficando ao filoacutesofo o

ente e nada mais Pois se o ser natildeo eacute nenhum destes sendo natildeo eacute ente

algum se eacute natildeo-ente se assim o pensar nos permite expressarmos seria

entatildeo cometer uma infraccedilatildeo agrave regra primeira e fundamental do pensar loacutegico

sobre o qual eacute impossiacutevel errar a saber o princiacutepio da contradiccedilatildeo Este

princiacutepio que segundo Aristoacuteteles eacute o que rege todo o pensar filosoacutefico natildeo

permite falar do natildeo-ente sem tornaacute-lo ente jaacute que o falar filosoacutefico eacute aquele

8 HEIDEGGER Martin Ciecircncia e pensamento do sentido [1953] In Ensaios e conferecircncias

Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo Rio de Janeiro Editora Vozes 2002 pp 54-55 9 HEIDEGGER Martin Carta sobre o humanismo In Marcas do caminho Trad br Ernildo

Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 326

20

que diz o que eacute isto ndash o ente Assim Aristoacuteteles se expressa sobre o princiacutepio

da contradiccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com a Filosofia

Quem possui o conhecimento dos seres enquanto seres devem poder dizer quais satildeo os princiacutepios mais seguros de todos os seres Este eacute

o filoacutesofo E o princiacutepio mais seguro de todos eacute aquele sobre o qual eacute impossiacutevel errar () eacute impossiacutevel que a mesma coisa ao mesmo tempo pertenccedila e natildeo pertenccedila a uma mesma coisa segundo o

mesmo aspecto () Essa noccedilatildeo uacuteltima por sua natureza constitui o princiacutepio de todos os outros axiomas

10

Eacute esse incontornaacutevel aporeacutetico essa vereda que Parmecircnides chamou de o

terceiro caminho ou o natildeo-caminho αηαρπωλ (caminho no qual natildeo se vecirc o

caminho de retorno por onde se veio) do qual nos proiacutebe seguir em seu poema

Sobre a natureza Proibindo por meio das palavras da Deusa Ἀληθεία

Aletheiacutea o jovem justo de seguir ficando ao errante poeta e pensador o risco

de dizer o sentido do ser risco no qual Heidegger se potildee a enveredar Nota-se

isso jaacute em sua primeira grande obra Ser e tempo [1927] onde na primeira

paacutegina ao citar uma passagem do Sofista de Platatildeo diz

ldquo Pois eacute evidente que de haacute muito sabeis o que propriamente

quereis dizer quando empregais a expressatildeo bdquoente‟ Outrora tambeacutem noacutes julgaacutevamos saber agora poreacutem caiacutemos em aporiardquo Seraacute que

hoje temos uma resposta para a pergunta sobre o que queremos dizer com a palavra ldquoenterdquo de forma alguma Assim cabe colocar

novamente a questatildeo sobre o sentido do ser Seraacute que hoje estamos em aporia por natildeo compreendermos a expressatildeo ldquoserrdquo De forma alguma Assim trata-se de redespertar uma compreensatildeo para o

sentido desta questatildeo11

Seraacute que encontramos nas ciecircncias seja ela uma ciecircncia especiacutefica ou

seja ela a ciecircncia primeira esse caraacuteter aporeacutetico Ou eacute justamente deste

aporeacutetico incontornaacutevel que a ciecircncia busca fugir Se perguntar pela essecircncia

de uma coisa eacute perguntar por sua fonte originaacuteria pelo que eacute pelo

incontornaacutevel que se potildee como fonte principial entatildeo por meio da teacutecnica da

ciecircncia natildeo chegaremos a experienciar ou ao menos nos aproximar do que

seja essa essecircncia Diz Heidegger

10

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Trad br Marcelo Perine da ediccedilatildeo Italiana de Giovanni Reale

Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2005 pp 143-145 11

HEIDEGGER Martin Ser e tempo [1927] Trad br Macia de Saacute Cavalcante Schuback

Petroacutepolis Vozes 2008 p 34

21

A essecircncia da teacutecnica natildeo eacute de forma alguma nada de teacutecnico Por isso nunca faremos a experiecircncia de nosso relacionamento com a

essecircncia da teacutecnica enquanto concebermos e lidarmos apenas com o que eacute teacutecnico enquanto a ele nos moldarmos ou dele nos afastarmos () De acordo com uma antiga liccedilatildeo a essecircncia de

alguma coisa eacute aquilo que ela eacute Questionar a teacutecnica significa portanto perguntar o que ela eacute

12

Soacute um caminho natildeo teacutecnico-loacutegico-cientiacutefico pode nos enviar a uma

experiecircncia originaacuteria com a essecircncia da teacutecnica Esse caminho eacute um caminho

do pensamento pois se nos mantivermos no acircmbito da teacutecnica como

poderiacuteamos ainda querer questionar algo a respeito dela e possuir uma

definiccedilatildeo correta Essa definiccedilatildeo haacute muito tempo nos diz que a teacutecnica eacute um

meio e uma atividade do homem Ela nos diz que a teacutecnica eacute um instrumento

do homem para atingir os seus fins

Quem ousaria negar que ela eacute correta () Com certeza O correto

constata sempre algo exato e acertado naquilo que se daacute e estaacute em frente (dele) Para ser correta a constataccedilatildeo do certo e exato natildeo precisa descobrir a essecircncia do que se daacute e apresenta Ora somente

onde se der esse descobridor da essecircncia acontece o verdadeiro em sua propriedade Assim o simplesmente correto ainda natildeo eacute o

verdadeiro E somente este nos leva a uma atitude livre com aqui que a partir da sua proacutepria essecircncia nos concerne

13

Potildee-se em nosso caminho a questatildeo da verdade Eacute com esta explanaccedilatildeo

que passaremos ao proacuteximo passo do caminho que aqui estamos a trilhar

Ainda de forma introdutoacuteria o proacuteximo passo seraacute pensar a questatildeo da

verdade e sua contraposiccedilatildeo ao que seja o correto ao que seja a adequaccedilatildeo

Portanto contrapor o sentido de verdade para Heidegger como ἀιεζεία

aletheacuteia e des-velamento aos conceitos de ὁκοίωζης omoiosis (corretude) e

adequatio (adequaccedilatildeo) eacute entender um processo de sucessivas transformaccedilotildees

np decorrer da tradiccedilatildeo filosoacutefica no que se entende por verdade do seu

nascimento originaacuterio aos dias atuais

22 A livre relaccedilatildeo com a teacutecnica Sobre a corretude e a verdade

12

A questatildeo da teacutecnica p 11 13

Idem pp 11-12

22

Estamos buscando desenvolver um questionamento que nos transponha

para uma livre relaccedilatildeo com a teacutecnica Tal relaccedilatildeo soacute se daacute verdadeiramente

diante de sua essecircncia diante do que seria a teacutecnica A tradiccedilatildeo nos diz que a

teacutecnica eacute um meio e uma atividade do homem definiccedilatildeo que Heidegger chama

de concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica Quem negaria a sua corretude Poreacutem

diante do ateacute aqui exposto algumas interrogaccedilotildees se fazem necessaacuterias Eacute o

correto jaacute o verdadeiro O que eacute corretude e qual o seu acircmbito A verdade foi

desde sempre pensada como corretude Como a verdade foi pensada em seu

momento originaacuterio Qual a relaccedilatildeo entre verdade corretude e teacutecnica

Precisamos percorrer cada um desses passos como num caminhar na busca

de desenvolver algo no sentido desse livre relacionar-se com a teacutecnica que

aqui buscamos

O correto jaacute eacute o verdadeiro Heidegger constantemente nos leva a um

questionamento do habitual e recorrente e nesse habitual nossa concepccedilatildeo

de verdade se apresenta como a mera corretude A verdade no pensamento

calculista se apresenta como exatidatildeo contudo o correto natildeo atinge a

profundidade do verdadeiro Permanece na superficialidade do presente e

habitual mas em que sentido o filoacutesofo diferencia corretude de verdade Onde

cada um destes sentidos atua O pensar heideggeriano acerca do ser e do

ente seraacute relacionado ao que foi apresentado pelas seguintes palavras de

Heidegger ldquoO correto constata sempre algo de exato e acertado naquilo que se

daacute e estaacute em frente (dele)rdquo14

O correto se relaciona com aquilo que se daacute e estaacute em frente dele Seu

acircmbito eacute o do vigente dado posto Seu acircmbito eacute o do ente Acertado e exato eacute

seu relacionamento com o ente com o jaacute desvelado contudo nada sabe sobre

o ser Natildeo desvela sua essecircncia mas movimenta-se no jaacute desvelado no posto

dado ordinaacuterio e habitual sendo que ldquosomente onde se der esse descobrir da

essecircncia acontece o verdadeiro em sua propriedaderdquo15

Enquanto o correto diz

sobre o posto o verdadeiro abre-o ao seu aparecer O verdadeiro deixa viger o

que eacute destinado do ser ao ente do ainda natildeo vigente ao vigente Eacute nesse

descobrir que se mostra o relacionar-se com o ser Abrindo uma clareira ou

como clareira que se permite o vir agrave vigecircncia algo do ser eacute que se daacute um

14

Ibidem 15

A questatildeo da teacutecnica p13

23

acontecer do ser Entatildeo se o correto tem o seu acircmbito no ente a verdade

encontra-se em relaccedilatildeo com o ser Sendo somente esta verdade capaz de

permitir a livre relaccedilatildeo com o essencial com o ser Mas de onde Heidegger

apreende essa distinccedilatildeo entre verdade e corretude que aqui foi apenas posta

mas natildeo foi trilhada Onde encontra o pensador solo para este caminhar

Onde inicia o seu caminhar acerca da verdade da abertura Para essa

pergunta nos remetemos agraves suas palavras

Este aberto foi concebido pelo pensamento ocidental desde o seu iniacutecio como ηὰ ἀιήζεα o desvelado Se traduzimos a palavra ἀιήζεα por bdquodesvelamento‟ em lugar de bdquoverdade‟ essa traduccedilatildeo natildeo eacute

somente mais bdquoliteral‟ mas ela compreende a indicaccedilatildeo de pensar mais originariamente a noccedilatildeo corrente de verdade como

conformidade do enunciado16

Somos entatildeo encaminhados pelas fendas de nossa investigaccedilatildeo aos

gregos e seu modo de pensar O que os gregos entendiam por ἀιήζεα

desvelamento A questatildeo da verdade para Heidegger juntamente com a

questatildeo do ser torna-se o cerne do seu pensar Assim tatildeo fundamental como

a questatildeo do ser eacute a questatildeo da verdade em seu pensar como um todo Eacute

necessaacuterio que mantenhamos ambas como um soacute pensar caminhando juntas

Um ensaio fundamental no que concerne a discussatildeo sobre a verdade eacute o

ensaio A essecircncia da verdade [1930] Este em conjunto com o O que eacute

metafiacutesica [1929] satildeo considerados os textos da virada (Kehre) do

pensamento heideggeriano O proacuteprio filoacutesofo chama este momento de viragem

de seu pensar17

Onde o ser passa a ser buscado diretamente por meio de seu

acontecer poeacutetico-apropriante (Ereignis) Diferentemente de sua busca anterior

a partir do ente privilegiado homem a partir do Da-sein em ambas as fases de

seu filosofar se assim realmente se pode dizer a essecircncia da verdade como

ἀιεζεία des-velamento se potildee como uma questatildeo central

Verdade se disse primeiramente no mundo grego como ἀιεζεία

desvelamento Heidegger inaugura ou recupera em seu sentido originaacuterio uma

leitura a essa palavra essencial ldquoEssa palavra bdquoverdade‟ tatildeo sublime e ao

mesmo tempo tatildeo gasta e embotada designa o que constitui o verdadeiro

16

HEIDEGGER Martin A essecircncia da verdade [1930] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 200 17

Cf Cartas sobre o humanismo pp 339-341

24

enquanto verdadeiro (fazer pro-duzir deixar vir agrave clareira)rdquo18

Na palavra

ἀιεζεία o pensador escuta para muito aleacutem da mera corretude adequaccedilatildeo

certeza objetividade realidade Nela ressoa o originaacuterio ressoa o

desvelamento que abre Uma abertura que deixa advir o destinado do misteacuterio

do oculto ἀιήζεηα eacute composta pelo α privativo mais o radical ιήζε que

podemos traduzir por velado oculto esquecido Daiacute a traduccedilatildeo heideggeriana

de ἀιήζεiα por des-velamento des-ocultaccedilatildeo des-esquecimento Aquilo que

deixa o fechado do velamento vir ao vigor do vigente como o des-velado que

passa do natildeo-dado ao dado ao doado dizendo portanto algo completamente

distinto de exatidatildeo corretude ou adequaccedilatildeo Verdade dizia sobre um

acontecimento essencial do ser

Onde este sentido mais originaacuterio de verdade se perdeu Foi deixado de

lado e com isso esquecido Onde se deu tatildeo grande desvio de pensamento

Heidegger identifica o iniacutecio desta mudanccedila do sentido de verdade e junto com

ela a mudanccedila de sentido do ser com os gregos em sua fase tardia que se

inicia apoacutes a plenitude daquele pensar originaacuterio que se deu com Anaximandro

Pitaacutegoras Heraacuteclito e Parmecircnides Esse periacuteodo tardio que como Nietzsche19

Heidegger identifica como o periacuteodo de decadecircncia do pensar grego e iniacutecio da

decadecircncia do pensar ocidental Esse eacute o periacuteodo dos grandes ldquofiloacutesofosrdquo

Soacutecrates Platatildeo e Aristoacuteteles A mudanccedila no sentido da verdade assim como

a histoacuteria do esquecimento do ser pelo ente tem seu iniacutecio jaacute em Platatildeo

sofrendo novamente uma mudanccedila de paradigma com Aristoacuteteles nos escritos

de loacutegica e de metafiacutesica e com os latinos em suas traduccedilotildees e interpretaccedilotildees

da filosofia grega aquilo que de forma latente ainda pensava o sentido anterior

de verdade e ser eacute transformado em outro pensar e assim esquecido Assim

o que era fundamental ao pensamento grego a questatildeo do ser e da verdade

decai na questatildeo do ente e da adequaccedilatildeo Vejamos essa passagem do Ser e

Tempo onde Heidegger nos diz sobre esse decair do filosofar grego

Embora nosso tempo se arrogue o progresso de afirmar novamente a

bdquometafiacutesica‟ a questatildeo aqui evocada caiu no esquecimento () A questatildeo referida natildeo eacute na verdade uma questatildeo qualquer Foi ela que deu focirclego agraves pesquisas de Platatildeo e Aristoacuteteles para depois

18

A essecircncia da verdade pp 190-191 19

Cf NIETZSCHE Friedrich A filosofia na eacutepoca traacutegica dos gregos In Coleccedilatildeo os pensadores vol XXXII ndash Obras incompletas Trad br Rodrigo Torres Filho Satildeo Paulo Abril

Cultural 1974 pp 37-51

25

emudecer como questatildeo temaacutetica de uma real investigaccedilatildeo () Ε o que outrora se arrancou num supremo esforccedilo de pensamento ainda

que de modo fragmentado e tateante aos fenocircmenos encontra-se de haacute muito trivializado

20

Vejamos como Heidegger lecirc essa histoacuteria do esquecimento e das

seguidas mudanccedilas de sentido da questatildeo da verdade Heidegger em seu

polecircmico ensaio A teoria platocircnica da verdade [19311932 1940] propotildee que o

desvio de sentido jaacute se deu com Platatildeo ao introduzir a noccedilatildeo de ὀρζόηες de

um bdquoolhar reto‟ Para natildeo adentrar em uma discussatildeo mais aprofundada acerca

do ensaio citado e do polecircmico posicionamento heideggeriano sobre o pensar

platocircnico da verdade ressaltaremos aqui apenas aquilo que o autor indica

como o iniacutecio da transformaccedilatildeo da essecircncia da verdade Leiamos uma

passagem deste ensaio

Se no geral em toda e qualquer postura frente ao ente estaacute em questatildeo o ἰδεῑλ da ἰδέα a visualizaccedilatildeo do bdquoaspecto‟ entatildeo todo

esforccedilo deve concentrar-se antes de tudo em procurar possibilitar uma tal visualizaccedilatildeo Para isso eacute necessaacuterio um olhar reto () em

consequecircncia dessa adequaccedilatildeo do notar como um ἰδεῑλ agrave ἰδέα daacute-se uma ὁκοίωζης uma concordacircncia do conhecimento com a coisa mesma Assim da primazia da ἰδέα e do ἰδεῑλ frente a ἀιήζεiα daacute-se

uma transformaccedilatildeo da essecircncia da verdade Verdade torna-se ὀρζόηες retidatildeo do notar e enunciar

21

Apresenta-se aiacute o primeiro passo da transformaccedilatildeo da essecircncia da

verdade uma transformaccedilatildeo que para noacutes parece ocorrer de forma tatildeo sucinta

que torna difiacutecil a compreensatildeo do polecircmico texto de Heidegger

Ο que em Platatildeo e Aristoacuteteles ainda se deu como passagem segundo

Heidegger ali onde o pensamento grego ainda era vigoroso mesmo que jaacute

tornado sistemaacutetico escolar foi abandonado e por conseguinte esquecido

pela tradiccedilatildeo Segundo Heidegger a leitura latina do pensar grego diluiu o vigor

desse filosofar Na traduccedilatildeo de ἀιήζεiα para veritas como uma adequatio daacute-

se o passo decisivo do que vinha mudando de sentido Nessa mudanccedila de

sentido podemos perceber os passos da transformaccedilatildeo do conceito de

verdade Da verdade do ser (ontoloacutegica) a verdade do ente (ocircntica) e por fim

20

Ser e Tempo p 37 21

HEIDEGGER Martin A teoria platocircnica da verdade In Marcas do caminho Trad br Ernildo

Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 242

26

a verdade da proposiccedilatildeo (proposicional) Cada vez de forma mais decadente

mais superficial Cada vez menos originaacuteria a verdade vai se transformando no

exato no correto

Assim na Escolaacutestica podemos ver fortemente os ecos determinantes

da filosofia aristoteacutelica De um pensar loacutegico e argumentativo palavras e

expressotildees usadas por Aristoacuteteles referentes agrave questatildeo da verdade natildeo

apresentam mais o vigor do mundo grego e seu pensar natildeo pulsa mais o

modo grego de pocircr-se no mundo O mundo grego se desvaneceu Soacute restaram

traduccedilotildees e reflexos do que outrora se pensou

Assim pelo exposto podemos vislumbrar o desvio ou mesmo o envio

do sentido originaacuterio de verdade entendida como ἀιήζεiα des-velamento

passando pela ὀρζόηες o olhar reto ὁκοίωζης a semelhanccedila e a adequatio

entendida como base da filosofia escolaacutestica por adequaccedilatildeo da coisa a

proposiccedilatildeo tornando-se assim simplesmente em veritas verdade ao

entendimento atual de adequaccedilatildeo

ldquoOnde nos perdemosrdquo Questionamos a teacutecnica e agora encontramo-nos

diante da verdade e suas variadas determinaccedilotildees e sentidos O que tem a ver

a essecircncia da teacutecnica com a essecircncia da verdade A resposta que Heidegger

nos daacute eacute ldquoTudordquo A essecircncia da teacutecnica e da verdade tem tudo a ver Teacutecnica

em grego se dizia ηέτλε o mesmo termo era usado tambeacutem para a arte

Teacutecnica e arte eram modos de deixar viger o ainda natildeo vigente Deixa-viger

aqueles que diferente dos entes da θύζης natildeo possuiacuteam o eclodir em si

mesmos E como um deixar viger ambos estariam intrinsecamente

relacionados com a verdade pensados como ἀιήζεiα desvelamento Ambas

satildeo pro-duccedilatildeo e como podemos ler na passagem citada por Heidegger do

diaacutelogo Banquete de Platatildeo ldquoTodo deixar-viger o que passa e procede do natildeo

vigente para a vigecircncia eacute ποίεζης eacute pro-duccedilatildeordquo22

A teacutecnica eacute pro-duccedilatildeo e

enquanto pro-duccedilatildeo eacute ποίεζης poiacuteesis eacute desvelamento Pensando assim a

teacutecnica natildeo se resume a um simples meio sua essecircncia estaacute para aleacutem disso

Ela eacute um modo de verdade de desvelamento Mas seraacute que esse modo de

pensar a teacutecnica eacute vaacutelido tambeacutem para a teacutecnica moderna Ou ela pertence

apenas ao acircmbito do pensamento grego Seraacute que a teacutecnica das usinas

22

A questatildeo da teacutecnica p 16

27

induacutestrias da fiacutesica moderna eacute tambeacutem pro-duccedilatildeo ποίεζης Heidegger levanta

essa indagaccedilatildeo da seguinte forma

Teacutecnica eacute uma forma de desencobrimento A teacutecnica vige e vigora no acircmbito onde se daacute descobrimento e decircs-encobrimento onde

acontece ἀιήζεiα verdade Contra essa determinaccedilatildeo do acircmbito da essecircncia da teacutecnica pode-se objetar e dizer que ela vale para o

pensamento grego e no melhor dos casos pode servir para a teacutecnica artesanal mas natildeo alcanccedila a teacutecnica moderna caracterizada pela maacutequina e aparelhagens E eacute justamente esta e somente esta que

constitui o sufoco que nos leva a questionar bdquoa‟ teacutecnica23

Eacute diante esta indagaccedilatildeo que somos levados ao caminho do pensar a

teacutecnica grega em confronto com a teacutecnica moderna Portanto como pensar a

ηέτλε grega e sua relaccedilatildeo com a ποίεζης e sua transformaccedilatildeo na teacutecnica

moderna Eacute a teacutecnica moderna tambeacutem um modo de ἀιήζεiα desvelamento

Caso seja eacute do tipo poieacutetico no sentido de uma pro-duccedilatildeo que deixa-viger Ou

o que lhe caracteriza o que lhe domina eacute outro tipo de desvelamento Satildeo

esses traccedilos que seratildeo investigados nos passos seguintes

23 Teacutecnica grega e moderna Da poiacuteesis agrave exploraccedilatildeo

Em que sentido podemos pensar com Heidegger sua indicaccedilatildeo de que o

que preocupa eacute exatamente o sentido de pro-duccedilatildeo enquanto ποίεζης natildeo

poder mais ser aplicado agrave teacutecnica moderna Que sentido tem essa pro-duccedilatildeo

para os gregos Se natildeo eacute mais a poiacuteesis que determina a teacutecnica moderna o

que eacute Por que esta outra determinaccedilatildeo a saber a exploraccedilatildeo e o

armazenamento ameaccedilam tanto o homem atual Seratildeo estas indagaccedilotildees e as

que surgirem no caminho nas quais nos deteremos com o cuidado

necessaacuterio para que passo por passo trilhemos o caminho no qual

adentramos

Se pensarmos em um antigo moinho de vento grego e em uma usina

hidroeleacutetrica moderna podemos dizer que ambos satildeo um meio de produccedilatildeo de

energia Se pensarmos no agricultor ao lavrar sua terra ou em uma induacutestria de

23

Idem p18

28

agronegoacutecio podemos novamente dizer que ambas tecircm como finalidade a

produccedilatildeo de alimentos O que os diferenciam Natildeo satildeo ambos meio e

finalidade de produccedilatildeo Sim e natildeo Os dois extraem algo da terra poreacutem o

primeiro em cada um dos casos com cuidado deixa que a terra lhe doe o que

lhe eacute necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo de sua vida enquanto que no segundo de

forma abrupta retira da terra como de um reservatoacuterio mais do que o

necessaacuterio com o fim de estocar e armazenar e depois disso fazer um

negoacutecio O primeiro recebe uma doaccedilatildeo como presente ao seu presente O

segundo arranca mateacuteria-prima que ficaraacute disponiacutevel para um uso posterior A

relaccedilatildeo esta proximidade que o antigo tem com a Terra aquela que ele chama

de Matildee ldquoTerra de amplo seio de todos sede irresvalaacutevel semprerdquo24

Γάηα

multinutriz como nos conta nos bdquocanta‟ Hesiacuteodo transforma-se para o

segundo em uma relaccedilatildeo de exploraccedilatildeo forccedilando a terra a fornecer mateacuteria-

prima natildeo mais como uma vaca que pro-duz leite para alimentar a cria Mas

como uma vaca leiteira que em uma induacutestria eacute forccedilada recebendo

hormocircnios agrave produccedilatildeo de muitos litros de leite por dia que seratildeo tratados

transformados encaixotados armazenados para estarem disponiacuteveis agrave venda

Leiamos as palavras de Heidegger

O subsolo passa a se desencobrir como reservatoacuterio de carvatildeo o chatildeo como jazidas de mineacuterio Era diferente o campo que o camponecircs outrora lavrava quando lavrar ainda significava cuidar e

tratar O trabalho camponecircs natildeo provocava e desafiava o solo agriacutecola () A terra se desencobre nesse caso depoacutesito de carvatildeo

e o solo jazida de minerais25

Eacute draacutestica a mudanccedila no relacionar-se com a natureza entre os antigos e

os modernos A pro-duccedilatildeo grega eacute outra completamente diferente dessa

exploraccedilatildeo moderna mas para percebermos esta draacutestica mudanccedila iremos

nos deter ainda mais no que seja essa pro-duccedilatildeo que entre os gregos tinham

esse sentido de ποίεζης Apoacutes esta investigaccedilatildeo estaremos em melhores

condiccedilotildees de adentrar ainda mais na teacutecnica moderna em busca de sua

essecircncia pois soacute em uma verdadeira relaccedilatildeo com essa essecircncia poderemos

buscar um caminho de enfrentamento a essa situaccedilatildeo criacutetica da qual o homem

24

HESIacuteODO Teogonia a origem dos deuses Trad br Jaa Torrano Satildeo Paulo Editora Ilumiuras 1995 p 91 25

A questatildeo da teacutecnica p 19

29

atual se encontra imerso submerso ldquoTudo agora depende de se pensar a pro-

duccedilatildeo e o pro-duzir em toda sua amplitude e ao mesmo tempo no sentido dos

gregosrdquo26

Como na passagem citada do Banquete de Platatildeo pro-duccedilatildeo no sentido

de ποίεζης eacute todo deixar-viger O que leva da natildeo-vigecircncia a vigecircncia eacute todo o

pocircr no sentido de um deixar emergir A proacutepria θύζης nesse sentido eacute uma

ποίεζης uma pro-duccedilatildeo Ela eacute ateacute a maacutexima ποίεζης aquela que se daacute a partir

de si mesma Aqueles que natildeo se pro-duzem por si mesmos satildeo os ποηούκελα

os artefatos os entes criados produzidos pela arte pela ηέτλε Estes se

contrapotildeem e nesse sentido se aproximam dos seres da natureza da θύζης

daqueles que se potildeem por si mesmos dos θύζεη ὅληα Enquanto os primeiros

tecircm sua forccedila de eclosatildeo em outro ἐλ αιιωη os seres da natureza possuem o

eclodir em si mesmos ἐλ ἑασηωη Contudo ambos enquanto um vir agrave vigecircncia

satildeo ποίεζης Os artefatos que natildeo possuem o eclodir em si dependem dos

ἀρτηηέθηωλ dos arquitetos natildeo no sentido atual de arquiteto mas como

aqueles que tecircm a ηέτλε como ἀρτή E assim diz Heidegger

Nos artefatos portanto a ἀρτή de sua mobilidade e assim de seu repouso de estar pronto e estar terminado natildeo estaacute neles mesmos

mas em um outro no ἀρτηηέθηωλ naquele que dispotildee da ηέτλε enquanto ἀρτή Com isso teria sido feito a distinccedilatildeo frente aos θύζεη

ὅληα que se chamam desse modo precisamente porque natildeo tem a ἀρτή de sua mobilidade em um outro ente mas no ente que ele proacuteprios satildeo (e enquanto satildeo esse ente)

27

Leiamos uma passagem da Fiacutesica de Aristoacuteteles do livro Β 1 analisada

na citaccedilatildeo anterior com a qual Heidegger iraacute confrontar seu conceito de θύζης

ao conceito aristoteacutelico e grego de um modo mais geral

Algumas coisas satildeo por natureza outras por outras causas Por natureza os animais e suas partes as plantas e os corpos simples como a terra o fogo o ar e a aacutegua ndash pois dizemos que estas e outras

coisas semelhantes satildeo por natureza Todas estas coisas parecem diferenciar-se das coisas que natildeo estatildeo constituiacutedas por natureza

porque cada uma delas tem em si mesmo um princiacutepio de movimento e de repouso seja com respeito ao lugar ao aumento ou agrave

diminuiccedilatildeo ou agrave alteraccedilatildeo Pelo contraacuterio uma cama uma roupa ou qualquer outra coisa de gecircnero semelhante como as significamos em

26

Idem p16 27

HEIDEGGER Martin A essecircncia e o conceito de Φύζης em Aristoacuteteles ndash Fiacutesica Β 1 [1939] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes

2008 p 264

30

cada caso por seu nome e enquanto isso satildeo produtos da arte (ηέτλε) natildeo tem em si mesmas nenhuma tendecircncia natural agrave

mudanccedila28

Estes entes que natildeo tecircm o eclodir em si necessitam de outro ente para

chegar agrave vigecircncia contudo este vir agrave vigecircncia natildeo adveacutem pela atividade

manual do artista mas por meio de seu saber Arte e teacutecnica satildeo ditas pelos

gregos com a mesma palavra ηέτλε Natildeo por ambas terem em comum o fazer

a atividade manual mas por ambas terem em comum o pro-duzir no sentido de

ποίεζης como um deixar vir agrave vigecircncia em seu aspecto Como um

conhecimento algo relacionado agrave verdade Τέτλε aparece em Aristoacuteteles e

Platatildeo ao lado de επηζηήκε epistecircme Enquanto a επηζηήκε eacute o saber que se

relaciona com os θύζεη ὅληα aqueles que emergem por si os entes naturais a

ηέτλε eacute o saber a respeito dos ποηούκελα dos que natildeo adveacutem por si mesmos

os artefatos Assim diz Aristoacuteteles em sua obra acerca da Eacutetica em um

momento de uma ldquomeditaccedilatildeo especialrdquo ao tratar dos diversos tipos de

conhecimento

Satildeo cinco as disposiccedilotildees em virtude das quais a alma alcanccedila a

verdade (ἀιήζεiα) por meio da afirmaccedilatildeo ou da negaccedilatildeo a arte a ciecircncia o discernimento a sabedoria filosoacutefica e a inteligecircncia () O

objeto do conhecimento cientiacutefico portanto existe necessariamente Ele eacute consequentemente eterno pois todas as coisas cuja existecircncia eacute absolutamente necessaacuteria satildeo eternos () Toda arte se relaciona

com a criaccedilatildeo e dedicar-se a uma arte eacute estudar uma maneira de fazer uma coisa que pode existir ou natildeo e cuja origem estaacute em quem

faz e natildeo na coisa feita de fato a arte natildeo trata de coisas que existem ou passam a existir necessariamente nem de coisas que

existem ou passam a existir de conformidade com a natureza (estas coisas tecircm origens nelas mesmas) Jaacute que haacute diferenccedila entre fazer e agir a arte deve relacionar-se com a criaccedilatildeo e natildeo com a accedilatildeo

29

Com base no exposto Heidegger nos diz ser a teacutecnica no pensamento

grego um saber um modo de desvelar uma verdade criaccedilatildeo em oposiccedilatildeo a

um fazer manual Um saber que permite cuida e protege Protege o enviado o

destinado pelo ser do ocultamento ao des-ocultamento Destinado ao cuidado

e guarda na linguagem do pensador do artista Bem diferente eacute a teacutecnica

moderna onde o a-guardar foi substituiacutedo pela pressa do arrancar onde o criar

28

ARISTOacuteTELES Fiacutesica Traduccedilatildeo proacutepria feita da traduccedilatildeo espanhola de Guillermor R de

Echandia Madrid Editorial Gredos SA 1995 p 45 29

ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicoacutemacos Trad Br Maacuterio de Gama Kury Brasiacutelia Editora UNB

1992 pp 115-116

31

foi substituiacutedo pelo en-formar onde a co-pertenccedila de identidade e diferenccedila em

uma harmonia originaacuteria foi substituiacutedo pela mesmidade pela uni-formizaccedilatildeo

industrial pelo negoacutecio Aquele saber que na plenitude do mundo grego do

pensamento originaacuterio era a aproximaccedilatildeo do homem agrave natureza decaiu em

um afastamento sugador explorador O misteacuterio do aguardar foi apagado pela

exatidatildeo do calcular O filho que naquela bdquomanhatilde de sol‟ brincava livremente

com sua matildee natureza tornou-se na bdquonoite do mundo‟ o ldquosenhor da terrardquo

escravizado por seu proacuteprio trabalho e conceitos Esses ldquosenhoresrdquo tornaram-

se cada vez mais escravos de seus instrumentos Indigentes cada vez mais

imersos na cotidianidade dos entes explorando armazenando e negociando

como diz Heidegger

Eacute justamente esse homem assim ameaccedilado que se alardeia na figura de senhor da terra Cresce a aparecircncia de que tudo que nos vecircm ao

encontro soacute existe agrave medida que eacute um feito do homem Esta aparecircncia faz prosperar uma derradeira ilusatildeo segundo a qual em

toda parte o homem soacute se encontra consigo mesmo () Entretanto hoje em dia na verdade o homem jaacute natildeo se encontra em parte

alguma consigo mesmo isto eacute com a sua essecircncia30

Eacute esse desvelamento explorador que de forma alguma eacute um deixar-que-

advenha que nada tem de ποίεζης Eacute essa exploraccedilatildeo que assusta Pois qual

o sentido desse explorar e armazenar sem fim Eacute pensando no sentido de

suprir o necessaacuterio Natildeo essa exploraccedilatildeo e armazenamento tecircm a finalidade

do estar disponiacutevel Eacute essa dis-ponibilidade (Bestand) que preocupa Nela o

proacuteprio fruto ou melhor dizendo acerca da modernidade a proacutepria coisa o

proacuteprio objeto esvai-se ldquoEm toda parte se dispotildee a estar a postos e assim

estar a fim de tornar-se e vir a ser dis-poniacutevel para ulterior dis-posiccedilatildeo31

rdquo Cada

coisa passa a ser um dis-poniacutevel que estando ali armazenado espera por uma

negociaccedilatildeo que o trans-ponha daqui para ali

Uma nova meditaccedilatildeo se potildee em nosso caminhar ldquoQue desencobrimento

se apropria do que surge e aparece no pocircr da exploraccedilatildeordquo32

Como podemos

pensar mais propriamente sobre esta disponibilidade Qual a essecircncia da

teacutecnica moderna que leva o homem a um desvelar explorador onde tudo se

30

A questatildeo da teacutecnica pp 29-30 31

Idem p20 32

Ibidem

32

apresenta como mera disponibilidade De onde proveacutem essa essecircncia da

teacutecnica moderna Daacute-se por conta da negligecircncia do homem ou eacute mera

fatalidade do periacuteodo ou ainda eacute outra a situaccedilatildeo Sobre estes

questionamentos nos deteremos nos proacuteximos passos

24 Dis-ponibilidade e Com-posiccedilatildeo Acerca do desvelamento explorador

da teacutecnica moderna

A disponibilidade (Bestand) se potildee em nosso caminho Essa palavra

assume aqui um sentido muito mais essencial do que mera provisatildeo ldquoa palavra

disponibilidade se faz agora o nome de uma categoriardquo ldquodesigna o modo em

que vige e vigora tudo o que o descobrimento explorador atingiurdquo33

Chegamos

com este passo ao ponto alto aquele que surge diante do profundo do que

agora buscamos proximidade desse nosso percurso Estamos para

experienciar o originaacuterio que adveacutem das profundezas da essecircncia da teacutecnica

moderna Esse extra-ordinaacuterio que permite que nos elevemos agravequela relaccedilatildeo

livre entre nossa presenccedila (Dasein) e a essecircncia da teacutecnica portanto nesse

caminho in-habitual nos faz recuar lentamente alguns passos como quem se

prepara para pegar o impulso necessaacuterio ao salto-mortal no abismo (Abgrund)

Retornemos entatildeo alguns passos

Como pensarmos essa disponibilidade que nos passos anteriores vimos

como o preocupante acerca da teacutecnica moderna O que rege como apelo

essa disponibilidade Ela eacute regida por uma inadimplecircncia do homem por fruto

da ganacircncia de sua vontade ou ela eacute regida por algo mais originaacuterio ldquoSe a

teacutecnica moderna natildeo se resume a um mero fazer do homem () temos de

encarar em sua propriedade o desafio que potildee o homem a dispor do real

como dis-ponibilidaderdquo34

Heidegger como quem lanccedila o olhar ao outro lado do

abismo sobre o qual se prepara para saltar chama a esse ldquoapelo de

exploraccedilatildeo que reuacutene o homem a dis-por do que se des-encobre como dis-

ponibilidaderdquo35

de Ge-stell com-posiccedilatildeo Sobre o uso inusitado dessa palavra

33

Ibidem 34

Idem pp22-23 35

Idem p23

33

sobre seu sentido e lugar nesse percurso nos deteremos mais agrave frente Aqui o

indicamos apenas como um caminho a ser percorrido

Questionamos a teacutecnica ao nos depararmos com o perigo desta escapar ao

nosso domiacutenio Criamos teorias e conceitos com o fim de assegurar domiacutenio

Construiacutemos escolas com o intuito de dominar o saber e agora vemos as

criaccedilotildees fazendo um papel oposto ao intuito pensado em uma cadeia de

eventos onde o ser foi perdendo lugar ao domiacutenio do ente

A usina hidroeleacutetrica instalada no Reno como nos fala o filoacutesofo natildeo estaacute

mais aiacute como o velho moinho de vento Ela estaacute ali ou podemos ateacute dizer o

contraacuterio o rio estaacute ali instalado na usina a fim de se explorar a forccedila de

movimento das correntes de suas aacuteguas a dispor energia Esta energia seraacute

armazenada para em seguida estar agrave disposiccedilatildeo de uma induacutestria que usaraacute

este disponiacutevel para gerar instrumentos de trabalho ao homem que tambeacutem

estaraacute ali agrave disposiccedilatildeo para algum serviccedilo para ser meio de alguma finalidade

Se eacute que podemos ainda chamar isso de finalidade essa cadeia de disposiccedilatildeo

onde cada qual destes constituintes natildeo tem sentido algum pelo que eacute Usina

rio induacutestria homem negoacutecio natureza o tempo estatildeo todos aiacute apenas como

disposiccedilatildeo Caiu com isso tudo na indiferenccedila na mesmidade da

disponibilidade Vejamos uma passagem em Heidegger acerca do que

dissemos

A energia escondida na natureza eacute extraiacuteda o extraiacutedo vecirc-se transformado o transformado estocado o estocado distribuiacutedo o distribuiacutedo reprocessado Extrair transformar estocar distribuir

reprocessar satildeo todos modos de desencobrimento Todavia este desencobrimento natildeo se daacute simplesmente Tampouco perde-se no

indeterminado () por toda parte assegura-se o controle Pois o controle e seguranccedila constituem ateacute marcas fundamentais do descobrimento explorador

36

O proacuteprio homem encontra-se preso sem-saiacuteda nessa cadeia de

disponibilidade Ele encontra-se conectado a essa amarraccedilatildeo a esse

esqueleto a essa teia nessa com-posiccedilatildeo que a tudo abarca Eacute nesse sentido

de amarraccedilatildeo palavra que em alematildeo se diz por Gestell que Heidegger usa o

termo essencial com-posiccedilatildeo Em Ge-Stell o Ge tem o sentido de ldquoforccedila

originaacuteria de reuniatildeordquo e Stell com o sentido de pocircr de colocar junto de lugar

36

Idem p20

34

Assim por meio de uma escuta cuidadosa Ge-Stell eacute pensado como com-

posiccedilatildeo forccedila originaacuteria que reuacutene em um ponto em um lugar Como no termo

siacutentese onde sin tem o sentido de reuniatildeo e tese com o sentido de posiccedilatildeo

posto junto a siacuten-tese eacute entatildeo o iniacutecio da histoacuteria do desenvolvimento dessa

essecircncia da teacutecnica moderna Siacuten-tese eacute esta cadeia de amarraccedilatildeo que reuacutene

todo o disposto em uma cadeia sem-escape Siacuten-tese eacute Ge-stell eacute com-

posiccedilatildeo Bestand e Gestell como disponibilidade e composiccedilatildeo usados para

indicar o extra-ordinaacuterio do pensar heideggeriano podem ao leitor menos

atento parecer um abuso de linguagem poreacutem eacute sempre como extravagacircncia

que se potildee o pensar em profundidade Extravagante como o salto mortal

Assim Heidegger defende o uso destes termos dizendo o seguinte

Seraacute possiacutevel extravagacircncia maior ainda Certamente que natildeo Soacute que esta extravagacircncia eacute um antigo costume do pensamento E os

grandes pensadores tornaram-se extravagantes precisamente quando tecircm de pensar o mais elevado () o fato de Platatildeo usar a

palavra εἶδος para dizer a essecircncia de tudo e de cada coisa Pois na linguagem de todo dia εἶδος diz a visatildeo que uma coisa visiacutevel nos

apresenta agrave percepccedilatildeo sensiacutevel37

Contudo perguntamos esta Ge-stell com-posiccedilatildeo que teve seu

nascimento no pensar grego como siacuten-tese este pocircr-junto-em-relaccedilatildeo-a se

deu por negligecircncia do pensar do homem Deu-se por um descuido um des-

vio Eacute fruto da liberdade do homem de seu arbiacutetrio Heidegger nos diz que

natildeo A com-posiccedilatildeo enquanto um modo essencial de des-velamento natildeo eacute um

des-vio mas sim um envio do ser um destino do desencobrimento pelo ser

portanto um acontecimento-histoacuterico Entatildeo ao contraacuterio do que haviacuteamos

questionado a com-posiccedilatildeo como destino natildeo adveacutem da liberdade do homem

mas de um escravo da fatalidade do destino de um escravo de seu tempo

Tambeacutem natildeo o que se daacute eacute algo diverso Sendo fruto do destino a

composiccedilatildeo acontece pela liberdade Parece que nos encontramos em uma

confusatildeo em um emaranhado onde palavras contraditoacuterias se imbricam Esta

confusatildeo se instaura se pensarmos destino e liberdade como entende a

tradiccedilatildeo O que Heidegger pensa com essas palavras Algo bem diferente da

37

Idem p23

35

fatalidade e do arbiacutetrio Destino eacute pensado como um pocircr a caminho um envio

da silenciosa fonte originaacuteria Em suas palavras

Pocircr a caminho significa destinar Por isso denominamos de destino a forccedila de reuniatildeo encaminhadora que potildee o homem a caminho de

um desencobrimento Eacute pelo destino que se determina a essecircncia de toda histoacuteria A histoacuteria natildeo eacute um mero elemento da historiografia

nem somente o exerciacutecio da atividade humana A accedilatildeo humana soacute eacute histoacuterica quando enviada por um destino

38

No caso da liberdade Heidegger natildeo a pensa como vontade como

arbiacutetrio ou como uma liberdade de movimento mas sim como um deixar-ser

Como um permitir uma escuta onde o ente se des-vela pelo envio do ser Este

deixar-ser se daacute como um entregar-se ao ente ente Como um acolhimento

do e pelo ente como cuidado e proteccedilatildeo Entretanto este deixar-ser poderia

ser pensado no sentido negativo de ldquodesviar a atenccedilatildeo de algordquo ou de uma

renuacutencia agrave onde se ldquoexprime uma indiferenccedila ou uma omissatildeordquo mas como foi

dito este deixar-ser tem um sentido contraacuterio ao de omissatildeo sendo ateacute a

maacutexima atenccedilatildeo e presenccedila diante o vigente como escuta e abrigo esta

liberdade acontece em seu parentesco com a verdade pensada como ἀιήζεiα

Pois eacute ao que se desvela que deixa-ser o ente que se eacute O que pelo misteacuterio

como misteacuterio eacute enviado ao desvelamento eacute abrigado mesmo ao se esconder

por este deixar-ser da liberdade Verdade misteacuterio e liberdade se emaranham

em sua co-pertenccedila ao acontecer poeacutetico-apropriante do ser (Ereignis)

Misteacuterio aqui eacute pensado como este que libera ldquoO encoberto que sempre se

encobre e cobrerdquo o fechado que abriga o eclodir

Este entregar-se ao caraacuteter de desvelado do ente como nos diz

Heidegger natildeo eacute um ldquoperder-se nele mas um recuo diante do ente afim que

este se manifeste naquilo que eacute e como eacuterdquo39

Pensando deste modo eacute que

podemos ver a copertenccedila entre destino e liberdade onde estes natildeo vatildeo de

encontro um ao outro mas pelo contraacuterio vatildeo ao encontro um do outro O que

o destino envia a liberdade permite O que eacute doado pelo misteacuterio eacute protegido

no des-velo pelo livre deixar-ser Leiamos o que diz Heidegger acerca desta

relaccedilatildeo entre destino e liberdade

38

Idem p27 39

A essecircncia da verdade p201

36

O destino do desencobrimento sempre rege o homem em todo o seu ser mas nunca eacute a fatalidade de uma coaccedilatildeo Pois o homem soacute se

torna livre num envio fazendo-se ouvinte e natildeo escravo do destino A essecircncia da liberdade natildeo pertence originariamente agrave vontade e nem tatildeo pouco se reduz agrave causalidade do querer humano

A liberdade rege o aberto no sentido do aclarado isto eacute do des-encoberto () A liberdade eacute o reino do destino que potildee o

desencobrimento em seu proacuteprio caminho40

Assim respondemos ao questionamento sobre o acontecimento

histoacuterico da teacutecnica como com-posiccedilatildeo se ele eacute fruto de uma inadvertecircncia ou

se eacute ele uma fatalidade de nossa eacutepoca Natildeo sendo nem um nem outro mas o

fruto de um envio proveniente do misteacuterio do ser Ao pensarmos assim nos

mantemos no espaccedilo livre com a essecircncia da teacutecnica ao qual buscamos estar

nesse percurso de nosso trilhar o pensamento heideggeriano Abre-se com

este pensar caminhos novos de enfrentamento agrave situaccedilatildeo de crise que se

apresenta sobre o modo da teacutecnica Nesse extra-ordinaacuterio onde se abre para a

essecircncia da teacutecnica somos tomados por um ldquoapelo de libertaccedilatildeordquo Diz

Heidegger

A essecircncia da teacutecnica moderna repousa na com-posiccedilatildeo A com-

posiccedilatildeo pertence ao destino do descobrimento Estas afirmaccedilotildees dizem algo muito diferente do que a frase tantas vezes repetida a

teacutecnica eacute a fatalidade de nossa eacutepoca onde fatalidade significa o inevitaacutevel de um processo inexoraacutevel e incontornaacutevel () quando

pensamos poreacutem a essecircncia da teacutecnica fazemos a experiecircncia da com-posiccedilatildeo como destino de um desencobrimento Assim jaacute nos mantemos no espaccedilo livre do destino Este natildeo nos tranca numa

coaccedilatildeo obtusa que nos forccedilaria uma entrega cega agrave teacutecnica ou o que daacute no mesmo a arremeter desesperadamente contra a teacutecnica e

condenaacute-la como obra do diabo Ao contraacuterio abrindo-nos para a essecircncia da teacutecnica encontramo-nos de repente tomados por um apelo de libertaccedilatildeo

41

Eacute nesse passo que se encontra o perigo Pois se a liberdade eacute

entendida como um deixar-ser o que nos eacute destinado ldquoo homem histoacuterico

tambeacutem pode deixando que o ente seja natildeo deixaacute-lo-ser naquilo que ele eacute e

assim como eacute O ente entatildeo encobre-se e eacute dissimuladordquo42

Este natildeo-deixar-ser

naquilo que eacute se apresenta no homem moderno como esse pensamento que

calcula nesta com-posiccedilatildeo dominante que tudo explora e torna disponiacutevel

Neste sistema operativo e calculaacutevel que potildee em fuga toda outra forma de

40

A questatildeo da teacutecnica pp 27-28 41

Idem p 28 42

A essecircncia da verdade p 203

37

pensar Eacute aqui que mora o perigo Nesse esforccedilo de dominar bdquocom espiacuterito‟ a

teacutecnica nessa produccedilatildeo exploradora esquece-se o misteacuterio e com isso tem-se

a fuga da possibilidade de um desvelar mais originaacuterio O pensamento

meditativo poeacutetico a pro-duccedilatildeo como ποίεζης eacute ameaccedilada de ser encoberta

por completo ldquoO predomiacutenio da com-posiccedilatildeo arrasta consigo a possibilidade

ameaccediladora de se poder vetar ao homem voltar-se para um desencobrimento

mais originaacuterio e fazer assim a experiecircncia de uma verdade mais inauguralrdquo43

O grande perigo natildeo se encontra portanto no perigo das armas na

superficialidade dos novos meios de comunicaccedilatildeo virtuais na intoxicaccedilatildeo por

remeacutedios nos transgecircnicos agrotoacutexicos ou qualquer outro elemento teacutecnico

Seu perigo extremo estaacute na fuga desta outra possibilidade no completo

domiacutenio da com-posiccedilatildeo sobre a essecircncia do pensar do homem

Entretanto ldquodificilmente abandona o que mora na proximidade do

originaacuterio o lugarrdquo Com essas palavras do poema A peregrinaccedilatildeo de Houmllderlin

palavras finais do ensaio A origem da obra de arte eacute feita a passagem do

perigo ao que salva CITACcedilAcircO A essecircncia mais essencial eacute res-guardada

pela forccedila originaacuteria do misteacuterio ldquoO domiacutenio da composiccedilatildeo natildeo poderaacute

deturpar todo o brilho da verdaderdquo44

Ao se afastar de sua morada essencial o

homem eacute tomado por um apelo de retorno O pensamento loacutegico calculador

potildee o homem cada vez mais diante aos entes em sua mera cotidianidade

Decai assim na mesmidade do apenas dado O homem histoacuterico eacute tomado por

um teacutedio profundo que manifesta o ente em sua totalidade onde tudo se

apresenta como indiferenccedila Outro humor entatildeo arrebata o homem a

anguacutestia Nesta o ente se potildee em fuga o nada se manifesta como um apelo

da morada essencial a experienciaccedilatildeo do nada abre o pensar a outra

possibilidade Para outro modo de ser se abre como fonte Abre como questatildeo

e misteacuterio para um pensar que natildeo seja mais um mero com-pocircr mas um pocircr

poeacutetico inaugural Permitindo pela escuta cuidadosa que venha agrave vigecircncia

como doaccedilatildeo deste nada originaacuterio Esta questatildeo sobre o nada e os humores

de teacutedio e anguacutestia seraacute tratada mais adiante com um maior aprofundamento

Aqui trata-se apenas de pensar o apelo silencioso

43

A questatildeo da teacutecnica pp30-31 44

Idem p31

38

Pensar a essecircncia da teacutecnica eacute escutar a voz o canto do destino que

adveacutem da fonte principial eacute colocar-se na histoacuteria de maneira autecircntica Esta

escuta potildee Heidegger a se deter na voz do poeta Houmllderlin ldquopoeta dos poetasrdquo

doa em seu dizer muitas palavras que abrem o seu pensar Diante deste

poeta o filoacutesofo-pensador se deteacutem em muitos momentos com muito cuidado

Assim diz o poeta ldquoOra onde mora o perigo eacute laacute que tambeacutem cresce o que

salvardquo Eacute portanto no domiacutenio da com-posiccedilatildeo como essecircncia da teacutecnica

moderna que se mostra a outra possibilidade de um desocultar mais originaacuterio

Mas qual o sentido deste salvar Que outra possibilidade de pensar se

presenteia nesse extra-ordinaacuterio que se deu no confronto com o pensar

teacutecnico Eacute esse outro pensar a salvaccedilatildeo da ameaccedila da crise Esses satildeo os

questionamentos derradeiros desta fase de nossa investigaccedilatildeo Satildeo sobre

estas questotildees que nos deteremos agora como passo preparatoacuterio para uma

nova questatildeo ou seja a questatildeo do confronto

39

3 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES ACERCA DA ESSEcircNCIA DA ARTE

Neste capiacutetulo pensaremos a questatildeo da arte buscando avizinhaacute-la do

originaacuterio (Ursprung) e da essecircncia (Wesen) no sentido de encontrar aiacute outra

possibilidade capaz de um confronto agrave crise apontada pelo des-velar

explorador da teacutecnica moderna Deixaremos que a essecircncia da arte se

apresente ao pensar Nossa busca eacute portanto a de saber se na arte guarda-se

a medranccedila daquilo que pode nos salvar deste tempo de indigecircncia desta

noite do mundo Para tal busca faremos um momento que nos serviraacute de

passagem da questatildeo anterior da teacutecnica para a questatildeo da arte que agora se

iniciaraacute Apoacutes esse momento de passagem adentraremos a questatildeo da arte e

buscaremos pensar como a sua essecircncia se apresentou ao filoacutesofo Daqui

seremos levados a pensar em conjunto a essecircncia da arte e a questatildeo da crise

atual do entendimento teacutecnico

31 ldquoOnde mora o perigo cresce o que salvardquo Da pergunta pela Teacutecnica agrave

pergunta pela Arte

Chegamos num ponto crucial de nossa investigaccedilatildeo passo derradeiro

acerca da pergunta pela teacutecnica natildeo eacute contudo conclusivo eacute apenas um

preparo para um olhar em outro sentido O tiacutetulo deste ponto jaacute nos indica para

onde vamos seguir Passaremos da questatildeo da teacutecnica agrave questatildeo da arte

Poreacutem eacute preciso ainda alguns passos para que essa mudanccedila natildeo se decirc de

forma brusca Em que sentido se daraacute essa mudanccedila Aleacutem desta indicaccedilatildeo

A ciecircncia pode classificar e nomear os oacutergatildeos

de um sabiaacute Mas natildeo pode medir seus encantos

A ciecircncia natildeo pode calcular quantos cavalos de forccedila existem nos encantos de um sabiaacute

Quem acumula muita informaccedilatildeo perde o

condatildeo de adivinhar divinare Os sabiaacutes divinam

Manoel de Barros Livro sobre nada

Do fundo abismo nascem as altas montanhas

Maacutercia de Saacute

O escuro me ilumina Manoel de Barros

40

de mudanccedila de olhar o tiacutetulo tambeacutem nos diz outra coisa ldquoOnde mora o perigo

eacute laacute tambeacutem que cresce o que salvardquo Nessas palavras de Houmllderlin Heidegger

nos indica o fio condutor desta mudanccedila Contudo precisamos esclarecer o

que se entende aqui por salvar Como relacionar este salvar que agora se pocircs

no caminho com a pergunta inicial acerca da essecircncia da teacutecnica Como a

arte se relaciona com a teacutecnica diante da pergunta pela essecircncia Iremos nos

deter nestes questionamentos nos passos seguintes

Haviacuteamos dito que a essecircncia da teacutecnica moderna se apresentou apoacutes

nosso questionar como com-posiccedilatildeo O desvelar explorador que arrancou da

terra tudo como mera dis-ponibilidade eacute regido por essa com-posiccedilatildeo Na

dominaccedilatildeo deste explorar com-positor o perigo que ameaccedila eacute o de se trancar

ao homem a possibilidade de um outro desvelar mais originaacuterio a saber o

desvelar poeacutetico Este que enquanto ποίεζης deixa que o ente seja a cada

vez o ente que eacute Sendo regida assim pela liberdade como um deixar-ser essa

ποίεζης deixa-pocircr Esta ameaccedila contudo natildeo se deu por conta de uma

negligecircncia do homem nem por um capricho ou por uma veleidade Ela eacute fruto

de um destino de uma doaccedilatildeo Sendo destino adveacutem de um acontecer

histoacuterico do ser Soacute ao se perceber este sentido da essecircncia da teacutecnica

moderna o homem pode receber essa doaccedilatildeo aos cuidados e proteccedilatildeo de sua

guarda na linguagem Sua guarda se daacute aos que escutam o apelo da silenciosa

fonte originaacuteria Pensar sua essecircncia eacute escutar esse apelo Soacute onde se daacute esse

pensar cuidadoso e esse poetar permissor eacute que se pode dizer com vigor

essas palavras do poeta ldquoonde mora o perigo eacute laacute tambeacutem que cresce o que

salvardquo Portanto natildeo nos apressemos em dar respostas Tentemos com maior

esforccedilo nos manter nessa bdquofesta do pensar‟ frente agrave abertura do misteacuterio frente

agrave vereda O que Heidegger pensa em con-sonacircncia com o poeta por salvar Eacute

ele um salvar a tempo de uma destruiccedilatildeo iminente ou nos diz outra coisa a

voz do poeta Continuemos no nosso lento caminhar

Pensando com Houmllderlin Heidegger nos diz

O que significa salvar Geralmente achamos que significa apenas retirar a tempo da destruiccedilatildeo o que se acha ameaccedilado em continuar

41

a ser o que vinha sendo Ora ldquosalvarrdquo diz muito mais ldquoSalvarrdquo diz chegar agrave essecircncia a fim de fazecirc-la aparecer em seu proacuteprio brilho

45

Chegar agrave essecircncia eacute o sentido do salvar Na ameaccedila cresce o que salva

pois eacute nessa ameaccedila que o apelo por um retorno ao lar se potildee fortemente de

forma mais decisiva Pensemos a essecircncia natildeo de modo tradicional como

essentia como aquilo que diz o que uma coisa eacute como quid Essecircncia deve

ser pensada como colocamos de iniacutecio logo nos primeiros passos do percurso

Pensemos a essecircncia como o originaacuterio como fonte doadora principial Natildeo

como iniacutecio daquilo que logo que se potildee a caminhar eacute deixado para traacutes mas

como principial que dura e vigora a cada passo que mesmo no afastar-se eacute o

que sustem e envia Da qual natildeo eacute permitido um abandono ou um natildeo ouvir

seu apelo Eacute assim que Heidegger nos diz

Eacute do verbo bdquowesen‟ viger que proveacutem o substantivo vigecircncia Wesen

essecircncia em sentido verbal de vigecircncia eacute o mesmo que bdquowaumlhren‟ durar () Goethe chegou a usar no lugar de bdquofortwaumlhren‟ perdurar a palavra misteriosa bdquofortgewaumlhren‟ continuar a conceder Sua escuta

ouve nessa palavra uma harmonia impliacutecita de continuidade entre

bdquowaumlhren‟ durar e bdquogewaumlhren‟ conceder46

Como um carvalho que diante do perigo ao crescer fortifica suas raiacutezes

nas profundezas da Terra ldquocrescer significa abrir-se agrave amplitude do ceacuteu e ao

mesmo tempo estar arraigado na obscuridade da Terrardquo47

pois satildeo as raiacutezes

que salvam Estas como fontes doadoras de alimento recebem da Matildee Terra

multinutriz a forccedila de salvaguardar o caminho a forccedila de sustentaccedilatildeo e de

contra-posiccedilatildeo ao perigo da crise que ameaccedila ldquoEm silecircncio e em seu tempordquo

se apresenta outra possibilidade Juntamente com as palavras do poeta outras

palavras satildeo ditas ldquomas eacute poeticamente que o homem habita esta Terrardquo

Como podemos sustentar as palavras do poeta se eacute exatamente o perigo do

pensar loacutegico calculador cientiacutefico que ameaccedila o homem Se o agir desse

homem reflete o seu pensar ou sua fuga de pensar logo eacute cientificamente que

este constroacutei suas casas que este trabalha e que se coloca no mundo Se o

que lhe rege eacute a com-posiccedilatildeo o explorar e a dis-posiccedilatildeo Heidegger diz

45

A questatildeo da teacutecnica p31 46

Idem p 33 47

HEIDEGGER Martin O caminho do campo In La prensa Traduccedilatildeo pessoal a partir da

traduccedilatildeo espanhola de Sobine Langenheim e Abel Posse 1976 p 2

42

A composiccedilatildeo eacute um modo destinado de desencobrimento a saber o des-cobrimento da exploraccedilatildeo e do desafio Um e outro modo

destinado eacute o desencobrimento da pro-duccedilatildeo da ποίεζης Esses modos natildeo satildeo poreacutem espeacutecies que justapostas fossem subsumidas no conceito de desencobrimento O desencobrimento eacute o

destino que cada vez de cofre e inexplicavelmente para o pensamento se parte ora num des-encobrir-se pro-dutor ora num

des-encobri-se ex-plorador e assim se reparte ao homem48

Eacute o misteacuterio que rege essa proximidade e esse repartir Estar atento a

este misteacuterio eacute o grande passo no sentido da superaccedilatildeo da ameaccedila Eacute o passo

capaz de impulsionar o salto mortal no abismo Eacute este misteacuterio que concede

Sem ele natildeo a arvore que se sustente que dure e para viger eacute preciso durar

ldquoSomente dura aquilo que foi concedido Dura o que se concede e doa com

forccedila inaugural a partir das origensrdquo49

Em um ensaio acerca da essecircncia da

poesia (Houmllderlin e a essecircncia da poesia) Heidegger se deteacutem em algumas

palavras de Houmllderlin dentre elas a seguinte ldquoMas o que dura instauram os

poetasrdquo O que dura eacute instaurado pelos poetas Ao falar do teacutecnico e de sua

essecircncia constantemente surge o poeacutetico Como podemos nos perder nesses

dois modos de pensar tatildeo distintos Ou seraacute que a rota de duas estrelas que

passam ao longe uma da outra guarda em si uma vizinhanccedila essencial

Escutemos estas palavras de Heidegger antes de continuarmos nosso

caminhar

Outrora natildeo apenas a teacutecnica trazia o nome de ηέτλε

Outrora chamava-se tambeacutem de ηέτλε o desencobrimento que levava a verdade a fulgurar em seu proacuteprio brilho Outrora chamava-se tambeacutem de ηέτλε a pro-duccedilatildeo da verdade na

beleza Τέτλε designava tambeacutem a ποίεζης das belas-artes50

Seraacute que na arte poderemos encontrar o caminho do que salva Se o

perigo que ameaccedila diz respeito ao modo de des-velar do real ou seja diz

respeito a verdade pode a arte estando em sua essecircncia relacionada com o

belo dizer algo sobre esta Ou o que se daacute eacute o contraacuterio a essecircncia da arte

estaacute mais proacutexima da verdade como ἀιήζεiα do que do belo ldquoA essecircncia da

arte seria esta o pocircr-se em obra da verdade do sendo mas ateacute agora a arte soacute

48

A questatildeo da teacutecnica p 32 49

Idem p 34 50

Idem p 36

43

tinha a ver com o belo e a beleza e natildeo com a verdaderdquo51

ldquoEacute o poeacutetico que leva

a verdade ao esplendor superlativo () O poeacutetico atravessa com seu vigor

toda arte todo desencobrimento que vige na belezardquo52

A arte se apresenta

aqui relacionada com a verdade Aqui o que estaacute sendo dito se daacute na forma

de indicaccedilatildeo de uma mudanccedila no sentido do caminho

Seraacute entatildeo que a arte eacute a possibilidade que silenciosamente cresce na

Terra para a salvaccedilatildeo da ameaccedila que se consuma na crise aqui indicada

Deixemos Heidegger nos perguntar o mesmo

Seraacute que as belas-artes satildeo convocadas ao des-encobrir poeacutetico Seraacute que o desencobrimento haacute de reivindicaacute-las mais

originariamente para que fomentem por sua parte o crescimento do que salva para que despertem e instaurem em nova forma a visatildeo e

a confianccedila no que se concede e outorga Ningueacutem poderaacute saber se estaacute reservada agrave arte a suprema

possibilidade de sua essecircncia no meio do perigo extremo53

Se natildeo podemos saber se eacute na arte que se reserva a possibilidade do

que salva deveremos ainda nos encaminhar nessa arriscada aventura que eacute a

da busca por sua essecircncia ldquoEncaminhar na direccedilatildeo do que eacute digno de ser

questionado natildeo eacute uma aventura mas um retorno ao larrdquo ldquoAinda natildeo

pensamos o sentido quando estamos apenas na consciecircncia Pensar o sentido

eacute muito mais Eacute a serenidade em face do que eacute digno de ser questionadordquo54

Como os pensadores e poetas serenamente nos arriscaremos nessa vereda

Nos arriscaremos no sentido de termos em vista que no fim dessa nova

caminhada possamos nos deparar diante uma aporia Buscamos a essecircncia da

teacutecnica para abrir nossa presenccedila a um livre relacionamento com sua essecircncia

Esta se apresenta como um modo de des-velamento o explorador que potildee

tudo como dis-posiccedilatildeo a uma com-posiccedilatildeo Essa busca nos levou por fim agrave

questatildeo da arte Diz Heidegger

Natildeo sendo nada de teacutecnico a essecircncia da teacutecnica a consideraccedilatildeo essencial do sentido da teacutecnica e a discussatildeo decisiva com ela tecircm de dar-se no espaccedilo que de um lado seja consanguiacuteneo da essecircncia

da teacutecnica e de outro lado lhe seja fundamentalmente estranho

51

A origem da obra de arte p 87 52

A questatildeo da teacutecnica p 37 53

Ibidem 54

Ciecircncia e pensamento do sentido p 58

44

A arte nos proporciona um espaccedilo assim Mas somente se a consideraccedilatildeo do sentido da arte natildeo se fechar agrave constelaccedilatildeo da

verdade que noacutes estamos a questionar55

Nossas consideraccedilotildees acerca da teacutecnica apontaram para a ποίεζης

poiacuteesis como um modo de des-velar de verdade como a essecircncia da teacutecnica

grega e para a Ge-stell com-posiccedilatildeo tambeacutem como um modo de verdade

como a essecircncia da teacutecnica moderna Ambas seriam modos de verdade de

des-velamento Assim a essecircncia da teacutecnica se apresentou como verdade

Poreacutem a razatildeo de que em um dado momento se apresenta como des-

velamento e em outro se apresenta de um outro modo para noacutes permanece

um misteacuterio O misteacuterio se instaurou Esse mesmo que oculto em sua

essecircncia clareou agrave noacutes a possibilidade de um outro caminho O outro como

diferenccedila se apresentou como inaugural diante a identidade a habitual do

mesmo A arte tem em seu nascimento a aproximaccedilatildeo com a teacutecnica eacute-lhe

consanguiacutenea Houmllderlin pensando com Heraacuteclito escreve em seu Hipeacuterion ldquoA

palavra grandiosa ἔλ δηαθέρολ ἑασηῶη de Heraacuteclito soacute poderia ser encontrada

por um grego pois essa eacute a essecircncia da beleza e antes de encontraacute-la natildeo

havia filosofia algumardquo56

pois para ele a beleza eacute o ser e para Heraacuteclito o ser eacute

esse ldquoἔλ δηαθέρολ ἑασηῶηrdquo o uno em si mesmo diverso Heraacuteclito e Houmllderlin

satildeo enquanto pensador e poeta constantemente considerados por Heidegger

O poeacutetico aqui eacute relacionado para aleacutem do belo diz acerca do ser e da

verdade eacute o ηό ἐθθαλέζηαηολ de Platatildeo que sai a brilhar de forma superlativa

Constantemente somos levados a pensar a arte em consideraccedilatildeo com a

verdade

Investigaremos a arte na busca da sua essecircncia considerando

continuamente a questatildeo da verdade Contudo como foi dito a questatildeo da

verdade e a questatildeo do ser no pensamento heideggeriano andam de matildeos

dadas Assim como se deu nesse percurso a seguir re-colocaremos a questatildeo

do ser e da verdade Soacute assim seremos capazes de dizer algo a respeito da

arte se tem ela a medranccedila do que salva se ela nos indica ainda outra

possibilidade outro caminho ou se por fim devemos abandonar

definitivamente essa busca de um pensar em confronto agrave crise

55

A essecircncia da teacutecnica p 37 56

HOacuteLDERLIN Friedrich Hipeacuterion ou o eremita na Greacutecia Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante

Rio de Janeiro Vozes 1993 p 99

45

32 O originaacuterio da obra de arte O pocircr-em-obra da verdade

Nos passos anteriores vimos como Heidegger passou da questatildeo da

teacutecnica entendida em sua essecircncia como um des-encobrimento agrave questatildeo da

arte tambeacutem como um saber que des-encobre Em sua origem grega ambos

eram pensados pela palavra ηέθλε Teacutecne foi pensada desde Homero como

um saber Arte e saber pertenciam a um mesmo acircmbito Um saber que permitia

ao ser ao divino o seu advento ao que era por si proacuteprio Arte era um saber

um modo de verdade α-ιήζεηα poreacutem mesmo ao pensar grego esta relaccedilatildeo

entre arte e verdade se deu apenas extrinsecamente Sua relaccedilatildeo mais iacutentima

se mostrou desde o comeccedilo da tradiccedilatildeo com a questatildeo do belo passando por

toda a tradiccedilatildeo com este mesmo sentido mesmo que de diferente modo em

cada etapa do desenvolvimento do pensar Arte e belo e natildeo arte e verdade

era a relaccedilatildeo que se mantinha Soacute em Heidegger segundo o proacuteprio pensador

essa relaccedilatildeo passa ao seu vigor essencial Pois soacute neste filoacutesofo a verdade eacute

pensada como α-ιήζεηα des-encobrimento Soacute nele ela eacute pensada em sua

profundidade essencial pois mesmo ali no pensar grego essa essecircncia da α-

ιήζεηα se deu de forma oculta57

O olhar da ciecircncia esteacutetica surgido na modernidade ao artiacutestico ao

poeacutetico era um olhar sob impeacuterio da loacutegica Este olhar pensou desde seu

nascimento a arte em relaccedilatildeo ao belo ao gosto aos sentidos A mudanccedila de

paradigma que se deu com o pensar vigoroso de Heidegger em relaccedilatildeo ao

ser exigia outra linguagem uma nova forma de se pocircr diante do artiacutestico A

loacutegica como vimos anteriormente natildeo abarcava mais este pensar do ser pois

natildeo sendo mais ente o ser natildeo cabia mais no domiacutenio de seus objetos A

loacutegica seria aquela que sabe dos entes e nada mais A arte como um saber

que permitiria o advir do destinado passou a dizer a respeito do ser Para a

57

Cf HEIDEGGER Martin Parmecircnides Trad br Seacutergio Maacuterio Wrublevski Petroacutepolis Editora

Vozes 2008 P 29

ldquoEscrever o que natildeo acontece eacute tarefa da

poesiardquo

Manoel de Barros Menino do mato

46

loacutegica tratar do brotar de um natildeo-adveniente ao vigente do natildeo-ente sem

tornaacute-lo ente natildeo era uma possibilidade e pensar o natildeo-ente como um ente era

entrar em contradiccedilatildeo ferindo o fundamento supremo o princiacutepio da

contradiccedilatildeo Uma desconstruccedilatildeo torna-se necessaacuteria

O que em Ser e tempo se apresentou como a destruiccedilatildeo Destruktion da

ldquohistoacuteria da ontologiardquo58

e com ela como o ldquoenrijecimento de uma tradiccedilatildeo

petrificadardquo ou seja da tradiccedilatildeo loacutegicametafiacutesica eacute na verdade uma

desconstruccedilatildeo59

Esta desconstruccedilatildeo da histoacuteria da ontologia que em outros

momentos eacute chamada de superaccedilatildeo da metafiacutesica eacute uma superaccedilatildeo da

linguagem e do pensar loacutegico Uma histoacuteria que chega a sua consumaccedilatildeo com

o nascimento da Esteacutetica da loacutegica do sensitivo Assim a desconstruccedilatildeo da

Metafiacutesica na tradiccedilatildeo seraacute entendida como a histoacuteria da ontologia cujo

momento final seraacute a desconstruccedilatildeo da histoacuteria da Aesthetica

O meacutetodo indicado por Heidegger em Ser e tempo eacute o meacutetodo

Fenomenoloacutegico Em um certo sentido em consonacircncia com o que defendia

Husserl como um deixar-que apareccedila o que adveacutem da fonte o que adveacutem de

si mesmo Como Heidegger observa

O meacutetodo de tratar essa questatildeo eacute fenomenoloacutegico Isso poreacutem natildeo

significa que o tratado prescreva bdquoum ponto de vista‟ ou uma bdquocorrente‟ () fenomenologia diz entatildeo ἀποθαίωεζζαη ηὰ θαηλόκελα

ndash deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra tal como se mostra a partir de si mesmo Eacute este o sentido formal da pesquisa que

traz o nome de fenomenologia Com isso poreacutem natildeo se faz outra coisa do que exprimir a maacutexima formulada anteriormente ndash bdquopara as coisas elas mesmas‟

60

Em seu ensaio A origem da obra de arte Heidegger lanccedila um profundo

e cuidadoso olhar ao acontecer da arte natildeo mais um olhar esteacutetico ou loacutegico

que se manteacutem na superficialidade do fundamento do fundo mas um olhar

permissivo esse olhar fenomenoloacutegico Potildee-se a pensar como uma escuta e

natildeo mais a refletir e buscar conclusotildees Qual o originaacuterio (Ursprung) da obra de

arte Aqui antes de adentrarmos os passos seguintes re-coloquemos a

58

Ser e tempo sect 6 59

Conferir o estudo de Stein acerca da questatildeo da desconstruccedilatildeo da metafiacutesica STEIN Ernildo Diferenccedila e metafiacutesica ensaios sobre a desconstruccedilatildeo Ijuiacute UNIJUIacute 2008 60

Ser e tempo pp66- 74

47

questatildeo do termo Ursprung que estaacute no tiacutetulo do ensaio heideggeriano

Traduzindo para o portuguecircs a palavra alematilde Ursprung pode-se tanto dizer (a)

origem como por meio de substantivaccedilatildeo (o) originaacuterio Ao decompormos Ur-

sprung temos o prefixo Ur primordial e a palavra Sprung advida do verbo

springen saltar Eacute como um bdquosalto fundador‟ como um bdquofazer eclodir‟ como

podemos ler em seu ensaio que Heidegger pensa esta expressatildeo61

Ao

traduzir-se por origem somos levados a pensar em algo pontual em um iniacutecio

temporal e espacial um fundo alicerce sobre o qual possamos construir o

nosso edifiacutecio Como origem somos remetidos de volta para o interior da

tradiccedilatildeo metafiacutesica da loacutegica e seu pensar dominante Origem eacute fundamento

eacute chatildeo conceito E o que eacute do acircmbito do pensar acircmbito no qual Heidegger

busca re-instaurar eacute o do abismo (Abgrund) do sem chatildeo Eacute aquele poccedilo no

qual o pensador ao levar o seu pensar ao misteacuterio da fonte principial (Anfang)

cai em seu caminhar

Com origem com solo alicerce se constroacutei impeacuterio Eacute levar com

seriedade o des-envolvimento o progresso do saber Eacute caminhar sempre para

frente em linha reta eacute o reto pensar ὀρζόηες ortoacutetes bdquoretidatildeo do olhar‟ Eacute

seguir como trem comeacutercio induacutestria poder eacute dar resposta eacute uma re-

afirmaccedilatildeo da tradiccedilatildeo Em originaacuterio algo outro se passa Cai-se em um poccedilo

para dentro do que estava apenas na superfiacutecie Cai-se em ἀπορία Sendo

pelo ldquoentendimento escolado da loacutegicardquo62

motivo de riso pois sem chatildeo natildeo se

vai a lugar nenhum natildeo se responde nada Esse ldquocair no poccedilordquo que sempre foi

ldquomotivo de risordquo ldquonatildeo levando a lugar nenhumrdquo eacute o que Heidegger chama a

tarefa do pensar Eacute ldquoao menos uma vez chegar ao lugar em que jaacute estamosrdquo63

Eacute a abertura ao misteacuterio oculto da fenda do ser Caindo nas aacuteguas de um rio eacute

permitir-se ser levado ao destino caminhando com o fluxo do que adveacutem da

fonte principial

61

A origem da obra de arte p 199 Aleacutem do dito pelo proacuteprio filoacutesofo conferir a nota de traduccedilatildeo de Idalina acerca da expressatildeo Ursprung em sua traduccedilatildeo ao ensaio citado pp 224-

228 62

A linguagem p 8 63

Idem

48

Eacute neste sentido como originaacuterio que lemos a palavra Ursprung Daiacute o

tiacutetulo do ensaio ser tambeacutem pensado como O originaacuterio da obra de arte64

Perguntar pelo originaacuterio da obra de arte eacute perguntar pela proveniecircncia de sua

essecircncia Esta essecircncia natildeo seria aquela pensada como solo como a essentia

da tradiccedilatildeo metafiacutesica mas como abertura sem fundo como Abgrund aquele

aberto que recebe o proveniente do misteacuterio do ser Segundo a opiniatildeo

corrente a proveniecircncia da obra de arte eacute a atividade do artista mas o que diz

se um artista eacute um artista eacute a sua obra de arte

O artista eacute a origem da obra A obra eacute a origem do artista Nenhum eacute sem o outro Do mesmo modo nenhum dos dois porta sozinho o

outro Artista e obra satildeo em-si e em sua muacutetua referecircncia atraveacutes de um terceiro que eacute o primeiro ou seja atraveacutes daquilo a partir de onde artista e obra de arte tecircm seu nome atraveacutes da arte

65

A pergunta pela obra de arte eacute encaminhada a pergunta pela arte

mesma Qual a essecircncia da arte para que ela possa ser originaacuteria de algo

Heidegger inicia sua busca por essa essecircncia pelo que foi dito na tradiccedilatildeo

Buscaraacute sua essecircncia a partir de sua realidade efetiva Procurando sua

essecircncia na obra de arte existente A obra de arte eacute uma coisa como as

demais Eacute uma coisa como a pedra e tambeacutem como o utensiacutelio sapato Poreacutem

a obra de arte eacute uma coisa acrescida de algo mais algo de mais elevado que

uma mera coisa Eacute algo de produzido pelo homem mas os instrumentos os

utensiacutelios como a panela o martelo o carro tambeacutem satildeo coisas produzidas

pelas matildeos do homem Mas obra de arte eacute tambeacutem mais elevada que o

utensiacutelio pois aleacutem se ser uma coisa produzida ela nos diz algo de outro Ela eacute

alegoria eacute siacutembolo

A obra de arte aleacutem do caraacuteter de coisa eacute ainda um outro algo Este outro algo que estaacute nela constitui o artiacutestico () Alegoria e siacutembolo

fornecem o enquadramento representacional em cuja perspectiva desde haacute muito tempo se move a caracterizaccedilatildeo da obra de arte

66

64

A origem da obra de arte p 225 65

Idem p 37 66

Idem p43

49

Na busca pela essecircncia da arte a partir de sua realidade efetiva nos

deparamos com a coisa e com o utensiacutelio Sendo antes de tudo uma coisa

desvia-se o caminho da essecircncia da arte para o da essecircncia do que seja uma

coisa da coisidade da coisa Assim observa-se se a arte eacute uma coisa

acrescida de algo mais ou se eacute algo de outro A pergunta torna-se entatildeo Qual

a essecircncia da coisa Seguindo o fio condutor da investigaccedilatildeo da tradiccedilatildeo

filosoacutefica acerca da coisa Heidegger nos indica trecircs principais definiccedilotildees A

coisa eacute i) ldquoA substacircncia com os seus acidentesrdquo67

ii) ldquoA unidade de uma

multiplicidade dada nos sentidosrdquo68

e iii) ldquoa coisa eacute uma mateacuteria enformadardquo69

Esse eacute o esquema conceitual da esteacutetica desde seus primeiros acenos Das

definiccedilotildees citadas a terceira mateacuteria enformada eacute a que mais se adequa a

esse esquema conceitual

A distinccedilatildeo entre mateacuteria e forma eacute e na verdade nas mais diferentes variedades pura e simplesmente o esquema conceitual usado em todas as teorias da arte e da Esteacutetica () Quando se liga a forma

ao racional e a mateacuteria ao irracional considera-se o racional como o loacutegico e o irracional como o iloacutegico e quando se acopla ao par conceitual forma-mateacuteria ainda a relaccedilatildeo sujeito-objeto entatildeo o

representar dispotildee de uma mecacircnica conceitual agrave qual nada se pode opor

70

Para Heidegger esta definiccedilatildeo da coisidade da coisa poreacutem natildeo se

aplica apenas para as meras coisas Um par de sapatos e um quadro de van

Gogh satildeo tambeacutem mateacuteria enformada Uma pedra possui uma mateacuteria em uma

determinada forma contudo aiacute a forma eacute apenas uma mera distribuiccedilatildeo

espacial de um determinado conteuacutedo Jaacute no par de sapatos a forma eacute de tal

modo fundamental por conta de sua utilidade que influencia ateacute na escolha do

material a ser usado no momento de sua produccedilatildeo Flexiacutevel e macia para uma

roupa resistente e dura para um martelo e assim se daacute com os outros

utensiacutelios Pensando assim Heidegger aponta para o produzido para este algo

uacutetil proacuteximo ao dia a dia do homem que vem primeiramente para esta

definiccedilatildeo de mateacuteria-forma e daiacute passa a coisidade da coisa O homem

67

Idem p 53 68

Idem p 59 69

Idem p 61 70

Idem p 63

50

transfere do utensiacutelio para a coisa a sua definiccedilatildeo e isto por meio do esquema

esteacutetico e sua relaccedilatildeo com a arte e os artefatos

Por conseguinte mateacuteria e forma enquanto determinaccedilotildees do sendo satildeo naturais agrave essecircncia do utensiacutelio Propriamente este nome

nomeia o elaborado em vista de sua utilidade e uso Mateacuteria e forma natildeo satildeo de modo algum determinaccedilotildees originaacuterias da coisidade da proacutepria coisa

71

Somos assim novamente enviados a outro acircmbito A busca pela

essecircncia da coisa nos levou a questatildeo do utensiacutelio Qual a sua essecircncia O

que lhe difere da mera coisa lhe pondo a meio caminho entre coisa e arte Ou

seraacute o utensiacutelio ainda algo outro Com estas indagaccedilotildees chegamos com

Heidegger ao produzido em vista de uma utilidade o utensiacutelio tem na serventia

o traccedilo fundamental a partir do qual este sendo nos olha Eles satildeo tatildeo

melhores quanto menos pensarmos neles em sua constituiccedilatildeo em sua forma

ou mateacuteria Seja o sapato ou o martelo eacute na serventia que se encontra o seu

valor e natildeo em sua constituiccedilatildeo Portanto como Heidegger nos diz na

confiabilidade da serventia ela se torna uacutetil Quando apenas usamos o

utensiacutelio por conta da confiabilidade a ele cedida sua essecircncia nunca nos

chega como o que este utensiacutelio eacute No contato diaacuterio e habitual com o utensiacutelio

sua essecircncia natildeo se apresenta junto agrave relaccedilatildeo que ele que manteacutem

Para Heidegger um homem diante de um quadro de Van Gogh onde

figura um par de sapatos pintados e nada mais ao pensar algo de outro

acontece

Da escura abertura do interior gasto dos sapatos a fadiga dos passos trilhados olha firmemente No peso denso e firme dos sapatos se

acumula a tenacidade do lento caminhar atraveacutes dos alongados e sempre mesmos sulcos do campo sobre qual sopra continuo um vento aacutespero No couro estaacute a umidade e a fartura do solo Sob as

solas insinua-se a solidatildeo do caminho do campo em meio agrave noite que vem caindo Nos sapatos vibra o apelo silencioso da Terra sua calma

doaccedilatildeo do gratildeo amadurecente e o natildeo esclarecido recusar-se do ermo terreno natildeo-cultivado do campo invernal Atraveacutes do utensiacutelio perpassa a afliccedilatildeo sem queixa pela certeza do patildeo a alegria sem

palavras da renovada superaccedilatildeo da necessidade o temor diante do anuacutencio do nascimento e o calafrio diante da ameaccedila da morte Agrave

Terra pertence este utensiacutelio e no Mundo da camponesa estaacute ele

71

Idem p 67

51

abrigado A partir deste pertencer que abriga o proacuteprio utensiacutelio surge para seu repousar-em-si

72

A obra de arte trouxe ao desvelado aquilo que o utensiacutelio enquanto um

sendo eacute Natildeo poreacutem da forma habitual como mera serventia como

confiabilidade A obra inaugura Terra e Mundo Terra como aquilo de onde

este sendo proveacutem e mundo como o aberto do qual aquele sendo faz parte A

obra de arte potildee-em-obra a verdade do sendo do ente Eacute como um pocircr-em-

obra da verdade que Heidegger pensa a essecircncia da arte Por meio da arte

cada sendo vem a vigecircncia de forma extra-ordinaacuteria como um sendo um ente

que irrompe do seu ser Brota pela abertura que acontece na arte da Terra ao

Mundo Esse pocircr-se-em-obra da verdade eacute ποίεζης poiacuteesis Este pocircr

enquanto obra adveniente do ser eacute pensado como um deixar-que atraveacutes da

escuta cuidadosa ao misteacuterio do ser brote do fechado da Terra ao desvelado

do Mundo

Terra e Mundo satildeo palavras-chave para a compreensatildeo do pensar

heideggeriano acerca da arte Terra natildeo eacute o conjunto maciccedilo de areia ou um

planeta Como Γε Gaia Terra os gregos natildeo diziam nada disso Terra tambeacutem

natildeo eacute simplesmente o fechado o velado em oposiccedilatildeo ao Mundo como o

aberto o desvelado Terra como aquela que abriga natildeo pode ser um riacutegido

fechar-se em si eacute de uma forma completamente diferente um res-guardar-se

que acolhe que nutre Ela eacute Gaia Matildee ldquode amplo seio de todos sede

irresvalaacutevel semprerdquo73

ldquomulti-nutrizrdquo74

Eacute entatildeo proteccedilatildeo e natildeo simplesmente

dissimulaccedilatildeo Terra eacute o misteacuterio cuidadoso do essencial Assim tambeacutem Mundo

natildeo eacute apenas o aberto Eacute no Mundo que vige ldquoas decisotildees mais essenciais de

nossa histoacuteriardquo75

Mundo eacute para onde o ser se destina natildeo como um espaccedilo

um lugar mas como acircmbito do acontecimento Eacute a morada do vigente Mundo

eacute sempre o inobjetaacutevel

72

Idem p81 73

Teogonia p 91 74

Podemos ver em muitas passagens da Iacuteliada assim como da Odisseia Homero se referindo agrave Γε Gaia Terra como a Matildee multi-nutriz 75

Origem da obra de arte p 109

52

Eacute na disputa entre Terra e Mundo que se daacute o ldquoacontecer poeacutetico-

aproprianterdquo (Ereignis) como Heidegger passou a chamar o acontecimento do

ser

Para onde a obra se retira e o que ela deixa surgir nesse retirar-se noacutes denominamos Terra Ela eacute a que faz surgir e que abriga A Terra

eacute a que natildeo sendo forccedilada a nada eacute sem esforccedilo e infatigaacutevel Sobre a Terra e nela o homem histoacuterico funda o seu morar no Mundo No

que a obra instala um Mundo ela elabora a Terra76

Arte eacute entatildeo abertura Enquanto no utensiacutelio haacute um gastar-se com o uso

com sua serventia na obra de arte enquanto a disputa originaacuteria de Terra e

Mundo se manteacutem em seu vigor enquanto permanece como obra daacute-se

abertura O artista natildeo gasta a tinta ao criar um quadro como gasta o pintor no

seu trabalho de pintar um muro de uma casa Na pintura criadora do artista eacute

que as cores vecircm a ser as cores que satildeo O verde vem na arvore pintada a

ser o verde da natureza o azul revela o ceacuteu Jaacute no utensiacutelio a lata de tinta eacute

tanto melhor quanto mais some ao ser usada como revestimento Na obra de

arte haacute um permanecer uma instauraccedilatildeo Eacute na poesia que a palavra chega ao

dizer na muacutesica que o som chega ao soar na escultura que a pedra chega ao

resistir

Na obra de arte daacute-se essa clareira na arte daacute-se o acontecimento

como obra da verdade A verdade eacute posta em obra Aqui uma pergunta se potildee

como necessaacuteria o que eacute a verdade para que possamos dizer que ela eacute pela

obra de arte posta em obra Re-coloquemos entatildeo a questatildeo da verdade que

no primeiro capiacutetulo apenas indicamos para que esta advenha em seu sentido

mais profundo Ou seja pensemos um pouco mais acerca da verdade para

adentrarmos de forma mais cuidadosa na vereda do pensar heideggeriano

Pensar verdade α-ιήζεηα como des-encobrimento nos remete a outro

acircmbito do pensar Um acircmbito do ainda-natildeo da adveniecircncia Somos

transpostos da rigidez conceitual do definido do dado agrave fluidez do vir-a-ser da

abertura do misteacuterio Ao pensar a verdade como o desvelado o velado passa

a se mostrar como mais originaacuterio como fonte originaacuteria deste desvelado

Mostra-se como mais essencial Este velado pode entatildeo ser pensado como o

76

Idem p115

53

natildeo-desvelado como a natildeo-verdade Sendo mais essencial importa a noacutes

mais essa natildeo-verdade do que a verdade Eacute assim que Heidegger no ensaio A

essecircncia da verdade faz a virada da questatildeo da verdade para a natildeo-verdade

De uma busca pela verdade somos transpostos a uma busca pela natildeo-

verdade

Poreacutem para Heidegger essa passagem da verdade para a natildeo-

verdade natildeo deve ser pensada pura e simplesmente como uma inversatildeo mas

como abertura de outro acircmbito do pensamento Pensar a verdade como a natildeo-

verdade achando com isso estar saindo do acircmbito do definido do dado da

identidade para o acircmbito do indefinido da diferenccedila seria um equiacutevoco

Tomar simplesmente a natildeo-verdade por verdade eacute apenas outro acircmbito da

rigidez do conceito Heidegger nos propotildee em seus ensaios uma mudanccedila no

acircmbito do pensamento natildeo uma mera inversatildeo mas algo de outro Esse

acircmbito por ele proposto mais originaacuterio e mais profundo natildeo pode ser

atingido com a operaccedilatildeo loacutegica da inversatildeo e suas enunciaccedilotildees predicativas

Soacute um pensamento como abertura um pensamento do sentido e natildeo mais um

meramente conceitual pode adentrar essa profundidade Soacute assim pode-se

pretender um avizinhar ao ser Verdade eacute pensada como clareira Natildeo sendo

nem o aberto desvelado nem o fechado velado mas sim abertura

possibilidade de adveniecircncia de acontecimento poeacutetico-apropriativo Assim

diria Heidegger acerca da clareira

Um tal aparecer acontece necessariamente em uma certa claridade Somente atraveacutes dela pode mostrar-se aquilo que aparece isto eacute brilha A claridade por sua vez poreacutem repousa numa dimensatildeo de

abertura e de liberdade que aqui e acolaacute de vez em quando pode clarear-se A claridade acontece no aberto e aiacute luta com a sombra

() Somente esta abertura garante tambeacutem agrave marcha do pensamento especulativo sua passagem atraveacutes daquilo que pensa

Designamos esta abertura que garante a possibilidade de um aparecer e de um mostrar-se com a clareira (die Lichtung)

77

Outra questatildeo referente agrave verdade que aqui seraacute de crucial importacircncia

eacute a da verdade como erracircncia O homem enquanto um ente no Mundo que

caminha pelo aberto eacute um jogado na erracircncia do Mundo O homem se

77

O fim da filosofia e a tarefa do pensamento p 102

54

relaciona insistentemente com os entes com o aberto Neste relacionar-se com

o dado o homem afasta-se do misteacuterio Afastando-se assim do essencial do

ser do misteacuterio originaacuterio daacute-se o errar ldquoEste vaiveacutem do homem no qual ele

se afasta do misteacuterio e se dirige para a realidade corrente sai de um objeto da

vida cotidiana para outro desviando-se do misteacuterio ele eacute o errar78

rdquo O homem

um ek-sistente um lanccedilado para fora de si no mundo insistentemente Com

isso eacute o homem des-guardado no aiacute do aberto Como errante ele eacute lanccedilado

para fora no aberto do cotidiano e se relaciona com os outros entes com o

Mundo Diz Heidegger

O homem erra O homem natildeo cai na erracircncia em um momento dado

() erracircncia se revela como o espaccedilo aberto para tudo que se opotildee agrave verdade essencial () aquilo que o haacutebito e as doutrinas filosoacuteficas chamam de erro isto eacute a natildeo-conformidade do juiacutezo e a falsidade do

conhecimento eacute apenas um modo e ainda o mais superficial de errar () A erracircncia domina o homem enquanto o leva a se desgarrar Pelo

desgarramento poreacutem a erracircncia tambeacutem contribui para fazer nascer esta possibilidade que o homem pode tirar da ek-sistecircncia e que

consiste em natildeo se deixar levar pelo desgarramento O homem natildeo sucumbe no desgarramento se ele mesmo eacute capaz de provar a erracircncia enquanto tal e de natildeo desconhecer o misteacuterio do ser-aiacute

79

Eacute da essecircncia do homem enquanto ek-sistente a erracircncia Tanto mais

errante como tambeacutem mais aberto ao misteacuterio do ser mais homem ele eacute

Provando da erracircncia corre o homem o risco de aiacute perder-se no

desgarramento Evitando esta erracircncia nega ele sua essecircncia Eacute necessaacuterio

entatildeo um enfrentamento onde o homem como o que se arrisca mais ponha-

se diante dessa possibilidade de perder-se Eacute soacute na peossibilidade de perder-

se que pode este se encontrar Assim para Heidegger o homem arrisca-se na

erracircncia com a constante abertura ao misteacuterio mas o misteacuterio eacute aquele que se

potildee em fuga diante de toda investigaccedilatildeo Daiacuteo pensar para Heidegger que se

pretende aberto ao misteacuterio natildeo poder ser do tipo investigativo do tipo que

forccedila abertura que rasga Pois no oculto do misteacuterio eacute como se estiveacutessemos

em matildeos uma pedra e quebrando-a ao meio quiseacutessemos saber o que haacute em

seu interior Ao quebrar o dentro se potildee em fuga ocultando-se dentro dos dois

pedaccedilos resultantes da quebra Nessa quebra violenta soacute nos deparamos com

o fora o superficial o sempre aberto O interior sempre se resguarda Assim eacute

78

A essecircncia da verdade p208 79

Idem p 209

55

o misteacuterio Quanto mais forccedilamos sua adveniecircncia mais em fuga ele se potildee

Na arte natildeo haacute um forccedilar abertura mas um permitir um aguardar paciente

Diante esse ser que se resguarda no misteacuterio ora doando-se ora

pondo-se em fuga poetas e pensadores como guardiatildees desse saber que

abre satildeo os caminhantes desse Holzwege Caminho de Floresta dessa

vereda deste terceiro caminho que Parmecircnides em seu poema Da Natureza

indica como aquele descaminho que leva ao nada ao que se potildee em fuga Eacute

nessa vereda nesse Αηραπός nesse caminho de floresta que se daacute o

avizinhanccedilar-se do ser Para adentrar em tal vereda contudo eacute necessaacuterio

arriscar-se frente agrave possibilidade de perder-se no caminhar de cair em um

poccedilo Soacute aiacute eacute possiacutevel avizinhaccedilar-se da fonte principial Poetas e pensadores

satildeo capazes de nomear nesse calar-se Sua linguagem eacute silenciosa Qual o

modo desse silecircncio De que modo eacute o dizer da arte um dizer silencioso Satildeo

nessas questotildees que nos deteremos nos passos seguintes

33 Pensamento poeacutetico Um dizer silencioso

Vimos que a essecircncia da arte em Heidegger se apresentou como um

pocircr-em-obra o acontecimento da verdade onde essa verdade eacute pensada como

clareira abertura A arte potildee-em-obra a verdade do ente Enquanto obra a arte

eacute abertura eacute adveniecircncia do ser ao ente do que eacute para o que estaacute sendo do

natildeo-vigente agrave vigecircncia Poderia ser dito poreacutem com a possibilidade de maacutes

interpretaccedilotildees o que nos adverte o proacuteprio filoacutesofo80

que a arte eacute uma

passagem do nada ao ente Este nada natildeo deve ser aqui pensado como o

nada do niilismo O nada aqui eacute pensado como o natildeo-ente o natildeo-presente

que apesar de natildeo ser um ente eacute sua fonte principial eacute originaacuterio Ser e nada

80

Α origem da obra de arte pp 181-183

ldquoEscrever o que natildeo acontece eacute tarefa da

poesiardquo Manoel de Barros Menino do mato

ldquoSobre o que natildeo se pode calar devemos

silenciarrdquo Ludwig Wittgenstein Tractatus Logico-Philosophicus

56

se pensados com cuidado de natildeo os identificar diretamente podem ser

pensados juntos em sua proximidade

E a verdade surge do nada De fato se pensado com o nada do mero natildeo sendo e se nisso o sendo eacute representado como aquele

existente habitual que depois atraveacutes do entre-permanecer da obra vem agrave luz como o que apenas pretensamente eacute o verdadeiro sendo e assim fica abalado A verdade nunca eacute colhida do existente e do

habitual Abertura do aberto e a clareira do sendo acontecem muito mais somente no que a abertura adveniente se delineia na

projeccedilatildeo81

Toda passagem do natildeo-vigente ao vigente todo brotar da θύζης (fiacutesis) eacute

ποίεζης (poiacuteesis) ou seja todo acontecimento da verdade (Ereignis) toda

abertura como clareira eacute poesia Assim tanto o desencobrimento da teacutecnica

seja ela claacutessica ou moderna como o des-encobrimento da obra-de-arte satildeo

poiacuteesis poreacutem enquanto na teacutecnica moderna o que eacute posto eacute produzido como

algo acabado como pronto no pocircr-em-obra da arte assim como na teacutecnica

claacutessica enquanto ηέτλε o que adveacutem eacute encaminhado como princiacutepio

(Anfang) como inaugural movimento

Na teacutecnica moderna o posto adveacutem por meio de uma com-posiccedilatildeo (Ge-

stell ζσλ-ζέζης) como disponibilidade Na obra de arte o que pela obra eacute

posto em obra adveacutem como disputa confronto Na forma do conceito o com-

posto eacute identitaacuterio unidade eacute ponto final Jaacute na disputa originaacuteria a cada

momento se da diferenccedila A multiplicidade de sentido que eacute dada natildeo permite

um ponto final mas sempre uma reticecircncia eacute abertura de possibilidades Nas

palavras de Heidegger

Encarada em sua essecircncia a arte eacute uma sagraccedilatildeo e um refuacutegio a saber a sagraccedilatildeo e o refuacutegio em que cada vez de maneira nova o

real presenteia o homem com o esplendor ateacute entatildeo encoberto de seu brilho a fim de que nesta claridade possa ver como maior

pureza e escutar com maior transparecircncia o apelo de sua essecircncia

Como a arte a ciecircncia tampouco eacute apenas um desempenho da

cultura do homem Eacute um modo decisivo de se apresentar tudo que eacute e estaacute sendo

82

()

Em oposiccedilatildeo a isso a ciecircncia natildeo eacute nenhum acontecer originaacuterio da

verdade mas sempre a ampliaccedilatildeo de um acircmbito de verdade jaacute aberto e de certo atraveacutes do compreender e fundamentar do que se mostra

na sua esfera como o correto possiacutevel e necessaacuterio Quando e na

81

Idem 82

Ciecircncia e pensamento do sentido p 39

57

medida em que uma ciecircncia vai mais aleacutem do correto para uma verdade isto eacute para o desencobrimento essencial do sendo como tal

entatildeo ela eacute filosofia83

Esse natildeo habitual natildeo-vigente que vem a ser pela poiacuteesis foi a muito

rechaccedilado pela tradiccedilatildeo metafiacutesica enquanto loacutegica O ser foi pensado nesta

tradiccedilatildeo como o ente e este como o vigente o presente o dado e da mesma

forma o natildeo-vigente o ausente foi pensado como o nada e seguindo o

raciociacutenio o aparente foi dado como o erro imagem como o que natildeo se

adeacutequa ao ente Nada ser (ente) e aparecircncia seriam as trecircs vias de

conhecimento a qual o homem poderia movimentar-se As trecircs vias que

segundo Parmecircnides se relacionavam com a verdade Destas trecircs vias uma

necessariamente logicamente deveria ser abandonada pois natildeo era

verdadeiramente uma via mas um αηραπός um natildeo-caminho uma vereda

Holzwege (caminho de floresta) Sendo assim natildeo levaria o homem justo a

lugar nenhum Esta vereda era a via que dizia respeito ao nada ao natildeo-ser

Falar sobre este nada seria a ruiacutena deste justo seria a ruiacutena do conhecimento

loacutegico A loacutegica do pensar reto seria desfeita nessa empreitada

Aiacute em Parmecircnides daacute-se o primeiro momento de rechaccedilamento desta

terceira possibilidade Em Aristoacuteteles aparece na expressatildeo do terceiro

excluiacutedo84

Todo ente ou eacute de certa forma ou o seu oposto Qualquer outra

possibilidade fica entatildeo excluiacuteda Pensar em uma terceira possibilidade eacute ferir o

segundo princiacutepio supremo do pensar loacutegico Podemos ver tanto no princiacutepio

da contradiccedilatildeo como no do terceiro excluiacutedo um abandono do pensar acerca

do nada A linguagem que diz respeito ao homem eacute a linguagem loacutegica Ela

proiacutebe o dizer sobre o nada Contudo mesmo que Parmecircnides e Aristoacuteteles

venham a proibir a reflexatildeo sobre o nada essa proibiccedilatildeo jaacute se apresenta como

um pensar Aiacute ouve um pensar cuidadoso temeraacuterio frente agrave vereda que seria

pensar sobre este nada Natildeo haacute ainda um abandono desta questatildeo mesmo

que com a reflexatildeo sobre ela seja isso que foi proposto Este afastamento

com o desenvolvimento da Ciecircncia da Loacutegica e da Metafiacutesica torna-se um

esquecimento O nada eacute esquecido e com ele a possibilidade de pensar o ser

83

Origem da obra de arte p 157 84

Metafiacutesica pp179-181 Γ 7 ndash 1011b 23-1012a 28

58

como essa outra possibilidade como esse natildeo-vigente Funda-se o impeacuterio da

loacutegica e do ente Eacute nos moldes desse impeacuterio que a Metafiacutesica desenvolve sua

dominaccedilatildeo a todo o pensar da tradiccedilatildeo ocidental numa ldquomecacircnica conceitualrdquo

blindada a qualquer tentativa de des-construccedilatildeo

Soacute com o desmoronamento interno deu-se iniacutecio a queda deste impeacuterio

A proacutepria reflexatildeo loacutegica sob a ameaccedila de autodestruir-se urge pela

necessidade de outra possibilidade de pensamento por outro modo de

linguagem Escuta-se como a voz de um fantasma pois haacute muito tempo

abandonado e esquecido o apelo do ser deste nada que havia sido

rechaccedilado Essa necessidade de outra linguagem eacute interna a proacutepria loacutegica ao

pensar em seus fundamentos pois na proacutepria delimitaccedilatildeo de seu objeto de

pesquisa esta se remete a algo que lhe eacute externo remete-se a esse nada

Trata a loacutegica do ente e nada mais85

e como dizem Platatildeo86

e Aristoacuteteles87

a

sabedoria a ciecircncia de algo eacute tambeacutem a ciecircncia de seu contraacuterio Quem

conhece a boa poesia eacute justamente quem conhece a maacute poesia Quem sabe o

que faz bem agrave sauacutede sabe o que natildeo lhe faz bem Quem busca o saber das

causas primeiras das coisas primeiras dos entes em si pura e simplesmente

conhece o natildeo-ente

Poreacutem acerca deste natildeo-ente neste terceiro caminho soacute o silecircncio eacute

proacuteprio Nesse sentido encontramos a defesa do pensar heideggeriano acerca

do poeacutetico Contudo para tal dizer genuinamente poeacutetico eacute preciso libertar a

linguagem da gramaacutetica assim como eacute preciso libertar a filosofia das

disciplinas acadecircmicas como eacute necessaacuterio libertar a arte das concepccedilotildees

esteacuteticas Haacute outro acircmbito da linguagem o da nomeaccedilatildeo do pocircr-vir Assim diz

Heidegger

A linguagem eacute a morada do ser Na habitaccedilatildeo da linguagem mora o

homem Os pensadores e os poetas satildeo os guardiotildees dessa morada ()Libertar a linguagem da gramaacutetica conduzindo-a para uma

85

O que eacute metafiacutesica p 115-116 86

No Ion Socrates ao interrogar Iacuteon acerca de Homero o faz dizer que aquele que conhece o que eacute bom para uma ciecircncia eacute o mesmo que conhece o que eacute mal Por exemplo eacute o meacutedico

aquele que conhece o que traz sauacutede e tambeacutem o que tira a sauacutede 87

Assim diz Aristoacuteteles ldquoA mesma ciecircncia compete o estudo dos contraacuteriosrdquo Metafiacutesica p135

Γ2 1004a 9-10

59

estrutura essencial mais originaacuteria eacute uma tarefa reservada ao pensar e poetar

88

Eacute na linguagem artiacutestica onde o embate vigoroso entre Terra e Mundo

se daacute na co-pertenccedila de ambos em tal equiliacutebrio que nenhum se sobressai

sobre o outro que se entende esse silecircncio poeacutetico Desse embate primordial

pela forccedila do que se potildee com o que se res-guarda acontece um aquietar-se

um repouso Silecircncio e repouso natildeo satildeo de forma nenhum algo como uma

ausecircncia Satildeo na verdade pura atividade Da disputa daacute-se a co-pertenccedila na

diferenccedila de ambos entre Terra e Mundo entre coisa e mundo O dizer

poeacutetico

Evoca originariamente a partir da simplicidade de um chamado

iacutentimo esse que evoca a diferenccedila sem dizecirc-la () A linguagem fala deixando vir o chamado coisa-mundo e mundo-coisa no entre da

diferenccedila ()Quieto natildeo eacute de maneira nenhuma o que natildeo soa Natildeo soar eacute somente natildeo estar na movimentaccedilatildeo de entoar e soar () A

falta de movimentaccedilatildeo eacute somente o outro lado do repouso () O repouso movimenta-se muito mais do que um movimento e tem muito mais movimentaccedilatildeo do que qualquer moccedilatildeo () quando coisa e

mundo estatildeo quietos no seu proacuteprio a diferenccedila convoca mundo e coisa para o meio de sua intimidade

89

Percebe-se entatildeo que silenciar-se natildeo eacute pensado como um calar-se

como se deu pela tradiccedilatildeo metafiacutesica-loacutegica-cientiacutefica Pois num mero calar-

se o que haacute eacute um abandono No silecircncio em oposiccedilatildeo ao abandono haacute uma

aproximaccedilatildeo uma busca da intimidade do co-responder daacute-se um modo

primordial da linguagem Uma escuta que permite a colheita do destinado pelo

ser Aquela escuta dada na pausa na reticecircncia de um dizer aquele suspiro

Um repouso que natildeo eacute estagnaccedilatildeo mais o autecircntico movimento Soacute quem

silencia eacute quem diz e pensa autenticamente Silenciar-se eacute da essecircncia do

falar Quem natildeo tem linguagem natildeo silencia assim como quem natildeo possui

movimento natildeo pode repousar

Diante da vereda que eacute este terceiro caminho o caminhante cuidadoso

se vecirc em ἀπορία aporia Percebe que precisa respirar e escutar um pouco do

que lhe circula Entatildeo repousa escuta e mira ao redor para o dentro e o fora e

88

Cartas sobre o humanismo p 326 89

A linguagem pp 22-23

60

ainda para aleacutem do ente do presente Aqui ldquomirar significa adentrar o

silecircnciordquo90

ldquoEle escuta agrave medida que pertence ao chamado da quietuderdquo91

Esse eacute modo o do dizer artiacutestico do nomear poeacutetico do falar essencial do

homem

Os mortais falam a partir da diferenccedila no sentido da diferenccedila como

um corresponder O falar dos mortais deve antes de tudo escutar o chamado pois eacute como chamado que o quieto da diferenccedila evoca o

rasgo de coisa e mundo Cada palavra falada pelos mortais fala desde essa escuta como essa escuta Os mortais falam agrave medida que escutam

92

Falamos diversas vezes em arte e poesia mas seraacute que estas satildeo uma

mesma coisa Pensemos um pouco nesse questionamento buscando

semelhanccedilas e diferenccedilas antes de prosseguirmos com o percurso A arte eacute

poiacuteesis poreacutem a θύζης tambeacutem o eacute O poieacutetico eacute bem mais amplo que o

artiacutestico Poesia natildeo eacute pensada aqui estritamente como a escrita do poema

Poiacuteesis eacute tudo que eacute do acircmbito da eclosatildeo do vir-a-ser do brotar adveniecircncia

Eacute fala inaugural Poiacuteesis eacute linguagem quando esta natildeo eacute pensada como mera

expressatildeo modo de comunicaccedilatildeo por letras ou sons Eacute linguagem no sentido

de um narrar inaugural fundador como abertura e morada do ser Assim diz

Heidegger nos paraacutegrafos finais do ensaio A origem da obra de arte

A poiacuteesis eacute a fala inaugurante do desvelar do sendo () poiacuteesis eacute aqui pensada em um sentido tatildeo amplo e ao mesmo tempo numa

unidade essencial tatildeo iacutentima com a linguagem e a palavra que precisa ser deixado em aberto a questatildeo se a arte em verdade em

todos os seus modos - da arquitetura ateacute a poesia esgota a essecircncia da poiacuteesis A proacutepria linguagem eacute poiacuteesis em sentido original

93

Com esse indagar fomos levados da questatildeo da arte como inaugural ao

acircmbito mais amplo da poiacuteesis e da linguagem Seguindo entatildeo o fio condutor

do caminho que estaacute sendo aberto ao se caminhar pensemos acerca da

poiacuteesis do poeta e de sua linguagem Pelo visto poetar eacute entatildeo linguagem em

sentido amplo e originaacuterio poreacutem natildeo soacute o poeta eacute o guardiatildeo dessa morada

do ser Satildeo os pensadores e poetas seus guardiotildees e em sua profunda

conexatildeo com a linguagem estaacute o seu parentesco sua proximidade uma

90

A linguagem na poesia p 35 91

A linguagem p 26 92

Idem p25 93

A origem da obra de arte p 189

61

linguagem que tem na disputa a sua essecircncia O que na linguagem dos

poetas e pensadores vem-a-ser vem como disputa Bem diferente eacute a

linguagem da loacutegica que conceitua e define limitando em algo pronto No

poetar e pensar o nomeado eacute constante adveniecircncia do novo eacute brotar

principial

A questatildeo da linguagem em Heidegger eacute ao lado das questotildees do ser

e da verdade a questatildeo do seu pensar Assim diz Gadamer acerca da filosofia

heideggeriana ldquoSe quisermos colocar em discussatildeo a significaccedilatildeo da filosofia

de Martin Heidegger natildeo podemos fazer outra coisa senatildeo a partir da

experiecircncia fundamental () de uma nova experiecircncia da linguagem da

filosofiardquo94

Ao pensar ser e verdade como adveniecircncia abertura constante de

uma disputa originaacuteria torna-se necessaacuterio uma nova experiecircncia com a

linguagem Como se deu com Aristoacuteteles e seu pensar do ser Onde o que

estava antes de qualquer coisa era o ente a substacircncia Necessitou-se aiacute uma

nova experiecircncia com a linguagem que vigora ateacute o presente como linguagem

loacutegica Com uma mudanccedila no sentido do ser daacute-se em conjunto com esta

uma mudanccedila fundamental na linguagem Eacute na linguagem dos poetas que esta

nova linguagem encontra sua guarda Eacute tarefa dos pensadores e dos poetas

levar a linguagem para o que estaacute aleacutem do presente no sentido de um

encaminhar para o misteacuterio

Em seu pequeno ensaio Houmllderlin e a essecircncia da poesia escrito como

que um complemento ao A origem da obra de arte Heidegger faz a passagem

da questatildeo da arte para a questatildeo mais ampla que eacute a do poetar Escrito em

um mesmo periacuteodo os dois escritos satildeo como que um uacutenico corpo acerca da

arte e do poeacutetico Neste ensaio o pensador parte de cinco palavras-guias do

poeta Houmllderlin o qual nutre grande apreccedilo para desenvolver seu pensar

sobre a essecircncia da poesia O ensaio se apresenta entatildeo como um diaacutelogo

entre pensador e poeta um diaacutelogo do pensamento Buscando por meio

destas palavras-guias pensar sobre a essecircncia da poesia Inicia o ensaio

justificando sua escolha por Houmllderlin para o caminho que entatildeo seraacute traccedilado

Diz

94

Heidegger e a linguagem p23

62

Por que foi escolhida a obra de Houmllderlin com o propoacutesito de mostrar a essecircncia da poesia Por que natildeo Homero ou Soacutefocles por que

natildeo Virgilio ou Dante por que natildeo Shakespeare ou Goethe Nas obras desses poetas foi realizada a essecircncia da poesia tatildeo ricamente ou ainda mais do que na criaccedilatildeo de Houmllderlin tatildeo imatura e

bruscamente interrompida () unicamente porque estaacute carregada com a determinaccedilatildeo poeacutetica de poetizar a proacutepria essecircncia da poesia

Houmllderlin eacute para noacutes em sentido extraordinaacuterio o poeta dos poetas95

Para Heidegger eacute com Houmllderlin que se tem o poetar sobre o poetar Daiacute

sua escolha entre tantos poetas Houmllderlin nomeia a essecircncia da poesia da

poiacuteesis Cria com seu dito uma clareira para a disputa originaacuteria entre Terra e

Mundo Podemos ver por este ensaio a forccedila do poetar no expressar-se por

uma linguagem natildeo conceitual que se apresenta ateacute como contraditoacuteria ao

permitir o que pela linguagem loacutegica seria de iniacutecio reprimido Citemos entatildeo

as cinco palavras-guias para que possamos acompanhar o pensar

heideggeriano sobre o poetar de Houmllderlin

i) Poetizar ldquoa mais inocente de todas as ocupaccedilotildeesrdquo (III 377)

ii)rdquoe foi dado ao homem o mais perigoso dos bens a linguagem Para que testemunhe o que eacuterdquo (IV 246)

iii) ldquoO homem tem experimentado muito Nomeado a muitos celestes Desde que somos um diaacutelogo

E podemos ouvir uns aos outrosrdquo (IV 343) iv) ldquoMas o que permanece instauram os poetasrdquo (IV 63)

v) ldquoPleno de meacuteritos mas eacute poeticamente que o homem habita esta terrardquo (VI 25)

96

Eacute a poesia a mais inocente e aleacutem disso o mais perigoso dos bens do

homem Eacute por meio dela que testemunhamos quem somos Em oposiccedilatildeo ao

expressar-se loacutegico formal intencional produtivo o dizer poeacutetico eacute pura

inocecircncia eacute a simples abertura do coraccedilatildeo ao destinado pelo ser Eacute a

inocecircncia frente agrave intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem o bem mais perigoso pois se eacute pela

linguagem que o homem testemunha quem eacute eacute tambeacutem por ela que pode dar-

se sua decadecircncia Eacute no natildeo cuidado com o dizer que mora o maior perigo

Pensando com o que foi dito anteriormente o homem encontra-se ameaccedilado

pela teacutecnica moderna O maior perigo poreacutem natildeo proveacutem de suas armas e

bombas entre tantos outros perigos O maior perigo estaacute no seu dizer Um

dizer que se mostrou apenas como siacuten-tese com-posiccedilatildeo Um dizer que forccedila

explorando a terra a se dispor produzir energia Nesse dizer moderno que

95

Holderlin e a essecircncia da poesia Traduccedilatildeo livre feita por mim p 1-2 DE ONDE 96

Idem p1

63

podemos bem pensar quase como que outra coisa menos um dizer genuiacuteno

como mera repeticcedilatildeo do acircmbito do jaacute aberto eacute que mora o maior perigo pois eacute

o abandono da outra possibilidade qualquer outra possibilidade Eacute natildeo

abertura a proveniecircncia do misteacuterio do ser O enrijecimento no posto no

habitual Eacute portanto a linguagem enquanto loacutegica o maior perigo ao homem

atual pois eacute pela linguagem que o homem vem a ser homem e eacute por ela que

se daacute a morte essencial deste mesmo homem

Para pensar no perigo que eacute esse bem doado ao homem faccedilamos uma

aproximaccedilatildeo deste ensaio com a conferecircncia Cartas sobre o humanismo para

que se ponha de forma mais vigorosa a questatildeo da linguagem e a ameaccedila que

acompanha o seu des-cuidado Nesta conferecircncia Heidegger pensando no

humanismo como uma reflexatildeo acerca da essecircncia do homem desenvolve

partindo do que eacute dito pela tradiccedilatildeo acerca dessa essecircncia sua concepccedilatildeo de

homem O homem eacute um δῳολ ιόγολ ἒτολ97

traduzida pelo pensar latino como

o homem eacute um animal racional Para a tradiccedilatildeo a essecircncia do homem estaacute na

faculdade da razatildeo E razatildeo nesta tradiccedilatildeo eacute o pensar loacutegico reto e natildeo

contraditoacuterio que exclui qualquer terceira possibilidade Logo o homem eacute um

ser loacutegico Pensando com o dito aristoteacutelico ιόγολ eacute dizer eacute linguagem

Estariacuteamos mais proacuteximo do que aiacute foi dito pensando que o homem eacute um

anima um ser vivo que fala que possui linguagem Eacute a linguagem que daacute

origem ao homem

A soberania da linguagem loacutegica rechaccedilou a outra possibilidade de fala

a do dizer poeacutetico O homem tornou-se o efetivo o loacutegico Aquele que produz e

domina todo o concreto inabalaacutevel pelo menos ateacute sentir que o que lhe dava o

poder o domiacutenio ameaccedila lhe dominar O seu maior bem se mostra agora

como sua maior ameaccedila As grades que eram vistas como seguranccedila ao

adverso torna-se sua prisatildeo Urge entatildeo o diaacutelogo com este outro pensar

Nesta noite do mundo daacute-se a necessidade de uma linguagem que seja

clareira Na seguranccedila de cada um isolado em suas casas em seus

monoacutelogos o diaacutelogo se apresenta crucial pois ldquodesde que somos diaacutelogo e

97

Carta sobre o humanismo p 335

64

podemos ouvir uns aos outrosrdquo este isolamento eacute sempre soacute a perdiccedilatildeo Nossa

indigecircncia realiza-se no abandono do outro

Enquanto mortais o ciclo de nascimento e morte nos eacute essencial A

histoacuteria eacute diaacutelogo ldquoSer um diaacutelogo e ser histoacuterico satildeo ambos igualmente

antigos se pertencem um ao outro e satildeo o mesmordquo 98

e o que nessa histoacuteria

permanece eacute instaurado pelos poetas ldquoA poesia eacute a instauraccedilatildeo do ser com a

palavrardquo99

Sendo adveniecircncia poiacuteesis eacute instauraccedilatildeo eacute obra Os poetas

instauram o ser como clareira como luta entre velado e desvelado Eacute na

linguagem poeacutetica que habita o homem Assim diz a quinta palavra-guia do

ensaio ldquopleno de meacuteritos mas eacute poeticamente que o homem habita essa

terrardquo Eacute nesse diaacutelogo poeacutetico de um com o outro que se abre a clareira de seu

habitar e natildeo no isolamento residencial do morar protegido do misteacuterio do que

possa advir Eacute pois poeticamente que o homem habita Diante disto podemos

ver no periacuteodo atual o quatildeo in-essencial o quatildeo indigente encontra-se a

humanidade

Diante essa indigecircncia perguntamos anteriormente Como enfrentarmos

esta ameaccedila que se apresenta Eacute possiacutevel que a arte ou de forma mais

ampla que a poesia possa confrontar esse perigo Eacute essa outra possibilidade

suficiente como fuga da crise E aleacutem do questionado eacute ainda possiacutevel que

diante de tanta teacutecnica se instaure outra forma de se viver de habitar essa

terra Para pormo-nos diante esses questionamentos adentraremos em um

escrito heideggeriano chamado Para que poetas

34 Poetas em tempos indigentes Um salto na vereda

Diante a crise que ameaccedila o homem em sua essecircncia pensemos na

tarefa destinada aos poetas e com eles os pensadores Pensar portanto se e

como eacute a tarefa destes poetas e pensadores diante este modo teacutecnico de viver

e de pensar Viver teacutecnico este em oposiccedilatildeo ao viver entendido por Heidegger

como aquele brotar sempre novo na disputa da clareira poderia ser pensado

quase como um natildeo-viver Uma teacutecnica exploradora onde todos os entes e o

98

Houmllderlin e a essecircncia da poesia p 6 99

Idem p 7

65

proacuteprio homem deixam de ser o que satildeo essencialmente enquanto θὺζεης

ὄληα seres da fiacutesis para decaiacuterem em meros artefatos seres produzidos Seja

para o comeacutercio o trabalho o poder ou seja como mera disponibilidade

Diante uma aproximaccedilatildeo do ensaio Para que poetas (1946) texto pertencente

ao mesmo conjunto de ensaios de A origem da obra de arte com o todo ateacute

aqui caminhado buscaremos um confronto do caminhado com o questionado

Este conjunto de textos do qual esses ensaios fazem parte tem como tiacutetulo a

palavra essencial Holzwege A versatildeo portuguesa traduziu-a seguindo a

indicaccedilatildeo dada pelo proacuteprio autor no iniacutecio da obra por Caminhos de floresta

Aiacute Heidegger diz assim

Holz [madeira lenha] eacute um nome antigo para Wald [floresta] Na floresta [Holz] haacute caminhos que o mais das vezes sinuosos terminam perdendo-se subitamente no natildeo-trinhado

Chamam-se caminhos de floresta [Holzwege]

Cada um segue separado mas na mesma floresta [Wald] Parece muitas vezes que um eacute igual ao outro Poreacutem apenas parece ser assim

Lenhadores e guardas-florestais conhecem os caminhos Sabem o que significa estar metido num caminho de floresta

100

Holzwege eacute esse sinuoso caminho sempre ainda natildeo-trilhado no qual o

caminhante ao percorrecirc-lo inaugura uma trilha Abrindo para outros

posteriores caminhantes uma trilha Este extra-ordinaacuterio caminho inaugurado eacute

um caminho do pensamento da linguagem da poiacuteesis do ser Sendo antes

de ser percorrido um caminho fechado eacute ainda um natildeo-caminho Parmecircnides

o chama de αηραπός e por um lado proiacutebe ao justo por ele se arriscar a

caminhar por outro lado ao pensar acerca deste caminho no natildeo-dito nos diz

para por ele nos enveredarmos com o maior cuidado possiacutevel Eacute nesse

caminho fechado da floresta eacute portanto nessa vereda que desde o iniacutecio

desta pesquisa cuidadosamente buscamos adentrar Se caminhamos

lentamente eacute porque diferente de se seguir uma trilha jaacute pronta jaacute aberta aqui

estamos nos enveredando em uma constante disputa com o misteacuterio do

adveniente por um Holzwege

100

Caminhos de floresta p3

66

Esta reflexatildeo se deu a princiacutepio sobre a questatildeo da crise atual Uma

crise que ameaccedila o homem ao ameaccedilar sua linguagem e seu pensar no que

neste haacute de mais essencial O que nos levou a pensarmos na teacutecnica que por

sua vez nos fez pensar na teacutecnica moderna Vimos que esta teacutecnica tem em

sua essecircncia tudo a ver com a questatildeo da verdade com a αιήζεηα pois esta

teacutecnica eacute um modo de des-encobrimento Verdade em Heidegger eacute uma

questatildeo inseparaacutevel da questatildeo do ser Com isso adentramos ao cerne do

pensar heideggeriano A questatildeo do ser e da verdade se pocircs em evidecircncia

Verdade como disputa entre des-encobrimento e encobrimento e ser pensado

como acontecimento-poeacutetico apropriativo Ereignis que adveacutem do misteacuterio do

natildeo-vigente nos transpuseram ao acircmbito da ποίεζης poiacuteesis Seguindo entatildeo

a proacutepria indicaccedilatildeo heideggeriana apresentada no final do seu ensaio sobre a

questatildeo da teacutecnica que nos mostra que em seu primoacuterdio teacutecnica como ηέτλε

e arte satildeo consanguumliacuteneos enquanto poiacuteesis satildeo dois modos de des-

encobrimento de verdade de acontecimento do ser Assim passamos ao

acircmbito da arte Pensamos esta em sua essecircncia como pocircr-em-obra o

acontecimento da verdade do ente Como obra que da disputa constante entre

o que se desvela e o que se oculta se mostrou como clareira como

inauguraccedilatildeo

Foi assim que do acircmbito da arte passamos ao do poeacutetico Este acircmbito

foi pensado em sua maior amplitude ou seja como tudo aquilo que adveacutem do

natildeo-vigente ao vigente Essa adveniecircncia daacute-se na linguagem Linguagem eacute a

morada do ser eacute abertura clareira Entatildeo ser verdade e linguagem de forma

entrelaccedilada se puseram como a vereda da qual adentrariacuteamos Temas centrais

heideggerianos da qual qualquer reflexatildeo que envolva o seu pensar natildeo pode

escapar Eacute diante essa vereda que nos questionamos eacute a linguagem poeacutetica

essa outra possibilidade que guarda a medranccedila do que salva Se ela eacute essa

possibilidade como se daraacute o enfrentamento agrave crise Devemos entatildeo substituir

a linguagem loacutegica fonte dessa crise atual pela linguagem poeacutetica como

resposta a crise atual Se natildeo qual o outro caminho ainda a se seguir Ou natildeo

haacute possibilidade alguma que venha a salvar o homem da ameaccedila que lhe

pesa

67

Para o homem essa linguagem eacute o bem mais perigoso que lhe foi

doado Bem pois eacute ela que lhe doa a sua essecircncia O homem eacute um ente que

fala eacute um δῳολ ιόγολ contudo este que lhe doa a essecircncia eacute tambeacutem o que

o levar a correr o risco de perder-se como eacute o caso da crise identificada por

Heidegger O homem enquanto Da-sein enquanto presenccedila que estaacute aiacute no

mundo em relaccedilatildeo com como um lanccedilado para fora um Ek-sistente corre

este risco Como guardiatildeo da linguagem morada do ser eacute este o ente que se

encontra jogado mais agrave vizinhanccedila deste ser Sendo livre contudo para

corresponder ou natildeo ao destinado por este ser podendo portanto correr o

risco o que o leva a sua atual decadecircncia de natildeo corresponder a este

destinado Sua linguagem que em seu pleno vigor eacute um originaacuterio que nomeia

enquanto disputa enquanto diferenccedila pode decair como se daacute no homem

atual no mero expressar-se comum na linguagem formal do comercio de

opiniotildees

Re-pensar a linguagem eacute re-pensar o homem Arriscar-se na linguagem

eacute arriscar-se enquanto homem em oposiccedilatildeo agrave falsa seguranccedila da linguagem

pronta da loacutegica da gramaacutetica da academia Eacute arriscar-se a perder o solo o

fundamento do que lhe assegura Eacute preciso ir aleacutem da superfiacutecie do solo Eacute

preciso arriscar-se a cair no poccedilo em direccedilatildeo ao misteacuterio originaacuterio do ser Eacute

como esse que ousa cair que ousa saltar nesse poccedilo nesse abismo (Ab-

grund) que podem poetas e pensadores se relacionarem com a linguagem

Os pensadores sempre foram chamados de extravagantes ao ousarem dar

sentidos completamente in-habituais agraves palavras para dizerem o mais vigoroso

de seu pensar Assim foi Platatildeo e o εηδος Anaximandro e o seu ἄπεηρολ o

ιόγος de Heraacuteclito a Ge-stell heideggeriana Assim tambeacutem se daacute com a

ousadia inocente do poeta que canta Arriscando-se mais no caminho da

erracircncia permitem quando suportam a adveniecircncia do inaugural

acontecimento do ser

Neste mundo decadente do entendimento predicativo teacutecnico

comercial o ser como o que silenciosamente envia ausenta-se Falta o pensar

sobre o ser Assim diz Heidegger no ensaio Para que poetas

Com esta falta fica fora do mundo o fundo como aquilo que

fundamenta Originariamente abismo [Abgrund] significa o solo e o

68

fundo em direccedilatildeo ao qual tende encosta abaixo algo que estaacute pendurado Contudo o Ab seraacute pensado doravante como a

ausecircncia completa de fundo O fundo eacute o solo de um enraizar e de um erguer-se A era do mundo que carece de fundamento encontra-se suspensa no abismo Supondo que se encontra ainda reservada

uma viragem para este tempo indigente ela apenas poderaacute surgir se o mundo virar radicalmente ou seja dito de uma forma mais precisa

se ele virar a partir do abismo Na era da noite do mundo tem que se experimentar e suportar o abismo do mundo Mas para tal seraacute

necessaacuterio que haja quem consiga chegar ateacute ao abismo 101

Essa era atual do domiacutenio do entendimento teacutecnico loacutegico eacute a noite do

mundo Em seu periacuteodo matutino poetas e pensadores se jogaram no abismo

Como quem cai para o alto em direccedilatildeo ao divino e aiacute com um esforccedilo

tremendo disseram o originaacuterio Pensadores dizendo o ser e poetas o divino

contudo com o desenvolvimento da ciecircncia da loacutegica decai essa possibilidade

da linguagem O ser pondo-se em fuga eacute encoberto pelo ente Soacute resta

ausecircncia Ausecircncia de ser do divino do pensar ausecircncia do homem da

linguagem

Olhar verdadeiramente para este mundo eacute encarar o abismo Eacute natildeo fugir

na ilusatildeo da seguranccedila de um falso solo firme Eacute necessaacuterio encarar esse

abismo e suportaacute-lo ldquoSer poeta em tempo indigente significa cantar tendo em

atenccedilatildeo o vestiacutegio dos deuses foragidos Eacute por isso que no tempo da noite do

mundo o poeta diz o sagradordquo 102

Dizer o sagrado e pensar o ser eacute aiacute onde

cresce o perigo em sua unidade aquilo que guarda a medranccedila do que salva

Co-responder a este destino eacute a tarefa do poeta Co-responder ao destino natildeo

eacute um mero deixar-se levar pensado como uma apatia como ausecircncia mas eacute o

mais longe que cada um pode chegar ldquoCada um chega o mais longe possiacutevel

quando natildeo ultrapassa os limites do caminho que lhe foi destinadordquo 103

Em tempos de indigecircncia falta a coragem do permitir Na superficialidade

do correto da adequatio o homem atual se esconde Haacute aiacute um esconder-se

bem diferente do guardar-se que se daacute com o misteacuterio do ser da Terra como

aquela que abriga pois esconder-se eacute fugir jaacute o guardar-se eacute da proteccedilatildeo eacute

101

Para que poetas pp309-310 102

Idem p312 103

Idem p313

69

corresponder agrave luta necessaacuteria Eacute enfrentamento da outra possibilidade da

erracircncia

Quem eacute que hoje em dia se atreve a considerar-se familiarizado com a essecircncia da poesia bem como com a essecircncia do pensamento e

acha-se ainda suficientemente forte para conduzir ambas as essecircncias agrave mais extrema das discoacuterdias assim estabelecendo a sua concoacuterdia

104

O ser larga o ente ao risco como uma matildee que o solta para seu

desenvolvimento essencial portanto eacute como arriscado que este deve

corresponder agrave sua essecircncia Como enfrentamento como risco erracircncia como

disputa originaacuteria Correndo o risco de com isso termos de suportarmos

desiacutegnios mais pesados do que pensamos ser capazes de suportar Como diz

Houmllderlin por uma carta ao seu amigo

Oh amigo O mundo estaacute ante a mim mais claro que da outra vez e mais seacuterio Eu gosto como vai eu gosto como quando no veratildeo eu

vejo o pai sagrado com matildeo tranquila sacode a nuvem avermelhada com relacircmpagos de becircnccedilatildeo Pois entre tudo o que posso ver de

Deus eacute este sinal que se fez predileto Antes saltava de juacutebilo por uma nova verdade uma visatildeo melhor do que este sobre noacutes e ao nosso redor agora temo que me suceda no final o que ao velho

Tacircntalo que recebeu dos deuses mais do que poderia digerir 105

O poeta como mensageiro que se expotildee aos raios do divino que se ex-

potildee ao destinado do ser Traduzindo esse destinado em linguagem nomeando

de forma inaugural aos homens Sai da seguranccedila do habitual do meramente

dis-poniacutevel ao risco de ser esse mensageiro Assim Heidegger apresenta o

poeta como aquele que inverte ldquoa imanecircncia da consciecircncia calculadora para o

espaccedilo interior do coraccedilatildeordquo 106

Cantando o poeta transmigra do comerciante

ao anjo αγγειος mensageiro do divino do ser aos mortais

A ilusatildeo de seguranccedila dada pela loacutegica e seu inabalaacutevel sistema se

apresentou como a maior ameaccedila Entretanto a quem se arisca mais natildeo daacute-

se um esquecimento um abandono da fonte principial Haacute nesse arriscar-se

o contraacuterio Uma inversatildeo que do desamparo surge o abrigo No que se arrisca

104

Idem p317 105

Houmllderlin e a essecircncia da poesia p 9 106

Para que poetas p352

70

ao abandono surge agrave libertaccedilatildeo do habitual como um caminho puro

extraordinaacuterio a fonte inaudita do ser

O homem que se impotildee vive das apostas do seu querer Vive essencialmente arriscando o seu ser no acircmbito da vibraccedilatildeo do

dinheiro e do valer dos valores Sendo constantemente esse cambista e mediador o homem eacute o ldquocomercianterdquo Pesa e pondera sem parar embora natildeo conheccedila o verdadeiro peso das coisas () Mas ao

mesmo tempo o homem eacute capaz de criar ldquoum estar segurordquo fora da proteccedilatildeo virando o desamparo como tal para o aberto fazendo-se

integrar-se no espaccedilo cordial do invisiacutevel Se isso acontece entatildeo o insaciado do desamparo passa para laacute onde na uniatildeo equilibrada do espaccedilo interior do mundo surge o ser [Wesen] que traz agrave aparecircncia o

modo com o qual essa uniatildeo une representificando dessa forma o ser [Sein] Entatildeo a balanccedila do perigo passa do acircmbito do querer

calculante para o anjo 107

Assim denominamos aqui pensando com Heidegger esse arriscar-se

mais como a tarefa destinada aos poetas e pensadores Arriscar-se esse que

se daacute na forma de um salto (Ur-sprung) na vereda (Holzwege) Este salto na

vereda eacute o caminho por noacutes encontrado ateacute agora como o confronto a essa

crise que ameaccedila a essecircncia do homem poreacutem esse salto natildeo eacute ainda o

momento final deste nosso percurso pois nesse salto o poeta colhe do

misteacuterio do ser o novo inaugurante e em seguida retorna aos entes habituais

e cotidianos Retorna do salto ao mundo e aiacute cercado do habitual necessita

relacionar-se com o circundante

Portanto natildeo podemos pensar que a inversatildeo do pensar loacutegico no

pensar poeacutetico seria o derradeiro passo de nossa caminhada de enfrentamento

a crise Em uma inversatildeo do pensamento loacutegico que calcula ao pensamento

poeacutetico que medita natildeo haacute diaacutelogo carinhoso A inversatildeo da identidade para a

diferenccedila eacute manter-se no acircmbito da identidade Eacute a outra face da decadecircncia

da queda Tornar a diferenccedila a uacutenica possibilidade eacute abandonar de outra

forma a possibilidade de algo outro Eacute retorno a rigidez da imposiccedilatildeo Eacute outra

forma de ilusatildeo onde a diferenccedila eacute agora o fundamento Eacute como se

achaacutessemos que chegamos ao misteacuterio do oculto clareando-o Como jaacute vimos

teriacuteamos assim apenas outro modo do aberto mas de forma nenhuma o oculto

do misteacuterio

107

Idem p360

71

A destruiccedilatildeo da metafiacutesica natildeo eacute um abandono deste saber sobre os

entes Pois se eacute o homem um ente entre os outros entes a destruiccedilatildeo desta

forma de entendimento seria a destruiccedilatildeo do seu mundo Assim essa

destruiccedilatildeo deve tornar-se uma desconstruccedilatildeo uma superaccedilatildeo No sentido de

um abrir-se para outra possibilidade de saber de linguagem

A superaccedilatildeo eacute um reconhecimento do acircmbito deste entendimento

metafiacutesico Eacute um reconhecimento do acircmbito no qual deve manter-se essa

linguagem loacutegica natildeo um abandono Reconhece-se aqui que seu acircmbito eacute o

do habitual do aberto do disponiacutevel presente O poeacutetico deve ser pensado

como a outra possibilidade Natildeo como abandono mas como diaacutelogo Assim

necessitamos ainda de outro passo O poeacutetico como inauguraccedilatildeo que abre

como disputa uma possibilidade de desprendimento do habitual apresentou-

se como o meio de enfrentamento agrave crise Ela guarda a medranccedila do que

salva mas natildeo isolado como uacutenica possibilidade Natildeo eacute suficiente essa

inversatildeo Como meio o poeacutetico prepara para o passo seguinte

Adentraremos a seguir nesse derradeiro passo desta nossa

caminhada Confrontaremos por fim o ensaio Serenidade com os dois

primeiros ensaios que nos norteou ateacute aqui Entatildeo com esses trecircs diaacutelogos A

questatildeo da teacutecnica A origem da obra de arte e Serenidade dialogaremos com

o que aqui se pensou acerca da crise atual e de como enfrentarmos essa crise

Neste ultimo ensaio bastante tardio em seu pensar Heidegger nos indica uma

trilha por onde possamos nos enveredar Nele Heidegger nos fala sobre a

disposiccedilatildeo do homem a serenidade como uma disposiccedilatildeo capaz de

possibilitar um diaacutelogo entre a teacutecnica e a arte Um diaacutelogo que res-guarda a

essecircncia do misteacuterio ao inveacutes de lhe agredir Dialoguemos entatildeo com esse

ensaio cuidadoso e carinhosamente

72

4 O CAMINHAR SERENO UM AGUARDAR NA PROXIMIDADE DO

MISTEacuteRIO

Neste capiacutetulo pensaremos o ensaio Serenidade de Heidegger e

confrontaremos o aiacute pensado com o aqui questionado Partindo inicialmente da

questatildeo de ser o homem um ente entre os outros entes que portanto tem

como necessidade essencial este estar aiacute no Mundo em relaccedilatildeo contudo um

ente que tambeacutem estaacute aberto ao misteacuterio da Terra sendo ele fruto desta

disputa entre Terra e Mundo tem a necessidade para co-responder ao seu

destino de se arriscar nessa disputa geradora do que se apresenta e o que se

oculta Com isso pensaremos como da proposta de uma destruiccedilatildeo daacute-se o

pensar de uma desconstruccedilatildeo uma superaccedilatildeo da metafiacutesica do pensar loacutegico

da linguagem predicativa Passaremos desta reflexatildeo ao posicionamento que

por ele eacute desenvolvido no ensaio o da necessidade de uma co-pertenccedila entre

o pensamento que calcula com o pensamento que medita Entre a linguagem

loacutegica e a poeacutetica Pensando em seguida a questatildeo do misteacuterio do ser da

fonte principial Pensaremos por fim diante todo o percorrido na outra

possibilidade esta capaz de um confronto com a crise indicada no iniacutecio da

caminhada

41 Da Destruiccedilatildeo agrave Superaccedilatildeo da Metafiacutesica Acerca da Identidade e

Diferenccedila

No caminho ateacute aqui trilhado nos deparamos primeiramente com a

problemaacutetica acerca da teacutecnica como um modo de pensar dizer e portar-se

Ir-agrave-proximidade Parece-me agora que a

palavra poderia ser antes o nome para nosso passeio de hoje na vereda

Que nos guiou pela noite dentro cujo brilho eacute cada vez mais deslumbrante e supera em maravilha as estrelas porque

aproxima entre si suas distacircncias no ceacuteu pelo menos para o observador ingecircnuo

natildeo para o investigador exato Para a crianccedila no Homem a noite permanece a

aproximadoracostureira das estrelas Ela junta sem costura bainha nem linha

Heidegger Serenidade

73

diante o mundo como um modo de pocircr o mundo no qual em uacuteltima instacircncia

tudo se apresenta como mera dis-ponibilidade (Be-stand) resultado de uma

exploraccedilatildeo que apenas Com-potildee (Ge-stell) o aiacute jaacute dado Diante deste estaacutegio

da humanidade o Homem encontra-se ameaccedilado ao extremo em sua

essecircncia ameaccedilado a resumir-se ao caacutelculo agrave com-posiccedilatildeo ao comeacutercio ao

trabalho ameaccedilado a tornar-se escravo completo daquilo que surgiu para ele

como instrumento de auxiacutelio na dominaccedilatildeo das coisas que estatildeo sendo

Escravo da teacutecnica desse pensamento calculista o homem guardiatildeo do ser

guardiatildeo da linguagem eacute convocado a partir de um apelo silencioso pelo

destinado da fonte principial a outra possibilidade de estar-no mundo de

colocar o mundo Nesta noite do mundo ao pensar e natildeo apenas calcular

acerca da essecircncia da teacutecnica a arte a poesia e o pensamento que medita se

potildeem como essa outra possibilidade de um confronto a essa crise a essa

ameaccedila a qual ele se encontra

Ao pensar no que seja a arte e o pensamento em seu acircmago em suas

essecircncias a noacutes essas se apresentaram como um pocircr-em-obra como uma

inauguraccedilatildeo a adveniecircncia do natildeo-vigente ao vigente Enquanto na teacutecnica e

com ela a Metafiacutesica a loacutegica a Ciecircncia a filosofia enquanto conceituaccedilatildeo do

ente movimenta-se no acircmbito da com-posiccedilatildeo do que estaacute dado movimenta-se

como uma transformaccedilatildeo um sin-tese na poesia o que se daacute eacute um

nascimento daacute-se um brotar Daiacute surgem alguns questionamentos Eacute essa

outra possibilidade esse pensar poeacutetico jaacute a medranccedila do que salva Pode o

ente homem um ser-no-mundo um ser-com ser isto que eacute habitando nesta

outra possibilidade Seraacute essa mudanccedila essa inversatildeo do pensamento que

calcula representador para o pensamento poeacutetico inaugurador que medita jaacute

o caminho que diante o ateacute aqui trilhado se potildee como o que urge Qual a

trilha que ainda devemos ao caminhar dar abertura nessa vereda que nos

leve dos bdquofrios veacuteus da noite escura‟ ao bdquocalor dos dedos rosa da aurora‟ Em

que disposiccedilatildeo se daraacute essa nova manhatilde que do sereno nos doa gotas de

orvalho seiva de um novo brotar Enveredemos ainda um pouco mais por

estas sendas do pensamento e nos deixemos ser envolvidos pelo que a noacutes for

destinado neste caminhar

Para Heidegger o homem o Dasein eacute aquele ente privilegiado que se

encontra que cria ao co-responder que eacute aceito no entre na abertura na

74

clareira do ser Eacute aquele que estaacute entre o natildeo-vigente e o vigente entre o

fechado e o aberto poreacutem estes abertos e fechados vigentes e natildeo-vigentes

natildeo devem ser aqui pensados com opostas mas como co-generes co-

respondentes O homem eacute aquele ente ao qual eacute destinado pela fonte

principial que eacute o ser ao dar nascimento Nascimento este que se daacute na

poesia ποηεζης e no pensamento pela linguagem autecircntica nomeadora

inaugural mas tambeacutem eacute aquele aiacute no-mundo que se relaciona com os entes

com os vigentes Seria entatildeo negar a essecircncia do homem o negar-lhe a

Metafiacutesica o negar-lhe a loacutegica o caacutelculo o representar o uacutetil o trabalho

Como tambeacutem o eacute anti-natural anti-essencial negar-lhe esta outra

possibilidade que eacute a de dar nascimento esta que natildeo estaacute no campo da

representaccedilatildeo mas na possibilidade de fazer brotar O loacutegico e o poeacutetico lhe

pertencem lhe permitem ser o homem que eacute Se no oculto que res-guarda o

misteacuterio da adveniecircncia ele eacute aceito para ali habitar poeticamente eacute no aberto

do dado este lado do misteacuterio aberto para noacutes onde este se relaciona com os

outros que neste aberto encontram moradas

Diversas vezes Heidegger nos adverte sobre o cuidado primordial de

nos colocarmos diante a questatildeo da destruiccedilatildeo da Metafiacutesica natildeo como um

mero abandono ou uma mera inversatildeo ao pensamento poeacutetico Onde esta

destruiccedilatildeo deveria ser pensada como uma abertura a esta outra possibilidade

como uma abertura ao sentido da diferenccedila entre ser e ente pois se eacute na

linguagem poeacutetica no pensamento que encontramos habitaccedilatildeo para nos

confrontar com as questotildees mais profundas eacute no entendimento loacutegico-

Metafiacutesico que nos relacionamos com o que nos cerca com o que estaacute na

superfiacutecie onde estamos presentes com o cotidiano no qual moramos Eacute nesse

sentido que a Destruiccedilatildeo foi pensada como uma Desconstruccedilatildeo como uma

Superaccedilatildeo como Abertura a essa outra possibilidade Assim tambeacutem eacute

apresentado o Fim da filosofia natildeo como um abandono deste modo de

pensamento mas como uma abertura ao seu alcance ao seu acircmbito pois se a

filosofia e essa aqui eacute entendida como Metafiacutesica eacute aquela que como a

ciecircncia primeira busca o ente e nada mais aquilo que estaacute lanccedilado no A-

bismo no seu fundo lhe eacute estranho estaacute para aleacutem de seu alcance e interesse

Este A-bismo eacute Tarefa do pensamento contudo eacute tarefa do homem tanto a

relaccedilatildeo com os entes como a abertura ao ser Eacute tarefa do homem enquanto

75

aquele que possui logos aquele que estaacute-com o diaacute-logo Por em diaacutelogo

loacutegica e arte eacute sua tarefa

A mera inversatildeo da loacutegica para o poeacutetico do entendimento

representativo para o pensamento como obra da identidade para a diferenccedila

seria ainda um manter-se no apenas aberto da unilateralidade e natildeo jaacute uma

abertura ao dialogo daquilo que nos ldquoaparece como inconciliaacutevelrdquo 108

Sair da

teacutecnica da identidade e ir de forma unilateral para a diferenccedila para o poeacutetico

ainda natildeo eacute o caminho no qual enveredamos Eacute permanecer ainda no mesmo

no fechar-se ao outro A inversatildeo da identidade para a diferenccedila eacute apenas a

extrema possibilidade da identidade eacute sua uacuteltima consequecircncia seu

acabamento eacute natildeo ter ainda atingido ou ter sido atingido pela diferenccedila

enquanto diferenccedila mesma enquanto o entre a clareira a abertura Eacute para

dar um exemplo o que Heidegger entende do movimento realizado por

Nietzsche aquele platonismo ao avesso que sendo o avesso eacute apenas o outro

lado do platonismo eacute ainda o mesmo Eacute levar o que estava na ideia para a

vida eacute uma inversatildeo do solo do fundamento eacute ainda chatildeo firme Entretanto o

que se mostra ao pensar heideggeriano como o originaacuterio como superaccedilatildeo eacute

aquele pensamento sem-fundo eacute o abismo eacute a perca de chatildeo portanto eacute

nesse sentido que pensamos aqui a diferenccedila como aquele entre que natildeo estaacute

nem no nascimento nem no dado de forma unilateral mas um entre pensado

como diaacute-logo

Diaacutelogo aqui pensado como aquele acontecimento aquela disposiccedilatildeo

que caminha (dia δηα atraveacutes indo na direccedilatildeo de um para o outro) que

transita pelo logos (ιογος) Aqui natildeo eacute mais possiacutevel pois natildeo estamos mais

nesse acircmbito uma representaccedilatildeo do que seja essa diferenccedila esse entre como

dialogo O entendimento representativo ao se apropriar desta diferenccedila a

representa como identidade Aqui toda reduccedilatildeo em poucas palavras eacute um

perigo Daacute-se aqui necessariamente como um apelo uma mudanccedila na

linguagem de significativa para uma de sentido Natildeo ficar preso a conceitos ou

definiccedilotildees eacute o caminho necessaacuterio para essa co-respondencia com o entre

com a diferenccedila Eacute preciso harmonizar-se θηιεηλ entrar em acordo com o que

a noacutes se apresenta como aquele amor que Heidegger entende ser o amor

108

HEIDEGGER Serenidade p 23

76

pensado por Heraacuteclito ao nomear o filosofo como θηιοζοθος assim escreve

Heidegger em sua conferecircncia O que eacute isto ndash a filosofia

Um anegraver philoacutesophos eacute aquele hograves philei tograve sophoacuten philein que ama a sophoacuten significa aqui no sentido de Heraacuteclito homologein

falar assim como o Loacutegos fala quer dizer corresponder ao Loacutegos Este corresponder estaacute de acordo com o sophoacuten Acordo eacute harmoniacutea

O elemento especiacutefico de philein do amor pensado por Heraacuteclito eacute a harmonia que se revela na reciacuteproca integraccedilatildeo de dois seres nos laccedilos que unem originariamente numa disponibilidade de um para

com o outro 109

Assim natildeo se pode aqui pensar nesse diaacutelogo como uma dialeacutetica que

se torna o que eacute em uma siacutentese O que se daacute aqui natildeo eacute uma siacuten-tese da

loacutegica com a arte da representaccedilatildeo com a inauguraccedilatildeo O que se daacute aqui eacute

uma luta uma disputa110

um amor um diaacute-logo uma obra (εργολ) Um entre

que natildeo para nem aqui nem ali nem muito menos como uma siacutentese com-

posiccedilatildeo de um com o outro Essa siacutentese que corremos o risco de entender de

forma errada o que aqui se apresenta como diaacutelogo foi o que se apresentou a

noacutes como a essecircncia da teacutecnica moderna como Ge-stell Aqui daacute-se um vai e

vem inquietante que eacute pura quietude Eacute aquele terceiro caminho excluiacutedo a

muito do pensar filosoacutefico que natildeo eacute nem um sim nem um natildeo mas que eacute

uma escuta de ambos simultaneamente os pondo em diaacutelogo eacute abertura

clareira do destinado pelo misteacuterio

Diante deste pensar que pode levar a nos questionarmos se natildeo

estamos pairando no ar num modo de pensamento muito distante de noacutes

algumas questotildees se apresentam natildeo seria esse entre uma indecisatildeo que nos

imobilizaria Natildeo seria esse diaacutelogo um subterfuacutegio de fuga da

responsabilidade do que diante a noacutes se apresenta como urgente Natildeo reinaria

aiacute a mais elevada ausecircncia-de-pensamento Uma passividade diante um

tempo que urge por uma atitude Um mero deixa ser levado pelo acaso Uma

ausecircncia de um querer que determina Essas satildeo algumas das questotildees que

109

HEIDEGGER O que eacute isto ndash a filosofia p 32 110

Hesiacuteodo no iniacutecio de seu escrito Os trabalhos e os dias fala de duas Ερης de duas disputas Uma eacute aquela geradora da guerra entre os homens que por ganacircncia de poder e

riqueza entram nessa disputa essa eacute por ele considerada a disputa ruim A outra eacute aquela disputa essencial entre o homem e a Terra aquela disputa com a adveniecircncia do dia-a-dia a

luta diaacuteria com a vida Essa eacute por ele chamada de a luta boa geradora de todo o bem que temos Enquanto a primeira destroacutei a segunda concebe Aqui quando falamos de disputa

pensamos nessa segunda disputa desse amor gerador

77

se potildeem diante desse diaacutelogo pensado com um entre Como quem preacute-sente a

proximidade da brisa do sereno adveniente da fonte aproveitemos um pouco

mais este caminhar que se aproxima daquilo do qual a muito estamos sendo

chamado que a muito aguardamos e continuemos um pouco mais neste trilhar

42 Serenidade O dizer sim e natildeo agrave teacutecnica

Vivemos em um mundo cercado pela teacutecnica Para onde nos dirigimos e

nos deparamos sempre com seus aparelhos e instrumentos Internet celular

carros induacutestrias e comeacutercios energia eleacutetrica e atocircmica Heidegger viveu em

um tempo diferente do tempo atual Um tempo no qual o que lhe causou

espanto foi a comunicaccedilatildeo por raacutedio e pela televisatildeo O que diria ele dos dias

atuais Espantar-lhe-ia mais a internet do que o raacutedio Seraacute que no essencial

vivemos em um tempo tatildeo diferente Eacute possiacutevel que natildeo O essencial da

teacutecnica natildeo estaacute em seus produtos Natildeo eacute o carro a televisatildeo o raacutedio ou a

internet o que eacute mais proacuteprio a sua essecircncia O que lhe assustou e que hoje

continuaria a assustar e que tambeacutem o assustaria se tivesse nascido antes eacute

o modo teacutecnico de pensar de dizer de agir Natildeo estou imerso na teacutecnica

somente quando uso o celular mais novo que saiu no mercado estou

profundamente imerso na teacutecnica quando o que me faz escolher a educaccedilatildeo

mais apropriada ao meu filho satildeo caacutelculos que me diratildeo qual o melhor negoacutecio

para o seu futuro Estou nessa situaccedilatildeo a qual inquietou tanto Heidegger

quando as decisotildees mais essenciais a nossa existecircncia satildeo decididas por

meros caacutelculos O que mais o assustou foi a possibilidade cada vez mais

crescente de esse olhar com-positor loacutegico calculista representador em

resumo esse olhar teacutecnico ser o uacutenico olhar que domine todas as nossas

decisotildees Essa sim eacute a grande ameaccedila ao homem

Seria uma ameaccedila talvez ainda maior a busca de um completo

abandono das coisas e pensar teacutecnico O homem necessita destes

Houvesse no pensar jaacute antagonistas e natildeo

simples adversaacuterios entatildeo a coisa do

pensar seria mais favoraacutevel

Heidegger Da experiecircncia do pensar

78

instrumentos e linguagem Necessita necessitou e necessitaraacute destes

instrumentos e linguagem teacutecnica como um ente no-mundo um ente-com

outros no qual se relaciona O homem tem sim que dizer bdquosim‟ a estes

instrumentos mas pode deve necessita simultaneamente dizer bdquonatildeo‟ a eles

Essa abertura ao entre agrave diferenccedila enquanto diferenccedila ao diaacute-logo a esse

acordo a essa harmonia originaacuteria exige do homem essa postura de dizer sim

e natildeo simultaneamente aos objetos teacutecnicos nos exige uma tomada de

decisatildeo que natildeo seja unilateral que natildeo seja absorvida nem pelos objetos

nem por seu abandono Exige de noacutes que nos ocupemos disto que ao olhar

representador parece inconciliaacutevel Assim diz Heidegger sobre esse dizer sim e

natildeo simultacircneo as coisas teacutecnicas

O pensamento que medita exige de noacutes que natildeo fiquemos unilateralmente presos a uma representaccedilatildeo que natildeo continuemos a

correr em sentido uacutenico na direccedilatildeo de uma representaccedilatildeo O pensamento que medita exige que nos ocupemos daquilo que a

primeira vista parece inconciliaacutevel () Podemos dizer sim agrave utilizaccedilatildeo inevitaacutevel dos objetos teacutecnicos e podemos ao mesmo

tempo dizer natildeo impedindo que nos absorvam e desse modo verguem confundam e por fim esgotem a nossa natureza (Wesen) 111

Esse pensamento que medita (sinnende) eacute justamente esse que se

contra-potildee potildee-se de frente e assim dialoga com esse pensamento que

calcula Eacute aquele pensamento que natildeo se detecircm no correto adequado no

fundamento mas que se encaminha no sentido da verdade como α-ιήζεηα

como decircs-velamento como clareira como sem-fund(ament)o Eacute portanto o

pensamento inaugural que atento ao destinado da fonte silenciosa do ser daacute

nascimento Eacute deste modo por dar nascimento que eacute esse pensamento que

medita irmatildeo da poesia no pocircr ambos encontram a sua essecircncia Assim

escreve Heidegger em sua obra poeacutetica intitulada de Da experiecircncia do pensar

(1960) onde pensar e poetar satildeo pensados como poiacuteesis como o dar-se da

verdade a partir do ser Leiamos suas palavras

Cantar e pensar satildeo os troncos

vizinhos do poetar

Eles crescem do Ser e alcanccedilam sua

111

HEIDEGGER Serenidade pp 23-24

79

verdade

Sua relaccedilatildeo daacute a pensar que Houmllderlin Canta das aacutervores da floresta

ldquoE desconhecidos uns aos outros eles

Ficam o tempo que eles permanecem em peacute

os troncos vizinhosrdquo 112

Eacute esse pensamento poeacutetico meditativo que nos exige que digamos sim

e natildeo simultaneamente agrave teacutecnica O que nos permite viver em meio a ela com

ela sem dela ser escravo e isso natildeo de um modo vacilante oscilante mas de

forma tranquila ou como nomeia Heidegger de modo sereno Com a mais

elevada serenidade (Gelassenheit) Esse dizer sim e natildeo agrave teacutecnica enquanto

diaacute-logo que se demora no entre eacute o que Heidegger nomeia por Serenidade

Em uma conferecircncia intitulada por Serenidade apresentada como um

discurso comemorativo do compositor de oacutepera Conradin Krutzer em 1955

Heidegger nos doa um belo discurso acerca do que seja essa Serenidade que

aqui eacute desde os primeiros passos aguardada Tema que por ele jaacute tinha sido

abordado em uma conversa nos anos de 194445 Nesta conversa tem-se uma

caracteriacutestica de uma linguagem bem mais solta e tambeacutem bem mais profunda

Um excelente exemplo de uma linguagem que busca libertar-se da

representaccedilatildeo da conceituaccedilatildeo Nessa conversa dar-se um deixa ser

conduzido pelo pensamento de amigos que caminhando satildeo aceitos nas

proximidades do misteacuterio do ser e que contudo natildeo perde em profundidade

mas que por esse deixar ao contrario eacute admitido por esta Jaacute o discurso

comemorativo tem uma sistemaacutetica e uma linguagem bem mais proacutexima jaacute que

eacute dirigida a um puacuteblico mais abrangente do que se costuma usar

habitualmente Neste discurso pondo-se a pensar sobre o que seja um ato

comemorativo Heidegger nos leva pelo discurso a pensar que comemorar eacute

pensar acerca de algo eacute pensar sobre o motivo do qual a comemoraccedilatildeo

presta-se a homenagear Diz-nos que ali se escutam as obras do compositor

sua biografia que ali satildeo proferidas anaacutelises criacuteticas de suas criaccedilotildees mas

seraacute que jaacute aiacute se realiza um pensar acerca de algo Relatar enumerar

112

HEIDEGER Da experiecircncia do pensar p 49

80

descrever narrar ainda natildeo eacute um pensar um meditar sobre algo sobre a

abertura que em uma obra de arte daacute-se

Heidegger passa daiacute a pensar sobre o que seja o pensamento Este se

apresenta na sociedade atual em-fuga ldquoTodos noacutes mesmo aqueles que

pensam por dever profissional somos muitas vezes pobres-em-pensamento

ficamos sem-pensamento com demasiada facilidaderdquo 113

E o que potildee em-fuga

o pensamento meditativo eacute esse dominante pensamento que calcula Esse

caacutelculo nos absorve como escravos das coisas que chegamos ao ponto de

darmos mais atenccedilatildeo aos produtos que agraves obras (εργολ) Pensamos muito

mais vezes nos presentes do que nas homenagens e homenageados

Pensamos e aqui jaacute nem podemos mais dizer pensar noacutes queremos

calculamos muito mais os resultados do que o processo o ponto de chegada

do que o caminhar agrave-proximidade-de e assim nos escravizamos pelos objetos

do desejo mais do que nos permitimos livres ao a-caso Eacute em relaccedilatildeo ao que

acabamos de dizer que a serenidade para com as coisas se apresenta como

aquela medranccedila do que salva Permite-nos sermos poeacuteticos em meio a um

mundo dominado pelo teacutecnico Daacute-nos a perspectiva de um novo enraizamento

jaacute que como diz Heidegger a partir de uma citaccedilatildeo do poeta Johann Peter

Hebel ldquoNoacutes somos plantas que ndash quer nos agrade confessar quer natildeo-

apoiadas nas raiacutezes tecircm de romper o solo a fim de poder florescer no Eacuteter e

dar frutosrdquo 114

Heidegger distingue essa disposiccedilatildeo nomeada por ele de Serenidade de

outros modos de conceber a palavra jaacute usada na tradiccedilatildeo por outros filoacutesofos

como eacute o caso da leitura de Meister Eckhart onde a serenidade eacute entendida

como ldquoa rejeiccedilatildeo do egoiacutesmo pecaminoso nem o abandono da vontade proacutepria

em prol da vontade divinardquo 115

Serenidade eacute essa aproximaccedilatildeo iacutentima da Matildee Terra eacute a escuta

cuidadosa do silecircncio do misteacuterio eacute o demorar-se insistente diante a abertura

que enquanto mostra-se simultaneamente se oculta Que se abre apenas para

nos envolver ainda mais no acircmago do misteacuterio Falamos de Serenidade e

constantemente nomes como misteacuterio aguardar cuidado insistecircncia se

113

HEIDEGGER Serenidade p11 114

Idem p27 115

Idem p 35

81

colocam em nosso caminho Falamos de serenidade diante essa ameaccedila na

qual o pensamento que calcula nos absorve O que nos leva a perguntar

Como conseguir essa serenidade O que eacute esse misteacuterio e esse aguardar que

sempre acompanham o pensar acerca da serenidade Estaacute nas matildeos dos

homens atingirem em meio a essa tumultuosa noite que nos cai essa

serenidade ou eacute apenas concernente ao destino do ser esta outra

possibilidade O que devemos fazer para criarmos permitindo o matutino

sereno de uma nova manhatilde Mantenhamo-nos um pouco mais nessa

vizinhanccedila da fonte que haacute muito nos convoca a ali em sua proximidade

demorarmo-nos Essa fonte que haacute muito chama em seu canto o filho ao

retorno aconchegante de seu habitar

43 Abertura ao misteacuterio O demorar-se no entre

O homem do presente eacute o homem da presenccedila Em um sentido filosoacutefico

Heidegger entende essa presenccedila como a marca fundamental do pensamento

metafiacutesico ocidental O ser do ente como a presenccedila eacute re-presentado pela

linguagem loacutegica como o ente Este ser enquanto presenccedila jaacute vem sendo

assim pensado para Heidegger desde os gregos principalmente para o que

ele chama de periacuteodo de decadecircncia do pensar claacutessico com Platatildeo e

Aristoacuteteles Estando este modo de pensar apenas no seu acabamento e este

modo de pensar vigente em quase todos os acircmbitos de decisotildees de accedilotildees e

de reflexotildees esta presenccedila pensada metafisicamente aparece agora tambeacutem

no habitual no dia-a-dia no cotidiano O que eacute de acordo com o bom senso eacute

o que estaacute agrave matildeo que posso tocar que posso decidir e natildeo a indecisatildeo Eacute o

que serve para algo O que vale eacute o agora o que se mostra aqui no presente A

histoacuteria eacute esquecida o esperar natildeo tem vez Vivemos no presente E

estranhamente esse viver no presente se revela uma ausecircncia aterrorizadora

A tecnologia que aproxima os homens os lugares os tempos as distacircncias em

uma intensidade gigantesca tambeacutem os afasta ldquohoje se toma conhecimento de

Eacute capinzal noturno

Escuro denso protetor Vocecirc eacute mata virgem

Pela qual ningueacutem passou

Raul Seixas Mata Virgem

82

tudo pelo caminho mais raacutepido e mais econocircmico e no mesmo instante e com

a mesma rapidez tudo se esquecerdquo 116

O raacutedio ou a internet aproximam tanto

a comunicaccedilatildeo os homens que natildeo eacute mais nem preciso estar ali Minha

presenccedila em todos os lugares por meio dos aparelhos tecnoloacutegicos de

comunicaccedilatildeo reflete minha ausecircncia Presente estaacute a tecnologia mas o

homem mesmo enquanto homem em sua autenticidade encontra-se ausente

Em uma multidatildeo de pessoas que dia-a-dia transitam pelas ruas das grandes

cidades sem nem um simples bdquooi‟ ser dado nos potildee a pensar no grego

Dioacutegenes o ciacutenico que com sua lamparina se pocircs a andar pelas ruas de sua

polis em pleno claro do dia a procurar por um homem sequer Onde

encontramos o homem nesse esquecimento do solo de onde brotam os

nutrientes de seu ser

A busca da certeza move demasiadamente mais do que a verdade Na

velocidade rapidez na pressa atual natildeo haacute tempo haacute perder com indecisotildees

natildeo a tempo para o proacuteprio homem Precisa-se de uma resposta certa mesmo

que para tal tenha-se que se descuidar da busca mais demorada pela verdade

do que no emaranhado do que eacute se oculta Certeza como corretude

adequaccedilatildeo como fundamento firme onde se pode erguer preacutedios para

gigantescos negoacutecios Verdade como decircs-velamento α-ιήζεηα como o cuidado

com o que adveacutem do velado do misteacuterio Esse misteacuterio destruidor da certeza

imediata riacutegida assusta causa espanto ao apressado homem da atualidade

Aquele espanto ηασκαηα que desde os tempos primordiais moveu os primeiros

pensadores cede lugar agrave certeza agrave decisatildeo necessaacuteria ao pesquisar que pela

imposiccedilatildeo da pressa de uma grande quantidade de produccedilatildeo natildeo pode se

demorar neste espanto

Diante desse caminhar ao qual nos enveredamos somos convocados a

serenidade A um estar aberto agrave abertura da adveniecircncia Um estar aberto agrave

abertura do misteacuterio Esse misteacuterio que espanta que afasta a certeza levando

ao risco daquele cair no poccedilo do qual haacute muito tempo se rir Esse misteacuterio que

nos tira da seguranccedila do fundamento do solo e nos envolve com o risco do

abismo Ao homem da decisatildeo esse misteacuterio eacute o que mais o assusta eacute o que

mais ele quer manter distacircncia Mas seraacute que assim como esse homem da

116

Idem p11

83

presenccedila se revelou como um homem da ausecircncia esse mesmo homem da

seguranccedila natildeo se revelaria a noacutes como o homem do medo que vive no mais

inseguro dos modos de existecircncia Seraacute que esta decisatildeo tatildeo adorada por

esse homem natildeo se revelaria a um pensar mais profundo medo de enfrentar o

risco deste entre adveniente do misteacuterio Seraacute que a decisatildeo que urge natildeo eacute a

de um demorar-se nesse misteacuterio Tenhamos entatildeo coragem e enfrentemos

mais estas questotildees

Diante o misteacuterio do que estaacute para aleacutem do que o que se mostra para

aleacutem do que aparece o homem se espanta O homem grego assim espantou-

se e aiacute se demorou Ser nada a fala o dizer o nomear o permanente

imoacutevel o movimento tudo isso o espantou e ele aiacute se demorou O espanto que

a princiacutepio o potildee em fuga simultaneamente o atraiu A curiosidade estando em

seu acircmago o fez olhar para traacutes durante essa fuga Como Orfeu que ao ir ao

Αδες Hades para resgatar a amada tinha apenas que por fim seguir adiante

sem olhar para traz mas que de seu acircmago uma inquietante curiosidade o faz

virar-se para vez se a bem amada consigo seguia Pondo-se em fuga do

misteacuterio do espanto eacute pela curiosidade atraiacutedo a um olhar de aproximaccedilatildeo

Uma curiosidade que vira amor θηιεηλ Um amor ao saber do que se mostrava

mesmo que em seu ocultamento Heraacuteclito nomeou como vimos um pouco

acima a este amante disto que tudo rege de θσιοζοθος filoacutesofo Amor para

ele eacute o harmonizar-se e saber eacute logos Logos esse que eacute misteacuterio aos homens

tanto antes de terem ouvido como depois como se estivessem dormindo 117

Amante desse misteacuterio o pensador nada podia dizer com certeza pois

amante do misteacuterio em harmonia com ele estava sempre num entre O que

para o pensador mais profundo era o mais espantoso era tambeacutem o seu maior

amor Este mais espantoso torna-se ao homem ordinaacuterio apenas ouvinte de

sua linguagem mas que a ela natildeo co-responde enquanto pensador do

profundo do ιογος o mais assustador gerando nesse homem medo Esse

espanto torna-se uma aporia απορηα um sem-saiacuteda da qual natildeo era possiacutevel

num confronto sincero harmonioso fuga Eacute nesse acircmbito do incerto onde o

117

Acerca deste modo de conceber o logos e a sua relaccedilatildeo com os homens consultar o fragmento 1 na organizaccedilatildeo de Diels de Heraacuteclito Este concebia o logos como o regente de

tudo o que haacute Entretanto os homens natildeo se apercebiam disso mesmo depois de serem acerca deste logos instruiacutedo Pois logos eacute ao homem que natildeo o enfrente ateacute os limites de sua

obscuridade misteacuterio

84

homem ordinaacuterio encontra-se meio acuado e o pensador profundo encontra-se

em pleno amor que surge o sofista como aquele que tinham as respostas

Aquele que se apresentava como sabedor dos misteacuterios e do modo de ldquoa esse

dominarrdquo Livrava-se rapidamente desta aporia dessa indecisatildeo por uma

tomada de posiccedilatildeo unilateral de um dos caminhos Com seu amplo domiacutenio de

retoacuterica e da linguagem como instrumento de dominaccedilatildeo dissimulaccedilatildeo essa

tomada de posiccedilatildeo unilateral passava como a mais elevada sabedoria Estes

sofistas despertavam as aporias nos seus ouvintes apenas com o intuito de se

apresentar como um conhecedor dos mais enigmaacuteticos problemas118

que ao

homem poderiam se apresentar para em seguida rapidamente os resolver

Assim diz Heidegger em sua conferecircncia O que eacute isto ndash a filosofia acerca

desses sofistas e de sua entrada neste momento oportuno em que o saber se

demorava ante esse entre do misteacuterio

O ente no ser isto se tornou para os gregos o mais espantador Entretanto mesmo os gregos tiveram que salvar e proteger o poder

do espanto deste mais espantoso ndash contra o ataque do entendimento sofista que dispunha logo de uma explicaccedilatildeo compreensiacutevel para qualquer um para tudo e a difundia A salvaccedilatildeo do mais espantoso ndash

ente no ser ndash se deu pelo fato de que alguns se fizeram a caminho na sua direccedilatildeo quer dizer do sophoacuten Estes tornaram-se por isso

aqueles que tendiam para o sophoacuten e que atraveacutes de sua proacutepria aspiraccedilatildeo despertavam nos outros homens o anseio pelo sophoacuten e o

mantinham aceso O philein to sophoacuten aquele acordo com o sophoacuten de que falamos acima a harmonia transformou-se em oacuterecsis num aspirar pelo sophoacuten O sophoacuten ndash o ente no ser ndash eacute agora

propriamente procurado Pelo fato de o philein natildeo ser mais um acordo originaacuterio com o sophoacuten mas um singular aspirar pelo

sophoacuten o philein to sophoacuten torna-se ldquophilosophiacuteardquo Essa aspiraccedilatildeo eacute determinada pelo Eacuteros

119

A de-cisatildeo120

de demorar-se na abertura na cisatildeo entre o que se oculta

cada vez mais que se mostrava teve para se proteger deste ataque dos

118

Sobre essa postura sofistica ante as aporias e tambeacutem acerca de seu domiacutenio da linguagem conferir a Metafiacutesica de Aristoacuteteles onde ente ao tratar dos problemas dos

contraacuterios enfrenta tanto os dialeacuteticos como os sofista dizendo que aos primeiros era preciso uma argumentaccedilatildeo da problemaacutetica ela mesma para que se revelasse onde estavam se

equivocando jaacute aos segundos era necessaacuterio um constrangimento loacutegico pois esses natildeo buscavam a verdade mas falavam apenas pelo prazer de falar seu falar era meramente dominado pela intenccedilatildeo de um benefiacutecio proacuteprio 119

HEIDEGGER O que eacute isto ndash a filosofia p32 120

Pensamos que no expressatildeo de-cisatildeo guardamos a marca da abertura da cisatildeo do

misteacuterio ao aberto do decircs-velamento De-cidir eacute manter-se nesse entre do dia-logo eacute demorar-se na clareira Jaacute na expressatildeo posiccedilatildeo escutamos o eco daquela palavra que aqui se revelou

como a essecircncia do entendimento teacutecnico Posiccedilatildeo a noacutes remete diretamente aquele sin-tese

85

sofistas que se transformar num posicionamento Numa tomada de

posicionamento unilateral Diante isso eacute que neste percurso por noacutes aqui

trilhado somos levados a pensar que deixar-se ser guiado pelo acordo

harmonioso com o misteacuterio eacute uma de-cisatildeo bem mais vigorosa do que a

decisatildeo no sentido de um posicionar-se Diante as απορηας aporias primordiais

que na intenccedilatildeo de se beneficiar dos sofistas tanto Platatildeo como Aristoacuteteles

necessitaram salvar o espanto por amor ao saber tiveram que decidir por uma

αρθε um princiacutepio ideia ousia e de acordo com essa decisatildeo que a eles se

impocircs como o destinado pelo ser estabeleceram uma linguagem um logos

proposicional em confronto com o risco que se corria com a linguagem poeacutetica

desde primeiros e mais profundos pensadores

Poreacutem o que em Platatildeo e Aristoacuteteles ainda se mantinha como uma de-

cisatildeo adveniente do destinado pelo ser eacute esquecida ofuscada re-configurada

pelo modo outro de pensar latino que o segue Eacute nessa passagem do pensar

grego para o latino que Heidegger indica o ponto crucial do afastamento do

misteacuterio como o mais essencial agrave essecircncia da verdade enquanto decircs-

velamento do esquecimento da cisatildeo que mantendo o pensador no espanto do

entre o protegia o res-guardava da decadecircncia da unilateralidade Por uma

vontade de progresso de decircs-envolvimento essa decisatildeo agora jaacute entendida

como tomada de posiccedilatildeo passa a controlar a razatildeo o pensar torna-se

entendimento o ιογος torna-se loacutegica A αιήζεηα torna-se veritas adequatio

corretude verdade Seguindo sempre adiante sem tempo para parar e olhar

para a proveniecircncia de onde haacute muito eacute enviado o que nos eacute destinado segue

esse decircs-envolvimento A linguagem o pensar que se davam como obra

como poiacuteesis torna-se uma linguagem predicativa proposicional torna-se re-

presentaccedilatildeo passando a dominar praticamente todos os acircmbitos do humano

A de-cisatildeo enquanto com-fronto disputa originaacuteria enquanto a απορηα que

levou o homem a imobilidade retorna na era da teacutecnica pela presenccedila uacutenica da

exigecircncia de um posicionamento A falta de aporia pela certeza imposta pela

pressa dos negoacutecios do desenvolvimento da teacutecnica eacute que agora imobiliza a

capacidade do homem a um confronto verdadeiro radical com o poder de

dominaccedilatildeo que se impotildee sobre ele

onde o sin eacute o por junto e o tese eacute em uma posiccedilatildeo Sin-tese em grego Ge-stell em alematildeo eacute

marca caracteriacutestica da unilateralidade da representaccedilatildeo

86

Diante essa nova imobilidade Heidegger por meio do pensar do poetar

busca redespertar esta aporia perdida aquele acordo originaacuterio aquela

harmonia essencial com o ser Urge uma nova tomada de de-cisatildeo ante a

pressa que impede qualquer parar meditativo-poeacutetico qualquer esperar

escutar Torna-se necessaacuterio o risco de se lanccedilar o olhar agraves profundezas das

alturas e aiacute cair no poccedilo outra vez Potildee-se o arriscar-se a ir-agrave-proximidade do

misteacuterio e se permitir ser entorpecido ldquona boca e na almardquo121

por esse demorar-

se no entre nesta abertura na clareira do ser Mas como pode o homem da

era da teacutecnica do entendimento representativo atingir a profundidade do

misteacuterio Como atingir essa serenidade que guarda a medranccedila do que salva

Trilhemos mais essas questotildees que se potildeem antes de nos demorarmos onde a

muito somos convocados

44 Da procura ao Aguardar o silencioso caminhar na vereda

Pensamos na serenidade como a disposiccedilatildeo que guarda em seu seio a

medranccedila do que salva Estaacute que enquanto um dizer sim e natildeo a teacutecnica nos

liberta da servidatildeo aos objetos e pensamento teacutecnico bem em seu seio Que

como este demorar-se no entre do aberto do misteacuterio da cisatildeo proveniente do

ser ao homem o devolve o conduz a um retorno ao habitar que lhe fora

confiado doado Pensamos essa serenidade em meio a um intenso domiacutenio da

teacutecnica sobre praticamente todos os acircmbitos do humano mas como se tornaraacute

possiacutevel quebrar essas algemas do entendimento representativo loacutegico e

aceder a esta serenidade Qual o procedimento o meacutetodo a forma de

aquisiccedilatildeo desta serenidade Como re-significar a linguagem proposicional

predicativa abrindo a ela a possibilidade do diaacutelogo com a linguagem poeacutetica

Essas perguntas de forma alguma nos conduziratildeo a esta serenidade a essa

121

Faz-se aqui uma alusatildeo ao estado que Mecircnon ao dialogar com Soacutecrates eacute levado pelo seu discurso Um entorpecimento que Platatildeo potildee como o movimento necessaacuterio a rememoraccedilatildeo

fonte de saber Conferir Mecircnon 80 b

E de que modo procuraraacutes Soacutecrates aquilo que natildeo sabes absolutamente o que eacute

Platatildeo Mecircnon

87

proximidade pois satildeo ainda perguntas loacutegicas do acircmbito da representaccedilatildeo

Procedimento meacutetodo adquirir re-significar satildeo todas expressotildees da re-

presentaccedilatildeo Aqui outra relaccedilatildeo com o que se potildee neste aberto do entre se

coloca

Platatildeo em um diaacutelogo no qual se investiga de qual o modo o homem

pode possuir a virtude ἀρεηή faz Mecircnon apoacutes ser levado a uma profunda

aporia sobre o que seja a justiccedila ela mesma ao estilo sofiacutestico perguntar a

Soacutecrates se eacute realmente possiacutevel aprender aquilo que absolutamente natildeo se

conhece Como eacute possiacutevel pela investigaccedilatildeo adquirir aquilo que mesmo ao

dar-se se fecha em si mesmo Como podemos conhecer esse misteacuterio atingir

essa serenidade Quem investiga busca por algo que previamente conta de

antematildeo conta previamente com algum resultado parte de uma instacircncia por

um determinado meacutetodo em alguma direccedilatildeo Mas como investigar algo que

absolutamente ainda natildeo haacute que informaccedilatildeo alguma tem-se dele Essas

perguntas jaacute estatildeo presentes no nascimento da Metafiacutesica tanto com Platatildeo

como com Aristoacuteteles Soacute que a pressa as potildee sempre de lado e nos decircs-via

ao desenvolvimento do que jaacute temos em matildeo do mais faacutecil de produzir do uacutetil

Leiamos algumas palavras de Heidegger acerca desse meacutetodo investigativo

A sua particularidade consiste no fato de que quando concebemos um plano investigamos ou organizamos uma empresa contamos sempre com condiccedilotildees preacutevias que consideramos em funccedilatildeo do

objetivo que pretendemos atingir Contamos antecipadamente com determinados resultados Este caacutelculo caracteriza todo o pensamento

planificador () o pensamento que calcula faz caacutelculos Faz sempre caacutelculos com possibilidades continuamente novas sempre com maiores perspectivas e simultaneamente mais econocircmicas O

pensamento que calcula corre de oportunidade em oportunidade 122

A serenidade que aguardamos natildeo chega a nossa proximidade por uma

investigaccedilatildeo meacutetodo ou atividade pelo contraacuterio eacute por ela afastada Entatildeo ao

homem natildeo resta nada a natildeo ser esperar ficar na passividade esperando que

algo ocorra e que lhe desperte essa serenidade Heidegger nomeia por

aguardar (warten) essa disposiccedilatildeo que em confronto com a investigaccedilatildeo eacute

mais apropriada agrave serenidade Um aguardar que natildeo eacute um mero espera que

natildeo eacute nunca um ficar na expectativa (erwaten) Aguardar natildeo eacute aqui um mero

122

HEIDEGGER Serenidade p 13

88

ficar na passividade esperando que algo ocorra Nem tambeacutem eacute a atividade da

investigaccedilatildeo que quer que algo chegue a determinado resultado Natildeo eacute

passividade nem atividade Eacute um trabalhar-se um obrar-se no sentido de uma

atenccedilatildeo um cuidado ao silecircncio do que se oculta do que nesse ocultar-se se

re-colhe se res-guarda Eacute aquela disposiccedilatildeo daquele caminhante que

trilhando um caminho ainda natildeo aberto que caminhando em uma mata virgem

aguarda pelo que advenha como o caminho pelo qual deve continuar seguindo

Eacute entatildeo aquele respeito aquele carinho amor philein pelo que lhe envolve

Naquela ocasiatildeo que o repouso se mostra o movimento mais apropriado diante

a aporia que se apresenta que lhe envolve ldquoDificilmente podemos alcanccedilar a

serenidade de uma forma mais adequada do que por meio de uma ocasiatildeo

para nos envolvermosrdquo 123

O querer eacute sempre um querer algo Eacute jaacute estar na expectativa A serenidade

como esse aguardar natildeo espera natildeo quer algo O que concerne a esse

aguardar natildeo eacute algo natildeo eacute um ente mas eacute a abertura eacute a clareira Eacute um

recebimento com gratidatildeo ao que brota para si do seio do ser da θσζης da

natureza Essa passagem do querer ao aguardar sereno eacute o caminho a se

seguir na ida agrave proximidade do que guarda a medranccedila do que salva Grato

com o que lhe eacute destinado o caminhante sereno lhe co-responde Liberto de

anseios e vontade o homem recebe a tarefa de guardiatildeo da clareira do brotar

guardiatildeo do diaacutelogo se apresenta como a outra possibilidade ante o perigo que

ameaccedila

Mantendo-se insistentemente nesse entre nessa abertura da cisatildeo do

misteacuterio lhe eacute destinado o Acontecimento-poeacutetico-apropriativo Ereignes da

histoacuteria do homem pois ldquoaquilo que permanece funda os poetasrdquo nas palavras

de Houmllderlin ou o que podemos escutar no eco da palavra por Goethe usada

onde ao inveacutes de usar para dar sentido a perdurar a palavra alematilde fortwaumlhrenI

usa a palavra misteriosa fortgewaumlhren como um continuar a conceder 124

O

que aiacute eacute entatildeo colhido com gratidatildeo como esse que insistentemente se demora

nisso que continua a conceder eacute levado ao homem por esse mensageiro

αγγειος como uma possibilidade de uma nova manhatilde de um novo momento

da histoacuteria Essa possibilidade que pela exploraccedilatildeo de tudo que estaacute dado potildee

123

Idem p45 124

HEIDEGGER A questatildeo da teacutecnica p 33

89

em fuga a possibilidade do inaugural que eacute confiado apenas agravequeles que se

demoram insistentemente no aguardar Aqueles que adentram na floresta natildeo

com intenccedilatildeo de uma exploraccedilatildeo de mais um mercado que lhe renderaacute um

oacutetimo negoacutecio ao comeacutercio mas agravequele que como protetor adentra na floresta

para lhe escutar e lhe res-guardar em seu cuidado

Esta natildeo eacute uma tarefa faacutecil pois aiacute trilha-se natildeo por uma estrada aberta e

segura mas trilha-se por uma vereda que insistentemente lhe potildee o fechado a

frente lhe envolvendo no risco do que absolutamente natildeo se conhece Assim

co-respondendo ao que lhe eacute confiado este caminhante deve insistentemente

demorar-se nessa aguardar do inaugural Qual o sentido dessa insistecircncia que

diversas vezes se apresentou em nosso trilhar Na conversa que eacute colhida de

um passeio do campo Heidegger nos escreve uns versos escutado de um

amigo sobre o que poderia ser pensado como o sentido dessa insistecircncia

Receber a salvo Para longa constacircncia

A verdade que estaacute a ser Nunca soacute algo verdadeiro Que o coraccedilatildeo pensante peccedila

Agrave singela paciecircncia A generosidade uacutenica

Do nobre recordar 125

Se Platatildeo como resposta a aporia acerca da possibilidade de se

aprender o que absolutamente natildeo se conhece fala de uma ἀλάκλεζης

anaminesis rememoraccedilatildeo de um recordar aqui tambeacutem o recordar se

apresenta ldquoA generosidade uacutenica do nobre recordarrdquo Recordando aquele

habitar na proximidade agrave fonte escuta-se o chamado a um novo momento da

histoacuteria a ser trilhado O nobre caminhante se depara no silecircncio da aporia do

entre com o canto de sua Matildee Este eacute convocado ao envolver-se em seu ser

Na disposiccedilatildeo da serenidade a nobreza natildeo eacute mais aquele tiacutetulo que indica um

possuidor de terras ou uma rica famiacutelia detentora de poder financeiro Nobreza

aqui eacute aquilo que tem proveniecircncia O caminhante nobre natildeo eacute dono da terra

na qual habita mas eacute filho dela eacute por ela aceito em seu seio ldquoA nobreza de

caraacuteter seria a essecircncia do pensamento (Denkens) e com isso do

125

HEIDEGGER Serenidade p 59

90

agradecimento (Dankens) Desse agradecimento que natildeo apenas agradece por

algo mas que apenas agradece por agradecerrdquo 126

Nesse nobre caminhar natildeo chegamos a um ponto final onde atingimos a

serenidade ante o misteacuterio e o misteacuterio natildeo eacute por noacutes adquirido O que se daacute eacute

aquele ir-agrave-proximidade eacute um adentrar a vizinhanccedila Com Heraacuteclito Heidegger

pensa esse ir-agrave-proximidade como uma traduccedilatildeo apropriada a esta conversa

do fragmento 122 de Heraacuteclito o menor dos fragmentos que possui uma soacute

palavra Ἀγτηβαζίε aproximar-se ir proacuteximo ser-admitido-no-sei-da-

proximidade Nosso trilhar poderia ser pensado entatildeo como esse ir-agrave-

proximidade Assim escreve Heidegger nas uacuteltimas linhas da conversa acerca

da serenidade

Que nos guiou pela noite dentro cujo brilho eacute cada vez mais

deslumbrante e supera em maravilha as estrelas porque aproxima entre si suas distacircncias no ceacuteu pelo menos para o observador ingecircnuo natildeo para o investigador exato Para a crianccedila no Homem a

noite permanece a aproximadoracostureira das estrelas Ela junta sem costura bainha nem linha

127

Assim natildeo se deve buscar aceder agrave serenidade com a intenccedilatildeo de lhe

atingir e lhe ter em posse A tarefa que fica ao homem em meio ao perigo da

dominaccedilatildeo da teacutecnica eacute algo diferente do querer do atingir do ter em posse A

tarefa que urge eacute a de um aguardar grato insistente no entre da serenidade

como esse demorar-se na proximidade na vizinhanccedila do misteacuterio Eacute pocircr no

sentido de um deixar-que em diaacute-logo esse pensamento que calcula com esse

pensamento poeacutetico que medita Cuidar de si do que lhe eacute essencial ou seja

cuidar da guarda dos misteacuterios da natureza que a si foi concedido Cuidar da

linguagem para que essa natildeo venha a decair completamente em um mero

falatoacuterio em mera proposiccedilatildeo e representaccedilatildeo mas que ela retorne ao que lhe

eacute mais proacuteprio que eacute o inaugurar o nomear o pocircr-em-obra Sua tarefa eacute cuidar

do pensamento pelo pensar ele mesmo salvando-o do ordinaacuterio e habitual

entendimento que calcula da loacutegica assim o res-guardando a possibilidade a

si mais autecircntica do meditar de poetar ante o misteacuterio Res-guardar as

relaccedilotildees dos homens entre si e entre as coisas de uma fraacutegil relaccedilatildeo sujeito-

objeto uma relaccedilatildeo egoica fundada no eu e tu e nesse resguardar permitir

126

Idem p 63 127

Idem pp68-69

91

uma outra relaccedilatildeo onde o diaacute-logo estaacute em seu seio onde a co-pertenccedila

permeia o todo Proteger a verdade como αιεζεηα decircs-encobrimento da

verdade como adequatio veritas corretude Eacute esse o sentido do que seja a

serenidade como a medranccedila do que salva Eacute a essa vizinhanccedila que fomos

levados por esse caminhar por esse caminho da floresta Holzwege por estas

sendas do pensamento por esta vereda Escutemos por fim estas uacuteltimas

palavras as quais por Heidegger foram usadas nas linhas finais de sua obra

acerca da arte A origem da obra de arte palavra de Houmllderlin um poeta que

para ele era os poetas dos poetasldquoDificilmente abandona O que mora na

proximidade do originaacuterio o lugarrdquo 128

128

HEIDEGGER A origem da obra de arte p201

92

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A-cerca do entendimento humano O salto na vereda

Pensamos neste caminhar sobre o homem o seu tempo atual sua

essecircncia e o que a este se apresenta como uma ameaccedila Pensamos na

teacutecnica na arte na serenidade Pensamos no ser na verdade e na linguagem

Adentramos estas questotildees com a proposta de dar um retorno agrave leitura que

fazemos do presente

O homem encontra-se em um estaacutegio de sua histoacuteria em que o

entendimento eacute apresentado como seu grande poder Um entendimento em

maior parte dominado pelo cientiacutefico pelo teacutecnico pelo comercial A razatildeo eacute

um grande negoacutecio para o capital principalmente quando o desenvolvimento

desta razatildeo eacute diretamente ligado agrave produccedilatildeo de um novo produto investido pelo

capital e para o capital Assim encontra-se em grande parte a razatildeo do homem

no presente Uma razatildeo que lhe foi de grande utilidade para lhe proteger das

ameaccedilas do incerto para lhe proteger do espanto do dando-lhe a seguranccedila e

conforto almejados Uma razatildeo que surge como instrumento de dominaccedilatildeo

ameaccedila fugir-lhe do seu controle para passar assim ao domiacutenio

Eacute assim que pensamos a-cerca do entendimento humano como essa cerca

que o aprisiona na dominaccedilatildeo do que seja entendido como o proacuteprio

entendimento O entendimento humano torna-se assim a cerca do humano

Uma cerca sem porta de saiacuteda onde o uacutenico caminho de uma fuga de

uma libertaccedilatildeo se apresenta como um salto Saltando sobre essa cerca para o

que estaacute aleacutem do que por ele foi aberto e dominado por sua razatildeo Este campo

aberto produzido para a sua seguranccedila o amedronta no presente momento de

sua histoacuteria com o perigo de uma escassez do adveniente do misteacuterio do que o

cerca Uma escassez de outra possibilidade que possa lhe salvaguardar da

iminente dominaccedilatildeo que a teacutecnica impotildee como ameaccedila

Urge ao homem saltar essa cerca e corajosamente mesmo que nos

primeiros passos ainda bem desajeitados pela falta de costume com esse novo

ambiente adentrar a vereda do que fora desta cerca se mostra como fonte Eacute

preciso arriscar-se por essa mata virgem em ir-agrave-proximidade do misteacuterio da

93

fonte de onde brota a seiva que alimenta sua essecircncia antes que essa

enfraquecida pela falta de seus nutrientes essenciais padeccedila ante a ameaccedila

que lhe cerca Essa seiva que na cerca eacute o pensamento calculista natildeo eacute

possiacutevel encontraacute-la em lugar algum Devemos nos aproximar dessa silenciosa

fonte originaacuteria que haacute muito canta o homem pelo retorno ao seu habitat

essencial haacute muito o convoca ao salto no a-bismo

Urge o arriscar-se a cair novamente no poccedilo ficando assim exposto a

possibilidade do riso Eacute preciso jogar-se no poccedilo e retornar com a aacutegua fonte

de tudo que em seu acircmago nutre a essecircncia do homem Retornando assim

esse que poeticamente se arrisca mais carregaraacute consigo a possibilidade de

transmitir aos outros homens o que do seio da Matildee Terra recebeu como o

destino dos homens Guardaraacute consigo a possibilidade de doar o que lhe foi

doado Em seu retorno da vereda restar-lhe-aacute a tarefa ainda mais difiacutecil do

que aquele caminhar no fechado a de dia-logar com os que moram dentro da

cerca a tarefa de pocircr em dialogo em si mesmo e em relaccedilatildeo aos outros

poesia e loacutegica metafiacutesica e pensamento caacutelculo e meditaccedilatildeo identidade e

diferenccedila

Nesse trabalho que agora podemos chamar de diaacute-logo a demora nos

primeiros passos foi uma necessidade de enfrentar tanto o enrijecimento da

tradiccedilatildeo como a proacutepria linguagem habitual da qual nos servimos nesse

confronto com a tradiccedilatildeo Se os passos finais se apresentaram em menor

quantidade de palavras eacute porque nele o caminhar cuidadoso exigiu mais

silecircncio do que dizer mais escuta do que fala Encontramo-nos apenas a

caminho de um verdadeiro e real enfrentamento com o aqui pensado Um

enfrentamento que se daraacute em nossas vidas relaccedilotildees pensamentos

linguagem com o misteacuterio do que nos convoca a sua proximidade Uma

aproximaccedilatildeo na qual a cada passo que adentramos nossa linguagem habitual

torna-se cada vez mais perigosa de levar-nos a um des(en)vio no sentido de

um novo afastamento

Esse acircmbito ao qual chegamos nessa nossa con-versa eacute um acircmbito natildeo de

respostas mas onde deve brotar as essenciais perguntas tarefa de todo

pensador que nos seratildeo destinadas ao diaacutelogo com o presente no qual

94

existimos Agradeccedilo portanto a companhia nessa caminhada pela vereda

companhia essa que sem ela nenhum caminhar eacute propriamente um caminhar

verdadeiro

95

REFEREcircNCIAS

Obras de Heidegger

HEIDEGGER Martin A origem da obra de arte [1935-36] Trad br Idalina

Azevedo e Manuel Antonio de Castro Satildeo Paulo Ediccedilotildees 70 2010

______________ A origem da obra de arte In Caminhos de floresta Trad

port Irene Borges-Duarte e Filipa Pedroso 2 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste

Gulbenkian 2012

______________ A origem da obra de arte Trad port Maria da conceiccedilatildeo

CostaLisboa Ediccedilotildees 70

______________ El origen de la obra de arte In Arte y Poesiacutea Trad esp

Samuel Ramos Buenos Aires Fondo de cultura econoacutemica 1958

______________ A questatildeo da teacutecnica [1953] In Ensaios e conferecircncias

Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo Rio de Janeiro Vozes 2008

______________ Serenidade [1955] Trad port Maria Madalena Andrade e

Olga SantosLisboa Instituto Piaget

______________ Ser e tempo [1927] Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante 3 ed

Rio de Janeiro Editora universitaacuteria Satildeo Francisco 2008

______________ Houmllderlin y la esencia de la poesia [1936] In Arte y poesia

Trad esp Samuel Ramos Buenos Aires Fondo de cultura economica 1958

______________ Para que poetas [1946] In Caminhos de floresta Trad

port Irene Borges-Duarte e Filipa Pedroso 2 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste

Gulbenkian 2012

______________ A teoria platocircnica da verdade [193132 1940] In Marcas do

caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Vozes 2008

______________ A essecircncia e o conceito de θσζης em Aristoacuteteles ndash Fiacutesica Β

1 [1939] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini

Petroacutepolis Vozes 2008

______________ Carta sobre o humanismo [1946] In Marcas do caminho

Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Vozes 2008

______________ A essecircncia do fundamento [1929] In Marcas do caminho

Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo giachini Petroacutepolis Vozes 2008

96

______________ Hegel e os gregos [1958] In Marcas do caminho Trad br

Ernildo Stein e Enio Paulo giachini Petroacutepolis Vozes 2008

______________ A essecircncia da verdade [1930] In Marcas do caminho Trad

br Ernildo Stein e Enio Paulo giachini Petroacutepolis Vozes 2008

______________ A essecircncia da Verdade [1930] In Conferecircncias e escritos

filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo Stein Satildeo Paulo Nova

cultural 1996

______________ Que eacute metafiacutesica [192943] In Conferecircncias e escritos

filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo Stein Satildeo Paulo Nova

cultural 1996

______________ O que eacute isto ndash a filosofia [1956] In Conferecircncias e escritos

filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo Stein Satildeo Paulo Nova

cultural 1996

______________ Identidade e diferenccedila [1957] In Conferecircncias e escritos

filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo Stein Satildeo Paulo Nova

cultural 1996

______________ ldquo poeticamente o homem habitardquo [1951] In Ensaios e

conferecircncias Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante Schuback Rio de Janeiro

Vozes 2008

______________ O fim da filosofia e a tarefa do pensamento [1966] In

Conferecircncias e escritos filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo

Stein Satildeo Paulo Nova cultural 1996

______________ Nietzsche I [1961] Trad br Marcos Antocircnio Casanova Rio

de Janeiro Forense Universitaacuteria 2007

______________ Nietzsche II [1961] Trad br Marcos Antocircnio Casanova Rio

de Janeiro Forense Universitaacuteria 2007

______________ Ciecircncia e pensamento do sentido [1954] In Ensaios e

______________ A caminho da linguagem [1959] Trad Maacutercia de Saacute

Cavalcante Satildeo Paulo Editora vozes 2011

______________ A superaccedilatildeo da metafiacutesica [1936-46] In Ensaios e

conferecircncias Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante Schuback Rio de Janeiro

Vozes 2008

______________ Da experiecircncia do pensar [1960] Trad br Maria do Carmo

Tavares de Miranda Porto Alegre Editora Globo 1969

97

______________ Quem eacute o Zaratrusta de Nietszche [1953] In Ensaios e

conferecircncias Trad br Gilvan Fogel Rio de Janeiro Vozes 2008

Obras sobre Heidegger

GADAMER Hans-Georg Hermenecircutica em retrospectiva Trad br Marcos

Antocircnio Casanova Rio de Janeiro Vozes 2009

LOPARIC Zeljko Eacutetica e finitude 2 Ed Satildeo Paulo Editora Escuta 2004

NUNES Benedito Hermenecircutica e poesia o pensamento poeacutetico Org Maria

Joseacute Campos Belo Horizonte Ed UFMG 1999

______________ Passagem para o poeacutetico filosofia e poesia em Heidegger

Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2012

RUumlDIGER Francisco Martin Heidegger e a questatildeo da teacutecnica prospectos

acerca do futuro do homem Porto Alegre Sulina 2006

STEIN Ernildo Seminaacuterio sobre a verdade Liccedilotildees preliminares sobre o

paraacutegrafo 44 de Zein und Zeit Petroacutepolis Vozes 1993

____________ Diferenccedila e metafiacutesica ensaios sobre a desconstruccedilatildeo Ijuiacute

Editora Unijuiacute 2008

Outras obras

AUBENQUE Pierre O Problema do ser em Aristoacuteteles Ensaio sobre a

problemaacutetica aristoteacutelica Trad br Cristina de Souza Agostini e Diocleacutezio

