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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA MESTRADO ACADÊMICO EM SAÚDE COLETIVA VANESSA CALIXTO VERAS REDES DE MOVIMENTOS SOCIAIS NA LUTA POR DIREITOS: (DES) CAMINHOS DA PARTICIPAÇÃO POPULAR FORTALEZA CEARÁ 2017

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA

MESTRADO ACADÊMICO EM SAÚDE COLETIVA

VANESSA CALIXTO VERAS

REDES DE MOVIMENTOS SOCIAIS NA LUTA POR DIREITOS:

(DES) CAMINHOS DA PARTICIPAÇÃO POPULAR

FORTALEZA – CEARÁ

2017

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VANESSA CALIXTO VERAS

REDES DE MOVIMENTOS SOCIAIS NA LUTA POR DIREITOS:

(DES) CAMINHOS DA PARTICIPAÇÃO POPULAR

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado

Acadêmico em Saúde Coletiva do Programa

de Pós-Graduação em Saúde Coletiva do

Centro de Ciências da Saúde da Universidade

Estadual do Ceará, como requisito parcial à

obtenção do título de mestre em Saúde

Coletiva. Área de Concentração: Saúde

Coletiva.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Lucia Conde de

Oliveira

FORTALEZA – CEARÁ

2017

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VANESSA CALIXTO VERAS

REDES DE MOVIMENTOS SOCIAIS NA LUTA POR DIREITOS:

(DES) CAMINHOS DA PARTICIPAÇÃO POPULAR

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado

Acadêmico em Saúde Coletiva do Programa

de Pós-Graduação em Saúde Coletiva do

Centro de Ciências da Saúde da Universidade

Estadual do Ceará, como requisito parcial à

obtenção do título de mestre em Saúde

Coletiva. Área de Concentração: Saúde

Coletiva.

Aprovado em: 23 de fevereiro de 2017.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Lucia Conde de Oliveira (Orientadora)

Universidade Estadual do Ceará – UECE

_________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Carmen Fontes Teixeira

Universidade Federal da Bahia – UFBA

_________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Maria Rocineide Ferreira da Silva

Universidade Estadual do Ceará – UECE

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AGRADECIMENTOS

A Deus por estar sempre comigo e permitir novas conquistas.

Aos meus familiares e amigos, pelo amor e paciência com minha rotina dividida com trabalho

e estudos, ainda mais nesse momento em que pesa a distância geográfica.

A todos que fazem a Rede de Desenvolvimento Local, Integrado e Sustentável do Grande

Bom Jardim (REDE DLIS), incluindo os seus apoiadores, sobretudo o Grupo Interdisciplinar

de Estudos e Pesquisas sobre a Cidade e o Urbano (GIPU) da Universidade da Integração

Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), pela convivência, indicação de

leituras, aprendizados e afetos oportunizados.

À Prof.a Dr.a Lucia Conde de Oliveira, por ter acreditado nessa parceria, pela paciência e

orientações para a vida.

Ao Programa de Mestrado Acadêmico de Saúde Coletiva que contribuiu para a realização

desse processo de conhecimento.

À Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico, agência

financiadora que tornou possível a realização desta investigação.

Ao grupo de pesquisa do Laboratório de Seguridade Social e Serviço Social, pela convivência

e aprendizado.

A todos os colaboradores que contribuíram com a sistematização desse estudo por meio da

transcrição de áudios, em especial à Danielly Maia de Queiroz, pela leitura crítica e revisão

dos resultados.

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RESUMO

As lutas por garantias constitucionais em torno do processo de democratização do país

implicaram na reconfiguração de papéis entre Estado e sociedade civil, repercutindo na

execução de políticas públicas para assegurar os direitos sociais. Contudo, a consolidação da

política neoliberal, apresenta um contexto de cidadania restrita que se torna mais complexo

nas periferias dos grandes centros urbanos. Diante disso, a pesquisa objetiva analisar as

práticas de participação de uma rede de movimentos sociais na luta por direitos. O estudo

centra-se na abordagem qualitativa do tipo pesquisa participante e foi desenvolvido no

território do Grande Bom Jardim, situado no Município de Fortaleza-CE, com representantes

das Comissões de Trabalho da Rede de Desenvolvimento Local, Integrado e Sustentável do

Grande Bom Jardim (Rede DLIS). A construção das informações empíricas foi obtida

mediante observação participante, entrevistas e pesquisa documental. Utilizou-se o referencial

da análise do discurso e triangulação de técnicas para organização dos dados e abordagem das

contradições presentes no processo de participação desta rede de movimentos sociais. Foi

possível identificar que o processo de ação coletiva foi favorecido pelo trabalho mediador

realizado por uma organização não-governamental, somado ao predomínio de associações

comunitárias existentes na região em um contexto de novas configurações de gestão de

políticas públicas. Algumas características internas ao coletivo constituíram, por vezes, em

barreiras internas para a participação, tais como: conflitos internos, divergências ideológicas e

disputa de poder, adicionadas às posturas autoritárias, dificuldade com o exercício da

representatividade, condições diferentes entre as entidades para a participação nas ações da

Rede. Os resultados mostraram também possibilidades para o compartilhamento de valores e

motivações para a constituição de uma cidadania coletiva. A experiência da Rede DLIS

trouxe a identificação de um projeto comum, com capacidade de influir nas políticas públicas,

a partir da definição das estratégias e táticas de intervenção. A mobilização social apresentou-

se como importante instrumento para construção de ações corresponsáveis. Espera-se com

este trabalho contribuir para o fortalecimento das práticas de participação exigidas para

conquista e defesa dos direitos sociais.

Palavras-chave: Participação social. Redes de movimentos sociais. Direitos sociais.

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ABSTRACT

The struggles for constitutional guarantees around the democratization process of the country

implied in the reconfiguration of roles between State and civil society, repercussion in the

execution of public policies to assure the social rights. However, the consolidation of

neoliberal politics presents a context of restricted citizenship that becomes more complex in

the peripheries of large urban centers. Therefore, the research aims to analyze the practices of

participation of a network of social movements in the fight for rights. The study focuses on

the qualitative approach of the participatory research type and was developed in Grande Bom

Jardim territory, located in the Municipality of Fortaleza-CE, with representatives of the

Working Commissions of the Local, Integrated and Sustainable Development Network of

Grande Bom Jardim (Rede DLIS). The construction of the empirical information was

obtained through participant observation, interviews and documentary research. It was used

the reference of discourse analysis and triangulation of techniques for data organization and

approach of the contradictions present in the process of participation of this network of social

movements. It was possible to identify that the process of collective action was favored by the

mediator work carried out by a nongovernmental organization, added to the predominance of

community associations existing in the region in a context of new configurations of public

policy management. Some characteristics internal to the collective constituted, sometimes,

internal barriers to participation, such as: internal conflicts, ideological divergences and power

dispute, added to authoritarian positions, difficulty with the exercise of representativeness,

different conditions between entities for participation in the actions of the Network. The

results also showed possibilities for the sharing of values and motivations for the constitution

of a collective citizenship. The experience of the Rede DLIS has led to the identification of a

common project, with the capacity to influence public policies, from the definition of

intervention strategies and tactics. The social mobilization was presented as an important

instrument for the construction of co-responsible actions. This work is expected to contribute

to the strengthening of participation practices required for the conquest and defense of social

rights.

Keywords: Social Participation. Networks of Social Movements. Social Rights

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Mapa do município de Fortaleza com delimitação geográfica das

Regionais.....................................................................................................

46

Figura 2 – Folder do VII Prêmio IAB - CE Gentileza Urbana, 2016........................... 76

Figura 3 – Entrega da Carta da Rede DLIS no Seminário do Ceará Pacífico.............. 84

Gráfico 1 – Período de fundação das entidades pesquisadas da Rede DLIS, 2016....... 57

Gráfico 2 – Natureza institucional das entidades pesquisadas da Rede DLIS,

2016............................................................................................................

57

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – População residente por faixa etária no Grande Bom Jardim..................... 48

Tabela 2 – Indicadores de Infraestrutura Domiciliar no Grande Bom Jardim............. 49

Tabela 3 – Número e taxa de homicídios por cem mil habitantes para os bairros do

Grande Bom Jardim, 2012..........................................................................

50

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACAV Associação Comunitária do Anel Viário

ACOJARN Associação Comunitária do Jardim Nazaré

ACPJ Associação Comunitária do Parque Jerusalém

AEUSM Associação Espírita de Umbanda São Miguel

AMBJ Associação dos Moradores do Bom Jardim

AMCM Associação dos Moradores da Comunidade do Marrocos

ASCOPAN Associação Comunitária do Parque Nazaré

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

CAGECE Companhia de Água e Esgoto do Ceará

CCVH Centro de Cidadania e Valorização Humana

CDVHS Centro de Defesa da Vida Herbert de Souza

CEBs Comunidades Eclesiais de Base

CEDECA Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará

CEGIS Centro de Educação em Gênero e Igualdade Social

CEPAL Comissão Econômica para a América Latina e Caribe

CNPJ Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica

COELCE Companhia Elétrica do Ceará

COMPASA Conselho Comunitário do Parque Santo Amaro

Coopmares Cooperativa dos Catadores de Materiais Recicláveis de Fortaleza e Região

Metropolitana Ltda

CRAS Centro de Referência de Assistência Social

CSU Centros Sociais Urbanos

DHESCAS Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais

DLIS Desenvolvimento Local, Integrado e Sustentável

DNOCS Departamento Nacional de Obras Contra as Secas

FBFF Federação de Bairros e Favelas de Fortaleza

FUNCESCE Fundação dos Serviços Sociais do Ceará

GBJ Grande Bom Jardim

GIPU Grupo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas sobre a Cidade e o Urbano

GPDU Gestão Pública e Desenvolvimento Urbano

Hab. Habitantes

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HABITAFOR Secretaria Municipal do Desenvolvimento Habitacional

IAB Instituto de Arquitetos do Brasil

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IBRAM Instituto Brasileiro de Museus

ICD Índice de Condições Domiciliares

IDH Índice de Desenvolvimento Humano

IPECE Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica

IPLANFOR Instituto de Planejamento de Fortaleza

JAP Jovens Agentes de Paz

LASSOSS Laboratório de Seguridade Social e Serviço Social

LOA Lei Orçamentária Anual

MCP Método de Componentes Principais

NASF Núcleo de Apoio à Saúde da Família

NUAFRO Laboratório de Estudos e Pesquisas em Afro-brasilidades, Gênero e Família/

e Grupo de Estudos Margens Urbanas

NUAP Núcleo de Aproximação

ONG Organização Não Governamental

PDT Partido Democrático Trabalhista

PET Programa de Educação Tutorial

PIDESC Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PRONASCI Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania

PSOL Partido Socialismo e Liberdade

PT Partido dos Trabalhadores

PROAFA Programa de Assistência às Áreas Faveladas da Região de Fortaleza

REAJAN Rede de Articulação do Jangurussu e Ancuri

RITS Rede de Informações para o Terceiro Setor

SEAC Secretaria Especial de Ação Comunitária

SEHAC Secretaria Especial de Habitação e Ação Comunitária

SESC Serviço Social do Comércio

SEUMA Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente

SMDE Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico

SSPDS Secretaria Estadual de Segurança Pública e Defesa Social

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STDS Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social

SUDENE Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste

SUS Sistema Único de Saúde

UAPS Unidade de Atenção Primária à Saúde

UECE Universidade Estadual do Ceará

UFC Universidade Federal do Ceará

UNILAB Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira

UMBC União dos Moradores do Bairro Canindezinho

ZEIS Zona Especial de Interesse Social

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.................................................................................................. 15

1.1 DELIMITAÇÃO DO OBJETO DE INVESTIGAÇÃO...................................... 15

1.2 REENCONTROS E VIVÊNCIAS MOBILIZADORAS: DESAFIOS PARA

A CONSTRUÇÃO DEMOCRÁTICA DE CONHECIMENTO.........................

19

2 MOVIMENTOS SOCIAIS NA SOCIEDADE BRASILEIRA SOB A

ÉGIDE DAS REDES DE INTERAÇÃO.........................................................

25

2.1 REDES DE MOVIMENTOS SOCIAIS: VELHOS E NOVOS ARRANJOS

DA PARTICIPAÇÃO NA LUTA POR DIREITOS...........................................

25

2.2 PARTICIPAÇÃO SOCIAL: ABORDAGENS, CONCEITOS E

APROPRIAÇÕES...............................................................................................

40

3 PERCURSO METODOLÓGICO DE INVESTIGAÇÃO............................. 50

3.1 TIPO DE PESQUISA.......................................................................................... 50

3.1.1 A potência do encontro: com-partilha de conhecimento e construção

conjunta..............................................................................................................

52

3.2 LOCAL E PERÍODO DA PESQUISA............................................................... 53

3.3 PARTICIPANTES DO ESTUDO....................................................................... 54

3.4 PRODUÇÃO DE DADOS: TÉCNICAS E INSTRUMENTOS......................... 56

3.5 ORGANIZAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS................................................... 57

3.6 ASPECTOS ÉTICOS.......................................................................................... 58

4 RADIOGRAFIA DE UMA REDE DE MOVIMENTOS E SUAS

LUTAS................................................................................................................

60

4.1 A CONSTRUÇÃO DO GRANDE BOM JARDIM QUE QUEREMOS: A

EXPERIÊNCIA DA REDE DE DESENVOLVIMENTO LOCAL,

INTEGRADO E SUSTENTÁVEL.....................................................................

60

4.2 ESTRATÉGIAS E TÁTICAS DE INTERVENÇÃO PARA A DEFESA DE

DIREITOS...........................................................................................................

85

4.3 PARTICIPAÇÃO E DIREITOS SOCIAIS, COM A PALAVRA:

REPRESENTANTES DAS COMISSÕES DE TRABALHO DA REDE

DLIS.....................................................................................................................

103

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................ 125

REFERÊNCIAS................................................................................................. 130

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APÊNDICES...................................................................................................... 144

APÊNDICE A – ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO.............................................. 145

APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTA................................................. 146

APÊNDICE C – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E

ESCLARECIDO..................................................................................................

148

APÊNDICE D – TERMO DE FIEL DEPOSITÁRIO......................................... 149

APÊNDICE E – PROBLEMATIZAÇÃO DA SITUAÇÃO DA SAÚDE NO

GRANDE BOM JARDIM...................................................................................

150

ANEXOS............................................................................................................. 158

ANEXO A – PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP.............................. 159

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1 INTRODUÇÃO

1.1 DELIMITAÇÃO DO OBJETO DE INVESTIGAÇÃO

Nos últimos quarenta anos são observados o declínio dos direitos trabalhistas e

sociais no Brasil e o avanço do modo de produção que atende às necessidades de acumulação

do capital. Na conjuntura do século XXI, os movimentos sociais resistem na luta pela

preservação de direitos sociais, incorporando poucas conquistas inéditas (LARA; SILVA,

2015).

As análises gestadas em torno da execução das políticas públicas para a garantia

de direitos sociais no Brasil não podem estar desarticuladas da compreensão do movimento

assumido pelas classes sociais em suas relações com o Estado, das características da

intervenção estatal sob o sistema de proteção social e dos determinantes histórico-conjunturais

do país.

A participação ativa de vários sujeitos coletivos no processo de democratização

no Brasil, em meados da década de 80 foi decorrente da luta contra o regime ditatorial e da

reivindicação pela reconfiguração do papel do Estado. Avritzer (2009) aponta o crescimento

das formas de organização da sociedade civil como um dos elementos mais importantes nesse

processo. O surgimento de uma sociedade civil democrática mais forte e ativa começou no

final dos anos 1970 e esteve relacionado a diferentes fenômenos, dentre eles o crescimento

das associações civis, sobretudo, associações comunitárias.

O processo constituinte repercutiu na organização e elaboração dos serviços e

políticas sociais. Havia um questionamento em torno das políticas de proteção social que

eram garantidas somente a uma pequena parcela da população. “Entre 1986 e 1987, uma série

de movimentos populares propôs a participação institucionalizada no Estado pela via das

assim chamadas “emendas populares” (AVRITZER, op.cit., p.29). A Constituição de 1988

assegurou a participação da população no âmbito de políticas públicas.

Contrapondo-se a esse contexto, o processo de Reforma do Estado ou

Contrarreforma, instaurado nos anos 90 e de afirmação do plano neoliberal, foi responsável,

segundo Bravo (2009, p.100), “pela redução dos direitos sociais e trabalhistas, desemprego

estrutural, precarização do trabalho, desmonte da previdência pública, sucateamento da saúde

e educação”. Além de investir em estratégias de “participação” com apelo à filantropia e

voluntariado, de modo a legitimar a desresponsabilização estatal.

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A partir da década de 1990, há um redesenho dos movimentos sociais que

passaram a apontar novos temas e problemas diante da conjuntura sociopolítica, econômica e

cultural que se apresentava. Além disso, novos sujeitos sociais entraram em cena na sociedade

civil, como as Organizações Não Governamentais (ONG), as fundações e as entidades do

Terceiro Setor. A nova composição do associativismo brasileiro apresenta uma articulação em

redes, com abertura para o estabelecimento de parcerias entre governo e sociedade

organizada, com foco em projetos pontuais (GOHN, 2013).

Esse cenário possibilitou instaurar um processo contraditório no interior da

sociedade civil com experiências alternativas no campo democrático popular, mas também

com experiências institucionalizadas com políticas focalizadas, com caráter manipulatório ou

compensatório (GOHN, 2011a).

Assim, muitos movimentos se transformaram em ONGs, com esvaziamento

político de ações, em consequência disso “mobilizar passou a ser sinônimo de arregimentar e

organizar a população para participar de programas e projetos sociais. (...) Em vários casos, o

militante foi se transformando no ativista organizador das clientelas usuárias dos serviços

sociais” (GOHN, 2013, p.42).

O nosso foco de análise da luta expressa por defesa dos direitos sociais será pelas

formas autônomas e populares de participação no âmbito dos movimentos sociais,

considerando as contradições envolvidas nesse processo. A participação aqui é entendida

como a possibilidade de decidir e/ou influenciar sobre as questões que são importantes para o

indivíduo e a coletividade. Trata-se de um processo social próprio do ser humano, “ao pensar

e agir sobre os desafios da natureza e sobre os desafios sociais, nos quais ele próprio está

inserido” (SOUZA, 2004, p. 81).

Diante desse panorama de reconfiguração do Estado que repercute no sistema de

proteção social e na efetivação dos direitos de modo a satisfazer as necessidades da

população, torna-se mais complexo nos grandes centros urbanos, sobretudo, quando apresenta

número elevado de indivíduos que vivem abaixo da linha da pobreza. Trazendo essa análise

para Fortaleza, capital do Estado do Ceará, que possui o nono pior Índice de Desenvolvimento

Humano Municipal (IDHM) entre as capitais brasileiras1 (PROGRAMA DAS NAÇÕES

UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, 2013), constata-se o não acesso aos direitos

humanos e sociais para a maior parte da população, que vive nos bairros da periferia.

1 Conforme a plataforma de consulta intitulada “Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil” Fortaleza (CE)

apresenta IDHM 0,754. O IDHM compreende indicadores de três dimensões: longevidade, educação e renda.

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Na área de abrangência da Secretaria Regional SR V, sudoeste do Município de

Fortaleza, concentra bairros nesse perfil. Dentre eles situam-se aqueles que integram as

comunidades do Grande Bom Jardim (GBJ), composto por cinco bairros (Siqueira,

Canindezinho, Granja Lisboa, Granja Portugal e Bom Jardim), onde moram cerca de 204.208

mil pessoas, conforme Censo IBGE/2010.

A Prefeitura de Fortaleza divulgou, através da Secretaria Municipal de

Desenvolvimento Econômico (SMDE), estudo sobre a situação do Índice de

Desenvolvimento Humano em Fortaleza, por bairro (IDH-B), com base nos dados do Censo

Demográfico realizado em 2010 (FORTALEZA, 2014a). A Regional V apresentou os bairros

com pior desempenho. Referente ao GBJ, configurou-se da forma a seguir: Granja Portugal

(0,190); Granja Lisboa (0,169); Bom Jardim (0,194); Siqueira (0,148); Canindezinho (0,136).

Os bairros Canindezinho, Siqueira e Granja Lisboa ficaram entre os 10 piores bairros de

Fortaleza quanto ao IDH no ano de 2010.

Diante dos elementos expostos anteriormente, percebe-se a importância da

discussão de como a população nas periferias urbanas se organizam e participam do

acompanhamento das políticas públicas, com vistas a efetivar os direitos sociais. Os

movimentos urbanos apresentam relação direta no processo de compreensão dessas políticas,

por congregarem reivindicações por melhorias nas condições de vida e nos serviços públicos,

que repercutem nos processos de tomada de decisão estatal. Entende-se por movimentos

sociais urbanos

[...] os processos de organização e contestação efetivados por moradores que

agregam um conjunto amplo de lutas sociais, cujo objetivo básico é a posse mediata

e imediata de bens de consumo individual e coletivo, compatíveis com a inserção no

“habitat” urbano e com os padrões culturais e coletivos de reprodução da força de

trabalho (BARREIRA, I., 1991a, p.33).

O processo organizativo desses movimentos em Fortaleza originou-se e se

expandiu com intensidade na periferia, centrado no suprimento de necessidades imediatas,

normalmente visando solucionar problemas relacionados à moradia, saúde, alimentação, entre

outras carências urbanas. Para Fernandes, Diógenes e Lima (1991), os primeiros movimentos

sociais em Fortaleza datam do final da década de 1950, no contexto de crise econômica e

conjuntura política favorável a novas relações do Estado e mobilização da sociedade civil.

Na década seguinte, instaura-se um período de maior repressão política devido ao

regime militar. A Igreja assume importante papel nos bairros, conduzindo “lutas imediatas”,

principal característica dos movimentos sociais na época, juntamente com a prestação de

serviços. Nos anos de 1980, o eixo de central de atuação da Igreja passa a ser o trabalho de

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assessoria aos movimentos populares, sem destituir do caráter religioso, mas com ênfase na

luta pela conquista de direitos. Essa assessoria aos movimentos sociais urbanos tratava-se de

“um trabalho de conscientização política, ajuda material e financeira, direção de movimento

para a luta por direitos sociais, para a reflexão e conscientização do morador como cidadão,

portanto, com direitos que devem ser respeitados pelo Estado” (FERNANDES; DIÓGENES;

LIMA, 1991, p.71).

As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e a Cáritas assumem uma participação

expressiva em diferentes movimentos de bairros em Fortaleza, a exemplo do trabalho

desenvolvido na Região do Grande Bom Jardim. Na década de 1980, lideranças populares,

entidades e moradores realizaram grande mobilização para denunciar descasos e lutar por

direitos. Acreditavam que a forma de “celebrar” das CEBs, aliando fé e vida, “fundamentou,

alimentou e motivou o surgimento de equipamentos sociais que nasceram com a crença na

prática da justiça social como dimensão constitutiva do anúncio do evangelho” (REDE DLIS,

2015, p.3). Ao mesmo tempo em que atores sociais se constituíram, “as organizações locais e

lideranças comunitárias já instituídas passaram a ser mais pressionadas e questionadas em

suas práticas tradicionais, muitas, fundamentalmente, vinculadas a interesses clientelísticos e

eleitoreiros” (GPDU; ONG A, 2004, p. 140).

É pelo reconhecimento social dessa capacidade local de organização popular, que

o Grande Bom Jardim apresenta as características necessárias para o estudo. Atualmente,

dispõe de uma experiência singular que envolve a articulação comunitária através da Rede de

Desenvolvimento, Local, Integrado e Sustentável do Grande Bom Jardim (Rede DLIS), uma

instância de articulação de lutas com 34 entidades e movimentos urbanos que demandam

questões específicas e desenvolvem atuações que envolvem a cidade como um todo. Essa

atuação compartilhada teve início nos anos 2000 e apresenta significativo reconhecimento no

campo da defesa dos direitos humanos e sociais, com participação ativa em grandes lutas e

movimentos de Fortaleza.

A experiência da Rede DLIS se insere no campo de rede de movimentos e atores

sociais da sociedade civil que se expandiram nas últimas décadas, sobretudo no cenário da

nova sociedade da informação. Neste sentido, torna-se relevante desenvolver pesquisas que

busquem compreender as experiências de participação e luta por direitos, conhecendo a

relação dos movimentos sociais com o Estado. Como propõe Scherer-Warren (2015),

compete-nos compreender como vem sendo traduzida a noção de rede pelos movimentos

sociais, identificando também contradições desses processos políticos emergentes, para assim

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estimular o fortalecimento das práticas de participação, apostando em processos

transformadores no seio da sociedade.

Alguns questionamentos integram nossa análise: Sob o enfoque dos coletivos

organizados, que práticas de participação têm sido construídas? O que fundamenta essas

práticas? O que a constituição de Rede de Movimentos Sociais vem ensinando sobre os

caminhos da luta por direitos? Quais os novos desafios que se inserem nesse processo? Quais

os aspectos contraditórios que envolvem o processo de participação da Rede de

Desenvolvimento Local, Sustentável e Integrado do Grande Bom Jardim?

Reconhecemos que há o predomínio de investigações que problematizam a

participação em espaços institucionalizados, em especial, nos conselhos de políticas

(TATAGIBA, 2002; AVRITZER, 2009; GOHN, 2011). Aposta-se nessas instâncias de

participação por acreditar que “pode ser um caminho para o aprimoramento democrático via a

incorporação de segmentos até então alijados da possibilidade de formularem e interferirem

na execução das políticas públicas” (ESCOREL; MOREIRA, 2008).

Entretanto, faz-se necessário um maior investimento em estudos que direcione o

conhecimento para os atuais desafios que atravessam as experiências organizadas de

participação popular na afirmação de direitos. Correspondente à produção acadêmica a

respeito dos movimentos sociais no novo século Gohn (2009, 2013) tem apresentado grandes

lacunas que justificam a necessidade do debate sobre a temática. Dois desafios aparecem

articulados na luta dos movimentos sociais urbanos no Brasil contemporâneo, segundo

destaque de Pereira (2014), são eles: a criminalização e os mecanismos de cooptação. Pode-se

acrescentar ainda como desafio a persistência da prática clientelista de políticos no cenário da

periferia (REDE DLIS, 2015).

1.2 REENCONTROS E VIVÊNCIAS MOBILIZADORAS: DESAFIOS PARA A

CONSTRUÇÃO DEMOCRÁTICA DE CONHECIMENTO

O investimento nesse estudo apresenta traços de nossa trajetória social,

profissional, política e intelectual. Nesse sentido, destacamos as vivências acadêmicas

enquanto estudante de Serviço Social na Universidade Estadual do Ceará (UECE), onde

aprofundamos nossa percepção sobre a realidade e definimos nosso lugar no mundo.

A aproximação com a temática da participação popular tem origem na graduação,

mais precisamente na época em que nos foi propiciado, na condição de bolsista do Programa

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de Educação Tutorial (PET) de Serviço Social, por meio das atividades de extensão, conhecer

a comunidade Garibaldi, umas das mais destituídas de atenção de políticas públicas do bairro

da Serrinha, onde está localizado o Campus do Itaperi (UECE). Período também de

aproximação e envolvimento junto ao Movimento Pró-Parque Lagoa de Itaperaoba, ao qual

devemos nosso primeiro engajamento em movimento social, fruto de uma inserção no

cotidiano da comunidade Garibaldi e participação de momentos de luta.

Outro destaque foi o estágio curricular na Coordenação do Projeto Raízes de

Cidadania, executado na época pela Fundação da Criança e da Família Cidadã (FUNCI). O

estágio suscitou os primeiros questionamentos acerca do exercício profissional e nos motivou

a desenvolver o trabalho de conclusão de curso sobre a instrumentalidade da profissão no

âmbito comunitário.

Anos mais tarde a temática da participação reaparece de forma mais contundente

no cotidiano do fazer profissional no contexto da política de saúde. A aproximação com o

presente objeto de pesquisa emerge da nossa experiência profissional na Estratégia de Saúde

da Família e vínculo estabelecido com territórios do Grande Bom Jardim. A atuação

aconteceu no bairro Granja Portugal, sendo iniciada através do Programa de Residência

Multiprofissional em Saúde da Família e Comunidade de Fortaleza (de março de 2011 a

março de 2013) e, posteriormente, até 2014 na composição do Núcleo de Saúde da Família

(NASF2).

Em todas essas experiências aprendemos a reconhecer a importância da inserção e

conhecimento do território que se apresenta mais que um depositário de atributos ou

características da população, mas também o lugar da responsabilidade e da atuação

compartilhada. A partir da história oral foi possível perceber como os moradores apreendem

sua realidade e expõem as problemáticas, potencialidades e contradições da comunidade. Os

diversos olhares sobre o território não se deram para conhecer só seus aspectos objetivos, mas

o que produzia sentido e sentimentos para as pessoas, além das relações de poder e aprofundar

sobre a história do lugar. Em contraponto, os moradores apresentaram um contexto de

resistências e viam na participação popular as possibilidades de uma organização comunitária

efetiva e de enfrentamento aos determinantes sociais.

Durante nossa atuação na Estratégia de Saúde da Família buscamos legitimar a

construção de um fórum local como espaço permanente de encontro onde as pessoas 2 O NASF foi regulamentado pela Portaria GM nº 154, de 24 de janeiro de 2008, e deve ser constituído por

profissionais de diferentes áreas de conhecimento para compartilhar e apoiar as práticas em saúde das Equipes de

Saúde da Família ou Equipes de Referência, Equipes de atenção básica para populações específicas

(Consultórios na Rua, Equipes Ribeirinhas e Fluviais etc.) e Academia da Saúde.

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pudessem dialogar a respeito da saúde do bairro. Em que pudessem pensar, bem como

fortalecer ações condizentes com as necessidades comunitárias.

Essa mobilização teve início no ano de 2011 e, posteriormente, mais precisamente

em meados do ano de 2013, já sob a titulação de Fórum de Lutas da Granja Portugal, houve

um fortalecimento desse espaço a partir da articulação com a Rede de Desenvolvimento

Local, Integrado e Sustentável do Grande Bom Jardim. Em outubro do referido ano essa

parceria se efetiva e é dado início um movimento local para monitoramento das unidades de

atenção primária. Instituiu-se a princípio a Mesa de Diálogo pela Saúde do GBJ, que

estabelecia contato direto com a Coordenadoria Regional de Saúde. Essa intervenção passou a

ser sistemática e levou a constituição de uma nova comissão no âmbito da Rede DLIS: a

Comissão de Saúde, envolvendo profissionais do serviço, sobretudo, agentes comunitários de

saúde, usuários e conselheiros de saúde.

Quando ingressamos no Mestrado Acadêmico em Saúde Coletiva da UECE no

ano de 2015, não atuávamos mais na Atenção Primária tendo em vista o término da vigência

de contrato temporário com a Secretaria Municipal de Saúde. Mas estávamos ainda

vinculados ao território, especialmente através da aproximação de um movimento mais amplo

e organizado de lutas por direitos. A proposta inicial de estudo foi direcionada para

problematizar as práticas de participação dessa rede de movimentos sociais, mais

especificamente junto à Comissão de Saúde da Rede DLIS.

Entretanto, na fase exploratória da pesquisa foi identificada a necessidade de

mudança nos objetivos do estudo, não se restringindo à problematização das práticas de

participação relacionada ao monitoramento da política pública de saúde. O debate em torno da

participação no âmbito da Rede DLIS foi ganhando maior importância e visibilidade. Dessa

forma, a partir dessas observações e do diálogo com a Comissão de Articulação dessa Rede,

optamos por pensar a participação na luta por direitos sociais, envolvendo todas as comissões

do movimento3, por acreditar que os esforços e defesa de direitos como moradia, da infância e

juventude, meio ambiente, impactam e constituem a condição de saúde nos territórios.

Compreendemos saúde em sua concepção ampliada, que não se restringe à

ausência de doença, relaciona aspectos fisiológicos, mas também psicológicos e culturais,

sendo determinada socialmente por um conjunto de fatores resultantes do modo de produção

capitalista, expressos em desigualdades e injustiças sociais. O processo saúde-doença é

3 No planejamento anual da Rede DLIS, em janeiro de 2016, foram redefinidas as comissões apresentando a

seguinte composição: Comissão de Articulação; Comissão de Juventude e Infância; Comissão de Saúde;

Comissão de ZEIS, Moradia e Meio Ambiente; Comissão de Memória, Cultura e Educação.

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entendido, portanto, além de uma abordagem individual-biológica, mas relacionado ao mundo

social, tão bem demarcado por Paim (1997 apud Barata, 2014, p. 486) que

[...] chama a atenção para o fato de que as condições de vida vão além das condições

materiais de sobrevivência e do estilo de vida, incluindo não apenas os aspectos

relacionados com o poder aquisitivo na esfera individual, mas também as políticas

públicas que buscam garantir o atendimento de necessidades básicas para a

sobrevivência, agregando assim a dimensão política a essa categoria.

Perceber a saúde a partir dessa determinação é deslocar a produção de

conhecimentos para um novo lugar. Essa área, constituída historicamente, denomina-se Saúde

Coletiva e se propõe a

[...] entender a saúde/doença como um processo que se relaciona com a estrutura da

sociedade, o homem como ser social e histórico, e o exercício das ações de saúde

como uma prática social permeada por uma prática técnica que é, simultaneamente,

social, sofrendo influências econômicas, políticas e ideológicas (PAIM, 1982 apud

VIEIRA-DA-SILVA; PAIM; SCHRAIBER, 2014).

O campo da Saúde Coletiva sugere diferentes enfoques de estudo, incorporando

também reflexões das ciências sociais que contribuem para constituir uma prática teórico-

política. Em relação a este estudo, apostamos que o mesmo possa colaborar no

aprofundamento dos avanços e desafios que envolvem o planejamento e organização

comunitária em defesa de direitos, além de contribuir com a formulação de estratégias para o

enfrentamento das necessidades identificadas pelos sujeitos coletivos.

A reflexão em torno da temática proposta assume também sua pertinência quando

a participação se constitui como diretriz organizacional de muitas políticas públicas e,

recentemente, é reafirmada como método de governo para possibilitar o diálogo com a

sociedade civil, direcionado pela Política Nacional de Participação Social (decreto Nº

8243/2014).

Pretendemos com essa abordagem pensar as características de luta dos sujeitos

coletivos do Grande Bom Jardim atuantes a partir da constituição de uma rede social, que

possibilitará revelar aprendizagens ou transformações desses sujeitos a partir da participação

no território onde vivem, se organizam e mantém relações.

Essa proposta apresenta-se como terreno fértil para a criação de condições para o

aprofundamento da consciência crítica e participativa, com desenvolvimento de ações que

propiciem o fortalecimento da articulação comunitária nessa luta por direitos sociais e visem

maior responsabilidade e compromisso com a prática social transformadora.

Reconhecemos que a construção do conhecimento não pode ser reduzida a uma

determinada forma de conhecer e apresenta diferentes maneiras potenciais de realização

(MINAYO, 1994). O desenvolvimento dessa investigação precisava considerar nossa

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trajetória pessoal e profissional, nossa condição de “sujeito implicado”, o conhecimento das

potencialidades de articulação e participação no território, e a representatividade de se

construir conhecimento compartilhado para problematizar as práticas de participação com

vistas a potencializá-las, em um contexto que se viola cotidianamente direitos humanos e

sociais. Apesar dos limites de temporalidade próprios de uma dissertação, propomos a

realização de uma pesquisa participante, por considerar esses elementos de ação-reflexão

envolvidos na vivência com os sujeitos coletivos organizados.

Daí e necessidade que tem o trabalhador social de conhecer a realidade em que atua,

o sistema de forças que enfrenta, para conhecer também o seu “viável histórico”. Em

outras palavras, para conhecer o que pode ser feito, em um momento dado, pois que

se faz o que se pode e não o que se gostaria de fazer (FREIRE, 2011a, p.61).

Um produto da fase exploratória da pesquisa foi a elaboração de um texto

analítico da execução da política de saúde no município e no território do GBJ, sobretudo da

Atenção Primária à Saúde, nível que concentra a agenda política de acompanhamento do

movimento. Recebemos convite da Rede DLIS para colaborar na produção textual do

documento concernente à temática do direito à saúde (APÊNDICE E) para a IV Conferência

de Desenvolvimento Sustentável do Grande Bom Jardim.

Essa problematização da situação de saúde foi incorporada juntamente com

propostas definidas pela população para o setor, integrando o documento final da IV

Conferência. A realização de conferências no território visa atualizar a Política de

Desenvolvimento Sustentável do Grande Bom Jardim (2005-2025) que se trata de

proposições para o território, sugeridas a partir do Diagnóstico Socioparticipativo da Região,

elaborado em 2003 pela UECE, através do Núcleo de Gestão Pública e Desenvolvimento

Urbano (GPDU), com apoio do Centro de Defesa da Vida Herbert de Souza (CDVHS)4.

Reconhecemos-nos na vertente que direciona novos movimentos às pesquisas no

campo de Saúde Coletiva, que não se fecham só sobre as instituições de ensino e seu

produtivismo, mas que são indutoras de novas relações e maneiras de construir conhecimento.

Além de dispor de estratégias que ampliem o acesso aos resultados das pesquisas.

O presente estudo tem como objetivo geral: Analisar as práticas de participação

de uma rede de movimentos sociais na luta por direitos. Para isso, buscamos descrever as

ações voltadas para a efetividade da luta por direitos sociais desenvolvidas pela Rede DLIS;

4 O CDVHS é uma organização não-governamental, sem fins lucrativos, criada em 1994, como resultado do

processo de mobilização da CEBs da Área Pastoral do Grande Bom Jardim. Foi constituído juridicamente com o

apoio da Cáritas Arquidiocesana de Fortaleza e do Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos da

Arquidiocese de Fortaleza, dos Missionários Combonianos do Nordeste, da união das comunidades existentes e

da Área Pastoral do Bom Jardim (REDE DLIS, 2015). Essa ONG atua em mobilizações sociais no Grande Bom

Jardim, na busca por defender a vida e defender os direitos humanos.

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compreender as concepções sobre participação e direitos sociais dos sujeitos que atuam em

redes de movimentos sociais; assim como identificar contradições que possam representar

entraves e/ou oportunidades de mudança das práticas de participação, com vistas à defesa dos

direitos.

A dissertação está organizada da seguinte maneira: o primeiro capítulo é a

presente introdução. No segundo capítulo, apresentamos as principais categorias teóricas que

respaldam a investigação. Desse modo, iniciamos com uma breve contextualização das

configurações do Estado brasileiro e debate sobre a construção dos direitos de cidadania.

Então, inserimos as teorias clássicas dos movimentos sociais e as novas correntes

interpretativas. Buscamos ainda traçar algumas características da luta por acesso e

reconhecimento de direitos sociais em Fortaleza-CE, contexto de realização da pesquisa. E

posteriormente, contemplamos o debate sobre os conceitos de Redes de Movimentos Sociais e

Participação Social.

O terceiro capítulo configura-se pela apresentação do percurso metodológico, em

que abordamos a definição de pesquisa participante e de que forma foi realizada a inserção no

campo, pactuações e construção conjunta de questionamentos para direcionamento do estudo.

Explicamos também os critérios de inclusão dos sujeitos participantes, assim como os

procedimentos adotados para organização e análise dos dados.

No quarto capítulo dedicamos à análise da produção de dados, partindo da

apresentação do território do Grande Bom Jardim. Depois nos dedicamos a resgatar elementos

da construção da Rede DLIS, abordando características da sua organização interna e as ações

desenvolvidas por suas Comissões Temáticas. Na última sessão do capítulo são debatidas as

concepções sobre participação e direitos sociais para os entrevistados. O quinto capítulo

destinamos para as considerações finais e recomendações para o fortalecimento das práticas

participativas no coletivo, além de apontar possibilidades de futuros estudos.

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2 MOVIMENTOS SOCIAIS NA SOCIEDADE BRASILEIRA SOB A ÉGIDE DAS

REDES DE INTERAÇÃO

2.1 REDES DE MOVIMENTOS SOCIAIS: VELHOS E NOVOS ARRANJOS DA

PARTICIPAÇÃO NA LUTA POR DIREITOS

Propomos estabelecer uma discussão teórica sobre movimentos sociais a partir de

uma contextualização das mudanças nas configurações do Estado brasileiro e as repercussões

na regulação da vida coletiva. E dessa forma, compreender os desdobramentos desse processo

na afirmação de direitos sociais no espaço urbano. Nesse sentido, os desdobramentos sócio-

históricos que serão apresentados ao longo do texto, estarão por vezes articulados a

particularidade local do Município de Fortaleza, onde se centra o estudo. Como outras

grandes capitais do país, Fortaleza apresenta complexo e ativo quadro de manifestações da

questão social, resultado das transformações ocorridas nos últimos anos. A cidade sofreu um

rápido crescimento populacional, atualmente com 2.551.805 habitantes (IBGE/2013) dividida

em 6 regiões administrativas5, sobretudo a partir da ampliação de sua visibilidade político-

econômica no contexto regional e nacional, sendo assim, uma referência e centro sócio-

econômico para as demais cidades do Ceará.

Para a tradição marxista não há uma “teoria do Estado” completa e acabada, mas

análises fundamentadas sob diversas determinações e contextos, sendo que a concepção de

Estado se fundamenta nas relações sociais de produção inerentes a sociedade capitalista

(MONTAÑO; DURIGUETTO, 2011).

O Estado para Marx e Engels é a instância que cumpre a universalidade

representando o interesse da classe dominante. Trata-se de um produto das contradições de

classe, socialmente determinado. Para Lênin, o Estado também representa os interesses de

uma classe, mas o destaca como aparelho repressivo da burguesia (Ibidem).

Essa noção restrita apresentada por Marx é explicitada a partir de uma análise do

Estado Moderno, com aceitável predominância da face repressiva do Estado, pelas

determinações sócio históricas do contexto analisado. A sociedade civil aparece como um

conjunto dessa estrutura econômica e social, isto é, a base material ou infraestrutura da

sociedade capitalista. O que vai se diferenciar do pensamento gramsciano que para ele a

5 Consideramos as seis Secretarias subdivididas em regiões territoriais. Não incluímos aqui a Secretaria Regional

do Centro, cujo território possui características eminentemente comerciais e implica em outra conformação de

responsabilidades correspondente à execução de políticas públicas.

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sociedade civil “é o espaço onde se organizam os interesses em confronto, é o lugar onde se

tornam conscientes os conflitos e contradições. Nele, a sociedade civil é um momento da

superestrutura ideológico-política” (SIMIONATO, 2011, p.70).

