alfabetizar letrando: mudanças (im)previsíveis no ensino ...
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES.
DEPARTAMENTO DE TEORIA E PRÁTICA DE EDUCAÇÃO
CURSO DE PEDAGOGIA
Léria Sandra Camilo de Souza
Léria Sandra Camilo de Souza
ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS DE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO
Trabalho apresentado como requisito parcial
para conclusão do Curso de Pedagogia pela
Universidade Estadual de Maringá
Orientadora: Profª. Drª. Maria Angélica Olivo
Francisco Lucas.
Maringá
2010
FOLHA DE APROVAÇÃO
Léria Sandra Camilo de Souza
ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS DE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO
Aprovado em:
Trabalho apresentado como requisito parcial
para conclusão do Curso de Pedagogia pela
Universidade Estadual de Maringá
Banca examinadora
Profª Drª Maria Angélica Olivo Francisco Lucas
Instituição:Universidade Estadual de MaringáAssinatura:_________________________
Profª Drª Regina Lucia Mestti
Instituição:Universidade Estadual de MaringáAssinatura:_________________________
Profª ª Msª. Leila Pessôa Da Costa
Instituição: Universidade Estadual de MaringáAssinatura:_________________________
Ao meu Pai,
Que representou o maior exemplo de dedicação e me incentivou a todo o período
da pesquisa.
A minha querida mãe,
Que em todos os momentos desse trabalho, quando eu pensava em desistir refletia
sobre os momentos maravilhosos do meu período de alfabetização que tive ao seu
lado.
Ao meu namorado,
Por todos os momentos que se mostrou compreensivo, carinhoso e além de tudo
companheiro.
A minha querida amiga Edineia,
Que me incentivou e me alegrou nos momentos árduos, sendo companheira
sempre.
A minha amiga Ir. Rosa,
Que me incentivou carinhosamente no decorrer da minha caminhada acadêmica,
contribuindo para o meu empenho e dedicação.
A minha amiga Ir. Maria,
Que me incentivou e acreditou no potencial desse trabalho, colaborando na
dispensa do trabalho para realização das observações.
A minha amiga Ir. Cecília,
Que me incentivou e acreditou no potencial desse trabalho, colaborando na
dispensa do trabalho para realização das observações.
AGRADECIMENTOS
Á DEUS, que esteve comigo todo esse tempo me iluminando.
Ao meu pai José, que de forma especial e carinhosa me deu força nos momentos de
dificuldade.
Ao meu namorado Diego, que por muitas vezes abdicava de seu trabalho ecompromissos
para me auxiliar na faculdade. Vou ser eternamente grata a você.
A querida Profª Maria Angélica, minha orientadora, principalmente por ter me aceitadocomo
sua orientanda, pela dedicação, compreensão e incentivo para o desenvolvimento deste
trabalho.
A Professora e a Diretora que fizeram parte desse trabalho, agradeço carinhosamentepor
terem aceitado a realização das observações na escola, contribuindo para a consecuçãodessa
pesquisa.
A todos os meus professores, em especial a Profª Analete Regina Schelbauer, pelocarinho e
incentivo.
As minhas amigas sinceras que me incentivaram: Edineia, Juliana, Andressa, Francielle
Andréia, Jovita, Janete e Cleonice, nessa caminhada de conhecimento
E finalmente a todos que contribuíram direta ou indiretamente para a realização deste
trabalho.
Agradeço de coração a todos vocês!
“Não basta ensinar a ler e escrever,
é preciso aproximar as pessoas ao
universo da leitura e escrita”
Rosa Maria Torres
RESUMO
Esta pesquisa intitulada “Estratégias pedagógicas de alfabetização e letramento”objetivou investigar as estratégias utilizadas por uma professora de 2º ano do ensinofundamental para promover a alfabetização e o letramento de seus alunos. Aimportância dessa pesquisa reside no fato da persistência de problemas relacionadoscom a aprendizagem da leitura e da escrita e dos usos sociais dessas habilidades nosanos iniciais de escolarização atualmente. A alfabetização perdeu sua especificidadediante da inserção, nas práticas pedagógicas, de inversões e falsas inferências advindasde princípios da abordagem construtivista. Tal abordagem ampliou o conceito dealfabetização, a ponto de o mesmo ter sido absorvido ou confundido com o processo deletramento. Além de desvalorizar os métodos de alfabetização, tal abordagem deuorigem a um falso pressuposto a respeito do processo de aquisição do sistemaconvencional de escrita, valorizando apenas o convívio com o material escrito eindicando que, por meio desse contato, a criança se alfabetiza. Essas confusões entre osconceitos de alfabetização e letramento justificam, em parte, o alto índice de criançascom idade entre oito e nove anos que não sabem ler nem escrever, pois professoresacreditam estar alfabetizando e letrando seus alunos, sem realmente saber diferenciarum processo do outro. Portanto, apresentamos discussões a respeitos dos processos:alfabetização e letramento, conceituando-os à luz dos estudos desenvolvidos por MagdaSoares, refletindo sobre estratégias para aprender a ler e escrever estratégias para usar aescrita e estratégias para alfabetizar letrando. Tais reflexões fundamentaram o segundomomento desta pesquisa, que se constituiu em um estudo de caso. Para tanto,apresentamos e analisamos estratégias utilizadas por uma professora de 2º ano do ensinofundamental, cuja prática pedagógica observamos por um período de 12 horas. Aconclusão desta pesquisa fez-nos reconhecer a importância de saber diferenciar osprocessos de alfabetização e letramento e de reconhecer as especificidades de cada umdeles, para que possamos desenvolver práticas pedagógicas intencionais esistematizadas direcionadas, concomitantemente, a esses dois processos.
Palavras-chave: Alfabetização. Letramento. Estratégias pedagógicas.
SUMÁRIO
1.Introdução.........................................................................................................................8
2. A relação entre alfabetização e letramento: aspectos históricos, conceituais e
metodológicos..................................................................................................................11
2.1. Psicogênese da língua escrita: um novo olhar para a alfabetização........................ 13
2.2. Letramento: necessidades de nomear práticas sociais de leitura e escrita................15
2.3. Alfabetização e letramento na escola.......................................................................17
3. Estratégias pedagógicas de letramento e alfabetização...............................................22
3.1. Sala de aula: características da turma do 2º ano.......................................................22
3.2. Estratégias para aprender a ler e escrever.................................................................24
3.3. Estratégias para usar a escrita...................................................................................29
3.4. Estratégias para alfabetizar letrando.........................................................................33
4. Considerações finais....................................................................................................38
5.Referências......................................................................................................................39
1. Introdução
Durante o período de graduação e atuando como professora de reforço de séries
iniciais do ensino fundamental, interessou-me o tema alfabetização e letramento. Osestágios curriculares obrigatórios realizados também alimentaram tal interesse, pelo fatode termos muitas vezes observado dificuldades por parte do professor em encaminhar aprática pedagógica, visando aos processos de alfabetização e letramento. Naquelasoportunidades, verificamos a falta de estratégias sequenciadas e sistematizadas nasatividades desenvolvidas junto aos alunos das séries iniciais do ensino fundamental paraque, de fato, eles aprendessem a ler, escrever e utilizar essas habilidades nas maisdiversas práticas sociais. Em virtude disso, sentimo-nos motivados a investigar econhecer as estratégias utilizadas por uma professora de 2.º ano do ensino fundamentalpara promover a alfabetização e o letramento de seus alunos.1 Para tanto, iremos nosapoiar nos estudos realizados por Soares (1998; 2003a; 2003b; 2004a; 2004b; 2010) eMortatti (2000; 2004; 2006). Com base nesses estudos, concebemos alfabetização comoa ação de alfabetizar, de tornar o indivíduo capaz de ler e escrever, e letramento como oestado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo, como consequênciade ter se apropriado da escrita e da leitura, sabendo utilizá-las em diferentes situaçõesque a vida cotidiana lhe impõe.