Domingos Faustino Satildeo Paulo Paulus 2012

AQUINO Tomaacutes de Questotildees discutidas sobre a verdade Trad br Luiz Joatildeo

Barauacutena Satildeo Paulo Editora Nova Cultural 2004

ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmacos Trad br Mario de Gama Kury Brasilia

Editora UNB 1961

____________ Fiacutesica trad esp Guillermo R de Echandia Editorial Gredos

SA 1995

____________ Fiacutesica I-II trad br Lucas Angioni Campinas Editora Unicamp

2010

____________ Metafiacutesica trad br Giovanni Reale Satildeo Paulo Ediccedilotildees

Loyola 2013

98

____________ Oacuterganon Trad br Edson Bini Satildeo Paulo Edipro 2010

____________ Poeacutetica Trad pt Ana Maria Valente Lisboa Ediccedilatildeo da

Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkain 2004

BARROS Manoel Poesia completa Satildeo Paulo Leya 2013

BAUMGARTEN Alexander Esteacutetica ndash A loacutegica da arte e do poema [1750]

Trad br Mirian Sustter Medeiros Petroacutepolis RJ Vozes 1993

BRENTANO Franz Sobre los muacuteltiples significados del ente seguacuten Aristoacuteteles

[1862] Trad esp Manuel Abella Madri Encuentro 2007

BURNET John A aurora da filosofia grega Trad br Vera Ribeiro Rio de

Janeiro Contraponto 2006

CROCE Benedetto Breviaacuterio de Esteacutetica Aesthetica in Nuce [1912] Trad br

Rodolfo Ilari Jr Satildeo Paulo Editora Aacutetica 2001

DESCARTE Reneacute As paixotildees da alma Trad br J Guinsburg e Bento Prado

Juacutenior Satildeo Paulo Abril Cultural 1973

_______________ Meditaccedilotildees sobre a Filosofia primeira [1641] Trad br J

Guinsburg e Bento Prado Juacutenior Satildeo Paulo Abril Cultural 1973

FRANZINI Elio A esteacutetica do Seacuteculo XVIII Trad pt Isabel Teresa Santos

Lisboa Editorial Estampa 1999

HEGEL Georg W F Esteacutetica Trad br Orlando Vitorino Satildeo Paulo Editora

Nova Cultural coleccedilatildeo Os pensadores 1999

HESIacuteODO Teogonia Trad br Jaa Torrano 5 Ed Satildeo Paulo Ilumiuras 2003

________ Os trabalhos e os dias Trad br Luiz Otaacutevio Mantovaneli Satildeo

Paulo Odysseus 2011

HOumlLDERLIN Friedrich Hipeacuterion Ou o eremita da Greacutecia Lisboa Editora

Assiacuterio e Alvim 1997

HOMERO Iliacuteada Volumes I e II Trad Haroldo de Campos 2 Ed Satildeo Paulo

Benviraacute 2010

________ Odisseacuteia Volumes I II e III Trad br Donaldo Schuumller Porto Alegre

LampPM 2007

KANT Immanuel Criacutetica da faculdade de julgar [1793] Trad br 2 ed Editora

Forense Universitaacuteria 2007

_______ Criacutetica da razatildeo Pura Trad pt Manuela Pinto dos Santos e

Alexandre Fradique Mourujatildeo Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 2001

99

KIRK G S RAVEN J E e SCHOFIELD M Os filoacutesofos Preacute-Socraacuteticos

histoacuteria criacutetica com seleccedilatildeo de textos Trad port Carlos Alberto Louro Fonseca

Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1994

LAEcircRTIOS Diocircgenes Vida e doutrinas dos filoacutesofos ilustres Trad br Maacuterio da

Gama Kury 2 ed Brasiacutelia UNB 2014

LEAtildeO Emanuel Carneiro Anaximandro Parmecircnides Heraacuteclito Os

pensadores originaacuterios Braganccedila Editora universitaacuteria Satildeo Francisco 2005

LIDDELL Henry George SCOTT Robert A GreekndashEnglish Lexicon Oxford

Clarendon Press 1940

NIETZSCHE Friedrich Assim falou Zaratustra [1883-85] Trad br Paulo Cesar

de Souza Satildeo Paulo Companhia das letras 2011

__________________ Vontade de poder Trad br Marcos Sinesio Perreira

Moraes Rio de Janeiro 2008

PARMEcircNIDES Da Natureza Trad br Joseacute Trindade Santos Satildeo Paulo

Ediccedilotildees Loyola 2002

PEREIRA Isidro Dicionaacuterio de Portuguecircs-Grego Grego-Portuguecircs Satildeo Paulo

Ediccedilotildees Loyola 1984

PLATAtildeO O Banquete In Diaacutelogos ndash Platatildeo Coleccedilatildeo Os pensadores Joseacute

Cavalcante de Souza Trad br Edison Bini Satildeo Paulo Abril cultural 1972

_______ Iacuteon Trad pt Victor Jabouille Lisboa Editorial inqueacuterito 1988

_______ A Repuacuteblica Trad pt Maria Helena da Rocha Pereira 9 ed Lisboa

Fundaccedilatildeo Caloute Gulbenkian

_______ O Sofista In Diaacutelogos I ndash Platatildeo Trad br Edison Bini Satildeo Paulo

Edipro 2007

_______ Mecircnon Trad br Maura Igleacutesias Rio de JaneiroPUC-RIO Ediccedilotildees

Loyola 2005

SCHILLER Friedrich Cartas Sobre a Educaccedilatildeo Esteacutetica da Humanidade

[1795] Trad port Roberto Schwarz Satildeo Paulo EPU 1991

SPENGLER Oswald A decadecircncia do ocidente Trad br Herbert Caro 2ed

Rio de Janeiro Zahar Editores 1973

VAZ Lima Escritos de filosofia VII Raiacutezes da modernidade Satildeo Paulo

Ediccedilotildees Loyola 2002

Page 4: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:

4

5

6

A minha irmatilde Jessica pela

sinceridade com que leva a vida

Quando algueacutem nos admira eacute como

se tiveacutessemos um guardiatildeo que a

cada passo nos relembra nos res-

guarda em nosso caminho

A minha mulher Irlana que com seu

sorriso alegre me faz acreditar que eacute

sim possiacutevel

7

AGRADECIMENTO

Agradeccedilo antes de tudo a minha famiacutelia que esteve estaacute e com certeza

estaraacute presente em todos os momentos alegres e tristes de minha vida Que

ao me dizer que eu poderia ir muito longe me fez perceber que o meu caminho

eacute no sentido de ir cada vez mais para perto Amo vocecircs

A minha mulher Irlana que aleacutem da presenccedila do dia-a-dia acreditou e amou

junto comigo no que aqui venho a dizer Aleacutem de me proporcionar uma nova

famiacutelia

Aos meus amigos que por caminharem juntos sempre me alimentaram de um

bom acircnimo para seguir lutando pelo que acredito

Ao meu orientador Prof Eduardo Triandopolis que por me deixar caminhar

com minhas pernas com meu espiacuterito possibilitou que brotasse aquilo que

realmente estava em meu acircmago

Agrave banca examinadora agrave Professora Cristiane Marinho agrave Professora Tereza

Callado que ao lerem e comentarem o meu trabalho compuseram comigo a

essecircncia do diaacute-logo

Agradeccedilo tambeacutem em especial a todos os que um dia vierem a ler esta

pesquisa Que ela lhes animem tanto quanto me animou ao escrevecirc-la

Agrave natureza com seus bichinhos e plantas em uma harmonia tatildeo profunda e

contagiante que me revelou a essecircncia mais originaacuteria do que eacute a vida O estar

em comunhatildeo com o que nos cerca e nos compotildee

8

ldquoTodas as obras dos poetas mimeacuteticos se me afiguram ser a destruiccedilatildeo da

inteligecircncia dos ouvintes de quantos natildeo tiverem o antiacutedoto e o conhecimento

de sua verdadeira naturezardquo

(Platatildeo Repuacuteblica)

ldquoA arte como o uacutenico antiacutedoto superior contra toda e qualquer vontade de

negaccedilatildeo da vidardquo

(Nietzsche Vontade de poder)

9

RESUMO

Em que sentido a Serenidade como um diaacute-logo entre o pensamento que

calcula e o pensamento que medita um diaacute-logo entre a teacutecnica e a poesia em

conjunto com a abertura ao misteacuterio fonte originaacuterio de todos os vigentes se

apresentam como uma possibilidade um caminho de enfrentamento ao perigo

adveniente da crise resultante da dominaccedilatildeo global da teacutecnica nos acircmbitos

mais essenciais da vida Esse enfrentamento parece se dar no acircmbito da

linguagem e do pensar enquanto a morada do ser O homem como o guardiatildeo

dessa morada do ser eacute aquele que se abrindo ao misteacuterio do a ser destinado

pode arriscando-se ao saltar no abismo do que natildeo vige permitir ou melhor

ser permitido nessa outra possibilidade Aguardando correspondendo ao seu

destino o homem pode ser a medranccedila do que salva Para tal pesquisa

colocam-se aqui em diaacute-logo trecircs ensaios heideggerianos A questatildeo da

teacutecnica A origem da obra de arte e Serenidade Buscamos uma relaccedilatildeo destes

ensaios com outros ensaios centrais de Heidegger assim como sua relaccedilatildeo

com os filoacutesofos que lhe foram fundamentais para que ele chegasse onde

chegou Portanto buscamos pensar as questotildees presentes a partir de suas

origens enquanto questotildees eacuteticas esteacuteticas e metafiacutesicas Aleacutem de re-colocar

questotildees fundamentais agrave filosofia como a questatildeo do ser da verdade e da

linguagem Trata-se aqui de um debate contemporacircneo com a tradiccedilatildeo que

busca res-guardar algo originaacuterio que caiu no esquecimento

PALAVRAS-CHAVE Serenidade Misteacuterio Teacutecnica Arte Verdade

10

ABSTRACT

Think in what sense the Serenity as a con-versation between thinking that

calculates and thought that meditates a con-versation between technique and

poetry together with openness to the mystery source originating in all existing

present as a possibility one danger facing path arising the resulting crisis of

global technical domination over all the most essential areas of human A

confrontation so that occurs in the context of language and thinking while the

same namely the abode of being Man as the guardian of this home of being is

one that opening up the mystery of themselves for can risking to jump into the

abyss than not prevails allow or rather be allowed that another possibility

Waiting corresponding to its destination the man may be the possibility than

saved For such research put into day-logo Heideggerians three tests The

question of technique The origin of the artwork and Serenity Seeking a list of

these tests with the central test Heidegger as well as their relationship with the

philosophers that this was essential for this came near unto arrived So its a

research that seeks to think the issues present from its origins Debating issues

Ethics Aesthetics and Metaphysics In addition to re-raising fundamental

questions of philosophy and of being of truth and language A contemporary

debate in confrontation with the tradition and re-save something original search

that fell by the wayside

KEYWORDS SERENITY MYSTERY TECHNICAL ART TRUTH

11

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO O silencioso chamado O caminho que urge 11

2 O PERIGO QUE AMEACcedilA UM OLHAR Agrave ESSEcircNCIA DA TEacuteCNICA 14

21 DA PERGUNTA PELA TEacuteCNICA Agrave PERGUNTA PELA ESSEcircNCIA SOBRE A

QUESTAtildeO DO SER

14

22 A LIVRE RELACcedilAtildeO COM A TEacuteCNICA DA CORRETUDE Agrave VERDADE 21

23 TEacuteCNICA GREGA E MODERNA DA POIacuteESIS Agrave EXPLORACcedilAtildeO 26

24 DIS-PONIBILIDADE E COM-POSICcedilAtildeO ACERCA DO DESVELAMENTO

EXPLORADOR DA TEacuteCNICA MODERNA

31

3 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES ACERCA DA ESSEcircNCIA DA

ARTE

38

31 ldquoONDE MORA O PERIGO CRESCE O QUE SALVArdquo DA PERGUNTA PELA

TEacuteCNICA Agrave PERGUNTA PELA ARTE

38

32 O ORIGINAacuteRIO DA OBRA DE ARTE O POcircR-EM-OBRA DA VERDADE 44

33 PENSAMENTO POEacuteTICO UM DIZER SILENCIOSO 54

34 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES UM SALTO NA VEREDA 63

4 O CAMINHAR SERENO UM AGUARDAR NA PROXIMIDADE DO MISTEacuteRIO 71

41 DA DESTRUICcedilAtildeO Agrave SUPERACcedilAtildeO DA METAFIacuteSICA ACERCA DA

IDENTIDADE E DIFERENCcedilA

71

42 SERENIDADE O DIZER SIM E NAtildeO Agrave TEacuteCNICA 76

43 DA ABERTURA OU MISTEacuteRIO O DEMORAR-SE NO ENTRE 80

44 DA ABERTURA AO AGUARDAR O CAMINHAR SERENO NA VEREDA 85

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS ndash A-CERCA DO ENTENDIMENTO HUMANO O

SALTO NA VEREDA

91

REFEREcircNCIAS 94

12

1 INTRODUCcedilAtildeO

O silencioso chamado O caminho que urge

A presente pesquisa tem como proposta pensar a problemaacutetica apontada

por Heidegger no acircmbito da dominaccedilatildeo da teacutecnica no presente momento da

humanidade Adentrando esta problemaacutetica buscaremos ir ao fundo das

questotildees para demonstrarmos quatildeo dominado encontra-se o homem e assim

pensar em que sentido eacute possiacutevel reconhecer essa crise e qual o meio que

devemos proceder para efetivar esse reconhecimento Ao fazermos uma

imersatildeo nos textos de Heidegger buscaremos a partir do que foi por ele

pensado enfrentar essas questotildees Destacaram-se para esta pesquisa trecircs

conferecircncias em especial A questatildeo da teacutecnica (1953) A origem da obra de

arte (1936) e Serenidade (1955)

Neste primeiro ensaio Heidegger pensa a crise de seu tempo como uma

crise que tem por base o modo como se encara a teacutecnica o saber a linguagem

e o ser Esse modo de pensar e dizer vem se desenvolvendo a partir do seu

olhar nos primoacuterdios da Filosofia ateacute o periacuteodo claacutessico com Platatildeo e

Aristoacuteteles

Esse saber encontra-se naquilo que ele chama de seu ldquoestaacutegio de

acabamentordquo onde a teacutecnica passa a reger e a dominar quase que

completamente todos os acircmbitos do humano ameaccedilando-o em sua essecircncia

Assim ao sermos remetidos a uma leitura mais aprofundada deste ensaio nos

confrontamos com os escritos de outros filoacutesofos como Platatildeo Aristoacuteteles e

tambeacutem Tomaacutes de Aquino Descartes Kant Hegel e Nietzsche Contudo em

cada um destes pensadores teremos um olhar voltado agraves questotildees

heideggerianas que aqui buscamos pensar

Pensada a problemaacutetica e identificado o caminho que se mostrou como

alternativa agrave dominaccedilatildeo da teacutecnica sobre o homem passaremos ao segundo

momento de nossa pesquisa Um debate acerca de um ensaio anterior na

ordem do tempo ao ensaio da teacutecnica mas na nossa pesquisa

metodologicamente discutido em um momento posterior

13

A origem da obra de arte eacute o resultado de trecircs conferecircncias que se puseram

a tratar da questatildeo da arte e de sua essecircncia Na busca pela essecircncia da arte

enfrentaremos com Heidegger aleacutem da sempre presente questatildeo do ser e da

verdade questotildees esteacuteticas e outras acerca do estatuto do que venha a ser a

Esteacutetica como um campo do saber filosoacutefico Nessa busca de um retorno ao

que seja o originaacuterio na arte teremos em vista o que haacute na essecircncia da arte

que possa vir a se apresentar como aquela possibilidade de confronto agrave crise

identificada no primeiro ensaio portanto algumas questotildees concernentes a

esse ensaio que diante o nosso olhar natildeo estatildeo propriamente ligadas ao que

aqui se busca natildeo seratildeo tratadas com a profundidade com a qual trataremos

as que propriamente se colocam em nosso caminho Outros ensaios

heideggerianos acerca da arte do poeacutetico da linguagem assim como do

pensamento de Nietzsche sobre a arte faratildeo parte deste segundo momento de

nossa pesquisa contudo novamente como no primeiro ensaio a estes nos

reportaremos na medida em que isso se mostrar apropriado ao curso do nosso

caminhar

Tendo sido feita a leitura destes dois ensaios iniciais onde o primeiro

apresenta a problemaacutetica e o segundo nos mostra uma outra possibilidade de

confronto adentraremos o ensaio que nos permitiraacute pensar que tipo de

confronto ocorre entre a teacutecnica e a arte pensada por Heidegger

Com o ensaio Serenidade ensaio norteador deste trilhar como um todo

pensaremos em questotildees como inversatildeo retorno diaacute-logo siacutentese identidade

e diferenccedila poreacutem para que estas questotildees natildeo nos sejam apresentadas de

fora o que nos transporia a um acircmbito completamente diferente do que aqui se

intenta adentrar percorreremos lentamente cuidadosamente e

insistentemente passo a passo ou seja no interior das questotildees ateacute que

estas se apresentem a noacutes no que elas satildeo

Para tanto como eacute caracteriacutestico na leitura dos escritos heideggerianos

duas questotildees que lhes satildeo centrais e que o acompanham por todo o seu

pensar devem ser devidamente tratadas para que assim esse caminhar

parta desde os primeiros passos de dentro de sua filosofia Satildeo estas as

questotildees da verdade e do ser Estas questotildees seratildeo tratadas a partir de uma

trilogia pensada pelo proacuteprio autor como inter-ligadas onde uma natildeo pode

devidamente ser pensada sem a outra Essa trilogia eacute composta assim pelas

14

conferecircncias O que eacute metafiacutesica (1929) A essecircncia da verdade (1930) e A

questatildeo do fundamento (1929)

Assim percorrido o caminho desta pesquisa buscaremos com o devido

cuidado e responsabilidade para com o leitor apresentar o resultado de um

profundo esforccedilo de pesquisa sobre o essencial ao homem sua situaccedilatildeo

presente e sobre uma possibilidade de enfrentamento de alguns dos problemas

que se apresentam como os mais ameaccediladores e perigosos para sua

existecircncia

A serenidade como uma revoluccedilatildeo radical eacute nossa meta neste trabalho

pois busca as raiacutezes de onde se radica uma vasta gama de problemaacuteticas

Uma disposiccedilatildeo que soacute se mostraraacute livre de diversos preconceitos que a ela

possam ser atribuiacutedos apoacutes essa leitura interior Aqui como interior tem-se a

necessidade de um ultrapassar da razatildeo no sentido de uma escuta ao coraccedilatildeo

e ao caminho proposto Soacute por esse olhar interior a serenidade se mostraraacute

natildeo como uma mera passividade que se ausenta daquilo que no presente

momento histoacuterico urge mas se mostraraacute como aquela accedilatildeo mais radical de

confronto agrave crise a qual vem passando toda a humanidade

Eacute portanto com o maior vigor da seriedade e responsabilidade que

devemos ter sobre o nosso presente momento e lugar que se faz aqui esse

convite agrave leitura das palavras que se seguem Palavras que pretendem ser uma

conversa entre o que a partir deste caminhar junto poderemos chamar de

amigos

15

2 O PERIGO QUE AMEACcedilA UM OLHAR Agrave ESSEcircNCIA DA TEacuteCNICA

Neste capiacutetulo seratildeo tratadas as questotildees acerca da teacutecnica e de sua

essecircncia com isso seraacute possiacutevel refletir o sentido da crise apontada por

Heidegger agrave sociedade atual Diante do sentido desta crise seraacute buscada

junto ao filoacutesofo uma indicaccedilatildeo de um caminho de fuga de confronto de

superaccedilatildeo Para tal investigaccedilatildeo se daraacute de iniacutecio uma breve introduccedilatildeo ao

pensar heideggeriano concernente ao ser e agrave verdade pontos centrais em toda

sua obra filosoacutefica Em seguida abordaremos os questionamentos presentes no

ensaio A questatildeo da teacutecnica (1953) relacionados com o caminho que aqui

buscamos traccedilar

21 Da pergunta pela teacutecnica agrave pergunta pela essecircncia A questatildeo do ser

A pergunta pela teacutecnica seraacute desenvolvida no sentido de indicar uma

situaccedilatildeo criacutetica da humanidade atual e do modo como esse homem se

relaciona com o ambiente que o cerca Uma situaccedilatildeo que segundo o filoacutesofo

Martin Heidegger (1889-1976) tem na concepccedilatildeo teacutecnica loacutegico-cientiacutefica e

metafiacutesico-filosoacutefica o centro da problemaacutetica contudo natildeo se trata aqui de

negar ou afirmar cegamente a teacutecnica mas de desenvolver um questionamento

que abra nossa presenccedila para uma livre relaccedilatildeo com esta pois soacute em uma

relaccedilatildeo livre pode-se saber o que eacute verdadeiramente a teacutecnica pode-se

A infacircncia da palavra jaacute vem com o primitivismo

das origens

Nossas palavras se juntavam uma na outra por

amor e natildeo por sintaxe

Manoel de Barros Menino do mato

ldquo pois eacute evidente que haacute muito sabeis o que

propriamente quereis designar quando empregais a expressatildeo bdquoente‟ Outrora tambeacutem noacutes

julgaacutevamos saber agora poreacutem caiacutemos em aporiardquo

Platatildeo O sofista

Ningueacutem de noacutes na verdade tinha forccedila de fonte

Ningueacutem era iniacutecio de nada

Manoel de Barros Poemas rupestres

16

experienciar sua essecircncia Para esta caminhada Heidegger iniciaria com a

pergunta Qual a essecircncia da teacutecnica

Natildeo podemos considerar Heidegger um filoacutesofo sistemaacutetico pelo contraacuterio

seus questionamentos se entrelaccedilam em todo o conjunto de sua obra Pode-se

ler as questotildees do ser e da verdade estas que lhes satildeo fundamentais em

seus diversos escritos e conferecircncias e eacute assim que se daacute com a teacutecnica

Diversos satildeo os escritos onde podemos ler algo relacionado com a questatildeo

poreacutem eacute no ensaio A questatildeo da teacutecnica que se encontra em uma coletacircnea

de textos intitulada pelo proacuteprio autor de Ensaios e conferecircncias que podemos

encontrar este tema com um maior vigor de desenvolvimento Daiacute tomarmos

esse ensaio como base central para esta investigaccedilatildeo mas sempre buscando

relacionaacute-lo com outros textos e autores

Qual a essecircncia da teacutecnica Heidegger nos indica duas respostas dadas

pela tradiccedilatildeo respostas estas que se concatenam em uma Diz i) ldquoA teacutecnica eacute

um meio para um fimrdquo ii) ldquoA teacutecnica eacute uma atividade do homemrdquo Estas

determinaccedilotildees correntes da teacutecnica Heidegger chama de ldquodeterminaccedilatildeo

instrumental e antropoloacutegica da teacutecnicardquo 1 mas para que atividade do homem

eacute a teacutecnica um instrumento e meio Como se desenvolveu o interesse por seu

domiacutenio Surgiu para suprir nossas necessidades baacutesicas para que o homem

pudesse dominar e se assegurar das incertezas advindas das diversidades do

ambiente que o circunda bastando para isso que o homem domine a teacutecnica

com todo seu empenho Eacute nesse sentido que diz Heidegger

A concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica guia todo esforccedilo para colocar o

homem num relacionamento direto com a teacutecnica Tudo depende de se manipular a teacutecnica enquanto meio e instrumento da maneira devida Pretende-se como se costuma dizer ldquomanusear com espiacuterito

a teacutecnicardquo Pretende-se dominar a teacutecnica Este querer dominar torna-se tanto mais urgente quanto mais a teacutecnica ameaccedila escapar ao

controle do homem 2

O instrumento que lhe levaria a seguranccedila pelo domiacutenio da natureza

ameaccedila-lhe fugir ao controle Eacute essa ameaccedila que desperta no filoacutesofo a

necessidade de uma real investigaccedilatildeo de sua essecircncia portanto

recoloquemos a questatildeo com um maior cuidado evitando apresentar

1 HEIDEGGER Martin A questatildeo da teacutecnica [1959] In Ensaios e conferecircncias Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo

Rio de Janeiro Editora Vozes 2002 P12 2 Idem

17

apressadamente as respostas dadas pela tradiccedilatildeo sobre sua essecircncia Vamos

demorar com maior cuidado na pergunta em si escutando o que a pergunta

mesma nos encaminha Qual a essecircncia da teacutecnica Ao perguntar assim soa

outro questionamento o que eacute isto a teacutecnica Esta forma de questionamento

que se coloca deste modo - o que eacute isto - eacute a forma de questionar da proacutepria

Filosofia Este modo de questionamento jaacute se encontra presente em Platatildeo e

Aristoacuteteles Eacute o modo grego de questionar o vigente Assim diz Heidegger

Com a questatildeo agora posta avanccedilamos para a proximidade do ηη

εζηηλ grego Eacute aquela forma de questionar desenvolvida por Soacutecrates Platatildeo e Aristoacuteteles Estes perguntavam por exemplo Que eacute isto ndash o

belo Que eacute isto ndash o conhecimento Que eacute isto ndash a natureza Que eacute isto ndash o movimento

3

E do mesmo modo podemos fazer a pergunta O que eacute isto ndash o ente

Heidegger indica que neste questionamento encontra-se a questatildeo diretriz de

toda histoacuteria da FilosofiaMetafiacutesica ocidental esta que se assemelha com a

histoacuteria do esquecimento do ser Comeccedilamos com a pergunta pela essecircncia da

teacutecnica e agora nos encontramos diante da pergunta pelo ente e de sua

diferenccedila diante da pergunta pelo ser Comeccedilamos em um ponto para agora

chegarmos a sua origem Aqui torna-se necessaacuterio um esclarecimento sobre o

que seja o comeccedilo e sua diferenccedila fundamental com o que seja a origem

(Ursprung) ou melhor com o que seja o originaacuterio o principial O comeccedilo natildeo

eacute ainda o princiacutepio a origem ou dizendo ainda de forma mais condizente com

o pensar heideggeriano o comeccedilo natildeo eacute ainda o originaacuterio Em seu escrito

Hinos de Houmllderlin [19351935] Heidegger distingue bem essa diferenccedila entre

comeccedilo e princiacutepio Diz

Princiacutepio natildeo eacute o mesmo que comeccedilo () O comeccedilo eacute aquilo com que algo se inicia o princiacutepio eacute aquilo de onde isso vem () O comeccedilo eacute cedo deixado para traacutes desaparecendo na continuaccedilatildeo

dos acontecimentos O princiacutepio a origem pelo contraacuterio evidencia-se primeiramente entre os acontecimentos e soacute no fim destes estaacute

plenamente presente () Noacutes humanos nunca podemos principiar com o princiacutepio ndash disso soacute um deus eacute capaz ndash pelo contraacuterio temos

de comeccedilar isto eacute partir de um iniacutecio que soacute conduz agrave origem ou a indica

4

Aqui temos algumas palavras essenciais para o pensar inovador de

Heidegger Ur-sprungUrsprungliche e An-fangAnfaumlngliche Ur-

3 HEIDEGGER Martin O que eacute isto ndash a Filosofia In Conferecircncia e escritos filosoacuteficos Trad br Ernildo Stein Satildeo

Paulo Editora Nova Cultural 1996 P30 4 HEIDEGGER Martin Hinos de Houmllderlin [193435] Trad pt Lumir Nahodil Lisboa Instituto Piaget 1979 pp 11-12

18

sprungUrsprungliche pode ser traduzido na forma de substantivo e na forma

de adjetivo substantivado por origem e originaacuterio O mesmo se daacute com An-

fangAnfaumlngliche que nos surge como princiacutepio e como principial Nestas

traduccedilotildees5 somos remetidos a um ponto de partida a um solo a um comeccedilo Eacute

de encontro a esse sentido de ponto de partida que o pensar de Heidegger se

daacute No seu ensaio A origem da obra de arte os termos Ursprung e Anfang se

apresentam com todo seu vigor como palavras essenciais no sentido de

originaacuterio e principial ldquoA palavra origem (Ursprung) no sentido de originaacuterio

(Ursprungliche) significa fazer eclodir algo trazer algo ao ser num salto

fundador a partir da proveniecircncia da essecircnciardquo6 Em outro momento diz ldquoO

autecircntico princiacutepio (Anfang) nunca tem o caraacuteter de comeccedilo do primitivordquo ldquoeacute

sempre como um salto-preacuteviordquo7

Para adentrarmos um pouco mais na questatildeo seraacute feita uma breve

introduccedilatildeo agrave questatildeo do ser e sua relaccedilatildeo essencial com o ente Aqui temos

como destino de nossa investigaccedilatildeo uma questatildeo diferente a da pergunta pela

crise da sociedade atual denominada por Heidegger de sociedade da era

atocircmica e de sua tentativa de indicaccedilatildeo de um caminho de confronto Assim

esclareceremos em que sentido entendemos nas palavras originaacuterio e

principial uma referecircncia ao sentido do ser em contraposiccedilatildeo ao sentido de

origem e comeccedilo e sua proximidade ao ente

O ente eacute tudo que estaacute presente eacute o carro a cadeira a aacutervore satildeo os

animais os homens eacute tambeacutem deus a teacutecnica e a arte ou seja eacute qualquer

coisa Satildeo as meras coisas as coisas de uso e tambeacutem as coisas supremas

que enquanto coisas estatildeo sendo Ente (Seiende) ηὸ ὄλ eacute o particiacutepio neutro

grego o que para nossa liacutengua portuguesa podemos dizer como o geruacutendio do

ηὸ εἶλαη o infinitivo presente do verbo ser Portanto poderiacuteamos traduzir o ηὸ ὄλ

por sendo Assim ficaria o ser em contraposiccedilatildeo ao sendo A pergunta inicial

da filosofia se deu como dissemos anteriormente no modo O que eacute isto ndash o

ente O que no momento de esplendor no momento originaacuterio perguntava

pelo ser pelo ηὸ εἶλαη tornou-se a pergunta pelo ente pelo ηὸ ὄλ Assim eacute que

5 Nas notas de traduccedilatildeo do ensaio A origem da obra de arte Idalina Azevedo desenvolve com fortes argumentos o

sentido da traduccedilatildeo 6 HEIDEGGER Martin A origem da obra de arte [193536] Trad br Idalina Azevedo e Manuel Antocircnio de Castro Satildeo

PauloEdiccedilotildees 70 2010 p 199 7 Idem p195

19

Aristoacuteteles o grande sistematizador desenvolve sua argumentaccedilatildeo acerca da

ciecircncia primeira Pois se o ente em cada caso especiacutefico eacute o objeto de uma

determinada ciecircncia a natureza da Fiacutesica o homem da Psiquiatria o

acontecimento da Historiografia a linguagem da Filologia O ente aquilo que

estaacute sendo em cada coisa em geral eacute o objeto da filosofia ou como chama

Aristoacuteteles da θηιοζοθία πρώηε (filosofia primeira) da πρώηε ἐπηζηήκε

(ciecircncia primeira) Seu objeto eacute o ente e nada mais

Poreacutem o princiacutepio a proveniecircncia de cada ente deste em particular ou

mesmo do ente enquanto tal natildeo eacute possiacutevel de ser questionada ou justificada

em suas proacuteprias ciecircncias Diz Heidegger em um ensaio com o tiacutetulo Ciecircncia e

pensamento do sentido [1953] escrito na forma de uma preparaccedilatildeo ao ensaio

A questatildeo da teacutecnica apresentado alguns meses depois

A natureza o homem o acontecer histoacuterico a linguagem para as

respectivas ciecircncias o incontornaacutevel jaacute vigente nas suas objetividades Dele cada uma delas depende mas a representaccedilatildeo

nenhuma delas poderaacute abraccedilaacute-lo em sua plenitude essencial () O incontornaacutevel assim caracterizado rege e reina na essecircncia de toda

ciecircncia8

Sendo a Filosofia θηιοζοθία πρώηε a ciecircncia do ente enquanto ente nela

esse incontornaacutevel se apresenta ainda mais incontornaacutevel Seria em certo

sentido esse incontornaacutevel essa proveniecircncia originaacuteria do ente que

poderiacuteamos chamar de ser Natildeo sendo poreacutem nada do que estaacute aiacute mas fonte

principial de tudo que adveacutem Esse ser natildeo sendo coisa alguma natildeo sendo

natildeo pode ser objeto de investigaccedilatildeo da Filosofia Daiacute Heidegger nos dizer que

a morada do ser eacute na linguagem do pensador e do poeta9 ficando ao filoacutesofo o

ente e nada mais Pois se o ser natildeo eacute nenhum destes sendo natildeo eacute ente

algum se eacute natildeo-ente se assim o pensar nos permite expressarmos seria

entatildeo cometer uma infraccedilatildeo agrave regra primeira e fundamental do pensar loacutegico

sobre o qual eacute impossiacutevel errar a saber o princiacutepio da contradiccedilatildeo Este

princiacutepio que segundo Aristoacuteteles eacute o que rege todo o pensar filosoacutefico natildeo

permite falar do natildeo-ente sem tornaacute-lo ente jaacute que o falar filosoacutefico eacute aquele

8 HEIDEGGER Martin Ciecircncia e pensamento do sentido [1953] In Ensaios e conferecircncias

Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo Rio de Janeiro Editora Vozes 2002 pp 54-55 9 HEIDEGGER Martin Carta sobre o humanismo In Marcas do caminho Trad br Ernildo

Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 326

20

que diz o que eacute isto ndash o ente Assim Aristoacuteteles se expressa sobre o princiacutepio

da contradiccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com a Filosofia

Quem possui o conhecimento dos seres enquanto seres devem poder dizer quais satildeo os princiacutepios mais seguros de todos os seres Este eacute

o filoacutesofo E o princiacutepio mais seguro de todos eacute aquele sobre o qual eacute impossiacutevel errar () eacute impossiacutevel que a mesma coisa ao mesmo tempo pertenccedila e natildeo pertenccedila a uma mesma coisa segundo o

mesmo aspecto () Essa noccedilatildeo uacuteltima por sua natureza constitui o princiacutepio de todos os outros axiomas

10

Eacute esse incontornaacutevel aporeacutetico essa vereda que Parmecircnides chamou de o

terceiro caminho ou o natildeo-caminho αηαρπωλ (caminho no qual natildeo se vecirc o

caminho de retorno por onde se veio) do qual nos proiacutebe seguir em seu poema

Sobre a natureza Proibindo por meio das palavras da Deusa Ἀληθεία

Aletheiacutea o jovem justo de seguir ficando ao errante poeta e pensador o risco

de dizer o sentido do ser risco no qual Heidegger se potildee a enveredar Nota-se

isso jaacute em sua primeira grande obra Ser e tempo [1927] onde na primeira

paacutegina ao citar uma passagem do Sofista de Platatildeo diz

ldquo Pois eacute evidente que de haacute muito sabeis o que propriamente

quereis dizer quando empregais a expressatildeo bdquoente‟ Outrora tambeacutem noacutes julgaacutevamos saber agora poreacutem caiacutemos em aporiardquo Seraacute que

hoje temos uma resposta para a pergunta sobre o que queremos dizer com a palavra ldquoenterdquo de forma alguma Assim cabe colocar

novamente a questatildeo sobre o sentido do ser Seraacute que hoje estamos em aporia por natildeo compreendermos a expressatildeo ldquoserrdquo De forma alguma Assim trata-se de redespertar uma compreensatildeo para o

sentido desta questatildeo11

Seraacute que encontramos nas ciecircncias seja ela uma ciecircncia especiacutefica ou

seja ela a ciecircncia primeira esse caraacuteter aporeacutetico Ou eacute justamente deste

aporeacutetico incontornaacutevel que a ciecircncia busca fugir Se perguntar pela essecircncia

de uma coisa eacute perguntar por sua fonte originaacuteria pelo que eacute pelo

incontornaacutevel que se potildee como fonte principial entatildeo por meio da teacutecnica da

ciecircncia natildeo chegaremos a experienciar ou ao menos nos aproximar do que

seja essa essecircncia Diz Heidegger

10

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Trad br Marcelo Perine da ediccedilatildeo Italiana de Giovanni Reale

Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2005 pp 143-145 11

HEIDEGGER Martin Ser e tempo [1927] Trad br Macia de Saacute Cavalcante Schuback

Petroacutepolis Vozes 2008 p 34

21

A essecircncia da teacutecnica natildeo eacute de forma alguma nada de teacutecnico Por isso nunca faremos a experiecircncia de nosso relacionamento com a

essecircncia da teacutecnica enquanto concebermos e lidarmos apenas com o que eacute teacutecnico enquanto a ele nos moldarmos ou dele nos afastarmos () De acordo com uma antiga liccedilatildeo a essecircncia de

alguma coisa eacute aquilo que ela eacute Questionar a teacutecnica significa portanto perguntar o que ela eacute

12

Soacute um caminho natildeo teacutecnico-loacutegico-cientiacutefico pode nos enviar a uma

experiecircncia originaacuteria com a essecircncia da teacutecnica Esse caminho eacute um caminho

do pensamento pois se nos mantivermos no acircmbito da teacutecnica como

poderiacuteamos ainda querer questionar algo a respeito dela e possuir uma

definiccedilatildeo correta Essa definiccedilatildeo haacute muito tempo nos diz que a teacutecnica eacute um

meio e uma atividade do homem Ela nos diz que a teacutecnica eacute um instrumento

do homem para atingir os seus fins

Quem ousaria negar que ela eacute correta () Com certeza O correto

constata sempre algo exato e acertado naquilo que se daacute e estaacute em frente (dele) Para ser correta a constataccedilatildeo do certo e exato natildeo precisa descobrir a essecircncia do que se daacute e apresenta Ora somente

onde se der esse descobridor da essecircncia acontece o verdadeiro em sua propriedade Assim o simplesmente correto ainda natildeo eacute o

verdadeiro E somente este nos leva a uma atitude livre com aqui que a partir da sua proacutepria essecircncia nos concerne

13

Potildee-se em nosso caminho a questatildeo da verdade Eacute com esta explanaccedilatildeo

que passaremos ao proacuteximo passo do caminho que aqui estamos a trilhar

Ainda de forma introdutoacuteria o proacuteximo passo seraacute pensar a questatildeo da

verdade e sua contraposiccedilatildeo ao que seja o correto ao que seja a adequaccedilatildeo

Portanto contrapor o sentido de verdade para Heidegger como ἀιεζεία

aletheacuteia e des-velamento aos conceitos de ὁκοίωζης omoiosis (corretude) e

adequatio (adequaccedilatildeo) eacute entender um processo de sucessivas transformaccedilotildees

np decorrer da tradiccedilatildeo filosoacutefica no que se entende por verdade do seu

nascimento originaacuterio aos dias atuais

22 A livre relaccedilatildeo com a teacutecnica Sobre a corretude e a verdade

12

A questatildeo da teacutecnica p 11 13

Idem pp 11-12

22

Estamos buscando desenvolver um questionamento que nos transponha

para uma livre relaccedilatildeo com a teacutecnica Tal relaccedilatildeo soacute se daacute verdadeiramente

diante de sua essecircncia diante do que seria a teacutecnica A tradiccedilatildeo nos diz que a

teacutecnica eacute um meio e uma atividade do homem definiccedilatildeo que Heidegger chama

de concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica Quem negaria a sua corretude Poreacutem

diante do ateacute aqui exposto algumas interrogaccedilotildees se fazem necessaacuterias Eacute o

correto jaacute o verdadeiro O que eacute corretude e qual o seu acircmbito A verdade foi

desde sempre pensada como corretude Como a verdade foi pensada em seu

momento originaacuterio Qual a relaccedilatildeo entre verdade corretude e teacutecnica

Precisamos percorrer cada um desses passos como num caminhar na busca

de desenvolver algo no sentido desse livre relacionar-se com a teacutecnica que

aqui buscamos

O correto jaacute eacute o verdadeiro Heidegger constantemente nos leva a um

questionamento do habitual e recorrente e nesse habitual nossa concepccedilatildeo

de verdade se apresenta como a mera corretude A verdade no pensamento

calculista se apresenta como exatidatildeo contudo o correto natildeo atinge a

profundidade do verdadeiro Permanece na superficialidade do presente e

habitual mas em que sentido o filoacutesofo diferencia corretude de verdade Onde

cada um destes sentidos atua O pensar heideggeriano acerca do ser e do

ente seraacute relacionado ao que foi apresentado pelas seguintes palavras de

Heidegger ldquoO correto constata sempre algo de exato e acertado naquilo que se

daacute e estaacute em frente (dele)rdquo14

O correto se relaciona com aquilo que se daacute e estaacute em frente dele Seu

acircmbito eacute o do vigente dado posto Seu acircmbito eacute o do ente Acertado e exato eacute

seu relacionamento com o ente com o jaacute desvelado contudo nada sabe sobre

o ser Natildeo desvela sua essecircncia mas movimenta-se no jaacute desvelado no posto

dado ordinaacuterio e habitual sendo que ldquosomente onde se der esse descobrir da

essecircncia acontece o verdadeiro em sua propriedaderdquo15

Enquanto o correto diz

sobre o posto o verdadeiro abre-o ao seu aparecer O verdadeiro deixa viger o

que eacute destinado do ser ao ente do ainda natildeo vigente ao vigente Eacute nesse

descobrir que se mostra o relacionar-se com o ser Abrindo uma clareira ou

como clareira que se permite o vir agrave vigecircncia algo do ser eacute que se daacute um

14

Ibidem 15

A questatildeo da teacutecnica p13

23

acontecer do ser Entatildeo se o correto tem o seu acircmbito no ente a verdade

encontra-se em relaccedilatildeo com o ser Sendo somente esta verdade capaz de

permitir a livre relaccedilatildeo com o essencial com o ser Mas de onde Heidegger

apreende essa distinccedilatildeo entre verdade e corretude que aqui foi apenas posta

mas natildeo foi trilhada Onde encontra o pensador solo para este caminhar

Onde inicia o seu caminhar acerca da verdade da abertura Para essa

pergunta nos remetemos agraves suas palavras

Este aberto foi concebido pelo pensamento ocidental desde o seu iniacutecio como ηὰ ἀιήζεα o desvelado Se traduzimos a palavra ἀιήζεα por bdquodesvelamento‟ em lugar de bdquoverdade‟ essa traduccedilatildeo natildeo eacute

somente mais bdquoliteral‟ mas ela compreende a indicaccedilatildeo de pensar mais originariamente a noccedilatildeo corrente de verdade como

conformidade do enunciado16

Somos entatildeo encaminhados pelas fendas de nossa investigaccedilatildeo aos

gregos e seu modo de pensar O que os gregos entendiam por ἀιήζεα

desvelamento A questatildeo da verdade para Heidegger juntamente com a

questatildeo do ser torna-se o cerne do seu pensar Assim tatildeo fundamental como

a questatildeo do ser eacute a questatildeo da verdade em seu pensar como um todo Eacute

necessaacuterio que mantenhamos ambas como um soacute pensar caminhando juntas

Um ensaio fundamental no que concerne a discussatildeo sobre a verdade eacute o

ensaio A essecircncia da verdade [1930] Este em conjunto com o O que eacute

metafiacutesica [1929] satildeo considerados os textos da virada (Kehre) do

pensamento heideggeriano O proacuteprio filoacutesofo chama este momento de viragem

de seu pensar17

Onde o ser passa a ser buscado diretamente por meio de seu

acontecer poeacutetico-apropriante (Ereignis) Diferentemente de sua busca anterior

a partir do ente privilegiado homem a partir do Da-sein em ambas as fases de

seu filosofar se assim realmente se pode dizer a essecircncia da verdade como

ἀιεζεία des-velamento se potildee como uma questatildeo central

Verdade se disse primeiramente no mundo grego como ἀιεζεία

desvelamento Heidegger inaugura ou recupera em seu sentido originaacuterio uma

leitura a essa palavra essencial ldquoEssa palavra bdquoverdade‟ tatildeo sublime e ao

mesmo tempo tatildeo gasta e embotada designa o que constitui o verdadeiro

16

HEIDEGGER Martin A essecircncia da verdade [1930] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 200 17

Cf Cartas sobre o humanismo pp 339-341

24

enquanto verdadeiro (fazer pro-duzir deixar vir agrave clareira)rdquo18

Na palavra

ἀιεζεία o pensador escuta para muito aleacutem da mera corretude adequaccedilatildeo

certeza objetividade realidade Nela ressoa o originaacuterio ressoa o

desvelamento que abre Uma abertura que deixa advir o destinado do misteacuterio

do oculto ἀιήζεηα eacute composta pelo α privativo mais o radical ιήζε que

podemos traduzir por velado oculto esquecido Daiacute a traduccedilatildeo heideggeriana

de ἀιήζεiα por des-velamento des-ocultaccedilatildeo des-esquecimento Aquilo que

deixa o fechado do velamento vir ao vigor do vigente como o des-velado que

passa do natildeo-dado ao dado ao doado dizendo portanto algo completamente

distinto de exatidatildeo corretude ou adequaccedilatildeo Verdade dizia sobre um

acontecimento essencial do ser

Onde este sentido mais originaacuterio de verdade se perdeu Foi deixado de

lado e com isso esquecido Onde se deu tatildeo grande desvio de pensamento

Heidegger identifica o iniacutecio desta mudanccedila do sentido de verdade e junto com

ela a mudanccedila de sentido do ser com os gregos em sua fase tardia que se

inicia apoacutes a plenitude daquele pensar originaacuterio que se deu com Anaximandro

Pitaacutegoras Heraacuteclito e Parmecircnides Esse periacuteodo tardio que como Nietzsche19

Heidegger identifica como o periacuteodo de decadecircncia do pensar grego e iniacutecio da

decadecircncia do pensar ocidental Esse eacute o periacuteodo dos grandes ldquofiloacutesofosrdquo

Soacutecrates Platatildeo e Aristoacuteteles A mudanccedila no sentido da verdade assim como

a histoacuteria do esquecimento do ser pelo ente tem seu iniacutecio jaacute em Platatildeo

sofrendo novamente uma mudanccedila de paradigma com Aristoacuteteles nos escritos

de loacutegica e de metafiacutesica e com os latinos em suas traduccedilotildees e interpretaccedilotildees

da filosofia grega aquilo que de forma latente ainda pensava o sentido anterior

de verdade e ser eacute transformado em outro pensar e assim esquecido Assim

o que era fundamental ao pensamento grego a questatildeo do ser e da verdade

decai na questatildeo do ente e da adequaccedilatildeo Vejamos essa passagem do Ser e

Tempo onde Heidegger nos diz sobre esse decair do filosofar grego

Embora nosso tempo se arrogue o progresso de afirmar novamente a

bdquometafiacutesica‟ a questatildeo aqui evocada caiu no esquecimento () A questatildeo referida natildeo eacute na verdade uma questatildeo qualquer Foi ela que deu focirclego agraves pesquisas de Platatildeo e Aristoacuteteles para depois

18

A essecircncia da verdade pp 190-191 19

Cf NIETZSCHE Friedrich A filosofia na eacutepoca traacutegica dos gregos In Coleccedilatildeo os pensadores vol XXXII ndash Obras incompletas Trad br Rodrigo Torres Filho Satildeo Paulo Abril

Cultural 1974 pp 37-51

25

emudecer como questatildeo temaacutetica de uma real investigaccedilatildeo () Ε o que outrora se arrancou num supremo esforccedilo de pensamento ainda

que de modo fragmentado e tateante aos fenocircmenos encontra-se de haacute muito trivializado

20

Vejamos como Heidegger lecirc essa histoacuteria do esquecimento e das

seguidas mudanccedilas de sentido da questatildeo da verdade Heidegger em seu

polecircmico ensaio A teoria platocircnica da verdade [19311932 1940] propotildee que o

desvio de sentido jaacute se deu com Platatildeo ao introduzir a noccedilatildeo de ὀρζόηες de

um bdquoolhar reto‟ Para natildeo adentrar em uma discussatildeo mais aprofundada acerca

do ensaio citado e do polecircmico posicionamento heideggeriano sobre o pensar

platocircnico da verdade ressaltaremos aqui apenas aquilo que o autor indica

como o iniacutecio da transformaccedilatildeo da essecircncia da verdade Leiamos uma

passagem deste ensaio

Se no geral em toda e qualquer postura frente ao ente estaacute em questatildeo o ἰδεῑλ da ἰδέα a visualizaccedilatildeo do bdquoaspecto‟ entatildeo todo

esforccedilo deve concentrar-se antes de tudo em procurar possibilitar uma tal visualizaccedilatildeo Para isso eacute necessaacuterio um olhar reto () em

consequecircncia dessa adequaccedilatildeo do notar como um ἰδεῑλ agrave ἰδέα daacute-se uma ὁκοίωζης uma concordacircncia do conhecimento com a coisa mesma Assim da primazia da ἰδέα e do ἰδεῑλ frente a ἀιήζεiα daacute-se

uma transformaccedilatildeo da essecircncia da verdade Verdade torna-se ὀρζόηες retidatildeo do notar e enunciar

21

Apresenta-se aiacute o primeiro passo da transformaccedilatildeo da essecircncia da

verdade uma transformaccedilatildeo que para noacutes parece ocorrer de forma tatildeo sucinta

que torna difiacutecil a compreensatildeo do polecircmico texto de Heidegger

Ο que em Platatildeo e Aristoacuteteles ainda se deu como passagem segundo

Heidegger ali onde o pensamento grego ainda era vigoroso mesmo que jaacute

tornado sistemaacutetico escolar foi abandonado e por conseguinte esquecido

pela tradiccedilatildeo Segundo Heidegger a leitura latina do pensar grego diluiu o vigor

desse filosofar Na traduccedilatildeo de ἀιήζεiα para veritas como uma adequatio daacute-

se o passo decisivo do que vinha mudando de sentido Nessa mudanccedila de

sentido podemos perceber os passos da transformaccedilatildeo do conceito de

verdade Da verdade do ser (ontoloacutegica) a verdade do ente (ocircntica) e por fim

20

Ser e Tempo p 37 21

HEIDEGGER Martin A teoria platocircnica da verdade In Marcas do caminho Trad br Ernildo

Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 242

26

a verdade da proposiccedilatildeo (proposicional) Cada vez de forma mais decadente

mais superficial Cada vez menos originaacuteria a verdade vai se transformando no

exato no correto

Assim na Escolaacutestica podemos ver fortemente os ecos determinantes

da filosofia aristoteacutelica De um pensar loacutegico e argumentativo palavras e

expressotildees usadas por Aristoacuteteles referentes agrave questatildeo da verdade natildeo

apresentam mais o vigor do mundo grego e seu pensar natildeo pulsa mais o

modo grego de pocircr-se no mundo O mundo grego se desvaneceu Soacute restaram

traduccedilotildees e reflexos do que outrora se pensou

Assim pelo exposto podemos vislumbrar o desvio ou mesmo o envio

do sentido originaacuterio de verdade entendida como ἀιήζεiα des-velamento

passando pela ὀρζόηες o olhar reto ὁκοίωζης a semelhanccedila e a adequatio

entendida como base da filosofia escolaacutestica por adequaccedilatildeo da coisa a

proposiccedilatildeo tornando-se assim simplesmente em veritas verdade ao

entendimento atual de adequaccedilatildeo

ldquoOnde nos perdemosrdquo Questionamos a teacutecnica e agora encontramo-nos

diante da verdade e suas variadas determinaccedilotildees e sentidos O que tem a ver

a essecircncia da teacutecnica com a essecircncia da verdade A resposta que Heidegger

nos daacute eacute ldquoTudordquo A essecircncia da teacutecnica e da verdade tem tudo a ver Teacutecnica

em grego se dizia ηέτλε o mesmo termo era usado tambeacutem para a arte

Teacutecnica e arte eram modos de deixar viger o ainda natildeo vigente Deixa-viger

aqueles que diferente dos entes da θύζης natildeo possuiacuteam o eclodir em si

mesmos E como um deixar viger ambos estariam intrinsecamente

relacionados com a verdade pensados como ἀιήζεiα desvelamento Ambas

satildeo pro-duccedilatildeo e como podemos ler na passagem citada por Heidegger do

diaacutelogo Banquete de Platatildeo ldquoTodo deixar-viger o que passa e procede do natildeo

vigente para a vigecircncia eacute ποίεζης eacute pro-duccedilatildeordquo22

A teacutecnica eacute pro-duccedilatildeo e

enquanto pro-duccedilatildeo eacute ποίεζης poiacuteesis eacute desvelamento Pensando assim a

teacutecnica natildeo se resume a um simples meio sua essecircncia estaacute para aleacutem disso

Ela eacute um modo de verdade de desvelamento Mas seraacute que esse modo de

pensar a teacutecnica eacute vaacutelido tambeacutem para a teacutecnica moderna Ou ela pertence

apenas ao acircmbito do pensamento grego Seraacute que a teacutecnica das usinas

22

A questatildeo da teacutecnica p 16

27

induacutestrias da fiacutesica moderna eacute tambeacutem pro-duccedilatildeo ποίεζης Heidegger levanta

essa indagaccedilatildeo da seguinte forma

Teacutecnica eacute uma forma de desencobrimento A teacutecnica vige e vigora no acircmbito onde se daacute descobrimento e decircs-encobrimento onde

acontece ἀιήζεiα verdade Contra essa determinaccedilatildeo do acircmbito da essecircncia da teacutecnica pode-se objetar e dizer que ela vale para o

pensamento grego e no melhor dos casos pode servir para a teacutecnica artesanal mas natildeo alcanccedila a teacutecnica moderna caracterizada pela maacutequina e aparelhagens E eacute justamente esta e somente esta que

constitui o sufoco que nos leva a questionar bdquoa‟ teacutecnica23

Eacute diante esta indagaccedilatildeo que somos levados ao caminho do pensar a

teacutecnica grega em confronto com a teacutecnica moderna Portanto como pensar a

ηέτλε grega e sua relaccedilatildeo com a ποίεζης e sua transformaccedilatildeo na teacutecnica

moderna Eacute a teacutecnica moderna tambeacutem um modo de ἀιήζεiα desvelamento

Caso seja eacute do tipo poieacutetico no sentido de uma pro-duccedilatildeo que deixa-viger Ou

o que lhe caracteriza o que lhe domina eacute outro tipo de desvelamento Satildeo

esses traccedilos que seratildeo investigados nos passos seguintes

23 Teacutecnica grega e moderna Da poiacuteesis agrave exploraccedilatildeo

Em que sentido podemos pensar com Heidegger sua indicaccedilatildeo de que o

que preocupa eacute exatamente o sentido de pro-duccedilatildeo enquanto ποίεζης natildeo

poder mais ser aplicado agrave teacutecnica moderna Que sentido tem essa pro-duccedilatildeo

para os gregos Se natildeo eacute mais a poiacuteesis que determina a teacutecnica moderna o

que eacute Por que esta outra determinaccedilatildeo a saber a exploraccedilatildeo e o

armazenamento ameaccedilam tanto o homem atual Seratildeo estas indagaccedilotildees e as

que surgirem no caminho nas quais nos deteremos com o cuidado

necessaacuterio para que passo por passo trilhemos o caminho no qual

adentramos

Se pensarmos em um antigo moinho de vento grego e em uma usina

hidroeleacutetrica moderna podemos dizer que ambos satildeo um meio de produccedilatildeo de

energia Se pensarmos no agricultor ao lavrar sua terra ou em uma induacutestria de

23

Idem p18

28

agronegoacutecio podemos novamente dizer que ambas tecircm como finalidade a

produccedilatildeo de alimentos O que os diferenciam Natildeo satildeo ambos meio e

finalidade de produccedilatildeo Sim e natildeo Os dois extraem algo da terra poreacutem o

primeiro em cada um dos casos com cuidado deixa que a terra lhe doe o que

lhe eacute necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo de sua vida enquanto que no segundo de

forma abrupta retira da terra como de um reservatoacuterio mais do que o

necessaacuterio com o fim de estocar e armazenar e depois disso fazer um

negoacutecio O primeiro recebe uma doaccedilatildeo como presente ao seu presente O

segundo arranca mateacuteria-prima que ficaraacute disponiacutevel para um uso posterior A

relaccedilatildeo esta proximidade que o antigo tem com a Terra aquela que ele chama

de Matildee ldquoTerra de amplo seio de todos sede irresvalaacutevel semprerdquo24

Γάηα

multinutriz como nos conta nos bdquocanta‟ Hesiacuteodo transforma-se para o

segundo em uma relaccedilatildeo de exploraccedilatildeo forccedilando a terra a fornecer mateacuteria-

prima natildeo mais como uma vaca que pro-duz leite para alimentar a cria Mas

como uma vaca leiteira que em uma induacutestria eacute forccedilada recebendo

hormocircnios agrave produccedilatildeo de muitos litros de leite por dia que seratildeo tratados

transformados encaixotados armazenados para estarem disponiacuteveis agrave venda

Leiamos as palavras de Heidegger

O subsolo passa a se desencobrir como reservatoacuterio de carvatildeo o chatildeo como jazidas de mineacuterio Era diferente o campo que o camponecircs outrora lavrava quando lavrar ainda significava cuidar e

tratar O trabalho camponecircs natildeo provocava e desafiava o solo agriacutecola () A terra se desencobre nesse caso depoacutesito de carvatildeo

e o solo jazida de minerais25

Eacute draacutestica a mudanccedila no relacionar-se com a natureza entre os antigos e

os modernos A pro-duccedilatildeo grega eacute outra completamente diferente dessa

exploraccedilatildeo moderna mas para percebermos esta draacutestica mudanccedila iremos

nos deter ainda mais no que seja essa pro-duccedilatildeo que entre os gregos tinham

esse sentido de ποίεζης Apoacutes esta investigaccedilatildeo estaremos em melhores

condiccedilotildees de adentrar ainda mais na teacutecnica moderna em busca de sua

essecircncia pois soacute em uma verdadeira relaccedilatildeo com essa essecircncia poderemos

buscar um caminho de enfrentamento a essa situaccedilatildeo criacutetica da qual o homem

24

HESIacuteODO Teogonia a origem dos deuses Trad br Jaa Torrano Satildeo Paulo Editora Ilumiuras 1995 p 91 25

A questatildeo da teacutecnica p 19

29

atual se encontra imerso submerso ldquoTudo agora depende de se pensar a pro-

duccedilatildeo e o pro-duzir em toda sua amplitude e ao mesmo tempo no sentido dos

gregosrdquo26

Como na passagem citada do Banquete de Platatildeo pro-duccedilatildeo no sentido

de ποίεζης eacute todo deixar-viger O que leva da natildeo-vigecircncia a vigecircncia eacute todo o

pocircr no sentido de um deixar emergir A proacutepria θύζης nesse sentido eacute uma

ποίεζης uma pro-duccedilatildeo Ela eacute ateacute a maacutexima ποίεζης aquela que se daacute a partir

de si mesma Aqueles que natildeo se pro-duzem por si mesmos satildeo os ποηούκελα

os artefatos os entes criados produzidos pela arte pela ηέτλε Estes se

contrapotildeem e nesse sentido se aproximam dos seres da natureza da θύζης

daqueles que se potildeem por si mesmos dos θύζεη ὅληα Enquanto os primeiros

tecircm sua forccedila de eclosatildeo em outro ἐλ αιιωη os seres da natureza possuem o

eclodir em si mesmos ἐλ ἑασηωη Contudo ambos enquanto um vir agrave vigecircncia

satildeo ποίεζης Os artefatos que natildeo possuem o eclodir em si dependem dos

ἀρτηηέθηωλ dos arquitetos natildeo no sentido atual de arquiteto mas como

aqueles que tecircm a ηέτλε como ἀρτή E assim diz Heidegger

Nos artefatos portanto a ἀρτή de sua mobilidade e assim de seu repouso de estar pronto e estar terminado natildeo estaacute neles mesmos

mas em um outro no ἀρτηηέθηωλ naquele que dispotildee da ηέτλε enquanto ἀρτή Com isso teria sido feito a distinccedilatildeo frente aos θύζεη

ὅληα que se chamam desse modo precisamente porque natildeo tem a ἀρτή de sua mobilidade em um outro ente mas no ente que ele proacuteprios satildeo (e enquanto satildeo esse ente)

27

Leiamos uma passagem da Fiacutesica de Aristoacuteteles do livro Β 1 analisada

na citaccedilatildeo anterior com a qual Heidegger iraacute confrontar seu conceito de θύζης

ao conceito aristoteacutelico e grego de um modo mais geral

Algumas coisas satildeo por natureza outras por outras causas Por natureza os animais e suas partes as plantas e os corpos simples como a terra o fogo o ar e a aacutegua ndash pois dizemos que estas e outras

coisas semelhantes satildeo por natureza Todas estas coisas parecem diferenciar-se das coisas que natildeo estatildeo constituiacutedas por natureza

porque cada uma delas tem em si mesmo um princiacutepio de movimento e de repouso seja com respeito ao lugar ao aumento ou agrave

diminuiccedilatildeo ou agrave alteraccedilatildeo Pelo contraacuterio uma cama uma roupa ou qualquer outra coisa de gecircnero semelhante como as significamos em

26

Idem p16 27

HEIDEGGER Martin A essecircncia e o conceito de Φύζης em Aristoacuteteles ndash Fiacutesica Β 1 [1939] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes

2008 p 264

30

cada caso por seu nome e enquanto isso satildeo produtos da arte (ηέτλε) natildeo tem em si mesmas nenhuma tendecircncia natural agrave

mudanccedila28

Estes entes que natildeo tecircm o eclodir em si necessitam de outro ente para

chegar agrave vigecircncia contudo este vir agrave vigecircncia natildeo adveacutem pela atividade

manual do artista mas por meio de seu saber Arte e teacutecnica satildeo ditas pelos

gregos com a mesma palavra ηέτλε Natildeo por ambas terem em comum o fazer

a atividade manual mas por ambas terem em comum o pro-duzir no sentido de

ποίεζης como um deixar vir agrave vigecircncia em seu aspecto Como um

conhecimento algo relacionado agrave verdade Τέτλε aparece em Aristoacuteteles e

Platatildeo ao lado de επηζηήκε epistecircme Enquanto a επηζηήκε eacute o saber que se

relaciona com os θύζεη ὅληα aqueles que emergem por si os entes naturais a

ηέτλε eacute o saber a respeito dos ποηούκελα dos que natildeo adveacutem por si mesmos

os artefatos Assim diz Aristoacuteteles em sua obra acerca da Eacutetica em um

momento de uma ldquomeditaccedilatildeo especialrdquo ao tratar dos diversos tipos de

conhecimento

Satildeo cinco as disposiccedilotildees em virtude das quais a alma alcanccedila a

verdade (ἀιήζεiα) por meio da afirmaccedilatildeo ou da negaccedilatildeo a arte a ciecircncia o discernimento a sabedoria filosoacutefica e a inteligecircncia () O

objeto do conhecimento cientiacutefico portanto existe necessariamente Ele eacute consequentemente eterno pois todas as coisas cuja existecircncia eacute absolutamente necessaacuteria satildeo eternos () Toda arte se relaciona

com a criaccedilatildeo e dedicar-se a uma arte eacute estudar uma maneira de fazer uma coisa que pode existir ou natildeo e cuja origem estaacute em quem

faz e natildeo na coisa feita de fato a arte natildeo trata de coisas que existem ou passam a existir necessariamente nem de coisas que

existem ou passam a existir de conformidade com a natureza (estas coisas tecircm origens nelas mesmas) Jaacute que haacute diferenccedila entre fazer e agir a arte deve relacionar-se com a criaccedilatildeo e natildeo com a accedilatildeo

29

Com base no exposto Heidegger nos diz ser a teacutecnica no pensamento

grego um saber um modo de desvelar uma verdade criaccedilatildeo em oposiccedilatildeo a

um fazer manual Um saber que permite cuida e protege Protege o enviado o

destinado pelo ser do ocultamento ao des-ocultamento Destinado ao cuidado

e guarda na linguagem do pensador do artista Bem diferente eacute a teacutecnica

moderna onde o a-guardar foi substituiacutedo pela pressa do arrancar onde o criar

28

ARISTOacuteTELES Fiacutesica Traduccedilatildeo proacutepria feita da traduccedilatildeo espanhola de Guillermor R de

Echandia Madrid Editorial Gredos SA 1995 p 45 29

ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicoacutemacos Trad Br Maacuterio de Gama Kury Brasiacutelia Editora UNB

1992 pp 115-116

31

foi substituiacutedo pelo en-formar onde a co-pertenccedila de identidade e diferenccedila em

uma harmonia originaacuteria foi substituiacutedo pela mesmidade pela uni-formizaccedilatildeo

industrial pelo negoacutecio Aquele saber que na plenitude do mundo grego do

pensamento originaacuterio era a aproximaccedilatildeo do homem agrave natureza decaiu em

um afastamento sugador explorador O misteacuterio do aguardar foi apagado pela

exatidatildeo do calcular O filho que naquela bdquomanhatilde de sol‟ brincava livremente

com sua matildee natureza tornou-se na bdquonoite do mundo‟ o ldquosenhor da terrardquo

escravizado por seu proacuteprio trabalho e conceitos Esses ldquosenhoresrdquo tornaram-

se cada vez mais escravos de seus instrumentos Indigentes cada vez mais

imersos na cotidianidade dos entes explorando armazenando e negociando

como diz Heidegger

Eacute justamente esse homem assim ameaccedilado que se alardeia na figura de senhor da terra Cresce a aparecircncia de que tudo que nos vecircm ao

encontro soacute existe agrave medida que eacute um feito do homem Esta aparecircncia faz prosperar uma derradeira ilusatildeo segundo a qual em

toda parte o homem soacute se encontra consigo mesmo () Entretanto hoje em dia na verdade o homem jaacute natildeo se encontra em parte

alguma consigo mesmo isto eacute com a sua essecircncia30

Eacute esse desvelamento explorador que de forma alguma eacute um deixar-que-

advenha que nada tem de ποίεζης Eacute essa exploraccedilatildeo que assusta Pois qual

o sentido desse explorar e armazenar sem fim Eacute pensando no sentido de

suprir o necessaacuterio Natildeo essa exploraccedilatildeo e armazenamento tecircm a finalidade

do estar disponiacutevel Eacute essa dis-ponibilidade (Bestand) que preocupa Nela o

proacuteprio fruto ou melhor dizendo acerca da modernidade a proacutepria coisa o

proacuteprio objeto esvai-se ldquoEm toda parte se dispotildee a estar a postos e assim

estar a fim de tornar-se e vir a ser dis-poniacutevel para ulterior dis-posiccedilatildeo31

rdquo Cada

coisa passa a ser um dis-poniacutevel que estando ali armazenado espera por uma

negociaccedilatildeo que o trans-ponha daqui para ali

Uma nova meditaccedilatildeo se potildee em nosso caminhar ldquoQue desencobrimento

se apropria do que surge e aparece no pocircr da exploraccedilatildeordquo32

Como podemos

pensar mais propriamente sobre esta disponibilidade Qual a essecircncia da

teacutecnica moderna que leva o homem a um desvelar explorador onde tudo se

30

A questatildeo da teacutecnica pp 29-30 31

Idem p20 32

Ibidem

32

apresenta como mera disponibilidade De onde proveacutem essa essecircncia da

teacutecnica moderna Daacute-se por conta da negligecircncia do homem ou eacute mera

fatalidade do periacuteodo ou ainda eacute outra a situaccedilatildeo Sobre estes

questionamentos nos deteremos nos proacuteximos passos

24 Dis-ponibilidade e Com-posiccedilatildeo Acerca do desvelamento explorador

da teacutecnica moderna

A disponibilidade (Bestand) se potildee em nosso caminho Essa palavra

assume aqui um sentido muito mais essencial do que mera provisatildeo ldquoa palavra

disponibilidade se faz agora o nome de uma categoriardquo ldquodesigna o modo em

que vige e vigora tudo o que o descobrimento explorador atingiurdquo33

Chegamos

com este passo ao ponto alto aquele que surge diante do profundo do que

agora buscamos proximidade desse nosso percurso Estamos para

experienciar o originaacuterio que adveacutem das profundezas da essecircncia da teacutecnica

moderna Esse extra-ordinaacuterio que permite que nos elevemos agravequela relaccedilatildeo

livre entre nossa presenccedila (Dasein) e a essecircncia da teacutecnica portanto nesse

caminho in-habitual nos faz recuar lentamente alguns passos como quem se

prepara para pegar o impulso necessaacuterio ao salto-mortal no abismo (Abgrund)

Retornemos entatildeo alguns passos

Como pensarmos essa disponibilidade que nos passos anteriores vimos

como o preocupante acerca da teacutecnica moderna O que rege como apelo

essa disponibilidade Ela eacute regida por uma inadimplecircncia do homem por fruto

da ganacircncia de sua vontade ou ela eacute regida por algo mais originaacuterio ldquoSe a

teacutecnica moderna natildeo se resume a um mero fazer do homem () temos de

encarar em sua propriedade o desafio que potildee o homem a dispor do real

como dis-ponibilidaderdquo34

Heidegger como quem lanccedila o olhar ao outro lado do

abismo sobre o qual se prepara para saltar chama a esse ldquoapelo de

exploraccedilatildeo que reuacutene o homem a dis-por do que se des-encobre como dis-

ponibilidaderdquo35

de Ge-stell com-posiccedilatildeo Sobre o uso inusitado dessa palavra

33

Ibidem 34

Idem pp22-23 35

Idem p23

33

sobre seu sentido e lugar nesse percurso nos deteremos mais agrave frente Aqui o

indicamos apenas como um caminho a ser percorrido

Questionamos a teacutecnica ao nos depararmos com o perigo desta escapar ao

nosso domiacutenio Criamos teorias e conceitos com o fim de assegurar domiacutenio

Construiacutemos escolas com o intuito de dominar o saber e agora vemos as

criaccedilotildees fazendo um papel oposto ao intuito pensado em uma cadeia de

eventos onde o ser foi perdendo lugar ao domiacutenio do ente

A usina hidroeleacutetrica instalada no Reno como nos fala o filoacutesofo natildeo estaacute

mais aiacute como o velho moinho de vento Ela estaacute ali ou podemos ateacute dizer o

contraacuterio o rio estaacute ali instalado na usina a fim de se explorar a forccedila de

movimento das correntes de suas aacuteguas a dispor energia Esta energia seraacute

armazenada para em seguida estar agrave disposiccedilatildeo de uma induacutestria que usaraacute

este disponiacutevel para gerar instrumentos de trabalho ao homem que tambeacutem

estaraacute ali agrave disposiccedilatildeo para algum serviccedilo para ser meio de alguma finalidade

Se eacute que podemos ainda chamar isso de finalidade essa cadeia de disposiccedilatildeo

onde cada qual destes constituintes natildeo tem sentido algum pelo que eacute Usina

rio induacutestria homem negoacutecio natureza o tempo estatildeo todos aiacute apenas como

disposiccedilatildeo Caiu com isso tudo na indiferenccedila na mesmidade da

disponibilidade Vejamos uma passagem em Heidegger acerca do que

dissemos

A energia escondida na natureza eacute extraiacuteda o extraiacutedo vecirc-se transformado o transformado estocado o estocado distribuiacutedo o distribuiacutedo reprocessado Extrair transformar estocar distribuir

reprocessar satildeo todos modos de desencobrimento Todavia este desencobrimento natildeo se daacute simplesmente Tampouco perde-se no

indeterminado () por toda parte assegura-se o controle Pois o controle e seguranccedila constituem ateacute marcas fundamentais do descobrimento explorador

36

O proacuteprio homem encontra-se preso sem-saiacuteda nessa cadeia de

disponibilidade Ele encontra-se conectado a essa amarraccedilatildeo a esse

esqueleto a essa teia nessa com-posiccedilatildeo que a tudo abarca Eacute nesse sentido

de amarraccedilatildeo palavra que em alematildeo se diz por Gestell que Heidegger usa o

termo essencial com-posiccedilatildeo Em Ge-Stell o Ge tem o sentido de ldquoforccedila

originaacuteria de reuniatildeordquo e Stell com o sentido de pocircr de colocar junto de lugar

36

Idem p20

34

Assim por meio de uma escuta cuidadosa Ge-Stell eacute pensado como com-

posiccedilatildeo forccedila originaacuteria que reuacutene em um ponto em um lugar Como no termo

siacutentese onde sin tem o sentido de reuniatildeo e tese com o sentido de posiccedilatildeo

posto junto a siacuten-tese eacute entatildeo o iniacutecio da histoacuteria do desenvolvimento dessa

essecircncia da teacutecnica moderna Siacuten-tese eacute esta cadeia de amarraccedilatildeo que reuacutene

todo o disposto em uma cadeia sem-escape Siacuten-tese eacute Ge-stell eacute com-

posiccedilatildeo Bestand e Gestell como disponibilidade e composiccedilatildeo usados para

indicar o extra-ordinaacuterio do pensar heideggeriano podem ao leitor menos

atento parecer um abuso de linguagem poreacutem eacute sempre como extravagacircncia

que se potildee o pensar em profundidade Extravagante como o salto mortal

Assim Heidegger defende o uso destes termos dizendo o seguinte

Seraacute possiacutevel extravagacircncia maior ainda Certamente que natildeo Soacute que esta extravagacircncia eacute um antigo costume do pensamento E os

grandes pensadores tornaram-se extravagantes precisamente quando tecircm de pensar o mais elevado () o fato de Platatildeo usar a

palavra εἶδος para dizer a essecircncia de tudo e de cada coisa Pois na linguagem de todo dia εἶδος diz a visatildeo que uma coisa visiacutevel nos

apresenta agrave percepccedilatildeo sensiacutevel37

Contudo perguntamos esta Ge-stell com-posiccedilatildeo que teve seu

nascimento no pensar grego como siacuten-tese este pocircr-junto-em-relaccedilatildeo-a se

deu por negligecircncia do pensar do homem Deu-se por um descuido um des-

vio Eacute fruto da liberdade do homem de seu arbiacutetrio Heidegger nos diz que

natildeo A com-posiccedilatildeo enquanto um modo essencial de des-velamento natildeo eacute um

des-vio mas sim um envio do ser um destino do desencobrimento pelo ser

portanto um acontecimento-histoacuterico Entatildeo ao contraacuterio do que haviacuteamos

questionado a com-posiccedilatildeo como destino natildeo adveacutem da liberdade do homem

mas de um escravo da fatalidade do destino de um escravo de seu tempo

Tambeacutem natildeo o que se daacute eacute algo diverso Sendo fruto do destino a

composiccedilatildeo acontece pela liberdade Parece que nos encontramos em uma

confusatildeo em um emaranhado onde palavras contraditoacuterias se imbricam Esta

confusatildeo se instaura se pensarmos destino e liberdade como entende a

tradiccedilatildeo O que Heidegger pensa com essas palavras Algo bem diferente da

37

Idem p23

35

fatalidade e do arbiacutetrio Destino eacute pensado como um pocircr a caminho um envio

da silenciosa fonte originaacuteria Em suas palavras

Pocircr a caminho significa destinar Por isso denominamos de destino a forccedila de reuniatildeo encaminhadora que potildee o homem a caminho de

um desencobrimento Eacute pelo destino que se determina a essecircncia de toda histoacuteria A histoacuteria natildeo eacute um mero elemento da historiografia

nem somente o exerciacutecio da atividade humana A accedilatildeo humana soacute eacute histoacuterica quando enviada por um destino

38

No caso da liberdade Heidegger natildeo a pensa como vontade como

arbiacutetrio ou como uma liberdade de movimento mas sim como um deixar-ser

Como um permitir uma escuta onde o ente se des-vela pelo envio do ser Este

deixar-ser se daacute como um entregar-se ao ente ente Como um acolhimento

do e pelo ente como cuidado e proteccedilatildeo Entretanto este deixar-ser poderia

ser pensado no sentido negativo de ldquodesviar a atenccedilatildeo de algordquo ou de uma

renuacutencia agrave onde se ldquoexprime uma indiferenccedila ou uma omissatildeordquo mas como foi

dito este deixar-ser tem um sentido contraacuterio ao de omissatildeo sendo ateacute a

maacutexima atenccedilatildeo e presenccedila diante o vigente como escuta e abrigo esta

liberdade acontece em seu parentesco com a verdade pensada como ἀιήζεiα

Pois eacute ao que se desvela que deixa-ser o ente que se eacute O que pelo misteacuterio

como misteacuterio eacute enviado ao desvelamento eacute abrigado mesmo ao se esconder

por este deixar-ser da liberdade Verdade misteacuterio e liberdade se emaranham

em sua co-pertenccedila ao acontecer poeacutetico-apropriante do ser (Ereignis)

Misteacuterio aqui eacute pensado como este que libera ldquoO encoberto que sempre se

encobre e cobrerdquo o fechado que abriga o eclodir

Este entregar-se ao caraacuteter de desvelado do ente como nos diz

Heidegger natildeo eacute um ldquoperder-se nele mas um recuo diante do ente afim que

este se manifeste naquilo que eacute e como eacuterdquo39

Pensando deste modo eacute que

podemos ver a copertenccedila entre destino e liberdade onde estes natildeo vatildeo de

encontro um ao outro mas pelo contraacuterio vatildeo ao encontro um do outro O que

o destino envia a liberdade permite O que eacute doado pelo misteacuterio eacute protegido

no des-velo pelo livre deixar-ser Leiamos o que diz Heidegger acerca desta

relaccedilatildeo entre destino e liberdade

38

Idem p27 39

A essecircncia da verdade p201

36

O destino do desencobrimento sempre rege o homem em todo o seu ser mas nunca eacute a fatalidade de uma coaccedilatildeo Pois o homem soacute se

torna livre num envio fazendo-se ouvinte e natildeo escravo do destino A essecircncia da liberdade natildeo pertence originariamente agrave vontade e nem tatildeo pouco se reduz agrave causalidade do querer humano

A liberdade rege o aberto no sentido do aclarado isto eacute do des-encoberto () A liberdade eacute o reino do destino que potildee o

desencobrimento em seu proacuteprio caminho40

Assim respondemos ao questionamento sobre o acontecimento

histoacuterico da teacutecnica como com-posiccedilatildeo se ele eacute fruto de uma inadvertecircncia ou

se eacute ele uma fatalidade de nossa eacutepoca Natildeo sendo nem um nem outro mas o

fruto de um envio proveniente do misteacuterio do ser Ao pensarmos assim nos

mantemos no espaccedilo livre com a essecircncia da teacutecnica ao qual buscamos estar

nesse percurso de nosso trilhar o pensamento heideggeriano Abre-se com

este pensar caminhos novos de enfrentamento agrave situaccedilatildeo de crise que se

apresenta sobre o modo da teacutecnica Nesse extra-ordinaacuterio onde se abre para a

essecircncia da teacutecnica somos tomados por um ldquoapelo de libertaccedilatildeordquo Diz

Heidegger

A essecircncia da teacutecnica moderna repousa na com-posiccedilatildeo A com-

posiccedilatildeo pertence ao destino do descobrimento Estas afirmaccedilotildees dizem algo muito diferente do que a frase tantas vezes repetida a

teacutecnica eacute a fatalidade de nossa eacutepoca onde fatalidade significa o inevitaacutevel de um processo inexoraacutevel e incontornaacutevel () quando

pensamos poreacutem a essecircncia da teacutecnica fazemos a experiecircncia da com-posiccedilatildeo como destino de um desencobrimento Assim jaacute nos mantemos no espaccedilo livre do destino Este natildeo nos tranca numa

coaccedilatildeo obtusa que nos forccedilaria uma entrega cega agrave teacutecnica ou o que daacute no mesmo a arremeter desesperadamente contra a teacutecnica e

condenaacute-la como obra do diabo Ao contraacuterio abrindo-nos para a essecircncia da teacutecnica encontramo-nos de repente tomados por um apelo de libertaccedilatildeo

41

Eacute nesse passo que se encontra o perigo Pois se a liberdade eacute

entendida como um deixar-ser o que nos eacute destinado ldquoo homem histoacuterico

tambeacutem pode deixando que o ente seja natildeo deixaacute-lo-ser naquilo que ele eacute e

assim como eacute O ente entatildeo encobre-se e eacute dissimuladordquo42

Este natildeo-deixar-ser

naquilo que eacute se apresenta no homem moderno como esse pensamento que

calcula nesta com-posiccedilatildeo dominante que tudo explora e torna disponiacutevel

Neste sistema operativo e calculaacutevel que potildee em fuga toda outra forma de

40

A questatildeo da teacutecnica pp 27-28 41

Idem p 28 42

A essecircncia da verdade p 203

37

pensar Eacute aqui que mora o perigo Nesse esforccedilo de dominar bdquocom espiacuterito‟ a

teacutecnica nessa produccedilatildeo exploradora esquece-se o misteacuterio e com isso tem-se

a fuga da possibilidade de um desvelar mais originaacuterio O pensamento

meditativo poeacutetico a pro-duccedilatildeo como ποίεζης eacute ameaccedilada de ser encoberta

por completo ldquoO predomiacutenio da com-posiccedilatildeo arrasta consigo a possibilidade

ameaccediladora de se poder vetar ao homem voltar-se para um desencobrimento

mais originaacuterio e fazer assim a experiecircncia de uma verdade mais inauguralrdquo43

O grande perigo natildeo se encontra portanto no perigo das armas na

superficialidade dos novos meios de comunicaccedilatildeo virtuais na intoxicaccedilatildeo por

remeacutedios nos transgecircnicos agrotoacutexicos ou qualquer outro elemento teacutecnico

Seu perigo extremo estaacute na fuga desta outra possibilidade no completo

domiacutenio da com-posiccedilatildeo sobre a essecircncia do pensar do homem

Entretanto ldquodificilmente abandona o que mora na proximidade do

originaacuterio o lugarrdquo Com essas palavras do poema A peregrinaccedilatildeo de Houmllderlin

palavras finais do ensaio A origem da obra de arte eacute feita a passagem do

perigo ao que salva CITACcedilAcircO A essecircncia mais essencial eacute res-guardada

pela forccedila originaacuteria do misteacuterio ldquoO domiacutenio da composiccedilatildeo natildeo poderaacute

deturpar todo o brilho da verdaderdquo44

Ao se afastar de sua morada essencial o

homem eacute tomado por um apelo de retorno O pensamento loacutegico calculador

potildee o homem cada vez mais diante aos entes em sua mera cotidianidade

Decai assim na mesmidade do apenas dado O homem histoacuterico eacute tomado por

um teacutedio profundo que manifesta o ente em sua totalidade onde tudo se

apresenta como indiferenccedila Outro humor entatildeo arrebata o homem a

anguacutestia Nesta o ente se potildee em fuga o nada se manifesta como um apelo

da morada essencial a experienciaccedilatildeo do nada abre o pensar a outra

possibilidade Para outro modo de ser se abre como fonte Abre como questatildeo

e misteacuterio para um pensar que natildeo seja mais um mero com-pocircr mas um pocircr

poeacutetico inaugural Permitindo pela escuta cuidadosa que venha agrave vigecircncia

como doaccedilatildeo deste nada originaacuterio Esta questatildeo sobre o nada e os humores

de teacutedio e anguacutestia seraacute tratada mais adiante com um maior aprofundamento

Aqui trata-se apenas de pensar o apelo silencioso

43

A questatildeo da teacutecnica pp30-31 44

Idem p31

38

Pensar a essecircncia da teacutecnica eacute escutar a voz o canto do destino que

adveacutem da fonte principial eacute colocar-se na histoacuteria de maneira autecircntica Esta

escuta potildee Heidegger a se deter na voz do poeta Houmllderlin ldquopoeta dos poetasrdquo

doa em seu dizer muitas palavras que abrem o seu pensar Diante deste

poeta o filoacutesofo-pensador se deteacutem em muitos momentos com muito cuidado

Assim diz o poeta ldquoOra onde mora o perigo eacute laacute que tambeacutem cresce o que

salvardquo Eacute portanto no domiacutenio da com-posiccedilatildeo como essecircncia da teacutecnica

moderna que se mostra a outra possibilidade de um desocultar mais originaacuterio

Mas qual o sentido deste salvar Que outra possibilidade de pensar se

presenteia nesse extra-ordinaacuterio que se deu no confronto com o pensar

teacutecnico Eacute esse outro pensar a salvaccedilatildeo da ameaccedila da crise Esses satildeo os

questionamentos derradeiros desta fase de nossa investigaccedilatildeo Satildeo sobre

estas questotildees que nos deteremos agora como passo preparatoacuterio para uma

nova questatildeo ou seja a questatildeo do confronto

39

3 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES ACERCA DA ESSEcircNCIA DA ARTE

Neste capiacutetulo pensaremos a questatildeo da arte buscando avizinhaacute-la do

originaacuterio (Ursprung) e da essecircncia (Wesen) no sentido de encontrar aiacute outra

possibilidade capaz de um confronto agrave crise apontada pelo des-velar

explorador da teacutecnica moderna Deixaremos que a essecircncia da arte se

apresente ao pensar Nossa busca eacute portanto a de saber se na arte guarda-se

a medranccedila daquilo que pode nos salvar deste tempo de indigecircncia desta

noite do mundo Para tal busca faremos um momento que nos serviraacute de

passagem da questatildeo anterior da teacutecnica para a questatildeo da arte que agora se

iniciaraacute Apoacutes esse momento de passagem adentraremos a questatildeo da arte e

buscaremos pensar como a sua essecircncia se apresentou ao filoacutesofo Daqui

seremos levados a pensar em conjunto a essecircncia da arte e a questatildeo da crise

atual do entendimento teacutecnico

31 ldquoOnde mora o perigo cresce o que salvardquo Da pergunta pela Teacutecnica agrave

pergunta pela Arte

Chegamos num ponto crucial de nossa investigaccedilatildeo passo derradeiro

acerca da pergunta pela teacutecnica natildeo eacute contudo conclusivo eacute apenas um

preparo para um olhar em outro sentido O tiacutetulo deste ponto jaacute nos indica para

onde vamos seguir Passaremos da questatildeo da teacutecnica agrave questatildeo da arte

Poreacutem eacute preciso ainda alguns passos para que essa mudanccedila natildeo se decirc de

forma brusca Em que sentido se daraacute essa mudanccedila Aleacutem desta indicaccedilatildeo

A ciecircncia pode classificar e nomear os oacutergatildeos

de um sabiaacute Mas natildeo pode medir seus encantos

A ciecircncia natildeo pode calcular quantos cavalos de forccedila existem nos encantos de um sabiaacute

Quem acumula muita informaccedilatildeo perde o

condatildeo de adivinhar divinare Os sabiaacutes divinam

Manoel de Barros Livro sobre nada

Do fundo abismo nascem as altas montanhas

Maacutercia de Saacute

O escuro me ilumina Manoel de Barros

40

de mudanccedila de olhar o tiacutetulo tambeacutem nos diz outra coisa ldquoOnde mora o perigo

eacute laacute tambeacutem que cresce o que salvardquo Nessas palavras de Houmllderlin Heidegger

nos indica o fio condutor desta mudanccedila Contudo precisamos esclarecer o

que se entende aqui por salvar Como relacionar este salvar que agora se pocircs

no caminho com a pergunta inicial acerca da essecircncia da teacutecnica Como a

arte se relaciona com a teacutecnica diante da pergunta pela essecircncia Iremos nos

deter nestes questionamentos nos passos seguintes

Haviacuteamos dito que a essecircncia da teacutecnica moderna se apresentou apoacutes

nosso questionar como com-posiccedilatildeo O desvelar explorador que arrancou da

terra tudo como mera dis-ponibilidade eacute regido por essa com-posiccedilatildeo Na

dominaccedilatildeo deste explorar com-positor o perigo que ameaccedila eacute o de se trancar

ao homem a possibilidade de um outro desvelar mais originaacuterio a saber o

desvelar poeacutetico Este que enquanto ποίεζης deixa que o ente seja a cada

vez o ente que eacute Sendo regida assim pela liberdade como um deixar-ser essa

ποίεζης deixa-pocircr Esta ameaccedila contudo natildeo se deu por conta de uma

negligecircncia do homem nem por um capricho ou por uma veleidade Ela eacute fruto

de um destino de uma doaccedilatildeo Sendo destino adveacutem de um acontecer

histoacuterico do ser Soacute ao se perceber este sentido da essecircncia da teacutecnica

moderna o homem pode receber essa doaccedilatildeo aos cuidados e proteccedilatildeo de sua

guarda na linguagem Sua guarda se daacute aos que escutam o apelo da silenciosa

fonte originaacuteria Pensar sua essecircncia eacute escutar esse apelo Soacute onde se daacute esse

pensar cuidadoso e esse poetar permissor eacute que se pode dizer com vigor

essas palavras do poeta ldquoonde mora o perigo eacute laacute tambeacutem que cresce o que

salvardquo Portanto natildeo nos apressemos em dar respostas Tentemos com maior

esforccedilo nos manter nessa bdquofesta do pensar‟ frente agrave abertura do misteacuterio frente

agrave vereda O que Heidegger pensa em con-sonacircncia com o poeta por salvar Eacute

ele um salvar a tempo de uma destruiccedilatildeo iminente ou nos diz outra coisa a

voz do poeta Continuemos no nosso lento caminhar

Pensando com Houmllderlin Heidegger nos diz

O que significa salvar Geralmente achamos que significa apenas retirar a tempo da destruiccedilatildeo o que se acha ameaccedilado em continuar

41

a ser o que vinha sendo Ora ldquosalvarrdquo diz muito mais ldquoSalvarrdquo diz chegar agrave essecircncia a fim de fazecirc-la aparecer em seu proacuteprio brilho

45

Chegar agrave essecircncia eacute o sentido do salvar Na ameaccedila cresce o que salva

pois eacute nessa ameaccedila que o apelo por um retorno ao lar se potildee fortemente de

forma mais decisiva Pensemos a essecircncia natildeo de modo tradicional como

essentia como aquilo que diz o que uma coisa eacute como quid Essecircncia deve

ser pensada como colocamos de iniacutecio logo nos primeiros passos do percurso

Pensemos a essecircncia como o originaacuterio como fonte doadora principial Natildeo

como iniacutecio daquilo que logo que se potildee a caminhar eacute deixado para traacutes mas

como principial que dura e vigora a cada passo que mesmo no afastar-se eacute o

que sustem e envia Da qual natildeo eacute permitido um abandono ou um natildeo ouvir

seu apelo Eacute assim que Heidegger nos diz

Eacute do verbo bdquowesen‟ viger que proveacutem o substantivo vigecircncia Wesen

essecircncia em sentido verbal de vigecircncia eacute o mesmo que bdquowaumlhren‟ durar () Goethe chegou a usar no lugar de bdquofortwaumlhren‟ perdurar a palavra misteriosa bdquofortgewaumlhren‟ continuar a conceder Sua escuta

ouve nessa palavra uma harmonia impliacutecita de continuidade entre

bdquowaumlhren‟ durar e bdquogewaumlhren‟ conceder46

Como um carvalho que diante do perigo ao crescer fortifica suas raiacutezes

nas profundezas da Terra ldquocrescer significa abrir-se agrave amplitude do ceacuteu e ao

mesmo tempo estar arraigado na obscuridade da Terrardquo47

pois satildeo as raiacutezes

que salvam Estas como fontes doadoras de alimento recebem da Matildee Terra

multinutriz a forccedila de salvaguardar o caminho a forccedila de sustentaccedilatildeo e de

contra-posiccedilatildeo ao perigo da crise que ameaccedila ldquoEm silecircncio e em seu tempordquo

se apresenta outra possibilidade Juntamente com as palavras do poeta outras

palavras satildeo ditas ldquomas eacute poeticamente que o homem habita esta Terrardquo

Como podemos sustentar as palavras do poeta se eacute exatamente o perigo do

pensar loacutegico calculador cientiacutefico que ameaccedila o homem Se o agir desse

homem reflete o seu pensar ou sua fuga de pensar logo eacute cientificamente que

este constroacutei suas casas que este trabalha e que se coloca no mundo Se o

que lhe rege eacute a com-posiccedilatildeo o explorar e a dis-posiccedilatildeo Heidegger diz

45

A questatildeo da teacutecnica p31 46

Idem p 33 47

HEIDEGGER Martin O caminho do campo In La prensa Traduccedilatildeo pessoal a partir da

traduccedilatildeo espanhola de Sobine Langenheim e Abel Posse 1976 p 2

42

A composiccedilatildeo eacute um modo destinado de desencobrimento a saber o des-cobrimento da exploraccedilatildeo e do desafio Um e outro modo

destinado eacute o desencobrimento da pro-duccedilatildeo da ποίεζης Esses modos natildeo satildeo poreacutem espeacutecies que justapostas fossem subsumidas no conceito de desencobrimento O desencobrimento eacute o

destino que cada vez de cofre e inexplicavelmente para o pensamento se parte ora num des-encobrir-se pro-dutor ora num

des-encobri-se ex-plorador e assim se reparte ao homem48

Eacute o misteacuterio que rege essa proximidade e esse repartir Estar atento a

este misteacuterio eacute o grande passo no sentido da superaccedilatildeo da ameaccedila Eacute o passo

capaz de impulsionar o salto mortal no abismo Eacute este misteacuterio que concede

Sem ele natildeo a arvore que se sustente que dure e para viger eacute preciso durar

ldquoSomente dura aquilo que foi concedido Dura o que se concede e doa com

forccedila inaugural a partir das origensrdquo49

Em um ensaio acerca da essecircncia da

poesia (Houmllderlin e a essecircncia da poesia) Heidegger se deteacutem em algumas

palavras de Houmllderlin dentre elas a seguinte ldquoMas o que dura instauram os

poetasrdquo O que dura eacute instaurado pelos poetas Ao falar do teacutecnico e de sua

essecircncia constantemente surge o poeacutetico Como podemos nos perder nesses

dois modos de pensar tatildeo distintos Ou seraacute que a rota de duas estrelas que

passam ao longe uma da outra guarda em si uma vizinhanccedila essencial

Escutemos estas palavras de Heidegger antes de continuarmos nosso

caminhar

Outrora natildeo apenas a teacutecnica trazia o nome de ηέτλε

Outrora chamava-se tambeacutem de ηέτλε o desencobrimento que levava a verdade a fulgurar em seu proacuteprio brilho Outrora chamava-se tambeacutem de ηέτλε a pro-duccedilatildeo da verdade na

beleza Τέτλε designava tambeacutem a ποίεζης das belas-artes50

Seraacute que na arte poderemos encontrar o caminho do que salva Se o

perigo que ameaccedila diz respeito ao modo de des-velar do real ou seja diz

respeito a verdade pode a arte estando em sua essecircncia relacionada com o

belo dizer algo sobre esta Ou o que se daacute eacute o contraacuterio a essecircncia da arte

estaacute mais proacutexima da verdade como ἀιήζεiα do que do belo ldquoA essecircncia da

arte seria esta o pocircr-se em obra da verdade do sendo mas ateacute agora a arte soacute

48

A questatildeo da teacutecnica p 32 49

Idem p 34 50

Idem p 36

43

tinha a ver com o belo e a beleza e natildeo com a verdaderdquo51

ldquoEacute o poeacutetico que leva

a verdade ao esplendor superlativo () O poeacutetico atravessa com seu vigor

toda arte todo desencobrimento que vige na belezardquo52

A arte se apresenta

aqui relacionada com a verdade Aqui o que estaacute sendo dito se daacute na forma

de indicaccedilatildeo de uma mudanccedila no sentido do caminho

Seraacute entatildeo que a arte eacute a possibilidade que silenciosamente cresce na

Terra para a salvaccedilatildeo da ameaccedila que se consuma na crise aqui indicada

Deixemos Heidegger nos perguntar o mesmo

Seraacute que as belas-artes satildeo convocadas ao des-encobrir poeacutetico Seraacute que o desencobrimento haacute de reivindicaacute-las mais

originariamente para que fomentem por sua parte o crescimento do que salva para que despertem e instaurem em nova forma a visatildeo e

a confianccedila no que se concede e outorga Ningueacutem poderaacute saber se estaacute reservada agrave arte a suprema

possibilidade de sua essecircncia no meio do perigo extremo53

Se natildeo podemos saber se eacute na arte que se reserva a possibilidade do

que salva deveremos ainda nos encaminhar nessa arriscada aventura que eacute a

da busca por sua essecircncia ldquoEncaminhar na direccedilatildeo do que eacute digno de ser

questionado natildeo eacute uma aventura mas um retorno ao larrdquo ldquoAinda natildeo

pensamos o sentido quando estamos apenas na consciecircncia Pensar o sentido

eacute muito mais Eacute a serenidade em face do que eacute digno de ser questionadordquo54

Como os pensadores e poetas serenamente nos arriscaremos nessa vereda

Nos arriscaremos no sentido de termos em vista que no fim dessa nova

caminhada possamos nos deparar diante uma aporia Buscamos a essecircncia da

teacutecnica para abrir nossa presenccedila a um livre relacionamento com sua essecircncia

Esta se apresenta como um modo de des-velamento o explorador que potildee

tudo como dis-posiccedilatildeo a uma com-posiccedilatildeo Essa busca nos levou por fim agrave

questatildeo da arte Diz Heidegger

Natildeo sendo nada de teacutecnico a essecircncia da teacutecnica a consideraccedilatildeo essencial do sentido da teacutecnica e a discussatildeo decisiva com ela tecircm de dar-se no espaccedilo que de um lado seja consanguiacuteneo da essecircncia

da teacutecnica e de outro lado lhe seja fundamentalmente estranho

51

A origem da obra de arte p 87 52

A questatildeo da teacutecnica p 37 53

Ibidem 54

Ciecircncia e pensamento do sentido p 58

44

A arte nos proporciona um espaccedilo assim Mas somente se a consideraccedilatildeo do sentido da arte natildeo se fechar agrave constelaccedilatildeo da

verdade que noacutes estamos a questionar55

Nossas consideraccedilotildees acerca da teacutecnica apontaram para a ποίεζης

poiacuteesis como um modo de des-velar de verdade como a essecircncia da teacutecnica

grega e para a Ge-stell com-posiccedilatildeo tambeacutem como um modo de verdade

como a essecircncia da teacutecnica moderna Ambas seriam modos de verdade de

des-velamento Assim a essecircncia da teacutecnica se apresentou como verdade

Poreacutem a razatildeo de que em um dado momento se apresenta como des-

velamento e em outro se apresenta de um outro modo para noacutes permanece

um misteacuterio O misteacuterio se instaurou Esse mesmo que oculto em sua

essecircncia clareou agrave noacutes a possibilidade de um outro caminho O outro como

diferenccedila se apresentou como inaugural diante a identidade a habitual do

mesmo A arte tem em seu nascimento a aproximaccedilatildeo com a teacutecnica eacute-lhe

consanguiacutenea Houmllderlin pensando com Heraacuteclito escreve em seu Hipeacuterion ldquoA

palavra grandiosa ἔλ δηαθέρολ ἑασηῶη de Heraacuteclito soacute poderia ser encontrada

por um grego pois essa eacute a essecircncia da beleza e antes de encontraacute-la natildeo

havia filosofia algumardquo56

pois para ele a beleza eacute o ser e para Heraacuteclito o ser eacute

esse ldquoἔλ δηαθέρολ ἑασηῶηrdquo o uno em si mesmo diverso Heraacuteclito e Houmllderlin

satildeo enquanto pensador e poeta constantemente considerados por Heidegger

O poeacutetico aqui eacute relacionado para aleacutem do belo diz acerca do ser e da

verdade eacute o ηό ἐθθαλέζηαηολ de Platatildeo que sai a brilhar de forma superlativa

Constantemente somos levados a pensar a arte em consideraccedilatildeo com a

verdade

Investigaremos a arte na busca da sua essecircncia considerando

continuamente a questatildeo da verdade Contudo como foi dito a questatildeo da

verdade e a questatildeo do ser no pensamento heideggeriano andam de matildeos

dadas Assim como se deu nesse percurso a seguir re-colocaremos a questatildeo

do ser e da verdade Soacute assim seremos capazes de dizer algo a respeito da

arte se tem ela a medranccedila do que salva se ela nos indica ainda outra

possibilidade outro caminho ou se por fim devemos abandonar

definitivamente essa busca de um pensar em confronto agrave crise

55

A essecircncia da teacutecnica p 37 56

HOacuteLDERLIN Friedrich Hipeacuterion ou o eremita na Greacutecia Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante

Rio de Janeiro Vozes 1993 p 99

45

32 O originaacuterio da obra de arte O pocircr-em-obra da verdade

Nos passos anteriores vimos como Heidegger passou da questatildeo da

teacutecnica entendida em sua essecircncia como um des-encobrimento agrave questatildeo da

arte tambeacutem como um saber que des-encobre Em sua origem grega ambos

eram pensados pela palavra ηέθλε Teacutecne foi pensada desde Homero como

um saber Arte e saber pertenciam a um mesmo acircmbito Um saber que permitia

ao ser ao divino o seu advento ao que era por si proacuteprio Arte era um saber

um modo de verdade α-ιήζεηα poreacutem mesmo ao pensar grego esta relaccedilatildeo

entre arte e verdade se deu apenas extrinsecamente Sua relaccedilatildeo mais iacutentima

se mostrou desde o comeccedilo da tradiccedilatildeo com a questatildeo do belo passando por

toda a tradiccedilatildeo com este mesmo sentido mesmo que de diferente modo em

cada etapa do desenvolvimento do pensar Arte e belo e natildeo arte e verdade

era a relaccedilatildeo que se mantinha Soacute em Heidegger segundo o proacuteprio pensador

essa relaccedilatildeo passa ao seu vigor essencial Pois soacute neste filoacutesofo a verdade eacute

pensada como α-ιήζεηα des-encobrimento Soacute nele ela eacute pensada em sua

profundidade essencial pois mesmo ali no pensar grego essa essecircncia da α-

ιήζεηα se deu de forma oculta57

O olhar da ciecircncia esteacutetica surgido na modernidade ao artiacutestico ao

poeacutetico era um olhar sob impeacuterio da loacutegica Este olhar pensou desde seu

nascimento a arte em relaccedilatildeo ao belo ao gosto aos sentidos A mudanccedila de

paradigma que se deu com o pensar vigoroso de Heidegger em relaccedilatildeo ao

ser exigia outra linguagem uma nova forma de se pocircr diante do artiacutestico A

loacutegica como vimos anteriormente natildeo abarcava mais este pensar do ser pois

natildeo sendo mais ente o ser natildeo cabia mais no domiacutenio de seus objetos A

loacutegica seria aquela que sabe dos entes e nada mais A arte como um saber

que permitiria o advir do destinado passou a dizer a respeito do ser Para a

57

Cf HEIDEGGER Martin Parmecircnides Trad br Seacutergio Maacuterio Wrublevski Petroacutepolis Editora

Vozes 2008 P 29

ldquoEscrever o que natildeo acontece eacute tarefa da

poesiardquo

Manoel de Barros Menino do mato

46

loacutegica tratar do brotar de um natildeo-adveniente ao vigente do natildeo-ente sem

tornaacute-lo ente natildeo era uma possibilidade e pensar o natildeo-ente como um ente era

entrar em contradiccedilatildeo ferindo o fundamento supremo o princiacutepio da

contradiccedilatildeo Uma desconstruccedilatildeo torna-se necessaacuteria

O que em Ser e tempo se apresentou como a destruiccedilatildeo Destruktion da

ldquohistoacuteria da ontologiardquo58

e com ela como o ldquoenrijecimento de uma tradiccedilatildeo

petrificadardquo ou seja da tradiccedilatildeo loacutegicametafiacutesica eacute na verdade uma

desconstruccedilatildeo59

Esta desconstruccedilatildeo da histoacuteria da ontologia que em outros

momentos eacute chamada de superaccedilatildeo da metafiacutesica eacute uma superaccedilatildeo da

linguagem e do pensar loacutegico Uma histoacuteria que chega a sua consumaccedilatildeo com

o nascimento da Esteacutetica da loacutegica do sensitivo Assim a desconstruccedilatildeo da

Metafiacutesica na tradiccedilatildeo seraacute entendida como a histoacuteria da ontologia cujo

momento final seraacute a desconstruccedilatildeo da histoacuteria da Aesthetica

O meacutetodo indicado por Heidegger em Ser e tempo eacute o meacutetodo

Fenomenoloacutegico Em um certo sentido em consonacircncia com o que defendia

Husserl como um deixar-que apareccedila o que adveacutem da fonte o que adveacutem de

si mesmo Como Heidegger observa

O meacutetodo de tratar essa questatildeo eacute fenomenoloacutegico Isso poreacutem natildeo

significa que o tratado prescreva bdquoum ponto de vista‟ ou uma bdquocorrente‟ () fenomenologia diz entatildeo ἀποθαίωεζζαη ηὰ θαηλόκελα

ndash deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra tal como se mostra a partir de si mesmo Eacute este o sentido formal da pesquisa que

traz o nome de fenomenologia Com isso poreacutem natildeo se faz outra coisa do que exprimir a maacutexima formulada anteriormente ndash bdquopara as coisas elas mesmas‟

60

Em seu ensaio A origem da obra de arte Heidegger lanccedila um profundo

e cuidadoso olhar ao acontecer da arte natildeo mais um olhar esteacutetico ou loacutegico

que se manteacutem na superficialidade do fundamento do fundo mas um olhar

permissivo esse olhar fenomenoloacutegico Potildee-se a pensar como uma escuta e

natildeo mais a refletir e buscar conclusotildees Qual o originaacuterio (Ursprung) da obra de

arte Aqui antes de adentrarmos os passos seguintes re-coloquemos a

58

Ser e tempo sect 6 59

Conferir o estudo de Stein acerca da questatildeo da desconstruccedilatildeo da metafiacutesica STEIN Ernildo Diferenccedila e metafiacutesica ensaios sobre a desconstruccedilatildeo Ijuiacute UNIJUIacute 2008 60

Ser e tempo pp66- 74

47

questatildeo do termo Ursprung que estaacute no tiacutetulo do ensaio heideggeriano

Traduzindo para o portuguecircs a palavra alematilde Ursprung pode-se tanto dizer (a)

origem como por meio de substantivaccedilatildeo (o) originaacuterio Ao decompormos Ur-

sprung temos o prefixo Ur primordial e a palavra Sprung advida do verbo

springen saltar Eacute como um bdquosalto fundador‟ como um bdquofazer eclodir‟ como

podemos ler em seu ensaio que Heidegger pensa esta expressatildeo61

Ao

traduzir-se por origem somos levados a pensar em algo pontual em um iniacutecio

temporal e espacial um fundo alicerce sobre o qual possamos construir o

nosso edifiacutecio Como origem somos remetidos de volta para o interior da

tradiccedilatildeo metafiacutesica da loacutegica e seu pensar dominante Origem eacute fundamento

eacute chatildeo conceito E o que eacute do acircmbito do pensar acircmbito no qual Heidegger

busca re-instaurar eacute o do abismo (Abgrund) do sem chatildeo Eacute aquele poccedilo no

qual o pensador ao levar o seu pensar ao misteacuterio da fonte principial (Anfang)

cai em seu caminhar

Com origem com solo alicerce se constroacutei impeacuterio Eacute levar com

seriedade o des-envolvimento o progresso do saber Eacute caminhar sempre para

frente em linha reta eacute o reto pensar ὀρζόηες ortoacutetes bdquoretidatildeo do olhar‟ Eacute

seguir como trem comeacutercio induacutestria poder eacute dar resposta eacute uma re-

afirmaccedilatildeo da tradiccedilatildeo Em originaacuterio algo outro se passa Cai-se em um poccedilo

para dentro do que estava apenas na superfiacutecie Cai-se em ἀπορία Sendo

pelo ldquoentendimento escolado da loacutegicardquo62

motivo de riso pois sem chatildeo natildeo se

vai a lugar nenhum natildeo se responde nada Esse ldquocair no poccedilordquo que sempre foi

ldquomotivo de risordquo ldquonatildeo levando a lugar nenhumrdquo eacute o que Heidegger chama a

tarefa do pensar Eacute ldquoao menos uma vez chegar ao lugar em que jaacute estamosrdquo63

Eacute a abertura ao misteacuterio oculto da fenda do ser Caindo nas aacuteguas de um rio eacute

permitir-se ser levado ao destino caminhando com o fluxo do que adveacutem da

fonte principial

61

A origem da obra de arte p 199 Aleacutem do dito pelo proacuteprio filoacutesofo conferir a nota de traduccedilatildeo de Idalina acerca da expressatildeo Ursprung em sua traduccedilatildeo ao ensaio citado pp 224-

228 62

A linguagem p 8 63

Idem

48

Eacute neste sentido como originaacuterio que lemos a palavra Ursprung Daiacute o

tiacutetulo do ensaio ser tambeacutem pensado como O originaacuterio da obra de arte64

Perguntar pelo originaacuterio da obra de arte eacute perguntar pela proveniecircncia de sua

essecircncia Esta essecircncia natildeo seria aquela pensada como solo como a essentia

da tradiccedilatildeo metafiacutesica mas como abertura sem fundo como Abgrund aquele

aberto que recebe o proveniente do misteacuterio do ser Segundo a opiniatildeo

corrente a proveniecircncia da obra de arte eacute a atividade do artista mas o que diz

se um artista eacute um artista eacute a sua obra de arte

O artista eacute a origem da obra A obra eacute a origem do artista Nenhum eacute sem o outro Do mesmo modo nenhum dos dois porta sozinho o

outro Artista e obra satildeo em-si e em sua muacutetua referecircncia atraveacutes de um terceiro que eacute o primeiro ou seja atraveacutes daquilo a partir de onde artista e obra de arte tecircm seu nome atraveacutes da arte

65

A pergunta pela obra de arte eacute encaminhada a pergunta pela arte

mesma Qual a essecircncia da arte para que ela possa ser originaacuteria de algo

Heidegger inicia sua busca por essa essecircncia pelo que foi dito na tradiccedilatildeo

Buscaraacute sua essecircncia a partir de sua realidade efetiva Procurando sua

essecircncia na obra de arte existente A obra de arte eacute uma coisa como as

demais Eacute uma coisa como a pedra e tambeacutem como o utensiacutelio sapato Poreacutem

a obra de arte eacute uma coisa acrescida de algo mais algo de mais elevado que

uma mera coisa Eacute algo de produzido pelo homem mas os instrumentos os

utensiacutelios como a panela o martelo o carro tambeacutem satildeo coisas produzidas

pelas matildeos do homem Mas obra de arte eacute tambeacutem mais elevada que o

utensiacutelio pois aleacutem se ser uma coisa produzida ela nos diz algo de outro Ela eacute

alegoria eacute siacutembolo

A obra de arte aleacutem do caraacuteter de coisa eacute ainda um outro algo Este outro algo que estaacute nela constitui o artiacutestico () Alegoria e siacutembolo

fornecem o enquadramento representacional em cuja perspectiva desde haacute muito tempo se move a caracterizaccedilatildeo da obra de arte

66

64

A origem da obra de arte p 225 65

Idem p 37 66

Idem p43

49

Na busca pela essecircncia da arte a partir de sua realidade efetiva nos

deparamos com a coisa e com o utensiacutelio Sendo antes de tudo uma coisa

desvia-se o caminho da essecircncia da arte para o da essecircncia do que seja uma

coisa da coisidade da coisa Assim observa-se se a arte eacute uma coisa

acrescida de algo mais ou se eacute algo de outro A pergunta torna-se entatildeo Qual

a essecircncia da coisa Seguindo o fio condutor da investigaccedilatildeo da tradiccedilatildeo

filosoacutefica acerca da coisa Heidegger nos indica trecircs principais definiccedilotildees A

coisa eacute i) ldquoA substacircncia com os seus acidentesrdquo67

ii) ldquoA unidade de uma

multiplicidade dada nos sentidosrdquo68

e iii) ldquoa coisa eacute uma mateacuteria enformadardquo69

Esse eacute o esquema conceitual da esteacutetica desde seus primeiros acenos Das

definiccedilotildees citadas a terceira mateacuteria enformada eacute a que mais se adequa a

esse esquema conceitual

A distinccedilatildeo entre mateacuteria e forma eacute e na verdade nas mais diferentes variedades pura e simplesmente o esquema conceitual usado em todas as teorias da arte e da Esteacutetica () Quando se liga a forma

ao racional e a mateacuteria ao irracional considera-se o racional como o loacutegico e o irracional como o iloacutegico e quando se acopla ao par conceitual forma-mateacuteria ainda a relaccedilatildeo sujeito-objeto entatildeo o

representar dispotildee de uma mecacircnica conceitual agrave qual nada se pode opor

70

Para Heidegger esta definiccedilatildeo da coisidade da coisa poreacutem natildeo se

aplica apenas para as meras coisas Um par de sapatos e um quadro de van

Gogh satildeo tambeacutem mateacuteria enformada Uma pedra possui uma mateacuteria em uma

determinada forma contudo aiacute a forma eacute apenas uma mera distribuiccedilatildeo

espacial de um determinado conteuacutedo Jaacute no par de sapatos a forma eacute de tal

modo fundamental por conta de sua utilidade que influencia ateacute na escolha do

material a ser usado no momento de sua produccedilatildeo Flexiacutevel e macia para uma

roupa resistente e dura para um martelo e assim se daacute com os outros

utensiacutelios Pensando assim Heidegger aponta para o produzido para este algo

uacutetil proacuteximo ao dia a dia do homem que vem primeiramente para esta

definiccedilatildeo de mateacuteria-forma e daiacute passa a coisidade da coisa O homem

67

Idem p 53 68

Idem p 59 69

Idem p 61 70

Idem p 63

50

transfere do utensiacutelio para a coisa a sua definiccedilatildeo e isto por meio do esquema

esteacutetico e sua relaccedilatildeo com a arte e os artefatos

Por conseguinte mateacuteria e forma enquanto determinaccedilotildees do sendo satildeo naturais agrave essecircncia do utensiacutelio Propriamente este nome

nomeia o elaborado em vista de sua utilidade e uso Mateacuteria e forma natildeo satildeo de modo algum determinaccedilotildees originaacuterias da coisidade da proacutepria coisa

71

Somos assim novamente enviados a outro acircmbito A busca pela

essecircncia da coisa nos levou a questatildeo do utensiacutelio Qual a sua essecircncia O

que lhe difere da mera coisa lhe pondo a meio caminho entre coisa e arte Ou

seraacute o utensiacutelio ainda algo outro Com estas indagaccedilotildees chegamos com

Heidegger ao produzido em vista de uma utilidade o utensiacutelio tem na serventia

o traccedilo fundamental a partir do qual este sendo nos olha Eles satildeo tatildeo

melhores quanto menos pensarmos neles em sua constituiccedilatildeo em sua forma

ou mateacuteria Seja o sapato ou o martelo eacute na serventia que se encontra o seu

valor e natildeo em sua constituiccedilatildeo Portanto como Heidegger nos diz na

confiabilidade da serventia ela se torna uacutetil Quando apenas usamos o

utensiacutelio por conta da confiabilidade a ele cedida sua essecircncia nunca nos

chega como o que este utensiacutelio eacute No contato diaacuterio e habitual com o utensiacutelio

sua essecircncia natildeo se apresenta junto agrave relaccedilatildeo que ele que manteacutem

Para Heidegger um homem diante de um quadro de Van Gogh onde

figura um par de sapatos pintados e nada mais ao pensar algo de outro

acontece

Da escura abertura do interior gasto dos sapatos a fadiga dos passos trilhados olha firmemente No peso denso e firme dos sapatos se

acumula a tenacidade do lento caminhar atraveacutes dos alongados e sempre mesmos sulcos do campo sobre qual sopra continuo um vento aacutespero No couro estaacute a umidade e a fartura do solo Sob as

solas insinua-se a solidatildeo do caminho do campo em meio agrave noite que vem caindo Nos sapatos vibra o apelo silencioso da Terra sua calma

doaccedilatildeo do gratildeo amadurecente e o natildeo esclarecido recusar-se do ermo terreno natildeo-cultivado do campo invernal Atraveacutes do utensiacutelio perpassa a afliccedilatildeo sem queixa pela certeza do patildeo a alegria sem

palavras da renovada superaccedilatildeo da necessidade o temor diante do anuacutencio do nascimento e o calafrio diante da ameaccedila da morte Agrave

Terra pertence este utensiacutelio e no Mundo da camponesa estaacute ele

71

Idem p 67

51

abrigado A partir deste pertencer que abriga o proacuteprio utensiacutelio surge para seu repousar-em-si

72

A obra de arte trouxe ao desvelado aquilo que o utensiacutelio enquanto um

sendo eacute Natildeo poreacutem da forma habitual como mera serventia como

confiabilidade A obra inaugura Terra e Mundo Terra como aquilo de onde

este sendo proveacutem e mundo como o aberto do qual aquele sendo faz parte A

obra de arte potildee-em-obra a verdade do sendo do ente Eacute como um pocircr-em-

obra da verdade que Heidegger pensa a essecircncia da arte Por meio da arte

cada sendo vem a vigecircncia de forma extra-ordinaacuteria como um sendo um ente

que irrompe do seu ser Brota pela abertura que acontece na arte da Terra ao

Mundo Esse pocircr-se-em-obra da verdade eacute ποίεζης poiacuteesis Este pocircr

enquanto obra adveniente do ser eacute pensado como um deixar-que atraveacutes da

escuta cuidadosa ao misteacuterio do ser brote do fechado da Terra ao desvelado

do Mundo

Terra e Mundo satildeo palavras-chave para a compreensatildeo do pensar

heideggeriano acerca da arte Terra natildeo eacute o conjunto maciccedilo de areia ou um

planeta Como Γε Gaia Terra os gregos natildeo diziam nada disso Terra tambeacutem

natildeo eacute simplesmente o fechado o velado em oposiccedilatildeo ao Mundo como o

aberto o desvelado Terra como aquela que abriga natildeo pode ser um riacutegido

fechar-se em si eacute de uma forma completamente diferente um res-guardar-se

que acolhe que nutre Ela eacute Gaia Matildee ldquode amplo seio de todos sede

irresvalaacutevel semprerdquo73

ldquomulti-nutrizrdquo74

Eacute entatildeo proteccedilatildeo e natildeo simplesmente

dissimulaccedilatildeo Terra eacute o misteacuterio cuidadoso do essencial Assim tambeacutem Mundo

natildeo eacute apenas o aberto Eacute no Mundo que vige ldquoas decisotildees mais essenciais de

nossa histoacuteriardquo75

Mundo eacute para onde o ser se destina natildeo como um espaccedilo

um lugar mas como acircmbito do acontecimento Eacute a morada do vigente Mundo

eacute sempre o inobjetaacutevel

72

Idem p81 73

Teogonia p 91 74

Podemos ver em muitas passagens da Iacuteliada assim como da Odisseia Homero se referindo agrave Γε Gaia Terra como a Matildee multi-nutriz 75

Origem da obra de arte p 109

52

Eacute na disputa entre Terra e Mundo que se daacute o ldquoacontecer poeacutetico-

aproprianterdquo (Ereignis) como Heidegger passou a chamar o acontecimento do

ser

Para onde a obra se retira e o que ela deixa surgir nesse retirar-se noacutes denominamos Terra Ela eacute a que faz surgir e que abriga A Terra

eacute a que natildeo sendo forccedilada a nada eacute sem esforccedilo e infatigaacutevel Sobre a Terra e nela o homem histoacuterico funda o seu morar no Mundo No

que a obra instala um Mundo ela elabora a Terra76

Arte eacute entatildeo abertura Enquanto no utensiacutelio haacute um gastar-se com o uso

com sua serventia na obra de arte enquanto a disputa originaacuteria de Terra e

Mundo se manteacutem em seu vigor enquanto permanece como obra daacute-se

abertura O artista natildeo gasta a tinta ao criar um quadro como gasta o pintor no

seu trabalho de pintar um muro de uma casa Na pintura criadora do artista eacute

que as cores vecircm a ser as cores que satildeo O verde vem na arvore pintada a

ser o verde da natureza o azul revela o ceacuteu Jaacute no utensiacutelio a lata de tinta eacute

tanto melhor quanto mais some ao ser usada como revestimento Na obra de

arte haacute um permanecer uma instauraccedilatildeo Eacute na poesia que a palavra chega ao

dizer na muacutesica que o som chega ao soar na escultura que a pedra chega ao

resistir

Na obra de arte daacute-se essa clareira na arte daacute-se o acontecimento

como obra da verdade A verdade eacute posta em obra Aqui uma pergunta se potildee

como necessaacuteria o que eacute a verdade para que possamos dizer que ela eacute pela

obra de arte posta em obra Re-coloquemos entatildeo a questatildeo da verdade que

no primeiro capiacutetulo apenas indicamos para que esta advenha em seu sentido

mais profundo Ou seja pensemos um pouco mais acerca da verdade para

adentrarmos de forma mais cuidadosa na vereda do pensar heideggeriano

Pensar verdade α-ιήζεηα como des-encobrimento nos remete a outro

acircmbito do pensar Um acircmbito do ainda-natildeo da adveniecircncia Somos

transpostos da rigidez conceitual do definido do dado agrave fluidez do vir-a-ser da

abertura do misteacuterio Ao pensar a verdade como o desvelado o velado passa

a se mostrar como mais originaacuterio como fonte originaacuteria deste desvelado

Mostra-se como mais essencial Este velado pode entatildeo ser pensado como o

76

Idem p115

53

natildeo-desvelado como a natildeo-verdade Sendo mais essencial importa a noacutes

mais essa natildeo-verdade do que a verdade Eacute assim que Heidegger no ensaio A

essecircncia da verdade faz a virada da questatildeo da verdade para a natildeo-verdade

De uma busca pela verdade somos transpostos a uma busca pela natildeo-

verdade

Poreacutem para Heidegger essa passagem da verdade para a natildeo-

verdade natildeo deve ser pensada pura e simplesmente como uma inversatildeo mas

como abertura de outro acircmbito do pensamento Pensar a verdade como a natildeo-

verdade achando com isso estar saindo do acircmbito do definido do dado da

identidade para o acircmbito do indefinido da diferenccedila seria um equiacutevoco

Tomar simplesmente a natildeo-verdade por verdade eacute apenas outro acircmbito da

rigidez do conceito Heidegger nos propotildee em seus ensaios uma mudanccedila no

acircmbito do pensamento natildeo uma mera inversatildeo mas algo de outro Esse

acircmbito por ele proposto mais originaacuterio e mais profundo natildeo pode ser

atingido com a operaccedilatildeo loacutegica da inversatildeo e suas enunciaccedilotildees predicativas

Soacute um pensamento como abertura um pensamento do sentido e natildeo mais um

meramente conceitual pode adentrar essa profundidade Soacute assim pode-se

pretender um avizinhar ao ser Verdade eacute pensada como clareira Natildeo sendo

nem o aberto desvelado nem o fechado velado mas sim abertura

possibilidade de adveniecircncia de acontecimento poeacutetico-apropriativo Assim

diria Heidegger acerca da clareira

Um tal aparecer acontece necessariamente em uma certa claridade Somente atraveacutes dela pode mostrar-se aquilo que aparece isto eacute brilha A claridade por sua vez poreacutem repousa numa dimensatildeo de

abertura e de liberdade que aqui e acolaacute de vez em quando pode clarear-se A claridade acontece no aberto e aiacute luta com a sombra

() Somente esta abertura garante tambeacutem agrave marcha do pensamento especulativo sua passagem atraveacutes daquilo que pensa

Designamos esta abertura que garante a possibilidade de um aparecer e de um mostrar-se com a clareira (die Lichtung)

77

Outra questatildeo referente agrave verdade que aqui seraacute de crucial importacircncia

eacute a da verdade como erracircncia O homem enquanto um ente no Mundo que

caminha pelo aberto eacute um jogado na erracircncia do Mundo O homem se

77

O fim da filosofia e a tarefa do pensamento p 102

54

relaciona insistentemente com os entes com o aberto Neste relacionar-se com

o dado o homem afasta-se do misteacuterio Afastando-se assim do essencial do

ser do misteacuterio originaacuterio daacute-se o errar ldquoEste vaiveacutem do homem no qual ele

se afasta do misteacuterio e se dirige para a realidade corrente sai de um objeto da

vida cotidiana para outro desviando-se do misteacuterio ele eacute o errar78

rdquo O homem

um ek-sistente um lanccedilado para fora de si no mundo insistentemente Com

isso eacute o homem des-guardado no aiacute do aberto Como errante ele eacute lanccedilado

para fora no aberto do cotidiano e se relaciona com os outros entes com o

Mundo Diz Heidegger

O homem erra O homem natildeo cai na erracircncia em um momento dado

() erracircncia se revela como o espaccedilo aberto para tudo que se opotildee agrave verdade essencial () aquilo que o haacutebito e as doutrinas filosoacuteficas chamam de erro isto eacute a natildeo-conformidade do juiacutezo e a falsidade do

conhecimento eacute apenas um modo e ainda o mais superficial de errar () A erracircncia domina o homem enquanto o leva a se desgarrar Pelo

desgarramento poreacutem a erracircncia tambeacutem contribui para fazer nascer esta possibilidade que o homem pode tirar da ek-sistecircncia e que

consiste em natildeo se deixar levar pelo desgarramento O homem natildeo sucumbe no desgarramento se ele mesmo eacute capaz de provar a erracircncia enquanto tal e de natildeo desconhecer o misteacuterio do ser-aiacute

79

Eacute da essecircncia do homem enquanto ek-sistente a erracircncia Tanto mais

errante como tambeacutem mais aberto ao misteacuterio do ser mais homem ele eacute

Provando da erracircncia corre o homem o risco de aiacute perder-se no

desgarramento Evitando esta erracircncia nega ele sua essecircncia Eacute necessaacuterio

entatildeo um enfrentamento onde o homem como o que se arrisca mais ponha-

se diante dessa possibilidade de perder-se Eacute soacute na peossibilidade de perder-

se que pode este se encontrar Assim para Heidegger o homem arrisca-se na

erracircncia com a constante abertura ao misteacuterio mas o misteacuterio eacute aquele que se

potildee em fuga diante de toda investigaccedilatildeo Daiacuteo pensar para Heidegger que se

pretende aberto ao misteacuterio natildeo poder ser do tipo investigativo do tipo que

forccedila abertura que rasga Pois no oculto do misteacuterio eacute como se estiveacutessemos

em matildeos uma pedra e quebrando-a ao meio quiseacutessemos saber o que haacute em

seu interior Ao quebrar o dentro se potildee em fuga ocultando-se dentro dos dois

pedaccedilos resultantes da quebra Nessa quebra violenta soacute nos deparamos com

o fora o superficial o sempre aberto O interior sempre se resguarda Assim eacute

78

A essecircncia da verdade p208 79

Idem p 209

55

o misteacuterio Quanto mais forccedilamos sua adveniecircncia mais em fuga ele se potildee

Na arte natildeo haacute um forccedilar abertura mas um permitir um aguardar paciente

Diante esse ser que se resguarda no misteacuterio ora doando-se ora

pondo-se em fuga poetas e pensadores como guardiatildees desse saber que

abre satildeo os caminhantes desse Holzwege Caminho de Floresta dessa

vereda deste terceiro caminho que Parmecircnides em seu poema Da Natureza

indica como aquele descaminho que leva ao nada ao que se potildee em fuga Eacute

nessa vereda nesse Αηραπός nesse caminho de floresta que se daacute o

avizinhanccedilar-se do ser Para adentrar em tal vereda contudo eacute necessaacuterio

arriscar-se frente agrave possibilidade de perder-se no caminhar de cair em um

poccedilo Soacute aiacute eacute possiacutevel avizinhaccedilar-se da fonte principial Poetas e pensadores

satildeo capazes de nomear nesse calar-se Sua linguagem eacute silenciosa Qual o

modo desse silecircncio De que modo eacute o dizer da arte um dizer silencioso Satildeo

nessas questotildees que nos deteremos nos passos seguintes

33 Pensamento poeacutetico Um dizer silencioso

Vimos que a essecircncia da arte em Heidegger se apresentou como um

pocircr-em-obra o acontecimento da verdade onde essa verdade eacute pensada como

clareira abertura A arte potildee-em-obra a verdade do ente Enquanto obra a arte

eacute abertura eacute adveniecircncia do ser ao ente do que eacute para o que estaacute sendo do

natildeo-vigente agrave vigecircncia Poderia ser dito poreacutem com a possibilidade de maacutes

interpretaccedilotildees o que nos adverte o proacuteprio filoacutesofo80

que a arte eacute uma

passagem do nada ao ente Este nada natildeo deve ser aqui pensado como o

nada do niilismo O nada aqui eacute pensado como o natildeo-ente o natildeo-presente

que apesar de natildeo ser um ente eacute sua fonte principial eacute originaacuterio Ser e nada

80

Α origem da obra de arte pp 181-183

ldquoEscrever o que natildeo acontece eacute tarefa da

poesiardquo Manoel de Barros Menino do mato

ldquoSobre o que natildeo se pode calar devemos

silenciarrdquo Ludwig Wittgenstein Tractatus Logico-Philosophicus

56

se pensados com cuidado de natildeo os identificar diretamente podem ser

pensados juntos em sua proximidade

E a verdade surge do nada De fato se pensado com o nada do mero natildeo sendo e se nisso o sendo eacute representado como aquele

existente habitual que depois atraveacutes do entre-permanecer da obra vem agrave luz como o que apenas pretensamente eacute o verdadeiro sendo e assim fica abalado A verdade nunca eacute colhida do existente e do

habitual Abertura do aberto e a clareira do sendo acontecem muito mais somente no que a abertura adveniente se delineia na

projeccedilatildeo81

Toda passagem do natildeo-vigente ao vigente todo brotar da θύζης (fiacutesis) eacute

ποίεζης (poiacuteesis) ou seja todo acontecimento da verdade (Ereignis) toda

abertura como clareira eacute poesia Assim tanto o desencobrimento da teacutecnica

seja ela claacutessica ou moderna como o des-encobrimento da obra-de-arte satildeo

poiacuteesis poreacutem enquanto na teacutecnica moderna o que eacute posto eacute produzido como

algo acabado como pronto no pocircr-em-obra da arte assim como na teacutecnica

claacutessica enquanto ηέτλε o que adveacutem eacute encaminhado como princiacutepio

(Anfang) como inaugural movimento

Na teacutecnica moderna o posto adveacutem por meio de uma com-posiccedilatildeo (Ge-

stell ζσλ-ζέζης) como disponibilidade Na obra de arte o que pela obra eacute

posto em obra adveacutem como disputa confronto Na forma do conceito o com-

posto eacute identitaacuterio unidade eacute ponto final Jaacute na disputa originaacuteria a cada

momento se da diferenccedila A multiplicidade de sentido que eacute dada natildeo permite

um ponto final mas sempre uma reticecircncia eacute abertura de possibilidades Nas

palavras de Heidegger

Encarada em sua essecircncia a arte eacute uma sagraccedilatildeo e um refuacutegio a saber a sagraccedilatildeo e o refuacutegio em que cada vez de maneira nova o

real presenteia o homem com o esplendor ateacute entatildeo encoberto de seu brilho a fim de que nesta claridade possa ver como maior

pureza e escutar com maior transparecircncia o apelo de sua essecircncia

Como a arte a ciecircncia tampouco eacute apenas um desempenho da

cultura do homem Eacute um modo decisivo de se apresentar tudo que eacute e estaacute sendo

82

()

Em oposiccedilatildeo a isso a ciecircncia natildeo eacute nenhum acontecer originaacuterio da

verdade mas sempre a ampliaccedilatildeo de um acircmbito de verdade jaacute aberto e de certo atraveacutes do compreender e fundamentar do que se mostra

na sua esfera como o correto possiacutevel e necessaacuterio Quando e na

81

Idem 82

Ciecircncia e pensamento do sentido p 39

57

medida em que uma ciecircncia vai mais aleacutem do correto para uma verdade isto eacute para o desencobrimento essencial do sendo como tal

entatildeo ela eacute filosofia83

Esse natildeo habitual natildeo-vigente que vem a ser pela poiacuteesis foi a muito

rechaccedilado pela tradiccedilatildeo metafiacutesica enquanto loacutegica O ser foi pensado nesta

tradiccedilatildeo como o ente e este como o vigente o presente o dado e da mesma

forma o natildeo-vigente o ausente foi pensado como o nada e seguindo o

raciociacutenio o aparente foi dado como o erro imagem como o que natildeo se

adeacutequa ao ente Nada ser (ente) e aparecircncia seriam as trecircs vias de

conhecimento a qual o homem poderia movimentar-se As trecircs vias que

segundo Parmecircnides se relacionavam com a verdade Destas trecircs vias uma

necessariamente logicamente deveria ser abandonada pois natildeo era

verdadeiramente uma via mas um αηραπός um natildeo-caminho uma vereda

Holzwege (caminho de floresta) Sendo assim natildeo levaria o homem justo a

lugar nenhum Esta vereda era a via que dizia respeito ao nada ao natildeo-ser

Falar sobre este nada seria a ruiacutena deste justo seria a ruiacutena do conhecimento

loacutegico A loacutegica do pensar reto seria desfeita nessa empreitada

Aiacute em Parmecircnides daacute-se o primeiro momento de rechaccedilamento desta

terceira possibilidade Em Aristoacuteteles aparece na expressatildeo do terceiro

excluiacutedo84

Todo ente ou eacute de certa forma ou o seu oposto Qualquer outra

possibilidade fica entatildeo excluiacuteda Pensar em uma terceira possibilidade eacute ferir o

segundo princiacutepio supremo do pensar loacutegico Podemos ver tanto no princiacutepio

da contradiccedilatildeo como no do terceiro excluiacutedo um abandono do pensar acerca

do nada A linguagem que diz respeito ao homem eacute a linguagem loacutegica Ela

proiacutebe o dizer sobre o nada Contudo mesmo que Parmecircnides e Aristoacuteteles

venham a proibir a reflexatildeo sobre o nada essa proibiccedilatildeo jaacute se apresenta como

um pensar Aiacute ouve um pensar cuidadoso temeraacuterio frente agrave vereda que seria

pensar sobre este nada Natildeo haacute ainda um abandono desta questatildeo mesmo

que com a reflexatildeo sobre ela seja isso que foi proposto Este afastamento

com o desenvolvimento da Ciecircncia da Loacutegica e da Metafiacutesica torna-se um

esquecimento O nada eacute esquecido e com ele a possibilidade de pensar o ser

83

Origem da obra de arte p 157 84

Metafiacutesica pp179-181 Γ 7 ndash 1011b 23-1012a 28

58

como essa outra possibilidade como esse natildeo-vigente Funda-se o impeacuterio da

loacutegica e do ente Eacute nos moldes desse impeacuterio que a Metafiacutesica desenvolve sua

dominaccedilatildeo a todo o pensar da tradiccedilatildeo ocidental numa ldquomecacircnica conceitualrdquo

blindada a qualquer tentativa de des-construccedilatildeo

Soacute com o desmoronamento interno deu-se iniacutecio a queda deste impeacuterio

A proacutepria reflexatildeo loacutegica sob a ameaccedila de autodestruir-se urge pela

necessidade de outra possibilidade de pensamento por outro modo de

linguagem Escuta-se como a voz de um fantasma pois haacute muito tempo

abandonado e esquecido o apelo do ser deste nada que havia sido

rechaccedilado Essa necessidade de outra linguagem eacute interna a proacutepria loacutegica ao

pensar em seus fundamentos pois na proacutepria delimitaccedilatildeo de seu objeto de

pesquisa esta se remete a algo que lhe eacute externo remete-se a esse nada

Trata a loacutegica do ente e nada mais85

e como dizem Platatildeo86

e Aristoacuteteles87

a

sabedoria a ciecircncia de algo eacute tambeacutem a ciecircncia de seu contraacuterio Quem

conhece a boa poesia eacute justamente quem conhece a maacute poesia Quem sabe o

que faz bem agrave sauacutede sabe o que natildeo lhe faz bem Quem busca o saber das

causas primeiras das coisas primeiras dos entes em si pura e simplesmente

conhece o natildeo-ente

Poreacutem acerca deste natildeo-ente neste terceiro caminho soacute o silecircncio eacute

proacuteprio Nesse sentido encontramos a defesa do pensar heideggeriano acerca

do poeacutetico Contudo para tal dizer genuinamente poeacutetico eacute preciso libertar a

linguagem da gramaacutetica assim como eacute preciso libertar a filosofia das

disciplinas acadecircmicas como eacute necessaacuterio libertar a arte das concepccedilotildees

esteacuteticas Haacute outro acircmbito da linguagem o da nomeaccedilatildeo do pocircr-vir Assim diz

Heidegger

A linguagem eacute a morada do ser Na habitaccedilatildeo da linguagem mora o

homem Os pensadores e os poetas satildeo os guardiotildees dessa morada ()Libertar a linguagem da gramaacutetica conduzindo-a para uma

85

O que eacute metafiacutesica p 115-116 86

No Ion Socrates ao interrogar Iacuteon acerca de Homero o faz dizer que aquele que conhece o que eacute bom para uma ciecircncia eacute o mesmo que conhece o que eacute mal Por exemplo eacute o meacutedico

aquele que conhece o que traz sauacutede e tambeacutem o que tira a sauacutede 87

Assim diz Aristoacuteteles ldquoA mesma ciecircncia compete o estudo dos contraacuteriosrdquo Metafiacutesica p135

Γ2 1004a 9-10

59

estrutura essencial mais originaacuteria eacute uma tarefa reservada ao pensar e poetar

88

Eacute na linguagem artiacutestica onde o embate vigoroso entre Terra e Mundo

se daacute na co-pertenccedila de ambos em tal equiliacutebrio que nenhum se sobressai

sobre o outro que se entende esse silecircncio poeacutetico Desse embate primordial

pela forccedila do que se potildee com o que se res-guarda acontece um aquietar-se

um repouso Silecircncio e repouso natildeo satildeo de forma nenhum algo como uma

ausecircncia Satildeo na verdade pura atividade Da disputa daacute-se a co-pertenccedila na

diferenccedila de ambos entre Terra e Mundo entre coisa e mundo O dizer

poeacutetico

Evoca originariamente a partir da simplicidade de um chamado

iacutentimo esse que evoca a diferenccedila sem dizecirc-la () A linguagem fala deixando vir o chamado coisa-mundo e mundo-coisa no entre da

diferenccedila ()Quieto natildeo eacute de maneira nenhuma o que natildeo soa Natildeo soar eacute somente natildeo estar na movimentaccedilatildeo de entoar e soar () A

falta de movimentaccedilatildeo eacute somente o outro lado do repouso () O repouso movimenta-se muito mais do que um movimento e tem muito mais movimentaccedilatildeo do que qualquer moccedilatildeo () quando coisa e

mundo estatildeo quietos no seu proacuteprio a diferenccedila convoca mundo e coisa para o meio de sua intimidade

89

Percebe-se entatildeo que silenciar-se natildeo eacute pensado como um calar-se

como se deu pela tradiccedilatildeo metafiacutesica-loacutegica-cientiacutefica Pois num mero calar-

se o que haacute eacute um abandono No silecircncio em oposiccedilatildeo ao abandono haacute uma

aproximaccedilatildeo uma busca da intimidade do co-responder daacute-se um modo

primordial da linguagem Uma escuta que permite a colheita do destinado pelo

ser Aquela escuta dada na pausa na reticecircncia de um dizer aquele suspiro

Um repouso que natildeo eacute estagnaccedilatildeo mais o autecircntico movimento Soacute quem

silencia eacute quem diz e pensa autenticamente Silenciar-se eacute da essecircncia do

falar Quem natildeo tem linguagem natildeo silencia assim como quem natildeo possui

movimento natildeo pode repousar

Diante da vereda que eacute este terceiro caminho o caminhante cuidadoso

se vecirc em ἀπορία aporia Percebe que precisa respirar e escutar um pouco do

que lhe circula Entatildeo repousa escuta e mira ao redor para o dentro e o fora e

88

Cartas sobre o humanismo p 326 89

A linguagem pp 22-23

60

ainda para aleacutem do ente do presente Aqui ldquomirar significa adentrar o

silecircnciordquo90

ldquoEle escuta agrave medida que pertence ao chamado da quietuderdquo91

Esse eacute modo o do dizer artiacutestico do nomear poeacutetico do falar essencial do

homem

Os mortais falam a partir da diferenccedila no sentido da diferenccedila como

um corresponder O falar dos mortais deve antes de tudo escutar o chamado pois eacute como chamado que o quieto da diferenccedila evoca o

rasgo de coisa e mundo Cada palavra falada pelos mortais fala desde essa escuta como essa escuta Os mortais falam agrave medida que escutam

92

Falamos diversas vezes em arte e poesia mas seraacute que estas satildeo uma

mesma coisa Pensemos um pouco nesse questionamento buscando

semelhanccedilas e diferenccedilas antes de prosseguirmos com o percurso A arte eacute

poiacuteesis poreacutem a θύζης tambeacutem o eacute O poieacutetico eacute bem mais amplo que o

artiacutestico Poesia natildeo eacute pensada aqui estritamente como a escrita do poema

Poiacuteesis eacute tudo que eacute do acircmbito da eclosatildeo do vir-a-ser do brotar adveniecircncia

Eacute fala inaugural Poiacuteesis eacute linguagem quando esta natildeo eacute pensada como mera

expressatildeo modo de comunicaccedilatildeo por letras ou sons Eacute linguagem no sentido

de um narrar inaugural fundador como abertura e morada do ser Assim diz

Heidegger nos paraacutegrafos finais do ensaio A origem da obra de arte

A poiacuteesis eacute a fala inaugurante do desvelar do sendo () poiacuteesis eacute aqui pensada em um sentido tatildeo amplo e ao mesmo tempo numa

unidade essencial tatildeo iacutentima com a linguagem e a palavra que precisa ser deixado em aberto a questatildeo se a arte em verdade em

todos os seus modos - da arquitetura ateacute a poesia esgota a essecircncia da poiacuteesis A proacutepria linguagem eacute poiacuteesis em sentido original

93

Com esse indagar fomos levados da questatildeo da arte como inaugural ao

acircmbito mais amplo da poiacuteesis e da linguagem Seguindo entatildeo o fio condutor

do caminho que estaacute sendo aberto ao se caminhar pensemos acerca da

poiacuteesis do poeta e de sua linguagem Pelo visto poetar eacute entatildeo linguagem em

sentido amplo e originaacuterio poreacutem natildeo soacute o poeta eacute o guardiatildeo dessa morada

do ser Satildeo os pensadores e poetas seus guardiotildees e em sua profunda

conexatildeo com a linguagem estaacute o seu parentesco sua proximidade uma

90

A linguagem na poesia p 35 91

A linguagem p 26 92

Idem p25 93

A origem da obra de arte p 189

61

linguagem que tem na disputa a sua essecircncia O que na linguagem dos

poetas e pensadores vem-a-ser vem como disputa Bem diferente eacute a

linguagem da loacutegica que conceitua e define limitando em algo pronto No

poetar e pensar o nomeado eacute constante adveniecircncia do novo eacute brotar

principial

A questatildeo da linguagem em Heidegger eacute ao lado das questotildees do ser

e da verdade a questatildeo do seu pensar Assim diz Gadamer acerca da filosofia

heideggeriana ldquoSe quisermos colocar em discussatildeo a significaccedilatildeo da filosofia

de Martin Heidegger natildeo podemos fazer outra coisa senatildeo a partir da

experiecircncia fundamental () de uma nova experiecircncia da linguagem da

filosofiardquo94

Ao pensar ser e verdade como adveniecircncia abertura constante de

uma disputa originaacuteria torna-se necessaacuterio uma nova experiecircncia com a

linguagem Como se deu com Aristoacuteteles e seu pensar do ser Onde o que

estava antes de qualquer coisa era o ente a substacircncia Necessitou-se aiacute uma

nova experiecircncia com a linguagem que vigora ateacute o presente como linguagem

loacutegica Com uma mudanccedila no sentido do ser daacute-se em conjunto com esta

uma mudanccedila fundamental na linguagem Eacute na linguagem dos poetas que esta

nova linguagem encontra sua guarda Eacute tarefa dos pensadores e dos poetas

levar a linguagem para o que estaacute aleacutem do presente no sentido de um

encaminhar para o misteacuterio

Em seu pequeno ensaio Houmllderlin e a essecircncia da poesia escrito como

que um complemento ao A origem da obra de arte Heidegger faz a passagem

da questatildeo da arte para a questatildeo mais ampla que eacute a do poetar Escrito em

um mesmo periacuteodo os dois escritos satildeo como que um uacutenico corpo acerca da

arte e do poeacutetico Neste ensaio o pensador parte de cinco palavras-guias do

poeta Houmllderlin o qual nutre grande apreccedilo para desenvolver seu pensar

sobre a essecircncia da poesia O ensaio se apresenta entatildeo como um diaacutelogo

entre pensador e poeta um diaacutelogo do pensamento Buscando por meio

destas palavras-guias pensar sobre a essecircncia da poesia Inicia o ensaio

justificando sua escolha por Houmllderlin para o caminho que entatildeo seraacute traccedilado

Diz

94

Heidegger e a linguagem p23

62

Por que foi escolhida a obra de Houmllderlin com o propoacutesito de mostrar a essecircncia da poesia Por que natildeo Homero ou Soacutefocles por que

natildeo Virgilio ou Dante por que natildeo Shakespeare ou Goethe Nas obras desses poetas foi realizada a essecircncia da poesia tatildeo ricamente ou ainda mais do que na criaccedilatildeo de Houmllderlin tatildeo imatura e

bruscamente interrompida () unicamente porque estaacute carregada com a determinaccedilatildeo poeacutetica de poetizar a proacutepria essecircncia da poesia

Houmllderlin eacute para noacutes em sentido extraordinaacuterio o poeta dos poetas95

Para Heidegger eacute com Houmllderlin que se tem o poetar sobre o poetar Daiacute

sua escolha entre tantos poetas Houmllderlin nomeia a essecircncia da poesia da

poiacuteesis Cria com seu dito uma clareira para a disputa originaacuteria entre Terra e

Mundo Podemos ver por este ensaio a forccedila do poetar no expressar-se por

uma linguagem natildeo conceitual que se apresenta ateacute como contraditoacuteria ao

permitir o que pela linguagem loacutegica seria de iniacutecio reprimido Citemos entatildeo

as cinco palavras-guias para que possamos acompanhar o pensar

heideggeriano sobre o poetar de Houmllderlin

i) Poetizar ldquoa mais inocente de todas as ocupaccedilotildeesrdquo (III 377)

ii)rdquoe foi dado ao homem o mais perigoso dos bens a linguagem Para que testemunhe o que eacuterdquo (IV 246)

iii) ldquoO homem tem experimentado muito Nomeado a muitos celestes Desde que somos um diaacutelogo

E podemos ouvir uns aos outrosrdquo (IV 343) iv) ldquoMas o que permanece instauram os poetasrdquo (IV 63)

v) ldquoPleno de meacuteritos mas eacute poeticamente que o homem habita esta terrardquo (VI 25)

96

Eacute a poesia a mais inocente e aleacutem disso o mais perigoso dos bens do

homem Eacute por meio dela que testemunhamos quem somos Em oposiccedilatildeo ao

expressar-se loacutegico formal intencional produtivo o dizer poeacutetico eacute pura

inocecircncia eacute a simples abertura do coraccedilatildeo ao destinado pelo ser Eacute a

inocecircncia frente agrave intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem o bem mais perigoso pois se eacute pela

linguagem que o homem testemunha quem eacute eacute tambeacutem por ela que pode dar-

se sua decadecircncia Eacute no natildeo cuidado com o dizer que mora o maior perigo

Pensando com o que foi dito anteriormente o homem encontra-se ameaccedilado

pela teacutecnica moderna O maior perigo poreacutem natildeo proveacutem de suas armas e

bombas entre tantos outros perigos O maior perigo estaacute no seu dizer Um

dizer que se mostrou apenas como siacuten-tese com-posiccedilatildeo Um dizer que forccedila

explorando a terra a se dispor produzir energia Nesse dizer moderno que

95

Holderlin e a essecircncia da poesia Traduccedilatildeo livre feita por mim p 1-2 DE ONDE 96

Idem p1

63

podemos bem pensar quase como que outra coisa menos um dizer genuiacuteno

como mera repeticcedilatildeo do acircmbito do jaacute aberto eacute que mora o maior perigo pois eacute

o abandono da outra possibilidade qualquer outra possibilidade Eacute natildeo

abertura a proveniecircncia do misteacuterio do ser O enrijecimento no posto no

habitual Eacute portanto a linguagem enquanto loacutegica o maior perigo ao homem

atual pois eacute pela linguagem que o homem vem a ser homem e eacute por ela que

se daacute a morte essencial deste mesmo homem

Para pensar no perigo que eacute esse bem doado ao homem faccedilamos uma

aproximaccedilatildeo deste ensaio com a conferecircncia Cartas sobre o humanismo para

que se ponha de forma mais vigorosa a questatildeo da linguagem e a ameaccedila que

acompanha o seu des-cuidado Nesta conferecircncia Heidegger pensando no

humanismo como uma reflexatildeo acerca da essecircncia do homem desenvolve

partindo do que eacute dito pela tradiccedilatildeo acerca dessa essecircncia sua concepccedilatildeo de

homem O homem eacute um δῳολ ιόγολ ἒτολ97

traduzida pelo pensar latino como

o homem eacute um animal racional Para a tradiccedilatildeo a essecircncia do homem estaacute na

faculdade da razatildeo E razatildeo nesta tradiccedilatildeo eacute o pensar loacutegico reto e natildeo

contraditoacuterio que exclui qualquer terceira possibilidade Logo o homem eacute um

ser loacutegico Pensando com o dito aristoteacutelico ιόγολ eacute dizer eacute linguagem

Estariacuteamos mais proacuteximo do que aiacute foi dito pensando que o homem eacute um

anima um ser vivo que fala que possui linguagem Eacute a linguagem que daacute

origem ao homem

A soberania da linguagem loacutegica rechaccedilou a outra possibilidade de fala

a do dizer poeacutetico O homem tornou-se o efetivo o loacutegico Aquele que produz e

domina todo o concreto inabalaacutevel pelo menos ateacute sentir que o que lhe dava o

poder o domiacutenio ameaccedila lhe dominar O seu maior bem se mostra agora

como sua maior ameaccedila As grades que eram vistas como seguranccedila ao

adverso torna-se sua prisatildeo Urge entatildeo o diaacutelogo com este outro pensar

Nesta noite do mundo daacute-se a necessidade de uma linguagem que seja

clareira Na seguranccedila de cada um isolado em suas casas em seus

monoacutelogos o diaacutelogo se apresenta crucial pois ldquodesde que somos diaacutelogo e

97

Carta sobre o humanismo p 335

64

podemos ouvir uns aos outrosrdquo este isolamento eacute sempre soacute a perdiccedilatildeo Nossa

indigecircncia realiza-se no abandono do outro

Enquanto mortais o ciclo de nascimento e morte nos eacute essencial A

histoacuteria eacute diaacutelogo ldquoSer um diaacutelogo e ser histoacuterico satildeo ambos igualmente

antigos se pertencem um ao outro e satildeo o mesmordquo 98

e o que nessa histoacuteria

permanece eacute instaurado pelos poetas ldquoA poesia eacute a instauraccedilatildeo do ser com a

palavrardquo99

Sendo adveniecircncia poiacuteesis eacute instauraccedilatildeo eacute obra Os poetas

instauram o ser como clareira como luta entre velado e desvelado Eacute na

linguagem poeacutetica que habita o homem Assim diz a quinta palavra-guia do

ensaio ldquopleno de meacuteritos mas eacute poeticamente que o homem habita essa

terrardquo Eacute nesse diaacutelogo poeacutetico de um com o outro que se abre a clareira de seu

habitar e natildeo no isolamento residencial do morar protegido do misteacuterio do que

possa advir Eacute pois poeticamente que o homem habita Diante disto podemos

ver no periacuteodo atual o quatildeo in-essencial o quatildeo indigente encontra-se a

humanidade

Diante essa indigecircncia perguntamos anteriormente Como enfrentarmos

esta ameaccedila que se apresenta Eacute possiacutevel que a arte ou de forma mais

ampla que a poesia possa confrontar esse perigo Eacute essa outra possibilidade

suficiente como fuga da crise E aleacutem do questionado eacute ainda possiacutevel que

diante de tanta teacutecnica se instaure outra forma de se viver de habitar essa

terra Para pormo-nos diante esses questionamentos adentraremos em um

escrito heideggeriano chamado Para que poetas

34 Poetas em tempos indigentes Um salto na vereda

Diante a crise que ameaccedila o homem em sua essecircncia pensemos na

tarefa destinada aos poetas e com eles os pensadores Pensar portanto se e

como eacute a tarefa destes poetas e pensadores diante este modo teacutecnico de viver

e de pensar Viver teacutecnico este em oposiccedilatildeo ao viver entendido por Heidegger

como aquele brotar sempre novo na disputa da clareira poderia ser pensado

quase como um natildeo-viver Uma teacutecnica exploradora onde todos os entes e o

98

Houmllderlin e a essecircncia da poesia p 6 99

Idem p 7

65

proacuteprio homem deixam de ser o que satildeo essencialmente enquanto θὺζεης

ὄληα seres da fiacutesis para decaiacuterem em meros artefatos seres produzidos Seja

para o comeacutercio o trabalho o poder ou seja como mera disponibilidade

Diante uma aproximaccedilatildeo do ensaio Para que poetas (1946) texto pertencente

ao mesmo conjunto de ensaios de A origem da obra de arte com o todo ateacute

aqui caminhado buscaremos um confronto do caminhado com o questionado

Este conjunto de textos do qual esses ensaios fazem parte tem como tiacutetulo a

palavra essencial Holzwege A versatildeo portuguesa traduziu-a seguindo a

indicaccedilatildeo dada pelo proacuteprio autor no iniacutecio da obra por Caminhos de floresta

Aiacute Heidegger diz assim

Holz [madeira lenha] eacute um nome antigo para Wald [floresta] Na floresta [Holz] haacute caminhos que o mais das vezes sinuosos terminam perdendo-se subitamente no natildeo-trinhado

Chamam-se caminhos de floresta [Holzwege]

Cada um segue separado mas na mesma floresta [Wald] Parece muitas vezes que um eacute igual ao outro Poreacutem apenas parece ser assim

Lenhadores e guardas-florestais conhecem os caminhos Sabem o que significa estar metido num caminho de floresta

100

Holzwege eacute esse sinuoso caminho sempre ainda natildeo-trilhado no qual o

caminhante ao percorrecirc-lo inaugura uma trilha Abrindo para outros

posteriores caminhantes uma trilha Este extra-ordinaacuterio caminho inaugurado eacute

um caminho do pensamento da linguagem da poiacuteesis do ser Sendo antes

de ser percorrido um caminho fechado eacute ainda um natildeo-caminho Parmecircnides

o chama de αηραπός e por um lado proiacutebe ao justo por ele se arriscar a

caminhar por outro lado ao pensar acerca deste caminho no natildeo-dito nos diz

para por ele nos enveredarmos com o maior cuidado possiacutevel Eacute nesse

caminho fechado da floresta eacute portanto nessa vereda que desde o iniacutecio

desta pesquisa cuidadosamente buscamos adentrar Se caminhamos

lentamente eacute porque diferente de se seguir uma trilha jaacute pronta jaacute aberta aqui

estamos nos enveredando em uma constante disputa com o misteacuterio do

adveniente por um Holzwege

100

Caminhos de floresta p3

66

Esta reflexatildeo se deu a princiacutepio sobre a questatildeo da crise atual Uma

crise que ameaccedila o homem ao ameaccedilar sua linguagem e seu pensar no que

neste haacute de mais essencial O que nos levou a pensarmos na teacutecnica que por

sua vez nos fez pensar na teacutecnica moderna Vimos que esta teacutecnica tem em

sua essecircncia tudo a ver com a questatildeo da verdade com a αιήζεηα pois esta

teacutecnica eacute um modo de des-encobrimento Verdade em Heidegger eacute uma

questatildeo inseparaacutevel da questatildeo do ser Com isso adentramos ao cerne do

pensar heideggeriano A questatildeo do ser e da verdade se pocircs em evidecircncia

Verdade como disputa entre des-encobrimento e encobrimento e ser pensado

como acontecimento-poeacutetico apropriativo Ereignis que adveacutem do misteacuterio do

natildeo-vigente nos transpuseram ao acircmbito da ποίεζης poiacuteesis Seguindo entatildeo

a proacutepria indicaccedilatildeo heideggeriana apresentada no final do seu ensaio sobre a

questatildeo da teacutecnica que nos mostra que em seu primoacuterdio teacutecnica como ηέτλε

e arte satildeo consanguumliacuteneos enquanto poiacuteesis satildeo dois modos de des-

encobrimento de verdade de acontecimento do ser Assim passamos ao

acircmbito da arte Pensamos esta em sua essecircncia como pocircr-em-obra o

acontecimento da verdade do ente Como obra que da disputa constante entre

o que se desvela e o que se oculta se mostrou como clareira como

inauguraccedilatildeo

Foi assim que do acircmbito da arte passamos ao do poeacutetico Este acircmbito

foi pensado em sua maior amplitude ou seja como tudo aquilo que adveacutem do

natildeo-vigente ao vigente Essa adveniecircncia daacute-se na linguagem Linguagem eacute a

morada do ser eacute abertura clareira Entatildeo ser verdade e linguagem de forma

entrelaccedilada se puseram como a vereda da qual adentrariacuteamos Temas centrais

heideggerianos da qual qualquer reflexatildeo que envolva o seu pensar natildeo pode

escapar Eacute diante essa vereda que nos questionamos eacute a linguagem poeacutetica

essa outra possibilidade que guarda a medranccedila do que salva Se ela eacute essa

possibilidade como se daraacute o enfrentamento agrave crise Devemos entatildeo substituir

a linguagem loacutegica fonte dessa crise atual pela linguagem poeacutetica como

resposta a crise atual Se natildeo qual o outro caminho ainda a se seguir Ou natildeo

haacute possibilidade alguma que venha a salvar o homem da ameaccedila que lhe

pesa

67

Para o homem essa linguagem eacute o bem mais perigoso que lhe foi

doado Bem pois eacute ela que lhe doa a sua essecircncia O homem eacute um ente que

fala eacute um δῳολ ιόγολ contudo este que lhe doa a essecircncia eacute tambeacutem o que

o levar a correr o risco de perder-se como eacute o caso da crise identificada por

Heidegger O homem enquanto Da-sein enquanto presenccedila que estaacute aiacute no

mundo em relaccedilatildeo com como um lanccedilado para fora um Ek-sistente corre

este risco Como guardiatildeo da linguagem morada do ser eacute este o ente que se

encontra jogado mais agrave vizinhanccedila deste ser Sendo livre contudo para

corresponder ou natildeo ao destinado por este ser podendo portanto correr o

risco o que o leva a sua atual decadecircncia de natildeo corresponder a este

destinado Sua linguagem que em seu pleno vigor eacute um originaacuterio que nomeia

enquanto disputa enquanto diferenccedila pode decair como se daacute no homem

atual no mero expressar-se comum na linguagem formal do comercio de

opiniotildees

Re-pensar a linguagem eacute re-pensar o homem Arriscar-se na linguagem

eacute arriscar-se enquanto homem em oposiccedilatildeo agrave falsa seguranccedila da linguagem

pronta da loacutegica da gramaacutetica da academia Eacute arriscar-se a perder o solo o

fundamento do que lhe assegura Eacute preciso ir aleacutem da superfiacutecie do solo Eacute

preciso arriscar-se a cair no poccedilo em direccedilatildeo ao misteacuterio originaacuterio do ser Eacute

como esse que ousa cair que ousa saltar nesse poccedilo nesse abismo (Ab-

grund) que podem poetas e pensadores se relacionarem com a linguagem

Os pensadores sempre foram chamados de extravagantes ao ousarem dar

sentidos completamente in-habituais agraves palavras para dizerem o mais vigoroso

de seu pensar Assim foi Platatildeo e o εηδος Anaximandro e o seu ἄπεηρολ o

ιόγος de Heraacuteclito a Ge-stell heideggeriana Assim tambeacutem se daacute com a

ousadia inocente do poeta que canta Arriscando-se mais no caminho da

erracircncia permitem quando suportam a adveniecircncia do inaugural

acontecimento do ser

Neste mundo decadente do entendimento predicativo teacutecnico

comercial o ser como o que silenciosamente envia ausenta-se Falta o pensar

sobre o ser Assim diz Heidegger no ensaio Para que poetas

Com esta falta fica fora do mundo o fundo como aquilo que

fundamenta Originariamente abismo [Abgrund] significa o solo e o

68

fundo em direccedilatildeo ao qual tende encosta abaixo algo que estaacute pendurado Contudo o Ab seraacute pensado doravante como a

ausecircncia completa de fundo O fundo eacute o solo de um enraizar e de um erguer-se A era do mundo que carece de fundamento encontra-se suspensa no abismo Supondo que se encontra ainda reservada

uma viragem para este tempo indigente ela apenas poderaacute surgir se o mundo virar radicalmente ou seja dito de uma forma mais precisa

se ele virar a partir do abismo Na era da noite do mundo tem que se experimentar e suportar o abismo do mundo Mas para tal seraacute

necessaacuterio que haja quem consiga chegar ateacute ao abismo 101

Essa era atual do domiacutenio do entendimento teacutecnico loacutegico eacute a noite do

mundo Em seu periacuteodo matutino poetas e pensadores se jogaram no abismo

Como quem cai para o alto em direccedilatildeo ao divino e aiacute com um esforccedilo

tremendo disseram o originaacuterio Pensadores dizendo o ser e poetas o divino

contudo com o desenvolvimento da ciecircncia da loacutegica decai essa possibilidade

da linguagem O ser pondo-se em fuga eacute encoberto pelo ente Soacute resta

ausecircncia Ausecircncia de ser do divino do pensar ausecircncia do homem da

linguagem

Olhar verdadeiramente para este mundo eacute encarar o abismo Eacute natildeo fugir

na ilusatildeo da seguranccedila de um falso solo firme Eacute necessaacuterio encarar esse

abismo e suportaacute-lo ldquoSer poeta em tempo indigente significa cantar tendo em

atenccedilatildeo o vestiacutegio dos deuses foragidos Eacute por isso que no tempo da noite do

mundo o poeta diz o sagradordquo 102

Dizer o sagrado e pensar o ser eacute aiacute onde

cresce o perigo em sua unidade aquilo que guarda a medranccedila do que salva

Co-responder a este destino eacute a tarefa do poeta Co-responder ao destino natildeo

eacute um mero deixar-se levar pensado como uma apatia como ausecircncia mas eacute o

mais longe que cada um pode chegar ldquoCada um chega o mais longe possiacutevel

quando natildeo ultrapassa os limites do caminho que lhe foi destinadordquo 103

Em tempos de indigecircncia falta a coragem do permitir Na superficialidade

do correto da adequatio o homem atual se esconde Haacute aiacute um esconder-se

bem diferente do guardar-se que se daacute com o misteacuterio do ser da Terra como

aquela que abriga pois esconder-se eacute fugir jaacute o guardar-se eacute da proteccedilatildeo eacute

101

Para que poetas pp309-310 102

Idem p312 103

Idem p313

69

corresponder agrave luta necessaacuteria Eacute enfrentamento da outra possibilidade da

erracircncia

Quem eacute que hoje em dia se atreve a considerar-se familiarizado com a essecircncia da poesia bem como com a essecircncia do pensamento e

acha-se ainda suficientemente forte para conduzir ambas as essecircncias agrave mais extrema das discoacuterdias assim estabelecendo a sua concoacuterdia

104

O ser larga o ente ao risco como uma matildee que o solta para seu

desenvolvimento essencial portanto eacute como arriscado que este deve

corresponder agrave sua essecircncia Como enfrentamento como risco erracircncia como

disputa originaacuteria Correndo o risco de com isso termos de suportarmos

desiacutegnios mais pesados do que pensamos ser capazes de suportar Como diz

Houmllderlin por uma carta ao seu amigo

Oh amigo O mundo estaacute ante a mim mais claro que da outra vez e mais seacuterio Eu gosto como vai eu gosto como quando no veratildeo eu

vejo o pai sagrado com matildeo tranquila sacode a nuvem avermelhada com relacircmpagos de becircnccedilatildeo Pois entre tudo o que posso ver de

Deus eacute este sinal que se fez predileto Antes saltava de juacutebilo por uma nova verdade uma visatildeo melhor do que este sobre noacutes e ao nosso redor agora temo que me suceda no final o que ao velho

Tacircntalo que recebeu dos deuses mais do que poderia digerir 105

O poeta como mensageiro que se expotildee aos raios do divino que se ex-

potildee ao destinado do ser Traduzindo esse destinado em linguagem nomeando

de forma inaugural aos homens Sai da seguranccedila do habitual do meramente

dis-poniacutevel ao risco de ser esse mensageiro Assim Heidegger apresenta o

poeta como aquele que inverte ldquoa imanecircncia da consciecircncia calculadora para o

espaccedilo interior do coraccedilatildeordquo 106

Cantando o poeta transmigra do comerciante

ao anjo αγγειος mensageiro do divino do ser aos mortais

A ilusatildeo de seguranccedila dada pela loacutegica e seu inabalaacutevel sistema se

apresentou como a maior ameaccedila Entretanto a quem se arisca mais natildeo daacute-

se um esquecimento um abandono da fonte principial Haacute nesse arriscar-se

o contraacuterio Uma inversatildeo que do desamparo surge o abrigo No que se arrisca

104

Idem p317 105

Houmllderlin e a essecircncia da poesia p 9 106

Para que poetas p352

70

ao abandono surge agrave libertaccedilatildeo do habitual como um caminho puro

extraordinaacuterio a fonte inaudita do ser

O homem que se impotildee vive das apostas do seu querer Vive essencialmente arriscando o seu ser no acircmbito da vibraccedilatildeo do

dinheiro e do valer dos valores Sendo constantemente esse cambista e mediador o homem eacute o ldquocomercianterdquo Pesa e pondera sem parar embora natildeo conheccedila o verdadeiro peso das coisas () Mas ao

mesmo tempo o homem eacute capaz de criar ldquoum estar segurordquo fora da proteccedilatildeo virando o desamparo como tal para o aberto fazendo-se

integrar-se no espaccedilo cordial do invisiacutevel Se isso acontece entatildeo o insaciado do desamparo passa para laacute onde na uniatildeo equilibrada do espaccedilo interior do mundo surge o ser [Wesen] que traz agrave aparecircncia o

modo com o qual essa uniatildeo une representificando dessa forma o ser [Sein] Entatildeo a balanccedila do perigo passa do acircmbito do querer

calculante para o anjo 107

Assim denominamos aqui pensando com Heidegger esse arriscar-se

mais como a tarefa destinada aos poetas e pensadores Arriscar-se esse que

se daacute na forma de um salto (Ur-sprung) na vereda (Holzwege) Este salto na

vereda eacute o caminho por noacutes encontrado ateacute agora como o confronto a essa

crise que ameaccedila a essecircncia do homem poreacutem esse salto natildeo eacute ainda o

momento final deste nosso percurso pois nesse salto o poeta colhe do

misteacuterio do ser o novo inaugurante e em seguida retorna aos entes habituais

e cotidianos Retorna do salto ao mundo e aiacute cercado do habitual necessita

relacionar-se com o circundante

Portanto natildeo podemos pensar que a inversatildeo do pensar loacutegico no

pensar poeacutetico seria o derradeiro passo de nossa caminhada de enfrentamento

a crise Em uma inversatildeo do pensamento loacutegico que calcula ao pensamento

poeacutetico que medita natildeo haacute diaacutelogo carinhoso A inversatildeo da identidade para a

diferenccedila eacute manter-se no acircmbito da identidade Eacute a outra face da decadecircncia

da queda Tornar a diferenccedila a uacutenica possibilidade eacute abandonar de outra

forma a possibilidade de algo outro Eacute retorno a rigidez da imposiccedilatildeo Eacute outra

forma de ilusatildeo onde a diferenccedila eacute agora o fundamento Eacute como se

achaacutessemos que chegamos ao misteacuterio do oculto clareando-o Como jaacute vimos

teriacuteamos assim apenas outro modo do aberto mas de forma nenhuma o oculto

do misteacuterio

107

Idem p360

71

A destruiccedilatildeo da metafiacutesica natildeo eacute um abandono deste saber sobre os

entes Pois se eacute o homem um ente entre os outros entes a destruiccedilatildeo desta

forma de entendimento seria a destruiccedilatildeo do seu mundo Assim essa

destruiccedilatildeo deve tornar-se uma desconstruccedilatildeo uma superaccedilatildeo No sentido de

um abrir-se para outra possibilidade de saber de linguagem

A superaccedilatildeo eacute um reconhecimento do acircmbito deste entendimento

metafiacutesico Eacute um reconhecimento do acircmbito no qual deve manter-se essa

linguagem loacutegica natildeo um abandono Reconhece-se aqui que seu acircmbito eacute o

do habitual do aberto do disponiacutevel presente O poeacutetico deve ser pensado

como a outra possibilidade Natildeo como abandono mas como diaacutelogo Assim

necessitamos ainda de outro passo O poeacutetico como inauguraccedilatildeo que abre

como disputa uma possibilidade de desprendimento do habitual apresentou-

se como o meio de enfrentamento agrave crise Ela guarda a medranccedila do que

salva mas natildeo isolado como uacutenica possibilidade Natildeo eacute suficiente essa

inversatildeo Como meio o poeacutetico prepara para o passo seguinte

Adentraremos a seguir nesse derradeiro passo desta nossa

caminhada Confrontaremos por fim o ensaio Serenidade com os dois

primeiros ensaios que nos norteou ateacute aqui Entatildeo com esses trecircs diaacutelogos A

questatildeo da teacutecnica A origem da obra de arte e Serenidade dialogaremos com

o que aqui se pensou acerca da crise atual e de como enfrentarmos essa crise

Neste ultimo ensaio bastante tardio em seu pensar Heidegger nos indica uma

trilha por onde possamos nos enveredar Nele Heidegger nos fala sobre a

disposiccedilatildeo do homem a serenidade como uma disposiccedilatildeo capaz de

possibilitar um diaacutelogo entre a teacutecnica e a arte Um diaacutelogo que res-guarda a

essecircncia do misteacuterio ao inveacutes de lhe agredir Dialoguemos entatildeo com esse

ensaio cuidadoso e carinhosamente

72

4 O CAMINHAR SERENO UM AGUARDAR NA PROXIMIDADE DO

MISTEacuteRIO

Neste capiacutetulo pensaremos o ensaio Serenidade de Heidegger e

confrontaremos o aiacute pensado com o aqui questionado Partindo inicialmente da

questatildeo de ser o homem um ente entre os outros entes que portanto tem

como necessidade essencial este estar aiacute no Mundo em relaccedilatildeo contudo um

ente que tambeacutem estaacute aberto ao misteacuterio da Terra sendo ele fruto desta

disputa entre Terra e Mundo tem a necessidade para co-responder ao seu

destino de se arriscar nessa disputa geradora do que se apresenta e o que se

oculta Com isso pensaremos como da proposta de uma destruiccedilatildeo daacute-se o

pensar de uma desconstruccedilatildeo uma superaccedilatildeo da metafiacutesica do pensar loacutegico

da linguagem predicativa Passaremos desta reflexatildeo ao posicionamento que

por ele eacute desenvolvido no ensaio o da necessidade de uma co-pertenccedila entre

o pensamento que calcula com o pensamento que medita Entre a linguagem

loacutegica e a poeacutetica Pensando em seguida a questatildeo do misteacuterio do ser da

fonte principial Pensaremos por fim diante todo o percorrido na outra

possibilidade esta capaz de um confronto com a crise indicada no iniacutecio da

caminhada

41 Da Destruiccedilatildeo agrave Superaccedilatildeo da Metafiacutesica Acerca da Identidade e

Diferenccedila

No caminho ateacute aqui trilhado nos deparamos primeiramente com a

problemaacutetica acerca da teacutecnica como um modo de pensar dizer e portar-se

Ir-agrave-proximidade Parece-me agora que a

palavra poderia ser antes o nome para nosso passeio de hoje na vereda

Que nos guiou pela noite dentro cujo brilho eacute cada vez mais deslumbrante e supera em maravilha as estrelas porque

aproxima entre si suas distacircncias no ceacuteu pelo menos para o observador ingecircnuo

natildeo para o investigador exato Para a crianccedila no Homem a noite permanece a

aproximadoracostureira das estrelas Ela junta sem costura bainha nem linha

Heidegger Serenidade

73

diante o mundo como um modo de pocircr o mundo no qual em uacuteltima instacircncia

tudo se apresenta como mera dis-ponibilidade (Be-stand) resultado de uma

exploraccedilatildeo que apenas Com-potildee (Ge-stell) o aiacute jaacute dado Diante deste estaacutegio

da humanidade o Homem encontra-se ameaccedilado ao extremo em sua

essecircncia ameaccedilado a resumir-se ao caacutelculo agrave com-posiccedilatildeo ao comeacutercio ao

trabalho ameaccedilado a tornar-se escravo completo daquilo que surgiu para ele

como instrumento de auxiacutelio na dominaccedilatildeo das coisas que estatildeo sendo

Escravo da teacutecnica desse pensamento calculista o homem guardiatildeo do ser

guardiatildeo da linguagem eacute convocado a partir de um apelo silencioso pelo

destinado da fonte principial a outra possibilidade de estar-no mundo de

colocar o mundo Nesta noite do mundo ao pensar e natildeo apenas calcular

acerca da essecircncia da teacutecnica a arte a poesia e o pensamento que medita se

potildeem como essa outra possibilidade de um confronto a essa crise a essa

ameaccedila a qual ele se encontra

Ao pensar no que seja a arte e o pensamento em seu acircmago em suas

essecircncias a noacutes essas se apresentaram como um pocircr-em-obra como uma

inauguraccedilatildeo a adveniecircncia do natildeo-vigente ao vigente Enquanto na teacutecnica e

com ela a Metafiacutesica a loacutegica a Ciecircncia a filosofia enquanto conceituaccedilatildeo do

ente movimenta-se no acircmbito da com-posiccedilatildeo do que estaacute dado movimenta-se

como uma transformaccedilatildeo um sin-tese na poesia o que se daacute eacute um

nascimento daacute-se um brotar Daiacute surgem alguns questionamentos Eacute essa

outra possibilidade esse pensar poeacutetico jaacute a medranccedila do que salva Pode o

ente homem um ser-no-mundo um ser-com ser isto que eacute habitando nesta

outra possibilidade Seraacute essa mudanccedila essa inversatildeo do pensamento que

calcula representador para o pensamento poeacutetico inaugurador que medita jaacute

o caminho que diante o ateacute aqui trilhado se potildee como o que urge Qual a

trilha que ainda devemos ao caminhar dar abertura nessa vereda que nos

leve dos bdquofrios veacuteus da noite escura‟ ao bdquocalor dos dedos rosa da aurora‟ Em

que disposiccedilatildeo se daraacute essa nova manhatilde que do sereno nos doa gotas de

orvalho seiva de um novo brotar Enveredemos ainda um pouco mais por

estas sendas do pensamento e nos deixemos ser envolvidos pelo que a noacutes for

destinado neste caminhar

Para Heidegger o homem o Dasein eacute aquele ente privilegiado que se

encontra que cria ao co-responder que eacute aceito no entre na abertura na

74

clareira do ser Eacute aquele que estaacute entre o natildeo-vigente e o vigente entre o

fechado e o aberto poreacutem estes abertos e fechados vigentes e natildeo-vigentes

natildeo devem ser aqui pensados com opostas mas como co-generes co-

respondentes O homem eacute aquele ente ao qual eacute destinado pela fonte

principial que eacute o ser ao dar nascimento Nascimento este que se daacute na

poesia ποηεζης e no pensamento pela linguagem autecircntica nomeadora

inaugural mas tambeacutem eacute aquele aiacute no-mundo que se relaciona com os entes

com os vigentes Seria entatildeo negar a essecircncia do homem o negar-lhe a

Metafiacutesica o negar-lhe a loacutegica o caacutelculo o representar o uacutetil o trabalho

Como tambeacutem o eacute anti-natural anti-essencial negar-lhe esta outra

possibilidade que eacute a de dar nascimento esta que natildeo estaacute no campo da

representaccedilatildeo mas na possibilidade de fazer brotar O loacutegico e o poeacutetico lhe

pertencem lhe permitem ser o homem que eacute Se no oculto que res-guarda o

misteacuterio da adveniecircncia ele eacute aceito para ali habitar poeticamente eacute no aberto

do dado este lado do misteacuterio aberto para noacutes onde este se relaciona com os

outros que neste aberto encontram moradas

Diversas vezes Heidegger nos adverte sobre o cuidado primordial de

nos colocarmos diante a questatildeo da destruiccedilatildeo da Metafiacutesica natildeo como um

mero abandono ou uma mera inversatildeo ao pensamento poeacutetico Onde esta

destruiccedilatildeo deveria ser pensada como uma abertura a esta outra possibilidade

como uma abertura ao sentido da diferenccedila entre ser e ente pois se eacute na

linguagem poeacutetica no pensamento que encontramos habitaccedilatildeo para nos

confrontar com as questotildees mais profundas eacute no entendimento loacutegico-

Metafiacutesico que nos relacionamos com o que nos cerca com o que estaacute na

superfiacutecie onde estamos presentes com o cotidiano no qual moramos Eacute nesse

sentido que a Destruiccedilatildeo foi pensada como uma Desconstruccedilatildeo como uma

Superaccedilatildeo como Abertura a essa outra possibilidade Assim tambeacutem eacute

apresentado o Fim da filosofia natildeo como um abandono deste modo de

pensamento mas como uma abertura ao seu alcance ao seu acircmbito pois se a

filosofia e essa aqui eacute entendida como Metafiacutesica eacute aquela que como a

ciecircncia primeira busca o ente e nada mais aquilo que estaacute lanccedilado no A-

bismo no seu fundo lhe eacute estranho estaacute para aleacutem de seu alcance e interesse

Este A-bismo eacute Tarefa do pensamento contudo eacute tarefa do homem tanto a

relaccedilatildeo com os entes como a abertura ao ser Eacute tarefa do homem enquanto

75

aquele que possui logos aquele que estaacute-com o diaacute-logo Por em diaacutelogo

loacutegica e arte eacute sua tarefa

A mera inversatildeo da loacutegica para o poeacutetico do entendimento

representativo para o pensamento como obra da identidade para a diferenccedila

seria ainda um manter-se no apenas aberto da unilateralidade e natildeo jaacute uma

abertura ao dialogo daquilo que nos ldquoaparece como inconciliaacutevelrdquo 108

Sair da

teacutecnica da identidade e ir de forma unilateral para a diferenccedila para o poeacutetico

ainda natildeo eacute o caminho no qual enveredamos Eacute permanecer ainda no mesmo

no fechar-se ao outro A inversatildeo da identidade para a diferenccedila eacute apenas a

extrema possibilidade da identidade eacute sua uacuteltima consequecircncia seu

acabamento eacute natildeo ter ainda atingido ou ter sido atingido pela diferenccedila

enquanto diferenccedila mesma enquanto o entre a clareira a abertura Eacute para

dar um exemplo o que Heidegger entende do movimento realizado por

Nietzsche aquele platonismo ao avesso que sendo o avesso eacute apenas o outro

lado do platonismo eacute ainda o mesmo Eacute levar o que estava na ideia para a

vida eacute uma inversatildeo do solo do fundamento eacute ainda chatildeo firme Entretanto o

que se mostra ao pensar heideggeriano como o originaacuterio como superaccedilatildeo eacute

aquele pensamento sem-fundo eacute o abismo eacute a perca de chatildeo portanto eacute

nesse sentido que pensamos aqui a diferenccedila como aquele entre que natildeo estaacute

nem no nascimento nem no dado de forma unilateral mas um entre pensado

como diaacute-logo

Diaacutelogo aqui pensado como aquele acontecimento aquela disposiccedilatildeo

que caminha (dia δηα atraveacutes indo na direccedilatildeo de um para o outro) que

transita pelo logos (ιογος) Aqui natildeo eacute mais possiacutevel pois natildeo estamos mais

nesse acircmbito uma representaccedilatildeo do que seja essa diferenccedila esse entre como

dialogo O entendimento representativo ao se apropriar desta diferenccedila a

representa como identidade Aqui toda reduccedilatildeo em poucas palavras eacute um

perigo Daacute-se aqui necessariamente como um apelo uma mudanccedila na

linguagem de significativa para uma de sentido Natildeo ficar preso a conceitos ou

definiccedilotildees eacute o caminho necessaacuterio para essa co-respondencia com o entre

com a diferenccedila Eacute preciso harmonizar-se θηιεηλ entrar em acordo com o que

a noacutes se apresenta como aquele amor que Heidegger entende ser o amor

108

HEIDEGGER Serenidade p 23

76

pensado por Heraacuteclito ao nomear o filosofo como θηιοζοθος assim escreve

Heidegger em sua conferecircncia O que eacute isto ndash a filosofia

Um anegraver philoacutesophos eacute aquele hograves philei tograve sophoacuten philein que ama a sophoacuten significa aqui no sentido de Heraacuteclito homologein

falar assim como o Loacutegos fala quer dizer corresponder ao Loacutegos Este corresponder estaacute de acordo com o sophoacuten Acordo eacute harmoniacutea

O elemento especiacutefico de philein do amor pensado por Heraacuteclito eacute a harmonia que se revela na reciacuteproca integraccedilatildeo de dois seres nos laccedilos que unem originariamente numa disponibilidade de um para

com o outro 109

Assim natildeo se pode aqui pensar nesse diaacutelogo como uma dialeacutetica que

se torna o que eacute em uma siacutentese O que se daacute aqui natildeo eacute uma siacuten-tese da

loacutegica com a arte da representaccedilatildeo com a inauguraccedilatildeo O que se daacute aqui eacute

uma luta uma disputa110

um amor um diaacute-logo uma obra (εργολ) Um entre

que natildeo para nem aqui nem ali nem muito menos como uma siacutentese com-

posiccedilatildeo de um com o outro Essa siacutentese que corremos o risco de entender de

forma errada o que aqui se apresenta como diaacutelogo foi o que se apresentou a

noacutes como a essecircncia da teacutecnica moderna como Ge-stell Aqui daacute-se um vai e

vem inquietante que eacute pura quietude Eacute aquele terceiro caminho excluiacutedo a

muito do pensar filosoacutefico que natildeo eacute nem um sim nem um natildeo mas que eacute

uma escuta de ambos simultaneamente os pondo em diaacutelogo eacute abertura

clareira do destinado pelo misteacuterio

Diante deste pensar que pode levar a nos questionarmos se natildeo

estamos pairando no ar num modo de pensamento muito distante de noacutes

algumas questotildees se apresentam natildeo seria esse entre uma indecisatildeo que nos

imobilizaria Natildeo seria esse diaacutelogo um subterfuacutegio de fuga da

responsabilidade do que diante a noacutes se apresenta como urgente Natildeo reinaria

aiacute a mais elevada ausecircncia-de-pensamento Uma passividade diante um

tempo que urge por uma atitude Um mero deixa ser levado pelo acaso Uma

ausecircncia de um querer que determina Essas satildeo algumas das questotildees que

109

HEIDEGGER O que eacute isto ndash a filosofia p 32 110

Hesiacuteodo no iniacutecio de seu escrito Os trabalhos e os dias fala de duas Ερης de duas disputas Uma eacute aquela geradora da guerra entre os homens que por ganacircncia de poder e

riqueza entram nessa disputa essa eacute por ele considerada a disputa ruim A outra eacute aquela disputa essencial entre o homem e a Terra aquela disputa com a adveniecircncia do dia-a-dia a

luta diaacuteria com a vida Essa eacute por ele chamada de a luta boa geradora de todo o bem que temos Enquanto a primeira destroacutei a segunda concebe Aqui quando falamos de disputa

pensamos nessa segunda disputa desse amor gerador

77

se potildeem diante desse diaacutelogo pensado com um entre Como quem preacute-sente a

proximidade da brisa do sereno adveniente da fonte aproveitemos um pouco

mais este caminhar que se aproxima daquilo do qual a muito estamos sendo

chamado que a muito aguardamos e continuemos um pouco mais neste trilhar

42 Serenidade O dizer sim e natildeo agrave teacutecnica

Vivemos em um mundo cercado pela teacutecnica Para onde nos dirigimos e

nos deparamos sempre com seus aparelhos e instrumentos Internet celular

carros induacutestrias e comeacutercios energia eleacutetrica e atocircmica Heidegger viveu em

um tempo diferente do tempo atual Um tempo no qual o que lhe causou

espanto foi a comunicaccedilatildeo por raacutedio e pela televisatildeo O que diria ele dos dias

atuais Espantar-lhe-ia mais a internet do que o raacutedio Seraacute que no essencial

vivemos em um tempo tatildeo diferente Eacute possiacutevel que natildeo O essencial da

teacutecnica natildeo estaacute em seus produtos Natildeo eacute o carro a televisatildeo o raacutedio ou a

internet o que eacute mais proacuteprio a sua essecircncia O que lhe assustou e que hoje

continuaria a assustar e que tambeacutem o assustaria se tivesse nascido antes eacute

o modo teacutecnico de pensar de dizer de agir Natildeo estou imerso na teacutecnica

somente quando uso o celular mais novo que saiu no mercado estou

profundamente imerso na teacutecnica quando o que me faz escolher a educaccedilatildeo

mais apropriada ao meu filho satildeo caacutelculos que me diratildeo qual o melhor negoacutecio

para o seu futuro Estou nessa situaccedilatildeo a qual inquietou tanto Heidegger

quando as decisotildees mais essenciais a nossa existecircncia satildeo decididas por

meros caacutelculos O que mais o assustou foi a possibilidade cada vez mais

crescente de esse olhar com-positor loacutegico calculista representador em

resumo esse olhar teacutecnico ser o uacutenico olhar que domine todas as nossas

decisotildees Essa sim eacute a grande ameaccedila ao homem

Seria uma ameaccedila talvez ainda maior a busca de um completo

abandono das coisas e pensar teacutecnico O homem necessita destes

Houvesse no pensar jaacute antagonistas e natildeo

simples adversaacuterios entatildeo a coisa do

pensar seria mais favoraacutevel

Heidegger Da experiecircncia do pensar

78

instrumentos e linguagem Necessita necessitou e necessitaraacute destes

instrumentos e linguagem teacutecnica como um ente no-mundo um ente-com

outros no qual se relaciona O homem tem sim que dizer bdquosim‟ a estes

instrumentos mas pode deve necessita simultaneamente dizer bdquonatildeo‟ a eles

Essa abertura ao entre agrave diferenccedila enquanto diferenccedila ao diaacute-logo a esse

acordo a essa harmonia originaacuteria exige do homem essa postura de dizer sim

e natildeo simultaneamente aos objetos teacutecnicos nos exige uma tomada de

decisatildeo que natildeo seja unilateral que natildeo seja absorvida nem pelos objetos

nem por seu abandono Exige de noacutes que nos ocupemos disto que ao olhar

representador parece inconciliaacutevel Assim diz Heidegger sobre esse dizer sim e

natildeo simultacircneo as coisas teacutecnicas

O pensamento que medita exige de noacutes que natildeo fiquemos unilateralmente presos a uma representaccedilatildeo que natildeo continuemos a

correr em sentido uacutenico na direccedilatildeo de uma representaccedilatildeo O pensamento que medita exige que nos ocupemos daquilo que a

primeira vista parece inconciliaacutevel () Podemos dizer sim agrave utilizaccedilatildeo inevitaacutevel dos objetos teacutecnicos e podemos ao mesmo

tempo dizer natildeo impedindo que nos absorvam e desse modo verguem confundam e por fim esgotem a nossa natureza (Wesen) 111

Esse pensamento que medita (sinnende) eacute justamente esse que se

contra-potildee potildee-se de frente e assim dialoga com esse pensamento que

calcula Eacute aquele pensamento que natildeo se detecircm no correto adequado no

fundamento mas que se encaminha no sentido da verdade como α-ιήζεηα

como decircs-velamento como clareira como sem-fund(ament)o Eacute portanto o

pensamento inaugural que atento ao destinado da fonte silenciosa do ser daacute

nascimento Eacute deste modo por dar nascimento que eacute esse pensamento que

medita irmatildeo da poesia no pocircr ambos encontram a sua essecircncia Assim

escreve Heidegger em sua obra poeacutetica intitulada de Da experiecircncia do pensar

(1960) onde pensar e poetar satildeo pensados como poiacuteesis como o dar-se da

verdade a partir do ser Leiamos suas palavras

Cantar e pensar satildeo os troncos

vizinhos do poetar

Eles crescem do Ser e alcanccedilam sua

111

HEIDEGGER Serenidade pp 23-24

79

verdade

Sua relaccedilatildeo daacute a pensar que Houmllderlin Canta das aacutervores da floresta

ldquoE desconhecidos uns aos outros eles

Ficam o tempo que eles permanecem em peacute

os troncos vizinhosrdquo 112

Eacute esse pensamento poeacutetico meditativo que nos exige que digamos sim

e natildeo simultaneamente agrave teacutecnica O que nos permite viver em meio a ela com

ela sem dela ser escravo e isso natildeo de um modo vacilante oscilante mas de

forma tranquila ou como nomeia Heidegger de modo sereno Com a mais

elevada serenidade (Gelassenheit) Esse dizer sim e natildeo agrave teacutecnica enquanto

diaacute-logo que se demora no entre eacute o que Heidegger nomeia por Serenidade

Em uma conferecircncia intitulada por Serenidade apresentada como um

discurso comemorativo do compositor de oacutepera Conradin Krutzer em 1955

Heidegger nos doa um belo discurso acerca do que seja essa Serenidade que

aqui eacute desde os primeiros passos aguardada Tema que por ele jaacute tinha sido

abordado em uma conversa nos anos de 194445 Nesta conversa tem-se uma

caracteriacutestica de uma linguagem bem mais solta e tambeacutem bem mais profunda

Um excelente exemplo de uma linguagem que busca libertar-se da

representaccedilatildeo da conceituaccedilatildeo Nessa conversa dar-se um deixa ser

conduzido pelo pensamento de amigos que caminhando satildeo aceitos nas

proximidades do misteacuterio do ser e que contudo natildeo perde em profundidade

mas que por esse deixar ao contrario eacute admitido por esta Jaacute o discurso

comemorativo tem uma sistemaacutetica e uma linguagem bem mais proacutexima jaacute que

eacute dirigida a um puacuteblico mais abrangente do que se costuma usar

habitualmente Neste discurso pondo-se a pensar sobre o que seja um ato

comemorativo Heidegger nos leva pelo discurso a pensar que comemorar eacute

pensar acerca de algo eacute pensar sobre o motivo do qual a comemoraccedilatildeo

presta-se a homenagear Diz-nos que ali se escutam as obras do compositor

sua biografia que ali satildeo proferidas anaacutelises criacuteticas de suas criaccedilotildees mas

seraacute que jaacute aiacute se realiza um pensar acerca de algo Relatar enumerar

112

HEIDEGER Da experiecircncia do pensar p 49

80

descrever narrar ainda natildeo eacute um pensar um meditar sobre algo sobre a

abertura que em uma obra de arte daacute-se

Heidegger passa daiacute a pensar sobre o que seja o pensamento Este se

apresenta na sociedade atual em-fuga ldquoTodos noacutes mesmo aqueles que

pensam por dever profissional somos muitas vezes pobres-em-pensamento

ficamos sem-pensamento com demasiada facilidaderdquo 113

E o que potildee em-fuga

o pensamento meditativo eacute esse dominante pensamento que calcula Esse

caacutelculo nos absorve como escravos das coisas que chegamos ao ponto de

darmos mais atenccedilatildeo aos produtos que agraves obras (εργολ) Pensamos muito

mais vezes nos presentes do que nas homenagens e homenageados

Pensamos e aqui jaacute nem podemos mais dizer pensar noacutes queremos

calculamos muito mais os resultados do que o processo o ponto de chegada

do que o caminhar agrave-proximidade-de e assim nos escravizamos pelos objetos

do desejo mais do que nos permitimos livres ao a-caso Eacute em relaccedilatildeo ao que

acabamos de dizer que a serenidade para com as coisas se apresenta como

aquela medranccedila do que salva Permite-nos sermos poeacuteticos em meio a um

mundo dominado pelo teacutecnico Daacute-nos a perspectiva de um novo enraizamento

jaacute que como diz Heidegger a partir de uma citaccedilatildeo do poeta Johann Peter

Hebel ldquoNoacutes somos plantas que ndash quer nos agrade confessar quer natildeo-

apoiadas nas raiacutezes tecircm de romper o solo a fim de poder florescer no Eacuteter e

dar frutosrdquo 114

Heidegger distingue essa disposiccedilatildeo nomeada por ele de Serenidade de

outros modos de conceber a palavra jaacute usada na tradiccedilatildeo por outros filoacutesofos

como eacute o caso da leitura de Meister Eckhart onde a serenidade eacute entendida

como ldquoa rejeiccedilatildeo do egoiacutesmo pecaminoso nem o abandono da vontade proacutepria

em prol da vontade divinardquo 115

Serenidade eacute essa aproximaccedilatildeo iacutentima da Matildee Terra eacute a escuta

cuidadosa do silecircncio do misteacuterio eacute o demorar-se insistente diante a abertura

que enquanto mostra-se simultaneamente se oculta Que se abre apenas para

nos envolver ainda mais no acircmago do misteacuterio Falamos de Serenidade e

constantemente nomes como misteacuterio aguardar cuidado insistecircncia se

113

HEIDEGGER Serenidade p11 114

Idem p27 115

Idem p 35

81

colocam em nosso caminho Falamos de serenidade diante essa ameaccedila na

qual o pensamento que calcula nos absorve O que nos leva a perguntar

Como conseguir essa serenidade O que eacute esse misteacuterio e esse aguardar que

sempre acompanham o pensar acerca da serenidade Estaacute nas matildeos dos

homens atingirem em meio a essa tumultuosa noite que nos cai essa

serenidade ou eacute apenas concernente ao destino do ser esta outra

possibilidade O que devemos fazer para criarmos permitindo o matutino

sereno de uma nova manhatilde Mantenhamo-nos um pouco mais nessa

vizinhanccedila da fonte que haacute muito nos convoca a ali em sua proximidade

demorarmo-nos Essa fonte que haacute muito chama em seu canto o filho ao

retorno aconchegante de seu habitar

43 Abertura ao misteacuterio O demorar-se no entre

O homem do presente eacute o homem da presenccedila Em um sentido filosoacutefico

Heidegger entende essa presenccedila como a marca fundamental do pensamento

metafiacutesico ocidental O ser do ente como a presenccedila eacute re-presentado pela

linguagem loacutegica como o ente Este ser enquanto presenccedila jaacute vem sendo

assim pensado para Heidegger desde os gregos principalmente para o que

ele chama de periacuteodo de decadecircncia do pensar claacutessico com Platatildeo e

Aristoacuteteles Estando este modo de pensar apenas no seu acabamento e este

modo de pensar vigente em quase todos os acircmbitos de decisotildees de accedilotildees e

de reflexotildees esta presenccedila pensada metafisicamente aparece agora tambeacutem

no habitual no dia-a-dia no cotidiano O que eacute de acordo com o bom senso eacute

o que estaacute agrave matildeo que posso tocar que posso decidir e natildeo a indecisatildeo Eacute o

que serve para algo O que vale eacute o agora o que se mostra aqui no presente A

histoacuteria eacute esquecida o esperar natildeo tem vez Vivemos no presente E

estranhamente esse viver no presente se revela uma ausecircncia aterrorizadora

A tecnologia que aproxima os homens os lugares os tempos as distacircncias em

uma intensidade gigantesca tambeacutem os afasta ldquohoje se toma conhecimento de

Eacute capinzal noturno

Escuro denso protetor Vocecirc eacute mata virgem

Pela qual ningueacutem passou

Raul Seixas Mata Virgem

82

tudo pelo caminho mais raacutepido e mais econocircmico e no mesmo instante e com

a mesma rapidez tudo se esquecerdquo 116

O raacutedio ou a internet aproximam tanto

a comunicaccedilatildeo os homens que natildeo eacute mais nem preciso estar ali Minha

presenccedila em todos os lugares por meio dos aparelhos tecnoloacutegicos de

comunicaccedilatildeo reflete minha ausecircncia Presente estaacute a tecnologia mas o

homem mesmo enquanto homem em sua autenticidade encontra-se ausente

Em uma multidatildeo de pessoas que dia-a-dia transitam pelas ruas das grandes

cidades sem nem um simples bdquooi‟ ser dado nos potildee a pensar no grego

Dioacutegenes o ciacutenico que com sua lamparina se pocircs a andar pelas ruas de sua

polis em pleno claro do dia a procurar por um homem sequer Onde

encontramos o homem nesse esquecimento do solo de onde brotam os

nutrientes de seu ser

A busca da certeza move demasiadamente mais do que a verdade Na

velocidade rapidez na pressa atual natildeo haacute tempo haacute perder com indecisotildees

natildeo a tempo para o proacuteprio homem Precisa-se de uma resposta certa mesmo

que para tal tenha-se que se descuidar da busca mais demorada pela verdade

do que no emaranhado do que eacute se oculta Certeza como corretude

adequaccedilatildeo como fundamento firme onde se pode erguer preacutedios para

gigantescos negoacutecios Verdade como decircs-velamento α-ιήζεηα como o cuidado

com o que adveacutem do velado do misteacuterio Esse misteacuterio destruidor da certeza

imediata riacutegida assusta causa espanto ao apressado homem da atualidade

Aquele espanto ηασκαηα que desde os tempos primordiais moveu os primeiros

pensadores cede lugar agrave certeza agrave decisatildeo necessaacuteria ao pesquisar que pela

imposiccedilatildeo da pressa de uma grande quantidade de produccedilatildeo natildeo pode se

demorar neste espanto

Diante desse caminhar ao qual nos enveredamos somos convocados a

serenidade A um estar aberto agrave abertura da adveniecircncia Um estar aberto agrave

abertura do misteacuterio Esse misteacuterio que espanta que afasta a certeza levando

ao risco daquele cair no poccedilo do qual haacute muito tempo se rir Esse misteacuterio que

nos tira da seguranccedila do fundamento do solo e nos envolve com o risco do

abismo Ao homem da decisatildeo esse misteacuterio eacute o que mais o assusta eacute o que

mais ele quer manter distacircncia Mas seraacute que assim como esse homem da

116

Idem p11

83

presenccedila se revelou como um homem da ausecircncia esse mesmo homem da

seguranccedila natildeo se revelaria a noacutes como o homem do medo que vive no mais

inseguro dos modos de existecircncia Seraacute que esta decisatildeo tatildeo adorada por

esse homem natildeo se revelaria a um pensar mais profundo medo de enfrentar o

risco deste entre adveniente do misteacuterio Seraacute que a decisatildeo que urge natildeo eacute a

de um demorar-se nesse misteacuterio Tenhamos entatildeo coragem e enfrentemos

mais estas questotildees

Diante o misteacuterio do que estaacute para aleacutem do que o que se mostra para

aleacutem do que aparece o homem se espanta O homem grego assim espantou-

se e aiacute se demorou Ser nada a fala o dizer o nomear o permanente

imoacutevel o movimento tudo isso o espantou e ele aiacute se demorou O espanto que

a princiacutepio o potildee em fuga simultaneamente o atraiu A curiosidade estando em

seu acircmago o fez olhar para traacutes durante essa fuga Como Orfeu que ao ir ao