Simionatto (op.cit.) observa que Gramsci não rompe com as concepções teóricas

marxistas, mas lhes acrescentam novas determinações, trazendo a elaboração da teoria do

Estado em sentido “restrito” e “ampliado”. Essa discussão apresenta-se a partir da existência

de duas esferas distintas na superestrutura: sociedade civil (aparato de hegemonia) e

sociedade política ou Estado (aparato de coerção ou de domínio).

Essa relação dialética explicitada por Gramsci entre sociedade civil e sociedade

política recusa a completa separação entre Estado e sociedade. Muito embora assegure a

ordem pela força e pelo consenso, compondo-se de instituições, regras e aparatos que

expressem o predomínio da classe dominante, para Giuseppe Vacca (1977 apud

SIMIONATO, 2011, p.74) ainda não basta para determinar as formas concretas do Estado,

pois não se trata de uma relação simples e linear. “A forma concreta do Estado nasce do modo

pelo qual as classes fundamentais conseguem organizar a inteira trama das relações entre

governantes e governados e este conjunto particular constitui o Estado em carne e osso”.

Se nas sociedades tradicionais os indivíduos encontram proteção na hierarquia

social, no âmbito de suas relações familiares e sociais, na sociedade moderna essa relação é

redimensionada e os indivíduos se veem livres desses vínculos, com sentimento de

insegurança e passam a demandar ao Estado a proteção social. A ampliação do Estado se

materializa na consolidação dos direitos de cidadania, compondo um mecanismo fundamental

de coesão social (FLEURY, 2010).

Correspondente aos direitos sociais Fleury (op.cit., p.13) os diferencia dos direitos

civis, explicitando que a estes “pressupõem as liberdades negativas individuais, formuladas de

forma abstrata funcionando como um limite à intervenção estatal”. Aos direitos sociais

implicam “poderes de reivindicação justificada de uma ação positiva de intervenção estatal”.

A autora aprofunda o debate expondo duas diferentes vertentes sobre os direitos sociais. A

definição de Abramovich que traz a natureza dos direitos sociais como eminentemente

coletivista; e os parâmetros de justiça estabelecidos por Alexy, ambos são melhor detalhados

a seguir.

Abramovich e Courtis (2006 apud FLEURY 2010, p.13) afirmam os direitos

sociais como direito de grupo e não individual, pois compreendem que “o indivíduo goza os

seus benefícios na medida de seu pertencimento a um grupo social”. Trata-se de “um direito

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de desigualdades, que pretende constituir-se em um instrumento de compensação ou

igualação”.

A construção e consolidação dos direitos de cidadania implicam na existência de

um princípio de justiça que se funda na concepção de igualdade e parâmetro normativo.

Entretanto, Alexy (1993 apud FLEURY 2010, p.13) atenta para a possibilidade de diferentes

modalidades de “justiciabilidade” que conformam esquemas diferentes de proteção social. O

autor considera para essas modalidades:

[...] se os direitos estão submetidos ou não ao controle constitucional; se as normas

consagram deveres e objetivos (a obrigação do Estado de prover programas

adequados) ou direitos subjetivos (o direito pessoal a reclamar individualmente o

acesso a um programa ou a uma prestação); se os direitos se formulam como regras

abstratas ou somente como princípios; se a noção de direito social aponta a um

máximo ou a um mínimo de bem-estar.

A formulação de Marshall sobre cidadania (1967, p.63-64) comporta três

elementos: civil, político e social. O elemento civil da cidadania é constituído pelos direitos

que materializam a liberdade individual (“liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa,

pensamento e fé, o direito à propriedade e de concluir contratos válidos e o direito à justiça”).

No aspecto político, afirma-se o “direito de participar no exercício do poder político”, seja

como membro ou eleitor dos membros da instituição de autoridade política. Os direitos

sociais referem-se desde o “direito a um mínimo de bem-estar econômico e segurança ao

direito de participar, por completo, na herança social”, oferecendo dignidade a todos.

A partir da experiência inglesa, o autor atribui uma linearidade temporal para

pensar as conquistas desses direitos, em que os direitos civis são conquistados no século

XVIII, os direitos políticos no século XIX e o período formativo dos direitos sociais se

constituindo a partir do século XX.

Carvalho (2002, p.11) contrapõe-se a essa perspectiva linear de Marshall, a qual

buscou generalizar um modo específico de expansão de cidadania. Pois reconhece esta como

fenômeno histórico complexo, com distintas configurações em cada país. E destaca duas

importantes características do caso brasileiro: “A primeira refere-se à maior ênfase em um dos

direitos, o social, em relação aos outros. A segunda refere-se à alteração na sequência em que

os direitos foram adquiridos”.

Como explicita Carvalho (2002) os direitos sociais vêm para assegurar a

participação na riqueza coletiva e garantir um mínimo de bem-estar, possibilitando reduzir os

excessos de desigualdade provenientes do modo de produção capitalista. No Brasil, o

desenvolvimento de políticas e direitos sociais não estiveram necessariamente vinculadas à

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democratização política. Esta discussão será retomada no Capítulo 4 quando abordaremos

alguns aspectos sobre direitos sociais a partir dos apontamentos trazidos pelos entrevistados.

Ainda como crítica à abordagem teórica de Thomas H. Marshall que defendia a

constituição de uma tendência moderna para a igualdade social e afirmava haver

compatibilidade entre desigualdade de classes e cidadania, trazemos dois importantes

elementos sinalizados por Barbalet (1989 apud BEHRING; BOSCHETTI 2008, p. 102):

primeiro que “a política social é o centro de um conflito de classe e não apenas um meio para

diluí-lo ou desfazê-lo” e segundo que na relação entre política social e cidadania “pode haver

contradição entre a formulação/execução dos serviços sociais e a consecução de direitos”.

Dessa forma, a luta por direitos sociais, não se reduz ao seu reconhecimento legal,

mas envolve uma questão política mais ampla explicitada por Faleiros (2011, p.55):

Um benefício reconhecido em lei não poderá ser defendido sem a possibilidade de

articulação, de mobilização, de manifestação. Os direitos políticos implicam os

direitos civis e a defesa de uns envolve a defesa de outros. O reconhecimento de

certas compensações sociais em lei é um processo histórico cíclico que muda

segundo as crises econômicas e as forças políticas.

Pensar sobre as configurações do Estado e seu papel regulador na sociedade

brasileira, parte da referência de uma sociedade ordenada em bases capitalistas, permeada

pela relação capital/trabalho. Ao Estado recai a finalidade e função de desenvolvimento

capitalista, ao mesmo tempo em que intervém sob as desigualdades sociais, evitando a

desestabilidade da ordem social e política (ABREU, 1999).

A conjuntura da década de 1930 no Brasil, com o processo de industrialização em

curso e a emergência dos assalariados urbanos, tencionou para a redefinição do papel do

Estado e o surgimento das políticas sociais. Em face da questão social essas políticas foram

formuladas para minimizar as tensões sociais, a fim de garantir a regulação da sociedade e a

acumulação do capital.

A questão social se expressa através de três características fundamentais,

conforme sistematização realizada por Pastorini (2010, p. 114, grifos do autor):

Em primeiro lugar, podemos afirmar que a “questão social” propriamente dita

remete à relação capital/trabalho (exploração), seja vinculada diretamente com o

trabalho assalariado ou com o “não trabalho”, em segundo, que o atendimento da

“questão social” vincula-se diretamente àqueles problemas e grupos sociais que

podem colocar em xeque a ordem socialmente estabelecida (preocupação com a

coesão social); e, finalmente, que ela é expressão das manifestações das

desigualdades e antagonismos ancorados nas contradições próprias da sociedade

capitalista.

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Tal como é explicitado por Iamamoto (2005), até a década de 1930, as classes

dominantes constituídas, em sua maioria, pelas oligarquias agrárias, desconsideravam a

“questão social” e a mesma era tratada pelo Estado como “caso de polícia”.

É na relação entre Estado e sociedade civil que aparecem os movimentos sociais,

não havendo um conceito unívoco a respeito, mas vários a depender do contexto sócio

histórico e do paradigma em que está sustentado.

Referente às teorias clássicas dos movimentos sociais, havia uma preocupação em

identificar a causa das ações coletivas existentes. Integrando essa busca, o paradigma clássico

norte-americano considera os movimentos sociais como ações continuadas provenientes de

comportamentos coletivos de caráter contestador. A origem dessa corrente de pensamento

advém da procura por explicações aos movimentos de massa nas décadas de 1920 e 1930,

contexto de descontentamento social e reação às estruturas socioeconômicas da época

(GOHN, 2014).

No contexto sócio-histórico brasileiro, o Estado passou, progressivamente a

apreender a “questão social” como questão política. E a década de 1940 foi marcada por um

sistema de dominação política assumido por um Estado “benfeitor”, intervencionista e

autoritário; e por uma economia impulsionadora da industrialização (IAMAMOTO, 2005).

A legitimação do Estado se deu através da repressão dos movimentos

reivindicatórios, acompanhada de uma ação assistencial, marcada por relações populistas6, a

fim de manter o controle sob a classe trabalhadora, afetando sua mobilização e mantendo os

salários rebaixados.

O discurso dominante reforçava o entendimento dos direitos como concessão

espontânea do Estado e não produto de conquistas dos trabalhadores. O processo de

industrialização em curso foi acompanhado de estratégias regulacionistas e

desenvolvimentistas “sem pactos democráticos, sem uma cultura de bem comum ou bem-estar

social, conservando uma estrutura oligárquica, com uma enorme concentração de renda,

propriedade e recursos de poder” (ABREU, 1999, p.38).

Essas medidas implementadas por elite conservadora também foram

desenvolvidas no Ceará e na esfera política do Município de Fortaleza, configurando-se

durante longo período a partir de agrupamentos políticos “fechados”, constituídos por

6 O Estado populista de Vargas buscou intermediar os conflitos de classe concedendo de forma lenta e gradual as

Leis Trabalhistas, lembrando que o trabalhador rural não foi beneficiado. Nas palavras de Silva (1992, p.253),

“o populismo pode ser definido, em síntese, como a política estatal de controle das classes trabalhadoras urbanas

(operariado, classes médias assalariadas, pequena burguesia proprietária)”.

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coronéis. Estes chefes políticos locais criavam espaços paternalistas e de vantagens pessoais.

A política social orientava-se por uma visão racionalizadora, de caráter fragmentado, que

excluía a participação da sociedade no planejamento e no controle dos programas e projetos

sociais, os quais eram assistencialistas e reproduziam os princípios da caridade e do

conformismo social (BRAGA; BARREIRA, 1991).

A conjuntura política da década de 507 foi favorável a novas formas de atuação do

Estado, acompanhadas de mobilizações da sociedade civil. Contexto em que foram gestados

os primeiros movimentos sociais em Fortaleza, mas esses movimentos com vistas à obtenção

de melhorias urbanas vão se expressar em momentos descontínuos, atuando isolados ou

liderados pela Igreja, partidos políticos ou por influências de outras forças externas (Ibidem).

A conjuntura de expansão do capitalismo mundial no início dos anos 1960 impôs

à América Latina um desenvolvimento dependente e de caráter excludente. Galeano (2013,

p.292) ao falar do avanço dos investimentos norte-americanos e da capitalização do

crescimento industrial latino-americano pelas corporações imperialistas, refere-se a um

processo de “desnacionalização”. “No marco de aço de um capitalismo mundial integrado em

torno das grandes corporações norte-americanas, a industrialização da América Latina se

identifica cada vez menos com o progresso e com a libertação nacional”.

Nessa conjuntura, novas correntes interpretativas dos movimentos sociais

surgiram. O paradigma contemporâneo norte-americano passa a envolver, inicialmente, a

teoria de mobilização de recurso e, posteriormente, a de mobilização política, esta última já

desenvolvida no contexto de globalização. A teoria de mobilização de recurso esteve

associada ao estudo dos movimentos sociais norte-americanos dos anos 1960. Acreditava-se

que a formação do movimento era impulsionada por mudanças nos recursos, na organização e

na oportunidade para ação coletiva que eram mobilizados por interesses do grupo.

Posteriormente, o aspecto político ganha notoriedade na análise, dando origem a teoria de

mobilização política, que passa a considerar a vulnerabilidade dos oponentes, identificando as

oportunidades políticas que favoreceram o surgimento de movimentos sociais (GOHN, 2014).

No Brasil, o regime populista pré-64, viabilizou, contraditoriamente, o

fortalecimento da organização e lutas sociais, ao buscar apoio popular para implantação de

novos padrões de acumulação capitalista (ABREU, 2002). Dessa forma, no início dos anos 60

se gesta uma consciência nacional-popular, com “engajamento de amplas camadas sociais na

7 Nos anos 1950 ocorreu uma das maiores secas, ocasionando sucessivas migrações do campo para a cidade, com

destaque para atuação do DNOCS e criação da SUDENE, além de uma das maiores disputas eleitorais da

história do Estado do Ceará (FERNANDES; DIÓGENES; LIMA, p.1991).

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luta pelas reformas de base que impulsionam, sobremaneira, processos de conscientização e

politização, envolvendo principalmente trabalhadores rurais e urbanos, intelectuais e

estudantes” (AMMANN, 1980 apud ABREU, 2002, p. 141). No âmbito municipal, no

período de 1960-1964, as organizações populares apareciam, sobretudo, através dos

movimentos trabalhistas de caráter político-partidário, mas havia também movimentos pela

posse da moradia.

Instaura-se no país um Estado autoritário pelo golpe militar de 1964. O

desenvolvimento econômico voltou-se para a expansão da produtividade, modernização da

economia e entrada do capital estrangeiro. Na conjuntura de repressão política, do pós-64, as

ações repressivas não extinguiram imediatamente as mobilizações. Quando a organização

sindical recuou, os movimentos urbanos instauraram formas mais ostensivas de resistência,

principalmente sob a influência da Igreja que trazia “um discurso aparentemente não

politizado, ou pelo menos não ligado diretamente a tendências político-partidárias, o que lhe

conferia certa legitimidade diante do aparelho do Estado” (FERNANDES; DIÓGENES;

LIMA, 1991, p.61).

Até o início da década de 70, conforme a demarcação de Netto (2002), a ditadura

militar legitimou a política de “modernização conservadora”8 e vinculou-se a ações,

sobretudo, de “reorganização do Estado”e de “modificações profundas na sociedade” que se

efetivaram sob o domínio do grande capital (NETTO, 2002, p.118). A ditadura se caracterizou

por forte censura e repressão violenta a opositores; o apoio social advinha da instauração de

medidas sociais.

Esse modelo repressivo, centralizado, autoritário e desigual foi sendo implantado

como um complexo assistencial-industrial-tecnocrático-militar. Controlado pela

gestão tecnocrática, não veio a se constituir como um projeto universal de cidadania.

Era a continuidade de um modelo fragmentado e desigual de incorporação social da

população em estratos de acesso, conforme os arranjos do bloco no poder, para

favorecer grupos privados ou particulares, conquistar clientelas, impulsionar certos

setores economicamente influentes, obter lealdades e, é claro, dinamizar a

acumulação (FALEIROS, 2000, p.48).

A década de 70 é marcada por novas tentativas de revitalização do movimento de

bairros em Fortaleza, expressa em mobilizações de moradores da periferia. Com o declínio do

regime ditatorial no Brasil, instaurou-se um processo de democratização que trouxe consigo a

defesa da descentralização política, fiscal e administrativa do país. O que favorecia

8 Netto (2002) utiliza o termo “modernização conservadora” para caracterizar a projeção sócio-histórica do

período ditatorial brasileiro e seu modelo de desenvolvimento econômico subalterno ao capitalismo mundial.

Essa “modernização conservadora” era conduzida de modo a garantir benesses ao capital estrangeiro,

concentração e centralização em todos os níveis.

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oligarquias locais no passado, passou a ser demandada pela sociedade civil (BRAGA;

BARREIRA, 1991).

Em Fortaleza, os movimentos sociais aparecem com maior ênfase no período de

democratização do país, momento também de agravamento da questão urbana, marcada por

um significativo aumento no índice de crescimento populacional resultante, principalmente,

do fluxo migratório devido aos constantes períodos de estiagem e a falta de uma política

agrária que garantisse o acesso a terra e a permanência no campo (Ibidem).

A partir do momento em que a conjuntura política favoreceu formas de

mobilização popular, tornaram-se constantes os embates com o poder público. A política

social apresentou-se como mediadora da relação entre poder público e entidades de bairro, seu

redirecionamento veio em um momento de crise de legitimidade estatal e de ampliação da

capacidade organizativa dos setores populares. Então, além da criação de estruturas

organizacionais para a prestação de serviços, o poder público foi pressionado a abrir um canal

de comunicação com os movimentos sociais. Mas isso foi uma construção histórica

processual, determinada por conflitos e lutas, podendo ser citado como exemplo em Fortaleza

os casos do Pirambu, da José Bastos e do Lagamar (FERNANDES; DIÓGENES; LIMA,

1991).

A conjuntura dos governos estadual e municipal de 1979 a 1984 foi marcada pela

ocorrência de muitos conflitos, notadamente em torno da questão da moradia, que era

enfrentada de forma autoritária e repressiva. A estratégia do poder público diante das

ocupações era a remoção para conjuntos habitacionais que estavam, na maioria das vezes,

distantes do centro da cidade e sem as condições adequadas de habitabilidade (BARREIRA,

M., 1991).

Podemos citar algumas entidades que se destacaram no interior dos movimentos

de bairro em Fortaleza: Federação de Bairros e Favelas de Fortaleza (FBFF), a Jornada de

Luta Contra a Fome, depois denominada de União das Comunidades da Grande Fortaleza e as

entidades vinculadas à Igreja (CEBs, a Cáritas Arquidiocesana de Fortaleza e o Movimento de

Defesa dos Favelados) (FERNANDES; DIÓGENES; LIMA, 1991, p.69).

As CEBs e a Cáritas tiveram uma participação ativa nos movimentos de bairros

em Fortaleza. O trabalho de assessoria aos movimentos se caracterizou como um dos eixos

centrais da atuação da Igreja progressista na década de 1980 (Ibidem). Esse trabalho das CEBs

se fez sentir no território do Grande Bom Jardim e o resultado do processo de mobilização foi

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o desenvolvimento de diferentes lutas comunitárias para enfrentar os problemas sociais

existentes que atingiam a todos os moradores da região (REDE DLIS; ONG A, 2015).

Convém considerarmos a dimensão contraditória da articulação que o poder

público estabelece com as comunidades e seus movimentos organizativos. Considerar esse

movimento contraditório significa desmistificar classificações absolutas: respaldadas por um

único viés que concebe o poder público em exclusiva postura autoritária e que, por outro lado

identifica nos movimentos sociais uma natureza necessariamente espontânea e popular, sem

quaisquer práticas autoritárias como se fossem dotados de total autonomia na sociedade

capitalista. Gohn (2011b) atenta que nem todos os movimentos sociais são progressistas, que

atuam segundo uma agenda emancipatória, existem perspectivas conservadoras e movimentos

que não são abertos à participação.

Os movimentos sociais mantêm simultaneamente uma situação de organização

reivindicativa e articulação com as políticas sociais efetivadas pelo Estado. Isso

significa dizer que as reivindicações dirigidas ao Estado, ao lado do exercício de

políticas sociais que canalizaram ou não o conjunto das reivindicações, produzem

espaço e dinâmicas sociais que se cruzam e/ou se conflitam constituindo o que

denominamos lógica contraditória de produção e absorção dos conflitos. Essa

expressão não diz respeito simplesmente à distância entre demanda dos movimentos

e oferta de serviços, mas aos modos e direcionamentos do exercício das políticas

sociais face à experiência de organização e produção das reivindicações por parte

dos moradores (BARREIRA, I., 1991b, p.25).

A luta pela reconfiguração de papéis do Estado e da sociedade, com a

promulgação da Constituição de 1988, assegurou juridicamente os direitos como deveres do

Estado, repercutindo na organização e elaboração dos serviços e políticas públicas, além de

legitimar a participação da população na gestão da coisa pública, sendo garantidas também

algumas instâncias participativas, como destacam Escorel e Moreira (2008): eleições diretas,

plebiscito, referendo, iniciativa popular. Acompanhadas de iniciativas inovadoras para o

cenário político nacional como a realização de orçamento participativo e a estruturação dos

conselhos gestores.

Na Constituição Federal de 1988, ficaram definidos como direitos sociais9 a

educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à

maternidade e à infância, a assistência aos desamparados. Apresentou como avanço a adoção

do conceito de Seguridade Social, a compor um conjunto de ações destinadas aos direitos

relativos à saúde, à assistência social e à previdência.

9 A emenda constitucional nº 26/2000, incluiu a moradia como direito social, a emenda constitucional nº

64/2010, incorporou a alimentação, posteriormente, o transporte se inseriu no rol dos direitos pela emenda

constitucional nº 90/2015.

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Essa conjuntura histórica que envolve o processo de democratização no país e

alguns dos seus desdobramentos no contexto urbano de Fortaleza nos aproxima de conceitos e

noções analíticas trazidas pelo paradigma europeu que apresenta duas abordagens

diferenciadas: a marxista e a dos Novos Movimentos Sociais, cada um com várias correntes

explicativas. A análise marxista estuda os processos históricos globais, nas contradições

existentes e nas lutas entre classes sociais. Ambas as teorias influenciaram na produção do

paradigma latino-americano (GOHN, 2014).

Na abordagem marxista, a análise dos movimentos sociais está articulada aos

“processos de lutas sociais voltadas para a transformação das condições existentes na

realidade social, de carências econômicas e/ou opressão sociopolítica e cultural”. O elemento

primordial de análise é o conflito de classe (GOHN, 2011a, p. 27). A abordagem dos Novos

Movimentos Sociais traz uma análise mais conjuntural, direcionada ao âmbito político ou dos

processos da vida cotidiana, com recortes na realidade para observar a política dos chamados

novos atores sociais (GOHN, 2014). Os novos movimentos sociais abrangem ações a partir de

demandas mais específicas, diferente dos projetos universalistas presentes nas agendas dos

movimentos sociais inseridos nos paradigmas clássicos. Alguns conceitos e noções

atravessam esses dois paradigmas, tais como: movimentos sociais urbanos (abordagem

marxista) e redes sociais (abordagem dos Novos Movimentos Sociais).

É preciso atentar para não confundir movimento social com mobilização social,

esta última é voltada para a ação coletiva, buscando resolver problemas sociais, diretamente,

via a mobilização e engajamento de pessoas (TORO apud GOHN 2013), cuja dimensão

política é esquecida ou negada.

Faz-se necessário debruçar sobre a mudança na conjuntura política do país para

buscar entender como os movimentos sociais se redefiniram a partir disso. Se por um lado se

beneficiaram e ampliaram o escopo de práticas mediante a conquista de novos direitos sociais,

ao mesmo tempo sofreram um processo de desorganização e fragmentação atravessado pela

implantação de políticas neoliberais. Esse panorama será explicitado a seguir.

Ao passo que o Brasil inicia esse regime “democrático”, em que se demarcam as

lutas por garantias constitucionais em torno do processo de democratização. O restante do

mundo vivenciava um processo diferenciado, tratava-se de um retrocesso do ponto de vista

dos direitos sociais, consequência da crise do Welfare State ou Estado de Bem-Estar Social.

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A política keynesiana10 vigorou, sobretudo nos países de capitalismo maduro, no

período compreendido do pós-guerra até meados dos anos 70. No final do século XX,

instaura-se uma série de transformações no sistema capitalista, com a implementação de

novos mecanismos de acumulação, sustentado em padrões mais flexíveis (HARVEY, 1992),

com repercussão nas formas de enfrentamento da questão social e, consequentemente, no

sistema de proteção social.

Com a profunda recessão e estagnação da economia capitalista na década de 70,

as ideias neoliberais são retomadas para assumir proporções prática e universal em defesa da

soberania do mercado, sobretudo, a partir das recomendações do Consenso de Washington11,

no ano de 1989. Para Silva (1999), as medidas adotadas pelos governos, a partir da década de

90, vão expressar evidente consonância com o ideário neoliberal: privatizações, fim do déficit

público, abertura da economia para o mercado internacional com retomada dos investimentos

externos, estabilização da moeda com reforma monetária e fiscal.

O neoliberalismo foi, inicialmente, adotado pelas grandes nações capitalistas e,

depois, difundido nos países “periféricos”, com peso maior nestes últimos, pois a retórica do

“livre mercado” não é praticada por todos os países, notadamente os de grandes mercados.

Apesar de sua propaganda em favor da proposta neoliberal, os capitalismos

desenvolvidos continuam tendo estados grandes e ricos, muitíssimas regulações que

“organizam” o funcionamento dos mercados, arrecadando muitos impostos,

promovendo formas encobertas e sutis de protecionismo e subsídios e convivendo

com déficits fiscais extremamente elevados (BORÓN, 1999, p.9).

Está inclusa nas recomendações do Consenso de Washington a “reforma” do

Estado, ou melhor, a “contrarreforma” dada sua natureza regressiva e destrutiva, a qual busca

romper com o poder organizativo dos trabalhadores, isto é, atacar aos sindicatos; reduzir os

gastos governamentais; diminuir a qualidade na prestação dos serviços públicos e privatizar

os mesmos (BEHRING, 2003). O Estado brasileiro passa a se metamorfosear à medida que se

torna “mínimo” aos interesses coletivos e aos direitos sociais, mercantilizando estes últimos,

indo de encontro aos preceitos assegurados pela Constituição de 1988.

10 A política keynesiana encontra suporte no pensamento do economista John Maynard Keynes que rompe com a

tradição do liberalismo clássico, ao declarar que o mercado não é auto-regulável. Defende que a ação reguladora

do Estado é imprescindível em face das crises do capital (SILVA, 1999). A teoria keynesiana se adaptou à lógica

fordista de produção em massa para um mercado em massa, estando presente a geração crescente de emprego

com distribuição de renda e bem-estar (ABREU, 1999). 11 Trata-se das conclusões e recomendações da reunião entre o governo norte-americano e os organismos

financeiros internacionais, em Washington, para avaliar as reformas econômicas iniciadas na América Latina.

“Essas propostas podem ser resumidas em dois pontos básicos: redução do tamanho do Estado e abertura da

economia” (TEIXEIRA, 1996, p.225).

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Dessa forma, foi imposta uma “reforma” gerencial do Estado, com rebatimentos

diretos no social, que sofreu muito com cortes orçamentários e com a abertura para a

“publicização” – expressa pela criação das “agências executivas”, das “organizações sociais”

e regulamentação do Terceiro Setor para a execução de políticas públicas (BEHRING, 2003).

O programa de “publicização” trazido pela “reforma” foi o estopim para legitimar

à desresponsabilização estatal e a desprofissionalização das ações, pois “consiste na

descentralização, para o setor público não estatal, da execução de serviços que não envolvam

o poder de Estado, mas devam ser por ele subsidiados, como a educação, a saúde, a cultura e a

pesquisa científica” (IAMAMOTO, 2007, p.121). O incentivo ao voluntarismo e às parcerias

com as ONGs são expressões da substituição do protagonismo do Estado na regulação social.

O discurso neoliberal tem a espantosa façanha de atribuir título de modernidade ao

que há de mais conservador e atrasado na sociedade brasileira: fazer do interesse

privado a medida de todas as coisas, obstruindo a esfera pública, a dimensão ética da

vida social pela recusa das responsabilidades e obrigações sociais do Estado

(IAMAMOTO, op.cit., p.37).

No conjunto dessas mudanças, com a reprodução do ideário neoliberal e as

novas configurações do capitalismo contemporâneo, a questão social passou a expressar

novas manifestações e novas formas foram dadas ao seu enfrentamento, baseadas no apelo à

filantropia e à solidariedade a fim de eximir o Estado de suas responsabilidades,

direcionando-as para a sociedade civil (YASBEK, 2000).

Para Lara e Silva (2015) as medidas flexibilizadoras dos direitos sociais que

começaram com a ditadura civil-militar foram retomadas no contexto da política neoliberal a

partir dos anos 90, com os presidentes Fernando Collor de Mello, Fernando Henrique

Cardoso. As autoras defendem que essas medidas continuaram sob o governo do Partido dos

Trabalhadores (PT), com os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

Apesar dessa continuidade é preciso fazer diferenciações quanto ao governo do

PT, sobretudo, no que se refere aos indicadores sociais. Pois é possível afirmar que houve

melhoria na qualidade de vida da população, a exemplo dos dados sobre a pobreza que

diminui de forma significativa entre os anos de 2002 e 2012. Cerca de 22,5 milhões de

pessoas deixaram de ser pobres nesse período (AVRITZER, 2016).

A configuração contemporânea da ordem capitalista expressa, portanto, as

contradições e conflitos de classe e disputas de interesses antagônicos. Consoante Bravo e

Matos (2002), são evidenciados dois projetos societários em disputa no que se refere à

conformação do Estado: a “ofensiva neoliberal” de caráter focalizado, que amplia a

privatização e restringe o envolvimento da população da gestão pública; e um projeto com

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viés amplamente democrático que luta pela universalização dos serviços sociais, pela

democratização do Estado e do acesso aos serviços prestados.

Nesse contexto de transformações e crises, considera-se que existe hoje no Brasil,

em conexão com a dinâmica sociopolítica e econômica internacional, dois grandes

projetos societários antagônicos: o da sociedade sustentada em uma democracia

restrita, que diminui os direitos sociais e políticos, e o de uma sociedade fundada na

democracia de massas, com ampla participação social conjugando as instituições

parlamentares e os sistemas partidários com uma rede de organização de base (...)

(BRAVO; MATOS, 2002, p.198-199).

Como foi explicitado, o contexto de reforma gerencial do Estado e das políticas

neoliberais trouxe novas configurações à esfera pública e à viabilização de políticas sociais,

traduzindo em situações contraditórias no âmbito das ONGs e Terceiro Setor. Gohn (2011a, p.

64) atenta que a não obrigatoriedade de compromisso com o universal, tornam essas entidades

localizadas, além de ser identificada a possibilidade de um duplo dinamismo: “ao lado das

entidades com perfil democrático, outras organizações voltadas inteiramente para o lucro se

instalam e buscam se apropriar das mesmas políticas e incentivos”. A nova política de

distribuição e gestão de fundos públicos induziu muitos movimentos a se transformarem em

ONGs, destituindo-se do desenvolvimento de uma consciência crítica, para mobilizar a

população para participar de programas e projetos sociais (GOHN, 2013).

Os tempos atuais apresentam nova configuração aos movimentos sociais, os

diferenciando dos movimentos emergentes que despontaram na cena pública no século XIX e

início do século XX, com movimentos operários e revolucionários; dos movimentos

insurgentes nos Estados Unidos na década de 1960. No Brasil, os atuais movimentos se

distinguem daqueles da fase do regime populista e também dos movimentos que emergiram

no final da década de 1970 e atuaram parte dos anos 80 na luta por “direito a ter direitos”.

Embora muitos dos movimentos sociais do presente sejam herdeiros daquele da década de

1980 (GOHN, 2013).

Na atualidade, as formas de associativismo civil no Brasil se expressam em

movimentos sociais, redes de mobilizações de associações civis e fóruns. Gohn (2013)

especifica em três vertentes as atuais formas de associações civis organizadas em redes: 1)

movimentos e ações de grupos identitários que lutam por direitos sociais, econômicos,

políticos e culturais; 2) movimentos sociais populares – movimentos e organizações de luta

por melhores condições de vida e trabalho no meio rural e urbano; 3) movimentos globais ou

globalizantes como o Fórum Social Mundial.

A autora afirma que no novo cenário apresentado, ocorreram alterações na forma

de mobilizações e na forma de atuação, que agora se constitui em redes. A categoria rede

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social é antiga e já estudada por diferentes campos de conhecimento. Nas ciências sociais

destacam-se estudos sobre redes de mobilizações e movimentos sociais, dentre os autores

iremos retratar as concepções trazidas por Scherer-Warren (2005; 2011; 2014 e 2015).

Existem diferentes tipos de redes, de sociabilidade a redes locais ligadas ao

associativismo civil (GOHN, 2011b), assim como têm muitas vertentes teóricas que

discorrem sobre essa categoria. Correspondente à concepção teórica, Castells (2003, p.565)

instaurou nova abordagem ao tratar a sociedade globalizada como uma rede, que constitui

também as estruturas sociais, compondo sistemas abertos, dinâmicos e com possibilidades de

inovação.

Redes constituem a nova morfologia social de nossas sociedades e a difusão da

lógica de redes modifica de forma substancial a operação e os resultados dos

processos produtivos e de experiência, poder e cultura. Embora a forma de

organização social em redes tenha existido em outros tempos e espaços, o novo

paradigma da tecnologia da informação fornece a base material para sua expansão

penetrante em toda a estrutura social.

Dias (2005, p.19) apresenta-nos uma crítica de Jean-Marc Offner a

Manuel Castells, pelo fato deste desconsiderar os aspectos institucionais da organização dos

serviços públicos que determinam em grande parte a formação das redes. Por Castells projetar

“as redes num universo de auto-regulação, sucumbindo ao determinismo tecnológico que ele

pensa combater”.

Nesse sentido, como proposta complementar ao debate, de modo a acertar o passo

no tempo presente, Dias (op.cit.) sugere estudo de Milton Santos, que compreende a interação

entre redes e territórios, os dispondo em lógicas distintas. A sugestão será merecedora de

análises futuras devido à sua complexidade, evitando cair em fundamentações deterministas.

Diante da necessidade de estipular parâmetros de análise das redes de movimentos

sociais para o presente estudo, considerando as configurações da sociedade, demarcamos

nossa escolha a partir da discussão e acúmulo teórico apresentado por Scherer-Warren. A

autora tem o entendimento que conceitos como flexibilidade, intercomunicação horizontal e

redes são indispensáveis. É preciso reconhecer a existência de articulações, intercâmbios e

formação de redes, temáticas e organizacionais que atravessam os movimentos sociais, com

intercomunicação entre tradições e inovações participativas para a criação de um novo projeto

de sociedade. Admite a visão existente sobre as condutas de crise na sociedade civil, mas

busca contrapor o imobilismo das massas com o enfoque sobre os espaços possíveis de

mobilização e as novas formas de movimento e ações coletivas (Idem, 2014).

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Ao pensar nos sujeitos coletivos emergentes na sociedade da informação Scherer-

Warren (2005) propõe a análise das interações dialógicas entre atores que apresentam tempos

sociais diferentes, de escala (local, regional, nacional e transnacionais) e concretude variada

(presencial ou virtual), e atores que se representam através de vínculos sociais.

A referida autora busca distinguir coletivo em rede e rede de movimentos sociais.

Coletivo em rede é composto por conexões em primeira instância comunicacional que se

instrumentaliza mediante redes técnicas de vários atores sociais ou organizações, a fim de

trocar informações, obter apoio ou traçar estratégias de ação conjunta. Cita como exemplo os

sites online de ONGs. Rede de movimento social se constitui de “redes sociais complexas,

que transcendem organizações empiricamente delimitadas, e que conectam, simbólica e

solidaristicamente, sujeitos individuais e atores coletivos, cujas identidades vão se

construindo num processo dialógico” (SCHERER-WARREN, 2005, p.36). A partir disso se

forma a identidade do movimento, definem-se os campos de conflito e resistência, são

estabelecidos objetivos ou projeto para o movimento.

As redes de movimentos apresentam as seguintes características em comum:

“busca de articulação de atores e movimentos sociais e culturais; transnacionalidade;

pluralismo organizacional e ideológico; atuação nos campos cultural e político” (SCHERER-

WARREN, 2014).

Em pesquisa recente Scherer-Warren (2015, p.28) aprofundou o estudo da relação

entre redes da sociedade civil (incluídas as organizações de base, as redes

articuladoras/mediadoras e os movimentos sociais), acompanhadas das suas demandas e

reivindicações, e concluiu a necessidade de demarcar três importantes eixos de análise, a

saber:

1) O impacto das novas tecnologias de comunicação, que ajudam a explicar novos

formatos organizativos (...); 2) a avaliação dos aspectos substantivos para a análise

da continuidade de uma rede de movimento, com destaque para os elementos da

identificação político-cultural dos atores e da contestação em comum, ou dos

ideários emancipatórios ou utopias de mudança compartilhadas; 3) capacidade de

articular simbólica e discursivamente seus ideários e transformá-los em “advocacy”

e em possibilidades de incidir nas políticas públicas.

Inscrever o estudo de redes de movimentos sociais a partir desses parâmetros pode

trazer contribuições às análises em torno das práticas de participação de sujeitos sociais em

suas ações coletivas por meio de uma rede social local, na periferia de um grande centro

urbano, incorporando uma atenção especial às dimensões do caráter sociopolítico e cultural

dessa rede.

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2.2 PARTICIPAÇÃO SOCIAL: ABORDAGENS, CONCEITOS E APROPRIAÇÕES

A participação é uma atividade intrínseca à vida em sociedade, sendo atravessada

por relações sociais, políticas e econômicas. Pode ocorrer em espaços micro, como no

cotidiano familiar, podendo abranger instâncias e instituições, atingindo um patamar mais

macro, com possibilidades de intervenção em políticas de regulação da sociedade. Os

múltiplos significados da palavra participação a torna uma categoria analítica ampla e geral,

que abriga desdobramentos e estratificações, produzindo novas categorias (ESCOREL;

MOREIRA, 2008).

As abordagens teóricas clássicas da participação, assim como novas composições,

estão associados às concepções liberal, autoritária, revolucionária e democrática. Essas

interpretações são apresentadas por Gohn (2011a), cuja síntese nós descrevemos a seguir.

Na concepção liberal a participação vem para fortalecer a sociedade civil, de

modo que esta evite as ingerências do Estado, no que se refere ao controle, tirania e

intervenção na vida social. As principais ações relacionadas a esta abordagem estão

direcionadas para evitar obstáculos burocráticos à participação; desestimular a intervenção

governamental e ampliar canais de comunicação, possibilitando aos cidadãos a manifestação

de preferências antes da tomada de decisão.

A participação liberal possui dois derivativos: a participação corporativa –

compreendida como movimento espontâneo dos indivíduos, motivada por um “bem comum”,

além dos interesses pessoais; e a participação comunitária – que projeta o fortalecimento da

sociedade civil em termos de integração, entre órgãos representativos da sociedade e órgãos

deliberativos e administrativos estatais. Em ambas vertentes não estão colocadas na

participação as questões das diferenças de classes, raças, etnias, etc. Pode haver uma

composição integrada das duas vertentes. “A participação corporativa-comunitária se

caracteriza como uma forma institucionalizada no interior dos aparelhos de poder estatal de

forma que as esferas do público e do privado possam se fundir” (GOHN, 2011a, p.19).

Comumente o discurso da participação é apropriado pelo Estado. A participação

política estimulada pelas políticas públicas surge, conforme apontamentos de Gohn (2011a), a

partir da ideia de participação comunitária, sob influência do movimento dos centros de saúde

norte-americanos, cujo objetivo era dar respostas ao crescente problema do binômio pobreza-

doença. O conceito de participação comunitária estava associado à ideia de autocuidado e

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corresponsabilidade, “implicando a adesão e papel ativo de indivíduos em programas e

serviços de saúde” (VIANA et al, 2009 apud COTTA et al, 2013, p.179).

Na América Latina, a citada proposta teve pouca repercussão, merecendo

destaque, a partir dos anos 50, a ideia de participação que foi proclamada e enfatizada em

nível micro pelos programas de Desenvolvimento de Comunidade12. As variáveis

predominantes da política de desenvolvimento eram de ordem econômica, destinando a

retórica da “ajuda” à minimização das disparidades sociais. Dessa forma, Ammann (1997,

p.45) afirma que esse conceito de participação “carrega uma conotação acrítica, apolítica e

aclassista e toda sua dinâmica se move dentro dos horizontes apertados da pequena

localidade”.

Para Escorel e Moreira (2008), é na década de 1970 que a participação

comunitária se atrela aos programas de extensão de cobertura recomendados pelas agências

internacionais de saúde no contexto latino-americano. “Por um lado, tais programas

incentivavam o aproveitamento do trabalho não qualificado da população nas ações sanitárias;

por outro, valorizavam a organização autônoma da comunidade como possibilidade de

conseguir melhorias sociais” (CARVALHO, 1995 apud ESCOREL; MOREIRA, 2008, 997).

Retomando a discussão das outras vertentes das abordagens teóricas clássicas, a

participação autoritária é direcionada para a integração e o controle social, no âmbito da

sociedade e da política. Podendo ocorrer tantos em regimes autoritários de massa de direita,

como de esquerda. Como também poderá ocorrer em regimes democráticos representativos,

constituídos por participação de natureza cooptativa. Sendo expressa em políticas públicas

com a promoção de programas verticalizados, objetivando dissolver conflitos sociais (GOHN,

2011a).

A exemplo dessa concepção podem ser citados outros momentos históricos na

conjuntura do país em que o discurso participacionista assumiu um caráter reformista,

tratando-se, portanto, de um mecanismo para viabilizar uma participação ilusória da

população, que contribuía para consentir a elaboração e a execução dos programas impostos

12 O Desenvolvimento de Comunidade surgiu na Europa, mais precisamente na Inglaterra mediante às

preocupações em relação às suas colônias. Depois passou a ser uma das referências estratégicas para os

programas de ajuda externa de outros países. Ideologicamente, correspondia à reprodução das relações de

dependência dos países “subdesenvolvidos” aos “desenvolvidos”. E trouxe como característica um trabalho

assumido, sobretudo, pela iniciativa pública e direcionado às áreas “subdesenvolvidas”, a princípio às rurais,

posteriormente, predominou no espaço urbano. No seu processo histórico o DC apresentou diversas concepções,

Souza (2004) analisa as tendências mais dominantes – processo de intervenção externa; somatório de esforços

povo/governo; e processo de enfrentamento das preocupações e interesses das comunidades. A participação

assume significações diferenciadas no âmbito das ações do DC.

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pelo governo, garantindo, assim a legitimidade da ordem social burguesa. Os elementos

mantenedores desta perspectiva de participação perduraram no período do projeto

desenvolvimentista, mas foram

[...] refuncionalizados pela chamada Doutrina da Segurança Nacional e do

Desenvolvimento, que sustenta o regime autoritário militar a partir de 64, e pelas

orientações ideológicas do neoliberalismo que fundamentam as estratégias

regulacionistas dos governos seguintes, isto é, da chamada Nova República e do

período atual (ABREU, 2002, p.118).

Em 1975, mediante o Decreto do presidente Geisel, foi criado o Programa de

Centros Sociais Urbanos (CSU), a fim de envolver a população urbana no processo de

desenvolvimento; para tanto, os serviços do governo tinham que ser mais acessíveis, chegar

mais próximo da população. Havia uma implícita preocupação em legitimar uma concepção

de Estado benfeitor (SOUZA, 2004).

Os CSUs traziam o discurso da participação, mas não se tratavam de organismos

populares, tinham uma postura política muito evidente – contribuir com a expansão

capitalista, por isso se respaldavam na perspectiva de integração e desenvolvimento social.