Consideramos esta pesquisa relevante diante da realidade encontrada nas escolas, a qualevidencia os problemas afetos aos atos de alfabetizar e letrar no Brasil. A esse respeito,vale lembrar que, em 2009, foi publicada, na Folha de São Paulo, a seguinte matéria:“Brasil tem 11,5% de crianças analfabetas, aponta IBGE”. Gois (2009) escreve para oreferido meio de comunicação, citando os dados do Instituto Brasileiro de Geografia eEstatística (IBGE), os quais apontam que, entre 2001 e 2007, a redução de analfabetoscom oito e nove anos de idade foi só de 2,5 pontos. Contudo, o referido jornalistamenciona que, apesar de o Brasil ter apresentado muitos avanços, inclusive na áreaeducacional, ainda é grande o número de crianças analfabetas com oito e nove anos,chegando ao percentual de 11,5. Essa situação é ainda mais grave no Nordeste (23% decrianças analfabetas), especialmente no Maranhão (38%), em Alagoas (29%) e no Piauí(27%). A situação no Paraná não é tão confortável quanto parece. Por meio do Índice deDesenvolvimento da Educação Básica (IDEB), divulgado em 21 de junho de 2007,podem-se classificar as escolas brasileiras em função do resultado obtido pelaconjunção de dados da
1 Esta pesquisa foi autorizada pelo Comitê Permanente de Ética em PesquisaEnvolvendo Seres Humanos – COPEP/UEM.
9
Prova Brasil, realizada com os alunos da 4.a à 8.a série do Ensino Fundamental, e o
rendimento medido pela taxa de aprovação no Censo Escolar. Dentre as dez escolas
consideradas como detentoras de melhor desempenho, nenhuma se encontra no Estadodo
Paraná, todas estão na região sudeste do país. Porém, dentre as dez escolas brasileirascom
índices mais baixos, quatro delas são paranaenses2. O município de Maringá também
apresenta um resultado abaixo da meta nacional, que é de 6.0 pontos, em uma escala de0 a
103.
Reconhecemos que há um considerável grau de dificuldade na busca pela solução de
problemas relacionados com os processos salientados. Soares (2004c) ressalta que a
alfabetização perdeu sua especificidade diante do movimento de alfabetizaçãocaracterístico
da década de 80 e 90, que ampliou esse conceito. Hoje temos a necessidade de,utilizando a
expressão da autora, “reinventar” a alfabetização. Para tanto, segundo Lucas (2008),urge que
os professores façam a distinção entre os processos de alfabetização e letramento. Aautora
considera essa situação como condição para dotar a prática pedagógica de estratégiasvoltadas
para esses dois processos. Diante do exposto, questionamos: quais estratégias oprofessor de
segundo ano do ensino fundamental utiliza para promover a alfabetização e o letramentode
seus alunos?
Para responder a essa questão, encontramos também certa dificuldade, porque, apesar
de alfabetização e letramento serem dois processos diferentes, são, como consideraSoares
(2004c), indissociáveis e interdependentes. Segundo a autora, a alfabetizaçãodesenvolve-se
no contexto de e por meio das práticas sociais de leitura e escrita, isto é, por meio de
atividades que envolvam o letramento, o qual se promove por meio de habilidades deleitura e
escrita.
Para a apresentação dos resultados desta pesquisa, dividimos a mesma em duas partes.
A primeira, intitulada “A relação entre alfabetização e letramento: aspectos históricos,
conceituais e metodológicos”, está subdividida em: “Psicogênese da língua escrita: umnovo
olhar para a alfabetização”; “Letramento: necessidades de nomear práticas sociais de
leitura e escrita” e “Alfabetização e letramento na escola”. Esses subtítulos têm porobjetivo
ressaltar o início do processo de escolarização no Brasil retratado por Mortatti, visandoa
apresentar os quatro momentos desse período e apontar características específicas doprocesso
2 Escola Municipal Pe. Venceslau em Irati, 0,3; Escola Municipal Prof.ª Vera L. Costa,em S. Jerônimo da Serra,
0,2; Escola Municipal Prof. José P. Silva em S. Antonio da Platina, 0,3; EscolaMunicipal Monteiro Lobato em
Reserva do Iguaçu, 0,1. Dados disponíveis em:<www.odiariomaringa.com.br/noticia/193409>. Acesso em: 2802-
2010.
3 O resultado médio das escolas pertencentes à rede pública municipal de ensino deMaringá no IDEB de 2007 é
4,9. Dados disponíveis em: <http://portal.mec.gov>. Acesso em: 16-10-2009.
de alfabetização encontradas em cada momento. Em seguida, enfatizamos o quartomomento
à luz dos estudos de Magda Soares. Assim, frisamos a inserção da perspectivaconstrutivista
no Brasil, ressaltando os estudos realizados por Ferreiro e colaboradores; destacamos a
necessidade de nomear práticas sociais de leitura e escrita, ou seja, abordamos osurgimento
do termo letramento; salientamos a relação entre os processos de alfabetização eletramento
no âmbito escolar.
A segunda parte, intitulada “Estratégias pedagógicas de letramento e
alfabetização”, foi subdividida em: “Sala de aula: características da turma do 2.º ano”;
“Estratégias para aprender a ler e escrever”; “Estratégias para usar a escrita”;“Estratégias
para alfabetizar letrando”. Procuramos ressaltar, em primeiro lugar, as características da
turma do 2.º ano, com o intuito de identificar minuciosamente o perfil dessa turma, para
direcionarmos nosso olhar para as estratégias utilizadas pela respectiva professora. Nosdois
primeiros subitens, descrevemos e analisamos alguns exercícios propostos por essaprofessora
para promover a alfabetização de seus alunos. Para finalizar a análise, apresentamos oterceiro
item, o qual constitui a descrição e análise de um exercício direcionado à alfabetização,porém
em um contexto de letramento, caracterizando a dificuldade encontrada por parte dos
professores em realizar atividades em que se possa alfabetizar e letrar,concomitantemente.
Contudo, não desmerecemos as outras atividades, que focaram somente o processo de
alfabetização, pois, segundo Soares (2004b), é preciso utilizar estratégias específicaspara
promover a alfabetização e estratégias específicas para promover o letramento, porémestas
podem caminhar juntas.
Tendo em vista tais apontamentos, consideramos a temática pesquisada extremamente
importante, pois instigou-nos, assim como os demais professores, levando-nos areconhecer as
especificidades dos processos de alfabetização e letramento. Desse modo, podemos
enriquecer nossas práticas de estratégias pedagógicas, dotando-as de sistematicidade e
intencionalidade, o que também pode promover a reflexão sobre a formação deprofessores
alfabetizadores.
2. A relação entre alfabetização e letramento: aspectos históricos, conceituais e
metodológicos
Em nosso país, as dificuldades em ensinar a ler e escrever não são recentes (SOARES,
1985; 1998; MORTATTI, 2000; 2004). Essa afirmação, partindo do princípio de que o
passado traz lições que nos ajudam a compreender o presente, estimula-nos a refletirsobre a
história do ensino da leitura e da escrita no Brasil. Mortatti (2000; 2004; 2006)contribuiu
para a realização dessas reflexões no início do processo de escolarização em nosso país,
relatando quatro momentos.
O início do primeiro momento é marcado pelo final do Império brasileiro e ocorre em
meio ao período de imigrações. A autora argumenta que a educação foi consideradacomo a
solução para os problemas daquela época e que o ensino precisava, então, de uma
organização. Contudo, as escolas existentes atendiam a alunos de idades diferentes emsalas
adaptadas, com as aulas régias (aulas ministradas individualmente). Nesse momento,surgiram
também as “cartas ABC”: um material impresso na forma de livros, cujo objetivo eraensinar
a leitura por meio de ditados e outros recursos. Tratava-se de um método sintético de
alfabetização.
Mortatti (2000) enfatiza que esse momento foi marcado pela institucionalização do
material didático, pois foi introduzido nas escolas brasileiras o método “João de Deus”,
divulgado pelo professor Silva Jardim, como uma missão civilizadora. Esse métodoconsistia
em ensinar a leitura pela palavra – método da palavração. Um instrumento muitoutilizado,
naquele período, foi a Cartilha Maternal. Com isso, inicia-se uma disputa entre os dois
métodos de alfabetização presentes naquela época: método sintético, representado pelas
“cartas ABC”, e o método analítico, representado pelo método “João de Deus”. Nessesentido,
a autora salienta que era pressuposto que a leitura dependia de um método para ser
apropriada.
No segundo momento da história do ensino da leitura e da escrita no Brasil, Mortatti
(2006) destaca a reforma da instrução pública no Estado de São Paulo, que, tendoprovocado
uma reorganização da escola normal, serviu de modelo para outros estados. Entretanto,inicia-
se uma preocupação com a necessidade de um novo método para o ensino da leitura eda
escrita. Consequentemente, professores formados na escola normal mencionadapassaram a
defender e disseminar o método analítico, cujo princípio é a preocupação com o caráter
biopsicofisiológico da criança. Essa forma de ensinar a ler e escrever relaciona-se com o
12
método intuitivo: “método de ensino relacionado à intuição, envolvendo o estudo dascoisas e
dos fenômenos do ambiente e da vida dos alunos” (MORTATTI, 2004, p. 123).