Αδες Hades para resgatar a amada tinha apenas que por fim seguir adiante

sem olhar para traz mas que de seu acircmago uma inquietante curiosidade o faz

virar-se para vez se a bem amada consigo seguia Pondo-se em fuga do

misteacuterio do espanto eacute pela curiosidade atraiacutedo a um olhar de aproximaccedilatildeo

Uma curiosidade que vira amor θηιεηλ Um amor ao saber do que se mostrava

mesmo que em seu ocultamento Heraacuteclito nomeou como vimos um pouco

acima a este amante disto que tudo rege de θσιοζοθος filoacutesofo Amor para

ele eacute o harmonizar-se e saber eacute logos Logos esse que eacute misteacuterio aos homens

tanto antes de terem ouvido como depois como se estivessem dormindo 117

Amante desse misteacuterio o pensador nada podia dizer com certeza pois

amante do misteacuterio em harmonia com ele estava sempre num entre O que

para o pensador mais profundo era o mais espantoso era tambeacutem o seu maior

amor Este mais espantoso torna-se ao homem ordinaacuterio apenas ouvinte de

sua linguagem mas que a ela natildeo co-responde enquanto pensador do

profundo do ιογος o mais assustador gerando nesse homem medo Esse

espanto torna-se uma aporia απορηα um sem-saiacuteda da qual natildeo era possiacutevel

num confronto sincero harmonioso fuga Eacute nesse acircmbito do incerto onde o

117

Acerca deste modo de conceber o logos e a sua relaccedilatildeo com os homens consultar o fragmento 1 na organizaccedilatildeo de Diels de Heraacuteclito Este concebia o logos como o regente de

tudo o que haacute Entretanto os homens natildeo se apercebiam disso mesmo depois de serem acerca deste logos instruiacutedo Pois logos eacute ao homem que natildeo o enfrente ateacute os limites de sua

obscuridade misteacuterio

84

homem ordinaacuterio encontra-se meio acuado e o pensador profundo encontra-se

em pleno amor que surge o sofista como aquele que tinham as respostas

Aquele que se apresentava como sabedor dos misteacuterios e do modo de ldquoa esse

dominarrdquo Livrava-se rapidamente desta aporia dessa indecisatildeo por uma

tomada de posiccedilatildeo unilateral de um dos caminhos Com seu amplo domiacutenio de

retoacuterica e da linguagem como instrumento de dominaccedilatildeo dissimulaccedilatildeo essa

tomada de posiccedilatildeo unilateral passava como a mais elevada sabedoria Estes

sofistas despertavam as aporias nos seus ouvintes apenas com o intuito de se

apresentar como um conhecedor dos mais enigmaacuteticos problemas118

que ao

homem poderiam se apresentar para em seguida rapidamente os resolver

Assim diz Heidegger em sua conferecircncia O que eacute isto ndash a filosofia acerca

desses sofistas e de sua entrada neste momento oportuno em que o saber se

demorava ante esse entre do misteacuterio

O ente no ser isto se tornou para os gregos o mais espantador Entretanto mesmo os gregos tiveram que salvar e proteger o poder

do espanto deste mais espantoso ndash contra o ataque do entendimento sofista que dispunha logo de uma explicaccedilatildeo compreensiacutevel para qualquer um para tudo e a difundia A salvaccedilatildeo do mais espantoso ndash

ente no ser ndash se deu pelo fato de que alguns se fizeram a caminho na sua direccedilatildeo quer dizer do sophoacuten Estes tornaram-se por isso

aqueles que tendiam para o sophoacuten e que atraveacutes de sua proacutepria aspiraccedilatildeo despertavam nos outros homens o anseio pelo sophoacuten e o

mantinham aceso O philein to sophoacuten aquele acordo com o sophoacuten de que falamos acima a harmonia transformou-se em oacuterecsis num aspirar pelo sophoacuten O sophoacuten ndash o ente no ser ndash eacute agora

propriamente procurado Pelo fato de o philein natildeo ser mais um acordo originaacuterio com o sophoacuten mas um singular aspirar pelo

sophoacuten o philein to sophoacuten torna-se ldquophilosophiacuteardquo Essa aspiraccedilatildeo eacute determinada pelo Eacuteros

119

A de-cisatildeo120

de demorar-se na abertura na cisatildeo entre o que se oculta

cada vez mais que se mostrava teve para se proteger deste ataque dos

118

Sobre essa postura sofistica ante as aporias e tambeacutem acerca de seu domiacutenio da linguagem conferir a Metafiacutesica de Aristoacuteteles onde ente ao tratar dos problemas dos

contraacuterios enfrenta tanto os dialeacuteticos como os sofista dizendo que aos primeiros era preciso uma argumentaccedilatildeo da problemaacutetica ela mesma para que se revelasse onde estavam se

equivocando jaacute aos segundos era necessaacuterio um constrangimento loacutegico pois esses natildeo buscavam a verdade mas falavam apenas pelo prazer de falar seu falar era meramente dominado pela intenccedilatildeo de um benefiacutecio proacuteprio 119

HEIDEGGER O que eacute isto ndash a filosofia p32 120

Pensamos que no expressatildeo de-cisatildeo guardamos a marca da abertura da cisatildeo do

misteacuterio ao aberto do decircs-velamento De-cidir eacute manter-se nesse entre do dia-logo eacute demorar-se na clareira Jaacute na expressatildeo posiccedilatildeo escutamos o eco daquela palavra que aqui se revelou

como a essecircncia do entendimento teacutecnico Posiccedilatildeo a noacutes remete diretamente aquele sin-tese

85

sofistas que se transformar num posicionamento Numa tomada de

posicionamento unilateral Diante isso eacute que neste percurso por noacutes aqui

trilhado somos levados a pensar que deixar-se ser guiado pelo acordo

harmonioso com o misteacuterio eacute uma de-cisatildeo bem mais vigorosa do que a

decisatildeo no sentido de um posicionar-se Diante as απορηας aporias primordiais

que na intenccedilatildeo de se beneficiar dos sofistas tanto Platatildeo como Aristoacuteteles

necessitaram salvar o espanto por amor ao saber tiveram que decidir por uma

αρθε um princiacutepio ideia ousia e de acordo com essa decisatildeo que a eles se

impocircs como o destinado pelo ser estabeleceram uma linguagem um logos

proposicional em confronto com o risco que se corria com a linguagem poeacutetica

desde primeiros e mais profundos pensadores

Poreacutem o que em Platatildeo e Aristoacuteteles ainda se mantinha como uma de-

cisatildeo adveniente do destinado pelo ser eacute esquecida ofuscada re-configurada

pelo modo outro de pensar latino que o segue Eacute nessa passagem do pensar

grego para o latino que Heidegger indica o ponto crucial do afastamento do

misteacuterio como o mais essencial agrave essecircncia da verdade enquanto decircs-

velamento do esquecimento da cisatildeo que mantendo o pensador no espanto do

entre o protegia o res-guardava da decadecircncia da unilateralidade Por uma

vontade de progresso de decircs-envolvimento essa decisatildeo agora jaacute entendida

como tomada de posiccedilatildeo passa a controlar a razatildeo o pensar torna-se

entendimento o ιογος torna-se loacutegica A αιήζεηα torna-se veritas adequatio

corretude verdade Seguindo sempre adiante sem tempo para parar e olhar

para a proveniecircncia de onde haacute muito eacute enviado o que nos eacute destinado segue

esse decircs-envolvimento A linguagem o pensar que se davam como obra

como poiacuteesis torna-se uma linguagem predicativa proposicional torna-se re-

presentaccedilatildeo passando a dominar praticamente todos os acircmbitos do humano

A de-cisatildeo enquanto com-fronto disputa originaacuteria enquanto a απορηα que

levou o homem a imobilidade retorna na era da teacutecnica pela presenccedila uacutenica da

exigecircncia de um posicionamento A falta de aporia pela certeza imposta pela

pressa dos negoacutecios do desenvolvimento da teacutecnica eacute que agora imobiliza a

capacidade do homem a um confronto verdadeiro radical com o poder de

dominaccedilatildeo que se impotildee sobre ele

onde o sin eacute o por junto e o tese eacute em uma posiccedilatildeo Sin-tese em grego Ge-stell em alematildeo eacute

marca caracteriacutestica da unilateralidade da representaccedilatildeo

86

Diante essa nova imobilidade Heidegger por meio do pensar do poetar

busca redespertar esta aporia perdida aquele acordo originaacuterio aquela

harmonia essencial com o ser Urge uma nova tomada de de-cisatildeo ante a

pressa que impede qualquer parar meditativo-poeacutetico qualquer esperar

escutar Torna-se necessaacuterio o risco de se lanccedilar o olhar agraves profundezas das

alturas e aiacute cair no poccedilo outra vez Potildee-se o arriscar-se a ir-agrave-proximidade do

misteacuterio e se permitir ser entorpecido ldquona boca e na almardquo121

por esse demorar-

se no entre nesta abertura na clareira do ser Mas como pode o homem da

era da teacutecnica do entendimento representativo atingir a profundidade do

misteacuterio Como atingir essa serenidade que guarda a medranccedila do que salva

Trilhemos mais essas questotildees que se potildeem antes de nos demorarmos onde a

muito somos convocados

44 Da procura ao Aguardar o silencioso caminhar na vereda

Pensamos na serenidade como a disposiccedilatildeo que guarda em seu seio a

medranccedila do que salva Estaacute que enquanto um dizer sim e natildeo a teacutecnica nos

liberta da servidatildeo aos objetos e pensamento teacutecnico bem em seu seio Que

como este demorar-se no entre do aberto do misteacuterio da cisatildeo proveniente do

ser ao homem o devolve o conduz a um retorno ao habitar que lhe fora

confiado doado Pensamos essa serenidade em meio a um intenso domiacutenio da

teacutecnica sobre praticamente todos os acircmbitos do humano mas como se tornaraacute

possiacutevel quebrar essas algemas do entendimento representativo loacutegico e

aceder a esta serenidade Qual o procedimento o meacutetodo a forma de

aquisiccedilatildeo desta serenidade Como re-significar a linguagem proposicional

predicativa abrindo a ela a possibilidade do diaacutelogo com a linguagem poeacutetica

Essas perguntas de forma alguma nos conduziratildeo a esta serenidade a essa

121

Faz-se aqui uma alusatildeo ao estado que Mecircnon ao dialogar com Soacutecrates eacute levado pelo seu discurso Um entorpecimento que Platatildeo potildee como o movimento necessaacuterio a rememoraccedilatildeo

fonte de saber Conferir Mecircnon 80 b

E de que modo procuraraacutes Soacutecrates aquilo que natildeo sabes absolutamente o que eacute

Platatildeo Mecircnon

87

proximidade pois satildeo ainda perguntas loacutegicas do acircmbito da representaccedilatildeo

Procedimento meacutetodo adquirir re-significar satildeo todas expressotildees da re-

presentaccedilatildeo Aqui outra relaccedilatildeo com o que se potildee neste aberto do entre se

coloca

Platatildeo em um diaacutelogo no qual se investiga de qual o modo o homem

pode possuir a virtude ἀρεηή faz Mecircnon apoacutes ser levado a uma profunda

aporia sobre o que seja a justiccedila ela mesma ao estilo sofiacutestico perguntar a

Soacutecrates se eacute realmente possiacutevel aprender aquilo que absolutamente natildeo se

conhece Como eacute possiacutevel pela investigaccedilatildeo adquirir aquilo que mesmo ao

dar-se se fecha em si mesmo Como podemos conhecer esse misteacuterio atingir

essa serenidade Quem investiga busca por algo que previamente conta de

antematildeo conta previamente com algum resultado parte de uma instacircncia por

um determinado meacutetodo em alguma direccedilatildeo Mas como investigar algo que

absolutamente ainda natildeo haacute que informaccedilatildeo alguma tem-se dele Essas

perguntas jaacute estatildeo presentes no nascimento da Metafiacutesica tanto com Platatildeo

como com Aristoacuteteles Soacute que a pressa as potildee sempre de lado e nos decircs-via

ao desenvolvimento do que jaacute temos em matildeo do mais faacutecil de produzir do uacutetil

Leiamos algumas palavras de Heidegger acerca desse meacutetodo investigativo

A sua particularidade consiste no fato de que quando concebemos um plano investigamos ou organizamos uma empresa contamos sempre com condiccedilotildees preacutevias que consideramos em funccedilatildeo do

objetivo que pretendemos atingir Contamos antecipadamente com determinados resultados Este caacutelculo caracteriza todo o pensamento

planificador () o pensamento que calcula faz caacutelculos Faz sempre caacutelculos com possibilidades continuamente novas sempre com maiores perspectivas e simultaneamente mais econocircmicas O

pensamento que calcula corre de oportunidade em oportunidade 122

A serenidade que aguardamos natildeo chega a nossa proximidade por uma

investigaccedilatildeo meacutetodo ou atividade pelo contraacuterio eacute por ela afastada Entatildeo ao

homem natildeo resta nada a natildeo ser esperar ficar na passividade esperando que

algo ocorra e que lhe desperte essa serenidade Heidegger nomeia por

aguardar (warten) essa disposiccedilatildeo que em confronto com a investigaccedilatildeo eacute

mais apropriada agrave serenidade Um aguardar que natildeo eacute um mero espera que

natildeo eacute nunca um ficar na expectativa (erwaten) Aguardar natildeo eacute aqui um mero

122

HEIDEGGER Serenidade p 13

88

ficar na passividade esperando que algo ocorra Nem tambeacutem eacute a atividade da

investigaccedilatildeo que quer que algo chegue a determinado resultado Natildeo eacute

passividade nem atividade Eacute um trabalhar-se um obrar-se no sentido de uma

atenccedilatildeo um cuidado ao silecircncio do que se oculta do que nesse ocultar-se se

re-colhe se res-guarda Eacute aquela disposiccedilatildeo daquele caminhante que

trilhando um caminho ainda natildeo aberto que caminhando em uma mata virgem

aguarda pelo que advenha como o caminho pelo qual deve continuar seguindo

Eacute entatildeo aquele respeito aquele carinho amor philein pelo que lhe envolve

Naquela ocasiatildeo que o repouso se mostra o movimento mais apropriado diante

a aporia que se apresenta que lhe envolve ldquoDificilmente podemos alcanccedilar a

serenidade de uma forma mais adequada do que por meio de uma ocasiatildeo

para nos envolvermosrdquo 123

O querer eacute sempre um querer algo Eacute jaacute estar na expectativa A serenidade

como esse aguardar natildeo espera natildeo quer algo O que concerne a esse

aguardar natildeo eacute algo natildeo eacute um ente mas eacute a abertura eacute a clareira Eacute um

recebimento com gratidatildeo ao que brota para si do seio do ser da θσζης da

natureza Essa passagem do querer ao aguardar sereno eacute o caminho a se

seguir na ida agrave proximidade do que guarda a medranccedila do que salva Grato

com o que lhe eacute destinado o caminhante sereno lhe co-responde Liberto de

anseios e vontade o homem recebe a tarefa de guardiatildeo da clareira do brotar

guardiatildeo do diaacutelogo se apresenta como a outra possibilidade ante o perigo que

ameaccedila

Mantendo-se insistentemente nesse entre nessa abertura da cisatildeo do

misteacuterio lhe eacute destinado o Acontecimento-poeacutetico-apropriativo Ereignes da

histoacuteria do homem pois ldquoaquilo que permanece funda os poetasrdquo nas palavras

de Houmllderlin ou o que podemos escutar no eco da palavra por Goethe usada

onde ao inveacutes de usar para dar sentido a perdurar a palavra alematilde fortwaumlhrenI

usa a palavra misteriosa fortgewaumlhren como um continuar a conceder 124

O

que aiacute eacute entatildeo colhido com gratidatildeo como esse que insistentemente se demora

nisso que continua a conceder eacute levado ao homem por esse mensageiro

αγγειος como uma possibilidade de uma nova manhatilde de um novo momento

da histoacuteria Essa possibilidade que pela exploraccedilatildeo de tudo que estaacute dado potildee

123

Idem p45 124

HEIDEGGER A questatildeo da teacutecnica p 33

89

em fuga a possibilidade do inaugural que eacute confiado apenas agravequeles que se

demoram insistentemente no aguardar Aqueles que adentram na floresta natildeo

com intenccedilatildeo de uma exploraccedilatildeo de mais um mercado que lhe renderaacute um

oacutetimo negoacutecio ao comeacutercio mas agravequele que como protetor adentra na floresta

para lhe escutar e lhe res-guardar em seu cuidado

Esta natildeo eacute uma tarefa faacutecil pois aiacute trilha-se natildeo por uma estrada aberta e

segura mas trilha-se por uma vereda que insistentemente lhe potildee o fechado a

frente lhe envolvendo no risco do que absolutamente natildeo se conhece Assim

co-respondendo ao que lhe eacute confiado este caminhante deve insistentemente

demorar-se nessa aguardar do inaugural Qual o sentido dessa insistecircncia que

diversas vezes se apresentou em nosso trilhar Na conversa que eacute colhida de

um passeio do campo Heidegger nos escreve uns versos escutado de um

amigo sobre o que poderia ser pensado como o sentido dessa insistecircncia

Receber a salvo Para longa constacircncia

A verdade que estaacute a ser Nunca soacute algo verdadeiro Que o coraccedilatildeo pensante peccedila

Agrave singela paciecircncia A generosidade uacutenica

Do nobre recordar 125

Se Platatildeo como resposta a aporia acerca da possibilidade de se

aprender o que absolutamente natildeo se conhece fala de uma ἀλάκλεζης

anaminesis rememoraccedilatildeo de um recordar aqui tambeacutem o recordar se

apresenta ldquoA generosidade uacutenica do nobre recordarrdquo Recordando aquele

habitar na proximidade agrave fonte escuta-se o chamado a um novo momento da

histoacuteria a ser trilhado O nobre caminhante se depara no silecircncio da aporia do

entre com o canto de sua Matildee Este eacute convocado ao envolver-se em seu ser

Na disposiccedilatildeo da serenidade a nobreza natildeo eacute mais aquele tiacutetulo que indica um

possuidor de terras ou uma rica famiacutelia detentora de poder financeiro Nobreza

aqui eacute aquilo que tem proveniecircncia O caminhante nobre natildeo eacute dono da terra

na qual habita mas eacute filho dela eacute por ela aceito em seu seio ldquoA nobreza de

caraacuteter seria a essecircncia do pensamento (Denkens) e com isso do

125

HEIDEGGER Serenidade p 59

90

agradecimento (Dankens) Desse agradecimento que natildeo apenas agradece por

algo mas que apenas agradece por agradecerrdquo 126

Nesse nobre caminhar natildeo chegamos a um ponto final onde atingimos a

serenidade ante o misteacuterio e o misteacuterio natildeo eacute por noacutes adquirido O que se daacute eacute

aquele ir-agrave-proximidade eacute um adentrar a vizinhanccedila Com Heraacuteclito Heidegger

pensa esse ir-agrave-proximidade como uma traduccedilatildeo apropriada a esta conversa

do fragmento 122 de Heraacuteclito o menor dos fragmentos que possui uma soacute

palavra Ἀγτηβαζίε aproximar-se ir proacuteximo ser-admitido-no-sei-da-

proximidade Nosso trilhar poderia ser pensado entatildeo como esse ir-agrave-

proximidade Assim escreve Heidegger nas uacuteltimas linhas da conversa acerca

da serenidade

Que nos guiou pela noite dentro cujo brilho eacute cada vez mais

deslumbrante e supera em maravilha as estrelas porque aproxima entre si suas distacircncias no ceacuteu pelo menos para o observador ingecircnuo natildeo para o investigador exato Para a crianccedila no Homem a

noite permanece a aproximadoracostureira das estrelas Ela junta sem costura bainha nem linha

127

Assim natildeo se deve buscar aceder agrave serenidade com a intenccedilatildeo de lhe

atingir e lhe ter em posse A tarefa que fica ao homem em meio ao perigo da

dominaccedilatildeo da teacutecnica eacute algo diferente do querer do atingir do ter em posse A

tarefa que urge eacute a de um aguardar grato insistente no entre da serenidade

como esse demorar-se na proximidade na vizinhanccedila do misteacuterio Eacute pocircr no

sentido de um deixar-que em diaacute-logo esse pensamento que calcula com esse

pensamento poeacutetico que medita Cuidar de si do que lhe eacute essencial ou seja

cuidar da guarda dos misteacuterios da natureza que a si foi concedido Cuidar da

linguagem para que essa natildeo venha a decair completamente em um mero

falatoacuterio em mera proposiccedilatildeo e representaccedilatildeo mas que ela retorne ao que lhe

eacute mais proacuteprio que eacute o inaugurar o nomear o pocircr-em-obra Sua tarefa eacute cuidar

do pensamento pelo pensar ele mesmo salvando-o do ordinaacuterio e habitual

entendimento que calcula da loacutegica assim o res-guardando a possibilidade a

si mais autecircntica do meditar de poetar ante o misteacuterio Res-guardar as

relaccedilotildees dos homens entre si e entre as coisas de uma fraacutegil relaccedilatildeo sujeito-

objeto uma relaccedilatildeo egoica fundada no eu e tu e nesse resguardar permitir

126

Idem p 63 127

Idem pp68-69

91

uma outra relaccedilatildeo onde o diaacute-logo estaacute em seu seio onde a co-pertenccedila

permeia o todo Proteger a verdade como αιεζεηα decircs-encobrimento da

verdade como adequatio veritas corretude Eacute esse o sentido do que seja a

serenidade como a medranccedila do que salva Eacute a essa vizinhanccedila que fomos

levados por esse caminhar por esse caminho da floresta Holzwege por estas

sendas do pensamento por esta vereda Escutemos por fim estas uacuteltimas

palavras as quais por Heidegger foram usadas nas linhas finais de sua obra

acerca da arte A origem da obra de arte palavra de Houmllderlin um poeta que

para ele era os poetas dos poetasldquoDificilmente abandona O que mora na

proximidade do originaacuterio o lugarrdquo 128

128

HEIDEGGER A origem da obra de arte p201

92

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A-cerca do entendimento humano O salto na vereda

Pensamos neste caminhar sobre o homem o seu tempo atual sua

essecircncia e o que a este se apresenta como uma ameaccedila Pensamos na

teacutecnica na arte na serenidade Pensamos no ser na verdade e na linguagem

Adentramos estas questotildees com a proposta de dar um retorno agrave leitura que

fazemos do presente

O homem encontra-se em um estaacutegio de sua histoacuteria em que o

entendimento eacute apresentado como seu grande poder Um entendimento em

maior parte dominado pelo cientiacutefico pelo teacutecnico pelo comercial A razatildeo eacute

um grande negoacutecio para o capital principalmente quando o desenvolvimento

desta razatildeo eacute diretamente ligado agrave produccedilatildeo de um novo produto investido pelo

capital e para o capital Assim encontra-se em grande parte a razatildeo do homem

no presente Uma razatildeo que lhe foi de grande utilidade para lhe proteger das

ameaccedilas do incerto para lhe proteger do espanto do dando-lhe a seguranccedila e

conforto almejados Uma razatildeo que surge como instrumento de dominaccedilatildeo

ameaccedila fugir-lhe do seu controle para passar assim ao domiacutenio

Eacute assim que pensamos a-cerca do entendimento humano como essa cerca

que o aprisiona na dominaccedilatildeo do que seja entendido como o proacuteprio

entendimento O entendimento humano torna-se assim a cerca do humano

Uma cerca sem porta de saiacuteda onde o uacutenico caminho de uma fuga de

uma libertaccedilatildeo se apresenta como um salto Saltando sobre essa cerca para o

que estaacute aleacutem do que por ele foi aberto e dominado por sua razatildeo Este campo

aberto produzido para a sua seguranccedila o amedronta no presente momento de

sua histoacuteria com o perigo de uma escassez do adveniente do misteacuterio do que o

cerca Uma escassez de outra possibilidade que possa lhe salvaguardar da

iminente dominaccedilatildeo que a teacutecnica impotildee como ameaccedila

Urge ao homem saltar essa cerca e corajosamente mesmo que nos

primeiros passos ainda bem desajeitados pela falta de costume com esse novo

ambiente adentrar a vereda do que fora desta cerca se mostra como fonte Eacute

preciso arriscar-se por essa mata virgem em ir-agrave-proximidade do misteacuterio da

93

fonte de onde brota a seiva que alimenta sua essecircncia antes que essa

enfraquecida pela falta de seus nutrientes essenciais padeccedila ante a ameaccedila

que lhe cerca Essa seiva que na cerca eacute o pensamento calculista natildeo eacute

possiacutevel encontraacute-la em lugar algum Devemos nos aproximar dessa silenciosa

fonte originaacuteria que haacute muito canta o homem pelo retorno ao seu habitat

essencial haacute muito o convoca ao salto no a-bismo

Urge o arriscar-se a cair novamente no poccedilo ficando assim exposto a

possibilidade do riso Eacute preciso jogar-se no poccedilo e retornar com a aacutegua fonte

de tudo que em seu acircmago nutre a essecircncia do homem Retornando assim

esse que poeticamente se arrisca mais carregaraacute consigo a possibilidade de

transmitir aos outros homens o que do seio da Matildee Terra recebeu como o

destino dos homens Guardaraacute consigo a possibilidade de doar o que lhe foi

doado Em seu retorno da vereda restar-lhe-aacute a tarefa ainda mais difiacutecil do

que aquele caminhar no fechado a de dia-logar com os que moram dentro da

cerca a tarefa de pocircr em dialogo em si mesmo e em relaccedilatildeo aos outros

poesia e loacutegica metafiacutesica e pensamento caacutelculo e meditaccedilatildeo identidade e

diferenccedila

Nesse trabalho que agora podemos chamar de diaacute-logo a demora nos

primeiros passos foi uma necessidade de enfrentar tanto o enrijecimento da

tradiccedilatildeo como a proacutepria linguagem habitual da qual nos servimos nesse

confronto com a tradiccedilatildeo Se os passos finais se apresentaram em menor

quantidade de palavras eacute porque nele o caminhar cuidadoso exigiu mais

silecircncio do que dizer mais escuta do que fala Encontramo-nos apenas a

caminho de um verdadeiro e real enfrentamento com o aqui pensado Um

enfrentamento que se daraacute em nossas vidas relaccedilotildees pensamentos

linguagem com o misteacuterio do que nos convoca a sua proximidade Uma

aproximaccedilatildeo na qual a cada passo que adentramos nossa linguagem habitual

torna-se cada vez mais perigosa de levar-nos a um des(en)vio no sentido de

um novo afastamento

Esse acircmbito ao qual chegamos nessa nossa con-versa eacute um acircmbito natildeo de

respostas mas onde deve brotar as essenciais perguntas tarefa de todo

pensador que nos seratildeo destinadas ao diaacutelogo com o presente no qual

94

existimos Agradeccedilo portanto a companhia nessa caminhada pela vereda

companhia essa que sem ela nenhum caminhar eacute propriamente um caminhar

verdadeiro

95

REFEREcircNCIAS

Obras de Heidegger

HEIDEGGER Martin A origem da obra de arte [1935-36] Trad br Idalina

Azevedo e Manuel Antonio de Castro Satildeo Paulo Ediccedilotildees 70 2010

______________ A origem da obra de arte In Caminhos de floresta Trad

port Irene Borges-Duarte e Filipa Pedroso 2 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste

Gulbenkian 2012

______________ A origem da obra de arte Trad port Maria da conceiccedilatildeo

CostaLisboa Ediccedilotildees 70

______________ El origen de la obra de arte In Arte y Poesiacutea Trad esp

Samuel Ramos Buenos Aires Fondo de cultura econoacutemica 1958

______________ A questatildeo da teacutecnica [1953] In Ensaios e conferecircncias

Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo Rio de Janeiro Vozes 2008

______________ Serenidade [1955] Trad port Maria Madalena Andrade e

Olga SantosLisboa Instituto Piaget

______________ Ser e tempo [1927] Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante 3 ed

Rio de Janeiro Editora universitaacuteria Satildeo Francisco 2008

______________ Houmllderlin y la esencia de la poesia [1936] In Arte y poesia

Trad esp Samuel Ramos Buenos Aires Fondo de cultura economica 1958

______________ Para que poetas [1946] In Caminhos de floresta Trad

port Irene Borges-Duarte e Filipa Pedroso 2 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste

Gulbenkian 2012

______________ A teoria platocircnica da verdade [193132 1940] In Marcas do

caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Vozes 2008

______________ A essecircncia e o conceito de θσζης em Aristoacuteteles ndash Fiacutesica Β

1 [1939] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini

Petroacutepolis Vozes 2008

______________ Carta sobre o humanismo [1946] In Marcas do caminho

Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Vozes 2008

______________ A essecircncia do fundamento [1929] In Marcas do caminho

Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo giachini Petroacutepolis Vozes 2008

96

______________ Hegel e os gregos [1958] In Marcas do caminho Trad br

Ernildo Stein e Enio Paulo giachini Petroacutepolis Vozes 2008

______________ A essecircncia da verdade [1930] In Marcas do caminho Trad

br Ernildo Stein e Enio Paulo giachini Petroacutepolis Vozes 2008

______________ A essecircncia da Verdade [1930] In Conferecircncias e escritos

filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo Stein Satildeo Paulo Nova

cultural 1996

______________ Que eacute metafiacutesica [192943] In Conferecircncias e escritos

filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo Stein Satildeo Paulo Nova

cultural 1996

______________ O que eacute isto ndash a filosofia [1956] In Conferecircncias e escritos

filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo Stein Satildeo Paulo Nova

cultural 1996

______________ Identidade e diferenccedila [1957] In Conferecircncias e escritos

filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo Stein Satildeo Paulo Nova

cultural 1996

______________ ldquo poeticamente o homem habitardquo [1951] In Ensaios e

conferecircncias Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante Schuback Rio de Janeiro

Vozes 2008

______________ O fim da filosofia e a tarefa do pensamento [1966] In

Conferecircncias e escritos filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo

Stein Satildeo Paulo Nova cultural 1996

______________ Nietzsche I [1961] Trad br Marcos Antocircnio Casanova Rio

de Janeiro Forense Universitaacuteria 2007

______________ Nietzsche II [1961] Trad br Marcos Antocircnio Casanova Rio

de Janeiro Forense Universitaacuteria 2007

______________ Ciecircncia e pensamento do sentido [1954] In Ensaios e

______________ A caminho da linguagem [1959] Trad Maacutercia de Saacute

Cavalcante Satildeo Paulo Editora vozes 2011

______________ A superaccedilatildeo da metafiacutesica [1936-46] In Ensaios e

conferecircncias Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante Schuback Rio de Janeiro

Vozes 2008

______________ Da experiecircncia do pensar [1960] Trad br Maria do Carmo

Tavares de Miranda Porto Alegre Editora Globo 1969

97

______________ Quem eacute o Zaratrusta de Nietszche [1953] In Ensaios e

conferecircncias Trad br Gilvan Fogel Rio de Janeiro Vozes 2008

Obras sobre Heidegger

GADAMER Hans-Georg Hermenecircutica em retrospectiva Trad br Marcos

Antocircnio Casanova Rio de Janeiro Vozes 2009

LOPARIC Zeljko Eacutetica e finitude 2 Ed Satildeo Paulo Editora Escuta 2004

NUNES Benedito Hermenecircutica e poesia o pensamento poeacutetico Org Maria

Joseacute Campos Belo Horizonte Ed UFMG 1999

______________ Passagem para o poeacutetico filosofia e poesia em Heidegger

Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2012

RUumlDIGER Francisco Martin Heidegger e a questatildeo da teacutecnica prospectos

acerca do futuro do homem Porto Alegre Sulina 2006

STEIN Ernildo Seminaacuterio sobre a verdade Liccedilotildees preliminares sobre o

paraacutegrafo 44 de Zein und Zeit Petroacutepolis Vozes 1993

____________ Diferenccedila e metafiacutesica ensaios sobre a desconstruccedilatildeo Ijuiacute

Editora Unijuiacute 2008

Outras obras

AUBENQUE Pierre O Problema do ser em Aristoacuteteles Ensaio sobre a

problemaacutetica aristoteacutelica Trad br Cristina de Souza Agostini e Diocleacutezio

Domingos Faustino Satildeo Paulo Paulus 2012

AQUINO Tomaacutes de Questotildees discutidas sobre a verdade Trad br Luiz Joatildeo

Barauacutena Satildeo Paulo Editora Nova Cultural 2004

ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmacos Trad br Mario de Gama Kury Brasilia

Editora UNB 1961

____________ Fiacutesica trad esp Guillermo R de Echandia Editorial Gredos

SA 1995

____________ Fiacutesica I-II trad br Lucas Angioni Campinas Editora Unicamp

2010

____________ Metafiacutesica trad br Giovanni Reale Satildeo Paulo Ediccedilotildees

Loyola 2013

98

____________ Oacuterganon Trad br Edson Bini Satildeo Paulo Edipro 2010

____________ Poeacutetica Trad pt Ana Maria Valente Lisboa Ediccedilatildeo da

Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkain 2004

BARROS Manoel Poesia completa Satildeo Paulo Leya 2013

BAUMGARTEN Alexander Esteacutetica ndash A loacutegica da arte e do poema [1750]

Trad br Mirian Sustter Medeiros Petroacutepolis RJ Vozes 1993

BRENTANO Franz Sobre los muacuteltiples significados del ente seguacuten Aristoacuteteles

[1862] Trad esp Manuel Abella Madri Encuentro 2007

BURNET John A aurora da filosofia grega Trad br Vera Ribeiro Rio de

Janeiro Contraponto 2006

CROCE Benedetto Breviaacuterio de Esteacutetica Aesthetica in Nuce [1912] Trad br

Rodolfo Ilari Jr Satildeo Paulo Editora Aacutetica 2001

DESCARTE Reneacute As paixotildees da alma Trad br J Guinsburg e Bento Prado

Juacutenior Satildeo Paulo Abril Cultural 1973

_______________ Meditaccedilotildees sobre a Filosofia primeira [1641] Trad br J

Guinsburg e Bento Prado Juacutenior Satildeo Paulo Abril Cultural 1973

FRANZINI Elio A esteacutetica do Seacuteculo XVIII Trad pt Isabel Teresa Santos

Lisboa Editorial Estampa 1999

HEGEL Georg W F Esteacutetica Trad br Orlando Vitorino Satildeo Paulo Editora

Nova Cultural coleccedilatildeo Os pensadores 1999

HESIacuteODO Teogonia Trad br Jaa Torrano 5 Ed Satildeo Paulo Ilumiuras 2003

________ Os trabalhos e os dias Trad br Luiz Otaacutevio Mantovaneli Satildeo

Paulo Odysseus 2011

HOumlLDERLIN Friedrich Hipeacuterion Ou o eremita da Greacutecia Lisboa Editora

Assiacuterio e Alvim 1997

HOMERO Iliacuteada Volumes I e II Trad Haroldo de Campos 2 Ed Satildeo Paulo

Benviraacute 2010

________ Odisseacuteia Volumes I II e III Trad br Donaldo Schuumller Porto Alegre

LampPM 2007

KANT Immanuel Criacutetica da faculdade de julgar [1793] Trad br 2 ed Editora

Forense Universitaacuteria 2007

_______ Criacutetica da razatildeo Pura Trad pt Manuela Pinto dos Santos e

Alexandre Fradique Mourujatildeo Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 2001

99

KIRK G S RAVEN J E e SCHOFIELD M Os filoacutesofos Preacute-Socraacuteticos

histoacuteria criacutetica com seleccedilatildeo de textos Trad port Carlos Alberto Louro Fonseca

Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1994

LAEcircRTIOS Diocircgenes Vida e doutrinas dos filoacutesofos ilustres Trad br Maacuterio da

Gama Kury 2 ed Brasiacutelia UNB 2014

LEAtildeO Emanuel Carneiro Anaximandro Parmecircnides Heraacuteclito Os

pensadores originaacuterios Braganccedila Editora universitaacuteria Satildeo Francisco 2005

LIDDELL Henry George SCOTT Robert A GreekndashEnglish Lexicon Oxford

Clarendon Press 1940

NIETZSCHE Friedrich Assim falou Zaratustra [1883-85] Trad br Paulo Cesar

de Souza Satildeo Paulo Companhia das letras 2011

__________________ Vontade de poder Trad br Marcos Sinesio Perreira

Moraes Rio de Janeiro 2008

PARMEcircNIDES Da Natureza Trad br Joseacute Trindade Santos Satildeo Paulo

Ediccedilotildees Loyola 2002

PEREIRA Isidro Dicionaacuterio de Portuguecircs-Grego Grego-Portuguecircs Satildeo Paulo

Ediccedilotildees Loyola 1984

PLATAtildeO O Banquete In Diaacutelogos ndash Platatildeo Coleccedilatildeo Os pensadores Joseacute

Cavalcante de Souza Trad br Edison Bini Satildeo Paulo Abril cultural 1972

_______ Iacuteon Trad pt Victor Jabouille Lisboa Editorial inqueacuterito 1988

_______ A Repuacuteblica Trad pt Maria Helena da Rocha Pereira 9 ed Lisboa

Fundaccedilatildeo Caloute Gulbenkian

_______ O Sofista In Diaacutelogos I ndash Platatildeo Trad br Edison Bini Satildeo Paulo

Edipro 2007

_______ Mecircnon Trad br Maura Igleacutesias Rio de JaneiroPUC-RIO Ediccedilotildees

Loyola 2005

SCHILLER Friedrich Cartas Sobre a Educaccedilatildeo Esteacutetica da Humanidade

[1795] Trad port Roberto Schwarz Satildeo Paulo EPU 1991

SPENGLER Oswald A decadecircncia do ocidente Trad br Herbert Caro 2ed

Rio de Janeiro Zahar Editores 1973

VAZ Lima Escritos de filosofia VII Raiacutezes da modernidade Satildeo Paulo

Ediccedilotildees Loyola 2002

Page 5: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:

5

6

A minha irmatilde Jessica pela

sinceridade com que leva a vida

Quando algueacutem nos admira eacute como

se tiveacutessemos um guardiatildeo que a

cada passo nos relembra nos res-

guarda em nosso caminho

A minha mulher Irlana que com seu

sorriso alegre me faz acreditar que eacute

sim possiacutevel

7

AGRADECIMENTO

Agradeccedilo antes de tudo a minha famiacutelia que esteve estaacute e com certeza

estaraacute presente em todos os momentos alegres e tristes de minha vida Que

ao me dizer que eu poderia ir muito longe me fez perceber que o meu caminho

eacute no sentido de ir cada vez mais para perto Amo vocecircs

A minha mulher Irlana que aleacutem da presenccedila do dia-a-dia acreditou e amou

junto comigo no que aqui venho a dizer Aleacutem de me proporcionar uma nova

famiacutelia

Aos meus amigos que por caminharem juntos sempre me alimentaram de um

bom acircnimo para seguir lutando pelo que acredito

Ao meu orientador Prof Eduardo Triandopolis que por me deixar caminhar

com minhas pernas com meu espiacuterito possibilitou que brotasse aquilo que

realmente estava em meu acircmago

Agrave banca examinadora agrave Professora Cristiane Marinho agrave Professora Tereza

Callado que ao lerem e comentarem o meu trabalho compuseram comigo a

essecircncia do diaacute-logo

Agradeccedilo tambeacutem em especial a todos os que um dia vierem a ler esta

pesquisa Que ela lhes animem tanto quanto me animou ao escrevecirc-la

Agrave natureza com seus bichinhos e plantas em uma harmonia tatildeo profunda e

contagiante que me revelou a essecircncia mais originaacuteria do que eacute a vida O estar

em comunhatildeo com o que nos cerca e nos compotildee

8

ldquoTodas as obras dos poetas mimeacuteticos se me afiguram ser a destruiccedilatildeo da

inteligecircncia dos ouvintes de quantos natildeo tiverem o antiacutedoto e o conhecimento

de sua verdadeira naturezardquo

(Platatildeo Repuacuteblica)

ldquoA arte como o uacutenico antiacutedoto superior contra toda e qualquer vontade de

negaccedilatildeo da vidardquo

(Nietzsche Vontade de poder)

9

RESUMO

Em que sentido a Serenidade como um diaacute-logo entre o pensamento que

calcula e o pensamento que medita um diaacute-logo entre a teacutecnica e a poesia em

conjunto com a abertura ao misteacuterio fonte originaacuterio de todos os vigentes se

apresentam como uma possibilidade um caminho de enfrentamento ao perigo

adveniente da crise resultante da dominaccedilatildeo global da teacutecnica nos acircmbitos

mais essenciais da vida Esse enfrentamento parece se dar no acircmbito da

linguagem e do pensar enquanto a morada do ser O homem como o guardiatildeo

dessa morada do ser eacute aquele que se abrindo ao misteacuterio do a ser destinado

pode arriscando-se ao saltar no abismo do que natildeo vige permitir ou melhor

ser permitido nessa outra possibilidade Aguardando correspondendo ao seu

destino o homem pode ser a medranccedila do que salva Para tal pesquisa

colocam-se aqui em diaacute-logo trecircs ensaios heideggerianos A questatildeo da

teacutecnica A origem da obra de arte e Serenidade Buscamos uma relaccedilatildeo destes

ensaios com outros ensaios centrais de Heidegger assim como sua relaccedilatildeo

com os filoacutesofos que lhe foram fundamentais para que ele chegasse onde

chegou Portanto buscamos pensar as questotildees presentes a partir de suas

origens enquanto questotildees eacuteticas esteacuteticas e metafiacutesicas Aleacutem de re-colocar

questotildees fundamentais agrave filosofia como a questatildeo do ser da verdade e da

linguagem Trata-se aqui de um debate contemporacircneo com a tradiccedilatildeo que

busca res-guardar algo originaacuterio que caiu no esquecimento

PALAVRAS-CHAVE Serenidade Misteacuterio Teacutecnica Arte Verdade

10

ABSTRACT

Think in what sense the Serenity as a con-versation between thinking that

calculates and thought that meditates a con-versation between technique and

poetry together with openness to the mystery source originating in all existing

present as a possibility one danger facing path arising the resulting crisis of

global technical domination over all the most essential areas of human A

confrontation so that occurs in the context of language and thinking while the

same namely the abode of being Man as the guardian of this home of being is

one that opening up the mystery of themselves for can risking to jump into the

abyss than not prevails allow or rather be allowed that another possibility

Waiting corresponding to its destination the man may be the possibility than

saved For such research put into day-logo Heideggerians three tests The

question of technique The origin of the artwork and Serenity Seeking a list of

these tests with the central test Heidegger as well as their relationship with the

philosophers that this was essential for this came near unto arrived So its a

research that seeks to think the issues present from its origins Debating issues

Ethics Aesthetics and Metaphysics In addition to re-raising fundamental

questions of philosophy and of being of truth and language A contemporary

debate in confrontation with the tradition and re-save something original search

that fell by the wayside

KEYWORDS SERENITY MYSTERY TECHNICAL ART TRUTH

11

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO O silencioso chamado O caminho que urge 11

2 O PERIGO QUE AMEACcedilA UM OLHAR Agrave ESSEcircNCIA DA TEacuteCNICA 14

21 DA PERGUNTA PELA TEacuteCNICA Agrave PERGUNTA PELA ESSEcircNCIA SOBRE A

QUESTAtildeO DO SER

14

22 A LIVRE RELACcedilAtildeO COM A TEacuteCNICA DA CORRETUDE Agrave VERDADE 21

23 TEacuteCNICA GREGA E MODERNA DA POIacuteESIS Agrave EXPLORACcedilAtildeO 26

24 DIS-PONIBILIDADE E COM-POSICcedilAtildeO ACERCA DO DESVELAMENTO

EXPLORADOR DA TEacuteCNICA MODERNA

31

3 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES ACERCA DA ESSEcircNCIA DA

ARTE

38

31 ldquoONDE MORA O PERIGO CRESCE O QUE SALVArdquo DA PERGUNTA PELA

TEacuteCNICA Agrave PERGUNTA PELA ARTE

38

32 O ORIGINAacuteRIO DA OBRA DE ARTE O POcircR-EM-OBRA DA VERDADE 44

33 PENSAMENTO POEacuteTICO UM DIZER SILENCIOSO 54

34 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES UM SALTO NA VEREDA 63

4 O CAMINHAR SERENO UM AGUARDAR NA PROXIMIDADE DO MISTEacuteRIO 71

41 DA DESTRUICcedilAtildeO Agrave SUPERACcedilAtildeO DA METAFIacuteSICA ACERCA DA

IDENTIDADE E DIFERENCcedilA

71

42 SERENIDADE O DIZER SIM E NAtildeO Agrave TEacuteCNICA 76

43 DA ABERTURA OU MISTEacuteRIO O DEMORAR-SE NO ENTRE 80

44 DA ABERTURA AO AGUARDAR O CAMINHAR SERENO NA VEREDA 85

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS ndash A-CERCA DO ENTENDIMENTO HUMANO O

SALTO NA VEREDA

91

REFEREcircNCIAS 94

12

1 INTRODUCcedilAtildeO

O silencioso chamado O caminho que urge

A presente pesquisa tem como proposta pensar a problemaacutetica apontada

por Heidegger no acircmbito da dominaccedilatildeo da teacutecnica no presente momento da

humanidade Adentrando esta problemaacutetica buscaremos ir ao fundo das

questotildees para demonstrarmos quatildeo dominado encontra-se o homem e assim

pensar em que sentido eacute possiacutevel reconhecer essa crise e qual o meio que

devemos proceder para efetivar esse reconhecimento Ao fazermos uma

imersatildeo nos textos de Heidegger buscaremos a partir do que foi por ele

pensado enfrentar essas questotildees Destacaram-se para esta pesquisa trecircs

conferecircncias em especial A questatildeo da teacutecnica (1953) A origem da obra de

arte (1936) e Serenidade (1955)

Neste primeiro ensaio Heidegger pensa a crise de seu tempo como uma

crise que tem por base o modo como se encara a teacutecnica o saber a linguagem

e o ser Esse modo de pensar e dizer vem se desenvolvendo a partir do seu

olhar nos primoacuterdios da Filosofia ateacute o periacuteodo claacutessico com Platatildeo e

Aristoacuteteles

Esse saber encontra-se naquilo que ele chama de seu ldquoestaacutegio de

acabamentordquo onde a teacutecnica passa a reger e a dominar quase que

completamente todos os acircmbitos do humano ameaccedilando-o em sua essecircncia

Assim ao sermos remetidos a uma leitura mais aprofundada deste ensaio nos

confrontamos com os escritos de outros filoacutesofos como Platatildeo Aristoacuteteles e

tambeacutem Tomaacutes de Aquino Descartes Kant Hegel e Nietzsche Contudo em

cada um destes pensadores teremos um olhar voltado agraves questotildees

heideggerianas que aqui buscamos pensar

Pensada a problemaacutetica e identificado o caminho que se mostrou como

alternativa agrave dominaccedilatildeo da teacutecnica sobre o homem passaremos ao segundo

momento de nossa pesquisa Um debate acerca de um ensaio anterior na

ordem do tempo ao ensaio da teacutecnica mas na nossa pesquisa

metodologicamente discutido em um momento posterior

13

A origem da obra de arte eacute o resultado de trecircs conferecircncias que se puseram

a tratar da questatildeo da arte e de sua essecircncia Na busca pela essecircncia da arte

enfrentaremos com Heidegger aleacutem da sempre presente questatildeo do ser e da

verdade questotildees esteacuteticas e outras acerca do estatuto do que venha a ser a

Esteacutetica como um campo do saber filosoacutefico Nessa busca de um retorno ao

que seja o originaacuterio na arte teremos em vista o que haacute na essecircncia da arte

que possa vir a se apresentar como aquela possibilidade de confronto agrave crise

identificada no primeiro ensaio portanto algumas questotildees concernentes a

esse ensaio que diante o nosso olhar natildeo estatildeo propriamente ligadas ao que

aqui se busca natildeo seratildeo tratadas com a profundidade com a qual trataremos

as que propriamente se colocam em nosso caminho Outros ensaios

heideggerianos acerca da arte do poeacutetico da linguagem assim como do

pensamento de Nietzsche sobre a arte faratildeo parte deste segundo momento de

nossa pesquisa contudo novamente como no primeiro ensaio a estes nos

reportaremos na medida em que isso se mostrar apropriado ao curso do nosso

caminhar

Tendo sido feita a leitura destes dois ensaios iniciais onde o primeiro

apresenta a problemaacutetica e o segundo nos mostra uma outra possibilidade de

confronto adentraremos o ensaio que nos permitiraacute pensar que tipo de

confronto ocorre entre a teacutecnica e a arte pensada por Heidegger

Com o ensaio Serenidade ensaio norteador deste trilhar como um todo

pensaremos em questotildees como inversatildeo retorno diaacute-logo siacutentese identidade

e diferenccedila poreacutem para que estas questotildees natildeo nos sejam apresentadas de

fora o que nos transporia a um acircmbito completamente diferente do que aqui se

intenta adentrar percorreremos lentamente cuidadosamente e

insistentemente passo a passo ou seja no interior das questotildees ateacute que

estas se apresentem a noacutes no que elas satildeo

Para tanto como eacute caracteriacutestico na leitura dos escritos heideggerianos

duas questotildees que lhes satildeo centrais e que o acompanham por todo o seu

pensar devem ser devidamente tratadas para que assim esse caminhar

parta desde os primeiros passos de dentro de sua filosofia Satildeo estas as

questotildees da verdade e do ser Estas questotildees seratildeo tratadas a partir de uma

trilogia pensada pelo proacuteprio autor como inter-ligadas onde uma natildeo pode

devidamente ser pensada sem a outra Essa trilogia eacute composta assim pelas

14

conferecircncias O que eacute metafiacutesica (1929) A essecircncia da verdade (1930) e A

questatildeo do fundamento (1929)

Assim percorrido o caminho desta pesquisa buscaremos com o devido

cuidado e responsabilidade para com o leitor apresentar o resultado de um

profundo esforccedilo de pesquisa sobre o essencial ao homem sua situaccedilatildeo

presente e sobre uma possibilidade de enfrentamento de alguns dos problemas

que se apresentam como os mais ameaccediladores e perigosos para sua

existecircncia

A serenidade como uma revoluccedilatildeo radical eacute nossa meta neste trabalho

pois busca as raiacutezes de onde se radica uma vasta gama de problemaacuteticas

Uma disposiccedilatildeo que soacute se mostraraacute livre de diversos preconceitos que a ela

possam ser atribuiacutedos apoacutes essa leitura interior Aqui como interior tem-se a

necessidade de um ultrapassar da razatildeo no sentido de uma escuta ao coraccedilatildeo

e ao caminho proposto Soacute por esse olhar interior a serenidade se mostraraacute

natildeo como uma mera passividade que se ausenta daquilo que no presente

momento histoacuterico urge mas se mostraraacute como aquela accedilatildeo mais radical de

confronto agrave crise a qual vem passando toda a humanidade

Eacute portanto com o maior vigor da seriedade e responsabilidade que

devemos ter sobre o nosso presente momento e lugar que se faz aqui esse

convite agrave leitura das palavras que se seguem Palavras que pretendem ser uma

conversa entre o que a partir deste caminhar junto poderemos chamar de

amigos

15

2 O PERIGO QUE AMEACcedilA UM OLHAR Agrave ESSEcircNCIA DA TEacuteCNICA

Neste capiacutetulo seratildeo tratadas as questotildees acerca da teacutecnica e de sua

essecircncia com isso seraacute possiacutevel refletir o sentido da crise apontada por

Heidegger agrave sociedade atual Diante do sentido desta crise seraacute buscada

junto ao filoacutesofo uma indicaccedilatildeo de um caminho de fuga de confronto de

superaccedilatildeo Para tal investigaccedilatildeo se daraacute de iniacutecio uma breve introduccedilatildeo ao

pensar heideggeriano concernente ao ser e agrave verdade pontos centrais em toda

sua obra filosoacutefica Em seguida abordaremos os questionamentos presentes no

ensaio A questatildeo da teacutecnica (1953) relacionados com o caminho que aqui

buscamos traccedilar

21 Da pergunta pela teacutecnica agrave pergunta pela essecircncia A questatildeo do ser

A pergunta pela teacutecnica seraacute desenvolvida no sentido de indicar uma

situaccedilatildeo criacutetica da humanidade atual e do modo como esse homem se

relaciona com o ambiente que o cerca Uma situaccedilatildeo que segundo o filoacutesofo

Martin Heidegger (1889-1976) tem na concepccedilatildeo teacutecnica loacutegico-cientiacutefica e

metafiacutesico-filosoacutefica o centro da problemaacutetica contudo natildeo se trata aqui de

negar ou afirmar cegamente a teacutecnica mas de desenvolver um questionamento

que abra nossa presenccedila para uma livre relaccedilatildeo com esta pois soacute em uma

relaccedilatildeo livre pode-se saber o que eacute verdadeiramente a teacutecnica pode-se

A infacircncia da palavra jaacute vem com o primitivismo

das origens

Nossas palavras se juntavam uma na outra por

amor e natildeo por sintaxe

Manoel de Barros Menino do mato

ldquo pois eacute evidente que haacute muito sabeis o que

propriamente quereis designar quando empregais a expressatildeo bdquoente‟ Outrora tambeacutem noacutes

julgaacutevamos saber agora poreacutem caiacutemos em aporiardquo

Platatildeo O sofista

Ningueacutem de noacutes na verdade tinha forccedila de fonte

Ningueacutem era iniacutecio de nada

Manoel de Barros Poemas rupestres

16

experienciar sua essecircncia Para esta caminhada Heidegger iniciaria com a

pergunta Qual a essecircncia da teacutecnica

Natildeo podemos considerar Heidegger um filoacutesofo sistemaacutetico pelo contraacuterio

seus questionamentos se entrelaccedilam em todo o conjunto de sua obra Pode-se

ler as questotildees do ser e da verdade estas que lhes satildeo fundamentais em

seus diversos escritos e conferecircncias e eacute assim que se daacute com a teacutecnica

Diversos satildeo os escritos onde podemos ler algo relacionado com a questatildeo

poreacutem eacute no ensaio A questatildeo da teacutecnica que se encontra em uma coletacircnea

de textos intitulada pelo proacuteprio autor de Ensaios e conferecircncias que podemos

encontrar este tema com um maior vigor de desenvolvimento Daiacute tomarmos

esse ensaio como base central para esta investigaccedilatildeo mas sempre buscando

relacionaacute-lo com outros textos e autores

Qual a essecircncia da teacutecnica Heidegger nos indica duas respostas dadas

pela tradiccedilatildeo respostas estas que se concatenam em uma Diz i) ldquoA teacutecnica eacute

um meio para um fimrdquo ii) ldquoA teacutecnica eacute uma atividade do homemrdquo Estas

determinaccedilotildees correntes da teacutecnica Heidegger chama de ldquodeterminaccedilatildeo

instrumental e antropoloacutegica da teacutecnicardquo 1 mas para que atividade do homem

eacute a teacutecnica um instrumento e meio Como se desenvolveu o interesse por seu

domiacutenio Surgiu para suprir nossas necessidades baacutesicas para que o homem

pudesse dominar e se assegurar das incertezas advindas das diversidades do

ambiente que o circunda bastando para isso que o homem domine a teacutecnica

com todo seu empenho Eacute nesse sentido que diz Heidegger

A concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica guia todo esforccedilo para colocar o

homem num relacionamento direto com a teacutecnica Tudo depende de se manipular a teacutecnica enquanto meio e instrumento da maneira devida Pretende-se como se costuma dizer ldquomanusear com espiacuterito

a teacutecnicardquo Pretende-se dominar a teacutecnica Este querer dominar torna-se tanto mais urgente quanto mais a teacutecnica ameaccedila escapar ao

controle do homem 2

O instrumento que lhe levaria a seguranccedila pelo domiacutenio da natureza

ameaccedila-lhe fugir ao controle Eacute essa ameaccedila que desperta no filoacutesofo a

necessidade de uma real investigaccedilatildeo de sua essecircncia portanto

recoloquemos a questatildeo com um maior cuidado evitando apresentar

1 HEIDEGGER Martin A questatildeo da teacutecnica [1959] In Ensaios e conferecircncias Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo

Rio de Janeiro Editora Vozes 2002 P12 2 Idem

17

apressadamente as respostas dadas pela tradiccedilatildeo sobre sua essecircncia Vamos

demorar com maior cuidado na pergunta em si escutando o que a pergunta

mesma nos encaminha Qual a essecircncia da teacutecnica Ao perguntar assim soa

outro questionamento o que eacute isto a teacutecnica Esta forma de questionamento

que se coloca deste modo - o que eacute isto - eacute a forma de questionar da proacutepria

Filosofia Este modo de questionamento jaacute se encontra presente em Platatildeo e

Aristoacuteteles Eacute o modo grego de questionar o vigente Assim diz Heidegger

Com a questatildeo agora posta avanccedilamos para a proximidade do ηη

εζηηλ grego Eacute aquela forma de questionar desenvolvida por Soacutecrates Platatildeo e Aristoacuteteles Estes perguntavam por exemplo Que eacute isto ndash o

belo Que eacute isto ndash o conhecimento Que eacute isto ndash a natureza Que eacute isto ndash o movimento

3

E do mesmo modo podemos fazer a pergunta O que eacute isto ndash o ente

Heidegger indica que neste questionamento encontra-se a questatildeo diretriz de

toda histoacuteria da FilosofiaMetafiacutesica ocidental esta que se assemelha com a

histoacuteria do esquecimento do ser Comeccedilamos com a pergunta pela essecircncia da

teacutecnica e agora nos encontramos diante da pergunta pelo ente e de sua

diferenccedila diante da pergunta pelo ser Comeccedilamos em um ponto para agora

chegarmos a sua origem Aqui torna-se necessaacuterio um esclarecimento sobre o

que seja o comeccedilo e sua diferenccedila fundamental com o que seja a origem

(Ursprung) ou melhor com o que seja o originaacuterio o principial O comeccedilo natildeo

eacute ainda o princiacutepio a origem ou dizendo ainda de forma mais condizente com

o pensar heideggeriano o comeccedilo natildeo eacute ainda o originaacuterio Em seu escrito

Hinos de Houmllderlin [19351935] Heidegger distingue bem essa diferenccedila entre

comeccedilo e princiacutepio Diz

Princiacutepio natildeo eacute o mesmo que comeccedilo () O comeccedilo eacute aquilo com que algo se inicia o princiacutepio eacute aquilo de onde isso vem () O comeccedilo eacute cedo deixado para traacutes desaparecendo na continuaccedilatildeo

dos acontecimentos O princiacutepio a origem pelo contraacuterio evidencia-se primeiramente entre os acontecimentos e soacute no fim destes estaacute

plenamente presente () Noacutes humanos nunca podemos principiar com o princiacutepio ndash disso soacute um deus eacute capaz ndash pelo contraacuterio temos

de comeccedilar isto eacute partir de um iniacutecio que soacute conduz agrave origem ou a indica

4

Aqui temos algumas palavras essenciais para o pensar inovador de

Heidegger Ur-sprungUrsprungliche e An-fangAnfaumlngliche Ur-

3 HEIDEGGER Martin O que eacute isto ndash a Filosofia In Conferecircncia e escritos filosoacuteficos Trad br Ernildo Stein Satildeo

Paulo Editora Nova Cultural 1996 P30 4 HEIDEGGER Martin Hinos de Houmllderlin [193435] Trad pt Lumir Nahodil Lisboa Instituto Piaget 1979 pp 11-12

18

sprungUrsprungliche pode ser traduzido na forma de substantivo e na forma

de adjetivo substantivado por origem e originaacuterio O mesmo se daacute com An-

fangAnfaumlngliche que nos surge como princiacutepio e como principial Nestas

traduccedilotildees5 somos remetidos a um ponto de partida a um solo a um comeccedilo Eacute

de encontro a esse sentido de ponto de partida que o pensar de Heidegger se

daacute No seu ensaio A origem da obra de arte os termos Ursprung e Anfang se

apresentam com todo seu vigor como palavras essenciais no sentido de

originaacuterio e principial ldquoA palavra origem (Ursprung) no sentido de originaacuterio

(Ursprungliche) significa fazer eclodir algo trazer algo ao ser num salto

fundador a partir da proveniecircncia da essecircnciardquo6 Em outro momento diz ldquoO

autecircntico princiacutepio (Anfang) nunca tem o caraacuteter de comeccedilo do primitivordquo ldquoeacute

sempre como um salto-preacuteviordquo7

Para adentrarmos um pouco mais na questatildeo seraacute feita uma breve

introduccedilatildeo agrave questatildeo do ser e sua relaccedilatildeo essencial com o ente Aqui temos

como destino de nossa investigaccedilatildeo uma questatildeo diferente a da pergunta pela

crise da sociedade atual denominada por Heidegger de sociedade da era

atocircmica e de sua tentativa de indicaccedilatildeo de um caminho de confronto Assim

esclareceremos em que sentido entendemos nas palavras originaacuterio e

principial uma referecircncia ao sentido do ser em contraposiccedilatildeo ao sentido de

origem e comeccedilo e sua proximidade ao ente

O ente eacute tudo que estaacute presente eacute o carro a cadeira a aacutervore satildeo os

animais os homens eacute tambeacutem deus a teacutecnica e a arte ou seja eacute qualquer

coisa Satildeo as meras coisas as coisas de uso e tambeacutem as coisas supremas

que enquanto coisas estatildeo sendo Ente (Seiende) ηὸ ὄλ eacute o particiacutepio neutro

grego o que para nossa liacutengua portuguesa podemos dizer como o geruacutendio do

ηὸ εἶλαη o infinitivo presente do verbo ser Portanto poderiacuteamos traduzir o ηὸ ὄλ

por sendo Assim ficaria o ser em contraposiccedilatildeo ao sendo A pergunta inicial

da filosofia se deu como dissemos anteriormente no modo O que eacute isto ndash o

ente O que no momento de esplendor no momento originaacuterio perguntava

pelo ser pelo ηὸ εἶλαη tornou-se a pergunta pelo ente pelo ηὸ ὄλ Assim eacute que

5 Nas notas de traduccedilatildeo do ensaio A origem da obra de arte Idalina Azevedo desenvolve com fortes argumentos o

sentido da traduccedilatildeo 6 HEIDEGGER Martin A origem da obra de arte [193536] Trad br Idalina Azevedo e Manuel Antocircnio de Castro Satildeo

PauloEdiccedilotildees 70 2010 p 199 7 Idem p195

19

Aristoacuteteles o grande sistematizador desenvolve sua argumentaccedilatildeo acerca da

ciecircncia primeira Pois se o ente em cada caso especiacutefico eacute o objeto de uma

determinada ciecircncia a natureza da Fiacutesica o homem da Psiquiatria o

acontecimento da Historiografia a linguagem da Filologia O ente aquilo que

estaacute sendo em cada coisa em geral eacute o objeto da filosofia ou como chama

Aristoacuteteles da θηιοζοθία πρώηε (filosofia primeira) da πρώηε ἐπηζηήκε

(ciecircncia primeira) Seu objeto eacute o ente e nada mais

Poreacutem o princiacutepio a proveniecircncia de cada ente deste em particular ou

mesmo do ente enquanto tal natildeo eacute possiacutevel de ser questionada ou justificada

em suas proacuteprias ciecircncias Diz Heidegger em um ensaio com o tiacutetulo Ciecircncia e

pensamento do sentido [1953] escrito na forma de uma preparaccedilatildeo ao ensaio

A questatildeo da teacutecnica apresentado alguns meses depois

A natureza o homem o acontecer histoacuterico a linguagem para as

respectivas ciecircncias o incontornaacutevel jaacute vigente nas suas objetividades Dele cada uma delas depende mas a representaccedilatildeo

nenhuma delas poderaacute abraccedilaacute-lo em sua plenitude essencial () O incontornaacutevel assim caracterizado rege e reina na essecircncia de toda

ciecircncia8

Sendo a Filosofia θηιοζοθία πρώηε a ciecircncia do ente enquanto ente nela

esse incontornaacutevel se apresenta ainda mais incontornaacutevel Seria em certo

sentido esse incontornaacutevel essa proveniecircncia originaacuteria do ente que

poderiacuteamos chamar de ser Natildeo sendo poreacutem nada do que estaacute aiacute mas fonte

principial de tudo que adveacutem Esse ser natildeo sendo coisa alguma natildeo sendo

natildeo pode ser objeto de investigaccedilatildeo da Filosofia Daiacute Heidegger nos dizer que

a morada do ser eacute na linguagem do pensador e do poeta9 ficando ao filoacutesofo o

ente e nada mais Pois se o ser natildeo eacute nenhum destes sendo natildeo eacute ente

algum se eacute natildeo-ente se assim o pensar nos permite expressarmos seria

entatildeo cometer uma infraccedilatildeo agrave regra primeira e fundamental do pensar loacutegico

sobre o qual eacute impossiacutevel errar a saber o princiacutepio da contradiccedilatildeo Este

princiacutepio que segundo Aristoacuteteles eacute o que rege todo o pensar filosoacutefico natildeo

permite falar do natildeo-ente sem tornaacute-lo ente jaacute que o falar filosoacutefico eacute aquele

8 HEIDEGGER Martin Ciecircncia e pensamento do sentido [1953] In Ensaios e conferecircncias

Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo Rio de Janeiro Editora Vozes 2002 pp 54-55 9 HEIDEGGER Martin Carta sobre o humanismo In Marcas do caminho Trad br Ernildo

Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 326

20

que diz o que eacute isto ndash o ente Assim Aristoacuteteles se expressa sobre o princiacutepio

da contradiccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com a Filosofia

Quem possui o conhecimento dos seres enquanto seres devem poder dizer quais satildeo os princiacutepios mais seguros de todos os seres Este eacute

o filoacutesofo E o princiacutepio mais seguro de todos eacute aquele sobre o qual eacute impossiacutevel errar () eacute impossiacutevel que a mesma coisa ao mesmo tempo pertenccedila e natildeo pertenccedila a uma mesma coisa segundo o

mesmo aspecto () Essa noccedilatildeo uacuteltima por sua natureza constitui o princiacutepio de todos os outros axiomas

10

Eacute esse incontornaacutevel aporeacutetico essa vereda que Parmecircnides chamou de o

terceiro caminho ou o natildeo-caminho αηαρπωλ (caminho no qual natildeo se vecirc o

caminho de retorno por onde se veio) do qual nos proiacutebe seguir em seu poema

Sobre a natureza Proibindo por meio das palavras da Deusa Ἀληθεία

Aletheiacutea o jovem justo de seguir ficando ao errante poeta e pensador o risco

de dizer o sentido do ser risco no qual Heidegger se potildee a enveredar Nota-se

isso jaacute em sua primeira grande obra Ser e tempo [1927] onde na primeira

paacutegina ao citar uma passagem do Sofista de Platatildeo diz

ldquo Pois eacute evidente que de haacute muito sabeis o que propriamente

quereis dizer quando empregais a expressatildeo bdquoente‟ Outrora tambeacutem noacutes julgaacutevamos saber agora poreacutem caiacutemos em aporiardquo Seraacute que

hoje temos uma resposta para a pergunta sobre o que queremos dizer com a palavra ldquoenterdquo de forma alguma Assim cabe colocar

novamente a questatildeo sobre o sentido do ser Seraacute que hoje estamos em aporia por natildeo compreendermos a expressatildeo ldquoserrdquo De forma alguma Assim trata-se de redespertar uma compreensatildeo para o

sentido desta questatildeo11

Seraacute que encontramos nas ciecircncias seja ela uma ciecircncia especiacutefica ou

seja ela a ciecircncia primeira esse caraacuteter aporeacutetico Ou eacute justamente deste

aporeacutetico incontornaacutevel que a ciecircncia busca fugir Se perguntar pela essecircncia

de uma coisa eacute perguntar por sua fonte originaacuteria pelo que eacute pelo

incontornaacutevel que se potildee como fonte principial entatildeo por meio da teacutecnica da

ciecircncia natildeo chegaremos a experienciar ou ao menos nos aproximar do que

seja essa essecircncia Diz Heidegger

10

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Trad br Marcelo Perine da ediccedilatildeo Italiana de Giovanni Reale

Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2005 pp 143-145 11

HEIDEGGER Martin Ser e tempo [1927] Trad br Macia de Saacute Cavalcante Schuback

Petroacutepolis Vozes 2008 p 34

21

A essecircncia da teacutecnica natildeo eacute de forma alguma nada de teacutecnico Por isso nunca faremos a experiecircncia de nosso relacionamento com a

essecircncia da teacutecnica enquanto concebermos e lidarmos apenas com o que eacute teacutecnico enquanto a ele nos moldarmos ou dele nos afastarmos () De acordo com uma antiga liccedilatildeo a essecircncia de

alguma coisa eacute aquilo que ela eacute Questionar a teacutecnica significa portanto perguntar o que ela eacute

12

Soacute um caminho natildeo teacutecnico-loacutegico-cientiacutefico pode nos enviar a uma

experiecircncia originaacuteria com a essecircncia da teacutecnica Esse caminho eacute um caminho

do pensamento pois se nos mantivermos no acircmbito da teacutecnica como

poderiacuteamos ainda querer questionar algo a respeito dela e possuir uma

definiccedilatildeo correta Essa definiccedilatildeo haacute muito tempo nos diz que a teacutecnica eacute um

meio e uma atividade do homem Ela nos diz que a teacutecnica eacute um instrumento

do homem para atingir os seus fins

Quem ousaria negar que ela eacute correta () Com certeza O correto

constata sempre algo exato e acertado naquilo que se daacute e estaacute em frente (dele) Para ser correta a constataccedilatildeo do certo e exato natildeo precisa descobrir a essecircncia do que se daacute e apresenta Ora somente

onde se der esse descobridor da essecircncia acontece o verdadeiro em sua propriedade Assim o simplesmente correto ainda natildeo eacute o

verdadeiro E somente este nos leva a uma atitude livre com aqui que a partir da sua proacutepria essecircncia nos concerne

13

Potildee-se em nosso caminho a questatildeo da verdade Eacute com esta explanaccedilatildeo

que passaremos ao proacuteximo passo do caminho que aqui estamos a trilhar

Ainda de forma introdutoacuteria o proacuteximo passo seraacute pensar a questatildeo da

verdade e sua contraposiccedilatildeo ao que seja o correto ao que seja a adequaccedilatildeo

Portanto contrapor o sentido de verdade para Heidegger como ἀιεζεία

aletheacuteia e des-velamento aos conceitos de ὁκοίωζης omoiosis (corretude) e

adequatio (adequaccedilatildeo) eacute entender um processo de sucessivas transformaccedilotildees

np decorrer da tradiccedilatildeo filosoacutefica no que se entende por verdade do seu

nascimento originaacuterio aos dias atuais

22 A livre relaccedilatildeo com a teacutecnica Sobre a corretude e a verdade

12

A questatildeo da teacutecnica p 11 13

Idem pp 11-12

22

Estamos buscando desenvolver um questionamento que nos transponha

para uma livre relaccedilatildeo com a teacutecnica Tal relaccedilatildeo soacute se daacute verdadeiramente

diante de sua essecircncia diante do que seria a teacutecnica A tradiccedilatildeo nos diz que a

teacutecnica eacute um meio e uma atividade do homem definiccedilatildeo que Heidegger chama

de concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica Quem negaria a sua corretude Poreacutem

diante do ateacute aqui exposto algumas interrogaccedilotildees se fazem necessaacuterias Eacute o

correto jaacute o verdadeiro O que eacute corretude e qual o seu acircmbito A verdade foi

desde sempre pensada como corretude Como a verdade foi pensada em seu

momento originaacuterio Qual a relaccedilatildeo entre verdade corretude e teacutecnica

Precisamos percorrer cada um desses passos como num caminhar na busca

de desenvolver algo no sentido desse livre relacionar-se com a teacutecnica que

aqui buscamos

O correto jaacute eacute o verdadeiro Heidegger constantemente nos leva a um

questionamento do habitual e recorrente e nesse habitual nossa concepccedilatildeo

de verdade se apresenta como a mera corretude A verdade no pensamento

calculista se apresenta como exatidatildeo contudo o correto natildeo atinge a

profundidade do verdadeiro Permanece na superficialidade do presente e

habitual mas em que sentido o filoacutesofo diferencia corretude de verdade Onde

cada um destes sentidos atua O pensar heideggeriano acerca do ser e do

ente seraacute relacionado ao que foi apresentado pelas seguintes palavras de

Heidegger ldquoO correto constata sempre algo de exato e acertado naquilo que se

daacute e estaacute em frente (dele)rdquo14

O correto se relaciona com aquilo que se daacute e estaacute em frente dele Seu

acircmbito eacute o do vigente dado posto Seu acircmbito eacute o do ente Acertado e exato eacute

seu relacionamento com o ente com o jaacute desvelado contudo nada sabe sobre

o ser Natildeo desvela sua essecircncia mas movimenta-se no jaacute desvelado no posto

dado ordinaacuterio e habitual sendo que ldquosomente onde se der esse descobrir da

essecircncia acontece o verdadeiro em sua propriedaderdquo15

Enquanto o correto diz

sobre o posto o verdadeiro abre-o ao seu aparecer O verdadeiro deixa viger o

que eacute destinado do ser ao ente do ainda natildeo vigente ao vigente Eacute nesse

descobrir que se mostra o relacionar-se com o ser Abrindo uma clareira ou

como clareira que se permite o vir agrave vigecircncia algo do ser eacute que se daacute um

14

Ibidem 15

A questatildeo da teacutecnica p13

23

acontecer do ser Entatildeo se o correto tem o seu acircmbito no ente a verdade

encontra-se em relaccedilatildeo com o ser Sendo somente esta verdade capaz de

permitir a livre relaccedilatildeo com o essencial com o ser Mas de onde Heidegger

apreende essa distinccedilatildeo entre verdade e corretude que aqui foi apenas posta

mas natildeo foi trilhada Onde encontra o pensador solo para este caminhar

Onde inicia o seu caminhar acerca da verdade da abertura Para essa

pergunta nos remetemos agraves suas palavras

Este aberto foi concebido pelo pensamento ocidental desde o seu iniacutecio como ηὰ ἀιήζεα o desvelado Se traduzimos a palavra ἀιήζεα por bdquodesvelamento‟ em lugar de bdquoverdade‟ essa traduccedilatildeo natildeo eacute

somente mais bdquoliteral‟ mas ela compreende a indicaccedilatildeo de pensar mais originariamente a noccedilatildeo corrente de verdade como

conformidade do enunciado16

Somos entatildeo encaminhados pelas fendas de nossa investigaccedilatildeo aos

gregos e seu modo de pensar O que os gregos entendiam por ἀιήζεα

desvelamento A questatildeo da verdade para Heidegger juntamente com a

questatildeo do ser torna-se o cerne do seu pensar Assim tatildeo fundamental como

a questatildeo do ser eacute a questatildeo da verdade em seu pensar como um todo Eacute

necessaacuterio que mantenhamos ambas como um soacute pensar caminhando juntas

Um ensaio fundamental no que concerne a discussatildeo sobre a verdade eacute o

ensaio A essecircncia da verdade [1930] Este em conjunto com o O que eacute

metafiacutesica [1929] satildeo considerados os textos da virada (Kehre) do

pensamento heideggeriano O proacuteprio filoacutesofo chama este momento de viragem

de seu pensar17

Onde o ser passa a ser buscado diretamente por meio de seu

acontecer poeacutetico-apropriante (Ereignis) Diferentemente de sua busca anterior

a partir do ente privilegiado homem a partir do Da-sein em ambas as fases de

seu filosofar se assim realmente se pode dizer a essecircncia da verdade como

ἀιεζεία des-velamento se potildee como uma questatildeo central

Verdade se disse primeiramente no mundo grego como ἀιεζεία

desvelamento Heidegger inaugura ou recupera em seu sentido originaacuterio uma

leitura a essa palavra essencial ldquoEssa palavra bdquoverdade‟ tatildeo sublime e ao

mesmo tempo tatildeo gasta e embotada designa o que constitui o verdadeiro

16

HEIDEGGER Martin A essecircncia da verdade [1930] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 200 17

Cf Cartas sobre o humanismo pp 339-341

24

enquanto verdadeiro (fazer pro-duzir deixar vir agrave clareira)rdquo18

Na palavra

ἀιεζεία o pensador escuta para muito aleacutem da mera corretude adequaccedilatildeo

certeza objetividade realidade Nela ressoa o originaacuterio ressoa o

desvelamento que abre Uma abertura que deixa advir o destinado do misteacuterio

do oculto ἀιήζεηα eacute composta pelo α privativo mais o radical ιήζε que

podemos traduzir por velado oculto esquecido Daiacute a traduccedilatildeo heideggeriana

de ἀιήζεiα por des-velamento des-ocultaccedilatildeo des-esquecimento Aquilo que

deixa o fechado do velamento vir ao vigor do vigente como o des-velado que

passa do natildeo-dado ao dado ao doado dizendo portanto algo completamente

distinto de exatidatildeo corretude ou adequaccedilatildeo Verdade dizia sobre um

acontecimento essencial do ser

Onde este sentido mais originaacuterio de verdade se perdeu Foi deixado de

lado e com isso esquecido Onde se deu tatildeo grande desvio de pensamento

Heidegger identifica o iniacutecio desta mudanccedila do sentido de verdade e junto com

ela a mudanccedila de sentido do ser com os gregos em sua fase tardia que se

inicia apoacutes a plenitude daquele pensar originaacuterio que se deu com Anaximandro

Pitaacutegoras Heraacuteclito e Parmecircnides Esse periacuteodo tardio que como Nietzsche19

Heidegger identifica como o periacuteodo de decadecircncia do pensar grego e iniacutecio da

decadecircncia do pensar ocidental Esse eacute o periacuteodo dos grandes ldquofiloacutesofosrdquo

Soacutecrates Platatildeo e Aristoacuteteles A mudanccedila no sentido da verdade assim como

a histoacuteria do esquecimento do ser pelo ente tem seu iniacutecio jaacute em Platatildeo

sofrendo novamente uma mudanccedila de paradigma com Aristoacuteteles nos escritos

de loacutegica e de metafiacutesica e com os latinos em suas traduccedilotildees e interpretaccedilotildees

da filosofia grega aquilo que de forma latente ainda pensava o sentido anterior

de verdade e ser eacute transformado em outro pensar e assim esquecido Assim

o que era fundamental ao pensamento grego a questatildeo do ser e da verdade

decai na questatildeo do ente e da adequaccedilatildeo Vejamos essa passagem do Ser e

Tempo onde Heidegger nos diz sobre esse decair do filosofar grego

Embora nosso tempo se arrogue o progresso de afirmar novamente a

bdquometafiacutesica‟ a questatildeo aqui evocada caiu no esquecimento () A questatildeo referida natildeo eacute na verdade uma questatildeo qualquer Foi ela que deu focirclego agraves pesquisas de Platatildeo e Aristoacuteteles para depois

18

A essecircncia da verdade pp 190-191 19

Cf NIETZSCHE Friedrich A filosofia na eacutepoca traacutegica dos gregos In Coleccedilatildeo os pensadores vol XXXII ndash Obras incompletas Trad br Rodrigo Torres Filho Satildeo Paulo Abril

Cultural 1974 pp 37-51

25

emudecer como questatildeo temaacutetica de uma real investigaccedilatildeo () Ε o que outrora se arrancou num supremo esforccedilo de pensamento ainda

que de modo fragmentado e tateante aos fenocircmenos encontra-se de haacute muito trivializado

20

Vejamos como Heidegger lecirc essa histoacuteria do esquecimento e das

seguidas mudanccedilas de sentido da questatildeo da verdade Heidegger em seu

polecircmico ensaio A teoria platocircnica da verdade [19311932 1940] propotildee que o

desvio de sentido jaacute se deu com Platatildeo ao introduzir a noccedilatildeo de ὀρζόηες de

um bdquoolhar reto‟ Para natildeo adentrar em uma discussatildeo mais aprofundada acerca

do ensaio citado e do polecircmico posicionamento heideggeriano sobre o pensar

platocircnico da verdade ressaltaremos aqui apenas aquilo que o autor indica

como o iniacutecio da transformaccedilatildeo da essecircncia da verdade Leiamos uma

passagem deste ensaio

Se no geral em toda e qualquer postura frente ao ente estaacute em questatildeo o ἰδεῑλ da ἰδέα a visualizaccedilatildeo do bdquoaspecto‟ entatildeo todo

esforccedilo deve concentrar-se antes de tudo em procurar possibilitar uma tal visualizaccedilatildeo Para isso eacute necessaacuterio um olhar reto () em

consequecircncia dessa adequaccedilatildeo do notar como um ἰδεῑλ agrave ἰδέα daacute-se uma ὁκοίωζης uma concordacircncia do conhecimento com a coisa mesma Assim da primazia da ἰδέα e do ἰδεῑλ frente a ἀιήζεiα daacute-se

uma transformaccedilatildeo da essecircncia da verdade Verdade torna-se ὀρζόηες retidatildeo do notar e enunciar

21

Apresenta-se aiacute o primeiro passo da transformaccedilatildeo da essecircncia da

verdade uma transformaccedilatildeo que para noacutes parece ocorrer de forma tatildeo sucinta

que torna difiacutecil a compreensatildeo do polecircmico texto de Heidegger

Ο que em Platatildeo e Aristoacuteteles ainda se deu como passagem segundo

Heidegger ali onde o pensamento grego ainda era vigoroso mesmo que jaacute

tornado sistemaacutetico escolar foi abandonado e por conseguinte esquecido

pela tradiccedilatildeo Segundo Heidegger a leitura latina do pensar grego diluiu o vigor

desse filosofar Na traduccedilatildeo de ἀιήζεiα para veritas como uma adequatio daacute-

se o passo decisivo do que vinha mudando de sentido Nessa mudanccedila de

sentido podemos perceber os passos da transformaccedilatildeo do conceito de

verdade Da verdade do ser (ontoloacutegica) a verdade do ente (ocircntica) e por fim

20

Ser e Tempo p 37 21

HEIDEGGER Martin A teoria platocircnica da verdade In Marcas do caminho Trad br Ernildo

Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 242

26

a verdade da proposiccedilatildeo (proposicional) Cada vez de forma mais decadente

mais superficial Cada vez menos originaacuteria a verdade vai se transformando no

exato no correto

Assim na Escolaacutestica podemos ver fortemente os ecos determinantes

da filosofia aristoteacutelica De um pensar loacutegico e argumentativo palavras e

expressotildees usadas por Aristoacuteteles referentes agrave questatildeo da verdade natildeo

apresentam mais o vigor do mundo grego e seu pensar natildeo pulsa mais o

modo grego de pocircr-se no mundo O mundo grego se desvaneceu Soacute restaram

traduccedilotildees e reflexos do que outrora se pensou

Assim pelo exposto podemos vislumbrar o desvio ou mesmo o envio

do sentido originaacuterio de verdade entendida como ἀιήζεiα des-velamento

passando pela ὀρζόηες o olhar reto ὁκοίωζης a semelhanccedila e a adequatio

entendida como base da filosofia escolaacutestica por adequaccedilatildeo da coisa a

proposiccedilatildeo tornando-se assim simplesmente em veritas verdade ao

entendimento atual de adequaccedilatildeo

ldquoOnde nos perdemosrdquo Questionamos a teacutecnica e agora encontramo-nos

diante da verdade e suas variadas determinaccedilotildees e sentidos O que tem a ver

a essecircncia da teacutecnica com a essecircncia da verdade A resposta que Heidegger

nos daacute eacute ldquoTudordquo A essecircncia da teacutecnica e da verdade tem tudo a ver Teacutecnica

em grego se dizia ηέτλε o mesmo termo era usado tambeacutem para a arte

Teacutecnica e arte eram modos de deixar viger o ainda natildeo vigente Deixa-viger

aqueles que diferente dos entes da θύζης natildeo possuiacuteam o eclodir em si

mesmos E como um deixar viger ambos estariam intrinsecamente

relacionados com a verdade pensados como ἀιήζεiα desvelamento Ambas

satildeo pro-duccedilatildeo e como podemos ler na passagem citada por Heidegger do

diaacutelogo Banquete de Platatildeo ldquoTodo deixar-viger o que passa e procede do natildeo

vigente para a vigecircncia eacute ποίεζης eacute pro-duccedilatildeordquo22

A teacutecnica eacute pro-duccedilatildeo e

enquanto pro-duccedilatildeo eacute ποίεζης poiacuteesis eacute desvelamento Pensando assim a

teacutecnica natildeo se resume a um simples meio sua essecircncia estaacute para aleacutem disso

Ela eacute um modo de verdade de desvelamento Mas seraacute que esse modo de

pensar a teacutecnica eacute vaacutelido tambeacutem para a teacutecnica moderna Ou ela pertence

apenas ao acircmbito do pensamento grego Seraacute que a teacutecnica das usinas

22

A questatildeo da teacutecnica p 16

27

induacutestrias da fiacutesica moderna eacute tambeacutem pro-duccedilatildeo ποίεζης Heidegger levanta

essa indagaccedilatildeo da seguinte forma

Teacutecnica eacute uma forma de desencobrimento A teacutecnica vige e vigora no acircmbito onde se daacute descobrimento e decircs-encobrimento onde

acontece ἀιήζεiα verdade Contra essa determinaccedilatildeo do acircmbito da essecircncia da teacutecnica pode-se objetar e dizer que ela vale para o

pensamento grego e no melhor dos casos pode servir para a teacutecnica artesanal mas natildeo alcanccedila a teacutecnica moderna caracterizada pela maacutequina e aparelhagens E eacute justamente esta e somente esta que

constitui o sufoco que nos leva a questionar bdquoa‟ teacutecnica23

Eacute diante esta indagaccedilatildeo que somos levados ao caminho do pensar a

teacutecnica grega em confronto com a teacutecnica moderna Portanto como pensar a

ηέτλε grega e sua relaccedilatildeo com a ποίεζης e sua transformaccedilatildeo na teacutecnica

moderna Eacute a teacutecnica moderna tambeacutem um modo de ἀιήζεiα desvelamento

Caso seja eacute do tipo poieacutetico no sentido de uma pro-duccedilatildeo que deixa-viger Ou

o que lhe caracteriza o que lhe domina eacute outro tipo de desvelamento Satildeo

esses traccedilos que seratildeo investigados nos passos seguintes

23 Teacutecnica grega e moderna Da poiacuteesis agrave exploraccedilatildeo

Em que sentido podemos pensar com Heidegger sua indicaccedilatildeo de que o

que preocupa eacute exatamente o sentido de pro-duccedilatildeo enquanto ποίεζης natildeo

poder mais ser aplicado agrave teacutecnica moderna Que sentido tem essa pro-duccedilatildeo

para os gregos Se natildeo eacute mais a poiacuteesis que determina a teacutecnica moderna o

que eacute Por que esta outra determinaccedilatildeo a saber a exploraccedilatildeo e o

armazenamento ameaccedilam tanto o homem atual Seratildeo estas indagaccedilotildees e as

que surgirem no caminho nas quais nos deteremos com o cuidado

necessaacuterio para que passo por passo trilhemos o caminho no qual

adentramos

Se pensarmos em um antigo moinho de vento grego e em uma usina

hidroeleacutetrica moderna podemos dizer que ambos satildeo um meio de produccedilatildeo de

energia Se pensarmos no agricultor ao lavrar sua terra ou em uma induacutestria de

23

Idem p18

28

agronegoacutecio podemos novamente dizer que ambas tecircm como finalidade a

produccedilatildeo de alimentos O que os diferenciam Natildeo satildeo ambos meio e

finalidade de produccedilatildeo Sim e natildeo Os dois extraem algo da terra poreacutem o

primeiro em cada um dos casos com cuidado deixa que a terra lhe doe o que

lhe eacute necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo de sua vida enquanto que no segundo de

forma abrupta retira da terra como de um reservatoacuterio mais do que o

necessaacuterio com o fim de estocar e armazenar e depois disso fazer um

negoacutecio O primeiro recebe uma doaccedilatildeo como presente ao seu presente O

segundo arranca mateacuteria-prima que ficaraacute disponiacutevel para um uso posterior A

relaccedilatildeo esta proximidade que o antigo tem com a Terra aquela que ele chama

de Matildee ldquoTerra de amplo seio de todos sede irresvalaacutevel semprerdquo24

Γάηα

multinutriz como nos conta nos bdquocanta‟ Hesiacuteodo transforma-se para o

segundo em uma relaccedilatildeo de exploraccedilatildeo forccedilando a terra a fornecer mateacuteria-

prima natildeo mais como uma vaca que pro-duz leite para alimentar a cria Mas

como uma vaca leiteira que em uma induacutestria eacute forccedilada recebendo

hormocircnios agrave produccedilatildeo de muitos litros de leite por dia que seratildeo tratados

transformados encaixotados armazenados para estarem disponiacuteveis agrave venda

Leiamos as palavras de Heidegger

O subsolo passa a se desencobrir como reservatoacuterio de carvatildeo o chatildeo como jazidas de mineacuterio Era diferente o campo que o camponecircs outrora lavrava quando lavrar ainda significava cuidar e

tratar O trabalho camponecircs natildeo provocava e desafiava o solo agriacutecola () A terra se desencobre nesse caso depoacutesito de carvatildeo

e o solo jazida de minerais25

Eacute draacutestica a mudanccedila no relacionar-se com a natureza entre os antigos e

os modernos A pro-duccedilatildeo grega eacute outra completamente diferente dessa

exploraccedilatildeo moderna mas para percebermos esta draacutestica mudanccedila iremos

nos deter ainda mais no que seja essa pro-duccedilatildeo que entre os gregos tinham

esse sentido de ποίεζης Apoacutes esta investigaccedilatildeo estaremos em melhores

condiccedilotildees de adentrar ainda mais na teacutecnica moderna em busca de sua

essecircncia pois soacute em uma verdadeira relaccedilatildeo com essa essecircncia poderemos

buscar um caminho de enfrentamento a essa situaccedilatildeo criacutetica da qual o homem

24

HESIacuteODO Teogonia a origem dos deuses Trad br Jaa Torrano Satildeo Paulo Editora Ilumiuras 1995 p 91 25

A questatildeo da teacutecnica p 19

29

atual se encontra imerso submerso ldquoTudo agora depende de se pensar a pro-

duccedilatildeo e o pro-duzir em toda sua amplitude e ao mesmo tempo no sentido dos

gregosrdquo26

Como na passagem citada do Banquete de Platatildeo pro-duccedilatildeo no sentido

de ποίεζης eacute todo deixar-viger O que leva da natildeo-vigecircncia a vigecircncia eacute todo o

pocircr no sentido de um deixar emergir A proacutepria θύζης nesse sentido eacute uma

ποίεζης uma pro-duccedilatildeo Ela eacute ateacute a maacutexima ποίεζης aquela que se daacute a partir

de si mesma Aqueles que natildeo se pro-duzem por si mesmos satildeo os ποηούκελα

os artefatos os entes criados produzidos pela arte pela ηέτλε Estes se

contrapotildeem e nesse sentido se aproximam dos seres da natureza da θύζης

daqueles que se potildeem por si mesmos dos θύζεη ὅληα Enquanto os primeiros

tecircm sua forccedila de eclosatildeo em outro ἐλ αιιωη os seres da natureza possuem o

eclodir em si mesmos ἐλ ἑασηωη Contudo ambos enquanto um vir agrave vigecircncia

satildeo ποίεζης Os artefatos que natildeo possuem o eclodir em si dependem dos

ἀρτηηέθηωλ dos arquitetos natildeo no sentido atual de arquiteto mas como

aqueles que tecircm a ηέτλε como ἀρτή E assim diz Heidegger

Nos artefatos portanto a ἀρτή de sua mobilidade e assim de seu repouso de estar pronto e estar terminado natildeo estaacute neles mesmos

mas em um outro no ἀρτηηέθηωλ naquele que dispotildee da ηέτλε enquanto ἀρτή Com isso teria sido feito a distinccedilatildeo frente aos θύζεη

ὅληα que se chamam desse modo precisamente porque natildeo tem a ἀρτή de sua mobilidade em um outro ente mas no ente que ele proacuteprios satildeo (e enquanto satildeo esse ente)

27

Leiamos uma passagem da Fiacutesica de Aristoacuteteles do livro Β 1 analisada

na citaccedilatildeo anterior com a qual Heidegger iraacute confrontar seu conceito de θύζης

ao conceito aristoteacutelico e grego de um modo mais geral

Algumas coisas satildeo por natureza outras por outras causas Por natureza os animais e suas partes as plantas e os corpos simples como a terra o fogo o ar e a aacutegua ndash pois dizemos que estas e outras

coisas semelhantes satildeo por natureza Todas estas coisas parecem diferenciar-se das coisas que natildeo estatildeo constituiacutedas por natureza

porque cada uma delas tem em si mesmo um princiacutepio de movimento e de repouso seja com respeito ao lugar ao aumento ou agrave

diminuiccedilatildeo ou agrave alteraccedilatildeo Pelo contraacuterio uma cama uma roupa ou qualquer outra coisa de gecircnero semelhante como as significamos em

26

Idem p16 27

HEIDEGGER Martin A essecircncia e o conceito de Φύζης em Aristoacuteteles ndash Fiacutesica Β 1 [1939] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes

2008 p 264

30

cada caso por seu nome e enquanto isso satildeo produtos da arte (ηέτλε) natildeo tem em si mesmas nenhuma tendecircncia natural agrave

mudanccedila28

Estes entes que natildeo tecircm o eclodir em si necessitam de outro ente para

chegar agrave vigecircncia contudo este vir agrave vigecircncia natildeo adveacutem pela atividade

manual do artista mas por meio de seu saber Arte e teacutecnica satildeo ditas pelos

gregos com a mesma palavra ηέτλε Natildeo por ambas terem em comum o fazer

a atividade manual mas por ambas terem em comum o pro-duzir no sentido de

ποίεζης como um deixar vir agrave vigecircncia em seu aspecto Como um

conhecimento algo relacionado agrave verdade Τέτλε aparece em Aristoacuteteles e

Platatildeo ao lado de επηζηήκε epistecircme Enquanto a επηζηήκε eacute o saber que se

relaciona com os θύζεη ὅληα aqueles que emergem por si os entes naturais a

ηέτλε eacute o saber a respeito dos ποηούκελα dos que natildeo adveacutem por si mesmos

os artefatos Assim diz Aristoacuteteles em sua obra acerca da Eacutetica em um

momento de uma ldquomeditaccedilatildeo especialrdquo ao tratar dos diversos tipos de

conhecimento

Satildeo cinco as disposiccedilotildees em virtude das quais a alma alcanccedila a

verdade (ἀιήζεiα) por meio da afirmaccedilatildeo ou da negaccedilatildeo a arte a ciecircncia o discernimento a sabedoria filosoacutefica e a inteligecircncia () O

objeto do conhecimento cientiacutefico portanto existe necessariamente Ele eacute consequentemente eterno pois todas as coisas cuja existecircncia eacute absolutamente necessaacuteria satildeo eternos () Toda arte se relaciona

com a criaccedilatildeo e dedicar-se a uma arte eacute estudar uma maneira de fazer uma coisa que pode existir ou natildeo e cuja origem estaacute em quem

faz e natildeo na coisa feita de fato a arte natildeo trata de coisas que existem ou passam a existir necessariamente nem de coisas que

existem ou passam a existir de conformidade com a natureza (estas coisas tecircm origens nelas mesmas) Jaacute que haacute diferenccedila entre fazer e agir a arte deve relacionar-se com a criaccedilatildeo e natildeo com a accedilatildeo

29

Com base no exposto Heidegger nos diz ser a teacutecnica no pensamento

grego um saber um modo de desvelar uma verdade criaccedilatildeo em oposiccedilatildeo a

um fazer manual Um saber que permite cuida e protege Protege o enviado o

destinado pelo ser do ocultamento ao des-ocultamento Destinado ao cuidado

e guarda na linguagem do pensador do artista Bem diferente eacute a teacutecnica

moderna onde o a-guardar foi substituiacutedo pela pressa do arrancar onde o criar

28

ARISTOacuteTELES Fiacutesica Traduccedilatildeo proacutepria feita da traduccedilatildeo espanhola de Guillermor R de

Echandia Madrid Editorial Gredos SA 1995 p 45 29

ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicoacutemacos Trad Br Maacuterio de Gama Kury Brasiacutelia Editora UNB

1992 pp 115-116

31

foi substituiacutedo pelo en-formar onde a co-pertenccedila de identidade e diferenccedila em

uma harmonia originaacuteria foi substituiacutedo pela mesmidade pela uni-formizaccedilatildeo

industrial pelo negoacutecio Aquele saber que na plenitude do mundo grego do

pensamento originaacuterio era a aproximaccedilatildeo do homem agrave natureza decaiu em

um afastamento sugador explorador O misteacuterio do aguardar foi apagado pela

exatidatildeo do calcular O filho que naquela bdquomanhatilde de sol‟ brincava livremente

com sua matildee natureza tornou-se na bdquonoite do mundo‟ o ldquosenhor da terrardquo

escravizado por seu proacuteprio trabalho e conceitos Esses ldquosenhoresrdquo tornaram-

se cada vez mais escravos de seus instrumentos Indigentes cada vez mais

imersos na cotidianidade dos entes explorando armazenando e negociando

como diz Heidegger

Eacute justamente esse homem assim ameaccedilado que se alardeia na figura de senhor da terra Cresce a aparecircncia de que tudo que nos vecircm ao

encontro soacute existe agrave medida que eacute um feito do homem Esta aparecircncia faz prosperar uma derradeira ilusatildeo segundo a qual em

toda parte o homem soacute se encontra consigo mesmo () Entretanto hoje em dia na verdade o homem jaacute natildeo se encontra em parte

alguma consigo mesmo isto eacute com a sua essecircncia30

Eacute esse desvelamento explorador que de forma alguma eacute um deixar-que-

advenha que nada tem de ποίεζης Eacute essa exploraccedilatildeo que assusta Pois qual

o sentido desse explorar e armazenar sem fim Eacute pensando no sentido de

suprir o necessaacuterio Natildeo essa exploraccedilatildeo e armazenamento tecircm a finalidade

do estar disponiacutevel Eacute essa dis-ponibilidade (Bestand) que preocupa Nela o

proacuteprio fruto ou melhor dizendo acerca da modernidade a proacutepria coisa o

proacuteprio objeto esvai-se ldquoEm toda parte se dispotildee a estar a postos e assim

estar a fim de tornar-se e vir a ser dis-poniacutevel para ulterior dis-posiccedilatildeo31

rdquo Cada

coisa passa a ser um dis-poniacutevel que estando ali armazenado espera por uma

negociaccedilatildeo que o trans-ponha daqui para ali

Uma nova meditaccedilatildeo se potildee em nosso caminhar ldquoQue desencobrimento

se apropria do que surge e aparece no pocircr da exploraccedilatildeordquo32

Como podemos

pensar mais propriamente sobre esta disponibilidade Qual a essecircncia da

teacutecnica moderna que leva o homem a um desvelar explorador onde tudo se

30

A questatildeo da teacutecnica pp 29-30 31

Idem p20 32

Ibidem

32

apresenta como mera disponibilidade De onde proveacutem essa essecircncia da

teacutecnica moderna Daacute-se por conta da negligecircncia do homem ou eacute mera

fatalidade do periacuteodo ou ainda eacute outra a situaccedilatildeo Sobre estes

questionamentos nos deteremos nos proacuteximos passos

24 Dis-ponibilidade e Com-posiccedilatildeo Acerca do desvelamento explorador

da teacutecnica moderna

A disponibilidade (Bestand) se potildee em nosso caminho Essa palavra

assume aqui um sentido muito mais essencial do que mera provisatildeo ldquoa palavra

disponibilidade se faz agora o nome de uma categoriardquo ldquodesigna o modo em

que vige e vigora tudo o que o descobrimento explorador atingiurdquo33

Chegamos

com este passo ao ponto alto aquele que surge diante do profundo do que

agora buscamos proximidade desse nosso percurso Estamos para

experienciar o originaacuterio que adveacutem das profundezas da essecircncia da teacutecnica

moderna Esse extra-ordinaacuterio que permite que nos elevemos agravequela relaccedilatildeo

livre entre nossa presenccedila (Dasein) e a essecircncia da teacutecnica portanto nesse

caminho in-habitual nos faz recuar lentamente alguns passos como quem se

prepara para pegar o impulso necessaacuterio ao salto-mortal no abismo (Abgrund)

Retornemos entatildeo alguns passos

Como pensarmos essa disponibilidade que nos passos anteriores vimos

como o preocupante acerca da teacutecnica moderna O que rege como apelo

essa disponibilidade Ela eacute regida por uma inadimplecircncia do homem por fruto

da ganacircncia de sua vontade ou ela eacute regida por algo mais originaacuterio ldquoSe a

teacutecnica moderna natildeo se resume a um mero fazer do homem () temos de

encarar em sua propriedade o desafio que potildee o homem a dispor do real

como dis-ponibilidaderdquo34

Heidegger como quem lanccedila o olhar ao outro lado do

abismo sobre o qual se prepara para saltar chama a esse ldquoapelo de

exploraccedilatildeo que reuacutene o homem a dis-por do que se des-encobre como dis-

ponibilidaderdquo35

de Ge-stell com-posiccedilatildeo Sobre o uso inusitado dessa palavra

33

Ibidem 34

Idem pp22-23 35

Idem p23

33

sobre seu sentido e lugar nesse percurso nos deteremos mais agrave frente Aqui o

indicamos apenas como um caminho a ser percorrido

Questionamos a teacutecnica ao nos depararmos com o perigo desta escapar ao

nosso domiacutenio Criamos teorias e conceitos com o fim de assegurar domiacutenio

Construiacutemos escolas com o intuito de dominar o saber e agora vemos as

criaccedilotildees fazendo um papel oposto ao intuito pensado em uma cadeia de

eventos onde o ser foi perdendo lugar ao domiacutenio do ente

A usina hidroeleacutetrica instalada no Reno como nos fala o filoacutesofo natildeo estaacute

mais aiacute como o velho moinho de vento Ela estaacute ali ou podemos ateacute dizer o

contraacuterio o rio estaacute ali instalado na usina a fim de se explorar a forccedila de

movimento das correntes de suas aacuteguas a dispor energia Esta energia seraacute

armazenada para em seguida estar agrave disposiccedilatildeo de uma induacutestria que usaraacute

este disponiacutevel para gerar instrumentos de trabalho ao homem que tambeacutem

estaraacute ali agrave disposiccedilatildeo para algum serviccedilo para ser meio de alguma finalidade

Se eacute que podemos ainda chamar isso de finalidade essa cadeia de disposiccedilatildeo

onde cada qual destes constituintes natildeo tem sentido algum pelo que eacute Usina

rio induacutestria homem negoacutecio natureza o tempo estatildeo todos aiacute apenas como

disposiccedilatildeo Caiu com isso tudo na indiferenccedila na mesmidade da

disponibilidade Vejamos uma passagem em Heidegger acerca do que

dissemos

A energia escondida na natureza eacute extraiacuteda o extraiacutedo vecirc-se transformado o transformado estocado o estocado distribuiacutedo o distribuiacutedo reprocessado Extrair transformar estocar distribuir

reprocessar satildeo todos modos de desencobrimento Todavia este desencobrimento natildeo se daacute simplesmente Tampouco perde-se no

indeterminado () por toda parte assegura-se o controle Pois o controle e seguranccedila constituem ateacute marcas fundamentais do descobrimento explorador

36

O proacuteprio homem encontra-se preso sem-saiacuteda nessa cadeia de

disponibilidade Ele encontra-se conectado a essa amarraccedilatildeo a esse

esqueleto a essa teia nessa com-posiccedilatildeo que a tudo abarca Eacute nesse sentido

de amarraccedilatildeo palavra que em alematildeo se diz por Gestell que Heidegger usa o

termo essencial com-posiccedilatildeo Em Ge-Stell o Ge tem o sentido de ldquoforccedila

originaacuteria de reuniatildeordquo e Stell com o sentido de pocircr de colocar junto de lugar

36

Idem p20

34

Assim por meio de uma escuta cuidadosa Ge-Stell eacute pensado como com-

posiccedilatildeo forccedila originaacuteria que reuacutene em um ponto em um lugar Como no termo

siacutentese onde sin tem o sentido de reuniatildeo e tese com o sentido de posiccedilatildeo

posto junto a siacuten-tese eacute entatildeo o iniacutecio da histoacuteria do desenvolvimento dessa

essecircncia da teacutecnica moderna Siacuten-tese eacute esta cadeia de amarraccedilatildeo que reuacutene

todo o disposto em uma cadeia sem-escape Siacuten-tese eacute Ge-stell eacute com-

posiccedilatildeo Bestand e Gestell como disponibilidade e composiccedilatildeo usados para

indicar o extra-ordinaacuterio do pensar heideggeriano podem ao leitor menos

atento parecer um abuso de linguagem poreacutem eacute sempre como extravagacircncia

que se potildee o pensar em profundidade Extravagante como o salto mortal

Assim Heidegger defende o uso destes termos dizendo o seguinte

Seraacute possiacutevel extravagacircncia maior ainda Certamente que natildeo Soacute que esta extravagacircncia eacute um antigo costume do pensamento E os

grandes pensadores tornaram-se extravagantes precisamente quando tecircm de pensar o mais elevado () o fato de Platatildeo usar a

palavra εἶδος para dizer a essecircncia de tudo e de cada coisa Pois na linguagem de todo dia εἶδος diz a visatildeo que uma coisa visiacutevel nos

apresenta agrave percepccedilatildeo sensiacutevel37

Contudo perguntamos esta Ge-stell com-posiccedilatildeo que teve seu

nascimento no pensar grego como siacuten-tese este pocircr-junto-em-relaccedilatildeo-a se

deu por negligecircncia do pensar do homem Deu-se por um descuido um des-

vio Eacute fruto da liberdade do homem de seu arbiacutetrio Heidegger nos diz que

natildeo A com-posiccedilatildeo enquanto um modo essencial de des-velamento natildeo eacute um

des-vio mas sim um envio do ser um destino do desencobrimento pelo ser

portanto um acontecimento-histoacuterico Entatildeo ao contraacuterio do que haviacuteamos

questionado a com-posiccedilatildeo como destino natildeo adveacutem da liberdade do homem

mas de um escravo da fatalidade do destino de um escravo de seu tempo

Tambeacutem natildeo o que se daacute eacute algo diverso Sendo fruto do destino a

composiccedilatildeo acontece pela liberdade Parece que nos encontramos em uma

confusatildeo em um emaranhado onde palavras contraditoacuterias se imbricam Esta

confusatildeo se instaura se pensarmos destino e liberdade como entende a

tradiccedilatildeo O que Heidegger pensa com essas palavras Algo bem diferente da

37

Idem p23

35

fatalidade e do arbiacutetrio Destino eacute pensado como um pocircr a caminho um envio

da silenciosa fonte originaacuteria Em suas palavras

Pocircr a caminho significa destinar Por isso denominamos de destino a forccedila de reuniatildeo encaminhadora que potildee o homem a caminho de

um desencobrimento Eacute pelo destino que se determina a essecircncia de toda histoacuteria A histoacuteria natildeo eacute um mero elemento da historiografia

nem somente o exerciacutecio da atividade humana A accedilatildeo humana soacute eacute histoacuterica quando enviada por um destino

38

No caso da liberdade Heidegger natildeo a pensa como vontade como

arbiacutetrio ou como uma liberdade de movimento mas sim como um deixar-ser

Como um permitir uma escuta onde o ente se des-vela pelo envio do ser Este

deixar-ser se daacute como um entregar-se ao ente ente Como um acolhimento

do e pelo ente como cuidado e proteccedilatildeo Entretanto este deixar-ser poderia

ser pensado no sentido negativo de ldquodesviar a atenccedilatildeo de algordquo ou de uma

renuacutencia agrave onde se ldquoexprime uma indiferenccedila ou uma omissatildeordquo mas como foi

dito este deixar-ser tem um sentido contraacuterio ao de omissatildeo sendo ateacute a

maacutexima atenccedilatildeo e presenccedila diante o vigente como escuta e abrigo esta

liberdade acontece em seu parentesco com a verdade pensada como ἀιήζεiα

Pois eacute ao que se desvela que deixa-ser o ente que se eacute O que pelo misteacuterio

como misteacuterio eacute enviado ao desvelamento eacute abrigado mesmo ao se esconder

por este deixar-ser da liberdade Verdade misteacuterio e liberdade se emaranham

em sua co-pertenccedila ao acontecer poeacutetico-apropriante do ser (Ereignis)

Misteacuterio aqui eacute pensado como este que libera ldquoO encoberto que sempre se

encobre e cobrerdquo o fechado que abriga o eclodir

Este entregar-se ao caraacuteter de desvelado do ente como nos diz

Heidegger natildeo eacute um ldquoperder-se nele mas um recuo diante do ente afim que

este se manifeste naquilo que eacute e como eacuterdquo39

Pensando deste modo eacute que

podemos ver a copertenccedila entre destino e liberdade onde estes natildeo vatildeo de

encontro um ao outro mas pelo contraacuterio vatildeo ao encontro um do outro O que

o destino envia a liberdade permite O que eacute doado pelo misteacuterio eacute protegido

no des-velo pelo livre deixar-ser Leiamos o que diz Heidegger acerca desta

relaccedilatildeo entre destino e liberdade

38

Idem p27 39

A essecircncia da verdade p201

36

O destino do desencobrimento sempre rege o homem em todo o seu ser mas nunca eacute a fatalidade de uma coaccedilatildeo Pois o homem soacute se

torna livre num envio fazendo-se ouvinte e natildeo escravo do destino A essecircncia da liberdade natildeo pertence originariamente agrave vontade e nem tatildeo pouco se reduz agrave causalidade do querer humano

A liberdade rege o aberto no sentido do aclarado isto eacute do des-encoberto () A liberdade eacute o reino do destino que potildee o

desencobrimento em seu proacuteprio caminho40

Assim respondemos ao questionamento sobre o acontecimento

histoacuterico da teacutecnica como com-posiccedilatildeo se ele eacute fruto de uma inadvertecircncia ou

se eacute ele uma fatalidade de nossa eacutepoca Natildeo sendo nem um nem outro mas o

fruto de um envio proveniente do misteacuterio do ser Ao pensarmos assim nos

mantemos no espaccedilo livre com a essecircncia da teacutecnica ao qual buscamos estar

nesse percurso de nosso trilhar o pensamento heideggeriano Abre-se com

este pensar caminhos novos de enfrentamento agrave situaccedilatildeo de crise que se

apresenta sobre o modo da teacutecnica Nesse extra-ordinaacuterio onde se abre para a

essecircncia da teacutecnica somos tomados por um ldquoapelo de libertaccedilatildeordquo Diz

Heidegger

A essecircncia da teacutecnica moderna repousa na com-posiccedilatildeo A com-

posiccedilatildeo pertence ao destino do descobrimento Estas afirmaccedilotildees dizem algo muito diferente do que a frase tantas vezes repetida a

teacutecnica eacute a fatalidade de nossa eacutepoca onde fatalidade significa o inevitaacutevel de um processo inexoraacutevel e incontornaacutevel () quando

pensamos poreacutem a essecircncia da teacutecnica fazemos a experiecircncia da com-posiccedilatildeo como destino de um desencobrimento Assim jaacute nos mantemos no espaccedilo livre do destino Este natildeo nos tranca numa

coaccedilatildeo obtusa que nos forccedilaria uma entrega cega agrave teacutecnica ou o que daacute no mesmo a arremeter desesperadamente contra a teacutecnica e

condenaacute-la como obra do diabo Ao contraacuterio abrindo-nos para a essecircncia da teacutecnica encontramo-nos de repente tomados por um apelo de libertaccedilatildeo

41

Eacute nesse passo que se encontra o perigo Pois se a liberdade eacute

entendida como um deixar-ser o que nos eacute destinado ldquoo homem histoacuterico

tambeacutem pode deixando que o ente seja natildeo deixaacute-lo-ser naquilo que ele eacute e

assim como eacute O ente entatildeo encobre-se e eacute dissimuladordquo42

Este natildeo-deixar-ser

naquilo que eacute se apresenta no homem moderno como esse pensamento que

calcula nesta com-posiccedilatildeo dominante que tudo explora e torna disponiacutevel

Neste sistema operativo e calculaacutevel que potildee em fuga toda outra forma de

40

A questatildeo da teacutecnica pp 27-28 41

Idem p 28 42

A essecircncia da verdade p 203

37

pensar Eacute aqui que mora o perigo Nesse esforccedilo de dominar bdquocom espiacuterito‟ a

teacutecnica nessa produccedilatildeo exploradora esquece-se o misteacuterio e com isso tem-se

a fuga da possibilidade de um desvelar mais originaacuterio O pensamento

meditativo poeacutetico a pro-duccedilatildeo como ποίεζης eacute ameaccedilada de ser encoberta

por completo ldquoO predomiacutenio da com-posiccedilatildeo arrasta consigo a possibilidade

ameaccediladora de se poder vetar ao homem voltar-se para um desencobrimento

mais originaacuterio e fazer assim a experiecircncia de uma verdade mais inauguralrdquo43

O grande perigo natildeo se encontra portanto no perigo das armas na

superficialidade dos novos meios de comunicaccedilatildeo virtuais na intoxicaccedilatildeo por

remeacutedios nos transgecircnicos agrotoacutexicos ou qualquer outro elemento teacutecnico

Seu perigo extremo estaacute na fuga desta outra possibilidade no completo

domiacutenio da com-posiccedilatildeo sobre a essecircncia do pensar do homem

Entretanto ldquodificilmente abandona o que mora na proximidade do

originaacuterio o lugarrdquo Com essas palavras do poema A peregrinaccedilatildeo de Houmllderlin

palavras finais do ensaio A origem da obra de arte eacute feita a passagem do

perigo ao que salva CITACcedilAcircO A essecircncia mais essencial eacute res-guardada

pela forccedila originaacuteria do misteacuterio ldquoO domiacutenio da composiccedilatildeo natildeo poderaacute

deturpar todo o brilho da verdaderdquo44

Ao se afastar de sua morada essencial o

homem eacute tomado por um apelo de retorno O pensamento loacutegico calculador

potildee o homem cada vez mais diante aos entes em sua mera cotidianidade

Decai assim na mesmidade do apenas dado O homem histoacuterico eacute tomado por

um teacutedio profundo que manifesta o ente em sua totalidade onde tudo se

apresenta como indiferenccedila Outro humor entatildeo arrebata o homem a

anguacutestia Nesta o ente se potildee em fuga o nada se manifesta como um apelo

da morada essencial a experienciaccedilatildeo do nada abre o pensar a outra

possibilidade Para outro modo de ser se abre como fonte Abre como questatildeo

e misteacuterio para um pensar que natildeo seja mais um mero com-pocircr mas um pocircr

poeacutetico inaugural Permitindo pela escuta cuidadosa que venha agrave vigecircncia

como doaccedilatildeo deste nada originaacuterio Esta questatildeo sobre o nada e os humores

de teacutedio e anguacutestia seraacute tratada mais adiante com um maior aprofundamento

Aqui trata-se apenas de pensar o apelo silencioso

43

A questatildeo da teacutecnica pp30-31 44

Idem p31

38

Pensar a essecircncia da teacutecnica eacute escutar a voz o canto do destino que

adveacutem da fonte principial eacute colocar-se na histoacuteria de maneira autecircntica Esta

escuta potildee Heidegger a se deter na voz do poeta Houmllderlin ldquopoeta dos poetasrdquo

doa em seu dizer muitas palavras que abrem o seu pensar Diante deste

poeta o filoacutesofo-pensador se deteacutem em muitos momentos com muito cuidado

Assim diz o poeta ldquoOra onde mora o perigo eacute laacute que tambeacutem cresce o que

salvardquo Eacute portanto no domiacutenio da com-posiccedilatildeo como essecircncia da teacutecnica

moderna que se mostra a outra possibilidade de um desocultar mais originaacuterio

Mas qual o sentido deste salvar Que outra possibilidade de pensar se

presenteia nesse extra-ordinaacuterio que se deu no confronto com o pensar

teacutecnico Eacute esse outro pensar a salvaccedilatildeo da ameaccedila da crise Esses satildeo os

questionamentos derradeiros desta fase de nossa investigaccedilatildeo Satildeo sobre

estas questotildees que nos deteremos agora como passo preparatoacuterio para uma

nova questatildeo ou seja a questatildeo do confronto

39

3 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES ACERCA DA ESSEcircNCIA DA ARTE

Neste capiacutetulo pensaremos a questatildeo da arte buscando avizinhaacute-la do

originaacuterio (Ursprung) e da essecircncia (Wesen) no sentido de encontrar aiacute outra

possibilidade capaz de um confronto agrave crise apontada pelo des-velar

explorador da teacutecnica moderna Deixaremos que a essecircncia da arte se

apresente ao pensar Nossa busca eacute portanto a de saber se na arte guarda-se

a medranccedila daquilo que pode nos salvar deste tempo de indigecircncia desta

noite do mundo Para tal busca faremos um momento que nos serviraacute de

passagem da questatildeo anterior da teacutecnica para a questatildeo da arte que agora se

iniciaraacute Apoacutes esse momento de passagem adentraremos a questatildeo da arte e

buscaremos pensar como a sua essecircncia se apresentou ao filoacutesofo Daqui

seremos levados a pensar em conjunto a essecircncia da arte e a questatildeo da crise

atual do entendimento teacutecnico

31 ldquoOnde mora o perigo cresce o que salvardquo Da pergunta pela Teacutecnica agrave

pergunta pela Arte

Chegamos num ponto crucial de nossa investigaccedilatildeo passo derradeiro

acerca da pergunta pela teacutecnica natildeo eacute contudo conclusivo eacute apenas um

preparo para um olhar em outro sentido O tiacutetulo deste ponto jaacute nos indica para

onde vamos seguir Passaremos da questatildeo da teacutecnica agrave questatildeo da arte

Poreacutem eacute preciso ainda alguns passos para que essa mudanccedila natildeo se decirc de

forma brusca Em que sentido se daraacute essa mudanccedila Aleacutem desta indicaccedilatildeo

A ciecircncia pode classificar e nomear os oacutergatildeos

de um sabiaacute Mas natildeo pode medir seus encantos

A ciecircncia natildeo pode calcular quantos cavalos de forccedila existem nos encantos de um sabiaacute

Quem acumula muita informaccedilatildeo perde o

condatildeo de adivinhar divinare Os sabiaacutes divinam

Manoel de Barros Livro sobre nada

Do fundo abismo nascem as altas montanhas

Maacutercia de Saacute

O escuro me ilumina Manoel de Barros

40

de mudanccedila de olhar o tiacutetulo tambeacutem nos diz outra coisa ldquoOnde mora o perigo

eacute laacute tambeacutem que cresce o que salvardquo Nessas palavras de Houmllderlin Heidegger

nos indica o fio condutor desta mudanccedila Contudo precisamos esclarecer o

que se entende aqui por salvar Como relacionar este salvar que agora se pocircs

no caminho com a pergunta inicial acerca da essecircncia da teacutecnica Como a

arte se relaciona com a teacutecnica diante da pergunta pela essecircncia Iremos nos

deter nestes questionamentos nos passos seguintes

Haviacuteamos dito que a essecircncia da teacutecnica moderna se apresentou apoacutes

nosso questionar como com-posiccedilatildeo O desvelar explorador que arrancou da

terra tudo como mera dis-ponibilidade eacute regido por essa com-posiccedilatildeo Na

dominaccedilatildeo deste explorar com-positor o perigo que ameaccedila eacute o de se trancar

ao homem a possibilidade de um outro desvelar mais originaacuterio a saber o

desvelar poeacutetico Este que enquanto ποίεζης deixa que o ente seja a cada

vez o ente que eacute Sendo regida assim pela liberdade como um deixar-ser essa

ποίεζης deixa-pocircr Esta ameaccedila contudo natildeo se deu por conta de uma

negligecircncia do homem nem por um capricho ou por uma veleidade Ela eacute fruto

de um destino de uma doaccedilatildeo Sendo destino adveacutem de um acontecer

histoacuterico do ser Soacute ao se perceber este sentido da essecircncia da teacutecnica

moderna o homem pode receber essa doaccedilatildeo aos cuidados e proteccedilatildeo de sua

guarda na linguagem Sua guarda se daacute aos que escutam o apelo da silenciosa

fonte originaacuteria Pensar sua essecircncia eacute escutar esse apelo Soacute onde se daacute esse

pensar cuidadoso e esse poetar permissor eacute que se pode dizer com vigor

essas palavras do poeta ldquoonde mora o perigo eacute laacute tambeacutem que cresce o que

salvardquo Portanto natildeo nos apressemos em dar respostas Tentemos com maior

esforccedilo nos manter nessa bdquofesta do pensar‟ frente agrave abertura do misteacuterio frente

agrave vereda O que Heidegger pensa em con-sonacircncia com o poeta por salvar Eacute

ele um salvar a tempo de uma destruiccedilatildeo iminente ou nos diz outra coisa a

voz do poeta Continuemos no nosso lento caminhar

Pensando com Houmllderlin Heidegger nos diz

O que significa salvar Geralmente achamos que significa apenas retirar a tempo da destruiccedilatildeo o que se acha ameaccedilado em continuar

41

a ser o que vinha sendo Ora ldquosalvarrdquo diz muito mais ldquoSalvarrdquo diz chegar agrave essecircncia a fim de fazecirc-la aparecer em seu proacuteprio brilho

45

Chegar agrave essecircncia eacute o sentido do salvar Na ameaccedila cresce o que salva

pois eacute nessa ameaccedila que o apelo por um retorno ao lar se potildee fortemente de

forma mais decisiva Pensemos a essecircncia natildeo de modo tradicional como

essentia como aquilo que diz o que uma coisa eacute como quid Essecircncia deve

ser pensada como colocamos de iniacutecio logo nos primeiros passos do percurso

Pensemos a essecircncia como o originaacuterio como fonte doadora principial Natildeo

como iniacutecio daquilo que logo que se potildee a caminhar eacute deixado para traacutes mas

como principial que dura e vigora a cada passo que mesmo no afastar-se eacute o

que sustem e envia Da qual natildeo eacute permitido um abandono ou um natildeo ouvir

seu apelo Eacute assim que Heidegger nos diz

Eacute do verbo bdquowesen‟ viger que proveacutem o substantivo vigecircncia Wesen

essecircncia em sentido verbal de vigecircncia eacute o mesmo que bdquowaumlhren‟ durar () Goethe chegou a usar no lugar de bdquofortwaumlhren‟ perdurar a palavra misteriosa bdquofortgewaumlhren‟ continuar a conceder Sua escuta

ouve nessa palavra uma harmonia impliacutecita de continuidade entre

bdquowaumlhren‟ durar e bdquogewaumlhren‟ conceder46

Como um carvalho que diante do perigo ao crescer fortifica suas raiacutezes

nas profundezas da Terra ldquocrescer significa abrir-se agrave amplitude do ceacuteu e ao

mesmo tempo estar arraigado na obscuridade da Terrardquo47

pois satildeo as raiacutezes

que salvam Estas como fontes doadoras de alimento recebem da Matildee Terra

multinutriz a forccedila de salvaguardar o caminho a forccedila de sustentaccedilatildeo e de

contra-posiccedilatildeo ao perigo da crise que ameaccedila ldquoEm silecircncio e em seu tempordquo

se apresenta outra possibilidade Juntamente com as palavras do poeta outras

palavras satildeo ditas ldquomas eacute poeticamente que o homem habita esta Terrardquo

Como podemos sustentar as palavras do poeta se eacute exatamente o perigo do

pensar loacutegico calculador cientiacutefico que ameaccedila o homem Se o agir desse

homem reflete o seu pensar ou sua fuga de pensar logo eacute cientificamente que

este constroacutei suas casas que este trabalha e que se coloca no mundo Se o

que lhe rege eacute a com-posiccedilatildeo o explorar e a dis-posiccedilatildeo Heidegger diz

45

A questatildeo da teacutecnica p31 46

Idem p 33 47

HEIDEGGER Martin O caminho do campo In La prensa Traduccedilatildeo pessoal a partir da

traduccedilatildeo espanhola de Sobine Langenheim e Abel Posse 1976 p 2

42

A composiccedilatildeo eacute um modo destinado de desencobrimento a saber o des-cobrimento da exploraccedilatildeo e do desafio Um e outro modo

destinado eacute o desencobrimento da pro-duccedilatildeo da ποίεζης Esses modos natildeo satildeo poreacutem espeacutecies que justapostas fossem subsumidas no conceito de desencobrimento O desencobrimento eacute o

destino que cada vez de cofre e inexplicavelmente para o pensamento se parte ora num des-encobrir-se pro-dutor ora num

des-encobri-se ex-plorador e assim se reparte ao homem48

Eacute o misteacuterio que rege essa proximidade e esse repartir Estar atento a

este misteacuterio eacute o grande passo no sentido da superaccedilatildeo da ameaccedila Eacute o passo

capaz de impulsionar o salto mortal no abismo Eacute este misteacuterio que concede

Sem ele natildeo a arvore que se sustente que dure e para viger eacute preciso durar

ldquoSomente dura aquilo que foi concedido Dura o que se concede e doa com

forccedila inaugural a partir das origensrdquo49

Em um ensaio acerca da essecircncia da

poesia (Houmllderlin e a essecircncia da poesia) Heidegger se deteacutem em algumas

palavras de Houmllderlin dentre elas a seguinte ldquoMas o que dura instauram os

poetasrdquo O que dura eacute instaurado pelos poetas Ao falar do teacutecnico e de sua

essecircncia constantemente surge o poeacutetico Como podemos nos perder nesses

dois modos de pensar tatildeo distintos Ou seraacute que a rota de duas estrelas que

passam ao longe uma da outra guarda em si uma vizinhanccedila essencial

Escutemos estas palavras de Heidegger antes de continuarmos nosso

caminhar

Outrora natildeo apenas a teacutecnica trazia o nome de ηέτλε

Outrora chamava-se tambeacutem de ηέτλε o desencobrimento que levava a verdade a fulgurar em seu proacuteprio brilho Outrora chamava-se tambeacutem de ηέτλε a pro-duccedilatildeo da verdade na

beleza Τέτλε designava tambeacutem a ποίεζης das belas-artes50

Seraacute que na arte poderemos encontrar o caminho do que salva Se o

perigo que ameaccedila diz respeito ao modo de des-velar do real ou seja diz

respeito a verdade pode a arte estando em sua essecircncia relacionada com o

belo dizer algo sobre esta Ou o que se daacute eacute o contraacuterio a essecircncia da arte

estaacute mais proacutexima da verdade como ἀιήζεiα do que do belo ldquoA essecircncia da

arte seria esta o pocircr-se em obra da verdade do sendo mas ateacute agora a arte soacute

48

A questatildeo da teacutecnica p 32 49

Idem p 34 50

Idem p 36

43

tinha a ver com o belo e a beleza e natildeo com a verdaderdquo51

ldquoEacute o poeacutetico que leva

a verdade ao esplendor superlativo () O poeacutetico atravessa com seu vigor

toda arte todo desencobrimento que vige na belezardquo52

A arte se apresenta

aqui relacionada com a verdade Aqui o que estaacute sendo dito se daacute na forma

de indicaccedilatildeo de uma mudanccedila no sentido do caminho

Seraacute entatildeo que a arte eacute a possibilidade que silenciosamente cresce na

Terra para a salvaccedilatildeo da ameaccedila que se consuma na crise aqui indicada

Deixemos Heidegger nos perguntar o mesmo

Seraacute que as belas-artes satildeo convocadas ao des-encobrir poeacutetico Seraacute que o desencobrimento haacute de reivindicaacute-las mais

originariamente para que fomentem por sua parte o crescimento do que salva para que despertem e instaurem em nova forma a visatildeo e

a confianccedila no que se concede e outorga Ningueacutem poderaacute saber se estaacute reservada agrave arte a suprema

possibilidade de sua essecircncia no meio do perigo extremo53

Se natildeo podemos saber se eacute na arte que se reserva a possibilidade do

que salva deveremos ainda nos encaminhar nessa arriscada aventura que eacute a

da busca por sua essecircncia ldquoEncaminhar na direccedilatildeo do que eacute digno de ser

questionado natildeo eacute uma aventura mas um retorno ao larrdquo ldquoAinda natildeo

pensamos o sentido quando estamos apenas na consciecircncia Pensar o sentido

eacute muito mais Eacute a serenidade em face do que eacute digno de ser questionadordquo54

Como os pensadores e poetas serenamente nos arriscaremos nessa vereda

Nos arriscaremos no sentido de termos em vista que no fim dessa nova

caminhada possamos nos deparar diante uma aporia Buscamos a essecircncia da

teacutecnica para abrir nossa presenccedila a um livre relacionamento com sua essecircncia

Esta se apresenta como um modo de des-velamento o explorador que potildee

tudo como dis-posiccedilatildeo a uma com-posiccedilatildeo Essa busca nos levou por fim agrave

questatildeo da arte Diz Heidegger

Natildeo sendo nada de teacutecnico a essecircncia da teacutecnica a consideraccedilatildeo essencial do sentido da teacutecnica e a discussatildeo decisiva com ela tecircm de dar-se no espaccedilo que de um lado seja consanguiacuteneo da essecircncia

da teacutecnica e de outro lado lhe seja fundamentalmente estranho

51

A origem da obra de arte p 87 52

A questatildeo da teacutecnica p 37 53

Ibidem 54

Ciecircncia e pensamento do sentido p 58

44

A arte nos proporciona um espaccedilo assim Mas somente se a consideraccedilatildeo do sentido da arte natildeo se fechar agrave constelaccedilatildeo da

verdade que noacutes estamos a questionar55

Nossas consideraccedilotildees acerca da teacutecnica apontaram para a ποίεζης

poiacuteesis como um modo de des-velar de verdade como a essecircncia da teacutecnica

grega e para a Ge-stell com-posiccedilatildeo tambeacutem como um modo de verdade

como a essecircncia da teacutecnica moderna Ambas seriam modos de verdade de

des-velamento Assim a essecircncia da teacutecnica se apresentou como verdade

Poreacutem a razatildeo de que em um dado momento se apresenta como des-

velamento e em outro se apresenta de um outro modo para noacutes permanece

um misteacuterio O misteacuterio se instaurou Esse mesmo que oculto em sua

essecircncia clareou agrave noacutes a possibilidade de um outro caminho O outro como

diferenccedila se apresentou como inaugural diante a identidade a habitual do

mesmo A arte tem em seu nascimento a aproximaccedilatildeo com a teacutecnica eacute-lhe

consanguiacutenea Houmllderlin pensando com Heraacuteclito escreve em seu Hipeacuterion ldquoA

palavra grandiosa ἔλ δηαθέρολ ἑασηῶη de Heraacuteclito soacute poderia ser encontrada

por um grego pois essa eacute a essecircncia da beleza e antes de encontraacute-la natildeo

havia filosofia algumardquo56

pois para ele a beleza eacute o ser e para Heraacuteclito o ser eacute

esse ldquoἔλ δηαθέρολ ἑασηῶηrdquo o uno em si mesmo diverso Heraacuteclito e Houmllderlin

satildeo enquanto pensador e poeta constantemente considerados por Heidegger

O poeacutetico aqui eacute relacionado para aleacutem do belo diz acerca do ser e da

verdade eacute o ηό ἐθθαλέζηαηολ de Platatildeo que sai a brilhar de forma superlativa

Constantemente somos levados a pensar a arte em consideraccedilatildeo com a

verdade

Investigaremos a arte na busca da sua essecircncia considerando

continuamente a questatildeo da verdade Contudo como foi dito a questatildeo da

verdade e a questatildeo do ser no pensamento heideggeriano andam de matildeos

dadas Assim como se deu nesse percurso a seguir re-colocaremos a questatildeo

do ser e da verdade Soacute assim seremos capazes de dizer algo a respeito da

arte se tem ela a medranccedila do que salva se ela nos indica ainda outra

possibilidade outro caminho ou se por fim devemos abandonar

definitivamente essa busca de um pensar em confronto agrave crise

55

A essecircncia da teacutecnica p 37 56

HOacuteLDERLIN Friedrich Hipeacuterion ou o eremita na Greacutecia Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante

Rio de Janeiro Vozes 1993 p 99

45

32 O originaacuterio da obra de arte O pocircr-em-obra da verdade

Nos passos anteriores vimos como Heidegger passou da questatildeo da

teacutecnica entendida em sua essecircncia como um des-encobrimento agrave questatildeo da

arte tambeacutem como um saber que des-encobre Em sua origem grega ambos

eram pensados pela palavra ηέθλε Teacutecne foi pensada desde Homero como

um saber Arte e saber pertenciam a um mesmo acircmbito Um saber que permitia

ao ser ao divino o seu advento ao que era por si proacuteprio Arte era um saber

um modo de verdade α-ιήζεηα poreacutem mesmo ao pensar grego esta relaccedilatildeo

entre arte e verdade se deu apenas extrinsecamente Sua relaccedilatildeo mais iacutentima

se mostrou desde o comeccedilo da tradiccedilatildeo com a questatildeo do belo passando por

toda a tradiccedilatildeo com este mesmo sentido mesmo que de diferente modo em

cada etapa do desenvolvimento do pensar Arte e belo e natildeo arte e verdade

era a relaccedilatildeo que se mantinha Soacute em Heidegger segundo o proacuteprio pensador

essa relaccedilatildeo passa ao seu vigor essencial Pois soacute neste filoacutesofo a verdade eacute

pensada como α-ιήζεηα des-encobrimento Soacute nele ela eacute pensada em sua

profundidade essencial pois mesmo ali no pensar grego essa essecircncia da α-

ιήζεηα se deu de forma oculta57

O olhar da ciecircncia esteacutetica surgido na modernidade ao artiacutestico ao

poeacutetico era um olhar sob impeacuterio da loacutegica Este olhar pensou desde seu

nascimento a arte em relaccedilatildeo ao belo ao gosto aos sentidos A mudanccedila de

paradigma que se deu com o pensar vigoroso de Heidegger em relaccedilatildeo ao

ser exigia outra linguagem uma nova forma de se pocircr diante do artiacutestico A

loacutegica como vimos anteriormente natildeo abarcava mais este pensar do ser pois

natildeo sendo mais ente o ser natildeo cabia mais no domiacutenio de seus objetos A

loacutegica seria aquela que sabe dos entes e nada mais A arte como um saber

que permitiria o advir do destinado passou a dizer a respeito do ser Para a

57

Cf HEIDEGGER Martin Parmecircnides Trad br Seacutergio Maacuterio Wrublevski Petroacutepolis Editora

Vozes 2008 P 29

ldquoEscrever o que natildeo acontece eacute tarefa da

poesiardquo

Manoel de Barros Menino do mato

46

loacutegica tratar do brotar de um natildeo-adveniente ao vigente do natildeo-ente sem

tornaacute-lo ente natildeo era uma possibilidade e pensar o natildeo-ente como um ente era

entrar em contradiccedilatildeo ferindo o fundamento supremo o princiacutepio da

contradiccedilatildeo Uma desconstruccedilatildeo torna-se necessaacuteria

O que em Ser e tempo se apresentou como a destruiccedilatildeo Destruktion da

ldquohistoacuteria da ontologiardquo58

e com ela como o ldquoenrijecimento de uma tradiccedilatildeo

petrificadardquo ou seja da tradiccedilatildeo loacutegicametafiacutesica eacute na verdade uma

desconstruccedilatildeo59

Esta desconstruccedilatildeo da histoacuteria da ontologia que em outros

momentos eacute chamada de superaccedilatildeo da metafiacutesica eacute uma superaccedilatildeo da

linguagem e do pensar loacutegico Uma histoacuteria que chega a sua consumaccedilatildeo com

o nascimento da Esteacutetica da loacutegica do sensitivo Assim a desconstruccedilatildeo da

Metafiacutesica na tradiccedilatildeo seraacute entendida como a histoacuteria da ontologia cujo

momento final seraacute a desconstruccedilatildeo da histoacuteria da Aesthetica

O meacutetodo indicado por Heidegger em Ser e tempo eacute o meacutetodo

Fenomenoloacutegico Em um certo sentido em consonacircncia com o que defendia

Husserl como um deixar-que apareccedila o que adveacutem da fonte o que adveacutem de

si mesmo Como Heidegger observa

O meacutetodo de tratar essa questatildeo eacute fenomenoloacutegico Isso poreacutem natildeo

significa que o tratado prescreva bdquoum ponto de vista‟ ou uma bdquocorrente‟ () fenomenologia diz entatildeo ἀποθαίωεζζαη ηὰ θαηλόκελα

ndash deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra tal como se mostra a partir de si mesmo Eacute este o sentido formal da pesquisa que

traz o nome de fenomenologia Com isso poreacutem natildeo se faz outra coisa do que exprimir a maacutexima formulada anteriormente ndash bdquopara as coisas elas mesmas‟

60

Em seu ensaio A origem da obra de arte Heidegger lanccedila um profundo

e cuidadoso olhar ao acontecer da arte natildeo mais um olhar esteacutetico ou loacutegico

que se manteacutem na superficialidade do fundamento do fundo mas um olhar

permissivo esse olhar fenomenoloacutegico Potildee-se a pensar como uma escuta e

natildeo mais a refletir e buscar conclusotildees Qual o originaacuterio (Ursprung) da obra de

arte Aqui antes de adentrarmos os passos seguintes re-coloquemos a

58

Ser e tempo sect 6 59

Conferir o estudo de Stein acerca da questatildeo da desconstruccedilatildeo da metafiacutesica STEIN Ernildo Diferenccedila e metafiacutesica ensaios sobre a desconstruccedilatildeo Ijuiacute UNIJUIacute 2008 60

Ser e tempo pp66- 74

47

questatildeo do termo Ursprung que estaacute no tiacutetulo do ensaio heideggeriano

Traduzindo para o portuguecircs a palavra alematilde Ursprung pode-se tanto dizer (a)

origem como por meio de substantivaccedilatildeo (o) originaacuterio Ao decompormos Ur-

sprung temos o prefixo Ur primordial e a palavra Sprung advida do verbo

springen saltar Eacute como um bdquosalto fundador‟ como um bdquofazer eclodir‟ como

podemos ler em seu ensaio que Heidegger pensa esta expressatildeo61

Ao

traduzir-se por origem somos levados a pensar em algo pontual em um iniacutecio

temporal e espacial um fundo alicerce sobre o qual possamos construir o

nosso edifiacutecio Como origem somos remetidos de volta para o interior da

tradiccedilatildeo metafiacutesica da loacutegica e seu pensar dominante Origem eacute fundamento

eacute chatildeo conceito E o que eacute do acircmbito do pensar acircmbito no qual Heidegger

busca re-instaurar eacute o do abismo (Abgrund) do sem chatildeo Eacute aquele poccedilo no

qual o pensador ao levar o seu pensar ao misteacuterio da fonte principial (Anfang)

cai em seu caminhar

Com origem com solo alicerce se constroacutei impeacuterio Eacute levar com

seriedade o des-envolvimento o progresso do saber Eacute caminhar sempre para

frente em linha reta eacute o reto pensar ὀρζόηες ortoacutetes bdquoretidatildeo do olhar‟ Eacute

seguir como trem comeacutercio induacutestria poder eacute dar resposta eacute uma re-

afirmaccedilatildeo da tradiccedilatildeo Em originaacuterio algo outro se passa Cai-se em um poccedilo

para dentro do que estava apenas na superfiacutecie Cai-se em ἀπορία Sendo

pelo ldquoentendimento escolado da loacutegicardquo62

motivo de riso pois sem chatildeo natildeo se

vai a lugar nenhum natildeo se responde nada Esse ldquocair no poccedilordquo que sempre foi

ldquomotivo de risordquo ldquonatildeo levando a lugar nenhumrdquo eacute o que Heidegger chama a

tarefa do pensar Eacute ldquoao menos uma vez chegar ao lugar em que jaacute estamosrdquo63

Eacute a abertura ao misteacuterio oculto da fenda do ser Caindo nas aacuteguas de um rio eacute

permitir-se ser levado ao destino caminhando com o fluxo do que adveacutem da

fonte principial

61

A origem da obra de arte p 199 Aleacutem do dito pelo proacuteprio filoacutesofo conferir a nota de traduccedilatildeo de Idalina acerca da expressatildeo Ursprung em sua traduccedilatildeo ao ensaio citado pp 224-

228 62

A linguagem p 8 63

Idem

48

Eacute neste sentido como originaacuterio que lemos a palavra Ursprung Daiacute o

tiacutetulo do ensaio ser tambeacutem pensado como O originaacuterio da obra de arte64

Perguntar pelo originaacuterio da obra de arte eacute perguntar pela proveniecircncia de sua

essecircncia Esta essecircncia natildeo seria aquela pensada como solo como a essentia

da tradiccedilatildeo metafiacutesica mas como abertura sem fundo como Abgrund aquele

aberto que recebe o proveniente do misteacuterio do ser Segundo a opiniatildeo

corrente a proveniecircncia da obra de arte eacute a atividade do artista mas o que diz

se um artista eacute um artista eacute a sua obra de arte

O artista eacute a origem da obra A obra eacute a origem do artista Nenhum eacute sem o outro Do mesmo modo nenhum dos dois porta sozinho o

outro Artista e obra satildeo em-si e em sua muacutetua referecircncia atraveacutes de um terceiro que eacute o primeiro ou seja atraveacutes daquilo a partir de onde artista e obra de arte tecircm seu nome atraveacutes da arte

65

A pergunta pela obra de arte eacute encaminhada a pergunta pela arte

mesma Qual a essecircncia da arte para que ela possa ser originaacuteria de algo

Heidegger inicia sua busca por essa essecircncia pelo que foi dito na tradiccedilatildeo

Buscaraacute sua essecircncia a partir de sua realidade efetiva Procurando sua

essecircncia na obra de arte existente A obra de arte eacute uma coisa como as

demais Eacute uma coisa como a pedra e tambeacutem como o utensiacutelio sapato Poreacutem

a obra de arte eacute uma coisa acrescida de algo mais algo de mais elevado que

uma mera coisa Eacute algo de produzido pelo homem mas os instrumentos os

utensiacutelios como a panela o martelo o carro tambeacutem satildeo coisas produzidas

pelas matildeos do homem Mas obra de arte eacute tambeacutem mais elevada que o

utensiacutelio pois aleacutem se ser uma coisa produzida ela nos diz algo de outro Ela eacute

alegoria eacute siacutembolo

A obra de arte aleacutem do caraacuteter de coisa eacute ainda um outro algo Este outro algo que estaacute nela constitui o artiacutestico () Alegoria e siacutembolo

fornecem o enquadramento representacional em cuja perspectiva desde haacute muito tempo se move a caracterizaccedilatildeo da obra de arte

66

64

A origem da obra de arte p 225 65

Idem p 37 66

Idem p43

49

Na busca pela essecircncia da arte a partir de sua realidade efetiva nos

deparamos com a coisa e com o utensiacutelio Sendo antes de tudo uma coisa

desvia-se o caminho da essecircncia da arte para o da essecircncia do que seja uma

coisa da coisidade da coisa Assim observa-se se a arte eacute uma coisa

acrescida de algo mais ou se eacute algo de outro A pergunta torna-se entatildeo Qual

a essecircncia da coisa Seguindo o fio condutor da investigaccedilatildeo da tradiccedilatildeo

filosoacutefica acerca da coisa Heidegger nos indica trecircs principais definiccedilotildees A

coisa eacute i) ldquoA substacircncia com os seus acidentesrdquo67

ii) ldquoA unidade de uma

multiplicidade dada nos sentidosrdquo68

e iii) ldquoa coisa eacute uma mateacuteria enformadardquo69

Esse eacute o esquema conceitual da esteacutetica desde seus primeiros acenos Das

definiccedilotildees citadas a terceira mateacuteria enformada eacute a que mais se adequa a

esse esquema conceitual

A distinccedilatildeo entre mateacuteria e forma eacute e na verdade nas mais diferentes variedades pura e simplesmente o esquema conceitual usado em todas as teorias da arte e da Esteacutetica () Quando se liga a forma

ao racional e a mateacuteria ao irracional considera-se o racional como o loacutegico e o irracional como o iloacutegico e quando se acopla ao par conceitual forma-mateacuteria ainda a relaccedilatildeo sujeito-objeto entatildeo o

representar dispotildee de uma mecacircnica conceitual agrave qual nada se pode opor

70

Para Heidegger esta definiccedilatildeo da coisidade da coisa poreacutem natildeo se

aplica apenas para as meras coisas Um par de sapatos e um quadro de van

Gogh satildeo tambeacutem mateacuteria enformada Uma pedra possui uma mateacuteria em uma

determinada forma contudo aiacute a forma eacute apenas uma mera distribuiccedilatildeo

espacial de um determinado conteuacutedo Jaacute no par de sapatos a forma eacute de tal

modo fundamental por conta de sua utilidade que influencia ateacute na escolha do

material a ser usado no momento de sua produccedilatildeo Flexiacutevel e macia para uma

roupa resistente e dura para um martelo e assim se daacute com os outros

utensiacutelios Pensando assim Heidegger aponta para o produzido para este algo

uacutetil proacuteximo ao dia a dia do homem que vem primeiramente para esta

definiccedilatildeo de mateacuteria-forma e daiacute passa a coisidade da coisa O homem

67

Idem p 53 68

Idem p 59 69

Idem p 61 70

Idem p 63

50

transfere do utensiacutelio para a coisa a sua definiccedilatildeo e isto por meio do esquema

esteacutetico e sua relaccedilatildeo com a arte e os artefatos

Por conseguinte mateacuteria e forma enquanto determinaccedilotildees do sendo satildeo naturais agrave essecircncia do utensiacutelio Propriamente este nome

nomeia o elaborado em vista de sua utilidade e uso Mateacuteria e forma natildeo satildeo de modo algum determinaccedilotildees originaacuterias da coisidade da proacutepria coisa

71

Somos assim novamente enviados a outro acircmbito A busca pela

essecircncia da coisa nos levou a questatildeo do utensiacutelio Qual a sua essecircncia O

que lhe difere da mera coisa lhe pondo a meio caminho entre coisa e arte Ou

seraacute o utensiacutelio ainda algo outro Com estas indagaccedilotildees chegamos com

Heidegger ao produzido em vista de uma utilidade o utensiacutelio tem na serventia

o traccedilo fundamental a partir do qual este sendo nos olha Eles satildeo tatildeo

melhores quanto menos pensarmos neles em sua constituiccedilatildeo em sua forma

ou mateacuteria Seja o sapato ou o martelo eacute na serventia que se encontra o seu

valor e natildeo em sua constituiccedilatildeo Portanto como Heidegger nos diz na

confiabilidade da serventia ela se torna uacutetil Quando apenas usamos o

utensiacutelio por conta da confiabilidade a ele cedida sua essecircncia nunca nos

chega como o que este utensiacutelio eacute No contato diaacuterio e habitual com o utensiacutelio

sua essecircncia natildeo se apresenta junto agrave relaccedilatildeo que ele que manteacutem

Para Heidegger um homem diante de um quadro de Van Gogh onde

figura um par de sapatos pintados e nada mais ao pensar algo de outro

acontece

Da escura abertura do interior gasto dos sapatos a fadiga dos passos trilhados olha firmemente No peso denso e firme dos sapatos se

acumula a tenacidade do lento caminhar atraveacutes dos alongados e sempre mesmos sulcos do campo sobre qual sopra continuo um vento aacutespero No couro estaacute a umidade e a fartura do solo Sob as

solas insinua-se a solidatildeo do caminho do campo em meio agrave noite que vem caindo Nos sapatos vibra o apelo silencioso da Terra sua calma

doaccedilatildeo do gratildeo amadurecente e o natildeo esclarecido recusar-se do ermo terreno natildeo-cultivado do campo invernal Atraveacutes do utensiacutelio perpassa a afliccedilatildeo sem queixa pela certeza do patildeo a alegria sem

palavras da renovada superaccedilatildeo da necessidade o temor diante do anuacutencio do nascimento e o calafrio diante da ameaccedila da morte Agrave

Terra pertence este utensiacutelio e no Mundo da camponesa estaacute ele

71

Idem p 67

51

abrigado A partir deste pertencer que abriga o proacuteprio utensiacutelio surge para seu repousar-em-si

72

A obra de arte trouxe ao desvelado aquilo que o utensiacutelio enquanto um

sendo eacute Natildeo poreacutem da forma habitual como mera serventia como

confiabilidade A obra inaugura Terra e Mundo Terra como aquilo de onde

este sendo proveacutem e mundo como o aberto do qual aquele sendo faz parte A

obra de arte potildee-em-obra a verdade do sendo do ente Eacute como um pocircr-em-

obra da verdade que Heidegger pensa a essecircncia da arte Por meio da arte

cada sendo vem a vigecircncia de forma extra-ordinaacuteria como um sendo um ente

que irrompe do seu ser Brota pela abertura que acontece na arte da Terra ao

Mundo Esse pocircr-se-em-obra da verdade eacute ποίεζης poiacuteesis Este pocircr

enquanto obra adveniente do ser eacute pensado como um deixar-que atraveacutes da

escuta cuidadosa ao misteacuterio do ser brote do fechado da Terra ao desvelado

do Mundo

Terra e Mundo satildeo palavras-chave para a compreensatildeo do pensar

heideggeriano acerca da arte Terra natildeo eacute o conjunto maciccedilo de areia ou um

planeta Como Γε Gaia Terra os gregos natildeo diziam nada disso Terra tambeacutem

natildeo eacute simplesmente o fechado o velado em oposiccedilatildeo ao Mundo como o

aberto o desvelado Terra como aquela que abriga natildeo pode ser um riacutegido

fechar-se em si eacute de uma forma completamente diferente um res-guardar-se

que acolhe que nutre Ela eacute Gaia Matildee ldquode amplo seio de todos sede

irresvalaacutevel semprerdquo73

ldquomulti-nutrizrdquo74

Eacute entatildeo proteccedilatildeo e natildeo simplesmente

dissimulaccedilatildeo Terra eacute o misteacuterio cuidadoso do essencial Assim tambeacutem Mundo

natildeo eacute apenas o aberto Eacute no Mundo que vige ldquoas decisotildees mais essenciais de

nossa histoacuteriardquo75

Mundo eacute para onde o ser se destina natildeo como um espaccedilo

um lugar mas como acircmbito do acontecimento Eacute a morada do vigente Mundo

eacute sempre o inobjetaacutevel

72

Idem p81 73

Teogonia p 91 74

Podemos ver em muitas passagens da Iacuteliada assim como da Odisseia Homero se referindo agrave Γε Gaia Terra como a Matildee multi-nutriz 75

Origem da obra de arte p 109

52

Eacute na disputa entre Terra e Mundo que se daacute o ldquoacontecer poeacutetico-

aproprianterdquo (Ereignis) como Heidegger passou a chamar o acontecimento do

ser

Para onde a obra se retira e o que ela deixa surgir nesse retirar-se noacutes denominamos Terra Ela eacute a que faz surgir e que abriga A Terra

eacute a que natildeo sendo forccedilada a nada eacute sem esforccedilo e infatigaacutevel Sobre a Terra e nela o homem histoacuterico funda o seu morar no Mundo No

que a obra instala um Mundo ela elabora a Terra76

Arte eacute entatildeo abertura Enquanto no utensiacutelio haacute um gastar-se com o uso

com sua serventia na obra de arte enquanto a disputa originaacuteria de Terra e

Mundo se manteacutem em seu vigor enquanto permanece como obra daacute-se

abertura O artista natildeo gasta a tinta ao criar um quadro como gasta o pintor no

seu trabalho de pintar um muro de uma casa Na pintura criadora do artista eacute

que as cores vecircm a ser as cores que satildeo O verde vem na arvore pintada a

ser o verde da natureza o azul revela o ceacuteu Jaacute no utensiacutelio a lata de tinta eacute

tanto melhor quanto mais some ao ser usada como revestimento Na obra de

arte haacute um permanecer uma instauraccedilatildeo Eacute na poesia que a palavra chega ao

dizer na muacutesica que o som chega ao soar na escultura que a pedra chega ao

resistir

Na obra de arte daacute-se essa clareira na arte daacute-se o acontecimento

como obra da verdade A verdade eacute posta em obra Aqui uma pergunta se potildee

como necessaacuteria o que eacute a verdade para que possamos dizer que ela eacute pela

obra de arte posta em obra Re-coloquemos entatildeo a questatildeo da verdade que

no primeiro capiacutetulo apenas indicamos para que esta advenha em seu sentido

mais profundo Ou seja pensemos um pouco mais acerca da verdade para

adentrarmos de forma mais cuidadosa na vereda do pensar heideggeriano

Pensar verdade α-ιήζεηα como des-encobrimento nos remete a outro

acircmbito do pensar Um acircmbito do ainda-natildeo da adveniecircncia Somos

transpostos da rigidez conceitual do definido do dado agrave fluidez do vir-a-ser da

abertura do misteacuterio Ao pensar a verdade como o desvelado o velado passa

a se mostrar como mais originaacuterio como fonte originaacuteria deste desvelado

Mostra-se como mais essencial Este velado pode entatildeo ser pensado como o

76

Idem p115

53

natildeo-desvelado como a natildeo-verdade Sendo mais essencial importa a noacutes

mais essa natildeo-verdade do que a verdade Eacute assim que Heidegger no ensaio A

essecircncia da verdade faz a virada da questatildeo da verdade para a natildeo-verdade

De uma busca pela verdade somos transpostos a uma busca pela natildeo-

verdade

Poreacutem para Heidegger essa passagem da verdade para a natildeo-

verdade natildeo deve ser pensada pura e simplesmente como uma inversatildeo mas

como abertura de outro acircmbito do pensamento Pensar a verdade como a natildeo-

verdade achando com isso estar saindo do acircmbito do definido do dado da

identidade para o acircmbito do indefinido da diferenccedila seria um equiacutevoco

Tomar simplesmente a natildeo-verdade por verdade eacute apenas outro acircmbito da

rigidez do conceito Heidegger nos propotildee em seus ensaios uma mudanccedila no

acircmbito do pensamento natildeo uma mera inversatildeo mas algo de outro Esse

acircmbito por ele proposto mais originaacuterio e mais profundo natildeo pode ser

atingido com a operaccedilatildeo loacutegica da inversatildeo e suas enunciaccedilotildees predicativas

Soacute um pensamento como abertura um pensamento do sentido e natildeo mais um

meramente conceitual pode adentrar essa profundidade Soacute assim pode-se

pretender um avizinhar ao ser Verdade eacute pensada como clareira Natildeo sendo

nem o aberto desvelado nem o fechado velado mas sim abertura

possibilidade de adveniecircncia de acontecimento poeacutetico-apropriativo Assim

diria Heidegger acerca da clareira

Um tal aparecer acontece necessariamente em uma certa claridade Somente atraveacutes dela pode mostrar-se aquilo que aparece isto eacute brilha A claridade por sua vez poreacutem repousa numa dimensatildeo de

abertura e de liberdade que aqui e acolaacute de vez em quando pode clarear-se A claridade acontece no aberto e aiacute luta com a sombra

() Somente esta abertura garante tambeacutem agrave marcha do pensamento especulativo sua passagem atraveacutes daquilo que pensa

Designamos esta abertura que garante a possibilidade de um aparecer e de um mostrar-se com a clareira (die Lichtung)

77

Outra questatildeo referente agrave verdade que aqui seraacute de crucial importacircncia

eacute a da verdade como erracircncia O homem enquanto um ente no Mundo que

caminha pelo aberto eacute um jogado na erracircncia do Mundo O homem se

77

O fim da filosofia e a tarefa do pensamento p 102

54

relaciona insistentemente com os entes com o aberto Neste relacionar-se com

o dado o homem afasta-se do misteacuterio Afastando-se assim do essencial do

ser do misteacuterio originaacuterio daacute-se o errar ldquoEste vaiveacutem do homem no qual ele

se afasta do misteacuterio e se dirige para a realidade corrente sai de um objeto da

vida cotidiana para outro desviando-se do misteacuterio ele eacute o errar78

rdquo O homem

um ek-sistente um lanccedilado para fora de si no mundo insistentemente Com

isso eacute o homem des-guardado no aiacute do aberto Como errante ele eacute lanccedilado

para fora no aberto do cotidiano e se relaciona com os outros entes com o

Mundo Diz Heidegger

O homem erra O homem natildeo cai na erracircncia em um momento dado

() erracircncia se revela como o espaccedilo aberto para tudo que se opotildee agrave verdade essencial () aquilo que o haacutebito e as doutrinas filosoacuteficas chamam de erro isto eacute a natildeo-conformidade do juiacutezo e a falsidade do

conhecimento eacute apenas um modo e ainda o mais superficial de errar () A erracircncia domina o homem enquanto o leva a se desgarrar Pelo

desgarramento poreacutem a erracircncia tambeacutem contribui para fazer nascer esta possibilidade que o homem pode tirar da ek-sistecircncia e que

consiste em natildeo se deixar levar pelo desgarramento O homem natildeo sucumbe no desgarramento se ele mesmo eacute capaz de provar a erracircncia enquanto tal e de natildeo desconhecer o misteacuterio do ser-aiacute

79

Eacute da essecircncia do homem enquanto ek-sistente a erracircncia Tanto mais

errante como tambeacutem mais aberto ao misteacuterio do ser mais homem ele eacute

Provando da erracircncia corre o homem o risco de aiacute perder-se no

desgarramento Evitando esta erracircncia nega ele sua essecircncia Eacute necessaacuterio

entatildeo um enfrentamento onde o homem como o que se arrisca mais ponha-

se diante dessa possibilidade de perder-se Eacute soacute na peossibilidade de perder-

se que pode este se encontrar Assim para Heidegger o homem arrisca-se na

erracircncia com a constante abertura ao misteacuterio mas o misteacuterio eacute aquele que se

potildee em fuga diante de toda investigaccedilatildeo Daiacuteo pensar para Heidegger que se

pretende aberto ao misteacuterio natildeo poder ser do tipo investigativo do tipo que

forccedila abertura que rasga Pois no oculto do misteacuterio eacute como se estiveacutessemos

em matildeos uma pedra e quebrando-a ao meio quiseacutessemos saber o que haacute em

seu interior Ao quebrar o dentro se potildee em fuga ocultando-se dentro dos dois

pedaccedilos resultantes da quebra Nessa quebra violenta soacute nos deparamos com

o fora o superficial o sempre aberto O interior sempre se resguarda Assim eacute

78

A essecircncia da verdade p208 79

Idem p 209

55

o misteacuterio Quanto mais forccedilamos sua adveniecircncia mais em fuga ele se potildee

Na arte natildeo haacute um forccedilar abertura mas um permitir um aguardar paciente

Diante esse ser que se resguarda no misteacuterio ora doando-se ora

pondo-se em fuga poetas e pensadores como guardiatildees desse saber que

abre satildeo os caminhantes desse Holzwege Caminho de Floresta dessa

vereda deste terceiro caminho que Parmecircnides em seu poema Da Natureza

indica como aquele descaminho que leva ao nada ao que se potildee em fuga Eacute

nessa vereda nesse Αηραπός nesse caminho de floresta que se daacute o

avizinhanccedilar-se do ser Para adentrar em tal vereda contudo eacute necessaacuterio

arriscar-se frente agrave possibilidade de perder-se no caminhar de cair em um

poccedilo Soacute aiacute eacute possiacutevel avizinhaccedilar-se da fonte principial Poetas e pensadores

satildeo capazes de nomear nesse calar-se Sua linguagem eacute silenciosa Qual o

modo desse silecircncio De que modo eacute o dizer da arte um dizer silencioso Satildeo

nessas questotildees que nos deteremos nos passos seguintes

33 Pensamento poeacutetico Um dizer silencioso

Vimos que a essecircncia da arte em Heidegger se apresentou como um

pocircr-em-obra o acontecimento da verdade onde essa verdade eacute pensada como

clareira abertura A arte potildee-em-obra a verdade do ente Enquanto obra a arte

eacute abertura eacute adveniecircncia do ser ao ente do que eacute para o que estaacute sendo do

natildeo-vigente agrave vigecircncia Poderia ser dito poreacutem com a possibilidade de maacutes

interpretaccedilotildees o que nos adverte o proacuteprio filoacutesofo80

que a arte eacute uma

passagem do nada ao ente Este nada natildeo deve ser aqui pensado como o

nada do niilismo O nada aqui eacute pensado como o natildeo-ente o natildeo-presente

que apesar de natildeo ser um ente eacute sua fonte principial eacute originaacuterio Ser e nada

80

Α origem da obra de arte pp 181-183

ldquoEscrever o que natildeo acontece eacute tarefa da

poesiardquo Manoel de Barros Menino do mato

ldquoSobre o que natildeo se pode calar devemos

silenciarrdquo Ludwig Wittgenstein Tractatus Logico-Philosophicus

56

se pensados com cuidado de natildeo os identificar diretamente podem ser

pensados juntos em sua proximidade

E a verdade surge do nada De fato se pensado com o nada do mero natildeo sendo e se nisso o sendo eacute representado como aquele

existente habitual que depois atraveacutes do entre-permanecer da obra vem agrave luz como o que apenas pretensamente eacute o verdadeiro sendo e assim fica abalado A verdade nunca eacute colhida do existente e do

habitual Abertura do aberto e a clareira do sendo acontecem muito mais somente no que a abertura adveniente se delineia na

projeccedilatildeo81

Toda passagem do natildeo-vigente ao vigente todo brotar da θύζης (fiacutesis) eacute

ποίεζης (poiacuteesis) ou seja todo acontecimento da verdade (Ereignis) toda

abertura como clareira eacute poesia Assim tanto o desencobrimento da teacutecnica

seja ela claacutessica ou moderna como o des-encobrimento da obra-de-arte satildeo

poiacuteesis poreacutem enquanto na teacutecnica moderna o que eacute posto eacute produzido como

algo acabado como pronto no pocircr-em-obra da arte assim como na teacutecnica

claacutessica enquanto ηέτλε o que adveacutem eacute encaminhado como princiacutepio

(Anfang) como inaugural movimento

Na teacutecnica moderna o posto adveacutem por meio de uma com-posiccedilatildeo (Ge-

stell ζσλ-ζέζης) como disponibilidade Na obra de arte o que pela obra eacute

posto em obra adveacutem como disputa confronto Na forma do conceito o com-

posto eacute identitaacuterio unidade eacute ponto final Jaacute na disputa originaacuteria a cada

momento se da diferenccedila A multiplicidade de sentido que eacute dada natildeo permite

um ponto final mas sempre uma reticecircncia eacute abertura de possibilidades Nas

palavras de Heidegger

Encarada em sua essecircncia a arte eacute uma sagraccedilatildeo e um refuacutegio a saber a sagraccedilatildeo e o refuacutegio em que cada vez de maneira nova o

real presenteia o homem com o esplendor ateacute entatildeo encoberto de seu brilho a fim de que nesta claridade possa ver como maior

pureza e escutar com maior transparecircncia o apelo de sua essecircncia

Como a arte a ciecircncia tampouco eacute apenas um desempenho da

cultura do homem Eacute um modo decisivo de se apresentar tudo que eacute e estaacute sendo

82

()

Em oposiccedilatildeo a isso a ciecircncia natildeo eacute nenhum acontecer originaacuterio da

verdade mas sempre a ampliaccedilatildeo de um acircmbito de verdade jaacute aberto e de certo atraveacutes do compreender e fundamentar do que se mostra

na sua esfera como o correto possiacutevel e necessaacuterio Quando e na

81

Idem 82

Ciecircncia e pensamento do sentido p 39

57

medida em que uma ciecircncia vai mais aleacutem do correto para uma verdade isto eacute para o desencobrimento essencial do sendo como tal

entatildeo ela eacute filosofia83

Esse natildeo habitual natildeo-vigente que vem a ser pela poiacuteesis foi a muito

rechaccedilado pela tradiccedilatildeo metafiacutesica enquanto loacutegica O ser foi pensado nesta

tradiccedilatildeo como o ente e este como o vigente o presente o dado e da mesma

forma o natildeo-vigente o ausente foi pensado como o nada e seguindo o

raciociacutenio o aparente foi dado como o erro imagem como o que natildeo se

adeacutequa ao ente Nada ser (ente) e aparecircncia seriam as trecircs vias de

conhecimento a qual o homem poderia movimentar-se As trecircs vias que

segundo Parmecircnides se relacionavam com a verdade Destas trecircs vias uma

necessariamente logicamente deveria ser abandonada pois natildeo era

verdadeiramente uma via mas um αηραπός um natildeo-caminho uma vereda

Holzwege (caminho de floresta) Sendo assim natildeo levaria o homem justo a

lugar nenhum Esta vereda era a via que dizia respeito ao nada ao natildeo-ser

Falar sobre este nada seria a ruiacutena deste justo seria a ruiacutena do conhecimento

loacutegico A loacutegica do pensar reto seria desfeita nessa empreitada

Aiacute em Parmecircnides daacute-se o primeiro momento de rechaccedilamento desta

terceira possibilidade Em Aristoacuteteles aparece na expressatildeo do terceiro

excluiacutedo84

Todo ente ou eacute de certa forma ou o seu oposto Qualquer outra

possibilidade fica entatildeo excluiacuteda Pensar em uma terceira possibilidade eacute ferir o

segundo princiacutepio supremo do pensar loacutegico Podemos ver tanto no princiacutepio

da contradiccedilatildeo como no do terceiro excluiacutedo um abandono do pensar acerca

do nada A linguagem que diz respeito ao homem eacute a linguagem loacutegica Ela

proiacutebe o dizer sobre o nada Contudo mesmo que Parmecircnides e Aristoacuteteles

venham a proibir a reflexatildeo sobre o nada essa proibiccedilatildeo jaacute se apresenta como

um pensar Aiacute ouve um pensar cuidadoso temeraacuterio frente agrave vereda que seria

pensar sobre este nada Natildeo haacute ainda um abandono desta questatildeo mesmo

que com a reflexatildeo sobre ela seja isso que foi proposto Este afastamento

com o desenvolvimento da Ciecircncia da Loacutegica e da Metafiacutesica torna-se um

esquecimento O nada eacute esquecido e com ele a possibilidade de pensar o ser

83

Origem da obra de arte p 157 84

Metafiacutesica pp179-181 Γ 7 ndash 1011b 23-1012a 28

58

como essa outra possibilidade como esse natildeo-vigente Funda-se o impeacuterio da

loacutegica e do ente Eacute nos moldes desse impeacuterio que a Metafiacutesica desenvolve sua

dominaccedilatildeo a todo o pensar da tradiccedilatildeo ocidental numa ldquomecacircnica conceitualrdquo

blindada a qualquer tentativa de des-construccedilatildeo

Soacute com o desmoronamento interno deu-se iniacutecio a queda deste impeacuterio

A proacutepria reflexatildeo loacutegica sob a ameaccedila de autodestruir-se urge pela

necessidade de outra possibilidade de pensamento por outro modo de

linguagem Escuta-se como a voz de um fantasma pois haacute muito tempo

abandonado e esquecido o apelo do ser deste nada que havia sido

rechaccedilado Essa necessidade de outra linguagem eacute interna a proacutepria loacutegica ao

pensar em seus fundamentos pois na proacutepria delimitaccedilatildeo de seu objeto de

pesquisa esta se remete a algo que lhe eacute externo remete-se a esse nada

Trata a loacutegica do ente e nada mais85

e como dizem Platatildeo86

e Aristoacuteteles87

a

sabedoria a ciecircncia de algo eacute tambeacutem a ciecircncia de seu contraacuterio Quem

conhece a boa poesia eacute justamente quem conhece a maacute poesia Quem sabe o

que faz bem agrave sauacutede sabe o que natildeo lhe faz bem Quem busca o saber das

causas primeiras das coisas primeiras dos entes em si pura e simplesmente

conhece o natildeo-ente

Poreacutem acerca deste natildeo-ente neste terceiro caminho soacute o silecircncio eacute

proacuteprio Nesse sentido encontramos a defesa do pensar heideggeriano acerca

do poeacutetico Contudo para tal dizer genuinamente poeacutetico eacute preciso libertar a

linguagem da gramaacutetica assim como eacute preciso libertar a filosofia das

disciplinas acadecircmicas como eacute necessaacuterio libertar a arte das concepccedilotildees

esteacuteticas Haacute outro acircmbito da linguagem o da nomeaccedilatildeo do pocircr-vir Assim diz

Heidegger

A linguagem eacute a morada do ser Na habitaccedilatildeo da linguagem mora o

homem Os pensadores e os poetas satildeo os guardiotildees dessa morada ()Libertar a linguagem da gramaacutetica conduzindo-a para uma

85

O que eacute metafiacutesica p 115-116 86

No Ion Socrates ao interrogar Iacuteon acerca de Homero o faz dizer que aquele que conhece o que eacute bom para uma ciecircncia eacute o mesmo que conhece o que eacute mal Por exemplo eacute o meacutedico

aquele que conhece o que traz sauacutede e tambeacutem o que tira a sauacutede 87

Assim diz Aristoacuteteles ldquoA mesma ciecircncia compete o estudo dos contraacuteriosrdquo Metafiacutesica p135

Γ2 1004a 9-10

59

estrutura essencial mais originaacuteria eacute uma tarefa reservada ao pensar e poetar

88

Eacute na linguagem artiacutestica onde o embate vigoroso entre Terra e Mundo

se daacute na co-pertenccedila de ambos em tal equiliacutebrio que nenhum se sobressai

sobre o outro que se entende esse silecircncio poeacutetico Desse embate primordial

pela forccedila do que se potildee com o que se res-guarda acontece um aquietar-se

um repouso Silecircncio e repouso natildeo satildeo de forma nenhum algo como uma

ausecircncia Satildeo na verdade pura atividade Da disputa daacute-se a co-pertenccedila na

diferenccedila de ambos entre Terra e Mundo entre coisa e mundo O dizer

poeacutetico

Evoca originariamente a partir da simplicidade de um chamado

iacutentimo esse que evoca a diferenccedila sem dizecirc-la () A linguagem fala deixando vir o chamado coisa-mundo e mundo-coisa no entre da

diferenccedila ()Quieto natildeo eacute de maneira nenhuma o que natildeo soa Natildeo soar eacute somente natildeo estar na movimentaccedilatildeo de entoar e soar () A

falta de movimentaccedilatildeo eacute somente o outro lado do repouso () O repouso movimenta-se muito mais do que um movimento e tem muito mais movimentaccedilatildeo do que qualquer moccedilatildeo () quando coisa e

mundo estatildeo quietos no seu proacuteprio a diferenccedila convoca mundo e coisa para o meio de sua intimidade

89

Percebe-se entatildeo que silenciar-se natildeo eacute pensado como um calar-se

como se deu pela tradiccedilatildeo metafiacutesica-loacutegica-cientiacutefica Pois num mero calar-

se o que haacute eacute um abandono No silecircncio em oposiccedilatildeo ao abandono haacute uma

aproximaccedilatildeo uma busca da intimidade do co-responder daacute-se um modo

primordial da linguagem Uma escuta que permite a colheita do destinado pelo

ser Aquela escuta dada na pausa na reticecircncia de um dizer aquele suspiro

Um repouso que natildeo eacute estagnaccedilatildeo mais o autecircntico movimento Soacute quem

silencia eacute quem diz e pensa autenticamente Silenciar-se eacute da essecircncia do

falar Quem natildeo tem linguagem natildeo silencia assim como quem natildeo possui

movimento natildeo pode repousar

Diante da vereda que eacute este terceiro caminho o caminhante cuidadoso

se vecirc em ἀπορία aporia Percebe que precisa respirar e escutar um pouco do

que lhe circula Entatildeo repousa escuta e mira ao redor para o dentro e o fora e

88

Cartas sobre o humanismo p 326 89

A linguagem pp 22-23

60

ainda para aleacutem do ente do presente Aqui ldquomirar significa adentrar o

silecircnciordquo90

ldquoEle escuta agrave medida que pertence ao chamado da quietuderdquo91

Esse eacute modo o do dizer artiacutestico do nomear poeacutetico do falar essencial do

homem

Os mortais falam a partir da diferenccedila no sentido da diferenccedila como

um corresponder O falar dos mortais deve antes de tudo escutar o chamado pois eacute como chamado que o quieto da diferenccedila evoca o

rasgo de coisa e mundo Cada palavra falada pelos mortais fala desde essa escuta como essa escuta Os mortais falam agrave medida que escutam

92

Falamos diversas vezes em arte e poesia mas seraacute que estas satildeo uma

mesma coisa Pensemos um pouco nesse questionamento buscando

semelhanccedilas e diferenccedilas antes de prosseguirmos com o percurso A arte eacute

poiacuteesis poreacutem a θύζης tambeacutem o eacute O poieacutetico eacute bem mais amplo que o

artiacutestico Poesia natildeo eacute pensada aqui estritamente como a escrita do poema

Poiacuteesis eacute tudo que eacute do acircmbito da eclosatildeo do vir-a-ser do brotar adveniecircncia

Eacute fala inaugural Poiacuteesis eacute linguagem quando esta natildeo eacute pensada como mera

expressatildeo modo de comunicaccedilatildeo por letras ou sons Eacute linguagem no sentido

de um narrar inaugural fundador como abertura e morada do ser Assim diz

Heidegger nos paraacutegrafos finais do ensaio A origem da obra de arte

A poiacuteesis eacute a fala inaugurante do desvelar do sendo () poiacuteesis eacute aqui pensada em um sentido tatildeo amplo e ao mesmo tempo numa

unidade essencial tatildeo iacutentima com a linguagem e a palavra que precisa ser deixado em aberto a questatildeo se a arte em verdade em

todos os seus modos - da arquitetura ateacute a poesia esgota a essecircncia da poiacuteesis A proacutepria linguagem eacute poiacuteesis em sentido original

93

Com esse indagar fomos levados da questatildeo da arte como inaugural ao

acircmbito mais amplo da poiacuteesis e da linguagem Seguindo entatildeo o fio condutor

do caminho que estaacute sendo aberto ao se caminhar pensemos acerca da

poiacuteesis do poeta e de sua linguagem Pelo visto poetar eacute entatildeo linguagem em

sentido amplo e originaacuterio poreacutem natildeo soacute o poeta eacute o guardiatildeo dessa morada

do ser Satildeo os pensadores e poetas seus guardiotildees e em sua profunda

conexatildeo com a linguagem estaacute o seu parentesco sua proximidade uma

90

A linguagem na poesia p 35 91

A linguagem p 26 92

Idem p25 93

A origem da obra de arte p 189

61

linguagem que tem na disputa a sua essecircncia O que na linguagem dos

poetas e pensadores vem-a-ser vem como disputa Bem diferente eacute a

linguagem da loacutegica que conceitua e define limitando em algo pronto No

poetar e pensar o nomeado eacute constante adveniecircncia do novo eacute brotar

principial

A questatildeo da linguagem em Heidegger eacute ao lado das questotildees do ser

e da verdade a questatildeo do seu pensar Assim diz Gadamer acerca da filosofia

heideggeriana ldquoSe quisermos colocar em discussatildeo a significaccedilatildeo da filosofia

de Martin Heidegger natildeo podemos fazer outra coisa senatildeo a partir da

experiecircncia fundamental () de uma nova experiecircncia da linguagem da

filosofiardquo94

Ao pensar ser e verdade como adveniecircncia abertura constante de

uma disputa originaacuteria torna-se necessaacuterio uma nova experiecircncia com a

linguagem Como se deu com Aristoacuteteles e seu pensar do ser Onde o que

estava antes de qualquer coisa era o ente a substacircncia Necessitou-se aiacute uma

nova experiecircncia com a linguagem que vigora ateacute o presente como linguagem

loacutegica Com uma mudanccedila no sentido do ser daacute-se em conjunto com esta

uma mudanccedila fundamental na linguagem Eacute na linguagem dos poetas que esta

nova linguagem encontra sua guarda Eacute tarefa dos pensadores e dos poetas

levar a linguagem para o que estaacute aleacutem do presente no sentido de um

encaminhar para o misteacuterio

Em seu pequeno ensaio Houmllderlin e a essecircncia da poesia escrito como

que um complemento ao A origem da obra de arte Heidegger faz a passagem

da questatildeo da arte para a questatildeo mais ampla que eacute a do poetar Escrito em

um mesmo periacuteodo os dois escritos satildeo como que um uacutenico corpo acerca da

arte e do poeacutetico Neste ensaio o pensador parte de cinco palavras-guias do

poeta Houmllderlin o qual nutre grande apreccedilo para desenvolver seu pensar

sobre a essecircncia da poesia O ensaio se apresenta entatildeo como um diaacutelogo

entre pensador e poeta um diaacutelogo do pensamento Buscando por meio

destas palavras-guias pensar sobre a essecircncia da poesia Inicia o ensaio

justificando sua escolha por Houmllderlin para o caminho que entatildeo seraacute traccedilado

Diz

94

Heidegger e a linguagem p23

62

Por que foi escolhida a obra de Houmllderlin com o propoacutesito de mostrar a essecircncia da poesia Por que natildeo Homero ou Soacutefocles por que

natildeo Virgilio ou Dante por que natildeo Shakespeare ou Goethe Nas obras desses poetas foi realizada a essecircncia da poesia tatildeo ricamente ou ainda mais do que na criaccedilatildeo de Houmllderlin tatildeo imatura e

bruscamente interrompida () unicamente porque estaacute carregada com a determinaccedilatildeo poeacutetica de poetizar a proacutepria essecircncia da poesia

Houmllderlin eacute para noacutes em sentido extraordinaacuterio o poeta dos poetas95

Para Heidegger eacute com Houmllderlin que se tem o poetar sobre o poetar Daiacute

sua escolha entre tantos poetas Houmllderlin nomeia a essecircncia da poesia da

poiacuteesis Cria com seu dito uma clareira para a disputa originaacuteria entre Terra e

Mundo Podemos ver por este ensaio a forccedila do poetar no expressar-se por

uma linguagem natildeo conceitual que se apresenta ateacute como contraditoacuteria ao

permitir o que pela linguagem loacutegica seria de iniacutecio reprimido Citemos entatildeo

as cinco palavras-guias para que possamos acompanhar o pensar

heideggeriano sobre o poetar de Houmllderlin

i) Poetizar ldquoa mais inocente de todas as ocupaccedilotildeesrdquo (III 377)

ii)rdquoe foi dado ao homem o mais perigoso dos bens a linguagem Para que testemunhe o que eacuterdquo (IV 246)

iii) ldquoO homem tem experimentado muito Nomeado a muitos celestes Desde que somos um diaacutelogo

E podemos ouvir uns aos outrosrdquo (IV 343) iv) ldquoMas o que permanece instauram os poetasrdquo (IV 63)

v) ldquoPleno de meacuteritos mas eacute poeticamente que o homem habita esta terrardquo (VI 25)

96

Eacute a poesia a mais inocente e aleacutem disso o mais perigoso dos bens do

homem Eacute por meio dela que testemunhamos quem somos Em oposiccedilatildeo ao

expressar-se loacutegico formal intencional produtivo o dizer poeacutetico eacute pura

inocecircncia eacute a simples abertura do coraccedilatildeo ao destinado pelo ser Eacute a

inocecircncia frente agrave intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem o bem mais perigoso pois se eacute pela

linguagem que o homem testemunha quem eacute eacute tambeacutem por ela que pode dar-

se sua decadecircncia Eacute no natildeo cuidado com o dizer que mora o maior perigo

Pensando com o que foi dito anteriormente o homem encontra-se ameaccedilado

pela teacutecnica moderna O maior perigo poreacutem natildeo proveacutem de suas armas e

bombas entre tantos outros perigos O maior perigo estaacute no seu dizer Um

dizer que se mostrou apenas como siacuten-tese com-posiccedilatildeo Um dizer que forccedila

explorando a terra a se dispor produzir energia Nesse dizer moderno que

95

Holderlin e a essecircncia da poesia Traduccedilatildeo livre feita por mim p 1-2 DE ONDE 96

Idem p1

63

podemos bem pensar quase como que outra coisa menos um dizer genuiacuteno

como mera repeticcedilatildeo do acircmbito do jaacute aberto eacute que mora o maior perigo pois eacute

o abandono da outra possibilidade qualquer outra possibilidade Eacute natildeo

abertura a proveniecircncia do misteacuterio do ser O enrijecimento no posto no

habitual Eacute portanto a linguagem enquanto loacutegica o maior perigo ao homem

atual pois eacute pela linguagem que o homem vem a ser homem e eacute por ela que

se daacute a morte essencial deste mesmo homem

Para pensar no perigo que eacute esse bem doado ao homem faccedilamos uma

aproximaccedilatildeo deste ensaio com a conferecircncia Cartas sobre o humanismo para

que se ponha de forma mais vigorosa a questatildeo da linguagem e a ameaccedila que

acompanha o seu des-cuidado Nesta conferecircncia Heidegger pensando no

humanismo como uma reflexatildeo acerca da essecircncia do homem desenvolve

partindo do que eacute dito pela tradiccedilatildeo acerca dessa essecircncia sua concepccedilatildeo de

homem O homem eacute um δῳολ ιόγολ ἒτολ97

traduzida pelo pensar latino como

o homem eacute um animal racional Para a tradiccedilatildeo a essecircncia do homem estaacute na

faculdade da razatildeo E razatildeo nesta tradiccedilatildeo eacute o pensar loacutegico reto e natildeo

contraditoacuterio que exclui qualquer terceira possibilidade Logo o homem eacute um

ser loacutegico Pensando com o dito aristoteacutelico ιόγολ eacute dizer eacute linguagem

Estariacuteamos mais proacuteximo do que aiacute foi dito pensando que o homem eacute um

anima um ser vivo que fala que possui linguagem Eacute a linguagem que daacute

origem ao homem

A soberania da linguagem loacutegica rechaccedilou a outra possibilidade de fala

a do dizer poeacutetico O homem tornou-se o efetivo o loacutegico Aquele que produz e

domina todo o concreto inabalaacutevel pelo menos ateacute sentir que o que lhe dava o

poder o domiacutenio ameaccedila lhe dominar O seu maior bem se mostra agora

como sua maior ameaccedila As grades que eram vistas como seguranccedila ao

adverso torna-se sua prisatildeo Urge entatildeo o diaacutelogo com este outro pensar

Nesta noite do mundo daacute-se a necessidade de uma linguagem que seja

clareira Na seguranccedila de cada um isolado em suas casas em seus

monoacutelogos o diaacutelogo se apresenta crucial pois ldquodesde que somos diaacutelogo e

97

Carta sobre o humanismo p 335

64

podemos ouvir uns aos outrosrdquo este isolamento eacute sempre soacute a perdiccedilatildeo Nossa

indigecircncia realiza-se no abandono do outro

Enquanto mortais o ciclo de nascimento e morte nos eacute essencial A

histoacuteria eacute diaacutelogo ldquoSer um diaacutelogo e ser histoacuterico satildeo ambos igualmente

antigos se pertencem um ao outro e satildeo o mesmordquo 98

e o que nessa histoacuteria

permanece eacute instaurado pelos poetas ldquoA poesia eacute a instauraccedilatildeo do ser com a

palavrardquo99

Sendo adveniecircncia poiacuteesis eacute instauraccedilatildeo eacute obra Os poetas

instauram o ser como clareira como luta entre velado e desvelado Eacute na

linguagem poeacutetica que habita o homem Assim diz a quinta palavra-guia do

ensaio ldquopleno de meacuteritos mas eacute poeticamente que o homem habita essa

terrardquo Eacute nesse diaacutelogo poeacutetico de um com o outro que se abre a clareira de seu

habitar e natildeo no isolamento residencial do morar protegido do misteacuterio do que

possa advir Eacute pois poeticamente que o homem habita Diante disto podemos

ver no periacuteodo atual o quatildeo in-essencial o quatildeo indigente encontra-se a

humanidade

Diante essa indigecircncia perguntamos anteriormente Como enfrentarmos

esta ameaccedila que se apresenta Eacute possiacutevel que a arte ou de forma mais

ampla que a poesia possa confrontar esse perigo Eacute essa outra possibilidade

suficiente como fuga da crise E aleacutem do questionado eacute ainda possiacutevel que

diante de tanta teacutecnica se instaure outra forma de se viver de habitar essa

terra Para pormo-nos diante esses questionamentos adentraremos em um

escrito heideggeriano chamado Para que poetas

34 Poetas em tempos indigentes Um salto na vereda

Diante a crise que ameaccedila o homem em sua essecircncia pensemos na

tarefa destinada aos poetas e com eles os pensadores Pensar portanto se e

como eacute a tarefa destes poetas e pensadores diante este modo teacutecnico de viver

e de pensar Viver teacutecnico este em oposiccedilatildeo ao viver entendido por Heidegger

como aquele brotar sempre novo na disputa da clareira poderia ser pensado

quase como um natildeo-viver Uma teacutecnica exploradora onde todos os entes e o

98

Houmllderlin e a essecircncia da poesia p 6 99

Idem p 7

65

proacuteprio homem deixam de ser o que satildeo essencialmente enquanto θὺζεης

ὄληα seres da fiacutesis para decaiacuterem em meros artefatos seres produzidos Seja

para o comeacutercio o trabalho o poder ou seja como mera disponibilidade

Diante uma aproximaccedilatildeo do ensaio Para que poetas (1946) texto pertencente

ao mesmo conjunto de ensaios de A origem da obra de arte com o todo ateacute

aqui caminhado buscaremos um confronto do caminhado com o questionado

Este conjunto de textos do qual esses ensaios fazem parte tem como tiacutetulo a

palavra essencial Holzwege A versatildeo portuguesa traduziu-a seguindo a

indicaccedilatildeo dada pelo proacuteprio autor no iniacutecio da obra por Caminhos de floresta

Aiacute Heidegger diz assim

Holz [madeira lenha] eacute um nome antigo para Wald [floresta] Na floresta [Holz] haacute caminhos que o mais das vezes sinuosos terminam perdendo-se subitamente no natildeo-trinhado

Chamam-se caminhos de floresta [Holzwege]

Cada um segue separado mas na mesma floresta [Wald] Parece muitas vezes que um eacute igual ao outro Poreacutem apenas parece ser assim

Lenhadores e guardas-florestais conhecem os caminhos Sabem o que significa estar metido num caminho de floresta

100

Holzwege eacute esse sinuoso caminho sempre ainda natildeo-trilhado no qual o

caminhante ao percorrecirc-lo inaugura uma trilha Abrindo para outros

posteriores caminhantes uma trilha Este extra-ordinaacuterio caminho inaugurado eacute

um caminho do pensamento da linguagem da poiacuteesis do ser Sendo antes

de ser percorrido um caminho fechado eacute ainda um natildeo-caminho Parmecircnides

o chama de αηραπός e por um lado proiacutebe ao justo por ele se arriscar a

caminhar por outro lado ao pensar acerca deste caminho no natildeo-dito nos diz

para por ele nos enveredarmos com o maior cuidado possiacutevel Eacute nesse

caminho fechado da floresta eacute portanto nessa vereda que desde o iniacutecio

desta pesquisa cuidadosamente buscamos adentrar Se caminhamos

lentamente eacute porque diferente de se seguir uma trilha jaacute pronta jaacute aberta aqui

estamos nos enveredando em uma constante disputa com o misteacuterio do

adveniente por um Holzwege

100

Caminhos de floresta p3

66

Esta reflexatildeo se deu a princiacutepio sobre a questatildeo da crise atual Uma

crise que ameaccedila o homem ao ameaccedilar sua linguagem e seu pensar no que

neste haacute de mais essencial O que nos levou a pensarmos na teacutecnica que por

sua vez nos fez pensar na teacutecnica moderna Vimos que esta teacutecnica tem em

sua essecircncia tudo a ver com a questatildeo da verdade com a αιήζεηα pois esta

teacutecnica eacute um modo de des-encobrimento Verdade em Heidegger eacute uma

questatildeo inseparaacutevel da questatildeo do ser Com isso adentramos ao cerne do

pensar heideggeriano A questatildeo do ser e da verdade se pocircs em evidecircncia

Verdade como disputa entre des-encobrimento e encobrimento e ser pensado

como acontecimento-poeacutetico apropriativo Ereignis que adveacutem do misteacuterio do

natildeo-vigente nos transpuseram ao acircmbito da ποίεζης poiacuteesis Seguindo entatildeo

a proacutepria indicaccedilatildeo heideggeriana apresentada no final do seu ensaio sobre a

questatildeo da teacutecnica que nos mostra que em seu primoacuterdio teacutecnica como ηέτλε

e arte satildeo consanguumliacuteneos enquanto poiacuteesis satildeo dois modos de des-

encobrimento de verdade de acontecimento do ser Assim passamos ao

acircmbito da arte Pensamos esta em sua essecircncia como pocircr-em-obra o

acontecimento da verdade do ente Como obra que da disputa constante entre

o que se desvela e o que se oculta se mostrou como clareira como

inauguraccedilatildeo

Foi assim que do acircmbito da arte passamos ao do poeacutetico Este acircmbito

foi pensado em sua maior amplitude ou seja como tudo aquilo que adveacutem do

natildeo-vigente ao vigente Essa adveniecircncia daacute-se na linguagem Linguagem eacute a

morada do ser eacute abertura clareira Entatildeo ser verdade e linguagem de forma

entrelaccedilada se puseram como a vereda da qual adentrariacuteamos Temas centrais

heideggerianos da qual qualquer reflexatildeo que envolva o seu pensar natildeo pode

escapar Eacute diante essa vereda que nos questionamos eacute a linguagem poeacutetica

essa outra possibilidade que guarda a medranccedila do que salva Se ela eacute essa

possibilidade como se daraacute o enfrentamento agrave crise Devemos entatildeo substituir

a linguagem loacutegica fonte dessa crise atual pela linguagem poeacutetica como

resposta a crise atual Se natildeo qual o outro caminho ainda a se seguir Ou natildeo

haacute possibilidade alguma que venha a salvar o homem da ameaccedila que lhe

pesa

67

Para o homem essa linguagem eacute o bem mais perigoso que lhe foi

doado Bem pois eacute ela que lhe doa a sua essecircncia O homem eacute um ente que

fala eacute um δῳολ ιόγολ contudo este que lhe doa a essecircncia eacute tambeacutem o que

o levar a correr o risco de perder-se como eacute o caso da crise identificada por

Heidegger O homem enquanto Da-sein enquanto presenccedila que estaacute aiacute no

mundo em relaccedilatildeo com como um lanccedilado para fora um Ek-sistente corre

este risco Como guardiatildeo da linguagem morada do ser eacute este o ente que se

encontra jogado mais agrave vizinhanccedila deste ser Sendo livre contudo para

corresponder ou natildeo ao destinado por este ser podendo portanto correr o

risco o que o leva a sua atual decadecircncia de natildeo corresponder a este

destinado Sua linguagem que em seu pleno vigor eacute um originaacuterio que nomeia

enquanto disputa enquanto diferenccedila pode decair como se daacute no homem

atual no mero expressar-se comum na linguagem formal do comercio de

opiniotildees

Re-pensar a linguagem eacute re-pensar o homem Arriscar-se na linguagem

eacute arriscar-se enquanto homem em oposiccedilatildeo agrave falsa seguranccedila da linguagem

pronta da loacutegica da gramaacutetica da academia Eacute arriscar-se a perder o solo o

fundamento do que lhe assegura Eacute preciso ir aleacutem da superfiacutecie do solo Eacute

preciso arriscar-se a cair no poccedilo em direccedilatildeo ao misteacuterio originaacuterio do ser Eacute

como esse que ousa cair que ousa saltar nesse poccedilo nesse abismo (Ab-

grund) que podem poetas e pensadores se relacionarem com a linguagem

Os pensadores sempre foram chamados de extravagantes ao ousarem dar

sentidos completamente in-habituais agraves palavras para dizerem o mais vigoroso

de seu pensar Assim foi Platatildeo e o εηδος Anaximandro e o seu ἄπεηρολ o

ιόγος de Heraacuteclito a Ge-stell heideggeriana Assim tambeacutem se daacute com a

ousadia inocente do poeta que canta Arriscando-se mais no caminho da

erracircncia permitem quando suportam a adveniecircncia do inaugural

acontecimento do ser

Neste mundo decadente do entendimento predicativo teacutecnico

comercial o ser como o que silenciosamente envia ausenta-se Falta o pensar

sobre o ser Assim diz Heidegger no ensaio Para que poetas

Com esta falta fica fora do mundo o fundo como aquilo que

fundamenta Originariamente abismo [Abgrund] significa o solo e o

68

fundo em direccedilatildeo ao qual tende encosta abaixo algo que estaacute pendurado Contudo o Ab seraacute pensado doravante como a

ausecircncia completa de fundo O fundo eacute o solo de um enraizar e de um erguer-se A era do mundo que carece de fundamento encontra-se suspensa no abismo Supondo que se encontra ainda reservada

uma viragem para este tempo indigente ela apenas poderaacute surgir se o mundo virar radicalmente ou seja dito de uma forma mais precisa

se ele virar a partir do abismo Na era da noite do mundo tem que se experimentar e suportar o abismo do mundo Mas para tal seraacute

necessaacuterio que haja quem consiga chegar ateacute ao abismo 101

Essa era atual do domiacutenio do entendimento teacutecnico loacutegico eacute a noite do

mundo Em seu periacuteodo matutino poetas e pensadores se jogaram no abismo

Como quem cai para o alto em direccedilatildeo ao divino e aiacute com um esforccedilo

tremendo disseram o originaacuterio Pensadores dizendo o ser e poetas o divino

contudo com o desenvolvimento da ciecircncia da loacutegica decai essa possibilidade

da linguagem O ser pondo-se em fuga eacute encoberto pelo ente Soacute resta

ausecircncia Ausecircncia de ser do divino do pensar ausecircncia do homem da

linguagem

Olhar verdadeiramente para este mundo eacute encarar o abismo Eacute natildeo fugir

na ilusatildeo da seguranccedila de um falso solo firme Eacute necessaacuterio encarar esse

abismo e suportaacute-lo ldquoSer poeta em tempo indigente significa cantar tendo em

atenccedilatildeo o vestiacutegio dos deuses foragidos Eacute por isso que no tempo da noite do

mundo o poeta diz o sagradordquo 102

Dizer o sagrado e pensar o ser eacute aiacute onde

cresce o perigo em sua unidade aquilo que guarda a medranccedila do que salva

Co-responder a este destino eacute a tarefa do poeta Co-responder ao destino natildeo

eacute um mero deixar-se levar pensado como uma apatia como ausecircncia mas eacute o

mais longe que cada um pode chegar ldquoCada um chega o mais longe possiacutevel

quando natildeo ultrapassa os limites do caminho que lhe foi destinadordquo 103

Em tempos de indigecircncia falta a coragem do permitir Na superficialidade

do correto da adequatio o homem atual se esconde Haacute aiacute um esconder-se

bem diferente do guardar-se que se daacute com o misteacuterio do ser da Terra como

aquela que abriga pois esconder-se eacute fugir jaacute o guardar-se eacute da proteccedilatildeo eacute

101

Para que poetas pp309-310 102

Idem p312 103

Idem p313

69

corresponder agrave luta necessaacuteria Eacute enfrentamento da outra possibilidade da

erracircncia

Quem eacute que hoje em dia se atreve a considerar-se familiarizado com a essecircncia da poesia bem como com a essecircncia do pensamento e

acha-se ainda suficientemente forte para conduzir ambas as essecircncias agrave mais extrema das discoacuterdias assim estabelecendo a sua concoacuterdia

104

O ser larga o ente ao risco como uma matildee que o solta para seu

desenvolvimento essencial portanto eacute como arriscado que este deve

corresponder agrave sua essecircncia Como enfrentamento como risco erracircncia como

disputa originaacuteria Correndo o risco de com isso termos de suportarmos

desiacutegnios mais pesados do que pensamos ser capazes de suportar Como diz

Houmllderlin por uma carta ao seu amigo

Oh amigo O mundo estaacute ante a mim mais claro que da outra vez e mais seacuterio Eu gosto como vai eu gosto como quando no veratildeo eu

vejo o pai sagrado com matildeo tranquila sacode a nuvem avermelhada com relacircmpagos de becircnccedilatildeo Pois entre tudo o que posso ver de

Deus eacute este sinal que se fez predileto Antes saltava de juacutebilo por uma nova verdade uma visatildeo melhor do que este sobre noacutes e ao nosso redor agora temo que me suceda no final o que ao velho

Tacircntalo que recebeu dos deuses mais do que poderia digerir 105

O poeta como mensageiro que se expotildee aos raios do divino que se ex-

potildee ao destinado do ser Traduzindo esse destinado em linguagem nomeando

de forma inaugural aos homens Sai da seguranccedila do habitual do meramente

dis-poniacutevel ao risco de ser esse mensageiro Assim Heidegger apresenta o

poeta como aquele que inverte ldquoa imanecircncia da consciecircncia calculadora para o

espaccedilo interior do coraccedilatildeordquo 106

Cantando o poeta transmigra do comerciante

ao anjo αγγειος mensageiro do divino do ser aos mortais

A ilusatildeo de seguranccedila dada pela loacutegica e seu inabalaacutevel sistema se

apresentou como a maior ameaccedila Entretanto a quem se arisca mais natildeo daacute-

se um esquecimento um abandono da fonte principial Haacute nesse arriscar-se

o contraacuterio Uma inversatildeo que do desamparo surge o abrigo No que se arrisca