“Na realidade, a experiência de centros comunitários no Ceará antecede a criação do

programa nacional, servindo de modelo para o mesmo” (BARREIRA, M., 1991, p.89).

Ao trazermos para o contexto do Estado do Ceará, após a criação dos CSUs, do

Programa de Assistência às Áreas Faveladas da Região de Fortaleza (PROAFA) e da

Fundação dos Serviços Sociais do Ceará (FUNCESCE) foram sendo redirecionados os

programas comunitários. A questão da participação apareceu significativamente nos

discursos, mas as reivindicações do movimento popular foram incorporadas pelo Estado de

forma muito tímida. Foi somente no contexto da Nova República que foram gestados novos

mecanismos de articulação e intervenção entre Estado e sociedade civil, com abertura de

espaços de participação (BRAGA; BARREIRA, 1991).

Na perspectiva da abordagem revolucionária, a participação estrutura-se em

coletivos organizados para combater relações de dominação, em prol da divisão do poder

político. E pode realizar-se nos marcos do ordenamento jurídico em vigor ou em canais

paralelos, assim como pode se desenvolver-se no misto dessas alternativas. Cabe destacar, que

na interpretação radical sobre a participação “engloba teóricos e ativistas que questionam e

buscam substituir a democracia representativa por outro sistema, em muitos casos pela

denominada “democracia participativa”” (GOHN, 2011a, p.21).

A abordagem democrático-radical tem o intuito de fortalecer a sociedade civil

para a construção de caminhos alternativos à realidade social. Nessa concepção os agentes de

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organização da participação são múltiplos e quem compõe os processos participativos são

vistos como sujeitos sociais. No Brasil, tiveram experiências que se constituíram mobilizados

por essa vertente, a exemplo do fórum do orçamento participativo e diferentes fóruns de

participação popular (Ibidem).

Outras abordagens fogem à proposta de definições polarizadas e buscam

problematizar a participação a partir de graus de participação, como é a proposta definida por

Carole Pateman apud Gohn (2011a): a pseudoparticipação – quando há somente consulta a

um assunto por parte das autoridades; a participação parcial – muitos tomam parte no

processo, mas só uma parte decide de fato; e a participação total – quando cada grupo de

indivíduos tem igual influência na decisão final.

Correspondente às teorias sociopolíticas, Gohn (op.cit., p.24-25) faz destaque a

Rousseau, com sua teoria política que “considera a participação individual direta de cada

cidadão no processo de tomada de decisões de uma comunidade e a vê como um modo de,

simultaneamente, proteger os interesses privados e assegurar um bom governo”. Na

abordagem marxista, a participação não aparece isolada, mas encontra-se articulada às

categorias: lutas e movimentos sociais. Na educação, especialmente atrelada a propostas

pedagógicas desenvolvidas pós 1960, como a de Paulo Freire, “a participação é uma ideia

(força)” (Ibidem, p.32).

Outro conceito que merece destaque é o de participação política, que está

relacionada ao número e intensidade de indivíduos envolvidos na tomada de decisão. A qual

pode manter ou modificar a estrutura do sistema dominante e se articula com a democracia em

suas formas direta e indireta. Sobre a expressão participação política, Bobbio, Matteucci e

Pasquino (1998, p.888) anunciam três formas distintas: presença – forma menos intensa e

marginal de participação política, com comportamentos receptivos ou passivos; ativação – o

sujeito desenvolve uma série de atividades a ele delegadas de forma permanente; participação

– reservado para situações em que o indivíduo contribui direta ou indiretamente para uma

decisão política.

Gohn (2011a, p 52) assinala que a participação dos sujeitos nos processos de

elaboração de estratégias e tomada de decisão, só irá aparecer no país nos anos 1980, em

propostas ligadas aos movimentos sociais, juntamente com as CEBs, oposições sindicais,

associações de moradores, etc. Foi um contexto de luta nacional pelo acesso e reconhecimento

dos direitos sociais. O termo utilizado de forma recorrente na época era participação popular,

sendo definida “como esforços organizados para aumentar o controle sobre os recursos e as

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instituições que controlavam a vida em sociedade”. Nessa proposta afirma-se a categoria

“povo”, referente à parcela da população excluída ou marginalizada no acesso a bens e

serviços.

Para Valla (1998, p.9), que discute o termo participação popular no contexto do

setor saúde afirma que o conceito é marcado de ambiguidades, com diferentes perspectivas. E

a maneira vaga e difusa com que aparece em textos oficiais, “ao lado de sua frágil

normatização, tende a torná-la, como consequência, algo centralizado nas mãos dos técnicos e

na burocracia governamental”. O autor situa algumas definições e apropriações de

participação: como as ações que diferentes forças sociais desenvolvem em relação às políticas

públicas e/ou serviços básicos na área social; modernização; integração dos grupos

‘marginalizados’ e o mutirão.

Na pesquisa aqui proposta, entre as diferentes concepções apresentadas, a

participação popular nos parece mais propícia, compreendendo de maneira geral “as múltiplas

ações que diferentes forças sociais desenvolvem para influenciar as formulação, execução,

fiscalização e avaliação das políticas públicas e/ou serviços básicos na área social (saúde,

educação, habitação, transporte, saneamento básico etc.)” (VALLA, 1998, p. 9). Está atrelada

a necessidade de afirmação e construção de outra sociedade, e está relacionada à distribuição

da verba pública e às necessidades básicas das classes populares (Ibidem).

Ao longo dos anos 1980 o termo participação foi apropriado por discursos

políticos conservadores, inserido como referência a todo plano, projeto ou política

governamental (GOHN, 2011a). A criação de programas governamentais, bem como a

institucionalização cada vez maior das organizações de bairro, indicou uma articulação maior

entre bairros e Governo do Estado ou Prefeitura, até governo federal. Em Fortaleza, a partir de

1985, ampliou-se a presença do Estado junto aos movimentos populares com a entrada da

Secretaria Especial de Habitação e Ação Comunitária (SEHAC). Com a implantação desta

Secretaria, “o governo federal passa a ter contato direto com os setores populares que são

convidados a gerenciar programas como o do Leite, o Mutirão Habitacional, o Fala Favela, e

outros” (BARREIRA, M., 1991, p.94).

Na capital cearense, a relação mais direta entre Movimentos Sociais e Governo do

Estado se desenvolveu a partir da gestão Tasso Jereissati, cuja candidatura simbolizava o

rompimento com a oligarquia dos coronéis, porém sua gestão manteve um caráter tutelar. O

governo buscava legitimidade mediante propagandas e cooptação das entidades – seu

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exemplo mais explícito foi o programa “Agentes de Mudança”; seu maior interesse era

conduzir a organização popular nos moldes da gestão estadual.

O Governo do Estado se propôs, entre outros mecanismos, criar associações de

bairros e organizar os moradores13. A multiplicação dessas associações foi uma forma de

veicular seus programas. Esta intervenção do Estado, através de políticas cooptadoras e até

mesmo assistenciais como o Programa Nacional do Leite, provocou certo refluxo e

fragmentação das organizações populares. O ônus da crítica dos programas sociais era

transferido para as próprias lideranças e essa parceria (liderança-governo) provocou uma luta

por espaços de poder na comunidade. Muitas vezes, a criação de novas entidades veio se

contrapor às organizações já existentes. “O controle das políticas, a esse nível, consolida e

legitima parte da liderança ao mesmo tempo que “segrega” e “enfraquece” outra parte”

(BRAGA; LIMA, 1991, p.273). Essa “aliança” entre associações de bairro e governo do

Estado perde a frequência na gestão posterior.

O primeiro mandato eletivo, pós-golpe militar, para a administração municipal foi

da prefeita Maria Luíza Fontenele (pelo PT), porém sua gestão continuou subordinada

financeiramente ao poder estadual. Braga e Barreira (1991) apontam dois fatores que

colaboraram para essa relação subordinada entre Prefeitura e Governo do Estado:

divergências de natureza política entre as esferas de poder e os dispositivos legais da antiga

Constituição que não favoreciam a autonomia do município enquanto gestor de políticas

públicas.

No processo de democratização do país, a defesa da participação no planejamento

e gestão das políticas públicas “foi concebida na perspectiva de controle social exercido pelos

setores progressistas da sociedade civil sobre as ações do Estado, no sentido desse deste

atender, cada vez mais, aos interesses da maioria da população” (CORREIA, 2009, p. 111).

Para os sujeitos coletivos engajados nesse processo de democratização e na problematização

da participação no âmbito das políticas públicas, inicialmente houve um debate em torno dos

conselhos, sobre seu caráter (consultivo ou normativo). Embora houvesse experiências que

passaram a funcionar paralelamente a esse debate, com pontos de tensão entre si, a exemplo

dos conselhos populares dos movimentos sociais (participação direta) e conselhos

comunitários articulados pelos poderes públicos, segundo critérios de representatividade

(participação indireta) (GOHN, 2011).

13 Cabe ressaltar que, esse processo de cooptação das associações de bairro e veiculação dos programas

governamentais não se originou no “Governo das Mudanças”, mas sim, tomou como base a iniciativa implantada

pelo Governo Sarney.

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Embora já houvesse mecanismos participatórios institucionalizados na

previdência social até a década de 60, com representação de trabalhadores contribuintes e de

forma controlada pelo governo (GUIMARÃES et al, 2010), somente após Constituição

Federal de 1988 que foram instituídos os conselhos de Políticas e de Direitos, constituindo-se

como inovações institucionais na gestão de políticas sociais.

Entretanto, esses mecanismos não têm sido suficientes para a ampliação da

participação. Muitos dos conselhos são criados mais por imposição governamental do que

como reivindicação do movimento popular, estando muitas vezes seu funcionamento sob

dominação dos gestores. Se configurando assim, como mecanismos de legitimação do poder

dominante (OLIVEIRA, 2006) e também como cooptação dos movimentos sociais

(CORREIA, 2009). Esses espaços nem sempre contam com disponibilidade de recursos

econômicos e culturais para subsidiar a tomada de decisões, o que repercute no

desenvolvimento da prática da participação (SERAPIONI, 2014).

Essa conjuntura sociopolítica do país faz com que na década de 1990, a categoria

participação social ganhe força, referindo-se não somente aos setores sociais excluídos, mas

acolhendo a diversidade de interesses e projetos existentes. Escorel e Moreira (2008, p. 997)

apontam que “a categoria central deixou de ser ‘comunidade’ ou ‘povo’ e passou a ser a

‘sociedade’”. Essa concepção que se apresenta “dá lugar à participação como cidadania, ou

seja, na universalização dos direitos sociais e na ampliação do próprio conceito de cidadania”.

Gohn (2011a, p.60) contribui com essa nova denominação que se apresenta,

afirmando que a participação cidadã passa a conceber a participação como intervenção social

periódica e planejada em torno de uma política pública. Traz como característica uma

tendência à institucionalização, “entendida como inclusão no arcabouço jurídico institucional

do Estado, a partir de estruturas de representação criadas, compostas por representantes

eleitos diretamente pela sociedade de onde eles provêm”.

Apesar das novas configurações sócio históricas e políticas conduzirem para um

debate e afirmação da participação cidadã. Ainda apostamos na necessidade de demarcar a

participação popular devido ao contexto que permanece de participação desigual das

diferentes classes sociais nos processos de produção, decisão e de consumo. Afirmação essa já

apontada no estudo de Ammann (1978, p.61) no contexto do Distrito Federal, ainda durante a

vigência da ditadura militar, que conceituou participação social como “processo mediante o

qual as diversas camadas sociais tomam parte na produção, na gestão e no usufruto dos bens

de uma sociedade historicamente determinada”.

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Ao retomarmos o debate da participação e sua apropriação no interior do aparelho

estatal para os anos 2000, temos no contexto de Fortaleza, o exemplo da gestão municipal de

Luizianne Lins do PT, que trouxe diretrizes democráticas e populares para o planejamento e

execução das políticas públicas. Além das experiências de Orçamento Participativo, Plano

Plurianual e Plano Diretor Participativos, a esfera político-administrativa municipal

desenvolveu programas e projetos direcionados à atuação em e/ou com comunidades a

exemplo do Projeto Raízes de Cidadania, ligados notadamente, como característica histórica

do poder local, às Políticas de Habitação e Assistência Social.

As experiências governamentais de Orçamento Participativo que são encabeçadas

pela gestão municipal entre 2005 e 2012 são devidamente analisadas por Vanda Souto (2013),

que demonstra a fragilidade da organização e cultura política do movimento popular, durante

esse contexto, assim como a prática de cooptação de direções do movimento e as concessões

do governo para manter a chamada governabilidade.

Esse movimento de orientação participativa já havia sendo induzido pelo governo

federal, sob o mandato de Lula, também do PT. Para Avritzer (2009) houve uma propensão a

incrementar as políticas participativas que se traduziu na proposta de consultas com entidades

da sociedade civil para a elaboração do Plano Plurianual; reforço aos conselhos de políticas

existentes e criação de novos em áreas sem tradição de participação; e realização de diversas

conferências para estabelecer prioridades. E na sequência do governo petista, sobre o mandato

de Dilma Rousseff, após um cenário de mobilizações civis, foi oficializada através do decreto

presidencial Nº 8243/2014 a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema

Nacional de Participação Social (SNPS), com a proposta de criar, fortalecer e articular

estruturas democráticas de participação já existentes e sua interface com a administração

pública federal e a sociedade civil. Faz-se necessário pontuar que a presidenta Dilma não

chegou a cumprir o segundo mandato porque sofreu um golpe de Estado, com repercussões

severas à democracia e ao sistema de proteção social, contexto a ser retomado no capítulo 4.

Tomando novamente como parâmetro o contexto local, a atual gestão municipal

de Roberto Cláudio do Partido Democrático Trabalhista (PDT) procura passar uma imagem

de renovação administrativa em relação à antiga gestão de Fortaleza. Correspondente ao uso

do discurso da participação e implantação de estratégias de diálogo ou interação entre

sociedade civil e gestão municipal, optamos por destacar o Projeto PROVOZ (FORTALEZA,

2013), por ter sido direcionada a execução inicial em dois bairros, Canindezinho e Bom

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Jardim, da Secretaria Regional V, territórios do Grande Bom Jardim, campo empírico da

nossa investigação.

O Projeto PROVOZ teve início em maio de 2013 e foi concebido entre uma

parceria da Prefeitura com a Universidade Federal do Ceará, a Universidade da Geórgia e a

Universidade do Arizona, sob o título “Participação Comunitária e Gestão Municipal na

Cidade de Fortaleza, Brasil” (FORTALEZA, op. cit.). O referido projeto objetiva criar uma

estrutura alternativa de comunicação entre populações de bairros periféricos e os serviços

públicos municipais, a partir das seguintes funções:

• Identificar em cada bairro um “núcleo de aproximação”, isto é, um grupo de

representantes que não tivessem compromissos políticos e que pudessem definir um caminho

de desenvolvimento prioritário para o bairro;

• Criar uma pactuação de desenvolvimento com os serviços públicos para

viabilizar ações públicas coerentes com o caminho definido;

• Montar um sistema de monitoramento e avaliação participativo para monitorar

os impactos desejados das ações públicas.

Para o monitoramento e avaliação dos projetos públicos no bairro, uma instância

se propõe constituir parte desse processo que é chamado Núcleo de Aproximação (NUAP),

formado por moradores eleitos durante oficinas promovidas pelo PROVOZ. Assumem um

caráter representativo de participação e ficam responsáveis de intermediar o diálogo e

negociar a implementação das demandas da comunidade com o poder público.

A iniciativa do PROVOZ demonstra clara estratégia de buscar pessoas e coletivos

não organizados politicamente, com expressa ausência de interface mais sistemática com

movimentos sociais. Cabe ressaltar que para essa região, que contempla os bairros

delimitados no PROVOZ, existe uma Política de Desenvolvimento Sustentável do Grande

Bom Jardim (2005-2025) elaborada pela população a partir da articulação dos movimentos e

organizações locais, com apoio do Centro de Defesa à Vida Herbert de Souza (CDVHS) e

visa exigir do Estado a efetivação de políticas públicas no território. O documento da referida

política foi atualizado em junho de 2015, na IV Conferência de Desenvolvimento Sustentável

da Região, promovida pela Rede DLIS. A conferência objetivou analisar as conquistas e

transformações da Região nos últimos 10 anos para revisar os desafios locais (REDE DLIS,

2015).

Conforme demarcado no projeto dessa referida conferência, a cidade não vem

cumprindo sua função social, sendo que em Fortaleza o maior contingente populacional vive

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nas periferias que sofre com uma desigualdade histórica e estrutural. E dessa forma, a Rede

DLIS aponta como missão afirmar os direitos humanos como estratégia de luta por políticas

públicas com participação popular para o desenvolvimento local. Demarca-se a Política de

Desenvolvimento Sustentável, como uma política de afirmação de uma identidade territorial,

“na reversão da imagem negativa do “vixe” atribuída ao Bom Jardim, no sentido da

desconstrução da cultura do lugar violento e da criminalização dos moradores, apregoado pela

mídia” (REDE DLIS, 2015, p. 3).

Frente ao exposto, compreendemos que os processos participativos e de

organização coletiva estão inseridos em contextos contraditórios, constituídos no campo das

relações sociais. Da mesma forma que esses processos são observados no interior da

sociedade civil, podem ser identificados nos discursos e práticas das políticas estatais. E a

concepção de participação associada às diferentes políticas públicas vai depender de como

aparece articulada aos fatores histórico-político, socioeconômico e cultural.

Como forma de contribuir com a análise proposta pelo estudo, torna-se importante

considerar os apontamentos de trazidos por Ammann (1978) no que se refere às condições

para a participação. A autora aborda algumas condições da participação a nível societal e a

nível da conscientização.

Podem se somar a essas considerações, a sistematização realizada por El Troudi,

Harnecker e Bonilla (2010) que atentam para a existência de barreiras nos processos

participativos, realizam o debate dessas barreiras com indicativos de superação das mesmas.

Essa ponderação que fazemos visa direcionar alguns caminhos de modo a evitar

reducionismos e determinismos na análise pretendida pela investigação.

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3 PERCURSO METODOLÓGICO DE INVESTIGAÇÃO

3.1 TIPO DE PESQUISA

Esta pesquisa parte de uma abordagem qualitativa para melhor compreensão do

fenômeno em estudo no contexto em que ocorre e do qual é parte (GODOY, 1995). Haja vista

que o objeto de estudo se conforma numa investigação de redes de movimentos sociais, para

análise de discursos e práticas.

Conforme Minayo (2013), o método qualitativo é comumente empregado para o

estudo da história, das relações, das representações, das crenças, das percepções e das

opiniões dos seres humanos. Ao destacarmos essas características do estudo qualitativo, não

intencionamos estabelecer superioridade do enfoque qualitativo sob o quantitativo, pois

reconhecemos a possibilidade de complementaridade, combinação ou integração entre as duas

vertentes (MINAYO, 1994 e 2013; LANDIM et al., 2006; SERAPIONI, 2000).

Também não negamos as distinções dos enfoques, assim como ressalva Bosi

(2012, p.578), “apagar as diferenças é uma postura, além de equivocada no nível ontológico,

perigosa no que concerne às práxis no campo”. Nesse sentido, cabe reiterarmos que buscamos

adequar o método à natureza do objeto, que envolve o entendimento do processo de

construção de significados sobre o fenômeno da participação social.

Para atingir os objetivos propostos do estudo, apostamos na investigação

participante como forma de reunir compreensão crítica da realidade e engajamento político.

Como contraposição ao método de pesquisa tradicional, em que a objetividade e a

neutralidade eram condicionantes para produção de conhecimento, a pesquisa participante

veio para afirmar “que podemos conhecer em profundidade alguma coisa da vida da

sociedade, ou da cultura, quando o(a) pesquisador(a) se envolve e se compromete com o que

investiga” (MORETTI; ADAMS, 2011, p.454).

Referente às contribuições históricas ao seu desenvolvimento, Minayo (2013)

afirma que a partir da década de 1960 a pesquisa participante, assim como a pesquisa-ação, no

contexto do Brasil e América Latina sofreu influência do pensamento crítico, vinculado a um

tipo de visão emancipatória, tendo como um dos seus inspiradores Paulo Freire. Destacou-se

também a contribuição de Orlando Fals Borda nessa forma de pesquisa na América Latina

(DEMO, 2008).

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Trata-se claramente de uma abordagem ancorada na epistemologia surgida ao sul

(MORETTI; ADAMS, 2011). No caso do Brasil, a pesquisa participante iria se expandir na

década posterior, período em que encontrou potência na conjuntura do país, marcada pelo

surgimento de uma sociedade civil mais ativa, com crescimento dos movimentos sociais e

outras formas de ação coletiva, cujas iniciativas participativas convergiram para o processo de

democratização do país.

A atenção para a PP no Brasil coincidiu com a abertura democrática, e teve, sem

dúvida, o gosto amargo da recuperação do tempo perdido com a ditadura em termos

de cidadania popular. Como de praxe, a preocupação desenvolve-se no âmbito da

educação, mas é comum às ciências sociais. A uma educação fortemente

reprodutivista, por vezes ostensivamente doutrinadora, cujo protótipo era a “moral e

cívica”, pretendia-se contrapor outra comprometida com os oprimidos, cujo patrono

obviamente era Paulo Freire (DEMO, 2008, p.10).

Brandão e Borges (2007) chamam a atenção para a relativa atualidade dessa

abordagem, sobretudo nas experiências que conseguem estabelecer vínculo entre pesquisa

participante e movimentos sociais. No mesmo sentido dessa argumentação Demo (2008, p.20)

afirma que a pesquisa participante almeja “contribuir para que as comunidades se tornem

sujeito capaz de história próprias, individual e coletiva, para saberem pensar sua condição e

intervenção alternativa”.

Para Minayo (2013, p.162) embora investigação-ação e investigação participante

tenham surgido do mesmo contexto histórico e para responder os mesmos objetivos sociais,

existem diferenças teóricas e práticas entre as abordagens. Explicita que no caso da pesquisa

participante “inclui pessoas leigas, representativas de situações a serem transformadas, de

forma orgânica à produção de conhecimento sobre tais situações, sem necessariamente estar

vinculada a uma ação direta”.

Na perspectiva de contribuir com os procedimentos metodológicos Demo (op.cit)

dialoga com alguns autores como Hall, Tandon e MacCall para dar o direcionamento que a

investigação participativa seja baseada no sistema de discussão, investigação e análise. Uma

das características dessa modalidade de pesquisa é que gira em torno de um problema

existente para estabelecer uma estratégia educativa para subsidiar a intervenção na realidade.

Partimos do pressuposto que não existe na realidade um modelo único próprio a

todas as abordagens da pesquisa participante (BRANDÃO; BORGES, 2007). Procuramos

adequar os objetivos e circunstâncias de desenvolvimento da pesquisa. Uma das

circunstâncias considerada foi que se tratava de uma dissertação, com prazo determinado para

conclusão, obedecendo também o cronograma de execução aprovado pelo Comitê de Ética em

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Pesquisa. Contudo, cabe destacar que reconhecemos que essa produção não se encerrou na

dissertação, mas que apresentou possibilidades concretas para a prática social.

3.1.1 A potência do encontro: com-partilha de conhecimento e construção conjunta

O nosso ponto de partida foi a fase exploratória da pesquisa, com destaque para a

participação da reunião ordinária da Rede DLIS em 28 de novembro de 2015. A nossa

problematização inicial sobre a participação nos processos de defesa pelo direito à saúde foi

ganhando contornos maiores, pois identificamos que o problema da participação era comum

às diferentes comissões de trabalho e, por tanto, para o coletivo da Rede. Eram várias as

hipóteses e indagações naquele momento em que se faziam presente na reunião somente nove

entidades representadas.

Foi a partir da aproximação com o campo de pesquisa que a nossa pergunta de

partida foi reconstruída e potencializada. Tivemos clareza de que os sujeitos poderiam

efetivamente se envolver na proposta de pesquisa, pois a mesma passaria a servi-los na

medida em que pudéssemos esclarecer algumas das múltiplas determinações envolvidas no

problema emergente da frágil participação das entidades que era vivido e sentido pelo

coletivo.

Assim, a construção foi coletiva e consistiu na identificação do problema dentro

do contexto social, a partir da interação com os sujeitos. O passo seguinte foi aprofundar o

diálogo para que as pessoas pudessem contribuir para a construção do conhecimento. Até

mesmo pelo nosso histórico de atuação compartilhada em saúde e envolvimento com

processos comunitários no território no Grande Bom Jardim, não havia como determinar,

unilateralmente, essa pesquisa, definindo o estudo e o que fazer com os resultados da

pesquisa.

Seguindo com os debates, apresentamos nossa intenção de pesquisa na reunião da

comissão de articulação da Rede DLIS no dia 09 de dezembro de 2015. Os representantes que

estavam presentes apoiaram a iniciativa e reconheceram que se precisava investir em

processos reflexivos sobre a participação. A partir disso, propuseram iniciar diálogos com as

comissões de trabalho, como forma também de instigá-las para um momento avaliativo das

ações e dar subsídios para o chamado “Encontrão da Rede” de 2016.

Ainda nessa reunião, os sujeitos sugeriram algumas perguntas para nortear o

diálogo com as demais comissões e parte dessas questões compuseram, posteriormente, o

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roteiro de entrevista da pesquisa. Um dos participantes questionou se o fato de estarmos

redefinindo o objeto de estudo não haveria problema porque o Mestrado era da área de Saúde.

Foi momento para esclarecermos sobre o campo de conhecimento da Saúde Coletiva, que se

ancora numa concepção ampliada de saúde.

Participamos, posteriormente, de duas reuniões das comissões de trabalho antes

do planejamento da Rede e a partir dessas experiências surgiram outras sugestões que

procuramos incorporar na investigação.

Na ocasião da nossa participação no planejamento anual da Rede DLIS em 2016,

realizado em Itaitinga, publicizamos de modo genérico a proposta da pesquisa de mestrado.

Explicamos que se tratava de uma readequação inicial que antes previa investigar a

participação na luta pelo direito à saúde e passava a refletir o conjunto das práticas

participativas da Rede.

Dessa forma, afirmamos a base empírica e política desta investigação em que nos

propusemos desempenhar um estudo significativo, disparado a partir de um processo

cooperativo com os sujeitos participantes. Existiu uma complexidade na realização dessa

proposta de produção de conhecimento, pois foi preciso disposição para aprender e revisar

concepções, além de manter a autocrítica mesmo estando mergulhados no contexto da

pesquisa. Buscamos ao longo do caminho não perder a mediação teórica na apreensão da

realidade e reconhecer que as mudanças pretendidas pelo coletivo são atravessadas por

mediações teóricas, históricas, políticas, sociais e culturais.

3.2 LOCAL E PERÍODO DA PESQUISA

O trabalho de campo realizou-se no período de dezembro de 2015 a agosto de

2016, no território do Grande Bom Jardim, situado dentro da área de atuação administrativa

da Regional V, a sudoeste do Município de Fortaleza, capital do Estado do Ceará, composto

pelos bairros Bom Jardim, Granja Portugal, Granja Lisboa, Siqueira e Canindezinho, com

uma população de 204 mil habitantes, conforme Censo IBGE/2010.

Esse território foi selecionado para realização da pesquisa participante por existir

essa rede de movimentos sociais e a constituição local de coletividades, permeada por uma

experiência amadurecida de participação, ou seja, o contexto adequado para o tipo de pesquisa

proposta.

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A Rede de Desenvolvimento Local, Integrado e Sustentável do Grande Bom

Jardim (Rede DLIS) originou-se da articulação das entidades participantes do Projeto

Fortalecimento Institucional e Desenvolvimento Comunitário, de 2002, ligado a uma

organização não governamental do território. Essas entidades refletiram que as intervenções

eram isoladas e que precisavam agir de modo mais articulado, consideravam estratégico para

obter credibilidade junto ao poder público e outros setores da sociedade (REDE DLIS, 2015).

A Rede DLIS vem atuando até hoje no processo de diagnóstico, planejamento e

monitoramento de políticas públicas de efetivação de direitos humanos e sociais nos cinco

bairros do Grande Bom Jardim. Traz como missão: afirmar os direitos humanos como

estratégias de luta por políticas públicas com participação popular para o desenvolvimento

local. Expressa como visão de desenvolvimento: alcançar, até 2025, a Região como um lugar

bom para se viver, fortalecendo a identidade, a história e a memória desse lugar, valorizando

as potencialidades humanas, culturais, artísticas, paisagísticas e ambientais nas diferentes

gerações (REDE DLIS, 2015).

Cada entidade e movimento componente da Rede DLIS tem seus trabalhos

específicos de acordo com sua linha de atuação. No período da pesquisa, a Rede DLIS atuava

em Comissões de Trabalhos, sendo as mesmas: Comissão de Moradia Digna, Zona Especial

de Interesse Social (ZEIS) e Meio Ambiente; Comissão de Crianças, Adolescentes e

Juventudes; Comissão da Memória, Cultura e Educação; Comissão de Saúde; e Comissão de

Articulação.

3.3 PARTICIPANTES DO ESTUDO

Participaram da pesquisa componentes da Rede de Desenvolvimento Local,

Integrado e Sustentável do Grande Bom Jardim. Foram estabelecidos os seguintes critérios de

inclusão:

• Componentes da Rede DLIS, com representação e atuação efetiva na Comissão

de Articulação e/ou nas Comissões de Saúde; Moradia, ZEIS e Meio Ambiente; Crianças,

Adolescentes e Juventudes; Memória, Cultura e Educação.

Foram excluídos da pesquisa aqueles sujeitos que mesmo sendo membro da Rede

DLIS não estavam participando de modo sistemático das reuniões e ações de uma das

Comissões de Trabalho existentes. Além disso, não tiveram disponibilidade ou interesse em

participar da pesquisa no período proposto para execução.

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Pelos critérios expostos, a amostragem foi intencional (TURATO, 2005), com

busca proposital de indivíduos da Rede DLIS com conhecimento e envolvimento ativo na luta

por direitos sociais. Nesse sentido, foram valorizados critérios de representatividade

qualitativa. Pois, os participantes foram escolhidos pela função de sua representatividade

social e relevância política no âmbito da Rede DLIS.

Para o levantamento dos participantes das Comissões Temáticas e da Comissão de

Articulação, foi considerada a recomposição deliberada no Encontro Anual da Rede DLIS de

2016. Como também, a incorporação de membros às comissões em momento posterior ao

planejamento anual. Para ambas as situações, de modo a garantir uma representatividade com

envolvimento ativo na Rede, os primeiros entrevistados sugeriram possíveis representantes

das Comissões que atendiam ao critério estabelecido, conforme a frequência de participação

deles em reuniões e/ou atividades das Comissões.

A amostra foi composta por 15 participantes das Comissões de Trabalho, os quais

representavam nove coletivos e entidades da Rede DLIS. É válido destacar que quatro

organizações conseguiram garantir mais representantes atuantes em diferentes comissões.

No tocante às informações sobre os entrevistados, 40% deles (seis participantes)

estavam na faixa etária de 50 a 59 anos. Importa também saber que 53,33% dos sujeitos (oito

entrevistados) residiam no Grande Bom Jardim num período superior a 25 anos e

participavam da entidade ou movimento ao qual estavam vinculados há mais de 10 anos.

Sendo que metade destes possuíam engajamento político no território com tempo superior a

20 anos de atuação. Esta informação diz muito do acúmulo de experiência participativa no

território, discussão esta a ser retomada no capítulo seguinte.

As mulheres (46,67%), correspondendo ao quantitativo de sete no total,

demonstraram nível aproximado de representação nas entidades em relação aos homens, os

quais equivaleram a 53,33% dos entrevistados (oito participantes). Correspondente à

escolaridade, a maioria dos participantes, num total de dez pessoas, referiu ter ensino superior

(66,67%), sendo que três entrevistados não haviam concluído o curso. Cinco entrevistados

(33,33%) referiram estar exclusivamente prestando serviço para organização não

governamental, na função de coordenação ou assessoria técnica. Os demais 66,67% (dez

participantes) afirmaram conciliar outras ocupações com a atuação nas entidades e coletivos

dos quais fazem parte, a saber: assessor parlamentar, professor, produtor de eventos e arte

educador, donas-de-casa, aposentado, catador de material reciclável, gerente de loja de

informática e bibliotecária.

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3.4 PRODUÇÃO DE DADOS: TÉCNICAS E INSTRUMENTOS

Para construção e consolidação do material de análise compuseram a pesquisa

participante:

• Observação participante das reuniões e atividades das Comissões da Rede

DLIS e reunião ampliada (mensal). Foram observadas questões relacionadas à atuação em

rede, percepção da participação e da luta por direitos sociais, as inquietações, os “não ditos”,

formas de interações entre os sujeitos, relações de poder, tomada de decisões, estratégias e

táticas de mobilização, dilemas e possibilidades da participação popular. Para realização desse

procedimento metodológico tivemos como subsídio um roteiro (APÊNDICE A).

A observação participante como técnica de produção de dados empíricos na

pesquisa qualitativa tem sido discutida por autores como Haguete (1992) e Minayo (2013).

Ela permite a relação próxima entre pesquisador e objeto de investigação, com

acompanhamento diário dos sujeitos e suas ações. Dessa forma, nos possibilitou tornar parte

do grupo em estudo a partir da interação, com métodos dirigidos. Na dinâmica de observação

e produção de dados, modificamos e fomos modificados pelo contexto.

• Diário de Campo - Os dados e as impressões pessoais, observações de

comportamentos, manifestação dos sujeitos quanto aos pontos investigados, dentre outros

aspectos relacionados à pesquisa foram registrados em diário de campo. Para Minayo (2013,

p.295) “esse acervo de impressões e notas sobre as diferenciações entre falas,

comportamentos e relações que podem tornar mais verdadeira a pesquisa de campo”.

• Utilizamos também entrevistas semiestruturadas como técnica para produção

de dados, que articulam as modalidades de entrevista “aberta” e “estruturada” (Minayo,

1994), cujos temas abordados foram sistematizados no roteiro de entrevista (APÊNDICE B).

• Foram incluídas também fontes documentais na produção de dados. A pesquisa

documental integrou o estudo para avaliar materiais que não receberam tratamento analítico

ou que pudessem ser reelaborados. Foram analisados registros de reuniões, relatórios, Política

de Desenvolvimento Local e Sustentável do Grande Bom Jardim, Carta da Rede DLIS sobre

seus princípios e organização interna e outros documentos relacionados ao campo de estudo.

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3.5 ORGANIZAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

Os dados da pesquisa, produzidos pelas entrevistas, documentos e diário de

campo, foram estruturados e analisados pelo referencial da Análise do Discurso, que articula

três regiões de conhecimento: Materialismo Histórico, Linguística e Teoria do Discurso

(MINAYO, 2013).

A referida técnica de análise apresenta-se como meio para entender os processos e

condições de produção do discurso (falas e documentos), assim como o contexto em que

opera o silêncio, que também pode ser ambíguo e expressar exclusão ou forma de resistência.

O dito e não dito configuram o jogo de cenas entre a região interior e exterior

dramatizado no trabalho de campo, pois há silêncios que dizem e há falas

silenciadoras. A fala autoritária visa a impedir que as pessoas se revelem, mas

também quer coagi-las a dizer o que não pretendem pronunciar. Portanto, nem a fala

nem o silêncio dizem por si. Ambos expressam relações e dizem muito sobre as

pessoas que os empregam (MINAYO, 2013, p.323).

Orlandi (2003) faz uma importante diferenciação entre a análise do discurso e

análise de conteúdo. Enquanto esta procura pelos sentidos dos textos, a análise de discurso

considera que a linguagem não é transparente e vai se questionar pelo como o texto significa,

por reconhecê-lo dentro de uma materialidade simbólica.

A Análise do Discurso não estaciona na interpretação, trabalha seus limites, seus

mecanismos, como parte dos processos de significação. Também não procura um

sentido verdadeiro através de uma “chave” de interpretação. Não há esta chave, há

método, há construção de um dispositivo teórico. Não há uma verdade oculta atrás

do texto. Há gestos de interpretação que o constituem e que o analista, com seu

dispositivo, deve ser capaz de compreender (Ibidem, p.26)

Para estabelecer a compreensão pretendida pela Análise do Discurso realizamos a

organização dos dados da seguinte forma: transcrição dos depoimentos coletados nas

entrevistas, leitura das falas transcritas, formulação das questões capazes de mobilizar os

conceitos necessários a responder os objetivos de investigação, organização das falas e

separação das representações por cada questão formulada, resguardando a identificação das

opiniões convergentes e divergentes, e salva as falas em documentos diferentes no Word.

Esse movimento exposto acima não necessariamente correspondeu à sequência de

perguntas e respostas na íntegra obtidas a partir da entrevista. Tendo em vista que o roteiro

para a entrevista semiestruturada foi construído de forma a possibilitar uma flexibilidade à

interlocução e captar as narrativas dos sujeitos participantes sobre suas vivências e

concepções acerca dos direitos e participação. Optamos por não incorporar perguntas

direcionadas aos conceitos para evitar respostas dicotômicas (sim ou não), ou acabar

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pressionando para definições abstratas e distantes da vivência dos participantes, como bem

adverte Minayo (2013).

A técnica de análise por nós escolhida convergiu com a própria dinamicidade e

flexibilidade oportunizada pela pesquisa participante. Significa dizer que nos coube organizar

nossa relação com o discurso, ao optarmos com quais conceitos de participação e direitos

sociais nos comprometeríamos. “O que define a forma do dispositivo analítico é a questão

posta pelo analista, a natureza do material que analisa e a finalidade da análise” (ORLANDI,

2003, p.27).

Após análise e compreensão do processo do discurso, submetemos os resultados

ao trabalho de interpretação de acordo com literatura pertinente, que compôs nosso quadro

teórico. Foi a partir dele que buscamos qualificar as discussões e conclusões do estudo.

Para resguardar uma qualidade e profundidade das análises nos dispomos realizar

também a estratégia de triangulação de técnicas para interpretação e discussão dos dados, a

fim de responder principalmente aos dois primeiros objetivos do trabalho. A leitura sucessiva

das falas também foi aplicada aos demais materiais de pesquisa: os documentos tratados e

diário de campo.

3.6 ASPECTOS ÉTICOS

A produção de dados seguiu os aspectos ético-legais previstos na Resolução nº

466/2012, do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 2012), que dispõe sobre pesquisa

envolvendo seres humanos, respeitando-se o consentimento livre e esclarecido dos

participantes da pesquisa. Em respeito ao princípio da autonomia, utilizamos a reunião da

Comissão de Articulação e Planejamento Anual da Rede DLIS para apresentar a proposta do

estudo e solicitar autorização do plenário para realização da investigação.

O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido apresentou objetivo e

procedimentos utilizados na pesquisa, assim como previa a possibilidades de riscos e

desconfortos aos participantes, que poderiam se sentir julgados diante das observações, e com

receio de exposição de informações pessoais como resultado das entrevistas. Diante disso,

afirmamos que nossa intenção não era a de avaliá-los e que seria garantida a lisura ética a que

essa pesquisa cumpria, sendo mantida em sigilo a identidade dos participantes. Após a leitura,

compreensão e assinatura de concordância em participar da pesquisa, os entrevistados

receberam uma das vias do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNDICE C).

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Foi garantida a participação voluntária ao estudo, permitindo aos sujeitos

recusarem a adesão ou solicitarem a exclusão, sem qualquer prejuízo ou dano. O projeto de

pesquisa foi submetido à Plataforma Brasil (MS) e apreciado pelo Comitê de Ética em

Pesquisa da UECE e obteve parecer favorável sob o número 1.506.207 (ANEXO A).

Para o registro fidedigno das falas, as entrevistas forma gravadas, com prévia

autorização, e para minimizar possíveis constrangimentos aos pesquisados durante o momento

da entrevista, estiveram sob seu critério a definição do horário e local de realização da

entrevista.

Referente à pesquisa documental, cumpriu-se o sigilo e a confidencialidade e em

nenhum caso as informações estiveram acessíveis a outras pessoas. Conforme previsto no

Termo de Fiel Depositário (APÊNDICE D), foram analisados documentos envolvidos no

processo de organização das atividades desenvolvidas pela Rede DLIS, como forma de

entender os fatores que atravessavam as práticas de participação no contexto de defesa de

direitos sociais. A pesquisa documental também apresentou possibilidade de riscos físicos ou

danos aos documentos, gerados pelo exame dos mesmos ou extravio. Diante disso, adotamos

medidas de prevenção para uma análise segura e comprometida com a instituição que

forneceu documentos. Ressaltamos que parte dos documentos foi compartilhada na forma

digitalizada.

Como benefícios, essa investigação produziu conhecimentos que puderam

subsidiar o aprimoramento do debate em torno da participação social no âmbito dos

movimentos sociais. Além disso, buscou traçar possibilidades de desenvolvimento de ações

que propiciem o fortalecimento da articulação comunitária na defesa de direitos sociais. Os

resultados da pesquisa serão apresentados para membros da Rede DLIS e estará à disposição

para consultas futuras da população e coletivos do Grande Bom Jardim.

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4 RADIOGRAFIA DE UMA REDE DE MOVIMENTOS E SUAS LUTAS

4.1 A CONSTRUÇÃO DO GRANDE BOM JARDIM QUE QUEREMOS: A

EXPERIÊNCIA DA REDE DE DESENVOLVIMENTO LOCAL, INTEGRADO E

SUSTENTÁVEL

O Grande Bom Jardim é a região mais populosa do Município de Fortaleza,

situada na área de abrangência da Secretaria Regional V (Figura 1), uma das sete unidades

administrativas em que se encontra dividido o município. A área concentra os menores

indicadores socioeconômicos da cidade (FORTALEZA, 2014a), abrangendo os bairros Bom

Jardim (37.758 habitantes), Granja Portugal (39.651 hab.), Canindezinho (41.202 hab.),

Granja Lisboa (52.042 hab.) e Siqueira (33.628 hab.), com população aproximada de 204.281

habitantes, segundo registro do censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE).

Figura 1 – Mapa do município de Fortaleza com delimitação geográfica das Regionais

Fonte: Anuário de Fortaleza 2012-2013.

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Na primeira metade do século XX, a área correspondente ao Grande Bom Jardim

possuía características ainda rurais, com práticas de pecuária e agricultura de subsistência.

Esses traços se mantêm até os anos de 1980, período em que vai se intensificar a ocupação

populacional, configuração esta destacada na fala de um dos sujeitos pesquisados:

Assim eu lembro que os meus pais, quando eu cheguei, se não era [...] tinha menos

gente e tal, então, tinha uma vida assim, bem próxima da rural, a gente tava no final

da cidade já, no final mesmo porque duas ruas depois você tem a divisa com

Caucaia. Então, era uma área assim, formada próximo de nós, tinha muitos sítios, o

que a gente chamava de vacarias, eram sítios também, mas a gente dava o nome de

vacarias, vendia leite, tinha uma vida muito próximo da rural. E então, isso foi se

alterando um pouco com a chegada de mais pessoas né?! (Entrevistado 15).