O método analítico, tal qual o método intuitivo, inicia-se do “todo” (concreto) para as
partes, isto é, da palavra, ou sentença, ou “historieta” para as unidades menores dalíngua
(sílabas, fonemas e letras). Inicia-se, assim, uma nova disputa entre os defensores dos
métodos analíticos e sintéticos. Cumpre salientar que, nesse período, a escrita eraconcebida
somente como uma questão de caligrafia.
O terceiro momento inicia-se em meados da década de 1920, e é denominado por
Mortatti (2006) como alfabetização sob medida. Trata-se de um período marcado pelabusca
de uma solução para os problemas de ensino e aprendizagem da leitura e escrita, devidoà
resistência de professores na utilização dos métodos presentes na época. Em meio às
dificuldades para proporcionar a aprendizagem do sistema de escrita, professorespassaram a
utilizar métodos mistos ou ecléticos, o que significa a junção dos métodos analíticos e
sintéticos ou vice-versa. Estes disseminavam e utilizavam o que era mais eficaz em cada
método.
Convém enfatizar que esse período foi marcado pelos ideais da escola nova. Os
métodos de ensino difundidos baseavam-se essencialmente “na idéia de atividade, ouauto-
atividade do aluno, envolvendo métodos de trabalho coletivo e individual”(MORTATTI,
2004, p. 123). Concomitantemente a esse novo ideal, no que se refere à área daalfabetização,
foram criados laboratórios para analisar a capacidade individual do aluno paraapropriar-se do
sistema de escrita.
Mortatti (2000) ressalta que, para classificar os alunos de acordo com sua maturidade
para aprender, Lourenço Filho4 criou os “Testes ABC”, que avaliavam o grau dematuridade
de cada aluno para permanecer na série a ele atribuída. Seu intuito era criar classes
homogêneas, pois acreditava que o professor poderia trabalhar melhor com as
individualidades de um grupo homogêneo. Dessa forma, o “como ensinar” estavasubordinado
à maturidade da criança a ser ensinada, ou seja, as questões de ordem didáticadependiam das
de ordem psicológica.
O quarto momento foi marcado pela institucionalização da perspectiva construtivista
de alfabetização no Brasil, em meados das décadas de 1980 e 1990. Trata-se de umperíodo
4 Lourenço Filho foi muito importante para a constituição do cenário educacionalbrasileiro, influenciando
diretamente projetos referentes à leitura e à escrita. Por meio de seus Testes ABC, foipossível verificar a
alfabetização como um estudo. Mortatti (2000) destaca que Lourenço Filho foidiplomado pela Escola Normal
Primária de Pirassununga (1914) e pela Escola Normal Secundária da Capital (1917),tornando-se Bacharel pela
Faculdade de Direito de São Paulo em 1929. Desempenhou diversas atividadesdidáticas, intelectuais e
administrativas até se aposentar em 1957.
marcado por estudos sobre a aquisição do sistema de escrita e leitura pelas crianças.Nesse
momento, o período escolar foi organizado em ciclos, tendo como finalidadeproporcionar
mais tempo para a criança aprender a leitura e a escrita.
Neste estudo, iremos nos debruçar nesse quarto momento de história do ensino da
leitura e escrita no início do processo de escolarização no Brasil, para aprofundar as
discussões a respeito. Para tanto, apresentaremos algumas reflexões concernentes aos
seguintes tópicos: o novo olhar direcionado ao processo de alfabetização a partir dosestudos
de Emília Ferreiro sobre a psicogênese da escrita; a necessidade de nomear práticas deleitura
e escrita com a criação do conceito de letramento; a relação entre os processos de
alfabetização e letramento.
2.1. Psicogênese da língua escrita: um novo olhar sobre o processo de alfabetização
Os estudos realizados por Ferreiro (1988) a respeito da Psicogênese da língua escrita
representaram um novo olhar sobre o sujeito que aprende a linguagem escrita,impactando os
ambientes escolares, ao afirmarem que a criança, antes de chegar à escola e, portanto,antes de
ser submetida ao ensino sistemático da leitura e a da escrita, já possui competências
relacionadas à língua escrita. Para Ferreiro e colaboradores, critica que os métodos de
alfabetização até então utilizados concebem a escrita alfabética como uma transcriçãofonética
do idioma ou, simplesmente, como uma aprendizagem de um código.
Ferreiro (1988), critica que se a escrita é concebida como a transcrição de um código,
a aprendizagem é simplesmente reduzida a uma habilidade mecânica. Para a referidaautora, a
escrita é concebida como “representação da linguagem”, ou seja, a criança, antesmesmo de
conhecer o sistema de representação convencional alfabético, já atribui significados àlíngua
escrita por meio de signos. Logo, é possível afirmar que a língua escrita, vista como um
sistema de representação, pode ser compreendida como a construção de um signolinguístico.
Assim, Ferreiro (1988) destaca que a escrita deve ser compreendida como um sistema
de representação, partindo do princípio de que é necessário que os alunos percebamcomo se
constituiu esse sistema, ou seja, devem entender que a escrita representa os sons da fala.
Contudo, a autora ressalta que, para chegar a tal compreensão, é preciso construir esse
conhecimento, passando por algumas fases do desenvolvimento da escrita. Ao aprendera ler e
escrever, a criança deve, pois, ser vista como
[...] um sujeito que procura adquirir conhecimento, e não simplesmente um
sujeito disposto ou mal disposto a adquirir uma técnica particular. Um
sujeito que a psicologia da lecto-escrita esqueceu, em favor de buscar
aptidões específicas, habilidades particulares ou uma sempre mal definida
maturidade (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985, p. 11).
Nesse sentido, Ferreiro (1988) enfatiza que, no período de desenvolvimento da escrita,
a criança produz escritas com diversas letras e essas letras não têm um significado quenós
conhecemos, pois ela associa essas palavras com o significado e não com o som, que é o
significante do signo linguístico. Exemplo disso é o caso de perguntarmos a umacriança: qual
palavra é maior BOI ou ARANHA? Automaticamente ela responderia BOI, pois,segundo a
autora, essa criança faz relações com a figura do boi. Logo, não estabelece relaçõesentre a
oralidade e a escrita, não alcançando o nível de fonetização da escrita.
Ferreiro (1988) ressalta, então, que a criança passa por um processo de aprendizagem
até chegar à escrita convencional, passando por alguns níveis. Destaca hipóteses deleitura e
escrita, assim caracterizadas: distinção entre o modo de representação icônico e nãoicônico;
construção de formas diferenciadas de escrita; fonetização da escrita.
Distinção entre o modo de Nesse nível, a criança desenha para representar o objeto ou a
representação icônico e escrita, ou seja, age no domínio do icônico. A partir do
não icônico momento em que ela estabelece diferenciações entre marcas
gráficas figurativas e não figurativas (desenho-escrita), não
está mais no domínio do icônico.
Construção de formas Após a distinção inicial, a criança começa a articular formas de
diferenciadas de escrita diferenciação entre a escrita no eixo qualitativo e quantitativo,
isto é, considera que algo possa ser lido pela quantidade de
caracteres utilizados (variação no eixo quantitativo), e/ou
busca variações na escrita quanto à posição dos caracteres
(variação no eixo qualitativo).
Fonetização da escrita Se nos períodos anteriores, não havia a preocupação com a
propriedade sonora, este período pode ser caracterizado por
três tipos de hipóteses:
Silábica -relaciona-se à quantidade de letras com emissão oral
– uma letra para cada sílaba. Exemplo: BALA= BL, BA ou
BAL;
Silábico-alfabética -considerado como nível intermediário, a
criança precisa coordenar as hipóteses abordadas a respeito da
quantidade de letras;
Alfabética -a criança nessa etapa compreende que cada
caractere da escrita corresponde a valores menores que a
sílaba.
Os estudos realizados por Ferreiro e Teberosky (1985) causaram repercussões nas
práticas de professores alfabetizadores responsáveis pelo processo de alfabetização. Oque
antes era visto simplesmente como a aquisição do código de escrita passou a ser
compreendido em seu uso e em sua função social. Dessa forma, ampliou-se o conceitode
alfabetização.
2.2. Letramento: necessidades de nomear práticas sociais de leitura e escrita
Práticas sociais de leitura e escrita necessitavam ser nomeadas, necessidade que surgiu
na segunda metade da década de 1980. Só saber ler e escrever já não bastava. Eranecessário,
então, saber usar tais habilidades, pois “novas demandas sociais de uso da leitura e daescrita
exigiram uma nova palavra para designá-la” (SOARES, 1998, p. 21). Assim, as práticasque
ultrapassavam o processo de alfabetização foram nomeadas letramento.
No âmbito dos estudos e das pesquisas acadêmicas brasileiras, “situaram-se as
primeiras formulações e proposições do termo ‘letramento’ para designar algo mais queaté
então se podia com a palavra alfabetização”. (MORTATTI, 2004, p. 79). A primeira vezque a
palavra letramento foi utilizada aqui no Brasil, segundo Lucas (2008), foi em 1986, pela
autora Mary Kato, no livro No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística.