104

Idem p317 105

Houmllderlin e a essecircncia da poesia p 9 106

Para que poetas p352

70

ao abandono surge agrave libertaccedilatildeo do habitual como um caminho puro

extraordinaacuterio a fonte inaudita do ser

O homem que se impotildee vive das apostas do seu querer Vive essencialmente arriscando o seu ser no acircmbito da vibraccedilatildeo do

dinheiro e do valer dos valores Sendo constantemente esse cambista e mediador o homem eacute o ldquocomercianterdquo Pesa e pondera sem parar embora natildeo conheccedila o verdadeiro peso das coisas () Mas ao

mesmo tempo o homem eacute capaz de criar ldquoum estar segurordquo fora da proteccedilatildeo virando o desamparo como tal para o aberto fazendo-se

integrar-se no espaccedilo cordial do invisiacutevel Se isso acontece entatildeo o insaciado do desamparo passa para laacute onde na uniatildeo equilibrada do espaccedilo interior do mundo surge o ser [Wesen] que traz agrave aparecircncia o

modo com o qual essa uniatildeo une representificando dessa forma o ser [Sein] Entatildeo a balanccedila do perigo passa do acircmbito do querer

calculante para o anjo 107

Assim denominamos aqui pensando com Heidegger esse arriscar-se

mais como a tarefa destinada aos poetas e pensadores Arriscar-se esse que

se daacute na forma de um salto (Ur-sprung) na vereda (Holzwege) Este salto na

vereda eacute o caminho por noacutes encontrado ateacute agora como o confronto a essa

crise que ameaccedila a essecircncia do homem poreacutem esse salto natildeo eacute ainda o

momento final deste nosso percurso pois nesse salto o poeta colhe do

misteacuterio do ser o novo inaugurante e em seguida retorna aos entes habituais

e cotidianos Retorna do salto ao mundo e aiacute cercado do habitual necessita

relacionar-se com o circundante

Portanto natildeo podemos pensar que a inversatildeo do pensar loacutegico no

pensar poeacutetico seria o derradeiro passo de nossa caminhada de enfrentamento

a crise Em uma inversatildeo do pensamento loacutegico que calcula ao pensamento

poeacutetico que medita natildeo haacute diaacutelogo carinhoso A inversatildeo da identidade para a

diferenccedila eacute manter-se no acircmbito da identidade Eacute a outra face da decadecircncia

da queda Tornar a diferenccedila a uacutenica possibilidade eacute abandonar de outra

forma a possibilidade de algo outro Eacute retorno a rigidez da imposiccedilatildeo Eacute outra

forma de ilusatildeo onde a diferenccedila eacute agora o fundamento Eacute como se

achaacutessemos que chegamos ao misteacuterio do oculto clareando-o Como jaacute vimos

teriacuteamos assim apenas outro modo do aberto mas de forma nenhuma o oculto

do misteacuterio

107

Idem p360

71

A destruiccedilatildeo da metafiacutesica natildeo eacute um abandono deste saber sobre os

entes Pois se eacute o homem um ente entre os outros entes a destruiccedilatildeo desta

forma de entendimento seria a destruiccedilatildeo do seu mundo Assim essa

destruiccedilatildeo deve tornar-se uma desconstruccedilatildeo uma superaccedilatildeo No sentido de

um abrir-se para outra possibilidade de saber de linguagem

A superaccedilatildeo eacute um reconhecimento do acircmbito deste entendimento

metafiacutesico Eacute um reconhecimento do acircmbito no qual deve manter-se essa

linguagem loacutegica natildeo um abandono Reconhece-se aqui que seu acircmbito eacute o

do habitual do aberto do disponiacutevel presente O poeacutetico deve ser pensado

como a outra possibilidade Natildeo como abandono mas como diaacutelogo Assim

necessitamos ainda de outro passo O poeacutetico como inauguraccedilatildeo que abre

como disputa uma possibilidade de desprendimento do habitual apresentou-

se como o meio de enfrentamento agrave crise Ela guarda a medranccedila do que

salva mas natildeo isolado como uacutenica possibilidade Natildeo eacute suficiente essa

inversatildeo Como meio o poeacutetico prepara para o passo seguinte

Adentraremos a seguir nesse derradeiro passo desta nossa

caminhada Confrontaremos por fim o ensaio Serenidade com os dois

primeiros ensaios que nos norteou ateacute aqui Entatildeo com esses trecircs diaacutelogos A

questatildeo da teacutecnica A origem da obra de arte e Serenidade dialogaremos com

o que aqui se pensou acerca da crise atual e de como enfrentarmos essa crise

Neste ultimo ensaio bastante tardio em seu pensar Heidegger nos indica uma

trilha por onde possamos nos enveredar Nele Heidegger nos fala sobre a

disposiccedilatildeo do homem a serenidade como uma disposiccedilatildeo capaz de

possibilitar um diaacutelogo entre a teacutecnica e a arte Um diaacutelogo que res-guarda a

essecircncia do misteacuterio ao inveacutes de lhe agredir Dialoguemos entatildeo com esse

ensaio cuidadoso e carinhosamente

72

4 O CAMINHAR SERENO UM AGUARDAR NA PROXIMIDADE DO

MISTEacuteRIO

Neste capiacutetulo pensaremos o ensaio Serenidade de Heidegger e

confrontaremos o aiacute pensado com o aqui questionado Partindo inicialmente da

questatildeo de ser o homem um ente entre os outros entes que portanto tem

como necessidade essencial este estar aiacute no Mundo em relaccedilatildeo contudo um

ente que tambeacutem estaacute aberto ao misteacuterio da Terra sendo ele fruto desta

disputa entre Terra e Mundo tem a necessidade para co-responder ao seu

destino de se arriscar nessa disputa geradora do que se apresenta e o que se

oculta Com isso pensaremos como da proposta de uma destruiccedilatildeo daacute-se o

pensar de uma desconstruccedilatildeo uma superaccedilatildeo da metafiacutesica do pensar loacutegico

da linguagem predicativa Passaremos desta reflexatildeo ao posicionamento que

por ele eacute desenvolvido no ensaio o da necessidade de uma co-pertenccedila entre

o pensamento que calcula com o pensamento que medita Entre a linguagem

loacutegica e a poeacutetica Pensando em seguida a questatildeo do misteacuterio do ser da

fonte principial Pensaremos por fim diante todo o percorrido na outra

possibilidade esta capaz de um confronto com a crise indicada no iniacutecio da

caminhada

41 Da Destruiccedilatildeo agrave Superaccedilatildeo da Metafiacutesica Acerca da Identidade e

Diferenccedila

No caminho ateacute aqui trilhado nos deparamos primeiramente com a

problemaacutetica acerca da teacutecnica como um modo de pensar dizer e portar-se

Ir-agrave-proximidade Parece-me agora que a

palavra poderia ser antes o nome para nosso passeio de hoje na vereda

Que nos guiou pela noite dentro cujo brilho eacute cada vez mais deslumbrante e supera em maravilha as estrelas porque

aproxima entre si suas distacircncias no ceacuteu pelo menos para o observador ingecircnuo

natildeo para o investigador exato Para a crianccedila no Homem a noite permanece a

aproximadoracostureira das estrelas Ela junta sem costura bainha nem linha

Heidegger Serenidade

73

diante o mundo como um modo de pocircr o mundo no qual em uacuteltima instacircncia

tudo se apresenta como mera dis-ponibilidade (Be-stand) resultado de uma

exploraccedilatildeo que apenas Com-potildee (Ge-stell) o aiacute jaacute dado Diante deste estaacutegio

da humanidade o Homem encontra-se ameaccedilado ao extremo em sua

essecircncia ameaccedilado a resumir-se ao caacutelculo agrave com-posiccedilatildeo ao comeacutercio ao

trabalho ameaccedilado a tornar-se escravo completo daquilo que surgiu para ele

como instrumento de auxiacutelio na dominaccedilatildeo das coisas que estatildeo sendo

Escravo da teacutecnica desse pensamento calculista o homem guardiatildeo do ser

guardiatildeo da linguagem eacute convocado a partir de um apelo silencioso pelo

destinado da fonte principial a outra possibilidade de estar-no mundo de

colocar o mundo Nesta noite do mundo ao pensar e natildeo apenas calcular

acerca da essecircncia da teacutecnica a arte a poesia e o pensamento que medita se

potildeem como essa outra possibilidade de um confronto a essa crise a essa

ameaccedila a qual ele se encontra

Ao pensar no que seja a arte e o pensamento em seu acircmago em suas

essecircncias a noacutes essas se apresentaram como um pocircr-em-obra como uma

inauguraccedilatildeo a adveniecircncia do natildeo-vigente ao vigente Enquanto na teacutecnica e

com ela a Metafiacutesica a loacutegica a Ciecircncia a filosofia enquanto conceituaccedilatildeo do

ente movimenta-se no acircmbito da com-posiccedilatildeo do que estaacute dado movimenta-se

como uma transformaccedilatildeo um sin-tese na poesia o que se daacute eacute um

nascimento daacute-se um brotar Daiacute surgem alguns questionamentos Eacute essa

outra possibilidade esse pensar poeacutetico jaacute a medranccedila do que salva Pode o

ente homem um ser-no-mundo um ser-com ser isto que eacute habitando nesta

outra possibilidade Seraacute essa mudanccedila essa inversatildeo do pensamento que

calcula representador para o pensamento poeacutetico inaugurador que medita jaacute

o caminho que diante o ateacute aqui trilhado se potildee como o que urge Qual a

trilha que ainda devemos ao caminhar dar abertura nessa vereda que nos

leve dos bdquofrios veacuteus da noite escura‟ ao bdquocalor dos dedos rosa da aurora‟ Em

que disposiccedilatildeo se daraacute essa nova manhatilde que do sereno nos doa gotas de

orvalho seiva de um novo brotar Enveredemos ainda um pouco mais por

estas sendas do pensamento e nos deixemos ser envolvidos pelo que a noacutes for

destinado neste caminhar

Para Heidegger o homem o Dasein eacute aquele ente privilegiado que se

encontra que cria ao co-responder que eacute aceito no entre na abertura na

74

clareira do ser Eacute aquele que estaacute entre o natildeo-vigente e o vigente entre o

fechado e o aberto poreacutem estes abertos e fechados vigentes e natildeo-vigentes

natildeo devem ser aqui pensados com opostas mas como co-generes co-

respondentes O homem eacute aquele ente ao qual eacute destinado pela fonte

principial que eacute o ser ao dar nascimento Nascimento este que se daacute na

poesia ποηεζης e no pensamento pela linguagem autecircntica nomeadora

inaugural mas tambeacutem eacute aquele aiacute no-mundo que se relaciona com os entes

com os vigentes Seria entatildeo negar a essecircncia do homem o negar-lhe a

Metafiacutesica o negar-lhe a loacutegica o caacutelculo o representar o uacutetil o trabalho

Como tambeacutem o eacute anti-natural anti-essencial negar-lhe esta outra

possibilidade que eacute a de dar nascimento esta que natildeo estaacute no campo da

representaccedilatildeo mas na possibilidade de fazer brotar O loacutegico e o poeacutetico lhe

pertencem lhe permitem ser o homem que eacute Se no oculto que res-guarda o

misteacuterio da adveniecircncia ele eacute aceito para ali habitar poeticamente eacute no aberto

do dado este lado do misteacuterio aberto para noacutes onde este se relaciona com os

outros que neste aberto encontram moradas

Diversas vezes Heidegger nos adverte sobre o cuidado primordial de

nos colocarmos diante a questatildeo da destruiccedilatildeo da Metafiacutesica natildeo como um

mero abandono ou uma mera inversatildeo ao pensamento poeacutetico Onde esta

destruiccedilatildeo deveria ser pensada como uma abertura a esta outra possibilidade

como uma abertura ao sentido da diferenccedila entre ser e ente pois se eacute na

linguagem poeacutetica no pensamento que encontramos habitaccedilatildeo para nos

confrontar com as questotildees mais profundas eacute no entendimento loacutegico-

Metafiacutesico que nos relacionamos com o que nos cerca com o que estaacute na

superfiacutecie onde estamos presentes com o cotidiano no qual moramos Eacute nesse

sentido que a Destruiccedilatildeo foi pensada como uma Desconstruccedilatildeo como uma

Superaccedilatildeo como Abertura a essa outra possibilidade Assim tambeacutem eacute

apresentado o Fim da filosofia natildeo como um abandono deste modo de

pensamento mas como uma abertura ao seu alcance ao seu acircmbito pois se a

filosofia e essa aqui eacute entendida como Metafiacutesica eacute aquela que como a

ciecircncia primeira busca o ente e nada mais aquilo que estaacute lanccedilado no A-

bismo no seu fundo lhe eacute estranho estaacute para aleacutem de seu alcance e interesse

Este A-bismo eacute Tarefa do pensamento contudo eacute tarefa do homem tanto a

relaccedilatildeo com os entes como a abertura ao ser Eacute tarefa do homem enquanto

75

aquele que possui logos aquele que estaacute-com o diaacute-logo Por em diaacutelogo

loacutegica e arte eacute sua tarefa

A mera inversatildeo da loacutegica para o poeacutetico do entendimento

representativo para o pensamento como obra da identidade para a diferenccedila

seria ainda um manter-se no apenas aberto da unilateralidade e natildeo jaacute uma

abertura ao dialogo daquilo que nos ldquoaparece como inconciliaacutevelrdquo 108

Sair da

teacutecnica da identidade e ir de forma unilateral para a diferenccedila para o poeacutetico

ainda natildeo eacute o caminho no qual enveredamos Eacute permanecer ainda no mesmo

no fechar-se ao outro A inversatildeo da identidade para a diferenccedila eacute apenas a

extrema possibilidade da identidade eacute sua uacuteltima consequecircncia seu

acabamento eacute natildeo ter ainda atingido ou ter sido atingido pela diferenccedila

enquanto diferenccedila mesma enquanto o entre a clareira a abertura Eacute para

dar um exemplo o que Heidegger entende do movimento realizado por

Nietzsche aquele platonismo ao avesso que sendo o avesso eacute apenas o outro

lado do platonismo eacute ainda o mesmo Eacute levar o que estava na ideia para a

vida eacute uma inversatildeo do solo do fundamento eacute ainda chatildeo firme Entretanto o

que se mostra ao pensar heideggeriano como o originaacuterio como superaccedilatildeo eacute

aquele pensamento sem-fundo eacute o abismo eacute a perca de chatildeo portanto eacute

nesse sentido que pensamos aqui a diferenccedila como aquele entre que natildeo estaacute

nem no nascimento nem no dado de forma unilateral mas um entre pensado

como diaacute-logo

Diaacutelogo aqui pensado como aquele acontecimento aquela disposiccedilatildeo

que caminha (dia δηα atraveacutes indo na direccedilatildeo de um para o outro) que

transita pelo logos (ιογος) Aqui natildeo eacute mais possiacutevel pois natildeo estamos mais

nesse acircmbito uma representaccedilatildeo do que seja essa diferenccedila esse entre como

dialogo O entendimento representativo ao se apropriar desta diferenccedila a

representa como identidade Aqui toda reduccedilatildeo em poucas palavras eacute um

perigo Daacute-se aqui necessariamente como um apelo uma mudanccedila na

linguagem de significativa para uma de sentido Natildeo ficar preso a conceitos ou

definiccedilotildees eacute o caminho necessaacuterio para essa co-respondencia com o entre

com a diferenccedila Eacute preciso harmonizar-se θηιεηλ entrar em acordo com o que

a noacutes se apresenta como aquele amor que Heidegger entende ser o amor

108

HEIDEGGER Serenidade p 23

76

pensado por Heraacuteclito ao nomear o filosofo como θηιοζοθος assim escreve

Heidegger em sua conferecircncia O que eacute isto ndash a filosofia

Um anegraver philoacutesophos eacute aquele hograves philei tograve sophoacuten philein que ama a sophoacuten significa aqui no sentido de Heraacuteclito homologein

falar assim como o Loacutegos fala quer dizer corresponder ao Loacutegos Este corresponder estaacute de acordo com o sophoacuten Acordo eacute harmoniacutea

O elemento especiacutefico de philein do amor pensado por Heraacuteclito eacute a harmonia que se revela na reciacuteproca integraccedilatildeo de dois seres nos laccedilos que unem originariamente numa disponibilidade de um para

com o outro 109

Assim natildeo se pode aqui pensar nesse diaacutelogo como uma dialeacutetica que

se torna o que eacute em uma siacutentese O que se daacute aqui natildeo eacute uma siacuten-tese da

loacutegica com a arte da representaccedilatildeo com a inauguraccedilatildeo O que se daacute aqui eacute

uma luta uma disputa110

um amor um diaacute-logo uma obra (εργολ) Um entre

que natildeo para nem aqui nem ali nem muito menos como uma siacutentese com-

posiccedilatildeo de um com o outro Essa siacutentese que corremos o risco de entender de

forma errada o que aqui se apresenta como diaacutelogo foi o que se apresentou a

noacutes como a essecircncia da teacutecnica moderna como Ge-stell Aqui daacute-se um vai e

vem inquietante que eacute pura quietude Eacute aquele terceiro caminho excluiacutedo a

muito do pensar filosoacutefico que natildeo eacute nem um sim nem um natildeo mas que eacute

uma escuta de ambos simultaneamente os pondo em diaacutelogo eacute abertura

clareira do destinado pelo misteacuterio

Diante deste pensar que pode levar a nos questionarmos se natildeo

estamos pairando no ar num modo de pensamento muito distante de noacutes

algumas questotildees se apresentam natildeo seria esse entre uma indecisatildeo que nos

imobilizaria Natildeo seria esse diaacutelogo um subterfuacutegio de fuga da

responsabilidade do que diante a noacutes se apresenta como urgente Natildeo reinaria

aiacute a mais elevada ausecircncia-de-pensamento Uma passividade diante um

tempo que urge por uma atitude Um mero deixa ser levado pelo acaso Uma

ausecircncia de um querer que determina Essas satildeo algumas das questotildees que

109

HEIDEGGER O que eacute isto ndash a filosofia p 32 110

Hesiacuteodo no iniacutecio de seu escrito Os trabalhos e os dias fala de duas Ερης de duas disputas Uma eacute aquela geradora da guerra entre os homens que por ganacircncia de poder e

riqueza entram nessa disputa essa eacute por ele considerada a disputa ruim A outra eacute aquela disputa essencial entre o homem e a Terra aquela disputa com a adveniecircncia do dia-a-dia a

luta diaacuteria com a vida Essa eacute por ele chamada de a luta boa geradora de todo o bem que temos Enquanto a primeira destroacutei a segunda concebe Aqui quando falamos de disputa

pensamos nessa segunda disputa desse amor gerador

77

se potildeem diante desse diaacutelogo pensado com um entre Como quem preacute-sente a

proximidade da brisa do sereno adveniente da fonte aproveitemos um pouco

mais este caminhar que se aproxima daquilo do qual a muito estamos sendo

chamado que a muito aguardamos e continuemos um pouco mais neste trilhar

42 Serenidade O dizer sim e natildeo agrave teacutecnica

Vivemos em um mundo cercado pela teacutecnica Para onde nos dirigimos e

nos deparamos sempre com seus aparelhos e instrumentos Internet celular

carros induacutestrias e comeacutercios energia eleacutetrica e atocircmica Heidegger viveu em

um tempo diferente do tempo atual Um tempo no qual o que lhe causou

espanto foi a comunicaccedilatildeo por raacutedio e pela televisatildeo O que diria ele dos dias

atuais Espantar-lhe-ia mais a internet do que o raacutedio Seraacute que no essencial

vivemos em um tempo tatildeo diferente Eacute possiacutevel que natildeo O essencial da

teacutecnica natildeo estaacute em seus produtos Natildeo eacute o carro a televisatildeo o raacutedio ou a

internet o que eacute mais proacuteprio a sua essecircncia O que lhe assustou e que hoje

continuaria a assustar e que tambeacutem o assustaria se tivesse nascido antes eacute

o modo teacutecnico de pensar de dizer de agir Natildeo estou imerso na teacutecnica

somente quando uso o celular mais novo que saiu no mercado estou

profundamente imerso na teacutecnica quando o que me faz escolher a educaccedilatildeo

mais apropriada ao meu filho satildeo caacutelculos que me diratildeo qual o melhor negoacutecio

para o seu futuro Estou nessa situaccedilatildeo a qual inquietou tanto Heidegger

quando as decisotildees mais essenciais a nossa existecircncia satildeo decididas por

meros caacutelculos O que mais o assustou foi a possibilidade cada vez mais

crescente de esse olhar com-positor loacutegico calculista representador em

resumo esse olhar teacutecnico ser o uacutenico olhar que domine todas as nossas

decisotildees Essa sim eacute a grande ameaccedila ao homem

Seria uma ameaccedila talvez ainda maior a busca de um completo

abandono das coisas e pensar teacutecnico O homem necessita destes

Houvesse no pensar jaacute antagonistas e natildeo

simples adversaacuterios entatildeo a coisa do

pensar seria mais favoraacutevel

Heidegger Da experiecircncia do pensar

78

instrumentos e linguagem Necessita necessitou e necessitaraacute destes

instrumentos e linguagem teacutecnica como um ente no-mundo um ente-com

outros no qual se relaciona O homem tem sim que dizer bdquosim‟ a estes

instrumentos mas pode deve necessita simultaneamente dizer bdquonatildeo‟ a eles

Essa abertura ao entre agrave diferenccedila enquanto diferenccedila ao diaacute-logo a esse

acordo a essa harmonia originaacuteria exige do homem essa postura de dizer sim

e natildeo simultaneamente aos objetos teacutecnicos nos exige uma tomada de

decisatildeo que natildeo seja unilateral que natildeo seja absorvida nem pelos objetos

nem por seu abandono Exige de noacutes que nos ocupemos disto que ao olhar

representador parece inconciliaacutevel Assim diz Heidegger sobre esse dizer sim e

natildeo simultacircneo as coisas teacutecnicas

O pensamento que medita exige de noacutes que natildeo fiquemos unilateralmente presos a uma representaccedilatildeo que natildeo continuemos a

correr em sentido uacutenico na direccedilatildeo de uma representaccedilatildeo O pensamento que medita exige que nos ocupemos daquilo que a

primeira vista parece inconciliaacutevel () Podemos dizer sim agrave utilizaccedilatildeo inevitaacutevel dos objetos teacutecnicos e podemos ao mesmo

tempo dizer natildeo impedindo que nos absorvam e desse modo verguem confundam e por fim esgotem a nossa natureza (Wesen) 111

Esse pensamento que medita (sinnende) eacute justamente esse que se

contra-potildee potildee-se de frente e assim dialoga com esse pensamento que

calcula Eacute aquele pensamento que natildeo se detecircm no correto adequado no

fundamento mas que se encaminha no sentido da verdade como α-ιήζεηα

como decircs-velamento como clareira como sem-fund(ament)o Eacute portanto o

pensamento inaugural que atento ao destinado da fonte silenciosa do ser daacute

nascimento Eacute deste modo por dar nascimento que eacute esse pensamento que

medita irmatildeo da poesia no pocircr ambos encontram a sua essecircncia Assim

escreve Heidegger em sua obra poeacutetica intitulada de Da experiecircncia do pensar

(1960) onde pensar e poetar satildeo pensados como poiacuteesis como o dar-se da

verdade a partir do ser Leiamos suas palavras

Cantar e pensar satildeo os troncos

vizinhos do poetar

Eles crescem do Ser e alcanccedilam sua

111

HEIDEGGER Serenidade pp 23-24

79

verdade

Sua relaccedilatildeo daacute a pensar que Houmllderlin Canta das aacutervores da floresta

ldquoE desconhecidos uns aos outros eles

Ficam o tempo que eles permanecem em peacute

os troncos vizinhosrdquo 112

Eacute esse pensamento poeacutetico meditativo que nos exige que digamos sim

e natildeo simultaneamente agrave teacutecnica O que nos permite viver em meio a ela com

ela sem dela ser escravo e isso natildeo de um modo vacilante oscilante mas de

forma tranquila ou como nomeia Heidegger de modo sereno Com a mais

elevada serenidade (Gelassenheit) Esse dizer sim e natildeo agrave teacutecnica enquanto

diaacute-logo que se demora no entre eacute o que Heidegger nomeia por Serenidade

Em uma conferecircncia intitulada por Serenidade apresentada como um

discurso comemorativo do compositor de oacutepera Conradin Krutzer em 1955

Heidegger nos doa um belo discurso acerca do que seja essa Serenidade que

aqui eacute desde os primeiros passos aguardada Tema que por ele jaacute tinha sido

abordado em uma conversa nos anos de 194445 Nesta conversa tem-se uma

caracteriacutestica de uma linguagem bem mais solta e tambeacutem bem mais profunda

Um excelente exemplo de uma linguagem que busca libertar-se da

representaccedilatildeo da conceituaccedilatildeo Nessa conversa dar-se um deixa ser

conduzido pelo pensamento de amigos que caminhando satildeo aceitos nas

proximidades do misteacuterio do ser e que contudo natildeo perde em profundidade

mas que por esse deixar ao contrario eacute admitido por esta Jaacute o discurso

comemorativo tem uma sistemaacutetica e uma linguagem bem mais proacutexima jaacute que

eacute dirigida a um puacuteblico mais abrangente do que se costuma usar

habitualmente Neste discurso pondo-se a pensar sobre o que seja um ato

comemorativo Heidegger nos leva pelo discurso a pensar que comemorar eacute

pensar acerca de algo eacute pensar sobre o motivo do qual a comemoraccedilatildeo

presta-se a homenagear Diz-nos que ali se escutam as obras do compositor

sua biografia que ali satildeo proferidas anaacutelises criacuteticas de suas criaccedilotildees mas

seraacute que jaacute aiacute se realiza um pensar acerca de algo Relatar enumerar

112

HEIDEGER Da experiecircncia do pensar p 49

80

descrever narrar ainda natildeo eacute um pensar um meditar sobre algo sobre a

abertura que em uma obra de arte daacute-se

Heidegger passa daiacute a pensar sobre o que seja o pensamento Este se

apresenta na sociedade atual em-fuga ldquoTodos noacutes mesmo aqueles que

pensam por dever profissional somos muitas vezes pobres-em-pensamento

ficamos sem-pensamento com demasiada facilidaderdquo 113

E o que potildee em-fuga

o pensamento meditativo eacute esse dominante pensamento que calcula Esse

caacutelculo nos absorve como escravos das coisas que chegamos ao ponto de

darmos mais atenccedilatildeo aos produtos que agraves obras (εργολ) Pensamos muito

mais vezes nos presentes do que nas homenagens e homenageados

Pensamos e aqui jaacute nem podemos mais dizer pensar noacutes queremos

calculamos muito mais os resultados do que o processo o ponto de chegada

do que o caminhar agrave-proximidade-de e assim nos escravizamos pelos objetos

do desejo mais do que nos permitimos livres ao a-caso Eacute em relaccedilatildeo ao que

acabamos de dizer que a serenidade para com as coisas se apresenta como

aquela medranccedila do que salva Permite-nos sermos poeacuteticos em meio a um

mundo dominado pelo teacutecnico Daacute-nos a perspectiva de um novo enraizamento

jaacute que como diz Heidegger a partir de uma citaccedilatildeo do poeta Johann Peter

Hebel ldquoNoacutes somos plantas que ndash quer nos agrade confessar quer natildeo-

apoiadas nas raiacutezes tecircm de romper o solo a fim de poder florescer no Eacuteter e

dar frutosrdquo 114

Heidegger distingue essa disposiccedilatildeo nomeada por ele de Serenidade de

outros modos de conceber a palavra jaacute usada na tradiccedilatildeo por outros filoacutesofos

como eacute o caso da leitura de Meister Eckhart onde a serenidade eacute entendida

como ldquoa rejeiccedilatildeo do egoiacutesmo pecaminoso nem o abandono da vontade proacutepria

em prol da vontade divinardquo 115

Serenidade eacute essa aproximaccedilatildeo iacutentima da Matildee Terra eacute a escuta

cuidadosa do silecircncio do misteacuterio eacute o demorar-se insistente diante a abertura

que enquanto mostra-se simultaneamente se oculta Que se abre apenas para

nos envolver ainda mais no acircmago do misteacuterio Falamos de Serenidade e

constantemente nomes como misteacuterio aguardar cuidado insistecircncia se

113

HEIDEGGER Serenidade p11 114

Idem p27 115

Idem p 35

81

colocam em nosso caminho Falamos de serenidade diante essa ameaccedila na

qual o pensamento que calcula nos absorve O que nos leva a perguntar

Como conseguir essa serenidade O que eacute esse misteacuterio e esse aguardar que

sempre acompanham o pensar acerca da serenidade Estaacute nas matildeos dos

homens atingirem em meio a essa tumultuosa noite que nos cai essa

serenidade ou eacute apenas concernente ao destino do ser esta outra

possibilidade O que devemos fazer para criarmos permitindo o matutino

sereno de uma nova manhatilde Mantenhamo-nos um pouco mais nessa

vizinhanccedila da fonte que haacute muito nos convoca a ali em sua proximidade

demorarmo-nos Essa fonte que haacute muito chama em seu canto o filho ao

retorno aconchegante de seu habitar

43 Abertura ao misteacuterio O demorar-se no entre

O homem do presente eacute o homem da presenccedila Em um sentido filosoacutefico

Heidegger entende essa presenccedila como a marca fundamental do pensamento

metafiacutesico ocidental O ser do ente como a presenccedila eacute re-presentado pela

linguagem loacutegica como o ente Este ser enquanto presenccedila jaacute vem sendo

assim pensado para Heidegger desde os gregos principalmente para o que

ele chama de periacuteodo de decadecircncia do pensar claacutessico com Platatildeo e

Aristoacuteteles Estando este modo de pensar apenas no seu acabamento e este

modo de pensar vigente em quase todos os acircmbitos de decisotildees de accedilotildees e

de reflexotildees esta presenccedila pensada metafisicamente aparece agora tambeacutem

no habitual no dia-a-dia no cotidiano O que eacute de acordo com o bom senso eacute

o que estaacute agrave matildeo que posso tocar que posso decidir e natildeo a indecisatildeo Eacute o

que serve para algo O que vale eacute o agora o que se mostra aqui no presente A

histoacuteria eacute esquecida o esperar natildeo tem vez Vivemos no presente E

estranhamente esse viver no presente se revela uma ausecircncia aterrorizadora

A tecnologia que aproxima os homens os lugares os tempos as distacircncias em

uma intensidade gigantesca tambeacutem os afasta ldquohoje se toma conhecimento de

Eacute capinzal noturno

Escuro denso protetor Vocecirc eacute mata virgem

Pela qual ningueacutem passou

Raul Seixas Mata Virgem

82

tudo pelo caminho mais raacutepido e mais econocircmico e no mesmo instante e com

a mesma rapidez tudo se esquecerdquo 116

O raacutedio ou a internet aproximam tanto

a comunicaccedilatildeo os homens que natildeo eacute mais nem preciso estar ali Minha

presenccedila em todos os lugares por meio dos aparelhos tecnoloacutegicos de

comunicaccedilatildeo reflete minha ausecircncia Presente estaacute a tecnologia mas o

homem mesmo enquanto homem em sua autenticidade encontra-se ausente

Em uma multidatildeo de pessoas que dia-a-dia transitam pelas ruas das grandes

cidades sem nem um simples bdquooi‟ ser dado nos potildee a pensar no grego

Dioacutegenes o ciacutenico que com sua lamparina se pocircs a andar pelas ruas de sua

polis em pleno claro do dia a procurar por um homem sequer Onde

encontramos o homem nesse esquecimento do solo de onde brotam os

nutrientes de seu ser

A busca da certeza move demasiadamente mais do que a verdade Na

velocidade rapidez na pressa atual natildeo haacute tempo haacute perder com indecisotildees

natildeo a tempo para o proacuteprio homem Precisa-se de uma resposta certa mesmo

que para tal tenha-se que se descuidar da busca mais demorada pela verdade

do que no emaranhado do que eacute se oculta Certeza como corretude

adequaccedilatildeo como fundamento firme onde se pode erguer preacutedios para

gigantescos negoacutecios Verdade como decircs-velamento α-ιήζεηα como o cuidado

com o que adveacutem do velado do misteacuterio Esse misteacuterio destruidor da certeza

imediata riacutegida assusta causa espanto ao apressado homem da atualidade

Aquele espanto ηασκαηα que desde os tempos primordiais moveu os primeiros

pensadores cede lugar agrave certeza agrave decisatildeo necessaacuteria ao pesquisar que pela

imposiccedilatildeo da pressa de uma grande quantidade de produccedilatildeo natildeo pode se

demorar neste espanto

Diante desse caminhar ao qual nos enveredamos somos convocados a

serenidade A um estar aberto agrave abertura da adveniecircncia Um estar aberto agrave

abertura do misteacuterio Esse misteacuterio que espanta que afasta a certeza levando

ao risco daquele cair no poccedilo do qual haacute muito tempo se rir Esse misteacuterio que

nos tira da seguranccedila do fundamento do solo e nos envolve com o risco do

abismo Ao homem da decisatildeo esse misteacuterio eacute o que mais o assusta eacute o que

mais ele quer manter distacircncia Mas seraacute que assim como esse homem da

116

Idem p11

83

presenccedila se revelou como um homem da ausecircncia esse mesmo homem da

seguranccedila natildeo se revelaria a noacutes como o homem do medo que vive no mais

inseguro dos modos de existecircncia Seraacute que esta decisatildeo tatildeo adorada por

esse homem natildeo se revelaria a um pensar mais profundo medo de enfrentar o

risco deste entre adveniente do misteacuterio Seraacute que a decisatildeo que urge natildeo eacute a

de um demorar-se nesse misteacuterio Tenhamos entatildeo coragem e enfrentemos

mais estas questotildees

Diante o misteacuterio do que estaacute para aleacutem do que o que se mostra para

aleacutem do que aparece o homem se espanta O homem grego assim espantou-

se e aiacute se demorou Ser nada a fala o dizer o nomear o permanente

imoacutevel o movimento tudo isso o espantou e ele aiacute se demorou O espanto que

a princiacutepio o potildee em fuga simultaneamente o atraiu A curiosidade estando em

seu acircmago o fez olhar para traacutes durante essa fuga Como Orfeu que ao ir ao

Αδες Hades para resgatar a amada tinha apenas que por fim seguir adiante

sem olhar para traz mas que de seu acircmago uma inquietante curiosidade o faz

virar-se para vez se a bem amada consigo seguia Pondo-se em fuga do

misteacuterio do espanto eacute pela curiosidade atraiacutedo a um olhar de aproximaccedilatildeo

Uma curiosidade que vira amor θηιεηλ Um amor ao saber do que se mostrava

mesmo que em seu ocultamento Heraacuteclito nomeou como vimos um pouco

acima a este amante disto que tudo rege de θσιοζοθος filoacutesofo Amor para

ele eacute o harmonizar-se e saber eacute logos Logos esse que eacute misteacuterio aos homens

tanto antes de terem ouvido como depois como se estivessem dormindo 117

Amante desse misteacuterio o pensador nada podia dizer com certeza pois

amante do misteacuterio em harmonia com ele estava sempre num entre O que

para o pensador mais profundo era o mais espantoso era tambeacutem o seu maior

amor Este mais espantoso torna-se ao homem ordinaacuterio apenas ouvinte de

sua linguagem mas que a ela natildeo co-responde enquanto pensador do

profundo do ιογος o mais assustador gerando nesse homem medo Esse

espanto torna-se uma aporia απορηα um sem-saiacuteda da qual natildeo era possiacutevel

num confronto sincero harmonioso fuga Eacute nesse acircmbito do incerto onde o

117

Acerca deste modo de conceber o logos e a sua relaccedilatildeo com os homens consultar o fragmento 1 na organizaccedilatildeo de Diels de Heraacuteclito Este concebia o logos como o regente de

tudo o que haacute Entretanto os homens natildeo se apercebiam disso mesmo depois de serem acerca deste logos instruiacutedo Pois logos eacute ao homem que natildeo o enfrente ateacute os limites de sua

obscuridade misteacuterio

84

homem ordinaacuterio encontra-se meio acuado e o pensador profundo encontra-se

em pleno amor que surge o sofista como aquele que tinham as respostas

Aquele que se apresentava como sabedor dos misteacuterios e do modo de ldquoa esse

dominarrdquo Livrava-se rapidamente desta aporia dessa indecisatildeo por uma

tomada de posiccedilatildeo unilateral de um dos caminhos Com seu amplo domiacutenio de

retoacuterica e da linguagem como instrumento de dominaccedilatildeo dissimulaccedilatildeo essa

tomada de posiccedilatildeo unilateral passava como a mais elevada sabedoria Estes

sofistas despertavam as aporias nos seus ouvintes apenas com o intuito de se

apresentar como um conhecedor dos mais enigmaacuteticos problemas118

que ao

homem poderiam se apresentar para em seguida rapidamente os resolver

Assim diz Heidegger em sua conferecircncia O que eacute isto ndash a filosofia acerca

desses sofistas e de sua entrada neste momento oportuno em que o saber se

demorava ante esse entre do misteacuterio

O ente no ser isto se tornou para os gregos o mais espantador Entretanto mesmo os gregos tiveram que salvar e proteger o poder

do espanto deste mais espantoso ndash contra o ataque do entendimento sofista que dispunha logo de uma explicaccedilatildeo compreensiacutevel para qualquer um para tudo e a difundia A salvaccedilatildeo do mais espantoso ndash

ente no ser ndash se deu pelo fato de que alguns se fizeram a caminho na sua direccedilatildeo quer dizer do sophoacuten Estes tornaram-se por isso

aqueles que tendiam para o sophoacuten e que atraveacutes de sua proacutepria aspiraccedilatildeo despertavam nos outros homens o anseio pelo sophoacuten e o

mantinham aceso O philein to sophoacuten aquele acordo com o sophoacuten de que falamos acima a harmonia transformou-se em oacuterecsis num aspirar pelo sophoacuten O sophoacuten ndash o ente no ser ndash eacute agora

propriamente procurado Pelo fato de o philein natildeo ser mais um acordo originaacuterio com o sophoacuten mas um singular aspirar pelo

sophoacuten o philein to sophoacuten torna-se ldquophilosophiacuteardquo Essa aspiraccedilatildeo eacute determinada pelo Eacuteros

119

A de-cisatildeo120

de demorar-se na abertura na cisatildeo entre o que se oculta

cada vez mais que se mostrava teve para se proteger deste ataque dos

118

Sobre essa postura sofistica ante as aporias e tambeacutem acerca de seu domiacutenio da linguagem conferir a Metafiacutesica de Aristoacuteteles onde ente ao tratar dos problemas dos

contraacuterios enfrenta tanto os dialeacuteticos como os sofista dizendo que aos primeiros era preciso uma argumentaccedilatildeo da problemaacutetica ela mesma para que se revelasse onde estavam se

equivocando jaacute aos segundos era necessaacuterio um constrangimento loacutegico pois esses natildeo buscavam a verdade mas falavam apenas pelo prazer de falar seu falar era meramente dominado pela intenccedilatildeo de um benefiacutecio proacuteprio 119

HEIDEGGER O que eacute isto ndash a filosofia p32 120

Pensamos que no expressatildeo de-cisatildeo guardamos a marca da abertura da cisatildeo do

misteacuterio ao aberto do decircs-velamento De-cidir eacute manter-se nesse entre do dia-logo eacute demorar-se na clareira Jaacute na expressatildeo posiccedilatildeo escutamos o eco daquela palavra que aqui se revelou

como a essecircncia do entendimento teacutecnico Posiccedilatildeo a noacutes remete diretamente aquele sin-tese

85

sofistas que se transformar num posicionamento Numa tomada de

posicionamento unilateral Diante isso eacute que neste percurso por noacutes aqui

trilhado somos levados a pensar que deixar-se ser guiado pelo acordo

harmonioso com o misteacuterio eacute uma de-cisatildeo bem mais vigorosa do que a

decisatildeo no sentido de um posicionar-se Diante as απορηας aporias primordiais

que na intenccedilatildeo de se beneficiar dos sofistas tanto Platatildeo como Aristoacuteteles

necessitaram salvar o espanto por amor ao saber tiveram que decidir por uma

αρθε um princiacutepio ideia ousia e de acordo com essa decisatildeo que a eles se

impocircs como o destinado pelo ser estabeleceram uma linguagem um logos

proposicional em confronto com o risco que se corria com a linguagem poeacutetica

desde primeiros e mais profundos pensadores

Poreacutem o que em Platatildeo e Aristoacuteteles ainda se mantinha como uma de-

cisatildeo adveniente do destinado pelo ser eacute esquecida ofuscada re-configurada

pelo modo outro de pensar latino que o segue Eacute nessa passagem do pensar

grego para o latino que Heidegger indica o ponto crucial do afastamento do

misteacuterio como o mais essencial agrave essecircncia da verdade enquanto decircs-

velamento do esquecimento da cisatildeo que mantendo o pensador no espanto do

entre o protegia o res-guardava da decadecircncia da unilateralidade Por uma

vontade de progresso de decircs-envolvimento essa decisatildeo agora jaacute entendida

como tomada de posiccedilatildeo passa a controlar a razatildeo o pensar torna-se

entendimento o ιογος torna-se loacutegica A αιήζεηα torna-se veritas adequatio

corretude verdade Seguindo sempre adiante sem tempo para parar e olhar

para a proveniecircncia de onde haacute muito eacute enviado o que nos eacute destinado segue

esse decircs-envolvimento A linguagem o pensar que se davam como obra

como poiacuteesis torna-se uma linguagem predicativa proposicional torna-se re-

presentaccedilatildeo passando a dominar praticamente todos os acircmbitos do humano

A de-cisatildeo enquanto com-fronto disputa originaacuteria enquanto a απορηα que

levou o homem a imobilidade retorna na era da teacutecnica pela presenccedila uacutenica da

exigecircncia de um posicionamento A falta de aporia pela certeza imposta pela

pressa dos negoacutecios do desenvolvimento da teacutecnica eacute que agora imobiliza a

capacidade do homem a um confronto verdadeiro radical com o poder de

dominaccedilatildeo que se impotildee sobre ele

onde o sin eacute o por junto e o tese eacute em uma posiccedilatildeo Sin-tese em grego Ge-stell em alematildeo eacute

marca caracteriacutestica da unilateralidade da representaccedilatildeo

86

Diante essa nova imobilidade Heidegger por meio do pensar do poetar

busca redespertar esta aporia perdida aquele acordo originaacuterio aquela

harmonia essencial com o ser Urge uma nova tomada de de-cisatildeo ante a

pressa que impede qualquer parar meditativo-poeacutetico qualquer esperar

escutar Torna-se necessaacuterio o risco de se lanccedilar o olhar agraves profundezas das

alturas e aiacute cair no poccedilo outra vez Potildee-se o arriscar-se a ir-agrave-proximidade do

misteacuterio e se permitir ser entorpecido ldquona boca e na almardquo121

por esse demorar-

se no entre nesta abertura na clareira do ser Mas como pode o homem da

era da teacutecnica do entendimento representativo atingir a profundidade do

misteacuterio Como atingir essa serenidade que guarda a medranccedila do que salva

Trilhemos mais essas questotildees que se potildeem antes de nos demorarmos onde a

muito somos convocados

44 Da procura ao Aguardar o silencioso caminhar na vereda

Pensamos na serenidade como a disposiccedilatildeo que guarda em seu seio a

medranccedila do que salva Estaacute que enquanto um dizer sim e natildeo a teacutecnica nos

liberta da servidatildeo aos objetos e pensamento teacutecnico bem em seu seio Que

como este demorar-se no entre do aberto do misteacuterio da cisatildeo proveniente do

ser ao homem o devolve o conduz a um retorno ao habitar que lhe fora

confiado doado Pensamos essa serenidade em meio a um intenso domiacutenio da

teacutecnica sobre praticamente todos os acircmbitos do humano mas como se tornaraacute

possiacutevel quebrar essas algemas do entendimento representativo loacutegico e

aceder a esta serenidade Qual o procedimento o meacutetodo a forma de

aquisiccedilatildeo desta serenidade Como re-significar a linguagem proposicional

predicativa abrindo a ela a possibilidade do diaacutelogo com a linguagem poeacutetica

Essas perguntas de forma alguma nos conduziratildeo a esta serenidade a essa

121

Faz-se aqui uma alusatildeo ao estado que Mecircnon ao dialogar com Soacutecrates eacute levado pelo seu discurso Um entorpecimento que Platatildeo potildee como o movimento necessaacuterio a rememoraccedilatildeo

fonte de saber Conferir Mecircnon 80 b

E de que modo procuraraacutes Soacutecrates aquilo que natildeo sabes absolutamente o que eacute

Platatildeo Mecircnon

87

proximidade pois satildeo ainda perguntas loacutegicas do acircmbito da representaccedilatildeo

Procedimento meacutetodo adquirir re-significar satildeo todas expressotildees da re-

presentaccedilatildeo Aqui outra relaccedilatildeo com o que se potildee neste aberto do entre se

coloca

Platatildeo em um diaacutelogo no qual se investiga de qual o modo o homem

pode possuir a virtude ἀρεηή faz Mecircnon apoacutes ser levado a uma profunda

aporia sobre o que seja a justiccedila ela mesma ao estilo sofiacutestico perguntar a

Soacutecrates se eacute realmente possiacutevel aprender aquilo que absolutamente natildeo se

conhece Como eacute possiacutevel pela investigaccedilatildeo adquirir aquilo que mesmo ao

dar-se se fecha em si mesmo Como podemos conhecer esse misteacuterio atingir

essa serenidade Quem investiga busca por algo que previamente conta de

antematildeo conta previamente com algum resultado parte de uma instacircncia por

um determinado meacutetodo em alguma direccedilatildeo Mas como investigar algo que

absolutamente ainda natildeo haacute que informaccedilatildeo alguma tem-se dele Essas

perguntas jaacute estatildeo presentes no nascimento da Metafiacutesica tanto com Platatildeo

como com Aristoacuteteles Soacute que a pressa as potildee sempre de lado e nos decircs-via

ao desenvolvimento do que jaacute temos em matildeo do mais faacutecil de produzir do uacutetil

Leiamos algumas palavras de Heidegger acerca desse meacutetodo investigativo

A sua particularidade consiste no fato de que quando concebemos um plano investigamos ou organizamos uma empresa contamos sempre com condiccedilotildees preacutevias que consideramos em funccedilatildeo do

objetivo que pretendemos atingir Contamos antecipadamente com determinados resultados Este caacutelculo caracteriza todo o pensamento

planificador () o pensamento que calcula faz caacutelculos Faz sempre caacutelculos com possibilidades continuamente novas sempre com maiores perspectivas e simultaneamente mais econocircmicas O

pensamento que calcula corre de oportunidade em oportunidade 122

A serenidade que aguardamos natildeo chega a nossa proximidade por uma

investigaccedilatildeo meacutetodo ou atividade pelo contraacuterio eacute por ela afastada Entatildeo ao

homem natildeo resta nada a natildeo ser esperar ficar na passividade esperando que

algo ocorra e que lhe desperte essa serenidade Heidegger nomeia por

aguardar (warten) essa disposiccedilatildeo que em confronto com a investigaccedilatildeo eacute

mais apropriada agrave serenidade Um aguardar que natildeo eacute um mero espera que

natildeo eacute nunca um ficar na expectativa (erwaten) Aguardar natildeo eacute aqui um mero

122

HEIDEGGER Serenidade p 13

88

ficar na passividade esperando que algo ocorra Nem tambeacutem eacute a atividade da

investigaccedilatildeo que quer que algo chegue a determinado resultado Natildeo eacute

passividade nem atividade Eacute um trabalhar-se um obrar-se no sentido de uma

atenccedilatildeo um cuidado ao silecircncio do que se oculta do que nesse ocultar-se se

re-colhe se res-guarda Eacute aquela disposiccedilatildeo daquele caminhante que

trilhando um caminho ainda natildeo aberto que caminhando em uma mata virgem

aguarda pelo que advenha como o caminho pelo qual deve continuar seguindo

Eacute entatildeo aquele respeito aquele carinho amor philein pelo que lhe envolve

Naquela ocasiatildeo que o repouso se mostra o movimento mais apropriado diante

a aporia que se apresenta que lhe envolve ldquoDificilmente podemos alcanccedilar a

serenidade de uma forma mais adequada do que por meio de uma ocasiatildeo

para nos envolvermosrdquo 123

O querer eacute sempre um querer algo Eacute jaacute estar na expectativa A serenidade

como esse aguardar natildeo espera natildeo quer algo O que concerne a esse

aguardar natildeo eacute algo natildeo eacute um ente mas eacute a abertura eacute a clareira Eacute um

recebimento com gratidatildeo ao que brota para si do seio do ser da θσζης da

natureza Essa passagem do querer ao aguardar sereno eacute o caminho a se

seguir na ida agrave proximidade do que guarda a medranccedila do que salva Grato

com o que lhe eacute destinado o caminhante sereno lhe co-responde Liberto de

anseios e vontade o homem recebe a tarefa de guardiatildeo da clareira do brotar

guardiatildeo do diaacutelogo se apresenta como a outra possibilidade ante o perigo que

ameaccedila

Mantendo-se insistentemente nesse entre nessa abertura da cisatildeo do

misteacuterio lhe eacute destinado o Acontecimento-poeacutetico-apropriativo Ereignes da

histoacuteria do homem pois ldquoaquilo que permanece funda os poetasrdquo nas palavras

de Houmllderlin ou o que podemos escutar no eco da palavra por Goethe usada

onde ao inveacutes de usar para dar sentido a perdurar a palavra alematilde fortwaumlhrenI

usa a palavra misteriosa fortgewaumlhren como um continuar a conceder 124

O

que aiacute eacute entatildeo colhido com gratidatildeo como esse que insistentemente se demora

nisso que continua a conceder eacute levado ao homem por esse mensageiro

αγγειος como uma possibilidade de uma nova manhatilde de um novo momento

da histoacuteria Essa possibilidade que pela exploraccedilatildeo de tudo que estaacute dado potildee

123

Idem p45 124

HEIDEGGER A questatildeo da teacutecnica p 33

89

em fuga a possibilidade do inaugural que eacute confiado apenas agravequeles que se

demoram insistentemente no aguardar Aqueles que adentram na floresta natildeo

com intenccedilatildeo de uma exploraccedilatildeo de mais um mercado que lhe renderaacute um

oacutetimo negoacutecio ao comeacutercio mas agravequele que como protetor adentra na floresta

para lhe escutar e lhe res-guardar em seu cuidado

Esta natildeo eacute uma tarefa faacutecil pois aiacute trilha-se natildeo por uma estrada aberta e

segura mas trilha-se por uma vereda que insistentemente lhe potildee o fechado a

frente lhe envolvendo no risco do que absolutamente natildeo se conhece Assim

co-respondendo ao que lhe eacute confiado este caminhante deve insistentemente

demorar-se nessa aguardar do inaugural Qual o sentido dessa insistecircncia que

diversas vezes se apresentou em nosso trilhar Na conversa que eacute colhida de

um passeio do campo Heidegger nos escreve uns versos escutado de um

amigo sobre o que poderia ser pensado como o sentido dessa insistecircncia

Receber a salvo Para longa constacircncia

A verdade que estaacute a ser Nunca soacute algo verdadeiro Que o coraccedilatildeo pensante peccedila

Agrave singela paciecircncia A generosidade uacutenica

Do nobre recordar 125

Se Platatildeo como resposta a aporia acerca da possibilidade de se

aprender o que absolutamente natildeo se conhece fala de uma ἀλάκλεζης

anaminesis rememoraccedilatildeo de um recordar aqui tambeacutem o recordar se

apresenta ldquoA generosidade uacutenica do nobre recordarrdquo Recordando aquele

habitar na proximidade agrave fonte escuta-se o chamado a um novo momento da

histoacuteria a ser trilhado O nobre caminhante se depara no silecircncio da aporia do

entre com o canto de sua Matildee Este eacute convocado ao envolver-se em seu ser

Na disposiccedilatildeo da serenidade a nobreza natildeo eacute mais aquele tiacutetulo que indica um

possuidor de terras ou uma rica famiacutelia detentora de poder financeiro Nobreza

aqui eacute aquilo que tem proveniecircncia O caminhante nobre natildeo eacute dono da terra

na qual habita mas eacute filho dela eacute por ela aceito em seu seio ldquoA nobreza de

caraacuteter seria a essecircncia do pensamento (Denkens) e com isso do

125

HEIDEGGER Serenidade p 59

90

agradecimento (Dankens) Desse agradecimento que natildeo apenas agradece por

algo mas que apenas agradece por agradecerrdquo 126

Nesse nobre caminhar natildeo chegamos a um ponto final onde atingimos a

serenidade ante o misteacuterio e o misteacuterio natildeo eacute por noacutes adquirido O que se daacute eacute

aquele ir-agrave-proximidade eacute um adentrar a vizinhanccedila Com Heraacuteclito Heidegger

pensa esse ir-agrave-proximidade como uma traduccedilatildeo apropriada a esta conversa

do fragmento 122 de Heraacuteclito o menor dos fragmentos que possui uma soacute

palavra Ἀγτηβαζίε aproximar-se ir proacuteximo ser-admitido-no-sei-da-

proximidade Nosso trilhar poderia ser pensado entatildeo como esse ir-agrave-

proximidade Assim escreve Heidegger nas uacuteltimas linhas da conversa acerca

da serenidade

Que nos guiou pela noite dentro cujo brilho eacute cada vez mais

deslumbrante e supera em maravilha as estrelas porque aproxima entre si suas distacircncias no ceacuteu pelo menos para o observador ingecircnuo natildeo para o investigador exato Para a crianccedila no Homem a

noite permanece a aproximadoracostureira das estrelas Ela junta sem costura bainha nem linha

127

Assim natildeo se deve buscar aceder agrave serenidade com a intenccedilatildeo de lhe

atingir e lhe ter em posse A tarefa que fica ao homem em meio ao perigo da

dominaccedilatildeo da teacutecnica eacute algo diferente do querer do atingir do ter em posse A

tarefa que urge eacute a de um aguardar grato insistente no entre da serenidade

como esse demorar-se na proximidade na vizinhanccedila do misteacuterio Eacute pocircr no

sentido de um deixar-que em diaacute-logo esse pensamento que calcula com esse

pensamento poeacutetico que medita Cuidar de si do que lhe eacute essencial ou seja

cuidar da guarda dos misteacuterios da natureza que a si foi concedido Cuidar da

linguagem para que essa natildeo venha a decair completamente em um mero

falatoacuterio em mera proposiccedilatildeo e representaccedilatildeo mas que ela retorne ao que lhe

eacute mais proacuteprio que eacute o inaugurar o nomear o pocircr-em-obra Sua tarefa eacute cuidar

do pensamento pelo pensar ele mesmo salvando-o do ordinaacuterio e habitual

entendimento que calcula da loacutegica assim o res-guardando a possibilidade a

si mais autecircntica do meditar de poetar ante o misteacuterio Res-guardar as

relaccedilotildees dos homens entre si e entre as coisas de uma fraacutegil relaccedilatildeo sujeito-

objeto uma relaccedilatildeo egoica fundada no eu e tu e nesse resguardar permitir

126

Idem p 63 127

Idem pp68-69

91

uma outra relaccedilatildeo onde o diaacute-logo estaacute em seu seio onde a co-pertenccedila

permeia o todo Proteger a verdade como αιεζεηα decircs-encobrimento da

verdade como adequatio veritas corretude Eacute esse o sentido do que seja a

serenidade como a medranccedila do que salva Eacute a essa vizinhanccedila que fomos

levados por esse caminhar por esse caminho da floresta Holzwege por estas

sendas do pensamento por esta vereda Escutemos por fim estas uacuteltimas

palavras as quais por Heidegger foram usadas nas linhas finais de sua obra

acerca da arte A origem da obra de arte palavra de Houmllderlin um poeta que

para ele era os poetas dos poetasldquoDificilmente abandona O que mora na

proximidade do originaacuterio o lugarrdquo 128

128

HEIDEGGER A origem da obra de arte p201

92

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A-cerca do entendimento humano O salto na vereda

Pensamos neste caminhar sobre o homem o seu tempo atual sua

essecircncia e o que a este se apresenta como uma ameaccedila Pensamos na

teacutecnica na arte na serenidade Pensamos no ser na verdade e na linguagem

Adentramos estas questotildees com a proposta de dar um retorno agrave leitura que

fazemos do presente

O homem encontra-se em um estaacutegio de sua histoacuteria em que o

entendimento eacute apresentado como seu grande poder Um entendimento em

maior parte dominado pelo cientiacutefico pelo teacutecnico pelo comercial A razatildeo eacute

um grande negoacutecio para o capital principalmente quando o desenvolvimento

desta razatildeo eacute diretamente ligado agrave produccedilatildeo de um novo produto investido pelo

capital e para o capital Assim encontra-se em grande parte a razatildeo do homem

no presente Uma razatildeo que lhe foi de grande utilidade para lhe proteger das

ameaccedilas do incerto para lhe proteger do espanto do dando-lhe a seguranccedila e

conforto almejados Uma razatildeo que surge como instrumento de dominaccedilatildeo

ameaccedila fugir-lhe do seu controle para passar assim ao domiacutenio

Eacute assim que pensamos a-cerca do entendimento humano como essa cerca

que o aprisiona na dominaccedilatildeo do que seja entendido como o proacuteprio

entendimento O entendimento humano torna-se assim a cerca do humano

Uma cerca sem porta de saiacuteda onde o uacutenico caminho de uma fuga de

uma libertaccedilatildeo se apresenta como um salto Saltando sobre essa cerca para o

que estaacute aleacutem do que por ele foi aberto e dominado por sua razatildeo Este campo

aberto produzido para a sua seguranccedila o amedronta no presente momento de

sua histoacuteria com o perigo de uma escassez do adveniente do misteacuterio do que o

cerca Uma escassez de outra possibilidade que possa lhe salvaguardar da

iminente dominaccedilatildeo que a teacutecnica impotildee como ameaccedila

Urge ao homem saltar essa cerca e corajosamente mesmo que nos

primeiros passos ainda bem desajeitados pela falta de costume com esse novo

ambiente adentrar a vereda do que fora desta cerca se mostra como fonte Eacute

preciso arriscar-se por essa mata virgem em ir-agrave-proximidade do misteacuterio da

93

fonte de onde brota a seiva que alimenta sua essecircncia antes que essa

enfraquecida pela falta de seus nutrientes essenciais padeccedila ante a ameaccedila

que lhe cerca Essa seiva que na cerca eacute o pensamento calculista natildeo eacute

possiacutevel encontraacute-la em lugar algum Devemos nos aproximar dessa silenciosa

fonte originaacuteria que haacute muito canta o homem pelo retorno ao seu habitat

essencial haacute muito o convoca ao salto no a-bismo

Urge o arriscar-se a cair novamente no poccedilo ficando assim exposto a

possibilidade do riso Eacute preciso jogar-se no poccedilo e retornar com a aacutegua fonte

de tudo que em seu acircmago nutre a essecircncia do homem Retornando assim

esse que poeticamente se arrisca mais carregaraacute consigo a possibilidade de

transmitir aos outros homens o que do seio da Matildee Terra recebeu como o

destino dos homens Guardaraacute consigo a possibilidade de doar o que lhe foi

doado Em seu retorno da vereda restar-lhe-aacute a tarefa ainda mais difiacutecil do

que aquele caminhar no fechado a de dia-logar com os que moram dentro da

cerca a tarefa de pocircr em dialogo em si mesmo e em relaccedilatildeo aos outros

poesia e loacutegica metafiacutesica e pensamento caacutelculo e meditaccedilatildeo identidade e

diferenccedila

Nesse trabalho que agora podemos chamar de diaacute-logo a demora nos

primeiros passos foi uma necessidade de enfrentar tanto o enrijecimento da

tradiccedilatildeo como a proacutepria linguagem habitual da qual nos servimos nesse

confronto com a tradiccedilatildeo Se os passos finais se apresentaram em menor

quantidade de palavras eacute porque nele o caminhar cuidadoso exigiu mais

silecircncio do que dizer mais escuta do que fala Encontramo-nos apenas a

caminho de um verdadeiro e real enfrentamento com o aqui pensado Um

enfrentamento que se daraacute em nossas vidas relaccedilotildees pensamentos

linguagem com o misteacuterio do que nos convoca a sua proximidade Uma

aproximaccedilatildeo na qual a cada passo que adentramos nossa linguagem habitual

torna-se cada vez mais perigosa de levar-nos a um des(en)vio no sentido de

um novo afastamento

Esse acircmbito ao qual chegamos nessa nossa con-versa eacute um acircmbito natildeo de

respostas mas onde deve brotar as essenciais perguntas tarefa de todo

pensador que nos seratildeo destinadas ao diaacutelogo com o presente no qual

94

existimos Agradeccedilo portanto a companhia nessa caminhada pela vereda

companhia essa que sem ela nenhum caminhar eacute propriamente um caminhar

verdadeiro

95

REFEREcircNCIAS

Obras de Heidegger

HEIDEGGER Martin A origem da obra de arte [1935-36] Trad br Idalina

Azevedo e Manuel Antonio de Castro Satildeo Paulo Ediccedilotildees 70 2010

______________ A origem da obra de arte In Caminhos de floresta Trad

port Irene Borges-Duarte e Filipa Pedroso 2 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste

Gulbenkian 2012

______________ A origem da obra de arte Trad port Maria da conceiccedilatildeo

CostaLisboa Ediccedilotildees 70

______________ El origen de la obra de arte In Arte y Poesiacutea Trad esp

Samuel Ramos Buenos Aires Fondo de cultura econoacutemica 1958

______________ A questatildeo da teacutecnica [1953] In Ensaios e conferecircncias

Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo Rio de Janeiro Vozes 2008

______________ Serenidade [1955] Trad port Maria Madalena Andrade e

Olga SantosLisboa Instituto Piaget

______________ Ser e tempo [1927] Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante 3 ed

Rio de Janeiro Editora universitaacuteria Satildeo Francisco 2008

______________ Houmllderlin y la esencia de la poesia [1936] In Arte y poesia

Trad esp Samuel Ramos Buenos Aires Fondo de cultura economica 1958

______________ Para que poetas [1946] In Caminhos de floresta Trad

port Irene Borges-Duarte e Filipa Pedroso 2 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste

Gulbenkian 2012

______________ A teoria platocircnica da verdade [193132 1940] In Marcas do

caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Vozes 2008

______________ A essecircncia e o conceito de θσζης em Aristoacuteteles ndash Fiacutesica Β

1 [1939] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini

Petroacutepolis Vozes 2008

______________ Carta sobre o humanismo [1946] In Marcas do caminho

Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Vozes 2008

______________ A essecircncia do fundamento [1929] In Marcas do caminho

Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo giachini Petroacutepolis Vozes 2008

96

______________ Hegel e os gregos [1958] In Marcas do caminho Trad br

Ernildo Stein e Enio Paulo giachini Petroacutepolis Vozes 2008

______________ A essecircncia da verdade [1930] In Marcas do caminho Trad

br Ernildo Stein e Enio Paulo giachini Petroacutepolis Vozes 2008

______________ A essecircncia da Verdade [1930] In Conferecircncias e escritos

filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo Stein Satildeo Paulo Nova

cultural 1996

______________ Que eacute metafiacutesica [192943] In Conferecircncias e escritos

filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo Stein Satildeo Paulo Nova

cultural 1996

______________ O que eacute isto ndash a filosofia [1956] In Conferecircncias e escritos

filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo Stein Satildeo Paulo Nova

cultural 1996

______________ Identidade e diferenccedila [1957] In Conferecircncias e escritos

filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo Stein Satildeo Paulo Nova

cultural 1996

______________ ldquo poeticamente o homem habitardquo [1951] In Ensaios e

conferecircncias Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante Schuback Rio de Janeiro

Vozes 2008

______________ O fim da filosofia e a tarefa do pensamento [1966] In

Conferecircncias e escritos filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo

Stein Satildeo Paulo Nova cultural 1996

______________ Nietzsche I [1961] Trad br Marcos Antocircnio Casanova Rio

de Janeiro Forense Universitaacuteria 2007

______________ Nietzsche II [1961] Trad br Marcos Antocircnio Casanova Rio

de Janeiro Forense Universitaacuteria 2007

______________ Ciecircncia e pensamento do sentido [1954] In Ensaios e

______________ A caminho da linguagem [1959] Trad Maacutercia de Saacute

Cavalcante Satildeo Paulo Editora vozes 2011

______________ A superaccedilatildeo da metafiacutesica [1936-46] In Ensaios e

conferecircncias Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante Schuback Rio de Janeiro

Vozes 2008

______________ Da experiecircncia do pensar [1960] Trad br Maria do Carmo

Tavares de Miranda Porto Alegre Editora Globo 1969

97

______________ Quem eacute o Zaratrusta de Nietszche [1953] In Ensaios e

conferecircncias Trad br Gilvan Fogel Rio de Janeiro Vozes 2008

Obras sobre Heidegger

GADAMER Hans-Georg Hermenecircutica em retrospectiva Trad br Marcos

Antocircnio Casanova Rio de Janeiro Vozes 2009

LOPARIC Zeljko Eacutetica e finitude 2 Ed Satildeo Paulo Editora Escuta 2004

NUNES Benedito Hermenecircutica e poesia o pensamento poeacutetico Org Maria

Joseacute Campos Belo Horizonte Ed UFMG 1999

______________ Passagem para o poeacutetico filosofia e poesia em Heidegger

Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2012

RUumlDIGER Francisco Martin Heidegger e a questatildeo da teacutecnica prospectos

acerca do futuro do homem Porto Alegre Sulina 2006

STEIN Ernildo Seminaacuterio sobre a verdade Liccedilotildees preliminares sobre o

paraacutegrafo 44 de Zein und Zeit Petroacutepolis Vozes 1993

____________ Diferenccedila e metafiacutesica ensaios sobre a desconstruccedilatildeo Ijuiacute

Editora Unijuiacute 2008

Outras obras

AUBENQUE Pierre O Problema do ser em Aristoacuteteles Ensaio sobre a

problemaacutetica aristoteacutelica Trad br Cristina de Souza Agostini e Diocleacutezio

Domingos Faustino Satildeo Paulo Paulus 2012

AQUINO Tomaacutes de Questotildees discutidas sobre a verdade Trad br Luiz Joatildeo

Barauacutena Satildeo Paulo Editora Nova Cultural 2004

ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmacos Trad br Mario de Gama Kury Brasilia

Editora UNB 1961

____________ Fiacutesica trad esp Guillermo R de Echandia Editorial Gredos

SA 1995

____________ Fiacutesica I-II trad br Lucas Angioni Campinas Editora Unicamp

2010

____________ Metafiacutesica trad br Giovanni Reale Satildeo Paulo Ediccedilotildees

Loyola 2013

98

____________ Oacuterganon Trad br Edson Bini Satildeo Paulo Edipro 2010

____________ Poeacutetica Trad pt Ana Maria Valente Lisboa Ediccedilatildeo da

Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkain 2004

BARROS Manoel Poesia completa Satildeo Paulo Leya 2013

BAUMGARTEN Alexander Esteacutetica ndash A loacutegica da arte e do poema [1750]

Trad br Mirian Sustter Medeiros Petroacutepolis RJ Vozes 1993

BRENTANO Franz Sobre los muacuteltiples significados del ente seguacuten Aristoacuteteles

[1862] Trad esp Manuel Abella Madri Encuentro 2007

BURNET John A aurora da filosofia grega Trad br Vera Ribeiro Rio de

Janeiro Contraponto 2006

CROCE Benedetto Breviaacuterio de Esteacutetica Aesthetica in Nuce [1912] Trad br

Rodolfo Ilari Jr Satildeo Paulo Editora Aacutetica 2001

DESCARTE Reneacute As paixotildees da alma Trad br J Guinsburg e Bento Prado

Juacutenior Satildeo Paulo Abril Cultural 1973

_______________ Meditaccedilotildees sobre a Filosofia primeira [1641] Trad br J

Guinsburg e Bento Prado Juacutenior Satildeo Paulo Abril Cultural 1973

FRANZINI Elio A esteacutetica do Seacuteculo XVIII Trad pt Isabel Teresa Santos

Lisboa Editorial Estampa 1999

HEGEL Georg W F Esteacutetica Trad br Orlando Vitorino Satildeo Paulo Editora

Nova Cultural coleccedilatildeo Os pensadores 1999

HESIacuteODO Teogonia Trad br Jaa Torrano 5 Ed Satildeo Paulo Ilumiuras 2003

________ Os trabalhos e os dias Trad br Luiz Otaacutevio Mantovaneli Satildeo

Paulo Odysseus 2011

HOumlLDERLIN Friedrich Hipeacuterion Ou o eremita da Greacutecia Lisboa Editora

Assiacuterio e Alvim 1997

HOMERO Iliacuteada Volumes I e II Trad Haroldo de Campos 2 Ed Satildeo Paulo

Benviraacute 2010

________ Odisseacuteia Volumes I II e III Trad br Donaldo Schuumller Porto Alegre

LampPM 2007

KANT Immanuel Criacutetica da faculdade de julgar [1793] Trad br 2 ed Editora

Forense Universitaacuteria 2007

_______ Criacutetica da razatildeo Pura Trad pt Manuela Pinto dos Santos e

Alexandre Fradique Mourujatildeo Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 2001

99

KIRK G S RAVEN J E e SCHOFIELD M Os filoacutesofos Preacute-Socraacuteticos

histoacuteria criacutetica com seleccedilatildeo de textos Trad port Carlos Alberto Louro Fonseca

Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1994

LAEcircRTIOS Diocircgenes Vida e doutrinas dos filoacutesofos ilustres Trad br Maacuterio da

Gama Kury 2 ed Brasiacutelia UNB 2014

LEAtildeO Emanuel Carneiro Anaximandro Parmecircnides Heraacuteclito Os

pensadores originaacuterios Braganccedila Editora universitaacuteria Satildeo Francisco 2005

LIDDELL Henry George SCOTT Robert A GreekndashEnglish Lexicon Oxford

Clarendon Press 1940

NIETZSCHE Friedrich Assim falou Zaratustra [1883-85] Trad br Paulo Cesar

de Souza Satildeo Paulo Companhia das letras 2011

__________________ Vontade de poder Trad br Marcos Sinesio Perreira

Moraes Rio de Janeiro 2008

PARMEcircNIDES Da Natureza Trad br Joseacute Trindade Santos Satildeo Paulo

Ediccedilotildees Loyola 2002

PEREIRA Isidro Dicionaacuterio de Portuguecircs-Grego Grego-Portuguecircs Satildeo Paulo

Ediccedilotildees Loyola 1984

PLATAtildeO O Banquete In Diaacutelogos ndash Platatildeo Coleccedilatildeo Os pensadores Joseacute

Cavalcante de Souza Trad br Edison Bini Satildeo Paulo Abril cultural 1972

_______ Iacuteon Trad pt Victor Jabouille Lisboa Editorial inqueacuterito 1988

_______ A Repuacuteblica Trad pt Maria Helena da Rocha Pereira 9 ed Lisboa

Fundaccedilatildeo Caloute Gulbenkian

_______ O Sofista In Diaacutelogos I ndash Platatildeo Trad br Edison Bini Satildeo Paulo

Edipro 2007

_______ Mecircnon Trad br Maura Igleacutesias Rio de JaneiroPUC-RIO Ediccedilotildees

Loyola 2005

SCHILLER Friedrich Cartas Sobre a Educaccedilatildeo Esteacutetica da Humanidade

[1795] Trad port Roberto Schwarz Satildeo Paulo EPU 1991

SPENGLER Oswald A decadecircncia do ocidente Trad br Herbert Caro 2ed

Rio de Janeiro Zahar Editores 1973

VAZ Lima Escritos de filosofia VII Raiacutezes da modernidade Satildeo Paulo

Ediccedilotildees Loyola 2002

Page 6: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:

6

A minha irmatilde Jessica pela

sinceridade com que leva a vida

Quando algueacutem nos admira eacute como

se tiveacutessemos um guardiatildeo que a

cada passo nos relembra nos res-

guarda em nosso caminho

A minha mulher Irlana que com seu

sorriso alegre me faz acreditar que eacute

sim possiacutevel

7

AGRADECIMENTO

Agradeccedilo antes de tudo a minha famiacutelia que esteve estaacute e com certeza

estaraacute presente em todos os momentos alegres e tristes de minha vida Que

ao me dizer que eu poderia ir muito longe me fez perceber que o meu caminho

eacute no sentido de ir cada vez mais para perto Amo vocecircs

A minha mulher Irlana que aleacutem da presenccedila do dia-a-dia acreditou e amou

junto comigo no que aqui venho a dizer Aleacutem de me proporcionar uma nova

famiacutelia

Aos meus amigos que por caminharem juntos sempre me alimentaram de um

bom acircnimo para seguir lutando pelo que acredito

Ao meu orientador Prof Eduardo Triandopolis que por me deixar caminhar

com minhas pernas com meu espiacuterito possibilitou que brotasse aquilo que

realmente estava em meu acircmago

Agrave banca examinadora agrave Professora Cristiane Marinho agrave Professora Tereza

Callado que ao lerem e comentarem o meu trabalho compuseram comigo a

essecircncia do diaacute-logo

Agradeccedilo tambeacutem em especial a todos os que um dia vierem a ler esta

pesquisa Que ela lhes animem tanto quanto me animou ao escrevecirc-la

Agrave natureza com seus bichinhos e plantas em uma harmonia tatildeo profunda e

contagiante que me revelou a essecircncia mais originaacuteria do que eacute a vida O estar

em comunhatildeo com o que nos cerca e nos compotildee

8

ldquoTodas as obras dos poetas mimeacuteticos se me afiguram ser a destruiccedilatildeo da

inteligecircncia dos ouvintes de quantos natildeo tiverem o antiacutedoto e o conhecimento

de sua verdadeira naturezardquo

(Platatildeo Repuacuteblica)

ldquoA arte como o uacutenico antiacutedoto superior contra toda e qualquer vontade de

negaccedilatildeo da vidardquo

(Nietzsche Vontade de poder)

9

RESUMO

Em que sentido a Serenidade como um diaacute-logo entre o pensamento que

calcula e o pensamento que medita um diaacute-logo entre a teacutecnica e a poesia em

conjunto com a abertura ao misteacuterio fonte originaacuterio de todos os vigentes se

apresentam como uma possibilidade um caminho de enfrentamento ao perigo

adveniente da crise resultante da dominaccedilatildeo global da teacutecnica nos acircmbitos

mais essenciais da vida Esse enfrentamento parece se dar no acircmbito da

linguagem e do pensar enquanto a morada do ser O homem como o guardiatildeo

dessa morada do ser eacute aquele que se abrindo ao misteacuterio do a ser destinado

pode arriscando-se ao saltar no abismo do que natildeo vige permitir ou melhor

ser permitido nessa outra possibilidade Aguardando correspondendo ao seu

destino o homem pode ser a medranccedila do que salva Para tal pesquisa

colocam-se aqui em diaacute-logo trecircs ensaios heideggerianos A questatildeo da

teacutecnica A origem da obra de arte e Serenidade Buscamos uma relaccedilatildeo destes

ensaios com outros ensaios centrais de Heidegger assim como sua relaccedilatildeo

com os filoacutesofos que lhe foram fundamentais para que ele chegasse onde

chegou Portanto buscamos pensar as questotildees presentes a partir de suas

origens enquanto questotildees eacuteticas esteacuteticas e metafiacutesicas Aleacutem de re-colocar

questotildees fundamentais agrave filosofia como a questatildeo do ser da verdade e da

linguagem Trata-se aqui de um debate contemporacircneo com a tradiccedilatildeo que

busca res-guardar algo originaacuterio que caiu no esquecimento

PALAVRAS-CHAVE Serenidade Misteacuterio Teacutecnica Arte Verdade

10

ABSTRACT

Think in what sense the Serenity as a con-versation between thinking that

calculates and thought that meditates a con-versation between technique and

poetry together with openness to the mystery source originating in all existing

present as a possibility one danger facing path arising the resulting crisis of

global technical domination over all the most essential areas of human A

confrontation so that occurs in the context of language and thinking while the

same namely the abode of being Man as the guardian of this home of being is

one that opening up the mystery of themselves for can risking to jump into the

abyss than not prevails allow or rather be allowed that another possibility

Waiting corresponding to its destination the man may be the possibility than

saved For such research put into day-logo Heideggerians three tests The

question of technique The origin of the artwork and Serenity Seeking a list of

these tests with the central test Heidegger as well as their relationship with the

philosophers that this was essential for this came near unto arrived So its a

research that seeks to think the issues present from its origins Debating issues

Ethics Aesthetics and Metaphysics In addition to re-raising fundamental

questions of philosophy and of being of truth and language A contemporary

debate in confrontation with the tradition and re-save something original search

that fell by the wayside

KEYWORDS SERENITY MYSTERY TECHNICAL ART TRUTH

11

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO O silencioso chamado O caminho que urge 11

2 O PERIGO QUE AMEACcedilA UM OLHAR Agrave ESSEcircNCIA DA TEacuteCNICA 14

21 DA PERGUNTA PELA TEacuteCNICA Agrave PERGUNTA PELA ESSEcircNCIA SOBRE A

QUESTAtildeO DO SER

14

22 A LIVRE RELACcedilAtildeO COM A TEacuteCNICA DA CORRETUDE Agrave VERDADE 21

23 TEacuteCNICA GREGA E MODERNA DA POIacuteESIS Agrave EXPLORACcedilAtildeO 26

24 DIS-PONIBILIDADE E COM-POSICcedilAtildeO ACERCA DO DESVELAMENTO

EXPLORADOR DA TEacuteCNICA MODERNA

31

3 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES ACERCA DA ESSEcircNCIA DA

ARTE

38

31 ldquoONDE MORA O PERIGO CRESCE O QUE SALVArdquo DA PERGUNTA PELA

TEacuteCNICA Agrave PERGUNTA PELA ARTE

38

32 O ORIGINAacuteRIO DA OBRA DE ARTE O POcircR-EM-OBRA DA VERDADE 44

33 PENSAMENTO POEacuteTICO UM DIZER SILENCIOSO 54

34 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES UM SALTO NA VEREDA 63

4 O CAMINHAR SERENO UM AGUARDAR NA PROXIMIDADE DO MISTEacuteRIO 71

41 DA DESTRUICcedilAtildeO Agrave SUPERACcedilAtildeO DA METAFIacuteSICA ACERCA DA

IDENTIDADE E DIFERENCcedilA

71

42 SERENIDADE O DIZER SIM E NAtildeO Agrave TEacuteCNICA 76

43 DA ABERTURA OU MISTEacuteRIO O DEMORAR-SE NO ENTRE 80

44 DA ABERTURA AO AGUARDAR O CAMINHAR SERENO NA VEREDA 85

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS ndash A-CERCA DO ENTENDIMENTO HUMANO O

SALTO NA VEREDA

91

REFEREcircNCIAS 94

12

1 INTRODUCcedilAtildeO

O silencioso chamado O caminho que urge

A presente pesquisa tem como proposta pensar a problemaacutetica apontada

por Heidegger no acircmbito da dominaccedilatildeo da teacutecnica no presente momento da

humanidade Adentrando esta problemaacutetica buscaremos ir ao fundo das

questotildees para demonstrarmos quatildeo dominado encontra-se o homem e assim

pensar em que sentido eacute possiacutevel reconhecer essa crise e qual o meio que

devemos proceder para efetivar esse reconhecimento Ao fazermos uma

imersatildeo nos textos de Heidegger buscaremos a partir do que foi por ele

pensado enfrentar essas questotildees Destacaram-se para esta pesquisa trecircs

conferecircncias em especial A questatildeo da teacutecnica (1953) A origem da obra de

arte (1936) e Serenidade (1955)

Neste primeiro ensaio Heidegger pensa a crise de seu tempo como uma

crise que tem por base o modo como se encara a teacutecnica o saber a linguagem

e o ser Esse modo de pensar e dizer vem se desenvolvendo a partir do seu

olhar nos primoacuterdios da Filosofia ateacute o periacuteodo claacutessico com Platatildeo e

Aristoacuteteles

Esse saber encontra-se naquilo que ele chama de seu ldquoestaacutegio de

acabamentordquo onde a teacutecnica passa a reger e a dominar quase que

completamente todos os acircmbitos do humano ameaccedilando-o em sua essecircncia

Assim ao sermos remetidos a uma leitura mais aprofundada deste ensaio nos

confrontamos com os escritos de outros filoacutesofos como Platatildeo Aristoacuteteles e

tambeacutem Tomaacutes de Aquino Descartes Kant Hegel e Nietzsche Contudo em

cada um destes pensadores teremos um olhar voltado agraves questotildees

heideggerianas que aqui buscamos pensar

Pensada a problemaacutetica e identificado o caminho que se mostrou como

alternativa agrave dominaccedilatildeo da teacutecnica sobre o homem passaremos ao segundo

momento de nossa pesquisa Um debate acerca de um ensaio anterior na

ordem do tempo ao ensaio da teacutecnica mas na nossa pesquisa

metodologicamente discutido em um momento posterior

13

A origem da obra de arte eacute o resultado de trecircs conferecircncias que se puseram

a tratar da questatildeo da arte e de sua essecircncia Na busca pela essecircncia da arte

enfrentaremos com Heidegger aleacutem da sempre presente questatildeo do ser e da

verdade questotildees esteacuteticas e outras acerca do estatuto do que venha a ser a

Esteacutetica como um campo do saber filosoacutefico Nessa busca de um retorno ao

que seja o originaacuterio na arte teremos em vista o que haacute na essecircncia da arte

que possa vir a se apresentar como aquela possibilidade de confronto agrave crise

identificada no primeiro ensaio portanto algumas questotildees concernentes a

esse ensaio que diante o nosso olhar natildeo estatildeo propriamente ligadas ao que

aqui se busca natildeo seratildeo tratadas com a profundidade com a qual trataremos

as que propriamente se colocam em nosso caminho Outros ensaios

heideggerianos acerca da arte do poeacutetico da linguagem assim como do

pensamento de Nietzsche sobre a arte faratildeo parte deste segundo momento de

nossa pesquisa contudo novamente como no primeiro ensaio a estes nos

reportaremos na medida em que isso se mostrar apropriado ao curso do nosso

caminhar

Tendo sido feita a leitura destes dois ensaios iniciais onde o primeiro

apresenta a problemaacutetica e o segundo nos mostra uma outra possibilidade de

confronto adentraremos o ensaio que nos permitiraacute pensar que tipo de

confronto ocorre entre a teacutecnica e a arte pensada por Heidegger

Com o ensaio Serenidade ensaio norteador deste trilhar como um todo

pensaremos em questotildees como inversatildeo retorno diaacute-logo siacutentese identidade

e diferenccedila poreacutem para que estas questotildees natildeo nos sejam apresentadas de

fora o que nos transporia a um acircmbito completamente diferente do que aqui se

intenta adentrar percorreremos lentamente cuidadosamente e

insistentemente passo a passo ou seja no interior das questotildees ateacute que

estas se apresentem a noacutes no que elas satildeo

Para tanto como eacute caracteriacutestico na leitura dos escritos heideggerianos

duas questotildees que lhes satildeo centrais e que o acompanham por todo o seu

pensar devem ser devidamente tratadas para que assim esse caminhar

parta desde os primeiros passos de dentro de sua filosofia Satildeo estas as

questotildees da verdade e do ser Estas questotildees seratildeo tratadas a partir de uma

trilogia pensada pelo proacuteprio autor como inter-ligadas onde uma natildeo pode

devidamente ser pensada sem a outra Essa trilogia eacute composta assim pelas

14

conferecircncias O que eacute metafiacutesica (1929) A essecircncia da verdade (1930) e A

questatildeo do fundamento (1929)

Assim percorrido o caminho desta pesquisa buscaremos com o devido

cuidado e responsabilidade para com o leitor apresentar o resultado de um

profundo esforccedilo de pesquisa sobre o essencial ao homem sua situaccedilatildeo

presente e sobre uma possibilidade de enfrentamento de alguns dos problemas

que se apresentam como os mais ameaccediladores e perigosos para sua

existecircncia

A serenidade como uma revoluccedilatildeo radical eacute nossa meta neste trabalho

pois busca as raiacutezes de onde se radica uma vasta gama de problemaacuteticas

Uma disposiccedilatildeo que soacute se mostraraacute livre de diversos preconceitos que a ela

possam ser atribuiacutedos apoacutes essa leitura interior Aqui como interior tem-se a

necessidade de um ultrapassar da razatildeo no sentido de uma escuta ao coraccedilatildeo

e ao caminho proposto Soacute por esse olhar interior a serenidade se mostraraacute

natildeo como uma mera passividade que se ausenta daquilo que no presente

momento histoacuterico urge mas se mostraraacute como aquela accedilatildeo mais radical de

confronto agrave crise a qual vem passando toda a humanidade

Eacute portanto com o maior vigor da seriedade e responsabilidade que

devemos ter sobre o nosso presente momento e lugar que se faz aqui esse

convite agrave leitura das palavras que se seguem Palavras que pretendem ser uma

conversa entre o que a partir deste caminhar junto poderemos chamar de

amigos

15

2 O PERIGO QUE AMEACcedilA UM OLHAR Agrave ESSEcircNCIA DA TEacuteCNICA

Neste capiacutetulo seratildeo tratadas as questotildees acerca da teacutecnica e de sua

essecircncia com isso seraacute possiacutevel refletir o sentido da crise apontada por

Heidegger agrave sociedade atual Diante do sentido desta crise seraacute buscada

junto ao filoacutesofo uma indicaccedilatildeo de um caminho de fuga de confronto de

superaccedilatildeo Para tal investigaccedilatildeo se daraacute de iniacutecio uma breve introduccedilatildeo ao

pensar heideggeriano concernente ao ser e agrave verdade pontos centrais em toda

sua obra filosoacutefica Em seguida abordaremos os questionamentos presentes no

ensaio A questatildeo da teacutecnica (1953) relacionados com o caminho que aqui

buscamos traccedilar

21 Da pergunta pela teacutecnica agrave pergunta pela essecircncia A questatildeo do ser

A pergunta pela teacutecnica seraacute desenvolvida no sentido de indicar uma

situaccedilatildeo criacutetica da humanidade atual e do modo como esse homem se

relaciona com o ambiente que o cerca Uma situaccedilatildeo que segundo o filoacutesofo

Martin Heidegger (1889-1976) tem na concepccedilatildeo teacutecnica loacutegico-cientiacutefica e

metafiacutesico-filosoacutefica o centro da problemaacutetica contudo natildeo se trata aqui de

negar ou afirmar cegamente a teacutecnica mas de desenvolver um questionamento

que abra nossa presenccedila para uma livre relaccedilatildeo com esta pois soacute em uma

relaccedilatildeo livre pode-se saber o que eacute verdadeiramente a teacutecnica pode-se

A infacircncia da palavra jaacute vem com o primitivismo

das origens

Nossas palavras se juntavam uma na outra por

amor e natildeo por sintaxe

Manoel de Barros Menino do mato

ldquo pois eacute evidente que haacute muito sabeis o que

propriamente quereis designar quando empregais a expressatildeo bdquoente‟ Outrora tambeacutem noacutes

julgaacutevamos saber agora poreacutem caiacutemos em aporiardquo

Platatildeo O sofista

Ningueacutem de noacutes na verdade tinha forccedila de fonte

Ningueacutem era iniacutecio de nada

Manoel de Barros Poemas rupestres

16

experienciar sua essecircncia Para esta caminhada Heidegger iniciaria com a

pergunta Qual a essecircncia da teacutecnica

Natildeo podemos considerar Heidegger um filoacutesofo sistemaacutetico pelo contraacuterio

seus questionamentos se entrelaccedilam em todo o conjunto de sua obra Pode-se

ler as questotildees do ser e da verdade estas que lhes satildeo fundamentais em

seus diversos escritos e conferecircncias e eacute assim que se daacute com a teacutecnica

Diversos satildeo os escritos onde podemos ler algo relacionado com a questatildeo

poreacutem eacute no ensaio A questatildeo da teacutecnica que se encontra em uma coletacircnea

de textos intitulada pelo proacuteprio autor de Ensaios e conferecircncias que podemos

encontrar este tema com um maior vigor de desenvolvimento Daiacute tomarmos

esse ensaio como base central para esta investigaccedilatildeo mas sempre buscando

relacionaacute-lo com outros textos e autores

Qual a essecircncia da teacutecnica Heidegger nos indica duas respostas dadas

pela tradiccedilatildeo respostas estas que se concatenam em uma Diz i) ldquoA teacutecnica eacute

um meio para um fimrdquo ii) ldquoA teacutecnica eacute uma atividade do homemrdquo Estas

determinaccedilotildees correntes da teacutecnica Heidegger chama de ldquodeterminaccedilatildeo

instrumental e antropoloacutegica da teacutecnicardquo 1 mas para que atividade do homem

eacute a teacutecnica um instrumento e meio Como se desenvolveu o interesse por seu

domiacutenio Surgiu para suprir nossas necessidades baacutesicas para que o homem

pudesse dominar e se assegurar das incertezas advindas das diversidades do

ambiente que o circunda bastando para isso que o homem domine a teacutecnica

com todo seu empenho Eacute nesse sentido que diz Heidegger

A concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica guia todo esforccedilo para colocar o

homem num relacionamento direto com a teacutecnica Tudo depende de se manipular a teacutecnica enquanto meio e instrumento da maneira devida Pretende-se como se costuma dizer ldquomanusear com espiacuterito

a teacutecnicardquo Pretende-se dominar a teacutecnica Este querer dominar torna-se tanto mais urgente quanto mais a teacutecnica ameaccedila escapar ao

controle do homem 2

O instrumento que lhe levaria a seguranccedila pelo domiacutenio da natureza

ameaccedila-lhe fugir ao controle Eacute essa ameaccedila que desperta no filoacutesofo a

necessidade de uma real investigaccedilatildeo de sua essecircncia portanto

recoloquemos a questatildeo com um maior cuidado evitando apresentar

1 HEIDEGGER Martin A questatildeo da teacutecnica [1959] In Ensaios e conferecircncias Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo

Rio de Janeiro Editora Vozes 2002 P12 2 Idem

17

apressadamente as respostas dadas pela tradiccedilatildeo sobre sua essecircncia Vamos

demorar com maior cuidado na pergunta em si escutando o que a pergunta

mesma nos encaminha Qual a essecircncia da teacutecnica Ao perguntar assim soa

outro questionamento o que eacute isto a teacutecnica Esta forma de questionamento

que se coloca deste modo - o que eacute isto - eacute a forma de questionar da proacutepria

Filosofia Este modo de questionamento jaacute se encontra presente em Platatildeo e

Aristoacuteteles Eacute o modo grego de questionar o vigente Assim diz Heidegger

Com a questatildeo agora posta avanccedilamos para a proximidade do ηη

εζηηλ grego Eacute aquela forma de questionar desenvolvida por Soacutecrates Platatildeo e Aristoacuteteles Estes perguntavam por exemplo Que eacute isto ndash o

belo Que eacute isto ndash o conhecimento Que eacute isto ndash a natureza Que eacute isto ndash o movimento

3

E do mesmo modo podemos fazer a pergunta O que eacute isto ndash o ente

Heidegger indica que neste questionamento encontra-se a questatildeo diretriz de

toda histoacuteria da FilosofiaMetafiacutesica ocidental esta que se assemelha com a

histoacuteria do esquecimento do ser Comeccedilamos com a pergunta pela essecircncia da

teacutecnica e agora nos encontramos diante da pergunta pelo ente e de sua

diferenccedila diante da pergunta pelo ser Comeccedilamos em um ponto para agora

chegarmos a sua origem Aqui torna-se necessaacuterio um esclarecimento sobre o

que seja o comeccedilo e sua diferenccedila fundamental com o que seja a origem

(Ursprung) ou melhor com o que seja o originaacuterio o principial O comeccedilo natildeo

eacute ainda o princiacutepio a origem ou dizendo ainda de forma mais condizente com

o pensar heideggeriano o comeccedilo natildeo eacute ainda o originaacuterio Em seu escrito

Hinos de Houmllderlin [19351935] Heidegger distingue bem essa diferenccedila entre

comeccedilo e princiacutepio Diz

Princiacutepio natildeo eacute o mesmo que comeccedilo () O comeccedilo eacute aquilo com que algo se inicia o princiacutepio eacute aquilo de onde isso vem () O comeccedilo eacute cedo deixado para traacutes desaparecendo na continuaccedilatildeo

dos acontecimentos O princiacutepio a origem pelo contraacuterio evidencia-se primeiramente entre os acontecimentos e soacute no fim destes estaacute

plenamente presente () Noacutes humanos nunca podemos principiar com o princiacutepio ndash disso soacute um deus eacute capaz ndash pelo contraacuterio temos

de comeccedilar isto eacute partir de um iniacutecio que soacute conduz agrave origem ou a indica

4

Aqui temos algumas palavras essenciais para o pensar inovador de

Heidegger Ur-sprungUrsprungliche e An-fangAnfaumlngliche Ur-

3 HEIDEGGER Martin O que eacute isto ndash a Filosofia In Conferecircncia e escritos filosoacuteficos Trad br Ernildo Stein Satildeo

Paulo Editora Nova Cultural 1996 P30 4 HEIDEGGER Martin Hinos de Houmllderlin [193435] Trad pt Lumir Nahodil Lisboa Instituto Piaget 1979 pp 11-12

18

sprungUrsprungliche pode ser traduzido na forma de substantivo e na forma

de adjetivo substantivado por origem e originaacuterio O mesmo se daacute com An-

fangAnfaumlngliche que nos surge como princiacutepio e como principial Nestas

traduccedilotildees5 somos remetidos a um ponto de partida a um solo a um comeccedilo Eacute

de encontro a esse sentido de ponto de partida que o pensar de Heidegger se

daacute No seu ensaio A origem da obra de arte os termos Ursprung e Anfang se

apresentam com todo seu vigor como palavras essenciais no sentido de

originaacuterio e principial ldquoA palavra origem (Ursprung) no sentido de originaacuterio

(Ursprungliche) significa fazer eclodir algo trazer algo ao ser num salto

fundador a partir da proveniecircncia da essecircnciardquo6 Em outro momento diz ldquoO

autecircntico princiacutepio (Anfang) nunca tem o caraacuteter de comeccedilo do primitivordquo ldquoeacute

sempre como um salto-preacuteviordquo7

Para adentrarmos um pouco mais na questatildeo seraacute feita uma breve

introduccedilatildeo agrave questatildeo do ser e sua relaccedilatildeo essencial com o ente Aqui temos

como destino de nossa investigaccedilatildeo uma questatildeo diferente a da pergunta pela

crise da sociedade atual denominada por Heidegger de sociedade da era

atocircmica e de sua tentativa de indicaccedilatildeo de um caminho de confronto Assim

esclareceremos em que sentido entendemos nas palavras originaacuterio e

principial uma referecircncia ao sentido do ser em contraposiccedilatildeo ao sentido de

origem e comeccedilo e sua proximidade ao ente

O ente eacute tudo que estaacute presente eacute o carro a cadeira a aacutervore satildeo os

animais os homens eacute tambeacutem deus a teacutecnica e a arte ou seja eacute qualquer

coisa Satildeo as meras coisas as coisas de uso e tambeacutem as coisas supremas

que enquanto coisas estatildeo sendo Ente (Seiende) ηὸ ὄλ eacute o particiacutepio neutro

grego o que para nossa liacutengua portuguesa podemos dizer como o geruacutendio do

ηὸ εἶλαη o infinitivo presente do verbo ser Portanto poderiacuteamos traduzir o ηὸ ὄλ

por sendo Assim ficaria o ser em contraposiccedilatildeo ao sendo A pergunta inicial

da filosofia se deu como dissemos anteriormente no modo O que eacute isto ndash o

ente O que no momento de esplendor no momento originaacuterio perguntava

pelo ser pelo ηὸ εἶλαη tornou-se a pergunta pelo ente pelo ηὸ ὄλ Assim eacute que

5 Nas notas de traduccedilatildeo do ensaio A origem da obra de arte Idalina Azevedo desenvolve com fortes argumentos o

sentido da traduccedilatildeo 6 HEIDEGGER Martin A origem da obra de arte [193536] Trad br Idalina Azevedo e Manuel Antocircnio de Castro Satildeo

PauloEdiccedilotildees 70 2010 p 199 7 Idem p195

19

Aristoacuteteles o grande sistematizador desenvolve sua argumentaccedilatildeo acerca da

ciecircncia primeira Pois se o ente em cada caso especiacutefico eacute o objeto de uma

determinada ciecircncia a natureza da Fiacutesica o homem da Psiquiatria o

acontecimento da Historiografia a linguagem da Filologia O ente aquilo que

estaacute sendo em cada coisa em geral eacute o objeto da filosofia ou como chama

Aristoacuteteles da θηιοζοθία πρώηε (filosofia primeira) da πρώηε ἐπηζηήκε

(ciecircncia primeira) Seu objeto eacute o ente e nada mais

Poreacutem o princiacutepio a proveniecircncia de cada ente deste em particular ou

mesmo do ente enquanto tal natildeo eacute possiacutevel de ser questionada ou justificada

em suas proacuteprias ciecircncias Diz Heidegger em um ensaio com o tiacutetulo Ciecircncia e

pensamento do sentido [1953] escrito na forma de uma preparaccedilatildeo ao ensaio

A questatildeo da teacutecnica apresentado alguns meses depois

A natureza o homem o acontecer histoacuterico a linguagem para as

respectivas ciecircncias o incontornaacutevel jaacute vigente nas suas objetividades Dele cada uma delas depende mas a representaccedilatildeo

nenhuma delas poderaacute abraccedilaacute-lo em sua plenitude essencial () O incontornaacutevel assim caracterizado rege e reina na essecircncia de toda

ciecircncia8

Sendo a Filosofia θηιοζοθία πρώηε a ciecircncia do ente enquanto ente nela

esse incontornaacutevel se apresenta ainda mais incontornaacutevel Seria em certo

sentido esse incontornaacutevel essa proveniecircncia originaacuteria do ente que

poderiacuteamos chamar de ser Natildeo sendo poreacutem nada do que estaacute aiacute mas fonte

principial de tudo que adveacutem Esse ser natildeo sendo coisa alguma natildeo sendo

natildeo pode ser objeto de investigaccedilatildeo da Filosofia Daiacute Heidegger nos dizer que

a morada do ser eacute na linguagem do pensador e do poeta9 ficando ao filoacutesofo o

ente e nada mais Pois se o ser natildeo eacute nenhum destes sendo natildeo eacute ente

algum se eacute natildeo-ente se assim o pensar nos permite expressarmos seria

entatildeo cometer uma infraccedilatildeo agrave regra primeira e fundamental do pensar loacutegico

sobre o qual eacute impossiacutevel errar a saber o princiacutepio da contradiccedilatildeo Este

princiacutepio que segundo Aristoacuteteles eacute o que rege todo o pensar filosoacutefico natildeo

permite falar do natildeo-ente sem tornaacute-lo ente jaacute que o falar filosoacutefico eacute aquele

8 HEIDEGGER Martin Ciecircncia e pensamento do sentido [1953] In Ensaios e conferecircncias

Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo Rio de Janeiro Editora Vozes 2002 pp 54-55 9 HEIDEGGER Martin Carta sobre o humanismo In Marcas do caminho Trad br Ernildo

Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 326

20

que diz o que eacute isto ndash o ente Assim Aristoacuteteles se expressa sobre o princiacutepio

da contradiccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com a Filosofia

Quem possui o conhecimento dos seres enquanto seres devem poder dizer quais satildeo os princiacutepios mais seguros de todos os seres Este eacute

o filoacutesofo E o princiacutepio mais seguro de todos eacute aquele sobre o qual eacute impossiacutevel errar () eacute impossiacutevel que a mesma coisa ao mesmo tempo pertenccedila e natildeo pertenccedila a uma mesma coisa segundo o

mesmo aspecto () Essa noccedilatildeo uacuteltima por sua natureza constitui o princiacutepio de todos os outros axiomas

10

Eacute esse incontornaacutevel aporeacutetico essa vereda que Parmecircnides chamou de o

terceiro caminho ou o natildeo-caminho αηαρπωλ (caminho no qual natildeo se vecirc o

caminho de retorno por onde se veio) do qual nos proiacutebe seguir em seu poema

Sobre a natureza Proibindo por meio das palavras da Deusa Ἀληθεία

Aletheiacutea o jovem justo de seguir ficando ao errante poeta e pensador o risco

de dizer o sentido do ser risco no qual Heidegger se potildee a enveredar Nota-se

isso jaacute em sua primeira grande obra Ser e tempo [1927] onde na primeira

paacutegina ao citar uma passagem do Sofista de Platatildeo diz

ldquo Pois eacute evidente que de haacute muito sabeis o que propriamente

quereis dizer quando empregais a expressatildeo bdquoente‟ Outrora tambeacutem noacutes julgaacutevamos saber agora poreacutem caiacutemos em aporiardquo Seraacute que

hoje temos uma resposta para a pergunta sobre o que queremos dizer com a palavra ldquoenterdquo de forma alguma Assim cabe colocar

novamente a questatildeo sobre o sentido do ser Seraacute que hoje estamos em aporia por natildeo compreendermos a expressatildeo ldquoserrdquo De forma alguma Assim trata-se de redespertar uma compreensatildeo para o

sentido desta questatildeo11

Seraacute que encontramos nas ciecircncias seja ela uma ciecircncia especiacutefica ou

seja ela a ciecircncia primeira esse caraacuteter aporeacutetico Ou eacute justamente deste

aporeacutetico incontornaacutevel que a ciecircncia busca fugir Se perguntar pela essecircncia

de uma coisa eacute perguntar por sua fonte originaacuteria pelo que eacute pelo

incontornaacutevel que se potildee como fonte principial entatildeo por meio da teacutecnica da

ciecircncia natildeo chegaremos a experienciar ou ao menos nos aproximar do que

seja essa essecircncia Diz Heidegger

10

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Trad br Marcelo Perine da ediccedilatildeo Italiana de Giovanni Reale

Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2005 pp 143-145 11

HEIDEGGER Martin Ser e tempo [1927] Trad br Macia de Saacute Cavalcante Schuback

Petroacutepolis Vozes 2008 p 34

21

A essecircncia da teacutecnica natildeo eacute de forma alguma nada de teacutecnico Por isso nunca faremos a experiecircncia de nosso relacionamento com a

essecircncia da teacutecnica enquanto concebermos e lidarmos apenas com o que eacute teacutecnico enquanto a ele nos moldarmos ou dele nos afastarmos () De acordo com uma antiga liccedilatildeo a essecircncia de

alguma coisa eacute aquilo que ela eacute Questionar a teacutecnica significa portanto perguntar o que ela eacute

12

Soacute um caminho natildeo teacutecnico-loacutegico-cientiacutefico pode nos enviar a uma

experiecircncia originaacuteria com a essecircncia da teacutecnica Esse caminho eacute um caminho

do pensamento pois se nos mantivermos no acircmbito da teacutecnica como

poderiacuteamos ainda querer questionar algo a respeito dela e possuir uma

definiccedilatildeo correta Essa definiccedilatildeo haacute muito tempo nos diz que a teacutecnica eacute um

meio e uma atividade do homem Ela nos diz que a teacutecnica eacute um instrumento

do homem para atingir os seus fins

Quem ousaria negar que ela eacute correta () Com certeza O correto

constata sempre algo exato e acertado naquilo que se daacute e estaacute em frente (dele) Para ser correta a constataccedilatildeo do certo e exato natildeo precisa descobrir a essecircncia do que se daacute e apresenta Ora somente

onde se der esse descobridor da essecircncia acontece o verdadeiro em sua propriedade Assim o simplesmente correto ainda natildeo eacute o

verdadeiro E somente este nos leva a uma atitude livre com aqui que a partir da sua proacutepria essecircncia nos concerne

13

Potildee-se em nosso caminho a questatildeo da verdade Eacute com esta explanaccedilatildeo

que passaremos ao proacuteximo passo do caminho que aqui estamos a trilhar

Ainda de forma introdutoacuteria o proacuteximo passo seraacute pensar a questatildeo da

verdade e sua contraposiccedilatildeo ao que seja o correto ao que seja a adequaccedilatildeo

Portanto contrapor o sentido de verdade para Heidegger como ἀιεζεία

aletheacuteia e des-velamento aos conceitos de ὁκοίωζης omoiosis (corretude) e

adequatio (adequaccedilatildeo) eacute entender um processo de sucessivas transformaccedilotildees

np decorrer da tradiccedilatildeo filosoacutefica no que se entende por verdade do seu

nascimento originaacuterio aos dias atuais

22 A livre relaccedilatildeo com a teacutecnica Sobre a corretude e a verdade

12

A questatildeo da teacutecnica p 11 13

Idem pp 11-12

22

Estamos buscando desenvolver um questionamento que nos transponha

para uma livre relaccedilatildeo com a teacutecnica Tal relaccedilatildeo soacute se daacute verdadeiramente

diante de sua essecircncia diante do que seria a teacutecnica A tradiccedilatildeo nos diz que a

teacutecnica eacute um meio e uma atividade do homem definiccedilatildeo que Heidegger chama

de concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica Quem negaria a sua corretude Poreacutem

diante do ateacute aqui exposto algumas interrogaccedilotildees se fazem necessaacuterias Eacute o

correto jaacute o verdadeiro O que eacute corretude e qual o seu acircmbito A verdade foi

desde sempre pensada como corretude Como a verdade foi pensada em seu

momento originaacuterio Qual a relaccedilatildeo entre verdade corretude e teacutecnica

Precisamos percorrer cada um desses passos como num caminhar na busca

de desenvolver algo no sentido desse livre relacionar-se com a teacutecnica que

aqui buscamos

O correto jaacute eacute o verdadeiro Heidegger constantemente nos leva a um

questionamento do habitual e recorrente e nesse habitual nossa concepccedilatildeo

de verdade se apresenta como a mera corretude A verdade no pensamento

calculista se apresenta como exatidatildeo contudo o correto natildeo atinge a

profundidade do verdadeiro Permanece na superficialidade do presente e

habitual mas em que sentido o filoacutesofo diferencia corretude de verdade Onde

cada um destes sentidos atua O pensar heideggeriano acerca do ser e do

ente seraacute relacionado ao que foi apresentado pelas seguintes palavras de

Heidegger ldquoO correto constata sempre algo de exato e acertado naquilo que se

daacute e estaacute em frente (dele)rdquo14

O correto se relaciona com aquilo que se daacute e estaacute em frente dele Seu

acircmbito eacute o do vigente dado posto Seu acircmbito eacute o do ente Acertado e exato eacute

seu relacionamento com o ente com o jaacute desvelado contudo nada sabe sobre

o ser Natildeo desvela sua essecircncia mas movimenta-se no jaacute desvelado no posto

dado ordinaacuterio e habitual sendo que ldquosomente onde se der esse descobrir da

essecircncia acontece o verdadeiro em sua propriedaderdquo15

Enquanto o correto diz

sobre o posto o verdadeiro abre-o ao seu aparecer O verdadeiro deixa viger o

que eacute destinado do ser ao ente do ainda natildeo vigente ao vigente Eacute nesse

descobrir que se mostra o relacionar-se com o ser Abrindo uma clareira ou

como clareira que se permite o vir agrave vigecircncia algo do ser eacute que se daacute um

14

Ibidem 15

A questatildeo da teacutecnica p13

23

acontecer do ser Entatildeo se o correto tem o seu acircmbito no ente a verdade

encontra-se em relaccedilatildeo com o ser Sendo somente esta verdade capaz de

permitir a livre relaccedilatildeo com o essencial com o ser Mas de onde Heidegger

apreende essa distinccedilatildeo entre verdade e corretude que aqui foi apenas posta

mas natildeo foi trilhada Onde encontra o pensador solo para este caminhar

Onde inicia o seu caminhar acerca da verdade da abertura Para essa

pergunta nos remetemos agraves suas palavras

Este aberto foi concebido pelo pensamento ocidental desde o seu iniacutecio como ηὰ ἀιήζεα o desvelado Se traduzimos a palavra ἀιήζεα por bdquodesvelamento‟ em lugar de bdquoverdade‟ essa traduccedilatildeo natildeo eacute

somente mais bdquoliteral‟ mas ela compreende a indicaccedilatildeo de pensar mais originariamente a noccedilatildeo corrente de verdade como

conformidade do enunciado16

Somos entatildeo encaminhados pelas fendas de nossa investigaccedilatildeo aos

gregos e seu modo de pensar O que os gregos entendiam por ἀιήζεα

desvelamento A questatildeo da verdade para Heidegger juntamente com a

questatildeo do ser torna-se o cerne do seu pensar Assim tatildeo fundamental como

a questatildeo do ser eacute a questatildeo da verdade em seu pensar como um todo Eacute

necessaacuterio que mantenhamos ambas como um soacute pensar caminhando juntas

Um ensaio fundamental no que concerne a discussatildeo sobre a verdade eacute o

ensaio A essecircncia da verdade [1930] Este em conjunto com o O que eacute

metafiacutesica [1929] satildeo considerados os textos da virada (Kehre) do

pensamento heideggeriano O proacuteprio filoacutesofo chama este momento de viragem

de seu pensar17

Onde o ser passa a ser buscado diretamente por meio de seu

acontecer poeacutetico-apropriante (Ereignis) Diferentemente de sua busca anterior

a partir do ente privilegiado homem a partir do Da-sein em ambas as fases de

seu filosofar se assim realmente se pode dizer a essecircncia da verdade como

ἀιεζεία des-velamento se potildee como uma questatildeo central

Verdade se disse primeiramente no mundo grego como ἀιεζεία

desvelamento Heidegger inaugura ou recupera em seu sentido originaacuterio uma

leitura a essa palavra essencial ldquoEssa palavra bdquoverdade‟ tatildeo sublime e ao

mesmo tempo tatildeo gasta e embotada designa o que constitui o verdadeiro

16

HEIDEGGER Martin A essecircncia da verdade [1930] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 200 17

Cf Cartas sobre o humanismo pp 339-341

24

enquanto verdadeiro (fazer pro-duzir deixar vir agrave clareira)rdquo18

Na palavra

ἀιεζεία o pensador escuta para muito aleacutem da mera corretude adequaccedilatildeo

certeza objetividade realidade Nela ressoa o originaacuterio ressoa o

desvelamento que abre Uma abertura que deixa advir o destinado do misteacuterio

do oculto ἀιήζεηα eacute composta pelo α privativo mais o radical ιήζε que

podemos traduzir por velado oculto esquecido Daiacute a traduccedilatildeo heideggeriana

de ἀιήζεiα por des-velamento des-ocultaccedilatildeo des-esquecimento Aquilo que

deixa o fechado do velamento vir ao vigor do vigente como o des-velado que

passa do natildeo-dado ao dado ao doado dizendo portanto algo completamente

distinto de exatidatildeo corretude ou adequaccedilatildeo Verdade dizia sobre um

acontecimento essencial do ser

Onde este sentido mais originaacuterio de verdade se perdeu Foi deixado de

lado e com isso esquecido Onde se deu tatildeo grande desvio de pensamento

Heidegger identifica o iniacutecio desta mudanccedila do sentido de verdade e junto com

ela a mudanccedila de sentido do ser com os gregos em sua fase tardia que se

inicia apoacutes a plenitude daquele pensar originaacuterio que se deu com Anaximandro

Pitaacutegoras Heraacuteclito e Parmecircnides Esse periacuteodo tardio que como Nietzsche19

Heidegger identifica como o periacuteodo de decadecircncia do pensar grego e iniacutecio da

decadecircncia do pensar ocidental Esse eacute o periacuteodo dos grandes ldquofiloacutesofosrdquo

Soacutecrates Platatildeo e Aristoacuteteles A mudanccedila no sentido da verdade assim como

a histoacuteria do esquecimento do ser pelo ente tem seu iniacutecio jaacute em Platatildeo

sofrendo novamente uma mudanccedila de paradigma com Aristoacuteteles nos escritos

de loacutegica e de metafiacutesica e com os latinos em suas traduccedilotildees e interpretaccedilotildees

da filosofia grega aquilo que de forma latente ainda pensava o sentido anterior

de verdade e ser eacute transformado em outro pensar e assim esquecido Assim

o que era fundamental ao pensamento grego a questatildeo do ser e da verdade

decai na questatildeo do ente e da adequaccedilatildeo Vejamos essa passagem do Ser e

Tempo onde Heidegger nos diz sobre esse decair do filosofar grego

Embora nosso tempo se arrogue o progresso de afirmar novamente a

bdquometafiacutesica‟ a questatildeo aqui evocada caiu no esquecimento () A questatildeo referida natildeo eacute na verdade uma questatildeo qualquer Foi ela que deu focirclego agraves pesquisas de Platatildeo e Aristoacuteteles para depois

18

A essecircncia da verdade pp 190-191 19

Cf NIETZSCHE Friedrich A filosofia na eacutepoca traacutegica dos gregos In Coleccedilatildeo os pensadores vol XXXII ndash Obras incompletas Trad br Rodrigo Torres Filho Satildeo Paulo Abril

Cultural 1974 pp 37-51

25

emudecer como questatildeo temaacutetica de uma real investigaccedilatildeo () Ε o que outrora se arrancou num supremo esforccedilo de pensamento ainda

que de modo fragmentado e tateante aos fenocircmenos encontra-se de haacute muito trivializado

20

Vejamos como Heidegger lecirc essa histoacuteria do esquecimento e das

seguidas mudanccedilas de sentido da questatildeo da verdade Heidegger em seu

polecircmico ensaio A teoria platocircnica da verdade [19311932 1940] propotildee que o

desvio de sentido jaacute se deu com Platatildeo ao introduzir a noccedilatildeo de ὀρζόηες de

um bdquoolhar reto‟ Para natildeo adentrar em uma discussatildeo mais aprofundada acerca

do ensaio citado e do polecircmico posicionamento heideggeriano sobre o pensar

platocircnico da verdade ressaltaremos aqui apenas aquilo que o autor indica

como o iniacutecio da transformaccedilatildeo da essecircncia da verdade Leiamos uma

passagem deste ensaio

Se no geral em toda e qualquer postura frente ao ente estaacute em questatildeo o ἰδεῑλ da ἰδέα a visualizaccedilatildeo do bdquoaspecto‟ entatildeo todo

esforccedilo deve concentrar-se antes de tudo em procurar possibilitar uma tal visualizaccedilatildeo Para isso eacute necessaacuterio um olhar reto () em

consequecircncia dessa adequaccedilatildeo do notar como um ἰδεῑλ agrave ἰδέα daacute-se uma ὁκοίωζης uma concordacircncia do conhecimento com a coisa mesma Assim da primazia da ἰδέα e do ἰδεῑλ frente a ἀιήζεiα daacute-se

uma transformaccedilatildeo da essecircncia da verdade Verdade torna-se ὀρζόηες retidatildeo do notar e enunciar

21

Apresenta-se aiacute o primeiro passo da transformaccedilatildeo da essecircncia da

verdade uma transformaccedilatildeo que para noacutes parece ocorrer de forma tatildeo sucinta

que torna difiacutecil a compreensatildeo do polecircmico texto de Heidegger

Ο que em Platatildeo e Aristoacuteteles ainda se deu como passagem segundo

Heidegger ali onde o pensamento grego ainda era vigoroso mesmo que jaacute

tornado sistemaacutetico escolar foi abandonado e por conseguinte esquecido

pela tradiccedilatildeo Segundo Heidegger a leitura latina do pensar grego diluiu o vigor

desse filosofar Na traduccedilatildeo de ἀιήζεiα para veritas como uma adequatio daacute-

se o passo decisivo do que vinha mudando de sentido Nessa mudanccedila de

sentido podemos perceber os passos da transformaccedilatildeo do conceito de

verdade Da verdade do ser (ontoloacutegica) a verdade do ente (ocircntica) e por fim

20

Ser e Tempo p 37 21

HEIDEGGER Martin A teoria platocircnica da verdade In Marcas do caminho Trad br Ernildo

Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 242

26

a verdade da proposiccedilatildeo (proposicional) Cada vez de forma mais decadente

mais superficial Cada vez menos originaacuteria a verdade vai se transformando no

exato no correto

Assim na Escolaacutestica podemos ver fortemente os ecos determinantes

da filosofia aristoteacutelica De um pensar loacutegico e argumentativo palavras e

expressotildees usadas por Aristoacuteteles referentes agrave questatildeo da verdade natildeo

apresentam mais o vigor do mundo grego e seu pensar natildeo pulsa mais o

modo grego de pocircr-se no mundo O mundo grego se desvaneceu Soacute restaram

traduccedilotildees e reflexos do que outrora se pensou

Assim pelo exposto podemos vislumbrar o desvio ou mesmo o envio

do sentido originaacuterio de verdade entendida como ἀιήζεiα des-velamento

passando pela ὀρζόηες o olhar reto ὁκοίωζης a semelhanccedila e a adequatio

entendida como base da filosofia escolaacutestica por adequaccedilatildeo da coisa a

proposiccedilatildeo tornando-se assim simplesmente em veritas verdade ao

entendimento atual de adequaccedilatildeo

ldquoOnde nos perdemosrdquo Questionamos a teacutecnica e agora encontramo-nos

diante da verdade e suas variadas determinaccedilotildees e sentidos O que tem a ver

a essecircncia da teacutecnica com a essecircncia da verdade A resposta que Heidegger

nos daacute eacute ldquoTudordquo A essecircncia da teacutecnica e da verdade tem tudo a ver Teacutecnica

em grego se dizia ηέτλε o mesmo termo era usado tambeacutem para a arte

Teacutecnica e arte eram modos de deixar viger o ainda natildeo vigente Deixa-viger

aqueles que diferente dos entes da θύζης natildeo possuiacuteam o eclodir em si

mesmos E como um deixar viger ambos estariam intrinsecamente

relacionados com a verdade pensados como ἀιήζεiα desvelamento Ambas

satildeo pro-duccedilatildeo e como podemos ler na passagem citada por Heidegger do

diaacutelogo Banquete de Platatildeo ldquoTodo deixar-viger o que passa e procede do natildeo

vigente para a vigecircncia eacute ποίεζης eacute pro-duccedilatildeordquo22

A teacutecnica eacute pro-duccedilatildeo e

enquanto pro-duccedilatildeo eacute ποίεζης poiacuteesis eacute desvelamento Pensando assim a

teacutecnica natildeo se resume a um simples meio sua essecircncia estaacute para aleacutem disso

Ela eacute um modo de verdade de desvelamento Mas seraacute que esse modo de

pensar a teacutecnica eacute vaacutelido tambeacutem para a teacutecnica moderna Ou ela pertence

apenas ao acircmbito do pensamento grego Seraacute que a teacutecnica das usinas

22

A questatildeo da teacutecnica p 16

27

induacutestrias da fiacutesica moderna eacute tambeacutem pro-duccedilatildeo ποίεζης Heidegger levanta

essa indagaccedilatildeo da seguinte forma

Teacutecnica eacute uma forma de desencobrimento A teacutecnica vige e vigora no acircmbito onde se daacute descobrimento e decircs-encobrimento onde

acontece ἀιήζεiα verdade Contra essa determinaccedilatildeo do acircmbito da essecircncia da teacutecnica pode-se objetar e dizer que ela vale para o

pensamento grego e no melhor dos casos pode servir para a teacutecnica artesanal mas natildeo alcanccedila a teacutecnica moderna caracterizada pela maacutequina e aparelhagens E eacute justamente esta e somente esta que

constitui o sufoco que nos leva a questionar bdquoa‟ teacutecnica23

Eacute diante esta indagaccedilatildeo que somos levados ao caminho do pensar a

teacutecnica grega em confronto com a teacutecnica moderna Portanto como pensar a

ηέτλε grega e sua relaccedilatildeo com a ποίεζης e sua transformaccedilatildeo na teacutecnica

moderna Eacute a teacutecnica moderna tambeacutem um modo de ἀιήζεiα desvelamento

Caso seja eacute do tipo poieacutetico no sentido de uma pro-duccedilatildeo que deixa-viger Ou

o que lhe caracteriza o que lhe domina eacute outro tipo de desvelamento Satildeo

esses traccedilos que seratildeo investigados nos passos seguintes

23 Teacutecnica grega e moderna Da poiacuteesis agrave exploraccedilatildeo

Em que sentido podemos pensar com Heidegger sua indicaccedilatildeo de que o

que preocupa eacute exatamente o sentido de pro-duccedilatildeo enquanto ποίεζης natildeo

poder mais ser aplicado agrave teacutecnica moderna Que sentido tem essa pro-duccedilatildeo

para os gregos Se natildeo eacute mais a poiacuteesis que determina a teacutecnica moderna o

que eacute Por que esta outra determinaccedilatildeo a saber a exploraccedilatildeo e o

armazenamento ameaccedilam tanto o homem atual Seratildeo estas indagaccedilotildees e as

que surgirem no caminho nas quais nos deteremos com o cuidado

necessaacuterio para que passo por passo trilhemos o caminho no qual

adentramos

Se pensarmos em um antigo moinho de vento grego e em uma usina

hidroeleacutetrica moderna podemos dizer que ambos satildeo um meio de produccedilatildeo de

energia Se pensarmos no agricultor ao lavrar sua terra ou em uma induacutestria de

23

Idem p18

28

agronegoacutecio podemos novamente dizer que ambas tecircm como finalidade a

produccedilatildeo de alimentos O que os diferenciam Natildeo satildeo ambos meio e

finalidade de produccedilatildeo Sim e natildeo Os dois extraem algo da terra poreacutem o

primeiro em cada um dos casos com cuidado deixa que a terra lhe doe o que

lhe eacute necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo de sua vida enquanto que no segundo de

forma abrupta retira da terra como de um reservatoacuterio mais do que o

necessaacuterio com o fim de estocar e armazenar e depois disso fazer um

negoacutecio O primeiro recebe uma doaccedilatildeo como presente ao seu presente O

segundo arranca mateacuteria-prima que ficaraacute disponiacutevel para um uso posterior A

relaccedilatildeo esta proximidade que o antigo tem com a Terra aquela que ele chama

de Matildee ldquoTerra de amplo seio de todos sede irresvalaacutevel semprerdquo24

Γάηα

multinutriz como nos conta nos bdquocanta‟ Hesiacuteodo transforma-se para o

segundo em uma relaccedilatildeo de exploraccedilatildeo forccedilando a terra a fornecer mateacuteria-

prima natildeo mais como uma vaca que pro-duz leite para alimentar a cria Mas

como uma vaca leiteira que em uma induacutestria eacute forccedilada recebendo

hormocircnios agrave produccedilatildeo de muitos litros de leite por dia que seratildeo tratados

transformados encaixotados armazenados para estarem disponiacuteveis agrave venda

Leiamos as palavras de Heidegger

O subsolo passa a se desencobrir como reservatoacuterio de carvatildeo o chatildeo como jazidas de mineacuterio Era diferente o campo que o camponecircs outrora lavrava quando lavrar ainda significava cuidar e

tratar O trabalho camponecircs natildeo provocava e desafiava o solo agriacutecola () A terra se desencobre nesse caso depoacutesito de carvatildeo

e o solo jazida de minerais25

Eacute draacutestica a mudanccedila no relacionar-se com a natureza entre os antigos e

os modernos A pro-duccedilatildeo grega eacute outra completamente diferente dessa

exploraccedilatildeo moderna mas para percebermos esta draacutestica mudanccedila iremos

nos deter ainda mais no que seja essa pro-duccedilatildeo que entre os gregos tinham

esse sentido de ποίεζης Apoacutes esta investigaccedilatildeo estaremos em melhores

condiccedilotildees de adentrar ainda mais na teacutecnica moderna em busca de sua

essecircncia pois soacute em uma verdadeira relaccedilatildeo com essa essecircncia poderemos

buscar um caminho de enfrentamento a essa situaccedilatildeo criacutetica da qual o homem

24

HESIacuteODO Teogonia a origem dos deuses Trad br Jaa Torrano Satildeo Paulo Editora Ilumiuras 1995 p 91 25

A questatildeo da teacutecnica p 19

29

atual se encontra imerso submerso ldquoTudo agora depende de se pensar a pro-

duccedilatildeo e o pro-duzir em toda sua amplitude e ao mesmo tempo no sentido dos

gregosrdquo26

Como na passagem citada do Banquete de Platatildeo pro-duccedilatildeo no sentido

de ποίεζης eacute todo deixar-viger O que leva da natildeo-vigecircncia a vigecircncia eacute todo o

pocircr no sentido de um deixar emergir A proacutepria θύζης nesse sentido eacute uma

ποίεζης uma pro-duccedilatildeo Ela eacute ateacute a maacutexima ποίεζης aquela que se daacute a partir

de si mesma Aqueles que natildeo se pro-duzem por si mesmos satildeo os ποηούκελα

os artefatos os entes criados produzidos pela arte pela ηέτλε Estes se

contrapotildeem e nesse sentido se aproximam dos seres da natureza da θύζης

daqueles que se potildeem por si mesmos dos θύζεη ὅληα Enquanto os primeiros

tecircm sua forccedila de eclosatildeo em outro ἐλ αιιωη os seres da natureza possuem o

eclodir em si mesmos ἐλ ἑασηωη Contudo ambos enquanto um vir agrave vigecircncia

satildeo ποίεζης Os artefatos que natildeo possuem o eclodir em si dependem dos

ἀρτηηέθηωλ dos arquitetos natildeo no sentido atual de arquiteto mas como

aqueles que tecircm a ηέτλε como ἀρτή E assim diz Heidegger

Nos artefatos portanto a ἀρτή de sua mobilidade e assim de seu repouso de estar pronto e estar terminado natildeo estaacute neles mesmos

mas em um outro no ἀρτηηέθηωλ naquele que dispotildee da ηέτλε enquanto ἀρτή Com isso teria sido feito a distinccedilatildeo frente aos θύζεη

ὅληα que se chamam desse modo precisamente porque natildeo tem a ἀρτή de sua mobilidade em um outro ente mas no ente que ele proacuteprios satildeo (e enquanto satildeo esse ente)

27

Leiamos uma passagem da Fiacutesica de Aristoacuteteles do livro Β 1 analisada

na citaccedilatildeo anterior com a qual Heidegger iraacute confrontar seu conceito de θύζης

ao conceito aristoteacutelico e grego de um modo mais geral

Algumas coisas satildeo por natureza outras por outras causas Por natureza os animais e suas partes as plantas e os corpos simples como a terra o fogo o ar e a aacutegua ndash pois dizemos que estas e outras

coisas semelhantes satildeo por natureza Todas estas coisas parecem diferenciar-se das coisas que natildeo estatildeo constituiacutedas por natureza

porque cada uma delas tem em si mesmo um princiacutepio de movimento e de repouso seja com respeito ao lugar ao aumento ou agrave

diminuiccedilatildeo ou agrave alteraccedilatildeo Pelo contraacuterio uma cama uma roupa ou qualquer outra coisa de gecircnero semelhante como as significamos em

26

Idem p16 27

HEIDEGGER Martin A essecircncia e o conceito de Φύζης em Aristoacuteteles ndash Fiacutesica Β 1 [1939] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes

2008 p 264

30

cada caso por seu nome e enquanto isso satildeo produtos da arte (ηέτλε) natildeo tem em si mesmas nenhuma tendecircncia natural agrave

mudanccedila28

Estes entes que natildeo tecircm o eclodir em si necessitam de outro ente para

chegar agrave vigecircncia contudo este vir agrave vigecircncia natildeo adveacutem pela atividade

manual do artista mas por meio de seu saber Arte e teacutecnica satildeo ditas pelos

gregos com a mesma palavra ηέτλε Natildeo por ambas terem em comum o fazer

a atividade manual mas por ambas terem em comum o pro-duzir no sentido de

ποίεζης como um deixar vir agrave vigecircncia em seu aspecto Como um

conhecimento algo relacionado agrave verdade Τέτλε aparece em Aristoacuteteles e

Platatildeo ao lado de επηζηήκε epistecircme Enquanto a επηζηήκε eacute o saber que se

relaciona com os θύζεη ὅληα aqueles que emergem por si os entes naturais a

ηέτλε eacute o saber a respeito dos ποηούκελα dos que natildeo adveacutem por si mesmos

os artefatos Assim diz Aristoacuteteles em sua obra acerca da Eacutetica em um

momento de uma ldquomeditaccedilatildeo especialrdquo ao tratar dos diversos tipos de

conhecimento

Satildeo cinco as disposiccedilotildees em virtude das quais a alma alcanccedila a

verdade (ἀιήζεiα) por meio da afirmaccedilatildeo ou da negaccedilatildeo a arte a ciecircncia o discernimento a sabedoria filosoacutefica e a inteligecircncia () O

objeto do conhecimento cientiacutefico portanto existe necessariamente Ele eacute consequentemente eterno pois todas as coisas cuja existecircncia eacute absolutamente necessaacuteria satildeo eternos () Toda arte se relaciona

com a criaccedilatildeo e dedicar-se a uma arte eacute estudar uma maneira de fazer uma coisa que pode existir ou natildeo e cuja origem estaacute em quem

faz e natildeo na coisa feita de fato a arte natildeo trata de coisas que existem ou passam a existir necessariamente nem de coisas que

existem ou passam a existir de conformidade com a natureza (estas coisas tecircm origens nelas mesmas) Jaacute que haacute diferenccedila entre fazer e agir a arte deve relacionar-se com a criaccedilatildeo e natildeo com a accedilatildeo

29

Com base no exposto Heidegger nos diz ser a teacutecnica no pensamento

grego um saber um modo de desvelar uma verdade criaccedilatildeo em oposiccedilatildeo a

um fazer manual Um saber que permite cuida e protege Protege o enviado o

destinado pelo ser do ocultamento ao des-ocultamento Destinado ao cuidado

e guarda na linguagem do pensador do artista Bem diferente eacute a teacutecnica

moderna onde o a-guardar foi substituiacutedo pela pressa do arrancar onde o criar

28

ARISTOacuteTELES Fiacutesica Traduccedilatildeo proacutepria feita da traduccedilatildeo espanhola de Guillermor R de

Echandia Madrid Editorial Gredos SA 1995 p 45 29

ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicoacutemacos Trad Br Maacuterio de Gama Kury Brasiacutelia Editora UNB

1992 pp 115-116

31

foi substituiacutedo pelo en-formar onde a co-pertenccedila de identidade e diferenccedila em

uma harmonia originaacuteria foi substituiacutedo pela mesmidade pela uni-formizaccedilatildeo

industrial pelo negoacutecio Aquele saber que na plenitude do mundo grego do

pensamento originaacuterio era a aproximaccedilatildeo do homem agrave natureza decaiu em

um afastamento sugador explorador O misteacuterio do aguardar foi apagado pela

exatidatildeo do calcular O filho que naquela bdquomanhatilde de sol‟ brincava livremente

com sua matildee natureza tornou-se na bdquonoite do mundo‟ o ldquosenhor da terrardquo

escravizado por seu proacuteprio trabalho e conceitos Esses ldquosenhoresrdquo tornaram-

se cada vez mais escravos de seus instrumentos Indigentes cada vez mais

imersos na cotidianidade dos entes explorando armazenando e negociando

como diz Heidegger

Eacute justamente esse homem assim ameaccedilado que se alardeia na figura de senhor da terra Cresce a aparecircncia de que tudo que nos vecircm ao

encontro soacute existe agrave medida que eacute um feito do homem Esta aparecircncia faz prosperar uma derradeira ilusatildeo segundo a qual em

toda parte o homem soacute se encontra consigo mesmo () Entretanto hoje em dia na verdade o homem jaacute natildeo se encontra em parte

alguma consigo mesmo isto eacute com a sua essecircncia30

Eacute esse desvelamento explorador que de forma alguma eacute um deixar-que-

advenha que nada tem de ποίεζης Eacute essa exploraccedilatildeo que assusta Pois qual

o sentido desse explorar e armazenar sem fim Eacute pensando no sentido de

suprir o necessaacuterio Natildeo essa exploraccedilatildeo e armazenamento tecircm a finalidade

do estar disponiacutevel Eacute essa dis-ponibilidade (Bestand) que preocupa Nela o

proacuteprio fruto ou melhor dizendo acerca da modernidade a proacutepria coisa o

proacuteprio objeto esvai-se ldquoEm toda parte se dispotildee a estar a postos e assim

estar a fim de tornar-se e vir a ser dis-poniacutevel para ulterior dis-posiccedilatildeo31

rdquo Cada

coisa passa a ser um dis-poniacutevel que estando ali armazenado espera por uma

negociaccedilatildeo que o trans-ponha daqui para ali

Uma nova meditaccedilatildeo se potildee em nosso caminhar ldquoQue desencobrimento

se apropria do que surge e aparece no pocircr da exploraccedilatildeordquo32

Como podemos

pensar mais propriamente sobre esta disponibilidade Qual a essecircncia da

teacutecnica moderna que leva o homem a um desvelar explorador onde tudo se

30

A questatildeo da teacutecnica pp 29-30 31

Idem p20 32

Ibidem

32

apresenta como mera disponibilidade De onde proveacutem essa essecircncia da

teacutecnica moderna Daacute-se por conta da negligecircncia do homem ou eacute mera

fatalidade do periacuteodo ou ainda eacute outra a situaccedilatildeo Sobre estes

questionamentos nos deteremos nos proacuteximos passos

24 Dis-ponibilidade e Com-posiccedilatildeo Acerca do desvelamento explorador

da teacutecnica moderna

A disponibilidade (Bestand) se potildee em nosso caminho Essa palavra

assume aqui um sentido muito mais essencial do que mera provisatildeo ldquoa palavra

disponibilidade se faz agora o nome de uma categoriardquo ldquodesigna o modo em

que vige e vigora tudo o que o descobrimento explorador atingiurdquo33

Chegamos

com este passo ao ponto alto aquele que surge diante do profundo do que

agora buscamos proximidade desse nosso percurso Estamos para

experienciar o originaacuterio que adveacutem das profundezas da essecircncia da teacutecnica

moderna Esse extra-ordinaacuterio que permite que nos elevemos agravequela relaccedilatildeo

livre entre nossa presenccedila (Dasein) e a essecircncia da teacutecnica portanto nesse

caminho in-habitual nos faz recuar lentamente alguns passos como quem se

prepara para pegar o impulso necessaacuterio ao salto-mortal no abismo (Abgrund)

Retornemos entatildeo alguns passos

Como pensarmos essa disponibilidade que nos passos anteriores vimos

como o preocupante acerca da teacutecnica moderna O que rege como apelo

essa disponibilidade Ela eacute regida por uma inadimplecircncia do homem por fruto

da ganacircncia de sua vontade ou ela eacute regida por algo mais originaacuterio ldquoSe a

teacutecnica moderna natildeo se resume a um mero fazer do homem () temos de

encarar em sua propriedade o desafio que potildee o homem a dispor do real

como dis-ponibilidaderdquo34

Heidegger como quem lanccedila o olhar ao outro lado do

abismo sobre o qual se prepara para saltar chama a esse ldquoapelo de

exploraccedilatildeo que reuacutene o homem a dis-por do que se des-encobre como dis-

ponibilidaderdquo35

de Ge-stell com-posiccedilatildeo Sobre o uso inusitado dessa palavra

33

Ibidem 34

Idem pp22-23 35

Idem p23

33

sobre seu sentido e lugar nesse percurso nos deteremos mais agrave frente Aqui o

indicamos apenas como um caminho a ser percorrido

Questionamos a teacutecnica ao nos depararmos com o perigo desta escapar ao

nosso domiacutenio Criamos teorias e conceitos com o fim de assegurar domiacutenio

Construiacutemos escolas com o intuito de dominar o saber e agora vemos as

criaccedilotildees fazendo um papel oposto ao intuito pensado em uma cadeia de

eventos onde o ser foi perdendo lugar ao domiacutenio do ente

A usina hidroeleacutetrica instalada no Reno como nos fala o filoacutesofo natildeo estaacute

mais aiacute como o velho moinho de vento Ela estaacute ali ou podemos ateacute dizer o

contraacuterio o rio estaacute ali instalado na usina a fim de se explorar a forccedila de

movimento das correntes de suas aacuteguas a dispor energia Esta energia seraacute

armazenada para em seguida estar agrave disposiccedilatildeo de uma induacutestria que usaraacute

este disponiacutevel para gerar instrumentos de trabalho ao homem que tambeacutem

estaraacute ali agrave disposiccedilatildeo para algum serviccedilo para ser meio de alguma finalidade

Se eacute que podemos ainda chamar isso de finalidade essa cadeia de disposiccedilatildeo

onde cada qual destes constituintes natildeo tem sentido algum pelo que eacute Usina

rio induacutestria homem negoacutecio natureza o tempo estatildeo todos aiacute apenas como

disposiccedilatildeo Caiu com isso tudo na indiferenccedila na mesmidade da

disponibilidade Vejamos uma passagem em Heidegger acerca do que

dissemos

A energia escondida na natureza eacute extraiacuteda o extraiacutedo vecirc-se transformado o transformado estocado o estocado distribuiacutedo o distribuiacutedo reprocessado Extrair transformar estocar distribuir

reprocessar satildeo todos modos de desencobrimento Todavia este desencobrimento natildeo se daacute simplesmente Tampouco perde-se no

indeterminado () por toda parte assegura-se o controle Pois o controle e seguranccedila constituem ateacute marcas fundamentais do descobrimento explorador

36

O proacuteprio homem encontra-se preso sem-saiacuteda nessa cadeia de

disponibilidade Ele encontra-se conectado a essa amarraccedilatildeo a esse

esqueleto a essa teia nessa com-posiccedilatildeo que a tudo abarca Eacute nesse sentido

de amarraccedilatildeo palavra que em alematildeo se diz por Gestell que Heidegger usa o

termo essencial com-posiccedilatildeo Em Ge-Stell o Ge tem o sentido de ldquoforccedila

originaacuteria de reuniatildeordquo e Stell com o sentido de pocircr de colocar junto de lugar

36

Idem p20

34

Assim por meio de uma escuta cuidadosa Ge-Stell eacute pensado como com-

posiccedilatildeo forccedila originaacuteria que reuacutene em um ponto em um lugar Como no termo

siacutentese onde sin tem o sentido de reuniatildeo e tese com o sentido de posiccedilatildeo

posto junto a siacuten-tese eacute entatildeo o iniacutecio da histoacuteria do desenvolvimento dessa

essecircncia da teacutecnica moderna Siacuten-tese eacute esta cadeia de amarraccedilatildeo que reuacutene

todo o disposto em uma cadeia sem-escape Siacuten-tese eacute Ge-stell eacute com-

posiccedilatildeo Bestand e Gestell como disponibilidade e composiccedilatildeo usados para

indicar o extra-ordinaacuterio do pensar heideggeriano podem ao leitor menos

atento parecer um abuso de linguagem poreacutem eacute sempre como extravagacircncia

que se potildee o pensar em profundidade Extravagante como o salto mortal

Assim Heidegger defende o uso destes termos dizendo o seguinte

Seraacute possiacutevel extravagacircncia maior ainda Certamente que natildeo Soacute que esta extravagacircncia eacute um antigo costume do pensamento E os

grandes pensadores tornaram-se extravagantes precisamente quando tecircm de pensar o mais elevado () o fato de Platatildeo usar a

palavra εἶδος para dizer a essecircncia de tudo e de cada coisa Pois na linguagem de todo dia εἶδος diz a visatildeo que uma coisa visiacutevel nos

apresenta agrave percepccedilatildeo sensiacutevel37

Contudo perguntamos esta Ge-stell com-posiccedilatildeo que teve seu

nascimento no pensar grego como siacuten-tese este pocircr-junto-em-relaccedilatildeo-a se

deu por negligecircncia do pensar do homem Deu-se por um descuido um des-

vio Eacute fruto da liberdade do homem de seu arbiacutetrio Heidegger nos diz que

natildeo A com-posiccedilatildeo enquanto um modo essencial de des-velamento natildeo eacute um

des-vio mas sim um envio do ser um destino do desencobrimento pelo ser

portanto um acontecimento-histoacuterico Entatildeo ao contraacuterio do que haviacuteamos

questionado a com-posiccedilatildeo como destino natildeo adveacutem da liberdade do homem

mas de um escravo da fatalidade do destino de um escravo de seu tempo

Tambeacutem natildeo o que se daacute eacute algo diverso Sendo fruto do destino a

composiccedilatildeo acontece pela liberdade Parece que nos encontramos em uma

confusatildeo em um emaranhado onde palavras contraditoacuterias se imbricam Esta

confusatildeo se instaura se pensarmos destino e liberdade como entende a

tradiccedilatildeo O que Heidegger pensa com essas palavras Algo bem diferente da

37

Idem p23

35

fatalidade e do arbiacutetrio Destino eacute pensado como um pocircr a caminho um envio

da silenciosa fonte originaacuteria Em suas palavras

Pocircr a caminho significa destinar Por isso denominamos de destino a forccedila de reuniatildeo encaminhadora que potildee o homem a caminho de

um desencobrimento Eacute pelo destino que se determina a essecircncia de toda histoacuteria A histoacuteria natildeo eacute um mero elemento da historiografia

nem somente o exerciacutecio da atividade humana A accedilatildeo humana soacute eacute histoacuterica quando enviada por um destino

38

No caso da liberdade Heidegger natildeo a pensa como vontade como

arbiacutetrio ou como uma liberdade de movimento mas sim como um deixar-ser

Como um permitir uma escuta onde o ente se des-vela pelo envio do ser Este

deixar-ser se daacute como um entregar-se ao ente ente Como um acolhimento

do e pelo ente como cuidado e proteccedilatildeo Entretanto este deixar-ser poderia

ser pensado no sentido negativo de ldquodesviar a atenccedilatildeo de algordquo ou de uma

renuacutencia agrave onde se ldquoexprime uma indiferenccedila ou uma omissatildeordquo mas como foi

dito este deixar-ser tem um sentido contraacuterio ao de omissatildeo sendo ateacute a

maacutexima atenccedilatildeo e presenccedila diante o vigente como escuta e abrigo esta

liberdade acontece em seu parentesco com a verdade pensada como ἀιήζεiα

Pois eacute ao que se desvela que deixa-ser o ente que se eacute O que pelo misteacuterio

como misteacuterio eacute enviado ao desvelamento eacute abrigado mesmo ao se esconder

por este deixar-ser da liberdade Verdade misteacuterio e liberdade se emaranham

em sua co-pertenccedila ao acontecer poeacutetico-apropriante do ser (Ereignis)

Misteacuterio aqui eacute pensado como este que libera ldquoO encoberto que sempre se

encobre e cobrerdquo o fechado que abriga o eclodir

Este entregar-se ao caraacuteter de desvelado do ente como nos diz

Heidegger natildeo eacute um ldquoperder-se nele mas um recuo diante do ente afim que

este se manifeste naquilo que eacute e como eacuterdquo39

Pensando deste modo eacute que

podemos ver a copertenccedila entre destino e liberdade onde estes natildeo vatildeo de

encontro um ao outro mas pelo contraacuterio vatildeo ao encontro um do outro O que

o destino envia a liberdade permite O que eacute doado pelo misteacuterio eacute protegido

no des-velo pelo livre deixar-ser Leiamos o que diz Heidegger acerca desta

relaccedilatildeo entre destino e liberdade

38

Idem p27 39

A essecircncia da verdade p201

36

O destino do desencobrimento sempre rege o homem em todo o seu ser mas nunca eacute a fatalidade de uma coaccedilatildeo Pois o homem soacute se

torna livre num envio fazendo-se ouvinte e natildeo escravo do destino A essecircncia da liberdade natildeo pertence originariamente agrave vontade e nem tatildeo pouco se reduz agrave causalidade do querer humano

A liberdade rege o aberto no sentido do aclarado isto eacute do des-encoberto () A liberdade eacute o reino do destino que potildee o

desencobrimento em seu proacuteprio caminho40

Assim respondemos ao questionamento sobre o acontecimento

histoacuterico da teacutecnica como com-posiccedilatildeo se ele eacute fruto de uma inadvertecircncia ou

se eacute ele uma fatalidade de nossa eacutepoca Natildeo sendo nem um nem outro mas o

fruto de um envio proveniente do misteacuterio do ser Ao pensarmos assim nos

mantemos no espaccedilo livre com a essecircncia da teacutecnica ao qual buscamos estar

nesse percurso de nosso trilhar o pensamento heideggeriano Abre-se com

este pensar caminhos novos de enfrentamento agrave situaccedilatildeo de crise que se

apresenta sobre o modo da teacutecnica Nesse extra-ordinaacuterio onde se abre para a

essecircncia da teacutecnica somos tomados por um ldquoapelo de libertaccedilatildeordquo Diz

Heidegger

A essecircncia da teacutecnica moderna repousa na com-posiccedilatildeo A com-

posiccedilatildeo pertence ao destino do descobrimento Estas afirmaccedilotildees dizem algo muito diferente do que a frase tantas vezes repetida a

teacutecnica eacute a fatalidade de nossa eacutepoca onde fatalidade significa o inevitaacutevel de um processo inexoraacutevel e incontornaacutevel () quando

pensamos poreacutem a essecircncia da teacutecnica fazemos a experiecircncia da com-posiccedilatildeo como destino de um desencobrimento Assim jaacute nos mantemos no espaccedilo livre do destino Este natildeo nos tranca numa

coaccedilatildeo obtusa que nos forccedilaria uma entrega cega agrave teacutecnica ou o que daacute no mesmo a arremeter desesperadamente contra a teacutecnica e

condenaacute-la como obra do diabo Ao contraacuterio abrindo-nos para a essecircncia da teacutecnica encontramo-nos de repente tomados por um apelo de libertaccedilatildeo

41

Eacute nesse passo que se encontra o perigo Pois se a liberdade eacute

entendida como um deixar-ser o que nos eacute destinado ldquoo homem histoacuterico

tambeacutem pode deixando que o ente seja natildeo deixaacute-lo-ser naquilo que ele eacute e

assim como eacute O ente entatildeo encobre-se e eacute dissimuladordquo42

Este natildeo-deixar-ser

naquilo que eacute se apresenta no homem moderno como esse pensamento que

calcula nesta com-posiccedilatildeo dominante que tudo explora e torna disponiacutevel

Neste sistema operativo e calculaacutevel que potildee em fuga toda outra forma de

40

A questatildeo da teacutecnica pp 27-28 41

Idem p 28 42

A essecircncia da verdade p 203

37

pensar Eacute aqui que mora o perigo Nesse esforccedilo de dominar bdquocom espiacuterito‟ a

teacutecnica nessa produccedilatildeo exploradora esquece-se o misteacuterio e com isso tem-se

a fuga da possibilidade de um desvelar mais originaacuterio O pensamento

meditativo poeacutetico a pro-duccedilatildeo como ποίεζης eacute ameaccedilada de ser encoberta

por completo ldquoO predomiacutenio da com-posiccedilatildeo arrasta consigo a possibilidade

ameaccediladora de se poder vetar ao homem voltar-se para um desencobrimento

mais originaacuterio e fazer assim a experiecircncia de uma verdade mais inauguralrdquo43

O grande perigo natildeo se encontra portanto no perigo das armas na

superficialidade dos novos meios de comunicaccedilatildeo virtuais na intoxicaccedilatildeo por

remeacutedios nos transgecircnicos agrotoacutexicos ou qualquer outro elemento teacutecnico

Seu perigo extremo estaacute na fuga desta outra possibilidade no completo

domiacutenio da com-posiccedilatildeo sobre a essecircncia do pensar do homem

Entretanto ldquodificilmente abandona o que mora na proximidade do

originaacuterio o lugarrdquo Com essas palavras do poema A peregrinaccedilatildeo de Houmllderlin

palavras finais do ensaio A origem da obra de arte eacute feita a passagem do

perigo ao que salva CITACcedilAcircO A essecircncia mais essencial eacute res-guardada

pela forccedila originaacuteria do misteacuterio ldquoO domiacutenio da composiccedilatildeo natildeo poderaacute

deturpar todo o brilho da verdaderdquo44

Ao se afastar de sua morada essencial o

homem eacute tomado por um apelo de retorno O pensamento loacutegico calculador

potildee o homem cada vez mais diante aos entes em sua mera cotidianidade

Decai assim na mesmidade do apenas dado O homem histoacuterico eacute tomado por

um teacutedio profundo que manifesta o ente em sua totalidade onde tudo se

apresenta como indiferenccedila Outro humor entatildeo arrebata o homem a

anguacutestia Nesta o ente se potildee em fuga o nada se manifesta como um apelo

da morada essencial a experienciaccedilatildeo do nada abre o pensar a outra

possibilidade Para outro modo de ser se abre como fonte Abre como questatildeo

e misteacuterio para um pensar que natildeo seja mais um mero com-pocircr mas um pocircr

poeacutetico inaugural Permitindo pela escuta cuidadosa que venha agrave vigecircncia

como doaccedilatildeo deste nada originaacuterio Esta questatildeo sobre o nada e os humores

de teacutedio e anguacutestia seraacute tratada mais adiante com um maior aprofundamento

Aqui trata-se apenas de pensar o apelo silencioso

43

A questatildeo da teacutecnica pp30-31 44

Idem p31

38

Pensar a essecircncia da teacutecnica eacute escutar a voz o canto do destino que

adveacutem da fonte principial eacute colocar-se na histoacuteria de maneira autecircntica Esta

escuta potildee Heidegger a se deter na voz do poeta Houmllderlin ldquopoeta dos poetasrdquo

doa em seu dizer muitas palavras que abrem o seu pensar Diante deste

poeta o filoacutesofo-pensador se deteacutem em muitos momentos com muito cuidado

Assim diz o poeta ldquoOra onde mora o perigo eacute laacute que tambeacutem cresce o que

salvardquo Eacute portanto no domiacutenio da com-posiccedilatildeo como essecircncia da teacutecnica

moderna que se mostra a outra possibilidade de um desocultar mais originaacuterio

Mas qual o sentido deste salvar Que outra possibilidade de pensar se

presenteia nesse extra-ordinaacuterio que se deu no confronto com o pensar

teacutecnico Eacute esse outro pensar a salvaccedilatildeo da ameaccedila da crise Esses satildeo os

questionamentos derradeiros desta fase de nossa investigaccedilatildeo Satildeo sobre

estas questotildees que nos deteremos agora como passo preparatoacuterio para uma

nova questatildeo ou seja a questatildeo do confronto

39

3 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES ACERCA DA ESSEcircNCIA DA ARTE

Neste capiacutetulo pensaremos a questatildeo da arte buscando avizinhaacute-la do

originaacuterio (Ursprung) e da essecircncia (Wesen) no sentido de encontrar aiacute outra

possibilidade capaz de um confronto agrave crise apontada pelo des-velar

explorador da teacutecnica moderna Deixaremos que a essecircncia da arte se

apresente ao pensar Nossa busca eacute portanto a de saber se na arte guarda-se

a medranccedila daquilo que pode nos salvar deste tempo de indigecircncia desta

noite do mundo Para tal busca faremos um momento que nos serviraacute de

passagem da questatildeo anterior da teacutecnica para a questatildeo da arte que agora se

iniciaraacute Apoacutes esse momento de passagem adentraremos a questatildeo da arte e

buscaremos pensar como a sua essecircncia se apresentou ao filoacutesofo Daqui

seremos levados a pensar em conjunto a essecircncia da arte e a questatildeo da crise

atual do entendimento teacutecnico

31 ldquoOnde mora o perigo cresce o que salvardquo Da pergunta pela Teacutecnica agrave

pergunta pela Arte

Chegamos num ponto crucial de nossa investigaccedilatildeo passo derradeiro

acerca da pergunta pela teacutecnica natildeo eacute contudo conclusivo eacute apenas um

preparo para um olhar em outro sentido O tiacutetulo deste ponto jaacute nos indica para

onde vamos seguir Passaremos da questatildeo da teacutecnica agrave questatildeo da arte

Poreacutem eacute preciso ainda alguns passos para que essa mudanccedila natildeo se decirc de

forma brusca Em que sentido se daraacute essa mudanccedila Aleacutem desta indicaccedilatildeo

A ciecircncia pode classificar e nomear os oacutergatildeos

de um sabiaacute Mas natildeo pode medir seus encantos

A ciecircncia natildeo pode calcular quantos cavalos de forccedila existem nos encantos de um sabiaacute

Quem acumula muita informaccedilatildeo perde o

condatildeo de adivinhar divinare Os sabiaacutes divinam

Manoel de Barros Livro sobre nada

Do fundo abismo nascem as altas montanhas

Maacutercia de Saacute

O escuro me ilumina Manoel de Barros

40

de mudanccedila de olhar o tiacutetulo tambeacutem nos diz outra coisa ldquoOnde mora o perigo

eacute laacute tambeacutem que cresce o que salvardquo Nessas palavras de Houmllderlin Heidegger

nos indica o fio condutor desta mudanccedila Contudo precisamos esclarecer o

que se entende aqui por salvar Como relacionar este salvar que agora se pocircs

no caminho com a pergunta inicial acerca da essecircncia da teacutecnica Como a

arte se relaciona com a teacutecnica diante da pergunta pela essecircncia Iremos nos

deter nestes questionamentos nos passos seguintes

Haviacuteamos dito que a essecircncia da teacutecnica moderna se apresentou apoacutes

nosso questionar como com-posiccedilatildeo O desvelar explorador que arrancou da

terra tudo como mera dis-ponibilidade eacute regido por essa com-posiccedilatildeo Na

dominaccedilatildeo deste explorar com-positor o perigo que ameaccedila eacute o de se trancar

ao homem a possibilidade de um outro desvelar mais originaacuterio a saber o

desvelar poeacutetico Este que enquanto ποίεζης deixa que o ente seja a cada

vez o ente que eacute Sendo regida assim pela liberdade como um deixar-ser essa

ποίεζης deixa-pocircr Esta ameaccedila contudo natildeo se deu por conta de uma

negligecircncia do homem nem por um capricho ou por uma veleidade Ela eacute fruto

de um destino de uma doaccedilatildeo Sendo destino adveacutem de um acontecer

histoacuterico do ser Soacute ao se perceber este sentido da essecircncia da teacutecnica

moderna o homem pode receber essa doaccedilatildeo aos cuidados e proteccedilatildeo de sua

guarda na linguagem Sua guarda se daacute aos que escutam o apelo da silenciosa

fonte originaacuteria Pensar sua essecircncia eacute escutar esse apelo Soacute onde se daacute esse

pensar cuidadoso e esse poetar permissor eacute que se pode dizer com vigor

essas palavras do poeta ldquoonde mora o perigo eacute laacute tambeacutem que cresce o que

salvardquo Portanto natildeo nos apressemos em dar respostas Tentemos com maior

esforccedilo nos manter nessa bdquofesta do pensar‟ frente agrave abertura do misteacuterio frente

agrave vereda O que Heidegger pensa em con-sonacircncia com o poeta por salvar Eacute

ele um salvar a tempo de uma destruiccedilatildeo iminente ou nos diz outra coisa a

voz do poeta Continuemos no nosso lento caminhar

Pensando com Houmllderlin Heidegger nos diz

O que significa salvar Geralmente achamos que significa apenas retirar a tempo da destruiccedilatildeo o que se acha ameaccedilado em continuar

41

a ser o que vinha sendo Ora ldquosalvarrdquo diz muito mais ldquoSalvarrdquo diz chegar agrave essecircncia a fim de fazecirc-la aparecer em seu proacuteprio brilho

45

Chegar agrave essecircncia eacute o sentido do salvar Na ameaccedila cresce o que salva

pois eacute nessa ameaccedila que o apelo por um retorno ao lar se potildee fortemente de

forma mais decisiva Pensemos a essecircncia natildeo de modo tradicional como

essentia como aquilo que diz o que uma coisa eacute como quid Essecircncia deve

ser pensada como colocamos de iniacutecio logo nos primeiros passos do percurso

Pensemos a essecircncia como o originaacuterio como fonte doadora principial Natildeo

como iniacutecio daquilo que logo que se potildee a caminhar eacute deixado para traacutes mas

como principial que dura e vigora a cada passo que mesmo no afastar-se eacute o

que sustem e envia Da qual natildeo eacute permitido um abandono ou um natildeo ouvir

seu apelo Eacute assim que Heidegger nos diz

Eacute do verbo bdquowesen‟ viger que proveacutem o substantivo vigecircncia Wesen

essecircncia em sentido verbal de vigecircncia eacute o mesmo que bdquowaumlhren‟ durar () Goethe chegou a usar no lugar de bdquofortwaumlhren‟ perdurar a palavra misteriosa bdquofortgewaumlhren‟ continuar a conceder Sua escuta

ouve nessa palavra uma harmonia impliacutecita de continuidade entre

bdquowaumlhren‟ durar e bdquogewaumlhren‟ conceder46

Como um carvalho que diante do perigo ao crescer fortifica suas raiacutezes

nas profundezas da Terra ldquocrescer significa abrir-se agrave amplitude do ceacuteu e ao

mesmo tempo estar arraigado na obscuridade da Terrardquo47

pois satildeo as raiacutezes

que salvam Estas como fontes doadoras de alimento recebem da Matildee Terra

multinutriz a forccedila de salvaguardar o caminho a forccedila de sustentaccedilatildeo e de

contra-posiccedilatildeo ao perigo da crise que ameaccedila ldquoEm silecircncio e em seu tempordquo

se apresenta outra possibilidade Juntamente com as palavras do poeta outras

palavras satildeo ditas ldquomas eacute poeticamente que o homem habita esta Terrardquo

Como podemos sustentar as palavras do poeta se eacute exatamente o perigo do

pensar loacutegico calculador cientiacutefico que ameaccedila o homem Se o agir desse

homem reflete o seu pensar ou sua fuga de pensar logo eacute cientificamente que

este constroacutei suas casas que este trabalha e que se coloca no mundo Se o

que lhe rege eacute a com-posiccedilatildeo o explorar e a dis-posiccedilatildeo Heidegger diz

45

A questatildeo da teacutecnica p31 46

Idem p 33 47

HEIDEGGER Martin O caminho do campo In La prensa Traduccedilatildeo pessoal a partir da

traduccedilatildeo espanhola de Sobine Langenheim e Abel Posse 1976 p 2

42

A composiccedilatildeo eacute um modo destinado de desencobrimento a saber o des-cobrimento da exploraccedilatildeo e do desafio Um e outro modo

destinado eacute o desencobrimento da pro-duccedilatildeo da ποίεζης Esses modos natildeo satildeo poreacutem espeacutecies que justapostas fossem subsumidas no conceito de desencobrimento O desencobrimento eacute o

destino que cada vez de cofre e inexplicavelmente para o pensamento se parte ora num des-encobrir-se pro-dutor ora num

des-encobri-se ex-plorador e assim se reparte ao homem48

Eacute o misteacuterio que rege essa proximidade e esse repartir Estar atento a

este misteacuterio eacute o grande passo no sentido da superaccedilatildeo da ameaccedila Eacute o passo

capaz de impulsionar o salto mortal no abismo Eacute este misteacuterio que concede

Sem ele natildeo a arvore que se sustente que dure e para viger eacute preciso durar

ldquoSomente dura aquilo que foi concedido Dura o que se concede e doa com

forccedila inaugural a partir das origensrdquo49

Em um ensaio acerca da essecircncia da

poesia (Houmllderlin e a essecircncia da poesia) Heidegger se deteacutem em algumas

palavras de Houmllderlin dentre elas a seguinte ldquoMas o que dura instauram os

poetasrdquo O que dura eacute instaurado pelos poetas Ao falar do teacutecnico e de sua

essecircncia constantemente surge o poeacutetico Como podemos nos perder nesses

dois modos de pensar tatildeo distintos Ou seraacute que a rota de duas estrelas que

passam ao longe uma da outra guarda em si uma vizinhanccedila essencial

Escutemos estas palavras de Heidegger antes de continuarmos nosso

caminhar

Outrora natildeo apenas a teacutecnica trazia o nome de ηέτλε

Outrora chamava-se tambeacutem de ηέτλε o desencobrimento que levava a verdade a fulgurar em seu proacuteprio brilho Outrora chamava-se tambeacutem de ηέτλε a pro-duccedilatildeo da verdade na

beleza Τέτλε designava tambeacutem a ποίεζης das belas-artes50

Seraacute que na arte poderemos encontrar o caminho do que salva Se o

perigo que ameaccedila diz respeito ao modo de des-velar do real ou seja diz

respeito a verdade pode a arte estando em sua essecircncia relacionada com o

belo dizer algo sobre esta Ou o que se daacute eacute o contraacuterio a essecircncia da arte

estaacute mais proacutexima da verdade como ἀιήζεiα do que do belo ldquoA essecircncia da

arte seria esta o pocircr-se em obra da verdade do sendo mas ateacute agora a arte soacute

48

A questatildeo da teacutecnica p 32 49

Idem p 34 50

Idem p 36

43

tinha a ver com o belo e a beleza e natildeo com a verdaderdquo51

ldquoEacute o poeacutetico que leva

a verdade ao esplendor superlativo () O poeacutetico atravessa com seu vigor

toda arte todo desencobrimento que vige na belezardquo52

A arte se apresenta

aqui relacionada com a verdade Aqui o que estaacute sendo dito se daacute na forma

de indicaccedilatildeo de uma mudanccedila no sentido do caminho

Seraacute entatildeo que a arte eacute a possibilidade que silenciosamente cresce na

Terra para a salvaccedilatildeo da ameaccedila que se consuma na crise aqui indicada

Deixemos Heidegger nos perguntar o mesmo

Seraacute que as belas-artes satildeo convocadas ao des-encobrir poeacutetico Seraacute que o desencobrimento haacute de reivindicaacute-las mais

originariamente para que fomentem por sua parte o crescimento do que salva para que despertem e instaurem em nova forma a visatildeo e

a confianccedila no que se concede e outorga Ningueacutem poderaacute saber se estaacute reservada agrave arte a suprema

possibilidade de sua essecircncia no meio do perigo extremo53

Se natildeo podemos saber se eacute na arte que se reserva a possibilidade do

que salva deveremos ainda nos encaminhar nessa arriscada aventura que eacute a

da busca por sua essecircncia ldquoEncaminhar na direccedilatildeo do que eacute digno de ser

questionado natildeo eacute uma aventura mas um retorno ao larrdquo ldquoAinda natildeo

pensamos o sentido quando estamos apenas na consciecircncia Pensar o sentido

eacute muito mais Eacute a serenidade em face do que eacute digno de ser questionadordquo54

Como os pensadores e poetas serenamente nos arriscaremos nessa vereda

Nos arriscaremos no sentido de termos em vista que no fim dessa nova

caminhada possamos nos deparar diante uma aporia Buscamos a essecircncia da

teacutecnica para abrir nossa presenccedila a um livre relacionamento com sua essecircncia

Esta se apresenta como um modo de des-velamento o explorador que potildee

tudo como dis-posiccedilatildeo a uma com-posiccedilatildeo Essa busca nos levou por fim agrave

questatildeo da arte Diz Heidegger

Natildeo sendo nada de teacutecnico a essecircncia da teacutecnica a consideraccedilatildeo essencial do sentido da teacutecnica e a discussatildeo decisiva com ela tecircm de dar-se no espaccedilo que de um lado seja consanguiacuteneo da essecircncia

da teacutecnica e de outro lado lhe seja fundamentalmente estranho

51

A origem da obra de arte p 87 52

A questatildeo da teacutecnica p 37 53

Ibidem 54

Ciecircncia e pensamento do sentido p 58

44

A arte nos proporciona um espaccedilo assim Mas somente se a consideraccedilatildeo do sentido da arte natildeo se fechar agrave constelaccedilatildeo da

verdade que noacutes estamos a questionar55

Nossas consideraccedilotildees acerca da teacutecnica apontaram para a ποίεζης

poiacuteesis como um modo de des-velar de verdade como a essecircncia da teacutecnica

grega e para a Ge-stell com-posiccedilatildeo tambeacutem como um modo de verdade

como a essecircncia da teacutecnica moderna Ambas seriam modos de verdade de

des-velamento Assim a essecircncia da teacutecnica se apresentou como verdade

Poreacutem a razatildeo de que em um dado momento se apresenta como des-

velamento e em outro se apresenta de um outro modo para noacutes permanece

um misteacuterio O misteacuterio se instaurou Esse mesmo que oculto em sua

essecircncia clareou agrave noacutes a possibilidade de um outro caminho O outro como

diferenccedila se apresentou como inaugural diante a identidade a habitual do

mesmo A arte tem em seu nascimento a aproximaccedilatildeo com a teacutecnica eacute-lhe

consanguiacutenea Houmllderlin pensando com Heraacuteclito escreve em seu Hipeacuterion ldquoA

palavra grandiosa ἔλ δηαθέρολ ἑασηῶη de Heraacuteclito soacute poderia ser encontrada

por um grego pois essa eacute a essecircncia da beleza e antes de encontraacute-la natildeo

havia filosofia algumardquo56

pois para ele a beleza eacute o ser e para Heraacuteclito o ser eacute

esse ldquoἔλ δηαθέρολ ἑασηῶηrdquo o uno em si mesmo diverso Heraacuteclito e Houmllderlin

satildeo enquanto pensador e poeta constantemente considerados por Heidegger

O poeacutetico aqui eacute relacionado para aleacutem do belo diz acerca do ser e da

verdade eacute o ηό ἐθθαλέζηαηολ de Platatildeo que sai a brilhar de forma superlativa

Constantemente somos levados a pensar a arte em consideraccedilatildeo com a

verdade

Investigaremos a arte na busca da sua essecircncia considerando

continuamente a questatildeo da verdade Contudo como foi dito a questatildeo da

verdade e a questatildeo do ser no pensamento heideggeriano andam de matildeos

dadas Assim como se deu nesse percurso a seguir re-colocaremos a questatildeo

do ser e da verdade Soacute assim seremos capazes de dizer algo a respeito da

arte se tem ela a medranccedila do que salva se ela nos indica ainda outra

possibilidade outro caminho ou se por fim devemos abandonar

definitivamente essa busca de um pensar em confronto agrave crise

55

A essecircncia da teacutecnica p 37 56

HOacuteLDERLIN Friedrich Hipeacuterion ou o eremita na Greacutecia Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante

Rio de Janeiro Vozes 1993 p 99

45

32 O originaacuterio da obra de arte O pocircr-em-obra da verdade

Nos passos anteriores vimos como Heidegger passou da questatildeo da

teacutecnica entendida em sua essecircncia como um des-encobrimento agrave questatildeo da

arte tambeacutem como um saber que des-encobre Em sua origem grega ambos

eram pensados pela palavra ηέθλε Teacutecne foi pensada desde Homero como

um saber Arte e saber pertenciam a um mesmo acircmbito Um saber que permitia

ao ser ao divino o seu advento ao que era por si proacuteprio Arte era um saber

um modo de verdade α-ιήζεηα poreacutem mesmo ao pensar grego esta relaccedilatildeo

entre arte e verdade se deu apenas extrinsecamente Sua relaccedilatildeo mais iacutentima

se mostrou desde o comeccedilo da tradiccedilatildeo com a questatildeo do belo passando por

toda a tradiccedilatildeo com este mesmo sentido mesmo que de diferente modo em

cada etapa do desenvolvimento do pensar Arte e belo e natildeo arte e verdade

era a relaccedilatildeo que se mantinha Soacute em Heidegger segundo o proacuteprio pensador

essa relaccedilatildeo passa ao seu vigor essencial Pois soacute neste filoacutesofo a verdade eacute

pensada como α-ιήζεηα des-encobrimento Soacute nele ela eacute pensada em sua

profundidade essencial pois mesmo ali no pensar grego essa essecircncia da α-

ιήζεηα se deu de forma oculta57

O olhar da ciecircncia esteacutetica surgido na modernidade ao artiacutestico ao

poeacutetico era um olhar sob impeacuterio da loacutegica Este olhar pensou desde seu

nascimento a arte em relaccedilatildeo ao belo ao gosto aos sentidos A mudanccedila de

paradigma que se deu com o pensar vigoroso de Heidegger em relaccedilatildeo ao

ser exigia outra linguagem uma nova forma de se pocircr diante do artiacutestico A

loacutegica como vimos anteriormente natildeo abarcava mais este pensar do ser pois

natildeo sendo mais ente o ser natildeo cabia mais no domiacutenio de seus objetos A

loacutegica seria aquela que sabe dos entes e nada mais A arte como um saber

que permitiria o advir do destinado passou a dizer a respeito do ser Para a

57

Cf HEIDEGGER Martin Parmecircnides Trad br Seacutergio Maacuterio Wrublevski Petroacutepolis Editora

Vozes 2008 P 29

ldquoEscrever o que natildeo acontece eacute tarefa da

poesiardquo

Manoel de Barros Menino do mato

46

loacutegica tratar do brotar de um natildeo-adveniente ao vigente do natildeo-ente sem

tornaacute-lo ente natildeo era uma possibilidade e pensar o natildeo-ente como um ente era

entrar em contradiccedilatildeo ferindo o fundamento supremo o princiacutepio da

contradiccedilatildeo Uma desconstruccedilatildeo torna-se necessaacuteria

O que em Ser e tempo se apresentou como a destruiccedilatildeo Destruktion da

ldquohistoacuteria da ontologiardquo58

e com ela como o ldquoenrijecimento de uma tradiccedilatildeo

petrificadardquo ou seja da tradiccedilatildeo loacutegicametafiacutesica eacute na verdade uma

desconstruccedilatildeo59

Esta desconstruccedilatildeo da histoacuteria da ontologia que em outros

momentos eacute chamada de superaccedilatildeo da metafiacutesica eacute uma superaccedilatildeo da

linguagem e do pensar loacutegico Uma histoacuteria que chega a sua consumaccedilatildeo com

o nascimento da Esteacutetica da loacutegica do sensitivo Assim a desconstruccedilatildeo da

Metafiacutesica na tradiccedilatildeo seraacute entendida como a histoacuteria da ontologia cujo

momento final seraacute a desconstruccedilatildeo da histoacuteria da Aesthetica

O meacutetodo indicado por Heidegger em Ser e tempo eacute o meacutetodo

Fenomenoloacutegico Em um certo sentido em consonacircncia com o que defendia

Husserl como um deixar-que apareccedila o que adveacutem da fonte o que adveacutem de

si mesmo Como Heidegger observa

O meacutetodo de tratar essa questatildeo eacute fenomenoloacutegico Isso poreacutem natildeo

significa que o tratado prescreva bdquoum ponto de vista‟ ou uma bdquocorrente‟ () fenomenologia diz entatildeo ἀποθαίωεζζαη ηὰ θαηλόκελα

ndash deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra tal como se mostra a partir de si mesmo Eacute este o sentido formal da pesquisa que

traz o nome de fenomenologia Com isso poreacutem natildeo se faz outra coisa do que exprimir a maacutexima formulada anteriormente ndash bdquopara as coisas elas mesmas‟

60

Em seu ensaio A origem da obra de arte Heidegger lanccedila um profundo

e cuidadoso olhar ao acontecer da arte natildeo mais um olhar esteacutetico ou loacutegico

que se manteacutem na superficialidade do fundamento do fundo mas um olhar

permissivo esse olhar fenomenoloacutegico Potildee-se a pensar como uma escuta e

natildeo mais a refletir e buscar conclusotildees Qual o originaacuterio (Ursprung) da obra de

arte Aqui antes de adentrarmos os passos seguintes re-coloquemos a

58

Ser e tempo sect 6 59

Conferir o estudo de Stein acerca da questatildeo da desconstruccedilatildeo da metafiacutesica STEIN Ernildo Diferenccedila e metafiacutesica ensaios sobre a desconstruccedilatildeo Ijuiacute UNIJUIacute 2008 60

Ser e tempo pp66- 74

47

questatildeo do termo Ursprung que estaacute no tiacutetulo do ensaio heideggeriano

Traduzindo para o portuguecircs a palavra alematilde Ursprung pode-se tanto dizer (a)

origem como por meio de substantivaccedilatildeo (o) originaacuterio Ao decompormos Ur-

sprung temos o prefixo Ur primordial e a palavra Sprung advida do verbo

springen saltar Eacute como um bdquosalto fundador‟ como um bdquofazer eclodir‟ como

podemos ler em seu ensaio que Heidegger pensa esta expressatildeo61

Ao

traduzir-se por origem somos levados a pensar em algo pontual em um iniacutecio

temporal e espacial um fundo alicerce sobre o qual possamos construir o

nosso edifiacutecio Como origem somos remetidos de volta para o interior da

tradiccedilatildeo metafiacutesica da loacutegica e seu pensar dominante Origem eacute fundamento

eacute chatildeo conceito E o que eacute do acircmbito do pensar acircmbito no qual Heidegger

busca re-instaurar eacute o do abismo (Abgrund) do sem chatildeo Eacute aquele poccedilo no

qual o pensador ao levar o seu pensar ao misteacuterio da fonte principial (Anfang)

cai em seu caminhar

Com origem com solo alicerce se constroacutei impeacuterio Eacute levar com

seriedade o des-envolvimento o progresso do saber Eacute caminhar sempre para

frente em linha reta eacute o reto pensar ὀρζόηες ortoacutetes bdquoretidatildeo do olhar‟ Eacute

seguir como trem comeacutercio induacutestria poder eacute dar resposta eacute uma re-

afirmaccedilatildeo da tradiccedilatildeo Em originaacuterio algo outro se passa Cai-se em um poccedilo

para dentro do que estava apenas na superfiacutecie Cai-se em ἀπορία Sendo

pelo ldquoentendimento escolado da loacutegicardquo62

motivo de riso pois sem chatildeo natildeo se

vai a lugar nenhum natildeo se responde nada Esse ldquocair no poccedilordquo que sempre foi

ldquomotivo de risordquo ldquonatildeo levando a lugar nenhumrdquo eacute o que Heidegger chama a

tarefa do pensar Eacute ldquoao menos uma vez chegar ao lugar em que jaacute estamosrdquo63

Eacute a abertura ao misteacuterio oculto da fenda do ser Caindo nas aacuteguas de um rio eacute

permitir-se ser levado ao destino caminhando com o fluxo do que adveacutem da

fonte principial

61

A origem da obra de arte p 199 Aleacutem do dito pelo proacuteprio filoacutesofo conferir a nota de traduccedilatildeo de Idalina acerca da expressatildeo Ursprung em sua traduccedilatildeo ao ensaio citado pp 224-

228 62

A linguagem p 8 63

Idem

48

Eacute neste sentido como originaacuterio que lemos a palavra Ursprung Daiacute o

tiacutetulo do ensaio ser tambeacutem pensado como O originaacuterio da obra de arte64

Perguntar pelo originaacuterio da obra de arte eacute perguntar pela proveniecircncia de sua

essecircncia Esta essecircncia natildeo seria aquela pensada como solo como a essentia

da tradiccedilatildeo metafiacutesica mas como abertura sem fundo como Abgrund aquele

aberto que recebe o proveniente do misteacuterio do ser Segundo a opiniatildeo

corrente a proveniecircncia da obra de arte eacute a atividade do artista mas o que diz

se um artista eacute um artista eacute a sua obra de arte

O artista eacute a origem da obra A obra eacute a origem do artista Nenhum eacute sem o outro Do mesmo modo nenhum dos dois porta sozinho o

outro Artista e obra satildeo em-si e em sua muacutetua referecircncia atraveacutes de um terceiro que eacute o primeiro ou seja atraveacutes daquilo a partir de onde artista e obra de arte tecircm seu nome atraveacutes da arte

65

A pergunta pela obra de arte eacute encaminhada a pergunta pela arte

mesma Qual a essecircncia da arte para que ela possa ser originaacuteria de algo

Heidegger inicia sua busca por essa essecircncia pelo que foi dito na tradiccedilatildeo

Buscaraacute sua essecircncia a partir de sua realidade efetiva Procurando sua

essecircncia na obra de arte existente A obra de arte eacute uma coisa como as

demais Eacute uma coisa como a pedra e tambeacutem como o utensiacutelio sapato Poreacutem

a obra de arte eacute uma coisa acrescida de algo mais algo de mais elevado que

uma mera coisa Eacute algo de produzido pelo homem mas os instrumentos os

utensiacutelios como a panela o martelo o carro tambeacutem satildeo coisas produzidas

pelas matildeos do homem Mas obra de arte eacute tambeacutem mais elevada que o

utensiacutelio pois aleacutem se ser uma coisa produzida ela nos diz algo de outro Ela eacute

alegoria eacute siacutembolo

A obra de arte aleacutem do caraacuteter de coisa eacute ainda um outro algo Este outro algo que estaacute nela constitui o artiacutestico () Alegoria e siacutembolo

fornecem o enquadramento representacional em cuja perspectiva desde haacute muito tempo se move a caracterizaccedilatildeo da obra de arte

66

64

A origem da obra de arte p 225 65

Idem p 37 66

Idem p43

49

Na busca pela essecircncia da arte a partir de sua realidade efetiva nos

deparamos com a coisa e com o utensiacutelio Sendo antes de tudo uma coisa

desvia-se o caminho da essecircncia da arte para o da essecircncia do que seja uma

coisa da coisidade da coisa Assim observa-se se a arte eacute uma coisa

acrescida de algo mais ou se eacute algo de outro A pergunta torna-se entatildeo Qual

a essecircncia da coisa Seguindo o fio condutor da investigaccedilatildeo da tradiccedilatildeo

filosoacutefica acerca da coisa Heidegger nos indica trecircs principais definiccedilotildees A

coisa eacute i) ldquoA substacircncia com os seus acidentesrdquo67

ii) ldquoA unidade de uma

multiplicidade dada nos sentidosrdquo68

e iii) ldquoa coisa eacute uma mateacuteria enformadardquo69

Esse eacute o esquema conceitual da esteacutetica desde seus primeiros acenos Das

definiccedilotildees citadas a terceira mateacuteria enformada eacute a que mais se adequa a

esse esquema conceitual

A distinccedilatildeo entre mateacuteria e forma eacute e na verdade nas mais diferentes variedades pura e simplesmente o esquema conceitual usado em todas as teorias da arte e da Esteacutetica () Quando se liga a forma

ao racional e a mateacuteria ao irracional considera-se o racional como o loacutegico e o irracional como o iloacutegico e quando se acopla ao par conceitual forma-mateacuteria ainda a relaccedilatildeo sujeito-objeto entatildeo o

representar dispotildee de uma mecacircnica conceitual agrave qual nada se pode opor

70

Para Heidegger esta definiccedilatildeo da coisidade da coisa poreacutem natildeo se

aplica apenas para as meras coisas Um par de sapatos e um quadro de van

Gogh satildeo tambeacutem mateacuteria enformada Uma pedra possui uma mateacuteria em uma

determinada forma contudo aiacute a forma eacute apenas uma mera distribuiccedilatildeo

espacial de um determinado conteuacutedo Jaacute no par de sapatos a forma eacute de tal

modo fundamental por conta de sua utilidade que influencia ateacute na escolha do

material a ser usado no momento de sua produccedilatildeo Flexiacutevel e macia para uma

roupa resistente e dura para um martelo e assim se daacute com os outros

utensiacutelios Pensando assim Heidegger aponta para o produzido para este algo

uacutetil proacuteximo ao dia a dia do homem que vem primeiramente para esta

definiccedilatildeo de mateacuteria-forma e daiacute passa a coisidade da coisa O homem

67

Idem p 53 68

Idem p 59 69

Idem p 61 70

Idem p 63

50

transfere do utensiacutelio para a coisa a sua definiccedilatildeo e isto por meio do esquema

esteacutetico e sua relaccedilatildeo com a arte e os artefatos

Por conseguinte mateacuteria e forma enquanto determinaccedilotildees do sendo satildeo naturais agrave essecircncia do utensiacutelio Propriamente este nome

nomeia o elaborado em vista de sua utilidade e uso Mateacuteria e forma natildeo satildeo de modo algum determinaccedilotildees originaacuterias da coisidade da proacutepria coisa

71

Somos assim novamente enviados a outro acircmbito A busca pela

essecircncia da coisa nos levou a questatildeo do utensiacutelio Qual a sua essecircncia O

que lhe difere da mera coisa lhe pondo a meio caminho entre coisa e arte Ou

seraacute o utensiacutelio ainda algo outro Com estas indagaccedilotildees chegamos com

Heidegger ao produzido em vista de uma utilidade o utensiacutelio tem na serventia

o traccedilo fundamental a partir do qual este sendo nos olha Eles satildeo tatildeo

melhores quanto menos pensarmos neles em sua constituiccedilatildeo em sua forma

ou mateacuteria Seja o sapato ou o martelo eacute na serventia que se encontra o seu

valor e natildeo em sua constituiccedilatildeo Portanto como Heidegger nos diz na

confiabilidade da serventia ela se torna uacutetil Quando apenas usamos o

utensiacutelio por conta da confiabilidade a ele cedida sua essecircncia nunca nos

chega como o que este utensiacutelio eacute No contato diaacuterio e habitual com o utensiacutelio

sua essecircncia natildeo se apresenta junto agrave relaccedilatildeo que ele que manteacutem

Para Heidegger um homem diante de um quadro de Van Gogh onde

figura um par de sapatos pintados e nada mais ao pensar algo de outro

acontece

Da escura abertura do interior gasto dos sapatos a fadiga dos passos trilhados olha firmemente No peso denso e firme dos sapatos se

acumula a tenacidade do lento caminhar atraveacutes dos alongados e sempre mesmos sulcos do campo sobre qual sopra continuo um vento aacutespero No couro estaacute a umidade e a fartura do solo Sob as

solas insinua-se a solidatildeo do caminho do campo em meio agrave noite que vem caindo Nos sapatos vibra o apelo silencioso da Terra sua calma

doaccedilatildeo do gratildeo amadurecente e o natildeo esclarecido recusar-se do ermo terreno natildeo-cultivado do campo invernal Atraveacutes do utensiacutelio perpassa a afliccedilatildeo sem queixa pela certeza do patildeo a alegria sem

palavras da renovada superaccedilatildeo da necessidade o temor diante do anuacutencio do nascimento e o calafrio diante da ameaccedila da morte Agrave

Terra pertence este utensiacutelio e no Mundo da camponesa estaacute ele

71

Idem p 67

51

abrigado A partir deste pertencer que abriga o proacuteprio utensiacutelio surge para seu repousar-em-si

72

A obra de arte trouxe ao desvelado aquilo que o utensiacutelio enquanto um

sendo eacute Natildeo poreacutem da forma habitual como mera serventia como

confiabilidade A obra inaugura Terra e Mundo Terra como aquilo de onde

este sendo proveacutem e mundo como o aberto do qual aquele sendo faz parte A

obra de arte potildee-em-obra a verdade do sendo do ente Eacute como um pocircr-em-

obra da verdade que Heidegger pensa a essecircncia da arte Por meio da arte

cada sendo vem a vigecircncia de forma extra-ordinaacuteria como um sendo um ente

que irrompe do seu ser Brota pela abertura que acontece na arte da Terra ao

Mundo Esse pocircr-se-em-obra da verdade eacute ποίεζης poiacuteesis Este pocircr

enquanto obra adveniente do ser eacute pensado como um deixar-que atraveacutes da

escuta cuidadosa ao misteacuterio do ser brote do fechado da Terra ao desvelado

do Mundo

Terra e Mundo satildeo palavras-chave para a compreensatildeo do pensar

heideggeriano acerca da arte Terra natildeo eacute o conjunto maciccedilo de areia ou um

planeta Como Γε Gaia Terra os gregos natildeo diziam nada disso Terra tambeacutem

natildeo eacute simplesmente o fechado o velado em oposiccedilatildeo ao Mundo como o

aberto o desvelado Terra como aquela que abriga natildeo pode ser um riacutegido

fechar-se em si eacute de uma forma completamente diferente um res-guardar-se

que acolhe que nutre Ela eacute Gaia Matildee ldquode amplo seio de todos sede

irresvalaacutevel semprerdquo73

ldquomulti-nutrizrdquo74

Eacute entatildeo proteccedilatildeo e natildeo simplesmente

dissimulaccedilatildeo Terra eacute o misteacuterio cuidadoso do essencial Assim tambeacutem Mundo

natildeo eacute apenas o aberto Eacute no Mundo que vige ldquoas decisotildees mais essenciais de

nossa histoacuteriardquo75

Mundo eacute para onde o ser se destina natildeo como um espaccedilo

um lugar mas como acircmbito do acontecimento Eacute a morada do vigente Mundo

eacute sempre o inobjetaacutevel

72

Idem p81 73

Teogonia p 91 74

Podemos ver em muitas passagens da Iacuteliada assim como da Odisseia Homero se referindo agrave Γε Gaia Terra como a Matildee multi-nutriz 75

Origem da obra de arte p 109

52

Eacute na disputa entre Terra e Mundo que se daacute o ldquoacontecer poeacutetico-

aproprianterdquo (Ereignis) como Heidegger passou a chamar o acontecimento do

ser

Para onde a obra se retira e o que ela deixa surgir nesse retirar-se noacutes denominamos Terra Ela eacute a que faz surgir e que abriga A Terra

eacute a que natildeo sendo forccedilada a nada eacute sem esforccedilo e infatigaacutevel Sobre a Terra e nela o homem histoacuterico funda o seu morar no Mundo No

que a obra instala um Mundo ela elabora a Terra76

Arte eacute entatildeo abertura Enquanto no utensiacutelio haacute um gastar-se com o uso

com sua serventia na obra de arte enquanto a disputa originaacuteria de Terra e

Mundo se manteacutem em seu vigor enquanto permanece como obra daacute-se

abertura O artista natildeo gasta a tinta ao criar um quadro como gasta o pintor no

seu trabalho de pintar um muro de uma casa Na pintura criadora do artista eacute

que as cores vecircm a ser as cores que satildeo O verde vem na arvore pintada a

ser o verde da natureza o azul revela o ceacuteu Jaacute no utensiacutelio a lata de tinta eacute

tanto melhor quanto mais some ao ser usada como revestimento Na obra de

arte haacute um permanecer uma instauraccedilatildeo Eacute na poesia que a palavra chega ao

dizer na muacutesica que o som chega ao soar na escultura que a pedra chega ao

resistir

Na obra de arte daacute-se essa clareira na arte daacute-se o acontecimento

como obra da verdade A verdade eacute posta em obra Aqui uma pergunta se potildee

como necessaacuteria o que eacute a verdade para que possamos dizer que ela eacute pela

obra de arte posta em obra Re-coloquemos entatildeo a questatildeo da verdade que

no primeiro capiacutetulo apenas indicamos para que esta advenha em seu sentido

mais profundo Ou seja pensemos um pouco mais acerca da verdade para

adentrarmos de forma mais cuidadosa na vereda do pensar heideggeriano

Pensar verdade α-ιήζεηα como des-encobrimento nos remete a outro

acircmbito do pensar Um acircmbito do ainda-natildeo da adveniecircncia Somos

transpostos da rigidez conceitual do definido do dado agrave fluidez do vir-a-ser da

abertura do misteacuterio Ao pensar a verdade como o desvelado o velado passa

a se mostrar como mais originaacuterio como fonte originaacuteria deste desvelado

Mostra-se como mais essencial Este velado pode entatildeo ser pensado como o

76

Idem p115

53

natildeo-desvelado como a natildeo-verdade Sendo mais essencial importa a noacutes

mais essa natildeo-verdade do que a verdade Eacute assim que Heidegger no ensaio A

essecircncia da verdade faz a virada da questatildeo da verdade para a natildeo-verdade

De uma busca pela verdade somos transpostos a uma busca pela natildeo-

verdade

Poreacutem para Heidegger essa passagem da verdade para a natildeo-

verdade natildeo deve ser pensada pura e simplesmente como uma inversatildeo mas

como abertura de outro acircmbito do pensamento Pensar a verdade como a natildeo-

verdade achando com isso estar saindo do acircmbito do definido do dado da

identidade para o acircmbito do indefinido da diferenccedila seria um equiacutevoco

Tomar simplesmente a natildeo-verdade por verdade eacute apenas outro acircmbito da

rigidez do conceito Heidegger nos propotildee em seus ensaios uma mudanccedila no

acircmbito do pensamento natildeo uma mera inversatildeo mas algo de outro Esse

acircmbito por ele proposto mais originaacuterio e mais profundo natildeo pode ser

atingido com a operaccedilatildeo loacutegica da inversatildeo e suas enunciaccedilotildees predicativas

Soacute um pensamento como abertura um pensamento do sentido e natildeo mais um

meramente conceitual pode adentrar essa profundidade Soacute assim pode-se

pretender um avizinhar ao ser Verdade eacute pensada como clareira Natildeo sendo

nem o aberto desvelado nem o fechado velado mas sim abertura

possibilidade de adveniecircncia de acontecimento poeacutetico-apropriativo Assim

diria Heidegger acerca da clareira

Um tal aparecer acontece necessariamente em uma certa claridade Somente atraveacutes dela pode mostrar-se aquilo que aparece isto eacute brilha A claridade por sua vez poreacutem repousa numa dimensatildeo de

abertura e de liberdade que aqui e acolaacute de vez em quando pode clarear-se A claridade acontece no aberto e aiacute luta com a sombra

() Somente esta abertura garante tambeacutem agrave marcha do pensamento especulativo sua passagem atraveacutes daquilo que pensa

Designamos esta abertura que garante a possibilidade de um aparecer e de um mostrar-se com a clareira (die Lichtung)

77

Outra questatildeo referente agrave verdade que aqui seraacute de crucial importacircncia

eacute a da verdade como erracircncia O homem enquanto um ente no Mundo que

caminha pelo aberto eacute um jogado na erracircncia do Mundo O homem se

77

O fim da filosofia e a tarefa do pensamento p 102

54

relaciona insistentemente com os entes com o aberto Neste relacionar-se com

o dado o homem afasta-se do misteacuterio Afastando-se assim do essencial do

ser do misteacuterio originaacuterio daacute-se o errar ldquoEste vaiveacutem do homem no qual ele

se afasta do misteacuterio e se dirige para a realidade corrente sai de um objeto da

vida cotidiana para outro desviando-se do misteacuterio ele eacute o errar78

rdquo O homem

um ek-sistente um lanccedilado para fora de si no mundo insistentemente Com

isso eacute o homem des-guardado no aiacute do aberto Como errante ele eacute lanccedilado

para fora no aberto do cotidiano e se relaciona com os outros entes com o

Mundo Diz Heidegger

O homem erra O homem natildeo cai na erracircncia em um momento dado

() erracircncia se revela como o espaccedilo aberto para tudo que se opotildee agrave verdade essencial () aquilo que o haacutebito e as doutrinas filosoacuteficas chamam de erro isto eacute a natildeo-conformidade do juiacutezo e a falsidade do

conhecimento eacute apenas um modo e ainda o mais superficial de errar () A erracircncia domina o homem enquanto o leva a se desgarrar Pelo

desgarramento poreacutem a erracircncia tambeacutem contribui para fazer nascer esta possibilidade que o homem pode tirar da ek-sistecircncia e que

consiste em natildeo se deixar levar pelo desgarramento O homem natildeo sucumbe no desgarramento se ele mesmo eacute capaz de provar a erracircncia enquanto tal e de natildeo desconhecer o misteacuterio do ser-aiacute

79

Eacute da essecircncia do homem enquanto ek-sistente a erracircncia Tanto mais

errante como tambeacutem mais aberto ao misteacuterio do ser mais homem ele eacute

Provando da erracircncia corre o homem o risco de aiacute perder-se no

desgarramento Evitando esta erracircncia nega ele sua essecircncia Eacute necessaacuterio

entatildeo um enfrentamento onde o homem como o que se arrisca mais ponha-

se diante dessa possibilidade de perder-se Eacute soacute na peossibilidade de perder-

se que pode este se encontrar Assim para Heidegger o homem arrisca-se na

erracircncia com a constante abertura ao misteacuterio mas o misteacuterio eacute aquele que se

potildee em fuga diante de toda investigaccedilatildeo Daiacuteo pensar para Heidegger que se

pretende aberto ao misteacuterio natildeo poder ser do tipo investigativo do tipo que

forccedila abertura que rasga Pois no oculto do misteacuterio eacute como se estiveacutessemos

em matildeos uma pedra e quebrando-a ao meio quiseacutessemos saber o que haacute em

seu interior Ao quebrar o dentro se potildee em fuga ocultando-se dentro dos dois

pedaccedilos resultantes da quebra Nessa quebra violenta soacute nos deparamos com

o fora o superficial o sempre aberto O interior sempre se resguarda Assim eacute

78

A essecircncia da verdade p208 79

Idem p 209

55

o misteacuterio Quanto mais forccedilamos sua adveniecircncia mais em fuga ele se potildee

Na arte natildeo haacute um forccedilar abertura mas um permitir um aguardar paciente

Diante esse ser que se resguarda no misteacuterio ora doando-se ora

pondo-se em fuga poetas e pensadores como guardiatildees desse saber que

abre satildeo os caminhantes desse Holzwege Caminho de Floresta dessa

vereda deste terceiro caminho que Parmecircnides em seu poema Da Natureza

indica como aquele descaminho que leva ao nada ao que se potildee em fuga Eacute

nessa vereda nesse Αηραπός nesse caminho de floresta que se daacute o

avizinhanccedilar-se do ser Para adentrar em tal vereda contudo eacute necessaacuterio

arriscar-se frente agrave possibilidade de perder-se no caminhar de cair em um

poccedilo Soacute aiacute eacute possiacutevel avizinhaccedilar-se da fonte principial Poetas e pensadores

satildeo capazes de nomear nesse calar-se Sua linguagem eacute silenciosa Qual o

modo desse silecircncio De que modo eacute o dizer da arte um dizer silencioso Satildeo

nessas questotildees que nos deteremos nos passos seguintes

33 Pensamento poeacutetico Um dizer silencioso

Vimos que a essecircncia da arte em Heidegger se apresentou como um

pocircr-em-obra o acontecimento da verdade onde essa verdade eacute pensada como

clareira abertura A arte potildee-em-obra a verdade do ente Enquanto obra a arte

eacute abertura eacute adveniecircncia do ser ao ente do que eacute para o que estaacute sendo do

natildeo-vigente agrave vigecircncia Poderia ser dito poreacutem com a possibilidade de maacutes

interpretaccedilotildees o que nos adverte o proacuteprio filoacutesofo80

que a arte eacute uma

passagem do nada ao ente Este nada natildeo deve ser aqui pensado como o

nada do niilismo O nada aqui eacute pensado como o natildeo-ente o natildeo-presente

que apesar de natildeo ser um ente eacute sua fonte principial eacute originaacuterio Ser e nada

80

Α origem da obra de arte pp 181-183

ldquoEscrever o que natildeo acontece eacute tarefa da

poesiardquo Manoel de Barros Menino do mato

ldquoSobre o que natildeo se pode calar devemos

silenciarrdquo Ludwig Wittgenstein Tractatus Logico-Philosophicus

56

se pensados com cuidado de natildeo os identificar diretamente podem ser

pensados juntos em sua proximidade

E a verdade surge do nada De fato se pensado com o nada do mero natildeo sendo e se nisso o sendo eacute representado como aquele

existente habitual que depois atraveacutes do entre-permanecer da obra vem agrave luz como o que apenas pretensamente eacute o verdadeiro sendo e assim fica abalado A verdade nunca eacute colhida do existente e do

habitual Abertura do aberto e a clareira do sendo acontecem muito mais somente no que a abertura adveniente se delineia na

projeccedilatildeo81

Toda passagem do natildeo-vigente ao vigente todo brotar da θύζης (fiacutesis) eacute

ποίεζης (poiacuteesis) ou seja todo acontecimento da verdade (Ereignis) toda

abertura como clareira eacute poesia Assim tanto o desencobrimento da teacutecnica

seja ela claacutessica ou moderna como o des-encobrimento da obra-de-arte satildeo

poiacuteesis poreacutem enquanto na teacutecnica moderna o que eacute posto eacute produzido como

algo acabado como pronto no pocircr-em-obra da arte assim como na teacutecnica

claacutessica enquanto ηέτλε o que adveacutem eacute encaminhado como princiacutepio

(Anfang) como inaugural movimento

Na teacutecnica moderna o posto adveacutem por meio de uma com-posiccedilatildeo (Ge-

stell ζσλ-ζέζης) como disponibilidade Na obra de arte o que pela obra eacute

posto em obra adveacutem como disputa confronto Na forma do conceito o com-

posto eacute identitaacuterio unidade eacute ponto final Jaacute na disputa originaacuteria a cada

momento se da diferenccedila A multiplicidade de sentido que eacute dada natildeo permite

um ponto final mas sempre uma reticecircncia eacute abertura de possibilidades Nas

palavras de Heidegger

Encarada em sua essecircncia a arte eacute uma sagraccedilatildeo e um refuacutegio a saber a sagraccedilatildeo e o refuacutegio em que cada vez de maneira nova o

real presenteia o homem com o esplendor ateacute entatildeo encoberto de seu brilho a fim de que nesta claridade possa ver como maior

pureza e escutar com maior transparecircncia o apelo de sua essecircncia

Como a arte a ciecircncia tampouco eacute apenas um desempenho da

cultura do homem Eacute um modo decisivo de se apresentar tudo que eacute e estaacute sendo

82

()

Em oposiccedilatildeo a isso a ciecircncia natildeo eacute nenhum acontecer originaacuterio da

verdade mas sempre a ampliaccedilatildeo de um acircmbito de verdade jaacute aberto e de certo atraveacutes do compreender e fundamentar do que se mostra

na sua esfera como o correto possiacutevel e necessaacuterio Quando e na

81

Idem 82

Ciecircncia e pensamento do sentido p 39

57

medida em que uma ciecircncia vai mais aleacutem do correto para uma verdade isto eacute para o desencobrimento essencial do sendo como tal

entatildeo ela eacute filosofia83

Esse natildeo habitual natildeo-vigente que vem a ser pela poiacuteesis foi a muito

rechaccedilado pela tradiccedilatildeo metafiacutesica enquanto loacutegica O ser foi pensado nesta

tradiccedilatildeo como o ente e este como o vigente o presente o dado e da mesma

forma o natildeo-vigente o ausente foi pensado como o nada e seguindo o

raciociacutenio o aparente foi dado como o erro imagem como o que natildeo se

adeacutequa ao ente Nada ser (ente) e aparecircncia seriam as trecircs vias de

conhecimento a qual o homem poderia movimentar-se As trecircs vias que

segundo Parmecircnides se relacionavam com a verdade Destas trecircs vias uma

necessariamente logicamente deveria ser abandonada pois natildeo era

verdadeiramente uma via mas um αηραπός um natildeo-caminho uma vereda

Holzwege (caminho de floresta) Sendo assim natildeo levaria o homem justo a

lugar nenhum Esta vereda era a via que dizia respeito ao nada ao natildeo-ser

Falar sobre este nada seria a ruiacutena deste justo seria a ruiacutena do conhecimento

loacutegico A loacutegica do pensar reto seria desfeita nessa empreitada

Aiacute em Parmecircnides daacute-se o primeiro momento de rechaccedilamento desta

terceira possibilidade Em Aristoacuteteles aparece na expressatildeo do terceiro

excluiacutedo84

Todo ente ou eacute de certa forma ou o seu oposto Qualquer outra

possibilidade fica entatildeo excluiacuteda Pensar em uma terceira possibilidade eacute ferir o

segundo princiacutepio supremo do pensar loacutegico Podemos ver tanto no princiacutepio

da contradiccedilatildeo como no do terceiro excluiacutedo um abandono do pensar acerca

do nada A linguagem que diz respeito ao homem eacute a linguagem loacutegica Ela

proiacutebe o dizer sobre o nada Contudo mesmo que Parmecircnides e Aristoacuteteles

venham a proibir a reflexatildeo sobre o nada essa proibiccedilatildeo jaacute se apresenta como

um pensar Aiacute ouve um pensar cuidadoso temeraacuterio frente agrave vereda que seria

pensar sobre este nada Natildeo haacute ainda um abandono desta questatildeo mesmo

que com a reflexatildeo sobre ela seja isso que foi proposto Este afastamento

com o desenvolvimento da Ciecircncia da Loacutegica e da Metafiacutesica torna-se um

esquecimento O nada eacute esquecido e com ele a possibilidade de pensar o ser

83

Origem da obra de arte p 157 84

Metafiacutesica pp179-181 Γ 7 ndash 1011b 23-1012a 28

58

como essa outra possibilidade como esse natildeo-vigente Funda-se o impeacuterio da

loacutegica e do ente Eacute nos moldes desse impeacuterio que a Metafiacutesica desenvolve sua

dominaccedilatildeo a todo o pensar da tradiccedilatildeo ocidental numa ldquomecacircnica conceitualrdquo

blindada a qualquer tentativa de des-construccedilatildeo

Soacute com o desmoronamento interno deu-se iniacutecio a queda deste impeacuterio