Para compreendermos o processo de ocupação dessa área recorremos ao trabalho

de França (2011), que afirma ser em meados da década de 1950 que os donos destas terras

rurais da região iniciaram os primeiros loteamentos para comercialização sob a gerência de

imobiliárias. Entretanto, esse processo de aquisição de imóveis não atendeu satisfatoriamente

às novas demandas populacionais da região que se intensificaram nas décadas de 1970 e 1980.

Concomitantemente à aquisição desses lotes, para a construção de moradias, ocorre

que parte da população que chegava à cidade não tinha condição de adquirir um lote

de terra para construir sua habitação, passando a ocupar as áreas menos salubres do

bairro, a exemplo dos locais próximos aos corpos hídricos existentes na área

(afluentes do rio Maranguapinho) (Ibidem, 2011, p. 45).

A origem social dos habitantes do Grande Bom Jardim está associada aos fluxos

de êxodo rural, mas também à migração intra-periferia. Em relação a esse movimento de

formação do bairro, dados do Diagnóstico sócio-participativo do Grande Bom Jardim (GPDU;

ONG A, 2004) apontam que 44,26% dos informantes residentes na região são de pessoas

advindas de outros bairros de Fortaleza.

A partir do último Censo do IBGE (2010), podemos afirmar que metade da

população da região é formada por jovens, com 50,38%, constituída pela faixa etária de 0 a 24

anos. Os indivíduos na faixa etária entre 0 a 14 anos representam 28,38%. A população adulta

entre 25 a 59 anos expressa 43,52% do total e somente 6,1% correspondem a pessoas acima

de 60 anos de idade, conforme tabela abaixo:

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Tabela 1 – População residente por faixa etária no Grande Bom Jardim

Faixa etária Bom

Jardim

Canindezinho Granja

Lisboa

Granja

Portugal

Siqueira Total %

0 a 14 anos 10.040 11.796 14.525 11.138 10.186 57.685 28,38

15 a 24 anos 8.041 8.712 11.018 10.119 6.819 44.709 22

25 a 59 anos 16.867 18.494 23.144 15.206 14.753 88.464 43,52

60 anos ou mais 1.907 2.200 3.310 3.108 1.870 12.395 6,1

TOTAL 36.855 41.202 51.997 39.571 33.628 203.253 100%

Fonte: Elaborada pela autora a partir do Censo (IBGE, 2010)14.

Essa população é constituída em sua maioria por negros15, correspondendo a

143.944 habitantes, cerca de 70,82% da população total da região, o que diz muito da

identidade racial e social dessas pessoas nesse(s) território(s).

A apresentação de alguns dados e variáveis socioeconômicas que se segue é uma

forma que encontramos de qualificar nosso olhar sobre esse território “periférico”, que

compõe o cenário de contrastes no espaço urbano, e também compreender de que lugar se

conclama a garantia de direitos.

Estudo do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica (IPECE), disponibilizado

pelo Informe 44/2012, apresenta informações sobre as “condições domiciliares dos bairros” e

mostra que na capital cearense há uma oferta desigual dos serviços de coleta de lixo, energia

elétrica, abastecimento de água e esgotamento sanitário (IPECE, 2012a).

Para elaboração do referido estudo foi criado o Índice Sintético de Condições

Domiciliares (ICD), mediante técnica estatística de análise de componentes principais (MCP),

para identificar essa situação de infraestrutura. Fortaleza segue para a universalização dos

serviços de coleta de lixo, energia elétrica e abastecimento de água; e alta proporção de

domicílios com existência de banheiros. O índice de condições domiciliares dos bairros do

Grande Bom Jardim é bastante afetado pela baixa cobertura de esgotamento sanitário, que não

chega a 45% dos domicílios. No bairro Canindezinho, os domicílios ligados à rede geral de

esgoto registram apenas 14,92%. Na capital, essa cobertura também não é satisfatória, pois

atinge somente 60% dos domicílios.

14 Os dados têm como base o Censo Demográfico (2010) que foram pesquisados na base online do Sistema

IBGE de Recuperação Automática (SIDRA), na localização Resultados do Universo – Características da

População e dos Domicílios (IBGE, 2010). Os percentuais são de nossa responsabilidade.

15 Como o IBGE não utiliza a classificação negro, consideramos a quantidade de pretos e pardos que foi

declarada na região no Censo de 2010.

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Tabela 2 – Indicadores de Infraestrutura Domiciliar no Grande Bom Jardim*

Bairro Coleta de

lixo (%)

Rede de

água (%)

Energia

elétrica (%)

Banheiro

(%)

Rede de

Esgoto (%)

ICD Ranking

Municipal

Bom Jardim 99,47 97,83 99,46 98,48 41,04 0,08 75º

Granja Lisboa 96,98 98,69 99,42 98,41 24,92 -0,53 96º

Canindezinho 94,36 98,87 99,45 98,53 14,92 -0,86 103º

Granja Portugal 97,48 97,79 99,02 97,64 44,35 -1,03 107º

Siqueira 90,99 97,30 99,50 97,65 23,87 -1,66 112º

Fonte: Elaborada pela autora a partir do Informe 44/2012 do IPECE. *Indicadores:

% de domicílios com serviço de coleta de lixo realizado por serviço de limpeza

% de domicílios ligados à rede geral de água

% de domicílios com a existência de energia elétrica

% de domicílios com a existência de banheiro de uso exclusivo do domicílio

% de domicílios ligados à rede geral de esgoto ou pluvial

Índice Sintético de Condições Domiciliares (ICD)

A situação de infraestrutura domiciliar correlaciona-se a indicadores como de

pobreza extrema, que no último Censo do IBGE (2010) foi considerado como linha de corte o

valor de renda familiar mensal inferior a R$ 70,00 reais por pessoa. O tratamento dos dados

do Censo do IBGE pelo IPECE (2012b) sobre a extrema pobreza em Fortaleza-CE revelou

que, na distribuição por bairro, Granja Lisboa, Canindezinho, Granja Portugal e Siqueira estão

no ranking dos 10 bairros com maior intensidade de pessoas na extrema pobreza. O Grande

Bom Jardim como um todo apresenta um contingente de 20.459 pessoas vivendo com até R$

70,00 reais mensais, representando um percentual de 10,06% de sua população nessa

condição.

Outra variável que potencializa a evidência de desigualdade social enfrentada

nesse território é a taxa de analfabetismo. Entre a população de 7 a 19 anos, em idade escolar,

a situação é mais crítica nos bairros Granja Lisboa (1.129), Granja Portugal (915),

Canindezinho (823) e Siqueira (803) (IPECE, 2012c).

Este perfil socioeconômico do Grande Bom Jardim com elevadas taxas de

densidade demográfica entre jovens, níveis de pobreza e de analfabetismo podem estar

associados aos índices de criminalidade. Essa evidência pôde ser confirmada com o estudo

realizado pelo IPECE, que analisou a associação espacial dos crimes com a situação

socioeconômica dos bairros e regiões da capital cearense, em termos de densidade

populacional de jovens, analfabetismo, renda e pobreza (IPECE, 2013). Reconhece-se a

existência de outras variáveis que também são importantes para analisar o fenômeno da

violência e as taxas de homicídios dolosos; todavia, foram priorizadas as variáveis

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supracitadas no estudo em questão, em virtude de sua relevância diante do complexo

fenômeno estudado.

O tratamento dos dados disponibilizados pela Secretaria Estadual de Segurança

Pública e Defesa Social (SSPDS), referentes à distribuição espacial do quantitativo de

homicídios dolosos em Fortaleza no ano de 2012, identificou que o maior número de

homicídios dolosos ocorreu nos bairros das Regionais I, V e VI. Correspondente à Regional

V, todos os bairros do Grande Bom Jardim estão incluídos nessa zona com maior incidência

de homicídios, como mostra a Tabela 3.

Tabela 3 – Número e taxa de homicídios por cem mil habitantes para os bairros

do Grande Bom Jardim, 2012

Bairro

Número de Homicídios

Frequência % % acumulado

Bom Jardim 53 3,26 11,08

Granja Lisboa 32 1,97 35,45

Siqueira 31 1,91 39,26

Granja Portugal 26 1,60 48,25

Canindezinho 23 1,42 60,12

Fonte: Elaborada pela autora a partir do Informe 66/2013 do IPECE.

Falamos a partir desse(s) território(s) que compreendemos estar inserido em

relações socio-históricas, e ser “um espaço definido e delimitado por e a partir de relações de

poder” (SOUZA, 1995, p.78). Consideramos também nessa conformação territorial do Grande

Bom Jardim, às “margens urbanas”, as lutas simbólicas entre “discursos de

requalificação/ressignificação e de desqualificação/estigmatização desta região” (BEZERRA;

CARVALHO, 2015, p.234).

Comumente as “periferias” são consideradas como “espacialidades preferenciais

do medo e da insegurança” (BEZERRA; CARVALHO, 2015, p.242). Essa imagem negativa

cristalizada atribuída a esses territórios coaduna para o fortalecimento de práticas abusivas e

violentas pelos aparelhos repressivos do Estado, que podem potencializar mais medo. Esta

discussão será retomada na próxima seção, que abordará as estratégias e as táticas locais na

luta por direitos e será explicitado como a temática da Segurança Pública irá se inserir na

agenda política de uma rede local de organizações e movimentos sociais.

Aproximar-se das dinâmicas socioculturais desses territórios revelam também a

produção de outros sentidos, a exemplo do valor da religiosidade no sistema cultural para os

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moradores que “se manifesta não apenas nas práticas dos segmentos católicos, como também

nas atividades das Igrejas Evangélicas e nos cultos afro-brasileiros” (GPDU; ONG A16, 2004,

p.140).

A partir da importância atribuída à religiosidade, é possível estabelecer uma

relação direta com o processo de organização e participação social no Grande Bom Jardim,

tornando-se imprescindível para constituição da nossa análise. De modo mais expressivo,

tem-se a atuação da Igreja Católica que, ao chegar à região, assumiu uma participação política

significativa a partir das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), atuando na construção e

mobilização de equipamentos sociais e atores coletivos, fomentando o potencial de muitos

jovens mediante participação nos serviços pastorais, sobretudo na década de 1990 (GPDU;

ONG A, 2004).

Importante salientar que as CEBs apresentavam essa participação ativa em muitos

movimentos populares de bairro em Fortaleza, como característica de uma atuação mais

progressista da Igreja Católica (FERNANDES; DIÓGENES; LIMA, 1991). Foi possível

identificar essa referência das CEBs na militância política local incorporada nos discursos de

alguns sujeitos pesquisados. Dessa forma, apresentamos duas dessas falas que, de forma

sintética, ao mencionarem a história de constituição de uma das organizações locais,

localizam essa representação das CEBs.

[...] Mas ela é um acumulado de lutas anteriores, dos anos 90 né, iniciado ainda nos

anos 80, com a efervescência que a Igreja Católica, a partir da Teologia da

Libertação, fomentava nas comunidades todo investimento de organização e de vida

comunitária, baseado, né, nos princípios do cristianismo de libertação. E isso

alimentou um trabalho pastoral em várias comunidades e vários moradores dispostos

a entender, né, sobre isso. Entender sua realidade e intervir sobre essa realidade.

(Entrevistado 15).

[...] Ela é fruto de um movimento eclesial de base com a formação de áreas pastorais

no Grande Bom Jardim, que surgiu com força na década de 80 e com mais

incidência militante a partir dos combonianos, a partir de 1986. A ideia dos

combonianos, designado a época pelo Dom Aluísio Lorscheider, o arcebispo de

Fortaleza, é desconstruir o conceito radial das paróquias. A ideia era fazer com que

as comunidades se percebessem enquanto agentes produtores de bem viver a partir

da mística da fé e da política. [...] O grande lema da época, o que resume

conceitualmente todo o período é o conceito “comunidade de comunidades”. Esse

era a grande bandeira, o grande lema, a grande síntese conceitual. [...] Esse potencial

político do território, ele foi germinado aí. Isso é muito claro na materialidade dos

nomes das comunidades, isso se materializou, se consolidou nos nomes das

comunidades. As comunidades aqui quase todas recebem nomes de santo.

(Entrevistado 09).

Dentro das diversas experiências locais de engajamento político e de organização

popular se insere a Rede de Desenvolvimento Local, Integrado e Sustentável do Grande Bom

16 Procuramos resguardar o nome dessa entidade por compor a Rede DLIS.

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Jardim (Rede DLIS), na qual optamos por concentrar nossa análise para fins deste estudo. A

referida Rede articula entidades e movimentos, demandando questões específicas para cada

um dos cinco bairros e atua em processos de diagnóstico, planejamento e monitoramento de

políticas públicas de efetivação de direitos humanos, a fim de tornar a região um lugar bom

para se viver, conforme afirmado na “Plataforma de Lutas Prioritárias para o Grande Bom

Jardim, Jangurussu e Ancuri”17 (REDE DLIS; REAJAN, 2012).

Apesar de não ser a única experiência na capital, há uma significação particular

atrelada ao território, que é atribuída ao esforço de articulação e a essa dinâmica estabelecida

entres algumas associações, organizações e movimentos em redes de interação.

A Rede nos facilita muito. Nos possibilita uma facilidade muito maior do que

trabalhar todo mundo individualmente. Então, todo mundo em conjunto, a gente se

sente mais seguro e mais participativo, em todas as áreas. (Entrevistado 01).

Só a junção das ONGs, das lideranças, das pessoas que trabalham dentro do Bom

Jardim é importante. (Entrevistado 05).

Eu acho que o grande ponto, acho que dentro de Fortaleza a gente tem duas Redes,

dois trabalhos em Rede comunitários que eu acho muito forte que é a Rede DLIS,

que é aqui no Bom Jardim e a gente tem a REAJAN lá no Jangurussu. São coisas

que eu ainda não vi particularmente em outros territórios de Fortaleza. (Entrevistado

14).

[...] pela leitura do cenário social e formas de atuação política a gente percebe que

não só a ONG A se enfraqueceria como também as outras instituições parceiras, as

outras associações também enfraqueceriam se não colaborassem né, se cada um

atuasse por si. Eu acho que a gente perderia muito da qualidade, do alcance que a

gente faz se não fosse esse processo de participação e solidariedade política, e

mesmo com todos os problemas, né. (Entrevistado 07).

A prática política coletiva em rede denota algumas das alterações na forma de

mobilizações e atuações da sociedade civil nos novos tempos (GOHN, 2013; SCHERER-

WARREN, 2014), como demarcamos no Capítulo 2. Buscamos aqui entender como as

tradicionais e novas práticas de participação convergiram para a formação da Rede DLIS,

pretendendo também captar alguns elementos do universo simbólico e político desse

processo. Dessa forma, investimos no entendimento sobre o histórico dessa criação.

Na Carta da Rede DLIS, documento que versa sobre um conjunto de elementos

organizativos, tais como missão, visão, princípios, valores, estratégias e dinâmica interna,

afirma-se que a referida Rede nasceu a partir da I Conferência de Desenvolvimento

Sustentável e Integrado do Grande Bom Jardim, em 2003, “onde 32 entidades assinaram um

17Documento institucional elaborado coletivamente pela Rede DLIS e a Rede de Articulação do Jangurussu e

Ancuri (Rede REAJAN) para subsidiar o Encontro de Compromissos entre os candidatos a prefeito de Fortaleza

nas eleições de 2012.

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Pacto de Desenvolvimento fundamentado pelos Direitos Humanos, Econômicos, Sociais,

Culturais e Ambientais – a chamada Plataforma DHESCAS, fruto da discussão das dimensões

(política, social, econômica, cultural e ambiental) do desenvolvimento” (REDE DLIS, 2013,

p.3).

Ao lermos esse documento, há uma compreensão parcial dos fatos, pois sugere

que a Rede DLIS foi fruto de uma articulação local, mas não aponta de quem partiu a

iniciativa. O mesmo aconteceu ao recorrermos a material mais recente, a exemplo da “Carta

pública e plataforma – (pro)posições da Rede DLIS sobre a política de segurança pública para

o território GBJ [Grande Bom Jardim] e a cidade”. Esta especifica que a articulação coletiva

em rede foi criada em 2003, e fundamentou-se em um Pacto de Desenvolvimento Local, de

acordo com o “Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC)”.

A referida carta pública reafirma que esse processo “foi fruto do debate territorial” sobre

desenvolvimento (REDE DLIS, 2016b, p.1).

O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais teve sua

adesão promulgada pela Presidência do Brasil no início da década de 90 (BRASIL, 1992).

Esse período foi acompanhado pela revisão do papel e funções do Estado e sociedade civil.

Os apontamentos seguintes consistem em demonstrar que para entendermos o processo de

criação da Rede DLIS foi preciso compreender os fatores histórico-conjunturais do país que

estiveram associados às novas configurações de gestão de políticas públicas, com uma

proposta de combate à pobreza associada a uma agenda de desenvolvimento local,

consubstanciada pelas agências multilaterais.

A pesquisa documental nos possibilitou identificar que a assinatura, em 23

dezembro de 2003, do pacto territorial pelo desenvolvimento integrava a proposta da Política

de Desenvolvimento Sustentável do Grande Bom Jardim, que foi elaborada nos anos de 2005-

2006 por uma organização não governamental (ONG A18) da região, com apoio da consultoria

em planejamento urbano Hurb Pesquisa, Planos e Projetos Ltda. e, por um serviço alemão de

cooperação técnica e social (REDE DLIS, 2016a).

Mas isso se dava muito porque a ONG A era a entidade proponente. Ela é a entidade

âncora, além de propor o pacto de desenvolvimento territorial, a gente ainda era a

entidade que tinha o recurso aportado pra isso (Entrevistado 09).

A versão original dessa Política previa cinco eixos de desenvolvimento (economia

e renda, capital social, desenvolvimento socioespacial, arte e entretenimento) a serem

18 Assim como a identidade dos entrevistados não é revelada, optamos por estabelecer nomes fictícios para as

entidades, organizações e atores da Rede DLIS quando forem referenciadas em nossas análises ou nas falas dos

entrevistados.

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materializados por planos estruturantes, os quais seriam seguidos por projetos que, quando

executados, garantiria a consolidação do desenvolvimento pretendido (REDE DLIS, 2016a).

Ressalta-se que as proposições apresentadas na Política de Desenvolvimento

foram sugeridas, primeiramente, “a partir das carências e potencialidades obtidas no

Diagnóstico Socioparticipativo do Grande Bom Jardim, elaborado em 2003 pela Universidade

Estadual do Ceará, através do Núcleo de Gestão Pública e Desenvolvimento Urbano

(GPDU)”, com o apoio de uma organização local (ONG A) (REDE DLIS, 2016a, p.9). Nesse

sentido, a articulação com a academia contribuiu também de certa forma nesse processo de

maturação sobre a atuação política no território, tendo como marco essa pesquisa-diagnóstico

da realidade social.

Eu acho que a formação da rede ela é uma ideia, uma proposta muito boa né, que tá

dentro dessas reflexões de valorizar o local e não deixar ser absorvido pelo local, ser

desestruturado, desvalorizado o local, né, em detrimento de uma coisa mais global

né, nessa dispersão, mas de juntar, de valorizar o local para se fortalecer. Essa

reflexão acho que deve muita ajuda das pessoas das universidades tanto com UECE,

UFC e de outras entidades que ajudaram na constituição da Rede trazendo essa

reflexão, né (Entrevistado 12).

Em outro documento da Rede DLIS, datado de maio de 2015, o item de

contextualização retoma esse debate sobre a origem da Rede, e afirma que o processo

embrionário esteve vinculado à articulação das entidades participantes do “Projeto

Fortalecimento Institucional e Desenvolvimento Comunitário”, de 2002, ligado à ONG A. As

entidades decidiram continuar o trabalho conjunto e “refletiram que ainda estavam fazendo

suas intervenções de forma individual, isolada. Precisava agir de forma mais articulada e

estratégica para obter a credibilidade por parte do poder público e de outros setores da

sociedade” (REDE DLIS; ONG A, 2015, p.18).

Esse resgate contribui para a compreensão de que a Rede DLIS foi resultado de

um investimento de uma organização local no Grande Bom Jardim, já evidenciado no

trabalho de CARLOS (2014, p.88) ao afirmar que a Rede “nascia por fora das

institucionalidades oficiais do Estado, muito embora por dentro da institucionalidade de uma

organização da sociedade civil”.

A Rede DLIS nasceu do investimento institucional da ONG A, que na época fez

uma escolha metodológica e política em relação à Agenda DLIS que “ganhava terreno no

debate público nacional entre organizações públicas, agências de desenvolvimento e

financiamento da sociedade civil” (CARLOS, 2014, p. 125).

Faz-se mister destacar que o Projeto DLIS (proposta de desenvolvimento local

integrado e sustentável) foi assumido pelo Governo do Presidente Fernando Henrique

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Cardoso (1995-2002) e colocado em execução a partir de um dos programas de combate à

pobreza, o Programa Comunidade Ativa19. Considera-se ainda que a adoção dessa estratégia

se deu no contexto de reforma gerencial do Estado e implantação de políticas neoliberais, com

a retórica da necessidade de construção conjunta entre poder público e sociedade civil.

Retomar momentos significativos do histórico da Rede DLIS elucida alguns

elementos-chave dessa atuação em rede que são anunciados pelos seus sujeitos. Essa

influência na conformação da Rede, do que ela faz e de como vem se materializando em

registros, relatórios e documentos públicos, muito centralizada na condução e produção pela

ONG A, provavelmente contribuiu para a forma de conceber a Rede DLIS, por vezes

indissociada à sua “entidade âncora”.

[...] o Conselho Comunitário X taí, eles mesmo disseram ‘nós não vamos mais

participar da Rede, a Rede só quer que a gente ajude a eles’. [Mas quem é a Rede,

quem é a Rede, me diz?] Eles acham que a Rede é o [ONG A], também acho.

Porque eu num sei quem é o presidente do [ONG A], quem é o presidente da Rede.

A [ONG A] puxa a Rede, a Rede não existe sem a [ONG A], não existe

(Entrevistado 03).

Meu Deus, cada dia que se passa eu vejo mais a Rede da [ONG A] ficar mais

enfraquecida. Mas eu não vou dizer que é o pessoal da [ONG A], não é. Assim

como nós, comissão, não é a gente. [...] É o que a gente luta e que não tá

conseguindo que as nossas conquistas sejam realizadas (Entrevistado 02).

Na carta de proposições para a política de segurança pública (REDE DLIS, 2016b,

p.1), afirma-se que a Rede DLIS “é um movimento social que atua na periferia de Fortaleza”.

Entretanto, diferente de outros documentos, reconhece no mesmo material o “hibridismo” que

é a Rede DLIS, ao se constituir numa instância de articulações de lutas envolvendo entidades

associativas comunitárias, organizações da sociedade civil organizada, equipamentos sociais,

movimentos populares espontâneos e moradores engajados (REDE DLIS, 2016b).

Ao final desse documento, correspondendo à atualização mais recente de

composição, 34 organizações e movimentos assinam como Rede DLIS20: Associação de

Catadores de Materiais Recicláveis do Grande Bom Jardim; Associação Comunitária do Anel

Viário (ACAV); Associação Comunitária Delmiro Gouveia; Associação Comunitária do

Jardim Nazaré (ACOJARN); Associação Comunitária dos Moradores Vila Planalto Vitória;

19 Sobre a discussão e análise da estratégia DLIS no âmbito do Programa Comunidade Ativa ver o artigo de

Fontes, Velloso e Diogo (2002) disponível em: http://www.cepal.org/mujer/curso/fontes.pdf; que foi

desenvolvido originalmente para a Rede de Informações para o Terceiro Setor (RITS). O projeto DLIS

conciliava com a Agenda 21 brasileira, instrumento recomendado pela Organização das Nações Unidas e que

pautava um desenvolvimento sustentável para o país. 20 Esse é o único momento em que são explicitadas as organizações e movimentos da Rede DLIS por

considerarmos que não há uma exposição indevida, tendo em vista que revela a composição geral dessa

articulação, a qual foi circulada em meio impresso, em Carta Pública da Rede, no 1 º Seminário Territorial do

Ceará Pacífico no bairro Bom Jardim, realizado no dia 16 de julho de 2016.

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Associação Comunitária do Parque Jerusalém (ACPJ); Associação Comunitária do Parque

Nazaré (ASCOPAN); Associação Comunitária PROJETO PAZ; Associação Cultural Santa

Terezinha do Menino Jesus; Associação Espírita de Umbanda São Miguel (AEUSM);

Associação dos Moradores do Bom Jardim (AMBJ); Associação dos Moradores da

Comunidade do Marrocos (AMCM); Conselho Comunitário do Parque Santo Amaro

(COMPASA); Conselho Gestor do Ponto de Memória do Grande Bom Jardim; Conselho de

Integração do Bom Jardim; União dos Moradores do Bairro Canindezinho (UMBC); Instituto

Ambiental Viramundo; Centro de Cidadania e Valorização Humana (CCVH); Centro de

Educação em Gênero e Igualdade Social (CEGIS); Centro de Defesa da Vida Herbert de

Souza (CDVHS); CAIC Maria Alves Carioca; Escola de Ensino Fundamental e Médio

Patativa do Ceará; Escola de Ensino Fundamental e Médio Santo Amaro; Escola de Ensino

Fundamental e Médio Senador Osires Pontes; Espaço Geração Cidadã/PDA Bom Jardim-

Visão Mundial; Fundesol – Agência de Desenvolvimento Local e Socioeconomia Solidária;

SOLIDU – Organização Granja Portugal Solidária; Brincantes São Francisco; Comunidade 7

de Setembro; Grupo de Pessoas Idosas Caminhando com Cristo; Fórum de Cultura do Grande

Bom Jardim; Jovens Agentes da Paz; Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias;

Movimento de Saúde Mental Comunitária do Bom Jardim.

Para fins deste estudo, foram entrevistados quinze membros de nove

entidades/coletivos, os quais participaram ativamente, durante a pesquisa de campo, de parte

ou da maioria dos processos dentro da Rede DLIS, como tomada de decisão, articulação,

planejamento ou execução de atividades, além de estarem inseridos nas comissões temáticas

da Rede. Ocorreu que mais de um sujeito entrevistado representava a mesma

entidade/movimento. Isso demonstra que algumas organizações conseguem garantir

representação mais sistemática e permanente de pessoas na Rede. Optamos em apresentar

alguns dados dessas entidades que participaram do estudo por meio das entrevistas

concedidas.

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Gráfico 1 – Período de fundação das entidades pesquisadas da Rede DLIS, 2016.

Década de 1980

Década de 1990

Década de 2000

Década de 2010

45%

22%

11%

22%

Fonte: Elaborado pela autora.

Gráfico 2 – Natureza institucional das entidades pesquisadas da Rede DLIS, 2016.

Associação de

moradores

ONG

Fórum, Coletivo e

Movimento Popular

33,33%33,33%

33,33%

Fonte: Elaborado pela autora.

O período de fundação das entidades na década de 90 apresentou o maior

quantitativo dos grupos representados na pesquisa. Ainda foi possível identificar entidades

componentes que surgiram nos anos de 1980. Essas duas décadas corresponderam ao

momento de muita articulação dos movimentos sociais urbanos e surgimento de associações

comunitárias que intermediaram as lutas por necessidades mais básicas e imediatas da

população.

Cabe destacar que o crescimento do número de associações comunitárias também

esteve atrelado às iniciativas do aparato estatal, como forma de implantar programas e

executar políticas publicas, além de propor a organização dos moradores (BRAGA; LIMA,

1991). E muitas das iniciativas adotadas no âmbito dos Estados tomaram como base as

iniciativas federais, a exemplo do Governo Sarney que instituiu a Secretaria Especial de Ação

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Comunitária (SEAC) para articular e dar suporte às diferentes organizações sociais em nível

nacional, regional e local para operacionalização das ações comunitárias (BRASIL, 1985).

O estudo realizado pela ONG A no ano de 2012, atrelado ao desenvolvimento do

“Projeto Fortalecimento Institucional e Governança Territorial”, financiado pelo Banco do

Nordeste do Brasil (BNB), apresentou importantes dados sobre as organizações que

compunham a Rede DLIS na época e até este momento, elementos que ajudam a pensar os

processos de organização comunitária da região (ONG A, 2013).

Esse estudo revelou que entidades de cunho temático, como as ONGs, iriam

surgir, sobretudo, a partir da década de 2000, assim como outras que se referiam de modo

diferenciado à sua natureza institucional. Entretanto, “a formação de associações comunitárias

não deixou de ser uma forma predominante no tecido associativo do Grande Bom Jardim”

(ONG A, 2013, p. 13). Pudemos constatar esse aspecto na composição da Rede DLIS em

2016, e que talvez venha contribuindo para os processos de ação coletiva, juntamente com o

trabalho mediador realizado por Organizações Não-Governamentais (ONGs) junto aos

movimentos da região.

O associativismo é central, na medida em que se constitui como fenômeno que

desloca as atribuições dos problemas e condições do plano pessoal para o plano

sistêmico, requisito central para o desencadeamento de um movimento social.

Assim, em associação, as pessoas desenvolvem sentidos e percepções da vida social

que transcendem a dimensão de base individual e pessoal (LÜCHMANN, 2011, p.

125).

A década posterior não representou absoluta estagnação da formação de novos

coletivos organizados. O nosso recorte, inclusive, demonstra iniciativas que surgiram após os

anos 2010 (22%), cuja natureza institucional está atrelada ao bloco de experiências não

institucionalizadas, que aglutinamos em “Fórum, Coletivo e Movimento Popular”,

correspondendo a 33% do total dos grupos que foram representados pelos entrevistados na

pesquisa.

Quase 70% desses grupos têm seu histórico de surgimento atrelado à mobilização

de moradores e lideranças locais, e em 45% das entidades que pesquisamos foi destacada a

participação de lideranças da Igreja Católica em seu processo de criação. Não nos deteremos

na discussão desse acúmulo de lutas e a constituição da militância política do Grande Bom

Jardim, pois já foi abordado anteriormente. Porém, merece ressaltar que alguns grupos

apontaram que o surgimento esteve associado à organização de entidades e artistas locais.

No que diz respeito a uma dimensão mais administrativa das entidades/coletivos

que pesquisamos, quatro afirmaram que tinham regimento interno, estatuto e Cadastro

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Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ); duas possuíam estatuto e regimento; outras duas não

tinham nenhum dos três elementos; e ainda havia uma que tinha somente o regimento interno.

As organizações que participaram da nossa pesquisa também apontaram suas

principais áreas temáticas e públicos-alvo, às vezes atuando simultaneamente entre duas ou

três opções: arte e cultura; direitos de crianças, adolescentes e juventudes; profissionalização;

famílias; moradia; educação; catadores de materiais recicláveis; lideranças comunitárias;

memória e museologia comunitária.

A maioria dos grupos considera a própria Rede DLIS como parceira das ações,

sendo citados também os seguintes parceiros: Serviço Social do Comércio (SESC); Centro de

Referência de Assistência Social (CRAS); Companhia Elétrica do Ceará (COELCE);

Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS); Centro Solidário Bom Mix;

Cáritas Arquidiocesana de Fortaleza; Cooperativa dos Catadores de Materiais Recicláveis de

Fortaleza e Região Metropolitana Ltda (Coopmares); Instituto Brasileiro de Museus

(IBRAM); Partido Socialismo e Liberdade (PSOL); e Universidades Públicas.

O reconhecimento do diálogo e parceria com a universidade comumente aparece

nos documentos e discursos dos indivíduos. Na produção da carta pública sobre a política de

segurança, a Rede DLIS fez questão de reconhecer a contribuição de grupos de pesquisa de

universidades, a saber: Programa de Educação Tutorial – (PET) de Ciências Sociais e

Arquitetura, ambos da Universidade Federal do Ceará (UFC); Laboratório de Seguridade

Social e Serviço Social (LASSOSS) e NUAFRO - Laboratório de Estudos e Pesquisas em

Afro-brasilidades, Gênero e Família/ e Grupo de Estudos Margens Urbanas, ambos da

Universidade Estadual do Ceará (UECE) e Grupo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas

sobre a Cidade e o Urbano (GIPU) da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia

Afro-Brasileira (UNILAB) (REDE DLIS, 2016b, p.10).

Um dos sujeitos entrevistados destacou que, no Grande Bom Jardim, muitos

atores vêm acumulando conhecimentos técnicos ao longo dos anos, o que proporciona

autonomia para disparar iniciativas locais, mas reconhece a importância de manter a parceria

com as universidades.

[...] No início nós tivemos muita ajuda de fora. Quando as irmãs savatorianas

chegaram aqui, os missionários, a gente estava ainda no processo de formação e não

entendia muita coisa. Então, eles trouxeram toda essa formação pra cá. Foi preciso

isso no começo, no primeiro momento, pra gente entender toda essa questão da luta,

né, pela transformação. Então, muita formação eles trouxeram, e a gente pra elaborar

um documento, qualquer coisa tinha que ter eles a frente disso pra dizer como se faz

um projeto. Hoje não, eu acho que vejo que já tem digamos esse capital intelectual.

Sei lá, já tem no Bom Jardim. Tem muita gente com formação que participa da Rede

que é daqui do Bom Jardim, né. Então, eu acho que isso é bom essa questão de

manter com as universidades, essa troca de conhecimentos, digamos assim, eles

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fortalecem com a parte teórica, né, e leva essas experiências das comunidades, da

Rede, eu acho que isso é bom (Entrevistado 12).

Em relação aos recursos que mantém as entidades/ coletivos pesquisados, somente

duas contavam com fonte internacional de financiamento. Quatro não dispunham de recursos,

sendo que duas aguardavam abrir editais de financiamento de projetos. Uma entidade afirmou

receber doações e repasses de sócios colaboradores. Uma das organizações disse que além do

aguardo de editais buscavam realizar diversas ações na comunidade para arrecadar recursos

financeiros. Um entrevistado de um dos grupos da Rede DLIS revelou que além das ações de

arrecadação, os recursos eram provenientes de políticos.

A maioria dos entrevistados destacou essa não disponibilidade de recursos fixos

para a sustentabilidade institucional, destacando que a atuação no âmbito dos movimentos

sociais e articulações de lutas locais nem sempre conta com remuneração para os sujeitos

envolvidos.

Porque você trabalha voluntariamente sem medir esforço, não tem dia, não tem hora,

pra gente fazer o trabalho da gente. Então, é motivado mesmo pelo espírito

voluntário. É isso que nós temos e isso que nós sentimos. E temos que se reconhecer

como indivíduo, como pessoa, nesta construção da sociedade. Porque é isso que nos

motiva a tá trabalhando no dia a dia (Entrevistado 01).

O meu filho é quem me ajuda ainda, mas ele não me quer mais dentro do

movimento; ele não me quer. Ele diz "mãe a senhora tá bom de sair, porque a

senhora já tá morrendo, um bocado de gente preocupado com essas coisas veia, saia

disso", entendeu? Aí, ele fica mantendo porque nem emprego eu tenho mais, ai ele

fica mantendo minha casa, porque ele morava comigo ai foi embora né. Fica

mantendo minha casa, me mantendo de tudo, até do dinheiro da gasolina

(Entrevistado 03).

‘Sou fã da Rede’. Não gosto quando falam mal da Rede porque o trabalho é

voluntário (Entrevistado 13).

Em estudo anterior sobre a Rede DLIS, Carlos (2014, p. 159) afirma que essa

iniciativa local é “uma experiência de rede de movimentos, de organizações, no sentido de

agenciar a representação de uma região, fortalecer a construção de uma identidade territorial

comum”.

O referido trabalho considerou na época a composição da Rede por organização

não governamental, associações e organizações de caráter comunitário, e comunidades ou

grupos não institucionalizados. O que cabe perfeitamente na referência de Melluci apud

Scherer-Warren (2014, p.116) sobre redes de movimento ou áreas de movimento, incluindo

“não apenas as organizações ‘formais’, mas também a rede de relações ‘informais’ que

conectam núcleos de indivíduos e grupos a uma área de participantes mais ampla”.

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Em nosso caso, consideramos que a Rede DLIS é sim uma rede da sociedade civil

organizada, mas devido à sua atual configuração “híbrida”, formada por organizações

(associações, ONGs, conselhos comunitários), movimentos sociais e representantes de

equipamentos (igreja) e políticas públicas, como escolas, torna-se precipitado emoldurar

estritamente essa experiência como redes de movimentos sociais.

Entretanto, compreendemos que a iniciativa da Rede DLIS, necessariamente, é

atravessada pela perspectiva teórico-metodológica das Redes de Movimentos. É preciso

reconhecer a Rede DLIS enquanto processo de ação política, que se gesta a partir de um

movimento comunitário e, portanto, fora da institucionalidade formal dos Conselhos de

Políticas Públicas.

Pela complexidade do debate, há indícios da necessidade de aprofundar o estudo

sobre as entidades da Rede DLIS. Já existe uma demanda das próprias entidades, defendida na

reunião mensal do dia 02 de abril de 2016, de realizar a atualização de cadastro das

organizações e confecção de um banner da Rede para distribuir entre as entidades. Essa

demanda se constituiu em torno da defesa de uma identificação coletiva e de um projeto

comum para o território, além de atualizar a composição atual de integrantes e anunciar

publicamente que determinada entidade/ grupo faz parte da Rede DLIS.

Essa proposição foi aprovada, mas não foi executada até término do trabalho de

campo (realizado até início de agosto de 2016). Entretanto, foi realizado um levantamento das

entidades que ainda se reconheciam nesse coletivo para expor na Carta Pública que foi

entregue no Seminário Territorial do Ceará Pacífico, datada no mês de julho de 2016.

Identificamos com a pesquisa que em relação à composição da Rede não existia

somente uma necessidade de atualização para afirmação de quem era a Rede, percebemos

também que era motivo de desconforto para alguns. Essa ressalva surge a partir de uma das

tarefas que executamos algumas vezes enquanto estivemos atuando na Rede DLIS, que foi a

ligação para os grupos/ indivíduos que compunham a Rede para lembrar/ convidar para a

reunião mensal, informando pauta e local. Certa vez, um representante de uma das

organizações demonstrou insatisfação ao saber que a reunião seria em uma igreja e que a

mesma compunha a Rede; questionou o critério de inserção. Demonstrou que não estava

ciente que o processo de inserção das organizações é feito por indicação ou apresentação de

organização em reunião ordinária da Rede DLIS, e deliberado em plenária conforme Carta de

princípios do coletivo (REDE DLIS, 2013, p.6).

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Embora os documentos institucionais apontem que nessa constituição da Rede

possui igreja e até organizações governamentais, no caso de escolas, só uma imersão mais

aproximada, que foi oportunizada pela pesquisa participante, foi possível revelar que são

muito mais indivíduos implicados/ engajados do que uma representação institucional. Isto é,

ao se afirmar que são 34 entidades na Rede DLIS, não significa que são 34 coletivos

autônomos com agendas ativas. Além disso, as pessoas que constituem a Rede nem sempre

conseguem levar ou envolver o grupo da entidade que representa, tornando uma atuação

individual. Ou seja, às vezes, as pessoas que representam essas entidades só vão constituir

ação coletiva, de fato, a partir da atuação na Rede, como foi destacado por um dos

entrevistados.

Eu acho que a Rede é o que consegue ser imediatamente, a forma de ação coletiva

do território. A Dona Maria lá na associação dela, ela não é uma ação coletiva, ela

tem uma ação dela que ela junta algumas pessoas, vez ou outra coordena uma ação

muito pontual, coletiva, mas não é de forma perene uma associação de pessoas

agindo em associação, é muito pelo capricho dela, uma vontade pessoal, que é

legítima, que se reconhece e tudo mais. Ela vai ser ação coletiva na Rede, quando

ela se junta, ela, a Raimunda, o José e seu Tonho e vão pensar uma rota, vão pensar

né?! Com um programa, uma ação, entende? Então, assim a Rede se anuncia muito

com esse fórum intercoletivo, mas é efetivamente, eu acho aonde, às vezes, ele

consegue ser pra muitas pessoas, a primeira experiência de ação coletiva, efetiva

(Entrevistado 15).

Se inserir no campo de rede de movimentos e atores da sociedade civil organizada

é reconhecer um processo em contínua construção, impregnado por relações de poder, pelo

conflito, mas também pelo compartilhamento de propósitos e experiências e, sobretudo, pela

potência de realizar ações políticas coletivas, motivadas por um projeto de sociedade e de

estabelecer um direcionamento para a defesa de direitos.

Nesse sentido, a Rede DLIS traz como missão: “afirmar os direitos humanos

como estratégia de luta por políticas públicas com participação popular para o

desenvolvimento local” (REDE DLIS, 2013, p.4). A percepção da Rede como estratégia de

defesa de direitos apareceu comumente nos discursos, mesmo de quem estava na composição

mais recentemente, constituindo uma forma de expressão ideológica de integrantes.

E o que a gente faz dentro da Rede é isso, é lutar pelos direitos que a gente têm, que

as pessoas têm. Então, o que eu acho de positivo, isso é [...] acho que de positivo por

mais arriscado que seja, mas eu gosto muito [...] dessa questão de ser mais [...], de

não perder essa sensibilidade, essa coisa que ser humano tem que ter, sabe, pra

viver: a empatia. É conseguir se colocar no lugar do outro, e isso às vezes é tão raro,

sabe? (Entrevistado 13).

A visão de futuro defendida e expressa em documentos aponta para “que em 2025

o Grande Bom Jardim seja um território onde sujeitos de direitos afirmam cotidianamente

direitos humanos, econômicos, sociais, culturais, ambientais, usufruindo plenamente do

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direito à cidade, e valorizando sua trajetória de lutas permanentes, pautadas na autonomia

política e na emancipação humana” (REDE DLIS, 2016b, p.1). Nessa luta coletiva que se

trava cotidianamente, os sujeitos afirmaram se capacitaram ao longo do processo de

participação.

Eu acho que a Rede DLIS ela é um grande potencial dentro do Grande Bom Jardim.

Eu acho que ela é vista dentro e fora, na cidade como um todo, como esse grande

aglutinador de pessoas, liderança, porque ela acaba capacitando as pessoas.

(Entrevistado 04).

É, eu gosto da Rede DLIS assim, por causa do que a gente aprende, né,

politicamente a gente aprende tanta coisa, a gente fica se formando dentro da própria

Rede, conhece os problema, desenvolve, procura resolver os problema, é muito

positivo isso. (Entrevistado 03).