Portanto, o termo letramento foi utilizado em nosso país, pela primeira vez, na década
de 1980. Entretanto, segundo Soares (2004b), embora outros países como a França e os
Estados Unidos já estivessem utilizando esse termo, foi nessa época que emergiram
formulações a respeito do termo letramento, conciliando a educação e a linguagemescrita.
Nesses países, foram realizados testes para medir o grau de letramento dos indivíduos.No
Brasil, o conceito de letramento não emergiu nesse contexto, pois conforme Soares(2004b),
aqui aconteceu o inverso, isto é, as necessidades de habilidades de uso da leitura e daescrita
direcionaram-se para a aprendizagem inicial da escrita, vinculando-se à alfabetização.Dessa
forma, o conceito de letramento mesclou-se com o de alfabetização.
Dentre as várias formulações, letramento é, segundo Soares (1998, p. 18), “[...] o
resultado da ação de ensinar ou aprender a ler e escrever: o estado ou condição queadquire
um grupo social ou um indivíduo como conseqüência de ter-se apropriado da escrita”.
Mortatti (2004, p. 98) enfatiza que o processo de letramento
[...] está diretamente relacionado com a língua escrita e seu lugar, suas
funções e seus usos nas sociedades letradas, ou, mais especificamente,
grafocêntricas, isto é, sociedades organizadas em torno de um sistema de
escrita e em que esta, sobretudo por meio do texto escrito e impresso,
assume importância central na vida das pessoas e em suas relações com os
outros e com o mundo em que vivem.
Soares (1988) e Mortatti (2004) realizaram pesquisas dos significados de algumas
palavras que pertencem ao mesmo grupo semântico de letramento. Reproduzimos aquialguns
significados por julgarmos que eles colaboram para a compreensão do conceito deletramento.
São eles: analfabeto, analfabetismo, alfabetização, alfabetizar, alfabetizado,
alfabetismo, letrado e iletrado. Nesse sentido, a autora salienta que é preciso reconheceras
especificidades dos termos letramento e alfabetização.
Analfabeto Palavra de uso mais antigo, existente desde o início do século XVIII, tem
em seu prefixo a(n) o sentido de negação, denotando privação do
conhecimento do alfabeto, da leitura e escrita. Indica pessoas que ignoram
as letras do alfabeto, que não sabem ler nem escrever.
Analfabetismo No decorrer das décadas, fez-se necessário utilizar um termo paradesignar
o estado ou a condição de analfabeto. Contudo, esse termo só começou a
ser usado quando surgiram condições objetivas e materiais (criação de
escolas públicas, gratuitas e laicas) para que a população dessas classes
aprendesse a ler e a escrever.
Alfabetização Processo pelo qual a criança aprende a ler e escrever (aquisição da leiturae
escrita).
Alfabetizar Ação de tornar um indivíduo alfabetizado.
Alfabetizado Indivíduo que sabe ler e escrever, mas não necessariamente faz uso de tais
habilidades em contextos sociais.
Alfabetismo Antônimo de analfabetismo. Palavra que tem o mesmo significado que
letramento. Contudo, é uma palavra mais vernácula, por isso preferiu-se o
termo letramento.
Letrado Indivíduo que se apropria da leitura e da escrita, consequentemente
incorporando práticas sociais que exigem tais habilidades.
Iletrado Indivíduo “quase” analfabeto, que não tem conhecimentos literários e que
não possui habilidades de leitura e escrita5 .
Após o esclarecimento dos significados de palavras advindas dos termos alfabetização
e letramento, é possível enfatizar que ambos são processos diferentes, masindissociáveis.
Soares (1998) explicita que letramento é
Resultado da ação de ensinar e aprender as práticas sociais de leitura e
escrita. O estado ou condição que adquire um grupo social ou um indivíduo
como conseqüência de ter-se apropriado da escrita e de suas práticas sociais
(SOARES, 1998, p. 39).
Para Soares (1998), o termo letramento é considerado multifacetado e complexo para
que seja atribuída uma definição precisa e sistemática.
Soares (2004b) defende que letramento não pode ser entendido como um processo que
substitua o processo de alfabetização no âmbito escolar, ainda mais diante de sua
complexidade em relação ao processo de escolarização. Segundo a autora, a escola évista
como uma das principais promotoras das habilidades relacionadas ao letramento,contudo não
é a única.
2.3. Alfabetização e letramento na escola
A ampliação do conceito de alfabetização, como demonstramos na primeira parte
deste estudo, acabou por incorporar as práticas sociais do uso da leitura e da escrita, ouseja,
o processo de letramento. Isso, segundo Soares (2004b), causou certo apagamento do
processo de alfabetização. A perspectiva construtivista é considerada por Soares(2004b)
como a causa maior de perda de especificidade da alfabetização, o que gerou esse
5 Esses dois adjetivos – letrado e iletrado –, segundo Lucas (2008), não estãorelacionados à palavra letramento.
“apagamento”. De acordo com essa autora, é necessário reconhecer que essa mudançade
paradigma conduziu a alguns equívocos e a falsas inferências que podem explicar a
“desinvenção” da alfabetização.
Diante disso, Soares (2004b) apresenta algumas falsas inferências a respeito do
processo de construção do sistema de escrita pela criança. Na visão construtivista, acriança
deve ser alfabetizada por meio da interação com a língua escrita e seus usos sociais, ouseja,
entrando em contato com “materiais para ler” e não “materiais para aprender a ler”.Ferreiro
(1988), por sua vez, ressalta que a língua portuguesa é representada por um sistema
alfabético; assim, a aprendizagem da leitura e da escrita não pode ser considerada como
desenvolvimento de uma habilidade mecânica, pois requer conhecimento do sistema
alfabético de escrita.
Ferreiro (1988) enfatiza que não basta somente reproduzir o traçado das letras ou o
conhecimento de tais signos; é preciso saber e conhecer como elas se articulam e de que
forma esse conhecimento é apropriado pela criança para que, de fato, seja alfabetizada.
Porém, segundo Soares (2004b), na prática pedagógica, priorizou-se somente o aspecto
psicológico dessa aprendizagem, obscurecendo as facetas linguística, fonética efonológica
que envolvem o processo de alfabetização.
O fato de os métodos para alfabetizar até então utilizados – analíticos e sintéticos –
passarem a ser considerados “tradicionais”, carregando uma conotação negativa,contaminou
a ideia de métodos. Em decorrência disso, passou-se a valorizar uma “proposta teóricade
alfabetização” e esqueceu-se da necessidade de estabelecer caminhos para a promoçãodo
processo de alfabetização. Segundo Soares (2004b), a desvalorização dos métodos que
promovem a alfabetização deu origem a um falso pressuposto a respeito do processo de
aquisição do sistema convencional de escrita, ou seja, valorizou-se apenas o convíviocom o
material escrito, acreditando que somente por meio desse contato a criança se alfabetiza.
Diante do exposto e pautando-nos nos estudos de Mortatti (2000), é possível ressaltar
que antigamente a cartilha era utilizada como único instrumento para promover oprocesso de
alfabetização. Entretanto, após a inserção das teorias construtivistas, essas cartilhasforam
desvalorizadas como instrumento pedagógico que promove a alfabetização. Valesalientar que
nossos alunos vivem em uma sociedade grafocêntrica, onde tudo é associado à línguaescrita,
isto é, desde pequenos eles têm contato com vários materiais que estimulam aaprendizagem
da língua escrita. Assim, o processo de aprendizagem é entendido como resultado dainteração
do sujeito cognoscente com o objeto de conhecimento (a língua escrita) (MORTATTI,2004,
p. 75).
Isso fez com que as práticas até então utilizadas para alfabetizar fossem rotuladas
como “tradicionais”, contribuindo para a perda de especificidade do processo de
alfabetização. Segundo Soares (2004b), a nova nomenclatura para práticas sociais deleitura e
escrita, cujo termo é letramento, difundiu-se no contexto de alfabetização, fazendo comque
professores se apropriassem de convicções errôneas a respeito de tais conceitos. Dessemodo,
o que é específico da alfabetização e o que é específico do letramento acabaram seperdendo
em falsas inferências.
Diante disso, Soares (2004b) recorre à metáfora da “curvatura da vara” para explicar
que a prática pedagógica foi direcionada de um extremo ao outro. Isso quer dizer que,com os
métodos tradicionais de alfabetização, priorizava-se o ensino do código. Porém, pormeio dos
princípios construtivistas, desvalorizou-se o ensino do código, dando-se prioridade ao
contexto alfabetizador e às práticas significativas que envolviam a leitura e a escrita.