A proacutepria reflexatildeo loacutegica sob a ameaccedila de autodestruir-se urge pela

necessidade de outra possibilidade de pensamento por outro modo de

linguagem Escuta-se como a voz de um fantasma pois haacute muito tempo

abandonado e esquecido o apelo do ser deste nada que havia sido

rechaccedilado Essa necessidade de outra linguagem eacute interna a proacutepria loacutegica ao

pensar em seus fundamentos pois na proacutepria delimitaccedilatildeo de seu objeto de

pesquisa esta se remete a algo que lhe eacute externo remete-se a esse nada

Trata a loacutegica do ente e nada mais85

e como dizem Platatildeo86

e Aristoacuteteles87

a

sabedoria a ciecircncia de algo eacute tambeacutem a ciecircncia de seu contraacuterio Quem

conhece a boa poesia eacute justamente quem conhece a maacute poesia Quem sabe o

que faz bem agrave sauacutede sabe o que natildeo lhe faz bem Quem busca o saber das

causas primeiras das coisas primeiras dos entes em si pura e simplesmente

conhece o natildeo-ente

Poreacutem acerca deste natildeo-ente neste terceiro caminho soacute o silecircncio eacute

proacuteprio Nesse sentido encontramos a defesa do pensar heideggeriano acerca

do poeacutetico Contudo para tal dizer genuinamente poeacutetico eacute preciso libertar a

linguagem da gramaacutetica assim como eacute preciso libertar a filosofia das

disciplinas acadecircmicas como eacute necessaacuterio libertar a arte das concepccedilotildees

esteacuteticas Haacute outro acircmbito da linguagem o da nomeaccedilatildeo do pocircr-vir Assim diz

Heidegger

A linguagem eacute a morada do ser Na habitaccedilatildeo da linguagem mora o

homem Os pensadores e os poetas satildeo os guardiotildees dessa morada ()Libertar a linguagem da gramaacutetica conduzindo-a para uma

85

O que eacute metafiacutesica p 115-116 86

No Ion Socrates ao interrogar Iacuteon acerca de Homero o faz dizer que aquele que conhece o que eacute bom para uma ciecircncia eacute o mesmo que conhece o que eacute mal Por exemplo eacute o meacutedico

aquele que conhece o que traz sauacutede e tambeacutem o que tira a sauacutede 87

Assim diz Aristoacuteteles ldquoA mesma ciecircncia compete o estudo dos contraacuteriosrdquo Metafiacutesica p135

Γ2 1004a 9-10

59

estrutura essencial mais originaacuteria eacute uma tarefa reservada ao pensar e poetar

88

Eacute na linguagem artiacutestica onde o embate vigoroso entre Terra e Mundo

se daacute na co-pertenccedila de ambos em tal equiliacutebrio que nenhum se sobressai

sobre o outro que se entende esse silecircncio poeacutetico Desse embate primordial

pela forccedila do que se potildee com o que se res-guarda acontece um aquietar-se

um repouso Silecircncio e repouso natildeo satildeo de forma nenhum algo como uma

ausecircncia Satildeo na verdade pura atividade Da disputa daacute-se a co-pertenccedila na

diferenccedila de ambos entre Terra e Mundo entre coisa e mundo O dizer

poeacutetico

Evoca originariamente a partir da simplicidade de um chamado

iacutentimo esse que evoca a diferenccedila sem dizecirc-la () A linguagem fala deixando vir o chamado coisa-mundo e mundo-coisa no entre da

diferenccedila ()Quieto natildeo eacute de maneira nenhuma o que natildeo soa Natildeo soar eacute somente natildeo estar na movimentaccedilatildeo de entoar e soar () A

falta de movimentaccedilatildeo eacute somente o outro lado do repouso () O repouso movimenta-se muito mais do que um movimento e tem muito mais movimentaccedilatildeo do que qualquer moccedilatildeo () quando coisa e

mundo estatildeo quietos no seu proacuteprio a diferenccedila convoca mundo e coisa para o meio de sua intimidade

89

Percebe-se entatildeo que silenciar-se natildeo eacute pensado como um calar-se

como se deu pela tradiccedilatildeo metafiacutesica-loacutegica-cientiacutefica Pois num mero calar-

se o que haacute eacute um abandono No silecircncio em oposiccedilatildeo ao abandono haacute uma

aproximaccedilatildeo uma busca da intimidade do co-responder daacute-se um modo

primordial da linguagem Uma escuta que permite a colheita do destinado pelo

ser Aquela escuta dada na pausa na reticecircncia de um dizer aquele suspiro

Um repouso que natildeo eacute estagnaccedilatildeo mais o autecircntico movimento Soacute quem

silencia eacute quem diz e pensa autenticamente Silenciar-se eacute da essecircncia do

falar Quem natildeo tem linguagem natildeo silencia assim como quem natildeo possui

movimento natildeo pode repousar

Diante da vereda que eacute este terceiro caminho o caminhante cuidadoso

se vecirc em ἀπορία aporia Percebe que precisa respirar e escutar um pouco do

que lhe circula Entatildeo repousa escuta e mira ao redor para o dentro e o fora e

88

Cartas sobre o humanismo p 326 89

A linguagem pp 22-23

60

ainda para aleacutem do ente do presente Aqui ldquomirar significa adentrar o

silecircnciordquo90

ldquoEle escuta agrave medida que pertence ao chamado da quietuderdquo91

Esse eacute modo o do dizer artiacutestico do nomear poeacutetico do falar essencial do

homem

Os mortais falam a partir da diferenccedila no sentido da diferenccedila como

um corresponder O falar dos mortais deve antes de tudo escutar o chamado pois eacute como chamado que o quieto da diferenccedila evoca o

rasgo de coisa e mundo Cada palavra falada pelos mortais fala desde essa escuta como essa escuta Os mortais falam agrave medida que escutam

92

Falamos diversas vezes em arte e poesia mas seraacute que estas satildeo uma

mesma coisa Pensemos um pouco nesse questionamento buscando

semelhanccedilas e diferenccedilas antes de prosseguirmos com o percurso A arte eacute

poiacuteesis poreacutem a θύζης tambeacutem o eacute O poieacutetico eacute bem mais amplo que o

artiacutestico Poesia natildeo eacute pensada aqui estritamente como a escrita do poema

Poiacuteesis eacute tudo que eacute do acircmbito da eclosatildeo do vir-a-ser do brotar adveniecircncia

Eacute fala inaugural Poiacuteesis eacute linguagem quando esta natildeo eacute pensada como mera

expressatildeo modo de comunicaccedilatildeo por letras ou sons Eacute linguagem no sentido

de um narrar inaugural fundador como abertura e morada do ser Assim diz

Heidegger nos paraacutegrafos finais do ensaio A origem da obra de arte

A poiacuteesis eacute a fala inaugurante do desvelar do sendo () poiacuteesis eacute aqui pensada em um sentido tatildeo amplo e ao mesmo tempo numa

unidade essencial tatildeo iacutentima com a linguagem e a palavra que precisa ser deixado em aberto a questatildeo se a arte em verdade em

todos os seus modos - da arquitetura ateacute a poesia esgota a essecircncia da poiacuteesis A proacutepria linguagem eacute poiacuteesis em sentido original

93

Com esse indagar fomos levados da questatildeo da arte como inaugural ao

acircmbito mais amplo da poiacuteesis e da linguagem Seguindo entatildeo o fio condutor

do caminho que estaacute sendo aberto ao se caminhar pensemos acerca da

poiacuteesis do poeta e de sua linguagem Pelo visto poetar eacute entatildeo linguagem em

sentido amplo e originaacuterio poreacutem natildeo soacute o poeta eacute o guardiatildeo dessa morada

do ser Satildeo os pensadores e poetas seus guardiotildees e em sua profunda

conexatildeo com a linguagem estaacute o seu parentesco sua proximidade uma

90

A linguagem na poesia p 35 91

A linguagem p 26 92

Idem p25 93

A origem da obra de arte p 189

61

linguagem que tem na disputa a sua essecircncia O que na linguagem dos

poetas e pensadores vem-a-ser vem como disputa Bem diferente eacute a

linguagem da loacutegica que conceitua e define limitando em algo pronto No

poetar e pensar o nomeado eacute constante adveniecircncia do novo eacute brotar

principial

A questatildeo da linguagem em Heidegger eacute ao lado das questotildees do ser

e da verdade a questatildeo do seu pensar Assim diz Gadamer acerca da filosofia

heideggeriana ldquoSe quisermos colocar em discussatildeo a significaccedilatildeo da filosofia

de Martin Heidegger natildeo podemos fazer outra coisa senatildeo a partir da

experiecircncia fundamental () de uma nova experiecircncia da linguagem da

filosofiardquo94

Ao pensar ser e verdade como adveniecircncia abertura constante de

uma disputa originaacuteria torna-se necessaacuterio uma nova experiecircncia com a

linguagem Como se deu com Aristoacuteteles e seu pensar do ser Onde o que

estava antes de qualquer coisa era o ente a substacircncia Necessitou-se aiacute uma

nova experiecircncia com a linguagem que vigora ateacute o presente como linguagem

loacutegica Com uma mudanccedila no sentido do ser daacute-se em conjunto com esta

uma mudanccedila fundamental na linguagem Eacute na linguagem dos poetas que esta

nova linguagem encontra sua guarda Eacute tarefa dos pensadores e dos poetas

levar a linguagem para o que estaacute aleacutem do presente no sentido de um

encaminhar para o misteacuterio

Em seu pequeno ensaio Houmllderlin e a essecircncia da poesia escrito como

que um complemento ao A origem da obra de arte Heidegger faz a passagem

da questatildeo da arte para a questatildeo mais ampla que eacute a do poetar Escrito em

um mesmo periacuteodo os dois escritos satildeo como que um uacutenico corpo acerca da

arte e do poeacutetico Neste ensaio o pensador parte de cinco palavras-guias do

poeta Houmllderlin o qual nutre grande apreccedilo para desenvolver seu pensar

sobre a essecircncia da poesia O ensaio se apresenta entatildeo como um diaacutelogo

entre pensador e poeta um diaacutelogo do pensamento Buscando por meio

destas palavras-guias pensar sobre a essecircncia da poesia Inicia o ensaio

justificando sua escolha por Houmllderlin para o caminho que entatildeo seraacute traccedilado

Diz

94

Heidegger e a linguagem p23

62

Por que foi escolhida a obra de Houmllderlin com o propoacutesito de mostrar a essecircncia da poesia Por que natildeo Homero ou Soacutefocles por que

natildeo Virgilio ou Dante por que natildeo Shakespeare ou Goethe Nas obras desses poetas foi realizada a essecircncia da poesia tatildeo ricamente ou ainda mais do que na criaccedilatildeo de Houmllderlin tatildeo imatura e

bruscamente interrompida () unicamente porque estaacute carregada com a determinaccedilatildeo poeacutetica de poetizar a proacutepria essecircncia da poesia

Houmllderlin eacute para noacutes em sentido extraordinaacuterio o poeta dos poetas95

Para Heidegger eacute com Houmllderlin que se tem o poetar sobre o poetar Daiacute

sua escolha entre tantos poetas Houmllderlin nomeia a essecircncia da poesia da

poiacuteesis Cria com seu dito uma clareira para a disputa originaacuteria entre Terra e

Mundo Podemos ver por este ensaio a forccedila do poetar no expressar-se por

uma linguagem natildeo conceitual que se apresenta ateacute como contraditoacuteria ao

permitir o que pela linguagem loacutegica seria de iniacutecio reprimido Citemos entatildeo

as cinco palavras-guias para que possamos acompanhar o pensar

heideggeriano sobre o poetar de Houmllderlin

i) Poetizar ldquoa mais inocente de todas as ocupaccedilotildeesrdquo (III 377)

ii)rdquoe foi dado ao homem o mais perigoso dos bens a linguagem Para que testemunhe o que eacuterdquo (IV 246)

iii) ldquoO homem tem experimentado muito Nomeado a muitos celestes Desde que somos um diaacutelogo

E podemos ouvir uns aos outrosrdquo (IV 343) iv) ldquoMas o que permanece instauram os poetasrdquo (IV 63)

v) ldquoPleno de meacuteritos mas eacute poeticamente que o homem habita esta terrardquo (VI 25)

96

Eacute a poesia a mais inocente e aleacutem disso o mais perigoso dos bens do

homem Eacute por meio dela que testemunhamos quem somos Em oposiccedilatildeo ao

expressar-se loacutegico formal intencional produtivo o dizer poeacutetico eacute pura

inocecircncia eacute a simples abertura do coraccedilatildeo ao destinado pelo ser Eacute a

inocecircncia frente agrave intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem o bem mais perigoso pois se eacute pela

linguagem que o homem testemunha quem eacute eacute tambeacutem por ela que pode dar-

se sua decadecircncia Eacute no natildeo cuidado com o dizer que mora o maior perigo

Pensando com o que foi dito anteriormente o homem encontra-se ameaccedilado

pela teacutecnica moderna O maior perigo poreacutem natildeo proveacutem de suas armas e

bombas entre tantos outros perigos O maior perigo estaacute no seu dizer Um

dizer que se mostrou apenas como siacuten-tese com-posiccedilatildeo Um dizer que forccedila

explorando a terra a se dispor produzir energia Nesse dizer moderno que

95

Holderlin e a essecircncia da poesia Traduccedilatildeo livre feita por mim p 1-2 DE ONDE 96

Idem p1

63

podemos bem pensar quase como que outra coisa menos um dizer genuiacuteno

como mera repeticcedilatildeo do acircmbito do jaacute aberto eacute que mora o maior perigo pois eacute

o abandono da outra possibilidade qualquer outra possibilidade Eacute natildeo

abertura a proveniecircncia do misteacuterio do ser O enrijecimento no posto no

habitual Eacute portanto a linguagem enquanto loacutegica o maior perigo ao homem

atual pois eacute pela linguagem que o homem vem a ser homem e eacute por ela que

se daacute a morte essencial deste mesmo homem

Para pensar no perigo que eacute esse bem doado ao homem faccedilamos uma

aproximaccedilatildeo deste ensaio com a conferecircncia Cartas sobre o humanismo para

que se ponha de forma mais vigorosa a questatildeo da linguagem e a ameaccedila que

acompanha o seu des-cuidado Nesta conferecircncia Heidegger pensando no

humanismo como uma reflexatildeo acerca da essecircncia do homem desenvolve

partindo do que eacute dito pela tradiccedilatildeo acerca dessa essecircncia sua concepccedilatildeo de

homem O homem eacute um δῳολ ιόγολ ἒτολ97

traduzida pelo pensar latino como

o homem eacute um animal racional Para a tradiccedilatildeo a essecircncia do homem estaacute na

faculdade da razatildeo E razatildeo nesta tradiccedilatildeo eacute o pensar loacutegico reto e natildeo

contraditoacuterio que exclui qualquer terceira possibilidade Logo o homem eacute um

ser loacutegico Pensando com o dito aristoteacutelico ιόγολ eacute dizer eacute linguagem

Estariacuteamos mais proacuteximo do que aiacute foi dito pensando que o homem eacute um

anima um ser vivo que fala que possui linguagem Eacute a linguagem que daacute

origem ao homem

A soberania da linguagem loacutegica rechaccedilou a outra possibilidade de fala

a do dizer poeacutetico O homem tornou-se o efetivo o loacutegico Aquele que produz e

domina todo o concreto inabalaacutevel pelo menos ateacute sentir que o que lhe dava o

poder o domiacutenio ameaccedila lhe dominar O seu maior bem se mostra agora

como sua maior ameaccedila As grades que eram vistas como seguranccedila ao

adverso torna-se sua prisatildeo Urge entatildeo o diaacutelogo com este outro pensar

Nesta noite do mundo daacute-se a necessidade de uma linguagem que seja

clareira Na seguranccedila de cada um isolado em suas casas em seus

monoacutelogos o diaacutelogo se apresenta crucial pois ldquodesde que somos diaacutelogo e

97

Carta sobre o humanismo p 335

64

podemos ouvir uns aos outrosrdquo este isolamento eacute sempre soacute a perdiccedilatildeo Nossa

indigecircncia realiza-se no abandono do outro

Enquanto mortais o ciclo de nascimento e morte nos eacute essencial A

histoacuteria eacute diaacutelogo ldquoSer um diaacutelogo e ser histoacuterico satildeo ambos igualmente

antigos se pertencem um ao outro e satildeo o mesmordquo 98

e o que nessa histoacuteria

permanece eacute instaurado pelos poetas ldquoA poesia eacute a instauraccedilatildeo do ser com a

palavrardquo99

Sendo adveniecircncia poiacuteesis eacute instauraccedilatildeo eacute obra Os poetas

instauram o ser como clareira como luta entre velado e desvelado Eacute na

linguagem poeacutetica que habita o homem Assim diz a quinta palavra-guia do

ensaio ldquopleno de meacuteritos mas eacute poeticamente que o homem habita essa

terrardquo Eacute nesse diaacutelogo poeacutetico de um com o outro que se abre a clareira de seu

habitar e natildeo no isolamento residencial do morar protegido do misteacuterio do que

possa advir Eacute pois poeticamente que o homem habita Diante disto podemos

ver no periacuteodo atual o quatildeo in-essencial o quatildeo indigente encontra-se a

humanidade

Diante essa indigecircncia perguntamos anteriormente Como enfrentarmos

esta ameaccedila que se apresenta Eacute possiacutevel que a arte ou de forma mais

ampla que a poesia possa confrontar esse perigo Eacute essa outra possibilidade

suficiente como fuga da crise E aleacutem do questionado eacute ainda possiacutevel que

diante de tanta teacutecnica se instaure outra forma de se viver de habitar essa

terra Para pormo-nos diante esses questionamentos adentraremos em um

escrito heideggeriano chamado Para que poetas

34 Poetas em tempos indigentes Um salto na vereda

Diante a crise que ameaccedila o homem em sua essecircncia pensemos na

tarefa destinada aos poetas e com eles os pensadores Pensar portanto se e

como eacute a tarefa destes poetas e pensadores diante este modo teacutecnico de viver

e de pensar Viver teacutecnico este em oposiccedilatildeo ao viver entendido por Heidegger

como aquele brotar sempre novo na disputa da clareira poderia ser pensado

quase como um natildeo-viver Uma teacutecnica exploradora onde todos os entes e o

98

Houmllderlin e a essecircncia da poesia p 6 99

Idem p 7

65

proacuteprio homem deixam de ser o que satildeo essencialmente enquanto θὺζεης

ὄληα seres da fiacutesis para decaiacuterem em meros artefatos seres produzidos Seja

para o comeacutercio o trabalho o poder ou seja como mera disponibilidade

Diante uma aproximaccedilatildeo do ensaio Para que poetas (1946) texto pertencente

ao mesmo conjunto de ensaios de A origem da obra de arte com o todo ateacute

aqui caminhado buscaremos um confronto do caminhado com o questionado

Este conjunto de textos do qual esses ensaios fazem parte tem como tiacutetulo a

palavra essencial Holzwege A versatildeo portuguesa traduziu-a seguindo a

indicaccedilatildeo dada pelo proacuteprio autor no iniacutecio da obra por Caminhos de floresta

Aiacute Heidegger diz assim

Holz [madeira lenha] eacute um nome antigo para Wald [floresta] Na floresta [Holz] haacute caminhos que o mais das vezes sinuosos terminam perdendo-se subitamente no natildeo-trinhado

Chamam-se caminhos de floresta [Holzwege]

Cada um segue separado mas na mesma floresta [Wald] Parece muitas vezes que um eacute igual ao outro Poreacutem apenas parece ser assim

Lenhadores e guardas-florestais conhecem os caminhos Sabem o que significa estar metido num caminho de floresta

100

Holzwege eacute esse sinuoso caminho sempre ainda natildeo-trilhado no qual o

caminhante ao percorrecirc-lo inaugura uma trilha Abrindo para outros

posteriores caminhantes uma trilha Este extra-ordinaacuterio caminho inaugurado eacute

um caminho do pensamento da linguagem da poiacuteesis do ser Sendo antes

de ser percorrido um caminho fechado eacute ainda um natildeo-caminho Parmecircnides

o chama de αηραπός e por um lado proiacutebe ao justo por ele se arriscar a

caminhar por outro lado ao pensar acerca deste caminho no natildeo-dito nos diz

para por ele nos enveredarmos com o maior cuidado possiacutevel Eacute nesse

caminho fechado da floresta eacute portanto nessa vereda que desde o iniacutecio

desta pesquisa cuidadosamente buscamos adentrar Se caminhamos

lentamente eacute porque diferente de se seguir uma trilha jaacute pronta jaacute aberta aqui

estamos nos enveredando em uma constante disputa com o misteacuterio do

adveniente por um Holzwege

100

Caminhos de floresta p3

66

Esta reflexatildeo se deu a princiacutepio sobre a questatildeo da crise atual Uma

crise que ameaccedila o homem ao ameaccedilar sua linguagem e seu pensar no que

neste haacute de mais essencial O que nos levou a pensarmos na teacutecnica que por

sua vez nos fez pensar na teacutecnica moderna Vimos que esta teacutecnica tem em

sua essecircncia tudo a ver com a questatildeo da verdade com a αιήζεηα pois esta

teacutecnica eacute um modo de des-encobrimento Verdade em Heidegger eacute uma

questatildeo inseparaacutevel da questatildeo do ser Com isso adentramos ao cerne do

pensar heideggeriano A questatildeo do ser e da verdade se pocircs em evidecircncia

Verdade como disputa entre des-encobrimento e encobrimento e ser pensado

como acontecimento-poeacutetico apropriativo Ereignis que adveacutem do misteacuterio do

natildeo-vigente nos transpuseram ao acircmbito da ποίεζης poiacuteesis Seguindo entatildeo

a proacutepria indicaccedilatildeo heideggeriana apresentada no final do seu ensaio sobre a

questatildeo da teacutecnica que nos mostra que em seu primoacuterdio teacutecnica como ηέτλε

e arte satildeo consanguumliacuteneos enquanto poiacuteesis satildeo dois modos de des-

encobrimento de verdade de acontecimento do ser Assim passamos ao

acircmbito da arte Pensamos esta em sua essecircncia como pocircr-em-obra o

acontecimento da verdade do ente Como obra que da disputa constante entre

o que se desvela e o que se oculta se mostrou como clareira como

inauguraccedilatildeo

Foi assim que do acircmbito da arte passamos ao do poeacutetico Este acircmbito

foi pensado em sua maior amplitude ou seja como tudo aquilo que adveacutem do

natildeo-vigente ao vigente Essa adveniecircncia daacute-se na linguagem Linguagem eacute a

morada do ser eacute abertura clareira Entatildeo ser verdade e linguagem de forma

entrelaccedilada se puseram como a vereda da qual adentrariacuteamos Temas centrais

heideggerianos da qual qualquer reflexatildeo que envolva o seu pensar natildeo pode

escapar Eacute diante essa vereda que nos questionamos eacute a linguagem poeacutetica

essa outra possibilidade que guarda a medranccedila do que salva Se ela eacute essa

possibilidade como se daraacute o enfrentamento agrave crise Devemos entatildeo substituir

a linguagem loacutegica fonte dessa crise atual pela linguagem poeacutetica como

resposta a crise atual Se natildeo qual o outro caminho ainda a se seguir Ou natildeo

haacute possibilidade alguma que venha a salvar o homem da ameaccedila que lhe

pesa

67

Para o homem essa linguagem eacute o bem mais perigoso que lhe foi

doado Bem pois eacute ela que lhe doa a sua essecircncia O homem eacute um ente que

fala eacute um δῳολ ιόγολ contudo este que lhe doa a essecircncia eacute tambeacutem o que

o levar a correr o risco de perder-se como eacute o caso da crise identificada por

Heidegger O homem enquanto Da-sein enquanto presenccedila que estaacute aiacute no

mundo em relaccedilatildeo com como um lanccedilado para fora um Ek-sistente corre

este risco Como guardiatildeo da linguagem morada do ser eacute este o ente que se

encontra jogado mais agrave vizinhanccedila deste ser Sendo livre contudo para

corresponder ou natildeo ao destinado por este ser podendo portanto correr o

risco o que o leva a sua atual decadecircncia de natildeo corresponder a este

destinado Sua linguagem que em seu pleno vigor eacute um originaacuterio que nomeia

enquanto disputa enquanto diferenccedila pode decair como se daacute no homem

atual no mero expressar-se comum na linguagem formal do comercio de

opiniotildees

Re-pensar a linguagem eacute re-pensar o homem Arriscar-se na linguagem

eacute arriscar-se enquanto homem em oposiccedilatildeo agrave falsa seguranccedila da linguagem

pronta da loacutegica da gramaacutetica da academia Eacute arriscar-se a perder o solo o

fundamento do que lhe assegura Eacute preciso ir aleacutem da superfiacutecie do solo Eacute

preciso arriscar-se a cair no poccedilo em direccedilatildeo ao misteacuterio originaacuterio do ser Eacute

como esse que ousa cair que ousa saltar nesse poccedilo nesse abismo (Ab-

grund) que podem poetas e pensadores se relacionarem com a linguagem

Os pensadores sempre foram chamados de extravagantes ao ousarem dar

sentidos completamente in-habituais agraves palavras para dizerem o mais vigoroso

de seu pensar Assim foi Platatildeo e o εηδος Anaximandro e o seu ἄπεηρολ o

ιόγος de Heraacuteclito a Ge-stell heideggeriana Assim tambeacutem se daacute com a

ousadia inocente do poeta que canta Arriscando-se mais no caminho da

erracircncia permitem quando suportam a adveniecircncia do inaugural

acontecimento do ser

Neste mundo decadente do entendimento predicativo teacutecnico

comercial o ser como o que silenciosamente envia ausenta-se Falta o pensar

sobre o ser Assim diz Heidegger no ensaio Para que poetas

Com esta falta fica fora do mundo o fundo como aquilo que

fundamenta Originariamente abismo [Abgrund] significa o solo e o

68

fundo em direccedilatildeo ao qual tende encosta abaixo algo que estaacute pendurado Contudo o Ab seraacute pensado doravante como a

ausecircncia completa de fundo O fundo eacute o solo de um enraizar e de um erguer-se A era do mundo que carece de fundamento encontra-se suspensa no abismo Supondo que se encontra ainda reservada

uma viragem para este tempo indigente ela apenas poderaacute surgir se o mundo virar radicalmente ou seja dito de uma forma mais precisa

se ele virar a partir do abismo Na era da noite do mundo tem que se experimentar e suportar o abismo do mundo Mas para tal seraacute

necessaacuterio que haja quem consiga chegar ateacute ao abismo 101

Essa era atual do domiacutenio do entendimento teacutecnico loacutegico eacute a noite do

mundo Em seu periacuteodo matutino poetas e pensadores se jogaram no abismo

Como quem cai para o alto em direccedilatildeo ao divino e aiacute com um esforccedilo

tremendo disseram o originaacuterio Pensadores dizendo o ser e poetas o divino

contudo com o desenvolvimento da ciecircncia da loacutegica decai essa possibilidade

da linguagem O ser pondo-se em fuga eacute encoberto pelo ente Soacute resta

ausecircncia Ausecircncia de ser do divino do pensar ausecircncia do homem da

linguagem

Olhar verdadeiramente para este mundo eacute encarar o abismo Eacute natildeo fugir

na ilusatildeo da seguranccedila de um falso solo firme Eacute necessaacuterio encarar esse

abismo e suportaacute-lo ldquoSer poeta em tempo indigente significa cantar tendo em

atenccedilatildeo o vestiacutegio dos deuses foragidos Eacute por isso que no tempo da noite do

mundo o poeta diz o sagradordquo 102

Dizer o sagrado e pensar o ser eacute aiacute onde

cresce o perigo em sua unidade aquilo que guarda a medranccedila do que salva

Co-responder a este destino eacute a tarefa do poeta Co-responder ao destino natildeo

eacute um mero deixar-se levar pensado como uma apatia como ausecircncia mas eacute o

mais longe que cada um pode chegar ldquoCada um chega o mais longe possiacutevel

quando natildeo ultrapassa os limites do caminho que lhe foi destinadordquo 103

Em tempos de indigecircncia falta a coragem do permitir Na superficialidade

do correto da adequatio o homem atual se esconde Haacute aiacute um esconder-se

bem diferente do guardar-se que se daacute com o misteacuterio do ser da Terra como

aquela que abriga pois esconder-se eacute fugir jaacute o guardar-se eacute da proteccedilatildeo eacute

101

Para que poetas pp309-310 102

Idem p312 103

Idem p313

69

corresponder agrave luta necessaacuteria Eacute enfrentamento da outra possibilidade da

erracircncia

Quem eacute que hoje em dia se atreve a considerar-se familiarizado com a essecircncia da poesia bem como com a essecircncia do pensamento e

acha-se ainda suficientemente forte para conduzir ambas as essecircncias agrave mais extrema das discoacuterdias assim estabelecendo a sua concoacuterdia

104

O ser larga o ente ao risco como uma matildee que o solta para seu

desenvolvimento essencial portanto eacute como arriscado que este deve

corresponder agrave sua essecircncia Como enfrentamento como risco erracircncia como

disputa originaacuteria Correndo o risco de com isso termos de suportarmos

desiacutegnios mais pesados do que pensamos ser capazes de suportar Como diz

Houmllderlin por uma carta ao seu amigo

Oh amigo O mundo estaacute ante a mim mais claro que da outra vez e mais seacuterio Eu gosto como vai eu gosto como quando no veratildeo eu

vejo o pai sagrado com matildeo tranquila sacode a nuvem avermelhada com relacircmpagos de becircnccedilatildeo Pois entre tudo o que posso ver de

Deus eacute este sinal que se fez predileto Antes saltava de juacutebilo por uma nova verdade uma visatildeo melhor do que este sobre noacutes e ao nosso redor agora temo que me suceda no final o que ao velho

Tacircntalo que recebeu dos deuses mais do que poderia digerir 105

O poeta como mensageiro que se expotildee aos raios do divino que se ex-

potildee ao destinado do ser Traduzindo esse destinado em linguagem nomeando

de forma inaugural aos homens Sai da seguranccedila do habitual do meramente

dis-poniacutevel ao risco de ser esse mensageiro Assim Heidegger apresenta o

poeta como aquele que inverte ldquoa imanecircncia da consciecircncia calculadora para o

espaccedilo interior do coraccedilatildeordquo 106

Cantando o poeta transmigra do comerciante

ao anjo αγγειος mensageiro do divino do ser aos mortais

A ilusatildeo de seguranccedila dada pela loacutegica e seu inabalaacutevel sistema se

apresentou como a maior ameaccedila Entretanto a quem se arisca mais natildeo daacute-

se um esquecimento um abandono da fonte principial Haacute nesse arriscar-se

o contraacuterio Uma inversatildeo que do desamparo surge o abrigo No que se arrisca

104

Idem p317 105

Houmllderlin e a essecircncia da poesia p 9 106

Para que poetas p352

70

ao abandono surge agrave libertaccedilatildeo do habitual como um caminho puro

extraordinaacuterio a fonte inaudita do ser

O homem que se impotildee vive das apostas do seu querer Vive essencialmente arriscando o seu ser no acircmbito da vibraccedilatildeo do

dinheiro e do valer dos valores Sendo constantemente esse cambista e mediador o homem eacute o ldquocomercianterdquo Pesa e pondera sem parar embora natildeo conheccedila o verdadeiro peso das coisas () Mas ao

mesmo tempo o homem eacute capaz de criar ldquoum estar segurordquo fora da proteccedilatildeo virando o desamparo como tal para o aberto fazendo-se

integrar-se no espaccedilo cordial do invisiacutevel Se isso acontece entatildeo o insaciado do desamparo passa para laacute onde na uniatildeo equilibrada do espaccedilo interior do mundo surge o ser [Wesen] que traz agrave aparecircncia o

modo com o qual essa uniatildeo une representificando dessa forma o ser [Sein] Entatildeo a balanccedila do perigo passa do acircmbito do querer

calculante para o anjo 107

Assim denominamos aqui pensando com Heidegger esse arriscar-se

mais como a tarefa destinada aos poetas e pensadores Arriscar-se esse que

se daacute na forma de um salto (Ur-sprung) na vereda (Holzwege) Este salto na

vereda eacute o caminho por noacutes encontrado ateacute agora como o confronto a essa

crise que ameaccedila a essecircncia do homem poreacutem esse salto natildeo eacute ainda o

momento final deste nosso percurso pois nesse salto o poeta colhe do

misteacuterio do ser o novo inaugurante e em seguida retorna aos entes habituais

e cotidianos Retorna do salto ao mundo e aiacute cercado do habitual necessita

relacionar-se com o circundante

Portanto natildeo podemos pensar que a inversatildeo do pensar loacutegico no

pensar poeacutetico seria o derradeiro passo de nossa caminhada de enfrentamento

a crise Em uma inversatildeo do pensamento loacutegico que calcula ao pensamento

poeacutetico que medita natildeo haacute diaacutelogo carinhoso A inversatildeo da identidade para a

diferenccedila eacute manter-se no acircmbito da identidade Eacute a outra face da decadecircncia

da queda Tornar a diferenccedila a uacutenica possibilidade eacute abandonar de outra

forma a possibilidade de algo outro Eacute retorno a rigidez da imposiccedilatildeo Eacute outra

forma de ilusatildeo onde a diferenccedila eacute agora o fundamento Eacute como se

achaacutessemos que chegamos ao misteacuterio do oculto clareando-o Como jaacute vimos

teriacuteamos assim apenas outro modo do aberto mas de forma nenhuma o oculto

do misteacuterio

107

Idem p360

71

A destruiccedilatildeo da metafiacutesica natildeo eacute um abandono deste saber sobre os

entes Pois se eacute o homem um ente entre os outros entes a destruiccedilatildeo desta

forma de entendimento seria a destruiccedilatildeo do seu mundo Assim essa

destruiccedilatildeo deve tornar-se uma desconstruccedilatildeo uma superaccedilatildeo No sentido de

um abrir-se para outra possibilidade de saber de linguagem

A superaccedilatildeo eacute um reconhecimento do acircmbito deste entendimento

metafiacutesico Eacute um reconhecimento do acircmbito no qual deve manter-se essa

linguagem loacutegica natildeo um abandono Reconhece-se aqui que seu acircmbito eacute o

do habitual do aberto do disponiacutevel presente O poeacutetico deve ser pensado

como a outra possibilidade Natildeo como abandono mas como diaacutelogo Assim

necessitamos ainda de outro passo O poeacutetico como inauguraccedilatildeo que abre

como disputa uma possibilidade de desprendimento do habitual apresentou-

se como o meio de enfrentamento agrave crise Ela guarda a medranccedila do que

salva mas natildeo isolado como uacutenica possibilidade Natildeo eacute suficiente essa

inversatildeo Como meio o poeacutetico prepara para o passo seguinte

Adentraremos a seguir nesse derradeiro passo desta nossa

caminhada Confrontaremos por fim o ensaio Serenidade com os dois

primeiros ensaios que nos norteou ateacute aqui Entatildeo com esses trecircs diaacutelogos A

questatildeo da teacutecnica A origem da obra de arte e Serenidade dialogaremos com

o que aqui se pensou acerca da crise atual e de como enfrentarmos essa crise

Neste ultimo ensaio bastante tardio em seu pensar Heidegger nos indica uma

trilha por onde possamos nos enveredar Nele Heidegger nos fala sobre a

disposiccedilatildeo do homem a serenidade como uma disposiccedilatildeo capaz de

possibilitar um diaacutelogo entre a teacutecnica e a arte Um diaacutelogo que res-guarda a

essecircncia do misteacuterio ao inveacutes de lhe agredir Dialoguemos entatildeo com esse

ensaio cuidadoso e carinhosamente

72

4 O CAMINHAR SERENO UM AGUARDAR NA PROXIMIDADE DO

MISTEacuteRIO

Neste capiacutetulo pensaremos o ensaio Serenidade de Heidegger e

confrontaremos o aiacute pensado com o aqui questionado Partindo inicialmente da

questatildeo de ser o homem um ente entre os outros entes que portanto tem

como necessidade essencial este estar aiacute no Mundo em relaccedilatildeo contudo um

ente que tambeacutem estaacute aberto ao misteacuterio da Terra sendo ele fruto desta

disputa entre Terra e Mundo tem a necessidade para co-responder ao seu

destino de se arriscar nessa disputa geradora do que se apresenta e o que se

oculta Com isso pensaremos como da proposta de uma destruiccedilatildeo daacute-se o

pensar de uma desconstruccedilatildeo uma superaccedilatildeo da metafiacutesica do pensar loacutegico

da linguagem predicativa Passaremos desta reflexatildeo ao posicionamento que

por ele eacute desenvolvido no ensaio o da necessidade de uma co-pertenccedila entre

o pensamento que calcula com o pensamento que medita Entre a linguagem

loacutegica e a poeacutetica Pensando em seguida a questatildeo do misteacuterio do ser da

fonte principial Pensaremos por fim diante todo o percorrido na outra

possibilidade esta capaz de um confronto com a crise indicada no iniacutecio da

caminhada

41 Da Destruiccedilatildeo agrave Superaccedilatildeo da Metafiacutesica Acerca da Identidade e

Diferenccedila

No caminho ateacute aqui trilhado nos deparamos primeiramente com a

problemaacutetica acerca da teacutecnica como um modo de pensar dizer e portar-se

Ir-agrave-proximidade Parece-me agora que a

palavra poderia ser antes o nome para nosso passeio de hoje na vereda

Que nos guiou pela noite dentro cujo brilho eacute cada vez mais deslumbrante e supera em maravilha as estrelas porque

aproxima entre si suas distacircncias no ceacuteu pelo menos para o observador ingecircnuo

natildeo para o investigador exato Para a crianccedila no Homem a noite permanece a

aproximadoracostureira das estrelas Ela junta sem costura bainha nem linha

Heidegger Serenidade

73

diante o mundo como um modo de pocircr o mundo no qual em uacuteltima instacircncia

tudo se apresenta como mera dis-ponibilidade (Be-stand) resultado de uma

exploraccedilatildeo que apenas Com-potildee (Ge-stell) o aiacute jaacute dado Diante deste estaacutegio

da humanidade o Homem encontra-se ameaccedilado ao extremo em sua

essecircncia ameaccedilado a resumir-se ao caacutelculo agrave com-posiccedilatildeo ao comeacutercio ao

trabalho ameaccedilado a tornar-se escravo completo daquilo que surgiu para ele

como instrumento de auxiacutelio na dominaccedilatildeo das coisas que estatildeo sendo

Escravo da teacutecnica desse pensamento calculista o homem guardiatildeo do ser

guardiatildeo da linguagem eacute convocado a partir de um apelo silencioso pelo

destinado da fonte principial a outra possibilidade de estar-no mundo de

colocar o mundo Nesta noite do mundo ao pensar e natildeo apenas calcular

acerca da essecircncia da teacutecnica a arte a poesia e o pensamento que medita se

potildeem como essa outra possibilidade de um confronto a essa crise a essa

ameaccedila a qual ele se encontra

Ao pensar no que seja a arte e o pensamento em seu acircmago em suas

essecircncias a noacutes essas se apresentaram como um pocircr-em-obra como uma

inauguraccedilatildeo a adveniecircncia do natildeo-vigente ao vigente Enquanto na teacutecnica e

com ela a Metafiacutesica a loacutegica a Ciecircncia a filosofia enquanto conceituaccedilatildeo do

ente movimenta-se no acircmbito da com-posiccedilatildeo do que estaacute dado movimenta-se

como uma transformaccedilatildeo um sin-tese na poesia o que se daacute eacute um

nascimento daacute-se um brotar Daiacute surgem alguns questionamentos Eacute essa

outra possibilidade esse pensar poeacutetico jaacute a medranccedila do que salva Pode o

ente homem um ser-no-mundo um ser-com ser isto que eacute habitando nesta

outra possibilidade Seraacute essa mudanccedila essa inversatildeo do pensamento que

calcula representador para o pensamento poeacutetico inaugurador que medita jaacute

o caminho que diante o ateacute aqui trilhado se potildee como o que urge Qual a

trilha que ainda devemos ao caminhar dar abertura nessa vereda que nos

leve dos bdquofrios veacuteus da noite escura‟ ao bdquocalor dos dedos rosa da aurora‟ Em

que disposiccedilatildeo se daraacute essa nova manhatilde que do sereno nos doa gotas de

orvalho seiva de um novo brotar Enveredemos ainda um pouco mais por

estas sendas do pensamento e nos deixemos ser envolvidos pelo que a noacutes for

destinado neste caminhar

Para Heidegger o homem o Dasein eacute aquele ente privilegiado que se

encontra que cria ao co-responder que eacute aceito no entre na abertura na

74

clareira do ser Eacute aquele que estaacute entre o natildeo-vigente e o vigente entre o

fechado e o aberto poreacutem estes abertos e fechados vigentes e natildeo-vigentes

natildeo devem ser aqui pensados com opostas mas como co-generes co-

respondentes O homem eacute aquele ente ao qual eacute destinado pela fonte

principial que eacute o ser ao dar nascimento Nascimento este que se daacute na

poesia ποηεζης e no pensamento pela linguagem autecircntica nomeadora

inaugural mas tambeacutem eacute aquele aiacute no-mundo que se relaciona com os entes

com os vigentes Seria entatildeo negar a essecircncia do homem o negar-lhe a

Metafiacutesica o negar-lhe a loacutegica o caacutelculo o representar o uacutetil o trabalho

Como tambeacutem o eacute anti-natural anti-essencial negar-lhe esta outra

possibilidade que eacute a de dar nascimento esta que natildeo estaacute no campo da

representaccedilatildeo mas na possibilidade de fazer brotar O loacutegico e o poeacutetico lhe

pertencem lhe permitem ser o homem que eacute Se no oculto que res-guarda o

misteacuterio da adveniecircncia ele eacute aceito para ali habitar poeticamente eacute no aberto

do dado este lado do misteacuterio aberto para noacutes onde este se relaciona com os

outros que neste aberto encontram moradas

Diversas vezes Heidegger nos adverte sobre o cuidado primordial de

nos colocarmos diante a questatildeo da destruiccedilatildeo da Metafiacutesica natildeo como um

mero abandono ou uma mera inversatildeo ao pensamento poeacutetico Onde esta

destruiccedilatildeo deveria ser pensada como uma abertura a esta outra possibilidade

como uma abertura ao sentido da diferenccedila entre ser e ente pois se eacute na

linguagem poeacutetica no pensamento que encontramos habitaccedilatildeo para nos

confrontar com as questotildees mais profundas eacute no entendimento loacutegico-

Metafiacutesico que nos relacionamos com o que nos cerca com o que estaacute na

superfiacutecie onde estamos presentes com o cotidiano no qual moramos Eacute nesse

sentido que a Destruiccedilatildeo foi pensada como uma Desconstruccedilatildeo como uma

Superaccedilatildeo como Abertura a essa outra possibilidade Assim tambeacutem eacute

apresentado o Fim da filosofia natildeo como um abandono deste modo de

pensamento mas como uma abertura ao seu alcance ao seu acircmbito pois se a

filosofia e essa aqui eacute entendida como Metafiacutesica eacute aquela que como a

ciecircncia primeira busca o ente e nada mais aquilo que estaacute lanccedilado no A-

bismo no seu fundo lhe eacute estranho estaacute para aleacutem de seu alcance e interesse

Este A-bismo eacute Tarefa do pensamento contudo eacute tarefa do homem tanto a

relaccedilatildeo com os entes como a abertura ao ser Eacute tarefa do homem enquanto

75

aquele que possui logos aquele que estaacute-com o diaacute-logo Por em diaacutelogo

loacutegica e arte eacute sua tarefa

A mera inversatildeo da loacutegica para o poeacutetico do entendimento

representativo para o pensamento como obra da identidade para a diferenccedila

seria ainda um manter-se no apenas aberto da unilateralidade e natildeo jaacute uma

abertura ao dialogo daquilo que nos ldquoaparece como inconciliaacutevelrdquo 108

Sair da

teacutecnica da identidade e ir de forma unilateral para a diferenccedila para o poeacutetico

ainda natildeo eacute o caminho no qual enveredamos Eacute permanecer ainda no mesmo

no fechar-se ao outro A inversatildeo da identidade para a diferenccedila eacute apenas a

extrema possibilidade da identidade eacute sua uacuteltima consequecircncia seu

acabamento eacute natildeo ter ainda atingido ou ter sido atingido pela diferenccedila

enquanto diferenccedila mesma enquanto o entre a clareira a abertura Eacute para

dar um exemplo o que Heidegger entende do movimento realizado por

Nietzsche aquele platonismo ao avesso que sendo o avesso eacute apenas o outro

lado do platonismo eacute ainda o mesmo Eacute levar o que estava na ideia para a

vida eacute uma inversatildeo do solo do fundamento eacute ainda chatildeo firme Entretanto o

que se mostra ao pensar heideggeriano como o originaacuterio como superaccedilatildeo eacute

aquele pensamento sem-fundo eacute o abismo eacute a perca de chatildeo portanto eacute

nesse sentido que pensamos aqui a diferenccedila como aquele entre que natildeo estaacute

nem no nascimento nem no dado de forma unilateral mas um entre pensado

como diaacute-logo

Diaacutelogo aqui pensado como aquele acontecimento aquela disposiccedilatildeo

que caminha (dia δηα atraveacutes indo na direccedilatildeo de um para o outro) que

transita pelo logos (ιογος) Aqui natildeo eacute mais possiacutevel pois natildeo estamos mais

nesse acircmbito uma representaccedilatildeo do que seja essa diferenccedila esse entre como

dialogo O entendimento representativo ao se apropriar desta diferenccedila a

representa como identidade Aqui toda reduccedilatildeo em poucas palavras eacute um

perigo Daacute-se aqui necessariamente como um apelo uma mudanccedila na

linguagem de significativa para uma de sentido Natildeo ficar preso a conceitos ou

definiccedilotildees eacute o caminho necessaacuterio para essa co-respondencia com o entre

com a diferenccedila Eacute preciso harmonizar-se θηιεηλ entrar em acordo com o que

a noacutes se apresenta como aquele amor que Heidegger entende ser o amor

108

HEIDEGGER Serenidade p 23

76

pensado por Heraacuteclito ao nomear o filosofo como θηιοζοθος assim escreve

Heidegger em sua conferecircncia O que eacute isto ndash a filosofia

Um anegraver philoacutesophos eacute aquele hograves philei tograve sophoacuten philein que ama a sophoacuten significa aqui no sentido de Heraacuteclito homologein

falar assim como o Loacutegos fala quer dizer corresponder ao Loacutegos Este corresponder estaacute de acordo com o sophoacuten Acordo eacute harmoniacutea

O elemento especiacutefico de philein do amor pensado por Heraacuteclito eacute a harmonia que se revela na reciacuteproca integraccedilatildeo de dois seres nos laccedilos que unem originariamente numa disponibilidade de um para

com o outro 109

Assim natildeo se pode aqui pensar nesse diaacutelogo como uma dialeacutetica que

se torna o que eacute em uma siacutentese O que se daacute aqui natildeo eacute uma siacuten-tese da

loacutegica com a arte da representaccedilatildeo com a inauguraccedilatildeo O que se daacute aqui eacute

uma luta uma disputa110

um amor um diaacute-logo uma obra (εργολ) Um entre

que natildeo para nem aqui nem ali nem muito menos como uma siacutentese com-

posiccedilatildeo de um com o outro Essa siacutentese que corremos o risco de entender de

forma errada o que aqui se apresenta como diaacutelogo foi o que se apresentou a

noacutes como a essecircncia da teacutecnica moderna como Ge-stell Aqui daacute-se um vai e

vem inquietante que eacute pura quietude Eacute aquele terceiro caminho excluiacutedo a

muito do pensar filosoacutefico que natildeo eacute nem um sim nem um natildeo mas que eacute

uma escuta de ambos simultaneamente os pondo em diaacutelogo eacute abertura

clareira do destinado pelo misteacuterio

Diante deste pensar que pode levar a nos questionarmos se natildeo

estamos pairando no ar num modo de pensamento muito distante de noacutes

algumas questotildees se apresentam natildeo seria esse entre uma indecisatildeo que nos

imobilizaria Natildeo seria esse diaacutelogo um subterfuacutegio de fuga da

responsabilidade do que diante a noacutes se apresenta como urgente Natildeo reinaria

aiacute a mais elevada ausecircncia-de-pensamento Uma passividade diante um

tempo que urge por uma atitude Um mero deixa ser levado pelo acaso Uma

ausecircncia de um querer que determina Essas satildeo algumas das questotildees que

109

HEIDEGGER O que eacute isto ndash a filosofia p 32 110

Hesiacuteodo no iniacutecio de seu escrito Os trabalhos e os dias fala de duas Ερης de duas disputas Uma eacute aquela geradora da guerra entre os homens que por ganacircncia de poder e

riqueza entram nessa disputa essa eacute por ele considerada a disputa ruim A outra eacute aquela disputa essencial entre o homem e a Terra aquela disputa com a adveniecircncia do dia-a-dia a

luta diaacuteria com a vida Essa eacute por ele chamada de a luta boa geradora de todo o bem que temos Enquanto a primeira destroacutei a segunda concebe Aqui quando falamos de disputa

pensamos nessa segunda disputa desse amor gerador

77

se potildeem diante desse diaacutelogo pensado com um entre Como quem preacute-sente a

proximidade da brisa do sereno adveniente da fonte aproveitemos um pouco

mais este caminhar que se aproxima daquilo do qual a muito estamos sendo

chamado que a muito aguardamos e continuemos um pouco mais neste trilhar

42 Serenidade O dizer sim e natildeo agrave teacutecnica

Vivemos em um mundo cercado pela teacutecnica Para onde nos dirigimos e

nos deparamos sempre com seus aparelhos e instrumentos Internet celular

carros induacutestrias e comeacutercios energia eleacutetrica e atocircmica Heidegger viveu em

um tempo diferente do tempo atual Um tempo no qual o que lhe causou

espanto foi a comunicaccedilatildeo por raacutedio e pela televisatildeo O que diria ele dos dias

atuais Espantar-lhe-ia mais a internet do que o raacutedio Seraacute que no essencial

vivemos em um tempo tatildeo diferente Eacute possiacutevel que natildeo O essencial da

teacutecnica natildeo estaacute em seus produtos Natildeo eacute o carro a televisatildeo o raacutedio ou a

internet o que eacute mais proacuteprio a sua essecircncia O que lhe assustou e que hoje

continuaria a assustar e que tambeacutem o assustaria se tivesse nascido antes eacute

o modo teacutecnico de pensar de dizer de agir Natildeo estou imerso na teacutecnica

somente quando uso o celular mais novo que saiu no mercado estou

profundamente imerso na teacutecnica quando o que me faz escolher a educaccedilatildeo

mais apropriada ao meu filho satildeo caacutelculos que me diratildeo qual o melhor negoacutecio

para o seu futuro Estou nessa situaccedilatildeo a qual inquietou tanto Heidegger

quando as decisotildees mais essenciais a nossa existecircncia satildeo decididas por

meros caacutelculos O que mais o assustou foi a possibilidade cada vez mais

crescente de esse olhar com-positor loacutegico calculista representador em

resumo esse olhar teacutecnico ser o uacutenico olhar que domine todas as nossas

decisotildees Essa sim eacute a grande ameaccedila ao homem

Seria uma ameaccedila talvez ainda maior a busca de um completo

abandono das coisas e pensar teacutecnico O homem necessita destes

Houvesse no pensar jaacute antagonistas e natildeo

simples adversaacuterios entatildeo a coisa do

pensar seria mais favoraacutevel

Heidegger Da experiecircncia do pensar

78

instrumentos e linguagem Necessita necessitou e necessitaraacute destes

instrumentos e linguagem teacutecnica como um ente no-mundo um ente-com

outros no qual se relaciona O homem tem sim que dizer bdquosim‟ a estes

instrumentos mas pode deve necessita simultaneamente dizer bdquonatildeo‟ a eles

Essa abertura ao entre agrave diferenccedila enquanto diferenccedila ao diaacute-logo a esse

acordo a essa harmonia originaacuteria exige do homem essa postura de dizer sim

e natildeo simultaneamente aos objetos teacutecnicos nos exige uma tomada de

decisatildeo que natildeo seja unilateral que natildeo seja absorvida nem pelos objetos

nem por seu abandono Exige de noacutes que nos ocupemos disto que ao olhar

representador parece inconciliaacutevel Assim diz Heidegger sobre esse dizer sim e

natildeo simultacircneo as coisas teacutecnicas

O pensamento que medita exige de noacutes que natildeo fiquemos unilateralmente presos a uma representaccedilatildeo que natildeo continuemos a

correr em sentido uacutenico na direccedilatildeo de uma representaccedilatildeo O pensamento que medita exige que nos ocupemos daquilo que a

primeira vista parece inconciliaacutevel () Podemos dizer sim agrave utilizaccedilatildeo inevitaacutevel dos objetos teacutecnicos e podemos ao mesmo

tempo dizer natildeo impedindo que nos absorvam e desse modo verguem confundam e por fim esgotem a nossa natureza (Wesen) 111

Esse pensamento que medita (sinnende) eacute justamente esse que se

contra-potildee potildee-se de frente e assim dialoga com esse pensamento que

calcula Eacute aquele pensamento que natildeo se detecircm no correto adequado no

fundamento mas que se encaminha no sentido da verdade como α-ιήζεηα

como decircs-velamento como clareira como sem-fund(ament)o Eacute portanto o

pensamento inaugural que atento ao destinado da fonte silenciosa do ser daacute

nascimento Eacute deste modo por dar nascimento que eacute esse pensamento que

medita irmatildeo da poesia no pocircr ambos encontram a sua essecircncia Assim

escreve Heidegger em sua obra poeacutetica intitulada de Da experiecircncia do pensar

(1960) onde pensar e poetar satildeo pensados como poiacuteesis como o dar-se da

verdade a partir do ser Leiamos suas palavras

Cantar e pensar satildeo os troncos

vizinhos do poetar

Eles crescem do Ser e alcanccedilam sua

111

HEIDEGGER Serenidade pp 23-24

79

verdade

Sua relaccedilatildeo daacute a pensar que Houmllderlin Canta das aacutervores da floresta

ldquoE desconhecidos uns aos outros eles

Ficam o tempo que eles permanecem em peacute

os troncos vizinhosrdquo 112

Eacute esse pensamento poeacutetico meditativo que nos exige que digamos sim

e natildeo simultaneamente agrave teacutecnica O que nos permite viver em meio a ela com

ela sem dela ser escravo e isso natildeo de um modo vacilante oscilante mas de

forma tranquila ou como nomeia Heidegger de modo sereno Com a mais

elevada serenidade (Gelassenheit) Esse dizer sim e natildeo agrave teacutecnica enquanto

diaacute-logo que se demora no entre eacute o que Heidegger nomeia por Serenidade

Em uma conferecircncia intitulada por Serenidade apresentada como um

discurso comemorativo do compositor de oacutepera Conradin Krutzer em 1955

Heidegger nos doa um belo discurso acerca do que seja essa Serenidade que

aqui eacute desde os primeiros passos aguardada Tema que por ele jaacute tinha sido

abordado em uma conversa nos anos de 194445 Nesta conversa tem-se uma

caracteriacutestica de uma linguagem bem mais solta e tambeacutem bem mais profunda

Um excelente exemplo de uma linguagem que busca libertar-se da

representaccedilatildeo da conceituaccedilatildeo Nessa conversa dar-se um deixa ser

conduzido pelo pensamento de amigos que caminhando satildeo aceitos nas

proximidades do misteacuterio do ser e que contudo natildeo perde em profundidade

mas que por esse deixar ao contrario eacute admitido por esta Jaacute o discurso

comemorativo tem uma sistemaacutetica e uma linguagem bem mais proacutexima jaacute que

eacute dirigida a um puacuteblico mais abrangente do que se costuma usar

habitualmente Neste discurso pondo-se a pensar sobre o que seja um ato

comemorativo Heidegger nos leva pelo discurso a pensar que comemorar eacute

pensar acerca de algo eacute pensar sobre o motivo do qual a comemoraccedilatildeo

presta-se a homenagear Diz-nos que ali se escutam as obras do compositor

sua biografia que ali satildeo proferidas anaacutelises criacuteticas de suas criaccedilotildees mas

seraacute que jaacute aiacute se realiza um pensar acerca de algo Relatar enumerar

112

HEIDEGER Da experiecircncia do pensar p 49

80

descrever narrar ainda natildeo eacute um pensar um meditar sobre algo sobre a

abertura que em uma obra de arte daacute-se

Heidegger passa daiacute a pensar sobre o que seja o pensamento Este se

apresenta na sociedade atual em-fuga ldquoTodos noacutes mesmo aqueles que

pensam por dever profissional somos muitas vezes pobres-em-pensamento

ficamos sem-pensamento com demasiada facilidaderdquo 113

E o que potildee em-fuga

o pensamento meditativo eacute esse dominante pensamento que calcula Esse

caacutelculo nos absorve como escravos das coisas que chegamos ao ponto de

darmos mais atenccedilatildeo aos produtos que agraves obras (εργολ) Pensamos muito

mais vezes nos presentes do que nas homenagens e homenageados

Pensamos e aqui jaacute nem podemos mais dizer pensar noacutes queremos

calculamos muito mais os resultados do que o processo o ponto de chegada

do que o caminhar agrave-proximidade-de e assim nos escravizamos pelos objetos

do desejo mais do que nos permitimos livres ao a-caso Eacute em relaccedilatildeo ao que

acabamos de dizer que a serenidade para com as coisas se apresenta como

aquela medranccedila do que salva Permite-nos sermos poeacuteticos em meio a um

mundo dominado pelo teacutecnico Daacute-nos a perspectiva de um novo enraizamento

jaacute que como diz Heidegger a partir de uma citaccedilatildeo do poeta Johann Peter

Hebel ldquoNoacutes somos plantas que ndash quer nos agrade confessar quer natildeo-

apoiadas nas raiacutezes tecircm de romper o solo a fim de poder florescer no Eacuteter e

dar frutosrdquo 114

Heidegger distingue essa disposiccedilatildeo nomeada por ele de Serenidade de

outros modos de conceber a palavra jaacute usada na tradiccedilatildeo por outros filoacutesofos

como eacute o caso da leitura de Meister Eckhart onde a serenidade eacute entendida

como ldquoa rejeiccedilatildeo do egoiacutesmo pecaminoso nem o abandono da vontade proacutepria

em prol da vontade divinardquo 115

Serenidade eacute essa aproximaccedilatildeo iacutentima da Matildee Terra eacute a escuta

cuidadosa do silecircncio do misteacuterio eacute o demorar-se insistente diante a abertura

que enquanto mostra-se simultaneamente se oculta Que se abre apenas para

nos envolver ainda mais no acircmago do misteacuterio Falamos de Serenidade e

constantemente nomes como misteacuterio aguardar cuidado insistecircncia se

113

HEIDEGGER Serenidade p11 114

Idem p27 115

Idem p 35

81

colocam em nosso caminho Falamos de serenidade diante essa ameaccedila na

qual o pensamento que calcula nos absorve O que nos leva a perguntar

Como conseguir essa serenidade O que eacute esse misteacuterio e esse aguardar que

sempre acompanham o pensar acerca da serenidade Estaacute nas matildeos dos

homens atingirem em meio a essa tumultuosa noite que nos cai essa

serenidade ou eacute apenas concernente ao destino do ser esta outra

possibilidade O que devemos fazer para criarmos permitindo o matutino

sereno de uma nova manhatilde Mantenhamo-nos um pouco mais nessa

vizinhanccedila da fonte que haacute muito nos convoca a ali em sua proximidade

demorarmo-nos Essa fonte que haacute muito chama em seu canto o filho ao

retorno aconchegante de seu habitar

43 Abertura ao misteacuterio O demorar-se no entre

O homem do presente eacute o homem da presenccedila Em um sentido filosoacutefico

Heidegger entende essa presenccedila como a marca fundamental do pensamento

metafiacutesico ocidental O ser do ente como a presenccedila eacute re-presentado pela

linguagem loacutegica como o ente Este ser enquanto presenccedila jaacute vem sendo

assim pensado para Heidegger desde os gregos principalmente para o que

ele chama de periacuteodo de decadecircncia do pensar claacutessico com Platatildeo e

Aristoacuteteles Estando este modo de pensar apenas no seu acabamento e este

modo de pensar vigente em quase todos os acircmbitos de decisotildees de accedilotildees e

de reflexotildees esta presenccedila pensada metafisicamente aparece agora tambeacutem

no habitual no dia-a-dia no cotidiano O que eacute de acordo com o bom senso eacute

o que estaacute agrave matildeo que posso tocar que posso decidir e natildeo a indecisatildeo Eacute o

que serve para algo O que vale eacute o agora o que se mostra aqui no presente A

histoacuteria eacute esquecida o esperar natildeo tem vez Vivemos no presente E

estranhamente esse viver no presente se revela uma ausecircncia aterrorizadora

A tecnologia que aproxima os homens os lugares os tempos as distacircncias em

uma intensidade gigantesca tambeacutem os afasta ldquohoje se toma conhecimento de

Eacute capinzal noturno

Escuro denso protetor Vocecirc eacute mata virgem

Pela qual ningueacutem passou

Raul Seixas Mata Virgem

82

tudo pelo caminho mais raacutepido e mais econocircmico e no mesmo instante e com

a mesma rapidez tudo se esquecerdquo 116

O raacutedio ou a internet aproximam tanto

a comunicaccedilatildeo os homens que natildeo eacute mais nem preciso estar ali Minha

presenccedila em todos os lugares por meio dos aparelhos tecnoloacutegicos de

comunicaccedilatildeo reflete minha ausecircncia Presente estaacute a tecnologia mas o

homem mesmo enquanto homem em sua autenticidade encontra-se ausente

Em uma multidatildeo de pessoas que dia-a-dia transitam pelas ruas das grandes

cidades sem nem um simples bdquooi‟ ser dado nos potildee a pensar no grego

Dioacutegenes o ciacutenico que com sua lamparina se pocircs a andar pelas ruas de sua

polis em pleno claro do dia a procurar por um homem sequer Onde

encontramos o homem nesse esquecimento do solo de onde brotam os

nutrientes de seu ser

A busca da certeza move demasiadamente mais do que a verdade Na

velocidade rapidez na pressa atual natildeo haacute tempo haacute perder com indecisotildees

natildeo a tempo para o proacuteprio homem Precisa-se de uma resposta certa mesmo

que para tal tenha-se que se descuidar da busca mais demorada pela verdade

do que no emaranhado do que eacute se oculta Certeza como corretude

adequaccedilatildeo como fundamento firme onde se pode erguer preacutedios para

gigantescos negoacutecios Verdade como decircs-velamento α-ιήζεηα como o cuidado

com o que adveacutem do velado do misteacuterio Esse misteacuterio destruidor da certeza

imediata riacutegida assusta causa espanto ao apressado homem da atualidade

Aquele espanto ηασκαηα que desde os tempos primordiais moveu os primeiros

pensadores cede lugar agrave certeza agrave decisatildeo necessaacuteria ao pesquisar que pela

imposiccedilatildeo da pressa de uma grande quantidade de produccedilatildeo natildeo pode se

demorar neste espanto

Diante desse caminhar ao qual nos enveredamos somos convocados a

serenidade A um estar aberto agrave abertura da adveniecircncia Um estar aberto agrave

abertura do misteacuterio Esse misteacuterio que espanta que afasta a certeza levando

ao risco daquele cair no poccedilo do qual haacute muito tempo se rir Esse misteacuterio que

nos tira da seguranccedila do fundamento do solo e nos envolve com o risco do

abismo Ao homem da decisatildeo esse misteacuterio eacute o que mais o assusta eacute o que

mais ele quer manter distacircncia Mas seraacute que assim como esse homem da

116

Idem p11

83

presenccedila se revelou como um homem da ausecircncia esse mesmo homem da

seguranccedila natildeo se revelaria a noacutes como o homem do medo que vive no mais

inseguro dos modos de existecircncia Seraacute que esta decisatildeo tatildeo adorada por

esse homem natildeo se revelaria a um pensar mais profundo medo de enfrentar o

risco deste entre adveniente do misteacuterio Seraacute que a decisatildeo que urge natildeo eacute a

de um demorar-se nesse misteacuterio Tenhamos entatildeo coragem e enfrentemos

mais estas questotildees

Diante o misteacuterio do que estaacute para aleacutem do que o que se mostra para

aleacutem do que aparece o homem se espanta O homem grego assim espantou-

se e aiacute se demorou Ser nada a fala o dizer o nomear o permanente

imoacutevel o movimento tudo isso o espantou e ele aiacute se demorou O espanto que

a princiacutepio o potildee em fuga simultaneamente o atraiu A curiosidade estando em

seu acircmago o fez olhar para traacutes durante essa fuga Como Orfeu que ao ir ao

Αδες Hades para resgatar a amada tinha apenas que por fim seguir adiante

sem olhar para traz mas que de seu acircmago uma inquietante curiosidade o faz

virar-se para vez se a bem amada consigo seguia Pondo-se em fuga do

misteacuterio do espanto eacute pela curiosidade atraiacutedo a um olhar de aproximaccedilatildeo

Uma curiosidade que vira amor θηιεηλ Um amor ao saber do que se mostrava

mesmo que em seu ocultamento Heraacuteclito nomeou como vimos um pouco

acima a este amante disto que tudo rege de θσιοζοθος filoacutesofo Amor para

ele eacute o harmonizar-se e saber eacute logos Logos esse que eacute misteacuterio aos homens

tanto antes de terem ouvido como depois como se estivessem dormindo 117

Amante desse misteacuterio o pensador nada podia dizer com certeza pois

amante do misteacuterio em harmonia com ele estava sempre num entre O que

para o pensador mais profundo era o mais espantoso era tambeacutem o seu maior

amor Este mais espantoso torna-se ao homem ordinaacuterio apenas ouvinte de

sua linguagem mas que a ela natildeo co-responde enquanto pensador do

profundo do ιογος o mais assustador gerando nesse homem medo Esse

espanto torna-se uma aporia απορηα um sem-saiacuteda da qual natildeo era possiacutevel

num confronto sincero harmonioso fuga Eacute nesse acircmbito do incerto onde o

117

Acerca deste modo de conceber o logos e a sua relaccedilatildeo com os homens consultar o fragmento 1 na organizaccedilatildeo de Diels de Heraacuteclito Este concebia o logos como o regente de

tudo o que haacute Entretanto os homens natildeo se apercebiam disso mesmo depois de serem acerca deste logos instruiacutedo Pois logos eacute ao homem que natildeo o enfrente ateacute os limites de sua

obscuridade misteacuterio

84

homem ordinaacuterio encontra-se meio acuado e o pensador profundo encontra-se

em pleno amor que surge o sofista como aquele que tinham as respostas

Aquele que se apresentava como sabedor dos misteacuterios e do modo de ldquoa esse

dominarrdquo Livrava-se rapidamente desta aporia dessa indecisatildeo por uma

tomada de posiccedilatildeo unilateral de um dos caminhos Com seu amplo domiacutenio de

retoacuterica e da linguagem como instrumento de dominaccedilatildeo dissimulaccedilatildeo essa

tomada de posiccedilatildeo unilateral passava como a mais elevada sabedoria Estes

sofistas despertavam as aporias nos seus ouvintes apenas com o intuito de se

apresentar como um conhecedor dos mais enigmaacuteticos problemas118

que ao

homem poderiam se apresentar para em seguida rapidamente os resolver

Assim diz Heidegger em sua conferecircncia O que eacute isto ndash a filosofia acerca

desses sofistas e de sua entrada neste momento oportuno em que o saber se

demorava ante esse entre do misteacuterio

O ente no ser isto se tornou para os gregos o mais espantador Entretanto mesmo os gregos tiveram que salvar e proteger o poder

do espanto deste mais espantoso ndash contra o ataque do entendimento sofista que dispunha logo de uma explicaccedilatildeo compreensiacutevel para qualquer um para tudo e a difundia A salvaccedilatildeo do mais espantoso ndash

ente no ser ndash se deu pelo fato de que alguns se fizeram a caminho na sua direccedilatildeo quer dizer do sophoacuten Estes tornaram-se por isso

aqueles que tendiam para o sophoacuten e que atraveacutes de sua proacutepria aspiraccedilatildeo despertavam nos outros homens o anseio pelo sophoacuten e o

mantinham aceso O philein to sophoacuten aquele acordo com o sophoacuten de que falamos acima a harmonia transformou-se em oacuterecsis num aspirar pelo sophoacuten O sophoacuten ndash o ente no ser ndash eacute agora

propriamente procurado Pelo fato de o philein natildeo ser mais um acordo originaacuterio com o sophoacuten mas um singular aspirar pelo

sophoacuten o philein to sophoacuten torna-se ldquophilosophiacuteardquo Essa aspiraccedilatildeo eacute determinada pelo Eacuteros

119

A de-cisatildeo120

de demorar-se na abertura na cisatildeo entre o que se oculta

cada vez mais que se mostrava teve para se proteger deste ataque dos

118

Sobre essa postura sofistica ante as aporias e tambeacutem acerca de seu domiacutenio da linguagem conferir a Metafiacutesica de Aristoacuteteles onde ente ao tratar dos problemas dos

contraacuterios enfrenta tanto os dialeacuteticos como os sofista dizendo que aos primeiros era preciso uma argumentaccedilatildeo da problemaacutetica ela mesma para que se revelasse onde estavam se

equivocando jaacute aos segundos era necessaacuterio um constrangimento loacutegico pois esses natildeo buscavam a verdade mas falavam apenas pelo prazer de falar seu falar era meramente dominado pela intenccedilatildeo de um benefiacutecio proacuteprio 119

HEIDEGGER O que eacute isto ndash a filosofia p32 120

Pensamos que no expressatildeo de-cisatildeo guardamos a marca da abertura da cisatildeo do

misteacuterio ao aberto do decircs-velamento De-cidir eacute manter-se nesse entre do dia-logo eacute demorar-se na clareira Jaacute na expressatildeo posiccedilatildeo escutamos o eco daquela palavra que aqui se revelou

como a essecircncia do entendimento teacutecnico Posiccedilatildeo a noacutes remete diretamente aquele sin-tese

85

sofistas que se transformar num posicionamento Numa tomada de

posicionamento unilateral Diante isso eacute que neste percurso por noacutes aqui

trilhado somos levados a pensar que deixar-se ser guiado pelo acordo

harmonioso com o misteacuterio eacute uma de-cisatildeo bem mais vigorosa do que a

decisatildeo no sentido de um posicionar-se Diante as απορηας aporias primordiais

que na intenccedilatildeo de se beneficiar dos sofistas tanto Platatildeo como Aristoacuteteles

necessitaram salvar o espanto por amor ao saber tiveram que decidir por uma

αρθε um princiacutepio ideia ousia e de acordo com essa decisatildeo que a eles se

impocircs como o destinado pelo ser estabeleceram uma linguagem um logos

proposicional em confronto com o risco que se corria com a linguagem poeacutetica

desde primeiros e mais profundos pensadores

Poreacutem o que em Platatildeo e Aristoacuteteles ainda se mantinha como uma de-

cisatildeo adveniente do destinado pelo ser eacute esquecida ofuscada re-configurada

pelo modo outro de pensar latino que o segue Eacute nessa passagem do pensar

grego para o latino que Heidegger indica o ponto crucial do afastamento do

misteacuterio como o mais essencial agrave essecircncia da verdade enquanto decircs-

velamento do esquecimento da cisatildeo que mantendo o pensador no espanto do

entre o protegia o res-guardava da decadecircncia da unilateralidade Por uma

vontade de progresso de decircs-envolvimento essa decisatildeo agora jaacute entendida

como tomada de posiccedilatildeo passa a controlar a razatildeo o pensar torna-se

entendimento o ιογος torna-se loacutegica A αιήζεηα torna-se veritas adequatio

corretude verdade Seguindo sempre adiante sem tempo para parar e olhar

para a proveniecircncia de onde haacute muito eacute enviado o que nos eacute destinado segue

esse decircs-envolvimento A linguagem o pensar que se davam como obra

como poiacuteesis torna-se uma linguagem predicativa proposicional torna-se re-

presentaccedilatildeo passando a dominar praticamente todos os acircmbitos do humano

A de-cisatildeo enquanto com-fronto disputa originaacuteria enquanto a απορηα que

levou o homem a imobilidade retorna na era da teacutecnica pela presenccedila uacutenica da

exigecircncia de um posicionamento A falta de aporia pela certeza imposta pela

pressa dos negoacutecios do desenvolvimento da teacutecnica eacute que agora imobiliza a

capacidade do homem a um confronto verdadeiro radical com o poder de

dominaccedilatildeo que se impotildee sobre ele

onde o sin eacute o por junto e o tese eacute em uma posiccedilatildeo Sin-tese em grego Ge-stell em alematildeo eacute

marca caracteriacutestica da unilateralidade da representaccedilatildeo

86

Diante essa nova imobilidade Heidegger por meio do pensar do poetar

busca redespertar esta aporia perdida aquele acordo originaacuterio aquela

harmonia essencial com o ser Urge uma nova tomada de de-cisatildeo ante a

pressa que impede qualquer parar meditativo-poeacutetico qualquer esperar

escutar Torna-se necessaacuterio o risco de se lanccedilar o olhar agraves profundezas das

alturas e aiacute cair no poccedilo outra vez Potildee-se o arriscar-se a ir-agrave-proximidade do

misteacuterio e se permitir ser entorpecido ldquona boca e na almardquo121

por esse demorar-

se no entre nesta abertura na clareira do ser Mas como pode o homem da

era da teacutecnica do entendimento representativo atingir a profundidade do

misteacuterio Como atingir essa serenidade que guarda a medranccedila do que salva

Trilhemos mais essas questotildees que se potildeem antes de nos demorarmos onde a

muito somos convocados

44 Da procura ao Aguardar o silencioso caminhar na vereda

Pensamos na serenidade como a disposiccedilatildeo que guarda em seu seio a

medranccedila do que salva Estaacute que enquanto um dizer sim e natildeo a teacutecnica nos

liberta da servidatildeo aos objetos e pensamento teacutecnico bem em seu seio Que

como este demorar-se no entre do aberto do misteacuterio da cisatildeo proveniente do

ser ao homem o devolve o conduz a um retorno ao habitar que lhe fora

confiado doado Pensamos essa serenidade em meio a um intenso domiacutenio da

teacutecnica sobre praticamente todos os acircmbitos do humano mas como se tornaraacute

possiacutevel quebrar essas algemas do entendimento representativo loacutegico e

aceder a esta serenidade Qual o procedimento o meacutetodo a forma de

aquisiccedilatildeo desta serenidade Como re-significar a linguagem proposicional

predicativa abrindo a ela a possibilidade do diaacutelogo com a linguagem poeacutetica

Essas perguntas de forma alguma nos conduziratildeo a esta serenidade a essa

121

Faz-se aqui uma alusatildeo ao estado que Mecircnon ao dialogar com Soacutecrates eacute levado pelo seu discurso Um entorpecimento que Platatildeo potildee como o movimento necessaacuterio a rememoraccedilatildeo

fonte de saber Conferir Mecircnon 80 b

E de que modo procuraraacutes Soacutecrates aquilo que natildeo sabes absolutamente o que eacute

Platatildeo Mecircnon

87

proximidade pois satildeo ainda perguntas loacutegicas do acircmbito da representaccedilatildeo

Procedimento meacutetodo adquirir re-significar satildeo todas expressotildees da re-

presentaccedilatildeo Aqui outra relaccedilatildeo com o que se potildee neste aberto do entre se

coloca

Platatildeo em um diaacutelogo no qual se investiga de qual o modo o homem

pode possuir a virtude ἀρεηή faz Mecircnon apoacutes ser levado a uma profunda

aporia sobre o que seja a justiccedila ela mesma ao estilo sofiacutestico perguntar a

Soacutecrates se eacute realmente possiacutevel aprender aquilo que absolutamente natildeo se

conhece Como eacute possiacutevel pela investigaccedilatildeo adquirir aquilo que mesmo ao

dar-se se fecha em si mesmo Como podemos conhecer esse misteacuterio atingir

essa serenidade Quem investiga busca por algo que previamente conta de

antematildeo conta previamente com algum resultado parte de uma instacircncia por

um determinado meacutetodo em alguma direccedilatildeo Mas como investigar algo que

absolutamente ainda natildeo haacute que informaccedilatildeo alguma tem-se dele Essas

perguntas jaacute estatildeo presentes no nascimento da Metafiacutesica tanto com Platatildeo

como com Aristoacuteteles Soacute que a pressa as potildee sempre de lado e nos decircs-via

ao desenvolvimento do que jaacute temos em matildeo do mais faacutecil de produzir do uacutetil

Leiamos algumas palavras de Heidegger acerca desse meacutetodo investigativo

A sua particularidade consiste no fato de que quando concebemos um plano investigamos ou organizamos uma empresa contamos sempre com condiccedilotildees preacutevias que consideramos em funccedilatildeo do

objetivo que pretendemos atingir Contamos antecipadamente com determinados resultados Este caacutelculo caracteriza todo o pensamento

planificador () o pensamento que calcula faz caacutelculos Faz sempre caacutelculos com possibilidades continuamente novas sempre com maiores perspectivas e simultaneamente mais econocircmicas O

pensamento que calcula corre de oportunidade em oportunidade 122

A serenidade que aguardamos natildeo chega a nossa proximidade por uma

investigaccedilatildeo meacutetodo ou atividade pelo contraacuterio eacute por ela afastada Entatildeo ao

homem natildeo resta nada a natildeo ser esperar ficar na passividade esperando que

algo ocorra e que lhe desperte essa serenidade Heidegger nomeia por

aguardar (warten) essa disposiccedilatildeo que em confronto com a investigaccedilatildeo eacute

mais apropriada agrave serenidade Um aguardar que natildeo eacute um mero espera que

natildeo eacute nunca um ficar na expectativa (erwaten) Aguardar natildeo eacute aqui um mero

122

HEIDEGGER Serenidade p 13

88

ficar na passividade esperando que algo ocorra Nem tambeacutem eacute a atividade da

investigaccedilatildeo que quer que algo chegue a determinado resultado Natildeo eacute

passividade nem atividade Eacute um trabalhar-se um obrar-se no sentido de uma

atenccedilatildeo um cuidado ao silecircncio do que se oculta do que nesse ocultar-se se

re-colhe se res-guarda Eacute aquela disposiccedilatildeo daquele caminhante que

trilhando um caminho ainda natildeo aberto que caminhando em uma mata virgem

aguarda pelo que advenha como o caminho pelo qual deve continuar seguindo

Eacute entatildeo aquele respeito aquele carinho amor philein pelo que lhe envolve

Naquela ocasiatildeo que o repouso se mostra o movimento mais apropriado diante

a aporia que se apresenta que lhe envolve ldquoDificilmente podemos alcanccedilar a

serenidade de uma forma mais adequada do que por meio de uma ocasiatildeo

para nos envolvermosrdquo 123

O querer eacute sempre um querer algo Eacute jaacute estar na expectativa A serenidade

como esse aguardar natildeo espera natildeo quer algo O que concerne a esse

aguardar natildeo eacute algo natildeo eacute um ente mas eacute a abertura eacute a clareira Eacute um

recebimento com gratidatildeo ao que brota para si do seio do ser da θσζης da

natureza Essa passagem do querer ao aguardar sereno eacute o caminho a se

seguir na ida agrave proximidade do que guarda a medranccedila do que salva Grato

com o que lhe eacute destinado o caminhante sereno lhe co-responde Liberto de

anseios e vontade o homem recebe a tarefa de guardiatildeo da clareira do brotar

guardiatildeo do diaacutelogo se apresenta como a outra possibilidade ante o perigo que

ameaccedila

Mantendo-se insistentemente nesse entre nessa abertura da cisatildeo do

misteacuterio lhe eacute destinado o Acontecimento-poeacutetico-apropriativo Ereignes da

histoacuteria do homem pois ldquoaquilo que permanece funda os poetasrdquo nas palavras

de Houmllderlin ou o que podemos escutar no eco da palavra por Goethe usada

onde ao inveacutes de usar para dar sentido a perdurar a palavra alematilde fortwaumlhrenI

usa a palavra misteriosa fortgewaumlhren como um continuar a conceder 124

O

que aiacute eacute entatildeo colhido com gratidatildeo como esse que insistentemente se demora

nisso que continua a conceder eacute levado ao homem por esse mensageiro

αγγειος como uma possibilidade de uma nova manhatilde de um novo momento

da histoacuteria Essa possibilidade que pela exploraccedilatildeo de tudo que estaacute dado potildee

123

Idem p45 124

HEIDEGGER A questatildeo da teacutecnica p 33

89

em fuga a possibilidade do inaugural que eacute confiado apenas agravequeles que se

demoram insistentemente no aguardar Aqueles que adentram na floresta natildeo

com intenccedilatildeo de uma exploraccedilatildeo de mais um mercado que lhe renderaacute um

oacutetimo negoacutecio ao comeacutercio mas agravequele que como protetor adentra na floresta

para lhe escutar e lhe res-guardar em seu cuidado

Esta natildeo eacute uma tarefa faacutecil pois aiacute trilha-se natildeo por uma estrada aberta e

segura mas trilha-se por uma vereda que insistentemente lhe potildee o fechado a

frente lhe envolvendo no risco do que absolutamente natildeo se conhece Assim

co-respondendo ao que lhe eacute confiado este caminhante deve insistentemente

demorar-se nessa aguardar do inaugural Qual o sentido dessa insistecircncia que

diversas vezes se apresentou em nosso trilhar Na conversa que eacute colhida de

um passeio do campo Heidegger nos escreve uns versos escutado de um

amigo sobre o que poderia ser pensado como o sentido dessa insistecircncia

Receber a salvo Para longa constacircncia

A verdade que estaacute a ser Nunca soacute algo verdadeiro Que o coraccedilatildeo pensante peccedila

Agrave singela paciecircncia A generosidade uacutenica

Do nobre recordar 125

Se Platatildeo como resposta a aporia acerca da possibilidade de se

aprender o que absolutamente natildeo se conhece fala de uma ἀλάκλεζης

anaminesis rememoraccedilatildeo de um recordar aqui tambeacutem o recordar se

apresenta ldquoA generosidade uacutenica do nobre recordarrdquo Recordando aquele

habitar na proximidade agrave fonte escuta-se o chamado a um novo momento da

histoacuteria a ser trilhado O nobre caminhante se depara no silecircncio da aporia do

entre com o canto de sua Matildee Este eacute convocado ao envolver-se em seu ser

Na disposiccedilatildeo da serenidade a nobreza natildeo eacute mais aquele tiacutetulo que indica um

possuidor de terras ou uma rica famiacutelia detentora de poder financeiro Nobreza

aqui eacute aquilo que tem proveniecircncia O caminhante nobre natildeo eacute dono da terra

na qual habita mas eacute filho dela eacute por ela aceito em seu seio ldquoA nobreza de

caraacuteter seria a essecircncia do pensamento (Denkens) e com isso do

125

HEIDEGGER Serenidade p 59

90

agradecimento (Dankens) Desse agradecimento que natildeo apenas agradece por

algo mas que apenas agradece por agradecerrdquo 126

Nesse nobre caminhar natildeo chegamos a um ponto final onde atingimos a

serenidade ante o misteacuterio e o misteacuterio natildeo eacute por noacutes adquirido O que se daacute eacute

aquele ir-agrave-proximidade eacute um adentrar a vizinhanccedila Com Heraacuteclito Heidegger

pensa esse ir-agrave-proximidade como uma traduccedilatildeo apropriada a esta conversa

do fragmento 122 de Heraacuteclito o menor dos fragmentos que possui uma soacute

palavra Ἀγτηβαζίε aproximar-se ir proacuteximo ser-admitido-no-sei-da-

proximidade Nosso trilhar poderia ser pensado entatildeo como esse ir-agrave-

proximidade Assim escreve Heidegger nas uacuteltimas linhas da conversa acerca

da serenidade

Que nos guiou pela noite dentro cujo brilho eacute cada vez mais

deslumbrante e supera em maravilha as estrelas porque aproxima entre si suas distacircncias no ceacuteu pelo menos para o observador ingecircnuo natildeo para o investigador exato Para a crianccedila no Homem a

noite permanece a aproximadoracostureira das estrelas Ela junta sem costura bainha nem linha

127

Assim natildeo se deve buscar aceder agrave serenidade com a intenccedilatildeo de lhe

atingir e lhe ter em posse A tarefa que fica ao homem em meio ao perigo da

dominaccedilatildeo da teacutecnica eacute algo diferente do querer do atingir do ter em posse A

tarefa que urge eacute a de um aguardar grato insistente no entre da serenidade

como esse demorar-se na proximidade na vizinhanccedila do misteacuterio Eacute pocircr no

sentido de um deixar-que em diaacute-logo esse pensamento que calcula com esse

pensamento poeacutetico que medita Cuidar de si do que lhe eacute essencial ou seja

cuidar da guarda dos misteacuterios da natureza que a si foi concedido Cuidar da

linguagem para que essa natildeo venha a decair completamente em um mero

falatoacuterio em mera proposiccedilatildeo e representaccedilatildeo mas que ela retorne ao que lhe

eacute mais proacuteprio que eacute o inaugurar o nomear o pocircr-em-obra Sua tarefa eacute cuidar

do pensamento pelo pensar ele mesmo salvando-o do ordinaacuterio e habitual

entendimento que calcula da loacutegica assim o res-guardando a possibilidade a

si mais autecircntica do meditar de poetar ante o misteacuterio Res-guardar as

relaccedilotildees dos homens entre si e entre as coisas de uma fraacutegil relaccedilatildeo sujeito-

objeto uma relaccedilatildeo egoica fundada no eu e tu e nesse resguardar permitir

126

Idem p 63 127

Idem pp68-69

91

uma outra relaccedilatildeo onde o diaacute-logo estaacute em seu seio onde a co-pertenccedila

permeia o todo Proteger a verdade como αιεζεηα decircs-encobrimento da

verdade como adequatio veritas corretude Eacute esse o sentido do que seja a

serenidade como a medranccedila do que salva Eacute a essa vizinhanccedila que fomos

levados por esse caminhar por esse caminho da floresta Holzwege por estas

sendas do pensamento por esta vereda Escutemos por fim estas uacuteltimas

palavras as quais por Heidegger foram usadas nas linhas finais de sua obra

acerca da arte A origem da obra de arte palavra de Houmllderlin um poeta que

para ele era os poetas dos poetasldquoDificilmente abandona O que mora na

proximidade do originaacuterio o lugarrdquo 128

128

HEIDEGGER A origem da obra de arte p201

92

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A-cerca do entendimento humano O salto na vereda

Pensamos neste caminhar sobre o homem o seu tempo atual sua

essecircncia e o que a este se apresenta como uma ameaccedila Pensamos na

teacutecnica na arte na serenidade Pensamos no ser na verdade e na linguagem

Adentramos estas questotildees com a proposta de dar um retorno agrave leitura que

fazemos do presente

O homem encontra-se em um estaacutegio de sua histoacuteria em que o

entendimento eacute apresentado como seu grande poder Um entendimento em

maior parte dominado pelo cientiacutefico pelo teacutecnico pelo comercial A razatildeo eacute

um grande negoacutecio para o capital principalmente quando o desenvolvimento

desta razatildeo eacute diretamente ligado agrave produccedilatildeo de um novo produto investido pelo

capital e para o capital Assim encontra-se em grande parte a razatildeo do homem

no presente Uma razatildeo que lhe foi de grande utilidade para lhe proteger das

ameaccedilas do incerto para lhe proteger do espanto do dando-lhe a seguranccedila e

conforto almejados Uma razatildeo que surge como instrumento de dominaccedilatildeo

ameaccedila fugir-lhe do seu controle para passar assim ao domiacutenio

Eacute assim que pensamos a-cerca do entendimento humano como essa cerca

que o aprisiona na dominaccedilatildeo do que seja entendido como o proacuteprio

entendimento O entendimento humano torna-se assim a cerca do humano

Uma cerca sem porta de saiacuteda onde o uacutenico caminho de uma fuga de

uma libertaccedilatildeo se apresenta como um salto Saltando sobre essa cerca para o

que estaacute aleacutem do que por ele foi aberto e dominado por sua razatildeo Este campo

aberto produzido para a sua seguranccedila o amedronta no presente momento de

sua histoacuteria com o perigo de uma escassez do adveniente do misteacuterio do que o

cerca Uma escassez de outra possibilidade que possa lhe salvaguardar da

iminente dominaccedilatildeo que a teacutecnica impotildee como ameaccedila

Urge ao homem saltar essa cerca e corajosamente mesmo que nos

primeiros passos ainda bem desajeitados pela falta de costume com esse novo

ambiente adentrar a vereda do que fora desta cerca se mostra como fonte Eacute

preciso arriscar-se por essa mata virgem em ir-agrave-proximidade do misteacuterio da

93

fonte de onde brota a seiva que alimenta sua essecircncia antes que essa

enfraquecida pela falta de seus nutrientes essenciais padeccedila ante a ameaccedila

que lhe cerca Essa seiva que na cerca eacute o pensamento calculista natildeo eacute

possiacutevel encontraacute-la em lugar algum Devemos nos aproximar dessa silenciosa

fonte originaacuteria que haacute muito canta o homem pelo retorno ao seu habitat

essencial haacute muito o convoca ao salto no a-bismo

Urge o arriscar-se a cair novamente no poccedilo ficando assim exposto a

possibilidade do riso Eacute preciso jogar-se no poccedilo e retornar com a aacutegua fonte

de tudo que em seu acircmago nutre a essecircncia do homem Retornando assim

esse que poeticamente se arrisca mais carregaraacute consigo a possibilidade de

transmitir aos outros homens o que do seio da Matildee Terra recebeu como o

destino dos homens Guardaraacute consigo a possibilidade de doar o que lhe foi

doado Em seu retorno da vereda restar-lhe-aacute a tarefa ainda mais difiacutecil do

que aquele caminhar no fechado a de dia-logar com os que moram dentro da

cerca a tarefa de pocircr em dialogo em si mesmo e em relaccedilatildeo aos outros

poesia e loacutegica metafiacutesica e pensamento caacutelculo e meditaccedilatildeo identidade e

diferenccedila

Nesse trabalho que agora podemos chamar de diaacute-logo a demora nos

primeiros passos foi uma necessidade de enfrentar tanto o enrijecimento da

tradiccedilatildeo como a proacutepria linguagem habitual da qual nos servimos nesse

confronto com a tradiccedilatildeo Se os passos finais se apresentaram em menor

quantidade de palavras eacute porque nele o caminhar cuidadoso exigiu mais

silecircncio do que dizer mais escuta do que fala Encontramo-nos apenas a

caminho de um verdadeiro e real enfrentamento com o aqui pensado Um

enfrentamento que se daraacute em nossas vidas relaccedilotildees pensamentos

linguagem com o misteacuterio do que nos convoca a sua proximidade Uma

aproximaccedilatildeo na qual a cada passo que adentramos nossa linguagem habitual

torna-se cada vez mais perigosa de levar-nos a um des(en)vio no sentido de

um novo afastamento

Esse acircmbito ao qual chegamos nessa nossa con-versa eacute um acircmbito natildeo de

respostas mas onde deve brotar as essenciais perguntas tarefa de todo

pensador que nos seratildeo destinadas ao diaacutelogo com o presente no qual

94

existimos Agradeccedilo portanto a companhia nessa caminhada pela vereda

companhia essa que sem ela nenhum caminhar eacute propriamente um caminhar

verdadeiro

95

REFEREcircNCIAS

Obras de Heidegger

HEIDEGGER Martin A origem da obra de arte [1935-36] Trad br Idalina

Azevedo e Manuel Antonio de Castro Satildeo Paulo Ediccedilotildees 70 2010

______________ A origem da obra de arte In Caminhos de floresta Trad

port Irene Borges-Duarte e Filipa Pedroso 2 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste

Gulbenkian 2012

______________ A origem da obra de arte Trad port Maria da conceiccedilatildeo

CostaLisboa Ediccedilotildees 70

______________ El origen de la obra de arte In Arte y Poesiacutea Trad esp

Samuel Ramos Buenos Aires Fondo de cultura econoacutemica 1958

______________ A questatildeo da teacutecnica [1953] In Ensaios e conferecircncias

Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo Rio de Janeiro Vozes 2008

______________ Serenidade [1955] Trad port Maria Madalena Andrade e

Olga SantosLisboa Instituto Piaget

______________ Ser e tempo [1927] Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante 3 ed

Rio de Janeiro Editora universitaacuteria Satildeo Francisco 2008

______________ Houmllderlin y la esencia de la poesia [1936] In Arte y poesia

Trad esp Samuel Ramos Buenos Aires Fondo de cultura economica 1958

______________ Para que poetas [1946] In Caminhos de floresta Trad

port Irene Borges-Duarte e Filipa Pedroso 2 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste

Gulbenkian 2012

______________ A teoria platocircnica da verdade [193132 1940] In Marcas do

caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Vozes 2008

______________ A essecircncia e o conceito de θσζης em Aristoacuteteles ndash Fiacutesica Β

1 [1939] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini

Petroacutepolis Vozes 2008

______________ Carta sobre o humanismo [1946] In Marcas do caminho

Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Vozes 2008

______________ A essecircncia do fundamento [1929] In Marcas do caminho

Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo giachini Petroacutepolis Vozes 2008

96

______________ Hegel e os gregos [1958] In Marcas do caminho Trad br

Ernildo Stein e Enio Paulo giachini Petroacutepolis Vozes 2008

______________ A essecircncia da verdade [1930] In Marcas do caminho Trad

br Ernildo Stein e Enio Paulo giachini Petroacutepolis Vozes 2008

______________ A essecircncia da Verdade [1930] In Conferecircncias e escritos

filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo Stein Satildeo Paulo Nova

cultural 1996

______________ Que eacute metafiacutesica [192943] In Conferecircncias e escritos

filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo Stein Satildeo Paulo Nova

cultural 1996

______________ O que eacute isto ndash a filosofia [1956] In Conferecircncias e escritos

filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo Stein Satildeo Paulo Nova

cultural 1996

______________ Identidade e diferenccedila [1957] In Conferecircncias e escritos

filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo Stein Satildeo Paulo Nova

cultural 1996

______________ ldquo poeticamente o homem habitardquo [1951] In Ensaios e

conferecircncias Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante Schuback Rio de Janeiro

Vozes 2008

______________ O fim da filosofia e a tarefa do pensamento [1966] In

Conferecircncias e escritos filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo

Stein Satildeo Paulo Nova cultural 1996

______________ Nietzsche I [1961] Trad br Marcos Antocircnio Casanova Rio

de Janeiro Forense Universitaacuteria 2007

______________ Nietzsche II [1961] Trad br Marcos Antocircnio Casanova Rio

de Janeiro Forense Universitaacuteria 2007

______________ Ciecircncia e pensamento do sentido [1954] In Ensaios e

______________ A caminho da linguagem [1959] Trad Maacutercia de Saacute

Cavalcante Satildeo Paulo Editora vozes 2011

______________ A superaccedilatildeo da metafiacutesica [1936-46] In Ensaios e

conferecircncias Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante Schuback Rio de Janeiro

Vozes 2008

______________ Da experiecircncia do pensar [1960] Trad br Maria do Carmo

Tavares de Miranda Porto Alegre Editora Globo 1969

97

______________ Quem eacute o Zaratrusta de Nietszche [1953] In Ensaios e

conferecircncias Trad br Gilvan Fogel Rio de Janeiro Vozes 2008

Obras sobre Heidegger

GADAMER Hans-Georg Hermenecircutica em retrospectiva Trad br Marcos

Antocircnio Casanova Rio de Janeiro Vozes 2009

LOPARIC Zeljko Eacutetica e finitude 2 Ed Satildeo Paulo Editora Escuta 2004

NUNES Benedito Hermenecircutica e poesia o pensamento poeacutetico Org Maria

Joseacute Campos Belo Horizonte Ed UFMG 1999

______________ Passagem para o poeacutetico filosofia e poesia em Heidegger

Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2012

RUumlDIGER Francisco Martin Heidegger e a questatildeo da teacutecnica prospectos

acerca do futuro do homem Porto Alegre Sulina 2006

STEIN Ernildo Seminaacuterio sobre a verdade Liccedilotildees preliminares sobre o

paraacutegrafo 44 de Zein und Zeit Petroacutepolis Vozes 1993

____________ Diferenccedila e metafiacutesica ensaios sobre a desconstruccedilatildeo Ijuiacute

Editora Unijuiacute 2008

Outras obras

AUBENQUE Pierre O Problema do ser em Aristoacuteteles Ensaio sobre a

problemaacutetica aristoteacutelica Trad br Cristina de Souza Agostini e Diocleacutezio

Domingos Faustino Satildeo Paulo Paulus 2012

AQUINO Tomaacutes de Questotildees discutidas sobre a verdade Trad br Luiz Joatildeo

Barauacutena Satildeo Paulo Editora Nova Cultural 2004

ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmacos Trad br Mario de Gama Kury Brasilia

Editora UNB 1961

____________ Fiacutesica trad esp Guillermo R de Echandia Editorial Gredos

SA 1995

____________ Fiacutesica I-II trad br Lucas Angioni Campinas Editora Unicamp

2010

____________ Metafiacutesica trad br Giovanni Reale Satildeo Paulo Ediccedilotildees

Loyola 2013

98

____________ Oacuterganon Trad br Edson Bini Satildeo Paulo Edipro 2010

____________ Poeacutetica Trad pt Ana Maria Valente Lisboa Ediccedilatildeo da

Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkain 2004

BARROS Manoel Poesia completa Satildeo Paulo Leya 2013

BAUMGARTEN Alexander Esteacutetica ndash A loacutegica da arte e do poema [1750]

Trad br Mirian Sustter Medeiros Petroacutepolis RJ Vozes 1993

BRENTANO Franz Sobre los muacuteltiples significados del ente seguacuten Aristoacuteteles

[1862] Trad esp Manuel Abella Madri Encuentro 2007

BURNET John A aurora da filosofia grega Trad br Vera Ribeiro Rio de

Janeiro Contraponto 2006

CROCE Benedetto Breviaacuterio de Esteacutetica Aesthetica in Nuce [1912] Trad br

Rodolfo Ilari Jr Satildeo Paulo Editora Aacutetica 2001

DESCARTE Reneacute As paixotildees da alma Trad br J Guinsburg e Bento Prado

Juacutenior Satildeo Paulo Abril Cultural 1973

_______________ Meditaccedilotildees sobre a Filosofia primeira [1641] Trad br J

Guinsburg e Bento Prado Juacutenior Satildeo Paulo Abril Cultural 1973

FRANZINI Elio A esteacutetica do Seacuteculo XVIII Trad pt Isabel Teresa Santos

Lisboa Editorial Estampa 1999

HEGEL Georg W F Esteacutetica Trad br Orlando Vitorino Satildeo Paulo Editora

Nova Cultural coleccedilatildeo Os pensadores 1999

HESIacuteODO Teogonia Trad br Jaa Torrano 5 Ed Satildeo Paulo Ilumiuras 2003

________ Os trabalhos e os dias Trad br Luiz Otaacutevio Mantovaneli Satildeo

Paulo Odysseus 2011

HOumlLDERLIN Friedrich Hipeacuterion Ou o eremita da Greacutecia Lisboa Editora

Assiacuterio e Alvim 1997

HOMERO Iliacuteada Volumes I e II Trad Haroldo de Campos 2 Ed Satildeo Paulo

Benviraacute 2010

________ Odisseacuteia Volumes I II e III Trad br Donaldo Schuumller Porto Alegre

LampPM 2007

KANT Immanuel Criacutetica da faculdade de julgar [1793] Trad br 2 ed Editora

Forense Universitaacuteria 2007

_______ Criacutetica da razatildeo Pura Trad pt Manuela Pinto dos Santos e

Alexandre Fradique Mourujatildeo Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 2001

99

KIRK G S RAVEN J E e SCHOFIELD M Os filoacutesofos Preacute-Socraacuteticos

histoacuteria criacutetica com seleccedilatildeo de textos Trad port Carlos Alberto Louro Fonseca

Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1994

LAEcircRTIOS Diocircgenes Vida e doutrinas dos filoacutesofos ilustres Trad br Maacuterio da

Gama Kury 2 ed Brasiacutelia UNB 2014

LEAtildeO Emanuel Carneiro Anaximandro Parmecircnides Heraacuteclito Os

pensadores originaacuterios Braganccedila Editora universitaacuteria Satildeo Francisco 2005

LIDDELL Henry George SCOTT Robert A GreekndashEnglish Lexicon Oxford

Clarendon Press 1940

NIETZSCHE Friedrich Assim falou Zaratustra [1883-85] Trad br Paulo Cesar

de Souza Satildeo Paulo Companhia das letras 2011

__________________ Vontade de poder Trad br Marcos Sinesio Perreira

Moraes Rio de Janeiro 2008

PARMEcircNIDES Da Natureza Trad br Joseacute Trindade Santos Satildeo Paulo

Ediccedilotildees Loyola 2002

PEREIRA Isidro Dicionaacuterio de Portuguecircs-Grego Grego-Portuguecircs Satildeo Paulo

Ediccedilotildees Loyola 1984

PLATAtildeO O Banquete In Diaacutelogos ndash Platatildeo Coleccedilatildeo Os pensadores Joseacute

Cavalcante de Souza Trad br Edison Bini Satildeo Paulo Abril cultural 1972

_______ Iacuteon Trad pt Victor Jabouille Lisboa Editorial inqueacuterito 1988

_______ A Repuacuteblica Trad pt Maria Helena da Rocha Pereira 9 ed Lisboa

Fundaccedilatildeo Caloute Gulbenkian

_______ O Sofista In Diaacutelogos I ndash Platatildeo Trad br Edison Bini Satildeo Paulo

Edipro 2007

_______ Mecircnon Trad br Maura Igleacutesias Rio de JaneiroPUC-RIO Ediccedilotildees

Loyola 2005

SCHILLER Friedrich Cartas Sobre a Educaccedilatildeo Esteacutetica da Humanidade

[1795] Trad port Roberto Schwarz Satildeo Paulo EPU 1991

SPENGLER Oswald A decadecircncia do ocidente Trad br Herbert Caro 2ed

Rio de Janeiro Zahar Editores 1973

VAZ Lima Escritos de filosofia VII Raiacutezes da modernidade Satildeo Paulo

Ediccedilotildees Loyola 2002

Page 7: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:

7

AGRADECIMENTO

Agradeccedilo antes de tudo a minha famiacutelia que esteve estaacute e com certeza

estaraacute presente em todos os momentos alegres e tristes de minha vida Que

ao me dizer que eu poderia ir muito longe me fez perceber que o meu caminho

eacute no sentido de ir cada vez mais para perto Amo vocecircs

A minha mulher Irlana que aleacutem da presenccedila do dia-a-dia acreditou e amou

junto comigo no que aqui venho a dizer Aleacutem de me proporcionar uma nova

famiacutelia

Aos meus amigos que por caminharem juntos sempre me alimentaram de um

bom acircnimo para seguir lutando pelo que acredito

Ao meu orientador Prof Eduardo Triandopolis que por me deixar caminhar

com minhas pernas com meu espiacuterito possibilitou que brotasse aquilo que

realmente estava em meu acircmago

Agrave banca examinadora agrave Professora Cristiane Marinho agrave Professora Tereza

Callado que ao lerem e comentarem o meu trabalho compuseram comigo a

essecircncia do diaacute-logo

Agradeccedilo tambeacutem em especial a todos os que um dia vierem a ler esta

pesquisa Que ela lhes animem tanto quanto me animou ao escrevecirc-la

Agrave natureza com seus bichinhos e plantas em uma harmonia tatildeo profunda e

contagiante que me revelou a essecircncia mais originaacuteria do que eacute a vida O estar

em comunhatildeo com o que nos cerca e nos compotildee

8

ldquoTodas as obras dos poetas mimeacuteticos se me afiguram ser a destruiccedilatildeo da

inteligecircncia dos ouvintes de quantos natildeo tiverem o antiacutedoto e o conhecimento

de sua verdadeira naturezardquo

(Platatildeo Repuacuteblica)

ldquoA arte como o uacutenico antiacutedoto superior contra toda e qualquer vontade de

negaccedilatildeo da vidardquo

(Nietzsche Vontade de poder)

9

RESUMO

Em que sentido a Serenidade como um diaacute-logo entre o pensamento que

calcula e o pensamento que medita um diaacute-logo entre a teacutecnica e a poesia em

conjunto com a abertura ao misteacuterio fonte originaacuterio de todos os vigentes se

apresentam como uma possibilidade um caminho de enfrentamento ao perigo

adveniente da crise resultante da dominaccedilatildeo global da teacutecnica nos acircmbitos

mais essenciais da vida Esse enfrentamento parece se dar no acircmbito da

linguagem e do pensar enquanto a morada do ser O homem como o guardiatildeo

dessa morada do ser eacute aquele que se abrindo ao misteacuterio do a ser destinado

pode arriscando-se ao saltar no abismo do que natildeo vige permitir ou melhor

ser permitido nessa outra possibilidade Aguardando correspondendo ao seu

destino o homem pode ser a medranccedila do que salva Para tal pesquisa

colocam-se aqui em diaacute-logo trecircs ensaios heideggerianos A questatildeo da

teacutecnica A origem da obra de arte e Serenidade Buscamos uma relaccedilatildeo destes

ensaios com outros ensaios centrais de Heidegger assim como sua relaccedilatildeo

com os filoacutesofos que lhe foram fundamentais para que ele chegasse onde

chegou Portanto buscamos pensar as questotildees presentes a partir de suas

origens enquanto questotildees eacuteticas esteacuteticas e metafiacutesicas Aleacutem de re-colocar

questotildees fundamentais agrave filosofia como a questatildeo do ser da verdade e da

linguagem Trata-se aqui de um debate contemporacircneo com a tradiccedilatildeo que

busca res-guardar algo originaacuterio que caiu no esquecimento

PALAVRAS-CHAVE Serenidade Misteacuterio Teacutecnica Arte Verdade

10

ABSTRACT

Think in what sense the Serenity as a con-versation between thinking that

calculates and thought that meditates a con-versation between technique and

poetry together with openness to the mystery source originating in all existing

present as a possibility one danger facing path arising the resulting crisis of

global technical domination over all the most essential areas of human A

confrontation so that occurs in the context of language and thinking while the

same namely the abode of being Man as the guardian of this home of being is

one that opening up the mystery of themselves for can risking to jump into the

abyss than not prevails allow or rather be allowed that another possibility

Waiting corresponding to its destination the man may be the possibility than

saved For such research put into day-logo Heideggerians three tests The

question of technique The origin of the artwork and Serenity Seeking a list of

these tests with the central test Heidegger as well as their relationship with the

philosophers that this was essential for this came near unto arrived So its a

research that seeks to think the issues present from its origins Debating issues

Ethics Aesthetics and Metaphysics In addition to re-raising fundamental

questions of philosophy and of being of truth and language A contemporary

debate in confrontation with the tradition and re-save something original search

that fell by the wayside

KEYWORDS SERENITY MYSTERY TECHNICAL ART TRUTH

11

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO O silencioso chamado O caminho que urge 11

2 O PERIGO QUE AMEACcedilA UM OLHAR Agrave ESSEcircNCIA DA TEacuteCNICA 14

21 DA PERGUNTA PELA TEacuteCNICA Agrave PERGUNTA PELA ESSEcircNCIA SOBRE A

QUESTAtildeO DO SER

14

22 A LIVRE RELACcedilAtildeO COM A TEacuteCNICA DA CORRETUDE Agrave VERDADE 21

23 TEacuteCNICA GREGA E MODERNA DA POIacuteESIS Agrave EXPLORACcedilAtildeO 26

24 DIS-PONIBILIDADE E COM-POSICcedilAtildeO ACERCA DO DESVELAMENTO

EXPLORADOR DA TEacuteCNICA MODERNA

31

3 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES ACERCA DA ESSEcircNCIA DA

ARTE

38

31 ldquoONDE MORA O PERIGO CRESCE O QUE SALVArdquo DA PERGUNTA PELA

TEacuteCNICA Agrave PERGUNTA PELA ARTE

38

32 O ORIGINAacuteRIO DA OBRA DE ARTE O POcircR-EM-OBRA DA VERDADE 44

33 PENSAMENTO POEacuteTICO UM DIZER SILENCIOSO 54

34 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES UM SALTO NA VEREDA 63

4 O CAMINHAR SERENO UM AGUARDAR NA PROXIMIDADE DO MISTEacuteRIO 71

41 DA DESTRUICcedilAtildeO Agrave SUPERACcedilAtildeO DA METAFIacuteSICA ACERCA DA

IDENTIDADE E DIFERENCcedilA

71

42 SERENIDADE O DIZER SIM E NAtildeO Agrave TEacuteCNICA 76

43 DA ABERTURA OU MISTEacuteRIO O DEMORAR-SE NO ENTRE 80

44 DA ABERTURA AO AGUARDAR O CAMINHAR SERENO NA VEREDA 85

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS ndash A-CERCA DO ENTENDIMENTO HUMANO O

SALTO NA VEREDA

91

REFEREcircNCIAS 94

12

1 INTRODUCcedilAtildeO

O silencioso chamado O caminho que urge

A presente pesquisa tem como proposta pensar a problemaacutetica apontada

por Heidegger no acircmbito da dominaccedilatildeo da teacutecnica no presente momento da

humanidade Adentrando esta problemaacutetica buscaremos ir ao fundo das

questotildees para demonstrarmos quatildeo dominado encontra-se o homem e assim

pensar em que sentido eacute possiacutevel reconhecer essa crise e qual o meio que

devemos proceder para efetivar esse reconhecimento Ao fazermos uma

imersatildeo nos textos de Heidegger buscaremos a partir do que foi por ele

pensado enfrentar essas questotildees Destacaram-se para esta pesquisa trecircs

conferecircncias em especial A questatildeo da teacutecnica (1953) A origem da obra de

arte (1936) e Serenidade (1955)

Neste primeiro ensaio Heidegger pensa a crise de seu tempo como uma

crise que tem por base o modo como se encara a teacutecnica o saber a linguagem

e o ser Esse modo de pensar e dizer vem se desenvolvendo a partir do seu

olhar nos primoacuterdios da Filosofia ateacute o periacuteodo claacutessico com Platatildeo e

Aristoacuteteles

Esse saber encontra-se naquilo que ele chama de seu ldquoestaacutegio de

acabamentordquo onde a teacutecnica passa a reger e a dominar quase que

completamente todos os acircmbitos do humano ameaccedilando-o em sua essecircncia

Assim ao sermos remetidos a uma leitura mais aprofundada deste ensaio nos

confrontamos com os escritos de outros filoacutesofos como Platatildeo Aristoacuteteles e

tambeacutem Tomaacutes de Aquino Descartes Kant Hegel e Nietzsche Contudo em

cada um destes pensadores teremos um olhar voltado agraves questotildees

heideggerianas que aqui buscamos pensar

Pensada a problemaacutetica e identificado o caminho que se mostrou como

alternativa agrave dominaccedilatildeo da teacutecnica sobre o homem passaremos ao segundo

momento de nossa pesquisa Um debate acerca de um ensaio anterior na

ordem do tempo ao ensaio da teacutecnica mas na nossa pesquisa

metodologicamente discutido em um momento posterior

13

A origem da obra de arte eacute o resultado de trecircs conferecircncias que se puseram

a tratar da questatildeo da arte e de sua essecircncia Na busca pela essecircncia da arte

enfrentaremos com Heidegger aleacutem da sempre presente questatildeo do ser e da

verdade questotildees esteacuteticas e outras acerca do estatuto do que venha a ser a

Esteacutetica como um campo do saber filosoacutefico Nessa busca de um retorno ao

que seja o originaacuterio na arte teremos em vista o que haacute na essecircncia da arte

que possa vir a se apresentar como aquela possibilidade de confronto agrave crise

identificada no primeiro ensaio portanto algumas questotildees concernentes a

esse ensaio que diante o nosso olhar natildeo estatildeo propriamente ligadas ao que

aqui se busca natildeo seratildeo tratadas com a profundidade com a qual trataremos

as que propriamente se colocam em nosso caminho Outros ensaios

heideggerianos acerca da arte do poeacutetico da linguagem assim como do

pensamento de Nietzsche sobre a arte faratildeo parte deste segundo momento de

nossa pesquisa contudo novamente como no primeiro ensaio a estes nos

reportaremos na medida em que isso se mostrar apropriado ao curso do nosso

caminhar

Tendo sido feita a leitura destes dois ensaios iniciais onde o primeiro

apresenta a problemaacutetica e o segundo nos mostra uma outra possibilidade de

confronto adentraremos o ensaio que nos permitiraacute pensar que tipo de

confronto ocorre entre a teacutecnica e a arte pensada por Heidegger

Com o ensaio Serenidade ensaio norteador deste trilhar como um todo

pensaremos em questotildees como inversatildeo retorno diaacute-logo siacutentese identidade

e diferenccedila poreacutem para que estas questotildees natildeo nos sejam apresentadas de

fora o que nos transporia a um acircmbito completamente diferente do que aqui se

intenta adentrar percorreremos lentamente cuidadosamente e

insistentemente passo a passo ou seja no interior das questotildees ateacute que

estas se apresentem a noacutes no que elas satildeo

Para tanto como eacute caracteriacutestico na leitura dos escritos heideggerianos

duas questotildees que lhes satildeo centrais e que o acompanham por todo o seu

pensar devem ser devidamente tratadas para que assim esse caminhar

parta desde os primeiros passos de dentro de sua filosofia Satildeo estas as

questotildees da verdade e do ser Estas questotildees seratildeo tratadas a partir de uma

trilogia pensada pelo proacuteprio autor como inter-ligadas onde uma natildeo pode

devidamente ser pensada sem a outra Essa trilogia eacute composta assim pelas

14

conferecircncias O que eacute metafiacutesica (1929) A essecircncia da verdade (1930) e A

questatildeo do fundamento (1929)

Assim percorrido o caminho desta pesquisa buscaremos com o devido

cuidado e responsabilidade para com o leitor apresentar o resultado de um

profundo esforccedilo de pesquisa sobre o essencial ao homem sua situaccedilatildeo

presente e sobre uma possibilidade de enfrentamento de alguns dos problemas

que se apresentam como os mais ameaccediladores e perigosos para sua

existecircncia

A serenidade como uma revoluccedilatildeo radical eacute nossa meta neste trabalho

pois busca as raiacutezes de onde se radica uma vasta gama de problemaacuteticas

Uma disposiccedilatildeo que soacute se mostraraacute livre de diversos preconceitos que a ela

possam ser atribuiacutedos apoacutes essa leitura interior Aqui como interior tem-se a

necessidade de um ultrapassar da razatildeo no sentido de uma escuta ao coraccedilatildeo

e ao caminho proposto Soacute por esse olhar interior a serenidade se mostraraacute

natildeo como uma mera passividade que se ausenta daquilo que no presente

momento histoacuterico urge mas se mostraraacute como aquela accedilatildeo mais radical de

confronto agrave crise a qual vem passando toda a humanidade

Eacute portanto com o maior vigor da seriedade e responsabilidade que

devemos ter sobre o nosso presente momento e lugar que se faz aqui esse

convite agrave leitura das palavras que se seguem Palavras que pretendem ser uma

conversa entre o que a partir deste caminhar junto poderemos chamar de

amigos

15

2 O PERIGO QUE AMEACcedilA UM OLHAR Agrave ESSEcircNCIA DA TEacuteCNICA

Neste capiacutetulo seratildeo tratadas as questotildees acerca da teacutecnica e de sua

essecircncia com isso seraacute possiacutevel refletir o sentido da crise apontada por

Heidegger agrave sociedade atual Diante do sentido desta crise seraacute buscada

junto ao filoacutesofo uma indicaccedilatildeo de um caminho de fuga de confronto de

superaccedilatildeo Para tal investigaccedilatildeo se daraacute de iniacutecio uma breve introduccedilatildeo ao

pensar heideggeriano concernente ao ser e agrave verdade pontos centrais em toda

sua obra filosoacutefica Em seguida abordaremos os questionamentos presentes no

ensaio A questatildeo da teacutecnica (1953) relacionados com o caminho que aqui

buscamos traccedilar

21 Da pergunta pela teacutecnica agrave pergunta pela essecircncia A questatildeo do ser

A pergunta pela teacutecnica seraacute desenvolvida no sentido de indicar uma

situaccedilatildeo criacutetica da humanidade atual e do modo como esse homem se

relaciona com o ambiente que o cerca Uma situaccedilatildeo que segundo o filoacutesofo

Martin Heidegger (1889-1976) tem na concepccedilatildeo teacutecnica loacutegico-cientiacutefica e

metafiacutesico-filosoacutefica o centro da problemaacutetica contudo natildeo se trata aqui de

negar ou afirmar cegamente a teacutecnica mas de desenvolver um questionamento

que abra nossa presenccedila para uma livre relaccedilatildeo com esta pois soacute em uma

relaccedilatildeo livre pode-se saber o que eacute verdadeiramente a teacutecnica pode-se

A infacircncia da palavra jaacute vem com o primitivismo

das origens

Nossas palavras se juntavam uma na outra por

amor e natildeo por sintaxe

Manoel de Barros Menino do mato

ldquo pois eacute evidente que haacute muito sabeis o que

propriamente quereis designar quando empregais a expressatildeo bdquoente‟ Outrora tambeacutem noacutes

julgaacutevamos saber agora poreacutem caiacutemos em aporiardquo

Platatildeo O sofista

Ningueacutem de noacutes na verdade tinha forccedila de fonte

Ningueacutem era iniacutecio de nada

Manoel de Barros Poemas rupestres

16

experienciar sua essecircncia Para esta caminhada Heidegger iniciaria com a

pergunta Qual a essecircncia da teacutecnica

Natildeo podemos considerar Heidegger um filoacutesofo sistemaacutetico pelo contraacuterio

seus questionamentos se entrelaccedilam em todo o conjunto de sua obra Pode-se

ler as questotildees do ser e da verdade estas que lhes satildeo fundamentais em

seus diversos escritos e conferecircncias e eacute assim que se daacute com a teacutecnica

Diversos satildeo os escritos onde podemos ler algo relacionado com a questatildeo

poreacutem eacute no ensaio A questatildeo da teacutecnica que se encontra em uma coletacircnea

de textos intitulada pelo proacuteprio autor de Ensaios e conferecircncias que podemos

encontrar este tema com um maior vigor de desenvolvimento Daiacute tomarmos

esse ensaio como base central para esta investigaccedilatildeo mas sempre buscando

relacionaacute-lo com outros textos e autores

Qual a essecircncia da teacutecnica Heidegger nos indica duas respostas dadas

pela tradiccedilatildeo respostas estas que se concatenam em uma Diz i) ldquoA teacutecnica eacute

um meio para um fimrdquo ii) ldquoA teacutecnica eacute uma atividade do homemrdquo Estas

determinaccedilotildees correntes da teacutecnica Heidegger chama de ldquodeterminaccedilatildeo

instrumental e antropoloacutegica da teacutecnicardquo 1 mas para que atividade do homem

eacute a teacutecnica um instrumento e meio Como se desenvolveu o interesse por seu

domiacutenio Surgiu para suprir nossas necessidades baacutesicas para que o homem

pudesse dominar e se assegurar das incertezas advindas das diversidades do

ambiente que o circunda bastando para isso que o homem domine a teacutecnica

com todo seu empenho Eacute nesse sentido que diz Heidegger

A concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica guia todo esforccedilo para colocar o

homem num relacionamento direto com a teacutecnica Tudo depende de se manipular a teacutecnica enquanto meio e instrumento da maneira devida Pretende-se como se costuma dizer ldquomanusear com espiacuterito

a teacutecnicardquo Pretende-se dominar a teacutecnica Este querer dominar torna-se tanto mais urgente quanto mais a teacutecnica ameaccedila escapar ao

controle do homem 2

O instrumento que lhe levaria a seguranccedila pelo domiacutenio da natureza

ameaccedila-lhe fugir ao controle Eacute essa ameaccedila que desperta no filoacutesofo a

necessidade de uma real investigaccedilatildeo de sua essecircncia portanto

recoloquemos a questatildeo com um maior cuidado evitando apresentar

1 HEIDEGGER Martin A questatildeo da teacutecnica [1959] In Ensaios e conferecircncias Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo

Rio de Janeiro Editora Vozes 2002 P12 2 Idem

17

apressadamente as respostas dadas pela tradiccedilatildeo sobre sua essecircncia Vamos

demorar com maior cuidado na pergunta em si escutando o que a pergunta

mesma nos encaminha Qual a essecircncia da teacutecnica Ao perguntar assim soa

outro questionamento o que eacute isto a teacutecnica Esta forma de questionamento

que se coloca deste modo - o que eacute isto - eacute a forma de questionar da proacutepria

Filosofia Este modo de questionamento jaacute se encontra presente em Platatildeo e

Aristoacuteteles Eacute o modo grego de questionar o vigente Assim diz Heidegger

Com a questatildeo agora posta avanccedilamos para a proximidade do ηη

εζηηλ grego Eacute aquela forma de questionar desenvolvida por Soacutecrates Platatildeo e Aristoacuteteles Estes perguntavam por exemplo Que eacute isto ndash o

belo Que eacute isto ndash o conhecimento Que eacute isto ndash a natureza Que eacute isto ndash o movimento

3

E do mesmo modo podemos fazer a pergunta O que eacute isto ndash o ente

Heidegger indica que neste questionamento encontra-se a questatildeo diretriz de

toda histoacuteria da FilosofiaMetafiacutesica ocidental esta que se assemelha com a

histoacuteria do esquecimento do ser Comeccedilamos com a pergunta pela essecircncia da

teacutecnica e agora nos encontramos diante da pergunta pelo ente e de sua

diferenccedila diante da pergunta pelo ser Comeccedilamos em um ponto para agora

chegarmos a sua origem Aqui torna-se necessaacuterio um esclarecimento sobre o

que seja o comeccedilo e sua diferenccedila fundamental com o que seja a origem

(Ursprung) ou melhor com o que seja o originaacuterio o principial O comeccedilo natildeo

eacute ainda o princiacutepio a origem ou dizendo ainda de forma mais condizente com

o pensar heideggeriano o comeccedilo natildeo eacute ainda o originaacuterio Em seu escrito

Hinos de Houmllderlin [19351935] Heidegger distingue bem essa diferenccedila entre

comeccedilo e princiacutepio Diz

Princiacutepio natildeo eacute o mesmo que comeccedilo () O comeccedilo eacute aquilo com que algo se inicia o princiacutepio eacute aquilo de onde isso vem () O comeccedilo eacute cedo deixado para traacutes desaparecendo na continuaccedilatildeo

dos acontecimentos O princiacutepio a origem pelo contraacuterio evidencia-se primeiramente entre os acontecimentos e soacute no fim destes estaacute

plenamente presente () Noacutes humanos nunca podemos principiar com o princiacutepio ndash disso soacute um deus eacute capaz ndash pelo contraacuterio temos

de comeccedilar isto eacute partir de um iniacutecio que soacute conduz agrave origem ou a indica

4

Aqui temos algumas palavras essenciais para o pensar inovador de

Heidegger Ur-sprungUrsprungliche e An-fangAnfaumlngliche Ur-

3 HEIDEGGER Martin O que eacute isto ndash a Filosofia In Conferecircncia e escritos filosoacuteficos Trad br Ernildo Stein Satildeo

Paulo Editora Nova Cultural 1996 P30 4 HEIDEGGER Martin Hinos de Houmllderlin [193435] Trad pt Lumir Nahodil Lisboa Instituto Piaget 1979 pp 11-12

18

sprungUrsprungliche pode ser traduzido na forma de substantivo e na forma

de adjetivo substantivado por origem e originaacuterio O mesmo se daacute com An-

fangAnfaumlngliche que nos surge como princiacutepio e como principial Nestas

traduccedilotildees5 somos remetidos a um ponto de partida a um solo a um comeccedilo Eacute

de encontro a esse sentido de ponto de partida que o pensar de Heidegger se

daacute No seu ensaio A origem da obra de arte os termos Ursprung e Anfang se

apresentam com todo seu vigor como palavras essenciais no sentido de

originaacuterio e principial ldquoA palavra origem (Ursprung) no sentido de originaacuterio

(Ursprungliche) significa fazer eclodir algo trazer algo ao ser num salto

fundador a partir da proveniecircncia da essecircnciardquo6 Em outro momento diz ldquoO

autecircntico princiacutepio (Anfang) nunca tem o caraacuteter de comeccedilo do primitivordquo ldquoeacute

sempre como um salto-preacuteviordquo7

Para adentrarmos um pouco mais na questatildeo seraacute feita uma breve

introduccedilatildeo agrave questatildeo do ser e sua relaccedilatildeo essencial com o ente Aqui temos

como destino de nossa investigaccedilatildeo uma questatildeo diferente a da pergunta pela

crise da sociedade atual denominada por Heidegger de sociedade da era

atocircmica e de sua tentativa de indicaccedilatildeo de um caminho de confronto Assim

esclareceremos em que sentido entendemos nas palavras originaacuterio e

principial uma referecircncia ao sentido do ser em contraposiccedilatildeo ao sentido de

origem e comeccedilo e sua proximidade ao ente

O ente eacute tudo que estaacute presente eacute o carro a cadeira a aacutervore satildeo os

animais os homens eacute tambeacutem deus a teacutecnica e a arte ou seja eacute qualquer

coisa Satildeo as meras coisas as coisas de uso e tambeacutem as coisas supremas

que enquanto coisas estatildeo sendo Ente (Seiende) ηὸ ὄλ eacute o particiacutepio neutro

grego o que para nossa liacutengua portuguesa podemos dizer como o geruacutendio do

ηὸ εἶλαη o infinitivo presente do verbo ser Portanto poderiacuteamos traduzir o ηὸ ὄλ

por sendo Assim ficaria o ser em contraposiccedilatildeo ao sendo A pergunta inicial

da filosofia se deu como dissemos anteriormente no modo O que eacute isto ndash o

ente O que no momento de esplendor no momento originaacuterio perguntava

pelo ser pelo ηὸ εἶλαη tornou-se a pergunta pelo ente pelo ηὸ ὄλ Assim eacute que

5 Nas notas de traduccedilatildeo do ensaio A origem da obra de arte Idalina Azevedo desenvolve com fortes argumentos o

sentido da traduccedilatildeo 6 HEIDEGGER Martin A origem da obra de arte [193536] Trad br Idalina Azevedo e Manuel Antocircnio de Castro Satildeo

PauloEdiccedilotildees 70 2010 p 199 7 Idem p195

19

Aristoacuteteles o grande sistematizador desenvolve sua argumentaccedilatildeo acerca da

ciecircncia primeira Pois se o ente em cada caso especiacutefico eacute o objeto de uma

determinada ciecircncia a natureza da Fiacutesica o homem da Psiquiatria o

acontecimento da Historiografia a linguagem da Filologia O ente aquilo que

estaacute sendo em cada coisa em geral eacute o objeto da filosofia ou como chama

Aristoacuteteles da θηιοζοθία πρώηε (filosofia primeira) da πρώηε ἐπηζηήκε

(ciecircncia primeira) Seu objeto eacute o ente e nada mais

Poreacutem o princiacutepio a proveniecircncia de cada ente deste em particular ou

mesmo do ente enquanto tal natildeo eacute possiacutevel de ser questionada ou justificada

em suas proacuteprias ciecircncias Diz Heidegger em um ensaio com o tiacutetulo Ciecircncia e

pensamento do sentido [1953] escrito na forma de uma preparaccedilatildeo ao ensaio

A questatildeo da teacutecnica apresentado alguns meses depois

A natureza o homem o acontecer histoacuterico a linguagem para as

respectivas ciecircncias o incontornaacutevel jaacute vigente nas suas objetividades Dele cada uma delas depende mas a representaccedilatildeo

nenhuma delas poderaacute abraccedilaacute-lo em sua plenitude essencial () O incontornaacutevel assim caracterizado rege e reina na essecircncia de toda

ciecircncia8

Sendo a Filosofia θηιοζοθία πρώηε a ciecircncia do ente enquanto ente nela

esse incontornaacutevel se apresenta ainda mais incontornaacutevel Seria em certo

sentido esse incontornaacutevel essa proveniecircncia originaacuteria do ente que

poderiacuteamos chamar de ser Natildeo sendo poreacutem nada do que estaacute aiacute mas fonte

principial de tudo que adveacutem Esse ser natildeo sendo coisa alguma natildeo sendo

natildeo pode ser objeto de investigaccedilatildeo da Filosofia Daiacute Heidegger nos dizer que

a morada do ser eacute na linguagem do pensador e do poeta9 ficando ao filoacutesofo o

ente e nada mais Pois se o ser natildeo eacute nenhum destes sendo natildeo eacute ente

algum se eacute natildeo-ente se assim o pensar nos permite expressarmos seria

entatildeo cometer uma infraccedilatildeo agrave regra primeira e fundamental do pensar loacutegico

sobre o qual eacute impossiacutevel errar a saber o princiacutepio da contradiccedilatildeo Este

princiacutepio que segundo Aristoacuteteles eacute o que rege todo o pensar filosoacutefico natildeo

permite falar do natildeo-ente sem tornaacute-lo ente jaacute que o falar filosoacutefico eacute aquele

8 HEIDEGGER Martin Ciecircncia e pensamento do sentido [1953] In Ensaios e conferecircncias

Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo Rio de Janeiro Editora Vozes 2002 pp 54-55 9 HEIDEGGER Martin Carta sobre o humanismo In Marcas do caminho Trad br Ernildo

Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 326

20

que diz o que eacute isto ndash o ente Assim Aristoacuteteles se expressa sobre o princiacutepio

da contradiccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com a Filosofia

Quem possui o conhecimento dos seres enquanto seres devem poder dizer quais satildeo os princiacutepios mais seguros de todos os seres Este eacute

o filoacutesofo E o princiacutepio mais seguro de todos eacute aquele sobre o qual eacute impossiacutevel errar () eacute impossiacutevel que a mesma coisa ao mesmo tempo pertenccedila e natildeo pertenccedila a uma mesma coisa segundo o

mesmo aspecto () Essa noccedilatildeo uacuteltima por sua natureza constitui o princiacutepio de todos os outros axiomas

10

Eacute esse incontornaacutevel aporeacutetico essa vereda que Parmecircnides chamou de o

terceiro caminho ou o natildeo-caminho αηαρπωλ (caminho no qual natildeo se vecirc o

caminho de retorno por onde se veio) do qual nos proiacutebe seguir em seu poema

Sobre a natureza Proibindo por meio das palavras da Deusa Ἀληθεία

Aletheiacutea o jovem justo de seguir ficando ao errante poeta e pensador o risco

de dizer o sentido do ser risco no qual Heidegger se potildee a enveredar Nota-se

isso jaacute em sua primeira grande obra Ser e tempo [1927] onde na primeira

paacutegina ao citar uma passagem do Sofista de Platatildeo diz

ldquo Pois eacute evidente que de haacute muito sabeis o que propriamente

quereis dizer quando empregais a expressatildeo bdquoente‟ Outrora tambeacutem noacutes julgaacutevamos saber agora poreacutem caiacutemos em aporiardquo Seraacute que

hoje temos uma resposta para a pergunta sobre o que queremos dizer com a palavra ldquoenterdquo de forma alguma Assim cabe colocar

novamente a questatildeo sobre o sentido do ser Seraacute que hoje estamos em aporia por natildeo compreendermos a expressatildeo ldquoserrdquo De forma alguma Assim trata-se de redespertar uma compreensatildeo para o

sentido desta questatildeo11

Seraacute que encontramos nas ciecircncias seja ela uma ciecircncia especiacutefica ou

seja ela a ciecircncia primeira esse caraacuteter aporeacutetico Ou eacute justamente deste

aporeacutetico incontornaacutevel que a ciecircncia busca fugir Se perguntar pela essecircncia

de uma coisa eacute perguntar por sua fonte originaacuteria pelo que eacute pelo

incontornaacutevel que se potildee como fonte principial entatildeo por meio da teacutecnica da

ciecircncia natildeo chegaremos a experienciar ou ao menos nos aproximar do que

seja essa essecircncia Diz Heidegger

10

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Trad br Marcelo Perine da ediccedilatildeo Italiana de Giovanni Reale

Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2005 pp 143-145 11

HEIDEGGER Martin Ser e tempo [1927] Trad br Macia de Saacute Cavalcante Schuback

Petroacutepolis Vozes 2008 p 34

21

A essecircncia da teacutecnica natildeo eacute de forma alguma nada de teacutecnico Por isso nunca faremos a experiecircncia de nosso relacionamento com a

essecircncia da teacutecnica enquanto concebermos e lidarmos apenas com o que eacute teacutecnico enquanto a ele nos moldarmos ou dele nos afastarmos () De acordo com uma antiga liccedilatildeo a essecircncia de

alguma coisa eacute aquilo que ela eacute Questionar a teacutecnica significa portanto perguntar o que ela eacute

12

Soacute um caminho natildeo teacutecnico-loacutegico-cientiacutefico pode nos enviar a uma

experiecircncia originaacuteria com a essecircncia da teacutecnica Esse caminho eacute um caminho

do pensamento pois se nos mantivermos no acircmbito da teacutecnica como

poderiacuteamos ainda querer questionar algo a respeito dela e possuir uma

definiccedilatildeo correta Essa definiccedilatildeo haacute muito tempo nos diz que a teacutecnica eacute um

meio e uma atividade do homem Ela nos diz que a teacutecnica eacute um instrumento

do homem para atingir os seus fins

Quem ousaria negar que ela eacute correta () Com certeza O correto

constata sempre algo exato e acertado naquilo que se daacute e estaacute em frente (dele) Para ser correta a constataccedilatildeo do certo e exato natildeo precisa descobrir a essecircncia do que se daacute e apresenta Ora somente

onde se der esse descobridor da essecircncia acontece o verdadeiro em sua propriedade Assim o simplesmente correto ainda natildeo eacute o

verdadeiro E somente este nos leva a uma atitude livre com aqui que a partir da sua proacutepria essecircncia nos concerne

13

Potildee-se em nosso caminho a questatildeo da verdade Eacute com esta explanaccedilatildeo

que passaremos ao proacuteximo passo do caminho que aqui estamos a trilhar

Ainda de forma introdutoacuteria o proacuteximo passo seraacute pensar a questatildeo da

verdade e sua contraposiccedilatildeo ao que seja o correto ao que seja a adequaccedilatildeo

Portanto contrapor o sentido de verdade para Heidegger como ἀιεζεία

aletheacuteia e des-velamento aos conceitos de ὁκοίωζης omoiosis (corretude) e

adequatio (adequaccedilatildeo) eacute entender um processo de sucessivas transformaccedilotildees

np decorrer da tradiccedilatildeo filosoacutefica no que se entende por verdade do seu

nascimento originaacuterio aos dias atuais

22 A livre relaccedilatildeo com a teacutecnica Sobre a corretude e a verdade

12

A questatildeo da teacutecnica p 11 13

Idem pp 11-12

22

Estamos buscando desenvolver um questionamento que nos transponha

para uma livre relaccedilatildeo com a teacutecnica Tal relaccedilatildeo soacute se daacute verdadeiramente

diante de sua essecircncia diante do que seria a teacutecnica A tradiccedilatildeo nos diz que a

teacutecnica eacute um meio e uma atividade do homem definiccedilatildeo que Heidegger chama

de concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica Quem negaria a sua corretude Poreacutem

diante do ateacute aqui exposto algumas interrogaccedilotildees se fazem necessaacuterias Eacute o

correto jaacute o verdadeiro O que eacute corretude e qual o seu acircmbito A verdade foi

desde sempre pensada como corretude Como a verdade foi pensada em seu

momento originaacuterio Qual a relaccedilatildeo entre verdade corretude e teacutecnica

Precisamos percorrer cada um desses passos como num caminhar na busca

de desenvolver algo no sentido desse livre relacionar-se com a teacutecnica que

aqui buscamos

O correto jaacute eacute o verdadeiro Heidegger constantemente nos leva a um

questionamento do habitual e recorrente e nesse habitual nossa concepccedilatildeo

de verdade se apresenta como a mera corretude A verdade no pensamento

calculista se apresenta como exatidatildeo contudo o correto natildeo atinge a

profundidade do verdadeiro Permanece na superficialidade do presente e

habitual mas em que sentido o filoacutesofo diferencia corretude de verdade Onde

cada um destes sentidos atua O pensar heideggeriano acerca do ser e do

ente seraacute relacionado ao que foi apresentado pelas seguintes palavras de

Heidegger ldquoO correto constata sempre algo de exato e acertado naquilo que se

daacute e estaacute em frente (dele)rdquo14

O correto se relaciona com aquilo que se daacute e estaacute em frente dele Seu

acircmbito eacute o do vigente dado posto Seu acircmbito eacute o do ente Acertado e exato eacute

seu relacionamento com o ente com o jaacute desvelado contudo nada sabe sobre

o ser Natildeo desvela sua essecircncia mas movimenta-se no jaacute desvelado no posto

dado ordinaacuterio e habitual sendo que ldquosomente onde se der esse descobrir da

essecircncia acontece o verdadeiro em sua propriedaderdquo15

Enquanto o correto diz

sobre o posto o verdadeiro abre-o ao seu aparecer O verdadeiro deixa viger o

que eacute destinado do ser ao ente do ainda natildeo vigente ao vigente Eacute nesse

descobrir que se mostra o relacionar-se com o ser Abrindo uma clareira ou

como clareira que se permite o vir agrave vigecircncia algo do ser eacute que se daacute um

14

Ibidem 15

A questatildeo da teacutecnica p13

23

acontecer do ser Entatildeo se o correto tem o seu acircmbito no ente a verdade

encontra-se em relaccedilatildeo com o ser Sendo somente esta verdade capaz de

permitir a livre relaccedilatildeo com o essencial com o ser Mas de onde Heidegger

apreende essa distinccedilatildeo entre verdade e corretude que aqui foi apenas posta

mas natildeo foi trilhada Onde encontra o pensador solo para este caminhar

Onde inicia o seu caminhar acerca da verdade da abertura Para essa

pergunta nos remetemos agraves suas palavras

Este aberto foi concebido pelo pensamento ocidental desde o seu iniacutecio como ηὰ ἀιήζεα o desvelado Se traduzimos a palavra ἀιήζεα por bdquodesvelamento‟ em lugar de bdquoverdade‟ essa traduccedilatildeo natildeo eacute

somente mais bdquoliteral‟ mas ela compreende a indicaccedilatildeo de pensar mais originariamente a noccedilatildeo corrente de verdade como

conformidade do enunciado16

Somos entatildeo encaminhados pelas fendas de nossa investigaccedilatildeo aos

gregos e seu modo de pensar O que os gregos entendiam por ἀιήζεα

desvelamento A questatildeo da verdade para Heidegger juntamente com a

questatildeo do ser torna-se o cerne do seu pensar Assim tatildeo fundamental como

a questatildeo do ser eacute a questatildeo da verdade em seu pensar como um todo Eacute

necessaacuterio que mantenhamos ambas como um soacute pensar caminhando juntas

Um ensaio fundamental no que concerne a discussatildeo sobre a verdade eacute o

ensaio A essecircncia da verdade [1930] Este em conjunto com o O que eacute

metafiacutesica [1929] satildeo considerados os textos da virada (Kehre) do

pensamento heideggeriano O proacuteprio filoacutesofo chama este momento de viragem

de seu pensar17

Onde o ser passa a ser buscado diretamente por meio de seu

acontecer poeacutetico-apropriante (Ereignis) Diferentemente de sua busca anterior

a partir do ente privilegiado homem a partir do Da-sein em ambas as fases de

seu filosofar se assim realmente se pode dizer a essecircncia da verdade como

ἀιεζεία des-velamento se potildee como uma questatildeo central

Verdade se disse primeiramente no mundo grego como ἀιεζεία

desvelamento Heidegger inaugura ou recupera em seu sentido originaacuterio uma

leitura a essa palavra essencial ldquoEssa palavra bdquoverdade‟ tatildeo sublime e ao

mesmo tempo tatildeo gasta e embotada designa o que constitui o verdadeiro

16

HEIDEGGER Martin A essecircncia da verdade [1930] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 200 17

Cf Cartas sobre o humanismo pp 339-341

24

enquanto verdadeiro (fazer pro-duzir deixar vir agrave clareira)rdquo18

Na palavra

ἀιεζεία o pensador escuta para muito aleacutem da mera corretude adequaccedilatildeo

certeza objetividade realidade Nela ressoa o originaacuterio ressoa o

desvelamento que abre Uma abertura que deixa advir o destinado do misteacuterio

do oculto ἀιήζεηα eacute composta pelo α privativo mais o radical ιήζε que

podemos traduzir por velado oculto esquecido Daiacute a traduccedilatildeo heideggeriana

de ἀιήζεiα por des-velamento des-ocultaccedilatildeo des-esquecimento Aquilo que

deixa o fechado do velamento vir ao vigor do vigente como o des-velado que

passa do natildeo-dado ao dado ao doado dizendo portanto algo completamente

distinto de exatidatildeo corretude ou adequaccedilatildeo Verdade dizia sobre um

acontecimento essencial do ser

Onde este sentido mais originaacuterio de verdade se perdeu Foi deixado de

lado e com isso esquecido Onde se deu tatildeo grande desvio de pensamento

Heidegger identifica o iniacutecio desta mudanccedila do sentido de verdade e junto com

ela a mudanccedila de sentido do ser com os gregos em sua fase tardia que se

inicia apoacutes a plenitude daquele pensar originaacuterio que se deu com Anaximandro

Pitaacutegoras Heraacuteclito e Parmecircnides Esse periacuteodo tardio que como Nietzsche19

Heidegger identifica como o periacuteodo de decadecircncia do pensar grego e iniacutecio da

decadecircncia do pensar ocidental Esse eacute o periacuteodo dos grandes ldquofiloacutesofosrdquo

Soacutecrates Platatildeo e Aristoacuteteles A mudanccedila no sentido da verdade assim como

a histoacuteria do esquecimento do ser pelo ente tem seu iniacutecio jaacute em Platatildeo

sofrendo novamente uma mudanccedila de paradigma com Aristoacuteteles nos escritos

de loacutegica e de metafiacutesica e com os latinos em suas traduccedilotildees e interpretaccedilotildees

da filosofia grega aquilo que de forma latente ainda pensava o sentido anterior

de verdade e ser eacute transformado em outro pensar e assim esquecido Assim

o que era fundamental ao pensamento grego a questatildeo do ser e da verdade

decai na questatildeo do ente e da adequaccedilatildeo Vejamos essa passagem do Ser e

Tempo onde Heidegger nos diz sobre esse decair do filosofar grego

Embora nosso tempo se arrogue o progresso de afirmar novamente a

bdquometafiacutesica‟ a questatildeo aqui evocada caiu no esquecimento () A questatildeo referida natildeo eacute na verdade uma questatildeo qualquer Foi ela que deu focirclego agraves pesquisas de Platatildeo e Aristoacuteteles para depois

18

A essecircncia da verdade pp 190-191 19

Cf NIETZSCHE Friedrich A filosofia na eacutepoca traacutegica dos gregos In Coleccedilatildeo os pensadores vol XXXII ndash Obras incompletas Trad br Rodrigo Torres Filho Satildeo Paulo Abril

Cultural 1974 pp 37-51

25

emudecer como questatildeo temaacutetica de uma real investigaccedilatildeo () Ε o que outrora se arrancou num supremo esforccedilo de pensamento ainda

que de modo fragmentado e tateante aos fenocircmenos encontra-se de haacute muito trivializado

20

Vejamos como Heidegger lecirc essa histoacuteria do esquecimento e das

seguidas mudanccedilas de sentido da questatildeo da verdade Heidegger em seu

polecircmico ensaio A teoria platocircnica da verdade [19311932 1940] propotildee que o

desvio de sentido jaacute se deu com Platatildeo ao introduzir a noccedilatildeo de ὀρζόηες de

um bdquoolhar reto‟ Para natildeo adentrar em uma discussatildeo mais aprofundada acerca

do ensaio citado e do polecircmico posicionamento heideggeriano sobre o pensar

platocircnico da verdade ressaltaremos aqui apenas aquilo que o autor indica

como o iniacutecio da transformaccedilatildeo da essecircncia da verdade Leiamos uma

passagem deste ensaio

Se no geral em toda e qualquer postura frente ao ente estaacute em questatildeo o ἰδεῑλ da ἰδέα a visualizaccedilatildeo do bdquoaspecto‟ entatildeo todo

esforccedilo deve concentrar-se antes de tudo em procurar possibilitar uma tal visualizaccedilatildeo Para isso eacute necessaacuterio um olhar reto () em

consequecircncia dessa adequaccedilatildeo do notar como um ἰδεῑλ agrave ἰδέα daacute-se uma ὁκοίωζης uma concordacircncia do conhecimento com a coisa mesma Assim da primazia da ἰδέα e do ἰδεῑλ frente a ἀιήζεiα daacute-se

uma transformaccedilatildeo da essecircncia da verdade Verdade torna-se ὀρζόηες retidatildeo do notar e enunciar

21

Apresenta-se aiacute o primeiro passo da transformaccedilatildeo da essecircncia da

verdade uma transformaccedilatildeo que para noacutes parece ocorrer de forma tatildeo sucinta

que torna difiacutecil a compreensatildeo do polecircmico texto de Heidegger

Ο que em Platatildeo e Aristoacuteteles ainda se deu como passagem segundo

Heidegger ali onde o pensamento grego ainda era vigoroso mesmo que jaacute

tornado sistemaacutetico escolar foi abandonado e por conseguinte esquecido

pela tradiccedilatildeo Segundo Heidegger a leitura latina do pensar grego diluiu o vigor

desse filosofar Na traduccedilatildeo de ἀιήζεiα para veritas como uma adequatio daacute-

se o passo decisivo do que vinha mudando de sentido Nessa mudanccedila de

sentido podemos perceber os passos da transformaccedilatildeo do conceito de

verdade Da verdade do ser (ontoloacutegica) a verdade do ente (ocircntica) e por fim

20

Ser e Tempo p 37 21

HEIDEGGER Martin A teoria platocircnica da verdade In Marcas do caminho Trad br Ernildo

Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 242

26

a verdade da proposiccedilatildeo (proposicional) Cada vez de forma mais decadente

mais superficial Cada vez menos originaacuteria a verdade vai se transformando no

exato no correto

Assim na Escolaacutestica podemos ver fortemente os ecos determinantes

da filosofia aristoteacutelica De um pensar loacutegico e argumentativo palavras e

expressotildees usadas por Aristoacuteteles referentes agrave questatildeo da verdade natildeo

apresentam mais o vigor do mundo grego e seu pensar natildeo pulsa mais o

modo grego de pocircr-se no mundo O mundo grego se desvaneceu Soacute restaram

traduccedilotildees e reflexos do que outrora se pensou

Assim pelo exposto podemos vislumbrar o desvio ou mesmo o envio

do sentido originaacuterio de verdade entendida como ἀιήζεiα des-velamento

passando pela ὀρζόηες o olhar reto ὁκοίωζης a semelhanccedila e a adequatio

entendida como base da filosofia escolaacutestica por adequaccedilatildeo da coisa a

proposiccedilatildeo tornando-se assim simplesmente em veritas verdade ao

entendimento atual de adequaccedilatildeo

ldquoOnde nos perdemosrdquo Questionamos a teacutecnica e agora encontramo-nos

diante da verdade e suas variadas determinaccedilotildees e sentidos O que tem a ver

a essecircncia da teacutecnica com a essecircncia da verdade A resposta que Heidegger

nos daacute eacute ldquoTudordquo A essecircncia da teacutecnica e da verdade tem tudo a ver Teacutecnica

em grego se dizia ηέτλε o mesmo termo era usado tambeacutem para a arte

Teacutecnica e arte eram modos de deixar viger o ainda natildeo vigente Deixa-viger

aqueles que diferente dos entes da θύζης natildeo possuiacuteam o eclodir em si

mesmos E como um deixar viger ambos estariam intrinsecamente

relacionados com a verdade pensados como ἀιήζεiα desvelamento Ambas

satildeo pro-duccedilatildeo e como podemos ler na passagem citada por Heidegger do

diaacutelogo Banquete de Platatildeo ldquoTodo deixar-viger o que passa e procede do natildeo

vigente para a vigecircncia eacute ποίεζης eacute pro-duccedilatildeordquo22

A teacutecnica eacute pro-duccedilatildeo e

enquanto pro-duccedilatildeo eacute ποίεζης poiacuteesis eacute desvelamento Pensando assim a

teacutecnica natildeo se resume a um simples meio sua essecircncia estaacute para aleacutem disso

Ela eacute um modo de verdade de desvelamento Mas seraacute que esse modo de

pensar a teacutecnica eacute vaacutelido tambeacutem para a teacutecnica moderna Ou ela pertence

apenas ao acircmbito do pensamento grego Seraacute que a teacutecnica das usinas

22

A questatildeo da teacutecnica p 16

27

induacutestrias da fiacutesica moderna eacute tambeacutem pro-duccedilatildeo ποίεζης Heidegger levanta

essa indagaccedilatildeo da seguinte forma

Teacutecnica eacute uma forma de desencobrimento A teacutecnica vige e vigora no acircmbito onde se daacute descobrimento e decircs-encobrimento onde

acontece ἀιήζεiα verdade Contra essa determinaccedilatildeo do acircmbito da essecircncia da teacutecnica pode-se objetar e dizer que ela vale para o

pensamento grego e no melhor dos casos pode servir para a teacutecnica artesanal mas natildeo alcanccedila a teacutecnica moderna caracterizada pela maacutequina e aparelhagens E eacute justamente esta e somente esta que

constitui o sufoco que nos leva a questionar bdquoa‟ teacutecnica23

Eacute diante esta indagaccedilatildeo que somos levados ao caminho do pensar a

teacutecnica grega em confronto com a teacutecnica moderna Portanto como pensar a

ηέτλε grega e sua relaccedilatildeo com a ποίεζης e sua transformaccedilatildeo na teacutecnica

moderna Eacute a teacutecnica moderna tambeacutem um modo de ἀιήζεiα desvelamento

Caso seja eacute do tipo poieacutetico no sentido de uma pro-duccedilatildeo que deixa-viger Ou

o que lhe caracteriza o que lhe domina eacute outro tipo de desvelamento Satildeo

esses traccedilos que seratildeo investigados nos passos seguintes

23 Teacutecnica grega e moderna Da poiacuteesis agrave exploraccedilatildeo

Em que sentido podemos pensar com Heidegger sua indicaccedilatildeo de que o

que preocupa eacute exatamente o sentido de pro-duccedilatildeo enquanto ποίεζης natildeo

poder mais ser aplicado agrave teacutecnica moderna Que sentido tem essa pro-duccedilatildeo

para os gregos Se natildeo eacute mais a poiacuteesis que determina a teacutecnica moderna o

que eacute Por que esta outra determinaccedilatildeo a saber a exploraccedilatildeo e o

armazenamento ameaccedilam tanto o homem atual Seratildeo estas indagaccedilotildees e as

que surgirem no caminho nas quais nos deteremos com o cuidado

necessaacuterio para que passo por passo trilhemos o caminho no qual

adentramos

Se pensarmos em um antigo moinho de vento grego e em uma usina

hidroeleacutetrica moderna podemos dizer que ambos satildeo um meio de produccedilatildeo de

energia Se pensarmos no agricultor ao lavrar sua terra ou em uma induacutestria de

23

Idem p18

28

agronegoacutecio podemos novamente dizer que ambas tecircm como finalidade a

produccedilatildeo de alimentos O que os diferenciam Natildeo satildeo ambos meio e

finalidade de produccedilatildeo Sim e natildeo Os dois extraem algo da terra poreacutem o

primeiro em cada um dos casos com cuidado deixa que a terra lhe doe o que

lhe eacute necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo de sua vida enquanto que no segundo de

forma abrupta retira da terra como de um reservatoacuterio mais do que o

necessaacuterio com o fim de estocar e armazenar e depois disso fazer um

negoacutecio O primeiro recebe uma doaccedilatildeo como presente ao seu presente O

segundo arranca mateacuteria-prima que ficaraacute disponiacutevel para um uso posterior A

relaccedilatildeo esta proximidade que o antigo tem com a Terra aquela que ele chama

de Matildee ldquoTerra de amplo seio de todos sede irresvalaacutevel semprerdquo24

Γάηα

multinutriz como nos conta nos bdquocanta‟ Hesiacuteodo transforma-se para o

segundo em uma relaccedilatildeo de exploraccedilatildeo forccedilando a terra a fornecer mateacuteria-

prima natildeo mais como uma vaca que pro-duz leite para alimentar a cria Mas

como uma vaca leiteira que em uma induacutestria eacute forccedilada recebendo

hormocircnios agrave produccedilatildeo de muitos litros de leite por dia que seratildeo tratados

transformados encaixotados armazenados para estarem disponiacuteveis agrave venda

Leiamos as palavras de Heidegger

O subsolo passa a se desencobrir como reservatoacuterio de carvatildeo o chatildeo como jazidas de mineacuterio Era diferente o campo que o camponecircs outrora lavrava quando lavrar ainda significava cuidar e

tratar O trabalho camponecircs natildeo provocava e desafiava o solo agriacutecola () A terra se desencobre nesse caso depoacutesito de carvatildeo

e o solo jazida de minerais25

Eacute draacutestica a mudanccedila no relacionar-se com a natureza entre os antigos e

os modernos A pro-duccedilatildeo grega eacute outra completamente diferente dessa

exploraccedilatildeo moderna mas para percebermos esta draacutestica mudanccedila iremos

nos deter ainda mais no que seja essa pro-duccedilatildeo que entre os gregos tinham

esse sentido de ποίεζης Apoacutes esta investigaccedilatildeo estaremos em melhores

condiccedilotildees de adentrar ainda mais na teacutecnica moderna em busca de sua

essecircncia pois soacute em uma verdadeira relaccedilatildeo com essa essecircncia poderemos

buscar um caminho de enfrentamento a essa situaccedilatildeo criacutetica da qual o homem

24

HESIacuteODO Teogonia a origem dos deuses Trad br Jaa Torrano Satildeo Paulo Editora Ilumiuras 1995 p 91 25

A questatildeo da teacutecnica p 19

29

atual se encontra imerso submerso ldquoTudo agora depende de se pensar a pro-

duccedilatildeo e o pro-duzir em toda sua amplitude e ao mesmo tempo no sentido dos

gregosrdquo26

Como na passagem citada do Banquete de Platatildeo pro-duccedilatildeo no sentido

de ποίεζης eacute todo deixar-viger O que leva da natildeo-vigecircncia a vigecircncia eacute todo o

pocircr no sentido de um deixar emergir A proacutepria θύζης nesse sentido eacute uma

ποίεζης uma pro-duccedilatildeo Ela eacute ateacute a maacutexima ποίεζης aquela que se daacute a partir

de si mesma Aqueles que natildeo se pro-duzem por si mesmos satildeo os ποηούκελα

os artefatos os entes criados produzidos pela arte pela ηέτλε Estes se

contrapotildeem e nesse sentido se aproximam dos seres da natureza da θύζης

daqueles que se potildeem por si mesmos dos θύζεη ὅληα Enquanto os primeiros

tecircm sua forccedila de eclosatildeo em outro ἐλ αιιωη os seres da natureza possuem o

eclodir em si mesmos ἐλ ἑασηωη Contudo ambos enquanto um vir agrave vigecircncia

satildeo ποίεζης Os artefatos que natildeo possuem o eclodir em si dependem dos

ἀρτηηέθηωλ dos arquitetos natildeo no sentido atual de arquiteto mas como

aqueles que tecircm a ηέτλε como ἀρτή E assim diz Heidegger

Nos artefatos portanto a ἀρτή de sua mobilidade e assim de seu repouso de estar pronto e estar terminado natildeo estaacute neles mesmos

mas em um outro no ἀρτηηέθηωλ naquele que dispotildee da ηέτλε enquanto ἀρτή Com isso teria sido feito a distinccedilatildeo frente aos θύζεη

ὅληα que se chamam desse modo precisamente porque natildeo tem a ἀρτή de sua mobilidade em um outro ente mas no ente que ele proacuteprios satildeo (e enquanto satildeo esse ente)

27

Leiamos uma passagem da Fiacutesica de Aristoacuteteles do livro Β 1 analisada

na citaccedilatildeo anterior com a qual Heidegger iraacute confrontar seu conceito de θύζης

ao conceito aristoteacutelico e grego de um modo mais geral

Algumas coisas satildeo por natureza outras por outras causas Por natureza os animais e suas partes as plantas e os corpos simples como a terra o fogo o ar e a aacutegua ndash pois dizemos que estas e outras

coisas semelhantes satildeo por natureza Todas estas coisas parecem diferenciar-se das coisas que natildeo estatildeo constituiacutedas por natureza

porque cada uma delas tem em si mesmo um princiacutepio de movimento e de repouso seja com respeito ao lugar ao aumento ou agrave

diminuiccedilatildeo ou agrave alteraccedilatildeo Pelo contraacuterio uma cama uma roupa ou qualquer outra coisa de gecircnero semelhante como as significamos em

26

Idem p16 27

HEIDEGGER Martin A essecircncia e o conceito de Φύζης em Aristoacuteteles ndash Fiacutesica Β 1 [1939] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes

2008 p 264

30

cada caso por seu nome e enquanto isso satildeo produtos da arte (ηέτλε) natildeo tem em si mesmas nenhuma tendecircncia natural agrave

mudanccedila28

Estes entes que natildeo tecircm o eclodir em si necessitam de outro ente para

chegar agrave vigecircncia contudo este vir agrave vigecircncia natildeo adveacutem pela atividade

manual do artista mas por meio de seu saber Arte e teacutecnica satildeo ditas pelos

gregos com a mesma palavra ηέτλε Natildeo por ambas terem em comum o fazer

a atividade manual mas por ambas terem em comum o pro-duzir no sentido de

ποίεζης como um deixar vir agrave vigecircncia em seu aspecto Como um

conhecimento algo relacionado agrave verdade Τέτλε aparece em Aristoacuteteles e

Platatildeo ao lado de επηζηήκε epistecircme Enquanto a επηζηήκε eacute o saber que se

relaciona com os θύζεη ὅληα aqueles que emergem por si os entes naturais a

ηέτλε eacute o saber a respeito dos ποηούκελα dos que natildeo adveacutem por si mesmos

os artefatos Assim diz Aristoacuteteles em sua obra acerca da Eacutetica em um

momento de uma ldquomeditaccedilatildeo especialrdquo ao tratar dos diversos tipos de

conhecimento

Satildeo cinco as disposiccedilotildees em virtude das quais a alma alcanccedila a

verdade (ἀιήζεiα) por meio da afirmaccedilatildeo ou da negaccedilatildeo a arte a ciecircncia o discernimento a sabedoria filosoacutefica e a inteligecircncia () O

objeto do conhecimento cientiacutefico portanto existe necessariamente Ele eacute consequentemente eterno pois todas as coisas cuja existecircncia eacute absolutamente necessaacuteria satildeo eternos () Toda arte se relaciona

com a criaccedilatildeo e dedicar-se a uma arte eacute estudar uma maneira de fazer uma coisa que pode existir ou natildeo e cuja origem estaacute em quem

faz e natildeo na coisa feita de fato a arte natildeo trata de coisas que existem ou passam a existir necessariamente nem de coisas que

existem ou passam a existir de conformidade com a natureza (estas coisas tecircm origens nelas mesmas) Jaacute que haacute diferenccedila entre fazer e agir a arte deve relacionar-se com a criaccedilatildeo e natildeo com a accedilatildeo

29

Com base no exposto Heidegger nos diz ser a teacutecnica no pensamento

grego um saber um modo de desvelar uma verdade criaccedilatildeo em oposiccedilatildeo a

um fazer manual Um saber que permite cuida e protege Protege o enviado o

destinado pelo ser do ocultamento ao des-ocultamento Destinado ao cuidado

e guarda na linguagem do pensador do artista Bem diferente eacute a teacutecnica

moderna onde o a-guardar foi substituiacutedo pela pressa do arrancar onde o criar

28

ARISTOacuteTELES Fiacutesica Traduccedilatildeo proacutepria feita da traduccedilatildeo espanhola de Guillermor R de

Echandia Madrid Editorial Gredos SA 1995 p 45 29

ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicoacutemacos Trad Br Maacuterio de Gama Kury Brasiacutelia Editora UNB

1992 pp 115-116

31

foi substituiacutedo pelo en-formar onde a co-pertenccedila de identidade e diferenccedila em

uma harmonia originaacuteria foi substituiacutedo pela mesmidade pela uni-formizaccedilatildeo

industrial pelo negoacutecio Aquele saber que na plenitude do mundo grego do

pensamento originaacuterio era a aproximaccedilatildeo do homem agrave natureza decaiu em

um afastamento sugador explorador O misteacuterio do aguardar foi apagado pela

exatidatildeo do calcular O filho que naquela bdquomanhatilde de sol‟ brincava livremente

com sua matildee natureza tornou-se na bdquonoite do mundo‟ o ldquosenhor da terrardquo

escravizado por seu proacuteprio trabalho e conceitos Esses ldquosenhoresrdquo tornaram-

se cada vez mais escravos de seus instrumentos Indigentes cada vez mais

imersos na cotidianidade dos entes explorando armazenando e negociando

como diz Heidegger

Eacute justamente esse homem assim ameaccedilado que se alardeia na figura de senhor da terra Cresce a aparecircncia de que tudo que nos vecircm ao

encontro soacute existe agrave medida que eacute um feito do homem Esta aparecircncia faz prosperar uma derradeira ilusatildeo segundo a qual em

toda parte o homem soacute se encontra consigo mesmo () Entretanto hoje em dia na verdade o homem jaacute natildeo se encontra em parte

alguma consigo mesmo isto eacute com a sua essecircncia30

Eacute esse desvelamento explorador que de forma alguma eacute um deixar-que-

advenha que nada tem de ποίεζης Eacute essa exploraccedilatildeo que assusta Pois qual

o sentido desse explorar e armazenar sem fim Eacute pensando no sentido de

suprir o necessaacuterio Natildeo essa exploraccedilatildeo e armazenamento tecircm a finalidade

do estar disponiacutevel Eacute essa dis-ponibilidade (Bestand) que preocupa Nela o

proacuteprio fruto ou melhor dizendo acerca da modernidade a proacutepria coisa o

proacuteprio objeto esvai-se ldquoEm toda parte se dispotildee a estar a postos e assim

estar a fim de tornar-se e vir a ser dis-poniacutevel para ulterior dis-posiccedilatildeo31

rdquo Cada

coisa passa a ser um dis-poniacutevel que estando ali armazenado espera por uma

negociaccedilatildeo que o trans-ponha daqui para ali

Uma nova meditaccedilatildeo se potildee em nosso caminhar ldquoQue desencobrimento

se apropria do que surge e aparece no pocircr da exploraccedilatildeordquo32

Como podemos

pensar mais propriamente sobre esta disponibilidade Qual a essecircncia da

teacutecnica moderna que leva o homem a um desvelar explorador onde tudo se

30

A questatildeo da teacutecnica pp 29-30 31

Idem p20 32

Ibidem

32

apresenta como mera disponibilidade De onde proveacutem essa essecircncia da

teacutecnica moderna Daacute-se por conta da negligecircncia do homem ou eacute mera

fatalidade do periacuteodo ou ainda eacute outra a situaccedilatildeo Sobre estes

questionamentos nos deteremos nos proacuteximos passos

24 Dis-ponibilidade e Com-posiccedilatildeo Acerca do desvelamento explorador

da teacutecnica moderna

A disponibilidade (Bestand) se potildee em nosso caminho Essa palavra

assume aqui um sentido muito mais essencial do que mera provisatildeo ldquoa palavra

disponibilidade se faz agora o nome de uma categoriardquo ldquodesigna o modo em

que vige e vigora tudo o que o descobrimento explorador atingiurdquo33

Chegamos

com este passo ao ponto alto aquele que surge diante do profundo do que

agora buscamos proximidade desse nosso percurso Estamos para

experienciar o originaacuterio que adveacutem das profundezas da essecircncia da teacutecnica

moderna Esse extra-ordinaacuterio que permite que nos elevemos agravequela relaccedilatildeo

livre entre nossa presenccedila (Dasein) e a essecircncia da teacutecnica portanto nesse

caminho in-habitual nos faz recuar lentamente alguns passos como quem se

prepara para pegar o impulso necessaacuterio ao salto-mortal no abismo (Abgrund)

Retornemos entatildeo alguns passos

Como pensarmos essa disponibilidade que nos passos anteriores vimos

como o preocupante acerca da teacutecnica moderna O que rege como apelo

essa disponibilidade Ela eacute regida por uma inadimplecircncia do homem por fruto

da ganacircncia de sua vontade ou ela eacute regida por algo mais originaacuterio ldquoSe a

teacutecnica moderna natildeo se resume a um mero fazer do homem () temos de

encarar em sua propriedade o desafio que potildee o homem a dispor do real

como dis-ponibilidaderdquo34

Heidegger como quem lanccedila o olhar ao outro lado do

abismo sobre o qual se prepara para saltar chama a esse ldquoapelo de

exploraccedilatildeo que reuacutene o homem a dis-por do que se des-encobre como dis-

ponibilidaderdquo35

de Ge-stell com-posiccedilatildeo Sobre o uso inusitado dessa palavra

33

Ibidem 34

Idem pp22-23 35

Idem p23

33

sobre seu sentido e lugar nesse percurso nos deteremos mais agrave frente Aqui o

indicamos apenas como um caminho a ser percorrido

Questionamos a teacutecnica ao nos depararmos com o perigo desta escapar ao

nosso domiacutenio Criamos teorias e conceitos com o fim de assegurar domiacutenio

Construiacutemos escolas com o intuito de dominar o saber e agora vemos as

criaccedilotildees fazendo um papel oposto ao intuito pensado em uma cadeia de

eventos onde o ser foi perdendo lugar ao domiacutenio do ente

A usina hidroeleacutetrica instalada no Reno como nos fala o filoacutesofo natildeo estaacute

mais aiacute como o velho moinho de vento Ela estaacute ali ou podemos ateacute dizer o

contraacuterio o rio estaacute ali instalado na usina a fim de se explorar a forccedila de

movimento das correntes de suas aacuteguas a dispor energia Esta energia seraacute

armazenada para em seguida estar agrave disposiccedilatildeo de uma induacutestria que usaraacute

este disponiacutevel para gerar instrumentos de trabalho ao homem que tambeacutem

estaraacute ali agrave disposiccedilatildeo para algum serviccedilo para ser meio de alguma finalidade

Se eacute que podemos ainda chamar isso de finalidade essa cadeia de disposiccedilatildeo

onde cada qual destes constituintes natildeo tem sentido algum pelo que eacute Usina

rio induacutestria homem negoacutecio natureza o tempo estatildeo todos aiacute apenas como

disposiccedilatildeo Caiu com isso tudo na indiferenccedila na mesmidade da

disponibilidade Vejamos uma passagem em Heidegger acerca do que

dissemos

A energia escondida na natureza eacute extraiacuteda o extraiacutedo vecirc-se transformado o transformado estocado o estocado distribuiacutedo o distribuiacutedo reprocessado Extrair transformar estocar distribuir

reprocessar satildeo todos modos de desencobrimento Todavia este desencobrimento natildeo se daacute simplesmente Tampouco perde-se no

indeterminado () por toda parte assegura-se o controle Pois o controle e seguranccedila constituem ateacute marcas fundamentais do descobrimento explorador

36

O proacuteprio homem encontra-se preso sem-saiacuteda nessa cadeia de

disponibilidade Ele encontra-se conectado a essa amarraccedilatildeo a esse

esqueleto a essa teia nessa com-posiccedilatildeo que a tudo abarca Eacute nesse sentido

de amarraccedilatildeo palavra que em alematildeo se diz por Gestell que Heidegger usa o

termo essencial com-posiccedilatildeo Em Ge-Stell o Ge tem o sentido de ldquoforccedila

originaacuteria de reuniatildeordquo e Stell com o sentido de pocircr de colocar junto de lugar

36

Idem p20

34

Assim por meio de uma escuta cuidadosa Ge-Stell eacute pensado como com-

posiccedilatildeo forccedila originaacuteria que reuacutene em um ponto em um lugar Como no termo

siacutentese onde sin tem o sentido de reuniatildeo e tese com o sentido de posiccedilatildeo

posto junto a siacuten-tese eacute entatildeo o iniacutecio da histoacuteria do desenvolvimento dessa

essecircncia da teacutecnica moderna Siacuten-tese eacute esta cadeia de amarraccedilatildeo que reuacutene

todo o disposto em uma cadeia sem-escape Siacuten-tese eacute Ge-stell eacute com-

posiccedilatildeo Bestand e Gestell como disponibilidade e composiccedilatildeo usados para

indicar o extra-ordinaacuterio do pensar heideggeriano podem ao leitor menos

atento parecer um abuso de linguagem poreacutem eacute sempre como extravagacircncia

que se potildee o pensar em profundidade Extravagante como o salto mortal

Assim Heidegger defende o uso destes termos dizendo o seguinte

Seraacute possiacutevel extravagacircncia maior ainda Certamente que natildeo Soacute que esta extravagacircncia eacute um antigo costume do pensamento E os

grandes pensadores tornaram-se extravagantes precisamente quando tecircm de pensar o mais elevado () o fato de Platatildeo usar a

palavra εἶδος para dizer a essecircncia de tudo e de cada coisa Pois na linguagem de todo dia εἶδος diz a visatildeo que uma coisa visiacutevel nos

apresenta agrave percepccedilatildeo sensiacutevel37

Contudo perguntamos esta Ge-stell com-posiccedilatildeo que teve seu

nascimento no pensar grego como siacuten-tese este pocircr-junto-em-relaccedilatildeo-a se

deu por negligecircncia do pensar do homem Deu-se por um descuido um des-

vio Eacute fruto da liberdade do homem de seu arbiacutetrio Heidegger nos diz que

natildeo A com-posiccedilatildeo enquanto um modo essencial de des-velamento natildeo eacute um

des-vio mas sim um envio do ser um destino do desencobrimento pelo ser

portanto um acontecimento-histoacuterico Entatildeo ao contraacuterio do que haviacuteamos

questionado a com-posiccedilatildeo como destino natildeo adveacutem da liberdade do homem

mas de um escravo da fatalidade do destino de um escravo de seu tempo

Tambeacutem natildeo o que se daacute eacute algo diverso Sendo fruto do destino a

composiccedilatildeo acontece pela liberdade Parece que nos encontramos em uma

confusatildeo em um emaranhado onde palavras contraditoacuterias se imbricam Esta

confusatildeo se instaura se pensarmos destino e liberdade como entende a

tradiccedilatildeo O que Heidegger pensa com essas palavras Algo bem diferente da

37

Idem p23

35

fatalidade e do arbiacutetrio Destino eacute pensado como um pocircr a caminho um envio

da silenciosa fonte originaacuteria Em suas palavras

Pocircr a caminho significa destinar Por isso denominamos de destino a forccedila de reuniatildeo encaminhadora que potildee o homem a caminho de

um desencobrimento Eacute pelo destino que se determina a essecircncia de toda histoacuteria A histoacuteria natildeo eacute um mero elemento da historiografia

nem somente o exerciacutecio da atividade humana A accedilatildeo humana soacute eacute histoacuterica quando enviada por um destino

38

No caso da liberdade Heidegger natildeo a pensa como vontade como

arbiacutetrio ou como uma liberdade de movimento mas sim como um deixar-ser

Como um permitir uma escuta onde o ente se des-vela pelo envio do ser Este

deixar-ser se daacute como um entregar-se ao ente ente Como um acolhimento

do e pelo ente como cuidado e proteccedilatildeo Entretanto este deixar-ser poderia

ser pensado no sentido negativo de ldquodesviar a atenccedilatildeo de algordquo ou de uma

renuacutencia agrave onde se ldquoexprime uma indiferenccedila ou uma omissatildeordquo mas como foi

dito este deixar-ser tem um sentido contraacuterio ao de omissatildeo sendo ateacute a

maacutexima atenccedilatildeo e presenccedila diante o vigente como escuta e abrigo esta

liberdade acontece em seu parentesco com a verdade pensada como ἀιήζεiα

Pois eacute ao que se desvela que deixa-ser o ente que se eacute O que pelo misteacuterio

como misteacuterio eacute enviado ao desvelamento eacute abrigado mesmo ao se esconder

por este deixar-ser da liberdade Verdade misteacuterio e liberdade se emaranham

em sua co-pertenccedila ao acontecer poeacutetico-apropriante do ser (Ereignis)

Misteacuterio aqui eacute pensado como este que libera ldquoO encoberto que sempre se

encobre e cobrerdquo o fechado que abriga o eclodir

Este entregar-se ao caraacuteter de desvelado do ente como nos diz

Heidegger natildeo eacute um ldquoperder-se nele mas um recuo diante do ente afim que

este se manifeste naquilo que eacute e como eacuterdquo39

Pensando deste modo eacute que

podemos ver a copertenccedila entre destino e liberdade onde estes natildeo vatildeo de

encontro um ao outro mas pelo contraacuterio vatildeo ao encontro um do outro O que

o destino envia a liberdade permite O que eacute doado pelo misteacuterio eacute protegido

no des-velo pelo livre deixar-ser Leiamos o que diz Heidegger acerca desta

relaccedilatildeo entre destino e liberdade

38

Idem p27 39

A essecircncia da verdade p201

36

O destino do desencobrimento sempre rege o homem em todo o seu ser mas nunca eacute a fatalidade de uma coaccedilatildeo Pois o homem soacute se

torna livre num envio fazendo-se ouvinte e natildeo escravo do destino A essecircncia da liberdade natildeo pertence originariamente agrave vontade e nem tatildeo pouco se reduz agrave causalidade do querer humano

A liberdade rege o aberto no sentido do aclarado isto eacute do des-encoberto () A liberdade eacute o reino do destino que potildee o

desencobrimento em seu proacuteprio caminho40

Assim respondemos ao questionamento sobre o acontecimento

histoacuterico da teacutecnica como com-posiccedilatildeo se ele eacute fruto de uma inadvertecircncia ou

se eacute ele uma fatalidade de nossa eacutepoca Natildeo sendo nem um nem outro mas o

fruto de um envio proveniente do misteacuterio do ser Ao pensarmos assim nos

mantemos no espaccedilo livre com a essecircncia da teacutecnica ao qual buscamos estar

nesse percurso de nosso trilhar o pensamento heideggeriano Abre-se com

este pensar caminhos novos de enfrentamento agrave situaccedilatildeo de crise que se

apresenta sobre o modo da teacutecnica Nesse extra-ordinaacuterio onde se abre para a

essecircncia da teacutecnica somos tomados por um ldquoapelo de libertaccedilatildeordquo Diz

Heidegger

A essecircncia da teacutecnica moderna repousa na com-posiccedilatildeo A com-

posiccedilatildeo pertence ao destino do descobrimento Estas afirmaccedilotildees dizem algo muito diferente do que a frase tantas vezes repetida a

teacutecnica eacute a fatalidade de nossa eacutepoca onde fatalidade significa o inevitaacutevel de um processo inexoraacutevel e incontornaacutevel () quando

pensamos poreacutem a essecircncia da teacutecnica fazemos a experiecircncia da com-posiccedilatildeo como destino de um desencobrimento Assim jaacute nos mantemos no espaccedilo livre do destino Este natildeo nos tranca numa

coaccedilatildeo obtusa que nos forccedilaria uma entrega cega agrave teacutecnica ou o que daacute no mesmo a arremeter desesperadamente contra a teacutecnica e

condenaacute-la como obra do diabo Ao contraacuterio abrindo-nos para a essecircncia da teacutecnica encontramo-nos de repente tomados por um apelo de libertaccedilatildeo

41

Eacute nesse passo que se encontra o perigo Pois se a liberdade eacute

entendida como um deixar-ser o que nos eacute destinado ldquoo homem histoacuterico

tambeacutem pode deixando que o ente seja natildeo deixaacute-lo-ser naquilo que ele eacute e

assim como eacute O ente entatildeo encobre-se e eacute dissimuladordquo42

Este natildeo-deixar-ser

naquilo que eacute se apresenta no homem moderno como esse pensamento que

calcula nesta com-posiccedilatildeo dominante que tudo explora e torna disponiacutevel

Neste sistema operativo e calculaacutevel que potildee em fuga toda outra forma de

40

A questatildeo da teacutecnica pp 27-28 41

Idem p 28 42

A essecircncia da verdade p 203

37

pensar Eacute aqui que mora o perigo Nesse esforccedilo de dominar bdquocom espiacuterito‟ a

teacutecnica nessa produccedilatildeo exploradora esquece-se o misteacuterio e com isso tem-se

a fuga da possibilidade de um desvelar mais originaacuterio O pensamento

meditativo poeacutetico a pro-duccedilatildeo como ποίεζης eacute ameaccedilada de ser encoberta

por completo ldquoO predomiacutenio da com-posiccedilatildeo arrasta consigo a possibilidade

ameaccediladora de se poder vetar ao homem voltar-se para um desencobrimento

mais originaacuterio e fazer assim a experiecircncia de uma verdade mais inauguralrdquo43

O grande perigo natildeo se encontra portanto no perigo das armas na

superficialidade dos novos meios de comunicaccedilatildeo virtuais na intoxicaccedilatildeo por

remeacutedios nos transgecircnicos agrotoacutexicos ou qualquer outro elemento teacutecnico

Seu perigo extremo estaacute na fuga desta outra possibilidade no completo

domiacutenio da com-posiccedilatildeo sobre a essecircncia do pensar do homem

Entretanto ldquodificilmente abandona o que mora na proximidade do

originaacuterio o lugarrdquo Com essas palavras do poema A peregrinaccedilatildeo de Houmllderlin

palavras finais do ensaio A origem da obra de arte eacute feita a passagem do

perigo ao que salva CITACcedilAcircO A essecircncia mais essencial eacute res-guardada

pela forccedila originaacuteria do misteacuterio ldquoO domiacutenio da composiccedilatildeo natildeo poderaacute

deturpar todo o brilho da verdaderdquo44

Ao se afastar de sua morada essencial o

homem eacute tomado por um apelo de retorno O pensamento loacutegico calculador

potildee o homem cada vez mais diante aos entes em sua mera cotidianidade

Decai assim na mesmidade do apenas dado O homem histoacuterico eacute tomado por

um teacutedio profundo que manifesta o ente em sua totalidade onde tudo se

apresenta como indiferenccedila Outro humor entatildeo arrebata o homem a

anguacutestia Nesta o ente se potildee em fuga o nada se manifesta como um apelo

da morada essencial a experienciaccedilatildeo do nada abre o pensar a outra

possibilidade Para outro modo de ser se abre como fonte Abre como questatildeo

e misteacuterio para um pensar que natildeo seja mais um mero com-pocircr mas um pocircr

poeacutetico inaugural Permitindo pela escuta cuidadosa que venha agrave vigecircncia

como doaccedilatildeo deste nada originaacuterio Esta questatildeo sobre o nada e os humores

de teacutedio e anguacutestia seraacute tratada mais adiante com um maior aprofundamento

Aqui trata-se apenas de pensar o apelo silencioso

43

A questatildeo da teacutecnica pp30-31 44

Idem p31

38

Pensar a essecircncia da teacutecnica eacute escutar a voz o canto do destino que

adveacutem da fonte principial eacute colocar-se na histoacuteria de maneira autecircntica Esta

escuta potildee Heidegger a se deter na voz do poeta Houmllderlin ldquopoeta dos poetasrdquo

doa em seu dizer muitas palavras que abrem o seu pensar Diante deste

poeta o filoacutesofo-pensador se deteacutem em muitos momentos com muito cuidado

Assim diz o poeta ldquoOra onde mora o perigo eacute laacute que tambeacutem cresce o que

salvardquo Eacute portanto no domiacutenio da com-posiccedilatildeo como essecircncia da teacutecnica

moderna que se mostra a outra possibilidade de um desocultar mais originaacuterio

Mas qual o sentido deste salvar Que outra possibilidade de pensar se

presenteia nesse extra-ordinaacuterio que se deu no confronto com o pensar

teacutecnico Eacute esse outro pensar a salvaccedilatildeo da ameaccedila da crise Esses satildeo os

questionamentos derradeiros desta fase de nossa investigaccedilatildeo Satildeo sobre

estas questotildees que nos deteremos agora como passo preparatoacuterio para uma

nova questatildeo ou seja a questatildeo do confronto

39

3 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES ACERCA DA ESSEcircNCIA DA ARTE

Neste capiacutetulo pensaremos a questatildeo da arte buscando avizinhaacute-la do

originaacuterio (Ursprung) e da essecircncia (Wesen) no sentido de encontrar aiacute outra

possibilidade capaz de um confronto agrave crise apontada pelo des-velar

explorador da teacutecnica moderna Deixaremos que a essecircncia da arte se

apresente ao pensar Nossa busca eacute portanto a de saber se na arte guarda-se

a medranccedila daquilo que pode nos salvar deste tempo de indigecircncia desta

noite do mundo Para tal busca faremos um momento que nos serviraacute de

passagem da questatildeo anterior da teacutecnica para a questatildeo da arte que agora se

iniciaraacute Apoacutes esse momento de passagem adentraremos a questatildeo da arte e

buscaremos pensar como a sua essecircncia se apresentou ao filoacutesofo Daqui

seremos levados a pensar em conjunto a essecircncia da arte e a questatildeo da crise

atual do entendimento teacutecnico

31 ldquoOnde mora o perigo cresce o que salvardquo Da pergunta pela Teacutecnica agrave

pergunta pela Arte

Chegamos num ponto crucial de nossa investigaccedilatildeo passo derradeiro

acerca da pergunta pela teacutecnica natildeo eacute contudo conclusivo eacute apenas um

preparo para um olhar em outro sentido O tiacutetulo deste ponto jaacute nos indica para

onde vamos seguir Passaremos da questatildeo da teacutecnica agrave questatildeo da arte

Poreacutem eacute preciso ainda alguns passos para que essa mudanccedila natildeo se decirc de

forma brusca Em que sentido se daraacute essa mudanccedila Aleacutem desta indicaccedilatildeo

A ciecircncia pode classificar e nomear os oacutergatildeos

de um sabiaacute Mas natildeo pode medir seus encantos

A ciecircncia natildeo pode calcular quantos cavalos de forccedila existem nos encantos de um sabiaacute

Quem acumula muita informaccedilatildeo perde o

condatildeo de adivinhar divinare Os sabiaacutes divinam

Manoel de Barros Livro sobre nada

Do fundo abismo nascem as altas montanhas

Maacutercia de Saacute

O escuro me ilumina Manoel de Barros

40

de mudanccedila de olhar o tiacutetulo tambeacutem nos diz outra coisa ldquoOnde mora o perigo

eacute laacute tambeacutem que cresce o que salvardquo Nessas palavras de Houmllderlin Heidegger

nos indica o fio condutor desta mudanccedila Contudo precisamos esclarecer o

que se entende aqui por salvar Como relacionar este salvar que agora se pocircs

no caminho com a pergunta inicial acerca da essecircncia da teacutecnica Como a

arte se relaciona com a teacutecnica diante da pergunta pela essecircncia Iremos nos

deter nestes questionamentos nos passos seguintes

Haviacuteamos dito que a essecircncia da teacutecnica moderna se apresentou apoacutes

nosso questionar como com-posiccedilatildeo O desvelar explorador que arrancou da

terra tudo como mera dis-ponibilidade eacute regido por essa com-posiccedilatildeo Na

dominaccedilatildeo deste explorar com-positor o perigo que ameaccedila eacute o de se trancar

ao homem a possibilidade de um outro desvelar mais originaacuterio a saber o

desvelar poeacutetico Este que enquanto ποίεζης deixa que o ente seja a cada

vez o ente que eacute Sendo regida assim pela liberdade como um deixar-ser essa

ποίεζης deixa-pocircr Esta ameaccedila contudo natildeo se deu por conta de uma

negligecircncia do homem nem por um capricho ou por uma veleidade Ela eacute fruto

de um destino de uma doaccedilatildeo Sendo destino adveacutem de um acontecer

histoacuterico do ser Soacute ao se perceber este sentido da essecircncia da teacutecnica

moderna o homem pode receber essa doaccedilatildeo aos cuidados e proteccedilatildeo de sua

guarda na linguagem Sua guarda se daacute aos que escutam o apelo da silenciosa

fonte originaacuteria Pensar sua essecircncia eacute escutar esse apelo Soacute onde se daacute esse

pensar cuidadoso e esse poetar permissor eacute que se pode dizer com vigor

essas palavras do poeta ldquoonde mora o perigo eacute laacute tambeacutem que cresce o que

salvardquo Portanto natildeo nos apressemos em dar respostas Tentemos com maior

esforccedilo nos manter nessa bdquofesta do pensar‟ frente agrave abertura do misteacuterio frente

agrave vereda O que Heidegger pensa em con-sonacircncia com o poeta por salvar Eacute

ele um salvar a tempo de uma destruiccedilatildeo iminente ou nos diz outra coisa a

voz do poeta Continuemos no nosso lento caminhar

Pensando com Houmllderlin Heidegger nos diz

O que significa salvar Geralmente achamos que significa apenas retirar a tempo da destruiccedilatildeo o que se acha ameaccedilado em continuar

41

a ser o que vinha sendo Ora ldquosalvarrdquo diz muito mais ldquoSalvarrdquo diz chegar agrave essecircncia a fim de fazecirc-la aparecer em seu proacuteprio brilho

45

Chegar agrave essecircncia eacute o sentido do salvar Na ameaccedila cresce o que salva

pois eacute nessa ameaccedila que o apelo por um retorno ao lar se potildee fortemente de

forma mais decisiva Pensemos a essecircncia natildeo de modo tradicional como

essentia como aquilo que diz o que uma coisa eacute como quid Essecircncia deve

ser pensada como colocamos de iniacutecio logo nos primeiros passos do percurso

Pensemos a essecircncia como o originaacuterio como fonte doadora principial Natildeo

como iniacutecio daquilo que logo que se potildee a caminhar eacute deixado para traacutes mas

como principial que dura e vigora a cada passo que mesmo no afastar-se eacute o

que sustem e envia Da qual natildeo eacute permitido um abandono ou um natildeo ouvir

seu apelo Eacute assim que Heidegger nos diz

Eacute do verbo bdquowesen‟ viger que proveacutem o substantivo vigecircncia Wesen

essecircncia em sentido verbal de vigecircncia eacute o mesmo que bdquowaumlhren‟ durar () Goethe chegou a usar no lugar de bdquofortwaumlhren‟ perdurar a palavra misteriosa bdquofortgewaumlhren‟ continuar a conceder Sua escuta

ouve nessa palavra uma harmonia impliacutecita de continuidade entre

bdquowaumlhren‟ durar e bdquogewaumlhren‟ conceder46

Como um carvalho que diante do perigo ao crescer fortifica suas raiacutezes

nas profundezas da Terra ldquocrescer significa abrir-se agrave amplitude do ceacuteu e ao

mesmo tempo estar arraigado na obscuridade da Terrardquo47

pois satildeo as raiacutezes

que salvam Estas como fontes doadoras de alimento recebem da Matildee Terra

multinutriz a forccedila de salvaguardar o caminho a forccedila de sustentaccedilatildeo e de

contra-posiccedilatildeo ao perigo da crise que ameaccedila ldquoEm silecircncio e em seu tempordquo

se apresenta outra possibilidade Juntamente com as palavras do poeta outras

palavras satildeo ditas ldquomas eacute poeticamente que o homem habita esta Terrardquo

Como podemos sustentar as palavras do poeta se eacute exatamente o perigo do

pensar loacutegico calculador cientiacutefico que ameaccedila o homem Se o agir desse

homem reflete o seu pensar ou sua fuga de pensar logo eacute cientificamente que

este constroacutei suas casas que este trabalha e que se coloca no mundo Se o

que lhe rege eacute a com-posiccedilatildeo o explorar e a dis-posiccedilatildeo Heidegger diz

45

A questatildeo da teacutecnica p31 46

Idem p 33 47

HEIDEGGER Martin O caminho do campo In La prensa Traduccedilatildeo pessoal a partir da

traduccedilatildeo espanhola de Sobine Langenheim e Abel Posse 1976 p 2

42

A composiccedilatildeo eacute um modo destinado de desencobrimento a saber o des-cobrimento da exploraccedilatildeo e do desafio Um e outro modo

destinado eacute o desencobrimento da pro-duccedilatildeo da ποίεζης Esses modos natildeo satildeo poreacutem espeacutecies que justapostas fossem subsumidas no conceito de desencobrimento O desencobrimento eacute o

destino que cada vez de cofre e inexplicavelmente para o pensamento se parte ora num des-encobrir-se pro-dutor ora num

des-encobri-se ex-plorador e assim se reparte ao homem48

Eacute o misteacuterio que rege essa proximidade e esse repartir Estar atento a

este misteacuterio eacute o grande passo no sentido da superaccedilatildeo da ameaccedila Eacute o passo

capaz de impulsionar o salto mortal no abismo Eacute este misteacuterio que concede

Sem ele natildeo a arvore que se sustente que dure e para viger eacute preciso durar

ldquoSomente dura aquilo que foi concedido Dura o que se concede e doa com

forccedila inaugural a partir das origensrdquo49

Em um ensaio acerca da essecircncia da

poesia (Houmllderlin e a essecircncia da poesia) Heidegger se deteacutem em algumas

palavras de Houmllderlin dentre elas a seguinte ldquoMas o que dura instauram os

poetasrdquo O que dura eacute instaurado pelos poetas Ao falar do teacutecnico e de sua

essecircncia constantemente surge o poeacutetico Como podemos nos perder nesses

dois modos de pensar tatildeo distintos Ou seraacute que a rota de duas estrelas que

passam ao longe uma da outra guarda em si uma vizinhanccedila essencial

Escutemos estas palavras de Heidegger antes de continuarmos nosso

caminhar

Outrora natildeo apenas a teacutecnica trazia o nome de ηέτλε

Outrora chamava-se tambeacutem de ηέτλε o desencobrimento que levava a verdade a fulgurar em seu proacuteprio brilho Outrora chamava-se tambeacutem de ηέτλε a pro-duccedilatildeo da verdade na

beleza Τέτλε designava tambeacutem a ποίεζης das belas-artes50

Seraacute que na arte poderemos encontrar o caminho do que salva Se o

perigo que ameaccedila diz respeito ao modo de des-velar do real ou seja diz

respeito a verdade pode a arte estando em sua essecircncia relacionada com o

belo dizer algo sobre esta Ou o que se daacute eacute o contraacuterio a essecircncia da arte

estaacute mais proacutexima da verdade como ἀιήζεiα do que do belo ldquoA essecircncia da

arte seria esta o pocircr-se em obra da verdade do sendo mas ateacute agora a arte soacute

48

A questatildeo da teacutecnica p 32 49

Idem p 34 50

Idem p 36

43

tinha a ver com o belo e a beleza e natildeo com a verdaderdquo51

ldquoEacute o poeacutetico que leva

a verdade ao esplendor superlativo () O poeacutetico atravessa com seu vigor

toda arte todo desencobrimento que vige na belezardquo52

A arte se apresenta

aqui relacionada com a verdade Aqui o que estaacute sendo dito se daacute na forma

de indicaccedilatildeo de uma mudanccedila no sentido do caminho

Seraacute entatildeo que a arte eacute a possibilidade que silenciosamente cresce na

Terra para a salvaccedilatildeo da ameaccedila que se consuma na crise aqui indicada

Deixemos Heidegger nos perguntar o mesmo

Seraacute que as belas-artes satildeo convocadas ao des-encobrir poeacutetico Seraacute que o desencobrimento haacute de reivindicaacute-las mais

originariamente para que fomentem por sua parte o crescimento do que salva para que despertem e instaurem em nova forma a visatildeo e

a confianccedila no que se concede e outorga Ningueacutem poderaacute saber se estaacute reservada agrave arte a suprema

possibilidade de sua essecircncia no meio do perigo extremo53

Se natildeo podemos saber se eacute na arte que se reserva a possibilidade do

que salva deveremos ainda nos encaminhar nessa arriscada aventura que eacute a

da busca por sua essecircncia ldquoEncaminhar na direccedilatildeo do que eacute digno de ser

questionado natildeo eacute uma aventura mas um retorno ao larrdquo ldquoAinda natildeo

pensamos o sentido quando estamos apenas na consciecircncia Pensar o sentido

eacute muito mais Eacute a serenidade em face do que eacute digno de ser questionadordquo54

Como os pensadores e poetas serenamente nos arriscaremos nessa vereda

Nos arriscaremos no sentido de termos em vista que no fim dessa nova

caminhada possamos nos deparar diante uma aporia Buscamos a essecircncia da

teacutecnica para abrir nossa presenccedila a um livre relacionamento com sua essecircncia

Esta se apresenta como um modo de des-velamento o explorador que potildee

tudo como dis-posiccedilatildeo a uma com-posiccedilatildeo Essa busca nos levou por fim agrave

questatildeo da arte Diz Heidegger

Natildeo sendo nada de teacutecnico a essecircncia da teacutecnica a consideraccedilatildeo essencial do sentido da teacutecnica e a discussatildeo decisiva com ela tecircm de dar-se no espaccedilo que de um lado seja consanguiacuteneo da essecircncia

da teacutecnica e de outro lado lhe seja fundamentalmente estranho

51

A origem da obra de arte p 87 52

A questatildeo da teacutecnica p 37 53

Ibidem 54

Ciecircncia e pensamento do sentido p 58

44

A arte nos proporciona um espaccedilo assim Mas somente se a consideraccedilatildeo do sentido da arte natildeo se fechar agrave constelaccedilatildeo da

verdade que noacutes estamos a questionar55

Nossas consideraccedilotildees acerca da teacutecnica apontaram para a ποίεζης

poiacuteesis como um modo de des-velar de verdade como a essecircncia da teacutecnica

grega e para a Ge-stell com-posiccedilatildeo tambeacutem como um modo de verdade

como a essecircncia da teacutecnica moderna Ambas seriam modos de verdade de

des-velamento Assim a essecircncia da teacutecnica se apresentou como verdade

Poreacutem a razatildeo de que em um dado momento se apresenta como des-

velamento e em outro se apresenta de um outro modo para noacutes permanece

um misteacuterio O misteacuterio se instaurou Esse mesmo que oculto em sua

essecircncia clareou agrave noacutes a possibilidade de um outro caminho O outro como

diferenccedila se apresentou como inaugural diante a identidade a habitual do

mesmo A arte tem em seu nascimento a aproximaccedilatildeo com a teacutecnica eacute-lhe

consanguiacutenea Houmllderlin pensando com Heraacuteclito escreve em seu Hipeacuterion ldquoA

palavra grandiosa ἔλ δηαθέρολ ἑασηῶη de Heraacuteclito soacute poderia ser encontrada

por um grego pois essa eacute a essecircncia da beleza e antes de encontraacute-la natildeo

havia filosofia algumardquo56

pois para ele a beleza eacute o ser e para Heraacuteclito o ser eacute

esse ldquoἔλ δηαθέρολ ἑασηῶηrdquo o uno em si mesmo diverso Heraacuteclito e Houmllderlin

satildeo enquanto pensador e poeta constantemente considerados por Heidegger

O poeacutetico aqui eacute relacionado para aleacutem do belo diz acerca do ser e da

verdade eacute o ηό ἐθθαλέζηαηολ de Platatildeo que sai a brilhar de forma superlativa

Constantemente somos levados a pensar a arte em consideraccedilatildeo com a

verdade

Investigaremos a arte na busca da sua essecircncia considerando

continuamente a questatildeo da verdade Contudo como foi dito a questatildeo da

verdade e a questatildeo do ser no pensamento heideggeriano andam de matildeos

dadas Assim como se deu nesse percurso a seguir re-colocaremos a questatildeo

do ser e da verdade Soacute assim seremos capazes de dizer algo a respeito da

arte se tem ela a medranccedila do que salva se ela nos indica ainda outra

possibilidade outro caminho ou se por fim devemos abandonar

definitivamente essa busca de um pensar em confronto agrave crise

55

A essecircncia da teacutecnica p 37 56

HOacuteLDERLIN Friedrich Hipeacuterion ou o eremita na Greacutecia Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante

Rio de Janeiro Vozes 1993 p 99

45

32 O originaacuterio da obra de arte O pocircr-em-obra da verdade

Nos passos anteriores vimos como Heidegger passou da questatildeo da

teacutecnica entendida em sua essecircncia como um des-encobrimento agrave questatildeo da

arte tambeacutem como um saber que des-encobre Em sua origem grega ambos

eram pensados pela palavra ηέθλε Teacutecne foi pensada desde Homero como

um saber Arte e saber pertenciam a um mesmo acircmbito Um saber que permitia

ao ser ao divino o seu advento ao que era por si proacuteprio Arte era um saber

um modo de verdade α-ιήζεηα poreacutem mesmo ao pensar grego esta relaccedilatildeo

entre arte e verdade se deu apenas extrinsecamente Sua relaccedilatildeo mais iacutentima

se mostrou desde o comeccedilo da tradiccedilatildeo com a questatildeo do belo passando por

toda a tradiccedilatildeo com este mesmo sentido mesmo que de diferente modo em

cada etapa do desenvolvimento do pensar Arte e belo e natildeo arte e verdade

era a relaccedilatildeo que se mantinha Soacute em Heidegger segundo o proacuteprio pensador

essa relaccedilatildeo passa ao seu vigor essencial Pois soacute neste filoacutesofo a verdade eacute

pensada como α-ιήζεηα des-encobrimento Soacute nele ela eacute pensada em sua

profundidade essencial pois mesmo ali no pensar grego essa essecircncia da α-

ιήζεηα se deu de forma oculta57

O olhar da ciecircncia esteacutetica surgido na modernidade ao artiacutestico ao

poeacutetico era um olhar sob impeacuterio da loacutegica Este olhar pensou desde seu

nascimento a arte em relaccedilatildeo ao belo ao gosto aos sentidos A mudanccedila de

paradigma que se deu com o pensar vigoroso de Heidegger em relaccedilatildeo ao

ser exigia outra linguagem uma nova forma de se pocircr diante do artiacutestico A

loacutegica como vimos anteriormente natildeo abarcava mais este pensar do ser pois

natildeo sendo mais ente o ser natildeo cabia mais no domiacutenio de seus objetos A

loacutegica seria aquela que sabe dos entes e nada mais A arte como um saber

que permitiria o advir do destinado passou a dizer a respeito do ser Para a

57

Cf HEIDEGGER Martin Parmecircnides Trad br Seacutergio Maacuterio Wrublevski Petroacutepolis Editora

Vozes 2008 P 29

ldquoEscrever o que natildeo acontece eacute tarefa da

poesiardquo

Manoel de Barros Menino do mato

46

loacutegica tratar do brotar de um natildeo-adveniente ao vigente do natildeo-ente sem

tornaacute-lo ente natildeo era uma possibilidade e pensar o natildeo-ente como um ente era

entrar em contradiccedilatildeo ferindo o fundamento supremo o princiacutepio da

contradiccedilatildeo Uma desconstruccedilatildeo torna-se necessaacuteria

O que em Ser e tempo se apresentou como a destruiccedilatildeo Destruktion da

ldquohistoacuteria da ontologiardquo58

e com ela como o ldquoenrijecimento de uma tradiccedilatildeo

petrificadardquo ou seja da tradiccedilatildeo loacutegicametafiacutesica eacute na verdade uma

desconstruccedilatildeo59

Esta desconstruccedilatildeo da histoacuteria da ontologia que em outros

momentos eacute chamada de superaccedilatildeo da metafiacutesica eacute uma superaccedilatildeo da

linguagem e do pensar loacutegico Uma histoacuteria que chega a sua consumaccedilatildeo com

o nascimento da Esteacutetica da loacutegica do sensitivo Assim a desconstruccedilatildeo da

Metafiacutesica na tradiccedilatildeo seraacute entendida como a histoacuteria da ontologia cujo

momento final seraacute a desconstruccedilatildeo da histoacuteria da Aesthetica

O meacutetodo indicado por Heidegger em Ser e tempo eacute o meacutetodo

Fenomenoloacutegico Em um certo sentido em consonacircncia com o que defendia

Husserl como um deixar-que apareccedila o que adveacutem da fonte o que adveacutem de

si mesmo Como Heidegger observa

O meacutetodo de tratar essa questatildeo eacute fenomenoloacutegico Isso poreacutem natildeo

significa que o tratado prescreva bdquoum ponto de vista‟ ou uma bdquocorrente‟ () fenomenologia diz entatildeo ἀποθαίωεζζαη ηὰ θαηλόκελα

ndash deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra tal como se mostra a partir de si mesmo Eacute este o sentido formal da pesquisa que

traz o nome de fenomenologia Com isso poreacutem natildeo se faz outra coisa do que exprimir a maacutexima formulada anteriormente ndash bdquopara as coisas elas mesmas‟

60

Em seu ensaio A origem da obra de arte Heidegger lanccedila um profundo

e cuidadoso olhar ao acontecer da arte natildeo mais um olhar esteacutetico ou loacutegico

que se manteacutem na superficialidade do fundamento do fundo mas um olhar

permissivo esse olhar fenomenoloacutegico Potildee-se a pensar como uma escuta e

natildeo mais a refletir e buscar conclusotildees Qual o originaacuterio (Ursprung) da obra de

arte Aqui antes de adentrarmos os passos seguintes re-coloquemos a

58

Ser e tempo sect 6 59

Conferir o estudo de Stein acerca da questatildeo da desconstruccedilatildeo da metafiacutesica STEIN Ernildo Diferenccedila e metafiacutesica ensaios sobre a desconstruccedilatildeo Ijuiacute UNIJUIacute 2008 60

Ser e tempo pp66- 74

47

questatildeo do termo Ursprung que estaacute no tiacutetulo do ensaio heideggeriano

Traduzindo para o portuguecircs a palavra alematilde Ursprung pode-se tanto dizer (a)

origem como por meio de substantivaccedilatildeo (o) originaacuterio Ao decompormos Ur-

sprung temos o prefixo Ur primordial e a palavra Sprung advida do verbo

springen saltar Eacute como um bdquosalto fundador‟ como um bdquofazer eclodir‟ como

podemos ler em seu ensaio que Heidegger pensa esta expressatildeo61

Ao

traduzir-se por origem somos levados a pensar em algo pontual em um iniacutecio

temporal e espacial um fundo alicerce sobre o qual possamos construir o

nosso edifiacutecio Como origem somos remetidos de volta para o interior da

tradiccedilatildeo metafiacutesica da loacutegica e seu pensar dominante Origem eacute fundamento

eacute chatildeo conceito E o que eacute do acircmbito do pensar acircmbito no qual Heidegger

busca re-instaurar eacute o do abismo (Abgrund) do sem chatildeo Eacute aquele poccedilo no

qual o pensador ao levar o seu pensar ao misteacuterio da fonte principial (Anfang)

cai em seu caminhar

Com origem com solo alicerce se constroacutei impeacuterio Eacute levar com

seriedade o des-envolvimento o progresso do saber Eacute caminhar sempre para

frente em linha reta eacute o reto pensar ὀρζόηες ortoacutetes bdquoretidatildeo do olhar‟ Eacute

seguir como trem comeacutercio induacutestria poder eacute dar resposta eacute uma re-

afirmaccedilatildeo da tradiccedilatildeo Em originaacuterio algo outro se passa Cai-se em um poccedilo

para dentro do que estava apenas na superfiacutecie Cai-se em ἀπορία Sendo

pelo ldquoentendimento escolado da loacutegicardquo62

motivo de riso pois sem chatildeo natildeo se

vai a lugar nenhum natildeo se responde nada Esse ldquocair no poccedilordquo que sempre foi

ldquomotivo de risordquo ldquonatildeo levando a lugar nenhumrdquo eacute o que Heidegger chama a

tarefa do pensar Eacute ldquoao menos uma vez chegar ao lugar em que jaacute estamosrdquo63

Eacute a abertura ao misteacuterio oculto da fenda do ser Caindo nas aacuteguas de um rio eacute

permitir-se ser levado ao destino caminhando com o fluxo do que adveacutem da

fonte principial

61

A origem da obra de arte p 199 Aleacutem do dito pelo proacuteprio filoacutesofo conferir a nota de traduccedilatildeo de Idalina acerca da expressatildeo Ursprung em sua traduccedilatildeo ao ensaio citado pp 224-

228 62

A linguagem p 8 63

Idem

48

Eacute neste sentido como originaacuterio que lemos a palavra Ursprung Daiacute o

tiacutetulo do ensaio ser tambeacutem pensado como O originaacuterio da obra de arte64

Perguntar pelo originaacuterio da obra de arte eacute perguntar pela proveniecircncia de sua

essecircncia Esta essecircncia natildeo seria aquela pensada como solo como a essentia

da tradiccedilatildeo metafiacutesica mas como abertura sem fundo como Abgrund aquele

aberto que recebe o proveniente do misteacuterio do ser Segundo a opiniatildeo

corrente a proveniecircncia da obra de arte eacute a atividade do artista mas o que diz

se um artista eacute um artista eacute a sua obra de arte

O artista eacute a origem da obra A obra eacute a origem do artista Nenhum eacute sem o outro Do mesmo modo nenhum dos dois porta sozinho o

outro Artista e obra satildeo em-si e em sua muacutetua referecircncia atraveacutes de um terceiro que eacute o primeiro ou seja atraveacutes daquilo a partir de onde artista e obra de arte tecircm seu nome atraveacutes da arte

65

A pergunta pela obra de arte eacute encaminhada a pergunta pela arte

mesma Qual a essecircncia da arte para que ela possa ser originaacuteria de algo

Heidegger inicia sua busca por essa essecircncia pelo que foi dito na tradiccedilatildeo

Buscaraacute sua essecircncia a partir de sua realidade efetiva Procurando sua

essecircncia na obra de arte existente A obra de arte eacute uma coisa como as

demais Eacute uma coisa como a pedra e tambeacutem como o utensiacutelio sapato Poreacutem

a obra de arte eacute uma coisa acrescida de algo mais algo de mais elevado que

uma mera coisa Eacute algo de produzido pelo homem mas os instrumentos os

utensiacutelios como a panela o martelo o carro tambeacutem satildeo coisas produzidas

pelas matildeos do homem Mas obra de arte eacute tambeacutem mais elevada que o

utensiacutelio pois aleacutem se ser uma coisa produzida ela nos diz algo de outro Ela eacute

alegoria eacute siacutembolo

A obra de arte aleacutem do caraacuteter de coisa eacute ainda um outro algo Este outro algo que estaacute nela constitui o artiacutestico () Alegoria e siacutembolo

fornecem o enquadramento representacional em cuja perspectiva desde haacute muito tempo se move a caracterizaccedilatildeo da obra de arte

66

64

A origem da obra de arte p 225 65

Idem p 37 66

Idem p43

49

Na busca pela essecircncia da arte a partir de sua realidade efetiva nos

deparamos com a coisa e com o utensiacutelio Sendo antes de tudo uma coisa

desvia-se o caminho da essecircncia da arte para o da essecircncia do que seja uma

coisa da coisidade da coisa Assim observa-se se a arte eacute uma coisa

acrescida de algo mais ou se eacute algo de outro A pergunta torna-se entatildeo Qual

a essecircncia da coisa Seguindo o fio condutor da investigaccedilatildeo da tradiccedilatildeo

filosoacutefica acerca da coisa Heidegger nos indica trecircs principais definiccedilotildees A

coisa eacute i) ldquoA substacircncia com os seus acidentesrdquo67

ii) ldquoA unidade de uma

multiplicidade dada nos sentidosrdquo68

e iii) ldquoa coisa eacute uma mateacuteria enformadardquo69

Esse eacute o esquema conceitual da esteacutetica desde seus primeiros acenos Das

definiccedilotildees citadas a terceira mateacuteria enformada eacute a que mais se adequa a

esse esquema conceitual

A distinccedilatildeo entre mateacuteria e forma eacute e na verdade nas mais diferentes variedades pura e simplesmente o esquema conceitual usado em todas as teorias da arte e da Esteacutetica () Quando se liga a forma

ao racional e a mateacuteria ao irracional considera-se o racional como o loacutegico e o irracional como o iloacutegico e quando se acopla ao par conceitual forma-mateacuteria ainda a relaccedilatildeo sujeito-objeto entatildeo o

representar dispotildee de uma mecacircnica conceitual agrave qual nada se pode opor

70

Para Heidegger esta definiccedilatildeo da coisidade da coisa poreacutem natildeo se

aplica apenas para as meras coisas Um par de sapatos e um quadro de van

Gogh satildeo tambeacutem mateacuteria enformada Uma pedra possui uma mateacuteria em uma

determinada forma contudo aiacute a forma eacute apenas uma mera distribuiccedilatildeo

espacial de um determinado conteuacutedo Jaacute no par de sapatos a forma eacute de tal

modo fundamental por conta de sua utilidade que influencia ateacute na escolha do

material a ser usado no momento de sua produccedilatildeo Flexiacutevel e macia para uma

roupa resistente e dura para um martelo e assim se daacute com os outros

utensiacutelios Pensando assim Heidegger aponta para o produzido para este algo

uacutetil proacuteximo ao dia a dia do homem que vem primeiramente para esta

definiccedilatildeo de mateacuteria-forma e daiacute passa a coisidade da coisa O homem

67

Idem p 53 68

Idem p 59 69

Idem p 61 70

Idem p 63

50

transfere do utensiacutelio para a coisa a sua definiccedilatildeo e isto por meio do esquema

esteacutetico e sua relaccedilatildeo com a arte e os artefatos

Por conseguinte mateacuteria e forma enquanto determinaccedilotildees do sendo satildeo naturais agrave essecircncia do utensiacutelio Propriamente este nome

nomeia o elaborado em vista de sua utilidade e uso Mateacuteria e forma natildeo satildeo de modo algum determinaccedilotildees originaacuterias da coisidade da proacutepria coisa

71

Somos assim novamente enviados a outro acircmbito A busca pela

essecircncia da coisa nos levou a questatildeo do utensiacutelio Qual a sua essecircncia O

que lhe difere da mera coisa lhe pondo a meio caminho entre coisa e arte Ou

seraacute o utensiacutelio ainda algo outro Com estas indagaccedilotildees chegamos com

Heidegger ao produzido em vista de uma utilidade o utensiacutelio tem na serventia

o traccedilo fundamental a partir do qual este sendo nos olha Eles satildeo tatildeo

melhores quanto menos pensarmos neles em sua constituiccedilatildeo em sua forma

ou mateacuteria Seja o sapato ou o martelo eacute na serventia que se encontra o seu

valor e natildeo em sua constituiccedilatildeo Portanto como Heidegger nos diz na

confiabilidade da serventia ela se torna uacutetil Quando apenas usamos o

utensiacutelio por conta da confiabilidade a ele cedida sua essecircncia nunca nos

chega como o que este utensiacutelio eacute No contato diaacuterio e habitual com o utensiacutelio

sua essecircncia natildeo se apresenta junto agrave relaccedilatildeo que ele que manteacutem

Para Heidegger um homem diante de um quadro de Van Gogh onde

figura um par de sapatos pintados e nada mais ao pensar algo de outro

acontece

Da escura abertura do interior gasto dos sapatos a fadiga dos passos trilhados olha firmemente No peso denso e firme dos sapatos se

acumula a tenacidade do lento caminhar atraveacutes dos alongados e sempre mesmos sulcos do campo sobre qual sopra continuo um vento aacutespero No couro estaacute a umidade e a fartura do solo Sob as

solas insinua-se a solidatildeo do caminho do campo em meio agrave noite que vem caindo Nos sapatos vibra o apelo silencioso da Terra sua calma

doaccedilatildeo do gratildeo amadurecente e o natildeo esclarecido recusar-se do ermo terreno natildeo-cultivado do campo invernal Atraveacutes do utensiacutelio perpassa a afliccedilatildeo sem queixa pela certeza do patildeo a alegria sem

palavras da renovada superaccedilatildeo da necessidade o temor diante do anuacutencio do nascimento e o calafrio diante da ameaccedila da morte Agrave

Terra pertence este utensiacutelio e no Mundo da camponesa estaacute ele

71

Idem p 67

51

abrigado A partir deste pertencer que abriga o proacuteprio utensiacutelio surge para seu repousar-em-si

72

A obra de arte trouxe ao desvelado aquilo que o utensiacutelio enquanto um

sendo eacute Natildeo poreacutem da forma habitual como mera serventia como

confiabilidade A obra inaugura Terra e Mundo Terra como aquilo de onde

este sendo proveacutem e mundo como o aberto do qual aquele sendo faz parte A

obra de arte potildee-em-obra a verdade do sendo do ente Eacute como um pocircr-em-

obra da verdade que Heidegger pensa a essecircncia da arte Por meio da arte

cada sendo vem a vigecircncia de forma extra-ordinaacuteria como um sendo um ente

que irrompe do seu ser Brota pela abertura que acontece na arte da Terra ao

Mundo Esse pocircr-se-em-obra da verdade eacute ποίεζης poiacuteesis Este pocircr

enquanto obra adveniente do ser eacute pensado como um deixar-que atraveacutes da

escuta cuidadosa ao misteacuterio do ser brote do fechado da Terra ao desvelado

do Mundo

Terra e Mundo satildeo palavras-chave para a compreensatildeo do pensar

heideggeriano acerca da arte Terra natildeo eacute o conjunto maciccedilo de areia ou um

planeta Como Γε Gaia Terra os gregos natildeo diziam nada disso Terra tambeacutem

natildeo eacute simplesmente o fechado o velado em oposiccedilatildeo ao Mundo como o

aberto o desvelado Terra como aquela que abriga natildeo pode ser um riacutegido

fechar-se em si eacute de uma forma completamente diferente um res-guardar-se

que acolhe que nutre Ela eacute Gaia Matildee ldquode amplo seio de todos sede

irresvalaacutevel semprerdquo73

ldquomulti-nutrizrdquo74

Eacute entatildeo proteccedilatildeo e natildeo simplesmente

dissimulaccedilatildeo Terra eacute o misteacuterio cuidadoso do essencial Assim tambeacutem Mundo

natildeo eacute apenas o aberto Eacute no Mundo que vige ldquoas decisotildees mais essenciais de

nossa histoacuteriardquo75

Mundo eacute para onde o ser se destina natildeo como um espaccedilo

um lugar mas como acircmbito do acontecimento Eacute a morada do vigente Mundo

eacute sempre o inobjetaacutevel

72

Idem p81 73

Teogonia p 91 74

Podemos ver em muitas passagens da Iacuteliada assim como da Odisseia Homero se referindo agrave Γε Gaia Terra como a Matildee multi-nutriz 75

Origem da obra de arte p 109

52

Eacute na disputa entre Terra e Mundo que se daacute o ldquoacontecer poeacutetico-

aproprianterdquo (Ereignis) como Heidegger passou a chamar o acontecimento do

ser

Para onde a obra se retira e o que ela deixa surgir nesse retirar-se noacutes denominamos Terra Ela eacute a que faz surgir e que abriga A Terra

eacute a que natildeo sendo forccedilada a nada eacute sem esforccedilo e infatigaacutevel Sobre a Terra e nela o homem histoacuterico funda o seu morar no Mundo No

que a obra instala um Mundo ela elabora a Terra76

Arte eacute entatildeo abertura Enquanto no utensiacutelio haacute um gastar-se com o uso

com sua serventia na obra de arte enquanto a disputa originaacuteria de Terra e

Mundo se manteacutem em seu vigor enquanto permanece como obra daacute-se

abertura O artista natildeo gasta a tinta ao criar um quadro como gasta o pintor no

seu trabalho de pintar um muro de uma casa Na pintura criadora do artista eacute

que as cores vecircm a ser as cores que satildeo O verde vem na arvore pintada a

ser o verde da natureza o azul revela o ceacuteu Jaacute no utensiacutelio a lata de tinta eacute

tanto melhor quanto mais some ao ser usada como revestimento Na obra de

arte haacute um permanecer uma instauraccedilatildeo Eacute na poesia que a palavra chega ao

dizer na muacutesica que o som chega ao soar na escultura que a pedra chega ao

resistir

Na obra de arte daacute-se essa clareira na arte daacute-se o acontecimento

como obra da verdade A verdade eacute posta em obra Aqui uma pergunta se potildee

como necessaacuteria o que eacute a verdade para que possamos dizer que ela eacute pela

obra de arte posta em obra Re-coloquemos entatildeo a questatildeo da verdade que

no primeiro capiacutetulo apenas indicamos para que esta advenha em seu sentido

mais profundo Ou seja pensemos um pouco mais acerca da verdade para

adentrarmos de forma mais cuidadosa na vereda do pensar heideggeriano

Pensar verdade α-ιήζεηα como des-encobrimento nos remete a outro

acircmbito do pensar Um acircmbito do ainda-natildeo da adveniecircncia Somos

transpostos da rigidez conceitual do definido do dado agrave fluidez do vir-a-ser da

abertura do misteacuterio Ao pensar a verdade como o desvelado o velado passa

a se mostrar como mais originaacuterio como fonte originaacuteria deste desvelado

Mostra-se como mais essencial Este velado pode entatildeo ser pensado como o

76

Idem p115

53

natildeo-desvelado como a natildeo-verdade Sendo mais essencial importa a noacutes

mais essa natildeo-verdade do que a verdade Eacute assim que Heidegger no ensaio A

essecircncia da verdade faz a virada da questatildeo da verdade para a natildeo-verdade

De uma busca pela verdade somos transpostos a uma busca pela natildeo-

verdade

Poreacutem para Heidegger essa passagem da verdade para a natildeo-

verdade natildeo deve ser pensada pura e simplesmente como uma inversatildeo mas

como abertura de outro acircmbito do pensamento Pensar a verdade como a natildeo-

verdade achando com isso estar saindo do acircmbito do definido do dado da

identidade para o acircmbito do indefinido da diferenccedila seria um equiacutevoco

Tomar simplesmente a natildeo-verdade por verdade eacute apenas outro acircmbito da

rigidez do conceito Heidegger nos propotildee em seus ensaios uma mudanccedila no

acircmbito do pensamento natildeo uma mera inversatildeo mas algo de outro Esse

acircmbito por ele proposto mais originaacuterio e mais profundo natildeo pode ser

atingido com a operaccedilatildeo loacutegica da inversatildeo e suas enunciaccedilotildees predicativas

Soacute um pensamento como abertura um pensamento do sentido e natildeo mais um

meramente conceitual pode adentrar essa profundidade Soacute assim pode-se

pretender um avizinhar ao ser Verdade eacute pensada como clareira Natildeo sendo

nem o aberto desvelado nem o fechado velado mas sim abertura

possibilidade de adveniecircncia de acontecimento poeacutetico-apropriativo Assim

diria Heidegger acerca da clareira

Um tal aparecer acontece necessariamente em uma certa claridade Somente atraveacutes dela pode mostrar-se aquilo que aparece isto eacute brilha A claridade por sua vez poreacutem repousa numa dimensatildeo de

abertura e de liberdade que aqui e acolaacute de vez em quando pode clarear-se A claridade acontece no aberto e aiacute luta com a sombra

() Somente esta abertura garante tambeacutem agrave marcha do pensamento especulativo sua passagem atraveacutes daquilo que pensa

Designamos esta abertura que garante a possibilidade de um aparecer e de um mostrar-se com a clareira (die Lichtung)

77

Outra questatildeo referente agrave verdade que aqui seraacute de crucial importacircncia

eacute a da verdade como erracircncia O homem enquanto um ente no Mundo que

caminha pelo aberto eacute um jogado na erracircncia do Mundo O homem se

77

O fim da filosofia e a tarefa do pensamento p 102

54

relaciona insistentemente com os entes com o aberto Neste relacionar-se com

o dado o homem afasta-se do misteacuterio Afastando-se assim do essencial do

ser do misteacuterio originaacuterio daacute-se o errar ldquoEste vaiveacutem do homem no qual ele

se afasta do misteacuterio e se dirige para a realidade corrente sai de um objeto da

vida cotidiana para outro desviando-se do misteacuterio ele eacute o errar78

rdquo O homem

um ek-sistente um lanccedilado para fora de si no mundo insistentemente Com

isso eacute o homem des-guardado no aiacute do aberto Como errante ele eacute lanccedilado

para fora no aberto do cotidiano e se relaciona com os outros entes com o

Mundo Diz Heidegger

O homem erra O homem natildeo cai na erracircncia em um momento dado

() erracircncia se revela como o espaccedilo aberto para tudo que se opotildee agrave verdade essencial () aquilo que o haacutebito e as doutrinas filosoacuteficas chamam de erro isto eacute a natildeo-conformidade do juiacutezo e a falsidade do

conhecimento eacute apenas um modo e ainda o mais superficial de errar () A erracircncia domina o homem enquanto o leva a se desgarrar Pelo

desgarramento poreacutem a erracircncia tambeacutem contribui para fazer nascer esta possibilidade que o homem pode tirar da ek-sistecircncia e que

consiste em natildeo se deixar levar pelo desgarramento O homem natildeo sucumbe no desgarramento se ele mesmo eacute capaz de provar a erracircncia enquanto tal e de natildeo desconhecer o misteacuterio do ser-aiacute

79

Eacute da essecircncia do homem enquanto ek-sistente a erracircncia Tanto mais

errante como tambeacutem mais aberto ao misteacuterio do ser mais homem ele eacute

Provando da erracircncia corre o homem o risco de aiacute perder-se no

desgarramento Evitando esta erracircncia nega ele sua essecircncia Eacute necessaacuterio

entatildeo um enfrentamento onde o homem como o que se arrisca mais ponha-

se diante dessa possibilidade de perder-se Eacute soacute na peossibilidade de perder-

se que pode este se encontrar Assim para Heidegger o homem arrisca-se na

erracircncia com a constante abertura ao misteacuterio mas o misteacuterio eacute aquele que se

potildee em fuga diante de toda investigaccedilatildeo Daiacuteo pensar para Heidegger que se

pretende aberto ao misteacuterio natildeo poder ser do tipo investigativo do tipo que

forccedila abertura que rasga Pois no oculto do misteacuterio eacute como se estiveacutessemos

em matildeos uma pedra e quebrando-a ao meio quiseacutessemos saber o que haacute em

seu interior Ao quebrar o dentro se potildee em fuga ocultando-se dentro dos dois

pedaccedilos resultantes da quebra Nessa quebra violenta soacute nos deparamos com

o fora o superficial o sempre aberto O interior sempre se resguarda Assim eacute

78

A essecircncia da verdade p208 79

Idem p 209

55

o misteacuterio Quanto mais forccedilamos sua adveniecircncia mais em fuga ele se potildee

Na arte natildeo haacute um forccedilar abertura mas um permitir um aguardar paciente

Diante esse ser que se resguarda no misteacuterio ora doando-se ora

pondo-se em fuga poetas e pensadores como guardiatildees desse saber que

abre satildeo os caminhantes desse Holzwege Caminho de Floresta dessa

vereda deste terceiro caminho que Parmecircnides em seu poema Da Natureza

indica como aquele descaminho que leva ao nada ao que se potildee em fuga Eacute

nessa vereda nesse Αηραπός nesse caminho de floresta que se daacute o

avizinhanccedilar-se do ser Para adentrar em tal vereda contudo eacute necessaacuterio

arriscar-se frente agrave possibilidade de perder-se no caminhar de cair em um

poccedilo Soacute aiacute eacute possiacutevel avizinhaccedilar-se da fonte principial Poetas e pensadores

satildeo capazes de nomear nesse calar-se Sua linguagem eacute silenciosa Qual o

modo desse silecircncio De que modo eacute o dizer da arte um dizer silencioso Satildeo

nessas questotildees que nos deteremos nos passos seguintes

33 Pensamento poeacutetico Um dizer silencioso

Vimos que a essecircncia da arte em Heidegger se apresentou como um

pocircr-em-obra o acontecimento da verdade onde essa verdade eacute pensada como

clareira abertura A arte potildee-em-obra a verdade do ente Enquanto obra a arte

eacute abertura eacute adveniecircncia do ser ao ente do que eacute para o que estaacute sendo do

natildeo-vigente agrave vigecircncia Poderia ser dito poreacutem com a possibilidade de maacutes

interpretaccedilotildees o que nos adverte o proacuteprio filoacutesofo80

que a arte eacute uma

passagem do nada ao ente Este nada natildeo deve ser aqui pensado como o

nada do niilismo O nada aqui eacute pensado como o natildeo-ente o natildeo-presente

que apesar de natildeo ser um ente eacute sua fonte principial eacute originaacuterio Ser e nada

80

Α origem da obra de arte pp 181-183

ldquoEscrever o que natildeo acontece eacute tarefa da

poesiardquo Manoel de Barros Menino do mato

ldquoSobre o que natildeo se pode calar devemos

silenciarrdquo Ludwig Wittgenstein Tractatus Logico-Philosophicus

56

se pensados com cuidado de natildeo os identificar diretamente podem ser

pensados juntos em sua proximidade

E a verdade surge do nada De fato se pensado com o nada do mero natildeo sendo e se nisso o sendo eacute representado como aquele

existente habitual que depois atraveacutes do entre-permanecer da obra vem agrave luz como o que apenas pretensamente eacute o verdadeiro sendo e assim fica abalado A verdade nunca eacute colhida do existente e do

habitual Abertura do aberto e a clareira do sendo acontecem muito mais somente no que a abertura adveniente se delineia na

projeccedilatildeo81

Toda passagem do natildeo-vigente ao vigente todo brotar da θύζης (fiacutesis) eacute

ποίεζης (poiacuteesis) ou seja todo acontecimento da verdade (Ereignis) toda

abertura como clareira eacute poesia Assim tanto o desencobrimento da teacutecnica

seja ela claacutessica ou moderna como o des-encobrimento da obra-de-arte satildeo

poiacuteesis poreacutem enquanto na teacutecnica moderna o que eacute posto eacute produzido como

algo acabado como pronto no pocircr-em-obra da arte assim como na teacutecnica

claacutessica enquanto ηέτλε o que adveacutem eacute encaminhado como princiacutepio

(Anfang) como inaugural movimento

Na teacutecnica moderna o posto adveacutem por meio de uma com-posiccedilatildeo (Ge-

stell ζσλ-ζέζης) como disponibilidade Na obra de arte o que pela obra eacute

posto em obra adveacutem como disputa confronto Na forma do conceito o com-

posto eacute identitaacuterio unidade eacute ponto final Jaacute na disputa originaacuteria a cada

momento se da diferenccedila A multiplicidade de sentido que eacute dada natildeo permite

um ponto final mas sempre uma reticecircncia eacute abertura de possibilidades Nas

palavras de Heidegger

Encarada em sua essecircncia a arte eacute uma sagraccedilatildeo e um refuacutegio a saber a sagraccedilatildeo e o refuacutegio em que cada vez de maneira nova o

real presenteia o homem com o esplendor ateacute entatildeo encoberto de seu brilho a fim de que nesta claridade possa ver como maior

pureza e escutar com maior transparecircncia o apelo de sua essecircncia

Como a arte a ciecircncia tampouco eacute apenas um desempenho da

cultura do homem Eacute um modo decisivo de se apresentar tudo que eacute e estaacute sendo

82

()

Em oposiccedilatildeo a isso a ciecircncia natildeo eacute nenhum acontecer originaacuterio da

verdade mas sempre a ampliaccedilatildeo de um acircmbito de verdade jaacute aberto e de certo atraveacutes do compreender e fundamentar do que se mostra

na sua esfera como o correto possiacutevel e necessaacuterio Quando e na

81

Idem 82

Ciecircncia e pensamento do sentido p 39

57

medida em que uma ciecircncia vai mais aleacutem do correto para uma verdade isto eacute para o desencobrimento essencial do sendo como tal

entatildeo ela eacute filosofia83

Esse natildeo habitual natildeo-vigente que vem a ser pela poiacuteesis foi a muito

rechaccedilado pela tradiccedilatildeo metafiacutesica enquanto loacutegica O ser foi pensado nesta

tradiccedilatildeo como o ente e este como o vigente o presente o dado e da mesma

forma o natildeo-vigente o ausente foi pensado como o nada e seguindo o

raciociacutenio o aparente foi dado como o erro imagem como o que natildeo se

adeacutequa ao ente Nada ser (ente) e aparecircncia seriam as trecircs vias de

conhecimento a qual o homem poderia movimentar-se As trecircs vias que

segundo Parmecircnides se relacionavam com a verdade Destas trecircs vias uma

necessariamente logicamente deveria ser abandonada pois natildeo era

verdadeiramente uma via mas um αηραπός um natildeo-caminho uma vereda

Holzwege (caminho de floresta) Sendo assim natildeo levaria o homem justo a

lugar nenhum Esta vereda era a via que dizia respeito ao nada ao natildeo-ser

Falar sobre este nada seria a ruiacutena deste justo seria a ruiacutena do conhecimento

loacutegico A loacutegica do pensar reto seria desfeita nessa empreitada

Aiacute em Parmecircnides daacute-se o primeiro momento de rechaccedilamento desta

terceira possibilidade Em Aristoacuteteles aparece na expressatildeo do terceiro

excluiacutedo84

Todo ente ou eacute de certa forma ou o seu oposto Qualquer outra

possibilidade fica entatildeo excluiacuteda Pensar em uma terceira possibilidade eacute ferir o

segundo princiacutepio supremo do pensar loacutegico Podemos ver tanto no princiacutepio

da contradiccedilatildeo como no do terceiro excluiacutedo um abandono do pensar acerca

do nada A linguagem que diz respeito ao homem eacute a linguagem loacutegica Ela

proiacutebe o dizer sobre o nada Contudo mesmo que Parmecircnides e Aristoacuteteles

venham a proibir a reflexatildeo sobre o nada essa proibiccedilatildeo jaacute se apresenta como

um pensar Aiacute ouve um pensar cuidadoso temeraacuterio frente agrave vereda que seria

pensar sobre este nada Natildeo haacute ainda um abandono desta questatildeo mesmo

que com a reflexatildeo sobre ela seja isso que foi proposto Este afastamento

com o desenvolvimento da Ciecircncia da Loacutegica e da Metafiacutesica torna-se um

esquecimento O nada eacute esquecido e com ele a possibilidade de pensar o ser

83

Origem da obra de arte p 157 84

Metafiacutesica pp179-181 Γ 7 ndash 1011b 23-1012a 28

58

como essa outra possibilidade como esse natildeo-vigente Funda-se o impeacuterio da

loacutegica e do ente Eacute nos moldes desse impeacuterio que a Metafiacutesica desenvolve sua

dominaccedilatildeo a todo o pensar da tradiccedilatildeo ocidental numa ldquomecacircnica conceitualrdquo

blindada a qualquer tentativa de des-construccedilatildeo

Soacute com o desmoronamento interno deu-se iniacutecio a queda deste impeacuterio

A proacutepria reflexatildeo loacutegica sob a ameaccedila de autodestruir-se urge pela

necessidade de outra possibilidade de pensamento por outro modo de

linguagem Escuta-se como a voz de um fantasma pois haacute muito tempo

abandonado e esquecido o apelo do ser deste nada que havia sido

rechaccedilado Essa necessidade de outra linguagem eacute interna a proacutepria loacutegica ao

pensar em seus fundamentos pois na proacutepria delimitaccedilatildeo de seu objeto de

pesquisa esta se remete a algo que lhe eacute externo remete-se a esse nada

Trata a loacutegica do ente e nada mais85

e como dizem Platatildeo86

e Aristoacuteteles87

a

sabedoria a ciecircncia de algo eacute tambeacutem a ciecircncia de seu contraacuterio Quem

conhece a boa poesia eacute justamente quem conhece a maacute poesia Quem sabe o

que faz bem agrave sauacutede sabe o que natildeo lhe faz bem Quem busca o saber das

causas primeiras das coisas primeiras dos entes em si pura e simplesmente

conhece o natildeo-ente

Poreacutem acerca deste natildeo-ente neste terceiro caminho soacute o silecircncio eacute

proacuteprio Nesse sentido encontramos a defesa do pensar heideggeriano acerca

do poeacutetico Contudo para tal dizer genuinamente poeacutetico eacute preciso libertar a

linguagem da gramaacutetica assim como eacute preciso libertar a filosofia das

disciplinas acadecircmicas como eacute necessaacuterio libertar a arte das concepccedilotildees

esteacuteticas Haacute outro acircmbito da linguagem o da nomeaccedilatildeo do pocircr-vir Assim diz

Heidegger

A linguagem eacute a morada do ser Na habitaccedilatildeo da linguagem mora o

homem Os pensadores e os poetas satildeo os guardiotildees dessa morada ()Libertar a linguagem da gramaacutetica conduzindo-a para uma

85

O que eacute metafiacutesica p 115-116 86

No Ion Socrates ao interrogar Iacuteon acerca de Homero o faz dizer que aquele que conhece o que eacute bom para uma ciecircncia eacute o mesmo que conhece o que eacute mal Por exemplo eacute o meacutedico

aquele que conhece o que traz sauacutede e tambeacutem o que tira a sauacutede 87

Assim diz Aristoacuteteles ldquoA mesma ciecircncia compete o estudo dos contraacuteriosrdquo Metafiacutesica p135

Γ2 1004a 9-10

59

estrutura essencial mais originaacuteria eacute uma tarefa reservada ao pensar e poetar

88

Eacute na linguagem artiacutestica onde o embate vigoroso entre Terra e Mundo

se daacute na co-pertenccedila de ambos em tal equiliacutebrio que nenhum se sobressai

sobre o outro que se entende esse silecircncio poeacutetico Desse embate primordial

pela forccedila do que se potildee com o que se res-guarda acontece um aquietar-se

um repouso Silecircncio e repouso natildeo satildeo de forma nenhum algo como uma

ausecircncia Satildeo na verdade pura atividade Da disputa daacute-se a co-pertenccedila na

diferenccedila de ambos entre Terra e Mundo entre coisa e mundo O dizer

poeacutetico

Evoca originariamente a partir da simplicidade de um chamado

iacutentimo esse que evoca a diferenccedila sem dizecirc-la () A linguagem fala deixando vir o chamado coisa-mundo e mundo-coisa no entre da

diferenccedila ()Quieto natildeo eacute de maneira nenhuma o que natildeo soa Natildeo soar eacute somente natildeo estar na movimentaccedilatildeo de entoar e soar () A

falta de movimentaccedilatildeo eacute somente o outro lado do repouso () O repouso movimenta-se muito mais do que um movimento e tem muito mais movimentaccedilatildeo do que qualquer moccedilatildeo () quando coisa e

mundo estatildeo quietos no seu proacuteprio a diferenccedila convoca mundo e coisa para o meio de sua intimidade

89

Percebe-se entatildeo que silenciar-se natildeo eacute pensado como um calar-se

como se deu pela tradiccedilatildeo metafiacutesica-loacutegica-cientiacutefica Pois num mero calar-

se o que haacute eacute um abandono No silecircncio em oposiccedilatildeo ao abandono haacute uma

aproximaccedilatildeo uma busca da intimidade do co-responder daacute-se um modo

primordial da linguagem Uma escuta que permite a colheita do destinado pelo

ser Aquela escuta dada na pausa na reticecircncia de um dizer aquele suspiro

Um repouso que natildeo eacute estagnaccedilatildeo mais o autecircntico movimento Soacute quem

silencia eacute quem diz e pensa autenticamente Silenciar-se eacute da essecircncia do

falar Quem natildeo tem linguagem natildeo silencia assim como quem natildeo possui

movimento natildeo pode repousar

Diante da vereda que eacute este terceiro caminho o caminhante cuidadoso

se vecirc em ἀπορία aporia Percebe que precisa respirar e escutar um pouco do

que lhe circula Entatildeo repousa escuta e mira ao redor para o dentro e o fora e

88

Cartas sobre o humanismo p 326 89

A linguagem pp 22-23

60

ainda para aleacutem do ente do presente Aqui ldquomirar significa adentrar o

silecircnciordquo90

ldquoEle escuta agrave medida que pertence ao chamado da quietuderdquo91

Esse eacute modo o do dizer artiacutestico do nomear poeacutetico do falar essencial do

homem

Os mortais falam a partir da diferenccedila no sentido da diferenccedila como

um corresponder O falar dos mortais deve antes de tudo escutar o chamado pois eacute como chamado que o quieto da diferenccedila evoca o

rasgo de coisa e mundo Cada palavra falada pelos mortais fala desde essa escuta como essa escuta Os mortais falam agrave medida que escutam

92

Falamos diversas vezes em arte e poesia mas seraacute que estas satildeo uma

mesma coisa Pensemos um pouco nesse questionamento buscando

semelhanccedilas e diferenccedilas antes de prosseguirmos com o percurso A arte eacute

poiacuteesis poreacutem a θύζης tambeacutem o eacute O poieacutetico eacute bem mais amplo que o

artiacutestico Poesia natildeo eacute pensada aqui estritamente como a escrita do poema

Poiacuteesis eacute tudo que eacute do acircmbito da eclosatildeo do vir-a-ser do brotar adveniecircncia

Eacute fala inaugural Poiacuteesis eacute linguagem quando esta natildeo eacute pensada como mera

expressatildeo modo de comunicaccedilatildeo por letras ou sons Eacute linguagem no sentido

de um narrar inaugural fundador como abertura e morada do ser Assim diz

Heidegger nos paraacutegrafos finais do ensaio A origem da obra de arte

A poiacuteesis eacute a fala inaugurante do desvelar do sendo () poiacuteesis eacute aqui pensada em um sentido tatildeo amplo e ao mesmo tempo numa

unidade essencial tatildeo iacutentima com a linguagem e a palavra que precisa ser deixado em aberto a questatildeo se a arte em verdade em

todos os seus modos - da arquitetura ateacute a poesia esgota a essecircncia da poiacuteesis A proacutepria linguagem eacute poiacuteesis em sentido original

93

Com esse indagar fomos levados da questatildeo da arte como inaugural ao

acircmbito mais amplo da poiacuteesis e da linguagem Seguindo entatildeo o fio condutor

do caminho que estaacute sendo aberto ao se caminhar pensemos acerca da

poiacuteesis do poeta e de sua linguagem Pelo visto poetar eacute entatildeo linguagem em

sentido amplo e originaacuterio poreacutem natildeo soacute o poeta eacute o guardiatildeo dessa morada

do ser Satildeo os pensadores e poetas seus guardiotildees e em sua profunda

conexatildeo com a linguagem estaacute o seu parentesco sua proximidade uma

90

A linguagem na poesia p 35 91

A linguagem p 26 92

Idem p25 93

A origem da obra de arte p 189

61

linguagem que tem na disputa a sua essecircncia O que na linguagem dos

poetas e pensadores vem-a-ser vem como disputa Bem diferente eacute a

linguagem da loacutegica que conceitua e define limitando em algo pronto No

poetar e pensar o nomeado eacute constante adveniecircncia do novo eacute brotar

principial

A questatildeo da linguagem em Heidegger eacute ao lado das questotildees do ser

e da verdade a questatildeo do seu pensar Assim diz Gadamer acerca da filosofia

heideggeriana ldquoSe quisermos colocar em discussatildeo a significaccedilatildeo da filosofia

de Martin Heidegger natildeo podemos fazer outra coisa senatildeo a partir da

experiecircncia fundamental () de uma nova experiecircncia da linguagem da

filosofiardquo94

Ao pensar ser e verdade como adveniecircncia abertura constante de

uma disputa originaacuteria torna-se necessaacuterio uma nova experiecircncia com a

linguagem Como se deu com Aristoacuteteles e seu pensar do ser Onde o que

estava antes de qualquer coisa era o ente a substacircncia Necessitou-se aiacute uma

nova experiecircncia com a linguagem que vigora ateacute o presente como linguagem

loacutegica Com uma mudanccedila no sentido do ser daacute-se em conjunto com esta

uma mudanccedila fundamental na linguagem Eacute na linguagem dos poetas que esta

nova linguagem encontra sua guarda Eacute tarefa dos pensadores e dos poetas

levar a linguagem para o que estaacute aleacutem do presente no sentido de um

encaminhar para o misteacuterio

Em seu pequeno ensaio Houmllderlin e a essecircncia da poesia escrito como

que um complemento ao A origem da obra de arte Heidegger faz a passagem

da questatildeo da arte para a questatildeo mais ampla que eacute a do poetar Escrito em

um mesmo periacuteodo os dois escritos satildeo como que um uacutenico corpo acerca da

arte e do poeacutetico Neste ensaio o pensador parte de cinco palavras-guias do

poeta Houmllderlin o qual nutre grande apreccedilo para desenvolver seu pensar

sobre a essecircncia da poesia O ensaio se apresenta entatildeo como um diaacutelogo

entre pensador e poeta um diaacutelogo do pensamento Buscando por meio

destas palavras-guias pensar sobre a essecircncia da poesia Inicia o ensaio

justificando sua escolha por Houmllderlin para o caminho que entatildeo seraacute traccedilado

Diz

94

Heidegger e a linguagem p23

62

Por que foi escolhida a obra de Houmllderlin com o propoacutesito de mostrar a essecircncia da poesia Por que natildeo Homero ou Soacutefocles por que

natildeo Virgilio ou Dante por que natildeo Shakespeare ou Goethe Nas obras desses poetas foi realizada a essecircncia da poesia tatildeo ricamente ou ainda mais do que na criaccedilatildeo de Houmllderlin tatildeo imatura e

bruscamente interrompida () unicamente porque estaacute carregada com a determinaccedilatildeo poeacutetica de poetizar a proacutepria essecircncia da poesia

Houmllderlin eacute para noacutes em sentido extraordinaacuterio o poeta dos poetas95

Para Heidegger eacute com Houmllderlin que se tem o poetar sobre o poetar Daiacute

sua escolha entre tantos poetas Houmllderlin nomeia a essecircncia da poesia da

poiacuteesis Cria com seu dito uma clareira para a disputa originaacuteria entre Terra e

Mundo Podemos ver por este ensaio a forccedila do poetar no expressar-se por

uma linguagem natildeo conceitual que se apresenta ateacute como contraditoacuteria ao

permitir o que pela linguagem loacutegica seria de iniacutecio reprimido Citemos entatildeo

as cinco palavras-guias para que possamos acompanhar o pensar

heideggeriano sobre o poetar de Houmllderlin

i) Poetizar ldquoa mais inocente de todas as ocupaccedilotildeesrdquo (III 377)

ii)rdquoe foi dado ao homem o mais perigoso dos bens a linguagem Para que testemunhe o que eacuterdquo (IV 246)

iii) ldquoO homem tem experimentado muito Nomeado a muitos celestes Desde que somos um diaacutelogo

E podemos ouvir uns aos outrosrdquo (IV 343) iv) ldquoMas o que permanece instauram os poetasrdquo (IV 63)

v) ldquoPleno de meacuteritos mas eacute poeticamente que o homem habita esta terrardquo (VI 25)

96

Eacute a poesia a mais inocente e aleacutem disso o mais perigoso dos bens do

homem Eacute por meio dela que testemunhamos quem somos Em oposiccedilatildeo ao

expressar-se loacutegico formal intencional produtivo o dizer poeacutetico eacute pura

inocecircncia eacute a simples abertura do coraccedilatildeo ao destinado pelo ser Eacute a

inocecircncia frente agrave intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem o bem mais perigoso pois se eacute pela

linguagem que o homem testemunha quem eacute eacute tambeacutem por ela que pode dar-

se sua decadecircncia Eacute no natildeo cuidado com o dizer que mora o maior perigo

Pensando com o que foi dito anteriormente o homem encontra-se ameaccedilado

pela teacutecnica moderna O maior perigo poreacutem natildeo proveacutem de suas armas e

bombas entre tantos outros perigos O maior perigo estaacute no seu dizer Um

dizer que se mostrou apenas como siacuten-tese com-posiccedilatildeo Um dizer que forccedila

explorando a terra a se dispor produzir energia Nesse dizer moderno que

95

Holderlin e a essecircncia da poesia Traduccedilatildeo livre feita por mim p 1-2 DE ONDE 96

Idem p1

63

podemos bem pensar quase como que outra coisa menos um dizer genuiacuteno

como mera repeticcedilatildeo do acircmbito do jaacute aberto eacute que mora o maior perigo pois eacute

o abandono da outra possibilidade qualquer outra possibilidade Eacute natildeo

abertura a proveniecircncia do misteacuterio do ser O enrijecimento no posto no

habitual Eacute portanto a linguagem enquanto loacutegica o maior perigo ao homem

atual pois eacute pela linguagem que o homem vem a ser homem e eacute por ela que

se daacute a morte essencial deste mesmo homem

Para pensar no perigo que eacute esse bem doado ao homem faccedilamos uma

aproximaccedilatildeo deste ensaio com a conferecircncia Cartas sobre o humanismo para

que se ponha de forma mais vigorosa a questatildeo da linguagem e a ameaccedila que

acompanha o seu des-cuidado Nesta conferecircncia Heidegger pensando no

humanismo como uma reflexatildeo acerca da essecircncia do homem desenvolve

partindo do que eacute dito pela tradiccedilatildeo acerca dessa essecircncia sua concepccedilatildeo de

homem O homem eacute um δῳολ ιόγολ ἒτολ97

traduzida pelo pensar latino como

o homem eacute um animal racional Para a tradiccedilatildeo a essecircncia do homem estaacute na

faculdade da razatildeo E razatildeo nesta tradiccedilatildeo eacute o pensar loacutegico reto e natildeo

contraditoacuterio que exclui qualquer terceira possibilidade Logo o homem eacute um

ser loacutegico Pensando com o dito aristoteacutelico ιόγολ eacute dizer eacute linguagem

Estariacuteamos mais proacuteximo do que aiacute foi dito pensando que o homem eacute um

anima um ser vivo que fala que possui linguagem Eacute a linguagem que daacute

origem ao homem

A soberania da linguagem loacutegica rechaccedilou a outra possibilidade de fala

a do dizer poeacutetico O homem tornou-se o efetivo o loacutegico Aquele que produz e

domina todo o concreto inabalaacutevel pelo menos ateacute sentir que o que lhe dava o

poder o domiacutenio ameaccedila lhe dominar O seu maior bem se mostra agora

como sua maior ameaccedila As grades que eram vistas como seguranccedila ao

adverso torna-se sua prisatildeo Urge entatildeo o diaacutelogo com este outro pensar

Nesta noite do mundo daacute-se a necessidade de uma linguagem que seja

clareira Na seguranccedila de cada um isolado em suas casas em seus

monoacutelogos o diaacutelogo se apresenta crucial pois ldquodesde que somos diaacutelogo e

97

Carta sobre o humanismo p 335

64

podemos ouvir uns aos outrosrdquo este isolamento eacute sempre soacute a perdiccedilatildeo Nossa

indigecircncia realiza-se no abandono do outro

Enquanto mortais o ciclo de nascimento e morte nos eacute essencial A

histoacuteria eacute diaacutelogo ldquoSer um diaacutelogo e ser histoacuterico satildeo ambos igualmente

antigos se pertencem um ao outro e satildeo o mesmordquo 98

e o que nessa histoacuteria

permanece eacute instaurado pelos poetas ldquoA poesia eacute a instauraccedilatildeo do ser com a

palavrardquo99

Sendo adveniecircncia poiacuteesis eacute instauraccedilatildeo eacute obra Os poetas

instauram o ser como clareira como luta entre velado e desvelado Eacute na

linguagem poeacutetica que habita o homem Assim diz a quinta palavra-guia do

ensaio ldquopleno de meacuteritos mas eacute poeticamente que o homem habita essa

terrardquo Eacute nesse diaacutelogo poeacutetico de um com o outro que se abre a clareira de seu

habitar e natildeo no isolamento residencial do morar protegido do misteacuterio do que

possa advir Eacute pois poeticamente que o homem habita Diante disto podemos

ver no periacuteodo atual o quatildeo in-essencial o quatildeo indigente encontra-se a

humanidade

Diante essa indigecircncia perguntamos anteriormente Como enfrentarmos

esta ameaccedila que se apresenta Eacute possiacutevel que a arte ou de forma mais

ampla que a poesia possa confrontar esse perigo Eacute essa outra possibilidade

suficiente como fuga da crise E aleacutem do questionado eacute ainda possiacutevel que

diante de tanta teacutecnica se instaure outra forma de se viver de habitar essa

terra Para pormo-nos diante esses questionamentos adentraremos em um

escrito heideggeriano chamado Para que poetas

34 Poetas em tempos indigentes Um salto na vereda

Diante a crise que ameaccedila o homem em sua essecircncia pensemos na

tarefa destinada aos poetas e com eles os pensadores Pensar portanto se e

como eacute a tarefa destes poetas e pensadores diante este modo teacutecnico de viver

e de pensar Viver teacutecnico este em oposiccedilatildeo ao viver entendido por Heidegger

como aquele brotar sempre novo na disputa da clareira poderia ser pensado

quase como um natildeo-viver Uma teacutecnica exploradora onde todos os entes e o

98

Houmllderlin e a essecircncia da poesia p 6 99

Idem p 7

65

proacuteprio homem deixam de ser o que satildeo essencialmente enquanto θὺζεης

ὄληα seres da fiacutesis para decaiacuterem em meros artefatos seres produzidos Seja

para o comeacutercio o trabalho o poder ou seja como mera disponibilidade

Diante uma aproximaccedilatildeo do ensaio Para que poetas (1946) texto pertencente

ao mesmo conjunto de ensaios de A origem da obra de arte com o todo ateacute

aqui caminhado buscaremos um confronto do caminhado com o questionado

Este conjunto de textos do qual esses ensaios fazem parte tem como tiacutetulo a

palavra essencial Holzwege A versatildeo portuguesa traduziu-a seguindo a

indicaccedilatildeo dada pelo proacuteprio autor no iniacutecio da obra por Caminhos de floresta

Aiacute Heidegger diz assim

Holz [madeira lenha] eacute um nome antigo para Wald [floresta] Na floresta [Holz] haacute caminhos que o mais das vezes sinuosos terminam perdendo-se subitamente no natildeo-trinhado

Chamam-se caminhos de floresta [Holzwege]

Cada um segue separado mas na mesma floresta [Wald] Parece muitas vezes que um eacute igual ao outro Poreacutem apenas parece ser assim

Lenhadores e guardas-florestais conhecem os caminhos Sabem o que significa estar metido num caminho de floresta

100

Holzwege eacute esse sinuoso caminho sempre ainda natildeo-trilhado no qual o

caminhante ao percorrecirc-lo inaugura uma trilha Abrindo para outros

posteriores caminhantes uma trilha Este extra-ordinaacuterio caminho inaugurado eacute

um caminho do pensamento da linguagem da poiacuteesis do ser Sendo antes

de ser percorrido um caminho fechado eacute ainda um natildeo-caminho Parmecircnides

o chama de αηραπός e por um lado proiacutebe ao justo por ele se arriscar a

caminhar por outro lado ao pensar acerca deste caminho no natildeo-dito nos diz

para por ele nos enveredarmos com o maior cuidado possiacutevel Eacute nesse

caminho fechado da floresta eacute portanto nessa vereda que desde o iniacutecio

desta pesquisa cuidadosamente buscamos adentrar Se caminhamos

lentamente eacute porque diferente de se seguir uma trilha jaacute pronta jaacute aberta aqui

estamos nos enveredando em uma constante disputa com o misteacuterio do

adveniente por um Holzwege

100

Caminhos de floresta p3

66

Esta reflexatildeo se deu a princiacutepio sobre a questatildeo da crise atual Uma

crise que ameaccedila o homem ao ameaccedilar sua linguagem e seu pensar no que

neste haacute de mais essencial O que nos levou a pensarmos na teacutecnica que por

sua vez nos fez pensar na teacutecnica moderna Vimos que esta teacutecnica tem em

sua essecircncia tudo a ver com a questatildeo da verdade com a αιήζεηα pois esta

teacutecnica eacute um modo de des-encobrimento Verdade em Heidegger eacute uma

questatildeo inseparaacutevel da questatildeo do ser Com isso adentramos ao cerne do

pensar heideggeriano A questatildeo do ser e da verdade se pocircs em evidecircncia

Verdade como disputa entre des-encobrimento e encobrimento e ser pensado

como acontecimento-poeacutetico apropriativo Ereignis que adveacutem do misteacuterio do

natildeo-vigente nos transpuseram ao acircmbito da ποίεζης poiacuteesis Seguindo entatildeo

a proacutepria indicaccedilatildeo heideggeriana apresentada no final do seu ensaio sobre a

questatildeo da teacutecnica que nos mostra que em seu primoacuterdio teacutecnica como ηέτλε

e arte satildeo consanguumliacuteneos enquanto poiacuteesis satildeo dois modos de des-

encobrimento de verdade de acontecimento do ser Assim passamos ao

acircmbito da arte Pensamos esta em sua essecircncia como pocircr-em-obra o

acontecimento da verdade do ente Como obra que da disputa constante entre

o que se desvela e o que se oculta se mostrou como clareira como

inauguraccedilatildeo

Foi assim que do acircmbito da arte passamos ao do poeacutetico Este acircmbito

foi pensado em sua maior amplitude ou seja como tudo aquilo que adveacutem do

natildeo-vigente ao vigente Essa adveniecircncia daacute-se na linguagem Linguagem eacute a

morada do ser eacute abertura clareira Entatildeo ser verdade e linguagem de forma

entrelaccedilada se puseram como a vereda da qual adentrariacuteamos Temas centrais

heideggerianos da qual qualquer reflexatildeo que envolva o seu pensar natildeo pode

escapar Eacute diante essa vereda que nos questionamos eacute a linguagem poeacutetica

essa outra possibilidade que guarda a medranccedila do que salva Se ela eacute essa

possibilidade como se daraacute o enfrentamento agrave crise Devemos entatildeo substituir

a linguagem loacutegica fonte dessa crise atual pela linguagem poeacutetica como

resposta a crise atual Se natildeo qual o outro caminho ainda a se seguir Ou natildeo

haacute possibilidade alguma que venha a salvar o homem da ameaccedila que lhe

pesa

67

Para o homem essa linguagem eacute o bem mais perigoso que lhe foi

doado Bem pois eacute ela que lhe doa a sua essecircncia O homem eacute um ente que

fala eacute um δῳολ ιόγολ contudo este que lhe doa a essecircncia eacute tambeacutem o que

o levar a correr o risco de perder-se como eacute o caso da crise identificada por

Heidegger O homem enquanto Da-sein enquanto presenccedila que estaacute aiacute no

mundo em relaccedilatildeo com como um lanccedilado para fora um Ek-sistente corre

este risco Como guardiatildeo da linguagem morada do ser eacute este o ente que se

encontra jogado mais agrave vizinhanccedila deste ser Sendo livre contudo para

corresponder ou natildeo ao destinado por este ser podendo portanto correr o

risco o que o leva a sua atual decadecircncia de natildeo corresponder a este

destinado Sua linguagem que em seu pleno vigor eacute um originaacuterio que nomeia

enquanto disputa enquanto diferenccedila pode decair como se daacute no homem

atual no mero expressar-se comum na linguagem formal do comercio de

opiniotildees

Re-pensar a linguagem eacute re-pensar o homem Arriscar-se na linguagem

eacute arriscar-se enquanto homem em oposiccedilatildeo agrave falsa seguranccedila da linguagem

pronta da loacutegica da gramaacutetica da academia Eacute arriscar-se a perder o solo o

fundamento do que lhe assegura Eacute preciso ir aleacutem da superfiacutecie do solo Eacute

preciso arriscar-se a cair no poccedilo em direccedilatildeo ao misteacuterio originaacuterio do ser Eacute

como esse que ousa cair que ousa saltar nesse poccedilo nesse abismo (Ab-

grund) que podem poetas e pensadores se relacionarem com a linguagem

Os pensadores sempre foram chamados de extravagantes ao ousarem dar

sentidos completamente in-habituais agraves palavras para dizerem o mais vigoroso

de seu pensar Assim foi Platatildeo e o εηδος Anaximandro e o seu ἄπεηρολ o

ιόγος de Heraacuteclito a Ge-stell heideggeriana Assim tambeacutem se daacute com a

ousadia inocente do poeta que canta Arriscando-se mais no caminho da

erracircncia permitem quando suportam a adveniecircncia do inaugural

acontecimento do ser

Neste mundo decadente do entendimento predicativo teacutecnico

comercial o ser como o que silenciosamente envia ausenta-se Falta o pensar

sobre o ser Assim diz Heidegger no ensaio Para que poetas

Com esta falta fica fora do mundo o fundo como aquilo que

fundamenta Originariamente abismo [Abgrund] significa o solo e o

68

fundo em direccedilatildeo ao qual tende encosta abaixo algo que estaacute pendurado Contudo o Ab seraacute pensado doravante como a

ausecircncia completa de fundo O fundo eacute o solo de um enraizar e de um erguer-se A era do mundo que carece de fundamento encontra-se suspensa no abismo Supondo que se encontra ainda reservada

uma viragem para este tempo indigente ela apenas poderaacute surgir se o mundo virar radicalmente ou seja dito de uma forma mais precisa

se ele virar a partir do abismo Na era da noite do mundo tem que se experimentar e suportar o abismo do mundo Mas para tal seraacute

necessaacuterio que haja quem consiga chegar ateacute ao abismo 101

Essa era atual do domiacutenio do entendimento teacutecnico loacutegico eacute a noite do

mundo Em seu periacuteodo matutino poetas e pensadores se jogaram no abismo

Como quem cai para o alto em direccedilatildeo ao divino e aiacute com um esforccedilo

tremendo disseram o originaacuterio Pensadores dizendo o ser e poetas o divino

contudo com o desenvolvimento da ciecircncia da loacutegica decai essa possibilidade

da linguagem O ser pondo-se em fuga eacute encoberto pelo ente Soacute resta

ausecircncia Ausecircncia de ser do divino do pensar ausecircncia do homem da

linguagem

Olhar verdadeiramente para este mundo eacute encarar o abismo Eacute natildeo fugir

na ilusatildeo da seguranccedila de um falso solo firme Eacute necessaacuterio encarar esse

abismo e suportaacute-lo ldquoSer poeta em tempo indigente significa cantar tendo em

atenccedilatildeo o vestiacutegio dos deuses foragidos Eacute por isso que no tempo da noite do

mundo o poeta diz o sagradordquo 102

Dizer o sagrado e pensar o ser eacute aiacute onde

cresce o perigo em sua unidade aquilo que guarda a medranccedila do que salva

Co-responder a este destino eacute a tarefa do poeta Co-responder ao destino natildeo

eacute um mero deixar-se levar pensado como uma apatia como ausecircncia mas eacute o

mais longe que cada um pode chegar ldquoCada um chega o mais longe possiacutevel

quando natildeo ultrapassa os limites do caminho que lhe foi destinadordquo 103

Em tempos de indigecircncia falta a coragem do permitir Na superficialidade

do correto da adequatio o homem atual se esconde Haacute aiacute um esconder-se

bem diferente do guardar-se que se daacute com o misteacuterio do ser da Terra como

aquela que abriga pois esconder-se eacute fugir jaacute o guardar-se eacute da proteccedilatildeo eacute

101

Para que poetas pp309-310 102

Idem p312 103

Idem p313

69

corresponder agrave luta necessaacuteria Eacute enfrentamento da outra possibilidade da

erracircncia

Quem eacute que hoje em dia se atreve a considerar-se familiarizado com a essecircncia da poesia bem como com a essecircncia do pensamento e

acha-se ainda suficientemente forte para conduzir ambas as essecircncias agrave mais extrema das discoacuterdias assim estabelecendo a sua concoacuterdia

104

O ser larga o ente ao risco como uma matildee que o solta para seu

desenvolvimento essencial portanto eacute como arriscado que este deve

corresponder agrave sua essecircncia Como enfrentamento como risco erracircncia como

disputa originaacuteria Correndo o risco de com isso termos de suportarmos

desiacutegnios mais pesados do que pensamos ser capazes de suportar Como diz

Houmllderlin por uma carta ao seu amigo

Oh amigo O mundo estaacute ante a mim mais claro que da outra vez e mais seacuterio Eu gosto como vai eu gosto como quando no veratildeo eu

vejo o pai sagrado com matildeo tranquila sacode a nuvem avermelhada com relacircmpagos de becircnccedilatildeo Pois entre tudo o que posso ver de

Deus eacute este sinal que se fez predileto Antes saltava de juacutebilo por uma nova verdade uma visatildeo melhor do que este sobre noacutes e ao nosso redor agora temo que me suceda no final o que ao velho

Tacircntalo que recebeu dos deuses mais do que poderia digerir 105

O poeta como mensageiro que se expotildee aos raios do divino que se ex-

potildee ao destinado do ser Traduzindo esse destinado em linguagem nomeando

de forma inaugural aos homens Sai da seguranccedila do habitual do meramente

dis-poniacutevel ao risco de ser esse mensageiro Assim Heidegger apresenta o

poeta como aquele que inverte ldquoa imanecircncia da consciecircncia calculadora para o

espaccedilo interior do coraccedilatildeordquo 106

Cantando o poeta transmigra do comerciante

ao anjo αγγειος mensageiro do divino do ser aos mortais

A ilusatildeo de seguranccedila dada pela loacutegica e seu inabalaacutevel sistema se

apresentou como a maior ameaccedila Entretanto a quem se arisca mais natildeo daacute-

se um esquecimento um abandono da fonte principial Haacute nesse arriscar-se

o contraacuterio Uma inversatildeo que do desamparo surge o abrigo No que se arrisca

104

Idem p317 105

Houmllderlin e a essecircncia da poesia p 9 106

Para que poetas p352

70

ao abandono surge agrave libertaccedilatildeo do habitual como um caminho puro

extraordinaacuterio a fonte inaudita do ser

O homem que se impotildee vive das apostas do seu querer Vive essencialmente arriscando o seu ser no acircmbito da vibraccedilatildeo do

dinheiro e do valer dos valores Sendo constantemente esse cambista e mediador o homem eacute o ldquocomercianterdquo Pesa e pondera sem parar embora natildeo conheccedila o verdadeiro peso das coisas () Mas ao

mesmo tempo o homem eacute capaz de criar ldquoum estar segurordquo fora da proteccedilatildeo virando o desamparo como tal para o aberto fazendo-se

integrar-se no espaccedilo cordial do invisiacutevel Se isso acontece entatildeo o insaciado do desamparo passa para laacute onde na uniatildeo equilibrada do espaccedilo interior do mundo surge o ser [Wesen] que traz agrave aparecircncia o

modo com o qual essa uniatildeo une representificando dessa forma o ser [Sein] Entatildeo a balanccedila do perigo passa do acircmbito do querer

calculante para o anjo 107

Assim denominamos aqui pensando com Heidegger esse arriscar-se

mais como a tarefa destinada aos poetas e pensadores Arriscar-se esse que

se daacute na forma de um salto (Ur-sprung) na vereda (Holzwege) Este salto na

vereda eacute o caminho por noacutes encontrado ateacute agora como o confronto a essa

crise que ameaccedila a essecircncia do homem poreacutem esse salto natildeo eacute ainda o

momento final deste nosso percurso pois nesse salto o poeta colhe do

misteacuterio do ser o novo inaugurante e em seguida retorna aos entes habituais

e cotidianos Retorna do salto ao mundo e aiacute cercado do habitual necessita

relacionar-se com o circundante

Portanto natildeo podemos pensar que a inversatildeo do pensar loacutegico no

pensar poeacutetico seria o derradeiro passo de nossa caminhada de enfrentamento

a crise Em uma inversatildeo do pensamento loacutegico que calcula ao pensamento

poeacutetico que medita natildeo haacute diaacutelogo carinhoso A inversatildeo da identidade para a

diferenccedila eacute manter-se no acircmbito da identidade Eacute a outra face da decadecircncia

da queda Tornar a diferenccedila a uacutenica possibilidade eacute abandonar de outra

forma a possibilidade de algo outro Eacute retorno a rigidez da imposiccedilatildeo Eacute outra

forma de ilusatildeo onde a diferenccedila eacute agora o fundamento Eacute como se

achaacutessemos que chegamos ao misteacuterio do oculto clareando-o Como jaacute vimos

teriacuteamos assim apenas outro modo do aberto mas de forma nenhuma o oculto

do misteacuterio

107

Idem p360

71

A destruiccedilatildeo da metafiacutesica natildeo eacute um abandono deste saber sobre os

entes Pois se eacute o homem um ente entre os outros entes a destruiccedilatildeo desta

forma de entendimento seria a destruiccedilatildeo do seu mundo Assim essa

destruiccedilatildeo deve tornar-se uma desconstruccedilatildeo uma superaccedilatildeo No sentido de

um abrir-se para outra possibilidade de saber de linguagem

A superaccedilatildeo eacute um reconhecimento do acircmbito deste entendimento

metafiacutesico Eacute um reconhecimento do acircmbito no qual deve manter-se essa

linguagem loacutegica natildeo um abandono Reconhece-se aqui que seu acircmbito eacute o

do habitual do aberto do disponiacutevel presente O poeacutetico deve ser pensado

como a outra possibilidade Natildeo como abandono mas como diaacutelogo Assim

necessitamos ainda de outro passo O poeacutetico como inauguraccedilatildeo que abre

como disputa uma possibilidade de desprendimento do habitual apresentou-

se como o meio de enfrentamento agrave crise Ela guarda a medranccedila do que

salva mas natildeo isolado como uacutenica possibilidade Natildeo eacute suficiente essa

inversatildeo Como meio o poeacutetico prepara para o passo seguinte

Adentraremos a seguir nesse derradeiro passo desta nossa

caminhada Confrontaremos por fim o ensaio Serenidade com os dois

primeiros ensaios que nos norteou ateacute aqui Entatildeo com esses trecircs diaacutelogos A

questatildeo da teacutecnica A origem da obra de arte e Serenidade dialogaremos com

o que aqui se pensou acerca da crise atual e de como enfrentarmos essa crise

Neste ultimo ensaio bastante tardio em seu pensar Heidegger nos indica uma

trilha por onde possamos nos enveredar Nele Heidegger nos fala sobre a

disposiccedilatildeo do homem a serenidade como uma disposiccedilatildeo capaz de

possibilitar um diaacutelogo entre a teacutecnica e a arte Um diaacutelogo que res-guarda a

essecircncia do misteacuterio ao inveacutes de lhe agredir Dialoguemos entatildeo com esse

ensaio cuidadoso e carinhosamente

72

4 O CAMINHAR SERENO UM AGUARDAR NA PROXIMIDADE DO

MISTEacuteRIO

Neste capiacutetulo pensaremos o ensaio Serenidade de Heidegger e

confrontaremos o aiacute pensado com o aqui questionado Partindo inicialmente da

questatildeo de ser o homem um ente entre os outros entes que portanto tem

como necessidade essencial este estar aiacute no Mundo em relaccedilatildeo contudo um

ente que tambeacutem estaacute aberto ao misteacuterio da Terra sendo ele fruto desta

disputa entre Terra e Mundo tem a necessidade para co-responder ao seu

destino de se arriscar nessa disputa geradora do que se apresenta e o que se

oculta Com isso pensaremos como da proposta de uma destruiccedilatildeo daacute-se o

pensar de uma desconstruccedilatildeo uma superaccedilatildeo da metafiacutesica do pensar loacutegico

da linguagem predicativa Passaremos desta reflexatildeo ao posicionamento que

por ele eacute desenvolvido no ensaio o da necessidade de uma co-pertenccedila entre

o pensamento que calcula com o pensamento que medita Entre a linguagem

loacutegica e a poeacutetica Pensando em seguida a questatildeo do misteacuterio do ser da

fonte principial Pensaremos por fim diante todo o percorrido na outra

possibilidade esta capaz de um confronto com a crise indicada no iniacutecio da

caminhada

41 Da Destruiccedilatildeo agrave Superaccedilatildeo da Metafiacutesica Acerca da Identidade e

Diferenccedila

No caminho ateacute aqui trilhado nos deparamos primeiramente com a

problemaacutetica acerca da teacutecnica como um modo de pensar dizer e portar-se

Ir-agrave-proximidade Parece-me agora que a

palavra poderia ser antes o nome para nosso passeio de hoje na vereda

Que nos guiou pela noite dentro cujo brilho eacute cada vez mais deslumbrante e supera em maravilha as estrelas porque

aproxima entre si suas distacircncias no ceacuteu pelo menos para o observador ingecircnuo

natildeo para o investigador exato Para a crianccedila no Homem a noite permanece a

aproximadoracostureira das estrelas Ela junta sem costura bainha nem linha

Heidegger Serenidade

73

diante o mundo como um modo de pocircr o mundo no qual em uacuteltima instacircncia

tudo se apresenta como mera dis-ponibilidade (Be-stand) resultado de uma

exploraccedilatildeo que apenas Com-potildee (Ge-stell) o aiacute jaacute dado Diante deste estaacutegio

da humanidade o Homem encontra-se ameaccedilado ao extremo em sua

essecircncia ameaccedilado a resumir-se ao caacutelculo agrave com-posiccedilatildeo ao comeacutercio ao

trabalho ameaccedilado a tornar-se escravo completo daquilo que surgiu para ele

como instrumento de auxiacutelio na dominaccedilatildeo das coisas que estatildeo sendo

Escravo da teacutecnica desse pensamento calculista o homem guardiatildeo do ser

guardiatildeo da linguagem eacute convocado a partir de um apelo silencioso pelo

destinado da fonte principial a outra possibilidade de estar-no mundo de

colocar o mundo Nesta noite do mundo ao pensar e natildeo apenas calcular

acerca da essecircncia da teacutecnica a arte a poesia e o pensamento que medita se

potildeem como essa outra possibilidade de um confronto a essa crise a essa

ameaccedila a qual ele se encontra

Ao pensar no que seja a arte e o pensamento em seu acircmago em suas

essecircncias a noacutes essas se apresentaram como um pocircr-em-obra como uma

inauguraccedilatildeo a adveniecircncia do natildeo-vigente ao vigente Enquanto na teacutecnica e

com ela a Metafiacutesica a loacutegica a Ciecircncia a filosofia enquanto conceituaccedilatildeo do

ente movimenta-se no acircmbito da com-posiccedilatildeo do que estaacute dado movimenta-se

como uma transformaccedilatildeo um sin-tese na poesia o que se daacute eacute um

nascimento daacute-se um brotar Daiacute surgem alguns questionamentos Eacute essa

outra possibilidade esse pensar poeacutetico jaacute a medranccedila do que salva Pode o

ente homem um ser-no-mundo um ser-com ser isto que eacute habitando nesta

outra possibilidade Seraacute essa mudanccedila essa inversatildeo do pensamento que

calcula representador para o pensamento poeacutetico inaugurador que medita jaacute

o caminho que diante o ateacute aqui trilhado se potildee como o que urge Qual a

trilha que ainda devemos ao caminhar dar abertura nessa vereda que nos

leve dos bdquofrios veacuteus da noite escura‟ ao bdquocalor dos dedos rosa da aurora‟ Em

que disposiccedilatildeo se daraacute essa nova manhatilde que do sereno nos doa gotas de

orvalho seiva de um novo brotar Enveredemos ainda um pouco mais por

estas sendas do pensamento e nos deixemos ser envolvidos pelo que a noacutes for

destinado neste caminhar

Para Heidegger o homem o Dasein eacute aquele ente privilegiado que se

encontra que cria ao co-responder que eacute aceito no entre na abertura na

74

clareira do ser Eacute aquele que estaacute entre o natildeo-vigente e o vigente entre o

fechado e o aberto poreacutem estes abertos e fechados vigentes e natildeo-vigentes

natildeo devem ser aqui pensados com opostas mas como co-generes co-

respondentes O homem eacute aquele ente ao qual eacute destinado pela fonte

principial que eacute o ser ao dar nascimento Nascimento este que se daacute na

poesia ποηεζης e no pensamento pela linguagem autecircntica nomeadora

inaugural mas tambeacutem eacute aquele aiacute no-mundo que se relaciona com os entes

com os vigentes Seria entatildeo negar a essecircncia do homem o negar-lhe a

Metafiacutesica o negar-lhe a loacutegica o caacutelculo o representar o uacutetil o trabalho

Como tambeacutem o eacute anti-natural anti-essencial negar-lhe esta outra

possibilidade que eacute a de dar nascimento esta que natildeo estaacute no campo da

representaccedilatildeo mas na possibilidade de fazer brotar O loacutegico e o poeacutetico lhe

pertencem lhe permitem ser o homem que eacute Se no oculto que res-guarda o

misteacuterio da adveniecircncia ele eacute aceito para ali habitar poeticamente eacute no aberto

do dado este lado do misteacuterio aberto para noacutes onde este se relaciona com os

outros que neste aberto encontram moradas

Diversas vezes Heidegger nos adverte sobre o cuidado primordial de

nos colocarmos diante a questatildeo da destruiccedilatildeo da Metafiacutesica natildeo como um

mero abandono ou uma mera inversatildeo ao pensamento poeacutetico Onde esta

destruiccedilatildeo deveria ser pensada como uma abertura a esta outra possibilidade

como uma abertura ao sentido da diferenccedila entre ser e ente pois se eacute na

linguagem poeacutetica no pensamento que encontramos habitaccedilatildeo para nos

confrontar com as questotildees mais profundas eacute no entendimento loacutegico-

Metafiacutesico que nos relacionamos com o que nos cerca com o que estaacute na

superfiacutecie onde estamos presentes com o cotidiano no qual moramos Eacute nesse

sentido que a Destruiccedilatildeo foi pensada como uma Desconstruccedilatildeo como uma

Superaccedilatildeo como Abertura a essa outra possibilidade Assim tambeacutem eacute

apresentado o Fim da filosofia natildeo como um abandono deste modo de

pensamento mas como uma abertura ao seu alcance ao seu acircmbito pois se a

filosofia e essa aqui eacute entendida como Metafiacutesica eacute aquela que como a

ciecircncia primeira busca o ente e nada mais aquilo que estaacute lanccedilado no A-

bismo no seu fundo lhe eacute estranho estaacute para aleacutem de seu alcance e interesse

Este A-bismo eacute Tarefa do pensamento contudo eacute tarefa do homem tanto a

relaccedilatildeo com os entes como a abertura ao ser Eacute tarefa do homem enquanto

75

aquele que possui logos aquele que estaacute-com o diaacute-logo Por em diaacutelogo

loacutegica e arte eacute sua tarefa

A mera inversatildeo da loacutegica para o poeacutetico do entendimento

representativo para o pensamento como obra da identidade para a diferenccedila

seria ainda um manter-se no apenas aberto da unilateralidade e natildeo jaacute uma

abertura ao dialogo daquilo que nos ldquoaparece como inconciliaacutevelrdquo 108

Sair da

teacutecnica da identidade e ir de forma unilateral para a diferenccedila para o poeacutetico

ainda natildeo eacute o caminho no qual enveredamos Eacute permanecer ainda no mesmo

no fechar-se ao outro A inversatildeo da identidade para a diferenccedila eacute apenas a

extrema possibilidade da identidade eacute sua uacuteltima consequecircncia seu

acabamento eacute natildeo ter ainda atingido ou ter sido atingido pela diferenccedila

enquanto diferenccedila mesma enquanto o entre a clareira a abertura Eacute para

dar um exemplo o que Heidegger entende do movimento realizado por

Nietzsche aquele platonismo ao avesso que sendo o avesso eacute apenas o outro

lado do platonismo eacute ainda o mesmo Eacute levar o que estava na ideia para a

vida eacute uma inversatildeo do solo do fundamento eacute ainda chatildeo firme Entretanto o

que se mostra ao pensar heideggeriano como o originaacuterio como superaccedilatildeo eacute

aquele pensamento sem-fundo eacute o abismo eacute a perca de chatildeo portanto eacute

nesse sentido que pensamos aqui a diferenccedila como aquele entre que natildeo estaacute

nem no nascimento nem no dado de forma unilateral mas um entre pensado

como diaacute-logo

Diaacutelogo aqui pensado como aquele acontecimento aquela disposiccedilatildeo

que caminha (dia δηα atraveacutes indo na direccedilatildeo de um para o outro) que

transita pelo logos (ιογος) Aqui natildeo eacute mais possiacutevel pois natildeo estamos mais

nesse acircmbito uma representaccedilatildeo do que seja essa diferenccedila esse entre como

dialogo O entendimento representativo ao se apropriar desta diferenccedila a

representa como identidade Aqui toda reduccedilatildeo em poucas palavras eacute um

perigo Daacute-se aqui necessariamente como um apelo uma mudanccedila na

linguagem de significativa para uma de sentido Natildeo ficar preso a conceitos ou

definiccedilotildees eacute o caminho necessaacuterio para essa co-respondencia com o entre

com a diferenccedila Eacute preciso harmonizar-se θηιεηλ entrar em acordo com o que

a noacutes se apresenta como aquele amor que Heidegger entende ser o amor

108

HEIDEGGER Serenidade p 23

76

pensado por Heraacuteclito ao nomear o filosofo como θηιοζοθος assim escreve

Heidegger em sua conferecircncia O que eacute isto ndash a filosofia

Um anegraver philoacutesophos eacute aquele hograves philei tograve sophoacuten philein que ama a sophoacuten significa aqui no sentido de Heraacuteclito homologein

falar assim como o Loacutegos fala quer dizer corresponder ao Loacutegos Este corresponder estaacute de acordo com o sophoacuten Acordo eacute harmoniacutea

O elemento especiacutefico de philein do amor pensado por Heraacuteclito eacute a harmonia que se revela na reciacuteproca integraccedilatildeo de dois seres nos laccedilos que unem originariamente numa disponibilidade de um para

com o outro 109

Assim natildeo se pode aqui pensar nesse diaacutelogo como uma dialeacutetica que

se torna o que eacute em uma siacutentese O que se daacute aqui natildeo eacute uma siacuten-tese da

loacutegica com a arte da representaccedilatildeo com a inauguraccedilatildeo O que se daacute aqui eacute

uma luta uma disputa110

um amor um diaacute-logo uma obra (εργολ) Um entre

que natildeo para nem aqui nem ali nem muito menos como uma siacutentese com-

posiccedilatildeo de um com o outro Essa siacutentese que corremos o risco de entender de

forma errada o que aqui se apresenta como diaacutelogo foi o que se apresentou a

noacutes como a essecircncia da teacutecnica moderna como Ge-stell Aqui daacute-se um vai e

vem inquietante que eacute pura quietude Eacute aquele terceiro caminho excluiacutedo a

muito do pensar filosoacutefico que natildeo eacute nem um sim nem um natildeo mas que eacute

uma escuta de ambos simultaneamente os pondo em diaacutelogo eacute abertura

clareira do destinado pelo misteacuterio

Diante deste pensar que pode levar a nos questionarmos se natildeo

estamos pairando no ar num modo de pensamento muito distante de noacutes

algumas questotildees se apresentam natildeo seria esse entre uma indecisatildeo que nos

imobilizaria Natildeo seria esse diaacutelogo um subterfuacutegio de fuga da

responsabilidade do que diante a noacutes se apresenta como urgente Natildeo reinaria

aiacute a mais elevada ausecircncia-de-pensamento Uma passividade diante um

tempo que urge por uma atitude Um mero deixa ser levado pelo acaso Uma

ausecircncia de um querer que determina Essas satildeo algumas das questotildees que

109

HEIDEGGER O que eacute isto ndash a filosofia p 32 110

Hesiacuteodo no iniacutecio de seu escrito Os trabalhos e os dias fala de duas Ερης de duas disputas Uma eacute aquela geradora da guerra entre os homens que por ganacircncia de poder e

riqueza entram nessa disputa essa eacute por ele considerada a disputa ruim A outra eacute aquela disputa essencial entre o homem e a Terra aquela disputa com a adveniecircncia do dia-a-dia a

luta diaacuteria com a vida Essa eacute por ele chamada de a luta boa geradora de todo o bem que temos Enquanto a primeira destroacutei a segunda concebe Aqui quando falamos de disputa

pensamos nessa segunda disputa desse amor gerador

77

se potildeem diante desse diaacutelogo pensado com um entre Como quem preacute-sente a

proximidade da brisa do sereno adveniente da fonte aproveitemos um pouco

mais este caminhar que se aproxima daquilo do qual a muito estamos sendo

chamado que a muito aguardamos e continuemos um pouco mais neste trilhar

42 Serenidade O dizer sim e natildeo agrave teacutecnica

Vivemos em um mundo cercado pela teacutecnica Para onde nos dirigimos e

nos deparamos sempre com seus aparelhos e instrumentos Internet celular

carros induacutestrias e comeacutercios energia eleacutetrica e atocircmica Heidegger viveu em

um tempo diferente do tempo atual Um tempo no qual o que lhe causou

espanto foi a comunicaccedilatildeo por raacutedio e pela televisatildeo O que diria ele dos dias

atuais Espantar-lhe-ia mais a internet do que o raacutedio Seraacute que no essencial

vivemos em um tempo tatildeo diferente Eacute possiacutevel que natildeo O essencial da

teacutecnica natildeo estaacute em seus produtos Natildeo eacute o carro a televisatildeo o raacutedio ou a

internet o que eacute mais proacuteprio a sua essecircncia O que lhe assustou e que hoje

continuaria a assustar e que tambeacutem o assustaria se tivesse nascido antes eacute

o modo teacutecnico de pensar de dizer de agir Natildeo estou imerso na teacutecnica

somente quando uso o celular mais novo que saiu no mercado estou

profundamente imerso na teacutecnica quando o que me faz escolher a educaccedilatildeo

mais apropriada ao meu filho satildeo caacutelculos que me diratildeo qual o melhor negoacutecio

para o seu futuro Estou nessa situaccedilatildeo a qual inquietou tanto Heidegger

quando as decisotildees mais essenciais a nossa existecircncia satildeo decididas por

meros caacutelculos O que mais o assustou foi a possibilidade cada vez mais

crescente de esse olhar com-positor loacutegico calculista representador em

resumo esse olhar teacutecnico ser o uacutenico olhar que domine todas as nossas

decisotildees Essa sim eacute a grande ameaccedila ao homem

Seria uma ameaccedila talvez ainda maior a busca de um completo

abandono das coisas e pensar teacutecnico O homem necessita destes

Houvesse no pensar jaacute antagonistas e natildeo

simples adversaacuterios entatildeo a coisa do

pensar seria mais favoraacutevel

Heidegger Da experiecircncia do pensar

78

instrumentos e linguagem Necessita necessitou e necessitaraacute destes

instrumentos e linguagem teacutecnica como um ente no-mundo um ente-com

outros no qual se relaciona O homem tem sim que dizer bdquosim‟ a estes

instrumentos mas pode deve necessita simultaneamente dizer bdquonatildeo‟ a eles

Essa abertura ao entre agrave diferenccedila enquanto diferenccedila ao diaacute-logo a esse

acordo a essa harmonia originaacuteria exige do homem essa postura de dizer sim

e natildeo simultaneamente aos objetos teacutecnicos nos exige uma tomada de

decisatildeo que natildeo seja unilateral que natildeo seja absorvida nem pelos objetos

nem por seu abandono Exige de noacutes que nos ocupemos disto que ao olhar

representador parece inconciliaacutevel Assim diz Heidegger sobre esse dizer sim e

natildeo simultacircneo as coisas teacutecnicas

O pensamento que medita exige de noacutes que natildeo fiquemos unilateralmente presos a uma representaccedilatildeo que natildeo continuemos a

correr em sentido uacutenico na direccedilatildeo de uma representaccedilatildeo O pensamento que medita exige que nos ocupemos daquilo que a

primeira vista parece inconciliaacutevel () Podemos dizer sim agrave utilizaccedilatildeo inevitaacutevel dos objetos teacutecnicos e podemos ao mesmo

tempo dizer natildeo impedindo que nos absorvam e desse modo verguem confundam e por fim esgotem a nossa natureza (Wesen) 111

Esse pensamento que medita (sinnende) eacute justamente esse que se

contra-potildee potildee-se de frente e assim dialoga com esse pensamento que

calcula Eacute aquele pensamento que natildeo se detecircm no correto adequado no

fundamento mas que se encaminha no sentido da verdade como α-ιήζεηα

como decircs-velamento como clareira como sem-fund(ament)o Eacute portanto o

pensamento inaugural que atento ao destinado da fonte silenciosa do ser daacute

nascimento Eacute deste modo por dar nascimento que eacute esse pensamento que

medita irmatildeo da poesia no pocircr ambos encontram a sua essecircncia Assim

escreve Heidegger em sua obra poeacutetica intitulada de Da experiecircncia do pensar

(1960) onde pensar e poetar satildeo pensados como poiacuteesis como o dar-se da

verdade a partir do ser Leiamos suas palavras

Cantar e pensar satildeo os troncos

vizinhos do poetar

Eles crescem do Ser e alcanccedilam sua

111

HEIDEGGER Serenidade pp 23-24

79

verdade

Sua relaccedilatildeo daacute a pensar que Houmllderlin Canta das aacutervores da floresta

ldquoE desconhecidos uns aos outros eles

Ficam o tempo que eles permanecem em peacute

os troncos vizinhosrdquo 112

Eacute esse pensamento poeacutetico meditativo que nos exige que digamos sim

e natildeo simultaneamente agrave teacutecnica O que nos permite viver em meio a ela com

ela sem dela ser escravo e isso natildeo de um modo vacilante oscilante mas de

forma tranquila ou como nomeia Heidegger de modo sereno Com a mais

elevada serenidade (Gelassenheit) Esse dizer sim e natildeo agrave teacutecnica enquanto

diaacute-logo que se demora no entre eacute o que Heidegger nomeia por Serenidade

Em uma conferecircncia intitulada por Serenidade apresentada como um

discurso comemorativo do compositor de oacutepera Conradin Krutzer em 1955

Heidegger nos doa um belo discurso acerca do que seja essa Serenidade que

aqui eacute desde os primeiros passos aguardada Tema que por ele jaacute tinha sido

abordado em uma conversa nos anos de 194445 Nesta conversa tem-se uma

caracteriacutestica de uma linguagem bem mais solta e tambeacutem bem mais profunda

Um excelente exemplo de uma linguagem que busca libertar-se da

representaccedilatildeo da conceituaccedilatildeo Nessa conversa dar-se um deixa ser

conduzido pelo pensamento de amigos que caminhando satildeo aceitos nas

proximidades do misteacuterio do ser e que contudo natildeo perde em profundidade

mas que por esse deixar ao contrario eacute admitido por esta Jaacute o discurso

comemorativo tem uma sistemaacutetica e uma linguagem bem mais proacutexima jaacute que

eacute dirigida a um puacuteblico mais abrangente do que se costuma usar

habitualmente Neste discurso pondo-se a pensar sobre o que seja um ato

comemorativo Heidegger nos leva pelo discurso a pensar que comemorar eacute

pensar acerca de algo eacute pensar sobre o motivo do qual a comemoraccedilatildeo

presta-se a homenagear Diz-nos que ali se escutam as obras do compositor

sua biografia que ali satildeo proferidas anaacutelises criacuteticas de suas criaccedilotildees mas

seraacute que jaacute aiacute se realiza um pensar acerca de algo Relatar enumerar

112

HEIDEGER Da experiecircncia do pensar p 49

80

descrever narrar ainda natildeo eacute um pensar um meditar sobre algo sobre a

abertura que em uma obra de arte daacute-se

Heidegger passa daiacute a pensar sobre o que seja o pensamento Este se

apresenta na sociedade atual em-fuga ldquoTodos noacutes mesmo aqueles que

pensam por dever profissional somos muitas vezes pobres-em-pensamento

ficamos sem-pensamento com demasiada facilidaderdquo 113

E o que potildee em-fuga

o pensamento meditativo eacute esse dominante pensamento que calcula Esse

caacutelculo nos absorve como escravos das coisas que chegamos ao ponto de

darmos mais atenccedilatildeo aos produtos que agraves obras (εργολ) Pensamos muito

mais vezes nos presentes do que nas homenagens e homenageados

Pensamos e aqui jaacute nem podemos mais dizer pensar noacutes queremos

calculamos muito mais os resultados do que o processo o ponto de chegada

do que o caminhar agrave-proximidade-de e assim nos escravizamos pelos objetos

do desejo mais do que nos permitimos livres ao a-caso Eacute em relaccedilatildeo ao que

acabamos de dizer que a serenidade para com as coisas se apresenta como

aquela medranccedila do que salva Permite-nos sermos poeacuteticos em meio a um

mundo dominado pelo teacutecnico Daacute-nos a perspectiva de um novo enraizamento

jaacute que como diz Heidegger a partir de uma citaccedilatildeo do poeta Johann Peter

Hebel ldquoNoacutes somos plantas que ndash quer nos agrade confessar quer natildeo-

apoiadas nas raiacutezes tecircm de romper o solo a fim de poder florescer no Eacuteter e

dar frutosrdquo 114

Heidegger distingue essa disposiccedilatildeo nomeada por ele de Serenidade de

outros modos de conceber a palavra jaacute usada na tradiccedilatildeo por outros filoacutesofos

como eacute o caso da leitura de Meister Eckhart onde a serenidade eacute entendida

como ldquoa rejeiccedilatildeo do egoiacutesmo pecaminoso nem o abandono da vontade proacutepria

em prol da vontade divinardquo 115

Serenidade eacute essa aproximaccedilatildeo iacutentima da Matildee Terra eacute a escuta

cuidadosa do silecircncio do misteacuterio eacute o demorar-se insistente diante a abertura

que enquanto mostra-se simultaneamente se oculta Que se abre apenas para

nos envolver ainda mais no acircmago do misteacuterio Falamos de Serenidade e

constantemente nomes como misteacuterio aguardar cuidado insistecircncia se

113

HEIDEGGER Serenidade p11 114

Idem p27 115

Idem p 35

81

colocam em nosso caminho Falamos de serenidade diante essa ameaccedila na

qual o pensamento que calcula nos absorve O que nos leva a perguntar

Como conseguir essa serenidade O que eacute esse misteacuterio e esse aguardar que

sempre acompanham o pensar acerca da serenidade Estaacute nas matildeos dos

homens atingirem em meio a essa tumultuosa noite que nos cai essa

serenidade ou eacute apenas concernente ao destino do ser esta outra

possibilidade O que devemos fazer para criarmos permitindo o matutino

sereno de uma nova manhatilde Mantenhamo-nos um pouco mais nessa

vizinhanccedila da fonte que haacute muito nos convoca a ali em sua proximidade

demorarmo-nos Essa fonte que haacute muito chama em seu canto o filho ao

retorno aconchegante de seu habitar

43 Abertura ao misteacuterio O demorar-se no entre

O homem do presente eacute o homem da presenccedila Em um sentido filosoacutefico

Heidegger entende essa presenccedila como a marca fundamental do pensamento

metafiacutesico ocidental O ser do ente como a presenccedila eacute re-presentado pela

linguagem loacutegica como o ente Este ser enquanto presenccedila jaacute vem sendo

assim pensado para Heidegger desde os gregos principalmente para o que

ele chama de periacuteodo de decadecircncia do pensar claacutessico com Platatildeo e

Aristoacuteteles Estando este modo de pensar apenas no seu acabamento e este

modo de pensar vigente em quase todos os acircmbitos de decisotildees de accedilotildees e

de reflexotildees esta presenccedila pensada metafisicamente aparece agora tambeacutem

no habitual no dia-a-dia no cotidiano O que eacute de acordo com o bom senso eacute

o que estaacute agrave matildeo que posso tocar que posso decidir e natildeo a indecisatildeo Eacute o

que serve para algo O que vale eacute o agora o que se mostra aqui no presente A

histoacuteria eacute esquecida o esperar natildeo tem vez Vivemos no presente E

estranhamente esse viver no presente se revela uma ausecircncia aterrorizadora

A tecnologia que aproxima os homens os lugares os tempos as distacircncias em

uma intensidade gigantesca tambeacutem os afasta ldquohoje se toma conhecimento de

Eacute capinzal noturno

Escuro denso protetor Vocecirc eacute mata virgem

Pela qual ningueacutem passou

Raul Seixas Mata Virgem

82

tudo pelo caminho mais raacutepido e mais econocircmico e no mesmo instante e com

a mesma rapidez tudo se esquecerdquo 116

O raacutedio ou a internet aproximam tanto

a comunicaccedilatildeo os homens que natildeo eacute mais nem preciso estar ali Minha

presenccedila em todos os lugares por meio dos aparelhos tecnoloacutegicos de

comunicaccedilatildeo reflete minha ausecircncia Presente estaacute a tecnologia mas o

homem mesmo enquanto homem em sua autenticidade encontra-se ausente

Em uma multidatildeo de pessoas que dia-a-dia transitam pelas ruas das grandes

cidades sem nem um simples bdquooi‟ ser dado nos potildee a pensar no grego

Dioacutegenes o ciacutenico que com sua lamparina se pocircs a andar pelas ruas de sua

polis em pleno claro do dia a procurar por um homem sequer Onde

encontramos o homem nesse esquecimento do solo de onde brotam os

nutrientes de seu ser

A busca da certeza move demasiadamente mais do que a verdade Na

velocidade rapidez na pressa atual natildeo haacute tempo haacute perder com indecisotildees

natildeo a tempo para o proacuteprio homem Precisa-se de uma resposta certa mesmo

que para tal tenha-se que se descuidar da busca mais demorada pela verdade

do que no emaranhado do que eacute se oculta Certeza como corretude

adequaccedilatildeo como fundamento firme onde se pode erguer preacutedios para

gigantescos negoacutecios Verdade como decircs-velamento α-ιήζεηα como o cuidado

com o que adveacutem do velado do misteacuterio Esse misteacuterio destruidor da certeza

imediata riacutegida assusta causa espanto ao apressado homem da atualidade

Aquele espanto ηασκαηα que desde os tempos primordiais moveu os primeiros

pensadores cede lugar agrave certeza agrave decisatildeo necessaacuteria ao pesquisar que pela

imposiccedilatildeo da pressa de uma grande quantidade de produccedilatildeo natildeo pode se

demorar neste espanto

Diante desse caminhar ao qual nos enveredamos somos convocados a

serenidade A um estar aberto agrave abertura da adveniecircncia Um estar aberto agrave

abertura do misteacuterio Esse misteacuterio que espanta que afasta a certeza levando

ao risco daquele cair no poccedilo do qual haacute muito tempo se rir Esse misteacuterio que

nos tira da seguranccedila do fundamento do solo e nos envolve com o risco do

abismo Ao homem da decisatildeo esse misteacuterio eacute o que mais o assusta eacute o que

mais ele quer manter distacircncia Mas seraacute que assim como esse homem da

116

Idem p11

83

presenccedila se revelou como um homem da ausecircncia esse mesmo homem da

seguranccedila natildeo se revelaria a noacutes como o homem do medo que vive no mais

inseguro dos modos de existecircncia Seraacute que esta decisatildeo tatildeo adorada por

esse homem natildeo se revelaria a um pensar mais profundo medo de enfrentar o

risco deste entre adveniente do misteacuterio Seraacute que a decisatildeo que urge natildeo eacute a

de um demorar-se nesse misteacuterio Tenhamos entatildeo coragem e enfrentemos

mais estas questotildees

Diante o misteacuterio do que estaacute para aleacutem do que o que se mostra para

aleacutem do que aparece o homem se espanta O homem grego assim espantou-

se e aiacute se demorou Ser nada a fala o dizer o nomear o permanente

imoacutevel o movimento tudo isso o espantou e ele aiacute se demorou O espanto que

a princiacutepio o potildee em fuga simultaneamente o atraiu A curiosidade estando em

seu acircmago o fez olhar para traacutes durante essa fuga Como Orfeu que ao ir ao

Αδες Hades para resgatar a amada tinha apenas que por fim seguir adiante

sem olhar para traz mas que de seu acircmago uma inquietante curiosidade o faz

virar-se para vez se a bem amada consigo seguia Pondo-se em fuga do

misteacuterio do espanto eacute pela curiosidade atraiacutedo a um olhar de aproximaccedilatildeo

Uma curiosidade que vira amor θηιεηλ Um amor ao saber do que se mostrava

mesmo que em seu ocultamento Heraacuteclito nomeou como vimos um pouco

acima a este amante disto que tudo rege de θσιοζοθος filoacutesofo Amor para

ele eacute o harmonizar-se e saber eacute logos Logos esse que eacute misteacuterio aos homens

tanto antes de terem ouvido como depois como se estivessem dormindo 117

Amante desse misteacuterio o pensador nada podia dizer com certeza pois

amante do misteacuterio em harmonia com ele estava sempre num entre O que

para o pensador mais profundo era o mais espantoso era tambeacutem o seu maior

amor Este mais espantoso torna-se ao homem ordinaacuterio apenas ouvinte de

sua linguagem mas que a ela natildeo co-responde enquanto pensador do

profundo do ιογος o mais assustador gerando nesse homem medo Esse

espanto torna-se uma aporia απορηα um sem-saiacuteda da qual natildeo era possiacutevel

num confronto sincero harmonioso fuga Eacute nesse acircmbito do incerto onde o

117

Acerca deste modo de conceber o logos e a sua relaccedilatildeo com os homens consultar o fragmento 1 na organizaccedilatildeo de Diels de Heraacuteclito Este concebia o logos como o regente de

tudo o que haacute Entretanto os homens natildeo se apercebiam disso mesmo depois de serem acerca deste logos instruiacutedo Pois logos eacute ao homem que natildeo o enfrente ateacute os limites de sua

obscuridade misteacuterio

84

homem ordinaacuterio encontra-se meio acuado e o pensador profundo encontra-se

em pleno amor que surge o sofista como aquele que tinham as respostas

Aquele que se apresentava como sabedor dos misteacuterios e do modo de ldquoa esse

dominarrdquo Livrava-se rapidamente desta aporia dessa indecisatildeo por uma

tomada de posiccedilatildeo unilateral de um dos caminhos Com seu amplo domiacutenio de

retoacuterica e da linguagem como instrumento de dominaccedilatildeo dissimulaccedilatildeo essa

tomada de posiccedilatildeo unilateral passava como a mais elevada sabedoria Estes

sofistas despertavam as aporias nos seus ouvintes apenas com o intuito de se

apresentar como um conhecedor dos mais enigmaacuteticos problemas118

que ao

homem poderiam se apresentar para em seguida rapidamente os resolver

Assim diz Heidegger em sua conferecircncia O que eacute isto ndash a filosofia acerca

desses sofistas e de sua entrada neste momento oportuno em que o saber se

demorava ante esse entre do misteacuterio

O ente no ser isto se tornou para os gregos o mais espantador Entretanto mesmo os gregos tiveram que salvar e proteger o poder

do espanto deste mais espantoso ndash contra o ataque do entendimento sofista que dispunha logo de uma explicaccedilatildeo compreensiacutevel para qualquer um para tudo e a difundia A salvaccedilatildeo do mais espantoso ndash

ente no ser ndash se deu pelo fato de que alguns se fizeram a caminho na sua direccedilatildeo quer dizer do sophoacuten Estes tornaram-se por isso

aqueles que tendiam para o sophoacuten e que atraveacutes de sua proacutepria aspiraccedilatildeo despertavam nos outros homens o anseio pelo sophoacuten e o

mantinham aceso O philein to sophoacuten aquele acordo com o sophoacuten de que falamos acima a harmonia transformou-se em oacuterecsis num aspirar pelo sophoacuten O sophoacuten ndash o ente no ser ndash eacute agora

propriamente procurado Pelo fato de o philein natildeo ser mais um acordo originaacuterio com o sophoacuten mas um singular aspirar pelo

sophoacuten o philein to sophoacuten torna-se ldquophilosophiacuteardquo Essa aspiraccedilatildeo eacute determinada pelo Eacuteros

119

A de-cisatildeo120

de demorar-se na abertura na cisatildeo entre o que se oculta

cada vez mais que se mostrava teve para se proteger deste ataque dos

118

Sobre essa postura sofistica ante as aporias e tambeacutem acerca de seu domiacutenio da linguagem conferir a Metafiacutesica de Aristoacuteteles onde ente ao tratar dos problemas dos

contraacuterios enfrenta tanto os dialeacuteticos como os sofista dizendo que aos primeiros era preciso uma argumentaccedilatildeo da problemaacutetica ela mesma para que se revelasse onde estavam se

equivocando jaacute aos segundos era necessaacuterio um constrangimento loacutegico pois esses natildeo buscavam a verdade mas falavam apenas pelo prazer de falar seu falar era meramente dominado pela intenccedilatildeo de um benefiacutecio proacuteprio 119

HEIDEGGER O que eacute isto ndash a filosofia p32 120

Pensamos que no expressatildeo de-cisatildeo guardamos a marca da abertura da cisatildeo do

misteacuterio ao aberto do decircs-velamento De-cidir eacute manter-se nesse entre do dia-logo eacute demorar-se na clareira Jaacute na expressatildeo posiccedilatildeo escutamos o eco daquela palavra que aqui se revelou

como a essecircncia do entendimento teacutecnico Posiccedilatildeo a noacutes remete diretamente aquele sin-tese

85

sofistas que se transformar num posicionamento Numa tomada de

posicionamento unilateral Diante isso eacute que neste percurso por noacutes aqui

trilhado somos levados a pensar que deixar-se ser guiado pelo acordo

harmonioso com o misteacuterio eacute uma de-cisatildeo bem mais vigorosa do que a

decisatildeo no sentido de um posicionar-se Diante as απορηας aporias primordiais

que na intenccedilatildeo de se beneficiar dos sofistas tanto Platatildeo como Aristoacuteteles

necessitaram salvar o espanto por amor ao saber tiveram que decidir por uma

αρθε um princiacutepio ideia ousia e de acordo com essa decisatildeo que a eles se

impocircs como o destinado pelo ser estabeleceram uma linguagem um logos

proposicional em confronto com o risco que se corria com a linguagem poeacutetica

desde primeiros e mais profundos pensadores

Poreacutem o que em Platatildeo e Aristoacuteteles ainda se mantinha como uma de-

cisatildeo adveniente do destinado pelo ser eacute esquecida ofuscada re-configurada

pelo modo outro de pensar latino que o segue Eacute nessa passagem do pensar

grego para o latino que Heidegger indica o ponto crucial do afastamento do

misteacuterio como o mais essencial agrave essecircncia da verdade enquanto decircs-

velamento do esquecimento da cisatildeo que mantendo o pensador no espanto do

entre o protegia o res-guardava da decadecircncia da unilateralidade Por uma

vontade de progresso de decircs-envolvimento essa decisatildeo agora jaacute entendida

como tomada de posiccedilatildeo passa a controlar a razatildeo o pensar torna-se

entendimento o ιογος torna-se loacutegica A αιήζεηα torna-se veritas adequatio

corretude verdade Seguindo sempre adiante sem tempo para parar e olhar

para a proveniecircncia de onde haacute muito eacute enviado o que nos eacute destinado segue

esse decircs-envolvimento A linguagem o pensar que se davam como obra

como poiacuteesis torna-se uma linguagem predicativa proposicional torna-se re-

presentaccedilatildeo passando a dominar praticamente todos os acircmbitos do humano

A de-cisatildeo enquanto com-fronto disputa originaacuteria enquanto a απορηα que

levou o homem a imobilidade retorna na era da teacutecnica pela presenccedila uacutenica da

exigecircncia de um posicionamento A falta de aporia pela certeza imposta pela

pressa dos negoacutecios do desenvolvimento da teacutecnica eacute que agora imobiliza a

capacidade do homem a um confronto verdadeiro radical com o poder de

dominaccedilatildeo que se impotildee sobre ele

onde o sin eacute o por junto e o tese eacute em uma posiccedilatildeo Sin-tese em grego Ge-stell em alematildeo eacute

marca caracteriacutestica da unilateralidade da representaccedilatildeo

86

Diante essa nova imobilidade Heidegger por meio do pensar do poetar

busca redespertar esta aporia perdida aquele acordo originaacuterio aquela

harmonia essencial com o ser Urge uma nova tomada de de-cisatildeo ante a

pressa que impede qualquer parar meditativo-poeacutetico qualquer esperar

escutar Torna-se necessaacuterio o risco de se lanccedilar o olhar agraves profundezas das

alturas e aiacute cair no poccedilo outra vez Potildee-se o arriscar-se a ir-agrave-proximidade do

misteacuterio e se permitir ser entorpecido ldquona boca e na almardquo121

por esse demorar-

se no entre nesta abertura na clareira do ser Mas como pode o homem da

era da teacutecnica do entendimento representativo atingir a profundidade do

misteacuterio Como atingir essa serenidade que guarda a medranccedila do que salva

Trilhemos mais essas questotildees que se potildeem antes de nos demorarmos onde a

muito somos convocados

44 Da procura ao Aguardar o silencioso caminhar na vereda

Pensamos na serenidade como a disposiccedilatildeo que guarda em seu seio a

medranccedila do que salva Estaacute que enquanto um dizer sim e natildeo a teacutecnica nos

liberta da servidatildeo aos objetos e pensamento teacutecnico bem em seu seio Que

como este demorar-se no entre do aberto do misteacuterio da cisatildeo proveniente do

ser ao homem o devolve o conduz a um retorno ao habitar que lhe fora

confiado doado Pensamos essa serenidade em meio a um intenso domiacutenio da

teacutecnica sobre praticamente todos os acircmbitos do humano mas como se tornaraacute

possiacutevel quebrar essas algemas do entendimento representativo loacutegico e

aceder a esta serenidade Qual o procedimento o meacutetodo a forma de

aquisiccedilatildeo desta serenidade Como re-significar a linguagem proposicional

predicativa abrindo a ela a possibilidade do diaacutelogo com a linguagem poeacutetica

Essas perguntas de forma alguma nos conduziratildeo a esta serenidade a essa

121

Faz-se aqui uma alusatildeo ao estado que Mecircnon ao dialogar com Soacutecrates eacute levado pelo seu discurso Um entorpecimento que Platatildeo potildee como o movimento necessaacuterio a rememoraccedilatildeo

fonte de saber Conferir Mecircnon 80 b

E de que modo procuraraacutes Soacutecrates aquilo que natildeo sabes absolutamente o que eacute

Platatildeo Mecircnon

87

proximidade pois satildeo ainda perguntas loacutegicas do acircmbito da representaccedilatildeo

Procedimento meacutetodo adquirir re-significar satildeo todas expressotildees da re-

presentaccedilatildeo Aqui outra relaccedilatildeo com o que se potildee neste aberto do entre se

coloca

Platatildeo em um diaacutelogo no qual se investiga de qual o modo o homem

pode possuir a virtude ἀρεηή faz Mecircnon apoacutes ser levado a uma profunda

aporia sobre o que seja a justiccedila ela mesma ao estilo sofiacutestico perguntar a

Soacutecrates se eacute realmente possiacutevel aprender aquilo que absolutamente natildeo se

conhece Como eacute possiacutevel pela investigaccedilatildeo adquirir aquilo que mesmo ao

dar-se se fecha em si mesmo Como podemos conhecer esse misteacuterio atingir

essa serenidade Quem investiga busca por algo que previamente conta de

antematildeo conta previamente com algum resultado parte de uma instacircncia por

um determinado meacutetodo em alguma direccedilatildeo Mas como investigar algo que

absolutamente ainda natildeo haacute que informaccedilatildeo alguma tem-se dele Essas

perguntas jaacute estatildeo presentes no nascimento da Metafiacutesica tanto com Platatildeo

como com Aristoacuteteles Soacute que a pressa as potildee sempre de lado e nos decircs-via

ao desenvolvimento do que jaacute temos em matildeo do mais faacutecil de produzir do uacutetil

Leiamos algumas palavras de Heidegger acerca desse meacutetodo investigativo

A sua particularidade consiste no fato de que quando concebemos um plano investigamos ou organizamos uma empresa contamos sempre com condiccedilotildees preacutevias que consideramos em funccedilatildeo do

objetivo que pretendemos atingir Contamos antecipadamente com determinados resultados Este caacutelculo caracteriza todo o pensamento

planificador () o pensamento que calcula faz caacutelculos Faz sempre caacutelculos com possibilidades continuamente novas sempre com maiores perspectivas e simultaneamente mais econocircmicas O

pensamento que calcula corre de oportunidade em oportunidade 122

A serenidade que aguardamos natildeo chega a nossa proximidade por uma

investigaccedilatildeo meacutetodo ou atividade pelo contraacuterio eacute por ela afastada Entatildeo ao

homem natildeo resta nada a natildeo ser esperar ficar na passividade esperando que

algo ocorra e que lhe desperte essa serenidade Heidegger nomeia por

aguardar (warten) essa disposiccedilatildeo que em confronto com a investigaccedilatildeo eacute

mais apropriada agrave serenidade Um aguardar que natildeo eacute um mero espera que

natildeo eacute nunca um ficar na expectativa (erwaten) Aguardar natildeo eacute aqui um mero

122

HEIDEGGER Serenidade p 13

88

ficar na passividade esperando que algo ocorra Nem tambeacutem eacute a atividade da

investigaccedilatildeo que quer que algo chegue a determinado resultado Natildeo eacute

passividade nem atividade Eacute um trabalhar-se um obrar-se no sentido de uma

atenccedilatildeo um cuidado ao silecircncio do que se oculta do que nesse ocultar-se se

re-colhe se res-guarda Eacute aquela disposiccedilatildeo daquele caminhante que

trilhando um caminho ainda natildeo aberto que caminhando em uma mata virgem

aguarda pelo que advenha como o caminho pelo qual deve continuar seguindo

Eacute entatildeo aquele respeito aquele carinho amor philein pelo que lhe envolve

Naquela ocasiatildeo que o repouso se mostra o movimento mais apropriado diante

a aporia que se apresenta que lhe envolve ldquoDificilmente podemos alcanccedilar a

serenidade de uma forma mais adequada do que por meio de uma ocasiatildeo

para nos envolvermosrdquo 123

O querer eacute sempre um querer algo Eacute jaacute estar na expectativa A serenidade

como esse aguardar natildeo espera natildeo quer algo O que concerne a esse

aguardar natildeo eacute algo natildeo eacute um ente mas eacute a abertura eacute a clareira Eacute um

recebimento com gratidatildeo ao que brota para si do seio do ser da θσζης da

natureza Essa passagem do querer ao aguardar sereno eacute o caminho a se

seguir na ida agrave proximidade do que guarda a medranccedila do que salva Grato

com o que lhe eacute destinado o caminhante sereno lhe co-responde Liberto de

anseios e vontade o homem recebe a tarefa de guardiatildeo da clareira do brotar

guardiatildeo do diaacutelogo se apresenta como a outra possibilidade ante o perigo que

ameaccedila

Mantendo-se insistentemente nesse entre nessa abertura da cisatildeo do

misteacuterio lhe eacute destinado o Acontecimento-poeacutetico-apropriativo Ereignes da

histoacuteria do homem pois ldquoaquilo que permanece funda os poetasrdquo nas palavras

de Houmllderlin ou o que podemos escutar no eco da palavra por Goethe usada

onde ao inveacutes de usar para dar sentido a perdurar a palavra alematilde fortwaumlhrenI

usa a palavra misteriosa fortgewaumlhren como um continuar a conceder 124

O

que aiacute eacute entatildeo colhido com gratidatildeo como esse que insistentemente se demora

nisso que continua a conceder eacute levado ao homem por esse mensageiro

αγγειος como uma possibilidade de uma nova manhatilde de um novo momento

da histoacuteria Essa possibilidade que pela exploraccedilatildeo de tudo que estaacute dado potildee

123

Idem p45 124

HEIDEGGER A questatildeo da teacutecnica p 33

89

em fuga a possibilidade do inaugural que eacute confiado apenas agravequeles que se

demoram insistentemente no aguardar Aqueles que adentram na floresta natildeo

com intenccedilatildeo de uma exploraccedilatildeo de mais um mercado que lhe renderaacute um

oacutetimo negoacutecio ao comeacutercio mas agravequele que como protetor adentra na floresta

para lhe escutar e lhe res-guardar em seu cuidado

Esta natildeo eacute uma tarefa faacutecil pois aiacute trilha-se natildeo por uma estrada aberta e

segura mas trilha-se por uma vereda que insistentemente lhe potildee o fechado a

frente lhe envolvendo no risco do que absolutamente natildeo se conhece Assim

co-respondendo ao que lhe eacute confiado este caminhante deve insistentemente

demorar-se nessa aguardar do inaugural Qual o sentido dessa insistecircncia que

diversas vezes se apresentou em nosso trilhar Na conversa que eacute colhida de

um passeio do campo Heidegger nos escreve uns versos escutado de um

amigo sobre o que poderia ser pensado como o sentido dessa insistecircncia

Receber a salvo Para longa constacircncia

A verdade que estaacute a ser Nunca soacute algo verdadeiro Que o coraccedilatildeo pensante peccedila

Agrave singela paciecircncia A generosidade uacutenica

Do nobre recordar 125

Se Platatildeo como resposta a aporia acerca da possibilidade de se

aprender o que absolutamente natildeo se conhece fala de uma ἀλάκλεζης

anaminesis rememoraccedilatildeo de um recordar aqui tambeacutem o recordar se

apresenta ldquoA generosidade uacutenica do nobre recordarrdquo Recordando aquele

habitar na proximidade agrave fonte escuta-se o chamado a um novo momento da

histoacuteria a ser trilhado O nobre caminhante se depara no silecircncio da aporia do

entre com o canto de sua Matildee Este eacute convocado ao envolver-se em seu ser

Na disposiccedilatildeo da serenidade a nobreza natildeo eacute mais aquele tiacutetulo que indica um

possuidor de terras ou uma rica famiacutelia detentora de poder financeiro Nobreza

aqui eacute aquilo que tem proveniecircncia O caminhante nobre natildeo eacute dono da terra

na qual habita mas eacute filho dela eacute por ela aceito em seu seio ldquoA nobreza de

caraacuteter seria a essecircncia do pensamento (Denkens) e com isso do

125

HEIDEGGER Serenidade p 59

90

agradecimento (Dankens) Desse agradecimento que natildeo apenas agradece por

algo mas que apenas agradece por agradecerrdquo 126

Nesse nobre caminhar natildeo chegamos a um ponto final onde atingimos a

serenidade ante o misteacuterio e o misteacuterio natildeo eacute por noacutes adquirido O que se daacute eacute

aquele ir-agrave-proximidade eacute um adentrar a vizinhanccedila Com Heraacuteclito Heidegger

pensa esse ir-agrave-proximidade como uma traduccedilatildeo apropriada a esta conversa

do fragmento 122 de Heraacuteclito o menor dos fragmentos que possui uma soacute

palavra Ἀγτηβαζίε aproximar-se ir proacuteximo ser-admitido-no-sei-da-

proximidade Nosso trilhar poderia ser pensado entatildeo como esse ir-agrave-

proximidade Assim escreve Heidegger nas uacuteltimas linhas da conversa acerca

da serenidade

Que nos guiou pela noite dentro cujo brilho eacute cada vez mais

deslumbrante e supera em maravilha as estrelas porque aproxima entre si suas distacircncias no ceacuteu pelo menos para o observador ingecircnuo natildeo para o investigador exato Para a crianccedila no Homem a

noite permanece a aproximadoracostureira das estrelas Ela junta sem costura bainha nem linha

127

Assim natildeo se deve buscar aceder agrave serenidade com a intenccedilatildeo de lhe

atingir e lhe ter em posse A tarefa que fica ao homem em meio ao perigo da

dominaccedilatildeo da teacutecnica eacute algo diferente do querer do atingir do ter em posse A

tarefa que urge eacute a de um aguardar grato insistente no entre da serenidade

como esse demorar-se na proximidade na vizinhanccedila do misteacuterio Eacute pocircr no

sentido de um deixar-que em diaacute-logo esse pensamento que calcula com esse

pensamento poeacutetico que medita Cuidar de si do que lhe eacute essencial ou seja

cuidar da guarda dos misteacuterios da natureza que a si foi concedido Cuidar da

linguagem para que essa natildeo venha a decair completamente em um mero

falatoacuterio em mera proposiccedilatildeo e representaccedilatildeo mas que ela retorne ao que lhe

eacute mais proacuteprio que eacute o inaugurar o nomear o pocircr-em-obra Sua tarefa eacute cuidar

do pensamento pelo pensar ele mesmo salvando-o do ordinaacuterio e habitual

entendimento que calcula da loacutegica assim o res-guardando a possibilidade a

si mais autecircntica do meditar de poetar ante o misteacuterio Res-guardar as

relaccedilotildees dos homens entre si e entre as coisas de uma fraacutegil relaccedilatildeo sujeito-

objeto uma relaccedilatildeo egoica fundada no eu e tu e nesse resguardar permitir

126

Idem p 63 127

Idem pp68-69

91

uma outra relaccedilatildeo onde o diaacute-logo estaacute em seu seio onde a co-pertenccedila

permeia o todo Proteger a verdade como αιεζεηα decircs-encobrimento da

verdade como adequatio veritas corretude Eacute esse o sentido do que seja a

serenidade como a medranccedila do que salva Eacute a essa vizinhanccedila que fomos

levados por esse caminhar por esse caminho da floresta Holzwege por estas

sendas do pensamento por esta vereda Escutemos por fim estas uacuteltimas

palavras as quais por Heidegger foram usadas nas linhas finais de sua obra

acerca da arte A origem da obra de arte palavra de Houmllderlin um poeta que

para ele era os poetas dos poetasldquoDificilmente abandona O que mora na

proximidade do originaacuterio o lugarrdquo 128

128

HEIDEGGER A origem da obra de arte p201

92

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A-cerca do entendimento humano O salto na vereda

Pensamos neste caminhar sobre o homem o seu tempo atual sua

essecircncia e o que a este se apresenta como uma ameaccedila Pensamos na

teacutecnica na arte na serenidade Pensamos no ser na verdade e na linguagem

Adentramos estas questotildees com a proposta de dar um retorno agrave leitura que

fazemos do presente

O homem encontra-se em um estaacutegio de sua histoacuteria em que o

entendimento eacute apresentado como seu grande poder Um entendimento em

maior parte dominado pelo cientiacutefico pelo teacutecnico pelo comercial A razatildeo eacute

um grande negoacutecio para o capital principalmente quando o desenvolvimento

desta razatildeo eacute diretamente ligado agrave produccedilatildeo de um novo produto investido pelo

capital e para o capital Assim encontra-se em grande parte a razatildeo do homem

no presente Uma razatildeo que lhe foi de grande utilidade para lhe proteger das

ameaccedilas do incerto para lhe proteger do espanto do dando-lhe a seguranccedila e

conforto almejados Uma razatildeo que surge como instrumento de dominaccedilatildeo

ameaccedila fugir-lhe do seu controle para passar assim ao domiacutenio

Eacute assim que pensamos a-cerca do entendimento humano como essa cerca

que o aprisiona na dominaccedilatildeo do que seja entendido como o proacuteprio

entendimento O entendimento humano torna-se assim a cerca do humano

Uma cerca sem porta de saiacuteda onde o uacutenico caminho de uma fuga de

uma libertaccedilatildeo se apresenta como um salto Saltando sobre essa cerca para o

que estaacute aleacutem do que por ele foi aberto e dominado por sua razatildeo Este campo

aberto produzido para a sua seguranccedila o amedronta no presente momento de

sua histoacuteria com o perigo de uma escassez do adveniente do misteacuterio do que o

cerca Uma escassez de outra possibilidade que possa lhe salvaguardar da

iminente dominaccedilatildeo que a teacutecnica impotildee como ameaccedila

Urge ao homem saltar essa cerca e corajosamente mesmo que nos

primeiros passos ainda bem desajeitados pela falta de costume com esse novo

ambiente adentrar a vereda do que fora desta cerca se mostra como fonte Eacute

preciso arriscar-se por essa mata virgem em ir-agrave-proximidade do misteacuterio da

93

fonte de onde brota a seiva que alimenta sua essecircncia antes que essa

enfraquecida pela falta de seus nutrientes essenciais padeccedila ante a ameaccedila

que lhe cerca Essa seiva que na cerca eacute o pensamento calculista natildeo eacute

possiacutevel encontraacute-la em lugar algum Devemos nos aproximar dessa silenciosa

fonte originaacuteria que haacute muito canta o homem pelo retorno ao seu habitat

essencial haacute muito o convoca ao salto no a-bismo

Urge o arriscar-se a cair novamente no poccedilo ficando assim exposto a

possibilidade do riso Eacute preciso jogar-se no poccedilo e retornar com a aacutegua fonte

de tudo que em seu acircmago nutre a essecircncia do homem Retornando assim

esse que poeticamente se arrisca mais carregaraacute consigo a possibilidade de

transmitir aos outros homens o que do seio da Matildee Terra recebeu como o

destino dos homens Guardaraacute consigo a possibilidade de doar o que lhe foi

doado Em seu retorno da vereda restar-lhe-aacute a tarefa ainda mais difiacutecil do

que aquele caminhar no fechado a de dia-logar com os que moram dentro da

cerca a tarefa de pocircr em dialogo em si mesmo e em relaccedilatildeo aos outros

poesia e loacutegica metafiacutesica e pensamento caacutelculo e meditaccedilatildeo identidade e

diferenccedila

Nesse trabalho que agora podemos chamar de diaacute-logo a demora nos

primeiros passos foi uma necessidade de enfrentar tanto o enrijecimento da

tradiccedilatildeo como a proacutepria linguagem habitual da qual nos servimos nesse

confronto com a tradiccedilatildeo Se os passos finais se apresentaram em menor

quantidade de palavras eacute porque nele o caminhar cuidadoso exigiu mais

silecircncio do que dizer mais escuta do que fala Encontramo-nos apenas a

caminho de um verdadeiro e real enfrentamento com o aqui pensado Um

enfrentamento que se daraacute em nossas vidas relaccedilotildees pensamentos

linguagem com o misteacuterio do que nos convoca a sua proximidade Uma

aproximaccedilatildeo na qual a cada passo que adentramos nossa linguagem habitual

torna-se cada vez mais perigosa de levar-nos a um des(en)vio no sentido de

um novo afastamento

Esse acircmbito ao qual chegamos nessa nossa con-versa eacute um acircmbito natildeo de

respostas mas onde deve brotar as essenciais perguntas tarefa de todo

pensador que nos seratildeo destinadas ao diaacutelogo com o presente no qual

94

existimos Agradeccedilo portanto a companhia nessa caminhada pela vereda

companhia essa que sem ela nenhum caminhar eacute propriamente um caminhar

verdadeiro

95

REFEREcircNCIAS

Obras de Heidegger

HEIDEGGER Martin A origem da obra de arte [1935-36] Trad br Idalina

Azevedo e Manuel Antonio de Castro Satildeo Paulo Ediccedilotildees 70 2010

______________ A origem da obra de arte In Caminhos de floresta Trad

port Irene Borges-Duarte e Filipa Pedroso 2 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste

Gulbenkian 2012

______________ A origem da obra de arte Trad port Maria da conceiccedilatildeo

CostaLisboa Ediccedilotildees 70

______________ El origen de la obra de arte In Arte y Poesiacutea Trad esp

Samuel Ramos Buenos Aires Fondo de cultura econoacutemica 1958

______________ A questatildeo da teacutecnica [1953] In Ensaios e conferecircncias

Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo Rio de Janeiro Vozes 2008

______________ Serenidade [1955] Trad port Maria Madalena Andrade e

Olga SantosLisboa Instituto Piaget

______________ Ser e tempo [1927] Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante 3 ed

Rio de Janeiro Editora universitaacuteria Satildeo Francisco 2008

______________ Houmllderlin y la esencia de la poesia [1936] In Arte y poesia

Trad esp Samuel Ramos Buenos Aires Fondo de cultura economica 1958

______________ Para que poetas [1946] In Caminhos de floresta Trad

port Irene Borges-Duarte e Filipa Pedroso 2 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste

Gulbenkian 2012

______________ A teoria platocircnica da verdade [193132 1940] In Marcas do

caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Vozes 2008

______________ A essecircncia e o conceito de θσζης em Aristoacuteteles ndash Fiacutesica Β

1 [1939] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini

Petroacutepolis Vozes 2008

______________ Carta sobre o humanismo [1946] In Marcas do caminho

Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Vozes 2008

______________ A essecircncia do fundamento [1929] In Marcas do caminho

Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo giachini Petroacutepolis Vozes 2008

96

______________ Hegel e os gregos [1958] In Marcas do caminho Trad br

Ernildo Stein e Enio Paulo giachini Petroacutepolis Vozes 2008

______________ A essecircncia da verdade [1930] In Marcas do caminho Trad

br Ernildo Stein e Enio Paulo giachini Petroacutepolis Vozes 2008

______________ A essecircncia da Verdade [1930] In Conferecircncias e escritos

filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo Stein Satildeo Paulo Nova

cultural 1996

______________ Que eacute metafiacutesica [192943] In Conferecircncias e escritos

filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo Stein Satildeo Paulo Nova

cultural 1996

______________ O que eacute isto ndash a filosofia [1956] In Conferecircncias e escritos

filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo Stein Satildeo Paulo Nova

cultural 1996

______________ Identidade e diferenccedila [1957] In Conferecircncias e escritos

filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo Stein Satildeo Paulo Nova

cultural 1996

______________ ldquo poeticamente o homem habitardquo [1951] In Ensaios e

conferecircncias Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante Schuback Rio de Janeiro

Vozes 2008

______________ O fim da filosofia e a tarefa do pensamento [1966] In

Conferecircncias e escritos filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo

Stein Satildeo Paulo Nova cultural 1996

______________ Nietzsche I [1961] Trad br Marcos Antocircnio Casanova Rio

de Janeiro Forense Universitaacuteria 2007

______________ Nietzsche II [1961] Trad br Marcos Antocircnio Casanova Rio

de Janeiro Forense Universitaacuteria 2007

______________ Ciecircncia e pensamento do sentido [1954] In Ensaios e

______________ A caminho da linguagem [1959] Trad Maacutercia de Saacute

Cavalcante Satildeo Paulo Editora vozes 2011

______________ A superaccedilatildeo da metafiacutesica [1936-46] In Ensaios e

conferecircncias Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante Schuback Rio de Janeiro

Vozes 2008

______________ Da experiecircncia do pensar [1960] Trad br Maria do Carmo

Tavares de Miranda Porto Alegre Editora Globo 1969

97

______________ Quem eacute o Zaratrusta de Nietszche [1953] In Ensaios e

conferecircncias Trad br Gilvan Fogel Rio de Janeiro Vozes 2008

Obras sobre Heidegger

GADAMER Hans-Georg Hermenecircutica em retrospectiva Trad br Marcos

Antocircnio Casanova Rio de Janeiro Vozes 2009

LOPARIC Zeljko Eacutetica e finitude 2 Ed Satildeo Paulo Editora Escuta 2004

NUNES Benedito Hermenecircutica e poesia o pensamento poeacutetico Org Maria

Joseacute Campos Belo Horizonte Ed UFMG 1999

______________ Passagem para o poeacutetico filosofia e poesia em Heidegger

Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2012

RUumlDIGER Francisco Martin Heidegger e a questatildeo da teacutecnica prospectos

acerca do futuro do homem Porto Alegre Sulina 2006

STEIN Ernildo Seminaacuterio sobre a verdade Liccedilotildees preliminares sobre o

paraacutegrafo 44 de Zein und Zeit Petroacutepolis Vozes 1993

____________ Diferenccedila e metafiacutesica ensaios sobre a desconstruccedilatildeo Ijuiacute

Editora Unijuiacute 2008

Outras obras

AUBENQUE Pierre O Problema do ser em Aristoacuteteles Ensaio sobre a

problemaacutetica aristoteacutelica Trad br Cristina de Souza Agostini e Diocleacutezio

Domingos Faustino Satildeo Paulo Paulus 2012

AQUINO Tomaacutes de Questotildees discutidas sobre a verdade Trad br Luiz Joatildeo

Barauacutena Satildeo Paulo Editora Nova Cultural 2004

ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmacos Trad br Mario de Gama Kury Brasilia

Editora UNB 1961

____________ Fiacutesica trad esp Guillermo R de Echandia Editorial Gredos

SA 1995

____________ Fiacutesica I-II trad br Lucas Angioni Campinas Editora Unicamp

2010

____________ Metafiacutesica trad br Giovanni Reale Satildeo Paulo Ediccedilotildees

Loyola 2013

98

____________ Oacuterganon Trad br Edson Bini Satildeo Paulo Edipro 2010

____________ Poeacutetica Trad pt Ana Maria Valente Lisboa Ediccedilatildeo da

Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkain 2004

BARROS Manoel Poesia completa Satildeo Paulo Leya 2013

BAUMGARTEN Alexander Esteacutetica ndash A loacutegica da arte e do poema [1750]

Trad br Mirian Sustter Medeiros Petroacutepolis RJ Vozes 1993

BRENTANO Franz Sobre los muacuteltiples significados del ente seguacuten Aristoacuteteles

[1862] Trad esp Manuel Abella Madri Encuentro 2007

BURNET John A aurora da filosofia grega Trad br Vera Ribeiro Rio de

Janeiro Contraponto 2006

CROCE Benedetto Breviaacuterio de Esteacutetica Aesthetica in Nuce [1912] Trad br

Rodolfo Ilari Jr Satildeo Paulo Editora Aacutetica 2001

DESCARTE Reneacute As paixotildees da alma Trad br J Guinsburg e Bento Prado

Juacutenior Satildeo Paulo Abril Cultural 1973

_______________ Meditaccedilotildees sobre a Filosofia primeira [1641] Trad br J

Guinsburg e Bento Prado Juacutenior Satildeo Paulo Abril Cultural 1973

FRANZINI Elio A esteacutetica do Seacuteculo XVIII Trad pt Isabel Teresa Santos

Lisboa Editorial Estampa 1999

HEGEL Georg W F Esteacutetica Trad br Orlando Vitorino Satildeo Paulo Editora

Nova Cultural coleccedilatildeo Os pensadores 1999

HESIacuteODO Teogonia Trad br Jaa Torrano 5 Ed Satildeo Paulo Ilumiuras 2003

________ Os trabalhos e os dias Trad br Luiz Otaacutevio Mantovaneli Satildeo

Paulo Odysseus 2011

HOumlLDERLIN Friedrich Hipeacuterion Ou o eremita da Greacutecia Lisboa Editora

Assiacuterio e Alvim 1997

HOMERO Iliacuteada Volumes I e II Trad Haroldo de Campos 2 Ed Satildeo Paulo

Benviraacute 2010

________ Odisseacuteia Volumes I II e III Trad br Donaldo Schuumller Porto Alegre

LampPM 2007

KANT Immanuel Criacutetica da faculdade de julgar [1793] Trad br 2 ed Editora

Forense Universitaacuteria 2007

_______ Criacutetica da razatildeo Pura Trad pt Manuela Pinto dos Santos e

Alexandre Fradique Mourujatildeo Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 2001

99

KIRK G S RAVEN J E e SCHOFIELD M Os filoacutesofos Preacute-Socraacuteticos

histoacuteria criacutetica com seleccedilatildeo de textos Trad port Carlos Alberto Louro Fonseca

Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1994

LAEcircRTIOS Diocircgenes Vida e doutrinas dos filoacutesofos ilustres Trad br Maacuterio da

Gama Kury 2 ed Brasiacutelia UNB 2014

LEAtildeO Emanuel Carneiro Anaximandro Parmecircnides Heraacuteclito Os

pensadores originaacuterios Braganccedila Editora universitaacuteria Satildeo Francisco 2005

LIDDELL Henry George SCOTT Robert A GreekndashEnglish Lexicon Oxford

Clarendon Press 1940

NIETZSCHE Friedrich Assim falou Zaratustra [1883-85] Trad br Paulo Cesar

de Souza Satildeo Paulo Companhia das letras 2011

__________________ Vontade de poder Trad br Marcos Sinesio Perreira

Moraes Rio de Janeiro 2008

PARMEcircNIDES Da Natureza Trad br Joseacute Trindade Santos Satildeo Paulo

Ediccedilotildees Loyola 2002

PEREIRA Isidro Dicionaacuterio de Portuguecircs-Grego Grego-Portuguecircs Satildeo Paulo

Ediccedilotildees Loyola 1984

PLATAtildeO O Banquete In Diaacutelogos ndash Platatildeo Coleccedilatildeo Os pensadores Joseacute

Cavalcante de Souza Trad br Edison Bini Satildeo Paulo Abril cultural 1972

_______ Iacuteon Trad pt Victor Jabouille Lisboa Editorial inqueacuterito 1988

_______ A Repuacuteblica Trad pt Maria Helena da Rocha Pereira 9 ed Lisboa

Fundaccedilatildeo Caloute Gulbenkian

_______ O Sofista In Diaacutelogos I ndash Platatildeo Trad br Edison Bini Satildeo Paulo

Edipro 2007

_______ Mecircnon Trad br Maura Igleacutesias Rio de JaneiroPUC-RIO Ediccedilotildees

Loyola 2005

SCHILLER Friedrich Cartas Sobre a Educaccedilatildeo Esteacutetica da Humanidade

[1795] Trad port Roberto Schwarz Satildeo Paulo EPU 1991

SPENGLER Oswald A decadecircncia do ocidente Trad br Herbert Caro 2ed

Rio de Janeiro Zahar Editores 1973

VAZ Lima Escritos de filosofia VII Raiacutezes da modernidade Satildeo Paulo

Ediccedilotildees Loyola 2002

Page 8: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:

8

ldquoTodas as obras dos poetas mimeacuteticos se me afiguram ser a destruiccedilatildeo da

inteligecircncia dos ouvintes de quantos natildeo tiverem o antiacutedoto e o conhecimento

de sua verdadeira naturezardquo

(Platatildeo Repuacuteblica)

ldquoA arte como o uacutenico antiacutedoto superior contra toda e qualquer vontade de

negaccedilatildeo da vidardquo

(Nietzsche Vontade de poder)

9

RESUMO

Em que sentido a Serenidade como um diaacute-logo entre o pensamento que

calcula e o pensamento que medita um diaacute-logo entre a teacutecnica e a poesia em

conjunto com a abertura ao misteacuterio fonte originaacuterio de todos os vigentes se

apresentam como uma possibilidade um caminho de enfrentamento ao perigo

adveniente da crise resultante da dominaccedilatildeo global da teacutecnica nos acircmbitos

mais essenciais da vida Esse enfrentamento parece se dar no acircmbito da

linguagem e do pensar enquanto a morada do ser O homem como o guardiatildeo

dessa morada do ser eacute aquele que se abrindo ao misteacuterio do a ser destinado

pode arriscando-se ao saltar no abismo do que natildeo vige permitir ou melhor

ser permitido nessa outra possibilidade Aguardando correspondendo ao seu

destino o homem pode ser a medranccedila do que salva Para tal pesquisa

colocam-se aqui em diaacute-logo trecircs ensaios heideggerianos A questatildeo da

teacutecnica A origem da obra de arte e Serenidade Buscamos uma relaccedilatildeo destes

ensaios com outros ensaios centrais de Heidegger assim como sua relaccedilatildeo

com os filoacutesofos que lhe foram fundamentais para que ele chegasse onde

chegou Portanto buscamos pensar as questotildees presentes a partir de suas

origens enquanto questotildees eacuteticas esteacuteticas e metafiacutesicas Aleacutem de re-colocar

questotildees fundamentais agrave filosofia como a questatildeo do ser da verdade e da

linguagem Trata-se aqui de um debate contemporacircneo com a tradiccedilatildeo que

busca res-guardar algo originaacuterio que caiu no esquecimento

PALAVRAS-CHAVE Serenidade Misteacuterio Teacutecnica Arte Verdade

10

ABSTRACT

Think in what sense the Serenity as a con-versation between thinking that

calculates and thought that meditates a con-versation between technique and

poetry together with openness to the mystery source originating in all existing

present as a possibility one danger facing path arising the resulting crisis of

global technical domination over all the most essential areas of human A

confrontation so that occurs in the context of language and thinking while the

same namely the abode of being Man as the guardian of this home of being is

one that opening up the mystery of themselves for can risking to jump into the

abyss than not prevails allow or rather be allowed that another possibility

Waiting corresponding to its destination the man may be the possibility than

saved For such research put into day-logo Heideggerians three tests The

question of technique The origin of the artwork and Serenity Seeking a list of

these tests with the central test Heidegger as well as their relationship with the

philosophers that this was essential for this came near unto arrived So its a

research that seeks to think the issues present from its origins Debating issues

Ethics Aesthetics and Metaphysics In addition to re-raising fundamental

questions of philosophy and of being of truth and language A contemporary

debate in confrontation with the tradition and re-save something original search

that fell by the wayside

KEYWORDS SERENITY MYSTERY TECHNICAL ART TRUTH

11

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO O silencioso chamado O caminho que urge 11

2 O PERIGO QUE AMEACcedilA UM OLHAR Agrave ESSEcircNCIA DA TEacuteCNICA 14

21 DA PERGUNTA PELA TEacuteCNICA Agrave PERGUNTA PELA ESSEcircNCIA SOBRE A

QUESTAtildeO DO SER

14

22 A LIVRE RELACcedilAtildeO COM A TEacuteCNICA DA CORRETUDE Agrave VERDADE 21

23 TEacuteCNICA GREGA E MODERNA DA POIacuteESIS Agrave EXPLORACcedilAtildeO 26

24 DIS-PONIBILIDADE E COM-POSICcedilAtildeO ACERCA DO DESVELAMENTO

EXPLORADOR DA TEacuteCNICA MODERNA

31

3 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES ACERCA DA ESSEcircNCIA DA

ARTE

38

31 ldquoONDE MORA O PERIGO CRESCE O QUE SALVArdquo DA PERGUNTA PELA

TEacuteCNICA Agrave PERGUNTA PELA ARTE

38

32 O ORIGINAacuteRIO DA OBRA DE ARTE O POcircR-EM-OBRA DA VERDADE 44

33 PENSAMENTO POEacuteTICO UM DIZER SILENCIOSO 54

34 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES UM SALTO NA VEREDA 63

4 O CAMINHAR SERENO UM AGUARDAR NA PROXIMIDADE DO MISTEacuteRIO 71

41 DA DESTRUICcedilAtildeO Agrave SUPERACcedilAtildeO DA METAFIacuteSICA ACERCA DA

IDENTIDADE E DIFERENCcedilA

71

42 SERENIDADE O DIZER SIM E NAtildeO Agrave TEacuteCNICA 76

43 DA ABERTURA OU MISTEacuteRIO O DEMORAR-SE NO ENTRE 80

44 DA ABERTURA AO AGUARDAR O CAMINHAR SERENO NA VEREDA 85

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS ndash A-CERCA DO ENTENDIMENTO HUMANO O

SALTO NA VEREDA

91

REFEREcircNCIAS 94

12

1 INTRODUCcedilAtildeO

O silencioso chamado O caminho que urge

A presente pesquisa tem como proposta pensar a problemaacutetica apontada

por Heidegger no acircmbito da dominaccedilatildeo da teacutecnica no presente momento da

humanidade Adentrando esta problemaacutetica buscaremos ir ao fundo das

questotildees para demonstrarmos quatildeo dominado encontra-se o homem e assim

pensar em que sentido eacute possiacutevel reconhecer essa crise e qual o meio que

devemos proceder para efetivar esse reconhecimento Ao fazermos uma

imersatildeo nos textos de Heidegger buscaremos a partir do que foi por ele

pensado enfrentar essas questotildees Destacaram-se para esta pesquisa trecircs

conferecircncias em especial A questatildeo da teacutecnica (1953) A origem da obra de

arte (1936) e Serenidade (1955)

Neste primeiro ensaio Heidegger pensa a crise de seu tempo como uma

crise que tem por base o modo como se encara a teacutecnica o saber a linguagem

e o ser Esse modo de pensar e dizer vem se desenvolvendo a partir do seu

olhar nos primoacuterdios da Filosofia ateacute o periacuteodo claacutessico com Platatildeo e

Aristoacuteteles

Esse saber encontra-se naquilo que ele chama de seu ldquoestaacutegio de

acabamentordquo onde a teacutecnica passa a reger e a dominar quase que

completamente todos os acircmbitos do humano ameaccedilando-o em sua essecircncia

Assim ao sermos remetidos a uma leitura mais aprofundada deste ensaio nos

confrontamos com os escritos de outros filoacutesofos como Platatildeo Aristoacuteteles e

tambeacutem Tomaacutes de Aquino Descartes Kant Hegel e Nietzsche Contudo em

cada um destes pensadores teremos um olhar voltado agraves questotildees

heideggerianas que aqui buscamos pensar

Pensada a problemaacutetica e identificado o caminho que se mostrou como

alternativa agrave dominaccedilatildeo da teacutecnica sobre o homem passaremos ao segundo

momento de nossa pesquisa Um debate acerca de um ensaio anterior na

ordem do tempo ao ensaio da teacutecnica mas na nossa pesquisa

metodologicamente discutido em um momento posterior

13

A origem da obra de arte eacute o resultado de trecircs conferecircncias que se puseram

a tratar da questatildeo da arte e de sua essecircncia Na busca pela essecircncia da arte

enfrentaremos com Heidegger aleacutem da sempre presente questatildeo do ser e da

verdade questotildees esteacuteticas e outras acerca do estatuto do que venha a ser a

Esteacutetica como um campo do saber filosoacutefico Nessa busca de um retorno ao

que seja o originaacuterio na arte teremos em vista o que haacute na essecircncia da arte

que possa vir a se apresentar como aquela possibilidade de confronto agrave crise

identificada no primeiro ensaio portanto algumas questotildees concernentes a

esse ensaio que diante o nosso olhar natildeo estatildeo propriamente ligadas ao que

aqui se busca natildeo seratildeo tratadas com a profundidade com a qual trataremos

as que propriamente se colocam em nosso caminho Outros ensaios

heideggerianos acerca da arte do poeacutetico da linguagem assim como do

pensamento de Nietzsche sobre a arte faratildeo parte deste segundo momento de

nossa pesquisa contudo novamente como no primeiro ensaio a estes nos

reportaremos na medida em que isso se mostrar apropriado ao curso do nosso

caminhar

Tendo sido feita a leitura destes dois ensaios iniciais onde o primeiro

apresenta a problemaacutetica e o segundo nos mostra uma outra possibilidade de

confronto adentraremos o ensaio que nos permitiraacute pensar que tipo de

confronto ocorre entre a teacutecnica e a arte pensada por Heidegger

Com o ensaio Serenidade ensaio norteador deste trilhar como um todo

pensaremos em questotildees como inversatildeo retorno diaacute-logo siacutentese identidade

e diferenccedila poreacutem para que estas questotildees natildeo nos sejam apresentadas de

fora o que nos transporia a um acircmbito completamente diferente do que aqui se

intenta adentrar percorreremos lentamente cuidadosamente e

insistentemente passo a passo ou seja no interior das questotildees ateacute que

estas se apresentem a noacutes no que elas satildeo

Para tanto como eacute caracteriacutestico na leitura dos escritos heideggerianos

duas questotildees que lhes satildeo centrais e que o acompanham por todo o seu

pensar devem ser devidamente tratadas para que assim esse caminhar

parta desde os primeiros passos de dentro de sua filosofia Satildeo estas as

questotildees da verdade e do ser Estas questotildees seratildeo tratadas a partir de uma

trilogia pensada pelo proacuteprio autor como inter-ligadas onde uma natildeo pode

devidamente ser pensada sem a outra Essa trilogia eacute composta assim pelas

14

conferecircncias O que eacute metafiacutesica (1929) A essecircncia da verdade (1930) e A

questatildeo do fundamento (1929)

Assim percorrido o caminho desta pesquisa buscaremos com o devido

cuidado e responsabilidade para com o leitor apresentar o resultado de um

profundo esforccedilo de pesquisa sobre o essencial ao homem sua situaccedilatildeo

presente e sobre uma possibilidade de enfrentamento de alguns dos problemas

que se apresentam como os mais ameaccediladores e perigosos para sua

existecircncia

A serenidade como uma revoluccedilatildeo radical eacute nossa meta neste trabalho

pois busca as raiacutezes de onde se radica uma vasta gama de problemaacuteticas

Uma disposiccedilatildeo que soacute se mostraraacute livre de diversos preconceitos que a ela

possam ser atribuiacutedos apoacutes essa leitura interior Aqui como interior tem-se a

necessidade de um ultrapassar da razatildeo no sentido de uma escuta ao coraccedilatildeo

e ao caminho proposto Soacute por esse olhar interior a serenidade se mostraraacute

natildeo como uma mera passividade que se ausenta daquilo que no presente

momento histoacuterico urge mas se mostraraacute como aquela accedilatildeo mais radical de

confronto agrave crise a qual vem passando toda a humanidade

Eacute portanto com o maior vigor da seriedade e responsabilidade que

devemos ter sobre o nosso presente momento e lugar que se faz aqui esse

convite agrave leitura das palavras que se seguem Palavras que pretendem ser uma

conversa entre o que a partir deste caminhar junto poderemos chamar de

amigos

15

2 O PERIGO QUE AMEACcedilA UM OLHAR Agrave ESSEcircNCIA DA TEacuteCNICA

Neste capiacutetulo seratildeo tratadas as questotildees acerca da teacutecnica e de sua

essecircncia com isso seraacute possiacutevel refletir o sentido da crise apontada por

Heidegger agrave sociedade atual Diante do sentido desta crise seraacute buscada

junto ao filoacutesofo uma indicaccedilatildeo de um caminho de fuga de confronto de

superaccedilatildeo Para tal investigaccedilatildeo se daraacute de iniacutecio uma breve introduccedilatildeo ao

pensar heideggeriano concernente ao ser e agrave verdade pontos centrais em toda

sua obra filosoacutefica Em seguida abordaremos os questionamentos presentes no

ensaio A questatildeo da teacutecnica (1953) relacionados com o caminho que aqui

buscamos traccedilar

21 Da pergunta pela teacutecnica agrave pergunta pela essecircncia A questatildeo do ser

A pergunta pela teacutecnica seraacute desenvolvida no sentido de indicar uma

situaccedilatildeo criacutetica da humanidade atual e do modo como esse homem se

relaciona com o ambiente que o cerca Uma situaccedilatildeo que segundo o filoacutesofo

Martin Heidegger (1889-1976) tem na concepccedilatildeo teacutecnica loacutegico-cientiacutefica e

metafiacutesico-filosoacutefica o centro da problemaacutetica contudo natildeo se trata aqui de

negar ou afirmar cegamente a teacutecnica mas de desenvolver um questionamento

que abra nossa presenccedila para uma livre relaccedilatildeo com esta pois soacute em uma

relaccedilatildeo livre pode-se saber o que eacute verdadeiramente a teacutecnica pode-se

A infacircncia da palavra jaacute vem com o primitivismo

das origens

Nossas palavras se juntavam uma na outra por

amor e natildeo por sintaxe

Manoel de Barros Menino do mato

ldquo pois eacute evidente que haacute muito sabeis o que

propriamente quereis designar quando empregais a expressatildeo bdquoente‟ Outrora tambeacutem noacutes

julgaacutevamos saber agora poreacutem caiacutemos em aporiardquo

Platatildeo O sofista

Ningueacutem de noacutes na verdade tinha forccedila de fonte

Ningueacutem era iniacutecio de nada

Manoel de Barros Poemas rupestres

16

experienciar sua essecircncia Para esta caminhada Heidegger iniciaria com a

pergunta Qual a essecircncia da teacutecnica

Natildeo podemos considerar Heidegger um filoacutesofo sistemaacutetico pelo contraacuterio

seus questionamentos se entrelaccedilam em todo o conjunto de sua obra Pode-se

ler as questotildees do ser e da verdade estas que lhes satildeo fundamentais em

seus diversos escritos e conferecircncias e eacute assim que se daacute com a teacutecnica

Diversos satildeo os escritos onde podemos ler algo relacionado com a questatildeo

poreacutem eacute no ensaio A questatildeo da teacutecnica que se encontra em uma coletacircnea

de textos intitulada pelo proacuteprio autor de Ensaios e conferecircncias que podemos

encontrar este tema com um maior vigor de desenvolvimento Daiacute tomarmos

esse ensaio como base central para esta investigaccedilatildeo mas sempre buscando

relacionaacute-lo com outros textos e autores

Qual a essecircncia da teacutecnica Heidegger nos indica duas respostas dadas

pela tradiccedilatildeo respostas estas que se concatenam em uma Diz i) ldquoA teacutecnica eacute

um meio para um fimrdquo ii) ldquoA teacutecnica eacute uma atividade do homemrdquo Estas

determinaccedilotildees correntes da teacutecnica Heidegger chama de ldquodeterminaccedilatildeo

instrumental e antropoloacutegica da teacutecnicardquo 1 mas para que atividade do homem

eacute a teacutecnica um instrumento e meio Como se desenvolveu o interesse por seu

domiacutenio Surgiu para suprir nossas necessidades baacutesicas para que o homem

pudesse dominar e se assegurar das incertezas advindas das diversidades do

ambiente que o circunda bastando para isso que o homem domine a teacutecnica

com todo seu empenho Eacute nesse sentido que diz Heidegger

A concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica guia todo esforccedilo para colocar o

homem num relacionamento direto com a teacutecnica Tudo depende de se manipular a teacutecnica enquanto meio e instrumento da maneira devida Pretende-se como se costuma dizer ldquomanusear com espiacuterito

a teacutecnicardquo Pretende-se dominar a teacutecnica Este querer dominar torna-se tanto mais urgente quanto mais a teacutecnica ameaccedila escapar ao

controle do homem 2

O instrumento que lhe levaria a seguranccedila pelo domiacutenio da natureza

ameaccedila-lhe fugir ao controle Eacute essa ameaccedila que desperta no filoacutesofo a

necessidade de uma real investigaccedilatildeo de sua essecircncia portanto

recoloquemos a questatildeo com um maior cuidado evitando apresentar

1 HEIDEGGER Martin A questatildeo da teacutecnica [1959] In Ensaios e conferecircncias Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo

Rio de Janeiro Editora Vozes 2002 P12 2 Idem

17

apressadamente as respostas dadas pela tradiccedilatildeo sobre sua essecircncia Vamos

demorar com maior cuidado na pergunta em si escutando o que a pergunta

mesma nos encaminha Qual a essecircncia da teacutecnica Ao perguntar assim soa

outro questionamento o que eacute isto a teacutecnica Esta forma de questionamento

que se coloca deste modo - o que eacute isto - eacute a forma de questionar da proacutepria

Filosofia Este modo de questionamento jaacute se encontra presente em Platatildeo e

Aristoacuteteles Eacute o modo grego de questionar o vigente Assim diz Heidegger

Com a questatildeo agora posta avanccedilamos para a proximidade do ηη

εζηηλ grego Eacute aquela forma de questionar desenvolvida por Soacutecrates Platatildeo e Aristoacuteteles Estes perguntavam por exemplo Que eacute isto ndash o

belo Que eacute isto ndash o conhecimento Que eacute isto ndash a natureza Que eacute isto ndash o movimento

3

E do mesmo modo podemos fazer a pergunta O que eacute isto ndash o ente

Heidegger indica que neste questionamento encontra-se a questatildeo diretriz de

toda histoacuteria da FilosofiaMetafiacutesica ocidental esta que se assemelha com a

histoacuteria do esquecimento do ser Comeccedilamos com a pergunta pela essecircncia da

teacutecnica e agora nos encontramos diante da pergunta pelo ente e de sua

diferenccedila diante da pergunta pelo ser Comeccedilamos em um ponto para agora

chegarmos a sua origem Aqui torna-se necessaacuterio um esclarecimento sobre o

que seja o comeccedilo e sua diferenccedila fundamental com o que seja a origem

(Ursprung) ou melhor com o que seja o originaacuterio o principial O comeccedilo natildeo

eacute ainda o princiacutepio a origem ou dizendo ainda de forma mais condizente com

o pensar heideggeriano o comeccedilo natildeo eacute ainda o originaacuterio Em seu escrito

Hinos de Houmllderlin [19351935] Heidegger distingue bem essa diferenccedila entre

comeccedilo e princiacutepio Diz

Princiacutepio natildeo eacute o mesmo que comeccedilo () O comeccedilo eacute aquilo com que algo se inicia o princiacutepio eacute aquilo de onde isso vem () O comeccedilo eacute cedo deixado para traacutes desaparecendo na continuaccedilatildeo

dos acontecimentos O princiacutepio a origem pelo contraacuterio evidencia-se primeiramente entre os acontecimentos e soacute no fim destes estaacute

plenamente presente () Noacutes humanos nunca podemos principiar com o princiacutepio ndash disso soacute um deus eacute capaz ndash pelo contraacuterio temos

de comeccedilar isto eacute partir de um iniacutecio que soacute conduz agrave origem ou a indica

4

Aqui temos algumas palavras essenciais para o pensar inovador de

Heidegger Ur-sprungUrsprungliche e An-fangAnfaumlngliche Ur-

3 HEIDEGGER Martin O que eacute isto ndash a Filosofia In Conferecircncia e escritos filosoacuteficos Trad br Ernildo Stein Satildeo

Paulo Editora Nova Cultural 1996 P30 4 HEIDEGGER Martin Hinos de Houmllderlin [193435] Trad pt Lumir Nahodil Lisboa Instituto Piaget 1979 pp 11-12

18

sprungUrsprungliche pode ser traduzido na forma de substantivo e na forma

de adjetivo substantivado por origem e originaacuterio O mesmo se daacute com An-

fangAnfaumlngliche que nos surge como princiacutepio e como principial Nestas

traduccedilotildees5 somos remetidos a um ponto de partida a um solo a um comeccedilo Eacute

de encontro a esse sentido de ponto de partida que o pensar de Heidegger se

daacute No seu ensaio A origem da obra de arte os termos Ursprung e Anfang se

apresentam com todo seu vigor como palavras essenciais no sentido de

originaacuterio e principial ldquoA palavra origem (Ursprung) no sentido de originaacuterio

(Ursprungliche) significa fazer eclodir algo trazer algo ao ser num salto

fundador a partir da proveniecircncia da essecircnciardquo6 Em outro momento diz ldquoO

autecircntico princiacutepio (Anfang) nunca tem o caraacuteter de comeccedilo do primitivordquo ldquoeacute

sempre como um salto-preacuteviordquo7

Para adentrarmos um pouco mais na questatildeo seraacute feita uma breve

introduccedilatildeo agrave questatildeo do ser e sua relaccedilatildeo essencial com o ente Aqui temos

como destino de nossa investigaccedilatildeo uma questatildeo diferente a da pergunta pela

crise da sociedade atual denominada por Heidegger de sociedade da era

atocircmica e de sua tentativa de indicaccedilatildeo de um caminho de confronto Assim

esclareceremos em que sentido entendemos nas palavras originaacuterio e

principial uma referecircncia ao sentido do ser em contraposiccedilatildeo ao sentido de

origem e comeccedilo e sua proximidade ao ente

O ente eacute tudo que estaacute presente eacute o carro a cadeira a aacutervore satildeo os

animais os homens eacute tambeacutem deus a teacutecnica e a arte ou seja eacute qualquer

coisa Satildeo as meras coisas as coisas de uso e tambeacutem as coisas supremas

que enquanto coisas estatildeo sendo Ente (Seiende) ηὸ ὄλ eacute o particiacutepio neutro

grego o que para nossa liacutengua portuguesa podemos dizer como o geruacutendio do

ηὸ εἶλαη o infinitivo presente do verbo ser Portanto poderiacuteamos traduzir o ηὸ ὄλ

por sendo Assim ficaria o ser em contraposiccedilatildeo ao sendo A pergunta inicial

da filosofia se deu como dissemos anteriormente no modo O que eacute isto ndash o

ente O que no momento de esplendor no momento originaacuterio perguntava

pelo ser pelo ηὸ εἶλαη tornou-se a pergunta pelo ente pelo ηὸ ὄλ Assim eacute que

5 Nas notas de traduccedilatildeo do ensaio A origem da obra de arte Idalina Azevedo desenvolve com fortes argumentos o

sentido da traduccedilatildeo 6 HEIDEGGER Martin A origem da obra de arte [193536] Trad br Idalina Azevedo e Manuel Antocircnio de Castro Satildeo

PauloEdiccedilotildees 70 2010 p 199 7 Idem p195

19

Aristoacuteteles o grande sistematizador desenvolve sua argumentaccedilatildeo acerca da

ciecircncia primeira Pois se o ente em cada caso especiacutefico eacute o objeto de uma

determinada ciecircncia a natureza da Fiacutesica o homem da Psiquiatria o

acontecimento da Historiografia a linguagem da Filologia O ente aquilo que

estaacute sendo em cada coisa em geral eacute o objeto da filosofia ou como chama

Aristoacuteteles da θηιοζοθία πρώηε (filosofia primeira) da πρώηε ἐπηζηήκε

(ciecircncia primeira) Seu objeto eacute o ente e nada mais

Poreacutem o princiacutepio a proveniecircncia de cada ente deste em particular ou

mesmo do ente enquanto tal natildeo eacute possiacutevel de ser questionada ou justificada

em suas proacuteprias ciecircncias Diz Heidegger em um ensaio com o tiacutetulo Ciecircncia e

pensamento do sentido [1953] escrito na forma de uma preparaccedilatildeo ao ensaio

A questatildeo da teacutecnica apresentado alguns meses depois

A natureza o homem o acontecer histoacuterico a linguagem para as

respectivas ciecircncias o incontornaacutevel jaacute vigente nas suas objetividades Dele cada uma delas depende mas a representaccedilatildeo

nenhuma delas poderaacute abraccedilaacute-lo em sua plenitude essencial () O incontornaacutevel assim caracterizado rege e reina na essecircncia de toda

ciecircncia8

Sendo a Filosofia θηιοζοθία πρώηε a ciecircncia do ente enquanto ente nela

esse incontornaacutevel se apresenta ainda mais incontornaacutevel Seria em certo

sentido esse incontornaacutevel essa proveniecircncia originaacuteria do ente que

poderiacuteamos chamar de ser Natildeo sendo poreacutem nada do que estaacute aiacute mas fonte

principial de tudo que adveacutem Esse ser natildeo sendo coisa alguma natildeo sendo

natildeo pode ser objeto de investigaccedilatildeo da Filosofia Daiacute Heidegger nos dizer que

a morada do ser eacute na linguagem do pensador e do poeta9 ficando ao filoacutesofo o

ente e nada mais Pois se o ser natildeo eacute nenhum destes sendo natildeo eacute ente

algum se eacute natildeo-ente se assim o pensar nos permite expressarmos seria

entatildeo cometer uma infraccedilatildeo agrave regra primeira e fundamental do pensar loacutegico

sobre o qual eacute impossiacutevel errar a saber o princiacutepio da contradiccedilatildeo Este

princiacutepio que segundo Aristoacuteteles eacute o que rege todo o pensar filosoacutefico natildeo

permite falar do natildeo-ente sem tornaacute-lo ente jaacute que o falar filosoacutefico eacute aquele

8 HEIDEGGER Martin Ciecircncia e pensamento do sentido [1953] In Ensaios e conferecircncias

Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo Rio de Janeiro Editora Vozes 2002 pp 54-55 9 HEIDEGGER Martin Carta sobre o humanismo In Marcas do caminho Trad br Ernildo

Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 326

20

que diz o que eacute isto ndash o ente Assim Aristoacuteteles se expressa sobre o princiacutepio

da contradiccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com a Filosofia

Quem possui o conhecimento dos seres enquanto seres devem poder dizer quais satildeo os princiacutepios mais seguros de todos os seres Este eacute

o filoacutesofo E o princiacutepio mais seguro de todos eacute aquele sobre o qual eacute impossiacutevel errar () eacute impossiacutevel que a mesma coisa ao mesmo tempo pertenccedila e natildeo pertenccedila a uma mesma coisa segundo o

mesmo aspecto () Essa noccedilatildeo uacuteltima por sua natureza constitui o princiacutepio de todos os outros axiomas

10

Eacute esse incontornaacutevel aporeacutetico essa vereda que Parmecircnides chamou de o

terceiro caminho ou o natildeo-caminho αηαρπωλ (caminho no qual natildeo se vecirc o

caminho de retorno por onde se veio) do qual nos proiacutebe seguir em seu poema

Sobre a natureza Proibindo por meio das palavras da Deusa Ἀληθεία

Aletheiacutea o jovem justo de seguir ficando ao errante poeta e pensador o risco

de dizer o sentido do ser risco no qual Heidegger se potildee a enveredar Nota-se

isso jaacute em sua primeira grande obra Ser e tempo [1927] onde na primeira

paacutegina ao citar uma passagem do Sofista de Platatildeo diz

ldquo Pois eacute evidente que de haacute muito sabeis o que propriamente

quereis dizer quando empregais a expressatildeo bdquoente‟ Outrora tambeacutem noacutes julgaacutevamos saber agora poreacutem caiacutemos em aporiardquo Seraacute que

hoje temos uma resposta para a pergunta sobre o que queremos dizer com a palavra ldquoenterdquo de forma alguma Assim cabe colocar

novamente a questatildeo sobre o sentido do ser Seraacute que hoje estamos em aporia por natildeo compreendermos a expressatildeo ldquoserrdquo De forma alguma Assim trata-se de redespertar uma compreensatildeo para o

sentido desta questatildeo11

Seraacute que encontramos nas ciecircncias seja ela uma ciecircncia especiacutefica ou

seja ela a ciecircncia primeira esse caraacuteter aporeacutetico Ou eacute justamente deste

aporeacutetico incontornaacutevel que a ciecircncia busca fugir Se perguntar pela essecircncia

de uma coisa eacute perguntar por sua fonte originaacuteria pelo que eacute pelo

incontornaacutevel que se potildee como fonte principial entatildeo por meio da teacutecnica da

ciecircncia natildeo chegaremos a experienciar ou ao menos nos aproximar do que

seja essa essecircncia Diz Heidegger

10

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Trad br Marcelo Perine da ediccedilatildeo Italiana de Giovanni Reale

Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2005 pp 143-145 11

HEIDEGGER Martin Ser e tempo [1927] Trad br Macia de Saacute Cavalcante Schuback

Petroacutepolis Vozes 2008 p 34

21

A essecircncia da teacutecnica natildeo eacute de forma alguma nada de teacutecnico Por isso nunca faremos a experiecircncia de nosso relacionamento com a

essecircncia da teacutecnica enquanto concebermos e lidarmos apenas com o que eacute teacutecnico enquanto a ele nos moldarmos ou dele nos afastarmos () De acordo com uma antiga liccedilatildeo a essecircncia de

alguma coisa eacute aquilo que ela eacute Questionar a teacutecnica significa portanto perguntar o que ela eacute

12

Soacute um caminho natildeo teacutecnico-loacutegico-cientiacutefico pode nos enviar a uma

experiecircncia originaacuteria com a essecircncia da teacutecnica Esse caminho eacute um caminho

do pensamento pois se nos mantivermos no acircmbito da teacutecnica como

poderiacuteamos ainda querer questionar algo a respeito dela e possuir uma

definiccedilatildeo correta Essa definiccedilatildeo haacute muito tempo nos diz que a teacutecnica eacute um

meio e uma atividade do homem Ela nos diz que a teacutecnica eacute um instrumento

do homem para atingir os seus fins

Quem ousaria negar que ela eacute correta () Com certeza O correto

constata sempre algo exato e acertado naquilo que se daacute e estaacute em frente (dele) Para ser correta a constataccedilatildeo do certo e exato natildeo precisa descobrir a essecircncia do que se daacute e apresenta Ora somente

onde se der esse descobridor da essecircncia acontece o verdadeiro em sua propriedade Assim o simplesmente correto ainda natildeo eacute o

verdadeiro E somente este nos leva a uma atitude livre com aqui que a partir da sua proacutepria essecircncia nos concerne

13

Potildee-se em nosso caminho a questatildeo da verdade Eacute com esta explanaccedilatildeo

que passaremos ao proacuteximo passo do caminho que aqui estamos a trilhar

Ainda de forma introdutoacuteria o proacuteximo passo seraacute pensar a questatildeo da

verdade e sua contraposiccedilatildeo ao que seja o correto ao que seja a adequaccedilatildeo

Portanto contrapor o sentido de verdade para Heidegger como ἀιεζεία

aletheacuteia e des-velamento aos conceitos de ὁκοίωζης omoiosis (corretude) e

adequatio (adequaccedilatildeo) eacute entender um processo de sucessivas transformaccedilotildees

np decorrer da tradiccedilatildeo filosoacutefica no que se entende por verdade do seu

nascimento originaacuterio aos dias atuais

22 A livre relaccedilatildeo com a teacutecnica Sobre a corretude e a verdade

12

A questatildeo da teacutecnica p 11 13

Idem pp 11-12

22

Estamos buscando desenvolver um questionamento que nos transponha

para uma livre relaccedilatildeo com a teacutecnica Tal relaccedilatildeo soacute se daacute verdadeiramente

diante de sua essecircncia diante do que seria a teacutecnica A tradiccedilatildeo nos diz que a

teacutecnica eacute um meio e uma atividade do homem definiccedilatildeo que Heidegger chama

de concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica Quem negaria a sua corretude Poreacutem

diante do ateacute aqui exposto algumas interrogaccedilotildees se fazem necessaacuterias Eacute o

correto jaacute o verdadeiro O que eacute corretude e qual o seu acircmbito A verdade foi

desde sempre pensada como corretude Como a verdade foi pensada em seu

momento originaacuterio Qual a relaccedilatildeo entre verdade corretude e teacutecnica

Precisamos percorrer cada um desses passos como num caminhar na busca

de desenvolver algo no sentido desse livre relacionar-se com a teacutecnica que

aqui buscamos

O correto jaacute eacute o verdadeiro Heidegger constantemente nos leva a um

questionamento do habitual e recorrente e nesse habitual nossa concepccedilatildeo

de verdade se apresenta como a mera corretude A verdade no pensamento

calculista se apresenta como exatidatildeo contudo o correto natildeo atinge a

profundidade do verdadeiro Permanece na superficialidade do presente e

habitual mas em que sentido o filoacutesofo diferencia corretude de verdade Onde

cada um destes sentidos atua O pensar heideggeriano acerca do ser e do

ente seraacute relacionado ao que foi apresentado pelas seguintes palavras de

Heidegger ldquoO correto constata sempre algo de exato e acertado naquilo que se

daacute e estaacute em frente (dele)rdquo14

O correto se relaciona com aquilo que se daacute e estaacute em frente dele Seu

acircmbito eacute o do vigente dado posto Seu acircmbito eacute o do ente Acertado e exato eacute

seu relacionamento com o ente com o jaacute desvelado contudo nada sabe sobre

o ser Natildeo desvela sua essecircncia mas movimenta-se no jaacute desvelado no posto

dado ordinaacuterio e habitual sendo que ldquosomente onde se der esse descobrir da

essecircncia acontece o verdadeiro em sua propriedaderdquo15

Enquanto o correto diz

sobre o posto o verdadeiro abre-o ao seu aparecer O verdadeiro deixa viger o

que eacute destinado do ser ao ente do ainda natildeo vigente ao vigente Eacute nesse

descobrir que se mostra o relacionar-se com o ser Abrindo uma clareira ou

como clareira que se permite o vir agrave vigecircncia algo do ser eacute que se daacute um

14

Ibidem 15

A questatildeo da teacutecnica p13

23

acontecer do ser Entatildeo se o correto tem o seu acircmbito no ente a verdade

encontra-se em relaccedilatildeo com o ser Sendo somente esta verdade capaz de

permitir a livre relaccedilatildeo com o essencial com o ser Mas de onde Heidegger

apreende essa distinccedilatildeo entre verdade e corretude que aqui foi apenas posta

mas natildeo foi trilhada Onde encontra o pensador solo para este caminhar

Onde inicia o seu caminhar acerca da verdade da abertura Para essa

pergunta nos remetemos agraves suas palavras

Este aberto foi concebido pelo pensamento ocidental desde o seu iniacutecio como ηὰ ἀιήζεα o desvelado Se traduzimos a palavra ἀιήζεα por bdquodesvelamento‟ em lugar de bdquoverdade‟ essa traduccedilatildeo natildeo eacute

somente mais bdquoliteral‟ mas ela compreende a indicaccedilatildeo de pensar mais originariamente a noccedilatildeo corrente de verdade como

conformidade do enunciado16

Somos entatildeo encaminhados pelas fendas de nossa investigaccedilatildeo aos

gregos e seu modo de pensar O que os gregos entendiam por ἀιήζεα

desvelamento A questatildeo da verdade para Heidegger juntamente com a

questatildeo do ser torna-se o cerne do seu pensar Assim tatildeo fundamental como

a questatildeo do ser eacute a questatildeo da verdade em seu pensar como um todo Eacute

necessaacuterio que mantenhamos ambas como um soacute pensar caminhando juntas

Um ensaio fundamental no que concerne a discussatildeo sobre a verdade eacute o

ensaio A essecircncia da verdade [1930] Este em conjunto com o O que eacute

metafiacutesica [1929] satildeo considerados os textos da virada (Kehre) do

pensamento heideggeriano O proacuteprio filoacutesofo chama este momento de viragem

de seu pensar17

Onde o ser passa a ser buscado diretamente por meio de seu

acontecer poeacutetico-apropriante (Ereignis) Diferentemente de sua busca anterior

a partir do ente privilegiado homem a partir do Da-sein em ambas as fases de

seu filosofar se assim realmente se pode dizer a essecircncia da verdade como

ἀιεζεία des-velamento se potildee como uma questatildeo central

Verdade se disse primeiramente no mundo grego como ἀιεζεία

desvelamento Heidegger inaugura ou recupera em seu sentido originaacuterio uma

leitura a essa palavra essencial ldquoEssa palavra bdquoverdade‟ tatildeo sublime e ao

mesmo tempo tatildeo gasta e embotada designa o que constitui o verdadeiro

16

HEIDEGGER Martin A essecircncia da verdade [1930] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 200 17

Cf Cartas sobre o humanismo pp 339-341

24

enquanto verdadeiro (fazer pro-duzir deixar vir agrave clareira)rdquo18

Na palavra

ἀιεζεία o pensador escuta para muito aleacutem da mera corretude adequaccedilatildeo

certeza objetividade realidade Nela ressoa o originaacuterio ressoa o

desvelamento que abre Uma abertura que deixa advir o destinado do misteacuterio

do oculto ἀιήζεηα eacute composta pelo α privativo mais o radical ιήζε que

podemos traduzir por velado oculto esquecido Daiacute a traduccedilatildeo heideggeriana

de ἀιήζεiα por des-velamento des-ocultaccedilatildeo des-esquecimento Aquilo que

deixa o fechado do velamento vir ao vigor do vigente como o des-velado que

passa do natildeo-dado ao dado ao doado dizendo portanto algo completamente

distinto de exatidatildeo corretude ou adequaccedilatildeo Verdade dizia sobre um

acontecimento essencial do ser

Onde este sentido mais originaacuterio de verdade se perdeu Foi deixado de

lado e com isso esquecido Onde se deu tatildeo grande desvio de pensamento

Heidegger identifica o iniacutecio desta mudanccedila do sentido de verdade e junto com

ela a mudanccedila de sentido do ser com os gregos em sua fase tardia que se

inicia apoacutes a plenitude daquele pensar originaacuterio que se deu com Anaximandro

Pitaacutegoras Heraacuteclito e Parmecircnides Esse periacuteodo tardio que como Nietzsche19

Heidegger identifica como o periacuteodo de decadecircncia do pensar grego e iniacutecio da

decadecircncia do pensar ocidental Esse eacute o periacuteodo dos grandes ldquofiloacutesofosrdquo

Soacutecrates Platatildeo e Aristoacuteteles A mudanccedila no sentido da verdade assim como

a histoacuteria do esquecimento do ser pelo ente tem seu iniacutecio jaacute em Platatildeo

sofrendo novamente uma mudanccedila de paradigma com Aristoacuteteles nos escritos

de loacutegica e de metafiacutesica e com os latinos em suas traduccedilotildees e interpretaccedilotildees

da filosofia grega aquilo que de forma latente ainda pensava o sentido anterior

de verdade e ser eacute transformado em outro pensar e assim esquecido Assim

o que era fundamental ao pensamento grego a questatildeo do ser e da verdade

decai na questatildeo do ente e da adequaccedilatildeo Vejamos essa passagem do Ser e

Tempo onde Heidegger nos diz sobre esse decair do filosofar grego

Embora nosso tempo se arrogue o progresso de afirmar novamente a

bdquometafiacutesica‟ a questatildeo aqui evocada caiu no esquecimento () A questatildeo referida natildeo eacute na verdade uma questatildeo qualquer Foi ela que deu focirclego agraves pesquisas de Platatildeo e Aristoacuteteles para depois

18

A essecircncia da verdade pp 190-191 19

Cf NIETZSCHE Friedrich A filosofia na eacutepoca traacutegica dos gregos In Coleccedilatildeo os pensadores vol XXXII ndash Obras incompletas Trad br Rodrigo Torres Filho Satildeo Paulo Abril

Cultural 1974 pp 37-51

25

emudecer como questatildeo temaacutetica de uma real investigaccedilatildeo () Ε o que outrora se arrancou num supremo esforccedilo de pensamento ainda

que de modo fragmentado e tateante aos fenocircmenos encontra-se de haacute muito trivializado

20

Vejamos como Heidegger lecirc essa histoacuteria do esquecimento e das

seguidas mudanccedilas de sentido da questatildeo da verdade Heidegger em seu

polecircmico ensaio A teoria platocircnica da verdade [19311932 1940] propotildee que o

desvio de sentido jaacute se deu com Platatildeo ao introduzir a noccedilatildeo de ὀρζόηες de

um bdquoolhar reto‟ Para natildeo adentrar em uma discussatildeo mais aprofundada acerca

do ensaio citado e do polecircmico posicionamento heideggeriano sobre o pensar

platocircnico da verdade ressaltaremos aqui apenas aquilo que o autor indica

como o iniacutecio da transformaccedilatildeo da essecircncia da verdade Leiamos uma

passagem deste ensaio

Se no geral em toda e qualquer postura frente ao ente estaacute em questatildeo o ἰδεῑλ da ἰδέα a visualizaccedilatildeo do bdquoaspecto‟ entatildeo todo

esforccedilo deve concentrar-se antes de tudo em procurar possibilitar uma tal visualizaccedilatildeo Para isso eacute necessaacuterio um olhar reto () em

consequecircncia dessa adequaccedilatildeo do notar como um ἰδεῑλ agrave ἰδέα daacute-se uma ὁκοίωζης uma concordacircncia do conhecimento com a coisa mesma Assim da primazia da ἰδέα e do ἰδεῑλ frente a ἀιήζεiα daacute-se

uma transformaccedilatildeo da essecircncia da verdade Verdade torna-se ὀρζόηες retidatildeo do notar e enunciar

21

Apresenta-se aiacute o primeiro passo da transformaccedilatildeo da essecircncia da

verdade uma transformaccedilatildeo que para noacutes parece ocorrer de forma tatildeo sucinta

que torna difiacutecil a compreensatildeo do polecircmico texto de Heidegger

Ο que em Platatildeo e Aristoacuteteles ainda se deu como passagem segundo

Heidegger ali onde o pensamento grego ainda era vigoroso mesmo que jaacute

tornado sistemaacutetico escolar foi abandonado e por conseguinte esquecido

pela tradiccedilatildeo Segundo Heidegger a leitura latina do pensar grego diluiu o vigor

desse filosofar Na traduccedilatildeo de ἀιήζεiα para veritas como uma adequatio daacute-

se o passo decisivo do que vinha mudando de sentido Nessa mudanccedila de

sentido podemos perceber os passos da transformaccedilatildeo do conceito de

verdade Da verdade do ser (ontoloacutegica) a verdade do ente (ocircntica) e por fim

20

Ser e Tempo p 37 21

HEIDEGGER Martin A teoria platocircnica da verdade In Marcas do caminho Trad br Ernildo

Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 242

26

a verdade da proposiccedilatildeo (proposicional) Cada vez de forma mais decadente

mais superficial Cada vez menos originaacuteria a verdade vai se transformando no

exato no correto

Assim na Escolaacutestica podemos ver fortemente os ecos determinantes

da filosofia aristoteacutelica De um pensar loacutegico e argumentativo palavras e

expressotildees usadas por Aristoacuteteles referentes agrave questatildeo da verdade natildeo

apresentam mais o vigor do mundo grego e seu pensar natildeo pulsa mais o

modo grego de pocircr-se no mundo O mundo grego se desvaneceu Soacute restaram

traduccedilotildees e reflexos do que outrora se pensou

Assim pelo exposto podemos vislumbrar o desvio ou mesmo o envio

do sentido originaacuterio de verdade entendida como ἀιήζεiα des-velamento

passando pela ὀρζόηες o olhar reto ὁκοίωζης a semelhanccedila e a adequatio

entendida como base da filosofia escolaacutestica por adequaccedilatildeo da coisa a

proposiccedilatildeo tornando-se assim simplesmente em veritas verdade ao

entendimento atual de adequaccedilatildeo

ldquoOnde nos perdemosrdquo Questionamos a teacutecnica e agora encontramo-nos

diante da verdade e suas variadas determinaccedilotildees e sentidos O que tem a ver

a essecircncia da teacutecnica com a essecircncia da verdade A resposta que Heidegger

nos daacute eacute ldquoTudordquo A essecircncia da teacutecnica e da verdade tem tudo a ver Teacutecnica

em grego se dizia ηέτλε o mesmo termo era usado tambeacutem para a arte

Teacutecnica e arte eram modos de deixar viger o ainda natildeo vigente Deixa-viger

aqueles que diferente dos entes da θύζης natildeo possuiacuteam o eclodir em si

mesmos E como um deixar viger ambos estariam intrinsecamente

relacionados com a verdade pensados como ἀιήζεiα desvelamento Ambas

satildeo pro-duccedilatildeo e como podemos ler na passagem citada por Heidegger do

diaacutelogo Banquete de Platatildeo ldquoTodo deixar-viger o que passa e procede do natildeo

vigente para a vigecircncia eacute ποίεζης eacute pro-duccedilatildeordquo22

A teacutecnica eacute pro-duccedilatildeo e

enquanto pro-duccedilatildeo eacute ποίεζης poiacuteesis eacute desvelamento Pensando assim a

teacutecnica natildeo se resume a um simples meio sua essecircncia estaacute para aleacutem disso

Ela eacute um modo de verdade de desvelamento Mas seraacute que esse modo de

pensar a teacutecnica eacute vaacutelido tambeacutem para a teacutecnica moderna Ou ela pertence

apenas ao acircmbito do pensamento grego Seraacute que a teacutecnica das usinas

22

A questatildeo da teacutecnica p 16

27

induacutestrias da fiacutesica moderna eacute tambeacutem pro-duccedilatildeo ποίεζης Heidegger levanta

essa indagaccedilatildeo da seguinte forma

Teacutecnica eacute uma forma de desencobrimento A teacutecnica vige e vigora no acircmbito onde se daacute descobrimento e decircs-encobrimento onde

acontece ἀιήζεiα verdade Contra essa determinaccedilatildeo do acircmbito da essecircncia da teacutecnica pode-se objetar e dizer que ela vale para o

pensamento grego e no melhor dos casos pode servir para a teacutecnica artesanal mas natildeo alcanccedila a teacutecnica moderna caracterizada pela maacutequina e aparelhagens E eacute justamente esta e somente esta que

constitui o sufoco que nos leva a questionar bdquoa‟ teacutecnica23

Eacute diante esta indagaccedilatildeo que somos levados ao caminho do pensar a

teacutecnica grega em confronto com a teacutecnica moderna Portanto como pensar a

ηέτλε grega e sua relaccedilatildeo com a ποίεζης e sua transformaccedilatildeo na teacutecnica

moderna Eacute a teacutecnica moderna tambeacutem um modo de ἀιήζεiα desvelamento

Caso seja eacute do tipo poieacutetico no sentido de uma pro-duccedilatildeo que deixa-viger Ou

o que lhe caracteriza o que lhe domina eacute outro tipo de desvelamento Satildeo

esses traccedilos que seratildeo investigados nos passos seguintes

23 Teacutecnica grega e moderna Da poiacuteesis agrave exploraccedilatildeo

Em que sentido podemos pensar com Heidegger sua indicaccedilatildeo de que o

que preocupa eacute exatamente o sentido de pro-duccedilatildeo enquanto ποίεζης natildeo

poder mais ser aplicado agrave teacutecnica moderna Que sentido tem essa pro-duccedilatildeo

para os gregos Se natildeo eacute mais a poiacuteesis que determina a teacutecnica moderna o

que eacute Por que esta outra determinaccedilatildeo a saber a exploraccedilatildeo e o

armazenamento ameaccedilam tanto o homem atual Seratildeo estas indagaccedilotildees e as

que surgirem no caminho nas quais nos deteremos com o cuidado

necessaacuterio para que passo por passo trilhemos o caminho no qual

adentramos

Se pensarmos em um antigo moinho de vento grego e em uma usina

hidroeleacutetrica moderna podemos dizer que ambos satildeo um meio de produccedilatildeo de

energia Se pensarmos no agricultor ao lavrar sua terra ou em uma induacutestria de

23

Idem p18

28

agronegoacutecio podemos novamente dizer que ambas tecircm como finalidade a

produccedilatildeo de alimentos O que os diferenciam Natildeo satildeo ambos meio e

finalidade de produccedilatildeo Sim e natildeo Os dois extraem algo da terra poreacutem o

primeiro em cada um dos casos com cuidado deixa que a terra lhe doe o que

lhe eacute necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo de sua vida enquanto que no segundo de

forma abrupta retira da terra como de um reservatoacuterio mais do que o

necessaacuterio com o fim de estocar e armazenar e depois disso fazer um

negoacutecio O primeiro recebe uma doaccedilatildeo como presente ao seu presente O

segundo arranca mateacuteria-prima que ficaraacute disponiacutevel para um uso posterior A

relaccedilatildeo esta proximidade que o antigo tem com a Terra aquela que ele chama

de Matildee ldquoTerra de amplo seio de todos sede irresvalaacutevel semprerdquo24

Γάηα

multinutriz como nos conta nos bdquocanta‟ Hesiacuteodo transforma-se para o

segundo em uma relaccedilatildeo de exploraccedilatildeo forccedilando a terra a fornecer mateacuteria-

prima natildeo mais como uma vaca que pro-duz leite para alimentar a cria Mas

como uma vaca leiteira que em uma induacutestria eacute forccedilada recebendo

hormocircnios agrave produccedilatildeo de muitos litros de leite por dia que seratildeo tratados

transformados encaixotados armazenados para estarem disponiacuteveis agrave venda

Leiamos as palavras de Heidegger

O subsolo passa a se desencobrir como reservatoacuterio de carvatildeo o chatildeo como jazidas de mineacuterio Era diferente o campo que o camponecircs outrora lavrava quando lavrar ainda significava cuidar e

tratar O trabalho camponecircs natildeo provocava e desafiava o solo agriacutecola () A terra se desencobre nesse caso depoacutesito de carvatildeo

e o solo jazida de minerais25

Eacute draacutestica a mudanccedila no relacionar-se com a natureza entre os antigos e

os modernos A pro-duccedilatildeo grega eacute outra completamente diferente dessa

exploraccedilatildeo moderna mas para percebermos esta draacutestica mudanccedila iremos

nos deter ainda mais no que seja essa pro-duccedilatildeo que entre os gregos tinham

esse sentido de ποίεζης Apoacutes esta investigaccedilatildeo estaremos em melhores

condiccedilotildees de adentrar ainda mais na teacutecnica moderna em busca de sua

essecircncia pois soacute em uma verdadeira relaccedilatildeo com essa essecircncia poderemos

buscar um caminho de enfrentamento a essa situaccedilatildeo criacutetica da qual o homem

24

HESIacuteODO Teogonia a origem dos deuses Trad br Jaa Torrano Satildeo Paulo Editora Ilumiuras 1995 p 91 25

A questatildeo da teacutecnica p 19

29

atual se encontra imerso submerso ldquoTudo agora depende de se pensar a pro-

duccedilatildeo e o pro-duzir em toda sua amplitude e ao mesmo tempo no sentido dos

gregosrdquo26

Como na passagem citada do Banquete de Platatildeo pro-duccedilatildeo no sentido

de ποίεζης eacute todo deixar-viger O que leva da natildeo-vigecircncia a vigecircncia eacute todo o

pocircr no sentido de um deixar emergir A proacutepria θύζης nesse sentido eacute uma

ποίεζης uma pro-duccedilatildeo Ela eacute ateacute a maacutexima ποίεζης aquela que se daacute a partir

de si mesma Aqueles que natildeo se pro-duzem por si mesmos satildeo os ποηούκελα

os artefatos os entes criados produzidos pela arte pela ηέτλε Estes se

contrapotildeem e nesse sentido se aproximam dos seres da natureza da θύζης

daqueles que se potildeem por si mesmos dos θύζεη ὅληα Enquanto os primeiros

tecircm sua forccedila de eclosatildeo em outro ἐλ αιιωη os seres da natureza possuem o

eclodir em si mesmos ἐλ ἑασηωη Contudo ambos enquanto um vir agrave vigecircncia

satildeo ποίεζης Os artefatos que natildeo possuem o eclodir em si dependem dos

ἀρτηηέθηωλ dos arquitetos natildeo no sentido atual de arquiteto mas como

aqueles que tecircm a ηέτλε como ἀρτή E assim diz Heidegger

Nos artefatos portanto a ἀρτή de sua mobilidade e assim de seu repouso de estar pronto e estar terminado natildeo estaacute neles mesmos

mas em um outro no ἀρτηηέθηωλ naquele que dispotildee da ηέτλε enquanto ἀρτή Com isso teria sido feito a distinccedilatildeo frente aos θύζεη

ὅληα que se chamam desse modo precisamente porque natildeo tem a ἀρτή de sua mobilidade em um outro ente mas no ente que ele proacuteprios satildeo (e enquanto satildeo esse ente)

27

Leiamos uma passagem da Fiacutesica de Aristoacuteteles do livro Β 1 analisada

na citaccedilatildeo anterior com a qual Heidegger iraacute confrontar seu conceito de θύζης

ao conceito aristoteacutelico e grego de um modo mais geral

Algumas coisas satildeo por natureza outras por outras causas Por natureza os animais e suas partes as plantas e os corpos simples como a terra o fogo o ar e a aacutegua ndash pois dizemos que estas e outras

coisas semelhantes satildeo por natureza Todas estas coisas parecem diferenciar-se das coisas que natildeo estatildeo constituiacutedas por natureza

porque cada uma delas tem em si mesmo um princiacutepio de movimento e de repouso seja com respeito ao lugar ao aumento ou agrave

diminuiccedilatildeo ou agrave alteraccedilatildeo Pelo contraacuterio uma cama uma roupa ou qualquer outra coisa de gecircnero semelhante como as significamos em

26

Idem p16 27

HEIDEGGER Martin A essecircncia e o conceito de Φύζης em Aristoacuteteles ndash Fiacutesica Β 1 [1939] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes

2008 p 264

30

cada caso por seu nome e enquanto isso satildeo produtos da arte (ηέτλε) natildeo tem em si mesmas nenhuma tendecircncia natural agrave

mudanccedila28

Estes entes que natildeo tecircm o eclodir em si necessitam de outro ente para

chegar agrave vigecircncia contudo este vir agrave vigecircncia natildeo adveacutem pela atividade

manual do artista mas por meio de seu saber Arte e teacutecnica satildeo ditas pelos

gregos com a mesma palavra ηέτλε Natildeo por ambas terem em comum o fazer

a atividade manual mas por ambas terem em comum o pro-duzir no sentido de

ποίεζης como um deixar vir agrave vigecircncia em seu aspecto Como um

conhecimento algo relacionado agrave verdade Τέτλε aparece em Aristoacuteteles e

Platatildeo ao lado de επηζηήκε epistecircme Enquanto a επηζηήκε eacute o saber que se

relaciona com os θύζεη ὅληα aqueles que emergem por si os entes naturais a

ηέτλε eacute o saber a respeito dos ποηούκελα dos que natildeo adveacutem por si mesmos

os artefatos Assim diz Aristoacuteteles em sua obra acerca da Eacutetica em um

momento de uma ldquomeditaccedilatildeo especialrdquo ao tratar dos diversos tipos de

conhecimento

Satildeo cinco as disposiccedilotildees em virtude das quais a alma alcanccedila a

verdade (ἀιήζεiα) por meio da afirmaccedilatildeo ou da negaccedilatildeo a arte a ciecircncia o discernimento a sabedoria filosoacutefica e a inteligecircncia () O

objeto do conhecimento cientiacutefico portanto existe necessariamente Ele eacute consequentemente eterno pois todas as coisas cuja existecircncia eacute absolutamente necessaacuteria satildeo eternos () Toda arte se relaciona

com a criaccedilatildeo e dedicar-se a uma arte eacute estudar uma maneira de fazer uma coisa que pode existir ou natildeo e cuja origem estaacute em quem

faz e natildeo na coisa feita de fato a arte natildeo trata de coisas que existem ou passam a existir necessariamente nem de coisas que

existem ou passam a existir de conformidade com a natureza (estas coisas tecircm origens nelas mesmas) Jaacute que haacute diferenccedila entre fazer e agir a arte deve relacionar-se com a criaccedilatildeo e natildeo com a accedilatildeo

29

Com base no exposto Heidegger nos diz ser a teacutecnica no pensamento

grego um saber um modo de desvelar uma verdade criaccedilatildeo em oposiccedilatildeo a

um fazer manual Um saber que permite cuida e protege Protege o enviado o

destinado pelo ser do ocultamento ao des-ocultamento Destinado ao cuidado

e guarda na linguagem do pensador do artista Bem diferente eacute a teacutecnica

moderna onde o a-guardar foi substituiacutedo pela pressa do arrancar onde o criar

28

ARISTOacuteTELES Fiacutesica Traduccedilatildeo proacutepria feita da traduccedilatildeo espanhola de Guillermor R de

Echandia Madrid Editorial Gredos SA 1995 p 45 29

ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicoacutemacos Trad Br Maacuterio de Gama Kury Brasiacutelia Editora UNB

1992 pp 115-116

31

foi substituiacutedo pelo en-formar onde a co-pertenccedila de identidade e diferenccedila em

uma harmonia originaacuteria foi substituiacutedo pela mesmidade pela uni-formizaccedilatildeo

industrial pelo negoacutecio Aquele saber que na plenitude do mundo grego do

pensamento originaacuterio era a aproximaccedilatildeo do homem agrave natureza decaiu em

um afastamento sugador explorador O misteacuterio do aguardar foi apagado pela

exatidatildeo do calcular O filho que naquela bdquomanhatilde de sol‟ brincava livremente

com sua matildee natureza tornou-se na bdquonoite do mundo‟ o ldquosenhor da terrardquo

escravizado por seu proacuteprio trabalho e conceitos Esses ldquosenhoresrdquo tornaram-

se cada vez mais escravos de seus instrumentos Indigentes cada vez mais

imersos na cotidianidade dos entes explorando armazenando e negociando

como diz Heidegger

Eacute justamente esse homem assim ameaccedilado que se alardeia na figura de senhor da terra Cresce a aparecircncia de que tudo que nos vecircm ao

encontro soacute existe agrave medida que eacute um feito do homem Esta aparecircncia faz prosperar uma derradeira ilusatildeo segundo a qual em

toda parte o homem soacute se encontra consigo mesmo () Entretanto hoje em dia na verdade o homem jaacute natildeo se encontra em parte

alguma consigo mesmo isto eacute com a sua essecircncia30

Eacute esse desvelamento explorador que de forma alguma eacute um deixar-que-

advenha que nada tem de ποίεζης Eacute essa exploraccedilatildeo que assusta Pois qual

o sentido desse explorar e armazenar sem fim Eacute pensando no sentido de

suprir o necessaacuterio Natildeo essa exploraccedilatildeo e armazenamento tecircm a finalidade

do estar disponiacutevel Eacute essa dis-ponibilidade (Bestand) que preocupa Nela o

proacuteprio fruto ou melhor dizendo acerca da modernidade a proacutepria coisa o

proacuteprio objeto esvai-se ldquoEm toda parte se dispotildee a estar a postos e assim

estar a fim de tornar-se e vir a ser dis-poniacutevel para ulterior dis-posiccedilatildeo31

rdquo Cada

coisa passa a ser um dis-poniacutevel que estando ali armazenado espera por uma

negociaccedilatildeo que o trans-ponha daqui para ali

Uma nova meditaccedilatildeo se potildee em nosso caminhar ldquoQue desencobrimento

se apropria do que surge e aparece no pocircr da exploraccedilatildeordquo32

Como podemos

pensar mais propriamente sobre esta disponibilidade Qual a essecircncia da

teacutecnica moderna que leva o homem a um desvelar explorador onde tudo se

30

A questatildeo da teacutecnica pp 29-30 31

Idem p20 32

Ibidem

32

apresenta como mera disponibilidade De onde proveacutem essa essecircncia da

teacutecnica moderna Daacute-se por conta da negligecircncia do homem ou eacute mera

fatalidade do periacuteodo ou ainda eacute outra a situaccedilatildeo Sobre estes

questionamentos nos deteremos nos proacuteximos passos

24 Dis-ponibilidade e Com-posiccedilatildeo Acerca do desvelamento explorador

da teacutecnica moderna

A disponibilidade (Bestand) se potildee em nosso caminho Essa palavra

assume aqui um sentido muito mais essencial do que mera provisatildeo ldquoa palavra

disponibilidade se faz agora o nome de uma categoriardquo ldquodesigna o modo em

que vige e vigora tudo o que o descobrimento explorador atingiurdquo33

Chegamos

com este passo ao ponto alto aquele que surge diante do profundo do que

agora buscamos proximidade desse nosso percurso Estamos para

experienciar o originaacuterio que adveacutem das profundezas da essecircncia da teacutecnica

moderna Esse extra-ordinaacuterio que permite que nos elevemos agravequela relaccedilatildeo

livre entre nossa presenccedila (Dasein) e a essecircncia da teacutecnica portanto nesse

caminho in-habitual nos faz recuar lentamente alguns passos como quem se

prepara para pegar o impulso necessaacuterio ao salto-mortal no abismo (Abgrund)

Retornemos entatildeo alguns passos

Como pensarmos essa disponibilidade que nos passos anteriores vimos

como o preocupante acerca da teacutecnica moderna O que rege como apelo

essa disponibilidade Ela eacute regida por uma inadimplecircncia do homem por fruto

da ganacircncia de sua vontade ou ela eacute regida por algo mais originaacuterio ldquoSe a

teacutecnica moderna natildeo se resume a um mero fazer do homem () temos de

encarar em sua propriedade o desafio que potildee o homem a dispor do real

como dis-ponibilidaderdquo34

Heidegger como quem lanccedila o olhar ao outro lado do

abismo sobre o qual se prepara para saltar chama a esse ldquoapelo de

exploraccedilatildeo que reuacutene o homem a dis-por do que se des-encobre como dis-

ponibilidaderdquo35

de Ge-stell com-posiccedilatildeo Sobre o uso inusitado dessa palavra

33

Ibidem 34

Idem pp22-23 35

Idem p23

33

sobre seu sentido e lugar nesse percurso nos deteremos mais agrave frente Aqui o

indicamos apenas como um caminho a ser percorrido

Questionamos a teacutecnica ao nos depararmos com o perigo desta escapar ao

nosso domiacutenio Criamos teorias e conceitos com o fim de assegurar domiacutenio