Essa educação foi autoconstruída na prática cotidiana nos movimentos populares

porque segundo Gohn (2009) esse tipo de participação é capaz de gerar consciência que leva

ao reconhecimento das condições de vida. A autora acrescenta que são diferentes formas de

aprendizagem geradas a partir do “contato com fontes do exercício de poder”, das ações

rotineiras impostas pela burocracia estatal, das “diferenças existentes na realidade social”, do

“contato com assessorias contratadas” ou parceiras, “desmistificação da autoridade como

sinônimo de competência” (Ibidem, p. 51).

No que se refere à relação Entidade-Rede, a Carta da Rede DLIS traz algumas

recomendações para que essa conexão se estabeleça dentro de uma atuação orgânica, em que

“cada entidade da Rede deve repercutir na sua própria atuação, as pautas abraçadas

coletivamente pela Rede” (REDE DLIS, 2013, p.5).

Embora a reflexão sobre essas relações de interdependência não seja inédita,

tendo em vista que foi trabalhada na dissertação de Carlos (2014), tratou-se de um dos

aspectos que se situou mais no campo dos “não ditos” durante a pesquisa de campo. Os

incômodos gestados na dinâmica relacional entre as organizações, sobretudo em caso de

discordância com a decisão ou condução da ONG A, nem sempre afloraram nas reuniões. Foi

diferente do que ocorreu com temas como dificuldade de engajamento das pessoas e

entidades, e complicadas condições materiais e administrativas desses grupos, que

frequentemente apareceram nos debates.

Um dos entrevistados comentou sobre a referida organização não governamental

“tomar pra si” a condução dos processos da Rede DLIS e, por conta disso, afirmou perceber

um descompasso na comunicação e deliberações internas entre as entidades, sobretudo, na

definição de pautas.

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Às vezes, fica muito claro que a ONG A acaba meio que se responsabilizando por

todo o processo da Rede. Talvez a própria ONG A, talvez precisasse exercitar mais

o processo de escuta e o olhar sobre as organizações que estão ali, que tá querendo

às vezes pautar outras coisas, que acredita que é importante pro cenário do Grande

Bom Jardim (Entrevistado 04).

Como anunciamos anteriormente, a centralidade da ONG A não foi percebida só

na condução de processos e dinâmica da Rede DLIS, mas na produção dos materiais. Pois

como aponta Carlos (2014, p.91), essa centralidade da ONG A também é constatada a partir

do “domínio do idioma político, de metodologias de trabalho e a centralidade da profusão e

difusão sobre o que é a Rede, a região e o movimento comunitário local”.

Esse contexto interferiu nas práticas educativas dos seus membros. Um dos

representantes das Comissões de Trabalho afirmou que mesmo inserido no coletivo há

bastante tempo não parecia claro o papel da Rede. O seu depoimento foi um convite para a

reflexão de que os “não ditos” poderiam contribuir para fragilizar as relações internas. Alguns

membros antigos da Rede se afastaram por expectativas não cumpridas. Essa saída não se

tratou só de pessoas, mas representou o desligamento de entidades.

Eu acho assim, eu tenho muito interesse sabe, porque é uma comissão nova, né,

formada agora, comissão nova. Tanto eu tenho interesse nela como nessa de

articulação eu também [...], que eu to querendo saber como é que funciona mesmo a

Rede, que eu tô lá há dez anos, mais eu num sei o que que a Rede ajuda, o que que a

Rede dá, o que que a Rede tem pra me oferecer, pra me apoiar, o que que eu posso

ajudar na Rede, assim. [...] Já eu num sei o que é que a Rede, num vi nada ainda, é

tanto que as entidades, as entidades nem tão mais indo, as entidades do meu tempo

não vão, não vão mais (Entrevistado 03).

A problemática da centralidade institucional e a existência desse conflito interno

entre as entidades da Rede foram reconhecidas pela própria organização não governamental.

Esse impasse pareceu resultar numa disputa ou demarcação de poder internamente e

repercutiu na comunicação.

Como é que esse nosso capital humano, por exemplo, está a serviço dos interesses

das comunidades, das organizações e tudo mais? Eu acho que sempre esteve no

geral, mas acho que a gente não criou alguns cuidados. Um deles é de que as

entidades, por exemplo, têm uma confusão muito grande do que é Rede e do que é a

[ONG A], né?! Essa é uma coisa muito comum (Entrevistado15).

A gente ser âncora gera muitas inquietações, muitos ciúmes, além de tornar a gente

uma certa referência. Quando as entidades estão com problemas correm pra gente,

pra gente vê se dá algum suporte. E a gente não tem estrutura pra assessoria, pra dar

essa assessoria, pra fortalecimento institucional. E, ao mesmo tempo, nós já temos

13 anos de caminhada, então já era pra Rede ter essa independência, essa

maturidade. Isso não é muito rápido, muito claro (Entrevistado 09).

A organização interna da Rede DLIS prevê reuniões ordinárias uma vez por mês,

no quarto sábado, reunião extraordinária, se necessário, e Assembleia Anual da Rede. Além

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disso, possui comissões temáticas como forma de dinamizar as lutas específicas prioritárias

(REDE DLIS, 2013).

Embora tenha havido o esforço em tornar as reuniões itinerantes como forma de

descentralizar os processos e responsabilizar outras entidades, a condução acabou sendo

executada por um dos membros da ONG A. Situação esta já percebida desde a reunião do

Planejamento Anual, em que houve centralidade na fala e facilitação (embora tenha revezado

com a ONG B), poucos participantes falavam, uns observavam mais atentamente e muitos

estavam dispersos (Diário de Campo, 23/01/2016).

A Rede, a Rede, não tô falando mal da [ONG A], mas a Rede tá precisando puxar a

responsabilidade e atuar, porque nesse exato momento a Rede DLIS, fora duas

ONGs, não vem atuando, ela vem sendo coadjuvante, coadjuvante (Entrevistado 05).

A percepção de centralidade foi recorrente nas falas e essa postura iria refletir nas

estratégias e táticas da Rede, as quais serão trabalhadas na próxima seção. Então, o desafio

que está colocado é como mediar junto aos sujeitos e grupos a fim de descentralizar os centros

de poder e tornar os processos mais democráticos entre as entidades para definição de

prioridades na agenda política e corresponsabilização pelos processos.

Às vezes, as próprias organizações levam pautas pra Rede que não é priorizada. Mas

como é que determinado tema, eixo ou questão não é priorizada, se a rede é

composta por várias organizações, e se a organização está levando. Então, percebo

que às vezes isso não é considerado. Isso pode ser motivo também das pessoas se

afastarem, não estarem ali, não priorizar porque aquilo que é importante pra

organização x e não é importante pra organização y, e às vezes acaba gerando um

desconforto, e às vezes acaba sendo uma ação desrespeitosa (Entrevistado 04).

As reuniões mensais e as comissões, compostas por representações de diferentes

entidades, recebem a orientação de serem organizadas de acordo com a Carta de princípios da

Rede para que as deliberações sejam “tomadas em plenária, de forma amplamente

democrática e participativa, concedendo direito à voz e voto a todas as pessoas presentes”

(REDE DLIS, 2013, p. 6).

Como vêm sendo tomadas as decisões na Rede DLIS, afinal? Quem define as

prioridades numa gestão que se propõe ser colegiada? Há acomodação dos integrantes por já

existirem grupos identificados com a condução ou também há dificuldades de

compartilhamento responsabilidades? Ao longo de nossas reflexões e ponderações, serão

dadas algumas pistas, mas estas não esgotam a compreensão sobre a complexa dinâmica que é

tecida pelos sujeitos e pelas entidades envolvidos numa atuação em rede.

A [ONG A] é quem manda nas comissões, a [ONG A] é quem organiza as

comissões (Entrevistado 03).

Ajuda muito se a gente tivesse mais organizações com, com pautas específicas,

dispostas a deflagrar o processo dentro da Rede, ajudaria muito porque às vezes

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sobrecarrega, [...] a [ONG A], que tem mais recursos técnicos, digamos assim,

sobrecarrega, né, e ao mesmo tempo uma parte da Rede fica insatisfeita com, com a

atuação, porque num consegue dar conta né, e ao mesmo tempo cobra e se a gente

não tiver, eles acham ruim, [...] é uma das delicadezas da Rede é essa, qual é o papel

da [ONG A] dentro desse processo, né (Entrevistado 07).

Como demonstrou a fala do entrevistado 07 existia uma disponibilidade

diferenciada de recursos humanos, materiais e financeiros entre as entidades que compunham

a Rede no período da pesquisa. Essa situação colocava os grupos em patamares diferentes

para participarem das ações da Rede DLIS. Foi uma dificuldade identificada não somente nos

depoimentos, mas verbalizada em reuniões como demanda de algumas entidades. Era uma

pauta específica, reivindicada por poucos, que por não ser respondida da maneira esperada

contribuía para construir barreiras para a participação.

Eu acho assim, se tem gente pra fazer, pra elaborar projeto, captação de recurso pra

[ONG A], para a [ONG A], pros projetos da [ONG A] e da Rede, então porque que

não ajuda as entidades também? Agora fica a coitada de uma entidade pra cá, outra

pra ali, correndo atrás de captar um recurso, outra pra ali, atrás de elaborar um

projeto pra poder se autossustentar (Entrevistado 03).

A ONG A conta com uma posição diferenciada das demais entidades porque o

trabalho da Rede está contido em um dos seus eixos de ação e financiamento. Assim, atuar na

Rede DLIS está incorporado ao processo de trabalho esperado e conforme destinação dos

recursos investidos.

Eu sempre fico questionando muito, porque o trabalho dos meninos lá [do ONG A]

são muito focados nessa questão da Rede, nessa questão das comissões e nós temos

outros trabalhos paralelos (Entrevistado 14).

Mas percebo que a gente precisa se envolver mais porque a Rede pra gente é uma

estratégia. Ao mesmo tempo que é um desafio porque a gente tem muitas demandas

internas, que às vezes bate, choca, que a gente não consegue dar conta (Entrevistado

04).

Como parte dos recursos captados pela ONG A é para desenvolver as ações da

Rede, torna-se a entidade que mais sistematiza as atividades desenvolvidas pelo coletivo,

desde seu surgimento em 2003. Por isso, para realizar a pesquisa documental deste estudo, foi

preciso a anuência dessa organização para acessar e fazermos uso de dados consolidados em

relatórios e projetos.

As demais entidades nem sempre incorporam essa sistematização da Rede no seu

trabalho, o que dificulta o acompanhamento do histórico de lutas, avanços e resultados

obtidos. Apareceu na fala de um dos representantes das organizações a preocupação de incluir

nos relatórios institucionais as ações que contribuiu no âmbito da Rede DLIS. E talvez não

tenha conhecimento que existem dados sistematizados que ela gostaria de ter, mas a

informação não chega porque os registros de uma entidade nem sempre é apropriado pelas

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demais. A coletivização dessas produções deveria ser amadurecida no âmbito da Rede, além

de fomentar que os integrantes como um todo garantam o registro de suas ações coletivas.

E acho que a grande, um pouco da fragilidade da gente é faltar mais esse

embasamento das coisas, né, de tornar isso oficial, né, desses relatórios serem mais

oficiais, de terem um resultado bem sistematizado pra que a gente possa apresentar

depois quando pessoas vierem perguntar o que foi que saiu disso, a gente ter

realmente como apresentar essas questões (Entrevistado 14).

Ao retomarmos a Carta da Rede DLIS ainda sobre a relação Entidade-Rede, é

recomendado que as entidades procurassem estratégias de fortalecimento mútuo, “gerando

uma cumplicidade política pautada pelas reflexões coletivas e mecanismos de fortalecimento

institucional, que revertam em entidades fortalecidas e ao mesmo tempo Rede fortalecida”

(REDE DLIS, 2013, p.5). As ONGs B e C se destacam nesse entendimento de somar

iniciativas, seja de facilitação das atividades e reuniões, seja na proposição de estratégias.

Bom, por exemplo, eu acho que umas das entidades que melhor se atentou a isso no

último período foi a [ONG B]. Eu ficava vibrando quando: ‘Não, a Rede não é a

[ONG A]’ e vice-versa, e ‘[A ONG A] não é a Rede. A rede não é da [ONG A]’.

Quando ela reivindicava muito isso, que é uma coisa que muitas entidades

confundem (Entrevistado 15).

Quando eu entrei na Rede DLIS só tinha comissão de juventude, certo, a gente

sentia que isso não contemplava totalmente a gente por conta que meu trabalho é

ligado a proteção e a gente sentia falta de uma comissão de proteção dentro da Rede,

né, aí a gente vinculou a infância com a juventude [...], como o trabalho em Rede

conta muito com o nosso trabalho também, né, de atuação. Mas aí não se tinha, aí a

gente criou a comissão infância e juventude, pra que a gente também possa agregar,

né, o nosso trabalho dentro da Rede (Entrevistado 14).

Na assembleia anual da Rede DLIS, realizada no período de 22 a 24 de janeiro de

2016, na Casa de Retiro Piamarta, no Município de Itaitinga-CE, as pessoas e organizações

presentes definiram que as Comissões de Trabalhos seriam: Comissão de Moradia Digna;

Zona Especial de Interesse Social (ZEIS) e Meio Ambiente; Comissão de Crianças,

Adolescentes e Juventudes; Comissão da Memória, Cultura e Educação; Comissão de Saúde;

além de uma equipe de trabalho para “animação” dos processos, intitulada Comissão de

Articulação.

Os entrevistados na pesquisa expuseram a problemática de pouca articulação entre

as comissões temáticas. Cada uma possui uma agenda de ações para serem executadas,

comumente definidas no planejamento anual da Rede. Entretanto, foi percebido que essa

fragmentação dificulta a compreensão de uma atuação em rede. Um dos representantes das

referidas Comissões apontou como sugestão de estabelecer prioridades comuns para todos os

grupos de trabalho como possibilidade de reverter esse desafio.

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Hoje eu acho que um outro desafio é a gente fazer essa articulação entre as

comissões. O que a gente tem são as comissões que se reúnem no seu dia específico,

no seu formato (Entrevistado 04).

Eu acho que a ideia das comissões tem um duplo sentido porque eu odeio quando as

comissões elas acabam vindo pra Rede pra saber sobre demandas da sua própria

comissão, né. Eu acho que tem que ter um sentido de luta maior e precisa ter um

sentido de participação independente se é um assunto muito que eu represento.

Então eu acho que as formas de organização das comissões, elas são válidas, elas

podem ainda existir né, acho legal. Mas acho que há de se ter prioridades comuns a

todas as comissões, independente de ela ser parte de uma comissão (Entrevistado

08).

Conduzidos para um exercício de avaliação das comissões da Rede, os

entrevistados destacaram que precisaria de mais pessoas para se envolver efetivamente no

trabalho das comissões. Trata-se de uma agenda intensa de ações que exige tempo e

sistemática, tais como reuniões internas, mobilização, visitas, reuniões com órgãos públicos.

Eu acho que a gente tem muita vontade e pouca perna, entendeu. A gente quer muito

entender e contribuir, mas a gente não têm pernas. A Rede ela tem uma organização,

ela tem uma estrutura organizacional que é bem pensada entendeu. Organizasse-se

por comissão. [...] Mas não temos gente suficiente. Então, eu acho que a estrutura é

boa, pensar a estrutura é boa, porém precisamos ter cuidado das fragilidades da

estrutura, entendeu. E eu acho que isso não estamos avaliando. (Entrevistado 11).

A Rede DLIS já passou por situações delicadas para sua organização política e

institucional, chegou inclusive a suspender temporariamente atividades no ano de 2009. O que

exigiu estabelecer novas estratégias para animação do coletivo, como a questão da memória;

contexto esse discutido por Carlos (2014). A Rede retoma sua sistemática de trabalhos em

junho de 2010, buscando reagrupar sujeitos e instituições em torno da Rede.

E ela tomou muito, ela foi muito bem recebida pela Rede, em 2010, 2012, porque

naquele período a Rede passava por uma fragilidade forte, eram momentos de muita

evasão, apatia. Os quóruns eram diminutos. A rede já não tinha mais o mesmo tônus

que tinha 2005, 2006. E a história da memória, de valorizar o lugar, de resgatar e

valorizar as lideranças, a evidência das grandes lutas por bairro, por conquistas de

direitos, isso trouxe um alento, uma outra energia pra Rede (Entrevistado 09).

É importante reconhecer que essa desarticulação ou “crise” não é exclusiva dessa

experiência, mas está presente na configuração da sociedade. Habermas apud Matos (1998,

p.60) aponta pelo menos quatro tipos de crise na sociedade capitalista contemporânea: “as

crises econômicas e de racionalidade, ligadas respectivamente, ao sistema econômico e

político – e as crises de legitimação e de motivação, provenientes do sistema político

sociocultural”.

O processo de fragilidade pode estar associado ao contexto mais macro, que

necessita de articulações com padrões analíticos sobre a configuração do Estado e sua relação

com a sociedade civil. Assim como processos mais locais, que envolvem a dinâmica territorial

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e correlações de força. Tomamos como exemplo dessa discussão alguns dos fatores que

possivelmente estiveram associados à desarticulação da Rede DLIS em 2009, tais como: não

efetivação das demandas da Política de Desenvolvimento Sustentável do Grande Bom Jardim

aprovadas no Orçamento Participativo e no Plano Diretor de Fortaleza; e a ONG A não ter

aprovado nenhum projeto de continuidade desse processo de articulação das entidades para o

monitoramento de políticas públicas para a região no período (REDE DLIS; ONG A, 2015).

Embora a fenômeno da crise não seja uma particularidade do período em que

ocorreu o estudo, faz-se necessário demarcar temporalmente os “tipos de crise” e entender os

novos e velhos fatores que aparecem constituindo esse processo.

E um dos motivos também do enfraquecimento, que eu já ia esquecendo também de

citar, né, que eu já citei em várias reuniões [...], foi a questão de algumas lideranças,

que se diz liderança comunitária, infelizmente render, né, pra um vereador x, para o

próprio prefeito. [...] Nessa atual gestão, principalmente. Essa gestão ela não tem

cara de povo. Ela tem cara de elite. Eles não querem saber se o pobre tá sofrendo, se

tá necessitando, não interessa. [...] Hoje é assim, eu vou ser bem clara, é um

conjunto de pessoas que infelizmente, nós somos 12 membros. Mas, desses 12, dois

ou três que quer realmente ver a coisa acontecer, mas o restante infelizmente não.

Como eu vou lhe dizer [...] é outra linha de pensamento que é a politicagem mesmo

(Entrevistado 02).

Uma das pessoas entrevistadas comentou que desde quando começou acompanhar

a Rede DLIS em 2003, disse perceber um maior enfraquecimento em 2016; não trouxe na fala

a crise do coletivo em 2009. E afirmou, conforme trecho destacado acima, que sua entidade

adota condutas que afeta o trabalho em rede, que ela denomina de “politicagem”. Já outra

representante de entidade referiu que essa dependência e subsídios intermediados por

vereadores é uma prática do passado.

Nós temos equipamentos sociais, temos movimento, bastante movimentos sociais,

antes não era assim, antes, antes era só associação de moradores trabalhando

politicamente, assim, ligado a um partido tal, um vereador tal, que era obrigado a

fazer aquilo porque ele garantia as [...] os materiais, né, garantia as despesa da

escolinha, ele pagava a professora, ele pagava merenda escolar e agora não, não tem

mais isso não, né, é tão legal agora. Aí a gente participa do edital, chamada pública,

ganha por direito mesmo, né, ganha porque foi boa, né, na, na proposta

(Entrevistado 03).

Não cabe dentro dos objetivos da pesquisa afirmar se há ou não a tal

“politicagem”, mas trazer à tona os conflitos circunscritos ao campo de relações do coletivo.

Reconhecemos que tomar atitudes que não são defendidas coletivamente pode repercutir nas

relações internas, como adverte um dos documentos da Rede: “Quando no seu particular uma

entidade “esquece” os acertos e prioridades da Rede e vai por outras vias de acesso a políticas,

muitas vezes entrando em contradição com o coletivo, tanto a entidade perde perante as

demais, como a própria Rede entre em descrédito” (REDE DLIS, 2013, p.5).

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Outro desafio que apareceu no âmbito da organização interna da Rede foi a

questão da representatividade. Ainda que o coletivo seja constituído pela articulação de

diferentes organizações, movimentos, equipamentos sociais e moradores, as ações planejadas

pelos grupos presentes na Assembleia Anual são tocadas pelas comissões temáticas.

Atualmente, nem todas as entidades/ coletivos que afirmam integrar a Rede DLIS garantem a

participação nas comissões de trabalho, o que revela uma característica da dinâmica de

interação que precisa ser refletida.

Anteriormente, já trouxemos falas afirmando a necessidade de mais pessoas nas

comissões. Além disso, outros entrevistados apontam a fragilidade na representação como

uma problemática. Debate este que comumente integra os estudos sobre os processos

participativos, sobretudo das formas institucionais de participação. Pesquisadores com

experiência na avaliação da qualidade do funcionamento das Instituições Participativas

identificam a inclusão e representatividade como uma das grandes dimensões de análise

(PIRES et al., 2011).

A minha representação ela é, na Rede, é [ONG A]. Mas como [...] não se colocam

muito enquanto [Coletivo X] [...] há designação do representante pra reuniões da

Rede, mas isso de fato não se materializa, não se anuncia discursivamente, e eu sinto

na obrigação, e eu tenho a legitimidade para isso, eu me coloco com representante

também do [Coletivo X] (Entrevistado 09).

Se a pessoa não quer, a pessoa chega na Rede e fala: ‘Ah, eu não posso, tenho outro

compromisso’. [Você fala em relação à comissão de articulação?] É. Porque isso

fica muito [...] muito mal visto. Que hoje vai fulano, amanhã vai [...] outro mês [...]

na outra semana vai outro, daquele processo nunca vai [...] que ele não tá por dentro

do processo. O processo fica muito [...] você tem que começar o processo de novo,

você tem que voltar o que a gente combinou, qual foi o debate, qual é o objetivo que

a gente vai fazer, você tem que voltar de novo, contar pro cara de novo como é que

foi aquela do mês passado e tal pra poder avaliar. Eu acho que o processo fica muito

solto, você fica com o trabalho muito cansativo, né (Entrevistado 10).

A pesquisa oportunizou vivenciarmos essa problemática de perto, pois na

condição de realização da pesquisa participante, não houve somente o acompanhamento de

algumas ações desenvolvidas pela Rede, mas também houve o compromisso, assumido na

Assembleia Anual, de compor no primeiro semestre de 2016 a Comissão de Saúde e a

representação desta na Comissão de Articulação da Rede.

A primeira reunião da nova composição da Comissão de Articulação foi realizada

no dia 09 de março de 2016 e ao longo do semestre houve problemas com a

representatividade de algumas comissões no grupo da Articulação, conforme relatado pelo

entrevistado 10. De acordo com a definição do funcionamento interno da Rede, a Comissão

de Animação, hoje intitulada de Articulação, é composta por representantes de cada uma das

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Comissões Temáticas (REDE DLIS, 2013). Outro desafio destacado por uma das comissões

foi manter encontros regulares, o que acabou interferindo na execução das atividades

programadas e na consequente representação em outras tarefas da Rede DLIS.

E ai, a gente tinha dificuldade de sequência, de tornar regular os encontros, tanto é

que de uma reunião para outra da Rede muda muito de quem vai e quem não vai, e

se você não tem essa regularidade nos encontros você não vai ter regularidade nas

tarefas e tal, as tarefas do lugar e o planejamento (Entrevistado 15).

A partir da pesquisa participante, outro aspecto que chamou atenção foi a

qualidade da representação, que contribuía para a centralidade da ONG A na condução dos

processos (sugestão das pautas, metodologias, proposição de estratégias, registros). Talvez

por ser a primeira experiência para alguns que estavam participando.

Entretanto, na reunião do dia 12 de julho de 2016, momento de troca de

experiência com antigos componentes da Articulação para instaurar um processo avaliativo,

foram feitas algumas ressalvas a partir da nossa vivência em torno do argumento de

dificuldade de entendimento sobre o papel da comissão. Pois, a nossa percepção era que esse

lugar na Comissão de Articulação não podia ser construído somente naquele momento da

reunião, mas deveria ser construído também na participação das reuniões mensais da Rede

DLIS e nas ações desenvolvidas (Diário de Campo, 12/07/2016).

A partir desta reunião da Comissão de Articulação e da reunião ordinária da Rede,

do dia 23 de julho de 2016, teve início um movimento de recomposição das Comissões de

Articulação e Comissões Temáticas. Na próxima seção deste capítulo iremos discutir as ações

desenvolvidas pela Rede para efetivar a luta por direitos e tomaremos como um dos pontos de

partida a reunião mensal do mês de julho, por ter garantido entre as pautas o monitoramento

dos planos de trabalho das comissões definidos no planejamento anual.

4.2 ESTRATÉGIAS E TÁTICAS DE INTERVENÇÃO PARA A DEFESA DE DIREITOS

Como forma de responder à proposta de estudo sobre as práticas de participação

para a luta por direitos sociais, trazemos a experiência da Rede de Desenvolvimento Local,

Integrado e Sustentável do Grande Bom Jardim, tomando como destaque algumas de suas

ações que se inserem no conjunto de estratégias e táticas que tensionam o Estado para a

efetividade e o fortalecimento de políticas públicas na região.

A atual estrutura de organização política, alicerçada em quatro comissões

temáticas e uma comissão de articulação, foi redefinida no encontro anual 2016 da Rede e que

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está em constante transformação a partir dos agentes envolvidos e da avaliação dos processos

vivenciados, o que repercute diretamente na agenda política.

A Rede é uma grande experiência que se renova a cada dia. Nós já experimentamos

vários tipos de formatos, estruturas e tecnologias. A gente vai experimentando e vai

testando. Porque não existe modelo perfeito. É da própria [...] espaço urbano, a

contradição. Então, nós somos uma reflexão explícita das contradições sociais

urbanas. Nós temos integrantes de todas as matizes que você possa imaginar:

técnica, política, religiosa, conceitual e tudo isso tá junto e misturado. E claro,

interfere na operacionalidade da dinâmica da Rede (Entrevistado 09).

É, teve um tempo que a Rede fazia núcleos de bairro, eram comitês locais de bairro,

aí era cinco comitês, um comitê pra cada bairro. Aí havia esses comitês, eles

podiam, é, montar suas pautas, suas agendas e ir atrás e tinha um momento mensal

que todos os núcleos se reunião, né. Depois a gente mudou pras comissões

temáticas, não eram mais territoriais e centralizadas, eram temáticas, aí já teve

saúde, educação, Rio Maranguapinho, já teve uma comissão muito forte, é... ZEIS,

moradia, segurança pública já teve, né, juventude, e tal. É, eu, eu, só que assim,

também, também há mudanças de pessoas que puxam processos e [..,] isso interfere

na dinâmica, né (Entrevistado 07).

Ecoa vozes pela necessidade de definir prioridades no âmbito da Rede DLIS

diante da dinâmica das organizações e movimentos, por possuírem dificuldades de conciliar a

agenda coletiva na Rede com os compromissos da instituição representada. Por esta mesma

justificativa há quem defenda a redução do número de reuniões.

Este debate sobre o quantitativo de reuniões e, sobretudo, das lutas prioritárias não

é consenso, pois diante de um contexto de execução insatisfatória de políticas públicas,

surgem diferentes bandeiras de lutas defendidas pelas entidades e atores locais, a exemplo do

que ocorreu no planejamento anual de 2016, resultando na reconfiguração das comissões

temáticas da Rede que passaram a agregar demandas em áreas novas como Cultura, Infância,

Adolescência e Educação (Diário de Campo, 23/01/2016).

Nós ainda temos muitas comissões, eu acho que a Rede precisa ter um foco, pra que

a gente mesmo se olhe, a gente se veja, e diga assim: ‘Não, a gente trabalha nisso

aqui, a gente é bom nisso’. Que a cidade veja, quando pensar, a Rede DLIS tem essa

atuação (Entrevistado 04).

Aí sim você poderia trabalhar mais intensamente no dia a dia, e ter os encontros e tal

com três meses, porque era assim que se trabalhava no passado, antes de Rede

DLIS, [ONG A]. Era assim e era muito bem estruturado. [...] Tinha mais espaço pra

fazer encontrões grandes e tal, onde a gente tirava as decisões pra trabalhar no dia a

dia. Falta mais isso, sabe? Acho que é muito puxado, tá muito puxado (Entrevistado

06).

São muitas coisas, muitas pautas, muitas emergências e às vezes isso embaça a

nossa visão estratégica, de como a gente deve tocar as coisas, por exemplo: Eu não

sei se dá para toda a Rede tocar o conjunto de pautas que tem, por que nós

precisamos de tantas pautas? Se é um espaço comum, por que a gente não escolhe

umas duas ou três prioridades [...]? Ou não, tem que ser esse negócio, são muitos

interesses então tem que conjugar os diversos interesses, eu fico muito, mas nós não

temos uma reflexão sobre isso, de modo que a gente vai trabalhando muito e às

vezes não tem os resultados que o nosso esforço, na proporção do nosso esforço

(Entrevistado 15).

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Optamos por demarcar as atividades da Rede DLIS do primeiro semestre de 2016,

período da pesquisa de campo, e para orientar a sistematização das ações desenvolvidas

tomamos como base o encontro ordinário da Rede do mês de julho de 2016, cujo caráter foi

de planejamento, monitoramento e avaliação dos planos de trabalho das Comissões da Rede

DLIS.

As estratégias e táticas elaboradas pelo coletivo se expressam no conjunto das

agendas das comissões com momentos de mobilizações intensas e refluxos. Os fatores

associados a esses movimentos (de ativação e recuo) serão aqui pensados a partir das

atividades desenvolvidas por cada comissão de trabalho para facilitar o debate.

A insatisfação pelas condições de habitabilidade tem reunido esforços mais

sistemáticos de luta por moradia digna, constatado no êxito da realização das atividades

previstas pela Comissão de Moradia Digna, ZEIS e Meio Ambiente para o primeiro semestre

de 2016.

Nós fizemos seminários, fizemos audiências públicas, mas não foi só interno, nós

também centramos força na luta pelas ZEIS de Fortaleza, com outras ZEIS da

cidade. E agora nós estamos fazendo parte [...] o decreto saiu, foi assinado pelo

prefeito depois de tantas lutas e reivindicações e tudo mais, agora foi assinado e

ontem nós nos encontramos no Paço Municipal pra eleger a comissão que vai

trabalhar a formação dos conselhos gestores das ZEIS. Então, essa comissão é a

nível de ZEIS de Fortaleza, e dessas 43 ZEIS foram escolhidas pela prefeitura, foi

destacado, 9 ZEIS pra ser iniciados os trabalhos. E entre essas 9 ZEIS, claro, não

poderia deixar de estar as ZEIS Bom Jardim. Então, nós temos alguns resultados

bons e, além disso, nós fazemos parte também da frente de luta por moradia de

Fortaleza. E por conta dessa luta nossa, nós incluímos a Rede, destacamos a Rede na

cidade como uma dos movimentos também de moradia da cidade (Entrevistado 11).

Como forma de detalhar e complementar as informações destacadas pelo

entrevistado, podemos informar que a referida comissão participou nos dias 29 e 30 de janeiro

de 2016 da segunda edição da Conferência de Habitação Popular, organizada pela Secretaria

Municipal do Desenvolvimento Habitacional (Habitafor) e pelo Instituto de Planejamento de

Fortaleza (Iplanfor). Na ocasião do evento, foi reativado o Conselho Municipal de Habitação

Popular e, no processo de eleição, a Comissão de Moradia Digna da Rede DLIS assegurou

duas vagas, uma para representante da Rede DLIS e outra representando a ONG A. Destaque

também para participação na Mesa da Audiência Pública da I Semana Nacional do Direito

Social à Moradia Adequada, promovida pela Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará

(Diário de Campo, 23/07/2016).

Outra luta dessa comissão é pela efetiva implantação das Zonas Especiais de

Interesse Social (ZEIS) em Fortaleza. As ZEIS constituem-se de inovação na política urbana

local, por se apresentarem como estratégia para viabilizar a regularização fundiária de

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assentamentos precários, que podem reunir outras características como condição de pobreza e

densidade populacional excessiva. A proposta dessas áreas foi inserida no Plano Diretor

Participativo de Fortaleza, aprovado em 2009, e foi formulada por movimentos sociais com

apoio de ONGs. Entretanto, a compreensão e intervenção do poder público tem sido

contraditória em relação às ZEIS que podem comprometer os fins esperados (PEQUENO;

FREITAS, 2012).

O Plano Diretor demarcou as ZEIS, e em 2013 foi instituído o Comitê Técnico

Intersetorial e Comunitário das Zonas Especiais de Interesse Social, que apresentou à

Prefeitura de Fortaleza, em outubro de 2015, o relatório das ZEIS de Fortaleza. Todavia, até

início de junho de 2016, o poder público não tinha dado nenhuma resposta.

Diante disso, representantes dessas áreas fizeram um ato de protesto na sede da

Prefeitura Municipal, os quais foram reprimidos por guardas municipais. E um novo ato na 6ª

Conferência da Cidade de Fortaleza para cobrar a mesma pauta. A Comissão de Moradia,

ZEIS e Meio Ambiente da Rede DLIS ainda compartilhou, na reunião ordinária do mês de

julho, que produziu nota e realizou trabalho de vídeo nas redes sociais sobre o tema.

A referida comissão destacou ainda a publicação do Decreto nº 13.827, que dispõe

sobre a instituição da Comissão de Proposição e Acompanhamento da Regulamentação e

Implantação das ZEIS (FORTALEZA, 2016a). Essa anunciação foi seguida de muitos

aplausos pelo coletivo da Rede, pois o referido decreto foi fruto de sete anos de luta. Além

disso, foi assegurada a participação de seis membros da Rede DLIS nessa Comissão das ZEIS

mediante a representação do seguimento Conselho de Habitação, ONG e ZEIS Bom Jardim

(Diário de Campo, 23/07/2016). Essa pauta contribuiu para uma articulação com outros

movimentos sociais e demarcar a Rede DLIS na luta pelo direito à moradia no cenário

municipal.

No que se refere à pauta do saneamento ambiental, a comissão temática da Rede

DLIS realizou caravana de visita às estações de tratamento de esgoto nas Comunidades

Tatumundé, Marrocos, Pantanal, Tia Joana e Belém, seguida da elaboração de relatório sobre

a questão do saneamento no Grande Bom Jardim. Realizou audiência pública na Comunidade

do Marrocos com apresentação desse relatório e audiência pública na Câmara Municipal

ainda sobre a pauta do saneamento. A partir disso, criou-se agenda de acompanhamento

dessas audiências, envolvendo atores como Companhia de Água e Esgoto do Ceará

(CAGECE) e Ministério Público do Estado do Ceará, mediante a Promotoria de Justiça do

Meio Ambiente e Planejamento Urbano (Diário de Campo, 23/07/2016).

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Também integrou a pauta ambiental a defesa pela área do Parque Urbano Lagoa

da Viúva e Pulmão Verde do Siqueira, considerada Zona de Preservação Ambiental pelo

Plano Diretor de Fortaleza, cujo decreto foi publicado em novembro de 2015, reconhecendo

os quatro trechos do Parque, totalizando 39,85 hectares. Na reunião da Rede DLIS, a

Comissão de Moradia, ZEIS e Meio Ambiente destacou a ação de denúncia junto à Secretaria

Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (SEUMA) e Ministério Público pelo processo de

ocupação e desmatamento de parte do Parque Lagoa da Viúva. A partir dessa denúncia foram

retiradas as pessoas que ocuparam a área (Diário de Campo, 23/07/2016).

Como parte deste processo, ainda foi feita uma petição pública online pedindo a

cerca de proteção no referido Parque. E foram encaminhadas reuniões com a SEUMA e a

Secretaria Estadual do Meio Ambiente.

Foi iniciado no primeiro semestre de 2016 o Projeto Pensando Verde, uma

parceria entre ONG A e SESC, que procurou envolver membros da Rede DLIS. Como

desdobramento do Projeto Pensando Verde teve uma exposição de fotografias e ação de

plantio na Praça Jardim Jatobá. Participantes do Projeto também se somaram à Comissão de

Moradia, ZEIS e Meio Ambiente da Rede DLIS para realização do plantio na Lagoa da Viúva

que havia sofrido processo de desmatamento.

Diante da ação de reflorestamento da Lagoa da Viúva um morador indicou a

atividade no 7º edital do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) do Departamento do Ceará, e

a comissão julgadora colocou a ação como um dos cinco finalistas do Prêmio Gentileza

Urbana (Diário de Campo, 23/07/2016). No dia 25 de julho, no Museu da Indústria,

representantes da Rede DLIS receberam VII prêmio IAB-CE Gentileza Urbana, em razão

ação comunitária de reflorestamento organizada pela Comissão de Moradia, ZEIS e Meio

Ambiente (Figura 2). O prêmio traz como objetivo identificar e divulgar ações gentis que

contribuem para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos fortalezenses nos campos da

arquitetura, urbanismo e paisagismo.

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Figura 2 – Folder do VII Prêmio IAB - CE Gentileza Urbana, 2016.

Fonte: Página do evento nas redes sociais21.

Correspondente à segunda comissão temática da Rede (Memória, Cultura e

Educação), as atividades realizadas no primeiro semestre de 2016 foram: duas visitas a

equipamentos de educação infantil; atividade percurso urbano, realizada em parceria com o

Banco do Nordeste, que consistiu na visita ao Museu da Boneca de Pano22, seguindo para a

exposição do Ponto de Memória “De onde viemos? Terra de Todos os Santos: Grande Bom

Jardim”, finalizando na visita à Associação Espírita de Umbanda São Miguel; realização do

carnaval no território junto à parceria do Maracatu Solar, a partir do qual surgiu o Maracatu

Nação Bom Jardim (Diário de Campo, 23/07/2016).

Tendo em vista que havia previsão orçamentária para a Rede DLIS desenvolver

nos próximos semestres o projeto Maracatu Nação Bom Jardim, aprovado pela Secretaria

Municipal de Juventude, e o Projeto do Ponto de Memória do Grande Bom Jardim, a partir do

prêmio recebido pelo Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), consideramos importante

tecer algumas observações a respeito dessas iniciativas como forma de esclarecimento e

reflexão de alguns aspectos trazidos na fala dos sujeitos entrevistados.

Ponto de Memória, é o nome popular digamos assim por que nem existe mais o programa

Ponto de Memória em termos de fomento, diante da conjuntura que a gente vive não tem

mais a coordenação própria, o IBRAM, né, tá as moscas, mas a gente chama de museu

comunitário, é o nosso museu comunitário de identificação territorial. Tem um nome

enorme. Então, a gente vai promovendo, a partir das nossas ações, rodas de memória,

fizemos vários nos cinco bairros, tudo com registro fotográfico e tal. E percebemos aqui

que a memória deveria ser um instrumento de luta social, já que a gente atua no movimento

social (Entrevistado 08).

21 https://www.facebook.com/premiogentilezaurbana. 22 O Museu tem sede no bairro Planalto Pici e conta com uma exposição permanente de bonecas confeccionadas

artesanalmente, além de desenvolver oficinas e eventos na comunidade.

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O Ponto de Memória surgiu como iniciativa do governo federal, articulado à

Política Nacional de Museus e sob o aporte do Programa Nacional de Segurança Pública com

Cidadania (PRONASCI), gestado entre os Ministérios da Justiça e da Cultura. Foge aos

nossos objetivos discutir sobre a implantação do PRONASCI no território do Grande Bom

Jardim, mas reconhecer que a Rede DLIS assumiu a proposta do Programa Pontos de

Memória em 2009, para apropriar-se conceitualmente da Museologia Social e implantar uma

experiência de museologia comunitária no território e que hoje existe e resiste para além da

iniciativa proposta pelo Estado (IBRAM; OEI, 2016).

Alguns entrevistados destacaram que a pauta da memória não assumia uma

posição de claro entendimento e priorização por todos os membros da Rede, embora tenha

sido utilizada como importante estratégia de animação do coletivo em anos anteriores, ao

trazer para o centro do debate a história do lugar, suas lutas e conquistas por direitos.

Às vezes tem um pouco de... talvez falta de entendimento mesmo, talvez esse

aspecto não seja muito valorizado, de perceber que essa questão da memória

perpassa por toda a luta, talvez eu ache que falte um pouco disso (Entrevistado 12).

A Comissão de Memória, Cultura e Educação sinalizou em reunião da Rede DLIS

que pretendia fortalecer trabalhos articulados com outras comissões, afirmando pautas

prioritárias para o coletivo. Entre as atividades pretendidas estariam: organização, juntamente

com a Comissão de Moradia, de uma exposição interativa sobre as periferias, com uso de

fotografias, vídeos e áudios; e planejamento conjunto com a Comissão de Juventude a fim de

programar eventos culturais, como a “sexta do hap” (Diário de Campo, 23/07/2016). Essa

iniciativa de articulação entre os grupos de trabalho não costumava ser muito experimentada.

[...] Essa integração de fato, de unir, de articular, de tá ali, de fazer algumas coisas

de forma mais integrada, a gente ainda precisa avançar muito nesse sentido

(Entrevistado 04).

Alguns temas foram retomados na nossa argumentação, como a centralidade da

ONG A na condução dos processos da Rede, porque essas questões estavam imbricadas às

ações desenvolvidas. Não se trata de mera repetição, mas refletir como algumas dessas

práticas despotencializam a ação coletiva, além de apontar sugestões trazidas pelos

entrevistados para enfrentar essas dificuldades. Há ainda uma perspectiva de reconhecer as

estratégias e táticas já empregadas que foram assertivas dentro dos propósitos da Rede DLIS.

Considerando a reflexão sobre as relações de interdependência já explicitadas em

seção anterior, e os incômodos que surgiram no interior da dinâmica relacional entre as

organizações da Rede, a questão do Maracatu nos serviu como exemplo sobre o complexo

processo de tomada de decisões e as relações de poder envolvidas.

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O Maracatu foi fomentado pela ONG A como uma experiência para o carnaval de

2016 no território e a sua institucionalidade como Maracatu Nação Grande Bom Jardim foi

decidida no âmbito da Rede.

E a parceria com o Maracatu Solar, que criou o Nação Bom Jardim foi muito de uma

percepção da [fulana]. Ela foi a grande ponte que fez germinar isso. E por conta

também da minha afinidade eu acabei assumindo essa tarefa. Quanto ao maracatu o

primeiro despertar foi pontual, foi para o projeto em parceria com o Solar. [...] Só

que durante o processo, o maluco do Pingo jogou nas nossas pernas. O menino veio

à luz e agora segura que o filho é teu. E inclusive isso não é muito claro

internamente na [ONG A] sobre as condições de sustentar ou não o processo de

maracatu dentro da Rede. Embora a Rede tenha assumido institucionalmente o

maracatu. Na reunião de fevereiro, ela endossou (Entrevistado 09).