Em vista desse quadro, é preciso “reinventar” a alfabetização, diz Soares (2003a). Ela
ressalta que, para se apropriar do sistema convencional alfabético de escrita, é preciso
aprender as relações entre fonemas e grafemas para codificar e decodificar. Essa é umaparte
específica do processo de aprendizagem da leitura e da escrita. Para tal tarefa, antes as
professoras alfabetizadoras tinham um método. Hoje, segundo a autora, temos umateoria,
porém não temos um método. Porém, “é preciso ter as duas coisas: um métodofundamentado
numa teoria e uma teoria que produza um método” (SOARES, 2003a, p. 17).
Reconhecemos ser consideravelmente difícil encontrar uma solução para os problemas
concernentes aos processos salientados até aqui, porque, apesar de alfabetização eletramento
serem dois processos diferentes, ou seja, cada um ter suas especificidades, são, como
considera Soares (2004b), indissociáveis e interdependentes.
A autora também esclarece que a alfabetização deve desenvolver-se no contexto de
práticas sociais de leitura e escrita. Soares (2003a) explica que a falta de práticasdirecionadas
à alfabetização e ao letramento fez com que tais processos perdessem suasespecificidades.
Concomitante a isso, temos a necessidade de reinventar a alfabetização, sendo precisoorientar
as crianças progressiva e sistematicamente quando estiverem em contato com o material
escrito, para que possam se apropriar do sistema de escrita. Assim, a referida autoraafirma
que
[...] a alfabetização se desenvolve no contexto de e por meio de práticas
sociais de leitura e de escrita, isto é, através de atividades de letramento, e
este, por sua vez, só pode desenvolver-se no contexto da e por meio da
aprendizagem das relações fonema-grafema, isto é, em dependência da
alfabetização (SOARES, 2004a, p. 14).
Isso quer dizer que é necessário que o processo de alfabetização ocorra em contextos
de letramento (SOARES, 2010). Para a autora, isso significa que alfabetizar letrandonão se
limita simplesmente à aquisição de um código, mas envolve a aprendizagem dessecódigo e
seu uso no contexto social. Nesse sentido, Mortatti (2004) relata esse posicionamento,
lembrando-nos que estamos inseridos em uma sociedade letrada, isto é, organizada emtorno
de um sistema de escrita que envolve e estabelece relações com os indivíduos que a ela
pertencem, por meio de textos escritos.
Soares (2003b), em uma de suas entrevistas, destaca que alfabetizar letrando vai além
da alfabetização funcional (processo referente a pessoas que foram alfabetizadas, masnão
sabem fazer uso da leitura e da escrita). Trata-se de desenvolver práticas sociais queenvolvem
o ato de ler e escrever. Porém, alfabetizar em contextos de letramento não implicaensinar as
relações entre fonemas e grafemas em situações falsas, ou seja, por meio de textos ou
contextos que não estão presentes na realidade do aluno. Para exemplificar isso, Soares(2010)
menciona a frase “Eva viu a uva”, uma frase, segundo ela, sem sentido para muitosalunos,
pois não conhecem a “Eva” e muitos nunca viram uma uva.
Para Soares (2010), é necessário que os professores alfabetizadores utilizem materiais
reais, que sejam do convívio do aluno, como jornais, revistas, livros de literaturainfantil,
poemas, outdoors, folhetos e propagandas, para substituírem, de certa forma, o livrodidático
e, consequentemente, letrar os alunos. De posse desse material, a autora enfatiza que os
professores devem extrair palavras e frases desses diferentes gêneros textuais, paratrabalhar
as relações fonema-grafema. Assim, o que é específico da alfabetização pode sertrabalhado
por meio do letramento.
Diante da realidade apresentada até aqui, para que a alfabetização aconteça no
contexto do letramento, é preciso que os professores façam a distinção entre taisprocessos. É
preciso reconhecer que
[...] tanto a alfabetização quanto o letramento têm diferentes dimensões, ou
facetas, a natureza de cada uma delas demanda uma metodologia diferente,
de modo que a aprendizagem inicial da língua escrita exige múltiplas
metodologias, algumas caracterizadas por ensino direto, explícito e
sistemático (SOARES, 2004b, p. 16).
Trata-se de reconhecer as especificidades de cada processo, mas concomitantemente
promovê-los. Alfabetizar letrando, segundo Colello (2004), é permitir que o aluno faça
interpretações, leia um livro, se oriente pelos mais diversos tipos de texto, reivindique
informações, confronte ideias. Isso significa possibilitar ao aluno um estado diferente deum
sujeito que só tem o domínio do código alfabético de escrita. Diante disso, Colello(2004)
ressalta que é preciso desenvolver, no âmbito escolar, práticas direcionadas ao convíviocom a
linguagem escrita, e enfatiza que o processo de letramento não ocorre somente naescola, mas
também em atividades que utilizam a leitura e a escrita no dia-a-dia.
Nesse sentido, para que a alfabetização ocorra em contextos de letramento (alfabetizar
letrando), explicam Maciel e Lúcio (2008) que é preciso que os professores reconheçamas
especificidades desses processos e promovam práticas sistemáticas e intencionais,
possibilitando aos alunos codificar, decodificar e utilizar a escrita e a leitura emdiferentes
situações sociais. Para esclarecer a importância de reconhecer que tais processos são
diferentes e indissociáveis, apresentaremos e analisaremos estratégias utilizadas poruma
professora de segundo ano do ensino fundamental para seus alunos aprenderem a ler, a
escrever e a usar a escrita.
3. Estratégias pedagógicas de letramento e alfabetização
Diante dos estudos realizados, é necessário, segundo Maciel e Lúcio (2008, p. 17), que
os professores percebam que a sala de aula é uma importantíssima instância parapromover os
“domínios e capacidades específicas da alfabetização, quanto o domínio deconhecimento e
atitudes envolvidas nos diversos usos sociais da leitura e da escrita”. Daí a importânciade
conhecer o que é específico de cada processo.
Para a realização deste estudo, observamos, em um período de 12 horas, o que
equivale a três dias letivos, as estratégias pedagógicas utilizadas pela referida professorapara
promover a alfabetização e o letramento de seus alunos. Trata-se, portanto, de umestudo de
caso. Segundo Triviños (1987, p.133), “estudo de caso é uma categoria de pesquisa cujo
objeto é uma unidade que se analisa aprofundadamente”.
Nesse sentido, o locus de nosso estudo foi uma sala de 2.º ano do ensino fundamental,
cujas características apresentaremos a seguir. Além disso, e em virtude do volume de
informações e anotações realizadas durante as observações e da riqueza das atividades
observadas, apresentaremos e analisaremos os dados coletados, organizando-os em três
categorias: estratégias para aprender a ler e escrever; estratégias para aprender a usar a
escrita; estratégias para alfabetizar letrando. Cumpre salientar que a organização dosúltimos
subtítulos é uma opção de estruturação, pois estamos tratando de aprendizagens que se
retroalimentam, como será demonstrado a seguir.
3.1. Sala de aula: características da turma do 2.º ano
Esta pesquisa foi desenvolvida em uma turma de 2.º ano do ensino fundamental de
uma escola municipal localizada na periferia de um município do noroeste do Paraná. Éuma
turma composta por 29 alunos matriculados, dos quais 24 assistem às aulasregularmente. A
idade média está entre seis e sete anos. Apenas dois alunos têm oito anos e uma temnove. É
oportuno destacar que essa aluna com nove anos foi remanejada para o terceiro ano.Segundo
a professora, ela não estava apta para ir para o ano seguinte, mas a direção da escolaachou
melhor ela passar para o terceiro ano, devido à sua idade.
A rotina dessa turma é organizada da seguinte forma:
13h20 Início da aula
15h15 Lanche
15h30 às 15h45 Recreio
17h20 Término da aula
Na sala de aula desse segundo ano, podemos encontrar: armários para guardar material
de consumo, mesa do professor, carteiras de alunos, lousa grande, chamada dos alunos,
alfabeto ilustrado, alfabeto com os quatro tipos de letra, gráficos, números ilustrados,
calendário e cartazes com rótulos.
No primeiro dia de observação para coleta de dados, a professora nos disponibilizou
informações sobre o livro didático adotado para a disciplina de linguagem, o qual,segundo
ela, é mais utilizado para tarefas de casa.