Construiacutemos escolas com o intuito de dominar o saber e agora vemos as

criaccedilotildees fazendo um papel oposto ao intuito pensado em uma cadeia de

eventos onde o ser foi perdendo lugar ao domiacutenio do ente

A usina hidroeleacutetrica instalada no Reno como nos fala o filoacutesofo natildeo estaacute

mais aiacute como o velho moinho de vento Ela estaacute ali ou podemos ateacute dizer o

contraacuterio o rio estaacute ali instalado na usina a fim de se explorar a forccedila de

movimento das correntes de suas aacuteguas a dispor energia Esta energia seraacute

armazenada para em seguida estar agrave disposiccedilatildeo de uma induacutestria que usaraacute

este disponiacutevel para gerar instrumentos de trabalho ao homem que tambeacutem

estaraacute ali agrave disposiccedilatildeo para algum serviccedilo para ser meio de alguma finalidade

Se eacute que podemos ainda chamar isso de finalidade essa cadeia de disposiccedilatildeo

onde cada qual destes constituintes natildeo tem sentido algum pelo que eacute Usina

rio induacutestria homem negoacutecio natureza o tempo estatildeo todos aiacute apenas como

disposiccedilatildeo Caiu com isso tudo na indiferenccedila na mesmidade da

disponibilidade Vejamos uma passagem em Heidegger acerca do que

dissemos

A energia escondida na natureza eacute extraiacuteda o extraiacutedo vecirc-se transformado o transformado estocado o estocado distribuiacutedo o distribuiacutedo reprocessado Extrair transformar estocar distribuir

reprocessar satildeo todos modos de desencobrimento Todavia este desencobrimento natildeo se daacute simplesmente Tampouco perde-se no

indeterminado () por toda parte assegura-se o controle Pois o controle e seguranccedila constituem ateacute marcas fundamentais do descobrimento explorador

36

O proacuteprio homem encontra-se preso sem-saiacuteda nessa cadeia de

disponibilidade Ele encontra-se conectado a essa amarraccedilatildeo a esse

esqueleto a essa teia nessa com-posiccedilatildeo que a tudo abarca Eacute nesse sentido

de amarraccedilatildeo palavra que em alematildeo se diz por Gestell que Heidegger usa o

termo essencial com-posiccedilatildeo Em Ge-Stell o Ge tem o sentido de ldquoforccedila

originaacuteria de reuniatildeordquo e Stell com o sentido de pocircr de colocar junto de lugar

36

Idem p20

34

Assim por meio de uma escuta cuidadosa Ge-Stell eacute pensado como com-

posiccedilatildeo forccedila originaacuteria que reuacutene em um ponto em um lugar Como no termo

siacutentese onde sin tem o sentido de reuniatildeo e tese com o sentido de posiccedilatildeo

posto junto a siacuten-tese eacute entatildeo o iniacutecio da histoacuteria do desenvolvimento dessa

essecircncia da teacutecnica moderna Siacuten-tese eacute esta cadeia de amarraccedilatildeo que reuacutene

todo o disposto em uma cadeia sem-escape Siacuten-tese eacute Ge-stell eacute com-

posiccedilatildeo Bestand e Gestell como disponibilidade e composiccedilatildeo usados para

indicar o extra-ordinaacuterio do pensar heideggeriano podem ao leitor menos

atento parecer um abuso de linguagem poreacutem eacute sempre como extravagacircncia

que se potildee o pensar em profundidade Extravagante como o salto mortal

Assim Heidegger defende o uso destes termos dizendo o seguinte

Seraacute possiacutevel extravagacircncia maior ainda Certamente que natildeo Soacute que esta extravagacircncia eacute um antigo costume do pensamento E os

grandes pensadores tornaram-se extravagantes precisamente quando tecircm de pensar o mais elevado () o fato de Platatildeo usar a

palavra εἶδος para dizer a essecircncia de tudo e de cada coisa Pois na linguagem de todo dia εἶδος diz a visatildeo que uma coisa visiacutevel nos

apresenta agrave percepccedilatildeo sensiacutevel37

Contudo perguntamos esta Ge-stell com-posiccedilatildeo que teve seu

nascimento no pensar grego como siacuten-tese este pocircr-junto-em-relaccedilatildeo-a se

deu por negligecircncia do pensar do homem Deu-se por um descuido um des-

vio Eacute fruto da liberdade do homem de seu arbiacutetrio Heidegger nos diz que

natildeo A com-posiccedilatildeo enquanto um modo essencial de des-velamento natildeo eacute um

des-vio mas sim um envio do ser um destino do desencobrimento pelo ser

portanto um acontecimento-histoacuterico Entatildeo ao contraacuterio do que haviacuteamos

questionado a com-posiccedilatildeo como destino natildeo adveacutem da liberdade do homem

mas de um escravo da fatalidade do destino de um escravo de seu tempo

Tambeacutem natildeo o que se daacute eacute algo diverso Sendo fruto do destino a

composiccedilatildeo acontece pela liberdade Parece que nos encontramos em uma

confusatildeo em um emaranhado onde palavras contraditoacuterias se imbricam Esta

confusatildeo se instaura se pensarmos destino e liberdade como entende a

tradiccedilatildeo O que Heidegger pensa com essas palavras Algo bem diferente da

37

Idem p23

35

fatalidade e do arbiacutetrio Destino eacute pensado como um pocircr a caminho um envio

da silenciosa fonte originaacuteria Em suas palavras

Pocircr a caminho significa destinar Por isso denominamos de destino a forccedila de reuniatildeo encaminhadora que potildee o homem a caminho de

um desencobrimento Eacute pelo destino que se determina a essecircncia de toda histoacuteria A histoacuteria natildeo eacute um mero elemento da historiografia

nem somente o exerciacutecio da atividade humana A accedilatildeo humana soacute eacute histoacuterica quando enviada por um destino

38

No caso da liberdade Heidegger natildeo a pensa como vontade como

arbiacutetrio ou como uma liberdade de movimento mas sim como um deixar-ser

Como um permitir uma escuta onde o ente se des-vela pelo envio do ser Este

deixar-ser se daacute como um entregar-se ao ente ente Como um acolhimento

do e pelo ente como cuidado e proteccedilatildeo Entretanto este deixar-ser poderia

ser pensado no sentido negativo de ldquodesviar a atenccedilatildeo de algordquo ou de uma

renuacutencia agrave onde se ldquoexprime uma indiferenccedila ou uma omissatildeordquo mas como foi

dito este deixar-ser tem um sentido contraacuterio ao de omissatildeo sendo ateacute a

maacutexima atenccedilatildeo e presenccedila diante o vigente como escuta e abrigo esta

liberdade acontece em seu parentesco com a verdade pensada como ἀιήζεiα

Pois eacute ao que se desvela que deixa-ser o ente que se eacute O que pelo misteacuterio

como misteacuterio eacute enviado ao desvelamento eacute abrigado mesmo ao se esconder

por este deixar-ser da liberdade Verdade misteacuterio e liberdade se emaranham

em sua co-pertenccedila ao acontecer poeacutetico-apropriante do ser (Ereignis)

Misteacuterio aqui eacute pensado como este que libera ldquoO encoberto que sempre se

encobre e cobrerdquo o fechado que abriga o eclodir

Este entregar-se ao caraacuteter de desvelado do ente como nos diz

Heidegger natildeo eacute um ldquoperder-se nele mas um recuo diante do ente afim que

este se manifeste naquilo que eacute e como eacuterdquo39

Pensando deste modo eacute que

podemos ver a copertenccedila entre destino e liberdade onde estes natildeo vatildeo de

encontro um ao outro mas pelo contraacuterio vatildeo ao encontro um do outro O que

o destino envia a liberdade permite O que eacute doado pelo misteacuterio eacute protegido

no des-velo pelo livre deixar-ser Leiamos o que diz Heidegger acerca desta

relaccedilatildeo entre destino e liberdade

38

Idem p27 39

A essecircncia da verdade p201

36

O destino do desencobrimento sempre rege o homem em todo o seu ser mas nunca eacute a fatalidade de uma coaccedilatildeo Pois o homem soacute se

torna livre num envio fazendo-se ouvinte e natildeo escravo do destino A essecircncia da liberdade natildeo pertence originariamente agrave vontade e nem tatildeo pouco se reduz agrave causalidade do querer humano

A liberdade rege o aberto no sentido do aclarado isto eacute do des-encoberto () A liberdade eacute o reino do destino que potildee o

desencobrimento em seu proacuteprio caminho40

Assim respondemos ao questionamento sobre o acontecimento

histoacuterico da teacutecnica como com-posiccedilatildeo se ele eacute fruto de uma inadvertecircncia ou

se eacute ele uma fatalidade de nossa eacutepoca Natildeo sendo nem um nem outro mas o

fruto de um envio proveniente do misteacuterio do ser Ao pensarmos assim nos

mantemos no espaccedilo livre com a essecircncia da teacutecnica ao qual buscamos estar

nesse percurso de nosso trilhar o pensamento heideggeriano Abre-se com

este pensar caminhos novos de enfrentamento agrave situaccedilatildeo de crise que se

apresenta sobre o modo da teacutecnica Nesse extra-ordinaacuterio onde se abre para a

essecircncia da teacutecnica somos tomados por um ldquoapelo de libertaccedilatildeordquo Diz

Heidegger

A essecircncia da teacutecnica moderna repousa na com-posiccedilatildeo A com-

posiccedilatildeo pertence ao destino do descobrimento Estas afirmaccedilotildees dizem algo muito diferente do que a frase tantas vezes repetida a

teacutecnica eacute a fatalidade de nossa eacutepoca onde fatalidade significa o inevitaacutevel de um processo inexoraacutevel e incontornaacutevel () quando

pensamos poreacutem a essecircncia da teacutecnica fazemos a experiecircncia da com-posiccedilatildeo como destino de um desencobrimento Assim jaacute nos mantemos no espaccedilo livre do destino Este natildeo nos tranca numa

coaccedilatildeo obtusa que nos forccedilaria uma entrega cega agrave teacutecnica ou o que daacute no mesmo a arremeter desesperadamente contra a teacutecnica e

condenaacute-la como obra do diabo Ao contraacuterio abrindo-nos para a essecircncia da teacutecnica encontramo-nos de repente tomados por um apelo de libertaccedilatildeo

41

Eacute nesse passo que se encontra o perigo Pois se a liberdade eacute

entendida como um deixar-ser o que nos eacute destinado ldquoo homem histoacuterico

tambeacutem pode deixando que o ente seja natildeo deixaacute-lo-ser naquilo que ele eacute e

assim como eacute O ente entatildeo encobre-se e eacute dissimuladordquo42

Este natildeo-deixar-ser

naquilo que eacute se apresenta no homem moderno como esse pensamento que

calcula nesta com-posiccedilatildeo dominante que tudo explora e torna disponiacutevel

Neste sistema operativo e calculaacutevel que potildee em fuga toda outra forma de

40

A questatildeo da teacutecnica pp 27-28 41

Idem p 28 42

A essecircncia da verdade p 203

37

pensar Eacute aqui que mora o perigo Nesse esforccedilo de dominar bdquocom espiacuterito‟ a

teacutecnica nessa produccedilatildeo exploradora esquece-se o misteacuterio e com isso tem-se

a fuga da possibilidade de um desvelar mais originaacuterio O pensamento

meditativo poeacutetico a pro-duccedilatildeo como ποίεζης eacute ameaccedilada de ser encoberta

por completo ldquoO predomiacutenio da com-posiccedilatildeo arrasta consigo a possibilidade

ameaccediladora de se poder vetar ao homem voltar-se para um desencobrimento

mais originaacuterio e fazer assim a experiecircncia de uma verdade mais inauguralrdquo43

O grande perigo natildeo se encontra portanto no perigo das armas na

superficialidade dos novos meios de comunicaccedilatildeo virtuais na intoxicaccedilatildeo por

remeacutedios nos transgecircnicos agrotoacutexicos ou qualquer outro elemento teacutecnico

Seu perigo extremo estaacute na fuga desta outra possibilidade no completo

domiacutenio da com-posiccedilatildeo sobre a essecircncia do pensar do homem

Entretanto ldquodificilmente abandona o que mora na proximidade do

originaacuterio o lugarrdquo Com essas palavras do poema A peregrinaccedilatildeo de Houmllderlin

palavras finais do ensaio A origem da obra de arte eacute feita a passagem do

perigo ao que salva CITACcedilAcircO A essecircncia mais essencial eacute res-guardada

pela forccedila originaacuteria do misteacuterio ldquoO domiacutenio da composiccedilatildeo natildeo poderaacute

deturpar todo o brilho da verdaderdquo44

Ao se afastar de sua morada essencial o

homem eacute tomado por um apelo de retorno O pensamento loacutegico calculador

potildee o homem cada vez mais diante aos entes em sua mera cotidianidade

Decai assim na mesmidade do apenas dado O homem histoacuterico eacute tomado por

um teacutedio profundo que manifesta o ente em sua totalidade onde tudo se

apresenta como indiferenccedila Outro humor entatildeo arrebata o homem a

anguacutestia Nesta o ente se potildee em fuga o nada se manifesta como um apelo

da morada essencial a experienciaccedilatildeo do nada abre o pensar a outra

possibilidade Para outro modo de ser se abre como fonte Abre como questatildeo

e misteacuterio para um pensar que natildeo seja mais um mero com-pocircr mas um pocircr

poeacutetico inaugural Permitindo pela escuta cuidadosa que venha agrave vigecircncia

como doaccedilatildeo deste nada originaacuterio Esta questatildeo sobre o nada e os humores

de teacutedio e anguacutestia seraacute tratada mais adiante com um maior aprofundamento

Aqui trata-se apenas de pensar o apelo silencioso

43

A questatildeo da teacutecnica pp30-31 44

Idem p31

38

Pensar a essecircncia da teacutecnica eacute escutar a voz o canto do destino que

adveacutem da fonte principial eacute colocar-se na histoacuteria de maneira autecircntica Esta

escuta potildee Heidegger a se deter na voz do poeta Houmllderlin ldquopoeta dos poetasrdquo

doa em seu dizer muitas palavras que abrem o seu pensar Diante deste

poeta o filoacutesofo-pensador se deteacutem em muitos momentos com muito cuidado

Assim diz o poeta ldquoOra onde mora o perigo eacute laacute que tambeacutem cresce o que

salvardquo Eacute portanto no domiacutenio da com-posiccedilatildeo como essecircncia da teacutecnica

moderna que se mostra a outra possibilidade de um desocultar mais originaacuterio

Mas qual o sentido deste salvar Que outra possibilidade de pensar se

presenteia nesse extra-ordinaacuterio que se deu no confronto com o pensar

teacutecnico Eacute esse outro pensar a salvaccedilatildeo da ameaccedila da crise Esses satildeo os

questionamentos derradeiros desta fase de nossa investigaccedilatildeo Satildeo sobre

estas questotildees que nos deteremos agora como passo preparatoacuterio para uma

nova questatildeo ou seja a questatildeo do confronto

39

3 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES ACERCA DA ESSEcircNCIA DA ARTE

Neste capiacutetulo pensaremos a questatildeo da arte buscando avizinhaacute-la do

originaacuterio (Ursprung) e da essecircncia (Wesen) no sentido de encontrar aiacute outra

possibilidade capaz de um confronto agrave crise apontada pelo des-velar

explorador da teacutecnica moderna Deixaremos que a essecircncia da arte se

apresente ao pensar Nossa busca eacute portanto a de saber se na arte guarda-se

a medranccedila daquilo que pode nos salvar deste tempo de indigecircncia desta

noite do mundo Para tal busca faremos um momento que nos serviraacute de

passagem da questatildeo anterior da teacutecnica para a questatildeo da arte que agora se

iniciaraacute Apoacutes esse momento de passagem adentraremos a questatildeo da arte e

buscaremos pensar como a sua essecircncia se apresentou ao filoacutesofo Daqui

seremos levados a pensar em conjunto a essecircncia da arte e a questatildeo da crise

atual do entendimento teacutecnico

31 ldquoOnde mora o perigo cresce o que salvardquo Da pergunta pela Teacutecnica agrave

pergunta pela Arte

Chegamos num ponto crucial de nossa investigaccedilatildeo passo derradeiro

acerca da pergunta pela teacutecnica natildeo eacute contudo conclusivo eacute apenas um

preparo para um olhar em outro sentido O tiacutetulo deste ponto jaacute nos indica para

onde vamos seguir Passaremos da questatildeo da teacutecnica agrave questatildeo da arte

Poreacutem eacute preciso ainda alguns passos para que essa mudanccedila natildeo se decirc de

forma brusca Em que sentido se daraacute essa mudanccedila Aleacutem desta indicaccedilatildeo

A ciecircncia pode classificar e nomear os oacutergatildeos

de um sabiaacute Mas natildeo pode medir seus encantos

A ciecircncia natildeo pode calcular quantos cavalos de forccedila existem nos encantos de um sabiaacute

Quem acumula muita informaccedilatildeo perde o

condatildeo de adivinhar divinare Os sabiaacutes divinam

Manoel de Barros Livro sobre nada

Do fundo abismo nascem as altas montanhas

Maacutercia de Saacute

O escuro me ilumina Manoel de Barros

40

de mudanccedila de olhar o tiacutetulo tambeacutem nos diz outra coisa ldquoOnde mora o perigo

eacute laacute tambeacutem que cresce o que salvardquo Nessas palavras de Houmllderlin Heidegger

nos indica o fio condutor desta mudanccedila Contudo precisamos esclarecer o

que se entende aqui por salvar Como relacionar este salvar que agora se pocircs

no caminho com a pergunta inicial acerca da essecircncia da teacutecnica Como a

arte se relaciona com a teacutecnica diante da pergunta pela essecircncia Iremos nos

deter nestes questionamentos nos passos seguintes

Haviacuteamos dito que a essecircncia da teacutecnica moderna se apresentou apoacutes

nosso questionar como com-posiccedilatildeo O desvelar explorador que arrancou da

terra tudo como mera dis-ponibilidade eacute regido por essa com-posiccedilatildeo Na

dominaccedilatildeo deste explorar com-positor o perigo que ameaccedila eacute o de se trancar

ao homem a possibilidade de um outro desvelar mais originaacuterio a saber o

desvelar poeacutetico Este que enquanto ποίεζης deixa que o ente seja a cada

vez o ente que eacute Sendo regida assim pela liberdade como um deixar-ser essa

ποίεζης deixa-pocircr Esta ameaccedila contudo natildeo se deu por conta de uma

negligecircncia do homem nem por um capricho ou por uma veleidade Ela eacute fruto

de um destino de uma doaccedilatildeo Sendo destino adveacutem de um acontecer

histoacuterico do ser Soacute ao se perceber este sentido da essecircncia da teacutecnica

moderna o homem pode receber essa doaccedilatildeo aos cuidados e proteccedilatildeo de sua

guarda na linguagem Sua guarda se daacute aos que escutam o apelo da silenciosa

fonte originaacuteria Pensar sua essecircncia eacute escutar esse apelo Soacute onde se daacute esse

pensar cuidadoso e esse poetar permissor eacute que se pode dizer com vigor

essas palavras do poeta ldquoonde mora o perigo eacute laacute tambeacutem que cresce o que

salvardquo Portanto natildeo nos apressemos em dar respostas Tentemos com maior

esforccedilo nos manter nessa bdquofesta do pensar‟ frente agrave abertura do misteacuterio frente

agrave vereda O que Heidegger pensa em con-sonacircncia com o poeta por salvar Eacute

ele um salvar a tempo de uma destruiccedilatildeo iminente ou nos diz outra coisa a

voz do poeta Continuemos no nosso lento caminhar

Pensando com Houmllderlin Heidegger nos diz

O que significa salvar Geralmente achamos que significa apenas retirar a tempo da destruiccedilatildeo o que se acha ameaccedilado em continuar

41

a ser o que vinha sendo Ora ldquosalvarrdquo diz muito mais ldquoSalvarrdquo diz chegar agrave essecircncia a fim de fazecirc-la aparecer em seu proacuteprio brilho

45

Chegar agrave essecircncia eacute o sentido do salvar Na ameaccedila cresce o que salva

pois eacute nessa ameaccedila que o apelo por um retorno ao lar se potildee fortemente de

forma mais decisiva Pensemos a essecircncia natildeo de modo tradicional como

essentia como aquilo que diz o que uma coisa eacute como quid Essecircncia deve

ser pensada como colocamos de iniacutecio logo nos primeiros passos do percurso

Pensemos a essecircncia como o originaacuterio como fonte doadora principial Natildeo

como iniacutecio daquilo que logo que se potildee a caminhar eacute deixado para traacutes mas

como principial que dura e vigora a cada passo que mesmo no afastar-se eacute o

que sustem e envia Da qual natildeo eacute permitido um abandono ou um natildeo ouvir

seu apelo Eacute assim que Heidegger nos diz

Eacute do verbo bdquowesen‟ viger que proveacutem o substantivo vigecircncia Wesen

essecircncia em sentido verbal de vigecircncia eacute o mesmo que bdquowaumlhren‟ durar () Goethe chegou a usar no lugar de bdquofortwaumlhren‟ perdurar a palavra misteriosa bdquofortgewaumlhren‟ continuar a conceder Sua escuta

ouve nessa palavra uma harmonia impliacutecita de continuidade entre

bdquowaumlhren‟ durar e bdquogewaumlhren‟ conceder46

Como um carvalho que diante do perigo ao crescer fortifica suas raiacutezes

nas profundezas da Terra ldquocrescer significa abrir-se agrave amplitude do ceacuteu e ao

mesmo tempo estar arraigado na obscuridade da Terrardquo47

pois satildeo as raiacutezes

que salvam Estas como fontes doadoras de alimento recebem da Matildee Terra

multinutriz a forccedila de salvaguardar o caminho a forccedila de sustentaccedilatildeo e de

contra-posiccedilatildeo ao perigo da crise que ameaccedila ldquoEm silecircncio e em seu tempordquo

se apresenta outra possibilidade Juntamente com as palavras do poeta outras

palavras satildeo ditas ldquomas eacute poeticamente que o homem habita esta Terrardquo

Como podemos sustentar as palavras do poeta se eacute exatamente o perigo do

pensar loacutegico calculador cientiacutefico que ameaccedila o homem Se o agir desse

homem reflete o seu pensar ou sua fuga de pensar logo eacute cientificamente que

este constroacutei suas casas que este trabalha e que se coloca no mundo Se o

que lhe rege eacute a com-posiccedilatildeo o explorar e a dis-posiccedilatildeo Heidegger diz

45

A questatildeo da teacutecnica p31 46

Idem p 33 47

HEIDEGGER Martin O caminho do campo In La prensa Traduccedilatildeo pessoal a partir da

traduccedilatildeo espanhola de Sobine Langenheim e Abel Posse 1976 p 2

42

A composiccedilatildeo eacute um modo destinado de desencobrimento a saber o des-cobrimento da exploraccedilatildeo e do desafio Um e outro modo

destinado eacute o desencobrimento da pro-duccedilatildeo da ποίεζης Esses modos natildeo satildeo poreacutem espeacutecies que justapostas fossem subsumidas no conceito de desencobrimento O desencobrimento eacute o

destino que cada vez de cofre e inexplicavelmente para o pensamento se parte ora num des-encobrir-se pro-dutor ora num

des-encobri-se ex-plorador e assim se reparte ao homem48

Eacute o misteacuterio que rege essa proximidade e esse repartir Estar atento a

este misteacuterio eacute o grande passo no sentido da superaccedilatildeo da ameaccedila Eacute o passo

capaz de impulsionar o salto mortal no abismo Eacute este misteacuterio que concede

Sem ele natildeo a arvore que se sustente que dure e para viger eacute preciso durar

ldquoSomente dura aquilo que foi concedido Dura o que se concede e doa com

forccedila inaugural a partir das origensrdquo49

Em um ensaio acerca da essecircncia da

poesia (Houmllderlin e a essecircncia da poesia) Heidegger se deteacutem em algumas

palavras de Houmllderlin dentre elas a seguinte ldquoMas o que dura instauram os

poetasrdquo O que dura eacute instaurado pelos poetas Ao falar do teacutecnico e de sua

essecircncia constantemente surge o poeacutetico Como podemos nos perder nesses

dois modos de pensar tatildeo distintos Ou seraacute que a rota de duas estrelas que

passam ao longe uma da outra guarda em si uma vizinhanccedila essencial

Escutemos estas palavras de Heidegger antes de continuarmos nosso

caminhar

Outrora natildeo apenas a teacutecnica trazia o nome de ηέτλε

Outrora chamava-se tambeacutem de ηέτλε o desencobrimento que levava a verdade a fulgurar em seu proacuteprio brilho Outrora chamava-se tambeacutem de ηέτλε a pro-duccedilatildeo da verdade na

beleza Τέτλε designava tambeacutem a ποίεζης das belas-artes50

Seraacute que na arte poderemos encontrar o caminho do que salva Se o

perigo que ameaccedila diz respeito ao modo de des-velar do real ou seja diz

respeito a verdade pode a arte estando em sua essecircncia relacionada com o

belo dizer algo sobre esta Ou o que se daacute eacute o contraacuterio a essecircncia da arte

estaacute mais proacutexima da verdade como ἀιήζεiα do que do belo ldquoA essecircncia da

arte seria esta o pocircr-se em obra da verdade do sendo mas ateacute agora a arte soacute

48

A questatildeo da teacutecnica p 32 49

Idem p 34 50

Idem p 36

43

tinha a ver com o belo e a beleza e natildeo com a verdaderdquo51

ldquoEacute o poeacutetico que leva

a verdade ao esplendor superlativo () O poeacutetico atravessa com seu vigor

toda arte todo desencobrimento que vige na belezardquo52

A arte se apresenta

aqui relacionada com a verdade Aqui o que estaacute sendo dito se daacute na forma

de indicaccedilatildeo de uma mudanccedila no sentido do caminho

Seraacute entatildeo que a arte eacute a possibilidade que silenciosamente cresce na

Terra para a salvaccedilatildeo da ameaccedila que se consuma na crise aqui indicada

Deixemos Heidegger nos perguntar o mesmo

Seraacute que as belas-artes satildeo convocadas ao des-encobrir poeacutetico Seraacute que o desencobrimento haacute de reivindicaacute-las mais

originariamente para que fomentem por sua parte o crescimento do que salva para que despertem e instaurem em nova forma a visatildeo e

a confianccedila no que se concede e outorga Ningueacutem poderaacute saber se estaacute reservada agrave arte a suprema

possibilidade de sua essecircncia no meio do perigo extremo53

Se natildeo podemos saber se eacute na arte que se reserva a possibilidade do

que salva deveremos ainda nos encaminhar nessa arriscada aventura que eacute a

da busca por sua essecircncia ldquoEncaminhar na direccedilatildeo do que eacute digno de ser

questionado natildeo eacute uma aventura mas um retorno ao larrdquo ldquoAinda natildeo

pensamos o sentido quando estamos apenas na consciecircncia Pensar o sentido

eacute muito mais Eacute a serenidade em face do que eacute digno de ser questionadordquo54

Como os pensadores e poetas serenamente nos arriscaremos nessa vereda

Nos arriscaremos no sentido de termos em vista que no fim dessa nova

caminhada possamos nos deparar diante uma aporia Buscamos a essecircncia da

teacutecnica para abrir nossa presenccedila a um livre relacionamento com sua essecircncia

Esta se apresenta como um modo de des-velamento o explorador que potildee

tudo como dis-posiccedilatildeo a uma com-posiccedilatildeo Essa busca nos levou por fim agrave

questatildeo da arte Diz Heidegger

Natildeo sendo nada de teacutecnico a essecircncia da teacutecnica a consideraccedilatildeo essencial do sentido da teacutecnica e a discussatildeo decisiva com ela tecircm de dar-se no espaccedilo que de um lado seja consanguiacuteneo da essecircncia

da teacutecnica e de outro lado lhe seja fundamentalmente estranho

51

A origem da obra de arte p 87 52

A questatildeo da teacutecnica p 37 53

Ibidem 54

Ciecircncia e pensamento do sentido p 58

44

A arte nos proporciona um espaccedilo assim Mas somente se a consideraccedilatildeo do sentido da arte natildeo se fechar agrave constelaccedilatildeo da

verdade que noacutes estamos a questionar55

Nossas consideraccedilotildees acerca da teacutecnica apontaram para a ποίεζης

poiacuteesis como um modo de des-velar de verdade como a essecircncia da teacutecnica

grega e para a Ge-stell com-posiccedilatildeo tambeacutem como um modo de verdade

como a essecircncia da teacutecnica moderna Ambas seriam modos de verdade de

des-velamento Assim a essecircncia da teacutecnica se apresentou como verdade

Poreacutem a razatildeo de que em um dado momento se apresenta como des-

velamento e em outro se apresenta de um outro modo para noacutes permanece

um misteacuterio O misteacuterio se instaurou Esse mesmo que oculto em sua

essecircncia clareou agrave noacutes a possibilidade de um outro caminho O outro como

diferenccedila se apresentou como inaugural diante a identidade a habitual do

mesmo A arte tem em seu nascimento a aproximaccedilatildeo com a teacutecnica eacute-lhe

consanguiacutenea Houmllderlin pensando com Heraacuteclito escreve em seu Hipeacuterion ldquoA

palavra grandiosa ἔλ δηαθέρολ ἑασηῶη de Heraacuteclito soacute poderia ser encontrada

por um grego pois essa eacute a essecircncia da beleza e antes de encontraacute-la natildeo

havia filosofia algumardquo56

pois para ele a beleza eacute o ser e para Heraacuteclito o ser eacute

esse ldquoἔλ δηαθέρολ ἑασηῶηrdquo o uno em si mesmo diverso Heraacuteclito e Houmllderlin

satildeo enquanto pensador e poeta constantemente considerados por Heidegger

O poeacutetico aqui eacute relacionado para aleacutem do belo diz acerca do ser e da

verdade eacute o ηό ἐθθαλέζηαηολ de Platatildeo que sai a brilhar de forma superlativa

Constantemente somos levados a pensar a arte em consideraccedilatildeo com a

verdade

Investigaremos a arte na busca da sua essecircncia considerando

continuamente a questatildeo da verdade Contudo como foi dito a questatildeo da

verdade e a questatildeo do ser no pensamento heideggeriano andam de matildeos

dadas Assim como se deu nesse percurso a seguir re-colocaremos a questatildeo

do ser e da verdade Soacute assim seremos capazes de dizer algo a respeito da

arte se tem ela a medranccedila do que salva se ela nos indica ainda outra

possibilidade outro caminho ou se por fim devemos abandonar

definitivamente essa busca de um pensar em confronto agrave crise

55

A essecircncia da teacutecnica p 37 56

HOacuteLDERLIN Friedrich Hipeacuterion ou o eremita na Greacutecia Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante

Rio de Janeiro Vozes 1993 p 99

45

32 O originaacuterio da obra de arte O pocircr-em-obra da verdade

Nos passos anteriores vimos como Heidegger passou da questatildeo da

teacutecnica entendida em sua essecircncia como um des-encobrimento agrave questatildeo da

arte tambeacutem como um saber que des-encobre Em sua origem grega ambos

eram pensados pela palavra ηέθλε Teacutecne foi pensada desde Homero como

um saber Arte e saber pertenciam a um mesmo acircmbito Um saber que permitia

ao ser ao divino o seu advento ao que era por si proacuteprio Arte era um saber

um modo de verdade α-ιήζεηα poreacutem mesmo ao pensar grego esta relaccedilatildeo

entre arte e verdade se deu apenas extrinsecamente Sua relaccedilatildeo mais iacutentima

se mostrou desde o comeccedilo da tradiccedilatildeo com a questatildeo do belo passando por

toda a tradiccedilatildeo com este mesmo sentido mesmo que de diferente modo em

cada etapa do desenvolvimento do pensar Arte e belo e natildeo arte e verdade

era a relaccedilatildeo que se mantinha Soacute em Heidegger segundo o proacuteprio pensador

essa relaccedilatildeo passa ao seu vigor essencial Pois soacute neste filoacutesofo a verdade eacute

pensada como α-ιήζεηα des-encobrimento Soacute nele ela eacute pensada em sua

profundidade essencial pois mesmo ali no pensar grego essa essecircncia da α-

ιήζεηα se deu de forma oculta57

O olhar da ciecircncia esteacutetica surgido na modernidade ao artiacutestico ao

poeacutetico era um olhar sob impeacuterio da loacutegica Este olhar pensou desde seu

nascimento a arte em relaccedilatildeo ao belo ao gosto aos sentidos A mudanccedila de

paradigma que se deu com o pensar vigoroso de Heidegger em relaccedilatildeo ao

ser exigia outra linguagem uma nova forma de se pocircr diante do artiacutestico A

loacutegica como vimos anteriormente natildeo abarcava mais este pensar do ser pois

natildeo sendo mais ente o ser natildeo cabia mais no domiacutenio de seus objetos A

loacutegica seria aquela que sabe dos entes e nada mais A arte como um saber

que permitiria o advir do destinado passou a dizer a respeito do ser Para a

57

Cf HEIDEGGER Martin Parmecircnides Trad br Seacutergio Maacuterio Wrublevski Petroacutepolis Editora

Vozes 2008 P 29

ldquoEscrever o que natildeo acontece eacute tarefa da

poesiardquo

Manoel de Barros Menino do mato

46

loacutegica tratar do brotar de um natildeo-adveniente ao vigente do natildeo-ente sem

tornaacute-lo ente natildeo era uma possibilidade e pensar o natildeo-ente como um ente era

entrar em contradiccedilatildeo ferindo o fundamento supremo o princiacutepio da

contradiccedilatildeo Uma desconstruccedilatildeo torna-se necessaacuteria

O que em Ser e tempo se apresentou como a destruiccedilatildeo Destruktion da

ldquohistoacuteria da ontologiardquo58

e com ela como o ldquoenrijecimento de uma tradiccedilatildeo

petrificadardquo ou seja da tradiccedilatildeo loacutegicametafiacutesica eacute na verdade uma

desconstruccedilatildeo59

Esta desconstruccedilatildeo da histoacuteria da ontologia que em outros

momentos eacute chamada de superaccedilatildeo da metafiacutesica eacute uma superaccedilatildeo da

linguagem e do pensar loacutegico Uma histoacuteria que chega a sua consumaccedilatildeo com

o nascimento da Esteacutetica da loacutegica do sensitivo Assim a desconstruccedilatildeo da

Metafiacutesica na tradiccedilatildeo seraacute entendida como a histoacuteria da ontologia cujo

momento final seraacute a desconstruccedilatildeo da histoacuteria da Aesthetica

O meacutetodo indicado por Heidegger em Ser e tempo eacute o meacutetodo

Fenomenoloacutegico Em um certo sentido em consonacircncia com o que defendia

Husserl como um deixar-que apareccedila o que adveacutem da fonte o que adveacutem de

si mesmo Como Heidegger observa

O meacutetodo de tratar essa questatildeo eacute fenomenoloacutegico Isso poreacutem natildeo

significa que o tratado prescreva bdquoum ponto de vista‟ ou uma bdquocorrente‟ () fenomenologia diz entatildeo ἀποθαίωεζζαη ηὰ θαηλόκελα

ndash deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra tal como se mostra a partir de si mesmo Eacute este o sentido formal da pesquisa que

traz o nome de fenomenologia Com isso poreacutem natildeo se faz outra coisa do que exprimir a maacutexima formulada anteriormente ndash bdquopara as coisas elas mesmas‟

60

Em seu ensaio A origem da obra de arte Heidegger lanccedila um profundo

e cuidadoso olhar ao acontecer da arte natildeo mais um olhar esteacutetico ou loacutegico

que se manteacutem na superficialidade do fundamento do fundo mas um olhar

permissivo esse olhar fenomenoloacutegico Potildee-se a pensar como uma escuta e

natildeo mais a refletir e buscar conclusotildees Qual o originaacuterio (Ursprung) da obra de

arte Aqui antes de adentrarmos os passos seguintes re-coloquemos a

58

Ser e tempo sect 6 59

Conferir o estudo de Stein acerca da questatildeo da desconstruccedilatildeo da metafiacutesica STEIN Ernildo Diferenccedila e metafiacutesica ensaios sobre a desconstruccedilatildeo Ijuiacute UNIJUIacute 2008 60

Ser e tempo pp66- 74

47

questatildeo do termo Ursprung que estaacute no tiacutetulo do ensaio heideggeriano

Traduzindo para o portuguecircs a palavra alematilde Ursprung pode-se tanto dizer (a)

origem como por meio de substantivaccedilatildeo (o) originaacuterio Ao decompormos Ur-

sprung temos o prefixo Ur primordial e a palavra Sprung advida do verbo

springen saltar Eacute como um bdquosalto fundador‟ como um bdquofazer eclodir‟ como

podemos ler em seu ensaio que Heidegger pensa esta expressatildeo61

Ao

traduzir-se por origem somos levados a pensar em algo pontual em um iniacutecio

temporal e espacial um fundo alicerce sobre o qual possamos construir o

nosso edifiacutecio Como origem somos remetidos de volta para o interior da

tradiccedilatildeo metafiacutesica da loacutegica e seu pensar dominante Origem eacute fundamento

eacute chatildeo conceito E o que eacute do acircmbito do pensar acircmbito no qual Heidegger

busca re-instaurar eacute o do abismo (Abgrund) do sem chatildeo Eacute aquele poccedilo no

qual o pensador ao levar o seu pensar ao misteacuterio da fonte principial (Anfang)

cai em seu caminhar

Com origem com solo alicerce se constroacutei impeacuterio Eacute levar com

seriedade o des-envolvimento o progresso do saber Eacute caminhar sempre para

frente em linha reta eacute o reto pensar ὀρζόηες ortoacutetes bdquoretidatildeo do olhar‟ Eacute

seguir como trem comeacutercio induacutestria poder eacute dar resposta eacute uma re-

afirmaccedilatildeo da tradiccedilatildeo Em originaacuterio algo outro se passa Cai-se em um poccedilo

para dentro do que estava apenas na superfiacutecie Cai-se em ἀπορία Sendo

pelo ldquoentendimento escolado da loacutegicardquo62

motivo de riso pois sem chatildeo natildeo se

vai a lugar nenhum natildeo se responde nada Esse ldquocair no poccedilordquo que sempre foi

ldquomotivo de risordquo ldquonatildeo levando a lugar nenhumrdquo eacute o que Heidegger chama a

tarefa do pensar Eacute ldquoao menos uma vez chegar ao lugar em que jaacute estamosrdquo63

Eacute a abertura ao misteacuterio oculto da fenda do ser Caindo nas aacuteguas de um rio eacute

permitir-se ser levado ao destino caminhando com o fluxo do que adveacutem da

fonte principial

61

A origem da obra de arte p 199 Aleacutem do dito pelo proacuteprio filoacutesofo conferir a nota de traduccedilatildeo de Idalina acerca da expressatildeo Ursprung em sua traduccedilatildeo ao ensaio citado pp 224-

228 62

A linguagem p 8 63

Idem

48

Eacute neste sentido como originaacuterio que lemos a palavra Ursprung Daiacute o

tiacutetulo do ensaio ser tambeacutem pensado como O originaacuterio da obra de arte64

Perguntar pelo originaacuterio da obra de arte eacute perguntar pela proveniecircncia de sua

essecircncia Esta essecircncia natildeo seria aquela pensada como solo como a essentia

da tradiccedilatildeo metafiacutesica mas como abertura sem fundo como Abgrund aquele

aberto que recebe o proveniente do misteacuterio do ser Segundo a opiniatildeo

corrente a proveniecircncia da obra de arte eacute a atividade do artista mas o que diz

se um artista eacute um artista eacute a sua obra de arte

O artista eacute a origem da obra A obra eacute a origem do artista Nenhum eacute sem o outro Do mesmo modo nenhum dos dois porta sozinho o

outro Artista e obra satildeo em-si e em sua muacutetua referecircncia atraveacutes de um terceiro que eacute o primeiro ou seja atraveacutes daquilo a partir de onde artista e obra de arte tecircm seu nome atraveacutes da arte

65

A pergunta pela obra de arte eacute encaminhada a pergunta pela arte

mesma Qual a essecircncia da arte para que ela possa ser originaacuteria de algo

Heidegger inicia sua busca por essa essecircncia pelo que foi dito na tradiccedilatildeo

Buscaraacute sua essecircncia a partir de sua realidade efetiva Procurando sua

essecircncia na obra de arte existente A obra de arte eacute uma coisa como as

demais Eacute uma coisa como a pedra e tambeacutem como o utensiacutelio sapato Poreacutem

a obra de arte eacute uma coisa acrescida de algo mais algo de mais elevado que

uma mera coisa Eacute algo de produzido pelo homem mas os instrumentos os

utensiacutelios como a panela o martelo o carro tambeacutem satildeo coisas produzidas

pelas matildeos do homem Mas obra de arte eacute tambeacutem mais elevada que o

utensiacutelio pois aleacutem se ser uma coisa produzida ela nos diz algo de outro Ela eacute

alegoria eacute siacutembolo

A obra de arte aleacutem do caraacuteter de coisa eacute ainda um outro algo Este outro algo que estaacute nela constitui o artiacutestico () Alegoria e siacutembolo

fornecem o enquadramento representacional em cuja perspectiva desde haacute muito tempo se move a caracterizaccedilatildeo da obra de arte

66

64

A origem da obra de arte p 225 65

Idem p 37 66

Idem p43

49

Na busca pela essecircncia da arte a partir de sua realidade efetiva nos

deparamos com a coisa e com o utensiacutelio Sendo antes de tudo uma coisa

desvia-se o caminho da essecircncia da arte para o da essecircncia do que seja uma

coisa da coisidade da coisa Assim observa-se se a arte eacute uma coisa

acrescida de algo mais ou se eacute algo de outro A pergunta torna-se entatildeo Qual

a essecircncia da coisa Seguindo o fio condutor da investigaccedilatildeo da tradiccedilatildeo

filosoacutefica acerca da coisa Heidegger nos indica trecircs principais definiccedilotildees A

coisa eacute i) ldquoA substacircncia com os seus acidentesrdquo67

ii) ldquoA unidade de uma

multiplicidade dada nos sentidosrdquo68

e iii) ldquoa coisa eacute uma mateacuteria enformadardquo69

Esse eacute o esquema conceitual da esteacutetica desde seus primeiros acenos Das

definiccedilotildees citadas a terceira mateacuteria enformada eacute a que mais se adequa a

esse esquema conceitual

A distinccedilatildeo entre mateacuteria e forma eacute e na verdade nas mais diferentes variedades pura e simplesmente o esquema conceitual usado em todas as teorias da arte e da Esteacutetica () Quando se liga a forma

ao racional e a mateacuteria ao irracional considera-se o racional como o loacutegico e o irracional como o iloacutegico e quando se acopla ao par conceitual forma-mateacuteria ainda a relaccedilatildeo sujeito-objeto entatildeo o

representar dispotildee de uma mecacircnica conceitual agrave qual nada se pode opor

70

Para Heidegger esta definiccedilatildeo da coisidade da coisa poreacutem natildeo se

aplica apenas para as meras coisas Um par de sapatos e um quadro de van

Gogh satildeo tambeacutem mateacuteria enformada Uma pedra possui uma mateacuteria em uma

determinada forma contudo aiacute a forma eacute apenas uma mera distribuiccedilatildeo

espacial de um determinado conteuacutedo Jaacute no par de sapatos a forma eacute de tal

modo fundamental por conta de sua utilidade que influencia ateacute na escolha do

material a ser usado no momento de sua produccedilatildeo Flexiacutevel e macia para uma

roupa resistente e dura para um martelo e assim se daacute com os outros

utensiacutelios Pensando assim Heidegger aponta para o produzido para este algo

uacutetil proacuteximo ao dia a dia do homem que vem primeiramente para esta

definiccedilatildeo de mateacuteria-forma e daiacute passa a coisidade da coisa O homem

67

Idem p 53 68

Idem p 59 69

Idem p 61 70

Idem p 63

50

transfere do utensiacutelio para a coisa a sua definiccedilatildeo e isto por meio do esquema

esteacutetico e sua relaccedilatildeo com a arte e os artefatos

Por conseguinte mateacuteria e forma enquanto determinaccedilotildees do sendo satildeo naturais agrave essecircncia do utensiacutelio Propriamente este nome

nomeia o elaborado em vista de sua utilidade e uso Mateacuteria e forma natildeo satildeo de modo algum determinaccedilotildees originaacuterias da coisidade da proacutepria coisa

71

Somos assim novamente enviados a outro acircmbito A busca pela

essecircncia da coisa nos levou a questatildeo do utensiacutelio Qual a sua essecircncia O

que lhe difere da mera coisa lhe pondo a meio caminho entre coisa e arte Ou

seraacute o utensiacutelio ainda algo outro Com estas indagaccedilotildees chegamos com

Heidegger ao produzido em vista de uma utilidade o utensiacutelio tem na serventia

o traccedilo fundamental a partir do qual este sendo nos olha Eles satildeo tatildeo

melhores quanto menos pensarmos neles em sua constituiccedilatildeo em sua forma

ou mateacuteria Seja o sapato ou o martelo eacute na serventia que se encontra o seu

valor e natildeo em sua constituiccedilatildeo Portanto como Heidegger nos diz na

confiabilidade da serventia ela se torna uacutetil Quando apenas usamos o

utensiacutelio por conta da confiabilidade a ele cedida sua essecircncia nunca nos

chega como o que este utensiacutelio eacute No contato diaacuterio e habitual com o utensiacutelio

sua essecircncia natildeo se apresenta junto agrave relaccedilatildeo que ele que manteacutem

Para Heidegger um homem diante de um quadro de Van Gogh onde

figura um par de sapatos pintados e nada mais ao pensar algo de outro

acontece

Da escura abertura do interior gasto dos sapatos a fadiga dos passos trilhados olha firmemente No peso denso e firme dos sapatos se

acumula a tenacidade do lento caminhar atraveacutes dos alongados e sempre mesmos sulcos do campo sobre qual sopra continuo um vento aacutespero No couro estaacute a umidade e a fartura do solo Sob as

solas insinua-se a solidatildeo do caminho do campo em meio agrave noite que vem caindo Nos sapatos vibra o apelo silencioso da Terra sua calma

doaccedilatildeo do gratildeo amadurecente e o natildeo esclarecido recusar-se do ermo terreno natildeo-cultivado do campo invernal Atraveacutes do utensiacutelio perpassa a afliccedilatildeo sem queixa pela certeza do patildeo a alegria sem

palavras da renovada superaccedilatildeo da necessidade o temor diante do anuacutencio do nascimento e o calafrio diante da ameaccedila da morte Agrave

Terra pertence este utensiacutelio e no Mundo da camponesa estaacute ele

71

Idem p 67

51

abrigado A partir deste pertencer que abriga o proacuteprio utensiacutelio surge para seu repousar-em-si

72

A obra de arte trouxe ao desvelado aquilo que o utensiacutelio enquanto um

sendo eacute Natildeo poreacutem da forma habitual como mera serventia como

confiabilidade A obra inaugura Terra e Mundo Terra como aquilo de onde

este sendo proveacutem e mundo como o aberto do qual aquele sendo faz parte A

obra de arte potildee-em-obra a verdade do sendo do ente Eacute como um pocircr-em-

obra da verdade que Heidegger pensa a essecircncia da arte Por meio da arte

cada sendo vem a vigecircncia de forma extra-ordinaacuteria como um sendo um ente

que irrompe do seu ser Brota pela abertura que acontece na arte da Terra ao

Mundo Esse pocircr-se-em-obra da verdade eacute ποίεζης poiacuteesis Este pocircr

enquanto obra adveniente do ser eacute pensado como um deixar-que atraveacutes da

escuta cuidadosa ao misteacuterio do ser brote do fechado da Terra ao desvelado

do Mundo

Terra e Mundo satildeo palavras-chave para a compreensatildeo do pensar

heideggeriano acerca da arte Terra natildeo eacute o conjunto maciccedilo de areia ou um

planeta Como Γε Gaia Terra os gregos natildeo diziam nada disso Terra tambeacutem

natildeo eacute simplesmente o fechado o velado em oposiccedilatildeo ao Mundo como o

aberto o desvelado Terra como aquela que abriga natildeo pode ser um riacutegido

fechar-se em si eacute de uma forma completamente diferente um res-guardar-se

que acolhe que nutre Ela eacute Gaia Matildee ldquode amplo seio de todos sede

irresvalaacutevel semprerdquo73

ldquomulti-nutrizrdquo74

Eacute entatildeo proteccedilatildeo e natildeo simplesmente

dissimulaccedilatildeo Terra eacute o misteacuterio cuidadoso do essencial Assim tambeacutem Mundo

natildeo eacute apenas o aberto Eacute no Mundo que vige ldquoas decisotildees mais essenciais de

nossa histoacuteriardquo75

Mundo eacute para onde o ser se destina natildeo como um espaccedilo

um lugar mas como acircmbito do acontecimento Eacute a morada do vigente Mundo

eacute sempre o inobjetaacutevel

72

Idem p81 73

Teogonia p 91 74

Podemos ver em muitas passagens da Iacuteliada assim como da Odisseia Homero se referindo agrave Γε Gaia Terra como a Matildee multi-nutriz 75

Origem da obra de arte p 109

52

Eacute na disputa entre Terra e Mundo que se daacute o ldquoacontecer poeacutetico-

aproprianterdquo (Ereignis) como Heidegger passou a chamar o acontecimento do

ser

Para onde a obra se retira e o que ela deixa surgir nesse retirar-se noacutes denominamos Terra Ela eacute a que faz surgir e que abriga A Terra

eacute a que natildeo sendo forccedilada a nada eacute sem esforccedilo e infatigaacutevel Sobre a Terra e nela o homem histoacuterico funda o seu morar no Mundo No

que a obra instala um Mundo ela elabora a Terra76

Arte eacute entatildeo abertura Enquanto no utensiacutelio haacute um gastar-se com o uso

com sua serventia na obra de arte enquanto a disputa originaacuteria de Terra e

Mundo se manteacutem em seu vigor enquanto permanece como obra daacute-se

abertura O artista natildeo gasta a tinta ao criar um quadro como gasta o pintor no

seu trabalho de pintar um muro de uma casa Na pintura criadora do artista eacute

que as cores vecircm a ser as cores que satildeo O verde vem na arvore pintada a

ser o verde da natureza o azul revela o ceacuteu Jaacute no utensiacutelio a lata de tinta eacute

tanto melhor quanto mais some ao ser usada como revestimento Na obra de

arte haacute um permanecer uma instauraccedilatildeo Eacute na poesia que a palavra chega ao

dizer na muacutesica que o som chega ao soar na escultura que a pedra chega ao

resistir

Na obra de arte daacute-se essa clareira na arte daacute-se o acontecimento

como obra da verdade A verdade eacute posta em obra Aqui uma pergunta se potildee

como necessaacuteria o que eacute a verdade para que possamos dizer que ela eacute pela

obra de arte posta em obra Re-coloquemos entatildeo a questatildeo da verdade que

no primeiro capiacutetulo apenas indicamos para que esta advenha em seu sentido

mais profundo Ou seja pensemos um pouco mais acerca da verdade para

adentrarmos de forma mais cuidadosa na vereda do pensar heideggeriano

Pensar verdade α-ιήζεηα como des-encobrimento nos remete a outro

acircmbito do pensar Um acircmbito do ainda-natildeo da adveniecircncia Somos

transpostos da rigidez conceitual do definido do dado agrave fluidez do vir-a-ser da

abertura do misteacuterio Ao pensar a verdade como o desvelado o velado passa

a se mostrar como mais originaacuterio como fonte originaacuteria deste desvelado

Mostra-se como mais essencial Este velado pode entatildeo ser pensado como o

76

Idem p115

53

natildeo-desvelado como a natildeo-verdade Sendo mais essencial importa a noacutes

mais essa natildeo-verdade do que a verdade Eacute assim que Heidegger no ensaio A

essecircncia da verdade faz a virada da questatildeo da verdade para a natildeo-verdade

De uma busca pela verdade somos transpostos a uma busca pela natildeo-

verdade

Poreacutem para Heidegger essa passagem da verdade para a natildeo-

verdade natildeo deve ser pensada pura e simplesmente como uma inversatildeo mas

como abertura de outro acircmbito do pensamento Pensar a verdade como a natildeo-

verdade achando com isso estar saindo do acircmbito do definido do dado da

identidade para o acircmbito do indefinido da diferenccedila seria um equiacutevoco

Tomar simplesmente a natildeo-verdade por verdade eacute apenas outro acircmbito da

rigidez do conceito Heidegger nos propotildee em seus ensaios uma mudanccedila no

acircmbito do pensamento natildeo uma mera inversatildeo mas algo de outro Esse

acircmbito por ele proposto mais originaacuterio e mais profundo natildeo pode ser

atingido com a operaccedilatildeo loacutegica da inversatildeo e suas enunciaccedilotildees predicativas

Soacute um pensamento como abertura um pensamento do sentido e natildeo mais um

meramente conceitual pode adentrar essa profundidade Soacute assim pode-se

pretender um avizinhar ao ser Verdade eacute pensada como clareira Natildeo sendo

nem o aberto desvelado nem o fechado velado mas sim abertura

possibilidade de adveniecircncia de acontecimento poeacutetico-apropriativo Assim

diria Heidegger acerca da clareira

Um tal aparecer acontece necessariamente em uma certa claridade Somente atraveacutes dela pode mostrar-se aquilo que aparece isto eacute brilha A claridade por sua vez poreacutem repousa numa dimensatildeo de

abertura e de liberdade que aqui e acolaacute de vez em quando pode clarear-se A claridade acontece no aberto e aiacute luta com a sombra

() Somente esta abertura garante tambeacutem agrave marcha do pensamento especulativo sua passagem atraveacutes daquilo que pensa

Designamos esta abertura que garante a possibilidade de um aparecer e de um mostrar-se com a clareira (die Lichtung)

77

Outra questatildeo referente agrave verdade que aqui seraacute de crucial importacircncia

eacute a da verdade como erracircncia O homem enquanto um ente no Mundo que

caminha pelo aberto eacute um jogado na erracircncia do Mundo O homem se

77

O fim da filosofia e a tarefa do pensamento p 102

54

relaciona insistentemente com os entes com o aberto Neste relacionar-se com

o dado o homem afasta-se do misteacuterio Afastando-se assim do essencial do

ser do misteacuterio originaacuterio daacute-se o errar ldquoEste vaiveacutem do homem no qual ele

se afasta do misteacuterio e se dirige para a realidade corrente sai de um objeto da

vida cotidiana para outro desviando-se do misteacuterio ele eacute o errar78

rdquo O homem

um ek-sistente um lanccedilado para fora de si no mundo insistentemente Com

isso eacute o homem des-guardado no aiacute do aberto Como errante ele eacute lanccedilado

para fora no aberto do cotidiano e se relaciona com os outros entes com o

Mundo Diz Heidegger

O homem erra O homem natildeo cai na erracircncia em um momento dado

() erracircncia se revela como o espaccedilo aberto para tudo que se opotildee agrave verdade essencial () aquilo que o haacutebito e as doutrinas filosoacuteficas chamam de erro isto eacute a natildeo-conformidade do juiacutezo e a falsidade do

conhecimento eacute apenas um modo e ainda o mais superficial de errar () A erracircncia domina o homem enquanto o leva a se desgarrar Pelo

desgarramento poreacutem a erracircncia tambeacutem contribui para fazer nascer esta possibilidade que o homem pode tirar da ek-sistecircncia e que

consiste em natildeo se deixar levar pelo desgarramento O homem natildeo sucumbe no desgarramento se ele mesmo eacute capaz de provar a erracircncia enquanto tal e de natildeo desconhecer o misteacuterio do ser-aiacute

79

Eacute da essecircncia do homem enquanto ek-sistente a erracircncia Tanto mais

errante como tambeacutem mais aberto ao misteacuterio do ser mais homem ele eacute

Provando da erracircncia corre o homem o risco de aiacute perder-se no

desgarramento Evitando esta erracircncia nega ele sua essecircncia Eacute necessaacuterio

entatildeo um enfrentamento onde o homem como o que se arrisca mais ponha-

se diante dessa possibilidade de perder-se Eacute soacute na peossibilidade de perder-

se que pode este se encontrar Assim para Heidegger o homem arrisca-se na

erracircncia com a constante abertura ao misteacuterio mas o misteacuterio eacute aquele que se

potildee em fuga diante de toda investigaccedilatildeo Daiacuteo pensar para Heidegger que se

pretende aberto ao misteacuterio natildeo poder ser do tipo investigativo do tipo que

forccedila abertura que rasga Pois no oculto do misteacuterio eacute como se estiveacutessemos

em matildeos uma pedra e quebrando-a ao meio quiseacutessemos saber o que haacute em

seu interior Ao quebrar o dentro se potildee em fuga ocultando-se dentro dos dois

pedaccedilos resultantes da quebra Nessa quebra violenta soacute nos deparamos com

o fora o superficial o sempre aberto O interior sempre se resguarda Assim eacute

78

A essecircncia da verdade p208 79

Idem p 209

55

o misteacuterio Quanto mais forccedilamos sua adveniecircncia mais em fuga ele se potildee

Na arte natildeo haacute um forccedilar abertura mas um permitir um aguardar paciente

Diante esse ser que se resguarda no misteacuterio ora doando-se ora

pondo-se em fuga poetas e pensadores como guardiatildees desse saber que

abre satildeo os caminhantes desse Holzwege Caminho de Floresta dessa

vereda deste terceiro caminho que Parmecircnides em seu poema Da Natureza

indica como aquele descaminho que leva ao nada ao que se potildee em fuga Eacute

nessa vereda nesse Αηραπός nesse caminho de floresta que se daacute o

avizinhanccedilar-se do ser Para adentrar em tal vereda contudo eacute necessaacuterio

arriscar-se frente agrave possibilidade de perder-se no caminhar de cair em um

poccedilo Soacute aiacute eacute possiacutevel avizinhaccedilar-se da fonte principial Poetas e pensadores

satildeo capazes de nomear nesse calar-se Sua linguagem eacute silenciosa Qual o

modo desse silecircncio De que modo eacute o dizer da arte um dizer silencioso Satildeo

nessas questotildees que nos deteremos nos passos seguintes

33 Pensamento poeacutetico Um dizer silencioso

Vimos que a essecircncia da arte em Heidegger se apresentou como um

pocircr-em-obra o acontecimento da verdade onde essa verdade eacute pensada como

clareira abertura A arte potildee-em-obra a verdade do ente Enquanto obra a arte

eacute abertura eacute adveniecircncia do ser ao ente do que eacute para o que estaacute sendo do

natildeo-vigente agrave vigecircncia Poderia ser dito poreacutem com a possibilidade de maacutes

interpretaccedilotildees o que nos adverte o proacuteprio filoacutesofo80

que a arte eacute uma

passagem do nada ao ente Este nada natildeo deve ser aqui pensado como o

nada do niilismo O nada aqui eacute pensado como o natildeo-ente o natildeo-presente

que apesar de natildeo ser um ente eacute sua fonte principial eacute originaacuterio Ser e nada

80

Α origem da obra de arte pp 181-183

ldquoEscrever o que natildeo acontece eacute tarefa da

poesiardquo Manoel de Barros Menino do mato

ldquoSobre o que natildeo se pode calar devemos

silenciarrdquo Ludwig Wittgenstein Tractatus Logico-Philosophicus

56

se pensados com cuidado de natildeo os identificar diretamente podem ser

pensados juntos em sua proximidade

E a verdade surge do nada De fato se pensado com o nada do mero natildeo sendo e se nisso o sendo eacute representado como aquele

existente habitual que depois atraveacutes do entre-permanecer da obra vem agrave luz como o que apenas pretensamente eacute o verdadeiro sendo e assim fica abalado A verdade nunca eacute colhida do existente e do

habitual Abertura do aberto e a clareira do sendo acontecem muito mais somente no que a abertura adveniente se delineia na

projeccedilatildeo81

Toda passagem do natildeo-vigente ao vigente todo brotar da θύζης (fiacutesis) eacute

ποίεζης (poiacuteesis) ou seja todo acontecimento da verdade (Ereignis) toda

abertura como clareira eacute poesia Assim tanto o desencobrimento da teacutecnica

seja ela claacutessica ou moderna como o des-encobrimento da obra-de-arte satildeo

poiacuteesis poreacutem enquanto na teacutecnica moderna o que eacute posto eacute produzido como

algo acabado como pronto no pocircr-em-obra da arte assim como na teacutecnica

claacutessica enquanto ηέτλε o que adveacutem eacute encaminhado como princiacutepio

(Anfang) como inaugural movimento

Na teacutecnica moderna o posto adveacutem por meio de uma com-posiccedilatildeo (Ge-

stell ζσλ-ζέζης) como disponibilidade Na obra de arte o que pela obra eacute

posto em obra adveacutem como disputa confronto Na forma do conceito o com-

posto eacute identitaacuterio unidade eacute ponto final Jaacute na disputa originaacuteria a cada

momento se da diferenccedila A multiplicidade de sentido que eacute dada natildeo permite

um ponto final mas sempre uma reticecircncia eacute abertura de possibilidades Nas

palavras de Heidegger

Encarada em sua essecircncia a arte eacute uma sagraccedilatildeo e um refuacutegio a saber a sagraccedilatildeo e o refuacutegio em que cada vez de maneira nova o

real presenteia o homem com o esplendor ateacute entatildeo encoberto de seu brilho a fim de que nesta claridade possa ver como maior

pureza e escutar com maior transparecircncia o apelo de sua essecircncia

Como a arte a ciecircncia tampouco eacute apenas um desempenho da

cultura do homem Eacute um modo decisivo de se apresentar tudo que eacute e estaacute sendo

82

()

Em oposiccedilatildeo a isso a ciecircncia natildeo eacute nenhum acontecer originaacuterio da

verdade mas sempre a ampliaccedilatildeo de um acircmbito de verdade jaacute aberto e de certo atraveacutes do compreender e fundamentar do que se mostra

na sua esfera como o correto possiacutevel e necessaacuterio Quando e na

81

Idem 82

Ciecircncia e pensamento do sentido p 39

57

medida em que uma ciecircncia vai mais aleacutem do correto para uma verdade isto eacute para o desencobrimento essencial do sendo como tal

entatildeo ela eacute filosofia83

Esse natildeo habitual natildeo-vigente que vem a ser pela poiacuteesis foi a muito

rechaccedilado pela tradiccedilatildeo metafiacutesica enquanto loacutegica O ser foi pensado nesta

tradiccedilatildeo como o ente e este como o vigente o presente o dado e da mesma

forma o natildeo-vigente o ausente foi pensado como o nada e seguindo o

raciociacutenio o aparente foi dado como o erro imagem como o que natildeo se

adeacutequa ao ente Nada ser (ente) e aparecircncia seriam as trecircs vias de

conhecimento a qual o homem poderia movimentar-se As trecircs vias que

segundo Parmecircnides se relacionavam com a verdade Destas trecircs vias uma

necessariamente logicamente deveria ser abandonada pois natildeo era

verdadeiramente uma via mas um αηραπός um natildeo-caminho uma vereda

Holzwege (caminho de floresta) Sendo assim natildeo levaria o homem justo a

lugar nenhum Esta vereda era a via que dizia respeito ao nada ao natildeo-ser

Falar sobre este nada seria a ruiacutena deste justo seria a ruiacutena do conhecimento

loacutegico A loacutegica do pensar reto seria desfeita nessa empreitada

Aiacute em Parmecircnides daacute-se o primeiro momento de rechaccedilamento desta

terceira possibilidade Em Aristoacuteteles aparece na expressatildeo do terceiro

excluiacutedo84

Todo ente ou eacute de certa forma ou o seu oposto Qualquer outra

possibilidade fica entatildeo excluiacuteda Pensar em uma terceira possibilidade eacute ferir o

segundo princiacutepio supremo do pensar loacutegico Podemos ver tanto no princiacutepio

da contradiccedilatildeo como no do terceiro excluiacutedo um abandono do pensar acerca

do nada A linguagem que diz respeito ao homem eacute a linguagem loacutegica Ela

proiacutebe o dizer sobre o nada Contudo mesmo que Parmecircnides e Aristoacuteteles

venham a proibir a reflexatildeo sobre o nada essa proibiccedilatildeo jaacute se apresenta como

um pensar Aiacute ouve um pensar cuidadoso temeraacuterio frente agrave vereda que seria

pensar sobre este nada Natildeo haacute ainda um abandono desta questatildeo mesmo

que com a reflexatildeo sobre ela seja isso que foi proposto Este afastamento

com o desenvolvimento da Ciecircncia da Loacutegica e da Metafiacutesica torna-se um

esquecimento O nada eacute esquecido e com ele a possibilidade de pensar o ser

83

Origem da obra de arte p 157 84

Metafiacutesica pp179-181 Γ 7 ndash 1011b 23-1012a 28

58

como essa outra possibilidade como esse natildeo-vigente Funda-se o impeacuterio da

loacutegica e do ente Eacute nos moldes desse impeacuterio que a Metafiacutesica desenvolve sua

dominaccedilatildeo a todo o pensar da tradiccedilatildeo ocidental numa ldquomecacircnica conceitualrdquo

blindada a qualquer tentativa de des-construccedilatildeo

Soacute com o desmoronamento interno deu-se iniacutecio a queda deste impeacuterio

A proacutepria reflexatildeo loacutegica sob a ameaccedila de autodestruir-se urge pela

necessidade de outra possibilidade de pensamento por outro modo de

linguagem Escuta-se como a voz de um fantasma pois haacute muito tempo

abandonado e esquecido o apelo do ser deste nada que havia sido

rechaccedilado Essa necessidade de outra linguagem eacute interna a proacutepria loacutegica ao

pensar em seus fundamentos pois na proacutepria delimitaccedilatildeo de seu objeto de

pesquisa esta se remete a algo que lhe eacute externo remete-se a esse nada

Trata a loacutegica do ente e nada mais85

e como dizem Platatildeo86

e Aristoacuteteles87

a

sabedoria a ciecircncia de algo eacute tambeacutem a ciecircncia de seu contraacuterio Quem

conhece a boa poesia eacute justamente quem conhece a maacute poesia Quem sabe o

que faz bem agrave sauacutede sabe o que natildeo lhe faz bem Quem busca o saber das

causas primeiras das coisas primeiras dos entes em si pura e simplesmente

conhece o natildeo-ente

Poreacutem acerca deste natildeo-ente neste terceiro caminho soacute o silecircncio eacute

proacuteprio Nesse sentido encontramos a defesa do pensar heideggeriano acerca

do poeacutetico Contudo para tal dizer genuinamente poeacutetico eacute preciso libertar a

linguagem da gramaacutetica assim como eacute preciso libertar a filosofia das

disciplinas acadecircmicas como eacute necessaacuterio libertar a arte das concepccedilotildees

esteacuteticas Haacute outro acircmbito da linguagem o da nomeaccedilatildeo do pocircr-vir Assim diz

Heidegger

A linguagem eacute a morada do ser Na habitaccedilatildeo da linguagem mora o

homem Os pensadores e os poetas satildeo os guardiotildees dessa morada ()Libertar a linguagem da gramaacutetica conduzindo-a para uma

85

O que eacute metafiacutesica p 115-116 86

No Ion Socrates ao interrogar Iacuteon acerca de Homero o faz dizer que aquele que conhece o que eacute bom para uma ciecircncia eacute o mesmo que conhece o que eacute mal Por exemplo eacute o meacutedico

aquele que conhece o que traz sauacutede e tambeacutem o que tira a sauacutede 87

Assim diz Aristoacuteteles ldquoA mesma ciecircncia compete o estudo dos contraacuteriosrdquo Metafiacutesica p135

Γ2 1004a 9-10

59

estrutura essencial mais originaacuteria eacute uma tarefa reservada ao pensar e poetar

88

Eacute na linguagem artiacutestica onde o embate vigoroso entre Terra e Mundo

se daacute na co-pertenccedila de ambos em tal equiliacutebrio que nenhum se sobressai

sobre o outro que se entende esse silecircncio poeacutetico Desse embate primordial

pela forccedila do que se potildee com o que se res-guarda acontece um aquietar-se

um repouso Silecircncio e repouso natildeo satildeo de forma nenhum algo como uma

ausecircncia Satildeo na verdade pura atividade Da disputa daacute-se a co-pertenccedila na

diferenccedila de ambos entre Terra e Mundo entre coisa e mundo O dizer

poeacutetico

Evoca originariamente a partir da simplicidade de um chamado

iacutentimo esse que evoca a diferenccedila sem dizecirc-la () A linguagem fala deixando vir o chamado coisa-mundo e mundo-coisa no entre da

diferenccedila ()Quieto natildeo eacute de maneira nenhuma o que natildeo soa Natildeo soar eacute somente natildeo estar na movimentaccedilatildeo de entoar e soar () A

falta de movimentaccedilatildeo eacute somente o outro lado do repouso () O repouso movimenta-se muito mais do que um movimento e tem muito mais movimentaccedilatildeo do que qualquer moccedilatildeo () quando coisa e

mundo estatildeo quietos no seu proacuteprio a diferenccedila convoca mundo e coisa para o meio de sua intimidade

89

Percebe-se entatildeo que silenciar-se natildeo eacute pensado como um calar-se

como se deu pela tradiccedilatildeo metafiacutesica-loacutegica-cientiacutefica Pois num mero calar-

se o que haacute eacute um abandono No silecircncio em oposiccedilatildeo ao abandono haacute uma

aproximaccedilatildeo uma busca da intimidade do co-responder daacute-se um modo

primordial da linguagem Uma escuta que permite a colheita do destinado pelo

ser Aquela escuta dada na pausa na reticecircncia de um dizer aquele suspiro

Um repouso que natildeo eacute estagnaccedilatildeo mais o autecircntico movimento Soacute quem

silencia eacute quem diz e pensa autenticamente Silenciar-se eacute da essecircncia do

falar Quem natildeo tem linguagem natildeo silencia assim como quem natildeo possui

movimento natildeo pode repousar

Diante da vereda que eacute este terceiro caminho o caminhante cuidadoso

se vecirc em ἀπορία aporia Percebe que precisa respirar e escutar um pouco do

que lhe circula Entatildeo repousa escuta e mira ao redor para o dentro e o fora e

88

Cartas sobre o humanismo p 326 89

A linguagem pp 22-23

60

ainda para aleacutem do ente do presente Aqui ldquomirar significa adentrar o

silecircnciordquo90

ldquoEle escuta agrave medida que pertence ao chamado da quietuderdquo91

Esse eacute modo o do dizer artiacutestico do nomear poeacutetico do falar essencial do

homem

Os mortais falam a partir da diferenccedila no sentido da diferenccedila como

um corresponder O falar dos mortais deve antes de tudo escutar o chamado pois eacute como chamado que o quieto da diferenccedila evoca o

rasgo de coisa e mundo Cada palavra falada pelos mortais fala desde essa escuta como essa escuta Os mortais falam agrave medida que escutam

92

Falamos diversas vezes em arte e poesia mas seraacute que estas satildeo uma

mesma coisa Pensemos um pouco nesse questionamento buscando

semelhanccedilas e diferenccedilas antes de prosseguirmos com o percurso A arte eacute

poiacuteesis poreacutem a θύζης tambeacutem o eacute O poieacutetico eacute bem mais amplo que o

artiacutestico Poesia natildeo eacute pensada aqui estritamente como a escrita do poema

Poiacuteesis eacute tudo que eacute do acircmbito da eclosatildeo do vir-a-ser do brotar adveniecircncia

Eacute fala inaugural Poiacuteesis eacute linguagem quando esta natildeo eacute pensada como mera

expressatildeo modo de comunicaccedilatildeo por letras ou sons Eacute linguagem no sentido

de um narrar inaugural fundador como abertura e morada do ser Assim diz

Heidegger nos paraacutegrafos finais do ensaio A origem da obra de arte

A poiacuteesis eacute a fala inaugurante do desvelar do sendo () poiacuteesis eacute aqui pensada em um sentido tatildeo amplo e ao mesmo tempo numa

unidade essencial tatildeo iacutentima com a linguagem e a palavra que precisa ser deixado em aberto a questatildeo se a arte em verdade em

todos os seus modos - da arquitetura ateacute a poesia esgota a essecircncia da poiacuteesis A proacutepria linguagem eacute poiacuteesis em sentido original

93

Com esse indagar fomos levados da questatildeo da arte como inaugural ao

acircmbito mais amplo da poiacuteesis e da linguagem Seguindo entatildeo o fio condutor

do caminho que estaacute sendo aberto ao se caminhar pensemos acerca da

poiacuteesis do poeta e de sua linguagem Pelo visto poetar eacute entatildeo linguagem em

sentido amplo e originaacuterio poreacutem natildeo soacute o poeta eacute o guardiatildeo dessa morada

do ser Satildeo os pensadores e poetas seus guardiotildees e em sua profunda

conexatildeo com a linguagem estaacute o seu parentesco sua proximidade uma

90

A linguagem na poesia p 35 91

A linguagem p 26 92

Idem p25 93

A origem da obra de arte p 189

61

linguagem que tem na disputa a sua essecircncia O que na linguagem dos

poetas e pensadores vem-a-ser vem como disputa Bem diferente eacute a

linguagem da loacutegica que conceitua e define limitando em algo pronto No

poetar e pensar o nomeado eacute constante adveniecircncia do novo eacute brotar

principial

A questatildeo da linguagem em Heidegger eacute ao lado das questotildees do ser

e da verdade a questatildeo do seu pensar Assim diz Gadamer acerca da filosofia

heideggeriana ldquoSe quisermos colocar em discussatildeo a significaccedilatildeo da filosofia

de Martin Heidegger natildeo podemos fazer outra coisa senatildeo a partir da

experiecircncia fundamental () de uma nova experiecircncia da linguagem da

filosofiardquo94

Ao pensar ser e verdade como adveniecircncia abertura constante de

uma disputa originaacuteria torna-se necessaacuterio uma nova experiecircncia com a

linguagem Como se deu com Aristoacuteteles e seu pensar do ser Onde o que

estava antes de qualquer coisa era o ente a substacircncia Necessitou-se aiacute uma

nova experiecircncia com a linguagem que vigora ateacute o presente como linguagem

loacutegica Com uma mudanccedila no sentido do ser daacute-se em conjunto com esta

uma mudanccedila fundamental na linguagem Eacute na linguagem dos poetas que esta

nova linguagem encontra sua guarda Eacute tarefa dos pensadores e dos poetas

levar a linguagem para o que estaacute aleacutem do presente no sentido de um

encaminhar para o misteacuterio

Em seu pequeno ensaio Houmllderlin e a essecircncia da poesia escrito como

que um complemento ao A origem da obra de arte Heidegger faz a passagem

da questatildeo da arte para a questatildeo mais ampla que eacute a do poetar Escrito em

um mesmo periacuteodo os dois escritos satildeo como que um uacutenico corpo acerca da

arte e do poeacutetico Neste ensaio o pensador parte de cinco palavras-guias do

poeta Houmllderlin o qual nutre grande apreccedilo para desenvolver seu pensar

sobre a essecircncia da poesia O ensaio se apresenta entatildeo como um diaacutelogo

entre pensador e poeta um diaacutelogo do pensamento Buscando por meio

destas palavras-guias pensar sobre a essecircncia da poesia Inicia o ensaio

justificando sua escolha por Houmllderlin para o caminho que entatildeo seraacute traccedilado

Diz

94

Heidegger e a linguagem p23

62

Por que foi escolhida a obra de Houmllderlin com o propoacutesito de mostrar a essecircncia da poesia Por que natildeo Homero ou Soacutefocles por que

natildeo Virgilio ou Dante por que natildeo Shakespeare ou Goethe Nas obras desses poetas foi realizada a essecircncia da poesia tatildeo ricamente ou ainda mais do que na criaccedilatildeo de Houmllderlin tatildeo imatura e

bruscamente interrompida () unicamente porque estaacute carregada com a determinaccedilatildeo poeacutetica de poetizar a proacutepria essecircncia da poesia

Houmllderlin eacute para noacutes em sentido extraordinaacuterio o poeta dos poetas95

Para Heidegger eacute com Houmllderlin que se tem o poetar sobre o poetar Daiacute

sua escolha entre tantos poetas Houmllderlin nomeia a essecircncia da poesia da

poiacuteesis Cria com seu dito uma clareira para a disputa originaacuteria entre Terra e

Mundo Podemos ver por este ensaio a forccedila do poetar no expressar-se por

uma linguagem natildeo conceitual que se apresenta ateacute como contraditoacuteria ao

permitir o que pela linguagem loacutegica seria de iniacutecio reprimido Citemos entatildeo

as cinco palavras-guias para que possamos acompanhar o pensar

heideggeriano sobre o poetar de Houmllderlin

i) Poetizar ldquoa mais inocente de todas as ocupaccedilotildeesrdquo (III 377)

ii)rdquoe foi dado ao homem o mais perigoso dos bens a linguagem Para que testemunhe o que eacuterdquo (IV 246)

iii) ldquoO homem tem experimentado muito Nomeado a muitos celestes Desde que somos um diaacutelogo

E podemos ouvir uns aos outrosrdquo (IV 343) iv) ldquoMas o que permanece instauram os poetasrdquo (IV 63)

v) ldquoPleno de meacuteritos mas eacute poeticamente que o homem habita esta terrardquo (VI 25)

96

Eacute a poesia a mais inocente e aleacutem disso o mais perigoso dos bens do

homem Eacute por meio dela que testemunhamos quem somos Em oposiccedilatildeo ao

expressar-se loacutegico formal intencional produtivo o dizer poeacutetico eacute pura

inocecircncia eacute a simples abertura do coraccedilatildeo ao destinado pelo ser Eacute a

inocecircncia frente agrave intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem o bem mais perigoso pois se eacute pela

linguagem que o homem testemunha quem eacute eacute tambeacutem por ela que pode dar-

se sua decadecircncia Eacute no natildeo cuidado com o dizer que mora o maior perigo

Pensando com o que foi dito anteriormente o homem encontra-se ameaccedilado

pela teacutecnica moderna O maior perigo poreacutem natildeo proveacutem de suas armas e

bombas entre tantos outros perigos O maior perigo estaacute no seu dizer Um

dizer que se mostrou apenas como siacuten-tese com-posiccedilatildeo Um dizer que forccedila

explorando a terra a se dispor produzir energia Nesse dizer moderno que

95

Holderlin e a essecircncia da poesia Traduccedilatildeo livre feita por mim p 1-2 DE ONDE 96

Idem p1

63

podemos bem pensar quase como que outra coisa menos um dizer genuiacuteno

como mera repeticcedilatildeo do acircmbito do jaacute aberto eacute que mora o maior perigo pois eacute

o abandono da outra possibilidade qualquer outra possibilidade Eacute natildeo

abertura a proveniecircncia do misteacuterio do ser O enrijecimento no posto no

habitual Eacute portanto a linguagem enquanto loacutegica o maior perigo ao homem

atual pois eacute pela linguagem que o homem vem a ser homem e eacute por ela que

se daacute a morte essencial deste mesmo homem

Para pensar no perigo que eacute esse bem doado ao homem faccedilamos uma

aproximaccedilatildeo deste ensaio com a conferecircncia Cartas sobre o humanismo para

que se ponha de forma mais vigorosa a questatildeo da linguagem e a ameaccedila que

acompanha o seu des-cuidado Nesta conferecircncia Heidegger pensando no

humanismo como uma reflexatildeo acerca da essecircncia do homem desenvolve

partindo do que eacute dito pela tradiccedilatildeo acerca dessa essecircncia sua concepccedilatildeo de

homem O homem eacute um δῳολ ιόγολ ἒτολ97

traduzida pelo pensar latino como

o homem eacute um animal racional Para a tradiccedilatildeo a essecircncia do homem estaacute na

faculdade da razatildeo E razatildeo nesta tradiccedilatildeo eacute o pensar loacutegico reto e natildeo

contraditoacuterio que exclui qualquer terceira possibilidade Logo o homem eacute um

ser loacutegico Pensando com o dito aristoteacutelico ιόγολ eacute dizer eacute linguagem

Estariacuteamos mais proacuteximo do que aiacute foi dito pensando que o homem eacute um

anima um ser vivo que fala que possui linguagem Eacute a linguagem que daacute

origem ao homem

A soberania da linguagem loacutegica rechaccedilou a outra possibilidade de fala

a do dizer poeacutetico O homem tornou-se o efetivo o loacutegico Aquele que produz e

domina todo o concreto inabalaacutevel pelo menos ateacute sentir que o que lhe dava o

poder o domiacutenio ameaccedila lhe dominar O seu maior bem se mostra agora

como sua maior ameaccedila As grades que eram vistas como seguranccedila ao

adverso torna-se sua prisatildeo Urge entatildeo o diaacutelogo com este outro pensar

Nesta noite do mundo daacute-se a necessidade de uma linguagem que seja

clareira Na seguranccedila de cada um isolado em suas casas em seus

monoacutelogos o diaacutelogo se apresenta crucial pois ldquodesde que somos diaacutelogo e

97

Carta sobre o humanismo p 335

64

podemos ouvir uns aos outrosrdquo este isolamento eacute sempre soacute a perdiccedilatildeo Nossa

indigecircncia realiza-se no abandono do outro

Enquanto mortais o ciclo de nascimento e morte nos eacute essencial A

histoacuteria eacute diaacutelogo ldquoSer um diaacutelogo e ser histoacuterico satildeo ambos igualmente

antigos se pertencem um ao outro e satildeo o mesmordquo 98

e o que nessa histoacuteria

permanece eacute instaurado pelos poetas ldquoA poesia eacute a instauraccedilatildeo do ser com a

palavrardquo99

Sendo adveniecircncia poiacuteesis eacute instauraccedilatildeo eacute obra Os poetas

instauram o ser como clareira como luta entre velado e desvelado Eacute na

linguagem poeacutetica que habita o homem Assim diz a quinta palavra-guia do

ensaio ldquopleno de meacuteritos mas eacute poeticamente que o homem habita essa

terrardquo Eacute nesse diaacutelogo poeacutetico de um com o outro que se abre a clareira de seu

habitar e natildeo no isolamento residencial do morar protegido do misteacuterio do que

possa advir Eacute pois poeticamente que o homem habita Diante disto podemos

ver no periacuteodo atual o quatildeo in-essencial o quatildeo indigente encontra-se a

humanidade

Diante essa indigecircncia perguntamos anteriormente Como enfrentarmos

esta ameaccedila que se apresenta Eacute possiacutevel que a arte ou de forma mais

ampla que a poesia possa confrontar esse perigo Eacute essa outra possibilidade

suficiente como fuga da crise E aleacutem do questionado eacute ainda possiacutevel que

diante de tanta teacutecnica se instaure outra forma de se viver de habitar essa

terra Para pormo-nos diante esses questionamentos adentraremos em um

escrito heideggeriano chamado Para que poetas

34 Poetas em tempos indigentes Um salto na vereda

Diante a crise que ameaccedila o homem em sua essecircncia pensemos na

tarefa destinada aos poetas e com eles os pensadores Pensar portanto se e

como eacute a tarefa destes poetas e pensadores diante este modo teacutecnico de viver

e de pensar Viver teacutecnico este em oposiccedilatildeo ao viver entendido por Heidegger

como aquele brotar sempre novo na disputa da clareira poderia ser pensado

quase como um natildeo-viver Uma teacutecnica exploradora onde todos os entes e o

98

Houmllderlin e a essecircncia da poesia p 6 99

Idem p 7

65

proacuteprio homem deixam de ser o que satildeo essencialmente enquanto θὺζεης

ὄληα seres da fiacutesis para decaiacuterem em meros artefatos seres produzidos Seja

para o comeacutercio o trabalho o poder ou seja como mera disponibilidade

Diante uma aproximaccedilatildeo do ensaio Para que poetas (1946) texto pertencente

ao mesmo conjunto de ensaios de A origem da obra de arte com o todo ateacute

aqui caminhado buscaremos um confronto do caminhado com o questionado

Este conjunto de textos do qual esses ensaios fazem parte tem como tiacutetulo a

palavra essencial Holzwege A versatildeo portuguesa traduziu-a seguindo a

indicaccedilatildeo dada pelo proacuteprio autor no iniacutecio da obra por Caminhos de floresta

Aiacute Heidegger diz assim

Holz [madeira lenha] eacute um nome antigo para Wald [floresta] Na floresta [Holz] haacute caminhos que o mais das vezes sinuosos terminam perdendo-se subitamente no natildeo-trinhado

Chamam-se caminhos de floresta [Holzwege]

Cada um segue separado mas na mesma floresta [Wald] Parece muitas vezes que um eacute igual ao outro Poreacutem apenas parece ser assim

Lenhadores e guardas-florestais conhecem os caminhos Sabem o que significa estar metido num caminho de floresta

100

Holzwege eacute esse sinuoso caminho sempre ainda natildeo-trilhado no qual o

caminhante ao percorrecirc-lo inaugura uma trilha Abrindo para outros

posteriores caminhantes uma trilha Este extra-ordinaacuterio caminho inaugurado eacute

um caminho do pensamento da linguagem da poiacuteesis do ser Sendo antes

de ser percorrido um caminho fechado eacute ainda um natildeo-caminho Parmecircnides

o chama de αηραπός e por um lado proiacutebe ao justo por ele se arriscar a

caminhar por outro lado ao pensar acerca deste caminho no natildeo-dito nos diz

para por ele nos enveredarmos com o maior cuidado possiacutevel Eacute nesse

caminho fechado da floresta eacute portanto nessa vereda que desde o iniacutecio

desta pesquisa cuidadosamente buscamos adentrar Se caminhamos

lentamente eacute porque diferente de se seguir uma trilha jaacute pronta jaacute aberta aqui

estamos nos enveredando em uma constante disputa com o misteacuterio do

adveniente por um Holzwege

100

Caminhos de floresta p3

66

Esta reflexatildeo se deu a princiacutepio sobre a questatildeo da crise atual Uma

crise que ameaccedila o homem ao ameaccedilar sua linguagem e seu pensar no que

neste haacute de mais essencial O que nos levou a pensarmos na teacutecnica que por

sua vez nos fez pensar na teacutecnica moderna Vimos que esta teacutecnica tem em

sua essecircncia tudo a ver com a questatildeo da verdade com a αιήζεηα pois esta

teacutecnica eacute um modo de des-encobrimento Verdade em Heidegger eacute uma

questatildeo inseparaacutevel da questatildeo do ser Com isso adentramos ao cerne do

pensar heideggeriano A questatildeo do ser e da verdade se pocircs em evidecircncia

Verdade como disputa entre des-encobrimento e encobrimento e ser pensado

como acontecimento-poeacutetico apropriativo Ereignis que adveacutem do misteacuterio do

natildeo-vigente nos transpuseram ao acircmbito da ποίεζης poiacuteesis Seguindo entatildeo

a proacutepria indicaccedilatildeo heideggeriana apresentada no final do seu ensaio sobre a

questatildeo da teacutecnica que nos mostra que em seu primoacuterdio teacutecnica como ηέτλε

e arte satildeo consanguumliacuteneos enquanto poiacuteesis satildeo dois modos de des-

encobrimento de verdade de acontecimento do ser Assim passamos ao

acircmbito da arte Pensamos esta em sua essecircncia como pocircr-em-obra o

acontecimento da verdade do ente Como obra que da disputa constante entre

o que se desvela e o que se oculta se mostrou como clareira como

inauguraccedilatildeo

Foi assim que do acircmbito da arte passamos ao do poeacutetico Este acircmbito

foi pensado em sua maior amplitude ou seja como tudo aquilo que adveacutem do

natildeo-vigente ao vigente Essa adveniecircncia daacute-se na linguagem Linguagem eacute a

morada do ser eacute abertura clareira Entatildeo ser verdade e linguagem de forma

entrelaccedilada se puseram como a vereda da qual adentrariacuteamos Temas centrais

heideggerianos da qual qualquer reflexatildeo que envolva o seu pensar natildeo pode

escapar Eacute diante essa vereda que nos questionamos eacute a linguagem poeacutetica

essa outra possibilidade que guarda a medranccedila do que salva Se ela eacute essa

possibilidade como se daraacute o enfrentamento agrave crise Devemos entatildeo substituir

a linguagem loacutegica fonte dessa crise atual pela linguagem poeacutetica como

resposta a crise atual Se natildeo qual o outro caminho ainda a se seguir Ou natildeo

haacute possibilidade alguma que venha a salvar o homem da ameaccedila que lhe

pesa

67

Para o homem essa linguagem eacute o bem mais perigoso que lhe foi

doado Bem pois eacute ela que lhe doa a sua essecircncia O homem eacute um ente que

fala eacute um δῳολ ιόγολ contudo este que lhe doa a essecircncia eacute tambeacutem o que

o levar a correr o risco de perder-se como eacute o caso da crise identificada por

Heidegger O homem enquanto Da-sein enquanto presenccedila que estaacute aiacute no

mundo em relaccedilatildeo com como um lanccedilado para fora um Ek-sistente corre

este risco Como guardiatildeo da linguagem morada do ser eacute este o ente que se

encontra jogado mais agrave vizinhanccedila deste ser Sendo livre contudo para

corresponder ou natildeo ao destinado por este ser podendo portanto correr o

risco o que o leva a sua atual decadecircncia de natildeo corresponder a este

destinado Sua linguagem que em seu pleno vigor eacute um originaacuterio que nomeia

enquanto disputa enquanto diferenccedila pode decair como se daacute no homem

atual no mero expressar-se comum na linguagem formal do comercio de

opiniotildees

Re-pensar a linguagem eacute re-pensar o homem Arriscar-se na linguagem

eacute arriscar-se enquanto homem em oposiccedilatildeo agrave falsa seguranccedila da linguagem

pronta da loacutegica da gramaacutetica da academia Eacute arriscar-se a perder o solo o

fundamento do que lhe assegura Eacute preciso ir aleacutem da superfiacutecie do solo Eacute

preciso arriscar-se a cair no poccedilo em direccedilatildeo ao misteacuterio originaacuterio do ser Eacute

como esse que ousa cair que ousa saltar nesse poccedilo nesse abismo (Ab-

grund) que podem poetas e pensadores se relacionarem com a linguagem

Os pensadores sempre foram chamados de extravagantes ao ousarem dar

sentidos completamente in-habituais agraves palavras para dizerem o mais vigoroso

de seu pensar Assim foi Platatildeo e o εηδος Anaximandro e o seu ἄπεηρολ o

ιόγος de Heraacuteclito a Ge-stell heideggeriana Assim tambeacutem se daacute com a

ousadia inocente do poeta que canta Arriscando-se mais no caminho da

erracircncia permitem quando suportam a adveniecircncia do inaugural

acontecimento do ser

Neste mundo decadente do entendimento predicativo teacutecnico

comercial o ser como o que silenciosamente envia ausenta-se Falta o pensar

sobre o ser Assim diz Heidegger no ensaio Para que poetas

Com esta falta fica fora do mundo o fundo como aquilo que

fundamenta Originariamente abismo [Abgrund] significa o solo e o

68

fundo em direccedilatildeo ao qual tende encosta abaixo algo que estaacute pendurado Contudo o Ab seraacute pensado doravante como a

ausecircncia completa de fundo O fundo eacute o solo de um enraizar e de um erguer-se A era do mundo que carece de fundamento encontra-se suspensa no abismo Supondo que se encontra ainda reservada

uma viragem para este tempo indigente ela apenas poderaacute surgir se o mundo virar radicalmente ou seja dito de uma forma mais precisa

se ele virar a partir do abismo Na era da noite do mundo tem que se experimentar e suportar o abismo do mundo Mas para tal seraacute

necessaacuterio que haja quem consiga chegar ateacute ao abismo 101

Essa era atual do domiacutenio do entendimento teacutecnico loacutegico eacute a noite do

mundo Em seu periacuteodo matutino poetas e pensadores se jogaram no abismo

Como quem cai para o alto em direccedilatildeo ao divino e aiacute com um esforccedilo

tremendo disseram o originaacuterio Pensadores dizendo o ser e poetas o divino

contudo com o desenvolvimento da ciecircncia da loacutegica decai essa possibilidade

da linguagem O ser pondo-se em fuga eacute encoberto pelo ente Soacute resta

ausecircncia Ausecircncia de ser do divino do pensar ausecircncia do homem da

linguagem

Olhar verdadeiramente para este mundo eacute encarar o abismo Eacute natildeo fugir

na ilusatildeo da seguranccedila de um falso solo firme Eacute necessaacuterio encarar esse

abismo e suportaacute-lo ldquoSer poeta em tempo indigente significa cantar tendo em

atenccedilatildeo o vestiacutegio dos deuses foragidos Eacute por isso que no tempo da noite do

mundo o poeta diz o sagradordquo 102

Dizer o sagrado e pensar o ser eacute aiacute onde

cresce o perigo em sua unidade aquilo que guarda a medranccedila do que salva

Co-responder a este destino eacute a tarefa do poeta Co-responder ao destino natildeo

eacute um mero deixar-se levar pensado como uma apatia como ausecircncia mas eacute o

mais longe que cada um pode chegar ldquoCada um chega o mais longe possiacutevel

quando natildeo ultrapassa os limites do caminho que lhe foi destinadordquo 103

Em tempos de indigecircncia falta a coragem do permitir Na superficialidade

do correto da adequatio o homem atual se esconde Haacute aiacute um esconder-se

bem diferente do guardar-se que se daacute com o misteacuterio do ser da Terra como

aquela que abriga pois esconder-se eacute fugir jaacute o guardar-se eacute da proteccedilatildeo eacute

101

Para que poetas pp309-310 102

Idem p312 103

Idem p313

69

corresponder agrave luta necessaacuteria Eacute enfrentamento da outra possibilidade da

erracircncia

Quem eacute que hoje em dia se atreve a considerar-se familiarizado com a essecircncia da poesia bem como com a essecircncia do pensamento e

acha-se ainda suficientemente forte para conduzir ambas as essecircncias agrave mais extrema das discoacuterdias assim estabelecendo a sua concoacuterdia

104

O ser larga o ente ao risco como uma matildee que o solta para seu

desenvolvimento essencial portanto eacute como arriscado que este deve

corresponder agrave sua essecircncia Como enfrentamento como risco erracircncia como

disputa originaacuteria Correndo o risco de com isso termos de suportarmos

desiacutegnios mais pesados do que pensamos ser capazes de suportar Como diz

Houmllderlin por uma carta ao seu amigo

Oh amigo O mundo estaacute ante a mim mais claro que da outra vez e mais seacuterio Eu gosto como vai eu gosto como quando no veratildeo eu

vejo o pai sagrado com matildeo tranquila sacode a nuvem avermelhada com relacircmpagos de becircnccedilatildeo Pois entre tudo o que posso ver de

Deus eacute este sinal que se fez predileto Antes saltava de juacutebilo por uma nova verdade uma visatildeo melhor do que este sobre noacutes e ao nosso redor agora temo que me suceda no final o que ao velho

Tacircntalo que recebeu dos deuses mais do que poderia digerir 105

O poeta como mensageiro que se expotildee aos raios do divino que se ex-

potildee ao destinado do ser Traduzindo esse destinado em linguagem nomeando

de forma inaugural aos homens Sai da seguranccedila do habitual do meramente

dis-poniacutevel ao risco de ser esse mensageiro Assim Heidegger apresenta o

poeta como aquele que inverte ldquoa imanecircncia da consciecircncia calculadora para o

espaccedilo interior do coraccedilatildeordquo 106

Cantando o poeta transmigra do comerciante

ao anjo αγγειος mensageiro do divino do ser aos mortais

A ilusatildeo de seguranccedila dada pela loacutegica e seu inabalaacutevel sistema se

apresentou como a maior ameaccedila Entretanto a quem se arisca mais natildeo daacute-

se um esquecimento um abandono da fonte principial Haacute nesse arriscar-se

o contraacuterio Uma inversatildeo que do desamparo surge o abrigo No que se arrisca

104

Idem p317 105

Houmllderlin e a essecircncia da poesia p 9 106

Para que poetas p352

70

ao abandono surge agrave libertaccedilatildeo do habitual como um caminho puro

extraordinaacuterio a fonte inaudita do ser

O homem que se impotildee vive das apostas do seu querer Vive essencialmente arriscando o seu ser no acircmbito da vibraccedilatildeo do

dinheiro e do valer dos valores Sendo constantemente esse cambista e mediador o homem eacute o ldquocomercianterdquo Pesa e pondera sem parar embora natildeo conheccedila o verdadeiro peso das coisas () Mas ao

mesmo tempo o homem eacute capaz de criar ldquoum estar segurordquo fora da proteccedilatildeo virando o desamparo como tal para o aberto fazendo-se

integrar-se no espaccedilo cordial do invisiacutevel Se isso acontece entatildeo o insaciado do desamparo passa para laacute onde na uniatildeo equilibrada do espaccedilo interior do mundo surge o ser [Wesen] que traz agrave aparecircncia o

modo com o qual essa uniatildeo une representificando dessa forma o ser [Sein] Entatildeo a balanccedila do perigo passa do acircmbito do querer

calculante para o anjo 107

Assim denominamos aqui pensando com Heidegger esse arriscar-se

mais como a tarefa destinada aos poetas e pensadores Arriscar-se esse que

se daacute na forma de um salto (Ur-sprung) na vereda (Holzwege) Este salto na

vereda eacute o caminho por noacutes encontrado ateacute agora como o confronto a essa

crise que ameaccedila a essecircncia do homem poreacutem esse salto natildeo eacute ainda o

momento final deste nosso percurso pois nesse salto o poeta colhe do

misteacuterio do ser o novo inaugurante e em seguida retorna aos entes habituais

e cotidianos Retorna do salto ao mundo e aiacute cercado do habitual necessita

relacionar-se com o circundante

Portanto natildeo podemos pensar que a inversatildeo do pensar loacutegico no

pensar poeacutetico seria o derradeiro passo de nossa caminhada de enfrentamento

a crise Em uma inversatildeo do pensamento loacutegico que calcula ao pensamento

poeacutetico que medita natildeo haacute diaacutelogo carinhoso A inversatildeo da identidade para a

diferenccedila eacute manter-se no acircmbito da identidade Eacute a outra face da decadecircncia

da queda Tornar a diferenccedila a uacutenica possibilidade eacute abandonar de outra

forma a possibilidade de algo outro Eacute retorno a rigidez da imposiccedilatildeo Eacute outra

forma de ilusatildeo onde a diferenccedila eacute agora o fundamento Eacute como se

achaacutessemos que chegamos ao misteacuterio do oculto clareando-o Como jaacute vimos

teriacuteamos assim apenas outro modo do aberto mas de forma nenhuma o oculto

do misteacuterio

107

Idem p360

71

A destruiccedilatildeo da metafiacutesica natildeo eacute um abandono deste saber sobre os

entes Pois se eacute o homem um ente entre os outros entes a destruiccedilatildeo desta

forma de entendimento seria a destruiccedilatildeo do seu mundo Assim essa

destruiccedilatildeo deve tornar-se uma desconstruccedilatildeo uma superaccedilatildeo No sentido de

um abrir-se para outra possibilidade de saber de linguagem

A superaccedilatildeo eacute um reconhecimento do acircmbito deste entendimento

metafiacutesico Eacute um reconhecimento do acircmbito no qual deve manter-se essa

linguagem loacutegica natildeo um abandono Reconhece-se aqui que seu acircmbito eacute o

do habitual do aberto do disponiacutevel presente O poeacutetico deve ser pensado

como a outra possibilidade Natildeo como abandono mas como diaacutelogo Assim

necessitamos ainda de outro passo O poeacutetico como inauguraccedilatildeo que abre

como disputa uma possibilidade de desprendimento do habitual apresentou-

se como o meio de enfrentamento agrave crise Ela guarda a medranccedila do que

salva mas natildeo isolado como uacutenica possibilidade Natildeo eacute suficiente essa

inversatildeo Como meio o poeacutetico prepara para o passo seguinte

Adentraremos a seguir nesse derradeiro passo desta nossa

caminhada Confrontaremos por fim o ensaio Serenidade com os dois

primeiros ensaios que nos norteou ateacute aqui Entatildeo com esses trecircs diaacutelogos A

questatildeo da teacutecnica A origem da obra de arte e Serenidade dialogaremos com

o que aqui se pensou acerca da crise atual e de como enfrentarmos essa crise

Neste ultimo ensaio bastante tardio em seu pensar Heidegger nos indica uma

trilha por onde possamos nos enveredar Nele Heidegger nos fala sobre a

disposiccedilatildeo do homem a serenidade como uma disposiccedilatildeo capaz de

possibilitar um diaacutelogo entre a teacutecnica e a arte Um diaacutelogo que res-guarda a

essecircncia do misteacuterio ao inveacutes de lhe agredir Dialoguemos entatildeo com esse

ensaio cuidadoso e carinhosamente

72

4 O CAMINHAR SERENO UM AGUARDAR NA PROXIMIDADE DO

MISTEacuteRIO

Neste capiacutetulo pensaremos o ensaio Serenidade de Heidegger e

confrontaremos o aiacute pensado com o aqui questionado Partindo inicialmente da

questatildeo de ser o homem um ente entre os outros entes que portanto tem

como necessidade essencial este estar aiacute no Mundo em relaccedilatildeo contudo um

ente que tambeacutem estaacute aberto ao misteacuterio da Terra sendo ele fruto desta

disputa entre Terra e Mundo tem a necessidade para co-responder ao seu

destino de se arriscar nessa disputa geradora do que se apresenta e o que se

oculta Com isso pensaremos como da proposta de uma destruiccedilatildeo daacute-se o

pensar de uma desconstruccedilatildeo uma superaccedilatildeo da metafiacutesica do pensar loacutegico

da linguagem predicativa Passaremos desta reflexatildeo ao posicionamento que

por ele eacute desenvolvido no ensaio o da necessidade de uma co-pertenccedila entre

o pensamento que calcula com o pensamento que medita Entre a linguagem

loacutegica e a poeacutetica Pensando em seguida a questatildeo do misteacuterio do ser da

fonte principial Pensaremos por fim diante todo o percorrido na outra

possibilidade esta capaz de um confronto com a crise indicada no iniacutecio da

caminhada

41 Da Destruiccedilatildeo agrave Superaccedilatildeo da Metafiacutesica Acerca da Identidade e

Diferenccedila

No caminho ateacute aqui trilhado nos deparamos primeiramente com a

problemaacutetica acerca da teacutecnica como um modo de pensar dizer e portar-se

Ir-agrave-proximidade Parece-me agora que a

palavra poderia ser antes o nome para nosso passeio de hoje na vereda

Que nos guiou pela noite dentro cujo brilho eacute cada vez mais deslumbrante e supera em maravilha as estrelas porque

aproxima entre si suas distacircncias no ceacuteu pelo menos para o observador ingecircnuo

natildeo para o investigador exato Para a crianccedila no Homem a noite permanece a

aproximadoracostureira das estrelas Ela junta sem costura bainha nem linha

Heidegger Serenidade

73

diante o mundo como um modo de pocircr o mundo no qual em uacuteltima instacircncia

tudo se apresenta como mera dis-ponibilidade (Be-stand) resultado de uma

exploraccedilatildeo que apenas Com-potildee (Ge-stell) o aiacute jaacute dado Diante deste estaacutegio

da humanidade o Homem encontra-se ameaccedilado ao extremo em sua

essecircncia ameaccedilado a resumir-se ao caacutelculo agrave com-posiccedilatildeo ao comeacutercio ao

trabalho ameaccedilado a tornar-se escravo completo daquilo que surgiu para ele

como instrumento de auxiacutelio na dominaccedilatildeo das coisas que estatildeo sendo

Escravo da teacutecnica desse pensamento calculista o homem guardiatildeo do ser

guardiatildeo da linguagem eacute convocado a partir de um apelo silencioso pelo

destinado da fonte principial a outra possibilidade de estar-no mundo de

colocar o mundo Nesta noite do mundo ao pensar e natildeo apenas calcular

acerca da essecircncia da teacutecnica a arte a poesia e o pensamento que medita se

potildeem como essa outra possibilidade de um confronto a essa crise a essa

ameaccedila a qual ele se encontra

Ao pensar no que seja a arte e o pensamento em seu acircmago em suas

essecircncias a noacutes essas se apresentaram como um pocircr-em-obra como uma

inauguraccedilatildeo a adveniecircncia do natildeo-vigente ao vigente Enquanto na teacutecnica e

com ela a Metafiacutesica a loacutegica a Ciecircncia a filosofia enquanto conceituaccedilatildeo do

ente movimenta-se no acircmbito da com-posiccedilatildeo do que estaacute dado movimenta-se

como uma transformaccedilatildeo um sin-tese na poesia o que se daacute eacute um

nascimento daacute-se um brotar Daiacute surgem alguns questionamentos Eacute essa

outra possibilidade esse pensar poeacutetico jaacute a medranccedila do que salva Pode o

ente homem um ser-no-mundo um ser-com ser isto que eacute habitando nesta

outra possibilidade Seraacute essa mudanccedila essa inversatildeo do pensamento que

calcula representador para o pensamento poeacutetico inaugurador que medita jaacute

o caminho que diante o ateacute aqui trilhado se potildee como o que urge Qual a

trilha que ainda devemos ao caminhar dar abertura nessa vereda que nos

leve dos bdquofrios veacuteus da noite escura‟ ao bdquocalor dos dedos rosa da aurora‟ Em

que disposiccedilatildeo se daraacute essa nova manhatilde que do sereno nos doa gotas de

orvalho seiva de um novo brotar Enveredemos ainda um pouco mais por

estas sendas do pensamento e nos deixemos ser envolvidos pelo que a noacutes for

destinado neste caminhar

Para Heidegger o homem o Dasein eacute aquele ente privilegiado que se

encontra que cria ao co-responder que eacute aceito no entre na abertura na

74

clareira do ser Eacute aquele que estaacute entre o natildeo-vigente e o vigente entre o

fechado e o aberto poreacutem estes abertos e fechados vigentes e natildeo-vigentes

natildeo devem ser aqui pensados com opostas mas como co-generes co-

respondentes O homem eacute aquele ente ao qual eacute destinado pela fonte

principial que eacute o ser ao dar nascimento Nascimento este que se daacute na

poesia ποηεζης e no pensamento pela linguagem autecircntica nomeadora

inaugural mas tambeacutem eacute aquele aiacute no-mundo que se relaciona com os entes

com os vigentes Seria entatildeo negar a essecircncia do homem o negar-lhe a

Metafiacutesica o negar-lhe a loacutegica o caacutelculo o representar o uacutetil o trabalho

Como tambeacutem o eacute anti-natural anti-essencial negar-lhe esta outra

possibilidade que eacute a de dar nascimento esta que natildeo estaacute no campo da

representaccedilatildeo mas na possibilidade de fazer brotar O loacutegico e o poeacutetico lhe

pertencem lhe permitem ser o homem que eacute Se no oculto que res-guarda o

misteacuterio da adveniecircncia ele eacute aceito para ali habitar poeticamente eacute no aberto

do dado este lado do misteacuterio aberto para noacutes onde este se relaciona com os

outros que neste aberto encontram moradas

Diversas vezes Heidegger nos adverte sobre o cuidado primordial de

nos colocarmos diante a questatildeo da destruiccedilatildeo da Metafiacutesica natildeo como um

mero abandono ou uma mera inversatildeo ao pensamento poeacutetico Onde esta

destruiccedilatildeo deveria ser pensada como uma abertura a esta outra possibilidade

como uma abertura ao sentido da diferenccedila entre ser e ente pois se eacute na

linguagem poeacutetica no pensamento que encontramos habitaccedilatildeo para nos

confrontar com as questotildees mais profundas eacute no entendimento loacutegico-

Metafiacutesico que nos relacionamos com o que nos cerca com o que estaacute na

superfiacutecie onde estamos presentes com o cotidiano no qual moramos Eacute nesse

sentido que a Destruiccedilatildeo foi pensada como uma Desconstruccedilatildeo como uma

Superaccedilatildeo como Abertura a essa outra possibilidade Assim tambeacutem eacute

apresentado o Fim da filosofia natildeo como um abandono deste modo de

pensamento mas como uma abertura ao seu alcance ao seu acircmbito pois se a

filosofia e essa aqui eacute entendida como Metafiacutesica eacute aquela que como a

ciecircncia primeira busca o ente e nada mais aquilo que estaacute lanccedilado no A-

bismo no seu fundo lhe eacute estranho estaacute para aleacutem de seu alcance e interesse

Este A-bismo eacute Tarefa do pensamento contudo eacute tarefa do homem tanto a

relaccedilatildeo com os entes como a abertura ao ser Eacute tarefa do homem enquanto

75

aquele que possui logos aquele que estaacute-com o diaacute-logo Por em diaacutelogo

loacutegica e arte eacute sua tarefa

A mera inversatildeo da loacutegica para o poeacutetico do entendimento

representativo para o pensamento como obra da identidade para a diferenccedila

seria ainda um manter-se no apenas aberto da unilateralidade e natildeo jaacute uma

abertura ao dialogo daquilo que nos ldquoaparece como inconciliaacutevelrdquo 108

Sair da

teacutecnica da identidade e ir de forma unilateral para a diferenccedila para o poeacutetico

ainda natildeo eacute o caminho no qual enveredamos Eacute permanecer ainda no mesmo

no fechar-se ao outro A inversatildeo da identidade para a diferenccedila eacute apenas a

extrema possibilidade da identidade eacute sua uacuteltima consequecircncia seu

acabamento eacute natildeo ter ainda atingido ou ter sido atingido pela diferenccedila

enquanto diferenccedila mesma enquanto o entre a clareira a abertura Eacute para

dar um exemplo o que Heidegger entende do movimento realizado por

Nietzsche aquele platonismo ao avesso que sendo o avesso eacute apenas o outro

lado do platonismo eacute ainda o mesmo Eacute levar o que estava na ideia para a

vida eacute uma inversatildeo do solo do fundamento eacute ainda chatildeo firme Entretanto o

que se mostra ao pensar heideggeriano como o originaacuterio como superaccedilatildeo eacute

aquele pensamento sem-fundo eacute o abismo eacute a perca de chatildeo portanto eacute

nesse sentido que pensamos aqui a diferenccedila como aquele entre que natildeo estaacute

nem no nascimento nem no dado de forma unilateral mas um entre pensado

como diaacute-logo

Diaacutelogo aqui pensado como aquele acontecimento aquela disposiccedilatildeo

que caminha (dia δηα atraveacutes indo na direccedilatildeo de um para o outro) que

transita pelo logos (ιογος) Aqui natildeo eacute mais possiacutevel pois natildeo estamos mais

nesse acircmbito uma representaccedilatildeo do que seja essa diferenccedila esse entre como

dialogo O entendimento representativo ao se apropriar desta diferenccedila a

representa como identidade Aqui toda reduccedilatildeo em poucas palavras eacute um

perigo Daacute-se aqui necessariamente como um apelo uma mudanccedila na

linguagem de significativa para uma de sentido Natildeo ficar preso a conceitos ou

definiccedilotildees eacute o caminho necessaacuterio para essa co-respondencia com o entre

com a diferenccedila Eacute preciso harmonizar-se θηιεηλ entrar em acordo com o que

a noacutes se apresenta como aquele amor que Heidegger entende ser o amor

108

HEIDEGGER Serenidade p 23

76

pensado por Heraacuteclito ao nomear o filosofo como θηιοζοθος assim escreve

Heidegger em sua conferecircncia O que eacute isto ndash a filosofia

Um anegraver philoacutesophos eacute aquele hograves philei tograve sophoacuten philein que ama a sophoacuten significa aqui no sentido de Heraacuteclito homologein

falar assim como o Loacutegos fala quer dizer corresponder ao Loacutegos Este corresponder estaacute de acordo com o sophoacuten Acordo eacute harmoniacutea

O elemento especiacutefico de philein do amor pensado por Heraacuteclito eacute a harmonia que se revela na reciacuteproca integraccedilatildeo de dois seres nos laccedilos que unem originariamente numa disponibilidade de um para

com o outro 109

Assim natildeo se pode aqui pensar nesse diaacutelogo como uma dialeacutetica que

se torna o que eacute em uma siacutentese O que se daacute aqui natildeo eacute uma siacuten-tese da

loacutegica com a arte da representaccedilatildeo com a inauguraccedilatildeo O que se daacute aqui eacute

uma luta uma disputa110

um amor um diaacute-logo uma obra (εργολ) Um entre

que natildeo para nem aqui nem ali nem muito menos como uma siacutentese com-

posiccedilatildeo de um com o outro Essa siacutentese que corremos o risco de entender de

forma errada o que aqui se apresenta como diaacutelogo foi o que se apresentou a

noacutes como a essecircncia da teacutecnica moderna como Ge-stell Aqui daacute-se um vai e

vem inquietante que eacute pura quietude Eacute aquele terceiro caminho excluiacutedo a

muito do pensar filosoacutefico que natildeo eacute nem um sim nem um natildeo mas que eacute

uma escuta de ambos simultaneamente os pondo em diaacutelogo eacute abertura

clareira do destinado pelo misteacuterio

Diante deste pensar que pode levar a nos questionarmos se natildeo

estamos pairando no ar num modo de pensamento muito distante de noacutes

algumas questotildees se apresentam natildeo seria esse entre uma indecisatildeo que nos

imobilizaria Natildeo seria esse diaacutelogo um subterfuacutegio de fuga da

responsabilidade do que diante a noacutes se apresenta como urgente Natildeo reinaria

aiacute a mais elevada ausecircncia-de-pensamento Uma passividade diante um

tempo que urge por uma atitude Um mero deixa ser levado pelo acaso Uma

ausecircncia de um querer que determina Essas satildeo algumas das questotildees que

109

HEIDEGGER O que eacute isto ndash a filosofia p 32 110

Hesiacuteodo no iniacutecio de seu escrito Os trabalhos e os dias fala de duas Ερης de duas disputas Uma eacute aquela geradora da guerra entre os homens que por ganacircncia de poder e

riqueza entram nessa disputa essa eacute por ele considerada a disputa ruim A outra eacute aquela disputa essencial entre o homem e a Terra aquela disputa com a adveniecircncia do dia-a-dia a

luta diaacuteria com a vida Essa eacute por ele chamada de a luta boa geradora de todo o bem que temos Enquanto a primeira destroacutei a segunda concebe Aqui quando falamos de disputa

pensamos nessa segunda disputa desse amor gerador

77

se potildeem diante desse diaacutelogo pensado com um entre Como quem preacute-sente a

proximidade da brisa do sereno adveniente da fonte aproveitemos um pouco

mais este caminhar que se aproxima daquilo do qual a muito estamos sendo

chamado que a muito aguardamos e continuemos um pouco mais neste trilhar

42 Serenidade O dizer sim e natildeo agrave teacutecnica

Vivemos em um mundo cercado pela teacutecnica Para onde nos dirigimos e

nos deparamos sempre com seus aparelhos e instrumentos Internet celular

carros induacutestrias e comeacutercios energia eleacutetrica e atocircmica Heidegger viveu em

um tempo diferente do tempo atual Um tempo no qual o que lhe causou

espanto foi a comunicaccedilatildeo por raacutedio e pela televisatildeo O que diria ele dos dias

atuais Espantar-lhe-ia mais a internet do que o raacutedio Seraacute que no essencial

vivemos em um tempo tatildeo diferente Eacute possiacutevel que natildeo O essencial da

teacutecnica natildeo estaacute em seus produtos Natildeo eacute o carro a televisatildeo o raacutedio ou a

internet o que eacute mais proacuteprio a sua essecircncia O que lhe assustou e que hoje

continuaria a assustar e que tambeacutem o assustaria se tivesse nascido antes eacute

o modo teacutecnico de pensar de dizer de agir Natildeo estou imerso na teacutecnica

somente quando uso o celular mais novo que saiu no mercado estou

profundamente imerso na teacutecnica quando o que me faz escolher a educaccedilatildeo

mais apropriada ao meu filho satildeo caacutelculos que me diratildeo qual o melhor negoacutecio

para o seu futuro Estou nessa situaccedilatildeo a qual inquietou tanto Heidegger

quando as decisotildees mais essenciais a nossa existecircncia satildeo decididas por

meros caacutelculos O que mais o assustou foi a possibilidade cada vez mais

crescente de esse olhar com-positor loacutegico calculista representador em

resumo esse olhar teacutecnico ser o uacutenico olhar que domine todas as nossas

decisotildees Essa sim eacute a grande ameaccedila ao homem

Seria uma ameaccedila talvez ainda maior a busca de um completo

abandono das coisas e pensar teacutecnico O homem necessita destes

Houvesse no pensar jaacute antagonistas e natildeo

simples adversaacuterios entatildeo a coisa do

pensar seria mais favoraacutevel

Heidegger Da experiecircncia do pensar

78

instrumentos e linguagem Necessita necessitou e necessitaraacute destes

instrumentos e linguagem teacutecnica como um ente no-mundo um ente-com

outros no qual se relaciona O homem tem sim que dizer bdquosim‟ a estes

instrumentos mas pode deve necessita simultaneamente dizer bdquonatildeo‟ a eles

Essa abertura ao entre agrave diferenccedila enquanto diferenccedila ao diaacute-logo a esse

acordo a essa harmonia originaacuteria exige do homem essa postura de dizer sim

e natildeo simultaneamente aos objetos teacutecnicos nos exige uma tomada de

decisatildeo que natildeo seja unilateral que natildeo seja absorvida nem pelos objetos

nem por seu abandono Exige de noacutes que nos ocupemos disto que ao olhar

representador parece inconciliaacutevel Assim diz Heidegger sobre esse dizer sim e

natildeo simultacircneo as coisas teacutecnicas

O pensamento que medita exige de noacutes que natildeo fiquemos unilateralmente presos a uma representaccedilatildeo que natildeo continuemos a

correr em sentido uacutenico na direccedilatildeo de uma representaccedilatildeo O pensamento que medita exige que nos ocupemos daquilo que a

primeira vista parece inconciliaacutevel () Podemos dizer sim agrave utilizaccedilatildeo inevitaacutevel dos objetos teacutecnicos e podemos ao mesmo

tempo dizer natildeo impedindo que nos absorvam e desse modo verguem confundam e por fim esgotem a nossa natureza (Wesen) 111

Esse pensamento que medita (sinnende) eacute justamente esse que se

contra-potildee potildee-se de frente e assim dialoga com esse pensamento que

calcula Eacute aquele pensamento que natildeo se detecircm no correto adequado no

fundamento mas que se encaminha no sentido da verdade como α-ιήζεηα

como decircs-velamento como clareira como sem-fund(ament)o Eacute portanto o

pensamento inaugural que atento ao destinado da fonte silenciosa do ser daacute

nascimento Eacute deste modo por dar nascimento que eacute esse pensamento que

medita irmatildeo da poesia no pocircr ambos encontram a sua essecircncia Assim

escreve Heidegger em sua obra poeacutetica intitulada de Da experiecircncia do pensar

(1960) onde pensar e poetar satildeo pensados como poiacuteesis como o dar-se da

verdade a partir do ser Leiamos suas palavras

Cantar e pensar satildeo os troncos

vizinhos do poetar

Eles crescem do Ser e alcanccedilam sua

111

HEIDEGGER Serenidade pp 23-24

79

verdade

Sua relaccedilatildeo daacute a pensar que Houmllderlin Canta das aacutervores da floresta

ldquoE desconhecidos uns aos outros eles

Ficam o tempo que eles permanecem em peacute

os troncos vizinhosrdquo 112

Eacute esse pensamento poeacutetico meditativo que nos exige que digamos sim

e natildeo simultaneamente agrave teacutecnica O que nos permite viver em meio a ela com

ela sem dela ser escravo e isso natildeo de um modo vacilante oscilante mas de

forma tranquila ou como nomeia Heidegger de modo sereno Com a mais

elevada serenidade (Gelassenheit) Esse dizer sim e natildeo agrave teacutecnica enquanto

diaacute-logo que se demora no entre eacute o que Heidegger nomeia por Serenidade

Em uma conferecircncia intitulada por Serenidade apresentada como um

discurso comemorativo do compositor de oacutepera Conradin Krutzer em 1955

Heidegger nos doa um belo discurso acerca do que seja essa Serenidade que

aqui eacute desde os primeiros passos aguardada Tema que por ele jaacute tinha sido

abordado em uma conversa nos anos de 194445 Nesta conversa tem-se uma

caracteriacutestica de uma linguagem bem mais solta e tambeacutem bem mais profunda

Um excelente exemplo de uma linguagem que busca libertar-se da

representaccedilatildeo da conceituaccedilatildeo Nessa conversa dar-se um deixa ser

conduzido pelo pensamento de amigos que caminhando satildeo aceitos nas

proximidades do misteacuterio do ser e que contudo natildeo perde em profundidade

mas que por esse deixar ao contrario eacute admitido por esta Jaacute o discurso

comemorativo tem uma sistemaacutetica e uma linguagem bem mais proacutexima jaacute que

eacute dirigida a um puacuteblico mais abrangente do que se costuma usar

habitualmente Neste discurso pondo-se a pensar sobre o que seja um ato

comemorativo Heidegger nos leva pelo discurso a pensar que comemorar eacute

pensar acerca de algo eacute pensar sobre o motivo do qual a comemoraccedilatildeo

presta-se a homenagear Diz-nos que ali se escutam as obras do compositor

sua biografia que ali satildeo proferidas anaacutelises criacuteticas de suas criaccedilotildees mas

seraacute que jaacute aiacute se realiza um pensar acerca de algo Relatar enumerar

112

HEIDEGER Da experiecircncia do pensar p 49

80

descrever narrar ainda natildeo eacute um pensar um meditar sobre algo sobre a

abertura que em uma obra de arte daacute-se

Heidegger passa daiacute a pensar sobre o que seja o pensamento Este se

apresenta na sociedade atual em-fuga ldquoTodos noacutes mesmo aqueles que

pensam por dever profissional somos muitas vezes pobres-em-pensamento

ficamos sem-pensamento com demasiada facilidaderdquo 113

E o que potildee em-fuga

o pensamento meditativo eacute esse dominante pensamento que calcula Esse

caacutelculo nos absorve como escravos das coisas que chegamos ao ponto de

darmos mais atenccedilatildeo aos produtos que agraves obras (εργολ) Pensamos muito

mais vezes nos presentes do que nas homenagens e homenageados

Pensamos e aqui jaacute nem podemos mais dizer pensar noacutes queremos

calculamos muito mais os resultados do que o processo o ponto de chegada

do que o caminhar agrave-proximidade-de e assim nos escravizamos pelos objetos

do desejo mais do que nos permitimos livres ao a-caso Eacute em relaccedilatildeo ao que

acabamos de dizer que a serenidade para com as coisas se apresenta como

aquela medranccedila do que salva Permite-nos sermos poeacuteticos em meio a um

mundo dominado pelo teacutecnico Daacute-nos a perspectiva de um novo enraizamento

jaacute que como diz Heidegger a partir de uma citaccedilatildeo do poeta Johann Peter

Hebel ldquoNoacutes somos plantas que ndash quer nos agrade confessar quer natildeo-

apoiadas nas raiacutezes tecircm de romper o solo a fim de poder florescer no Eacuteter e

dar frutosrdquo 114

Heidegger distingue essa disposiccedilatildeo nomeada por ele de Serenidade de

outros modos de conceber a palavra jaacute usada na tradiccedilatildeo por outros filoacutesofos

como eacute o caso da leitura de Meister Eckhart onde a serenidade eacute entendida

como ldquoa rejeiccedilatildeo do egoiacutesmo pecaminoso nem o abandono da vontade proacutepria

em prol da vontade divinardquo 115

Serenidade eacute essa aproximaccedilatildeo iacutentima da Matildee Terra eacute a escuta

cuidadosa do silecircncio do misteacuterio eacute o demorar-se insistente diante a abertura

que enquanto mostra-se simultaneamente se oculta Que se abre apenas para

nos envolver ainda mais no acircmago do misteacuterio Falamos de Serenidade e

constantemente nomes como misteacuterio aguardar cuidado insistecircncia se

113

HEIDEGGER Serenidade p11 114

Idem p27 115

Idem p 35

81

colocam em nosso caminho Falamos de serenidade diante essa ameaccedila na

qual o pensamento que calcula nos absorve O que nos leva a perguntar

Como conseguir essa serenidade O que eacute esse misteacuterio e esse aguardar que

sempre acompanham o pensar acerca da serenidade Estaacute nas matildeos dos

homens atingirem em meio a essa tumultuosa noite que nos cai essa

serenidade ou eacute apenas concernente ao destino do ser esta outra

possibilidade O que devemos fazer para criarmos permitindo o matutino

sereno de uma nova manhatilde Mantenhamo-nos um pouco mais nessa

vizinhanccedila da fonte que haacute muito nos convoca a ali em sua proximidade

demorarmo-nos Essa fonte que haacute muito chama em seu canto o filho ao

retorno aconchegante de seu habitar

43 Abertura ao misteacuterio O demorar-se no entre

O homem do presente eacute o homem da presenccedila Em um sentido filosoacutefico

Heidegger entende essa presenccedila como a marca fundamental do pensamento

metafiacutesico ocidental O ser do ente como a presenccedila eacute re-presentado pela

linguagem loacutegica como o ente Este ser enquanto presenccedila jaacute vem sendo

assim pensado para Heidegger desde os gregos principalmente para o que

ele chama de periacuteodo de decadecircncia do pensar claacutessico com Platatildeo e

Aristoacuteteles Estando este modo de pensar apenas no seu acabamento e este

modo de pensar vigente em quase todos os acircmbitos de decisotildees de accedilotildees e

de reflexotildees esta presenccedila pensada metafisicamente aparece agora tambeacutem

no habitual no dia-a-dia no cotidiano O que eacute de acordo com o bom senso eacute

o que estaacute agrave matildeo que posso tocar que posso decidir e natildeo a indecisatildeo Eacute o

que serve para algo O que vale eacute o agora o que se mostra aqui no presente A

histoacuteria eacute esquecida o esperar natildeo tem vez Vivemos no presente E

estranhamente esse viver no presente se revela uma ausecircncia aterrorizadora

A tecnologia que aproxima os homens os lugares os tempos as distacircncias em

uma intensidade gigantesca tambeacutem os afasta ldquohoje se toma conhecimento de

Eacute capinzal noturno

Escuro denso protetor Vocecirc eacute mata virgem

Pela qual ningueacutem passou

Raul Seixas Mata Virgem

82

tudo pelo caminho mais raacutepido e mais econocircmico e no mesmo instante e com

a mesma rapidez tudo se esquecerdquo 116

O raacutedio ou a internet aproximam tanto

a comunicaccedilatildeo os homens que natildeo eacute mais nem preciso estar ali Minha

presenccedila em todos os lugares por meio dos aparelhos tecnoloacutegicos de

comunicaccedilatildeo reflete minha ausecircncia Presente estaacute a tecnologia mas o

homem mesmo enquanto homem em sua autenticidade encontra-se ausente

Em uma multidatildeo de pessoas que dia-a-dia transitam pelas ruas das grandes

cidades sem nem um simples bdquooi‟ ser dado nos potildee a pensar no grego

Dioacutegenes o ciacutenico que com sua lamparina se pocircs a andar pelas ruas de sua

polis em pleno claro do dia a procurar por um homem sequer Onde

encontramos o homem nesse esquecimento do solo de onde brotam os

nutrientes de seu ser

A busca da certeza move demasiadamente mais do que a verdade Na

velocidade rapidez na pressa atual natildeo haacute tempo haacute perder com indecisotildees

natildeo a tempo para o proacuteprio homem Precisa-se de uma resposta certa mesmo

que para tal tenha-se que se descuidar da busca mais demorada pela verdade

do que no emaranhado do que eacute se oculta Certeza como corretude

adequaccedilatildeo como fundamento firme onde se pode erguer preacutedios para

gigantescos negoacutecios Verdade como decircs-velamento α-ιήζεηα como o cuidado

com o que adveacutem do velado do misteacuterio Esse misteacuterio destruidor da certeza

imediata riacutegida assusta causa espanto ao apressado homem da atualidade

Aquele espanto ηασκαηα que desde os tempos primordiais moveu os primeiros

pensadores cede lugar agrave certeza agrave decisatildeo necessaacuteria ao pesquisar que pela

imposiccedilatildeo da pressa de uma grande quantidade de produccedilatildeo natildeo pode se

demorar neste espanto

Diante desse caminhar ao qual nos enveredamos somos convocados a

serenidade A um estar aberto agrave abertura da adveniecircncia Um estar aberto agrave

abertura do misteacuterio Esse misteacuterio que espanta que afasta a certeza levando

ao risco daquele cair no poccedilo do qual haacute muito tempo se rir Esse misteacuterio que

nos tira da seguranccedila do fundamento do solo e nos envolve com o risco do

abismo Ao homem da decisatildeo esse misteacuterio eacute o que mais o assusta eacute o que

mais ele quer manter distacircncia Mas seraacute que assim como esse homem da

116

Idem p11

83

presenccedila se revelou como um homem da ausecircncia esse mesmo homem da

seguranccedila natildeo se revelaria a noacutes como o homem do medo que vive no mais

inseguro dos modos de existecircncia Seraacute que esta decisatildeo tatildeo adorada por

esse homem natildeo se revelaria a um pensar mais profundo medo de enfrentar o

risco deste entre adveniente do misteacuterio Seraacute que a decisatildeo que urge natildeo eacute a

de um demorar-se nesse misteacuterio Tenhamos entatildeo coragem e enfrentemos

mais estas questotildees

Diante o misteacuterio do que estaacute para aleacutem do que o que se mostra para

aleacutem do que aparece o homem se espanta O homem grego assim espantou-

se e aiacute se demorou Ser nada a fala o dizer o nomear o permanente

imoacutevel o movimento tudo isso o espantou e ele aiacute se demorou O espanto que

a princiacutepio o potildee em fuga simultaneamente o atraiu A curiosidade estando em

seu acircmago o fez olhar para traacutes durante essa fuga Como Orfeu que ao ir ao

Αδες Hades para resgatar a amada tinha apenas que por fim seguir adiante

sem olhar para traz mas que de seu acircmago uma inquietante curiosidade o faz

virar-se para vez se a bem amada consigo seguia Pondo-se em fuga do

misteacuterio do espanto eacute pela curiosidade atraiacutedo a um olhar de aproximaccedilatildeo

Uma curiosidade que vira amor θηιεηλ Um amor ao saber do que se mostrava

mesmo que em seu ocultamento Heraacuteclito nomeou como vimos um pouco

acima a este amante disto que tudo rege de θσιοζοθος filoacutesofo Amor para

ele eacute o harmonizar-se e saber eacute logos Logos esse que eacute misteacuterio aos homens

tanto antes de terem ouvido como depois como se estivessem dormindo 117

Amante desse misteacuterio o pensador nada podia dizer com certeza pois

amante do misteacuterio em harmonia com ele estava sempre num entre O que

para o pensador mais profundo era o mais espantoso era tambeacutem o seu maior

amor Este mais espantoso torna-se ao homem ordinaacuterio apenas ouvinte de

sua linguagem mas que a ela natildeo co-responde enquanto pensador do

profundo do ιογος o mais assustador gerando nesse homem medo Esse

espanto torna-se uma aporia απορηα um sem-saiacuteda da qual natildeo era possiacutevel

num confronto sincero harmonioso fuga Eacute nesse acircmbito do incerto onde o

117

Acerca deste modo de conceber o logos e a sua relaccedilatildeo com os homens consultar o fragmento 1 na organizaccedilatildeo de Diels de Heraacuteclito Este concebia o logos como o regente de

tudo o que haacute Entretanto os homens natildeo se apercebiam disso mesmo depois de serem acerca deste logos instruiacutedo Pois logos eacute ao homem que natildeo o enfrente ateacute os limites de sua

obscuridade misteacuterio

84

homem ordinaacuterio encontra-se meio acuado e o pensador profundo encontra-se

em pleno amor que surge o sofista como aquele que tinham as respostas

Aquele que se apresentava como sabedor dos misteacuterios e do modo de ldquoa esse

dominarrdquo Livrava-se rapidamente desta aporia dessa indecisatildeo por uma

tomada de posiccedilatildeo unilateral de um dos caminhos Com seu amplo domiacutenio de

retoacuterica e da linguagem como instrumento de dominaccedilatildeo dissimulaccedilatildeo essa

tomada de posiccedilatildeo unilateral passava como a mais elevada sabedoria Estes

sofistas despertavam as aporias nos seus ouvintes apenas com o intuito de se

apresentar como um conhecedor dos mais enigmaacuteticos problemas118

que ao

homem poderiam se apresentar para em seguida rapidamente os resolver

Assim diz Heidegger em sua conferecircncia O que eacute isto ndash a filosofia acerca

desses sofistas e de sua entrada neste momento oportuno em que o saber se

demorava ante esse entre do misteacuterio

O ente no ser isto se tornou para os gregos o mais espantador Entretanto mesmo os gregos tiveram que salvar e proteger o poder

do espanto deste mais espantoso ndash contra o ataque do entendimento sofista que dispunha logo de uma explicaccedilatildeo compreensiacutevel para qualquer um para tudo e a difundia A salvaccedilatildeo do mais espantoso ndash

ente no ser ndash se deu pelo fato de que alguns se fizeram a caminho na sua direccedilatildeo quer dizer do sophoacuten Estes tornaram-se por isso

aqueles que tendiam para o sophoacuten e que atraveacutes de sua proacutepria aspiraccedilatildeo despertavam nos outros homens o anseio pelo sophoacuten e o

mantinham aceso O philein to sophoacuten aquele acordo com o sophoacuten de que falamos acima a harmonia transformou-se em oacuterecsis num aspirar pelo sophoacuten O sophoacuten ndash o ente no ser ndash eacute agora

propriamente procurado Pelo fato de o philein natildeo ser mais um acordo originaacuterio com o sophoacuten mas um singular aspirar pelo

sophoacuten o philein to sophoacuten torna-se ldquophilosophiacuteardquo Essa aspiraccedilatildeo eacute determinada pelo Eacuteros

119

A de-cisatildeo120

de demorar-se na abertura na cisatildeo entre o que se oculta

cada vez mais que se mostrava teve para se proteger deste ataque dos

118

Sobre essa postura sofistica ante as aporias e tambeacutem acerca de seu domiacutenio da linguagem conferir a Metafiacutesica de Aristoacuteteles onde ente ao tratar dos problemas dos

contraacuterios enfrenta tanto os dialeacuteticos como os sofista dizendo que aos primeiros era preciso uma argumentaccedilatildeo da problemaacutetica ela mesma para que se revelasse onde estavam se

equivocando jaacute aos segundos era necessaacuterio um constrangimento loacutegico pois esses natildeo buscavam a verdade mas falavam apenas pelo prazer de falar seu falar era meramente dominado pela intenccedilatildeo de um benefiacutecio proacuteprio 119

HEIDEGGER O que eacute isto ndash a filosofia p32 120

Pensamos que no expressatildeo de-cisatildeo guardamos a marca da abertura da cisatildeo do

misteacuterio ao aberto do decircs-velamento De-cidir eacute manter-se nesse entre do dia-logo eacute demorar-se na clareira Jaacute na expressatildeo posiccedilatildeo escutamos o eco daquela palavra que aqui se revelou

como a essecircncia do entendimento teacutecnico Posiccedilatildeo a noacutes remete diretamente aquele sin-tese

85

sofistas que se transformar num posicionamento Numa tomada de

posicionamento unilateral Diante isso eacute que neste percurso por noacutes aqui

trilhado somos levados a pensar que deixar-se ser guiado pelo acordo

harmonioso com o misteacuterio eacute uma de-cisatildeo bem mais vigorosa do que a

decisatildeo no sentido de um posicionar-se Diante as απορηας aporias primordiais

que na intenccedilatildeo de se beneficiar dos sofistas tanto Platatildeo como Aristoacuteteles

necessitaram salvar o espanto por amor ao saber tiveram que decidir por uma

αρθε um princiacutepio ideia ousia e de acordo com essa decisatildeo que a eles se

impocircs como o destinado pelo ser estabeleceram uma linguagem um logos

proposicional em confronto com o risco que se corria com a linguagem poeacutetica

desde primeiros e mais profundos pensadores

Poreacutem o que em Platatildeo e Aristoacuteteles ainda se mantinha como uma de-

cisatildeo adveniente do destinado pelo ser eacute esquecida ofuscada re-configurada

pelo modo outro de pensar latino que o segue Eacute nessa passagem do pensar

grego para o latino que Heidegger indica o ponto crucial do afastamento do

misteacuterio como o mais essencial agrave essecircncia da verdade enquanto decircs-

velamento do esquecimento da cisatildeo que mantendo o pensador no espanto do

entre o protegia o res-guardava da decadecircncia da unilateralidade Por uma

vontade de progresso de decircs-envolvimento essa decisatildeo agora jaacute entendida

como tomada de posiccedilatildeo passa a controlar a razatildeo o pensar torna-se

entendimento o ιογος torna-se loacutegica A αιήζεηα torna-se veritas adequatio

corretude verdade Seguindo sempre adiante sem tempo para parar e olhar

para a proveniecircncia de onde haacute muito eacute enviado o que nos eacute destinado segue

esse decircs-envolvimento A linguagem o pensar que se davam como obra

como poiacuteesis torna-se uma linguagem predicativa proposicional torna-se re-

presentaccedilatildeo passando a dominar praticamente todos os acircmbitos do humano

A de-cisatildeo enquanto com-fronto disputa originaacuteria enquanto a απορηα que

levou o homem a imobilidade retorna na era da teacutecnica pela presenccedila uacutenica da

exigecircncia de um posicionamento A falta de aporia pela certeza imposta pela

pressa dos negoacutecios do desenvolvimento da teacutecnica eacute que agora imobiliza a

capacidade do homem a um confronto verdadeiro radical com o poder de

dominaccedilatildeo que se impotildee sobre ele

onde o sin eacute o por junto e o tese eacute em uma posiccedilatildeo Sin-tese em grego Ge-stell em alematildeo eacute

marca caracteriacutestica da unilateralidade da representaccedilatildeo

86

Diante essa nova imobilidade Heidegger por meio do pensar do poetar

busca redespertar esta aporia perdida aquele acordo originaacuterio aquela

harmonia essencial com o ser Urge uma nova tomada de de-cisatildeo ante a

pressa que impede qualquer parar meditativo-poeacutetico qualquer esperar

escutar Torna-se necessaacuterio o risco de se lanccedilar o olhar agraves profundezas das

alturas e aiacute cair no poccedilo outra vez Potildee-se o arriscar-se a ir-agrave-proximidade do

misteacuterio e se permitir ser entorpecido ldquona boca e na almardquo121

por esse demorar-

se no entre nesta abertura na clareira do ser Mas como pode o homem da

era da teacutecnica do entendimento representativo atingir a profundidade do

misteacuterio Como atingir essa serenidade que guarda a medranccedila do que salva

Trilhemos mais essas questotildees que se potildeem antes de nos demorarmos onde a

muito somos convocados

44 Da procura ao Aguardar o silencioso caminhar na vereda

Pensamos na serenidade como a disposiccedilatildeo que guarda em seu seio a

medranccedila do que salva Estaacute que enquanto um dizer sim e natildeo a teacutecnica nos

liberta da servidatildeo aos objetos e pensamento teacutecnico bem em seu seio Que

como este demorar-se no entre do aberto do misteacuterio da cisatildeo proveniente do

ser ao homem o devolve o conduz a um retorno ao habitar que lhe fora

confiado doado Pensamos essa serenidade em meio a um intenso domiacutenio da

teacutecnica sobre praticamente todos os acircmbitos do humano mas como se tornaraacute

possiacutevel quebrar essas algemas do entendimento representativo loacutegico e

aceder a esta serenidade Qual o procedimento o meacutetodo a forma de

aquisiccedilatildeo desta serenidade Como re-significar a linguagem proposicional

predicativa abrindo a ela a possibilidade do diaacutelogo com a linguagem poeacutetica

Essas perguntas de forma alguma nos conduziratildeo a esta serenidade a essa

121

Faz-se aqui uma alusatildeo ao estado que Mecircnon ao dialogar com Soacutecrates eacute levado pelo seu discurso Um entorpecimento que Platatildeo potildee como o movimento necessaacuterio a rememoraccedilatildeo

fonte de saber Conferir Mecircnon 80 b

E de que modo procuraraacutes Soacutecrates aquilo que natildeo sabes absolutamente o que eacute

Platatildeo Mecircnon

87

proximidade pois satildeo ainda perguntas loacutegicas do acircmbito da representaccedilatildeo

Procedimento meacutetodo adquirir re-significar satildeo todas expressotildees da re-

presentaccedilatildeo Aqui outra relaccedilatildeo com o que se potildee neste aberto do entre se

coloca

Platatildeo em um diaacutelogo no qual se investiga de qual o modo o homem

pode possuir a virtude ἀρεηή faz Mecircnon apoacutes ser levado a uma profunda

aporia sobre o que seja a justiccedila ela mesma ao estilo sofiacutestico perguntar a

Soacutecrates se eacute realmente possiacutevel aprender aquilo que absolutamente natildeo se

conhece Como eacute possiacutevel pela investigaccedilatildeo adquirir aquilo que mesmo ao

dar-se se fecha em si mesmo Como podemos conhecer esse misteacuterio atingir

essa serenidade Quem investiga busca por algo que previamente conta de

antematildeo conta previamente com algum resultado parte de uma instacircncia por

um determinado meacutetodo em alguma direccedilatildeo Mas como investigar algo que

absolutamente ainda natildeo haacute que informaccedilatildeo alguma tem-se dele Essas

perguntas jaacute estatildeo presentes no nascimento da Metafiacutesica tanto com Platatildeo

como com Aristoacuteteles Soacute que a pressa as potildee sempre de lado e nos decircs-via

ao desenvolvimento do que jaacute temos em matildeo do mais faacutecil de produzir do uacutetil

Leiamos algumas palavras de Heidegger acerca desse meacutetodo investigativo

A sua particularidade consiste no fato de que quando concebemos um plano investigamos ou organizamos uma empresa contamos sempre com condiccedilotildees preacutevias que consideramos em funccedilatildeo do

objetivo que pretendemos atingir Contamos antecipadamente com determinados resultados Este caacutelculo caracteriza todo o pensamento

planificador () o pensamento que calcula faz caacutelculos Faz sempre caacutelculos com possibilidades continuamente novas sempre com maiores perspectivas e simultaneamente mais econocircmicas O

pensamento que calcula corre de oportunidade em oportunidade 122

A serenidade que aguardamos natildeo chega a nossa proximidade por uma

investigaccedilatildeo meacutetodo ou atividade pelo contraacuterio eacute por ela afastada Entatildeo ao

homem natildeo resta nada a natildeo ser esperar ficar na passividade esperando que

algo ocorra e que lhe desperte essa serenidade Heidegger nomeia por

aguardar (warten) essa disposiccedilatildeo que em confronto com a investigaccedilatildeo eacute

mais apropriada agrave serenidade Um aguardar que natildeo eacute um mero espera que

natildeo eacute nunca um ficar na expectativa (erwaten) Aguardar natildeo eacute aqui um mero

122

HEIDEGGER Serenidade p 13

88

ficar na passividade esperando que algo ocorra Nem tambeacutem eacute a atividade da

investigaccedilatildeo que quer que algo chegue a determinado resultado Natildeo eacute

passividade nem atividade Eacute um trabalhar-se um obrar-se no sentido de uma

atenccedilatildeo um cuidado ao silecircncio do que se oculta do que nesse ocultar-se se

re-colhe se res-guarda Eacute aquela disposiccedilatildeo daquele caminhante que

trilhando um caminho ainda natildeo aberto que caminhando em uma mata virgem

aguarda pelo que advenha como o caminho pelo qual deve continuar seguindo

Eacute entatildeo aquele respeito aquele carinho amor philein pelo que lhe envolve

Naquela ocasiatildeo que o repouso se mostra o movimento mais apropriado diante

a aporia que se apresenta que lhe envolve ldquoDificilmente podemos alcanccedilar a

serenidade de uma forma mais adequada do que por meio de uma ocasiatildeo

para nos envolvermosrdquo 123

O querer eacute sempre um querer algo Eacute jaacute estar na expectativa A serenidade

como esse aguardar natildeo espera natildeo quer algo O que concerne a esse

aguardar natildeo eacute algo natildeo eacute um ente mas eacute a abertura eacute a clareira Eacute um

recebimento com gratidatildeo ao que brota para si do seio do ser da θσζης da

natureza Essa passagem do querer ao aguardar sereno eacute o caminho a se

seguir na ida agrave proximidade do que guarda a medranccedila do que salva Grato

com o que lhe eacute destinado o caminhante sereno lhe co-responde Liberto de

anseios e vontade o homem recebe a tarefa de guardiatildeo da clareira do brotar

guardiatildeo do diaacutelogo se apresenta como a outra possibilidade ante o perigo que

ameaccedila

Mantendo-se insistentemente nesse entre nessa abertura da cisatildeo do

misteacuterio lhe eacute destinado o Acontecimento-poeacutetico-apropriativo Ereignes da

histoacuteria do homem pois ldquoaquilo que permanece funda os poetasrdquo nas palavras

de Houmllderlin ou o que podemos escutar no eco da palavra por Goethe usada

onde ao inveacutes de usar para dar sentido a perdurar a palavra alematilde fortwaumlhrenI

usa a palavra misteriosa fortgewaumlhren como um continuar a conceder 124

O

que aiacute eacute entatildeo colhido com gratidatildeo como esse que insistentemente se demora

nisso que continua a conceder eacute levado ao homem por esse mensageiro

αγγειος como uma possibilidade de uma nova manhatilde de um novo momento

da histoacuteria Essa possibilidade que pela exploraccedilatildeo de tudo que estaacute dado potildee

123

Idem p45 124

HEIDEGGER A questatildeo da teacutecnica p 33

89

em fuga a possibilidade do inaugural que eacute confiado apenas agravequeles que se

demoram insistentemente no aguardar Aqueles que adentram na floresta natildeo

com intenccedilatildeo de uma exploraccedilatildeo de mais um mercado que lhe renderaacute um

oacutetimo negoacutecio ao comeacutercio mas agravequele que como protetor adentra na floresta

para lhe escutar e lhe res-guardar em seu cuidado

Esta natildeo eacute uma tarefa faacutecil pois aiacute trilha-se natildeo por uma estrada aberta e

segura mas trilha-se por uma vereda que insistentemente lhe potildee o fechado a

frente lhe envolvendo no risco do que absolutamente natildeo se conhece Assim

co-respondendo ao que lhe eacute confiado este caminhante deve insistentemente

demorar-se nessa aguardar do inaugural Qual o sentido dessa insistecircncia que

diversas vezes se apresentou em nosso trilhar Na conversa que eacute colhida de

um passeio do campo Heidegger nos escreve uns versos escutado de um

amigo sobre o que poderia ser pensado como o sentido dessa insistecircncia

Receber a salvo Para longa constacircncia

A verdade que estaacute a ser Nunca soacute algo verdadeiro Que o coraccedilatildeo pensante peccedila

Agrave singela paciecircncia A generosidade uacutenica

Do nobre recordar 125

Se Platatildeo como resposta a aporia acerca da possibilidade de se

aprender o que absolutamente natildeo se conhece fala de uma ἀλάκλεζης

anaminesis rememoraccedilatildeo de um recordar aqui tambeacutem o recordar se

apresenta ldquoA generosidade uacutenica do nobre recordarrdquo Recordando aquele

habitar na proximidade agrave fonte escuta-se o chamado a um novo momento da

histoacuteria a ser trilhado O nobre caminhante se depara no silecircncio da aporia do

entre com o canto de sua Matildee Este eacute convocado ao envolver-se em seu ser

Na disposiccedilatildeo da serenidade a nobreza natildeo eacute mais aquele tiacutetulo que indica um

possuidor de terras ou uma rica famiacutelia detentora de poder financeiro Nobreza

aqui eacute aquilo que tem proveniecircncia O caminhante nobre natildeo eacute dono da terra

na qual habita mas eacute filho dela eacute por ela aceito em seu seio ldquoA nobreza de

caraacuteter seria a essecircncia do pensamento (Denkens) e com isso do

125

HEIDEGGER Serenidade p 59

90

agradecimento (Dankens) Desse agradecimento que natildeo apenas agradece por

algo mas que apenas agradece por agradecerrdquo 126

Nesse nobre caminhar natildeo chegamos a um ponto final onde atingimos a

serenidade ante o misteacuterio e o misteacuterio natildeo eacute por noacutes adquirido O que se daacute eacute

aquele ir-agrave-proximidade eacute um adentrar a vizinhanccedila Com Heraacuteclito Heidegger

pensa esse ir-agrave-proximidade como uma traduccedilatildeo apropriada a esta conversa

do fragmento 122 de Heraacuteclito o menor dos fragmentos que possui uma soacute

palavra Ἀγτηβαζίε aproximar-se ir proacuteximo ser-admitido-no-sei-da-

proximidade Nosso trilhar poderia ser pensado entatildeo como esse ir-agrave-

proximidade Assim escreve Heidegger nas uacuteltimas linhas da conversa acerca

da serenidade

Que nos guiou pela noite dentro cujo brilho eacute cada vez mais

deslumbrante e supera em maravilha as estrelas porque aproxima entre si suas distacircncias no ceacuteu pelo menos para o observador ingecircnuo natildeo para o investigador exato Para a crianccedila no Homem a

noite permanece a aproximadoracostureira das estrelas Ela junta sem costura bainha nem linha

127

Assim natildeo se deve buscar aceder agrave serenidade com a intenccedilatildeo de lhe

atingir e lhe ter em posse A tarefa que fica ao homem em meio ao perigo da

dominaccedilatildeo da teacutecnica eacute algo diferente do querer do atingir do ter em posse A

tarefa que urge eacute a de um aguardar grato insistente no entre da serenidade

como esse demorar-se na proximidade na vizinhanccedila do misteacuterio Eacute pocircr no

sentido de um deixar-que em diaacute-logo esse pensamento que calcula com esse

pensamento poeacutetico que medita Cuidar de si do que lhe eacute essencial ou seja

cuidar da guarda dos misteacuterios da natureza que a si foi concedido Cuidar da

linguagem para que essa natildeo venha a decair completamente em um mero

falatoacuterio em mera proposiccedilatildeo e representaccedilatildeo mas que ela retorne ao que lhe

eacute mais proacuteprio que eacute o inaugurar o nomear o pocircr-em-obra Sua tarefa eacute cuidar

do pensamento pelo pensar ele mesmo salvando-o do ordinaacuterio e habitual

entendimento que calcula da loacutegica assim o res-guardando a possibilidade a

si mais autecircntica do meditar de poetar ante o misteacuterio Res-guardar as

relaccedilotildees dos homens entre si e entre as coisas de uma fraacutegil relaccedilatildeo sujeito-

objeto uma relaccedilatildeo egoica fundada no eu e tu e nesse resguardar permitir

126

Idem p 63 127

Idem pp68-69

91

uma outra relaccedilatildeo onde o diaacute-logo estaacute em seu seio onde a co-pertenccedila

permeia o todo Proteger a verdade como αιεζεηα decircs-encobrimento da

verdade como adequatio veritas corretude Eacute esse o sentido do que seja a

serenidade como a medranccedila do que salva Eacute a essa vizinhanccedila que fomos

levados por esse caminhar por esse caminho da floresta Holzwege por estas

sendas do pensamento por esta vereda Escutemos por fim estas uacuteltimas

palavras as quais por Heidegger foram usadas nas linhas finais de sua obra

acerca da arte A origem da obra de arte palavra de Houmllderlin um poeta que

para ele era os poetas dos poetasldquoDificilmente abandona O que mora na

proximidade do originaacuterio o lugarrdquo 128

128

HEIDEGGER A origem da obra de arte p201

92

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A-cerca do entendimento humano O salto na vereda

Pensamos neste caminhar sobre o homem o seu tempo atual sua

essecircncia e o que a este se apresenta como uma ameaccedila Pensamos na

teacutecnica na arte na serenidade Pensamos no ser na verdade e na linguagem

Adentramos estas questotildees com a proposta de dar um retorno agrave leitura que

fazemos do presente

O homem encontra-se em um estaacutegio de sua histoacuteria em que o

entendimento eacute apresentado como seu grande poder Um entendimento em

maior parte dominado pelo cientiacutefico pelo teacutecnico pelo comercial A razatildeo eacute

um grande negoacutecio para o capital principalmente quando o desenvolvimento

desta razatildeo eacute diretamente ligado agrave produccedilatildeo de um novo produto investido pelo

capital e para o capital Assim encontra-se em grande parte a razatildeo do homem

no presente Uma razatildeo que lhe foi de grande utilidade para lhe proteger das

ameaccedilas do incerto para lhe proteger do espanto do dando-lhe a seguranccedila e

conforto almejados Uma razatildeo que surge como instrumento de dominaccedilatildeo

ameaccedila fugir-lhe do seu controle para passar assim ao domiacutenio

Eacute assim que pensamos a-cerca do entendimento humano como essa cerca

que o aprisiona na dominaccedilatildeo do que seja entendido como o proacuteprio

entendimento O entendimento humano torna-se assim a cerca do humano

Uma cerca sem porta de saiacuteda onde o uacutenico caminho de uma fuga de

uma libertaccedilatildeo se apresenta como um salto Saltando sobre essa cerca para o

que estaacute aleacutem do que por ele foi aberto e dominado por sua razatildeo Este campo

aberto produzido para a sua seguranccedila o amedronta no presente momento de

sua histoacuteria com o perigo de uma escassez do adveniente do misteacuterio do que o

cerca Uma escassez de outra possibilidade que possa lhe salvaguardar da

iminente dominaccedilatildeo que a teacutecnica impotildee como ameaccedila

Urge ao homem saltar essa cerca e corajosamente mesmo que nos

primeiros passos ainda bem desajeitados pela falta de costume com esse novo

ambiente adentrar a vereda do que fora desta cerca se mostra como fonte Eacute

preciso arriscar-se por essa mata virgem em ir-agrave-proximidade do misteacuterio da

93

fonte de onde brota a seiva que alimenta sua essecircncia antes que essa

enfraquecida pela falta de seus nutrientes essenciais padeccedila ante a ameaccedila

que lhe cerca Essa seiva que na cerca eacute o pensamento calculista natildeo eacute

possiacutevel encontraacute-la em lugar algum Devemos nos aproximar dessa silenciosa

fonte originaacuteria que haacute muito canta o homem pelo retorno ao seu habitat

essencial haacute muito o convoca ao salto no a-bismo

Urge o arriscar-se a cair novamente no poccedilo ficando assim exposto a

possibilidade do riso Eacute preciso jogar-se no poccedilo e retornar com a aacutegua fonte

de tudo que em seu acircmago nutre a essecircncia do homem Retornando assim

esse que poeticamente se arrisca mais carregaraacute consigo a possibilidade de

transmitir aos outros homens o que do seio da Matildee Terra recebeu como o

destino dos homens Guardaraacute consigo a possibilidade de doar o que lhe foi

doado Em seu retorno da vereda restar-lhe-aacute a tarefa ainda mais difiacutecil do

que aquele caminhar no fechado a de dia-logar com os que moram dentro da

cerca a tarefa de pocircr em dialogo em si mesmo e em relaccedilatildeo aos outros

poesia e loacutegica metafiacutesica e pensamento caacutelculo e meditaccedilatildeo identidade e

diferenccedila

Nesse trabalho que agora podemos chamar de diaacute-logo a demora nos

primeiros passos foi uma necessidade de enfrentar tanto o enrijecimento da

tradiccedilatildeo como a proacutepria linguagem habitual da qual nos servimos nesse

confronto com a tradiccedilatildeo Se os passos finais se apresentaram em menor

quantidade de palavras eacute porque nele o caminhar cuidadoso exigiu mais

silecircncio do que dizer mais escuta do que fala Encontramo-nos apenas a

caminho de um verdadeiro e real enfrentamento com o aqui pensado Um

enfrentamento que se daraacute em nossas vidas relaccedilotildees pensamentos

linguagem com o misteacuterio do que nos convoca a sua proximidade Uma

aproximaccedilatildeo na qual a cada passo que adentramos nossa linguagem habitual

torna-se cada vez mais perigosa de levar-nos a um des(en)vio no sentido de

um novo afastamento

Esse acircmbito ao qual chegamos nessa nossa con-versa eacute um acircmbito natildeo de

respostas mas onde deve brotar as essenciais perguntas tarefa de todo

pensador que nos seratildeo destinadas ao diaacutelogo com o presente no qual

94

existimos Agradeccedilo portanto a companhia nessa caminhada pela vereda

companhia essa que sem ela nenhum caminhar eacute propriamente um caminhar

verdadeiro

95

REFEREcircNCIAS

Obras de Heidegger

HEIDEGGER Martin A origem da obra de arte [1935-36] Trad br Idalina

Azevedo e Manuel Antonio de Castro Satildeo Paulo Ediccedilotildees 70 2010

______________ A origem da obra de arte In Caminhos de floresta Trad

port Irene Borges-Duarte e Filipa Pedroso 2 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste

Gulbenkian 2012

______________ A origem da obra de arte Trad port Maria da conceiccedilatildeo

CostaLisboa Ediccedilotildees 70

______________ El origen de la obra de arte In Arte y Poesiacutea Trad esp

Samuel Ramos Buenos Aires Fondo de cultura econoacutemica 1958

______________ A questatildeo da teacutecnica [1953] In Ensaios e conferecircncias

Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo Rio de Janeiro Vozes 2008

______________ Serenidade [1955] Trad port Maria Madalena Andrade e

Olga SantosLisboa Instituto Piaget

______________ Ser e tempo [1927] Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante 3 ed

Rio de Janeiro Editora universitaacuteria Satildeo Francisco 2008

______________ Houmllderlin y la esencia de la poesia [1936] In Arte y poesia

Trad esp Samuel Ramos Buenos Aires Fondo de cultura economica 1958

______________ Para que poetas [1946] In Caminhos de floresta Trad

port Irene Borges-Duarte e Filipa Pedroso 2 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste

Gulbenkian 2012

______________ A teoria platocircnica da verdade [193132 1940] In Marcas do

caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Vozes 2008

______________ A essecircncia e o conceito de θσζης em Aristoacuteteles ndash Fiacutesica Β

1 [1939] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini

Petroacutepolis Vozes 2008

______________ Carta sobre o humanismo [1946] In Marcas do caminho

Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Vozes 2008

______________ A essecircncia do fundamento [1929] In Marcas do caminho

Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo giachini Petroacutepolis Vozes 2008

96

______________ Hegel e os gregos [1958] In Marcas do caminho Trad br

Ernildo Stein e Enio Paulo giachini Petroacutepolis Vozes 2008

______________ A essecircncia da verdade [1930] In Marcas do caminho Trad

br Ernildo Stein e Enio Paulo giachini Petroacutepolis Vozes 2008

______________ A essecircncia da Verdade [1930] In Conferecircncias e escritos

filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo Stein Satildeo Paulo Nova

cultural 1996

______________ Que eacute metafiacutesica [192943] In Conferecircncias e escritos

filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo Stein Satildeo Paulo Nova

cultural 1996

______________ O que eacute isto ndash a filosofia [1956] In Conferecircncias e escritos

filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo Stein Satildeo Paulo Nova

cultural 1996

______________ Identidade e diferenccedila [1957] In Conferecircncias e escritos

filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo Stein Satildeo Paulo Nova

cultural 1996

______________ ldquo poeticamente o homem habitardquo [1951] In Ensaios e

conferecircncias Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante Schuback Rio de Janeiro

Vozes 2008

______________ O fim da filosofia e a tarefa do pensamento [1966] In

Conferecircncias e escritos filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo

Stein Satildeo Paulo Nova cultural 1996

______________ Nietzsche I [1961] Trad br Marcos Antocircnio Casanova Rio

de Janeiro Forense Universitaacuteria 2007

______________ Nietzsche II [1961] Trad br Marcos Antocircnio Casanova Rio

de Janeiro Forense Universitaacuteria 2007

______________ Ciecircncia e pensamento do sentido [1954] In Ensaios e

______________ A caminho da linguagem [1959] Trad Maacutercia de Saacute

Cavalcante Satildeo Paulo Editora vozes 2011

______________ A superaccedilatildeo da metafiacutesica [1936-46] In Ensaios e

conferecircncias Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante Schuback Rio de Janeiro

Vozes 2008

______________ Da experiecircncia do pensar [1960] Trad br Maria do Carmo

Tavares de Miranda Porto Alegre Editora Globo 1969

97

______________ Quem eacute o Zaratrusta de Nietszche [1953] In Ensaios e

conferecircncias Trad br Gilvan Fogel Rio de Janeiro Vozes 2008

Obras sobre Heidegger

GADAMER Hans-Georg Hermenecircutica em retrospectiva Trad br Marcos

Antocircnio Casanova Rio de Janeiro Vozes 2009

LOPARIC Zeljko Eacutetica e finitude 2 Ed Satildeo Paulo Editora Escuta 2004

NUNES Benedito Hermenecircutica e poesia o pensamento poeacutetico Org Maria

Joseacute Campos Belo Horizonte Ed UFMG 1999

______________ Passagem para o poeacutetico filosofia e poesia em Heidegger

Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2012

RUumlDIGER Francisco Martin Heidegger e a questatildeo da teacutecnica prospectos

acerca do futuro do homem Porto Alegre Sulina 2006

STEIN Ernildo Seminaacuterio sobre a verdade Liccedilotildees preliminares sobre o

paraacutegrafo 44 de Zein und Zeit Petroacutepolis Vozes 1993

____________ Diferenccedila e metafiacutesica ensaios sobre a desconstruccedilatildeo Ijuiacute

Editora Unijuiacute 2008

Outras obras

AUBENQUE Pierre O Problema do ser em Aristoacuteteles Ensaio sobre a

problemaacutetica aristoteacutelica Trad br Cristina de Souza Agostini e Diocleacutezio

Domingos Faustino Satildeo Paulo Paulus 2012

AQUINO Tomaacutes de Questotildees discutidas sobre a verdade Trad br Luiz Joatildeo

Barauacutena Satildeo Paulo Editora Nova Cultural 2004

ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmacos Trad br Mario de Gama Kury Brasilia

Editora UNB 1961

____________ Fiacutesica trad esp Guillermo R de Echandia Editorial Gredos

SA 1995

____________ Fiacutesica I-II trad br Lucas Angioni Campinas Editora Unicamp

2010

____________ Metafiacutesica trad br Giovanni Reale Satildeo Paulo Ediccedilotildees

Loyola 2013

98

____________ Oacuterganon Trad br Edson Bini Satildeo Paulo Edipro 2010

____________ Poeacutetica Trad pt Ana Maria Valente Lisboa Ediccedilatildeo da

Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkain 2004

BARROS Manoel Poesia completa Satildeo Paulo Leya 2013

BAUMGARTEN Alexander Esteacutetica ndash A loacutegica da arte e do poema [1750]

Trad br Mirian Sustter Medeiros Petroacutepolis RJ Vozes 1993

BRENTANO Franz Sobre los muacuteltiples significados del ente seguacuten Aristoacuteteles

[1862] Trad esp Manuel Abella Madri Encuentro 2007

BURNET John A aurora da filosofia grega Trad br Vera Ribeiro Rio de

Janeiro Contraponto 2006

CROCE Benedetto Breviaacuterio de Esteacutetica Aesthetica in Nuce [1912] Trad br

Rodolfo Ilari Jr Satildeo Paulo Editora Aacutetica 2001

DESCARTE Reneacute As paixotildees da alma Trad br J Guinsburg e Bento Prado

Juacutenior Satildeo Paulo Abril Cultural 1973

_______________ Meditaccedilotildees sobre a Filosofia primeira [1641] Trad br J

Guinsburg e Bento Prado Juacutenior Satildeo Paulo Abril Cultural 1973

FRANZINI Elio A esteacutetica do Seacuteculo XVIII Trad pt Isabel Teresa Santos

Lisboa Editorial Estampa 1999

HEGEL Georg W F Esteacutetica Trad br Orlando Vitorino Satildeo Paulo Editora

Nova Cultural coleccedilatildeo Os pensadores 1999

HESIacuteODO Teogonia Trad br Jaa Torrano 5 Ed Satildeo Paulo Ilumiuras 2003

________ Os trabalhos e os dias Trad br Luiz Otaacutevio Mantovaneli Satildeo

Paulo Odysseus 2011

HOumlLDERLIN Friedrich Hipeacuterion Ou o eremita da Greacutecia Lisboa Editora

Assiacuterio e Alvim 1997

HOMERO Iliacuteada Volumes I e II Trad Haroldo de Campos 2 Ed Satildeo Paulo

Benviraacute 2010

________ Odisseacuteia Volumes I II e III Trad br Donaldo Schuumller Porto Alegre

LampPM 2007

KANT Immanuel Criacutetica da faculdade de julgar [1793] Trad br 2 ed Editora

Forense Universitaacuteria 2007

_______ Criacutetica da razatildeo Pura Trad pt Manuela Pinto dos Santos e

Alexandre Fradique Mourujatildeo Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 2001

99

KIRK G S RAVEN J E e SCHOFIELD M Os filoacutesofos Preacute-Socraacuteticos

histoacuteria criacutetica com seleccedilatildeo de textos Trad port Carlos Alberto Louro Fonseca

Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1994

LAEcircRTIOS Diocircgenes Vida e doutrinas dos filoacutesofos ilustres Trad br Maacuterio da

Gama Kury 2 ed Brasiacutelia UNB 2014

LEAtildeO Emanuel Carneiro Anaximandro Parmecircnides Heraacuteclito Os

pensadores originaacuterios Braganccedila Editora universitaacuteria Satildeo Francisco 2005

LIDDELL Henry George SCOTT Robert A GreekndashEnglish Lexicon Oxford

Clarendon Press 1940

NIETZSCHE Friedrich Assim falou Zaratustra [1883-85] Trad br Paulo Cesar

de Souza Satildeo Paulo Companhia das letras 2011

__________________ Vontade de poder Trad br Marcos Sinesio Perreira

Moraes Rio de Janeiro 2008

PARMEcircNIDES Da Natureza Trad br Joseacute Trindade Santos Satildeo Paulo

Ediccedilotildees Loyola 2002

PEREIRA Isidro Dicionaacuterio de Portuguecircs-Grego Grego-Portuguecircs Satildeo Paulo

Ediccedilotildees Loyola 1984

PLATAtildeO O Banquete In Diaacutelogos ndash Platatildeo Coleccedilatildeo Os pensadores Joseacute

Cavalcante de Souza Trad br Edison Bini Satildeo Paulo Abril cultural 1972

_______ Iacuteon Trad pt Victor Jabouille Lisboa Editorial inqueacuterito 1988

_______ A Repuacuteblica Trad pt Maria Helena da Rocha Pereira 9 ed Lisboa

Fundaccedilatildeo Caloute Gulbenkian

_______ O Sofista In Diaacutelogos I ndash Platatildeo Trad br Edison Bini Satildeo Paulo

Edipro 2007

_______ Mecircnon Trad br Maura Igleacutesias Rio de JaneiroPUC-RIO Ediccedilotildees

Loyola 2005

SCHILLER Friedrich Cartas Sobre a Educaccedilatildeo Esteacutetica da Humanidade

[1795] Trad port Roberto Schwarz Satildeo Paulo EPU 1991

SPENGLER Oswald A decadecircncia do ocidente Trad br Herbert Caro 2ed

Rio de Janeiro Zahar Editores 1973

VAZ Lima Escritos de filosofia VII Raiacutezes da modernidade Satildeo Paulo

Ediccedilotildees Loyola 2002

Page 9: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:

9

RESUMO

Em que sentido a Serenidade como um diaacute-logo entre o pensamento que

calcula e o pensamento que medita um diaacute-logo entre a teacutecnica e a poesia em

conjunto com a abertura ao misteacuterio fonte originaacuterio de todos os vigentes se

apresentam como uma possibilidade um caminho de enfrentamento ao perigo

adveniente da crise resultante da dominaccedilatildeo global da teacutecnica nos acircmbitos

mais essenciais da vida Esse enfrentamento parece se dar no acircmbito da

linguagem e do pensar enquanto a morada do ser O homem como o guardiatildeo

dessa morada do ser eacute aquele que se abrindo ao misteacuterio do a ser destinado

pode arriscando-se ao saltar no abismo do que natildeo vige permitir ou melhor

ser permitido nessa outra possibilidade Aguardando correspondendo ao seu

destino o homem pode ser a medranccedila do que salva Para tal pesquisa

colocam-se aqui em diaacute-logo trecircs ensaios heideggerianos A questatildeo da

teacutecnica A origem da obra de arte e Serenidade Buscamos uma relaccedilatildeo destes

ensaios com outros ensaios centrais de Heidegger assim como sua relaccedilatildeo

com os filoacutesofos que lhe foram fundamentais para que ele chegasse onde

chegou Portanto buscamos pensar as questotildees presentes a partir de suas

origens enquanto questotildees eacuteticas esteacuteticas e metafiacutesicas Aleacutem de re-colocar

questotildees fundamentais agrave filosofia como a questatildeo do ser da verdade e da

linguagem Trata-se aqui de um debate contemporacircneo com a tradiccedilatildeo que

busca res-guardar algo originaacuterio que caiu no esquecimento

PALAVRAS-CHAVE Serenidade Misteacuterio Teacutecnica Arte Verdade

10

ABSTRACT

Think in what sense the Serenity as a con-versation between thinking that

calculates and thought that meditates a con-versation between technique and

poetry together with openness to the mystery source originating in all existing

present as a possibility one danger facing path arising the resulting crisis of

global technical domination over all the most essential areas of human A

confrontation so that occurs in the context of language and thinking while the

same namely the abode of being Man as the guardian of this home of being is

one that opening up the mystery of themselves for can risking to jump into the

abyss than not prevails allow or rather be allowed that another possibility

Waiting corresponding to its destination the man may be the possibility than

saved For such research put into day-logo Heideggerians three tests The

question of technique The origin of the artwork and Serenity Seeking a list of

these tests with the central test Heidegger as well as their relationship with the

philosophers that this was essential for this came near unto arrived So its a

research that seeks to think the issues present from its origins Debating issues

Ethics Aesthetics and Metaphysics In addition to re-raising fundamental

questions of philosophy and of being of truth and language A contemporary

debate in confrontation with the tradition and re-save something original search

that fell by the wayside

KEYWORDS SERENITY MYSTERY TECHNICAL ART TRUTH

11

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO O silencioso chamado O caminho que urge 11

2 O PERIGO QUE AMEACcedilA UM OLHAR Agrave ESSEcircNCIA DA TEacuteCNICA 14

21 DA PERGUNTA PELA TEacuteCNICA Agrave PERGUNTA PELA ESSEcircNCIA SOBRE A

QUESTAtildeO DO SER

14

22 A LIVRE RELACcedilAtildeO COM A TEacuteCNICA DA CORRETUDE Agrave VERDADE 21

23 TEacuteCNICA GREGA E MODERNA DA POIacuteESIS Agrave EXPLORACcedilAtildeO 26

24 DIS-PONIBILIDADE E COM-POSICcedilAtildeO ACERCA DO DESVELAMENTO

EXPLORADOR DA TEacuteCNICA MODERNA

31

3 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES ACERCA DA ESSEcircNCIA DA

ARTE

38

31 ldquoONDE MORA O PERIGO CRESCE O QUE SALVArdquo DA PERGUNTA PELA

TEacuteCNICA Agrave PERGUNTA PELA ARTE

38

32 O ORIGINAacuteRIO DA OBRA DE ARTE O POcircR-EM-OBRA DA VERDADE 44

33 PENSAMENTO POEacuteTICO UM DIZER SILENCIOSO 54

34 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES UM SALTO NA VEREDA 63

4 O CAMINHAR SERENO UM AGUARDAR NA PROXIMIDADE DO MISTEacuteRIO 71

41 DA DESTRUICcedilAtildeO Agrave SUPERACcedilAtildeO DA METAFIacuteSICA ACERCA DA

IDENTIDADE E DIFERENCcedilA

71

42 SERENIDADE O DIZER SIM E NAtildeO Agrave TEacuteCNICA 76

43 DA ABERTURA OU MISTEacuteRIO O DEMORAR-SE NO ENTRE 80

44 DA ABERTURA AO AGUARDAR O CAMINHAR SERENO NA VEREDA 85

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS ndash A-CERCA DO ENTENDIMENTO HUMANO O

SALTO NA VEREDA

91

REFEREcircNCIAS 94

12

1 INTRODUCcedilAtildeO

O silencioso chamado O caminho que urge

A presente pesquisa tem como proposta pensar a problemaacutetica apontada

por Heidegger no acircmbito da dominaccedilatildeo da teacutecnica no presente momento da

humanidade Adentrando esta problemaacutetica buscaremos ir ao fundo das

questotildees para demonstrarmos quatildeo dominado encontra-se o homem e assim

pensar em que sentido eacute possiacutevel reconhecer essa crise e qual o meio que

devemos proceder para efetivar esse reconhecimento Ao fazermos uma

imersatildeo nos textos de Heidegger buscaremos a partir do que foi por ele

pensado enfrentar essas questotildees Destacaram-se para esta pesquisa trecircs

conferecircncias em especial A questatildeo da teacutecnica (1953) A origem da obra de

arte (1936) e Serenidade (1955)

Neste primeiro ensaio Heidegger pensa a crise de seu tempo como uma

crise que tem por base o modo como se encara a teacutecnica o saber a linguagem

e o ser Esse modo de pensar e dizer vem se desenvolvendo a partir do seu

olhar nos primoacuterdios da Filosofia ateacute o periacuteodo claacutessico com Platatildeo e

Aristoacuteteles

Esse saber encontra-se naquilo que ele chama de seu ldquoestaacutegio de

acabamentordquo onde a teacutecnica passa a reger e a dominar quase que

completamente todos os acircmbitos do humano ameaccedilando-o em sua essecircncia

Assim ao sermos remetidos a uma leitura mais aprofundada deste ensaio nos

confrontamos com os escritos de outros filoacutesofos como Platatildeo Aristoacuteteles e

tambeacutem Tomaacutes de Aquino Descartes Kant Hegel e Nietzsche Contudo em

cada um destes pensadores teremos um olhar voltado agraves questotildees

heideggerianas que aqui buscamos pensar

Pensada a problemaacutetica e identificado o caminho que se mostrou como

alternativa agrave dominaccedilatildeo da teacutecnica sobre o homem passaremos ao segundo

momento de nossa pesquisa Um debate acerca de um ensaio anterior na

ordem do tempo ao ensaio da teacutecnica mas na nossa pesquisa

metodologicamente discutido em um momento posterior

13

A origem da obra de arte eacute o resultado de trecircs conferecircncias que se puseram

a tratar da questatildeo da arte e de sua essecircncia Na busca pela essecircncia da arte

enfrentaremos com Heidegger aleacutem da sempre presente questatildeo do ser e da

verdade questotildees esteacuteticas e outras acerca do estatuto do que venha a ser a

Esteacutetica como um campo do saber filosoacutefico Nessa busca de um retorno ao

que seja o originaacuterio na arte teremos em vista o que haacute na essecircncia da arte

que possa vir a se apresentar como aquela possibilidade de confronto agrave crise

identificada no primeiro ensaio portanto algumas questotildees concernentes a

esse ensaio que diante o nosso olhar natildeo estatildeo propriamente ligadas ao que

aqui se busca natildeo seratildeo tratadas com a profundidade com a qual trataremos

as que propriamente se colocam em nosso caminho Outros ensaios

heideggerianos acerca da arte do poeacutetico da linguagem assim como do

pensamento de Nietzsche sobre a arte faratildeo parte deste segundo momento de

nossa pesquisa contudo novamente como no primeiro ensaio a estes nos

reportaremos na medida em que isso se mostrar apropriado ao curso do nosso

caminhar

Tendo sido feita a leitura destes dois ensaios iniciais onde o primeiro

apresenta a problemaacutetica e o segundo nos mostra uma outra possibilidade de

confronto adentraremos o ensaio que nos permitiraacute pensar que tipo de

confronto ocorre entre a teacutecnica e a arte pensada por Heidegger

Com o ensaio Serenidade ensaio norteador deste trilhar como um todo

pensaremos em questotildees como inversatildeo retorno diaacute-logo siacutentese identidade

e diferenccedila poreacutem para que estas questotildees natildeo nos sejam apresentadas de

fora o que nos transporia a um acircmbito completamente diferente do que aqui se

intenta adentrar percorreremos lentamente cuidadosamente e

insistentemente passo a passo ou seja no interior das questotildees ateacute que

estas se apresentem a noacutes no que elas satildeo

Para tanto como eacute caracteriacutestico na leitura dos escritos heideggerianos

duas questotildees que lhes satildeo centrais e que o acompanham por todo o seu

pensar devem ser devidamente tratadas para que assim esse caminhar

parta desde os primeiros passos de dentro de sua filosofia Satildeo estas as

questotildees da verdade e do ser Estas questotildees seratildeo tratadas a partir de uma

trilogia pensada pelo proacuteprio autor como inter-ligadas onde uma natildeo pode

devidamente ser pensada sem a outra Essa trilogia eacute composta assim pelas

14

conferecircncias O que eacute metafiacutesica (1929) A essecircncia da verdade (1930) e A

questatildeo do fundamento (1929)

Assim percorrido o caminho desta pesquisa buscaremos com o devido

cuidado e responsabilidade para com o leitor apresentar o resultado de um

profundo esforccedilo de pesquisa sobre o essencial ao homem sua situaccedilatildeo

presente e sobre uma possibilidade de enfrentamento de alguns dos problemas

que se apresentam como os mais ameaccediladores e perigosos para sua

existecircncia

A serenidade como uma revoluccedilatildeo radical eacute nossa meta neste trabalho

pois busca as raiacutezes de onde se radica uma vasta gama de problemaacuteticas

Uma disposiccedilatildeo que soacute se mostraraacute livre de diversos preconceitos que a ela

possam ser atribuiacutedos apoacutes essa leitura interior Aqui como interior tem-se a

necessidade de um ultrapassar da razatildeo no sentido de uma escuta ao coraccedilatildeo

e ao caminho proposto Soacute por esse olhar interior a serenidade se mostraraacute

natildeo como uma mera passividade que se ausenta daquilo que no presente

momento histoacuterico urge mas se mostraraacute como aquela accedilatildeo mais radical de

confronto agrave crise a qual vem passando toda a humanidade

Eacute portanto com o maior vigor da seriedade e responsabilidade que

devemos ter sobre o nosso presente momento e lugar que se faz aqui esse

convite agrave leitura das palavras que se seguem Palavras que pretendem ser uma

conversa entre o que a partir deste caminhar junto poderemos chamar de

amigos

15

2 O PERIGO QUE AMEACcedilA UM OLHAR Agrave ESSEcircNCIA DA TEacuteCNICA

Neste capiacutetulo seratildeo tratadas as questotildees acerca da teacutecnica e de sua

essecircncia com isso seraacute possiacutevel refletir o sentido da crise apontada por

Heidegger agrave sociedade atual Diante do sentido desta crise seraacute buscada

junto ao filoacutesofo uma indicaccedilatildeo de um caminho de fuga de confronto de

superaccedilatildeo Para tal investigaccedilatildeo se daraacute de iniacutecio uma breve introduccedilatildeo ao

pensar heideggeriano concernente ao ser e agrave verdade pontos centrais em toda

sua obra filosoacutefica Em seguida abordaremos os questionamentos presentes no

ensaio A questatildeo da teacutecnica (1953) relacionados com o caminho que aqui

buscamos traccedilar

21 Da pergunta pela teacutecnica agrave pergunta pela essecircncia A questatildeo do ser

A pergunta pela teacutecnica seraacute desenvolvida no sentido de indicar uma

situaccedilatildeo criacutetica da humanidade atual e do modo como esse homem se

relaciona com o ambiente que o cerca Uma situaccedilatildeo que segundo o filoacutesofo

Martin Heidegger (1889-1976) tem na concepccedilatildeo teacutecnica loacutegico-cientiacutefica e

metafiacutesico-filosoacutefica o centro da problemaacutetica contudo natildeo se trata aqui de

negar ou afirmar cegamente a teacutecnica mas de desenvolver um questionamento

que abra nossa presenccedila para uma livre relaccedilatildeo com esta pois soacute em uma

relaccedilatildeo livre pode-se saber o que eacute verdadeiramente a teacutecnica pode-se

A infacircncia da palavra jaacute vem com o primitivismo

das origens

Nossas palavras se juntavam uma na outra por

amor e natildeo por sintaxe

Manoel de Barros Menino do mato

ldquo pois eacute evidente que haacute muito sabeis o que

propriamente quereis designar quando empregais a expressatildeo bdquoente‟ Outrora tambeacutem noacutes

julgaacutevamos saber agora poreacutem caiacutemos em aporiardquo

Platatildeo O sofista

Ningueacutem de noacutes na verdade tinha forccedila de fonte

Ningueacutem era iniacutecio de nada

Manoel de Barros Poemas rupestres

16

experienciar sua essecircncia Para esta caminhada Heidegger iniciaria com a

pergunta Qual a essecircncia da teacutecnica

Natildeo podemos considerar Heidegger um filoacutesofo sistemaacutetico pelo contraacuterio

seus questionamentos se entrelaccedilam em todo o conjunto de sua obra Pode-se

ler as questotildees do ser e da verdade estas que lhes satildeo fundamentais em

seus diversos escritos e conferecircncias e eacute assim que se daacute com a teacutecnica

Diversos satildeo os escritos onde podemos ler algo relacionado com a questatildeo

poreacutem eacute no ensaio A questatildeo da teacutecnica que se encontra em uma coletacircnea

de textos intitulada pelo proacuteprio autor de Ensaios e conferecircncias que podemos

encontrar este tema com um maior vigor de desenvolvimento Daiacute tomarmos

esse ensaio como base central para esta investigaccedilatildeo mas sempre buscando

relacionaacute-lo com outros textos e autores

Qual a essecircncia da teacutecnica Heidegger nos indica duas respostas dadas

pela tradiccedilatildeo respostas estas que se concatenam em uma Diz i) ldquoA teacutecnica eacute

um meio para um fimrdquo ii) ldquoA teacutecnica eacute uma atividade do homemrdquo Estas

determinaccedilotildees correntes da teacutecnica Heidegger chama de ldquodeterminaccedilatildeo

instrumental e antropoloacutegica da teacutecnicardquo 1 mas para que atividade do homem

eacute a teacutecnica um instrumento e meio Como se desenvolveu o interesse por seu

domiacutenio Surgiu para suprir nossas necessidades baacutesicas para que o homem

pudesse dominar e se assegurar das incertezas advindas das diversidades do

ambiente que o circunda bastando para isso que o homem domine a teacutecnica

com todo seu empenho Eacute nesse sentido que diz Heidegger

A concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica guia todo esforccedilo para colocar o

homem num relacionamento direto com a teacutecnica Tudo depende de se manipular a teacutecnica enquanto meio e instrumento da maneira devida Pretende-se como se costuma dizer ldquomanusear com espiacuterito

a teacutecnicardquo Pretende-se dominar a teacutecnica Este querer dominar torna-se tanto mais urgente quanto mais a teacutecnica ameaccedila escapar ao

controle do homem 2

O instrumento que lhe levaria a seguranccedila pelo domiacutenio da natureza

ameaccedila-lhe fugir ao controle Eacute essa ameaccedila que desperta no filoacutesofo a

necessidade de uma real investigaccedilatildeo de sua essecircncia portanto

recoloquemos a questatildeo com um maior cuidado evitando apresentar

1 HEIDEGGER Martin A questatildeo da teacutecnica [1959] In Ensaios e conferecircncias Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo

Rio de Janeiro Editora Vozes 2002 P12 2 Idem

17

apressadamente as respostas dadas pela tradiccedilatildeo sobre sua essecircncia Vamos

demorar com maior cuidado na pergunta em si escutando o que a pergunta

mesma nos encaminha Qual a essecircncia da teacutecnica Ao perguntar assim soa

outro questionamento o que eacute isto a teacutecnica Esta forma de questionamento

que se coloca deste modo - o que eacute isto - eacute a forma de questionar da proacutepria

Filosofia Este modo de questionamento jaacute se encontra presente em Platatildeo e

Aristoacuteteles Eacute o modo grego de questionar o vigente Assim diz Heidegger

Com a questatildeo agora posta avanccedilamos para a proximidade do ηη

εζηηλ grego Eacute aquela forma de questionar desenvolvida por Soacutecrates Platatildeo e Aristoacuteteles Estes perguntavam por exemplo Que eacute isto ndash o

belo Que eacute isto ndash o conhecimento Que eacute isto ndash a natureza Que eacute isto ndash o movimento

3

E do mesmo modo podemos fazer a pergunta O que eacute isto ndash o ente

Heidegger indica que neste questionamento encontra-se a questatildeo diretriz de

toda histoacuteria da FilosofiaMetafiacutesica ocidental esta que se assemelha com a

histoacuteria do esquecimento do ser Comeccedilamos com a pergunta pela essecircncia da

teacutecnica e agora nos encontramos diante da pergunta pelo ente e de sua

diferenccedila diante da pergunta pelo ser Comeccedilamos em um ponto para agora

chegarmos a sua origem Aqui torna-se necessaacuterio um esclarecimento sobre o

que seja o comeccedilo e sua diferenccedila fundamental com o que seja a origem

(Ursprung) ou melhor com o que seja o originaacuterio o principial O comeccedilo natildeo

eacute ainda o princiacutepio a origem ou dizendo ainda de forma mais condizente com

o pensar heideggeriano o comeccedilo natildeo eacute ainda o originaacuterio Em seu escrito

Hinos de Houmllderlin [19351935] Heidegger distingue bem essa diferenccedila entre

comeccedilo e princiacutepio Diz

Princiacutepio natildeo eacute o mesmo que comeccedilo () O comeccedilo eacute aquilo com que algo se inicia o princiacutepio eacute aquilo de onde isso vem () O comeccedilo eacute cedo deixado para traacutes desaparecendo na continuaccedilatildeo

dos acontecimentos O princiacutepio a origem pelo contraacuterio evidencia-se primeiramente entre os acontecimentos e soacute no fim destes estaacute

plenamente presente () Noacutes humanos nunca podemos principiar com o princiacutepio ndash disso soacute um deus eacute capaz ndash pelo contraacuterio temos

de comeccedilar isto eacute partir de um iniacutecio que soacute conduz agrave origem ou a indica

4

Aqui temos algumas palavras essenciais para o pensar inovador de

Heidegger Ur-sprungUrsprungliche e An-fangAnfaumlngliche Ur-

3 HEIDEGGER Martin O que eacute isto ndash a Filosofia In Conferecircncia e escritos filosoacuteficos Trad br Ernildo Stein Satildeo

Paulo Editora Nova Cultural 1996 P30 4 HEIDEGGER Martin Hinos de Houmllderlin [193435] Trad pt Lumir Nahodil Lisboa Instituto Piaget 1979 pp 11-12

18

sprungUrsprungliche pode ser traduzido na forma de substantivo e na forma

de adjetivo substantivado por origem e originaacuterio O mesmo se daacute com An-

fangAnfaumlngliche que nos surge como princiacutepio e como principial Nestas

traduccedilotildees5 somos remetidos a um ponto de partida a um solo a um comeccedilo Eacute

de encontro a esse sentido de ponto de partida que o pensar de Heidegger se

daacute No seu ensaio A origem da obra de arte os termos Ursprung e Anfang se

apresentam com todo seu vigor como palavras essenciais no sentido de

originaacuterio e principial ldquoA palavra origem (Ursprung) no sentido de originaacuterio

(Ursprungliche) significa fazer eclodir algo trazer algo ao ser num salto

fundador a partir da proveniecircncia da essecircnciardquo6 Em outro momento diz ldquoO

autecircntico princiacutepio (Anfang) nunca tem o caraacuteter de comeccedilo do primitivordquo ldquoeacute

sempre como um salto-preacuteviordquo7

Para adentrarmos um pouco mais na questatildeo seraacute feita uma breve

introduccedilatildeo agrave questatildeo do ser e sua relaccedilatildeo essencial com o ente Aqui temos

como destino de nossa investigaccedilatildeo uma questatildeo diferente a da pergunta pela

crise da sociedade atual denominada por Heidegger de sociedade da era

atocircmica e de sua tentativa de indicaccedilatildeo de um caminho de confronto Assim

esclareceremos em que sentido entendemos nas palavras originaacuterio e

principial uma referecircncia ao sentido do ser em contraposiccedilatildeo ao sentido de

origem e comeccedilo e sua proximidade ao ente

O ente eacute tudo que estaacute presente eacute o carro a cadeira a aacutervore satildeo os

animais os homens eacute tambeacutem deus a teacutecnica e a arte ou seja eacute qualquer

coisa Satildeo as meras coisas as coisas de uso e tambeacutem as coisas supremas

que enquanto coisas estatildeo sendo Ente (Seiende) ηὸ ὄλ eacute o particiacutepio neutro

grego o que para nossa liacutengua portuguesa podemos dizer como o geruacutendio do

ηὸ εἶλαη o infinitivo presente do verbo ser Portanto poderiacuteamos traduzir o ηὸ ὄλ

por sendo Assim ficaria o ser em contraposiccedilatildeo ao sendo A pergunta inicial

da filosofia se deu como dissemos anteriormente no modo O que eacute isto ndash o

ente O que no momento de esplendor no momento originaacuterio perguntava

pelo ser pelo ηὸ εἶλαη tornou-se a pergunta pelo ente pelo ηὸ ὄλ Assim eacute que

5 Nas notas de traduccedilatildeo do ensaio A origem da obra de arte Idalina Azevedo desenvolve com fortes argumentos o

sentido da traduccedilatildeo 6 HEIDEGGER Martin A origem da obra de arte [193536] Trad br Idalina Azevedo e Manuel Antocircnio de Castro Satildeo

PauloEdiccedilotildees 70 2010 p 199 7 Idem p195

19

Aristoacuteteles o grande sistematizador desenvolve sua argumentaccedilatildeo acerca da

ciecircncia primeira Pois se o ente em cada caso especiacutefico eacute o objeto de uma

determinada ciecircncia a natureza da Fiacutesica o homem da Psiquiatria o

acontecimento da Historiografia a linguagem da Filologia O ente aquilo que

estaacute sendo em cada coisa em geral eacute o objeto da filosofia ou como chama

Aristoacuteteles da θηιοζοθία πρώηε (filosofia primeira) da πρώηε ἐπηζηήκε

(ciecircncia primeira) Seu objeto eacute o ente e nada mais

Poreacutem o princiacutepio a proveniecircncia de cada ente deste em particular ou

mesmo do ente enquanto tal natildeo eacute possiacutevel de ser questionada ou justificada

em suas proacuteprias ciecircncias Diz Heidegger em um ensaio com o tiacutetulo Ciecircncia e

pensamento do sentido [1953] escrito na forma de uma preparaccedilatildeo ao ensaio

A questatildeo da teacutecnica apresentado alguns meses depois

A natureza o homem o acontecer histoacuterico a linguagem para as

respectivas ciecircncias o incontornaacutevel jaacute vigente nas suas objetividades Dele cada uma delas depende mas a representaccedilatildeo

nenhuma delas poderaacute abraccedilaacute-lo em sua plenitude essencial () O incontornaacutevel assim caracterizado rege e reina na essecircncia de toda

ciecircncia8

Sendo a Filosofia θηιοζοθία πρώηε a ciecircncia do ente enquanto ente nela

esse incontornaacutevel se apresenta ainda mais incontornaacutevel Seria em certo

sentido esse incontornaacutevel essa proveniecircncia originaacuteria do ente que

poderiacuteamos chamar de ser Natildeo sendo poreacutem nada do que estaacute aiacute mas fonte

principial de tudo que adveacutem Esse ser natildeo sendo coisa alguma natildeo sendo

natildeo pode ser objeto de investigaccedilatildeo da Filosofia Daiacute Heidegger nos dizer que

a morada do ser eacute na linguagem do pensador e do poeta9 ficando ao filoacutesofo o

ente e nada mais Pois se o ser natildeo eacute nenhum destes sendo natildeo eacute ente

algum se eacute natildeo-ente se assim o pensar nos permite expressarmos seria

entatildeo cometer uma infraccedilatildeo agrave regra primeira e fundamental do pensar loacutegico

sobre o qual eacute impossiacutevel errar a saber o princiacutepio da contradiccedilatildeo Este

princiacutepio que segundo Aristoacuteteles eacute o que rege todo o pensar filosoacutefico natildeo

permite falar do natildeo-ente sem tornaacute-lo ente jaacute que o falar filosoacutefico eacute aquele

8 HEIDEGGER Martin Ciecircncia e pensamento do sentido [1953] In Ensaios e conferecircncias

Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo Rio de Janeiro Editora Vozes 2002 pp 54-55 9 HEIDEGGER Martin Carta sobre o humanismo In Marcas do caminho Trad br Ernildo

Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 326

20

que diz o que eacute isto ndash o ente Assim Aristoacuteteles se expressa sobre o princiacutepio

da contradiccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com a Filosofia

Quem possui o conhecimento dos seres enquanto seres devem poder dizer quais satildeo os princiacutepios mais seguros de todos os seres Este eacute

o filoacutesofo E o princiacutepio mais seguro de todos eacute aquele sobre o qual eacute impossiacutevel errar () eacute impossiacutevel que a mesma coisa ao mesmo tempo pertenccedila e natildeo pertenccedila a uma mesma coisa segundo o

mesmo aspecto () Essa noccedilatildeo uacuteltima por sua natureza constitui o princiacutepio de todos os outros axiomas

10

Eacute esse incontornaacutevel aporeacutetico essa vereda que Parmecircnides chamou de o

terceiro caminho ou o natildeo-caminho αηαρπωλ (caminho no qual natildeo se vecirc o

caminho de retorno por onde se veio) do qual nos proiacutebe seguir em seu poema

Sobre a natureza Proibindo por meio das palavras da Deusa Ἀληθεία

Aletheiacutea o jovem justo de seguir ficando ao errante poeta e pensador o risco

de dizer o sentido do ser risco no qual Heidegger se potildee a enveredar Nota-se

isso jaacute em sua primeira grande obra Ser e tempo [1927] onde na primeira

paacutegina ao citar uma passagem do Sofista de Platatildeo diz

ldquo Pois eacute evidente que de haacute muito sabeis o que propriamente

quereis dizer quando empregais a expressatildeo bdquoente‟ Outrora tambeacutem noacutes julgaacutevamos saber agora poreacutem caiacutemos em aporiardquo Seraacute que

hoje temos uma resposta para a pergunta sobre o que queremos dizer com a palavra ldquoenterdquo de forma alguma Assim cabe colocar

novamente a questatildeo sobre o sentido do ser Seraacute que hoje estamos em aporia por natildeo compreendermos a expressatildeo ldquoserrdquo De forma alguma Assim trata-se de redespertar uma compreensatildeo para o

sentido desta questatildeo11

Seraacute que encontramos nas ciecircncias seja ela uma ciecircncia especiacutefica ou

seja ela a ciecircncia primeira esse caraacuteter aporeacutetico Ou eacute justamente deste

aporeacutetico incontornaacutevel que a ciecircncia busca fugir Se perguntar pela essecircncia

de uma coisa eacute perguntar por sua fonte originaacuteria pelo que eacute pelo

incontornaacutevel que se potildee como fonte principial entatildeo por meio da teacutecnica da

ciecircncia natildeo chegaremos a experienciar ou ao menos nos aproximar do que

seja essa essecircncia Diz Heidegger

10

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Trad br Marcelo Perine da ediccedilatildeo Italiana de Giovanni Reale

Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2005 pp 143-145 11

HEIDEGGER Martin Ser e tempo [1927] Trad br Macia de Saacute Cavalcante Schuback

Petroacutepolis Vozes 2008 p 34

21

A essecircncia da teacutecnica natildeo eacute de forma alguma nada de teacutecnico Por isso nunca faremos a experiecircncia de nosso relacionamento com a

essecircncia da teacutecnica enquanto concebermos e lidarmos apenas com o que eacute teacutecnico enquanto a ele nos moldarmos ou dele nos afastarmos () De acordo com uma antiga liccedilatildeo a essecircncia de

alguma coisa eacute aquilo que ela eacute Questionar a teacutecnica significa portanto perguntar o que ela eacute

12

Soacute um caminho natildeo teacutecnico-loacutegico-cientiacutefico pode nos enviar a uma

experiecircncia originaacuteria com a essecircncia da teacutecnica Esse caminho eacute um caminho

do pensamento pois se nos mantivermos no acircmbito da teacutecnica como

poderiacuteamos ainda querer questionar algo a respeito dela e possuir uma

definiccedilatildeo correta Essa definiccedilatildeo haacute muito tempo nos diz que a teacutecnica eacute um

meio e uma atividade do homem Ela nos diz que a teacutecnica eacute um instrumento

do homem para atingir os seus fins

Quem ousaria negar que ela eacute correta () Com certeza O correto

constata sempre algo exato e acertado naquilo que se daacute e estaacute em frente (dele) Para ser correta a constataccedilatildeo do certo e exato natildeo precisa descobrir a essecircncia do que se daacute e apresenta Ora somente

onde se der esse descobridor da essecircncia acontece o verdadeiro em sua propriedade Assim o simplesmente correto ainda natildeo eacute o

verdadeiro E somente este nos leva a uma atitude livre com aqui que a partir da sua proacutepria essecircncia nos concerne

13

Potildee-se em nosso caminho a questatildeo da verdade Eacute com esta explanaccedilatildeo

que passaremos ao proacuteximo passo do caminho que aqui estamos a trilhar

Ainda de forma introdutoacuteria o proacuteximo passo seraacute pensar a questatildeo da

verdade e sua contraposiccedilatildeo ao que seja o correto ao que seja a adequaccedilatildeo

Portanto contrapor o sentido de verdade para Heidegger como ἀιεζεία

aletheacuteia e des-velamento aos conceitos de ὁκοίωζης omoiosis (corretude) e

adequatio (adequaccedilatildeo) eacute entender um processo de sucessivas transformaccedilotildees

np decorrer da tradiccedilatildeo filosoacutefica no que se entende por verdade do seu

nascimento originaacuterio aos dias atuais

22 A livre relaccedilatildeo com a teacutecnica Sobre a corretude e a verdade

12

A questatildeo da teacutecnica p 11 13

Idem pp 11-12

22

Estamos buscando desenvolver um questionamento que nos transponha

para uma livre relaccedilatildeo com a teacutecnica Tal relaccedilatildeo soacute se daacute verdadeiramente

diante de sua essecircncia diante do que seria a teacutecnica A tradiccedilatildeo nos diz que a

teacutecnica eacute um meio e uma atividade do homem definiccedilatildeo que Heidegger chama

de concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica Quem negaria a sua corretude Poreacutem

diante do ateacute aqui exposto algumas interrogaccedilotildees se fazem necessaacuterias Eacute o

correto jaacute o verdadeiro O que eacute corretude e qual o seu acircmbito A verdade foi

desde sempre pensada como corretude Como a verdade foi pensada em seu

momento originaacuterio Qual a relaccedilatildeo entre verdade corretude e teacutecnica