A fala do entrevistado 05, nos faz refletir quanto ao processo de decisão, ao

considerarmos também que havia situação em que a pauta trazida por outras instituições nem

sempre era priorizada, conforme abordamos na seção anterior.

Eu participei da construção do maracatu e de algumas atividades. Achei que naquele

exato momento o Bom Jardim tinha outras pautas mais importantes de que o

maracatu. Naquele exato momento eu pontuei a questão do Centro Cultural do Bom

Jardim. O maracatu é bom para um grupo da [ONG A], mas existe uma outra pauta

dentro da cultura que é mais importante, o Centro Cultural que abrange todo o

Grande Bom Jardim. Não vai atingir um grupo de cinco, seis, oito pessoas, até 20

pessoas, mas sim o Grande Bom Jardim. Naquele exato momento a Rede DLIS, a

[ONG A] focou uma coisa pequena e esqueceu uma coisa bem maior. Enquanto o

Maracatu tá lá andando, tá aqui o Centro Cultural do Bom Jardim, tá entendendo?

(Entrevistado 05).

Vem o questionamento se a participação para decidir sobre o futuro do maracatu

foi consensual ou de conformação. Afinal, quando todos trazem a demanda para si, coletiviza

a pauta, maior é a probabilidade de compartilhamento de responsabilidades. Entretanto, o que

pelo relato do entrevistado 09 parece não ter sido isso que aconteceu.

Mas aí fica aquela fragilidade: um espera pelo outro e todo mundo espera por mim, e

eu acabo não dando conta de fazer isso (Entrevistado 09).

Com a continuidade do projeto do maracatu, seria oportuno trabalhar o sentido da

ação para o coletivo e havia indícios de contar com a contribuição do Ponto de Memória para

essa tarefa, conforme proposta defendida por outro entrevistado.

O que a gente entendeu era que a Rede DLIS tinha escolhido como mística desse

ano o maracatu. Então, a gente achou superbacana, né, deu forças e começou a se

integrar com essa questão do maracatu. Embora, creio eu, que precisa de imbricação

desses dois projetos: o maracatu e o Ponto de Memória. Porque o maracatu precisa

ser amadurecido inclusive como memória do Grande Bom Jardim. A gente não tem

[...] eu diria que a gente não tem uma tradição de maracatu no Grande Bom Jardim.

Eu diria que a gente galgou, escolheu o maracatu, talvez por uma questão identitária,

advém de uma expressão dos nossos ancestrais afros e coisa e tal, mas que não foi

uma fomentação, uma proposição, né, desse grupo que é o Ponto de Memória

(Entrevistado 08).

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A terceira comissão temática, a Saúde, não conseguiu instituir uma composição a

partir das entidades da Rede no planejamento de 2016. Então, algumas pessoas apoiadoras da

pauta, na qual nos incluímos, traçaram e executaram algumas ações para tentar efetivar essa

comissão: visitas a algumas Unidades de Atenção Primária à Saúde; contatos telefônicos com

conselheiros e profissionais de saúde, sobretudo agentes comunitários; confecção e entrega de

convites para reuniões e divulgação em redes sociais; realização de algumas reuniões no

intuito de sensibilizar para uma recomposição ampliada da Comissão de Saúde (aberto para

pessoas fora da Rede DLIS). Entretanto, não foi efetivada essa composição e

consequentemente, não houve a elaboração de um plano de ação (Diário de Campo,

23/07/2016).

A demanda de acompanhamento dos serviços primários de saúde no âmbito da

Rede DLIS começou a ser priorizada no ano de 2013, sendo possível identificar em sua

trajetória uma articulação entre movimento social, coletivos locais, pesquisadores, moradores,

profissionais e conselheiros locais de saúde.

Em 2013, eu acho não tinha ninguém pra comissão de saúde, num tinha nada pra

comissão de saúde. Aí duas idosas, duas senhoras idosas lá da Granja Lisboa

fincaram o pé e disseram ‘Não, a saúde tá um caos, que vai ter que cuidar da saúde,

e a saúde é o que interessa, que num sei o que’, em si elas não teriam condições de,

de fazer a coisa tecnicamente, mas elas fincaram o pé lá e tal, e convenceram as

outras a criarem a comissão de saúde. Aí a gente fez, não tava nada previsto, foi uma

coisa absolutamente das iniciativas dessas duas senhoras que deflagrou o processo,

criou a demanda dentro da Rede, e aí a gente fez uma série de visitas e documento

diagnóstico da Rede de saúde. É [...] mesmo que a comissão atualmente, por

exemplo, não esteja funcionando, não temos membros, mas aquele documento ali

vai ser sempre uma referência, porque ele diagnosticou cada, posto por posto, hoje,

por exemplo, eu sei, a nossa Rede tem oito postos, ‘estão localizados ali, ali, ali’,

fruto desse processo, tá entendendo (Entrevistado 07).

Entretanto, os fluxos e refluxos da luta pelo direito a saúde no Grande Bom

Jardim no que tange ao monitoramento dos serviços de saúde esteve em cheque no período da

pesquisa ao não se firmar uma composição mínima e efetiva para a Comissão da Rede DLIS.

Pois já esteve mais intenso no período de vigência da Mesa de Diálogo com a gestão de saúde

regional, até esta se tornar uma estratégia assistemática e pouco resolutiva; e em 2015 quando

houve denúncia coletiva da situação dos serviços de cuidados primários em saúde e

funcionamento irregular dos conselhos locais (OLIVEIRA; VERAS; BRASIL, 2016).

Naquele momento, não se tratava da necessidade de uma capacidade técnica para

deflagrar novamente o processo, pois a experiência anterior trouxe aprendizado e parâmetro

para apostar em novas estratégias. Levantamos uma hipótese de que estava em disputa na

Rede duas perspectivas do direito à saúde, como bem individual ou bem coletivo. Isso

contribuiu para não priorização e sustentação da pauta da saúde nos planos de luta, mesmo

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diante da reforma no modelo de gestão e atenção à saúde no âmbito municipal, revisão em

curso da Política Nacional de Atenção Básica sem ampla participação social, processo ávido

na privatização e desmonte do SUS, com perspectivas nada animadoras estando em vigência o

plano de governo do presidente Michel Temer.

Urge empreender análises das concepções relacionadas ao direito à saúde e das

estratégias de participação envolvidas nesse processo. A abordagem desses

aspectos no âmbito da luta popular em defesa da saúde poderá apontar que

perspectiva de saúde é fortalecida, assim como revelar aprendizagens ou

transformações dos sujeitos coletivos mediante participação social, bem como

as contradições envolvidas nesse exercício democrático, e assim ampliar o

escopo de intervenções (OLIVEIRA; VERAS; BRASIL, 2016, p.72).

Apesar de existirem entidades e comissões temáticas da Rede DLIS que apoiavam

a pauta da saúde em situações de emergência, a exemplo da audiência pública do dia 28 de

janeiro de 2016 para discutir sobre a estrutura e funcionamento da Unidade de Atenção

Primária à Saúde – UAPS Argeu Herbster, devido ao sinistro de incêndio, não havia o mesmo

empenho para a construção de uma agenda política sistemática.

Na avaliação dos planos de trabalho da Rede foram apontados outros processos

que dificultaram a articulação de atores sociais para a composição da comissão: contexto de

repressão aos servidores dos postos de saúde para o envolvimento com atividades de controle

social, conforme denúncia de profissionais que chegaram a participar de reuniões promovidas

pela Rede; e não funcionamento dos conselhos locais de saúde nas UAPS do Grande Bom

Jardim (Diário de Campo, 23/07/2016).

Teve uma luta importante e a gente não conseguiu mais articular. Houve uma

tentativa inclusive articulando os agentes de saúde e tudo, mais a população e outras

pessoas da própria Rede. Acho que tem uma participação mais pontual no caso de

quando precisa, no caso do Abner que precisou e tudo. Pronto, esse ponto eu acho

que você consegue chamar e juntar, né, do que em reuniões, a própria comissão em

si, se reunir. Tem um ponto lá no Dom Lustosa, lá no Abner, lá no Guarany, olha, o

povo vai mesmo. Uma coisa também que eu acho também que se desarticulou muito

foi a questão dos próprios conselhos não estarem atuantes, dos postos de saúde, da

própria secretaria não está [...], o municipal e nem o regional (Entrevistado 02).

Em relação à Comissão de Crianças, Adolescentes e Juventudes, não foram

efetivadas as atividades planejadas, a comissão não conseguiu seguir uma sistemática de

reuniões que viabilizasse um plano de trabalho e uma corresponsabilização pelas ações. Um

dos componentes da comissão fez uma reflexão autoavaliativa do processo, que apontava para

a necessidade de recomposição e trazia para a discussão a questão da violência simbólica com

os jovens, ao explicitar a dominação imposta pela aceitação da pauta prioritária sugerida por

técnicos.

Aí, nós fizemos uma avaliação no último encontro, um pouco dessa perspectiva, que

a gente precisa refundar a comissão numa perspectiva do que a juventude espera.

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[...] Eu acho que tinha muita violência simbólica nesse processo. [...] Bom, eu

cheguei lá achando que essa devia ser a prioridade, eu acho e continuo achando que

o extermínio da juventude é uma prioridade, mas os meninos podem não achar que

sejam. [...] Então, eu os convenci naquele momento, mas o processo me mostrou que

eles não estavam convencidos, né?! [...] Então, eu acho que o nosso trabalho agora

vai ser de recompor, juntar os jovens, pra perguntar pra eles: ‘ – E aí? Qual é? Como

é que vocês imaginam uma comissão, como é que vocês acham que ela tem que

trabalhar?’ E deixar construir um pouco a partir deles (Entrevistado 15).

A violência simbólica nada mais é que um poder que é invisível, funcionando

como se houvesse uma cumplicidade entre os agentes sociais e instituições, não parecendo

que é exercida de forma autoritária. A violência simbólica se reproduz quando as

representações ou ideias sociais dominantes são vistas como algo natural (BOURDIE apud

VASCONCELLOS, 2002).

Na reunião de avaliação da Rede no mês de julho de 2016, foi verbalizada a

preocupação de envolver diferentes grupos de jovens e estabelecer um plano de trabalho a

partir do que fazia sentido para eles. A defesa da necessidade de agregar uma diversidade de

jovens se justificava na presença restrita de jovens de um projeto, vinculado à ONG A, nas

atividades da Rede DLIS.

Acho que tem que haver, tem que tirar essa, tá muito centralizado nos meninos,

assim, quando eu falo da Rede, muito centralizado nos meninos do JAP [jovens

agentes de paz]. A gente sabe que a juventude é muito mais extensa aqui. [...] Agora

assim, a gente tem uma juventude muito forte aqui dentro do Bom Jardim. A gente

tem os meninos que realmente tão ligados a projetos sociais, que realmente tão

ligados à questão política, são muito empoderados (Entrevistado 14).

Foi proposta na reunião que precisaria ser feito levantamento das entidades da

Rede que já têm grupos de adolescentes e jovens (e não somente o grupo de jovens da ONG

A) e para que estes definissem sua dinâmica de como interagir na Rede e quais as pautas

políticas a serem defendidas e acompanhadas, que poderiam ser ou não prioridade imediata

para a Rede (Diário de Campo, 23/07/2016).

Tratou-se de avanço tomar essa reflexão coletivamente, ainda mais por haver um

grande reconhecimento e aposta na juventude, comumente defendida pelos entrevistados.

Além de reconhecerem a necessidade de estabelecer estratégias para esse diálogo.

Uma das coisas que eu acho que é de suma importância, na verdade, eu acho que é a

principal é a conscientização de jovens, sabe? Não só a conscientização, mas a

conscientização mais ação. [...] Hoje eu vejo os jovens se mobilizando nas escolas e

não é em uma ou duas escolas, sabe? Os jovens realmente têm uma ação real dentro

da escola e eu acho isso muito bacana. (Entrevistado 13).

Eu acho que a juventude deve se envolver mais. Umas das grandes questões, eu

acho, porque a gente vai envelhecendo, né, e tem horas que todo mundo tem um

momento que diz assim ‘Não, agora eu tenho que cuidar da minha vida [...]’. [...] É o

pessoal mais jovem que tem mais ideias que deve estar à frente. Devem ir abrindo

possibilidades, estratégias para atrair a juventude (Entrevistado 12).

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E nessa tarefa de envolver os jovens, oportunizar intercâmbios entre os diferentes

grupos, fazer com que eles descubram e se importem com o território onde vivem e

estabeleçam a forma de cuidado com o mesmo, e assim se inserirem em ações coletivas, um

dos entrevistados destacou que as ações fomentadas pela Comissão de Memória, Cultura e

Educação da Rede poderiam ajudar contribuir nessa co-construção.

Então, a memória ajuda nesse processo de tatear o território, conhecer o território, é

muito interessante, não pela Rede, mas pelo JAP, como tenho visto os meninos,

descobriram a Lagoa da Viúva, e descobre o Canidezinho, e descobre o CAIC e pô!!

O território, aqui já é muito grande né?! E a cidade é maior, e como é que nós

estamos nessa relação com a cidade. Que é uma coisa que: Quem é que proporciona

isso, hoje? A escola não proporciona isso, a experiência na igreja não proporciona

isso, o mercado, muito menos o mercado vai proporcionar isso (Entrevistado 15).

Em nível de Rede DLIS, para além dos planos de trabalho das comissões

temáticas, destacamos ainda a pauta da Segurança Pública que foi priorizada a partir de março

de 2016 e desde então, organizou-se um conjunto de ações que foram desenvolvidas de forma

processual, a fim de qualificar a participação da Rede no I Seminário Territorial do Ceará

Pacífico no Bom Jardim: a pauta foi contemplada em pelo menos dois encontros ordinários da

Rede DLIS, assim como em pelo menos dois encontros da Comissão de Articulação; reuniões

com a vice-governadora; realização de seminário para o coletivo da Rede com a facilitação de

especialistas na temática da Segurança Pública; criação de comissão de trabalho que teve três

reuniões para execução de tarefas; todo investimento culminou da produção do documento

“Carta Pública e Plataforma – (Pro)posições da Rede DLIS sobre a Política de Segurança

Pública para o Território GBJ e a Cidade” (Diário de Campo, 23/07/2016). Cabe aqui trazer

reflexões a partir do acompanhamento de algumas atividades desse processo e como o mesmo

surgiu espontaneamente no discurso de alguns entrevistados.

Mas o que deixa muito a desejar ainda no nosso bairro é segurança porque a gente se

sente inseguro em determinados momentos. Inclusive, antes de ontem, teve um

assalto na linha do ônibus à noite, tipo arrastão, levaram todos os pertences dos

passageiros. Então, uma coisa que deixa muito a desejar ainda é a segurança. Mas,

na medida do possível, nós estamos tentando aproveitar e pegar carona nesse projeto

do governo que é o Ceará Pacífico e a gente chama mais atenção das autoridades

para o nosso bairro (Entrevistado 01).

Pra mobilizar pro seminário pra discutir o Ceará Pacífico, o que que nós queremos.

Nós não queremos só cem pessoas, nós queremos que as pessoas tenham aquelas

posições sobre aqueles eixos, nós queremos que aquelas pessoas defendam aquelas

propostas, entendeu, é outra coisa. Então, não vai adiantar mesmo que tenha cem

pessoas, não vai adiantar se não tiver pelo menos um grupo de vinte entendendo o

processo do Ceará Pacífico, entendendo os eixos, entendendo o que nós podemos

conquistar com isso, capazes de defender as propostas que nós achamos mais

interessantes, tá entendendo? É muito diferente, pode ser que seiscentas pessoas

consigam ficar sabendo que vai acontecer o seminário, que vai começar o Ceará

Pacífico no Bom Jardim, pode ser que mais gente até [...], mas isso não garante o

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que a gente quer, entendeu? A militância real, a militância efetiva, a conquista de

políticas, dentro de um processo participativo real (Entrevistado 07).

Instaurou-se um processo pedagógico e de mobilização na Rede para debater a

pauta da segurança pública, pois houve motivação interna suficiente; trata-se de uma demanda

preocupante no cotidiano dos moradores, como explicitado pelo entrevistado 01. Conforme

dados do Mapa da Violência de 2016 (WAISELFISZ, 2016), em relação às taxas de

homicídios por armas de fogo (por 100 mil habitantes), o Município de Fortaleza passou da

19ª posição (18,4) em 2004 para a 1ª posição (81,5) em 2014. Os bairros do Grande Bom

Jardim estão entre aqueles com maior incidência de homicídios dolosos, acompanhado do

fenômeno da letalidade juvenil.

Esse documento não foi criado por uma ou duas cabeças pensantes, mas tomou

como base uma construção bem anterior e, por isso, organizou-se um processo de participação

que pudesse garantir a defesa de propostas do coletivo no seminário.

Na reunião da Rede DLIS com representante da equipe do governo do Estado em

16 de maio de 2016, sediada em uma organização não-governamental no Bom Jardim, foi

explicado que “O Pacto por um Ceará Pacífico” é muito mais uma instância de articulação e

diálogo, de agir diante da questão da violência, responsabilizando diferentes atores, sobretudo

o poder público. Na ocasião buscou-se entender como o processo foi disparado no território

do Vicente Pinzon para compreendermos as etapas a serem realizadas no Bom Jardim. A

representação governamental mostrou conhecimento acerca do diagnóstico socioparticipativo

realizado no Grande Bom Jardim e considerou que já existiram ações anteriores (Diário de

Campo, 16/05/2016).

A gente faz um documento hoje belíssimo, a proposta, daqui a três meses, quatro

meses, um ano, a gente faz um documento que tem o nome diferente, mas são as

mesmas questões. Então, a gente não consegue entender que o documento já existe,

a proposta já existe, e que a gente só tem que monitorar aquele documento, aquela

proposta, porque já tá tudo muito bonito, muito bem desenhado (Entrevistado 04).

A experiência com Ceará Pacífico mostrou-se positiva para a organização local

porque deixava claro que não precisava partir do zero quando se tinha estratégia política para

o território. Parafraseando El Troudi; Harnecker e Bonilla (2010), é preciso elevar a

autoestima popular e nada mais oportuna que a participação para favorecer isso.

Então, conforme debatido e encaminhado em reunião ordinária, os membros da

Rede DLIS optaram por resgatar o texto da Política de Desenvolvimento Local do Grande

Bom Jardim atualizada em 2015, para estudar seu conjunto de propostas para efetivação de

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políticas públicas que foram construídas a partir de uma grande mobilização local de

diferentes atores.

Foi levando em consideração esse documento que foi formulada a Carta

Propositiva para o Seminário do Ceará Pacífico como forma de afirmação do que se entendia

por segurança pública. A entrega do documento ao governo, assim como a própria preparação

para a participação no seminário, foi de grande significância para os envolvidos, demonstrou

competência técnica e maturidade política.

Figura 3 – Entrega da Carta da Rede DLIS no Seminário do Ceará Pacífico.

Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora.

No momento de avaliação do Seminário pelo conjunto da Rede em reunião

ordinária, as falas destacaram o êxito das táticas utilizadas que culminaram com a aprovação

de grande parte das propostas amadurecidas no âmbito do coletivo. Foi considerado como

mais um canal de diálogo com o governo do Estado, que requer acompanhamento e até que

ponto o Estado se comprometerá com as propostas aprovadas para a matriz lógica do

Seminário Territorial do Ceará Pacífico no Bom Jardim (Diário de Campo, 23/07/2016).

Muitos pronunciamentos foram de ressaltar a quantidade e a qualidade de

participação da Rede DLIS no Seminário, que era resultado de uma processualidade, de uma

apropriação com antecedência sobre a temática. E isso foi um diferencial frente a outros

grupos e pessoas que estiveram no seminário, pois muitos permaneceram somente para o

turno da manhã e não tiveram a paciência de ficar o dia todo e, consequentemente, não

incidiram muito nos grupos de trabalho. Foi defendida também a necessidade de articulação

com o território do Vicente Pinzon para troca de experiências e pautar a representação da

sociedade civil no Comitê de Governança do Ceará Pacífico, que até então não estava

constituído esse assento (Diário de Campo, 23/07/2016).

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Sem tirar o mérito da forma de organização e energia empreendida pela defesa do

que se acredita por Segurança Pública no território, cabe-nos aqui também discutir algumas

barreiras para a participação, e como superá-las. Estas foram identificadas durante algumas

ações do processo, das quais pudemos acompanhar, ou foram trazidas pelas falas dos sujeitos

entrevistados.

Trazemos como exemplo a questão da violência simbólica realizada por

representação da ONG A, em relação a outras organizações e pessoas presentes em uma das

reuniões com representante do Ceará Pacífico. Após discordar sobre os rumos da reunião, a

representação da ONG A propôs encaminhamentos que defendeu serem os condizentes com

pactuações anteriores e chamou das demais entidades e pessoas presentes dizendo que as

mesmas não acompanhavam todos os momentos e se perdiam na hora da proposição (Diário

de Campo, 16/05/2016).

El Troudi, Harnecker e Bonilla (2010) ajudam-nos a identificar algumas posturas

e atitudes que podem representar barreiras para a participação. Na situação descrita acima,

poderia ser citado: verticalismo e autoritarismo; intolerância; dirigente sabe-tudo;

perfeccionismo. “A participação popular exige um estilo democrático de direção que

incorpore as bases ao processo de tomada de decisões” (p.27). Como potencializar a

autonomia dos sujeitos e entidades se há uma reprodução do “você não sabe fazer”? Só um

tem a capacidade de dar o comando? A quantidade de pessoas presentes na reunião,

expressando a maioria, não seria soberana, inclusive para reverter a priorização de pauta,

refazer acordos?

Eu acho que a gente tinha que produzir algumas experiências, teria que ter coragem

de fazer algumas experiências de modo a gerar mais autonomia, com a

responsabilização das entidades pra tocar a Rede. Por exemplo: cá entre nós, eu acho

um absurdo uma pessoa da [ONG A] ter que mediar todas as reuniões da Rede. Eu

acho um absurdo, metodologicamente é um erro [...] Assim, primeiro que parece que

a gente não divide né?! Esse lugar, lugar que eu falo que é de privilégio. Segundo,

‘Ah, as pessoas botando dificuldades’, sim, mas nós somos, a Rede tem que ser as

dificuldades das pessoas, não tem que ser só as fortalezas da [ONG A], né?!

(Entrevistado 15).

No Ceará Pacifico, tinha muitas outras pessoas que não eram da Rede, então eu acho

que às vezes a gente se impõe demais, tudo bem que é uma rede estruturada, mas

tem outras opiniões, tinham outras pessoas além da Rede. A partir do meu subgrupo

eu percebi um pouco isso, a gente [...] e depois também quando a gente foi discutir e

fomos reformular. É como eu digo, a Rede DLIS ela é muito forte, muito bem

estruturada, né, com lideranças e pessoas que realmente vem da luta política, vem do

movimento social, sabe das deficiências do bairro, das suas fragilidades, sabe os

caminhos por onde começar. Contanto que a gente entenda que tem muitas outras

pessoas também que moram no bairro e, às vezes, o meu querer não condiz com o

querer do outro (Entrevistada 14).

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Ajuda muito mais na participação quando se estimula os outros a fazerem também

propostas. Para isso é preciso dosar a criticidade e o perfeccionismo, pois este tende a fixar

muito nas falhas e erros, sendo capaz de desqualificar todo um trabalho empreendido.

Desconcentrar poder internamente e na relação com outros coletivos é processo de

aprendizado e a Rede não pode deixar isso escapar. Quando ela afirma e libera suas

potencialidades e experiências pode potencializá-las no encontro com os outros. É preciso

também saber ouvir (EL TROUDI; HARNECKER; BONILLA, 2010). Os princípios de

solidariedade e respeito à diversidade afirmados na Carta da Rede DLIS de 2013 devem ser

tomados também junto a outros atores e coletivos de forma a fortalecer as práticas políticas.

Na reunião com o Ceará Pacífico, foi feita ainda a reflexão que a Rede DLIS

como sujeito coletivo organizado poderia intermediar o diálogo com as comunidades nos

cincos bairros da região. E foi a partir disso que se endossou a importância e compromisso de

lançar uma carta pública com algumas considerações e prioridades sobre a temática de

segurança pública e apontar para o caminho de diálogo entre Governo do Estado, Rede e

população (Diário de Campo, 16/05/2016).

A carta pública da Rede foi feita, publicizada, entregue ao governo, com

proposições defendidas nos grupos de trabalho, mostrando a capacidade técnica para

exigências, mantendo autonomia e clareza do papel enquanto sociedade civil. Entretanto, a

Rede não pode deixar de aprender com o processo e se questionar até que ponto, durante essa

construção, conseguiu ampliar o diálogo para além de si mesma.

Apesar de a Rede ter uma estratégia macro, ao estabelecer um plano de

desenvolvimento local para o território, precisa que o mesmo seja acompanhado por uma

estratégia de comunicação à altura. Um dos entrevistados argumentou sentir falta de ampliar o

diálogo para o conjunto da comunidade, para além das organizações da Rede.

A gente vive uma ausência de estratégias de mobilização, eu diria. Porque diante da

falta de participação, a gente fica tão consternado com isso, que não entende muito

porque que as pessoas não vêm ou porque que a gente também não vem com tanta

constância (Entrevistado 08).

O nosso processo de comunicação também é quase ausente, assim a comunidade não

nos conhece muito, embora a gente tenha um acesso, um acesso privilegiado à

academia, dificilmente a academia local não nos conheça, a Rede. Dificilmente a

institucionalidade política não nos conheça, mas os nossos moradores não, no geral

não (Entrevistado 15).

Essa temática da comunicação vem a ser um dos pontos importantes para a Rede

DLIS, necessitando ser fortalecida como estratégia política. A comunicação vem a ser um dos

fatores de extrema importância para a tarefa de mobilização social. Por sua vez, a mobilização

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busca criar condições para a participação, envolver a população no debate, constituir e

fortalecer pautas coletivas, assim como manter esses atores engajados na disputa pelos

interesses comuns.

Toro e Werneck apud Henriques (2013) definem a mobilização social como ato de

convocar vontades das pessoas para objetivos comuns, sob interpretações e sentidos

compartilhados. Discutiremos a seguir como acontecem os processos comunicativos no

âmbito da Rede DLIS e suas organizações, e na seção 4.3 será retomado o debate da temática

na sistematização das concepções desses atores sobre a participação.

Na Carta da Rede DLIS, consta que o coletivo afirma uma estratégia definida de

comunicação social a fim de fortalecer suas bandeiras políticas para a comunidade do Grande

Bom Jardim e sociedade em geral, também no meio político e diversas mídias. Além disso,

valoriza uma mobilização interna e de aglutinação de novas entidades (REDE DLIS, 2013).

Entretanto, não especifica como se estabelece essa estratégia. Alguns dos seus atores

defenderam uma qualificação desse processo comunicativo, como explicitados abaixo.

Então, a mobilização, às vezes, passaria por isso, se tivesse como a gente ter o povo

do marketing né, já ajuda, porque às vezes a pessoa realmente esquece ou de investir

numas coisas de publicidade, de propaganda, de mobilizar, né (Estratégia 08).

Eu acho que mesmo a gente tendo um certo aporte técnico ainda fazemos as coisas

meio que no improviso [...]. Eu acho que se a gente pudesse investir numa assessoria

de comunicação e num plano mesmo de mobilização, eu acho que a gente seria

muito mais felizes [...]. Se a gente perceber a comunicação strito senso apenas a

parte de produzir material de comunicação [...], só que eu vejo a comunicação

também como uma questão política, ou seja, fazer material é também definir

discurso. Definir discurso é eminentemente ação política, saber o que dizer, como

dizer é uma questão política. E a gente não tem um aparato mais orientado,

profissional sobre isso. Eu acho uma grande falha (Entrevistado 09).

No mesmo documento, define que os fluxos de informações em torno dos

objetivos comuns devem fluir pela Comissão de Articulação. E os encaminhamentos e

informações partem da Rede (e suas diferentes comissões temáticas) para as suas entidades e

coletivos e destes para as diferentes comunidades (REDE DLIS, 2013). Por meio dos sujeitos

pesquisados, identificamos que há fragilidade nesse fluxo de comunicação.

Eu percebo que hoje ela fica muito na parte de e-mails, Facebook®, Fanpage, a

comunicação da internet e telefone. Não consigo perceber hoje nenhuma forma

atrativa de comunicação ou uma comunicação diferente pra que as pessoas se

animem, se empolguem e estejam (Entrevistado 04).

Só pela internet, quem não tem a internet? Quem não tem o computador? Quem não

tem o telefone [...] com a internet, com ‘zap’, quem não tem o ‘zap’? (Entrevistado

03).

A Rede DLIS é porque ela bota muito no ‘Face’ e aqui não é todo mundo que tem o

‘Face’, né. Não é todo mundo que olha, né. E tem muita gente que não entende o

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que é ‘Face’, tem muita pessoa que não tem um celular. Tem o celular, mas [...] um

celularzinho simples, né (Entrevistado 10).

Em vista da Rede eu vejo muito que usa essa questão do e-mail, né, das ligações, o

próprio grupo do WhatsApp®, que eu ainda acho que ele não contempla todo

mundo ainda porque, às vezes, é muita informação e uma data, uma coisa, fica

perdida lá em cima. (Entrevistado 14).

Para assuntos da Rede DLIS, as informações são mediadas predominantemente

pela internet, com uso de redes sociais e software para smartphones que possibilitam a troca

de mensagens de texto, vídeos, fotografias. Também se dispõe de ligações telefônicas e

mensagens de texto para celular. Há entre as pessoas entrevistadas aquelas que consideram

muito positivo o uso das novas tecnologias e afirmaram que as redes sociais pela internet

facilitavam a mobilização. Porém, no âmbito das entidades, não abandonavam estratégias

anteriores, a exemplo da divulgação de informações nas missas. De modo paradoxal, foi

percebida a existência de diferença entre Rede e as próprias entidades que a compõe, no que

se refere à utilização dos instrumentos e metodologias de trabalho para a mobilização.

A gente usa a estratégia do carro de som, do mosquitinho, de ir na escola, fazer

animação, de fazer uma apresentação cultural, uma animação e depois dar o recado,

e colocar [...] A gente usa a estratégia da escola, de fazer intervalos culturais na

escola e depois a gente distribui material pra chamar as pessoas, né. A gente leva

tendas pro meio da rua também, leva material da instituição, leva foto, leva cartaz,

leva folder pra que a comunidade saiba o que é, o que tá acontecendo pra que ela

possa ir (Entrevistado 04).

Pra fazer qualquer coisa na comunidade eu vou de casa em casa. Conheço todo

mundo. Eu acho que nós têm que ter isso na Rede que eu acho que funciona bem.

Isso eu tenho certeza que funciona bem, o corpo a corpo. [...] O pessoal vai pegando

aquela amizade com aquela pessoa. ‘O fulano veio me chamar pro encontro amanhã

da Rede, eu vou’. O pessoal se torna mais querido[...]. ‘Não, o fulano veio aqui em

casa. Prometi que ia’. Você liga pra uma pessoa, a pessoa atende aquele telefone

naquela hora e [...] [Gestos com as mãos para se referir que a pessoa não se

interessa]. Que o movimento é isso. Eu tenho essa experiência de movimento dos

Sem Terra, que lá era assim, lá a gente vivia todo mundo junto, todo dia tinha

assembleia, todo dia (Entrevistado 10).

Aí, a gente usou uma dinâmica de quarteirão, de calçada, é reunião na calçada. Aí, a

gente levava uma caixinha de som, um microfone e sentar na calçada mesmo.

Assim, sete horas da noite, muito bacana. Foi uma das metodologias bem bacanas

que a gente utilizou pra conversar. Era roda de conversa que foi chamada, e não era

dentro de um espaço físico, era no meio da rua, na calçada, que é uma outra

metodologia que a gente usa muito aqui (Entrevistado 11).

É notório que no cotidiano de algumas entidades os processos de mobilização

possuem um caráter mais comunitário, mesmo quando aderem às novas tecnologias. A Rede

não é ausente dessa dupla confluência, inclusive é ensaiada por algumas comissões da Rede,

mas de modo geral, ainda não caracteriza a maioria das mobilizações da Rede. No caso da

Comissão de Moradia, ZEIS e Meio Ambiente, a estratégia da reunião na calçada (citada pelo

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entrevistado 11) precisou ser utilizada pela comissão para que os moradores se apropriassem

da temática das ZEIS, e se tratava de uma metodologia comum para uma das entidades

envolvidas na ação coletiva.

Cabe ressaltar que, quando nos referimos à Rede DLIS a compreendemos como

construção social, isto é, ela “não constitui o sujeito da ação, mas expressa ou define a escala

das ações sociais” (DIAS, 2005, p. 23).

Qualquer organização popular ela é, ela é desafiante, né, assim, ela não pode ser

entendida como um, [...] departamento burocrático, ela não pode ser entendida como

uma coisa linear, ela tem que ser entendida como um processo dialético, como eu

acabei de falar, é um processo educativo, é um processo [...] Então, eu percebo que a

Rede, ela procura se reinventar nesse processo, porque do ponto que eu comecei a

acompanhar a Rede [...] a gente já fez vários ajustes, né, pensando formas de dar

vazão à participação que fossem mais efetivas. Eu acho que a Rede ela também não

pode ser entendida como uma coisa que tá pronta e acabada, ela tá se refazendo, né

(Entrevistado 07).

Reconhecemos, sim, que a tarefa é desafiante. A participação e luta por direitos

devem ser entendidas numa dinamicidade, assim como é o movimento das redes. Cefaï (2009)

contribui para pensar a Rede em sua processualidade e fluidez, bem como nas suas

especificidades de mobilização. A forma de encarar as organizações de movimentos sociais se

complexificou, e não são mais encaradas como estruturas fixas e acabadas para serem eficazes

na luta por seus propósitos.

4.3 PARTICIPAÇÃO E DIREITOS SOCIAIS, COM A PALAVRA: REPRESENTANTES

DAS COMISSÕES DE TRABALHO DA REDE DLIS

A apresentação do perfil socioeconômico do Grande Bom Jardim na seção 4.1

possibilitou compreender o contexto de desigualdade social, a partir das elevadas taxas de

densidade demográfica entre jovens, níveis de pobreza e de analfabetismo, índices de

criminalidade, condições domiciliares insatisfatórias, que denunciam a insuficiência de

políticas públicas nesse(s) território(s) “periférico(s)”.

A proposta que direciona nosso debate considera essas características territoriais

como forma de demarcamos de onde se reivindica direitos. Não são mero dados, eles forjam a

questão social, tratam-se de condições de existência reais, de espoliação e segregação no

espaço urbano, que não se distanciam da vida de grande parte da população brasileira.

Consideramos ainda os valores e as significações sobre direitos e participação que

orientam as escolhas de alguns dos agentes sociais do(s) território(s). Para fins deste estudo,

foram entrevistados representantes de entidades e coletivos locais que estavam inseridos nas

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comissões temáticas da Rede DLIS. Assim, é a partir dos seus diferentes pontos de vista que

sistematizamos nossa argumentação.

Conforme destacado por Carvalho (2002), a garantia dos direitos sociais vai

depender de uma eficiente máquina administrativa do Poder Executivo. Entretanto, não há

uma necessária identidade prática entre direito social e política social (BARBALET 1989

apud BEHRING; BOSCHETTI, 2008). Essa vinculação é extremamente frágil e tensionada

por reivindicações da classe trabalhadora, como expresso nas seguintes falas:

O Estado só faz as coisas na pressão. [...] O Estado é obrigado a fazer, mas ele não

faz. Então, tem que ir pra luta, tem que ir pra rua, tem que fazer cartaz, você tem que

tá em qualquer movimento, que é uma coisa que [...] num funciona, né, do jeito que

era para funcionar (Entrevistado10).

Hoje a gente tem estrutura, mas a gente não tem qualidade na educação. Que aí

continua-se a luta, né. Antes era pelos equipamentos. E agora, uma vez que tem o

equipamento, é pela qualidade desse equipamento (Entrevistado 04).

Diante dos diferentes tratamentos teóricos e de análises de políticas sociais,

consideramos pertinente as formulações de Behring (2000) sobre o tema, sobretudo quando

articula às contribuições da tradição marxista para nos oferecer uma leitura dinâmica e

complexa (imprescindível, mas não absoluta) acerca da política social e da sociedade

burguesa, que a constitui. Há uma incompatibilidade estrutural entre acumulação e equidade;

a desigualdade social é inerente às relações sociais capitalistas.

Importa-nos entender o terreno da luta de classes e as múltiplas determinações que

envolvem esse processo (sem descartar a existência de outras formas de exploração e

dominação engendradas pelo sistema capitalista), reconhecendo que o “significado da política

social não pode ser apanhado nem exclusivamente pela sua inserção objetiva no mundo do

capital nem apenas pela luta de interesses dos sujeitos que se movem na definição de tal ou

qual política, mas na relação desses processos na totalidade” (BEHRING, 2000, p. 36).

O Grande Bom Jardim, situado no contexto de urbanização da cidade de

Fortaleza, passou a receber a demanda populacional advinda do interior do estado, juntamente

com os fluxos da migração intra-periferia, levando a constituir uma verdadeira espoliação

urbana. Mas é a partir dos grupos organizados da sociedade civil, através de movimentos, que

viria a se constituir o que Gohn (2009, p.18) denomina de “cidadania coletiva”. A construção

dessa cidadania se dá pela ruptura de uma postura demandatária, em que “não se espera o

cumprimento de promessas, organizam-se táticas e estratégias para a obtenção do bem por ser

um direto social”.

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As primeiras mobilizações na região foram em torno dos problemas do consumo

coletivo e luta por terra, o que não difere da natureza da maioria dos movimentos populares de

bairro. “A questão então reside nas condições urbanas de vida desta população. Exploradas ao

vender sua força de trabalho, as pessoas se viram como podem para viver na cidade,

autoconstruindo ou dividindo com muitos suas casas, ocupando ou invadindo” (RONILK,

1995, p. 69).

Na busca por apropriação do espaço urbano por essa população, as reivindicações

e disputas políticas pela intervenção do Estado são acompanhadas da exigência do

reconhecimento enquanto cidadão e, portanto, merecedor do acesso à infraestrutura,

equipamentos públicos e habitação (RONILK, 1995). Vários depoimentos afirmam que os

direitos sociais usufruídos hoje são frutos de lutas coletivas anteriores.

E tudo isso com participação da comunidade, porque se não fosse a participação da

sociedade civil organizada, eu acredito que nosso bairro não tinha conquistado ainda

o que nós temos hoje. É muita força de trabalho da comunidade (Entrevistado 01).

A gente fazia, né, carreata, tantas vezes a gente fez carreata, fomos a Praça do

Ferreira, fomos, pra gente conseguir essas creche não foi fácil. A gente saia de dez a

quinze mulheres daqui a procura de uma creche, ai nós ia pro Cambeba, que o

Centro Administrativo era lá que o governador ficava, eu não lembro quem era, mais

era Ciro Gomes quando foi pra nós conseguir uma creche, e a gente ia no caminho

de pés pro Cambeba, quando chegava lá pela BR, ia aquelas caçamba de carregar

entulho, a gente pedia carona (Entrevistado 03).

[...] Olha o posto foi muito difícil também, a gente acordava de madrugada, meia

noite, pra fazer a fila lá na calçada do posto, pra quando fosse de manhã você

receber um não. ‘Não, você tem que ir pra Caucaia. Porque aqui é extrema com

Caucaia, tem que ir pra Caucaia’. Aí, era muito difícil, mas a gente conseguiu graças

a Deus. A questão também da linha dos ônibus também que só ia até certa altura,

eles não entravam no conjunto. Então, era muito ruim pra gente, pra pessoas que

trabalhavam de madrugada principalmente, era muito complicado. Então, foi assim

conquistas mesmo que a gente teve que persistir muito, ter coragem pra gente chegar

aonde a gente chegou (Entrevistado 02).

O acesso a essas garantias não descartou a relação de alguns membros do

movimento popular com partidos políticos, que podem ter contribuído na mediação das

disputas políticas. Entretanto, a cidadania reivindicadora imbuída por processos democráticos

co-existiu com práticas clientelistas, que revela muito das características socio-históricas

atreladas à cultura de participação política brasileira. Discussão esta a ser retomada adiante

quando nos deteremos ao debate da participação.

Eu acho que a questão das escolas, o aumento das escolas, o acesso ao transporte, eu

acho que tá ligado a algumas lideranças que nós tínhamos e que hoje elas não são

mais tão ativas, que de uma certa forma lutaram pra que tivesse alguma coisa aqui.

Então, eu acho que isso é fruto delas, que eram também ligados a algum partido x ou

y, então, o acesso ficou mais possível (Entrevistado 04).

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Sim, o que é que eu atribuo então, por exemplo: Eu não atribuo a muitas

modificações que tiveram perto de mim aos processos diretos de luta comunitária,

assim, os que eu vivi e que me impactaram diretamente. Agora, tem comunidades

muito próximas e que conseguiram isso através desses processos né?! Assim, de

conseguir as garantias mínimas de habitabilidade, exatamente por exigências ou com

relações clientelistas privilegiadas com o poder público municipal (Entrevistado 15).

Como já vimos anteriormente, uma das características duradouras dos

movimentos e coletivos do Grande Bom Jardim é a busca de afirmação do espaço de moradia

e do direito de condições de vida adequadas, apontadas desde o Diagnóstico

Socioparticipativo da Região (GPDU; ONG A, 2004), e que ainda hoje assume importante

mobilização, conforme expresso na agenda política da Rede DLIS abordada anteriormente.

Trata-se de uma questão pautada no âmbito dos movimentos sociais em Fortaleza

(BRAGA; BARREIRA, 1991) e igualmente manifesta em outras experiências, como nos

Movimentos Populares de Bairro do Centro-Oeste (AMMANN, 1991).

A nossa luta, a nossa persistência, porque não foi fácil sabe [...], não foi nada fácil.

A primeira coisa delas foi a questão [...], na época que a gente invadiu as casa, né. E

a gente teve que resistir mesmo era ‘peia’, era tudo, era aquela coisa toda, e vinha

um e butava pra fora, a gente ia lá, era uma luta muito grande. Assim, a nossa

persistência, e a nossa coragem, né, e a gente conseguiu conquistar a questão da

nossa moradia lá (Entrevistado 02).

É como eu te falei, quando a gente fala de moradia a gente não tá falando de uma

casa, a gente tá falando de tudo aquilo que dá dignidade ao ser humano que mora

naquela casa. A gente tá falando da casa, a gente tá falando do meio ambiente,

saneamento ambiental, tá falando de drenagem, tá falando de posto de saúde, escola,

tudo aquilo (Entrevistado 11).

Como vai sugerir uma das falas, a defesa por moradia não se resume à casa própria, pois

reúne uma problemática bem maior quando se trata de ocupação de terra urbana. Ammann

(1991) esclarece que não se trata de um mero acesso à propriedade privada, mas como forma

de fixação na cidade, onde possibilita o acesso ao trabalho, serviços de saúde, educação, lazer,

etc. Envolve a conquista de uma habitabilidade que ofereça condições mínimas para se viver.

A moradia foi inserida no rol dos direitos sociais pela emenda constitucional nº26/

2000, como resultado de confrontos e disputas políticas articuladas por movimentos de luta

por moradia e forças sociais. Na leitura de Marinho (2007, p.183) pelo menos três marcos

referenciais representam as principais conquistas desses movimentos, e que se colocam como

desafio para aplicação efetiva:

I. Reconhecimento de direitos básicos: a consagração do direito à moradia, ligado à

função social da cidade e função social da propriedade, dentro de uma visão

integrada com uma noção ampla de cidadania;

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II. Consagração do conceito de habitabilidade: referência ampla que inclui a

resposta quantitativa ao déficit habitacional, strictu sensu, regularização

fundiária e padrões qualitativos relativos ao ambiente urbano, abrangendo:

- Produção e melhoria habitacional;

- Programas de urbanização e saneamento;

- Regularização da posse da terra;

- Oferta de serviços e equipamentos públicos.

III. Princípio da gestão democrática, que pressupõe a participação ampla da

população na elaboração e implementação das políticas públicas (MARINHO,

2007, p.183).

Com o intuito de examinarmos o caráter contestatório da Rede DLIS em relação

ao Estado, entendido aqui em seu sentido mais restrito (sociedade política), tomamos como

suporte os elementos de análise estabelecidos por Ammann (1991) para tratamento desta

questão em seu estudo: saber se os Movimentos Populares de Bairro se encontravam em

confronto com o Estado, se lhe tinham dado as costas, ou colocavam-se numa postura de

cooperação.

A autora considerou as contribuições de Nicos Poulantzas para reconhecer a

forma como as classes populares se posicionam no interior do Estado (concepção Gramsciana

de Estado ampliado), na “geração de focos de oposição ao poder das classes dominantes”.

Havendo assim, uma dinamicidade e “modificação das relações de forças entre classes, bem

como entre estas e o Estado” (AMMANN, 1991, p.121-122).

No referido estudo, Ammann (1991, p.122) identificou que algumas associações

não poderiam sequer ser definidas como movimento social, pois eram aliadas ao Estado ao se

restringirem a execução de políticas, numa ação cooperadora, posicionando-se “ao lado do

Estado”. Outros movimentos surgiram para funcionar como “mini-prefeituras” a fim de

subsidiar essa tarefa de auxílio ao aparato estatal. Porém, a maioria dos Movimentos

Populares tinha “uma relação de confronto com o Estado, na luta por condições de reprodução

da força de trabalho”.

Gohn (2009) atenta para a compreensão dos projetos político-ideológicos dos

movimentos comunitários, entendendo estes a partir da articulação entre a base do

movimento, as lideranças e as assessorias. Os fundamentos dos projetos podem ser dados por

assessorias com ideias libertárias, assessorias religiosas com ideias do pensamento liberal

clássico, tem ainda as assessorias político-partidárias que trazem ideias do materialismo

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histórico, e assessorias com ideias neo-idealistas. São as características da composição que

vão contribuir para singularizar os movimentos e seus respectivos objetivos e ações.

Tomando como pressuposto a análise que estabelecemos ao longo deste capítulo

sobre a forma de constituição e as práticas de participação da Rede DLIS, ficou demonstrado

uma postura de confronto com o aparato estatal, cujas ações reafirmam a identidade coletiva

de organizações e atores sociais em redes de interação na luta por direitos de cidadania. Nessa

qualidade de oposição, não se questiona a existência do Estado burguês, mas se faz exigências

para o cumprimento de suas competências. Cabe ressaltar que a postura de frente para o

Estado não assume um caráter estritamente reivindicativo, mas também propositivo. Assim, o

movimento vai buscar formas de qualificar o discurso e a intervenção.

Mas, aí tem uma outra [...] tendo uma outra questão anterior a isso, que é a própria

comunidade se apropriando da realidade, construindo conhecimento e se adiantando

ao poder público em muitas questões, como no planejamento, na produção de

informação pra qualificar as demandas por direitos (Entrevistado 15).

Trata-se de uma mudança nos modos de atuação que se insere numa configuração

maior de modificações das relações entre Estado e classes populares e dos novos papéis

assumidos pelas organizações sociais. Reflete o redesenho do associativismo brasileiro

comentado por GOHN (2013), somado ao contexto de reforma gerencial do Estado e das

políticas neoliberais, que vai instaurar nova política de distribuição e gestão de fundos

públicos.

Ao observar a trajetória dos movimentos pela reforma urbana, Marinho (2007)

considera como avanços significativos o fortalecimento de redes locais e o enfrentamento do

novo papel (para além da contestação) de compromisso de corresponsabilidade na formulação

de políticas e programas que ressoam na gestão urbana. Entretanto, o autor faz a ressalva de

que essas práticas não estão isentas do risco de cooptação:

Contudo, permanecem tanto os riscos de cooptação, que compromete a autonomia e

criticidade dos movimentos sociais, e de frustração diante de um grande empenho

político de envolver-se na construção das políticas, contraposto a uma irrisória

capacidade de realização de mudanças materiais no ambiente de desigualdade das

cidades, em razão da frágil capacidade de realização de investimentos por parte das

instâncias governamentais (MARINHO, 2007, p.181).

Nesse cenário de mudanças despontado, sobretudo, a partir dos anos 90, embora

tenha havido o processo de esvaziamento político de ações com a inserção das ONGs como

agentes mediadores, chegando até substituir movimentos, houve também aquelas que se

empenharam junto às organizações comunitárias para integrarem experiências de proposição

de políticas públicas, estabelecendo práticas sistemáticas, fazendo diagnósticos, propondo

agendas de defesa de direitos para o território, a exemplo da Rede DLIS.

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Boa parte das táticas da Rede DLIS das quais citamos na seção 4.2 apontaram

para o estabelecimento de diálogo com o aparato estatal. Os entrevistados encaram como uma

demanda interna a necessidade de estabelecer instrumentos de monitoramento e avaliação da

agenda política, como forma de acompanhar o acesso aos serviços de consumo coletivo a que

têm direito, bem como qualificar o diálogo com o poder público. E reconhecem que a parceria

estabelecida com universidades pode contribuir no amadurecimento dessa proposta.

Uma outra coisa que talvez a gente precisa avançar que ainda é forte na atuação não

só da Rede, mas parece que é algo cultural, a gente faz planejamentos interessantes,

legais, mas a gente tem dificuldade hoje de fazer o monitoramento desse

planejamento. Então, isso acaba atrapalhando, interferindo no jeito que a gente faz.

[...] Então, como é que a gente só reafirma isso a cada ano e cria uma estratégia de

monitoramento dessas propostas (Entrevistado 04).

A universidade deveria ajudar mais, trazer mais conhecimento, ajudar mais. Tem

momentos que, por exemplo, na reunião de avaliação da Rede que foi ano passado, a

Conferência, né. Eu acho que a gente precisou de mais subsídios, de mais

metodologia pra fazer uma avaliação. Mas, eu acho que a gente deveria ter alguns

números, sei lá, se 2005 que foi a formação da Rede, o diagnóstico, nós tínhamos

quantos postos de saúde, nós temos quanto? Foi fruto da luta da Rede? [...]

Indicadores, né, que pudessem ajudar nessa avaliação, se melhorou, foram

construídas quantas escolas [...], a demanda na saúde, a demanda por habitação

(Entrevistado12).

Nas grandes cidades facilmente podem ser identificados territórios específicos e

diferenciados para cada grupo social. Trata-se de uma segregação espacial que separa classes

sociais e funções no espaço urbano. Para Ronilk (1995), essa divisão da cidade em muros

visíveis e invisíveis evidencia a política discriminatória do próprio poder público que produz

mais segregação ou que intervém de modo a favorecer mais ou menos certos segmentos

sociais.

As coisas que o Estado promete pra comunidade é muito lenta. Ainda mais no Bom

Jardim, né. Eles não têm prática, só do outro lado, da Aldeota, que as coisas ficam

mais fácil lá, tudo se torna muito mais organizada. Você vê que do Terminal do

Siqueira para lá o trem já muda. Da ponta do Bom Jardim para cá o trem já é uma

[...] [Pausa] Tudo que vão fazer é por pedaço. Faz um pedacinho aqui e acolá. Uma

coisa que não agrada todo mundo (Entrevistado 10, grifo nosso).

Nunca foi priorizado essa área, essa região da Granja Portugal. A gente tá às

vésperas da eleição e tá sendo tudo aí maquiado por conta de uma eleição,

simplesmente. Mas não porque é prioridade desse município, desse governo que tá

(Entrevistado 04).

O bairro não se desenvolveu tanto com era pra se desenvolver, melhorou pouca

coisa, alguns equipamentos públicos surgiram, né, mas não atende a demanda não,

porque cresceu-se muito, né, muitas populações vieram pra cá (Entrevistado 06).

Nos bairros considerados periféricos vão existir ainda locais com maior

dificuldade de acesso às políticas e consequente dificuldade de usufruir direitos. Como

explicitam Bezerra e Carvalho (2015), trata-se de viver nas “margens das margens”. Recaem

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sobre alguns territórios do Grande Bom Jardim segregações socioterritoriais. São os locais

reconhecidos como “áreas de riscos geográficos” e “favelas”, onde os moradores são

estigmatizados pela sua condição de pobreza e marcados também pela violência urbana.

Uma coisa que nunca mudou até hoje: a questão da arte e da cultura. O poder

público nunca priorizou isso. Nessa região, que é região da Comunidade Belém,

Santa Clara, Mela-Mela e Novo Mundo também, são as comunidades que a gente

identifica com maior índice de vulnerabilidade, de violência urbana (Entrevistado

04).

Além da política discriminatória do aparelho estatal, na região vão se delinear

lutas simbólicas intraterritoriais entre seus residentes. Porque acontecem formas singulares de

apropriação e uso dos territórios, criando distintas territorialidades que incluem aspectos

objetivos da realidade e a dimensão subjetiva com sentimentos e desejos construídos na trama

das relações sociais (BEZERRA; CARVALHO, 2015). Esse apontamento das fronteiras

simbólicas (e com efeitos concretos) entre moradores da região aparece sutilmente em um dos

discursos, revelando o equívoco na execução de políticas sociais quando não considera o

território como conceito estratégico para entendimento das experiências concretas no espaço

social.

A gente não tem uma praça. A gente tem uma única praça na Granja Portugal, que é

a pracinha, ali que a gente chama pracinha da Granja, praça da juventude, mas que

não agrega todo mundo até pela questão de território (Entrevistado 04).

As ações destinadas ao público infanto-juvenil são insuficientes apesar do

Estatuto da Criança e Adolescente prever a garantia dos direitos fundamentais. A realidade

experimentada no âmbito de recursos orçamentários coloca a área da infância e juventude às

margens de muitas políticas públicas, o lazer vem a ser uma dessas expressões, destacada pelo

entrevistado na fala a seguir ao retratar a situação percebida no bairro.

A gente não tem, a gente não consegue perceber equipamentos que agregue valor à

juventude, à infância. A gente não tem nenhum equipamento que contemple a

questão da infância. Temos mais de 7.000 crianças de zero a seis anos e a gente não

tem um equipamento que essas crianças possam brincar, possam passear, possam ter

um momento de lazer (Entrevistado 04).

A pouca vontade política dos governantes tem negligenciado a execução

orçamentária específica para o público em questão. A título de exemplo, podemos citar o caso

do município de Fortaleza, que impulsionou o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente

do Ceará (CEDECA) a lançar nota técnica para publicizar a problemática. Afirmou-se que nos

anos de 2013, 2014 e primeiro semestre de 2015 as verbas destinadas às políticas para

infância tiveram baixo índice de execução (CEDECA, 2015).

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Referente a este último período a situação chegou a agravar-se, pois conforme

constatado pelo CEDECA, as ações de atendimento às crianças em situação de rua, bem como

às vítimas de violência sexual, ambas possuíam zero por cento de execução, quando tinham

fixação de despesa na Lei Orçamentária Anual de quatro milhões, e a outra duzentos e

quarenta mil reais, respectivamente. Trata-se de violação cometida pelo próprio poder público

ao descumprir o princípio de prioridade absoluta ao direito da criança e do adolescente

(CEDECA, 2015).

Outro apontamento importante revelado pelos discursos diz respeito ao direito

social à saúde. Ainda se percebe uma compreensão conceitual referenciada no modelo

biomédico. Porém, essa concepção é construída a partir de uma relação estabelecida com o

serviço, em que predomina as ações curativas e a medicalização das necessidades de saúde.

Ao mesmo tempo há quem traga elementos das possibilidades objetivas presentes

no cotidiano da comunidade para pensar os fatores determinantes do processo saúde-doença,

como o problema do saneamento básico. Ambos os depoimentos afirmam haver problema de

infraestrutura na unidade de saúde que atende a comunidade e que a garantia desse direito foi

mediada por luta coletiva, mas que ainda não é satisfatória para os moradores. Acreditam que

a pouca oferta assistencial está atrelada à localização periférica de onde residem.

Posto de saúde é crítico, muito crítico, porque tem um posto aqui na Nova Canudos

[...]. Mas é muito precário, foi praticamente assim improvisado lá, muito

apertadinho o espaço e tal, e falta tudo lá. Falta médico, falta medicamento

(Entrevistado 06).

Nós temos um asfalto feito antes do necessário, nós não temos saneamento. Nós

temos um asfalto que tem uns caminhos de esgoto a céu aberto que isso é ruim e, por

conta disso, nós temos problemas sérios de saúde, hanseníase, ‘n’ coisas, de

verminose, problemas de pele, ‘n’ coisas, aqui da nossa área. Mas, a gente pode

dizer também que aqui mesmo na Nova Canudos já nasceu com um posto de saúde

que era uma luta já inicial deste o princípio, mas nós tínhamos muito pouco esse

serviço de saúde na área, no bairro, hoje temos ainda pouco, mas, dá pra sobreviver.

O problema nosso é a questão de a gestão levar a sério a saúde nos lugares mais

periféricos, não sei como é isso em outros cantos, mas eu acho que o atendimento

em saúde é precário, mas nós já tivemos bem piores (Entrevistado 11).

Aos elementos expostos pelas falas integra o conjunto das características das

condições sociais de pobreza já retratadas por nós, anteriormente, ao situarmos a região do

Grande Bom Jardim. Para Fleury-Teixeira e Bronzo (2010), quando esses fatores se somam à

dificuldade de acesso à educação e aos serviços de saúde, amplia-se a vulnerabilidade da

população. Dessa forma, os autores afirmam que as “condições materiais de produção e as

características sociais gerais de uma sociedade são, efetivamente, a base para o padrão

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sanitário de um povo, assim como a posição de cada indivíduo na sociedade é uma base da

própria saúde” (FLEURY-TEIXEIRA; BRONZO, 2010, p.38-39).

Essa discussão revela parte dos limites e das contradições presentes na execução

da política de saúde, em particular, da atenção primária. Na configuração do município de

Fortaleza, o apoio que deveria ser feito pela equipe do Núcleo de Apoio à Saúde da Família

(NASF) aos profissionais da Estratégia de Saúde da Família perdeu a priorização diante da

mudança do modelo de atenção e gestão em saúde. A reflexão sobre a execução da política de

saúde no município e no território do Grande Bom Jardim pode ser consultada no texto de

nossa autoria no Apêndice E.

O contexto político-institucional exige que continuemos a investir na luta pela

saúde como direito. Sendo assim, ressaltamos a importância dos esforços realizados pela Rede

DLIS, que mesmo não havendo agenda sistemática no presente momento para garantir o

monitoramento dos serviços de saúde, existem lutas amplas, a exemplo da questão ambiental

e moradia, que vão repercutir diretamente nas condições de saúde.

No mesmo período de reformulação de políticas para assegurar as garantias

constitucionais do processo de democratização do Estado brasileiro, o sistema capitalista se

reconfigura, implementando novos mecanismos de acumulação do capital, reproduzindo o

ideário neoliberal, trazendo rebatimentos diretos no sistema de proteção social. Tratam-se das

contrarreformas neoliberais, que na seguridade social estão expressas no processo de

privatização e mercantilização da Saúde e Previdência e na refilantropização da Assistência

Social, acrescida da forte expansão do setor privado nas políticas sociais.

A ofensiva neoliberal da burguesia brasileira adotada a partir da década de 90 veio

para favorecer novas estratégias e políticas do grande capital. A hipótese sugerida por Mota

(1995, p.108) é que “a tentativa de constituição de um projeto hegemônico de classe, por parte

da burguesia brasileira, consolida-se mediante a construção de uma cultura da crise que

procura trabalhar o consentimento ativo das classes subalternas”.

A desregulamentação estatal se insere dentro dessa perspectiva de argumentação

de que a crise afeta indistintamente toda a sociedade, construindo base para um conformismo

social. Um dos objetivos desse projeto foi viabilizar a adequação dos direitos dos

trabalhadores ao projeto de cidadão-consumidor (MOTA, 1995, p.108).

Granemann (2007) situa esse processo de formatação e adequação das políticas

sociais no estágio contemporâneo do capitalismo monopolista, marcado pela financeirização.

A contrarreforma da previdência social iria nortear a reformulação das políticas sociais,

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instaurando novo parâmetro de intervenção estatal a partir das seguintes características:

articulação estreita entre política pública e serviço privado; monetarização do direito social; e

focalização e reforço à fragmentação da força de trabalho pela especialização dos benefícios

concedidos.

A “teoria dos pilares” formulada no âmbito da contrarreforma da previdência social

encontra fértil campo de desenvolvimento também nas demais políticas sociais que

igualmente operam com a transmutação da proteção social em duas direções

simultâneas e conexas:

a) na mercantilização das políticas e dos direitos sociais em serviços privados, e;

b) na redução padronizada dos sistemas de proteção social, antes operados

como equipamentos sociais universais e atualmente como benefícios pauperizados

mediados pelo cartão magnético, expressão monetarizada do direito

(GRANEMANN, 2007, p.64).

No Brasil tem se operado “reformas não estruturais”, pois as mudanças não

eliminaram o sistema público e nem introduziram um sistema privado geral, mas como já

mencionado, houve modificação na abrangência e estrutura dos benefícios, acompanhado da

expansão dos programas de transferência de renda como compensação de ausência de

rendimentos do trabalho (BOSCHETTI, 2008). De todo modo, a ofensiva conservadora traz

retrocesso em conquistas já feitas, e ameaça o sistema de seguridade social e políticas sociais

importantes, sem os quais pouco se avança na mudança real das condições sociais e de vida da

população.

Pois é, bom, assim, tem alguns aspectos que são mais macros, né?! O consumo foi

muito do governo, né?! Nesse aspecto de consumo, um pouco do acesso ao ensino

superior, tem a ver com o último governo, basicamente, com as políticas que foram

criadas, né?! Pra isso, que ao mesmo tempo não vieram políticas para alterar outras

coisas. [...] Então, você tem essa dicotomia, tem um pouquinho dessas garantias,

mas ao mesmo tempo você tem uma adolescência muito mais exposta a conflitos,

violências e a letalidade do que a adolescência que eu vivi, que mesmo não tendo

isso, mas tinha uma rede de proteção mais comunitária, um universo comunitário

que não aumentava esses riscos, por exemplo (Entrevistado 15).

O depoimento acima destaca algumas garantias acessadas nos 13 anos

consecutivos de governos do Partido dos Trabalhadores (PT) na presidência, mas que não

foram suficientes para dar respostas a contento para outras problemáticas como a violência

urbana e a letalidade juvenil vivenciadas no território. Na fala, é possível identificar

elementos da monetarização da política social que visa “fortalecer o mérito individual do

pobre de conseguir, por meio do mercado, a satisfação de suas necessidades”, ao invés de

garantir como dever de cidadania, serviços sociais públicos, etc. (PEREIRA, 2012, p. 748).

Alguns avanços dessa gestão merecem ser reconhecidos e são destacados por

Chauí (2016) ao mencionar os programas de transferência de renda, inclusão social e

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erradicação da pobreza, políticas de emprego e elevação do salário mínimo, recuperação de

parte dos direitos sociais das classes populares. Entretanto, Pereira (2012, p.746), apesar de

confirmar a melhora nas condições sociais de muitos brasileiros, afirma que quem mais se

beneficiou foi “a remuneração do capital financeiro, industrial e do agronegócio que operam

no país”. E que o combate à concentração de riqueza não ganhou o mesmo empenho do

enfrentamento à pobreza extrema.

Pereira (2012) coloca em xeque a suposta caracterização do governo Lula como

fase neodesenvolvimentista. Esse questionamento vai ao encontro das ideias de Gonçalves

(2012), ao afirmar que no referido governo os eixos estruturantes do Nacional-

desenvolvimentismo foram invertidos: desindustrialização, dessubstituição de importações;

reprimarização das exportações; maior dependência tecnológica; maior desnacionalização;

perda de competitividade internacional, crescente vulnerabilidade externa estrutural; maior

concentração de capital; e crescente dominação financeira.

Em suma, para Gonçalves (2012), significa dizer que as ações não se voltaram

para a defesa de uma economia nacional e sim aos interesses do capital estrangeiro, mesmo

que, de forma contraditória, o governo tenha garantido pequenas concessões à classe

trabalhadora. Não se trata de desconsiderar os méritos alcançados pelo Governo Lula, mas

reconhecer que estes não foram capazes de grandes transformações ao ponto de reverter

tendências estruturais, como pensa outros analistas.

Sobre o governo Dilma Rousseff, Pereira (2012) assinala a prevalência do

workfare23 sobre o welfare e a tendência a “ultrafocalização” quando a presidenta rebaixou os

critérios preexistentes para a definição de pobreza e da miséria no país, conseguindo diminuir

estatisticamente esse quantitativo.

Esse governo sofreu crise de popularidade no segundo mandato, sobretudo com a

adoção de ajuste fiscal, contrariando as promessas de campanha de manutenção dos empregos

e direitos trabalhistas, além de causar descontentamento dos setores médios tradicionais,

insatisfeitos com a diminuição das desigualdades entre classes sociais. Segundo Braga (2016),

as forças golpistas que derrubaram o governo em 2016 foram determinadas não pela

concessão aos setores populares, mas por não ter entregado aos empresários um ajuste fiscal

ainda mais radical e de desmonte da proteção trabalhista. Este projeto está em curso pelo

23 Pereira (2012, p.738) cita a abordagem do autor Löic Wacquant quando trata da substituição do Estado Social

pelo Estado Penal, sobretudo quando se refere aos Estados Unidos, país precursor da ideologia “do workfare

(bem-estar em troca de trabalho, não importa qual) em substituição ao welfare (bem-estar incondicional,

como direito)”.

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governo ilegítimo de Michel Temer, que caminha com voracidade rumo à retirada de direitos

duramente conquistados pela classe trabalhadora.

O debate sobre direitos sociais na atual conjuntura brasileira se torna mais

desafiante diante de uma ruptura democrática, do redimensionamento da intervenção do

Estado sobre os direitos dos trabalhadores e da retomada de uma forte ofensiva neoliberal,

perpetrada por um governo ilegítimo. Como o entrevistado 15 destaca, sim, têm aspectos mais

macros que precisam ser considerados ao pautarmos defesa de direitos na região do Grande

Bom Jardim. Acreditamos que o cenário vai exigir uma intensificação das lutas sociais e que

as práticas de participação vão dizer muito acerca dos limites e das possibilidades para

contribuir com a formação da consciência e organização de classe.

Os coletivos e movimentos sociais organizados reconhecem como direito de

cidadania a reivindicação por políticas sociais. Mas, não é uma percepção ampliada para o

conjunto da população, pois na história do nosso país a inversão da ordem de expansão dos

direitos comprometeu, em parte, o desenvolvimento de uma cidadania ativa. Tendo em vista

que a legislação social foi introduzida em contexto de “baixa ou nula participação política e

de precária vigência dos direitos civis” (CARVALHO, 2002, p.110).

Tomando como base as reflexões de Oliveira (2006) sobre a cultura política

brasileira, podemos compreender porque encontramos dificuldades para consolidar a

democracia para além da organização da competição política. Predominam na organização do

Estado brasileiro características patrimonialistas, relações clientelistas e autoritarismo, que

irão dar forma à cultura política dominante.

Uma característica fundamental da vida contemporânea que é a individualização

também pode condicionar a cultura política e influenciar as práticas de participação. Vários

foram os depoimentos sobre o predomínio de valores individualistas nos moradores, a

existência do clientelismo e a pouca disposição para uma atuação coletiva, às vezes, sob a

influência da religião.

Eu acho que há uma apatia ali na região que eu moro, que são bem [...], primeiro que

as pessoas, tem uma boa parte que ainda é muito ligada ao vereador, ao que o

vereador pode dar a ele. Então, é uma ausência de sentimento coletivo enorme. A

maior parte das pessoas, elas [...], nessa ideia de querer crescer na vida acabam não

tendo muito a ideia de vida coletiva não, de povo, de luta social não. [...] E de

participação fica uns gato pingado assim participando. Tem muita gente que cansou

de participar, eu escuto muito isso (Entrevistado 08)

É muito difícil você trabalhar com a comunidade, que a comunidade tá desacreditada

(Entrevistado 10).

Tem uma participação muito individual, é muito pensando no eu, pensando na

minha família, no meu bem-estar, no meu trabalho, no que eu vou poder barganhar,

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mas não pensando no coletivo, no bem comum, na política pública, nunca nesse

sentido. As próprias famílias, os moradores às vezes questionam muito, mas não

passa de um questionar, muito uma cobrança, mas não há de fato um envolvimento,

uma participação para que haja mudança de fato. É sempre assim. ‘Eu queria ver a

mudança, mas eu não faço nada pra que isso mude’ (Entrevistado 04).

Sentimos a intensificação das igrejas pentecostais. Você vai ter a própria igreja

católica que vai investir em processos de pastorais, muito individualizadores, né?! O

que são as comunidades carismáticas e tudo mais, elas são um pouco isso, e é que

vai ser um pouco da teologia da prosperidade aí, do neopentecostalismo. [...] Mas é

um impacto que a gente fica, às vezes, se perguntando como é que isso impactou,

vai impactando, isso nas nossas dinâmicas de participação, de mobilização, de

engajamento (Entrevistado 15).

Bauman (2008), ao analisar essa individualização em tempos de “modernidade

líquida” entende que a dedicação aos valores duradouros está em crise, assim como a

confiança cotidiana nos nossos objetivos, porque há uma insegurança e incerteza do lugar

humano nesta sociedade.

E o controle sobre o presente, a confiança de estar no controle de seu próprio

destino, é o que mais falta às pessoas que vivem em nosso tipo de sociedade. Cada

vez menos temos esperança de que, juntando forças e ficando de braços dados,

podemos forçar uma mudança nas regras do jogo; talvez os riscos que nos fazem

temer e as catástrofes que nos fazem sofrer tenham origens sociais, coletivas - mas

elas parecem cair sobre cada um de nós de maneira aleatória, como problemas

individuais, do tipo que só podem ser enfrentados individualmente, e reparados, se

possível, apenas por esforços individuais (BAUMAN, 2008, p. 189).

Dificilmente projetaremos o futuro sem o controle do nosso momento presente.

Contudo, Demo (2013, p.88) nos convida a sair de uma visão estanque da realidade e lembra-

nos que essa condição de relativa letargia típica da sociedade moderna “é sobretudo resultado

de um processo histórico de dominação”. Há uma imposição de socialização que pode ser

encarada com resistência.

Demo (2013) contribui para compreendermos que o espaço de participação

precisa ser conquistado. É um processo sempre em construção. Por isso, a participação não

pode ser totalmente controlada. Assim, podemos esperar níveis diferenciados de

envolvimento e as experiências vão encontrando suas formas próprias de organização.

Eu já participei de outros fóruns, de outras Redes sabe, o que eu percebo é o

seguinte, sempre tem três ou quatro organizações que seguram a peteca, que

encabeçam o processo, e tem [...], e aí é uma coisa, você pode ter círculos né, tem

aquele que a gente chama núcleo né, como se fosse uma célula, na psicologia

comunitária a gente chamava núcleo duro [Risos], é como se fosse um motorzinho

ali né, que dispara os processos, aí eles tem alcance né. Têm uns que não tomam a

iniciativa, mas se agrega, têm outros que não tomam a iniciativa nem participa do

processo de organização, mas vai pros momentos-chave. Têm outros que só vai

quando, quando é, quando é de interesse particular direto, quando é, se for uma coisa

geral não vai, se for uma coisa, ‘ah, isso daqui eu vou’, entendeu. Tem níveis de

organização, níveis de participação, níveis de envolvimento, eu acho que isso é

normal em qualquer grupo assim, não tem uniformidade. Aí eu fico mais ou menos

tranquilo em relação aos processos, porque, porque, é porque eu tenho essa leitura

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assim. Num é que eu me acomode, num procure sempre tá a melhor organização

possível, mas entendendo que num vai ser como alguém imaginou, vai ser sempre

alguma coisa diferente (Entrevistado 07).

Reconhecemos, então, os processos participativos como conquistas e em sua

forma inacabada, além de compreendê-los imersos em contextos contraditórios no campo das

relações sociais. As condições para essa participação passam pela convocação de vontades da

população para o envolvimento na ação coletiva. Tarefa esta que cabe à mobilização social,

conforme definição abordada na seção anterior quando tratamos das ações desenvolvidas pela

Rede DLIS.

A tarefa é desafiante quando temos um contexto de sociedade tão complexo.

Entretanto, é preciso considerar alguns elementos do território onde se dispara a mobilização.

Assim, para este debate, tomamos como pressuposto algumas das características e perfil do

Grande Bom Jardim, tratadas no início do capítulo. Foram fornecidos alguns elementos da

tradição mobilizadora – com grupos atravessados por experiências como as CEBs, da

existência de animadores/ líderes, do reconhecimento do associativismo na região.

A formulação de Henriques (2013, p.28-29) contribui com essa discussão, ao

apresentar duas funções da comunicação para a mobilização social: coletivização e vínculo.

Um problema ou situação problemática só torna uma dimensão coletiva quando transcende o

interesse do sujeito e passa a ser da coletividade. “A formulação de um problema na dimensão

coletiva, contudo, carece de um conjunto de interações onde se compartilhem tanto as

diferentes visões sobre a realidade (identificando as situações que afetam os sujeitos) como

também as variadas possibilidades de ação (como formas de solução)”.

Esse processo de problematização não se dá simplesmente por uma compreensão

lógica, há também o que o autor chama de “sentimento de afetação”. Acrescenta que a

coletivização tem necessariamente um processo de publicização, pois é a partir desse caráter

de visibilidade que se expõe o problema para além de um grupo específico. Além disso, esse

movimento possibilita a vinculação das pessoas à causa em questão. “Duas condições do

processo de coletivização aparecem, aqui, como base para a formação subjetiva dos vínculos

que são a visibilidade e a referência a valores mais amplos” (HENRIQUES, 2013, p.31).

Precisa fazer, e fazer eu acho que até de forma mais intencional, que a gente tá

diante de uma crise, de um cenário, que a participação em si ela já é um desafio.

Então, como é que a gente busca o valor que agregue pra que aquela participação ela

possa ser mais efetiva (Entrevistado 04).

Então, elas tomam a dor dos outros para si e é isso que eu acho bacana, então assim

a gente não tem tantos assim, mas tem um número X de pessoas que ainda

lutam pelo bairro e corre e faz a diferença, e é isso (Entrevistado 13).

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Os entrevistados da pesquisa ressaltaram a necessidades da existência e

compartilhamento de valores e visões de mundo semelhantes entre os sujeitos, assim como

motivação suficiente para haver engajamento e lutarem coletivamente, de modo mais

permanente. Uma das falas ressaltou que esse vínculo ao coletivo foi construído

processualmente a partir de novas relações sociais e da maneira que resignificou o seu olhar

sob o território.

Eu sinto que sempre é preciso ter uma bandeira, sempre é preciso ter uma novidade

pra que gere reboliço, pra que gere energia, pra que seja catalisado (Entrevistado

09).

Mas é [...], a grande situação é que às vezes as pautas elas não amarram os seus

participantes, assim, no meu caso, algumas pautas não me amarram (Entrevistado

08).

Por exemplo: Eu passei a ter uma relação com o Bom Jardim, com esse lugar aqui,

muito diferente depois desse processo de conhecer outras pessoas que se importam

com o lugar, de conhecer o lugar geograficamente, mas do que só ali perto da minha

casa. E depois vieram riquezas de pessoas, de lugar, de coisas, então, isso constrói

um afeto, uma preocupação, constrói conhecimento, constrói habilidade, constrói

um monte de coisa né?! E isso é muito bacana né?! (Entrevistado 15).

Chegar a esse nível efetivo de envolvimento e compartilhamento de

responsabilidades para solução de um problema é o que Henriques (2013, p.32) chama de

vinculação ideal da corresponsabilidade, tão almejado por todo projeto de mobilização. “A

responsabilidade compartilhada, tanto em relação ao problema, como no que diz respeito à

solução, não constitui apenas um sentimento, mas também uma atitude, ou seja, uma

predisposição para agir, segundo compromisso”. A participação para conquista e defesa de

direitos de cidadania vai exigir engajamento e atitudes de modo sistemático.

Eu acho que no nosso território o mais efetivo é o contato direto, é a

responsabilização direta, é a partilha de responsabilidades, e o envolvimento direto,

isso é o mais efetivo, não tenha dúvida. Até porque as nossas atividades não são

fáceis né, num é todo mundo que vai pra rua, você pode ter uma consciência sobre

um problema, você entende as razões, você tem uma posição, mas você sair da sua

casa pra ir pra rua, no meio do sol, é outra coisa, é outro nível entendeu

(Entrevistado 07).

Os vínculos no processo de mobilização também tendem a ser publicizados, como

demonstração de coesão. Mas o autor ressalta que existem dois aspectos envolvidos: a

provisoriedade, quando os laços de engajamento e adesão são transitórios, o que vai exigir dar

mais ênfase às condições que mantenha os sujeitos vinculados entre si e com a causa; e a

diferenciação, com diferentes níveis de vínculo e, consequentemente, de cooperação.

Importa-nos saber que é possível planejar a comunicação nos projetos de

mobilização social a fim de estabelecer fluxos que resultem em vínculos fortes e ações

corresponsáveis. No intuito de contribuir com a identificação e entendimento do nível de

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vinculação dos públicos com os projetos de mobilização social, os autores Henriques, Braga e

Mafra (2004) apresentam uma metodologia para esse mapeamento. Trata-se de uma escala de

vinculação para caracterizar a natureza e a força dos vínculos, cujos critérios são: localização

espacial, informação, julgamento, ação, continuidade, coesão, corresponsabilidade e

participação institucional. Eles advertem que o posicionamento dos pontos é dinâmico, por

isso requer acompanhar com certa frequência essa dinâmica de interações. Além disso, os

critérios não se excluem, somam-se.

A motivação, assertivamente apontada nos depoimentos como condição para a

participação, é situada por Ammann (1978, p.39) no nível da conscientização, ao considerar

um dos requisitos para a participação e a transformação social, estando associada à área

psicossocial do indivíduo. Todavia, reconhece que “mesmo motivado, o indivíduo pode não

encontrar-se ainda educado para participar”. Dessa forma, defende que a aprendizagem da

participação só se verifica quando gera novo padrão de comportamento.

Trata-se, no caso, do padrão comportamental da participação, gerado não passiva e

automaticamente, mas que nasce e evolui no exercício contínuo e permanente da

práxis participativa, pelo homem: na reivindicação de seus direitos, na assunção de

suas responsabilidades, no aperfeiçoamento de sua profissão, na geração de mais

saber, na prática associativista, na elaboração e execução de planos, no desempenho

de funções políticas, no posicionamento consciente face às opções, no exercício do

voto e representatividade (AMMANN, 1978, p.40).

Os representantes das comissões de trabalho da Rede DLIS identificaram como

importante o investimento em processos educativos para a participação, por reconhecerem

atitudes e práticas que não favorecem o engajamento e a ação coletiva para a defesa dos

direitos, tais como: a venda de votos e a aposta exclusiva na representação política sem

exercitar o controle social.

[...] Geralmente elas só reclamam, né. Quando se tem os OP’s da vida, se tem algum

espaço aberto pra reclamar, ela não está e nem busca seu direito, né. E na hora de

votar, ela se vende por 50 reais, 10 reais, organiza uma bandeirada e vende seu voto,

né, e mais na frente reclama (Entrevistado 05).

O pessoal ele participa pouco das lutas, é algumas pessoas que se destacam, né. Elas

não são preparadas pra lutar pelos seus direitos. Às vezes, elas acham que votou em

um vereador, em um deputado, em um prefeito, então eles têm que fazer. Fica

esperando que as coisas venham de lá (Entrevistado 06).

Gohn (2009) nos faz relembrar que não se trata de uma pauta inédita, pois na

década de 80 foram predominantes as demandas da sociedade civil pela educação, que

estavam articuladas à conjuntura política do país na época e à expressão do acúmulo de forças

sociais que desejavam novas formas de pensar e agir, fundamentais para a formação dos

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cidadãos. Processos educativos que possam fortalecer essa identidade de cidadania coletiva

foram defendidos pelos entrevistados.

Eu particularmente, eu defendo muito a educação, eu acho que se a gente melhorar a

educação, a gente melhora um monte de coisa. Porque aí o pessoal não vai aceitar o

posto de saúde que tem, não vai aceitar que ali não tem praça. O pessoal vai tá

informado, consciente, né. E talvez eles tenham mais compreensão do processo de

engajamento, de participação (Entrevistado 04).

E quando a gente observa hoje também é isso, nós não temos educação para a

cidadania, né?! Assim, no sentido de nos preparar para a democracia, para a vida em

sociedade, para a vida coletiva, isso repercute nas formas de participação, nas

dificuldades de participação, e isso é um ponto, é claro, como o poder político

também se estrutura, também vai nos ajudar a entender isso (Entrevistado 15).

Nesse processo pedagógico defendido não se trata de uma mera substituição de

valores, mas de oportunizar que o sujeito seja autor e gestor de uma consciência crítica

(AMMANN, 1978). Como diria Paulo Freire (2011b, p.33), seria a tarefa de superar a

“curiosidade ingênua” para torná-la “curiosidade epistemológica”, desenvolvendo assim a

“curiosidade crítica, insatisfeita e indócil”.

Na perspectiva de instaurar um processo participativo, mediado pela organização

e acompanhado de outros requisitos como informação, motivação e educação, um dos sujeitos

do estudo compartilhou a árdua experiência do processo que visa conquista de direitos. A fala

seguinte revela que nessa atuação com os pares, além de saber se há valores semelhantes, é

preciso estabelecer uma comunicação por meio de uma linguagem acessível para haver uma

interação entre iguais, pois como já insistia Paulo Freire (2011a) só o diálogo é capaz de

comunicar; devendo esta comunicação ser vivida em sua dimensão política, capaz de

conhecer e transformar a realidade.

Nas redes sociais, telefonemas e reuniões, pequenas reuniões preparatórias, as

formas que dá mais certo é quando a gente delega o processo, tipo assim, por

exemplo, se a gente sabe que tem uma audiência pública sobre saneamento, a

audiência pública de saneamento foi muito boa, mas porque a gente fez reuniões

antes da data pra informar que ia ter a audiência e pra perguntar pras pessoas o que

que a gente poderia fazer pra que desse certo. Aí as pessoas dão suas ideias, se

comprometem e ai, é trabalhoso, porque tipo assim, uma coisa é eu ir pra audiência

né, uma coisa é eu, outra coisa e eu preparar o processo de participação pra que na

audiência a gente tenha o esperado. Então, quando a gente consegue fazer isso,

geralmente dá certo, tá entendendo? (Entrevistado 07).

Eu acho talvez que uma das dificuldades hoje que a gente tem é descer uma

linguagem que seja acessível, e que as pessoas escutem você e elas entendam o que

você está dizendo e aquilo que você está dizendo tem haver com a vida dela. O que

você está propondo tem haver com o sonho dela (Entrevistado 11).

O processo de conquista do direito definido por Demo (2013, p.53), constitui-se

pelas fases do planejamento participativo, a saber: “tomada de consciência, que descobre a

discriminação como injustiça; proposta de enfrentamento prático da questão; necessidade de

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organização política”. Destaca ainda duas importantes fases, denominada fase

socioeconômica, para referir-se quando o processo de conquista se auto-sustenta, solidifica; e

a outra fase, a política, para a importância da organização competente.

Não bastasse os desafios da própria jornada para criar condições para a

participação, pensar estratégias de mobilização social, formação para qualificar os momentos

de exigência diante de representantes do aparato estatal, é preciso enfrentar os investimentos

governamentais em programas e projetos que se apropriam do discurso “participacionista”,

que buscam legitimidade mediante cooptação de lideranças.

Cabe destacar que diante da revisão do papel e das funções do Estado e da

sociedade, para atender às exigências das novas estratégias de acumulação capitalista, foi

gerado um quadro de aprofundamento da pobreza e da exclusão social, repercutindo em

pressões da sociedade civil organizada. Assim, sobretudo a partir dos anos 90, reaparece no

ideário das propostas das agências internacionais, tais como Banco Mundial, Comissão

Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL) e Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento – PNUD/Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), “o novo

(velho) discurso sobre a pobreza e a participação revestido pelo discurso ‘neoliberal

modernizado’” (SIMIONATTO; NOGUEIRA, 2001, p.146).

Essa proposição da participação na esfera das políticas sociais é incorporada aos

pressupostos ideológicos do aparato estatal, principalmente, a partir do pós-Segunda Guerra

Mundial, com destaque para os programas de Desenvolvimento de Comunidade, conforme

mencionado no capítulo 2. Esse discurso da participação é aprimorado pelas agências

internacionais para atender ao projeto de redução do papel do Estado quanto à

responsabilização com a esfera pública. A sociedade civil é recolocada em cena “em nome da

cidadania e de um dever cívico, a assumir as funções estatais nas tarefas relativas à proteção

social”, para conduzir seu esforço “para ações localizadas e pontuais de combate à pobreza”

(SIMIONATTO; NOGUEIRA, 2001, p.154).

Retomar esses indicativos históricos sempre se faz oportuno quando vemos operar

experiências, guardadas as diferenças das propostas, com tendência à participação

despolitizada da sociedade civil, imbuído de um discurso de cooperação solidária entre a

sociedade civil, mediada pelo Estado. Ao retratarmos as iniciativas no âmbito da gestão

municipal de Fortaleza, temos o “PROVOZ”, já apresentado anteriormente como experiência

que busca por representantes da comunidade que não tenham “compromisso político”, a fim

de definir as prioridades de desenvolvimento para o bairro (FORTALEZA, 2013). O relato a

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seguir evidencia o descontentamento com essa estratégia da Prefeitura, pela posição de não

estabelecer diálogo com o conjunto das organizações locais, mas optar pela cooptação de

sujeitos dessas entidades.

Uma coisa que me deixou muito chateada, que eu coloquei em várias reuniões na

Rede, é quando veio o “PROVOZ”. Eu fiquei indignada mesmo, porque assim,

quando foi essa equipe do PROVOZ lá em casa, mesmo atrás da minha mãe pra ela

falar da história. [...] Eu argumentei, ‘Olha, mas é muito bom mesmo esse

PROVOZ, tá melhor que a Rede DLIS’ [Tom irônico]. ‘Mas o PROVOZ tá lá

dentro, tem representante, não sei o que [...]’ Aí eu percebi, assim, que o PROVOZ

pegou gente que já era dos movimentos, inclusive da Rede DLIS. O diagnóstico que

já tinha aqui, o diagnóstico da Rede DLIS, muito mais rico, né, e quer dizer, gastou

dinheiro com gente de fora, de uma universidade aí, de uma cidade tal, uma

universidade aí dos Estados Unidos. Gastou dinheiro, trouxe gente de fora, se exibiu,

pra dizer ‘Ah, foi preciso vir de uma universidade lá dos Estados Unidos pra ir

trabalhar numa favela, lá do Bom Jardim, fazer um diagnóstico’. Mentira! Aqui tem

gente com potencial que fez esse diagnóstico, foi negado totalmente o protagonismo

do pessoal da Rede, que está aqui, que está na luta e que tem capacidade de fazer um

diagnóstico muito melhor (Entrevistado 12, grifo nosso).

A pesquisa de campo oportunizou o conhecimento da existência de outra

experiência, intitulada “Agentes de Cidadania e Controle Social”, que foi mencionada por um

dos sujeitos entrevistados, ao compartilhar a dificuldade que sentia em agregar mais pessoas

para a ação coletiva, no caso, para a Rede DLIS. Disse que entre os argumentos para a

negativa ao seu convite, foi citada a participação nessa outra iniciativa do poder público, os

chamados “agentes de cidadania”.

[...] Eu não, mas a gente, mas o futuro é os nossos filhos, nossos netos que tão

nascendo, que precisam de um mundo melhor, precisam de um bairro melhor, da

escola e tudo. ‘Não, a gente faz também na casa da gente, faz na rua, a gente faz

com outros movimentos, a gente faz com num sei o que do cidadão’. Como é aquele

negócio que elas são eleitas agora? [Entrevistadora: Conselheiro, não?] Não, é

outras coisa assim, que tem a visita assim, a blusinha do prefeito, é uma coisa assim,

‘A gente faz naquilo’, num sei o que da ‘comunidade cidadã’. [...] PROVOZ, né,

mas é outro [...], eles são ‘agente de cidadania’ (Entrevistado 03).

A Prefeitura Municipal de Fortaleza, por meio da Coordenadoria Especial de

Participação Popular, atual Coordenadoria Especial de Participação Social, lançou em junho

de 2014, o projeto “Agentes de Cidadania e Controle Social”, que teve como finalidade

capacitar representantes da sociedade civil e dos conselhos municipais de políticas públicas

para o auxílio no acompanhamento da “correta” aplicação dos recursos públicos

(FORTALEZA, 2014b).

A partir dessa formação, houve outras iniciativas, como a eleição dos Agentes de

Cidadania e Controle Social, representantes de cada Regional de Fortaleza. Por conseguinte,

os agentes eleitos foram candidatos ao Conselho Municipal de Planejamento Participativo,

como pré-requisito ao Ciclo de Planejamento Participativo (FORTALEZA, 2015). O referido

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ciclo consiste em receber demandas consideradas prioritárias pela população das diferentes

Regionais para compor a Lei Orçamentária Anual (LOA) do Município (FORTALEZA,

2016b).

Não cabe aqui desqualificar os processos participativos dessas iniciativas, nem

desconsiderar a motivação das pessoas que se inseriram nessas ações. Mas suscitar a

necessidade de refletir o que está por trás do plano discursivo da participação coletiva

veiculado pela internet, site do poder público municipal, através do qual obtivemos

conhecimento sobre ações da Coordenadoria Especial de Participação Social. Somente novos

estudos poderão contribuir para entender o que se tem de novo (velho) na experiência

participativa proposta pela gestão municipal de Fortaleza, e suas repercussões na organização

e cultura política dos movimentos sociais e demais iniciativas da sociedade civil.

Urge diferenciarmos os discursos e significações. É preciso definir e dizer de qual

participação estamos falando. Nesse caldo de tentativas de deturpações, apostamos na

participação popular como resgate dos processos democráticos para a disputa do redesenho da

proteção social e garantias conquistadas.

O atual momento político, conduzido por um governo federal ilegítimo, orientado

para o fortalecimento da dinâmica da acumulação capitalista e desmonte dos direitos da classe

trabalhadora, nos desafia a reinventar a contraproposta de projeto de futuro. Cair em

“armadilhas” fragiliza as poucas experiências democráticas que nos restam. É preciso, então,

valorizá-las, percebê-las em sua dinamicidade e qualificá-las.

O processo de participação ele é, como as ondas do mar, ele tem o tempo de maré

cheia, maré baixa, ele oscila né, pra mim isso é normal, [...]. O que a gente não pode

perder é o fio da meada, e pra onde a gente tá indo, o que a gente quer, ai é, eu sou

muito generoso em relação à avaliação da Rede, eu acho que a Rede é o máximo

(Entrevistado 07).

Foi instaurada uma transição histórica em nossa sociedade, caracterizada por um

poder arbitrário que deseja o silêncio das classes populares. Como forma de traduzir essa

etapa em que vive o país, encontramos direcionamento em leituras como as de Paulo Freire

(2011a, p.127), sobre os processos estabelecidos com golpe de Estado, que nos diz que o “que

se impõe é a compreensão dos desafios que a nova transição coloca e que demandam formas

distintas de ação. De ação em silêncio, que requer difícil aprendizado”.

Encerramos por hora esse debate com o alerta para a importância a ser dada à

educação para consciência crítica para se reinventar as práticas coletivas da esquerda.

Retornar a uma tarefa antiga de reorganizar a sociedade civil de uma forma diferente, não

ditado por uma minoria, mas “organizar a resistência a partir dos indivíduos, de suas

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singularidades, de seus desejos e aspirações” (GOHN, 2009, p.55). Os novos caminhos são

iniciados com os primeiros e pequenos passos, dispostos a novas políticas e estratégias.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo reitera a contribuição do campo da Saúde Coletiva para a produção de

conhecimentos que buscam convergir para uma prática teórico-política, comprometida em

considerar nas investigações os diferentes aspectos que compõem a estrutura da sociedade e

como estes repercutem nas condições de vida da população. Inclui-se nesse deslocamento,

incorporar no rol de estudos sobre a participação social os enfoques nas experiências

autônomas e organizadas de participação popular.

Propusemo-nos refletir sobre as práticas de participação a partir de uma

experiência de coletivos e movimentos sociais em redes de interação na luta por direitos.

Somaram-se de forma indispensável ao debate a compreensão da relação dinâmica entre

Estado e sociedade civil, assim como os determinantes histórico-conjunturais do país.

O contexto de reforma gerencial do Estado brasileiro e das políticas neoliberais

impulsionou um redesenho dos movimentos sociais e trouxe novas configurações à esfera

pública e à viabilização de políticas sociais. Foi instaurado um processo contraditório no seio

da sociedade civil com experiências alternativas no campo democrático popular, assim como

experiências institucionalizadas com foco em políticas pontuais, ausentes do caráter político

nas ações.

Identificamos que os processos na esfera nacional, influenciados em certa medida

pelo contexto internacional, determinam muito do que pode ser definido localmente. A

resposta à crise econômica do padrão de acumulação capitalista com adoção das medidas do

Consenso de Washington na década de 90 foi acompanhada nos países ditos em

desenvolvimento pelas propostas das agências multilaterais para a recuperação do

crescimento e o combate à pobreza, com a retomada do discurso da participação.

Essa agenda sustentada na retórica de assegurar a eficiência e eficácia dos gastos

públicos lançou mão de estratégias para mobilizar a sociedade civil a complementar às ações

do Estado. Nesse contexto de retração do Estado nas tarefas correspondentes à proteção

social, houve abertura para o estabelecimento de parcerias entre governo e sociedade

organizada, com destaque para expansão significativa das ONGs que buscaram se adequar à

agenda política dos projetos financiados.

A compreensão dos rumos econômicos no país instaurados no final do século XX

e as novas configurações de gestão de políticas públicas nos deu subsídio para entender os

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diferentes fatores associados à criação de uma Rede de Movimentos Sociais situada em uma

capital do Nordeste brasileiro, a qual assumiu centralidade no presente estudo.

As diferentes técnicas utilizadas na investigação propiciaram reconstruir a história

de criação da Rede DLIS, na região Grande Bom Jardim, situada no Município de Fortaleza,

Ceará. Esta prática política coletiva em rede, que denota algumas das alterações na forma de

atuação da sociedade civil a partir dos anos 90, encontrou terreno no acúmulo de experiências

locais anteriores, como as mobilizações de atores sociais e entidades pelas Comunidades

Eclesiais de Base.

Convergiu ainda para formação dessa Rede o investimento institucional de uma

organização não governamental que no início dos anos 2000 optou pela escolha metodológica

e política da Agenda DLIS. Proposta esta que estava inserida no direcionamento de políticas

públicas de combate à pobreza na época, consubstanciado pelas agências multilaterais e de

financiamento da sociedade civil.

Então, o processo de ação coletiva foi favorecido pelo trabalho mediador

realizado pela referida ONG junto a entidades e movimentos sociais, somado ao predomínio

de associações comunitárias existentes na região. Ambos os fatores estiveram associados à

conjuntura socioeconômica e política do país, de revisão do papel e funções do Estado e

sociedade civil, comentadas anteriormente.

Essa influência institucional para a criação da Rede DLIS contribuiu para a forma

de seus membros entendê-la às vezes indissociada da ONG. A pesquisa de campo identificou

que a referida entidade assumia uma centralidade no movimento da Rede, que foi expressa na

facilitação de reuniões, definição de propostas metodológicas, produção de materiais e

comunicação com outros atores sociais.

Os incômodos gestados na dinâmica relacional entre as organizações e coletivos

da Rede apareceram na investigação como um dos elementos situados mais no campo dos

“não ditos”. Conflitos internos, divergências ideológicas e disputa de poder, adicionadas às

posturas autoritárias, incidiram nos processos de tomada de decisão fazendo escapar, em

determinadas situações, a orientação democrática e participativa.

Essas características internas constituíram, por vezes, em barreiras internas para a

participação. Do mesmo modo, foram identificadas condições diferentes entre as entidades

para participação das ações da Rede. O aporte de recursos financeiros apareceu como um dos

fatores condicionantes.

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Outro aspecto importante a salientar foi a proporção de ações previstas e

executadas que não conseguiram responder às diferentes áreas temáticas pretendidas,

resultado de uma articulação coletiva em rede fundamentada em um Pacto de

Desenvolvimento Local que sugere uma estratégia de luta ampliada e permanente. O que é

extremamente desafiante diante da necessidade de mais pessoas para envolvimento efetivo

nas tarefas, além da demanda pela qualificação do exercício da representatividade.

Para a inserção no debate de rede de movimentos e atores da sociedade civil foi

preciso reconhecê-los em processo de contínua construção, impregnado por relações de poder,

pelo conflito, mas também pelo compartilhamento de propósitos e motivações para a

constituição de uma cidadania coletiva. Demonstrada pela forma de construção das práticas

participativas e postura de confronto com o aparato estatal.

Vimos que a intervenção dos movimentos sociais sobre a realidade pode ser

projetada de forma estratégica em médio e longo prazo, com táticas que avançam na disputa

política pela efetivação de direitos sociais. A experiência da Rede DLIS trouxe a identificação

de um projeto comum, com capacidade de influir nas políticas públicas diante de um contexto

cuja execução é insatisfatória e que dificilmente considera as distintas territorialidades nas

ações existentes.

Dar ênfase a valores e finalidades humano-genéricas é se deparar com uma

série de desafios, inscritos numa sociedade marcada pelo individualismo, que tolhe a

consolidação de espaços democráticos.

Identificamos que os movimentos sociais urbanos no Brasil ainda são afrontados

por mecanismos de cooptação de lideranças e práticas clientelistas. Entretanto, os mesmos

movimentos são capazes de instituir aprendizagens potentes para uma consciência crítica e

consequente reinvenção das práticas coletivas. Trata-se de fortalecimento e qualificação das

práticas de participação exigidas para conquista e defesa de direitos de cidadania.

A mobilização social desempenha importante papel no fomento às condições para

essa participação que passam pela convocação de vontades da população para o envolvimento

na ação coletiva. Contudo, nem sempre o fluxo de comunicação é capaz de ampliar o diálogo

de modo satisfatório para o conjunto da comunidade, como foi argumentado por membros da

Rede DLIS.

Do exposto acreditamos que algumas recomendações podem colaborar para

formulação de táticas que estimulem o fortalecimento das práticas de participação,

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imprescindíveis para o contexto de ruptura democrática e de ofensiva neoliberal contra os

direitos da classe trabalhadora.

O desafio que está colocado é contribuir para a autonomia de sujeitos e coletivos

da Rede DLIS a fim de desconcentrar poder e tornar os processos mais democráticos

internamente. Pode contribuir para esse investimento a sugestão dada pelas próprias entidades

de atualização de cadastro das organizações-membro. Além de traçar um perfil institucional

com missão, objetivos, principais ações e público participante, procurar compreender de que

forma constroem a Rede que integram.

Mais do que preenchimento de questionários, torna-se fundamental destinar

momento para ouvir os integrantes e entidades/coletivos da Rede DLIS, a respeito da forma

de como eles se veem nessa composição atual e o que isso significa para a ação política

coletiva. Assim como problematizar sobre as expectativas não cumpridas e a saída dos

membros mais antigos a fim de entender os fatores internos e externos que estiveram

associados ao afastamento.

Diante de muitos discursos de membros da Rede DLIS de valorização e aposta na

juventude, importa incluir no processo de reflexão autoavaliativa a discussão sobre as

possibilidades que são dadas para as juventudes se incorporarem ao movimento e os entraves

que dificultam uma corresponsabilização de ações.

Algo que talvez precise ser discutido, internamente, seja o desafio de garantir a

articulação entre as comissões temáticas. Essa prática aproxima entidades e organizações em

tarefas comuns e oportuniza para o ensaio da almejada integração interinstitucional.

Com relação ao investimento na luta pelo direito à saúde, ressaltamos a

importância dos esforços realizados pela Rede DLIS em suas lutas ampliadas, a exemplo da

questão ambiental e moradia, que vão repercutir diretamente nas condições de saúde.

Contudo, faz-se necessário compreender por que o conjunto das entidades não fazem suas

apostas de representatividade e energia para uma agenda sistemática de monitoramento dos

serviços de saúde, mesmo diante da pouca oferta assistencial admitida por participantes das

entrevistas.

Correspondente às metodologias de trabalho para a mobilização social, atentamos

que a forma de mobilizar de algumas entidades componentes deve ser tomada para a Rede

DLIS caso ela deseje coletivizar suas pautas para além de si mesma, e construir com a

comunidade. Até porque ela não se constitui em um espaço ausente de história, é preciso

ordenar sua comunicação pela lógica territorial e finalidade da ação, lidando com a

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multiplicidade de padrões, que às vezes se potencializa nas redes de comunicações (técnicas)

outras vezes pesa a conexão dos laços de proximidade espacial e de afetos.

A partir da análise das práticas de participação estabelecidas numa Rede de

Movimentos Sociais podem ser viabilizadas atitudes e ações que antes não foram possíveis de

acontecer. Isso mostra, então, que a tarefa não se esgota na partilha dos resultados da

investigação, pois foram apresentadas reflexões que oportunizaram uma aproximação da

realidade em estudo, e foi tomado conhecimento do “viável histórico” daquilo que ainda pode

ser feito, de forma comprometida com a mudança.

Assim como cabe a realização de futuros estudos, dos quais sugerimos: a

identificação e entendimento do nível de vinculação das entidades com as iniciativas de

mobilização social disparadas no âmbito da Rede DLIS; compreender o que se tem de novo

(velho) na experiência participativa proposta pela gestão municipal de Fortaleza, mediante as

ações conduzidas pela Coordenadoria Especial de Participação Social, e suas repercussões na

organização e cultura política dos movimentos sociais.

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APÊNDICES

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145

APÊNDICE A – Roteiro de Observação Participante

ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE

Data da observação: ____/____/_____

Hora de início: ____h____min Hora de término: ____h____min

1. Descrição da atividade realizada (reunião mensal da Rede DLIS; reunião e/ou ação das

Comissões: Memória, ZEIS/Moradia, Juventude, Saúde, Rio Maranguapinho, Articulação);

2. Estratégias de comunicação utilizadas. Fatores envolvidos na participação e mobilização.

3. Participantes da reunião ou atividade. Quem fala? Como é a tomada de decisões?

4. Principais demandas/pautas/encaminhamentos;

5. Relações internas e interação entre as Comissões da Rede Dlis;

6. Articulação intersetorial e parcerias;

7. Registro de diálogos;

8. Outros aspectos importantes.

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APÊNDICE B – Roteiro de Entrevista

ROTEIRO DE ENTREVISTA

1. Identificação do entrevistado

Idade: _____________ Sexo: ______________

Escolaridade: ___________________________________

Ocupação: _____________________________________

Bairro que mora: ________________________________

Tempo que mora no Bairro: __________________________

Tempo de participação na entidade/movimento: ____________________________________

Ocupação e cargo na entidade/movimento: ________________________________________

__________________________________________________________________________

2. Identificação da entidade/movimento social que representa

Nome da entidade/movimento social que representa:

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

Ano de fundação: __________________________

Bairro: ______________________________

Possui regimento, estatuto, Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ)?

___________________________________________________________________________

Fale sobre sua entidade (fundação, objetivos, ações desenvolvidas, participantes, parcerias,

desafios).

De onde vem o recurso que mantém a entidade?

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___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

A sua entidade participa de qual comissão de trabalho da Rede DLIS?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

3. Questões Norteadoras

Conhecimento sobre a história do bairro: mudanças que ocorreram ao longo dos anos

O que provocou essas mudanças?

Como você percebe a questão da participação da população hoje?

Como você avalia sua participação na Comissão de Trabalho da Rede DLIS?

Como você percebe a organização e funcionamento da Rede DLIS? (pontos positivos e

negativos, sugestões)

Quais as estratégias de mobilização da comunidade utilizadas pela entidade que você

participa? E quais as estratégias da Rede DLIS?

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APÊNDICE C – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

O(a) Sr(a) está sendo convidado(a) a participar da pesquisa intitulada REDES DE

MOVIMENTOS SOCIAIS NA LUTA POR DIREITOS: (DES) CAMINHOS DA

PARTICIPAÇÃO POPULAR, que tem como objetivo geral “analisar as práticas de

participação de uma rede de movimentos sociais na luta por direitos”. Para produção dos

dados serão utilizados: a observação participante, a entrevista semiestruturada, os círculos de

cultura e a pesquisa documental. Dessa forma, CONVIDAMOS você a participar da pesquisa

discorrendo sobre questões geradoras sobre o tema acima proposto que poderá ser gravada,

filmada e fotografada, se você concordar. Essa participação é voluntária e a qualquer

momento os sujeitos podem solicitar sua exclusão do estudo, sem qualquer prejuízo ou dano.

A pesquisa segue as normas previstas na Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de

Saúde que regulamenta as pesquisas que envolvem seres humanos. Reconhecemos a

possibilidade de riscos, ainda que sem a mínima intencionalidade, de no percurso da pesquisa

de campo, os participantes se sentirem avaliados, julgados diante das observações e com

receio de exposição de informações pessoais como resultado das entrevistas e círculos de

cultura. Diante disso, afirmamos que nossa intenção não será a de avaliá-los e que será

garantida a lisura ética a que essa pesquisa cumpre, sendo mantida em sigilo as informações

obtidas e a identidade dos participantes não será revelada. Antes de apresentar os dados

coletados ao coletivo da Rede DLIS iremos apresentar a todos os participantes da pesquisa

(caso desejem) para que façam comentários e, por ventura, expressem suas opiniões. Como

benefícios essa investigação poderá produzir conhecimentos que venham subsidiar o

aprimoramento dos debates em torno da participação social no âmbito dos movimentos

sociais, além de apresentar-se como terreno fértil para a criação de condições de consciência

crítica e participativa, com desenvolvimento de ações que propiciem o fortalecimento da

articulação comunitária na defesa de direitos sociais.

Para quaisquer esclarecimentos entrar em contato com a pesquisadora principal Vanessa

Calixto Veras, pelo telefone (85)988162840 ou e-mail: [email protected]. Esta

pesquisa foi previamente avaliada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade

Estadual do Ceará, situado na Av. Dr. Silas Munguba, 1700, Campus do Itaperi, Fortaleza-

CE, telefone (85) 31019890 ou email: [email protected].

Este termo está elaborado em duas vias, sendo uma para o sujeito participante da pesquisa e

outra para arquivo da pesquisadora. Após tomar conhecimento da forma como será realizada a

pesquisa e estando ciente de meus direitos, aceito participar da mesma sem que para isso eu

tenha sido forçado(a) ou obrigado(a).

Data _____/______/_____

__________________________________________

Participante

__________________________________________

Vanessa Calixto Veras (Pesquisadora)

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APÊNDICE D – Termo de Fiel Depositário

TERMO DE FIEL DEPOSITÁRIO

Eu, Marileide da Silva Luz, coordenadora executiva do Centro de Defesa da Vida

Herbert de Souza (CDVHS), entidade integrante da Rede de Desenvolvimento Local,

Integrado e Sustentável (Rede DLIS), fiel depositário dos documentos da referida Rede,

situada em Fortaleza, Ceará, declaro que a pesquisadora VANESSA CALIXTO VERAS,

Assistente Social, aluna do Mestrado Acadêmico em Saúde Coletiva da Universidade

Estadual do Ceará (UECE), sob orientação da Profª Drª Lucia Conde de Oliveira, está

autorizada a realizar nesta Instituição o projeto de pesquisa: REDES DE MOVIMENTOS

SOCIAIS NA LUTA POR DIREITOS: (DES) CAMINHOS DA PARTICIPAÇÃO

POPULAR, cujo objetivo geral é “analisar as práticas de participação de uma rede de

movimentos sociais na luta por direitos”. Em decorrência da pesquisa serão analisados

registro de reuniões, atas, relatórios, Política de Desenvolvimento Local e Sustentável do

Grande Bom Jardim e outros documentos relacionados ao campo de estudo.

Ressalto que estou ciente de que serão garantidos os direitos em relação aos dados

e informações obtidos, conforme assegura a Resolução Nº 466/2012 do Conselho Nacional de

Saúde de:

1) Garantia da confidencialidade, do anonimato e da não utilização das informações

em prejuízo dos outros.

2) Emprego dos dados somente para fins previstos nesta pesquisa.

3) Retorno dos benefícios obtidos por meio deste estudo para as pessoas e a

comunidade onde o mesmo foi realizado.

Informo-lhe ainda, que a pesquisa somente será iniciada após a aprovação do

Comitê de Ética em Pesquisa - CEP da Universidade Estadual do Ceará, para garantir a todos

os envolvidos os referenciais básicos da bioética, isto é, autonomia, não maleficência,

benevolência e justiça.

Fortaleza, ___ de ______________ de ________.

___________________________________________________________

(Coordenação Executiva do Centro de Defesa da Vida Herbert de Souza)

Assinatura dos pesquisadores:

____________________________________________________

Professora Dra. Lucia Conde de Oliveira (orientadora)

___________________________________________________

Vanessa Calixto Veras

Fone: (85) 988162840

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APÊNDICE E – Problematização da Situação de Saúde do Grande Bom Jardim

PROBLEMATIZAÇÃO DA SITUAÇÃO DE SAÚDE DO GRANDE BOM JARDIM

Vanessa Calixto Veras

A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) é o principal órgão da Prefeitura Municipal de

Fortaleza (PMF) responsável pelos serviços e ações de saúde, que compõem o Sistema Único

de Saúde (SUS) na esfera municipal de governo. Para o atendimento das necessidades de

saúde da população, estimada em 2.591.188 habitantes (IBGE, 2015), a SMS deve assegurar a

oferta adequada de ações e serviços de saúde, quadro suficiente de profissionais, garantir

medicamentos, exames e procedimentos, além de infraestrutura física apta dos serviços.

A rede municipal de saúde oferece atendimento na Atenção Primária através de suas

91 unidades de saúde, com cobertura de 49,40% de equipes de saúde da família e 219 equipes

de saúde bucal implantadas, equivalendo a uma cobertura 26,28%24. Para a Atenção

Secundária conta com unidades de pronto atendimento (UPAS), hospitais (Gonzaguinhas,

Frotinhas, Nossa Senhora da Conceição, Dra. Zilda Arns, Centro de Assistência à Criança,

Hospital da Mulher), centros de atenção psicossocial (CAPS), Ocas de Saúde Comunitária,

Residências Terapêuticas e centros de especialidades odontológicas (CEOS). Em nível

terciário dispõe do Hospital IJF.

É oferecido também o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), as

farmácias populares e uma rede conveniada composta por clínicas e hospitais públicos,

privados e filantrópicos que prestam serviços de consultas, exames e internações. Incluem

também nos serviços de saúde a Vigilância Epidemiológica, Sanitária, Ambiental e Riscos

Biológicos.

Faz-se necessário tecer algumas ressalvas para o contexto de execução da Atenção

Primária no município. O aumento de equipes cadastradas para 49,40% pode ser decorrente

de iniciativas como o Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica – PROVAB

e o Programa Mais Médicos, que reconfigura um contexto de escassez ou ausência de

profissionais médicos nos serviços. Entretanto, enfatiza-se que essas formas de contratação

24 O cálculo do percentual de cobertura por equipes de saúde bucal se dá pelo: nº de equipes de saúde bucal

implantadas X 3000 X 100 /população residente.

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151

são planos emergenciais, com vínculos precarizados e não garantem que esses profissionais

sejam efetivados no SUS, além de não possibilitar a criação de vínculos com a população

atendida devido à alta rotatividade, por conseguinte não contribui para a consolidação

pretendida ao sistema público de saúde.

A recomposição dos quadros profissionais de saúde, exceto médicos, também não se

dá de maneira satisfatória, tendo em vista que acontece de forma terceirizada, precarizada e

com permanência de vagas não repostas, já que os cargos dos sistemas gerenciais das

unidades (coordenador e DNI) foram preenchidos por servidores do município, não havendo

substituição plena por outros profissionais de saúde.

A terceirização, em suas mais variadas configurações, se alicerça num projeto

privatista que precariza as relações de trabalho e desorganiza os modelos de atenção integral à

saúde. A transferência de recursos públicos à empresas privadas ou organizações sociais é

uma prática crescente de gestores do SUS. Na realidade de Fortaleza, a privatização se

manifesta no contrato com o Instituto de Saúde e Gestão Hospitalar (ISGH), uma organização

social (OSS) que presta serviços em saúde e contratação de pessoal. Esse panorama

ameaçador para uma política pública de saúde gratuita e de qualidade foi aprofundado com a

aprovação da Lei 178/2014 que instituiu a Fundação de Apoio à Gestão Integrada em Saúde

de Fortaleza (FAGIFOR), uma fundação pública de direito privado, para administrar todos os

recursos materiais e financeiros do município destinados à saúde.

Outro aspecto que merece destaque é a quantidade de 9 equipes implantadas do

Núcleo de Apoio à Saúde da Família – NASF tipo 1 para toda a cidade (DAB, 2015). Os

NASF foram criados em 2008 pelo Ministério da Saúde com o objetivo de ampliar a

abrangência e o escopo de ações ofertadas na atenção primária, bem como sua resolubilidade.

De acordo com a Política de Atenção Básica de 2011 (BRASIL, 2012), os NASF são equipes

multiprofissionais, compostas por profissionais de diferentes profissões ou especialidades,

que devem atuar de maneira integrada e apoiando os profissionais das equipes de Saúde da

Família e das equipes de Atenção Básica para populações específicas (Equipes Consultórios

de Rua, Equipes Ribeirinhas e Fluviais) e Academia da Saúde, compartilhando práticas e

saberes em saúde com as equipes de referência apoiadas, buscando auxiliá-las no manejo ou

resolução de problemas clínicos e sanitários.

O Ministério da Saúde reconfigurou recentemente o NASF, definindo que cada NASF

tipo 1 realize suas atividades vinculado de 5 a 9 equipes de saúde da família, e/ou equipes de

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152

atenção básica para populações específicas (BRASIL, 2014). Enquanto isso, no Município de

Fortaleza tem 9 equipes NASF para apoiar 358 Equipes de Saúde da Família implantadas,

conforme dados registrados até o mês de agosto deste ano, no Departamento de Atenção

Básica – DAB, do Ministério da Saúde (DAB, 2015).

Isso conduz a reflexão em torno da real prioridade da gestão municipal para qualificar

e ampliar a capacidade de resposta aos problemas de saúde, em nível primário de atenção.

Uma outra questão que precisa ser avaliada é a reconfiguração do processo de trabalho das

Equipes da Estratégia de Saúde da Família, que descaracteriza e desconfigura o que é

preconizado pela PNAB 2011, como carga horária das equipes de 6 horas corridas, unidades

de saúde funcionando de 7 às 19h que nem sempre reflete num acesso efetivo e de qualidade

aos serviços de saúde, foco na demanda espontânea, não priorização das ações de prevenção e

promoção da saúde.

Em relação ao contexto da Secretaria Regional V, existem 20 (vinte) unidades de

atenção primária à saúde – UAPS, sendo que 8 (oito) unidades estão situadas na área de

abrangência do Grande Bom Jardim (GBJ): UAPS Abner Cavalcante Brasil (Bom Jardim);

UAPS Argeu Herbster (Bom Jardim); UAPS Siqueira (Siqueira); UAPS Dom Lustosa (Granja

Lisboa); UAPS Edmilson Pinheiro (Granja Lisboa); UAPS Guarany Mont’Alvern (Granja

Lisboa); UAPS Fernando Diógenes (Granja Portugal); UAPS Jurandir Picanço (Granja

Portugal). Essas unidades dão cobertura aos bairros do GBJ que, conforme o Sistema de

Monitoramento Diário de Agravos/SMS – Simda (2015), apresentam como população: Bom

Jardim (39.601 hab.), Canindezinho (43.214 hab.), Granja Lisboa (54.582 hab.), Granja

Portugal (41.588 hab.). Os dados correspondem ao ano de 2014 e não constava o bairro

Siqueira.

O relatório da nova territorialização, realizada no ano de 2013 pelas equipes de saúde

da família, demonstrou o contexto das unidades de saúde do Grande Bom Jardim,

apresentando a composição necessária de equipes de saúde da família e número de agentes

comunitários de saúde (ACS). Essas UAPS apresentam atualmente, conforme tabela abaixo,

uma grande defasagem frente ao recomendado pela PNAB 2011 (BRASIL, 2012), que prevê

que o número de ACS deve ser suficiente para cobrir 100% da população cadastrada, com um

máximo de 750 pessoas por ACS e de 12 ACS por Equipe de Saúde da Família (EqSF), não

ultrapassando o limite máximo recomendado de pessoas por equipe; e que cada EqSF deve ser

responsável por, no máximo 4.000 pessoas, sendo a média recomendada de 3.000, respeitando

critérios de equidade para essa definição. Recomenda-se que o número de pessoas por EqSF

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153

considere o grau de vulnerabilidade das famílias do(s) território(s), sendo que, quanto maior o

grau de vulnerabilidade, menor deverá ser a quantidade de pessoas por equipe.

UAPS Abner Cavalcante (33.492 hab.) – 04 Equipes existentes e 34 ACS existentes

UAPS Argeu Herbster (44.525 hab.) – 05 Equipes existentes e 46 ACS existentes

UAPS Dom Lustosa (19.590 hab.) – 04 Equipes existentes e 24 ACS existentes

UAPS Edmilson Pinheiro (22.998 hab.) – 04 Equipes existentes e 26ACS existentes

UAPS Fernando Diógenes (32.623 hab.) – 06 Equipes existentes e 40 ACS existentes

UAPS Guarany Mont’Alvern (32.702 hab.) – 04 Equipes existentes e 46 ACS existentes

UAPS Jurandir Picanço (16.532 hab.) – 04 Equipes existentes e 22 ACS existentes

UAPS Siqueira (40.065 hab.) – 02 Equipes existentes e 10 ACS existentes

OBS: A gestão municipal, iniciada em 2013, disparou uma série de investimentos para reforma e

ampliação de unidades de saúde e construção de UPA’s e novas UAPS, esse processo teve

repercussões no cenário do GBJ, a serem retomadas neste relatório.

A partir de dados disponibilizados pelo Plano Municipal de Saúde (2010-2013)25 é

possível estabelecer análise sobre alguns elementos da situação de saúde e indicadores

epidemiológicos da Regional V. A área territorial dessa regional com 6.334, 70 km² apresenta

dimensões municipais e congrega grandes discrepâncias sócio-demográficas. A Regional V

tem, aproximadamente, 529.903 habitantes, representando 21% da população total do

município.

Correspondente às condições de saúde, são mantidas no quadro epidemiológico

doenças como tuberculose, hanseníase, dengue, leishmaniose visceral, apresentando somente

esta última uma tendência decrescente na frequência de casos nos anos de 2006 a 2009 casos,

evidenciando a necessidade de ações prevenção, promoção e tratamento de saúde. As doenças

25 Foi utilizado o Plano Municipal de Saúde (PMS) 2010-2013 porque o plano referente ao quadriênio posterior

não está disponível no site da Secretaria Municipal de Saúde, com a justificativa de que está em apreciação pelo

Conselho Municipal de Saúde.

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do aparelho circulatório, as neoplasias e as causas externas, apresentam-se como as principais

causas de mortalidade da regional nesse mesmo período.

Em relação aos indicadores de saúde, merece destaque o aumento do número de ações

coletivas de escovação dental supervisionada, isso é uma potencialidade porque são ações de

promoção de saúde bucal. Entretanto, o número de primeira consulta odontológica

programática, no período de 2006 a 2009, foi abaixo do pactuado pela gestão, que reflete a

proporção de pessoas que tiveram acesso ao tratamento odontológico ofertado pelas equipes

de saúde bucal. Acredita-se ser reflexo da baixa cobertura pelas equipes de saúde bucal, da

dificuldade de acesso ao tratamento odontológico e das contínuas paralisações de

atendimentos por falta de insumos e manutenção dos consultórios odontológicos. As

características como a densidade populacional (83,65 hab./km²), a expressiva relação entre

causas externas e mortalidade (incluindo a violência), áreas de baixa renda per capta e o

quantitativo de áreas de risco (cerca de 69% das microáreas da regional) repercutem

diretamente nos indicadores de saúde.

A Prefeitura de Fortaleza divulgou, através da Secretaria Municipal de

Desenvolvimento Econômico (SMDE), estudo sobre a situação do Índice de

Desenvolvimento Humano em Fortaleza, por bairro (IDH-B), com base nos dados do Censo

Demográfico realizado em 2010. A Regional V apresentou os bairros com pior desempenho.

Referente ao GBJ, se configurou da forma a seguir: Granja Portugal (0,190); Granja Lisboa

(0,169); Bom Jardim (0,194); Siqueira (0,148); Canindezinho (0,136) . Os bairros

Canindezinho, Siqueira e Granja Lisboa ficaram entre os 10 piores bairros de Fortaleza

quanto ao IDH no ano de 2010. Esse parâmetro de desenvolvimento corresponde a um

indicador sintético composto pelas dimensões: Renda, Educação e Longevidade. Ressalta-se

que, pelas adaptações à metodologia do IDH realizadas pela SMDE, não é possível análise

comparativa entre IDH, IDH-M e IDH-B. A apresentação desses índices por bairro do Grande

Bom Jardim visa contribuir com a análise do contexto social em que se inserem esses bairros

e os desafios postos para a execução da política de saúde, a partir desses territórios.

Em 12 março de 2015, conselheiros de saúde e a Comissão de Monitoramento do

Direito à Saúde, da Rede DLIS realizaram, na sede do Centro de Defesa da Vida Herbert de

Souza, uma denúncia coletiva acerca do descaso geral com o direito à saúde na Região. Os

conselheiros denunciaram funcionamento irregular dos conselhos locais de saúde, o que

contribuía para a escassez ou ausência de monitoramento no funcionamento das UAPS,

contexto de descumprimento de organização e execução de competências previstas na Lei nº

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8142/90. Foram denunciadas as seguintes situações comuns a todas UAPS do Grande Bom

Jardim: falta de insumos e equipamentos – os atendimentos ginecológicos e odontológicos

estavam suspensos por falta de materiais; atendimento precarizado – com destaque para o

problema de infraestrutura da UAPS Dom Lustosa; falta de medicamentos de distribuição

obrigatória; não estavam sendo realizadas marcação de consultas especializadas; gestão

inadequada – uso de bens privados (carros) para suprir emergências e providências da função

pública; falta de transporte para deslocamento de profissionais para atendimento domiciliar de

acamados e pessoas com dificuldade de locomoção; CAPS Geral no Bom Jardim não estava

realizando atendimento à população que demandava consultas; obras de equipamentos de

saúde estavam paralisadas.

A discussão dessas e outras problemáticas foram retomadas na pré-conferência

temática de saúde, intitulada “Monitoramento popular para uma saúde de qualidade!”,

realizada em maio de 2015 pela Rede DLIS, como etapa preparatória para a IV Conferência

de Desenvolvimento Sustentável do Grande Bom Jardim. Participaram da referida pré-

conferência: membros da Rede DLIS, moradores, conselheiros e profissionais de saúde da

Região. Ao enfocar os temas trazidos pelos participantes, assumiu destaque o debate sobre

condições de acesso às ações e serviços de saúde, incluindo a distribuição de insumos e

medicamentos, funcionamento de equipamentos, realização de exames e atendimentos

especializados. Foi incluída a reflexão sobre modelo de gestão e atenção em saúde,

terceirização de serviços, condições de funcionamento das unidades de saúde e Centro de

Atenção Psicossocial. Os sujeitos problematizaram também a Educação Permanente dos

profissionais, funcionamento dos conselhos locais de saúde e demonstraram preocupação com

a participação popular. A partir dos problemas elencados, foram construídas propostas de

ações, como forma de qualificar a luta pelo direito à saúde, sobretudo, no que se refere ao

acompanhamento da execução da Estratégia de Saúde da Família nas Unidades de Atenção

Primária à Saúde que abrangem seus bairros.

Apresenta-se a seguir uma síntese das propostas da IV Conferência Temática da Saúde

do GBJ: o eixo temático Saúde apresenta um quadro estratégico de estruturação e

sustentabilidade da política municipal de saúde no território com a efetivação da construção e

inauguração das unidades de atenção primária nas comunidades Parque Jerusalém, no

Canindezinho, e Miguel Arrais, no Siqueira, e da unidade de pronto atendimento no bairro

Granja Lisboa, e dando início ao processo licitatório de construção da UAPS da Vila Manuel

Sátiro e da comunidade Tatumundé. Há indicação da necessidade de realização de concurso

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público de profissionais de saúde, sobretudo, de Agentes Comunitários de Saúde, livre dos

tradicionalismos da cultura política do compadrio e patriarcalismo, garantindo a efetiva

utilização da territorialização da política local de saúde. Incluem-se nas propostas a

disponibilidade adequada e necessária de equipamentos e insumos no suprimento pleno dos

usuários; o controle e distribuição de medicamentos de uso continuado; a extinção e o

afastamento de terceirizada (ISGH/FAGIFOR) do gerenciamento da política municipal de

saúde, com a municipalização da gestão da política de saúde de Fortaleza, com realização de

concursos públicos e de auditorias externas, com publicização de resultados dos gastos com a

manutenção do sistema municipal de saúde. Correspondente à participação, promover

efetividade da política de controle e participação social, com fortalecimento dos conselhos

locais de saúde, reestruturando o modelo eletivo de composição dos conselhos locais com

amplo processo de mobilização comunitária e realização de assembleias informativas,

formativas e eletivas, criando mecanismos de interação e comunicação conselhos-

comunidades; disponibilização de assessoria jurídica aos conselhos locais de saúde; instalação

e funcionamento efetivo e obrigatório de Mesas de Diálogos Permanentes para implementar

uma política de Planejamento, Monitoramento e Avaliação da saúde local com participação da

comunidade e conselhos, garantindo estrutura física e de equipamentos de funcionamento dos

conselhos locais de saúde nas UAPS, dando uma atenção para a implantação e ampliação da

rede local de saneamento e efetivação da política de educação ambiental comunitária.

Referências:

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção

Básica. Política Nacional de Atenção Básica. (Série E. Legislação em Saúde). Brasília:

Ministério da Saúde, 2012.

BRASIL. Núcleo de Apoio à Saúde da Família/Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à

Saúde, Departamento de Atenção Básica. Núcleo de Apoio à Saúde da Família – Volume 1:

ferramentas para a gestão e para o trabalho cotidiano. (Cadernos de Atenção Básica, n.39).

Brasília: Ministério da Saúde, 2014.

Links utilizados:

http://tc1.sms.fortaleza.ce.gov.br/simda/populacao/sexo?ano_pop=2014&modo=bairro&regio

nal=13. Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza (SMS). Sistema de Monitoramento Diário

de Agravos (Simda). População segundo o sexo, Fortaleza, ano 2014. Acesso: 20/10/2015.

http://www.fortaleza.ce.gov.br/sms/secretaria-municipal-de-saude. Secretaria Municipal de

Saúde de Fortaleza (SMS). Acesso: 20/10/2015.

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http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=01. DataSUS: Departamento de

Informática do SUS. Acesso: 20/10/2015.

http://dab.saude.gov.br/dab/historico_cobertura_sf/historico_cobertura_sf_relatorio.php.

DAB: Departamento de Atenção Básica. Acesso: 20/10/2015.

http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=230440&search=ceara|fortal

eza. Acesso: 21/10/2015.

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ANEXOS

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ANEXO A – Parecer Consubstanciado do CEP

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