Figura 1
MIRANDA, Cláudia; RODRIGUES, Vera Lúcia. Letramento e
alfabetização lingüística – 2º ano. São Paulo: Ática, 2008
Ela explicou como realizou a primeira sondagem de escrita de seus alunos: ditou
diferentes palavras cuja grafia e conteúdo já haviam sido explorados em sala de aula. O
resultado dessa sondagem, segundo avaliação da professora, foi o seguinte:
7 alunos – produzem textos longos com poucos erros;
5 alunos – produzem textos coerentes, mas com erros;
9 alunos – produzem pequenos textos, frases ou parágrafos com coerência, mas com
erros;
2 alunos – escrevem palavras com significado e não produzem textos;
5 alunos – não fazem relações entre fonemas e grafemas.
Vale lembrar que a prática de realizar sondagens tem origem nos estudos realizados
por Emília Ferreiro e colaboradores. Para Ferreiro (1988), a sondagem é um instrumentopara
verificar em qual nível de apreensão da escrita uma criança se encontra. Trata-se de um
instrumento investigativo que se tornou um recurso pedagógico para avaliar o estágio de
aprendizagem escrita em que os alunos estão: pré-silábico, silábico, silábico-alfabético e
alfabético.
Consideramos válido o exercício proposto pela professora para verificar se as crianças
produziam textos longos ou curtos, com ou sem coerência, com poucos ou muitos erros
ortográficos, e se estabeleciam relação entre fonemas e grafemas. Contudo, há de se
esclarecer que, na prática, não corresponde a sondagens propostas por Ferreiro.
É oportuno ressaltar que, durante os três dias de observação, a professora realizou
algumas atividades que envolviam os processos de alfabetização e letramento.Organizamos
essas atividades, para melhor analisá-las, em itens como: estratégias para aprender a lere
escrever e estratégias para usar a escrita, como mencionamos anteriormente.
3.2. Estratégias para aprender a ler e escrever
É necessário, no âmbito escolar, de acordo com Colello (2004), desenvolver
estratégias que promovam a alfabetização e estratégias que promovam o letramento.
Utilizamos o esquema abaixo para demonstrar que os atos de ler e escrever estãorelacionados
aos usos e às funções sociais da leitura e da escrita. Entendemos também que o ato deensinar
e aprender a ler e escrever está relacionado com o ato de ensinar e aprender a usar aescrita em
diferentes situações sociais que o individuo se encontre.
USAR A ESCRITA
APRENDER A ESCRITA
Isso, segundo Soares (2010), significa que o aluno precisa ser alfabetizado em
contextos de letramento, pois, em seu dia-a-dia, está a todo momento em contato com a
escrita, precisando compreender o que está escrito, por que foi escrito, para que e paraquem.
Nas palavras de Colello (2004), isso significa que é necessário aprender a escrita eaprender a
usar a escrita.
Nesse sentido, as atividades da página 44 do livro didático adotado (figura 2),
realizadas na sala de aula pela professora e pelos alunos, caracterizaram-se como uma
estratégia para ensinar a ler e escrever. Essas atividades são referentes ao texto poético“Ana e
o pernilongo”, apresentado na página 43 do mesmo livro (Figura 3). A atividade Asolicitava
para que os alunos encontrassem, no referido texto, palavras que correspondessem anomes de
pessoas. A atividade seguinte (letra B) solicitava que os alunos encontrassem nomes de
pessoas nas palavras “VIOLINO e SEMANA”. Por fim, a atividade 2 dessa páginapedia para
acrescentar consoantes às palavras, visando à formação de novas palavras.
Figura 2
Figura 3
Cumpre salientar que essa atividade prioriza a escrita de palavras a partir da troca de
letras e do reconhecimento das letras que constituem uma palavra. Para tanto, éimportante
que o professor explique o que são vogais e consoantes para que os alunoscompreendam que
a junção de uma consoante com uma vogal forma um padrão silábico (CV)correspondente a
um fonema, menor unidade sonora. Entretanto, a docente passou a atividade no quadroe, sem
questionar as crianças, escreveu as respostas.
Na página seguinte do livro que continha a atividade reproduzida abaixo, solicitava-se
para que os alunos encontrassem as letras repetidas na escrita de um mesmo nome,pintando-
as de amarelo e, em seguida, escrevessem tais letras em fichas desenhadas no própriolivro. A
atividade “C” (figura 4) pedia para que os alunos escrevessem os nomes explorados na
atividade anterior que começassem com a mesma letra.
Figura 4
Observamos que essa atividade exige do aluno o conhecimento das letras do alfabeto.
Contudo, a professora não utilizou estratégias adequadas para a finalização dessaatividade,
pois não explorou nem retomou com os alunos a leitura do alfabeto. Segundo Silva(2008,
p.47), “o professor precisa considerar a necessidade do aluno identificar e saber osnomes de
todas as letras”, recorrendo a diversas estratégias para alcançar esse fim.
Após a correção dessas tarefas, os alunos realizaram o registro no caderno do que foi
realizado em sala de aula. A professora passou no quadro o cabeçalho e os seguintesitens:
CORREÇÃO DA TAREFA, PÁGINAS 44 A 45
LEITURA E COMPREENSÃO
Convém ressaltar que, ao utilizar o quadro, essa professora não deixou um espaço
adequado entre uma palavra e outra, não ficando claro para os alunos onde terminavauma
palavra e onde começava outra. A segmentação da escrita é uma das partes específicasdo
processo de alfabetização. Quando falamos, não segmentamos as palavras; porém,quando
escrevemos, o que garante o significado das palavras registradas é a segmentação.
Em outro momento, os alunos receberam um papel com o registro do tema em estudo:
GRUPO FAMILIAR. Após a leitura, a professora escreveu no quadro as letras “GR” edisse:
“Quando eu vou ler ou escrever, é preciso juntar letras e essas letras vão me dar umsom”.
Nesse momento, os alunos prestaram muita atenção. A professora continuou suaexplicação:
“As letras mudas são as consoantes. Será que eu consigo escrever sem as vogais A–E–I–O–
U? Eu sempre vou juntar as vogais com as consoantes para escrever.”
Após esses questionamentos, a professora relembrou o som das vogais A-E-I-O-U. Ela
explicou que é preciso juntar consoantes com vogais para que seja pronunciado umsom.
Sinalizando a palavra GRUPO, mencionou: “Para escrevermos a palavra GRUPO,precisamos
de 3 letras para um som. Reparem o que acontece se eu trocar as vogais”. Paraexemplificar
que a vogal altera o som da consoante, deu os seguintes exemplos, registrando-os noquadro:
GRA DE
GRE GO
GRI PE
GRO SSO6
GRU DE
As palavras acima foram lidas várias vezes com os alunos. Logo após, a professora
destacou que é possível encontrar as sílabas GRA-GRE-GRI-GRO-GRU no meio dealgumas
palavras. Como exemplo, citou, mas não registrou no quadro, as palavras IGREJA e
INGRESSO. A seguir, questionou os alunos: “O que fez mudar o som?”. E respondeu:“As
vogais, certo?”. Nesse momento, pediu para os alunos lerem as sílabas: GRA-GRE-GRIGRO-
GRU. Explicou que cada um desses “pedacinhos” significava um “pedacinho” de uma
palavra, o qual é chamado de sílaba, fornecendo, assim, para os alunos o conceito desílaba.
Para fixar o conteúdo, a professora registrou no quadro a seguinte tarefa:
6 O objetivo da professora nesse momento era mostrar uma palavra com a sílaba“GRO”. Porém, a escolha não
foi apropriada, pois a sílaba inicial da palavra “GROSSO” é “GROS”. Contudo, elapoderia estar explicando
fonéticamente
FAÇA 1 PALAVRA PARA CADA LETRA
F
A
M
Í
L
I
A
Por meio da constituição do acróstico, a professora sinalizava as letras com uma das
mãos e perguntava qual característica de uma família pode ser encontrada com a letra
sinalizada. Iniciou pela letra “F”. Primeiro, resolveu esse exercício oralmente, contandocom a
participação dos alunos. A correção dessa atividade foi feita individualmente. Paratanto, os
alunos levavam os cadernos até a mesa da professora, que os corrigia a lápis. A docentenão
registrou no quadro nenhum exemplo do exercício pronto, o que poderia ter sido feitopor
meio de uma correção coletiva.
Por meio dessas atividades, observamos que o trabalho realizado com as sílabasGRAGRE-
GRI-GRO-GRU não foi visto pela professora como uma dificuldade ortográfica, como
era chamada pelas cartilhas. Constatamos também que a professora priorizou a cópia, oque
correspondeu a mais da metade da aula, bem como a memorização de palavras e sílabas.
Levou os alunos a memorizar as sílabas soltas GRA-GRE-GRI-GRO-GRU, deixando
transparecer somente a memorização, e não o processo de compreensão do sistema deescrita
alfabética (SEA). Entretanto, ela conceituou para os alunos o que é uma sílaba, apesardo
equívoco com a palavra GROSSO.
3.3. Estratégias para usar a escrita
Esse item se refere às estratégias propostas pela professora para os alunos usarem a
escrita, porém nem sempre foram considerados seus usos sociais. Vale lembrar quealgumas
atividades aqui elencadas remetem às páginas já apresentadas no item anterior, mas com
objetivos diferentes.
Em uma das observações, a professora iniciou a aula com a leitura do poema “Ana e o
pernilongo” de José Paulo Paes (figura 5), a fim de corrigir uma tarefa de casa.
Figura 5
Solicitou para que os alunos, primeiramente, lessem o texto em voz alta e, depois, em
silêncio. A professora questionou os alunos: “Quem era o Lino?”; “O que ele fazia?”.Os
alunos responderam que “Lino” era o pernilongo e que ele tocava violino. Diante das
respostas, a professora os questionou a respeito do conteúdo dos últimos versos dopoema:
O LINO
E TOCAVA TÃO FINO
O SEU VIOLINO,
QUE NUNCA OUVI O LINO
NEM VI O LINO
A professora instigou os alunos para que percebessem a diferença entre as palavras e
seus sentidos. Escreveu no quadro e perguntou: “O que significa a frase NEM VI OLINO?
Continuou questionando a respeito da diferença entre a frase anterior e a palavraVIOLINO.
No começo, os alunos ficaram confusos, mas a professora leu novamente a frase eexplicou a
diferença. A partir da explicação, os alunos conseguiram identificar que a palavraVIOLINO
refere-se a um instrumento musical e que NEM VI O LINO é uma sentença cujoconteúdo
significa não enxergar o pernilongo chamado Lino.
Acreditamos que, com essa atividade, poderiam ser explorados outros aspectos
relacionados ao processo de letramento. Além de buscar a compreensão do texto,
característica do letramento escolar, o referido poema poderia ser apresentado como umdos
gêneros textuais existentes, estruturado em versos e estrofes. Poderia também,priorizando o
processo de alfabetização, explorar as rimas presentes no texto (LINO; FINO;VIOLINO),
estratégia para demonstrar a relação entre os sons das palavras (fonemas) e suas formas
gráficas (grafemas).
Nesse dia, algumas atividades foram desenvolvidas na sala de informática. Nessa sala,
há algumas “Mesas Educacionais Alfabéticas” (Figura 6), as quais são constituídas porum
módulo eletrônico, acompanhado de um software educacional e de cubos representandoas
letras do alfabeto como se fosse um grande alfabeto móvel. Esse Módulo eletrônicopermite o
encaixe de cubos codificados e identificados com as letras do alfabeto e assimpossibilita a
formação de palavras com até 15 (quinze) letras. Os cubos, encaixados em cavidadescom
sensores ópticos, são lidos automaticamente pelo módulo eletrônico e as letras
correspondentes a esses cubos são informadas para o software educacionalque integra aMesa
Educacional Alfabeto. Contudo, a professora não utilizou esse recurso para estimular ou
aprimorar o processo de alfabetização e letramento. Disponibilizou aos alunos umdesenho
para que eles pintassem, utilizando um programa que recomendava tal instrumento.
Figura 6
Questionamos a professora sobre o uso da mesa e ela nos disse que não sabia como
utilizar esse recurso pedagógico, a nosso ver, rico para auxiliar a aprendizagem dalinguagem
escrita, pois, por meio do manuseio dos cubos, as crianças poderiam desenvolver,segundo
Silva (2008), algumas capacidades linguísticas, como o conhecimento das letras doalfabeto e
a segmentação de palavras. Além disso, a interação com outros amigos nas mesaspoderia
motivar aprendizagens diversas.
Após a aula de informática, a professora solicitou para que os alunos pegassem as
agendas para que fosse colado um bilhete. Ela entregou o bilhete referente à Copa doMundo
de Futebol, mas não o leu; só explicou o seu conteúdo. Acreditamos que, nessa ação,poderia
ser explicado aos alunos que, por meio da escrita, é possível se comunicar com umapessoa
que não está presente naquele local e tempo.
Ao retornar à sala, a professora escreveu e leu a palavra GRUPO. Pediu então para os
alunos explicarem o que essa palavra significava. A professora ressaltou: “Para euformar um
grupo, é preciso ter mais de uma pessoa”. Diante da fala da professora, os alunosresponderam
que eles estavam em grupos. A seguir, a professora questionou: “Vocês falaram grupono
geral, mas o que é um grupo familiar?”. Ela registrou no quadro as respostas dascrianças a
seguir transcritas, leu-as e pediu para que as copiassem em seus cadernos.
GRUPOS SÃO PESSOAS E FAMILIARES.
GRUPO É QUANDO JUNTO UM ALUNO COM OUTRO.
GRUPO FAMILIAR É FICAR JUNTO.
QUANDO A FAMÍLIA FICA JUNTO.
Diante da pergunta realizada pela professora – “Vocês falaram grupo no geral, mas o
que é um grupo familiar?” –, observamos a tentativa de estabelecer um elo entre ocontexto
escolar e o contexto social, enfatizando o conhecimento prévio do aluno. Nessa prática,
percebemos que a estratégia de registrar no quadro e depois no caderno as respostasobtidas,
ressaltando que o que é falado pode ser escrito, explorou uma especificidade daalfabetização:
a escrita como um sistema de representação da fala. Observou-se também nessa prática
explicações acerca das letras e sílabas das palavras que compunham as sentençasregistradas.
No momento da cópia, a professora exclamava: “Olha o ponto no final da frase! Temque ir
para outra linha!”.
Depois do recreio, a professora “brincou” com o alfabeto disposto em uma parede da
sala. Ela escolhia letras que constituíam uma palavra, apontando-as com uma régua. Os
alunos deveriam juntá-las e “adivinhar” que palavra elas formavam. Contudo, aprofessora
não registrava no quadro as palavras formadas. Ela fez essa brincadeira quatro vezes e
retomou o conteúdo que estava explorando, explicando oralmente que cada família temusos e
costumes próprios, que cada grupo familiar ocupa um espaço e falou sobre os cuidados
necessários com esse espaço. Após a conversação, registrou no quadro a seguinteatividade:
DESENHE SUA FAMÍLIA E ESCREVA OS NOMES DAS PESSOAS QUE
MORAM COM VOCÊ.
A professora estabeleceu um limite de dez linhas para o desenho. No momento da
escrita, os alunos escreveram sozinhos, a professora não os auxiliou na carteira. Osalunos que
não sabiam escrever convencionalmente começaram a conversar alto na sala. Nessemomento,
uma das falas da professora nos chamou atenção: “Eu vou encher o quadro de tarefa,está
muita conversa”. Consideramos grave essa situação, principalmente em se tratando de
crianças que estão em pleno processo de alfabetização, pois a escrita foi utilizada como
“punição”.
Com essas atividades, percebemos também que a professora não priorizou a escrita
individual, como uma estratégia de verificação de aprendizagem. Segundo Ferreiro(1988),
observar a forma como as crianças escrevem e as hipóteses que usam para tantoconstitui-se
em um ato importantíssimo para verificar os níveis da criança em relação àaprendizagem do
código escrito.
3.4. Estratégias para alfabetizar letrando
Uma das atividades desenvolvidas pela professora nos chamou a atenção em virtude
das estratégias utilizadas, pelo fato de as considerarmos estratégias que promovem a
alfabetização em contexto de letramento.
A professora escreveu o cabeçalho e a data no quadro.
ESCOLA MUNICIPAL .......................................................
HOJE É SEGUNDA – FEIRA, DIA 21DE JUNHO DE 2010
Em seguida, sinalizou para os alunos o fonema “DA” da palavra “SEGUNDA” e
afixou um cartaz de papel manilha na lousa da sala, no qual estava registrado o seguinte
poema:
FAMÍLIA
Edna Perugine
FAMÍLIA EXISTEM MUITAS
A MINHA, A SUA, A DE TODA GENTE
MAS CADA FAMÍLIA TEM
UM JEITINHO DIFERENTE.
FAMÍLIA COM PAI E MÃE,
IRMÃO, IRMÃ E UM PARENTE,
QUE PODE SER DO PAI
E TAMBEM DA MÃE DA GENTE.
FAMÍLIA PEQUENINHA
A MÃE, O FILHO SOMENTE
FAMÍLIA BEM AMPLIADA,
A MÃE E A FILHARADA.
TEM GENTE QUE TEM FAMÍLIA
MAS, NA RUA, QUE VIVE SÓ.
A VERDADE É QUE TODOS TEMOS
PAI, MÃE, TIOS E AVÓS.
Cada estrofe do poema estava escrito de uma cor, intercalando azul e vermelho para
enfatizar a estrutura de um poema. Primeiro, a professora leu o poema em voz alta paraos
alunos. Ela utilizou uma régua para sinalizar cada palavra lida. Após a leitura,questionou os
alunos: “Vocês já leram algum poema com a mãe, pai, tio, avós?”.
Observou-se nesse questionamento uma estratégia de letramento, pois a professora
questionou os alunos sobre a convivência deles com práticas sociais de leitura de textos
poéticos. Contudo, o modo como ela registrou e leu o poema foi uma estratégia quepromove
a alfabetização.
Durante a leitura do poema, a professora explicou: “Sempre que eu leio um texto,
primeiro devo ler o título, e quando tenho uma vírgula, eu paro um pouco e quando temum
ponto eu paro, respiro um pouco e continuo”. No momento da explicação, ela apontavacom a
régua o que era título, inclusive as vírgulas e os pontos. Leu várias vezes o poema epediu
para os alunos repetirem cada linha que era lida. Todos os alunos participaram daleitura.
Terminando a leitura, a professora relembrou os alunos questões referentes à estrutura
de um poema, conteúdo que, segundo ela, começou a ser explorado na semana anterior:“Cada
linha é um verso. Um montinho
de verso é uma estrofe.” Questionou as crianças a respeito das
rimas do poema em estudo: “Existe rima nessa poesia? A palavra GENTE rima com oquê?”
Os alunos responderam que a palavra PARENTE rima com a palavra GENTE. Aprofessora
pintou com giz de quadro a palavra GENTE e PARENTE para frisar a rima presente nasduas
palavras.
Depois da explicação a respeito das rimas, a professora pediu para cada fila ler uma
estrofe do poema estudado. Perguntou também se algum aluno gostaria de ler o poema
sozinho. Um aluno se manifestou. Observamos que os outros alunos ficaram instigadospara
ler também, mesmo os que ainda não sabiam. Quando o aluno lia errado algumapalavra, a
professora fazia correções em voz alta. A todo momento, a professora elogiava a leitura
realizada pelos alunos. Para finalizar essa etapa do trabalho, todos leram a últimaestrofe.
Quando terminou a leitura, a professora pediu para os alunos circularem a palavra
FAMÍLIA no texto colado no caderno e para registrarem com a escrita quantas vezesessa
palavra havia aparecido no texto. Depois de alguns minutos, a professora circulou amesma
palavra no texto escrito no papelógrafo colado no quadro, registrando-a sete vezes.
A atividade seguinte era pesquisar dez palavras que começassem com a letra F no livro
didático de História. Antes de os alunos iniciarem a pesquisa, a docente sinalizou noalfabeto
a letra F. No momento da escrita, a professora caminhou pela sala e se sentou ao lado de
alguns alunos com dificuldade de leitura e escrita e os auxiliou na pesquisa. Esse auxílio
acontecia da seguinte maneira: a professora selecionava páginas que tivessem palavrasque se
iniciavam com a letra F e deixava o aluno encontrar a palavra sem a sua ajuda. Namaioria das
vezes, esses alunos registravam somente palavras escritas com letras em “caixa alta”.
Verificamos a falta de registro no quadro pela professora de algumas palavras
encontradas pelos alunos.
Depois do intervalo, a professora trabalhou com conteúdos de Matemática, registrando
a seguinte frase para os alunos copiarem:
ENTRE MUITAS COISAS QUE FAZEM AS FAMÍLIAS SEREM DIFERENTES.
ESTÁ A DIFERENÇA ENTRE AS QUANTIDADES NO NÚMERO DE PESSOAS.
A professora me explicou que os alunos realizariam atividades de matemática para
fixar o conteúdo. A docente questionou os alunos sobre as diferenças físicas entre as
personagens Emília e Visconde de Sabugosa do Sítio do Picapau Amarelo. Segundo ela,o
objetivo era enfatizar a diferença, com foco nas subtrações. Ela desenhou no quadro osinal de
subtração (–) para exemplificar que esse sinal simbolizava a diferença.
Ela explicou que uma das diferenças entre as famílias é o número de pessoas que a
compõe. Utilizou operações de subtração para fixar essa diferença. A seguir, entregoupalitos
de sorvete para os alunos e registrou no quadro o seguinte problema:
A FAMÍLIA DE JOÃO TEM 8 PESSOAS. A DA MARIA TEM 2 PESSOAS. QUAL
É A DIFERENÇA ENTRE AS FAMÍLIAS?
Enquanto os alunos copiavam o problema no caderno, a professora realizava algumas
perguntas para auxiliá-los, tais como: “Qual família é maior? Se eu tenho 2 palitos,preciso
completar 8, quantos palitos faltam? Uma família tem 8 pessoas, a outra tem 2 pessoas,qual a
diferença entre as duas?”
Primeiro, ela deixou os alunos tentarem resolver o problema. Diante da dificuldade,
colou na lousa os palitos de sorvete, representando cada família com uma cor:
FAMÍLIA DO JOÃO I I I I I I I I
FAMÍLIA DA MARIA I I
Diante da representação, questionou: “Olhem para o desenho. Quantas pessoas faltam
para a família da Maria ficar igual à do João?”. Por meio do desenho, os alunosconseguiram
perceber a diferença entre as famílias. Registraram os desenhos e a resposta doproblema no
caderno. Observamos aqui a importância do desenho como forma de representação da
linguagem matemática.
É oportuno enfatizar que, a nosso ver, as atividades aqui relatadas, contemplam as
especificidades dos processos de alfabetização e letramento. Acreditamos que, por meiode
um gênero textual – o poema –, a professora explorou algumas estratégias queenvolvem os
dois processos. Quando questionou os alunos a respeito de práticas de leitura de textos
poéticos realizadas em família – cuja resposta negativa já era esperada –, a professoramostrou
que esse gênero textual não pertence apenas ao ambiente escolar, podendo ser lido,inclusive,
em casa com a família. Consideramos que, para evidenciar ainda mais esse fato, elapoderia
ter solicitado às crianças para que lessem para seus pais o poema em estudo,promovendo,
dessa forma, além do letramento de seus alunos, o de seus familiares. O processo de
alfabetização foi estimulado nos momentos em que a letra inicial da palavra FAMÍLIAfoi
explorada, as rimas foram encontradas, a estrutura do texto foi analisada.
A professora trabalhou o mesmo conteúdo com a linguagem matemática, tornando a
atividade prazerosa e compreensiva, pois dados da vida dos alunos compunham osproblemas
propostos.
Percebemos intensa participação das crianças na realização das atividades relatadas
nesse item – diferentemente das apresentadas nos itens anteriores – o que, para nós,pode ser
um indício de que a alfabetização estava acontecendo em um contexto de letramento,apesar
de suas especificidades. É por isso que Soares (2004b) afirma que os professoresprecisam ter
clareza do que significa alfabetizar e letrar para promover atividades diversificadas no
contexto escolar e, consequentemente, alfabetizar e letrar.
4. Considerações finais
As questões aqui enfocadas salientam a importância de conhecer as especificidades
dos processos de alfabetização e letramento para que, de fato, os alunos, por meio dediversas
e diferentes estratégias utilizadas pelos professores, aprendam a ler, escrever ecompreendam
os usos e as funções sociais da escrita. Vivemos em um mundo marcado pela escrita,isto é, a
todo momento, estamos em situações de letramento, as quais, muitas vezes, exigem queo
sujeito conheça e saiba usar o código escrito para assumir diversos papéis que asociedade
exige.
Na tangente da discussão, é possível ressaltar que práticas de letramento nem sempre
chegam aos alunos por meio de textos impressos, mas por meio da imagem da televisão,de
um desenho animado, de uma história contada, ou seja, a criança também pode, comessas
práticas letradas assistemáticas e não intencionais, se apropriar de conhecimentosnecessários
à produção da escrita. Porém, dentro do ambiente escolar, as práticas de alfabetização e
letramento devem ser sistematizadas e intencionais. Diante do quadro apontado porSoares
(2004b) a respeito da necessidade de reinventar a alfabetização sem secundarizar o
letramento, avalio como necessário aprofundar meus estudos sobre essa temática, bemcomo
enriquecer com esse conteúdo a formação de professores para atuar na etapa inicial doensino
fundamental.
Por fim, ressaltamos a satisfação em realizar este estudo pelo fato de ter contribuído
para minha formação como professora alfabetizadora, no sentido de que suscitou a
compreensão de que os processos de alfabetização e letramento são indissociáveis. Poressa
razão, minha prática e a dos demais professores devem ser dotadas de estratégias ricasem
sistematicidade e intencionalidade para que nossos alunos possam compreender ocódigo
escrito e saibam utilizá-lo em diversos contextos sociais.
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