Precisamos percorrer cada um desses passos como num caminhar na busca

de desenvolver algo no sentido desse livre relacionar-se com a teacutecnica que

aqui buscamos

O correto jaacute eacute o verdadeiro Heidegger constantemente nos leva a um

questionamento do habitual e recorrente e nesse habitual nossa concepccedilatildeo

de verdade se apresenta como a mera corretude A verdade no pensamento

calculista se apresenta como exatidatildeo contudo o correto natildeo atinge a

profundidade do verdadeiro Permanece na superficialidade do presente e

habitual mas em que sentido o filoacutesofo diferencia corretude de verdade Onde

cada um destes sentidos atua O pensar heideggeriano acerca do ser e do

ente seraacute relacionado ao que foi apresentado pelas seguintes palavras de

Heidegger ldquoO correto constata sempre algo de exato e acertado naquilo que se

daacute e estaacute em frente (dele)rdquo14

O correto se relaciona com aquilo que se daacute e estaacute em frente dele Seu

acircmbito eacute o do vigente dado posto Seu acircmbito eacute o do ente Acertado e exato eacute

seu relacionamento com o ente com o jaacute desvelado contudo nada sabe sobre

o ser Natildeo desvela sua essecircncia mas movimenta-se no jaacute desvelado no posto

dado ordinaacuterio e habitual sendo que ldquosomente onde se der esse descobrir da

essecircncia acontece o verdadeiro em sua propriedaderdquo15

Enquanto o correto diz

sobre o posto o verdadeiro abre-o ao seu aparecer O verdadeiro deixa viger o

que eacute destinado do ser ao ente do ainda natildeo vigente ao vigente Eacute nesse

descobrir que se mostra o relacionar-se com o ser Abrindo uma clareira ou

como clareira que se permite o vir agrave vigecircncia algo do ser eacute que se daacute um

14

Ibidem 15

A questatildeo da teacutecnica p13

23

acontecer do ser Entatildeo se o correto tem o seu acircmbito no ente a verdade

encontra-se em relaccedilatildeo com o ser Sendo somente esta verdade capaz de

permitir a livre relaccedilatildeo com o essencial com o ser Mas de onde Heidegger

apreende essa distinccedilatildeo entre verdade e corretude que aqui foi apenas posta

mas natildeo foi trilhada Onde encontra o pensador solo para este caminhar

Onde inicia o seu caminhar acerca da verdade da abertura Para essa

pergunta nos remetemos agraves suas palavras

Este aberto foi concebido pelo pensamento ocidental desde o seu iniacutecio como ηὰ ἀιήζεα o desvelado Se traduzimos a palavra ἀιήζεα por bdquodesvelamento‟ em lugar de bdquoverdade‟ essa traduccedilatildeo natildeo eacute

somente mais bdquoliteral‟ mas ela compreende a indicaccedilatildeo de pensar mais originariamente a noccedilatildeo corrente de verdade como

conformidade do enunciado16

Somos entatildeo encaminhados pelas fendas de nossa investigaccedilatildeo aos

gregos e seu modo de pensar O que os gregos entendiam por ἀιήζεα

desvelamento A questatildeo da verdade para Heidegger juntamente com a

questatildeo do ser torna-se o cerne do seu pensar Assim tatildeo fundamental como

a questatildeo do ser eacute a questatildeo da verdade em seu pensar como um todo Eacute

necessaacuterio que mantenhamos ambas como um soacute pensar caminhando juntas

Um ensaio fundamental no que concerne a discussatildeo sobre a verdade eacute o

ensaio A essecircncia da verdade [1930] Este em conjunto com o O que eacute

metafiacutesica [1929] satildeo considerados os textos da virada (Kehre) do

pensamento heideggeriano O proacuteprio filoacutesofo chama este momento de viragem

de seu pensar17

Onde o ser passa a ser buscado diretamente por meio de seu

acontecer poeacutetico-apropriante (Ereignis) Diferentemente de sua busca anterior

a partir do ente privilegiado homem a partir do Da-sein em ambas as fases de

seu filosofar se assim realmente se pode dizer a essecircncia da verdade como

ἀιεζεία des-velamento se potildee como uma questatildeo central

Verdade se disse primeiramente no mundo grego como ἀιεζεία

desvelamento Heidegger inaugura ou recupera em seu sentido originaacuterio uma

leitura a essa palavra essencial ldquoEssa palavra bdquoverdade‟ tatildeo sublime e ao

mesmo tempo tatildeo gasta e embotada designa o que constitui o verdadeiro

16

HEIDEGGER Martin A essecircncia da verdade [1930] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 200 17

Cf Cartas sobre o humanismo pp 339-341

24

enquanto verdadeiro (fazer pro-duzir deixar vir agrave clareira)rdquo18

Na palavra

ἀιεζεία o pensador escuta para muito aleacutem da mera corretude adequaccedilatildeo

certeza objetividade realidade Nela ressoa o originaacuterio ressoa o

desvelamento que abre Uma abertura que deixa advir o destinado do misteacuterio

do oculto ἀιήζεηα eacute composta pelo α privativo mais o radical ιήζε que

podemos traduzir por velado oculto esquecido Daiacute a traduccedilatildeo heideggeriana

de ἀιήζεiα por des-velamento des-ocultaccedilatildeo des-esquecimento Aquilo que

deixa o fechado do velamento vir ao vigor do vigente como o des-velado que

passa do natildeo-dado ao dado ao doado dizendo portanto algo completamente

distinto de exatidatildeo corretude ou adequaccedilatildeo Verdade dizia sobre um

acontecimento essencial do ser

Onde este sentido mais originaacuterio de verdade se perdeu Foi deixado de

lado e com isso esquecido Onde se deu tatildeo grande desvio de pensamento

Heidegger identifica o iniacutecio desta mudanccedila do sentido de verdade e junto com

ela a mudanccedila de sentido do ser com os gregos em sua fase tardia que se

inicia apoacutes a plenitude daquele pensar originaacuterio que se deu com Anaximandro

Pitaacutegoras Heraacuteclito e Parmecircnides Esse periacuteodo tardio que como Nietzsche19

Heidegger identifica como o periacuteodo de decadecircncia do pensar grego e iniacutecio da

decadecircncia do pensar ocidental Esse eacute o periacuteodo dos grandes ldquofiloacutesofosrdquo

Soacutecrates Platatildeo e Aristoacuteteles A mudanccedila no sentido da verdade assim como

a histoacuteria do esquecimento do ser pelo ente tem seu iniacutecio jaacute em Platatildeo

sofrendo novamente uma mudanccedila de paradigma com Aristoacuteteles nos escritos

de loacutegica e de metafiacutesica e com os latinos em suas traduccedilotildees e interpretaccedilotildees

da filosofia grega aquilo que de forma latente ainda pensava o sentido anterior

de verdade e ser eacute transformado em outro pensar e assim esquecido Assim

o que era fundamental ao pensamento grego a questatildeo do ser e da verdade

decai na questatildeo do ente e da adequaccedilatildeo Vejamos essa passagem do Ser e

Tempo onde Heidegger nos diz sobre esse decair do filosofar grego

Embora nosso tempo se arrogue o progresso de afirmar novamente a

bdquometafiacutesica‟ a questatildeo aqui evocada caiu no esquecimento () A questatildeo referida natildeo eacute na verdade uma questatildeo qualquer Foi ela que deu focirclego agraves pesquisas de Platatildeo e Aristoacuteteles para depois

18

A essecircncia da verdade pp 190-191 19

Cf NIETZSCHE Friedrich A filosofia na eacutepoca traacutegica dos gregos In Coleccedilatildeo os pensadores vol XXXII ndash Obras incompletas Trad br Rodrigo Torres Filho Satildeo Paulo Abril

Cultural 1974 pp 37-51

25

emudecer como questatildeo temaacutetica de uma real investigaccedilatildeo () Ε o que outrora se arrancou num supremo esforccedilo de pensamento ainda

que de modo fragmentado e tateante aos fenocircmenos encontra-se de haacute muito trivializado

20

Vejamos como Heidegger lecirc essa histoacuteria do esquecimento e das

seguidas mudanccedilas de sentido da questatildeo da verdade Heidegger em seu

polecircmico ensaio A teoria platocircnica da verdade [19311932 1940] propotildee que o

desvio de sentido jaacute se deu com Platatildeo ao introduzir a noccedilatildeo de ὀρζόηες de

um bdquoolhar reto‟ Para natildeo adentrar em uma discussatildeo mais aprofundada acerca

do ensaio citado e do polecircmico posicionamento heideggeriano sobre o pensar

platocircnico da verdade ressaltaremos aqui apenas aquilo que o autor indica

como o iniacutecio da transformaccedilatildeo da essecircncia da verdade Leiamos uma

passagem deste ensaio

Se no geral em toda e qualquer postura frente ao ente estaacute em questatildeo o ἰδεῑλ da ἰδέα a visualizaccedilatildeo do bdquoaspecto‟ entatildeo todo

esforccedilo deve concentrar-se antes de tudo em procurar possibilitar uma tal visualizaccedilatildeo Para isso eacute necessaacuterio um olhar reto () em

consequecircncia dessa adequaccedilatildeo do notar como um ἰδεῑλ agrave ἰδέα daacute-se uma ὁκοίωζης uma concordacircncia do conhecimento com a coisa mesma Assim da primazia da ἰδέα e do ἰδεῑλ frente a ἀιήζεiα daacute-se

uma transformaccedilatildeo da essecircncia da verdade Verdade torna-se ὀρζόηες retidatildeo do notar e enunciar

21

Apresenta-se aiacute o primeiro passo da transformaccedilatildeo da essecircncia da

verdade uma transformaccedilatildeo que para noacutes parece ocorrer de forma tatildeo sucinta

que torna difiacutecil a compreensatildeo do polecircmico texto de Heidegger

Ο que em Platatildeo e Aristoacuteteles ainda se deu como passagem segundo

Heidegger ali onde o pensamento grego ainda era vigoroso mesmo que jaacute

tornado sistemaacutetico escolar foi abandonado e por conseguinte esquecido

pela tradiccedilatildeo Segundo Heidegger a leitura latina do pensar grego diluiu o vigor

desse filosofar Na traduccedilatildeo de ἀιήζεiα para veritas como uma adequatio daacute-

se o passo decisivo do que vinha mudando de sentido Nessa mudanccedila de

sentido podemos perceber os passos da transformaccedilatildeo do conceito de

verdade Da verdade do ser (ontoloacutegica) a verdade do ente (ocircntica) e por fim

20

Ser e Tempo p 37 21

HEIDEGGER Martin A teoria platocircnica da verdade In Marcas do caminho Trad br Ernildo

Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 242

26

a verdade da proposiccedilatildeo (proposicional) Cada vez de forma mais decadente

mais superficial Cada vez menos originaacuteria a verdade vai se transformando no

exato no correto

Assim na Escolaacutestica podemos ver fortemente os ecos determinantes

da filosofia aristoteacutelica De um pensar loacutegico e argumentativo palavras e

expressotildees usadas por Aristoacuteteles referentes agrave questatildeo da verdade natildeo

apresentam mais o vigor do mundo grego e seu pensar natildeo pulsa mais o

modo grego de pocircr-se no mundo O mundo grego se desvaneceu Soacute restaram

traduccedilotildees e reflexos do que outrora se pensou

Assim pelo exposto podemos vislumbrar o desvio ou mesmo o envio

do sentido originaacuterio de verdade entendida como ἀιήζεiα des-velamento

passando pela ὀρζόηες o olhar reto ὁκοίωζης a semelhanccedila e a adequatio

entendida como base da filosofia escolaacutestica por adequaccedilatildeo da coisa a

proposiccedilatildeo tornando-se assim simplesmente em veritas verdade ao

entendimento atual de adequaccedilatildeo

ldquoOnde nos perdemosrdquo Questionamos a teacutecnica e agora encontramo-nos

diante da verdade e suas variadas determinaccedilotildees e sentidos O que tem a ver

a essecircncia da teacutecnica com a essecircncia da verdade A resposta que Heidegger

nos daacute eacute ldquoTudordquo A essecircncia da teacutecnica e da verdade tem tudo a ver Teacutecnica

em grego se dizia ηέτλε o mesmo termo era usado tambeacutem para a arte

Teacutecnica e arte eram modos de deixar viger o ainda natildeo vigente Deixa-viger

aqueles que diferente dos entes da θύζης natildeo possuiacuteam o eclodir em si

mesmos E como um deixar viger ambos estariam intrinsecamente

relacionados com a verdade pensados como ἀιήζεiα desvelamento Ambas

satildeo pro-duccedilatildeo e como podemos ler na passagem citada por Heidegger do

diaacutelogo Banquete de Platatildeo ldquoTodo deixar-viger o que passa e procede do natildeo

vigente para a vigecircncia eacute ποίεζης eacute pro-duccedilatildeordquo22

A teacutecnica eacute pro-duccedilatildeo e

enquanto pro-duccedilatildeo eacute ποίεζης poiacuteesis eacute desvelamento Pensando assim a

teacutecnica natildeo se resume a um simples meio sua essecircncia estaacute para aleacutem disso

Ela eacute um modo de verdade de desvelamento Mas seraacute que esse modo de

pensar a teacutecnica eacute vaacutelido tambeacutem para a teacutecnica moderna Ou ela pertence

apenas ao acircmbito do pensamento grego Seraacute que a teacutecnica das usinas

22

A questatildeo da teacutecnica p 16

27

induacutestrias da fiacutesica moderna eacute tambeacutem pro-duccedilatildeo ποίεζης Heidegger levanta

essa indagaccedilatildeo da seguinte forma

Teacutecnica eacute uma forma de desencobrimento A teacutecnica vige e vigora no acircmbito onde se daacute descobrimento e decircs-encobrimento onde

acontece ἀιήζεiα verdade Contra essa determinaccedilatildeo do acircmbito da essecircncia da teacutecnica pode-se objetar e dizer que ela vale para o

pensamento grego e no melhor dos casos pode servir para a teacutecnica artesanal mas natildeo alcanccedila a teacutecnica moderna caracterizada pela maacutequina e aparelhagens E eacute justamente esta e somente esta que

constitui o sufoco que nos leva a questionar bdquoa‟ teacutecnica23

Eacute diante esta indagaccedilatildeo que somos levados ao caminho do pensar a

teacutecnica grega em confronto com a teacutecnica moderna Portanto como pensar a

ηέτλε grega e sua relaccedilatildeo com a ποίεζης e sua transformaccedilatildeo na teacutecnica

moderna Eacute a teacutecnica moderna tambeacutem um modo de ἀιήζεiα desvelamento

Caso seja eacute do tipo poieacutetico no sentido de uma pro-duccedilatildeo que deixa-viger Ou

o que lhe caracteriza o que lhe domina eacute outro tipo de desvelamento Satildeo

esses traccedilos que seratildeo investigados nos passos seguintes

23 Teacutecnica grega e moderna Da poiacuteesis agrave exploraccedilatildeo

Em que sentido podemos pensar com Heidegger sua indicaccedilatildeo de que o

que preocupa eacute exatamente o sentido de pro-duccedilatildeo enquanto ποίεζης natildeo

poder mais ser aplicado agrave teacutecnica moderna Que sentido tem essa pro-duccedilatildeo

para os gregos Se natildeo eacute mais a poiacuteesis que determina a teacutecnica moderna o

que eacute Por que esta outra determinaccedilatildeo a saber a exploraccedilatildeo e o

armazenamento ameaccedilam tanto o homem atual Seratildeo estas indagaccedilotildees e as

que surgirem no caminho nas quais nos deteremos com o cuidado

necessaacuterio para que passo por passo trilhemos o caminho no qual

adentramos

Se pensarmos em um antigo moinho de vento grego e em uma usina

hidroeleacutetrica moderna podemos dizer que ambos satildeo um meio de produccedilatildeo de

energia Se pensarmos no agricultor ao lavrar sua terra ou em uma induacutestria de

23

Idem p18

28

agronegoacutecio podemos novamente dizer que ambas tecircm como finalidade a

produccedilatildeo de alimentos O que os diferenciam Natildeo satildeo ambos meio e

finalidade de produccedilatildeo Sim e natildeo Os dois extraem algo da terra poreacutem o

primeiro em cada um dos casos com cuidado deixa que a terra lhe doe o que

lhe eacute necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo de sua vida enquanto que no segundo de

forma abrupta retira da terra como de um reservatoacuterio mais do que o

necessaacuterio com o fim de estocar e armazenar e depois disso fazer um

negoacutecio O primeiro recebe uma doaccedilatildeo como presente ao seu presente O

segundo arranca mateacuteria-prima que ficaraacute disponiacutevel para um uso posterior A

relaccedilatildeo esta proximidade que o antigo tem com a Terra aquela que ele chama

de Matildee ldquoTerra de amplo seio de todos sede irresvalaacutevel semprerdquo24

Γάηα

multinutriz como nos conta nos bdquocanta‟ Hesiacuteodo transforma-se para o

segundo em uma relaccedilatildeo de exploraccedilatildeo forccedilando a terra a fornecer mateacuteria-

prima natildeo mais como uma vaca que pro-duz leite para alimentar a cria Mas

como uma vaca leiteira que em uma induacutestria eacute forccedilada recebendo

hormocircnios agrave produccedilatildeo de muitos litros de leite por dia que seratildeo tratados

transformados encaixotados armazenados para estarem disponiacuteveis agrave venda

Leiamos as palavras de Heidegger

O subsolo passa a se desencobrir como reservatoacuterio de carvatildeo o chatildeo como jazidas de mineacuterio Era diferente o campo que o camponecircs outrora lavrava quando lavrar ainda significava cuidar e

tratar O trabalho camponecircs natildeo provocava e desafiava o solo agriacutecola () A terra se desencobre nesse caso depoacutesito de carvatildeo

e o solo jazida de minerais25

Eacute draacutestica a mudanccedila no relacionar-se com a natureza entre os antigos e

os modernos A pro-duccedilatildeo grega eacute outra completamente diferente dessa

exploraccedilatildeo moderna mas para percebermos esta draacutestica mudanccedila iremos

nos deter ainda mais no que seja essa pro-duccedilatildeo que entre os gregos tinham

esse sentido de ποίεζης Apoacutes esta investigaccedilatildeo estaremos em melhores

condiccedilotildees de adentrar ainda mais na teacutecnica moderna em busca de sua

essecircncia pois soacute em uma verdadeira relaccedilatildeo com essa essecircncia poderemos

buscar um caminho de enfrentamento a essa situaccedilatildeo criacutetica da qual o homem

24

HESIacuteODO Teogonia a origem dos deuses Trad br Jaa Torrano Satildeo Paulo Editora Ilumiuras 1995 p 91 25

A questatildeo da teacutecnica p 19

29

atual se encontra imerso submerso ldquoTudo agora depende de se pensar a pro-

duccedilatildeo e o pro-duzir em toda sua amplitude e ao mesmo tempo no sentido dos

gregosrdquo26

Como na passagem citada do Banquete de Platatildeo pro-duccedilatildeo no sentido

de ποίεζης eacute todo deixar-viger O que leva da natildeo-vigecircncia a vigecircncia eacute todo o

pocircr no sentido de um deixar emergir A proacutepria θύζης nesse sentido eacute uma

ποίεζης uma pro-duccedilatildeo Ela eacute ateacute a maacutexima ποίεζης aquela que se daacute a partir

de si mesma Aqueles que natildeo se pro-duzem por si mesmos satildeo os ποηούκελα

os artefatos os entes criados produzidos pela arte pela ηέτλε Estes se

contrapotildeem e nesse sentido se aproximam dos seres da natureza da θύζης

daqueles que se potildeem por si mesmos dos θύζεη ὅληα Enquanto os primeiros

tecircm sua forccedila de eclosatildeo em outro ἐλ αιιωη os seres da natureza possuem o

eclodir em si mesmos ἐλ ἑασηωη Contudo ambos enquanto um vir agrave vigecircncia

satildeo ποίεζης Os artefatos que natildeo possuem o eclodir em si dependem dos

ἀρτηηέθηωλ dos arquitetos natildeo no sentido atual de arquiteto mas como

aqueles que tecircm a ηέτλε como ἀρτή E assim diz Heidegger

Nos artefatos portanto a ἀρτή de sua mobilidade e assim de seu repouso de estar pronto e estar terminado natildeo estaacute neles mesmos

mas em um outro no ἀρτηηέθηωλ naquele que dispotildee da ηέτλε enquanto ἀρτή Com isso teria sido feito a distinccedilatildeo frente aos θύζεη

ὅληα que se chamam desse modo precisamente porque natildeo tem a ἀρτή de sua mobilidade em um outro ente mas no ente que ele proacuteprios satildeo (e enquanto satildeo esse ente)

27

Leiamos uma passagem da Fiacutesica de Aristoacuteteles do livro Β 1 analisada

na citaccedilatildeo anterior com a qual Heidegger iraacute confrontar seu conceito de θύζης

ao conceito aristoteacutelico e grego de um modo mais geral

Algumas coisas satildeo por natureza outras por outras causas Por natureza os animais e suas partes as plantas e os corpos simples como a terra o fogo o ar e a aacutegua ndash pois dizemos que estas e outras

coisas semelhantes satildeo por natureza Todas estas coisas parecem diferenciar-se das coisas que natildeo estatildeo constituiacutedas por natureza

porque cada uma delas tem em si mesmo um princiacutepio de movimento e de repouso seja com respeito ao lugar ao aumento ou agrave

diminuiccedilatildeo ou agrave alteraccedilatildeo Pelo contraacuterio uma cama uma roupa ou qualquer outra coisa de gecircnero semelhante como as significamos em

26

Idem p16 27

HEIDEGGER Martin A essecircncia e o conceito de Φύζης em Aristoacuteteles ndash Fiacutesica Β 1 [1939] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes

2008 p 264

30

cada caso por seu nome e enquanto isso satildeo produtos da arte (ηέτλε) natildeo tem em si mesmas nenhuma tendecircncia natural agrave

mudanccedila28

Estes entes que natildeo tecircm o eclodir em si necessitam de outro ente para

chegar agrave vigecircncia contudo este vir agrave vigecircncia natildeo adveacutem pela atividade

manual do artista mas por meio de seu saber Arte e teacutecnica satildeo ditas pelos

gregos com a mesma palavra ηέτλε Natildeo por ambas terem em comum o fazer

a atividade manual mas por ambas terem em comum o pro-duzir no sentido de

ποίεζης como um deixar vir agrave vigecircncia em seu aspecto Como um

conhecimento algo relacionado agrave verdade Τέτλε aparece em Aristoacuteteles e

Platatildeo ao lado de επηζηήκε epistecircme Enquanto a επηζηήκε eacute o saber que se

relaciona com os θύζεη ὅληα aqueles que emergem por si os entes naturais a

ηέτλε eacute o saber a respeito dos ποηούκελα dos que natildeo adveacutem por si mesmos

os artefatos Assim diz Aristoacuteteles em sua obra acerca da Eacutetica em um

momento de uma ldquomeditaccedilatildeo especialrdquo ao tratar dos diversos tipos de

conhecimento

Satildeo cinco as disposiccedilotildees em virtude das quais a alma alcanccedila a

verdade (ἀιήζεiα) por meio da afirmaccedilatildeo ou da negaccedilatildeo a arte a ciecircncia o discernimento a sabedoria filosoacutefica e a inteligecircncia () O

objeto do conhecimento cientiacutefico portanto existe necessariamente Ele eacute consequentemente eterno pois todas as coisas cuja existecircncia eacute absolutamente necessaacuteria satildeo eternos () Toda arte se relaciona

com a criaccedilatildeo e dedicar-se a uma arte eacute estudar uma maneira de fazer uma coisa que pode existir ou natildeo e cuja origem estaacute em quem

faz e natildeo na coisa feita de fato a arte natildeo trata de coisas que existem ou passam a existir necessariamente nem de coisas que

existem ou passam a existir de conformidade com a natureza (estas coisas tecircm origens nelas mesmas) Jaacute que haacute diferenccedila entre fazer e agir a arte deve relacionar-se com a criaccedilatildeo e natildeo com a accedilatildeo

29

Com base no exposto Heidegger nos diz ser a teacutecnica no pensamento

grego um saber um modo de desvelar uma verdade criaccedilatildeo em oposiccedilatildeo a

um fazer manual Um saber que permite cuida e protege Protege o enviado o

destinado pelo ser do ocultamento ao des-ocultamento Destinado ao cuidado

e guarda na linguagem do pensador do artista Bem diferente eacute a teacutecnica

moderna onde o a-guardar foi substituiacutedo pela pressa do arrancar onde o criar

28

ARISTOacuteTELES Fiacutesica Traduccedilatildeo proacutepria feita da traduccedilatildeo espanhola de Guillermor R de

Echandia Madrid Editorial Gredos SA 1995 p 45 29

ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicoacutemacos Trad Br Maacuterio de Gama Kury Brasiacutelia Editora UNB

1992 pp 115-116

31

foi substituiacutedo pelo en-formar onde a co-pertenccedila de identidade e diferenccedila em

uma harmonia originaacuteria foi substituiacutedo pela mesmidade pela uni-formizaccedilatildeo

industrial pelo negoacutecio Aquele saber que na plenitude do mundo grego do

pensamento originaacuterio era a aproximaccedilatildeo do homem agrave natureza decaiu em

um afastamento sugador explorador O misteacuterio do aguardar foi apagado pela

exatidatildeo do calcular O filho que naquela bdquomanhatilde de sol‟ brincava livremente

com sua matildee natureza tornou-se na bdquonoite do mundo‟ o ldquosenhor da terrardquo

escravizado por seu proacuteprio trabalho e conceitos Esses ldquosenhoresrdquo tornaram-

se cada vez mais escravos de seus instrumentos Indigentes cada vez mais

imersos na cotidianidade dos entes explorando armazenando e negociando

como diz Heidegger

Eacute justamente esse homem assim ameaccedilado que se alardeia na figura de senhor da terra Cresce a aparecircncia de que tudo que nos vecircm ao

encontro soacute existe agrave medida que eacute um feito do homem Esta aparecircncia faz prosperar uma derradeira ilusatildeo segundo a qual em

toda parte o homem soacute se encontra consigo mesmo () Entretanto hoje em dia na verdade o homem jaacute natildeo se encontra em parte

alguma consigo mesmo isto eacute com a sua essecircncia30

Eacute esse desvelamento explorador que de forma alguma eacute um deixar-que-

advenha que nada tem de ποίεζης Eacute essa exploraccedilatildeo que assusta Pois qual

o sentido desse explorar e armazenar sem fim Eacute pensando no sentido de

suprir o necessaacuterio Natildeo essa exploraccedilatildeo e armazenamento tecircm a finalidade

do estar disponiacutevel Eacute essa dis-ponibilidade (Bestand) que preocupa Nela o

proacuteprio fruto ou melhor dizendo acerca da modernidade a proacutepria coisa o

proacuteprio objeto esvai-se ldquoEm toda parte se dispotildee a estar a postos e assim

estar a fim de tornar-se e vir a ser dis-poniacutevel para ulterior dis-posiccedilatildeo31

rdquo Cada

coisa passa a ser um dis-poniacutevel que estando ali armazenado espera por uma

negociaccedilatildeo que o trans-ponha daqui para ali

Uma nova meditaccedilatildeo se potildee em nosso caminhar ldquoQue desencobrimento

se apropria do que surge e aparece no pocircr da exploraccedilatildeordquo32

Como podemos

pensar mais propriamente sobre esta disponibilidade Qual a essecircncia da

teacutecnica moderna que leva o homem a um desvelar explorador onde tudo se

30

A questatildeo da teacutecnica pp 29-30 31

Idem p20 32

Ibidem

32

apresenta como mera disponibilidade De onde proveacutem essa essecircncia da

teacutecnica moderna Daacute-se por conta da negligecircncia do homem ou eacute mera

fatalidade do periacuteodo ou ainda eacute outra a situaccedilatildeo Sobre estes

questionamentos nos deteremos nos proacuteximos passos

24 Dis-ponibilidade e Com-posiccedilatildeo Acerca do desvelamento explorador

da teacutecnica moderna

A disponibilidade (Bestand) se potildee em nosso caminho Essa palavra

assume aqui um sentido muito mais essencial do que mera provisatildeo ldquoa palavra

disponibilidade se faz agora o nome de uma categoriardquo ldquodesigna o modo em

que vige e vigora tudo o que o descobrimento explorador atingiurdquo33

Chegamos

com este passo ao ponto alto aquele que surge diante do profundo do que

agora buscamos proximidade desse nosso percurso Estamos para

experienciar o originaacuterio que adveacutem das profundezas da essecircncia da teacutecnica

moderna Esse extra-ordinaacuterio que permite que nos elevemos agravequela relaccedilatildeo

livre entre nossa presenccedila (Dasein) e a essecircncia da teacutecnica portanto nesse

caminho in-habitual nos faz recuar lentamente alguns passos como quem se

prepara para pegar o impulso necessaacuterio ao salto-mortal no abismo (Abgrund)

Retornemos entatildeo alguns passos

Como pensarmos essa disponibilidade que nos passos anteriores vimos

como o preocupante acerca da teacutecnica moderna O que rege como apelo

essa disponibilidade Ela eacute regida por uma inadimplecircncia do homem por fruto

da ganacircncia de sua vontade ou ela eacute regida por algo mais originaacuterio ldquoSe a

teacutecnica moderna natildeo se resume a um mero fazer do homem () temos de

encarar em sua propriedade o desafio que potildee o homem a dispor do real

como dis-ponibilidaderdquo34

Heidegger como quem lanccedila o olhar ao outro lado do

abismo sobre o qual se prepara para saltar chama a esse ldquoapelo de

exploraccedilatildeo que reuacutene o homem a dis-por do que se des-encobre como dis-

ponibilidaderdquo35

de Ge-stell com-posiccedilatildeo Sobre o uso inusitado dessa palavra

33

Ibidem 34

Idem pp22-23 35

Idem p23

33

sobre seu sentido e lugar nesse percurso nos deteremos mais agrave frente Aqui o

indicamos apenas como um caminho a ser percorrido

Questionamos a teacutecnica ao nos depararmos com o perigo desta escapar ao

nosso domiacutenio Criamos teorias e conceitos com o fim de assegurar domiacutenio

Construiacutemos escolas com o intuito de dominar o saber e agora vemos as

criaccedilotildees fazendo um papel oposto ao intuito pensado em uma cadeia de

eventos onde o ser foi perdendo lugar ao domiacutenio do ente

A usina hidroeleacutetrica instalada no Reno como nos fala o filoacutesofo natildeo estaacute

mais aiacute como o velho moinho de vento Ela estaacute ali ou podemos ateacute dizer o

contraacuterio o rio estaacute ali instalado na usina a fim de se explorar a forccedila de

movimento das correntes de suas aacuteguas a dispor energia Esta energia seraacute

armazenada para em seguida estar agrave disposiccedilatildeo de uma induacutestria que usaraacute

este disponiacutevel para gerar instrumentos de trabalho ao homem que tambeacutem

estaraacute ali agrave disposiccedilatildeo para algum serviccedilo para ser meio de alguma finalidade

Se eacute que podemos ainda chamar isso de finalidade essa cadeia de disposiccedilatildeo

onde cada qual destes constituintes natildeo tem sentido algum pelo que eacute Usina

rio induacutestria homem negoacutecio natureza o tempo estatildeo todos aiacute apenas como

disposiccedilatildeo Caiu com isso tudo na indiferenccedila na mesmidade da

disponibilidade Vejamos uma passagem em Heidegger acerca do que

dissemos

A energia escondida na natureza eacute extraiacuteda o extraiacutedo vecirc-se transformado o transformado estocado o estocado distribuiacutedo o distribuiacutedo reprocessado Extrair transformar estocar distribuir

reprocessar satildeo todos modos de desencobrimento Todavia este desencobrimento natildeo se daacute simplesmente Tampouco perde-se no

indeterminado () por toda parte assegura-se o controle Pois o controle e seguranccedila constituem ateacute marcas fundamentais do descobrimento explorador

36

O proacuteprio homem encontra-se preso sem-saiacuteda nessa cadeia de

disponibilidade Ele encontra-se conectado a essa amarraccedilatildeo a esse

esqueleto a essa teia nessa com-posiccedilatildeo que a tudo abarca Eacute nesse sentido

de amarraccedilatildeo palavra que em alematildeo se diz por Gestell que Heidegger usa o

termo essencial com-posiccedilatildeo Em Ge-Stell o Ge tem o sentido de ldquoforccedila

originaacuteria de reuniatildeordquo e Stell com o sentido de pocircr de colocar junto de lugar

36

Idem p20

34

Assim por meio de uma escuta cuidadosa Ge-Stell eacute pensado como com-

posiccedilatildeo forccedila originaacuteria que reuacutene em um ponto em um lugar Como no termo

siacutentese onde sin tem o sentido de reuniatildeo e tese com o sentido de posiccedilatildeo

posto junto a siacuten-tese eacute entatildeo o iniacutecio da histoacuteria do desenvolvimento dessa

essecircncia da teacutecnica moderna Siacuten-tese eacute esta cadeia de amarraccedilatildeo que reuacutene

todo o disposto em uma cadeia sem-escape Siacuten-tese eacute Ge-stell eacute com-

posiccedilatildeo Bestand e Gestell como disponibilidade e composiccedilatildeo usados para

indicar o extra-ordinaacuterio do pensar heideggeriano podem ao leitor menos

atento parecer um abuso de linguagem poreacutem eacute sempre como extravagacircncia

que se potildee o pensar em profundidade Extravagante como o salto mortal

Assim Heidegger defende o uso destes termos dizendo o seguinte

Seraacute possiacutevel extravagacircncia maior ainda Certamente que natildeo Soacute que esta extravagacircncia eacute um antigo costume do pensamento E os

grandes pensadores tornaram-se extravagantes precisamente quando tecircm de pensar o mais elevado () o fato de Platatildeo usar a

palavra εἶδος para dizer a essecircncia de tudo e de cada coisa Pois na linguagem de todo dia εἶδος diz a visatildeo que uma coisa visiacutevel nos

apresenta agrave percepccedilatildeo sensiacutevel37

Contudo perguntamos esta Ge-stell com-posiccedilatildeo que teve seu

nascimento no pensar grego como siacuten-tese este pocircr-junto-em-relaccedilatildeo-a se

deu por negligecircncia do pensar do homem Deu-se por um descuido um des-

vio Eacute fruto da liberdade do homem de seu arbiacutetrio Heidegger nos diz que

natildeo A com-posiccedilatildeo enquanto um modo essencial de des-velamento natildeo eacute um

des-vio mas sim um envio do ser um destino do desencobrimento pelo ser

portanto um acontecimento-histoacuterico Entatildeo ao contraacuterio do que haviacuteamos

questionado a com-posiccedilatildeo como destino natildeo adveacutem da liberdade do homem

mas de um escravo da fatalidade do destino de um escravo de seu tempo

Tambeacutem natildeo o que se daacute eacute algo diverso Sendo fruto do destino a

composiccedilatildeo acontece pela liberdade Parece que nos encontramos em uma

confusatildeo em um emaranhado onde palavras contraditoacuterias se imbricam Esta

confusatildeo se instaura se pensarmos destino e liberdade como entende a

tradiccedilatildeo O que Heidegger pensa com essas palavras Algo bem diferente da

37

Idem p23

35

fatalidade e do arbiacutetrio Destino eacute pensado como um pocircr a caminho um envio

da silenciosa fonte originaacuteria Em suas palavras

Pocircr a caminho significa destinar Por isso denominamos de destino a forccedila de reuniatildeo encaminhadora que potildee o homem a caminho de

um desencobrimento Eacute pelo destino que se determina a essecircncia de toda histoacuteria A histoacuteria natildeo eacute um mero elemento da historiografia

nem somente o exerciacutecio da atividade humana A accedilatildeo humana soacute eacute histoacuterica quando enviada por um destino

38

No caso da liberdade Heidegger natildeo a pensa como vontade como

arbiacutetrio ou como uma liberdade de movimento mas sim como um deixar-ser

Como um permitir uma escuta onde o ente se des-vela pelo envio do ser Este

deixar-ser se daacute como um entregar-se ao ente ente Como um acolhimento

do e pelo ente como cuidado e proteccedilatildeo Entretanto este deixar-ser poderia

ser pensado no sentido negativo de ldquodesviar a atenccedilatildeo de algordquo ou de uma

renuacutencia agrave onde se ldquoexprime uma indiferenccedila ou uma omissatildeordquo mas como foi

dito este deixar-ser tem um sentido contraacuterio ao de omissatildeo sendo ateacute a

maacutexima atenccedilatildeo e presenccedila diante o vigente como escuta e abrigo esta

liberdade acontece em seu parentesco com a verdade pensada como ἀιήζεiα

Pois eacute ao que se desvela que deixa-ser o ente que se eacute O que pelo misteacuterio

como misteacuterio eacute enviado ao desvelamento eacute abrigado mesmo ao se esconder

por este deixar-ser da liberdade Verdade misteacuterio e liberdade se emaranham

em sua co-pertenccedila ao acontecer poeacutetico-apropriante do ser (Ereignis)

Misteacuterio aqui eacute pensado como este que libera ldquoO encoberto que sempre se

encobre e cobrerdquo o fechado que abriga o eclodir

Este entregar-se ao caraacuteter de desvelado do ente como nos diz

Heidegger natildeo eacute um ldquoperder-se nele mas um recuo diante do ente afim que

este se manifeste naquilo que eacute e como eacuterdquo39

Pensando deste modo eacute que

podemos ver a copertenccedila entre destino e liberdade onde estes natildeo vatildeo de

encontro um ao outro mas pelo contraacuterio vatildeo ao encontro um do outro O que

o destino envia a liberdade permite O que eacute doado pelo misteacuterio eacute protegido

no des-velo pelo livre deixar-ser Leiamos o que diz Heidegger acerca desta

relaccedilatildeo entre destino e liberdade

38

Idem p27 39

A essecircncia da verdade p201

36

O destino do desencobrimento sempre rege o homem em todo o seu ser mas nunca eacute a fatalidade de uma coaccedilatildeo Pois o homem soacute se

torna livre num envio fazendo-se ouvinte e natildeo escravo do destino A essecircncia da liberdade natildeo pertence originariamente agrave vontade e nem tatildeo pouco se reduz agrave causalidade do querer humano

A liberdade rege o aberto no sentido do aclarado isto eacute do des-encoberto () A liberdade eacute o reino do destino que potildee o

desencobrimento em seu proacuteprio caminho40

Assim respondemos ao questionamento sobre o acontecimento

histoacuterico da teacutecnica como com-posiccedilatildeo se ele eacute fruto de uma inadvertecircncia ou

se eacute ele uma fatalidade de nossa eacutepoca Natildeo sendo nem um nem outro mas o

fruto de um envio proveniente do misteacuterio do ser Ao pensarmos assim nos

mantemos no espaccedilo livre com a essecircncia da teacutecnica ao qual buscamos estar

nesse percurso de nosso trilhar o pensamento heideggeriano Abre-se com

este pensar caminhos novos de enfrentamento agrave situaccedilatildeo de crise que se

apresenta sobre o modo da teacutecnica Nesse extra-ordinaacuterio onde se abre para a

essecircncia da teacutecnica somos tomados por um ldquoapelo de libertaccedilatildeordquo Diz

Heidegger

A essecircncia da teacutecnica moderna repousa na com-posiccedilatildeo A com-

posiccedilatildeo pertence ao destino do descobrimento Estas afirmaccedilotildees dizem algo muito diferente do que a frase tantas vezes repetida a

teacutecnica eacute a fatalidade de nossa eacutepoca onde fatalidade significa o inevitaacutevel de um processo inexoraacutevel e incontornaacutevel () quando

pensamos poreacutem a essecircncia da teacutecnica fazemos a experiecircncia da com-posiccedilatildeo como destino de um desencobrimento Assim jaacute nos mantemos no espaccedilo livre do destino Este natildeo nos tranca numa

coaccedilatildeo obtusa que nos forccedilaria uma entrega cega agrave teacutecnica ou o que daacute no mesmo a arremeter desesperadamente contra a teacutecnica e

condenaacute-la como obra do diabo Ao contraacuterio abrindo-nos para a essecircncia da teacutecnica encontramo-nos de repente tomados por um apelo de libertaccedilatildeo

41

Eacute nesse passo que se encontra o perigo Pois se a liberdade eacute

entendida como um deixar-ser o que nos eacute destinado ldquoo homem histoacuterico

tambeacutem pode deixando que o ente seja natildeo deixaacute-lo-ser naquilo que ele eacute e

assim como eacute O ente entatildeo encobre-se e eacute dissimuladordquo42

Este natildeo-deixar-ser

naquilo que eacute se apresenta no homem moderno como esse pensamento que

calcula nesta com-posiccedilatildeo dominante que tudo explora e torna disponiacutevel

Neste sistema operativo e calculaacutevel que potildee em fuga toda outra forma de

40

A questatildeo da teacutecnica pp 27-28 41

Idem p 28 42

A essecircncia da verdade p 203

37

pensar Eacute aqui que mora o perigo Nesse esforccedilo de dominar bdquocom espiacuterito‟ a

teacutecnica nessa produccedilatildeo exploradora esquece-se o misteacuterio e com isso tem-se

a fuga da possibilidade de um desvelar mais originaacuterio O pensamento

meditativo poeacutetico a pro-duccedilatildeo como ποίεζης eacute ameaccedilada de ser encoberta

por completo ldquoO predomiacutenio da com-posiccedilatildeo arrasta consigo a possibilidade

ameaccediladora de se poder vetar ao homem voltar-se para um desencobrimento

mais originaacuterio e fazer assim a experiecircncia de uma verdade mais inauguralrdquo43

O grande perigo natildeo se encontra portanto no perigo das armas na

superficialidade dos novos meios de comunicaccedilatildeo virtuais na intoxicaccedilatildeo por

remeacutedios nos transgecircnicos agrotoacutexicos ou qualquer outro elemento teacutecnico

Seu perigo extremo estaacute na fuga desta outra possibilidade no completo

domiacutenio da com-posiccedilatildeo sobre a essecircncia do pensar do homem

Entretanto ldquodificilmente abandona o que mora na proximidade do

originaacuterio o lugarrdquo Com essas palavras do poema A peregrinaccedilatildeo de Houmllderlin

palavras finais do ensaio A origem da obra de arte eacute feita a passagem do

perigo ao que salva CITACcedilAcircO A essecircncia mais essencial eacute res-guardada

pela forccedila originaacuteria do misteacuterio ldquoO domiacutenio da composiccedilatildeo natildeo poderaacute

deturpar todo o brilho da verdaderdquo44

Ao se afastar de sua morada essencial o

homem eacute tomado por um apelo de retorno O pensamento loacutegico calculador

potildee o homem cada vez mais diante aos entes em sua mera cotidianidade

Decai assim na mesmidade do apenas dado O homem histoacuterico eacute tomado por

um teacutedio profundo que manifesta o ente em sua totalidade onde tudo se

apresenta como indiferenccedila Outro humor entatildeo arrebata o homem a

anguacutestia Nesta o ente se potildee em fuga o nada se manifesta como um apelo

da morada essencial a experienciaccedilatildeo do nada abre o pensar a outra

possibilidade Para outro modo de ser se abre como fonte Abre como questatildeo

e misteacuterio para um pensar que natildeo seja mais um mero com-pocircr mas um pocircr

poeacutetico inaugural Permitindo pela escuta cuidadosa que venha agrave vigecircncia

como doaccedilatildeo deste nada originaacuterio Esta questatildeo sobre o nada e os humores

de teacutedio e anguacutestia seraacute tratada mais adiante com um maior aprofundamento

Aqui trata-se apenas de pensar o apelo silencioso

43

A questatildeo da teacutecnica pp30-31 44

Idem p31

38

Pensar a essecircncia da teacutecnica eacute escutar a voz o canto do destino que

adveacutem da fonte principial eacute colocar-se na histoacuteria de maneira autecircntica Esta

escuta potildee Heidegger a se deter na voz do poeta Houmllderlin ldquopoeta dos poetasrdquo

doa em seu dizer muitas palavras que abrem o seu pensar Diante deste

poeta o filoacutesofo-pensador se deteacutem em muitos momentos com muito cuidado

Assim diz o poeta ldquoOra onde mora o perigo eacute laacute que tambeacutem cresce o que

salvardquo Eacute portanto no domiacutenio da com-posiccedilatildeo como essecircncia da teacutecnica

moderna que se mostra a outra possibilidade de um desocultar mais originaacuterio

Mas qual o sentido deste salvar Que outra possibilidade de pensar se

presenteia nesse extra-ordinaacuterio que se deu no confronto com o pensar

teacutecnico Eacute esse outro pensar a salvaccedilatildeo da ameaccedila da crise Esses satildeo os

questionamentos derradeiros desta fase de nossa investigaccedilatildeo Satildeo sobre

estas questotildees que nos deteremos agora como passo preparatoacuterio para uma

nova questatildeo ou seja a questatildeo do confronto

39

3 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES ACERCA DA ESSEcircNCIA DA ARTE

Neste capiacutetulo pensaremos a questatildeo da arte buscando avizinhaacute-la do

originaacuterio (Ursprung) e da essecircncia (Wesen) no sentido de encontrar aiacute outra

possibilidade capaz de um confronto agrave crise apontada pelo des-velar

explorador da teacutecnica moderna Deixaremos que a essecircncia da arte se

apresente ao pensar Nossa busca eacute portanto a de saber se na arte guarda-se

a medranccedila daquilo que pode nos salvar deste tempo de indigecircncia desta

noite do mundo Para tal busca faremos um momento que nos serviraacute de

passagem da questatildeo anterior da teacutecnica para a questatildeo da arte que agora se

iniciaraacute Apoacutes esse momento de passagem adentraremos a questatildeo da arte e

buscaremos pensar como a sua essecircncia se apresentou ao filoacutesofo Daqui

seremos levados a pensar em conjunto a essecircncia da arte e a questatildeo da crise

atual do entendimento teacutecnico

31 ldquoOnde mora o perigo cresce o que salvardquo Da pergunta pela Teacutecnica agrave

pergunta pela Arte

Chegamos num ponto crucial de nossa investigaccedilatildeo passo derradeiro

acerca da pergunta pela teacutecnica natildeo eacute contudo conclusivo eacute apenas um

preparo para um olhar em outro sentido O tiacutetulo deste ponto jaacute nos indica para

onde vamos seguir Passaremos da questatildeo da teacutecnica agrave questatildeo da arte

Poreacutem eacute preciso ainda alguns passos para que essa mudanccedila natildeo se decirc de

forma brusca Em que sentido se daraacute essa mudanccedila Aleacutem desta indicaccedilatildeo

A ciecircncia pode classificar e nomear os oacutergatildeos

de um sabiaacute Mas natildeo pode medir seus encantos

A ciecircncia natildeo pode calcular quantos cavalos de forccedila existem nos encantos de um sabiaacute

Quem acumula muita informaccedilatildeo perde o

condatildeo de adivinhar divinare Os sabiaacutes divinam

Manoel de Barros Livro sobre nada

Do fundo abismo nascem as altas montanhas

Maacutercia de Saacute

O escuro me ilumina Manoel de Barros

40

de mudanccedila de olhar o tiacutetulo tambeacutem nos diz outra coisa ldquoOnde mora o perigo

eacute laacute tambeacutem que cresce o que salvardquo Nessas palavras de Houmllderlin Heidegger

nos indica o fio condutor desta mudanccedila Contudo precisamos esclarecer o

que se entende aqui por salvar Como relacionar este salvar que agora se pocircs

no caminho com a pergunta inicial acerca da essecircncia da teacutecnica Como a

arte se relaciona com a teacutecnica diante da pergunta pela essecircncia Iremos nos

deter nestes questionamentos nos passos seguintes

Haviacuteamos dito que a essecircncia da teacutecnica moderna se apresentou apoacutes

nosso questionar como com-posiccedilatildeo O desvelar explorador que arrancou da

terra tudo como mera dis-ponibilidade eacute regido por essa com-posiccedilatildeo Na

dominaccedilatildeo deste explorar com-positor o perigo que ameaccedila eacute o de se trancar

ao homem a possibilidade de um outro desvelar mais originaacuterio a saber o

desvelar poeacutetico Este que enquanto ποίεζης deixa que o ente seja a cada

vez o ente que eacute Sendo regida assim pela liberdade como um deixar-ser essa

ποίεζης deixa-pocircr Esta ameaccedila contudo natildeo se deu por conta de uma

negligecircncia do homem nem por um capricho ou por uma veleidade Ela eacute fruto

de um destino de uma doaccedilatildeo Sendo destino adveacutem de um acontecer

histoacuterico do ser Soacute ao se perceber este sentido da essecircncia da teacutecnica

moderna o homem pode receber essa doaccedilatildeo aos cuidados e proteccedilatildeo de sua

guarda na linguagem Sua guarda se daacute aos que escutam o apelo da silenciosa

fonte originaacuteria Pensar sua essecircncia eacute escutar esse apelo Soacute onde se daacute esse

pensar cuidadoso e esse poetar permissor eacute que se pode dizer com vigor

essas palavras do poeta ldquoonde mora o perigo eacute laacute tambeacutem que cresce o que

salvardquo Portanto natildeo nos apressemos em dar respostas Tentemos com maior

esforccedilo nos manter nessa bdquofesta do pensar‟ frente agrave abertura do misteacuterio frente

agrave vereda O que Heidegger pensa em con-sonacircncia com o poeta por salvar Eacute

ele um salvar a tempo de uma destruiccedilatildeo iminente ou nos diz outra coisa a

voz do poeta Continuemos no nosso lento caminhar

Pensando com Houmllderlin Heidegger nos diz

O que significa salvar Geralmente achamos que significa apenas retirar a tempo da destruiccedilatildeo o que se acha ameaccedilado em continuar

41

a ser o que vinha sendo Ora ldquosalvarrdquo diz muito mais ldquoSalvarrdquo diz chegar agrave essecircncia a fim de fazecirc-la aparecer em seu proacuteprio brilho

45

Chegar agrave essecircncia eacute o sentido do salvar Na ameaccedila cresce o que salva

pois eacute nessa ameaccedila que o apelo por um retorno ao lar se potildee fortemente de

forma mais decisiva Pensemos a essecircncia natildeo de modo tradicional como

essentia como aquilo que diz o que uma coisa eacute como quid Essecircncia deve

ser pensada como colocamos de iniacutecio logo nos primeiros passos do percurso

Pensemos a essecircncia como o originaacuterio como fonte doadora principial Natildeo

como iniacutecio daquilo que logo que se potildee a caminhar eacute deixado para traacutes mas

como principial que dura e vigora a cada passo que mesmo no afastar-se eacute o

que sustem e envia Da qual natildeo eacute permitido um abandono ou um natildeo ouvir

seu apelo Eacute assim que Heidegger nos diz

Eacute do verbo bdquowesen‟ viger que proveacutem o substantivo vigecircncia Wesen

essecircncia em sentido verbal de vigecircncia eacute o mesmo que bdquowaumlhren‟ durar () Goethe chegou a usar no lugar de bdquofortwaumlhren‟ perdurar a palavra misteriosa bdquofortgewaumlhren‟ continuar a conceder Sua escuta

ouve nessa palavra uma harmonia impliacutecita de continuidade entre

bdquowaumlhren‟ durar e bdquogewaumlhren‟ conceder46

Como um carvalho que diante do perigo ao crescer fortifica suas raiacutezes

nas profundezas da Terra ldquocrescer significa abrir-se agrave amplitude do ceacuteu e ao

mesmo tempo estar arraigado na obscuridade da Terrardquo47

pois satildeo as raiacutezes

que salvam Estas como fontes doadoras de alimento recebem da Matildee Terra

multinutriz a forccedila de salvaguardar o caminho a forccedila de sustentaccedilatildeo e de

contra-posiccedilatildeo ao perigo da crise que ameaccedila ldquoEm silecircncio e em seu tempordquo

se apresenta outra possibilidade Juntamente com as palavras do poeta outras

palavras satildeo ditas ldquomas eacute poeticamente que o homem habita esta Terrardquo

Como podemos sustentar as palavras do poeta se eacute exatamente o perigo do

pensar loacutegico calculador cientiacutefico que ameaccedila o homem Se o agir desse

homem reflete o seu pensar ou sua fuga de pensar logo eacute cientificamente que

este constroacutei suas casas que este trabalha e que se coloca no mundo Se o

que lhe rege eacute a com-posiccedilatildeo o explorar e a dis-posiccedilatildeo Heidegger diz

45

A questatildeo da teacutecnica p31 46

Idem p 33 47

HEIDEGGER Martin O caminho do campo In La prensa Traduccedilatildeo pessoal a partir da

traduccedilatildeo espanhola de Sobine Langenheim e Abel Posse 1976 p 2

42

A composiccedilatildeo eacute um modo destinado de desencobrimento a saber o des-cobrimento da exploraccedilatildeo e do desafio Um e outro modo

destinado eacute o desencobrimento da pro-duccedilatildeo da ποίεζης Esses modos natildeo satildeo poreacutem espeacutecies que justapostas fossem subsumidas no conceito de desencobrimento O desencobrimento eacute o

destino que cada vez de cofre e inexplicavelmente para o pensamento se parte ora num des-encobrir-se pro-dutor ora num

des-encobri-se ex-plorador e assim se reparte ao homem48

Eacute o misteacuterio que rege essa proximidade e esse repartir Estar atento a

este misteacuterio eacute o grande passo no sentido da superaccedilatildeo da ameaccedila Eacute o passo

capaz de impulsionar o salto mortal no abismo Eacute este misteacuterio que concede

Sem ele natildeo a arvore que se sustente que dure e para viger eacute preciso durar

ldquoSomente dura aquilo que foi concedido Dura o que se concede e doa com

forccedila inaugural a partir das origensrdquo49

Em um ensaio acerca da essecircncia da

poesia (Houmllderlin e a essecircncia da poesia) Heidegger se deteacutem em algumas

palavras de Houmllderlin dentre elas a seguinte ldquoMas o que dura instauram os

poetasrdquo O que dura eacute instaurado pelos poetas Ao falar do teacutecnico e de sua

essecircncia constantemente surge o poeacutetico Como podemos nos perder nesses

dois modos de pensar tatildeo distintos Ou seraacute que a rota de duas estrelas que

passam ao longe uma da outra guarda em si uma vizinhanccedila essencial

Escutemos estas palavras de Heidegger antes de continuarmos nosso

caminhar

Outrora natildeo apenas a teacutecnica trazia o nome de ηέτλε

Outrora chamava-se tambeacutem de ηέτλε o desencobrimento que levava a verdade a fulgurar em seu proacuteprio brilho Outrora chamava-se tambeacutem de ηέτλε a pro-duccedilatildeo da verdade na

beleza Τέτλε designava tambeacutem a ποίεζης das belas-artes50

Seraacute que na arte poderemos encontrar o caminho do que salva Se o

perigo que ameaccedila diz respeito ao modo de des-velar do real ou seja diz

respeito a verdade pode a arte estando em sua essecircncia relacionada com o

belo dizer algo sobre esta Ou o que se daacute eacute o contraacuterio a essecircncia da arte

estaacute mais proacutexima da verdade como ἀιήζεiα do que do belo ldquoA essecircncia da

arte seria esta o pocircr-se em obra da verdade do sendo mas ateacute agora a arte soacute

48

A questatildeo da teacutecnica p 32 49

Idem p 34 50

Idem p 36

43

tinha a ver com o belo e a beleza e natildeo com a verdaderdquo51

ldquoEacute o poeacutetico que leva

a verdade ao esplendor superlativo () O poeacutetico atravessa com seu vigor

toda arte todo desencobrimento que vige na belezardquo52

A arte se apresenta

aqui relacionada com a verdade Aqui o que estaacute sendo dito se daacute na forma

de indicaccedilatildeo de uma mudanccedila no sentido do caminho

Seraacute entatildeo que a arte eacute a possibilidade que silenciosamente cresce na

Terra para a salvaccedilatildeo da ameaccedila que se consuma na crise aqui indicada

Deixemos Heidegger nos perguntar o mesmo

Seraacute que as belas-artes satildeo convocadas ao des-encobrir poeacutetico Seraacute que o desencobrimento haacute de reivindicaacute-las mais

originariamente para que fomentem por sua parte o crescimento do que salva para que despertem e instaurem em nova forma a visatildeo e

a confianccedila no que se concede e outorga Ningueacutem poderaacute saber se estaacute reservada agrave arte a suprema

possibilidade de sua essecircncia no meio do perigo extremo53

Se natildeo podemos saber se eacute na arte que se reserva a possibilidade do

que salva deveremos ainda nos encaminhar nessa arriscada aventura que eacute a

da busca por sua essecircncia ldquoEncaminhar na direccedilatildeo do que eacute digno de ser

questionado natildeo eacute uma aventura mas um retorno ao larrdquo ldquoAinda natildeo

pensamos o sentido quando estamos apenas na consciecircncia Pensar o sentido

eacute muito mais Eacute a serenidade em face do que eacute digno de ser questionadordquo54

Como os pensadores e poetas serenamente nos arriscaremos nessa vereda

Nos arriscaremos no sentido de termos em vista que no fim dessa nova

caminhada possamos nos deparar diante uma aporia Buscamos a essecircncia da

teacutecnica para abrir nossa presenccedila a um livre relacionamento com sua essecircncia

Esta se apresenta como um modo de des-velamento o explorador que potildee

tudo como dis-posiccedilatildeo a uma com-posiccedilatildeo Essa busca nos levou por fim agrave

questatildeo da arte Diz Heidegger

Natildeo sendo nada de teacutecnico a essecircncia da teacutecnica a consideraccedilatildeo essencial do sentido da teacutecnica e a discussatildeo decisiva com ela tecircm de dar-se no espaccedilo que de um lado seja consanguiacuteneo da essecircncia

da teacutecnica e de outro lado lhe seja fundamentalmente estranho

51

A origem da obra de arte p 87 52

A questatildeo da teacutecnica p 37 53

Ibidem 54

Ciecircncia e pensamento do sentido p 58

44

A arte nos proporciona um espaccedilo assim Mas somente se a consideraccedilatildeo do sentido da arte natildeo se fechar agrave constelaccedilatildeo da

verdade que noacutes estamos a questionar55

Nossas consideraccedilotildees acerca da teacutecnica apontaram para a ποίεζης

poiacuteesis como um modo de des-velar de verdade como a essecircncia da teacutecnica

grega e para a Ge-stell com-posiccedilatildeo tambeacutem como um modo de verdade

como a essecircncia da teacutecnica moderna Ambas seriam modos de verdade de

des-velamento Assim a essecircncia da teacutecnica se apresentou como verdade

Poreacutem a razatildeo de que em um dado momento se apresenta como des-

velamento e em outro se apresenta de um outro modo para noacutes permanece

um misteacuterio O misteacuterio se instaurou Esse mesmo que oculto em sua

essecircncia clareou agrave noacutes a possibilidade de um outro caminho O outro como

diferenccedila se apresentou como inaugural diante a identidade a habitual do

mesmo A arte tem em seu nascimento a aproximaccedilatildeo com a teacutecnica eacute-lhe

consanguiacutenea Houmllderlin pensando com Heraacuteclito escreve em seu Hipeacuterion ldquoA

palavra grandiosa ἔλ δηαθέρολ ἑασηῶη de Heraacuteclito soacute poderia ser encontrada

por um grego pois essa eacute a essecircncia da beleza e antes de encontraacute-la natildeo

havia filosofia algumardquo56

pois para ele a beleza eacute o ser e para Heraacuteclito o ser eacute

esse ldquoἔλ δηαθέρολ ἑασηῶηrdquo o uno em si mesmo diverso Heraacuteclito e Houmllderlin

satildeo enquanto pensador e poeta constantemente considerados por Heidegger

O poeacutetico aqui eacute relacionado para aleacutem do belo diz acerca do ser e da

verdade eacute o ηό ἐθθαλέζηαηολ de Platatildeo que sai a brilhar de forma superlativa

Constantemente somos levados a pensar a arte em consideraccedilatildeo com a

verdade

Investigaremos a arte na busca da sua essecircncia considerando

continuamente a questatildeo da verdade Contudo como foi dito a questatildeo da

verdade e a questatildeo do ser no pensamento heideggeriano andam de matildeos

dadas Assim como se deu nesse percurso a seguir re-colocaremos a questatildeo

do ser e da verdade Soacute assim seremos capazes de dizer algo a respeito da

arte se tem ela a medranccedila do que salva se ela nos indica ainda outra

possibilidade outro caminho ou se por fim devemos abandonar

definitivamente essa busca de um pensar em confronto agrave crise

55

A essecircncia da teacutecnica p 37 56

HOacuteLDERLIN Friedrich Hipeacuterion ou o eremita na Greacutecia Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante

Rio de Janeiro Vozes 1993 p 99

45

32 O originaacuterio da obra de arte O pocircr-em-obra da verdade

Nos passos anteriores vimos como Heidegger passou da questatildeo da

teacutecnica entendida em sua essecircncia como um des-encobrimento agrave questatildeo da

arte tambeacutem como um saber que des-encobre Em sua origem grega ambos

eram pensados pela palavra ηέθλε Teacutecne foi pensada desde Homero como

um saber Arte e saber pertenciam a um mesmo acircmbito Um saber que permitia

ao ser ao divino o seu advento ao que era por si proacuteprio Arte era um saber

um modo de verdade α-ιήζεηα poreacutem mesmo ao pensar grego esta relaccedilatildeo

entre arte e verdade se deu apenas extrinsecamente Sua relaccedilatildeo mais iacutentima

se mostrou desde o comeccedilo da tradiccedilatildeo com a questatildeo do belo passando por

toda a tradiccedilatildeo com este mesmo sentido mesmo que de diferente modo em

cada etapa do desenvolvimento do pensar Arte e belo e natildeo arte e verdade

era a relaccedilatildeo que se mantinha Soacute em Heidegger segundo o proacuteprio pensador

essa relaccedilatildeo passa ao seu vigor essencial Pois soacute neste filoacutesofo a verdade eacute

pensada como α-ιήζεηα des-encobrimento Soacute nele ela eacute pensada em sua

profundidade essencial pois mesmo ali no pensar grego essa essecircncia da α-

ιήζεηα se deu de forma oculta57

O olhar da ciecircncia esteacutetica surgido na modernidade ao artiacutestico ao

poeacutetico era um olhar sob impeacuterio da loacutegica Este olhar pensou desde seu

nascimento a arte em relaccedilatildeo ao belo ao gosto aos sentidos A mudanccedila de

paradigma que se deu com o pensar vigoroso de Heidegger em relaccedilatildeo ao

ser exigia outra linguagem uma nova forma de se pocircr diante do artiacutestico A

loacutegica como vimos anteriormente natildeo abarcava mais este pensar do ser pois

natildeo sendo mais ente o ser natildeo cabia mais no domiacutenio de seus objetos A

loacutegica seria aquela que sabe dos entes e nada mais A arte como um saber

que permitiria o advir do destinado passou a dizer a respeito do ser Para a

57

Cf HEIDEGGER Martin Parmecircnides Trad br Seacutergio Maacuterio Wrublevski Petroacutepolis Editora

Vozes 2008 P 29

ldquoEscrever o que natildeo acontece eacute tarefa da

poesiardquo

Manoel de Barros Menino do mato

46

loacutegica tratar do brotar de um natildeo-adveniente ao vigente do natildeo-ente sem

tornaacute-lo ente natildeo era uma possibilidade e pensar o natildeo-ente como um ente era

entrar em contradiccedilatildeo ferindo o fundamento supremo o princiacutepio da

contradiccedilatildeo Uma desconstruccedilatildeo torna-se necessaacuteria

O que em Ser e tempo se apresentou como a destruiccedilatildeo Destruktion da

ldquohistoacuteria da ontologiardquo58

e com ela como o ldquoenrijecimento de uma tradiccedilatildeo

petrificadardquo ou seja da tradiccedilatildeo loacutegicametafiacutesica eacute na verdade uma

desconstruccedilatildeo59

Esta desconstruccedilatildeo da histoacuteria da ontologia que em outros

momentos eacute chamada de superaccedilatildeo da metafiacutesica eacute uma superaccedilatildeo da

linguagem e do pensar loacutegico Uma histoacuteria que chega a sua consumaccedilatildeo com

o nascimento da Esteacutetica da loacutegica do sensitivo Assim a desconstruccedilatildeo da

Metafiacutesica na tradiccedilatildeo seraacute entendida como a histoacuteria da ontologia cujo

momento final seraacute a desconstruccedilatildeo da histoacuteria da Aesthetica

O meacutetodo indicado por Heidegger em Ser e tempo eacute o meacutetodo

Fenomenoloacutegico Em um certo sentido em consonacircncia com o que defendia

Husserl como um deixar-que apareccedila o que adveacutem da fonte o que adveacutem de

si mesmo Como Heidegger observa

O meacutetodo de tratar essa questatildeo eacute fenomenoloacutegico Isso poreacutem natildeo

significa que o tratado prescreva bdquoum ponto de vista‟ ou uma bdquocorrente‟ () fenomenologia diz entatildeo ἀποθαίωεζζαη ηὰ θαηλόκελα

ndash deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra tal como se mostra a partir de si mesmo Eacute este o sentido formal da pesquisa que

traz o nome de fenomenologia Com isso poreacutem natildeo se faz outra coisa do que exprimir a maacutexima formulada anteriormente ndash bdquopara as coisas elas mesmas‟

60

Em seu ensaio A origem da obra de arte Heidegger lanccedila um profundo

e cuidadoso olhar ao acontecer da arte natildeo mais um olhar esteacutetico ou loacutegico

que se manteacutem na superficialidade do fundamento do fundo mas um olhar

permissivo esse olhar fenomenoloacutegico Potildee-se a pensar como uma escuta e

natildeo mais a refletir e buscar conclusotildees Qual o originaacuterio (Ursprung) da obra de

arte Aqui antes de adentrarmos os passos seguintes re-coloquemos a

58

Ser e tempo sect 6 59

Conferir o estudo de Stein acerca da questatildeo da desconstruccedilatildeo da metafiacutesica STEIN Ernildo Diferenccedila e metafiacutesica ensaios sobre a desconstruccedilatildeo Ijuiacute UNIJUIacute 2008 60

Ser e tempo pp66- 74

47

questatildeo do termo Ursprung que estaacute no tiacutetulo do ensaio heideggeriano

Traduzindo para o portuguecircs a palavra alematilde Ursprung pode-se tanto dizer (a)

origem como por meio de substantivaccedilatildeo (o) originaacuterio Ao decompormos Ur-

sprung temos o prefixo Ur primordial e a palavra Sprung advida do verbo

springen saltar Eacute como um bdquosalto fundador‟ como um bdquofazer eclodir‟ como

podemos ler em seu ensaio que Heidegger pensa esta expressatildeo61

Ao

traduzir-se por origem somos levados a pensar em algo pontual em um iniacutecio

temporal e espacial um fundo alicerce sobre o qual possamos construir o

nosso edifiacutecio Como origem somos remetidos de volta para o interior da

tradiccedilatildeo metafiacutesica da loacutegica e seu pensar dominante Origem eacute fundamento

eacute chatildeo conceito E o que eacute do acircmbito do pensar acircmbito no qual Heidegger

busca re-instaurar eacute o do abismo (Abgrund) do sem chatildeo Eacute aquele poccedilo no

qual o pensador ao levar o seu pensar ao misteacuterio da fonte principial (Anfang)

cai em seu caminhar

Com origem com solo alicerce se constroacutei impeacuterio Eacute levar com

seriedade o des-envolvimento o progresso do saber Eacute caminhar sempre para

frente em linha reta eacute o reto pensar ὀρζόηες ortoacutetes bdquoretidatildeo do olhar‟ Eacute

seguir como trem comeacutercio induacutestria poder eacute dar resposta eacute uma re-

afirmaccedilatildeo da tradiccedilatildeo Em originaacuterio algo outro se passa Cai-se em um poccedilo

para dentro do que estava apenas na superfiacutecie Cai-se em ἀπορία Sendo

pelo ldquoentendimento escolado da loacutegicardquo62

motivo de riso pois sem chatildeo natildeo se

vai a lugar nenhum natildeo se responde nada Esse ldquocair no poccedilordquo que sempre foi

ldquomotivo de risordquo ldquonatildeo levando a lugar nenhumrdquo eacute o que Heidegger chama a

tarefa do pensar Eacute ldquoao menos uma vez chegar ao lugar em que jaacute estamosrdquo63

Eacute a abertura ao misteacuterio oculto da fenda do ser Caindo nas aacuteguas de um rio eacute

permitir-se ser levado ao destino caminhando com o fluxo do que adveacutem da

fonte principial

61

A origem da obra de arte p 199 Aleacutem do dito pelo proacuteprio filoacutesofo conferir a nota de traduccedilatildeo de Idalina acerca da expressatildeo Ursprung em sua traduccedilatildeo ao ensaio citado pp 224-

228 62

A linguagem p 8 63

Idem

48

Eacute neste sentido como originaacuterio que lemos a palavra Ursprung Daiacute o

tiacutetulo do ensaio ser tambeacutem pensado como O originaacuterio da obra de arte64

Perguntar pelo originaacuterio da obra de arte eacute perguntar pela proveniecircncia de sua

essecircncia Esta essecircncia natildeo seria aquela pensada como solo como a essentia

da tradiccedilatildeo metafiacutesica mas como abertura sem fundo como Abgrund aquele

aberto que recebe o proveniente do misteacuterio do ser Segundo a opiniatildeo

corrente a proveniecircncia da obra de arte eacute a atividade do artista mas o que diz

se um artista eacute um artista eacute a sua obra de arte

O artista eacute a origem da obra A obra eacute a origem do artista Nenhum eacute sem o outro Do mesmo modo nenhum dos dois porta sozinho o

outro Artista e obra satildeo em-si e em sua muacutetua referecircncia atraveacutes de um terceiro que eacute o primeiro ou seja atraveacutes daquilo a partir de onde artista e obra de arte tecircm seu nome atraveacutes da arte

65

A pergunta pela obra de arte eacute encaminhada a pergunta pela arte

mesma Qual a essecircncia da arte para que ela possa ser originaacuteria de algo

Heidegger inicia sua busca por essa essecircncia pelo que foi dito na tradiccedilatildeo

Buscaraacute sua essecircncia a partir de sua realidade efetiva Procurando sua

essecircncia na obra de arte existente A obra de arte eacute uma coisa como as

demais Eacute uma coisa como a pedra e tambeacutem como o utensiacutelio sapato Poreacutem

a obra de arte eacute uma coisa acrescida de algo mais algo de mais elevado que

uma mera coisa Eacute algo de produzido pelo homem mas os instrumentos os

utensiacutelios como a panela o martelo o carro tambeacutem satildeo coisas produzidas

pelas matildeos do homem Mas obra de arte eacute tambeacutem mais elevada que o

utensiacutelio pois aleacutem se ser uma coisa produzida ela nos diz algo de outro Ela eacute

alegoria eacute siacutembolo

A obra de arte aleacutem do caraacuteter de coisa eacute ainda um outro algo Este outro algo que estaacute nela constitui o artiacutestico () Alegoria e siacutembolo

fornecem o enquadramento representacional em cuja perspectiva desde haacute muito tempo se move a caracterizaccedilatildeo da obra de arte

66

64

A origem da obra de arte p 225 65

Idem p 37 66

Idem p43

49

Na busca pela essecircncia da arte a partir de sua realidade efetiva nos

deparamos com a coisa e com o utensiacutelio Sendo antes de tudo uma coisa

desvia-se o caminho da essecircncia da arte para o da essecircncia do que seja uma

coisa da coisidade da coisa Assim observa-se se a arte eacute uma coisa

acrescida de algo mais ou se eacute algo de outro A pergunta torna-se entatildeo Qual

a essecircncia da coisa Seguindo o fio condutor da investigaccedilatildeo da tradiccedilatildeo

filosoacutefica acerca da coisa Heidegger nos indica trecircs principais definiccedilotildees A

coisa eacute i) ldquoA substacircncia com os seus acidentesrdquo67

ii) ldquoA unidade de uma

multiplicidade dada nos sentidosrdquo68

e iii) ldquoa coisa eacute uma mateacuteria enformadardquo69

Esse eacute o esquema conceitual da esteacutetica desde seus primeiros acenos Das

definiccedilotildees citadas a terceira mateacuteria enformada eacute a que mais se adequa a

esse esquema conceitual

A distinccedilatildeo entre mateacuteria e forma eacute e na verdade nas mais diferentes variedades pura e simplesmente o esquema conceitual usado em todas as teorias da arte e da Esteacutetica () Quando se liga a forma

ao racional e a mateacuteria ao irracional considera-se o racional como o loacutegico e o irracional como o iloacutegico e quando se acopla ao par conceitual forma-mateacuteria ainda a relaccedilatildeo sujeito-objeto entatildeo o

representar dispotildee de uma mecacircnica conceitual agrave qual nada se pode opor

70

Para Heidegger esta definiccedilatildeo da coisidade da coisa poreacutem natildeo se

aplica apenas para as meras coisas Um par de sapatos e um quadro de van

Gogh satildeo tambeacutem mateacuteria enformada Uma pedra possui uma mateacuteria em uma

determinada forma contudo aiacute a forma eacute apenas uma mera distribuiccedilatildeo

espacial de um determinado conteuacutedo Jaacute no par de sapatos a forma eacute de tal

modo fundamental por conta de sua utilidade que influencia ateacute na escolha do

material a ser usado no momento de sua produccedilatildeo Flexiacutevel e macia para uma

roupa resistente e dura para um martelo e assim se daacute com os outros

utensiacutelios Pensando assim Heidegger aponta para o produzido para este algo

uacutetil proacuteximo ao dia a dia do homem que vem primeiramente para esta

definiccedilatildeo de mateacuteria-forma e daiacute passa a coisidade da coisa O homem

67

Idem p 53 68

Idem p 59 69

Idem p 61 70

Idem p 63

50

transfere do utensiacutelio para a coisa a sua definiccedilatildeo e isto por meio do esquema

esteacutetico e sua relaccedilatildeo com a arte e os artefatos

Por conseguinte mateacuteria e forma enquanto determinaccedilotildees do sendo satildeo naturais agrave essecircncia do utensiacutelio Propriamente este nome

nomeia o elaborado em vista de sua utilidade e uso Mateacuteria e forma natildeo satildeo de modo algum determinaccedilotildees originaacuterias da coisidade da proacutepria coisa

71

Somos assim novamente enviados a outro acircmbito A busca pela

essecircncia da coisa nos levou a questatildeo do utensiacutelio Qual a sua essecircncia O

que lhe difere da mera coisa lhe pondo a meio caminho entre coisa e arte Ou

seraacute o utensiacutelio ainda algo outro Com estas indagaccedilotildees chegamos com

Heidegger ao produzido em vista de uma utilidade o utensiacutelio tem na serventia

o traccedilo fundamental a partir do qual este sendo nos olha Eles satildeo tatildeo

melhores quanto menos pensarmos neles em sua constituiccedilatildeo em sua forma

ou mateacuteria Seja o sapato ou o martelo eacute na serventia que se encontra o seu

valor e natildeo em sua constituiccedilatildeo Portanto como Heidegger nos diz na

confiabilidade da serventia ela se torna uacutetil Quando apenas usamos o

utensiacutelio por conta da confiabilidade a ele cedida sua essecircncia nunca nos

chega como o que este utensiacutelio eacute No contato diaacuterio e habitual com o utensiacutelio

sua essecircncia natildeo se apresenta junto agrave relaccedilatildeo que ele que manteacutem

Para Heidegger um homem diante de um quadro de Van Gogh onde

figura um par de sapatos pintados e nada mais ao pensar algo de outro

acontece

Da escura abertura do interior gasto dos sapatos a fadiga dos passos trilhados olha firmemente No peso denso e firme dos sapatos se

acumula a tenacidade do lento caminhar atraveacutes dos alongados e sempre mesmos sulcos do campo sobre qual sopra continuo um vento aacutespero No couro estaacute a umidade e a fartura do solo Sob as

solas insinua-se a solidatildeo do caminho do campo em meio agrave noite que vem caindo Nos sapatos vibra o apelo silencioso da Terra sua calma

doaccedilatildeo do gratildeo amadurecente e o natildeo esclarecido recusar-se do ermo terreno natildeo-cultivado do campo invernal Atraveacutes do utensiacutelio perpassa a afliccedilatildeo sem queixa pela certeza do patildeo a alegria sem

palavras da renovada superaccedilatildeo da necessidade o temor diante do anuacutencio do nascimento e o calafrio diante da ameaccedila da morte Agrave

Terra pertence este utensiacutelio e no Mundo da camponesa estaacute ele

71

Idem p 67

51

abrigado A partir deste pertencer que abriga o proacuteprio utensiacutelio surge para seu repousar-em-si

72

A obra de arte trouxe ao desvelado aquilo que o utensiacutelio enquanto um

sendo eacute Natildeo poreacutem da forma habitual como mera serventia como

confiabilidade A obra inaugura Terra e Mundo Terra como aquilo de onde

este sendo proveacutem e mundo como o aberto do qual aquele sendo faz parte A

obra de arte potildee-em-obra a verdade do sendo do ente Eacute como um pocircr-em-

obra da verdade que Heidegger pensa a essecircncia da arte Por meio da arte

cada sendo vem a vigecircncia de forma extra-ordinaacuteria como um sendo um ente

que irrompe do seu ser Brota pela abertura que acontece na arte da Terra ao

Mundo Esse pocircr-se-em-obra da verdade eacute ποίεζης poiacuteesis Este pocircr

enquanto obra adveniente do ser eacute pensado como um deixar-que atraveacutes da

escuta cuidadosa ao misteacuterio do ser brote do fechado da Terra ao desvelado

do Mundo

Terra e Mundo satildeo palavras-chave para a compreensatildeo do pensar

heideggeriano acerca da arte Terra natildeo eacute o conjunto maciccedilo de areia ou um

planeta Como Γε Gaia Terra os gregos natildeo diziam nada disso Terra tambeacutem

natildeo eacute simplesmente o fechado o velado em oposiccedilatildeo ao Mundo como o

aberto o desvelado Terra como aquela que abriga natildeo pode ser um riacutegido

fechar-se em si eacute de uma forma completamente diferente um res-guardar-se

que acolhe que nutre Ela eacute Gaia Matildee ldquode amplo seio de todos sede

irresvalaacutevel semprerdquo73

ldquomulti-nutrizrdquo74

Eacute entatildeo proteccedilatildeo e natildeo simplesmente

dissimulaccedilatildeo Terra eacute o misteacuterio cuidadoso do essencial Assim tambeacutem Mundo

natildeo eacute apenas o aberto Eacute no Mundo que vige ldquoas decisotildees mais essenciais de

nossa histoacuteriardquo75

Mundo eacute para onde o ser se destina natildeo como um espaccedilo

um lugar mas como acircmbito do acontecimento Eacute a morada do vigente Mundo

eacute sempre o inobjetaacutevel

72

Idem p81 73

Teogonia p 91 74

Podemos ver em muitas passagens da Iacuteliada assim como da Odisseia Homero se referindo agrave Γε Gaia Terra como a Matildee multi-nutriz 75

Origem da obra de arte p 109

52

Eacute na disputa entre Terra e Mundo que se daacute o ldquoacontecer poeacutetico-

aproprianterdquo (Ereignis) como Heidegger passou a chamar o acontecimento do

ser

Para onde a obra se retira e o que ela deixa surgir nesse retirar-se noacutes denominamos Terra Ela eacute a que faz surgir e que abriga A Terra

eacute a que natildeo sendo forccedilada a nada eacute sem esforccedilo e infatigaacutevel Sobre a Terra e nela o homem histoacuterico funda o seu morar no Mundo No

que a obra instala um Mundo ela elabora a Terra76

Arte eacute entatildeo abertura Enquanto no utensiacutelio haacute um gastar-se com o uso

com sua serventia na obra de arte enquanto a disputa originaacuteria de Terra e

Mundo se manteacutem em seu vigor enquanto permanece como obra daacute-se

abertura O artista natildeo gasta a tinta ao criar um quadro como gasta o pintor no

seu trabalho de pintar um muro de uma casa Na pintura criadora do artista eacute

que as cores vecircm a ser as cores que satildeo O verde vem na arvore pintada a

ser o verde da natureza o azul revela o ceacuteu Jaacute no utensiacutelio a lata de tinta eacute

tanto melhor quanto mais some ao ser usada como revestimento Na obra de

arte haacute um permanecer uma instauraccedilatildeo Eacute na poesia que a palavra chega ao

dizer na muacutesica que o som chega ao soar na escultura que a pedra chega ao

resistir

Na obra de arte daacute-se essa clareira na arte daacute-se o acontecimento

como obra da verdade A verdade eacute posta em obra Aqui uma pergunta se potildee

como necessaacuteria o que eacute a verdade para que possamos dizer que ela eacute pela

obra de arte posta em obra Re-coloquemos entatildeo a questatildeo da verdade que

no primeiro capiacutetulo apenas indicamos para que esta advenha em seu sentido

mais profundo Ou seja pensemos um pouco mais acerca da verdade para

adentrarmos de forma mais cuidadosa na vereda do pensar heideggeriano

Pensar verdade α-ιήζεηα como des-encobrimento nos remete a outro

acircmbito do pensar Um acircmbito do ainda-natildeo da adveniecircncia Somos

transpostos da rigidez conceitual do definido do dado agrave fluidez do vir-a-ser da

abertura do misteacuterio Ao pensar a verdade como o desvelado o velado passa

a se mostrar como mais originaacuterio como fonte originaacuteria deste desvelado

Mostra-se como mais essencial Este velado pode entatildeo ser pensado como o

76

Idem p115

53

natildeo-desvelado como a natildeo-verdade Sendo mais essencial importa a noacutes

mais essa natildeo-verdade do que a verdade Eacute assim que Heidegger no ensaio A

essecircncia da verdade faz a virada da questatildeo da verdade para a natildeo-verdade

De uma busca pela verdade somos transpostos a uma busca pela natildeo-

verdade

Poreacutem para Heidegger essa passagem da verdade para a natildeo-

verdade natildeo deve ser pensada pura e simplesmente como uma inversatildeo mas

como abertura de outro acircmbito do pensamento Pensar a verdade como a natildeo-

verdade achando com isso estar saindo do acircmbito do definido do dado da

identidade para o acircmbito do indefinido da diferenccedila seria um equiacutevoco

Tomar simplesmente a natildeo-verdade por verdade eacute apenas outro acircmbito da

rigidez do conceito Heidegger nos propotildee em seus ensaios uma mudanccedila no

acircmbito do pensamento natildeo uma mera inversatildeo mas algo de outro Esse

acircmbito por ele proposto mais originaacuterio e mais profundo natildeo pode ser

atingido com a operaccedilatildeo loacutegica da inversatildeo e suas enunciaccedilotildees predicativas

Soacute um pensamento como abertura um pensamento do sentido e natildeo mais um

meramente conceitual pode adentrar essa profundidade Soacute assim pode-se

pretender um avizinhar ao ser Verdade eacute pensada como clareira Natildeo sendo

nem o aberto desvelado nem o fechado velado mas sim abertura

possibilidade de adveniecircncia de acontecimento poeacutetico-apropriativo Assim

diria Heidegger acerca da clareira

Um tal aparecer acontece necessariamente em uma certa claridade Somente atraveacutes dela pode mostrar-se aquilo que aparece isto eacute brilha A claridade por sua vez poreacutem repousa numa dimensatildeo de

abertura e de liberdade que aqui e acolaacute de vez em quando pode clarear-se A claridade acontece no aberto e aiacute luta com a sombra

() Somente esta abertura garante tambeacutem agrave marcha do pensamento especulativo sua passagem atraveacutes daquilo que pensa

Designamos esta abertura que garante a possibilidade de um aparecer e de um mostrar-se com a clareira (die Lichtung)

77

Outra questatildeo referente agrave verdade que aqui seraacute de crucial importacircncia

eacute a da verdade como erracircncia O homem enquanto um ente no Mundo que

caminha pelo aberto eacute um jogado na erracircncia do Mundo O homem se

77

O fim da filosofia e a tarefa do pensamento p 102

54

relaciona insistentemente com os entes com o aberto Neste relacionar-se com

o dado o homem afasta-se do misteacuterio Afastando-se assim do essencial do

ser do misteacuterio originaacuterio daacute-se o errar ldquoEste vaiveacutem do homem no qual ele

se afasta do misteacuterio e se dirige para a realidade corrente sai de um objeto da

vida cotidiana para outro desviando-se do misteacuterio ele eacute o errar78

rdquo O homem

um ek-sistente um lanccedilado para fora de si no mundo insistentemente Com

isso eacute o homem des-guardado no aiacute do aberto Como errante ele eacute lanccedilado

para fora no aberto do cotidiano e se relaciona com os outros entes com o

Mundo Diz Heidegger

O homem erra O homem natildeo cai na erracircncia em um momento dado

() erracircncia se revela como o espaccedilo aberto para tudo que se opotildee agrave verdade essencial () aquilo que o haacutebito e as doutrinas filosoacuteficas chamam de erro isto eacute a natildeo-conformidade do juiacutezo e a falsidade do

conhecimento eacute apenas um modo e ainda o mais superficial de errar () A erracircncia domina o homem enquanto o leva a se desgarrar Pelo

desgarramento poreacutem a erracircncia tambeacutem contribui para fazer nascer esta possibilidade que o homem pode tirar da ek-sistecircncia e que

consiste em natildeo se deixar levar pelo desgarramento O homem natildeo sucumbe no desgarramento se ele mesmo eacute capaz de provar a erracircncia enquanto tal e de natildeo desconhecer o misteacuterio do ser-aiacute

79

Eacute da essecircncia do homem enquanto ek-sistente a erracircncia Tanto mais

errante como tambeacutem mais aberto ao misteacuterio do ser mais homem ele eacute

Provando da erracircncia corre o homem o risco de aiacute perder-se no

desgarramento Evitando esta erracircncia nega ele sua essecircncia Eacute necessaacuterio

entatildeo um enfrentamento onde o homem como o que se arrisca mais ponha-

se diante dessa possibilidade de perder-se Eacute soacute na peossibilidade de perder-

se que pode este se encontrar Assim para Heidegger o homem arrisca-se na

erracircncia com a constante abertura ao misteacuterio mas o misteacuterio eacute aquele que se

potildee em fuga diante de toda investigaccedilatildeo Daiacuteo pensar para Heidegger que se

pretende aberto ao misteacuterio natildeo poder ser do tipo investigativo do tipo que

forccedila abertura que rasga Pois no oculto do misteacuterio eacute como se estiveacutessemos

em matildeos uma pedra e quebrando-a ao meio quiseacutessemos saber o que haacute em

seu interior Ao quebrar o dentro se potildee em fuga ocultando-se dentro dos dois

pedaccedilos resultantes da quebra Nessa quebra violenta soacute nos deparamos com

o fora o superficial o sempre aberto O interior sempre se resguarda Assim eacute

78

A essecircncia da verdade p208 79

Idem p 209

55

o misteacuterio Quanto mais forccedilamos sua adveniecircncia mais em fuga ele se potildee

Na arte natildeo haacute um forccedilar abertura mas um permitir um aguardar paciente

Diante esse ser que se resguarda no misteacuterio ora doando-se ora

pondo-se em fuga poetas e pensadores como guardiatildees desse saber que

abre satildeo os caminhantes desse Holzwege Caminho de Floresta dessa

vereda deste terceiro caminho que Parmecircnides em seu poema Da Natureza

indica como aquele descaminho que leva ao nada ao que se potildee em fuga Eacute

nessa vereda nesse Αηραπός nesse caminho de floresta que se daacute o

avizinhanccedilar-se do ser Para adentrar em tal vereda contudo eacute necessaacuterio

arriscar-se frente agrave possibilidade de perder-se no caminhar de cair em um

poccedilo Soacute aiacute eacute possiacutevel avizinhaccedilar-se da fonte principial Poetas e pensadores

satildeo capazes de nomear nesse calar-se Sua linguagem eacute silenciosa Qual o

modo desse silecircncio De que modo eacute o dizer da arte um dizer silencioso Satildeo

nessas questotildees que nos deteremos nos passos seguintes

33 Pensamento poeacutetico Um dizer silencioso

Vimos que a essecircncia da arte em Heidegger se apresentou como um

pocircr-em-obra o acontecimento da verdade onde essa verdade eacute pensada como

clareira abertura A arte potildee-em-obra a verdade do ente Enquanto obra a arte

eacute abertura eacute adveniecircncia do ser ao ente do que eacute para o que estaacute sendo do

natildeo-vigente agrave vigecircncia Poderia ser dito poreacutem com a possibilidade de maacutes

interpretaccedilotildees o que nos adverte o proacuteprio filoacutesofo80

que a arte eacute uma

passagem do nada ao ente Este nada natildeo deve ser aqui pensado como o

nada do niilismo O nada aqui eacute pensado como o natildeo-ente o natildeo-presente

que apesar de natildeo ser um ente eacute sua fonte principial eacute originaacuterio Ser e nada

80

Α origem da obra de arte pp 181-183

ldquoEscrever o que natildeo acontece eacute tarefa da

poesiardquo Manoel de Barros Menino do mato

ldquoSobre o que natildeo se pode calar devemos

silenciarrdquo Ludwig Wittgenstein Tractatus Logico-Philosophicus

56

se pensados com cuidado de natildeo os identificar diretamente podem ser

pensados juntos em sua proximidade

E a verdade surge do nada De fato se pensado com o nada do mero natildeo sendo e se nisso o sendo eacute representado como aquele

existente habitual que depois atraveacutes do entre-permanecer da obra vem agrave luz como o que apenas pretensamente eacute o verdadeiro sendo e assim fica abalado A verdade nunca eacute colhida do existente e do

habitual Abertura do aberto e a clareira do sendo acontecem muito mais somente no que a abertura adveniente se delineia na

projeccedilatildeo81

Toda passagem do natildeo-vigente ao vigente todo brotar da θύζης (fiacutesis) eacute

ποίεζης (poiacuteesis) ou seja todo acontecimento da verdade (Ereignis) toda

abertura como clareira eacute poesia Assim tanto o desencobrimento da teacutecnica

seja ela claacutessica ou moderna como o des-encobrimento da obra-de-arte satildeo

poiacuteesis poreacutem enquanto na teacutecnica moderna o que eacute posto eacute produzido como

algo acabado como pronto no pocircr-em-obra da arte assim como na teacutecnica

claacutessica enquanto ηέτλε o que adveacutem eacute encaminhado como princiacutepio

(Anfang) como inaugural movimento

Na teacutecnica moderna o posto adveacutem por meio de uma com-posiccedilatildeo (Ge-

stell ζσλ-ζέζης) como disponibilidade Na obra de arte o que pela obra eacute

posto em obra adveacutem como disputa confronto Na forma do conceito o com-

posto eacute identitaacuterio unidade eacute ponto final Jaacute na disputa originaacuteria a cada

momento se da diferenccedila A multiplicidade de sentido que eacute dada natildeo permite

um ponto final mas sempre uma reticecircncia eacute abertura de possibilidades Nas

palavras de Heidegger

Encarada em sua essecircncia a arte eacute uma sagraccedilatildeo e um refuacutegio a saber a sagraccedilatildeo e o refuacutegio em que cada vez de maneira nova o

real presenteia o homem com o esplendor ateacute entatildeo encoberto de seu brilho a fim de que nesta claridade possa ver como maior

pureza e escutar com maior transparecircncia o apelo de sua essecircncia

Como a arte a ciecircncia tampouco eacute apenas um desempenho da

cultura do homem Eacute um modo decisivo de se apresentar tudo que eacute e estaacute sendo

82

()

Em oposiccedilatildeo a isso a ciecircncia natildeo eacute nenhum acontecer originaacuterio da

verdade mas sempre a ampliaccedilatildeo de um acircmbito de verdade jaacute aberto e de certo atraveacutes do compreender e fundamentar do que se mostra

na sua esfera como o correto possiacutevel e necessaacuterio Quando e na

81

Idem 82

Ciecircncia e pensamento do sentido p 39

57

medida em que uma ciecircncia vai mais aleacutem do correto para uma verdade isto eacute para o desencobrimento essencial do sendo como tal

entatildeo ela eacute filosofia83

Esse natildeo habitual natildeo-vigente que vem a ser pela poiacuteesis foi a muito

rechaccedilado pela tradiccedilatildeo metafiacutesica enquanto loacutegica O ser foi pensado nesta

tradiccedilatildeo como o ente e este como o vigente o presente o dado e da mesma

forma o natildeo-vigente o ausente foi pensado como o nada e seguindo o

raciociacutenio o aparente foi dado como o erro imagem como o que natildeo se

adeacutequa ao ente Nada ser (ente) e aparecircncia seriam as trecircs vias de

conhecimento a qual o homem poderia movimentar-se As trecircs vias que

segundo Parmecircnides se relacionavam com a verdade Destas trecircs vias uma

necessariamente logicamente deveria ser abandonada pois natildeo era

verdadeiramente uma via mas um αηραπός um natildeo-caminho uma vereda

Holzwege (caminho de floresta) Sendo assim natildeo levaria o homem justo a

lugar nenhum Esta vereda era a via que dizia respeito ao nada ao natildeo-ser

Falar sobre este nada seria a ruiacutena deste justo seria a ruiacutena do conhecimento

loacutegico A loacutegica do pensar reto seria desfeita nessa empreitada

Aiacute em Parmecircnides daacute-se o primeiro momento de rechaccedilamento desta

terceira possibilidade Em Aristoacuteteles aparece na expressatildeo do terceiro

excluiacutedo84

Todo ente ou eacute de certa forma ou o seu oposto Qualquer outra

possibilidade fica entatildeo excluiacuteda Pensar em uma terceira possibilidade eacute ferir o

segundo princiacutepio supremo do pensar loacutegico Podemos ver tanto no princiacutepio

da contradiccedilatildeo como no do terceiro excluiacutedo um abandono do pensar acerca

do nada A linguagem que diz respeito ao homem eacute a linguagem loacutegica Ela

proiacutebe o dizer sobre o nada Contudo mesmo que Parmecircnides e Aristoacuteteles

venham a proibir a reflexatildeo sobre o nada essa proibiccedilatildeo jaacute se apresenta como

um pensar Aiacute ouve um pensar cuidadoso temeraacuterio frente agrave vereda que seria

pensar sobre este nada Natildeo haacute ainda um abandono desta questatildeo mesmo

que com a reflexatildeo sobre ela seja isso que foi proposto Este afastamento

com o desenvolvimento da Ciecircncia da Loacutegica e da Metafiacutesica torna-se um

esquecimento O nada eacute esquecido e com ele a possibilidade de pensar o ser

83

Origem da obra de arte p 157 84

Metafiacutesica pp179-181 Γ 7 ndash 1011b 23-1012a 28

58

como essa outra possibilidade como esse natildeo-vigente Funda-se o impeacuterio da

loacutegica e do ente Eacute nos moldes desse impeacuterio que a Metafiacutesica desenvolve sua

dominaccedilatildeo a todo o pensar da tradiccedilatildeo ocidental numa ldquomecacircnica conceitualrdquo

blindada a qualquer tentativa de des-construccedilatildeo

Soacute com o desmoronamento interno deu-se iniacutecio a queda deste impeacuterio

A proacutepria reflexatildeo loacutegica sob a ameaccedila de autodestruir-se urge pela

necessidade de outra possibilidade de pensamento por outro modo de

linguagem Escuta-se como a voz de um fantasma pois haacute muito tempo

abandonado e esquecido o apelo do ser deste nada que havia sido

rechaccedilado Essa necessidade de outra linguagem eacute interna a proacutepria loacutegica ao

pensar em seus fundamentos pois na proacutepria delimitaccedilatildeo de seu objeto de

pesquisa esta se remete a algo que lhe eacute externo remete-se a esse nada

Trata a loacutegica do ente e nada mais85

e como dizem Platatildeo86

e Aristoacuteteles87

a

sabedoria a ciecircncia de algo eacute tambeacutem a ciecircncia de seu contraacuterio Quem

conhece a boa poesia eacute justamente quem conhece a maacute poesia Quem sabe o

que faz bem agrave sauacutede sabe o que natildeo lhe faz bem Quem busca o saber das

causas primeiras das coisas primeiras dos entes em si pura e simplesmente

conhece o natildeo-ente

Poreacutem acerca deste natildeo-ente neste terceiro caminho soacute o silecircncio eacute

proacuteprio Nesse sentido encontramos a defesa do pensar heideggeriano acerca

do poeacutetico Contudo para tal dizer genuinamente poeacutetico eacute preciso libertar a

linguagem da gramaacutetica assim como eacute preciso libertar a filosofia das

disciplinas acadecircmicas como eacute necessaacuterio libertar a arte das concepccedilotildees

esteacuteticas Haacute outro acircmbito da linguagem o da nomeaccedilatildeo do pocircr-vir Assim diz

Heidegger

A linguagem eacute a morada do ser Na habitaccedilatildeo da linguagem mora o

homem Os pensadores e os poetas satildeo os guardiotildees dessa morada ()Libertar a linguagem da gramaacutetica conduzindo-a para uma

85

O que eacute metafiacutesica p 115-116 86

No Ion Socrates ao interrogar Iacuteon acerca de Homero o faz dizer que aquele que conhece o que eacute bom para uma ciecircncia eacute o mesmo que conhece o que eacute mal Por exemplo eacute o meacutedico

aquele que conhece o que traz sauacutede e tambeacutem o que tira a sauacutede 87

Assim diz Aristoacuteteles ldquoA mesma ciecircncia compete o estudo dos contraacuteriosrdquo Metafiacutesica p135

Γ2 1004a 9-10

59

estrutura essencial mais originaacuteria eacute uma tarefa reservada ao pensar e poetar

88

Eacute na linguagem artiacutestica onde o embate vigoroso entre Terra e Mundo

se daacute na co-pertenccedila de ambos em tal equiliacutebrio que nenhum se sobressai

sobre o outro que se entende esse silecircncio poeacutetico Desse embate primordial

pela forccedila do que se potildee com o que se res-guarda acontece um aquietar-se

um repouso Silecircncio e repouso natildeo satildeo de forma nenhum algo como uma

ausecircncia Satildeo na verdade pura atividade Da disputa daacute-se a co-pertenccedila na

diferenccedila de ambos entre Terra e Mundo entre coisa e mundo O dizer

poeacutetico

Evoca originariamente a partir da simplicidade de um chamado

iacutentimo esse que evoca a diferenccedila sem dizecirc-la () A linguagem fala deixando vir o chamado coisa-mundo e mundo-coisa no entre da

diferenccedila ()Quieto natildeo eacute de maneira nenhuma o que natildeo soa Natildeo soar eacute somente natildeo estar na movimentaccedilatildeo de entoar e soar () A

falta de movimentaccedilatildeo eacute somente o outro lado do repouso () O repouso movimenta-se muito mais do que um movimento e tem muito mais movimentaccedilatildeo do que qualquer moccedilatildeo () quando coisa e

mundo estatildeo quietos no seu proacuteprio a diferenccedila convoca mundo e coisa para o meio de sua intimidade

89

Percebe-se entatildeo que silenciar-se natildeo eacute pensado como um calar-se

como se deu pela tradiccedilatildeo metafiacutesica-loacutegica-cientiacutefica Pois num mero calar-

se o que haacute eacute um abandono No silecircncio em oposiccedilatildeo ao abandono haacute uma

aproximaccedilatildeo uma busca da intimidade do co-responder daacute-se um modo

primordial da linguagem Uma escuta que permite a colheita do destinado pelo

ser Aquela escuta dada na pausa na reticecircncia de um dizer aquele suspiro

Um repouso que natildeo eacute estagnaccedilatildeo mais o autecircntico movimento Soacute quem

silencia eacute quem diz e pensa autenticamente Silenciar-se eacute da essecircncia do

falar Quem natildeo tem linguagem natildeo silencia assim como quem natildeo possui

movimento natildeo pode repousar

Diante da vereda que eacute este terceiro caminho o caminhante cuidadoso

se vecirc em ἀπορία aporia Percebe que precisa respirar e escutar um pouco do

que lhe circula Entatildeo repousa escuta e mira ao redor para o dentro e o fora e

88

Cartas sobre o humanismo p 326 89

A linguagem pp 22-23

60

ainda para aleacutem do ente do presente Aqui ldquomirar significa adentrar o

silecircnciordquo90

ldquoEle escuta agrave medida que pertence ao chamado da quietuderdquo91

Esse eacute modo o do dizer artiacutestico do nomear poeacutetico do falar essencial do

homem

Os mortais falam a partir da diferenccedila no sentido da diferenccedila como

um corresponder O falar dos mortais deve antes de tudo escutar o chamado pois eacute como chamado que o quieto da diferenccedila evoca o

rasgo de coisa e mundo Cada palavra falada pelos mortais fala desde essa escuta como essa escuta Os mortais falam agrave medida que escutam

92

Falamos diversas vezes em arte e poesia mas seraacute que estas satildeo uma

mesma coisa Pensemos um pouco nesse questionamento buscando

semelhanccedilas e diferenccedilas antes de prosseguirmos com o percurso A arte eacute

poiacuteesis poreacutem a θύζης tambeacutem o eacute O poieacutetico eacute bem mais amplo que o

artiacutestico Poesia natildeo eacute pensada aqui estritamente como a escrita do poema

Poiacuteesis eacute tudo que eacute do acircmbito da eclosatildeo do vir-a-ser do brotar adveniecircncia

Eacute fala inaugural Poiacuteesis eacute linguagem quando esta natildeo eacute pensada como mera

expressatildeo modo de comunicaccedilatildeo por letras ou sons Eacute linguagem no sentido

de um narrar inaugural fundador como abertura e morada do ser Assim diz

Heidegger nos paraacutegrafos finais do ensaio A origem da obra de arte

A poiacuteesis eacute a fala inaugurante do desvelar do sendo () poiacuteesis eacute aqui pensada em um sentido tatildeo amplo e ao mesmo tempo numa

unidade essencial tatildeo iacutentima com a linguagem e a palavra que precisa ser deixado em aberto a questatildeo se a arte em verdade em

todos os seus modos - da arquitetura ateacute a poesia esgota a essecircncia da poiacuteesis A proacutepria linguagem eacute poiacuteesis em sentido original

93

Com esse indagar fomos levados da questatildeo da arte como inaugural ao

acircmbito mais amplo da poiacuteesis e da linguagem Seguindo entatildeo o fio condutor

do caminho que estaacute sendo aberto ao se caminhar pensemos acerca da

poiacuteesis do poeta e de sua linguagem Pelo visto poetar eacute entatildeo linguagem em

sentido amplo e originaacuterio poreacutem natildeo soacute o poeta eacute o guardiatildeo dessa morada

do ser Satildeo os pensadores e poetas seus guardiotildees e em sua profunda

conexatildeo com a linguagem estaacute o seu parentesco sua proximidade uma

90

A linguagem na poesia p 35 91

A linguagem p 26 92

Idem p25 93

A origem da obra de arte p 189

61

linguagem que tem na disputa a sua essecircncia O que na linguagem dos

poetas e pensadores vem-a-ser vem como disputa Bem diferente eacute a

linguagem da loacutegica que conceitua e define limitando em algo pronto No

poetar e pensar o nomeado eacute constante adveniecircncia do novo eacute brotar

principial

A questatildeo da linguagem em Heidegger eacute ao lado das questotildees do ser

e da verdade a questatildeo do seu pensar Assim diz Gadamer acerca da filosofia

heideggeriana ldquoSe quisermos colocar em discussatildeo a significaccedilatildeo da filosofia

de Martin Heidegger natildeo podemos fazer outra coisa senatildeo a partir da

experiecircncia fundamental () de uma nova experiecircncia da linguagem da

filosofiardquo94

Ao pensar ser e verdade como adveniecircncia abertura constante de

uma disputa originaacuteria torna-se necessaacuterio uma nova experiecircncia com a

linguagem Como se deu com Aristoacuteteles e seu pensar do ser Onde o que

estava antes de qualquer coisa era o ente a substacircncia Necessitou-se aiacute uma

nova experiecircncia com a linguagem que vigora ateacute o presente como linguagem

loacutegica Com uma mudanccedila no sentido do ser daacute-se em conjunto com esta

uma mudanccedila fundamental na linguagem Eacute na linguagem dos poetas que esta

nova linguagem encontra sua guarda Eacute tarefa dos pensadores e dos poetas

levar a linguagem para o que estaacute aleacutem do presente no sentido de um

encaminhar para o misteacuterio

Em seu pequeno ensaio Houmllderlin e a essecircncia da poesia escrito como

que um complemento ao A origem da obra de arte Heidegger faz a passagem

da questatildeo da arte para a questatildeo mais ampla que eacute a do poetar Escrito em

um mesmo periacuteodo os dois escritos satildeo como que um uacutenico corpo acerca da

arte e do poeacutetico Neste ensaio o pensador parte de cinco palavras-guias do

poeta Houmllderlin o qual nutre grande apreccedilo para desenvolver seu pensar

sobre a essecircncia da poesia O ensaio se apresenta entatildeo como um diaacutelogo

entre pensador e poeta um diaacutelogo do pensamento Buscando por meio

destas palavras-guias pensar sobre a essecircncia da poesia Inicia o ensaio

justificando sua escolha por Houmllderlin para o caminho que entatildeo seraacute traccedilado

Diz

94

Heidegger e a linguagem p23

62

Por que foi escolhida a obra de Houmllderlin com o propoacutesito de mostrar a essecircncia da poesia Por que natildeo Homero ou Soacutefocles por que

natildeo Virgilio ou Dante por que natildeo Shakespeare ou Goethe Nas obras desses poetas foi realizada a essecircncia da poesia tatildeo ricamente ou ainda mais do que na criaccedilatildeo de Houmllderlin tatildeo imatura e

bruscamente interrompida () unicamente porque estaacute carregada com a determinaccedilatildeo poeacutetica de poetizar a proacutepria essecircncia da poesia

Houmllderlin eacute para noacutes em sentido extraordinaacuterio o poeta dos poetas95

Para Heidegger eacute com Houmllderlin que se tem o poetar sobre o poetar Daiacute

sua escolha entre tantos poetas Houmllderlin nomeia a essecircncia da poesia da

poiacuteesis Cria com seu dito uma clareira para a disputa originaacuteria entre Terra e

Mundo Podemos ver por este ensaio a forccedila do poetar no expressar-se por

uma linguagem natildeo conceitual que se apresenta ateacute como contraditoacuteria ao

permitir o que pela linguagem loacutegica seria de iniacutecio reprimido Citemos entatildeo

as cinco palavras-guias para que possamos acompanhar o pensar

heideggeriano sobre o poetar de Houmllderlin

i) Poetizar ldquoa mais inocente de todas as ocupaccedilotildeesrdquo (III 377)

ii)rdquoe foi dado ao homem o mais perigoso dos bens a linguagem Para que testemunhe o que eacuterdquo (IV 246)

iii) ldquoO homem tem experimentado muito Nomeado a muitos celestes Desde que somos um diaacutelogo

E podemos ouvir uns aos outrosrdquo (IV 343) iv) ldquoMas o que permanece instauram os poetasrdquo (IV 63)

v) ldquoPleno de meacuteritos mas eacute poeticamente que o homem habita esta terrardquo (VI 25)

96

Eacute a poesia a mais inocente e aleacutem disso o mais perigoso dos bens do

homem Eacute por meio dela que testemunhamos quem somos Em oposiccedilatildeo ao

expressar-se loacutegico formal intencional produtivo o dizer poeacutetico eacute pura

inocecircncia eacute a simples abertura do coraccedilatildeo ao destinado pelo ser Eacute a

inocecircncia frente agrave intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem o bem mais perigoso pois se eacute pela

linguagem que o homem testemunha quem eacute eacute tambeacutem por ela que pode dar-

se sua decadecircncia Eacute no natildeo cuidado com o dizer que mora o maior perigo

Pensando com o que foi dito anteriormente o homem encontra-se ameaccedilado

pela teacutecnica moderna O maior perigo poreacutem natildeo proveacutem de suas armas e

bombas entre tantos outros perigos O maior perigo estaacute no seu dizer Um

dizer que se mostrou apenas como siacuten-tese com-posiccedilatildeo Um dizer que forccedila

explorando a terra a se dispor produzir energia Nesse dizer moderno que

95

Holderlin e a essecircncia da poesia Traduccedilatildeo livre feita por mim p 1-2 DE ONDE 96

Idem p1

63

podemos bem pensar quase como que outra coisa menos um dizer genuiacuteno

como mera repeticcedilatildeo do acircmbito do jaacute aberto eacute que mora o maior perigo pois eacute

o abandono da outra possibilidade qualquer outra possibilidade Eacute natildeo

abertura a proveniecircncia do misteacuterio do ser O enrijecimento no posto no

habitual Eacute portanto a linguagem enquanto loacutegica o maior perigo ao homem

atual pois eacute pela linguagem que o homem vem a ser homem e eacute por ela que

se daacute a morte essencial deste mesmo homem

Para pensar no perigo que eacute esse bem doado ao homem faccedilamos uma

aproximaccedilatildeo deste ensaio com a conferecircncia Cartas sobre o humanismo para

que se ponha de forma mais vigorosa a questatildeo da linguagem e a ameaccedila que

acompanha o seu des-cuidado Nesta conferecircncia Heidegger pensando no

humanismo como uma reflexatildeo acerca da essecircncia do homem desenvolve

partindo do que eacute dito pela tradiccedilatildeo acerca dessa essecircncia sua concepccedilatildeo de

homem O homem eacute um δῳολ ιόγολ ἒτολ97

traduzida pelo pensar latino como

o homem eacute um animal racional Para a tradiccedilatildeo a essecircncia do homem estaacute na

faculdade da razatildeo E razatildeo nesta tradiccedilatildeo eacute o pensar loacutegico reto e natildeo

contraditoacuterio que exclui qualquer terceira possibilidade Logo o homem eacute um

ser loacutegico Pensando com o dito aristoteacutelico ιόγολ eacute dizer eacute linguagem

Estariacuteamos mais proacuteximo do que aiacute foi dito pensando que o homem eacute um

anima um ser vivo que fala que possui linguagem Eacute a linguagem que daacute

origem ao homem

A soberania da linguagem loacutegica rechaccedilou a outra possibilidade de fala

a do dizer poeacutetico O homem tornou-se o efetivo o loacutegico Aquele que produz e

domina todo o concreto inabalaacutevel pelo menos ateacute sentir que o que lhe dava o

poder o domiacutenio ameaccedila lhe dominar O seu maior bem se mostra agora

como sua maior ameaccedila As grades que eram vistas como seguranccedila ao

adverso torna-se sua prisatildeo Urge entatildeo o diaacutelogo com este outro pensar

Nesta noite do mundo daacute-se a necessidade de uma linguagem que seja

clareira Na seguranccedila de cada um isolado em suas casas em seus

monoacutelogos o diaacutelogo se apresenta crucial pois ldquodesde que somos diaacutelogo e

97

Carta sobre o humanismo p 335

64

podemos ouvir uns aos outrosrdquo este isolamento eacute sempre soacute a perdiccedilatildeo Nossa

indigecircncia realiza-se no abandono do outro

Enquanto mortais o ciclo de nascimento e morte nos eacute essencial A

histoacuteria eacute diaacutelogo ldquoSer um diaacutelogo e ser histoacuterico satildeo ambos igualmente

antigos se pertencem um ao outro e satildeo o mesmordquo 98

e o que nessa histoacuteria

permanece eacute instaurado pelos poetas ldquoA poesia eacute a instauraccedilatildeo do ser com a

palavrardquo99

Sendo adveniecircncia poiacuteesis eacute instauraccedilatildeo eacute obra Os poetas

instauram o ser como clareira como luta entre velado e desvelado Eacute na

linguagem poeacutetica que habita o homem Assim diz a quinta palavra-guia do

ensaio ldquopleno de meacuteritos mas eacute poeticamente que o homem habita essa

terrardquo Eacute nesse diaacutelogo poeacutetico de um com o outro que se abre a clareira de seu

habitar e natildeo no isolamento residencial do morar protegido do misteacuterio do que

possa advir Eacute pois poeticamente que o homem habita Diante disto podemos

ver no periacuteodo atual o quatildeo in-essencial o quatildeo indigente encontra-se a

humanidade

Diante essa indigecircncia perguntamos anteriormente Como enfrentarmos

esta ameaccedila que se apresenta Eacute possiacutevel que a arte ou de forma mais

ampla que a poesia possa confrontar esse perigo Eacute essa outra possibilidade

suficiente como fuga da crise E aleacutem do questionado eacute ainda possiacutevel que

diante de tanta teacutecnica se instaure outra forma de se viver de habitar essa

terra Para pormo-nos diante esses questionamentos adentraremos em um

escrito heideggeriano chamado Para que poetas

34 Poetas em tempos indigentes Um salto na vereda

Diante a crise que ameaccedila o homem em sua essecircncia pensemos na

tarefa destinada aos poetas e com eles os pensadores Pensar portanto se e

como eacute a tarefa destes poetas e pensadores diante este modo teacutecnico de viver

e de pensar Viver teacutecnico este em oposiccedilatildeo ao viver entendido por Heidegger

como aquele brotar sempre novo na disputa da clareira poderia ser pensado

quase como um natildeo-viver Uma teacutecnica exploradora onde todos os entes e o

98

Houmllderlin e a essecircncia da poesia p 6 99

Idem p 7

65

proacuteprio homem deixam de ser o que satildeo essencialmente enquanto θὺζεης

ὄληα seres da fiacutesis para decaiacuterem em meros artefatos seres produzidos Seja

para o comeacutercio o trabalho o poder ou seja como mera disponibilidade

Diante uma aproximaccedilatildeo do ensaio Para que poetas (1946) texto pertencente

ao mesmo conjunto de ensaios de A origem da obra de arte com o todo ateacute

aqui caminhado buscaremos um confronto do caminhado com o questionado

Este conjunto de textos do qual esses ensaios fazem parte tem como tiacutetulo a

palavra essencial Holzwege A versatildeo portuguesa traduziu-a seguindo a

indicaccedilatildeo dada pelo proacuteprio autor no iniacutecio da obra por Caminhos de floresta

Aiacute Heidegger diz assim

Holz [madeira lenha] eacute um nome antigo para Wald [floresta] Na floresta [Holz] haacute caminhos que o mais das vezes sinuosos terminam perdendo-se subitamente no natildeo-trinhado

Chamam-se caminhos de floresta [Holzwege]

Cada um segue separado mas na mesma floresta [Wald] Parece muitas vezes que um eacute igual ao outro Poreacutem apenas parece ser assim

Lenhadores e guardas-florestais conhecem os caminhos Sabem o que significa estar metido num caminho de floresta

100

Holzwege eacute esse sinuoso caminho sempre ainda natildeo-trilhado no qual o

caminhante ao percorrecirc-lo inaugura uma trilha Abrindo para outros

posteriores caminhantes uma trilha Este extra-ordinaacuterio caminho inaugurado eacute

um caminho do pensamento da linguagem da poiacuteesis do ser Sendo antes

de ser percorrido um caminho fechado eacute ainda um natildeo-caminho Parmecircnides

o chama de αηραπός e por um lado proiacutebe ao justo por ele se arriscar a

caminhar por outro lado ao pensar acerca deste caminho no natildeo-dito nos diz

para por ele nos enveredarmos com o maior cuidado possiacutevel Eacute nesse

caminho fechado da floresta eacute portanto nessa vereda que desde o iniacutecio

desta pesquisa cuidadosamente buscamos adentrar Se caminhamos

lentamente eacute porque diferente de se seguir uma trilha jaacute pronta jaacute aberta aqui

estamos nos enveredando em uma constante disputa com o misteacuterio do

adveniente por um Holzwege

100

Caminhos de floresta p3

66

Esta reflexatildeo se deu a princiacutepio sobre a questatildeo da crise atual Uma

crise que ameaccedila o homem ao ameaccedilar sua linguagem e seu pensar no que

neste haacute de mais essencial O que nos levou a pensarmos na teacutecnica que por

sua vez nos fez pensar na teacutecnica moderna Vimos que esta teacutecnica tem em

sua essecircncia tudo a ver com a questatildeo da verdade com a αιήζεηα pois esta

teacutecnica eacute um modo de des-encobrimento Verdade em Heidegger eacute uma

questatildeo inseparaacutevel da questatildeo do ser Com isso adentramos ao cerne do

pensar heideggeriano A questatildeo do ser e da verdade se pocircs em evidecircncia

Verdade como disputa entre des-encobrimento e encobrimento e ser pensado

como acontecimento-poeacutetico apropriativo Ereignis que adveacutem do misteacuterio do

natildeo-vigente nos transpuseram ao acircmbito da ποίεζης poiacuteesis Seguindo entatildeo

a proacutepria indicaccedilatildeo heideggeriana apresentada no final do seu ensaio sobre a

questatildeo da teacutecnica que nos mostra que em seu primoacuterdio teacutecnica como ηέτλε

e arte satildeo consanguumliacuteneos enquanto poiacuteesis satildeo dois modos de des-

encobrimento de verdade de acontecimento do ser Assim passamos ao

acircmbito da arte Pensamos esta em sua essecircncia como pocircr-em-obra o

acontecimento da verdade do ente Como obra que da disputa constante entre

o que se desvela e o que se oculta se mostrou como clareira como

inauguraccedilatildeo

Foi assim que do acircmbito da arte passamos ao do poeacutetico Este acircmbito

foi pensado em sua maior amplitude ou seja como tudo aquilo que adveacutem do

natildeo-vigente ao vigente Essa adveniecircncia daacute-se na linguagem Linguagem eacute a

morada do ser eacute abertura clareira Entatildeo ser verdade e linguagem de forma

entrelaccedilada se puseram como a vereda da qual adentrariacuteamos Temas centrais

heideggerianos da qual qualquer reflexatildeo que envolva o seu pensar natildeo pode

escapar Eacute diante essa vereda que nos questionamos eacute a linguagem poeacutetica

essa outra possibilidade que guarda a medranccedila do que salva Se ela eacute essa

possibilidade como se daraacute o enfrentamento agrave crise Devemos entatildeo substituir

a linguagem loacutegica fonte dessa crise atual pela linguagem poeacutetica como

resposta a crise atual Se natildeo qual o outro caminho ainda a se seguir Ou natildeo

haacute possibilidade alguma que venha a salvar o homem da ameaccedila que lhe

pesa

67

Para o homem essa linguagem eacute o bem mais perigoso que lhe foi

doado Bem pois eacute ela que lhe doa a sua essecircncia O homem eacute um ente que

fala eacute um δῳολ ιόγολ contudo este que lhe doa a essecircncia eacute tambeacutem o que

o levar a correr o risco de perder-se como eacute o caso da crise identificada por

Heidegger O homem enquanto Da-sein enquanto presenccedila que estaacute aiacute no

mundo em relaccedilatildeo com como um lanccedilado para fora um Ek-sistente corre

este risco Como guardiatildeo da linguagem morada do ser eacute este o ente que se

encontra jogado mais agrave vizinhanccedila deste ser Sendo livre contudo para

corresponder ou natildeo ao destinado por este ser podendo portanto correr o

risco o que o leva a sua atual decadecircncia de natildeo corresponder a este

destinado Sua linguagem que em seu pleno vigor eacute um originaacuterio que nomeia

enquanto disputa enquanto diferenccedila pode decair como se daacute no homem

atual no mero expressar-se comum na linguagem formal do comercio de

opiniotildees

Re-pensar a linguagem eacute re-pensar o homem Arriscar-se na linguagem

eacute arriscar-se enquanto homem em oposiccedilatildeo agrave falsa seguranccedila da linguagem

pronta da loacutegica da gramaacutetica da academia Eacute arriscar-se a perder o solo o

fundamento do que lhe assegura Eacute preciso ir aleacutem da superfiacutecie do solo Eacute

preciso arriscar-se a cair no poccedilo em direccedilatildeo ao misteacuterio originaacuterio do ser Eacute

como esse que ousa cair que ousa saltar nesse poccedilo nesse abismo (Ab-

grund) que podem poetas e pensadores se relacionarem com a linguagem

Os pensadores sempre foram chamados de extravagantes ao ousarem dar

sentidos completamente in-habituais agraves palavras para dizerem o mais vigoroso

de seu pensar Assim foi Platatildeo e o εηδος Anaximandro e o seu ἄπεηρολ o

ιόγος de Heraacuteclito a Ge-stell heideggeriana Assim tambeacutem se daacute com a

ousadia inocente do poeta que canta Arriscando-se mais no caminho da

erracircncia permitem quando suportam a adveniecircncia do inaugural

acontecimento do ser

Neste mundo decadente do entendimento predicativo teacutecnico

comercial o ser como o que silenciosamente envia ausenta-se Falta o pensar

sobre o ser Assim diz Heidegger no ensaio Para que poetas

Com esta falta fica fora do mundo o fundo como aquilo que

fundamenta Originariamente abismo [Abgrund] significa o solo e o

68

fundo em direccedilatildeo ao qual tende encosta abaixo algo que estaacute pendurado Contudo o Ab seraacute pensado doravante como a

ausecircncia completa de fundo O fundo eacute o solo de um enraizar e de um erguer-se A era do mundo que carece de fundamento encontra-se suspensa no abismo Supondo que se encontra ainda reservada

uma viragem para este tempo indigente ela apenas poderaacute surgir se o mundo virar radicalmente ou seja dito de uma forma mais precisa

se ele virar a partir do abismo Na era da noite do mundo tem que se experimentar e suportar o abismo do mundo Mas para tal seraacute

necessaacuterio que haja quem consiga chegar ateacute ao abismo 101

Essa era atual do domiacutenio do entendimento teacutecnico loacutegico eacute a noite do

mundo Em seu periacuteodo matutino poetas e pensadores se jogaram no abismo

Como quem cai para o alto em direccedilatildeo ao divino e aiacute com um esforccedilo

tremendo disseram o originaacuterio Pensadores dizendo o ser e poetas o divino

contudo com o desenvolvimento da ciecircncia da loacutegica decai essa possibilidade

da linguagem O ser pondo-se em fuga eacute encoberto pelo ente Soacute resta

ausecircncia Ausecircncia de ser do divino do pensar ausecircncia do homem da

linguagem

Olhar verdadeiramente para este mundo eacute encarar o abismo Eacute natildeo fugir

na ilusatildeo da seguranccedila de um falso solo firme Eacute necessaacuterio encarar esse

abismo e suportaacute-lo ldquoSer poeta em tempo indigente significa cantar tendo em

atenccedilatildeo o vestiacutegio dos deuses foragidos Eacute por isso que no tempo da noite do

mundo o poeta diz o sagradordquo 102

Dizer o sagrado e pensar o ser eacute aiacute onde

cresce o perigo em sua unidade aquilo que guarda a medranccedila do que salva

Co-responder a este destino eacute a tarefa do poeta Co-responder ao destino natildeo

eacute um mero deixar-se levar pensado como uma apatia como ausecircncia mas eacute o

mais longe que cada um pode chegar ldquoCada um chega o mais longe possiacutevel

quando natildeo ultrapassa os limites do caminho que lhe foi destinadordquo 103

Em tempos de indigecircncia falta a coragem do permitir Na superficialidade

do correto da adequatio o homem atual se esconde Haacute aiacute um esconder-se

bem diferente do guardar-se que se daacute com o misteacuterio do ser da Terra como

aquela que abriga pois esconder-se eacute fugir jaacute o guardar-se eacute da proteccedilatildeo eacute

101

Para que poetas pp309-310 102

Idem p312 103

Idem p313

69

corresponder agrave luta necessaacuteria Eacute enfrentamento da outra possibilidade da

erracircncia

Quem eacute que hoje em dia se atreve a considerar-se familiarizado com a essecircncia da poesia bem como com a essecircncia do pensamento e

acha-se ainda suficientemente forte para conduzir ambas as essecircncias agrave mais extrema das discoacuterdias assim estabelecendo a sua concoacuterdia

104

O ser larga o ente ao risco como uma matildee que o solta para seu

desenvolvimento essencial portanto eacute como arriscado que este deve

corresponder agrave sua essecircncia Como enfrentamento como risco erracircncia como

disputa originaacuteria Correndo o risco de com isso termos de suportarmos

desiacutegnios mais pesados do que pensamos ser capazes de suportar Como diz

Houmllderlin por uma carta ao seu amigo

Oh amigo O mundo estaacute ante a mim mais claro que da outra vez e mais seacuterio Eu gosto como vai eu gosto como quando no veratildeo eu

vejo o pai sagrado com matildeo tranquila sacode a nuvem avermelhada com relacircmpagos de becircnccedilatildeo Pois entre tudo o que posso ver de

Deus eacute este sinal que se fez predileto Antes saltava de juacutebilo por uma nova verdade uma visatildeo melhor do que este sobre noacutes e ao nosso redor agora temo que me suceda no final o que ao velho

Tacircntalo que recebeu dos deuses mais do que poderia digerir 105

O poeta como mensageiro que se expotildee aos raios do divino que se ex-

potildee ao destinado do ser Traduzindo esse destinado em linguagem nomeando

de forma inaugural aos homens Sai da seguranccedila do habitual do meramente

dis-poniacutevel ao risco de ser esse mensageiro Assim Heidegger apresenta o

poeta como aquele que inverte ldquoa imanecircncia da consciecircncia calculadora para o

espaccedilo interior do coraccedilatildeordquo 106

Cantando o poeta transmigra do comerciante

ao anjo αγγειος mensageiro do divino do ser aos mortais

A ilusatildeo de seguranccedila dada pela loacutegica e seu inabalaacutevel sistema se

apresentou como a maior ameaccedila Entretanto a quem se arisca mais natildeo daacute-

se um esquecimento um abandono da fonte principial Haacute nesse arriscar-se

o contraacuterio Uma inversatildeo que do desamparo surge o abrigo No que se arrisca

104

Idem p317 105

Houmllderlin e a essecircncia da poesia p 9 106

Para que poetas p352

70

ao abandono surge agrave libertaccedilatildeo do habitual como um caminho puro

extraordinaacuterio a fonte inaudita do ser

O homem que se impotildee vive das apostas do seu querer Vive essencialmente arriscando o seu ser no acircmbito da vibraccedilatildeo do

dinheiro e do valer dos valores Sendo constantemente esse cambista e mediador o homem eacute o ldquocomercianterdquo Pesa e pondera sem parar embora natildeo conheccedila o verdadeiro peso das coisas () Mas ao

mesmo tempo o homem eacute capaz de criar ldquoum estar segurordquo fora da proteccedilatildeo virando o desamparo como tal para o aberto fazendo-se

integrar-se no espaccedilo cordial do invisiacutevel Se isso acontece entatildeo o insaciado do desamparo passa para laacute onde na uniatildeo equilibrada do espaccedilo interior do mundo surge o ser [Wesen] que traz agrave aparecircncia o

modo com o qual essa uniatildeo une representificando dessa forma o ser [Sein] Entatildeo a balanccedila do perigo passa do acircmbito do querer

calculante para o anjo 107

Assim denominamos aqui pensando com Heidegger esse arriscar-se

mais como a tarefa destinada aos poetas e pensadores Arriscar-se esse que

se daacute na forma de um salto (Ur-sprung) na vereda (Holzwege) Este salto na

vereda eacute o caminho por noacutes encontrado ateacute agora como o confronto a essa

crise que ameaccedila a essecircncia do homem poreacutem esse salto natildeo eacute ainda o

momento final deste nosso percurso pois nesse salto o poeta colhe do

misteacuterio do ser o novo inaugurante e em seguida retorna aos entes habituais

e cotidianos Retorna do salto ao mundo e aiacute cercado do habitual necessita

relacionar-se com o circundante

Portanto natildeo podemos pensar que a inversatildeo do pensar loacutegico no

pensar poeacutetico seria o derradeiro passo de nossa caminhada de enfrentamento

a crise Em uma inversatildeo do pensamento loacutegico que calcula ao pensamento

poeacutetico que medita natildeo haacute diaacutelogo carinhoso A inversatildeo da identidade para a

diferenccedila eacute manter-se no acircmbito da identidade Eacute a outra face da decadecircncia

da queda Tornar a diferenccedila a uacutenica possibilidade eacute abandonar de outra

forma a possibilidade de algo outro Eacute retorno a rigidez da imposiccedilatildeo Eacute outra

forma de ilusatildeo onde a diferenccedila eacute agora o fundamento Eacute como se

achaacutessemos que chegamos ao misteacuterio do oculto clareando-o Como jaacute vimos

teriacuteamos assim apenas outro modo do aberto mas de forma nenhuma o oculto

do misteacuterio

107

Idem p360

71

A destruiccedilatildeo da metafiacutesica natildeo eacute um abandono deste saber sobre os

entes Pois se eacute o homem um ente entre os outros entes a destruiccedilatildeo desta

forma de entendimento seria a destruiccedilatildeo do seu mundo Assim essa

destruiccedilatildeo deve tornar-se uma desconstruccedilatildeo uma superaccedilatildeo No sentido de

um abrir-se para outra possibilidade de saber de linguagem

A superaccedilatildeo eacute um reconhecimento do acircmbito deste entendimento

metafiacutesico Eacute um reconhecimento do acircmbito no qual deve manter-se essa

linguagem loacutegica natildeo um abandono Reconhece-se aqui que seu acircmbito eacute o

do habitual do aberto do disponiacutevel presente O poeacutetico deve ser pensado

como a outra possibilidade Natildeo como abandono mas como diaacutelogo Assim

necessitamos ainda de outro passo O poeacutetico como inauguraccedilatildeo que abre

como disputa uma possibilidade de desprendimento do habitual apresentou-

se como o meio de enfrentamento agrave crise Ela guarda a medranccedila do que

salva mas natildeo isolado como uacutenica possibilidade Natildeo eacute suficiente essa

inversatildeo Como meio o poeacutetico prepara para o passo seguinte

Adentraremos a seguir nesse derradeiro passo desta nossa

caminhada Confrontaremos por fim o ensaio Serenidade com os dois

primeiros ensaios que nos norteou ateacute aqui Entatildeo com esses trecircs diaacutelogos A

questatildeo da teacutecnica A origem da obra de arte e Serenidade dialogaremos com

o que aqui se pensou acerca da crise atual e de como enfrentarmos essa crise

Neste ultimo ensaio bastante tardio em seu pensar Heidegger nos indica uma

trilha por onde possamos nos enveredar Nele Heidegger nos fala sobre a

disposiccedilatildeo do homem a serenidade como uma disposiccedilatildeo capaz de

possibilitar um diaacutelogo entre a teacutecnica e a arte Um diaacutelogo que res-guarda a

essecircncia do misteacuterio ao inveacutes de lhe agredir Dialoguemos entatildeo com esse

ensaio cuidadoso e carinhosamente

72

4 O CAMINHAR SERENO UM AGUARDAR NA PROXIMIDADE DO

MISTEacuteRIO

Neste capiacutetulo pensaremos o ensaio Serenidade de Heidegger e

confrontaremos o aiacute pensado com o aqui questionado Partindo inicialmente da

questatildeo de ser o homem um ente entre os outros entes que portanto tem

como necessidade essencial este estar aiacute no Mundo em relaccedilatildeo contudo um

ente que tambeacutem estaacute aberto ao misteacuterio da Terra sendo ele fruto desta

disputa entre Terra e Mundo tem a necessidade para co-responder ao seu

destino de se arriscar nessa disputa geradora do que se apresenta e o que se

oculta Com isso pensaremos como da proposta de uma destruiccedilatildeo daacute-se o

pensar de uma desconstruccedilatildeo uma superaccedilatildeo da metafiacutesica do pensar loacutegico

da linguagem predicativa Passaremos desta reflexatildeo ao posicionamento que

por ele eacute desenvolvido no ensaio o da necessidade de uma co-pertenccedila entre

o pensamento que calcula com o pensamento que medita Entre a linguagem

loacutegica e a poeacutetica Pensando em seguida a questatildeo do misteacuterio do ser da

fonte principial Pensaremos por fim diante todo o percorrido na outra

possibilidade esta capaz de um confronto com a crise indicada no iniacutecio da

caminhada

41 Da Destruiccedilatildeo agrave Superaccedilatildeo da Metafiacutesica Acerca da Identidade e

Diferenccedila

No caminho ateacute aqui trilhado nos deparamos primeiramente com a

problemaacutetica acerca da teacutecnica como um modo de pensar dizer e portar-se

Ir-agrave-proximidade Parece-me agora que a

palavra poderia ser antes o nome para nosso passeio de hoje na vereda

Que nos guiou pela noite dentro cujo brilho eacute cada vez mais deslumbrante e supera em maravilha as estrelas porque

aproxima entre si suas distacircncias no ceacuteu pelo menos para o observador ingecircnuo

natildeo para o investigador exato Para a crianccedila no Homem a noite permanece a

aproximadoracostureira das estrelas Ela junta sem costura bainha nem linha

Heidegger Serenidade

73

diante o mundo como um modo de pocircr o mundo no qual em uacuteltima instacircncia

tudo se apresenta como mera dis-ponibilidade (Be-stand) resultado de uma

exploraccedilatildeo que apenas Com-potildee (Ge-stell) o aiacute jaacute dado Diante deste estaacutegio

da humanidade o Homem encontra-se ameaccedilado ao extremo em sua

essecircncia ameaccedilado a resumir-se ao caacutelculo agrave com-posiccedilatildeo ao comeacutercio ao

trabalho ameaccedilado a tornar-se escravo completo daquilo que surgiu para ele

como instrumento de auxiacutelio na dominaccedilatildeo das coisas que estatildeo sendo

Escravo da teacutecnica desse pensamento calculista o homem guardiatildeo do ser

guardiatildeo da linguagem eacute convocado a partir de um apelo silencioso pelo

destinado da fonte principial a outra possibilidade de estar-no mundo de

colocar o mundo Nesta noite do mundo ao pensar e natildeo apenas calcular

acerca da essecircncia da teacutecnica a arte a poesia e o pensamento que medita se

potildeem como essa outra possibilidade de um confronto a essa crise a essa

ameaccedila a qual ele se encontra

Ao pensar no que seja a arte e o pensamento em seu acircmago em suas

essecircncias a noacutes essas se apresentaram como um pocircr-em-obra como uma

inauguraccedilatildeo a adveniecircncia do natildeo-vigente ao vigente Enquanto na teacutecnica e

com ela a Metafiacutesica a loacutegica a Ciecircncia a filosofia enquanto conceituaccedilatildeo do

ente movimenta-se no acircmbito da com-posiccedilatildeo do que estaacute dado movimenta-se

como uma transformaccedilatildeo um sin-tese na poesia o que se daacute eacute um

nascimento daacute-se um brotar Daiacute surgem alguns questionamentos Eacute essa

outra possibilidade esse pensar poeacutetico jaacute a medranccedila do que salva Pode o

ente homem um ser-no-mundo um ser-com ser isto que eacute habitando nesta

outra possibilidade Seraacute essa mudanccedila essa inversatildeo do pensamento que

calcula representador para o pensamento poeacutetico inaugurador que medita jaacute

o caminho que diante o ateacute aqui trilhado se potildee como o que urge Qual a

trilha que ainda devemos ao caminhar dar abertura nessa vereda que nos

leve dos bdquofrios veacuteus da noite escura‟ ao bdquocalor dos dedos rosa da aurora‟ Em

que disposiccedilatildeo se daraacute essa nova manhatilde que do sereno nos doa gotas de

orvalho seiva de um novo brotar Enveredemos ainda um pouco mais por

estas sendas do pensamento e nos deixemos ser envolvidos pelo que a noacutes for

destinado neste caminhar

Para Heidegger o homem o Dasein eacute aquele ente privilegiado que se

encontra que cria ao co-responder que eacute aceito no entre na abertura na

74

clareira do ser Eacute aquele que estaacute entre o natildeo-vigente e o vigente entre o

fechado e o aberto poreacutem estes abertos e fechados vigentes e natildeo-vigentes

natildeo devem ser aqui pensados com opostas mas como co-generes co-

respondentes O homem eacute aquele ente ao qual eacute destinado pela fonte

principial que eacute o ser ao dar nascimento Nascimento este que se daacute na

poesia ποηεζης e no pensamento pela linguagem autecircntica nomeadora

inaugural mas tambeacutem eacute aquele aiacute no-mundo que se relaciona com os entes

com os vigentes Seria entatildeo negar a essecircncia do homem o negar-lhe a

Metafiacutesica o negar-lhe a loacutegica o caacutelculo o representar o uacutetil o trabalho

Como tambeacutem o eacute anti-natural anti-essencial negar-lhe esta outra

possibilidade que eacute a de dar nascimento esta que natildeo estaacute no campo da

representaccedilatildeo mas na possibilidade de fazer brotar O loacutegico e o poeacutetico lhe

pertencem lhe permitem ser o homem que eacute Se no oculto que res-guarda o

misteacuterio da adveniecircncia ele eacute aceito para ali habitar poeticamente eacute no aberto

do dado este lado do misteacuterio aberto para noacutes onde este se relaciona com os

outros que neste aberto encontram moradas

Diversas vezes Heidegger nos adverte sobre o cuidado primordial de

nos colocarmos diante a questatildeo da destruiccedilatildeo da Metafiacutesica natildeo como um

mero abandono ou uma mera inversatildeo ao pensamento poeacutetico Onde esta

destruiccedilatildeo deveria ser pensada como uma abertura a esta outra possibilidade

como uma abertura ao sentido da diferenccedila entre ser e ente pois se eacute na

linguagem poeacutetica no pensamento que encontramos habitaccedilatildeo para nos

confrontar com as questotildees mais profundas eacute no entendimento loacutegico-

Metafiacutesico que nos relacionamos com o que nos cerca com o que estaacute na

superfiacutecie onde estamos presentes com o cotidiano no qual moramos Eacute nesse

sentido que a Destruiccedilatildeo foi pensada como uma Desconstruccedilatildeo como uma

Superaccedilatildeo como Abertura a essa outra possibilidade Assim tambeacutem eacute

apresentado o Fim da filosofia natildeo como um abandono deste modo de

pensamento mas como uma abertura ao seu alcance ao seu acircmbito pois se a

filosofia e essa aqui eacute entendida como Metafiacutesica eacute aquela que como a

ciecircncia primeira busca o ente e nada mais aquilo que estaacute lanccedilado no A-

bismo no seu fundo lhe eacute estranho estaacute para aleacutem de seu alcance e interesse

Este A-bismo eacute Tarefa do pensamento contudo eacute tarefa do homem tanto a

relaccedilatildeo com os entes como a abertura ao ser Eacute tarefa do homem enquanto

75

aquele que possui logos aquele que estaacute-com o diaacute-logo Por em diaacutelogo

loacutegica e arte eacute sua tarefa

A mera inversatildeo da loacutegica para o poeacutetico do entendimento

representativo para o pensamento como obra da identidade para a diferenccedila

seria ainda um manter-se no apenas aberto da unilateralidade e natildeo jaacute uma

abertura ao dialogo daquilo que nos ldquoaparece como inconciliaacutevelrdquo 108

Sair da

teacutecnica da identidade e ir de forma unilateral para a diferenccedila para o poeacutetico

ainda natildeo eacute o caminho no qual enveredamos Eacute permanecer ainda no mesmo

no fechar-se ao outro A inversatildeo da identidade para a diferenccedila eacute apenas a

extrema possibilidade da identidade eacute sua uacuteltima consequecircncia seu

acabamento eacute natildeo ter ainda atingido ou ter sido atingido pela diferenccedila

enquanto diferenccedila mesma enquanto o entre a clareira a abertura Eacute para

dar um exemplo o que Heidegger entende do movimento realizado por

Nietzsche aquele platonismo ao avesso que sendo o avesso eacute apenas o outro

lado do platonismo eacute ainda o mesmo Eacute levar o que estava na ideia para a

vida eacute uma inversatildeo do solo do fundamento eacute ainda chatildeo firme Entretanto o

que se mostra ao pensar heideggeriano como o originaacuterio como superaccedilatildeo eacute

aquele pensamento sem-fundo eacute o abismo eacute a perca de chatildeo portanto eacute

nesse sentido que pensamos aqui a diferenccedila como aquele entre que natildeo estaacute

nem no nascimento nem no dado de forma unilateral mas um entre pensado

como diaacute-logo

Diaacutelogo aqui pensado como aquele acontecimento aquela disposiccedilatildeo

que caminha (dia δηα atraveacutes indo na direccedilatildeo de um para o outro) que

transita pelo logos (ιογος) Aqui natildeo eacute mais possiacutevel pois natildeo estamos mais

nesse acircmbito uma representaccedilatildeo do que seja essa diferenccedila esse entre como

dialogo O entendimento representativo ao se apropriar desta diferenccedila a

representa como identidade Aqui toda reduccedilatildeo em poucas palavras eacute um

perigo Daacute-se aqui necessariamente como um apelo uma mudanccedila na

linguagem de significativa para uma de sentido Natildeo ficar preso a conceitos ou

definiccedilotildees eacute o caminho necessaacuterio para essa co-respondencia com o entre

com a diferenccedila Eacute preciso harmonizar-se θηιεηλ entrar em acordo com o que

a noacutes se apresenta como aquele amor que Heidegger entende ser o amor

108

HEIDEGGER Serenidade p 23

76

pensado por Heraacuteclito ao nomear o filosofo como θηιοζοθος assim escreve

Heidegger em sua conferecircncia O que eacute isto ndash a filosofia

Um anegraver philoacutesophos eacute aquele hograves philei tograve sophoacuten philein que ama a sophoacuten significa aqui no sentido de Heraacuteclito homologein

falar assim como o Loacutegos fala quer dizer corresponder ao Loacutegos Este corresponder estaacute de acordo com o sophoacuten Acordo eacute harmoniacutea

O elemento especiacutefico de philein do amor pensado por Heraacuteclito eacute a harmonia que se revela na reciacuteproca integraccedilatildeo de dois seres nos laccedilos que unem originariamente numa disponibilidade de um para

com o outro 109

Assim natildeo se pode aqui pensar nesse diaacutelogo como uma dialeacutetica que

se torna o que eacute em uma siacutentese O que se daacute aqui natildeo eacute uma siacuten-tese da

loacutegica com a arte da representaccedilatildeo com a inauguraccedilatildeo O que se daacute aqui eacute

uma luta uma disputa110

um amor um diaacute-logo uma obra (εργολ) Um entre

que natildeo para nem aqui nem ali nem muito menos como uma siacutentese com-

posiccedilatildeo de um com o outro Essa siacutentese que corremos o risco de entender de

forma errada o que aqui se apresenta como diaacutelogo foi o que se apresentou a

noacutes como a essecircncia da teacutecnica moderna como Ge-stell Aqui daacute-se um vai e

vem inquietante que eacute pura quietude Eacute aquele terceiro caminho excluiacutedo a

muito do pensar filosoacutefico que natildeo eacute nem um sim nem um natildeo mas que eacute

uma escuta de ambos simultaneamente os pondo em diaacutelogo eacute abertura

clareira do destinado pelo misteacuterio

Diante deste pensar que pode levar a nos questionarmos se natildeo

estamos pairando no ar num modo de pensamento muito distante de noacutes

algumas questotildees se apresentam natildeo seria esse entre uma indecisatildeo que nos

imobilizaria Natildeo seria esse diaacutelogo um subterfuacutegio de fuga da

responsabilidade do que diante a noacutes se apresenta como urgente Natildeo reinaria

aiacute a mais elevada ausecircncia-de-pensamento Uma passividade diante um

tempo que urge por uma atitude Um mero deixa ser levado pelo acaso Uma

ausecircncia de um querer que determina Essas satildeo algumas das questotildees que

109

HEIDEGGER O que eacute isto ndash a filosofia p 32 110

Hesiacuteodo no iniacutecio de seu escrito Os trabalhos e os dias fala de duas Ερης de duas disputas Uma eacute aquela geradora da guerra entre os homens que por ganacircncia de poder e

riqueza entram nessa disputa essa eacute por ele considerada a disputa ruim A outra eacute aquela disputa essencial entre o homem e a Terra aquela disputa com a adveniecircncia do dia-a-dia a

luta diaacuteria com a vida Essa eacute por ele chamada de a luta boa geradora de todo o bem que temos Enquanto a primeira destroacutei a segunda concebe Aqui quando falamos de disputa

pensamos nessa segunda disputa desse amor gerador

77

se potildeem diante desse diaacutelogo pensado com um entre Como quem preacute-sente a

proximidade da brisa do sereno adveniente da fonte aproveitemos um pouco

mais este caminhar que se aproxima daquilo do qual a muito estamos sendo

chamado que a muito aguardamos e continuemos um pouco mais neste trilhar

42 Serenidade O dizer sim e natildeo agrave teacutecnica

Vivemos em um mundo cercado pela teacutecnica Para onde nos dirigimos e

nos deparamos sempre com seus aparelhos e instrumentos Internet celular

carros induacutestrias e comeacutercios energia eleacutetrica e atocircmica Heidegger viveu em

um tempo diferente do tempo atual Um tempo no qual o que lhe causou

espanto foi a comunicaccedilatildeo por raacutedio e pela televisatildeo O que diria ele dos dias

atuais Espantar-lhe-ia mais a internet do que o raacutedio Seraacute que no essencial

vivemos em um tempo tatildeo diferente Eacute possiacutevel que natildeo O essencial da

teacutecnica natildeo estaacute em seus produtos Natildeo eacute o carro a televisatildeo o raacutedio ou a

internet o que eacute mais proacuteprio a sua essecircncia O que lhe assustou e que hoje

continuaria a assustar e que tambeacutem o assustaria se tivesse nascido antes eacute

o modo teacutecnico de pensar de dizer de agir Natildeo estou imerso na teacutecnica

somente quando uso o celular mais novo que saiu no mercado estou

profundamente imerso na teacutecnica quando o que me faz escolher a educaccedilatildeo

mais apropriada ao meu filho satildeo caacutelculos que me diratildeo qual o melhor negoacutecio

para o seu futuro Estou nessa situaccedilatildeo a qual inquietou tanto Heidegger

quando as decisotildees mais essenciais a nossa existecircncia satildeo decididas por

meros caacutelculos O que mais o assustou foi a possibilidade cada vez mais

crescente de esse olhar com-positor loacutegico calculista representador em

resumo esse olhar teacutecnico ser o uacutenico olhar que domine todas as nossas

decisotildees Essa sim eacute a grande ameaccedila ao homem

Seria uma ameaccedila talvez ainda maior a busca de um completo

abandono das coisas e pensar teacutecnico O homem necessita destes

Houvesse no pensar jaacute antagonistas e natildeo

simples adversaacuterios entatildeo a coisa do

pensar seria mais favoraacutevel

Heidegger Da experiecircncia do pensar

78

instrumentos e linguagem Necessita necessitou e necessitaraacute destes

instrumentos e linguagem teacutecnica como um ente no-mundo um ente-com

outros no qual se relaciona O homem tem sim que dizer bdquosim‟ a estes

instrumentos mas pode deve necessita simultaneamente dizer bdquonatildeo‟ a eles

Essa abertura ao entre agrave diferenccedila enquanto diferenccedila ao diaacute-logo a esse

acordo a essa harmonia originaacuteria exige do homem essa postura de dizer sim

e natildeo simultaneamente aos objetos teacutecnicos nos exige uma tomada de

decisatildeo que natildeo seja unilateral que natildeo seja absorvida nem pelos objetos

nem por seu abandono Exige de noacutes que nos ocupemos disto que ao olhar

representador parece inconciliaacutevel Assim diz Heidegger sobre esse dizer sim e

natildeo simultacircneo as coisas teacutecnicas

O pensamento que medita exige de noacutes que natildeo fiquemos unilateralmente presos a uma representaccedilatildeo que natildeo continuemos a

correr em sentido uacutenico na direccedilatildeo de uma representaccedilatildeo O pensamento que medita exige que nos ocupemos daquilo que a

primeira vista parece inconciliaacutevel () Podemos dizer sim agrave utilizaccedilatildeo inevitaacutevel dos objetos teacutecnicos e podemos ao mesmo

tempo dizer natildeo impedindo que nos absorvam e desse modo verguem confundam e por fim esgotem a nossa natureza (Wesen) 111

Esse pensamento que medita (sinnende) eacute justamente esse que se

contra-potildee potildee-se de frente e assim dialoga com esse pensamento que

calcula Eacute aquele pensamento que natildeo se detecircm no correto adequado no

fundamento mas que se encaminha no sentido da verdade como α-ιήζεηα

como decircs-velamento como clareira como sem-fund(ament)o Eacute portanto o

pensamento inaugural que atento ao destinado da fonte silenciosa do ser daacute

nascimento Eacute deste modo por dar nascimento que eacute esse pensamento que

medita irmatildeo da poesia no pocircr ambos encontram a sua essecircncia Assim

escreve Heidegger em sua obra poeacutetica intitulada de Da experiecircncia do pensar

(1960) onde pensar e poetar satildeo pensados como poiacuteesis como o dar-se da

verdade a partir do ser Leiamos suas palavras

Cantar e pensar satildeo os troncos

vizinhos do poetar

Eles crescem do Ser e alcanccedilam sua

111

HEIDEGGER Serenidade pp 23-24

79

verdade

Sua relaccedilatildeo daacute a pensar que Houmllderlin Canta das aacutervores da floresta

ldquoE desconhecidos uns aos outros eles

Ficam o tempo que eles permanecem em peacute

os troncos vizinhosrdquo 112

Eacute esse pensamento poeacutetico meditativo que nos exige que digamos sim

e natildeo simultaneamente agrave teacutecnica O que nos permite viver em meio a ela com

ela sem dela ser escravo e isso natildeo de um modo vacilante oscilante mas de

forma tranquila ou como nomeia Heidegger de modo sereno Com a mais

elevada serenidade (Gelassenheit) Esse dizer sim e natildeo agrave teacutecnica enquanto

diaacute-logo que se demora no entre eacute o que Heidegger nomeia por Serenidade

Em uma conferecircncia intitulada por Serenidade apresentada como um

discurso comemorativo do compositor de oacutepera Conradin Krutzer em 1955

Heidegger nos doa um belo discurso acerca do que seja essa Serenidade que

aqui eacute desde os primeiros passos aguardada Tema que por ele jaacute tinha sido

abordado em uma conversa nos anos de 194445 Nesta conversa tem-se uma

caracteriacutestica de uma linguagem bem mais solta e tambeacutem bem mais profunda

Um excelente exemplo de uma linguagem que busca libertar-se da

representaccedilatildeo da conceituaccedilatildeo Nessa conversa dar-se um deixa ser

conduzido pelo pensamento de amigos que caminhando satildeo aceitos nas

proximidades do misteacuterio do ser e que contudo natildeo perde em profundidade

mas que por esse deixar ao contrario eacute admitido por esta Jaacute o discurso

comemorativo tem uma sistemaacutetica e uma linguagem bem mais proacutexima jaacute que

eacute dirigida a um puacuteblico mais abrangente do que se costuma usar

habitualmente Neste discurso pondo-se a pensar sobre o que seja um ato

comemorativo Heidegger nos leva pelo discurso a pensar que comemorar eacute

pensar acerca de algo eacute pensar sobre o motivo do qual a comemoraccedilatildeo

presta-se a homenagear Diz-nos que ali se escutam as obras do compositor

sua biografia que ali satildeo proferidas anaacutelises criacuteticas de suas criaccedilotildees mas

seraacute que jaacute aiacute se realiza um pensar acerca de algo Relatar enumerar

112

HEIDEGER Da experiecircncia do pensar p 49

80

descrever narrar ainda natildeo eacute um pensar um meditar sobre algo sobre a

abertura que em uma obra de arte daacute-se

Heidegger passa daiacute a pensar sobre o que seja o pensamento Este se

apresenta na sociedade atual em-fuga ldquoTodos noacutes mesmo aqueles que

pensam por dever profissional somos muitas vezes pobres-em-pensamento

ficamos sem-pensamento com demasiada facilidaderdquo 113

E o que potildee em-fuga

o pensamento meditativo eacute esse dominante pensamento que calcula Esse

caacutelculo nos absorve como escravos das coisas que chegamos ao ponto de

darmos mais atenccedilatildeo aos produtos que agraves obras (εργολ) Pensamos muito

mais vezes nos presentes do que nas homenagens e homenageados

Pensamos e aqui jaacute nem podemos mais dizer pensar noacutes queremos

calculamos muito mais os resultados do que o processo o ponto de chegada

do que o caminhar agrave-proximidade-de e assim nos escravizamos pelos objetos

do desejo mais do que nos permitimos livres ao a-caso Eacute em relaccedilatildeo ao que

acabamos de dizer que a serenidade para com as coisas se apresenta como

aquela medranccedila do que salva Permite-nos sermos poeacuteticos em meio a um

mundo dominado pelo teacutecnico Daacute-nos a perspectiva de um novo enraizamento

jaacute que como diz Heidegger a partir de uma citaccedilatildeo do poeta Johann Peter

Hebel ldquoNoacutes somos plantas que ndash quer nos agrade confessar quer natildeo-

apoiadas nas raiacutezes tecircm de romper o solo a fim de poder florescer no Eacuteter e

dar frutosrdquo 114

Heidegger distingue essa disposiccedilatildeo nomeada por ele de Serenidade de

outros modos de conceber a palavra jaacute usada na tradiccedilatildeo por outros filoacutesofos

como eacute o caso da leitura de Meister Eckhart onde a serenidade eacute entendida

como ldquoa rejeiccedilatildeo do egoiacutesmo pecaminoso nem o abandono da vontade proacutepria

em prol da vontade divinardquo 115

Serenidade eacute essa aproximaccedilatildeo iacutentima da Matildee Terra eacute a escuta

cuidadosa do silecircncio do misteacuterio eacute o demorar-se insistente diante a abertura

que enquanto mostra-se simultaneamente se oculta Que se abre apenas para

nos envolver ainda mais no acircmago do misteacuterio Falamos de Serenidade e

constantemente nomes como misteacuterio aguardar cuidado insistecircncia se

113

HEIDEGGER Serenidade p11 114

Idem p27 115

Idem p 35

81

colocam em nosso caminho Falamos de serenidade diante essa ameaccedila na

qual o pensamento que calcula nos absorve O que nos leva a perguntar

Como conseguir essa serenidade O que eacute esse misteacuterio e esse aguardar que

sempre acompanham o pensar acerca da serenidade Estaacute nas matildeos dos

homens atingirem em meio a essa tumultuosa noite que nos cai essa

serenidade ou eacute apenas concernente ao destino do ser esta outra

possibilidade O que devemos fazer para criarmos permitindo o matutino

sereno de uma nova manhatilde Mantenhamo-nos um pouco mais nessa

vizinhanccedila da fonte que haacute muito nos convoca a ali em sua proximidade

demorarmo-nos Essa fonte que haacute muito chama em seu canto o filho ao

retorno aconchegante de seu habitar

43 Abertura ao misteacuterio O demorar-se no entre

O homem do presente eacute o homem da presenccedila Em um sentido filosoacutefico

Heidegger entende essa presenccedila como a marca fundamental do pensamento

metafiacutesico ocidental O ser do ente como a presenccedila eacute re-presentado pela

linguagem loacutegica como o ente Este ser enquanto presenccedila jaacute vem sendo

assim pensado para Heidegger desde os gregos principalmente para o que

ele chama de periacuteodo de decadecircncia do pensar claacutessico com Platatildeo e

Aristoacuteteles Estando este modo de pensar apenas no seu acabamento e este

modo de pensar vigente em quase todos os acircmbitos de decisotildees de accedilotildees e

de reflexotildees esta presenccedila pensada metafisicamente aparece agora tambeacutem

no habitual no dia-a-dia no cotidiano O que eacute de acordo com o bom senso eacute

o que estaacute agrave matildeo que posso tocar que posso decidir e natildeo a indecisatildeo Eacute o

que serve para algo O que vale eacute o agora o que se mostra aqui no presente A

histoacuteria eacute esquecida o esperar natildeo tem vez Vivemos no presente E

estranhamente esse viver no presente se revela uma ausecircncia aterrorizadora

A tecnologia que aproxima os homens os lugares os tempos as distacircncias em

uma intensidade gigantesca tambeacutem os afasta ldquohoje se toma conhecimento de

Eacute capinzal noturno

Escuro denso protetor Vocecirc eacute mata virgem

Pela qual ningueacutem passou

Raul Seixas Mata Virgem

82

tudo pelo caminho mais raacutepido e mais econocircmico e no mesmo instante e com

a mesma rapidez tudo se esquecerdquo 116

O raacutedio ou a internet aproximam tanto

a comunicaccedilatildeo os homens que natildeo eacute mais nem preciso estar ali Minha

presenccedila em todos os lugares por meio dos aparelhos tecnoloacutegicos de

comunicaccedilatildeo reflete minha ausecircncia Presente estaacute a tecnologia mas o

homem mesmo enquanto homem em sua autenticidade encontra-se ausente

Em uma multidatildeo de pessoas que dia-a-dia transitam pelas ruas das grandes

cidades sem nem um simples bdquooi‟ ser dado nos potildee a pensar no grego

Dioacutegenes o ciacutenico que com sua lamparina se pocircs a andar pelas ruas de sua

polis em pleno claro do dia a procurar por um homem sequer Onde

encontramos o homem nesse esquecimento do solo de onde brotam os

nutrientes de seu ser

A busca da certeza move demasiadamente mais do que a verdade Na

velocidade rapidez na pressa atual natildeo haacute tempo haacute perder com indecisotildees

natildeo a tempo para o proacuteprio homem Precisa-se de uma resposta certa mesmo

que para tal tenha-se que se descuidar da busca mais demorada pela verdade

do que no emaranhado do que eacute se oculta Certeza como corretude

adequaccedilatildeo como fundamento firme onde se pode erguer preacutedios para

gigantescos negoacutecios Verdade como decircs-velamento α-ιήζεηα como o cuidado

com o que adveacutem do velado do misteacuterio Esse misteacuterio destruidor da certeza

imediata riacutegida assusta causa espanto ao apressado homem da atualidade

Aquele espanto ηασκαηα que desde os tempos primordiais moveu os primeiros

pensadores cede lugar agrave certeza agrave decisatildeo necessaacuteria ao pesquisar que pela

imposiccedilatildeo da pressa de uma grande quantidade de produccedilatildeo natildeo pode se

demorar neste espanto

Diante desse caminhar ao qual nos enveredamos somos convocados a

serenidade A um estar aberto agrave abertura da adveniecircncia Um estar aberto agrave

abertura do misteacuterio Esse misteacuterio que espanta que afasta a certeza levando

ao risco daquele cair no poccedilo do qual haacute muito tempo se rir Esse misteacuterio que

nos tira da seguranccedila do fundamento do solo e nos envolve com o risco do

abismo Ao homem da decisatildeo esse misteacuterio eacute o que mais o assusta eacute o que

mais ele quer manter distacircncia Mas seraacute que assim como esse homem da

116

Idem p11

83

presenccedila se revelou como um homem da ausecircncia esse mesmo homem da

seguranccedila natildeo se revelaria a noacutes como o homem do medo que vive no mais

inseguro dos modos de existecircncia Seraacute que esta decisatildeo tatildeo adorada por

esse homem natildeo se revelaria a um pensar mais profundo medo de enfrentar o

risco deste entre adveniente do misteacuterio Seraacute que a decisatildeo que urge natildeo eacute a

de um demorar-se nesse misteacuterio Tenhamos entatildeo coragem e enfrentemos

mais estas questotildees

Diante o misteacuterio do que estaacute para aleacutem do que o que se mostra para

aleacutem do que aparece o homem se espanta O homem grego assim espantou-

se e aiacute se demorou Ser nada a fala o dizer o nomear o permanente

imoacutevel o movimento tudo isso o espantou e ele aiacute se demorou O espanto que

a princiacutepio o potildee em fuga simultaneamente o atraiu A curiosidade estando em

seu acircmago o fez olhar para traacutes durante essa fuga Como Orfeu que ao ir ao

Αδες Hades para resgatar a amada tinha apenas que por fim seguir adiante

sem olhar para traz mas que de seu acircmago uma inquietante curiosidade o faz

virar-se para vez se a bem amada consigo seguia Pondo-se em fuga do

misteacuterio do espanto eacute pela curiosidade atraiacutedo a um olhar de aproximaccedilatildeo

Uma curiosidade que vira amor θηιεηλ Um amor ao saber do que se mostrava

mesmo que em seu ocultamento Heraacuteclito nomeou como vimos um pouco

acima a este amante disto que tudo rege de θσιοζοθος filoacutesofo Amor para

ele eacute o harmonizar-se e saber eacute logos Logos esse que eacute misteacuterio aos homens

tanto antes de terem ouvido como depois como se estivessem dormindo 117

Amante desse misteacuterio o pensador nada podia dizer com certeza pois

amante do misteacuterio em harmonia com ele estava sempre num entre O que

para o pensador mais profundo era o mais espantoso era tambeacutem o seu maior

amor Este mais espantoso torna-se ao homem ordinaacuterio apenas ouvinte de

sua linguagem mas que a ela natildeo co-responde enquanto pensador do

profundo do ιογος o mais assustador gerando nesse homem medo Esse

espanto torna-se uma aporia απορηα um sem-saiacuteda da qual natildeo era possiacutevel

num confronto sincero harmonioso fuga Eacute nesse acircmbito do incerto onde o

117

Acerca deste modo de conceber o logos e a sua relaccedilatildeo com os homens consultar o fragmento 1 na organizaccedilatildeo de Diels de Heraacuteclito Este concebia o logos como o regente de

tudo o que haacute Entretanto os homens natildeo se apercebiam disso mesmo depois de serem acerca deste logos instruiacutedo Pois logos eacute ao homem que natildeo o enfrente ateacute os limites de sua

obscuridade misteacuterio

84

homem ordinaacuterio encontra-se meio acuado e o pensador profundo encontra-se

em pleno amor que surge o sofista como aquele que tinham as respostas

Aquele que se apresentava como sabedor dos misteacuterios e do modo de ldquoa esse

dominarrdquo Livrava-se rapidamente desta aporia dessa indecisatildeo por uma

tomada de posiccedilatildeo unilateral de um dos caminhos Com seu amplo domiacutenio de

retoacuterica e da linguagem como instrumento de dominaccedilatildeo dissimulaccedilatildeo essa

tomada de posiccedilatildeo unilateral passava como a mais elevada sabedoria Estes

sofistas despertavam as aporias nos seus ouvintes apenas com o intuito de se

apresentar como um conhecedor dos mais enigmaacuteticos problemas118

que ao

homem poderiam se apresentar para em seguida rapidamente os resolver

Assim diz Heidegger em sua conferecircncia O que eacute isto ndash a filosofia acerca

desses sofistas e de sua entrada neste momento oportuno em que o saber se

demorava ante esse entre do misteacuterio

O ente no ser isto se tornou para os gregos o mais espantador Entretanto mesmo os gregos tiveram que salvar e proteger o poder

do espanto deste mais espantoso ndash contra o ataque do entendimento sofista que dispunha logo de uma explicaccedilatildeo compreensiacutevel para qualquer um para tudo e a difundia A salvaccedilatildeo do mais espantoso ndash

ente no ser ndash se deu pelo fato de que alguns se fizeram a caminho na sua direccedilatildeo quer dizer do sophoacuten Estes tornaram-se por isso

aqueles que tendiam para o sophoacuten e que atraveacutes de sua proacutepria aspiraccedilatildeo despertavam nos outros homens o anseio pelo sophoacuten e o

mantinham aceso O philein to sophoacuten aquele acordo com o sophoacuten de que falamos acima a harmonia transformou-se em oacuterecsis num aspirar pelo sophoacuten O sophoacuten ndash o ente no ser ndash eacute agora

propriamente procurado Pelo fato de o philein natildeo ser mais um acordo originaacuterio com o sophoacuten mas um singular aspirar pelo

sophoacuten o philein to sophoacuten torna-se ldquophilosophiacuteardquo Essa aspiraccedilatildeo eacute determinada pelo Eacuteros

119

A de-cisatildeo120

de demorar-se na abertura na cisatildeo entre o que se oculta

cada vez mais que se mostrava teve para se proteger deste ataque dos

118

Sobre essa postura sofistica ante as aporias e tambeacutem acerca de seu domiacutenio da linguagem conferir a Metafiacutesica de Aristoacuteteles onde ente ao tratar dos problemas dos

contraacuterios enfrenta tanto os dialeacuteticos como os sofista dizendo que aos primeiros era preciso uma argumentaccedilatildeo da problemaacutetica ela mesma para que se revelasse onde estavam se

equivocando jaacute aos segundos era necessaacuterio um constrangimento loacutegico pois esses natildeo buscavam a verdade mas falavam apenas pelo prazer de falar seu falar era meramente dominado pela intenccedilatildeo de um benefiacutecio proacuteprio 119

HEIDEGGER O que eacute isto ndash a filosofia p32 120

Pensamos que no expressatildeo de-cisatildeo guardamos a marca da abertura da cisatildeo do

misteacuterio ao aberto do decircs-velamento De-cidir eacute manter-se nesse entre do dia-logo eacute demorar-se na clareira Jaacute na expressatildeo posiccedilatildeo escutamos o eco daquela palavra que aqui se revelou

como a essecircncia do entendimento teacutecnico Posiccedilatildeo a noacutes remete diretamente aquele sin-tese

85

sofistas que se transformar num posicionamento Numa tomada de

posicionamento unilateral Diante isso eacute que neste percurso por noacutes aqui

trilhado somos levados a pensar que deixar-se ser guiado pelo acordo

harmonioso com o misteacuterio eacute uma de-cisatildeo bem mais vigorosa do que a

decisatildeo no sentido de um posicionar-se Diante as απορηας aporias primordiais

que na intenccedilatildeo de se beneficiar dos sofistas tanto Platatildeo como Aristoacuteteles

necessitaram salvar o espanto por amor ao saber tiveram que decidir por uma

αρθε um princiacutepio ideia ousia e de acordo com essa decisatildeo que a eles se

impocircs como o destinado pelo ser estabeleceram uma linguagem um logos

proposicional em confronto com o risco que se corria com a linguagem poeacutetica

desde primeiros e mais profundos pensadores

Poreacutem o que em Platatildeo e Aristoacuteteles ainda se mantinha como uma de-

cisatildeo adveniente do destinado pelo ser eacute esquecida ofuscada re-configurada

pelo modo outro de pensar latino que o segue Eacute nessa passagem do pensar

grego para o latino que Heidegger indica o ponto crucial do afastamento do

misteacuterio como o mais essencial agrave essecircncia da verdade enquanto decircs-

velamento do esquecimento da cisatildeo que mantendo o pensador no espanto do

entre o protegia o res-guardava da decadecircncia da unilateralidade Por uma

vontade de progresso de decircs-envolvimento essa decisatildeo agora jaacute entendida

como tomada de posiccedilatildeo passa a controlar a razatildeo o pensar torna-se

entendimento o ιογος torna-se loacutegica A αιήζεηα torna-se veritas adequatio

corretude verdade Seguindo sempre adiante sem tempo para parar e olhar

para a proveniecircncia de onde haacute muito eacute enviado o que nos eacute destinado segue

esse decircs-envolvimento A linguagem o pensar que se davam como obra

como poiacuteesis torna-se uma linguagem predicativa proposicional torna-se re-

presentaccedilatildeo passando a dominar praticamente todos os acircmbitos do humano

A de-cisatildeo enquanto com-fronto disputa originaacuteria enquanto a απορηα que

levou o homem a imobilidade retorna na era da teacutecnica pela presenccedila uacutenica da

exigecircncia de um posicionamento A falta de aporia pela certeza imposta pela

pressa dos negoacutecios do desenvolvimento da teacutecnica eacute que agora imobiliza a

capacidade do homem a um confronto verdadeiro radical com o poder de

dominaccedilatildeo que se impotildee sobre ele

onde o sin eacute o por junto e o tese eacute em uma posiccedilatildeo Sin-tese em grego Ge-stell em alematildeo eacute

marca caracteriacutestica da unilateralidade da representaccedilatildeo

86

Diante essa nova imobilidade Heidegger por meio do pensar do poetar

busca redespertar esta aporia perdida aquele acordo originaacuterio aquela

harmonia essencial com o ser Urge uma nova tomada de de-cisatildeo ante a

pressa que impede qualquer parar meditativo-poeacutetico qualquer esperar

escutar Torna-se necessaacuterio o risco de se lanccedilar o olhar agraves profundezas das

alturas e aiacute cair no poccedilo outra vez Potildee-se o arriscar-se a ir-agrave-proximidade do

misteacuterio e se permitir ser entorpecido ldquona boca e na almardquo121

por esse demorar-

se no entre nesta abertura na clareira do ser Mas como pode o homem da

era da teacutecnica do entendimento representativo atingir a profundidade do

misteacuterio Como atingir essa serenidade que guarda a medranccedila do que salva

Trilhemos mais essas questotildees que se potildeem antes de nos demorarmos onde a

muito somos convocados

44 Da procura ao Aguardar o silencioso caminhar na vereda

Pensamos na serenidade como a disposiccedilatildeo que guarda em seu seio a

medranccedila do que salva Estaacute que enquanto um dizer sim e natildeo a teacutecnica nos

liberta da servidatildeo aos objetos e pensamento teacutecnico bem em seu seio Que

como este demorar-se no entre do aberto do misteacuterio da cisatildeo proveniente do

ser ao homem o devolve o conduz a um retorno ao habitar que lhe fora

confiado doado Pensamos essa serenidade em meio a um intenso domiacutenio da

teacutecnica sobre praticamente todos os acircmbitos do humano mas como se tornaraacute

possiacutevel quebrar essas algemas do entendimento representativo loacutegico e

aceder a esta serenidade Qual o procedimento o meacutetodo a forma de

aquisiccedilatildeo desta serenidade Como re-significar a linguagem proposicional

predicativa abrindo a ela a possibilidade do diaacutelogo com a linguagem poeacutetica

Essas perguntas de forma alguma nos conduziratildeo a esta serenidade a essa

121

Faz-se aqui uma alusatildeo ao estado que Mecircnon ao dialogar com Soacutecrates eacute levado pelo seu discurso Um entorpecimento que Platatildeo potildee como o movimento necessaacuterio a rememoraccedilatildeo

fonte de saber Conferir Mecircnon 80 b

E de que modo procuraraacutes Soacutecrates aquilo que natildeo sabes absolutamente o que eacute

Platatildeo Mecircnon

87

proximidade pois satildeo ainda perguntas loacutegicas do acircmbito da representaccedilatildeo

Procedimento meacutetodo adquirir re-significar satildeo todas expressotildees da re-

presentaccedilatildeo Aqui outra relaccedilatildeo com o que se potildee neste aberto do entre se

coloca

Platatildeo em um diaacutelogo no qual se investiga de qual o modo o homem

pode possuir a virtude ἀρεηή faz Mecircnon apoacutes ser levado a uma profunda

aporia sobre o que seja a justiccedila ela mesma ao estilo sofiacutestico perguntar a

Soacutecrates se eacute realmente possiacutevel aprender aquilo que absolutamente natildeo se

conhece Como eacute possiacutevel pela investigaccedilatildeo adquirir aquilo que mesmo ao

dar-se se fecha em si mesmo Como podemos conhecer esse misteacuterio atingir

essa serenidade Quem investiga busca por algo que previamente conta de

antematildeo conta previamente com algum resultado parte de uma instacircncia por

um determinado meacutetodo em alguma direccedilatildeo Mas como investigar algo que

absolutamente ainda natildeo haacute que informaccedilatildeo alguma tem-se dele Essas

perguntas jaacute estatildeo presentes no nascimento da Metafiacutesica tanto com Platatildeo

como com Aristoacuteteles Soacute que a pressa as potildee sempre de lado e nos decircs-via

ao desenvolvimento do que jaacute temos em matildeo do mais faacutecil de produzir do uacutetil

Leiamos algumas palavras de Heidegger acerca desse meacutetodo investigativo

A sua particularidade consiste no fato de que quando concebemos um plano investigamos ou organizamos uma empresa contamos sempre com condiccedilotildees preacutevias que consideramos em funccedilatildeo do

objetivo que pretendemos atingir Contamos antecipadamente com determinados resultados Este caacutelculo caracteriza todo o pensamento

planificador () o pensamento que calcula faz caacutelculos Faz sempre caacutelculos com possibilidades continuamente novas sempre com maiores perspectivas e simultaneamente mais econocircmicas O

pensamento que calcula corre de oportunidade em oportunidade 122

A serenidade que aguardamos natildeo chega a nossa proximidade por uma

investigaccedilatildeo meacutetodo ou atividade pelo contraacuterio eacute por ela afastada Entatildeo ao

homem natildeo resta nada a natildeo ser esperar ficar na passividade esperando que

algo ocorra e que lhe desperte essa serenidade Heidegger nomeia por

aguardar (warten) essa disposiccedilatildeo que em confronto com a investigaccedilatildeo eacute

mais apropriada agrave serenidade Um aguardar que natildeo eacute um mero espera que

natildeo eacute nunca um ficar na expectativa (erwaten) Aguardar natildeo eacute aqui um mero

122

HEIDEGGER Serenidade p 13

88

ficar na passividade esperando que algo ocorra Nem tambeacutem eacute a atividade da

investigaccedilatildeo que quer que algo chegue a determinado resultado Natildeo eacute

passividade nem atividade Eacute um trabalhar-se um obrar-se no sentido de uma

atenccedilatildeo um cuidado ao silecircncio do que se oculta do que nesse ocultar-se se

re-colhe se res-guarda Eacute aquela disposiccedilatildeo daquele caminhante que

trilhando um caminho ainda natildeo aberto que caminhando em uma mata virgem

aguarda pelo que advenha como o caminho pelo qual deve continuar seguindo

Eacute entatildeo aquele respeito aquele carinho amor philein pelo que lhe envolve

Naquela ocasiatildeo que o repouso se mostra o movimento mais apropriado diante

a aporia que se apresenta que lhe envolve ldquoDificilmente podemos alcanccedilar a

serenidade de uma forma mais adequada do que por meio de uma ocasiatildeo

para nos envolvermosrdquo 123

O querer eacute sempre um querer algo Eacute jaacute estar na expectativa A serenidade

como esse aguardar natildeo espera natildeo quer algo O que concerne a esse

aguardar natildeo eacute algo natildeo eacute um ente mas eacute a abertura eacute a clareira Eacute um

recebimento com gratidatildeo ao que brota para si do seio do ser da θσζης da

natureza Essa passagem do querer ao aguardar sereno eacute o caminho a se

seguir na ida agrave proximidade do que guarda a medranccedila do que salva Grato

com o que lhe eacute destinado o caminhante sereno lhe co-responde Liberto de

anseios e vontade o homem recebe a tarefa de guardiatildeo da clareira do brotar

guardiatildeo do diaacutelogo se apresenta como a outra possibilidade ante o perigo que

ameaccedila

Mantendo-se insistentemente nesse entre nessa abertura da cisatildeo do

misteacuterio lhe eacute destinado o Acontecimento-poeacutetico-apropriativo Ereignes da

histoacuteria do homem pois ldquoaquilo que permanece funda os poetasrdquo nas palavras

de Houmllderlin ou o que podemos escutar no eco da palavra por Goethe usada

onde ao inveacutes de usar para dar sentido a perdurar a palavra alematilde fortwaumlhrenI

usa a palavra misteriosa fortgewaumlhren como um continuar a conceder 124

O

que aiacute eacute entatildeo colhido com gratidatildeo como esse que insistentemente se demora

nisso que continua a conceder eacute levado ao homem por esse mensageiro

αγγειος como uma possibilidade de uma nova manhatilde de um novo momento

da histoacuteria Essa possibilidade que pela exploraccedilatildeo de tudo que estaacute dado potildee

123

Idem p45 124

HEIDEGGER A questatildeo da teacutecnica p 33

89

em fuga a possibilidade do inaugural que eacute confiado apenas agravequeles que se

demoram insistentemente no aguardar Aqueles que adentram na floresta natildeo

com intenccedilatildeo de uma exploraccedilatildeo de mais um mercado que lhe renderaacute um

oacutetimo negoacutecio ao comeacutercio mas agravequele que como protetor adentra na floresta

para lhe escutar e lhe res-guardar em seu cuidado

Esta natildeo eacute uma tarefa faacutecil pois aiacute trilha-se natildeo por uma estrada aberta e

segura mas trilha-se por uma vereda que insistentemente lhe potildee o fechado a

frente lhe envolvendo no risco do que absolutamente natildeo se conhece Assim

co-respondendo ao que lhe eacute confiado este caminhante deve insistentemente

demorar-se nessa aguardar do inaugural Qual o sentido dessa insistecircncia que

diversas vezes se apresentou em nosso trilhar Na conversa que eacute colhida de

um passeio do campo Heidegger nos escreve uns versos escutado de um

amigo sobre o que poderia ser pensado como o sentido dessa insistecircncia

Receber a salvo Para longa constacircncia

A verdade que estaacute a ser Nunca soacute algo verdadeiro Que o coraccedilatildeo pensante peccedila

Agrave singela paciecircncia A generosidade uacutenica

Do nobre recordar 125

Se Platatildeo como resposta a aporia acerca da possibilidade de se

aprender o que absolutamente natildeo se conhece fala de uma ἀλάκλεζης

anaminesis rememoraccedilatildeo de um recordar aqui tambeacutem o recordar se

apresenta ldquoA generosidade uacutenica do nobre recordarrdquo Recordando aquele

habitar na proximidade agrave fonte escuta-se o chamado a um novo momento da

histoacuteria a ser trilhado O nobre caminhante se depara no silecircncio da aporia do

entre com o canto de sua Matildee Este eacute convocado ao envolver-se em seu ser

Na disposiccedilatildeo da serenidade a nobreza natildeo eacute mais aquele tiacutetulo que indica um

possuidor de terras ou uma rica famiacutelia detentora de poder financeiro Nobreza

aqui eacute aquilo que tem proveniecircncia O caminhante nobre natildeo eacute dono da terra

na qual habita mas eacute filho dela eacute por ela aceito em seu seio ldquoA nobreza de

caraacuteter seria a essecircncia do pensamento (Denkens) e com isso do

125

HEIDEGGER Serenidade p 59

90

agradecimento (Dankens) Desse agradecimento que natildeo apenas agradece por

algo mas que apenas agradece por agradecerrdquo 126

Nesse nobre caminhar natildeo chegamos a um ponto final onde atingimos a

serenidade ante o misteacuterio e o misteacuterio natildeo eacute por noacutes adquirido O que se daacute eacute

aquele ir-agrave-proximidade eacute um adentrar a vizinhanccedila Com Heraacuteclito Heidegger

pensa esse ir-agrave-proximidade como uma traduccedilatildeo apropriada a esta conversa

do fragmento 122 de Heraacuteclito o menor dos fragmentos que possui uma soacute

palavra Ἀγτηβαζίε aproximar-se ir proacuteximo ser-admitido-no-sei-da-

proximidade Nosso trilhar poderia ser pensado entatildeo como esse ir-agrave-

proximidade Assim escreve Heidegger nas uacuteltimas linhas da conversa acerca

da serenidade

Que nos guiou pela noite dentro cujo brilho eacute cada vez mais

deslumbrante e supera em maravilha as estrelas porque aproxima entre si suas distacircncias no ceacuteu pelo menos para o observador ingecircnuo natildeo para o investigador exato Para a crianccedila no Homem a

noite permanece a aproximadoracostureira das estrelas Ela junta sem costura bainha nem linha

127

Assim natildeo se deve buscar aceder agrave serenidade com a intenccedilatildeo de lhe

atingir e lhe ter em posse A tarefa que fica ao homem em meio ao perigo da

dominaccedilatildeo da teacutecnica eacute algo diferente do querer do atingir do ter em posse A

tarefa que urge eacute a de um aguardar grato insistente no entre da serenidade

como esse demorar-se na proximidade na vizinhanccedila do misteacuterio Eacute pocircr no

sentido de um deixar-que em diaacute-logo esse pensamento que calcula com esse

pensamento poeacutetico que medita Cuidar de si do que lhe eacute essencial ou seja

cuidar da guarda dos misteacuterios da natureza que a si foi concedido Cuidar da

linguagem para que essa natildeo venha a decair completamente em um mero

falatoacuterio em mera proposiccedilatildeo e representaccedilatildeo mas que ela retorne ao que lhe

eacute mais proacuteprio que eacute o inaugurar o nomear o pocircr-em-obra Sua tarefa eacute cuidar

do pensamento pelo pensar ele mesmo salvando-o do ordinaacuterio e habitual

entendimento que calcula da loacutegica assim o res-guardando a possibilidade a

si mais autecircntica do meditar de poetar ante o misteacuterio Res-guardar as

relaccedilotildees dos homens entre si e entre as coisas de uma fraacutegil relaccedilatildeo sujeito-

objeto uma relaccedilatildeo egoica fundada no eu e tu e nesse resguardar permitir

126

Idem p 63 127

Idem pp68-69

91

uma outra relaccedilatildeo onde o diaacute-logo estaacute em seu seio onde a co-pertenccedila

permeia o todo Proteger a verdade como αιεζεηα decircs-encobrimento da

verdade como adequatio veritas corretude Eacute esse o sentido do que seja a

serenidade como a medranccedila do que salva Eacute a essa vizinhanccedila que fomos

levados por esse caminhar por esse caminho da floresta Holzwege por estas

sendas do pensamento por esta vereda Escutemos por fim estas uacuteltimas

palavras as quais por Heidegger foram usadas nas linhas finais de sua obra

acerca da arte A origem da obra de arte palavra de Houmllderlin um poeta que

para ele era os poetas dos poetasldquoDificilmente abandona O que mora na

proximidade do originaacuterio o lugarrdquo 128

128

HEIDEGGER A origem da obra de arte p201

92

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A-cerca do entendimento humano O salto na vereda

Pensamos neste caminhar sobre o homem o seu tempo atual sua

essecircncia e o que a este se apresenta como uma ameaccedila Pensamos na

teacutecnica na arte na serenidade Pensamos no ser na verdade e na linguagem

Adentramos estas questotildees com a proposta de dar um retorno agrave leitura que

fazemos do presente

O homem encontra-se em um estaacutegio de sua histoacuteria em que o

entendimento eacute apresentado como seu grande poder Um entendimento em

maior parte dominado pelo cientiacutefico pelo teacutecnico pelo comercial A razatildeo eacute

um grande negoacutecio para o capital principalmente quando o desenvolvimento

desta razatildeo eacute diretamente ligado agrave produccedilatildeo de um novo produto investido pelo

capital e para o capital Assim encontra-se em grande parte a razatildeo do homem

no presente Uma razatildeo que lhe foi de grande utilidade para lhe proteger das

ameaccedilas do incerto para lhe proteger do espanto do dando-lhe a seguranccedila e

conforto almejados Uma razatildeo que surge como instrumento de dominaccedilatildeo

ameaccedila fugir-lhe do seu controle para passar assim ao domiacutenio

Eacute assim que pensamos a-cerca do entendimento humano como essa cerca

que o aprisiona na dominaccedilatildeo do que seja entendido como o proacuteprio

entendimento O entendimento humano torna-se assim a cerca do humano

Uma cerca sem porta de saiacuteda onde o uacutenico caminho de uma fuga de

uma libertaccedilatildeo se apresenta como um salto Saltando sobre essa cerca para o

que estaacute aleacutem do que por ele foi aberto e dominado por sua razatildeo Este campo

aberto produzido para a sua seguranccedila o amedronta no presente momento de

sua histoacuteria com o perigo de uma escassez do adveniente do misteacuterio do que o

cerca Uma escassez de outra possibilidade que possa lhe salvaguardar da

iminente dominaccedilatildeo que a teacutecnica impotildee como ameaccedila

Urge ao homem saltar essa cerca e corajosamente mesmo que nos

primeiros passos ainda bem desajeitados pela falta de costume com esse novo

ambiente adentrar a vereda do que fora desta cerca se mostra como fonte Eacute

preciso arriscar-se por essa mata virgem em ir-agrave-proximidade do misteacuterio da

93

fonte de onde brota a seiva que alimenta sua essecircncia antes que essa

enfraquecida pela falta de seus nutrientes essenciais padeccedila ante a ameaccedila

que lhe cerca Essa seiva que na cerca eacute o pensamento calculista natildeo eacute

possiacutevel encontraacute-la em lugar algum Devemos nos aproximar dessa silenciosa

fonte originaacuteria que haacute muito canta o homem pelo retorno ao seu habitat

essencial haacute muito o convoca ao salto no a-bismo

Urge o arriscar-se a cair novamente no poccedilo ficando assim exposto a

possibilidade do riso Eacute preciso jogar-se no poccedilo e retornar com a aacutegua fonte

de tudo que em seu acircmago nutre a essecircncia do homem Retornando assim

esse que poeticamente se arrisca mais carregaraacute consigo a possibilidade de

transmitir aos outros homens o que do seio da Matildee Terra recebeu como o

destino dos homens Guardaraacute consigo a possibilidade de doar o que lhe foi

doado Em seu retorno da vereda restar-lhe-aacute a tarefa ainda mais difiacutecil do

que aquele caminhar no fechado a de dia-logar com os que moram dentro da

cerca a tarefa de pocircr em dialogo em si mesmo e em relaccedilatildeo aos outros

poesia e loacutegica metafiacutesica e pensamento caacutelculo e meditaccedilatildeo identidade e

diferenccedila

Nesse trabalho que agora podemos chamar de diaacute-logo a demora nos

primeiros passos foi uma necessidade de enfrentar tanto o enrijecimento da

tradiccedilatildeo como a proacutepria linguagem habitual da qual nos servimos nesse

confronto com a tradiccedilatildeo Se os passos finais se apresentaram em menor

quantidade de palavras eacute porque nele o caminhar cuidadoso exigiu mais

silecircncio do que dizer mais escuta do que fala Encontramo-nos apenas a

caminho de um verdadeiro e real enfrentamento com o aqui pensado Um

enfrentamento que se daraacute em nossas vidas relaccedilotildees pensamentos

linguagem com o misteacuterio do que nos convoca a sua proximidade Uma

aproximaccedilatildeo na qual a cada passo que adentramos nossa linguagem habitual

torna-se cada vez mais perigosa de levar-nos a um des(en)vio no sentido de

um novo afastamento

Esse acircmbito ao qual chegamos nessa nossa con-versa eacute um acircmbito natildeo de

respostas mas onde deve brotar as essenciais perguntas tarefa de todo

pensador que nos seratildeo destinadas ao diaacutelogo com o presente no qual

94

existimos Agradeccedilo portanto a companhia nessa caminhada pela vereda

companhia essa que sem ela nenhum caminhar eacute propriamente um caminhar

verdadeiro

95

REFEREcircNCIAS

Obras de Heidegger

HEIDEGGER Martin A origem da obra de arte [1935-36] Trad br Idalina

Azevedo e Manuel Antonio de Castro Satildeo Paulo Ediccedilotildees 70 2010

______________ A origem da obra de arte In Caminhos de floresta Trad

port Irene Borges-Duarte e Filipa Pedroso 2 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste

Gulbenkian 2012

______________ A origem da obra de arte Trad port Maria da conceiccedilatildeo

CostaLisboa Ediccedilotildees 70

______________ El origen de la obra de arte In Arte y Poesiacutea Trad esp

Samuel Ramos Buenos Aires Fondo de cultura econoacutemica 1958

______________ A questatildeo da teacutecnica [1953] In Ensaios e conferecircncias

Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo Rio de Janeiro Vozes 2008

______________ Serenidade [1955] Trad port Maria Madalena Andrade e

Olga SantosLisboa Instituto Piaget

______________ Ser e tempo [1927] Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante 3 ed

Rio de Janeiro Editora universitaacuteria Satildeo Francisco 2008

______________ Houmllderlin y la esencia de la poesia [1936] In Arte y poesia

Trad esp Samuel Ramos Buenos Aires Fondo de cultura economica 1958

______________ Para que poetas [1946] In Caminhos de floresta Trad

port Irene Borges-Duarte e Filipa Pedroso 2 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste

Gulbenkian 2012

______________ A teoria platocircnica da verdade [193132 1940] In Marcas do

caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Vozes 2008

______________ A essecircncia e o conceito de θσζης em Aristoacuteteles ndash Fiacutesica Β

1 [1939] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini

Petroacutepolis Vozes 2008

______________ Carta sobre o humanismo [1946] In Marcas do caminho

Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Vozes 2008

______________ A essecircncia do fundamento [1929] In Marcas do caminho

Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo giachini Petroacutepolis Vozes 2008

96

______________ Hegel e os gregos [1958] In Marcas do caminho Trad br

Ernildo Stein e Enio Paulo giachini Petroacutepolis Vozes 2008

______________ A essecircncia da verdade [1930] In Marcas do caminho Trad

br Ernildo Stein e Enio Paulo giachini Petroacutepolis Vozes 2008

______________ A essecircncia da Verdade [1930] In Conferecircncias e escritos

filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo Stein Satildeo Paulo Nova

cultural 1996

______________ Que eacute metafiacutesica [192943] In Conferecircncias e escritos

filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo Stein Satildeo Paulo Nova

cultural 1996

______________ O que eacute isto ndash a filosofia [1956] In Conferecircncias e escritos

filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo Stein Satildeo Paulo Nova

cultural 1996

______________ Identidade e diferenccedila [1957] In Conferecircncias e escritos

filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo Stein Satildeo Paulo Nova

cultural 1996

______________ ldquo poeticamente o homem habitardquo [1951] In Ensaios e

conferecircncias Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante Schuback Rio de Janeiro

Vozes 2008

______________ O fim da filosofia e a tarefa do pensamento [1966] In

Conferecircncias e escritos filosoacuteficos Coleccedilatildeo Os pensadores Trad br Ernildo

Stein Satildeo Paulo Nova cultural 1996

______________ Nietzsche I [1961] Trad br Marcos Antocircnio Casanova Rio

de Janeiro Forense Universitaacuteria 2007

______________ Nietzsche II [1961] Trad br Marcos Antocircnio Casanova Rio

de Janeiro Forense Universitaacuteria 2007

______________ Ciecircncia e pensamento do sentido [1954] In Ensaios e

______________ A caminho da linguagem [1959] Trad Maacutercia de Saacute

Cavalcante Satildeo Paulo Editora vozes 2011

______________ A superaccedilatildeo da metafiacutesica [1936-46] In Ensaios e

conferecircncias Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante Schuback Rio de Janeiro

Vozes 2008

______________ Da experiecircncia do pensar [1960] Trad br Maria do Carmo

Tavares de Miranda Porto Alegre Editora Globo 1969

97

______________ Quem eacute o Zaratrusta de Nietszche [1953] In Ensaios e

conferecircncias Trad br Gilvan Fogel Rio de Janeiro Vozes 2008

Obras sobre Heidegger

GADAMER Hans-Georg Hermenecircutica em retrospectiva Trad br Marcos

Antocircnio Casanova Rio de Janeiro Vozes 2009

LOPARIC Zeljko Eacutetica e finitude 2 Ed Satildeo Paulo Editora Escuta 2004

NUNES Benedito Hermenecircutica e poesia o pensamento poeacutetico Org Maria

Joseacute Campos Belo Horizonte Ed UFMG 1999

______________ Passagem para o poeacutetico filosofia e poesia em Heidegger

Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2012

RUumlDIGER Francisco Martin Heidegger e a questatildeo da teacutecnica prospectos

acerca do futuro do homem Porto Alegre Sulina 2006

STEIN Ernildo Seminaacuterio sobre a verdade Liccedilotildees preliminares sobre o

paraacutegrafo 44 de Zein und Zeit Petroacutepolis Vozes 1993

____________ Diferenccedila e metafiacutesica ensaios sobre a desconstruccedilatildeo Ijuiacute

Editora Unijuiacute 2008

Outras obras

AUBENQUE Pierre O Problema do ser em Aristoacuteteles Ensaio sobre a

problemaacutetica aristoteacutelica Trad br Cristina de Souza Agostini e Diocleacutezio

Domingos Faustino Satildeo Paulo Paulus 2012

AQUINO Tomaacutes de Questotildees discutidas sobre a verdade Trad br Luiz Joatildeo

Barauacutena Satildeo Paulo Editora Nova Cultural 2004

ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmacos Trad br Mario de Gama Kury Brasilia

Editora UNB 1961

____________ Fiacutesica trad esp Guillermo R de Echandia Editorial Gredos

SA 1995

____________ Fiacutesica I-II trad br Lucas Angioni Campinas Editora Unicamp

2010

____________ Metafiacutesica trad br Giovanni Reale Satildeo Paulo Ediccedilotildees

Loyola 2013

98

____________ Oacuterganon Trad br Edson Bini Satildeo Paulo Edipro 2010

____________ Poeacutetica Trad pt Ana Maria Valente Lisboa Ediccedilatildeo da

Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkain 2004

BARROS Manoel Poesia completa Satildeo Paulo Leya 2013

BAUMGARTEN Alexander Esteacutetica ndash A loacutegica da arte e do poema [1750]

Trad br Mirian Sustter Medeiros Petroacutepolis RJ Vozes 1993

BRENTANO Franz Sobre los muacuteltiples significados del ente seguacuten Aristoacuteteles

[1862] Trad esp Manuel Abella Madri Encuentro 2007

BURNET John A aurora da filosofia grega Trad br Vera Ribeiro Rio de

Janeiro Contraponto 2006

CROCE Benedetto Breviaacuterio de Esteacutetica Aesthetica in Nuce [1912] Trad br

Rodolfo Ilari Jr Satildeo Paulo Editora Aacutetica 2001

DESCARTE Reneacute As paixotildees da alma Trad br J Guinsburg e Bento Prado

Juacutenior Satildeo Paulo Abril Cultural 1973

_______________ Meditaccedilotildees sobre a Filosofia primeira [1641] Trad br J

Guinsburg e Bento Prado Juacutenior Satildeo Paulo Abril Cultural 1973

FRANZINI Elio A esteacutetica do Seacuteculo XVIII Trad pt Isabel Teresa Santos

Lisboa Editorial Estampa 1999

HEGEL Georg W F Esteacutetica Trad br Orlando Vitorino Satildeo Paulo Editora

Nova Cultural coleccedilatildeo Os pensadores 1999

HESIacuteODO Teogonia Trad br Jaa Torrano 5 Ed Satildeo Paulo Ilumiuras 2003

________ Os trabalhos e os dias Trad br Luiz Otaacutevio Mantovaneli Satildeo

Paulo Odysseus 2011

HOumlLDERLIN Friedrich Hipeacuterion Ou o eremita da Greacutecia Lisboa Editora

Assiacuterio e Alvim 1997

HOMERO Iliacuteada Volumes I e II Trad Haroldo de Campos 2 Ed Satildeo Paulo

Benviraacute 2010

________ Odisseacuteia Volumes I II e III Trad br Donaldo Schuumller Porto Alegre

LampPM 2007

KANT Immanuel Criacutetica da faculdade de julgar [1793] Trad br 2 ed Editora

Forense Universitaacuteria 2007

_______ Criacutetica da razatildeo Pura Trad pt Manuela Pinto dos Santos e

Alexandre Fradique Mourujatildeo Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 2001

99

KIRK G S RAVEN J E e SCHOFIELD M Os filoacutesofos Preacute-Socraacuteticos

histoacuteria criacutetica com seleccedilatildeo de textos Trad port Carlos Alberto Louro Fonseca

Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1994

LAEcircRTIOS Diocircgenes Vida e doutrinas dos filoacutesofos ilustres Trad br Maacuterio da

Gama Kury 2 ed Brasiacutelia UNB 2014

LEAtildeO Emanuel Carneiro Anaximandro Parmecircnides Heraacuteclito Os

pensadores originaacuterios Braganccedila Editora universitaacuteria Satildeo Francisco 2005

LIDDELL Henry George SCOTT Robert A GreekndashEnglish Lexicon Oxford

Clarendon Press 1940

NIETZSCHE Friedrich Assim falou Zaratustra [1883-85] Trad br Paulo Cesar

de Souza Satildeo Paulo Companhia das letras 2011

__________________ Vontade de poder Trad br Marcos Sinesio Perreira

Moraes Rio de Janeiro 2008

PARMEcircNIDES Da Natureza Trad br Joseacute Trindade Santos Satildeo Paulo

Ediccedilotildees Loyola 2002

PEREIRA Isidro Dicionaacuterio de Portuguecircs-Grego Grego-Portuguecircs Satildeo Paulo

Ediccedilotildees Loyola 1984

PLATAtildeO O Banquete In Diaacutelogos ndash Platatildeo Coleccedilatildeo Os pensadores Joseacute

Cavalcante de Souza Trad br Edison Bini Satildeo Paulo Abril cultural 1972

_______ Iacuteon Trad pt Victor Jabouille Lisboa Editorial inqueacuterito 1988

_______ A Repuacuteblica Trad pt Maria Helena da Rocha Pereira 9 ed Lisboa

Fundaccedilatildeo Caloute Gulbenkian

_______ O Sofista In Diaacutelogos I ndash Platatildeo Trad br Edison Bini Satildeo Paulo

Edipro 2007

_______ Mecircnon Trad br Maura Igleacutesias Rio de JaneiroPUC-RIO Ediccedilotildees

Loyola 2005

SCHILLER Friedrich Cartas Sobre a Educaccedilatildeo Esteacutetica da Humanidade

[1795] Trad port Roberto Schwarz Satildeo Paulo EPU 1991

SPENGLER Oswald A decadecircncia do ocidente Trad br Herbert Caro 2ed

Rio de Janeiro Zahar Editores 1973

VAZ Lima Escritos de filosofia VII Raiacutezes da modernidade Satildeo Paulo

Ediccedilotildees Loyola 2002

Page 10: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 11: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 12: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 13: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 14: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 15: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 16: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 17: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 18: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 19: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 20: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 21: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 22: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 23: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 24: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 25: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 26: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 27: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 28: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 29: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 30: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 31: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 32: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 33: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 34: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 35: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 36: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 37: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 38: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 39: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 40: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 41: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 42: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 43: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 44: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 45: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 46: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 47: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 48: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 49: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 50: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 51: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 52: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 53: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 54: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 55: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 56: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 57: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 58: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 59: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 60: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 61: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 62: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 63: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 64: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 65: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 66: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 67: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 68: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 69: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 70: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 71: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 72: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 73: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 74: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 75: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 76: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 77: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 78: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 79: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 80: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 81: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 82: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 83: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 84: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 85: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 86: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 87: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 88: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 89: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 90: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 91: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 92: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 93: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 94: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 95: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 96: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 97: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 98: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM:
Page 99: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE … · Serenidade em Heidegger: Um diálogo entre a técnica e a arte [recurso eletrônico] / Jaderson Gonçalves Nobre. – 2015. 1 CD-ROM: